Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
Resumo
Situando a pesquisa...
Tropeças nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossas vidas entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando para a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo
(Livros, Caetano Veloso)
Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada em 2003 quando, através de uma
1
Professora de Educação Infantil no município de Gaspar, integrante do grupo Amigos da Leitura (Biblioteca
Pública Dom Daniel Hostin) e mestranda em Educação pela Universidade Regional de Blumenau.
2
Professora de Educação Infantil no município de Blumenau, pesquisadora na área da leitura e literatura e
mestranda em Educação pela Universidade Regional de Blumenau.
saída de campo, coletamos livros brinquedos em nove instituições de educação infantil do
município de Gaspar e nove instituições de educação infantil do município de Blumenau. Esta
pesquisa teve o propósito de avaliar a qualidade dos livros que estavam à disposição das
crianças pequenas nestes espaços educacionais. Com o propósito de publicizar novas
considerações acerca do tema exposto, fomos novamente a campo coletar dados, a fim de
estabelecermos um diálogo entre as conclusões atuais e as que chegamos em 2003. Para este
segundo momento da pesquisa, solicitamos às instituições de educação infantil do município
de Gaspar, as mesmas que participaram da pesquisa em 2003, que selecionassem no seu
acervo um livro brinquedo que considerassem de melhor qualidade. Estes foram analisados a
partir dos mesmos critérios de análises utilizados na pesquisa de 2003. Vale salientar, que para
esta nova etapa da pesquisa, envolvemos somente as instituições de educação infantil do
município de Gaspar. Os resultados destas inserções no campo empírico serão
compartilhados neste texto.
Temos como propósito discutir alguns aspectos referentes ao livro brinquedo,
norteados na perspectiva de suas contribuições no processo de sensibilização para a leitura da
criança pequena. Essa categoria de livro vem despertando curiosidades e reflexões entre
educadores, pais e pessoas envolvidas com a literatura infantil e com a formação de leitores.
O livro brinquedo é considerado por alguns estudiosos desta área, dentre eles Coelho
(2000) que o denomina como “livro-objeto”, o primeiro contato da criança com o objeto livro
e representa um marco inicial na sensibilização para a leitura. A nomenclatura livro brinquedo
surge oficialmente a partir de 1997 pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil - FNLIJ-
com o propósito de uma premiação anual. O que diferencia o livro brinquedo dos demais
livros de literatura infantil é o projeto gráfico, pois este precisa ser de material resistente para
promover uma leitura autônoma das crianças bem pequenas. Este livro é destinado às crianças
na faixa etária dos zero aos três anos aproximadamente. Embora não tenhamos a intenção de
tratar das questões referentes à indicação de livros por faixa etária, faz-se necessário
mencionarmos nesse texto, que a escolha do livro não se dá pela faixa etária, mas, pela
condição leitora de cada indivíduo.
Os livros brinquedos, assim como outros literários infantis, apresentam em suas
narrativas, implícita e explicitamente, concepções de infâncias idealizadas pelos autores,
ilustradores e editores. Considerar a criança como um leitor em formação é assegurar-lhe o
acesso à literatura de qualidade e (re) conhecê-la como ator social.
Alguns estudos acerca da construção histórica e social das relações entre adultos e
crianças, como por exemplo, o estudo de Ariès ([1960], 2011) em seu livro “A história social
da criança e da família”, identifica a presença de dois “sentimentos de infância” que
influenciam a Educação das crianças até os dias de hoje: pararicação e moralização. Na
paparicação a criança é vista como um ser ingênuo e fonte de distração para o adulto,
enquanto na moralização, há necessidade de discipliná-la para a preservação dos costumes.
Discussões mais recentes acerca das várias concepções de criança nos mostram quão
díspares ainda são essas concepções, como nos aponta Pinto (1997) há ainda uma grande
divergência de concepções em relação às crianças: uns a apontam como seres dotados de
competências e capacidades, outros de carências; uns acreditam que ela precisa ser defendida
do mundo adulto numa atitude de proteção, outros que ela precisa alcançar este mundo o
quanto antes; uns valorizam o que a criança é, outros o que ela virá a ser. Estas disparidades
têm consequência direta na forma como as crianças irão viver suas infâncias. Estas formas de
ver as crianças, de concebê-las, são encontradas nos livros de literatura infantil e evidenciadas
nas análises dos livros brinquedos.
A literatura infantil, compreendida numa perspectiva histórica, cultural e social retrata
os valores cultivados por cada sociedade em seu tempo. Nesse sentido, Coelho (2000)
contribui quando afirma que:
A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de
criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível
realização...
Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem, expressa uma
determinada experiência humana, e dificilmente poderá ser definida com exatidão.
Cada época compreendeu e produziu literatura a seu modo. Conhecer esse “modo”
é, sem dúvida, conhecer a singularidade de cada momento da longa marcha da
humanidade em sua constante evolução. Conhecer a literatura que cada época
destinou às suas crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais
cada sociedade se fundamentou (e se fundamenta...). (p. 27 e 28).
A literatura infantil foi por muito tempo segregada, diminuída e considerada como um
gênero secundário. Recentemente, desponta com alvo de atenção do mercado editorial
capitalista quando reconhece a criança, seus pais e profissionais de educação como
consumidores em potencial deste material.
É necessário destacar que nem tudo o que circula no mercado editorial pode ser
chamado de produção literária de qualidade. Ou como disse Bartolomeu Campos de Queirós
(2005) “Não existe texto literário sem qualidade. Existem textos que não são literários.” Neste
sentido, encontramos no mercado editorial publicações que diminuem e que desrespeitam o
público alvo a que se destinam essas obras, apresentando-as carregadas de clichês,
estereótipos e textos (narrativa pela palavra e pela imagem) desprovidos de arte.
A leitura está em torno da criança, independente da instituição em que ela esteja
inserida e dos processos formais que a ela sejam oportunizados. É mister que se parta da
concepção de leitura apontada por Paulo Freire. Este destaca a aprendizagem da leitura como
“leitura de mundo”, que antecede a leitura da palavra e que dá condições a uma leitura
diferenciada do cotidiano, no qual se está inserido, modificando o cotidiano e modificando o
indivíduo. Diante disso, ressaltarmos a importância da sensibilização para a leitura desde
muito cedo, nas famílias e nas instituições educativas responsáveis pelas crianças, no caso
desta pesquisa, os CEIs e CDIs. Vale ressaltar que grande parte das crianças terá unicamente,
ou em maiores oportunidades, contato com o objeto livro dentro das instituições educacionais.
Como afirma Ricardo Azevedo (2003) “É na escola que a maioria das crianças vai ter seu
contato com o livro”.
Diante dessa realidade, a utilização e o reconhecimento do livro brinquedo remetem a
um questionamento: o que circula no mercado editorial: são livros brinquedo ou brinquedos
livro? Há uma confusão na disposição dos substantivos que, inicialmente, até parece pouco
prejudicial. Mas na verdade, acreditamos que há diferença entre o livro brinquedo e o
brinquedo livro. Apesar deste suporte de texto, ser considerados por alguns teóricos da leitura,
como o primeiro contato da criança bem pequena com o objeto livro, há poucos estudos sobre
este material.
Diante das afirmações e reflexões que fizemos acerca da leitura e da formação do
leitor no que concernem as crianças pequenas, propomo-nos a fazer uma análise de livros
brinquedos que estão à disposição das crianças bem pequenas nas instituições de educação
infantil de Gaspar e Blumenau. Procuramos buscar respostas para as seguintes perguntas:
qual a qualidade dos livros brinquedos ou brinquedos livros encontrados nas instituições de
educação infantil dos municípios acima citados? Quais as concepções de infância
evidenciadas nesta categoria de livro? Quais os livros brinquedos que os profissionais de
educação infantil do município de Gaspar consideram de qualidade?
3
Termo utilizado por Coelho (2000, p.196), para designar as ilustrações ou imagens nos livros de literatura
infantil.
significativamente. Há uma desconsideração com a qualidade visual dos livros brinquedos
evidenciando a concepção de infância, implícita nesta linguagem, que vem caracterizar a
crianças como um ser menor que não necessita nos livros destinados a ela, ilustrações de
qualidade. Ilustrações que apurem o olhar e que exercitem um olhar mais atento. No lugar
destas, encontramos ilustrações carregadas de estereótipos, com elementos de contorno
excessivos, como se a criança não conseguisse reconhecer as imagens sem esses contornos. O
convívio com ilustrações de qualidade duvidosa permite apenas a leitura superficial não
ampliando o olhar, não criando tensão visual, desfavorecendo a leitura do mundo imagético
no qual a criança está inserida.
Em relação à textualidade, mais uma vez um contraste significativo no que diz
respeito ao item não recomendável (88%). Evidenciou-se claramente a concepção de infância
expressa neste item, pois se percebe uma total despreocupação com o que a criança irá ouvir,
ou seja, o texto. Deixando evidente que a criança, nesta idade, não necessita ouvir histórias
interessantes, com tramas instigantes. A única preocupação apresentada pela maioria das
editoras no que se refere aos livros brinquedos é a apresentação de textos que privilegiam o
ensinamento, o didatismo e o moralismo, apregoando que a criança pequena precisa ser
moralizada e disciplinada. O que revela uma concepção de infância que ainda é muito
presente nas obras de literatura destinadas à criança que é a moralização.
Percebeu-se também em grande parte dos livros brinquedos o caráter informativo.
Essas informações são referentes a cores, números, formas geométricas, desvelando uma
concepção pedagógica conteudista para a Educação Infantil. Assim, podemos afirmar que o
mercado editorial, ao produzir este tipo de livro, desconsidera que a textualidade necessita
estar impregnada de literariedade, pois afinal de contas, este livro é uma literatura infantil e
como tal, é arte. Da mesma forma, as pessoas responsáveis pela seleção e compra destes
livros precisam ficar atentas, pois a confusão entre literário e informativo leva as crianças a
acreditar que todos os livros serão lidos da mesma forma. Gustavo Bernardo (2005) faz um
alerta sobre isso ao afirmar que “cometemos um erro quando exigimos que o aluno leia o
texto literário como lê os textos das outras disciplinas”, referindo-se as crianças maiores, mas
que cabe aqui, pois o professor de educação infantil empresta a sua voz para que as crianças
pequenas possam ler “pelos ouvidos” (Brito, 2005).
Tratamos agora a análise de dados do segundo momento da pesquisa (2012). Esta,
conforme salientado anteriormente, foi realizada em instituições de Educação Infantil do
município de Gaspar, as mesmas que participaram no primeiro momento da coleta de dados
(2003). Este segundo momento também se refere a uma nova saída de campo para a coleta de
livros brinquedos nas instituições. Diferenciando-se da coleta de dados de 2003, nesta, ao
invés de coletarmos todos os livros brinquedos existentes no acervo da instituição, solicitamos
que cada uma delas escolhesse o livro brinquedo que considerassem ser o de melhor
qualidade. Nesse sentido, foram analisados nove livros brinquedos, um de cada instituição.
A análise deste segundo momento evidencia novamente uma maior preocupação por
parte das editoras no que diz respeito ao Projeto Gráfico. A ênfase privilegiando a
manipulação da criança está explícita quando encontramos 67% dos livros brinquedos como
sendo recomendáveis versus 34% não recomendáveis. Não podemos afirmar que esta
manipulação tenha ou não como objetivo a autonomia da criança. No entanto, podemos
pressupor que esta manipulação possibilita a “liberdade” do adulto, uma vez que a criança
poderá apropriar-se do objeto livro sem causá-lo maiores estragos e sem oferecer-lhe riscos,
podendo o adulto realizar outras atividades enquanto a criança aprecia (ou se distrai) com o
livro brinquedo.
O item Linguagem Iconográfica também se aproxima da análise feita no primeiro
momento da pesquisa. Consideramos como recomendáveis apenas 11% dos livros brinquedos
contra 89% não recomendáveis. Mais uma vez, os percentuais nos apontam a fragilidade nas
discussões acerca da narrativa visual. Isso nos faz refletir seriamente sobre a qualidade das
imagens que estão circulando entre crianças pequenas dentro de instituições de Educação
Infantil. O excesso de estereótipos, as imagens chapadas sem os elementos que possibilitam o
seu tratamento qualitativo. A falta de expressões artísticas neste item caracterizou a maioria
dos livros brinquedos analisados.
No que diz respeito à análise da Textualidade, atribuímos 44% como sendo
recomendáveis. Nestes os livros brinquedos apresentam trama que dialoga com a infância,
trazendo elementos vivenciados pelas crianças, como por exemplo, as brincadeiras e a
possibilidade de ampliá-las ludicamente. Para os 56% não recomendáveis consideramos livros
cujas textualidades não apresentam preocupação com a literariedade: trama pouco instigante
que não seduz o leitor, ênfase a comportamentos inadequados, predominância de frases
repetitivas que suscitam uma didatização da história.
Referências
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
BRITO, Luiz Percival Lemes. Educação infantil e cultura escrita (Prefácio). In: FARIAS, Ana
Lúcia Goulart de e MELLO, Suely Amaral (org.). Linguagens infantis: outras formas de
leitura. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
CASTANHA, Marilda. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro
infantil e juvenil? Com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2005.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
FREIRE. Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez, 1997.