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Que País é Este?

CAPÍTULO

Noções Espaciais maior país do continente em termos de área e o


primeiro da América do Sul, ocupando 47% da
Começamos a estudar geografia localizando área territorial sul-americana.
e dimensionando o seu objeto de estudo. Para a
Suas dimensões territoriais o caracterizam
Geografia do Brasil, este trabalho inicial consiste
como um país continental, uma vez que seu terri-
no reconhecimento da posição geográfica e das di-
tório ocupa 1,6% da superfície do globo terrestre,
mensões que o país ocupa em relação à totalidade
5,7% das terras emersas do planeta e 20,8% da su-
da área terrestre.
perfície do continente americano.
O Brasil localiza-se no hemisfério ocidental,
em longitudes a oeste do meridiano inicial de Gre- Posição Geográfica e suas
enwich, ou seja, entre os meridianos 34º47’30” e Implicações
73º59’32” a oeste de Greenwich. Situado entre os
paralelos de 5º16’20” de latitude norte e 33º44’42”
de latitude sul, é cortado ao norte pelo Equador e,
ao sul, pelo Trópico de Capricórnio, situando-se,
portanto, cerca de 90% de seu território no hemis-
fério sul.
Integrante do continente americano, o Bra-
sil situa-se na porção centro-oriental da América
do Sul, limitando-se com a quase totalidade dos
países sul-americanos, a exceção do Equador, do
Chile e de Trinidad e Tobago.
A área territorial brasileira é de 8.547.403,5
km2 e seu perímetro abrange 23.086 km, limi-
tando-se em 7.367 km, com o Oceano Atlântico,
ou seja 31,9% de sua linha divisória. É o terceiro

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 1


A partir dos pontos extremos, das fronteiras, América do Sul. São os acidentes geográficos si-
dos paralelos e dos meridianos, podemos determi- tuados nas maiores latitudes e longitudes do país.
nar precisamente a posição geográfica do Brasil. Veja o quadro.
O Brasil ocupa a porção centro-oriental da

COORDENADA
ACIDENTE GEOGRÁFICO UNIDADE DA FEDERAÇÃO POSIÇÃO
GEOGRÁFICA
Nascente dos rios Ailã e
Norte Caburaí, na Serra do Caburaí, Estado de Rorâima 5O 16’ 19’’ N
fronteira com a Guiana
Curva do arroio Chuí, na
Sul Estado do Rio Grande do Sul 33O 45’ 09’’ S
fronteira com o Uruguai
Ponta Seixas, voltada para o
Leste Estado da Paraíba 34O 45’ 54’’ O
Atlântico
Rio Moá, na fronteira com o
Oeste Estado do Acre 73O 59’ O
Peru (Serra da Contamana)
Fonte dos dados: Anuário Estatístico do Brasil

Hemisfério Sul Oficialmente o Brasil se constitui em uma


Continente América República Federativa - República Federativa do
Brasil – composta por 26 estados e um distrito fede-
Área (km2) 8.547.403,5
ral, onde se situa a capital da República – Brasília,
População residente (2005) 183.825.475
sede do governo e dos poderes executivo, legislati-
Densidade Demográfica (hab/km2) 21,06 vo e judiciário. Cada um dos estados brasileiros, ou
Taxa de Urbanização (%) 80,59 seja, cada uma das unidades da Federação, é ainda
Taxa Média Geométrica de
1,93 subdividido em municípios e esses em distritos. Ao
Crescimento Anual 1991-2000 (%) todo o Brasil possui 9.274 distritos distribuídos em
4.974 municípios.
Apesar de o País se constituir em uma Fede-
ração é grande a centralização política existente,
sendo pequena a autonomia de cada unidade da
Federação.
Os estados brasileiros são ainda agrupados
em cinco grandes regiões político-administrativas:
Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste

Fronteiras
São os limites territoriais do país. As frontei-
ras brasileiras estendem-se por mais de 23.000 Km,
dos quais cerca de 7.500 representam a linha divi-
sória oceânica. A fronteira com a Bolívia, esten-
dendo-se por pouco mais de 3.100 Km, é a maior
linha divisória continental. Verifique no quadro os
tipos de fronteiras continentais brasileiras.

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deste fato são diferentes de acordo com o sentido e
Linhas
Rios Serras
Geodésicas
Lagos a direção das extensões.

50% 25% 20% 5% Distância Norte-Sul


São 4.320 Km em linha reta, que refletem
Observando o mapa da América do Sul, no- a grande extensão latitudinal do país. Este é um
tamos que Brasil não possui fronteira com o Chile dos fatores mais significativos na formação das
e o Equador. Alguns autores, entretanto têm alega- paisagens brasileiras, pois a latitude influi profun-
do que a ilha de Trinidad Tobago, desmembrada damente nas temperaturas e, consequentemente,
da Venezuela em 1972, seria um terceiro país não no clima de uma região. É importante lembrar que
fronteiriço. cerca de 8% do território brasileiro se encontra
abaixo da linha do Trópico de Capricórnio (Veja
Paralelos e Meridianos primeira figura), ou seja, dentro da Zona tempera-
da, embora seu clima seja subtropical.
Utilizando como referência os principais pa-
ralelos e meridianos (primeira figura percebe que o Distância Leste-Oeste
território brasileiro está assim posicionado): São 4.328 Km em linha reta. A consequên-
cia desta grande extensão longitudinal é a forma-
Hemisfério Área ção de quatro fusos horários no Brasil, atrasados
Oeste (Ocidental) 100% devido ao posicionamento a oeste do meridiano
Sul (Meridional) 92% inicial de Greenwich (GMT).
Norte (Setentrional) 8%

Como principais consequências do posicio- Área


namento geográfico brasileiro podemos destacar: O Brasil ocupa aproximadamente 5,8% da
• que a participação do Brasil na história do superfície da Terra, o que equivale a pouco menos
mundo ocidental só se inicia no século XVI, de 8.512.000 km2. Regionalmente, no entanto,
quando se amplia o horizonte geográfico hu- forma um subcontinente, pois ocupa cerca de 47%
mano através das grandes navegações, ocor- da superfície da América do Sul.
rendo assim o descobrimento das Américas;
• a formação de uma paisagem geográfica es- Fusos Horários
sencialmente tropical.
Em decorrência do movimento de rotação
da Terra, temos os dias e as noites, além da dife-
Dimensões e suas rença de horário entre os diversos pontos longitu-
Consequências dinais da esfera terrestre.
Ao dividir os 360 graus da esfera terrestre
As dimensões do país podem ser estudadas
pelas 24 horas de duração do movimento de rota-
sob diversas perspectivas; daremos ênfase aos pro-
ção, o resultado é 15 graus. A cada 15 graus que a
blemas da extensão e da área.
Terra gira, passa-se uma hora. Assim, cada uma das
Extensão 24 divisões da Terra corresponde a um fuso horário
(veja o mapa).
As distâncias entre os pontos extremos bra-
sileiros são semelhantes, como verificamos na fi- Desde o Encontro de Washington, no ano
gura. de 1884, todas as localidades dentro de um mesmo
fuso adotam o mesmo horário. Convencionou-se
No entanto, veremos que as consequências também que o meridiano que cruza Greenwich é

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considerado o meridiano de referência para as lon- Divisões Regionais
gitudes, a partir do qual se acertam os relógios em
todo o planeta. DIVISÃO REGIONAL OFICIAL DE 1945
As horas mudam à medida que nos dirigimos
de um fuso a outro. Para determinarmos a diferen-
ça de horário entre duas localidades, basta saber-
mos a distância longitudinal entre elas e dividi-la
por 15, que é a medida de cada fuso.
Veja, no mapa de fusos do planeta, que as
horas aumentam para leste e diminuem para oeste,
a partir de qualquer referencial adotado. Isso ocor-
re parque a Terra gira de oeste para leste. A hora
oficial do Brasil, por exemplo, está três horas atra-
sadas em relação a Greenwich.

FUSO ÁREAS
HORÁRIO
NACIONAL ABRANGIDAS
Atrasado duas Todas as ilhas
1º Fuso
horas do CMT oceânicas
Estados: Todos os DIVISÃO REGIONAL OFICIAL DE 1969
das regiões SE, Sul e
Atrasado três NE além de GO e da
2º Fuso
horas de GMT posição a leste do rio
Xingu no PA, Distrito
Federal e Amapá
Estados: MT, MS,
RO, PA (porção a
Atrasado
oeste do rio Xingu)
3º Fuso quatro horas
e AM (quase
de GMT
totalidade) Roraima,
AC e AM.

Como você vê no mapa, em 1945 existia o


leste meridional e setentrional, sendo formado
pelos estados: Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Espí-
rito Santo e Rio de Janeiro.
• A região Centro-Oeste: Mato Grosso, Goi-

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ás, Tocantins e Mato Grosso do Sul. DIVISÃO REGIONAL OFICIAL DE 1945
• A região Sul: São Paulo, Paraná, Santa Ca-
tarina e Rio Grande do Sul.
• A região Norte: Amapá, Roraima, Acre,
Amazonas e Rondônia.
• A região Nordeste: Ceará, Pernambuco,
Maranhão, Paraiba, Rio Grande do Norte e
Alagoas.
Como você pode ver, em 1969 foram esta-
belcidos dois níveis hierárquicos básicos das regi-
ões: as microrregiões e as macrorregiões homogê-
neas.
As microrregiões foram substituídas pelas
antigas zonas fisográficas e as macrorregiões apre-
sentaram algumas diferenças devido ao fator da
homogeneidade.

Diferenças
Informativos do Brasil
Os estados da Bahia e Sergipe foram ane-
xados à região nordeste. Eliminação da subdivisão • Sistema: República presidencialista
do Nordeste em Nordeste ocidental e oriental A • Divisão Administrativa: 26 estados e 1 Dis-
região sudeste que foi criada para substiruir o leste trito Federal
meridional constuiu uma nova unidade especial.
• Chefe de Estado e de Governo: Luís Inácio
A criação da região sudeste está ligada ao Lula da Silva, eleito por voto direto, para o
desenvolvimento indústrial e urbano nesta região. período de 01.01.2003 à 31.12.2006
Essa região foi formada por três estados da antiga
Região Leste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Es- • Poder Legislativo: Bicameral, Senado Fede-
pírito Santo e por um estado desmembrado da Re- ral e Câmara dos Deputados
gião Sul (São Paulo). • Senado Federal: 81 membros, eleitos para
A divisão regional tem apenas uma modi- mandatos de 8 anos – Câmara dos Deputa-
ficação: Estado de Tocantins, criado em 1988, e dos: 513 membros, eleitos para mandatos de
desmembrado do Estado de Goiás, foi incluído na 4 anos.
Região Norte.

EXPECTATIVA POPULAÇÃO
HATIBANTES/
ESTADOS CAITAL DE VIDA ÁREA EM Km2 (ESTIMATIVA
Km
(EM ANOS) 2000)
Acre Rio Branco 70,5 153.149 557.226 3,7
Alagoas Maceió 65,5 27.933 2.819.172 101,3
Amapá Macapá 69,4 143.453 475.843 3,3
Amazonas Manaus 70,7 1.577.820 2.813.085 1,8
Bahia Salvador 71,2 567.295 13.066.910 23,2
Ceará Fortaleza 69,2 146.348 7.418.476 50,9
Distrito Federal (*) Brasília 74,6 5.802 2.282.049 393,3

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Espírito Santo Vitória 72,9 46.184 3.094.390 67,2
Goiás Goiânia 72,5 341.289 4.996.436 14,7
Maranhão Sao Luís 66,4 333.365 5.642.960 17,0
Mato Grosso Cuiabá 72,3 906.806 2.502.260 2,8
Mato Grosso do Sul Campo Grande 72,9 358.158 2.074.877 5,8
Minas Gerais Belo Horizonte 73,8 588.383 17.866.402 30,5
Pará Belém 71,1 1.253.164 6.189.550 5,0
Paraíba João Pessoa 67,9 56.584 3.439.344 61,1
Paraná Curitiba 73,2 199.709 9.558.454 48,0
Pernambuco Recife 67,1 98.937 7.911.937 80,3
Piauí Teresina 67,8 252.378 2.841.202 11,3
Rio de Janeiro Rio de Janeiro 72,1 43.909 14.367.083 328,0
Rio Grande do Norte Natal 69,4 53.306 2.771.538 52,2
Rio Grande do Sul Porto Alegre 74,2 282.062 10.181.749 36,1
Rondônia Porto Velho 70,3 238.512 1.317.614 5,5
Roraima Boa Vista 69,0 225.116 324.152 1,5
Santa Catarina Florianópolis 74,5 95.442 5.349.580 56,1
São Paulo São Paulo 73,4 248.808 36.969.476 149,0
Sergipe Aracajú 69,9 22.050 1.781.714 81,1
Tocantins Palmas 70,4 278.420 1.155.913 4,2
BRASIL (**) Brasília 71,7 (*) 8.514.204,8 184.739.395 21,69

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Os Elementos Formados da Paisagem
CAPÍTULO

2
Geológica Brasileira
Inicialmente, a preocupação ambiental se Dom João VI abriu os portos brasileiros ao mundo.
confundia com a luta pela defesa de nossas flores- Roberto Simonsen e sua escola os fecharam, proi-
tas. Durante os quatro primeiros séculos de ocu- bindo ou restringindo a importação de produtos
pação humana, no Centro-sul e no Nordeste, o indústriais. Era a ideologia do Brasil Grande, con-
desenvolvimento do País e dessas regiões se fazia siderado aqui como se fosse um País sitiado pelas
à custa da derrubada das florestas. Os cerrados e outras nações do planeta. Essa reserva de mercado
os campos rupestres, bem como as caatingas, eram visava proteger o início da industrialização, objeti-
considerados áreas marginais e recebiam atenção vo necessário, mas era uma política insustentável
também marginal. O desenvolvimento agrícola a longo prazo. Muito mais tarde, somente a partir
exigia a destruição das matas. Assim, até os anos de de 1980, os portos brasileiros começaram a ser re-
1950, o café respondia por aproximadamente 90% abertos ao mundo, no governo Collor (1990-92) e
de nossas exportações. Os cafeeiros são plantas vo- principalmente nos governos que se seguiram.
razes, que exaurem o solo e exigem terras muito
Hoje vivemos um clima de Mercosul, de
férteis.
economia global, de maior respeito ao mercado. O
A cafeicultura de expressão econômica se café responde agora por cerca de 10% das nossas
iníciou junto ao Rio de Janeiro, onde Dom João exportações. Diversificamos nossa produção, que
VI estabeleceu a capital real. Depois, a cafeicultu- em muitos setores é competitiva no mundo globa-
ra migrou através do Vale do Paraíba do Sul. Em lizado.
seguida, tangenciou São Paulo, para ocupar Cam-
Essas características, aqui muito resumidas,
pinas e se espraiou pelo oeste do Estado. Mais tarde
de nossa evolução econômica, tiveram não apenas
ocupou o noroeste do Paraná. Ocupou também o
profundas consequências na aceleração do desen-
sul de Minas Gerais e partes do estado do Espírito
volvimento do País, mas também causaram gran-
Santo.
des impactos ambientais.
No Nordeste a produção agrícola principal
era e ainda é a plantação de cana para a fabricação
de açúcar e álcool, também muito importante no Geografia: os Domínios
Sudeste. O Brasil era, até meados do século XX,
uma nação basicamente agrícola.
Morfoclimáticos e a
Durante e após a Primeira Guerra Mundial,
Paisagem do Brasil
a indústria começou a se desenvolver, principal- Uma maneira interessante e rápida de os
mente através das atividades de indústriais italia- vestibulandos revisarem as principais característi-
nos e ítalo-brasileiros, como os Matarazzo, os Cres- cas das grandes paisagens naturais do Brasil é estu-
pi e os Bardella, além de empresários descendentes dar a partir dos domínios morfoclimáticos.
de libaneses, sírios, portugueses, alemães e outros. Esses domínios correspondem a áreas com
Roberto Simonsen foi o principal expoente relativa homogeneidade no quadro natural com-
da política brasileira de reserva de mercado para os posto pelo relevo, pelo clima, pela vegetação e
produtos indústriais. Foi a época do “similar nacio- pela hidrografia. É muito importante observar que
nal”. Se havia “similar nacional”, não se importa- as paisagens não são homogêneas, podendo ocor-
vam os produtos indústrializados de outras nações. rer, por exemplo, mais de uma vegetação em um

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mesmo tipo de relevo. Ainda assim, é possível fa- Em relação às cadeias orogênicas, é impor-
zer uma síntese do quadro natural do país em seis tante ressaltar que nosso território não possui as de
grandes domínios. formação recente, isto é, as do fim do Mesozoico
e Cenozoico (Terciário), denominadas também
As perguntas de vestibulares costumam
dobramentos modernos, mas sim as antigas (do
questionar também o modo como essas áreas fo-
Pré-Cambriano), como as das serras do Mar e da
ram e são transformadas pela ação antrópica (do
Mantiqueira, da Serra do Espinhaço e das serras do
homem).
Planalto das Guianas.
Vamos revisar os domínios brasileiros e tra-
tar um pouco da localização original de cada um
deles.
O domínio do cerrado ocorre principalmen-
te na região Centro-Oeste, no entanto está presen-
te também nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste,
em suas porções limítrofes com o Brasil central.
Na região Norte, prevalece o domínio ama-
zônico, que também está presente no Centro-Oes-
te (no norte de Mato Grosso) e no Nordeste (no
oeste do Estado do Maranhão).
O domínio das caatingas, que é relativo ao
sertão nordestino, também aparece do norte de a) Os Crátons ou Plataformas
Minas Gerais, no Sudeste.
Procurando inserir o território brasileiro,
O domínio das araucárias está presente pre-
sob o ponto de vista geológico-estrutural, no sub-
dominantemente nas partes mais altas da região
continente da América do Sul, os estudos realiza-
Sul.
dos demonstraram que ele se encontra totalmente
O domínio dos mares de morros é a carac- alojado na Placa Sul-americana, sendo parte inte-
terística da porção mais próxima ao litoral do país grante da Plataforma Sul-Americana, cuja história
e se interioriza um pouco mais na região Sudeste. geológica remonta a mais de 2.600 M.A. (milhões
Na porção meridional do Estado do Rio de anos).
Grande do Sul, está a maior ocorrência do domí- A Plataforma Sul-Americana contém dois
nio das pradarias no país. grandes embasamentos ou escudos cristalinos, que
correspondem ao Escudo das Guianas e ao Escudo
Brasileiro, formados predominantemente por ro-
As Bases Geológicas do chas metamórficas muito antigas (Azoico e Arque-
Território Brasileiro ozoico), por rochas magmáticas intrusivas antigas
(Arqueozoico e Proterozoico) e ainda por rochas
Com as noções adquiridas podemos agora
sedimentares antigas (Proterozoico, denominado
estudar as bases ou estruturas geológicas do terri-
também Pré-Cambriano Superior). Essas rochas
tório brasileiro.
são verdadeiros resíduos que, no passado geológi-
O Brasil possui em seu território as três ma- co, deviam recobrir maiores porções das platafor-
croestruturas citadas anteriormente: mas ou crátons.
• os crátons ou plataformas; Esses escudos cristalinos (das Guianas e Bra-
• as bacias sedimentares; sileiro) são circundados por coberturas ou por ba-
• as cadeias orogênicas (no caso, antigas). cias sedimentares fanerozoicas.

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Em vista de o território brasileiro ocupar a taformas.
porção centro-oriental da Plataforma Sul-Ameri-
Os crátons ou plataformas formam no Brasil
cana, localiza-se distante das zonas de contato en-
o “embasamento cristalino” ou o “complexo cris-
tre as placas tectônicas Sul-Americana, de Nazca e
talino” ou, ainda, o “complexo brasileiro”, como
do Caribe ou das Antilhas.
podem ser denominados na literatura geológica e
Essa posição geográfica explica a relativa geomorfológica.
estabilidade geológica do território brasileiro. O
Durante algum tempo pensou-se que as for-
Brasil não possui, portanto, tectonismo orogê-
mações arquezoicas ou os crátons ou plataformas
nico recente, muito embora apresente o de tipo
de nosso território não abrigassem depósitos mi-
epirogênico, ou seja, de movimentos verticais ou
nerais expressivos. Entretanto novas descobertas
de soerguimento que vêm ocorrendo ao longo do
minerais e seu estudo têm colocado em dúvida
Cenozoico, isto é, nos últimos 70 milhões de anos.
essa questão. Tudo indica que as grandes jazidas
Esses movimentos epirogenéticos explicam, por
minerais da Serra dos Carajás, no Pará, ou o ouro
exemplo, a existência no Brasil de planaltos for-
de áreas próximas aos rios Madeira e Tapajós e a
mados em bacias sedimentares, hoje situados em
outros da Amazônia, como também o minério de
altitudes mais elevadas do que antes do Cenozoico.
manganês da Serra do Navio, no Amapá, estão re-
Explicam, também, a formação de depressões, pois,
lacionados aos terrenos arqueozoicos.
ao mesmo tempo que ocorria e ocorre a epirogê-
nese, os agentes da dinâmica externa do relevo —
como a água, as oscilações de temperatura do ar
b) As Bacias Sedimentares
atmosférico e o vento — provocaram e provocam
(Características Gerais)
o desgaste de rochas menos resistentes criando, as- Essas formações geológicas ocupam a maior
sim, as depressões que circundam os planaltos de área do território brasileiro, estimando-se que ocu-
nosso território. pem 5,5 milhões de km2, ou seja, cerca de 64%.
Com os conhecimentos adquiridos, pode- No Brasil, existem bacias sedimentares de
mos agora interpretar o mapa da estrutura geoló- grande e de pequena extensão.
gica do Brasil.
de grande extensão: a Amazônica, do Parna-
Existem dois grandes crátons pré-brasilianos íba — chamada também de Meio-Norte —, a do
no território brasileiro: o cráton amazônico, que, Paraná ou Paranaica e a Central.
em vista da grande extensão de seus afloramentos
rochosos pode ser dividido em dois escudos: o das de menor extensão: do Pantanal Mato-
Guianas e o do Brasil Central; e o cráton do São -Grossense, do São Francisco ou Sanfranciscana
Francisco. (esta muito antiga), do Recôncavo Tucano (pro-
dutora de petróleo) e a Litorânea.
Os crátons menores são: cráton de São Luís
(MA), cráton Luís Alves (SC) e cráton do Rio da Além dessas, há as denominadas bacias de
Prata (RS). compartimento de planalto, de reduzida extensão,
se comparadas às citadas, e correspondentes a for-
Todos eles, datam do Arqueozoico, de modo mações sedimentares alojadas em porções cônca-
que são formados por rochas muito antigas, predo- vas dos crátons de pouca extensão e profundidade.
minantemente metamórficas, muitas delas datan- É o caso das bacias sedimentares de Curitiba (PR),
do de idade superiores a 3.000 M.A. Mas possuem Taubaté (SP), Resende (RJ), São Paulo e outras.
também rochas magmáticas intrusivas datadas de
1 a 2 M.A. e, completando a estrutura rochosa As bacias sedimentares do Brasil possuem
complexa, resíduos de rochas sedimentares do Pré- camadas dispostas horizontalmente ou quase ho-
-Cambriano Superior, que no passado geológico rizontalmente, fato que evidencia a ausência de
deviam cobrir vastas extensões dos crátons ou pla- movimentos importantes — como os tectonismos

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— desde remotos tempos geológicos. Entretanto, São originários de vários diastrofismos an-
no fim da era Mesozoica, ocorreram movimentos tigos:
da crosta que formaram fraturas, ou seja, fendas
• o diatrofismo laurenciano, que se manifstou
ou aberturas microscópicas ou macroscópicas que
no fim do Arquezoico e provocou grandes
aparecem no corpo de uma rocha, principalmente
dobramentos, dando origem às serras do Mar
em decorrência de forças tectônicas. Por essas fra-
e da Mantiqueira, localizadas na faixa de do-
turas ocorreu o escoamento de lavas básicas (lavas
bramento do Atlântico;
que podem percorrer grandes extensões), cobrindo
• o diastrofismo huroniano, que data do final
grande extensão do sul do território brasileiro e da
do Proterozoico e cujos dobramentos deram
região de Poços de Caldas e Araxá (MG). Uma vez
origem à Serra do Espinhaço (MG) e à Cha-
consolidadas, essas lavas resultantes do vulcanis-
pada Diamantina (BA);
mo (destacando-se os basaltos e os diabásicos) e
• o diastrofismo caledoniano, nos períodos
a diversos diques, ou seja, intrusões magmáticas
geológicos Siluriano e Devoniano da era Pa-
em forma alongada nas camadas da crosta terres-
leozoica, que deu origem aos dobramentos
tre, onde se solidifica. Essas rochas e diques, por
das serras de Paranapiacaba (PR), na faixa
apresentarem grande resistência à erosão, forma-
de dobramento antigo do Atlântico, e dos
ram relevos residuais, permitindo a existência de
Pirineus (GO), na faixa de dobramento an-
várias quedas d’água nos rios do Centro-Sul, com
tigo, denominado Brasília ou Araguaio-To-
destaque para as de Sete quedas (que não existem
cantins.
mais, devido à construção da barragem de Itaipu),
no Rio Paraná, e para as Cataratas do Iguaçu, na As cadeias orogênicas antigas do Brasil esti-
foz do rio de mesmo nome. Além disso, o basalto e veram (e estão) submetidas a várias fases erosivas,
o diabásio, submetidos a agentes erosivos como o motivo pelo qual encontram-se bastante desgas-
intemperismo, se desagregaram e se decompuseram tadas. Devem ter possuído elevadas altitudes, mas
dando origem a solos avermelhados conhecidos nos dias atuais apresentam aspecto serrano em vá-
genericamente com o nome de terra-roxa, encon- rias porções.
trados principalmente no Planalto Meridional ou
Arenito-Basáltico.
A Geomorfologia:
As bacias sedimentares do Brasil datam do
Paleozoico, do Mesozoico e do Cenozoico. As ba- Conceito, Importância e
cias sedimentares como a do Pantanal Mato-Gros- Aplicações
sense, litorâneas e de trechos que margeiam os rios
da bacia hidrográfica Amazônica são do Cenozoi- A geomorfologia pode ser entendida da for-
co. ma que se segue:

“A geomorfologia analisa as formas de relevo


c) As Cadeias Orogênicas Antigas focalizando suas características morfológicas,
do Brasil materiais componentes, processos atuantes e fatores
controlantes, bem como a dinâmica evolutiva.
Veja a seguir o resumo da história geológica
e as principais características dos cinturões orogê- Compreende os estudos voltados para os aspectos
nicos antigos do Brasil: morfológicos da topografia e da dinâmica responsável
pelo funcionamento e pela esculturação das paisagens
Possuem uma complexa formação litológica
(de rochas) e estrutural, com predomínio de ro-
chas metamórficas (gnaisses, quartzitos, ardósias,
micaxistos e outras) e, secundariamente, de rochas
magmáticas intrusivas (granitos, sienitos e outras).

10 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


topográficas. Dessa maneira, ganha relevância por tástrofes, inclusive com perda de vidas humanas.
auxiliar a compreender o modelado terrestre, que Resumindo, a geomorfologia tem relação
surge como elemento do sistema ambiental físico com todo o processo e a dinâmica de ocupação e
e condicionante para as atividades humanas e aproveitamento do espaço pelas sociedades huma-
organizações espaciais”. nas.
(Antônio Christofoletti, Aplicabilidade do conhecimento
geomorfológico nos projetos de planejamento, Nos últimos anos, com o crescimento da
in Antônio José Teixeira Guerra e Sandra Baptista postura ambientalista ou ecológica, da necessidade
daCunha (orgs), premente de se reverem as relações entre o homem
Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos, p.
415.) e o meio ambiente, cresceu ainda mais sua impor-
tância e a de outras ciências ambientais (ecologia,
O objeto de estudo da geomorfologia são as biogeografia, engenharia ambiental etc.). Ela par-
formas de relevo. Assim, ela se relaciona intima- ticipa, juntamente com estas, no trabalho interdis-
mente com a geologia e a geografia, situando-se ciplinar de estudos ambientais. Possui um caráter
na interface de ambas. Enquanto a primeira lhe prático muito grande e é portadora de um relevan-
fornece vários conhecimentos relativos às rochas te sentido, ou seja, o de contribuir, através de seus
e minerais, ao tectonismo ou diastrofismo, ao vul- conhecimentos, para diminuir e evitar o intenso
canismo, às estruturas geológicas, a geografia lhe processo de destruição do meio ambiente em curso,
fornece subsídios importantes sobre o clima e suas portanto de destruição da Terra, nossa morada.
relações com as formas e a evolução do relevo, a
ocupação humana, a produção do espaço geográfi-
Zonas Hipsométricas do Território
co e suas consequências ambientais, entre outros.
Brasileiro
O relevo condiciona o processo de produção
e organização do espaço geográfico. Basta obser- Hipsometria (do grego hypsos = “altura”;
varmos um mapa da distribuição espacial da po- métron = “medição”) corresponde às medidas alti-
pulação mundial para notar a influência condicio- métricas. No caso do relevo, é a sua representação
nante do relevo. Mas essa influência se estende a altimétrica através do uso de cores e curvas de ní-
vários outros aspectos de ordem natural e humana: vel.
a distribuição dos solos, da vegetação, dos animais,
da agricultura e da pecuária; o traçado da rede vi-
ária; a localização urbana, indústrial e de usinas de
eletricidade (de fonte hidráulica, térmica e termo-
nuclear); a ocupação humana de vales e vertentes;
o estabelecimento de áreas de lazer e turismo, e até
mesmo as características climáticas locais e regio-
nais.
A aplicabilidade da geomorfologia é vasta.
Envolve também questões de lixiviação nas áreas
desmatadas; de agricultura e pecuária, com os seus
consequentes empobrecimento e erosão do solo, o
aumento das voçorocas e a desertificação; de pla-
nejamento do solo rural e urbano; de recuperação
de áreas degradadas pela atividade mineradora; de
deslizamentos de terra que frequentemente ocor-
rem nas encostas da Serra da Mantiqueira e na do
Mar, na Baixada Santista (SP), e nos morros da
cidade do Rio de Janeiro, causando verdadeiras ca-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 11


As Classificações do Relevo Sul-Brasileiro.

Brasileiro Vê-se que houve preocupação por parte do


pesquisador em utilizar termos da geomorfologia
a) Segundo o Professor Aroldo de para caracterizar as formas de relevo.
Azevedo Tanto essa classificação quanto a do pro-
Antes do professor Aroldo de Azevedo, as fessor Aroldo de Azevedo se inserem no processo
classificações do relevo brasileiro (de Orville Der- natural do desenvolvimento da geomorfologia no
by, 1884; de Delgado de Carvalho, 1923; de Pierre Brasil, em sua busca incessante de explicar e classi-
Denis, 1929; de Fábio de Macedo Soares Guima- ficar o relevo brasileiro, representando contribui-
rães, 1942, e outras) utilizavam termos geomorfo- ções valiosas.
lógicos, geológicos e até mesmo regionais para de- Com o desenvolvimento da chamada geo-
signar as unidades do relevo, criando, assim, certa morfologia climática, na década de 50, começaram
complexidade e dificuldade por não reproduzirem a surgir os primeiros estudos explicando as formas
ou a não se referirem às formas de relevo. Usavam de relevo a partir do clima. contrapunha-se, assim,
termos como Maciço Central, Maciço Atlântico e à orientação até então adotada, ou seja, à geomor-
outros de caráter puramente geológicos, e não ge- fologia estrutural, que se preocupava em explicar o
omorfológico. relevo e seu modelado tendo por base a estrutura
O professor Aroldo de Azevedo demonstrou do terreno.A divisão do relevo em domínios mor-
preocupação em caracterizar as unidades do relevo foclimáticos, do professor Aziz, procurou:
utilizando-se de uma terminologia geomorfológica RELEVO BRASILEIRO
e secundariamente geológica quando se fez neces-
sário um maior detalhamento. foi ele que sugeriu
que o Planalto Brasileiro fosse subdividido em três
subunidades: Planalto Atlântico, compreenden-
do as Serras Cristalinas e os Planaltos Cristalinos;
Planalto Meridional, abrangendo a Depressão Pe-
riférica e o Planalto Arenito–Basáltico; e Planalto
Central, onde se alojam as Chapadas Sedimentares
e os Planaltos Cristalinos. Essa classificação, utili-
zada durante muito tempo, serviu de base para rea-
valiações posteriores, como a realizada pelo profes-
sor Aziz Nacib Ab’Sáber.

b) Segundo o Professor Aziz


N. Ab’Sáber: Domínios
Morfoclimáticos e Províncias
Fitogeográficas
O professor Aziz N. Ab’Sáber, ao estudar Fonte: Aziz Nacib Ab’Saber, O relevo brasileiro e
seus problemas, in Aroldo de Azevedo (org.) Brasil _ a terra e
o Planalto Brasileiro, propôs sua divisão em cin- o homem, volume I, as bases físicas, p. 155.
co subunidades: o Planalto do Meio-Norte ou do
Maranhão–Piauí; o Planalto Nordestino ou da
“O esclarecimento preliminar de um certo núme-
Borborema, incluindo as chapadas circundantes;
ro de grandes tipos de combinação de fatos, geomor-
o Planalto Oriental e Sul Ocidental ou Planalto
fológicos, climáticos, hidrológicos e pedológicos, os
Atlântico; e o Planalto Meridional ou Goncuânico
quais respondem pela homogeneidade relativa e pela

12 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


notável extensão dos principais quadros de estrutura abrindo as portas para outras buscas metodológicas
e de fisiologia de paisagens de nosso país.” aplicadas à geomorfologia.
(Domínios morfoclimáticos e províncias fitogeográficas
do Brasil, in: Revista Orientação, n. 3, mar. 1967, p. d) Segundo o Prof. Jurandyr L. S.
46.) Ross (1989)
c) Segundo o IBGE Apoiando-se nos estudos anteriores, prin-
cipalmente os do professor Aziz Nacib Ab’Sáber,
Apoiando-se no Projeto Radambrasil, que e nos relatórios e mapas elaborados pelo Projeto
realizou o levantamento geológico, geomorfológi- Radambrasil, da qual fez parte como pesquisador,
co e de recursos naturais do território brasileiro, os o professor Jurandyr L. S. ross, da Universidade de
especialistas do IBGE realizaram uma nova classi- São Paulo, propôs em 1989 uma nova divisão do
ficação do relevo brasileiro, tendo por base a si- relevo brasileiro. Para tanto, utilizou-se de novos
militude de formas, a altimetria, as características procedimentos de análise geomorfológica desen-
litológicas e estruturais e os processos climáticos volvidos por J. P. Mescerjakov. Esses procedimen-
do passado e atuais ordenados em domínios mor- tos se assentam nas noções de morfoestrutura, mor-
foestruturais (a morfoestrutura refere-se à influên- foclimática e morfoescultura.
cia que a estrutura geológica exerce na gênese das
A noção de morfoestrutura, como já vimos,
formas de relevo). A nova classificação, detalhada,
está diretamente relacionada ao peso ou influên-
dividida em quatro domínios morfoestruturais, foi
cia que a estrutura geológica exerce na gênese das
publicada no Atlas Nacional do Brasil, 1966.
formas de relevo. A morfoclimática compreende a
influência dos tipos de climas atuais no modelado.
A morfoescultura abrange tanto os climas atuais
quanto os do passado (os paleoclimas) que exerce-
ram influência na esculturação do relevo e que “so-
breviveram” até os dias atuais através de “marcas”
impressas na paisagem.
Aplicando esses conceitos ou noções ao ter-
ritório brasileiro, o professor Jurandyr L. S. Ross
criou três táxons, ou seja, três níveis hierárquicos
de classificação:
• O 1º táxon diz respeito predominantemente
à geomorfologia, ou seja, à forma de relevo
que se destaca numa certa porção da super-
fície terrestre, distinguindo os planaltos, as
planícies e as depressões.
• O 2º táxon refere-se à estrutura geológica,
ou seja, à composição litológica, donde a re-
Adaptado de: – IBGE – Anuário Estatístico do Brasil, 1991
– Ross, J. L. S. ferência a planaltos esculpidos ou modelados
Relevo Brasileiro; uma nova proposta de classificação. em:bacias sedimentares;intrusões e cobertu-
Revista da USP, nº 4. 1990 (simplificado). ras residuais da plataforma;núcleos cristali-
nos arqueados;cinturões orogênicos.
Percebe-se que houve uma evolução meto- • O 3º táxon é aquele que dá o nome a cada
dológica significativa na geomorfologia. Buscou-se uma das unidades morfoesculturais, apoian-
a interação dos elementos da paisagem na escultu- do-se nas denominações locais e regionais.
ração das formas de relevo. foi um grande avanço, Abrange as três formas, ou seja, os planal-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 13


tos, as planícies e as depressões. É o caso dos Além de ter representado um papel histó-
Planaltos da Amazônia Oriental, Planície do rico importante, como meio de transporte, como
Rio Araguaia e outros. fornecedor de água e alimento, a Bacia do rio São
Francisco foi, também, no período colonial, de
grande significado para a criação de gado. Além da
A Depressão Sertaneja e do São Francisco vegetação original formada por cerrados, que ofe-
inicia-se ao norte e leste do litoral do Nordeste recia pastagens naturais, e do relevo plano, deve-se
com altitudes baixas (cerca de 100 m) e ocupa considerar o manancial de águas e a presença do
uma vasta porção do terreno. a oeste confronta os cloreto de sódio, alimento importante para o gado.
planaltos e chapadas da Bacia do Parnaíba, de alti-
tudes entre 200 e 800 m, que formam paredões de
frente para a depressão. Daí prolonga-se pelo Vale As Planícies Brasileiras
do Rio São Francisco até quase o seu alto vale.
As planícies correspondem a áreas mais ou
Forma uma extensa superfície de erosão menos planas em que o processo de deposição de
numa estrutura geológica complexa. Possui rele- materiais (detritos ou sedimentos), ao contrário do
vos residuais, que formam inselbergs, “montanhas- que ocorre nas áreas de planalto, supera o processo
-ilhas” que surgem em regiões de clima árido e de desgaste. Percebe-se, pelo conceito, que os ter-
semiárido, alguns dos quais se destacam pela ex- renos de uma planície são de natureza sedimentar.
tensão: Chapada do apodi, próxima ao litoral do
No Brasil, as planícies podem ser resumidas
Rio Grande do Norte, e Chapada do Araripe, loca-
a dois tipos:
lizada no interior do Ceará e Pernambuco.
• Planícies Marítimas ou Costeiras: situadas,
No final da era Pré-Cambriana, mas princi-
como indica o próprio nome, no litoral ou na
palmente nos períodos Cambriano e Ordoviciano
costa marítima. Exemplos: Planície da Lagoa
(início do Paleozoico), ocorreu uma grande trans-
dos Patos e Mirim e Planícies e Tabuleiros
gressão marinha no então continente de Gondwa-
Litorâneos.
na, do qual o território brasileiro fazia parte. Forma-
• Planícies Continentais: situadas no interior
ram-se imensos mares interiores. Um deles cobriu
das terras emersas, como é o caso da Planície
vastas porções dos atuais territórios da Amazônia,
do Pantanal Mato-Grossense, Planície do
Bahia, Paraguai, Peru, Chile e Argentina e outro
Rio Amazonas, Planície do Rio Araguaia e
cobriu extensas áreas do sertão nordestino brasi-
Planície e Pantanal do Rio Guaporé.
leiro e do futuro Vale do Rio São Francisco. Com
a transgressão, deu-se a deposição de sedimentos Os sedimentos depositados nas planícies
marinhos na área de terrenos que correspondem às brasileiras são recentes (do Quaternário) e de ori-
coberturas sedimentares correlativas ao brasiliano gens marinha, fluvial ou lacustre.
e na região do atual sertão nordestino ou depressão Lembramos que a noção de planície não
Sertaneja. A regressão marinha se deu somente no deve estar associada necessariamente a baixa alti-
período Carbonífero e o mar do Devoniano deixou tude, mas à deposição de materiais. Existem pla-
de existir, com o reaparecimento dos terrenos de nícies situadas a altitudes elevadas, como as cha-
seu fundo. A evaporação da água do mar deu lugar madas planícies de montanha da Cordilheira dos
à deposição ou acumulação de sal-gema, ou seja, Andes, dos Pireneus, do Himalaia e de muitos ou-
cloreto de sódio (sal de cozinha) na Bacia Sedi- tros lugares da Terra.
mentar do São Francisco e no sertão (Depressão
Sertaneja). Em alguns locais, o sal-gema chega à Com exceção das Planícies Litorâneas e
superfície por eflorescência, isto é, substâncias so- Costeiras e da Planície Lagoa dos Patos e Mirim,
lúveis que se depositam na superfície das rochas, as demais têm sua gênese relacionada aos processos
por capilaridade. fluviais, formando verdadeiras planícies de inun-

14 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


dação. No território brasileiro, os terrenos aciden-
tados, de formação geológica cristalina, são muito
Os estudos realizados pelo professor Jurandyr
antigos e desgastados pela erosão, possuindo alti-
L. S. Ross e pelo IBGE, com base nas informações
tudes modestas. O país não possui cadeias monta-
fornecidas pelo Projeto Radambrasil, confirmaram
nhosas ou dobramentos modernos. Como vimos,
que apenas os terrenos situados ao longo de rios
isso decorre do fato de o Brasil encontrar-se no
amazônicos podem ser considerados planícies. As
centro de uma placa tectônica. Já as bacias sedi-
áreas próximas são formadas por depressões e pla-
mentares brasileiras são constituídas de terrenos
naltos. O professor Aziz Ab’Sáber já destacava que
relativamente aplainados, de idades geológicas
são planícies típicas apenas as áreas ao longo dos
recentes em seus estratos superiores (terciários e
rios e considerava as demais áreas como baixos-
quaternários).
-platôs (baixos planaltos).

REPRESENTAÇÃO DO TERRENO EM CARTA TIPOGRÁFICA


As curvas de nível são linhas que unem pontos do
terreno com a mesma altitude. Quando desenhadas
num perfil de relevo, permitem a prática do terrace-
amento agrícola, para proteger o solo da erosão, já
que os degraus fazem com que diminua a velocidade
de escoamento superficial da água. Vistas em planta,
permitem a visualização tridimensional do terreno.
Quanto maior a declividade do terreno, maior é a
aproximação entre as curvas; quanto menor a decli-
vidade, maior o afastamento entre elas.
Segundo a nova proposta, distinguem-se três com-
partimentos no território:
BRASIL: COTAS ALIMENTÍCIAS
• Planalto: é um compartimento de relevo com
Terras Baixas 41%
0 a 100 metros 24,09% superfície irregular e altitude superior a 300 me-
101 a 200 16,91% tros, no qual predominam processos erosivos em
Terras Altas 58,46% terrenos cristalinos ou sedimentares.
201 a 500 metros 37,03% • Planícies: é um compartimento de relevo com
501 a 800 metros 14,68% superfície plana e altitude igual ou inferior a 100
501 a 1200 6,75%
metros, no qual predominam acúmulos recentes
Áreas Culminatntes 0,54%
de sedimentos.
1200 a 1800 metros 0,52%
acima de 1800 0,02% • Depressão: é um compartimento de relevo mais
Anuário Estatístico do Brasil, 1997 plano que o planalto, no qual predominam pro-
cessos erosivos, com suave inclinação e altitude
entre 100 a 500 metros.
Não devemos confundir bacia sedimentar com planície. A estrutura geológica sedimentar corresponde à ori-
gem, formação e composição do terreno, ocorrida há muito tempo. Durante sua formação, a bacia sedimentar
é sempre uma planície. Assim, uma bacia sedimentar que no passado foi uma planície pode estar atualmente
sofrendo um processo de desgaste e, essa forma, corresponder a um planalto ou a uma depressão. Nada impede,
obviamente, que outras bacias sedimentares em processo de formação correspondam hoje a várias planícies. Um
exemplo bem ilustrativo: a planície do Pantanal.
O planalto Mato-Grossense.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 15


Solo vento (erosão eólica). No Brasil, o escoamento
superficial da água é o principal agente erosivo e,
Uma rocha qualquer, ao sofrer intemperis- sendo o horizonte A o primeiro a ser desgastado, a
mo, transforma-se em solo, adquire maior porosi- erosão acaba com a fertilidade natural do solo.
dade e, como decorrência, há penetração de ar e
água, o que cria condições propícias para o desen- A intensidade da erosão hídrica está direta-
volvimento de formas vegetais e animais. Estas, mente ligada à velocidade de escoamento superfi-
por sua vez, passam a fornecer matéria orgânica à cial da água: quanto maior a velocidade de escoa-
superfície do solo, aumentando cada vez mais sua mento, maior a capacidade da água de transportar
fertilidade. Assim, o solo é constituído por rocha material em suspensão; quanto menor a velocida-
intemperizada, ar, água e matéria orgânica, for- de, mais intensa a sedimentação.
mando um manto de intemperismo que recobre A velocidade de escoamento depende da de-
superficialmente as rochas da crosta terrestre. clividade do terreno e da densidade da cobertura
A matéria orgânica, fornecida pela fauna e vegetal. Em uma floresta a velocidade é baixa, pois
pela flora decompostas, encontra-se concentrada a água encontra muitos obstáculos (raízes, troncos,
apenas na camada superior do solo. Essa cama- folhas) à sua frente e, portanto, muita água se infil-
da é chamada de horizonte A, o mais importan- tra no solo. Em uma área desmatada, a velocidade
te para a agricultura, dada a sua fertilidade. Logo de escoamento superficial é alta e a água transpor-
abaixo, com espessura variável de acordo com o ta muito material em suspensão, o eu intensifica a
clima, responsável pela intensidade e velocidade erosão e diminui a quantidade de água que se in-
da decomposição da rocha, encontramos rocha in- filtra no solo.
temperizada, ar e água, que formam o horizonte Assim, para combater a erosão superficial,
B. Em seguida, encontramos rocha em processo há dois caminhos: manter o solo recoberto por
de decomposição – horizonte C – e, finalmente, vegetação ou quebrar a velocidade de escoamento
a rocha matriz — horizonte D —­, que originou o utilizando a técnica de cultivo em curvas de nível,
manto de intemperismo ou o solo que a recobre. seja seguindo as cotas altimétricas na hora da se-
Sob as mesmas condições climáticas, cada tipo de meadura, seja plantando em terraços.
rocha origina um tio de solo diferente, ligado à sua
Para a conservação dos solos, deve-se evitar
constituição mineralógica: do basalto, por exem-
a prática das queimadas, que acabam com a maté-
plo, originou-se a terra roxa; do gnaisse, o solo de
ria orgânica do horizonte A. Somente em casos es-
massapé, e assim por diante.
peciais, na agricultura, deve-se utilizar essa prática
É importante destacar que solos de origem para combater pragas ou doenças.
sedimentar, encontrados em bacias sedimentares e
Um problema natural relacionado aos solos
aluvionais, não apresentam horizontes, por se for-
de clima tropical, sujeitos a grandes índices plu-
marem a partir do acúmulo de sedimentos em uma
viométricos, é a erosão vertical, representada pela
depressão, e não por ação de intemperismo, mas
lixiviação e pela laterização. A água que se infiltra
são extremamente férteis, por possuírem muita
no solo escoa através dos porros, como em uma es-
matéria orgânica.
ponja, e vai, literalmente, lavando os sais minerais
O principal problema ambiental, relaciona- hidrossolúveis (sódio, potássio, cálcio, etc.), o que
do ao solo é a erosão superficial ou desgaste, que retira a fertilidade do solo. Essa “lavagem” cha-
ocorre em três fases: intemperismo, transporte e ma-se lixiviação. Paralelamente a esse processo,
sedimentação. ocorre a laterização ou surgimento de uma crosta
Os fragmentos intemperizados da rocha es- ferruginosa, a laterita – popularmente chamada de
tão livres para serem transportados pela água que canga no interior do Brasil –, que em certos casos
escorre pela superfície (erosão hídrica) ou pelo chega a impedir a penetração das raízes no solo.

16 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 17
Climatologia
CAPÍTULO

Os Elementos mada por informações coletadas a partir das noções


de clima. Pode ser compreendido a partir de no-
Formadores da ções matemáticas e numéricas, ou a partir de infor-
Paisagem Climática no mações qualitativas, de natureza mais descritiva.
Os dois focos de estudo pressupõem uma sucessão
Brasil de tipos de tempo.
A climatologia é um ramo da ciência que é É importante o estudo dos diferentes fluxos
estudado tanto pela geografia, quanto pela meteo- de energia: horizontal e vertical. O vertical reflete
rologia. Nos ensinos fundamental e médio (Brasil), diretamente os resultados da radiação solar, tendo
é estudada nas matérias ciências e física. No tem- essa, influência direta sobre os fluxos de energia
po histórico, os primeiros estudos foram feitos por horizontal: massas de ar, frentes quentes e frias,
viajantes europeus – sendo Sant’ Anna de Neto centros de ação.
o mais lembrado – rumo ao Novo Mundo (Amé-
A radiação solar determina todo o sistema,
rica), e consequentemente ao Brasil, com as se-
podendo ser analisado pelos seus elementos: tem-
guintes preocupações: vinda da coroa portuguesa
peratura, pressão e umidade, tendo grande influên-
para o Brasil, preocupações com saúde pública por
cia sobre as características biogeográficas, fenôme-
problemas causados pela umidade excessiva e pela
nos geomorfológicos, hidrológicos etc.
altíssima temperatura, se comparada aos padrões
europeus. Os estudos climáticos estão atraindo muito
mais a atenção da população em geral, sendo di-
Os primeiros estudos tiveram como foco a
vulgados largamente pelos meios de comunicação
distribuição geográfica dos elementos meteorológi-
de massa. Também têm tido atenção em estudos
cos, levando-se em conta sua variabilidade tempo-
dirigidos e gestões de políticas ambientais. Devem
ral. Tinham a intenção de explicar regimes climá-
estar atentos ao problema da água, contaminação,
ticos regionais. Nos anos 60, foi dado um enfoque
desmatamento, sem esquecer dos elementos tradi-
mais dinâmico nas relações com o espaço, protago-
cionais.
nizado por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro
e Edmom Nimer, na leitura de Max Sorre (1951). O problema da água está relacionado com
fatores ambientais e climáticos;
A análise dos episódios climatológicos é
fundamento básico da climatologia geográfica e A contaminação atmosférica tem relação
tenta explicar os processos naturais que causam in- íntima com a ação destrutiva do homem, sendo de
fluência nas ocupações humanas. suma importância estudos como, por exemplo, o da
chuva ácida;
Tempo e clima são popularmente considera-
dos a mesma coisa, mas na verdade, possuem dife- O desmatamento não é causado por fatores
renças importantes para a Climatologia. O tempo climáticos, mas acaba tendo influência direta sobre
pode ser meteorológico e cronológico, podendo o a população, no que se refere a inundações causa-
primeiro ser observado a partir do espaço geográfi- das por ele, e a diminuição da evapotranspiração,
co e o segundo, momentâneo, dependendo da at- que é feita pelas plantas, o que consequentemente
mosfera de determinado local. diminui a quantidade de água na atmosfera.

Clima é uma noção criada pelo homem, for- O clima é um resultado complexo de diver-

18 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


sas variáveis definidas a partir de fatores climato- to Continental como Atlântica; a Tropical, tam-
lógicos. bém Continental e Atlântica; e a Polar Atlântica,
proporcionando as diferenciações climáticas.
A Climatologia é um ramo da Geografia,
sendo matéria e assunto pertinente à grade dos cur- Nessa direção, são verificados no país des-
sos de geografia de todo o mundo. A Meteorologia de climas superúmidos quentes, provenientes das
estuda mais diretamente o tempo, e a Climatologia massas Equatoriais, como é o caso de grande parte
o clima. da região Amazônica, até climas semiáridos mui-
to fortes, próprios do sertão nordestino.O clima
Ao geógrafo interessa os três quilômetros
de uma dada região é condicionado por diversos
inferiores da atmosfera, que sofre influência mais
fatores, dentre eles pode-se citar temperatura, chu-
direta da litosfera, dos oceanos, da radiação solar, e
vas, umidade do ar, ventos e pressão atmosférica,
é de grande interesse para as populações humanas.
os quais, por sua vez, são condicionados por fatores
Cabe a ele também isolar os elementos a fim de
como altitude, latitude, condições de relevo, vege-
entender melhor o conjunto deles.
tação e continentalidade.
Existe um confronto ideológico entre a Ge-
De acordo com a classificação climática
ografia e a Meteorologia, mas a Climatologia faz
de Arthur Strahler, predominam no Brasil cinco
parte de ambas as áreas.
grandes climas, a saber:
É importante compreender a noção de ritmo
• clima equatorial úmido da convergência dos
para entender a mudança de enfoque da climato-
alísios, que engloba a Amazônia;
logia – introduzida por Monteiro, em 1971 –, que
• clima tropical alternadamente úmido e seco,
busca análises, ao menos diárias, do tempo, para
englobando grande parte da área central do
assim considerar a análise geográfica de um lugar.
país e litoral do meio-norte;
• clima tropical tendendo a ser seco pela irre-
Climas no Brasil gularidade da ação das massas de ar, englo-
bando o sertão nordestino e vale médio do
Por possuir 92% do território na zona inter- rio São Francisco; e
tropical do planeta, grande extensão no sentido • clima litorâneo úmido exposto às massas tro-
norte-sul e litoral muito extenso, com forte influ- picais marítimas, englobando estreita faixa
ência das massas de ar oceânicas, há a predomi- do litoral leste e nordeste;
nância de climas quentes e úmidos no Brasil. Em • clima subtropical úmido das costas orientais
apenas 8% do território, ao sul do trópico de Ca- e subtropicais, dominado largamente por
pricórnio, encontramos clima com maior variação massa tropical marítima, englobando a Re-
térmica e certo delineamento das estações do ano, gião Sul do Brasil.
o subtropical.
Quanto aos aspectos térmicos também ocor-
O Brasil, pelas suas dimensões continentais, rem grandes variações. Como pode ser observado
possui uma diversificação climática bem ampla, no mapa das médias anuais de temperatura a se-
influênciada pela sua configuração geográfica, sua guir, a Região Norte e parte do interior da Região
significativa extensão costeira, seu relevo e a di- Nordeste apresentam temperaturas médias anuais
nâmica das massas de ar sobre seu território. Esse superiores a 25oC, enquanto na Região Sul do país
último fator assume grande importância, pois atua e parte da Sudeste as temperaturas médias anuais
diretamente sobre as temperaturas e os índices plu- ficam abaixo de 20oC.
viométricos nas diferentes regiões do país.
De acordo com dados da FIBGE, tempera-
Em especial, as massas de ar que interferem turas máximas absolutas, acima de 40oC, são ob-
mais diretamente no Brasil, segundo o Anuário Es- servadas em terras baixas interioranas da Região
tatístico do Brasil, do IBGE, são a Equatorial, tan- Nordeste; nas depressões, vales e baixadas do Su-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 19


deste; no Pantanal e áreas rebaixadas do Centro- são observadas nos cumes serranos do sudeste e em
-Oeste; e nas depressões centrais e no vale do rio grande parte da Região Sul, onde são acompanha-
Uruguai, na Região Sul. Já as temperaturas míni- das de geadas e neve.
mas absolutas, com frequentes valores negativos,

MASSAS DE AR QUE ATUAM NO BRASIL

20 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


RADIAÇÃO SOLAR, RADIAÇÃO TERRESTRE E
CLASSIFICAÇÕES CLIMÁTICAS DO BRASIL TEMPERATURA DE UM PONTO DA SUPERFÍCIE
TERRESTRE

Para classificar um clima, devemos consi- e movimentação das correntes e massas de ar. Po-
derar a temperatura, a umidade, as massas de ar, a demos identificar no Brasil três correntes princi-
pressão atmosférica, correntes marítimas e ventos, pais: equatorial, tropical e polar. De acordo com
entre muitas outras características. A classifica- essa classificação, os tipos de clima do Brasil são os
ção mais utilizada para os diferentes tipos de cli- seguintes: subtropical, semiárido, equatorial, tro-
ma do Brasil assemelha-se a criada pelo estudioso pical, tropical de altitude e tropical atlântico ou
Arthur Strahler, que se baseia na origem, natureza tropical úmido.
Climogramas

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 21


SEMIÁRIDO EQUATORIAL

TROPICAL SUB-TROPICAL

A classificação de Strahler baseia-se nas áre- das pelas massas de ar:


as da superfície terrestre, controladas ou domina-

22 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


CLIMA CARACTERÍSTICAS
Abrange a Amazônia, e se caracteriza por um clima equatorial continental, quase
todo o ano. Em algumas porções litorâneas da Amazônia, há alguma influência
da massa equatorial atlântica, que algumas vezes (no inverno) conduz a frente
fria, atingindo o sul e o sudeste da região. Embora as massas de ar sejam em geral
secas, a mEc é úmida por sua localização estar sobre uma área com rios cauda-
Clima equatorial úmido (convergência losos e com cobertura da Floresta Amazônica, que possui grande umidade pela
de alísios) transpiração dos vegetais. Portanto, é um clima úmido e quente.
As médias anuais térmicas mensais vão de 24ºC a 27ºC, ocorrendo baixa am-
plitude térmica anual, com pequeno resfriamento no inverno. As médias pluvio-
métricas são altas e a estação seca é curta. Por ser uma região de calmaria, devido
ao encontro dos alísios do Hemisfério Norte com os do Sul, a maior parte das
precipitações que aí ocorrem são chuvas de convecção.
Abrange parte do território brasileiro próximo ao litoral. A massa de ar que exerce
maior influência nesse clima é a tropical atlântica (mTa). Pode ser notado em
Clima litorâneo úmido
duas principais estações: verão (chuvoso) e inverno (menos chuvoso), com mé-
dias térmicas e índices pluviométricos elevados; é um clima quente e úmido.
Abrange os estados de Minas Gerais e Goiás, parte de São Paulo, Mato Grosso
Clima tropical alternadamente úmido do Sul, parte da Bahia, do Maranhão, do Piauí e do Ceará. É um clima tropi-
e seco cal típico, quente e semi-úmido, com uma estação chuvosa (verão) e outra seca
(inverno).
Abrange o Sertão do Nordeste, sendo um clima tropical próximo ao árido com
Clima tropical tendendo a seco pela
médias anuais de pluviosidade inferior a 1000mm. As chuvas concentram-se num
irregularidade de ação das massas de ar
período de 3 meses. No Sertão Nordestino, é uma espécie de encontro de quatro
ou clima semiárido
sistemas atmosféricos oriundos das massas de ar mEc, mTa, mEa, mPa.
Abrange o Brasil Meridional, porção localizada ao sul do Trópico de Capricórnio,
com predominância da massa tropical atlântica, que provoca chuvas fortes. No
inverno, tem frequência de penetração de frente polar, dando origem às chuvas
Clima subtropical úmido frontais com precipitações devidas ao encontro da massa quente com a fria, onde
ocorre a condensação do vapor de água atmosférico. O índice médio anual de plu-
viosidade é elevado e as chuvas são bem distribuídas durante todo o ano, fazendo
com que não exista a estação da seca.

Monitoramento Climático O acompanhamento de fenômenos como


as fases quentes (El Niño) e as frias (La Niña) da
Trata-se do acompanhamento do comporta- Oscilação Sul são fundamentais para o País, princi-
mento médio do estado da atmosfera e dos oceanos palmente por causa dos diferentes impactos climá-
numa determinada região por um longo período de ticos que ocasionam.
tempo (mês, estação ou ano).

FENÔMENO O QUE É / O QUE OCASIONA CONSEQUÊNCIAS NO BRASIL


• Região Sul: precipitações abundantes (pri-
mavera) e chuvas intensas de maio a julho,
aumento da temperatura média do ar.
• Região Sudeste: moderado aumento das
temperaturas médias.
• É o aquecimento anômalo das águas do
• Região Centro-Oeste: tendência de chuvas
Oceano Pacífico Equatorial Central e
acima da média e temperaturas mais altas no
El Niño Oriental.
sul do Mato Grosso do Sul.
• Faz com que o padrão normal de circula-
• Região Nordeste: secas de diversas intensi-
ção atmosférica se altere.
dades no norte do Nordeste, durante a estação
chuvosa, de fevereiro a maio.
• Região Norte: secas de moderadas a intensas
no norte e no leste da Amazônia. Aumento da
probabilidade de incêndios florestais.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 23


• Região Sul: passagens rápidas de frentes
frias.
• É o resfriamento das águas do Oceano Pa- • Região Sudeste: temperaturas abaixo da mé-
cífico Equatorial Central e Oriental dia durante inverno e verão.
La Niña
• Provoca mudanças no padrão de circula- • Região Nordeste: frentes frias, principal-
ção atmosférica mente no litoral da Bahia, Sergipe e Alagoas.
• Região Norte: chuvas abundantes no norte e
nordeste da Amazônia.

Previsão Climática de tempo estável; sistema de ventos de Oeste (O)


da massa equatorial continental (mEc); sistema
Estimativa do comportamento médio da de ventos de Norte (N) da Convergência Inter-
atmosfera com antecedência de uma ou duas esta- tropical (CIT); e sistema de ventos de Sul (S) do
ções. Utilizam-se dois métodos: anticiclone Polar. Estes três últimos sistemas são
• Método Estatístico: modelos de previsão responsáveis por instabilidade e chuvas na área.
empíricos, os quais se valem de uma corre- Quanto ao regime térmico, o clima é quen-
lação entre duas ou mais variáveis, para re- te, com temperaturas médias anuais variando entre
gionalmente estimar os prognósticos de uma 24o e 26ºC.
delas.
Com relação à pluviosidade não há uma
• Método Dinâmico: modelos dinâmicos do homogeneidade espacial como acontece com a
sistema climático, nos quais se utiliza um temperatura. Na foz do rio Amazonas, no litoral do
conjunto de equações físicas que simulam Pará e no setor ocidental da região, o total pluvio-
os movimentos atmosféricos para prever os métrico anual, em geral, excede a 3.000 mm. Na
acontecimentos futuros. direção NO-SE, de Roraima a leste do Pará, tem-se
As regiões tropicais apresentam maior índi- o corredor menos chuvoso, com totais anuais da
ce de acerto nas previsões, devido aos fatores que ordem de 1.500 a 1.700 mm.
determinam os fenômenos meteorológicos, que O período chuvoso da região ocorre nos me-
são diretamente influênciados pelas condições ses de verão - outono, a exceção de Roraima e da
da superfície (temperatura da superfície do mar e parte norte do Amazonas, onde o máximo pluvio-
umidade do solos nos continentes). No Brasil, nas métrico se dá no inverno, por influência do regime
regiões Norte e Nordeste é possível se fazer as me- do hemisfério Norte.
lhores previsões climáticas.
Região Nordeste
Caracteres Climáticos por Região A caracterização climática da região Nor-
do Brasil deste é um pouco complexa, sendo que os quatro
sistemas de circulação que influênciam na mesma
Região Norte são denominados Sistemas de Correntes Perturba-
A região Norte do Brasil compreende grande das de Sul, Norte, Leste e Oeste.
parte da denominada região Amazônica, represen- O proveniente do Sul, representado pelas
tando a maior extensão de floresta quente e úmi- frentes polares que alcançam a região na primavera
da do planeta. A região é cortada, de um extremo - verão nas áreas litorâneas até o sul da Bahia, traz
a outro, pelo Equador e caracteriza-se por baixas chuvas frontais e pós-frontais, sendo que no inver-
altitudes (0 a 200 m). São quatro os principais sis- no atingem até o litoral de Pernambuco, enquanto
temas de circulação atmosférica que atuam na re- o sertão permanece sob ação da alta tropical.
gião, a saber: sistema de ventos de Nordeste (NE)
O sistema de correntes perturbadas de Nor-
a Leste (E) dos anticiclones subtropicais do Atlân-
te, representadas pela CIT, provoca chuvas do
tico Sul e dos Açores, geralmente acompanhados

24 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


verão ao outono até Pernambuco, nas imediações elevadas das serras do Espinhaço, Mantiqueira e do
do Raso da Catarina. Por outro lado, as correntes Mar, a média pode ser inferior a 18ºC, devido ao
de Leste são mais frequentes no inverno e normal- efeito conjugado da latitude com a frequência das
mente provocam chuvas abundantes no litoral, correntes polares.
raramente alcançando as escarpas do Planalto da
No verão, principalmente no mês de janeiro,
Borborema (800 m) e da Chapada Diamantina
são comuns médias das máximas de 30ºC a 32ºC
(1.200 m).
nos vales dos rios São Francisco e Jequitinhonha,
Por fim, o sistema de correntes de Oeste, tra- na Zona da Mata de Minas Gerais, na baixada lito-
zidas pelas linhas de Instabilidade Tropical (IT), rânea e a oeste do estado de São Paulo.
ocorrem desde o final da primavera até o início do
No inverno, a média das temperaturas míni-
outono, raramente alcançando os estados do Piauí
mas varia de 6ºC a 20ºC, com mínimas absolutas
e Maranhão.
de -4º a 8ºC, sendo que as temperaturas mais bai-
Em relação ao regime térmico, suas tempe- xas são registradas nas áreas mais elevadas. Vastas
raturas são elevadas, com médias anuais entre 20º extensões de Minas Gerais e São Paulo registram
e 28ºC, tendo sido observado máximas em torno ocorrências de geadas, após a passagem das frentes
de 40ºC no sul do Maranhão e Piauí. Os meses de polares.
inverno, principalmente junho e julho, apresen-
Com relação ao regime de chuvas, são duas
tam mínimas entre 12º e 16ºC no litoral, e infe-
as áreas com maiores precipitações: uma, acompa-
riores nos planaltos, tendo sido verificado 1oC na
nhando o litoral e a serra do Mar, onde as chuvas
Chapada da Diamantina após a passagem de uma
são trazidas pelas correntes de sul; e outra, do oeste
frente polar.
de Minas Gerais ao Município do Rio de Janei-
A pluviosidade na região é complexa e fonte ro, em que as chuvas são trazidas pelo sistema de
de preocupação, sendo que seus totais anuais va- Oeste. A altura anual da precipitação nestas áreas
riam de 2.000 mm até valores inferiores a 500 mm é superior a 1.500 mm. Na serra da Mantiqueira
no Raso da Catarina, entre Bahia e Pernambuco, e estes índices ultrapassam 1.750 mm, e no alto do
na depressão de Patos na Paraíba. De forma geral, Itatiaia, 2.340 mm.
a precipitação média anual na região nordeste é in-
Na serra do Mar, em São Paulo, chove em
ferior a 1.000 mm, sendo que em Cabaceiras, inte-
média mais de 3.600 mm. Próximo de Paranapia-
rior da Paraíba, foi registrado o menor índice plu-
caba e Itapanhaú, foi registrado o máximo de chu-
viométrico anual já observado no Brasil, 278 mm/
va do país (4.457,8 mm, em um ano). Nos vales
ano. Além disso, no sertão desta região, o período
dos rios Jequitinhonha e Doce são registrados os
chuvoso é, normalmente, de apenas dois meses no
menores índices pluviométricos anuais, em torno
ano, podendo, em alguns anos até não existir, oca-
de 900 mm.
sionando as denominadas secas regionais.
O máximo pluviométrico da região Sudes-
Região Sudeste te normalmente ocorre em janeiro e o mínimo
A posição latitudinal cortada pelo Trópico em julho, enquanto o período seco, normalmente
de Capricórnio, sua topografia bastante acidentada centralizado no inverno, possui uma duração desde
e a influência dos sistemas de circulação perturba- seis meses, no caso do vale dos rios Jequitinhonha
da são fatores que conduzem à climatologia da re- e São Francisco, até cerca de dois meses nas serras
gião Sudeste ser bastante diversificada em relação do Mar e da Mantiqueira.
à temperatura.
Região Sul
A temperatura média anual situa-se entre
A região Sul está localizada abaixo do Tró-
20ºC, no limite de São Paulo e Paraná, e 24ºC,
pico de Capricórnio, em uma zona temperada, É
ao norte de Minas Gerais, enquanto nas áreas mais
influênciada pelo sistema de circulação perturbada

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 25


de Sul, responsável pelas chuvas, principalmente rão, outono e inverno no norte da região; e sistema
no verão, e pelo sistema de circulação perturba- de correntes perturbadas de Sul, representado pe-
da de Oeste, que acarreta chuvas e trovoadas, por las frentes polares, invadindo a região no inverno
vezes granizo, com ventos com rajadas de 60 a 90 com grande frequência, provocando chuvas de um
km/h. a três dias de duração.
Quanto ao regime térmico, o inverno é frio Nos extremos norte e sul da região, a tempe-
e o verão é quente. A temperatura média anual si- ratura média anual é de 22ºC e nas chapadas varia
tua-se entre 14º e 22ºC, sendo que nos locais com de 20º a 22ºC. Na primavera-verão, são comuns
altitudes acima de 1.100 m, cai para aproximada- temperaturas elevadas, quando a média do mês
mente 10ºC. mais quente varia de 24º a 26ºC. A média das má-
ximas de setembro (mês mais quente) oscila entre
No verão, principalmente em janeiro, nos
30º e 36ºC.
vales dos rios Paranapanema, Paraná, Ibicuí-Jacuí,
a temperatura média é superior a 24ºC, e do rio O inverno é uma estação amena, embora
Uruguai ultrapassa a 26ºC. A média das máximas ocorram com frequência temperaturas baixas, em
mantém-se em torno de 24º a 27ºC nas superfícies razão da invasão polar, que provoca as friagens,
mais elevadas do planalto e, nas áreas mais baixas, muito comuns nesta época do ano. A temperatura
entre 30º e 32ºC. média do mês mais frio oscila entre 15º e 24ºC, e a
média das mínimas, de 8º a 18ºC, não sendo rara a
No inverno, principalmente em julho, a
ocorrência de mínimas absolutas negativas.
temperatura média se mantém relativamente bai-
xa, oscilando entre 10º e 15ºC, com exceção dos A caracterização da pluviosidade da região
vales dos rios Paranapanema e Paraná, além do li- se deve quase que exclusivamente ao sistema de
toral do Paraná e Santa Catarina, onde as médias circulação atmosférica. A pluviosidade média anu-
são de aproximadamente 15º a 18ºC. A média das al varia de 2.000 a 3.000 mm ao norte de Mato
máximas também é baixa, em torno de 20º a 24ºC, Grosso a 1.250 mm no Pantanal mato-grossense.
nos grandes vales e no litoral, e 16º a 20ºC no pla-
Apesar dessa desigualdade, a região é bem
nalto. A média das mínimas varia de 6º a 12ºC,
provida de chuvas. Sua sazonalidade é tipicamente
sendo comum o termômetro atingir temperaturas
tropical, com máxima no verão e mínima no in-
próximas de 0ºC, ou mesmo alcançar índices nega-
verno. Mais de 70% do total de chuvas acumuladas
tivos, acompanhados de geada e neve, quando da
durante o ano se precipitam de novembro a março.
invasão das massas polares.
O inverno é excessivamente seco, pois as chuvas
A pluviosidade média anual oscila entre são muito raras.
1.250 e 2.000 mm, exceto no litoral do Paraná e
oeste de Santa Catarina, onde os valores são supe-
riores a 2.000 mm, e no norte do Paraná e peque- Convenção – Quadro das
na área litorânea de Santa Catarina, com valores Nações Unidas sobre
inferiores a 1.250 mm. O máximo pluviométrico Mudança do Clima
acontece no inverno e o mínimo no verão em qua-
se toda a região. As correntes oceânicas e marítimas que cru-
zam o planeta, acionadas pela energia solar, mol-
Região Centro-Oeste dam o ambiente. Para os trópicos, carregam chuvas
Três sistemas de circulação interferem na re- abundantes e calor o ano inteiro e para os pólos
gião Centro-Oeste: sistema de correntes perturba- levam o inverno. O clima é alterado pela terra e
das de Oeste, representado por tempo instável no pelo mar. As montanhas fazem os ventos espalha-
verão; sistema de correntes perturbadas de Norte, rem sua umidade, criando frentes localizadas de
representado pela CIT, que provoca chuvas no ve- chuva, enquanto correntes frias refrescam as terras

26 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


quentes. Por esta troca mútua, o planeta e seu cli- “... alcançar a estabilização das concentrações
ma criam um ao outro. de gases de efeito estufa na atmosfera num nível
Qualquer alteração neste ciclo pode ocasio- que impeça uma interferência antrópica perigosa
nar sérias consequências na Terra. Até o presente, no sistema clima. Esse nível deverá ser alcançado
os fenômenos que mais ameaçam a atmosfera são a num prazo suficiente que permita aos ecossistemas
destruição da camada de ozônio e o efeito estufa. A adaptarem-se naturalmente à mudança do clima,
camada de ozônio absorve a maior parte da radia- que assegure que a produção de alimentos não seja
ção ultravioleta que atinge a superfície da Terra. ameaçada e que permita ao desenvolvimento econô-
A eliminação do ozônio está ocorrendo, conforme mico prosseguir de maneira sustentável.”
observações e estudos científicos, em grande parte (MCT/CPMG, 1999)
pela presença do cloro nas substâncias denomi-
nadas clorofluorcarbonos (CFC), além de outras A convenção reconhece que a maior parcela
substâncias sintéticas como o metilclorofórmio, e das emissões globais, históricas e atuais de gases de
ainda dos halons e compostos de bromo. efeito estufa é originária dos países desenvolvidos,
devendo estes estabelecerem medidas de redução
O aquecimento global pelo aumento das de suas emissões. Reconhece também que, embora
temperaturas médias altas é uma das consequên- as emissões per capita dos países em desenvolvi-
cias mais prováveis do aumento das concentrações mento ainda sejam relativamente baixas, a parcela
de gases de efeito estufa na atmosfera, o que pode de emissões globais originárias desses países cres-
provocar novos padrões de clima com repercussões cerá uma vez que eles tendem a satisfazer suas ne-
nos regimes de vento, chuva e circulação geral dos cessidades sociais e de desenvolvimento. (MCT/
oceanos. O efeito estufa natural tem mantido a CPMG, 1999).
temperatura da Terra por volta de 30ºC mais quen-
te do que ela seria na ausência dele, possibilitando
a existência de vida no planeta. Entre os gases que Protocolo de Kyoto
podem ocasionar esse fenômeno, destacam-se o va-
por d’ água, o dióxido de carbono (CO2), o ozônio Foi adotado em dezembro de 1997, no Ja-
(O3), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). pão, com o objetivo de:

Alguns indícios de alteração do clima: a) fixar compromissos de redução e limitação


para os países desenvolvidos;
• As temperaturas aumentam.
• Extensas regiões do planeta ficam mais secas b) trazer a possibilidade de utilização de meca-
e as áreas desérticas aumentam. nismos de flexibilidade para que os países em
• Em algumas áreas, o alto índice de chuvas desenvolvimento possam atingir os objetivos
provoca enchentes. de redução de gases do efeito estufa.
• Os oceanos esquentam e se expandem, inun-
dando ilhas e litorais. Sistema de Observações
• Tempestades violentas ocorrem com frequ-
ência; Meteorológicas
• Colheitas são perdidas e comunidades vul- Para diagnóstico e prognóstico da atmosfera,
neráveis abandonam suas casas, migrando tornam-se indispensáveis a instalação e operação
para outro lugar. de um sistema global de observações meteorológi-
A convenção “Quadro das Nações Unidas cas. Este sistema deve ser apto a promover a ex-
sobre Mudança do Clima” foi assinada por mais de ploração global da atmosfera, tanto na superfície
150 países em junho de 1992, durante a ECO-92, quanto nos níveis superiores, além de realizar me-
no Rio de Janeiro. O objetivo principal da Con- dições em intervalos de tempo curtos para permitir
venção é: o monitoramento da origem e do desenvolvimento

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 27


dos fenômenos.
Sendo a atmosfera um meio contínuo, o
que existe é uma interligação de fenômenos que
se desenvolvem na superfície, interagindo com as
camadas superiores da atmosfera e vice-versa. Des-
se modo a ONU mantém um órgão especializado,
denominado ORGANIZAÇÃO METEOROLÓ-
GICA MUNDIAL – OMM, que congregava em
1990 cerca de 161 países, coordenando o mundo
todo, por todas as atividades meteorológicas de ca-
ráter operacional, bem como os programas de pes-
quisas de interesse mundial.
A OMM não propõe soluções imediatas
para todos os problemas meteorológicos. Em mais
de 100 anos de cooperação internacional, os im-
portantes progressos da Meteorologia já se situa-
ram em um lugar destacável entre os programas
e as atividades destinados a solucionar ou aliviar
graves problemas da humanidade.
As atividades da OMM são controlados pe-
los Diretores dos Serviços Meteorológicos Nacio-
nais, baseando-se na mútua cooperação entre eles.
Isso faz com que a OMM seja um organismo coor-
denador e executor, que explica o êxito que tem
alcançado ao responder às necessidades de todos os
países, tanto os desenvolvidos quanto aqueles em
vias de desenvolvimento.

28 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Hidrologia
CAPÍTULO

Os Elementos termo “engenharia hidrológica” tem sido também


empregado.
Formadores da
Paisagem Hidrográfica Definições
Brasileira Várias definições de hidrologia já foram
A Hidrologia é ciência que estuda a ocor- propostas. O Webster’s Third New International
rência, distribuição e movimentação da água no Dictionary (Merrian Webster, 1961) descreve hi-
planeta Terra. A definição atual deve ser ampliada drologia como sendo “a ciência que trata das pro-
para incluir aspectos de qualidade da água, polui- priedades, distribuição e circulação da água; especi-
ção e descontaminação. ficamente, o estudo da água na superfície da Terra:
no solo, rochas e na atmosfera, particularmente
Hidrologia é, em um sentido amplo, a ciên-
com respeito à evaporação e precipitação. O Painel
cia que se relaciona com a água. Como ela se rela-
Ad Hoc em Hidrologia do Conselho Federal para
ciona com a ocorrência primária de água na Terra,
Ciência e Tecnologia E.U.A., 1959) recomendou
é considerada uma ciência natural. Por razões prá-
a seguinte definição: “hidrologia é a ciência que
ticas, no entanto, a hidrologia restringe-se a alguns
trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação
de seus aspectos, por exemplo, ela não cobre todo
e distribuição, suas propriedades físico-químicas e
o estudo sobre oceanos (oceanografia) e também
sua relação com o meio ambiente, incluindo sua
não se preocupa com usos médicos da água (hidro-
relação com a vida. 0 domínio da hidrologia abraça
logia médica).
toda a história da água na Terra.”
O termo tem sido usado para denotar o es-
Entre as definições que enfatizam a impor-
tudo da água sobre a superfície da Terra, enquanto
tância prática da hidrologia no que concerne aos
que outros termos como hidrografia e hidrometria
recursos hídricos na Terra, Wisler e Brater ofere-
têm sido usados para denotar o estudo da água na
cem a seguinte: “hidrologia é a ciência que trata
superfície. No entanto, esses termos têm agora sig-
dos processos que governam a depleção e recarga
nificados específicos:
dos recursos hídricos nas superfícies sobre o mar.
Hidrologia se refere à ciência da água. Trata do transporte de água através do ar, sobre e
Hidrografia é a ciência que descreve as ca- abaixo da superfície e através da strata da Terra. É
racterísticas físicas e as condições da água na su- a ciência das várias partes do Ciclo hidrológico.”
perfície da Terra, principalmente as massas de água
para navegação. Campo da Hidrologia
A hidrologia não é uma ciência inteiramen- O aproveitamento dos recursos hídricos re-
te pura; ela tem muitas aplicações práticas. Para quer concepção, planejamento, projeto, constru-
enfatizar-lhe a importância prática, o termo “hi- ção e operação de meios para o domínio e a utili-
drologia aplicada” tem sido comumente usado. zação das águas. Embora seja, em princípio, função
Como numerosas aplicações dos conhecimentos dos engenheiros civis, necessita dos serviços de
em hidrologia ocorrem também no campo das especialistas de outros campos. Os problemas rela-
engenharias hidráulica, sanitária, agrícola, de re- tivos aos recursos hídricos interessam a economis-
cursos hídricos e de outros ramos da engenharia, o tas, especialistas no campo das ciências políticas,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 29


geólogos, engenheiros mecânicos e eletricistas, • Previsão hidrológica
florestais químicos, biólogos, agrônomos e outros
especialistas em ciências sociais e naturais.
Quantidade de Água
Cada projeto de aproveitamento hídrico su-
põe um conjunto específico de condições físicas, Embora com risco de excessiva simplifica-
às quais deve ser condicionado, razão pela qual di- ção, o trabalho dos engenheiros com os recursos
ficilmente podem ser aproveitados projetos padro- hídricos pode ser condensado em um certo número
nizados que conduzam a soluções simples e estere- de perguntas essenciais. Como as obras de aprovei-
otipadas. As condições específicas de cada projeto tamento dos recursos hídricos visam ao controle
devem ser satisfeitas através da aplicação integrada do uso da água, as primeiras perguntas referem-se
dos conhecimentos fundamentais de várias disci- naturalmente às quantidades de água. Quando se
plinas. pensa na utilização da água, a primeira pergunta
geralmente é: Que quantidade de água será neces-
Campo de Ação da Engenharia de sária? Provavelmente é a resposta mais difícil de se
Recursos Hídricos obter com precisão, dentre as que se pode propor
em um projeto, porque envolve aspectos sociais e
A água deve ser dominada e ter seu uso regu- econômicos, além dos técnicos. Com base em uma
lado para satisfazer a uma ampla gama de propósi- análise econômica, deve ser também tomada uma
tos. A atenuação dos danos das enchentes, drena- decisão a respeito da vida útil das obras a serem
gem de terras, disposição de esgotos e projetos de realizadas.
bueiros são aplicações de Engenharia de recursos
Quase todos os projetos de aproveitamen-
hídricos para o domínio das águas, a fim de que
to dependem da resposta à pergunta: com quanta
não causem danos excessivos a propriedades, não
água pode-se contar? Os projetos de um plano para
tragam inconveniências ao público, ou perda de
controle de enchentes baseiam-se nos valores de
vidas. Abastecimento de água, irrigação, aprovei-
pico do escoamento, ao passo que em plano que
tamento do potencial hidrelétrico e obras hidrovi-
vise a utilização da água, o que importa é o volume
árias são exemplos do aproveitamento da água para
escoado durante longos períodos de tempo. As res-
fins úteis. A poluição prejudica a utilização da água
postas à essa pergunta são encontradas pela aplica-
e diminui seriamente o valor estético dos rios; por-
ção da Hidrologia, ou seja, o estudo da ocorrência
tanto, o controle da poluição ou a manutenção da
e distribuição das águas naturais no globo terrestre.
qualidade da água passou a ser um setor importante
da engenharia de recursos hídricos. Todos os projetos são feitos para o futuro, e
o projetista não pode ter certeza quanto às exatas
Lista de campos de atuação da Hidrologia:
condições a que estarão sujeitas as obras. Como o
• Gerenciamento de bacias exato comportamento dos cursos de água nos anos
• Inventário energético futuros não pode ser previsto algo precisa ser dito
• Navegação acerca das variações prováveis da vazão, de modo
• Irrigação que o projeto possa ser elaborado mediante a ad-
• Geração de Energia missão de um risco calculado. Lança-se mão, en-
• Drenagem tão, de métodos de estimativa de probabilidades
• Abastecimento relativas aos eventos hidrológicos. Faz-se a utiliza-
• Controle de cheias ção dessas probabilidades no estudo de problemas
• Controle de poluição como exemplificados na lista do tópico anterior. O
• Controle de erosão estudo probabilístico requer como condição prévia
• Recreação a coleta de dados da natureza, na forma de séries
• Piscicultura históricas. A avaliação de eventos raros requer o
• Reservatórios estudo de uma função de distribuição de probabi-

30 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


lidades que represente o fenômeno. Problemas de COMUNICAÇÕES INTERNAS DO BRASIL COLÔNIA
reservação de água em barragens requer que se tra-
cem considerações acerca das sequências de vazões
nos cursos d’água que somente séries de dados mui-
to extensas podem fornecer.
Poucos projetos são executados exatamente
nas seções onde se fizeram medidas de vazão. Mui-
tas obras são construídas em rios nos quais nun-
ca se mediu vazão. Três métodos alternativos têm
sido usados para calcular a vazão na ausência de re-
gistros. O primeiro método utiliza fórmulas empí-
ricas, que transformam valores de precipitação em
vazão, considerando as características hidrográfi-
cas da bacia de contribuição. Uma segunda possi-
bilidade é analisar a série de precipitações (chuvas) Fonte? Caio Prado Jr.
e calcular as vazões através da aplicação dos mode- “História Econômica do Brrasil”, pág. 111.
los computacionais que simulam o comportamento
hidrológico da bacia. A terceira alternativa consis-
te em estimar as vazões a partir de registros obtidos Bacias Hidrográficas
em postos próximos de outra bacia. As bacias de- Brasileiras
vem ser muito semelhantes para se estabelecer uma
correlação aceitável entre ambas. O Brasil, dada a sua grande extensão terri-
torial e predominância de climas úmidos, tem uma
Os sistemas de abastecimento de água, de extensa rede hidrográfica. As bacias hidrográficas
irrigação, ou hidrelétricos que contassem somen- brasileiras oferecem, em muitos trechos, grandes
te com as águas captadas diretamente dos cursos possibilidades de navegação. Apesar disso, o trans-
d’água, sem nenhuma regularização, não seriam porte hidroviário é pouco utilizado no país. Em
capazes de satisfazer a demanda de seus usuários outros trechos, nossos rios apresentam um enor-
durante as estiagens, sobretudo se forem intensas. me potencial hidrelétrico, bastante explorado no
Muitos rios, apesar de em certas épocas do ano Centro-Sul do país em decorrência da concentra-
terem pouca ou nenhuma água, transformam-se ção urbano-indústrial, mas subutilizado em outras
em correntes caudalosas durante e após chuvas regiões, como a Amazônia.
intensas, constituindo-se em flagelo no tocante às
atividades ao longo de suas margens. A principal Tecnicamente, a hidrografia brasileira apre-
função de um reservatório é a de ser um regulador senta os seguintes aspectos:
ou volante, visando a regularização das vazões dos • Não possui lagos tectônicos, pois as depres-
cursos d’água ou atendendo às variações de deman- sões tornaram-se bacias sedimentares. Em
da dos usuários. nosso território, só há lagos de várzea (tem-
As diferentes técnicas para a obtenção dos porários, muito comuns no Pantanal) e lago-
parâmetros a serem utilizados para o planejamen- as costeiras, como a dos Patos (RS) e a Ro-
to, projeto ou operação dos sistemas de recursos drigo de Freitas (RJ), formadas por restingas.
hídricos podem ter seu uso feito isolada ou con- • Todos os rios brasileiros, com exceção do
juntamente. Isso se dará, em função da quantidade Amazonas, possuem regime pluvial. Uma
de dados hidrológicos disponíveis, dos recursos de pequena quantidade da água do rio Ama-
tempo e financeiros alocados, da importância da zonas provém do derretimento de neve na
obra e dos estágio do estudo (projeto em nível bá- cordilheira dos Andes, caracterizando um
sico, técnico ou executivo) regime misto (nival e pluvial).

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 31


• Todos os rios são exorreicos. Mesmo os que no estado de Goiás e no Bico do Papagaio (TO),
correm para o interior têm como destino fi- onde o Tocantins recebe seu principal afluente,
nal o oceano, como o Tietê, afluente do rio o rio Araguaia. Em terras paraenses, o Tocantins
Paraná, que por sua vez deságua no mar (es- deságua no Golfão Amazônico, onde se localiza a
tuário do Prata). ilha de Marajó. Por apresentar longos trechos na-
vegáveis, essa bacia é utilizada para escoar parte da
• Há rios temporários apenas no Sertão nor-
produção de grãos (destaque para a soja) das regi-
destino, onde o clima é semiárido. No res-
ões que banha. A usina hidrelétrica de Tucuruí, a
tante do país, os rios são perenes.
segunda maior do país, foi construída no rio To-
• Predominam rios de planalto em áreas de cantins e atende às necessidades de consumo de
elevado índice pluviométrico. A existência energia do Projeto Carajás, no Pará.
de muitos desníveis no terreno e o grande
volume de água possibilitam a produção de Bacia Platina (Composta pela Bacia do Paraná e
hidreletricidade. Bacia do Uruguai):
• Com exceção do rio Amazonas, que possui O Brasil também é banhado pela segunda
foz mista (delta e estuário), e do rio Parnaí- maior bacia hidrográfica do planeta. Seus três rios
ba, que possui foz em delta, todos os rios bra- principais – Paraná, Paraguai e Uruguai – formam
sileiros que deságuam livremente no oceano o rio da Prata, ao se encontrarem em território ar-
formam estuários. gentino. A bacia do rio Paraná apresenta o maior
potencial hidrelétrico instalado do país, além de
As principais bacias hidrográficas brasileiras
trechos importantes para a navegação, com desta-
são:
que para a hidrovia do Tietê. A bacia do Paraguai,
Bacia do Rio Amazonas: que atravessa o Pantanal Matogrossense, é am-
plamente navegável. Já a bacia do Uruguai, com
A maior bacia hidrográfica do planeta tem pequeno potencial hidrelétrico e poucos trechos
sua vertente delimitada pelos divisores de água da navegáveis, tem importância econômica apenas
cordilheira dos Andes, pelo planalto das Guianas regional.
e pelo planalto Central. Seu rio principal nasce
no Peru, com o nome de Marañon, e passa a ser Bacia do Rio São Francisco:
denominado Solimões da fronteira brasileira até o
encontro com o rio Negro. A partir daí, recebe o
nome de Amazonas. É o rio mais extenso (total de
7100 km) e de maior volume de água do planeta.
Esse fato é explicado pela presença de afluentes de
ambos os lados que, por estarem nos dois hemisfé-
rios (norte e sul), permitem a dupla captação das
cheias de verão. Os afluentes do rio Amazonas nas-
cem, em sua maioria, nos escudos do planaltos das
Guiana e Brasileiro, possuindo, assim, o maior po-
tencial hidrelétrico disponível do país. Ao caírem
na bacia sedimentar, que é plana, tornam-se rios É uma extensa bacia hidrográfica, responsá-
navegáveis. O rio Amazonas, que corre no centro vel pela drenagem de aproximadamente 7,5% do
da bacia, é totalmente navegável. território nacional. O rio São Francisco, que nasce
em Minas Gerais, atravessa o sertão semiárido mi-
Bacia do Rio Tocantins: neiro e baiano, possibilitando a sobrevivência da
população ribeirinha de baixa renda, a irrigação
Esta bacia drena aproximadamente 9,5%
em pequenas propriedades e em grandes projetos
do território nacional. Seus principais rios nascem

32 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


agroindústriais e a criação de gado. O São Francis- Jupiá (Rio Paraná) - 1.551 MW; 10) Itaparica (Rio
co é um rio bastante aproveitado para a produção São Francisco) - 1.500 MW; 11) Itá (Rio Uruguai) -
de hidreletricidade. Ele é navegável em um longo 1.450 MW; 12) Marimbondo (Rio Grande) - 1.440
trecho dos estados de Minas Gerais e Bahia, des- MW; 13) Porto Primavera (Rio Paraná) - 1.430
de que a barragem de Três Marias não lhe retenha MW; 14) Salto Santiago (Rio Iguaçú) - 1.420 MW;
muita água. 15) Água Vermelha (Rio Grande) - 1.396 MW;
16) Corumbá (Rio Corumbá) - 1.275 MW; 17) Se-
Bacias Secundárias: gredo (Rio Iguaçú) - 1.260 MW; 18) Salto Caxias
o Brasil possui três conjuntos de bacias se- (Rio Iguaçú) - 1.240 MW; 19) Furnas (Rio Gran-
cundárias: Atlântico Norte-Nordeste, Atlântico de) - 1.216 MW; 20) Emborcação (Rio Paranaíba)
Leste e Atlântico Sudeste. As bacias hidrográficas - 1.192 MW; 21) Salto Osório (Rio Iguaçú) - 1.078
que os compõem não possuem ligação entre si. Elas MW; 22) Estreito (Rio Grande) - 1.050 MW; 23)
foram agrupadas pela sua localização geográfica ao Sobradinho (Rio São Francisco) - 1.050 MW.
longo do litoral. O rio principal de cada uma delas (*) Itaipú é considerada usina binacional
tem sua própria vertente, delimitando, portanto, (Brasil/Paraguai). Assim, inteiramente nacional, a
uma bacia hidrográfica. Por exemplo, as bacias do maior é a de Tucuruí, no Pará.
Atlântico Leste são formadas pelo agrupamento
FONTES: ABRAGE e CESP.
das bacias do Paraíba do Sul, Doce, Jequitinhonha,
Pardo, Contas e Paraguaçu. Maiores rios brasileiros em vazão (m3/s):
1°) Rio Amazonas (Bacia Amazônica) - 209.000;
2°) Rio Solimões (Bacia Amazônica) - 103.000; 3°)
Rio Madeira (Bacia Amazônica) - 31.200; 4°) Rio
Negro (Bacia Amazônica) - 28.400; 5°) Rio Japurá
(Bacia Amazônica) - 18.620; 6°) Rio Tapajós (Bacia
Amazônica) - 13.500; 7°) Rio Purus (Bacia Ama-
zônica), Rio Tocantins (Bacia Tocantins-Araguaia)
e Rio Paraná (Bacia do Prata) - 11.000; 10°) Rio
Xingu (Bacia Amazônica) - 9.700; 11°) Rio Içá
(Bacia Amazônica) - 8.800; 12°) Rio Juruá (Bacia
Amazônica) - 8.440; 13°) Rio Araguaia (Bacia To-
cantins-Araguaia) - 5.500; 14°) Rio Uruguai (Bacia
do Prata) - 4.150; 15°) Rio São Francisco (Bacia do
São Francisco) - 2.850; e 16°) Rio Paraguai (Bacia
do Prata) - 1.290.
Observações:
Bacias Hidrográficas: Uma
1) Os rios da bacia amazônica são responsáveis
Fonte de Energia por 72% dos recursos hídricos do Brasil;
As maiores usinas hidrelétricas brasileiras 2) O aquífero guarani, com 1.194.800 km2 de
por capacidade instalada, até o final de 2002, são: extensão e 45 quatrilhões de litros, é o maior
1) Itaipú (Rio Paraná) - 12.600 MW (*); 2) Tu- reservatório de água doce da América do Sul
curuí (Rio Tocantins) - 4.245 MW; 3) Ilha Solteira e 70% dele está localizado no Brasil (Mato
(Rio Paraná) - 3.444 MW; 4) Xingó (Rio São Fran- Grosso do Sul - 25,5%, Rio Grande do Sul -
cisco) - 3.000 MW; 5) Paulo Afonso IV (São Fran- 18,8%, São Paulo - 18,5%, Paraná - 15,0%,
cisco) - 2.460 MW; 6) Itumbiara (Rio Paranaíba) Goiás - 6,5%, Santa Catarina - 6,5%, Minas
- 2.082 MW; 7) São Simão (Rio Paranaíba) - 1.710 Gerais - 6,1% e Mato Grosso - 3,1%), 19%
MW; 8) Fóz do Areia (Rio Iguaçú) - 1.676 MW; 9)

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 33


na Argentina, 6% no Paraguai e 5% no Uru- além da região do semiárido nordestino. Os con-
guai. flitos cresceram entre usuários e houve uma piora,
devido a poluição, das condições de qualidade dos
corpos hídricos que atravessam cidades e regiões
As Chuvas no Brasil com intensas atividades indústriais, agropecuárias
A disponibilidade da água depende das chu- e de mineração.
vas, da conformação e da extensão das bacias hi-
drográficas. A precipitação média no Brasil é da Irrigação Exige Solos e Não
ordem de 1800 mm. Regionalmente, as médias va-
riam de 600 mm no Nordeste a 2700 mm no litoral Água
norte da Amazônia. Os lugares onde mais chove Com 800.000 km2, o trópico semiárido bra-
no Brasil não estão na Amazônia e sim na Serra sileiro chega perto do Equador, no litoral do Piauí
do Mar, entre São Paulo e Paraná. Na Amazônia, e Ceará, um caso raro no planeta. Ali, a demanda
chove entre 2500 a 3.000 milímetros por ano. Na evaporativa, devido ao calor e aos ventos, é muito
região de Ubatuba, litoral norte de São Paulo, cho- forte e acentua a aridez local. Para irrigar e manter
ve cerca de 4.000 milímetros por ano. Nas proxi- uma laranjeira em produção no sertão é necessário
midades do pico do Marumbi, no Paraná, está o colocar cinco vezes mais água do que na Califórnia
recorde nacional de precipitações: mais de 5.000 ou em Israel, onde outonos e invernos são frios,
milímetros. É chuva suficiente para encher uma chegando até a nevar. O risco de salinização au-
piscina com mais de metros de profundidade. As menta. A demanda climática e as características
regiões brasileiras onde menos chove estão situa- dos solos nordestinos, pouco profundos, encarecem
das no interior do Nordeste e em algumas áreas em e dificultam a expansão da irrigação. Há quatro
pleno oceano Atlântico, próximas ao litoral norte mil anos, a salinização foi a razão da decadência
do Nordeste. Em Picuí, na Paraíba, chove menos da agricultura irrigada mesopotâmica, a dos jardins
de 300 milímetros anuais. A variabilidade intera- suspensos da Babilônia.
nual das chuvas no semiárido brasileiro é muito
grande. É comum chover metade da média plu-
viométrica. A demanda evaporativa é superior a
3.000 milímetros, o suficiente para consumir toda
a chuva anual.
Num ranking da UNESCO envolvendo 180
países sobre a quantidade anual de água disponível
per capita, o Brasil aparece na 25ª posição – com
48.314 m3. Para a Agência Nacional das Águas
esse número é da ordem de 30.000 m3/hab./ano.
As situações mais críticas estão em algumas ba-
cias litorâneas do Nordeste e no Alto Tietê, onde
situa-se a cidade de São Paulo, com disponibilida- A maioria dos solos do semiárido não se
des inferiores a 700 m3/hab./ano. Na região Norte, prestam para a irrigação ou exigem muitos cuida-
esses valores situam-se entre 150.000 m3/hab./ano dos. Não há como perfurar muitos poços. Em me-
a 1,8 milhão m3/hab./ano. nos de dois metros toca-se na rocha, nas regiões de
substrato cristalino. Não existe água subterrânea,
O Brasil ainda tem grandes reservas de água
salvo em alguns eixos hidrográficos e em áreas de
doce nas bacias do Amazonas, do rio da Prata (Pa-
falhas, de ruptura profunda nas rochas. Em geral,
raguai-Paraná) e do São Francisco. Nos últimos
a água encontrada nessas situações é de má quali-
30 anos, a pressão sobre os recursos hídricos au-
dade, salobra e imprópria ao consumo humano e à
mentou, provocando situações de escassez de água,

34 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


irrigação. No Nordeste há cerca de 30 mil poços fonte água para o abastecimento e consumo hu-
já perfurados, em áreas sedimentares, que nunca mano de cidades em mais de uma dezena de bacias
receberam sequer equipamentos de extração da hidrográficas de São Paulo.
água para abastecimento público. No Piauí exis-
AQUÍFERO GUARANÍ
tem 3.200 poços nessas condições. Em outros lo-
cais são poços jorrantes sem aproveitamento. Um
desperdício.
A disponibilidade efetiva de água superficial
para plantas, animais e humanos depende sempre
de três fatores: chuvas, demanda evaporativa e ca-
pacidade de armazenamento de água nos solos, em
rios ou reservatórios. Em Paris chove tanto quanto
em Petrolina, no sertão de Pernambuco. Na Sué-
cia e no Alasca chove menos do que nos sertões.
A existência de águas e florestas nessas regiões ex-
plica-se pela baixa demanda evaporativa do clima
temperado, comparado ao tropical. E a profundi-
dade dos solos pode sempre agravar ou atenuar o
problema da disponibilidade de água.

As Águas Subterrâneas
A água, como os mistérios, gosta de escon-
der-se na luz e no subsolo. O Brasil, dono de gran-
des reservas hídricas superficiais, é também um
rico proprietário de águas subterrâneas. O país está A Demanda e o Uso Múltiplo
dividido em 10 províncias hidrogeológicas, com- das Águas
postas de sistemas aquíferos de grande importância
Na aparente abundância hídrica do Brasil, a
sócioeconômica. No Nordeste, os sistemas aquífe-
agricultura através da irrigação representa 56% da
ros Dunas e Barreiras são utilizados para abasteci-
demanda total. Seguem-se as demandas para uso
mento humano nos estados do Ceará, Piauí e Rio
doméstico (27%), indústrial (12%) e para desse-
Grande do Norte. O aquífero Açu é intensamente
dentação animal (5%). A demanda total brasileira
explorado para atender o abastecimento público,
para o ano 2000 foi estimada em 2.178 m3/s. A
indústrial e projetos de irrigação na região de Mos-
região de maior demanda é a da bacia do rio Pa-
soró.
raná (590m3/s). A região hidrográfica do Paraná,
O principal dos aquíferos brasileiros tem com apenas 10% do território nacional, representa
nome de índio, seguindo a tradição vernacular 27% da demanda hídrica do país. As regiões hi-
dos missionários jesuítas: aquífero Guarani, na drográficas do Paraná, das bacias costeiras e do São
província hidrogeológica do Paraná. Com seus 45 Francisco constituem cerca de 80% da demanda
mil km3 de água doce - suficientes para abastecer hídrica nacional, em 36% do território e com so-
o mundo todo, por dez anos -, o aquífero Guarani mente 18% da disponibilidade hídrica superficial.
estende-se por 1,2 milhão de km2, sendo 840.000 Os meses de inverno podem representar momentos
km2 em território brasileiro. É a única província difíceis na gestão da água nessas bacias, especial-
hidrogeológica do globo a apresentar água potável mente no Alto Tietê.
a 2.000 metros de profundidade. E está sendo usa-
Água é para usar. Sem abusar. Seu consumo
do, principalmente em São Paulo. Ele já é a grande

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 35


realiza-se diretamente através da sua captação dos “Transposição do São
cursos de água e lagos ou pelo recebimento da água
através dos serviços públicos ou privados de abas- Francisco”
tecimento. A existência do ser humano, por si só,
garante-lhe o direito a consumir água ou ar. Negar PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO
água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida, RIO SÁO FRANCISCO PARA O NORDESTE
ou em outras palavras, é condená-lo à morte. O SETENTRIONAL
direito à vida antecede os outros direitos. A lei bra-
sileira reconhece, sem nenhuma dúvida, o direito
à água.
Não sabe-se exatamente quais são os esto-
ques hídricos médios das nações. As flutuações me-
teorológicas e climáticas, a deficiência de equipa-
mentos de medida de chuva e de vazão dos rios, a
insipiência das redes sinópticas de coleta de dados
hidro-meteorológicos etc. dificultam uma avalia-
ção mais circunstanciada. Para alguns, o Brasil pos-
sui 12 ou 16 ou até 20% da água doce do planeta,
sem nunca darem o valor total dessa água em km3.
Porque tamanha variação? Faltam dados precisos.
Como ordem de grandeza, o Brasil possui cerca de Transposição do São Francisco, Como Ficam?
10 a 12% da água doce superficial do planeta. Não Apolo Henriger Lisboa
mais. A vazão média anual dos rios em território
Este projeto de transposição de águas não es-
brasileiro é da ordem de 160.000 m3/s. Se conside-
tava no programa do candidato Lula, pelo contrário,
rar-se a contribuição da parte da bacia amazônica
era combatido radicalmente pelo PT que o denunciava
situada fora do território brasileiro, estimada em
cabalmente. Não se trata, pois, de fazer oposição ao
85.700 m3/s, a disponibilidade hídrica tinge valo-
programa do governo eleito. Este projeto foi proposto
res da ordem de 245.700 m3/s.
em 1982 pelo pré-candidato coronel Mário Andreazza
A distribuição espacial dos recursos hídricos na convenção nacional do PDS, cortejando os delega-
brasileiros não coincide com as demandas da popu- dos nordestinos. Tem tudo a ver com a mentalidade
lação. A região Norte, com apenas 7% da popula- faraônica da ditadura e com o coronel da Transama-
ção brasileira, reúne 68% da água doce do país na zônica que poderá vir a lembrado por mais este feito,
bacia amazônica. O Nordeste, com 29% da popula- póstumo. Em 1982 Ciro Gomes se elegia deputado no
ção tem apenas 3% da água doce. No Sudeste, a si- Ceará pelo PDS e pode ter ficado influênciado.
tuação é ainda pior: 43% da população e menos de
Já os mineiros detentores de mandato, atrelados
6% da água doce de superfície. No interior de cada
à sustentação institucional do governo federal, fingem
Estado, a situação também é variável. As águas se
ignorar um tema desta magnitude e do interesse do Es-
prestam humildemente às mais diversas aplicações
tado. O Ministério do Meio Ambiente, que no governo
e usos por parte da humanidade. A visão antropo-
Fernando Henrique conseguiu barrar a transposição,
cêntrica esquece que o maior e primeiro uso das
com apoio do PT, agora se posiciona a favor, para es-
águas é o dos ecossistemas. Na visão utilitarista, a
panto e desconfiança da sociedade. Todos poderão ser
água é uma commodity, destinada a ser vendida,
acusados de prevaricação e coautores de danos aos in-
comprada, gerida, cuidada, armazenada, utilizada
teresses do nosso país. Precisamos expô-los ao público
etc.
e a melhor forma é fazermos a cobrança de público por
toda parte e a toda hora, com manifestações públicas.

36 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Como não estamos organizados em partidos diversas fontes, inclusive oficiais), seguramente uma
de oposição ou de apoio sistemático, estamos em bus- jogada perversa de profissionais da indústria da seca,
ca de canais de negociação, com base na decisão do incapazes de resolver o problema da população mais
Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco carente do Nordeste Setentrional. Pretendem construir
(CBHSF), que admite a tomada de água no Eixo Les- instalações para tomada de até 127m3/s que ficarão
te, para abastecimento humano e dessedentação ani- ociosas, por não haver disponibilidade para tal, a não
mal, na Paraíba e em Pernambuco, desde que a sua ser esporadicamente. Aliás, como poderia uma tomada
necessidade seja comprovada. Ao lado desta medida média anual de 65m3/s, promover tantas mudanças
poder-se-ía trabalhar conjuntamente para produzir um no Nordeste, se representaria uns 4% apenas da água
programa intregrado de gestão do semiárido brasileiro, já estocada nos açudes, que é da ordem de 37 bilhões
em toda a área do chamado Polígono da Seca que ve- de metros cúbicos de água, mais do que há em Sobra-
nha beneficiar os sertanejos, como deseja o Presidente. dinho?
Encerraríamos, assim, este processo de discórdia e o
Este projeto repete e agrava erros do passado, e
Brasil evitaria uma loucura.
na mesma lógica quer concentrar água no sistema de
Belo Horizonte é a unica capital dentro da bacia açudes construídos pelo governo federal desde 1909,
do São Francisco e o rio das Velhas seu mais importan- em função da estrutura sócio-fundiária tradicional.
te afluente. Minas tem mais da metade da população Açudes, poluídos de esgotos e agrotóxicos, assorea-
e quase 40% do território da bacia. Sendo as outorgas dos, sem manutenção e ociosos, pois foram pensados
de água na Bahia e outos estados, seja para irrigação, como caixas d’água a céu aberto em terra de coronel.
hidrelétricas, abastecimento ou transposição, conces- A transposição pretende levar 70% das águas para o
sões com força de lei, o que acontece após o rio cruzar agronegócio, sobretudo fruticultura de exportação, 4%
nossas fronteira, mesmo que a mil quilômetros, limita para agricultores dispersos e 26% para abastecimen-
nosso direito ao uso de nossas águas pois a unidade to urbano humano e indústrial, atingindo apenas 5%
de planejamento é a bacia hidrográfica, não o Estado do território alvo. Não busca compreender a natureza
r a outorga na calha do rio é federal. A diversidade dos problemas e dos potenciais do semiárido, e as so-
geoclimática de Minas Gerais contribue com 75% das luções apontadas por quem se dedica a esta questão.
águas do São Francisco que chegam ao mar. É uma As variações climáticas com secas, inundações, inso-
forma natural de transposição de águas para o semiá- lação elevada, mais de cem sub-regiões geoclimáticas,
rido brasileiro, 57% do qual está na própria bacia do são fundamentais para culturas agrícolas, animais e o
São Francisco, começando aqui no norte de Minas. turismo, desde que se aproveite as experiências bem su-
Outra forma de transposição se dá na forma de hidre- cedidas, de baixo custo, de uma economia diversificada
letricidade, pois 95% da energia elétrica do Nordeste é que pode ser próspera. Experiências que podem ser
proveniente das águas de São Francisco, havendo além de todas as famílias dispersas na imensidão do sertão,
de Três Marias mais seis hidrelétricas no submédio e basicamente em função das chuvas que são suficientes
baixo curso, já se aproximando da foz. Isto já basta. e chegam a toda parte, porém são irregulares e con-
centradas em uns quatro meses do ano. O nível da
Esta terceira transposição, levando nossas águas
precipitação varia de 300 a 800 milímetros por ano,
e direitos territoriais para o agronegócio no Ceará e
o que é bem razoável, com possibilidades diferentes se-
outros estados, desprezando a urgente necessidade de
gundo a base geológica seja cristalina ou sedimentar. Se
revitalização da bacia e as opiniões de sertanejos, téc-
houvesse conhecimento e gestão adequados, insumos
nicos e cientistas de todo o Brasil, é inaceitável. Projeto
fundamentais, como há em Israel, onde as condições
inaceitável por ser desnecessário, lesivo aos interesses
climáticas são muito piores, iríamos compreender que
atuais e futuros da bacia, tecnicamente rejeitado nas
a questão não se reduz a água, muito menos concen-
instâncias técnicas e científicas mais qualificadas, falso
trando-a em açudes e rios, e que o desperdício de água,
ao afirmar que levará água aos sertanejos castigados
a falta de formação técnica e de programas de desen-
pelas secas, de altíssimo custo (7 bilhões de dólares
volvimento é que são as verdadeiras causas da miséria
o custo total inicialmente previsto: dados obtidos em

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 37


no Nordeste enquanto componentes da exclusão so-
cial. Israel já tem duzentos mil hectares irrigados. O
fator primordial do sucesso de um programa econômico
regional e com sustentabilidade não pode ser o fator
escasso usado com desperdício, no caso a água, mas
os fatores abundantes complementados pela água, no
caso, exploração das características do clima, investi-
mentos em conhecimento técnico-científicos e gestão e
gerenciamento eficientes.
Há estudos baseados na disponibilidade hídri-
ca média per capita, que divide a vazão dos rios pela
população, que colocam o nordestino setentrional com
mais disponibilidade hídrica que a média dos europeus.
O problema é de gestão e gerenciamento, de distri-
buição e adaptação às condições básicas geoclimátias,
como a coleta e armazenamento adequado das águas
das chuvas.
O projeto Jaíba, no norte de Minas, recebeu
outorga para retirar 80m3/s e irrigar quase cem mil
hectares, no estilão agro-negócio, com o governo ban-
cando quase tudo. Começou em 1973, já consumiu
quatrocentos milhões de dólares e não conseguiu ainda
irrigar dez mil hectares. Isto do lado do São Francis-
co e a menos de 20 metros de altura. Imaginem só
levar água em canais, túneis e leitos secos, perfazen-
do 2.220 quilômetros, ultrapassando altitudes de 165
metros no caminho do Ceará e de 360 metros caminho
da Paraíba e Pernambuco? Por que não aprender com
os erros, por que não estudar e concluir o projeto Jaíba
? Há várias obras inacabadas no semiárido, necessi-
tando de cuidados, e já querem outra mega obra, tão
próximo de 2006 e sem transparência, isto será um
desastre. A ignorância não pode vencer a esperança
nem nos calar. É urgente encontrar uma saída política
para o impasse.

38 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Vegetação
CAPÍTULO

Domínios do Planalto Meridional, onde chegam a ocorrer


nevascas nos pontos mais altos da sua porção sul.
Morfoclimáticos do
Brasil Distribuição da Flora
A vegetação do Brasil, compreendida na Neotropical Brasileira
Zona Neotropical, pode ser dividida, segundo o as-
pecto geográfico em dois territórios: o amazônico e Este estudo fitoecológico foi alicerçado em
o extra-amazônico. dois princípios da lógica científica - a deriva das
placas continentais e a evolução monofilética dos
No território Amazônico (área ombrófila), seres vivos. A hipótese da deriva das placas conti-
o sistema ecológico vegetal responde a um clima nentais foi inicialmente atribuída a Weneger, na
de temperatura média em torno de 25ºC e de chu- década de 20, para o período Permocarbonífero e
vas torrenciais bem distribuídas durante o ano, sem somente foi novamente aceita, sem restrições, após
déficit hídrico mensal no balanço ombrotérmico os trabalhos publicados na revista American Geo-
anual. No território extra-amazônico (área ombró- graphic, nas décadas de 60 e 70.
fila e estacional), o sistema ecológico responde a
dois climas - um tropical com temperaturas médias Esta reunião de estudos geofísicos e paleon-
em torno de 22ºC e precipitações atmosféricas tológicos comprovou a existência de dois eventos
marcadas por um déficit hídrico, superior a 60 dias tectônicos de movimentos de placas. O primeiro
no balanço ombrotérmico anual, e um subtropical, corresponde à separação do grande continente da
com temperaturas suaves no inverno, que ameni- Pangeia, circundado pelo mar de Tetys, em dois
zam a média anual situada em torno de 18ºC. As continentes menores - o Gondwânia, no hemis-
chuvas são moderadas e bem distribuídas durante o fério Sul e o Laurásia no hemisfério Norte. O se-
ano, não ocorrendo, por isso, déficit hídrico men- gundo corresponde ao movimento das atuais plata-
sal no balanço ombrotérmico anual. Contudo, há formas continentais que vem se realizando desde o
uma fase de dormência vegetativa, provocada pelas fim do Período Cretáceo até os nossos dias.
baixas temperaturas dos meses mais frios do ano. Embora tais eventos paleogeográficos conti-
Em cada uma dessas áreas climáticas, deu- nuem ainda sendo debatidos, o que não mais se dis-
-se, através do tempo, uma adaptação da forma e cute é a origem monofilética dos seres vivos, pois
do comportamento das plantas às características a evolução das plantas teve, como a dos animais,
da estação desfavorável, seja seca ou fria ou ambas um tronco biológico único que se dividiu através
simultaneamente. do tempo.

As plantas brasileiras apresentam-se em to- A vegetação brasileira recebeu, antes da de-


das as formas de vida, conforme a posição e pro- riva das placas continentais, o concurso de plantas
teção dos órgãos de crescimento em relação aos pantropicais que, após este evento, formaram en-
períodos climáticos, pois o País localiza-se entre 5º demismos em famílias, gêneros e espécies, consti-
de latitude N e 32º de latitude S, com altitudes que tuindo, assim, os Domínios Florísticos e as Regiões
vão do nível do mar a mais de 3000 m. Em conse- da Zona Neotropical.
quência, apresenta condições ecológicas variadís-
simas, desde o ambiente equatorial ao temperado

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 39


Vegetação Original Brasileira Floresta Latifoliada Tropical
Eesta formação foi altamente devastada ao
O Brasil, por contar com grande diversida-
longo da história do Brasil. Originalmente, esten-
de climática, apresenta várias formações vegetais.
dia-se do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do
Tem desde densas florestas latifoliadas tropicais,
Sul, alargando-se significativamente em Minas
que ocupam mais da metade de seu território, até
Gerais e São Paulo. Possui um estrato exposto à
formações xerófilas, como a caatinga. Há também
ação intensa das massas de ar úmido provenien-
formações típicas de clima temperado, como a
tes do oceano Atlântico. Nessa área, ela é muito
Mata de Araucárias. Possui grandes extensões, no
densa, quase impermeável, sendo conhecida como
centro do país, de uma formação complexa tipo sa-
Mata Atlântica (floresta latifoliada tropical úmida
vana, conhecida como cerrado, sem contar o com-
da encosta).
plexo do Pantanal, as matas galerias, as formações
de mangue. Veja o mapa para ter noção da riqueza Mata de Araucárias ou dos Pinhais
vegetal brasileira. (Floresta Aciculifoliada)
BRASIL - VEGETAÇÃO ORIGINAL É uma floresta na qual predomina a Araucá-
ria angustifólia, espécie adaptada ao clima subtro-
pical ou temperado. Assemelha-se, na densidade
vegetal, a um bosque. Originariamente, dominava
vastas extensões da área planáltica da região Sul
e mesmo pontos altos do território de São Paulo
(Campos do Jordão), Rio de Janeiro (Petrópolis) e
Minas Gerais (Pico da Bandeira). Em seu interior,
há a ocorrência de erva-mate, ipês, canela, cedros,
etc.

Mata dos Cocais


Esta formação vegetal está encravada entre
Floresta Amazônica a Floresta Amazônica, o cerrado e a caatinga. É,
(Floresta Latifoliada Equatorial) portanto, uma mata de transição entre formações
Possuindo o maior banco genético ou biodi- bastante distintas, constituída por palmeiras ou
versidade do planeta, a Floresta Amazônica apre- palmáceas, com grande predominância do babaçu
senta três estratos: e ocorrência esporádica de carnaúba.
• Caaiapó: é uma área permanentemente Caatinga
alagada, ao longo dos rios, onde encontra-
mos vegetação de pequeno porte, como, por Vegetação xerófila, adaptada ao clima se-
exemplo, a vitória-régia; miárido, na qual predomina um estrado arbustivo
• Várzea: área sujeita a inundações periódi- cadufifoliado e espinhoso; ocorrem também cactá-
cas, com vegetação de médio porte, que rara- ceas. O nome caatinga significa, em tupi-guarani,
mente ultrapassa 20 metros de altura, como ‘mata branca’, cor predominante da vegetação du-
a seringueira; rante a estação seca. No verão, devido à ocorrência
• Caaetê ou Terra Frme: área que nunca de chuva, brotam folhas verdes e flores.
inunda, na qual encontramos vegetação de
Cerrado
grande porte, com árvores que chegam a
atingir 60 metros de altura, como a casta- Muito parecido com a savana africana, é
nheira. constituído por uma vegetação caducifólia. Pre-
dominantemente arbustiva, de raízes profundas,

40 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


galhos retorcidos e casca grossa (que retém mais do que foi estudado de forma isolada nos anexos
água), é uma formação plenamente adaptada ao anteriores. Assim, por exemplo, o domínio amazô-
clima tropical típico, com chuvas abundantes no nico é formado por terras baixas (relevo), floresta-
verão e inverno bastante seco. das (vegetação) e equatoriais (clima).

Complexo do Pantanal
Dentro do Pantanal Mato-grossense há
Biomas
campos inundáveis, florestas tropical e mesmo cer- Caatinga, Floresta Atlântica, Ecossistemas
rado nas áreas mais altas. O Pantanal, portanto, Costeiros, Campos Sulinos são apenas alguns dos
não é uma formação vegetal, mas um complexo biomas contidos neste nicho do Ambientebrasil.
que agrupa várias formações em seu interior.
Contendo informações sobre os relaciona-
Campos Naturais mentos existentes em cada um dos conjuntos de
fauna e flora, microorganismos e fatores ambien-
Formações rasteiras ou herbáceas, consti- tais, metereológicos e geológicos encontrados no
tuídas por gramíneas que atingem até 60 cm de País, o nicho biomas é um aliado para quem quer
altura. Sua origem pode estar associada a solos ra- conhecer um pouco mais a biodiversidade brasilei-
sos ou temperaturas baixas em regiões de altitudes ra.
elevadas, áreas sujeitas a inundação periódica ou
ainda solos arenosos. Os campos mais famosos do
Brasil localizam-se no extremo sul, na Campanha Amazônia (Floresta
Gaúcha. Em Mato Grosso do Sul, destacam-se os Equatorial Úmida)
campos de Vacaria e, no restante do país, apare-
cem manchas isoladas na Amazônia, no Pantanal
e nas regiões serranas do Sudeste e do planalto das
Guianas.

Vegetação Litorânea
Nas praias e dunas, é muito importante a
ocorrência de vegetação rasteira, responsável pela
fixação da areia, impedindo que seja transportada
pelo vento. A restinga é uma formação vegetal
que se desenvolve na areia, com predominância de
arbustos e ocorrência de algumas árvores, como o
chapéu-de-sol, o coqueiro e a goiabeira. Os man-
gues são nichos ecológicos responsáveis pela repro-
dução de milhares de espécies de peixes, moluscos
e crustáceos. Em áreas planas do litoral, na foz e
ao longo do curso dos rios, o terreno é invadido
pela água do mar nos períodos de maré cheia e a
vegetação arbustiva que aí se desenvolve é halófila
Localização
(adaptada à presença de sal) e pneumatófila (du-
rante a maré baixa, as raízes ficam expostas). A extensão total aproximada da Floresta
O mapa que mostra os domínios morfocli- Amazônica é de 5,5 milhões de km2, sobrepondo-
máticos do território brasileiro contém informa- -se à área da bacia hidrográfica amazônica com 7
ções sobre a associação das condições físicas de milhões de km2 (incluindo a bacia dos rios Ara-
relevo, clima e vegetação. Trata-se de uma síntese guaia e Tocantins). A floresta amazônica distribui-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 41


-se mais ou menos da seguinte forma, dentro e fora como principal.
do território nacional: 60% no Brasil, e o restante
Durante muito tempo, atribuiu-se à Amazô-
(40%) pela Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana,
nia o papel de “pulmão do mundo”. Hoje, sabe-se
Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela
que a quantidade de oxigênio que a floresta produz
Estes 60% correspondentes ao Brasil consti- durante o dia, pelo processo da fotossíntese, é con-
tuem a chamada Amazônia Legal, abrangendo os sumida à noite. Mas, devido às alterações climáti-
Estados do Amazonas, Amapá, Mato Grosso, oeste cas que causa no planeta, a Floresta Amazônica
do Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocan- vem sendo chamada como “o condicionador de ar
tins. do mundo”.
Além destas “divisões”, a floresta amazônica A importância da Amazônia para a humani-
ainda engloba 38% (1,9 milhões de km2) de flo- dade não reside apenas no papel que desempenha
restas densas; 36% (1,8 milhões de km2) de flores- para o equilíbrio ecológico mundial. A região é o
tas não densas; 14% (700 mil km2) de vegetação berço de inúmeros povos indígenas e constitui-se
aberta, como cerrados e campos naturais, sendo numa riquíssima fonte de matéria-prima (alimen-
12% da área ocupada por vegetação secundária e tares, florestais, medicinais, energéticas e mine-
atividades agrícolas. rais).

Caracterização Clima e Hidrografia


A Amazônia possui grande importância Hápredomínio de temperaturas médias
para a estabilidade ambiental do Planeta. Nela anuais entre 22 e 28ºC. Há uniformidade térmi-
estão fixadas mais de uma centena de trilhões de ca e, normalmente, não se percebe a presença de
toneladas de carbono. Sua massa vegetal libera variações estacionais no decorrer do ano. O total
algo em torno de sete trilhões de toneladas de água de chuvas varia de 1.400 a 3.500 mm por ano. O
anualmente para a atmosfera, via evapotranspira- clima é distribuído de maneira a caracterizar duas
ção, e seus rios descarregam cerca de 20% de toda épocas distintas: a seca e a chuvosa.
a água doce que é despejada nos oceanos pelos rios
O clima é equatorial úmido e sub-úmido,
existentes no globo terrestre.
controlado pela ação dos alísios e baixas pressões
Além de sua reconhecida riqueza natural, a equatoriais (doldrums) e pela ZCIT - Zona de Con-
Amazônia abriga expressivo conjunto de povos in- vergência Intertropical. Na Amazônia Ocidental,
dígenas e populações tradicionais que incluem se- o clima sofre a interferência da massa equatorial
ringueiros, castanheiros, ribeirinhos, babaçueiras, continental (mEc); na Amazônia Oriental, região
entre outros, que lhe conferem destaque em termos do médio e baixo Amazonas e litoral, o clima sofre
de diversidade cultural. Este patrimônio socioam- interferência da massa equatorial marítima (mEm)
biental brasileiro chega ao ano de 2002 com suas e da ZCIT. A massa polar atlântica (mPa) atua no
características originais relativamente bem preser- interior da Amazônia, percorrendo o território na-
vadas. Atualmente, na Amazônia, ainda é possível cional no sentido S - NW através da depressão do
a existência de pelo menos 50 grupos de indígenas Paraguai, canalizando o ar frio e provocando que-
arredios e sem contato regular com o mundo ex- da da temperatura. O fenômeno é conhecido como
terior. “friagem”. Predomina o clima equatorial, com plu-
viosidade média anual de 2.500 mm e temperatura
A Amazônia, como floresta tropical, apre-
média anual de 24 ºC.
senta-se como um ecossistema extremamente
complexo e delicado. Todos os elementos (clima, Os rios amazônicos diferem quanto à quali-
solo, fauna e flora) estão tão estreitamente relacio- dade de suas águas e sua geomorfologia. Os princi-
nados que não se pode considerar nenhum deles pais rios, baseando-se na coloração de suas águas

42 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


são: lacustre. Ao norte e ao sul da calha do médio e
baixo rio Amazonas, os escudos cristalinos e os se-
• De água Preta: Negro
dimentos terciários. Todas estas e outras formações
• De água Clara: Tapajós
geológicas datam de milhões de anos.
• De água Barrenta: Solimões e Amazonas
Ainda falando nos períodos antecessores ao
Os rios de água preta apresentam esta colo-
nosso, quando o nível do mar esteve baixo, o rio
ração devido à presença de ácidos húmicos e fúl-
Amazonas, juntamente, com seus afluentes, alar-
vicos resultantes da decomposição incompleta do
gou e escavou vales; quando o nível do mar estava
húmus do solo. Já os rios de água clara têm suas
alto, estes vales foram aterrados com sedimentos
cabeceiras nos escudos cristalinos pré-cambrianos.
originários da região andina, formando as várzeas.
Drenam solos muito intemperizados e suas águas
não são tão ácidas; a carga de material em sus- O relevo amazônico não apresenta altitudes
pensão é pequena tornando suas águas claras. Os acima de 200 metros, porém, nesta região (frontei-
rios barrentos originam-se em regiões montanho- ra do Brasil com a Venezuela) localiza-se o ponto
sas (Cordilheira dos Andes) carregando elevadas culminante do País, o Pico da Neblina, com 3.014
quantidades de material em suspensão, garantindo metros, mais precisamente na Serra do Imeri. Base-
uma coloração amarronzada. ando ainda na estrutura geológica acima descrita,
surgem as principais unidades de relevo amazôni-
O volume de água do rio Amazonas é
cas:
tão grande que sua foz, ao contrário dos outros
rios,consegue empurrar a água do mar por muitos
quilômetros. O oceano atlântico só consegue re- Formadas por sedimentos
recentes, pouco acima do nível
verter isso durante a lua nova quando, finalmen- das águas, periodicamente
te, vence a resistência do rio. O choque entre as Planície De inundadas, e terraços
águas provoca ondas que podem alcançar até 5m Inundação pleistocênicos, um pouco mais
de altura, avançando rio adentro. Este choque das (Várzeas) antigos, formados em períodos
nos quais o nível dos rios esteve
águas tem uma força tão grande que é capaz de der- alguns metros acima do nível
rubar árvores e modificar o leito do rio. É no Rio atual.
Amazonas que acontece um curioso fenômeno da Com altitudes máximas de
natureza, a pororoca. No dialeto indígena do bai- 200m, formado por sedimentos
xo Amazonas, o fenômeno da pororoca tem o seu terciários argilo-arenosos;
a unidade geomorfológica
significado exato: Poroc-poroc significa destruidor. intensamente compartimentada
Embora a pororoca aconteça todos os dias, o perí- Planalto Amazônico
pela rede de drenagem de
odo de maior intensidade no Brasil acontece entre igarapés e rios autóctones,
janeiro e maio e não é um fenômeno exclusivo do podendo apresentar diversos
níveis de terraços e topografia
Amazonas. Acontece nos estuários rasos de todos bastante acidentada.
rios que desembocam no golfo amazônico e no rio
Situam-se ao norte e ao sul
Araguari, no litoral do Estado do Amapá. Verifica- da bacia sedimentar, muito
-se também nos rios Sena e Ganges. pediplanados e nivelados com
esta, de tal modo que o contato
Escudos Cristalinos é apenas marcado pela zona
Geologia e Relevo das cachoeiras dos afluentes
do rio Amazonas; altitudes
Geologicamente, limita-se ao norte e ao sul caracteristicamente acima de
com os escudos cristalinos brasileiros e das guianas, 200m.
respectivamente; ao longo da borda oeste, com a
Cordilheira dos Andes. Entre as feições antigas
existentes, encontra-se uma depressão preenchida Solos
por uma cobertura sedimentar de caráter fluvial e Devido às precipitações e as temperaturas

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 43


elevadas, o solo sofre alterações em seu material dos durante cerca de seis meses, em áreas próximas
de origem (minerais) e lixiviação em suas bases, aos rios. As árvores podem atingir até 40 metros de
tornado-se profundos e bem drenados, apresentan- altura e raramente perdem as folhas - geralmente
do coloração vermelha ou amarela, pouco férteis e largas para captar a maior quantidade possível de
ácidos. Caracteriza-se, então como: luz solar. Nas águas aparecem as folhas da vitória-
-régia - que chegam a ter 4 metros de diâmetro.
• Oxissolo (Latossolo): excelente textura gra-
Ocorrem associadas aos rios de água branca.
nular, baixíssima fertilidade natural, proprie-
dade uniforme em sua profundidade, ocu-
Florestas de Várzea
pando 45% da área.
• Ultissolo (Pdzólico Vermelho-Amarelo): As árvores são de grande porte (até 40 me-
horizonte de acumulação de argila, proprie- tros de altura) e apresentam características seme-
dade física menos favorável para agronomia lhantes ao igapó - embora a várzea apresente maior
e baixa fertilidade natural, ocupando 30% da número de espécies. Ocorrem associadas aos rios
Amazônia. de água preta.

Aproximadamente 6% da área são ocupa- Florestas de Terra Firme


dos por solos férteis bem drenados; 2% por solos
de espessos horizontes de areias quartzosas e solos Apresentam grande porte, variando entre
aluviais, alguns muito férteis 30 e 60 metros; o dossel é contínuo e bastante fe-
chado, tornando o interior da mata bastante úmi-
A grande biodiversidade é característica do e escuro. Esta formação está presente nas terras
reconhecida das florestas úmidas da Amazônia; altas da Amazônia e mescla-se com outros tipos de
abrange espécies biológicas, ecossistemas, popula- associações locais, como os campos e os cerrados
ções de espécies diversas e uma grande diversida- amazônicos.
de genética. Como exemplo, pode-se citar o fato
de serem conhecidas 2.500 espécies de árvores na Campinaranas ou Caatingas do Rio
Amazônia. Negro:caracterizadas pela presença de árvores mais
baixas, com troncos finos e espaçados. Situadas so-
bre areias brancas, lavadas e pobres do rio Negro.
Flora
Em uma análise por satélite da Amazônia, Fauna
foram identificados 104 sistemas de paisagens, o
que revela uma alta diversidade e complexidade de A principal explicação para grande varieda-
ecossistemas. A biodiversidade torna-se cada vez de na Amazônia é a teoria do refúgio. Nos últimos
mais valorizada como fonte potencial de informa- 100.000 anos, o planeta sofreu vários períodos de
ções genéticas, químicas, ecológicas, microbiológi- glaciação, em que as florestas enfrentaram fases de
cas, etc seca ferozes. Desta forma as matas expandiram-se
e depois reduziram-se. Nos períodos de seca pro-
A diversidade de árvores na Amazônia varia longados, cada núcleo de floresta ficava isolada do
entre 40 e 300 espécies diferentes por hectare. Das outro.
250.000 espécies de plantas superiores da terra,
170.000 (68%) vivem exclusivamente nos trópi- Os invertebrados constituem mais de 95%
cos, sendo 90.000 na América do Sul. das espécies dos animais existentes e distribuem-se
entre 20 a 30 filos. Na Amazônia, estes animais
A Amazônia possui 3.650.000 km² de flores- diversificaram-se de forma explosiva, sendo a copa
tas contínuas. de árvores das florestas tropicais e o centro da sua
maior diversificação. A pesar de dominar a Flores-
Florestas de Igapó
ta Amazônica em termos de números de espécies,
Ocorrem em solos que permanecem alaga- números de indivíduos e biomassa animal e da sua

44 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


importância para o bom funcionamento dos ecos- bacia Amazônica 62% são endêmicos. Existem, na
sistemas, por meio de sua atuação como poliniza- Amazônia, 14 espécies de tartarugas de água doce
dores, agentes de dispersão de sementes, “guarda- e duas espécies de tartarugas terrestres, sendo cinco
-costas”, de algumas plantas e agentes de controle endêmicas e uma ameaçada. Há ainda, três espé-
biológico natural de pragas, e para o bem-estar hu- cies de tartarugas marinhas que aninham em ilhas
mano, os invertebrados ainda não receberam prio- e praias ao longo da costa de estados da Amazônia,
ridade na elaboração de projetos de conservação mas que não são consideradas como parte da fauna
biológica e raramente são considerados como ele- da região. Quanto aos lagartos, existem pelo me-
mentos importantes da biodiversidade a ser preser- nos 89 espécies na região, distribuídas em nove fa-
vada. Mais de 70% das espécies amazônicas ainda mílias, das quais entre 26 e 29% ocorrem também
não possuem nomes científicos e, considerando o ocorrem fora desta região. A distribuição, a abun-
ritmo atual de trabalhos de levantamento e taxo- dância das populações de serpentes são bem menos
nomia, tal situação permanecerá. conhecidos do que dos outros grupos de répteis na
Amazônia, e os estudos existentes não permitem
tecer recomendações seguras para a conservação.
As aves constituem um dos grupos mais bem
estudados entre os vertebrados, com o número de
espécies estimado em 9.700 no mundo, sendo que,
deste total, 1.677 estão representadas no Brasil. Na
Amazônia, há cerca de 1.000 raras, considerando
as que ocorrem em apenas uma das três grandes di-
visões da região (do rio Negro ao Atlântico; do rio
Madeira ou rio Tapajós até o Maranhão; e o res-
tante ocidental, incluindo rio Negro e rio Madeira
ou do rio Tapajós às fronteiras ocidentais do País).
Então os grupos animais dessas áreas isoladas O número total de espécies de mamíferos
passaram por processos de diferenciação genética, existentes no mundo é estimada em 4.650, com
muitas vezes se transformando em espécies ou su- 502 representantes no Brasil. Na Amazônia, são
bespécies diferentes das originais e das que ficaram registradas anualmente 311 espécies, sendo 22 de
em outros refúgios. marsupiais, 11 edentados, 124 morcegos, 57 prima-
tas, 16 carnívoros, dois cetáceos, cinco ungulados,
A riqueza da biodiversidade de animais cres-
um sirênio, 72 roedores e um lagomorfo.
ce a cada dia com as novas descobertas, mas está
ameaçada pela caça, pela degradação e devastação Esses números, entretanto, devem ser consi-
das florestas e de seus vários ecossitemas. Ainda há derados apenas como aproximados, pois certamen-
muitos animais e plantas ainda não catalogados. te serão modificados na medida em que revisões
Na Amazônia só se conhece 30% das espécies do taxonômicas forem realizadas e novas áreas sejam
reino animal. amostradas.
Um total de 163 registros de espécies de an-
fíbios foi encontrado para a Amazônia Brasileira. Desenvolvimento Sustentável
Esta cifra equivale a aproximadamente 4% das Busca-se apenas o interesse econômico dos
4.000 espécies que se pressupõem existir no mundo recursos renováveis e não renováveis, não se leva
e 27% das 600 estimadas para o Brasil. O número em conta, por exemplo, o grande potencial hidre-
total de espécies de répteis no mundo é estima- létrico da região; os recursos minerais, por sua vez,
do em 6.000, sendo 465 espécies identificadas no são amplamente explorados.
Brasil. Das 550 espécies de répteis registrados na

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 45


A biomassa e a produtividade bruta primária
vêm despertando interesses. Trata-se de recursos
naturais que geram riquezas e propiciam o desen-
volvimento sócioeconômico da região. Em contra-
partida, a agricultura continua sendo um desafio.
Questiona-se, então, uma alternativa para a flores-
ta que está em pé e a exploração consciente das
riquezas distribuídas em aproximadamente 90% do
território amazônico.
As reservas extrativistas constituem-se em
uma alternativa interessante para a região, pois
estimulam a utilização dos recursos naturais reno-
váveis, conciliando o desenvolvimento social e
Cerrado (Vegetação dos
a conservação. Estas reservas, que são protegidas Trópicos Subúmidos)
pelo poder público, destinam-se à autos sustenta-
ção e, como já dito, à conservação dos recursos na-
Localização
turais renováveis. Trabalham nas reservas popula- Localizado basicamente no Planalto Central
ções tradicionalmente extrativistas, regulados por do Brasil e uma pequena porção representada no
contratos de concessão real de uso. Sul do Brasil, estado do Paraná, município de Ja-
guariaíva. O cerrado é o segundo maior bioma do
EFEITOS DE “X” SOBRE OS BIOMAS País, superado apenas pela Floresta Amazônica. O
bioma é caracterizado por tipos específicos de ve-
getação, como a caatinga, o cerrado entre outros. É
cortado por três das maiores bacias hidrográficas da
América do Sul, com índices pluviométricos regu-
lares que lhe propiciam biodiversidade.Ocupa uma
área superior a 2 milhões de km², cerca de 23%
do território brasileiro, abrangendo os estados de
(Cesar e Sezar. Biologia 3. p. 283.) Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas
Gerais, Piauí, o Distrito Federal, Tocantins e parte
Segundo o Censo de 1980, 304.023 famílias dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, São Pau-
se ocupavam com a produção extrativista vegetal lo, Paraná e Rondônia. Ocorre também em outras
e animal. Considerando-se 5 pessoas por família, áreas nos estados de Roraima, Ocorre também em
aproximadamente 1.520.115 pessoas sobreviviam outras áreas nos estados de Roraima, Pará, Amapá
na época do extrativismo. e Amazonas.
O extrativismo, em particular da borracha,
não pode ser visto somente do ponto de vista eco- Caracterização
nômico, já que este sistema desempenha funções As savanas do Brasil destacam-se como
sociais. Gera empregos e renda, além da função unidades fitofisionômicas pela sua grande expres-
ambiental, não degradando áreas extensas e pos- sividade quanto ao percentual de áreas ocupadas.
sibilitando a fiscalização feita pelos próprios serin- Dependendo do seu adensamento e condições edá-
gueiros. Além destes exemplos, a madeira, a casta- ficas, pode apresentar mudanças diferenciadas de-
nha e outros produtos não madeireiros podem ser nominadas de Cerradão, Campo Limpo e Cerrado,
trabalhados neste sistema, propiciando melhores entremeadas por formações de florestas, várzeas,
condições de vida à população local. campos rupestres e outros.

46 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Cerrado Sentido Amplo (Lato Senso) geralmente raso, ácido e pobre em nutrientes or-
gânicos. Em Campos Rupestres é alta a ocorrên-
Tipo de vegetação que inclui todas as for-
cia de espécies vegetais restritas geograficamente
mações abertas do bioma Cerrado (Campo Limpo,
àquelas condições ambientais (endêmicas), prin-
Campo Sujo, Cerrado Sentido Restrito, Campo e
cipalmente na camada herbácea-subarbustiva. Al-
Cerrado Rupestre) e uma formação florestal (Cer-
gumas espécies destacam-se nessa vegetação como:
radão).
Wunderlichia spp (flor-do-pau), Bulbophyllum ru-
Campo Limpo piculum (orquídea), Xyris paradisiaca (pirecão) e
Paniculum chapadense (gramínea).
Tipo fitofisionomia herbácea, com poucos
arbustos e nenhuma árvore. É comumente encon- Cerrado Sentido Restrito (Stricto Senso)
trada junto às veredas, olhos d’água e em encostas
Fitofisionomia característica do bioma Cer-
e chapadas. Pode ser classificado em Campo Limpo
rado com árvores baixas e retorcidas, arbustos,
Seco, quando ocorre em áreas onde o lençol freá-
subarbustos e ervas. As plantas lenhosas em geral
tico é profundo e Campo Limpo Úmido, quando
possuem casca corticeira, folhas grossas, coriáceas
o lençol freático é superficial.As áreas de Campo
e pilosas. Podem ocorrer variações fisionômicas
Limpo Úmido são ricas em espécies herbáceas
devido à distribuição espacial diferenciada das
ornamentais como por exemplo: Rhynchospo-
plantas lenhosas e ao tipo de solo. Dentre algumas
ra speciosa (estrelona), Paepalanthus elongathus
espécies encontradas nessas áreas: Kielmeyera spp
(palipalã-do-brejo), Lagenocarpus rigidus (capim-
(pau-santo), Magonia pubescens (tingui), Callis-
-arroz), Lavoisiera bergii (pinheirinho-roxo) e
tene spp (pau-jacaré) e Qualea parviflora (pau-
Xyris paradisiaca (pirecão).
-terra-de-folha-miúda)
Campo Sujo
Cerrado Rupestre
É uma fisionomia herbáceo-arbustiva com
É uma das formas de cerrado sentido restrito
arbustos e subarbustos espaçados entre si. Esta-
de constituição arbórea, arbustiva e herbácea, que
belece-se sobre solos rasos que podem apresentar
ocorre em ambientes rupestres. Os solos são rasos,
pequenos afloramentos rochosos ou solos mais pro-
com afloramentos rochosos e pobres em nutrientes.
fundos, mas pouco férteis. Da mesma forma que
No estrato arbóreo-arbustivo, estão presentes espé-
o campo limpo varia com a umidade do solo e a
cies como: Wunderlichia crulsiana (flor-do-pau),
topografia, podendo ser classificado como Campo
Didymopanax spp (mandiocão), Tabebuia spp
Sujo Úmido e Campo Sujo Seco.
(ipês), Vellozia spp (canela-de-ema, candombá) e
Entre as espécies encontradas nos Campos Mimosa regina. No estrato herbáceo encontram-
Sujos da região estão: Epistephium sclerophyllum -se: Rhynchospora globosa (amarelão), Paepalan-
(orquídea-terrestre), Paepalanthus speciosus thus acanthophylus (chuveirinho), Paepalanthus
(sombreiro),Cambessedesia espora, Vellozia flavi- eriocauloides (mosquitinho), Echinolaena inflexa
cans (canela-de-ema) e Didymopanax macrocar- (capim-flexina), Loudeotiopsis chrysothryx (brin-
pum (mandiocão). co-de-princesa), Xyris schizachne (pimentona),
Campo Rupestre Xyris hymenachne (pimentinha-prateada), Lage-
nocarpus rigidus tenuifolius (capim-arroz).
É um tipo de vegetação sobre topos de ser-
ras e chapadas de altitudes superiores a 900m com Cerradão
afloramentos rochosos onde predominam ervas e
É uma formação florestal que apresenta
arbustos, podendo ter arvoretas pouco desenvolvi-
elementos xeromórficos (adaptações a ambientes
das. Em geral, ocorre em mosaicos, não ocupando
secos) e caracteriza-se pela composição mista de
trechos contínuos. Apresenta topografia aciden-
espécies comuns ao Cerrado Sentido Restrito, à
tada e grandes blocos de rochas com pouco solo,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 47


Mata de Galeria e à Mata Seca. Apesar de poder Mata de Galeria
apresentar espécies que estão sempre com folhas
Floresta tropical sempre-verde (não perde
(perenifólias), muitas espécies comuns ao Cerra-
as folhas durante a estação seca) que acompanha
dão apresentam queda de folhas (caducifólia ou de-
os córregos e riachos da região central do Brasil,
ciduidade) em determinados períodos da estação
com as copas das árvores se encontrando sobre o
seca, tais como Caryocar brasiliense (pequi), Kiel-
curso d’água. Apresenta árvores com altura entre
meyera coriacea (pau-santo) e Qualea grandiflora
20 e 30 metros. Os solos variam em profundidade,
(pau-terra). São encontradas poucas espécies epí-
fertilidade e umidade, as Matas de Galeria ocorrem
fitas.Em geral, os solos são profundos, de média e
desde sobre solos distróficos (pobres) do tipo latos-
baixa fertilidade, ligeiramente ácidos, bem drena-
solo até solos mais rasos e mais ricos em nutrientes,
dos (latossolos vermelho-escuro). De acordo com
como podzólicos e litossolos (com afloramentos
a fertilidade do solo, podem ser classificados como
rochosos). Esta fisionomia é comumente associada
distróficos, quando pobres, e mesotróficos, quan-
a solos hidromórficos, com excesso de umidade na
do mais ricos em nutrientes.Como exemplo dessa
maior parte do ano devido ao lençol freático su-
fitofisionomia, na Chapada dos Veadeiros, onde
perficial e grande quantidade de material orgânico
são comumente encontradas as seguintes espécies
acumulado, propiciando e decomposição que con-
lenhosas: Agonandra brasiliensis (pau-marfim),
fere a cor preta característica desses solos.Nas Ma-
Callistene fasciculata (faveiro), Stryphnodendron
tas de Galeria ocorrem espécies utilitárias como:
adstringens (barbatimão), Copaifera langsdorfii
Copaifera langsdorfii (copaíba), Virola sebifera
(copaíba), Magonia pubescens (tingui), Xilopia
(ucuúba), Cabralea canjerana (canjerana), Talau-
aromatica (pindaíba). Quanto ao estrato herbá-
ma ovata (pinha-do-brejo), Euterpe edulis (palmi-
ceo, são frequentes os gêneros de gramíneas: Aris-
teiro), Guadua paniculata (taquara), Epidendrum
tida, Axonopus, Paspalum e Trachypogon.
nocturnum (orquídea epífita).
Mata Seca ou Mata Mesofítica
Mata Ciliar
É um tipo de formação florestal que não está
Formação florestal densa e alta que acompa-
associada com cursos d’água e apresenta diferen-
nha os rios de médio e grande porte, onde a copa das
tes índices de deciduidade durante a estação seca.
árvores não forma galerias sobre a água. Apresenta
Pode ser de três tipos: Mata Seca Sempre-verde,
árvores eretas com altura predominante entre 20
Mata Seca Semidecídua e Mata Seca Decídua.
e 25 metros. As espécies típicas desta fisionomia
Os dois primeiros ocorrem sobre solos desenvol-
perdem as folhas na estação seca (deciduidade). Os
vidos em rochas básicas de alta fertilidade (terra
solos variam de rasos (cambissolos, plintossolos ou
roxa estruturada) e média fertilidade (latossolo
litólicos) a profundos (latossolos e podzólicos) ou
vermelho-escuro). A Mata Seca Decídua em geral
aluviais (com acúmulo de material carregado pelas
ocorre sobre afloramentos de rochas calcárias. O
águas). A camada de material orgânico é sempre
estrato arbóreo apresenta altura que varia entre 15
mais rasa que a encontrada nas Matas de Galeria.
e 25 metros. Entre suas árvores eretas destacam-se:
Entre as espécies arbóreas, destacam-se algumas
Amburana cearensis (imburana), Anadenanthera
frequentes: Anadenanthera spp (angicos), Apeiba
colubrina (angico) e Tabebuia spp (ipês).Nas ma-
tibourbou (pente-de-macaco), Aspidosperma spp
tas secas encontra-se uma variedade de espécies
(perobas), Celtis iguana (grão-de-galo), Inga spp
decíduas, semidecíduas e sempre-verdes, destacan-
(ingás), Myracrodruon urundeuva (aroeira), Ster-
do-se as leguminosas Acacia poliphylla (angico-
culia striata (chichá) e Tabebuia spp (ipês). São
-monjolo), Anadenanthera macrocarpa (angico),
encontradas poucas espécies de orquídeas epífitas.
Sclerobium paniculatum (carvoeiro), Hymenaea
stilbocarpa (jatobá) e a voquisiácea Qualea parvi- Vereda
flora (pau-terra-de-folha-pequena).
É uma vegetação caracterizada pela pre-

48 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


sença do Buriti (Mauritia flexuosa), palmeira que Clima e Hidrografia
ocorre em meio a agrupamentos de espécies arbus-
tivo-herbáceas. As Veredas são encontradas sobre Situado a 19º 40’ de latitude sul, o cerrado
solos hidromórficos e circundadas por Campo Lim- está a apenas 835 metros acima do nível do mar.
po, geralmente úmido. Nas Veredas, em função do Apesar de abranger uma extensa área, a região de
solo úmido, são encontradas com frequência espé- cerrado apresenta clima bastante regular, classi-
cies ornamentais de gramíneas, ciperáceas, xiridá- ficado como continental tropical semi-úmido.A
ceas, eriocauláceas e melastomatáceas. temperatura média é de 25ºC, registrando máxi-
mas de 40ºC no verão. A estação seca começa em
Parque Cerrado abril e continua até setembro. Nesta estação os
ventos predominantes são de leste ou de sudeste e
É uma formação caracterizada pela presen-
as tempestades são muito raras. Os meses mais frios
ça de ilhas ou elevações arredondadas conheci-
são junho e julho, com temperaturas que variam
das como MURUNDUNS, em meio a um campo
de 20 a 10ºC. Em agosto a temperatura é mais alta.
úmido, com diâmetro em torno de 5,0 a 20,0 m
Os meses mais chuvosos são novembro, dezembro
e altura média de 50 cm. Estes montes são drena-
e janeiro. As precipitações em mm variam para
dos e abrigam espécies da flora do Cerrado Senso
diversas localidades: Formosa (GO), 1.592 mm;
Restrito, formando mosaicos de vegetação com o
em Cuiabá, 1.425 mm, em Corumbá, 1.114 mm.
campo úmido. Alguns autores associam a origem
Ocorre vegetação de cerrado na Amazônia, no
dos Murunduns à atividade dos cupins.Entre as es-
Nordeste, no Brasil Central, onde há uma estação
pécies arbóreas mais frequentes, temos a Eriotheca
seca que pode perdurar de 4 a 5 meses, ocorrendo
gracilipes,Qualea grandiflora, Qualea parviflora
chuvas nos meses restantes, num total que oscila
e Dipteryx alata. No estrato arbustivo-herbáceo
em torno dos 1.400 - 1.500 mm, mas ocorre tam-
encontramos as bromélias e os gêneros Annona,
bém no Sudeste e no Sul, com precipitações um
Allagoptera e Vernonia, além de algumas espécies
pouco menores, embora com temperaturas médias
de herbáceas do campo úmido adjacente. O Cerra-
muito inferiores, havendo mesmo possibilidades de
do, é, na verdade, um mosaico de chapadas e vales,
geadas frequentes e rigorosas.
com várias formações vegetais distintas, que vão
desde o campo úmido até o cerradão, passando pe- Um dos fatores limitantes no Cerrado é a
las matas ciliares e as matas secas. Isto faz com que deficiência hídrica, que ocorre devido à má distri-
o Cerrado seja considerado hoje a savana de maior buição das chuvas, à intensa evapotranspiração e
biodiversidade do mundo. Já foram catalogadas às características dos solos que apresentam baixa
774 espécies de árvores e arbustos no Cerrado, das capacidade de retenção de água e alta velocidade
quais 429 endêmicas. Há também um grande nú- de infiltração. O regime de precipitação da região
mero de orquídeas. A região dos cerrados possui apresenta uma oscilação unimodal com a época
alta luminosidade, baixa densidade demográfica chuvosa concentrada no período de dezembro a
e intensa atividade pastoril, ao sul. Sua extensão março e a mais seca de junho a agosto. Esta di-
territorial abrange mais de 1.200 km de leste para ferença físico-climática da Região dos Cerrados
oeste e mais de 1.000 km de norte a sul. O Cerrado tem forte influência na distribuição dos recursos
está ameaçado pela expansão desordenada da fron- hídricos. Zonas hidrológicas homogêneas estão es-
teira agrícola, que já ocupa quase 50% da região. A treitamente associadas a regiões físico-climáticas
destruição da cobertura vegetal já supera 70% da também homogêneas.
área original, e até agora menos de 2% do Cerrado O escoamento superficial em uma bacia hi-
está protegido por Parques Nacionais ou Reservas, drográfica é influênciado pelo clima, relevo, ve-
separados entre si por grandes distâncias. getação e pela natureza e estado de saturação do
solo e subsolo. A rede hidrográfica dos Cerrados
apresenta características bastante diferenciadas,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 49


em função da sua localização, extensão territorial o São Francisco.O regime fluvial dos rios da região
e diversidade fisiográfica. Situada sobre o grande encerra, nestas condições, notáveis diferenças nas
arqueamento transversal que atravessa o Brasil Su- características físicas de suas bacias de drenagem
deste e Central, a região abrange um grande divisor e nas diversas influências climáticas a que estão
de águas, que separa os maiores sistemas hidrográ- submetidas. Com relação às águas subterrâneas, os
ficos do território brasileiro. Ao sul, abrange parte mesmos fatores físico-climáticos influênciam sua
da bacia do Paraná; a sudeste, o Paraguai; ao norte, ocorrência.
a Bacia Amazônica; a nordeste, Parnaíba e a leste,

HETEROGENEIDADE HÍDRICA DO CERRADO


Plano Superfícies Tabulares e
Escoamento Superficial Aplainadas
Armazenamento Relevo Cristais Estruturais
Subterrâneo Depressões
Formas de Dissecação Fluvial
Complexo Cristalino
Geologia
Bacias Sedimentares
Latossolo Vermelho Amarelo
Areias Quartzosas
Latossolo Vermelho Escuro
Solo Latossolo Hidromórficas
Influências no Regime Fluvial e
Litossolos
na Distribuição e Ocorrência dos
Latossolo Roxo
Recursos Hídricos Superficiais e
Outros
Subterrâneos
Tropical Temperado
Temperatura Média 20-30o C
Clima Alta Evatranspiração
Pluviometria Variãvel (200-800 mm)
Ocorrência de Veranicos
Matas
Cerradão
Cerrado
Vegetação
Campo Cerrado
Campo Limpo
Modificações Antrópicas

Geologia Relevos e Solos


Os pontos mais elevados do Cerrado estão
na cadeia que passa por Goiás em direção sudeste-
-nordeste: o Pico Alto da Serra dos Pirineus, com
1.600 metros de altitude, a Chapada dos Veadei-
ros, com 1.250 metros de altitude, e outros pontos
com elevações consideradas que se estendem em
direção noroeste; a Serra do Jerônimo e outras ser-
ras menores, com altitudes entre 500 e 800 metros
de altitude.
Seus terrenos são um tanto que acidentados,
com poucas áreas planas. Nos morros mais altos
são encontrados muitos pedregulhos, argila com Outra formação é constituída por aflorações
inclusões de pedras e camadas de areia. de rochas calcáreas, com fendas, grutas e cavernas

50 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


em diferentes tamanhos. Por cima das rochas, há É classificado como tendo formações ve-
uma vegetação silvestre. Possui campos e vales getativas primitivas, com quatro divisões: matas,
com vegetação bem característica, e há ainda uma campos, brejos e ambientes úmidos com plantas
mata ciliar rodeando riachos e lagoas. aquáticas. As matas ocupam as depressões, vales e
cursos de águas e possuem poucas epífitas.
Os solos apresentam-se intemperizados, de-
vido à alta lixiviação e possuem baixa fertilidade Os campos cobrem a maior parte do terri-
natural. Possuem grandes áreas, com a seguinte tório, denominada campestre. É essencialmente
classificação: latossolo (escuro, vermelho-amarelo, coberto por gramíneas, com árvores e arbustos. É
roxo), areias, cambissolos, solos (concrecionários, também subdividido em campo de cerrado, cam-
litólicos) e lateritas hidromórficas. po de limpo, que se diferenciam na formação do
terreno e na composição do solo, com declives ou
Em pequenas áreas ocorrem grupos de solos:
planos.
podzólico (vermelho-amarelo), glei húmico, solos
orgânicos e terras roxas estruturadas (distrófico e A vegetação de brejos é composta por gra-
eutrófico). míneas, ciperáceas, arbustos, pequenas árvores iso-
ladas, algumas ervas, entre outras diversidades de
O solo do cerrado apresenta pH ácido, va-
espécies.
riando de 4,3 a 6,2. Possui elevado conteúdo de
alumínio, baixa disponibilidade de nutrientes, As árvores mais altas do cerrado chegam a
como o fósforo, o cálcio, o magnésio, o potássio, 15 metros de altura e formam estruturas irregu-
matéria orgânica, zinco, argila, compondo-se de lares. Apenas nas matas ciliares as árvores ultra-
caulinita, goetita ou gibsita. O solo é bem drenado, passam 25 metros e possuem normalmente folhas
profundo e com camadas de húmus. pequenas e decíduas. Nos chapadões arenosos e
nos quentes campos rupestres do Cerrado, estão as
As estruturas do solo do cerrado são em al-
mais exuberantes e exóticas bromeliáceas, cactos e
gumas partes bem degradadas devido às atividades
orquídeas, contando com centenas de espécies en-
agrícolas e pastagens, sendo recuperado com reflo-
dêmicas. E ainda existem espécies desconhecidas,
restamento de espécies de Eucalyptus, associado
que devido à ação antrópica do homem podem ser
com plantio de milho e feijão, além de café, freijó,
destruídas antes mesmo de serem catalogadas.
maniçoba e palma.
As próprias queimadas, frequentes neste
E a regeneração artificial é feito com espé-
tipo de bioma, são mal interpretadas. Na verdade,
cies de Acacia, Agathis, Araucaria, Cassia, Ce-
as queimadas periódicas (com intervalos maiores
drela, Cupressus, Pinus, Podocarpus, Terminalia,
do que 5-7 anos) já aconteciam no Cerrado antes
entre outras.
da chegada do ser humano. A maioria das plantas
do Cerrado estão adaptadas ao fogo, possuindo cas-
Flora cas grossas e brotos subterrâneos.
A cobertura vegetal do Cerrado é a segunda Há, inclusive, várias espécies de plantas que
mais importante do Brasil. Abrange aproximada- só germinam após as queimadas. Mas as queimadas
mente 1.750.000 km2, que corresponde a cerca de intensas, feitas a cada um ou dois anos pelos pecu-
20% do território nacional. Apresenta as mais di- aristas, são extremamente nocivas ao Cerrado.
versas formas de vegetação, desde dos campos sem
árvores, ou arbustos, até o cerrado lenhoso denso Fogo no Cerrado
com matas ciliares. O Cerrado brasileiro é reco-
nhecido como a savana mais rica do mundo em Um dos fatores ecológicos mais importantes
biodiversidade com a presença de diversos ecossi- do cerrado é o fogo. Ele pode ser gerado de diversas
temas, riquíssima flora com mais de 10.000 epécies formas naturais, mas a principal delas são as descar-
de plantas, com 4.400 endêmicas desse bioma. gas elétricas. Os incêndios diminuem a densidade

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 51


do cerrado, prejudicando o incremento do mate- No ambiente do Cerrado são conhecidas,
rial lenhoso e favorecendo a expansão das plantas até o momento, 1.575 espécies animais, forman-
herbáceas. do o segundo maior conjunto animal do planeta.
Cerca de 50 das 100 espécies de mamíferos (per-
tencentes a cerca de 67 gêneros) estão no cerrado.
Apresenta também 837 espécies de aves; 150 de
anfíbios, das quais 45 são endêmicas; 120 espécies
de répteis, das quais 45 endêmicas; apenas no Dis-
trito Federal, há 90 espécies de cupins, 1.000 espé-
cies de borboletas e 500 de abelhas e vespas.
Devido à grande ação antrópica do homem e
a suas atividades, o cerrado passou por grandes mo-
dificações, alterando os diversos hábitats, e conse-
quentemente apresentando espécies ameaçadas de
extinção, como o tamanduá-bandeira, o macaco,
a anta, o lobo-guará, o pato-mergulhão e o falcão-
Outra hipótese, de maior aceitação, consi- -de-peito-vermelho, o tatu-bola, o tatu-canastra, o
dera o cerrado uma vegetação clímax, que não se cervo, o cachorro-vinagre, a onça-pintada, a arira-
torna uma floresta devido às condições de clima e nha e a lontra.
solo existentes, tendo o fogo um papel secundário.
De acordo com a segunda hipótese, a falta de nu- Degradação do Cerrado
trientes essenciais e a grande presença de alumínio
são as responsáveis pela fisionomia característica Até a década de 1950, os Cerrados manti-
dos cerrados. veram-se quase inalterados. A partir da década de
1960, com a interiorização da capital e a abertura
de uma nova rede rodoviária, largos ecossistemas
Fauna
deram lugar à pecuária e à agricultura extensi-
Nos vários hábitats naturais, desde o campo- va, como a soja, arroz e ao trigo. Tais mudanças
aberto, o campo limpo, o campo sujo, campo cer- se apoiaram, sobretudo, na implantação de novas
rado com formações arbóreas, o cerradão, o campo infraestruturas viárias e energéticas, bem como
úmido, a vereda e a mata ciliar, o cerrado apresen- na descoberta de novas vocações desses solos re-
ta diversidade em espécies. Toda esta riqueza de gionais, permitindo novas atividades agrárias ren-
ambientes, com vários recursos ecológicos, abriga táveis, em detrimento de uma biodiversidade até
comunidades de animais, com diversas espécies e então pouco alterada.
uma grande abundância de indivíduos, alguns com Durante as décadas de 1970 e 1980 houve
adaptações especializadas para explorar recursos um rápido deslocamento da fronteira agrícola, com
específicos de cada um desses hábitas. base em desmatamentos, queimadas, uso de ferti-
lizantes químicos e agrotóxicos, que resultou em
67% de áreas do Cerrado “altamente modificadas”,
com voçorocas, assoreamento e envenenamento
dos ecossistemas. Resta apenas 20% de área em es-
tado conservado.
A partir da década de 1990, governos e di-
versos setores organizados da sociedade debatem
como conservar o que restou do Cerrado, com a
finalidade de buscar tecnologias embasadas no uso

52 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


adequado dos recursos hídricos, na extração de As temperaturas variam de 30ºC, no verão, até al-
produtos vegetais nativos, nos criadouros de ani- guns graus negativos, no inverno rigoroso.
mais silvestres, no ecoturismo e outras iniciativas
A umidade relativa do ar está relacionada
que possibilitem um modelo de desenvolvimento
à temperatura, com influência da altitude. Assim,
sustentável e justo.
nas zonas mais elevadas, a temperatura não é sufi-
cientemente elevada, diminuindo a umidade pro-
Floresta de Araucárias (Mata duzida pelas chuvas. As médias mais elevadas são
resultados da influência oceânica sobre o clima e
dos Pinhais) da transpiração dos componentes das matas plu-
Localização e Caracterização viais existentes. Os maiores índices pluviométricos
são registrados nos planaltos, com chuvas bem dis-
tribuídas.

Geologia e Relevo
O Estado do Paraná, de Santa Catarina e
do Rio Grande do Sul são formados, em sua maior
extensão, por escarpas de estratos e planaltos que
declinam suavemente em direção a oeste e noro-
este. Apresentam grandes regiões geográficas na-
turais ou grandes paisagens naturais (Zona litorâ-
Localiza-se no sul do Brasil, estendendo-
nea - orla marinha e orla da serra, Serra do Mar,
-se pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio
Planaltos, Planícies costeiras, Serras Litorâneas e
Grande do Sul. A região das araucárias principia
Planalto Ocidental).
no primeiro planalto, imediatamente a oeste da
Serra do Mar, e estende-se pelos segundo e tercei-
ro planaltos do Estado do Paraná e Laranjeiras do
Flora
Sul, com associações florísticas da araucária. A re- No Planalto Meridional Brasileiro, com al-
gião da araucária insere-se às partes mais altas das titudes superiores a 500 m, destaca-se a área de dis-
montanhas do Sul, nos planaltos, onde ocorrem persão do pinheiro-do-paraná (Araucaria angusti-
até altitudes médias de 600 a 800 m, e em alguns folia), que já ocupou cerca de 2,6% do território
poucos lugares em que ultrapassam 1.000 m. O li- nacional. Nestas florestas, coexistem representan-
mite inferior destas matas situa-se entre 500 e 600 tes da flora tropical e temperada do Brasil, sendo
m nos estados do Sul, sendo que ao norte este li- dominadas, no entanto, pelo pinheiro-do-paraná.
mite situa-se algumas centenas de metros acima. As florestas variam em densidade arbórea e altura
Nestas florestas, coexistem representantes da flora da vegetação e podem ser classificadas, de acordo
tropical e temperada do Brasil, sendo dominadas, com aspectos de solo, como aluviais, (ao longo dos
no entanto, pelo pinheiro-do-paraná (Araucaria rios), submontanas (que já inexistem) e montanas
angustifolia). (que dominavam a paisagem).
A vegetação aberta dos campos gramíneo-
Clima -lenhosos ocorre sobre solos rasos. Devido ao seu
O clima da região é temperado, com chuvas alto valor econômico, a Floresta com Araucária
regulares e estações relativamente bem definidas: sofre, há bastante tempo, forte pressão de desma-
o inverno é normalmente frio, com geadas fre- tamento.
quentes e até neve em alguns municípios do Rio A Floresta com Araucária ou Floresta Om-
Grande do Sul, e o verão razoavelmente quente. brófila Mista apresenta em sua composição florís-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 53


tica espécies de lauráceas como a imbuia (Ocotea características: a maioria das aves, répteis, anfíbios
porosa), o sassafrás (Ocotea odorifera), a canela- e borboletas são endêmicas, ou seja, são encon-
-lageana (Ocotea pulchella), além de diversas tradas apenas nesse ecossistema. Nela sobrevivem
espécies conhecidas por canelas. Merecem desta- mais de 20 espécies de primatas, a maior parte de-
que também a erva-mate (Ilex paraguariensis) e a las endêmicas.
caúna (Ilex theezans), entre outras aquifoliáceas.
Diversas espécies de leguminosas (jacarandá, cavi-
úna e monjoleiro) e mirtáceas (sete-capotes, gua- Pantanal Matogrossense
biroba, pitanga) também são abundantes na flores-
Localização
ta com araucária, associadas também à coníferas
como o pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii). Ocupa grande parte do centro oeste brasilei-
Encontram-se também frequentemente rutáceas ro e se estende pela Argentina, Bolívia e Paraguai,
(pau-marfim – Balfourodendron riedelianum), eu- onde recebe outras denominações. Dificilmente
forbiáceas (tapexingüí – Croton sp.), solanáceas pode ser estabelecido um cálculo exato de suas
(fumo bravo – Solanum verbascifolium), urticá- dimensões, sabendo-se, porém, que a porção bra-
ceas (Boehmeriasp. e Urera sp.), além de muitas sileira, localizada em partes dos Estados do Mato
outras espécies vegetais arbustos, lianas e ervas. Grosso e do Mato Grosso do Sul, está estimada em
Este bioma possui uma grande riqueza de cerca de 150.000 Km².
epífitas vasculares, a saber, bromélias, orquídeas, Situado no centro do Continente Sul-Ame-
cactáceas, pteridófitas, piperáceas e muitas outras ricano, o Pantanal é circundado, do lado brasileiro
espalhadas pela Serra do Mar, na região de mata (Norte, Leste e Sudeste), por terrenos de altitude
pluvial-tropical e nos capões de campos dos pla- entre 600-700 metros, entre os paralelos de 150 a
naltos do interior. 220º de latitude sul e os meridianos de 550 e 580º
de longitude oeste.Estende-se a oeste até os con-
Fauna trafortes da Cordilheira dos Andes e se prolonga ao
sul pelas planícies pampeanas centrais.
É um dos ecossistemas mais ricos em rela-
ção à biodiversidade de espécies animais, contan-
Caracterização
do com indivíduos endêmicos, raros, ameaçados
de extinção, espécies migratórias, cinegéticas e de Na região pantaneira, a paisagem altera-se
interesse econômico da Floresta Atlântica e Cam- profundamente nas duas estações bem definidas
pos Sulinos. do ano: a seca e a chuvosa. Durante a seca, nos
Várias espécies estão ameaçadas de extinção: campos extensos cobertos predominantemente por
a onça-pintada, a jaguatirica, o mono-carvoeiro, o gramíneas e vegetação de cerrado, a água chega a
macaco-prego, o guariba, o mico-leão-dourado, vá- escassear, restringindo-se aos rios perenes de leitos
rios saguis, a preguiça-de-coleira, o caxinguelê, e o definidos, às lagoas próximas a esses rios e a alguns
tamanduá. banhados em áreas mais rebaixadas da planície.

Entre as aves destacam-se o jacu, o macuco, De novembro a março, o Pantanal vive o pe-
a jacutinga, o tiê-sangue, a araponga, o sanhaço, ríodo das cheias. A vegetação muda segundo o tipo
numerosos beija-flores, tucanos, saíras e gatura- de solo e de inundação, predominando espécies de
mos. cerrado nas terras arenosas - conhecido como Pan-
tanal Alto - e gramíneas nas terras argilosas, do
Entre os principais répteis desse ecossistema Pantanal Baixo. Com as cheias, as depressões são
estão o teiú (um lagarto de mais de 1,5m de com- inundadas, formando extensos lagos, reconhecidos
primento), jiboias, jararacas e corais verdadeiras. como Baías, de extrema beleza, principalmente se
Numerosas espécies da flora e da fauna são únicas e forem alcalinas. Apresentam diferentes cores em

54 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


suas águas, de acordo com as algas que ali se desen- A temperatura, usualmente alta, pode bai-
volvem, e criam matizes de verde, amarelo, azul, xar rapidamente (ficando as mínimas próximas a
vermelho ou preto. 0ºC e as máximas a 40ºC) e até haver ocorrências
de geadas. As médias anuais registradas, em torno
Com a subida das águas, volumosa quantida-
de 25ºC, têm como mínima 15ºC e máxima 34ºC.
de de matéria orgânica é carregada pela correnteza
a grandes distâncias. Durante a vazante, esses de- Quanto à hidrografia, os rios formadores do
tritos são depositados nas margens e praias de rios, Pantanal foram o Paraguai, Cuiabá, São Lourenço,
lagoas e banhados, passando a se constituir em ele- Piquiri, Taquari, Aquidauana, Miranda e Apa.
mentos fertilizantes do solo.
Hidrograficamente, todo o Pantanal faz par-
De abril a setembro é a estação seca ou in- te da Bacia do Rio Paraguai. Com 1.400 Km de
verno, com chuvas raras e temperatura bastante extensão em território brasileiro, esse rio e seus
agradável. Durante o dia, pode fazer calor, mas as afluentes: São Lourenço (670 Km), Cuiabá (650
noites são frescas ou frias. Com o início das chu- Km) - ao norte, Miranda (490 Km), Taquari (480
vas, geralmente em outubro, começa o verão, que Km), Coxim (280 Km), Aquidauana (565 Km) ao
se prolonga até março. A temperatura, bastante sul, assim como rios de menores extensões, Nabi-
elevada, só cai durante e logo após as pancadas de leque, Apa e Negro, formam a trama hidrográfica
chuvas fortes, voltando a subir até que novamente de todo complexo pantaneiro. Além dos rios, o
as grossas massas de água desabem sobre a região. É Pantanal é uma imensa planície de áreas alagáveis.
quando o Pantanal, úmido e quente, transforma-se
Na época das cheias, em poucos dias o solo
em um imenso alagado onde os rios, banhados e
se encharca e não consegue mais absorver a água
lagoas se misturam. A partir de março, o nível das
da chuva que passa a encher os banhados, as lagoas
águas vai baixando e o Pantanal começa a secar.
e transbordar dos leitos mais rasos, formando cur-
No ápice da seca, entre julho e setembro, a água
sos de localização e volume variáveis.
fica restrita aos leitos dos rios ou aos banhados e
lagoas localizadas em porções baixas da planície, Esse grande aumento periódico da rede hí-
em permanente comunicação com os rios ou com drica no Pantanal, a baixa declividade da planície
o lençol freático. e a dificuldade de escoamento das águas pelo en-
charcamento do solo são responsáveis por inunda-
As primeiras chuvas da estação caem sobre
ções nas áreas mais baixas, o que confere à região
um solo seco e poroso e são facilmente absorvidas.
um aspecto de imenso mar interior. Somente os
Com o constante umedecimento da terra, a planí-
terrenos mais elevados e os morros isolados sobres-
cie rapidamente se torna verde devido ao rebrota-
saem como verdadeiras ilhas com vegetação, onde
mento de inúmeras espécies resistentes à falta de
muitos animais se refugiam à procura de abrigo
água dos meses precedentes.
contra a subida das águas.

Clima e Hidrografia Essa imensa planície, levemente ondulada,


pontilhada por raros morros isolados e rica em de-
No Pantanal, o clima, predominantemente pressões rasas, tem seus limites marcados por varia-
tropical, apresenta características de continen- dos sistemas de elevações, como chapadas, serras e
talidade, com diferenças bem marcantes entre maciços e é cortada por grande quantidade de rios,
as estações seca e chuvosa. Localizada na porção todos pertencentes à Bacia do Rio Paraguai.
centro-sul do Continente Sul-Americano, a região
não sofre influências oceânicas, mas está exposta Classificação dos Pantanais
à invasão de massas frias provenientes das porções Atualmente existem três classificações dos
mais meridionais, com penetração rápida pelas pla- Pantanais: classificação segundo o IBGE, classifi-
nícies dos pampas e do chaco. cação segundo o Professor Jorge Adámoli e a classi-
ficação segundo o Macrozoneamento Geoambien-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 55


tal do Mato Grosso do Sul. gramíneas predominam, encontram-se os campos
limpos, pastagens ideais para a criação do gado que
Geologia, Relevo e Solos lá convive em harmonia com muitas espécies de
animais silvestres.
O Pantanal é uma das maiores planícies de
sedimentação do mundo. Sua planície, levemente Em pequenas elevações, quando o solo é
ondulada, pontilhada por raros morros isolados e rico, encontram-se capões de mato formados por
rica em depressões rasas têm seus limites marcados árvores de porte elevado, como aroeira, imbiru-
por variados sistemas de elevações, como chapa- çu, angico, ipês. Durante as chuvas, a maioria dos
das, serras e maciços. É cortado por grande quan- campos limpos é inundada, mas os capões perma-
tidade de rios, todos pertencentes à Bacia do Rio necem secos.
Paraguai. Margeando os rios, encontram-se as matas-
As terras altas do entorno, muitas delas de -ciliares ou matas-galeria, com larguras variáveis.
origem sedimentar ou formadas por rochas solúveis São formadas por vegetais de grande e médio por-
e friáveis, continuamente erodidas pela ação do te, intercalados por arbustos e ricas em trepadeiras
vento e das águas, fornecem grande quantidade de ou lianas. Entre as espécies vegetais mais comuns
sedimentos que são depositados na planície, num nessas matas estão o tucum, o jenipapo, o cambará
processo contínuo de entulhamento. Formam-se e o pau-de-novato.
assim terrenos de aluvião, muito permeáveis, de
composição argilo-arenosa. Flora
Nas regiões de altitude intermediária, onde A vegetação do Pantanal é um mosaico de
o solo é arenoso e ácido e a água é retida apenas no matas, cerradões, savanas - com espécies como
subsolo, encontra-se vegetação típica de cerrado. cambará-lixeira, canjiqueira, carandá, etc, campos
Os elementos predominantes neste tipo de forma- inundáveis de diversos tipos, brejos e lagoas com
ção são as árvores de porte médio, de casca grossa, plantas típicas como camalotes. No Pantanal, é
folhas recobertas por pêlos ou cera e raízes muito comum a ocorrência de formações vegetais, en-
profundas. Elas se distribuem não muito próximo tre elas estão os carandazais, nos quais o elemento
umas das outras, entremeadas de arbustos e plantas predominante é a palmeira carandá, os buritizais,
rasteiras, representadas por inúmeras espécies de onde domina a palmeira buriti e os paratudais, for-
ervas e gramíneas. mados por um tipo de ipê, o paratudo. A flora pan-
taneira tem alto potencial econômico: pastagens
Na época da seca, como proteção contra a
nativas, plantas apícolas, comestíveis, taníferas e
dessecação, muitas árvores e arbustos perdem to-
medicinais.
talmente os ramos e folhas. Outros limitam-se a
derrubar as folhas, mas os ramos persistem e po- Nas beiras dos rios há uma mata-de-galeria
dem florescer. Nessa época, é comum a prática de ou mata ciliar, com espécies vegetais como o tu-
queimadas nas fazendas, para limpar o campo das cum, o jenipapo, o cambará e o pau-de-novato.
partes secas da vegetação. Realizada de maneira
controlada, a queimada não é de todo prejudicial, Fauna
como seria em outros ambientes, pois estimula o
rebrotamento de muitas plantas do cerrado. No Este patrimônio ecológico, habitado por
entanto, se o fogo se alastrar repentinamente por inúmeras espécies de mamíferos, répteis, e aves e
outras áreas, muitos animais e vegetais poderão ser peixes, tem uma vegetação exuberante e é tradu-
sacrificados. Assim, essa prática só será aconselhá- zido em movimento de formas, cores e sons, mos-
vel se puder ser executada com bastante cuidado. trando-se um belo espetáculo. A fauna é bastan-
te rica e diversificada. Porém, há muitas espécies
Em regiões mais baixas e úmidas, onde as ameaçadas de extinção: capivara, tamanduá-ban-

56 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


deira, tamanduá-mirim, lobinho, veado-mateiro, de altitude e de latitude, que se apresentam ao lon-
entre outros. go de uma faixa florestal originalmente contínua.
São cerca de 230 espécies de peixes, desta-
cando-se a piranha, o pintado, o pacu, o curimbatá Caracterização
e o dourado. O maior peixe do Pantanal é o jaú, A Floresta Atlântica é uma floresta tropical
um bagre gigante, pesa até 120 Kg, e chega a 1,5 plena, associada aos ecossistemas costeiros de man-
metros de comprimento, e o maior peixe do mun- gues nas enseadas, foz de grandes rios, baías e lagu-
do, está na Amazônia - o pirarucu que atinge 3 me- nas de influência de marés, matas de restinga nas
tros do comprimento e 200 Kg. baixadas arenosas do litoral, às florestas de pinhei-
O jacaré-do-pantanal, é quase inofensivo ao rais no planalto, do Paraná, Santa Catarina e do
ser humano, atinge 2,5 metros de comprimento e Rio Grande do Sul, e ainda aos campos de altitude
alimenta-se de peixes. O jacaré-açu atinge 6 me- nos cumes das Serras da Bocaina, da Mantiqueira
tros de comprimento. Pode mudar de cor para se e do Caparaó.
camuflar e só ataca quando ameaçado. A maior parte das espécies da fauna e da flo-
A sucuri-amarela-do-pantanal mede até 4,5 ra brasileira, em vias de extinção, são endêmicas à
metros, alimenta-se de peixes, aves e pequenos ma- Floresta Atlântica.
míferos. Raramente ataca pessoas. A sucuri amazô- No sentido amplo do termo, a Floresta
nica mede até 10 metros e é capaz de engolir uma Atlântica engloba um diversificado mosaico de
capivara adulta. ecossistemas florestais com estruturas e composi-
Cerca de 650 espécies de aves povoam a re- ções florísticas bastante diferenciadas, acompa-
gião, entre eles, o tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal, nhando a diversidade dos solos, relevos e carac-
com as asas abertas ultrapassa os 2 metros de en- terísticas climáticas da vasta região onde ocorre,
vergadura. tendo como elemento comum a exposição aos ven-
tos úmidos que sopram do oceano.

Mata Atlântica (Floresta No reverso das escarpas, em suas porções


voltadas para o interior, caracteriza-se como uma
Latifoliada Tropical Úmida de mata de planalto, resultante da existência de um
Encosta) clima úmido mas com estacionalidade bem mar-
cada.
Localização
Assim, na Reserva da Biosfera da Floresta
Floresta Atlântica, com cerca de 1,5 milhão Atlântica, além de algumas paisagens em graus di-
de km², estende-se praticamente por todo o litoral versificados de antropização, englobam-se variados
brasileiro, atingindo 13 estados. Corresponde a um hábitats: Floresta Perenifólia Higrófila Costeira
dos ecossistemas mais ameaçados no mundo. (Torres) ou Floresta Ombrófila Densa (Serra Gaú-
Ocorre nas encostas do Planalto Atlântico cha).
e nas baixadas litorâneas contíguas. Muito rica em Caracterizadas por sua fisionomia alta e
espécies, abrigando uma fauna diversificada, reco- densa, são consequências da variedade de espécies
bria de modo quase contínuo uma faixa paralela pertencentes a várias formas biológicas e estratos.
ao litoral, desde Santa Catarina até o Rio Grande Nessa floresta, a vegetação dos níveis inferiores
do Norte. vive em um ambiente bastante sombrio e úmido,
A Floresta Atlântica desenvolve-se pelo li- sempre dependente do estrato superior.
toral das regiões do Nordeste, Sudeste e Sul do País, O grande número de lianas, epífitas, fetos
avançando para o interior em extensões variadas. arborescentes e palmeiras dá a esta floresta um
Sua diversidade resulta das condições climáticas, caráter tipicamente tropical. Segundo a Legisla-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 57


ção Ambiental que definiu os limites da Floresta econômica da região, considerando a área into-
Atlântica no RS, ela começa pelo Rio Mampitu- cável, o texto atual permite que as comunidades
ba em Torres, indo até Osório, onde sobe a Serra locais mantenham a exploração tradicional de
Geral, incluindo toda a Serra Gaúcha e aí, nova- algumas culturas por uma economia de subsistên-
mente, desce o Itaimbezinho até as nascentes do cia. Além disso, prevê que os estados, municípios
Rio Mampituba. Ou seja, todo o Litoral Norte e e Organizações Não-Governamentais (ONG’s)
Serra Gaúcha estão dentro da chamada Floresta também participem da fiscalização do ecossistema.
Atlântica.
Estudos revelam que em cinco anos o Bra-
Os ambientes do Litoral Norte são muito sil perdeu 533 mil hectares de Floresta Atlântica
sensíveis porque ainda estão em formação. A na- com derrubada de 1,07 bilhão de árvores. Calcula-
tureza ainda não terminou de fazê-los.Dunas, res- -se também que de 1990 até 1993 mais de 316.888
tingas, banhados, lagoas, campos e matas formam hectares de florestas foram derrubadas.
corredores de vida silvestre, com papel definido na
As principais causas do desmatamento são a
harmonia da região. Exemplos são a gralha azul,
proliferação das pastagens, o plantio de eucaliptos
que planta o pinhão na Serra, e os pássaros que
e a implantação de monoculturas comerciais como
comem as sementes da figueira e semeiam, com sua
a soja e a cana. Essa diversidade, ao mesmo tem-
defecação, futuras mudas de figueira em todo o Li-
po em que representa uma excepcional riqueza de
toral Norte.
patrimônio genético e paisagístico, torna a mata
Atualmente cerca de 80 milhões de pessoas, externamente frágil.
mais de 50% da população brasileira, vive nessa
O resultado atual da destruição de quase 5
área que, além de abrigar a maioria das cidades e
séculos de colonização, da expansão agrícola e da
regiões metropolitanas do País, sedia também os
urbana florestas úmidas adentro, passou por vários
grandes pólos indústriais, químicos, petroleiros e
ciclos, que marcaram o desenvolvimento do País,
portuários do Brasil, respondendo por 80% do PIB
como o da cana-de-açúcar, do ouro, do café e, na
nacional.
atualidade, da expansão da agricultura e da indus-
Apesar de sua história de devastação, a Flo- trialização.
resta Atlântica ainda possui remanescentes flores-
O ambiente é superúmido, devido às grandes
tais de extrema beleza e importância que contri-
quantidades de árvores, que tornam a floresta mais
buem para que o Brasil seja considerado o país de
fechada. O clima é tropical, com influência oceâ-
maior diversidade biológica do planeta.
nica, com precipitação anual que varia de 1.000 a
Em relação à ocupação e utilização da Flores- 1.750 mm. Não bastasse o fato de ser uma flores-
ta Atlântica, a floresta nativa deu lugar às culturas ta tropical, com vários ecossistemas associados, a
de cana-de-açúcar, cacau e café, além da pecuária, Floresta Atlântica teve sua diversidade biológica
da floresta cultivada e dos pólos de desenvolvi- ainda mais ampliada pela intensidade das transfor-
mento urbano. A devastação das matas teve iní- mações que sofreu ao longo dos últimos anos.
cio ainda no séc. XVI, com o ciclo do pau-brasil,
Especialmente durante o período quater-
progredindo até os dias atuais quando restam cerca
nário, marcado por fortes mudanças climáticas, a
de 5% da cobertura florestal original (quase que
Floresta Atlântica viveu momentos de forte retra-
exclusivamente nas vertentes da Serra do Mar).
ção durante as glaciações, resistindo, fragmentada,
Em fevereiro de 1993, um novo decreto re- apenas em alguns locais conhecidos como “refú-
gulamentou a exploração da Floresta Atlântica. O gios do pleistoceno”, quando as condições climá-
decreto aumentou a área de dimensão da Floresta ticas eram mais amenas.
Atlântica a ser preservada, antes restrita à faixa li-
O relevo é constituído por colinas e pla-
torânea. Ao contrário da legislação anterior, que
nícies costeiras, acompanhadas por uma cadeia
praticamente proibia qualquer forma de utilização

58 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


de montanhas. Os solos são de fertilidade média, Entre as aves destacam-se o jacu, o macuco,
porém, a área com relevo acidentado constitui a jacutinga, o tiê-sangue, a araponga, o sanhaço,
limitação forte para uso intensivo das terras com numerosos beija-flores, tucanos, saíras e gatura-
cultivos anuais. Mas no interior da floresta o solo é mos.
pobre, que se mantémpela decomposição acelerada
Entre os principais répteis desse ecossiste-
de matéria orgânica proveniente dos restos vege-
ma estão o teiú, um lagarto de mais de 1,5 metros
tais que caem no chão.
de comprimento, jiboias, jararacas e corais verda-
deiras. Numerosas espécies da flora e da fauna são
Flora únicas e características: a maioria das aves, répteis,
Segundo os botânicos, a Floresta Atlântica anfíbios e borboletas são endêmicas, ou seja, são
é a mais diversificada do planeta, com mais de 25 encontradas apenas nesse ecossistema.
mil espécies de plantas. O elevado índice de chu- Entre os mamíferos, 39% também são endê-
vas ao longo do ano permite a existência de uma micos, o mesmo ocorrendo com a maioria das bor-
vegetação rica, densa, com árvores que chegam a boletas, dos répteis, dos anfíbios e das aves nativas.
30 metros de altura. Nela sobrevivem mais de 20 espécies de primatas,
Destacam-se o pau-brasil, o jequitibá, as a maior parte delas endêmicas. Hoje, 171 das 202
quaresmeiras, o jacarandá, o jambo e o jabolão, o espécies de animais brasileiros considerados ame-
xaxim, o palmito, a paineira, a figueira, a caviúna, açados de extinção são originários da Floresta
o angico, a maçaranduba, o ipê-rosa, o jatobá, a Atlântica.
imbaúba, o murici, a canela-amarela, o pinheiro- Infelizmente, nesse cenário de grande rique-
-do-paraná, e outras. Em um curto espaço, pode-se za e endemismo de espécies observa-se também
encontrar mais de 50 espécies vegetais diferentes. um elevado número de espécies em extinção. Em
O sub-bosque, composto por árvores meno- alguns grupos, como o das aves, 10% das espécies
res, abriga numerosas epífitas, gravatás, bromélias, encontradas no bioma se enquadram em alguma
orquídeas, musgos e líquens, samambaias, begônias categoria de ameaça. No caso dos mamíferos, o
e lírios de várias espécies. Na Floresta Atlântica, o número de espécies ameaçadas de extinção atinge
índice de endemismo entre as palmeiras, bromélias aproximadamente 14%.
e algumas epífitas chega a mais de 70%. As principais áreas preservadas se encon-
tram em parques nacionais, como o de Superagui
Fauna (PR), de Itatiaia (MG, RJ), da Serra da Bocaina
(SP, RJ), do Monte Pascoal e da Chapada Dia-
A Floresta Atlântica possui uma grande bio- mantina (ambos na BA) e do Iguaçu (PR); em par-
diversidade de animais, além de muitos que já es- ques estaduais como os da Ilha do Cardoso, da Ilha
tão ameaçados de extinção, como: a onça-pintada, de São Sebastião, da Ilha Anchieta e da Serra do
a jaguatirica, o mono-carvoeiro, o macaco-prego, Mar, do Vale do Ribeira, da Serra do Japi (todos
o guariba, o mico-leão-dourado, vários saguis, a em SP), do Desengano (RJ) e nas estações ecológi-
preguiça-de-coleira, o caxinguelê, o tamanduá. cas de Tapacurá (PE), Caratinga (MG), Poço das
São cerca de 250 espécies de mamíferos (55 en- Antas (RJ) e Jureia (SP).
dêmicas), 340 de anfíbios (87 endêmicas), além
de, aproximadamente, 350 espécies de peixes (133
endêmicas). Em conjunto os mamíferos , aves, rép- Caatinga
teis e anfíbios que ocorrem na Floresta Atlântica
somam 1.810 espécies, sendo 389 endêmicas. Este Localização
bioma abriga, aproximadamente, 7% de todas as
A caatinga ocupa uma área de 734.478 km2
espécies do planeta.
e é o único bioma exclusivamente brasileiro. Isto

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 59


significa que grande parte do patrimônio biológico ra e o verde toma conta da região.
dessa região não é encontrada em outro lugar do
Mesmo quando chove, o solo raso e pedre-
mundo além de no Nordeste do Brasil.
goso não consegue armazenar a água que cai e a
A caatinga ocupa cerca de 7% do território temperatura elevada (médias entre 25ºC e 29ºC)
brasileiro. Estende-se pelos estados do Maranhão, provoca intensa evaporação. Por isso, somente em
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Per- algumas áreas próximas às serras, onde a abundân-
nambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e norte de Mi- cia de chuvas é maior, a agricultura se torna pos-
nas Gerais. sível.
A área total é de aproximadamente Na longa estiagem, os sertões são, muitas
1.100.000 km². O cenário árido é uma descrição vezes, semidesertos e nublados, mas sem chuva.
da Caatinga - que na língua indígena quer dizer O vento seco e quente não refresca, incomoda. A
Mata Branca. vegetação adaptou-se ao clima para se proteger.
As folhas, por exemplo, são finas, ou inexistentes.
Caracterização Algumas plantas armazenam água, como os cactos,
outras se caracterizam por terem raízes praticamen-
A caatinga tem uma fisionomia de deser- te na superfície do solo para absorver o máximo da
to, com índices pluviométricos muito baixos, em chuva.
torno de 500 a 700 mm anuais. Em certas regiões
do Ceará, por exemplo, embora a média para anos Os cerca de 20 milhões de brasileiros que
ricos em chuvas seja de 1.000 mm, pode chegar a vivem nos 800 mil km2 de Caatinga nem sempre
apenas 200 mm nos anos secos. podem contar com as chuvas de verão. Quando
não chove, o homem do sertão e sua família sofrem
A temperatura se situa entre 24 e 26 graus e muito. Precisam caminhar quilômetros em busca
varia pouco durante o ano. Além dessas condições da água dos açudes. A irregularidade climática é
climáticas rigorosas, a região das caatingas está um dos fatores que mais interferem na vida do ser-
submetida a ventos fortes e secos, que contribuem tanejo.
para a aridez da paisagem nos meses de seca.
O homem complicou ainda mais a dura vida
As plantas da caatinga possuem adaptações no sertão. Fazendas de criação de gado começaram
ao clima, tais como folhas transformadas em espi- a ocupar o cenário na época do Brasil colônia. Os
nhos, cutículas altamente impermeáveis, caules primeiros a chegar pouco entendiam a fragilidade
suculentos etc. Todas essas adaptações lhes confe- da Caatinga, cuja aparência árida denuncia uma
rem um aspecto característico denominado xero- falsa solidez. Para combater a seca, foram construí-
morfismo (do grego xeros, seco, e morphos, forma, dos açudes para abastecer de água os homens, seus
aspecto). animais e suas lavouras. Desde o Império, quan-
Duas adaptações importantes à vida das do essas obras tiveram início, o governo prossegue
plantas nas caatingas são a queda das folhas na es- com o trabalho.
tação seca e a presença de sistemas de raízes bem
desenvolvidos. A perda das folhas é uma adaptação Clima e Hidrografia
para reduzir a perda de água por transpiração e raí-
Enquanto que as médias mensais de tempe-
zes bem desenvolvidas aumentam a capacidade de
ratura variam pouco na região, sendo mais afeta-
obter água do solo.
das pela altitude que por variações em insolação,
O mês do período seco é agosto e a tempe- as variações diárias de temperatura e umidade são
ratura do solo chega a 60ºC. O sol forte acelera bastante pronunciadas, tanto nas áreas de planície
a evaporação da água das lagoas e rios que, nos como nas regiões mais altas do planalto.
trechos mais estreitos, secam e param de correr.
No planalto, os afloramentos rochosos mais
Quando chega o verão, as chuvas encharcam a ter-

60 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


expostos, sujeitos à ação dos ventos e outros fatores, os rios com nascentes na região permanecem secos
podem experimentar temperaturas muito baixas e por cinco ou sete meses no ano. Apenas o canal
próximas ou abaixo de zero grau durante as noi- principal do São Francisco mantém seu fluxo atra-
tes mais frias do ano, enquanto que a temperatura vés dos sertões, com águas trazidas de outras regiões
pode ser bastante elevada durante os dias quentes climáticas e hídricas.
e ensolarados do verão. Esta grande variação local
de temperatura e umidade durante o dia influência Geologia, Relevo e Solos
bastante a vegetação destas áreas, e é um forte fator
a determinar sua composição. Geologicamente, a região é composta de
vários tipos diferentes de rochas. Nas áreas de pla-
As variações em temperatura são muito me- nície as rochas prevalecentes têm origem na era
nos extremas durante a estação chuvosa, e também Cenozoica (do fim do período Terciário e início do
durante certos períodos quando a neblina se forma, período Quaternário), as quais se encontram co-
especialmente à noite nas áreas de maior altitude, bertas por uma camada de solo bastante profunda,
durante a estação seca. Não é incomum se observar com afloramentos rochosos ocasionais, principal-
pesadas formações de nuvens ou neblina nas regi- mente nas áreas mais altas que bordejam a Serra do
ões mais altas no início da manhã, durante a esta- Tombador; tais solos (latossolos) são solos argilo-
ção seca, o que resulta em menos de cinco horas sos (embora a camada superficial possa ser arenosa
de insolação por dia no planalto, enquanto que as ou às vezes pedregosa) e minerais, com boa porosi-
áreas de planície circunvizinhas possuem uma taxa dade e rico em nutrientes. Afloramentos de rocha
mais alta de insolação diária, sete horas ou mais. calcárea de coloração acinzentada ocorrem a oeste,
Ao amanhecer, pode-se observar a presença sendo habitados por algumas espécies endêmicas e
de orvalho em abundância cobrindo o solo, as ro- raras, como o Melocactus azureus.
chas e a vegetação nos locais mais altos. Isto forne- A região planáltica é composta de arenito
ce certa umidade ao solo mesmo durante a estação metamorfoseado derivado de rochas sedimentares
seca, e contribui para a manutenção da vegetação areníticas e quartzíticas consolidadas na era Pro-
da área. terozoica média; uma concentração alta de óxido
As áreas de planície estão sujeitas a um pe- férreo dá a estas rochas uma cor de rosa a averme-
ríodo de seca muito mais longo e severo que as lhada. Os solos gerados a partir da decomposição
áreas planálticas mais elevadas, período que nor- do arenito são extremamente pobres em nutrientes
malmente dura sete meses, mas que às vezes pode e altamente ácidos, formando depósitos arenosos
chegar a até doze meses em um ano. Não só a taxa ou pedregosos rasos, que se tornam mais profundos
de precipitação anual é mais baixa, como também onde a topografia permite; afloramentos rochosos
as temperaturas são em geral mais altas. Estas áre- são uma característica comum das áreas mais altas.
as têm clima semiárido tropical, com temperaturas Estes afloramentos rochosos e os solos pouco pro-
médias mensais ficando acima de 22°C. fundos formam as condições ideais para os cactos, e
muitas espécies crescem nas pedras, em fissuras ou
Quando chove, no início do ano, a paisagem
depressões da rocha onde a acumulação de areia,
muda muito rapidamente. As árvores cobrem-se de
pedregulhos e outros detritos, juntamente com o
folhas e o solo fica forrado de pequenas plantas. A
húmus gerado pela decomposição de restos vege-
fauna volta a engordar. Através de caminhos diver-
tais, sustenta o sistema radicular destas suculentas.
sos, os rios regionais saem das bordas das chapadas,
percorrem extensas depressões entre os planaltos A Serra do Tombador possui um relevo
quentes e secos e acabam chegando ao mar, ou en- montanhoso que se destaca das regiões mais baixas
grossando as águas do São Francisco e do Parnaíba que o circundam - sua altitude fica em geral aci-
(rios que cruzam a Caatinga). ma de 800 metros, alcançando aproximadamente
1000 m nos pontos de maior altitude, enquanto
Das cabeceiras até as proximidades do mar,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 61


que a altitude nas planícies ao redor variam de 400 O sertão nordestino é uma das regiões semi-
a 600 m, embora sofram um ligeiro aumento nas áridas mais povoadas do mundo. A diferença entre
bordas do planalto. a Caatinga e áreas com as mesmas características
em outros países é que as populações se concen-
O planalto age como uma barreira às nuvens
tram onde existe água, promovendo um controle
carregadas de umidade provenientes do Oceano
rigoroso da natalidade. No Brasil, entretanto, o
Atlântico que, ao ascenderem a medida em que
homem está presente em toda a parte, tentando
se encontram com a barreira em que o planalto
garantir a sua sobrevivência na luta contra o cli-
se constitui, se condensam e fornecem umidade
ma. A caatinga é coberta por solos relativamente
na forma de neblina, orvalho e chuvas, mesmo no
férteis. Embora não tenha potencial madeireiro,
pico da estação seca. Isto resulta em um clima mo-
exceto pela extração secular de lenha, a região é
derado e úmido que difere enormemente do clima
rica em recursos genéticos, dada a sua alta biodi-
das regiões mais baixas. Porém, o lado ocidental
versidade. Por outro lado, o aspecto agressivo da
do planato é mais seco, com condições compará-
vegetação contrasta com o colorido diversificado
veis às encontradas nas áreas de planície, porque
das flores emergentes no período das chuvas.
a altitude das montanhas desviam as nuvens de
chuva que vêm do Atlântico. Climatogramas de Os grandes açudes atraíram fazendas de
locais de altitude similar, mas localizados em lados criação de gado. Em regiões como o Vale do São
opostos do planalto, claramente indicam a maior Francisco, a irrigação foi incentivada sem o uso de
umidade do lado oriental. Um resultado da barrei- técnica apropriada e o resultado tem sido desastro-
ra formada pelas montanhas são nuvens carregadas so. A salinização do solo é, hoje, uma realidade.
de umidade provenientes do Oceano Atlântico, Especialmente na região onde os solos são rasos e
que produzem uma maior quantidade de chuvas no a evaporação da água ocorre rapidamente devido o
lado oriental. calor, a agricultura tornou-se impraticável.
A precipitação no planalto normalmente Outro problema é a contaminação das águas
excede os 800 mm anuais, com picos de até 1.200 por agrotóxicos. Depois de aplicado nas lavouras,
mm em determinados locais, enquanto que a mé- o agrotóxico escorre das folhas para o solo, levado
dia de precipitação nas áreas de planície fica em pela irrigação, e daí para as represas, matando os
torno de 400 a 700 mm. A precipitação é frequen- peixes. Nos últimos 15 anos, 40 mil km2 de Ca-
temente bimodal nas regiões mais altas, com um atinga se transformaram em deserto devido à in-
máximo de chuvas no período de novembro a ja- terferência do homem sobre o meio ambiente da
neiro, e um segundo período chuvoso, menor, no região. As siderúrgicas e olarias também são res-
período de março a abril. ponsáveis por este processo, devido ao corte da
vegetação nativa para produção de lenha e carvão
A altitute elevada do relevo da Serra do
vegetal.
Tombador conduz a um clima mesotérmico em que
a média mensal da temperatura, pelo menos duran-
te alguns meses, permanece abaixo dos 18°C. Os Vegetação
meses mais frios ocorrem no período do inverno A vegetação do bioma é extremamente di-
(de maio a setembro, que coincide com a estação versificada, incluindo, além das caatingas, vários
seca), quando o sol está em seu ponto mais bai- outros ambiente associados. São reconhecidos 12
xo. As médias mensais de temperaturas do período tipos diferentes de Caatingas, que chamam aten-
mais quente do ano normalmente não excedem ção especial pelos exemplos fascinantes de adap-
22°C, sendo que os meses mais quentes do ano tações aos hábitats semiáridos. Tal situação pode
ocorrem entre outubro, um pouco antes do início explicar, parcialmente, a grande diversidade de
da estação chuvosa, e fevereiro, quando as chuvas espécies vegetais, muitas das quais endêmicas ao
estão começando a se tornar raras. bioma. Estima-se que pelo menos 932 espécies já

62 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


foram registradas para a região, sendo 380 endê- coronata).
micas.
A caatinga é um tipo de formação vegetal Fauna
com características bem definidas: árvores baixas e Quando chove na caatinga, no início do
arbustos que, em geral, perdem as folhas na estação ano, a paisagem e seus habitantes se modificam. Lá
das secas (espécies caducifólias), além de muitas vive a ararinha-azul, ameaçada de extinção. Outros
cactáceas. animais da região são o sapo-cururu, a asa-branca,
A caatinga apresenta três estratos: arbóreo a cotia, a gambá, o preá, o veado-catingueiro, o
(8 a 12 metros), arbustivo (2 a 5 metros) e o her- tatu-peba e o sagui-do-nordeste, entre outros.
báceo (abaixo de 2 metros). Contraditoriamente, A situação de conservação dos peixes da Ca-
a flora dos sertões é constituída por espécies com atinga ainda é precariamente conhecida. Apenas
longa história de adaptação ao calor e à seca, é in- quatros espécies que ocorrem no bioma foram lis-
capaz de reestruturar-se naturalmente se máquinas tadas preliminarmente como ameaçadas de extin-
forem usadas para alterar o solo. A degradação é, ção, porém se deve ponderar que grande parte da
portanto, irreversível na caatinga. ictiofauna não foi ainda avaliada.
O aspecto geral da vegetação, na seca, é de São conhecidas, em localidades com feição
uma mata espinhosa e agreste. Algumas poucas es- características da caatinga semiáridas, 44 espécies
pécies da caatinga não perdem as folhas na época de lagartos, 9 espécies de anfisbenídeos, 47 de ser-
da seca. Entre essas destaca-se o juazeiro, uma das pentes, quatro de quelônios, três de crocolia, 47
plantas mais típicas desse ecossistema. de anfíbios - dessas espécies apenas 15% são en-
Ao caírem as primeiras chuvas no fim do dêmicas. Um conjunto de 15 espécies e de 45 su-
ano, a caatinga perde seu aspecto rude e torna-se bespécies foi identificado como endêmico. São 20
rapidamente verde e florida. Além de cactáceas, as espécies ameaçadas de extinção, estando inclu-
como Cereus (mandacaru e facheiro) e Pilocereu ídas nesse conjunto duas das espécies de aves mais
(xiquexique), a caatinga também apresenta muitas ameaçadas do mundo: a ararinha-azul (Cyanopsit-
leguminosas (mimosa, acácia, emburana, etc.). ta spixii) e a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus
leari).
Algumas das espécies mais comuns da região
são a emburana, a aroeira, o umbu, a baraúna, a Levantamentos de fauna na Caatinga re-
maniçoba, a macambira, o mandacaru e o juazeiro. velam a existência de 40 espécies de lagartos, 7
espécies de anfibenídeos (lagartos sem patas), 45
No meio de tanta aridez, a caatinga surpre-
espécies de serpentes, 4 de quelônios, 1 de crocodi-
ende com suas “ilhas de umidade” e solos férteis.
liano, 44 anfíbios.
São os chamados brejos, que quebram a monotonia
das condições físicas e geológicas dos sertões. Nes- Também constituída por diversos tipos de
sas ilhas, é possível produzir quase todos os alimen- aves, algumas endêmicas do Nordeste, como o pa-
tos e frutas peculiares aos trópicos. tinho, chupa-dente, o fígado, além de outras espé-
cies de animais, como o tatu-peba, o gato-do-mato,
As espécies vegetais que habitam esta área
o macaco prego e o bicho preguiça.
são em geral dotadas de folhas pequenas, uma
adaptação para reduzir a transpiração. Gêneros de Destaca-se também a ocorrência de espé-
plantas da família das leguminosas, como Acacia e cies em extinção, como o próprio gato-do-mato,
Mimosa, são bastante comuns. A presença de cac- o gato-maracajá, o patinho, a jararaca e a sucuri-
táceas, notavelmente o cacto mandacaru (Cereus -bico-de-jaca.
jamacaru), caracterizam a vegetação de caatinga; A Caatinga possui extensas áreas degrada-
especificamente na caatinga da região de Morro do das, muitas delas incorrem, de certo modo, em
Chapéu, é característica a palmeira licuri (Syagrus risco de desertificação. A fauna da Caatinga sofre

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 63


grande prejuízos tanto por causa da pressão e da Campos do Sul
perda de hábitat como também em razão da caça e
da pesca sem controle. Também há grande pressão Localização
da população regional no que se refere à explora-
ção dos recursos florestais da Caatinga. Os campos da região sul do Brasil são deno-
minados de pampas, termo indígena que significa
A Caatinga carece de planejamento estraté- região plana, abrangendo o Estado do Rio Grande
gico permanente e dinâmico com o qual se preten- do Sul, o Uruguai e a Argentina.
de evitar a perda da biodiversidade do seu bioma.
Caracterização
Ecossistemas Costeiros As florestas dos Campos Sulinos abrangem
em sua maioria as florestas tropicais mesófilas, flo-
O Brasil apresenta uma extensa área cos-
restas subtropicais e os campos meridionais. As
teira. O mar representa uma importante fonte de
florestas subtropicais compreendem basicamente
alimento, emprego e energia. Sendo assim, as ques-
a Floresta com Araucária, distribuindo-se sobre
tões relacionadas aos oceanos assumem importân-
os planaltos oriundos de derrames basálticos, e
cia fundamental para o povo brasileiro. Os recursos
caracterizando-se principalmente pela presença
estão diretamente associados com a sustentabilida-
marcante do pinheiro-do-paraná (Araucaria an-
de exploratória dos recursos pesqueiros através da
gustifolia). E em direção ao arroio Chuí, na divisa
pesca artesanal, do turismo e através das comu-
com o Uruguai, estabelece-se um campo com for-
nidades tradicionais da orla marítima – folclore,
mas arbustivas sobre afloramentos rochosos.
tradições, estilo de vida. Entretanto, a vulnerabili-
dade desse patrimônio sócio-ambiental está amea-
çada pela falta de planejamento na ocupação e nas Ocupação
ações das atividades humanas na zona costeira. Devido à ocupação do território, a explora-
Na Costa Brasileira ocorrem diversos tipos ção indiscriminada de madeira, iniciada pela co-
de hábitats, formando uma enorme diversidade de lonização no planalto das Araucárias, favoreceu a
ecossistemas. Além das praias arenosas amplamen- expansão gradativa da agricultura. Os gigantescos
te utilizadas pelo turismo, destacam-se inúmeros pinheiros foram derrubados e queimados para dar
estuários e lagoas costeiras, praias lodosas, sistemas lugar ao cultivo de milho, trigo, arroz, soja e uva. O
lagunares margeados por manguezais e marismas, cultivo de frutíferas está tendo um grande avanço,
costões e fundos rochosos, recifes de coral, bancos criando uma pressão nas áreas florestais; aliado ao
de algas calcáreas, plataformas arenosas, arrecifes extrativismo seletivo de espécies madeireiras que
de arenito paralelos à linha de praias e falésias, du- está comprometendo os remanescentes florestais.
nas e cordões arenosos, restingas, ilhas costeiras e Além dos grandes desmatamentos para o
ilhas oceânicas. cultivo, existe ainda uma forte pressão de pastejo
A grande riqueza genética dos ecossistemas e a prática do fogo que não permitem o estabeleci-
marinhos brasileiros representa imenso potencial mento da vegetação arbustiva.
pesqueiro, biotecnológico, mineral e energético. A agricultura, a pecuária de corte e a indus-
Estes recursos não devem ser desperdiçados através trialização trouxeram vários problemas ambientais,
da degradação ambiental e da exploração excessi- como a degradação, a compactação dos solos, a
va a ponto de comprometer a sustentabilidade a contaminação e o assoreamento dos aquíferos, de-
médio e a longo prazo. Atualmente várias unida- vido ao manejo inadequado das culturas. O mane-
des de conservação foram estabelecidas no litoral e jo inadequado em áreas inapropriadas dos campos
ajudam na preservação da biodiversidade marinha. sulinos tem levado a um processo de desertificação,
principalmente em áreas cujo substrato é o arenito,

64 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


na abrangência das bacias dos rios Ibicuí e Ibara- As principais espécies ameaçadas de ex-
puitã. tinção são exemplificadas por inúmeros animais,
como: a onça-pintada, a jaguatirica, o mono-car-
Estas regiões ainda guardam áreas protegidas
voeiro, o macaco-prego, o guariba, o mico-leão-
restritas a ecossistemas naturais, que são alvo de
-dourado, vários sagüis, a preguiça-de-coleira, o
preocupação em relação à sua conservação e pre-
caxinguelê, o tamanduá.
servação. Atualmente estão implantadas Unidades
de Conservação voltadas para a conservação da Entre as aves destacam-se o jacu, o macuco,
Floresta com Araucária e dos campos sulinos. a jacutinga, o tiê-sangue, a araponga, o sanhaço,
numerosos beija-flores, tucanos, saíras e gatura-
Clima mos.

O clima nos campos sulinos é caracteriza- Entre os mamíferos, 39% também são endê-
do com altas temperaturas no verão, chegando a micos, o mesmo ocorrendo com a maioria das bor-
35ºC, e o inverno é marcado com geadas e neve boletas, dos répteis, dos anfíbios e das aves nativas.
em algumas regiões, marcando temperaturas nega- Nela sobrevivem mais de 20 espécies de primatas,
tivas. A precipitação anual situa-se em torno de a maior parte delas endêmicas.
1.200 mm, com chuvas concentradas nos meses de
inverno. O clima é frio e úmido.

Flora
A vegetação predominante é de gramíneas,
representadas pelos gêneros Andropogon, Aristi-
da, Paspalum, Panicum e Eragrotis, leguminosas e
compostas. As árvores de maior porte são forne-
cedoras de madeira, tais como o louro-pardo, o
cedro, a cabreúva, a grápia, a guajuvira, a caroba,
a canafístula, a bracatinga, a unha-de-gato, o pau-
-de-leite, a canjerana, o guatambu, a timbaúva, o
angico-vermelho, entre outras espécies caracterís-
ticas como, a palmeira-anã (Diplothemium cam-
pestre). Os campos sulinos possuem uma diversi-
dade de mais de 515 espécies.
Já os terrenos planos das planícies e planal-
tos gaúchos e as coxilhas, de relevo suave-ondula-
do, são colonizados por espécies pioneiras campes-
tres que formam uma vegetação tipo savana aberta.
Há ainda áreas de florestas estacionais e de campos
de cobertura gramíneo-lenhosa.

Fauna
É um dos ecossistemas mais ricos em rela-
ção à biodiversidade de espécies animais, contando
com espécies endêmicas, raras, ameaçadas de ex-
tinção, espécies migratórias, cinegéticas e de inte-
resse econômico dos campos sulinos.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 65


Atividade Industrial no Brasil
CAPÍTULO

Histórico conserva. O país importa os bens de produção, ma-


térias-primas, máquinas e equipamentos e grande
Antecedentes: parte dos bens de consumo.

Durante o período colonial, pelas regras da


política mercantilista, não podem ser desenvolvi-
das no Brasil quaisquer atividades produtivas que
venham a competir com as da metrópole, ou que
venham a prejudicar seus interesses comerciais.
Na segunda metade do século XVIII, o governo
português chega a proibir formalmente em 1785
o funcionamento de fábricas na colônia, para não
atrapalhar a venda de tecidos e roupas, adquiridos
na Inglaterra e comercializados por portugueses no
Brasil. Os primeiros esforços importantes para a in- É de fundamental importância para enten-
dustrialização vêm do Império. dermos o processo de industrialização brasileira
Durante o Segundo Reinado, empresários voltarmos ao período em que D. Pedro II governou
brasileiros como Irineu Evangelista de Souza, o o nosso país. Durante esse período, aconteceram
Visconde de Mauá, e grupos estrangeiros, princi- alguns fatos essenciais para o desenvolvimento
palmente ingleses, investem em estradas de ferro, desse processo, entre os quais podemos citar:
estaleiros, empresas de transporte urbano e gás, • Tarifa Alves Branco (1844) – taxava os
bancos e seguradoras. A política econômica ofi- produtos importados.
cial, porém, continua a privilegiar a agricultura • Lei Eusébio de Queirós (1850) – proibia o
exportadora. tráfico externo.

No final do século XIX e início do século Esses dois fatores levaram a uma intensa li-
XX, mesmo com o investimento de parte da ren- beração de verbas que pode ser aplicada na moder-
da do café e da borracha, as indústrias brasileiras nização de infraestruturas básicas do país: bancos,
em geral ainda não passam de pequenas oficinas, fábricas e setores de transporte e comunicação.
marcenarias, tecelagens, chapelarias, serrarias, Esse período é denominado pela historiografia
moinhos de trigo, fiações e fábricas de bebida e de como ERA MAUÁ (l845-l864). Apesar dos avan-

66 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


ços não terem sido tão expressivos, podemos dizer 2ª fase – 1830 a 1956
que chegou a haver o primeiro surto indústrial na
história deste país. O ano de 1930 é considerado por alguns au-
tores como o da “Revolução Indústrial” no Brasil.
A indústria nacional passou a poder com- Efetivamente é o ano que marca o início da in-
petir com maior facilidade, estando protegida pela dustrialização (processo através do qual a atividade
taxação sobre os produtos importados. Além disto, indústrial vai se tornar a mais importante do país)
o fim do tráfico negreiro resultou em uma intensa beneficiada pela Crise de 1929 e pela Revolução
liberação de verbas para investimento em outras de 1930).
áreas.

1ª fase – 1822 a 1930


Período de reduzida atividade indústrial,
dado a característica agrário-exportadora do país.
Nessa fase, no entanto, ocorrem dois fatos que fa-
cilitam a industrialização futura: a Abolição da Es-
cravatura e a entrada de imigrantes, que vão servir
e mão de obra.

MÁQUINA DE CUNHAR

A Crise de 1929 determinou a decadência


da cafeicultura e a transferência do capital para a
indústria, o que associado a presença de mão de
obra e mercado consumidor, vai justificar a con-
centração indústrial no Sudeste, especificamente
em São Paulo. ção).

TECELAGEM SANTISTA - 1934

IMIGRANTES NAS FÁBRICAS

Esta fase, assim como a primeira, tem uma


característica inicial de quase exclusividade de
indústrias de bens de consumo não duráveis, defi-
nindo o período chamado de “Substituição de im-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 67


portações”. No entanto, a ação do Estado começa Economia”, com a entrada de empresas transnacio-
a alterar o quadro, com o Governo Vargas criando nais, notadamente do setor automotivo.
as empresas estatais do setor de base, como a CSN
O processo iniciado por J.K. teve continui-
(siderurgia), PETROBRÁS e a CVRD (minera
dade durante a Ditadura Militar (1964 a 1985),
Indústria de Base – Os efeitos da quebra da destacando-se o Governo Médici, período do “Mi-
Bolsa de Nova York sobre a agricultura cafeeira e lagre Brasileiro”, que determinou crescimento eco-
as mudanças geradas pela Revolução de 1930 mo- nômico, mas também aumento da dívida externa e
dificam o eixo da política econômica, que assume concentração de renda.
caráter mais nacionalista e indústrialista. Já em
1931, Getúlio Vargas anuncia a determinação de 4ª fase – 1889 a ...
implantar indústrias de base. Com ela, o país pode-
ria reduzir sua importação, estimulando a produção
nacional de bens de consumo. As medidas concre-
tas para a industrialização são tomadas durante o
Estado Novo.
As dificuldades causadas pela II Guerra
Mundial ao comércio internacional favorecem essa
estratégia de substituição de importações. Em 1943
é fundada no Rio de Janeiro a Fábrica Nacional
de Motores. Em 1946 começa a operar o primei-
ro alto-forno da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN), em Volta Redonda (RJ). A Petrobras é
criada em outubro de 1953 e detém o monopólio
de pesquisa, extração e refino de petróleo. Todas Esta fase iniciada no Governo Collor com
são empresas estatais. continuidade até o Governo Fernando Henrique
marca o avanço do Neoliberalismo no país, com
3ª fase – 1956 a 1989 sérias repercussões no setor secundário da econo-
mia.
FÁBRICA DA COBRA - INFORMÁTICA 1977 O modelo neoliberal adotado determinou
a privatização de quase todas as empresas estatais,
tanto no setor produtivo, como as siderúrgicas e a
CVRD, quanto no setor da infraestrutura e servi-
ços, como o caso do sistema Telebrás.
Além disso, os últimos anos marcaram a
abertura do mercado brasileiro, com expressivas re-
duções na alíquota de Importação. Por outro lado,
houve brutal aumento do desemprego, devido a
falência de empresas e as inovações tecnológicas
adotadas, com a utilização de máquinas e equipa-
mentos indústriais de última geração, necessários
para aumentar a competitividade e resistir à con-
Constitui o período de maior crescimento corrência internacional.
indústrial do país em todos os tipos de indústria,
tendo como base a aliança entre o capital estatal e
o capital estrangeiro. O governo Juscelino Kubits-
chek dá início a chamada “Internacionalização da

68 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


A Concentração Indústrial no São Paulo à Belo Horizonte. Estas áreas oferecem,
além de incentivos fiscais, menores custos de mão
Sudeste de obra, transportes menos congestionados e por
A distribuição espacial da indústria brasilei- tratarem-se de cidades-médias, melhor qualidade
ra, com acentuada concentração em São Paulo, foi de vida, o que é vital quando trata-se de tecno-
determinada pelo processo histórico, já que no mo- pólos.
mento do início da efetiva industrialização, o esta- A desconcentração indústrial entre as re-
do tinha, devido à cafeicultura, os principais fato- giões vem determinando o crescimento de cida-
res para instalação das indústrias, a saber: capital, des-médias dotadas de boa infraestrutura e com
mercado consumidor, mão de obra e transportes. centros formadores de mão de obra qualificada,
Além disso, a atuação estatal através de di- geralmente universidades. Além disso, percebe-se
versos planos governamentais, como o Plano de um movimento de indústrias tradicionais, de uso
Metas, acentuou esta concentração no Sudeste, intensivo de mão de obra, como a de calçados e
destacando novamente São Paulo. A partir desse vestuários para o Nordeste,atraídas sobretudo, pela
processo indústrial e, respectiva concentração, o mão de obra extremamente barata.
Brasil, que não possuía um espaço geográfico na-
cional integrado, tendo uma estrutura de arquipé-
lago econômico com várias áreas desarticuladas,
A Crise da Dívida Externa dos
passa a se integrar. Esta integração reflete nossa di- Anos 80
visão inter-regional do trabalho, sendo tipicamen-
A modernização da estrutura econômica
te centro-periferia, ou seja, com a região Sudeste
brasileira entre 1956 e 1980 também esteve basea-
polarizando as demais.
da em elevados níveis de endividamento externo.
Na década de 1970 existia um grande excedente de
capitais disponíveis nos países mais desenvolvidos,
o que facilitava a tomada de empréstimos, dadas as
baixas taxas de juros vigentes no mercado inter-
nacional. No início dos anos 80os EUA, o Japão
e os países da Europa Ocidental enfrentavam uma
inflação elevada e, para combatê-la, elevaram as
taxas internacionais de juros, elevando considera-
velmente os gastos dos países endividados com o
pagamento dos juros.
Com a elevação dos juros, a dívida brasileira
cresceu como uma “bola de neve” e o país foi obri-
gado a negociar uma acordo de renegociação com
A Descentralização Industrial o Fundo Monetário Internacional (FMI) e aceitar
Atualmente, seguindo uma tendência mun- as medidas de ajuste econômico recomendadas
dial, o Brasil vem passando por um processo de pelo fundo, entre elas a obtenção de superávits na
descentralização indústrial, chamada por alguns Balança Comercial. Para a obtenção desses superá-
autores de desindustrialização, que vem ocorrendo vits o mercado interno foi fechado para as impor-
intrarregionalmente e também entre as regiões. tações e os setores exportadores receberam muitos
estímulos governamentais.
Dentro da Região Sudeste há uma tendên-
cia de saída do ABC Paulista, buscando menores A década de 1980 é chamada de “A Década
custos de produção do interior paulista, no Vale do Perdida” pois, nesse período houve desorganização
Paraíba ao longo da Rodovia Fernão Dias, que liga da produção econômica, a atividade indústrial fi-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 69


cou estagnada, a atração de capitalestrangeiro foi neoliberalismo, que prega a desregulamentação da
incipiente e o processo inflacionário levava à am- economia e consiste na redução da participação do
pliação da pobreza. Houve estagnação dos índices estado nas atividades econômicas. Nesse contexto,
de produtividade da economia, pois a importação houve a quebra do monopólio estatal nos setores
de equipamentos estava comprometida, e a elabo- antes considerados estratégicos, como as comu-
ração dos famosos planos de combate à inflação, nicações e a produção de energia, e teve início a
cujo pioneiro foi o Plano Cruzado, de1986. venda das grandes empresas estatais do campo da
siderurgia, da mineração, das telecomunicações e
da produção de energia elétrica.
A Abertura da Economia
Em 1994, a abertura foi complemen-
Brasileira dos Anos 90 tada pelo Plano Real que, para combater a
O início da década de 1990 foi marcado pelo inflação,estabeleceu um regime de moeda for-
fim da União Soviética e a extinção do mundo so- te, com a valorização da moeda nacional frente
cialista, do qual restam apenas dois representantes ao dólar norte-americano. O Real facilitou ain-
do antigo modelo: Cuba e Coreia do Norte. Com da mais as importações, que tornaram-se mais
isto o capitalismo transforma-se no sistema econô- baratas,estabelecendo uma intensa competi-
mico hegemônico, liderado pelos Estados Unidos ção entre a produção nacional e as mercadorias
da América, e a histórica internacionalização des- importadas,levando à modernização do sistema
se sistema ingressa numa nova etapa denominada produtivo nacional e, por outro lado à falência das
Globalização. Essa globalização contemporânea empresas nacionais incapazes de competir.Como
refere-se à crescente integração dos mercados na- saldo do Real pode ser creditado um extraordiná-
cionais, dos meios de comunicação e dos sistemas rio aumento de produtividade,que cresceu 7% ao
de transportes, com a intensificação do comércio ano desde então, e, por outro lado o aumento dos
internacional e a mundialização dos fluxos finan- índices de desemprego, já que uma economia mais
ceiros. moderna também é poupadora de mão de obra.

Nesse momento, em 1990, o Brasil redire-


cionou sua política econômica, com o objetivo
de integrar-se de forma competitiva no mercado
global. Essa inserção competitiva foi marcada pela
abertura da economia para a importação de merca-
dorias e para os investimentos do mercado finan-
ceiro global.

A abertura foi fundamentada no ideário do

70 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Texto Complementar

Os sete setores indústriais que lideraram os investimentos responderam por 72% do total em 1996 e por 73% em 2002.
Neste último ano, os investimentos indústriais chegaram a R$ 50 bilhões e os setores líderes foram: refino de petróleo e álcool
(18%); alimentos e bebidas (13,8%); montagem de veículos automotores (9,6%); produtos químicos (9,6%); celulose e
papel (8,6%); metalurgia básica (7,2%); e extração de minerais metálicos (6,4%) .
Lançada hoje pelo IBGE, a Pesquisa Indústrial Anual de Empresas (PIA Empresa) traz um panorama completo da
atividade indústrial brasileira, considerando as empresas formalmente constituídas, com o mínimo de cinco pessoas ocupadas
e cuja análise, em 2002, foram os investimentos da indústria.
Por investimento entende-se o valor gasto na aquisição de máquinas e equipamentos; terrenos e edificações; meios de
transporte e outras aquisições incorporadas ao ativo imobilizado. Em 2002, as cerca de 36 mil empresas indústriais que in-
formaram essa variável gastaram em torno de R$ 50 bilhões com investimentos, enquanto em 1996, o gasto informado por
33 mil empresas chegava a R$ 26 bilhões.
O grupo de setores líderes é praticamente o mesmo nos dois anos. Em 2002 há apenas a entrada do segmento de extração
de minerais metálicos (tipicamente exportador) e a saída do segmento de minerais não metálicos (voltado para o mercado
interno). Em termos de posição relativa, vale destacar que refino de petróleo e álcool (que passou de uma participação de
8,5% para 18,0%) passa da quinta para a primeira posição, refletindo provavelmente o impacto dos investimentos realiza-
dos na ampliação da produção interna de petróleo e de seus derivados
Verifica-se que esse grupo de sete atividades líderes em 2002 também ampliou seu espaço nas exportações. Estatísticas
de comércio exterior mostram que essas atividades detinham 63% do valor das exportações indústriais em 1996 e, seis anos
depois, passam a responder por 68%, o que reforça a ideia de que as exportações tiveram papel relevante como fator expli-
cativo da ampliação da capacidade produtiva da indústria no período.
Em 2002, as 20 maiores empresas em investimento responderam por 40% do total.

VALOR DA TRANSFORMAÇÃO
AQUISIÇÕES
DIVIS’OES INDUSTRIAL
1996 P(1) 2002 P(1) 1996 2002
Alimentos e bebidas 17,5 1 13,8 2 17,6 16,8
Veículos Automotores 13,4 2 9,6 3 8,6 7,3
Produtos Químicos 10,3 3 9,6 4 13,0 11,2
Celulose e papel 9,3 4 8,6 5 3,8 4,6
Refino de petróleo e produção de álcool 8,5 5 18,0 1 7,6 14,0
Metalurgia basica 7,9 6 7,2 6 5,4 7,3
Minerais não metálicos 4,7 7 3,2 9 3,3 3,7
Extração de minerais metálicos 2,8 11 6,4 7 1,6 2,2
(1) Posição no Ranking

O investimento indústrial está fortemente relacionado ao porte da empresa. Evidência disto é o fato de que das 33 mil em-
presas que, em 1996, informaram gastos com investimento, o valor das 20 primeiras representava 37% do total, ou R$ 10
bilhões, o que significa uma média de R$ 500 milhões por empresa. Em 2002, essas cifras são ainda mais expressivas: as 20
maiores indústrias passam a representar 40% do investimento, num total de R$ 20 bilhões, ou seja, R$ 1 bilhão por empresa.

Tanto em 1996 quanto em 2002, 19 dessas 20 maiores empresas em investimento, eram exportadoras. E mais: nesse
período sua participação no total das exportações saltou de 15% para 18%.
Mesmo perdendo espaço, São Paulo detém 42% do investimento indústrial em 2002.
Com suave perda de participação (de 69,5% para 68,1%), a região Sudeste sofreu modificações internas significa-
tivas. Em São Paulo, a participação nos investimentos passou de 49,2%, em 1996, para 42,0%, em 2002. A queda de
7,2 pontos percentuais provavelmente reflete os efeitos da instalação de novas empresas e/ou plantas indústriais em outros
estados, como é o caso das montadoras de automóveis. Minas Gerais, por outro lado, manteve constante sua participação
no total dos investimentos (10,7%). Por sua vez, observou-se crescimento no Espírito Santo (de 1,9% para 5,6%), estado
onde predominam indústrias exportadoras e no Rio de Janeiro (de 7,7% para 9,9%), influênciado pelo investimento em
setores como os de extração e refino de petróleo, siderurgia e montagem de veículos automotores.
No Norte (de 3,9% para 4,1%), o aumento na participação nos investimentos foi influênciado, principalmente, pelo

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 71


Pará (de 1,2% para 1,9%), cujo setor de extrativa mineral cresceu significativamente.
No Nordeste, a queda de 11,0% para 8,5% na participação foi determinada pelos resultados da Bahia (de 6,7% para
4,1%) e de Pernambuco (de 1,3% para 1,0%). Já o Ceará, onde foram implantadas grandes fábricas de vestuário e calça-
dos, subiu de 0,8% para 1,3% no mesmo período.
No Sul, onde a participação subiu de 13,5% para 16,2%, o principal destaque foi o Paraná (de 4,3% para 6,8%).
Também com crescimento, porém em menor proporção, no Rio Grande do Sul a participação nos investimentos passou de
5,5% para 6,0%, enquanto em Santa Catarina houve pequena redução (de 3,7% para 3,3%).
Influênciada pelos resultados de Goiás (de 1,2% para 1,8%) e do Distrito Federal (de 0,2% para 0,5%), a região
Centro-Oeste apresentou o maior ganho relativo entre 1996 e 2002: de 2,0% saltou para 3,1%. Um dos fatores determi-
nantes para o crescimento da indústria nas regiões sul e centro oeste é a sua forte articulação com o agronegócio.
Pequena Empresa tem participação de 7,2% no investimento em 2002
O gasto com investimento informado por cerca de 26,3 mil pequenas empresas (que empregam de 5 a 99 pessoas) foi da
ordem de R$2 bilhões, ou seja, R$ 76 mil por empresa. Esse montante representou 7,7% do investimento indústrial naquele
ano. Em 2002, 30 mil pequenas empresas informaram investimentos de R$3,6 bilhões (média de R$120 mil por empresa),
com participação de 7,2% no total.
Entre 1996 e 2002, oito setores apresentaram os maiores percentuais de aquisições das pequenas empresas: máquinas e
equipamentos (de 5,8% passou para 11,9%); produtos químicos (de 11,7% para 11,9%); alimentos e bebidas (de 13,3%
para 11,1%); borracha e plástico (de 8,0% para 8,5%); minerais não-metálicos (de 7,2% para 5,8%); edição, impressão e
reprodução de gravações (de 8,8% para 6,6%); produtos de metal (de 7,1% para 8,2%); e móveis e indústrias diversas (de
5,0% para 4,8%). Juntos, esses oito setores foram responsáveis por quase 69% dos investimentos das pequenas empresas
em 2002 e por 66,9% em 1996.
Máquinas e equipamentos; produtos químicos e alimentos e bebidas são responsáveis por 35% do investimento das
pequenas empresas.
Assim como no investimento total da indústria, os setores de fabricação de máquinas e equipamentos, produtos químicos
e alimentos e bebidas também exerceram papel de destaque entre as pequenas empresas. Em conjunto, esses três setores
responderam por 35% do total do investimento das pequenas empresas em 2002.
No entanto, alguns setores destacaram-se apenas entre as pequenas empresas, como é o caso de borracha e plástico;
minerais não metálicos; edição, impressão e reprodução de gravações; e produtos de metal. Entre 1996 e 2002, a proporção
de aquisições desse grupo de setores passou de 31,0% para 29,1%. Por sua vez, o setor de móveis e indústrias diversas, com
significativo potencial exportador, também destaca-se somente entre as pequenas empresas, com 5% de participação nos
investimentos, nos dois anos analisados.
Comunicação Social IBGE – 30 de junho de 2004

Turismo de Lazer grupos hoteleiros, em sua maioria portugueses e es-


panhóis, vêm apostando no crescimento do turis-
Já o segmento de hotelaria voltado ao tu- mo brasileiro, comprando hotéis já existentes ou,
rismo de massa tem demonstrado um fôlego um então, implementando novas unidades, principal-
pouco mais animador, segundo avalia Ricardo Ma- mente na região Nordeste.
der. Neste setor, investidores europeus de médios

“Apesar do tombo que o turismo mundial sofreu - e, consequentemente, o brasileiro - após os atentados de 11
de Setembro e as crises econômicas argentina e de transição política no Brasil em 2002, parece que o turismo volta
a recobrar forças em nosso país, o que é um alento”, diz a turismóloga Maria Aparecida Andrade de Oliveira.
Mesmo indicando certo ceticismo, Ricardo Mader também demonstra otimismo frente aos desafios do mer-
cado do turismo: “Vejo boas perspectivas adiante, desde que esse crescimento da economia que percebemos hoje
seja sustentado pelos próximos anos”. Ele dá como exemplo, inclusive, os investimentos que vêm ocorrendo na
implantação de hotéis mais populares voltados ao turismo de negócios, classificados como de “três estrelas”. “Nes-
se setor, ainda há bons investimentos e lançamentos.”

72 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Essa expectativa é corroborada pelos resulta-
dos de um levantamento divulgado no Boletim de
Desempenho Econômico do Turismo do Embratur
(Instituto Brasileiro de Turismo), de outubro de
2004. Segundo a apuração, entre os empresários
do setor hoteleiro consultados, 55% dizem que au-
mentarão os investimentos nos próximos 12 meses;
30% manterão os aportes; e apenas 15% desejam
reduzir seus desembolsos.

Filões
Um dos segmentos que ainda tem muito a
ser explorado, segundo Marcello Chiavone, é o de
resorts. “Temos todo o litoral do Nordeste - que já
tem várias unidades -, mas temos outras regiões,
como outras áreas do Nordeste, Norte, Amazônia,
Pantanal, Lençóis Maranhenses, Chapadas...”, in-
dica o professor.
Já Eraldo da Cruz lembra outro ramo da in-
dústria hoteleira que tem demonstrado bom fôlego
na atualidade: “Eu diria que a grande coqueluche
do momento é o hotel econômico, que é o hotel
que tem a cara da população brasileira, aquele que
não te luxo, mensageiro, etc., mas que permite a
hospedagem de uma pessoa de classe média baixa
sem machucar muito o bolso. Você sabe que o Bra-
sil tem 40 milhões de pessoas que viajam e apenas
16% ficam em hotéis. Se só 16% ficam em hotéis,
você tem 84% desse número para trabalhar. Nesses
84%, você há de convir – pelo poder aquisitivo –
que o único jeito é colocá-los em hotéis mais eco-
nômicos”.
Resta aos agentes dos setores vinculados ao
turismo torcerem para que o crescimento da eco-
nomia brasileira seja realmente sustentado e sus-
tentável e que haja uma conjugação de esforços
para valorizar as condições disponíveis ao turismo
em nosso país, pois devemos sempre lembrar de nú-
meros expressivos como os apontados pela ABIH,
segundo os quais este segmento econômico garante
cerca de 1 milhão de empregos diretos e indiretos,
movimenta uma receita bruta em torno de US$ 2
bilhões ao ano e conta com um patrimônio imobi-
lizado de por volta de US$ 10 bilhões.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 73


Atividade Comercial e Política Econômica
CAPÍTULO

7
Nacional
Atividade Comercial rência nos mercados domésticos.

& Política Econômica


Nacional
Uma característica central do progresso
tecnológico nas últimas três décadas tem sido o
contraste entre o declínio acelerado dos custos de
informação e a relativa estabilidade dos custos de
transporte. Este contraste vem alimentando as ten-
dências simultâneas em direção à globalização de
mercados e à regionalização das estruturas produti-
vas, que marcaram a economia mundial no passado
recente. Estas tendências por sua vez redefiniram
os perfis de inserção internacional das economias Um desafio adicional implícito no cenário
domésticas e as prioridades da agenda multilateral contemporâneo reside no fato de que a Organi-
de comércio. zação Mundial do Comércio (OMC) não dispõe
ainda dos instrumentos de regulação necessários
Os novos padrões de concorrência interna-
para lidar com os padrões de concorrência em vi-
cional acentuaram a importância da prestação de
gor. Embora a reunião ministerial de Doha, rea-
serviços, da inovação tecnológica e do investimen-
lizada em novembro de 2001, tenha ratificado o
to direto no exterior, como fontes de sustentação
consenso da comunidade internacional quanto à
do desempenho exportador das economias nacio-
necessidade de fortalecer a OMC, na prática, tal
nais. Tais padrões reduziram a eficácia dos instru-
consenso significou apenas que os países membros
mentos convencionais de política comercial, como
estão comprometidos a levar adiante a rodada de
tarifas, quotas e salvaguardas; ao mesmo tempo em
negociações, mas não autoriza qualquer previsão
que introduziram novos temas na agenda multi-
otimista quanto aos resultados deste empreendi-
lateral de comércio, como o uso de regulamentos
mento no futuro próximo, dada a magnitude dos
domésticos para proteger as indústrias da fronteira
desafios que a OMC enfrenta atualmente.
tecnológica e as práticas anticompetitivas com di-
mensão internacional. Um tema que bem ilustra as presentes limi-
tações da OMC é o de política de concorrência,
Do ponto de vista das economias nacionais,
que passou a desempenhar um papel central no
a busca de eficiência produtiva, o estímulo à ino-
plano internacional, não só para combater cartéis
vação e a melhoria das condições de inserção in-
e fiscalizar a conduta das corporações transnacio-
ternacional das empresas domésticas tornaram-se
nais, mas sobretudo para regular conflitos advin-
partes complementares de um desafio comum. Para
dos da proteção às indústrias de alta tecnologia.
o governo, isto implica não apenas a convergência
O debate sobre essas questões na OMC tem sido
das políticas indústrial, tecnológica e de comércio
intenso desde dezembro de 1996, quando foi cria-
exterior, mas também a coerência de tais políticas
do o Grupo de Trabalho sobre a Interação entre
com outras ações do governo nos planos macroe-
Comércio e Política de Concorrência. Nos dois
conômico e da regulação das condições de concor-
anos seguintes, cerca de 170 documentos governa-

74 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


mentais foram submetidos ao grupo, cobrindo uma em que estratégias negociadoras bem fundamen-
agenda substantiva que, de fato, foi bem além das tadas conseguem preservar interesses nacionais
relações entre comércio e concorrência. A despei- legítimos. Além de conferir maior credibilidade
to da participação ativa de praticamente todos os à OMC e às posições defendidas pelo Brasil nas
membros da OMC que dispõem de leis de concor- negociações em curso, esses casos também se re-
rência, esse debate tem sido limitado por dois tipos velaram instrumentais para fomentar o diálogo bi-
de restrições. Por um lado, qualquer acordo multi- lateral com diversos parceiros importantes, como
lateral sobre regras de concorrência só terá algum Japão, China, Índia, Austrália e África do Sul.
significado na medida em que todos os membros
Além de promover a OMC, outro tópico
da OMC, ou pelo menos sua grande maioria, es-
prioritário da política comercial brasileira é a re-
tiverem capacitados a aplicar aquelas normas em
construção do MERCOSUL, que tem desempe-
seus respectivos territórios. Por outro lado, a OMC
nhado um papel estratégico na defesa dos interesses
é uma instituição desenhada para lidar essencial-
brasileiros no plano multilateral, nas negociações
mente com atos de governos, enquanto que o foco
sobre a criação de uma Área de Livre Comércio
principal da política de concorrência é a conduta
das Américas (ALCA), e no diálogo com a União
dos agentes econômicos.
Europeia. O MERCOSUL é importante por razões
Em suma, não é provável que as principais de geografia econômica: os padrões contemporâ-
fragilidades da OMC venham a ser superadas no neos de competição internacional não constituem
futuro próximo. Entretanto, a atuação do Brasil anomalias efêmeras, mas foram gerados gradual-
naquele fórum durante os anos 90 demonstrou que mente ao longo de várias décadas em decorrência
mesmo assim – e sobretudo após o surto recente de da dicotomia acima referida, entre custos de infor-
pressões protecionistas nos Estados Unidos – inte- mação e de transporte. Portanto, a menos que os
ressa aos países em desenvolvimento promover o padrões contemporâneos de competição venham
sistema multilateral de comércio. Casos como Em- a ser redefinidos por outra revolução tecnológica,
braer/Bombardier e a controvérsia sobre patentes as metas da integração regional continuarão a ser
farmacêuticas já se tornaram símbolos de situações prioritárias para o Brasil.

PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL – 1986- 2006


Muda a moeda de cruzeiro para cruzado
Congela preços e salários
Extingue a correção monetária
Cruzado 1986
Cria o seguro-desemprego e o gatilho salarial (reajuste automático de salários cada vez
que a inflação atinge determinado nível)
Decreta a moratória e suspende o pagamento da dívida externa
Mantém o congelamento de preços, salários e a moratória
Bresser 1987 Aumenta tarifas públicas
Acaba com o gatilho salarial
Procura segurar a inflação pelo controle do déficit público
Privatiza estatais
Verão 1989
Estabelece novo congelamento de preços
Determina a desindexação da economia
Confisca 80% dos depósitos bancários e aplicações financeiras
Volta o cruzeiro como moeda
Congela preços
Acaba com a indexação
Collor 1990
Demite funcionários
Privatiza estatais
Fecha órgãos públicos
Começa a abrir a economia à competição internacional

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 75


Muda a moeda para o Real
Fixa a taxa de câmbio na paridade de R$ 1,00 para US$ 1,00
Acelera as privatizações
Eleva os juros
Real 1994
Facilita as importações
Prevê o controle dos gastos públicos
Mantém o processo de abertura econômica
Busca medidas de apoio à modernização das empresas
Real 1999 Livre flutuação do câmbio e redução das taxas de juros domésticas

Sistema Financeiro petitivas e mercados de títulos com alta liquidez,


favorecendo o aplicador. Em paralelo, porém, o
Evolução Recente sistema financeiro brasileiro exibe também graves
limitações, particularmente no seu papel de supor-
te ao crescimento econômico, dando pouco apoio
a demandantes de recursos e contribuindo muito
menos do que poderia para que o país aproveite
suas potencialidades.
De certo modo, ambas as características, isto
é, seu grau de sofisticação tanto quanto sua inade-
quação às demandas de apoio ao crescimento eco-
nômico que se colocam na atualidade resultam de
uma mesma raiz: a elevada e persistente inflação
que marcou a operação da economia brasileira dos
anos 1960 até o plano real em 1994.

O sistema financeiro brasileiro é, em mui- O modo pelo qual a economia brasileira


tos sentidos, único em comparação com os siste- conviveu com este longo episódio inflacionário foi
mas financeiros encontrados em outros países em bastante peculiar. Em outros países que sofreram
desenvolvimento. Economias subdesenvolvidas de mal similar, o público reagiu à corrosão do valor
e em desenvolvimento normalmente exibem sis- da moeda nacional fugindo para o dólar america-
temas financeiros que se resumem à existência de no. No caso brasileiro, a fuga se deu em favor de
bancos comerciais, que se encarregam apenas das ativos financeiros indexados, criados principal-
operações financeiras mais fundamentais, como a mente pelo governo, mas também, ainda que em
captação de depósitos e realização de empréstimos. grau significativamente menor, pelo setor privado.
O grande desafio do desenvolvimento econômico, Estes ativos eram em parte criados pelo sistema fi-
no que se refere ao sistema financeiro, é o de ser nanceiro, mas mesmo aqueles criados pelo governo
capaz de oferecer não apenas um volume de servi- eram comercializados pelas instituições financeiras
ços que cresça tanto quanto a demanda, mas que que os ofereciam ao público ou os usavam como
se diversifique no grau necessário para satisfazer a lastro para sua captação de recursos. Assim, a fuga
procura por serviços sempre mais variados por par- à moeda nacional, no caso brasileiro, longe de en-
te tanto de investidores quanto de demandantes de fraquecer as instituições financeiras domésticas,
recursos. É neste sentido que o sistema financei- abriu-lhes novo e promissor campo de atividades.
ro brasileiro é único: comparado com países com Em contraste, em países como a Argentina, dentre
grau de desenvolvimento similar, ou mesmo mais muitos outros, a fuga para o dólar americano reti-
avançado, é certamente o que exibe um setor fi- rou ao sistema financeiro local qualquer possibili-
nanceiro mais diversificado, dinâmico e inovador, dade de sobrevivência.
instituições financeiras nacionais sólidas e com- A operação com ativos indexados permitiu

76 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


às instituições financeiras brasileiras manter-se não acabaram por gerar um quadro muito similar ao
apenas saudáveis, mas, na verdade, extraordinaria- anterior, em que títulos da dívida pública se man-
mente lucrativas. No entanto, a competição entre têm muito atraentes, mostrando que o problema
as líderes manteve-se intensa, ainda que principal- central do sistema financeiro brasileiro lhe é, na
mente em termos de introdução de novos servi- verdade, exterior, representado pelos incentivos
ços, mais do que em termos de preços de produtos, gerados pela própria política macroeconômica.
mantidos sempre muito elevados. Por exemplo, sob
alta inflação, uma das demandas mais importantes Estrutura do Sistema Financeiro
do público é por sistemas de pagamento ágeis, que Brasileiro
minimizem o tempo em que recursos se mantêm
em trânsito de um titular a outro. Os bancos brasi- O tipo de instituição dominante no Brasil é o
leiros foram capazes de responder a esta demanda banco universal de tipo alemão, aqui denominado
de forma mais do que satisfatória. A compensação de banco múltiplo, um tipo de instituição que atua
de cheques, por exemplo, já desde o final dos anos em vários segmentos do mercado financeiro, nota-
1980 toma um tempo consideravelmente menor damente a captação de depósitos, a intermediação
no Brasil que em economias como a americana ou de crédito e transações nos mercados de títulos.
as europeias. Este tipo de instituição foi criado oficialmente em
1988, pela resolução 1542 do Banco Central do
A aceleração da inflação nos anos 1980, Brasil, sepultando o modelo de organização finan-
no entanto, ameaçou a estabilidade deste sistema. ceira adotado com as reformas de 1964 e 1965, ins-
Além disso, o governo tornou-se cada vez mais de- piradas no modelo norte-americano. Na verdade,
pendente da captação de recursos junto ao público a alta inflação dos anos 1970 e 1980 já havia in-
para pagar suas contas, levando o sistema finan- viabilizado o modelo anterior. Bancos comerciais,
ceiro a utilizar uma proporção significativa de sua captadores de recursos de curto prazo sob a forma
captação para financiar o setor público. Taxas de de depósitos, foram favorecidos pelo encurtamento
juros foram mantidas muito elevadas e o crédito de prazos de contratação resultante da aceleração
ao setor privado tornou-se cada vez mais caro e es- da inflação. Por outro lado, a importância cres-
casso. cente dos mercados de divida pública estimulou o
O resultado desta evolução foi a emergência desenvolvimento da capacidade de operação em
de um sistema financeiro ao mesmo tempo eficaz, mercados de títulos. Com isso, naturalmente, a
em termos microeconômicos, isto é, capaz de se atuação dos bancos comerciais transformou-os em
adaptar rapidamente aos incentivos de mercado, e bancos universais, firmemente plantados nos dois
ineficaz macroeconomicamente, já que os incen- principais segmentos do mercado financeiro: de
tivos a que tem respondido, desde os anos 1980, crédito e de papéis. Em início de 2001, 164 dos
têm sido sempre os que o levam a financiar prio- 210 bancos então existentes eram múltiplos. Na
ritariamente o governo, mais do que a atividade realidade, mesmo dentre os 28 bancos oficialmente
produtiva. classificados como comerciais naquela data, vários
operavam, na prática, com múltiplas carteiras.
Apesar das expectativas inicialmente em
contrário, o quadro acabou mudando pouco, de- A Constituição de 1988 também contribuiu
pois do plano real. Esperava-se que o fim da in- para a fixação de aspectos importantes do sistema
flação elevada incentivasse a ação das instituições existente no Brasil hoje. A Assembleia Consti-
financeiras no Brasil em favor do suporte ao in- tuinte tornou a organização do sistema financeiro
vestimento e ao consumo privados. No entanto, a matéria constitucional (que, no entanto, aguarda
persistência de desequilíbrios fiscais, por um lado, definição até hoje). Alguns traços da estrutura fi-
e o surgimento de graves desequilíbrios externos, nanceira brasileira refletem esta indefinição regu-
que forçaram a manutenção de altas taxas domésti- latória. O mais visível deles é sem dúvida o que
cas de juros para atrair capitais externos, por outro, se refere à participação de bancos estrangeiros no

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 77


sistema bancário doméstico. No momento, a en- fez com que a expectativa de que os bancos dessem
trada de novas instituições estrangeiras está proi- apoio vigoroso às atividades do setor privado fos-
bida, exceto nas situações em que o Presidente da se, até o momento, amplamente desapontada. A
República julgue esta entrada necessária. Foi com aplicação em dívida pública, na sua quase totali-
base neste dispositivo que, entre 1996 e 1998, vá- dade indexada à taxa de juros de curto prazo (taxa
rios bancos estrangeiros receberam permissão de se SELIC) ou ao dólar, continua sendo a mais segura,
instalar no país, aumentando sua participação nos liquida e rentável forma de aplicação de recursos
ativos totais do setor bancário de 8,4%, em 1993, para o sistema financeiro. Em dezembro de 2000,
para 23,9% em 2000. No entanto, também traço um raro ano próspero em um período conturbado,
peculiar ao Brasil, a liderança do setor foi man- 26% dos ativos do setor bancário se constituíam
tida por bancos nacionais. Dentre os 6 maiores de títulos e valores mobiliários (essencialmente tí-
bancos do país, dois são oficiais, três são privados tulos públicos), participação apenas ligeiramente
com controle nacional e apenas um é estrangei- inferior ao das operações de crédito (27,2%), nem
ro. Em setembro de 2002, os 50 maiores bancos do todas dirigidas ao setor privado.
país detinham ativos no valor de R$ 1,198 trilhão
Em suma, o sistema financeiro brasileiro é
(aproximadamente US$ 332 bilhões, a uma taxa
constituído no presente por um conjunto de insti-
de câmbio de 3,60 reais por dólar), representando
tuições bancárias bastante sólidas, bem capitaliza-
96,7% do total dos ativos bancários.
das, e capazes de aproveitar de forma ágil e eficien-
O fim da inflação em 1994, estreitou dra- te as oportunidades oferecidas pelo mercado. Por
maticamente o mercado bancário brasileiro. A outro lado, sua eficiência macroeconômica deixa
participação do setor financeiro no PIB passou de muito a desejar, menos pela incapacidade das ins-
15,6% em 1993 para 6,9% em 1995. A transição tituições do que pela persistência de incentivos ad-
para a estabilidade foi ainda dificultada pelos im- versos ao crescimento. Deste modo, é perfeitamen-
pactos da crise mexicana de 1994/5, que levaram o te possível, e mesmo bastante plausível, que, com
Banco Central a adotar medidas excepcionais de uma melhoria do ambiente macroeconômico, que
controle monetário e esfriamento da economia. O gere incentivos ao aumento da oferta de crédito,
choque causado por estas duas mudanças levou o junto com a adoção de políticas que incentivem a
sistema bancário brasileiro ao limiar de uma crise competição bancária não apenas através da criação
de grandes proporções, afinal evitada pela criação de novos produtos mas também pelo barateamento
do PROER, programa de financiamento de rees- do crédito ao usuário, o setor possa vir a dar a con-
truturação do setor bancário, pelo qual bancos sau- tribuição decisiva ao desenvolvimento do país que
dáveis obtinham facilidades para adquirir bancos até o momento lhe escapou.
problemáticos. O programa, apesar das críticas que
recebeu, foi indubitavelmente eficiente para facili-
tar a adaptação do sistema bancário à estabilidade Comércio Exterior
de preços. No início dos anos 90, o governo do presi-
A força acumulada pelos bancos durante dente Fernando Collor implementou um programa
o período inflacionário e a pronta ação do Ban- de liberalização financeira externa e de eliminação
co Central em evitar a ocorrência de uma crise de de barreiras protecionistas contra a importação.
maiores proporções, em conjunto com os esforços O programa de eliminação de barreiras con-
para a modernização da supervisão financeira, atra- sistiu em:
vés da adesão ao Acordo da Basileia, acabaram por
reforçar a saúde das instituições financeiras ope- 1) Eliminação ou redução da cobertura de bar-
rando no país, especialmente as de propriedade reiras não tarifárias, tais como reservas de
nacional. Por outro lado, a continuidade dos dese- mercado, quotas, proibições etc.
quilíbrios fiscais e externos da economia brasileira 2) Diminuição no nível médio das tarifas de

78 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


importação. política econômica que afetam o comércio exte-
3) Redução do grau de dispersão na estrutura rior. Durante a maior parte dos anos 80, superávits
tarifária. comerciais foram priorizados em decorrência dos
problemas com a dívida externa, o que se traduziu
O programa de redução tarifária, posterior-
em cuidados para que as taxas de câmbio não fi-
mente acelerado, estabeleceu a redução da tarifa
cassem para trás em relação ao ritmo inflacionário.
média de 32,2%, em 1990, para 14,2%, em 1994,
Ao mesmo tempo, as políticas protecionistas - tari-
com um desvio padrão a se reduzir de 19,6% para
fária e não tarifária - do período de industrialização
7% no mesmo período.
foram preservadas.
Com a liberalização financeira externa, por
Nos anos 90, a abertura econômica resultou
sua vez, a economia brasileira integrou-se aos flu-
em crescentes importações. A renegociação da dí-
xos de capitais em busca de fontes de aplicação
vida externa e um novo e intenso fluxo de ingres-
rentáveis em países em desenvolvimento, inclusi-
so de capital de curto prazo retiraram os megasu-
ve na América Latina pós-renegociação da dívida
perávits comerciais da agenda de prioridades dos
externa.
formuladores de política econômica. A partir de
As exportações brasileiras somaram US$ meados de 1994, a âncora cambial instituída pelo
198,3 bilhões no período de 1995-98, atingindo Plano Real passou a cumprir papel importante na
um pico em 1997: US$ 53 bilhões. Por seu turno, política de combate à inflação, pressionando para
no mesmo período, o total acumulado das importa- baixo os preços dos bens comercializáveis.
ções alcançou US$ 222 bilhões, também chegando
Grande parte dos economistas considera ter
a seu ponto máximo em 1997: US$ 61,4 bilhões.
ocorrido grande valorização cambial, em termos
O déficit comercial acumulado, US$ 23,7 reais, no início da operação da âncora cambial. A
bilhões nos quatro anos, passou a mostrar sinais consequente explosão nas importações brasileiras a
de reversão em 1998. As estimativas do saldo co- partir de 1995, bem como a crise cambial no Mé-
mercial para 1999, após a flexibilização do regime xico no final de 1994 (caso até então considerado
cambial em janeiro, seguida de desvalorização do como modelo de estabilização com base em ingres-
real em relação ao dólar americano, variam entre 2 so de capital de curto prazo e valorização cambial),
bilhões e 6 bilhões de dólares. Com tais mudanças acendeu um debate sobre a sustentabilidade da po-
cambiais, a expectativa é de que se tenha encerra- lítica cambial e comercial então vigente.
do o recente ciclo de déficits comerciais, durante o
De um lado, estavam economistas apon-
qual a expansão das exportações foi superada pelo
tando uma incompatibilidade entre o crescimen-
crescimento das importações.
to econômico e a política cambial e comercial. O
O período de 1980 a 1998 compreendeu fa- governo, obrigado a manter taxas de juros extre-
ses distintas no tocante ao volume e ao perfil do mamente elevadas para manter a economia e as
comércio exterior brasileiro, durante as quais hou- importações em baixa e/ou para continuar atrain-
ve uma crescente integração internacional. do capitais, estaria assistindo a uma insustentável
Na evolução do comércio exterior (gráfico) expansão na dívida líquida do setor público. Esta
brasileiro, observa-se que, a despeito período de cresceu de US$ 153 bilhões ao final de 94 para US$
1990 a 1997, com ligeiro declínio em 1998, os sig- 211 bilhões em dezembro de 95, e as despesas com
nificativos saldos comerciais positivos encolheram juros saltaram de 3,8% do PIB em 94 para 5,4%
a partir de 1992, até mudarem de sinal em 1995. em 95. Os encargos com juros assumiram uma
trajetória explosiva, somando-se a outros itens or-
Esta evolução das exportações e das impor- çamentários com tendência de déficits crescentes
tações refletiu em grande parte as direções assu- (previdência, particularmente). Em dezembro de
midas ao longo do período pela política cambial e 1998, a dívida interna líquida do Tesouro Nacio-
comercial, bem como por outros instrumentos de nal (exclusive a dívida mobiliária interna em po-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 79


der do Banco Central) alcançou R$ 360 bilhões. O destaque é a crescente importação de
produtos metal-mecânicos e eletroeletrônicos
Já outros especialistas do setor argumenta-
nos anos 90, correspondentes a bens de consumo
vam que reformas estruturais reduzindo o custo
durável e bens de capital. Em 1998 as aquisições
Brasil, em conjunto com taxas de juros locais me-
externas de automóveis foram do valor de US$
nores, seriam suficientes para manter saldos comer-
2,7 bilhões. A importação de bens de capital so-
ciais em patamares adequados, sem a necessidade
mou US$ 16 bilhões em 1998, correspondentes a
de fazer grandes modificações nos níveis cambiais
27,9% da pauta, enquanto a aquisição externa de
ou na política comercial então vigente. Além dis-
bens duráveis de consumo (exclusive automóveis)
so, após a crise mexicana, o regime cambial havia
foi de US$ 2,5 bilhões (4,4% da pauta). Matérias-
sido parcialmente flexibilizado com a introdução
-primas e produtos intermediários constituem, por
de bandas cambiais e com o prévio anúncio de
seu turno, o maior grupo de importações: US$ 26,7
gradual desvalorização cambial (de 5% a 7% ao
bilhões em 1998, ou seja, 46,4% da pauta de im-
ano). A crise financeira asiática em 1997, seguida
portações.
da moratória russa em meados de 1998 e dos efei-
tos de contágio dessa última, acelerou contudo a A economia brasileira apresenta hoje um
mudança de regime cambial para sua flexibilização padrão geral de comércio onde, pelo lado das ex-
completa, ao provocar grande saída de capital en- portações, ramos de manufaturados e semimanu-
tre agosto e dezembro de 1998. faturados intensivos em recursos naturais e ener-
gia apresentam forte competitividade e expansão.
Os fluxos de exportações e importações to-
Reduziu-se a dependência em relação a produtos
tais durante o período de 1980 a 1998 também
básicos, mas há uma crescente especialização, no
sofreram mudanças significativas em sua composi-
conjunto, de produtos indústrializados com conte-
ção. Os produtos básicos (minério de ferro, farelo
údo tecnológico relativamente simplificado e pe-
de soja, soja em grão, café em grão, fumo em folhas,
queno valor agregado.
carne de frango, açúcar demerara, carne bovina
etc.), que constituíam 42% da pauta de exporta- A abertura comercial, por outro lado, provo-
ções em 1980, responderam por apenas 25,4% em cou a adoção de programas de racionalização pelas
1998. Já os produtos manufaturados (automobilís- empresas no Brasil, levando a um aumento de pro-
tico, suco de laranja, motores de pistão, bombas dutividade expresso em índices de valor agregado
e compressores, pneumáticos, café solúvel, papel, por trabalhador empregado. A especialização em
motores e geradores, açúcar refinado, cigarros, mó- linhas de produto ou em segmentos da produção
veis, produtos químicos, laminados planos de fer- resultou em uma estrutura produtiva mais enxuta
ro e aço, têxteis e calçados etc.) passaram de 45% e competitiva. Contudo, ampliou-se o coeficiente
para 57,5% no mesmo período. Por seu turno, os de importação de produtos, componentes ou insu-
semimanufaturados (celulose, produtos de ferro e mos com maior conteúdo tecnológico, reforçando
aço, alumínio bruto, açúcar cristal, óleo de soja a tendência de especialização revelada nas expor-
bruto, couros e peles, ferro gusa, ferro-ligas, ouro tações. A timidez dos investimentos em capital
para uso não monetário, ligas de alumínio etc.) fixo para modernização, expansão ou construção
cresceram de 12% em 1980 para 15,9% em 1998. de novas plantas reflete-se nos resultados da aber-
tura comercial - em termos de emprego, balanço de
Nas importações, o petróleo caiu do pico de
pagamentos e densidade tecnológica do aparelho
US$ 10,6 bilhões em 1981 para US$ 2,6 bilhões
produtivo remanescente -, que ainda não chega-
em 1995. O total de combustíveis e lubrificantes
ram perto do desejado.
importados foi de US$ 4,1 bilhões em 1998, de-
clinando em relação aos US$ 5,8 bilhões do ano O comércio exterior brasileiro também
anterior, em decorrência parcialmente da queda vem evoluindo de modo diferenciado por regiões
em seus preços internacionais. da economia internacional. Em cada um dos ca-
sos, o padrão de comércio se apresenta acentuado

80 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


ou suavizado. Por exemplo, a União Europeia, o ticas no volume do comércio brasileiro correspon-
maior cliente regional do Brasil, ampliou recen- deu a pouco mais de 10% em 1994, mas o ritmo
temente suas compras de produtos básicos (farelo de expansão revela sua provável significância no
de soja). Nos Estados Unidos, individualmente os futuro, com a retomada do crescimento na região
calçados são o maior produto de exportação bra- após a crise financeira. Em 1998, durante o curso
sileira, concorrendo com fornecedores asiáticos da crise asiática, as exportações brasileiras para a
(particularmente, China). A Ásia-Pacífico e a Eu- região corresponderam a 6,7% do total, enquanto
ropa Oriental têm-se apresentado como mercados 9,7% das importações tiveram aquela região como
crescentes para óleo de soja, açúcar cristal, couros origem.
e peles, além dos já tradicionais de laranja e semi-
A radiografia do comércio exterior brasi-
manufaturados de ferro e aço. Já no caso do Merco-
leiro revela uma crescente integração do País aos
sul (considerando Argentina, Paraguai e Uruguai),
circuitos mundiais de comércio. Estes últimos co-
sobressaem as vendas brasileiras de veículos, auto-
locam oportunidades e desafios: por um lado, ofe-
peças e motores.
recem oportunidades de ampliação das escalas de
A tabela sobre comércio exterior brasileiro produção para bens exportáveis, bem como possi-
mostra a evolução do comércio externo por regiões bilidades de aquisição de equipamentos e tecnolo-
nos anos 90. A importância crescente do comércio gias que estejam acompanhando a renovação tec-
com a Argentina pode ser notada pelas posições nológica no exterior; por outro, estabelecem fortes
deste país nas exportações e importações brasi- desafios concorrenciais e, em vários casos, desesti-
leiras: as xportações brasileiras para a Argentina muladores da produção local.
saltaram de US$ 645 milhões em 1990 para US$
O balanço final entre os estímulos e as res-
1,5 bilhão em 1998, passando de 2% do total de
trições que o comércio colocará para o crescimento
exportações no início da década para um patamar
econômico dependerá das respostas em termos de
de 13,2% em 1998; por sua vez, a compra de pro-
investimento local pelos agentes privados e, conse-
dutos argentinos passou a atingir proporções aci-
quentemente, da maior ou menor capacidade que
ma de 13,9% das importações brasileiras em 1998.
demonstrarem as políticas macroeconômicas e a
A América Latina e o Caribe quase dobraram sua
política indústrial para maximizar o usufruto das
participação como escoadouro das exportações
oportunidades oferecidas pelo comércio exterior.
brasileiras, ao mesmo tempo em que suas vendas
ao Brasil também apresentaram um forte dinamis-
mo no período, acompanhando a tendência geral Custo Brasil
das importações.
“Custo Brasil” tem-se constituído uma ex-
Cabe observar de que forma a recente ex- pressão genérica para alguns fatores desfavoráveis
pansão das importações se dirigiu fortemente aos à competitividade de setores ou empresas da eco-
Estados Unidos e à Europa, enquanto as exporta- nomia brasileira que não dependem das próprias
ções para estes mercados decresceu em termos rela- empresas, ou seja, da qualidade de seus produtos,
tivos como destino. A redução da proteção comer- de seus custos etc. Credita-se atualmente no Bra-
cial brasileira ao parque indústrial metal-mecânico sil grande confiança na eliminação desses fatores
local e a demanda por bens de consumo durável de custo como instrumento para - em conjunto
importáveis traduziram-se naquela tendência com aumentos de produtividade - reverter-se, sem
quanto às importações. fortes mudanças nos patamares das taxas reais de
Destaque também deve ser dado ao comér- câmbio, a tendência de valores negativos no saldo
cio com os países em desenvolvimento da Ásia: as comercial.
exportações do Brasil cresceram em 70%, enquan- Algumas vezes, a expressão se refere a distor-
to as importações se ampliaram em 400%, entre ções presentes na estrutura tributária que oneram
1990 e 1994. A proporção dessas economias asiá-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 81


desnecessariamente algumas exportações. Outras do maior poder de negociação do bloco.
vezes, aponta-se o custo com transportes terrestres,
portos, comunicações etc., cujo estado de deterio- O Mercosul Político
ração está hoje elevado em função da insuficiência
de investimentos públicos em infraestrutura desde O MERCOSUL assenta as bases fundamen-
o início dos anos 80. Também, em outras ocasi- tais sobre as quais se consolidam definitivamente
ões, mencionam-se encargos sociais supostamente as relações entre os países envolvidos no empre-
maiores que no exterior. endimento. Representa, sobretudo, um Acordo
Político, o mais importante alcançado na região.
Reformas no sistema tributário e privati- A partir deste Acordo, os conceitos de confiabi-
zação são apontadas como soluções do problema. lidade, harmonia, razoabilidade e previsibilidade
No segundo caso, o resultado final dependerá prin- passam a fazer parte da linguagem e da convivência
cipalmente da extensão em que se faça acompa- política, econômica e social de nossas sociedades.
nhar por investimentos maciços. Não apenas nos A “rede de segurança política” do MERCOSUL
segmentos cuja lucratividade operacional já seja gera as regras do jogo necessárias para que as inter-
atraente de imediato, como também em outros -relações econômicas e comerciais existentes se-
componentes da infraestrutura, cujo retorno para jam desenvolvidas plenamente.
a economia como um todo se apresente maior do
que o expresso na rentabilidade corrente. O MERCOSUL é um elemento de estabili-
dade na região, pois, ao gerar uma trama de inte-
Assim, o objetivo primordial do Tratado de resses e relações, aprofunda os vínculos tanto eco-
Assunção é a integração dos quatro Estados Par- nômicos como políticos e neutraliza as tendências
tes, por meio da livre circulação de bens, serviços à fragmentação. Os responsáveis políticos, as bu-
e fatores produtivos, do estabelecimento de uma rocracias estatais e os empresários possuem agora
tarifa externa comum e da adoção de uma políti- um âmbito de discussão, de múltiplas e complexas
ca comercial comum, da coordenação de políticas facetas, onde podem abordar e resolver assuntos de
macroeconômicas e setoriais e da harmonização de interesse comum. Isso certamente estimula uma
legislações nas áreas pertinentes, para alcançar o maior racionalidade na tomada de decisões de to-
fortalecimento do processo de integração. dos os atores sociais.
Na Reunião de Cúpula de Presidentes de A integração gera um nível de interdepen-
Ouro Preto, em dezembro de 1994, aprovou-se um dência tal que o jogo de interesses cruzados leva,
Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção - o progressivamente, os atores públicos e privados a
Protocolo de Ouro Preto - pelo qual se estabelece a movimentar-se em um cenário político comum
estrutura institucional do MERCOSUL, dotando- que excede às estruturas políticas nacionais. Com
-o de personalidade jurídica internacional. efeito, os avanços na construção do mercado co-
Em Ouro Preto adotaram-se os instrumentos mum implicaram necessariamente a conformação
fundamentais de política comercial comum que re- de um “espaço político comum” no qual vigora,
gem a zona de livre comércio e a união aduaneira implicitamente, uma “política MERCOSUL”.
que caracterizam hoje o MERCOSUL, encabeça- Neste contexto, os quatro Estados Partes
dos pela Tarifa Externa Comum. do MERCOSUL, junto com a Bolívia e o Chile,
Dessa forma, os Estados Partes iniciaram constituíram o “Mecanismo de Consulta e Con-
nova etapa - de consolidação e aprofundamento - certação Política” no qual se consentem posições
em que a zona de livre comércio e a união aduanei- comuns em matérias de alcance regional que supe-
ra constituem passos intermediários para alcançar ram os âmbitos estritamente econômico e comer-
um mercado único que gere um maior crescimento cial.
de suas economias, aproveitando o efeito multipli- Assim, por ocasião da X Reunião do Conse-
cador da especialização, das economias de escala e

82 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


lho do Mercado Comum (São Luís, 25 de junho de damentais para as economias da região.
1996), foi assinada a “Declaração Presidencial so-
Em primeiro lugar, gera um compromisso
bre Compromisso Democrático no MERCOSUL”,
muito importante entre os quatro países, o que se
além do Protocolo de Adesão da Bolívia e do Chile
reflete em uma tendência natural ao disciplina-
a tal Declaração, instrumento que traduz a plena
mento conjunto das políticas econômicas nacio-
vigência das instituições democráticas, condição
nais, assegurando condutas previsíveis e não preju-
indispensável para a existência e o desenvolvi-
diciais para os sócios;
mento do MERCOSUL.
Em segundo lugar, e estreitamente ligado ao
Nessa mesma oportunidade, assinou-se uma
mencionado no parágrafo anterior, existe uma tari-
Declaração dos Presidentes dos Estados Partes do
fa externa comum. A necessidade de que eventuais
Mercosul, Bolívia e Chile, reafirmando seu apoio
modificações dos níveis de produção dos setores
aos legítimos direitos da República Argentina na
produtivos devam ser resolvidas de comum acor-
disputa da soberania sobre a questão das Ilhas Mal-
do entre as quatro partes impõe um novo estilo às
vinas.
políticas comerciais nacionais. Desse modo, estas
Posteriormente, na Reunião do Conselho devem ser menos discricionárias e mais coordena-
do Mercado Comum de julho de 1998, os Presi- das, o que proporciona um marco de maior previ-
dentes dos Estados Partes do MERCOSUL e das sibilidade e certeza para a tomada de decisões dos
Repúblicas da Bolívia e do Chile, assinaram o agentes econômicos;
“Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Demo-
Em terceiro lugar, é possível afirmar que a
crático”, por meio do qual os seis países reconhe-
nova política comercial comum tende a fortalecer
cem que a vigência das instituições democráticas
e reafirmar os processos de abertura e inserção nos
é condição indispensável para a existência e o de-
mercados mundiais que atualmente vêm sendo re-
senvolvimento dos processos de integração e que
alizados individualmente pelos quatro sócios. O
toda alteração da ordem democrática constitui um
MERCOSUL não foi criado como uma fortaleza
obstáculo inaceitável para a continuidade do pro-
com vocação de isolamento; ao contrário, foi con-
cesso de integração regional.
cebido como asseguramento da inserção de nossos
Outrossim, na mesma oportunidade, subs- países no mundo exterior;
creveu-se a “Declaração Política do MERCOSUL,
Em quarto lugar, as empresas do mundo todo
Bolívia e Chile como zona de Paz”, através da
têm hoje o MERCOSUL em sua agenda estratégi-
qual os seis países manifestaram que a paz cons-
ca; a união aduaneira representa um salto qualita-
titui um elemento essencial para a continuidade
tivo decisivo para os agentes econômicos. De agora
e o desenvolvimento do processo de integração
em diante, suas decisões de produção, investimento
regional. Nesse sentido, os seis governos convêm,
e comércio têm necessariamente como referência
entre outros pontos, em fortalecer os mecanismos
obrigatória o mercado ampliado do MERCOSUL;
de consulta e cooperação sobre temas de segurança
e defesa existentes entre seus países, em promover Em quinto lugar, e a partir dos quatro ele-
sua progressiva articulação e realizar esforços con- mentos anteriormente enunciados - maior com-
juntos nos foros pertinentes para avançar na con- promisso, certeza na estrutura tarifária, não isola-
solidação de acordos internacionais orientados à mento dos fluxos de comércio internacional e salto
consecução do objetivo do desarmamento nuclear qualitativo - consegue-se reduzir o risco para in-
e à não-proliferação em todos os seus aspectos. vestir no MERCOSUL, fomentando assim novos
investimentos de empresas regionais e estrangeiras
Uma Nova Etapa que tentam aproveitar as vantagens e as atrações
do mercado ampliado.
O MERCOSUL foi constituído como uma
A captação dos investimentos é um dos ob-
união aduaneira, fato que marcou mudanças fun-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 83


jetivos centrais do MERCOSUL. Num cenário in-
ternacional tão competitivo, onde os países se es-
forçam para proporcionar condições atraentes aos
investidores, a formação de uma união aduaneira
é uma “vantagem competitiva” fundamental, pois
cria espaço muito propício para a atração de capi-
tais. Apesar de todas as dificuldades derivadas do
difícil cenário econômico internacional e dos in-
convenientes resultantes dos processos de reestru-
turação das economias internas, o MERCOSUL
tem sido um dos principais receptores mundiais de
investimento estrangeiro direto.

84 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Fontes de Energias & Recursos Minerais
CAPÍTULO

8
no Brasil

Fontes de Energia & rio, são suficientes para atender à demanda nos
próximos 250 anos, se forem mantidos os níveis de
Recursos Minerais no consumo atuais. Os problemas ambientais devem,
Brasil no entanto, inviabilizar uma volta maciça ao seu
uso.
Os fluxos naturais de energia, que são uti-
Em 1973, os países produtores de petróleo,
lizados há milênios, são conhecidos como fontes
organizados na Organização dos Países Produtores
renováveis. Antes da Revolução Indústrial, o Sol
de Petróleo (OPEP), promoveram uma grave cri-
era uma das fontes de energia mais utilizadas. Ele
se energética mundial ao dobrar o preço do bar-
fornecia energia para os músculos (do ser huma-
ril de petróleo. Até então, os países consumidores
no e dos animais empregados na tração de cargas
de petróleo usavam de forma abusiva esse capital
e para mover moinhos e máquinas). Além disso,
energético que a natureza havia acumulado há mi-
aproveitava-se a força do vento e da água - movi-
lhões de anos, esquecendo-se de que estavam usan-
dos também pela energia solar. A madeira, sob a
do uma “oferta” que a natureza não conseguiria
forma de carvão, era igualmente utilizada desde a
manter indefinidamente. A crise obrigou os países
pré-história.
consumidores a buscar novas regiões produtoras de
Com a Revolução Indústrial, os combustí- petróleo e, ao mesmo tempo, promover campanhas
veis fósseis - como o carvão e o petróleo - come- de racionalização do seu uso. Normalmente as ta-
çaram a ser utilizados como fontes de energia. A xas de consumo de energia acompanhavam as de
energia gerada pelos combustíveis fósseis é, em úl- crescimento econômico. Mas, a partir da crise, o
tima instância, limitada pela geologia, pois se trata exemplo da Alemanha Ocidental é sugestivo: en-
de uma fonte de energia não renovável. tre 1974-1985, enquanto o seu consumo de ener-
A exploração dos combustíveis fósseis deu a gia aumentou apenas 3%, o PIB alemão cresceu
base para o desenvolvimento da sociedade indús- 17,5%, o que mostra a eficiência das suas políticas
trial, diferente de todas as sociedades anteriores, de uso mais racional de energia.
tanto na sua natureza quanto na sua escala. Para os países em desenvolvimento, a crise
No ano 2000, as fontes de produção/con- energética revelou-se mais grave porque foi acom-
sumo de energia devem se distribuir aproximada- panhada por uma desvalorização das matérias-pri-
mente do modo como está no esquema da página mas: em 1975 o preço de uma tonelada de cobre
seguinte. equivalia ao de 115 barris de petróleo; em 1982 a
equivalência baixou para 57 barris.
A principal fonte de energia da sociedade
indústrial é o petróleo, que representa aproxima- Embora os preços do petróleo tenham dimi-
damente 40% da energia comercial do mundo. nuído na década de 1980, não voltaram mais aos
Por causa da ameaça de esgotamento das jazidas níveis anteriores a 1974, o que mudou profunda-
é possível que, no início do século XXI, seu uso se mente a situação energética mundial. A crise dos
modifique, passando a ser empregado mais como preços estimulou o desenvolvimento de novas
matéria-prima para a indústria química do que tecnologias que possibilitaram obter mais petróleo
como combustível. nos poços que estavam em produção e recuperar
áreas já consideradas esgotadas. Porém, se conti-
As reservas mundiais de carvão, ao contrá- nuarmos a consumir petróleo no ritmo atual, as

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 85


reservas mundiais deverão esgotar-se nos próximos subutilizadas. Elas representam, certamente, as al-
cinquenta anos. ternativas mais encorajadoras para a questão ener-
gética mundial.
Antes que a OPEP deflagrasse a crise do pe-
tróleo, o terço mais pobre da população mundial Além dos combustíveis fósseis, a indústria
já enfrentava outra crise energética. Aproximada- moderna utiliza cerca de oitenta minerais como
mente 2 bilhões de habitantes dos países em de- matérias-primas. As jazidas desses minerais são
senvolvimento dependem da lenha como combus- relativamente abundantes e, em termos gerais, as
tível para cozinhar ou para aquecimento. Como há reservas dos minerais fundamentais mostram-se su-
um descompasso entre a velocidade do consumo da ficientes para atender às necessidades.
floresta e o tempo necessário para as árvores cres-
O uso cada vez mais frequente da reciclagem
cerem, a obtenção de lenha torna-se cada vez mais
permite poupar tanto as jazidas quanto as fontes de
difícil. O aumento da população nessas regiões tor-
energia. Por exemplo: para produzir uma tonela-
na o problema ainda mais grave. Não se trata de
da de alumínio, a partir de sucata, gasta-se apenas
um problema de ignorância: é um trágico problema
5% da energia necessária para extrair a bauxita e
de sobrevivência. As populações mais pobres, dos
transformá-la em alumínio. Outra alternativa que
países subdesenvolvidos, são obrigadas a destruir os
vem se tornando cada vez mais frequente é a da
meios de vida do futuro para dispor do necessário
substituição de materiais, a exemplo do estanho,
no presente. O quadro se torna ainda mais grave
que tinha largo emprego indústrial nas embalagens
porque o desmatamento traz uma série de proble-
de alimentos perecíveis e está sendo substituído
mas ambientais: desaparece o “efeito esponja” da
pelo plástico e pelo alumínio.
floresta, o que significa que os solos ficam expostos
diretamente à ação das chuvas; aumenta o esco-
amento superficial; modifica-se definitivamente a
biodiversidade.
Outras razões significativas para a diminui-
ção das florestas - especialmente das florestas tro-
picais - são a demanda de terras para o cultivo e
o desmatamento para a obtenção de madeiras no-
bres. Os deslocamentos da população em direção às
fronteiras agrícolas em busca de terras e a atuação
das empresas madeireiras, em busca do lucro ime-
diato, têm provocado a rápida redução das florestas
tropicais úmidas. Estima-se em 12 milhões de hec- A água em estado líquido é uma das origina-
tares a área desmatada a cada ano. Se o desmata- lidades do nosso planeta. Componente essencial de
mento mantiver esse ritmo é possível que, no ano todos os seres vivos, a água está presente em cada
2050, essa formação florestal esteja praticamente animal, em cada planta e em cada ser humano, na
desaparecida. forma de fluxos microscópicos. A degradação da
Como as demais riquezas, a energia produ- água tem efeitos dramáticos sobre a fauna, a flora e
zida no mundo não se distribui equilibradamente: a saúde do homem. O desinteresse sobre a poluição
um norte-americano consome trezentas vezes mais da água favorece a contaminação alarmante dos
energia do que um africano. Certamente, num fu- lençóis subterrâneos, dos rios e das águas costeiras.
turo próximo, os combustíveis fósseis e a energia O desconhecimento do modo pelo qual a
nuclear - fontes não renováveis - continuarão sen- água circula nos solos, nos rios, nos oceanos e na
do as nossas principais fontes de energia. Mas nos atmosfera - o ciclo da água - é em parte responsável
últimos anos tem crescido o interesse pelo uso das por esse desinteresse.
energias solar, hidráulica e da biomassa, até aqui

86 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Outro dado fundamental: os recursos hídri- de torneiras para cada 1.000 habitantes é um indi-
cos são limitados. À medida que vem aumentando cador mais confiável para a saúde do que o número
o consumo de água, ficam claras as limitações do de leitos hospitalares”. A água, uma fonte de vida,
seu uso. A água que abastece os continentes circula mata em torno de 25 milhões de pessoas, a cada
entre a terra, o mar e a atmosfera graças à ener- ano, nos países subdesenvolvidos. A obtenção de
gia solar. Uma parte é transportada sob a forma água em condições adequadas de uso e a elimina-
de vapor e envolve todo o planeta. A atmosfera ção higiênica dos resíduos humanos são problemas
se umidifica graças à evaporação dos oceanos e da do cotidiano desses países. Na ausência dos servi-
superfície terrestre e perde água por causa das pre- ços básicos, é comum o uso da água não-tratada
cipitações. A água absorvida pelo solo fica disponí- para o abastecimento. Como consequência, ela se
vel para as plantas que a absorvem pelas raízes e a torna o principal agente de transmissão de nume-
liberam, por transpiração, para a atmosfera. rosas doenças como a diarreia, o cólera e o tifo.
A outra parte do ciclo é totalmente terres- A água é um recurso renovável mas suas re-
tre. A rede hidrográfica recebe a água da precipita- servas não são ilimitadas. O problema de escassez
ção que escoa superficialmente ou se infiltra pelo é crucial para os países subdesenvolvidos, que têm
solo, reabastecendo os lençóis d’água, os lagos e os um rápido crescimento demográfico e que se situ-
rios. Ao fim do ciclo, a água é devolvida ao mar ou am nas regiões tropicais semiáridas. No ano 2000,
armazenada nos reservatórios profundos da crosta o mundo terá 25 cidades com mais de 10 milhões
terrestre. de habitantes, e algumas dessas megacidades, tais
como Cairo (Egito), Calcutá (Índia), Cidade do
O conhecimento do ciclo da água permi-
México (México) e mesmo São Paulo (Brasil), so-
te compreender o impacto da poluição. Uma vez
frerão problemas de abastecimento de água, seja
utilizada, a água fica carregada de impurezas, con-
por causa de uma demanda crescente, seja por cau-
taminando os rios, os lençóis subterrâneos e a at-
sa da contaminação.
mosfera.
Nos países desenvolvidos, o aumento indis-
Todos os anos aproximadamente 10% das
criminado dos produtos químicos tóxicos tornou-
águas evaporadas dos oceanos e mares, devido à
-se também um problema de saúde pública. Como
ação do Sol, retorna aos continentes sob a forma
a biosfera é um sistema fechado, as substâncias
de chuva. É dessa água que dependemos. De toda
que são lançadas na atmosfera não desaparecem.
água existente na Terra, somente essa pequena
Assim, o uso do DDT, dos inseticidas clorados e
quantidade está disponível para uso.E essa água
outros pesticidas contamina a água dos rios, dos
utilizável não está distribuída igualmente.
mares e dos lençóis subterrâneos. O acidente com
De modo geral, existe água disponível para a fábrica Sandoz, na Suíça, em 1986, tornou-se um
atender às necessidades da população mundial em- exemplo desse tipo de poluição, pois provocou a
bora as diferenças de consumo sejam diretamente morte de peixes e tornou, temporariamente, a água
proporcionais ao desenvolvimento sócioeconômi- do rio Reno imprópria para o consumo. Embora o
co. Para manter uma qualidade de vida razoável uso desses produtos esteja proibido nos países de-
são necessários 80 litros de água por dia para cada senvolvidos, as empresas do setor químico os pro-
habitante. Mas o consumo médio pode variar dos duzem para vendê-los nos países subdesenvolvidos
25 litros diários de uma família indiana até os 500 onde a legislação é menos rigorosa.
litros de uma família norte-americana.
Outra forma de poluição é a provocada pelos
Enquanto a agricultura consome 73% da poluentes transportados pelos fluxos atmosféricos.
água disponível no mundo, conforme as necessi- Os gases lançados na atmosfera pelas fábricas e
dades de irrigação, a indústria consome 22% do pelos carros (dióxido de enxofre e óxido de nitro-
total, e o uso doméstico apenas 5%. Segundo a gênio) e os pesticidas vaporizados pela agricultura
Organização Mundial da Saúde (OMS) “o número estão na origem das chuvas ácidas. Os efeitos des-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 87


se tipo de poluição são particularmente graves no equipamentos de grande porte para se conseguir
norte da Europa e no nordeste dos Estados Unidos. uma potência razoável, o que resulta em alto custo
de capital. A variação de intensidade resulta em
A gestão dos recursos naturais nos últimos
equipamentos com reduzido tempo de uso, impli-
vinte anos ganhou maior eficiência e, ao que tudo
cando em custo de um capital que não é utilizado
indica, uma nova orientação. Como seria impossí-
plenamente.
vel mudar a matriz energética mundial, a solução
encontrada foi obter economias significativas no No entanto a fotossíntese transforma a ener-
consumo de energia, graças a novas tecnologias. gia do sol, calor na forma de ondas eletromagnéti-
Assim, os “sistemas inteligentes” de iluminação e cas, em energia interna (parcela química) de subs-
aquecimento dos edifícios e os sistemas eletrônicos tâncias realizando uma grande concentração (por
para controle de consumo de combustível dos car- unidade de massa e de volume). Das substâncias
ros conseguiram maior eficiência por unidade de orgânicas assim geradas se obtém os combustíveis.
energia consumida. O mesmo tipo de ação está se Se o tempo de geração for relativamente curto (até
realizando em relação à água. Ainda que ela seja uma dezena de anos) tem-se fontes renováveis de
um recurso renovável, é preciso uma gestão cuida- combustíveis (lenha, carvão vegetal, alcool, baga-
dosa dos recursos hídricos. Hoje, aproximadamen- ço de cana,...). No caso de petróleo, carvão mine-
te trinta países vivem a ameaça de escassez de água. ral e gás natural o tempo de geração, estima-se que,
é de milhões de ano, portanto estes combustíveis
A energia, a água, os minerais, entre outros
provém de fontes não renovéis de energia.
recursos da natureza, não são inesgotáveis. Nosso
planeta é um sistema fechado e nós estamos alcan- Os combustíveis são substâncias que têm
çando os seus limites. Por isso existe a necessida- energia acumulada na forma de energia interna
de de utilizar esses recursos de forma racional. As (parcela química). Esta energia é liberada princi-
novas tecnologias devem ser difundidas para que palmente através da queima (oxidação com o ar
sejam adotados novos comportamentos sociais, a atmosférico). Para ser considerado um combustível
partir de políticas ambientais. A sociedade conser- com utilização no setor de transporte, a substân-
vacionista depende, fundamentalmente, do com- cia deve ter uma alta concentração de energia por
promisso dos indivíduos que a compõem. unidade de massa (peso) e por unidade de volume
ocupado.
A energia acumulada nos combustíveis tem
como origem o sol. Todos os combustíveis fósseis
e os artificais provenientes de biomassa podem ser
considerados como reservatórios de energia solar,
encarregando-se da coleta desta forma dispersa de
energia e de seu armazenamento.
Durante a queima, além da liberação de
energia, a reação de oxidação produz substâncias
poluentes, que dependendo da concentração pre-
judica a saúde dos seres vivos (animais e vegetais)
e causa alterações na biosfera (camada de solo,
água e atmosfera onde existe vida).
A maior fonte de energia é o sol. No entan-
to a energia proveniente do sol apresenta baixa Apesar dos problemas citados no topo desta
densidade e é variável em uma forma determinís- página quanto à energia solar, existem aplicações
tica (devido à variação da hora do dia) e em uma em que a utilização direta desta forma de energia
forma ‘aleatória’ (devido às variações do tempo: é competitiva. A energia solar usada nesta forma
nebulosidade...). A baixa densidade implica em direta se constitue em uma fonte de energia reno-

88 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


vável. Desvantagens:
A absorção dos raios solares pela atmosfera, Ü Impacto ambiental (Flora e Fauna).
solo e água gera vento, que dependo da velocidade Ü Alto custo de implantação.
e constância pode se constituir em uma fonte de Ü Perda de energia na transmissão (+- 30%).
enegia renovável, denominada energia eólica.
3.2 Termoelétricas:
A vaporização de água e posteriormente com
o deslocamento das massas de ar no movimento at- Ü Queima do carvão mineral / gás natural/ óleo
mosférico e preciptação em locais elevados, resulta diesel.
na fonte renovável de energia hidráulica. Ü As usinas que utilizam deste meio para fabri-
car energia elétrica encontram-se na região
A energia nuclear é obtida através da fissão
sul do país (Rio Grande do Sul - Santa Ca-
núcleo de átomos de número e massa atômica ele-
tarina), pois é aonde se encontram as jazidas
vada. Esta quebra do núcleo libera energia. Esta
de carvão no país.
energia pode ser utilizada em uma usina térmica
Ü Energia Nuclear: Instaurou-se no Brasil em
para gerar energia elétrica.
1974 (Governo de Geisel) em Angra dos
A fusão de dois núcleos, por exemplo de Reis. Angra 1 é a única usina ativa deste
hidrogênio resultando em núcleo de hélio libera projeto.
uma grande quantidade de energia, mas devido a
Desvantagens:
dificuldades construtivas ainda não existem equi-
pamentos que viabilizam a utilização desta fonte de Ü Perigo de explosão.
energia de uma forma útil. Ü Custo de instalação e preservação.
Ü Lixo atômico.

Política de Energia 3.3 Petróleo:


Fatores que explicam a importação do
1) A Energia x Indústria Petróleo:
Energia é tudo aquilo que realiza trabalho Ü Preservação das reservas nacionais.
(movimento). A produção indústrial do país de- Ü Adquirir o produto no mercado externo é
pende da quantidade de energia disponível para mais viável economicamente do que produ-
esta finalidade. zi-lo internamente.
2) A produção Energética Nacional Áreas produtoras de petróleo:
A demanda energética no Brasil Ü Bacia de Campos: Litoral do Rio de Janeiro.
vem crescendo de maneira mais acelerada que a Recôncavo Baiano:
produção de riquezas, pois os setores eletrointensi-
vos ocupam uma posição de destaque entre as in- Ü Área de reserva: Bacia sedimentar amazôni-
dústrias brasileiras. ca

3) As principais fontes de energia 3.4 Álcool - Proálcool - 1976 – Geisel

3.1 Hidrelétrica (Bacias): Ü Criou-se o Proalcool para combater a crise


do petróleo.
Fatores que explicam a produção hidrelé-
trica ser a mais importante do país: Desvantagens do Proálcool:

Ü Riqueza em bacias hidrográficas. Ü Não substitui o Petróleo.


Ü Rios bem distribuídos no território. Ü Programa meramente político.
Ü Tecnologia de produção nacional. Ü Diminuiu as áreas de cultivo tradicionais

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 89


(gerando inflação). trico (ONS), o nível nessas regiões está em torno
Ü Péssima funcionabilidade do carro à álcool. de 30%, quando deveria estar em 50%. O Sul e o
Ü O produto e subsidiado pelo governo. Norte do país estão em situação melhor e vão ficar
de fora do programa de racionamento.
Aspectos positivos do álcool:
Desde o fim da década de 70, o Centro-Oes-
Ü É uma fonte renovável.
te e o Sudeste não enfrentam uma seca tão forte.
Ü Tecnologia nacional.
Em janeiro e fevereiro, meses tradicionalmente de
Ü Menos poluente do que as fontes tradicio-
muita chuva, o índice pluviométrico na região de
nais.
Minas, São Paulo e Rio ficou em torno de 200 mi-
Principais Hidrelétricas: límetros, quando a média histórica é de 500 milí-
Ü Usina Itaipu: A maior do mundo. Fica entre metros. Em abril, choveu a metade do esperado.
o Brasil e o Paraguai, no Rio Paraná, no sul
do país. A Crise Energética Mundial
Ü Usina de Furnas: no Rio Grande do Sul e no Num planeta já ávido por combustível,
Sudeste. a previsão é que a demanda vai dobrar
Ü Usina Tucuruvi: situada no Rio Tocantins, nos próximos trinta anos
no Norte.
Ü Usina São Félix: situada no Rio Xingu, no George W. Bush, o presidente dos Estados
Norte. Unidos, fez um sombrio comunicado a seus com-
Ü Usina Sobradinho: situada no Rio São Fran- patriotas na quinta-feira passada: “Estamos enfren-
cisco, no Nordeste. tando a pior crise de energia desde os embargos dos
Ü Usina de São Simão: situada no Rio Parana- anos 70”, disse. A afirmação serviu de introdução
íba, no Centro-Oeste. ao anúncio de um plano energético de emergência,
Ü Usina Xavantes: situada no Rio Paranapane- que inclui o megaprojeto de construção de 1.900
ma, no Sudeste. usinas geradoras de energia elétrica nos próximos
Ü Usina de Garibaldi: situada no Rio Canoas, vinte anos, muitas delas nucleares. A analogia com
no sul. os anos 70 é de causar arrepios. Naquela época des-
Ü Usina de Três Marias: situada no Rio São cobriu-se que o destino da civilização indústrial – e
Francisco, ao norte de Minas Gerais. do sagrado direito de cada um encher o tanque do
Ü Usina de Ibitinga: situada no Rio Tietê, no automóvel – estava na mão de meia dúzia de paí-
sudeste. ses produtores de petróleo. A crise de 2001 pouco
Ü Usina de Paulo Afonso: situada no Rio São tem a ver com a cobiça dos magnatas da Opep, o
Francisco. cartel dos países produtores, cujo comportamento
Ü Usina de Salto Santiago: situada no Rio hoje é bem mais moderado. A Califórnia, o Es-
Iguaçu, no Sul. tado mais abastado do país mais rico do mundo,
sofre apagões em decorrência de um fenômeno
que é global, apesar de apresentar características
Crise de Energia próprias em cada região: não há energia que baste
para sustentar a avidez de consumo do planeta. “O
A seca prolongada e fora de época (o verão mundo tem fome de energia”, diz Fatih Birol, autor
de 2001 registrou um dos menores índices pluvio- do Panorama Mundial de Energia 2000. Ou seja,
métricos da história do país) agravou a crise de sem eletricidade e combustível não há crescimento
energia. Os reservatórios das hidrelétricas, prin- econômico. Não se consegue erradicar a pobreza
cipalmente no Sudeste, no Centro-Oeste e no nem aumentar o nível de vida da população.
Nordeste, baixaram a níveis alarmantes, compro-
metendo o sistema de geração de eletricidade. De A demanda mundial por energia irá qua-
acordo com o Operador Nacional do Sistema Elé- se dobrar até 2030. Entre o final da II Guerra e

90 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


1973, os países capitalistas tiveram uma expansão o Fundo Monetário Internacional, acredita-se que
sem precedentes na História. Uma das causas do a Ásia e a América do Sul irão apresentar índices
formidável desempenho econômico nesse período, de crescimento econômico mais altos do que o res-
que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou to do mundo.
de Era de Ouro, foi a fartura e o baixo preço da
v As populações da Ásia e da América do
energia. Esse tempo acabou. As maiores economias
Sul devem continuar crescendo mais do que as de
do mundo vivem com a corda no pescoço porque
outras regiões. À medida que melhorem de vida,
são grandes importadoras de combustíveis, como
asiáticos e sul-americanos vão comprar mais ele-
carvão e gás para gerar eletricidade e petróleo para
trodomésticos e serviços que demandam energia.
o setor de transportes. Os Estados Unidos estão em
terceiro lugar entre os maiores produtores de pe- v O setor de transporte deverá passar por
tróleo, mas a enorme demanda força a importação uma revolução nessas duas regiões, onde o número
de metade do que é consumido. São também os de carros para cada grupo de 100.000 habitantes
maiores produtores de eletricidade, mas precisam ainda é baixo. Isso afetará bastante o consumo de
comprar excedentes do México e do Canadá. Ain- petróleo.
da assim, não conseguem evitar vexames como os O fenômeno energético é interessante em
apagões na Califórnia. Não é sem razão que Bush suas nuances: o ritmo de crescimento do consumo
decidiu ignorar cuidados ambientalistas e mandou de energia nos países ricos é menos acelerado que
procurar petróleo em áreas preservadas. No come- naqueles em desenvolvimento. “Isso acontece por
ço da semana passada, Doug Logan, um consultor causa dos diferentes estágios de industrialização”,
particular, alertou que a cidade de Nova York po- diz Mike Grillot, economista do Departamento de
derá ficar no escuro nos próximos meses por causa Energia dos Estados Unidos. Países atrasados têm
de problemas na transmissão de energia. A pers- indústrias pesadas, que consomem mais eletricida-
pectiva é de pesadelo. de. As nações maduras, por sua vez, estão cada vez
A dependência da civilização contempo- mais se especializando na área de serviços e deslo-
rânea em relação à energia fica ainda mais evi- cando fábricas para países em desenvolvimento. A
dente nos momentos de crise. Poucos têm sobras previsão é que no futuro esse fenômeno se intensi-
para garantir o fornecimento diante de dificulda- fique. Hoje, de cada dez habitantes do planeta, três
des circunstanciais, como chuvas insuficientes no não têm acesso à eletricidade. A maior parte dos
Brasil. O Japão, segundo país mais rico do mundo, que estão às escuras vive em áreas rurais de países
tem reservas irrisórias de carvão, gás e petróleo, os miseráveis. Essa gente quer sair das trevas e poder
combustíveis fósseis usados na geração de energia. comprar lâmpadas e eletrodomésticos. Em seguida,
Não dispõe de grandes hidrelétricas, usinas mo- eles vão querer comprar carro e andar de avião – e
vidas por grande volume de água e que no Brasil isso só será possível se houver energia abundante
respondem por mais de 90% da geração de ener- e barata. A diferença em relação às necessidades
gia. A única fonte doméstica de eletricidade são as energéticas não significa que o Primeiro Mundo
usinas nucleares, que atendem apenas a 30% das está menos sedento de energia. Ao contrário, não
necessidades japonesas. A situação é ainda mais pode descuidar-se sem o risco de pôr a perder o que
preocupante nos países em desenvolvimento, nos foi penosamente conquistado pelas gerações ante-
quais a demanda, puxada basicamente pela Ásia riores.
e pela América do Sul, está crescendo bem acima Os apagões e os racionamentos estão sendo
da média mundial. Há três indicativos claros que registrados em países com boa infraestrutura ener-
justificam a presunção de que ficará cada vez mais gética, sobretudo em decorrência da falta de inves-
difícil aplacar a fome por energia: timento em geração, como mostram os exemplos
v Com base nas previsões de instituições fi- da Califórnia e do Brasil. Estudo recente apontou
nanceiras internacionais, como o Banco Mundial e o perigo de apagões em três regiões da Espanha em

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 91


julho e agosto, quando o país é invadido por mi- presentam a segunda principal fonte de produção
lhões de turistas. O motivo: falta de investimento de eletricidade, perdendo apenas para o carvão.
em transmissão e aumento da demanda. Apagões Por toda a parte, há sinais de que se está no limiar
são comuns em países mais precários, como Índia, de um novo boom radioativo.
Paquistão, Nigéria, Geórgia e Armênia. “Nesses
Nenhuma usina nuclear nova foi construí-
lugares, a maior causa é a falta de dinheiro para
da nos Estados Unidos desde o acidente de Three
manutenção”, diz Jamal Saghir, diretor do departa-
Mile Island, em 1979. O fim da trégua foi anun-
mento de energia do Banco Mundial. A crise ener-
ciado na semana passada por Bush. Também na
gética não é, evidentemente, destino inevitável. É
semana passada, o governo japonês deu luz verde
uma questão de planejamento e, sobretudo, de di-
para o início das obras de duas usinas nucleares,
nheiro. Maior produtora mundial de carvão mine-
pondo fim a uma pausa de dois anos causada por
ral, a China garante 60% de sua demanda com usi-
um acidente que matou duas pessoas. A necessida-
nas termelétricas – mas está investindo 70 bilhões
de de fontes confiáveis de energia está fazendo com
de dólares na construção da maior hidrelétrica do
que os europeus superem o trauma de Chernobyl,
planeta. Essa megaobra é necessária para atender
o mais sério acidente radioativo, ocorrido na Ucrâ-
às necessidades crescentes de uma economia que
nia em 1986. Usinas nucleares também estão nos
há mais de uma década cresce ao ritmo veloz de
planos de governo dos trabalhistas para as próxi-
7% ao ano.
mas eleições inglesas.
A usina de Três Gargantas no Yang Tsé terá
O setor de energia elétrica tem característi-
capacidade de geração 50% superior à de Itaipu,
cas muito próprias. Precisa de grandes investimen-
hoje a mais potente do mundo. É uma dessas obras
tos e trabalha com previsões de longo prazo, vis-
com números de tirar o fôlego pela grandiosidade.
to que são necessários muitos anos para construir
Só o concreto usado nas barragens seria suficiente
grandes usinas. É possível que novas tecnologias
para construir mais de 400 Maracanãs. O lago da
ajudem a reduzir a pressão mundial por energia.
usina terá 600 quilômetros de comprimento e vai
Novas linhas estão diminuindo as perdas na trans-
engolir doze cidades e 356 vilarejos, obrigando a
missão entre usinas e consumidores finais. Os car-
remoção de 2 milhões de pessoas. Quando estiver
ros modernos consomem metade do combustível
pronta, será um maná: produzirá 10% de toda a
em relação aos modelos de 1972. Eletrodomésticos
eletricidade de que os chineses precisam.
e máquinas estão mais eficientes, menos gastado-
De modo geral, os países da Europa Ociden- res. Nos próximos quatro anos, a União Europeia
tal são os mais bem preparados para a geração de investirá 550 milhões de dólares em pesquisas de
energia. Pobre de recursos naturais, a França inves- energias renováveis, como a solar e a eólica. Nin-
tiu em usinas nucleares. Sempre pragmático quan- guém apostaria, contudo, um euro furado na desco-
do se trata de fazer negócios, o governo francês berta de uma forma alternativa de energia capaz de
simplesmente ignorou a gritaria ambientalista e desbancar as tradicionais nos próximos vinte anos.
pontilhou o país com reatores. O resultado é que o Depois de três décadas de pesquisas, as tecnologias
átomo atende a 80% do consumo e ainda permite solar, eólica, geotérmica ou a resultante da incine-
que a França seja de longe a maior exportadora de ração de restos orgânicos, a biomassa, contribuem
eletricidade da Europa. Freguesa de caderninho da com menos de 2% da eletricidade consumida no
energia francesa, a Alemanha tira sua eletricidade planeta. “Hoje, o potencial real dessas alternativas
sobretudo de termelétricas a carvão. Apesar disso, é apenas complementar”, diz Pierre Bacher, autor
amarrado da forma que está numa coalizão com o do livro Quelle Énergie pour Demain? (Qual a
Partido Verde, o governo do chanceler Gerhard Energia para o Amanhã?) e um dos responsáveis
Schroeder comprometeu-se a desativar as usinas pela estruturação do sistema energético francês.
nucleares até 2021. É improvável que cumpra o
O que ninguém aceita é correr o risco de se
prazo. Entre os países desenvolvidos, os átomos re-
tornar refém de novas crises petrolíferas. As três

92 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


crises do petróleo – produto responsável por 40% da que começou quando observadores e curiosos
da geração de energia global – são fantasmas ainda foram gradativamente desvendando os primeiros
não exorcizados. Entre 1950 e 1973, o preço mé- vestígios de petróleo em solo brasileiro a partir do
dio do barril ficou abaixo de ridículos 2 dólares. final do século XIX. Nos EUA, em 1859, perfura-
No começo dos anos 70, a Opep, dominada pelos va-se o primeiro poço de petróleo na Pensilvânia,
árabes, fez uma verdadeira revolução. Atuou em descoberto pelo coronel Edwin L. Drake. A hoje
grupo e cortou a extração em 25%. A velha lei da módica extração de 19 barris ao dia, motivou inú-
oferta e da procura fez o barril subir a 12 dólares, meras outras iniciativas.
ligando alarmes em sedes governamentais de todo
No Brasil, as primeiras tentativas de en-
o mundo. A segunda crise, provocada pela Revo-
contrar petróleo datam de 1864, Mas apenas em
lução Islâmica do Irã, em 1979, também gerou um
1897, o fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo
novo corte de produção. Foram seis anos de reces-
perfurou, na região de Bofete (SP), o que foi con-
são mundial e, ao final, o barril já havia pulado
siderado o primeiro poço petrolífero do país, muito
para 40 dólares. A Guerra do Golfo provocou a ter-
embora apenas 2 barris tenham dele sido extraí-
ceira grande crise, que felizmente durou pouco, em
dos. Nesta época o mundo conheceu os primeiros
1991. A imagem de poços de petróleo incendian-
motores à explosão que expandiriam as aplicações
do-se no Kuwait provocou uma especulação sem
do petróleo, antes restritas ao uso em indústrias e
precedentes, mas a essa altura o poder de barganha
iluminação de residências ou locais públicos. No
dos produtores do Oriente Médio já havia diminu-
final do século XIX, dez países já extraíam petróleo
ído por causa do desenvolvimento de tecnologias
de seus subsolos.
de prospecção, que beneficiaram a extração em
países como Rússia, Angola e Nigéria. Depois de Entre as principais tentativas de órgãos pú-
anos desunidos, os membros da Opep chegaram a blicos organizarem e profissionalizarem a ativida-
um acordo em 1999, reduzindo a produção e tripli- de de perfuração de poços no país estão a criação
cando o preço do barril. Menos mau que o medo do Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro
de que as reservas de petróleo estariam próximas (SGMB), em 1907, do Departamento Nacional da
do fim seja coisa do passado. A produção mundial Produção Mineral, órgão do Ministério de Agri-
chegará ao ápice em 2040 e, só então, começará cultura, em 1933, e as contribuições do governo do
a cair. Até lá, talvez já se tenha descoberto outra estado de São Paulo. Muito embora as iniciativas
forma de saciar a fome de energia. tenham sido importantes para atrair geólogos e en-
genheiros estrangeiros e brasileiros para pesquisar
nos estados do Alagoas, Amazonas, Bahia e Ser-
História do Petróleo no Brasil gipe, a falta de recursos, equipamentos e pessoal
qualificado dificultaram a chegada de resultados
A história da indústria petrolífera do Brasil
positivos.
se confunde com a criação da Petrobrás, em 1953,
empresa que alavancou a exploração deste recur- Durante a década de 30, já se instalava no
so natural que se tornaria um dos termômetros da Brasil uma campanha para a nacionalização dos
política internacional. No cenário mundial, hoje, bens do subsolo, em função da presença de trustes
o Brasil ocupa o 16º lugar no ranking dos maiores (reunião de empresas para controlar o mercado)
produtores de petróleo do mundo. Até isso ocorrer que apossavam-se de grandes áreas de petróleo e de
foi preciso que houvesse um aumento da capacita- minérios, como o ferro. Um das pessoas que desem-
ção de recursos humanos, injeção de capital, crises penhou papel chave nesta campanha foi Monteiro
internacionais e a criação de políticas que organi- Lobato, que sonhava com um Brasil próspero que
zaram e priorizaram o petróleo para o desenvolvi- pudesse oferecer progresso e desenvolvimento para
mento do país. sua população. Depois de uma viagem aos Estados
Unidos, em 1931, Lobato retorna entusiasmado
Mas este foi o resultado de uma caminha-
com o modelo de país próspero que conhecera e

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 93


passa a defender as riquezas naturais do Brasil e sua “Minha filha, eu agora tomei um choque. Passei
capacidade de produzir petróleo, através de con- no Lobato e vi lá uma placa - ‘Mina de Petróleo de
tribuições de artigos para jornais e palestras para Oscar Cordeiro’. E eu retruquei. Não disse a você,
promover a conscientização popular. Estavam en- Maneca, que não convidasse ninguém e esperasse
tre seus esforços de luta, cartas enviadas ao então ajuda do governo? E Maneca, sempre incisivo nas
presidente Getúlio Vargas, alertando-o sobre os respostas: ‘Mas minha filha, Cordeiro, como presi-
malefícios da política de trustes para o país e a ne- dente da Bolsa de Mercadorias, pode levar avante a
cessidade de defesa da soberania nacional na ques- parte comercial da sociedade’ ”.
tão do petróleo; recebeu do governo a concessão
Maneca - apelido de Manoel Ignácio Bastos. En-
de duas companhias de petróleo de exploração do trevista que Dona Diva, viúva de Bastos, concedeu ao
recurso, além de ter lançado os livros O escândalo Jornal da Bahia na década de 1950. Fonte: Afinal quem
descobriu o petróleo no Brasil? de Petronilha Pimentel.
do petróleo e do infanto-juvenil, O poço do Vis-
conde, Serões de Dona Benta e Histórias de Tia O êxito obtido em Lobato reforçou a neces-
Nastácia, sobre a descoberta do petróleo. sidade do país minimizar sua dependência em rela-
ção às importações de petróleo. Consequentemen-
(...) O assunto é extremamente sério e faz jus te, em 1939 o governo de Getúlio Vargas instala
ao exame sereno do Presidente da República, pois o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), com a
que as nossas melhores jazidas de minérios já caíram primeira Lei do Petróleo do país, para estruturar e
em mãos estrangeiras e no passo em que as coisas regularizar as atividades envolvidas, desde o pro-
vão o mesmo se dará com as terras potencialmente cesso de exploração de jazidas até a importação,
petrolíferas. (...) exportação, transporte, distribuição e comércio de
Trecho da Carta que Monteiro Lobato enviou ao petróleo e derivados. Este decreto tornou o recurso
presidente Getúlio Vargas em 20 de janeiro de 1935. patrimônio da União.
Nesse meio tempo, no interior da Bahia, Daí em diante, muitas perfurações foram
no município, coincidentemente mas nada rela- feitas nas bacias do Paraná de Sergipe-Alagoas e
cionado ao escritor, de Lobato, Manoel Ignácio do Recôncavo, sendo que as principais descobertas
Bastos, engenheiro que trabalhava para a delega- foram feitas nesta.
cia de Terras e Minas, encontra amostras de uma Nos anos 50, a pressão da sociedade e a de-
substância negra que, após ser analisada pelos en- manda por petróleo se intensificavam, com o mo-
genheiros Antonio Joaquim de Souza Carneiro, da vimento de partidos políticos de esquerda que lan-
Escola Politécnica de São Paulo e Oscar Cordeiro, çam a campanha “O petróleo é nosso”. O governo
da Bolsa de Mercadorias, é confirmada como sen- Getúlio Vargas responde com a assinatura, em ou-
do petróleo. Depois de muitas tentativas frustradas tubro de 1953, da Lei 2004 que instituiu a Petróleo
de atrair a atenção das autoridades, finalmente, em Brasileiro S.A (Petrobras) como monopólio estatal
1939, a sonda enviada pelo DNPM jorraria petró- de pesquisa e lavra, refino e transporte do petróleo
leo abundantemente, sendo considerado o primei- e seus derivados.
ro poço comerciável do país, dois anos depois.
Apenas como curiosidade, quem recebeu os
créditos pela descoberta foi Oscar Cordeiro, fato O Início da Indústria do
que só seria corrigido pela Petrobras em 1965, Petróleo no Brasil
quinze anos após a morte de Ignácio Bastos, após
Em função do desenvolvimento indústrial
extensa análise documental apresentada pela viú-
e da construção de rodovias que interligavam as
va de Bastos.
principais cidades brasileiras, o consumo de com-
bustíveis fósseis aumenta grandemente na década
de 50. No período, a produção nacional era de

94 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


apenas 2.700 barris por dia, enquanto o consumo baixa produção no mar levaram à ampliação dos
totalizava 170 mil barris diários, quase todos im- financiamentos no downstream (refino, transporte
portados na forma de derivados (combustível já e petroquímica) e à criação da Braspetro em 1972,
refinado). Esses dados foram publicados por Celso com a finalidade de buscar alternativas de abasteci-
Fernando Lucchesi, no número 33 da Revista do mento de petróleo em outros países. Neste ponto,
Instituto de Estudos Avançados, da USP. A partir o petróleo já era o peso e a medida de muitas eco-
da década de 1950, então, a nova empresa intensi- nomias do mundo, fato que foi comprovado com a
ficou as atividades exploratórias e procurou formar eclosão da primeira crise do petróleo, em 1973, que
e especializar seu corpo técnico, para atender às modificou profundamente as relações de poder das
exigências da nascente indústria brasileira de pe- empresas multinacionais, de países consumidores e
tróleo . dos países produtores de petróleo.
Com a criação da Petrobras “saímos do zero, Em meio à crise mundial, o Brasil descobre
já que a indústria [de petróleo antes da Petrobras] o campo marítimo de Ubarana, na bacia de Po-
era praticamente inexistente”, afirma José Lima, tiguar (ES) e o campo de Garoupa, na Bacia de
gerente executivo de Recursos Humanos da Petro- Campos (RJ), em 1974, que marcaria o início de
bras. uma segunda fase dentro da Petrobras, aquela em
que a empresa se diferenciaria pela exploração do
Até 1968, os técnicos vindos de outros paí-
petróleo em águas profundas e ultraprofundas. Em
ses foram, gradativamente, sendo substituídos por
função da bacia de Campos, a produção petrolífera
técnicos brasileiros, que eram enviados ao exterior
brasileira chega aos 182 mil barris ao dia, sendo re-
para se especializarem. Os esforços eram concen-
conhecida até os dias atuais como a mais produtiva
trados na região da Amazônia e do Recôncavo.
bacia do país e uma das maiores produtoras de pe-
Quinze anos após a criação da Petrobras, as áreas
tróleo de águas profundas do mundo. Os primeiros
de exploração se expandiram para a acumulação
tratados de risco são assinados em 1975, quando
de Jequiá, na bacia de Sergipe-Alagoas, em 1957
o país abre as portas para a entrada de multina-
e Carmópolis (SE), em 1963. Em 1968, a área de
cionais para explorarem petróleo com a promessa
exploração atingiu Guaricema (SE), o primeiro
de trazerem um aporte financeiro que fosse signifi-
poço offshore (no mar) e Campo de São Matheus
cativo para o país. Apesar das empresas estrangei-
(ES), em 1969. Essas descobertas contrariaram
ras terem o direito de atuar em 86,4% das bacias
os resultados de um relatório divulgado em 1961,
sedimentares (associadas à presença de jazidas de
pelo geólogo norte-americano Walter Link, con-
petróleo) do país, deixando apenas o restante nas
tratado pela Petrobras, que concluiu a inexistên-
mãos da Petrobras, os contratos não produziram e
cia de grandes acumulações petrolíferas nas bacias
nem trouxeram o capital que prometeram.
sedimentares brasileiras. Mas Guaricema, fruto de
investimentos em dados sísmicos e sondas maríti- Fora isso, junte-se o fato da chegada de uma
mas, injetou novos ânimos nas perspectivas de um segunda crise do petróleo que voltaria a mexer com
Brasil autossuficiente, que passaria a redirecionar as relações internacionais, em 1978, e o cenário
suas pesquisas agora para o mar. Ao final de 1968, a petrolífero brasileiro estaria condenado. Ao con-
indústria brasileira produzia mais de 160 mil barris trário do que se esperava, o choque do petróleo
por dia. e os preços quintuplicados, sacudiram a indústria
nacional, forçando grandes investimentos na pros-
Embora a empresa já estivesse melhor estru-
pecção de jazidas em território brasileiro para re-
turada, com profissionais brasileiros mais especiali-
duzir a dependência externa. Os primeiros frutos
zados e com a produção mais incrementada, a alta
surgiram em 1981, quando a produção marítima
competitividade do mercado internacional torna-
superou a terrestre e, em 1984, quando a produção
va a importação uma atividade irresistível, estacio-
brasileira se iguala à importada, com meio milhão
nando a produção nacional, frente a um consumo
de barris diários.
crescente. O declínio das reservas terrestres e a

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 95


A promulgação da Constituição em 1988 es- O Governo Federal tem como meta elevar
tabeleceu o fim dos contratos de risco. Neste mo- a participação do GN dos atuais 3% para 12%
mento os geólogos e engenheiros da Petrobras já até 2010. Para isso, diversos esforços estão sendo
utilizavam a tecnologia da sísmica tridimensional feitos, como a privatização do setor elétrico e a
(3D) de maneira rotineira, o que diminuiu o custo promulgação da lei 9.478, que, entre outras deter-
exploratório e trouxe importantes descobertas de minações, redefiniu a política energética nacional
gás e petróleo nas bacias de Santos (SP), do Soli- e instituiu o Conselho Nacional de Política Ener-
mões (AM) e na região do rio Urucu. gética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo
(ANP).
A Lei do Petróleo, de 1997, inicia uma
nova fase na indústria petrolífera brasileira. Entre O término do gasoduto Bolívia-Brasil repre-
as mudanças está a criação da Agência Nacional senta um grande avanço no fornecimento de gás
do Petróleo (ANP), que substituiu a Petrobras nas natural no país, com capacidade máxima de trans-
responsabilidades de ser o órgão executor do geren- portar até 30 milhões m³ diariamente. A implan-
ciamento do petróleo no país, e na nova tentativa tação de 56 usinas do Programa Prioritário de Ter-
de internacionalização do petróleo no Brasil. Esta meletricidade 2000-2003, do Ministério de Minas
Lei permitiu a formação de parcerias com empresas e Energia, também contribuirá para o crescimento
interessadas em participar do processo de abertura da oferta de energia, assegurando o fornecimen-
do setor, numa tentativa de trazer novos investi- to aproximado de 20 mil MW a várias regiões do
mentos para o país. território nacional. Além disso, alguns projetos já
estão em estudo para a exploração da Bacia do So-
Entre as mais de 20 bacias petrolíferas co-
limões, na região Norte do país.
nhecidas no país, a produção ultrapassa 1,5 milhão
de barris ao dia. Atualmente, a Petrobras detém
o recorde mundial de perfuração exploratória no O Proálcool
mar, com um poço em lâmina d’água de 2.777 me-
tros. Ela exporta a tecnologia de exploração nesses Paralelamente à retomada de investimentos
ambientes para vários países. na pesquisa de jazidas petrolíferas, em 1973 o go-
verno cria o Programa Nacional do Álcool, o Pro-
álcool, cujo objetivo é a substituição da gasolina
História do Gás Natural no usada como combustível pelos veículos automoti-
Brasil vos por álcool etílico ou etanol.

A utilização do Gás Natural no Brasil co- Desde 1925, os brasileiros conheciam a pos-
meçou modestamente por volta de 1940, com as sibilidade de utilização do álcool como combustí-
descobertas de óleo e gás na Bahia, atendendo a in- vel. Nessa época, porém, a gasolina era abundante,
dústrias localizadas no Recôncavo Baiano. Depois barata e consumida em pequena escala no Brasil,
de alguns anos, as bacias do Recôncavo, Sergipe e não havendo, assim, interesse no aperfeiçoamento
Alagoas eram destinadas quase em sua totalidade das pesquisas do álcool como combustível.
para a fabricação de insumos indústriais e combus- No entanto, já na década de vinte, existiam
tíveis para a refinaria Landulfo Alves e o Pólo Pe- no Brasil veículos movidos a combustível com-
troquímico de Camaçari. posto de 75% de álcool e 25% de éter. Durante a
O grande marco do GN ocorreu com a ex- Segunda Guerra Mundial, o álcool ajudou o país a
ploração da Bacia de Campos, no Estado do Rio conviver com a escassez de gasolina; era misturado
de Janeiro, na década de 80. O desenvolvimento à gasolina ou utilizado isoladamente em motores
da bacia proporcionou um aumento no uso da ma- convertidos para essa finalidade.
téria-prima, elevando em 2,7% a participação do Entre 1977 e 1979, houve uma expansão da
GN na matriz energética nacional. produção de álcool de cana-de-açúcar, que foi o

96 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


vegetal escolhido para produzir álcool combustível os tanques de combustível com estanho.
aqui no Brasil. Os fatores que determinaram essa
Essas medidas apresentaram bons resultados,
escolha foram a grande extensão territorial do país,
tanto que, atualmente, 88% dos veículos zero qui-
o clima propício para a cultura da cana e o domí-
lômetro comercializados são movidos a álcool.
nio da tecnologia da fabricação do álcool. Por volta
de 1978, com o aumento brutal do preço do com- Apesar do sucesso técnico do Proálcool, tem
bustível, a venda de veículos movidos a gasolina havido muitas críticas à sua implantação. Tais crí-
diminui significativamente. As pessoas passaram, ticas baseiam-se no fato de que as áreas de cultivo
então, a comprar veículos movidos a álcool, apesar de cana-de-açúcar aumentaram muito, enquanto
de estes ainda trazerem problemas, como dificulda- as de cultivo de alimentos se mantiveram inalte-
de de partida a frio e corrosão de peças e motor. Em radas. Além disso, como só têm trabalho duran-
1980, devido aos problemas de manutenção que te metade do ano; na outra metade, permanecem
apresentavam, os veículos a álcool praticamente ociosos, agravando os problemas sociais no campo.
não eram mais comercializados. Além disso, nessa Examinando-se as projeções efetuadas para o
época circulava no país o boato de que a produção ano 2000, percebe-se a gravidade do problema das
nacional de álcool combustível não seria suficiente terras ocupadas com o plantio de cana-de-açúcar.
para abastecer todos os veículos. Se for mantido o programa de incentivo, calcula-se
que cerca de dez milhões de cana, não existindo
EM UM LITRO DE GASOLINA VENDIDA AO PÚBLICO nada que garanta um crescimento proporcional das
ESTÃO PRESENTES áreas reservadas ao plantio de alimentos.
Porcentagem
Volume de de Álcool O sucesso total do Proálcool só é viável se
Volume de
Ano Gasolina Etílico Presente compatível com uma política energética global e
Álcool (L)
(L) na Gasolina com uma política agrária e agrícola que considere
(%)
todas as consequências do crescimento desse pro-
1979 0,14 0,86 14 grama.
1980 0,17 0,83 17
1981 0,12 0,88 12 A implantação do Proálcool passou por duas
1982 0,20 0,80 20
fases distintas. A primeira visava produzir álcool
1983 0,20 0,80 20
1984 0,20 0,80 20 com o objetivo de adicioná-lo à gasolina, propi-
1985 0,20 0,80 20 ciando a economia do petróleo importado (tabe-
1986 0,20 0,80 20 la). A Segunda fase visava produzir álcool sufi-
1987 0,22 0,78 22
ciente para abastecer os veículos movidos a álcool
A partir de 1982, o governo investiu no sen- hidratado, que passaram a ser produzidos em gran-
tido de aumentar as vendas. Criou facilidades aos de escala diante da queda nas vendas dos veículos a
compradores, como maior prazo de financiamen- gasolina, provocada pelos aumentos de preço desse
to, taxas mais baratas e abastecimento de álcool combustível.
aos sábados (os postos de abastecimento fechavam
às sextas-feiras à noite e só reabriam às segundas-
-feiras de manhã).
Muitos investimentos foram feitos, ainda,
no sentido de melhorar a qualidade do motor a ál-
cool. Os veículos que o utilizavam como combus-
tível passaram a ser dotados de sistema de partida
a frio: gasolina é adicionada diretamente ao motor
para facilitar a partida. Com o fim de evitar a cor-
rosão, os carburadores são revestidos com zinco e

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 97


A Verdadeira História do Proálcool
A possibilidade de usar o álcool da cana-de-açúcar como combustível automotivo é conhecida há mais de um século,
mas até os anos 70 a disponibilidade de derivados de petróleo e o preço baixo desincentivaram seu emprego. Em outubro de
1973, o cenário mudou e o mundo se viu ante o risco de desabastecimento energético. Foi o primeiro choque do petróleo que
reacendeu o interesse mundial por fontes alternativas de energia e levou vários países a buscarem soluções mais adequadas,
considerando as peculiaridades nacionais. A crise internacional elevou os gastos do Brasil com importação de petróleo de
US$ 600 milhões em 1973 para US$ 2,5 bilhões em 1974. O impacto provocou um déficit na balança comercial de US$
4,7 bilhões, resultado que influiu fortemente na dívida externa brasileira (da época e futura) e na escalada da inflação, que
saltou de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974.
Preocupado em preservar as principais metas do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, conter a inflação, manter o
crescimento acelerado e conservar o equilíbrio do balanço de pagamentos, o general Ernesto Geisel, ainda na condição de
futuro presidente da República, solicitou ao então diretor comercial da Petrobrás e futuro ministro das Minas e Energia, Shi-
geaki Ueki, que consultasse o setor privado sobre a questão. Ueki entrou em contato com vários empresários, principalmente
Lamartine Navarro Jr., como menciona o professor da Unicamp José Tobias Menezes no seu livro Etanol, o Combustível do
Brasil, solicitando que estudasse a utilização de fontes não convencionais de energia para fornecer subsídios ao novo governo.
A Associação das Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Associgás) se transformou no fórum de debates sobre a
crise do petróleo, sob a coordenação do mencionado Lamartine Navarro Jr., que contara com a colaboração do engenheiro
Cícero Junqueira Franco, grande especialista em tecnologia de produção de álcool, além de acadêmicos e usineiros de São
Paulo.
A conclusão do grupo resultou no documento intitulado Fotossíntese como fonte de energia, entregue ao Conselho Na-
cional de Petróleo em março de 1974, que se tornaria a semente do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). O estudo
combinava as preferências do Instituto do Açúcar e do Álcool pela produção de álcool direto em destilarias autônomas e da
Copersucar, pelo aproveitamento da capacidade ociosa das destilarias anexas às usinas açucareiras.
O álcool, que sempre fora considerado subproduto do açúcar, passou a desempenhar papel estratégico na economia
brasileira e, diante do sucesso da iniciativa, deixou de ser encarado apenas como resposta a uma crise temporária, mas como
solução permanente, quando vozes autorizadas, ainda na esteira da crise, alertaram o mundo para o risco das reservas pe-
trolíferas, lembrando que não seriam eternas.
Durante visita ao Centro Tecnológico da Aeronáutica, em junho de 1975, em São José dos Campos, o então presidente
Geisel demonstrou especial interesse nos trabalhos desenvolvidos pelo professor Urbano Ernesto Stumpf sobre a adaptação
dos motores para uso da mistura gasolina-álcool e da conversão desses motores para uso exclusivo do álcool. Segundo Stum-
pf, a impressão que o presidente teve sobre a viabilidade do uso do álcool como combustível foi decisiva para que o governo
federal se posicionasse, definitivamente, a favor do Proálcool.
Na época, o Brasil já tinha um setor açucareiro desenvolvido, terras propícias à cultura, clima adequado, muita mão
de obra disponível no campo e experiência na fabricação de álcool indústrial, do qual já era grande produtor-exportador.
Recém-modernizado, o setor açucareiro também registrava elevada capacidade ociosa, que poderia ser reduzida com a pro-
dução de álcool combustível, que proporcionaria flexibilidade da produção de açúcar para exportação.
Depois de intensos estudos e debates, o governo federal instituiu o Proálcool (Decreto nº 76.593, de 14/11/1975), há
três décadas, portanto.
Os principais efeitos do uso do álcool (puro ou misturado com gasolina) nos centros urbanos foram a eliminação do
chumbo na gasolina e a redução das emissões do monóxido de carbono.
A área ocupada pela cana, hoje, é de apenas 0,6% do território nacional e as áreas aptas para a expansão desta cultura
são de mais de 12%. A substituição da gasolina pelo álcool no período 1976-2004 representou uma economia de US$ 61
bilhões (dólares de dezembro) ou US$ 121 bilhões (com os juros da dívida externa).
Passados 30 anos após de sua criação, o Proálcool ensejou a geração de cerca de 1 milhão de empregos diretos no País e
alguns milhões de indiretos - aproximadamente 80% deles na área agrícola. Ademais, os custos de produção do açúcar e do
álcool nas indústrias brasileiras mais eficientes são competitivos com o açúcar da beterraba na Europa ou do álcool de milho
americano. Da mesma forma, o álcool da cana é competitivo com a gasolina derivada do petróleo, existindo possibilidades
favoráveis do aumento desta competitividade nos próximos anos, quando o preço do combustível fóssil já supera US$ 60/
barril.

Luiz Gonzaga Bertelli, diretor titular adjunto de Energia do Depto.


De Infraestrutura da Fiesp, é presidente da Academia Paulista de História.
Publicado em: O Estado de S. Paulo

98 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Programa Nucleobrás utilização da energia nuclear encontra bastante
resistência, principalmente, de grupos ecológicos
A fissão nuclear, isto é, a divisão do átomo que discutem o problema do lixo nuclear (o ma-
de metais como o urânio e o plutônio, aconteceu terial utilizado no reator que não serve mais para
pela primeira vez por volta de 1938. gerar energia, mas continua radioativo), que pode
Embora utilizada inicialmente para fins mi- contaminar o solo, o ar e as águas, portanto, é um
litares, depois das experiências catastróficas de Hi- problema. Atualmente, a maior parte do lixo atô-
roshima e Nagasaki, a energia nuclear passou a ser mico é depositado no fundo do mar.
utilizada, principalmente, para fins pacíficos. Outro perigo existente é o escape de radia-
Sua principal utilização é a produção de ção de um reator nuclear em caso de defeito ou
energia elétrica, através de usinas termonucleares. explosão o que pode causar uma contaminação ra-
Essas usinas funcionam a partir da fissão (separa- dioativa podendo levar a morte seres humanos e
ção) nuclear, controlada dentro dos reatores. A animais além de contaminar o solo, as plantas e
fissão gera calor que aquece a água e a transforma espalhar-se rapidamente através do vento em for-
em vapor. Esse vapor, em alta pressão, gira a tur- ma de nuvens radioativas, afetando áreas enormes
bina, que, por sua vez, aciona o gerador criando e seus efeitos perdurando por dezenas de anos.
eletricidade.
O calor gerado pela fissão nuclear é bastante A Energia Nuclear no Brasil
grande, como exemplo podemos citar que a ener-
O Brasil possui um programa de energia
gia gerada por 1kg de urânio numa usina termo-
nuclear que começou em 1967, (PNB) - Progra-
nuclear, é a mesma produzida por 150 toneladas
ma Nuclear Brasileiro; a 1ª usina termonuclear do
de carvão mineral numa usina termoelétrica. Esse
Brasil, Angra 1 foi inaugurada em 1985, é equipa-
exemplo mostra de forma clara a eficiência dessa
da com um reator norte-americano, fabricado pela
matriz energética sobre outras matrizes como o car-
Westinghouse e durante os primeiros cinco anos
vão mineral, o gás natural e o petróleo.
de funcionamento sofreu 25 paralisações devido a
Contudo, o uso intensivo da energia nuclear defeito no reator.
é encontrada, principalmente, em países desen-
volvidos (EUA, França, Japão, Alemanha e Reino ÃREAS DE PROSPERAÇÃO DE URÂNIO
Unido), pois é uma tecnologia bastante cara. Atu-
almente, países como China, Taiwan, Índia e Irã
têm investido em usinas termonucleares.

Muita Energia
A escolha da produção de energia elétrica
por termonucleares ocorre em países que neces-
sitam de grande quantidade de energia e muitas
vezes não possuem abundância de outras matrizes
energética (petróleo, carvão, potencial hidráuli-
co).
Os norte-americanos seguidos da França e
do Japão lideram o ranking de países produtores de
energia nuclear.
Apesar de todas as vantagens existentes, a

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 99


Esse problema levou governo brasileiro a fa- radiação.
zer uma nova parceria, desta vez com uma empre-
Na época do acidente a nuvem de radiação
sa alemã, responsável pelas usinas de Angra 2 em
atingiu a Ucrânia, a Rússia e outras repúblicas so-
operação desde de 2000 e Angra 3.
viéticas, a Europa Oriental, Setentrional e Cen-
Atualmente, as usinas Angra 1 e 2 são ge- tral, que tiveram seus animais, pastos e plantações
renciadas pela Eletronuclear, subsidiária da Eletro- contaminadas.
brás, e juntas produziram em 2001, 14,4 mil MWh,
o suficiente para abastecer o Rio de Janeiro ou 3%
da energia elétrica produzida no país. Autoritarismo e Segrego
Por ocasião o acidente a região era coman-
Mais Usinas dada pela ex-URSS que era socialista, um regime
fechado, e somente três dias após o acidente ter
O governo, através da Eletrobrás, estuda a ocorrido é que os demais países foram informados.
viabilidade da instalação de outras usinas termo-
Esse acidente levou a uma reformulação do
nucleares no país, muito embora haja uma pressão
sistema termonuclear, que acabou gerando novas
maior em direção à produção de energia elétrica de
tecnologias e métodos mais rígidos de controle das
matrizes renováveis e limpas (eólica, solar e bio-
usinas e do processo de obtenção da energia elé-
massa).
trica, além do aumento da segurança contra falhas
O país possui a sexta maior reserva mundial humanas e vedação de reatores em caso de aciden-
conhecida de urânio. Hoje todo o urânio prospec- tes.
tado no Brasil vem da jazida de Caetité na Bahia.
Ao lembrar os 20 anos de Chernobyl muitas
Essa reserva e mais a tecnologia 100% nacional de
organizações internacionais de direitos humanos
enriquecimento de urânio dará ao país num futuro
ressaltam que a população atingida na área não
próximo 2007-2008 autonomia para a produção do
recebe qualquer ajuda governamental ou indeni-
combustível nuclear e aumentará a produção de
zações pelos problemas e danos sofridos pelo aci-
radioisótopos para os setores indústrial, médico e
dente.
de pesquisa.
Vale lembrar, ainda, que o Brasil participa GLOSSÁRIO
do tratado de não proliferação de armas nucleares e Energia Alternativa
possui dispositivos constitucionais que resguardam
(1) Fontes de obtenção de energia que sejam mais lim-
a não fabricação de artefatos nucleares e sua circu- pas (menos impactantes ao meio ambiente) e renováveis
lação pelo território nacional. têm sido pesquisadas e desenvolvidas com alguma intensi-
dade nas últimas décadas.
(2) Energia obtida de fontes diferentes das usadas nas
20 Anos de Chernobyl grandes usinas comerciais, que atualmente são as usinas
térmicas convencionais, as hidroelétricas e as nucleares.
Em 26 de abril de 1986, ocorreu em Cherno- Ela vem de usinas geralmente pequenas, geram pouca
byl, cidade a 120Km de Kiev, capital da Ucrânia, o poluição, e normalmente utilizam fontes renováveis. Os
maior acidente nuclear da história. principais tipos atuais são a energia solar, eólica, das ma-
rés, geotérmica, das ondas e da biomassa. É o oposto de
O reator número 4 da usina explodiu cau- montante.
sando um vazamento de radiação que causou a Energia de Biomassa
morte imediata de 32 pessoas, segundo fontes ofi- (1) Energia obtida a partir de matéria animal e ve-
ciais. Contudo milhares de pessoas foram afetadas getal. Quando se classifica a energia de biomassa como
e morreram ou sofrem com os efeitos cumulativos energia alternativa, refere-se à biomassa renovável.
Como exemplos, temos o álcool combustível, obtido e
da radiação, segundo dados da OMS nesses 20 anos
9 mil pessoas morreram com doenças causadas pela

100 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


produzido dos resíduos orgânicos e do lixo proveniente das como quedas d´água ou artficiais produzido pelo desvio do
atividades humanas, através do biodigestor. curso original do rio.
(2) Energia obtida de matéria animal e vegetal. Energia Hidrelétrica
Quando se classifica a energia de biomassa como energia Energia “limpa” porque não emite poluentes e não in-
alternativa, refere-se à biomassa renovável. Como exem- flui no efeito estufa. É produzida por uma turbina movida
plos, temos o alcóol combustível, obtido a partir da cana- pela energia liberada de uma grande queda d`água que
-de-açúcar cultivada, e o metano, produzido dos resíduos aciona um gerador produtor de energia elétrica. Apre-
orgânicos e do lixo proveniente das atividades humanas, senta dois grandes inconvenientes: o impacto ambiental
através do biodigestor. provocado pelas barragens, que inundam grandes áreas
Energia de Maré deslocando populações, e o tempo e os recursos que são
necessários para sua construção.
Em regiões costeiras de profundidades inferiores a
Energia Mareomotriz
100m, grande parte da energia de maré é dissipada por
atrito, e desta maneira a energia de maré é máxima em (1) Energia proveniente das ondas do mar.
mar aberto. Esta energia pode ser utilizada na produção
(2) As ondas do mar possuem energia cinética ao mo-
de energia elétrica através das usinas elétricas de maré.
vimento da água e energia potencial à sua altura.
Energia de Onda
Energia Metabolizada
Energia expressa pela capacidade de trabalho da onda.
É a energia que se incorpora ao organismo vivo decor-
A energia de um sistema de ondas é teoricamente propor-
rente dos processos de alimentação, assimilação e meta-
cional ao quadrado da altura da onda, que é um parâ-
bolismo. Um exemplo de energia metabolizada é a força
metro de obtenção relativamente fácil. Deste modo, uma
animal aproveitada para o transporte.
costa de alta energia de onda caracteriza-se por alturas
de arrebentação superiores a 50 cm e uma costa de baixa Energia Nuclear
energia apresenta alturas inferiores a 10 cm. A maior par- Proveniente da divisão do átomo tendo por materia-
te da energia de onda de uma região costeira é consumida -prima minerais altamente radioativos, como o urânio.
no atrito com o fundo e na movimentação da areia.
Energia Potencial
Energia de Posicional
Em uma onda oscilatória progressiva, corresponde à
Energia cinética decorrente de ondas e correntes, pre- energia resultante da elevação ou depressão da superfície
sente no ambiente de deposição dos sedimentos. A alta aquosa acima do nível sem perturbação.
energia possibilita a eliminação de frações pelíticas, que
vão se depositar em ambientes de baixa energia, favore- Energia Primária
cendo simultaneamente a produção de boa seleção granu- Fontes naturais de energia utilizadas, por exemplo,
lométrica na fração arenosa. para a produção de eletricidade.
Energia Eólica Energia Solar
(1) É a energia obtida pelo movimento do ar/vento. É É a energia proveniente do sol. É uma energia não
uma abundante fonte de energia renovável, limpa e dispo- poluente, renovável, não influi no efeito estufa e não pre-
nível em todos os lugares. cisa de geradores ou turbinas para a produção de energia
(2) Tipo de energia que apresenta grandes vantagens, elétrica.
pois não necessita ser implantada em áreas de produção
de alimentos, não contribui para o efeito estufa e pode ser
aplicada para geração de energia elétrica. O seu funciona-
mento é simples: pás das hélices gigantes captam o vento O Biodiesel
acionando uma turbina ligada a um gerador elétrico. Para
se usar esse tipo de energia são necessários grandes inves- Biodiesel é um combustível biodegradável
timentos para a sua transmissão. Os moinhos podem cau- derivado de fontes renováveis, que pode ser obtido
sar poluição sonora e interferir em transmissões de rádio por diferentes processos tais como o craqueamen-
e televisão. to, a esterificação ou pela transesterificação. Pode
Energia Hdráulica ser produzido a partir de gorduras animais ou de
(1) Energia hídrica. Energia potencial e cinética das óleos vegetais, existindo dezenas de espécies vege-
águas. tais no Brasil que podem ser utilizadas, tais como
(2) Energia proveniente do movimento das águas. É mamona, dendê ( palma ), girassol, babaçu, amen-
produzido por meio do aproveitamento do potencial hi- doim, pinhão manso e soja, dentre outras.
dráulico existente num rio, utilizando desníveis naturais,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 101


O biodiesel substitui total ou parcialmente Objetivos e Diretrizes
o óleo diesel de petróleo em motores ciclodiesel
automotivos (de caminhões, tratores, camione- Programa Nacional de Produção e Uso de
tas, automóveis, etc) ou estacionários (geradores Biodiesel (PNPB) é um programa interministerial
de eletricidade, calor, etc). Pode ser usado puro do Governo Federal que objetiva a implementação
ou misturado ao diesel em diversas proporções. A de forma sustentável, tanto técnica, como econo-
mistura de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo é micamente, a produção e uso do Biodiesel, com
chamada de B2 e assim sucessivamente, até o bio- enfoque na inclusão social e no desenvolvimento
diesel puro, denominado B100. regional, via geração de emprego e renda .

Segundo a Lei nº 11.097, de 13 de janeiro


Principais Diretrizes do PNPB
de 2005, biodiesel é um “ biocombustível deriva-
do de biomassa renovável para uso em motores a • Implantar um programa sustentável, promo-
combustão interna com ignição por compressão vendo inclusão social;
ou, conforme regulamento, para geração de outro • Garantir preços competitivos, qualidade e su-
tipo de energia, que possa substituir parcial ou to- primento;
talmente combustíveis de origem fóssil”. • Produzir o biodiesel a partir de diferentes fon-
A transesterificação é processo mais utiliza- tes oleaginosas e em regiões diversas.
do atualmente para a produção de biodiesel. Con- A Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005,
siste numa reação química dos óleos vegetais ou estabelece a obrigatoriedade da adição de um per-
gorduras animais com o álcool comum (etanol) ou centual mínimo de biodiesel ao óleo diesel comer-
o metanol, estimulada por um catalisador, da qual cializado ao consumidor, em qualquer parte do ter-
também se extrai a glicerina, produto com aplica- ritório nacional. Esse percentual obrigatório será
ções diversas na indústria química. de 5% oito anos após a publicação da referida lei,
Além da glicerina, a cadeia produtiva do havendo um percentual obrigatório intermediário
biodiesel gera uma série de outros co-produtos de 2% três anos após a publicação da mesma.
(torta, farelo etc.) que podem agregar valor e se
constituir em outras fontes de renda importantes
para os produtores.

Matéria-Prima
Nos conteúdos abaixo constam informações
sobre algumas fontes de matéria-prima:
v Plataforma da mamona da Embrapa Al-
godão - divulga os recentes avanços tecnológicos
e outras informações importantes que contribuam
para o fortalecimento da cultura da mamana.
v Apresentação com resultados parciais de
pesquisas desenvolvidas pela Epamig, financiadas
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, so-
Histórico do Programa
bre oleaginosas para o norte de MG e Vale do Je-
quitinhonha. Durante quase meio século, o Brasil desen-
volveu pesquisas sobre biodiesel, promoveu ini-
ciativas para usos em testes e foi um dos pioneiros
ao registrar a primeira patente sobre o processo de

102 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


produção de combustível, em 1980. No Governo definida com a instituição da Comissão Executiva
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio Interministerial, possuindo, como unidade execu-
do Programa Nacional de Produção e Uso do Bio- tiva, um Grupo Gestor.
diesel (PNPB), o Governo Federal organizou a ca-
Foi aprovado pela CEIB, em 31 de março de
deia produtiva, definiu as linhas de financiamento,
2004, o plano de trabalho que norteia as ações do
estruturou a base tecnológica e editou o marco re-
PNPB . No decorrer de 2004 as ações desenvol-
gulatório do novo combustível.
vidas permitiram cumprir uma etapa fundamental
Em 02 de julho de 2003 a Presidência da Re- para o PNPB que culminou com seu lançamento
pública instituiu por meio de Decreto um Grupo oficial pelo Presidente da República Luiz Inácio
de Trabalho Interministerial encarregado de apre- Lula da Silva, em 06 de dezembro de 2004. Na
sentar estudos sobre a viabilidade de utilização de oportunidade houve o lançamento do Marco Re-
biodiesel como fonte alternativa de energia. Como gulátório que estabelece as condições legais para a
resultado foi elaborado um relatório que deu em- introdução do biodiesel na Matriz Energética Bra-
basamento ao Presidente da República para esta- sileira de combustíveis líquidos .
belecer o PNPB como ação estratégica e prioritária
Em 13 de janeiro de 2005 foi publicada a Lei
para o Brasil.
11.097, que dispõe sobre a introdução do biodiesel
A forma de implantação do PNPB foi esta- na matriz energética brasileira, altera Leis afins e
belecida por meio do Decreto de 23 de dezembro dá outras providências.
de 2003. A estrutura gestora do Programa ficou

PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO DE USO DO BIODÍSEO

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 103


Estrutura Mineral No Brasil Código de Minas foi desfeita, deixando claro que:

a) As Constituições Republicanas “A autorização só poderá ser concedida a bra-


de 1891 e 1934 sileiros, ou empresas constituídas por acionistas
brasileiros, reservado ao proprietário preferência na
O interesse estrangeiro pelos recursos mine-
exploração, ou a participação nos lucros.” “A au-
rais do Brasil, que se verificou desde a expansão
torização só poderá ser concedida a brasileiros, ou
marítima, ampliou-se a partir do século passado,
empresas constituídas por acionistas brasileiros, re-
em vista sobretudo do desenvolvimento do capi-
servado ao proprietário preferência na exploração,
talismo indústrial. Não havia então uma legislação
ou a participação nos lucros.”
que regulamentasse a atuação de empresas estran-
geiras no setor mineral. a Constituição de 1891 — Nessa linha de nacionalização dos recursos
a primeira Constituição Republicana — concedia minerais, houve, logo no início da década de 1940,
o subsolo ao proprietário do solo, não fazendo dis- dois atos legislativos.
tinção entre um e outro.
O primeiro deles estabeleceu, com base no
Em 1884, nove empresas, entre elas quatro de 1934, o novo Código de Minas da União, pelo
inglesas e uma francesa, extraíam ouro no Brasil. A qual “a propriedade da superfície abrangerá a do sub-
maior delas era a Saint John Del Rey Mining Ltd., solo na forma do direito comum, não incluindo, po-
empresa inglesa que desde 1830 explorava a mina rém, nesta a das substâncias minerais ou fósseis úteis à
de Morro Velho em Nova Lima (MG). Em 1957 indústria”. Quanto aos direitos de pesquisa, caberia
ela foi comprada pela poderosa Hanna Mining exclusivamente ao governo da União autorizá-la, e
Company, dos Estados unidos, e passou a chamar- só para “brasileiros, pessoas naturais e jurídicas, cons-
-se Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), que tituídas estas de sócios ou acionistas brasileiros”.
ainda explora o minério de ferro do Vale do Rio
O segundo, criado em 1941, abrangeu o pe-
Paraopeba, em Minas Gerais.
tróleo, estabelecendo que:
A 10 de julho de 1934, com a segunda
Constituição Republicana, o governo de Getúlio
“as jazidas de petróleo e gases naturais existentes
Vargas procurou disciplinar a questão da explora-
no território nacional pertencem à União, a título de
ção mineral. Para tanto, criou o Código de Minas,
domínio privado imprescritível.”
que consagrou o princípio de que “a propriedade
do solo é distinta da do subsolo”. O parágrafo 1o Após a deposição de Getúlio Vargas, em 29
do artigo 9o concedia a propriedade do subsolo ao de outubro de 1945, o governo do general Eurico
Estado. Gaspar Dutra imprimiu uma nova orientação na
Apesar do desejo de Vargas de dificultar a questão de minérios e do petróleo, estabelecendo
penetração de empresas estrangeiras no setor mi- fortes laços com os interesses norte-americanos.
neral e de preservar o domínio da União sobre Nas palavras de um reconhecido estudioso brasi-
este, a constituição de 1934 não conseguiu fazê-lo, leiro do assunto:
pois, ao afirmar que “as autorizações ou concessões
serão conferidas a brasileiros ou a sociedades orga- “A Assembleia Constituinte, instalada em 1946,
nizadas no Brasil”, permitia que fossem organizadas elaborou a nova Carta Magna do Brasil, sob pressão
sociedades no Brasil com capital estrangeiro. dos trustes americanos, notadamente a Standard Oil
of New Jersey e a International Telephone Telegra-
b) A Constituição de 1937 e a ph Co. [...] Os artigos 151, 152 e 153, sobre a
Assembleia Constituinte de 1946 propriedade do subsolo e o aproveitamento industrial
das minas e jazidas, inquietavam a Standard Oil.
Na Constituição de 1937, a ambiguidade do

104 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Schoppel, chegou ao Rio de Janeiro para acom- do o Ministério de Minas e Energia.
panhar os trabalhos da Constituinte. Hospedou-se A Constituição de 1967, do primeiro gover-
no Hotel Glória. O ex-presidente da República e no militar pós-1964, mudou os direitos de explora-
senador Artur Bernardes denunciou-o. Schoppel ção de recursos minerais, criando um novo Código
era agente da Standard Oil. Tinha como objetivo de Mineração. Extinguiu-se a preferência de que
a modificação do que dispunha a Carta do Estado gozava o proprietário do solo no direito de explo-
novo sobre a exploração do petróleo. E conseguiu-o. ração dos recursos minerais do subsolo, embora
O artigo 153 da Constituição saiu conforme os seus lhe fosse assegurada a participação nos resultados
desígnios.” econômicos. Mas o artigo 153 da Constituição de
(Moniz Bandeira, Presença dos estados unidos no Bra- 1946, que autorizava a exploração de recursos mi-
sil: dois séculos de história, p. 310.) nerais às sociedades organizadas no país (tanto na-
cionais como estrangeiras), não foi alterado.
“Artigo 153 — 1º — As autorizações ou con-
cessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros A Constituição de 1969, surgida em rea-
ou a sociedades organizadas no país, assegurada ao ção às agitações estudantis e movimentos grevis-
proprietário do solo preferência para a exploração. Os tas contra o governo autoritário, concedeu maior
direitos de preferências do proprietário do solo, quanto poder ao Governo Federal, reduzindo a autono-
às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a mia dos estados. Atos Institucionais — emenda à
natureza delas.” constituição de 1967 — deram maiores poderes ao
regime, inclusive os de cassar mandatos políticos,
Seguindo a política entreguista, em novem-
prender oponentes ao governo, aposentar compul-
bro de 1948, o presidente Dutra assinou o Acordo
soriamente funcionários públicos, professores etc.
Intergovernamental Brasil-EUA, pelo qual, com
recursos deste último país, deveriam ser realizados No setor mineral, não houve alterações so-
estudos detalhados de áreas de Minas Gerais quan- bre a participação do capital nacional/estrangei-
to ao potencial mineral. Data também da época de ro na exploração do subsolo. Foi criada a CPRM
seu governo a concessão de exploração do manga- (Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais),
nês do Amapá à Icomi (Indústria e comércio de empresa de economia mista sob a Jurisdição do
Minérios) que mais tarde associou-se à Bethlehem Ministério das Minas e Energia, com o objetivo
Stell Corp., um forte grupo produtor de aço nos de realizar, juntamente com a iniciativa privada,
EUA. estudos, de aproveitamento dos recursos minerais
do território brasileiro.
Getúlio Vargas voltou à presidência da Re-
pública, em 1951, eleito pelo povo, e manteve a
linha nacionalista de seu governo anterior. Em d) A Constituição de 1988
1953, depois de longa luta que envolvia pressões Duas correntes ou posições se confrontaram
estrangeiras pela exploração do petróleo do subso- no congresso Constituinte de 1987
lo brasileiro, foi criada a Petrobrás, empresa estatal
que passou a ter monopólio na prospecção e explo- De um lado, os nacionalistas, seguindo a tra-
ração, no refino e no transporte do petróleo bruto. dição, defendiam a reserva total do subsolo brasi-
leiro para as empresas ou capitais nacionais, usan-
c) As Constituições de 1967 e 1969 do dois argumentos básicos:
e a Questão Mineral que os minerais estratégicos (urânio e tório,
por exemplo) não podem ficar sob controle estran-
A partir de 1956, no governo Juscelino Ku- geiro, pois isso representaria uma ameaça para o
bitschek houve intenso processo de internaciona- próprio desenvolvimento do país;
lização da economia brasileira, que ganharia mais
impulso depois de 1964. No ano de 1960, foi cria- que os investimentos realizados pelas trans-
nacionais da mineração no Brasil eram pequenos,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 105


não contribuindo, assim, para maior desenvolvi- alterou o conceito de empresa brasileira de capital
mento do setor. nacional, passou a considerar “empresa brasileira”
a constituída sob as leis brasileiras e com sua sede
Do outro lado, os defensores da permanên-
e administração no país, abrindo, assim, o territó-
cia do capital estrangeiro no setor mineral argu-
rio nacional ao capital estrangeiro na exploração
mentavam:
mineral.
que o capital nacional não seria suficiente
para explorar o grande potencial mineral do país,
setor que exige altos investimentos e tecnologias Os Principais Jazimentos
complexas, num mundo cada vez mais competiti- Minerais do Brasil E Regiões
vo;
Produtoras
que o avanço científico e tecnológico aca-
baria por substituir gradativamente muitos mine- a) A Diversidade de Recursos
rais, não justificando, portanto, assegurar reservas Minerais e Sua Distribuição no
minerais para o futuro. Território Brasileiro
Saiu vencedor nesse embate a primeira cor- Os jazimentos estão localizados em áreas ge-
rente. A constituição de 1988 estabeleceu em seu ológicas de escudos cristalinos e de bacias sedimen-
artigo 176, parágrafo 1º: tares. A Grande Província Geológica de Carajás,
Serra Pelada (ouro), Vale do Rio Tapajós (ouro),
“A pesquisa e a lavra de recursos minerais [...] os jazimentos de minério de manganês da Serra do
somente poderão ser efetuados mediante autorização navio, no Amapá, de cassiterita (minério de esta-
ou concessão da União, no interesse nacional, por nho), em Rondônia, o minério de ferro e manga-
brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, nês do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais,
na forma de lei, que estabelecerá as condições espe- a bauxita (minério de alumínio) do Vale do rio
cíficas quando essas atividades se desenvolverem em Trombetas, além de outros minérios.
faixa de fronteira ou em terras indígenas.”
OS PRINCIPAIS PRODUTORES MUNDIAIS DE
Quanto à nacionalidade do capital na explo- MINÉRIO DE FERRO
ração mineral, a Constituição de 1988 voltou ao Milhões de
estabelecido em 1937 e anulado em 1946. A cor- País % do Total
Toneladas
rente nacionalista iria predominar de 1988 a 1994 China 224,7 24,0
(durante apenas 6 anos), enquanto que, de 1946 a Ex-URSS 155,0 16,5
1988, durante portanto 42 anos, os defensores da
Brasil 152,0 16,2
permanência do capital estrangeiro no setor mine-
Austrália 121,4 12,9
ral conseguiram fazer prevalecer seus interesses.
Índia 55,0 5,9
O governo do presidente Fernando Henri-
que Cardoso (1994–1998), em vista da globaliza-
ção e da política econômica neoliberal que se alas- b) Minério de Ferro
tra pelo mundo, deu prosseguimento à abertura da O território brasileiro possui grandes jazidas
economia e à flexibilização de monopólios. enviou de minério de ferro localizadas em terrenos pré-
para o Congresso Nacional, no primeiro semestre -cambrianos, mais particularmente nos escudos
de 1995, propostas de emendas constitucionais cristalinos, em terrenos que datam do Proterozico.
relativas ao capítulo “Da Ordem Econômica e Fi-
nanceira”. A Emenda Constitucional nº 6, de 15– O ferro é um metal que não se encontra em
08–1995, eliminou as restrições às empresas de ca- estado livre na natureza, a não ser nos meteoritos.
pital estrangeiro para explorar o subsolo brasileiro, Soa ocorrência natural se verifica sob a forma de

106 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


minérios, combinado com o oxigênio, o carbono, principais compradores no exterior são países da
o enxofre e outros elementos químicos. Europa Ocidental e o Japão.
Os principais minérios de ferro encontrados Podem-se reconhecer dois eixos de produ-
no Brasil e seu teor de ferro são: ção e escoamento do minério de ferro do Quadri-
látero Ferrífero:
• Hematita e magnetita (óxidos de ferro), teor
de mais de 60%; Vale do Rio Paraopeba: a produção, esco-
• Limonita, teor de menos de 60%; ada pela Estrada de Ferro Central do Brasil até o
• Siderita (carbonato ferroso), médio teor de porto do Rio de Janeiro e o terminal de Sepetiba
cerca de 48%; (RJ), destina-se a abastecer principalmente o mer-
• Pirita (bissulfeto de ferro), explorada para cado interno, ou seja, as usinas siderúrgicas loca-
aproveitamento do enxofre. lizadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais.
Calcula-se que o Brasil possui cerca de 12
milhões de toneladas em reservas de minério de Vale do Rio Doce: o minério de ferro é
ferro, o que lhe dá posição de destaque no cenário transportado pela Estrada de Ferro Vitória—Minas
mundial. O país se destaca também na produção, até os portos de Vitória e Tubarão (ES), de onde
sendo o terceiro produtor mundial . é exportado.
A maior concentração de jazidas de minério QUADRILÁTERO FERRÍFERO
de ferro no Brasil conhecidas e medidas encontra-
-se em Minas Gerais (2/3 do total brasileiro), se-
guida pelas jazidas do Pará e Mato Grosso do Sul.

BRASIL: PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS NA


PRODUÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO (2004
Minas Gerais 79,0%
Pará 20,0%
Mato Grosso do Sul 0,4%
São Paulo e Ceará 0,6%
Brasil 100,0%
FONTE: Adaptado de IBGE, Anuário Estatístico do Brasil,
2005.

Minas Gerais Fonte: Adaptado de Eduardo Leite do Canto, minerais,


minérios metais: de onde vem? para onde vão? p. 73.
As principais jazidas de minérios de ferro do
Estado de Minas Gerais localizam-se no Quadrilá- A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
tero Ferrífero ou Central, que abrange uma área uma das várias empresas que exploram o minério
de 7.000 km2, em cujos vértices encontram-se as de ferro do Quadrilátero Ferrífero, é a maior ex-
cidades de Belo Horizonte, Santa Bárbara, Maria- portadora desse produto do mundo. Foi privatiza-
na e congonhas (veja figura 16.2). O quadrilátero da no governo do presidente Fernando Henrique
possui hematita, limonita, canga, itabirito e outros Cardoso, em março de 1997, o que gerou manifes-
minérios de ferro de teor variável. tações de protestos por parte de certos setores da
A produção dessa área destina-se ao mer- sociedade brasileira.
cado interno (usinas siderúrgicas concentradas na Explora as jazidas de ferro de Itabira (explo-
região) e ao mercado externo, para o qual são ex- ração a céu aberto, em Cauê), Conceição e Dois
portados cerca de 50% da produção aí obtida. Os Córregos (MG). Além disso, participa de vários

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 107


outros empreendimentos: bauxita, em Minas Ge- pesquisar o subsolo da Amazônia.
rais e Pará; manganês, minério de ferro, ouro e co-
Uma grande província mineralógica foi
bre, na Serra dos Carajás (PA); titânio em Maicu-
descoberta no Pará, em 1967, pelo geólogo da em-
ru (PA); celulose através de áreas reflorestadas em
presa Breno augusto dos Santos, precisamente na
Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo; pesquisas ge-
Serra dos Carajás, a sudoeste de Marabá (o centro
ológicas, pesquisas tecnológicas e pesquisas ecoló-
comercial da castanha-do-pará no Brasil), a cerca
gicas, ambientais e socioeconômicas. O transporte
de 500 km ao sul de Belém, entre os rios Xingu e
do minério de ferro para o mercado internacional
Araguaia.
é realizado por sua subsidiária, a Docenava (Vale
do Rio Doce Navegação S.A.), que, após entregar Num raio de apenas 60 km, além dos 18 bi-
a carga no país de destino, faz frete de retorno tra- lhões de toneladas de ferro de alto teor, também
zendo carvão mineral para o Brasil, que necessita foram encontrados 40 milhões de toneladas de
complementar essa fonte de energia para suas ne- bauxita, 1 bilhão de toneladas de minério de cobre,
cessidades internas. 100 milhões de toneladas de minério de manganês,
47 milhões de toneladas de níquel, 35 mil tonela-
Mato Grosso do Sul das de cassiterita e, também, ouro.
As jazidas de minério de ferro desse estado,
que possuem teor médio de 60%, localizam-se no Os Governos Militares e os “Projetos
Pantanal Mato-Grossense, no Maciço de Urucum, Faraônicos”
nas proximidades de Corumbá, onde também exis- Os governos militares (1964–1985) lançaram
tem jazidas de minério de manganês. vários projetos de impacto, chamados criticamente
Entretanto, em virtude da distância e da fal- de “projetos faraônicos” pela dimensão que abran-
ta de meios de transporte para os principais centros giam: Rodovia Transamazônica, Usina Hidrelétrica
consumidores, além da pequena utilização in loco, de Itaipu, Ponte Rio—Niterói, Usina Termonucle-
a produção é modesta (veja tabela 16.2), sendo es- ar de angra dos Reis, Usina Hidrelétrica de Tucu-
coada em chatas pelo rio Paraguai, para abastecer ruí, Ferrovia do Aço e outros. Alguns deles, como
os países do Mercosul. a Transamazônica e a Usina de angra, não alcan-
çaram os resultados desejados. Além disso discute-se
Pará (Serra dos Carajás e oProjeto Grande a questão do custo–benefício dessas grandes obras.
Carajás)
De início, em 1970, a companhia Vale do
Até as décadas de 1960 e 1970, muitos dos
rio Doce (na época, estatal) associou-se à Amazô-
minérios utilizados pelo Canadá, pelos Estados
nia Mineração S.A. (Amza), subsidiária da United
Unidos e por países europeus eram fornecidos pelas
States Steel no Brasil, para explorar o minério de
colônias africanas. com a independência — desco-
ferro da Serra dos Carajás. Sete anos depois, a em-
lonização — destas, o receio de que os novos paí-
presa norte-americana saiu da sociedade em vista
ses africanos pudessem dificultar o abastecimento
dos baixos preços do minério de ferro no mercado
regular de minérios fez com que empresas transna-
internacional e da necessidade de pesados inves-
cionais investissem mais na pesquisa de minérios
timentos na criação de infraestrutura para a ex-
no subsolo amazônico.
ploração e o escoamento do produto até o litoral
Os EUA, cujas reservas de minérios de man- (estrada de ferro, porto marítimo etc.)
ganês de alto teor tinham se esgotado, passaram,
No final da década de 1970, a Vale do Rio
por razões econômico–estratégicas, a procurá-los
Doce apresentou ao governo um projeto bastante
em outros países e a importá-los em grande quanti-
ambicioso, denominado “Amazônia Oriental —
dade, estocando-os no Deserto de Nevada. a pode-
um projeto nacional de exportação”, envolvendo
rosa transnacional norte-americana do aço United
não só a exploração dos recursos minerais, mas
states Steel começou, já no início dos anos 60, a

108 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


também o potencial agrícola-pecuário e madeirei- de 2 bilhões de dólares, o Brasil recorreu a orga-
ro. Desejava-se criar um “corredor de exportação” nismos internacionais, os quais exigiram que 30%
em que a iniciativa privada também participasse. do capital da Vale do rio doce passassem para a
Para tanto seriam necessários investimentos em iniciativa privada. Assim, foram lançadas debên-
ferrovias, rodovia, produção de eletricidade, porto tures conversíveis em ações. como cerca de 20%
marítimo etc., que envolviam a impressionante ci- do capital da empresa já eram negociados nas bol-
fra de 61,7 bilhões de dólares. sas de Valores no fim do governo João Figueiredo
(1985), o Estado brasileiro tinha perdido boa parte
O Projeto Grande Carajás, como ficou co-
do controle da empresa.
nhecido, amplamente divulgado no Brasil e no
exterior pelo governo Ernesto Geisel, foi mais Para dar suporte energético ao Projeto
um projeto de impacto lançado pelo governo mi- Grande Carajás, foi construída no Rio Tocantins
litar (veja o quadro 16-A). Contribuiu, na época a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, enorme obra de
(1979–80), para resgatar a credibilidade do país engenharia hidrelétrica, com mais empréstimos no
junto a banqueiros internacionais. Para o cidadão exterior.
brasileiro representou uma esperança de solução
Atualmente, a Vale do Rio Doce explora o
para os problemas do país (dívida externa, reces-
minério de ferro de Carajás produzindo cerca de
são, desemprego, aumento da pobreza e da miséria,
33 milhões de toneladas anuais, destinadas prin-
inflação etc.). Chegou-se a declarar, com ufanismo
cipalmente a abastecer um consórcio de indústrias
desmedido, que Carajás pagaria nossa volumosa
japonesas criado para a importação do produto.
dívida externa. Criava-se uma falsa euforia, uma
falsa esperança. Por quê? Utilizando toda a infraestrutura instalada
para o Projeto Ferro Carajás, inclusive as usinas–
O Projeto Grande Carajás envolvia enormes
piloto de beneficiamento, produz-se minério me-
investimentos de dinheiro em tecnologia, infraes-
talúrgico (manganês) para ligas de ferro, o dióxido
trutura, pesquisa científica etc. O país, endividado
natural de manganês para a fabricação de baterias
e sem “condições de caixa”, não conseguiria con-
elétricas e minério para as indústrias química, ce-
cretizá-lo a curto ou médio prazo. A saída escolhi-
râmica, de fertilizantes e de pesticidas.
da foi aprofundar a inserção do Brasil no sistema
financeiro e empresarial internacional. Além do minério de ferro, o Projeto Grande
Carajás faz o aproveitamento do minério de man-
A Companhia Vale do Rio Doce associou-
ganês, do cobre e da bauxita.
-se a vários grupos estrangeiros para a exploração
mineral. A consequência foi o aumento do endi-
vidamento externo e a abertura da Amazônia para
c) A Bauxita do Projeto Grande
os investimentos estrangeiros, consolidando-se,
Carajás e do Vale do Rio
assim, um intenso processo de internacionalização Trombetas
dos recursos naturais da região. A transnacionalização da Companhia Vale
Dentro do Programa Grande Carajás, o Pro- do Rio Doce e o poder de controle sobre o terri-
jeto Ferro Carajás foi o primeiro a ser implantado, tório.
iniciando com a construção da Estrada de Ferro Entre as jazidas minerais descobertas pelo
Carajás, inaugurada em 1989, ligando a área de Projeto Radambrasil, na década de 1970, encon-
extração ao ponto marítimo de Itaqui ou Porto tram-se os depósitos de bauxita em Paragominas
de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão, (PA). antes dessas jazidas, a Alcan, transnacional
numa extensão de 890 km. O ponto foi equipado canadense do ramo de alumínio, descobriu a jazida
para exportar minério de ferro e para receber gra- de bauxita no Vale do Rio Trombas em 1966,
neleiros de grande capacidade de transporte.
Calcula-se que as jazidas de bauxita da Ama-
Para a construção dessa ferrovia, a um custo

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 109


zônia correspondam a 1/6 das reservas mundiais. sas:
Nas décadas de 1970 e 1980, seguindo a po- • Mineração Rio do Norte (1979), para a ex-
lítica dos governos militares (1964–85) de ocupar ploração das jazidas de Oriximiná, no Vale
e aproveitar economicamente o espaço amazônico do Rio Trombetas (PA). a produção é trans-
com base no grande capital, a Vale do Rio doce portada por via fluvial para os portos das usi-
associou-se a empresas de mineração estrangeiras nas de beneficiamento Albrás e Alunorte.
através de joint-ventures. As explicações para tais Composição do capital: Vale do Rio Doce,
associações compreendiam desde a necessidade de 46%; Grupo Votorantim, 10%; Alcan, 24%;
conjugação de tecnologias e capitais até o proces- Shell–Billiton Metals (anglo-holandesa),
so de globalização da economia comandado pelas 10%.
transnacionais. Todavia convém lembrar que essa • Alumar (1984), instalada em São Luís, no
foi uma forma encontrada pelo Estado brasileiro, Maranhão, produz alumínio e alumina com
na época, para assegurar a sobrevivência das esta- a bauxita do Vale do Rio Trombetas. Capital
tais através de sua transnacionalização. A CVRD totalmente estrangeiro: Alcoa, 60%; Shell–
tornou-se, pois, o elo de ligação entre o capital es- Billiton Metals, 40%.
tatal e o internacional na exploração de recursos • Albrás (1985), beneficia e produz alumínio
minerais da Amazônia, o que revela, com clare- e alumina a partir da bauxita do Vale do Rio
za, que as estatais foram utilizadas pelos governos Trombetas. Composição do capital: Vale do
no sentido de se criarem condições favoráveis à Rio Doce, 51%; NAAC (Nippon Amazonas
produção de espaços transnacionais no território Aluminium company), 49%.
brasileiro. enormes porções do espaço foram apro- • Alunorte (1988), beneficia e produz alumí-
priados pelos grandes projetos, gerando conflitos nio e alumina a partir de bauxita do Vale
de interesses entre grandes empresas e posseiros, do Rio Trombetas. Composição do capital:
indígenas, pequenos e médios fazendeiros, sem- Vale do Rio Doce, 60,8%; NACC, 39,2%.
-terra, peões, garimpeiros e a sociedade brasileira
em geral. Por Que as “Seis Irmãs” Procuraram o Brasil?
Nas palavras de Bertha Becker, geógrafa bra- A produção mundial de alumínio é controlada
sileira: por um cartel de seis empresas lideradas pela Alcoa
e pela Alcan. Nos anos 60, os países produtores de
“O controle exercido pelos detentores do poder bauxita, tendo à frente a Jamaica, iniciaram esforços
científico-tecnológico moderno configura com o con- para elevar o preço do minério internacionalmente.
texto contemporâneo da gestão do território como a As multinacionais reagiram abrindo minas na Aus-
prática estratégica, científica e tecnológica do poder trália e no Brasil, onde grandes reservas foram opor-
do espaço [...].” tunamente descobertas. Além disso, devido a proble-
(Bertha K. Becker, Amazônia, p. 63.) mas de poluição e aumento do custo de energia, as
“seis irmãs” resolveram transferir suas usinas para
Um grupo de empresas conhecido como países subdesenvolvidos.
“seis irmãs” — Alcan (Canadá), alcoa (EUA),
Texto adaptado de Retrato do Brasil, v. 2, p. 485.
Reynolds (EUA), Kayser (EUA), Péchiney (Fran-
ça) e Alusuisse (Suíça) — forma um cartel em Para a fabricação dos produtos citados é
relação à bauxita, detendo o controle mundial do necessária muita energia elétrica. Esse problema
comércio de alumínio (veja quadro 16–B). Duas foi resolvido com a construção da já mencionada
dessas empresas operam no Brasil, a Alcan e a Al- Hidrelétrica de Tucuruí pela eletrobrás, a empre-
coa. sa estatal responsável pela política de energia elé-
Para explorar a bauxita na Amazônia e in- trica no Brasil. Essa empresa fez um acordo, com
dústrializá-la foram formadas as seguintes empre- essas transnacionais, de fornecimento de energia

110 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


elétrica pela usina com desconto de 15% na tarifa Dutra transformou-as em reserva nacional e em
pelo prazo de 20 anos e de que os custos com ele- seguida colocou sua exploração em licitação. A
tricidade não ultrapassarão 20% do preço do metal vencedora, a empresa brasileira Icomi (Indústria
no mercado internacional, quaisquer que fossem e Comércio de Minérios), com o passar do tempo
as alterações na tarifa durante esse período. Isso formou um grupo econômico poderoso e, posterior-
gerou grande polêmica junto à sociedade brasilei- mente, associou-se à Bethlehem Steel Corp. (gran-
ra, membros do congresso Nacional e de setores de grupo produtor de aço nos EUA). a concessão
organizados da população, como os movimentos de exploração foi dada pelo prazo de 50 anos.
ambientalistas, que condenavam não somente o
Para escoar a produção, a Icomi construiu a
subsídio como também a construção de grandes re-
Estrada de Ferro do Amapá, numa extensão de 193
presas, devido a seus efeitos negativos sobre o meio
km, unindo a Serra do Navio até o porto marítimo
ambiente.
de Santana< também construído por essa empresa.

d) Minério de Manganês A produção de minério de manganês do


Amapá destina-se, em larga escala, ao mercado ex-
São vários os minérios de manganês: pirolu- terno pelas seguintes razões:
sita, manganita, polianita, braunita, rondonita etc.
v dificuldade de aproveitamento do minério
O manganês é de grande importância para in loco, em vista da ausência de indústrias siderúr-
as indústrias siderúrgica, química, cerâmica, de ba- gicas e de outros ramos indústriais afins:
terias elétricas, de fertilizantes, de pesticidas e de
v maior proximidade em relação aos centros
alimentação animal.
consumidores do exterior e a grande distância em
É uma das matérias-primas utilizadas na fa- relação aos internos (o maior comprador são os
bricação do aço (a outra é o ferro). Dependendo EUA).
da proporção de manganês utilizada, obtêm-se aços
O minério de manganês de alto teor já foi
especiais de grande dureza e com aplicações varia-
todo explorado. Calcula-se que dentro de 10 anos
das: peças mecânicas submetidas a atritos, ferra-
as jazidas do Amapá estarão esgotadas. O municí-
mentas de corte etc.
pio de Serra do Navio, de 2 mil habitantes, nas-
O minério de manganês, como o de ferro, ceu e vive delas, o que implica a necessidade de se
é detectado em terrenos antigos, datando do Pro- buscarem alternativas econômicas para essa área.
terozoico, junto a rochas metamórficas algonquia- Este é mais um fato a evidenciar a precariedade do
nas, associado com minérios ferríferos. planejamento e a falta de responsabilidade social
O Brasil possui a terceira maior reserva do do Estado relativamente aos grandes projetos mi-
mundo, sendo superado apenas pela Rússia e pelo neradores, permitindo a instalação destes sem uma
Gabão (África Ocidental). Ocupa o quinto lugar previsão para a solução dos problemas futuros da
em extração ou produção, atrás da Rússia, da chi- população envolvida.
na, da África do Sul e do Gabão.
Minas Gerais
As principais áreas de ocorrência e produção
O minério de manganês do Estado de Minas
são: Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso do sul e
Gerais localiza-se no Quadrilátero Ferrífero, coin-
Pará (Serra do Carajás).
cidindo com a área de ocorrência do minério de
Amapá ferro. As maiores concentrações encontram-se em
Conselheiro Lafaiete (Morro da Mina), São João
As jazidas de manganês do Amapá, desco- del Rey, Itabira e Ouro Preto.
bertas na década de 1940, localizam-se na Serra do
Navio, nas margens do Rio Amapari, afluente do A produção visa atender as necessidades das
Araguari. Em 1946, o governo de Eurico Gaspar indústrias siderúrgicas do sudeste, cuja localização

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 111


espacial foi influênciada pela presença de jazidas ranapanema e Patiño.
de minérios de ferro e manganês.
O garimpeiro de ontem, para sobreviver,
é hoje um requeiro, catador de restos de minério
Mato Grosso do Sul
que as retroescavadeiras das empresas de minera-
Nesse estado, as jazidas de minério de man- ção deixam cair e não recolhem. Com pa, picare-
ganês também coincidem com os depósitos de mi- tas e um saco ele trabalha ao lado das máquinas,
nério de ferro, surgindo no Maciço de Urucum, arriscando-se a acidentes fatias: o braço da retro-
nas proximidades de Corumbá, no Pantanal Mato- escavadeira muitas vezes o atinge, ou os barrancos
-Grossense. a produção é bem menor que a obtida desmoronam e o soterram.
em Minas Gerais, Amapá e Pará, em virtude da
grande distância em relação aos centros consumi-
dores internos e externos e da limitação de seu Garimpagem
aproveitamento local. O minério é escoado para o
O garimpo é uma atividade histórica no Bra-
Paraguai e a Argentina através do rio Paraguai, a
sil. A busca de ouro e pedras preciosas foi realizada
partir do porto fluvial de Corumbá.
desde a chegada dos portugueses.
e) Cassiterita e Outros Minerais Nas últimas três décadas, com a expansão da
fronteira em direção à Amazônia, iniciada com a
A cassiterita ou minério de estanho é de construção da rodovia Belém—Brasília (1956–60)
grande importância econômica. O estanho entra e intensificada com os governos militares através
na formação de ligas, na fabricação de folha-de- dos projetos de integração nacional, aumentou a
-flandres, além de inúmeras aplicações. migração de brasileiros para essa região, e a garim-
Esse minério é encontrado em pegmatitos pagem tornou-se a atividade econômica de milha-
(rocha magmática plutônica ou intrusiva), mas res de pessoas.
surge também na forma de sedimentos em depó- São vários os garimpos da Amazônia, como
sitos aluviais. também já existem muitos abandonados em vista
Os estados produtores de cassiterita no Bra- de seu esgotamento ou da proibição governamen-
sil são Rondônia, Amazonas, Minas Gerais, Pará e tal, como foi o caso de Serra Pelada, no Pará.
Mato Grosso, com destaque para Rondônia, que, Três desses garimpos tiveram destaque na
com seus ricos aluviões, é responsável por cerca de imprensa: Serra Pelada, Serra Leste e Vale do rio
50% de cassiterita explorada no Brasil. Tapajós, este último em vista da destruição do
A exploração da cassiterita em Rondônia meio ambientes e, principalmente, pelo despejo de
iníciou-se na forma de garimpagem em 1958, mas, toneladas de mercúrio no Rio Tapajós com todas
após a construção da rodovia Brasília — Acre, pas- as suas consequências.
sando por Porto Velho, formaram-se empresas de Serra Pelada, no Estado do Pará, próximo à
extração, atraídas pela melhoria da infraestrutura Serra dos Carajás, chegou a ter, em 1984, 50 mil
viária, o que gerou conflitos com os garimpeiros. pessoas em busca de ouro. Segundo Bertha K. Be-
Em 1971, quando o processo de globaliza- cker, no livro Amazônia (São Paulo, Ática, 1990),
ção já estava em curso, o governo federal favore- o número de garimpeiros em toda a Amazônia cor-
ceu a transnacionalização dos recursos minerais, responde a 240 mil, o que representa 80% dos ga-
do espaço geográfico e da economia de Rondônia, rimpeiros existentes no Brasil.
proibindo a garimpagem da cassiterita no estado. Embora o ouro de Serra Pelada tenha sido
Deu a concessão de exploração a várias empresas descoberto em 1980, a Vale do Rio Doce detinha
estrangeiras e nacionais, tais como Brascan, British os direitos de pesquisa e lavra desde 1974. Ape-
Petroleum, Billiton-Grupo Shell, Grupo Itaú, Pa- sar disso, a área foi invadida pelos garimpeiros.

112 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Para acalmar a situação, o Serviço Nacional de de desastres ecológicos, de destruição de ecossiste-
Informação (SNI) liberou a garimpagem manual, mas, enfim de destruição do planeta. A aplicação
implantou um controle registrando o garimpo e de coinhecimentos técnico-científicos pode evitar
permitindo a venda do ouro só para a Caixa Eco- a destruição do meio ambiente.
nômica Federal.
A exploração mineral a céu aberto arrasa
Nasceu, dessa maneira,. a cidade de Serra paisagens inteiras: retira a cobertura vegetal; des-
Pelada, que, em 1996, possuía 6.800 habitantes. trói o relevo; seus rejeitos, muitas vezes largados
caoticamente, tornam-se uma fonte de detritos que
Em 1992 foram restabelecidos os direitos da
provocam o assoreamente dos rios e alteram as ca-
Vale do Rio Doce, mas o impasse entre esta e os
racterísticas físicas e químicas dos cursos fluviais,
garimpeiros não foi totalmente resolvido.
com consequências drásticas para os ecossistemas
Serra Leste, no Pará, faz parte de Serra Pe- terrestre e aquáticos; afetam as populações ribeiri-
lada, distando apenas 2 km desta. A descoberta de nhas que dependem dos rios para sobreviver, seja
ouro na área em 1996 atraiu milhares de garimpei- como fonte de alimento, como meio de transporte
ros que afirmam ter o direito de exploração, pois o ou, ainda, para o desenvolvimento da agricultura
governo do presidente João Figueiredo concedeu em suas margens ou várzeas que contêm depósitos
provisoriamente a posse durante três anos e a mes- de sedimentos.
ma foi prorrogada várias vezes.
As minerações em larga escala, como as que
Os conflitos entre grupos têm se tornado ocorrem na Amazônia, têm causado danos ao ecos-
uma constante na produção do espaço geográfico sistema que ainda não foram convenientemente
amazônico. avaliados. A maioria dos projetos foi implantada
Até praticamente 1960, a terra não tinha sem o devido Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
valor como mercadoria na Amazônia, salvo aque- São mais de 50 minas em exploração ou mais de
las situadas nas imediações das capitais e centros 50 focos de alteração ambiental, sem considerar as
regionais. Não havia, assim, grandes conflitos de áreas de garimpo.
territorialidade. Entretanto, com a expansão da A mineração do ferro, em si, não causa tan-
fronteira agropecuária e mineral em direção à re- tos danos ambientais como a do ouro e a da bau-
gião, os diversos protagonistas sociais passaram a xita. Mas ela destrói o relevo, arrasa montanhas
definir seus territórios ou a se territorializar (grupos e cria uma instabilidade nas encostas e escarpas,
dominantes, empresas, camponeses, indígenas, ga- acelerando o processo erosivo. Além disso, se não
rimpeiros e seringueiros), gerando muitos conflitos se construírem barragens ou tanques para decan-
entre as partes e entre estas e o Estado. tar a lama originária dos rejeitos, ocorrerá a con-
taminação das águas. Outro problema ambiental
corresponde à poeira do minério e da sílica em
A Mineração e os Impactos suspensão no ar que provocam danos à saúde dos
Ambientais trabalhadores das minas e dos moradores vizinhos.
A doença mais grave provocada pela mineração do
Sabemos que é inevitável a exploração de
ferro é a silicose, que paulatinamente compromete
recursos minerais. A sociedade indústrial e pós-
a capacidade respiratória do ser humano.
-indústrial dependem deles, pois estão presentes
na fabricação de diversos tipos de objeto, desde os A cidade de Itabira (MG), onde atua a Vale
mais simples, como, por exemplo, utensílios de co- do Rio Doce, sofreu durante muitos anos a polui-
zinha, até os mais sofisticados, como aparelhos de ção da atmosfera causada pela exploração do miné-
ultrasom, satélites artificiais, ônibus espacial etc. rio de ferro. A área metropolitana de Vitória (ES)
também sofre com o processo de pelotização do
Entretanto não se pode permitir que a explo-
minério de ferro realizada pela Vale do Rio Doce;
ração mineral seja mais uma causa, entre muitas,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 113


nesse processo são utilizados óleo combustível e abandonadas, são espalhados nas áreas próximas,
cal, que causam uma intensa poluição do ar. A opi- fornecendo ácidos e sais que, com as chuvas, con-
nião pública, o governo estadual e as prefeituras taminam as águas dos rios e dos lençóis subter-
municipais da área metropolitana de Vitória che- râneos, além de criar uma paisagem caótica e de
garam a interditar usinas em 1990, levando a Vale destruição.
do Rio Doce a tomar as providências necessárias
Se as empresas de mineração causam degra-
para baixar o nível de poluição.
dação ambiental, o garimpo não fica atrás, tanto
Outro grave problema ambiental ocorreu aquele que utiliza técnicas rudimentares como os
com a exploração da bauxita (minério de alumí- que se servem de equipamentos modernos como
nio) do Vale do Rio Trombetas, no Pará. Na ex- dragas para retirar os aluviões dos rios e dos iga-
ploração realizada pela Mineração Rio do Norte, rapés.
já citada, os rejeitos argilosos, de cor vermelha e
Ao realizar a remoção do solo nas margens
poluentes, resultantes do processamento do miné-
dos cursos de água, os garimpos alteram profunda-
rio foram despejados no Lago Batata, provocando
mente o sistema natural das várzeas fluviais, con-
um imenso assoreamento e quase a destruição da
tribuem para o desmoronamento de barrancos,
vida no lago.
que, juntamente com o despejo de material argi-
Os órgãos competentes do governo fede- loso resultante da lavagem do cascalho por jatos
ral (Conama, Ibama), do estadual (Pará) e a opi- d’água, causam o assoreamento e a poluição das
nião pública pressionaram e a empresa modificou águas (por dejetos e sedimentos), tornando-as bar-
o sistema de processamento: os rejeitos são agora rentas e comprometendo não só a vida aquática
devolvidos às covas de onde se retirou o minério, mas também os mananciais de abastecimento pú-
coloca-se sobre estas uma camada de solo e, em se- blico. O óleo combustível despejado nos rios pelos
guida, realiza-se o plantio de espécies vegetais na- vazamentos dos motores e equipamentos agrava a
tivas do local no sentido de fazer a recomposição situação.
ambiental.
Além desses fatos, vale lembrar o problema
A exploração da bauxita é sempre ameaça- do intenso uso do mercúrio pelos garimpos do ouro.
dora para o meio ambiente. Nos países indústriali-
É na Amazônia que estão localizados os
zados, as pressões sobre as indústrias que purificam
maiores garimpos de ouro: Rio Madeira, Serra Pe-
a bauxita são grandes. Essa é uma das razões pelas
lada, Serra Leste, alto Rio Branco, Rio Juruena,
quais essas indústrias, nas décadas de 1970 e 1980,
Rio Aripuanã, Rio Tapajós etc. Mas é no Vale do
procuraram se instalar em países subdesenvolvidos,
Rio Tapajós que a atividade tem sido mais intensa.
onde, em geral as pressões, quando existem, são
Os estragos ambientais, principalmente a poluição
menores e a legislação ambiental é complacente
do rio com o mercúrio, atingem proporções alar-
ou mais facilmente burlada.
mantes.
Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, quando
pouco se falava em meio ambiente, a Companhia
Valem do Rio Doce provocou sérios danos nos es-
tados de Minas Gerais e Espírito Santo, destruindo
principalmente florestas (Mata Atlântica) e ecos-
sistemas e poluindo a área.
A mineração em profundidade também
compromete o meio ambiente. Um exemplo gri-
tante são as explorações de carvão mineral do sul
do Brasil (Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
Os entulhos não retornam às galerias das minas

114 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


A Mineração Garimpeira é uma Questão Política, Econômica, Social e Ecológica
A mineração garimpeira com todos os problemas sociais e ambientais decorrentes, é um fato econômico na Amazônia e
uma atividade legítima para milhares de trabalhadores. toda tentativa de planejar mudanças na atividade mineira com parti-
cipação significativa do garimpo deve extrapolar a questão mineral e fazer parte de uma política regional de desenvolvimento
sócioeconômico. Nesse sentido é necessário:
• definir espaços territoriais para garimpos e regulamentar a atividade garimpeira, resguardando as terras indígenas e
as áreas de preservação ecológica;
• garantir orientação e assistência técnica para melhorar a mineração, as condições de saúde e segurança e proteger o
meio ambiente;
• coibir o trabalho escravo, exigir condições dignas de trabalho e garantir a livre associação dos trabalhadores dos
garimpos;
• combater o contrabando de ouro e pedras preciosas, disciplinando os esquemas de abastecimento e transporte e
atuando diretamente na comercialização;
• introduzir, por meio de incentivos, a obrigatoriedade do uso de aparelhos condensadores no processo de queima do
amálgama de mercúrio;
Todas essas iniciativas dependem, sobretudo, de efetiva vontade política por parte dos governantes.
Gerôncio Albuquerque Rocha. Ai de ti, Amazônia, in Revista de Estudos Avançados,
maio-jun. 1992, p. 75 e 76.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 115


Agropecuária 1
CAPÍTULO

Agropecuária: aves, etc. mortos, transformando-os em matéria


orgânica. O húmus ou matéria orgânica é rica em
Os Solos, sua sais minerais importantes para o desenvolvimento
Potencialidade Agrícola das plantas.

e o Delineamento Procurando compreender melhor o solo, de-


vemos considerar que ele é um corpo tridimensio-
Macroagroecológico do nal, ou seja, possui comprimento, largura e espes-
Território sura. Cada uma dessas dimensões exerce influência
na escolha e no manejo de uma lavoura ou cultura.
Solo: Noções Seu limite superior é a superfície terrestre e
Uma rocha submetida à ação da água, às os- seu limite inferior é dado pelo limite da atuação
cilações de temperatura e à atuação de seres vivos dos agentes biológicos e climáticos, ou seja, é de-
(animais e vegetais) irá, com o tempo, desintegrar- finido pelos processos pedogênicos ou pelo lugar
-se e decompor-se. Os minerais que a compõem onde estes cessam.
irão se fragmentar e se separar em pedaços cada vez Os extremos laterais de um solo correspon-
menores, até dar origem ao solo. dem aos limites que ele possui com outros tipos de
O solo é, então, formado pelas partículas dos solos.
minerais que compõem uma rocha. A formação do solo não se dá em um curto
espaço de tempo. Pode exigir de 100 até 2.500 anos
e depende de vários fatores: umidade, oscilações de
Solo é uma Rocha temperatura, ação biológica (animais e vegetais)
Suficientemente Decomposta e da própria resistência da rocha ao desgaste ou à
meteorização.
Entretanto, para a agronomia, esse conceito
não é suficiente. Ela se preocupa, entre outras coi- O tempo de formação do solo é determinado
sas, com a produção agrícola, com a produtividade, pela rapidez com que a rocha-mãe ou matriz, isto é,
com o desenvolvimento dos vegetais plantados, aquela que lhe dá origem, é meteorizada. De início
para assegurar boa colheitas. Assim, para a agro- ela é desgastada, formando o regolito, ou seja, ma-
nomia, o solo precisa, entre muitos outros fatores terial decomposto que repousa diretamente sobre a
que veremos, possuir vida, isto é, vida microbiana rocha matriz sem ter sofrido transporte ou ter sido
ou microrganismos. removido pela água da chuva, pelo vento, pelas ge-
leiras em seus deslocamentos e por outros agentes.
Solo é a camada superficial da crosta terres-
tre resultante da desagregação e decomposição das O regolito é um material que, segundo a
rochas e que possui vida microbiana edafologia, ainda não sofreu o processo de edafiza-
ção, ou seja, não se transformou em solo agrícola.
As plantas precisam de matéria orgânica - o
Constitui a primeira fase da formação do solo, que
húmus. E quem produz a matéria orgânica no solo
estudaremos em seguida.
são os microrganismos que aí existem. Eles atuam
sobre as folhas, galhos, gravetos, flores e troncos Se por um lado o solo precisa de centenas
caídos no chão e ainda sobre animais, insetos, ou milhares de anos para se formar, por outro ele

116 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


pode ser destruído ou prejudicado rapidamente. desdobra.
Em apenas dez anos de inervenção inadequada,
Assim, no decorrer do tempo, a rocha vai se
despreocupada ou irresponsável, em relação a esse
quebrando, partindo-se em pedaços cada vez me-
valioso recurso natural, podemos aniquilar vários
nores, transformando-se em materiais soltos. Esse
centímetros de solo.
processo recebe o nome de intemperismo físico ou
mecânico. Quando ele ocorre devido às mudanças
A Formação do Solo: O de temperatura, fala-se em desagregação por ter-
moclastia (do grego klastós, ou seja “que quebra”;
Intemperismo Físico, portanto, que quebra por ação da temperatura.
Químico e Biológico Quando ele ocorre devido à pressão do congela-
mento ou degelo da água nas fendas ou diáclases
Intemperismo é o conjunto de ações físicas
das rochas (a água, ao se congelar, aumenta de vo-
(ou mecânicas), químicas e biológicas que causam
lume em cerca de 9%), fala-se em desagregação por
a desagregação e a decomposição das rochas. Seu
crioclastia (do grego kryos, isto é, “gelo”; assim se
resultado final é a formação do solo. No intempe-
fala em quebra ou desagregação por ação do gelo).
rismo físico, o agente causador é a temperatura;
no químico, a água e, no biológico, os seres vivos. Existe ainda uma terceira forma de desagre-
Mas é importante observar que eles agem conjun- gação dos minerais das rochas. Ela é causada pelo
tamente e, dependendo do clima, predomina um trabalho destruidor do encontro de partículas ou
ou outro. materiais transportados peoos ventos, pelas gelei-
ras, pelo mar e pelos rios com a rocha. Esse proces-
so é conhecido pelo nome de abrasão.
A desagregação dos minerais das rochas pode
ainda ocorrer sob a forma de esfoliação esferoidal,
ou seja, em forma de casca de cebola. Isso ocorre
seguindo as isotermas da rocha, isto é, as linhas de
igual temperatura. Para que a esfoliação ocorra, a
rocha precisa possuir três direções de planos for-
mando um vértice. O maior aquecimento se dá
justamente no vértice, pois ele oferece três faces
de exposição; em seguida, nas arestas, que possuem
duas faces, e, finalmente, no meio da face. O maior
desgaste ocorre nos vértices e nas arestas, resultan-
O Intemperismo Físico do daí a esfoliação esferoidal, ou seja, a formação
de rochas esféricas, denominadas mutações.
No decorrer do dia, o aquecimento da Ter-
A decomposição química dos minerais das
ra, ou seja, do solo, das águas, da vegetação e das
rochas provocada pela água e pelos gases e ácidos
rochas pelos raios solares provoca, nestas últimas,
vai, por conseguinte, ao longo do tempo, transfor-
a dilatação dos minerais que as compõem. Durante
mando a rocha — decompondo-a —, dando ori-
a noite e a madrugada, com a diminuição da tem-
gem ao solo.
peratura do ar atmosférico, em vista do processo
de irradiação do calor solar pela Terra, os minerais O intemperismo químico ocorre princi-
das rochas se contraem. A dilatação e a contração palmente nas regiões de clima úmido, como, por
desses minerais, durante muito tempo, causam o exemplo, no Brasil, onde predomina o clima quen-
ponto de fadiga dos minerais e sua desagregação, te e úmido controlado por massas de ar equatoriais
da mesma forma que um arame se rompe quando e tropicais. as temperaturas quentes criam condi-
submetido a movimentos contínuos de dobra e ções satisfatórias para o desenvolvimento da vege-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 117


tação e favoráveis para o aumento da quantidade O perfil do solo, ou seja, um corte na verti-
de gás carbônico e ácidos orgânicos, substâncias de cal através do solo, mostra seus horizontes. Estes
grande ação no processo de decomposição química são representados por símbolos e convenções.
das rochas, conforme já vimos.
A esfoliação esferoidal ocorre também no
intemperismo químico. Aliás, é nesse tipo de in-
temperismo que ela ocorre mais comumente e obe-
decendo ao mesmo processo descrito no intempe-
rismo físico: primeiro, nos vértices da rocha; em
seguida, nas araestas; por último, no meio da face.
O intemperismo químico não é somente o
agente de formação de matacões, mas também do
relevo arredondado, das “meias-laranjas” ou dos
“mares de morro” das regiões tropicais úmidas,
como ocorre em parcelas do território brasileiro.

O Intemperismo Biológico
Os animais e os vegetais também participam
do processo de formação do solo.
As bactérias, os fungos, as algas, os liquens e
os musgos exercem seu papel produzindo nitratos,
ácidos orgânicos, gás carbônico e outras substân-
cias, que, uma vez incorporados à água, agem sobre
os minerais das rochas, auxiliando em sua decom-
Características dos Solos
posição. Os solos apresentam várias características,
O tatu, por exemplo, ao fazer o buraco no todas elas importantes para o conhecimento mais
solo, facilita a penetração da água e de substâncias aprofundado desse recurso natural imprescindível
químicas nela existentes. à vida animal e vegetal.

Encontrando condições favoráveis, certas Apontaremos, nesta abordagem, apenas


plantas podem se desenvolver nas fendas das ro- algumas de suas características, somente para in-
chas. O crescimento de suas raízes, ao exercer uma troduzi-lo no assunto e levá-lo a compreender a
força ou pressão nas paredes das fendas, contri- dinâmica terrestre ou, mais especificamente, a di-
buem para o processo de desagregação mecânica nâmica do solo: a profundidade, a textura e a fer-
das rochas. tilidade.

Horizontes do Solo Profundidade


Devemos entender como horizontes do solo Corresponde à espessura que um solo apre-
as camadas diferentes entre si que se sucedem em senta determinada pela camada impeditiva ao de-
profundidade, de cima para baixo. São eles que de- senvolvimento das raízes dos vegetais, que podem
finem o perfil do solo. ser, por exemplo, o lençol d’água subterrâneo per-
manente, o substrato rochoso ou camadas internas
Cada horizonte possui cor, composição mi- bastante adensadas. Quanto à profundidade, o solo
neralógica e textura próprias.

118 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


pode ser classificado conforme a tabela : Há solos que apresentam variações de tex-
tura de uma camada para outra, podendo, por
SOLO: PROFUNDIDADE E CLASSIFICAÇÂO exemplo, ser arenosos na superficial e compacta-
Solo Profundidade dos na profunda. Esses tipos de solo são facilmente
erodidos, pois a água, ao se infiltrar, não consegue
Raso menor ou igual a 50m
ultrapassar a camada compactada, provocando a
maior que 50cm e menor que
Pouco profundo lavagem ou lixiviação superficial.
100cm
maior que 100cm e menor que
Profundo
200m
Fertilidade
Muito profundo maior que 200cm
Essa característica está intimamente rela-
Um solo raso impõe certas limitações: difi- cionada à disponibilidade de elementos nutritivos
culta a fixação ou ancoragem do vegetal e restringe num solo, que possibilita ou não um bom desen-
seu acesso aos nutrientes e à própria água. Por sua volvimento dos vegetais. Entretanto, para uma
vez, os solos profundos podem também apresentar boa colheita, não basta que o solo seja fértil. Isso
restrições. Se o lençol freático for elevado ou se depende de uma conjugação de fatores: boa dre-
as camadas inferiores estiverem adensadas, pode nagem, regime das chuvas, topografia e principal-
haver obstáculos à penetração de raízes mais pro- mente o seu manejo pelo homem.
fundas, impedindo o desenvolvimento de lavouras
permanentes. Podemos citar, como exemplo de solo de
boa fertilidade natural no Brasil o latossolo roxo,
originário de rocha básica (aquela cuja percenta-
Textura gem de sílica oscila entre 45 e 52%); tem textura
argilosa ou muito argilosa e estrutura típica de la-
O solo pode ter textura arenosa, argilosa ou
tossolo; ocorre em superfícies planas e levemente
siltosa, dependendo do teor ou proporção de argila,
ondulosas, relacionadas com derrames basálticos e
areia e silte que contenha. a dominância de um ou
diques de diabásio; é encontrado principalmente
de outro no solo é que determina sua porosidade,
nos planaltos de Araucária da Bacia do Paraná, em
isto é, sua capacidade de absorção de água e oxigê-
trechos do Planalto Central, no Triângulo Mineiro
nio, que, como sabemos, são elementos importan-
e no sul de Goiás.
tes para as plantas.
Existem também os solos de baixa fertilida-
Os solos argilosos, dependendo de outros
de natural: a classe dos litossolos é um exemplo.
fatores, retêm mais água e nutrientes (cálcio, po-
São rasos ou muito rasos, possuindo muitas vezes o
tássio etc.). Os solos arenosos retém pouca água e
horizonte A alojado diretamente sobre o substrato
nutrientes, pois possuem grandes poros, facilitando
rochoso. São também ácidos e pobres em nutrien-
o escoamento da água.
tes.
Existe um procedimento prático para se ob-
servar a textura do solo. Pega-se um pouco de solo
na mão, molha-se com água, sem contudo enchar- A Erosão e a Degradação dos
cá-lo, e procura-se sentir nas pontas dos dedos se Solos
ele é áspero ou macio. Os solos arenosos mostram-
-se ásperos e recusam a ação de moldagem. Já os a) Erosão e Degradação: O Que
argilosos são macios e moldáveis, e são utilizados, São? Exemplos no Mundo e no
desde a Antiguidade, para a fabricação de vários Brasil
objetos: utensílios de cerâmica, tijolos, telhas, por-
A erosão, como já estudamos, é um processo
celanas etc.
natural caracterizado pela destruição e transforma-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 119


ção de rochas realizadas por um conjunto de agen- tação são processos integrantes de um processos
tes que modelam ou esculturam a superfície ter- integrantes de um processo mais amplo, isto é, do
restre. Participam desse processo os denominados ciclo de erosão. A erosão ocorre simultaneamente
fatores endógenos (tectonismo, vulcanismo, terre- à sedimentação ou deposição de materiais.
motos) e os fatores exógenos (clima, rios, correntes
O termo degradação do solo é mais utilizado
marítimas, vagas, água de escoamento superficial
pela pedologia e pelas ciências ambientais. Corres-
— enxurradas — animais e vegetais).
ponde também à erosão do solo, mas não se limi-
ta a esta. Inclui a acidificação, a acumulação de
Erosão – Voçoroca
metais pesados contaminando o solo, a diminuição
Entre os fatores exógenos, o clima tem uma de nutrientes minerais e de matéria orgânica até o
participação muito grande em todas as áreas da ponto em que seu uso pelo homem fica reduzido ou
Terra através das variações de temperatura, insola- até mesmo impossível
ção e umidade, da alternância do gelo e do degelo,
A erosão do solo é uma das principais causas
dos ventos e das chuvas. A esses agentes deve-se
visíveis de sua degradação, possuindo uma grande
somar a erosão antrópica ou antropogenética, ou
distribuição espacial na Terra. A degradação dos
seja, aquela realizada pelo homem em seu processo
solos é um dos mais sérios problemas ecológicos da
de construção e produção de espaços geográficos
atualidade, pois ocorre de forma considerável em
e as consequências, modificações e comprometi-
todo o planeta.
mentos ambientais resultantes.
Sabe-se que a erosão e a degradação dos so-
los podem ocorrer sem a intervenção humana (é o
caso da lixiviação, do intemperismo e das cheias ou
inundações). entretanto o crescimento populacio-
nal, a ampliação das áreas de cultivo, a industriali-
zação, o crescimento das cidades, a construção de
hidrelétricas, estradas, pontes, túneis, a ocupação
humana de encostas, as práticas modernas de agri-
cultura e pecuária, com o uso desenfreado de in-
seticidas, adubos químicos, máquinas pesadas etc.,
têm contribuído para alterações profundas do meio
ambiente, incluindo o solo.
A cada ano que passa, observa-se que mi-
lhões de toneladas de solo são transportados ou
arrastados pelas águas superficiais e pelo vento até
os rios, lagos e mares, reduzindo a capacidade de
produção e de produtividade da agricultura. Nos
rios, a deposição dos detritos tem provocado o
assoreamento, com graves consequências sobre a
vida animal e sobre a navegação.
Segundo a publicação Gaia: el atlas de la
gestion del planeta, perdem-se a cada ano, no
Entretanto não podemos perder de vista mundo, cerca de 11 milhões de hectares de terras
que, sempre que há destruição ou erosão causada cultiváveis. As causas são principalmente a erosão
pelos agentes do relevo, há em contrapartida um do solo, seu envenenamento com substâncias tóxi-
processo de construção ou deposição de materiais cas (inseticidas, pesticidas, enfim, agrotóxicos) e a
(sedimentação). Assim, a erosão e/ou a sedimen- utilização de terras cultiváveis para fins não-agrí-

120 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


colas. Calcula-se que, no último quartel do século b) Causas da Erosão e da
XX, tenham sido perdidos cerca de 275 milhões de Degradação dos Solos: A
hectares e que, se não houver providências para Laterização
conter o processo, chegaremos ao ano 2.025 com
uma perda equivalente a essa. Erosão do solo
No Brasil, a erosão do solo é também um A água, como já citamos, é o principal
fato preocupante. Nos últimos trinta anos, o avan- fator de erosão dos solos. Os outros fatores ou
ço indiscriminado e irresponsável da fronteira variáveis são:
agropecuária e mineral em direção à Amazônia,
• O tipo de solo (por exemplo, um solo com
com a derrubada de vastas porções da floresta e
mais de 65% de areia em sua composição
a prática da queimada, comprometeu largamente
granulométrica é mais suscetível à erosão do
muitos solos da região. Nesse processo não foram
que um solo argiloso).
adotadas técnicas orientadas de manejo do solo, ou
• A estrutura, a espessura e as forças de coesão
seja, de seu manuseio ou uso. Segundo especialis-
entre as partículas que formam os agregados
tas em solo é possível conviver satisfatoriamente
dos solos (daí a importância de se conhece-
com agricultura, pecuária e floresta na Amazônia
rem as classes de solos, para se poder orientar
(da mesma forma que é possível conviver com a
sobre seu uso, evitando-se consequências in-
caatinga do Sertão nordestino), desde que haja
desejáveis).
orientação e programas de educação e de manejo
• A quantidade, a duração e a frequência das
de forma sustentável. Malconduzida, a intervenção
chuvas.
humana se torna desastrosa.
• A cobertura vegetal existente na área estu-
Em Minas Gerais, a Empresa de Pesquisa dada.
Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) realizou • O comprimento e o grau de declividade das
estudos sobre as perdas de solo no estado e estimou encostas da ação antrópica.
perdas anuais de cerca de 68 milhões de toneladas
A conjugação desses fatores permite maior
de solo. Vimos anteriormente, a desertificação no
ou menor infiltração de água no solo, armazena-
Estado do Rio Grande do Sul. Os solos arenosos e
mento ou escoamento desta em superfície e em
rasos do chamado Areal de São João, no sudoeste
subsuperfície. Em consequência, ocorre maior ou
desse estado, sofreram intenso pisoteio do gado,
menor erosão ou destruição do solo.
através de uma pecuária que realizou o sobrepas-
toreio, ou seja, grande lotação de gado por área A ação da água, como agente de erosão, de-
de pastagem. A vegetação campestre não resistiu pende da quantidade que cai sobre um determina-
a tanta pressão e abriu espaço para a atuação dos do solo. Se esta for maior do que aquela que pode
ventos (erosão eólica), promovendo uma inten- infiltrar-se, haverá o escoamento superficial da
sa remoção do solo. Especialistas já conseguiram água e, consequentemente, a erosão do solo. Essa
resultados satisfatórios na contenção do avanço forma de erosão recebe o nome de erosão laminar
das dunas, realizando a revegetação nativa com o ou em lençol.
plantio de quebra-ventos (plantas que servem para Em áreas de encostas, a água superficial es-
proteger uma área da ação do vento) e outros pro- corre e vai formando a erosão de ravinamento ou
cedimentos. ravinas, ou seja, sulcos ou incisões contínuos, es-
treitos e de pouca profundidade.
O escoamento superficial da água somado
ao subsuperficial dá origens às voçorocas, isto é,
“rasgões” mais largos e mais profundos do solo do
que as ravinas, com laterais bem inclinadas, ge-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 121


ralmente com fundo plano ou chato. Às vezes seu O avanço da agropecuária no Centro-Oeste
aprofundamento é tal que chega a atingir o lençol é um exemplo disso, Nas regiões de topografia pla-
freático. na e suave, o uso excessivo de máquinas agríco-
las tem provocado a compactação subsuperficial
As áreas voçorocas são de difícil recupera-
do solo (chamada de pés-de-grade), deixando na
ção, podendo-se apenas controlá-las por meio do
superfície apenas uma fina camada de solo pulve-
desvio do escoamento superficial da água. As vo-
rizada, facilmente transportada pela erosão lami-
çorocas constituem um problema muito sério de
nar e pela erosão eólica. em consequência, há uma
erosão e, por conseguinte, de degradação dos solos
enorme perda de elementos nutritivos, que são
em diversas áreas do Brasil: são extensas na região
transportados pela água e/ou pelo vento, compro-
de Mococa, no Estado de São Paulo; nas proximi-
metendo e empobrecendo o horizonte superior do
dades de Brasília elas existem, resultantes da remo-
solo. a produção agrícola declina e os custos para a
ção de cascalho; em Minas Gerais, nos chapadões
recuperação dos solos são enormes. São poucos os
do Bugre e do Zagaia (próximo aos municípios de
agricultores que têm a possibilidade financeira de
Sacramento e São João Batista), atingem propor-
enfrentar tal desafio.
ções gigantescas.
Realizada a erosão laminar, o processo con-
Não-contidas, chegam a atingir quilômetros
tinua, levando ao pior, ou seja, ao ravinamento e
de extensão, criando uma paisagem desoladora, ca-
ao voçorocamento.
ótica, típica de destruição da superfície terrestre e
da impossibilidade de uso do solo. Nos últimos anos, vem aumentando no Bra-
sil a utilização de uma técnica conhecida como
A ocupação humana desordenada das en-
plantio na palha ou plantio direto. É uma técnica
costas de morros, sem os devidos cuidados com o
utilizada há mais de quatro décadas por agriculto-
escoamento da água das chuvas, tem provocado
res dos Estados Unidos, que consiste em se utilizar
mortes e desespero entre a populaçao de baixa ren-
a palha resultante da colheita para cobrir o solo.
da, que, não tendo onde morar, constrói seus bar-
Não se usa o processo de aração e gradagem (rea-
racos nas encostas. No Brasil, na época das chuvas
lizado anualmente), que rompe com a estrutura do
(no verão), os jornais informam continuamente
solo, tornando-o vulnerável à erosão.
a respeito as pessoas ou famílias inteiras morrem
soterradas pelo deslizamento de solo das encostas. O plantio direto é feito com as seguintes
etapas:
Como bem formula o geógrafo brasileiro Or-
lando Valverde: • Durante a colheita de grãos, os restos da cul-
tura — chamados popularmente de palha —
“[...] Os aguaceiros de verão causam desliza- são processados em um picador acoplado nas
mentos nas encostas desnudadas dos morros, de- colheitadeiras.
sabamentos, mortes, poluição de águas; as secas • Os restos picados são deixados sobre o solo,
facilitam os incêndios, originados geralmente dos criando assim um manto de proteção contra
capinzais. As catástrofes da natureza acentuam a o impacto das gotas da chuva, diminuindo o
miséria dos favelados, já acossados pelas violências processo erosivo, além de dificultar o cres-
da sociedade. cimento de plantas invasoras, pela falta de
(Orlando Valverde, Amazônia: ecologia, economia
luz, o que resulta em economia de herbici-
e política, in Crodowaldo Pavan (org.), Uma estratégia das. Importante também é o fato de que a
latino-americana para a Amazônia, v. 3, p. 181). palha sofre o ataque de microorganismos e
se transformam em húmus, enriquecendo o
As atividades agrícolas sem orientação téc-
solo de matéria orgânica.
nica ou de manejo são também responsáveis pela
• No momento do novo plantio, faz-se uma
erosão do solo.
abertura no solo por entre a palha e joga-se

122 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


o fertilizante — se necessário — e a semente O desenvolvimento satisfatório das plantas
do vegetal que se vai cultivar. Existem má- requer um “ponto” adequado de acidez e alcali-
quinas para realizar essa operação, ou seja, nidade. Para tanto, a ciência criou uma escala
sulcar o solo, adubar, semear e tapar o sulco. de acidez e alcalinidade do solo denominada pH
(potencial de hidrogênio), que expressa a concen-
O emprego dessa técnica já demonstrou
tração A escala mede o pH de 0 a 14. Um solo
muitas vantagens sobre o processo de mecanização
neutro (nem ácido nem alcalino) tem um pH de
intensiva. Além da produtividade agrícola obtida,
7. Abaixo de 7 é considerado solo ácido, possuindo
destaca-se sobretudo como técnica de conservação
elevada concentração de hidrogênio. Acima de 7
do solo.
corresponde ao solo alcalino com elevada concen-
Degradação do Solo tração de bases.

Como citamos anteriormente, os fatores res- A maior parte das plantas necessita de um
ponsáveis pela degradação do solo, além da erosão, pH neutro, ou seja, 7, para melhor se desenvolve-
são a contaminação por metais pesados, a acidifi- rem. É nesse “ponto” que se dá a reação mais favo-
cação, a diminuição de nutrientes minerais e orgâ- rável à disponibilidade dos nutrientes.
nicos e a laterização, comprometendo gravemente O Brasil possui solos ácidos, mas esse é tam-
o solo e, por conseguinte, a prática da agricultura. bém um problema mundial.
A acidificação do solo (nível elevado de Para elevar o pH do solo, ou seja, para torná-
acidez) é um problema eu compromete largamente -lo menos ácido ou próximo de pH 7, utiliza-se a
a agricultura, pois afeta sua fertilidade. da mesma calagem, adicionando calcário (CaCO3) ao solo.
forma, um solo acentuadamente alcalino é um obs- O cálcio existente no calcário baixa a acidez do
táculo. solo. Para baixar o pH de solos alcalinos, usa-se o
Se a água contida no solo for acentuada- gesso (CaSO42H2O).
mente alcalina, ela não conseguirá dissolver os A acidificação do solo pode ser, també, pro-
sais minerais, impedindo-os de ser absorvidos pelas vocada pelo homem. Por exemplo, o uso constante
plantas. Mas, por outro lado, se a água tiver um de fertilizantes, principalmente aqueles que con-
nível elevado de acidez, ela dissolverá rapidamente têm amônia ou ureia, causam o rebaixamento do
os sais minerais e nutrientes e provocará sua lixi- p. A deposição de ácidos existentes na atmosfera
viação, antes mesmo de estes serem absorvidos pe- é também outra causa da acidificação dos solos. E
las plantas. de íons de hidrogênio contidos no solo. isso progrediu de forma significativa com o proces-
so de industrialização, com as chaminés das fábri-
cas e usinas colocando em suspensão na atmosfera
gases ácidos em quantidades alarmantes.
O custo para corrigir a acidez ou alcalinida-
de do solo é elevado. Em decorrência, não tanto
do preço do calcário ou do gesso, mas sobretudo do
seu transporte. Nem todo agricultor tem condições
financeiras para a aquisição desses produtos. As-
sim, não realizando a correção do solo, as colheitas
serão limitadas. Por sua vez, quando o agricultor
consegue fazê-lo, geralmente aplica no solo quan-
tidades aquém das necessárias. Mas existem muitas
propriedades rurais que seguem as recomendações
A voçoroca racha o solo, cria rios artificiais e favorece os fornecidas pelas análises de solo e fazem a correção
deslizamentos. adequada.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 123


A contaminação do solo por metais pesados tas vezes diferentes daqueles requeridos em outras
(chumbo, cádmio, mercúrio etc.), outra causa da áreas ou regiões.
degradação dos solos, é desencadeada principal-
A laterização, outra modalidade de degra-
mente pela atividade mineradora dessas substân-
dação do solo, pode ocorrer “naturalmente” ou re-
cias, pela garimpagem do ouro, que utiliza o mer-
sultar de ações antrópicas, caracterizando-se pela
cúrio, ou, ainda, pelos dejetos indústriais contendo
remoção da sílica e pelo aumento da quantidade de
esses elementos despejados nos rios e nos solos.
ferro e alumina no solo. É um processo de diagêne-
Se o solo estiver contaminado com metais se do solo, ou seja, de sua transformação após sua
pesados, consequentemente as plantas aí desenvol- formação. conduz à formação do laterito (do latim
vidas também estarão. Daí se justificar a necessi- later = “tijolo”), uma rocha ferruginosa, propi-
dade de análise constante dos alimentos, pois os ciando o aparecimento de uma crosta endurecida.
metais pesados são extremamente prejudiciais à Ocorre somente nas regiões intertropicais, naque-
saúde.A diminuição de nutrientes minerais e or- las que possuem clima úmido e estações chuvosa e
gânicos, decorrente de uma prática agrícola em seca alternadas.
que não há a preocupação de repor os nutrientes
absorvidos pelas plantas, constitui uma ameaça
de degradação do solo. conforme alerta o geógra-
fo Antônio José Teixeira Guerra, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro:
“[...] para cada tonelada de cereais produzi-
dos, ocorre, em média, uma perda de 20 kg de ni-
trogênio, 6 kg de potássio, 4 kg de fósforo, 2 kg de
enxofre, 1 kg de cálcio e 1 kg de magnésio dos so-
los, além de quantidades menores de outros micro-
nutrientes. (Antônio Teixeira Guerra & Sandra
Baptista da Cunha (orgs.), Geomorfologia: uma
atualização de bases e conceitos, p. 188.) Solo Laterizado

Para que o solo não se degrade ou, no caso, Nos climas tropicais úmidos, o intemperis-
não se empobreça é preciso aplicar a adubação nas mo químico apresenta a tendência de formação de
áreas utilizadas pela agricultura.A degradação pela hidróxidos de ferro r/ou de alumínio. No processo
perda de nutrientes é mais acelerada nas regiões de lixiviação do solo, que ocorre nesse tipo de cli-
tropicais chuvosas, onde a lixiviação do solo é mais ma, várias substâncias são transportadas pela água.
intensa. Justifica-se, então, plenamente, o uso de Ficam no solo substâncias de menor solubilidade,
técnicas agrícolas de preservação do solo: culturas como o ferro e o alumínio. Na época da seca, os
em terraços ou em degraus nas áreas de grande de- hidróxidos de alumínio e ferro deslocam-se ou mi-
clividade, curvas de nível, plantio direto etc. gram para a superfície e podem formar a bauxita
Entretanto isso não pode ser entendi- (no caso do alumínio) ou o laterito (no caso do
do como lei geral ou ser generalizado. Devem-se ferro). O processo de laterização envolve várias
considerar as particularidades da área ou do lugar condições como: topografia suave; porosidade do
ou suas características. É o caso, por exemplo, da material, facilitando a penetração da água; alter-
Amazônia, região que possui, de modo geral, ca- nância entre a estação chuvosa e seca; tempo para
racterísticas próprias quanto ao solo, ao clima e à a sua formação; pH ideal e outros.
vegetação. Por conseguinte, as relações do homem O laterito, conhecido popularmente no Bra-
com o meio ambiente e ecossistemas amazônicos sil com os nomes de canga e de pedra-pará, repre-
exigem conhecimentos e cuidados (técnicas) mui- senta a morte do solo para a agricultura. Não per-

124 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


mite o desenvolvimento de vegetais, nem mesmo A Estrutura Fundiária
de espécies nativas da região onde se formou.
No Brasil, o laterito pode ser encontrado em As Novas Relações Cidade x Campo
vários lugares: nos chapadões do Centro-Oeste; no A produção agrícola é obtida em muito hete-
Amapá, próximo à Serra do Navio; no litoral da rogêneas no mundo. Das diversas formas de relação
Paraíba; na Floresta Amazônica; e em muitas ou- entre o homem e o meio geográfico, a vida rural, e
tras áreas situadas no clima tropical de verão úmi- mesmo a vida da população urbana na que trabalha
do e inverno seco. em atividades agrícolas, é a mais diversificada. Os
Apesar de ser um processo natural, a inter- países desenvolvidos e indústrializados intensifica-
venção humana por meio de práticas agrícolas ina- ram a produção agrícola por meio da modernização
dequadas pode favorecer a laterização. Por exem- das técnicas empregadas, utilizando cada vez mais
plo, a prática da chamada agricultura de roça ou mão de obra. Nos países subdesenvolvidos, foram
itinerante. principalmente as regiões agrícolas que abastecem
o mercado externo que passaram por semelhante
A agricultura de roça ou itinerante consiste
processo de modernização das técnicas de cultivo.
na derrubada da mata, seguida da queimada e do
Em contrapartida, houve o êxodo rural, que pro-
plantio.
moveu o drástico empobrecimento dos trabalhado-
A queimada, logo de início, destrói os mi- res agrícolas, concentrados na periferia das grandes
crorganismos do solo, que são importantes para a cidades. Por outro lado, todas as regiões em que se
transformação da matéria orgânica em húmus e utilizam métodos tradicionais de produção, princi-
para a produção de sais minerais. palmente os países pobres do Sudeste Asiático e a
maioria dos países africanos, buscam ainda meios
A queima de vegetais produz partículas de
de associar um modo de vida rural extremamente
pó (fumaça), vapor de água, gás carbônico, ácidos
rudimentar às incertezas biogeográficas e climáti-
orgânicos e deixa, como resíduo sólido, a cinza. Os
cas, na tentativa de evitar o flagelo da fome e as
quatro primeiros elementos contribuem para a po-
adversidades da emigração.
luição da atmosfera e o gás carbônico, principal-
mente, para o efeito estufa. O planeta apresenta países e regiões onde os
progressos nos sistemas transportes e comunicação
As cinzas depositadas no solo após a quei-
estão plenamente materialização em redes ou sis-
mada contêm, entre outras substâncias, princi-
temas transportes de pessoas, mercadorias e infor-
palmente o carbonato de potássio, que neutraliza
mações que lhes permitem partir para uma política
parte da acidez do solo, favorecendo a produção
agrícola e indústrial de especialização produtiva.
agrícola. Entretanto isso é por pouco tempo, pois a
Regiões ricas e modernizadas produzem apenas o
repetição da queimada nos anos seguintes, somada
que lhes é mais conveniente ou o que lhes seja
à lixiviação do solo ou à erosão laminar, que trans-
mais fácil produzir garantindo maiores taxas de lu-
porta também a cinza, acabam por comprometer o
cro. Buscam em outras regiões o que não produzem
solo para a agricultura.
internamente. Essa realidade intensificou o comér-
A prática da agricultura de roça ou itineran- cio em escala mundial. Por outro lado, as regiões
te, com o uso da queimada, leva a dois caminhos. pobres e tecnicamente atrasadas se veem obrigadas
No primeiro, o resultado final é a reconstituição a consumir basicamente o que produzem e são mui-
da floresta que foi derrubada e queimada. Mas a to mas sensíveis aos rigores impostos pelas condi-
reconstituição não e completa. No lugar da floresta ções, nem sempre favoráveis a produção agrícola. a
primária (primitivamente ou original) surge a flo- consequência imediata de situação é a fome.
resta secundária, formada com menos espécies ou
Nos países em que predomina o trabalho
variedades de plantas. No segundo, ocorre a cria-
agrícola, utilizado mão de obra urbana e rural, o
ção de condições favoráveis à formação do laterito.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 125


papel do Estado na regulamentação das relações de ção agrícola.
trabalho, do acesso propriedade de terra e da polí-
Estrutura fundiária corresponde ao número
tica de produção, financiamento e subsídios agrí-
e ao tamanho dos imóveis rurais, e sua classificação
colas assume importância fundamental no comba-
segundo as categorias dimensionais. Simplificando,
te à forma.
podemos dizer que é a forma como está distribuída
As políticas modernas de reforma agrária a propriedade das terras num país.
visam à integração dos trabalhadores agrícolas e
dos pequenos e médios proprietários nas modernas Os Sistemas Agrícolas
técnicas de produção não apenas distribuir terras
os camponeses e abandoná-los à concorrência com Os sistemas agrícolas e a produção podem
produtores altamente capitalizados, sejam eles pró- ser classificados com intensivos ou extensivos.
prio país ou do exterior. A reforma agrária não é Essa noção está ligada ao grau de capitalização e ao
mais sinônimo de expropriação ou estatização das índice de produtividade, independentemente do
propriedades rurais para distribuí-las aos campo- tamanho da área cultivada ou de criação. As pro-
neses. Mais que isso, principalmente em países dutividades  que, através da utilização de moder-
subdesenvolvidos, trata-se de reformar a estrutura nas técnicas de preparo do solo, cultivo e colheita,
fundiária e as relações de trabalho, buscar o es- apresentam elevados índices de produtividade e
tabelecimento de propriedades na produção. Em conseguem explorar a terra por um longo período
primeiro plano, visa ao abastecimento do mercado de tempo, praticam agricultura intensiva. Já as pro-
interno de consumo. As outras metas são o abaste- priedades que se utilizam tradicional, aplicação de
cimento de matérias-primas às indústrias (alimen- técnicas rudimentares, apresentando baixo índice
tícias, têxteis, farmacêuticas, cosméticos, etc.), o de exploração da terra e obtendo, assim, baixos
momento do ingresso de capital, através e a criação índices de produtividade, praticam agricultura in-
de uma legislação que impeça a especulação sobre tensiva.
a propriedade da terra. Na pecuária, por exemplo, o rendimento
Atualmente, observa-se a tendência à gran- é ativado pelo número de cabeças por hectare.
de penetração do capital agroindústrial no campo, Quanto maior a densidade de cabeças independen-
tanto nos setores voltados ao mercado externo temente de o gado estar solto ou confinado, maior
quanto ao mercado interno. A produção agrícola é a necessidade de ração, de pastos cultivados e
tradicional tende a especializar, não para concorrer de assistência veterinária. Com tudo isso, há um
contra as mais fortes, mas para produzir a matéria- aumento da produtividade e do rendimento, que
-prima utilizada pela agroindústria. Dependendo são características da pecuária intensiva. Quanto o
da ação do Estado como agente regulador, essa pe- gado se alimenta apenas em pastos naturais, a pe-
netração pode levar à democratização econômica cuária é considerada extensiva e geralmente apre-
à deterioração das condições de vida da população senta baixa produtividade.
local, seja ela rural ou urbana.
A Agricultura Itinerante de
Foi-se o tempo em que a economia rural co-
Subsistência e a Roça
mandava as atividades urbanas. Atualmente, o que
se verifica, em escala planetária, é a subordinação São sistemas agrícolas largamente aplicados
do campo à cidade, uma dependência cada vez em regiões onde a agricultura é descapitalizada. A
maior das atividades agrícolas às máquinas, insu- produção é obtida em pequenas e médias proprieda-
mos, agrotóxicos e tecnologia, fatores concebidos des ou parcelas de grandes latifúndios (nesse caso,
e produzidos nas cidades indústriais. parte da produção é entregue ao proprietário como
Vamos agora estudar os diversos sistemas forma de pagar o aluguel da terra), com utilização
que compõem o mosaico internacional de produ- de mão de obra familiar e técnicas tradicionais e

126 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


rudimentares. Por falta de assistência técnica e de dades cultivadas pelo dono da terra e sua família ou
recursos, não há preocupação com a conservação em parcelas de grandes propriedades. A diferença
as sementes utilizadas são de qualidade inferior, é que nelas se obtém alta produtividade, através do
não se investe em fertilizantes e, portanto, a renta- selecionamento de sementes, da utilização de fer-
bilidade, a produção e a produtividade são baixas. tilizantes, da aplicação de avanços biotecnológicos
Após alguns anos de cultivo, há uma diminuição e de técnicas de preservação do solo que permitem
de fertilidade natural do solo, geralmente à ero- a fixação da família na propriedade por tempo in-
são. Ao perceber que o rendimento da terra está determinado. Não há a necessidade de ela se deslo-
diminuindo, a família desmata uma área próxima car para outra área. Em países como as Filipinas, a
e prática a queimada para acelerar o plantio, dan- Tailândia, a Indonésia, etc., devido à elevada den-
do início à degradação acelerada de um nova área, sidade demográfica, as famílias contam com áreas
que também será brevemente abandonada. Daí o muitas vezes inferiores a um hectare e as condições
nome de agricultura itinerante. de vida são bastante precárias.
Em regiões miseráveis do planeta, a agricul- Em países que realizam reforma agrária, Ja-
tura de subsistência itinerante e roça está voltada pão e Taiwan, e ao redor dos grandes centros ur-
às necessidades imediatas de consumo alimentar banos de áreas a comercialização da produção e a
dos próprios agricultores. A produção destina- realização de investimentos para a nova safra, há
-se à subsistência da família do agricultor, que se um excedente de capital que permite melhorar, a
alimenta praticamente apenas daquilo que plan- cada ano, as condições e a qualidade de vida da
ta. Tal realidade ainda existe em boa mas o que família. Na China, desde que foram extintas as co-
prevalece, hoje é uma agricultura de subsistência munas populares, após a morte de Mao Tse-tung,
voltada ao comércio urbano. em 1976, houve significativamente aumento na
produtividade. A produção é predominantemente
O agricultor e sua família cultivam algum
obtida em propriedades muito pequenas (inferiores
produto que será vendido na cidade mais próxi-
a um hectare por família) e em condições de traba-
ma mas o dinheiro que recebem é suficientemente
lho em geral ainda precárias. Devido ao excedente
apenas para garantir a subsistência deles. Não há
populacional, a modernização da produção agríco-
excedentes de capital que lhes permita buscar uma
la foi substituída de enormes contingentes de mão
melhora nas técnicas de cultivo e aumento de pro-
de obra. No entanto, em algumas províncias lito-
dutividade.
râneas, está havendo um processo de moderniza-
Esse tipo de agricultura é comum em áreas ção, impulsionado pela expansão de propriedades
distantes dos grandes centros urbanos, onde a terra particulares e da capitalização proporcionada pela
é mais barata, em função das grandes dificuldades abertura econômica a partir de 1978. Sua produção
de comercialização da produção. Nesse sistema é essencialmente voltada para abastecer o mercado
predominam as pequenas propriedades, cultivadas interno.
em parceria. Há também os posseiros, agricultores
que simplesmente ocupam terras devolutas.

A Agricultura de Jardinagem
Essa expressão se originou no sul e sudeste
da Ásia, onde há uma enorme produção de arroz
em planícies inundáveis, com utilização intensiva
de mão de obra.
Tal como a agricultura de subsistência, esse
sistema é praticado em pequenas e médias proprie-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 127


As Empresas Agrícolas A Plantation
São as responsáveis pelo desenvolvimento É a grande propriedade monocultora, com
do sistema agrícola dos países desenvolvidos, com a produção de gêneros tropicais, voltadas para a
destaque para os Estados Unidos e a União Euro- exportação. Forma de exploração típica dos países
peia. Nesse sistema, a produção é obtida em médias subdesenvolvidos, a plantation foi um sistema am-
e grandes propriedades altamente capitalizadas, plamente utilizados durante a colonização européia
onde se atingiu o máximo do desenvolvimen- na América. Nesse período de expansão do capita-
to tecnológico. A produtividade é muito alta em lismo mercantilista, utilizava-se, em larga escala, a
decorrência do selecionamento de sementes, uso mão de obra escrava. Expandiu-se posteriormente
intensivo de fertilizantes, elevado grau de mecani- para a África e sul e sudeste da Ásia.
zação no preparo do solo, no plantio e na colhei-
Na atualidade, esse sistema persiste em
ta, utilização de silos de armazenagem, sistemático
várias regiões do mundo subdesenvolvido (Bra-
acompanhamento de todas as etapas da produção
sil, Colômbia, América Central, Gana, Costa do
e comercialização por técnicos, engenheiros e ad-
Marfim, Índia, Malásia, etc.), utilizando, além de
ministradores. Funciona como uma empresa e sua
mão de obra assalariada, trabalho semiescravo ou
produção é voltada ao abastecimento tanto do mer-
escravo, que não envolve pagamento de salário.
cado interno quanto do externo. Nas regiões onde
Trabalha-se em troca de moradia e alimentação.
se implantou esse sistema agrícola, verifica-se uma
No Brasil, encontramos plantation em várias por-
tendência à concentração de terras, na medida em
ções do território, com destaque para as áreas onde
que os produtores que não conseguem acompanhar
se cultivam café e cana-de-açúcar, dois dos nossos
a elevação dos níveis de produtividade perdem
principais produtos de exportação.
condições de concorrer no mercado e acabam por
vender suas propriedades. É o sistema agrícola pre- Ao lado das plantations sempre se instalam
dominante nos Estados Unidos, Canadá Austrália, pequenas e médias propriedades policultoras, cuja
União Europeia (com exceção da região mediter- produção alimentar os centros urbanos próximos.
rânea) e porções da Argentina e do Brasil onde se
cultivam soja e laranja, por exemplo).
Nos Estados unidos, as grandes propriedades
se organizam em cinturões (belts), em função das
características do clima e do solo. O alto nível de
capitalização exigiu uma especialização produtiva
em grandes propriedades.

Índice Gini
É um indicador que mede a desigualdade de
distribuição de várias categorias — riqueza, renda,
terra etc. — entre os elementos de um conjunto.
ele varia de zero a um. Por exemplo, tomando-se

128 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


o caso da terra, o índice de Gini seria igual a um,
caso a totalidade da terra de um país pertencesse a
uma única pessoa ou empresa. Seria igual a zero, se
a terra estivesse distribuída igualmente entre todos
os proprietários rurais.
Assim, ao calcular-se o grau de concentra-
ção da propriedade da terra, quanto mais desigual
ou injusta ela for, o índice de Gini estará mais pró-
ximo de 1,00.
Considera-se: nula, quando o índice de Gini
situa-se entre 0,000 e 0,100; fraca, quando está
entre 0,101 e ,0250; média, entre 0,251 e 0,500;
forte, entre 0,501 e 0,700; muito forte, entre 0,701
e 0,900; e absoluta, entre 0,901 e 1,000.
A organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO) e o Progra-
ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), utilizando-se do índice de Gini (quadro
a seguir), mostraram que, em 1990, o Brasil ocu-
pava o segundo lugar no mundo em concentração
da propriedade da terra, superado apenas pelo Pa-
raguai.
Em vista dos dados apresentados, podemos
então dizer que existe no Brasil uma persistência
do padrão de elevada concentração da propriedade
da terra: muitos com pouco e poucos com muito
(concentração muito forte e absoluta, segundo o
índice de Gini). Existe, assim, uma tendência à
reafirmação da grande propriedade, lembrando,
contudo, que esse comportamento é histórico em
nosso país.
Somente uma reforma agrária bem-formula-
da poderá alterar essa situação de desperdício dos
recursos terra e trabalho que ocorre no mundo.
O desperdício do recurso terra ocorre naque-
las propriedades que utilizam apenas uma pequena
parcela da terra de que dispõem ou ainda naque-
las onde o proprietário não as explora, servindo-
-se delas apenas para especulação ou como reserva
de valor ou, ainda, como instrumento de poder
(veja quadro a seguir). Deixam, assim, de atender
ao princípio fundamental de que a terra tem uma
função social a cumprir.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 129


Agropecuária 2
CAPÍTULO

10

Agropecuária: A Posição principalmente devido à falta de empregos. O nú-


mero de pessoas desocupadas naquele ano era de
na Economia Brasileira 4.509.833, correspondendo a 6% da PEA. A PEA
e o Antidemocrático (empregador, empregado ou autônomo) distribui-
-se em vários ramos de atividade: agricultura, in-
Sistema de Acesso à dústria de transformação, indústria da construção
Terra civil, comércio de mercadorias, transportes e co-
municações, saúde, educação etc. Quando falamos
em agropecuária, estamos nos referindo à agricul-
“[...] Na verdade, estamos muito longe de uma tura e à pecuária em conjunto. Entretanto, com-
sociedade de cidadãos. Nossas tradições históricas parada à agricultura, a pecuária é uma atividade
e nossos dilemas históricos não-resolvidos nos que emprega pouca mão de obra, principalmente a
empurram perigosamente em outra direção. A pecuária extensiva, que é realizada em razoável ou
propriedade latifundista da terra se propõe como grande extensão de terra, sem a utilização de téc-
sólida base de uma orientação social e política que nicas modernas de criatório, na qual o gado pasta e
freia, firmemente, as possibilidades de transformação procria naturalmente. Já a agricultura necessita de
social profunda e de democratização do País. [...] mão de obra mais numerosa, sendo a maior fonte
No Brasil, o atraso é um instrumento de poder [...].” de empregos no setor agropecuário.
(José de Souza Martins, O poder do atraso. Ensaios
de sociologia da história lenta, p. 12 e 13.) A cada 100 brasileiros que trabalham, 26
o fazem na agropecuária (26% da PEA ocupada).
Essa é uma porcentagem expressiva, considerando
1. A Posição da Agropecuária que, nos chamados países industrizalizados ou de
na Economia Brasileira tecnologia de ponta, a agropecuária emprega con-
tingentes bem menores: Estados Unidos, 2,9%;
a) Contingente da População Canadá, 4,5%; França, 6%; e Japão, 6,7%. Nesses
Economicamente Ativa (PEA) países, o alto nível de mecanização e de tecnolo-
que Trabalha na Agropecuária gia agrícolas utilizadas liberou mão de obra para
outros ramos de atividade. Mas convém lembrar
Em 1995, o Brasil possuía um contingente que nesses países predomina o trabalho familiar na
populacional de 120.936.407 pessoas com 10 ou propriedade agropecuária, sendo desnecessária, por
mais anos de idade, o que correspondia a 79% do conseguinte, a contratação de mão de obra extra,
total de sua população (152.374.603 habitantes); salvo em algumas exceções, como nos grandes ran-
nem todo esse contingente, entretanto, exercia chos do oeste dos Estados Unidos.
atividades remuneradas devido à pouca idade ou à
A agropecuária brasileira é, ainda, gran-
falta de empregos.
de fonte de ocupação de mão de obra. Mas esse
Segundo o IBGE (PNAD, 1995), a PEA é um dado geral, que se refere ao Brasil como um
do Brasil atingia 74.138.441, o que correspondia todo. Se tomarmos o Brasil do ponto de vista de
a 61% da população com idade igual ou supe- suas grandes regiões, os dados são outros. Na Re-
rior a 10 anos ou 48,6% do total. Mas dessa PEA gião Nordeste, a agropecuária ainda absorve gran-
(74.138.441 pessoas) nem todos trabalhavam de contingente de mão de obra, ou seja, 42,6% da

130 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


PEA, enquanto na Região Sudeste apenas 14,4% A agropecuária também apresentou uma
da PEA encontra-se nessa atividade. Afinal, são modernização (conservadora) a partir da década
duas economias regionais diferentes. Na Região de 1960. O avanço do capitalismo no campo e a
Nordeste, a presença marcante de minifúndios e a introdução de técnicas modernas de produção al-
grande oferta de mão de obra agrícola contrastam teraram a produtividade, principalmente naquelas
com uma atividade indústrial modesta, que empre- propriedades que tinham condições financeiras
ga apenas 12,5% da PEA da região. para aplicar as novas tecnologias (sementes híbri-
das, fertilizantes, agrotóxicos, implementos agríco-
b) Participação da Agropecuária no las, mecanização etc.).
PIB Brasileiro Apesar da modernização quanto às técnicas
Em 1994, a participação da produção agro- de produção, o campo manteve-se com uma estru-
pecuária no PIB do Brasil representou 11,3%, tura fundiária obsoleta, concentracionista, conser-
enquanto a atividade indústrial correspondeu a vadora e retrógrada. Nada foi realizado para modi-
34,7% e o setor de serviços a 54%. Interpretando ficar esse perfil, isto é, não foi realizada a reforma
historicamente essa participação nos últimos cin- agrária tão desejada historicamente. O aumento da
quenta anos, percebe-se que houve um decréscimo produção agropecuária em valores absolutos não
(Figura 21.4) foi acompanhado pelo aumento da participação do
setor na composição do PIB, que decresceu diante
Na segunda metade da década de 1950 hou- do maior crescimento indústrial — boom indús-
ve uma industrialização sem precedentes na histó- trial.
ria do país, acompanhada de uma intensa interna-
cionalização de nossa economia. Foi nesse período c) Participação da Agropecuária
que o capital estrangeiro assumiu a “batuta” do nas Exportações do Brasil
processo de industrialização brasileiro através da
implantação de suas corporações transnacionais Após liderarem as exportações brasileiras
em setores-chave da economia. durante séculos, a partir da década de 1980 os pro-
dutos agrícolas cederam a posição aos indústriais
Esse modelo de industrialização foi seguido,
quanto ao valor exportado.
posteriormente, a partir de 1964, pelos sucessivos
governos militares, que criaram um parque indús- No período pós-Segunda Guerra Mundial
trial vigoroso no país. Entrava em cena, na forma- — de 1945 a 1955 — aproximadamente, o mundo
ção do PIB brasileiro, um setor indústrial fortaleci- capitalista desenvolvido estabeleceu, sob a lide-
do, fazendo-o crescer em valor absoluto, com uma rança dos Estados Unidos, uma nova divisão inter-
participação que saltou de 24,3%, em 1950, para nacional do trabalho (DIT). Grandes corporações
32,2%, em 1960, atingindo seu maior índice em empresariais internacionais investiram capitais no
1980, quando representou 43,8% do total. setor produtivo de alguns países subdesenvolvidos.
Os produtos que fabricavam em suas matrizes para
Entretanto, a partir de 1980, a participação
serem vendidos ao exterior passaram a ser pro-
da atividade indústrial na composição do PIB na-
duzidos além de suas fronteiras. E os países escol
cional começou a declinar. Segundo analistas da
hidos para tanto foram aqueles que ofereciam pers-
economia brasileira, isso se deveu ao esgotamento
pectivas promissoras, como: considerável mercado
do modelo de desenvolvimento econômico adota-
de consumo; garantias governamentais para o in-
do, ou seja, do modelo de industrialização de im-
vestimento; confiabilidade do regime político (não
portações. Mas não podemos deixar de considerar
importando se era democrático ou ditatorial, desde
a inserção mais profunda do Brasil na economia
que fosse de “direita” e oferecesse garantias para os
globalizada, que, ao lado de outros fatores, fez re-
investimentos); mão de obra abundante e barata;
duzir a atividade indústrial interna.
lucratividade e possibilidade de expansão dos ne-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 131


gócios. Assim, de início, os eleitos foram México, A introdução do cultivo da cana-de-açúcar
Argentina, Brasil, África do Sul e Coreia do Sul. na Colônia implicou a doação, pelo rei, de sesma-
Com a nova DIT, o setor indústrial assumiu posi- rias (grandes lotes de terras) a quem desejasse dedi-
ção de destaque. car-se a essa atividade. A doação de terra pelo rei:
O mundo todo, com exceção dos países di-
tos socialistas, assistiu à implantação da transna- “[...] era baseada na avaliação do pretendente,
cionalização da economia. o que implicava considerar o seu status social,
suas qualidades pessoais e seus serviços prestados à
Seguindo o modelo de industrialização com
Coroa. Desta forma, a aquisição de terras, apesar
base na substituição de importações, o governo
de regulamentada pela lei, derivava do arbitrium real
militar do Brasil priorizou, a partir de 1974, a ins-
e não de um direito inerente ao pretendente”.
talação de indústrias de bens de produção ou de
(Emília Viotti da Costa, Política de terras no Brasil
bens de capital. Não tardou para que o valor das e nos Estados unidos, in Da Monarquia à República:
exportações de produtos indústrializados do país momentos decisivos, p. 129.)
ultrapassasse o das exportações de produtos da
agropecuária (Figura 21.5), rompendo com o do- As sesmarias doadas eram maiores no Nor-
mínio econômico que a agricultura exerceu duran- deste do que no Sul. Isso porque era para o Nor-
te séculos. Atualmente, mais de 50% do valor das deste que se dirigiam as pessoas de maiores posses
exportações brasileiras provêm de produtos indús- para se dedicarem à agroindústria canavieira, que,
triais, e menos de 30%, de produtos agropecuários. por sua vez, exigia grande capital. Além disso, a
produção açucareira teria de ser realizada em gran-
de escala, para atender às necessidades do mercado
2. Brasil: Um Sistema europeu e para justificar, por meio de altos lucros, a
Historicamente colonização das terras brasileiras pela Coroa portu-
guesa. A opção da Metrópole foi então implantar,
Antidemocrático de Acesso desde o início da ocupação, as sesmarias, que de-
à Terra ram origem aos latifúndios.

a) Das Sesmarias à Lei de Terras No período colonial, os poucos trabalha-


de 1850: a Reafirmação do dores livres que existiam estavam vinculados aos
engenhos, formando o grupo de assalariados. Além
Latifúndio
deles, havia os mercadores, os clérigos (que mo-
Desde os primórdios da colonização, a ocu- ravam na própria casa-grande do senhor de enge-
pação das terras brasileiras pelos portugueses as- nho) e os que se estabeleciam em um pedaço de
sumiu as características de uma colonização de terra que não havia sido doado pela Coroa (os
exploração, que consistia em retirar da terra tudo posseiros), onde se dedicavam à agricultura de sub-
o que ela pudesse oferecer para atender às necessi- sistência. A posse, dentro dos parâmetros oficiais,
dades do mercado consumidor europeu. O espaço era ilegal, mas foi o que deu origem às pequenas
geográfico brasileiro foi transformado e produzido propriedades rurais no Brasil.
prioritariamente segundo as necessidades do mer-
cado externo em detrimento da formação de uma “Esses tipos, que foram a gênese dos pequenos
economia interna. Desse modo produziram-se, des- agricultores no Brasil, sempre foram tidos como
de o início, “espaços voltados para fora”. ‘vadios’, ‘ociosos’ e qualificações semelhantes.
Foi através dessa perspectiva colonizadora Sempre foram considerados como marginais pelas
que ocorreu a introdução da agroindústria cana- autoridades da Colônia e pela ideologia dominante
vieira e, com ela, a implantação, a partir de 1530, na época. Não resta dúvida de que esses ‘marginais’
do regime da grande propriedade rural. nada mais são do que reflexos criados pelo próprio

132 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


sistema latifundiário implantado no Brasil”. que os vigentes na época). Os lotes ou glebas
de terra eram vendidos em hasta pública,
(J. F. Graziano da Silva, Estrutura agrária e produção
de subsistência na agricultura brasileira, p. 20.) ou seja, em leilões efetuados por leiloeiros
oficiais, mediante pagamento à vista. (Esse
Com essa estrutura fundiária, dividida entre critério — preço maior e pagamento à vista
grandes propriedades latifundiárias, voltadas para — excluía do acesso à terra os despossuídos
abastecer o mercado externo, e pequenos agricul- e favorecia plenamente os grandes proprietá-
tores isolados, a Colônia conheceu vários períodos rios.)
de crise de subsistência, com consequente fome • O dinheiro obtido com a venda de terras de-
para parte da população, principalmente a escra- veria ser empregado no custeio da viagem de
vizada. colonos estrangeiros que vinham trabalhar
Em 1820 foi suprimido o regime de sesma- para a grande lavoura.
rias, e não surgiu, logo de imediato, nenhuma re- • As posses não poderia ter dimensão maior do
gulamentação sobre a posse da terra. Durante os que a da maior doação realizada no distrito
trinta anos seguintes, a ocupação de terras se in- em que se localizavam.
tensificou por meio do sistema de posses, o que am- • Toda área que não estivesse ocupada ou uti-
pliou consideravelmente o número das pequenas lizada deveria voltar para as mãos do Estado
unidades rurais de produção. Somente em 1850 foi e ser considerada terra pública.
estabelecida uma nova legislação — a Lei de Ter- A interpretação dessa lei leva a compre-
ras — que modificava e regulamentava o critério ender, de forma inequívoca, que ela foi elaborada
de acesso à terra. para reafirmar a grande propriedade rural no Bra-
No Brasil-Colônia, a terra era parte do pa- sil, mantendo assim os privilégios de que gozavam
trimônio pessoal do rei e obtida através de doação. seus proprietários. Favoreceu principalmente os
A Lei de Terras, tendo sido criada em um Brasil fazendeiros de café (de São Paulo, Rio de Janeiro e
independente, tornou a terra um bem de domínio Minas Gerais) interessados em desenvolver a plan-
público, patrimônio da nação. entretanto, uma vez tation e, sobretudo, desejosos de manter o poder
que o Estado era controlado por uma classe domi- político e econômico.
nante, essa lei naturalmente não se destinava a
a) A Terra como Instrumento de Poder e
desenvolver o país, e sim a resguardar interesses e
a Formação dos Sindicatos Rurais (as
privilégios de uma minoria. Havia muita terra de
Ligas Camponesas)
domínio público mas o Estado e a classe dominan-
te não estavam preocupados com sua ocupação, O Brasil entrou no século XX com uma eco-
utilização e aproveitamento democráticos, estra- nomia calcada no modelo agroexportador e sem
tégia importante para o desenvolvimento do país alterar sua estrutura fundiária.
utilizada pelos Estados Unidos através do Homes- O acesso à terra continuou sendo um grande
tead Act (Lei da Propriedade Rural) de 1862. problema para as massas despossuídas da socieda-
de brasileira. Com a proclamação da República,

O Que Estabelecia a Lei em 1889, que defendia a autonomia dos Estados,


as terras devolutas e as questões relativas à terra
de Terras de 1850? em cada unidade da Federação brasileira passaram
para o âmbito dos governos estaduais. Com isso o
• Extinguia o regime de acesso à terra através uso da propriedade da terra como instrumento de
da posse, isto é, da ocupação pura e simples. poder tornou-se mais generalizado: as oligarquias
• A terra somente poderia ser adquirida atra- empossadas nas administrações estaduais podiam
vés da compra e por um preço mínimo es- distribuir as terras públicas segundo seus interes-
tipulado (que geralmente era mais elevado ses e conveniências, inclusive com fins políticos.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 133


Os “coronéis (no caso, os donos de vastas proprie- políticas dos trabalhadores rurais.
dades), em termos locais e regionais, possuíam até
No decorrer dessa década, o baixo preço do
mesmo forças repressivas privadas (tropas de ja-
açúcar no mercado externo levou muitos proprie-
gunços ou capangas) prontas para sufocar qualquer
tários de engenho do Nordeste a forar suas terras
ameaça ao status quo. Como eram eles que davam
e viver de sua renda. Mas, no período que se se-
sustentação política ao governo federal, este, em
guiu ao fim da Segunda Guerra Mundial (1945),
troca, tolerava seus mandonismos locais e regio-
o preço do açúcar subiu e os antigos banguês (en-
nais.
genhos ou engenhocas) sofreram transformações
técnicas, dando origem às usinas de açúcar. Para
O Homestead Act (Ato de Propriedade que o usineiro alargasse o plantio e a produção de
Rural), Promulgado em 1862 nos Estados cana-de-açúcar, muitos foreiros foram expulsos dos
Unidos sítios que tinham formado havia dezenas de anos.
Enquanto a Lei de Terras do Brasil colocava obstá- A crise social, que no Nordeste já era grande, apro-
culos ao trabalhador livre para o acesso à terra, o Ho- fundou-se ainda mais, gerando em consequência
mestead Act, de 1862, nos EUA, doava terra a todos conflitos.
os que desejassem nela trabalhar e produzir riquezas. O
governo norte-americano oferecia 160 acres de terra ará- Alguns foreiros recorreram à Justiça. Um
vel a quem os cultivasse por pelo menos cinco anos. Isso
caso que muito repercutiu foi o dos foreiros do En-
atraiu para o oeste dos Montes Apalaches gente de todo o
mundo, além dos naturais do país, que já viviam precaria- genho Galileia, em Pernambuco, sob a orientação
mente nas áreas urbanas do nordeste dos EUA, região em do próprio feitor, chamado de Zezé da Galileia, que
franco processo de industrialização na época. resistiram em sair da terra. O proprietário do enge-
Como resultado do Homestead Act, ocorreu a con- nho entrou com uma ação de despejo na Justiça.
quista do oeste do território e seu povoamento, a dinami- Para defenderem seus direitos, os foreiros procu-
zação da economia, a formação de um grande mercado
interno de consumo, que, por sua vez, estimulou o desen-
raram o advogado Francisco Julião, que na época
volvimento indústrial. Lembramos, todavia, que isso cus- era deputado estadual pelo Partido Socialista. Este
tou o massacre de populações indígenas, no qual houve a assumiu a causa e, em janeiro de 1955, legalizou
interferência direta do exército dos EUA. a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores
A política de terras no Brasil e a existência da escra- de Pernambuco, fundada pelos foreiros do engenho
vidão foram fortes fatores contra a imigração estrangeira. Galileia, entidade cujo objetivo, por estranho que
Enquanto, no período amplo de 1800 a 1955, os EUA
receberam cerca de 40 milhões de imigrantes. Com cer- possa parecer, era possuir recursos financeiros para
teza, uma política democrática de acesso à terra teria be- adquirir caixões mortuários.
neficiado o desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Essa sociedade passou a ser conhecida em
Ao longo de nossa história verificaram-se todo o Brasil — e no exterior — com o nome de
diversas manifestações, movimentos, revoltas e “liga camponesa”, usado pela classe dominante
pressões de trabalhadores rurais pelo acesso à terra. com o intuito de dar-lhe uma conotação de mo-
Todavia, durante muito tempo a história oficial, vimento social e político suspeito, pois, no passa-
escrita pelos dominadores, procurou mostrar um do, trabalhadores dos canaviais de outros pontos
país sem lutas, sem conflitos, sem contradições, do Nordeste haviam tentado organizar sindicatos
caracterizando ou rotulando as lutas sociais no rurais para reivindicar seus direitos com esse nome
campo como movimentos messiânicos, de origem (provavelmente por inspiração nos movimentos
religiosa, quando não, restringindo-se ao cangaço, sociais da Idade Média, quando parte do campesi-
visto este como banditismo. nato europeu se organizou para lutar contra a ex-
ploração dos senhores feudais).
Com a Revolução de 1930, a oligarquia rural
ficou politicamente enfraquecida, situação que foi Francisco Julião conseguiu aprovar um pro-
altamente favorável à organização e à articulação jeto de lei que desapropriava o Engenho Galileia e
dos movimentos sociais no campo ou para as lutas o transformava num núcleo de colonização. Numa

134 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Assembleia Estadual dominada pelos representan- entre posseiros e grileiros em outros pontos do Bra-
tes dos interesses do grande proprietário de terras, sil — como o norte do Paraná e Mato Grosso do
a aprovação do projeto de lei foi uma grande vitó- Sul — e formaram-se sindicatos rurais em vários
ria dos trabalhadores rurais. A partir daí os movi- lugares. Um setor da Igreja Católica, denominado
mentos sociais no campo se alastraram. Em 1960, “progressista”, ligado à Teologia da libertação de
as ligas camponesas já possuíam associados em 26 Leonardo Boff, posicionou-se ao lado dos trabalha-
municípios do Estado de Pernambuco e tinham se dores rurais e urbanos, aumentando a politização e
espalhado pelos demais estados do nordeste. For- as lutas, no campo e na cidade, por uma sociedade
mavam grupos de pressão e de luta contra o mo- justa. Por volta de 1960 formaram-se as primeiras
nopólio da terra e a exploração de sua força de comunidades eclesiais de base (CEBs), entidades
trabalho. articuladas à comissão Pastoral da Terra (CPT),
órgão da conferência Nacional dos Bispos do Brasil
A expansão e a atuação das ligas camponesas
(CNBB), que, ao longo dos anos, têm atuado ati-
preocupava não somente os grandes proprietários
vamente nas comunidades rurais, apoiando a luta
de terra do Brasil, mas até mesmo os Estados Uni-
dos posseiros, dos peões, dos boias-frias, e acom-
dos. Em vista da Revolução Cubana, feita nas “bar-
panhado os conflitos no campo, denunciando-os e
bas do tio Sam”, e temendo o seu desdobramento
pressionando os governos a resolvê-los a contento.
em outros países da América Latina, o governo
Kennedy começou a preparar as bases para uma A partir da década de 1950 acentuou-se a
contrarrevolução, através da criação, em 1961, da questão do acesso à terra, em que se inclui a luta
Aliança para o Progresso e do envio de militares pela reforma agrária e também a pressão dos brasi-
norte-americanos disfarçados em comerciantes, re- leiros pelo estabelecimento de uma legislação tra-
ligiosos, indústriais etc., para o Nordeste. Em 1962 balhista no campo, no sentido de acabar com as
cerca de 5 mil norte-americanos entraram no Bra- relações sociais de trabalho de exploração.
sil. Essa cifra nunca tinha sido tão elevada.
As reformas de base do governo João Gou-
lart (1961-1964) incluíam a reforma agrária. Sua
“O interesse súbito e avassalador dos Estados orientação política contrariava os interesses dos
unidos pelo Nordeste e sua pronta disposição de grandes proprietários rurais, dos banqueiros, dos
ajudar a Sudene são, incontestavelmente, em parte indústriais e dos grandes comerciantes, pois a esse
motivados pela ameaça de um movimento do tipo tempo os três últimos já tinham também se trans-
Castro entre os camponeses sem terra e os miseráveis formado em donos de terras.
moradores nos mocambos de Recife e outras cidades
O Estatuto do Trabalhador Rural (ETR),
litorâneas”.
que veremos logo em seguida, nasceu no governo
(Albert O. Hirschmann, Política econômica na América
Latina, p. 102.) Goulart, no início de 1963. E a Confederação Na-
cional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
Esses militantes eram, na verdade, os “boi- que se tornou a associação máxima do sindicalismo
nas-verdes” (green berets), forças especiais dos rural brasileiro, foi reconhecida oficialmente em
Estados Unidos treinadas para reverter a situação janeiro de 1964 e se manteve ativa mesmo durante
em qualquer país caso esta caminhasse em direção a ditadura militar.
ao socialismo. Estando infiltrados na sociedade, te-
Embora o governo Goulart tivesse em sua
riam maior facilidade para obterem informações e
plataforma política a questão da terra, as conquis-
poderiam dar sustentação a grupos antiguerrilhas
tas sociais e políticas representadas pelo ETR e
ou de opositores das eformas (entre as quais se in-
pelo sindicalismo rural são frutos dos movimentos
cluía a reforma agrária).
dos trabalhadores rurais.
Na mesma década em que foram criadas as
ligas camponesas (1950), ocorreram confrontos b) O Estatuto do Trabalhador Rural

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 135


(ETR) e a “Saída” Encontrada As Ligas Camponesas Nasceram de uma
pelo Sistema para não Assumir Sociedade Civil Beneficente, Voltada a
os Encargos Sociais: o Bóia-Fria Enterrar com Dignidade Trabalhadores Rurais
de Pernambuco
Com o ETR os trabalhadores rurais con-
quistaram uma legislação trabalhista existente até A miséria era — e é — tanta que, até para adquirir
um caixão mortuário para enterrar seus mortos, os traba-
então apenas para os trabalhadores urbanos, que lhadores rurais do Nordeste não possuíam condições. Uti-
gozavam de certos direitos desde 1943, quando foi lizavam, para tanto, um caixão “de caridade” emprestado
promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho pela prefeitura do município até a beira da cova, onde o
morto era retirado para que o caixão fosse devolvido para
(CLT), no governo de Getúlio Vargas.
servir outro defunto. Essa era uma extrema humilhação,
• Estabilidade no trabalho após dez anos de tendo em vista a forte religiosidade cristã do camponês
nordestino, para quem o cerimonial da morte era o mo-
serviços prestados. mento de sua libertação, o ponto final de seu sofrimento,
• Jornada de trabalho de oito horas. pois entendia que a vida não lhe pertencia.
• Salário mínimo. Ao referir-se à Sociedade Agrícola e Pecuária dos
• Férias remuneradas. Plantadores de Pernambuco, como sociedade beneficente
• Repouso semanal remunerado. de auxílio-mútuo, Josué de Castro assinala que ela foi
• Aviso-prévio em caso de demissão por parte fundada “para ajudar seus moradores a morrer com de-
cência: com uma vela na mão, com os olhos fitos na cha-
do empregador ou do empregado. ma desta vela, que os ajudaria a orientar seus primeiros
• Proteção ao trabalho da mulher e do menor. passos na escuridão do além, e com a confortadora certeza
de que dispunham dos seus sete palmos de terra onde pou-
Além disso, foi criado o Funrural (Fundo de sar o seu caixão e nele esperar tranquilo o juízo final”.
Assistência ao Trabalhador Rural) com a finalida-
(Ensaio sobre o Nordeste, área explosiva, p. 29.)
de de levar para o campo a assistência previdenci-
ária (assistência médico-hospitalar, aposentadoria Segundo o PNAD, em 1977, após 14 anos
por velhice, por invalidez e por tempo de serviço, da criação do ETR, havia apenas 600 mil traba-
pensão concedida aos dependentes do segurado lhadores rurais com carteira profissional assinada.
após sua morte e outros). Isso correspondia a apenas 3,2% dos ocupados em
Muitos proprietários rurais, não podendo atividades agrícolas (o total em números absolutos
ou não querendo arcar com os encargos sociais de- era de 18,612,000). Percebe-se, assim, a situação
correntes do ETR, demitiram seus empregados e precária do trabalhador rural, totalmente desassis-
logo perceberam as vantagens que poderiam tirar tido do ponto de vista trabalhista e sem garantias
da nova situação: institucionalizou-se a condição sociais, à mercê, portanto, dos gatos e dos proprie-
de trabalhador temporário. Esse trabalhador — tários.
denominado boia-fria ou trabalhador volante em Transcorridos quase vinte anos (estamos
São Paulo, trabalhador de fora na Zona da Mata nos referindo ao PNAD de 1995), essa situação
nordestina e peão na Amazônia e em outras regi- alterou-se de forma significativa? Não. Observe a
ões —, agenciado por um intermediário, o gato, tabela a seguir. Houve alguns avanços, mas a situa-
desobrigava o patrão dos encargos sociais e criava ção do trabalhador rural é deplorável.
um distânciamento nas relações sociais de trabalho
Com o golpe de Estado de 1964 houve um
entre patrão e empregado. Não havia como recla-
retrocesso na questão agrária. Os sindicatos foram
mar do patrão. O processo instituído foi um desres-
transformados em órgãos assistencialistas, despoja-
peito ao trabalhador e ao ser humano.
dos de ação política pelo regime militar. Quanto às
ligas camponesas, consideradas subversivas e uma
ameaça à ordem social e política estabelecida, fo-
ram proibidas de existir.
Os governos militares instalados a partir do

136 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


golpe de Estado de 1964 consideravam comunistas,
portanto subversivos, todos aqueles que discordas-
sem da ordem social, política e econômica implan-
tada ou que lutassem por justiça social. Mesmo não
sendo comunista e não fazendo parte do Partido
Comunista Brasileiro ou do Partido Comunista
do Brasil ou de outras agremiações políticas de es-
querda, centenas de pessoas (políticos, estudantes,
operários, professores, jornalistas, líderes sindicais
etc.) foram presas e torturadas, e muitas delas desa-
pareceram ou morreram nas prisões.
Referir-se à reforma agrária era igualmente
um crime, “coisa de comunista”, colidia frontal-
mente com os “valores sociais e cristãos defendidos Organização fundada em 1960 por Plínio
por organizações como, por exemplo, a Sociedade Corrêa de Oliveira, professor de História Contem-
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Pro- porânea da Pontifícia Universidade Católica de
priedade, conhecida pela sigla TFO. A luta contra São Paulo, que se destacou por suas ideias conser-
o consumismo foi a desculpa utilizada pelas classes vadoras ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980,
dominantes para massacrar os que lutavam contra pelo combate ao comunismo e pela ferrenha defesa
a escandalosa estrutura fundiária vigente no país, o da propriedade privada, onde se inclui o “sagrado”
sistema de poder baseado na propriedade da terra direito a ela de um modo geral e em particular da
e dos meios de produção indústrial, os mandonis- rural, independentemente de ser essa produtiva ou
mos locais e regionais, a vergonhosa distribuição não. A TFP é também conhecida por seus ritos e
da renda e muitas outras contradições existentes trajes de conotação medieval e pelos enormes es-
no espaço geográfico brasileiro. tandartes vermelhos que portam em suas passeatas
E agora que o fantasma do comunismo (que de protesto pelas ruas das cidades brasileiras. As
aliás nunca existiu) desapareceu, que o “socialismo mulheres não têm acesso às suas fileiras.
real” desmoronou, em vista de seu autoritarismo e Os governos militares, a questão da terra e a
de suas próprias contradições internas, que a União expansão do capitalismo no campo.
Soviética se desintegrou, qual é o argumento con-
Quanto à condução da questão da terra pe-
tra a realização da reforma agrária no Brasil?
los governos militares, quatro fatos nos interessam
Tenta-se, desesperadamente, caracterizar o de perto:
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
• A criação do Estatuto da Terra no final de
como esquerdista, afirmando-se que existem agen-
1964, mais precisamente em 30/11/1964.
tes profissionais infiltrados no movimento, estimu-
• A expansão do capitalismo no campo.
lando invasões de terra, que constituem uma massa
• A expansão da fronteira agrícola em direção
humana de baderneiros que desejam desestabilizar
à Amazônia.
a ordem e a paz social, e assim por diante.
• A militarização da questão agrária.
É Oportuno Perguntar: Qual Ordem O Estatuto da Terra: um instrumento legal
Social? que poderia viabilizar a reforma agrária.
Só não enxerga que a ordem social é injusta Em vista da turbulência que marcava a ques-
quem não quer. Sabemos que existe uma cegueira tão agrária no Brasil, o governo após o golpe de
social por conveniência, por ideologia e até mesmo 1964, em estreita aliança com a classe dominante,
por desconhecimento ou ignorância dos fatos. procurou uma “via democrática” para resolver o

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 137


problema. Criou, para tanto, o Estatuto da Terra, “Área explorável que, em determinada posi-
acreditando que ele seria uma alternativa para su- ção do país, direta e pessoalmente explorada por
perar várias questões, como: a “solução socialista um conjunto familiar equivalente a quatro pessoas
da terra”; as tensões sociais no campo; a moder- adultas, correspondendo a 1.000 jornadas anuais,
nização da agricultura via expansão do capitalis- lhe absorva toda a força de trabalho em face do ní-
mo agrário, com a consequente transformação do vel tecnológico adotado naquela posição geográfica,
campo em grande mercado comprador de produtos proporcione um rendimento capaz de assegurar-lhe a
indústriais (tratores, implementos agrícolas, de- subsistência e o progresso social e econômico”.
fensivos químicos, adubos, rações, produtos vete-
rinários etc.), rompendo, assim, com os obstácu- Em outras palavras, área de terra que repre-
los que a agricultura representava para uma maior senta idealmente o tamanho da propriedade sufi-
industrialização do Brasil; a redistribuição da terra ciente para dar sustento adequado a uma família
através de uma reforma agrária (conservadora); e a que nela trabalhe.
fixação de uma política agrícola. O módulo rural fixado para cada região foi
base, por sua vez, para classificar os imóveis rurais
BRASIL: PERCENTAGEM DE TRABALHADORES em quatro tipos ou categorias:
RURAIS COM CARTEIRA PROFISSIONAL ASSINADA
(1977 A 1995) • Minifúndio: imóvel rural com área explorá-
1977 3,2% vel inferior ao módulo fixado para a respecti-
1980 13,3% va região.
1990 22,9% • Empresa Rural: imóvel rural com área de
até seiscentas vezes o módulo rural da res-
1995 27,3%
pectiva região, explorada econômica e racio-
O Estatuto da Terra procurou, teoricamen- nalmente.
te, regular os direitos e obrigações relativos aos • Latifúndio por Exploração: todo imóvel
bens imóveis rurais: rural cuja dimensão não exceda aquela ad-
mitida como máxima para empresa rural
“Art. 1º (seiscentas vezes o módulo rural), mas que
seja mantida inexplorada em relação às pos-
Parágrafo 1º — Considera-se Reforma Agrária o
conjunto de medidas que visem a promover melhor dis- sibilidades físicas, econômicas e sociais do
tribuição da terra, mediante modificações no regime de meio, com fins especulativos, ou que seja de-
sua posse e uso< a fim de atender aos princípios de justiça ficiente ou inadequadamente explorada, de
social e ao aumento de produtividade.
modo a vedar-lhe a classificação como em-
Parágrafo 2º — [...] Política Agrícola [...] o conjun- presa rural (é a propriedade rural, chamada,
to de providências de amparo à propriedade da terra, que
comumente, de latifúndio improdutivo).
se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as
atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes • Latifúndio por Dimensão: todo imóvel ru-
o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo ral com área superior a seiscentas vezes o mó-
de industrialização do país”. dulo rural fixado para a respectiva região.
(Citado por J. Motta Maia, Iniciação à reforma agrária,
p. 50.) Com base nesses conceitos, o Instituto Na-
cional de colonização e Reforma Agrária (Incra),
Para atingir seus objetivos, o Estatuto esta- na época responsável pela execução da política
beleceu que o cadastramento dos imóveis rurais agrária, e que substituiu o Instituto Brasileiro de
seria realizado tendo por base um “módulo rural” Reforma Agrária (Ibra), em 1970, realizou o cadas-
fixado para cada região, conceituando-o nos se- tramento dos imóveis rurais em 1972, facilitando a
guintes termos: compreensão da situação agrária brasileira, marca-
da por grandes contrastes.

138 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Em vista do agravamento das tensões sociais ginário do crédito rural não foi aplicado na
no campo, conduzidas pelo Movimento dos Tra- agropecuária mas para outros fins: compra de
balhadores Sem Terra, em decorrência da demo- imóveis urbanos, de imóveis rurais com fins
ra histórica em resolver-se a questão da posse da ou não de especulação, de veículos de pas-
terra, enfim da execução de uma reforma agrária, seio, iates, abertura de estabelecimentos de
o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Mi- comércio etc. Como salienta um estudioso
nistério de Política Fundiária — muitos órgãos fo- do assunto:
ram criados, mas os resultados foram inexpressivos
diante da gravidade da questão agrária no Brasil. “[...] O projeto de reforma agrária foi, assim, esque-
cido [...]. Permaneceu o problema clássico: muita erra na
Algumas observações podem ser feitas sobre mão de pouca gente, muita gente com pouca terra. [...]
o Estatuto da Terra e sobre o que de fato aconteceu Assim, o problema da terra foi trazido aos nossos dias.
como uma revolta da cidadania em face das injustiças
após sua promulgação e as emendas sofridas: sociais. [...] A questão agora é outra: é inaceitável que
• Instrumento legal para viabilizar a reforma existam latifúndios e, conseqüentemente, terras improdu-
tivas, enquanto milhões de famílias passam fome. [...]”
agrária, ele só adquiriu força a partir de 1965,
(Francisco Graziano, Qual reforma agrária? Terra,
quando foi revogado o dispositivo da consti- pobreza e cidadania, p. 55.)
tuição Federal que exigia o pagamento pré-
vio e em dinheiro das terras desapropriadas, • O Estatuto da Terra serviu de instrumento
tornando difícil ou mesmo impraticável uma de controle das tensões sociais no campo, ou
reforma agrária no Brasil. As terras desapro- seja, foi utilizado pelos governos como “tá-
priadas passaram a ser pagas em títulos da bua de salvação” nos momentos em que es-
dívida pública, ficando, assim, afastado um tas ameaçaram atingir níveis insustentáveis.
dos grandes obstáculos para a execução da Nesses momentos realizaram-se alguns as-
reforma agrária no Brasil. sentamentos e também reassentamentos de
• Apesar da revogação do dispositivo constitu- pequenos proprietários que tinham sido ví-
cional citado, nada ou muito pouco se fez em timas de grileiros ou de grandes fazendeiros.
direção à reforma agrária. Para se ter ideia, Os conflitos continuaram intensos da déca-
entre 1965 e 1981, portanto no decorrer de da de 1960 até hoje. Entre 1964 e 1994 fo-
16 anos, foram baixados apenas 124 decre- ram assassinados 1.937 trabalhadores rurais
tos de desapropriação de terras para fins de no Brasil, número que corresponde apenas
reforma agrária. Nesse período alastraram-se ao que a comissão Pastoral da Terra (CPT)
os conflitos no campo, calculados em mais e outras entidades, como sindicatos rurais e
de 70 anualmente. a omissão do governo fe- Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra,
deral foi muito grande em decorrência das conseguiram registrar, supondo-se que deve
pressões dos interessados na manutenção do ter sido muito maior, pois durante o período
status quo, ou seja, os latifundiários e as em- da ditadura militar era difícil comprovar es-
presas rurais (já a esse tempo integrados por ses assassinatos.
comerciantes, indústriais e banqueiros).
• Os governos militares adaptaram a questão A Expansão do Capitalismo no Campo:
agrária ao modelo político-econômico im- A Revolução Verde e a Especialização da
plantado, ou seja, de capitalismo associado, Produção
dependente e excludente. O modelo seguido A partir da década de 1950, os países capi-
privilegiou a instalação de grandes empresas talistas desenvolvidos intensificaram o processo de
rurais nacionais e estrangeiras e de grandes industrialização da agricultura no mundo subde-
latifúndios. Para executar essa política, es- senvolvido como parte da estratégia de revigora-
cancarou o crédito rural subsidiado e os in- mento do sistema capitalista em âmbito mundial.
centivos fiscais. Boa parte do dinheiro ori- Instituições como a fundação Rockefeller, a Fun-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 139


dação Ford, o Banco Mundial e outras, identifica- 1960, aumentando o faturamento e os lucros das
das com os interesses das empresas transnacionais, transnacionais.
divulgaram várias medidas técnicas destinadas a
A tecnologia agropecuária utilizada nos pa-
aumentar a produção e a produtividade da agricul-
íses ricos foi, dessa forma, transferida para os paí-
tura nos países do Terceiro Mundo, prevendo o uso
ses ricos foi, dessa forma, transferida para os países
de máquinas e tratores, fertilizantes e defensivos
subdesenvolvidos. Entretanto ela nem sempre era
agrícolas. Foi o que ficou sendo conhecido como
a mais indicada às condições socioeconômicas dos
revolução verde.
agricultores. O poder de persuasão da publicidade,
Essas instituições “achavam” que a intro- com promessas de aumentos milagrosos de produ-
dução de técnicas de produção e de trabalho uti- ção e de produtividade, induzia os agricultores ter-
lizadas nos países ricos poderia resolver, em curto ceiro-mundistas a utilizarem-na, muitas vezes des-
espaço de tempo, o problema da fome nos países necessariamente, aumentando seu endividamento
pobres. A verdade é que esse conjunto de medidas e os custos de produção.
foi transferido por inspiração das grandes empresas
Após alguns anos verificou-se que a revolu-
transnacionais norte-americanas, interessadas na
ção verde não havia contribuído para erradicar a
modernização da agricultura dos países subdesen-
fome e a miséria, além de ter aumentado o fosso
volvidos, uma vez que isso implicaria o consumo e
entre agricultores ricos e pobres. Os ricos, já por
a utilização de técnicas e produtos por elas desen-
si de posse das condições financeiras necessárias,
volvidos.
tinham crédito fácil e puderam adquirir o pacote
A mais importante dessas inovações eram de inovações tecnológicas. Os pobres, sem nenhu-
as sementes híbridas de cereais, obtidas em labo- ma dessas vantagens, continuaram a usar a semen-
ratórios de pesquisa e conhecidas como varieda- tes comuns e as técnicas tradicionais de cultivo
des de alto rendimento (VAR). De início foram do solo. Ao ampliar o fosso entre ricos e pobres
obtidas variedades dessas sementes em centros de no campo, a revolução verde contribuiu também
pesquisas agrícolas no México (sementes de trigo) para elevar os preços das terras e dos arrendamen-
e nas Filipinas (semente de arroz), instalados por tos, além de estimular a concentração da terra e da
fundações norte-americanas. Em poucos anos, os renda, aumentando, por conseguinte, o poder dos
resultados mostraram-se excelentes. Os relatórios grandes.
demonstravam que a produção de trigo e arroz por
Podemos, então, entender que a revolução
hectare tinha aumentado duas, três e até mais ve-
verde não passou de uma estratégia da expansão
zes em relação às culturas realizadas com as semen-
do capitalismo no campo nos países subdesenvol-
tes comuns.
vidos.
Após esses resultados, a euforia da revolução
verde espalhou-se pelo mundo. As culturas com “A ‘revolução verde’ foi idealizada para salvar a agri-
as VAR(s) exigem, entretanto, para serem bem- cultura do mundo subdesenvolvido de uma suposta inca-
-sucedidas, a utilização de um grande aparato tec- pacidade de vencer os obstáculos tecnológicos, pois não
estavam nos planos de seus idealizadores ajudar os países
nológico representado por fertilizantes, máquinas, atrasados a remover o maior de todos os seus obstáculos:
tratores, defensivos químicos etc. De que maneira, as estruturas tradicionais”.
então, os países subdesenvolvidos adquiriram toda (Alberto Passos Guimarães, A crise agrária, p. 222
a tecnologia necessária? Inicialmente, importan- e 223.)
do-a e, depois, instalando em seus territórios in-
dústrias subsidiárias de transnacionais do ramo As tradicionais fazendas que produziam de
agropecuário (no Brasil, mais de uma centena de tudo (feijão, arroz, leite, café, carne etc.) come-
empresas ligadas ao complexo agroindústrial são çaram a desaparecer. Foram perdendo a autossu-
transnacionais). As vendas desses produtos expan- ficiência para a produção de alimentos, adubos e
diram-se consideravelmente a partir da década de instrumentos de trabalho. E acabaram dando lugar,

140 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


dentro do processo de especialização capitalista da podem-se perceber várias contradições:
produção agrícola, às fazendas especializadas em
• Para a Doutrina de Segurança Nacional,
café, laranja, soja, cana-de-açúcar, criação de gado
colocada em prática após 1964, o “inimigo”
etc. A força animal utilizada na aração da terra
do país não eram as forças externas, os in-
e no transporte da produção foi, gradativamen-
teresses internacionais sobre a Amazônia,
te, substituída pelas máquinas, por tratores e por
pois a região já estava internacionalizada,
caminhões. Os adubos ou fertilizantes passaram a
através de vultosos investimentos estran-
ser comprados das indústrias, juntamente com os
geiros aí realizados, sem contudo ter-se
pesticidas, herbicidas, agrotóxicos etc. Também a
tornado território internacional. O “ini-
produção de alimentos para os trabalhadores e pro-
migo”, na verdade, eram todos aqueles que
prietários de terras deixou de existir, sendo substi-
questionassem ou se mobilizassem contra a
tuída pela compra em armazéns e supermercados.
política governamental ditatorial, contra a
Ocorreu, assim, a ampliação da economia de mer-
ordem social antidemocrática vigente. No
cado.
caso da Amazônia, como veremos a seguir,
O trabalhador do campo, que vivia na fa- a militarização da questão agrária se acen-
zenda como colono, foi dispensado e pressionado a tuou em vista do acirramento político pela
transferir-se para as cidades, que não possuíam in- posse da terra. Foi o caso, por exemplo, da
fraestrutura para receber mais gente nem mercado guerrilha do Araguaia, montada a partir de
de trabalho para absorver a mão de obra liberada 1970 pelo Partido Comunista do Brasil (PC
do campo. Muitos tornaram-se, então, trabalhado- do B), no então norte de Goiás, divisa com
res temporários (boias-frias). A exclusão social, a o Pará, com o objetivo de combater o Esta-
fome e a miséria aumentaram em todo o país. do e sua política geral e em particular a re-
lativa à Amazônia. Contrapor-se à política
A Expansão da Fronteira Agrícola em oficial significava, por sua vez, ser inimigo
Direção à Amazônia e a Militarização da do Estado.
Questão Agrária • Ao defenderem a “ocupação” da Amazônia,
Dentro da orientação ideológica da seguran- os governos militares negavam, implicita-
ça nacional, desenvolvida na Escola Superior de mente, a existência ali de populações in-
guerra (quadro a seguir), os governos militares ela- dígenas e caboclas espalhadas pela região,
boraram vários planos para a “ocupação” da Ama- como também a de populações urbanas aí
zônia. O território amazônico, sendo um “espaço existentes. O avanço do capitalismo em
vazio”, era visto como bastante vulnerável à pene- direção à Amazônia, através dos grandes
tração externa e à cobiça internacional a exemplo projetos governamentais (rodovias, usinas
do ocorrido na Antártida. Assim, por questão de hidrelétricas, exploração de minérios etc.)
segurança nacional, ela deveria ser “ocupada”. e de iniciativas privadas amparadas pelos
governos militares, produziu uma intensa
A “ocupação” da Amazônia, sendo a ideo-
apropriação e expropriação de terras. Mui-
logia oficial, traria grandes benefício: melhoraria a
tas tribos indígenas e posseiros perderam
vida do caboclo regional, a do nordestino e de ou-
suas terras e vidas, num processo violento
tros brasileiros das regiões Sul e Sudeste, principal-
de expansão de fronteira. Afinal, dizia-se
mente onde a fronteira agrícola já se apresentava
que a “Amazônia” precisava ser integrada
“esgotada” e onde as relações entre proprietários de
para não ser entregada. No entanto, como
terra e os sem-terra estavam se tornando tensas. em
já sabemos, ela já estava sendo internacio-
outras palavras, ela serviria de “válvula de escape”
nalizada ou “entregada” ao capital estran-
ou de “segurança” para os conflitos no campo.
geiro.
Interpretando-se a argumentação oficial, • Ao referir-se à Amazônia como “espaço

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 141


vazio” que, portanto, precisava ser ocupa- de Guerra.
do, esse mito oficial obscurecia as reais in-
De 1949 a 1963, com base no ideário de Segurança
tenções governamentais. Procurava-se, na e Desenvolvimento, elaborou a doutrina de Segurança
verdade, como já foi dito, utilizá-la como nacional brasileira, que com o golpe militar de 1964 foi
espaço de recepção de populações de outras finalmente colocada em prática. O Estado autoritário ins-
regiões onde havia (ou se encontravam la- tituído teve grande peso na determinação de uma ordem
social por ela projetada e na extinção da cambaleante de-
tentes) conflitos sociais. mocracia brasileira.
Com base nessas ideias, os governos mili-
As agrovilas são aglomerados de casas de co-
tares procederam à “ocupação” da Amazônia. De
lonos, que possibilitam o contato de vizinhança e a
início, é importante destacar, foi estabelecida uma
utilização de serviços comuns (escola, capela, pos-
política de colonização dirigida, que incluía a cria-
to de assistência médica e odontológica e abasteci-
ção de núcleos de povoamento, de iniciativa tanto
mento alimentar), a pequena distância dos lotes de
governamental como particular, os quais atraíram
terra a serem trabalhados pelas famílias.
milhares de pessoas de várias partes do Brasil, prin-
cipalmente no período de 1970 a 1974. Os projetos Como projeto de assentamento rural, elas
de núcleos do Incra foram basicamente de dois ti- poderiam ter sido bem-sucedidas. Entretanto não
pos (Figura 21.6): apresentaram os resultados esperados, pois enfren-
taram uma série de problemas: insuficiente assis-
• O Projeto Integrado de Colonização (PIC),
tência financeira e técnica, burocracia, falta de
que fez o assentamento das famílias de colo-
assistência médica e escolar, dificuldade em escoar
nos, prestou assistência técnica e concedeu
a produção e até mesmo despreparo de muitos co-
empréstimos em dinheiro.
lonos em trabalhar a terra. Esses fatores desestimu-
• O Projeto de Assentamento (PA), que fez a
laram o desenvolvimento das agrovilas. Muitos co-
demarcação das terras de cada família e for-
lonos abandonaram suas casas e lotes, alugando-os
neceu o documento da propriedade, um tipo
para migrantes sem terra que chegavam à região.
de assentamento sem assistência técnica
nem financeira. Todavia os projetos de colonização dirigida,
oficiais e particulares (estes se destacaram prin-
O PIC incluía o povoamento do eixo da Ro-
cipalmente no Estado de Mato Grosso, na parte
dovia Transamazônica, construída durante o go-
compreendida pela Amazônia Legal), atraíram mi-
verno Médici (1969-1974), como parte da política
lhares de migrantes em busca de terra para cultivar
de integração territorial com base no rodoviaris-
e obter uma vida melhor. Entretanto, ao lado da-
mo. Obedecendo aos planos traçados pelo projeto,
queles que se tornaram proprietários de pequenos
o Incra instalou agrovilas em Altamira e Marabá
lotes e conseguiram vencer as adversidades, como
(PA).
é o caso de muitos colonos assentados em Altamira
no Pará (Figura 26.1), onde existem manchas de
A Escola Superior de Guerra e a Doutrina terra-roxa, muitos outros que migraram, sem terra
da Segurança Nacional para se fixar, passaram a formar um “estoque” de
Após a Segunda Guerra Mundial, em vista da po- mão de obra à disposição dos grandes proprietários
laridade entre capitalismo e comunismo, foram criadas, e das empresas agropecuárias e minerais — os pe-
nos Estados Unidos, escolas militares — o National War
College e o Industrial College of the Armed Forces — em ões, como são chamados.
Washington, com o objetivo de desenvolver uma doutrina Em 1974, no governo militar do presidente
de Segurança Nacional para resguardar os “valores oci-
dentais contra o avanço do comunismo ou do socialismo Ernesto Geisel, o projeto de “ocupar” a Amazônia
real. e ao voltarem aos seus países de origem, criaram por meio da colonização dirigida foi abandonado.
centros de estudos que podem ser entendidos como exten- Em seu lugar, o governo deu ênfase à colonização
sões das escolas militares norte-americanas e de sua ideo-
através da grande empresa ou grande capital na-
logia. No Brasil, foi criada, em 1949, a Escola Su perior
cional e estrangeiro, levando a um processo mais

142 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


intenso de internacionalização da Amazônia. nas, os grileiros, os seringueiros e os castanheiros.
Estimuladas pelas facilidades oferecidas pelo Muitas tribos indígenas têm perdido suas
governo federal (isenção de impostos, emprés- terras, outras têm tido sua área de terra diminuí-
timos de dinheiro a longo prazo e a juros baixos, da e outras, ainda, têm sido deslocadas para abrir
incentivos fiscais), grandes empresas começaram espaço para a penetração do grande capital. Além
a instalar projetos agropecuários na Amazônia: a disso, muitos indígenas têm sido contagiados pe-
Volkswagen (Companhia Vale do Rio Cristalino, las doenças levadas pelos “novos conquistadores,
localizada no sul do Pará, abrangendo uma área de principalmente pelos garimpeiros, enquanto ou-
140 mil hectares); Suiá-Missu (700 mil hectares, tros são absorvidos pela cultura de nossa civilização
área quatro vezes maior do que a Baía de Guanaba- e transformados em peões ou mão de obra barata
ra), fundada pelo Grupo Ometto (80%) e Ariosto para os fazendeiros da região.
da Riva (20%) vendida posteriormente ao grupo
Quando não são abatidos pelas doenças, os
italiano Liquifarm; a Companhia de Desenvolvi-
indígenas são assassinados brutalmente pelos ga-
mento do Araguaia — Codeara (600 mil hectares,
rimpeiros, pelos grileiros e por outros, como ocor-
de propriedade do Banco de Crédito Nacional, da
reu em 1993 com os Ianomâmi na fronteira do Bra-
família Conde); e muitos outros, pertencentes a di-
sil com a Venezuela.
versos grupos — Bradesco, Bamerindus, Tamakavy
(rede de lojas de Sílvio Santos), Sadia, Camargo O garimpeiro é vencido pela grande empre-
Corrêa, Frigorífico Atlas (de que participam em- sa de mineração; o pequeno agricultor, pela grande
presas alemãs), Drury’s Amazônica S.A. (norte- empresa agropecuária. Os sem-terra e os peões são
-americana), Projeto Jari (1,5 milhão de hectares, colocados, muitas vezes, em condição de servidão
pertencente durante anos ao milionário norte- nas fazendas, sem proteção de leis trabalhistas e
-americano Daniel Ludwig); Georgia Pacific (500 submetidas a péssimas condições de trabalho e de
mil hectares), Toyomenka (300 mil hectares) etc. moradia. Não podem deixar a fazenda enquanto
São propriedades de dimensões gigantescas, maio- não pagarem o que devem ao proprietário, que é
res que alguns estados brasileiros e muitos países. também o dono do armazém onde compram ali-
mentos. O posseiro é expulso da sua pequena roça,
Sobre o modo como se implantam, escreveu
onde pratica uma agricultura de autossubsistência.
Berta K. Becker:
E, em meio a tudo isso, a compra e venda de terras
na Amazônia enriquece muita gente, até correto-
“As empresas desmatam áreas maiores e em ritmo res estrangeiros.
crescente. Utilizam o trabalho assalariado, que possibilita
rápido desmatamento, e nas operações seguintes dispõem Os trabalhadores no extrativismo vegetal,
de aviões que espalham desfolhantes, defensivos e como, por exemplo, os seringueiros e os castanhei-
sementes de capim, que em três dias realizam uma
operação equivalente a um ano de trabalho vivo”. ros, entram em conflito com as empresas madeirei-
ras e com os fazendeiros. Lutam para que as flores-
(Amazônia, p. 26)
tas não sejam derrubadas, pois elas são a fonte de
A chegada dos grandes projetos agropecu- vida para si e para sua família. As empresas madei-
ários (e também minerais) na Amazônia repre- reiras e os fazendeiros, por sua vez, querem extrair
sentou uma grande destruição do meio ambiente, madeira para comercializar ou derrubam a floresta
além de acirrar os conflitos de territorialidade, ou para formar pastagens, muitos deles para justificar
seja, a disputa por territórios. Esses conflitos repre- junto ao Incra que a terra está sendo utilizada, é
sentam o choque de interesses das partes envolvi- produtiva e, com isso, escapar da desapropriação
das na “ocupação” recente da Amazônia, ou seja, para fins sociais, como estabeleciam o Estatuto da
as grandes empresas agropecuárias e minerais, os Terra e a Nova Lei Agrária de 25 de fevereiro de
trabalhadores sem-terra, os pequenos e médios pro- 1993.
prietários, os posseiros, os garimpeiros, os indíge-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 143


Pistoleiros e Açúcar Envenenado Foram desse cenário, o Conselho de Segurança Nacional
Usados para Desocupar Terras na Amazônia considerou os conflitos de terra como questão de
segurança nacional, assumindo a responsabilidade
Os conflitos entre as partes que disputam um lugar no
espaço territorial amazônico têm causado muitas mortes.
de seu controle. Em seguida, em 1982, o governo
Foi muito comum, quando da implantação dos grandes federal criou o Ministério Extraordinário para As-
projetos agropecuários, contratar pistoleiros e jagunços suntos Fundiários e deu sua chefia a um general,
(assassinos pagos) para expulsar posseiros e índios das definindo o caráter militar da questão da terra no
terras dos projetos.
Brasil. E, como diz o sociólogo brasileiro José de
É conhecido o “massacre do paralelo 11”, em que pis- Souza Martins:
toleiros assassinaram todos os indígenas de uma aldeia da
tribo dos Cinta-Larga, para desocupar uma área de terra.
É também conhecido o caso em que muitos índios “Beiço- “A criação desse Ministério, e o caráter militar que
-de-Pau” morreram porque comeram açúcar envenenado ele assume, está perfeitamente na linha e na lógica da
fornecido pelo branco. progressiva e definida militarização da questão agrária no
De 1.100 assassinatos de trabalhadores rurais no Brasil”.
Brasil no período de 1964 a 1985, portanto no perío- (José de Souza Martins, A militarização da questão
do dos governos militares, 535 ocorreram na Amazônia. agrária no Brasil, p. 20.)
Desses, 489 ocorreram no período de 1974 a 1985, jus-
tamente quando foram implantados os grandes projetos Os militares assumiram, assim, o controle da
agropecuários. Amazônia e sobretudo dos conflitos de terra. Foi
criado, por exemplo, o Grupo Executivo de Terras
De 1966 a 1985, portanto no período dos go-
do Araguaia-Tocantins (Getat) para atuar nes-
vernos militares, 581 projetos agropecuários foram
sa área de conflitos e, segundo tudo indica, para
aprovados pela Superintendência do Desenvolvi-
atenuar a influência da Igreja e criar as condições
mento da Amazônia (Sudam), abrangendo 134
para a implantação do Projeto Grande Carajás. O
municípios da Amazônia Legal. A eles somam-se
mesmo ocorreu em Serra Pelada.
40 projetos agroindústriais e 52 de serviços, todos
incentivados pelo governo federal. O espaço amazônico está, portanto, sendo
produzido e organizado segundo os interesses prin-
Os incentivos fiscais oferecidos às empre-
cipalmente do grande capital e sob a proteção do
sas foram motivo de um grande escândalo, sobre o
Estado. Isso faz parte do processo de internaciona-
qual diz um geógrafo brasileiro:
lização da economia ou da globalização em curso,
que, por sua vez, resulta da mais forte inserção do
“A questão [...] tem origens na legislação a respeito do Brasil no capitalismo mundial, cujo desenvolvi-
assunto que, até 1984, dizia que todos aqueles projetos que
não cumprissem com as normas poderiam ser cancelados, mento tem mostrado seu caráter de exclusão social.
e então deveriam ressarcir o Tesouro Nacional pelos Com esse processo, a sociedade brasileira
valores históricos, ou seja, a mesma quantia de dinheiro
recebida através dos incentivos. Isto equivale a dizer que como um todo tem levado desvantagem, pois a
não é imputada aos ‘golpistas’ ou ‘falsários’ a correção Amazônia tem sido destruída, sua vegetação origi-
monetária sobre os valores incentivados. Foi por esta nal e seus ecossistemas estão sendo comprometidos
razão que a maioria dos grandes grupos econômicos,
por uma “ocupação” desastrosa e irresponsável.
nacionais ou estrangeiros, criou suas agropecuárias para
dessa forma descarregar/desviar dinheiro do imposto de
renda que deveria ser recebido pelo governo [...]”. c) A Nova República e a Qustão
(Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Amazônia: da Terra: A União Democrática
monopólio, expropriação e conflitos. p. 82.)
Ruralista (UDR) e o Movimento
Ao mesmo tempo em que os projetos eram dos Trabalhadores sem Terra
aprovados, cresciam assustadoramente os conflitos (MST)
de terra na região. Os confrontos entre as partes as-
Terminado o “ciclo militar”, em 1985, e ins-
sumiram proporções violentas. Em 1980, em vista
talada a Nova República, a situação econômica-so-

144 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


cial do Brasil era deplorável: desemprego, inflação Paralelamente ao processo que aglutinou
alta caminhando para a hiperinflação”, conflitos os grandes proprietários rurais em torno da UDR,
sociais no campo e nas cidades, redução da ativida- crescia, desde o início dos anos 80, o Movimento
de econômica, peso excessivo da dívida externa e dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
muitos outros problemas de ordem social.
A partir de 1990, com a ocupação de ter-
Em 1985, o governo Sarney lançou o Plano ras que realizou no Pontal do Paranapanema, no
Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que in- Estado de São Paulo, o MST ganhou projeção na-
cluía, como beneficiários, os posseiros, parceiros, cional, sendo, atualmente, a mais bem-sucedida
arrendatários, assalariados rurais e minifundiários. organização dos trabalhadores rurais> Agrega pra-
A meta era assentar 1,4 milhão de famílias até o ticamente todos os grupos de sem-terra espalhados
ano de 1989. pelo Brasil, e suas lideranças reúnem tendências
políticas que vão da esquerda à extrema esquerda,
Terminado o mandato presidencial, tenham
englobando membros dos movimentos eclesiais de
sido assentadas apenas 82.690 famílias, menos de
base da Igreja Católica.
6% do total estabelecido. Para esse fracasso mui-
to contribuiu a reação imediata dos grandes pro- O MST tem mostrado um nível de organi-
prietários de terra, que criaram, no mesmo ano zação sem precedentes na história das lutas sociais
do lançamento do PNRA, a União Democrática no Brasil. Está presente, hoje, em quase todos os
Ruralista (UDR), para impedir a realização da re- estados da Federação e tem se mobilizado de forma
forma agrária projetada pelo governo, por meio de contínua na busca de soluções para a grave ques-
um lobby no congresso Nacional em defesa de seus tão da posse da terra e da concretização da reforma
interesses. agrária.
A liderança da UDR era exercida pelas pes- É no Pantanal do Paranapanema, no Estado
soas mais reacionárias da oligarquia rural brasileira. de São Paulo, que se pode verificar com mais niti-
Sua penetração foi imediata, junto não somente a dez a atuação do MST.
latifundiários mas também a pequenos e médios
Nas últimas três décadas, a região, como o
proprietários mas também a pequenos e médios
Brasil em geral, conheceu uma expansão do capi-
proprietários rurais. A entidade utilizou, para tan-
talismo. O Pontal do Paranapanema foi invadido
to, seu poder de articulação pelo Brasil afora, noti-
pela pecuária de corte e pelas culturas da soja e
ciando que as desapropriações de terra, via reforma
da cana-de-açúcar, e a agricultura de produtos ali-
agrária, incluíam propriedades produtivas, inde-
mentares aí pouco se desenvolveu.
pendentemente de sua dimensão. Foi o bastante
para criar um clima geral de oposição à reforma Já havia nesse período movimentos dos sem-
agrária capaz de frear sua execução. -terra na região, sem contudo possuir a importân-
cia dos dias atuais. Da primeira ocupação em 1990
O PNRA tornou-se inoperante e foi aban-
em diante, os conflitos de territorialidade intensifi-
donado no ano seguinte ao seu lançamento. A
caram-se não só no Pontal do Paranapanema como
UDR saiu fortalecida desse episódio e, consequen-
em todo o Brasil. Entretanto foi ali que o MST as-
temente, segura de si para exercer influência no
sumiu maior expressão, em vista das peculiaridades
Congresso Nacional Constituinte instalado em 1o
históricas locais.
de fevereiro de 1987. Ela financiou a campanha de
muitos candidatos contrários à reforma agrária, à As terras do Pontal localizam-se, como dis-
Câmara e ao Senado que, eleitos, fizeram parte do semos, no Estado de São Paulo, unidade da Federa-
congresso Nacional Constituinte. Conseguiu, as- ção que dispõe da melhor infraestrutura, próximas
sim, que as emendas progressistas de reforma agrá- de centros regionais, como é o caso da cidade de
ria não fossem aprovadas para integrar a Constitui- Presidente Prudente, e não muito distante da ci-
ção de 1988. dade de São Paulo. Grande parcela é composta de

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terras devolutas (públicas) e foi grilada desde 1886, em diante, a região sofreu um intenso processo de
quando se constituiu a Fazenda Pirapozinho/Santo grilagem, até mesmo por pessoas com sobrenome
Anastácio, abrangendo a impressionante dimen- bastante conhecido no Estado de São Paulo que,
são de 560 mil hectares dos títulos de propriedade, aliadas da ditadura, receberam desta o troco da
levando o governo do Estado de São Paulo a entrar omissão.
com ação de reintegração de posse. Mas, dessa data

Reforma Agrária: Uma Luta de Todos


O Brasil detém o segundo lugar no mundo em concentração de terras. conforme os dados do Censo Agropecuário de
1985, pouco mais de dois mil latifúndios ocupam uma área de 56 milhões de hectares, que corresponde a duas vezes e meia
a área do território do Estado de São Paulo. Grande parte dessa área é improdutiva, servindo à mera especulação imobiliária
por parte de seus proprietários ou grileiros.
A concentração da propriedade da terra é um dos grandes problemas para o desenvolvimento social, político e econômico
de nosso país. A realização da reforma agrária é urgente para solucionar os problemas de milhões de famílias de trabalhadores
rurais: sem-terra, posseiros, boias-frias etc.
Os trabalhadores organizados derrubam as cercas dos latifúndios, ocupando a terra, como forma de pressionar o governo
a desapropriá-la e realizar os assentamentos para que as famílias possam trabalhar e viver dignamente. Nessa luta, milhares
de trabalhadores são assassinados. Em resposta, o governo realiza alguns tímidos projetos de assentamentos.
De 1978 até 1994, foram realizados pouco mais de mil assentamentos, onde vivem cerca de cento e quarenta mil famí-
lias em uma área de mais de sete milhões de hectares.
Mas a luta pela reforma agrária não acaba na conquista da terra pelos trabalhadores ou na realização de projetos de
assentamento pelo governo. Outras cercas precisam ser derrubadas: aquelas que impedem a formulação e efetivação de uma
política agrícola voltada para os interesses da agricultura familiar e o acesso aos direitos básicos da cidadania, como educação
e saúde. Nesse sentido, a luta pela reforma agrária é também a luta pela conquista da democracia.
Os mapas e os dados a seguir representam uma realidade construída pela árdua luta de milhões de brasileiros. Represen-
tam a resistência contra a vigência de um modelo de desenvolvimento agropecuário arcaico e excludente. São documentos
reveladores, que permitem não só a visualização das conquistas recentes do movimento pela reforma agrária, como também
levam à compreensão da importância desse movimento para a construção de um Brasil melhor para todos.

Somente por volta de 1982 é que a adminis- em si contradições brutais, o que é próprio de nossa
tração estadual iníciou o processo de recuperação sociedade e do capitalismo, não obstante inaceitá-
das terras griladas, realizando um acordo com os vel.
fazendeiros-grileiros pelo qual legalizou a maior
A mobilização dos sem-terra tem servido,
parcela das terras griladas em troca da devolução
entre outros fatos importantes, para desmascarar a
de parte das terras para assentamento.
face grileira de muitos latifundiários. Como bem
Daquela data até nossos dias, o procedimen- sintetiza o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes:
to assumido pelos governos que se sucederam no
estado tem sido o de desapropriar terras griladas “[...] antes mesmo da questão ‘função social da terra’,
mediante o pagamento ou indenização das ben- também existe a questão da legitimidade dos documentos
feitorias (casa, paiol, barracão, cerca, curral etc.), da terra”.
o que vem causando polêmica. Como pagar inde- (A questão da reforma agrária hoje, in AGB
Informa, nº 59, 1995, p. 14.)
nizações pelas benfeitorias sem contudo cobrar do
fazendeiro-grileiro o uso que fez da terra pública Calcula-se que as terras devolutas do Pon-
durante anos? O que a conduta da Justiça mostra tal do Paranapanema abranjam cerca de 444
claramente é que ela considera os fazendeiros-gri- mil hectares. As ações de reintegração de posse
leiros proprietários legais e não grileiros, e que, por encontram-se na Justiça, mas o trâmite é muito
sua vez, os sem-terra que ocupam terras pertencen- demorado. Até 1996 o estado conseguiu reaver le-
tes ao Estado são invasores e sujeitos, portanto, a galmente 66 mil hectares. Mas a forte resistência
penas e à ação policial. A questão da terra encerra

146 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


dos fazendeiros-grileiros tem conseguido impedir deste, de módulo fiscal (que, simplificadamente,
a efetiva reintegração de posse por parte do Esta- corresponde ao módulo rural médio do município)
do de São Paulo, para que ele possa proceder aos para definir e classificar os imóveis rurais segundo a
assentamentos dos sem-terra. alguns fazendeiros- dimensão. Assim, passou-se a entender por:
-grileiros perderam a ação mas nenhum deles foi
• Minifúndio: todo imóvel rural cuja dimen-
ainda despejado.
são é inferior ao módulo fiscal fixado para o
Apesar da morosidade da Justiça e da resis- município.
tência dos grileiros, o MST continua agindo di- • Pequena Propriedade: o imóvel rural cuja
namicamente e realizando a ocupação de terras, dimensão esteja compreendida entre 1 (um)
não só no Pontal mas em Pernambuco, Pará, Mato e 4 (quatro) módulos fiscais.
Grosso, enfim em quase todos os estados do Brasil. • Média Propriedade: o imóvel rural cuja
Até 1997, o MST já tinha montado 55 cooperati- dimensão esteja compreendida entre mais
vas de produção agropecuária, algumas já em fase de 4 (quatro) e 5 (quinze) módulos fiscais.
de industrialização de matérias-primas, como o lei- • Grande Propriedade: o imóvel rural cuja
te e a erva-mate, contribuindo para a produção de dimensão é superior a 15 (quinze) módulos
riquezas no país. fiscais.
O MST é efetivamente a resposta ou o re- A dimensão do módulo fiscal é variável se-
sultado da lentidão e da indiferença com que a gundo a região ou área do território brasileiro, pois
questão da terra sempre foi tratada no Brasil, bem depende da ocupação histórica e das características
como do conservadorismo e do autoritarismo que das atividades agropecuárias, em que se incluem a
permeiam as relações de poder, das contradições potencialidade dos solos e as características climá-
seculares que marcaram a questão do acesso à terra ticas.
no nosso país, da miséria em que estão mergulha-
A variação do módulo fiscal no território
dos milhões de brasileiros e da indiferença históri-
brasileiro é de 5 a 110 hectares. Próximo às capi-
ca das elites para com os excluídos do grande ban-
tais dos estados é de 5 hectares, enquanto no Pan-
quete que pode ser a vida.
tanal Mato-Grossense está o maior módulo fiscal,
110 hectares. No Estado do Amazonas, para se ter
A Nova Lei Agrária ideia, 39 municípios possuem módulos fiscais de 80
hectares.
(1993) Tomando-se como exemplo o município de
Em prosseguimento às discussões e embates Ribeirão Preto (SP), o módulo fiscal foi fixado em
em torno da reforma agrária, em 25 de fevereiro de 10 hectares. Assim, nesse município, será:
1993 foi sancionada a Lei nº 8.629 pelo presidente • Minifúndio: o imóvel rural com menos de
Itamar Franco. Essa lei dispõe sobre a regulamen- e10 hectares.
tação dos dispositivos constitucionais relativos à • Pequena Propriedade: aquele cuja dimensão
reforma agrária previstos no Capítulo III (Da po- estiver compreendida entre 10,1 e 40 hecta-
lítica agrícola e fundiária e Da reforma agrária), res.
título VII (Da ordem econômica e financeira) da • Média Propriedade: entre 40,01 até 150
Constituição Federal. hectares.
A Lei nº 8.629, além de reafirmar que a ter- • Grande Propriedade: mais de 150 hectares.
ra tem de cumprir a função social, sendo, caso isso A Lei 8,629 também estabeleceu, com o in-
não ocorra, passível de desapropriação, estabeleceu tuito de acalmar os ânimos e os mal-entendidos,
novos conceitos relativos às dimensões e classifica- que “são insuscetíveis de desapropriação para fins
ções dos imóveis rurais. Tendo por base o concei- de reforma agrária a pequena e a média proprieda-
to de módulo rural, utilizou o conceito derivado

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 147


de rural, desde que o seu proprietário não possua efeito da reforma agrária. entretanto falta, na ver-
outra propriedade rural”. Mas não podemos nos es- dade, vontade política para executá-la.
quecer de que, mesmo nesses casos, a função social
da terra esteja sendo cumprida. É condição, por-
tanto, prioritária. 1. A Injustiça e
Juntamente com a nova lei agrária, o Incra, Antidemocrática Estrutura
desde 1992, está aplicando novos procedimentos Fundiária Brasileira
técnicos par o cadastramento rural: obrigatorie-
Estrutura fundiária corresponde ao número
dade da entrega das plantas dos imóveis acima de
e ao tamanho dos imóveis rurais, e sua classificação
1.000 hectares; informatização de suas atividades,
segundo as categorias dimensionais. Simplificando,
que inclui a utilização de imagens de satélites for-
podemos dizer que é a forma como está distribuída
necidos pelo INPE; e outros recursos para a medi-
a propriedade das terras num país.
ção topográfica dos imóveis rurais e avaliação de
sua taxa de utilização — de extrema importância Em setembro de 1996, o Ministério Extra-
para a obtenção de uma radiografia” mais precisa ordinário de Política Fundiária lançou, através do
da malha fundiária brasileira, de modo que oriente Incra, o Atlas fundiário brasileiro. Nele se obser-
com mais eficácia a execução da reforma agrária va o que há tempos se sabe: existe no Brasil uma
tão necessária para a sociedade brasileira. Há, as- estrutura fundiária defeituosa, injusta e antidemo-
sim, um desenvolvimento técnico considerável no crática.
sentido de fornecer informações confiáveis para

BRASIL: ESTRUTURA FUNDIÁRIA SEGUNDO ESTRATOS DIMENSIONAIS DOS IMÓVEIS RURAIS (1999)
Estratos de Áreas Número de Imóveis Área Ocupada Pelos Imóveis
dos Imóveis (em ha) Em Valor Absoluto Em % Em Valor Absoluto Em %
Menos de 10 ha 947.408 32 4.315.910,3 1,4
de 10 a menos de 100
1.681.411 54 54.667.741,3 16,5
ha
de 100 a menos de
393.956 12,6 106.323.698,4 32,1
1.000 ha
mais de 1.000 ha 43.956 1,4 165.756.662,0 50,0
TOTAL *3.066.390 100,0 331.364.012,0 100,0

Interpretando o Tabela, nota-se que: dados ou despossuídos é elevada e a desnutri-


ção ou a fome atinge parcela significativa da
• Os 947.408 proprietários rurais que possuí-
sociedade brasileira, como vimos.
am menos de 10 hectares — minifundiários
e pequenos proprietários — correspondem a A organização das Nações Unidas para a
32% do total, mas possuíam apenas 1,4% da Agricultura e Alimentação (FAO) e o Progra-
área ocupada pelos imóveis rurais. ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento
• No outro extremo da tabela, vê-se que (PNUD), utilizando-se do índice de Gini (quadro
43.956 dos grandes proprietários rurais no a seguir), mostraram que, em 1990, o Brasil ocu-
Brasil, apenas 1,4% do total, dominavam pava o segundo lugar no mundo em concentração
50% de todas as terras agricultáveis ou da da propriedade da terra, superado apenas pelo Pa-
área ocupada pelos imóveis rurais. raguai.
• A concentração da propriedade da terra no
Brasil nas mãos de poucos é assustadora. E
isso ocorre num país onde a massa de deser-

148 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


BRASIL: ESTRUTURA FUNDIÁRIA (1970, 1975, 1980 E 1992)
Estratos de Áreas dos Imó- Números de Imóveis (em %) Área Ocupada Pelos Imóveis (em %)
veis 1970 1975 1980 1992 1970 1975 1980 1992
- 10 ha 51,4 52,1 50,4 32,0 3,1 2,9 2,4 1,4
De 10 a 100 há 39,3 37,8 39,0 54,0 20,5 18,6 17,4 16,5
De 100 a 1.000 há 8,5 8,9 9,4 12,6 37,2 36,0 34,4 32,1
Mais de 1.000 há 0,8 1,2 1,2 1,4 39,2 42,5 45,8 50,0
Observando o índice de Gini, desde 1920, esse denominado “fagocitose rural”, por José F.
no Brasil (Tabela anterior), vê-se que tradicio- Graziano da Silva, “pela semelhança com o proces-
nalmente a concentração da propriedade da terra so biológico onde as células englobam e digerem
sempre se situou na faixa entre 0,701 e 0,900, ou outras à sua volta”. (Estrutura agrária e produção
seja, concentração muito forte. Mas, se considerar- de subsistência na agricultura brasileira, p.6)
mos os trabalhadores rurais sem terra, o índice de
v Um aumento significativo do número de
Gini salta, em 1990, para 0,923, colocando o Brasil
imóveis com mais de 1.000 hectares e da área por
na faixa de concentração absoluta da terra.
eles ocupada, que em 1970, correspondia a 0,8%,
O índice de Gini mostra que, na década de em 1975 e 1980, a 1,2% e, em 1992, a 1,4%; quanto
1950, houve um pequeno refluxo no processo de à área ocupada, em 1970, era de 39,2%, em 1975,
concentração da propriedade da terra no Brasil (de 42,5%, em 1980, 45,8% e, em 1992, elevou-se para
0,843, em 1950, para 0,841 em 1960). Mas, a partir 50%.
de 1960, o processo de concentração fundiária se
Em vista dos dados apresentados, podemos
acentuou, principalmente em decorrência da po-
então dizer que existe no Brasil uma persistência
lítica de desenvolvimento agropecuário implanta-
do padrão de elevada concentração da propriedade
da pelo regime militar. Este, como vimos, com o
da terra: muitos com pouco e poucos com muito
intuito de acelerar o desenvolvimento do capita-
(concentração muito forte e absoluta, segundo o
lismo no campo incentivou a reprodução da pro-
índice de Gini). Existe, assim, uma tendência à
priedade capitalista, privilegiando notadamente o
reafirmação da grande propriedade, lembrando,
grande capital ou as grandes empresas, por meio de
contudo, que esse comportamento é histórico em
incentivos fiscais e financeiros, em detrimento do
nosso país.
pequeno produtor.
Somente uma reforma agrária bem-formula-
Observe que, em 1970, os imóveis com me-
da poderá alterar essa situação de desperdício dos
nos de 10 hectares abrangiam 51,4% do total e
recursos terra e trabalho que ocorre no Brasil.
ocupavam uma área de apenas 3,1%; já os imóveis
com mais de 1.000 hectares correspondiam a 0,8%
do número total mas abarcavam 39,2% das terras Índice Gini
dos imóveis rurais. É um indicador que mede a desigualdade de distribui-
ção de várias categorias — riqueza, renda, terra etc. —
Nos anos que se seguem — com exceção de entre os elementos de um conjunto. ele varia de zero a
1975 para os imóveis com menos de 10 hectares— um. Por exemplo, tomando-se o caso da terra, o índice
podemos notar: de Gini seria igual a um, caso a totalidade da terra de um
país pertencesse a uma única pessoa ou empresa. Seria
v Uma diminuição do número de imóveis igual a zero, se a terra estivesse distribuída igualmente
entre todos os proprietários rurais.
com menos de 10 hectares e da área por eles ocu-
pada (3,1%, em 1970; 2,9%, em 1975; 2,4%, em Assim, ao calcular-se o grau de concentração da pro-
priedade da terra, quanto mais desigual ou injusta ela for,
1980, e 1,4%, em 1992). Esse fato pode ser inter-
o índice de Gini estará mais próximo de 1,00.
pretado como o resultado de suas absorção por ou-
tros imóveis rurais de maior dimensão, fenômeno Considera-se: nula, quando o índice de Gini

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 149


situa-se entre 0,000 e 0,100; fraca, quando está permanentes: café, cacau, frutas etc.
entre 0,101 e ,0250; média, entre 0,251 e 0,500;
Somando-se as áreas ocupadas por lavouras
forte, entre 0,501 e 0,700; muito forte, entre 0,701
temporárias e permanentes, tínhamos, em 1992,
e 0,900; e absoluta, entre 0,901 e 1,000.
um total de 52,2 milhões de hectares ou 15,7%
O desperdício do recurso terra ocorre naque- da área total dos imóveis rurais utilizados para a
las propriedades que utilizam apenas uma pequena agricultura. O restante, ou seja, 84,3% constituíam
parcela da terra de que dispõem ou ainda naque- áreas de pastagens naturais e cultivadas (aproxima-
las onde o proprietário não as explora, servindo- damente 50%), florestas e cerrados, áreas de reflo-
-se delas apenas para especulação ou como reserva restamento, terras não-agricultáveis, áreas em des-
de valor ou, ainda, como instrumento de poder canso e terras produtivas mas sem utilização (cerca
(veja quadro a seguir). Deixam, assim, de atender de 7%). É na área de 45,4 milhões de hectares que
ao princípio fundamental de que a terra tem uma o Brasil produz grãos, destinados tanto à alimenta-
função social a cumprir. ção de sua população como à exportação.
Já o desperdício do recurso trabalho (mão Nessa área, quando a safra anual é de cerca
de obra) é encontrado na massa de trabalhadores de 75 milhões de toneladas de grãos, o governo a
rurais desempregados, subempregados e até no pró- considera uma supersafra e, para efeito propagan-
prio minifúndio. dístico, faz um grande alarde em torno disso, dando
a impressão para a sociedade de que o Brasil é o
A estrutura fundiária no Brasil é, portanto,
“celeiro do mundo”, quando somos importadores
uma situação paradoxal, contraditória e anacrôni-
de alimentos. Na verdade, o país teria condições
ca, e até mesmo absurda e escandalosa, num país
de produzir safras bem maiores, caso existisse uma
cujo contingente de excluídos assume proporções
melhor distribuição e utilização da terra, maior uso
vergonhosas.
de técnicas agrícolas para a elevação da produti-
vidade e uma firme política agrícola para tal fim.
2. A Baixa Taxa de Utilização Observando dados dos censos agropecuários
da Terra no Brasil de 1970 a 1985 ,podemos constatar o subaprovei-
tamento da terra em nosso país para a prática da
A área total ocupada pelos imóveis rurais no agricultura. O nível de utilização produtiva dos es-
Brasil, em 1992, era de 331,3 milhões de hectares. tabelecimentos rurais é bastante desigual segundo
Desse total: as categorias dimensionais.
• 45,4 milhões eram utilizados para lavouras
temporárias: algodão, cana-de-açúcar, grãos
(soja, milho, feijão, arroz, trigo, sorgo) etc.
• 6.8 milhões eram utilizados para lavouras

BRASIL: GRAU DE UTILIZAÇÃO DA TERRA SEGUNDO AS CATEGORIAS DIMENSIONADAS DOS


ESTABELECIMENTOS RURAIS (1970 A 1985)
Categorias Lavouras (em %)
Total (em %) da
Dimensionadas e Áreas Totais (em ha)
Permanentes Temporárias Utilização da Terra
Anos
Estabelecimentos de Até 10 ha
1970 9.083.492 21,00 53,95 74,95
1975 8.982.647 10,85 54,10 64,95
1980 8.994.718 11,92 52,70 64,62
1985 10.029.780 11,17 54,27 65,44
Estabelecimentos de 10 a 1000 ha

150 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


1970 168.812.380 3,67 11,30 14,97
1975 176.094.680 3,68 12,94 16,62
1980 191.392.588 4,29 14,41 18,70
1985 201.572.495 3,68 14,77 18,45
Estabelecimentos de mais de 1000 ha
1970 116.249.591 0,60 1,75 2,35
1975 138.818.756 0,67 2,86 3,53
1980 169.200.615 0,71 3,76 4,47
1985 164.684.300 0,77 4,44 5,21

• Os estabelecimentos de até 10 hectares são ra, mantendo e estimulando o padrão histórico,


os que apresentam o maior grau ou nível de caracterizado pela grande propriedade latifundiária
utilização da terra por lavouras (permanen- e pela concentração da propriedade rural. diante
tes e temporárias) — 65,44% em 1985. disso podemos então entender que:
• Os de mais de 1.000 hectares possuem baixo
nível de utilização da terra para a agricultu- “O padrão [...] ‘bem-sucedido’ é característico de
ra — apenas 5,21% de sua área total eram sociedades que valorizam a agricultura e o espaço rural
utilizados para lavouras permanentes e tem- e por isso preferem ter muitos agricultores familiares e
poucos boias-frias, a ter muitas favelas e um punhado de
porárias em 1985. ‘reis’, sejam eles do gado, da soja, da cana ou da laranja.
• Os estabelecimentos de 10 a 1.000 hecta- No padrão bem-sucedido há uma clara opção preferencial
res não possuíam nem mesmo um quinto de pela agricultura de ‘expulsão prematura do trabalho’, que
sua área total utilizada para a agricultura — parece tão inevitável aos entusiastas do patronato agrícola
brasileiro”.
18,45% em 1985.
(José Eli da Veiga, O Estado de S. Paulo, 26 jun.
Enquanto as pequenas propriedades e os mi- 97.)
nifúndios no Brasil caracterizam-se por um maior
O Atlas fundiário brasileiro (Incra, 1996)
grau de utilização da terra, os latifúndios, de modo
veio também confirmar a existência da baixa taxa
geral, demonstram um acentuado subaproveita-
de utilização ou subaproveitamento ou subutili-
mento para a prática da agricultura. Historica-
zação da terra no Brasil. Pode-se observar que as
mente vastas extensões de terra foram apropria-
áreas não-produtivas dos imóveis rurais ocupam
das para fins não-produtivos ou pouco produtivos
elevados percentuais em todas as grandes regiões.
(pastagens naturais e florestas). Quando estas são
utilizadas para fins produtivos, dá-se preferência à Concluindo, percebe-se que o nível ou grau
plantação de pastos e a reflorestamento, e não para de utilização da terra no Brasil é baixo em rela-
lavouras temporárias e permanentes. ção tanto à área dos imóveis rurais quanto à área
do território brasileiro. Isso, somado à existência
Há, assim, uma acentuada ociosidade da
de grandes áreas não-produtivas, legitima o movi-
terra no Brasil, paralelamente à existência de um
mento dos trabalhadores rurais sem terra.
grande contingente de homens ou famílias sem
terra, aprofundando as brutais contradições da so- O jornalista Clóvis Rossi, observa:
ciedade brasileira. enquanto a América do Norte,
o Japão, a Coreia do sul, Taiwan, a Indonésia, a [...] A concentração da propriedade fundiária no
Malásia e a França e outros países da Europa oci- Brasil permanece quase imutável há 56 anos, posto que
dental realizaram, após a Segunda guerra Mundial, o Atlas compara dados relativos a 1940, 66, 78 e 92.
a modernização da agricultura — com base nas O que querem os críticos do MST? Que ele espere
unidades de produção familiar e com fortes inves- outros 56 anos ou 12 anos ou, talvez, 156 anos para que
o panorama se altere para melhor?
timentos em tecnologias e redução ou até mesmo
inexistência da carga fiscal para a agropecuária —, Ou alguém tenta forçar a entrada da questão fundiária
na agenda ou ela continuará reproduzindo, em escala
o Brasil optou por uma modernização conservado-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 151


ainda mais impressionante, a concentração de riquezas aumento da população, chegando a ser mais que o
que, no Brasil, tem tinturas obscenas. dobro na década de 1970-1980.
[...] Manter terras improdutivas para usá-las, A partir de 1980 ocorreram oscilações para
obviamente, como reserva de valor é medieval. Não se mais e para menos na área plantada com lavouras.
trata de uma questão ideológica. É pura aritmética.
Houve, inclusive, redução significativa da safra,
[...] O Atlas sugere, claramente, que o problema do
como comprova a comparação entre a de 1993-
Brasil não é falta de terras, mas de vergonha”.
1994 e a de 1987-1988, embora a tendência de
(Com terra e sem vergonha, folha de S. Paulo, 13 set.
1996.) crescimento da produção tenha sido mantida gra-
ças ao aumento da produtividade:
• Na safra de 1987-1988 foram plantados 42,8
3. A Produtividade milhões de hectares, obtendo-se uma produ-
da Agricultura ção de 66 milhões de toneladas de grãos, o
Brasileira Cresceu, que representa uma produtividade média de
1,54 toneladas por hectare.
Mas Continuamos, por • Na safra de 1993-1994 foram plantados ape-
Paradoxal que isso Possa nas 36 milhões de hectares e a produção de
Parecer, Importadores de grãos foi de 75 milhões de toneladas — cha-
mada de safra recorde —, o que corresponde
Alimentos a uma produtividade média de 2 toneladas
Os dados publicados pelo IBGE no Anuário por hectare (a china, por exemplo, produz
Estatístico do Brasil, 1995, confirmam que houve cerca de 400 milhões de toneladas de grãos,
um aumento de 6,1% da área de terras plantadas numa área de aproximadamente 100 milhões
com lavouras permanentes e temporárias entre de hectares, o que corresponde à média de 4
1980 e 1992 . toneladas por hectares).
• Apesar de baixa, quando comparada à de ou-
Nesse mesmo período, a população brasi- tros países, observa-se que a produtividade
leira passou de 119.002.706 habitantes, em 1980, média da agricultura brasileira vem aumen-
para 149.357.500, em 1992, apresentando, assim, tando como decorrência do processo de mo-
um aumento e valor absoluto de 30.354.794 ou de dernização instalado no país, a partir, prin-
25,5%. cipalmente, dos anos 50. Entretanto, como
Se a área de terra plantada cresceu apenas já apontamos anteriormente, trata-se de uma
6,1% entre 1980 e 1992, como se explica a não- modernização conservadora, que se caracte-
-ocorrência de uma grave crise de abastecimento riza pela priorização da grande propriedade
de produtos agrícolas no Brasil? Dois fatores res- rural em detrimento do pequeno produtor
pondem à questão: o aumento da produtividade ou das unidades de produção familiares. a
agrícola e a importação — já tradicional, por in- estrutura fundiária não se alterou, deixando,
crível que pareça — de grãos. assim, de beneficiar os trabalhadores rurais
e os sem-terra, ainda caracterizada pela ele-
Nas décadas compreendidas entre 1940 e
vada concentração da propriedade da terra
1980, o crescimento do rendimento da agricultura
e pelo seu baixo grau de utilização para fins
brasileira — produtividade da área — foi signifi-
produtivos.
cativo.
• Apesar do aumento da produtividade agríco-
Observe que, apesar do aumento da produti- la, o Brasil continua na posição de país im-
vidade, esta ficou aquém do aumento da população portador de alimentos (grãos), por incrível
brasileira até 1960. somente na década de 1960- que isso possa parecer, evitando, com esse
1970 é que a produtividade agrícola ultrapassou o expediente, sérios colapsos de abastecimento

152 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


alimentar. As importações e exportações de 4. Agricultura Comercial
grãos realizados pelo Brasil, demonstrando
nossa dependência alimentar em relação ao de Exportação Versus
exterior. Observe-a atentamente: Agricultura de Produtos
Essa situação é paradoxal, considerando: Alimentares: O
• A grande disponibilidade de terra agricultá- Agravamento da Situação
vel em nosso país. Alimentar
• O grande contingente de mão de obra dispo-
Quanto à utilização, o espaço agrário brasi-
nível.
leiro encontra-se ainda, em boa parte, condiciona-
• A existência de milhões de brasileiros desnu-
do pelo mercado externo. algumas lavouras, como
tridos.
as de soja, laranja, café, cana-de-açúcar e cacau,
• O desemprego.
ocupam cerca de 40% da área de terra plantada no
• A existência de propriedades improdutivas.
Brasil. São lavouras que, além de atender às neces-
Diante do que foi exposto é o caso de se sidades do mercado interno, visam principalmente
perguntar novamente: que modelo de desenvolvi- suprir a agroindústria de matérias-primas e esta,
mento é esse — e os do passado, também — que, ao por sua vez, destina grande parte de sua produção
invés de incorporar o conjunto de despossuídos da à exportação (suco de laranja, café solúvel, açú-
sociedade brasileira à economia, procura, na ver- car e álcool, óleo e farelo de soja). Quando não
dade, excluí-los? Sabe-se que sim, mas, com certe- transformada ou indústrializada, a matéria-prima é
za, ele esbarra em interesses de grupos que freiam a exportada in natura, como é o caso do grão de soja,
todo o custo modelos que não os beneficiem ou que da fibra de algodão e do café em grão.
retirem deles certos privilégios. É esse o caso, por
Por outro lado, lavouras fundamentais à ali-
exemplo, da tão comentada e não-executada refor-
mentação diária do brasileiro, como a do arroz, do
ma agrária. Ela poderia, sem dúvida alguma, incor-
feijão e da mandioca, sempre ocuparam uma posi-
porar ou integrar milhões de pessoas à sociedade
ção secundária no decorrer de nossa história e na
e ao mercado, garantindo-lhes direitos, cidadania,
política agrícola governamental.
renda e até mesmo segurança alimentar, entendida
esta como o acesso a alimentos em quantidades e Não é difícil detectar os fatores que deram
qualidades suficientes para o desempenho de uma origem a essa situação, entre os quais podem ser
vida saudável e ativa. A reforma agrária implicaria citados os seguintes:
o fortalecimento da agricultura familiar e, em con-
• Nosso Passado Colonial — na divisão inter-
sequência, o aumento da oferta de alimentos, sem
nacional do trabalho realizada pelos países
prejuízos à agricultura empresarial. Fortaleceria o
dominantes, o Brasil e outras colônias fica-
próprio capitalismo, pois sua lógica, como já apon-
ram apenas como fornecedores de produtos
tamos, tem por base produzir mais, para consumir
agrícolas e matérias-primas. Assim, desde
mais, para continuar a produzir mais...”. O que, en-
o início de nossa colonização, a agricultura
tão, impede essa trajetória?
orientou-se para produzir gêneros de expor-
tação (açúcar, café, tabaco, cacau e outros),
colocando em plano secundário a agricultura
de alimentos para sua população ou para o
mercado interno.
• Em vista de aqui ter sido implantada, des-
de o século XVI, uma economia agrário-ex-
portadora, constituindo a principal fonte de
divisas, as atenções governamentais sempre

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 153


estiveram mais dirigidas para os produtos resses dos grandes plantadores — em certos
de exportação do que para a agricultura de períodos históricos —, de obter divisas ou de
alimentos destinada ao mercado interno. As financiar as importações de equipamentos
próprias instituições de pesquisas agronômi- para o desenvolvimento indústrial.
cas têm dirigido mais suas atenções para os
Num artigo na revista da Unesco, O Cor-
produtos de exportação, criando inovações
reio, de julho de 1975, dedicado ao problema da
tecnológicas para estes em detrimento dos
fome em escala mundial, o brasileiro Nelson Cha-
produtos alimentares.
ves médico, professor de Fisiologia na Faculdade de
• Apesar de terem existido, no decorrer de
Medicina da Universidade Federal de Pernambuco
nossa história, alguns ensaios governamen-
e consultor científico do Instituto de Nutrição da
tais de incentivo à produção de gêneros ali-
mesma Universidade), abordando o problema da
mentícios, eles sempre foram sufocados pela
luta contra a fome no Nordeste do Brasil, fez a se-
política econômica de priorização das expor-
guinte observação:
tações com o objetivo de atender aos inte-
“[...] Os canaviais se espalharam e asfixiaram as outras culturas, o que determinou um regime alimentar monótono
baseado na carne-seca, na farinha de mandioca, no feijão, na batata-doce e no açúcar, com pequena quantidade de leite e
de laticínios, ovos, frangos, peixe, legumes e frutas.
Por outra lado, os resíduos das usinas de açúcar, lançados nos rios, poluíram as águas e mataram peixes e crustáceos,
privando a população de uma fonte importante de proteínas animais.
[...] Tudo isso mostra que o processo de desnutrição na zona da Mata de Pernambuco e no Recife desenvolveu-se pa-
ralelamente ao ciclo de açúcar. Na época colonial era bem melhor. Em 1801 a Junta de governo do Estado de Pernambuco
obrigou os proprietários de engenhos e os plantadores de cana, algodão e outros produtos, a plantarem também mandioca,
feijão e milho. Em 1811 outra lei isentava do serviço militar quem produzisse gêneros alimentícios”.
(Nelson Chaves, O Nordeste do Brasil luta contra a fome, in O Correio da Unesco, ano 3, nº 7, jul, 1975, p. 32.)

Em tempos recentes, a soja, por exemplo, in- culturas (rotação de culturas), como, por exemplo,
vadiu o Planalto Gaúcho e expulsou culturas desti- o binômio soja e trigo.
nadas à alimentação básica. em 1980, essa cultura
chegou a ocupar, no Rio Grande do Sul, 47% do Alimentar Gado ou Gente?
total da área de lavouras. Em 1993 houve um de-
A soja não se destina, como o feijão, a abastecer as
clínio, passando para 41%, mas mesmo assim con- feiras-livres, os supermercados e os armazéns, a fim de
tinuou representando uma alta taxa de ocupação atender a população em suas necessidades alimentares.
do solo gaúcho. A expansão da área plantada com Quando não é exportada em grãos, boa parte vai para a
soja foi seguida de efeitos negativos sobre as demais indústria, onde é transformada em ração animal. O gado
da costa rica, só para citar um exemplo, é alimentado
culturas no Rio Grande do Sul, provocando a es- com ração fabricada com soja brasileira pela transnacio-
tagnação de outras culturas e agravando a situação nal norte-americana Cargill, que te filial no Brasil. Isso
alimentar do gaúcho, que era tido como possuidor tem contribuído, sem dúvida, para aumentar a produção
de carne nesse país da América Central, mas isso não
do melhor padrão alimentar do Brasil. além disso,
beneficiou os costarriquenhos, que viram seu consumo
acirrou as disputas pela posse da terra e aumentou de carne diminuir, agravando ainda mais sua situação
consideravelmente o grau de concentração da pro- alimentar. A carne ali produzida não se destina priori-
priedade. tariamente a alimentar a população, mas, sobretudo, à
fabricação de hambúrgueres nos EUA e ao abastecimento
Em relação ao meio ambiente, a cultura da do mercado europeu.
soja é considerada, a longo prazo, problemática. Já Vê-se assim que, enquanto o gado dos países ricos en-
se observam, por exemplo, erosões do solo em mui- gorda, ganha peso, produz leite em quantidade, milhões
tas regiões do rio Grande do Sul e do Paraná ocu- de homens, mulheres e crianças dos países dependentes
são desnutridos e morrem de fome (o caso da África é
padas por ela. A ciência agronômica considera que gravíssimo).
o cultivo de soja deve estar associado ao de outras

154 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Houve, no Brasil, um verdadeiro boom da e Samrig), foi a primeira trituradora da soja brasileira,
cultura de soja, que em 1960 ocupava apenas 170 seguida pela Cargill, Anderson Clayton, Archer Daniel
mil hectares de terras, alastrando-se para 1,3 mi- Midlands, continental Grain e Louis Dreyfus.
lhão de hectares em 1970 e 10 milhões de hecta- (Jean Pierre Bertrand, Catherine Laurent e vincent
res em 1985, mantendo-se nesse nível até os dias Leclercq, O mundo da soja, p. 94.)
atuais. Isso representa, aproximadamente, 20% da
Sem dúvida a soja possui um alto valor pro-
área total ocupada pelas lavouras no Brasil, só per-
téico, mas não entrou efetivamente no hábito ali-
dendo para o milho, cultivado em cerca de 12,8
mentar do brasileiro. com exceção do óleo de soja e
milhões de hectares (24%).
do “leite de soja” distribuído por várias prefeituras
Desde os anos 1930, agricultores e triturado- de cidades do Brasil às creches, não só municipais
res de soja associaram-se e promoveram grande de- mas também aquelas mantidas por organizações fi-
senvolvimento de sua produção (óleo e torta para lantrópicas, o uso da soja como alimento humano
alimentação humana e animal), competindo com é limitado.
os produtores de algodão e amendoim. Lançaram,
Quanto à cana-de-açúcar, também ocorreu
junto aos criadores de gado bovino, ovino, suíno e
uma acentuada expansão da área plantada, prin-
avicultores, campanhas de persuasão sobre o valor
cipalmente no Estado de São Paulo. em 1960, a
proteico elevado desse grão, aumentando seu con-
área plantada era de cerca de 345 mil hectares; em
sumo e possibilitando a formação de um verdadeiro
1982, passou para 1,3 milhão e, e 1993, para 21,9
“complexo americano da soja”, que, por sua vez,
milhão. entre vários fatores, a produção de álco-
produziu um novo modelo de produção de carne
ol para abastecer automóveis, dentro das metas do
em todo o mundo, ou seja, substituiu largamente
Proálcool, estimulou o aumento da área de cultivo
a torta de algodão e de amendoim na alimentação
dessa planta em detrimento da de lavouras alimen-
do gado. Prometiam aos criadores verdadeiros mi-
tares.
lagres no desenvolvimento animal sem, contudo,
falar nos custos. Desencadearam também uma pro- A cultura da laranja também ampliou-se
paganda de exaltação das qualidades do óleo de consideravelmente, tendo por base a exportação
soja na alimentação humana. de seu suco. No Estado de São Paulo, no final da
década de 1960, a área cultivada com laranja era
A expansão da soja, na verdade, está liga-
de 76 mil hectares. Diante da política de estímulo
da aos interesses das transnacionais do setor. Seu
à exportação seguida pelo governo federal, privile-
cultivo exige grandes investimentos em insumos e
giando o setor de mercado externo, ela atingiu, em
máquinas, ambos produzidos também pelas trans-
1980, cerca de 413 mil hectares e, em 1992, 783
nacionais. Pesquisadores franceses dedicados ao
mil, representando 78% da área total destinada a
estudo, na área de economia agrícola, fazem a se-
essa cultura no Brasil. Assim, em são Paulo, essa
guinte consideração:
cultura apresentou, em apenas dez anos, uma am-
pliação de sua área de 440% e, se considerarmos o
“[...] Uma das receitas do ‘milagre econômico’ período de 1970 a 1992< de 930%.
brasileiro consistiu em atrair os capitais estrangeiros e
o “know-how” das empresas multinacionais, graças a Quanto à agricultura de produtos alimenta-
vantagens fiscais, rentabilidade financeira elevada e mão res destinada ao mercado interno, observa-se desde
de obra barata. a presença das companhias multinacionais
no setor agroindustrial é variável, mas o mais das vezes 1970, no brasil, como um todo, um crescimento
preponderante. bem menor de suas áreas de cultivo, se comparado
[...] Na produção de alimentos para o gado, ao da cana-de-açúcar, da soja e da laranja, consi-
encontramos a Cargill, Anderson Clayton, Bunge deradas aqui produtos da agricultura comercial de
Born, Central Soya, Louis Dreyfus, bem como grupos exportação. Os dados apresentados permitem veri-
brasileiros poderosos, como as cooperativas Fecotrigo ou ficar com clareza que a expansão da área plantada
Contrijuí. Quanto à produção de torta de soja, a Bunge
& Born, através de duas de suas filiais brasileiras (Sanbra ou cultivada com produtos comerciais de exporta-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 155


ção supera em muito a de produtos destinados à 5. A Organização da
alimentação entre 1970 e 1993.
Produção na Agricultura
Apesar do aumento da produtividade das
lavouras alimentares, especialistas no setor têm
Brasileira e as Relações de
chamado a atenção para um fato delicado: o abas- Trabalho
tecimento da população brasileira de grãos está se
De modo geral, e tendo por base o estudo
tornando cada vez mais dependente das importa-
do Prof. Juarez Rubens Brandão Lopes, podem-se
ções, gerando, e consequência, uma insegurança
reconhecer quatro tipos básicos de organização da
alimentar.
produção agropecuária no Brasil:
No caso do arroz, as últimas safras exigiram
• O latifúndio.
um aumento de suas importações, que chegaram
• A unidade familiar produtora de mercado-
a atingir cerca de 8% do consumo interno brasi-
rias.
leiro — uma cifra considerável. Por sua vez, o ar-
• A unidade familiar de subsistência.
roz importado do Mercosul e da Ásia te entrado
• A empresa agropecuária capitalista, em que
no mercado brasileiro em melhores condições de
se inclui a agroindústria.
competitividade em relação ao aqui produzido. Isso
tem levado o produtor brasileiro, principalmente
do estado do rio Grande do Sul (maior produtor
a) O Latifúndio
de arroz do Brasil, respondendo por cerca de 50% Corresponde a grandes propriedades dedica-
da produção nacional), a buscar diminuir seu custo das a uma produção voltada para o mercado inter-
de produção, bastante onerado pelo preço do ar- no ou externo, nas quais a produção é realizada por
rendamento de terras. Aqui, de novo, apresenta-se uma força de trabalho que pode ser classificada em
o problema do acesso à terra. Ela é importante sob quatro tipos: o morador ou agregado, o parceiro,
vários aspectos, inclusive o da diminuição do custo o trabalhador assalariado e o diarista ou boia-fria.
de produção, possibilitando maior competitividade
ao produtor. O Morador ou Agregado
Existe no mundo, nas relações entre países, Esse tipo de trabalhador rural estabelece-
um agropoder ou uma diplomacia de alimentos, -se com sua família no latifúndio para plantar sua
ou seja, os produtos alimentares podem ser utili- roça de subsistência, mas com a condição de pres-
zados, por quem os detém em abundância, como tar certo número de dias de trabalho da semana
uma “arma” de persuasão ou como instrumento de na grande lavoura do dono da terra. Atualmente,
poder, de barganha e de dominação. Os Estados existe nessa modalidade o pagamento em dinhei-
Unidos lançaram mão desse poder em várias opor- ro pelo trabalho do morador, mas inferior àquele
tunidades, aplicando-o à então união Soviética, no feito ao trabalhador contratado nas épocas em que
tempo da Guerra Fria, ou nos programas de ajuda o proprietário da terra necessita de maior número
ao exterior por meio da doação de alimentos. Nes- de mão de obra. No passado, existia o morador de
ses programas, além dos objetivos políticos, exis- sujeição, ou seja, aquele que, em troca de ocupar
tem os objetivos econômicos: o país a ser ajudado um acerta parte da propriedade, com sua habitação
deve adotar medidas que protejam os investimen- e sua roça, sujeitava-se a prestar serviços na agri-
tos estrangeiros e abrir seu mercado para a penetra- cultura do proprietário.
ção ou importação de produtos norte-americanos,
O Parceiro
além de outras facilidades e benefícios.
Trata-se de um tipo de trabalhador que, me-
O problema de abastecimento alimentar no
diante um acordo realizado com o proprietário da
Brasil tende a se agravar, caso não seja implantada
terra, utiliza a propriedade como um todo e divide
uma firme política agrícola e agrária.
com este a produção obtida na proporção previa-

156 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


mente combinada. A proporção pode ser a meia c) A Unidade Familiar de
(metade(, a terça (terça parte) ou a quarta (quarta Subsistência
parte) da produção. Esse tipo de trato, a parceria,
predomina nas culturas temporárias, ou seja, nas Corresponde à exploração da terra realiza-
culturas de ciclo curto, sendo ainda encontrada da por pequenos proprietários (minifundiários ou
em certas áreas do Brasil, como, por exemplo, em não), arrendatários, parceiros ou, ainda, posseiros.
certos trechos da Região Nordeste, onde se prati- O trabalho empregado é familiar e a produção visa,
ca a pecuária extensiva. Aí o vaqueiro recebe uma principalmente, atender às necessidades de subsis-
pequena área para realizar sua roça e participa com tência do grupo.
seu trabalho nos cuidados para com o gado, rece- Para complementar a renda ou para obter
bendo a partilha das reses numa forma de parceria dinheiro para a compra de certos produtos indis-
conhecida como sorte. pensáveis, como remédios, por exemplo, o lavrador
muitas vezes vende seus produtos de subsistência,
O Trabalhador Assalariado
agravando seu nível de vida. Outra prática nesse
Esse trabalhador, que caracteriza as relações sentido, também bastante comum, é a venda da
capitalistas de trabalho, recebe um pagamento força de trabalho de alguns membros da família
mensal em dinheiro para prestar seus serviços na para o latifúndio ou para a empresa agropecuária
propriedade rural. É um trabalhador permanente, capitalista em virtude da baixa renda obtida com a
tendo ou não sua carteira de trabalho assinada. exploração da terra.

O Boia-Fria Encontra-se também, nessas unidades,


quando maiores em extensão, a associação de cul-
É o trabalhador rural temporário, já aborda- turas de mercado com as de subsistência.
do no Estatuto do Trabalhador Rural.
d) A Empresa Agropecuária
b) A Unidade Familiar Produtora de Capitalista: O Complexo
Mercadorias Agroindústrial
Corresponde à utilização da terra realizada Com o desenvolvimento do capitalismo no
por pequenos proprietários e arrendatários. Brasil e sua expansão em direção ao campo, a partir
A produção visa abastecer o mercado; o principalmente das décadas de 1950 e 1960, ocor-
trabalho é fundamentalmente familiar, havendo reram e vêm ocorrendo mudanças na organização
eventualmente a contratação de mão de obra su- da produção agropecuária e, em consequência,
plementar mediante o pagamento do salário. alterações nas relações de trabalho. Estas estão se
transformando, cada vez mais, em relações assala-
Os exemplos mais significativos desse tipo
riadas de trabalho ou de produção.
de organização da produção são ainda encontrados
na cultura da pimenta-do-reino, no Pará, e na pro- Como já citamos anteriormente, a partir das
dução hortifrutigranjeira nos arredores de grandes décadas de 1950 e 1960, com o processo de indus-
centros urbanos, como São Paulo e rio de Janeiro. trialização verificado da agricultura, esta deixou
de ser um obstáculo à industrialização do país, na
A unidade familiar produtora de mercado-
medida em que se modernizou, ou seja, passou a ser
rias sofre a concorrência da grande empresa capita-
compradora ou consumidora de máquinas agríco-
lista. Para compensar e “sobreviver” a essa concor-
las (plantadeiras, colheitadeiras, esparramadeiras
rência, realiza o intenso cultivo da terra e utiliza o
etc.), de tratores, fertilizantes, defensivos agríco-
trabalho da família (inclusive crianças e mulheres)
las etc. Em decorrência disso passou a existir uma
em jornadas bem prolongadas.
maior integração e dependência entre a agricultura
e a indústria. a atividade agrícola em seu processo

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 157


de modernização passou a depender do forneci- desde os fins dos anos 1940. É esse o caso dos moi-
mento de insumos indústriais pelas denominadas nhos de trigo, das indústrias de óleo de algodão,
indústrias para a agricultura. E estas, por sua vez, amendoim e milho. Entretanto não podemos falar
para se desenvolverem, passaram a depender — que já existia, a essa época, um complexo agroin-
como dependem até hoje — das compras ou do dústrial brasileiro.
consumo realizados pela agricultura em sua traje-
tória de modernização. Houve, assim, uma integra- [...] Em termos mais concretos, pode-se dizer que
ção e o estabelecimento de uma interdependência por volta de 1960 os setores industriais voltados para a
entre as duas atividades. Esse momento marca a agricultura no Brasil não estavam ainda constituídos
enquanto indústrias no país. Por conseguinte, a rigor,
passagem da predomínio do complexo agrocomer- não se pode falar em complexo agroindustrial brasileiro
cial para o complexo agroindústrial. Entretanto por esta época [...]”.
isso só foi possível com a implantação no Brasil da (Geraldo Müller, Complexo agroindustrial e
indústria para a agricultura (máquinas e insumos). modernização agrária, p. 47.)

Nesse processo, a presença do capital estran- A formação dos complexos agroindústriais


geiro no Brasil, mediante a instalação de transna- no Brasil deu origem aos agribusiness, ou seja:
cionais do setor, foi grande entre 1965 e 1975. Se-
guia-se, assim, a tendência da expansão capitalista “[...] a soma de todas as operações envolvidas no
e da maior inserção do brasil ao capitalismo mun- processamento e distribuição dos insumos agropecuários,
dial, obedecendo, já a esse tempo, ao processo de as operações de produção na fazenda; e o armazenamento,
globalização econômica em marcha. Começou-se processamento e a distribuição dos produtos agrícolas e
seus derivados”.
a abandonar a produção de máquinas, equipamen-
tos e insumos em bases artesanais, que era realizada (Davis Goldberg, citado por José Graziano da silva,
A nova dinâmica da agricultura brasileira, p. 65.)
na própria fazenda, e a substituí-la pelos produtos
indústriais, cujas novas tecnologias prometiam au- A participação das empresas transnacionais
mento de produtividade, como de fato ocorreu mas ou multinacionais na indústria para a agricultura
sem que houvesse a preocupação com a possibili- (semente híbrida, trator, fertilizantes, destilarias e
dade de acesso às inovações tecnológicas por parte, defensivos agrícolas) e na indústria da agricultura
principalmente, dos pequenos produtores e com a (agroindústria) é bastante significativa no Brasil.
questão ambiental (inseticidas, pesticidas, adubos Nesses tipos de indústrias verifica-se uma estrutura
e intensa mecanização, com as consequências de de mercado oligopolista, situação que, aliás, predo-
compactação do solo etc.) mina em ambas.
Desse modo, a industrialização da agricultura Na atual fase do desenvolvimento capitalis-
e a formação do complexo agroindústrial implica- ta, novas relações estão sendo estabelecidas entre
ram mudanças no modo predominante de produzir as atividades agropecuárias e as demais atividades
e nas relações sociais de trabalho. O desenvolvi- da economia.
mento das forças produtivas gerou “novas” relações
A agricultura é pressionada pela indústria
sociais de trabalho. O assalariamento do trabalho
para a agricultura e pela indústria da agricultura
(relações assalariadas de produção) tornou-se pre-
e sofre pressões das grandes corporações ligadas ao
dominante e estimulou a formação de uma mão de
comércio internacional e da bolsa de Mercadorias
obra assalariada especializada: o tratorista, o técni-
de Chicago (onde são estabelecidos os preços dos
co em agricultura ou em inseminação artificial, o
produtos agropecuários no mercado internacio-
operador de ordenhadeira etc. As antigas formas
nal). A dinâmica da agropecuária na atual fase do
de relações sociais de trabalho e modos de produ-
capitalismo está estreitamente ligada à agroindús-
zir foram substituídos nas propriedades rurais com
tria e ao agribusiness, a tal ponto que o ritmo de
condições de implantar as inovações tecnológicas.
ocupação das terras, a própria territorialização da
Já existiam algumas agroindústrias no Brasil agricultura e da pecuária e sua produtividade e o

158 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


que deve ser plantado estão sendo definidos pela
indústria.
Verifica-se com nitidez esse processo no Es-
tado de São Paulo. As culturas da laranja e da ca-
na-de-açúcar avançaram sobre áreas de pastagens,
de café, de algodão e de agricultura de produtos
alimentares. Estas< por sua vez, deslocaram-se para
a Região Centro-Oeste, onde as terras são de pre-
ço menor. No Estado de São Paulo foram locadas
duas monoculturas, atendendo aos interesses da
agroindústria: uma, energética, representada pela
cana-de-açaúcar, e outra, voltada para o mercado
externo, a cultura da laranja, que, uma vez indús-
trializada, fornece o suco para ser exportado.
Nota-se, assim, que a agricultura encontra-
-se subordinada à agroindústria. Isso tem levado
alguns especialistas do setor a apontar a possibili-
dade de a agricultura ser substituída pela indústria,
com a reprodução natural dos vegetais e animais
já controlada pelo setor indústrial através da bio-
tecnologia. A modernização da agropecuária exige
a profissionalização e a especialização da mão de
obra. Isso deverá romper com as antigas — e ain-
da remanescentes — relações sociais de produção
no Brasil (agregado, morador, parceiro e peão ou
peonagem) e transformá-las em relações assa-
lariadas de produção .
Podemos, então dizer que:

“[...] o desenvolvimento das relações de produção


capitalistas no campo se faz ‘industrializando’ a própria
agricultura [...]”.
(José Graziano da silva, O que é questão agrária, p.
14.)

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 159


A População Brasileira
CAPÍTULO

11

A Formação de Nossa Etnicidade Brasileira: A


População História dos Indígenas
Antes da colonização, a população do atu- A história do povoamento indígena no Bra-
al território brasileiro era, segundo estimativas, de sil é, antes de tudo, uma história de despovoamen-
dois a cinco milhões de índios, pertencentes a va- to, pois se é possível considerar que o total de nati-
rias nações. Os grupos mais numerosos, e que ocu- vos que habitavam o atual território brasileiro em
pavam as maiores extensões territoriais, eram o jê 1500 estava na casa dos milhões de pessoas, hoje
e o tupi-guarani. mal ultrapassa os 300 mil indivíduos.
Desde 1500 até os dias de hoje, os índios
sofreram intenso genocídio e etnocidio. Principal-
mente nas regiões Norte e Centro-Oeste, encon-
tram-se muitos mestiços descendentes de índios
(mamelucos e cafuzos), que são classificados, jun-
tamente com os mulatos, como pardos nos censos
demográficos. Em 1999, a população indígena era
de aproximadamente 300 mil indivíduos, concen-
trados principalmente nas regiões Norte e Centro-
-Oeste. Verificou-se uma tendência de aumento
desse contingente, em função da delimitação de
reservas indígenas em vários pontos do território
nacional.
Os restantes 99,8% da população brasileira
resultam da imigração forçada de povos africanos
e da imigração livre de europeus, americanos e
asiáticos, que povoaram o território, cresceram, se
miscigenaram e hoje se deslocam pelo país à medi-
da que se expandem e se diversificam as fronteiras
econômicas.
Quanto às cores ou raças que compõem a
população brasileira, conforme se verifica na tabe-
la abaixo, 55,24% são brancos e 5,97% são negros.
Esses percentuais vêm diminuindo rapidamente,
enquanto o numero de pardos (38,19%) tem au-
mentado. Esses números demonstram que há uma
intensa miscigenação entre as etnias, já que os gru-
pos originais foram o indígena, o negro africano
e o branco europeu. Posteriormente, houve uma Despovoamento, portanto, eis o primeiro
pequena participação dos asiáticos. grande traço da história indígena no Brasil, como,

160 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


de fato, ocorreu nas Américas em proporções gi- Tocantins 5583
gantescas. Maranhão 15916
O conhecimento sobre os nativos da terra Ceará 7312
foi possível graças aos registros produzidos por via- Paraíba 8214
jantes de várias nacionalidades que aqui aportaram Pernambuco 16639
desde o século XVI, aos relatórios dos colonizado-
Alagoas 6908
res e outros estrangeiros, à correspondência dos je-
Sergipe 230
suítas e às gramáticas da “língua geral” e de outras
línguas. Bahia 11396
Minas Gerais 6623
No Período Colonial houve muita discussão
Espírito Santo 884
sobre a origem dos índios: uns acreditavam que
Rio de Janeiro 22
eram descendentes das tribos perdidas de Israel,
outros duvidavam até que fossem humanos. Em São Paulo 1758
1537, o papa Paulo III proclamou a humanidade Paraná 7193
dos índios na Bula Veritas Ipsa. Santa Catarina 5123

Confira na gravura ao lado, do livro de Rio Grande do Sul 12298


Claude Abbeville, como os europeus, nos séculos Mato Grosso do Sul 38392
XV e XVI, concebiam os nativos brasileiros. Mato Grosso 18186
Goiás 171
Hoje já se conhece mais sobre as origens do
povoamento da América: supõe-se que os povos Total 302888
ameríndios foram provenientes da Ásia, entre 14 Os costumes dos tupis ou tupinambás são
mil e 12 mil anos atrás. Teriam chegado por via mais conhecidos por causa dos registros que deles
terrestre através de um “subcontinente” chamado fizeram os jesuítas e os viajantes estrangeiros du-
Beríngia, localizado na região do estreito de Bhe- rante o Período Colonial. O mesmo, entretanto,
ring, no extremo nordeste da Ásia. não ocorreu com os tapuias, considerados pelos
As estimativas que permitem compreender colonizadores o exemplo máximo da barbárie e sel-
a história indígena como “despovoamento” são vageria.
apresentadas nas tabelas abaixo.
De uma estimativa de mais de 2 000 000 Introdução
índios para o século XVI (ver tabela 2 abaixo), Historiadores afirmam que antes da chegada
chegou-se em 1998 a um total de 302 888 índios, dos europeus à América havia aproximadamente
considerando as pessoas que vivem nas Terras In- 100 milhões de índios no continente. Só em terri-
dígenas. tório brasileiro, esse número chegava 5 milhões de
nativos, aproximadamente. Estes índios brasileiros
POPULAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS ESTIMADA estavam divididos em tribos, de acordo com o tron-
SEGUNDO AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO - 1998 co linguístico ao qual pertenciam: tupi-guaranis (
Unidades da Federação População Estimada região do litoral ), macro-jê ou tapuias ( região do
Rondônia 6126 Planalto Central ), aruaques ( Amazônia ) e caraí-
Acre 9240 bas ( Amazônia ).
Amazonas 78701 Atualmente, calcula-se que apenas 400 mil
Roraima 24194 índios ocupam o território brasileiro, principal-
Pará 16305 mente em reservas indígenas demarcadas e prote-
Amapá 5474 gidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indíge-
nas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 161


mais como antes da chegada dos portugueses. O para as cerimônias das tribos. O urucum era muito
contato com o homem branco fez com que muitas usado para fazer pinturas no corpo.
tribos perdessem sua identidade cultural.
A Organização Social dos Índios
A Sociedade Indígena na Época da
Entre os indígenas não há classes sociais
Chegada dos Portugueses
como a do homem branco. Todos têm os mesmo
O primeiro contato entre índios e portugue- direitos e recebem o mesmo tratamento. A terra,
ses em 1500 foi de muita estranheza para ambas por exemplo, pertence a todos e quando um ín-
as partes. As duas culturas eram muito diferentes dio caça, costuma dividir com os habitantes de sua
e pertenciam a mundos completamente distintos. tribo. Apenas os instrumentos de trabalho ( ma-
Sabemos muito sobre os índios que viviam naque- chado, arcos, flechas, arpões ) são de propriedade
la época, graças a Carta de Pero Vaz de Caminha individual. O trabalho na tribo é realizado por to-
(escrivão da expedição de Pedro Álvares Cabral) dos, porém possui uma divisão por sexo e idade. As
e também aos documentos deixados pelos padres mulheres são responsáveis pela comida, crianças,
jesuítas. colheita e plantio. Já os homens da tribo ficam en-
carregados do trabalho mais pesado: caça, pesca,
Os indígenas que habitavam o Brasil em
guerra e derrubada das árvores.
1500 viviam da caça, da pesca e da agricultura de
milho, amendoim, feijão, abóbora, batata-doce e Duas figuras importantes na organização das
principalmente mandioca. Esta agricultura era pra- tribos são o pajé e o cacique. O pajé é o sacerdote
ticada de forma bem rudimentar, pois utilizavam a da tribo, pois conhece todos os rituais e recebe as
técnica da coivara (derrubada de mata e queimada mensagens dos deuses. Ele também é o curandeiro,
para limpar o solo para o plantio). pois conhece todos os chás e ervas para curar do-
enças. Ele que faz o ritual da pajelança, onde evoca
Os índios domesticavam animais de peque-
os deuses da floresta e dos ancestrais para ajudar
no porte como, por exemplo, porco do mato e ca-
na cura. O cacique, também importante na vida
pivara. Não conheciam o cavalo, o boi e a galinha.
tribal, faz o papel de chefe, pois organiza e orienta
Na Carta de Caminha é relatado que os índios se
os índios.
espantaram ao entrar em contato pela primeira vez
com uma galinha. A educação indígena é bem interessante.
Os pequenos índios, conhecidos como curumins,
As tribos indígenas possuíam uma relação
aprender desde pequenos e de forma prática. Cos-
baseada em regras sociais, políticas e religiosas. O
tumam observar o que os adultos fazem e vão trei-
contato entre as tribos acontecia em momentos de
nando desde cedo. Quando o pai vai caçar, costu-
guerras, casamentos, cerimônias de enterro e tam-
ma levar o indiozinho junto para que este aprender.
bém no momento de estabelecer alianças contra
Portanto a educação indígena é bem pratica e vin-
um inimigo comum.
culada a realidade da vida da tribo. Quando atinge
Os índios faziam objetos utilizando as ma- os 13 os 14 anos, o jovem passa por um teste e uma
térias-primas da natureza. Vale lembrar que índio cerimônia para ingressar na vida adulta.
respeita muito o meio ambiente, retirando dele so-
mente o necessário para a sua sobrevivência. Desta Os Contatos Entre Indígenas e
madeira, construíam canoas, arcos e flechas e suas Portugueses
habitações (ocas ). A palha era utilizada para fazer
cestos, esteiras, redes e outros objetos. A cerâmica Como dissemos, os primeiros contatos foram
também era muito utilizada para fazer potes, pane- de estranheza e de certa admiração e respeito. Ca-
las e utensílios domésticos em geral. Penas e peles minha relata a troca de sinais, presentes e informa-
de animais serviam para fazer roupas ou enfeites ções. Quando os portugueses começam a explorar

162 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


o pau-brasil das matas, começam a escravizar mui- numa vida após a morte.
tos indígenas ou a utilizar o escambo. Davam espe-
lhos, apitos, colares e chocalhos para os indígenas Como Viviam os Tupi ou Tupinambá
em troca de seu trabalho.
Os tupinambás moravam em malocas. Cada
O canto que se segue foi muito prejudicial grupo local ou “tribo” tupinambá se compunha de
aos povos indígenas. Interessados nas terras, os cerca de 6 a 8 malocas. A população dessas tribos
portugueses usaram a violência contra os índios. girava em torno de 200 indivíduos, mas podia atin-
Para tomar as terras, chegavam a matar os nativos gir até 600.
ou até mesmo transmitir doenças a eles para dizi-
mar tribos e tomar as terras. Esse comportamento Viviam da caça, coleta, pesca, além de prati-
violento seguiu-se por séculos, resultando no pe- carem a agricultura, sobretudo de tubérculos, como
quenos número de índios que temos hoje. a mandioca e a horticultura.

A visão que o europeu tinha a respeito dos A divisão de trabalho era por sexo, cabendo
índios era eurocêntrica. Os portugueses achavam- aos homens as primeiras atividades e às mulheres
-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam o trabalho agrícola, exceto a abertura das clarei-
dominá-los e colocá-los ao seu serviço. A cultura ras para plantar, feita à base da “queimada”, tarefa
indígena era considera pelo europeu como sendo essencialmente masculina. O plantio e a colheita,
inferior e grosseira. Dentro desta visão, acredita- o preparo das comidas e o artesanato (confecção
vam que sua função era convertê-los ao cristianis- de vasos de argila, redes, etc) eram trabalhos fe-
mo e fazer os índios seguirem a cultura europeia. mininos. Instrumentos de guerra - arcos e flechas,
Foi assim, que aos poucos, os índios foram perden- maças, lanças - eram feitos pelos homens. Os arte-
do sua cultura e também sua identidade. fatos de guerra ou de trabalho eram de madeira e
pedra, e desta última eram inclusive os machados
Canibalismo com que cortavam madeira para vários fins.

Algumas tribos eram canibais como, por O Casamento


exemplo, os tupinambás que habitavam o litoral
da região sudeste do Brasil. A antropofagia era Entre os tupis, o matrimônio avuncular (tio
praticada, pois acreditavam que ao comerem car- materno com sobrinha), ou entre primos cruzados,
ne humana do inimigo estariam incorporando a era o mais desejado.
sabedoria, valentia e conhecimentos. Desta forma, Mas, para casar, o jovem devia passar por
não se alimentavam da carne de pessoas fracas ou certos testes, o principal deles consistindo em fazer
covardes. A prática do canibalismo era feira em ri- um cativo de guerra para o sacrifício.
tuais simbólicos.
A Guerra e os Festins Canibalescos
Religião Indígena
A vida dos grupos locais ou mesmo de “na-
Cada nação indígena possuía crenças e ritu- ções” Tupi girava em torno da guerra, da qual fa-
ais religiosos diferenciados. Porém, todas as tribos ziam parte os rituais antropofágicos. Guerreavam
acreditavam nas forças da natureza e nos espíritos contra grupos locais da mesma nação, entre “na-
dos antepassados. Para estes deuses e espíritos, fa- ções” e contra os “tapuias”.
ziam rituais, cerimônias e festas. O pajé era o res-
A guerra e os banquetes antropofágicos re-
ponsável por transmitir estes conhecimentos aos
forçavam a unidade da tribo: por meio da guer-
habitantes da tribo. Algumas tribos chegavam a
ra era praticada a vingança dos parentes mortos,
enterrar o corpo dos índios em grandes vasos de
enquanto o ritual antropofágico significava para
cerâmica, onde além do cadáver ficavam os objetos
todos, homens, mulheres e crianças, a lembrança
pessoais. Isto mostra que estas tribos acreditavam

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 163


de seus bravos. O dia da execução era uma grande lhança de língua e costumes, predominavam no
festa. litoral no século XVI.
Nos banquetes antropofágicos, o prisioneiro Tapuias, correspondia aos “outros” grupos.
era imoblizado por meio de cordas. Mesmo assim, Isto é, aos que não falavam a língua que os jesuítas
para mostrar seu espírito guerreiro, devia enfrentar chamaram de “língua geral” ou “língua mais usada
com bravura os seus inimigos, debatendo-se e pro- na costa do Brasil”, como se expressou Anchieta, o
metendo que os seus logo reparariam a sua morte. primeiro a compor uma gramática da língua tupi.
A história indígena é uma história de enga- Portanto, nunca houve um grupo cultural
nos e incompreensões, a começar pelo próprio vo- ou linguístico “tapuia”. Este é um vocábulo tupi
cabulário construído no Ocidente para identificar utilizado para designar os povos de outros troncos
esses povos. ou famílias linguísticas.
• Índio: A palavra índio deriva do engano de Esta classificação foi muito importante para
Colombo que julgara ter encontrado as Ín- o registro das informações sobre os índios produzi-
dias, o “outro mundo”, como dizia, na sua das pelos portugueses, franceses e outros europeus.
viagem de 1492. Assim, a palavra foi utiliza- Sem os relatórios dos colonizadores, as crônicas
da para designar, sem distinção, uma infini- dos viajantes, a correspondência dos jesuítas e as
dade de grupos indígenas; gramáticas da “língua geral” e de outras línguas,
• Gentio: O coletivo gentio foi utilizado pelos quase nada se poderia saber sobre os nativos, sua
jesuítas. Com o tempo, o vocábulo gentio ou cultura e sua história.
pagão passou a significar o oposto de cristão,
pois no entender dos padres, os gentios eram Alianças com os Colonizadores
“governados pelo demônio”;
• Inimigos ou Contrários: Expressão utilizada O apoio indígena foi decisivo para o triunfo
para diferenciar os nativos que não perten- da colonização portuguesa.
ciam aos grupos considerados pelos coloniza- Com este apoio, entretanto, as lideranças
dores como aliados; indígenas tinham seus próprios objetivos: lutar
• Negros da Terra ou Negros Brasis: Duas contra seus inimigos tradicionais, que, por sua vez,
expressões utilizadas pelos grupos escravo- também se aliavam aos inimigos dos portugue-
cratas para designar genericamente os índios ses (franceses e holandeses) por idênticas razões.
e diferenciá-los dos negros da Guiné, outro Abaixo estão exemplos das alianças com os por-
termo genérico usado, no caso, para os afri- tugueses:
canos;
• guerreiros temiminós liderados por Arari-
• Índios Mansos e Índios Bravos: No século
boia se aliaram aos portugueses para derrotar
XIX surgiu uma nomenclatura mais simpli-
os franceses na baía de Guanabara, nos anos
ficada para designar as populações nativas:
1560, que recebiam apoio dos Tamoios.
índios mansos, isto é, controlados; índios
• chefe tupiniquim Tibiriçá, valioso para o
bravos, a saber, hostis ou bárbaros.
avanço português na região de São Vicente
e no planalto de Piratininga. Combatia ri-
As Classificações dos Grupos vais da própria “nação” Tupiniquim e os “ta-
Indígenas puias” Guaianá, além de escravizar os Carijó
Para identificar melhor os índios, os coloni- para os portugueses.
zadores os classificaram em Tupi (ou Tupinambá) • o chefe potiguar Zorobabé, na Paraíba e Rio
e Tapuia. Grande do Norte. Aliou-se aos franceses, em
fins do século XVI, e aos portugueses, tendo
Tupis designava os povos que, pela seme- sido recrutado para combater os Aymoré na

164 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Bahia e até para reprimir os nascentes qui- das invasões holandesesas em Pernambuco,
lombos de escravos africanos. onde forneceram auxílio aos flamengos, ce-
• o potiguar Felipe Camarão, a mais notável lebrizando lideranças como a de Pedro Poti e
das lideranças indígenas no contexto das de Antônio Paraupaba.
guerras pernambucanas contra os holandeses
As barreiras à escravização dos índios datam
no século XVII. Camarão combateu os fla-
do início da colonização, 1530, mas o cativeiro
mengos, os tapuias e os próprios “potiguares”
indígena foi mais tenazmente combatido somente
que, ao contrário dele, se bandearam para o
com a chegada dos jesuítas, em 1549, e a implanta-
lado holandês, recebendo por isso o título de
ção do processo de aldeamento. Neste combate os
Cavaleiro da Ordem de Cristo, o privilégio
jesuítas contaram com o apoio da Coroa.
de ser chamado de “Dom” e pensões régias,
entre outros privilégios. Diversas lideranças No Quadro abaixo podem ser acompanha-
pró-lusitanas receberiam antes e depois de das, a partir do século XVI, as principais medidas
Camarão privilégios similares, criando-se no de proteção aos índios e, no século XX, a evolução
Brasil autênticas linhagens de chefes indíge- do processo de conquista de direitos.
nas nobilitados pela Coroa por sua lealdade
a Portugal.

Resistência aos Colonizadores


Alguns grupos moveram inúmeros ataques
aos núcleos de povoamento portugueses. Dentre
estes, os Aymoré, posteriormente chamados de
Botocudos, foram um permanente flagelo para os
colonizadores durante o século XVI, na Bahia. CABEÇAS DE ÍNDIOS: Jean Baptiste Debret, Wagem
Pitoresca e História ao Brasil. Paris, 1839. Belo Horizonte.
Entre os episódios célebres de resistência ou Editora Itatiaia Limitada. 1978.
represália, ficaram registrados:
• o do donatário da Bahia, Francisco Pereira Política Indianista no Brasil
Coutinho, devorado pelos Tupiniquim, em
1547; A Imigração para o Brasil (1530-
• o do jesuíta Pero Correa, devorado pelos Ca- 1994)
rijó, nas bandas de São Vicente, em 1554;
• o do primeiro bispo do Brasil, D.Pedro Fer- A imigração para o Brasil iníciou-se em
nandes Sardinha, em 1556, devorado pelos 1530 com a expedição de Martim Afonso de Sou-
Caeté, após naufragar no litoral nordestino. sa. Até então, o país se encontrava na fase pré-
-colonial. Os portugueses que vinham para cá es-
tavam interessados apenas na extração de recursos
Alianças com Invasores Contra os
naturais em nosso território para comercializa-los
Colonizadores na Europa. Com a criação das capitanias hereditá-
“Nações” inteiras optaram por se aliarem aos rias e o início da lavoura de cana-de-açúcar, houve
inimigos dos portugueses. Por exemplo: a fixação de portugueses e escravos negros no país,
sobretudo no litoral dos atuais estados do Rio de
• os Tamoio, no Rio de Janeiro, fortes aliados
Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco.
dos franceses nas guerras dos anos 1550-60;
• os Potiguar, boa parte deles resistiu com os
franceses durante algum tempo na Paraíba
e atual Rio Grande do Norte, e por ocasião

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 165


Esta lei só permitia a escravização dos indígenas com a alega-
1570 Primeira lei contra o cativeiro indígena
ção de “guerra justa”
Lei que reafirmou a liberdade dos índios do Importante lei que tentou garantir novamente a liberdade dos
1609
Brasil índios, ameaçada pelos interesses dos colonos
Estabeleceu a base de regulamentação do trabalho missioná-
1686 Decretação do “Regimento das Missões” rio e do fornecimento de mão de obra indígena no Estado do
Maranhão e Grão-Pará
Aprovado o Directorio, que visava, através de
1755 medidas específicas, a integração do índio na Proibia definitivamente a escravidão indígena
vida da colônia
Secularização da administração dos aldeamentos indígenas:
Fim da escravidão indígena: Directorio foi
1758 abolida escravidão, a tutela das ordens religiosas das aldeias e
estendido a toda a América Portuguesa
proclamados os nativos, vassalos da Coroa
O espírito “integrador” desse Directorio conservaria a sua
1798 Abolido o Directorio
força na legislação do Império Brasileiro
Renova o objetivo do Directorio, e visava, portanto, a “com-
1845 Aprovado o Regulamento das Missões
pleta assimilação dos índios”
Criação do Serviço de Proteção aos Índios -
1910 O Estado republicano tutelou os indígenas
SPI
Rondon criou o projeto do Parque Nacional do
1952 Objetivo era criar uma área de proteção aos indígenas
Xingu
Criação da Fundação Nacional do Índio - FU- Substituiu o extinto SPI na administração das questões indí-
1967
NAI genas
Primeira tentativa de defesa da cultura indígena, importante
1979 Criação da União das Nações Indígenas para a consagração dos direitos dos índios na Constituição de
1988

Durante o período colonial, ocorreram di- População Brasileira


versas invasões estrangeiras no Brasil, sobretudo
de franceses, holandeses e britânicos. Alguns deles • Total: 185.800.000 habitantes (2005)
chegaram a fixar-se em pontos do território, mas • População branca: 55,2% (2005)
acabaram sendo expulsos pelos índios ou pelos por- • População parda: 38,2% (2005)
tugueses. Com a abertura dos portos, em 1808, foi • População negra: 6% (2005)
permitida a entrada de imigrantes livres europeus • População amarela: 0,4% (2005)
de outras nacionalidades, pois ate então apenas os • População Indígena: 0,2% (2005)
portugueses podiam se fixar no Brasil. O fluxo imi- • Densidade: 19,94 habitantes por km² (2005)
gratório, porem, foi muito pequeno, já que a mão • População urbana: 81% (2005)
de obra utilizada nas atividades econômicas de • População rural: 19% (2005)
base agrária era quase totalmente constituída por • Crescimento demográfico: 1,6% (2005)
escravos negros trazidos da África. Praticamente • Fecundidade: 2,15 filhos por mulher (esti-
não havia empregos que pudessem ser oferecidos mativa, 2000-2005)
aos imigrantes livres, pois as ocupações urbanas • Expectativa de vida: Homens - 64,3 anos e
(comércio, funcionalismo público e serviços em Mulheres - 72,3 anos (2004)
geral) estavam amplamente dominadas pelos por- • Analfabetismo: 13,3% (2004)
tugueses e seus descendentes e a relação de traba- • IDH (0-1): 0,747 (2004)
lho rural era servil. • Idioma: Português (oficial)
• Religião: Cristianismo, sendo 71% de católi-
cos.
Esse quadro foi alterado a partir de 1850,

166 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


com a proibição do trafico negreiro (Lei Eusébio de as pessoas a migrar pelo país. Em 1934, observando
Queirós), maior desenvolvimento das atividades esse excedente interno de mão de obra, o governo
cafeeiras e urbano-indústriais e facilidade de acesso Getúlio Vargas criou a Lei de Cotas de Imigração
à posse de terra na região Sul. Associados, esses fa- e passou a controlar a entrada de estrangeiros no
tores tornaram o Brasil um grande pólo de atração país, para evitar que o índice de desemprego au-
para os imigrantes europeus. Entretanto, vale des- mentasse a instabilidade social. Segundo essa lei,
tacar que os Estados Unidos e a Argentina, nesse a cada ano, só poderiam entrar no país 2% do to-
período, receberam mais imigrantes que o Brasil, tal de imigrantes dos últimos 50 anos, segundo a
por oferecerem maiores possibilidades de ascensão nacionalidade. Por exemplo, de 1885 a 1934 (50
social aos colonos. Assim, houve uma grande en- anos) entraram cerca de um milhão de italianos no
trada de imigrantes livres até 1929, ano da crise Brasil: em 1935 poderiam entrar 2%, ou seja, 20
econômica mundial decorrente da quebra da bolsa mil italianos. Essa lei não foi aplicada aos portu-
de valores de Nova Iorque. Observe, no gráfico, a gueses, cuja entrada permaneceu livre.
importância da imigração para o crescimento po-
PARTICIPAÇÃO DE IMIGRANTES NO CRESCIMENTO
pulacional brasileiro durante esse período. DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
No período que se estendeu de 1530 a 1808,
é difícil estimar o volume de imigrantes que en-
trou no Brasil. Sabe-se, porém, que entre eles pre-
dominavam os portugueses, os quais, assim como
os escravos africanos, dirigiam-se às plantações de
cana-de-açúcar na região Nordeste, às minas de
ouro do centro-sul de Minas Gerais e Goiás e às
cidades que se desenvolveram em consequência
do crescimento dessas atividades. De 1850 a 1930,
por outro lado, as estimativas são mais confiáveis e
observou-se uma enorme entrada de imigrantes no
A Lei de Cotas não proibia, apenas restringia
país para suprir as necessidades de mão de obra nas
a entrada de imigrantes. A restrição, porém, não
lavouras cafeeiras, nos centros urbanos-indústriais
era somente numérica, mas também ideológica. Se
e no processo de povoamento da região Sul.
o imigrantes demonstrasse tendência anarco-sin-
Com a crise mundial de 1929, as regiões do dicalista, por exemplo, era impedido de entrar no
país de economia agrário-exportadora entraram em país. Além disso, 80% dos imigrantes aceitos eram
colapso. A principal crise foi a do café, que atingiu obrigados a trabalhar na zona rural. Com essas me-
principalmente o estado de São Paulo. A região didas, estava assegurada maior manipulação ide-
de Ilhéus passou pela crise do cacau e o restante ológica e controle social, já que os trabalhadores
da Zona da Mata nordestina sofreu com a brusca nordestinos que chegavam a São Paulo e ao Rio de
queda na exportação de açúcar. Nesse contexto, Janeiro sujeitavam-se a situações de trabalho que
iníciou-se o processo de industrialização brasilei- os imigrantes europeus, mais organizados e politi-
ra, comandada pelo Sudeste, que passou a receber zados, não aceitavam passivamente. Da associação
grandes contingentes de mão de obra nordestina. da crise mundial com a Lei de Cotas, durante o
A região Sul, que passou por uma colonização de período de 1929 a 1945, a entrada de imigrantes
povoamento, tinha sua economia voltada para o no Brasil não foi numericamente significativa.
mercado interno e sofreu menos com essa crise.
Do fim da Segunda Guerra Mundial até
Esse deslocamento interno de trabalhadores do
1973, o Brasil passou por um período de grande
Nordeste rumo ao Sudeste significava que as ati-
crescimento econômico e tornou-se novamente
vidades econômicas não estavam atendendo à de-
um país de atração populacional. Durante o man-
manda, que o desemprego gerado pela crise levava
dato democrático de Getulio Vargas (1950-1954)

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 167


e no governo de Juscelino Kubitschek (1956- BRASIL - IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA (1808-1970)
1960), ocorreu maciça entrada de investimentos
produtivos estatais e estrangeiros, que ampliaram
o volume de empregos nos setores secundários e
terciário. Apesar de significativa em termos abso-
lutos, a participação percentual da imigração no
crescimento populacional era reduzida, atingindo
apenas 2,4% na década de 50. de 1980 a 1994,
aproximadamente, a emigração superou numerica-
mente a imigração em função da instabilidade po-
lítica, do desemprego e dos baixos salários: de 1994 A segunda maior corrente de imigrantes
a fevereiro de 1999, estima-se que houve equilíbrio livres foi à italiana. Em terceiro lugar, aparecem
entre a entrada e a saída de pessoas e, a partir da os espanhóis e, em quarto, os alemães. A partir
desvalorização cambial, talvez ocorra novamente de 1850, a expansão dos cafezais pelo Sudeste e a
um pequeno incremento na emigração. necessidade de efetiva colonização da região Sul
levaram o governo brasileiro a criar mediadas de
incentivo à vinda de imigrantes europeus para
As Principais Correntes substituir a mão de obra escrava. Entre as medidas
Imigratorias Para o Brasil adotadas e propagandeadas na Europa, destacam-
-se o financiamento da passagem e a garantia de
Só é possível estimarmos quantos escravos emprego, com moradia, alimentação e pagamento
negros aqui ingressaram, quais os anos de maior anual de salários.
fluxo, por qual porto entraram e de que lugar da
África vieram. O gráfico abaixo contém dados Embora atraente, a propaganda governa-
apenas da entrada de imigrantes livres, não con- mental escondia uma realidade perversa: ao fim
siderando a corrente africana, certamente a mais de um ano de trabalho duro nas lavouras de café,
importante até 1850. segundo as estimativas, cal- quando o imigrante deveria receber seu pagamen-
cula-se que ingressaram no país pelo menos quatro to, era informado de que seu salário não era sufi-
milhões de negros de 1550 a 1850, a maioria pro- ciente sequer par pagar as despesas de transporte
veniente de Angola, ilha de São Tomé e Costa do – que a propaganda prometia ser gratuito – e mo-
Marfim. Dentre as correntes imigratórias destaca- radia, quanto mais dos alimentos consumidos ao
das no gráfico, a mais importante foi à portuguesa. longo do ano. A propaganda tinha sido enganosa,
Além de serem numericamente mais significativos e somente seria permita a saída do imigrante da
esses imigrantes espalharam-se por todo o territó- fazenda quando a dívida fosse quitada. Como isso
rio nacional. A imigração portuguesa para o Brasil ano era possível, ele ficava aprisionado no latifún-
teve início em 1530 e se estendeu até 1986. a partir dio, vigiado por capangas para evitar sua fuga. Era
desse ano, houve uma inversão de fluxo, explicada a escravidão por dívida, comum ate hoje em vários
pelo ingresso de Portugal na União Europeia. estados do Brasil. Tal realidade levou a Alemanha
, em 1859, a proibir a saída de imigrantes em dire-
Com a consequente melhoria das condições ção ao Brasil, para impedir que seus cidadãos fos-
de vida nesse país, ele se tornou área de atração sem enganados e escravizados.
de emigrantes brasileiros. Preocupados com essa
tendência, os demais países membros da União Alem dos cafezais da região Sudeste, outra
Europeia pressionaram Portugal a impedir o livre grande área de atração de imigrantes europeus, com
acesso de brasileiros ao seu território, o que, atual- destaque para portugueses, italianos e alemães, foi o
mente, significa livre acesso a toda a comunidade Sul do país. Nessa região, os imigrantes ganhavam
europeia. a propriedade da terra, onde fundaram colônias de
povoamento (pequena e média propriedades, mão

168 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


de obra familiar, produção policultora destinada ao se dirigem, há apenas estimativas precárias quanto
abastecimento interno) que prosperaram bastante, ao volume total de emigração. Para ter uma ideia,
tais como Porto Alegre, Florianópolis e Itajaí, fun- apenas em Nova Iorque residem cerca de120 mil
dadas por portugueses; Joinville e Blumenau, por brasileiros.
alemães; Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçal-
DENSIDADE DEMOGRÁFICA
ves, por italianos, dentre dezenas de outras cidades
menos conhecidas. Os espanhóis não fundaram
cidades importantes, espalhando-se pelos grandes
centros urbanos de todo o centro-sul brasileiro,
com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro
Em 1908, aportou em Santos a primeira em-
barcação trazendo colonos japoneses para traba-
lharem nas lavouras de café do interior do estado
de São Paulo. Assim como os colonos das demais
nacionalidades, sofreram impiedosamente as vicis-
situdes da escravidão por dívida, além das enormes
dificuldades de adaptação e integração cultura. As
diferenças de língua, religião e cultura, associa-
das ao receio de serem novamente escravizados,
levaram os japoneses a criar núcleos de ocupação Fonte: IBGE
pouco integrados à sociedade como um todo. Eles
respondem por aproximadamente 5% do total de Espanhóis
imigrantes livres que ingressaram no país. Desde
Os espanhóis começaram a imigrar para o
meados dos anos 70, muitos de seus descendentes
Brasil em razão dos problemas no país de origem
estão migrando das áreas tradicionais de ocupação
e das possibilidades de trabalho que, bem ou mal,
da colônia, já plenamente integrados ao cotidiano
lhes eram oferecidas. Muitos agricultores, proprie-
nacional, e espalhando-se pelos diversos pontos
tários de minifúndios, partiram da Galícia; outros
do país. Outros, fazendo caminho inverso de seus
vieram da Andaluzia, onde eram, principalmente,
ancestrais, estão emigrando em direção ao Japão
trabalhadores agrícolas.
(dekasseguis), onde trabalham em linhas de produ-
ção, ocupando posições subalternas, renegadas por Nos primeiros tempos, ou seja, a partir da
cidadãos japoneses. década de 80 do século XIX, os espanhóis foram
encaminhados, sobretudo, para trabalhar nas fa-
Entre as correntes imigratórias de menor ex-
zendas de café no estado de São Paulo. Com rela-
pressão numérica, destacam-se eslavos, na região
ção aos demais grupos europeus, caracterizaram-se
de Curitiba; os chineses e os coreanos, na capital
por serem os que, em maior grau, chegaram como
paulista; e os judeus, os sírios, os libaneses e os
grupo familiar e os que trouxeram crianças em
latino-americanos em geral, espalhados pelos país.
maior proporção.
Vale lembrar que, atualmente, o Brasil se tornou
um país onde o fluxo imigratório é negativo, ou Eles constituíram a terceira maior etnia que
seja, o total de emigrantes é maior que o número imigrou para o Brasil, após os portugueses e italia-
de pessoas que ingressam no país. Muitos brasi- nos, entre 1880 e 1972, representando cerca de
leiros têm se transferido para os Estados Unidos, 14% do total de imigrantes nesse período.
Europa e Japão, em busca de melhores condições Dentre os grandes grupos de imigrantes, os
de vida, já que os salários pagos no Brasil são dos espanhóis foram os que mais se concentraram no
mais baixos do mundo. Como a maioria dos emi- estado de São Paulo. O censo de 1920, por exem-
grantes entram clandestinamente nos países a que plo, revelou que 78% dos espanhóis residiam neste

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 169


estado. Embora a grande maioria dos espanhóis te- caso de Blumenau, Joinville e Brusque, em Santa
nha se fixado, a princípio, no campo, onde ganha- Catarina, e São Leopoldo, Novo Hamburgo e Ijuí,
ram posições como pequenos e médios proprietá- no Rio Grande do Sul - para citar alguns exemplos.
rios, a presença urbana da etnia não é desprezível. Houve ainda estabelecimento de alemães em al-
Em seus primeiros tempos, os espanhóis vincula- gumas colônias do Espírito Santo, Rio de Janeiro,
ram-se ao comércio de metais usados - o chamado Minas Gerais e São Paulo - todas pouco expres-
“ferro velho” - e ao setor de restaurantes, diversifi- sivas. Por outro lado, uma parte dos imigrantes -
cando, posteriormente, suas atividades. sobretudo após a Primeira Guerra Mundial - se es-
tabeleceu em cidades maiores como Porto Alegre,
Alemães Curitiba e São Paulo.
Os primeiros imigrantes alemães chegaram A concentração em algumas regiões do Sul,
ao Brasil logo após a Independência, dentro de um além da manutenção da língua e de outras caracte-
programa de colonização idealizado pelo governo rísticas da cultura original e da presença marcante
brasileiro, que visava o desenvolvimento da agri- de uma imprensa, escola e associações germani-
cultura e a ocupação do território no Sul do País. A zadas, criou condições para o surgimento de uma
primeira colônia alemã foi fundada em 1824, com etnicidade teuto-brasileira, cuja marca é o perten-
o nome de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, cimento primordial a um grupo étnico demarca-
numa área de terras públicas do Vale do Rio dos do pela origem alemã. Disto resultou uma longa
Sinos. As tentativas anteriores de estabelecimento história de atritos com a sociedade brasileira, que
de colônias com alemães na região Nordeste fra- culminou com a campanha de nacionalização du-
cassaram, e a data de 1824 marca o início da cor- rante o Estado Novo (1937-1945) - uma tentativa
rente imigratória proveniente de diversos estados de acelerar o processo assimilacionista. Os ideais
alemães. Ao longo de mais de 100 anos entraram primordiais de pertencimento étnico, embora ate-
no Brasil aproximadamente 250 mil imigrantes - nuados, não desapareceram após a Segunda Guer-
num fluxo anual pequeno, mas contínuo, que teve ra Mundial e podem ainda hoje ser percebidos nas
seu momento de maior intensidade em 1920, no principais regiões de colonização alemã.
auge da crise econômica-social da República de
Weimar. Italianos
Durante quase todo o período de duração do Os italianos começaram a imigrar em nú-
fluxo imigratório (entre 1824 e 1937), a imigração mero significativo para o Brasil a partir da década
alemã se caracterizou pela participação contínua de 70 do século XIX. Foram impulsionados pelas
no processo de colonização em frentes pioneiras transformações sócioeconômicas em curso no Nor-
- compartilhada por outros imigrantes europeus, te da península italiana, que afetaram sobretudo a
sobretudo italianos - que resultou na formação de propriedade da terra.
um campesinato de pequenos proprietários. Neste
Até a virada do século, italianos dessa região
processo, os alemães e seus descendentes ajudaram
predominaram na corrente imigratória. A partir
a ocupar as terras públicas dos três estados do Sul
daí, os italianos do Centro-sul ou do Sul se tor-
através da fundação de inúmeras colônias, concen-
naram dominantes. Um aspecto peculiar à imigra-
tradas na região Noroeste de Santa Catarina, no
ção em massa italiana é que ela começou a ocorrer
planalto setentrional do Rio Grande do Sul até o
pouco após a unificação da Itália (1871), razão pela
rio Uruguai, no planalto paranaense e em alguns
qual uma identidade nacional desses imigrantes se
vales de rios, como o Sinos, Jacuí, Taquari e Caí,
forjou, em grande medida, no Brasil.
no Rio Grande do Sul, e Itajaí, em Santa Catarina.
As grandes áreas de atração de imigrantes
Entre as colônias mais conhecidas estão
italianos para o Brasil foram os estados de São Pau-
aquelas que passaram por um processo de desen-
lo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Conside-
volvimento econômico com a industrialização -

170 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


rando o período 1884-1972, verificamos que quase nacionalidade japonesa.
70% dos italianos ingressaram no País pelo estado
Os japoneses foram destinados inicialmente
de São Paulo.
as fazendas de café, mas gradativamente tornaram-
As condições de estabelecimento dos ita- -se pequenos e médios proprietários rurais. Dentre
lianos foram bastante diversas. A imigração sulina todos os grupos imigrantes foram os que se con-
praticamente não foi subsidiada e os recém-che- centraram por período mais longo nas atividades
gados instalaram-se como proprietários rurais ou rurais, em que se destacaram pela diversificação
urbanos. Em São Paulo, foram a princípio atraídos da produção dos hortifrutigranjeiros. Em anos re-
para trabalhar nas fazendas de café, através do es- centes, houve forte migração de descendentes de
quema da imigração subsidiada. Nas cidades pau- japoneses para os centros urbanos, onde passaram a
listas, trabalharam em uma série de atividades, em ocupar posições importantes nas várias atividades
especial como operários da construção e da indús- componentes da área de serviços
tria têxtil.
Judeus
Os imigrantes italianos influênciaram forte-
mente os hábitos alimentares nas regiões em que A chegada de populações judaicas ao Bra-
se fixaram e deram uma importante contribuição sil torna-se gradativamente significativa a partir
à industrialização gaúcha e paulista. A maioria dos de meados dos anos 20, no século XX. A vinda de
primeiros grandes indústriais de São Paulo - os Ma- israelitas para o País insere-se tardiamente no in-
tarazzo, os Crespi - constituíram o grupo dos cha- fluxo da imigração em massa e ganha relevo maior
mados “condes italianos”, cuja proeminência só foi nos anos 30, em decorrência das perseguições na-
ultrapassada com o correr dos anos. zistas.
Entre 1936 e 1942, mais de 14 mil pessoas in-
gressaram no País. Embora esse número pareça re-
duzido, convém lembrar que ele representa 12,1%
da imigração total naqueles anos. As populações
judaicas entraram em sua grande maioria pelos
portos do Rio de Janeiro e de São Paulo. A prin-
cípio, vieram sobretudo judeus da Europa Central
- os chamados russos - e, a seguir, os alemães, após
a ascensão do nazismo. Os judeus fixaram-se nas
cidades, localizando-se, no início, em bairros étni-
Japoneses
cos, como é o caso do Bom Retiro, em São Paulo.
A primeira leva de japoneses chegou ao Bra- A primeira geração concentrou-se nas atividades
sil em 1908, através de um esquema de imigração comerciais. Seus filhos e netos diversificaram suas
subsidiada. Houve oposição inicial à imigração iniciativas, tornando-se indústriais, profissionais
dessa etnia, que acabou sendo aceita como uma liberais etc.
alternativa as dificuldades impostas pelo governo
italiano à imigração subsidiada de italianos para Árabes
o Brasil. Os japoneses concentraram-se no estado Sírios e libaneses começaram a imigrar para
de São Paulo, correspondendo a 92,5% o número o Brasil em fins do século XIX, fugindo as dificul-
de japoneses que entrou nesse estado, entre 1909 dades econômicas em suas regiões de origem. Con-
e 1972. O fluxo imigratório de japoneses ganhou centraram-se, principalmente, no estado de São
relevo no período posterior a 1930, quando a imi- Paulo, mas uma parcela deles fixou-se no Norte
gração de italianos e de espanhóis se reduziu con- do país, nos estados do Pará, Amazonas e o então
sideravelmente. Entre 1932 e 1935, cerca de 30% Território do Acre, caracterizados por um baixo
dos imigrantes que ingressaram no Brasil eram de fluxo imigratório. Por toda parte, sírios e libaneses

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 171


se dedicaram as atividades comerciais, tendo um te o conflito. A taxa de crescimento vegetativo,
papel relevante no comércio da borracha, durante portanto, aumentou significativamente. A partir
o auge do período de produção e exportação desse da década de 60, com a urbanização acelerada no
produto (1890-1910), nos estados do Norte. Brasil, a taxa de natalidade passou a cair de forma
mais acentuada que a taxa de mortalidade. Conse-
Em São Paulo e em menor escala no Rio
quentemente, o crescimento vegetativo começou
de Janeiro, sírios e libaneses dedicaram-se ao co-
a diminuir, embora ainda apresentasse valores mui-
mércio, a princípio como mascates, percorrendo
tos altos, típicos de países subdesenvolvidos.
com suas mercadorias as ruas dos grandes centros
urbanos, as fazendas e pequenas cidades do inte- BRASIL: CRESCIMENTO VEGETATIVO (1940-1991)
rior. Gradativamente, abriram estabelecimentos
comerciais, tornaram-se indústriais, escalando os
degraus da mobilidade social.
Os descendentes dessa etnia diversificaram
suas atividades, sendo notável sua concentração na
medicina e sua presença nas atividades políticas.

O Crescimento Vegetativo da
População Brasileira
Como vimos, o crescimento vegetativo ou
natural corresponde à diferença entre as taxas de
natalidade e de mortalidade. No Brasil, embora
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO
essas duas taxas tenham declinado no período de PERÍODO 1872-1995
1940-1960, foi somente a partir da década de 60
Ano População Brasileira
que o crescimento vegetativo passou a diminuir,
1872 9.930.478
como podemos observar no gráfico. 1890 14.333.915
1900 17.318.556
1920 30.653.605
1940 41.165.289
1950 51.941.767
1960 70.070.457
1970 93.139.037
1980 119.002.706
1991 147.053.940
1995 161.400.000

A taxa de mortalidade brasileira já atingiu


um patamar próximo a 6%, tendendo a se estabili-
zar por algumas décadas e, posteriormente, crescer,
chegando a 8 ou 9%, quando o percentual de ido-
Note que, se a taxa de mortalidade apresen-
sos no conjunto total da população aumentar.
tar uma queda maior que a verificada na taxa de na-
talidade, o crescimento vegetativo aumenta. Para Esperança de Vida e Mortalidade Infantil
que ele diminua, a queda da natalidade tem de ser
mais acentuada que a de mortalidade. Logo após A esperança ou expectativa de vida ao nas-
a Segunda Guerra Mundial, em todos os países, cer e a taxa de mortalidade infantil são importan-
houve uma queda brutal nas taxas de mortalidade, tes indicadores da qualidade de vida da população
graças aos progressos obtidos na medicina duran- de um país. Analisando os dados da tabela a seguir,

172 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


verificamos que, principalmente na região Nor- ses desenvolvidos. Lembre-se de que esses indica-
deste, os indicadores brasileiros são parecidos com dores correspondem a uma media e, portanto, não
os de países africanos, enquanto nas regiões Sul e apresentam as grandes variações existentes entre
Sudeste as taxas podem ser comparadas às de paí- as classes sociais em cada região.
Esperança de Vida ao Nascer (anos) -
Taxa de Mortalidade Infantil (%) - 1990
Grandes Regiões 1990
Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres
Norte 67,35 63,82 71,01 53,20 60,30 45,90
Nordeste 64,22 60,84 67,74 88,20 95,60 80,60
Sudeste 67,53 63,56 71,66 30,00 37,00 22,80
Sul 68,68 65,00 72,51 26,70 33,60 19,60
Centro-Oeste 67,80 64,30 71,45 33,00 40,00 25,60
Brasil 65,62 62,28 69,09 49,70 56,80 42,30
(Anuário estatístico do Brasil, 1995)

A Estrutura da População conjunto total da população, porem, foi acompa-


nhada pelo esfacelamento dos sistemas públicos de
Brasileira educação e saúde e de um brutal agravamento do
Com a queda das taxas de natalidade e de processo de concentração de renda. A consequ-
mortalidade, acompanhada do aumento da expec- ência, óbvia, é que , num futuro próximo, grande
tativa de vida da população brasileira, a pirâmide parcela desses jovens se transformarão em mão de
de idades vem apresentando uma significativa re- obra desqualificada e mal remunerada, desprepara-
dução de volume na base, onde se encontram os da para o desempenho de atividades que envolvam
jovens (46,5%), e um aumento da participação domínio de novas tecnologias incapaz, portanto,
percentual das pessoas adultas (46,4%) e idosas de sustentar maiores índices de crescimento eco-
(7,1%). A redução da participação dos jovens no nômico acompanhados de desenvolvimento social.

PERCENTUAL DE PESSOAS QUE NÃO FREQUENTAVAM ESCOLA NA POPULAÇÃO BRASILEIRA DE 5 A 7 ANOS DE


IDADE POR GRANDES REGIÕES E GRUPOS DE IDADES - 1993-2003 - BRASIL
Grandes Regiões
Anos Brasil (1)
Norte Urbana Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Total
1993..... 21,8 16,8 25,2 18,6 24,3 22,2
1998..... 13,4 13,1 15,3 11,4 14,4 14,2
2003..... 8,8 11,2 9,5 7,8 10,0 9,5
5 ou 6 anos
1993..... 42,3 33,2 38,7 41,2 53,7 48,0
1998..... 30,9 33,4 27,2 29,4 38,6 37,8
2003..... 21,3 27,4 19,0 17,3 29,6 30,0
7 a 14 anos
1993..... 11,4 11,4 16,6 7,8 10,1 10,6
1998..... 5,3 5,5 7,7 3,8 4,2 4,3
2003..... 2,8 4,1 4,0 1,9 2,0 3,0
15 a 17 anos
1993..... 38,1 28,5 40,9 34,5 44,9 38,0
1998..... 23,5 20,8 27,5 19,9 25,7 25,5
2003..... 17,6 19,0 20,0 15,4 18,4 17,1
Fonte: IBGE. Coordenadoria de Trabalho e Pendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Nota: Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 173


Quanto à distribuição da população brasi-
leira por sexo, o país se insere na dinâmica glo-
bal: nascem cerca de 106 homens para cada 100
mulheres, mas a taxa de mortalidade masculina é
maior e a expectativa de vida, menor. Assim, em-
bora nasçam mais homens que mulheres, é comum
as pirâmides apresentarem uma quantidade ligei-
ramente superior de população feminina, já que as
mulheres vivem mais. Segundo o IBGE, em 1996
o Brasil tinha 77,4 milhões de homens (49,3%) e
70,6 milhões de mulheres (50,7%).
Uma parcela significativa da PEA (24,5%) Fonte: INE, Censos 1991.
trabalha no setor primário da economia, o que re-
trata o atrasa da agricultura. Embora esse número Já o setor terciário, num país subdesenvol-
venha declinando, graças à modernização e à me- vido, é o que apresenta maiores problemas, por
canização agrícola em algumas regiões, na maior conter o subemprego. No Brasil, 55,5% da PEA
parte do país a agricultura é praticada de forma tra- dedica-se ao setor, mas é obvio que grande parte
dicional e ocupa muita mão de obra. desses trabalhadores não está efetivamente pres-
tando serviços aos demais habitantes. Estão apenas
atrás de sobrevivência, complementação da renda
familiar e combate ao desemprego em atividades
informais, desde o camelô até o vendedor de farol.
Mesmo no setor formal de serviços (bancos, es-
colas, hospitais, repartições públicas, transportes,
etc.), verifica-se a presença de algumas instituições
modernas ao lado de outras muito atrasadas, fato
facilmente observável ao compararmos a qualidade
do ensino de qualquer grau oferecido em escolas
publicas e privadas.
Quanto à distribuição de renda, o Brasil
apresenta uma das maiores concentrações do pla-
neta, como verificaremos a seguir.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991. BRASIL: DISTRIBUIÇÃO DA PEA POR SETORES DE
(1) Distribuição percentual da população por sexo e faixa ATIVIDADES
etária, sobre o total da população.

Um percentual de 20% da PEA no setor


secundário indica que o país possui um grande
parque indústrial. Embora o número esteja pouco
abaixo do verificado em paises plenamente indús-
trializados, esconde o atraso tecnológico da maior
parte do parque indústrial. Lembre-se de que esse
número, analisado de forma isolada, não reflete a
produtividade do trabalhador e o grau de desen-
volvimento tecnológico do parque indústrial.

174 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


A PEA e a Distribuição da da de poder aquisitivo dos salários e à consequente
necessidade de ela trabalhar para complementar a
Renda no Brasil renda familiar. Apesar do avanço significativo do
A tabela a seguir mostra que a participação movimento feminista, poucas são as mulheres que
dos pobres na renda nacional diminuiu e a dos ri- ingressam no mercado de trabalho por ideologia.
cos aumentou até 1990. essa dinâmica perversa foi Tal situação permite que parte dos empresários
estruturada principalmente no processo inflacio- prefira, em diversas atividades, a mão de obra fe-
nário de preços, nunca totalmente repassados aos minina, que por necessidade de trabalho se sujeita
salários, e num sistema tributário pelo qual a carga a salários menores que os pagos a homens, mesmo
de impostos indiretos (ICMS, IPI, ISS, etc.), que exercendo função idêntica na mesma empresa.
não distinguem faixas de renda, chega a 50% da
arrecadação. Os impostos diretos (de renda, IPTU, ÍNDICE DE GINI DA DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO
IPVA), que possuem alíquotas progressivas, di- MÉDIO MENSAL DE TRABALHO DAS PESSOAS DE
10 ANOS OU MAIS DE IDADE, OCUPADAS, COM
ferenciadas segundo a renda, ou são incluídos no REDIMENTO DE TRABALHO – 1981/2003 – BRASIL
preço das mercadorias e tornam-se indiretos para
1981 0,564
os consumidores ou são simplesmente sonegados. 1983 0,584
Nesse período, o governo agravou ainda mais o 1984 0,584
processo de concentração de renda ao aplicar seus 1985 0,594
1986 0,584
recursos em beneficio de setores ou atividades pri- 1987 0,589
vadas, em detrimento dos investimentos públicos 1988 0,613
em educação, saúde, transporte coletivo, habita- 1989 0,630
ção, saneamento e lazer. 1990 0,602
1992 0,571
1993 0,600
RENDIMENTOS 1995 0,585
(MÉDIA REAL MENSAL EM REAIS, EM VALORES 1996 0,580
ATUALIZADOS PARA SETEMBRO DE 1997, DAS 1997 0,580
PESSOAS COM MAIS DE 10 ANOS DE IDADE) 1998 0,575
Ganho dos 10% Ganho dos 10% 1999 0,567
Ano (*) 2001 0,566
Mais Pobres Mais Ricos
2002 0,563
1990 32,00 2.049,00 2003 0,555
1992 29,00 1.716,00 FONTE: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de
Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de
1993 28,00 1.986,00
Domicílios.
1995 56,00 2.474,00 NOTA: Exclusive o rendimento das pessoas da área rural de
Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
1996 61,00 2.496,00
1997 58,00 2.463,00
QUANTO GANHA O BRASILEIRO
(*) Não houve Pnad em 1991 e 1994.
Em 1994, com a implantação do Plano Real e o controle da
inflação, houve uma melhoria na distribuição da renda nacio-
nal, com ganhos expressivos para a população de baixa renda.

No que diz respeito à composição da PEA


por sexo, há uma grande desproporção: em 1996,
apenas 40% dos trabalhadores eram do sexo femi-
nino, enquanto a situação que se verifica nos países
desenvolvidos é uma participação igualitária, de
50%. A inserção da mulher no mercado de traba-
lho, no Brasil, está ligada fundamentalmente à per-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 175


Os Movimentos Internos Êxodo Rural e Migração
As migrações pelo território brasileiro, as- Pendular
sim como qualquer movimento populacional, De meados da década de 50 até o final dos
ocorrem por motivos que impedem a população a anos 70, período em que foram muito acelerados o
se deslocar pelo espaço de forma permanente ou processo de industrialização nas grande cidades e a
temporária. Ao longo da história, verificamos que concentração de terras no campo, o Brasil sofreu
esses movimentos migratórios estão associados a um intenso êxodo rural, ou seja, saída de pessoas
fatores econômicos, desde o tempo da colonização. do campo em direção às cidades. Como essas ci-
Quando terminou o ciclo da cana-de-açúcar no dades não receberam investimentos públicos em
Nordeste e teve início o ciclo do ouro, em Minas obras de infraestrutura urbana (habitação, sanea-
Gerais, houve um enorme deslocamento de pesso- mento básico, saúde, educação, transportes coleti-
as e um intenso processo de urbanização no novo vos, lazer e abastecimento), passaram a crescer em
centro econômico do país. Graças ao ciclo do café direção à periferia, onde eram construídas enormes
e, posteriormente, com o processo da industrializa- favelas e loteamentos clandestinos, sobretudo ao
ção, a região Sudeste pôde se tornar efetivamente redor dos bairros indústriais. Esse processo levou
o grande pólo de atração de migrantes, que saiam ao surgimento das metrópoles, um conjunto de
de sua região de origem em busca de emprego ou de cidades interligadas, onde ocorre uma migração
melhores salários. Somente a partir da década de diária entre os municípios, fenômeno conhecido
70, juntamente com o processo de descentralização como migração pendular. Para a população que re-
da atividade indústrial, a migração em direção ao aliza esse movimento diário, a reestruturação dos
Sudeste apresentou significativa queda. transportes coletivos metropolitanos é urgente.
Qualquer região do país que receba inves-
timentos produtivos, públicos ou privados, que BRASIL – POPULAÇAO URBANA E RURAL
aumentem a oferta de emprego, receberá também (1970-1996)
pessoas dispostas a preencher os novos postos de Urbana Rural
trabalho. É o que se verifica atualmente no estado Ano Milhões Milhões Total
% %
de São Paulo. As cidades médias e grandes do in- de Hab. de Hab.

terior – Ribeirão Preto, Sorocaba, Campinas, São 1970 52,1 55,92 41,1 44,08 93,2
José do Rio Preto, entre dezenas de outras – apre- 1980 80,5 67,57 38,6 32,43 119,1
sentam índices de crescimento econômico e, por- 1991 108,1 74,00 38,0 26,00 146,1
tanto, populacional, maiores que os verificados na 1996 123,1 78,40 39,0 21,60 157,1
Grande São Paulo. Essa dinâmica foi possibilitada (IBGE, 1991./Anuário estatístico do Brasil 1997.)
pelo pleno desenvolvimento dos sistemas de trans-
portes, energia e comunicações, que integraram o
interior do estado não só ao país, mas ao planeta. De Volta ao Verde
Boa parte da produção econômica estadual é desti- Com o fim da seca, o sertanejo voltou para o Nordeste
nada ao mercado externo. e deve produzir uma boa safra
Atualmente, São Paulo e Rio de Janeiro são (...)
as capitais que menos crescem no Brasil. Em pri- Rotina – Chegar e partir, atraído pela chuva ou tan-
meiro lugar, aparecem algumas capitais de estados gido pela seca, é um movimento tão antigo na vida do
sertanejo quanto a própria história da colonização do ser-
da região Norte, com destaque para Palmas (TO),
tão nordestino. Faz pelo me nos 800 anos que a seca se
Macapá (AP), e Rio Branco (AC), localizadas em tornou um fenômeno cíclico na região. Desde o reinado de
áreas de grande expansão das atuais fronteiras agrí- D. Pedro II até o governo Itamar, surgiram muitos órgãos
colas do país. Em seguida, vêm as capitais nordesti- públicos de combate à seca, muito dinheiro foi derramado
na região e a rotina das pessoas que vivem ali não mudou.
nas e, finalmente, as do Sul do Brasil.

176 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


“Zé do Abel”, como é chamado José Mariano de Oliveira, ou do corte de cana-de-açúcar, por exemplo. Tal
é um exemplo dessa rotina. Dez anos atrás, ele escapou situação obriga os trabalhadores a migrar de ci-
da seca trabalhando como frentista num posto de gasolina dade em cidade atrás de serviço. A partir da déca-
em São Paulo. Refez o trajeto no ano passado, mas houve da de 80, nas regiões do país em que os sindicatos
uma diferença: não conseguiu trabalho no sul e está de
volta a Pernambuco. A vida, hoje, já não é tão fácil nas rurais se fortaleceram, esse movimento periódico
grandes cidades, não existem vagas de trabalho sobrando passou a ser programado com antecedência, de for-
e muita gente já pensa em resistir no Nordeste. ma a manter os boias-frias com ocupação ao longo
Epifânio Vieira da Silva, 41 anos, já sabe de cor as de todo o ano, em locais preestabelecidos.
curvas dos 3.100 quilômetros que separam Riacho dos
Cavalos, no Ceará, de Arujá, no interior de São Paulo.
Em novembro do ano passado, Epifânio percorreu o ca-
minho pela sexta vez. Pai de dez filhos, ele vendeu uma
Migração Urbana-Rural
bicicleta e um saco de feijão para comprar a passagem.
“Esperei até o ultimo minuto, mas percebi que se não NÍVEL DE DESEMPREGO
fosse, meus filhos morreriam de fome”, diz. Ele tem um
sobrinho e uma irmã que moram em Arujá. “Todo ano, Em 1980 Em 2000
quando ficam sabendo da seca, eles já me esperam por 1) Índia: 15,317 milhões 1) Índia: 41,344 milhões
lá”. No ano passado, antes de viajar, Epifânio plantou
quarenta “tarefas”, ou 14 hectares de feijão, e colheu dez 2) EUA: 7,637 milhões 2) Brasil: 11,454 milhões
sacos. Não deu pra nada. Em Arujá, trabalhando como 3) China: 5,415 milhões 3) Rússia: 7,395 milhões
ajudante de pedreiro, não consegui ganhar mais do que o 4) Itália: 1,684 milhão 4) China: 5,950 milhões
salário mínimo. Neste ano, com a ajuda da mulher, que
plantou 15 hectares antes da sua volta, ele acha que terá 5) Indonésia: 5,872
5) Rússia: 1,665 milhão
lucro. “Se continuar chovendo, vou poder colher muito milhões
feijão em junho.”(...) 6) Espanha: 1,620 milhão 6) EUA: 5,655 milhões
(Veja, 16 março 1994.) 7) Alemanha: 3,685
7) França: 1,451 milhão
milhões
8) Japão: 1,140 milhão 8) Japão: 3,2 milhões
Transumância 9) Brasil: 964,2 mil

A transumância é um movimento popula- Atualmente, nos estados de São Paulo e do


cional sazonal, ou seja, que ocorre em certos pe- Rio de Janeiro, é significativa a saída de população
ríodos do ano e que sempre repete. No Brasil, já é das metrópoles em direção às cidades médias do
considerada histórica a transumância da população interior. A causa desse movimento e que as me-
que mora no polígono das secas, na região Nordes- trópoles estão completamente inchadas, com pre-
te. Os órgãos públicos responsáveis pelo combate à cariedade no atendimento de praticamente todos
seca atendem prioritariamente aos interesses dos os serviços públicos, altos índices de desemprego
latifundiários, excluindo os despossuídos do aces- e criminalidade. Já as cidades do interior desses es-
so frequente a açudes e sistemas de irrigação. A tados, além de estar passando por um período de
consequência óbvia e previsível é que em março, crescimento econômico, oferecem melhor qualida-
quando pára de chover no Sertão, os pequenos e de de vida à população.
médios proprietários são obrigados a migrar para o
Desde a década de 30 até a década de 60,
Agreste ou para a Zona da Mata, em busca de uma
o governo brasileiro desenvolveu uma política de-
ocupação que lhes permita sobreviver ate dezem-
mográfica nitidamente populacionista.
bro, quando volta a chover no Sertão e eles retor-
nam às suas propriedades. A Constituição de 1934 foi a primeira a ex-
plicitar essa política populacionista. Ela atribuía
Também é comum a transumância pratica-
ao Estado a incumbência de socorrer as famílias de
da pelos boias-frias volantes, que não possuem re-
prole numerosa. A Constituição de 1937 avançou
sidência fixa. O trabalho volante é temporário, só
ainda mais, ao afirmar que “às famílias numerosas
ocorre durante o período do plantio, da colheita,
serão atribuídas compensações na proporção de

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 177


seus encargos”.
Em 1941, no governo Getúlio Vargas foi
criado um decreto-lei que obrigava as pessoas sol-
teiras ou viúvas, maiores de 25 anos, a pagar um
adicional de 1% sobre o imposto de renda devido.
Na Constituição de 1946, o artigo 164 asse-
gurava o amparo às famílias de prole numerosa. Os
pais que tivessem mais de 6 filhos tinham direito a
um abono especial.
A crescente necessidade de mão de obra
(numerosa e barata), para sustentar o desenvolvi-
mento indústrial, e a preocupação do governo em
povoar os vazios demográficos do interior do país
(Centro-Oeste e Amazônia) serviram de estímulo
permanente à política natalista ou populacionista.
Nos anos 60, foram criados o auxílio-natalidade
(1960) e o salário-família (1963)*.
• Auxílio-Natalidade: pagamento de um salá-
rio mínimo, aos pais, quando do nascimento
de um filho.
• Salário-Família: pagamento mensal de 5%
do salário mínimo local, para cada filho, até
os 14 anos de idade.
Foi essa política demográfica natalista que,
somada à situação de pobreza e ignorância da po-
pulação e ajudada pela redução das taxas de morta-
lidade, produziu a maior explosão demográfica do
mundo.
Esses dois benefícios continuam em vigor,
porém com seus valores originais alterados. No
caso, por exemplo, do salário-família: em 1995
quem ganhava até 249,80 reais por mês, recebia
6,66 reais de salário-família por filho; mas quem
ganhava mais de 249,80 reais ficava com 83 cen-
tavos por filho.

178 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Urbanização e Modernização
CAPÍTULO

12
Agrícola
O processo de urbanização no Brasil iníciou- Apesar das diferentes taxas regionais de ur-
-se em 1532 com a fundação da Vila de São Vicen- banização apresentadas na tabela abaixo, podemos
te, no litoral paulista. Salvador, a primeira cidade afirmar que o Brasil, hoje, é um país urbanizado.
brasileira, foi fundada em 1549. Com a saída de pessoas do campo em direção às ci-
dades, os índices de população urbana vêm aumen-
O primeiro surto de urbanização verificou-
tando sistematicamente em todo o país a ponto de
-se no século XVIII, com o ciclo da mineração. A
a região Norte, a menos urbanizada, apresentar o
atividade mineradora contribuiu para esse proces-
significativo índice de 59% de população urbana.
so por vários motivos: provocou a transferência
Desde os primórdios do processo de povoamento,
da capital da Colônia (de Salvador para o Rio de
as cidades se concentravam na faixa litorânea,
Janeiro – 1763) e o deslocamento do eixo produti-
mas, a partir da década de 60, passaram por um
vo do Nordeste açucareiro para o Sudeste aurífero,
processo de dispersão espacial, à medida que novas
originando inúmeras vilas e cidades (Vila Rica,
porções do território foram sendo apropriadas pelas
Mariana, São João del Rei, Diamantina, Cuiabá e
atividades agropecuárias.
outras) e promovendo a interiorização do cresci-
mento econômico do País.
BRASIL: TAXA D URBANIZAÇÃO POR REGIÕES (%)
Durante séculos, a urbanização brasilei-
1950 1970 1996
ra ocorreu em pontos isolados, como verdadeiras Região População População População
ilhas, tornando-se generalizada somente a partir do Urbana Urbana Urbana
século XX. Pode-se dizer que Salvador comandou a Sudeste 44,5 72,7 89,3
primeira rede urbana do país, mantendo sua prima- Sul 29,5 44,3 77,2
zia até meados do século XVIII, quando a capital
Nordeste 26,4 41,8 65,2
da colônia se transfere para a cidade do Rio de Ja-
Centro-
neiro. As relações entre o litoral e o interior eram 24,4 48,0 84,4
-Oeste
frágeis neste período. O povoamento e as riquezas
Norte 31,5 45,1 62,4
geradas pela agricultura e a mineração ensaiaram
Brasil 36,2 55,9 78,4
os primeiros passos rumo ao processo de urbaniza-
(Anuário Estatístico do Brasil, 1997)
ção.
Em fins do século XIX, o Brasil assiste ao Atualmente, em lugar da velha distinção
crescimento do fenômeno de urbanização do terri- entre população urbana e rural, usa-se a noção
tório. São Paulo, líder na produção cafeeira, inicia de população urbana e agrícola. É considerável o
a formação de uma rede de cidades, envolvendo os numero de pessoas que trabalham em atividades
estados do Rio Janeiro e de Minas Gerais. rurais e residem nas cidades. As greves dos traba-
lhadores boias-frias acontecem nas cidades, o lugar
Mas, será apenas em meados do século XX,
onde mora. São inúmeras as cidades que nasceram
quando ocorre a unificação dos meios de trans-
e cresceram em áreas do país que têm a agroindús-
porte e comunicação, que as condições se tornam
tria como mola propulsora das atividades econômi-
propícias para uma verdadeira integração do ter-
cas secundárias e terciárias.
ritório. Modificam-se substâncialmente os fluxos
econômicos e demográficos, conferindo um novo Em virtude da modernização do campo, ve-
valor aos lugares. rificada em diversas regiões agrícolas, assiste-se a
uma verdadeira expulsão dos pobres, que encon-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 179


tram nas grande cidades seu único refugio. Como culo passado e as primeiras décadas deste século.
as indústrias absorvem cada vez menos mão de obra Entretanto, nos países subdesenvolvidos, recente-
e o setor terciário apresenta um lado moderno, que mente indústrializados, como o Brasil, o ritmo do
exige qualificação profissional, e outro marginal, êxodo rural foi muito mais acelerado, transferindo,
que remunera mal e não garante estabilidade, a ur- no espaço de poucas décadas, a maioria da popula-
banização brasileira vem caminhando lado a lado ção para o meio urbano.
com o aumento da pobreza e a deterioração cres-
A década de 30 marca a industrialização no
cente das possibilidades de vida digna aos novos
Brasil. Com o governo Juscelino Kubitschek e a
cidadãos urbanos.
penetração maciça de investimentos internacio-
Os moradores da periferia, das favelas e dos nais, o processo indústrial é acelerado na década
cortiços têm acesso a serviços de infraestrutura pre- de 60. Forma-se um mercado nacional centralizado
cários (saneamento básico, hospitais, escola, siste- no Sudeste (particularmente em São Paulo), que
ma de transportes coletivos, etc.). exporta mercadorias indústriais para todo o país e
consome matérias-primas de todas as regiões. Essa
O espaço urbano, amplamente dominado
transição de uma economia agrário-exportadora
pelos agentes hegemônicos, que impõem investi-
para um modelo indústrial, fundamentado na
mentos direcionados para seus interesses particu-
emergência do mercado interno, é a responsável
lares, está organizado tendo em vista o trafego de
pelo êxodo rural, que continua em andamento.
veículos particulares, a informação, a energia e as
comunicações, relegando os investimentos sociais A expulsão dos trabalhadores rurais do cam-
e, assim, excluindo os pobres da modernização. O po resulta da maneira como foi implantada a eco-
espaço urbano, quando não oferece oportunidades, nomia urbana e indústrial no país. Uma série de
multiplica a pobreza. fatores explica a rapidez e a intensidade com que
o campo tem repelido os trabalhadores rurais em
direção aos centros urbanos.
Êxodo Rural
• Mecanização Agrícola: típica das áreas do
Como em todo o país o crescimento vege- Centro-Sul do país, onde o processo de ca-
tativo das cidades tem sido menor ou, no máximo, pitalização da agricultura é intenso. Nas dé-
igual ao das áreas rurais, então, a intensa urbaniza- cadas de 70 e 80, esse processo expandiu-se
ção tem outras explicações. A principal delas é o para áreas de cerrado de Mato Grosso do Sul,
êxodo rural. Goiás, Minas Gerais e Bahia, geralmente
Fenômeno migratório mundial, o êxodo associado ao aumento da produção de soja
rural é consequência, entre outros fatores, da im- para exportação e também nas regiões Norte
plantação de modernas relações capitalistas na e Nordeste.
produção agropecuária. Essas novas relações ten-
dem a subordinar a agricultura e o campo à cida-
de e à indústria. Liberando excedentes de mão de
obra, substituindo o trabalho humano pela máqui-
na, fornecendo insumos e matérias-primas para as
indústrias e consumindo mercadorias indústriais
(máquinas, adubos, pesticidas, implementos etc.),
o setor agrícola adapta-se a uma economia comple-
xa e diversificada, cujo centro situa-se nas cidades.
Nos países desenvolvidos, os acontecimen-
tos que ocasionaram a transferência da maioria da • Concentração Fundiária: fenômeno geral-
população para as cidades marcou a história do sé- mente paralelo ao crescimento da mecaniza-

180 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


ção das atividades agrícolas. No Brasil, vem emergência dos movimentos de ocupação. Seme-
se observando a ocorrência de ondas sucessi- lhante ao favelamento quanto à posse irregular dos
vas de concentração de latifúndios em áreas terrenos, a ocupação apresenta inúmeras diferen-
primitivamente ocupadas pela pequena pro- ças significativas. Enquanto o favelamento é um
priedade. É o que ocorre atualmente com o processo individual e a formação e consolidação de
norte do Paraná. Mato Grosso do Sul e o sul uma favela pode demorar anos, a ocupação é um
de Goiás – poucas décadas após o movimen- movimento coletivo, de caráter público e reivin-
to de ocupação dessas regiões por pequenos dicativo, reunindo dezenas ou centenas de famílias
proprietários. A concentração de latifúndios sem terra. Organizadas essas famílias ocupam ter-
tende a ocorrer em prazo ainda menor em renos ociosos e constroem, em mutirão, habitações
Rondônia, atual área de atração de minifun- provisórias.
distas, e em outras áreas de fronteira agrícola
O poder público, em geral, reage violen-
da Amazônia. Nesse processo de ocupação
tamente ao processos de ocupação, usando até a
dos espaços pioneiros, os pequenos proprie-
força policial para a expulsão dos ocupantes e
tários são desalojados pela grande proprieda-
consequente reafirmação das regras de proprieda-
de e empurrados para fronteiras mais distan-
de privada. Apesar disso, em todas as metrópoles
tes ou para os centros urbanos.
brasileiras, o processo de ocupação vem se intensi-
• Alterações das Relações de Trabalho na
ficando nos últimos anos. Só em São Paulo, segun-
Agricultura: introdução de formas capitalis-
do dados de 1987 divulgados pela revista Afinal,
tas de produção agrícola. Parceiros e meei-
havia mais de 32 mil famílias ocupantes instaladas
ros, pequenos rendeiros, colonos e morado-
em 222 áreas da cidade.
res das fazendas são rapidamente substituídos
por assalariados temporários (volantes ou A valorização e a verticalização das áreas
boias-frias), que residem nos centros urba- próximas ao núcleo urbano; juntamente com os
nos e trabalham sazonalmente nas épocas planos de remodelação e valorização das áreas cen-
de colheita ou plantio. Com a modernização trais degradadas, levam, ainda que lentamente, à
da agricultura no país, essa categoria de co- erradicação dessas habitações. Com a consequente
lheita ou plantio. Com a modernização da expulsão de seus moradores para a periferia, ocor-
agricultura no país, essa categoria cresceu re a expansão do mercado imobiliário de terrenos
muito. Foi promulgado, em 1962, o Estatuto populares.
do “Trabalhador Rural, estendendo aos tra- Os terrenos reservados para loteamentos pe-
balhadores do campo os direitos garantidos riféricos são postos à venda antes da chegada de
para os trabalhadores urbanos. Contradito- qualquer infraestrutura, em locais distantes dos
riamente, esse documento legal acabou por centros comerciais e de serviços. As habitações são
acelerar a expulsão dos moradores das fazen- construídas pelos próprios moradores sem qualquer
das, ao encarecer a mão de obra”. orientação técnica, apresentando, consequente-
mente, problemas de todos os tipos e até risco de
desabamento. Mesmo assim, as camadas de baixa
Conurbação e renda só conseguem adquirir esses loteamentos pe-
Metropolização riféricos em condições precárias e com crédito de
longo prazo.
Conurbação: é a junção (união) dos espaços
físicos de duas ou mais cidades. Exemplo: Goiânia Os loteamentos periféricos constituem, as-
e Aparecida de Goiânia. sim, atualmente, a forma típica de expansão da
moradia popular nas grandes metrópoles brasilei-
A metropolização acelerada gerou o esgota-
ras. Representam, além disso, para o capital priva-
mento das áreas tomadas por favelas e, a partir da
do, fonte de especulação imobiliária, já que atuam
década de 70, principalmente, tem-se observado a

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 181


numa faixa de consumo quase compulsório; para essa tendência de substituição do aluguel pela casa
morar na cidade, a condição prévia é tornar-se própria vem acontecendo devido, além da forma-
consumidor de solo urbano. ção dos loteamentos periféricos, à implantação de
conjuntos habitacionais.
Em se tratando das camadas de baixa renda,

Povoamento

Os primeiros séculos de ocupação do território brasileiro foram marcados pela presença de núcleos de povoamento dis-
persos nas áreas litorâneas. A partir do século XVI, no Recôncavo Baiano e na Zona da Mata nordestina, desenvolveu-se
a lavoura de cana-de-açúcar, que fomentou a formação de uma rede de cidades desarticuladas, tendo como ponto de união
Salvador, a primeira capital da colônia. O crescimento das exportações de açúcar provocou o deslocamento da pecuária para
o sertão nordestino, cujas boiadas vinham de muito longe para suprir as necessidades dos engenhos. Inúmeras famílias foram
trabalhar como parceiros ou agregados nas sedes das fazendas de gado, que acabaram originando as primeiras vilas e cidades
dessa região. Além de estimular o povoamento do sertão, a pecuária foi responsável pela difusão da agricultura de subsistên-
cia e pelo cultivo do algodão e do fumo. Mas este último foi cultivado, principalmente, no Recôncavo Baiano, servindo como
moeda para a compra de escravos vindos do continente africano.
As primeiras expedições, denominadas bandeiras, ampliaram os domínios portugueses, no século XVII, com o objetivo
de capturar índios e encontrar ouro e pedras preciosas. Essas expedições alcançaram a foz do rio Amazonas, onde foi fun-
dada, em 1616, a atual cidade de Belém do Pará. A descoberta de ouro e pedras preciosas, no século XVIII, nos atuais
estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Bahia, teve como consequência o aumento da população, além de estimular
a abertura de estradas e intensificar as relações com as áreas de criação de gado, que eram responsáveis pelo abastecimento
de carne e couro nas áreas mineradoras. Muitas cidades surgiram ligadas a essas atividades e outras ganharam maior impor-
tância com a intensificação do comércio, como as cidades portuárias.
O século XIX abre novas perspectivas de povoamento do território brasileiro. A abertura dos portos, em 1808, intensi-
fica o comércio com as nações europeias. No início desse século, cresce a procura pelo algodão nos mercados europeus, be-
neficiando a produção nordestina e sobretudo a maranhense, graças à maior proximidade com esse mercado. A prosperidade
dessa cultura será interrompida com o fim da guerra de independência norte-americana.
Outro produto que começa a ser valorizado na Europa, nesse século, é o café, que passa a ser largamente cultivado
no estado de São Paulo. A cafeicultura impulsiona a formação de um mercado assalariado e consumidor e propicia a acu-
mulação de capitais, dando origem ao desenvolvimento indústrial, especialmente do Centro-sul. Essa época é marcada,
ainda, pelo início da mecanização do território, com a instalação das ferrovias, dos telégrafos e das primeiras companhias de
navegação, que repercutiram no processo de urbanização do País. Por outro lado, os últimos decênios do século XIX foram
acompanhados pelo “boom” da exploração da borracha, na região amazônica, atraindo um grande número de migrantes
nordestinos, que fugiam da seca e das dificuldades econômicas. O sul da Bahia, nessa época, conheceu também um rápido
crescimento econômico, graças à produção de cacau, que atraiu migrantes do mesmo estado e de outras áreas nordestinas.
O pós-Segunda Guerra é um ponto de inflexão no povoamento do território brasileiro. As regiões Centro-oeste e Amazô-
nica são, paulatinamente, integradas ao conjunto da economia nacional. A construção de Brasília, inaugurada em 1960, é
um marco do processo de interiorização. As rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém facilitaram os fluxos migratórios
para a região Amazônica, onde projetos de colonização foram implantados ao longo das rodovias recém-construídas. Somado
a isso tivemos, nessa região, grandes projetos agropecuários e minerais, que levaram à expansão da rede urbana do País.

182 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Megalópole A Rede Urbana Brasileira
Apenas a partir da década de 40, juntamente
As Funções Urbanas com a industrialização e a instalação de rodovias,
Uma cidade, em geral, caracteriza-se pela ferrovias e novos portos integrando o território e
grande diversificação de suas atividades e servi- o mercado, é que se estruturou uma rede urbana
ços oferecidos. Entretanto, determinadas cidades em escala nacional. Ate então, o Brasil era for-
desenvolveram funções especializadas, nas quais mado por “arquipélagos regionais” polarizados por
fundamentam seu dinamismo econômico. Assim, suas metrópoles e capitais regionais. As ativida-
existem cidades cuja função principal é a indús- des econômicas, que impulsionam a urbanização,
trial, como é o caso de Cubatão, em São Paulo, ou desenvolviam-se de forma independente e esparsa
Volta Redonda, no Rio de Janeiro; outras apresen- pelo território. A integração econômica entre São
tam função portuária, como Santos, em São Pau- Paulo (região cafeeira), Zona da Mata nordestina
lo, Ilhéus, na Bahia, ou Paranaguá, no Paraná. A (cana-de-açúcar, cacau e tabaco), Meio-Norte (al-
função religiosa aparece em cidades como Apare- godão, pecuária e extrativismo vegetal) e região
cida do Norte, em São Paulo, e Pirapora, em Minas Sul (pecuária e policultura) era extremamente frá-
Gerais; enquanto Guarujá, em São Paulo, Foz do gil. Com a modernização da economia, primeiro as
Iguaçu, no Paraná, e Porto Seguro, na Bahia, são regiões Sul e Sudeste formaram um mercado único
cidades com função turística. Por sua vez, Resende, que, depois, incorporou o Nordeste e, mais recen-
no Rio de Janeiro e Anápolis, em Goiás, apresen- temente, também o Norte e o Centro-Oeste.
tam função militar; há ainda outras funções urba- Assim, até a década de 40, havia forte ten-
nas. dência à concentração urbana em escala regional,
que deu origem a importantes pólos. Estes concen-
A Questão da Moradia travam os índices de crescimento urbano e eco-
nômico e detinham o poder político em grandes
(Questão da Cidadania) frações do território. É o caso de Belém, Fortaleza,
Leia o texto abaixo, extraído do jornal Fo- Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio
lha de S. Paulo, de autoria do jornalista Dermi de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, todas capitais
Azevedo. de estados e, posteriormente, reconhecidas como
metrópole. As metrópoles abrigavam, em 1950,
aproximadamente 18% da população d país: em
A ocupação de terras urbanas ociosas, na Grande São
Paulo, torna-se um processo cada vez mais organizado, 1970, cerca de 25%; e, em 1991, mais de 30%.
em termos políticos embora as ocupações espontâneas
A partir da década de 40, à medida que a
ainda representem cerca de 90% de todos os casos.
infraestrutura de transportes e comunicações foi se
Esta avaliação é feita por militantes da União dos
expandindo pelo país, o mercado se unificou e a
Movimentos de Luta pela Moradia da Grande São Paulo,
da Pastoral da Moradia da Arquidiocese paulistana e da tendência à concentração urbano-indústrial ultra-
Articulação Nacional do Solo Urbano, secção paulista. passou a escala regional, atingindo o país como um
Um dos indícios dessa nova fase nas ocupações é a não- todo. Assim, os grandes pólos indústriais da região
divisão de lotes individuais, em áreas ocupadas, para não
fragmentar a luta unificada pela terra.
Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Ja-
neiro, passaram a atrair um enorme contingente de
Nem a Igreja, nem as entidades que representam os
sem-terra, aceitam o termo “invasores” para designar os
mão de obra das regiões que não acompanharam
que ocupam terras urbanas. Afirmam que “invasores” seu ritmo de crescimento econômico e se tornaram
são os que invadem terras para promoverem a especulação metrópoles nacionais. Essas duas cidades por não
urbana, enquanto os “ocupantes” são famílias coagidas atenderem às necessidades de investimento em
pelos altos preços dos aluguéis.
infraestrutura urbana, tornaram-se centros caóti-
cos. Após a Revolução de 1930, que levou Getúlio

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 183


Vargas ao poder, até meados da década de 70, o go- bens e serviços que desejam adquirir. Na outra ex-
verno federal concentrou investimentos de infra- tremidade, há os que nem podem levar ao mercado o que
estrutura indústrial (produção de energia e implan- produzem, que desconhecem o destino que vai ter o resul-
tação de sistema de transportes) na região Sudeste, tado do seu próprio trabalho, os que, pobres de recursos,
são prisioneiros do lugar, isto é, dos preços.
que, em consequência, se tornou o grande centro
de atração populacional do país. Os migrantes que E das carências locais. Para estes, a rede urbana é
uma realidade onírica, pertencente ao domínio do sonho
a região recebeu eram, em sua esmagadora maio- insatisfeito, embora também seja uma realidade objetiva.
ria, constituídos por trabalhadores desqualificados
Para muitos, a rede urbana existente e a rede de ser-
e mal remunerados, que foram se concentrando na viços correspondente são apenas reais para os outros. Por
periferia das grandes cidades, em locais totalmente isso são cidadãos diminuídos, incompletos.
desprovidos de infraestrutura urbana. As condições existentes nesta ou naquela região deter-
Com o passar dos anos, a periferia se expan- minam essa desigualdade no valor de cada pessoa, tais dis-
torções contribuindo para que o homem passe literalmente
diu demais e a precariedade do sistema de trans- a valer em função do lugar onde vive. Essas distorções
portes urbanos levou a população de baixa renda a devem ser corrigidas, em nome da cidadania.
preferir morar em favelas e cortiços no centro das (SANTOS, Milton. O espaço do cidadão.)
metrópoles. Atualmente, 65% dos habitantes da
Grande São Paulo e Grande Rio de Janeiro moram
em cortiços, favelas, loteamentos clandestinos ou As Metrópoles Brasileiras
imóveis irregulares.
As regiões metropolitanas brasileiras foram
A partir de então, durante as décadas de 70 criadas por lei aprovada no Congresso Nacional
e 80, essas duas metrópoles passaram a apresentar em 1973, que as definiu como “um conjunto de
índices de crescimento populacional inferiores à municípios contíguos e integrados socioeconomi-
média brasileira. Em todas as metrópoles regionais, camente a uma cidade central, com serviços pú-
exceto Recife, foram verificados índices superiores blicos e infraestrutura comum”, que deveriam ser
a essa mesma média. No centro-sul do país, as ci- reconhecidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
dades estão plenamente conectadas, o que intensi- Geografia e Estatística, um órgão ligado ao gover-
fica a troca de mercadorias, informações e ordens no federal. A Constituição de 1988 estadualizou a
entre a população e os agentes econômicos. Já nas prerrogativa de reconhecimento legal das metró-
regiões mais atrasadas, a conexão entre as cidades é poles (Art. 25§ 3o )):
esparsa e a relação de trocas é incipiente.
Os Estados poderão, mediante lei comple-
A rede urbana interfere no cotidiano dos mentar, instituir regiões metropolitanas, aglome-
cidadãos de forma diferente, segundo as classes so- rações urbanas e microrregiões, constituídas por
ciais, conforme podemos constatar a partir da lei- agrupamentos de municípios limítrofes, para inte-
tura do texto a seguir. grar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum.
Para Quem é Real a Rede Urbana?
Na grande cidade, há cidadãos de diversas ordens ou Metropolização
classes, desde o que, farto de recursos, pode utilizar a me-
trópole toda, até o que, por falta de maior, somente a Com a industrialização, a mecanização da agricultura
utiliza parcialmente, como se fosse uma pequena cidade, e o êxodo rural, algumas cidades brasileiras passaram a
uma cidade local. acolher enormes contingentes populacionais em busca de
emprego e acesso a serviços diversos. Até 1960, somente
A rede urbana, o sistema de cidades, também tem as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro tinham mais de
significados diversos segundo a posição financeira do indi- 1 milhão de habitantes e poderiam ser consideradas me-
viduo. Há, num extremo, os que podem utilizar todos os trópoles. A polarização de funções indústriais e adminis-
recursos aí presentes, seja porque são atingidos pelos flu- trativas, respectivamente, nestes dois centros urbanos,
xos em que, tornados fluxos, podem sair à busca daqueles atraíram grande parte do fluxo migratório nacional dos

184 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


anos 50 e 60. melhores hospitais, etc. As outras onze metrópoles
– Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
Na década de 70, o crescimento de grandes cidades
ocorre em todas as regiões do País, caracterizando o pro- Fortaleza, Curitiba, Belém, Baixada Santista, Vitó-
cesso de metropolização no Brasil. Em 1973 foram cria- ria, São Luis e Natal – são consideradas regionais,
das oficialmente nove regiões metropolitanas, ao redor das por exercerem seu poder de polarização apenas em
cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza, escala regional.
Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curi-
tiba. Apesar de apenas treze regiões metropolita-
Entre 1950 e 1980, a participação das atuais regiões nas serem reconhecidas por lei, há outros conjuntos
metropolitanas no total da população brasileira saltou de de cidades no Brasil aguardando reconhecimento
17,95% para 28,93%, índice que se manteve pratica- legal, dentre os quais a Grande Florianópolis e a
mente inalterado no início da década de 90. Além das
regiões mencionadas acima, existem cidades que polari- Grande Goiânia. A Baixada Santista e a região de
zam grandes parcelas do contingente populacional urbano Campinas, que, juntamente com o vale do Paraíba,
e que, na prática, se caracterizam como regiões metropo- formam a primeira megalópole brasileira entre São
litanas. São as chamadas cidades milionárias, como Bra-
Paulo e Rio de Janeiro, agrupam um conjunto de
sília, Goiânia, Manaus, Santos e Campinas.
municípios que não possuem administração con-
À medida que as cidades vão se expandin- junta. Brasília e seu conjunto de treze cidades-sa-
do horizontalmente, ocorre a conurbação, ou seja, télites são administrados pelo governo do Distrito
elas se tornam continuas, plenamente integradas, e Federal. Em 1998, foi aprovado pelo Senado pro-
os problemas de infraestrutura urbana são comuns jeto autorizando a Presidência da República a ins-
ao conjunto de municípios da metrópole. A par- tituir a Região Integrada de Desenvolvimento do
tir dessa constatação, foram criados os conselhos Entorno (RIDE). Ela será composta pelo Distrito
deliberativos (nomeado pelo governo do estado) e Federal e mais 21 municípios, sendo 19 de Goiás e
consultivo (formado por representantes dos muni- dois de Minas Gerais. A Secretaria do Entorno do
cípios que formam a metrópole) para administrar Distrito Federal é responsável pela política de pla-
esses problemas comuns a um conjunto de cidades. nejamento integrado de 42 municípios. Manaus,
Trata-se de uma esfera administrativa acima do apesar de ter superado a cifra de um milhão de ha-
poder municipal, que geralmente recebe o nome bitantes e exercer enorme poder de polarização em
de Secretaria de Estado dos Negócios Metropoli- uma vasta área da Amazônia, não possui nenhum
tanos. Na pratica, acaba tomando decisões admi- município a ela conurbado e pode, portanto, ser
nistrativas em função de determinações políticas administrada apenas pelo poder municipal.
e sob ordens do governador do estado, deixando as
determinações técnicas em ultimo plano. Essa dis-
sociação entre decisões políticas e técnicas expli-
ca, em parte a deterioração urbana por que passam
todas as nossas metrópoles. O que mais interessa
as os dividendos políticos, a curto e médio prazo,
da ação governamental (votos), e não as reais ne-
cessidades de investimento, que podem trazer esses
dividendos em longo prazo, como por exemplo, em
educação publica gratuita e de boa qualidade.
No Brasil, são legalmente reconhecidas tre-
ze regiões metropolitanas. Duas delas – São Paulo
e Rio de Janeiro – são nacionais, por polarizarem o
país inteiro. É nelas que se encontram as sedes dos
grandes bancos e indústrias do país, os centros de
pesquisa mais avançados, as bolsas de valores, os

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 185


BRASIL: REGIÕES METROPOLITANAS
Regiões Metropolitanas Populaão Residente (1996) População da Cidade Principal
Grande São Paulo – 39 municípios 16.583.234 9.839.436
Grande Rio de Janeiro – 19 municípios 10.192.097 5.551.538
Grande Belo Horizonte – 24 municí-
3.803.249 2.091.448
pios
Grande Porto Alegre – 23 municípios 2.246.869 1.288.879
Grande Recife – 14 municípios 3.087.967 1.346.045
Grande Salvador – 10 municípios 2.709.084 2.211.539
Grande Fortaleza – 9 municípios 2.582.820 1.965.513
Grande Curitiba – 24 municípios 2.425.361 1.476.253
Grande Belém – 5 municípios 1.485.569 1.144.312
Baixada Santista – 9 municípios 1.309.263 412.243
Grande Vitória – 5 municípios 1.182.354 265.874
Grande São Luis – 4 municípios 940.711 780.833
Grande Natal – 6 municípios 921.491 656.037
(Anuário estatístico do Brasil 1997/ Contagem da população 1996.)

Características da so provocou certa dispersão das cidades.

Urbanização Brasileira no Políticas espaciais explícitas e vultosos in-


vestimentos deram respaldo à urbanização como
Século XX estratégia do desenvolvimento do território. Um
O processo de urbanização no Brasil ganhou aspecto da questão urbana pode ser remetido a essa
intensidade a partir da década de 1950, devido à proposta de construir um Brasil urbano. Além da
industrialização e à modernização das atividades implantação de hidrelétricas, portos, aeroportos,
agrárias. Em 1940, apenas 31% dos brasileiros vi- dutos e canais e de grandes projetos indústriais,
viam em cidades, contra 69% no meio rural. Em apoiados em financiamento externo, a expansão
1980, a situação inverteu-se: 67,5% estavam vi- da rede de energia, de estradas e de comunicações
vendo em cidades, e apenas 32,5% na área rural. foi um meio de eliminar barreiras à circulação do
capital, que teve, então, um expoente na indús-
Desde o início do processo de colonização,
tria automobilística.” (DAVIDOVICH, Fany. A
as cidades concentraram-se na faixa litorânea. A
questão urbana. In: IBGE. Atlas nacional do Brasil
quase totalidade das cidades brasileiras são espon-
2000, p. 147)
tâneas, porque surgiram naturalmente de pequenos
núcleos ou povoados. Existem também as cidades Segundo o IBGE, o percentual de popula-
planejadas, como Belo Horizonte, Brasília, Goiâ- ção urbana elevou-se para 81,2, bem próximo dos
nia, Boa Vista e Palmas. porcentuais encontrados em países desenvolvidos:
137,6 milhões de pessoas viviam em áreas urbanas
“A partir dos anos 1960, o poder público
no Brasil em 2000.
passou a intervir decisivamente na organização do
espaço brasileiro. O projeto desenvolvimentista ti- As três capitais mais populosas do Brasil são:
nha como objetivos, além da integração nacional, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Em 2000,
a modernização do território e o desenvolvimento essas cidades concentravam 46,3% da população
da economia capitalista. Para tanto, era necessário total residente nos municípios das capitais brasi-
expandir a indústria e construir uma sociedade de leiras.
consumo predominantemente urbana. Esse proces-

186 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Curiosidade O Espaço Urbano: Problemas
O censo 2000 mostra que São Paulo é o mu- e Reforma
nicípio mais populoso do país, com 10,4 milhões
De um lado, há a cidade formal, na maior
de habitantes. O menos populoso é Borá, no inte-
parte das vezes bem planejada, com bairros ricos,
rior paulista, com apenas 795 habitantes.
ruas arborizadas, avenidas largas, privilegiada por
equipamentos e serviços. Contrasta, de outro lado,
Urbanização e com a cidade informal, composta pela periferia po-
bre, pelos subúrbios, pelas favelas, com ruas estrei-
Metropolização no Brasil tas, sem planejamento, pela ocupação desordenada
As metrópoles são as maiores e mais bem e sem infraestrutura adequada.
equipadas cidades de um país. Na cidade informal ou “oculta”, concen-
No Brasil, desenvolveu-se uma urbanização tram-se os problemas urbanos, e sua população
concentradora, isto é, que forma grandes cidades engrossa as estatísticas dos desempregados, dos
e metrópoles. Em 1950, só existiam duas cidades subempregados, da violência. A cidade formal,
com população acima de 1 milhão de habitantes: preocupada com a violência, cerca-se de muros,
Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2000, ambas apre- guaritas, equipamentos de segurança (alarme, in-
sentam mais de 5 milhões de habitantes, e 13 mu- terfones, câmeras), acentuando a segregação espa-
nicípios passaram a contar com população urbana cial.
superior a 1 milhão de habitantes.
Em 1950, São Paulo não se incluía entre Desafios da Urbanização
as 20 cidades mais populosas do mundo. No ano
2015, segundo estimativas da ONU, a região me- A grande maioria da população brasileira -
tropolitana de São Paulo, com 20,3 milhões de ha- 79,7% dos habitantes - reside nas áreas urbanas,
bitantes, será a quarta maior aglomeração urbana de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra
no mundo, antecedida por Tóquio, no Japão (28,9 de Domicílio (Pnad) de 1999, do IBGE. As regi-
milhões), Bombaim, na Índia (26,3 milhões) e La- ões Sudeste, Sul e Nordeste apresentam o maior
gos, na Nigéria (24,6 milhões). Ela é a metrópole índice, com 88,7%, 78,4% e 63,6% de moradores
que melhor reflete o caráter concentrador da urba- urbanos, respectivamente. As cidades de São Pau-
nização no País. lo (10 milhões de habitantes), Rio de Janeiro (5,6
milhões), Salvador (2,3 milhões) e Belo Horizonte
O censo de 2000 mostrou que a população e Fortaleza (ambas com 2,1 milhões) continuam
brasileira ainda se concentra nas grandes cidades sendo os municípios brasileiros mais populosos.
e nas metrópoles. Em 1970, as regiões metropoli-
tanas reuniam 24,3 milhões de pessoas; em 2000, O processo de urbanização no Brasil começa
passaram a contar com 67,8 milhões de pessoas, ou na década de 40. A expansão das atividades indús-
seja, esta população quase que triplicou em três dé- triais em grandes centros atrai trabalhadores das
cadas, representando 40,0% do total do País. áreas rurais, que veem na cidade a possibilidade de
rendimentos maiores e melhores recursos nas áreas
No entanto a população das capitais estadu- de educação e saúde. O censo de 1940, o primeiro
ais vem crescendo mais lentamente do que a do a dividir a população brasileira em rural e urbana,
País. Este é um dado recente e importante, porque registra que 31,1% dos habitantes estavam nas ci-
as grandes cidades ficam um pouco mais aliviadas dades.
dos problemas gerados pelo excesso de população.
O Brasil deixa de ser um país essencialmente
agrícola no final da década de 60, quando a popu-
lação urbana chega a 55,92%. Para essa mudança

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 187


contribui a mecanização das atividades de plantio de 12,1 milhões de habitantes, o que resulta na
e colheita no campo - que expulsa enormes contin- elevada taxa de urbanização de 78,36%. O ano de
gentes de trabalhadores rurais - , e a atração exer- 1996 é um marco da superioridade numérica da po-
cida pelas cidades como lugares que oferecem me- pulação urbana em todos os estados brasileiros. O
lhores condições de vida, com mais acesso a saúde, último a fazer a transição é o Maranhão, que até
educação e empregos. 1991 apresentava a maior parte da população em
áreas rurais.
Nos anos 70, a população urbana soma 52
milhões contra 41 milhões de moradores nas áre- SÃO PAULO
as rurais. As grandes cidades, por concentrarem o Avenida Paulista, Anos 10
maior número de fábricas, são as que mais atraem
os trabalhadores vindos do campo. Nesse período,
a capital de São Paulo recebe aproximadamente 3
milhões de migrantes de diversos estados. A região
Sudeste destaca-se como a mais urbanizada. Entre
1970 e 1980, a expansão urbana mantém-se em ní-
veis elevados (4,44% ao ano), e no final da década
67,6% dos brasileiros já residem em centros urba-
nos. Em 1980, todas as regiões brasileiras têm nas
cidades a maioria de seus habitantes.
SÃO PAULO
Rua 15 de Novembro, Anos 10
No começo do século, a avenida Paulista é a mais ele-
gante área residencial dacidade de São Paulo. Em seus casarões,
verdadeiros palacetes, residem oschamados barões do café, ricos
fazendeiros de famílias tradicionais paulistas que fizeram fortuna
no século XIX.
Foto: Guilherme Gaensly/Arquivo do Estado

Na mesma década de 90, porém, o surgi-


mento de novos postos de serviço desvinculados da
agricultura nas áreas rurais tende a diminuir o êxo-
do do campo. Hoje, prestação de serviços, cons-
trução civil, comércio e área social são setores em
crescimento nas áreas rurais e já chegam a garantir
rendimentos mensais maiores que os da cidade.
O rápido crescimento do estado de São Paulo no início
do século XX faz com que a rua 15 de Novembro se torne o A maioria dos migrantes não tem escolari-
centro financeiro da capital paulista. A burguesia cafeeira di- dade nem experiência profissional, o que faz com
versifica suas atividades, investindo no setor financeiro e na
indústria, e os imigrantes impulsionam o desenvolvimento. Em que aceitem empregos mal remunerados e se su-
1910, o Grupo Matarazzo,exemplo do poder do estado, é o jeitem a trabalhos temporários ou atividades in-
maior complexo indústrial da América do Sul. formais para sobreviver, como as de camelôs ou
Foto: Guilherme Gaensly/Arquivo do Estado vendedores ambulantes. Os baixos rendimentos
levam esse trabalhador para a periferia das grandes
O processo de urbanização diminui nos anos
cidades - com frequência, loteada por favelas e mo-
posteriores, mas as áreas rurais passam a registrar
radias irregulares e, por isso, mais baratas. Muitas
crescimento negativo pela primeira vez, por causa
dessas residências, feitas de modo precário e com
da redução de sua população em números absolu-
materiais frágeis, são erguidas próximas a margens
tos. Entre 1991 e 1996, as cidades ganham cerca
de córregos, charcos ou terrenos íngremes, e en-

188 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


frentam o risco de enchentes e desmoronamento
em estações chuvosas.
A distância das áreas centrais dificulta o
acesso dessa população aos serviços de saúde e à
educação, e as periferias atendem precariamente
a suas necessidades básicas de abastecimento de
água, luz, esgoto e transportes públicos. Levanta-
mento da Fundação Instituto de Pesquisas Eco-
nômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo, de
1993, revela que 71,1% dos domicílios em favelas
da cidade de São Paulo depositam seus dejetos ao
ar livre ou canalizam-nos para córregos ou represas
próximas. Faltam creches para os filhos das mulhe-
res que trabalham, a alimentação insuficiente ou
de má qualidade contribui para o surgimento de
doenças e desnutrição infantil e as poucas opções
de lazer para os adolescentes favorecem a eclosão
da violência .
Nas últimas décadas, o movimento em di-
reção às áreas periféricas é significativo nas regi-
ões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte e Salvador e pode ser observado
na dimensão da população de suas áreas metropo-
litanas, que prosperam a taxas médias de 2,4% ao
ano. Hoje, de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador
são as metrópoles que mais enfrentam esse tipo de
problema.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 189


Política de Transportes e
CAPÍTULO

13
Comunicação
Até a década de 1950, a economia brasileira Transporte Ferroviário
se fundava na exportação de produtos primários,
e com isso o sistema de transportes limitou-se aos O setor ferroviário se desenvolveu de for-
transportes fluvial e ferroviário. Com a aceleração ma acelerada de 1854, quando foi inaugurada a
do processo indústrial na segunda metade do século primeira estrada de ferro, até 1920. A década de
XX, a política para o setor concentrou os recursos 1940 marcou o começo do processo de estagnação,
no setor rodoviário, com prejuízo para as ferrovias, que se acentuou com a ênfase do poder central na
especialmente na área da indústria pesada e extra- malha rodoviária. Diversas ferrovias e ramais co-
ção mineral. Como resultado, o setor rodoviário, o meçaram a ser desativados e a rede ferroviária, que
mais caro depois do aéreo, movimentava no final em 1960 tinha 38.287km, reduziu-se a 26.659km
do século mais de sessenta por cento das cargas. em 1980. A crise do petróleo na década de 1970
mostrou a necessidade da correção da política de
transportes, mas dificuldades financeiras impedi-
Transporte Terrestre ram a adoção de medidas eficazes para recuperar,
modernizar e manter a rede ferroviária nacional,
As primeiras medidas concretas para a for-
que entrou em processo acelerado de degradação.
mação de um sistema de transportes no Brasil só
foram estabelecidas em 1934. Desde a criação da Na década de 1980, a administração pública
primeira estrada de ferro até 1946 os esquemas viá- tentou criar um sistema ferroviário capaz de subs-
rios de âmbito nacional foram montados tendo por tituir o rodoviário no transporte de cargas pesadas.
base as ferrovias, complementados pelas vias flu- Uma das iniciativas de sucesso foi a construção
viais e a malha rodoviária. Esses conceitos come- da Estrada de Ferro Carajás, inaugurada em 1985,
çaram a ser modificados a partir de então, especial- com 890km de extensão, que liga a província mi-
mente pela profunda mudança que se operou na neral de Carajás, no sul do Pará, ao porto de São
economia brasileira, e a ênfase passou para o setor Luís MA. O volume de investimentos, porém, fi-
rodoviário. A crise econômica da década de 1980 cou muito aquém das necessidades do setor num
e uma nova orientação política tiveram como con- país das dimensões continentais do Brasil.
sequência uma queda expressiva na destinação de
verbas públicas para os transportes.

190 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


PRINCIPAIS FERROVIAS

(Ministério dos Transportes – Governo Federal)

As ferrovias brasileiras, que começaram a As linhas de passageiros limitam-se aos subúrbios


ser construídas em meados do século XIX, possuem dos grandes centros urbanos.
30.223 quilômetros de linhas de tráfego. A maioria
A maior parte dos trens é movida a diesel e
pertencia à Rede Ferroviária Federal S. A. (22.069
apenas 1.916 quilômetros de linhas são eletrifica-
quilômetros), a segunda maior expansão pertencia
das. Dos mais de 30 mil quilômetros de ferrovias
ao Estado de São Paulo. A partir de 1996 as fer-
brasileiras, 24.700 foram construídos em bitola de
rovias começaram a ser privatizadas, tendo o pro-
1,00 metro. Para os restantes 5.290 quilômetros
cesso sido praticamente concluído em 1997. Falta
predomina a bitola de 1,60 metro. Essa diferença
apenas privatizar a ferrovia Norte-Sul, que ligará
não impede, mas dificulta o tráfego integrado entre
a região Norte ao Centro do País. A sua passagem
os diferentes trechos ferroviários.
para a iniciativa privada está prevista para este ano.
No conjunto do transporte no País, é signi-
Quase metade da malha ferroviária do País
ficativa a quantidade de carga transportada pelas
- 14.500 quilômetros - concentra-se em três esta-
ferrovias. Em 1994, elas transportaram 256,368
dos: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
milhões de toneladas. As ferrovias da Companhia
Operam predominantemente no transporte de car-
Vale do Rio Doce foram responsáveis por pouco
gas. O transporte de passageiros, em longos percur-
mais da metade deste total. A principal mercado-
sos em ferrovias, praticamente inexiste no Brasil.
ria transportada é o minério de ferro - 150 milhões

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 191


de toneladas -, seguida por derivados de petróleo, ção da indústria automobilística, na segunda me-
grãos e produtos siderúrgicos. tade da década de 1950, a aceleração do processo
de industrialização e a mudança da capital federal
Em que pese a enorme heterogeneidade do
para Brasília. A partir daí a rede rodoviária se am-
sistema ferroviário brasileiro, com ferrovias moder-
pliou de forma notável e se tornou a principal via
nas e produtivas convivendo ao lado de outras de-
de escoamento de carga e passageiros.
ficitárias, o sistema registra bom desempenho, com
elevados índices de produtividade, quando compa- Na década de 1980, o crescimento acelerado
rado ao dos países com economias semelhantes à deu lugar à estagnação. A perda de receitas, com a
nossa. extinção, em 1988, do imposto sobre lubrificantes
e combustíveis líquidos e do imposto sobre serviços
Depois de anos de letargia, o País começa
de transporte rodoviário, impediu a ampliação da
a pensar novamente em estradas de ferro. A ex-
rede e sua manutenção. Como resultado, em fins
pectativa é de que os próximos anos registrarão
do século XX a precária rede rodoviária respondia
intensa atividade no setor ferroviário, colocando-
por 65% do transporte de cargas e 92% do de pas-
-o numa posição de destaque entre os transportes
sageiros.
brasileiros.
Este é o principal sistema de transporte no
O Brasil dispõe de apenas 28.168 km de ma-
Brasil. Por ele passam 56% das cargas movimen-
lha ferroviária (1998). A própria Argentina - bem
tadas no País, contra 21% por ferrovia e 18% por
menor que o Brasil -, possui mais de 35.000 km
hidrovia. A predominância deste tipo de transpor-
de ferrovias e os Estados Unidos, mais de 170 mil.
te deve-se à legislação, que dificulta o uso da nave-
Cerca de 35% de nossas ferrovias operam há mais
gação; à falta de investimentos nas ferrovias e nas
de 60 anos. Em 1998 foram transportados cerca
hidrovias; à fragilidade da administração pública,
de 353 milhões de toneladas de cargas (19,9% do
muito presente nas duas últimas modalidades e au-
total do país). Foram conduzidos também 393 mi-
sente na rodoviária.
lhões de pessoas se considerados o transporte de
interior e o de subúrbio. Da receita do setor, cerca Além desses fatores, até meados da década
de 96% vêm do movimento de carga. de 50 eram bastante incipientes os sistemas brasi-
leiros de transportes, como também o era a econo-
A falta de investimentos e a baixa demanda
mia nacional. O PIB não chegava a US$ 30 bilhões
por vagões e locomotivas, fazem com que a indús-
e as exportações se limitavam praticamente ao
tria ferroviária esteja com sua produção pratica-
café. A partir daquele período o desenvolvimento
mente parada desde 1991. A principal operadora
acentuou-se, foi implantada a indústria automobi-
da malha ferroviária é a Rede Ferroviária Federal
lística, a pauta de exportações diversificou-se, com
S.A. - RFFSA.
predominância crescente para os manufaturados, e
Existem alguns casos isolados de operação de lá para cá o PIB cresceu 30 vezes, estimulando,
de ferrovias pela iniciativa privada, quase sempre também, a expansão da malha de transportes.
para atendimento de suas próprias necessidades e
A rede rodoviária nacional possui uma ex-
em malhas férreas próprias na maioria dos casos.
tensão total de 1.355 mil quilômetros, dos quais
140 mil pavimentados. No momento, com mais de
Transporte Rodoviário 30% do total bastante danificado pela falta de con-
servação, a prioridade para o setor é deixar grande
As primeiras rodovias brasileiras datam do parte da rede em boas condições de tráfego. Outra
século XIX, mas a ampliação da malha rodoviá- ênfase é duplicar rodovias importantes, como a Ré-
ria ocorreu no governo Vargas, com a criação do gis Bittencourt, que liga o estado de São Paulo ao
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem Sul do País, estendendo-se até o estado do Ceará,
(DNER) em 1937 e, mais tarde, com a implanta- no Nordeste, e a Rodovia Fernão Dias, que liga as

192 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


cidades de São Paulo e Belo Horizonte (Minas Ge- 13,8 anos. A cidade brasileira com o maior número
rais). bruto de veículos, é São Paulo (quase 9 milhões),
entretanto a maior média per capita é da capital
Apesar do alto custo e das deficiências das
federal, Brasília.
estradas, é o principal meio de transporte do país.
Em 1998 havia haviam 1,7 milhões de quilômetros O transporte urbano é inadequado em quase
de estradas, sendo que apenas 161 mil deles eram todas as cidades brasileiras, havendo uma verda-
asfaltados (aproximadamente 9,5%), segundo in- deira “guerra” com os perueiros e outros veículos
formações do Departamento Nacional de Estradas que fazem o chamado transporte informal, concor-
de Rodagem (DNER). De acordo com a 4ª Pesqui- rendo com o transporte público e o privado. As ex-
sa Rodoviária Nacional, realizada pela CNT em ceções são Curitiba e Porto Alegre. Nas cidades de
1999, o estado geral de conservação, pavimentação médio porte (acima de 300 mil habitantes), cerca
e sinalização das rodovias federais foi considerado de 71% tem transporte clandestino. Os veículos
deficiente em 72,8% da área analisada. Foram con- mais utilizados são vans e peruas, mas observa-se
siderados 38.188 km de estradas federais pavimen- por todo o país uma expansão da utilização de au-
tadas (74,3% do total) e 4.627 km de rodovias es- tomóveis particulares, que captam passageiros nos
taduais. Além disso, as rodovias apresentam falhas pontos de ônibus. Isto deve-se também à dificulda-
estruturais, como o predomínio de pistas simples de financeira que tem exercido uma pressão cada
em regiões de topografia acidentada, dentre outras. vez maior sobre as classes média e baixa.
Com a transferência das rodovias para o se-
tor privado, cresce o número de pedágios e o valor Transporte Hidroviário
das tarifas. Nos últimos quatro anos, no Estado de
São Paulo, as viagens para o interior e outros esta- As hidrovias, uma alternativa sempre lem-
dos que se utilizam de rodovias estaduais e federais brada dadas as condições privilegiadas da rede
teve um aumento do custo para os usuários em tor- fluvial nacional, pouco se desenvolveram. A na-
no de 45%. Entretanto, por outro lado, as condi- vegação fluvial nunca foi bem aproveitada para o
ções de segurança, sinalização e estado do piso são transporte de cargas. Em 1994, a malha hidroviária
realmente bem superiores à média nacional e de participava com apenas 1% do transporte de car-
outras rodovias que não dispõem do sistema de pe- gas.
dágios, visto que os valores ali arrecadados são para As hidrovias, na década de 1990, ainda
manutenção da sua própria malha viária. eram os rios das principais bacias brasileiras, em
Outro grande problema das rodovias brasi- que a ação humana corretiva foi limitada. Den-
leiras, tem sido o roubo de cargas (US$ 32 milhões tre essas vias destacavam-se a bacia amazônica, da
anuais, em média, segundo a CNT). As cargas qual dependiam de forma quase absoluta as popula-
mais visadas, são pela ordem: produtos têxteis e ções esparsas da região Norte; a bacia do Paraguai,
confecções (15,7%), alimentícios (12%), eletroe- via de escoamento de parte da produção mineral e
letrônicos (10,6%) e de higiene e limpeza (7,1%). agropecuária da região Centro-Oeste; e a bacia do
Cerca de 97,2% de toda carga roubada no país, São Francisco, que atendia as populações ribeiri-
concentra-se no Rio de Janeiro (63,6%) e São nhas dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernam-
Paulo (33,6%), principalmente nas rodovias Pre- buco, Alagoas e Sergipe. No Rio Grande do Sul
sidente Dutra, Régis Bittencourt, Fernão Dias e localiza-se a a principal via de transporte fluvial e
Transbrasiliana. lacustre do país, formada pelos rios Taquari e Jacuí,
ligados às lagoas Patos e Mirim pelo canal de São
A frota nacional de veículos é superior a 33
Gonçalo.
milhões de veículos (2001). A maioria dos veícu-
los tem mais de 14 anos de uso (52,5%), a média O único projeto de hidrovia em andamento
dos ônibus é de 12,5 anos e dos caminhões é de na metade da década de 1990 era a Tietê-Paraná,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 193


no estado de São Paulo. Em trabalho conjunto, os ser associada às placas que são colocadas às mar-
governos estadual e federal realizaram obras de cor- gens das rodovias e que são conhecidas como sinais
reção dos leitos dos rios para torná-los navegáveis de trânsito;
e construíram canais artificiais de ligação e barra-
Como os canais de navegação não são ma-
gens com eclusas. A conexão com redes ferroviária
terializáveis e as pistas de rolamento das rodovias
e rodoviária permitia o escoamento pela hidrovia
sim, as hidrovias requerem cartas de navegação
da produção de numerosos municípios paulistas.
para proporcionar segurança às embarcações;
Hidrovia, aquavia, via navegável, caminho
As rodovias são projetadas para um deter-
marítimo ou caminho fluvial são designações sino-
minado veículo rodoviário, isto é, para um veículo
nímicas.
tipo. As pontes são projetadas considerando que
Hidrovia interior ou via navegável interior esse veículo tipo tenha no máximo “ x “ toneladas;
são denominações comum para os rios, lagos ou la- os vãos sob os viadutos e passarelas ou os túneis,
goas navegáveis. que esse veículo tenha no máximo “ y “ metros de
altura; e assim por diante. Nas hidrovias, o mesmo
Entrementes, à falta de expressões como
se sucede com as embarcações tipo.
hidrovias interiores artificiais, para denominar
aquelas que não eram navegáveis e que adquiriram Mister se faz ressaltar que embarcação tipo é
essa condição em função de obras de engenharia, e um artifício de projeto e não condicionante à con-
hidrovias interiores melhoradas, para caracterizar fecção de embarcações, pelo menos no conjunto
as que tiveram suas condições de navegação am- de suas características. A embarcação tipo é uma
pliadas, usa-se genericamente a expressão hidro- abstração que reúne as características para as quais
vias interiores para designar as vias navegáveis in- a hidrovia é projetada, ou seja, ela é projetada para
teriores que foram balizadas e sinalizadas para uma um comprimento “ x “ de embarcação, para uma
determinada embarcação tipo, isto é, àquelas que boca “ y “ e para um calado máximo “ z “, sendo
oferecem boas condições de segurança às embarca- este para a situação de águas mínimas, que conco-
ções, suas cargas e passageiros ou tripulantes e que mitantemente definem uma embarcação hipotéti-
dispõem de cartas de navegação. ca chamada tipo.
Deve ser observado que balizamento de uma No que se refere às dimensões, pode-se dizer
via aquática é entendido como sendo basicamente que as embarcações que serão lançadas e que nave-
as boias de auxílio à navegação, que demarcam o garão na hidrovia em voga devem ter no máximo
canal de navegação, e como sinalização, as placas o comprimento e a largura (boca) da embarcação
colocadas nas margens dos rios para orientação dos tipo e que, no que alude a calados, em condições de
navegantes. As cartas de navegação são mapas de- águas mínimas, deve navegar com calado no máxi-
limitadores das rotas de navegação. mo igual ao da embarcação tipo.
Como existem estradas de rodagem carroçá- Finalizando, cabe informar que existem hi-
veis, não pavimentadas, pavimentadas e rodovias, drovias interiores de tráfego apenas diurno e as
existem rios flutuáveis, de navegação rudimentar, franqueadas à navegação noturna, em função do
francamente navegáveis e hidrovias. tipo de balizamento e de sinalização adotados.
Podemos aproveitar as rodovias para, fazen- São As principais hidrovias do país:
do um paralelismo, caracterizar alguns conceitos
hidroviários, como mostrado; Hidrovia do Madeira
O balizamento das hidrovias corresponde às O rio Madeira é navegável desde a sua con-
faixas que são longitudinalmente pintadas nos pa- fluência com o rio Amazonas até a cidade rondo-
vimentos das rodovias; niense de Porto Velho, há muito tempo.

A sinalização de margem das hidrovias pode Tal via navegável tem 1056 km de extensão.

194 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Para que tal via navegável seja considerada estiagens, principalmente estas.
uma hidrovia, definida para a embarcação escolhi-
O advento do lago de Sobradinho, provoca-
da e abaixo caracterizada, ela ainda terá:
do pela construção da barragem da Usina Hidrelé-
que ter os níveis d’água de projeto definidos, trica de Sobradinho, localizada no Estado da Bahia
ou sejam, os níveis a partir dos quais a probabilís- e um pouco a montante da cidade de Juazeiro, al-
tica profundidade mínima da hidrovia é definida; terou substâncialmente as condições de navegação
obras de melhoramento da via, como dragagens no São Francisco, pois permitiu a formação de on-
e derrocamentos, reprojetadas e implementadas; das curtas de considerável altura, semelhantes às
cartas de navegação confeccionadas; balizamento verificadas nos mares.
e sinalização de margem melhorados.
Com o surgimento dessas ondas de curto
A embarcação tipo do rio Madeira é um período, a folclórica navegação dos “gaiolas” dei-
comboio de empurra composto de quatro chatas e xou de se dar, porque não suportavam essas novas
um empurrador. Tal comboio tem 200 m de com- condições de navegação do lago de Sobradinho e
primento, 16 m de boca (largura) e cala 2,5 m no restringir-se ao trecho a montante do citado lago
máximo em águas mínimas. não lhes era economicamente viável.
O melhoramento das condições de navega- Hoje, a navegação que floresce no rio São
ção, a manutenção da via ou mesmo a implantação Francisco tem outra classe, para qual a correspon-
da Hidrovia do Madeira, enfim todas ações que se dente hidrovia vem sendo preparada.
referem à infraestrutura da via navegável, são en-
Cabe ressaltar, também, que o rio São Fran-
cargos da Administração das Hidrovias da Ama-
cisco, no trecho compreendido entre a cidade mi-
zônia Ocidental - AHIMOC, órgão da sociedade
neira de Pirapora e o final do remanso do reserva-
de economia mista federal vinculada ao Ministério
tório da barragem de Sobradinho, apresenta baixas
dos Transportes, Companhia Docas do Maranhão
profundidades em alguns locais, nos meses de águas
- CODOMAR. A AHIMOC situa-se em Manaus
baixas, com graves problemas para a navegação.
- AM.
O desmatamento indiscriminado da bacia
Hidrovia do São Francisco do rio São Francisco, inclusive de trechos da mata
ciliar, tem aumentado a quantidade de sedimentos
“O Velho Chico” era navegado desde há
da calha do rio, num acelerado processo de anasto-
muito, por uma classe de embarcações hoje prati-
mosação, uma vez que a capacidade de transporte
camente extinta pelos “gaiolas”.
de sedimentos de um curso d’água é limitada.
Tal via sempre foi navegável no trecho
Cada vez mais, a quantidade de sedimentos
compreendido entre a cidade mineira de Pirapora e
que é carreada para o leito do rio São Francisco é
a baiana de Juazeiro ou a pernambucana de Petroli-
maior do que sua capacidade de os transportar.
na (Juazeiro e Petrolina são cidades geminadas, se-
paradas apenas pelo rio São Francisco), com 1371 O desmatamento também influi no processo
km de extensão, mas sofreu algumas alterações no de anastomosação do rio, pela alteração do regime
decorrer dos anos. fluvial, que passa a ser caracterizado por fortes en-
chentes e acentuadas vazantes.
Com a construção da barragem da Usina
Hidrelétrica de Três Marias, no Estado de Minas A Administração da Hidrovia do São Fran-
Gerais e a montante de Pirapora, as vazões do São cisco - AHSFRA, órgão da Companhia Docas do
Francisco foram regularizadas, isto é, a água acu- Estado da Bahia - CODEBA, sociedade de eco-
mulada no reservatório de tal barragem no perí- nomia mista federal vinculada ao Ministério dos
odo das cheias é liberada para geração de energia Transportes, no desempenho de sua atividade pre-
elétrica no período das estiagens, fazendo que não cípua, manutenção das condições de navegação
se tenha a jusante, grandes cheias nem rigorosas do rio São Francisco, tem efetuado grandes cam-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 195


panhas de dragagem nos trechos anastomosados. alteração do regime fluvial pelo desmatamento, o
Esses serviços de dragagem procuram aumentar setor hidroviário interior federal não pode deixar
as profundidades do canal de navegação, retiran- de buscar soluções localizadas, cujas definições re-
do material depositado pelo rio e despejando-o na querem a modelagem que se pretende encetar.
própria calha fluvial.
A barragem de Sobradinho dispõem de mo-
Os serviços de dragagem que são realizados derna eclusa de navegação, de sorte não interrom-
pela AHSFRA se constituem numa espécie de aju- peu na navegação entre Juazeiro e Pirapora, e que a
da ao rio, à sua capacidade de transportes de sedi- embarcação tipo para a qual a hidrovia vem sendo
mentos, nos trechos anastomosados. preparada é um comboio de empurra composto de
quatro chatas e um empurrador. Esse comboio tem
O São Francisco é um rio de leito migrató-
110 m de comprimento, 16 m de boca (largura) e
rio, com clássico exemplo de insucesso de obra hi-
cala 1,5 m no máximo em águas mínimas.
dráulica: na década de 50 foi construída uma eclu-
sa de navegação no Salto do Sobradinho, BA, que Por derradeiro, aduzo que multimodalidade
não se tornou operacional por migração lateral das é condição essencial à navegação fluvial e que o
margens do São Francisco. trecho acima mencionado, do rio São Francisco,
em face das cidades de Petrolina, Juazeiro e Pira-
Tal eclusa hoje se encontra a cerca de 1 km
pora serem servidas por ferrovias, pode e é, comer-
a jusante da atual barragem de Sobradinho, como
cialmente navegado.
monumento ao desconhecimento do comporta-
mento do rio São Francisco pelos engenheiros da O melhoramento das condições de navega-
época e à falta de estudos hidromorfológico, emba- ção, a manutenção da via ou mesmo a implantação
sadores do projeto da referida eclusa. da Hidrovia do São Francisco, enfim todas ações
que se referem à infraestrutura da via navegável,
Nos nossos dias, com computadores cada vez
são encargos da Administração das Hidrovias do
mais capazes e velozes, a modelagem matemática
São Francisco - AHSFRA, órgão da sociedade de
tem-se constituído em uma importante ferramenta
economia mista federal vinculada ao Ministério
à disposição da engenharia, notadamente da enge-
dos Transportes, Companhia das Docas da Bahia
nharia hidráulica.
- CODEBA. A AHSFRA situa-se em Pirapora -
Assim, o setor hidroviário interior federal MG.
pretende modelar morfológicamente trechos do
rio São Francisco e a construção de algumas obras Hidrovia Tocantins – Araguaia
hidráulicas, objetivando conhecer como estas in-
A hidrovia interior em tela está sendo pre-
teragem com o curso d’água e quais seriam suas
parada para ser navegada nos seguintes trechos: no
consequências morfológicas e ambientais.
rio das Mortes (a fluente da margem esquerda do
Na década de 50, por ocasião da definição Araguaia), desde a cidade mato-grossense de Nova
do projeto da antiga eclusa de Sobradinho, não se Xavantina até a confluência desse rio com o Ara-
valeram da ferramenta disponível na época: mode- guaia, numa extensão de 580 km; no rio Araguaia,
los físicos. Hoje, não se pode incorrer no mesmo desde a cidade goiana de Aruanã até a cidade to-
erro e não se lançar mão do ferramental de nossa cantinense de Xambioá, numa extensão de 1230
época: modelos matemáticos. km; no rio Tocantins, desde a cidade tocantinense
de Miracema do Tocantins até porto a ser cons-
O anastomosamento do rio São Francisco é
truído no Município maranhense de Porto Franco,
fruto de macroações humanas em sua bacia e a mo-
um pouco a montante da sede do município, numa
delagem matemática que se pretende visa peque-
extensão aproximada de 440 km.
nos trechos de rio. Em que pese se ter consciência
que o problema reside na quantidade de sedimen- A embarcação tipo para a qual a hidrovia
tos que aflui diuturnamente ao leito do rio e na vem sendo preparada é um comboio de empurra

196 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


composto de quatro chatas e um empurrador. Hidrovia Paraná-Tietê
Esse comboio tem 108,00 m de comprimen- A hidrovia interior em tela está sendo pre-
to, 16 m de boca (largura) e cala 1,5 m no máximo parada para ser navegada nos seguintes trechos:
em águas mínimas.
v no rio Piracicaba (afluente da margem di-
A navegação no Tocantins poderá ser leva- reita do Tietê), desde a confluência com o rio Tie-
da até a cidade tocantinense de Peixe, a montante tê até 22 km a montante;
do trecho acima citado, desde que a barragem da
v no rio Tietê, desde a cidade paulista de
Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães, que
Conchas até a confluência do Tietê com o Paraná,
está sendo construída na localidade denominada
numa extensão de 554 km;
Lajeado, entre as cidades de Palmas e Miracema
do Tocantins, seja dotada de eclusa de navegação. v no rio Paranaíba, desde o sopé da barra-
gem da Usina Hidrelétrica de São Simão até a con-
Tal aproveitamento hidrelétrico foi outor-
fluência do rio Paranaíba com o rio Paraná, numa
gado a particulares sem a obrigação deles constru-
extensão de 180 km;
írem a mencionada eclusa, mas o Ministério dos
Transportes está fazendo as gestões necessárias, v no rio Grande, desde o sopé da barragem
junto ao Ministério de Minas e Energia, no senti- da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha até a
do de que as obras de transposição hidroviária da confluência do rio Grande com o rio Paraná, numa
referida barragem sejam projetadas e construídas. extensão de 59 km;
O melhoramento das condições de navega- v no rio Paraná, desde a confluência dos rios
ção, a manutenção da via ou mesmo a implanta- Grande e Paranaíba, que formam o rio Paraná, até
ção da Hidrovia do Tocantins - Araguaia, enfim a barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipú, numa
todas ações que se referem à infraestrutura da via extensão de 800 km;
navegável, são encargos da Administração das Hi- v no canal Pereira Barreto, que liga o lago da
drovias da Amazônia Ocidental - AHITAR, órgão barragens da Usina Hidrelétrica de Três Irmãos, no
da sociedade de economia mista federal vinculada rio Tietê, ao rio São José dos Dourados, afluente da
ao Ministério dos Transportes, Companhia Docas margem esquerda do rio Paraná, no Estado de São
do Pará - CDP. A AHITAR situa-se em Goiânia Paulo, numa extensão de 53 km, sendo 36 km no
- GO. rio São José dos Dourados e 17 km no canal Pereira
O rio Tocantins, a jusante da Barragem de Barreto propriamente dito.
Tucuruí, no Estado do Pará, no trecho que se es- O melhoramento das condições de navega-
tende desde o sopé da citada barragem até a sua foz, ção, a manutenção da via ou mesmo a implanta-
numa extensão de 250 km, é navegado por classe ção da Hidrovia Paraná - Tietê, enfim todas ações
de embarcação diferente, de maior porte. que se referem à infraestrutura da via navegável, a
Esse trecho inferior do rio Tocantins tem o exceção das alusivas ao rio Tietê, são encargos da
melhoramento de suas condições de navegação, a Administração das Hidrovias do Paraná - AHRA-
sua manutenção ou mesmo sua implantação, no NA, órgão da sociedade de economia mista federal
que tange ao transporte hidroviário interior, enfim vinculada ao Ministério dos Transportes, Compa-
todas ações que se referem à infraestrutura da via nhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP.
navegável, são encargos da Administração das Hi-
drovias da Amazônia Oriental - AHIMOR, órgão Hidrovia Paraguai - Paraná
da sociedade de economia mista federal vinculada A hidrovia Paraguai - Paraná estende-se
ao Ministério dos Transportes, Companhia Docas desde a cidade uruguaia de Nueva Palmira até a
do Pará - CDP. A AHITAR situa-se em Belém - brasileira de Cáceres, situada no Estado de Mato
PA. Grosso. Essa hidrovia tem 3442 km de extensão.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 197


O Tratado da Bacia do Prata, firmado em A navegação em tal hidrovia é dividida em
Brasília, DF, em 23 de abril de 1969 por chancele- duas classes: uma no trecho compreendido entre
res dos cinco países da Bacia do Prata: Argentina, a cidade sul-matogrossense de Corumbá e a mato-
Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai constitui-se no grossense de Cáceres, numa extensão de 672 km,
marco fundamental da implantação da hidrovia onde a embarcação tipo é um comboio de empur-
Paraguai - Paraná. ra (quatro chatas e um empurrador) de 108 m de
comprimento, 24 m de largura (boca) e 1,2 m de
Em setembro de 1989, os Ministros de Obras
calado máximo em períodos de águas mínimas; e
públicas e de Transportes dos países da Bacia do
outro, a jusante se Corumbá, numa extensão de
Prata acordaram em criar o “Comité Interguberna-
2770, cuja embarcação tipo é um comboio de em-
mental de la Hidrovia Paraguay - Paraná (CIH)”,
purra (dezesseis chatas e um empurrador) com 280
encarregando-o de realizar projetos pontuais, de-
m de comprimento, 48 m de largura (boca) e 3,0 m
terminar a prioridade das obras a realizar e estudar
de calado em águas mínimas.
a compatibilização da legislação aplicável a hidro-
vias, dos países da Bacia do Prata. O CIH tem sua
sede em Buenos Aires, capital da Republica da Ar- Portos
gentina. Dos 24 principais portos brasileiros, apenas
um é privado, o de Imbituba, no estado de San-
ta Catarina. As instalações portuárias não são
compatíveis com o nível de desenvolvimento da
economia, nem com as necessidades do comér-
cio exterior. Os portos são mal-equipados, sem a
necessária dragagem e, até pouco tempo, regidos
por leis antiquadas que não atendiam às atuais
necessidades. Um exacerbado corporativismo dos
portuários, protegido por setores governamentais,
encarece enormemente a movimentação de cargas
nos portos brasileiros.

A parte brasileira da Hidrovia Paraguai - Pa-


raná, ou seja, o trecho do rio Paraguai compreen-
dido entre a cidade matogrossense de Cáceres e a
confluência do rio Apa com o rio Paraguai, numa
extensão de 1278 km, tem o melhoramento das
suas condições de navegação, a sua manutenção ou
mesmo implantação, enfim todas ações que se refe-
rem à infraestrutura da via navegável, como encar-
Os portos brasileiros passam por uma verda-
gos da Administração das Hidrovias do Paraguai
deira revolução que inclui: operação privada, mo-
- AHIPAR, órgão da sociedade de economia mista
dernização de equipamentos e de procedimentos,
federal vinculada ao Ministério dos Transportes,
aumento de produtividade e redução de custos. Os
Companhia Docas do Estado de São Paulo - CO-
24 principais portos brasileiros apresentam atual-
DESP. A AHIPAR situa-se em Corumbá - MS.

198 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


mente desempenho incomparavelmente melhor finitivamente. Hoje, o transporte aéreo no Brasil
que o de poucos anos atrás, com tendência a me- e no mundo está incorporado ao modal de trans-
lhorias mais profundas nos próximos anos. portes das grandes cidades e nenhum País pode
prescindir da aviação comercial. Pode-se dizer que
O principal porto brasileiro é o de Santos
o avião no século XXI está para as cidades, como
(São Paulo), com mais de 11 quilômetros de cais
o porto estava no século XIX. Era não apenas o
acostável. Em 1997, este porto recebeu 3.700 em-
ponto de partida e chegada de cargas e passageiros,
barcações, o que representa cerca de 20% de todo
mas o pólo aglutinador do progresso. Foi assim que
o movimento portuário nacional. No mesmo ano,
se desenvolveu o Brasil litorâneo, às margens do
embarcaram e desembarcaram quase 11 milhões
Atlântico e em função dos portos que transporta-
de toneladas de carga geral e 27 milhões de tone-
vam a riqueza e as emoções.
ladas de granéis. Outros portos que se destacam
são: Rio Grande (Rio Grande do Sul) e Paranaguá O transporte aéreo representa hoje negócio
(Paraná), principalmente pela movimentação de que envolve bilhões de dólares no mundo todo.
grãos; Sepetiba (Rio de Janeiro), Tubarão (Espíri- Para se ter uma ideia, apenas o maior aeroporto do
to Santo) e Itaqui (Maranhão), enormes terminais mundo – Atlanta(EUA) – faz mais de 80 milhões
especializados em minério; e os portos do Rio de de embarques e desembarques por ano. O maior
Janeiro, Itajaí (Santa Catarina), Recife (Pernam- aeroporto cargueiro, Memphis, nos Estados Uni-
buco) e outros dedicados à carga geral, contêineres dos, transporta 2,5 milhões de toneladas de carga
e granéis. por ano. Os grandes aeroportos dos Estados Uni-
dos, onde está hoje o maior movimento aéreo do
mundo, chegam a fazer 70 mil pousos e decolagens
Transporte Aéreo por mês. O aeroporto mais movimentado do Brasil,
Implantado no Brasil em 1927, o transporte em número de aeronaves, Congonhas, faz em mé-
aéreo é realizado por companhias particulares sob o dia 22 mil movimentos por mês.
controle do Ministério da Aeronáutica no que diz Além de moderno, o transporte aéreo está
respeito ao equipamento utilizado, abertura de no- em franca ascensão. Cada vez mais as indústrias
vas linhas etc. A rede brasileira, que cresceu muito aeronáuticas investem em aviões maiores e mais
até a década de 1980, sofreu as consequências da sofisticados, principalmente comprometidos com a
crise mundial que afetou o setor nos primeiros anos preservação do meio ambiente. Na parte terrestre,
da década de 1990. os aeroportos também devem estar permanente-
O transporte aéreo no Brasil vem acompa- mente em evolução tecnológica e logística, para
nhando o desenvolvimento do País. De início, ele permitir pousos e decolagens de aviões modernos,
nasceu baseado em duas premissas: pioneirismo e sob quaisquer condições de tempo, e atender à
charme. As primeiras viagens eram fruto de aven- crescente demanda do transporte aéreo.
tureiros, que investiam muito dinheiro num meio No Brasil, em 2001, foram transportados
de transporte pouco popular, privilégio de poucos aproximadamente 75 milhões de passageiros, entre
e que ninguém sabia se ia dar certo. embarques e desembarques. Calcula-se que cerca
Com o processo indústrial e o progresso, que de 10 a 12 milhões de pessoas no País utilizam o
fez grande parte do Brasil migrar do campo para transporte aéreo. Ainda é pouco para um País de
a cidade, e pela necessidade de intercâmbio com 170 milhões de habitantes. O que se vê a cada ano
outros países, o transporte aéreo passou a ser uma é a incorporação de novas levas de passageiros, pois
necessidade, deixando de ser apenas uma opção nos últimos anos esse setor tem crescido a taxas de
dos famosos e ricos, que saíam do País a passeio ou 8% ao ano, o dobro da média mundial.
para estudar no exterior. Existem alguns problemas que ainda fazem,
Essa fase pioneira e glamourosa passou de- no Brasil, o transporte aéreo significar transporte

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 199


da elite: preços altos das passagens, acessos difíceis malha aeroportuária. De 1995 até 2001, foram 14
aos aeroportos e baixa renda da maioria da popula- inaugurações de grandes aeroportos construídos ou
ção. Esse gap só poderá ser superado com a conju- reformados. Com as inaugurações de 2002, serão 18
gação de esforços de todos os grupos interessados, grandes reformas ou construções totalmente novas
principalmente o segmento turístico. Se o trans- de aeroportos no Brasil, nos últimos oito anos.
porte aéreo pudesse suprir a demanda que existe
A expectativa para os próximos anos é ex-
por viagens, com os assentos vazios dos aviões de
celente. A aviação é o modal que mais cresce no
carreira, certamente todo o sistema sairia benefi-
mundo e o Brasil, não apenas pela atração que exer-
ciado.
ce para os estrangeiros, tem um vasto campo para
As grandes companhias aéreas passam no crescer no turismo interno. Além disso, as ameaças
momento por uma crise, que tem componentes terroristas a países desenvolvidos, principalmente
conjunturais e estruturais. Nos Estados Unidos e Estados Unidos e Europa, acabam proporcionando
na Europa apareceu uma solução que está atenden- um diferencial importante para o turismo do ex-
do a contento a demanda e suprindo as necessi- terior.
dades dos passageiros domésticos: as companhias
Mesmo com a crise localizada em algumas
exclusivas de transporte domésticos. São pequenos
companhias aéreas, fruto do momento delicado por
aviões, de no máximo 50 lugares, que voam para
que passa a aviação comercial, a demanda continu-
pequenas cidades transportando os passageiros
ará crescente e o transporte aéreo definitivamente
que chegam do exterior ou dos pontos extremos
se consagrará como o maior meio de transporte do
do País nos grandes aviões. Com isso, surgiram os
futuro.
grandes aeroportos, chamados “hub”, como Chica-
go, Atlanta, Nova York e Los Angeles, que con-
centram essa massa de passageiros e a escoa para o Transporte Marítimo
resto do País.
Entre 1920 e 1945, com o florescimento da
No Brasil, depois da fase pioneira, a partir indústria de construção naval, houve um cresci-
dos anos 70, houve um avanço considerável da mento constante do transporte marítimo, mas a
aviação comercial. Daí a necessidade de se cons- partir dessa época a navegação de cabotagem de-
truir grandes aeroportos, como aconteceu com o clinou de forma substâncial e foi substituída pelo
Internacional do Rio de Janeiro-Galeão, inaugura- transporte rodoviário. Para reativar o setor, o Con-
do em 1977. O crescimento desse transporte obri- gresso aprovou em 1995 uma emenda constitucio-
gou outras capitais a buscar no Governo Federal nal que retirou dos navios de bandeira brasileira
e Estadual os recursos necessários para ampliação, a reserva de mercado na exploração comercial da
reforma e modernização dos aeroportos. Em 1973, navegação de cabotagem e permitiu a participação
surgiu a Infraero – Empresa Brasileira de Infraes- de navios de bandeira estrangeira no transporte
trutura Aeroportuária, com a missão de adminis- costeiro de cargas e passageiros.
trar, reformar, construir e equipar os principais ae-
roportos brasileiros.
Nesses 29 anos, o avanço do transporte aé- Comunicações
reo no Brasil foi extraordinário. Para se ter uma • Internet - O Brasil é o segundo país do
ideia, há cerca de oito anos, o movimento era de mundo em números percentuais de cres-
43 milhões de passageiros/ano. Deveremos fechar cimento na grande rede mundial, apenas
2002, com mais de 80 milhões de movimentos nos atrás da República Tcheca. Possui vários
aeroportos, praticamente o dobro. A demanda por sites entre os 1.000 mais visitados do mun-
obras é intensa. A Infraero administra hoje mais de do e também um dos maiores potenciais de
40 grandes obras em aeroportos do País. A Infrae- crescimento. Segundo a Marplan, as cida-
ro tem dado prioridade para a modernização dessa

200 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


des brasileiras mais conectadas à rede, são dos municípios, a Record 42,38%, a Rede
pela ordem: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo TV 29,85% e a CNT 6,10%. As grandes
Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Salvador, redes comerciais de televisão detêm 82,5%
Curitiba, Fortaleza e Recife, sendo que São da audiência em São Paulo e 90,4% no Rio
Paulo sozinho corresponde a 37,7% do total. de Janeiro, de acordo com pesquisa do Ibope
O Brasil é o terceiro mercado das Américas realizada no primeiro trimestre de 2000. O
atualmente, atrás dos Estados Unidos e Ca- percentual restante é dividido entre as emis-
nadá e imediatamente à frente do México, soras educativas, como a TV Cultura, de São
Argentina, Colômbia e Chile, respondendo Paulo, e a TVE, do Rio de Janeiro, e as seg-
por quase 50% do mercado global da Amé- mentadas, como a MTV e a Rede Mulher.
rica do Sul. Os principais sites do Brasil, em
O público feminino é o que mais
número de visitas são o UOL, BOL, Terra,
assiste à TV (53%). A televisão chega a to-
Zipnet, Matrix e HPG, segundo auditoria do
das as camadas sociais: 8% dos telespecta-
IVC.
dores pertencem à classe A; 29%, à classe
• Televisão - A televisão é o veículo de B; 37%, à classe C; 23%, à classe D, e 3% à
comunicação de maior alcance no país e o classe E. A maior parte está na faixa de 20 a
meio de informação e entretenimento mais 29 anos (22%); seguida pela de 30 a 39 anos
utilizado pelos brasileiros. Dados do Institu- (21%), segundo a Marplan Brasil.
to Marplan Brasil do primeiro trimestre de
Em termos de publicidade, as
2000 mostram que 98% da população acima
emissoras de TV detêm a maior fatia da
de 10 anos assiste à TV pelo menos uma vez
verba destinada a anúncios nos meios de
por semana. Segundo projeção do Grupo de
comunicação: 55,5% dos 2,9 bilhões de dó-
Mídia para 2000, mais de 39 milhões de la-
lares gastos no primeiro trimestre de 2000,
res, o equivalente a 87,4% dos domicílios do
conforme o Projeto Inter-Meios, da Editora
Brasil, possuem um ou mais televisores. A
Meio & Mensagem.
programação é transmitida por meio de ca-
nais abertos ou fechados. No primeiro caso, a • Imprensa Escrita - Em 2000, o Brasil se
captação dos sinais enviados pelas emissoras destaca no Congresso Mundial de Jornais
é gratuita; no segundo, isso só é possível me- pela boa performance e crescimento do se-
diante o pagamento de taxas de assinatura e tor, com 1,1% de aumento na circulação, de
com o uso de antenas parabólicas ou apare- acordo com dados da World Press Trends.
lhos decodificadores. Segundo Francisco Mesquita Neto, vice-
-presidente da Associação Nacional de Jor-
TV Aberta - O Brasil possui 269
nais (ANJ), a circulação média dos jornais
emissoras geradoras e 2.591 retransmissoras
diários brasileiros cresce 69,4% nos últimos
em atividade até maio de 2000, de acordo
dez anos, passando de 4,2 milhões para 7,2
com a Anatel, órgão criado em 1997 para
milhões de exemplares.
regular e fiscalizar o setor de telecomunica-
ções. As geradoras produzem seus próprios O principal motivo desse cresci-
programas, enquanto as retransmissoras en- mento são os investimentos das empresas em
viam a programação das geradoras. tecnologia - estima-se que entre 1995 e 2000
tenham sido gastos 600 milhões de dólares
A Rede Globo, a maior emissora
apenas em rotativas. Nesse período, novos
do Brasil, cobre quase a totalidade dos muni-
parques gráficos são instalados e impressoras
cípios brasileiros. Seu sinal chega a 99,77%
4 x 4 compradas, o que aumenta a quanti-
dos domicílios com aparelhos de TV do país;
dade de jornais em cores e melhora a qua-
o SBT vem em seguida, atingindo 97,58%
lidade da impressão. Outro fator é a pronta
dos lares. A Bandeirantes abrange 60,36%

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 201


adaptação dos jornais à internet. O Brasil, ocupa o segundo lugar, com 28. Depois vêm
conforme a World Press Trends, é o país em a Símbolo (12), a Camelot (10) e a Alto As-
que mais jornais lançam sites na rede, com tral e a Europa (9 cada uma), entre as maio-
um crescimento de 14% ao ano. De acordo res.
com a ANJ, todos os 119 filiados à entidade
• Revistas Semanais - As revistas de infor-
possuem e-mails e 102 têm homepages Já o
mação e atualidades são as mais procuradas,
mercado de revistas aumenta 6% em 1999,
respondendo por 32% das vendas em 1999,
de acordo com o Instituto Verificador de
de acordo com o IVC. Veja, da Abril, é a
Circulação (IVC) e a Distribuidora Nacio-
líder do mercado, com média acumulada
nal de Publicações (Dinap). Nesse ano, as
em fevereiro de 2000 de 1,900 milhão de
revistas vendem 350 milhões de exemplares,
exemplares por edição. Outras publicações
contra 330 milhões do ano anterior.
semanais de informação são IstoÉ, da Edito-
Há também um aumento nos in- ra Três, com média de 424 mil exemplares,
vestimentos publicitários nos dois veículos. e Época, da Globo, com 705 mil. Com um
Nos quatro primeiros meses de 2000, dos 2,9 perfil diferente, a semanal Caras, da Abril,
bilhões de reais gastos em anúncios no país, também está entre as revistas de maior cir-
24,2% vão para os jornais e 8,09%, para as culação. Retratando o estilo de vida das per-
revistas. No mesmo período de 1999, os jor- sonalidades do meio artístico e das classes
nais ficaram com 22,1% e as revistas, com sociais mais elevadas, suas edições vendem
8,2%, conforme dados do Projeto InterMeios em média 391 mil exemplares.
da Editora Meio&Mensagem.
Uma fatia considerável do merca-
Com o aumento na circulação, do (22%) pertence às revistas segmentadas,
as atenções voltam-se para a população das segundo dados de 1999 do IVC. São títulos
classes C e D, que, em razão da estabilidade menores, que procuram atrair públicos espe-
econômica proporcionada pelo Plano Real a cíficos. Destacam-se Raça (Símbolo), volta-
partir de 1994, amplia o hábito de leitura. da para os negros, Fluir (Peixes), de esportes
Por isso, as empresas jornalísticas e as edito- radicais, CD-ROM (Europa), de informáti-
ras investem no lançamento de publicações ca. A concorrência dentro de cada gênero
com preços reduzidos. também é grande. As revistas de histórias em
quadrinhos são as que possuem maior núme-
• Revistas - O mercado brasileiro conta com
ro de títulos em bancas (222), seguidas das
299 editoras, que publicam mais de 1,6 mil
que abordam a vida dos astros da TV e do
títulos, vendidos em bancas. Mesmo com
cinema (121), das que tratam de atividades
tantas opções de leitura, o brasileiro compra
infantis (103) e das de culinária (80), con-
em média duas revistas ao ano. Esse número
forme dados da Dinap de 1999.
é muito baixo se comparado ao de países de-
senvolvidos. Nos EUA, essa média é de 17, e Editoras como Ediouro, Símbolo
na França chega a 20. e Escala entram, em 1999, no mercado das
chamadas revistas populares, até então ex-
O Grupo Abril é o líder no
plorado principalmente pela Abril e pela
ranking de distribuição das revistas filiadas
Alto Astral. Surgem novos títulos, como Ti
ao IVC, com 65,7% de participação. As de-
Ti Ti (Símbolo), Ousada (Ediouro), Viva
mais editoras detêm 34,3%. A Abril - que
Mais (Abril) e Malu (Alto Astral), entre ou-
em novembro de 1999 adquire participação
tros.
societária na Símbolo - também é a edito-
ra com o maior número de títulos regulares • Jornais - O Brasil conta com 465 jornais
nas bancas - 88, em maio de 2000. A Globo diários em junho de 2000, conforme a As-

202 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


sociação Nacional de Jornais (ANJ). Desses, nacional, a nova publicação, denominada
apenas nove ultrapassam os 100 mil exem- Valor Econômico, já disputa leitores com a
plares vendidos diariamente, sendo sete no tradicional Gazeta Mercantil.
eixo Rio-São Paulo. Os outros dois circulam
Para otimizar os recursos e con-
em Porto Alegre (RS). Segundo o IVC, os
quistar maior espaço na distribuição das
jornais com a média mais expressiva de ven-
verbas publicitárias, o Jornal do Brasil (JB)
das diárias em 1999, entre seus filiados, são a
e O Dia, ambos sediados no Rio de Janeiro,
Folha de S.Paulo (471 mil) e O Estado de S.
firmam, em outubro de 1999, uma parceria
Paulo (366 mil). No Rio de Janeiro, os líde-
comercial envolvendo as áreas gráficas e co-
res são O Globo (336 mil) e Extra (252 mil),
mercial. Pelo acordo, o JB passa a ser impres-
em Minas Gerais, O Estado de Minas e no
so no parque gráfico de seu parceiro, usan-
Distrito Federal, o Correio Braziliense.
do a rotativa off-set, o que garante melhor
A Região Sudeste é a que possui qualidade de impressão. Além disso, as duas
o maior número de títulos, 230 (55,4% do empresas oferecem desconto aos clientes que
total). Depois vêm a Sul, com 87 (21%); a anunciarem nos dois veículos.
Nordeste, 51 (12,3%); a Centro-Oeste, 26
• Telefonia: O Brasil possui uma das maio-
(6,3%); e a Norte, 21 (5%). O estado com
res redes de telefonia do mundo. Segundo a
mais publicações diárias é São Paulo (134),
ANATEL, 2003 terminou com 49,6 milhões
seguido por Minas Gerais (52), Rio de Janei-
de terminais fixos, 1,4 milhões de telefones
ro (39), Paraná (37) e Rio Grande do Sul
públicos instalados e 45,5 milhões de apare-
(36).
lhos de telefonia celular em funcionamento.
De acordo com dados da Marplan A previsão é que em 2004 os aparelhos de
Brasil, o percentual de pessoas entrevistadas telefonia celular ultrapassem, em muito, a
que haviam lido ou folheado jornais pelo me- quantidade em operação de aparelhos fixos.
nos uma vez nos sete dias anteriores aumenta Somente entre 2002 e 2003 foram acresci-
em quatro mercados, dos nove pesquisados das à base instalada, cerca de 13,9 milhões
em 1999. A região que mais se destaca é a de novos celulares, enquanto a telefonia fixa
Grande Recife (14%), seguida por Brasília teve acréscimo de apenas 200 mil novos ter-
(5%). Esses dados se devem, principalmente, minais. A maioria dos celulares (73%) eram
ao aumento de leitores entre as classes C, D e pré-pagos.
E. A Grande Belo Horizonte é a região com
maior queda de leitores (5%). As pesquisas
indicam que os jornais diários tendem a per-
der leitores aos domingos. Esse dado é con-
firmado pela queda de 6,04%, nesse dia da
semana, na circulação dos jornais da Região
Sudeste entre 1998 e 1999.
Seguindo a tendência de fusões,
aquisições e associações verificada em todo o
mundo, duas empresas jornalísticas concor-
rentes - as Organizações Globo, responsável
pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e a
Folha da Manhã, que edita os jornais Folha
de S.Paulo, Notícias Populares e Agora São
Paulo - lançam em 2000 um jornal diário
especializado em economia. De circulação

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 203


A Europa e as Minorias Nacionais
CAPÍTULO

14

As noções de Estado e de nação estão longe ções são realidades históricas e culturais e na maio-
de ser idênticas. Na verdade, num certo sentido, ria dos casos, têm origens muito mais antigas que
elas chegam a ser contraditórias, e é por isso que os Estados contemporâneos
frequentemente se produzem conflitos políticos
Povos que viveram histórias comuns aca-
originados das lutas das minorias nacionais pela
bam por constituir nações. Língua, religião, cos-
autonomia política.
tumes e hábitos, mitos e rituais compartilhados
O Estado contemporâneo é uma entidade por uma população produzem nessa população um
política. Caracteriza-se pelo estabelecimento de sentimento de identidade nacional. O sentimento
fronteiras territoriais que demarcam um espaço de identidade nacional consiste na consciência co-
geográfico especial. Esse espaço geográfico, comu- letiva de um passado histórico comum e na crença
mente chamado de “país”, singulariza-se pelo fato compartilhada de um destino e um futuro também
de seus cidadãos estarem submetidos a um conjun- comuns.
to particular de leis, aplicadas por instituições po-
Assim, nações não supõem necessariamente
líticas formais que configuram um sistema de poder
uma determinada organização do poder político e,
político. Normalmente, o documento que espelha
nem mesmo, a existência de fronteiras territoriais
esse sistema de poder político do Estado contem-
definidas. Frequentemente, tribos nômades cons-
porâneo é a Constituição.
tituem verdadeiras nações. Os palestinos, mesmo
A diversidade de sistemas de poder político sem ter ainda um Estado, são uma nação, e muitos
dos Estados Unidos é muito grande. a Grã-Breta- autores consideram que os judeus (mesmo antes da
nha e a Espanha, por exemplo, são monarquias; a criação do Estado de Israel) constituíam uma na-
França e os Estados Unidos são repúblicas; o Irã é ção.
uma república islâmica. Os Estados Unidos apre-
Na Europa, o processo de formação dos Es-
sentam um sistema presidencialista, a Grã-Breta-
tados contemporâneos se estende desde a passagem
nha e a Espanha são parlamentaristas, enquanto a
da Idade Média para a Idade Moderna até os acor-
França tem um sistema misto. Suíça, Alemanha,
dos que puseram fim à Segunda Guerra Mundial,
Iugoslávia, Índia e Estados Unidos exemplificam
em 1945.
diferentes formas de federalismo. A França, pelo
contrário, é um típico exemplo de Estado unitário. Portugal, França, Grã-Bretanha e Holanda
são Estados muito antigos, consolidados na transi-
Mas a diversidade de organização dos Esta-
ção da Idade Média para a Idade Moderna. A Ale-
dos contemporâneos não esconde a unidade básica
manha e a Itália cristalizaram-se bem mais tarde, no
que existe entre eles. Em todos, o critério de orga-
século XIX. A Espanha, embora territorialmente
nização do poder é um critério político, ou seja, a
seja bastante antiga, politicamente se consolidou
criação das leis e instituições governamentais de-
como Estado apenas no século XIX. Estados balcâ-
corre do estabelecimento de uma hegemonia po-
nicos (como a Bulgária, a Romênia, a Iugoslávia e
lítica de determinadas classes ou camadas sociais
a Albânia) e Estados da Europa central e oriental
que se utilizam da força das armas ou da força do
(como a Áustria, a Hungria e as repúblicas Tcheca
convencimento (ou, mais comumente, de uma
e Eslovaca) são produtos das inúmeras crises po-
combinação das duas).
líticas e das duas grandes guerras do século XX. a
A nação não é uma entidade política. Na- União Soviética surgiu da Revolução de Outubro

204 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


de 1917, enquanto a RFA e a RDA, como vimos, descendentes de irlandeses, atraídos pela adesão à
nasceram do período mais agudo da Guerra Fria. União Europeia (UE) e pelo acelerado crescimen-
to econômico.
Nessa complexa trajetória histórica de for-
mação e consolidação dos Estados europeus, inú- IRLANDA(S)
meras coletividades nacionais foram separadas pe-
las fronteiras territoriais dos Estados que surgiram.
Outras coletividades nacionais transformaram-se
em grupos minoritários encravados no interior de
Estados criados e dominados por grupos nacionais
diferentes.
Exemplo típico dessa situação é a Península
Balcânica, onde dezenas de grupos nacionais) en-
tre eles turcos, macedônios, armênios, sérvios, cro-
atas, eslovenos, albaneses e ciganos) vivem como
minorias no interior de entidades políticas contro-
ladas por outros grupos nacionais.
O fenômeno da sobrevivência de minorias
nacionais incrustadas no interior dos Estados pode
originar conflitos entre essas minorias e os regimes
políticos hegemônicos nesses Estados. Tais con-
flitos refletem a aspiração de minoria a uma auto-
nomia política maior, ou mesmo à completa inde-
pendência, com a formação de um novo Estado. Em 1169, a Ilha da Irlanda foi invadi-
da pelos normandos, passando, após alguns anos,
Pela sua importância na política europeia à soberania do rei Henrique II da Inglaterra. No
contemporânea, escolhemos três exemplos de con- século XVI, depois da instalação do protestantis-
flitos de minorias nacionais, que passamos a foca- mo anglicano na Inglaterra, Londres derrotou as
lizar. rebeliões católicas da Irlanda. Os séculos XVII e
A Irlanda ocupa cerca de 85% da ilha da Ir- XVIII conheceram o período de máxima repressão
landa, no oeste da Europa – o restante forma a Ir- sobre os católicos irlandeses — especialmente após
landa do Norte (Ulster), que permanece sob domí- a tomada do poder por Oliver Cromwell (1640)
nio do Reino Unido. Também é chamada de Eire, — que desencadeou a expansão do protestantismo,
na sua língua tradicional, o gaélico. A história concedendo terra aos ingleses.
independente do país, de forte tradição católica,
está vinculada ao violento conflito religioso que se Breve História
desenrola no Ulster. Ali, a expressiva comunidade A história da Irlanda remonta ao século IV a.C.,
católica luta pela unificação da ilha, projeto que quando tribos celtas de origem gaulesa se fixam na ilha e
enfrenta forte oposição da maioria protestante, sa- fundam a civilização gaélica. O cristianismo é introduzido
por são Patrício no século V. Devastada pelos vikings no
tisfeita com a autoridade britânica.
século VIII, a Irlanda divide-se em principados rivais,
Debilitada por uma crise econômica e pela o que facilita a ocupação anglo-normanda em 1166. O
rei Henrique VIII consolida a dominação inglesa sobre a
grande onda de fome de 1845 a 1851, a Irlanda ilha em 1542 e introduz o protestantismo. No reinado
perde cerca de 35% de sua população de meados de Elizabeth I, os católicos começam a ser excluídos da
do século XIX até a segunda metade do século XX. vida pública. Nos séculos XVI e XVII, os irlandeses são
A maioria emigra para os Estados Unidos (EUA). despojados de suas terras, que se tornam propriedade
de colonos ingleses. Ainda no século XVII, imigrantes
Na última década, porém, recebe de volta muitos protestantes, vindos principalmente da Escócia, colonizam

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 205


boa parte do norte da ilha, o chamado Ulster. Em 1801, Norte da Grã-Bretanha. Já a Irlanda do Sul trans-
a Irlanda é integrada ao Reino Unido. Na segunda formava-se em república da Irlanda (Eire), com
metade do século XIX, é assolada por uma terrível seca capital em Dublin. Sua Constituição inscreveu
– conhecida como “fome da batata” – que destrói os como objetivo nacional a reunificação da Irlanda.
cultivos, matando mais de 1 milhão de pessoas; outros 2
milhões emigram, sobretudo para os EUA. Observe no mapa a atual situação política da Grã-
-Bretanha e da República da Irlanda.
O conflito entre a minoria nacional católica do Ulster e
a maioria protestante é produto da história da formação
da Grã-Bretanha como Estado. Nesse percurso histórico,
a importância da reforma protestante (anglicana) na Do Movimento Pelos Direitos
consolidação da Grã-Bretanha fez com que o conflito
nacional se manifestasse como conflito religioso, opondo
Civis ao Terrorismo do IRA
os católicos aos protestantes.
O conflito nacional do Ulster é também so-
Essa política gerou grandes fluxos migrató- cial. A discriminação da maioria protestante con-
rios de protestantes da Inglaterra e Escócia para as tra a população católica fez dessa minoria nacional
províncias do norte da Irlanda, onde os católicos e religiosa uma camada socialmente proletarizada.
tornaram-se minoria. Em 1800, o Union Act vin- Estatísticas de 1968 apontam dados signifi-
culava a Irlanda à Grã-Bretanha. em 1829, era pro- cativos. No campo, desde a grande repressão dos
mulgado um estatuto um pouco mais liberal para os séculos XVII e XVIII, as melhores terras estavam
católicos. em mãos dos protestantes. A terça parte católica
Durante o século XIX, cresceram as organi- da população recebia apenas 11,1% dos salários
zações nacionalistas católicas no sul da Ilha, prin- do setor público. Mesmo em cidades de maioria
cipalmente na cidade de Dublin. Eram as sementes católica como dungannon e Londonderry (Derry
do Exército Republicano Irlandês (IRA, a resis- para os católicos), a maioria dos empregos públicos
tência armada da minoria católica contra as forças era ocupada pelos protestantes, enquanto os pro-
britânicas) e do seu braço político, o Sinn Fein. blemas de moradia eram quase exclusivamente da
população católica.
Em 1916, essas organizações tentaram uma
primeira rebelião, duramente reprimida. em 1918, Em Belfast, a minoria católica (27% da
estourava a Guerra Anglo-Irlandesa, que duraria população da cidade) vivia em guetos miseráveis
três anos, terminando com a divisão da Ilha. O Ire- (Clonard, Falls Road, Queens Street) e sofria uma
land Act, documento que selou o fim da guerra, taxa de desemprego de 19%, contra uma taxa de
estabelecia a formação de um Estado Livre da Ir- 8,5% para os protestantes. cidades de maioria ca-
landa (Eire) associado ao império britânico e, pos- tólica como Dungannon e Londonderry eram go-
teriormente, à Commonwealth nas províncias do vernadas por protestantes, graças aos regulamentos
sul, de maioria católica (95%). As províncias do eleitorais que davam ao voto um peso que variava
norte (Ulster), de maioria protestante (65%), con- de acordo com o patrimônio familiar e pessoal. Em
tinuavam diretamente ligadas à Coroa britânica. Londonderry, o conselho municipal tinha catorze
representantes protestantes contra oito católicos.
Em 1937, o governo do Estado Livre da Ir-
landa (Irlanda do Sul) declarava unilateralmente a Prosperidade – Em 1993, Reino Unido e
independência completa do país e rompia os vín- Irlanda admitem o direito do Ulster à autodeter-
culos com a Grã-Bretanha. Após a Segunda Guer- minação e concordam que caberá à população lo-
ra, em 1949, Londres aceitou a independência da cal decidir em plebiscito se quer permanecer sob
Irlanda do Sul através do segundo Ireland Act, que domínio britânico ou se juntar à Irlanda. Após
mantinha a vinculação do Ulster (Irlanda do Nor- reformas na economia, a Irlanda vive nos anos 90
te) à Coroa e estabelecia que apenas o Parlamen- uma fase de crescimento sem precedentes em sua
to de Belfast (Irlanda do Norte), controlado pela história.
maioria protestante, poderia separar a Irlanda do Negociações de Paz – Em agosto de 1994,

206 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


o IRA anuncia cessar-fogo. No mês seguinte, o intervenção das tropas britânicas em 1969.
primeiro-ministro irlandês, Albert Reynolds, reú-
ne-se com os líderes católicos norte-irlandeses do
partido Sinn Féin, braço político do IRA. O histó-
rico encontro abre uma era de negociações de paz,
prejudicada pelo fim da trégua do IRA em feverei-
ro de 1996. Em julho de 1997, o IRA anuncia novo
cessar-fogo, e as conversações recomeçam com a
presença do Sinn Féin e do novo primeiro-minis-
tro da Irlanda, Bertie Ahern (FF), eleito em junho.
Fatos – O governo no Ulster é anulado em
fevereiro de 2000, diante da relutância do IRA em
depor armas. Mas o IRA recua e a autonomia é
restabelecida em maio.
Em 2000, a Irlanda mantém a prosperidade
econômica e intensifica-se a volta de imigrantes
que haviam partido nos anos de recessão. O de-
semprego cai para 4,5% e o país oferece grande de-
manda por mão de obra especializada.
O primeiro-ministro protestante do Ulster,
David Trimble, proíbe que os ministros do Sinn
Féin católico, que compõem seu governo, reúnam-
-se com correligionários da Irlanda, em outubro de Buscando apaziguar os ânimos, Londres de-
2000. Em março de 2001, o governo irlandês iden- terminou o fim das discriminações econômicas e
tifica o primeiro caso da doença da vaca louca no a igualdade de direitos políticos entre as comuni-
país, o que praticamente paralisa a exportação de dades protestante e católica. Mas a repressão e a
carnes e derivados. presença das tropas inglesas já tinham gerado seus
frutos: o IRA rearmava-se e o Movimento pelos di-
Irlandeses Dizem Não à Expansão da reitos Civis perdia força.
UE – O Tratado de Nice, que prevê a expansão
da União Europeia (UE), é rejeitado em plebiscito A escalada britânica no Ulster desenvolveu-
por 54% dos eleitores irlandeses em junho de 2001, -se entre 1969 e 1972. O governo conservador de
apesar da posição favorável do governo, dos prin- Edward Heath substituía a pacificação do antigo
cipais partidos políticos – o Fianna Fáil (FF) e o primeiro-ministro Harold Wilson pela repressão
Fine Gael (FG) –, das centrais sindicais e da Igreja pura e simples.
Católica. O Tratado precisa ser ratificado pelos 15 Em 1972, 22 mil soldados britânicos já es-
integrantes da UE e, mesmo com a derrota irlande- tavam no Ulster. A 30 de janeiro de 1972, uma
sa, a cúpula do bloco promete dar continuidade ao imensa manifestação pacífica era reprimida a ti-
processo. A primeira onda de adesões – República ros pelas tropas britânicas, produzindo um saldo
Tcheca, Chipre, Polônia, Hungria, Eslovênia e Es- de treze mortos. A tragédia ficou conhecida como
tônia – está prevista para 2003. Domingo Sangrento (Bloody Sunday): o Movi-
Nos anos 60, o IRA enfraqueceu-se me- mento pelos Direitos Civis estava acabado e a luta
diante o surgimento de movimentos pacíficos que pacífica dava lugar à luta armada e ao terrorismo.
organizaram grandes manifestações pela igualdade O IRA dividia-se em “oficiais” (os que ainda acre-
de direitos. Entretanto, violentos ataques protes- ditavam no movimento político e na participação
tantes aos guetos católicos acabaram resultando na nos Parlamentos de Londres, Dublin e Belfast) e

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 207


“provisórios” (os que só aceitavam a luta armada e
partiam para o terrorismo).
Em março de 1972, Londres resolveu fechar
o Parlamento de Belfast e nomear um administra-
dor para o Ulster. Em 1973, procurando isolar o
IRA, o governo britânico realizou um referendo
sobre a independência do Ulster. A maioria pro-
testante deu a vitória à permanência da Grã-Bre-
tanha.

As transformações globais desencadeadas


pelo fim da Guerra Fria começaram a atingir o
Ulster a partir de 1993. A necessidade de atrair re-
cursos externos e, para tanto, garantir a estabilida-
de na região, fez com que o Eire e a Grã-Bretanha
emitissem uma declaração propondo negociações
sobre o Ulster e condicionando a participação do
IRA ao abandono do terrorismo.
Michaell Collins Eamon De Valera
Em agosto de 1994, o IRA declarou a “sus-
Toda a década de 70 foi marcada pela vio- pensão completa” da luta armada como forma de
lência. O IRA “oficial” praticamente desapareceu, obtenção da independência. Em dezembro, o di-
enquanto multiplicavam-se os atentados terroris- álogo histórico iniciou-se sob o signo da polêmica
tas dos “provisórios”. Também o braço político do entre o governo britânico — que exigiu a entrega
movimento, o Sinn Fein, passou a ser dominado dos armamentos do IRA — e o Sinn Fein, braço
pelos adeptos dos “provisórios”. em consequência, político do movimento — que condicionou essa
milhares de ativistas católicos foram enviados para ação à desmilitarização do Ulster. em comum, a
o campo de prisioneiros de Long Kesh. Em 1978, a discussão sobre as leis de exceção em vigor. Porém,
corte Europeia de Justiça condenava Londres pela os protestantes da Irlanda do Norte, eleitores do
prática de torturas nesse campo. Partido Unionista, têm algumas lideranças, como
o reverendo Ian Paysley, que rejeitam a própria
Paz na Irlanda ideia de negociação com o IRA.

Em 1985, iniciou-se uma nova fase no con-


flito. voltando a uma política de pacificação, Lon-
dres firmou um acordo com o governo de Dublin,
dando participação à República da Irlanda na ad-
ministração do Ulster. A nova orientação desagra-
dou aos dois lados. Enquanto o IRA permaneceu
exigindo a retirada britânica e a reunificação com-
pleta da Irlanda, a maioria protestante levantou-se
contra a administração compartilhada. Procuran-
do controlar os protestantes, Londres voltou a fe-
char o Parlamento de Belfast.

208 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Quanto ao futuro, Londres condiciona a hi- bourd, Baixa Navarre e Soule).
pótese de reunificação irlandesa a um plebiscito no
Ulster, onde os protestantes somam 54% do elei-
torado. O IRA, por sua vez, declarou não poder
aceitar uma consulta que não incluísse os católicos
do sul (93% da população do Eire).
O 1º. Ministro inglês, Tony Blair, em seu
segundo mandato, declarou em Abril de 2002,
que as negociações com o IRA estão suspensas,
enquanto a luta contra o terrorismo, desenvolvi-
da pelos Eua, desde o Setembro de 2001, avança
contra toda e qualquer ação internacional da rede
terrorista alimentada por mercenários e naciona-
listas exaltados. A Guerra Civil espanhola (1936-1939)
colocou um ponto final na efêmera II República
Trinta e oito anos depois, os militares bri-
(1931-1936), instalou a ditadura do general Fran-
tânicos retiram-se da irlanda do norte. é um dia
cisco Franco e cortou, no nascedouro, as leis de au-
simbólico para a paz no ulster. os católicos acredi-
tonomia da minoria nacional basca. O País Basco
tam que acabou a ocupação, os protestantes já não
foi um dos primeiros a ser atingido pelo conflito,
vêem razão para um cenário de guerra. A mais lon-
sofrendo o célebre bombardeio de Guernica, imor-
ga operação militar da história terminou à meia-
talizado pela pintura de Pablo Picasso, quando a
-noite de 31 de julho de 2007, apesar da existên-
aviação de Hitler devastou aquela localidade basca
cias de outros grupos dissidentes da Irlanda.
que tinha sido a sede, no passado, das reuniões do
Conselho de Anciãos (o órgão governamental su-
A Espanha e o País Basco premo da comunidade basca).

Em 1959, ano de fundação da organização


separatista ETA (Euskadi Ta Askatasuna, o que
significa Pátria Basca e Liberdade”), um militante
dessa organização, pescador de profissão, disse a um
jornalista americano:

Somos o único país da Terra cujas fronteiras não


são divisões geográficas nem políticas, mas vogais e
consoantes. Nosso país começa onde se fala basco e A ditadura franquista (1939-1975) foi, antes
termina onde não se fala mais. Uma vez que o basco de tudo, um regime extremamente centralizador.
não tem relação com qualquer língua conhecida, isso cria toda e qualquer manifestação autônoma das comu-
fronteiras melhores do que as impostas pelos governos.
nidades regionais sofria dura repressão. A língua
Os bascos têm mais de 5 mil anos de história. basca foi proibida, e o seu ensino constituía ato de
Sua origem é desconhecida, mas sabe-se que defen- subversão. O uso das cores branco, verde e verme-
deram sua independência contra romanos, godos e lho, da bandeira basca, era duramente punido.
visigodos, na Antiguidade e Idade Média. A língua A organização separatista ETA, originou-se
basca (euskera) parece sequer pertencer ao tronco da ala jovem do tradicional e conservador (mas
indo-europeu, fonte do latim e das demais línguas ilegal sob a ditadura de Franco) Partido Naciona-
ocidentais. Hoje, existem cerca de 500 mil bascos, lista Basco (PNV). No início, a ETA limitou-se
habitando quatro províncias espanholas (Vizcaya, a uma atividade de difusão cultural dos valores e
Guipúscoa, Alava e Navara) e três francesas (La- costumes bascos, mas, a partir de 1966, lançou-se à

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 209


ação política e à luta armada. A ação armada mais financeira e militar dos EUA proporciona relativo
retumbante da ETA ocorreu em 1973, quando um progresso econômico a partir dos anos 60.
comando da organização fez explodir o carro que
transportava o primeiro-ministro franquista, Luis Redemocratização
Carrero Blanco, matando-o em plena zona urbana Com a morte de Franco, em 1975, é coro-
de Madri. Durante o longo período franquista, o ado o rei Juan Carlos I. Um gabinete moderado
terrorismo basco acabou sendo uma das manifesta- de direita dá início às reformas políticas. No man-
ções da luta contra a ditadura dato do primeiro-ministro Adolfo Suárez, os par-
tidos políticos são legalizados. Em 1977 realizam-
Guerra Civil Espanhola -se as primeiras eleições livres na Espanha desde
A agitação anarquista e o movimento sepa- 1936, vencidas pela União de Centro Democrático
ratista na Catalunha no início do século XX levam (UCD), de Suárez. No Pacto de Moncloa, de 1978,
o rei Alfonso XIII a encorajar um golpe militar do partidos, sindicatos e outros setores instituem as
general Primo de Rivera, em 1923. Em 1931, o rei bases legais do moderno Estado democrático espa-
é deposto e a República é proclamada. A Frente nhol.
Popular (FP), aliança entre republicanos, socia-
listas e comunistas, ganha as eleições de 1936. Regiões Autônomas
Militares liderados pelo general Francisco Franco No final de 1978 é aprovada a nova Consti-
sublevam-se no Marrocos espanhol em junho de tuição, que cria 17 regiões autônomas.
1936 e obtêm o apoio de 50 guarnições de toda a
Espanha. A população invade os quartéis e toma Catalunha, Galícia e País Basco conquistam
armas para defender a FP contra os franquistas, que maior autonomia por ser consideradas nacionali-
têm o apoio da oligarquia rural e da Igreja Cató- dades históricas, com cultura e língua própria. A
lica. Iniciam-se violentos combates entre milícias Catalunha, com capital em Barcelona, é a mais
populares – em grande parte lideradas pelos anar- rica e industrializada das regiões. O idioma catalão
quistas – e o Exército. A guerra civil dura até 1939 é falado por cerca de 7 milhões de pessoas. A Ga-
e ganha dimensão internacional. Os republicanos lícia baseia sua economia na agricultura e abriga
contam com o auxílio da União Soviética (URSS), Vigo, um dos principais portos de pesca do país. A
que envia armas e organiza as Brigadas Internacio- consciência regionalista é atribuída ao uso literá-
nais, com milhares de voluntários comunistas de rio da língua galega, próxima do português. O País
50 países. Os franquistas recebem ajuda de Hitler Basco, no norte, conta com destacados estaleiros e
e Mussolini, que mandam tropas e aviões. Perto de um grande setor siderúrgico.
1 milhão de pessoas morrem no conflito. A vitória Social-Democracia
dos militares leva à ditadura de Franco.
Reeleito em 1979, Suárez renuncia dois anos
Franquismo depois e é sucedido por Calvo Sotelo. Em 1981,
militares tomam o Parlamento e tentam dar um
Apoiado pelo Exército, Franco institui um
golpe de Estado. A ação firme do rei Juan Carlos I
regime de partido único, em que exerce os pode-
e a oposição da sociedade reprimem o movimento
res Executivo e Legislativo e controla o Judiciário.
e consolidam o regime democrático.
Mantém o país fora da II Guerra Mundial, mas en-
via soldados para ajudar os nazistas na invasão da Em 1982, os social-democratas ganham as
URSS. Em 1947, o ditador restaura a monarquia eleições, e Felipe González torna-se o primeiro
e passa a ser regente vitalício. Em 1969 nomeia chefe de governo socialista desde 1936. González
como seu sucessor o príncipe Juan Carlos, neto do promove a entrada da Espanha na Organização do
antigo rei Alfonso XIII. No período franquista, a Tratado do Atlântico Norte (Otan) em 1982 e im-
Espanha se isola do restante da Europa, mas a ajuda plementa medidas de austeridade econômica. Em

210 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


1986, a Espanha ingressa na Comunidade Econô- versações de paz. Mais de um milhão de pessoas
mica Europeia (CEE), atual União Europeia (UE). saem às ruas de Barcelona para protestar. O gover-
Novas eleições confirmam os socialistas no gover- no reage prendendo mais de cem supostos “etar-
no. A economia se recupera, mas o desemprego ras”, como são conhecidos os ativistas do grupo.
cresce, enfraquecendo o governo. Francisco Xabier García Gastelú, o “Txapote”, que
se acredita ser um dos líderes militares separatistas,
Na campanha eleitoral de 1996, a Espanha
é detido na França em fevereiro de 2001. Em ju-
é sacudida por uma onda de assassinatos cometidos
nho, o grupo anuncia que não há possibilidade de
pelos separatistas bascos. As eleições são vencidas
entendimento em curto prazo.
pelo conservador Partido Popular (PP). Seu líder,
José María Aznar, torna-se primeiro-ministro.
Os Bascos na Democracia
Espanhola
Desde 1974, a ETA estava dividida em duas
correntes: A ETA Político-Militar, que rejeitava
o terrorismo, e a ETA Militar (ou simplesmente
ETA-M), que fazia da luta armada e do terrorismo
o meio mais importante para a conquista da auto-
nomia basca.
Em 1979, no contexto das reformas demo-
cratizantes do rei Juan Carlos e de seu primeiro-
-ministro Adolfo Suárez, eram aprovados em refe-
General Francisco Franco - Fascista
rendo os estatutos da autonomia basca previstos na
Constituição promulgada um ano antes. A região
Trégua
ganhava órgãos de governos próprios e eram sus-
Na década de 1990, o acordo de paz na Ir- pensas todas as restrições à divulgação da cultura
landa do Norte e a acirrada reprovação popular à dessa minoria nacional. As datas nacionais bascas
campanha de atentados promovida pelo ETA le- passavam a ser livremente comemoradas e, em
vam o grupo ao maior isolamento de sua história. muitas escolas, o euskera voltava a ser ensinado.
Um cessar-fogo, anunciado em setembro de 1998,
De 1979 a 1982, viveu-se uma trégua entre
é aceito com desconfiança pelo poder central. O
autoridades e a ETA. O novo estatuto provocava
trégua dura até novembro de 1999, quando o grupo
uma grande discussão nas fileiras da ETA, levando
retoma os ataques terroristas, acusando o governo
muitos militares a defenderem o fim da luta arma-
de intransigência – por não realizar um referendo
da.
sobre a independência da região e não transferir
centenas de militantes do grupo para uma prisão Em 1982, consumou-se a divisão na ETA.
no País Basco. A Espanha passava a ser governada pelos socialis-
tas de Felipe González e a ETA-M retomava, com
Terror grande estardalhaço, a luta armada e os atos de ter-
Atentados atribuídos ao ETA matam 23 rorismo. Ao mesmo tempo, a ETA-M, com o apoio
pessoas em 2000, incluindo o presidente da Seção do Herri Batasuna, representação parlamentar e
Militar da Suprema Corte, general José Francis- pública da facção, formulou um programa de cinco
co Guerol, em Madri, e o ex-ministro socialista pontos que significava uma rejeição do estatuto de
da Saúde e Defesa do Consumidor, Ernest Lluch autonomia de 1979 e a opção por uma linha clara-
i Martín, em Barcelona. Como Lluch i Martín era mente separatista. Esse programa ficou conhecido
favorável a negociações com o ETA, o assassinato como Alternativas KAS, já que a primeira frase de
é visto como uma rejeição do grupo a novas con- cada ponto começava com a letra “K”, quando es-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 211


crita em euskera. vimento expressa o esgotamento da “via terrorista”
seguida pelo separatismo basco.
Durante cinco anos, sucederam-se as ações
violentas da ETA-M, atingindo indiscriminada-
mente militares, policiais e civis, dentro e fora das
províncias bascas. A reação do governo de Madri
conduziu a uma intensa repressão policial e, prati-
camente, à ocupação militar do País Basco. Acor-
dos entre o governo de Felipe González e o governo
socialista francês de François Mitterrand acabaram
com os tradicionais refúgios de militantes bascos
espanhóis nas províncias bascas francesas. Paris
passou a extraditar para Madri centenas de dirigen-
tes da ETA escondidos naquelas províncias.

O primeiro-ministro socialista José Luis


Rodríguez Zapatero e o Rei Juan Carlos I cha-
maram novamente à “unidade das forças políticas”
que, junto com a ação das forças de segurança, es-
tão em alerta e formam “o único muro eficaz” con-
tra a violência do ETA (Março -2008).

O Atentado de Março de 2004


O 11 de março de 2004 será uma data a ser
marcada no calendário contemporâneo. Não que
venha a ter a mesma dimensão que o outro dia
Os anos de terror produziram um repúdio ge- 11 com o qual boa parte dos analistas estabeleceu
neralizado na sociedade espanhola contra a ETA- comparações. O 11 de setembro de 2001, com os
-M. Autoridades, partidos de situação e oposição atentados que se abateram sobre os Estados Uni-
e sindicatos conduziram manifestações públicas dos, abriu a “caixa de Pandora” e dos monstros que
imensas, principalmente em Madri e Barcelona, dela saíram, o mais recente é o que causa horror à
contra os principais atos terroristas da ETA-M. Espanha, à comunidade Europeia e ao mundo.
O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE),
de Felipe González, primeiro-ministro até meados
da década de 90, manteve uma atitude contrária
a qualquer negociação com o Herri Batasuna en-
quanto a ETA-M não declarasse o fim da luta ar-
mada e o respeito à Constituição de 1978.
No País Basco, o terrorismo resultou numa
fissura social profunda. O PSOE, defensor do es-
tatuto de 1979, ganhou força entre os bascos que
rejeitavam a separação e a luta armada. Em janeiro
de 1988, a ETA e o Herri Batasuna anunciaram
uma trégua na luta armada e nas ações terroristas,
propondo a abertura do diálogo com o governo de Acompanhando a imprensa nacional e in-
Madri. Nos anos 90, o isolamento político do mo-

212 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


ternacional, alguns aspectos merecem especial explicações simplistas ou de finalidades meramen-
atenção. Diversos artigos citam uma frase que te- te eleitoreiras, sempre é derrubada e aí reside a ma-
ria sido pronunciada por um senhor descrito como ravilha da imprevisível experiência humana pelo
de “meia-idade” próximo à Estação de El Pozo de desenrolar dos acontecimentos.
Madri.
O mesmo Angel Acebes que parecia dotado
Na manhã do dia 11 de março ali explodi- de inexpugnável certeza, horas depois, precisou ir
ram duas bombas em um trem, na Estação Atocha a público contar que a polícia havia encontrado
foram sete bombas em duas composições com pe- um furgão roubado, contendo detonadores e uma
quena distância temporal e na Estação Santa Eugê- fita de áudio com a gravação de versos do Alcorão.
nia foi a vez de um vagão central ser atingido pela
Reafirmando que o ETA continuava sendo
explosão de uma bomba. Indignado o senhor teria
a principal suspeita, foi obrigado a declarar que ou-
dito: “O que querem de nós?”
tras pistas seriam consideradas.O grupo Brigadas de
Chega a incomodar a exagerada preocupa- Abu Hafs al Masri, vinculado à Al Qaeda e que já
ção em se localizar os mandantes dos atentados. assumiu autoria de outros atentados (o de agosto
O governo, representado pelo premiê José María em Bagdá à sede da ONU e o de novembro na Tur-
Aznar, do Partido Popular (PP, de centro-direita), quia à Sinagogas em Istambul), enviou uma carta
através de seu ministro do interior Angel Acebes, ao jornal árabe Al Quds Al Arabi sediado em Lon-
se apressou a condenar a conhecida organização se- dres. Nessa carta, assume os atentados de Madri e
paratista [e terrorista] “Pátria Basca e Liberdade”, faz novas e assustadoras ameaças.
representada pela sigla ETA (Euskadi ta Askatasu-
O “day after”, apesar da convocação do go-
na, em euskera, língua basca), o que acabou sendo
verno para manifestações públicas de repúdio à
seguido por boa parte da imprensa espanhola e pela
violência cometida, exibe uma Espanha em que
própria população, na sequência imediata aos ata-
quase um quarto da população vai às ruas com mais
ques.
espontaneísmo do que resposta à eventuais chama-
Mesmo no País Basco, em manifestação es- dos oficiais.
pontânea, centenas de pessoas saíram às ruas carre-
Explica-se. O premiê Aznar conduziu uma
gando cartazes onde se lia “ETA não!”.
luta encarniçada contra o ETA, colocando o par-
O candidato oposicionista que concorre tido Batasuna (considerado braço político da or-
contra Mariano Rajoy do PP, pelo Partido Socia- ganização) na ilegalidade e, em atuação conjunta
lista Operário Espanhol (PSOE) --este domingo é com o governo francês, conseguindo prender as
dia de eleições na Espanha--, José Luis Rodríguez suas principais lideranças. Esta luta foi considera-
Zapatero, numa apressada e emocionada manifes- da bem sucedida, na medida em que os atentados
tação se expressa, pedindo ao povo para compare- diminuíram sensivelmente, a ponto de, em 2003,
cer às urnas, votar em qualquer candidato, mas dar terem sido atribuído a ela apenas três ataques.
uma resposta democrática ao ETA.
Quando se pensa em grupos que não têm
Comentando os fatos para diferentes veí- problemática local --o ETA e o IRA são locais na
culos de comunicação a pergunta incessante era: medida em que seus ataques têm uma vinculação a
quem cometeu os atentados? Se se exibiam dúvi- problemas internos de seus respectivos países-- não
das em relação à autoria do ETA, imediatamente a se pode limitar a extensão à Al Qaeda.
questão subsequente era: então foi a Al Qaeda? O
O grupo e Osama bin Laden ficaram mun-
maniqueísmo da busca de explicações não permi-
dialmente conhecidos a partir do 11 de setembro
tia intermediários ou reflexões: se não foi o ETA,
de 2001. Mas não são os únicos. Existe uma infi-
forçosamente foi a Al Qaeda.
nidade de grupos com atuação considerada “terro-
Qualquer tentativa de maniqueísmo e de rista” e com escopo internacional. Outro simplis-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 213


mo, obviamente ideológico, é o de acreditar que A Iugoslávia foi uma criação do nacionalis-
o terrorismo é exclusivamente “fundamentalista mo sérvio e da Primeira Guerra Mundial (1914-
islâmico”. 1918).
A Al Qaeda tem uma vinculação ao islamis-
mo. O mesmo não se pode dizer de outros grupos.
Vale a frase que procurou desarticular a verdadeira
perseguição movida ao Oriente no pós-11 de Se-
tembro, orquestrada pelos EUA: “Nem todo árabe
é muçulmano, nem todo muçulmano é fundamen-
talista, nem todo fundamentalista é terrorista”.
A resposta que o mundo capitaneado pelos
EUA procurou dar à agressão dos atentados de 11
de Setembro foi uma só, ao mesmo tempo, delibe-
radamente mal intencionada e simplista, do ponto
de vista político: o uso da força.

A Decomposição da
Iugoslávia
Os Balcãs constituem um dos mais antigos
e renitentes espaços de conflito entre grupos na-
cionais e a organização geopolítica das fronteiras
e dos Estados. A decomposição da Iugoslávia re- A Sérvia desligara-se do império otomano,
presenta uma dimensão atual do velho “problema passando a orbitar na influência russa a partir da
balcânico”. autonomia de 1817. durante o século XIX, a Sérvia
Na década de 1880 os Balcãs encontravam- aproveitou-se dos conflitos entre russos e turcos e
-se divididos por dois grandes impérios multinacio- das crises do império austro-húngaro para formular
nais que já viviam a fase da decadência: o império o seu projeto geopolítico: a constituição da Gran-
otomano e o império austro-húngaro. O primeiro de Sérvia, reunindo os povos eslavos dos Balcãs.
controlava a parte setentrional da península, e, o A ideologia que cimentava esse projeto era a do
segundo, a parte meridional. A presença de pe- pan-eslavismo.
quenos Estados semi-independentes, protegidos
de outras potências Europeias (como a Romênia, Em 28 de junho de 1914, Francisco Ferdinando, o
a Bulgária, a Sérvia, o Montenegro e a Grécia) herdeiro do trono austro-húngaro, foi assassinado com
sua esposa quando fazia uma visita oficial a Sarajevo, a
era resultado das perdas territoriais sucessivas do capital da Bósnia-Herzegovina (desde 1908, protetorado
império otomano. imperial). O autor do atentado ao arquiduque era um
estudante nacionalista sérvio, Gavrilov Princip, que, com
aquele ato terrorista, protestava contra a presença dos
austríacos numa região que, segundo os nacionalistas do
seu país, deveria estar na órbita da Sérvia. Para o governo
austro-húngaro, o atentado da MÃO NEGRA, a
organização clandestina sérvia, a quem Princip pertencia,
serviu como pretexto para uma declaração de guerra ao
Reino da Sérvia.

O pan-eslavismo esteve na origem direta da


Primeira Guerra, que começou quando o arquidu-

214 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


que austríaco Francisco Ferdinando foi assassinado Eslovênia, Montenegro e Macedônia). Duas “re-
por um nacionalista sérvio na cidade de Sarajevo, giões autônomas” foram criadas na República da
na Bósnia-Herzegovina. Atacada pelo império Sérvia: Vojvodina, com uma expressiva população
austro-húngaro, a Sérvia recebeu apoio da Rússia. de origem húngara, e Kosovo, constituída majori-
A Alemanha alinhou-se com os austríacos; a Grã- tariamente por albaneses étnicos.
-Bretanha e a França, com os russos. O naciona-
lismo sérvio funcionara como a gota d’água que
fez transbordar o copo das tensões acumuladas na
Europa.
A derrota da Alemanha e do império austro-
-húngaro e o colapso final do império otomano ge-
raram um novo mapa político de toda a Europa.
Nos Balcãs, a Sérvia conseguiu os territórios da
Croácia, Eslovênia E Bósnia-Herzegovina, perdi-
dos pelos austríacos, e, ainda, o Montenegro e a
Macedônia, perdida pelos turcos. Nascia o Reino
dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (a Grande Sérvia A Federação manteve-se unida sob o pulso
do pan-eslavismo). Em 1929, o Reino passava a se forte do regime comunista e seu monolitismo parti-
chamar Iugoslávia. dário. Os dissidentes separatistas eram severamen-
Desde sua origem, a Iugoslávia foi um Estado te reprimidos. A morte do marechal Tito, em 1980,
multinacional submetido à hegemonia da Sérvia. assinalou o início da crise do Estado multinacional
No seu interior viviam croatas, eslovenos, monte- iugoslavo. A desagregação dos regimes comunistas
negrinos e minorias macedônias e albanesas. Esses da Europa oriental, em 1989-1990, aprofundou a
povos enxergavam os sérvios como um novo poder crise e ateou fogo ao separatismo. O fim do sistema
imperial. de partido único dissolvia o cimento da unidade
iugoslava.
Vida e Morte da Iugoslávia As repúblicas da Croácia e da Eslovênia, as
Comunista mais ricas e mais ligadas à Europa ocidental, ele-
geram governos autonomistas, transformando-se
Na Segunda Guerra, a Iugoslávia foi des-
na vanguarda do separatismo. Na Sérvia, os diri-
membrada entre a Alemanha nazista e seus alia-
gentes comunistas ressuscitavam o pan-eslavismo
dos. Enquanto os nacionalistas croatas aderiram ao
e a bandeira da Grande Sérvia, recriando a base de
Eixo, as forças da Resistência iugoslava dividiram-
sustentação popular para manterem-se no poder.
-se entre os comunistas, liderados pelo croata Josip
Quando a Sérvia, aliada à pequena república de
Broz Tito, e os monarquistas defensores da Grande
Montenegro, proclamou-se a herdeira da Iugoslá-
Sérvia. A vitória das forças comunistas, sem ne-
via, o caldeirão de conflitos nacionais balcânicos
nhum auxílio dos Aliados, permitiu ao marechal
levantou a fervura da guerra civil.
Josip Broz Tito reorganizar o Estado, baseado no
princípio de igualdade entre as nacionalidades e Os choques começaram na Eslovênia, em
etnias. 1991, quando essa república proclamou-se inde-
pendente e foi atacada pelo Exército federal, con-
O novo Estado iugoslavo foi erguido sobre
trolado pelos sérvios. Em seguida, concentrou-se
uma base federativa, modelo que visava reduzir as
na Croácia, onde a existência de regiões de maioria
tensões nacionalistas no interior desse espaço ge-
sérvia provocou um conflito prolongado e caracte-
opolítico multinacional. A Federação iugoslava
rizado pelo confronto entre forças oficiais e milí-
compunha-se de seis repúblicas teoricamente au-
cias irregulares recrutadas entre os sérvios étnicos.
tônomas (Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 215


No início de 1992, Eslovênia e Croácia obtiveram em Paris, em dezembro de 1995, definiu a Bósnia
reconhecimento internacional como Estados inde- como Estado soberano, no interior das fronteiras
pendentes, o que levou a ONU a intervir no con- reconhecidas pela comunidade internacional. Po-
flito e obter a negociação de um cessar-fogo nessas rém, no seu interior, devem conviver duas entida-
regiões, assegurado pela presença dos “capacetes- des distintas: uma federação muçulmano-croata,
-azuis” (as forças de interposição da ONU). com 51% do território, e uma república sérvia,
com 49%. Sarajevo foi definida como capital do
Em 1992, após um plebiscito boicotado
Estado bósnio, permanecendo sob controle da en-
pelos sérvios da Bósnia, foi formalizada a inde-
tidade federal muçulmano-croata.
pendência da Bósnia-Herzegovina e uma nova
guerra começou. Aqui, a heterogeneidade de na-
cionalidades, apesar de uma relativa maioria de
muçulmanos, conferiu ao conflito um perfil mais
sangrento ao generalizar a guerra étnica. Os em-
bates tendem a se constituir numa tragédia dura-
doura, cujo símbolo maior é a chamada “limpeza
étnica”, uma política de transferências massivas de
populações e processos de genocídio. Para o novo
Estado iugoslavo, era plenamente justificada por
dois motivos: o objetivo de unificar todos os terri-
tórios de maioria sérvia, concretizando-se o velho
projeto nacionalista, e a dificuldade decorrente do
entrelaçamento geográfico das etnias. Mas croatas
e muçulmanos também recorreram aos campos de
concentração e à prática de todo tipo de violência
contra civis desarmados.
A implantação dos acordos de paz será su-
Ao longo de três anos, as forças sérvias da
pervisionada durante dois anos por uma força de
Bósnia conquistaram cerca de 70% do território.
interposição da Otan, composta por 60 mil sol-
Utilizando-se da “purificação” étnica, chegaram
dados. Os Estados Unidos participam com 20 mil
perto dos objetivos traçados no início do conflito.
soldados, o maior contingente. Essa importante
Contudo, no segundo semestre de 1995, a situação
operação militar produziu outra consequência sig-
foi parcialmente revertida, após violentos bombar-
nificativa o retorno da França ao comando Unifi-
deios da Otan e uma ofensiva do exército regular
cado da Otan, do qual estava afastada desde 1966.
da Croácia, que reconquistou uma parte importan-
O fato serviu como excelente pretexto para o go-
te do território perdido, principalmente no norte
verno de Paris evitar seu isolamento dentro da UE,
da Bósnia. O uso das forças da Otan contra os sér-
onde propõe a criação de uma organização de defe-
vios — à revelia da Rússia — e o envolvimento di-
sa exclusivamente Europeia.
reto da Croácia no campo de batalha somaram-se
à intensificação das sanções internacionais contra O Tratado, assinado em Paris, sela, efeti-
a Iugoslávia para produzir o acordo de paz. vamente, a morte da Bósnia multiétnica e, quase
certamente, de um Estado bósnio soberano. Por
Ao longo do mês de novembro de 1995 fo-
meio de cláusulas caprichosas, que admitem a con-
ram realizadas, em Dayton, nos Estados Unidos,
federação das duas entidades autônomas da Bósnia
tensas negociações entre os chefes de Estado da Iu-
com outros Estados, ele pavimenta o caminho para
goslávia, Croácia e Bósnia. Os rebeldes sérvios da
a bipartição, no futuro próximo, do Estado bósnio
Bósnia, isolados e desgastados, acabaram se confor-
entre a Iugoslávia e a Croácia. O que o futuro vis-
mando em ser representados pelo líder iugoslavo
lumbra é a configuração, à custa da Bósnia, de uma
Slobodan Milosevic. O Tratado de Paz, assinado

216 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


“Grande Sérvia” e de uma “Grande Croácia”. A vir, Milosevic decreta cessar-fogo em novembro,
primeira, aliada da Rússia, controlaria o leste e o mas os massacres prosseguem. Diante do impasse, a
sul bósnios. A segunda, aliada dos Estados Uni- Otan lança a Operação Força Aliada, liderada pe-
dos e das potências ocidentais, controlariam in- los EUA, em 24 de março. Os bombardeios aéreos
diretamente o restante da Bósnia. Os dois novos não garantem a vitória rápida, como se esperava. A
Estados estabeleceriam uma situação de equilíbrio ofensiva dura até junho, quando Milosevic aceita o
de poder na antiga Iugoslávia, contrabalançando- plano de paz. Cerca de 1,2 mil civis morrem.
-se mutuamente. A guerra nos Balcãs evidenciou
Extradição
a incapacidade da comunidade internacional em
obter um acordo estável para a região, revelando a A queda de Milosevic marca o início de
quimera de uma “ordem mundial” sustentada pelo uma nova fase para o país. Numa demonstração de
controle das grandes potências sobre o conselho de apoio ao novo presidente, a União Europeia (UE)
Segurança da ONU. O fracasso dessa perspectiva, e os EUA suspendem as sanções econômicas decre-
que parecera viável logo após a Guerra do Golfo tadas em 1992. Em novembro, a Iugoslávia é read-
(1990-1991), reflete a instabilidade estrutural de mitida na ONU e na Organização para a Seguran-
um cenário internacional que já não se alicerça na ça e Cooperação na Europa (Osce) e reata relações
bipolaridade de poder. A guerra iugoslava desmo- diplomáticas com várias nações Europeias.
ralizou a ONU e restringiu as iniciativas destinadas A liberação de ajuda financeira externa, no
ao deslocamento de forças de paz internacionais entanto, fica condicionada à extradição de Milo-
para áreas de conflito. sevic para o TPI, onde é indiciado por crimes con-
Guerra em Kosovo tra a humanidade. O cerco tem início em abril de
2001, quando a justiça o coloca em prisão domici-
liar - sob acusações de abuso de poder, entre outras.
Num clima de crescente pressão externa, Milose-
vic é enviado a Haia em 28 de junho, onde morre
de um ataque cardíaco em 11 de março de 2006 .
A deportação abre uma crise no governo: foi de-
terminada pelo dirigente da Sérvia, Zoran Djindic,
sem o consentimento da Corte Constitucional, de
Kostunica e do primeiro-ministro, Zoran Zizic, que
anuncia em protesto. Em seu lugar, assume Dragisa
Pesic, também do SNP.

A tensão provocada pelos separatistas em


Kosovo, habitada por 90% de albaneses, cresce
no decorrer de 1998. Em janeiro há confrontos
entre forças sérvias e guerrilheiros do Exército de
Libertação de Kosovo (ELK). Em maio, militares
sérvios intensificam os ataques contra redutos re-
beldes. Pressionado pela Otan, que ameaça inter-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 217


A Independência De Kosovo
Em reunião extraordinária do Parlamento, o Kosovo
declarou hoje sua independência da Sérvia. A decisão,
unilateral, foi anunciada pelo premiê do Kosovo, Hashem
Thaçi.
“Nós, os líderes do nosso povo, democraticamente
eleitos, através desta declaração proclamamos o Kosovo
um Estado independente e soberano”, disse o premiê
kosovar. “Essa declaração reflete a vontade do nosso
povo.”
A declaração de independência do Kosovo foi
aprovada por 109 votos a zero, com 11 deputados
ausentes. “O Kosovo é uma república, um Estado
independente, democrático e soberano”, disse o presidente
do Parlamento, Jakup Krasniqi.
Na Sérvia, no entanto, a medida causou sensação de
indignação e mal-estar diante da perda de sua Província,
considerada o berço de sua nação. O presidente sérvio,
Boris Tadic, disse que “a Sérvia nunca reconhecerá a
independência do Kosovo”.
O premiê sérvio, Vojislav Kostunica, disse hoje que
a Sérvia lutará “sem o uso da força” para recuperar o
Kosovo, e acusou os Estados Unidos de terem imposto
seus interesses na Província e a União Europeia (UE)
de ter “abaixado a cabeça”. “Hoje foi proclamado o falso
Estado do Kosovo na parte sérvia sob controle militar da
Otan”, disse o premiê da Sérvia.
O presidente sérvio, Boris Tadic, disse que “a Sérvia
nunca reconhecerá a independência do Kosovo”.
Em apoio à Sérvia, a Rússia pediu à ONU
(Organização das Nações Unidas) que anule a declaração
de independência do Kosovo. A Rússia alega que a
decisão do governo kosovar pode causar uma escalada na
violência entre grupos étnicos na região.

218 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


China - Potência Emergente
CAPÍTULO

15

História Enfraquecido, o governo imperial não se


contrapõe às ambições estrangeiras. Em 1885, a
A China é herdeira de uma civilização com China cede à França o Anã (Vietnã) e, nove anos
mais de 4 mil anos de registros históricos contí- depois, perde a península da Coreia e Taiwan (For-
nuos, mas que só no século XIII mantém contato mosa) para o Japão.
frequente com o Ocidente, por intermédio de mer-
cadores, como o veneziano Marco Polo. No século
XVI chegam os portugueses, que fundam Macau.

Domínio Ocidental
A partir do século XIX, a influência ociden-
tal causa grande impacto sobre o Império Chinês.
Em 1820, os britânicos obtêm exclusividade
de comércio no porto de Cantão. Interesses comer-
ciais opõem a China e o Reino Unido e levam-nos
às duas Guerras do Ópio. Vitoriosos, os britânicos
garantem o monopólio do comércio da droga, a Boxers Chineses
abertura de cinco portos chineses ao Ocidente e a
posse de Hong Kong. Em 1844, os Estados Unidos
(EUA) e a França conquistam privilégios comer-
ciais.

Sun Yat-sen Chiang Kai-shek

A exploração colonialista provoca uma gra-


ve rebelião em 1851. Hong Sieu-tsien proclama-
-se imperador em Nanquim,a antiga capital, mas
é vencido pelo governo imperial com a ajuda dos
ingleses e dos norte-americanos. Em 1858, a Rússia
ocupa vastos territórios no norte do país. No mes- Mao Tsé-tung
mo ano, são abertos mais 11 portos na China.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 219


Fim do Império continental é reorganizada nos moldes comunistas,
com a coletivização das terras e o controle estatal
Em 1900, o médico Sun Yat-sen funda o Partido da economia. Em 1950, Mao assina um tratado de
Nacionalista (Kuomintang), em oposição à Monarquia
e à hegemonia estrangeira. Ele é proclamado presidente amizade com a União Soviética (URSS). Tropas
provisório em 1911, mas a República não consegue chinesas lutam na Guerra da Coreia, em 1950 e
estabelecer seu domínio sobre todo o país. 1951, ao lado da Coreia do Norte (comunista). Em
A morte de Sun Yat-sen, em 1925, provoca uma 1950, a China ocupa e anexa o Tibet.
luta pelo poder no Kuomintang. A facção vitoriosa,
liderada por Chiang Kai-shek, une-se ao Partido
Comunista Chinês (PCCh) – fundado em 1922 – contra
os senhores feudais do norte do país. A aliança dura
apenas até 1927, quando uma in surreição operária é
reprimida com violência pelo Kuomintang em Xangai. Os
comunistas, liderados por Mao Tsé-tung, são colocados
na clandestinidade.Debilitada pelo conflito, a China
não consegue resistir ao Japão, que, em 1931, invade
a Manchúria e cria o protetorado de Manchukuô, sob o
governo fantoche de Pu Yi, o último imperador manchu.
Paralelamente prossegue a guerra civil. Para escapar ao
cerco do Kuomintang, 90 mil comunistas, liderados por
Mao, deslocam-se 9 mil quilômetros rumo ao norte do
país. É a Grande Marcha (1934-1935), que dá prestígio
e uma dimensão quase mítica aos comunistas.

A submissão da dinastia manchu à inter-


venção externa provoca, em 1900, a Guerra dos Após a morte do ditador soviético Josef Stá-
Boxers, revolta dos nacionalistas chineses contra lin, em 1953, Mao enfatiza sua autonomia em re-
estrangeiros e missionários cristãos. A rebelião é lação à URSS. Em 1956 lança a Campanha das
sufocada com a ajuda de tropas ocidentais e japo- Cem Flores, para estimular as críticas da popula-
nesas. A China é novamente obrigada a ceder: os ção às autoridades e diminuir o poder da burocra-
EUA impõem a política da Porta Aberta, pela qual cia partidária. Quando essas críticas ultrapassam
o Ocidente se compromete a respeitar a integrida- os limites “toleráveis”, o regime reage com a Cam-
de territorial em troca da total abertura comercial panha Antidireitista. Milhares de intelectuais são
da nação. perseguidos, presos e mortos. Em seguida, Mao lan-
ça outra campanha: o Grande Salto para a Frente
(1958-1960), que pretendia transformar a Chi-
A Grande Revolução - 1949 na em uma nação desenvolvida e igualitária em
tempo recorde. Os camponeses são obrigados a se
Em face do avanço japonês, o Kuomintang
juntar em gigantescas comunas agrícolas. Siderúr-
e o PCCh são forçados a fazer uma nova aliança.
gicas improvisadas são instaladas em toda parte. O
Com a rendição do Japão no final da II Guerra
“salto” leva à desorganização total da economia,
Mundial, reiniciam-se os combates entre comunis-
e milhões de camponeses morrem de fome.
tas e nacionalistas. Chiang Kai-shek sucumbe às
ofensivas do PCCh, apesar da ajuda recebida dos A década de 60 iniciou-se com uma espe-
EUA. Os comunistas entram em Pequim em janei- tacular reviravolta nas relações sino-soviéticas. O
ro de 1949 e, no dia 1º de outubro, proclamam a rompimento entre os dois países teve como cau-
República Popular da China, com Mao Tsé-tung sa fundamental a aspiração chinesa de possuir um
como dirigente supremo. Chiang Kai-shek foge arsenal nuclear próprio e autônomo, instrumento
para Taiwan (Formosa), onde instala a Repú- para a elevação do país à categoria de potência
blica Nacionalista da China. Os contrarrevolu- continental. O ponto mais crítico foi atingido em
cionários sofrem uma violenta repressão. A China agosto de 1969, quando se registraram conflitos ar-

220 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


mados nas fronteiras entre os dois países. vessou uma fase de agudos conflitos internos, espe-
cialmente após 1966, quando se iniciou a chamada
O período que vai de 1949 a 1960 correspondeu Revolução Cultural, um movimento de radicali-
a uma fase de alinhamento de Pequim com o bloco zação política e fechamento econômico diante do
geopolítico centralizado por Moscou. Nessa fase, as exterior, dirigido por Mao Tsetung em aliança com
tensões que tinham marcado o relacionamento do Partido
comunista Chinês (PCC) com o regime de Moscou, antes o setor mais ortodoxo do PCC, liderado por Lin
da tomada do poder por Mao Tsetung, ficaram encobertas Piao. Acusados de “direitismo” e “revisionismo”,
pela conjuntura mundial da Guerra Fria. A aplicação da os dirigentes moderados do PCC foram objeto de
Doutrina Truman à Ásia conduziu Washington a uma uma campanha de desmoralização que redundou
política de isolamento internacional e cerco continental
da China, impondo o estreitamento das relações Pequim- em ondas de expurgos e prisões no interior do Par-
Moscou. tido. Multidões de jovens e exaltados adeptos de
Durante os anos da Guerra Fria, no contexto da Mao e Lin Piao formaram as Guardas Vermelhas,
aplicação da Doutrina Truman, a China foi afastada da organizações de jovens maoístas da revolução Cul-
ONU e o regime de Taiwan ocupou a cadeira chinesa tural.
na Organização. Nesse período, Taiwan e Coreia
constituíram os eixos de um conflito permanente entre a Durante essa fase, o Indostão foi palco de
China e os Estados Unidos. Nessa conjuntura, Pequim conflitos ligados, direta ou indiretamente, à dispu-
alinhava-se com Moscou em todas as grandes crises
ta sino-soviética pela expansão da influência na
internacionais, ao mesmo tempo em que desenvolvia
intensa colaboração no plano econômico e militar. Ásia. Em 1962, a China e a Índia envolveram-se
em batalhas de fronteira. em 1965, a instabilidade
O rompimento com a União Soviética pre- na sub-região expressou-se por meio da guerra en-
cipitou a China numa situação de profundo isola- tre a Índia e o Paquistão.
mento internacional. A Guerra do Vietnã, que vi-
Entre 1970 e os primeiros anos da década de
via os anos d escalada americana, impedia qualquer
80, a política externa chinesa conheceu um ter-
iniciativa de aproximação com Washington. Nessa
ceiro período, caracterizado pela aproximação com
fase, os chineses buscaram uma aproximação com
Washington.
o bloco dos Não-Alinhados, que conhecia seus
anos áureos, desenvolvendo as teorias terceiro-
-mundistas que se tornaram a marca registrada do Os Guardas Vermelhos
socialismo maoísta. Entretanto, essa aproximação Unidades paramilitares tinham 11 milhões de estu-
foi sempre parcial e precária na medida em que a dantes
Índia e o Egito, dois Estados líderes entre os Não- Recrutados entre estudantes, os Guardas Vermelhos
-alinhados, percorriam uma trajetória de colabora- eram unidades paramilitares, organizadas pelo PCC,
que ajudaram Mao Tsé-tung a derrotar seus rivais na
ção cada vez mais estreita com a União Soviética.
luta pelo comando do país. O grupo, que chegou a ter 11
O isolamento internacional de Pequim só milhões de integrantes, iniciou uma onda de vandalismo
contra monumentos históricos - que lembravam a anti-
foi amenizado pelo restabelecimento de relações ga cultura chinesa -, perseguiu membros rivais do PCC,
diplomáticas com a França, que rompeu com professores e pessoas acusadas de serem conservadoras.
Taiwan em 1964. Essa estranha aproximação de- Logo, os Guardas Vermelhos racharam em várias fac-
corria do paralelismo da situação dos dois países ções, cada uma julgando ser a verdadeira representante
de Mao. Com isso, o grupo foi perdendo sua força aos
em relação à política nuclear das superpotências: poucos até desaparecer.
como Mao, de Gaulle desenvolvia uma capacida-
de nuclear autônoma e chocava-se com a oposição Com a détente, a tradicional política ame-
de Washington. Ainda em 1964, a China explo- ricana de contenção na Ásia sofreu uma transfor-
dia sua primeira bomba atômica, consolidando mação conceitual. A noção do estabelecimento
uma posição de potência asiática independente da de rígidos diques geopolíticos, materializados por
União soviética. alianças militares como a Seato e o Pacto de Bagdá,
Afastada do bloco soviético, a China atra- foi substituída pela noção mais dinâmica de uma

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 221


sustentação da política chinesa de independência xon em Pequim. Em setembro, foram retomadas
perante Moscou. A administração Nixon-Kissin- as relações diplomáticas sino-japonesas. No ano
ger avançou nesse novo caminho pela estratégia seguinte, os Estados Unidos retiravam-se do Viet-
de retirada do Vietnã, que preparava a diplomacia nã e suspendiam os bombardeios sobre o Camboja.
triangular (Washington-Moscou e Washington- Estava completada a grande virada. O restabele-
-Pequim). cimento formal de relações Estados Unidos-China
ocorreria apenas em janeiro de 1979. Em 1980,
A Revolução Cultural sob o impacto da invasão vietnamita no Cambo-
ja e, principalmente, da intervenção soviética no
Foi um período de transformações políticas e sociais
que agitaram a China entre 1966 e 1976. Quem a de- Afeganistão, Washington e Pequim firmavam um
sencadeou foi Mao Tsé-tung, que liderava o país desde acordo explicitamente orientado contra a expan-
1949, quando os comunistas chegaram ao poder. Insa- são asiática do intervencionismo soviético.
tisfeito com os rumos do sistema que ele mesmo havia
implantado, Mao queria que a China fugisse do modelo
soviético de comunismo, por considerá-lo falido e onde os
burocratas do governo viviam num mundo irreal, com
mordomias que o resto da população não tinha. Assim,
numa reunião do Comitê Central do Partido Comunista
Chinês (PCC), em agosto de 1966, ele lançou formal-
mente a Revolução Cultural. “Mao tinha quatro objeti-
vos: corrigir o rumo das políticas do PCC; substituir seus
sucessores por líderes mais afinados com o que pensava;
assegurar uma experiência revolucionária à juventude
chinesa; e tornar menos elitistas os sistemas educacional,
cultural e de saúde”, diz o cientista político Kenneth Lie-
berthal, do Centro de Estudos Chineses da Universida-
de de Michigan, nos Estados Unidos. Para atingir esses
objetivos, Mao se apoiou numa enorme mobilização da
juventude urbana da China, organizando grupos conhe-
cidos como Guardas Vermelhos (leia no quadro abaixo).
Além de questionar os rumos do comunismo chinês, a Re-
volução Cultural combateu o confucionismo, ideias ba-
seadas no pensamento do filósofo Confúcio, que durante
milênios influenciaram a sociedade chinesa. Pelo valor
que davam à hierarquia e ao culto do passado, tais ideias Henry Kissinger................
passaram a ser encaradas como reacionárias. “A Revolu-
ção Cultural foi a luta contra uma classe intelectual sepa- No plano da política interna, a China viveu,
rada da massa”, diz o historiador Mário Bruno Sproviero, nos anos de détente, o fim da Revolução Cultural,
da USP. O problema é que, na prática, ela resultou em
escolas fechadas, no ataque (não só verbal) a intelectuais imediatamente seguido por uma inflexão no senti-
e no culto exagerado à personalidade de Mao. A morte do do da abertura da economia para o ocidente.
líder, em 1976, abriu caminho para a ascensão do político
Deng Xiaoping. Com a mudança no poder, em 1977, a Em setembro de 1971, Li Piao era morto,
Revolução Cultural foi oficialmente encerrada. após tentar um golpe conta Mao Tsetung. Estava
rompida a aliança entre o centro maoísta e os ra-
Em janeiro de 1970, foram retomadas as dicais de Lin Piao, que tinha construído o eixo di-
negociações Estados Unidos-China de estabele- rigente da Revolução Cultural. Em 1976, morriam
cimento de relações diplomáticas. em outubro de Mao e Chou En Lai, os últimos representantes da
1971, logo após a viagem “secreta” de Henry Kis- velha guarda do Partido.
singer a Pequim, a China era admitida na ONU,
com a expulsão de Taiwan. O maoísta Hua Guofeng assumiu os postos
de comando e iniciou a repressão contra os radi-
Em fevereiro de 1972, Mao Tsetung e Chou cais, ordenando a prisão de Chiang Ching, a vi-
En Lai recebiam calorosamente o presidente Ni- úva de Mao, e de outros três dirigentes da facção

222 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


maoísta da Revolução cultural. O centro aliava-se que ele cace os ratos”
agora aos moderados, promovendo uma campanha
de desmoralização contra o chamado “Bando dos
Quatro”, acusados de sabotagem e traição. A alian-
ça com os moderados levou à reabilitação de Deng
Xiaoping, que tinha sido vice primeiro-ministro,
antes da Revolução Cultural.
Fortalecido no interior da elite dirigente do
Partido, Deng coordenou uma virada espetacular,
marcada pelo aprofundamento da campanha con-
tra os radicais, que logo começou a atingir o cen-
tro maoísta. No final de 1978, os muros de Pequim
estavam cheios de dazibaos contra Hua Guofeng e
contra o próprio Mao Tsetung.
Em 1980, Guofeng renunciava e Zhao
Ziyang tornava-se primeiro-ministro. Em novem-
bro, ocorreu o julgamento do “Bando dos Quatro”,
com pesadas condenações. finalmente, em junho
de 1981, Guofeng deixou a presidência do PCC,
fato que marcou o fim da era maoísta na china.
Sem dispor de qualquer cargo oficial, Deng Xiao- Deng Xiaoping
ping passou a controlar todas as rédeas do poder.

Reformas Econômicas
No final da década de 70, Deng Xiaoping
recupera a liderança como chefe do estratégico Co-
mitê Militar do PCCh. O então primeiro-ministro
Hua Guofeng é substituído por aliados de Deng:
Hu Yaobang e Zhao Ziyang. O país adota a política
das Quatro Grandes Modernizações (da indústria,
da agricultura, da ciência e tecnologia e das Forças
Armadas). São criadas Zonas Econômicas Especi-
ais (ZEE’s), abertas a investimentos estrangeiros,
e é incentivada a propriedade privada no campo.
O modelo, chamado de “economia socialista de
O Fim da Crise Sino-Soviética
mercado”, propicia à China uma vigorosa recupe- e o Massacre da Praça da Paz
ração econômica, com crescimento médio superior Celestial
a 10% ao ano a partir de 1978.
A abertura na economia estimula reivin-
A tensão entre a abertura econômica e o dicações por mais democracia. Uma onda de ma-
totalitarismo político constitui a encruzilhada chi- nifestações estudantis, em 1986, é reprimida pelo
nesa deste final de século. A ideologia comunis- regime. Hu Yaobang, secretário-geral do partido
ta tornou-se peça de museu no país, desde que as desde 1982, é acusado de “desvios liberais” e subs-
reformas econômicas foram sintetizadas na célebre tituído por Zhao Ziyang. A morte de Hu, em abril
frase de Deng: Não importa a cor do gato, desde de 1989, provoca novos protestos estudantis. Em

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 223


maio, centenas de milhares de estudantes fazem, camente, pelas negociações Moscou-Washington.
quase que diariamente, manifestos contra a corrup-
A cúpula Gorbatchov-Deng, de abril de
ção no alto escalão do regime e exigem abertura
1989, parece ter encerrado efetivamente a fase de
política, inspirados na liberalização operada por
intensa animosidade entre os dois Estados, mas
Mikhail Gorbatchov na URSS. Em abril de 1989,
não reconstruiu, e nem poderia, um bloco oriental
China e União Soviética encerraram três décadas
unido, como o que existiu nos anos da Guerra Fria.
de congelamento das relações diplomáticas, reto-
a China, transformada em potência nuclear nas
mando contatos de cúpula rompidos desde a visita
décadas de 60 e 70, assumiu irreversivelmente uma
de Nikita Kruschev a Pequim, em 1959. A rea-
política externa autônoma, que integra uma coo-
proximação sino-soviética, ensaiada desde 1985,
peração econômica cada vez mais profunda com o
concretizou-se com a visita do líder soviético Mi-
mundo ocidental, aí incluídos os Estados Unidos,
khail Gorbatchov a Pequim. Iniciava-se um novo
o Japão e a UE.O centro do movimento é a praça
período na história do país.
da Paz Celestial, em Pequim, onde estão instalados
Gorbatchov encontrou uma China muito os principais órgãos do poder. Em junho, o Exér-
diferente daquela que acolheu, num clima de des- cito abre fogo contra os estudantes. A imprensa
confiança muda e ressentimentos subterrâneos, o estrangeira estima entre 2 mil e 5 mil o número de
premier Nikita Kruschev. No lugar de Mao Tse- mortos, mas o governo afirma que a cifra é muito
tung e da ortodoxia econômica encontrou Deng menor. Milhares de pessoas são presas em todo o
Xiaoping e a abertura para o Ocidente. De certa país. Zhao Ziyang, que se recusara a dar a ordem
forma, as reformas econômicas chinesas prefigura- de atacar os manifestantes, é colocado em prisão
vam o projeto reformista do próprio Gorbatchov. domiciliar.
O sentido geral da política das Quatro Moderni-
zações assemelhava-se muito ao da perestroika so-
viética.
A reaproximação decorreu da nova política
externa implementada por Gorbatchov, voltada
para negociações paralelas sobre armamentos e
conflitos regionais com os Estados Unidos. Foram
essas negociações que determinaram a retirada so-
viética do Afeganistão e o início da retirada vie-
tnamita do Camboja, dois dos três pré-requisitos
impostos por Pequim para a retomada de relações
normais com Moscou. O terceiro, referente à di-
minuição da concentração de tropas nas fronteiras Ascensão de Jiang Zemin
entre os dois países, passava a depender unicamen-
te de uma decisão política de ambos os governos. Em fevereiro de 1997, morre, aos 92 anos,
Deng Xiaoping. O herdeiro político,escolhido pelo
Outro elemento decisivo na reaproximação próprio Deng desde 1989, é o presidente Jiang Ze-
sino-soviética de 1989 foi o tratado de retirada min, que já acumulava o cargo de secretário-geral
de mísseis intermediários situados na Europa e na do PCCh e o de chefe da Comissão Militar. Jiang
Ásia, conhecido como Tratado INF e firmado por se fortalece no 15º Congresso do PCCh, em setem-
Gorbatchov e Reagan no Natal de 1987. Um sub- bro, quando ratifica o caminho das reformas plane-
produto desse tratado foi o início de desmantela- jadas por Deng. O Congresso rompe um princípio
mento dos mísseis terrestres soviéticos localizados básico do comunismo (a propriedade estatal dos
no teatro asiático e apontado para alvos em ter- meios de produção) e anuncia um gigantesco pro-
ritórios chinês. Mais uma vez, o descongelamento grama de privatização.
das relações entre Moscou e Pequim passava, ironi-

224 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


No mês seguinte, Jiang faz a primeira visita chinês defende a campanha afirmando que é ne-
de um presidente chinês aos EUA em 12 anos. Ne- cessária para assegurar a estabilidade social numa
gocia a ampliação da abertura econômica de seu época de grandes mudanças – troca de gerações no
país em troca do apoio norte-americano à entrada poder, prevista para 2002, e o ingresso iminente do
da China na Organização Mundial do Comércio país na OMC.
(OMC). Em março de 1998, o Congresso Nacio-
A China procura ampliar o domínio sobre
nal do Povo reelege Jiang Zemin e escolhe Zhu
o Tibet Localizado no centro-leste da Ásia, o Tibet
Rongji para primeiro-ministro, em substituição a
é uma região de tradição budista. A prática reli-
Li Peng. Este é eleito o novo presidente do Con-
giosa, aliada à submissão à autoridade suprema do
gresso Nacional do Povo.
dalai lama, selam a identidade do povo tibetano,
Monopólio do Poder que nunca aceitou a ocupação chinesa, ocorrida
em 1950. Uma rebelião liderada por monges bu-
A abertura econômica é acompanhada pelo distas, em 1959, é esmagada pelas tropas chinesas,
reforço do controle político pelo PCCh. Cente- forçando o exílio do líder espiritual tibetano, o 14º
nas de supostos dissidentes são presos no primeiro dalai lama, Tenzin Gyatso. À frente de cerca de
semestre de 1999 para impedir manifestações no 120 mil seguidores, ele se refugia em Dharmsala,
décimo aniversário do massacre da praça da Paz no norte da Índia. A causa da independência do
Celestial. Vários dirigentes do clandestino Partido Tibet ganha força perante a opinião pública oci-
Democrático Chinês, fundado em 1998, são con- dental após a concessão do Prêmio Nobel da Paz a
denados a penas de mais de 10 anos de prisão em Tenzin Gyatso, em 1989.
novembro de 1999. A repressão mais dura é dirigi-
da contra a seita religiosa Falun Gong. Receoso de Ferrovia do Teto do Mundo
que sua popularização possa enfraquecer o PCCh,
O governo anuncia em fevereiro de 2001 a
o governo bane a seita em junho e prende milhares
construção de uma ferrovia que ligará Lhasa, a ca-
de fiéis.
pital do Tibet, à cidade de Goldmud, a 1.125 quilô-
Avanço nas Privatizações metros. Quando estiver pronta, em 2009, permitirá
a conexão com Pequim, a uma distância de qua-
A maior potência comunista do mundo che- se 4.000 quilômetros. Com 80% de sua extensão
ga ao ano de 2001 com mais de 50% de suas estatais a altitudes superiores a 4.000 metros, essa estrada
nas mãos da iniciativa privada. Esse é o balanço de de ferro nas imponentes montanhas do Himalaia
aproximadamente três anos de privatizações, fei- é um dos maiores prodígios de engenharia do pla-
to pela revista britânica The Economist. A maior neta. Mais da metade do trajeto será aberto sobre
revolução está no campo, onde a grande maioria permafrost, terra coberta com gelo permanente e
das fazendas já é gerida de acordo com as regras do a obra exigirá a construção de enormes pontes e
capital privado. viadutos.
Execuções em Massa As autoridades chinesas justificam o empre-
endimento como necessário para romper o isola-
A Anistia Internacional lança em 6 de julho
mento do Tibet, uma das regiões mais atrasadas do
de 2001 um informe alarmante sobre a campanha
país, mas a motivação principal é política. Faz par-
contra a criminalidade (Golpear Forte), em curso
te da estratégia de consolidar a hegemonia sobre
na China desde abril. De acordo com a organiza-
o Tibet, estimulando a migração de chineses han
ção, a China executou mais condenados em três
para a região e integrando a província à economia
meses do que o restante do mundo nos últimos três
chinesa.
anos. Pelo menos 2.960 pessoas foram sentenciadas
à pena capital e 1.781 executadas, várias delas em A Longa Marcha Rumo à OMC
locais públicos lotados de espectadores. O governo
Depois de quinze anos de negociações, a

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 225


China chega ao final de 2001 a um passo de se tor- da Doutrina Truman. A primeira reação de Wa-
nar membro da Organização Mundial do Comér- shington à vitória comunista na China foi a execu-
cio (OMC). Com seu ingresso na organização, o ção de uma manobra destinada a criar e sustentar
país terá de abrir seu gigantesco mercado às impor- um Estado chinês pró-ocidental, que deveria vir a
tações e permitir a entrada do capital estrangeiro constituir um foco de contestação permanente da
em setores até agora altamente protegidos, como China Popular.
os seguros, os bancos e as telecomunicações. Em
Seguindo essa estratégia, a Marinha dos Es-
compensação, os produtos chineses terão acesso
tados Unidos escoltou as forças derrotadas do Kuo-
mais fácil aos mercados do mundo inteiro, o que
mintang até a Ilha de Taiwan, ao longo do litoral
causa inquietações nos países concorrentes. Com
chinês, onde foi fundada, a 8 de dezembro, a Repú-
25% da população do planeta, a China representa
blica da China, liderada pelo general Chiang Kai-
uma ameaça para as indústrias do resto do mun-
shek e tendo por capital Taipé. No ano de 1950,
do – sobretudo pequenas e médias –, que correm
a segurança do novo Estado chinês foi garantida
o risco de ser eliminadas por mercadorias chinesas
pela frota americana, que passou a patrulhar o Es-
mais baratas.
treito de Taiwan a fim de impedir a conquista das
Um momento decisivo no caminho da Chi- ilhas pelas forças de Mao. Manobrando a maioria
na para a OMC é a aprovação pelo Senado dos Es- de que dispunha na ONU, Washington conseguiu
tados Unidos, em setembro de 2000, de um acor- o reconhecimento de Taipé e a marginalização de
do que normaliza as relações comerciais entre as Pequim, que ficaria de fora da Organização até a
duas potências. O último obstáculo é removido em détente dos anos 70.
junho de 2001, quando a União Europeia (EU) e
a China estabelecem as regras para a atuação das
companhias de seguros Europeias no mercado chi-
nês. Em setembro, as negociações são oficialmente
concluídas num encontro em Genebra, e a admis-
são oficial era prevista para novembro, na reunião
ministerial da OMC no Catar.
Com isso, a China torna-se membro da or-
ganização a partir do início de 2002, logo depois
que a admissão for referendada pelo Congresso Na-
cional do Povo.

A Questão de Taiwan
Em setembro de 1949, as forças de Mao Tse-
tung lançaram uma ofensiva final contra o governo
nacionalista do Kuomintang, acabando por tomar Taiwan perdeu inteiramente sua impor-
Pequim, onde foi fundada a República Popular da tância geopolítica na década de 70, com a apro-
China, em 1o de outubro. ximação Washington-Pequim. em 1971, Pequim
Esses acontecimentos pegaram de surpre- substituiu Taipé como representante da China na
sa os Estados Unidos, cuja política de pós-guerra ONU. Em 1973, as forças americanas abandona-
estava concentrada na contenção da União So- ram o arquipélago. Em 1979, Washington rompeu
viética no teatro europeu. A chegada de Mao ao as relações com Taipé em função do reatamento
poder deslocou subitamente o eixo da contenção com Pequim.
para o teatro asiático e provocou a universalização Desde 1979, o intercâmbio comercial não-

226 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


-oficial entre China e Taiwan vem aumentando, Após o rompimento sino-soviético de 1960,
principalmente por meio de Hong Kong. Parale- o regime norte-coreano de Pionguiangue procu-
lamente, o regime chinês de Deng Kiaoping tem rou adotar uma posição de equidistância entre as
proposto a reunificação do país em bases confede- duas potências socialistas, mantendo acordos eco-
rativas, o que permitiria a Taipé a manutenção de nômicos e militares tanto com Moscou como com
seu governo, forças de defesa e relações exteriores. Pequim. Entretanto, a intervenção vietnamita no
Até hoje, a proposta de Pequim tem sido veemen- Camboja, em 1979, foi oficialmente condenada
temente rejeitada pelo regime de Taipé. por Pionguiangue, ato que veio reafirmar o alinha-
mento da Coreia do Norte com Pequim.

A Questão Coreana
A China e o Tibet

A Guerra da Coreia constituiu a ocasião de


um enfrentamento militar direto entre as forças
chinesas e norte-americanas.
Em 25 de junho de 1950, tropas norte-
-coreanas atravessaram o paralelo 38, iniciando a
invasão da Coreia do Sul. Acredita-se que a deci-
são norte-coreana foi diretamente estimulada por
Pequim, que não acreditava numa intervenção de
Washington, pois o general MacArthur, chefe das
forças americanas do Pacífico, acabava de dar uma
declaração ambígua que parecia excluir a Coreia
do Sul do perímetro de segurança americano na
Ásia.
A participação de “voluntários” chineses na
A ocupação chinesa se dá por interesses es-
Guerra da Coreia impediu a derrota norte-coreana,
tratégicos, apetite territorial e destino imperial.
impondo às forças americanas uma estabilização da
A China alega soberania histórica sobre o Tibete
situação militar em torno do paralelo 38. O Armis-
e sua estratégia é levar ao país seu modelo de de-
tício de Panmunjon, firmado em 1953, restabele-
senvolvimento. Por isso, os chineses, entre outras
ceu o status quo vigente antes da guerra e cristali-
medidas, constróem prédios e substituem a arqui-
zou a divisão do país. Desde a Guerra da Coreia, a
tetura tradicional local por outra, similar à de suas
Coreia do Norte transformou-se no principal alia-
metrópoles. As transformações fazem sentido na
do de Pequim.
ótica de Pequim: no Tibete, milhares de imigrantes

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 227


chineses lideram importantes setores da economia. A China e o Sudeste Asiático
A “invasão” chinesa pode ser percebida também
na atual conformação da população: em Lhasa, ca- O ano de 1973 marcou a retirada americana
pital da região, menos de 25% dos 300.000 habi- do sudeste da Ásia, decidida nos Acordos de Paris
tantes são tibetanos. Os chineses ocupam pratica- assinados em 27 de janeiro. Em agosto, como parte
mente todos os cargos públicos e os empregos mais da retirada, foram suspensos os bombardeios sobre
importantes, como professores, bancários e poli- o Camboja, que visavam conter o avanço dos re-
ciais. Por fim, o subsolo do Tibete é rico em metais beldes nacionalistas e comunistas contra o gover-
– cobre, zinco e urânio –, com reservas suficientes no pró-ocidental de Lon Nol.
para suprir até 20% da necessidade da China.
A China ocupa o Tibete desde 1951. Os pri-
meiros conflitos entre os dois países, no entanto,
começaram muito antes. No século XIII, o Tibete
foi conquistado pelo império mongol. Em 1720,
foram os chineses, durante a dinastia Ching, que
invadiram o país. Em 1912, com a queda da di-
nastia, os tibetanos expulsaram da região as tropas
chinesas e declararam autonomia. Em 1913, numa
conferência realizada em Shimla, na Índia, britâ-
nicos, tibetanos e chineses decidiram dividir o Ti-
bete: uma parte seria anexada à China e outra se Nos três anos seguintes desenrolou-se a der-
manteria autônoma. Ao retornar da Índia, o 13º rocada da influência ocidental em toda a região.
Dalai Lama declarou oficialmente a independên-
No Laos surgiu, em 1974, um governo de
cia do Tibete. Porém, o acordo de Shimla nunca
coalizão entre os neutralistas do príncipe Souvana
foi ratificado pelos chineses, que continuaram a
Phouma e os comunistas do Pathet Lao, que seria
reivindicar direito de posse sobre o território. Em
substituído, um ano depois, por um regime inteira-
1918, houve um conflito armado entre chineses
mente controlado pelo Pathet Lao.
e tibetanos: Rússia e Inglaterra tentaram, sem su-
cesso, intervir. Em setembro de 1951, o Tibete foi, Em 1975, quase simultaneamente, os comu-
então, integralmente ocupado pelas forças comu- nistas do Khmer Vermelho derrubavam o regime
nistas de Mao Tsé-tung, sob o pretexto de “libertar de Lon Nol, no Camboja, e as forças do vietcon-
o país do imperialismo inglês”. gue entravam em Saigon, pondo fim à Guerra do
Vietnã.
Destruída a influência ocidental nos três pa-
íses, teve início uma fase de disputa da influência
regional entre a União Soviética e a China.
O Vietnã, oficialmente reunificado, em
1976, e país-chave da região, voltou-se para a órbi-
ta soviética. Efetivamente, o regime comunista do
Vietnã do Norte tinha começado a se distanciar
de Pequim, desde a aproximação sino-americana
de 1971-1972. Em 1978, o percurso de adesão à di-
plomacia de Moscou completou-se com o ingresso
do país no Comecon e o rompimento das relações
diplomáticas com Pequim.

228 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


O regime comunista do Laos entrou para a de ocupação vietnamitas.
zona de influência soviética por meio da atração
Com o início do governo Gorbatchov, Mos-
exercida pelo Vietnã, com quem foi assinado um
cou inaugurou uma política voltada para a reso-
tratado de cooperação e defesa mútua, em 1977.
lução dos conflitos regionais e forçou o regime de
Nessa fase, apenas o Camboja voltou-se para Hanoi a adotar uma posição mais flexível na ques-
a esfera geopolítica chinesa. em abril de 1976, a ala tão cambojana. Em consequência, o Vietnã anun-
mais radical do Khmer Vermelho, liderado por Pol ciou o início da retirada de suas tropas do Camboja
Pot e Khieu Samfan e apoiada por Pequim, assu- e passou a propor a realização de uma conferência
mia o controle total do governo. O regime de Pol internacional para discutir a paz na região.
Pot iria se tornar célebre, nos anos seguintes, por
Em 1991, após intensas e complexas nego-
uma política dirigida para a ruralização forçada da
ciações envolvendo o regime pró-vietnamita de
população e para a militarização do trabalho agrí-
Phnom Penh e os grupos guerrilheiros sustentados
cola, que foi aplicada a ferro e fogo por meio de
pela China (Khmer Vermelho) e pelo Ocidente,
verdadeiras chacinas contra a população civil.
foi firmado um tratado de paz. A figura do prínci-
A selvageria sem limites do regime de Pol pe Norodom Sihanouk – com trânsito tanto entre
Pot serviu como pretexto para a intervenção viet- os chineses como entre os ocidentais – tornou-se
namita no país, que começou em dezembro de 1977 o ponto de referência das negociações. Sihanouk
com a travessia da fronteira por tropas de Hanoi. foi encarregado de encabeçar um novo governo, de
Pouco mais de um ano depois, em janeiro de 1979, unidade nacional, com a tarefa de preparar elei-
as tropas vietnamitas entravam na capital, Phnom ções gerais.
Penh. Caía o regime de Pol Pot, substituído por
um governo pró-vietnamita e, consequentemente,
pró-soviético. O último baluarte chinês na Indo- A Crise da Descolonização do
china deixava de existir. Indostão
A passagem do Camboja para a esfera sovié- Domínio Ocidental
tica inaugurou uma nova fase de conflito na região,
com a tentativa chinesa de reconstruir sua influên- O auge da hegemonia muçulmana, com
cia no pais. a dinastia Mogul (1526 a 1707), coincide com a
presença ocidental na Índia, impulsionada pelo
Em fevereiro de 1979, dez divisões chinesas comércio de especiarias. Em 1510, os portugueses
cruzaram a fronteira vietnamita e travaram com- completam a conquista de Goa, na costa oeste do
bates contra as forças de Hanoi em territórios do país. Ingleses, holandeses e franceses criam compa-
Tonquim, no norte do Vietnã. Após ocuparem nhias de comércio com a Índia. Em 1690, os ingle-
algumas aldeias e capitais provinciais, as tropas ses fundam Calcutá, mas só depois de uma guerra
chinesas se retiraram do país e Pequim anunciou a contra a França (1756-1763) o domínio do Reino
suspensão da “expedição punitiva”. Unido se consolida.
Paralelamente, as forças do Khmer Ver-
melho uniam-se aos nacionalistas cambojanos do
príncipe Norodom Sihanouk, deposto em 1970, e
iniciavam um combate de guerrilhas contra o re-
gime pró-vietnamita instalado em Phnom Penh.
Os Estados Unidos passaram a fornecer armas para
a facção nacionalista da guerrilha (Sihanouk) en-
quanto a China abastecia a facção guerrilheira do
Khmer Vermelho. Nos anos seguintes, multipli-
cam-se os confrontos entre a guerrilha e as tropas

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 229


No século XIX, os ingleses reprimem várias em critérios religiosos, provoca o deslocamento de
rebeliões anticolonialistas. Paradoxalmente, a cul- mais de 12 milhões de pessoas. Choques entre hin-
tura britânica torna-se um fator de união entre os dus e muçulmanos deixam 200 mil mortos. Gan-
indianos, que, com o inglês, adquirem uma língua dhi, a contragosto, aceita a divisão do país e é as-
comum. O Partido do Congresso, organização po- sassinado por um fundamentalista hindu em 1948.
lítica que governaria a Índia independente, é fun-
dado em 1885 por uma elite nativa de educação Guerras com o Paquistão
ocidental. Nos anos 20 cresce a luta nacionalista
sob a liderança do advogado Mohandas Gandhi,
conhecido como o Mahatma. Pacifista e de Jawa-
harlal Nehru.
Gandhi desencadeia um amplo movimento
de desobediência civil que inclui o boicote aos
produtos britânicos e a recusa ao pagamento de
impostos.

Em 1947, logo após a divisão, Índia e Pa-


quistão entram em guerra pelo controle da Caxe-
mira, conflito que se encerra no ano seguinte com
a primeira divisão da Caxemira entre os dois países
(ver quadro). A hostilidade indiano-paquistanesa
se enquadra na Guerra Fria – a Índia tem o apoio
Independência soviético e o Paquistão, o respaldo dos Estados
Unidos (EUA). O primeiro governante da Índia
independente, o primeiro-ministro Jawaharlal
Nehru, adota uma política estatizante de inspira-
ção socialista. Nehru morre em 1964. Em 1966,
sua filha, Indira Gandhi, assume o poder. Índia e
Paquistão entram novamente em guerra, em 1971,
quando o governo indiano apóia os separatistas
bengalis da província do Paquistão Oriental. Os
A luta contra o colonialismo britânico ter- paquistaneses capitulam reconhecendo a indepen-
mina com a independência, em 1947. Os líderes dência de Bangladesh.
muçulmanos indianos decidem formar um Estado
independente, o Paquistão. A partilha, baseada

230 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Conflitos Étnicos perante o Paquistão, que responde com seis testes
nucleares. O gabinete de Vajpayee cai em abril
Em 1974, a Índia explode sua primeira bom-
de 1999. O triunfo militar das forças indianas em
ba atômica. Indira Gandhi deixa o governo em
novo embate na Caxemira, em maio, garante a vi-
1977, mas retorna em 1980. Irrompem conflitos
tória do BJP e partidos aliados nas eleições de se-
étnicos por todo o país. Os sikhs, grupo étnico e
tembro e outubro. Juntos, conquistam 298 assentos
religioso, formam uma organização pela indepen-
na Casa do Povo e Vajpayee é reconduzido à che-
dência do v, onde são maioria. Uma série de aten-
fia de governo. Numa mudança política, retoma o
tados leva a primeira-ministra a ordenar, em 1984,
programa de privatizações, abandonado desde sua
a invasão do santuário sikh, o Templo Dourado de
posse, em 1998.
Amritsar. Centenas de sikhs morrem na ação. Em
represália, Indira é assassinada.
O filho de Indira, Rajiv Gandhi, assume o Conflitos Armados no
governo, em meio à agitação étnica, a acusações Subcontinente Indiano
de corrupção e ao crescimento do partido religio-
so hindu Bharatiya Janata (BJP) nas eleições de
(Jammu & Cachemirra)
1989. O Partido do Congresso, por sua vez, perde CONFLITOS ARMADOS NO SUBCONTINENTE
a maioria parlamentar e Rajiv renuncia. Durante a INDIANO (JAMMU & CACHEMIRRA)
campanha de 1991, vencida pelo partido, Rajiv é
morto por separatistas tâmeis do Sri Lanka.

Fundamentalismo Hindu
A animosidade entre hinduístas e muçulma-
nos, insuflada pelo BJP, gera conflito em torno de
uma antiga mesquita em Ayodhya, instalada onde,
segundo a tradição hindu, teria nascido o deus
Brahma.
O governo se omite e, em 1992, milhares de
hinduístas destroem a mesquita, deflagrando uma
Fonte: Atlas Geográfico - MEC 1983
onda de violência que deixa 1,2 mil mortos.
Em 1996, inicia-se uma fase marcada pela O rompimento sino-soviético de 1960
formação e queda de coalizões. O primeiro-minis- agravou antigas disputas de fronteiras entre Chi-
tro Narasimha Rao renuncia à chefia do governo na e Índia. Nova Delhi intensificou o apoio aos
em maio. No mês seguinte, o líder da aliança de guerrilheiros separatistas tibetanos em luta pela
centro-esquerda Frente Unida (FU), Deve Gowda, independência dessa região anexada pela China,
toma posse como primeiro-ministro, mas deixa o em 1950. De seu lado, Pequim manifestou apoio
cargo em 1997. às pretensões paquistanesas sobre a região da Ca-
chemira, área povoada por budistas e sob domínio
Nacionalismo indiano, localizada entre a China e o Paquistão.
O BJP é o partido mais votado nas eleições Em outubro de 1962, explodia o conflito,
de 1998. Com o apoio de forças regionais e ultra- com a ocupação de Ladakh, na Cachemira, por
nacionalistas, obtém a maioria parlamentar, e seu tropas chinesas, que derrotaram rapidamente os
líder, Atal Behari Vajpayee, torna-se primeiro- efetivos indianos. O episódio provocou a queda do
-ministro. A Índia realiza cinco explosões nucle- ministro da defesa indiano e a aceleração do pro-
ares subterrâneas no deserto do Rajastão, em maio grama nuclear da Índia. Em 1974, dez anos após
de 1998. Trata-se de uma demonstração de força a explosão da primeira bomba atômica chinesa, a

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 231


Índia também explodia o seu artefato atômico pio- de 1971, tropas indianas intervieram no conflito.
neiro, tornando-se o primeiro país subdesenvolvi- As forças paquistanesas foram derrotadas e, m mar-
do a entrar no clube nuclear. ço de 1972, a região era declarada independente,
com a formação da República Popular de Bangla-
desh.
Logo após a independência, Bangladesh as-
sinou um tratado de defesa com a Índia previsto
para durar 25 anos. A China e o Paquistão procu-
raram impedir a entrada do novo Estado na ONU,
mas seu conhecimento por Washington e Moscou
garantiu o ingresso na Organização.

Guerra e Paz no Oriente


Médio
Oriente Médio é um dos principais focos
de tensões geopolíticas em nível internacional.
A Cachemira voltaria a ser o foco de um A complexidade das disputas regionais decorre
conflito armado regional em 1965, envolven- de uma multiplicidade de realidades que se super-
do a Índia e o Paquistão. entre 25 de agosto e 22 põem: nacionais, religiosas, estratégicas. Situada
de setembro, tropas dos dois países lutaram pelo na passagem entre três continentes (Europa, Áfri-
controle da região. A China declarou seu apoio ca e Ásia) e dotada das maiores reservas de petró-
ao Paquistão, e a União soviética alinhou-se com leo conhecidas, a região apresenta alto interesse
a Índia. As hostilidades terminaram na assinatu- político e econômico para as grandes potências.
ra de um acordo de paz, concluído em 1966, em Desse modo, cada um de seus conflitos adquire, au-
Taskent, na Ásia central soviética. tomaticamente, dimensões mundiais.

Em 1971, eclodia o mais sangrento dos con- Um dos eixos das tensões regionais é a ques-
flitos no subcontinente: a guerra civil paquistana. tão árabe-israelense, que atualmente se subordina
Desde a independência, em 1947, a unidade do Pa- e confunde com a questão israelo-palestina. En-
quistão era contestada pelo movimento separatista quanto a primeira produziu quatro guerras e um
da população bengali, que habitava o Paquistão acordo diplomático (Camp David), restrito ao Egi-
oriental. Apesar de muçulmanos, como os demais to e a Israel, a segunda decorre da implantação
paquistaneses, os bengali constituíam uma popula- do Estado de Israel, em 1948, na Palestina. Esse
ção distinta, tanto do ponto de vista étnico como conflito opõe um povo, o palestino, disperso por
linguístico-cultural. Em 1970, a Liga Auami, força vários países (Israel, Líbano e Jordânia, principal-
política do Paquistão oriental, defensora da inde- mente), a um Estado, Israel. A consciência nacio-
pendência, vencia as eleições, fazendo maioria na nal palestina é tão nítida que gerou um Estado sem
Assembleia regional. território, um Estado no exílio; a Organização para
a Libertação da Palestina (OLP). como os Estados
A independência foi proclamada, mas o go- árabes também não aceitavam a presença israelen-
verno paquistanês fechou a Assembleia e enviou se, tornaram-se fiadores dos interesses palestinos,
tropas para a região. Começava a sangrenta guerra aumentando a complexidade do problema.
civil, eu se desenrolaria como um massacre inédito
de civis indefesos. Milhões de refugiados fugiram A Guerra do Golfo (1990-1991) fez girar os
para a Índia, e teve início uma campanha interna- dados na região. Com a derrota do Iraque, país que
cional de ajuda à população bengali. Em dezembro exercia certa influência sobre o mundo árabe, e o

232 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


fortalecimento diplomático dos Estados Unidos na dos colonos, produziu importantes fluxos migrató-
região, a superpotência adquiriu melhores condi- rios na direção da Palestina. Em 1914, cerca de 100
ções para pressionar os três lados envolvidos, no mil judeus imigrados já trabalhavam em colônias
sentido de sentarem-se para negociar suas diver- agrícolas na Palestina.
gências. Com a assinatura dos Acordos de Paz en-
Durante a Primeira Guerra (1914-1918), a
tre a OLP e Israel, em 1993, que assinalou o histó-
Palestina passou ao controle inglês. Em 1917, Lor-
rico reconhecimento mútuo, outros Estados árabes
de Balfour, secretário dos Negócios Estrangeiros de
têm iniciado gestões na mesma direção. O processo
Londres, anunciava a futura criação de um “lar na-
de paz engajado em escala regional unifica os dois
cional” judaico na região. Em 1922, a recém-criada
tradicionais vetores de rivalidade no Oriente Mé-
Liga das Nações entregava a Palestina à adminis-
dio, abrindo perspectivas há pouco impensáveis.
tração britânica e aprovava a Declaração Balfour.
O terceiro eixo de tensões é a luta pela he-
Entretanto, o plano não prosperou no con-
gemonia árabe. Após a aproximação entre o Egito,
turbado período entre as duas guerras mundiais. A
tradicional líder do mundo árabe, e os Estados Uni-
Palestina tornou-se palco de conflitos entre judeus
dos, na década de 70, abriu-se um espaço de confli-
imigrados, cada vez em maior número, e a popu-
to entre os Estados árabes pela liderança regional,
lação árabe autóctone, assim como entre judeus e
envolvendo notadamente as ambições geopolíticas
britânicos, que retardavam a aplicação da Declara-
da Síria e do Iraque. em 1979, com a revolução
ção Balfour.
xiita no Irã, esse eixo de tensões se expandiu e se
complicou. O Irã, que não é um país árabe, acres- A Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
centou ao problema um forte componente religio- com seu cortejo de horrores cometidos pelo nazis-
so. Posiciona-se como liderança revolucionária de mo contra os judeus, colocou novamente em pauta
um espaço geográfico e cultural muito maior: o a questão do “lar nacional” na Palestina. Cresciam
mundo islâmico. os conflitos entre a população árabe (1 milhão) e a
população judia (700 mil) na região.
O agravamento permanente das condições
de pobreza nos países muçulmanos provoca a des- O PLANO DA PARTILHA - 1947
crença na ordem política e econômica modelada ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS
RESOLUÇÃO 181
pelo Ocidente ou pelo nacionalismo árabe e rea-
cende o fanatismo religioso, expresso no xiismo.
Assiste-se, nesses países, à formação ou ao forta-
lecimento de grupos fundamentalistas radicais,
intimamente vinculados a Teerã, que se opõem
aos regimes políticos laicos estabelecidos. Para o
Ocidente, o integrismo islâmico representa, hoje,
um dos riscos de instabilidade geopolítica que pode
abalar o conjunto das relações internacionais.

A Questão Árabe-Israelense
Na origem do atual Estado de Israel está o
movimento sionista do século XIX. Discriminados
e perseguidos em inúmeros países europeus, espe-
cialmente na Rússia czarista, os judeus iniciaram
um movimento internacional dirigido para o “re-
torno à Pátria”. O movimento sionista, por meio
de organizações judaicas que financiavam a viagem

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 233


Deserto do Neguev, ampliando em cerca de 50% a
área original de seu território.
Entre fevereiro e julho de 1949 foram assi-
nados os acordos de armistício, sem a concretiza-
ção de um trabalho geral de paz. Por esses acordos,
uma parte do que seria o Estado árabe da Palestina
foi anexada a Israel, e outra parte (a Cisjordânia) à
Transjordânia, que se tornava o Reino Hachemita
da Jordânia. a Faixa de Gaza passou ao controle
egípcio. Jerusalém foi dividida, ficando a parte
oriental sob administração jordaniana e aparte oci-
dental sob administração israelense.
A guerra de 1948-1949 abriu uma ferida pro-
funda nas relações entre os países da região. Cente-
nas de milhares de palestinos transformaram-se em
refugiados, expulsos por Israel e recusados como
cidadãos pelos países árabes vizinhos. A ausência
de um tratado de paz que pudesse materializar um
consenso sobre as fronteiras tornava a região um
Em 29 de novembro de 1947, com o voto fa-
verdadeiro barril de pólvora, pronto a explodir.
vorável da União Soviética e dos Estados Unidos,
a ONU aprovavam um plano de partilha da Pales- Depois de 1952, aumentou a tensão nas
tina que previa a criação de um Estado judeu e de fronteiras, agravada pelo projeto israelense que
um Estado palestino. O Estado judeu, com 14 mil previa o uso das águas do Rio Jordão para a irriga-
quilômetros, incluiria a Galileia oriental, a zona ção do deserto do Neguev. Em 1953, a subida ao
que vai de Haifa a Telavive e o trecho do Deserto poder de Nasser, no Egito, à frente de um projeto
do Neguev até o Golfo de Aqaba. O Estado árabe, fortemente nacionalista fundado no pan-arabismo,
com 11.500 quilômetros, incluiria a Cisjordânia e inaugurou um período de cooperação militar en-
a Faixa de Gaza. A cidade de Jerusalém, localizada tre o Cairo e Moscou. Reuniram-se os ingredientes
no interior da Cisjordânia, teria status internacio- para a segunda guerra árabe-israelense.
nal.

A Guerra de Suez (1956)


A Guerra Árabe-Israelense de A Guerra de Suez foi produto exemplar da
1948-1949 combinação de dois fenômenos geopolíticos: a
A recusa da Liga Árabe em aceitar a parti- tensão interestatal no Oriente Médio e a decadên-
lha decidida pela ONU conduziu ao primeiro con- cia das antigas potências coloniais Europeias. Nes-
fronto militar entre os países árabes e o Estado de se sentido, ela constituiu também um dos episódios
Israel. do processo de descolonização.

Em julho de 1948, um dia depois da evacua- O regime nasserista representava um desafio


ção das tropas inglesas e da proclamação do Estado para as antigas potências coloniais Europeias com
de Israel, as forças combinadas do Egito, do Iraque, interesses no norte da África. Agitando a ideia da
da Transjordânia, do Líbano e da Síria atacaram unidade árabe e apoiando os rebeldes argelinos,
Israel. As operações militares duraram até janeiro Gamal Abdel Nasser desagradava profundamente
de 1949, quando Israel ocupou toda a Galileia e o o governo francês. Ao anunciar a nacionalização
da Companhia Universal do Canal de Suez, em 26

234 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


de julho de 1956, atingia diretamente os interesses paz de ampliar a influência de Israel na região pela
dos acionistas predominantemente ingleses e fran- ocupação de territórios estratégicos.
ceses.
Em 29 de outubro, as forças de Israel, co-
mandadas pelo general Moshé Dayan, iniciaram
a ofensiva relâmpago no Sinai. Surpreendido, Nas-
ser ordenou a retirada, que logo se transformou
em debandada. A 1o de novembro, os israelenses
chegaram ao Canal de Suez, controlando toda a
Península Desértica.

Ainda que Nasser declarasse estar pronto


a indenizar os acionistas, o ato de nacionalização
soava em Paris e Londres como um precedente pe-
rigoso e levantava interrogações sobre o futuro de
uma passagem estratégica, de alto valor econômico
e militar.
Mas a política de Nasser também desagrada- Entretanto, na ONU, a vitória militar trans-
va Israel. Em 1955, o líder egípcio anunciava um formou-se rapidamente em derrota diplomática.
contrato de fornecimento de armas firmado com No dia 30 de outubro, Londres e Paris vetaram no
a Tchecoslováquia. Ao mesmo tempo, iniciou o conselho de Segurança uma resolução americana
bloqueio do Estreito de Tiran, que liga o Mar Ver- que exigia a retirada israelense. No dia 4 de no-
melho ao Golfo de Aqaba, em cujo extremo norte vembro, a intervenção diplomática soviética fe-
encontra-se o porto israelense de Eilath. chou o cerco contra Londres e Paris. Ao mesmo
tempo, Eisenhover comunicava-se com Anthony
A política ousada de Nasser provocou a
Eden, exigindo a retirada inglesa e ameaçando de-
organização, em segredo, de uma ação combina-
flagrar represálias econômicas.
da anglo-francesa e israelense. Londres e Paris
aproveitaram-se da situação para defender seus Era o fim. No dia 7 de novembro, Londres
interesses coloniais e seu prestígio de potências, e Paris suspendiam a ofensiva, iniciando uma reti-
procurando infligir um castigo ao regime terceiro- rada humilhante. Em março de 1957, sob pressão
-mundista mais destacado da época. Telavive via a americana, os israelenses retiravam suas forças para
oportunidade de uma ação militar preventiva ca- as posições originais, desocupando o Sinai.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 235


A Guerra de Suez foi um símbolo da deca- tências: enquanto os Estados Unidos e seus aliados
dência do colonialismo europeu e da supremacia armavam Israel, a União Soviética recuperava e
das superpotências. Nasser, prostrado militarmen- modernizava os exércitos do Egito e da Síria.
te, emergiu do conflito como vencedor diplomá-
Em 1967, o crescimento das tensões explo-
tico e político, credenciando-se como a principal
diria na terceira guerra árabe-israelense.
liderança terceiro-mundista. Para Israel, ficava
provado que a superioridade militar regional, por si Em maio de 1967, os sinais do confronto se
mesma, não podia resolver uma questão que tinha acumulavam. Cedendo a uma petição de Nasser,
assumido dimensões mundiais. a ONU retirou as forças de paz que, desde 1956,
guarneciam o Estreito de Tiran. Imediatamente,
Desenrolando-se precisamente nos dias da
o regime do Cairo anunciou o fechamento do Es-
invasão soviética da Hungria, a crise do Suez aca-
treito e, portanto, do Golfo de Aqaba para embar-
bou funcionando também como uma espessa cor-
cações israelenses ou outras que se dirigissem ao
tina de fumaça, que escondia do mundo a repres-
Porto de Eilath.
são de Moscou contra a revolta nacional húngara.
Efetivamente, a ação tipicamente colonialista da
Grã-Bretanha e da França no Oriente Médio con-
tribuiu decisivamente para minimizar a reação
mundial à intervenção soviética. Nesse sentido,
a União Soviética acabou sendo a grande vitorio-
sa num conflito que chegou a abalar seriamente a
unidade da Otan.

A Guerra dos Seis Dias (1967)

O início dos anos 70 assinalou a retomada


das tensões no Oriente Médio. Entre os palestinos
refugiados, organizava-se a Al Farah (Líder Yasser
Arafat), agrupamento militar enquadrado na Or-
ganização de Libertação da Palestina (OLP), que Na manhã de 5 e junho, Israel iniciou a
fustigava posições israelenses e partia para ações guerra com um ataque aéreo fulminante, que pe-
terroristas. Nasser formava com a Síria uma con- gou de surpresa os árabes e o mundo todo. Entre
federação que viria a se chamar República Árabe cinco e nove da manhã, duzentos aviões israelen-
Unida (RAU). Desde a guerra de 1956, o Oriente ses bombardearam os aeroportos militares do Egito,
Médio tornara-se teatro de disputas das superpo- Síria e Jordânia, deixando os árabes sem sua Força

236 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Aérea. guerra. Israel, inteiramente enquadrado na estraté-
gia ocidental para o Oriente Médio e armado pelos
Enquanto Israel avançava no Sinai, a Jor-
Estados Unidos, procurava a oportunidade para o
dânia abria fogo em Jerusalém. No dia seguinte, a
alargamento de suas fronteiras e a consolidação de
Síria entrava na guerra. No terceiro dia de luta,
sua posição de maior potência regional.
todo o Sinai estava em mãos de Israel, os jordania-
nos eram expulsos do setor oriental de Jerusalém Os dois lados caminharam conscientemen-
e batiam em retirada na Cisjordânia, e os sírios te para o confronto militar, acreditando ambos em
recuavam nas Colinas de Golan. No sexto dia, o suas possibilidades de vitória. O desenlace, uma
território israelense tinha sido triplicado com as derrota humilhante para os árabes, significou ao
consolidações das posições no Sinai, na Cisjordâ- mesmo tempo o início dos preparativos para uma
nia e em Golan. Damasco, a capital da Síria, esta- nova guerra.
va diretamente ameaçada. Nesse momento, Israel
suspendeu a ofensiva.
A Guerra do Yom Kippur
(1973)
O resultado da Guerra dos Seis Dias foi de-
sastroso para os árabes. em 1970, com a morte de
Nasser e a posse do vice-presidente Anuar Sadat,
enterrava-se a política terceiro-munista que, na
prática, tinha sido desmoralizada em 1967.
Em 1972, Sadat expulsava todos os conse-
lheiros militares soviéticos (cerca de 20 mil), subs-
tituindo-os por pessoal egípcio. Extraindo as lições
da passividade soviética, em 1967, o novo regime
do Cairo procurava circunscrever o conflito com
Israel a limites regionais. O nacionalismo e o pan-
-arabismo eram substituídos por uma orientação
pragmática, voltada para o rearmamento árabe e a
reconquista militar dos territórios ocupados.
Israel ignorava solenemente as resoluções da
ONU, que estabeleciam a devolução de Gaza e do
Sinai para o Egito, da Cisjordânia para a Jordânia
e de Golan para a Síria. Ao contrário, a política
de Tel Aviv consistia em iniciar um processo de
colonização desses territórios pela transferência de
populações e pela implantação de unidades produ-
tivas agrícolas.
Nitidamente, os israelenses pretendiam
conservar as novas faixas territoriais como zonas
A Guerra dos Seis dias foi produto da coli-
de segurança preventiva. Além disso, insistiam em
são de duas estratégias geopolíticas opostas. O Egi-
manter o domínio sobre o lado oriental de Jerusa-
to procurava vingar-se da derrota militar de 1956
lém, povoado por jordanianos, mas controlado por
e acreditava que a unidade árabe, forjada durante
uma administração israelense, desde 1967. Esta-
uma década, associada à colaboração militar da
vam reunidos todos os ingredientes para uma nova
União Soviética, garantiria a vitória numa nova
guerra.

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 237


No dia 6 de outubro, um feriado religioso, da causa árabe, enquanto os palestinos da Cisjor-
os judeus comemoram o YOM KIPPUR (Dia do dânia e de Gaza protestavam por meio de greves e
Perdão). Uma coligação formada pelo Egito e pela de manifestações de rua.
Síria atacou Israel de surpresa. O contra-ataque is-
Após Camp David, que neutralizou o Egito e
raelense foi arrasador. Damasco foi bombardeada,
dividiu os países árabes, Israel adotou uma política
enquanto blindados obrigavam os sírios a recuar.
de anexação dos territórios ocupados e cristaliza-
Quando o Exército de Israel preparava-se ção das novas fronteiras, desrespeitando a resolu-
para massacrar as forças egípcias cercadas no Si- ção da ONU, que determinava a devolução desses
nai, a intervenção das superpotências impediu a territórios. Em 1980m o Knesset (Parlamento is-
consumação de uma derrota trágica para os ára- raelense) votou a anexação de Jerusalém oriental.
bes. Richard Nixon e Leonid Brejnev impuseram No ano seguinte, era votada a anexação das Coli-
a assinatura de um cessar-fogo, concluído a 22 de nas de Golan. A Cisjordânia e Gaza, onde se situ-
outubro. Os acordos assinados entre Israel e Síria, am as principais concentrações de palestinos, não
em 1974, e entre Israel e Egito, em 1974 e 1975, foram formalmente anexadas, mas permaneceram
praticamente restabeleceram as posições vigentes sob administração israelense.
ao final da Guerra dos Seis Dias.

Os Conflitos pela Hegemonia


Os Acordos de Camp David Regional
Depois de 1973, Anuar Sadat completou o A ideia da unidade árabe apoiava-se num
giro político que tinha iniciado com a expulsão dos fundo histórico poderoso, que tinha sido gerado
conselheiros militares soviéticos, aproximando-se desde a Idade Média pelo expansionismo maome-
cada vez mais de Washington. A nova postura tano e sustentava-se na unidade linguística e reli-
egípcia afastou o Cairo dos países árabes, especial- giosa do mundo árabe.
mente da Síria, alinhada firmemente com Moscou.
Com a renúncia do Egito à bandeira do pan-
-arabismo, a Síria e o Iraque começaram a disputar
a liderança regional, desenvolvendo projetos geo-
políticos paralelos e concorrentes. Em 1979, com a
tomada do poder pelo clero xiita fundamentalista
no Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini iria reelaborar
o conceito de unidade regional postulando a uni-
ficação política em termos religiosos. No lugar do
mundo árabe, os iraniamos, de etnia persa, iriam
postular a ideia de mundo muçulmano, visando
difundir a revolução xiita.

A “Grande Síria” e o Líbano


O resultado da aproximação Cairo-Wa- Em 1971, Hafez Assad assumia o poder na
shington foi a conclusão dos Acordos de Camp Síria, à frente dos militares e das várias tendên-
David, em 1979. Mediados pelo presidente ameri- cias do Partido Baath, agrupamento pan-arabista
cano, Jimmy Carter, o egípcio Sadat e o israelense e nacionalista ramificado por quase todo o mundo
Menahem Begin assinaram nos Estados Unidos árabe.
um tratado que determinava a devolução do Sinai
(mas não a Faixa de Gaza) para o Egito de traição

238 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


Watergate país.
O caso Watergate, um episódio de escuta ilegal na sede Em 1976, tropas sírias aproveitaram-se da
do partido democrata por elementos ligados ao governo, guerra civil para invadir áreas do norte e do cen-
abalou a história americana. Esse marco foi fruto do tro do Líbano. A Síria, atuando pendularmente,
trabalho de dois repórteres do jornal Washington Post,
Bob Woodward e Carl Bernstein, que foram além na apoiando às vezes os cristãos e às vezes os muçul-
invasão do Edifício Watergate, em Washington. Cinco manos, procurava consolidar uma influência per-
pessoas foram presas no edifício comercial Watergate manente no interior do Líbano.
com material eletrônico de espionagem. Os cinco homens
que invadiram a sede do Partido Democrata, de oposição Em 1982, forças israelenses ocuparam o sul
ao governo de Richard Nixon, eram ex-membros da do Líbano, visando simultaneamente destruir as
CIA (Agência Central de Informações), que haviam
bases da guerrilha palestina e contrabalançar a
participado de outras operações secretas durante o governo
de John Kennedy. influência síria. A intervenção israelense resultou
na progressiva balcanização do país, isto é, na sua
Com Assad, a Síria retomava um velho pro- divisão em setores controlados pelas diversas forças
jeto geopolítico, ligado à constituição da “Grande em conflito.
Síria” histórica. Esse projeto implicava a expansão
sobre o Líbano, considerado um Estado artificial,
criado pelo colonialismo francês. A Guerra Irã-Iraque
O Líbano é um país habitado basicamente
por cristãos (maronitas, principalmente, mas tam-
bém ortodoxos gregos, armênios, católicos e pro-
testantes) e muçulmanos (sunitas, xiitas e drusos).
Beirute, a capital, reflete essa divisão: o lado oci-
dental é habitado pelos muçulmanos, enquanto o
lado oriental, mais rico, é habitado pelos cristãos.
A distribuição do poder político entre os
vários grupos religiosos libaneses foi estabelecida,
em 1943, pelo Pacto Nacional e visava viabilizar
a convivência entre as comunidades religiosas, be-
neficiando a maioria populacional cristã existente
na época.
Porém, o crescimento mais rápido da popu- Entre 1980 e 1988, O Golfo Pérsico conhe-
lação muçulmana (que é calculada hoje em 62% ceu um conflito prolongado, sangrento e devasta-
do total, embora não existam dados oficiais, pois dor, envolvendo o Iraque e o Irã. As causas dessa
o governo recusa-se a atualizar o censo) colocou guerra localizavam-se no desenvolvimento de dois
em questão essa distribuição do poder favorável projetos expansionistas contraditórios.
aos cristãos.
Em 1979, Saddam Hussein assumia o po-
Mas o estopim da crise de 1975 foram os der no Iraque, à frente da facção nacional do Par-
guerrilheiros palestinos instalados no sul do Lí- tido Baath. O Baath iraquiano compartilhava o
bano, desde sua expulsão da Jordânia, em 1970. pan-arabismo com o Baath sírio. Isso os tornava
Enquanto os muçulmanos declaravam-se aliados concorrentes e adversários geopolíticos. O Iraque
das forças da OLP, os cristãos exigiam sua retirada reivindicava para si a liderança do mundo árabe e
do país. Em abril, um atentado cristão contra um começava a se armar com apoiodo EUA (Ronaldo
ônibus que conduzia palestinos e libaneses muçul- Reagan) e outrora Soviético.
manos provocava o início da guerra civil. Cristão
No mesmo ano, uma revolução xiita derru-
e muçulmanos engalfinharam-se pelo controle do

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 239


bava o regime pró-ocidental do xá Reza Pahlevi no O conflito terminou sem vencedores, com
Irã, instalando no país o poder do clero islâmico o esgotamento militar e econômico dos inimigos.
fundamentalista. Um precário acordo de cessar-fogo, negociado pela
ONU, em 1988, transformou-se em trégua perma-
O aiatolá Ruhollah Khomeini assumia o
nente. em junho de 1989, a morte de Khomeini
comando do Estado tomando o poder do Xá reza
faria refluir o ímpeto revolucionário do Irã, contri-
Pahlev e lançava a ideia de uma revolução fun-
buindo para a estabilização da situação. Ao mesmo
damentalista internacional. Procurando agitar as
tempo, o expansionismo iraquiano voltava-se para
massas muçulmanas nos países árabes, o Irã torna-
novos alvos.
va-se um perigoso inimigo do Iraque, país dividido
entre muçulmanos sunitas e xiitas.
A Guerra do Golfo e suas
Consequências
Em agosto de 1990, Saddam Hussein orde-
nava a invasão do Kuweit, pequeno emirado pe-
trolífero encravado entre as fronteiras do Iraque e
da Arábia Saudita e banhado pelas águas do Golfo
Pérsico. Ao mesmo tempo, ameaçava prosseguir e
ocupar a Arábia Saudita.

Sadam Hussein Ruhollah Khomeini

Xá reza Pahlev

A guerra Irã-Iraque originou complexos


alinhamentos e realinhamentos internacionais.
A União Soviética apoiou, não sem vacilações, o
lado iraquiano. Os Estados Unidos assumiram ati-
tudes pendulares e contraditórias, vendendo aber-
tamente armas para o Iraque, mas também arman-
do o Irã de forma encoberta. A China, concorrente A ação iraquiana, justificada por um conjun-
da União soviética, apoiou claramente o Irã. to complexo de “argumentos” ligados aos preços
do petróleo e às antigas disputas fronteiriças com
No mundo árabe, o apoio ao Iraque foi a li- o Kuweit, estava efetivamente condicionada pelas
nha seguida pela maioria dos países, especialmente ambições de liderança árabe de Saddam. O ditador
pelos regimes pró-ocidentais do Egito e da Arábia de Bagdá pretendia enfraquecer os países árabes
Saudita. A Síria destacou-se como principal aliada pró-ocidentais (Arábia Saudita e Egito, principal-
regional do Irã, procurando enfraquecer a lideran- mente) e assumir a bandeira do pan-arabismo.
ça de Saddam Hussein.

240 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


A crise originada pela invasão envolveu a da por Washington.
intervenção dos Estados Unidos (G.Bush), à frente
A desocupação do Kuweit e a humilhação
de uma coalizão multinacional de países europeus
militar imposta ao Iraque trouxeram uma série de
(Grã-Bretanha, França, Itália) apoiada pela maior
consequências para toda a política regional.
parte dos países árabes (em particular o Egito, a
Arábia Saudita e a Síria). O Irã adotou uma postu- Entre os países árabes, os grandes vencedo-
ra de neutralidade, criticando tanto a ocupação do res foram o Egito, a Arábia Saudita e a Síria. O
Kuweit pelo Iraque como a presença de tropas oci- Egito firmou-se como liderança árabe pró-ociden-
dentais na região. Aproveitou-se da situação para tal, solidificando sua aliança estratégica com os
assinar um vantajoso tratado de paz com Saddam Estados Unidos e ganhando o perdão da sua dívi-
Hussein. da externa. A Arábia Saudita viu sua posição de
liderança petroleira do Golfo ser confirmada. A
Síria conquistou a liderança árabe anti-israelense,
beneficiando-se da desastrosa derrota iraquiana.
O desenlace da Guerra do golfo esteve di-
retamente ligado ao encerramento da guerra civil
no Líbano. Os acordos firmados entre os Estados
Unidos e a Síria durante o conflito com o Iraque
garantiram a Hafez Assad o controle geopolítico
do Líbano. Em 1991, sem a tradicional sustentação
militar francesa e americana, os cristãos libaneses
radicais depuseram as armas. Um governo cristão
ligado à Síria foi estabelecido no Líbano. Esgo-
tadas pelos anos de guerra, a maioria das facções
muçulmanas acatou a autoridade do novo governo,
abandonando as ações militares. Começava a nas-
cer a “Guerra Síria”.

A Questão Palestina e a Paz


no Oriente Médio
A União Soviética (Gorbatchev), enfraque-
cida pela crise econômica e pelas divisões inter-
nas, manteve-se em posição de semineutralidade,
embora tenha afirmado apoio diplomático à coa-
lizão liderada pelos americanos. Nessas condições,
a ONU transformou-se no cenário de sucessivas
condenações do regime de Saddam, aprovando for-
malmente a escalada de ações políticas e militares
que culminou com o ataque da coalizão ao Iraque.
No princípio de 1991, o Iraque foi arrasado
por uma ofensiva aérea extremamente violenta, se-
guida de um fulminante avanço terrestre. Segundo
informações extraoficiais, cerca de 100 mil iraquia-
nos foram abatidos no curto período de guerra, na
qual a tecnologia militar mais sofisticada foi testa-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 241


No Caminho da Paz: Os Acordos de o que seria reforçado pela desintegração da União
Oslo Soviética, nos meses seguintes ao conflito. Nesse
novo quadro, o Oriente Médio deixava de ser uma
A questão palestina representou uma cunha região disputada pelas duas superpotências para ter
política e ideológica profunda no interior da socie- nos Estados Unidos a única força capacitada a es-
dade israelense. tabelecer uma hegemonia.
À direita do espectro político, o Likud, co-
alizão que reúne diversos partidos conservadores, A Intifada
recusa qualquer solução negociada baseada na de- A intifada (palavra árabe que significa “sacudir”)
volução de territórios. Adepto do “Grande Israel” é uma revolta popular dos palestinos habitantes dos
(Eretz Israel, a Israel bíblica), esse agrupamento territórios ocupados por Israel desde a guerra de 1967.
Essa rebelião teve início nos últimos anos da década de
aposta todas as suas fichas na consolidação da Isra- 80 e se manteve sem interrupção até a assinatura dos
el nas fronteiras expandidas, em 1967, e estimula a tratados de paz com Israel no início dos anos 90. Depois,
imigração em massa de judeus da Europa oriental e com o fracasso do processo de paz, foi retomada em 2000.
da antiga União Soviética para contrabalançar o Como é uma ação entre população de um território
peso demográfico e a alta natalidade dos palestinos ocupado (os palestinos) e as forças de um Estado (Israel),
da Cisjordânia e Gaza. não é uma guerra formal entre dois Estados soberanos,
mas teve tanto impacto político na região como qualquer
No centro da política israelense encontra- conflito convencional.
-se o tradicional Partido Trabalhista, que deixou Em 6 de Dezembro de 1987, seis trabalhadores
o poder como consequência da Guerra do Yom palestinos foram mortos na Faixa de Gaza, atropelados
Kippur, em 1973. Fragmentando em diversas alas, por um caminhão conduzido por um israelense. Os
palestinos convenceram-se de que o incidente foi um
o partido oscila entre a aceitação da solução “paz crime deliberado e três dias mais tarde, um jovem
por terra” e a resistência à formação de um Esta- palestino apanhou uma pedra do chão e atirou-a contra
do palestino junto às fronteiras de Israel. As alas uma patrulha israelense. Os jovens que o acompanhavam
seguiram o exemplo, numa atitude que se espalharia pelos
trabalhistas mais liberais associam-se à esquerda
manifestantes palestinos durante vários anos.
israelense (Movimento Paz Agora), que defende a
Foi desta forma que teve início a intifada - a revolução
devolução dos territórios ocupados, a formação de das pedras. Os intelectuais palestinos apropriaram-se
um Estado palestino e prega a ideia do “pequeno da palavra para explicar que a sua juventude tentava
Israel”, adaptado às fronteiras de 1949 e cultural- sacudir-se, ou sacudir 20 anos da humilhação do controle
mente homogêneo. israelense sobre seu território.

Durante a Guerra do Golfo de 1990-1991, No âmbito regional, a derrota do Iraque


Saddam Hussein lançou mísseis contra cidades neutralizou essa liderança árabe, fortalecendo o
israelenses com o objetivo de usar a questão pa- papel da Síria, que, por sua vez, se aliara aos Esta-
lestina para desmontar a aliança dos árabes com dos Unidos e acabara de se beneficiar dessa nova
a coalizão militar chefiada pelos Estados Unidos. posição no Líbano.
Momentaneamente, em Israel, o prestígio das li-
Em Israel, sob o impacto da Intifada, difun-
deranças moderadas foi brecado, e o Likud conso-
dia-se a percepção favorável a um acomodamento
lidou suas posições extremistas apoiado, sobretudo,
com os palestinos. Os Estados Unidos, interessados
por grupos cada vez mais numerosos de colonos
em estabilizar a geopolítica regional, propunham
fanáticos.
a organização de uma conferência internacional
A rápida derrota iraquiana, entretanto, pro- de paz. As novas posições mais conciliadores da
duziria outros reflexos de espectro bem mais am- liderança da OLP reforçavam a credibilidade dessa
plo. A pax americana, decretada pelo presidente iniciativa. As eleições de 1992 assinalaram a revi-
George Bush, assinalava o final do sistema políti- ravolta estratégica, com a derrota do Likud e sua
co bipolar oriundo da Segunda Guerra Mundial, substituição no governo por uma coalizão liderada

242 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


pelo Partido Trabalhista, que levantava a bandeira O complexo defensivo deve ser alto em alguns pontos
da troca da terra pela paz. e ainda terá dispositivos eletrônicos capazes de detectar
infiltrações, fossas antitanques e pontos de observação e
patrulha.
Em certos lugares, como na região da cidade palestina
de Qalqiliya, o “muro de proteção” chegaria à altura de
oito metros. Em alguns pontos, a construção tem 45
metros de largura, que em outros pontos pode chegar a
75 ou 100 metros.
Prevê-se que a construção vá custar US$ 1 bilhão.
Até agora, acredita-se que a obra defensiva já custou
cerca de US$ 2 milhões ao Estado de Israel.

O chamado Acordo de Oslo I estabeleceu a


autonomia dos palestinos residentes na cidade de
Jericó, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. A partir
de maio de 1994, as forças de ocupação israelenses
Nesse meio tempo, iniciaram-se em Madri
abandonaram essas áreas, que passaram para o con-
negociações públicas entre Israel e a OLP patroci-
trole da autoridade Palestina, presidida por Ara-
nadas por vários países. Pouco depois começavam,
fat. Tratava-se de um primeiro passo, no interior
secretamente, em Oslo (Noruega), as negociações
de um complicado arranjo, prevendo a extensão
efetivas, entre as duas partes, do acordo de paz as-
da autonomia para o restante da Cisjordânia e a
sinado por Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, que só
negociação posterior do estatuto definitivo dos ter-
viriam a público semanas antes da oficialização,
ritórios ocupados (inclusive Jerusalém Leste).
em Washington, no dia 13 de setembro de 1993.
A questão, contudo, estava longe de ser re-
O Muro de Sharon solvida. A entidade autônoma palestina nasceu no
interior de territórios que foram submetidos à co-
Os israelenses começaram a construir, em junho de
2002, entre Israel e a Cisjordânia um “muro de proteção” lonização israelense. Uma significativa população
destinado a impedir ataques palestinos. de colonos — cerca de 120 mil na Cisjordânia e al-
A construção do “muro de proteção” foi requisitada guns milhares em Gaza, sem contar os de Jerusalém
pela direita e esquerda israelenses, após a onda de Leste — continua a habitar os territórios, ficando
atentados suicidas que atingiu Israel desde o início da fora do âmbito da Autoridade Palestina. a presen-
segunda Intifada (revolta palestina contra a ocupação
israelense) no final de setembro de 2000.
ça dos colonos, protegidos pelas tropas israelenses,
materializa o projeto de Israel de manter sob seu
A ideia de construir um muro surgiu após o fracasso
da Conferência de Camp David sobre o conflito israelo- controle uma vasta porção dos territórios.
palestino, em julho de 2000. A construção suscitou, As colônias representam a maior armadilha
desde o início, tensões políticas internas e muitas críticas
palestinas e da comunidade internacional. para a paz. Os colonos — muitos dos quais faná-
ticos religiosos ligados a grupos fundamentalistas
Para a esquerda israelense, a barreira deve respeitar o
mais fielmente possível o traçado da “linha verde” entre judeus — não aceitarão viver no futuro sob leis e
Israel e a Cisjordânia --limite imposto por Israel após a sob a autoridade palestina, pois grande parte de-
Guerra dos Seis Dias entre israelenses e árabes, em 1967. les deslocou-se movida pelo sentimento da recon-
Já a direita, encabeçada pelo primeiro-ministro israelense, quista da terra bíblica de Israel. O próprio gover-
Ariel Sharon, quer que divisão agrupe o maior número
possível de colônias judaicas nos territórios palestinos. no trabalhista, cuja sorte está ligada ao processo
de paz, reitera as garantias de segurança e perma-
Com extensão prevista de 350 km, o “muro de
proteção” deve cobrir do norte ao sul a “linha verde” e nência para os colonos. Mesmo assim, uma rede
englobar também o setor oriental de Jerusalém, anexado de agrupamentos judaicos extremistas, estimulados
por Israel desde 1967, e onde os palestinos pretendem pela agitação do Likud e de rabinos enlouquecidos,
construir um dia a capital do seu Estado.
passaram a acusar o governo de traição, que se ma-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 243


terializaria na entrega da Terra Santa aos inimigos vilas palestinas e fica temporariamente sob contro-
de Israel. A virulência da questão já produziu uma le conjunto palestino-israelense, até a plena auto-
vítima paradigmática: Yitzhak Rabin, assassinado nomia. A Zona C corresponde a aproximadamente
em novembro de 1995 por Yigal Amir, um fanáti- 70% da Cisjordânia e estende-se por todo o Vale
co judeu. A tragédia chocou o mundo todo, mas, do rio Jordão, inclusive corredores que interligam
principalmente, a população israelense, a partir de todas as colônias israelenses cisjordanianas. Essa
agora obrigada a reconhecer a profunda divisão zona ficará sob autoridade exclusivamente israe-
interna que ameaça a integridade de seu próprio lense.
Estado.
Os Acordos de Oslo II parecem representar
A POPULAÇÃO PALESTINA NO MUNDO um retrocesso em relação a Oslo I, do ponto de
vista palestino. A assinatura de um documento
internacional que admite a divisão da Cisjordânia
em zonas diferenciadas — fato inédito — cria um
precedente favorável ao projeto israelense de pe-
renizar o controle de larga porção desse território,
em nome de motivações de segurança. Com isso,
adicionalmente, Israel assegura seu controle sobre
as fontes de água da Bacia do rio Jordão. Os corre-
dores de ligação israelenses — que integram e uni-
ficam a Zona C, interligando-a a Israel — criam
por outro lado uma descontinuidade territorial en-
tre os focos de exercício da autonomia palestina.
Do lado palestino, as colônias também cons- Existe ainda outra questão crucial. Até maio
tituem o principal argumento para a oposição radi- de 1999, alem do estatuto definitivo das terras da
cal. O Hamas, movimento islâmico fundamentalis- Cisjordânia e Gaza, também será definido o esta-
ta, qualifica os acordos de traição à causa nacional tuto de Jerusalém. Símbolo nacional palestino, a
e promete prosseguir com a Intifada. Mesmo as OLP reivindica a devolução de Jerusalém Leste,
tradicionais lideranças nacionalistas temem que o onde se instalaria a capital do Estado que a OLP
acordo acabe produzindo guetos palestinos em ter- pretende criar. Israel, que anexou o setor oriental
ras israelenses. de Jerusalém desde a guerra de 1967, consolidou
a ocupação militar com base na transferência de
Os acordos de Oslo II, assinados em 28 de
moradores judeus que se apropriaram de proprieda-
setembro de 1995, em Washington, parecem justi-
des palestinas. Para o Estado israelense, Jerusalém
ficar essas preocupações. Abrindo caminho para as
é sua capital eterna, una e indivisível.
eleições destinadas a legitimar a Autoridade Na-
cional Palestina, eles detalham a extensão da auto- Jerusalém e as colônias sintetizam a mesma
nomia na Cisjordânia. O complexo esquema prevê questão, crucial para uma paz duradoura. Estará Is-
a divisão da Cisjordânia em três regiões. A Zona rael disposta a conviver com um Estado Nacional
A compreende as seis maiores cidades da Cisjor- palestino.
dânia, de população predominantemente palestina Do bom termo dessas negociações depende
(Jenin, Naplouse, Tulkaren, Kalkiya, Rammallah e parte considerável da paz e da estabilidade geopo-
Belém), transferidas para o governo da Autorida- lítica do Oriente Médio. De ambas, depende o de-
de Palestina. A cidade de Hebron, ocupada em sua senvolvimento econômico de toda a região, tanto
área central por 450 colonos judeus, fica parcial- pela atração de investimentos estrangeiros quanto
mente sob autoridade de Israel, que lhes garante pela possibilidade da criação de um mercado co-
segurança. A Zona B agrega a quase totalidade das mum que integre economia e gere políticas coor-

244 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


denadas para o uso do maior bem da região, a água.

O Dia que os EUA Foram


Atacados “11 Setembro
2001”
Os ataques de 11 de setembro chamados
também de atentados de 11 de setembro, foram
uma série de ataques suicidas, coordenados pela Na manhã deste dia, quatro aviões comer-
Al-Qaeda (Osama Bin Laden) contra alvos civis ciais foram sequestrados, sendo que dois deles co-
nos Estados Unidos da América em 11 de Setem- lidiram contra as torres do World Trade Center
bro de 2001. em Manhattan, Nova York. Um terceiro avião, o
American Airlines Flight 77, foi direcionado pelos
sequestradores para uma colisão contra o Pentágo-

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 245


no[1][2], no Condado de Arlington, Virgínia. Os tudes econômicas, que provocaram um crescente
destroços do quarto avião, United Airlines Flight empobrecimento da população, estimulado ainda
93, foram encontrados espalhados num campo pró- mais por escassos suprimentos naturais e pela seca
ximo de Shanksville, Pensilvânia. A versão oficial que durante cerca de dois anos atingiu esta região,
apresentada pelo governo norte-americano reporta disseminando a fome e a miséria. A situação pio-
que os passageiros enfrentaram os supostos seques- rou ainda mais depois que as tentativas de alcançar
tradores e que, durante este ataque, o avião caiu[1] a paz e a unificação do poder - através da união
[2]. Os atentados causaram a morte de 3234 pesso- entre a Frente Islâmica Unida de Salvação do Afe-
as e o desaparecimento de 24. ganistão (Fiusa), grupo composto de várias etnias e
tribos da oposição, e o Taliban -, promovidas pela
Arábia Saudita, falharam. Neste contexto, o go-
A Guerra de George Walker verno revolucionário foi duramente acusado pelos
Bush Afeganistão e Iraque países vizinhos de incitar rebeldes e separatistas
contra o poder oficial. Os EUA, responsáveis pelo
poder adquirido por esta facção, passaram a pres-
sionar os Taliban para que expatriassem Osama
Bin Laden, o saudita terrorista, líder da Al Qaeda,
na verdade antigo convidado dos aliados afegãos
da potência norte-americana. O Afeganistão se
viu isolado no Oriente Médio, e países como o Pa-
quistão - que também apoiou os rebeldes contra a
União Soviética -, encontram-se neste momento
em uma situação delicada, pois indiretamente são
também responsáveis pela ascensão do Taliban.

Logo depois da retirada das tropas soviéticas


do território afegão, em 1989, e da derrubada do
regime comunista, os diálogos entre as várias fac-
ções para formar uma junta de coalizão fracassam e,
aproveitando o vácuo de poder, o Taliban – ‘estu-
dantes’, no dialeto farsi, milícia sunita da etnia dos
pashtuns, maioria no país – assume o governo. Está
então instaurado o fundamentalismo islâmico no
Afeganistão, em 1996. Seus integrantes mais po-
derosos eram meros ulema, estudantes e universi-
tários, inclusive seu líder, Mohammed Omar. Mais
de um milhão de pessoas morrem neste combate
fratricida, e milhões estão exilados em países próxi- É neste contexto que, no dia 11 de setembro
mos. Esta guerra civil já dura mais de duas décadas. de 2001, os Estados Unidos sofrem um atentado
O mais irônico desta situação é estes guerrilheiros, que entra tragicamente para a História. As Torres
conhecidos como mujahidin, terem sido incenti- Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque,
vados, treinados e equipados pelos Estados Unidos, são atingidas por dois aviões e totalmente destru-
Paquistão, Arábia Saudita e China na guerra con- ídas. Uma terceira nave colide com o Pentágono,
tra os soviéticos. Logo depois os norte-americanos em Virgínia. O quarto avião caiu no Sul da Pen-
se voltam contra seus antigos aliados. silvânia, após um conflito entre alguns passageiros
e os terroristas, e tinha provavelmente como alvo
O país também tem sofrido com as vicissi- a Casa Branca. Esta foi a maior ação dos inimigos

246 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


contra os norte-americanos em seu próprio terri- nas províncias, os Taliban continuam a subjugar e
tório. Os adversários sequestraram quatro aviões, a causar terror na população local. Por outro lado,
dois da American Airlines e os outros da United os norte-americanos se consideram vitoriosos, mais
Airlines, as maiores empresas aéreas da América, do que no Iraque, pois no Afeganistão julgam ter
e os utilizaram como armas contra os Estados Uni- desestruturado boa parte da organização terrorista
dos. Aproximadamente três mil pessoas morreram Al Qaeda
neste ataque, o que gerou entre os americanos um
A Invasão do Iraque em 2003 iniciou-se a 20
terrível trauma, aliado a uma raiva ainda maior.
de Março através de uma aliança entre os Estados
Osama Bin Laden e seu grupo terrorista assumiram
Unidos da América, Reino Unido e muitas outras
as responsabilidades pelo atentado. E então o Afe-
nações, numa aliança conhecida como a Coalizão.
ganistão, acusado de apoiar o saudita, tornou-se o
A ofensiva terrestre foi iniciada a partir do Kuwait,
alvo número um das tropas norte-americanas. As-
depois de uma série de ataques aéreos com mísseis
sim tem início a chamada Guerra ao Terror contra
e bombas a Bagdad e arredores ter aberto o cami-
o Eixo do Mal (Iraque,Irã, Coreia do Norte, Líbia
nho às tropas no terreno.
e Cuba), instaurada pelo Presidente George Bush.
Os efetivos, assim como os meios materiais
O Congresso implanta várias leis para prote-
do exército iraquiano, haviam sofrido forte dete-
ger o país e aprova a decisão do Presidente de inva-
rioração, desde a Guerra do Golfo (1991), contan-
dir o Afeganistão, como uma represália ao atentado
do então com 17 divisões do exército regular (con-
cometido em território americano. Assim, no dia
tra as 40 que possuíam na guerra de 1991), além
07 de outubro de 2001, tropas norte-americanas,
das seis divisões da Guarda Republicana.
apoiadas pela Aliança do Norte, revoltosos afegãos
que apoiaram os EUA contra os terroristas da Al Apesar de alguma resistência por parte dos
Qaeda e os Taliban, invadiram este país, aliadas iraquianos, as forças terrestres da coligação norte-
também a forças internacionais do Reino Unido, -americana e britânica avançaram bastante até te-
do Canadá e da Austrália. A investida contra o go- rem um abrandamento no dia 25 de Março por fal-
verno foi vitoriosa, pois lograram expulsar os Ta- ta de provisões. A 26 de Março foi aberta a frente
liban do poder. Mas lutas incessantes prosseguem norte de ataque com a chegada de forças aerotrans-
entre a coalizão que substituiu o antigo governo portadas à região norte controlada pelos curdos.
e facções rivais. Durante os combates, os norte- Encontrando menor resistência do que a ini-
-americanos conseguiram atingir alvos estratégi- cialmente previsto, as tropas norte-americanas, a
cos, obtendo êxito ao prender supostos terroristas 4 de Abril ocupam o aeroporto internacional de
no Afeganistão, que foram presos na base militar Bagdad, situado a poucos quilómetros da capital.
de Guantánamo, em Cuba. Bush não lhes conce- No dia seguinte alguns tanques norte-americanos
deu os direitos de prisioneiros de guerra, pois ele fizeram incursões no centro de Bagdade
os considerou soldados ilegítimos. Consequente-
mente, estes rebeldes não tiveram direitos básicos Bagdá caiu a 9 de Abril e a 1 de Maio de-
resguardados, e fala-se hoje de abusos e torturas clarou o presidente norte-americano George W.
inomináveis que teriam ocorrido neste local. Bush o fim das operações militares, dissolvendo o
governo do partido Ba’ath de depondo o presiden-
O Presidente George W. Bush, que em junho te Saddam Hussein. As forças da Coligação captu-
de 2003, segundo a BBC, alegou seguir os desígnios raram Saddam Hussein a 14 de Dezembro de 2004,
divinos ao invadir o Afeganistão e, logo depois, o dando início ao processo de transição de poderes à
Iraque, caracterizando assim um certo fundamen- população iraquiana. A invasão procedeu segundo
talismo cristão, não teve poderes extraordinários uma doutrina militar de intervenção rápida ao es-
para devolver ao Afeganistão a paz tão desejada, tilo Blitzkrieg e ao custo de apenas 173 mortos da
perdida desde a invasão da União Soviética. Gru- Coligação (dos quais 33 britânicos).
pos dissidentes continuam a combater entre si e,

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 247


O Fim de Saddam Hussein As ruas de Bagdá foram tomadas pela comemoração,
conforme mostrou a rede de TV “CNN”. Iraquianos que
afirmavam ter sofrido sob o regime ditatorial de Saddam
Hussein diziam que este era um dia de “comemoração,
Justiça e vingança”.
(Uday e Qusay Hussein )

O ditador iraquiano Saddam Hussein, 69,


morreu enforcado por volta às 6h da manhã deste
sábado (1h da manhã em Brasília), na Zona Verde
de Bagdá, região fortemente protegida da capital
iraquiana em cumprimento à sentença determina-
da pela Justiça daquele país em 5 de novembro.
A condenação foi dada a Saddam por sua
participação nos assassinatos de 148 xiitas da ci-
dade de Dujail depois do fracasso de um complô
para matá-lo em 1982, assim como na tortura e a
deportação de centenas de moradores de Dujail.
Saddam Hussein governou o Iraque de 1979
a 2003, quando caiu durante a invasão americana
ao país. Conseguiu fugir, mas foi capturado e res-
pondeu a processos por genocídios, acusado pelos
EUA de desenvolver armas de destruição em mas-
sa.
Um tribunal de apelações de Washington
rejeitou ontem o pedido formulado pelos advoga-
dos do ex-presidente do Iraque para impedir a sua
execução.
Os advogados de Saddam Hussein solicita-
ram a um tribunal dos Estados Unidos que o ex-
-presidente iraquiano não passasse da custódia
americana às mãos de oficiais iraquianos. Com
isso, esperavam deter a execução, informaram fon-
tes judiciais.

248 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


A Crise Brasil-Bolívia
CAPÍTULO

16

Os Guardas Vermelhos
No Dia Internacional do Trabalho, 1º de Maio, o
presidente da Bolívia, Evo Morales, assinou um decreto
que nacionalizou a exploração dos hidrocarbonetos
(matérias-primas retiradas o subsolo do país, como o
petróleo e o gás natural). A iniciativa foi envolta em
simbolismos, evidenciados pelas forças militares bolivianas
ocupando empresas (em grande parte estrangeiras) que
exploram comercialmente a produção de petróleo e gás
naquele país. Isso acertou em cheio os interesses do Brasil,
representado por sua maior empresa, a estatal Petrobras,
que tem vários negócios no país vizinho. Termos
como exploração, expoliação, demagogia, usurpação,
expropriação e imperialismo foram usados de um lado e do
outro entre as personalidades envolvidas no dilema. Tudo
isso leva a outra temida palavra: impasse.

A recente celeuma envolvendo a naciona- grandes perdas. Para o Chile, perdeu a saída para o
lização dos hidrocarbonetos (gás e petróleo) boli- mar, após a Guerra do Pacífico, no final do século
vianos demonstra a reconfiguração geopolítica que XIX. O revanchismo boliviano é vivo até hoje e foi
perpassa pelo subcontinente sul-americano nos úl- um dos fatores dos distúrbios de 2003 que derruba-
timos anos. Esta reconfiguração aponta para uma ram o presidente Sánchez de Lozada; o presidente
América do sul mais à esquerda, como nunca antes acertara com os chilenos o escoamento dos recur-
visto. Neste espaço, onde para muitos o Brasil seria sos bolivianos por um porto no país vizinho, fato
uma “liderança natural”, tem aparecido lampejos inaceitável aos índios nacionalistas.
de rebeldia à suposta liderança, como transparece
Quanto às relações Brasil-Bolívia (em um
nas ações de Hugo Chávez, Evo Morales, ou mes-
século de história) revelam um indisfarçável su-
mo Nestor Kirchner.
bimperialismo brasileiro. No começo do século
A Bolívia, razão da última turbulência, traz XX, o diplomata José Maria Paranhos Júnior, o
em sua trajetória uma história de derrotas e usurpa- Barão do Rio Branco, encaminhou as negociações
ção de suas riquezas. No início, foi a prata, levada entre os dois países, após esses se desentenderem
de Potossi pelo colonizador espanhol. As jazidas de sobre seringueiros brasileiros na imprecisa frontei-
estanho, que chegaram a ser as segundas maiores ra Brasil-Bolívia. O desfecho do episódio culminou
do mundo, se exauriram devido à exploração in- com a conquista do Acre pelo Brasil.
tensiva que mineradoras internacionais realizaram
Na metade do século passado, Brasil e Ar-
no país. Sobrou do espólio exploratório o gás, o pe-
gentina constituíram os dois jogadores em busca
tróleo e muita pobreza. Talvez a última chance de
da hegemonia local, permanecendo os outros três
sair do atoleiro social no qual vive o país esteja em
países que também se encontram na área da bacia
resguardar o que sobrou de suas reservas minerais
Platina - Bolívia, Paraguai e Uruguai - à mercê da
para um uso mais racional e em prol do país, coisa
influência de uma ou outra potência regional. A
que de fato nunca houve.
Argentina iniciou o século XX com preponderân-
Em sua formação territorial, o país acumula cia na América do Sul, mas o Brasil virou o jogo

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 249


a partir da segunda metade do século. Nesse con- A eleição de Evo Morales, em 2005, para a
texto, o Brasil “roubou” a Bolívia da Argentina, Presidência da República anunciava as mudanças.
oferecendo-lhe uma “saída” para o Atlântico por Índio aimará, líder cocaleiro, socialista e fundador
dentro do território brasileiro, através da EFBRB do partido de esquerda MAS (Movimento ao So-
(Estrada de Ferro Brasil-Bolívia), viabilizando ao cialismo), vinha somar-se à onda esquerdista as-
país andino o acesso ao Porto de Santos. Nessa cendente na América do Sul. Para muitos, esse foi
realização estava contida a estratégia brasileira de um efeito da falência do modelo neoliberal, adota-
captação dos vizinhos sul-americanos, idealizada do em massa no subcontinente na década de 1990.
nos gabinetes da Escola Superior de Guerra, de O último capítulo é a presente crise Brasil-Bolívia
quem o general Golbery do Couto e Silva era o envolvendo a discórdia em torno da exploração do
principal mentor intelectual. gás. Os fatos ainda estão se desenrolando e a polê-
mica instaurada. Contudo, uma análise conjuntu-
O terceiro movimento da geopolítica brasi-
ral pertinente, exige que a paixão nacionalista de
leira nessa espécie de “satelização” boliviana, foi
ambos os lados seja colocada de lado e a âncora da
a investida da Petrobras rumo às riquezas dos hi-
compreensão deve ser lançada primeira ao passado
drocarbonetos do vizinho andino. Isto se deu no
e depois ao futuro, para poder assim, analisar com
início dos anos 1990, ainda no governo Collor, e
lisura o presente.
se aprofundou com o início das obras do gasoduto
Brasil-Bolívia, em 1997. Com a utilização do gás E só pra constar, o Evo foi incentivado pelo
boliviano, a matriz energética brasileira, assenta- outro grande amigo de Lula, Hugo Chaves, presi-
da até então na energia hidráulica e petrolífera, dente de outro país fronteiriço, que tem intenções
passaria a contar com uma contribuição do gás de muito simples. Ajudar a Bolívia a passar a perna
aproximadamente 10% em seu parque energético. no Brasil, implementar a sua tecnologia com a es-
tatal PDVSA (Petróleo de Venezuela S.A.) e to-
A ação do governo brasileiro pretendia
mar conta de tudo que um dia foi de propriedade
atender a duas pretensões: primeiro, potencializar
da Petrobrás sem gastar nada por isso e de quebra
a demanda energética brasileira, à época sob forte
mascarar essa operação para o povo Boliviano sob
ameaça de um “apagão”; segundo, consolidar a sub-
premissa de que agora o gás é somente deles em
serviência geopolítica boliviana ao Brasil. A Pe-
nome da YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales
trobrás seria indispensável nesse processo, já que se
Bolivianos). Coisa que sempre foi e sempre será,
converteu em uma das gigantes do petróleo na área
não só o gás mas todos os recursos minerais. O Bra-
internacional.
sil paga e muito bem pelo gás boliviano, construiu
Mas o cenário da política interna boliviana as duas únicas refinarias do país, e é possívelmente
seria abalado por uma série de manifestações na- a maior empregador daquele país.
cionalistas, que, entre outras coisas, clamava pela
nacionalização do subsolo boliviano e se manifes-
tava contra a “entrega” das reservas do país. No A Questão das Guerrilhas e
conturbado cenário, perpassaram pela Bolívia, em do Narcotráfico Colombiano
menos de três anos, três presidentes. Um plebiscito,
realizado em 2003, atestou o resultado de 92% pelo República da Colômbia (*) é um país que
resgate da soberania boliviana junto aos hidrocar- parece agonizante. Aparenta estar num estado
bonetos. É evidente a mudança do cenário políti- terminal devorado internamente por um processo
co que ocorreu na Bolívia, um país que há pouco autodestrutivo, semiautofágico, de difícil entendi-
tempo tinha no comando do país um presidente mento. Quase todas as forças políticas, quase todos
com forte sotaque inglês, El Gringo (Sanches de os grupos e classes, e quase todos os interesses, in-
Lozada, educado nos Estados Unidos e oriundo da ternos e externos, estão em guerra uns contra os
elite branca boliviana). outros. A sociedade colombiana assemelha-se a
cada dia que passa com o mundo lúgubre do filó-

250 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


sofo Hobbes onde cada homem é o lobo do outro início da luta pela independência com um levan-
homem. te em Bogotá, a capital do país. Logo depois, em
1819, fundaram-se as Províncias Unidas da Nova
Granada - compostas pela Venezuela, pela Colôm-
bia e pelo Equador -, cuja sobrevivência Bolívar
garantiu pelas vitórias que alcançou sobre o exérci-
to colonial espanhol em Boyacá (em 1819 na Co-
lômbia), em Carabobo (na Venezuela em 1821) e
finalmente pela vitória em Pichincha (no Equador
em 1822).

Bolívar

Tornou-se a Colômbia uma espécie de na-


ção-pária, uma terra dos “intocáveis”, devido ao
crescente poder que o narcotráfico adquiriu nos
últimos anos na vida econômica, política e mesmo
institucional (o presidente anterior, Ernesto Sam-
Simon Bolívar, El Libertador, o grande herói
per foi publicamente acusado de ter sido eleito com
da independência sul-americana, tentou por todos
o dinheiro do narcotráfico). O nome Colômbia é
os meios - inclusive lançando mão da ditadura (
hoje universalmente associado à ilicitude, à mar-
entre 1828-30)-, manter este vastíssimo e diver-
ginalidade, à delinquência criminosa, e o cidadão
sificado território, composto pelos Andes, pelo
comum, o infeliz colombiano, passou a ser aponta-
litoral e pelas matas virgens da Amazônia, numa
do universal e injustamente como um potencial ou
unidade política só. Os facciosismos separatistas
efetivo traficante de estupefacientes.
e as ambições egoístas das oligarquias crioulas lo-
O presidente Andrés Pastrana, eleito pelo cais, terminaram por pesar mais e, gradativamente,
Partido Conservador, tenta uma última cartada quebrou-se a unidade original, ocorrendo a for-
para conseguir um acordo de paz com os movimen- mação de outros estados independentes. Entre os
tos guerrilheiros (que há 40 anos estão em guerra anos de 1810 a 1850 o imenso Império Hispânico
no país). Ao mesmo tempo que as reuniões de con- das Américas partiu-se como um espelho caído no
ciliação entre o governo Pastrana e as lideranças chão, surgindo mais de 20 repúblicas.
guerrilheiras se sucedem, entremeadas de ataques e
de assassinatos, os Estados Unidos pressionam para Santander
que uma solução venha a ser tomada em breve.
Fracassado tal política de pacificação, acredita-se,
é bem provável que ocorra no futuro uma inter-
venção armada externa, articulada pelo governo
norte-americano.
A atual República da Colômbia era parte
até o início do século 19 do Vice-Reino da Nova
Granada - uma subdivisão do Império Espanhol
das Américas. Em 20 de julho de 1810 deu-se o

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 251


A personalidade dominante no cenário po- zo. Milhares de habitantes da capital se amotina-
lítico emancipacionista colombiano foi o general ram, saindo às ruas tomados de um inconcebível
Santander, ex-vice-presidente de Simón Bolívar, furor, vandalizando quase tudo a sua passagem, em
que liderou o pais até 1840, ano da sua morte. De- protesto contra o assassinato do líder liberal Jorge
saparecido o homem-forte, o poder passou a ser Eliécer Gaitán. Este crime político, cujos tumul-
disputado pelos dois partidos majoritários da oli- tos deram um prejuízo de 570 milhões de dólares,
garquia: o Partido Liberal e o Partido Conservador desencadeou outra onda de barbarismos que se es-
(que existem até hoje e que continuam a reservar tendeu, com alguns intervalos, por mais 14 anos,
para si o poder político). Trata-se a Colômbia de até 1962. Época, com toda a razão, chamada de La
um caso único na América Latina. Partidos funda- Violencia.
dos no século 19 ainda dominam o sistema político
e eleitoral de um país. La Violencia
A história da Colômbia, é - mais do que
nenhum outro país latino-americano -, a história
da violência. A rivalidade partidária entre os dois
grandes conglomerados oligárquicos, o liberal e o
conservador, têm-se traduzido em guerras e matan-
ças sem fim. A chamada “ Época da Guerra Civil”
que se arrastou de 1863 a 1880, foi sucedida pela
“Guerra dos Mil Dias”, de 1899 a 1903, provocan-
do a morte de 60 a 130 mil vítimas. Foi este esta-
do, de quase permanente e inexplicável autodes-
truição, que o novelista Gabriel Garcia Márques,
prêmio Nobel de Literatura, tornou pano de fundo
não só do seu clássico livro “Cem anos de Solidão”
como da grande parte das suas outras histórias.
A anarquia sanguinária - calcula-se que pro-
O Bogotazo vocou 200 mil mortes! - só foi contida aos poucos
pela ditadura do General Rojas Pinilla em 1953.
Em 1957, deposto o ditador, uma junta governati-
va , a Frente Nacional, organizou uma trégua entre
os dois partidos, o liberal e o conservador. Repre-
sentados por Camargo e Gomes, acertaram um es-
tranho mas compreensível acordo: a Declaração de
Sitges.

A Conciliação Oligárquica
No século 20 a violência não amainou. Per- Segundo os grandes caciques partidários,
seguições políticas acompanhadas de chacinas fo- para evitar uma nova recaída na violência popu-
ram comuns. Nem mesmo as medidas reformistas lar (uma nova onda de matanças de rua) ou na
tomadas pelo Presidente Alfonso López adotadas violência institucional (um retorno à ditadura),
na década dos anos trinta, no sentido de dar garan- celebraram um acordo em que a presidência da re-
tias às terras dos camponeses, amainou o confron- pública seria alternada, ora ela seria assumida por
to. Há pouco mais de 50 anos passados, em 1948, a um liberal, ora por um conservador, fazendo com
Colômbia presenciou talvez uma das mais terríveis que o mesmo pacto fosse aplicado equitativamente
anarquias urbanas da história moderna: o Bogota- nas demais instâncias do poder, nos ministérios e

252 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série


governos departamentais. Situação esta que se pro- As Guerrilhas
longou por 16 anos, até 1974.
Independente da existência hoje dois gran-
O lado negativo da conciliação oligárqui- des grupos guerrilheiros em atividade na Colôm-
ca foi desautorizar e desmoralizar o voto popular. bia, a FARC (Forças Armadas Revolucionárias
De que servia ao povo participar de eleições onde da Colômbia) e a ELN (Exército de Libertação
previamente já se sabia quem empalmaria o poder? Nacional), é um fato histórico a sobrevivência do
Isto conduziu a Colômbia a apresentar os mais ele- bandoleirismo nas regiões rurais mais afastadas. Re-
vados índices de abstenção eleitoral do continen- sultado este, o banditismo social, do infeliz conví-
te. vio de um latifúndio em expansão com uma guerra
civil permanente. Desde o século passado, e ainda
23 de fevereiro de 2002 em tempos bem mais remoto, bandos armados vi-
As FARC sequestram Betancourt, candidata viam de assaltos e de pilhagens das fazendas, minas
presidencial, e sua coordenadora de campanha, Clara e dos vilarejos do interior. Pode-se considerá-los,
Rojas, perto de San Vicente del Caguán, 740 km ao a tais bandos, como uma espécie de resistência ar-
sudeste de Bogotá.
caica, de origem agrária e indígena, reagindo ao
03 de Julho de 2008 domínio do governo colonial espanhol, e depois à
Ingrid Betancourt chegou a Bogotá aparentemente de hegemonia do crioulo colombiano (branco de ori-
boa saúde depois de, há alguns meses, ter sido noticiado gem ibérica), configurada nos dois grandes partidos
que a franco-colombiana sofria de malária e hepatite governantes.
B.Betancourt foi um dos 15 reféns das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (FARC) resgatados, esta
quarta-feira, pelas tropas colombianas. Os outros são 11
militares colombianos e três norte-americanos, entre os
quais o luso-descendente Marc Gonsalves.

A Ausência do Partido Popular


É também marca da política colombiana a
inexistência de um partido popular, com claras in-
clinações ideológicas e sociais - como o foram, por
exemplo, o Partido Justicialista (PJ) na Argenti-
na de Perón, ou o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB) criado por Getúlio Vargas no Brasil, ou ain-
da uma agremiação da dimensão do dos socialistas
chilenos, todos eles comprometidos com a reforma FARC/ ELN: o primeiro deles, a FARC -
social e trabalhista. Esta falta de uma válvula de liderado por Tirofijo, o mais antigo chefe guerri-
escape partidária faz com que as reivindicações so- lheiro ainda em atividade -, surgiu em 1959, ins-
ciais expludam em grandes fúrias e rebeliões das pirado da vitoria de Fidel Castro em Cuba. Foram
multidões nas cidades, ou busquem o caminho os comunistas colombianos quem o organizaram,
das guerrilhas, das emboscadas e das matanças no estimando o número dos seus combatentes em 22
mundo rural. Agrega-se ainda , como combustível ou 25 mil guerrilheiros. O segundo desses movi-
para a violência endêmica, o mau costume da elite mentos, o ELN, veio um pouco depois e sua ins-
colombiana de recorrer aos assassinatos de enco- piração é guevarista. Cada um deles a seu modo
menda, à pistolagem, como método regular de eli- são tributários da teoria foquista que visa chegar
minação dos adversários da vida política. ao poder não pelos procedimentos democráticos
mas pela luta armada revolucionária. Até uns dez
anos atrás seus recursos vinham das pilhagens, dos

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 253


sequestros (a Colômbia é recordista mundial nesta Numa cínica declaração de um dos coman-
nefanda prática), dos confiscos forçados e das taxas dantes guerrilheiros, justificando a inaceitável
de proteção cobradas às empresas e aos fazendeiros. e imoral associação entre os ideais socialistas e o
sórdido negócio da cocaína, disse que promover o
O Fim das Bandeiras: a queda do muro de
tráfico era continuar a luta anti-imperialista por
Berlim, e o desaparecimento do Bloco Socialista
outros meios, visto que a maior parte da droga é
em 1989, alterou-lhes a perspectiva. Muitos ex-
consumida pela juventude norte-americana, de-
-guerrilherios resolveram voltar à vida civil e parti-
bilitando assim o eterno inimigo a ser combatido.
cipar da política partidária. Outro agrupamento, o
Vivem eles também da extorsão, pela prática de
M-19, formado pelos partidários do ex-ditador Ro-
continuados sequestros de empresários e de seus
jas Pinilla ( o equivalente colombiano dos Monto-
familiares, bem como de gerentes ou executivos
neros peronistas na Argentina), que tentou a via
de empresas nacionais ou multinacionais que atu-
eleitoral, teve seus militantes assassinados pelos
am na Colômbia. Recorrem pois às velhas práticas
paramilitares da extrema direita. Mais de mil deles
do endêmico banditismo colombiano, que nunca
foram abatidos.
morreu de verdade naquela sociedade.
Paramilitares: negou-se assim com essas
A força e a sobrevivência da guerrilha deri-
mortes em série a possibilidade dos ex-guerrilhei-
va da função que elas assumiram nos últimos dez
ros integrarem-se na política convencional, como
anos: ser a milícia protetora do complexo da coca-
ocorreu com os sandinistas na Nicarágua e com os
ína (zonas de plantio, as vias terrestres de tráfego e
ex-integrantes da Frente Farabundo Martí em El
os aeroportos utilizados pelos traficantes), situado
Salvador. Foram bloqueados pela reação brutal dos
geograficamente na parte da amazônia colombia-
esquadrões de extermínio. Esses grupos, os parami-
na, região de difícil acesso, quase despovoada, com
litares, sabe-se que são formados por ex-oficiais e
400 mil km2 de extensão. O seu epicentro é o de-
ex-policiais a serviço de fazendeiros e outros endi-
partamento de Guavira e sua cidade principal São
nheirados, e, tudo indica, contam com a simpatia
José de Guavira, é tida como a capital da cocaína
de setores das Forças Armadas colombianas, que
colombiana. Uma das suas tarefas é garantir a in-
os têm como uma força auxiliar informal na luta
violabilidade dos territórios da coca para que seus
antiguerrilheira. Atribui-se a eles a maioria das
carregamentos possam ser negociados pelos dois
mortes por encomenda que tem ocorrido no país
poderosos cartéis do narcotráfico: o de Cali e o de
(três candidatos à presidência foram até agora as-
Medelin.
sassinados)
A Colômbia tornou-se a principal fornece-
A Aliança com o Narcotráfico: no de-
dora da cocaína (um alcaloide derivado das folhas
sencanto geral entre as esquerdas que se seguiu à
de coca, uma planta denominada Erythroxylon
fórmula revolucionária na década dos noventa (a
coca) para o mercado norte-americano a partir do
estagnação econômica e política de Cuba, a der-
final dos anos 70, quando os Estados Unidos reti-
rota eleitoral dos sandinistas na Nicarágua, e a
raram-se do Sudeste Asiático após sua derrota no
pouca expressividade dos zapatistas em Chiapas,
Vietnã em 1975. Até então os usuários e viciados
no México), a guerrilha colombiana perdeu o
consumiam - particularmente a heroína -, em sua
rumo. Virou uma nau sem bússola e sem direção.
maior parte, do Triângulo de Ouro (formado pela
Isolaram-se ainda mais ficando nas selvas, encer-
Birmânia, atual Mianmá, a Tailândia e o Laos),
radas nas regiões que de certo modo controlavam
onde os produtores chegaram a contar com a pro-
anteriormente. Aproximaram-se então do narco-
teção especial de Khun Sa, cognominado o “prín-
tráfico, servindo de milícia protetora das áreas do
cipe da Morte”, chefe de um exército particular,
plantio da folha de coca espalhadas nas clareiras da
o Mong Tai Army. A heroína vinha também das
floresta, ou exigindo tributos dos camponeses seus
plantações de papoula da Anatólia turca, do Afe-
produtores.
ganistão e demais regiões da Asia Menor.

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A Colômbia concorre com a Ásia: os trafi- As Leis Antidroga: a legislação norte-ame-
cantes colombianos aceleraram o aumento da pro- ricana de combate as drogas data do início do sé-
dução de cocaína na Colômbia, como no vizinho culo 20. A Lei Harrison contra os narcóticos é de
Peru, para ocupar o espaço aberto pela produção 1914. Foi complementada tempos depois pela Lei
oriental. Calcula-se que o negócio internacional do controle sobre as drogas narcóticas de 1956, e
da droga gire hoje ao redor de um trilhão de dólares pela Emenda de controle sobre o abuso de drogas
(8% do comercio global, superior as exportações de 1965 ( Drug Abuse Control Amendment). A
mundiais de ferro, de aço e de motores de automó- mais recente delas é a Antidrug Mesure de 1987,
veis), cabendo à Colômbia o fornecimento de 80 a que fixou penas severíssimas mesmo para a maco-
85% da cocaína consumida nos Estados Unidos. nha. Nada serviram porém a não ser para punir
com prisão, com penas cada vez mais elevadas, os
A Droga nos Estados Unidos: o uso de
envolvidos no tráfico.
drogas na América, por sua vez, resultou de uma
mudança de costumes, fazendo com que o mercado As Drogas como Costume: uma das ra-
consumidor norte-americano se tornasse no maior zões da persistência do seu consumo é que as dro-
e mais ávido por drogas no mundo inteiro. Nos gas foram incorporadas à rotina de quase todas as
anos 20 a grande preocupação das campanhas mo- classes sociais. Seus usuários pretextam utilizá-las
ralistas era o combate às bebidas alcóolicas, fazen- devido a sociedade norte-americana resultar de um
do aprovar a Lei Seca que proibiu o seu consumo capitalismo ultracompetitivo que a torna cada vez
em todo o território dos Estados Unidos, até ser mais atomizada, individualista, egocêntrica e nar-
revogada em 1933. O Movimento Hippie dos anos cisista.
60 - a década do Sex, drugs and rock and roll -,
Usam cocaína, especialmente os gerentes e
resultante da profunda crise moral e ética provoca-
executivos, para se sentirem capazes de superar a
da pela intervenção norte-americana numa guerra
letargia e o cansaço, habilitando-os a concorrer,
extremamente impopular, fez com que a recorrên-
como um estimulante para render o máximo pos-
cia à droga fosse entendida por amplos setores da
sível. E, é claro, como um imaginário equilíbrio
classe média e dos intelectuais - especialmente pe-
psicológico qualquer, mesmo que isso implique em
los ideólogos da contracultura -, como uma con-
arriscar-se à dependência, ao vício , à violência e às
testação à sociedade em que viviam. Da maconha,
atitudes antissociais. Hábito este que chegou até a
um fumo proletário de iniciação, foi um salto para
plebe norte-americana, o povo slum dos subúrbios
excitantes mais pesados, como a “burguesa” cocaí-
das grandes cidades, que encontrou no proletário
na, e a “aristocrática“ heroína.
crack, uma maneira de acompanhar o modismo.
A Religião Química: naquela década tor-
Disto resulta, desta infeliz democratização
mentosa e desafiadora um catedrático de Harvard,
do consumo de estupefacientes, que as apreensões
o professor Thimoty Leary, dedicou-se a fazer apo-
das remessas de drogas, apesar dos enormes gastos
logia do uso do LSD (o ácido lisérgico), um po-
feitos pelos E.U.A - 20 bilhões de dólares entre
derosíssimo agente alucinógeno, iniciando o “drug
1980/90 - terem sido pouco significativas. Calcu-
cult” entre a elite literária e artística e mesmo
la o General Accounting Office do Congresso dos
empresarial dos Estados Unidos. Thimoty foi um
E.U.A que, das 780 toneladas métricas da produ-
seguidor de Aldous Huxley, um escritor inglês que
ção mundial de cocaína, somente 230 (ou 29,5%)
vivia nos Estados Unidos, que no seu livro “The
delas foram capturadas. No caso da heroína o de-
Doors of Perception”, (As portas da percepção,
sempenho foi ainda menor: das 300 toneladas mé-
1954), relatou suas “viagens” com a mescalina, re-
tricas produzidas, só 32 delas foram apreendidas.
comendando as drogas como uma “religião quími-
ca”, para aqueles “que, por alguma razão, não con- A Caça ao Traficante: incapaz de solucio-
seguiam transcender a si mesmos por seus meios ou nar o problema, a política oficial norte-americana
pela veneração”. voltou-se para responsabilizar os narcotraficantes e

Colégio Protágoras - Geografia do Brasi 3ª Série 255


os produtores das drogas. Aos hispânicos, a gente de 1846, a entregar mais de um milhão de km2 aos
latina em geral, a quem os americanos desprezam. americanos ( os atuais estados do Texas, a Califór-
Assim a Colômbia, além de receber um conceito nia, o Novo México e o Arizona), enquanto que
negativo que o governo norte-americano atribui a Colômbia teve que assistir impotente os Estados
todos os anos aos países que estão envolvidos com Unidos promoverem em 1903 um levante separa-
drogas, tornou-se o centro da vilania e uma amea- tista no então departamento do Panamá. Vitorio-
ça aos valores universais permanentes. so o movimento, graças ao apoio providencial dos
fuzileiros navais americanos, a independência pa-
Os Privilégios do Narcotráfico: esta pecha
namenha redundou na completa separação da Co-
lançada sobre a Colômbia, de ser conivente com
lômbia e na entrega da atual Zona do Canal para
os criminosos, reforçou-se ainda mais depois que
que ali os americanos construíssem, com direitos
o governo local concedeu - em troca da lei ante-
perpétuos, uma “avenida da civilização” como o
rior que determinava a extradição dos condenados
Presidente Theodor Roosevelt chamou o canal.
pelo narcotráfico, os barões da coca, para os Esta-
Mesmo que os americanos oferecessem mais tar-
dos Unidos -, que eles cumprissem pena na Colôm-
de uma indenização de 25 milhões de dólares ao
bia em condições especialíssimas. Pablo Escobar,
governo colombiano, a cicatriz da nacionalidade
o mais conhecido dos traficantes, considerado o
ferida pela política do Big Stick de Theodor Roo-
cápo dos cápos, foi detido num casarão-fortaleza
sevelt, ficou exposta até os dias de hoje.
construído somente para ele. Mesmo assim, insa-
tisfeito, ele fugiu da prisão, sendo morto tempos A Violência dos Narcotraficantes: num
depois numa perseguição policial. Até então ele ti- primeiro momento, na história das relações mais
nha sido o principal responsável por uma onda de recentes entre o governo americano e o colombia-
assassinatos visando juízes, promotores e políticos no, os Estados Unidos convenceram um dos presi-
colombianos que combatiam o narcotráfico, fazen- dentes a fazer com que os condenados pelo narco-
do com que o estado fosse abertamente enfrentado tráfico cumprissem pena nas cadeias americanas.
por uma avalanche de atentados à bombas e mor- O resultado foi trágico. Os traficantes rebelados,
tes por encomenda. revivendo os dias terríveis de La Violencia, ata-
caram as instituições governamentais, chegando a
assassinar até o Ministra da Justiça do país. Agora a
Os Estados Unidos e a situação prenuncia uma ação direita por parte dos
Colômbia Estados Unidos.
A Preocupação Estratégica: no crescente
“Dizer que a Colômbia é uma potência avolumar da retórica intervencionista, existe uma
responsável com a qual podemos tratar como motivação de ordem mais ampla. Os grupos mais
fazemos com a Holanda, Bélgica, Suíça ou Di- conservadores dominantes no Senado e no Pen-
namarca é um absurdo. Neste momento a analo- tágono norte-americano nunca se conformaram
gia que podemos estabelecer é com um grupo de com o Tratado Carter-Torrijos, assinado em 1977,
bandidos, sicilianos ou calabreses ou ainda com que comprometeu os Estados Unidos a devolver
Pancho Villa.” - Th.Roosevelt, Presidente dos em etapas a Zona do Canal para os panamenhos.
EUA, 1903 Temem os americanos retirar-se de uma área estra-
tégica - o controle sobre a Zona do Canal - num
A Colômbia juntamente com o México tem momento de recrudecimento das atividades guerri-
um relação atormentada com os Estados Unidos. lheiras na Colômbia. Esta é talvez a razão principal
São os dois países latino-americanos que mais fo- - ocultada pelo pretexto de combater o narcotrá-
ram mutilados pelos interesses expansionistas da fico - dos agentes do governo dos Estados Unidos,
grande potência do Norte. O México foi obrigado, tanto dos generais americanos vinculados ao Pen-
depois da derrota na Guerra Mexicano-americana tágono como o chefe do Departamento antidrogas

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(DEA), o general Barry McCaffrey, estarem pres-
sionando os governo latino-americanos, vizinhos
ou não da Colômbia, a assumirem um ocupação
colegiada da Colômbia no futuro próximo.
Uma Intervenção Coletiva: os america-
nos têm em mente uma operação similar a que
patrocinaram, sob os auspício da OEA, em 1965,
na ocupação da Republica Dominicana, quando
evitaram a ascensão ao poder de um governo pró-
-esquerdista. Operação que contou então com o
pronto apoio da ditadura militar brasileira, que re-
cém assumira o poder. O trabalho deles, dos agen-
tes norte-americanos, resume-se em transformar as
preocupações do seu país (a luta contra a droga e
o problema estratégico da Zona do Canal), num
problema geral dos latino-americanos, ou pelo me-
nos dos sul-americanos. Conseguido tal objetivo os
Estados Unidos não precisariam assumir os desgas-
tantes custos, morais e materiais, de uma interven-
ção militar direta na Colômbia, arriscando-se com
suas tropas a reproduzir, ainda que palidamente,
um novo Vietnã nas florestas da amazônia

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258 Colégio Protágoras - Geografia do Brasil 3ª Série

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