Resumo:
A criança pequenininha aprende, com as experiências que vive, novas necessidades que impulsionam seu
desenvolvimento. Essa é uma grande descoberta da pesquisa científica que se desenvolve na educação, na
psicologia, nas neurociências e em outros campos do conhecimento. Uma vida com muito para ver, ouvir,
pegar, levar à boca é a ginástica que o cérebro do bebê precisa para se formar e se desenvolver. Por isso, os
adultos que cuidam e educam as crianças pequenininhas nas creches precisam ter formação inicial de
professor e continuar a receber orientação pedagógica, pois os adultos que trabalham com as crianças
pequenas precisam ainda aprender como ser um/a professor/a que não dá aulas, pois não é sob a forma de aula
que as crianças pequenas aprendem, um/a professor/a que não tem alunos e sim crianças, não tem sala de aula
e sim a escola toda e a comunidade ao redor como lugar para proporcionar experiências para as crianças. Este
artigo, propõe-se a discutir um pouco do que se sabe hoje sobre o cuidado educativo das crianças
pequenininhas partindo do princípio de que a vida futura da criança, a forma como ela vai se relacionar com
as pessoas e com as coisas - incluindo o conhecimento -, assim como seus gostos e sua forma de ser
dependem da relação que se estabelece com ela, das experiências organizadas para ela na creche.
Palavras chave: Criança pequenininha; Ação do(a) professor(a); Prática pedagógica na creche; Teoria
histórico-cultural.
Abstract:
In early childhood children learn new needs that drive their development. And learn from experiences they
live. This is a great discovery of scientific research on education, psychology, neuroscience and other fields
of knowledge. A life with a lot to see, hear, catch, objects to explore is what baby's brain needs to form and
develop itself. Therefore, adults who take care and educate children in daycare centers must have both initial
teacher training and continued education, because adults who work with young children still need to learn
how to be teachers that do not give lessons, once this is not the way young children learn, teachers that do not
have students, but small children to grow and care, and that do not have a classroom, but the whole school
and the surrounding community as a place to provide experiences for children. This paper intends to discuss
some of what is known today about small children education and care assuming that the child´s future life,
her future relations with people and objects - including knowledge - as well as their preferences and their way
of being depend on the relationship lived and on the experiences organized for her in daycare centers.
Keywords: Early childhood education; teachers’ role; practice in daycare; cultural historical theory
1
INTRODUÇÃO2 Brasil. Até final da década de 1990, elas eram
atendidas pelas Secretarias de Promoção Social.
Não faz muito tempo que o cuidado e a Essa mudança aconteceu porque as pesquisas
educação das crianças pequenininhas tornaram-se científicas vêm mostrando que os anos iniciais na
responsabilidade das Secretarias de Educação no vida são decisivos para a constituição da
inteligência e personalidade: aprendemos a ser
quem somos com as pessoas com quem
1
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da convivemos, com a maneira como somos tratados,
Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília (Unesp) - e- com aquilo que nos permitem fazer e também com
mail: suepedro@terra.com.br aquilo que não nos permitem, com as experiências
2
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação que vivemos e como nos sentimos nas relações
em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília
(Unesp) e Professora da rede municipal de Santa Cruz do Rio
que os outros – especialmente os adultos –
Pardo-SP estabelecem conosco e com as relações que
38 As crianças pequenininhas na creche aprendem e se humanizam
estabelecemos com eles. E aprendemos desde observamos, não sabemos que são ávidos por
que somos bem pequenininhos, na verdade, desde saber quem somos, o que são as coisas, como as
que nascemos. A primeira ação da mãe ao coisas funcionam, como se faz para produzir o
amamentar o recém-nascido cria no bebê uma som que sai daquele seu brinquedo preferido e
nova necessidade: a necessidade – poderíamos tantas outras coisas. E por que há profissionais
dizer o gosto ou o prazer – de ser amamentado ao que não os observam? Porque quando nos
colo (VYGOTSKY, 1995). Esta não é uma ensinaram que as pequenininhas são incapazes de
necessidade biológica, pois a criança não precisa aprender, nos ensinaram a ter preconceito contra
ser alimentada ao colo para sobreviver; é uma as crianças.
necessidade que aprendida com a atitude da mãe; Por conta disso, muitos de nós, profissionais
é social e a primeira de muitas. de educação infantil, mantemos uma relação
O impacto das pesquisas demonstrando que autoritária com os pequenos, uma relação entre
o desenvolvimento da inteligência e da alguém que sabe e alguém que não sabe - e que
personalidade das crianças não acontece nos ensinaram a acreditar que não é capaz de
espontaneamente, mas é produto de sua vida, aprender. Quando pensamos assim, fazemos tudo
daquilo que experimenta, faz e aprende, recaiu sozinhos: sozinhos tomamos todas as decisões que
inicialmente sobre a exigência de formação do envolvem as crianças e pensamos que assim
profissional que trabalha com as crianças da fazendo estamos fazendo o melhor para elas.
primeiríssima e da primeira infância. Mas este é Decidimos os horários, os materiais com que as
apenas um elemento da mudança: a prática diária crianças brincam, onde passam o dia e fazendo o
com as crianças, a vida de todos os dias na creche quê.
também precisa mudar profundamente. O Mas não é assim que a ciência tem mostrado
elemento essencial dessa mudança é o novo ser a melhor forma de cuidar e educar as crianças
conceito de criança que vai surgindo das pequenininhas para promover seu
pesquisas com os pequenininhos: uma criança que desenvolvimento, e quando aplicamos o que se
aprende desde que nasce e porque aprende se tem aprendido com a ciência na educação dos
desenvolve. Em outras palavras, uma criança que bebês, percebemos que eles se desenvolvem muito
desde os primeiros dias de sua vida é capaz de mais. Muitos profissionais responsáveis por
estabelecer relações com as pessoas e com as crianças em creches já têm assumido uma atitude
coisas e aprender. curiosa e observadora em relação às crianças
Não foi isso que nos ensinaram a pensar. De pequenininhas e têm descoberto como elas gostam
um modo geral, aprendermos a pensar que os e precisam da atenção comunicativa dos adultos –
pequenininhos não entendem, não percebem, não que é muito mais do que cuidado - para se
sabem, não aprendem... porque são desenvolver. Muitos profissionais, às vezes sem
pequenininhos! Só por isso! Com a velha formação universitária ou indo na contramão do
psicologia (VYGOTSKY, 1995), aprendemos a que aprenderam e usando o bom senso, prestam
pensar que o desenvolvimento acontecia atenção, conversam, entretêm as crianças
espontaneamente e preparava a aprendizagem. descobrindo coisas que elas gostam de fazer,
Assim, as crianças pequenas só teriam condições coisas que chamam sua atenção e, com essas
de aprender depois de certo nível de descobertas, enriquecem o dia que as crianças
desenvolvimento. E por isso, as crianças atendidas passam na creche com atividades que envolvem as
em creches orientadas pelas Secretarias de crianças. Quando isso acontece, percebem que as
Promoção Social e não pelas Secretarias de crianças passam o dia de forma tranquila, sem
Educação. sentir a falta da família e sem chorar.
Por tudo isso, há profissionais de educação A atitude observadora e pesquisadora dos
infantil que prestam pouca atenção aos bebês e às profissionais que cuidam e educam as crianças
suas possibilidades. É ainda comum em nossas pequenas é fundamental, pois aprender com a
creches destacar o que os bebês ainda não são e própria prática é uma atitude possível quando o
não enfatizar o que eles são. Quando agimos espaço em que as crianças passam os dias é
assim em relação aos bebês, corremos o risco de organizado para favorecer a independência e a
não perceber suas descobertas, não participar de autonomia das crianças no acesso aos objetos.
suas brincadeiras, não responder às suas Além disso, os estudos e pesquisas que ajudam a
iniciativas de comunicação. Se não os conhecer as necessidades de desenvolvimento das
crianças pequenininhas estão aí justamente para mexendo em tudo, espalhando tudo, ela está
ajudar os profissionais a adotar intencionalmente pensando.
uma atitude que, ao garantir um dia tranquilo e Em geral, pensamos que se fizerem isso
feliz para as crianças, promove o desenvolvimento livremente, as crianças crescerão sem limites. As
inicial de suas qualidades humanas como a pesquisas têm mostrado que não é assim. É
percepção, a memória, a fala, o pensamento, os justamente ao contrário: para formar sua moral,
sentimentos. isto é, sua noção de certo e errado, a criança tem
Sem conhecer as necessidades de que fazer tudo isso enquanto ela é pequenininha.
desenvolvimento das crianças, limitamos sua A formação da autodisciplina é, de fato, um
atividade porque identificamos suas formas de grande desafio da educação, pois, para ter sucesso
explorar o mundo com “bagunça”. Quando as na vida e na escola, todos precisamos ser
crianças brincam e espalham os brinquedos, muito disciplinados. Mas de nada adianta para a vida
de nós pensamos que elas estão fazendo bagunça; futura, a criança aprender a obedecer ao professor
se reviram as caixas e misturam as peças de um ou à professora enquanto ele ou ela está presente;
jogo, estão fazendo bagunça; quando correm, essencial mesmo é a criança aprender a controlar
quando gritam, quando falam ou tentam falar sua própria conduta em todos os momentos da
todas ao mesmo tempo, estão fazendo bagunça; se vida e não por pressão de alguém, mas por sua
exploram desmontando as coisas, estão fazendo própria atitude. A formação da autodisciplina
bagunça. Quando conhecemos melhor o acontece a partir dos três anos de idade quando a
desenvolvimento das crianças pequenas nas criança começa a brincar de faz-de-conta e assume
diferentes idades, descobrimos que ao fazer tudo papéis em que precisa se comportar conforme os
isso – espalhar brinquedos, entornar caixas, tirar personagens que assume – e que geralmente são
do lugar os livros da estante para brincar com eles, pessoas mais velhas e têm um comportamento
ao amontoar e em seguida espalhar as tampinhas - estável que a criança percebe e imita em suas
as crianças estão experimentando e descobrindo, características mais marcantes. Assim vai
estão levantando hipóteses e tentando comprová- aprendendo a controlar a própria vontade ou a
las, estão pensando e aprendendo. Enquanto própria conduta.
somos pequenininhos, nosso pensamento acontece Ao observar as crianças, vamos descobrindo
na ação: os bebês pensam enquanto agem. E essa uma criança potente, que merece ser “destinatária
ginástica é fundamental para a constituição do de uma possível pedagogia da primeiríssima idade
cérebro. Sem ela, o cérebro não cria as redes enquanto indivíduo que exprime necessidades
neurais de que precisamos para pensar. formativas e tem o direito de ser estimulado,
Mas, é muito comum, ainda, os adultos apoiado e acompanhado em seu crescimento”,
desconfiarem das crianças, especialmente quando (BECCHI, 2012, p. 3). Mudamos as velhas
elas estão em grupos: acham que elas vão fazer atitudes autoritárias e desvalorizadoras da criança
alguma coisa errada. E alguns adultos pensam que – e também do nosso próprio trabalho educativo
as crianças fazem “coisa errada” de propósito. quando mudamos a concepção de criança que
Mas será que tem certo e errado quando as orienta esse trabalho. E só mudamos nossa
crianças estão aprendendo sobre as coisas e concepção de criança quando observamos as
aprendem explorando sem saber ainda o resultado crianças brincando e explorando o ambiente entre
das explorações? Como afirmou uma educadora elas ou às vezes sozinhas num espaço que oferece
numa pesquisa que realizamos, “as crianças segurança e muitas possibilidades de coisas para
gostam de tudo o que não pode”. De um outro fazer e explorar, muitos desafios à sua
ponto de vista, também podemos dizer: “nós, curiosidade, muitas atrações para seus olhos, seus
adultos, não deixamos as crianças fazer nada do ouvidos, para suas mãos e seu corpo. Se as
que elas gostam”. Não fazemos isso por maldade, crianças tiverem muito que escolher fazer na
mas por entender que elas não devem mexer em creche, muitos materiais para explorar, não
tudo, espalhar tudo, misturar brinquedos, abrir e precisarão disputar os objetos disponíveis e entrar
fechar as coisas, levar à boca o que têm na mão, em conflito por eles. Se ainda assim o fizerem,
desmanchar coisas feitas!!! Mas a criança só está será fácil atrair a atenção delas para outros
procurando experimentar e descobrir sobre os objetos. Quando as crianças têm pouco ou nada
materiais que tem à mão. E olhando tudo, para fazer, elas se entristecem, deixam de agir, de
pensar, de aprender. Por isso, quando nós, adultos,
percebemos que nosso papel na creche é relação da criança com o mundo ao seu redor e,
organizar as experiências individuais e coletivas portanto, sua aprendizagem e desenvolvimento.
vividas pelas crianças para que formem uma Em cada idade - de acordo com as capacidades
inteligência curiosa e uma personalidade solidária, que a criança vai formando a partir do que
passamos a buscar uma multiplicidade de vivencia e aprende, a partir das experiências de
materiais que podem ser oferecidos aos olhos, aos vida que acumula -, a criança estabelece uma
ouvidos, às mãos, ao pensamento, à iniciativa e à relação diferente com as coisas e as pessoas que
curiosidade das crianças: coisas que têm forma, estão no seu entorno. Observar isso e propor
textura, tamanho, cor, movimento. Tudo pode se vivências, atividades e materiais para as crianças
tornar ação e pensamento para as crianças explorarem para ampliar e diversificar suas
pequenininhas. Quanto mais elas fizerem possibilidades, acompanhar e apoiar as
“bagunça”, mais estarão explorando e pensando, explorações do grupo são desafios à atividade da
mais estarão aprendendo e se desenvolvendo. professora e do professor de criança
Por isso, precisamos ter olhos para observar pequenininha.
as crianças pequenininhas e junto com a ciência E o que os estudos mostram sobre essa
descobrir quem elas são, como aprendem, em que atividade que guia o desenvolvimento?
situações aprendem, como se comunicam, o que No primeiro ano – chamado às vezes de
estão em processo de aprender, o que mais lhes primeiríssima infância -, e desde as primeiras
chama a atenção, o que as satisfaz, que indicações semanas de vida, a atividade por meio da qual o
dão de suas descobertas e que materiais bebê melhor se relaciona com o mundo ao seu
favorecem suas descobertas. Com essa atitude, redor é a comunicação emocional direta com os
nos tornamos pesquisadores desta pedagogia para adultos. Esta forma de comunicação acontece por
as crianças pequenininhas. meio do olhar, do choro, dos gritinhos que o bebê
usa para atrair nossa atenção. Do ponto de vista do
COMO AS CRIANÇAS PEQUENININHAS bebê, as sensações que experimenta enquanto
APRENDEM? falamos com ele, nosso tom de voz, a maneira
como olhamos para ele, como o tocamos na hora
Esta é uma questão que todos nós - da troca, do banho, da alimentação e do sono
profissionais que trabalhamos com crianças - criam as bases para o surgimento dos sentimentos
precisamos saber responder, pois é condição sociais mais complexos. Segundo Vygotsky
essencial para orientar nosso trabalho como (1996), no primeiro ano de vida, a criança vive
professores e professoras de crianças uma situação bastante peculiar e específica: por
pequenininhas. Ao mesmo tempo, isso é algo a um lado, ela é maximamente dependente do
que poucos se dedicaram a pensar, pois é muito adulto e precisa comunicar a ele suas
recente a pesquisa sobre as crianças pequenas e necessidades; por outro lado, ela não domina
mais ainda sobre as crianças pequenininhas. De ainda uma forma de comunicação social, uma
um modo geral, sem compreender o papel da linguagem. Essa contradição é que faz da
educação no processo de humanização, a comunicação emocional, isto é, da comunicação
educação da inteligência e da personalidade não “sem palavras, muitas vezes silenciosa” (FACCI,
era preocupação dos planejamentos pedagógicos 2006, p.14), a atividade que guia o
(MARTINS, 2006). desenvolvimento do bebê neste primeiro ano de
Quando observamos os bebês no primeiro vida.
ano de vida, percebemos o quanto eles se Também no primeiro ano de vida, o
satisfazem com a presença dos adultos que lhes desenvolvimento sensório motor e a manipulação
são familiares. Alguns professores e professoras já de objetos, segundo Mukhina (1996), alcançam
perceberam que as crianças pequenininhas grandes êxitos. A criança aprende a sustentar a
brincam mais tempo com um mesmo objeto se há cabeça, a engatinhar, a segurar os objetos, a
um adulto por perto, e brincam muito mais tempo manipulá-los, a andar. E tudo isso sempre por
ainda se o adulto se aproxima para acompanhar e meio de suas experiências.
apoiar sua atividade. No caso das crianças que frequentam a
Os estudos e pesquisas sobre o creche, todos esses movimentos e ações se
desenvolvimento infantil mostram que em cada desenvolvem quando, com uma atitude
idade há uma atividade que melhor promove a intencional, as colocamos em posições
confortáveis em que possam se movimentar e se espaços internos e externos da creche. Sem forçar
relacionar com os objetos e pessoas ao seu redor. a criança a andar por meio de andadores - há
Isso significa que as crianças não devem ficar em muito tempo desaprovados pela pediatria -,
berços, exceto nos momentos de sono, mas em podemos espalhar pelo espaço objeto pesados em
contato com as demais crianças e explorando os que as crianças possam se apoiar para ficar em pé,
brinquedos e os objetos disponíveis todo o tempo barras como corrimãos que apoiem a criança na
em que estiverem acordadas. Os berços podem ser exploração autônoma de seus primeiros passos.
dispensados quando a criança começa a Em pesquisas realizadas por Maisonnet e
engatinhar, pois a partir daí, ela pode e deve ter Stambak (2011, p. 20) com crianças de 10 meses a
liberdade de movimento. E se a criança puder, ao 3 anos, as autoras perceberam que os movimentos
acordar, buscar algo que chama sua atenção no corporais “contêm manifestações emocionais,
espaço ao redor, ela não precisará da ajuda direta com manifestações de contentamento, explosões
da professora nesse momento. Essa autonomia e de alegria”. Perceberam ainda que “quanto mais
essa independência na movimentação vão se prolonga a atividade, mais clara é a fusão
construindo também uma autonomia intelectual, emocional, com risos e gritos de alegria em
pois a criança vai aprendendo a fazer escolhas. interações constantes.” Com isso vamos
Em relação ao movimento, concordamos compreendendo o que temos percebido em nossas
com a experiência de Emmi Pickler (FALK, 2004. observações cotidianas de crianças pequenininhas:
p. 13) de nunca colocar a criança numa posição seus corpos falam e a liberdade de movimento é
que ela não possa adotar e abandonar sozinha. fundamental para essa comunicação. Por isso, as
Para a autora, em que não se acelera o crianças pequenininhas – também elas – precisam
desenvolvimento das crianças pequenininhas de espaço para engatinhar, andar, correr, pular,
senão respeitando seu ritmo individual e saltar, subir. E isso precisa acontecer nos espaços
assegurando-lhe possibilidades de “iniciativas internos e nas áreas externas da escola da infância.
autônomas, de movimento livre e de jogo As crianças não apenas precisam tomar
independente.” Concordamos ser inadequado diariamente o sol da manhã, mas precisam
impor diferentes movimentos às crianças diariamente da liberdade dos espaços abertos sob
pequenininhas. Em troca, podemos criar árvores, no gramado, no jardim, na areia, no
“possibilidades de espaços e lugares necessários playground.
para a liberdade de movimentos - inclusive mais No segundo ano, a atividade que guia o
possibilidades do que aquelas que a criança possa desenvolvimento é a atividade com objetos.
aproveitar naquele momento.” (FALK, 2004, Interessada primeiramente pelos objetos que os
p.13). Contribuímos para o engatinhar - adultos lhe apresentam, a criança pequenininha
considerado por Mukhina (1996) a primeira forma passa a explorar os objetos que consegue alcançar.
de deslocamento autônomo da criança - deixando Seu interesse não é ainda pela sua função social,
as crianças no chão movimentando-se livremente. ou seja, com o que se faz com o objeto. Por isso, o
Na experiência de pesquisa e intervenção adulto não se preocupa ainda com ensinar seu uso,
realizada por nós, para as crianças que ainda não mas em diversificar a oferta de coisas que as
engatinhavam, colocávamos brinquedos suspensos crianças possam manipular e explorar: rolar,
próximos a elas para que pudessem agarrá-los; empilhar, abrir, fechar, bater no chão, olhar
brinquedos e objetos espalhados ao seu redor para dentro, encaixar, espalhar. A curiosidade da
incentivar sua iniciativa de movimento. Para as criança se dirige para as propriedades do objeto: o
crianças que já engatinhavam e adotavam por si que rola, o que se encaixa, o que afunda, o que faz
mesmas a posição sentada, oferecíamos muitos barulho, o que se pode colocar dentro de outro
objetos para sua exploração. objeto.
O passo seguinte no desenvolvimento dos Rayna, Sinclair e Stambak (2012, p.79)
movimentos corporais é o andar ereto. Esta é relatam a exploração de um pedaço de barbante
grande conquista do primeiro ano de vida. Para por uma criança de 18 meses. Segundo as autoras,
Mukhina (1996, p. 106), “a capacidade de andar é a primeira vez que a criança vê o material:
verticalmente proporciona à criança um contato
mais livre e independente com o mundo exterior.” Sa. pega o fio por uma ponta e o observa
Nesse período, é importante que as crianças, atentamente, levantando-o. Com a outra
andando de forma autônoma, explorem todos os mão, pega a outra ponta e em seguida
separa ambos os braços para estender o fio: dado que categorias: coisas frias, coisas quentes, fofinhas,
é um pouco longo, não consegue. pesadas, grandes, pequenas, doces, salgadas,
Aproxima então uma de suas mãos do azedas, que rolam e que não rolam, por exemplo.
centro do fio, deixando pendurado um A todas essas percepções, as crianças
pedaço um pouco maior: desta vez
pequenininhas ainda não sabem dar um nome,
consegue estender o fio abrindo os
braços. Observa então o fio estendido mas vão criando uma memória dessas percepções.
aproximando o rosto. Em outras palavras, as experiências vividas
externamente, vão constituindo uma experiência
Alguns meses mais tarde, a mesma criança psíquica, vão criando um reflexo interno. É o
explora um elástico. Próxima aos 24 meses, ela se início do processo de pensamento. Por isso é que a
interessa pelas deformações dos materiais. Rayna, criança pequenininha pensa na ação, pois não tem
Sinclair e Stambak (2012, p. 76) relatam que “Sa palavras ainda para pensar com elas - como
pega o elástico grande. Com ambas as mãos o fazemos quando somos adultos. Por isso é que
estica várias vezes num gesto rápido: separa quanto mais a criança pequenininha manipular
fortemente suas mãos em seguida reduz a tensão, coisas, espalhar coisas, “fizer bagunça”, mais
observando de forma atenta as reações do aprende e forma as bases para a fala e o
elástico.” pensamento verbal – o pensamento com palavras
É por meio dessa atividade com objetos que que cria as bases para a imaginação, a
a criança exercita e demonstra seu pensamento autodisciplina, para a comunicação com os outros
nessa idade e, aos poucos, passa à colaboração e consigo mesma.
prática direta com os adultos, quando, como diz Um elemento importante para compreender
Leontiev (2010), o mundo dos objetos se abre a importância da exploração de objetos para o
para a criança em seu uso social. A linguagem desenvolvimento infantil é perceber que ao
oral – a fala - é a grande conquista desse período. realizar ações com os objetos, a criança
E, por isso, a criança pergunta sobre tudo, quer pequenininha vai da simples exploração ao seu
saber tudo. uso social. No início pega um objeto com as duas
No terceiro ano de vida, a criança usa a mãos, depois será capaz de segurar um objeto em
linguagem oral para organizar sua comunicação cada mão; inicialmente, pega o objeto em
com os adultos e aprender a manipular os objetos qualquer posição e mais tarde - sob a influência
de acordo com a função social para a qual foram dos adultos, isto é, observando-os para imitar suas
criados. O interesse agora não é pelas ações ou sob a orientação do adulto que ensina
propriedades do objeto (se afunda ou flutua, se é esse uso - vai segurar corretamente o objeto. Com
leve ou pesado, se faz barulho, se rola, se fica em isso, vai aprendendo os movimentos adequados
pé, se entra em outro). O interesse agora está em aos objetos, ou seja, vai refinando sua
como se usa o objeto. O mundo da realidade motricidade, vai também formando capacidades e
humana vai se abrindo pouco a pouco para ela: habilidades para usar os objetos segundo sua
agora interessa usar os objetos para reproduzir função social.
ações que vê as pessoas realizando ao seu redor. Refletindo teoricamente sobre este
Essa reprodução ou imitação do uso dos objetos processo, percebemos que os objetos da nossa
não é ainda o faz-de-conta em que a criança cultura que foram criados ao longo da história têm
assume papéis sociais, mas é o início desse cada um deles uma capacidade guardada em si e à
processo que vai acontecer a partir da idade pré- medida que a criança aprende a usá-los, aprende a
escolar, isto é, a partir dos três anos. capacidade aí contida. Por isso é que afirma
Afirmamos repetidas vezes que com tudo o Vygotsky (2010) que a cultura é a fonte das
que vê, ouve, manipula e explora, ou seja, com qualidades humanas. A criança não nasce com a
todas as sensações que a criança pequenininha capacidade de usar o garfo, mas aprende a usá-lo à
sente e vai acumulando desde que nasce, ela vai medida que se depara com um garfo e imita ou
aprendendo. Podemos refletir brevemente sobre o segue a orientação de um parceiro mais
que seja este aprender da criança pequenininha e experiente. Nesse processo, forma para si a
mesmo da criança maior. Toda a experiência capacidade de usar corretamente o garfo. O acesso
vivida como sensação pela criança vai criando à cultura em sua multiplicidade de objetos é
uma percepção que vai se organizando em elemento essencial, desde a infância, ao
aprendizado e desenvolvimento das múltiplas
capacidades humanas que foram criadas ao longo positiva? com autoestima negativa? motivada?
da história. desmotivada? Tudo isso interfere e condiciona
Mas não basta a cultura presente no como ela vivencia o que propomos para ela.
ambiente em que a criança convive. Como lembra Assim, Bozhovich (1981, p. 123) afirma
Leontiev (1978), citando Pieron, se por uma que “para entendermos que influência o meio
estranha catástrofe os adultos desaparecessem e exerce sobre a criança [...], temos que
apenas as crianças pequenas sobrevivessem, a compreender o caráter das vivências”, ou seja, a
vida continuaria, mas a história recomeçaria, pois relação afetiva que a criança estabelece com as
sem os adultos para ensinar às crianças os usos experiências que realiza.
dos tesouros da cultura, tudo se perderia: os livros A partir daí, cabe observar quais vivências
não teriam quem os lesse, as máquinas quem as proporcionamos às crianças na creche e que tipo
manipulasse, a ciência e as técnicas quem as de relação as crianças estabelecem com os fazeres
retransmitisse. Isto porque, como explica ainda o que lhes são propostos. Entendemos que, na
autor, as qualidades humanas contidas nos objetos Educação infantil, as vivências devem afetar a
só são transmitidas às novas gerações pelo seu uso criança ao ponto de criar nelas a necessidade de
e, para isso acontecer, são necessários parceiros aprender, de conhecer as coisas, de fazer, de criar
mais experientes que conheçam seu uso. Daí o e assim se desenvolver.
papel essencial dos adultos e de seu conhecimento Ao pensar o papel do professor e da
da cultura humana acumulada. Na escola, de professora das crianças pequenininhas, teremos
modo geral, e na escola da infância, de modo que considerar tudo isso que podemos sintetizar
específico, o professor e a professora têm esse com a contribuição de Leontiev (2010) na
papel essencial de mediar para as novas gerações seguinte questão: qual o lugar que a criança ocupa
a cultura acumulada ao longo da história. Assim, nas relações sociais de que participa na creche?
os objetos da cultura presentes na escola e
professor ou professora experiente são essenciais O PAPEL DA PROFESSORA NA
ao desenvolvimento, isto é, ao processo de HUMANIZAÇÃO DAS CRIANÇAS
promover a apropriação pelas novas gerações das PEQUENININHAS
capacidades humanas criadas ao longo da história
e acumuladas nos objetos da cultura. Por suas A nova compreensão de criança que a
características, esse processo – que também pode ciência nos apresenta – e em que se inclui a teoria
ser chamado de humanização – é essencialmente histórico-cultural de Vygotsky e colaboradores -
um percurso de educação. denuncia o quanto as rotinas marcadas pelos
Mas tampouco a cultura acessível à criança tempos de espera precisam ser substituídas por
e a presença do professor e da professora situações em que as crianças se ocupem de
conhecedores da cultura são o bastante para o atividades interessantes que promovam sua
processo de aprendizagem e humanização, seja atividade e seu pensamento. Essas questões - que
das crianças pequenininhas seja das maiores ou dizem respeito às práticas educativas realizadas
mesmo de adultos. Quem aprende, em qualquer pelas professoras junto às crianças - nos
circunstância, é sempre um sujeito: que tem ou instigaram a refletir sobre como as professoras, de
não vontade de aprender, que tem ou não interesse um modo geral, compreendem o processo de
por aquilo que o outro lhe apresenta, que é afetado desenvolvimento das crianças e o que priorizam
ou não pela cultura que o professor e a professora no trabalho com as crianças, ou seja, que
apresentam. Conforme Vygotsky (2010), o concepção de criança e educação orienta suas
conceito que melhor exprime o processo de ações pedagógicas.
aprendizagem é o conceito de vivência. Esse Para isso, iniciamos um trabalho de
conceito articula as influências do meio – isto é, a formação com o grupo de professoras de uma
influência do professor ou professora e da cultura creche municipal no interior do Estado de São
– e as particularidades da criança. Por isso, como Paulo. E, para discutir neste artigo o papel das
a criança se sente na atividade é fundamental para professoras e suas ações possíveis numa
determinar a influência do meio sobre seu perspectiva de educação humanizadora das
desenvolvimento. Como a criança se sente na crianças pequenininhas, relatamos esse trabalho
atividade: atraída? curiosa? constrangida? com de formação que deu origem a uma dissertação de
medo? humilhada? à vontade? com autoestima
mestrado realizado por uma das autoras deste 2010), o ambiente deve garantir às crianças um
artigo e orientado pela outra autora. amplo contato com os bens culturais, a realização
Ao observar as práticas educativas em de atividades significativas que favoreçam o
creches em busca de uma metodologia para desenvolvimento das funções psíquicas superiores
identificar as concepções das professoras, surgiu – isto é, as qualidades humanas como a fala, a
em nós uma nova preocupação: com a memória, o pensamento, os sentimentos, a
organização do espaço como um outro educador imaginação etc. – assim como o estabelecimento
da turma. Essa preocupação se deu ao de uma relação humanizadora da professora com
percebermos a pobreza como algumas creches as crianças, e das crianças com seus pares que
eram organizadas. Na maioria das vezes, o favoreça a relação de todos com a cultura.
ambiente não era planejado pelas professoras Tínhamos, por outro lado, a afirmação de
considerando as necessidades do uma das professoras de que “as crianças gostam
desenvolvimento, interesses e especificidades das de tudo o que não pode.” Com isso, passamos
crianças de zero a três anos. No decorrer das coletivamente a refletir sobre as experiências
observações, nossa preocupação crescia em vividas pelas crianças pequenininhas na escola
relação à pouca variedade ou mesmo à ausência infantil, suas necessidades de desenvolvimento e
de objetos ou brinquedos, à inacessibilidade das suas ações, buscando perceber o que elas
crianças a esses materiais quando eles existiam, à comunicavam aos adultos.
relação de controle e dominação dos adultos Nas discussões de formação e observando
frente às crianças, enfim, ao acesso pobre e as crianças de modo mais atento e sistemático,
limitado das crianças aos bens culturais da levantamos a hipótese de que as crianças faziam
humanidade. coisas consideradas perigosas aos olhos dos
As crianças, numa tentativa de superar a adultos, entravam em conflito por causa de
limitação imposta à sua atividade, realizavam brinquedos e, às vezes, se agrediam porque o
brincadeiras interessantes consideradas pelas espaço da sala não estava organizado
professoras como transgressoras de regras. Nessas adequadamente para elas, faltavam objetos para
ocasiões, as crianças se escondiam atrás das enriquecer suas atividades diárias, instalações que
cortinas ou sob a mesa para brincar e subiam na as desfiassem a realizar diferentes movimentos
janela segurando-se nas grades para observar o corporais e cantos onde pudessem brincar
mundo lá fora. Tudo isso, quando descoberto, era tranquilamente e em pequenos grupos. Discutimos
proibido sob a justificativa de que “as crianças que os espaços da creche - quando organizados e
gostam de tudo o que não pode.” planejados para possibilitar o livre acesso dos
Assim, notamos que apesar dos avanços pequenininhos e das crianças de modo geral aos
legais e dos conhecimentos teóricos advindos das bens culturais criados pela humanidade -
pesquisas, as concepções e práticas das proporcionam um contato intenso com o mundo
professoras permaneciam centradas numa que cria nas crianças novos interesses e prazeres
educação autoritária, onde as decisões eram (FARIAS e MELLO, 2010). Da mesma forma,
sempre tomadas pelos adultos, os brinquedos e quando estabelecemos relações de respeito e
materiais pouco favoreciam o enriquecimento das colaboração - entre professora e crianças e entre
experiências das crianças e o espaço não era as próprias crianças - para promover sua
considerado como promotor do seu autoestima positiva, sua curiosidade e vontade de
desenvolvimento, ou seja, a prática pedagógica saber, contribuímos para o estabelecimento de
continuava priorizando o cuidado, sem uma relação curiosa e interessada da criança com
preocupação com o processo educativo. a cultura e para o desenvolvimento humano que
Na tentativa de contribuir com o trabalho decorre desse contato.
pedagógico das professoras na promoção do O desenvolvimento da pesquisa
desenvolvimento da personalidade e da impulsionou a reorganização do espaço da creche,
inteligência das crianças, desenvolvemos uma na medida em que as intervenções sugeridas pela
pesquisa que investigou formas mais adequadas pesquisadora eram colocadas em prática pelas
de organização do espaço da creche para crianças professoras como nova condição pela qual
de zero a três anos, sob o enfoque da teoria observavam as crianças e suas atividades. Os
histórico-cultural. Considerando a cultura como a sujeitos envolvidos na pesquisa foram seis
fonte das qualidades humanas (VYGOTSKY, professoras que estavam trabalhando com as
turmas de zero a três anos no período em que se contribui também para uma maior comunicação
iniciou a reorganização do espaço, sendo duas em entre elas durante as brincadeiras. Segundo
cada turma. Maisonnet e Stambak (2011), as crianças sentem-
Os procedimentos utilizados foram: se atraídas pela movimentação dos companheiros,
observação e análise conjunta do espaço tal como havendo um contágio emocional no grupo
estava inicialmente organizado sem a intenção de conforme aumenta o número de participantes da
favorecer a atividade e o desenvolvimento das brincadeira.
qualidades humanas nas crianças pequenininhas; Aprendemos também por meio da
reuniões de formação entre a pesquisadora e as experiência de Lóczy, conforme Tardos e Szanto
professoras com foco nas questões teóricas e nas (2004, p. 41), que:
possíveis intervenções na organização do espaço
em suas salas; intervenções pontuais nos espaços Para a criança, a liberdade de movimentos
e observações realizadas nas salas durante a significa a possibilidade, nas condições
realização das intervenções. materiais adequadas, de descobrir, de
experimentar, de aperfeiçoar e de viver, a
cada fase de seu desenvolvimento, suas
REORGANIZANDO O ESPAÇO DA
posturas e movimentos.
CRECHE
As professoras também confeccionaram
A primeira intervenção realizada no espaço
painéis de fotos e figuras que foram fixados nas
foi a colocação de prateleiras para guardar os
paredes na altura dos olhos das crianças que, em
brinquedos e objetos para manipulação na altura
diferentes momentos do dia, paravam em frente ao
das crianças, o que possibilitou aos pequenos a
painel, apontavam e balbuciavam como que
escolha dos brinquedos com a orientação para
nomeando as fotos e figuras reconhecidas. Essa
utilizá-los e guardá-los no local correto. Essa
atividade das crianças era enriquecida cada vez
intervenção aboliu o tempo de espera das crianças
que a professora também se aproximava do painel
e favoreceu o desenvolvimento da autoestima
e numa atitude de antecipação da fala, nomeava as
positiva, da independência e da autonomia.
fotos e figuras apontadas pelas crianças.
Conforme Falk (2004, p. 31), “para o
Colocando as crianças pequenininhas na situação
desenvolvimento da independência e da
de sujeito da comunicação, contribuíam para criar
autonomia da criança, é necessário – além da
nelas a necessidade de se comunicarem também
relação de segurança – que ela tenha a experiência
(LISINA, 1987).
de competência pelos seus atos independentes.”
O espaço também foi enriquecido com a
Em nosso caso, trabalhamos com a ideia de que o
confecção de almofadões macios, cobras e
espaço pode favorecer esse desenvolvimento
centopéias grandes de tecido e espuma, caixas de
quando possibilita às crianças a relação livre com
papelão de diversos tamanhos robustecidas pela
os objetos e com as pessoas.
técnica da papietagem - revestimento em papel -,
Aos poucos, adultos e crianças foram
objetos pendentes do teto por elástico, pneus
aprendendo a cuidar dos materiais e, com isso, ia
encapados com espuma e tecidos. Esses objetos à
aumentando a quantidade de brinquedos e objetos
disposição das crianças para uso livre
disponíveis para as crianças. Insistimos na ideia
possibilitavam experimentações diversas e, em
defendida por Mello (2002) de que disponibilizar
diferentes momentos, as professoras foram
uma grande variedade de objetos às crianças é surpreendidas pelas crianças com ações que
fundamental, pois, com essa experiência promove
superavam a imaginação e o planejamento dos
situações e vivências por meio das quais a criança
adultos.
vai ampliando sua inteligência e formando sua
Livros de história confeccionados com
personalidade, uma vez que quanto mais
plástico transparente e figuras de revistas
diversificada for a experiência da criança, maior a
passaram a fazer parte dos novos objetos
ginástica que se está oferecendo ao cérebro
manuseados na escola e com auxilio da educadora
infantil e mais experiências para a configuração de
as figuras eram nomeadas e a maneira adequada
suas capacidades.
de manuseio dos livros ia sendo apropriada pelas
Ao reorganizar as salas, garantiu-se ainda
crianças. Assim, o que a princípio eram atitudes
espaço para movimentos corporais que, além de
imitativas da criança iam se tornando atitudes
favorecer o desenvolvimento motor das crianças,
as crianças deixaram de brincar atrás das cortinas Mukhina (1996), essa prática do adulto conversar
da sala às escondidas dos adultos e passaram a com as crianças que ainda não sabem falar é
brincar nos cantos planejados e organizados para essencial para a apropriação da linguagem oral,
elas. Nesses cantos, chamados por Meneghini e pois cria na criança uma nova necessidade: a
Campos de Carvalho (2003) de zonas necessidade de comunicar-se por meio da fala -
circunscritas, as crianças se juntam de acordo com necessidade esta que promove a formação e o
suas preferências e estabelecem relações entre si desenvolvimento da linguagem oral que, por sua
provocadas pela atividade que elegeram. “Já nos vez, impulsiona em novas bases o
outros tipos de arranjo, as crianças tendem a desenvolvimento das qualidades humanas como a
permanecer em volta do adulto, porém ocorrendo memória, a atenção, o autocontrole da conduta, do
pouca interação com o mesmo e entre crianças” pensamento, da imaginação. Conforme apontado
(CAMPOS de CARVALHO, 2003 p. 368). por pesquisas sobre o desenvolvimento da
O enriquecimento do espaço de convivência comunicação na infância, Zaporòzhets e Lisina
das crianças pequenininhas com brinquedos e (1974) concluíram que entre os estímulos
objetos naturais e culturais trouxe uma maior utilizados por adultos para as crianças no primeiro
tranquilidade ao ambiente, pois, diante de tantos ano de vida, o mais eficaz é a fala e ela influi
objetos e brinquedos, as crianças mantinham-se positivamente para o desenvolvimento do bebê.
sempre envolvidas em alguma atividade O maior envolvimento das professoras nas
significativa: não precisavam mais disputar atividades e brincadeiras das crianças –
brinquedos com os amigos, não percebiam a proporcionado pela reorganização do espaço
ausência da família e realizavam atividades realizada na creche provocou a ampliação do
propulsoras de seu desenvolvimento intelectual, tempo de envolvimento das crianças na atividade,
social e emocional. demonstrando o quanto essa participação é
A transformação do espaço da creche a importante para os pequenos. Em outras
partir da observação das crianças e das reflexões situações, as crianças abandonavam o que
entre pesquisadora e professoras acerca das estavam fazendo para juntar-se às professoras nas
observações, conduziu a um enriquecimento das brincadeiras. Isso nos ensinou que não é preciso
atividades das crianças e possibilitando o interromper a atividade da criança para que ela se
desenvolvimento da atenção, da percepção, do junte ao grupo para uma atividade que a
autocontrole da vontade, da habilidade de professora considera significativa para a
manipulação e o movimento. Com mais aprendizagem e desenvolvimento na infância:
atividades, as crianças também ficaram mais quando uma nova atividade proposta afeta a
interessadas, mais motivadas, e mais alegres. criança e se torna para ela uma atividade, ela
Ficou claro para o grupo que o trabalho acaba por juntar-se ao grupo sem que para isso
pedagógico atende as necessidades das crianças seja pressionada.
quando a professora se coloca como ouvinte e A comunicação que se estabelece entre as
observadora atenta dos pequenos, interpretando crianças e o adulto que a cuida e educa assume
suas ações, seus risos, choros, gestos e fala. diferentes formas e é, como se vê, essencial. Além
da comunicação que se estabelece sem palavras,
A COMUNICAÇÃO ENTRE PROFESSORA mas por meio de olhares, toque, tom de voz,
E CRIANÇA gestos ou mesmo por meio de convites silenciosos
impressos em atividades atraentes, há também a
Vimos acima que no primeiro ano de vida, a comunicação por meio da fala. Segundo Hevesi
atividade que guia e promove o desenvolvimento (2004, p. 56), os pequenos diálogos estabelecidos
das crianças pequenininhas é a comunicação entre a professora e as crianças são essenciais para
emocional direta com o adulto que a cuida e a criança perceber que é ouvida e para a
educa. Essa comunicação envolve todas as formas professora “deixar de responder apenas contra as
de relações que vão desde o modo como tocamos formas negativas de comportamento.” A pesquisa
os bebês no banho, na alimentação e na troca de realizada por Habinakova, segundo Hevesi (2004)
roupas, até o tom de voz que o adulto utiliza na apontou que em menos de 2% dos casos, a fala da
presença do bebê, a forma como o olha e observa, professora com as crianças pequenininhas
como responde às iniciativas de comunicação dos exprimia sentimentos positivos e incentivos. A
pequenininhos. Para Mello (2004, p. 146), citando maior parte dos atos de fala, além de se utilizarem
de poucas palavras, tinham um tom de preparo tudo, você vai comer e também vai
proibição ou de ordem. dormir. Agora mesmo arrumo seu saco de dormir”
Para Hevesi (2004), é importante que a (HEVESI, 2004, p. 53). Nesse caso, a criança é
professora fale com a criança em todos os quem, com seu olhar atento, toma a iniciativa do
momentos, não somente para dar ordens, broncas contato, chama a atenção da educadora e esta a
ou quando a criança realiza algo, considerado por envolve na situação falando com ela. Esta é uma
ela, como má conduta. situação em que ocorre tanto a iniciativa da
Considerando isso, nossa comunicação com professora como a da criança.
as crianças pode acontecer em dois momentos: Há ainda as situações em que as palavras da
como comunicação coletiva e em momentos professora respondem aos balbucios ou tentativas
individuais. Na experiência de Lóczy, as de fala da criança, como quando a criança mostra
educadoras aproveitam o momento de troca, seu tênis desamarrado balbuciando algo e a
banho e alimentação para estabelecer uma professora interpretando a intenção da criança,
comunicação individual com as crianças responde: “Eu vou amarrar para você, já sei que
(HEVESI, 2004). Para a autora, “nessa situação, é havia prometido. Que bom que você me
mais fácil que a educadora “converse” inclusive lembrou.” (HEVESI, 2004, p. 54).
com um recém-nascido em lugar de falar-lhe As professoras perceberam que crianças
mecanicamente” (HEVESI, 2004, p. 49). também se dirigiam a elas quando encontravam
Aprendemos também, com o trabalho com um objeto que lhes parecia interessante, ou
crianças pequenininhas realizado em Lóczy, que mesmo pedindo alguma ajuda da professora,
durante a comunicação com as crianças é como quando a criança mostra uma meia que
importante informar a elas sobre as coisas que a acabou de tirar e diz “sapato”. A professora
afetam e sobre o que estão fazendo naquele responde: “Meia, Andris, vou vesti-la de novo em
momento. Da mesma forma, aprendemos o quanto você. Veja que seu pé precisa dela.” (HEVESI,
a iniciativa de comunicação da professora, 2004, p. 55).
demonstrando interesse pela atividade que as Perceberam, ainda, que as crianças também
crianças realizam, é importante para o reagiam às coisas que a educadora dizia. Quando
desenvolvimento das crianças. Nesses casos, a professora fala de desenho, uma criança aponta
conforme Hevesi (2004, p. 52), “[...] a educadora o seu desenho pendurado na parede dizendo
não reage à atividade geral da criança, mas, sim, a “este”. A professora aproveita a iniciativa da
um momento preciso dessa atividade que achou criança e responde: “Sim, Esztie, esse que você
que deveria comentar ou reforçar.” me mostra é o seu desenho”, (HEVESI, 2004, p.
Essa atitude da professora de iniciativa de 55).
contato com a criança, além de favorecer o Enfim, atentas às iniciativas de
desenvolvimento da linguagem verbal demonstra comunicação das crianças e às possibilidades de
às crianças “as formas desejáveis de chamar a estabelecer conversação com elas – mesmo as
atenção” (HEVESI, 2004, p. 56). Nesse projeto, as bem pequenininhas -, as professoras vão
professoras assumiram o desafio de procurar percebendo as necessidades de expressão das
oportunidades de estabelecer comunicação por crianças indicadas nas diferentes linguagens -
meio da fala com as crianças. Passaram a perceber sons, gestos e olhares.
no comportamento das crianças os sinais de que Aproveitando as situações sistematizadas
elas queriam a atenção dos adultos e também acima, podemos criar nas crianças a necessidade
oportunidades em que podiam iniciar uma de comunicação (LISINA, 1987). Podemos, ainda,
“conversa” com a criança. Uma situação possível estabelecer com elas uma relação humanizadora
de fala se estabelece quando a professora avisa as que as envolve nas relações sociais que acontecem
crianças que ela se interessa pela atividade que as ao seu redor permitindo que se crie uma
crianças estão desenvolvendo: pode ser um autoestima positiva em cada criança.
movimento, uma brincadeira, um barulho, um Compreendemos que, assim como aconteceu em
som. “Estou vendo que você conseguiu pegar o Lóczy, precisamos também substituir a
baldinho!” comunicação onde se reforça o comportamento
Em outra situação, a professora se dirige à negativo, as ordens e proibições – e mesmo a
criança que a observa e comenta com ela sua ausência de comunicação com os pequenininhos -
atividade: “Zolti, você já está esperando? Já
por uma comunicação que valoriza as iniciativas bem pequenininha, de se relacionar com o mundo
das crianças, suas experiências e conquistas. físico e social que a rodeia e aprender – apontou
Voltando à experiência formativa por nós novos caminhos a serem percorridos para o
realizada, a transformação do espaço refletiu aprofundamento das práticas docentes com as
numa nova relação entre educadora e criança. Aos crianças numa perspectiva humanizadora.
poucos, as professoras foram estabelecendo Consideramos que a familiarização das
formas de comunicação adequadas às crianças professoras da creche com a fundamentação
pequenas, não apenas contemplando a fala teórica foi fundamental para esse salto de
antecipatória com os bebês, mas observando para qualidade observado na pesquisa realizada, uma
conhecer cada vez melhor as crianças vez que esta possibilitou a compreensão mais
pequenininhas e suas necessidades, ampliando o profunda do processo educativo na sua
tempo das atividades individualizadas como o complexidade, permitiu às professoras propor
banho, a troca e alimentação, permitindo que as intervenções intencionais e novas atividades
crianças assumissem o seu lugar de sujeito ativo promotoras de desenvolvimento que provocavam
no seu processo de aprendizagem, sujeito com as crianças à atividade e permitiam a observação,
vontades, curiosidades e capacidade de aprender. a reflexão e o registro por parte das professoras.
O brincar junto com as crianças criou Por meio dessa experiência, foi possível
condições para as professoras envolverem cada perceber o papel essencial do professor e da
vez mais as crianças no cuidados dos materiais: professora das crianças pequenininhas na
classificar, organizar e guardar os brinquedos e organização intencional do espaço da escola como
materiais. Esta e outras atividades realizadas aliado no trabalho pedagógico ao provocar as
anteriormente por meio de decisões solitárias e crianças à apropriação das formas mais elaboradas
silenciosas das professoras e de outros da cultura, educando crianças para brilhar e não
profissionais da escola passaram a ser motivo de para morrer de fome. As relações estabelecidas
conversa desses adultos com as crianças entre a professora e as crianças, da mesma forma,
pequenininhas. Mesmo não sendo ainda capazes mostraram-se fundamentais na produção de
de compreender literalmente as falas, as crianças atitudes curiosas e investigadoras nas crianças.
passam a se sentir personagens centrais na vida da Tudo isso aponta caminhos para a atuação
creche e da escola infantil. Isso é bom para as do/a professor/a das crianças pequenininhas: dar
crianças e para seu desenvolvimento e é bom para boas vindas às crianças à vida e à experiência
professoras e professores que precisam - como de humana acumulada – a cultura -, criando nelas
fato, todos nós adultos, de um modo geral, interesse e prazer em conhecer, em saber, em ver,
precisamos – exercitar o olhar e conduzir as ações explorar, experimentar, aprender. Assim cuidadas
para superar os preconceitos que ainda envolvem e educadas serão crianças de bem com a vida, com
as crianças pequenas. E, assim, aprofundar o as pessoas que as rodeiam e com o conhecimento
trabalho docente com os pequenininhos, que neste que pode se abrir infinitamente para elas nessa
momento histórico pode ser definido como de idade. O que mais podemos esperar do nosso
criação de uma pedagogia para a primeira trabalho profissional?
infância.