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José Nunes Fernandes EDUCACAO MUSICAL E FAZER MUSICAL © SOM PRECEDE O SIMBOLO iS ea eae aducacto musical levando em cont o fazer tnusical © a8 metodg: Togias de Cnsing da musica mals divuigadas no seculo2cGorasilciras © qestungetss) mostanso que cuseca ‘representacion Cobietra G5 cducacto musical © que o som deve, tanto no fazer corto Schicaeio musical, preceder Ssitnbolo = escritas alternativas® esteve muito presente na drea da educagao musical no século XX. A literatura comprova isso, pois na primeira metade deste século as metodologias de ensino da misica ja enfatizavam a questao da eserita, seja na sua adogan, na sua nega- cdo ou no uso de notagGes alternativas. Com o surgimento das hovas grafias, ligadas 40 aparecimento da mi porfinea erudita, a notac4o convencional ganha uma simbolo; apropriada aos “novos” sons. Com isso, esses sons exigiam s com uma nova grafi nota¢do convencionat. Da mesma forma a educa¢ao musical tam- bem incorporou, em algumas préticas, aS novas grafias. Instala-se, neste fim de século, uma séric de questes relativas ap fazer musical © a escrita musical, seu uso na educacao, seu ensine e suc aprendizagem. Os curriculos e programas de m\ incluem obrigatoriamente aspectos notacionais convencionais, alternativos € novas grafias. A habilidade de ler e escrever, en muitos casos, significa que o sujeito esta alfabetizado musical- mente, o que permite uma completa e consciente participacao no fazer musical. Isso € contestado por muitos antistas © peda- BOOS. AE que ponto o fazer esta ligado a Notacdo Convencional? ica dita contem- , abolind-se, maitas ve: 1 Designamos escrita musical “convencional” a escrita com pautas, valores de ‘ei0, sinals de compasso, cinainiea, agigies © outros sinals, umn produro da musica Crudita europela ocidental 2 Eserita “alernariva™ se ref neste trabalho, 3 notagées musicals mediadorss, our seja, Usaclas antes da cacrita convencional: Inclatse aq! as cifras, notaGkO Sllabien, lerrus, numeros, repreyentacoes grificas, Palaveas © outros simbolos, Pitiray Aq. José Nunes Femandes (Qual fazer musical? Muitos “fazeres” musicais n4o utilizam a notagao, ou seja, grande parte da mtsica no mundo nao é grafada ¢ isso faz com que a notacio, nese caso, seja irrelevant. ‘Anotagio musical a imagem grifica andloga ao som musical que contém uma série de indicagoes (também visuais) para a execucdo. E, sem duvida, um campo muito vasto, tendo em vista sua complexidade tanto em termos de variacoes nacionais ou regionais como em termos temporais. A notacao musical esta ligada a sistemas formalizados de signos usados entre muisicos € a sistemas de memorizacao ¢ ensino da musica com silabas, Palavras ou frases, Cada sociedade desenvolveu, ou nao, um siste- Ima de escrita musical. Os poves que tiveram escrita da lingua falada (comunidades brancas, europeus) desenvolveram sistemas de escrita musical. No caso da Africa, por exemplo, as comuni- dades negras que nao desenvolveram sistemas de escrita da lingua hao construftam sistemas de escrita musical, mesmo tendo um complexe sistema de discurso musical. Com isso, um questionamento pode ser feito: existe interesse na notacdo musical para a educagdo musical? Muitos afirmam que nao, Pesquisadores como o inglés Paul Terry (1994:110) sao, Contrdrios & obrigacao da leitura cla notacao musical. O autor diz que cla “s6 tem valor para executantes especialistas que queiram passar grande parte de suas vidas profissionais estudando ou Interpretando a literatura musical existente” © que a notacdo musical esta tendo menor importancia hoje, com a gravacdo © © uso de recursos cletronicos e tecnologicos para 6 registro “direto” do som, com a nao intervengao dos simbolos visuais. Se a notagao hao € importante no ensino da masica, entdo, por que a notagdo foi ¢ € importante para o musica? Por que houve um processo historico de constituicdo da notacao musical? Por outro lado, na literatura, encontramos uma vasta quanti- dade de estudos que defendem e adotam notag6es alternativas, como elemento mediador para a notacdo convencional. Mas, em alguns casos, as escritas alternativas so complicadas e amplas, muitas vezes reforcam até uma dificuldade de passar para a escrita convencional. A escrita alternativa é muito defendida por indme- ras metodologias, pois o treinamento de maos?-ouvido-vista & iniciado e desenvolvido facilmente, preparando para o uso da notagaio convencional. Além disso, muitos autores mostram que a crianca deve, como na lingua falada — iniciar com signos auxi- liares — como foi na hist6ria da musica — pois havia uma impre~ Jo inicial seguida de uma apuracao dessa imprecisao, até chegar a padres precisos ¢ definidos. Isso ocorre também com a escrita da lingua falada pois ha © aumento de complexidade ‘em termos de precisdo (Azenha, 1993; Ferreiro, 1990). Aqui surge outra questao: a escrita alternativa é uma solucao mediadora ou um “distanciamento” da escrita convencional? Se a escrita da lin- gua falada pode ser comparada com a da misica, ¢ assim utilizar 05 mesmos mecanismos no ensino de sua escrita, por que tentar universalizar a escrita convencional se existem muitas escritas no mundo? “Como toda escrita, a notacao musical reflete a cultura geral do povo que a possui e est submetida a flutuacées ¢ vieis situdes do idioma ¢ da linguagem musical” (Pergamo, 1973:9). ‘Tratar a questao da escrita musical no ensino da musica envol- ‘ve um outro aspecto: como se deu 0 caso da escuta e sua relacao com a escrita na histéria da mdsica? Podemos comprovar que houve uma gradativa conquista do “espago” notacional ¢ muitas vezes a “l6gica descontinua da escrita” prevaleceu sobre a escuta (ufourt, 1997:9). No século XX a musica erudita européia ocidental inicia um processo de submissio do ouvido ac dominio do olhar. A escrita é limitadora pois “elimina todos os procedi- mentos naturais dentro ¢ fora de nés”, restando o “essencial, a relagdo perpetuamente estranha entre 6 possfvel ¢ 0 necessario” Gbidem). A escrita foi acumulando elementos constitutivos com, a historia. No século XII fixou-se as alturas, no século XIV — com, a Ars Nova — as duragGes, no século XVII, com 0 estilo Barroco, 0 timbres, no século XVIII, com © Classico, Amica, acentos, andamentos, modos de ataque ¢ de articulagao. No século XX ocorreu uma reformulagado completa do c6digo, primeiro com a musica serial e por ultimo com a misica para computador trazendo um “novo uso dos olhos” (Dufourt, 1997:18)*. Portanto, na historia da musica, do século XII até o final do século XIX, a notagao convencional se tormou mais © mais prescritiva, ou seja, a notacao convencional foi ficando cada vez mais detalhada. Isso. foi um reflexo do desejo dos compositores € regentes para terem um maior controle da execucdo © foi também causado pelo aumento da consciéncia das possibilidades expressivas dos pardmetros do som. Nos dias atuais novos sons novas técnicas de execucdo esto sendo empregadas pelos compositores ¢ inevi- tavelmente as notacdes seguem as tendéncias. Mas um ponto fundamental pode ser enfati ste momento. A apari¢ao da , na histéria da musica, posterior a pratica da © suas caracteristicas sempre dependeram das necessida- des expressivas do compositor/regente, das fontes sonoras e dos: materiais disponiveis para fazer 0 registro — marmore, papiro, seda, madeira, pergaminho, papel, disco, fita magnética, recursos: da informatica € outros. Jo ne A nova grafia empregada pela misica erudita contemporanea € apontada como sendo “sin6tica, mais direta e, por isso, mais simples abrindo amplas perspectivas na didatica musical”, pois favorece continuidade, j4 que a grafia convencional “procura 0 mais exato possivel, a nova grafia encerra © admite também o ambiguo deixando margem para multiplas solugGes € caminhos originais” (Widmer, 1972:137). As notag6es surgidas na segunda metade do século XX, segundo a sua complexidade, deixarao, surpresos 0s mtisicos do século XXT, pois mesmo ja existindo 4 Camtormostra que a Sacrita musical rematizagio da dissonfncia estava associada & cnitica dt Pitita/ 4S 50 José Nunes Fernandes uma grafia quase padrao é comum que cada compositor ainda crie notagoes prOprias (Antunes, 1989). Hoje esto vigentes tam-bém. tendéncias que motivam a ruptura com a notacdo conven-cional € acentua-se, cada ve , a “grafia musical polivalente, na qual tum mesmo signo pode significar coisas diversas e muito distintas, segundo os intérpretes ou segundo 0 estado de animo de um executante” (Pergamo, 1973:7). A notagiio convencional, portanto, encontra-se hoje junto com outras grafias que os compositores do século XX claboraram - notagao aleatGria, mista, polivalente © eletronica Com os novos meios de reproducao € registro® a notagao musical perdeu totalmente sua funcilo, se julgarmos que sua fun-cio é de registro. Walter Benjamin (1993) ja apontava o fato da reprodutibilidade técnica da obra de arte ~ que reflete na capaci- dade técnica mutante de reproduzir, disseminar © comercializar obras de arte — e David Harvey (1993) atualizando as idéias de Benjamin diz que hoje jf podemos falar em reprodutibilidade da obra de arte na era da reprodugdo cletronica dos bancos de dados. Diante do exposto podemos questionar: como a educacao musical tem se posicionado em relacto ao aspecto da escrita/ Ieitura musical? A questao da escrita no fazer musical, quando estd ligada ao ensino da misica, envolve um outro ponto funda- mental: a escrita musical no ensino da musica € um “ornamento” ou uma necessidade? © campo da educacao musical neste século foi desenvolvido, consideravelmente em termos de pesquisa © varios estudos da area da psicologia da musica e da sociologia da musica vicram contribuir tambem com 0 aspecto da escrita no ensino da miisica Nos tiltimos trinta anos o campo da pesquisa em educacao musical tem analisado © conhecimento tonal, as caracteristicas ritmicas, as habilidades de leitura dos simbolos musicais, a execu- cdo instrumental ou canto, a audicao ¢ @ criagao em criangas, jovens ¢ adultos. Algumas pesquisas que se relacionam a escrita musical tm mostrado os efeitos da notacao musical nas abilidades auditivas. F comprovado q\ faixa etdria, diferente dos pequenos, ocorre uma melhoria na habilidade de reconhecer variacdes de temas melédicos quando, os alunos usam a notagio musical (Sink, 1992:604). “A musica, como a lingua, € grafada visualmente na forma de simbolos escri- tos que agem Como fatores mnemOnicos para a acao fisica neces~ saria na producao de sons mu: ou Falados” (Walter, 1992:344). Os sfmbolos visuais no so sons, mas sua esséncia reside na sua interpretacdo. A interpretacao implica na existéncia de uma notacao simbélica a ser interpretada. A questo da interpretacao, da escrita tem pouca importancia fora da tradicao musical européia, por exemplo, onde a miisica € transmitida de memGria © executada de geragao em geracao. A criatividade € entao patrocinada pela exploracéio do som e nao pela notagao do som. e com alunos de maior 5. A reproducio técnica do som teve inicio no fim do século passado. Algumas outras pesquisas que envolvem a notagao mostram aspectos da apreenstio de ritmos e melodias. Bamberger (1990) € Frey-Streiff 1990) comprovam um desenvolvimento da notacado em criangas € adultos leigos. Para a primeira autora aos 9 anos a crianga ja mostra desenvolvimento de notagdes, espontaneas, dos mesmos tipos criados por adultos sem conhecimento musical, sendo portanto natural este desenvolvimento. A autora considera a existéncia de trés tipos de notacao ritmica garatujas, tipo figural € tipo métrico), comprovando que na representacao de ritmos o “sujeito apreende a centrar, a diferenciar e a classificar propric- dades, a comparar eventos Separados no tempo”. Bamberger diz que a educacdo musical deve buscar métodos que estimulem os sujeitos a “projetar descricoes variadas e a passar de um modo de apreensio para outro”. Assim foi também na historia, impre- cisdo inicial e depois apuragao, e na escrita da Imgua falada. E, fundamental, portanto, que ‘a educac’o musical parta de representagOes diversas antes de iniciar 0 uso da notacdo convencional. Na pesquisa de Frey-Streiff as notaches foram feitas por criangas de melodias populares conhecidas, faceis © ja memorizadas, comprovando que, neste caso, em criangas de 7a 12anos a notacao se constroi mais pela estruturagdo das melodias no espaco sonore do que pela estruturacae no tempo, tanto no ivel da escuta como no da producio. A questo da escrita esta presente nas metodologias estran- geiras mais conhecidas, inauguradas no século XX°, Com a aproxt- macdio da educacado musical do ensino ativo (escola-novista) as metodologias passaram a exigir a pritica antes da leitura. A viven- cia © a consciéncia dos elementos estruturais da musica devia preceder a leitura de signos. Muitas dessas metodologias usavam, escritas alternativas, mas © consenso era de que a escrita conven- cional nao seria inicialmente usada, embora todos esses métodos utilizassem, em uma etapa posterior, a leitura convencional, Emile Jaques-Dalcroze, no inicio do século XX, jd mostrava a falta de vivéncia musical e a pura destreza de leitura nos miisicos © apontava, ao contrario, que a pratica era que deveria dar lugar @.uma grafia adequada, pela qual cada movimento corporal seria, entao, associado a um elemento do cédigo convencional. No caso de Carl Orff, a parte inicial de sua metodologia também nao. inclui o manejo da grafia musical, somente depois os signos so associados. A metodologia de Zoltan Kod4ly inicia com uma notagdo alternativa (letras para notas) e depois usa a pauta gradativa Cbigrama, trigrama, etc). A leitura s6 é feita a partir da pritica, do ja conhecido, do incorporado, em forma sélida. Para S. Suzuki a notacao musical nao deve ser usada até que a técnica instrumental seja adquirida, ou seja, as criancas inicialmente nao. aprendem a grafia musical, todas as musicas sao feitas “de ouvido”, por audicao e repeticéo. A musica criativa nas escolas, 6 Abordagens de Jaques-Daleroze, Orff, Kodaly, Suzuki © Paynter. No brasileiro as metodologias de Gomes JGnior, Villa Lobos, Si Pereira, Liddy Mignone, Gazzi de Sif e as abordagens chamacas de Oficina de Musica: Pliira/ S1 52 José Nunes Fernandes na abordagem de John Paynter, utiliza uma grafia propria ¢ também a notacdo tradicional, mas tudo depois da experimen-tacao e da prética envolvendo as propriedades sonoras. Paynter diz que a mitisica ndo pode ser representada unicamente por “bolinhas no papel”(escrita convencionaD. Somente quando a educacao auditiva as habilidades praticas estiverem vividas, experimentalmente, a crianca estara capacitada a manejar representacées grificas simples. E importante, portanto, enfatizar que as metodologias estrangeiras apontam que 0 aspecto Sonoro deve preceder a leitura de simbolos. No caso do Brasil isso tambem pode ser confirmado, pois desde o inicio do século XX as propostas metodoldgicas, as mais divulgadas, também considleram que a vivéncia deve ser anterior ao uso da leitura. Joao Gomes Junior (1915Y’ alimentava uma aprendizagem musi- cal que partisse de exercicios priticos, a experiéncia musical direta, dé onde deduziam-se a teoria e a escrita. Ele inicia a nota~ ‘edo, sem cifra, com a escrita convencional. A énfase € dada sempre ho sentimento e na vivéncia antes de associar os sinais visuais. Para Heitor Villa-Lobos (1937) que iniciou sua metodologia em 1932 e a designava por Canto Orfednico, a educacao musical se baseia no canto coletivo acompanhado de nocées teéricas, em todos 08 niveis, incluindo a notac’o convencional (elementos grificos) e, obrigatoriamente, a e6pia. Como Gomes Juinior, Villa- Lobos utilizava a manossolfa. Villa-Lobos usou também notacoes geradas de contornos paisagisticos, mas isso ndo fez parte da metodologia usada pela maioria dos alunos em cerca de 68 cidades (Manso, 1985). A Iniciagado Musical, metodologia contempordnea do Canto Orfednico, deve ser pensada em termos de duas abordagens. A primeira, a abordagem de S4 Pereira e, a segunda, a de Liddy Mignone. Sd Pereira incluia no segundo ano de curso a aj dizagem da leitura de simbolos, mas tudo cra sentido e vivenciado antes de conhecer os sinais graficos. O autor diz, que devemos evitar “simbolos, abstracées, teorias, definicoes” ¢ trabalhar, ao contrario, “a intuicao sensivel € a motivacdo intrinseca”, enfatiz do, ainda, que antes do simbolo deveria haver conhecimento € experimentacaio do fendmeno sonore a ser representado. O inicio das atividades com sfmbolos estado ligadas ao jogo de “tacos proporcionais”, depois a leitura convencional ¢ iniciada, chegan- do a usar pauta de onze linhas, sempre inicialmente sem claves. Aleitura ¢ feita a partir de tudadas ¢ os ditados reforcam, a aprendizagem da notagao (Pereira, 1937:83), Na abordagem da Iniciacao Musical vista por Liddy Mignone (1961) no comeco nao se utiliza a leitura. A fase inicial deve ser absolutamente pratica, baseada em cangocs, jogos livres, depois jogos com regras c, por tltimo, com a inclusdo de simbolos e 7 Jollo Gomes Jénior foi. a primeiro pensadlor da corrente escolanovista-musical Wo Rata dentro das ideias dalerozianas, que empregava em Sao Paulo, desde TSiole Camo Orfconico, sendo © pionciro, segundo Rosa Paks (99D. conceitos. Na abordagem da autora a etapa final, chamada de “trabalho musical”, envolvia a bandinha ritmica com leitura. Para a antom, a vivéncia pela intuicdo e ac4o expressiva prepara a compreensao dos sfmbolos. Uma outra metodologia de musicalizacao brasileira conhecida € a de Gazzi de Sa que usa um tipo de notacdo alternativa chamada de “simplificag4o grafica inicial” (S4, 1993:18). Os sinais utilizados para os ritmos sao hastes com barras superiores e para ‘0s sons usa-se os ntimeros com os graus da escala. Gazzi também utiliza uma “silabacdo especifica” que determina a unidade © as divisdes. Os elementos “som e ritmo” s40 justapostos para efeito de Icitura empregando-se a pauta gradativa, iniciando-se com uma linha, para visualizar a altura, sem uso de claves. Paulati- namente a metodologia passa das’ notagées alternativas para a notagao convencional. Nas abordagens metodolégicas brasileiras chamadas de laborat6rio de som ou de oficinas de mtisica, a nota¢4o musical também esté presente (Fernandes, 1997). Depois de uma fase inicial o aluno comeca a fazer uma notac4o que nao é ainda a notacdo convencional. Nessa notacao ha geralmente proporcao do som ao espaco grafico. Quanto maior for 0 espaco grafico ocupado, mais longo, € quanto menor a duragdo, menor espaco € ocupado, quanto mais agudo, mais alto ele € escrito, O trabalho com grafias, muitas vezes baseadas na experimentagao € criadas pelos alunos, proporciona uma certa facilidade ao trabalho com a grafia convencional, pois usa a notacdo grafica, que € relativa. A oficina usa a notacao dos trabalhos que os alunos criam € a notacao musical existente, que inclui tanto a convencional quanto a contempordnea. Logo a partir dos primeiros trabalhos de estruturacdo os alunos grafam as idéias no papel, para que outras pessoas possam realiza-las. Existe neste momento uma verificagao imediata da eficacia da notagao, através da leitura por outras equipes, com a reelaboracao necessaria para aprender os principios da autonomia da notagao (Silva, 1983). Cabe aqui apontar que tanto nas metodologias estrangeiras comentadas como nas brasileiras © aspecto da leitura/escrita, © uso dle notag6es, aparece, obrigatoriamente, depois da vivéncia e exploragao intuitivas, para a tomada de consciéncia conceitual € somente depois os aspectos graficos sao inseridos. Isso nao implica em anular a representacao. A pedagogia musical tem apontado que a notacao refere-se a diferentes tipos de expressao escrita dos elementos musicais. Outros tipos de representacao Gnovimentos, sinais manuais ou com os bragos, cores, desenhos) podem ser utilizados. No infcio objetos tridimensionais podem ser usados para representar sons ou padriio sonoro. A notagao progrediré de uma notacdo grafica relativa, mas j4 com 0 inicio de diferenciagao, sendo comum 0 uso de cores € outros desenhos para simbolizar diferentes timbres, para uma notacao absoluta, com altura exata, dindmica, tempo, duracao, ou outros tipos de notacGes tais como cifras ¢ escritas novas. Recomenda-se também ‘© uso dos sinais manuais Gmanossolfa). A habilidade de leitura é PlGFA/ 53 Be José Nunes Fernandes fundamental para o fazer musical* ¢ € uma habilidade muito relevante para o ensino da musica, mas o som deve preceder 0 Simbolo, Fica sem sentido iniciar a experiéncia musical de um. Teigo negando os aspectos perceptivos e as habilidades ¢ cenfatizando a leitura de eddigos visuais Um ponto central no ensino da musica com criangas do nivel primario, seis aos dez anos, € que muitas misicas, possivelmente todas, podem e devem ser ensinadas efetivamente Sem se recorrer A notacado convencional, nao existem razdes pedagégicas para inclutla no processo. A notacao deve ser usada, simplesmente, como recurso de registro de uma cancdo, uma criacio ou uma idgia musical a ser explorada. A notacdo, portanto, 86 poderd ser usada de forma apropriada, por exemplo, depois de um ‘experimento com sons longos € curtos escolhe-se uma forma de registrar, Isso reforga os conceitos que estéio sendo, ou foram explorados. A relacao entre mt simbolo visual é interessante © ambigua. A notacao, como as palavras, 36 comportara alguns laspectos da musica. Mas esta relacao, como na musica ¢ na fala, podem ser desenvolvidas através de atividades € processos Composicionais, com © uso de “figuras sonoras” (Mills, 1995)", pois clas ajudam com o estabelecimento dessas relacoe: Existem muitas relacoes posstveis entre a misica ¢ 0 simbolo © 08 professores devem ter certeza de que seus alunos esto conscientes dessas relag6es. Muitos autores afirmam que cas devem aprender a notacdo convencional junto com © estudo Geum instrumento. Mas isso somente deve ocorrer se as criancas estiverem prontas para ler musica (Mills, 1995). Quando as Griancas esto prontas para ler a notagdo convencional? Depende do curriculo/programa da escola, da experiéncia musical fora da escola ¢ do desenvolvimento musical de cada uma. Muitos curnculos © programas sugerem que a notagiio deve partir de Erdficos, sinais, ilustragdes, desenhos e simbolos convencionais [em experiéncias que se possa relacionar som simbolo. Hoje ja se fala em associar a leitura, obrigatoriamente, a um passado experiencial cm termos de criacdo, apreciacio © execugdo sem notagdo, ou seja, é necessdria uma experiencia pritica anterior sem 6 uso da notacdo, tocando de ouvide e por imitacao, compondo ¢ ouvindo outras obras. Exccutar ou compor lendo é sé uma maneira de executar ou de compor. Apreciar lendo ou escrevendo uma partitura € apenas uma das maneiras de apreciar. Muitos autores most! crianca que somente execute/componha/aprecic dessa forma esta musicalmente privada. 7m que U ‘Além disso, mais do que a habilidade de ler partituras, a impro- ) € a composigao devem ser desenvolvidas desde as spectos resultam no seu registro e as idéias ‘eeudlto © em muitos “fazeres’ relacionados &i musica popular. 9 A autora diz que as “figuras son frificos, desenos, ete, alternatives. entacoes feitas com tinhas, ras” so repres principais da improvisac4o, como as composicoes, podem e devem ser grafadas no papel. Janet Nicolls (1991), analisando 0 aspecto da aquisicao da linguagem musical, mostra que os traba-lhos escritos facilitam © aprendizado. A autora recomenda que isso seja feito através da criacdo de mtisicas escritas: (a) para celebracoes Gnacionais, histéricas, religiosas e domésticas - dias dos pais, das maes, aniversdrios), (b) para representacao de “esta-clos de espitito” gerados a partir de estimulos visuais (Impressio-nistas Franceses, obras de Paul Klee, cart6cs, fotos, cenas), que possam ser traduzidos, om, (para O movimento Gmelodias para marchar, salvar, escorregar, andar, dancar, saltitar), (d) para a téeniea eserever 05 préprios estudos técnicos), (e) com técnicas de composi¢ao (escrever pecas com os elementos basicos), CD que envolvam sintaxe musical sentido dado a uma execucad usando elementos para a expressao). A escrita estimula a imagina-cao em posteriores desenvolvimento os trabalhos de escrita so uma fonte de prazer para os alunos, envolvendo aspectos bisicos de comunicacao, is, além da confirmagao & expressiio € uso dos elementos mu: reforco da formagao de conceitos. Estudos da psicologia cognitiva musical mostram que se a fuéneia ling! ida ma Jamente com 0 frequente uso da linguagem", em termos de musica quer dizer que uma crianca que tenha vivéncias musicais com instrumentos musicais tradicionais tera mais facilidade € maior desenvolvimento no uso © aprendizagem da notacao musical convencional. Criangas que vem de familias que fazem parte das tradi¢bes orais (folclore & praticas afro-americanas) acharao a notacao convencional alien gena e irrelevante. A notacdo, porém, pode ser mot na linguagem falada, fazendo com que sejam envolvidos 6s aspe tos de comunicagao, integracdo € expressao. A questao da escrita na educacao musical em escolas regulares de comunidades onde as priticas musicais geralmente nao utilizam a escrita musical & ratada pelos tedricos como um aspecto gradativo de uso da representacdo dos elementos estruturais. éadq Na drea da aquisicao da linguagem musical a proposta de Cecilia Conde (1978) enfatiza que 0 uso da musica do povo na educagao implica, no aspecto da estruturagao da linguagem musical, primciro 0 aspecto prittico — a organizacdo, a experimen- taco e a pesquisa do material sonore — para depois abranger o aspecto da representag4lo, primeiro corporal e em seguida a representacdo escrita. No aspecto que se refere a escrita musical a autora sugere primciro o cstabclecimento de um “grafico para realizag6es sonoras individuais ¢/ou grupais” ¢ a criacao de “composicoes plasticas e/ou corporais”, para, somente depois “criar partituras utilizando grafias experimentais ¢/ou tradicionais’ (Conde, 1978:60-1). 10 Quanto a este aspecto Sloboda (1985) aponta as semelhancas essenciais entre a Tinguagiem falacia © a miisica, comprovando que existe um paralclo entre a Obra de Chomsky ~ um «os maiores estudiosos da lingistica “ea de Schenker, sobre Ss masiea Pliiray ada, como 56 Nunes Fernandes Je Portanto, a escrita tem ndo s6 a funcdo de registro, j4 que os novos meios de registro permitem maior alcance, mas © aspecto da representacao é fundamental na educacao musical, sendo que uma das maneiras de representacao € através de simbolos visuais. Nao devemos ignorar a notagao, contudo os sistemas de nota¢4o, Sao apenas mecanisiios de fixacao dos sons cm alguma forma visual. O sistema de notacao convencional em termos educacio- nais é, em alguns casos, exigido em nivel de programas © curriculos, sendo raro quando isto ndo corre. Muitos autores: levantam a questao de que a notacdo afeta o desenvolvimento da musicalidade dos alunos. Isso ndo acontece caso 0 som, @ vivéncia sonora, seja anterior a0 uso dos simbolos. Mas, muitas vezes, hd negacdo do que nao é crudito © isso faz com que se deixe de lade, ou se desvalorize, outras culturas que nado fazem. parte da tradicao erudita. Este problema nao deve ser desenvol- vido aqui. © ponto central, entio, é que, mesmo nas culturas ditas populares, quando falamos da educacao musical escolar, a grafia tera lugar no programa, j4 que o aspecto da representacio € fundamental. O problema, entio, 6 que a pratica sonora deve preceder 0 uso dos simbolos visuais, pois a notag4o € 0 servente visual de um fendmeno auditivo. Mesmo concordando com a utilidade € as fung6es do uso da notacao musical posterior a vivéncia, pois € um fendmeno de representacdo valido, muitos autores ¢ mUsicos afirmam que é aparente o conceito de “liberdade” da musica improvisada c que também visivel a concomitante “rigidez” da musica escrita. E: problemas néo sao relatives A discussdo aqui instalada mas de necessério conhecimento para uma posterior discussao. © ponto culminante desta “obra” é, portanto, 0 pressupesto de que 0 som deve preceder 0 simbolo, seja ele qual for. A “coda”, desta obra, € que o uso de representagdes deve ser objetivo da educacao musical. No caso da insisténcia da adocdo, por muitas universidades € institutos, da notacdo musical convencional, devido ao tradicional valor da literatura musical escrita, € evidente que nossos alunos esto, nes 0, criando exchisivamente estruturas de registro do passado e nao do presente ¢ do futuro. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANTUNES, Jorge. 1989). 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