Você está na página 1de 6

1

GESTÃO PÚBLICA, TEORIA DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL:


REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA HABERMASIANA

Dayane Gomes1

1. Introdução

A administração pública contemporânea vem passando por inúmeras


modificações, numa tentativa de ampliação da democracia. Especialmente após os anos
1970, a teoria democrática está desenvolvendo uma maior preocupação com o elemento
argumentativo no processo de decisão política. Trata-se da procura por uma maior e
mais efetiva participação da sociedade na gestão pública. Surge um novo contexto
participativo assinalado pela busca da ampliação de espaços de gestão partilhada das
políticas públicas, um novo modo de relação entre Estado e Sociedade civil.
Há uma maximização dos ideais da participação popular nas diferentes esferas
sociais. Crescem os espaços coletivos de busca por direitos e reconhecimentos.
Emergem novas experiências sobre soberania popular. No Brasil, por exemplo, as mais
diversas experiências de Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos ganham
destaque nas mais distintas conjunturas. Trata-se de um novo panorama democrático
que possibilitou o aparecimento de novas maneiras de olhar o discurso teórico
democrático.

E foi neste contexto de reconfiguração social que ganhou relevância a teoria


deliberativa desenvolvida, sobretudo, a partir dos escritos de Jürgen Habermas, e que se
constitui como uma tentativa de superar os limites das teorias democráticas
minimalistas/elitistas.
Ela advoga um modelo de decisão política marcado pela discussão via esfera
pública das questões de interesse coletivo, onde se têm a formação racional da opinião
sobre temas importantes ao todo social. Essas decisões convertidas em resoluções
legislativas transformam o poder originado na esfera comunicativa em um poder que
pode ser aplicável administrativamente.
Logo é pela deliberação pública de cidadãos iguais que as decisões políticas
ganham legitimidade. Essa contribui para construção de um poder político ancorado na
vontade democrática da sociedade, dando a esta maior grau de participação efetiva no
jogo político.
1
Artigo apresentado ao professor Artur Perrusi, a título de avaliação da disciplina Teoria Sociológica II.
2

Este artigo propõe-se a apresentar o modelo de democracia deliberativa


habermasiana, expondo alguns de seus impasses e limites. Para tanto, divide-se em três
seções, além dessa parte introdutória. A primeira parte relata em resumo a trajetória do
pensamento democrático, desde sua concepção decisionística à deliberativa; num
segundo momento descreve-se a democracia habermasiana a partir de dois conceitos
centrais ao seu entendimento, o de esfera pública e sociedade civil; na terceira seção
apresentam-se alguns possíveis impasses do modelo deliberativo; Por último são tecidas
algumas considerações finais.

2. Do modelo decisionístico de democracia ao deliberativo

A relação entre a prática democrática e o processo deliberativo tem sido tratada


de duas diferentes formas pela teoria democrática. Enquanto autores como Rousseau,
Schumpeter e Hawls, priorizam o aspecto decisório do processo deliberativo,
entendendo este como o momento no qual a tomada de decisão ocorre, há os que, a
exemplo central de Habermas, atribuem maior peso ao elemento argumentativo, numa
percepção de deliberação como procedimento no qual agentes sociais julgam as razões
envolvidas numa determinada questão. (AVRITZER, 2000)

Sobretudo a partir da década de 1970 a teoria democrática tem atribuído maior


peso a argumentação no processo de deliberação política, tendo-se uma passagem de um
conceito decisionístico para um conceito argumentativo de deliberação, “o que significa
o questionamento da centralidade do momento decisório no processo de deliberação e a
atenção ao momento argumentativo” (COSTA, 2009, p. 3)

2.1 Modelo decisionístico de democracia

Autores como Weber, Downs e Schumpeter priveligiam em suas análises o


aspecto decisório à discussão argumentativa na prática democrática.

Segundo Nóbrega Jr. (2004) Max Weber, ainda no início do século XX, revelou
seu ceticismo em relação à democracia, expressando em sua teoria traços de uma
concepção decisionística de democracia. Ele não acreditava na possibilidade efetiva de
debates constituídos por tradições culturais diferentes. Isto porque percebeu uma
3

tendência a pluralização cultural, o que traria sérios problemas ao viver democrático,


dada a dificuldade de se optar cientificamente por uma cultura em prol de outra. Por
outro lado, julgava que a burocratização administrativa não seria condizente com a
participação, nem tão pouco com a argumentação pública, antes se constituiria como um
obstáculo a complexificação da máquina pública.

Joseph Schumpeter, conforme retrata Avritzer (2000), solucionou o problema da


diferença cultural, reiterando-a para fora da política democrática. Ele também se mostra
contra formas públicas de discussão, numa redução da deliberação à eleição por meio do
voto de representantes políticos. Os elementos argumentativos da democracia são
descartados, já que para ele, devido à integração do homem comum à política e ao
fortalecimento dos meios de comunicação de massa, tais elementos foram
desaparecendo perdendo sua centralidade na democracia.

Antony Downs, por sua vez, acentuou elementos anti-deliberativos ao postular


que os indivíduos possuem preferências pré-formadas, relacionando estas com os
pressupostos políticos feitos pelas elites. Deste modo dar-se-ia de acordo com
predileções anteriormente constituídos.

Em síntese, esse elitismo democrático, conforme denominou Avritzer (2000),


fortemente difundido até a metade do século XX e recheado de desdobramentos
contemporâneos. Tem como base as idéias de que: a) a argumentação não consegue
solucionar diferenças culturais; b) há uma correlação entre administração pública não
participativa e burocracia racional eficiente; c) o processo eleitoral consiste na aferição
de predileções individuais anteriormente formadas.

2.2 Modelo argumentativo de democracia

A partir dos anos 1970 ganha fôlego na teoria democrática as idéias de Jürgen
Habermas, trazendo à tona a importância do debate público para esfera política. Ele
representa uma tradição da teoria social que rompe com o decisonismo e aprofunda e
aprofunda a idéia de argumentação, muito embora suas elaborações conceituais
apresentem certas variações ao longo de sua trajetória teórica.
4

A preocupação habermasiana com a inserção do debate argumentativo na


política, com o acolhimento da pluralidade humana nas decisões públicas, pode ser vista
em diversas obras suas, e em especial em “A transformação estrutural na esfera
pública”, em “Teoria da ação comunicativa” e em “A inclusão do outro”.

Já nesta primeira obra o autor revelou sua preocupação em criar

2.2 Modelo argumentativo de democracia

A partir dos anos 1970 ganha fôlego na teoria democrática as idéias de Jürgen
Habermas, trazendo a tona a importância do debate público para esfera política.

Parte-se aqui do pressuposto de que a democracia deliberativa constitui-se como


um modelo ou ideal de justificação do exercício do poder político pautado no debate
público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação. Diferente da
democracia representativa, caracterizada por conferir a legitimidade do processo
decisório ao resultado eleitoral, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das
decisões políticas advém de processos de discussão que, orientados pelos princípios da
inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem-comum,
conferem um reordenamento na lógica de poder tradicional.
A teoria deliberativa, cujo principal expoente é Jürgen Habermas constituiu-se
como uma tentativa de ocupar espaços vagos deixados palas outras interpretações do
processo democrático, em especial às concepções liberal e republicana.2

No tocante a dimensão política, por exemplo, enquanto a democracia liberal-


elitista elege o voto como motor central da legitimidade política ao invés do debate
público, subjugando o processo democrático apenas ao artifício eleitoral, e a teoria

2
Essa distinção pode ser lida em HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do outro- estudos de teoria política.
Edições Loyola, São Paulo, 2002.
5

republicana, ou participativa, numa tentativa de rearticulação entre os conceitos de


soberania popular e cidadania, tece um idealismo excessivo, vinculando diretamente o
processo democrático a virtudes de cidadãos guiados pelo interesse comum, a proposta
Habermasiana consiste em recuperar o ideal republicano de espaços participativos nos
quais o debate público contempla diferentes interesses e conflitos sociais, dando caráter
deliberativo à política, independentemente do cidadão virtuoso idealizado, ressaltando a
formação da vontade coletiva por meio da institucionalização de procedimentos
comunicativos.
Assim, a teoria deliberativa habermasiana une elementos dessas duas teorias
antecedentes, formando um tipo de procedimento ideal para tomada de decisões,
criando coesão interna entre os discursos e almejando um resultado justo e racional.
6

Você também pode gostar