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BIBlIOTECONOMIA COMPARADA
UMA REVISAo CRfTlCA

ANTONIO MIRANDA
Chefe do Departamento de Ensino lt Pesquisa
CNPq/IBICT Presidente da FIO/ClA
(1981 -1984)

INTRODUÇÃO

O que diferencia, na sua essência, a bibJiotecoIlornia brasileira


da que se teoriza ou é praticada em outras latitudes? Existe - real.
mente -, uma biblioteconomia brasileira ou seria mais correto deno-
miná-la "biblioteconomia no Brasil"?
Nlio abundam, entre nós, estudos heurísticos ou filosóficos so-
bre as características e os fundamentos de nossa profissão, tal como
ela se desenvolveu no Brasil. A explicação dessa quase absoluta au-
sência de estudos interpretativos e avaliativos talvez seja a de que os
profissionais bibliotecários estão mais voltados para as tarefas or-
dinárias e pouco interessados nas razões e explicações dos fenôme-
nos. Estariam mais devotados à aprendizagem do "como fazer" do
que ao "porquê" das técnicas e metodologias que aprenderam. As
origens dessa aparente apatia pelas causas e hipóteses, razões e teo-
rias, poderiam ser encontradas também no próprio ensino ministra-
t do nas escolas (que se limita à transmissão de "técnicas e normas
processualísticas e de mecânicas operacionais" sem questionamen-
to) e na "tradiçlio" que esse ensino imediatista criou. isto é. a falsa
dicotomia entre arte e ciência.
Em verdade, só recentemente começam tais assuntos a moti-
var os nossos pesquisadores e suscitar o interesse do público. A exis-
Não existe um consenso, a nível internacional, quanto ao que
tencia de cursos de pós·sraduaçlo nu Ú'ea ele Biblioteconomia e é e o que não é um estudo comparado, assim como são discordantes
Ciancia da Informaçlo vem promovendo estudos mais avaliativos as definições de diferentes autores quanto às funções e objetivos da
e críticos, embora muitas dessas teses produzidas ainda se restrin· Biblioteconomia Comparada.
jam ao nível descritivo, desde uma perspectiva meramente estatís· Divergências à parte, o ensino de Biblioteconomia Comparada
tica, fechada em si mesma. iniCIou-se no Brasil através dos cursos de mestrado da UFMG, da
Verdadeiras pesquisas, com a formulaçlo e comprovaçlo de UnB e da PUC/Campinas e alguma literatura especializada começa
hipóteses e teorias, com demonstraçlo ou refutaçlo de axiomu. a ser produzida e consumida.
diasnosticando situaçOes e descobrindo caulU e explicando os seus O presente ensaio pretende levantar as principais questões
efeitos, nlo slo freqUentes e surgirlo apenu quando tivermos ver· quanto às definições, amplitude e utilidade da Biblioteconomia Com-
dadeiru equipes interdisciplinares devotadas à pesquisa. ou quando
parada assim como suscitar a discussão sobre a função que ela pode
a investigaçlo individual atingir o nível de doutorado. desempenhar no processo de.planejamento e administração de biblio-
tecas e sistemas de informação em geral e no processo decisório de
Sem dl1vida, vários autores recentes vem questionando as bases
importação de tecnologia informacional em particular.
de nossa profisslo à luz de nossa própria realidade histórica e social.
O Professor Antonio Agenor Briquet de Lemos pesquisa os funda·
mentos sociais de biblioteconomia no Brasil, tal como ela se desen·
volveu entre nós, e o Prêmio MEC de Biblioteconomia e Documenta· OS ESTUDOS COMPARADOS
910 de 1978 coube ao Professor Edson Nery da Fonseca pela sua E A BIBLlOTECONOMIA COMPARADA
obra "A Biblioteconomia Brasileira no Contexto Mundial".
A Biblioteconomia Comparada ingressa no País pelas suas ver· São freqüentes, desde o século passado, os estudos compara-
tentes mais conhecidas: pelos estudos históricos (o livro do Prof. dos em outras áreas do conhecimento (Anatomia Comparada, Direi.
Nery da Fonseca (12) é o melhor exemplo) e pelas análises de dados to Comparado, Sociologia Comparada, etc.), embora os seus funda-
de um conjunto de bibliotecas, na tentativa de extrair as suas carac- mentos sejam bem mais antigos, sobretudo nas disciplinas históricas,
terísticas comuns e diferenciais (a tese de Milton A. Nocetti (21) é onde as origens remontam à era greco-Iatina.
um exemplo típico). Uma metodologia científica, no entanto, somente se desenvol-
Caberia, a estas alturas, indagar se tais estudos se circunscre- ve nos últimos duzentos anos, e só mais recentemente se cristalizam
vem ou não nos limites naturais do que se convenciQnou chamar, as denominadas disciplinas comparadas com o rigor metodológico
mtomAeiooll1monto, do "bibUottoOnomill OomPUllàll", 01 IlUtOrtl próprio.
oitlldol (Ntl')' di PonMell (I NootUI), 1m nlnbum momtnto Mpro- Poder-se-ia afirmar, um tanto arbitrariamente, que a compara-
pUllrlm A rtllllllÇlo do 'Itudol oompulldol, 01 rtlultlldol, pon1m ção está na base de todo processo crítico e interpretativo mas que
• mál pllu ooooluIl'Jt1 I qUI oDtlUIm do qUI ptlo tndtodo qUI somente a existência de um método diferenciaria um trabalho me-
tmprtprlm - Morllntlm no .nUdo Iludido, qull Mljll, ô dt mtor· ramente "comparativo" de outro especificamente "comparado".
prttu I nOl.. blbUotloonomllll oUllotlrll4-11llm I\IllldtnUdlldt IX- No primeiro caso ("comparativo"), com conotações objetivas, se
olul1va. caracterizariam os estudos menos sistemáticos, mais de natureza
Sm OUUOl lltudol fortemente, oomPUlltivoS Zandooade (26) especulativa e intuitiva. No segundo caso ("comparado"), em seno
F.mandes (10) onde o mdtodo foi 1I"lido mais de perto, os rotul· tido substantivo, entrariam os estudos onde são aplicadas as técni-
tldoa do ele natureza mais descritiva do que avaltativos, no relativo cas de justaposição/interpretação intercultural de dados. Na prá-
l interpretaçlo intercuitura! das realidades nacionais, embora te· tica, não é o método que garante (embora possibilite) o resultado de
nham o mlfrito do pioneirismo.

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I11 uma pesquisa, haja vista os exemplos dos trabalhos de Nery da Fon-
,II
seca e Nocetti.
1
a mesma variedade de soluções técnicas e teóricas das unidades de
I!,I
1'1'
S.:ja como for, é a formulação do método que vem caracteri- controle e disseminação da informação, deu lugar à necessidade dos
',
II! zando as diferentes disciplinas. estudos comparados na área de biblioteconomia.
III
1'1
I' De tal maneira assim é . como discutiremos mais adiante -, que Modernamente, administradores, legisladores e profissionais
III' alguns autores se perguntam se não seria mais correto chamar "Méto- em geral, estudam não somente a sua própria experiência mas tam-
I!I: do comparado de biblioteconomia" em vez de biblioteconomia com- bém (possíveis) fatores comuns e gerais de outros países que possam
III
, I
parada" como se pretende. facilitar o entendimento de sua própria realidade.
II,
i:1
A Biblioteconomia Comparada, no tocante aos métodos de No caso específico dos países subdesenvolvidos (em geral ex-
i'",l: pesquisa, tem muito a dever às demais disciplinas comparadas, mas -colônias e ainda dependentes de centros gravitacionais-cuIturais fora
:1: principalmente à Educação Comparada, razão por que discutiremos de suas fronteiras), os estudos comparados (na Educação em parti-
"

I"
esta última mais detalhadamente, a seguir. cular e, mais recentemente, na BiblioteconOmia) são promovidos
"

'"
"I
"I
para favorecer o ecletismo e evitar o excessivo apego ao "sistema
,"
'Ii EDUCAÇÃO COMPARADA E AS ORIGENS E RAZÕES DA BI- herdado" ou "importado", não apenas pelo eufemismo maior do
II': BLlOTECONOMIA COMPARADA desejo de "independência cultural" (pela falta de uma autên tica
tradição local), mas sobretudo pelo desejo de superar as implica-
Desde os pioneiros Matheus Arnold (Inglaterra) e Horace Mann ções econômicas que tal dependência suscita.
(EUA), no final da primeira metade do século passado, até os mais
recentes especialistas, subsistem duas aobrdagens básicas na Educa- As razões do desenvolvimento da Educação Comparada pri-
I ção Comparada, que podem ser aplicadas à Biblioteconomia Compa- meiro, e da Biblioteconomia-Comparada na atualidade, além da
I
rada. idéia do ecletismo e da definição de um produto nacionalista e an-
I ti·imperialista, perseguem outros objetivos. Entre eles, o de desen-
I
I A primeira, seria uma "abordagem filosófica", na tentativa de
volver uma "compreensão internacional" em vista das pressões ten-
entender a Educação (leia.se, alternativamente, Biblioteca) como um
dentes à internacionalização, provocadas pelo extraordinário avanço
processo dirigido, em qualquer lugar, em todos os tempos, pelos mes-
das comunicações, aproximando os povos e as nações, conforme os
mos princípios universais.
ideiais da "aldeia global" preconizados por McLuhan. Pretende-se
I A segunda, seria a "abordagem empírica ou científica", na ten- evitar o "unilateralismo", o nacionalismo xenófobo, o paroquialis-
tativa de observar como o processo da Educação funciona na prática. mo cultural exacerbado. Parte-se da premissa de que o internacio-
I
As duas abordagens são, em verdade, válidas conforme os pro- nalismo facilita o conhecimento e a compreensão de outros povos e
pósitos do estudo em questão e podem funcionar até de forma com· sistemas, para evitar preconceitos e simpatias extremadas e para ga-
plementar, embora os adeptos da primeira nem sempre se ajustem à rantir ao processo decisório de importação de tecnologia uma base
disciplina da segunda, e vice-versa. mais científica e menos subjetiva ou alienadora das realidades em
estudo.
Conseqüentemente, os estudos comparados parecem não es·
capar ao conflito maniqueísta entre a corrente de pensamento "ra-
cionalista/universalista" e a do "particularismo" de sistemas ou fe- A margem da liberdade para a realização de tais estudos é
estreita. Os estudos comparados requerem uma COoperação inter-
nômenos isolados no tempo e no espaço.
Dacional considerável na seleção dos temas em estudo, na coleta
Da mesma forma que a explosão da educação nos estados na- dos dados e na interpretação dos mesmos, assim como na avaliação
cionais provocou o desenvolvimento lógico de estudos comparados dos resultados. Não podemos esquecer a fatalidade da concorrén-
dos diferentes sistemas educacionais, a explosão da informação, com cia no plano internacional, o que torna difícil a interdependência
das partes, apesar dos apelos dos internacionalistas ferrenhos.

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Como, entro, atingir o objetivo supremo, qual seja o de aper.
, mndo dos melhores estudos comparados, realizados na área feiçoar a pmtica da biblioteconomia atrav's do aperfeiçoamento do
,(;ão, não está apenas a preocupação acadêmica e epis- .studo aiobal da própria biblioteconomia brasileira?
< a, mas sobretudo, a necessidade de estabelecer compara-
c'"~ resultados dos sistemas de educação e de como lograram Sem dl1vida aIauma, as reforma na Educaçro em vários países
'e wrminados resultados. No caso da Biblioteconomia Com- se devem às análises internas, mas tamMm pelos estudos das conquis-
t:i seria a causa fundamental, qual seja a de determinar as tas de outras nações. O desenvolvimento da biblioteconomia brasilei-
.ks e diferenças dos sistemas com os quais interagimos, ra ou do Brasil • conforme o Ansulo -, vai depender mais de estudos
'"" de decidir sabiamente nas ações da importação de tec- interculturais do que pura e simplesmente da emulação cega de mo-
J" 'u'''' Li implantação de novos serviços, etc., como para evitar delos estrangeiros ou de análises situacionais fechadas e intranscen.
!"speidício, a dependência, a repetição de erros já superados dentes.
13titudes. Os resultados desses estudos podem ser quantificados, e as
. .; ,;studos comparados possibilitam ao pesq~isador - e daí o comparações interculturais podem facilitar a tarefa de distJnauir o
,,;Uéf "teleológico -'a ."antevisão" de sistemas em planejamento que " universal e de permanente import4ncia daquilo que , ocasio-
,nálise de similàres bem sucedidos ou fracassados. Não sendo nal e circunstancial. Tal comparaçro nlo pode ser meramente quan-
.I, tldcio estéril de "futurologia", um estudo comparado pode titativa, mas, sobretudo, qualitativa, o que implica em uma escala de
>,' ao planejador uma visão de como deve funcionar o seu sistema valores complexa, compreendida no enfoque intercultural, como
graças à interpretação de um ou mais similares, quando for o caso. será discutido oportunamente.
Tais estudos começam a ser uma exigência dos governos nas Uma abordagem comparada, conforme a experi6ncia da Edu·
justificativas na hora da implantação de um novo serviço ou de im- caçlo Comparada, compreende quatro elementos básicos: a descri·
portação de experiência estrangeira, o que bem atesta o prestígio 910 do fenômeno em estudo, a sua explicaçlo, a previslo de um
que a pesquisa científica vem ganhando na área do planejamento ~3tema pelo conhecimento de seu(s) similar(es) e a apUcaçlo dos
e da administração de recursos. resultados da pesquisa no aperfeiçoamento do sistema em estudo.
Aqui, chegamos às bases pragmáticas e utilitárias do método no pIa-
Uma última razão do desenvolvimento da Educação Compa-
nejamento e na administração.
rada. baseia-se no conceito fIlosófico e sociológico da origem român-
tica.. na linha de Herden ou de Humboldt, que apregoa que cada Estudos comparados, no entanto, exigem requisitos de quem
cultura e cada nação, independentemente de seu estágio de desen- pesquisa e certas características mínimas no fenômeno a ser pesqui-
volvimento, é digna de estudo. Estudar a biblioteconomia do Pa- sado, sob pena de se chegar a resultados insatisfatórios. Os problemas
raguai pode resultar tão válido e útil quanto pesquisar e interpre- de método ainda nfo estão plenamente equacionados,. nem na Edu-
tar sistemas sofisticados e desenvolvidos, pois pode levar-nos a desco- cação Comparada, muito menos na Biblioteconomia Comparada, que
bertas surpreendentes, Esse ideal da democratização e igualitarismo segue os seus passos.
no pensamento contribui para os estudos comparados, como veremos Seja como for, uma aproximação é melhor do que a não-reali.
mais adiante. Z&Çlo, se queremos evitar o atualmente longo e tortuoso caminho do
A conseqüência de todo esse processo de levantamento/aná- progresso por "tentativa e erro"...
lise no planejamento/administração de sistemas educacionais parece
Conforme assinalam Sadler & Kandel com meridiana sapiência,
ser a aceitação de uma sistematização uniforme e uma centralização
"se compreendermos o esforço de interpretação do funcionamento
da administração da educação a nível nacional, No caso dos siste-
de sistemas de educação (leia-se, igualmente, "de informação") es-
mas de informação - que estão menos estruturados, no Brasil, do
trangeiros, tomar-nos-emos mais capazes para penetrar no espírito
que os de educação - a sistematização é ainda precária e a centrali-
e tradição do nosso próprio sistema nacional, tomar-nos-emos mais
zação inexistente, mesmo a nível de coordenação.

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<C"l
sensíveis e conseqüentemente mais críticos de nouos objetlvos e Infere·se, da defmição proposta por Danton (defmição que re.
ideais." Em outras palavras, poderemos aquilatar e precisar a pOli- sultou na síntese das defmições de outros autores por ele escruti.
çlo de "biblioteconomia braslleira no contexto mundial", como nados), que a Biblioteconornia Comparada é basicamente inter. i

preconiza Edson Nery da Fonseca. nacional, e que ela, deixando de ser provinciana e tímida, poderia
chegar a generalizações mais válidas que possibilitassem o surgi>-
mento de leis e princípios necessários ao desenvolvimento de umà
DAS DEFINIÇOES E DAS QUESTOES verdadeira "mosofia de Biblioteconornia".
DO INTERNACIONALISMO
Danton arrematou a sua defmição colocando em evidéncià "
l-

Um exaustivo estudo comparativo das diferentes definições de a necessidade de a nova stlbdisciplina basear-se em dados e do.
Biblioteconomia Comparada foi empreendido por J. Periam Danton cumentos, mediante o uso de métodos comparativos e sempre numa
(8), na obra "The Oirnension of Comparative ubrarlanahip". base "cross-societal", vale dizer, entre duas sociedades diferentes.
D.J. Foskett - que fora muito criticado por Danton - aparece em li-
Em língua portuguesa, a primeira síntese de definiçl5es foi feita
vro posterior defendendo-se com fma ironia, aclarando que tais di-
por André de Figueiredo (11), com anteced!ncia ao trabalho de J.
ferenciações "não devem ser tão diametralmente opostas como pa-
Periam Oanton. ra tornar a comparação impossível e nem tão semelhante como pa-
O especialista norte-americano coletou, em ordem cronol6- ra que a comparação seja inútil"...
gica, todas as defmições publicadas desde 1954, quando o termo
O livro de Danton, embora seja até agora o mais extraordiná-
"biblioteconomia comparada" foi cunhado por Chase Oane, até
rio intento de síntese, foi considerado por muitos como devastador
1972 (ano em que concluía a revislo de literatura), passando por
e, infelizmente, chegou a algumas conclusões contraditórias e de di-
Louis Shores, Anthony Thompson, Oorothy Anderson, Sylvia
fícil sustentação. Uma delas parece ter sido a incapacidade de Dan.
Sirnsova, O.J. Foskett, William Vernon Jakson e Lester Asheim,
ton de isolar plenamente a "Biblioteconomia Comparada" do que
entre outros. se convenciona identificar como "Biblioteconomia Internacional"
Em verdade, J. Periam Oanton compilou e classificou as de- pois o autor insiste na tecla de que a comparação só será válida quan.
finições no afII de determinar a sua terminologia e a amplitude da do exercitada sobre duas sociedades diferentes (embora admitindo
própria Biblioteconomia Comparada. Tal estudo o levou a duas pudesse ela ser feita, por exemplo, entre as comunicades de língua
aparentes distorções: primeiro, ao dar um enfoque enfaticamente francesa e inglesa do Canadá). Praticamente, ele não reconhece a
acadêmico à disciplina e, em segund~ lugar, ao ressaltar o aspecto possibilidade de uma comparação de técnicas em diferentes institui.
necessariamente internacional da Biblioteconomia Comparada. ções dentro de um mesmo país como parte da Biblioteconornia Com-
Segundo a compilação de Oanton, a Biblioteconomia Com- parada, embora esse tipo de comparação seja prática normal em ou-
parada seria: tras disciplinas comparadas da área das demais ciéncias.

a "análise de bibliotecas, sistemas de biblioteCtls, alguns O livro de Danton continua sendo fundamentaI para quem pre-
aspectos da biblioteconomia, ou problemas bibliot«d- tende iniciar-se nesse novo campo. Porém, uma reação aos seus
rios em dois ou mais ambientes nacionais, cu1tumis e pontos de vista não poderia deixar de surgir do outro lado do Atlân.
sociais, nOs termos de seus contextos a6cio-polfticos, tico. Os "criticados" por Oanton reúnem-se agora em antologia pre.
econ6micos, cultumis, ideológicos e históricos, cuja faciada por D.J. Foskett, que teve a lisura de incluir o próprio Dan-
análise visa entender as simi1luidades e as diferenças, ton entre os autores escolhidos, aliás, com justiça. Trata-se do Rea-
com o propósito principal de propor generalizllções der in Comparative Librarianship, organizado e prefaciado por Fos.
e princípios válidos': kett (13).

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Um dos propósitos do livro é "identificar os aspectos objetivos pIo, O relatório de Mr. Bell sobre a Venezuela)? Em caso positivo,
e as características da Biblioteconomia Comparada justamente para é então a nacionalidade ou a sua condição de consultor que deter-
distinguir esta da variedade internacional de estudo", precisamente mina o caráter "internacional" de seu relatório? Um estudo dos
para mostrar que "estudos comparados não são necessariamente· em hábitos de leitura da classe média comparados com os da classe
verdade freqüentemente eles não são . comparativos". Pretende operária pode ser feito no âmbito da Biblioteconomia Comparada?
também demonstrar que, sendo o propósito de formular compara- Há quem afirme que sim (Simsova), enquanto outros afirmam que
ções chegar-se a conclusões sobre a natureza e o curso de eventos, não (Danton). Uma contribuição à confusão geral?
os estudos comparativos são básicos para a prática da Bibliotecono- Danton afirma que a análise das bibliotecas públicas dos dife-
mia nos seus aspectos técnicos assim como também nos seus aspec- rentes cantões da Suíça, devido às influências "externas" em seu uni-
tos sociais e administrativos. verso ideológico e cultural, é um bom exemplo de estudo comparado
Em síntese, segundo Foskett, a Biblioteconomia Comparada "intercultural". Outros afIrmam que a comparação deve ser necessa.
é "aquele ramo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação e do riamente entre nações e que o que defme é a explicação do porque
qual um número de sistemas - sua estrutura, funções e técnicas - das diferenças e similaridades, e não o seu como. Onde começa a
é examinado com o propósito de colocar tais aspectos dentro de Biblioteconomia Comparada e onde termina a Biblioteconomia In.
um marco de referência aplicável para todos eles; o estudo do pa- ternacional? Se aceitamos a assertiva de que a Biblioteconomia Com.
pel que cada um desses aspectos desempenha no desenvolvimento parada só é possível na base da comparação internacional, então a
do sistema, para julgar sua significação em relação tanto com os ou- Biblioteconomia Comparada é uma parte menor da Biblioteconomia
tros aspectos do mesmo sistema como com outros sistemas; tendo Internacional, justamente aquela parte onde o método comparado é
como objetivo avaliar as causas e os efeitos e, a partir daí, formular empregado.
hipóteses - quando apropriadas - como o melhor dos meios para O livro organizado por Harvev não traz qualquer alusão a este
o desenvolvimento posterior de um ou mais sistemas. aspecto. As dúvidas persistem, mas, felizmente, a utilidade da Biblio-
teconomia Comparada parece despontar além destas questiúnculas
A novidade da defmição proposta por Foskett é não colocar semânticas e acadêmicas. Trata-se de um instrumento válido para
o aspecto. internacional como conditio sine qua non, advogando comparar diferentes sistemas de bibliotecas ou de seus componentes,
por um objetivo prático sem o qual torna-se um estéril exercício
com vistas a determinar as causas e efeitos de suas diferenças e seme-
acadêmico, como o praticado por alguns cultores da bibliometria.
lhanças, de modo a orientar planejadores e administradores na toma-
Foskett não faz referência à interdisciplinaridade da Bibliotecono-
da de decisões pertinentes ao processo de desenvolvimento de seus
mia Comparada, mas ele mesmo reconhece que uma disciplina cien-
próprios sistemas. Utilidade crucial num mundo como o nosso, on.
tífica, baseada na metodologia sistemática, dificilmente pode ser
de as técnicas e os nomes, assim como os serviços bibliotecários,ex-
aprisionada numa defrnição global.
travasam fronteiras e são aceitos sem um julgamento consciente de
Uma terceira obra surge mais recentemente (1977), onde os suas conseqüências.
termos "comparado" e "internacional" são analogados: "Compa- O leitor encontrará defmições do que é ou pretende ser a Bi.
rative & International Library Science", compilada por John l<. blioteconomia Comparada nos livros de Foskett e Danton. Cabe-
Harvey (14). A Babel restaurada. Não existe ainda - apesar do es- ria aqui o exercício lúdico de oferecer a mais atualizada, concisa
forço coordenador do editor do livro - um denominador comum e "pura" defmiçlIo do que seja "Biblioteconomia Internacional".
entre os especialistas na questão das defmições.
"Biblioteconomia Internacional consiste em atividades leva-
O fato de o pesquisador ser um consultor internacional da das a cabo entre ou por instituições, organizações governamentais
UNESCO credita-o para que seu relatório seja enquadrado na cate- ou não, ou por grupos de indivíduos de duas ou mais nações, para
goria de internacional se o tema é um determinado país (por exem- promover, estabelecer, desenvolver. manter e avaliar serviços biblio-

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tecários e documentários comuns, assim como a Biblioteconomia cias puras e exatas, ainda não desenvolveram metodologias plena-
e a profissão do bibliotecário em geral, em qualquer lugar do mun- mente confiáveis. Existe ainda uma proporção muito considerável
do". Danton considera esta defmição de J. Stephen Parker a mais de subjetividade na pesquisa social, ao contrário da margem de ob-
"thoughtful and analytical", a "melhor até aqui proposta e a melhor servação, experimentação e demonstração que é mais sólida nas
citada até agora". Sem dúvida. Dizemos que caberia o "exercício lú- ciências puras e aplicadas.
dico", porque destrinchar as fronteiras entre a "comparada" e a "in-
A formulação de hipóteses, o processo de experimentação e o
ternacional" é ainda um quebra-cabeças. Se não, vejamos. Se aceita-
estabelecimento de leis e princípios só agora começam a ser tenta-
mos a defmião de Parker do que se entende hodiernamente como
dos e testados na biblioteconomia desde os pioneirismos de Ran-
"Biblioteconomia Comparada", tal como a louva e propala entusias-
ganathan, Zipf-Bradford, etc. Apesar desse esforço de cientificização
ticamente o cervantesco J. Periam Danton, caberia uma pequena
da biblioteconomia e da ciência da informação, com o apelo às ma-
dúvida. Ora, se a Biblioteconomia Internacional, segundo a citada de-
temáticas e à cibernética, à teoria de conjunto, de fIla, de sistemas,
fmição de Parker, pretende "avaliar", em bases internacionais, os
ainda a nossa profissão se modela e se desenvolve pela camisa de
serviços bibliotecários de duas ou mais nações, em que base se efe-
força dos dogmas e das normas, deixando pouca margem para a
tuaria a tal "avaliação"? Com métodos comparados? Se não, então
criatividade e para uma metodologia "de laboratório". A observân-
a Biblioteconomia Internacional conforma-se com estudos "descri-
cia de códigos e processos, de "técnicas" consuetudinárias e de nor-
tivos", sem "base científica", na sua tarefa comparativa? Seja como
for, tudo indica que, de fato, cresceu bastante a literatura sobre Bi- mas ritualísticas é a regra enquanto que a aceitação de leis e princí-
pios é ainda excessão.
blioteconomia Comparada mas, em contrapartida, os estudos com-
parados continuam escassos, raros e insignificantes. Construir uma As chamadas leis e princípios e os métodos estatísticos são
defmição - como pretendeu Danton ~ a partir de artigos teóricos mais apelações de ordem acadêmica do que uma constante na prá-
que expressam mais intenções do que realizações, é um terreno mo- tica bibliotecária. Raramente um bibliotecário apelaria para uma
vediço e sediço. Em contraposição, uma defmição a partir da análise teoria da fIla para ordenar a demanda de seus usuários ou valer-se-ia
e avaliação dos próprios estudos comparados já realizados nos leva- da lei de Zipf·Bradford para racionalizar o processo de avaliação de
ria a uma defmição operacional e metodológica de maior consistên- material bibliográfico. Mas esse esforço de elevar o nível científico
cia, tarefa ainda não empreendida. Tanto uma defmição teórica (co- não é apenas uma perseguição a status mas fundamentalmente de
mo a de Danton) quanto outra operacional seriam válidas e até com- elevação de nível geral da profissão para torná-la mais útil e confiá-
plementares conforme os objetivos, sejam acadêmicos, sejam práti- vel e - por que não admití-Io? . mais rentável para os seus pratican-
cos. tes.
Estudos mais científicos (o que não significa que sejam neces-
sariamente sofisticados) podem conduzir-nos à sistematização de
ABORDAGENS À PESQUISA nossas observações, levando-nos a decisões menos arbitrárias por-
quanto baseadas em hipóteses testadas em vez de em opiniões extem-
Vários autores já observaram que a Biblioteconomia é excessi- porâneas e preconceituosas. Em outras palavras, devemos sair do clu-
vamente dependente de normas e de regras práticas, razão porque be do achismo ("eu acho isso e aquilo") e dar um cunho mais cientí-
se a considera mais como uma arte do que uma verdadeira ciência. fico aos nossos métodos de estudo e trabalho, se queremos elevar
a biblioteconomia ao nível técnico e científico.
As tentativas de elevar a biblioteconomia ao nível científico
vêm enfrentando difictPdades sobretudo por causa da falta de tra- Os autores consultados são unânimes em afirmar que a Biblio-
dição de pesquisa entre profissionais e, também, pelos problemas teconomia Comparada pode ampliar nossos conhecimentos da pro-
inerentes às ciências sociais em geral. Estas, ao contrário das ciên- 'flSsão, desde que sejamos capazes de desenvolver uma metodologia

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de comparação eficaz e de reunir e interpretar dados realmente
ma a ser investigado, conforme o ritual clássico da metodologia da
confiáveis. Aqui começa o maior dilema da Biblioteconomia Compa- pesquisa.
rada.
Bm segundo lugar, já tendo isolado do conjunto o fenômeno
Em primeiro lugar pela dificuldade para a obtenção de dados
do problema em estudo, procederá o pesquisador à tarefa da defIni-
conforme já foi referido anteriormente, devido que as nossas esta-
çio de conceitos e formulação de uma hip6tese de trabalho. Nessa
tísticas (não raras vezes) fictícias e ilusórias, inacessíveis para a maio-
etapa, o problema é dissecado e interpretado e são aventadas as pos-
ria enquanto que uma observação direta nem sempre é possível.
síveis causações e eventuais hipóteses, quando necessárias.
Em segundo lugar, um método próprio a Biblioteconomia
Em terceiro lugar, procede-se à observação, registro e inter-
Comparada ainda não possui. Ao contfario, várias metodologias vêm
pretação de dados, mediante o que a hipótese é testada e verificadã.
sendo propostas, tomadas emprestadas de outras ciências, mais no-
Esta seria a fase crucial, pois o pesquisador deverá valer-se de técni-
tadamente da Educação Comparada.
cas auxiliares, entre elas as da justaposição, conforme será explici-
Conforme salienta André de Figueiredo (11), as comparações tada mais adíante. A propósito, observa Foskett, neste exame in-
podem ser realizadas de diferentes maneiras, de conformidade com o dividual de duas ou mais situações determinadas no espaço e no
assunto em questão e com os propósitos da pesquisa: tempo, deve-se analisar as relações entre as várias partes, suas in-
ter-relações. Deve-se, ainda, observar o resultado das diversas aná-
a. pesquisa retrospectiva de um problema específico para de-
lises de cada caso, colocando-as lado a lado, em justaposição, num
terminar as causas de um resultado fmal;
modelo conceitual, para facilitar a comparação dos dados e a inter.
b. estudo e avaliação da teoria e prática de outros países; pretaçlo dos fenômenos.
c. observar e estudar problemas sob o aspecto das influências
sociais-l].istóricas a fun de determinar como surgiram dife- 'Bereday (2) defme a justaposição como uma "combina-
rentes métodos; ção prellminar de dados de diterentes países, a f"un de prepará.los
para comparação. Tal combinação deve incluir a sistematização de
d. podemos comparar entre si métodos diferentes sob o ponto
dados de tal forma que possam ser agrupados sob categorias idênti.
de vista de sua eficiência em função de uma fmalidade espe-
cas ou comparáveis para cada país estudado".
cífica;
e. estudar e comparar todos os tipos de trabalhos publicados; A justaposição tem' por objetivo arrolar os dados sobre deter-
minados países QU situações individualizadas para permitir a sua vi.
f. avaliar e interpretar sob o ponto de vista da experiência e
sualização e facultar a busca de um padrão de comparação.
do conhecimento individual, histórico, de casos relativos a
problemas nacionais e internacionais. Em quarto e último lugar, procede-se à generalização basea-
Pode-se deduzir das observações de Figueiredo, que da defmi- .da nos resultados alcançados (formulação de teorias) e ao relacio.
ção do problema em estudo depende a eleição do método mais ade- namento destes resultados com uma realidade determinada. A cul.
quado. A escolha de um método errado pode conduzir a resultados minaçlo do processo seria. a explicação dos fenômenos pela deter-
parciais ou insatisfatórios. minação de suas causas e efeitos. Por este método, pode-se chegar
• predição de resultados e planejar a ação no futuro, constituindo-
-se em instrumento auxiliar da administração das bibliotecas e siso
ETAPAS DE PESQUISA temas de informação. Conforme salientam vários autores, a pes~
Em primeiro lugar, conforme observam Simsova & Mackee quisa conduz ao conhecimento não só do que as coisas são, mas
(25), está a estapa da percepção, formação e formulação do proble- por que são de tal maneira, e o que determinou que elas fossem
assim e para que.

106
107
Sumariando todo o processo, Burnett (4) enfIleira as etapas
da seguinte maneira: dimento; as crises internas dos países; o desinteresse pelos proble-
mas de países menos desenvolvidos e a falta de criatividade do bi.
a. escolha e deftnição do tópico a ser comparado; bliotecário.
b. estabelecimento e mostra da evidência;
Temos que considerar também os fatores distorcidos, como os
c. interpretação da evidência; da omisslo de dados ou de juízos, seja por cortesia seja por insuft-
d. justaposição para revelar elementos semelhantes e diferen- ciência da evidência. Afmal, quando o pesquisador escreve o seu re-
ciais, e latório conclusivo, tende a suavizar as críticas, em consideração à
e. avaliação e conclusão. atenção recebida do País visitado. Por outro lado, Burnett eviden-
cia o problema (Provável) da incompetência do observador, seja por
Fica evidente, pelo exposto, que a metodologia geral não falta de conhecimentos técnicos e proftssionais, seja pela falta de
difere das pesquisas em outras ciências sociais e, mais precisamente, experiência de vida proftssional compatível com a pesquisa seja pela
da Educação Comparada. falta de objetividade no estudo ou pelo exercício de preconceitos ge-
neralizados (tanto quanto ao seu próprio ambiente o que distorce as
evidências envolvidas).
PROPOSIÇOES METODOLÓGICAS
Na descriçfo de seu método, Burnett se estende sobre os
Como ftcou explicitado nas seções anteriores, a Biblioteco- problemas da evidência, chamando a atençfo para uma provável
nomia Comparada ainda não desenvolveu um conjunto de técnicas inadeqUaçfo de dados devido à existência de estatísticas parciais dos
próprias, valendo-se de procedimentos metodológicos de outras serviços, nfo raras vezes falsas, com excesso de detalhes, com ele-
disciplinas no campo das ciências sociais. mentos imprecisos e confusos, com enfoques interpretativos muito
locais, portanto difíceis de serem entendidos e generalizados. Tais
problemas nos levam ao conflito maior dos estudos comparados:
PROPOSIÇÃO DE BURNETI como mensurar e avaliar dados que não são, por sua natureza, men-
suráveis e como comparar e confrontar dados que envolvem valores e
A proposta de Bumett (4) é eclética e tem origem em meto- atitudes diferenciados?
dologias diversas, dando muita ênfase aos fatores positivos e nega-
tivos no processo da pesquisa. Problemas do ~todo
Em primeiro lugar, destaca as características de personalidade Os fatores e diftculdades na seleçfo e abordagem do tópico
do pesquisador, analisando os problemas da motivação, da proprie- a ser estudado é analisado por Burnett e as considerações que ele
dade e conveniência do lugar da pesquisa e do momento em que es- faz slo comuns à pesquisa em geral. Enfatiza a necessidade de que
ta se realiza. o tópico seja isolado e defmido com precisão, para evitar ambi-
No caso brasileiro, ftca evidente que as condições ambien- güidades, o que envolve também a necessidade de decidir sobre a
tais para a pesquisa não são muito favoráveis e que um estudo implitude da comparação, pois quanto maior for o número de
envolvendo viagens ao Exterior exigirá um suporte económico variáveis, mais complexa e difusa a interpretação do fenômeno.
difícil de ser assegurado, por falta não apenas de recursos mas do Chama também a atençã'o para a importância relativa dos elemen-
reconhecimento da necessidade de pesquisa dessa natureza. Ou- tos considerados e seus relacionamentos e da necessária qualiftca-
tros fatores inibidores seriam a literatura escassa; a necessária vi- çio do pesquisador na escolha do tópico para garantir conclusões
vência do pesquisador no Exterior, anterior à pesquisa; as barreiras abalisadas e imparciais. Os problemas da escolha do tópico envolvem
políticas e culturais que diftcultam não só os contatos mas o enten- também o processo de estabelecimento e mostra da evidência. Bur-
nett acredita que tais problemas, muitas vezes, sã'o mecânicos e iD-

108
109
dependell1 do pesquisador, e cita o exemplo de que os astrônomos pretaçlo e a eventual emulação de processos e métodos para im.
.,recisam de telescópio mas a sua compra e instalação não faz parte pulsionar o desenvolvimento da administração de recursos, é a
,1a astnhlornía. Da mesma maneira, pode-se deduzir que o manejo avalíaçlo dos resultados o objetivo fundamental. Trata-se de bus-
das variáveis e de dados eventualmente implicariam no uso de com- car os elementos suscetíveis de quantificação, mediante a eleição
putadores cuja existéncia independe de qualquer método. de critérios de avaliaçllo que garantem um máximo de objetividade
e um mínimo de julgamentos culturais e subjetivos. Essa avaliação
A construção do modelo inclui nllo apenas o julgamento da eficiéncia dos meios mas tam-
A realização da pesquisa implica, necessariamente, a constru- bém da efetividade do sistema para medir o sucesso dos fins alcan.
ção de um modelo metodológico. Tal modelo consiste na determi- çados. Considera-se, no entanto, a otimização tática do' objetivo,
nação das classes genéricas envolvidas e na separação das classes isto é, o atingimento das metas como apenas um meio e não um
específicas, para facilitar, na fase da justaposição e interpretação fun em si mesmo, para evitar uma possível supervalorização. Tor-
das evidénciais, o estabelecimento das inter-relações e dependén- na·se evidente que, no processo de avaliação t o pesquisador deverá
cias. Não desce a maiores detalhes que explicitem, com absoluta observar e isolar os objetivos do(s) sistema(s) estudado(s), sua ava-
segurança o processo de defmições das categorias genéricas e espe- liação e determinar e julgar os meios empregados para atingí-Ios.
cíficas. No entanto, chama a atenção para determinados perigos na Caberá ainda separar os chamados "propósitos estabeleci-
elaboração do modelo, ,como sejam o de querer ajustar a realidade dos" - que se constituem mais em intenções do que em objetivos
à nossa visão, o de correlacionar teorias com fatos ou o de corrigir mensuráveis - dos intitulados "propósitos reais" que consubstan-
os fatos através das teorias. ciam as metas estabelecidas pelas necessidades concretas e tangí.
Na elaboração de um modelo, Burnett se refere à possibilidade veis, em cuja análise as causas atuais e reais são detectadas e diag-
de modelos simples ou unitários e aos modelos múltiplos, ainda não nosticadas de acordo com cada situação em particular.
plenamente desenvolvidos, que permitem a implicação e interpreta- Problematicamente, a abordagem de valores requer indepen-
ção de um número maior de dados e de variáveis, ao mesmo tempo, dência ideológica do pesquisador, um espírito de objetividade acura-
de um mesmo fenômeno. do e uma perspectiva ftlosófica e conceitual para inferir e extrair
A etapa da justaposição é considerada como um processo leis, princípios ou simples generalizações com a isenção e a amplio
mecânico no qual são colocados, lado a lado, para facilitar a com- tude requeridas.
paração, as identidades envolvidas no fenÔmeno em duas ou mais Burnett conclui chamando a atencão para possíveis dificul-
realidades. A concepção do modelo de justaposição surge da pró- dades na apreciação de valores que determinam objetivos que diver-
pria interpretação da evidéncia, sendo que os elementos a serem gem de país para país; quando se deve levantá·los conforme a sua
isolados e colocados lado a lado dependerão da própria hipótese importância e debaté-Ios, plena e claramente, livre de preconceitos
em discussão. culturais, sociais, políticos ou religiosos. Por outro lado, quando
A etapa mais difícil é a da avaliação, ou da interpretação os objetivos entrarem, eventualmente, em conflito com as necessi-
crítica. Existe sempre o perigo de se tentar explicar em vez de ena dades, ou quando os objetivos se tomarem inviáveis com os recur-
tender. Não basta apenas defmir o campo de estudo, selecionar sos disponíveis, ou ainda quando os objetivos forem incoerentes
a evidência relevante, dissecá-la e compará-la. O mais importante com a prática profissional internacional, então faz·se necessário re-
ver atitudes e objetivos como um todo.
é estimar o seu valor. Para Burnett, avaliar é medir a eficiência,
que é entendida como "a função de sucesso dos meios usados Pelo exposto, o método proposto por Burnett tem mais uma
para alcançar um determinado fim ou objetivo". De fato, se se- feição conceitual do que operacional, mas é válido na abordagem
guirmos a orientação de Foskett de que a pesquisa visa a inter- geral da problemática e na elucidação ou superação de dificuldades

110 111
inerentes às diversas etapas da pesquisa graças aos diversos chama- Nfo bastará, para os efeitos da análise, a identificaçlio desses
"lentos que faz ao bom senso, à lisura, à isenção e à objetividade. "isolados" pois se faz neceSSário na etapa seguinte, estabelecer os
ieladonament08 existemes entre os isolados identificados no fenô-
PROPOSIÇÕES DE SIMSOVA e
meno em estudo. quando Simsova apela para as teorias de Farra-
A tecnologia proposta por Sylvia Simsova (4) é mais com· dane, na área de classificaçã'o, no uso de operadores.
plexa e sofisticada, com apelações à teoria de sistemas, à ecologia,
Os operadores de Farradane
à antropologia e a educação comparada. Ao contrário de Burnett,
que enfoca o método de forma clássica dentro dos procedimentos Originalmente propostos para facilitar a compreendo das inte-
lógicos da investigação científica tradicional, ela pretende desen· caçl'és entre unidades no sistema de classificação, na mesma linha
volver um instrumental mais preciso. Primeiramente, explicando o da concepçã'o "facetada", da classificação, os "operadores" de Far-
método da macro.sociologia baseada na generalização, por um pro- radane (9) do propostos por Simsova para sirnl'lificar o estudo das
cesso indutivo. Salienta, no entanto, que uma generalização não relações entre "isolados".
poderá limitar·se a um único dado mas à manipulação de dados
Os principais ooeradores de Farradane do os seguintes:
adicionais. Completa essa panorâmica citando a teoria de Foskett
dos níveis integrados, que reza que tudo parte do mais simples I: Depend&1cia funcional
chegando ao mais complexo pela acumulação de propriedades. in- 1- Reação
versamente, todo fenômeno complexo pode ser decomposto em seus I; Associação
I( Pertinência
elementos mínimos para facilitar a identificação dos diferentes ele·
mentos em jogo e suas inter-relações, tal como se entende na mo·
4erna engenharia de sistemas. Esse processo de análise de dados com-
I"
I..
Cooperaç!o ou Concordância
Equivalência
plexos através da sua decomposiçlio em unidades simples nada mais
é do que a ...gunda lei do método de Descartes, revivida por Berta· Aplicando os supracitados operadores ao "problema do controle
lanffy (3) e adaptada por Foskett (13). do dano do catálogo pelos cupins" descobrem.se as seguintes inter-
-relações:

O ambiente da pesquisa
CATÁLOGO I - DANO I. CUPIM I - DESTRUIÇÃO I:
Nas suas considerações metodológicas, Simsova ressalta que PESTICIDA I; CATALOGADOR
os fatos sociais são de natureza complexa e múltipla, conseqüente- Indo mais longe na aplicaçã'o do método exposto de análise,
mente de difícil mensuraçlio, o que obriga o pesquisador a uma aná· ela disseca o problema das inter-relações "autor-editor-livreiro-biblio.
lise do ambiente em que o fenômeno se desenvolveu. O ambiente teca-governo local e Estado" na Grã-Bretanha e na União Soviética.
compreende não tão somente o próprio contexto imediato (por
exemplo: a biblioteca), como o marco maior, seja o institucional, ou PAfS2- URSS
como o social·geográfico quando intluenciador de suas característi- _ ... ESTADO
cas. ESTADO - . . GOVERNo

mBU~ A~
Simsova cita um exemplo muito interessante mas nlio de todo AL

elucidativo: "O PROBLEMA DO CONTROLE DO DANO DO CA·


TÁLOGO POR CUPINS". A análise do fenômeno implica a identifi-
cação do que ela, apelando para uma teoria de Farradane (9), cha-
'In>n~'/"
-'"""",""-AUTOR

\-TAJ>IRO oe . . EDITOR
:R ~'Wc
EDITOR LNREIRO

ma de isolados (6): CUPINS, CATALOGADOR, CATÁLOGO, PES- !Ptoblema: O relacionamento entre o autor e a biblioteca pública na
TICIDA (ENTIDADES) e DANO e DESTRUIÇÃO (ATNIDADES). " Grã-Bretanha e na Uniã'o Soviética.

112 113
Graças ao uso dos operadores, ficou visualizada e simplificada As constantes viagens de brasileiros para cursos de especia-
;; identificação de todas as variáveis envolvidas. Fica para o leitor a lizaçlo, mestrado e pesquisas de doutorado ou estágios orientados,
tarefa lucida de verificar as semelhanças e diferenças entre os dois principalmente nos EUA e na Europa, mas também na própria
sistemas em estudo (o britânico e o soviético) e de extrair as expli- América Latina, impõem uma perspectiva sistêmica e comparada
cações das variáveis identificadas, por exemplo, porque existe um para que os conhecimentos acaso adquiridos lá fora sejam trans-
mais estreito relacionamento "autor - estado" na URSS do que na plantados com as diretrizes adequadas, ou para que o profissio-
Inglaterra, etc., etc.). nal se situe nas duas realidades (a do Brasil e a do país que o aco-
lheu) e, ao voltar, nlo se aliene e se transforme num "ovni" (ob-
Sem dúvida, pelo exposto, verifica-se que resulta mais claro,
jeto voador nlo identificado) lamentando as desgraças tupiniquins
para os efeitos da análise, o uso dos operadores que possibilitam e vangloriando as maravilhas de lá...
mostrar as relações entre as variáveis, assim como para ordenar
a complexidade das relações entre as unidades. O método tanto fa·
cilita a análise per se dos fenômenos quanto o processo de justapo· O ensino da Biblioteconomia Comparada desenvolveu-se prin-
sição e de interpretação. No entanto, a criação do esquema (prévia cipalmente nas universidades americanas e européias, por seu pró-
seleção dos "isolados") quanto à determinação dos "operadores" é prio cosmopolitismo, na tentativa de desenvolver um mecanismo
uma tarefa onde o subjetivismo nem sempre é superado, podendo que facilitasse a convivência e a troca de experiência com alunos
levar a distorções ou a conclusões ambíguas, o que não invalida o de diferentes países. Por outro lado, nos EUA e na Europa são fre-
método. qüentes os organismos internacionais e a demanda de consultores
para viagens a países subdesenvolvidos ou missões a países de,sen-
volvidos, requerendo uma técnica de abordagem a realidades com-
CONCLUSOE~ plexas que supere o "eu.,acho" e o "eu penso" isso e aquilo. Ainda
assim, erros escandaloS6$ são praticados às expensas dessas organi-
Só recentemente intensificam-se os estudos e o ensino da zações internacionais, onde a "ajuda" resulta pior que sua ausência,
em alguns casos.
Biblioteconornia Comparada, a nível internacional. Tais estudos
se fazem necessários na medida em que uns. países aspiram a de- Se bem seja verdade que muitos viajam (e alguns carregam con-
senvolver os seus sistemas bibliotecários a partir da emulação de sigo seus preconceitos, o que impossibilita "ver" com. isenção),
programas coroados de êxito em outras latitudes, possibilitando outros· a maioria - não poderão fazê-lo, nem mesmo quando o dese.
que esta transferência de experiência se faça em bases mais cien· jem. O ideal, na realIzação dos estudos comparados, é a ida às fon-
tíficas e menos predatórias para os interesses nacionais. Ao con· tes. Mas, não sendo isto possível, um estudo comparado, à distância
trário, estudos comparados facilitarão o processo de planejamen- das duas realidades ampliará o conhecimento dos fenômenos e, se
to, facultando uma "antevisão" do novo sistema proposto pelo nã'o chegar a substituir a experiência direta, será uma aproximação a
estudo do modelo já implantado, evitando o processo de "tenta· ela.
tiva e erro"
As metodologias propostas são ainda incipientes, mas podem,
No caso do Brasil, onde a organização de sistemas de infor- com o uso, vir a fazer parte· de forma automática e su.bliminar _da
mação por áreas de conhecimento começam a cristalizar-se com ótica do pesquisador. Mais do que ser um instrumento de algibeira
tecnologia própria, mas também com a ajuda internacional ou bila· para pesquisadores na hora de expediente, o que pretende a Bibliote-
teral, faz-se necessário e até urgente desenvolver tecnicas "compa. . conornia Comparilda parece ser, exatamente, uma ampliação de hoti-
radas", para facilitar o diálogo com os consultores internacionais e ,; zontes, de mentalidade, de diálogo, de tolerância e de compreensão.
para tomar-se deCIsões mais compatíveis com a dignidade e os inte·
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