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BRASIL E DITADURA MILITAR: UM DEBATE SOBRE O RETORNO AO

ESTADO DEMOCRÁTICO

Anderson Guimarães Mendonça

Graduando em História pela UFRPE

andersongm94@hotmail.com

Giselda Brito Silva

Doutora em História pela UFPE e Professora da UFRPE

gibrs@uol.com.br

Resumo

Este artigo tem como objetivo esclarecer os pontos de vista a respeito do período
final do regime militar brasileiro, onde existe um maior debate sobre a influência,
vigilância e atuação do estado ditatorial até o saída para a redemocratização oficial em
1988, com a promulgação da 7º Constituição federal no Brasil. O principal período de
análise neste artigo é entre 1979 e 1988. Para isso, vamos analisar textos e teorias de
historiadores contemporâneos acerca das posições controversas de como se deu o
retorno à democracia depois de mais de duas décadas sob um regime militar.

Palavras-chave: Ditadura, Brasil, Redemocratização.

Abstract

This article has the objective to enlighten the viewpoints about the period final
of brazilian military regime, where there is a major debate about the influence, the
surveillance and acting of the dictatorial state until the exit to the official
redemocratization in 1988, with the promulgation of 7º Brazil Federal Constitution. The
main period of analysis in this article is between 1979 e 1988. Thus, we will analyze
texts and theories of contemporaries historians about the controversial positions how
had been the return to democracy after more of decades under a militar regime.

Keywords: Dictactorship, Brazil, Redemocratization


Introdução

Nos últimos anos, a histografia brasileira se debruçou muito sobre a ditadura


militar brasileira, fazendo diversas análises de contextos políticos e sociais que teriam
causado as etapas, desde o golpe civil/militar em 1964 até a volta à democracia em
1988, com a constituição “cidadã”. Dentre os vários debates acerca deste período da
história brasileira está em se saber, quando, exatamente, podemos dizer que a ditadura
não mais existiu no Brasil. Assim como o início do regime é marcado pelo debate se o
golpe começou no dia 31 de março ou no dia 1 de Abril, pela discussão se o regime foi
militar ou civil/militar ou se a ditadura teria começado com o golpe dentro do golpe em
1968 com o AI 5, o final deste período histórico também é passivo de debate e versões
que levam historiadores de vários locais do país a terem teorias diferentes para
argumentar o que foi o regime e até onde ele foi. Dentre os vários pontos de vista a
serem analisados está a tese que a ditadura só acabou com o último presidente militar,
José Figueiredo, em 1985. Outra tese que atualmente está em discussão é a que o regime
só terminou em 1979 com fim dos atos institucionais que abriram o Brasil para uma
democracia. Uma terceira tese, mais ligada à segunda está a de saída democrática em
1988, após a promulgação da constituição e o fim de qualquer resquício do regime
militar e ao finalizarmos um período, comum nos países que saem do autoritarismo
chamado pela área do direito de “Justiça de Transição”. No entanto, não debateremos no
âmbito jurídico e sim no histórico. Comecemos então, a analisar as particularidades
existentes no regime militar brasileiro em relação a outros países da América da Latina.

Particularidades do Regime Militar Brasileiro

O regime militar brasileiro teve algumas particularidades em relação a outros


regimes militares na América Latina. Um exemplo claro de particularidade é a
existência de partidos políticos (bipartidarismo), inclusive de oposição, durante o
período do regime. Embora estes partidos, muitas vezes, apenas tivessem papel
simbólico quanto à efetividade política no congresso e nas chances de conseguir eleger
seus representantes em qualquer esfera da república, eles existiram e foram por eles que
muitos indivíduos políticos da oposição encontraram meios de discordar de temas da
política e lutar contra o regime militar instaurado em 1964, mas sem data para terminar.
A filósofa Hannah Arendt (2012, p-611) faz uma distinção entre um regime totalitário,
exemplificando com a Alemanha Nazista e a Rússia Stalinista, quanto às noções de
classe, partido e polícia. Ela discorre sobre o totalitarismo:

O totalitarismo difere essencialmente de outras formas de opressão


política que conhecemos, como o despotismo, a tirania e a ditadura.
[...] O governo totalitário sempre transformou as classes em massas,
substituiu o sistema partidário não por ditaduras unipartidárias, mas
por um movimento de massa, transferiu o centro do poder do Exército
para a polícia.

Para Arendt é necessário que certas etapas sejam seguidas para que se tenha um
regime totalitário, e conforme visto na descrição dela, a ditadura militar brasileira não se
enquadraria nestas etapas, visto que algumas estruturas existiram enquanto o regime já
estava implantado.

Outra particularidade, se considerarmos o século XX como um todo, diferente


dos regimes totalitários existentes no mundo e em especial na América latina, a começar
por Hitler, foi a existência de apenas uma pessoa no poder durante os anos que
instaurou o regime. No Brasil, mesmo que com os ditames arbitrários à democracia,
foram cinco presidentes com quatro ou mais estrelas, sem contarmos a segunda junta
militar, entre os governos de Costa e Silva e Emílio Médici. Para existência de um
sistema totalitário, como aconteceu no Chile, com Augusto Pinochet, No Paraguai com
Alfredo Stroessner, ou até mesmo no período do Estado Novo Varguista no Brasil, Seria
necessária, segundo Arendt, a ascensão de um indivíduo por um único partido para
existência do regime totalitário.

A ditadura brasileira teve em seus vários anos um verdadeiro rodízio de


presidentes, sem contar a junta militar entre os governos de Costa e Silva e Emilio
Garrastazu Médici. Além disso, o período de cada militar como presidente era
previamente estabelecido. Duraria cinco anos, assim como o mandato e um presidente
eleito. Vários historiadores dizem que tais atitudes foram tomadas para se manter o
máximo possível o regime. O historiador Carlos Fico (2015, p-92) diz em uma de suas
obras:

Embora seja acertado considerar o rodízio de generais presidentes e a


manutenção das eleições parlamentares como uma fachada
democrática, isto é, como uma tentativa de o regime transparecer
normalidade que de fato não havia.

O historiador Daniel Aarão Reis (2014, p-125) coloca outra particularidade no


regime militar. Ele considera o fim do regime militar, ou do estado de exceção como ele
chama, com o fim dos Atos Institucionais. Ele diz:

O restabelecimento do estado de direito não coincidiu com a


instauração de uma Constituição democrática. O país deixou de ser
regido por uma ditadura – predomínio de um estado de exceção,
quando prevalece a vontade, arbitrária, dos governantes, que podem
fazer e desfazer as leis – sem adotar de imediato, através de uma
Assembléia eleita, uma Constituição democrática.

Daniel Aarão, em outras palavras, explica que nós tínhamos, naquele momento,
saídos de um regime ditatorial, mas não tínhamos entrado num regime democrático. A
Constituição, que normalmente era o marco da redemocratização, só viria em 1988.
Durante nove anos ficamos num período, no qual ele chama de “transição democrática”.
Essa transição, segundo Reis Filho, não estava claro no período anulação dos dezenove
atos institucionais. Tanto é que havia o medo e o risco de a linha dura voltar ao poder e
reiniciar o período mais sombrio do regime. Reis também crítica a ideia de que o regime
militar teria acabado em 1985. Para ele, o isso seria apenas colocar sobre os holofotes
da história os militares, deixando de lado os civis presentes nas entranhas do regime.
Seria criar, nas palavras dele, um “bode expiatório” para falar dos anos de chumbo.
Claro que nessa discussão também entra a questão do caráter da ditadura. Se ela foi
apenas militar ou cívil/militar.

Fim da ditadura. Fim de qualquer censura?

Outro ponto de peculiaridade da ditadura militar é a censura. Ou como afirma o


historiador Carlos Fico, As duas censuras. Para Fico, houve no período da ditadura duas
censuras. Uma criada logo ao início da ditadura e a mais conhecida de todas. A censura
prévia. Ela era uma forma de controle da mídia existente nas redações jornalísticas em
todo o Brasil. Jornais, Rádios, TVs, Revistas e Periódicos semanais. Todas essas mídias
tinham que publicar apenas o que os censores permitissem o que significa que não
poderia haver nada que pudesse afrontar o governo ou ter uma mensagem subversiva.
Esse tipo de censura era de caráter unicamente político. Não que a segunda censura que
irei apresentar não fosse, mas essa, escancaradamente, era, pois os jornais tentavam
passar informações para os leitores e sempre eram vetados por membros da SNI. Um
caso famoso é do jornal O Estado de São Paulo, que escreveu colocava os cantos de os
Lusíadas, poema de Luís de Camões, nas páginas e notícias censuradas.

A outra censura que Fico (2004, p-88) aborda e comenta em seu livro é a
censura das diversões públicas. Essa censura era de caráter mais moral do que
propriamente política, mas Fico diz:

A Divisão de Censuras de Diversões Públicas (DCDP) “não exercia


atividades de censura política diretamente”, restringindo-se a coibir o
que considerava imprópria, do ponto de vista moral, no teatro, no
cinema, na TV, etc. [...] Toda censura é um ato político,
independentemente de visar as questões morais ou a temas
explicitamente políticos.

É esse segundo tipo de censura que Fico mais se atêm, por considerar uma
censura não muito analisada pela historiografia. Ela surgiu nos anos 40, durante o
Estado Novo Varguista, e permanecerei até o regime militar, onde seria intensificada.

No final do regime essa censura muda o alvo da vigilância. Ou melhor,


intensifica em uma das mídias de massa, a TV. Pela dubiedade da abertura política
existente no governo de José Figueiredo, o diretor da DCDP evitava censurar
espetáculos de pequenas audiências, por ter a incerteza se teria uma redemocratização
ou entrada num novo regime militar, embora mesmo com os instrumentos de controle
quase caídos, a censura moral ainda era de grande aceite por parte da população por
ainda existir o medo da ameaça do movimento comunista internacional, que, no
entendimento massificado da população, ele começaria não pela subversão política, mas
por solapar a família, os bons costumes, a juventude, propagando a prostituição o que
levaria a degradação do povo. Com isso, o DCDP recebeu pedidos de censura a novelas
da Rede Globo, dando legitimidade popular para continuar as intervenções nos meios de
comunicação.

No entanto com a abertura políticas a DCDP sofreu um golpe nas normas de


censura. A partir de Figueiredo, havia outro órgão que fiscalizaria as mídias, sendo
agora muito mais brandas as restrições (FICO, 2004, p-108):

Assustados com o “fim da censura”, a DCDP promoveu seminários


buscando encontrar uma adequação aos novos tempos, mas o clima de
intranquilidade grassava entre os censores. [...] A Divisão não
resistiria às “constantes campanhas (...) desfechadas através dos meios
de comunicação, que procuram denegrir o órgão e seus titulares”.

Agora era uma questão de tempo. O golpe final veio com a constituição de 1988.
Cinco meses antes de sua promulgação, praticamente, a Censura Federal já tinham
encerrado suas atividades.

A Polícia Política e a Repressão

Uma das maiores discussões da atualidade é sobre a atuação da polícia em


situações cotidianas nas cidades. Muitas vezes suas atuações são arbitrárias, truculentas
e seletivas. Um negro, um pobre em um lugar, socialmente, com mais poder aquisitivo,
são os primeiros alvos. As favelas e os bairros mais pobres são as localidades que têm
maior atividade suspeita para cometer um crime. Este ranço de desconfiança da polícia
vem desde o período do Brasil imperial, quando, em sua criação, o policial tinha que
trazer a ordem e o controle social, excluindo, na grande maioria das vezes, os escravos e
as mulheres.

Este artigo não pretende se ater a origem da polícia no Brasil, mas o interessante
é ver que tais permanências, como diria Marc Bloch, ainda existem na sociedade
brasileira. Se em momentos de paz e a exclusão social houve de forma clara, num
regime de exceção, essas atribuições e arbitrariedades da polícia seriam ampliadas para
que o braço espião e investigativo pudesse estar em todos os lugares. Sobre este soldado
irei citar a forma de produção descrita por Foucault, na qual ele diz que o soldado, a
partir do séc. XVIII se torna algo que se fabrica de uma massa informe, desenvolve o
automatismo dos hábitos. Foucault chama isso de corpo dócil, capaz de ser manipulado
na criação de maquinas que farão comandos sem questionar o porquê de fazer tais
ações.

Trazendo para mais perto do contexto brasileiro, nós tivemos no Brasil, durante
o período de Figueiredo um abrandamento das ações e formas de repressões existentes
no Brasil. E isso não se deu por vontade dos militares. Na verdade, era inevitável que a
ditadura perdurasse por muito mais tempo além do que já tinha existido. Tal
abrandamento já tinha começado com o governo de Geisel. Ele tinha, em seu último ano
de governo, revogado o banimento de quase todos os exilados políticos, exceto Leonel
Brizola e Luiz Carlos Prestes. Com o fim dos atos institucionais, essa abertura estava se
aproximando. Mas como já dito, esse abrandamento já era planejado. Em conversa com
os ministros em 1974, ele decidiu por uma abertura descrita por ele como “lenta,
gradual e segura”. A ideia era a institucionalização do regime entendida como
“incorporação, na constituição, da possibilidade de aplicação de medidas repressivas e
uma indicação de que a imaginação política criadora teria de dar forma a esse propósito
contraditório, o de constitucionalizar atos excepcionais” (FICO, 2015, p-94).

Com a abertura iminente, houve a ideia de que muitos policiais passaram a rever
o comportamento que tiveram ou que seus antecessores tiveram a frente do DOPS, SNI,
DOI-CODI e DIP. O pensamento moldado no período de grande terror entre os
governos de Costa e Silva e Ernesto Geisel, agora se tornava algo passivo de reflexão.
Na verdade, esse foi um discurso feito por Geisel para tentar manter o regime o mais
longo possível, dizendo que apenas aconteceram alguns excessos por partes de alguns
soldados ou praças e que agora estavam sob investigação:

Esta tese, como se vê, é a condição prévia necessária para a


glorificação da iniciativa de Geisel de “acabar com a tortura”, que se
não é falsa, oculta o fato básico de que o general admitiu a existência
da tortura até sua posse na Presidência da República (FICO, 2004, p-
84).
Como já dito, os militares já viam a dissolução do estado pela crescente
atividade da oposição, pela frente política e social. Inclusive a Lei de Segurança
Nacional foi modificada, revendo alguns pontos, desde sua criação após o AI-5 ser
baixado. No livro Brasil Nunca mais é dito sobre a LSN:

Num segundo momento (1978) foram alterados alguns pontos que


eram objetos de críticas sistemáticas feitas pelos fóruns democráticos
internacionais. Foram suprimidas as penas de morte e de prisão
perpétua, abriu-se a possibilidade teórica de verificação de saúde
física e mental do detido, reduziu-se o prazo de incomunicabilidade e
foram alterados outros aspectos de importância diminuta. Mas, no
essencial, o espírito da lei permaneceu intacto1.

De fato, muitos dos atos feitos pelos militares no final do regime foram apenas
para postergar o final do regime e a saída para a democracia. Outro exemplo claro disso
está no medo dos militares numa possibilidade de ter um governo mais de esquerda,
ainda remontando o medo do comunismo. As eleições indiretas para a escolha de
Tancredo Neves pelo Colégio Militar denotam essa preocupação de escolher um
presidente mais moderado, do antigo PSD. Este plano de transição foi pensado antes
mesmo do governo de Figueiredo começar.

Mas o maior medo dos militares foi de uma futura apuração de violação dos
direitos humanos após a passagem do poder para os civis. A Lei da Anistia foi criada
para imunizar os militares que cometeram barbáries durante o regime sobre o argumento
que os guerrilheiros e manifestantes também cometeram atos criminosos e que com o
perdão das ações dos grupos de oposição, os militares também deveriam ser perdoados.
A anistia, no final das contas, não foi “ampla, geral e irrestrita”, mas ao contrário,
permitiu a perdão de torturadores.

E aquele soldado que foi citado anteriormente com características de disciplina e


fabricação, comum no século XX, onde ele está? Ele está no centro do debate, quando
se questiona as ações da polícia política e do exercito no final do regime. Poucas

1
Trecho tirado do projeto e do Livro Brasil Nunca Mais, organizado pela Arquidiocese de São Paulo,
tendo sua conclusão em Março de 1985.
pesquisas existem acerca deste tema, mas um debate muito intenso é feito sobre eles
sempre aceitarem as ordens e seus “corpos dóceis” foram sempre manipulados por
hierarquias acima deles. Assim, como no início do golpe, João Goulart acreditava ter o
aparelho de defesa com militares que ele julgava ser sempre fiel a sua pessoa, mas
muitos militares se recusaram, anos depois, de cometer atentados aos direitos humanos.
É certo, que muitos militares foram contra o regime, mas até onde isso vai e de onde
isso veio? Perguntas que a historiografia não se debruçou muito para responder e cabe
uma ampla pesquisa.

Sobre os resquícios desta polícia, nós podemos ver, na atualidade, que elas ainda
estão no comportamento social da instituição nas ruas do país. Policiais produzidos em
massa que não tem um bom preparo físico, ético e psicológico. Desta forma, a polícia
ainda é militar, repressiva e pró-ativa, agindo antes das ações acontecerem com medo de
que atividades “suspeitas” possam lesar a sociedade, ou melhor, a ordem pública.
Voltando a base da polícia, ela sempre procura um inimigo para vigiar. No Império
foram os escravos, nas ditaduras foram os comunistas “subversivos”, atualmente o
negro e o pobre que não podem frequentar determinados lugares. Permanências de um
Estado controlado pelo Exército. Reis (2014, p-170) fala do Exército como um Estado
dentro do Estado:

Com seus próprios tribunais, escolas e academias, e suas hierarquias,


solidárias e impenetráveis, os militares não se consideram nem são
considerados funcionários públicos uniformizados, mas anjos tutelares
da República.

Isso não significa que melhorias não aconteceram, mas o caminho ainda é longo
para termos uma polícia mais reativa e não pró-ativa como comumente vemos na
sociedade.

Considerações Finais

Um dos assuntos mais estudados no universo acadêmico contemporâneo ainda é


o período do regime militar, tanto no âmbito da história, como nos âmbitos do direito e
da ciência política. Além do mais, no âmbito da história se discute os efeitos posteriores
deste regime autoritário que ainda encontra resquícios na atualidade. De acordo com a
ONU, para que o processo de transição de um regime autoritário para o um regime
democrático se dê por completo e encerre o “evento traumático”, é necessário que o país
passe por quatro etapas que sua ordem dependerá de país para país. São elas: A reforma
das instituições; a reparação às vítimas; a revelação da verdade factual e a
implementação de medidas de justiça. Destas etapas o Brasil ainda precisa avançar na
maioria destas. Isso não significa que ele já não tenha dado os primeiros passos.

No que se referem às instituições, algumas ainda tem o perfil do militarismo,


como a polícia militar, quando vemos a hierarquia e a disciplina presente nesta
instituição. Sobre a reparação das vítimas, o governo fez um pagamento as famílias das
vítimas do regime, mas os valores ainda são dispares e os critérios questionáveis.
Quanto a revelação da verdade factual, esse papel nós historiadores estamos trabalhando
e pode-se dizer que esta é uma das mais ativas até agora. Embora haja arquivos e
documentos que a historiografia não tem acesso, muita já se foi escrito e trabalhado para
mostrar o que realmente aconteceu nos anos de chumbo. Não se pode esquecer que tais
ações da verdade factual também trazem questões da memória nacional e reconstrução
das trajetórias individuais, o que ajuda na reparação de vítimas e processo histórico das
instituições. E por último, não menos importante, está a implementação de medidas de
justiça, que tem como objetivo descobrir os mandantes dos crimes cometidos no regime
militar brasileiro e causaram sequelas a sociedade. Esta etapa iniciou-se há pouco tempo
com a comissão nacional da verdade, embora haja ainda um obscurantismo nas ações
militares de altas patentes. Alguns generais morreram durante os pedidos de
esclarecimento de ações feitas por eles na ditadura e durante os processos de
julgamento. Alguns por causas naturais, outros ainda não muito bem explicados. Com o
passar do tempo a possibilidade da Lei de Anistia se torna inútil, em função da morte
dos possíveis culpados.

Como se viu, as ações de reparo à sociedade pós-ditadura ainda estão em


andamento e significa dizer, com base na ONU, que o Brasil ainda não está totalmente
reparado do trauma autoritário. Um dos avanços para isso foi, como já citado, a
comissão nacional da verdade, que durante dois anos, investigou e levantou números
ainda pouco estudados e permitiu olhar um novo horizonte. Ainda não é o suficiente
para passarmos de vez a página dos anos de chumbo, mas já é uma nova fase de estudos
e transição para a democracia.

Referências

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