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Brazilian Journal of Development 101015

Possibilidades da tecnologia digital de informação e comunicação na educação


com perspectivas críticas e emancipatórias

Possibilities of digital information and communication technology in education


with critical and emancipatory perspectives
DOI:10.34117/bjdv6n12-552

Recebimento dos originais:21/11/2020


Aceitação para publicação:21/12/2020

Cláudia Akiko Arakawa Watanabe


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
E-mail: profaclaudia.história@gmail.com

Valter de Almeida Costa


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
E-mail: valterdealmeidacosta882@gmail.com

RESUMO
Numa sociedade de desigualdades sociais, em que a tecnologia digital encontra-se cada vez mais
presente, este texto visa propor a reflexão de como a Tecnologia Digital de Informação e Comunicação
(TDIC) pode contribuir para uma educação mais crítica. No método, realizou-se a revisão da literatura
que trata da semiformação abordada pela Escola de Frankfurt, Web Currículo e iniciativas pedagógicas
digitais desenvolvidas nas escolas da Europa e do Brasil assentadas em princípios mais críticos. Como
resultados, à luz da teoria, foram observados métodos pedagógicos que pareceram estimular a
colaboração e a reflexão dos alunos diante da realidade existente. Entretanto, entende-se ser necessária
a orientação destas práticas tecnológicas digitais a fim de que os alunos consigam identificar as
contradições existentes na sociedade.

Palavras-chave: Formação Cultural, Tecnologia Digital de Informação e Comunicação, Web


Currículo, Alunos, Teoria Crítica

ABSTRACT
In a society of social inequalities, where digital technology is increasingly present, this text aims to
propose a reflection on how Digital Information and Communication Technology (DTIC) can
contribute to a more critical education. In the method, the literature review dealing with semiformatting
addressed by the Frankfurt School, Web Curriculum and digital pedagogical initiatives developed in
schools in Europe and Brazil based on more critical principles was carried out. As results, in the light
of the theory, pedagogical methods were observed that seemed to stimulate the collaboration and
reflection of the students in face of the existing reality. However, it is understood that the orientation
of these digital technological practices is necessary so that students can identify the existing
contradictions in society.

Keywords: Cultural Education, Digital Information and Communication Technology, Web


Curriculum, Students, Critical Theory

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.101015-101020 dec. 2020. ISSN 2525-8761


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1 INTRODUÇÃO
Os baixos rendimentos vistos nas últimas avaliações institucionais como o Sistema de
Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP -indicam que a educação básica
no Estado de São Paulo precisa avançar. Conversas informais com professores da rede estadual também
mostram que os alunos parecem não querer aprender. As causas destacadas pelos docentes são
inúmeras: salários baixos, número excessivo de alunos, problemas de infraestrutura, de material, de
conteúdos, falta de formação adequada, gestão ineficiente, entre outros. Os professores também se
queixam quanto ao uso excessivo dos meios digitais como os celulares que levam os alunos a não se
concentrarem em seus estudos. Contudo, Castells (2004) considera o século XXI como a era da
informação em que a sociedade hoje não pode ser mais entendida sem se levar em conta a tecnologia
digital. Cantini, Bortolozzo, Faria et al (2006) também nos chama a atenção ao afirmar que ignorar os
recursos e possibilidades de aprendizagem que as Tecnologias de Informação e Comunicação nos
trazem e agirmos criticamente sobre elas, significa permitir que todo esse ambiente virtual fique a
disposição do mercado de consumo, da superficialidade, do acesso seletivo e, conseqüentemente, da
fomentação da desigualdade social. Assim, entende-se ser vital a inserção da tecnologia digital nas
escolas com vistas à formação cultural que permita o indivíduo a agir criticamente sobre ela e não
somente como receptores passivos. Nessa medida, o presente texto busca apresentar conceitos
centrados numa formação mais crítica e iniciativas educacionais, pautadas no uso da Tecnologia Digital
de Informação e Comunicação (TDIC), que parecem contribuir para este tipo de formação.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
Atualmente, embora se observe o alto grau de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a
miséria, desigualdade social e a fome parecem persistir. Nesse sentido, os autores frankfurtianos
chamam a atenção de que a formação cultural hoje parece fomentar apenas a adaptação de indivíduos
alienados à esta sociedade desigual. Assim, aspectos fundamentais da sociedade, erigidos no
movimento iluminista como a solidariedade, a igualdade, a justiça parecem ter sido substituídos pelo
trabalho com fins únicos de atender aos anseios do capital. (Adorno, Horkheimer, 1985).
Na escola pública, considerada espaço de formação formal, Giovinazzo Jr. (2003), à luz da
Teoria Crítica, observou em sua pesquisa a falta do pensamento crítico dos alunos ao identificar que
algumas de suas falas não passavam de “reprodução de clichês e estereótipos” (Giovinazzo, 2003, p.
204), demonstrando a emissão de opiniões assentadas nas impressões iniciais, sensações, sem o devido
aprofundamento que permita uma experiência mais formativa. Para Crochik (1998), entende-se que a
cultura deve ser interiorizada mediante os anseios do indivíduo e o desenvolvimento da capacidade que
possibilite o ser a adaptar, pensar, criticar e repensar para além de como a cultura se

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apresenta. Entretanto, em seus escritos, Adorno observa que o indivíduo hoje aderiu à uma
semiformação definida, entre outros, pela subjugação do ser às pressões totalitárias da sociedade que
naturaliza tudo à sua volta; a assimilação de uma cultura transformada em valor; a reificação da
consciência resultante de elementos formativos inassimilados; aquisição de informações
desconectadas, efêmeras e intercambiáveis. (Adorno, 1995a, 1995b). Embora, não adotando a
perspectiva frankfurtiana, Santomé (2013) afirma que os estudantes hoje buscam apenas o
conhecimento com vistas a adquirir o sucesso financeiro e um forte individualismo em todas as
condutas realizadas pelas pessoas. Em se tratando do uso da tecnologia nas escolas, Crochik com base
na Teoria Crítica, aponta para os perigos de se supervalorizar a eficiência na execução das metas
estabelecidas, assentadas numa transmissão fragmentada e especializada de conhecimentos,
desvinculados do cotidiano, da história, e, sobretudo, das contradições entre as forças produtivas e as
relações sociais.
Diante desse cenário social de semiformação, pesquisadores como Almeida (2011) propõem a
inserção da tecnologia digital nas escolas de modo mais crítico. Denominado de Web Currículo, cuja
tecnologia digital e currículo se estruturam mutuamente, estes pesquisadores visam promover a práxis
– prática refletida - em que a construção do conhecimento ocorre com base na experiência, no fazer,
associando teores acumulados ao longo das gerações, o diálogo, a colaboração com colegas e o uso das
TDIC. No web currículo, a tecnologia digital permitiria potencializar a construção do saber por meio
do compartilhamento das informações e ferramentas capazes de visualizar de modo mais preciso o
processo de construção do saber, promovendo depurações e a tomada de consciência das ações.
Nesses moldes, o professor assumiria o papel de orientador do processo de aprendizagem, inter-
relacionando aspectos críticos, pedagógicos, científicos e tecnológicos. Em se tratando do aluno, seu
papel seria mais ativo, um aprendizado centrado na prática, por meio de propostas e ações apresentadas
por projetos, investigações científicas, confecções de games, resolução de problemas, entre
outros. Dentre os objetivos do web currículo destacam-se: oferecer um aprendizado que tenha real
sentido para o aluno; desenvolver uma postura mais questionadora, crítica e reflexiva; trabalhos mais
cooperativos e solidários; democratizar o conhecimento enriquecendo o repertório cultural;
desenvolvimento da capacidade de desnaturalizar o cotidiano e o ambiente que os cerca e, por fim, o
desenvolvimento da criatividade.

3 MÉTODO
Para a produção deste trabalho foi realizada uma revisão literária buscando analisar iniciativas
educacionais digitais que se aproximem de uma visão mais crítica, consubstanciada nos conceitos
mencionados no referencial.

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Nesta revisão literária, foram encontradas ações de instituições públicas e privadas que parecem
lidar com a tecnologia digital de modo mais crítico. Uma delas denominada Responsible Research
Innovation (RRI) refere-se às ações efetuadas pela União Européia que busca regulamentar as
pesquisas científicas numa dimensão mais ética, integrando interesses científicos e dos grupos sociais
alvo das pesquisas. Seus idealizadores relacionam as seis chaves que, articuladas, promovem o RRI:
compromisso, igualdade de gênero, educação científica, compartilhamento de informações, princípios
éticos e a atuação governamental. Para formar pesquisadores a atuarem dentro dos moldes do RRI, o
Reino Unido desenvolveu o projeto denominado ENGAGE HUB que, segundo Sherbone, coordenador
do projeto, consiste num consórcio de 14 países, com orçamento de 3 milhões de euros. O projeto
centra-se no desenvolvimento de oito habilidades: 1. Interrogar fontes; 2. Usar da ética; 3. Examinar
as conseqüências; 4. Estimar os riscos; 5. Analisar padrões; 6. Reivindicar críticas; 7. Justificar
opiniões; 8. Comunicar idéias.
Noutro texto denominado “Escola conectada: os multiletramentos e as Tics. (2013)”,
organizada por Roxane Rojo e resenhada por Assumpção (2013), apresenta artigos que tratam das
possibilidades de se trabalhar a tecnologia de modo mais crítico. A autora considera que as práticas de
letramento encontram-se imbricadas com as estruturas culturais e de manutenção do poder da sociedade
Rojo (2009). .Assim, ela apresenta as múltiplas possibilidades de letramento no ciberespaço em o aluno
teria condições de construir o seu próprio conhecimento, pela prática, visando, entre outros aspectos,
capacitar os alunos à refletirem diante de uma situação que pode ser não natural. Nessa persperctiva
multiletrada, os textos seriam interativos, colaborativos, reflexivos e híbridos e o aluno assumiria o
papel de sujeito de sua aprendizagem.
Outras ações digitais e críticas, com alunos de escolas públicas e particulares, também foram
descritas por Liberali (2015). Em suas pesquisas a autora defende que a pedagogia dos multiletramentos
com os elementos formativos dos alunos nos seus aspectos sociais e culturais, os materiais tecnológicos
e a produção do saber advindos desse processo de construção, levariam à promoção da
“desencapsulação da aprendizagem”. Ela cita os quatro componentes que compõem a desencapsulação:
prática situada, instrução evidente, enquadramento crítico e prática transformadora. Liberali (2015)
atenta que os “conteúdos que formam o currículo escolar, usualmente, são descontextualizados,
distantes do mundo experiencial de alunos e alunas, com disciplinas trabalhadas de forma isolada, o
que impede a construção e a compreensão de nexos que sirvam de estruturação com base na realidade”
(Liberali, 2015, p. 4). A autora também ressalta em seus trabalhos um aspecto de intenso
comprometimento democrático desse grupo. Um comprometimento, não por acaso, também
identificado com o termo “engajamento”, muito presente em seus textos.

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Na Rede Municipal de Educação na Cidade de São Paulo, em 2014, também se observou, nos
novos ciclos no Ensino Fundamental, caracteres semelhantes à desencapsulação da aprendizagem.
Dentre elas o Ciclo Autoral em que alunos dos sétimos, oitavos e nonos anos são estimulados a
produzirem Trabalhos Colaborativos de Autoria que resultem em projetos de intervenção social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz da teoria crítica, observa-se que a sociedade capitalista busca uma formação educacional
centrada na transmissão de conhecimentos fragmentados, com ações que fomentem o individualismo,
a valorização do capital e teores ausentes de contradições como a desigualdade social. Assim, o
presente texto buscou iniciativas educacionais que parecem utilizar a tecnologia digital de modo mais
crítico devido ao desenvolvimento do espírito colaborativo e solidário presente nos projetos
desenvolvidos pelos alunos; a possibilidade da tecnologia promover a autorreflexão em que o aluno
consegue, por meio de depurações, visualizar e aplicar o seu conhecimento para além da situação
vivenciada; certa autonomia do aluno na construção do seu saber. Ao retomar a idéia de espiral de
aprendizagem, citado por Valente (2002), entende-se que, mediante o uso mais consciente da TDIC,
que estrutura inclusive as depurações de pensamento, é possível que o aluno consiga desenvolver uma
visão mais holística de sua realidade e se permita a pensar de modo mais emancipado entendido aqui
como a liberação ao imediatismo e a cenários não naturais que podem ser resíduos de situações
passadas que já foram superadas. (Adorno, 1995). Entretanto, para a promoção da educação tecnológica
digital mais crítica compreende-se ser necessário que, nestas depurações, os alunos sejam orientados
de modo a formar uma consciência social capaz de perceber as contradições da sociedade a fim de que
se construam sociedades mais justas, solidárias e igualitárias.

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