Você está na página 1de 749

n.

o 12

Pessoa Plural A Journal of Fernando Pessoa Studies


issn: 2212-4179

GUEST EDITOR
Ricardo Vasconcelos
EDITORS-IN-CHIEF
Onésimo Almeida
Paulo de Medeiros
Jerónimo Pizarro

Special Issue:
New Insights into Portuguese Modernism
from the Fernando Távora Collection
Table&of&Contents&
Issue%12,%Fall%2017%
(Special%Issue:%New%Insights%into%Portuguese%Modernism%
from%the%Fernando%Távora%Collection)%
Número%12,%outono%de%2017%
(Número%Especial:%Novos%Contributos%sobre%o%Modernismo%Português,%
a%partir%da%Coleção%Fernando%Távora)%

[PART%1:%TÁVORA]*%

[INTRODUCTORY%MATTER]!

Um&Tributo&a&Fernando&Távora%.......................................................................................%1&
[A%Tribute%to%Fernando%Távora]%
Ricardo Vasconcelos

Fernando&Távora:&um&homem&de&paixões,&1923@2005%................................................%14&
[Fernando%Távora:%a%man%of%passions,%1923Z2005]%
José Bernardo Távora

%O&Meta@arquivo&da&Coleção&Fernando&Távora%............................................................%18%
[The%MetaZarchive%of%the%Fernando%Távora%Collection]%
Fernanda Vizcaíno

[ARTICLES]!

José&Régio,&Raul&Leal&e&a!Presença%................................................................................%82%
– marcas%epistolares%de%um%diálogo%modernista
[José%Régio,%Raul%Leal%and%Presença
—epistolary%evidence%of%a%modernist%dialogue]
Enrico Martines

*
Cover%photo%credits:%Fernando%Távora%at%Casa%de%Ledesma,%by%José%Bernardo%Távora,%1978.
A&visão&luxuriosa&de&Raul&Leal,%...................................................................................%134%
profeta%sagrado%da%Morte%e%de%Deus%
[The%luxurious%vision%of%Raul%Leal,%
sacred%prophet%of%Death%and%God]%
António Almeida

“Foi&como&se&fôsse&eu&o&Suicidádo”:%...........................................................................%169&
Raul%Leal%escreve%a%Fernando%Pessoa,%na%morte%de%Mário%de%SáZCarneiro%
[“As%if%I%were%the%Suicided%one”:%%
Raul%Leal%writes%to%Fernando%Pessoa,%upon%the%death%of%Mário%de%SáZCarneiro]%
Ricardo Vasconcelos

Mr.&Ormond:%....................................................................................................................%194&
the%testimonial%from%a%classmate%of%Fernando%Pessoa%
[O%Sr.%Ormond:%%
o testemunho%de%um%colega%de%Fernando%Pessoa]
Carlos Pittella

Fernando&Pessoa&caricaturado%......................................................................................%236&
presencialmente%por%António%Teixeira%Cabral:%contexto%e%circunstâncias%
[Fernando% Pessoa% sketched in% person% by% António% Teixeira% Cabral:%
context% and% circumstances]%
Nataliya Hovorkova

Alfredo&Guisado&and&the&Orpheu&affair:%....................................................................%288%
tracing%the%magazine’s%reception%and%impact%through%the%Távora%archive%
[Alfredo%Guisado%e%o%caso%Orpheu:%%
rastrear%a%recepção%e%o%impacto%da%revista%através%do%arquivo%Távora]%
Patrícia Silva

[DOCUMENTS]!

Poemas&e&documentos&inéditos:%...................................................................................%333&
o lote%31%e%a%Colecção%Fernando%Távora
[Unpublished%poems%and%documents:
lot%31%and%the%Fernando%Távora%Collection]
Jerónimo Pizarro

Juliano&Apóstata:&um&poema&em&três&arquivos%.........................................................%457&
[Julian%the%Apostate:%a%poem%in%three%archives]%
Carlos Pittella
Álvaro&de&Campos:&dois&poemas&na&Colecção&Fernando&Távora%...........................%489%
[Álvaro%de%Campos:%two%poems%in%the%Fernando%Távora%Collection]%
Filipa de Freitas

A&chamada&“nota&autobiográfica“........................................................................... ..%503&
de%Fernando%Pessoa%de%30%de%Março%de%1935%
[Fernando%Pessoa’s%soZcalled%“autobiographical%note”%of%30%March%1935]%
José Barreto

O!Bando!Sinistro:%............................................................................................................%521&
ato%inaugural%do%“especulador%de%Política”%de%Orpheu%
[The(Sinister(Gang:%%
the%opening%act%of%Orpheu’s(“Politics%thinker”]%
António Almeida

Uma&carta&inédita&de&Fernando&Pessoa%.......................................................................%547&
ao%Gerente%do%Grand%Hôtel%de%Nice%
[An%unpublished%letter%by%Fernando%Pessoa%
to%the%Manager%of%the%Grand%Hôtel%de%Nice]%
Ricardo Vasconcelos

“Porque&é&que&não&escreve&Cartas?”:%..........................................................................%562&
Correspondência%de%Mário%de%SáZCarneiro%com%o%seu%avô%
[“Why%don’t%you%write%Letters?”:%
Mário%de%SáZCarneiro’s%correspondence%with%his%grandfather]%
Ricardo Vasconcelos

[PART%2]%
[ARTICLES]!

A&última&paixão&de&Fernando&Pessoa%..........................................................................%596%
[The%last%passion%of%Fernando%Pessoa]%
José Barreto

Teatro&estático&–&extático&–&excrito:&o&mito&de&Salomé%.............................................%642&
[Static%Theater—ecstatic—“excript”:%the%myth%of%Salomé]%
Marta Braga
[DOCUMENTS]!
%
“O&Amor”:&uma&peça&inédita&de&Fernando&Pessoa%...................................................%670%
[“Love”:%an%unpublished%drama%by%Fernando%Pessoa]%
Filipa de Freitas
%
Vergílio&Ferreira&e&Fernando&Pessoa,&numa&carta&inédita%.......................................%685&
[Vergílio%Ferreira%and%Fernando%Pessoa,%in%an%unpublished%letter]%
Leyla Perrone-Moisés

Pertinência&e&perspicácia&na&crítica&literária&de&Pierre&Hourcade%..........................%692&
[Relevance%and%astuteness%in%the%literary%criticism%of%Pierre%Hourcade]%%
Fernando Carmino Marques

[REVIEWS]!
%
The&Website&of&Disquiet:%..............................................................................................%725&
the%first%online%critical%edition%of%Fernando%Pessoa%
[O%Website%do%Desassossego:%
a%primeira%edição%crítica%online%de%Fernando%Pessoa]%
Nicolás Barbosa & Carlos Pittella
%
Drama&em&Gente:%............................................................................................................%733%
review%of%George%Monteiro’s%The(Pessoa(Chronicles%
[Drama%em%Gente:%
resenha%de%The(Pessoa(Chronicles%de%George%Monteiro]%
Frank X. Gaspar
%
Pessoa,&romancista&em&suspenso%.................................................................................%741%
[Pessoa,%a%novelist%in%suspense]%
Flávio Rodrigo Penteado
!

Um#Tributo#a#Fernando#Távora#
!
Ricardo Vasconcelos*
!
Palavras5chave#
#
Inéditos!de!Fernando!Pessoa,!Inéditos!de!Mário!de!Sá3Carneiro,!Inéditos!de!Alfredo!Pedro!
Guisado,! Inéditos! de! Raul! Leal,! Inéditos! de! José! Régio,! Inéditos! de! Teixeira! Cabral,!
Modernismo!Português,!Geração!de!Orpheu,!Coleção!Fernando!Távora,!Perfil!de!Fernando!
Távora.!
#
Resumo#
#
O! número! especial! da! Pessoa+ Plural! dedicado! à! Coleção! Fernando! Távora! assinala! a!
necessidade! e! a! oportunidade! de! se! revisitar! este! espólio,! com! vista! a! desenvolver! novas!
leituras!do!modernismo!português,!como!aquelas!que!aqui!já!se!apresentam.!Este!volume!
valoriza!amplamente!vários!manuscritos!até!aqui!desconhecidos!que!constam!nesta!coleção!
—! nomeadamente! de! poesia! e! correspondência! inédita! de! Fernando! Pessoa,! Mário! de! Sá3
Carneiro,! Raul! Leal,! Alfredo! Pedro! Guisado,! José! Régio,! Teixeira! Cabral,! entre! outros! —!
propondo! novas! linhas! de! interpretação! da! Geração! de! Orpheu! e! de! alguns! intelectuais! e!
artistas!que!a!valorizaram!nas!décadas!seguintes.!Procura3se!ainda!oferecer!um!retrato!da!
personalidade!de!Fernando!Távora,!de!algum!modo!espelhada!na!coleção!de!manuscritos!e!
impressos! que! o! arquiteto! criou! ao! longo! da! sua! vida,! e! de! que! aqui! se! apresenta! uma!
seleção.!
#
Keywords#
#
Unpublished!manuscripts!by!Fernando!Pessoa,!Unpublished!correspondence!by!Mário!de!
Sá3Carneiro,! Unpublished! poetry! by! Alfredo! Pedro! Guisado,! Unpublished! documents! by!
Raul! Leal,! Unpublished! letters! by! José! Régio,! Unpublished! documents! of! Teixeira! Cabral,!
Portuguese! Modernism,! Orpheu! Generation,! Fernando! Távora! Collection,! Profile! of!
Fernando!Távora.!
#
Abstract#
#
The!special!issue!of!Pessoa+Plural!dedicated!to!the!Fernando!Távora!Collection!points!to!the!
need! to! revisit! this! archive! and! the! opportunity! of! doing! so,! in! order! to! develop! new!
insights! on! Portuguese! Modernism,! such! as! those! already! gathered! here.! This! volume!
reveals! and! highlights! many! manuscripts! hitherto! unknown,! which! are! part! of! this!
collection! —! namely! unpublished! poetry! and! correspondence! by! Fernando! Pessoa,! Mário!
de! Sá3Carneiro,! Raul! Leal,! Alfredo! Pedro! Guisado,! José! Régio,! Teixeira! Cabral,! among!
others! —! proposing! new! lines! of! interpretation! of! the! Orpheu+ Generation! and! of! some!
intellectuals! and! artists! that! defended! it! in! the! following! decades.! This! special! issue! also!
seeks! to! offer! a! portrait! of! Fernando! Távora,! which! is! mirrored! in! the! collection! of!
manuscripts!and!printed!documents!that!he!created!throughout!his!life,!a!part!of!which!is!
studied!here.!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!

!
Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

Numa!anotação!escrita!em!1991!por!Fernando!Távora,!a!propósito!de!um!exemplar!
de! English+ Poems,! de! Fernando! Pessoa,! na! sua! coleção,! o! prestigiado! arquiteto!
portuense!indica!que!o!comprou!“numa!Livraria!do!Porto!—!não!me!lembro!qual!
—! pelos! anos! de! 1950”.! E! acrescenta! ainda:! “Bons! tempos! em! que! o! F[ernando]!
P[essoa]! não! tinha! venda! e! se! encontrava! aí! pelas! livrarias!”! Com! este!
apontamento,! o! colecionador! naturalmente! assinalava,! na! ocasião,! o! achado! que!
tinha!feito!cerca!de!quatro!décadas!antes,!por!comparação!com!o!que!se!tornara!o!
mercado!livreiro!de!primeiras!edições!e!manuscritos!do!modernismo!português,!de!
Orpheu+ em! diante.! Hoje,! porém,! esta! breve! nota! ilumina,! acima! de! tudo,! a!
sensibilidade! e! a! visão! do! próprio! Fernando! Távora,! ao! lembrar3nos! que,! em!
meados!do!século!XX,!muito!antes!do!boom+pessoano!da!década!de!1980,!esta!figura!
central! da! arquitetura! portuguesa! era! já! um! leitor! atento! de! Pessoa! e! dava! os!
primeiros!passos!para!se!tornar!um!dos!principais!colecionadores!dos!manuscritos!
e!impressos!do!escritor.!!
!

!
Fig.#1.#Anotação#de#Fernando#Távora.#
!
Na! verdade,! é! ao! mesmo! tempo! com! um! fascínio! imenso! e! com! uma! forte!
impressão! de! desmesura! —! por! se! sentir! necessariamente! ultrapassado! —! que!
qualquer! pesquisador! entra! em! contacto! com! o! arquivo! da! Coleção! Fernando!
Távora.! Isto! acontece! dada! a! vastidão,! a! riqueza! e! a! qualidade! dos! materiais! que!
dela!fazem!parte,!nomeadamente!milhares!de!páginas!de!manuscritos!autógrafos!e!
de! impressos! —! incluindo! uma! biblioteca! de! primeiras! edições! —! relacionados!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 2


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

com! o! modernismo! português! e! adquiridos! sobretudo! na! segunda! metade! do!


século!XX.!!
Desde!logo,!cumpre!destacar!o!papel!absolutamente!central,!neste!arquivo,!
de! Fernando! Pessoa,! cujos! manuscritos,! dactiloscritos! e! impressos,! de! poesia! e!
correspondência,! ou! até! documentos! de! outro! tipo,! como! fotografias,! Fernando!
Távora!foi!reunindo!ao!longo!de!várias!décadas.!!
!
!

! !
Figs.#2#e#3.#Retrato#de#Fernando#Pessoa#na#Coleção#Fernando#Távora.##
Inscrição#no#verso:#“Retrato#do#Poeta#Fernando#Pessoa#identificado##
por#Alfredo#Guisado#|#295115972”.#
!
!
Como!a!passagem!atrás!transcrita!demonstra,!bem!cedo!o!colecionador!teve!
uma!consciência!clara!da!profundidade!da!linguagem!e!do!pensamento!pessoanos,!
que!o!levou!a!procurar!recolher!o!maior!número!possível!dos!seus!escritos,!muitas!
vezes!acercando3se!daquelas!pessoas!que!com!o!autor!dos!heterónimos!se!tinham!
comunicado! diretamente,! como! João! Gaspar! Simões,! por! exemplo.! A! paixão! de!
Fernando! Távora! pela! obra! pessoana! tê3lo3á! levado! a! procurar! angariar! o! maior!
número!de!autógrafos,!começando!a!fazê3lo!num!momento!em!que!estes!não!eram!
ainda!particularmente!valorizados.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 3


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

!
!
!

!
!

!
Figs.#4#e#5.#Autógrafo#de#Fernando#Pessoa#na#Coleção#Fernando#Távora.##
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 4


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

Não! por! acaso,! segundo! nos! testemunha! José! Bernardo! Távora,! filho! do!
colecionador,! um! dos! documentos! mais! valorizados! pelo! seu! pai,! na! sua! coleção,!
era!uma!pequena!folha!de!papel!com!a!sugestiva!inscrição!“Para!Fernando!Pessoa,!
o!Maior”.!Embora!o!documento!não!esteja!assinado,!a!sua!autoria!é!atribuída!pelo!
colecionador! a! Mário! de! Sá3Carneiro,! e! até! por! isso! é! fácil! supor! alguns! dos!
motivos! pelos! quais! Fernando! Távora! o! valorizava! particularmente.! Como! se!
percebe,! a! inscrição! reconhece! a! Pessoa! o! lugar! de! astro! maior! da! galáxia!
modernista! portuguesa,! algo! com! o! qual! seguramente! Távora! concordaria.! Por!
outro! lado,! esta! mensagem,! enviada! de! um! escritor! a! outro,! implica! por! parte! de!
quem! a! escreve,! em! relação! a! quem! a! recebe,! sentimentos! de! generosidade! e! de!
camaradagem! que! talvez! poucos! companheiros! de! lides! literárias! cheguem! a! ter,!
mas!que!sem!dúvida!Mário!de!Sá3Carneiro!e!Fernando!Pessoa!partilharam.!!!
!
!

!
!

!
Figs.#6#e#7.#Manuscrito#atribuído#a#Mário#de#Sá5Carneiro,##
Coleção#Fernando#Távora#(lote#5).!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 5


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

Acrescente3se!que!a!consulta!das!anotações!de!Fernando!Távora!acerca!deste!
documento!revela!ainda!um!detalhe!curioso,!que!diz!muito!também!sobre!a!forma!
como! o! arquiteto! se! relacionava! com! a! sua! coleção.! Segundo! a! nota! àquele! que!
designou! como! “lote! 5”,! o! documento! pertencera! a! João! Gaspar! Simões,! que! o!
negociara! com! o! livreiro! Manuel! Ferreira,! do! Porto,! através! de! quem! Távora! foi!
adquirindo! parte! substancial! da! sua! coleção.1!Curiosamente,! e! contrastando! com!
tantos!outros!manuscritos!adquiridos!por!Távora!a!preços!que!o!próprio!por!vezes!
considerava! excessivos! e! pelos! quais! frequentemente! o! vemos! recriminar3se,! este!
documento!específico!fora3lhe!simplesmente!oferecido!“por!M[anu]el!Ferreira,!em!
3/III/72”.!O!apreço!que!Távora!tinha!por!este!manuscrito!em!particular,!documento!
que!considerava!central!ao!seu!espólio!e!que!lhe!fora!oferecido,!é,!por!conseguinte,!
ilustrativo! da! menor! relevância! que! o! próprio! valor! monetário! destes! autógrafos!
acabava! por! assumir! para! Fernando! Távora,! à! medida! que! desenvolvia! a! sua!
coleção.!O!mesmo!é!dizer!que!o!preço!poderia!viabilizar!ou!impedir!a!compra!de!
qualquer!documento,!mas!não!era!nunca!ele!a!determinar!o!valor!que!Távora!lhe!
atribuía.!!
Interlocutor! maior! de! Fernando! Pessoa,! também! Mário! de! Sá3Carneiro!
ocupa! uma! posição! de! destaque! na! Coleção! Fernando! Távora,! que! no! passado!
contribuiu,! de! forma! muito! direta,! e! em! alguns! casos! bastante! substancialmente,!
para! diferentes! edições! da! escrita! deste! poeta! e! prosador,! nomeadamente! da! sua!
correspondência.2!!
A! este! respeito,! é! mesmo! possível! fazer! uma! nota! acerca! do! melhor!
contributo!que!os!colecionadores!oferecem!aos!legados!culturais!a!que!se!dedicam!
e! à! memória! cultural! coletiva! nacional,! de! que! Fernando! Távora! é! exemplo.! Isto!
porque,! como! aconteceu! também! em! relação! a! outros! autores! na! sua! coleção,! no!
que!diz!respeito!a!Sá3Carneiro,!Fernando!Távora!frequentemente!acabou!por!juntar!
aquilo! que! o! tempo! separou.! Tal! aconteceu,! por! exemplo,! com! a! correspondência!
de! Sá3Carneiro! para! um! mesmo! destinatário! que! o! tempo! foi! dispersando! em!
núcleos! distintos,! e! que! Fernando! Távora! foi! pacientemente! adquirindo,! em! lotes!
diferentes,! acabando! assim! por! reaproximar! documentos! que! a! todos! os! títulos!
devem! estar! juntos.! É! o! caso! da! correspondência! de! Sá3Carneiro! a! José! Pacheco,!
por! exemplo,! muita! da! qual! está! na! Coleção! Fernando! Távora! e! foi! editada! por!
Arnaldo!Saraiva! (SÁ3CARNEIRO,!1977),!ou!ainda! o! caso!da! correspondência! com! o!
avô!(VASCONCELOS,!2017)!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Veja3se!a!descrição!do!lote!5!em!VIZCAÍNO!(2017:!26).!
2!Casos,! por! exemplo,! de! Cartas+de+Mário+de+Sá9Carneiro+a+Luís+de+Montalvor,+Cândida+Ramos,+Alfredo+
Guisado,+José+Pacheco+(SÁ3CARNEIRO,!1977),!editado!por!Arnaldo!Saraiva,!ou,!parcialmente,!de!Mário+
de+Sá9Carneiro+—+Fotobiografia,!de!Marina!Tavares!DIAS!(1988).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 6


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

!
!

!
Figs.#8#e#9.#Postal#ilustrado#enviado#por#Mário#de#Sá5Carneiro#a#José#Pacheco,##
de#1#de#janeiro#de#1916.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 7


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

Ao!longo!de!várias!décadas,!a!Coleção!Fernando!Távora!cresceria!e!ocuparia!
um! lugar! importante! nos! estudos! do! modernismo! português,! com! a! inclusão! de!
muitos!outros!autores,!para!além!de!Fernando!Pessoa!e!de!Mário!de!Sá3Carneiro.!!
Entre! essas! outras! vozes,! realce3se,! aliás,! o! papel! que! a! Coleção! Fernando!
Távora! terá! inevitavelmente! na! compreensão! futura! da! obra! e! do! pensamento! de!
Raul! Leal.! Isto! porque! o! espólio! deste! escritor! está! integrado! nessa! coleção.! A!
análise! do! meta3arquivo! de! Fernando! Távora,! o! documento! que! o! colecionador!
organizou! com! vista! a! sistematizar! as! informações! principais! relativas! ao!
desenvolvimento!do!seu!acervo,!demonstra!que!Távora!foi!adquirindo!manuscritos!
lealinos! em! contextos! diferentes,! e! que! eventualmente! acabou! por! comprar! um!
núcleo!substancial!de!documentos!que!terão!pertencido!a!Leal!até!ao!momento!da!
sua!morte!(cf.!VIZCAÍNO,!2017).!!
Neste! mesmo! número! da! Pessoa+ Plural,! apresentam3se! já! documentos!
relevantes! do! espólio! lealino,! como! cartas! trocadas! com! Fernando! Pessoa! e! José!
Régio,!para!além!de!manuscritos!de!textos!com!que!pensou!—!e!agitou!—!o!meio!
cultural! português! do! seu! tempo.! A! consulta! da! Coleção! Fernando! Távora!
demonstra!que!a!compreensão!mais!cabal!do!espólio!do!autor!de!Sodoma+Divinizada!
irá,!muito!provavelmente,!exigir!o!trabalho!de!vários!investigadores,!nos!próximos!
anos,! e! levará! necessariamente! a! uma! reavaliação! da! relevância! que! o! autor! teve!
para! o! movimento! modernista! português,! até! mesmo! nas! suas! relações! com! a!
vanguarda!internacional.!
No!que!diz!respeito!a!outras!vozes,!para!além!de!Leal,!cujo!contributo!para!a!
Geração!de!Orpheu+pode!e!deve!ser!reavaliado!a!partir!de!documentos!na!Coleção!
Fernando! Távora,! diga3se! que! esta! inclui! ainda! manuscritos! de! Alfredo! Pedro!
Guisado,!Armando!Côrtes3Rodrigues,!Augusto!Ferreira!Gomes,!José!Pacheco,!Luís!
de! Montalvor,! ou! até! os! brasileiros! Ronald! de! Carvalho! e! Eduardo! Guimaraens,!
entre! muitos! escritores,! artistas! e! inclusive! críticos.! Este! número! é,! assim,! um!
convite! a! que! se! revisite! a! sua! contribuição! para! o! movimento! modernista!
português.!
A+Pessoa+Plural+–+A+Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies+chega!ao!seu!número!12,!
igualando! desta! forma! o! número! alcançado! pela! mítica! e! pioneira! Persona,!
publicação!do!Centro!de!Estudos!Pessoanos,!no!Porto,!que!dedicou!várias!das!suas!
páginas! a! materiais! na! Coleção! Fernando! Távora.! Ao! fazê3lo! com! este! número!
especial,! que! adquiriu! dimensões! assinaláveis,! a! revista! demonstra,! primeiro! que!
tudo,!a!necessidade!e!a!oportunidade!de!revisitar!a!Coleção!Fernando!Távora,!com!
vista! a! desenvolver! novas! visões! do! modernismo! português,! como! aquelas! que!
aqui! já! se! apresentam,! mantendo! uma! noção! muito! clara! do! muito! que! há! ainda!
por! fazer.! De! facto,! este! número! especial! valoriza! amplamente! variadíssimos!
manuscritos! até! aqui! desconhecidos! que! constam! nesta! coleção! e! que! aqui! se!
revelam! —! incluindo! poesia! e! correspondência! inédita! de! Fernando! Pessoa,! Sá3
Carneiro,!Raul!Leal,!Alfredo!Pedro!Guisado,!José!Régio,!entre!outros.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 8


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

!
!
!
!

!
Fig.#10.#Primeira#página#do#manuscrito#de#“Uma#Lição#de#Moral#aos##
Estudantes#de#Lisboa”,#de#Raul#Leal,#na#Coleção#Fernando#Távora.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 9


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

!
!
!
!

!
Fig.#11.#Primeira#página#do#manuscrito#de#Sodoma&Divinizada,##
de#Raul#Leal,#na#Coleção#Fernando#Távora.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 10


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

!!
O!estudo!e!divulgação!da!poesia!e!correspondência!desses!autores,!como!o!
leitor! pode! verificar,! fomentam! interpretações! originais! da! Geração! de! Orpheu+ e!
dos!intelectuais!que!com!ela!se!relacionaram.!Por!outro!lado,!o!dossier!visa!em!si!
mesmo! honrar! a! atenção! do! colecionador! Fernando! Távora! em! relação! ao!
modernismo,! e! a! precocidade! da! sua! consciência! acerca! da! riqueza! deste!
movimento! estético! e! momento! histórico.! Isto! é! conseguido! até! mesmo!
procurando3se!em!cada!artigo!apresentar!claramente!a!voz!de!Fernando!Távora!a!
pronunciar3se! sobre! os! documentos! em! causa,! assim! valorizando! a! dimensão! de!
investigação! que! esteve! presente! na! preparação! da! sua! coleção.! Isto! porque! as!
anotações! de! Távora! acerca! destes! documentos! são! completíssimas! e! muitíssimo!
informadas,! muitas! vezes! consistindo! em! matrizes! do! que! poderiam! ser!
apresentações! académicas,! sempre! resultantes! da! sua! investigação! de! tipo!
filológico!e!da!sua!óbvia!erudição.!
No! formato! que! este! número! especial! da! Pessoa+ Plural+ adquiriu,! dedicado!
muito!substancialmente!à!divulgação!de!manuscritos!inéditos,!bem!assim!como!à!
teorização!e!crítica!do!modernismo,!a!partir!desses!mesmos!autógrafos,!valoriza3se,!
finalmente,! a! própria! abertura! de! Fernando! Távora! em! relação! à! divulgação! dos!
documentos! na! sua! Coleção.! Lembre3se! que! o! espólio! de! Fernando! Távora! se!
tornou!tanto!mais!instrumental!quanto,!mais!do!que!criar!uma!coleção!para!fruição!
exclusivamente!pessoal,!o!arquiteto!apoiou,!ao!longo!de!décadas,!a!divulgação!dos!
documentos! na! sua! posse,! quer! em! edições! organizadas! por! diferentes!
pesquisadores,! incluindo! inéditos! ou! documentos! raros,! quer! mesmo! em! eventos!
públicos,!como!a!exposição!associada!ao!Primeiro+Congresso+Internacional+de+Estudos+
Pessoanos,+ organizado! no! Porto! em! 1978,! exposição! essa,! aliás,! montada! pelo!
próprio!arquiteto,!em!colaboração!com!o!Centro!de!Estudos!Pessoanos.!!
Pretende3se,! assim,! salientar! e! perpetuar! a! ação! de! Fernando! Távora,! de!
divulgar!nos!anos!70!e!80!a!obra!de!Pessoa!e!Sá3Carneiro,!entre!outros,!junto!de!um!
público!que!ainda!nem!sabia!o!quanto!precisava!destes!escritores!e!o!quanto!eles!
viriam! a! ser! cruciais! para! a! forma! como! os! portugueses! se! leem! e! se! veem! a! si!
mesmos.! Ao! fazê3lo,! e! ao! registar! inclusivamente! as! primeiras! incursões! dos!
investigadores! por! esta! coleção,! então! levados! pela! mão! do! próprio! Fernando!
Távora,!o!dossier!homenageia!também!o!pioneirismo!dessas!pesquisas!e!as!várias!
linhas!de!leitura!que!na!ocasião!se!abriram!e!hoje!são!tidas!como!óbvias.!
Compete3me,!finalmente,!fazer!uma!série!de!agradecimentos!justificadíssimos.!
Primeiro! que! tudo,! há! que! notar! que,! desde! o! momento! em! que! visitei! a! Coleção!
Fernando! Távora,! há! cerca! de! um! ano! e! meio,! de! algum! modo! iniciando! um!
processo! de! abertura! deste! acervo! a! um! grupo! de! investigadores,! e! até! esta!
publicação,!houve!um!trabalho!muito!substancial!que!foi!em!grande!medida!mais!
colectivo! que! individual.! Foram! vários! os! colegas! que,! desde! o! começo,!
participaram! deste! projeto! e! se! dedicaram! a! estudar! e! a! documentar! os! materiais!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 11


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

na! coleção,! com! vista! a! preparar! a! sua! contribuição! para! este! número! especial;!
todos!eles!participam!neste!volume!com!diferentes!publicações.!Outros!colegas!não!
chegaram! a! participar,! nesse! momento! inicial,! das! visitas! à! coleção,! mas! foram!
igualmente!seduzidos!pelas!propostas!que!os!materiais!aí!encontrados!suscitavam,!
e! puderam! enriquecer! a! Pessoa+ Plural! 12! com! os! seus! ensaios.! A! todos! agradeço!
pela! sua! colaboração,! quer! pelo! seu! trabalho! de! documentação! da! Coleção!
Fernando!Távora,!quer!pelos!seus!artigos!neste!número!especial.!
Agradeço! ainda! à! Pessoa+ Plural+ —+ A+ Journal+ of+ Fernando+ Pessoa+ Studies! pela!
oportunidade! de! organizar! este! número.! Sendo! possivelmente! a! principal!
publicação! académica! da! atualidade! dedicada! exclusivamente! ao! estudo! do!
modernismo! português,! nas! suas! várias! ramificações,! e! sendo! seguramente! a!
publicação! que! mais! documentos! pertencentes! a! esse! período! tem! estudado! e!
apresentado,! além! do! mais! disponibilizando3os! gratuitamente! em! linha,! a! revista!
Pessoa+ Plural! era! o! espaço! ideal! para! apresentar! estes! estudos! sobre! a! Coleção!
Fernando!Távora!a!todos!os!especialistas!e!ao!público!menos!especializado,!assim!
prestigiando! ainda! mais! o! espólio! em! causa! e! convidando! a! que! este! seja!
revisitado.!É!devido,!por!isso,!um!agradecimento!aos!editores!da!revista,!Onésimo!
Almeida,! Paulo! de! Medeiros,! e! em! particular! a! Jerónimo! Pizarro,! por! toda! a! sua!
colaboração.!
Finalmente,! deixo! um! sincero! e! profundo! agradecimento! aos! herdeiros! de!
Fernando!Távora,!Maria!José!Távora,!Luísa!Távora,!e!em!particular!a!José!Bernardo!
Távora,! que! mais! diretamente! trabalhou! com! os! diferentes! pesquisadores.! Em!
1977,!Arnaldo!Saraiva!mencionava!a!“atenção”!e!o!“bom!gosto”!de!Fernando!Távora,!
bem!como!a!sua!disponibilização!desinteressada!dos!materiais!na!sua!coleção,!com!
vista!à!divulgação!dos!mesmos!a!um!público!amplo!(SÁ3CARNEIRO,!1977:!10).!É3me!
muito! grato,! décadas! depois,! assinalar! a! mesma! amabilidade! e! idêntico! apreço!
estético! dos! herdeiros,! que! tiveram! neste! volume! apenas! dois! objetivos:! dar!
continuidade!ao!projeto!de!Fernando!Távora,!de!estudar!e!divulgar!o!modernismo!
português! e,! ao! mesmo! tempo,! dessa! forma,! honrar! a! memória! do! seu! pai,! bem!
como!a!contribuição!oferecida!pela!sua!família!à!cultura!portuguesa.!

San!Diego,!8!de!Dezembro!de!2017!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 12


Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora

Chave#de#Símbolos#
!
Nas!transcrições!e!notas!podem!ocorrer!os!seguintes!símbolos:!
!
◊! ! espaço!deixado!em!branco!pelo!autor!!
*!! ! leitura!conjecturada!
†! ! palavra!ilegível!
//!! ! hesitação!do!autor!!
<>!! ! passagem!riscada!pelo!autor!
<>/\!! ! substituição!por!superposição!
<>![↑!]!!! substituição!por!riscado!e!acrescento!
[↑!]!! ! acrescento!na!entrelinha!superior!
[↓!]!! ! acrescento!na!entrelinha!inferior!
[→!]!! ! acrescento!na!margem!direita!
[←!]!! ! acrescento!na!margem!esquerda!
!
As!palavras!sublinhadas!em!manuscritos!são!reproduzidas!em!itálico.!!
!
#
Abreviaturas#Principais#
#
BNP/E3! Biblioteca!Nacional!de!Portugal,!Espólio!3!!
CFT! ! Coleção!Fernando!Távora!
ms.! ! Manuscrito!
!
#
Bibliografia#
!
DIAS,!Marina!Tavares!(1988).!Mário+de+Sá9Carneiro+—+Fotobiografia.!Lisboa:!Quimera.!
SÁ3CARNEIRO,! Mário,! Cartas+ de+ Mário+ de+ Sá9Carneiro+ a+ Luís+ de+ Montalvor,+ Cândida+ Ramos,+ Alfredo+
Guisado,+José+Pacheco.!Leitura,!selecção!e!notas!de!Arnaldo!Saraiva.!Porto:!Limiar.!!
VASCONCELOS,! Ricardo! (2017).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de!
Mário!de!Sá3Carneiro!com!o!seu!Avô”,!in!Pessoa+Plural+–+A+Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies,!
n.º!12,!Outono,!pp.!5623595.!
VIZCAÍNO,! Fernanda! (2017).! “O! meta3arquivo! da! Colecção! Fernando! Távora”,! in! Pessoa+ Plural+ –+ A+
Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!18381.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 13


Fernando(Távora:(
um#homem#de#paixões,#192332005#
#
José Bernardo Távora*
#
#
Palavras0chave(
#
Fernando# Távora,# José# Bernardo# Távora,# Fernando# Pessoa,# Arquitectura,# Arquivo,#
Colecção.#
#
Resumo(
#
Este# contributo# é# um# testemunho# pessoal# sobre# a# vida# e# a# obra# de# Fernando# Távora,# pelo#
seu#filho.#Nele#apresentam3se#pensamentos#e#recordações#registadas#ao#longo#de#uma#vida#
de# experiências# partilhadas,# bem# como# uma# reflexão# sobre# a# arquitectura# de# Fernando#
Távora#e#as#suas#várias#colecções#de#arte#e#literatura.###
#
Keywords(
#
Fernando# Távora,# José# Bernardo# Távora,# Fernando# Pessoa,# Architecture,# Archive,#
Collection.#
#
Abstract(
#
This#contribution#is#a#personal#testimonial#on#the#life#and#works#of#Fernando#Távora,#by#his#
son.# It# presents# thoughts# and# memories# that# were# collected# through# a# lifetime# of# shared#
experiences,# as# well# as# a# reflection# on# Fernando# Távora’s# architecture# and# several# art# and#
literature#collections.#
#
#

*#Arquitecto.#
Távora Fernando Távora: um homem de paixões
…Colecciono) tudo.) Sobretudo) livros) de) arquitectura) e)
poesia,) sempre) à) volta) do) Pessoa.) Interesso;me) muito) pela)
arquitectura)antiga)e)mais)ainda)pela)arquitectura)grega.)O)
meu) D.) Sebastião) da) arquitectura) é) a) arquitectura) grega.)
São)os)deuses)que)me)acompanham)lá)por)cima.)Possuo)uma)
grande) colecção) de) estatuária) portuguesa.) Compro) muitas)
coisas.)Tenho)uma)colecção)de)livros)clássicos)de)arquitectura.)
Portugueses)e)franceses.)Há)muitas)coisas)do)passado)que)eu)
ainda) teria) de) comprar) e) muitas) coisas) do) futuro) que)
gostaria)de)ter…)
…Apesar)de)tudo)tenho)tido)uma)vida)boa.)O)meu)problema)
é)que)devo)estar)para)morrer.)
Fernando#Távora,#Entrevista#ao#semanário#Expresso,#
Novembro#2002#
#
Depois# da# doença# de# meu# Pai# em# 2004# e# da# sua# partida# em# 2005,# pediram3me,#
sugeriram3me#várias#pessoas,#por#várias#vezes,#muito#particularmente#minha#Mãe,#
que#sobre#ele#escrevesse.#
Como# meu# Pai,# meu# Professor,# meu# Sócio,# como# Arquitecto,# como#
Coleccionador,#como#Homem#que#amava#a#Vida.#
Resisti#sempre.#
Nunca#o#consegui#fazer.#
Faltou3me# sempre# a# coragem,# também# pelas# muitas# e# maravilhosas#
recordações#que#dele#tenho.#
Não#escrevi#nunca,#uma#linha#que#fosse.#
Mas# fui# acumulando# pensamentos# e# recordações,# de# muitos# anos# de# vida#
pessoal,# familiar# e# sobretudo# da# vida# profissional,# dos# muitos# anos# e# momentos#
que#juntos#passamos.#
E,#mentalmente,#este#e#outros#textos#estavam#feitos.#
Pedem3me# agora,# este# grupo# de# Amigos,# a# quem# abri# a# Casa# e# as# suas#
colecções,#que#escreva.#
Pela#paixão,#pela#dedicação,#quantas#vezes#pela#emoção#com#que#estudaram#
a#biblioteca#de#meu#Pai,#não#poderia#deixar#de#o#fazer.#
Na#sua#família#conservadora,#não#foi#fácil#a#escolha#que#desde#cedo#fez#pelo#
mundo#das#artes.#
O#seu#período#de#formação#foi#intenso#e#doloroso,#creio.#
As#descobertas#de#Le#Corbusier,#Picasso#e#Fernando#Pessoa#marcaram#o#seu#
destino,#a#sua#vida.#
As# leituras,# a# escrita,# as# reflexões,# as# viagens,# as# colecções,# a# História#
ganham#durante#este#período#da#sua#vida#uma#maior#solidez,#com#a#publicação#de#
O) Problema) da) Casa) Portuguesa,# em# 1947,# Da) Organização) do) Espaço,# em# 1960,# e#
culminando# na# sua# participação# no# Inquérito) à) Arquitectura) Popular) em) Portugal,#
publicado#em#1961.#
E#o#desenho,#sempre#o#desenho.#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 15


Távora Fernando Távora: um homem de paixões

Mas# foi,# sobretudo,# com# a# descoberta# da# sua# vida,# a# obra# de# Fernando#
Pessoa# e# o# seu# estudo,# que# desde# muito# novo# todo# o# seu# pensamento# ganhou#
forma,#se#tornou#cada#vez#mais#sólido.#
Coleccionava#tudo,#tudo#aquilo#que#os#outros#ainda#não#coleccionavam.#
Comprava# barato# enquanto# podia,# comprava# o# essencial,# deixava# de#
comprar#quando#os#preços#subiam.#
E#rapidamente#se#dedicava#a#um#novo#tema.#
Foi#assim#com#selos#e#moedas,#com#marfins#indo3portugueses,#com#pintura#
ou# escultura# moderna# e# antiga,# com# mobiliário,# com# postais# antigos# ou# com# arte#
popular.# Foi# assim,# sobretudo,# com# as# suas# bibliotecas,# que# foram# sempre#
crescendo#e#fechando#temas#em#aberto.#
A#sua#obra#de#Arquitectura#é#de#uma#dedicação,#de#um#empenho,#de#uma#
paixão#e#de#uma#força#verdadeiramente#impressionantes.#
É# nos# seus# primeiros# projectos# que# define# claramente# as# bases# para# o# seu#
futuro,#com#a#leveza#e#a#diversidade#na#unidade#dos#vários#espaços#com#diferentes#
funções#e#seus#volumes,#o#atrevimento#da#estrutura#então#levada#até#aos#limites,#o#
domínio#claro#de#todas#as#proporções#e#escalas,#e#a#relação#dos#espaços#com#a#sua#
envolvente#e#com#a#paisagem,#em#edifícios#e#espaços#públicos,#hoje#cada#vez#mais#
belos.#
Por# fim,# a# escolha# clara# e# criteriosa# dos# materiais# de# acabamento,# e# do# seu#
desenho#de#pormenor.#
E#a#importância#da#cor.#
A# boa# Arquitectura# é# também,# e# sobretudo,# a# que# resiste# ao# tempo# e# às#
modas.#
É#assim#com#muitas#das#suas#obras.#
Durante# todo# este# tempo,# apaixonadamente# dedicou3se# também# ao# Ensino#
da#Arquitectura#na#Escola#Superior#de#Belas3Artes#do#Porto.#
E,# sempre# que# podia,# ao# fim# da# tarde# e# ao# fim3de3semana# corria# todos# os#
Antiquários# e# Alfarrabistas,# porque# lhe# faltava# sempre# qualquer# coisa# nas# suas#
colecções.#
Lia#muito,#à#noite,#todas#as#noites,#escrevia#nos#pequenos#papéis#que#tinha#à#
mão# as# suas# pequenas# notas# que# estão# em# todos# os# seus# livros# e# objectos,#
desenhava# também# os# seus# projectos,# e,# coisa# mais# espantosa,# descansava,#
adormecia# por# uns# minutos,# acordava# e# continuava# a# ler,# a# escrever,# a# desenhar,#
descobrindo# sempre# novas# relações# entre# os# livros# e# os# seus# autores,# os# seus#
desenhos#e#os#projectos#que#entretanto#ia#desenvolvendo.#
Por# isso,# encontramos# recentemente,# na# terrível# e# dolorosa# tarefa# de#
desmontar#as#suas#casas#da#Foz#do#Douro#e#de#Guimarães,#em#qualquer#gaveta#ou#
armário,# em# qualquer# espaço# que# sobrasse# nas# casas,# livros,# textos,# marfins,#
objectos#e#fotografias#antigas,#que#muito#nos#ajudam#a#perceber#a#sua#capacidade#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 16


Távora Fernando Távora: um homem de paixões

de# trabalho,# a# redescobrir# todas# as# suas# paixões,# em# muitos# temas,# em# muitos#
assuntos,#por#vezes#tão#diversos,#simultaneamente.#
Estranhamente#não#ouvia#música,#não#ia#ao#cinema,#não#fazia#fotografias.#
Fernando#Távora#foi#sempre#um#Homem#muito#à#frente#do#seu#tempo.#
Tinha# horror# à# incompetência,# à# estupidez,# à# falta# de# educação,# à#
mediocridade.#
Mas#não#o#dizia,#ou#raramente#o#dizia.#
Esquecia3se#lendo,#escrevendo,#desenhando.#
Quando# era# criticado# (aconteceu# em# muitas# das# suas# obras),# e# eu# lhe#
perguntava# porque# não# reagia,# tranquilamente# dizia3me,# não# te# preocupes,# o#
tempo#traz#sempre#a#verdade…#
No#fundo,#foi#um#homem#feliz,#muito#feliz,#estou#hoje#seguro#disso.#
Todo# o# seu# espólio# está# desde# 2012# em# depósito# na# Fundação# Marques# da#
Silva# na# Cidade# do# Porto,# a# que# acrescentamos# recentemente# a# sua# biblioteca# de#
literatura,#não#a#dispersando#por#temas#e#por#diferentes#entidades,#mais#ou#menos#
especializadas.#
Era#esse#o#seu#desejo,#a#criação#do#Arquivo#e#Biblioteca#Fernando#Távora.#
Numa#das#suas#últimas#entrevistas#disse:#
#
Viver#é#uma#coisa#que#não#tem#preço…#
Não#tem#preço…#
Eu#vou#deixar#uma#coisa#espantosa,#eu#acho#para#mim#espantosa…#
Eu#vou#deixar#isto#tudo#aqui…#
Tudo#isto#que#vê#aqui…#
Estas#árvores,#estas#pinturas,#estas#amizades,#o#pedreiro,#o#carpinteiro,#sei#lá…#
O#que#eu#deixo#de#gente,#de#relações,#de#amizades,#de#quadros,#de#textos,#de,#de,#de…#
Da#obra#que#eu#fiz.#
#
Disse3o#em#depoimento#para#a#RTP,#em#2001#(Homenagem)a)Fernando)Távora,)
Homem)de)Paixões,)de)Convicções,)de)Ideais).#
#
Porto,#Dezembro#de#2017#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 17


!

O"Meta'arquivo"da"Colecção"Fernando"Távora"
!
Fernanda Vizcaíno*
!
Palavras'chave"
!
Colecção! Fernando! Távora,! Meta4arquivo! de! Fernando! Távora,! Fernando! Távora! como!
filólogo,!Modernismo!Português.!
"
Resumo"
!
A! Colecção! Fernando! Távora! de! manuscritos! e! impressos! é! uma! das! mais! completas! de!
Portugal,!tratando4se!de!um!legado!único,!pela!sua!importância!e!dimensão.!Consciente!da!
necessidade! de! sistematizar! a! informação! essencial! relacionada! com! estes! materiais,!
Fernando! Távora! preparou! um! minucioso! meta4arquivo,! que! é! hoje! de! enorme! utilidade.!
Nele,! cada! lote! do! espólio! é! descrito! ao! pormenor:! o! que! contempla,! o! preço,! a! origem,! a!
data! e! a! quem! foi! comprado.! Este! contributo! contextualiza! e! transcreve! o! meta4arquivo,!
ajudando! quer! os! futuros! especialistas! que! investiguem! este! espólio,! quer! todos! aqueles!
interessados!em!conhecerem!melhor!a!personalidade!de!Fernando!Távora.!
!
Keywords"
!
Fernando! Távora! Collection,! Fernando! Távora’s! Meta4archive,! Fernando! Távora! as!
Philologist,!Portuguese!Modernism."
"
Abstract"
!
The! Fernando! Távora! Collection! of! manuscript! and! printed! documents! is! one! of! the! most!
complete! in! Portugal,! and! indeed! a! unique! archive,! given! its! importance! and! dimension.!
Aware! of! the! need! to! systematize! the! main! information! regarding! the! documents! in! his!
collection,! Fernando! Távora! prepared! a! thorough! meta4archive,! which! today! is! highly!
useful.!In!it,!each!lot!is!described!in!detail:!its!content,!price,!source,!as!well!as!the!date!in!
which! it! was! bought.! This! contribution! contextualizes! and! transcribes! the! meta4archive,!
aiding! future! experts! working! with! this! collection,! as! well! all! those! interested! in! knowing!
better!the!personality!of!Fernando!Távora.!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!do!Minho.!
!
Vizcaíno O Meta-arquivo
Venho& utilizando& com& frequência& a& expressão&pedreiro&de& obra& grave,&
encontrada& em& documento& português& do& séc.& XVII,& para& nomear& um&
mestre& praticante& de& arquitectura.& A& expressão& é& felicíssima& –
pedreiro&aquele&que&constrói&com&pedra&ou&qualquer&outro&material&um&
objecto,& a& obra;& mas& obra& grave,& isto& é,& não& obra& fácil,& formal& ou&
fantasiosa,&mas&grave,&isto&é,&séria,&consequente,&honesta,&significativa,&
ponderada…& E& não& é& por& acaso,& naturalmente,& que& o& problema& da&
gravidade&em&arquitectura&me&preocupa&e&preenche&o&meu&espírito.&
!
Fernando!Távora,!no!Dia!Mundial!da!Arquitetura!de!1992.!
!
O! arquitecto! Fernando! Távora! deixou! toda! uma! obra! feita,! construída.! Como! um!
homem! de! cultura! que! foi,! a! literatura! foi! também! uma! constante! na! sua! vida.!
Prova! disso! é! a! espantosa! colecção! que! reuniu,! num! labor! persistente! e! contínuo,!
ao!longo!de!várias!décadas.1!!
! Quando!Fernando!Pessoa!morre,!em!1935,!Fernando!Távora!tem!doze!anos.!
Revelar4se4á,!desde!cedo,!um!apaixonado!pela!literatura!portuguesa!e,!em!especial,!
pelos!dois!grandes!de!Portugal:!Luís!de!Camões!e!Fernando!Pessoa.!Assume!uma!
paixão! pelo! segundo,! justificada! pelo! facto! de! ser! um! homem! e! de! tratar! de! uma!
realidade!mais!próximos!do!seu!tempo.!Aos!catorze!anos!lê!versos!do!único!livro!
publicado! por! Pessoa,! Mensagem,! que! mais! tarde! considerará! o& livro! da! sua! vida!
(TÁVORA,!1995:!s.p.).!
A! Colecção! Fernando! Távora! é! uma! das! mais! completas! do! país,! a! nível!
particular,!abarcando,!entre!manuscritos!e!impressos,!nomes!tão!díspares!como!os!de!
Fernando!Pessoa,!Mário!de!Sá4Carneiro,!Júlio!Dantas,!Leitão!de!Barros,!António!Ferro,!
Augusto!Ferreira!Gomes,!Victoriano!Braga,!Câmara!Reis,!Tito!Bettencourt,!Raul!Leal,!
José!Pacheco,!António!Botto,!Alfredo!Guisado,!Armando!Côrtes4Rodrigues,!Gualdino!
Gomes,! Jorge! de! Sena,! Luís! de! Montalvor,! Almada! Negreiros,! Ronald! de! Carvalho,!
João! Gaspar! Simões,! Branquinho! da! Fonseca,! José! Régio,! Adolfo! Casais! Monteiro,!
João! Osório! de! Oliveira,! Alberto! de! Lacerda,! Camilo! Pessanha,! António! de! Oliveira!
Salazar,!Amadeu!de!Souza!Cardoso,!António!Carneiro...!entre!tantos!outros.!!
Pela! sua! importância! e! dimensão,! trata4se! de! um! legado! sem! precedentes.!
Falamos! de! um! espólio! que! contempla! valiosíssimos! originais! de! poemas! —!
manuscritos! ou! dactiloscritos! —,! primeiras! provas,! provas! de! gravuras,! provas!
tipográficas,! mais! de! 120! cartas,! bilhetes! postais,! cartões! de! visita,! fotografias,!
dedicatórias,! artigos,! esboços,! bilhetes,! ou! até! retratos! autografados! de! artistas,!
como,!por!exemplo,!o!retrato!de!Luíza!Sattanella!e!Francis!(leia4se,!Francisco!Graça,!
bailarino)!oferecido!por!estes!a!Augusto!Ferreira!Gomes.!
Consciente! da! necessidade! de! sistematizar! a! informação! essencial!
relacionada! com! estes! materiais,! Fernando! Távora! preparou! um! minucioso! meta4
arquivo,! que! é! hoje! de! enorme! utilidade! a! quem! queira! conhecer! esta! colecção.!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Agradeço!a!Jerónimo!Pizarro!e!Ricardo!Vasconcelos!a!colaboração!na!preparação!deste!documento.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 19!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Acerca!deste!meta4arquivo,!diga4se!que!as!notas!que!o!arquitecto!Fernando!Távora!
escreve!à!margem!dos!documentos!que!fazem!parte!do!espólio!são!uma!espécie!de!
diário!e!explicam!a!forma!como!se!relacionava!com!o!acervo.!Cada!lote!do!espólio!é!
descrito! ao! pormenor:! o! que! contempla,! o! preço,! a! data! e! a! quem! foi! comprado.!
São,! acima! de! tudo,! anotações! que! revelam! a! preocupação! de! um! coleccionador!
que!se!tornou!num!verdadeiro!filólogo,!profundo!conhecedor!do!seu!espólio.!
Entre! essas! indicações! destacam4se! múltiplas! referências! aos! locais! de!
compra! dos! diversos! documentos.! Ao! longo! dos! anos,! Fernando! Távora!
relacionou4se! com! várias! livrarias,! destacando4se,! não! só! pela! importância! dos!
materiais!disponibilizados!como!pela!continuidade!temporal,!o!alfarrabista!Manuel!
Ferreira,!a!Livraria!Académica,!a!Livraria!Moreira!&!Almeida,!a!Livraria!Fumaça!e!
o!livreiro!Américo!Marques,!como!adiante!se!percebe.!!
Na! inventariação! dos! lotes! que! ia! adquirindo,! o! arquitecto! Távora!
sistematiza! a! informação,! descrevendo,! de! forma! sucinta,! o! seu! conteúdo.! No!
entanto,! por! vezes,! não! resiste! a! descrever! a! história! por! detrás! de! determinada!
compra.! Numa! espécie! de! diário! de! viagem,! relata,! de! forma! impressionante,! os!
seus!“estados!de!alma”,!quando!faz!mais!uma!compra!que!o!entusiasma!(no!fundo,!
são! quase! todas)! mesmo! sem! ver! o! que! está! a! comprar,! e! sobretudo! quando!
consegue!antecipar4se!a!outros!coleccionadores.!
Damos!dois!exemplos.!Na!memória!descritiva!do!Lote!40,!escreve!Távora:!!
!
Hoje,! 14! de! Agosto! de! 1981,! batalha! de! Aljubarrota! [...]! telefonou4me! o! M[anu]el! Ferreira!
comunicando!ter!“um!pequeno!e!belo!lote„!de!cartas!e!postais!do!Sá4Carneiro!e!pedindo4me!
para!passar!pelo!armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!com!o!lote!comprado!sem!
o!vêr!e!sem!saber!quanto!custava.!Em!resumo!–!a!força!do!destino.!Fiz!de!conta!que!via!o!
lote,!fiz!de!conta!que!perguntei!o!preço,!fiz!de!conta!que!discuti!o!valor!–!mas!de!antemão!já!
tudo!estava!resolvido!e!pago!porque,!por!acaso,!tinha!dinheiro.!(Se!o!não!tivesse!havia!de!o!
arranjar!–!estava!escrito.)!!!!
!
! Numa!altura!em!que!a!informação!não!“viajava”!com!a!rapidez!dos!tempos!
actuais,!as!transacções!comerciais!eram!feitas!de!outra!forma,!e!este!meta4arquivo!
demonstra4o!à!saciedade.!Nesse!sentido,!a!relação!comercial!que!Fernando!Távora!
manteve,!ao!longo!dos!anos,!com!o!alfarrabista!Manuel!Ferreira!assume!um!papel!
fundamental!na!construção!do!seu!valiosíssimo!espólio.!!
O!profundo!conhecimento!que!o!arquitecto!Távora!tinha!sobre!a!literatura,!
em!geral,!e!sobre!o!período!modernista,!em!particular,!aliado!a!uma!extraordinária!
sensibilidade,!foram!cruciais!na!construção!do!seu!legado.!As!palavras!de!regozijo!
do!próprio!Fernando!Távora!pela!compra!de!mais!um!lote!“sem!o!vêr!e!sem!saber!
quanto!custava”!são!um!bom!exemplo!da!paixão!do!arquitecto4poeta.!
A!leitura!deste!meta4arquivo!deve,!assim,!ajudar!o!leitor!a!compreender!de!
forma! mais! cabal! o! relevo! da! Colecção! Fernando! Távora.! A! título! de! exemplo,!
lembre4se!a!memória!descritiva!do!Lote!24:!!!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 20!
Vizcaíno O Meta-arquivo
A!menos!que!...!o!□!Pinto!de!Souza!tenha!querido!vingar4se,!no!bom!sentido,!do!facto!de!ter!
perdido!no!dia!17!último,!os!“Sonnets!of!this!century„![↑!que!pertenceram!a!F.!Pessoa!e]!que!
o! M[anu]el! Ferreira! comprara! em! Lxª! [Lisboa]! no! leilão! na! Associação! Portuguesa! <de!
Portugue>!de!Escritores.!Aconteceu!que!neste!dia,!2.a!feira,!de!manhã,!o!M[anu]el!Ferreira!
procurou4me! em! casa! e! <es>! no! escritório! para! <q>! me! comunicar! que! tinha! comprado!
aquele! livro! e! que! gostaria! que! eu! o! comprasse.! Por! coincidência! cheguei! <à>! ao!
estabelecimento!dois!minutos!antes!do!Pinto!de!Souza!que,!quando!chegou,!foi!informado!
que!o!livro!era!para!mim...!
!
Uma! descoberta! de! extrema! importância,! trata4se,! efectivamente,! de! um!
livro!que!pertenceu!a!Fernando!Pessoa!(a!comprová4lo!temos!a!assinatura!de!posse!
do! poeta),! que! permaneceu! incógnito! durante! mais! de! cem! anos.! O! pequeno!
livrinho! de! capa! verde! intitulado! Sonnets& of& this& Century,! com! provável! edição! de!
1902! (ver! PITTELLA,! 2017b:! 278)! encerra,! no! seu! interior,! um! verdadeiro! tesouro:!
anotações! manuscritas! pelo! punho! do! próprio! Fernando! Pessoa! em! mais! de! um!
terço! das! páginas! que! o! compõem.! Estas! notas! do! poeta,! inéditas! até! muito!
recentemente,! contemplam! “avaliações! gerais! de! sonetos! na! opinião! de! Pessoa,!
traduções! em! português,! notas! sobre! métrica,! rima! e! forma,! e! outra! marginália”!
(PITTELLA,!2017b:!277).!!!
Ainda!acerca!do!rigor!da!análise!a!que!Fernando!Távora!submetia!os!vários!
documentos,!destacamos,!por!exemplo!o!trabalho!de!investigação!e!compilação!da!
informação! relativa! às! cartas! de! Fernando! Pessoa! enviadas! a! João! Gaspar! Simões!
na! sua! posse.! Para! além! de! registar! a! data! de! todas! as! 39! cartas! enviadas! por!
Pessoa,!Fernando!Távora!vai!ao!ponto!de!anotar!o!número!de!linhas!de!cada!carta.!
Por!outro!lado,!o!seu!trabalho!de!pesquisa,!não!só!neste!caso!específico,!mas!
também!em!relação!a!outros!documentos!que!adquiria,!não!se!limitava!ao!registo!
da!pessoa!que!lhe!vendia!as!cartas.!Procurava!sempre!saber!a!origem!e!o!caminho!
que! cada! documento! percorria! até! chegar! às! suas! mãos,! por! vezes! revisitando! as!
anotações!para!acrescentar!informação!entretanto!encontrada.!Assim,!e!a!título!de!
exemplo,!escreve!o!arquitecto!em!nota!manuscrita!apensa!ao!1.o!Lote:!
!
Comprado!a!M[anuel]!Ferreira,!em!24/XII/71,!esc[udos]!12.000$00;!comprado!por!M[anuel]!
Ferreira!a!Dr.!Ant[ónio]!Miranda!(Santo!Tirso)!<por!intermédio!de>;!saberei!a!quem!este!as!
comprou.!Soube!depois!que!foram!compradas!em!L[isboa],!ao!livreiro!Américo!Marques.!
!
Em!suma,!o!meta4arquivo,!escrito!na!primeira!pessoa!e!num!registo!diarístico,!
intimista!até,!revela!como!que!o!“auto4retrato”!de!um!coleccionador!apaixonado!e!
empenhado.! Seguramente! a! transcrição! do! mesmo,! que! se! segue,! ajudará! quer! o!
especialista!que!enverede!por!uma!colecção!tão!extensa!e!rica,!quer!todos!aqueles!
interessados!em!conhecerem!a!personalidade!do!homem!que!a!criou.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 21!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."1."Lotes"1"a"4"(Colecção"Fernando"Távora)."
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 22!


Vizcaíno O Meta-arquivo
!!!
MANUSCRITOS!E!CARTAS!
!
1.o!Lote!! –!Carta!de!F[ernando]!P[essoa]!a!J[oão]!G[aspar]!Simões! de!3/XII/30!
!!!!!!!!!!!!!!! –!id[em]! de!6/XII/30!
!!!!!!!!!!!!!!! –!id[em]! de!19/XII/30!
!!!!!!!!!!!!!!! –!id[em]!! de!4/I/31!
!!!!!!!!!!!!!!! –!id[em]! de!7/II/31!
!!!!!!!!!!!!!!! –!id[em]! de!5/IX/31!
!
Comprado! a! M[anuel]! Ferreira,! em! 24/XII/71,! esc[udos]! 12.000$00;! comprado! por!
M[anu]el! Ferreira! a! Dr.! Ant[ónio]! Miranda! (Santo! Tirso)! <por! intermédio! de>;!
saberei! a! quem! este! as! comprou.! Soube! depois! que! foram! compradas! em! Lxª!
[Lisboa],!ao!livreiro!Américo!Marques.!
!
2.o!Lote!! –!carta!de!F[ernanda]!de!Castro!a!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes!!!!
! –!carta!de!Leitão!de!Barros!a!id[em]!
! –!carta!de!Júlio!Dantas!a!id[em]!
! –!carta!de!José!Pacheco!a!id[em]!
! –!carta!de!Teix[eir]a!Cabral!a!id[em]2!
! –!carta!de!António!Ferro!a!id[em]!
!
! –! manuscrito! do! Quinto! Império! de! A[ugusto]! Ferr[eir]a! Gomes,!
contendo!o!prefácio!original!de!F[ernando]!Pessoa!e!outros!textos!que,!embora!do!
mesmo!F[erreira]!Gomes,!não!pertencerão!àquele3!poema.!
! –!cartão!de!Júlio!Dantas!a!Victoriano!Braga!
! –! poema! “Conselho„! de! F[ernando]! P[essoa]! (origem! desconhecida!
pertencente!a!A[ugusto]!F[erreira]!Gomes)![←não!original,!evidentemente]!
!
Comprado! a! M[anuel]! Ferreira,! em! 5/II/72,! esc[udos]! 10.000$00[,]! tudo! isto!
pertencia! ao! espólio! de! Ferreira! Gomes.! Creio! que! o! M[anu]el! Ferreira! as! terá!
adquirido!a!outro!colega!em!Lisboa.!!
!
3.o!Lote!! –!poema!original!de!F[ernando]!Pessoa!–!“E!o!propósito!adiado!sempre!/!
A! vã! vontade! sempre! dividida„! –! pertenceu! a! J[oão]! Gaspar! Simões! que! nele!
escreveu!em!Janeiro!de!1972!a!nota:!“original!de!F[ernando]!P[essoa]„!(a!pedido!do!
M[anuel]!Ferreira!a!quem!o!vendera!<)>/e\!por!minha!sugestão)!
! –! poema! original! de! F[ernando]! P[essoa]! –! “No! horizonte! solene! /! No!
lívido!horizonte!/„!–!pertenceu...!(vêr!texto!acima)!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2!Veja4se,!a!este!respeito,!HOVORKOVA!(2017).!
3!aquele!]&no&original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 23!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
! –! poema! liberdade! –! dactilografado;! pertenceu! a! Luís! da! Câmara4! Reys! a!
quem!terá!sido!enviado!por!F[ernando]!P[essoa]!para!publicação!na!Seara!Nova.!!
!
pertencia!à!correspondência!de!Câmara!Reis!que!o!M[anu]el!Ferreira!adquiriu;!não!
vinha! acompanhado! por! carta! de! F[ernando]! P[essoa]! porque! naturalmente!
estando!ambos!em!Lisboa!essa!carta!não!era!necessária!!
!
adquirido!pelo!M[anuel]!Ferreira!a!J[oão]!G[aspar]!Simões!!
!
comprado!a!M[anuel]!Ferreira,!em!24/II/72,!esc[udos]!6.000$00!
!
4.o!Lote!!! –!<2>/3\!cartas!de!C[arlos]!Ferreira!a!F[ernando]!P[essoa]!!!!!!!!!!!!!!
! –!3!cartas!de!J[osé]!Araújo!a!F[ernando]!P[essoa]!
! –!1!carta!de!Tito!Bettencourt!a!F[ernando]!P[essoa]!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Camara!]&no&original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 24!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."2."Lotes"4"a"9"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 25!


Vizcaíno O Meta-arquivo
"!!!!!!!!!!!!
– carta!de!<Ana>![↑João]!de!Castro!Osório! a!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes
– carta!de!Carlos!Carneiro a!id[em]!
– carta!de!Álvaro!Canelas a!id[em]!
– nota!<†>!<a>/de\!M[ári]o![de]!Sá!Carneiro!s[obre]!Angelo!de!Lima,!Raul
Leal!e!Santa4Rita,!em!papel!timbrado!do!Café!Martinho!

pertenceu! a! J[oão]! Gaspar! Simões! a! quem! M[anuel]! Ferreira! o! adquiriu!


directamente!

– original!do!poema!“O!cavalinho!branco„!de!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes,
dedicado!a!F[ernando]!P[essoa]!(terá!sido!publicado?)!
– original!de!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes!que!começa:!“Conheci!F[ernando]
P[essoa]!quando!do!aparecimento„!
– original! de! Aug[usto]! F[erreir]a! Gomes! que! começa:! “Se! me! fosse
permitido!erguer!a!voz„.!

Comprado! a! M[anuel]! Ferreira,! em! 24/II/72,! esc[udos]! 3.000$00;! com! excepção! da!
nota! de! M[ári]o! de! Sá! Carneiro,! pertenceu! tudo! ao! espólio! de! Augusto! Ferreira!
Gomes,!comprado,!creio,!pelo!M[anu]el!Ferreira!a!um!colega!de!Lisboa!–!!

5.o!Lote!! –! folha! com! a! legenda:! “Para! Fernando! Pessoa,! o! Maior„,! escrito! por
M[ári]o! de! Sá! Carneiro! –! pertenceu! a! J[oão]! Gaspar! Simões! que! a! <†! vendeu! †>
negociou!com!M[anu]el!Ferreira

Oferecido!por!M[anu]el!Ferreira,!em!3/III/72!

o
6 Lote   –  1  carta  de  M[ário]  [de]  Sá  Carneiro  a  José  Pacheco,  Barcelona <30/
Agosto/14> [↑30/Agosto/1914] (2.250$00)
– 1, id[em], id[em], 4/Set[embro]/1914 (2.250$00)
– 1 postal, id[em], San Sebastian, 12 (?)/Julho, 1915 <2.2>/16\20$00)

Comprados!a!M[anu]el!Ferreira,!em!7/<IV>/!III\/72!pelo!total!de!6.120$00;!vieram!de!
L[isboa]!do!livreiro!Américo!Marques,!em!cujo!<catalogo>![↑!Boletim]!<vêm!sob!os!
n.ºs>!mensal!n.º!27!vêm!sob!os!números!5880,!588<1>/3\!e!5881.

7.o!Lote! –! 1! carta! de! M[ário]! [de]! Sá! Carneiro! a! J[osé]! Pacheco,! Lxª! [Lisboa],
2/Fev[ereiro]/1914!(2.250$00)
– 1!id[em],!id[em],!Paris,!10/Julho/1914!(2.250$00)

Comprado! a! Américo! Marques,! livreiro4alfarrabista,! Lxª! [Lisboa],! em! 10/III/72,!


directamente!por!mim.!Não!vem!em!qualquer!<catálogo>![↓!Boletim]!4.500$00!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 26!
Vizcaíno O Meta-arquivo

o
Lote  –  1  carta  de  M[ário]  [de]  Sá  Carneiro  a  J[osé]  Pacheco,  Paris, 1/
Agosto/1914 <(3.250$00)> [↑(2.250$00)]
– 1 id[em], id[em], Paris, 14/ e [ereiro]/1916 (<2>/3\.000$00)
– 1 id[em], id[em], Paris[,] 6/Abril /1916 (6.000$00)
– 1  P.  S.  de  M[ário]  [de]  Sá  Carneiro  para  José  Pacheco  (pertencia
ao conjunto!da!correspondência!deste)!–!(750$00)!

Comprado!a!Américo!Marques!–!Livreiro!e!alfarrabista!–!Lxª![Lisboa],!em!22/IV/72,!
directamente!por!mim.!Não!vêm!em!qualquer!Boletim.!Total!–!12.000$00!

9.o!Lote!! –! 1! manuscrito! com! o! <†>! texto! de! um! telegrama! (?)! enviado! a! Sá
Carneiro! por! vários! amigos! (R[ogério]! Peres,! M[ário]! Duarte,! V.! Silva,! A[ntónio]
Ponce!de!Leão,!A[lfredo]!Guisado,!F[ernando]!Pessoa.
– 1!bilhete!de!visita!(com!envelope)!de!César!Porto!a!F[ernando]!P[essoa],
apresentando!pesames!pela!morte!de!Sá!Carneiro.!

Oferecido! por! M[anuel]! Ferreira,! em! 25/IV/72,! depois! de! ter! comprado! o!
“Ultimatum„!de!A[lvaro]!de!Campos!e!outras!coisas.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 27!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."3."Lotes"10"a"13"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 28!


Vizcaíno O Meta-arquivo
#!
MANUSCRITOS!E!CARTAS

10.o!Lote!!–!carta!de!F.!P[essoa]!a!J.!G.!Simões!–!de!30/Set[embro]/29 (3.000$00)!
– carta!de!id[em]!a!id[em]!de!10/Jan[eiro]/30 (3.000$00)!
– carta!de!id[em]!a!id[em]!de!28/Julho/32 (3.000$00)!
– carta!de!<José!P>!M.!Sá!Carneiro!a!José!Pacheco!de!8/Jan[eiro]/1916
(3.000$00)!

Comprado! ao! Eng.! Vasco! Duarte! Silva! (Lisboa)! em! 25/V/72! por! 12.000$00.! Estas!
cartas! foram! compradas! pelo! Eng.! Duarte! Silva! a! Américo! Marques,! livreiro,! e!
figuram! n<a>/o\! <exp.>! <catálogo! n.º>! Boletim! n.º! 27! sob! os! números! 5887,! 5885,!
5886!e!5882.!A!margem!de!lucro!foi!pequena.!

10.o!Lote!!–!bilhete!postal!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!José!Pacheco!–!15/Jan[eiro]/1914
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!3/Julho/1914
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!7/Julho/1914
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!28/Out[ubro]/1914
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!18/Jan[eiro]/1915
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!19/Jan[eiro]/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!20/Abril/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!11/Agosto/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!21/Agosto/1915
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!–!13/Set[embro]/1915

Comprado! ao! livreiro! Américo! Marques! <(Lisboa)>! (Lisboa),! em! 26/V/72.! Estas!
cartas!não!figuram!em!qualquer!Boletim!e!estão!inéditas.!Era!o!que!restava!do!lote!
da!correspondência!de!M[ário]!de!Sá!Carneiro!para!José!Pacheco!e!que!estava!nas!
mãos!daquele!livreiro.!Além!das!cartas!deste!lote!que!anteriormente!lhe!comprei,!
bem!como!das!cartas!que!comprei!ao!Eng.!Vasco!Duarte!Silva[.]!Sei!que!havia!mais!
algumas,!creio!que!poucas.!custou!1<†>/7\.000$00!!

12.o!Lote! –!Hora!absurda!–!poema!de!F[ernando]!P[essoa]!(4!págs.)!–
–!Via!Sacra!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues!(2!págs).!
– Poente!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues
– Só!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues
– Abertura!do!Livro!da!Vida!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues!(2!págs).
– Taciturno!–!poema!de!M[ário]!Sá!Carneiro!(2!págs.)
– Sugestão!–!poema!de!M[ário]!Sá!Carneiro
– carta!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!Alfr[edo]!Guisado!(2!págs)!–!5/Julho/1914
– carta!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!Alfr[edo]!Guisado!(2!págs)!–!20/Julho/1914

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 29!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Comprado! a! M[anuel]! Ferreira,! Porto! em! 27/VI/72,! por! 50.000$00,! preço!


absolutamente! louco! segundo! a! opinião! do! próprio! vendedor.! Comprado! por! ele!
em!Lisboa,!no!dia!26,!a!Ernesto!Martins,!da!Biblarte,!que!por!sua!vez,!comprou!o!
lote! a! Alfr[edo]! Guisado,! certamente! também! por! preço! alto! (que! o! Guisado! é!
caprichoso! a! vender,! tem! 80! e! tantos! anos! e! sabe! certamente! aquilo! que! tem...)!
recordar! que! foi! tambem! a! M[anu]el! Ferreira! que! comprei! um! conjunto! de! livros!
de!F[ernando]!P[essoa]!e!Sá!Carneiro!que!haviam!pertencido!ao!Alfr[edo]!Guisado!
e!haviam!sido!comprados!pelo!Ernesto!da!Biblarte.!Sobre!este!conjunto!vêr!o!q[ue]!
deixei!escrito!no!“!Ceu!em!fogo.„.!

13.o!Lote! –!prova!do!artigo!de!jornal!(por!Augusto!Ferreira!Gomes),!suspenso!pela
censura
– carta!de!Norberto!de!Araujo!(14/Abril/922)!para!Victoriano!Braga
– carta!de!João...!(12/Junho/36)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Alice...!(segunda4feira)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Gualdino!Gomes!(8/Setembro)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Carlos!Amaro!(s/d)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Joaquim!Carvalho...!(25/Abril/1920)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Alves!da!Costa!(s/d)!para!Vict[oriano]!Braga

Comprado!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!em!31/VII/72,!por!esc.!4.000$00.!Foi!um!lote!
muito! caro! porque! é! pouco! interessante.! Tudo! pertenceu,! segundo! o! M[anu]el!
Ferreira,! a! Augusto! Ferreira! Gomes,! menos,! naturalmente,! as! coisas! dirigidas! a!
Victoriano!Braga.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 30!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."4."Lotes"13"a"15"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 31!


Vizcaíno O Meta-arquivo
$!
– Bilhete!de!Ant[ónio]!Ferro!(124114940!(?)!para!Jaime
– Carta!de!João!Ameal!(s/d)!para!Ferreira!Gomes
– Bilhete!de!João!Ameal!(s/d)!para!F[erreira]!Gomes
– Bilhete!de!Silva!Tavares!(s/d)!para!F[erreira]!Gomes
– <Bilhete>!Carta!de!Silva!Tavares!(13/Julho/51)!para!F[erreira]!Gomes
– Bilhete!postal!de!Ant[ónio]!Ferro!(16/7/939)!para!F[erreira]!Gomes
– Carta!de!□!de!Funil!Gordo!–!Azenhas!do!Mar!(20/6/36)!para!F[erreira]!Gomes
– Carta!de!Tomaz!Rib[eir]o!Colaço!(13/Março/37)!para!F[erreira]!Gomes
– Carta!de!□!Forlette!(?)!(19/9/37)!para!F[erreira]!Gomes
– id. id! (10/3/38)! id.!
– Carta!de!□!do!Liceu!Nacional!de!Viseu!(13/4/98)!para!F[erreira]!Gomes
– Retrato!(Ferreira!Gomes!?)!por!Mesquita!–!Pinta4Monos
– [←! Prova! da]! Gravura! da! capa! de! “À! Memória! do! Presidente4Rei
Sidónio!Pais„!com!a!respectiva!carta!
– Retrato!de!Rui!Coelho!of[erecido]!a!F[erreira]!Gomes
– Carta!de!Álv[aro]!Canelas!(Timor,!28/Agosto/37)!para!F[erreira]!Gomes
– Poema!original!“Horóscopo„!de!A[ugusto]!Ferreira!Gomes
– Retrato!de!Artur!Maciel!of[erecido]!a!Ferreira!Gomes
– Carta!de!Artur!Maciel!! (10/Set[embro]/35)!para!F[erreir]a!Gomes
– Ü Ü! (21/Set[embro]/35)! Ü!
– Bilhete!Postal! Ü (23/Dez[embr]o/37)! Ü!
– Retrato!de!Luíza!Sattanella!of[erecido]!a!F[erreira]!Gomes!(24/5/28)
– Retrato!de!Luíza!Sattanella!e!Francis!(certamente!of[erecido]!a!F[erreira]
Gomes)!
– 4!retratos!de!Francis!of[erecido]!a!F[erreir]a!Gomes!(c[om]!dedicatória,
datados!de!Agosto,!1929)!
– Capa!de!cartão,!tendo!escrito!no!exterior!Victoriano&Braga,!creio!que!com
caligrafia!de!A[ugusto]!Ferreira!Gomes!

14.o!Lote! –!Cortejo!funebre!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(5!págs)
– outro!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(2!págs.)
– agonia!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(5!págs.)
– prova!de!artigo!de!jornal!intitulado!“O!suposto!crime!do!Orpheu„
– menú!de!um!banquete!de!homenagem!a!Alf[redo]!Guisado!(1/XI/25)
– prova!tipográfica,!zincogravura,!das!duas!últimas!quadras!de 1

“Hora!Absurda„!
– original!de!“As!Cinco!Chagas!de!Cristo„!–!1915!por!Alfredo!Guisado
– original!de!“Laços!de!seda„!–!Poemeto!de!Pedro!de!Menezes
– provas!de!Xente!d’a!Aldea,!corrigidas!por!Alfredo!Guisado 2
1
!10.000$00!
2
!3.000$00!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 32!
Vizcaíno O Meta-arquivo

Lote! comprado! a! M[anu]el! Ferreira,! em! 9/VIII/72,! por! 10! +! 3.000$00! (13.000$00).!
Pertenceu!tudo!a!Alfr[edo]!Guisado!a!quem!foi!comprado!por!Ernesto!Martins!da!
“Biblarte„! (Lxª! [Lisboa]),! que! o! vendeu! a! M[anu]el! Ferreira...! a! quem! o! comprei.!
Muito!caro.!

15.o!Lote! !–!!bilhete!de!Afonso!Lopes!Vieira,!manuscrito!a!lápis!de!côr,!com!o!texto:
“Com!um!abraço!ao!genial!sebastianista.!Boas!Festas!antecipadas...„.!Pertenceu!ao
Conde! de! Alvelos,! Porto! e! era4lhe,! portanto! [...]5! <†>! M[anu]el! Ferreira,
9/Out[ubro]/72.!Estava!marcado!120$00.

5!A!digitalização!não!deixa!ver!esta!parte!da!folha.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 33!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."5."Lotes"16"e"17"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 34!


Vizcaíno O Meta-arquivo
%!
16. !Lote! –!Carta!de!F[ernando]!P[essoa]!a!J[oão]!Gaspar!Simões!de!14/Dez[embro]
o

/1931!(2!págs.)
– Carta!de!F[ernando]!P[essoa]!a!J[oão]!Gaspar!Simões!de!25/Fev[ereiro]
/1933!(2!págs.)!

compradas!ao!Dr.!Ant[ónio]!Miranda,!de!Santo!Tirso,!por,!efectivamente,!4.000$00!
e! 3.000$00,! preço! muito! alto! para! a! primeira! mas! talvez! a! única! arma! para! o!
convencer!a!ceder4me!a!carta!que!êle!muito!estimava,!dado!o!tema!tratado.!Foram!
compradas! na! madrugada! de! 11/Nov[embro]/72! depois! de! uma! dura! luta,!
porquanto!tendo!o!Ant[ónio]!Miranda!manifestado!o!desejo!de!realizar!cerca!de!8!
contos! para! comprar! mss! iluminados! no! Manuel! Ferreira,! já! estava! arrependido!
quando!cheguei!a!sua!casa.!Ficou!ainda!com!13!cartas,!segundo!suponho;!eu!sugeri!
outro!negócio[:]!ficar!com!duas!cartas!mais!por!7!contos!do!que!com!4!cartas!de!<†>!
[↑uma]!página!por!8!contos.!

17.o!Lote! –!Carta!de!Joaquim!Paço!d’Arcos!p[ara]!Alfr[edo]!Guisado!de!27/1/1961!(4
págs);!anexo!<†>!envelope!e!fotocópia!<dirigi>!da!carta!dirigida!por!J[oaquim]!Paço
d[’]Arcos!a!José!Azeredo!Perdigão.
– Carta!de!Jorge!Barradas!p[ara]!Alfr[edo]!Guisado!de!9/Junho/1964
– Carta!id[em]!id[em]!de!26/Julho/1964,!com!envelope
– soneto,!inédito,!manuscrito,!de!Artur!Inez,!“Sahará„
– “Poema!da!hesitação„,!manuscrito,!inédito,!de!Alfr[edo]!Guisado.
– Carta!de!Jorge!de!Sena!para!Alfr[edo]!Guisado,!de!9/4/61!(3!págs.),!com
envelope;!
– fotografia!de!F[ernando]!P[essoa],!“atestada„!por!Alfr[edo]!Guisado;
– fotografia! de! Luís! de! Montalvor,! <atestada>! com! o! nome! escrito! por
Alfr[edo]!Guisado;!
– id[em]! de! Ronald! de! Carvalho,! id[em],! id[em];! id[em]! de! Almada
Negreiros,!id[em],!id[em];!
– id[em]!de!Alfredo!Guisado,!id[em],!id[em];
– id[em]! de! Alfr[edo]! Guisado,! Almada! Negreiros! e! Côrtes! Rodrigues,
id[em],!id[em]!(2.º!encontro!nos!Irmãos!Unidos,!2/4/58);!
– id[em]! de! Jorge! Barradas,! assinada! e! datada! de! 1964,! c[om]! o! nome
escrito!por!Alfr[edo]!Guisado.!

este! lote! foi! comprado! em! 5/XII/72! a! M[anuel]! Ferreira,! por! esc.! 4.000$00;! ele!
comprou o!<†>!em!Lisboa!a!Ernesto!Martins,!a!“Biblarte„!por!sua!vez!o!comprara!a
Alfr[edo]!Guisado!a!quem!tudo!pertencia.!Vieram!no!mesmo!<lote>![↑conjunto]!os!
livros!“Ânfora„,!“Mais!alto„!e!“a!lenda!do!rei!boneco„,!bem!como!dois!volumes!de!
recortes!de!jornais!com!críticas!ao!“Orfeu„!e!a!Alfr[edo]!Guisado.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 35!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."6."Lotes"18"a"20"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 36!


Vizcaíno O Meta-arquivo
&!
18. !Lote! –! carta! do! Coronel! F[rancisco]! Caetano! Dias! para! Alfr[edo]! Guisado
o

(11/VI/58)!com!envelope
– carta!de!Jorge!de!Sena!para!Alfr[edo]!Guisado!(4/I/59),!com!envelope
– escrito! de! Almada! Negreiros! relativo! aos! encontros! c[om]! Alfr[edo]
Guisado!e!Cortes!Rodrigues!(“os!de!Orpheu„)!

Comprado! a! M[anu]el! Ferreira,! 22/XII/72,! esc.! 2.000$00! (carissíssimo!)! Vieram! da!


Biblarte!(Lxª![Lisboa])!que!os!comprara!a!Alfr[edo]!Guisado!!

19.o!Lote! –! fotografia! de! F[ernando]! P[essoa],! bebendo,! que! pertenceu! a! J[oão]


Gaspar! Simões! e! está! assinada,! nas! costas,! pelo! poeta.! Comprada! em! 9/I/73! em
Lisboa,! na! “Biblarte„,! por! esc.! .....! 7.500$00.! O! preço! é! astronómico,! mas! o! meu!
desejo! de! possuir! esta! fotografia! era! maior! e! tive! receio! que! o! Ernesto! Martins! se!
arrependesse.! Há! muito! que! a! conhecia! nas! suas! mãos! e! a! desejava! mas! êle!
respondia4me!sempre!que!não!era!para!venda.!Há!tempos!o!M[anu]el!Ferreira,!por!
indicação! minha! ofereceud lhe!5.000$00! preço! que! lhe! serviu! de! base! para! pedir!
os!7.500$00...!que!eu!paguei.!Deus!me!perd e.!

20.o!Lote! –! conjunto! de! cartas,! artigos,! esboços,! etc.! etc.! que! pertenceram! a! Raúl
Leal!(Henoch).!Comprado!em!23/I/73!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!por!esc.!40.000$00.
Trata4se! de! um! lote! que! eu! vira! em! Lx.a! [Lisboa]! em! 9/I/73! na! livraria! Moreira! &
Almeida! (por! esc.! 25.000$00)! mas! q[ue]! não! comprei! quer! porque! não! tinha
dinheiro! (e! não! tinha! à4vontade! para! ficar! a! dever! embora! pagasse! mais! tarde,
claro)! quer! porque! receei! o! seu! conteúdo! dado! que! o! lote! estava! por! abrir.! O
M[anu]el!Ferreira!soube,!comprou...!e!fez!bom!negócio.!Enfim,!comércio.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 37!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."7."Lotes"21"a"24"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 38!


Vizcaíno O Meta-arquivo
'!
18. !Lote! –! carta! de! Mário! Sá! Carneiro! para! José! Pacheco,! de! 13/Março/1914,! esc.
o

1.500$00
– bilhete!postal!de!id[em]!para!id[em],!de!Dezembro!de!1915,!esc.!1.000$00

comprado! a! Américo! Marques,! Lisboa,! em! 16/II/73,! por! esc.! 2.500$00.! <Garantiu4
me>!Garantiu4me!não!possuir!agora!mais!nada!de!Mário!para!José!Pacheco.!Vêr!o!
que!lhe!comprei!em!lotes!anteriores!

22.o!lote! –! conjunto! de! cartas,! poemas,! artigos! de! jornal! (República),! provas,
notícia!sobre!Ant[ónio]!Ferro!e!telegrama!de!Ant[ónio]!Ferro,!carta!de!A[rmando]
Cortes!Rodrigues,!texto!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!s[obre]!o!“Orpheu„,!etc.!–
dum! modo! geral! com! pouco! interesse,! comprado! a! Ernesto! Martins,! Biblarte,
Lisboa,! em! 16/! II! /1973,! por! esc.! 4.500$00! (caríssimo!);! tudo! o! que! compõe! o! lote
pertenceu! a! Alfredo! Guisado! e! foi4lhe! comprado! recentemente! pelo! <Ernesto>
mesmo!Ernesto!Martins.

23.o!lote! –!carta!de!Man<u>/o\el!Serras!para!Alf[redo]!Guisado,!acompanhada!de
reprodução!fotográfica!de!uma!auto4biografia!de!F[ernando]!Pessoa;
– prova!de!gravura!de!“O!Taciturno„!(Mário!de!Sá!Carneiro).! (possivelmente
– prova!de!gravura!de!“Só„!(Cortes4Rodrigues) editadas!no!“República„)

– prova!de!artigo!de!jornal,!corrigido!por!Alf[redo]!Guisado;!(“Republica„
– 8/12/1966),!em!que!é!comentada!a!reedição!de!“Ceu!em!Fogo„!feita!pela!Ática.

Comprado! em! 17/II/1973! a! M[anu]el! Ferreira,! Porto,! que! o! havia! comprado,! dias!
antes,! a! Ernesto! Martins,! Biblarte,! Lisboa,! que! o! havia! comprado,! dias! antes,! a!
Alfr[edo]!Guisado!a!quem!tudo!pertencia.!Custou!esc.!1.000$00.!

24.o!lote! –! conjunto! de! <cartas,! provas>! manuscritos! de! Ronald! de! Carvalho,
Gomes! Leal,! Ed[uardo]! Guimaraens,! Fernando! Pessoa! e! Mário! de! Sá! Carneiro,
constantes!do!Catálogo!n.o!28!de!Soares!e!Mendonça,!n.os!1681!a!1717,!com!excepção
dos!n.os!1694!<e>/,\!1695!e!1708!e!com!inclusão!de!um!extra4catálogo!(“Soneto„!de

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 39!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."8."Lotes"24"e"25"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 40!


Vizcaíno O Meta-arquivo
(!
Ronald!de!Carvalho,!que!começa:!“Hora!irmã!do!meu!violino...„).!Êste!conjunto!foi!
comprado! para! mim,! peça! por! peça,! e! com! os! preços! constantes! da! lista! anexa! (a!
que! haverá! que! acrescentar! 10%! +! 5%)! pelo! M[anu]el! Ferreira,! a! meu! pedido! e!
dado!o!facto!de!eu!me!encontrar!ausente!no!Brasil!acompanhando!os!alunos!do!6.º!
ano!da!ESBAP.!O!leilão!efectuou4se!no!dia!13!de!Abril!de!1973!e!o!custo!total!dos!
manuscritos!adquiridos!foi!de!esc.!120.293$30!(!!!).!
Os! lotes! 1694! e! 1695! foram! comprados! pelo! Dr.! António! Miranda! (Santo!
Tirso),!(talvez!arrependido!de!me!ter!vendido!algumas!cartas!de!Fernando!Pessoa!
para!J[oão]!Gaspar!Simões!)!e!custaram!esc.! !e!esc.! !(+!10%!+!5%).!O!lote!1708!foi!
comprado! pelo! Sr.! Nuno! da! Livraria! Académica! por! [↑cerca! de]! esc.! 16.000
$00! (grande!loucura)!que!hoje!me!disse!vendêd lo!por!esc.!25.000$00!!!(vêr!nota)!
Todos!estes!documentos!pertenceram!originàriamente!a!Luiz!de!Montalvor!
mas!creio!que!agora!pertenceriam!a!João!de!Castro!Osório!pois!em!François!Castex!
– “Mário! de! Sá! Carneiro! e! a! génese! da! Amizade„! pg.! 41849! se! referem! 23! cartas
dirigidas! por! Mário! a! Luis! Ramos,! dadas! a! conhecer! por! Castro! Osório.! Não! se
deduz! daqui! que! pertencessem! a! este,! mas! como! recentemente! comprei! uma
“Mensagem„! (1.ª! ed.)! que! lhe! pertenceu! permitod me! pôr6! a! hipótese! de!
<estes manuscritos!terem!sido!†>![↑ também]!este!conjunto!agora!posto!à!venda!lhe!ter
pertencido.! ! Nota! –! êste! lote! 1708! foi! disputadissimo! no! leilão! e! eu! estava! agora
decidido! a! comprád lo! pelos! 25! contos! pois! era! tema! de! conversa! sempre! que! ia!
à Livraria! Académica.! Acontece! que! da! penúltima! vez! que! ali! estive! o! Nuno!
me disse! <†>! que! a! carta! figuraria! no! próximo! Catálogo! (como! que! figurará)!
e! eu decidi! esperar! pela! altura! para! a! adquirir.! Anted ontem,! 28,! estive! de! novo!
lá!e!êle dissed me!que...!tinha!vendido!a!carta!a!um!jovem!colecionador!chamado!
________ Pinto!de!Sousa.

25.o!lote!! –! pasta! contendo! manuscritos! de! R[aul]! Leal! e! alguns! impressos;! tem! o
original!de!“o!Sindicalismo!personalista„,!de!“a!visão!de!dois!artistas!e!a!luxuriosa
loucura! de! Deus„,! rascunhos! de! cartas,! etc! e! ainda! o! manifesto! <de>! “a! visão! de
dois!artistas...„.7!Comprado!em!29/out[ubro]/73!à!Livraria!Moreira!&!Almeida,!L.da,
Lisboa! (R[ua]! Anchieta)! por! 5.000$00.! Quem! me! indicou! este! lote! foi! o! Diogo
Campo! Belo! que,! aliás,! já! me! indicara! o! outro! (Lote! 20.o).! Este! comprei4o
directamente.! Pertenceu,! segundo! fui! informado,! ao! “boxeur„! que! viveu! com
R[aul]!Leal!até!à!morte!deste.

6!por]!sem&acento.!
7!Veja4se,!a!este!respeito,!ALMEIDA!(2017).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 41!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."9."Lotes"25"e"26"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 42!


Vizcaíno O Meta-arquivo
)!
(vem!da!nota!ao!lote!24 )! o

Digo!jovem!no!sentido!de!idade!porquanto!como!colecionador!de!livros!<de!outros!
autores>!é!mais!velho!do!que!eu...!o!que!evidentemente!lhe!concede!certos!direitos.!
Fiquei! assim! sem! a! carta! por! descuido! <meu>! [↑e! hesitação]! da! minha! parte!
e! tambem! porque! o! problema! de! comprar! foi! posto,! pelo! telefone,! ao! Nuno,!
com!tanta! rapidez! que! êle! nem! pode! pensar! no! meu! interesse,! que! não! era,!
aliás,! compromisso! nem! pedido! de! reserva.! (A! carta! em! questão! vem! referida!
no!Catálogo!n.º!10,!da!Livraria!Académica,!n.º!823)!
A!menos!que!...!o!□!Pinto!de!Souza8!tenha!querido!vingar4se,!no!bom!sentido,!do!
facto! de! ter! perdido! no! dia! 17! último,! os! “Sonnets! of! this! century„! [↑! que!
pertenceram! a! F.! Pessoa! e]! que! o! M[anu]el! Ferreira! comprara! em! Lxª! [Lisboa]! no!
leilão!na!Associação!Portuguesa!<de!Portugue>!de!Escritores.!Aconteceu!que!neste!
dia,! 2.a! feira,! de! manhã,! o! M[anu]el! Ferreira! procurou4me! em! casa! e! <es>! no!
escritório!para!<q>!me!comunicar!que!tinha!comprado!aquele!livro!e!que!gostaria!
que!eu!o!comprasse.!Por!coincidência!cheguei!<à>!ao!estabelecimento!dois!minutos!
antes! do! Pinto! de! Souza! que,! quando! chegou,! foi! informado! que! o! livro! era! para!
mim,!bem!como!as!provas!do!<Só>![↑poema]!“António„,!do&Só9.!<Não>![↑<Êle>]!
[↑Ele! não]! disse! que! os! queria,! mas! creio! que! sim,! dado! o! seu! interesse! [↑pelo!
assunto]!e!as!suas!possibilidades![reveladas!pouco!depois!na!compra!da!carta!de!
Mário!Sá!Carneiro!por!esc.!25.000$00]!(30!de!Dezembro!de!1973)!

26.o! lote! –! 16! págs.! (apenas! 8! com! texto)! de! provas! do! Só! de! Ant[ónio]! Nobre
revistas! a! tinta! pelo! Autor.! Oferta! de! Alberto! Serpa! para! o! leilão! na! Associação
Portuguesa!de!Escritores,!figurando!no!respectivo!Catálogo,!que!possuo,!sob!o!n.o
<4>/8\.!Comprado!na!noite!do!dia!12,!na!minha!presença,!pelo!M[anu]el!Ferreira
por!esc.!4.100$00.!Comprei4lho!no!dia!17/XII/73!por!esc.!8.000$00.
Notar! que! estas! provas! não! são! as! últimas! porquanto! o! texto! não!
corresponde!rigorosamente!ao!publicado.!

8!Souza!]!grafado&“Sousa”&e&“Souza”.!
9!António,!do&Só!]!no&original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 43!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."10."Lotes"27"e"28"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 44!


Vizcaíno O Meta-arquivo
*!
27. !Lote! –!Envelope!dirigido!a!M[anu]el!Ferreira,!contendo!fotocópia!<da!biblarte>
o

de!cartão!enviado!por!Henriqueta!Madalena!Nogueira!Rosa!Dias!à!escritora!Maria
Amélia! Neto! e! cartão! desta! para! o! livreiro.! Trata4se! do! cartão! <que>! da! irmã! de
Fernando! Pessoa! que! acompanhou! a! oferta! dos! “Sonnets! of! this! century„! por! ele
oferecidos! para! o! Leilão! da! Associação! Portuguesa! de! Escritores! e! do! qual! Maria
Amélia!Neto!tinha!prometido!fotocópia!a!M[anu]el!Ferreira!quando!êle!adquiriu!o
livro!no!Leilão!em!14/XII/73.
Sobre! o! Leilão! vêr! o! Catálogo! que! possuo,! onde! não! figura! o! livro! dos!
“Sonnets„!porque!foi!oferecido!à!última!hora,!e!bem!assim!os!recortes!de!imprensa!
diária!que!lhe!juntei.!

28.o! lote! –! carta! de! F[ernando]! P[essoa]! para! João! Gaspar! Simões,! de! 11! de
Dezembro!de!1931.!Comprada!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!em!28/Janeiro/1974!por
esc.! 25.000$00.! Esta! carta! veio! acompanhada,! como! “bónus„,! por! um! cartão! de
visita!(e!respectivo!envelope)!de!Joaquim!Pessôa![↓ não!esquecer!o!<til)>!acento)],
pai!do!poeta!e!no!qual!se!fala!do!“pequenito„!Fernando.
Compra! para! mim! sensacional! porquanto! reputo! esta! a! melhor! carta! escrita!
por!Pessoa!a!Gaspar!Simões!<e>![↑!formando]!com!a!carta!para!Casais!Monteiro!o!
melhor!par!dos!textos!epistolares!do!poeta.!
A! carta! e! o! cartão! pertenciam! a! João! Gaspar! Simões! que! os! trouxe,! para!
vender,!a!M[anu]el!Ferreira!pedindo4lhe!vinte!contos!pelo!lote.!Eu!julgava!que!tal!
carta! já! estava! fora! da! posse! do! Gaspar! Simões! porquanto! as! restantes! foram!
vendidas!e!como!prova!disso!possuo!algumas,!entre!as!quais!a!que!se!segue!à!hoje!
comprada! e! que! [↑! a]! ela! se! refere.! O! João! Gaspar! Simões! teria! dito! a! M[anu]el!
Ferreira! que! ainda! dispunha! da! carta! porque! ela! tinha! sido! emprestada! a! José!
Régio!(que!escreveu!no!alto!da!1.ª!página!Compor&em&12&Sorbonne.)!e!lhe!tinha!sido!
devolvida! depois! da! morte! deste.! Quanto! ao! preço...! é! melhor! não! falar! nisso.! Já!
ninguém!sabe!o!que!vale!um!conto!de!réis!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 45!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."11."Lotes"29"e"30"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 46!


Vizcaíno O Meta-arquivo
11!
29.o!lote! –! Carta! de! F[ernando]! P[essoa]! para! António! Botto,! datada! de
8/Março/1927.! Vendida! por! Manuel! Ferreira,! Porto,! em! 12/VI/74! pelo! preço! de
20.000$00.! Esta! carta! pertencia! (como! uma! outra! de! Fernando! Pessoa! para
Ant[ónio]! Botto! e! várias! de! José! Régio)! ao! poeta! Alberto! Lacerda! que! vive
em Londres! <mas>! [↑e]! ensinou! nos! Estados! Unidos! (vêr! oportunamente
alguma coisa! sobre! este! personagem,! que! não! conheço).! Creio! ter! vindo! a
Portugal! depois do! 25! de! Abril! e! ter! negociado! com! o! M[anu]el! Ferreira! não! só
esta! carta! como! as do! Régio! que! há! pouco! ainda! estavam! para! vend<er>/a\.
Quanto! à! 2.ª! outra! carta de! F[ernando]! P[essoa]! dissed me! o! mesmo! M[anu]el
Ferreira! que! o! Alberto! Lacerda queria! vender! em! Londres! a! uma! instituição
universitária.! Nada! consegui! saber sobre! o! interesse! desta! segunda! nova! carta
e! só! lamento! que! ela! se! me! tenha escapado.! Quanto! ao! preço...! vêd se! que
apesar! da! revolução! do! 25! de! Abril! ainda há!coragem!para!pedir!preços!altos...!e
coragem!para!os!pagar.

30o lote –

–!carta!de!Adolfo!Casais!Monteiro!para!Joaquim!Moreira,!de![↑Lisboa],!17/II/52,!!–!500$00
– carta!de id[em]! para!id[em],!de!S.!Paulo,!8/VI/55,!
!contendo!um!programa!de!um!espectáculo!s[obre]!F[ernando]!P[essoa]! –!700$00
– carta! de! Jorge! de! Sena! para! Guilherme! de! Castilho! (Lxª! [Lisboa],! 1/1/51)! e! que
pertenceu!a!Joaquim!Moreira,!devendo!ter!sido!publicada!na!“Portucale„! –!500$00
– carta!de!José!Régio!para!Joaquim!Moreira,!Portalegre,!22/XI/35 – 300$00
– carta!de!João!Gaspar!Simões!para!id[em]!–!Coimbra,!16/II/32 – 300$00
– carta!de!Osório!de!Oliveira!para!id[em]!–!Lisboa!–!3/II/32 – 150$00
– carta!de id[em]! para!id[em]!–!Lisboa!–!10/II/32! – 150$00

Compradas!em!17/VI/74!a!□,!Porto;!com!certo!interesse!as!de!Casais!Monteiro!pelas!
suas! referências! a! F[ernando]! P[essoa]! e! ao! livro! de! Gaspar! Simões! s[obre]!
F[ernando]!P[essoa].!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 47!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."12."Lote"31"[31.1"/"31.8]"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 48!


Vizcaíno O Meta-arquivo

12!
31. !lote! –!Conjunto!de!documentos!vendidos!por!João!Gaspar!Simões!ao!livreiro4
o

alfarrabista! Manuel! Ferreira,! do! Porto! e! por! este! vendidos! a! mim! pelo! preço!
completamente! louco! de! esc.! 40.000$00.! Mais! uma! vez! não! consegui! resistir! e! não!
tive!coragem!de!discutir!o!preço!que,!aliás,!me!foi!dito!<que!era>!![↑!ser]!muito!alto!
porquanto! o! Dr.! Gaspar! Simões! “sabe! bem! o! valor! daquilo! que! tem„.! Comprado!
este! lote! em! 12! de! Julho! de! 1974.! Apesar! do! 25! de! Abril! continuo! com! este! vicio!
inveterado! e! insaciável!! (Os! documentos! que! pertenceram! a! F[ernando]! P[essoa]!
foram! certamente! retirados! por! J.! Gaspar! Simões! da! casa! do! poeta! quando! teve!
acesso!à!sua!obra![↑!inédita]!para!a!publicação!das!poesias!ou!da!biografia).10!
!
31.1!–!! folha! com! o! poema! Marinha! dactilografado! e! notas! a! lápis! de! F[ernando]!
P[essoa].!
31.2!–!! folha!com!o!poema!CôrteTReal!dactilografado!e!notas!a!lápis!de!F[ernando]!
P[essoa]!(plano!de!parte!da!Mensagem<)>!e!outros)!
31.3!–!! duas! folhas! com! os! poemas! Analyse,! Hiemal,! Serena& voz! e! Plenilúnio!
dactilografados;! a! segunda! folha! é! timbrada! de! A.! Xavier! Pinto! &! C.a,!
escritório!em!que!trabalhou!F[ernando]!P[essoa].!
31.4!–!! folha!com!Nota&de&poesias&portuguezas,!dactilografada;!contem!os!nomes!das!
poesias,!suas!datas!e!número!de!versos!de!cada!uma.!
31.5!–!! folha! com! poesias! do! Cancioneiro,! dactilografada;! contem! os! nomes! de! 50!
poesias.!
31.6!–!! três! folhas! com! [↑! sete]! poesias! sob! o! título! geral! de! Abdicação,!
dactilografadas! e! datadas! de! 184941917.! Embora! se! trate! de! poesias! de!
F[ernando]!P[essoa],![↑!pelo]!facto!de!estarem!originais!à!mão!pela!letra!de!
J.!Gaspar!Simões,!creio!tratar4se!de!uma!transcrição!feita!por!este.!
31.7!–!! duas!folhas!com!quatro!poesias!de!F[ernando]!P[essoa],!dactilografadas,!e!
com!o!<nome>![↑!título]!de!AlémTDeus.!São!poesias!do!Orpheu!3,!certamente!
transcritas!por!J.!Gaspar!Simões.!
31.8!–!! duas!folhas!dactilografadas;!a!primeira<,!original,!contem>![↑!contem]!uma!
declaração!do!avô!de!M[ári]o!de!Sá!Carneiro,!datada!de!21/Set/1918,!a!favor!
de! Carlos! Ferreira;! a! segunda,! timbrada! de! F.A.! Pessoa,! é! cópia! de! uma!
carta!<de!F.P.>![↓!do!poeta]!dirigida!ao!gerente!do!Grand!Hotel!de!Nice!e!
refere4se!à!celebre!mala!do!Mário!(datada!de!26/Set./1918).11!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10!Sobre!o!lote!31,!veja4se!o!contributo!correspondente!de!Jerónimo!PIZARRO!(2017),!neste!número!de!
Pessoa&Plural.!
11! Fecham4se! os! parênteses! e! acrescenta4se! ponto! final.! Sobre! este! lote,! 31.8,! veja4se! o! contributo!

correspondente!de!Ricardo!VASCONCELOS!(2017a),!neste!número!de!Pessoa&Plural.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."13."Lote"31"[31.9"/"31.17]"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50!


Vizcaíno O Meta-arquivo

13!
31.9!–!! convite! impresso! referente! à! Ode! Marítima! dita! por! Manuela! Porto! e!
apresentada!por!J.!Gaspar!Simões!(16.Abril.1938).!
31.10!–!!três!folhas!manuscritas!contendo!um!horóscopo!que!certamente!se!refere!a!
F[ernando]!P[essoa];!falta4me!saber!quem!o!fez!e!se!pertenceu!a!F[ernando]!
P[essoa]!ou!foi!mandado!fazer!por!J.!Gaspar!Simões.!
31.11!–!!três! folhas! dactilografadas! contendo! um! horóscopo! que! certamente! se!
refere! a! F[ernando]! P[essoa];! tenho! dúvidas! semelhantes! às! expostas!
quanto!ao!documento!anterior.!
31.12!–!!folha! dactilografada! contendo! elementos! relativos! a! D.! Dionisia! Estrela!
Seabra!Pessoa.!Certamente!fornecidos!pelo!Dr.!Navarro!Soeiro!a!J.!Gaspar!
Simões! para! elaboração! da! biografia! do! poeta! (ref.! in! “Vida! e! obra! de!
F[ernando]!P[essoa]„,!2.ª!ed.!pág.!22423,!12,!e!outras!págs.)!
31.13!–! carta! do! secretário! da! Joint! Matriculation! Board! da! Universidade! de!
Pretória!dirigida!a!Guilherme!de!Castilho,!delegação!de!Portugal,!naquela!
cidade.! Responde! a! um! questionário! que! está! junto,! em! português,!
certamente!enviado!por!J.!Gaspar!Simões!para!colher!informações!sobre!o!
Queen!Victoria!Memorial!Prize!ganho!por!F[ernando]!P[essoa].!12!
31.14!–!!conjunto! de! dezasseis! folhas! respondendo! a! um! questionário! de! J.! G.!
Simões! relativo! à! presença! de! F[ernando]! P[essoa]! em! Durban.! Algumas!
assinadas! por! <Alberio>! [↑! Albertino]! dos! Santos! Matias,! consul! de!
Portugal!naquela!cidade.!Faltam!os!documentos![↑!um],!3<,>/e\!5<,>!que!são,!
<fotos>! creio,! as! fotos! publicadas! por! Gaspar! Simões! na! “Vida! e! obra! de!
F[ernando]! P[essoa]„! –! 2.ª! ed.! (Durban! em! 1895! e! Igreja! do! Convento! de!
Durban).!Também!ali,!a!pág.!23,!o!autor!se!refere!a!Santos!Matias!e!a!esses!
documentos.!
31.15!–!!carta,!duas!páginas,!manuscrita,!de!Guilherme!de!Castilho!para!J.!Gaspar!
Simões,! de! Pretória! (19.8.49),! relativa! à! pesquisa! de! elementos! sobre! a!
infância!de!F.!P.!em!Durban.!
31.16!–!!carta,! uma! página,! manuscrita,! de! Albertino! dos! Santos! Matias! para! J.!
Gaspar! Simões,! de! Durban! (4.11.49),! relativ<as>/a\ao! mesmo! assunto! da!
anterior.!
<31.17!–!!capa!de!cartolina!cinzenta!que!tem!escrito,!por!Gaspar!Simões,!“Fernando!
Pessoa!/!originais„!e!“Dicionário!de!literatura„.>!
31.17!–!!capa!de!cartolina!onde!vinham!guardados!todos!estes!documentos!do!lote!
31!tendo!escrito!por!J.!Gaspar!Simões:!“Fernando!Pessoa!/!originais„!e!do!
outro!lado:!“Dicionário!de!literatura„.!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12!Sobre!os!lotes!31.13,!31.14,!31.15!e!31.16,!veja4se!o!contributo!de!Carlos!Pittella,!“Mr.!Ormond:!the!
testimonial!from!a!classmate!of!Fernando!Pessoa”,!neste!número!de!Pessoa&Plural&(PITTELLA!2017a)!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!!
!
!

!
Fig."14."Lotes"32"e"36"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 52!


Vizcaíno O Meta-arquivo
14!
Lote!32.o! –! foto! de! Camilo! Pessanha;! não! sei! se! é! inédita! nem! sei! se! é! da! época!
(pode!ser!representação!fotográfica),!mas!sei!que!não!é!recente.!
– cartão! c[om]! flores! [↑secas]! do! vale! de! Josaphat! tendo! no! verso! uma
dedicatória!de!Camilo!Pessanha!a!sua!irmã!e!datado!de!Port!Said!(X/Março/?)!!
(a!vêr,!pela!biografia!do!poeta,!a!data!no!que!se!refere!ao!ano,!aqui!pouco!legível)!

Comprado!a!12!de!Julho!de!1974,!quando!do!lote!anterior,!a!M[anu]el!Ferreira,!por!
esc.!1.000$00!

Lote!33.o! –! carta! de! José! Régio! para! Raul! Leal! e! respectivo! sobrescrito;! papel!
timbrado!da!revista!“Presença„;!datada!de!“março!de!1929„!e!com!um!desenho.13!

Comprada!em!20/1/75,!na!Livraria!Académica,!por!esc.!4.000$00!

Lote!34.o! –! dois! cartões! de! visita,! [↑e! respectivos! sobrescritos,]! do! Presidente! do!
Conselho!Oliveira!Salazar!para!Raul!Leal;!só!um,!creio,!será!da!mão!do!Presidente.!

Comprados!em!22/I/75!na!Livraria!Fumaça,!Lisboa,!por!esc.!141$90!

Lote!35.o! –! carta! de! José! Régio! para! António! José! Branquinho! da! Fonseca! e!
respectivo! sobrescrito;! datado! de! 27! de! Julho! de! 1927,! referente! a! assuntos! da!
Presença!e!com!duas!páginas!desenhadas.!O!Dr.!Álvaro!Bordalo,!que!me!vendeu!
esta!carta,!garante!que!a!cabeça!da!segunda!página!desenhada!é!um!auto4retrato!de!
<Jo>/Ré\gio.!

Comprado! em! 28/Maio/75;! <pertenceu,! tambem! segundo>! [↑adquirido! pelo]! Dr.!


Bordalo,!à!viúva!de!Branquinho!da!Fonseca.!

Lote!36.o! –! Recorte! do! jornal! “o! imparcial„! de! <1 (?) >  [↑13 ]6 192 ,  [↑(n.º! 41),]!
com! texto! de! F[ernando]! Pessoa! s[obre]! Luis! de! Montalvor! e! um! <†>! soneto! deste.!
Oferecido! pelo! livreirod alfarrabista! Manuel! Ferreira,! Porto,! em! 2! de! Julho! de!
1976.! Este! recorte,! segundo! o! M[anuel]! Ferreira,! terá! pertencido! ao! conjunto! de!
Alfredo!Guisado!que!adquiri!há!tempos.!

!Veja4se,!a!este!respeito,!MARTINES!(2017).!
13

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 53!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."15."Lotes"37"e"38"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 54!


Vizcaíno O Meta-arquivo

15!
Lote!37! –! Comprado! em! Julho! de! 1977! a! Manuel! Ferreira,! Porto,! por! esc.!
15.000$00.! Como! as! massas! não! me! sobram! dei! em! troca! um! exemplar! do! K4! –!
Quadrado!Azul!(de!Almada!Ngreiros)!a!que!atribui!o!valor!de!esc.!5.000$00!(havia!
custado! 3.000$00! em! 12/4/72,! Livraria! Académica)! e! um! exemplar! da! Dispersão!
(Mário! de! Sá4Carneiro)! a! que! atribui! o! valor! de! esc.! 10.000$00! (havia! custado!
1.250$00! em! 5/67,! M[anu]el! Ferreira).! Ambos! os! exemplares! em! bom! estado! e!
ambos!duplicados;!fiquei!com!exemplares!com!dedicatórias.14!
Este!lote!é!composto!por:!
3741!–! <Bilhete!postal>![↓!Carta]!de!M[ário]!Sá4Carneiro!dirigida!ao!Avô! !(13/8/1904)!
3742!–! Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(16/8/1904)!
3743!–! Carta!–!id[em]!–!id[em]!! –!(3/11/1911)!
3744!–! Carta!–!id[em]!–!id[em]!! –!(2/5/1915)!
3745!–! Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(26/8/1915)!
3746!–! Numero!1!(e!único)!de!“O!Chinó„,!jornal!académico!dirigido!por!M[ário]!de!
Sá4Carneiro,!de!6/12/1904!
3747!–! “Programa!de!Festa!de!Caridade...„,!na!noite!de!15/5/1907!

NB.! –! As! cartas! e! postais! acima! encontram4se! inéditos;! espero! que! venham! a! ser!
publicados! <pelo>! e! estudados! pelo! Arnaldo! Saraiva,! na! sequência! da! publicação!
recente!de!todas!as!minhas!outras!cartas!de!Sá4Carneiro.!

Lote!38! –! Comprado! em! 23! de! Dezembro! de! 1977,! tempos! de! Natal,! a! M[anu]el!
Ferreira,!por!esc.!15.550$00.!Creio!que!o!preço![↑é]!exagerado!mas,!mais!uma!vez,!
cedi.!
O!lote!é!composto!<por!material>!por!manuscritos!que!pertenceram!a!R[aul]!Leal:!!
3 1 –  cart o de  isita de Augusto  erreira [↑ omes] para  a l Leal, anunciando
a morte e o uneral de [ernando] Pessoa.
3 2 –  iposcrito  de  [ernando]  Pessoa  com  a  poesia  Addiamento  de  l aro  de
Campos.15
3 3 – C pia dactilogra ada de poema de l aro de Campos, a estudar.
3 4 – Conjunto!de!manuscritos!de!R[aul]!Leal!e!cartas!e!êle!dirigidas,!bem!como
recortes! de! jornais! e! panfletos,! a! estudar;! neste! momento! fic<ou>/a\! todo!
este!material!arquivado!em!conjunto!e!sob!este!número!3844.!

!Sobre!este!lote,!e!a!correspondência!de!Sá4Carneiro!com!o!seu!avô,!veja4se!VASCONCELOS!(2017b).!
14

!Sobre!este!documento,!veja4se!FREITAS!(2017).!
15

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 55!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."16."Lotes"39"e"40"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 56!


Vizcaíno O Meta-arquivo

16!
Lote!39! –!Comprado!em!Novembro!de!1978!a!Manuel!Ferreira!por!esc.!30.000$00.!
Novamente,! preços! loucos.! Eu! já! conhecia! estes! dois! documentos! que! pertenciam!
ao!livreiro!Américo!Marques,!de!Lisboa.!Foi!êle!que!me!vendeu!todas!as!cartas!de!
Sá!Carneiro!para!José!Pacheco!e!dizia!não!vender!esta!última!“por!preço!nenhum„,!
bem! como! o! poema! manuscrito! de! Pessoa.! O! Manuel! Ferreira! disse4me! ter4lhe!
“arrancado”!estas!duas!peças!“à!força!de!dinheiro„!e!que,!portanto,!só!muito!caras!
as!poderia!vender.!
3941!–!Carta!de!Mário!Sá4Carneiro!para!José!Pacheco!datada!de!Paris!–!Julho!1915,!
<d>/D\ia!28.!(4!folhas,!8!páginas)!
3942!–!Poema!de!F[ernando]!Pessoa,!“Sol!nullo!dos!dias!vãos,„,!manuscrito,!datado!
de!Janeiro,!1920.!
!
Lote! 40! –! Hoje,! 14! de! Agosto! de! 1981,! batalha! de! Aljubarrota,! estando! eu!
pacificamente!no!meu!atelier!a!trabalhar!na!memória!descritiva!do!Plano!Geral!de!
Guimarães,!<Mel>!telefonou4me!o!M[anu]el!Ferreira!comunicando!ter!“um!pequeno!
e! belo! lote„! de! cartas! e! postais! do! Sá4Carneiro! e! pedindo4me! para! passar! pelo!
armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!com!o!lote!comprado!sem!o!vêr!e!
sem!saber!quanto!custava.!Em!resumo!–!a!força!do!destino.!Fiz!de!conta!que!via!o!
lote,!fiz!de!conta!que!perguntei!o!preço,!fiz!de!conta!que!discuti!o!valor!–!mas!de!
antemão! já! tudo! estava! resolvido! e! pago! porque,! por! acaso,! tinha! dinheiro.! (Se! o!
não!tivesse!havia!de!o!arranjar!–!estava!escrito.).!Custou!este!fado!a!módica!quantia!
(e! talvez! assim! seja)! de! esc.! 40.000$00! ou! seja! 4.000$00! dos! que! conheci! há! anos!
quando! a! moeda! de! 1! escudo! era! igual! à! de! 10! centavos! de! hoje.! Assim,! o! lote!
compreende!
40.1!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Vesuvio!–!30/8/1904!
40.2!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Napoles!–!31/8/1904!(com!envelope)!
40.3!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!<Camarate>!–!Camarate!!–!11/9/1904!!
(c[om]!envelope)!
40.4!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!27/1/1913!–!
40.5!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!17/2/1913!–!
40.6!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!20/5/1913!–!
40.7!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!29/5/1913!–!
40.8!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Lisboa!–!22/5/1914!(s/.!envelope)!
40.9!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!15/6/1914!!
40.10!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!28/6/1914!
40.11!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!24/7/1914!
40.12!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!6/8/1914!
40.13!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!21/12/1915!
40.14!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!31/12/1915!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 57!


Vizcaíno O Meta-arquivo

40.15!! carta!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Barcelona!–!6/9/1914!(com!envelope)!
40.16!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Barcelona!–!7/9/1914!
(com!envelope)!
!

...!e!digo!que!a!quantia!talvez!seja!módica!porque!já!se!vendem!postais!antigos!do!
Porto! por! esc.! 1.000$00...! e! mais!!! Quanto! vale,! assim,! o! mais! simples! de! postal!
onde!Sá4Carneiro!pôs!as!suas!mãos!e!a!sua!paixão?!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 58!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!

!
Fig."17."Lotes"41"e"42"(Colecção"Fernando"Távora)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 59!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Lote!41!
Postal!para!Amadeu!de!Souza!Cardoso,!escrito!por!seu!pai.!Sem!data.!Comprado!
no!“Le!Temps!perdu„!(belo!nome!de!um!estabelecimento!comercial!que!acaba!de!
abrir! na! galeria! Pedro! Cem,! à! Av[enida]! Júlio! Dinis),! por! esc.! 300$00,! em!
22/Out[ubro]/81.!(sobre!alguns!postais!de!Amadeu!vêr!o!n.º!5!da!revista!Persona)!
!
Lote!42!
Conjunto! de! □! cartas! e! bilhetes! de! António! Carneiro! para! Guilherme! Leite! Faria.!
Comprado! a! □! Ribeiro,! comprador& de& lenha& e& de& antiguidades! com! casa! na! Póvoa! do!
Lanhoso.!Apareceu4me!ontem,!6!de!Março!de!1984,!3.ª!feira!de!Carnaval,!aqui!em!
casa!para!me!oferecer!uma!mesa!grande!que!poderia!servir!para!a!sala!do!Capítulo!
da!Pousada!da!Costa.!E!no!meio!da!conversa!mostrou4me!estas!cartas,!assim!como!
outras!de!Guilhermina!Suggia.!Mostrei!interesse!<por!elas,>!<pelas>!por!elas,!e!êle!
levou4mas!hoje!às!obras!da!Costa!pedindo!20!contos...!que!deixou!por!10.!Aí!estão!e!
parecem4me!interessantes.!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 60!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!
!

!
Fig."18."Relação"das"cartas"enviadas"por"Fernando"Pessoa"a"João"Gaspar"Simões""
(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 61!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!
!
!
!
I!–!26/Junho/29!–!26!linhas! XXVIII!–!28/Julho/32!–!111!l[inhas]!•!3!!!!!
II!–!30/Set/29!–!89!linhas!•2! XXIX!–!22/Out/32!–!28![linhas]!
III!–!17/Out/29!–!56!linhas! XXX!–!3/Fev./33!–!37![linhas]!
IV!–!6/Dez/29!–!78!l[inhas]! XXXI!–!18/Fev/33!–!25![linhas]!
V!–!10/Jan/30!–!135!l[inhas]!•3! XXXII!–!25/Fev/33!–!79![linhas]!•!2!
VI!–!28/Junho/30!–!106!l[inhas]! XXXIII!–!2/Abril/33!–!133![linhas]!
VII!–!4/Julho/30!–!21!l[inhas]!–!! XXXIV!–!11/Abril/33!–!□!
VIII!–!16/Out/30!–!22!l[inhas]!–!! XXXV!–!1/Julho/33!–!□!
IX!–!22/Out/30!–!33!l[inhas]!–!! XXXVI!–!22/Jan/34!–!□!
X!–!26/Out/30!–!34!l[inhas]!!!!! XXXVII!–!8/Fev./34!!□!
XI!–!18/Nov./30!–!89!l[inhas]! XXXVIII!–!24/Dez/34!!□!
XII!–!3/Dez/30!–!35!l[inhas]!•1!
XIII!–!6/Dez./30!–!32!l[inhas]!•1!
XIV!–!19/Dez/30!–!22!l[inhas]!•1!
XV!–!4/Jan/31!–!46!l[inhas]!•1!
XVI!–!7/Fev/31!–!17!l[inhas]!•1! 1!–!Comprado!a![ !Manuel!Ferreira]!
XVII!–!4/Abril/31!–!59!l[inhas]!<•>! (Ant[ónio]!Miranda)!
XVIII!–!6/Junho/31!–!19!l[inhas]! 2!–!comprado!a!Eng.!Vasco!Duarte!Silva!
XIX!–!5/Out/31!–!24!l[inhas]!•1!††! 3!–!comprado!a!Ant[ónio]!Miranda!
XX!–!1/Nov./31!–!53!l[inhas]!–!! 4!–!comprado!a!M[anuel]!Ferreira!!
XXI!–!20/Nov/31!–!12!l[inhas]!–! (J[oão]!Gaspar!Simões)!
XXII!–!<3>/4\/Dez/31!–!50!l[inhas]!–!! 5!–!□!
XXIII!–!11/Dez/31!–!402!l[inhas]!•4!
XXIV!–!14/Dez./31!–!70!l[inhas]!•2!.!
XXV!–!12/Maio/32!–!62!l[inhas]!
XXVI!–!25/Maio/32!–!30!l[inhas]!–!.!
XXVII!–!16/Jul/32!–!31!l[inhas]!<–>/–\!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 62!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!

!
Fig."19."Relação"das"cartas"enviadas"por"Fernando"Pessoa"a"João"Gaspar"Simões""
(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 63!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!
!
!
Cartas!de!F[ernando]!P[essoa]!para!J[oão]!G[aspar]!Simões!que!tenho:!
!
II!–!30/Set./29! –!2!págs.!
V!–!10/Jan./30! –!3!págs.!
XII!–!3/Dez/30! –!1!pág.!
XIII!–!6/Dez/30! –!1!pág.!
XIV!–!19/Dez/30! –!1!pág.! pertenceram!ao!Dr.!
XV!–!4/Jan/31! –!1!pág.! Ant[ónio]!Miranda!(Santo!Tirso!
XVI!–!7/Fev/31! –!1!pág.!
XIX!–!5/Out/31! –!1!pág.!
XXVIII!–!28/Julho/32! –!3!pág.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!
São!XXXIX!cartas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!
<Ref[erênci]a! à! “Hora! Absurda! de! Joel! Serrão! –! “Cartas! de! F[ernando]! P[essoa]! a!
A[rmando]!C[ôrtes]!R[odrigues]„!pág.!10>!
!
! 330!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 64!


Vizcaíno O Meta-arquivo

203

1668 - XAVIER DA CUNHA. - A EXPOSIÇÃO BIBLIO-ICONO


PHICA DA BIBLIOTHECA NACIONAL DE LISBOA EM
TENARIA COMMEMORAÇAO DA GUERRA PENINS
Breve noticia por ... Coimbra. 1919. In-8.º de 62 págs.
Com dedicatória do autor. Pouco vulgar.
1669 -- HOMENAGEM POSTHUMA AO VISCONDE J
CASTILHO, por... Coimbra. Imprensa da Univer ·
In-8. 0 gr. de 36 págs. B.
Separata de O Instituto.
1670 -- QUEM ERA LUIZ CARLOS DADE. Sub-
sídios para a sua biographia, pelo... Coimbra. 1910. In-8. 0 de
49 págs. B.
Com dedicatória do autor. Foi professor de numis
tuido na Biblioteca Nacional de Lisboa.
1671-XAVIER DE VASCONCELLOS (José).- UMPRIMENTO DE
GRATULAÇAO AO SERENISSIMO SID R D. JOSE NO DIA
EM QUE S. ALTEZA TOMOU POSSE LUGAR DE INQUI-
SIDOR GERAL DESTES REINOS, E US DOMINIOS, por ...
Lisboa. Anno M.DCC.LVIII. In-8.º de 'l-I págs. E.
1672-XAVIER DIAS DA SILVA (Can do José).-EGLOGA NA
MORTE DO SERENISSIMO SEN R D. JOSEPH PRINCIPE
DO BRASIL. Composta por C. J. . d. S. e J. B. d. S. Thyrso
Aonio, e Fido Menalio. Lisboa. N Offic. Patriarcal de Francisco
Luiz Ameno. MDCC.LXXXVIII. -8. 0 de 15 págs. B.
Pouco vulgar.
1673-XAVIER FERNANDES ,(I.). UESTôES DE LtNGUA PATRIA.
Coisas que as gramáticas ão dizem e outras contra o que
elas dizem. Volume I. 2.• edição, melhorada, por.. Edição de
Ãlvaro Pinto «Ocwente». sboa. 1949. In-8.º gr. de 231-I págs. B.
1674-XAVIER PEREIRA CO INHO (António).-FLORAE MYCO-
T. THOMAE (Sinu Guineensi). Contri-
Jmprensa da Universidade. 1922. In-8.º

1675 - YOUNG (Eduard . - NOITES D'YOUNG. Traduzidas em vul-


gar por Vicente arlos d'Ollvelra, e addiclonadas com as notas
de Mr. le Tou ur, com os Poemas do Juizo Final, e do Triunfo
da Rellglaõ co tra o Amor, e outros Opusculos do mesmo Young.
Teroeira ediç , correcta, e emendada ,pelo Traductor dos Seculos
Ohristãos, da Historia 'de Portugal ,por La Clede. Tomo I
(e Tomo ). Lwboa. Na Typografia Rollandiana. 1804. 2 Vols.
ln-8. 0 E.

(Arturo).-LA NAVIDAD DE LOS NOCTURNOS EN


diclon y nota,s por ... Vawncia. 1946. In-8. 0 de 65-ll págs.B.
de 500 exemplares numerados, destinados a bibliófilos.
1677-ZB SZEWSKI & FERNANDO MOITINHO D'ALMEIDA (Geor-
g ). - OS PEIXES MIOCENICOS PORTUGUESES, por ...
108 págs. e XIII Estampas
boa. 1950. ln-8.• de > B.
eparata das Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal.

~'"' ,L 1 f,.,r;-
1

Fig."20."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 65!


Vizcaíno O Meta-arquivo
24.o!Lote
203!

1668!―!XAVIER"DA"CUNHA.!―!A!EXPOSIÇÃO!BIBLIO4ICONOGRAPHICA!DA!BIBLIOTHECA!
NACIONAL! DE! LISBOA! EM! CENTENARIA! COMMEMORAÇÃO! DA! GUERRA!
PENINSULAR.!Breve!noticia!por...!Coimbra.&1919.!In48.o!de!62!págs.!B.!!
Com!dedicatória!do!autor...!Pouco!vulgar.!
1669! ―! HOMENAGEM! POSTHUMA! AO! VISCONDE! JULIO! DE! CASTILHO,! por...! Coimbra.!
Imprensa&da&Universidade.&1919.!In48.o!gr.!de!36!págs.!B.!
Separata!de!O!Instituto.!
1670!―!QUEM!ERA!LUIZ!CARLOS!REBELLO!TRINDADE.!Subsidios!para!a!sua!biographia,!pelo...!
Coimbra.&1910.!In48.o!de!49!págs.!B.!
Com!dedicatória!do!autor.!Foi!professor!de!numismática!no!curso!instituído!na!Biblioteca!Nacional!de!Lisboa.!
1671! ―! XAVIER" DE" VASCONCELLOS! (José).! ―! CUMPRIMENTO! DE! GRATULAÇÃO! AO!
SERENISSIMO! SENHOR! D.! JOSÉ! NO! DIA! EM! QUE! S.! ALTEZA! TOMOU! POSSE! DO!
LUGAR! DE! INQUISIDOR! GERAL! DESTES! REINOS,! E! SEUS! DOMINIOS,! por...! Lisboa.!
Anno&M.DCC.LVIII.!In48.o!de!144I!págs.!E.!
1672! ―! XAVIER" DIAS" DA" SILVA! (Candido! José).! ―! EGLOGA! NA! MORTE! DO! SERENISSIMO!
SENHOR!D.!JOSEPH!PRINCIPE!DO!BRASIL.!Composta!por!C.!J.!D.!d.!S.!e!J.!B.!d.!S.!Thyrso!
Aonio,!e!Fido!Menalio.!Lisboa.!Na&Offic.&Patriarcal&de&Francisco&Luiz&Ameno.&MDCC.LXXXVIII.!
In48.o!de!15!págs.!B.!
Pouco!vulgar.!
1673!―!XAVIER"FERNANDES!(I.).!―!QUESTÕES!DE!LÍNGUA!PÁTRIA.!Coisas!que!asgramáticas!
não!dizem!e!outras!contra!o!que!elas!dizem.!Volume!I.!2.a!edição,!melhorada,!por...!Edição&de&
Álvaro&Pinto&«Ocidente».&Lisboa.&1949.!In48.o!gr.!de!2314I!págs.!B.!!
1674! ―! XAVIER" PEREIRA" COUTINHO! (António).! ―! FLORAE! MYCOLOGICAE! INSULAE! ST.!
THOMAE!(Sinu!Guineensi).!Contributio.!Auctore...!Coimbra.&Imprensa&da&Universidade.&1922.!
In48.o!de!28!págs.!B.!
Com!3!estampas!extra4texto.!
1675! ―! YOUNG! (Eduardo).! ―! NOITES! D’YOUNG.! Traduzidas! em! vulgar! por! Vicente! Carlos!
d’Oliveira,!e!adicionadas!com!as!notas!de!Mr.!le!Tourneur,!com!os!poemas!do!Juizo!Final,!e!
do! Triunfo! da! Religião! contra! o! Amor,! e! outros! Opusculos! do! mesmo! Young.! Terceira!
edição,! correcta,! e! emendada! pelo! Traductor! dos! Seculos! Christãos,! e! da! Historia! de!
Portugal!por!La!Clede.!Tomo!I!(e!TOMO!II).!Lisboa.&Na&Typographia&Rollandiana.&1804.!2!Vols.!
In48.o!E.!
Ilustrado!com!2!gravuras.!Apreciado.!Pouco!vulgar.!
1676! ―! ZABALA! (Arturo).! ―! LA! NAVIDAD! DE! LOS! NOCTURNOS! EN! 1561.! Edicion! y! notas!
por...!Valencia.&1946.!In48.o!de!654II!págs.!B.!
Edição!de!500!exemplares!numerados,!destinados!a!bibliófilos.!
1677! ―! ZBYSZEWSI" &" FERNANDO" MOITINHO" D’ALMEIDA! (Georges).! ―! OS! PEIXES!
MIOCÉNICOS!PORTUGUESES,!por...!Lisboa.&1950.!In48.o!de!108!págs.!e!XIII!Estampas!B.!
Separata!das!Comunicações!dos!Serviços!Geológicos!de!Portugal.!

Catálogo!de!Livros!n.o!28!–!Soares!&!Mendonça,!L.da.,!Porto.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 66!


Vizcaíno O Meta-arquivo

204

1678-ZIMMERMAN (Madame de ... ).-LE COMTE DE


ET LA DUCHESSE D'ELBEUF. Roman ihistoriq
de Louis XIII, par .. . A Paris. An XIII. -1805.
pãgs. E.
Publicado sem o nome do autor. Raro.

1679-ZOESil (Henricii). -OLARISSIMI I HIDNR. ZOESII I I


IN AOADE'MIA LOVANIENSI 11 J. V . & Legum Professoris
Ord. l i COMMENTARIVS li IN I CODICEM /1 IUSTINIA-
NEUM. I I OpU8 omnibus tam in f , quam in Scholis II versan-
tibus utilissimum, in quo sue · te, nervose, & elegan- 11 ter
Libri Oodicis explicantur, freq tissimae, maximéqueu- 11 sitatae
quaestiones exprobatissimis ~uthoribus, Reoessibus 11 Imperii
noviss . & Jure Oamerali, cibuntur. 11 ACCURANTE 11 MAR-
TINO NAURATH, JU CONSULTO. li (Vinheta decorativa) .
li COLONIAE AGR PINAE. li A,pud WILHELMUM MET-
TERNICH, Bibliopo 11 Cum PrivNegio Sac. Caes. Maiest. 11
ANNO M.DC.XCV: . In-4 . de VI pãgs. pre1's. inums. 856 nums.
0

e VIII finais in s. E.

NE (Badre Francesco).-PANEGffiICI li S-AGRI, li


Dei P re II FRANCESCO / I ZVCCARONE II Della Compagnia
ESV. II VENETIA, <MDCLXXX. II Ber Gio: Ba ttista
· cih. In-8. peq. de XII pãgs. prels. inums. e 372 nums. E .
0

e S. Francisco Xavier.

CARTAS AUTóGRAFAS DE
FERNANDO PESSOA, MÁRIO DE SÃ-CARNEIRO,
RONALD DE CARVALHO E GOMES LEAL
1681 - CARVALHO (Ronald de). - DOIS POEMAS, estando um assinado
com o seu próprio nome (po ema intitulado Can!)ão do ultimo
adeus) e outro assinado «Principe dos Oleos-S •agmdos », havendo
neste uma referência a Luis de ,Montalvor. O primeiro, em duas
folhas , e stã mamuscrito a,penas em uma face do papel; o
segundo ocupa apenas uma pãgina de folha.
Ronald de Carvalh o f oi um dos mai s des tac ados obr eiros do movimento
mod ernista no Bra s il, es tand o tamb ém Intimam ente ligado a este mo-
vim ent o em P ortugal, por ter sido, com Luís de Montalvor, fundador
da revi s ta «Orfeu», págin a importantís s ima da nossa história literária.
1682 --- SONETO intitulado «Vitral Cin2Jento», assinado Ronald.
MCMXIII. <M•anuscrito numa folha de papel. Tem, na pãglna
oposta, vãrios nomes ,e mo11adas também escritas pelo punho
do .poeta.
1683 --- CARTA manuscrita em urna folha de ' papel de carta tlm-
·brooa do «Gabinete do Sub-Secretario d'IDsmdo das Relações
Exteriores» , ocupando as quatro pãginas e dirigida a Luís de
Montalvor, datada de «Quarta-Feira. Setembro MCMXIV ».
11: verdadeira poesia ,em prosa o texto desta interessante carta.

Fig."21."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 67!


Vizcaíno O Meta-arquivo
! 204!!
!
1678! ―! ZIMMERMAN! (Madame! de! *! *! *).! ―! LE! COMPTE! DE! SOISSONS! ET! LA! DUCHESSE!
D’ELBEUF.!Roman!historique!du!siècle!de!Louis!XIII,!par...!A&Paris.&An&XIII.!―!1805.!In48.o!
de!296!págs.!E.!
Publicado!sem!o!nome!do!autor.!Raro.!
1679!―!ZOESII!(Henricii).!―!CLARISSIMI&VIRI!//!HENR.!ZOESII!//!IN&ACADEMIA&LOVANIENSI!
//!J.&V.&D.&&&Legum&Professoris&Ord.!//!COMMENTARIVS!//!CODICEM!//!IUSTINIANEUM.!//!
Opus&omnibus&tam&in&foro,&quam&in&Scholis&//&versantibus&utilissimum,&in&quo&succinctè,&nervosè,&&&
eleganteT& //& ter& Libri& Codicis& explicantur,& frequentissimae,& maximéqueuT& //& sitatae& quaestiones&
exprobatissimis& Authoribus,& Recessibus& //& Imperii& noviss.& && Jure& Camerqli,& decibuntur.! //!
ACCURANTE! //! MARTINO! NAURATH,! JURISCONSULTO.! //! (Vinheta! decorativa).! //!
COLONIAE! AGRIPPINAE.! //! Apud! WILHELMUM! METTERNICH,! Bibliopolam! //! Cum!
Privilegio! Sac.! Caes.! Maiest.! //! ANNO! M.DC.XCVII.! In44.o! de! VI! págs.! prels.! inums.! 856!
nums.!e!VIII!finais!inums.!E.&
Rara.!Com!uma!gravura!alegórica!relativa!à!Justiça.!
Encadernações!da!época,!em!carneira.!
1680!―!ZVCCARONE!(Padre!Francesco).!―!PANEGIRICI!//!SAGRI,!//!Del!Padre!//!FRANCESCO!
//!ZVCCARONE!//!Della!Compagnia!di!GIESV.!//!VENETIA,!MDCLXXX.!//!Per!Gio:!Battista!
Indrich.!In48.o!peq.!de!XII!págs.!prels.!inums.!e!372!nums.!E.&
Raro.!Refere4se!a!Santo!António!e!S.!Francisco!Xavier.!
Encadernações!em!pergaminho.!
!!
CARTAS!AUTÓGRAFAS!DE!
FERNANDO!PESSOA,!MÁRIO!DE!SÁ4CARNEIRO,!
RONALD!DE!CARVALHO!E!GOMES!LEAL!
!
1681! ―! CARVALHO! (Ronald! de).! ―! DOIS! POEMAS,! estando! um! assinado! com! o! seu! próprio!
nome! (poema! intitulado! Canção! do! ultimo! adeus)! e! outro! assinado! «Principe! dos! Oleos4
Sagrados»,!havendo!neste!uma!referência!a!Luís!de!Montalvor.!O!primeiro,!em!duas!folhas,!
está! manuscrito! apenas! em! uma! fac! do! papel;! o! segundo! ocupa! apenas! uma! página! de!
folha.!
Ronald! de! Carvalho! foi! um! dos! mais! destacados! obreiros! do! movimento! modernistano! Brasil,! estando! também!
intimamente!ligado!a!este!movimento!em!Portugal,!por!ter!sido,!com!Luís!de!Montalvor,!fundador!da!revista!
«Orfeu»,!página!importantíssima!da!nossa!história!literária.!
1682!―!SONETO!intitulado!«Vitral!Cinzento»,!assinado!Ronald.&MCMXIII.!Manuscrito!numa!folha!
de!papel.!Tem,!na!página!oposta,!vários!nomes!e!moradas!também!escritas!pelo!punho!do!
poeta.!
1683! ―! CARTA! manuscrita! em! uma! folha! de! papel! de! carta! timbrada! do! «Gabinete! do! Sub4
Secretario!d’Estado!das!Relações!Exteriores»,!ocupando!as!quatro!páginas!e!dirigida!a!Luís!
de! Montalvor,! datada! de! «Quarta4Feira.! Setembro! MCMXIV».! É! verdadeira! poesia! em!
prosa!o!texto!desta!interessante!carta.!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 68!


Vizcaíno O Meta-arquivo

205

1684-CARVALHO (Ronaà de).-EXTENSA C.AJRTA de sete páginas,


dirigida a Luís de Montalvor 'e datada do «Rio - Janeiro -
MCMXV». Fa!la de projectos «sobre uma revi ,sta de nóvos daqui
e dahi» ,e pede: «Lembra-me ao Pessôa e ao Sá-Carneiro».

1685---EXTENSA CARTA de dezoLto páginas, dirigida a Luís de


Montalvor e uata:da de <Janeiro - MCMXV - Fevereiro». Re-
fere-se aos seus trabalhos literários e, nesta passagem, cremos
que ao futuro «Orfeu»: «Muito me agrada a proposta do
1Sr. José :Pacheco; espéro os detalhes para ajudai-o em tudo o
que qulzer». «Dá um aperto de mãos ao Sã-Carneiro e ao
Pessôa».
1686 --- LONGA CARTA de oito páginas, dirigida a Lu!s de Mon-
tJalvor e datada de «Rio - Março - MCMXV». Ref ·ere-se com
alvoroço ao projecto da publicação de «Or,pheu», pam o qual
há-de trabalhar «com todos os meus nervos» como diz o Sã-
-Carneiro». «Já comecei a trabalhar por ele. Assignaturas, publi-
cações e outras burguezas cousas estão a caminho, brava-
mente». Referências a Jo.sé Pacheco, Pessoa e Sá-Carneiro.
Acompanha o original uma cópia dactilografada.

1687 --- CARTA manuscrita em oito páginas de papel azul, dirigida


a Luís de Montalvor e datada do «Rio de Janeiro. Abril. MCMXV».
Re! ,ere-se a uma campanha movida contra Luís de Montalvor,
«em relação aos malditos bilhetes da Renascença». Refere-se
também ao «Orpheu»: «Recelbi os talões e as circulares. As
a&Signaturas surgem de todos os lados. lll quasi a Vtictoria!».
«Abraça o Mario e o Fernando Pessõa».

1688 --- CARTA manuscrita em três ipáginas de três folhas de papel


branco, datada de «Rio - Fevereiro - MCMXVII». lll como que
uma caz,ta de reconciliação, escrita «Depois de um tão grande
silencio, não motivado por mim».

1689---CARTA datada de «Rio-6 Julho-lW.7», manuscrita em


uma só face de uma folha de papel. De restrita importância.
Dirigitla a Luís de Montalvor.

1690---CARTA manusc1'ita nas quatro páginas de uma folha de


ipapel de .carta timbrada do «Gabinete do Sub-Secretario d'Estado
das Relações E~teríores», datada de «Quarta-F ,eira, Setembro»
e dirigida a Luís de Montalvor. Escrita em linguagem de
pura poesia, a carta não se ocupa de assuntos de assinalável
interesse.
1691---CARTA manuscrita nas quatro páginas de uma folha de
papel timbra.do do «Gabinete do Sub-Secretario d 'Esta:do das
Relações Exteriores», datada de «Sexta-Feira. Setembro» e
dirigida a Lu!s de Montalvor. Lin.guagem poética mas sem
russunto de apreciável importância.
1692 - GOMES LEAL. -TRES CARTAS manuscritas, sendo uma sem
data e duas datadas de 1910. Cremos que todas foram dirigidas
a uu!s de Montallvor, não porque o 1seu nome 1,elas apareça
mas porque provêm do seu espólio literá:rlo.

Fig."22."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 69!


Vizcaíno O Meta-arquivo
205!

1684! ―! CARVALHO! (Ronald! de).! ―! EXTENSA! CARTA! de! sete! páginas,! dirigida! a! Luís! de!
Montalvor!e!datada!do!«Rio!―!Janeiro!―!MCMXV».!Fala!de!projectos!«sobre!uma!revista!
de!nóvos!daqui!e!dahi»!e!pede:!«Lembra4me!ao!Pessôa!e!ao!Sá4Carneiro».!
1685!―!EXTENSA!CARTA!de!dezoito!páginas,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!de!«Janeiro!
―!MCMXV!―!Fevereiro».!Refere4se!aos!seus!trabalhos!literários!e,!nesta!passagem,!cremos!
que! ao! futuro! «Orfeu»:! «Muito! me! agrada! a! proposta! do! Sr.! José! Pacheco;! espéro! os!
detalhes!para!ajudal4o!em!tudo!o!que!quizer».!«Dá!um!aperto!de!mãos!ao!Sá4Carneiro!e!ao!
Pessôa».!
1686!―!LONGA!CARTA!de!oito!páginas,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!de!«Rio!―!Março!
―!MCMXV».!Refere4se!com!alvoroço!ao!projecto!da!publicação!de!«Orpheu»,!para!o!qual!
há4de! trabalhar! «com! todos! os! meus! nervos»! como! diz! o! Sá4Carneiro».! «Já! comecei! a!
trabalhar! por! ele.! Assignaturas,! publicações! e! outras! burguezas! cousas! estão! a! caminho,!
bravamente».!Referências!a!José!Pacheco,!Pessoa!e!Sá4Carneiro.!Acompanha!o!original!uma!
cópia!dactilografada.!
1687!―!CARTA!manuscrita!em!oito!páginas!de!papel!azul,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!
do! «Rio! de! Janeiro.! Abril.! MCMXV».! Refere4se! a! uma! campanha! movida! contra! Luís! de!
Montalvor,! «em! relação! aos! malditos! bilhetes! de! Renascença».! Refere4se! também! ao!
«Orpheu»:! «Recebi! os! talões! e! as! circulares.! As! assignaturas! surgem! de! todos! os! lados.! É!
quasi!a!Victoria!».!«Abraça!o!Mario!e!o!Fernando!Pessôa».!
1688! ―! CARTA! manuscrita! em! três! páginas! de! três! folhas! de! papel! branco,! datada! de! «Rio! ―!
Fevereiro!―!MCMXVII».!É!como!que!uma!carta!de!reconciliação,!escrita!«Depois!de!um!tão!
grande!silencio,!não!motivado!por!mim».!
1689!―!CARTA!datada!de!«Rio!―!6!Julho!―!1917»,!manuscrita!em!uma!só!face!de!uma!folha!de!
papel.!De!restrita!importância.!Dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!
1690! ―! CARTA! manuscrita! nas! quatro! páginas! de! uma! folha! de! papel! de! carta! timbrada! do!
«Gabinete! do! Sub4Secretario! d’Estado! das! Relações! Exteriores»,! datada! de! «Quarta4Feira,!
Setembro»!e!dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!Escrita!em!linguagem!de!pura!poesia,!a!carta!não!
se!ocupa!de!assuntos!de!assinalável!interesse.!
1691!―!CARTA!manuscrita!nas!quatro!páginas!de!uma!folha!de!papel!timbrado!do!«Gabinete!do!
Sub4Secretario! d’Estado! das! Relações! Exteriores»,! datada! de! «Sexta4Feira.! Setembro»! e!
dirigida! a! Luís! de! Montalvor.! Linguagem! poética! mas! sem! assunto! de! apreciável!
importância.!
1692! ―! GOMES" LEAL.! ―! TRÊS! CARTAS! manuscritas,! sendo! uma! sem! data! e! duas! datadas! de!
1910.! Cremos! que! todas! foram! dirigidas! a! Luís! Montalvor,! não! porque! o! seu! nome! nelas!
apareça!mas!porque!provêm!do!seu!espólio!literário.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 70!


Vizcaíno O Meta-arquivo

206

1693 - GUIMARAENS (Eduardo). - POEMA autógrafo do poeta bra-


sileiro Eduardo Guimaraoos, manuscrito em cinco folhas de
papel esguio e intitulatlo: «O QUE DIZ A SOMBRA». Ao alto
da primeira folha tem a seguinte nota a 1ápis: Era para incluir
no Orfeu .

'ª "" -PESSOA (Fernando). - DOIS POSTAIS manuscritos e assinados


)Y" " - ipor Fernando Pessoa, dirigidos a Lu!s de Montalvor e ootados
de !27-3-1915 e 16-7-1915.

1~ -- CARTA TOTALMENTE MANUSCRITA POR FERNANDO


/ - PESSOA EM AMBAS AS FACES DE UMA FOLHA DE PAPEL,
dirigida a D. Emma, esposa de Lu!s de Montalvor, a propósito
da doença de que, ao momento, ·este rpatlecla. Datada de
!.VIII. 1919.

1696 -- EXTENSA CARTA DE SETE PAGINAS, TOTALMENTE


MANUSCRITA E ASSINADA POR PESSOA, datada de «Faro,
30 de Agosto de 1919 » e dirigida a Luis de Montalvor. Diz
«ter recebido, pouco depois de •chegar , a visita do Alvaro de
Campos » e ref e re-se ao «plano da nossa Empreza », em que
ambos estariam lntez,essados.

1697 - -- OITO FOLHAS DE PAPEL DACTILOGRAFADO, duas das


quais timbrado da seguinte forma: FERNANDO PESSOA. RUA
DE S. JULIAO, 52, l.º . LISBOA. Nenhuma destas folhas aparece
•assinada, mas, não só o facto de duas folhas serem tlmbmdas
como ainda a,s várias redacções do mesmo assunto levam a
crer que se trata de autênticos originais de F>ernando Pessoa ,
prov e nient es do espólio de Luís de Montalvor e todos com o
relato de episódios que muito interessam à história da revista
ORPHEU. Juntamos ,alm:la a cópia de «Um b!Jhete de Fernando
Pessoa », da:ta,do de 11-4-191 (Sic) (Domingo), dirigido a Luis
de Monta1vor.
1698 - SA-CARNEIRO (Mário de) . - CARTA MANUSCRITA NAS
SUAS QUATRO PAGINAS, dirigida ao «Meu caro Ramos »
(Luls de Montalvor é o pseudónimo de Luiz FiUpe de Saldanha
da Gama da Silva Ramos) e datada de «Lisboa 24 de outubro
1910 ». Pede-lh e que o visite e diz-lhe que está oosloso por
conhecer o •seu poema completo .
1699 --- CAIRTA DIRIGIDA A «MEU CARO RAMOS » (Lu!s de
Montalvor), sem data, mas certamente de 1910. Ocupa duas
páginas de uma carta e está a,ssinada Sá-O.
1700 --- CARTA DIRIGIDA A LUlS DE MONTALVOR, 'Clatada de
«Lx• 12 Junho 1911» e manuscrita nas quatro página,s de uma
folha de carta . Refer e-se à leitura de um po ema de Montalvor
e ainda a um «vigoroso ,panfleto àcerca de Gomes Leal».
1701 --- CARTA DIRIGIDA A LU1S DE iMONTALVOR, escrita
•aquando da chegada de Sá-Carneiro a Coimbra, cidad.e a que
faz b11eves mas elogiosas referências. Está escrita nas quatro
páginas de uma folha de carta e datada de «Ooimbra 2 de
novembro de 1911».

Fig."23."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 71!


Vizcaíno O Meta-arquivo
206!

1693! ―! GUIMARAENS! (Eduardo).! ―! POEMA! autógrafo! do! poeta! brasileiro! Eduardo! Eduardo!
Guimaraens,! manuscrito! em! cinco! folhas! de! papel! esguio! e! intitulado:! «O! QUE! DIZ! A!
SOMBRA».!Ao!alto!da!primeira!folha!tem!a!seguinte!nota!a!lápis:!Era&para&incluir&no&Orfeu.!
/
1694! ―! PESSOA! (Fernando).! ―! DOIS! POSTAIS! manuscritos! e! assinados! por! Fernando! Pessoa,!
dirigidos!a!Luís!de!Montalvor!e!datados!de!274341915!e!164741915.!
1695! ―! CARTA! TOTALMENTE! MANUSCRITA! POR! FERNANDO! PESSOA! EM! AMBAS! AS!
/
FACES!DE!UMA!FOLHA!DE!PAPEL,!dirigida!a!D.!Emma,!esposa!de!Luís!de!Montalvor,!a!
propósito!de!uma!doença!de!que,!ao!momento,!este!padecia.!Datada!de!I.VIII.!1919.!
1696! ―! EXTENSA! CARTA! DE! SETE! PÁGINAS,! TOTALMENTE! MANUSCRITA! E! ASSINADA!
POR!PESSOA,!datada!de!«Faro,!30!de!Agosto!de!1919»!e!dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!Diz!
«ter!recebido,!pouco!depois!de!chegar,!a!visita!do!Alvaro!de!Campos»!e!refere4se!ao!«plano!
da!nossa!Empreza»,!em!que!ambos!estariam!interessados.!
1697! ―! OITO! FOLHAS! DE! PAPEL! DACTILOGRAFADO,! duas! das! quais! timbrado! da! seguinte!
forma:!FERNANDO!PESSOA.!RUA!DE!S.!JULIÃO,!52,!1.o.!LISBOA.!Nenhuma!destas!folhas!
aparece!assinada,!mas,!não!só!o!facto!de!duas!folhas!serem!timbradas!como!ainda!as!várias!
redacções!do!mesmo!assunto!levam!a!crer!que!se!trata!de!autênticos!originais!de!Fernando!
Pessoa,! provenientes! do! espólio! de! Luís! de! Montalvor! e! todos! com! o! relato! de! episódios!
que! muito! interessam! à! história! da! revista! ORPHEU.! Juntamos! ainda! a! cópia! de! «Um!
bilhete! de! Fernando! Pessoa»,! datado! de! 11444191! (Sic)! (Domingo),! dirigido! a! Luís! de!
Montalvor.!
1698!―!SÁ'CARNEIRO!(Mário!de).!―!CARTA!MANUSCRITA!NAS!SUAS!QUATRO!PÁGINAS,!
dirigida! ao! «Meu! caro! Ramos»! (Luís& de& Montalvor! é! o! pseudónimo! de! Luiz! Filipe! de!
Saldanha!da!Gama!da!Silva!Ramos)!e!datada!de!«Lisboa!24!de!outubro!1910».!Pede4lhe!que!
o visite!e!diz4lhe!que!está!ansioso!por!conhecer!o!seu!poema!completo.
1699! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! «MEU! CARO! RAMOS»! (Luís! de! Montalvor),! sem! data,! mas!
certamente!de!1910.!Ocupa!duas!páginas!de!uma!carta!e!está!assinada!SáTC.!
1700!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!datada!de!«Lxa!12!Junho!1911»!e!manuscrita!
nas!quatro!páginas!de!uma!folha!de!carta.!Refere4se!à!leitura!de!um!poema!de!Montalvor!e!
ainda!a!um!«vigoroso!panfleto!acerca!de!Gomes!Leal».!
1701!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!escrita!aquando!da!chegada!de!Sá4Carneiro!
a! Coimbra,! cidade! a! que! faz! breves! mas! elogiosas! referências.! Está! escrita! nas! quatro!
páginas!de!uma!folha!de!carta!e!datada!de!«Coimbra!2!de!novembro!de!1911».!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 72!


Vizcaíno O Meta-arquivo

207

1702-SA-CARNEIRO (Mário de).-CARTA DIRIGIDA A MONTAL-


VOR, manuscrita em três das suas quatro páginas, datada de
Coimbra ( «Lusa-Chatice 6 de nov. 1911»). Reflete o desânimo
do poeta, «constipado, cheio -de frio, ultra aborrecido. Já vês ...
Uma ,pepineira isto tudo», no seu dizer, uma «azedissirna carta».
1703--EXTENSA CARTA DE QUATRO PAGINAS A LUlS DE
MONTALVOR, datada de «Coimbra 8 nov. 1911». Ocupa-se
com ·certo desenvolvimento de um poema de Montalvor intitulado
«Os Olhos», «sem duvida das coisas melhores tuas», mas pro-
rpondo para ele uma ligeira alteração. Curiosas as referencias
a Coimbra e a «os nossos irmãos os porcos» que «caminham
para o mercado gentilmente ... ». Refere-se, noutros passos, a
Veiga Simões, António Nobre, Antero, João de Deus, etc.
1704---CARTA A LUlS DE MONTALVOR, datada de «Coimbra
11 de novembro - .AJIJ.o: 19~1», não assinada, mas cremos que
completa. Coimbra e a .sua vida merecem a Sá-Carneiro palavras
desagradáveis: «uma estrema chatice. Não será muito bonita
a rpalavra, ma,s é a propria. Estou fa:z,endo aqui uma cura
de chatice, assim como nas eatações se fia.zem curas de aguas».
1705---CARTA DIRIGIDA A LUlS DE MONTALVOR, escrita em
papel timbrado do <Grand Hotel du Globe», de Paris, datada
de «5 de nov 1912». Refere-se um pouco a si próprio e à sua
vida em Paris bem como à ida de Montalvor ao Brasil. Folha
de carta picotada, de rpequell'as dimensões.
1706 -- CARTA DIRIGIDA A LUlS DE MONTALVOR, residente
no Rio de Janeiro, ,escrita em papel timbrado de «Oafé Res-
taurant Ca11dinal» e datada de «Paris - Dez.embro de 1912.
Dia 13». Pergunta por noticias de MOilltaLvor, dizendo de si:
«Por mim meu velho, já nada dou. ( ... ) Uma bala seria
o remedio. Mas decididamente não tenho força ,p• tomar essa
droga. E o tempo vai .passando. Resta saber se não irá tudo ... ».
Refere-ae a Fernando Pessoa, a Mário Beirão, ebc.
1707---EXTENSA CARTA DIRIGIDA A LUlS DE MONTALVOR
ocupando as oito páginas de duas folhas timlbradas do «Café
Riche», datada de «Paris - Janeiro de 1913. Dia '12». Refere-se
a F1ernando P,essoa e a alguns dos seus projectos literários.
Ao tempo Luís de Montalvor encontrava-se no Brasil.
11,í1{- -- BELA CARTA DE MARIO DESA-CARNEIRO, manuacrita
/ nas oito páginas de duas folhas de papel de carta timbrado do
«Café Riche», dirigida a Luis de Montalvor e datada de «Paris,
Abril de 1913. Dia 16». Quelxa•se da falta de noticias de Mon-
talvor, refere-se a Fernando Pessoa e aos seus próprios trabalhos
literarios e, nas duas últimas páginas transcreve treze quadras
de um seu poema intitulado «Simplesmente... (excerpto)» e
que começa com o seguinte verso: Ao ver pas,sar a vida mansa-
mente. Com uma cópia dactilografada da carta e do poema.
1709 --- CARTA DIRIGIDA A LUIS DE MONTALVOR, ocupando
uma página das quatro de uma folha de carta, datada de
«Lisboa - Julho de 1913. Dia 23». Refere-se ao seu livro,
mtltulado «Principio».

Fig."24."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 73!


Vizcaíno O Meta-arquivo
207!
!
1702! ―! SÁ'CARNEIRO! (Mário! de).! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! MONTALVOR,! manuscrita! em! três!
das! suas! quatro! páginas,! datada! de! Coimbra! («Lusa4Chatice,! e! de! nov.! 1911»).! Reflecte! o!
desânimo!do!poeta,!«constipado,!cheio!de!frio,!ultra!aborrecido.!Já!vês...!Uma!pepineira!isto!
tudo»,!no!seu!dizer,!uma!«azedissima!carta».!
1703! ―! EXTENSA! CARTA! DE! QUATRO! PÁGINAS! A! LUÍS! DE! MONTALVOR,! datada! de!
«Coimbra!8!nov.!1911».!Ocupa4se!com!certo!desenvolvimento!de!um!poema!de!Montalvor!
intitulado!«Os!Olhos»,!«sem!duvida!das!coisas!melhores!tuas»,!mas!propondo!para!ele!uma!
ligeira! alteração.! Curiosas! as! referencias! a! Coimbra! e! a! «os! nossos! irmãos! os! porcos»! que!
«caminham! para! o! mercado! gentilmente...».! Refere4se,! noutros! passos,! a! Veiga! Simões,!
António!Nobre,!Antero,!João!de!Deus,!etc.!
1704! ―! CARTA! A! LUÍS! DE! MONTALVOR,! datada! de! «Coimbra! 11! de! novembro! ―! Ano:! 1911»,!
não! assinada,! mas! cremos! que! completa.! Coimbra! e! a! sua! vida! merecem! a! Sá4Carneiro!
palavras! desagradáveis:! «uma! estrema! chatice.! Não! será! muito! bonita! a! palavra,! mas! é! a!
propria.!Estou!fazendo!aqui!uma!cura!de!chatice,!assim!como!nas!estações!se!fazem!curas!
de!aguas».!
1705!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!escrita!em!papel!timbrado!do!«Grand!Hotel!
du! Globe»,! de! Paris,! datada! de! «5! de! nov! 1912».! Refere4se! um! pouco! a! si! próprio! e! à! sua!
vida!em!Paris!bem!como!à!ida!de!Montalvor!ao!Brasil.!Folha!de!carta!picotada,!de!pequenas!
dimensões.!
1706! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! LUÍS! DE! MONTALVOR,! residente! no! Rio! de! Janeiro,! escrita! em!
papel! timbrado! de! «Café! Restaurant! Cardinal»! e! datada! de! «Paris! ―! Dezembro! de! 1912.!
Dia!13».!Pergunta!por!notícias!de!Montalvor,!dizendo!de!si:!«Por!mim!meu!velho,!já!nada!
dou.! (...)! Uma! bala! seria! o! remedio.! Mas! decididamente! não! tenho! força! pa! tomar! essa!
droga.!E!o!tempo!vai!passando.!Resta!saber!se!não!irá!tudo...».!Refere4se!a!Fernando!Pessoa,!
a!Mário!Beirão,!etc.!
1707! ―! EXTENSA! CARTA! DIRIGIDA! A! LUÍS! DE! MONTALVOR! ocupando! as! oito! páginas! de!
duas! folhas! timbradas! do! «Café! Riche»,! datada! de! «Paris! ―! Janeiro! de! 1913.! Dia! 12».!
Refere4se! a! Fernando! Pessoa! e! a! alguns! dos! seus! projectos! literários.! Ao! tempo! Luís! de!
Montalvor!encontrava4se!no!Brasil.!
1708!―!BELA!CARTA!DE!MÁRIO!DE!SÁ4CARNEIRO,!manuscrita!nas!oito!páginas!de!duas!folhas!
/
de! papel! de! carta! timbrado! do! «Café! Riche»,! dirigida! A! Luís! de! Montalvor! e! datada! de!
«Paris,! Abril! de! 1913.! Dia! 16».! Queixa4se! da! falta! de! notícias! de! Montalvor,! refere4se! a!
Fernando! Pessoa! e! aos! seus! próprios! trabalhos! literarios! e,! nas! duas! últimas! páginas!
transcreve! treze! quadras! de! um! seu! poema! intitulado! «Simplesmente...! (excerpto)»! e! que!
começa! com! o! seguinte! verso:! Ao& ver& passar& a& vida& mansamente.! Com! uma! cópia!
dactilografada!da!carta!e!do!poema.!
1709!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!ocupando!uma!página!das!quatro!de!uma!
folha! de! carta,! datada! de! «Lisboa! ―! Julho! de! 1913.! Dia! 23».! Refere4se! ao! seu! livro,!
intitulado!«Principio».!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 74!


Vizcaíno O Meta-arquivo

208

1710-SA-CARNEIRO (Mário de).-CARTA DIBIGIDA A ESPOSA


DE LfilS DE MONTALVOR, data,da de «LisbO'a-Agosto de 1913.
Dia 28». Pede noticias de Montalvor e diz-lhe da sua SUl'l)resa e
cuidados causados pela recepção de um telegrama e postal envi:a-
'dos pela referida senhora. Ocupa duas páginais da carta.

171,l --- CARTA DE TMS PAGINAS, dirigida à esposa de Luis de


Montalvor aquando da estadia deste no Brasil, datada de
«Lisboa - Novembro de 1913. Dia 6».
1712 --- CARTA DE QUATRO PAGINAS enviada a Luts de Montal-
vor, da,tada de «Lisboa - Dezembro de 1913. Dia 29». Refere-se
aos seus livros <Oonfissão de Lucio» e «Dispersão», pedindo
a Montalvor que faça com que a imprensa fale deles. «Retratos
não tos envio porque os não ,tenho ( ... ) O que eu quero é
que falem dos meus livros. Que me publiquem o focinho é o
menos!».
1713--CARTA MANUSCRITA E ASSINADA POR SA-CARNEIRO,
dirigida a Luís de Montalvor e datada de «Lisboa - Março de
1915 - Dia 12». Refere-se ao a,diantado da iffil!)ressão da mossa
revista» ( o «Orpheu») e aos originais de Côrtes Rodrigues e
de Alvaro de Campos, dizendo ainda que «Ê forçoso que entre-
gues o ,teu original na 2.• feira!». «Encontras-me no Martinho
ou Brasileir,a, á tarde. A noite no Guisaido». Manuscrito em
duas páginas da carta.
1714 -- CARTA DIRIGIDA A LUlS DE '.MONTALVOR, dando-lhe
o ,prazo inadiáNel de oito dias par,a lhe entregar o seu poema
«Narciso» a incluir no 2. número do «OI'feu». Carta manuscrita
0

em papel timbrado do «Café Martinho», ocupando duas páginas


e datada de «Lisboa - Maio 1915. Dia 31».
1715---CARTA DIRIGIDA A LUlS DE MONTALVOR, manuscrita
numa página de carta timbr,ada do «Café Martinho», datada de
«Lisboa - Junho 1915. Dia 22». Refere-se ao «Orfeu» e aos
Directores que dali em di'ante passariam a ortentá-lo: ele próprio
e F,ernando Pessoa.
11,16 ---SEIS POSTAIS, cinco dos quais dirigidos a Montalvor
e um a sua esposa, escritos ,entre 1911 e 1915, sem a.ssuntos
de apreciável mtel'esse.

1717-0RFEU E CENTAURO. Conjunto de cinco artigos de jornais,


recortes, publicados aquando do a,parecimento daquelas duas I'evis-
ta.s: As Portas do Parnaso - Os bardos do «Orfeu» são doidos
com juizo, aiss. Dr. X e publicado no n.º 8 de wbril de 1915
Ido joma,l .:O Mundo»; «Orpheu», ass. Fernando Carvalho Morão
e publ. no n.º de 11 de Abril de 1915 de «Terra Nossa»;
O Centauro, não a,ssi., publ. em 2-12-1916 no jornal «O Combate»,
da Guarda; Artigo não ass., acerca do Centauro, publ. em
«A Capital», no dia 23-10-1916; A proposito do «Centauro» -
Os futuristas portuguezes a caminho duma cura radical. não
ass., publ. no n.º de 3-11-1916 do jornal «A Lanterna». Tem
ainda um a!'tigo de Luís de Monta1vor sobre A Exposição
Ibero-Am,erícana de Sevilha, de 1927.

Fig."25."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 75!


Vizcaíno O Meta-arquivo
208!

1710!―!SÁ'CARNEIRO!(Mário!de).!―!CARTA!DIRIGIDA!À!ESPOSA!DE!LUÍS!DE!MONTALVOR,!
datada!de!«Lisboa!―!Agosto!de!1913.!Dia!28».!Pede!notícias!de!Montalvor!e!diz4lhe!da!sua!
surpresa! e! cuidados! causados! pela! recepção! de! um! telegrama! e! postal! enviados! pela!
referida!senhora.!Ocupa!duas!páginas.!
1711!―!CARTA!DE!TRÊS!PÁGINAS,!dirigida!à!esposa!de!Luís!de!Montalvor!aquando!da!estadia!
deste!no!Brasil,!datada!de!«Lisboa!―!Novembro!de!1913.!Dia!6».!!
1712! ―! CARTA! DE! QUATRO! PÁGINAS,! enviada! a! Luís! de! Montalvor,! datada! de! «Lisboa! ―!
Dezembro!de!1913.!Dia!29».!Refere4se!aos!seus!livros!«Confissão!de!Lucio»!e!«Dispersão»,!
pedindo! a! Montalvor! que! faça! com! que! a! imprensa! fale! deles.! «Retratos! não! tos! envio!
porque!os!não!tenho!(...)!O!que!eu!quero!é!que!falem!dos!meus!livros.!Que!me!publiquem!o!
focinho!é!o!menos!».!
1713!―!CARTA!MANUSCRITA!E!ASSINADA!POR!SÁ4CARNEIRO,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!
e! datada! de! «Lisboa! ―! Março! de! 1915.! Dia! 12».! Refere4se! ao! adiantado! da! impressão! da!
«nossa!revista»!(o!«Orpheu»)!e!aos!originais!de!Côrtes!Rodrigues!e!de!Álvaro!de!Campos,!
dizendo!ainda!que!«É!forçoso!que!entregues!o!teu!original!na!2.a!feira!».!«Encontras4me!no!
Martinho!ou!Brasileira,!á!tarde.!Á!noite!no!Guisado».!Manuscrito!em!duas!páginas!da!carta.!
1714! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! LUÍS! DE! MONTALVOR,! dando4lhe! o! prazo! inadiável! de! oito! dias!
para! lhe! entregar! o! seu! poema! «Narciso»! a! incluir! no! 2.o! número! do! «Orfeu».! Carta!
manuscrita! em! papel! timbrado! do! «Café! Martinho»,! ocupando! duas! páginas! e! datada! de!
«Lisboa!―!Maio!1915.!Dia!31».!!
1715!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!manuscrita!numa!página!de!carta!timbrada!
do!«Café!Martinho»,!datada!de!«Lisboa!―!Junho!1915.!Dia!22».!Refere4se!ao!«Orfeu»!e!aos!
Directores!que!dali!em!diante!passariam!a!orientá4lo:!ele!próprio!e!Fernando!Pessoa.!
1716!―!SEIS!POSTAIS,!cinco!dos!quais!dirigidos!a!Montalvor!e!um!a!sua!esposa,!escritos!entre!1911!
e!1915,!sem!assuntos!de!apreciável!interesse.!
1717!―!ORFEU!E!CENTAURO.!Conjunto!de!cinco!artigos!de!jornais,!recortes,!publicados!aquando!
do! aparecimento! daquelas! duas! revistas:! Ás& Portas& do& Parnaso& ―& Os& bardos& do& «Orfeu»& são&
doidos& com& juízo,! ass.! Dr.! X! e! publicado! no! n.o! 8! de! abril! de! 1915! do! jornal! «O! Mundo»;!
«Orpheu»,! ass.! Fernando! Carvalho! Morão! e! publ.! no! n.o! de! 11! de! Abril! de! 1915! de! «Terra!
Nossa»;! O& Centauro,! não! assi.,! publ.! em! 241241916! no! jornal! «O! Combate»,! da! Guarda;!
Artigo!não!ass.,!acerca!do!Centauro,!publ.!em!«A!Capital»,!no!dia!2341041916;!A&proposito&do&
«Centauro»&―&Os&futuristas&portuguezes&a&caminho&duma&cura&radical.!não!ass.,!publ.!no!n.o!de!
341141916! do! jornal! «A! Lanterna».! Tem! ainda! um! artigo! de! Luís! de! Montalvor! sobre! A&
Exposição&IberoTAmericana&de&Sevilha,!de!1927.!

17174A! –! extra! catálogo! –! “Soneto„! de! Ronald! de! Carvalho! que! começa! “Hora! irmã! do! meu!
violino...„16!

!Texto!manuscrito,!a!tinta!azul,!pelo!Arquitecto!Fernando!Távora.!
16

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 76!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Fig."26."Lista"de"preços"de"compra"(Colecção"Fernando"Távora)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 77!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!
!
!
! Wo?#!^#3%!
^#3%
!
H?!#!!!!!!!!!!!!!!!!!!"X2=]@! =]JêX!^P2rP.Js! d@^TX!
UqU!! u!! !!jj?! W?jjj! U?ojj?!
UqW!! u! U?jjj?! U?\jj! U?Vjj?!
Uq[!! u! U?wjj?! [?jjj! [?Wjj!
Uqo!! u! W?jjj! [?\jj! o?wjj!
Uq\!! u! W?Wjj! o?jjj! ?\jj!
Uq!! u! W?wjj! [?\jj! w?[?!yUj?[jjz!
Uqw!! u! W?wjj! [?\jj! q?U!yUU?Ujjz!
Uqq!! u! U?ojj! W?\jj! V?W!yUW?Wjjz!
UqV!! u! U?Ujj! U?\jj! V?!yUW?jjz!
UVj!! u! U?[jj! W?jjj! Uj?[!yU[?[jjz!
UVU!! u! U?[jj! W?jjj! UU?!yUo?jjj?z!
UVW!! u! W?\jj! [?jjj! UU?\!yUo?\jjz!
UV[!! u! W?jjj! W?jjj! UU?\jj?!
UVo!! ! ! ! !
UV\!! ! ! ! !
UV!! u! o?\jj?! o?jjj! UU?jjj!
UVw!! u! \?Wjj! \?jjj?! Uj?qjj!
UVq!! u! [?Ujj?! [?jjj! Uj?wjj!
UVV!! u! U?jjj?! W?\jj?! UW?Wjj!
Uwjj!! u! o?j\j?! [?jjj! UU?U\j!
!
!
!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 78!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!

!
Fig."27."Lista"de"preços"de"compra"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 79!


Vizcaíno O Meta-arquivo

!
!
!
!
!
!
!
H?Ñ! "X2=]@! =]JêX!^P2rP.Js! d@^TX!
UwjU! o?Wjj?! o?jjj! Uj?V\j?!
UwjW! \?Wjj?! o?jjj! V?w\j!
Uwj[! \?wjj! \?jjj! V?j\j!
Uwjo! W?jj! o?jjj! Uj?o\j!
Uwj\! [?jj! W?jjj! q?q\j!
Uwj! ?Wjj! \?jjj! w?\j!
Uwjw! o?Wjj! \?jjj! V?o\j!
Uwjq!! ! ! ! !
UwjV! W?jjj! W?jjj! V?o\j!
UwUj! U?\jj! W?jjj! V?V\j!
UwUU! W?Ujj! W?jjj! V?q\j!
UwUW! \?wjj! o?jjj! q?Uwj!
UwU[! \?jjj! o?jjj! w?Uwj!
UwUo! [?Wjj! o?jjj! w?Vwj!
UwU\! ?jjj! o?jjj! \?Vwj!
UwU! o?jjj! ?jjj! w?Vwj!
UwUw! U?jjj! [?jjj! V?Vwj!
!
UwUw!u!@!!!!!dXHJ.X!]XH@^TX!"@]b@^pX!õ!U?jj?!
@!!!!!dXHJ.X!]XH@^TX!"@]b@^pX!õ!U?jj?
!
H?f?! J<3,! $7<3,! -%! A*%'#<! 9%73,! A%$#! 2r,+6s%$! )%**%7*,! 56%! 8%! &#8A*#6! #<!
8,+6<&*73#<! +#! $%7$(#! &#+3%8! #<! A*%'#<! -%! &6<3#! `%<56%*-,c! %! #<! A*%'#<! $7873%!
`-7*%73,c!56%!%6!F,07,!%<37A6$,-#!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 80!


Vizcaíno O Meta-arquivo

Bibliografia"
!
ALMEIDA,! António! (2017).! “A!visão!luxuriosa!de!Raul!Leal,!profeta!sagrado!da!Morte!e!de!Deus”,!in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!1344168.!
FREITAS,! Filipa! de! (2017).! “Álvaro! de! Campos:! dois! poemas! na! Colecção! Fernando! Távora”,! in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!4884501.!
HOVORKOVA,!Nataliya!(2017).!“Fernando!Pessoa!caricaturado!presencialmente!por!António!Teixeira!
Cabral:!contexto!e!circunstâncias”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!
12,!Outono,!pp.!2364287.!
MARTINES,!Enrico!(2017).!“José!Régio,!Raul!Leal!e!a!Presença!—!Marcas!epistolares!de!um!diálogo!
modernista”,! in! Pessoa& Plural& –& A& Journal& of& Fernando& Pessoa& Studies,! n.o! 12,! Outono,! pp.! 824
133.!
PITTELLA,! Carlos! (2017a).! “Mr.! Ormond:! the! testimonial! from! a! classmate! of! Fernando! Pessoa”,! in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!4574487.!
_____! (2017b).!“Sonnet!101!with!Prof.!Pessoa:"Fernando!Pessoa’s!Marginalia!on!an!Anthology!of!
19th4Century!English!Sonnets”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!11,!
Primavera,!pp.!2774375.!
PIZARRO,! Jerónimo! (2017).! “Poemas! e! Documentos! Inéditos:! O! Lote! 31! e! a! Colecção! Fernando!
Távora”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!3334456.!
TÁVORA,! Fernando! (1995).! “Um! Livro! na! Minha! Vida”.! Texto! lido! no! colóquio! Os& Livros& da& Minha&
Vida,!integrado!em!Ler!Guimarães’95!–!festa!da!leitura,!organizado!pela!Câmara!Municipal!
de! Guimarães,! através! da! Biblioteca! Municipal! Raúl! Brandão.! Pavilhão! do! Desportivo!
Francisco!de!Holanda,!20!de!abril.!
VASCONCELOS,!Ricardo!(2017a).!“Uma!carta!inédita!de!Fernando!Pessoa!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!
de!Nice”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!5474561.!
_____! (2017b).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de! Mário! de! Sá4
Carneiro!ao!seu!Avô”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!
pp.!5624595.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 81!


José%Régio,%Raul%Leal%e%a%Presença:(
marcas&epistolares&de&um&diálogo&modernista&

Enrico Martines*

Palavras2chave%

José&Régio,&Raul&Leal,&Branquinho&da&Fonseca,&Presença,&cartas.&

Resumo%

A& coleção& de& manuscritos& de& Fernando& Távora& inclui& alguns& documentos& referentes& a&
correspondência&de&e&para&José&Régio,&ligados&à&sua&função&de&diretorEfundador&da&revista&
Presença,&no&final&dos&anos&Vinte.&Com&efeito,&encontramos&neste&acervo&documental:&duas&
epístolas& que& testemunham& dos& contactos& entre& Régio& e& Raul& Leal,& uma& carta& dirigida& por&
Régio(a&Branquinho&da&Fonseca,&seu&parceiro&na&direção&da&Presença,(e&outra&breve&missiva,&
de& 1935,& para& Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& revista.& É& a& correspondência& com&
Raul& Leal& a& que& apresenta& os& elementos& de& maior& interesse& e,& dentro& dela,& sobretudo& as&
cartas& assinadas& por& este& autor.& A& respeito& desta& troca& epistolar,& foi& possível& articular& a&
leitura&dos&manuscritos&presentes&na&coleção&de&Fernando&Távora&com&três&missivas&de&Raul&
Leal&conservadas&no&espólio&regiano&de&Vila&do&Conde,&as&quais&têm&ligação&com&o&material&
presente& na& coleção& e& fornecem& informações& importantes& para& o& aprimoramento& da& sua&
interpretação.&

Keywords%

José&Régio,&Raul&Leal,&Branquinho&da&Fonseca,&Presença(literary&magazine,&correspondence.&

Abstract&

Fernando& TávoraTs& collection& of& manuscripts& includes& some& documents& related& to& the&
correspondence& to& and& from& José& Régio,& connected& to& his& role& as& founding& director& of& the&
literary&magazine&Presença&in&the&late&twenties.&In&fact,&in&the&Távora&collection&we&find&two&
letters&that&bear&witness&to&the&contacts&between&Régio&and&Raul&Leal,&a&letter&addressed&by&
Régio&to&his&partner&in&the&direction&of&Presença,&Branquinho&da&Fonseca,&and&another&brief&
missive& dated& 1935& to& Joaquim& Moreira,& then& administrator& of& the& magazine.& It& is& the&
correspondence&with&Raul&Leal&that&presents&the&elements&of&greatest&interest&and&especially&
the&letters&signed&by&this&author.&With&regard&to&this&epistolary&exchange,&it&was&possible&to&
read&the&letters&in&the&collection&of&Fernando&Távora&alongside&three&manuscripts&present&in&
the&José&Régio&archive,&in&Vila&do&Conde,&which&are&directly&linked&to&the&material&present&in&
the&collection&and&provide&important&information,&beneficial&to&its&interpretation.&

* Università&degli&Studi&di&Parma.
Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

A&coleção&de&manuscritos&de&Fernando&Távora&inclui&alguns&documentos&referentes&
à& correspondência& de& e& para& José& Régio,& exímio& protagonista& do& chamado&
“segundo&modernismo”,&diretorEfundador&da&revista&Presença,&que,&como&é&sabido,&
esteve&em&atividade&entre&1927&e&1940.&Com&a&exceção&do&documento&mais&recente&
do&conjunto,&as&epístolas&patentes&nesta&coleção&dizem&respeito&a&esta&sua&função&de&
grande& divulgador& da& cultura& através& da& folha& coimbrã,& nomeadamente& com&
tarefas& e& acontecimentos& ligados& aos& seus& primeiros& anos& de& vida.& De& facto,&
encontramos& neste& acervo& documental& duas& epístolas& que& testemunham& dos&
contactos&entre&Régio&e&Raul&Leal,&uma&carta&dirigida&pelo&autor&de&A(velha(casa(ao&
seu&parceiro&na&direção&da&Presença,&António&José&Branquinho&da&Fonseca,&e&outra&
breve& missiva& para& Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& revista.& Entrando&
mais&em&detalhes,&o&conjunto&epistolar&é&formado&por:&
&
• um&rascunho&de&carta&para&José&Régio&escrito&por&Raul&Leal&em&dezembro&
de&1927;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Raul&Leal&de&março&de&1929;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Branquinho&da&Fonseca&de&25&de&julho&de&1927;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Joaquim&Moreira&de&22&de&novembro&de&1935.&
&
Os&temas&fundamentais&desta&correspondência&são&o&envio&–&ou&o&pedido&–&
de& colaborações& para& a& revista,& assim& como& de& exemplares& da& mesma,& a& sua&
distribuição& ou& a& angariação& de& novos& assinantes.& Como& é& sabido,& José& Régio&
ocupouEse& de& estabelecer& contactos& e& reunir& colaborações& para& a& Presença& só& nos&
primeiros&anos&da&sua&atividade.&Com&a&sua&partida&para&Portalegre,&em&1929,&para&
lecionar&no&então&Liceu&Nacional,&dessas&tarefas&incumbiramEse&principalmente&os&
outros& diretores& –& João& Gaspar& Simões& e,& mais& tarde,& Adolfo& Casais& Monteiro& –&
ficando& para& José& Régio& uma& função& de& controlo& e& orientação& da& revista& mais& à&
distância.& A& própria& correspondência& deste& com& Fernando& Pessoa& –& um& dos& mais&
ilustres& interlocutores& e& colaboradores& da& folha& coimbrã& –& testemunha& esta&
situação,&sendo&onze&das&quinze&cartas&que&compõem&esta&relação&epistolar&datadas&
entre& 1928& e& 1929& (cf.& PESSOA,& 1998).1& É& também& indício& deste& relativo&
distanciamento& físico& e& temporal& a& escassez& de& materiais& concernentes& à& vida& da&
Presença&no&espólio&regiano,&conservado&em&Vila&do&Conde.2&
Mas& não& é& só& de& aspetos& práticos& ligados& ao& dia& a& dia& da& “Folha& de& Arte& e&
Crítica”& que& se& fala& nestas& cartas.& Nelas& podemEse& ler& desabafos& e& balanços&
pessoais,& esboços& de& projetos,& acenos& a& lembranças& individuais& e& geracionais,&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1&Das&restantes&quatro&epístolas&posteriores,&duas&–&de&1930&–&são&motivadas&pela&oferta,&por&parte&de&
José&Régio&a&Fernando&Pessoa,&de&um&exemplar&da&sua&coletânea&de&poesia& Biografia;&a&terceira,&de&
finais&de&1934,&é&escrita&por&Pessoa&para&agradecer&o&envio&do&Jogo(da(Cabra(Cega;&finalmente,&a&de&
junho&de&1935,&inclui&a&última&tentativa&que&Régio&faz&para&obter&–&em&vão&–&uma&nova&colaboração&
pessoana&para&a&Presença.&
2&AgradeceEse&por&esta&informação&a&Isabel&Cadete&Novais,&diretora&do&Centro&de&Estudos&Regianos.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 83


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

marcas&do&estilo&e&da&personalidade&dos&autores,&todos&elementos&que&tornam&estes&
documentos&dignos&da&atenção&que&merecem&as&figuras&neles&envolvidas.&
&
José%Régio2Raul%Leal%%
&
São& sobretudo& os& manuscritos& relativos& à& correspondência& com& Raul& Leal& a&
apresentar& os& maiores& elementos& de& interesse& e,& dentro& dela,& a(s)& carta(s)&
assinada(s)&pelo&autor&d’A(Liberdade(Transcendente.&As&desinências&do&plural&postas&
entre& parênteses& remetem& para& a& existência& de& materiais( adicionais& –& fora& da&
coleção&de&Fernando&Távora&–&que&podem&ser&úteis&para&complementar&e&esclarecer&
as& epístolas& contidas& no& acervo& documental& que& é& objeto& do& presente& dossier.&
Efetivamente,&graças&à&colaboração&de&Isabel&Cadete&Novais,&Presidente&da&Direção&
do&Centro&de&Estudos&Regianos&de&Vila&do&Conde,&pudemos&localizar&no&espólio&do&
autor&dos&Poemas(de(Deus(e(do(Diabo&–&conservado&no&Centro&de&Memória(de&Vila&do&
Conde&e&pertencente&à&Câmara&Municipal&dessa&cidade&–&três&missivas&endereçadas&
por& Raul& Leal& a& José& Régio.& Pelo& menos& duas& destas& têm& ligação& direta& com& o&
material&presente&na&coleção&Fernando&Távora&e&fornecem&informações&importantes&
para&o&aprimoramento&de&sua&interpretação:&
&
• Carta&de&dezembro&de&1927&enviada&por&Raul&Leal&a&José&Régio.&TrataEse&
da& passagem& a& limpo& do& rascunho& presente& na& coleção& Távora,& sem&
variantes& textuais& mas& completa& de& data& (elemento& fundamental& para&
colocar&cronologicamente&o&documento&preparatório),&assinatura&e&de&um&
interessante& Post( Scriptum& que& não& consta& do& esboço& que& aqui& se&
transcreve& (Fig.& 2d).& Estas& informações& complementares,& oriundas& da&
carta& guardada& no& espólio& regiano& de& Vila& do& Conde,& são& referidas& em&
notas& de& rodapé,& que& também& descrevem& todas& as& intervenções& autorais&
patentes&no&manuscrito&do&rascunho.&
• Carta&de&Raul&Leal&a&José&Régio&de&março&de&1929.&TrataEse&da&carta&que&
responde&à&epístola&regiana&presente&na&coleção&de&Fernando&Távora,&ou&
melhor,&para&sermos&mais&exatos,&da&carta&que&responde&a&outra&missiva&
anterior&de&José&Régio&(que&não&temos&à&disposição)&e&que&se&cruza&com&a&
breve& mensagem& de& solicitação& enviada& por& Régio& nesses& mesmos& dias.&
Este& documento& presente& no& espólio& regiano& permite& contextualizar& o&
assunto&principal&a&respeito&do&qual&o&diretor&da&Presença&anseia&por&uma&
resposta&de&Raul&Leal&(“Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?”,&é&o&
exórdio& de& José& Régio):& a& delicada& questão& da& não& publicação& na& folha&
coimbrã& do& artigo& intitulado& “A& VirgemEBesta”,& como& se& explicará& a&
seguir.&&
• Postal&de&Raul&Leal&a&José&Régio&de&janeiro&de&1930.&Menos&interessante&e&
não&diretamente&ligado&ao&material&presente&na&coleção&Távora,&menciona&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 84


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

contudo&o&envio&de&uma&parte&do&drama&teatral&O(Incompreendido&para&ser&
publicado&na&Presença.&
&
Julgámos& portanto& interessante& intercalar& o& material& presente& em& Vila& do&
Conde& às& epístolas& que& deveriam& naturalmente& ser& apresentadas& no& dossier&
dedicado& ao& acervo& documental& de& Fernando& Távora.& Não& se& pretende& desta&
maneira& oferecer& a& integralidade& da& correspondência& trocada& por& estas& duas&
grandes&personalidades&do&modernismo&português:&certamente,&houve&mais&cartas&
entre& os& dois,& anteriores& a& dezembro& de& 1927& (já& Raul& Leal& tinha& enviado&
colaborações& para& a& Presença& antes& dessa& altura)& e& sabeEse& da& existência& de& outras&
cartas& (não& disponíveis)& anteriores& às& de& março& de& 1929& e& ligadas& ao& envio& do&
mencionado&artigo&“A&VirgemEBesta”.&Não&obstante,&pareceuEnos&oportuno&juntar&
as& peças& de& correspondência& presentes& nos& dois& acervos& para& fornecer& uma&
informação&mais&completa&aos&leitores&da&revista.&
Homem& de& Orpheu,& aliás& “Orfeu& de& mais”,& na& opinião& de& Mário& de& SáE
Carneiro;3& futurista& heterodoxo,& autor& em& 1921& de& uma& carta& endereçada& a&
Marinetti& em& que& propunha& um& profundo& programa& de& reforma& do& movimento;&
filósofo&do&Vertiginismo&Transcendente,&referência&dos&modernistas&(sobretudo&de&
Fernando& Pessoa)4& com& as& suas& arrojadas& teorias& teometafísicas& expressas& em&
panfletos& de& estilo& retumbante& destinados& a& criar& polémicas& acirradas,& como& foi& o&
caso& da& Sodoma( divinizada,& em& 1923;& profeta,& com& o& nome& bíblico& de& Henoch,&
incumbido& da& alta& missão& de& fundar& uma& nova& religião,& a& Igreja& Paracletiana;&
poeta,& embora& quase& exclusivamente& em& francês;& Raul& Leal& era& um& dos& naturais&
interlocutores& da& Presença,& revista& que& se& propunha& divulgar& e& explicar& a& seus&
leitores& os& valores& mais& originais& da& nova& literatura& portuguesa,& os& autores& que&
tinham& provocado& mais& escândalo& do& que& uma& real& aceitação& crítica& quando&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3& Numa& carta& de& 5& de& novembro& de& 1915& a& Fernando& Pessoa,& SáECarneiro& afirmou,& a& propósito& do&
caráter& rebelde& e& inconformista& de& Raul& Leal:& “O& que& diz& do& Leal,& curioso& e& certo,& creio.& É& muita&
pena&que&o&rapazinho&seja&um&pouco&Orfeu(de&mais”&(SÁECARNEIRO,&2015:&413).&Aliás,&o&“rapazinho”&
a&que&se&refere&o&autor&da&Dispersão&era&quatro&anos&mais&velho&do&que&ele&e&dois&anos&mais&velho&do&
que&Fernando&Pessoa,&tendo&nascido&em&1886.&
4& Fernando& Pessoa& escrevia& em& 1915,& a& propósito& do& sistema& filosófico& proposto& por& Raul& Leal:& “É&

um& sistema& que& não& é& já,& propriamente,& uma& filosofia:& transcende& a& filosofia& [...]& A& propria&
incapacidade&de&se&pensar&esse&sistema&é&a&capacidade&de&pensar&esse&sistema.&A&impossibilidade&de&
o&explicar,&explicaEo.&Não&se&poder&definir&–&é&essa&a&definição&[...]&Envolto&na&linguagem&confusa,&
perplexa,&propriamente&e&explicavelmente&vertígica&do&próprio&sistema,&o&fusionismo&transcendente&
revela&contudo,&aos&espíritos&que&quiserem&descer&ao&seu&abismo&através&dos&turbilhões&de&névoa&da&
sua& expressão,& a& sua& íntima& e& original& riqueza& substantiva.& Era& impossível& que& quem& concebeu& tal&
sistema& o& pudesse& exprimir& claramente.& ExprimiElo& claramente,& mesmo,& é& não& o& compreender.& A&
grande&ficção&vertígica,&o&grande&Meio&inestável&das&cousas,&o&abismo&absoluto&e&ilocável&do&ser,&o&
oceano& sem& praias& do& Absoluto& Relativo.& Raul& Leal:& O& seu& espírito& viveu& demasiadamente& o& seu&
sistema”& (apud( LOPO,& 2013a:& 10E11).& Sobre& a& importância& do& pensamento& lealino& na& definição& das&
tendências& literárias& pessoanas,& cf.& LOPO& (2013a:& 1E27).& Mais& em& geral,& sobre& a& importância& do&
pensamento&lealino&no&movimento&modernista&cf.&SILVA&(2015).&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 85


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

vieram&clamorosamente&a&público,&nos&anos&anteriores&ao&aparecimento&da&revista&
coimbrã.&E,&com&efeito,&Raul&Leal&foi&dos&primeiros&homens&da&geração&de&Orpheu&a&
aparecer&na&Presença,&logo&no&n.º&4,&de&8&de&maio&de&1927.&Foi&o&autor&dos&Poemas(de(
Deus(e(do(Diabo(o&responsável&pela&aproximação&de&Raul&Leal&à&folha&de&Coimbra,&
conforme& o& depoimento& de& João& Gaspar& Simões:& “Através& do& mesmo& José& Régio&
chegam&à&nossa&folha&Raul&Leal,&Mário&Saa&e&António&Botto”&(SIMÕES,&1977:&56).&Foi&
o& início& de& uma& colaboração& que& se& manteve& até& 1936,& embora& entre& a& última&
contribuição&(dedicada&a&Fernando&Pessoa,&depois&da&sua&morte)&e&a&penúltima&(a&
publicação,& em& 1931,& do& mencionado& artigo& “A& VirgemEBesta”,& que& provocou&
divisões&dentro&da&revista)&tenha&decorrido&o&longo&espaço&de&cinco&anos.&No&total,&
o& nome& de& Raul& Leal& (quase& sempre& acompanhado& pelo& pseudónimo& “Henoch”)&
apareceu&treze&vezes&na&“Folha&de&Arte&e&Crítica”,&com&sete&contribuições&poéticas,&
quatro&de&prosa&crítica&e&duas&de&teatro.5&Além&disto,&a&Presença&publicou&(no&n.º&18&
de& janeiro& de& 1929)& uma& detalhada& “Tábua& bibliográfica”& de& Raul& Leal,& realizada&
pela&redação&mas&que&muito&provavelmente&se&baseou&em&informações&fornecidas&
pelo& próprio& escritor,& como& aconteceu& em& relação& às& “Tábuas”& dedicadas& a& Mário&
de& SáECarneiro& e& Fernando& Pessoa,& ambas& redigidas& pela& mão& dos& poeta& dos&
heterónimos.6& Raul& Leal& foi& portanto& considerado& pelos& responsáveis& da& revista&
coimbrã& dentro& do& reduzido& número& de& autores& do& primeiro& modernismo& que&
mereciam& a& pontual& ação& de& informação& e& divulgação& empreendida& através& da&
publicação&desta&série&de&tábuas&bibliográficas,&dedicadas&também&–&além&dos&três&
nomes&citados&–&a&Mário&Saa,&António&Botto&e&José&de&Almada&Negreiros.&
A& primeira& carta& disponível& de& Raul& Leal& a& José& Régio& (dezembro& de& 1927)&
abreEse&com&a&declaração&da&proximidade&sentida&entre&o&espírito&de&quem&escreve&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5&As&colaborações&de&Raul&Leal&para&a&Presença&são:&“Le&Dernier&Testament.&II&–&Messe&noire.&Poème&
sacré”&(inédito)&(Final),&Presença,&n.º&4,&Coimbra,&8&de&maio&de&1927,&pp.&4E5;&“A&creação&do&futuro.&A&
organisação& bolchevista& pelo& fascismo& atravez& da& acção& norteEamericana& e& sob& o& regimen& duma&
monarquia& libertária”,& Presença,& n.º& 8,& Coimbra,& 15& dez.& 1927,& p.& 4;& “Psaume”,& Presença,& n.º& 10,&
Coimbra,&15&mar.&1928,&p.&5;&“Lamentations&de&Henoch&(do&poema&inédito&Messe(Noire)”,&Presença,&
n.º&12,&Coimbra,&9&maio&1928,&p.&7;&“Psaume”,&Presença,&n.º&13,&Coimbra,&13&jun.&1928,&p.&3;&“Psaume”,&
Presença,& n.º& 14E15,& Coimbra,& 23& jul.& 1928,& p.& 11;& “Mario& Eloy,& le& grand& évocateur& d’incubes”,&
Presença,&n.º&16,&Coimbra,&nov.&1928,&p.&6;&“Psaume”,&Presença,&n.º&19,&Coimbra,&fev.,&mar.&1929,&p.&3;&
“O&incompreendido,&peça&dramática&em&3&actos&e&4&quadros,&primeiro&acto,&scena&VI”,&Presença,&n.º&
23,& Coimbra,& dez.& 1929,& p.& 3;& “Excerpto& do& drama& metafisico& em& 3& actos& e& 4& quadros,& O&
incompreendido,&(terceiro&ato,&segundo&quadro)”,&Presença,&n.º&25,&Coimbra,&fev.,&mar.&1930,&pp.&9E&
15;&“Messe&noire,&poème&sacré&(excêrto)”,&Presença,&n.º&31E32,&Coimbra,&Mar.–Jun.&1931,&pp.&24E25;&“A&
virgemEbesta”,&ibidem,&p.&25;&“PublicaEse&o&primeiro&capítulo&do&livro&em&preparação&Fernando(Pessoa,(
precursor( do( Quinto( Império,& Na& glória& de& Deus”,& Presença,& n.º& 48,& julho& 1936,& pp.& 4E5.& Oito&
colaborações&são&escritas&em&francês&(as&sete&de&poesia,&mais&o&artigo&sobre&Mário&Eloy)&e&cinco&em&
português;& o& pseudónimo& Henoch& só& não& aparece& por& ocasião& da& primeira& colaboração& teatral;&
curiosamente,&por&duas&vezes&o&nome&do&autor&figura&escrito&com&a&grafia&francesa&“Raoul”&(no&fim&
do&artigo&dedicado&a&Mário&Eloy&e&no&“Psaume”&publicado&no&n.º&19).&
6& Cf.& as& cartas& de& Fernando& Pessoa& a& José& Régio& de& 3E5E1928,& 15E11E1928,& 20E11E1928& e& 6E12E1928& in&

PESSOA&(1998).&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 86


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

e& o& de& quem& vai& ler& e,& sobretudo,& com& a& manifestação& do& interesse& suscitado& em&
Leal& pela& Presença,& tratandoEse& “duma& publicação& que,& sem& duvida,& ha& de& marcar&
na&historia&da&nossa&literatura”.&Os&dois&escritores&não&se&conheciam&pessoalmente,&
como& se& depreende& pelo& exórdio& da& missiva:& “Meu& querido& José& Régio,& DeixeEme&
tratálEo& assim& apesar& dos& meus& olhos& o& não& conhecerem”.& Mas& Raul& Leal& tinha&
outros& amigos& entre& os& colaboradores& da& revista,& como& se& lê& num& trecho& do&
rascunho& posteriormente& riscado:& “A& mais& profunda& estima& e& consideração&
intelectual& tenho& por& si& e& por& todos& que& o& rodeiam,& alguns& dos& quaes,& como& o&
Antonio&Navarro&e&o&Mario&Coutinho,&são&grandes&amigos&meus”&(Fig.&1d).&
A&referência&à&consideração&tida&pelos&jovens&responsáveis&e&colaboradores&
da&revista&coimbrã&trouxera&à&memória&de&Raul&Leal&os&seus&tempos&de&estudante&
de& Direito& na& cidade& banhada& pelas& águas& do& Mondego,& onde& obtivera& a& sua&
licenciatura& em& 1909.& E& suscitara& ainda& um& paralelo& entre& a& presente& geração&
universitária&coimbrã,&representada&pela&atividade&da&“Folha&de&Arte&e&Crítica”,&e&a&
da&sua&época&de&estudante&nessa&cidade.&Como&o&autor&de&O(Incompreendido&escreve&
na& carta& a& José& Régio:& “olhando& para& o& meu& passado& noturno,& encontro& um&
contraste& desolador...”.& Esta& constatação& dá& origem& a& interessantes& considerações&
sobre&o&nível&intelectual&da&sua&geração&coimbrã,&que&acabam&por&aludir&–&de&forma&
extremamente& crítica& –& à& situação& políticoEsocial& portuguesa& do& momento& em& que&
escreve:& “Na& minha& geração& coimbrã& não& havia& Nada,& na& aceção& absoluta,&
metafisica&da&palavra:&Nada(a(não(ser(Eu!&[...]&Em&Coimbra&mais&não&havia&do&que&
mediocres& e& parvos!& D’ahi& a& grande& decadencia& politica& e& social& em& que& vivemos,&
sendo&certo&que&a&vida&do&paiz&está&em&grande&parte&nas&mãos&da&minha&geração&
coimbrã”.& Dois& anos& mais& tarde,& noutra& carta& para& Régio& de& março& de& 1929,& Leal&
será& ainda& mais& explícito,& declarando& a& sua& intenção& de& “fincar& bem& as& minhas&
garras&de&tigre&na&carne&podre&dessa&sociedade&de&merda”.&Leal&era&profundamente&
monárquico& e& há& anos& lutava& contra& o& regime& republicano,& chefiado,& na& opinião&
dele,& por& indivíduos& medíocres& e& sem& relevo& espiritual.& Em& 1915& lançara&
(literalmente,& desde& as& galerias& do& café& Martinho& no& Rossio)& o& manifesto& O( Bando(
Sinistro& em& que,& protestando& contra& o& regime& liderado& por& Afonso& Costa,&
proclamava&que&“Portugal&vive&hoje&um&pesadelo&enorme&de&lama&e&de&sangue!”,&
devido& ao& “inferiorismo& d’alma& republicano”,& baseado& numa& mentalidade&
materialista,& virada& para& a& procura& do& lucro& e& falha& de& qualquer& componente&
espiritual.&De&resto,&toda&a&filosofia&lealina&da&Vertigem&Transcendente&é&articulada&
em&torno&da&dicotomia&Matéria&vs.&Espírito,&em&que&o&primeiro&polo&é&relacionado&
com&a&bestialidade&terrena,&a&razão&que&tudo&determina&–&e&assim&limita&–&e&que&por&
isso&nega&a&vida&anímica&e&espiritual,&a&qual&pelo&contrário&procura&o&Infinito,&o&que&
“ultrapassa&metafisicamente&todos&os&limites”,&o&que&“é&o&Indefinido&Absoluto,&é&a&
própria&Vertigem&que&é&assim&Deus”,&como&escrevia&em&Sodoma(Divinizada.&Perante&
a& decadência& da& sociedade& republicana,& o& panfleto& –& cujo& subtítulo& “Appello& aos&
Intellectuaes& Portuguezes”& sublinhava& o& seu& alvo& principal& –& ressaltava& a& fundaE

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 87


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

mental&missão&desses&“raros&espíritos&de&elite”&de&que&fala&na&carta&a&José&Régio&e&
entre&os&quais&ele&certamente&se&inscrevia&(cf.&ALMEIDA,&2015):&unir&os&seus&esforços&
contra& os& republicanos& para& decretar& a& vitória& dos& Espíritos& superiores& contra& a&
mediocridade&e&restabelecer&essa&“Ordem&sobrenaturalista&que&vem&de&Deus&e&que&
só&as&Monarchias&Sagradas&do&Christianismo&podem&exprimir”&(LEAL,&1918:&1).&&
Ainda& em& 1927,& Leal& sentia& que& a& mesquinhez& do& ambiente& intelectual&
português& de& início& do& século& travara& o& seu& desenvolvimento& espiritual,&
confessando& a& Régio& ter& preferido& –& ele,& o& futurista& amante& da& “vida& tumultuosa&
das& cidades”& –& o& isolamento& da& vida& nos& campos,& longe& desse& “bulicio& da& vida&
académica& a& que& não& sabia& adaptarEme”.& Encontramos& nestas& palavras& mais& uma&
afirmação&da&autoimagem&que&Raul&Leal&formara&ao&longo&dos&anos&de&uma&vida&
difícil&e&atormentada,&a&de&um&ser&incompreendido&e&alheio&ao&mundo&circunstante.&
Também& a& de& um& ser& excessivo& que& prefere& viver& a& sós& esta& faceta& do& seu& caráter&
para& ressalvar& a& própria& dignidade,& porque& ele& estava& ciente& de& que,& também& na&
forma& de& viver& o& excesso,& havia& uma& natural& diferença& entre& si& e& os& outros.&
Efetivamente,&como&escreve&na&carta&a&José&Régio,&até&“na&devassidão&e&no&vinho”,&
Raul&Leal&achava&melhor&“viver&sósinho&sem&companheiros&de&vicio”.&No&panfleto&
de&1923,&intitulado&Uma(Lição(de(Moral(aos(Estudantes(de(Lisboa(e(o(Descaramento(da(
Igreja(Católica&–&em&que&polemizava&diretamente&com&Pedro&Teotónio&Pereira,&líder&
da&Liga&dos&Estudantes,&que&reagira&publicamente&contra&a&sua&Sodoma(Divinizada&e&
contra&as&Canções&de&António&Botto&–&Raul&Leal&escrevia:&“Dolorosa&continúa&sendo&
a& essencia& da& minha& alma& atravez& de& todas& as& depravações,& de& todos& os& vicios.& O&
vinho,& o& jogo& e& o& deboche& são& em& mim& a& carcassa& exterior& de& uma& vida&
essencialmente&puríssima,&cheia&de&dôr&e&resignação”&(apud(BARRETO,&2012:&258).&E&
algumas&linhas&antes,&no&mesmo&texto,&desafiando&o&seu&interlocutor&a&acusáElo&de&
qualquer& tipo& de& indignidade,& sublinhava& a& natureza& discreta& e& solitária& dos& seus&
vícios,& ao& escrever:& “Até& calquei& de& encontro& ao& peito& toda& a& minha& sensualidade&
bestial,& sacrificandoEa& por& completo& n’uma& vida& de& simples& onanista.& E& porque&
mesmo& no& deboche& quero& sempre& orgulhosamente& estar& de& cima,& não& tendo& pois&
desejado& de& modo& algum& patentear& as& minhas& miserias& ás& creaturas& que& me&
pudessem&acompanhar&atravez&do&vicio”&(BARRETO,&2012:&255).&
A& expressão& “companheiros& do& vício”& aparecera& já& na& própria& Sodoma(
Divinizada,&no&parágrafo&em&que&o&autor&fala&do&ambiente&“depravado&e&sacrílego&
da& vida& moderna”&em&que&“tudo&é&profano,&pagão,&terrestre,&naturalista&em&volta&
de&nós”&e&em&que,&por&conseguinte,&se&torna&muito&difícil&“sobrenaturalizarEnos&no&
Amor& e& no& Vício”,& ou& seja,& sentir& Deus& na& luxúria,& realizáEla& misticamente,&
divinizar& Sodoma,& como& o& panfleto& propunha& escandalosamente.& A& este& respeito,&
escrevia:& “O& pederasta& e& luxurioso& alheado& das& cousas& divinas& não& é& digno& de&
censura&por&ser&pederasta&e&luxurioso;&éEo&apenas&como&quaisquer&outros&homens&–&
o&do&lar,&o&comerciante&honrado,&o&escroque&por&não&exercer&o&vício&misticamente.&
Mas&quem&o&pode&hoje&exercer&no&ambiente&terreno,&naturalista&das&nossas&cidades&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 88


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

e&em&que&os&nossos&companheiros(do(vício&[sublinhado&meu]&se&alheiam&de&Deus,&sua&
própria&essência?”&(LEAL&et(al.,&1989).(
O& meio& académico& em& que& Leal& vivera,& “tão& mesquinho,& tão& pouco&
intelectual& e& artistico”,& tornara& apenas& ocasional& a& expressão& dos& seus& “rasgos& de&
génio”,& deprimindo& a& sua& ambição& de& “triunfar& nos& Céus”& e& impedindoEo& de&
realizar&uma&obra&à&altura&do&seu&nível,&que&só&seria&esboçada,&depois&de&formado,&
no& drama& metafísico& O( Incompreendido,& de& caráter& eminentemente& autobiográfico,&
cujo&segundo&capítulo,&“tendo&sofrido&posteriormente&grandes&remudelações&[sic],&
muitas& mais& sofrerá& ainda”.& Esse& mesmo& drama& de& que& a&Presença& publicaria& dois&
excertos,& no& n.º& 23& (dezembro& de& 1929)& e& no& n.º& 25& (fevereiroEmarço& de& 1930.& No&
postal& que& Raul& Leal& enviou& a& José& Régio& em& janeiro& de& 1930& (conservado& no&
espólio& pertencente& à& Câmara& Municipal& de& Vila& do& Conde),& o& autor& refere& a&
preparação& do& excerto& da& sua& peça& teatral& destinado& a& ser& publicado& no& n.º& 25& da&
revista:& “Estou& acabando& de& copiar& o& segundo& quadro& do& terceiro& ato& da& minha&
peça&O(Incomprendido&para&lhe&enviar”.&
Na&carta&de&1927&Leal&traça,&portanto,&um&balanço&dos&seus&inícios&literários,&
condicionados& pela& pobreza& do& meio& intelectual& em& que& vivia.& A& este& propósito,&
registaEse&com&interesse&a&informação&de&que&o&autor&de&O(Incompreendido&perdera&
“quasi& totalmente”& a& sua& produção& anterior& à& formação& universitária& (conseguida&
em&1909)&–&limitada&a&alguns&“esboços&filosoficos&e&criticos”&–&por&causa&da&Revolta&
de&fevereiro&de&1927,&malograda&tentativa&de&derrube&da&ditadura&militar&instalada&
com& o& golpe& de& 28& de& Maio& de& 1926,& chefiada& por& forças& militares& e& civis&
republicanas.&Raul&Leal&refere&que&os&seus&manuscritos&se&encontravam&guardados&
na&redação&do&jornal&Correio(da(Noite,&assaltado&por&populares&na&tarde&do&dia&7&de&
fevereiro.&
A&carta&é&acompanhada&pelo&envio&de&um&salmo&em&francês,&o&primeiro&da&
série&de&quatro&“Psaumes”&de&Raul&Leal&publicados&pela&Presença.&Este&apareceria&
no&n.º&10,&de&15&de&março&de&1928,&sendo&o&poema&datado&de&“décembre&1927”;&de&
facto,&na&carta,&o&autor&especifica&ter&“feito&ultimamente”&a&composição&que&envia&
para& a& revista& coimbrã.& Também& acrescenta& a& informação& de& se& tratar& de& “uma&
verdadeira& prece& paracletiana”.& Com& efeito,& o& tom& do& salmo& é& mesmo& o& de& uma&
invocação&aos&“esprits&aériens”,&para&que&a&alma&do&profeta&Henoch&se&eleve&a&Deus&
e&assim&alcance&a&loucura&divina&e&a&luxúria&delirante&de&todo&o&Infinito.&VejamEse&o&
início&e&o&final&do&poema:&
&
Oh,&esprits&aériens,&
Qui&au&galop&astral&
Eternellement&parcourent&
L’Univers&entier,&
Faites&que&Mon&âme&se&lève&à&Dieu&
En&extases&de&puissance,&
En&délire&profond&de&Grâce&
Et&de&sombre&fierté...&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 89


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença
[...]&
Oh,&esprits&aériens&
Que&Dieu&conduit,&
Transportez&Mon&être&
À&la&débauche&astrale,&
DonnezEMoi&enfin&
La&folie&divine,&
La&luxure&délirante&
De&tout&l’Infini…&
Arrachez&pour&toujours&
De&Mon&existence&terrestre&
L’abattement&lâche&
Qui&me&transporte&au&Néant,&
Déchirez&en&furie&
Les&misères&de&Mon&être&honteux&
Pour&que&Je&Me&lève&enfin,&
En&mystique&exaltation,&
Au&Royaume&sacré&
De&la&MortEDieu…!&
&
Mas&ao&enviar&esta&colaboração,&Raul&Leal&sente&a&necessidade&de&esclarecer&
esta&importante&faceta&da&sua&filosofia,&que&se&reverbera&também&na&sua&poesia.&A&
carta& enviada& a& José& Régio& acrescenta,& em& relação& ao& rascunho,& um& Post( Scriptum&
em&que&o&autor&do&“Psaume”&escreve:&“Como&não&sei&se&já&leu&um&manifesto&que&
lancei& ha& anos,& a& proposito& duma& exposição& de& pintura,& no& qual& expuz&
sinteticamente&o&paracletianismo&(religião&do&Espirito&Santo&ou&Divino&Paracleto),&
envioElhe& alguns& exemplares,& para& si& e& para& os& nossos& amigos& da& Presença.& Esse&
manifesto&esclarece&certos&pontos&obscuros&da&minha&ultima&colaboração”&(Fig.&2d).&
Leal& deve& estar& a& referirEse& ao& texto& intitulado& La( vision( de( deux( artistes( et( la(
folie(luxurieuse(de(Dieu.(Appel(aux(jeunes(gens(à(propos(dRune(exposition(de(peinture.(Les(
salons(de(lRIllustration(Portugaise(viennent(de(sRouvrir(pour(deux(artistes:(Albert(Cardoso(
et( Marius( Eloy,& de& 1924,& longo& ensaio& de& dezoito& páginas& existente& no& espólio& da&
família& de& Fernando& Pessoa,& de& que& havia& também& uma& versão& em& português& (A(
visão( de( dois( artistas( e( a( luxuriosa( loucura( de( Deus.( Apelo( ás( gerações( novas( a( propósito(
duma(exposição(de(pintura),&do&mesmo&ano,&publicada&pela&Imprensa&Lucas&&&C.ª&(cf.&
LOPO,&2013b:&60).&Aliás,&já&em&obras&anteriores&a&esse&manifesto&Raul&Leal&fizera&do&
anúncio&da&Igreja&Paracletiana&–&a&nova&religião&do&Espírito&Santo&que&DeusESatã&o&
incumbiu& de& propalar& –& um& dos& principais& leitVmotifs& do& seu& discurso& artístico& e&
teometafísico,& junto& com& a& ideia& da& Vertigem,& palavraEchave& repetida&
obsessivamente& como& um& mantra.& Em& 1920,& o& seu& “HymneEPoème& Sacré”&
intitulado&Antéchrist(et(la(Gloire(du(SaintVEsprit,&primeiro&volume&da&obra&Le(Dernier(
Testament,& expusera& poeticamente,& em& noventa& e& uma& oitavas,& os& fundamentos&
desta&doutrina.&O&ano&seguinte,&Raul&Leal&escrevera&uma&carta&a&Marinetti&em&que&
lhe& anunciava& as& bases& da& fundação& dessa& religião& futurista:& “C’est& donc& une&
nouvelle& Religion& et& une& nouvelle& Église& que& Je& veux& annoncer& et& l’une& et& l’autre&
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 90
Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

ont& toutEàEfait& le& caractère& de& futuristes.& [...]& L’Église& Paracletienne& dont& la&
fondation&Dieu&M’ordonne&d’annoncer,&c’est&une&Église&essentiellement&Futuriste!&
Et&levons&donc&l’étendard&sanglant&de&la&Révolte&contre&la&charogne&du&Vatican!!...“&
(apud(SILVA,&2015:&117E118).&&
Uma& religião& a& que& se& juntava& uma& visão& da& obra& de& arte& como& misto& de&
representação&cénica,&celebração&religiosa&e&ritual&iniciático,&a&que&Leal&chamava&de&
Astralédia.& Também& no& mencionado& panfleto& de& 1923,& Uma( Lição( de( Moral( aos(
Estudantes( de( Lisboa( e( o( Descaramento( da( Igreja( Católica,& encontraEse& a& explicação&
dessa& “Theocracia& Universal& para& que& todas& as& Monarchias& da& Terra& se& devem&
encaminhar”&–&aqui&na&sua&vertente&teopolítica&–&cuja&alta&missão&“é&dar&a&cada&ser&
a&omnipotencia&divina”7&e&que&acabará&por&“fundar&o&terceiro&Reino&Divino&que&é&o&
Reino&da&Vertigem&ou&do&Espirito&Santo,&sagrado&Paracleto&de&Deus&e&da&Vida…”&
(apud(BARRETO,&2012:&261).&&
Apesar& de& Leal& indicar& que& o& manifesto& de& 1924& era& o& único& de& que& tinha&
exemplares& à& sua& disposição,8& provavelmente& quando& escreve& a& Régio& em&
dezembro& de& 1927& esse& texto& parecerElheEia& também& o& mais& adequado& para&
esclarecer&“os&pontos&obscuros”&da&sua&última&colaboração&na&Presença,&o&artigo&“‘A&
creação& do& futuro’.& A& organisação& bolchevista& pelo& fascismo& atravez& da& acção&
norteEamericana& e& sob& o& regimen& duma& monarquia& libertária”,& publicado& no& n.º& 8&
(dezembro& de& 1927).& Com& efeito,& se& já& o& final& do& poema& sagrado& “Messe& noire”& –&
estreia&de&Raul&Leal&na&folha&coimbrã&–&falava&do&profeta&Henoch9&e&da&sua&“Vertige&
éternel& de& LuxureEDieu...”,& o& último& artigo& discursava& sobre& a& “Cidade& ou& Reino&
paracletiano”& em& que& os& artistas& adeptos& dessa& doutrina& deveriam& exprimir& em&
“dramas&aéreos&[...]&todo&o&processus&labiríntica&e&vertigicamente&fantasmogénico,&
toda& a& tragédia& convulsiva& e& brutal& do& Existir& Divino,& do& espantoso& ExistirECriar,&
essencialmente& sinistro& e& oblíquo& VácuoEFantasma& em& delirante,& angustiosamente&
louca&e&luxuriosa&VertigemEBesta”,&assim&compondo&essa&“obra&de&arte&una&que&eu&
denomino& Astralédia& e& que& é& a& representação& viva,& gigantesca& do& Grande& Drama&
astral&e&divino&em&AbstraçãoEMorte,&aquele&Drama&de&VertigemEVácuo&que&impõe&
e&consome&Deus&na&sua&essência”.&&
Voltando& à& proposta& do& “Psaume”& para& a& Presença,& registaEse& também& a&
atitude& despretensiosa& do& autor,& que& deixa& totalmente& ao& arbítrio& de& José& Régio& a&
avaliação&da&eventualidade&e&dos&tempos&da&sua&publicação,&explicando&as&razões&
que& fazem& com& que& ele& perceba& perfeitamente& as& dificuldades& e& as& exigências& de&
um&diretor&de&jornal&ou&revista.&Um&comportamento&que&Leal&repete&dois&anos&mais&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7& De& que& deriva& também& a& utilização& da& maiúscula& em& todos& os& pronomes& pessoais& de& primeira&
pessoa&que&encontramos&nesses&textos.&
8&Leal&acrescenta:&“Desejaria&oferecerElhes&as&poucas&obras&que&tenho&publicado,&mas&não&conservo&

delas& nenhum& exemplar”.& No& mesmo& PostVScriptum& Leal& menciona& ademais& “os& sete& números& que&
publiquei& do& meu& panfleto& O( Rebelde”,& também& publicados& em& 1927,& dos& quais& já& enviara&
exemplares&a&José&Régio.&
9&“Le&ProphèteEMage&de&la&Mort&et&de&Dieu&|&Batira&enfin&|&Le&RoyaumeEVertige&du&SaintEEsprit”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 91


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

tarde,& na& sucessiva& troca& de& cartas& de& que& temos& testemunho,& a& propósito& da&
controversa& publicação& do& artigo& “A& VirgemEBesta”.& Como& dito& anteriormente,& a&
carta& de& Régio& presente& na& coleção& de& Fernando& Távora& não& bastaria& para&
identificar&o&assunto&a&respeito&do&qual&o&diretor&da&Presença(espera&uma&resposta&
do&seu&interlocutor.&Seria&sempre&possível&avançar&uma&hipótese&com&base&na&data&
da& carta& regiana& e& sabendo& por& outras& fontes& que& o& debate& nas& fileiras& do&
movimento& presencista,& acerca& da& oportunidade& de& publicar& esse& chocante& artigo,&
surgiu&nos&primeiros&meses&de&1929.&Mas&a&resposta&pontual&e&inequívoca&lêEse&no&
início& da& carta& de& Raul& Leal& de& março& desse& ano,& conservada& no& espólio& regiano:&
“Em& resposta& á& sua& carta& [anterior& em& relação& àquela& presente& na& coleção& de&
Fernando& Távora]& deviaElhe& ter& escrito& imediatamente& para& lhe& desfazer& por&
completo&qualquer&preocupação&que&tenha&sobre&o&caso&do&meu&artigo,&‘A&VirgemE
Besta’”& (Fig.& 4a).& É& mesmo& por& Leal& não& ter& escrito& imediatamente& a& Régio& a& esse&
respeito,& que& este& volta& a& escrever& em& março& de& 1929,& principiando& a& sua& missiva&
por:&“Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?&Todos&os&dias&a&tenho&esperado&
–&a&carta&em&que&Você&me&diga&que&não&está&melindrado&com&a&Presença”&(Fig.&3a).&
Pelo& Post( Scriptum& da& epístola& de& Raul& Leal& (Fig.& 4a)& sabeEse& que& ele& recebeu& esta&
última& carta& regiana& quando& já& estava& a& mandar& a& sua,& tendo& atrasado& de& alguns&
dias&o&seu&envio&para&satisfazer&outro&pedido&de&colaboração,&de&que&se&falará&em&
breve.&
Porque&é&que&Raul&Leal&poderia&estar&melindrado&com&a&Presença?&A&resposta&
é& notória:& porque& um& grupo& maioritário& de& colaboradores& da& revista& opuseraEse& à&
publicação& de& “A& VirgemEBesta”,& contrariando& assim& a& intenção& do& próprio& José&
Régio,&que&terá&comunicado&esta&decisão&ao&autor&do&artigo&na&carta&que&antecede&a&
que& se& transcreve& neste& dossier.& Os& pormenores& desta& polémica& são& conhecidos&
através&de&cartas&que&Régio&enviou&nessa&época&para&João&Gaspar&Simões&e&que&este&
publicou& no& seu& José( Régio( e( a( história( do( movimento( da( “Presença”:& Raul& Leal& terá&
enviado& o& seu& artigo& a& Régio& em& janeiro& de& 1929,& acompanhando& a& remessa& pelas&
seguintes& palavras:& “Se& porventura& a& publicação& desse& artigo& lhe& puder& trazer&
quaisquer&sensaborias,&não&o&publique&pois&eu&não&me&ofenderei.&Sou&o&primeiro&a&
reconhecer& que& é& excessivo& e& não& desejo& arrastar& os& meus& amigos& no& abysmo& da&
minha&loucura”10.&Régio&mandara&“A&Virgem&Besta”&à&atenção&de&Simões&em&carta&
sem&data&(mas&datável&de&janeiro&de&1929),&comentando:&“Esse&trecho&do&Raul&Leal,&
que&te&mando.&É&escandaloso,&e&capaz&de&nos&afugentar&um&ou&outro&assinante!&Mas&
deixa&lá.&Não&o&publicar&por&semelhante&motivo&–&seria&um&desmentido&à&Presença”&
(SIMÕES,&1977:&229).&Da&carta&de&24&de&janeiro&a&Simões&percebeEse&a&reação&negativa&
da& maioria& dos& presencistas& perante& “A& VirgemEBesta”.& Régio& escreve:& “Novo&
assunto:& Raul& Leal.& SubmetoEme& à& vossa& decisão& mas& não& concordo& com& ela”&
(SIMÕES,& 1977:& 235).& As& razões& do& desacordo& regiano& são& as& mesmas& que& já&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Período&transcrito&por&Régio&na&carta&enviada&a&Simões&a&29&de&janeiro&de&1929&(cf.&SIMÕES,&1977:&
10

238).&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 92


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

condensara&no&primeiro&comentário&transcrito:&mesmo&ofendendo&“brutalmente&as&
crenças& religiosas& e& morais& da& maioria”,& mesmo& chocando& “um& pouco& a& razão”,&
Régio& defendia& “a& afirmação& sincera& e& original& dum& temperamento& à& parte& [...]& a&
livre& afirmação& dum& corpo& e& duma& alma”;& e& afirmava& significativamente& a& sua&
opinião&sobre&o&autor:&“Raul&Leal&é&a&síntese&dum&corpo&miserável&e&duma&grande&
alma:& O& que& tudo& faz& uma& figura& sinistra& e& chocante,& mas& poderosa& e&
originalíssima”.& De& resto,& Régio& considerava& justamente& que& Leal& “já& mais& ou&
menos&tem&afirmado&na&Presença&o&que&afirma&agora,&com&mais&crueza,&na&VirgemE
Besta”&(SIMÕES,&1977:&235E236).&Sendo&as&razões&que&levavam&a&redação&da&Presença&
a& negar& a& publicação& do& artigo& sugeridas& por& considerações& de& conveniência& e&
oportunidade,& Régio& julgava& a& decisão& um& sinal& de& decadência& da& revista& em&
relação&às&ideias&que&defendera&desde&o&início.&Na&opinião&do&autor&do&manifesto&
Literatura( livresca( e( literatura( viva,( a& recusa& de& “A& VirgemEBesta”& marcava& “uma&
atitude& contrária& à& Presença& –& quando& esse& artigo& não& é& publicado& sem& ser& por&
motivos& de& ordem& estética”,& escrevia& a& Simões& a& 29& de& janeiro.& Na& mesma& carta,&
Régio& fechava& o& assunto& e& assumia& a& responsabilidade& de& comunicar& a& decisão&
contrária& a& Raul& Leal:& “Perante& as& vossas& razões,& ou& antes:& perante& a& vossa& não&
concordância& –& eu& não& tenho& mais& do& que& ceder.& Hoje& mesmo& escreverei& ao& Raul&
Leal”& (SIMÕES,& 1977:& 238E239).& Se& o& fez& mesmo& nesse& dia,& Régio& terá& esperado&
durante&mais&de&um&mês&a&reação&do&autor&de&“A&VirgemEBesta”&à&comunicação&da&
decisão&da&revista.11&
Na&carta&de&março&de&1929,&Raul&Leal&afirma:&“Por&Deus&lhe&peço&que&nem&
mais& um& momento& se& preocupe& com& o& caso& do& meu& artigo.& Compreendo& muito&
bem& a& vossa& atitude& e& tanto& que,& ensinado& pela& vida,& vou& já& tomando& atitudes&
semelhantes”.&Essa&vida&que,&já&no&primeiro&parágrafo&da&carta,&Leal&descreve&como&
um& “iterno& tormento”& que& provoca& um& constante& “estado& de& depressão& e&
abatimento”,& que& encontra& expressão& poética& nos& seus& salmos,& através& dos& quais&
Régio& poderia& avaliar& “todos& os& horrores& que& sofro& [...]& toda& a& tragédia& do& meu&
espirito&e&da&minha&vida”.&De&facto,&o&núcleo&central&desta&carta&é&constituído&por&
considerações&pessoais&em&que&um&balanço&triste&da&própria&existência&se&mistura&
com&a&afirmação&da&atitude&que&seria&necessário&tomar&para&poder&atingir&os&altos&
objetivos& que& Leal& ainda& colocava& acima& de& tudo.& Ensinado& por& mais& uma&
experiência&negativa&–&a&recusa&da&publicação&do&seu&artigo&“excessivo”&–&o&autor&
de&“A&VirgemEBesta”&fala&da&importância&de&“saber&organisar&convenientemente&a&
sua& independencia”,& porque& “Doutro& modo,& em& vez& de& triunfador& será& um&
falhado”.& Leal& consideraEse& “transitoriamente& um& vencido”& por& não& ter& sabido&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Finalmente,&o&artigo&“A&VirgemEBesta”&seria&publicado&no&n.º&31E32&da&Presença&(marçoEjunho&de&
11

1931).& A& saída& da& direção& da& revista,& em& 1930,& de& António& José& Branquinho& da& Fonseca& e& de& mais&
dois& dissidentes,& Edmundo& de& Bettencourt& e& Adolfo& Rocha& (Miguel& Torga),& terá& deixado& cair& uma&
parte&decisiva&da&oposição&à&publicação&do&texto&lealino.&A&linha&mantida&por&José&Régio&pôde&assim&
afirmarEse&e&“A&VirgemEBesta”&vir&a&público&nas&páginas&da&folha&coimbrã.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 93


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

orientar& a& sua& independência,& por& ter& dado& azo& a& demasiados& atos& de&
impulsividade,&de&que&a&proposta&de&publicação&de&“A&VirgemEBesta”&é&mais&um&
exemplo& de& que& se& arrepende,& já& que& considera& que& “Mesmo& a& mim,& neste&
momento,& não& convinha& esta& publicação”.& E& acrescenta:& “Tive,& ha& alguns& anos,&
todos& os& trunfos& nas& mãos& e& deixeiEos& imbecilmente& perder!”,& citando,& a& seguir,& o&
seu&poema&“Le&Prophète&Sacré&de&la&MortEDieu”&para&comparar&a&sua&situação&com&
a& da& Queda& de& Adão.& Para& poder& realizar& uma& grande& Obra& –& confessa& a& Régio& –&
“temos,& antes& de& mais& nada,& que& ser& uns& bons& estratégicos”;& menciona& a&
necessidade&de&ter&“manha&e&cautela,&sem&o&que&está&tudo&perdido&e&os&nossos&altos&
Ideaes&desfarEseEhão&como&pó&luminoso&disperso&na&Imensidade”,&porque&“Quem&
tem& uma& grande& Missão& a& rialisar,& deve& adquirir& por& vezes& a& rasteira& habilidade&
dos&políticos&para&que&o&Seu&alto&Fim&se&cumpra”.&E&propõeEse&ficar&algum&tempo&
em& silêncio,& esquecer& temporariamente& o& seu& espírito& de& rebeldia,& para& forjar& as&
suas& “melhores& armas,& que& são& algumas& das& minhas& obras”.& Como& uma& fera& que&
quer& assaltar& a& sua& presa,& Leal& dispõeEse& a& ocultarEse& “nas& selvas& para& na& ocasião&
própria&dar&o&salto&terrível&e&fincar&bem&as&minhas&garras&de&tigre&na&carne&podre&
dessa&sociedade&de&merda”.&
Outra&palavraEchave&repetida&nesta&carta&é&“sacrifício”,&que&aliás&ocorre&duas&
vezes&na&mesma&frase:&“ao&nosso&Ideal&devemos&sacrificar&o&nosso&próprio&espirito&
aventuroso& e& de& independencia& quando& Ele& exigir& esse& tamanho& sacrificio”.& Essa&
carta&assim&condensa&a&imagem&de&um&homem&não&só&incompreendido&–&celebrada&
no&homónimo&drama&autobiográfico&na&figura&do&protagonista,&Jorge&Vilar&–&como&
também& autoEcondenado& ao& sacrifício& perante& a& importância& capital& da& sua& Obra,&
da&sua&Missão&e&do&seu&Ideal.&Um&homem&rebelde&que&se&colocou&fora&das&normas&e&
das& convencões& sociais& e& morais,& que& protagonizou& lutas& quixotescas& contra& os&
poderes,& que& abdicou& dos& aspetos& materiais& de& uma& vida& burguesa& e& enfrentou&
sofrimentos&físicos&e&psicológicos&para&poder&afirmar&livremente&o&seu&Espírito.&No&
primeiro& capítulo,& intitulado& “Na& Glória& de& Deus”,& do& seu& livro& em& preparação&
Fernando(Pessoa,(Precursor(do(Quinto(Império,&publicado&no&n.º&48&da&Presença&(julho&
de&1936),&Raul&Leal&orgulharEseEia&desta&sua&disposição&para&o&martírio&terreno:&se&
ao&seu&grande&Amigo,&recémEfalecido,&e&não&a&ele,&o&Profeta&Henoch,&cabia&a&tarefa&
de&“cumprir&essa&Missão&altíssima&através&da&Morte”&(a&de&governar&os&homens&do&
Além),& ele& deveria& “realizar& em& absoluto& o& seu& sonho& puríssimo& de& Vertigem&
Divina& por& entre& sórdidos& suplícios& que& a& vida& terrestre,& hoje& feita& de& lama,&
continuadamente& impõe& aos& Grandes& Realizadores”.& Ele& que,& nas& mais& difíceis&
situações,& demonstrara& uma& força& sobrenatural& que& lhe& permitira& “triunfar&
gloriosamente& no& martírio& estupendo& que& como& eleito& de& Deus& eu& tinha& e& terei&
ainda&que&suportar”.&
Voltando&às&cartas&trocadas&com&José&Régio&em&março&de&1929,&encontramos&
nelas& referências& a& outras& colaborações& dos& dois& autores.& Na& carta& do& diretor& da&
Presença&há&o&pedido&de&um&artigo&sobre&cinema,&“para&um&número&especial&que&ao&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 94


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

cinema&vamos&dedicar”.&No&Post(Scritptum&à&sua&carta&–&que&se&cruzou&com&esta&de&
Régio&–&Raul&Leal&escreve:&“Ia&mandar&esta&carta&para&o&correio&quando&recebi&uma&
outra& sua,& mostrando& desejo& de& que& eu& lhe& mandasse& um& artigo& sobre& o& cinema.&
Muito& brevemente& lh’o& enviarei”.& Contudo,& não& constam& colaborações& lealinas&
sobre& este& tema.& A& iniciativa& foi& também& comunicada& a& Fernando& Pessoa& sob& a&
forma&de&um&inquérito,&a&que&o&poeta&dos&heterónimos&respondia,&a&14&de&março&de&
1929:&“Não&sei&se&serei&eu,&se&o&Alvaro&de&Campos,&se&ambos,&quem&terá&opiniões&
sobre&o&cinema.&Alguma&receberá&–&pode&contar&com&isso”12.&Com&efeito,&a&“Folha&
de&Arte&e&Crítica”&acabou&por&não&publicar&um&número&especial&dedicado&à&sétima&
arte,& embora& mantivesse& durante& algum& tempo& uma& coluna,& redigida& por& José&
Régio,& intitulada& “Legendas& Cinematográficas”.& Na& sua& carta,& Raul& Leal& também&
acusa& a& receção& do& último& número& da& Presença,( em& que& aparece& a& mencionada&
tábua&bibliográfica&a&ele&dedicada,&que&é&do&seu&gosto,&e&propõe&mais&“um&psalmo&
que& me& parece& inofensivo”,& o& terceiro& dos& “Psaumes”& publicados& pela& revista&
coimbrã,& que& de& facto& aparecerá& no& n.º& 19& (fevereiroEmarço& de& 1929).& Finalmente,&
registaEse& o& agradecimento& que& Leal& faz& a& propósito& de& uma& colaboração& enviada&
por& Régio& para& a& Revista( da( Solução( Editora,& dirigida& por& José& Pacheco,& cuja&
publicação& no& terceiro& número& fora& garantida& por& Mário& Saa.& Efetivamente,& não&
constam&colaborações&regianas&no&n.º&3&mas&duas&aparecem&no&n.º&4&dessa&revista:&o&
artigo& de& crítica& intitulado& “Arrabalde& de& João& Cabral& do& Nascimento”& e& a& crónica&
“O& Amigo& Difícil”& (cf.& NOVAIS,& 2002:& 324).& Contudo,& fica& a& informação& de& que,& de&
alguma& maneira,& Raul& Leal& –& mesmo& não& “tendo& nada& com& essa& empreza”& –& terá&
funcionado&como&elo&de&ligação&entre&Régio&e&a&revista.&
A&correspondência&privada,&mesmo&tendo&caráter&contingente&e&finalidades&
práticas,& deixa& transparecer& algumas& marcas& do& estilo& pessoal& do& seu& autor.&
Embora,& nas& suas& cartas,& Raul& Leal& não& utilize& a& mesma& linguagem& obscura& com&
que& manifesta& a& complexidade& do& seu& pensamento& nos& seus& artigos& e& ensaios,&
encontramos&contudo&acentos&de&expressividade&literária&em&frases&como&“olhando&
para& o& meu& passado& noturno,& encontro& um& contraste& desolador”,& “era& uma& luz&
rastejante& que& ainda& não& podia& triunfar& nos& Céus”,& “Sentia& por& vezes& rasgos& de&
genio& que& porém& depressa& se& desfaziam& no& eter& das& minhas& emoções”.& Um& traço&
peculiar&do&estilo&lealino,&que&se&verifica&nesta&correspondência,&é&a&maiusculização&
das& iniciais& de& palavrasEchave& –& como& “Nada”,& “Eu”,& Céus”,& “Infinito”,& “Ideal”,&
“Imensidade”,& “Missão”,& “Fim”& –& para& sugerir& o& seu& sentido& transcendente.&
Também&encontramos&irregularidades&grafémicas&tipicamente&lealinas&ao&nível&da&
acentuação&–&aliás,&geralmente&irregular&nos&manuscritos&dessa&época&–&assim&como&
uma& ortografia& arcaizante& ou& simplesmente& pessoal& de& palavras& como& “poude”,&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Pessoa&acabaria&por&não&enviar&nenhuma&opinião&sobre&cinema,&comunicando&ao&próprio&Régio,&
12

dois& meses& depois,& a& 16& de& maio:& “Ao& inquerito& sobre& o& cinema& não& responderei.& Não& sei& o& que&
penso&do&cinema.&Aliás,&prefiro&não&responder&a&inqueritos”&(PESSOA,&1998:&77E78).&&Sobre&o&interesse&
de&Fernando&Pessoa&pelo&cinema&cf.&PESSOA&(2011).&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 95


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

“depremido”,& “remudelações”,& “iterno”,& “rialisar”,& em& que,& como& se& vê,& o& desvio&
da&norma&afeta&principalmente&as&vogais&átonas&das&palavras.&
Quanto& a& José& Régio,& registaEse& na& carta& para& Raul& Leal& –& assim& como& na&
epístola& para& Branquinho& da& Fonseca& –& uma& caraterística& que& é& comum& a& muitos&
manuscritos& regianos& e& que& se& encontra& também& na& correspondência& para&
destinatários&em&relação&aos&quais&Régio&sente&um&certo&grau&de&afinidade,&se&não&
mesmo&de&intimidade:&a&ilustração&da&página&com&desenhos&que&são&reveladores&da&
sua&particular&sensibilidade&artística&e&mesmo&da&sua&predileção&por&uma&expressão&
“caleidoscópica”,&ou&seja,&por&uma&comunicação&total&que&procura&a&transmissão&de&
uma&emoção&estética&que&envolve&palavras&e&imagens.&&
Na&carta&a&Raul&Leal,&Régio&traçou&uma&figura&de&homem&semiEdeitado,&de&
cabelo&comprido,&nu,&que&pode&lembrar&a&um&Cristo&deposto,&motivo&tão&típico&na&
iconografia&regiana,&tendo&em&conta&a&sua&ampla&coleção&de&crucifixos&e,&mais&em&
geral,& de& obras& de& arte& de& motivo& religioso.& A& presença& desta& figura& de& homem&
inerme,& de& cabeça& reclinada,& talvez& beatamente& adormecido& ou,& mais&
provavelmente,&abandonado&ao&seu&próprio&sacrifício,&poderá&relacionarEse&com&a&
imagem&que&Régio&eventualmente&teria&de&Raul&Leal.&AdmiteEse&contudo,&que&esta&
seja&apenas&uma&interpretação&pessoal,&falha&de&qualquer&elemento&de&provação.&
Mais& ricamente& decorada& é& a& carta& a& Branquinho& da& Fonseca& em& que,& no&
verso& das& duas& folhas& em& que& é& escrita,& aparecem& dois& desenhos& representantes&
figuras&de&jovens&de&ambos&os&sexos,&cujos&rostos&têm&olhos&grandes&e&fortemente&
expressivos,& traços& típicos& da& produção& iconográfica& regiana.& Ao& lado& das& figuras&
humanas& aparecem& elementos& vegetais& de& grandes& dimensões.& No& segundo&
desenho,& o& rosto& em& primeiro& plano,& sereno& em& aparência,& é& sobreposto& à& figura&
inteira&de&uma&mulher&que&corre,&como&fugindo&assustada,&de&olhos&semiEfechados.&
&
As%restantes%duas%cartas%de%José%Régio%presentes%na%coleção%
&
A& carta& que& José& Régio& enviou& para& o& também& diretor& e& fundador& da& Presença,&
António&José&Branquinho&da&Fonseca,&a&25&de&julho&de&1927,&foca&sobretudo&aspetos&
práticos&ligados&à&vida&da&revista&e&à&sua&gestão.&Régio&acusa&a&receção&do&último&
número& da& folha,& recomenda& o& seu& envio& a& leitores& possivelmente& interessados& e&
pede&a&Branquinho&o&envio&de&uma&coleção&em&boas&condições.&Também&menciona&
algumas& colaborações& recebidas& para& serem& publicadas:& além& da& de& Raul& Leal& –&
pela&data,&deve&tratarEse&do&artigo&“A&creação&do&futuro.&A&organisação&bolchevista&
pelo&fascismo&atravez&da&acção&norteEamericana&e&sob&o&regimen&duma&monarquia&
libertária”,&publicado&no&n.º&8&(dezembro&de&1927)&–&o&escritor&vilacondense&diz&ter&
recebido&colaboração&de&Mário&Saa13&através&de&António&de&Navarro,&que&é&também&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Posteriores&a&esta&carta,&registamEse&duas&colaborações&de&Mário&Saa&aparecidas&no&mesmo&n.º&7&
13

da&Presença&(8&de&novembro&de&1927):&trataEse&do&artigo&“Redução&de&Deus”&e&do&poema&“Quadras&
da&minha&vida”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 96


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

citado& por& Raul& Leal,& na& carta& de& dezembro& de& 1927,& como& seu& grande& amigo&
dentro& do& núcleo& da& Presença:& isto& coloca& Navarro& como& provável& intermediador&
das&primeiras&colaborações&lealinas&recebidas&por&Régio.&&
A& única& consideração& de& caráter& mais& pessoal& contida& nesta& carta& diz&
respeito&ao&descontentamento&expresso&por&Régio&acerca&do&isolamento&intelectual&
em&que&se&encontra&em&Vila&do&Conde,&onde&diz&viver,&“a&respeito&de&convivência,&
como& Robinson& [Crusoe].& Com& a& agravante& de& não& ser& favorecido& como& ele,& pela&
ausência&completa&dos&meus&semelhantes&cuja&semelhança&me&não&lisongeia”.&Só&a&
companhia&do&amigo&António14,&a&natureza,&o&apego&à&sua&terra,&e&a&certos&costumes&
simples& dos& locais& –& “o& ar& dos& pinheiros,& as& barretadas& dos& indígenas& e& a& própria&
poeira& das& estradas”& –& consolam& o& poeta& e& sanificam& os& seus& nervos& “tão&
escalavrados”.& Também& bastante& curiosa& é& a& referência& irónica& que& Régio& faz,&
depois& de& ter& comunicado& várias& recomendações& e& exigências& ao& seu& intelocutor,&
acerca& do& eventual& interesse& que& Branquinho& da& Fonseca& teria& pelos& carros& da&
marca&espanhola&HispanoESuiza:&“O&HispanoESuiza&que&me&perdôe&a&concorrência&
que&procuro&fazerElhe&na&tua&atenção”.&
Finalmente,&para&concluir&esta&apresentação&dos&documentos&contidos&nesta&
secção&“regiana”&da&coleção&de&Fernando&Távora,&resta&referir&a&carta&enviada&para&
Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& Presença,& a& 22& de& novembro& de& 1935.&
TrataEse&de&uma&breve&e&anódina&missiva&em&que&Régio&comunica&os&nomes&de&três&
novos&assinantes&da&revista,&para&os&quais&pede&que&Moreira&envie,&o&mais&depressa&
possível,&o&último&número.&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Quanto&à&identidade&do&António&citado&por&José&Régio,&agradecemos&a&opinião&de&Isabel&Cadete&
14

Novais,& diretora& do& Centro& de& Estudos& Regianos,& que& levanta& a& seguinte& hipótese:& “Embora&
estivesse& a& passar& as& férias& de& verão& em& Vila& do& Conde,& as& referências& de& Régio& aos& pinheiros,& à&
poeira& e& ao& ‘Robinson’& (como& metáfora& de& isolamento,& sobretudo& civilizacional)& e& ainda&
particularmente& a& referência& ao& António& faz& pensar& nos& períodos& de& férias& que& José& Régio&
costumava& passar& com& o& irmão& Júlio& e& o& primo& António& em& Baltar& (aldeia& entre& Vila& Nova& de&
Famalicão& e& Póvoa& de& Varzim),& onde& os& avós& paternos& tinham& uma& casa.& Neste& caso,& o& referido&
António& seria& o& primo& António& Sousa& Pereira& com& quem& passava& férias& nessa& aldeia,& desde&
crianças”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 97


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[dezembro%de%1927]%15%
(Coleção%Fernando%Távora)16%
&
Meu&querido&José&Régio&
&
Deixe17Eme& tratálEo& assim& apesar& dos& meus& olhos& o& não& conhecerem& e& visto&
que&o&meu&espirito&sente&profundamente&o&seu.18&Como&deve&calcular19&–&pois&o&José&
Régio& sabe& com& certeza& o& que& vale& e& o& que& valem& os& seus& colaboradores20& –& o& seu&
jornalErevista& Presença& temEme& interessado& vivamente.& Por& isso& lhe& peço& que& me&
envie& os& tres& primeiros& numeros& e& o& sexto& que& não& possúo& ainda,21& para& ir& tendo&
assim& a& coleção& completa& duma& publicação& que,& sem& duvida,& ha& de& marcar& na&
historia&da&nossa&literatura.&
E& que& prazer& espiritual,& do& mesmo& modo& que& desgosto,& me& causa& a& sua&
Presença!&Prazer&porque&vejo&nitidamente&que&as&novas&gerações&brilharão&no&Ceu&
de& Portugal& e& do& Mundo& como& chamas& redentoras,& erguidas& exaltadamente& a&
Deus.22& Desgosto& porque& olhando& para& o& meu& passado& noturno,23& encontro& um24&
contraste&desolador...&
Na& minha& geração& coimbrã& não& havia& Nada,& na& aceção& absoluta,& metafisica&
da& palavra:& Nada( a( não( ser( Eu!25& Em& Lisboa& iam& surgindo,& nos& meus& tempos26& de&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
15&Rascunho&de&carta&escrito&a&tinta&preta&no&rosto&e&no&verso&de&duas&folhas:&a&primeira&é&uma&folha&
de& papel& pautado& de& cor& parda;& a& segunda& é& uma& folha& de& papel& comercial& quadriculado& de& cor&
amarelada.&A&passagem&a&limpo&deste&rascunho&–&ou&seja,&a&carta&que&Raul&Leal&enviou&a&José&Régio&
–& é& conservada& no& espólio& deste& escritor,& presente& no& Centro& de& Memória& de& Vila& do& Conde:& foi&
escrita& a& tinta& preta& em& ambas& as& faces& de& duas& folhas& de& papel& quadriculado& e& não& apresenta&
variantes& em& relação& ao& texto& do& rascunho,& à& exceção& da& presença& da& data,& da& assinatura& e& de& um&
Post(Scriptum.&
16& Conforme& dito,& a& carta& enviada& mostra& a& data& “Dezembro& de& 1927”,& escrita& no& canto& superior&

esquerdo&da&página,&na&diagonal&ascendente,&com&um&traço&diagonal&por&baixo.&
17& Riscado& o& “s”& final& de& “Deixe”& que& indicaria& tratamento& informal& na& segunda& pessoa,& provável&

lapso.&
18&Depois&do&ponto,&riscado&um&“A”&maiúsculo.&

19& Depois& de& “calcular”,& riscada& uma& vírgula,& o& artigo& “o”& e& a& letra& “J”,& provável& inicial& do& nome&

José;&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acima&do&artigo&riscado,&o&travessão.&
20&Riscada&uma&vírgula&depois&de&“colaboradores”&e&substituída&pelo&travessão,&acrescentado&acima&

dela.&
21&“ainda”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&com&um&sinal&de&inserção.&

22&O&ponto&foi&provavelmente&acrescentado&posteriormente;&ao&lado&dele&aparece&riscado&um&ponto&e&

vírgula.&O&“D”&inicial&de&“Desgosto”&sobreposto&a&um&“d”&minúsculo.&
23&“noturno”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&Ao&lado&

da&vírgula&aparece&riscado&um&provável&“s”.&
24&A&inicial&de&“um”&sobreposta&a&outra&letra&de&difícil&leitura,&provavelmente&um&“c”,&antecipação&

da&palavra&“contraste”.&
25& Na& carta& enviada& a& José& Régio,& quer& a& anterior& menção& da& palavra& “Nada”,& quer& a& expressão&

“Nada&a&não&ser&Eu”&aparecem&sublinhadas&três&vezes.&&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 98


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

estudante,27& raros& espiritos& de& elite,& irmãos& do& meu& que& porém& só& tarde& os& poude&
conhecer.28& Em& Coimbra& mais& não& havia& do& que29& mediocres& e& parvos!& D’ahi& a&
grande&decadencia&politica&e&social&em&que&vivemos,&sendo&certo&que&a&vida&do&paiz&
está&em&grande&parte&nas&mãos&da30&minha&geração&coimbrã.&
Eu& mesmo,& nesse& tempo,& não& possuindo& em& volta& de& mim& um& ambiente&
propicio& ao& desenvolvimento& do& meu& espirito,& era& uma& luz& rastejante& que& ainda&
não&podia&triunfar&nos&Céus.&Sentia&por&vezes&rasgos&de&genio&que&porém&depressa&
se& desfaziam& no& eter& das& minhas& emoções.& E& era& tão& mesquinho,& tão& pouco&
intelectual& e& artistico& o& meio& em& que& eu& vivia31& apesar& de& ter& estado& na& casa& do&
Lenin&Martins,&espirito32&interessantissimo33&que,&no&fundo,34&pouco&se&mostrava&por&
não&ligar&nenhuma&aos&rapazes&da&minha&geração,&era&enfim&tão&mediocre,&mesmo&
tão&inferior&tudo&que&me&cercava&que&tendo&tamanho&amor&á&vida&tumultuosa35&das&
cidades,& preferia& isolarEme& nos& campos,& não& querendo& sequer& sentir& o& bulicio& da&
vida&académica&a&que&não&sabia&adaptarEme,&e&preferindo&mesmo&na&devassidão&e&
no&vinho&viver&sósinho&sem&companheiros&de&vicio.36&
Foi,&sem&duvida,&por&me&sentir&assim&mentalmente37&depremido&no&ambiente&
que&jámais38&poderia&desenvolver&as&minhas&faculdades&que39&estavam&destinadas&a&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
26& “nos& meus& tempos”& acrescentado& na& entrelinha& superior& em& substituição& de& “nessa& decada”,&
riscado.&
27&“de&estudante”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&sinal&de&inserção.&

28&O&ponto&é&acrescentado&posteriormente;&depois&de&“conhecer”&aparece&riscado:&“apesar&de&aqui&eu&

ter& nascido.& E& não& havendo& em& volta& de& mim”.& Acima& de& “E& não& havendo”& aparece,& também&
riscado:&“E&mesmo&d”.&
29&“Em&Coimbra&mais&não&havia”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“em&volta&de&mim”&(cf.&a&

nota&anterior);&dentro&deste&acrescento,&“mais&não”&aparece&escrito&acima&de&“só”,&riscado;&“do&que”&
escrito&na&entrelinha&superior&da&linha&seguinte,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&
30&A&inicial&de&“da”&é&sobreposta&a&um&“n”,&provável&lapso.&

31& “eu”& acrescentado& na& entrelinha& superior,& acompanhado& por& um& sinal& de& inserção.& Depois& de&

“vivia”&o&autor&riscou&uma&vírgula.&
32&A&inicial&de&“espirito”&sobreposta&a&um&“q”&riscado.&

33& A& desinência& do& grau& superlativo& absoluto& “issimo”& aparece& acrescentada& posteriormente;& o& “i”&

inicial&de&dita&desinência&é&sobreposto&a&um&“e”&final&de&“interessante”,&primeira&versão&do&adjetivo.&
34&À&parte&o&“f”&inicial,&a&palavra&“fundo”&aparece&sobreposta&a&“fim”.&

35& “era& enfim& tão& mediocre,& mesmo& tão& inferior& tudo& que& me& cercava”& acrescentado& na& entrelinha&

superior& e& acompanhado& por& um& sinal& de& inserção;& dentro& do& acrescento,& depois& de& “mediocre,”&
aparece&riscado&“tão”,&substituído&por&“mesmo&tão”,&escrito&a&seguir;&“que&tendo”&escrito&sempre&na&
entrelinha& superior,& porém& mais& abaixo,& por& falta& de& espaço& na& linha,& acima& de& “eu& que”,& riscado,&
escrito&anteriormente&na&linha;&depois&de&“amor”&o&autor&riscou&“tenho”.&Portanto,&a&versão&original&
deste& trecho& era:& “por& não& ligar& nenhuma& aos& rapazes& da& minha& geração,& eu& que& tamanho& amor&
tenho& à& vida”.& Depois& de& “vida”& aparece& riscado& “da”;& também& foi& riscado& o& “s”& final& de&
“tumultuosas”.&
36&O&ponto&final&foi&sobreposto&a&uma&anterior&vírgula;&a&seguir,&aparece&riscado:&“a&não&ser”.&

37&“mentalmente”&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&

38&A&primeira&sílaba&“já”&acrescentada&posteriormente.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 99


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

desenvolverEse&só&por&si,&foi&por&esse&motivo&que&apenas&aos&24&anos,&e&depois&de&
formado,&consegui&fazer&uma&verdadeira40&obra&de&génio,&o41&drama&metafísico,42&O(
Incompreendido.&Antes43&só&produzi44&esboços&filosoficos&e&criticos45&que&perdi&quasi&
totalmente& na& revolução& de& fevereiro,& por& ocasião& do& assalto& ao& Correio( da( Noite(
onde& esses& manuscritos& se& encontravam.& E& se& desse& drama& ficam& quasi& intactos& o&
primeiro& e& terceiro& atos,& o& mesmo& não& posso& dizer& do& segundo& que& tendo& sofrido&
posteriormente&grandes&remudelações,&muitas&mais&sofrerá&ainda.&
Mas& mudemos& de& assunto.& EnvioElhe& um& psalmo& em& francez,& feito&
ultimamente,46&e&que&julgo&ser&uma&verdadeira&prece&paracletiana&para&que&o&José&
Régio&o&publique&quando&quizer.&E&aproveito&a&ocasião&para&lhe&agradecer&todas&as&
suas&gentilezas.&
Como47&infelizmente&tenho&sido&forçado,&por&razões&pouco&poéticas&e&ainda&
menos& metafisicas,& a& trabalhar& em& jornaes,& sei& bem& o& quanto& é& dificil& contentar& a&
todos,&por&muita&consideração&que&haja&pelos&colaboradores.&D’ahi&o&sermos&muitas&
vezes& forçados& a& demorar& a& publicação& de& artigos,& versos,& seja& o& que& fôr,& e& que&
desejariamos& fosse& rapida,& pronta.& Portanto& não& se& preoucupe& com& a& demora& que&
possa& haver& no& aparecimento& da& minha& colaboração.& Eu& sei& bem& dar& valor& ás&
dificuldades& em48& que& se& vê49& um& diretor& de& jornal& ou& revista.& Uma50& publicação&
periodica&é&evidentemente&limitada&na&forma&não&podendo&conter&tudo&ao&mesmo&
tempo51.& Só& na& essencia& contem& muitas& vezes& o& Infinito.& É52& o& que& se& dá& com& as&
nossas&obras!53&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39&Depois&de&“faculdades&que”&riscado&“só&por&si”;&logo&a&seguir,&o&autor&escreveu&e&posteriormente&

riscou:&“se&fazem”;&na&entrelinha&superior&acrescentou&“estavam”&e&continuou&a&escrever&na&linha.&&
40&Riscado&um&“s”&final&de&“verdadeira”&escrito&provavelmente&por&lapso.&

41&O&artigo&“o”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“um”,&riscado.&&

42&Antes&do&título&do&drama,&o&autor&acrescentou&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&

de&inserção,&“intitulado”,&posteriormente&riscado.&
43&Riscada&uma&vírgula&depois&de&“Antes”.&

44&“produzi”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“escrevi”,&riscado.&

45&“e&criticos”&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&

46&“feito&ultimamente,”&acrescentado&na&entrelinha&superior.&

47&Antes&de&“Como”,&riscado,&“Infe”,&provável&antecipação&do&advérbio&escrito&a&seguir.&

48&“em”&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&

49&“se&vê”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“passou”,&riscado.&

50&Um&“S”&maiúsculo&aparece&riscado&antes&de&“Uma”.&

51&“ao&mesmo&tempo”&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção,&

riscado,& que& o& colocaria& entre& “conter”& e& “tudo”;& posteriormente,& o& autor& traçou& novo& sinal& de&
inserção&no&fim&da&frase.&
52&Antes&de&“É”&aparece&um&“E”&maiúsculo,&riscado.&

53& Depois& de& “as& nossas& obras!”& há& um& trecho& bastante& longo,& riscado& pelo& autor,& que& a& seguir& se&

transcreve& utilizando& alguns& símbolos& para& indicar& as& intervenções& autorais& dentro& desta& porção&
textual,&posteriormente&eliminada:&<>&[↑ ] lição&riscada&e&acrescento&na&entrelinha&superior;&*&leitura&
conjeturada.&Transcrição:&“E&como&o&José&Régio&<decerto&se&[↑ *como,]>&conhece&bem,&não&vae[,]&[↑
sem& duvida,]& supor& que& eu& não& sou& sincero& quando& me& refiro& a& si& deste& modo.& Aliás& eu& sou&
demasiadamente& melancolico& para& ser& “blagueur”.& <Tenho>& [↑A& mais]& <sin>& profunda& estima& e&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 100


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Queira,&meu&querido&José&Régio,&aceitar&um&abraço&muito&apertado&
Do&seu&confrade,&sincero&admirador54&
&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
consideração& intelectual& tenho& por& si& e& por& todos& que& o& rodeiam,& <al>& <na& Presença,>& alguns& dos&
quaes,& como& o& Antonio& Navarro& e& o& Mario& Coutinho,& são& grandes& amigos& meus”.& O& início& deste&
parágrafo& riscado,& “E& como& o& José& Régio”,& que& vinha& na& continuação& da& linha,& foi& riscado& por& um&
traço&horizontal&grosso.&As&restantes&linhas&do&trecho&eliminado&foram&riscadas&por&traços&diagonais&
cruzados.&
54& Na& carta& enviada& a& José& Régio,& aparece& a& assinatura& “Raul& Leal”,& seguida& pelo& endereço& do&

remetente:& “S/C& Rua& das& Salgadeiras,& 36,& 3.º& D.& |& Lisboa”.& Debaixo& do& endereço,& o& autor& da& carta&
acrescentou& o& seguinte& Post( Scriptum:& “P.S.& –& Como& não& sei& se& já& leu& um& manifesto& que& lancei& ha&
anos,& a& proposito& duma& exposição& de& pintura,& no& qual& expuz& sinteticamente& o& paracletianismo&
(religião& do& Espirito& Santo& ou& Divino& Paracleto),& envioElhe& alguns& exemplares,& para& si& e& para& os&
nossos& amigos& da& Presença.& Esse& manifesto& esclarece& certos& pontos& obscuros& da& minha& ultima&
colaboração.&Desejaria&oferecerElhes&as&poucas&obras&que&tenho&publicado,&mas&não&conservo&delas&
nenhum&exemplar.&Logo&que&apareça&com&nova&obra,&é&claro,&lembrarEmeEhei&de&vocês&todos.&PeçoE
lhe&que&me&diga&se&recebeu,&ha&tempos,&os&sete&numeros&que&publiquei&do&meu&panfleto&O&Rebelde.&
Caso&os&não&tenha&recebido,&mandarElh’osEhei&outra&vez.&|&R.&Leal”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 101


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%1a.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%rosto%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 102


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%1b.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%verso%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 103


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%1c.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%rosto%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 104


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%1d.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%verso%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 105


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%2a.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%rosto%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 106


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%2b.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1929];%verso%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 107


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%2c.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%rosto%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 108


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%2d.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%verso%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 109


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%de%março%de%1929%%
(Coleção%Fernando%Távora)55&
&
&
Porto&
Hotel&América&Central&
Av.&Rodrigues&de&Freitas&
&
Março&de&1929&
&
&
Meu&querido&Raul&Leal:&
Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?&Todos&os&dias&a&tenho&esperado&–&
a& carta& em& que& Você& me& diga& que& não& está& melindrado& com& a& Presença.& Confio&
tanto&na&sua&generosidade,&que&venho&pedirElhe&para&a&mesma&Presença&um&artigo:&
Um&artigo&sôbre&o&cinema,&para&um&número&especial&que&ao&cinema&vamos&dedicar.&
Não&sei&se&o&cinema&lhe&interessa;&mas&o&Raul&Leal&escreverá&sempre&coisas&pessoais&
e&novas&sôbre&o&que&quizer.&Isso&não&é&lisonja&interesseira&–&bem&o&sabe.&Quereria&
conversar& longamente& consigo.& Mas& escrevoElhe& ao& fim& duma& tarde& de& trabalho,&
com& a& cabeça& já& vazia.& Se& puder,& não& demore& muito& a& responderEme.& Um& abraço&
dum&dos&seus&amigos&e&admiradores&mais&certos&
&
& & & & & & & & José&Régio&
&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
55& Carta& escrita& na& página& de& rosto& de& uma& folha& de& papel& de& carta& que& tem,& no& canto& superior&
esquerdo,& o& carimbo& da( presença.& Na& parte& inferior& da& página,& o& autor& traçou& um& desenho,& uma&
figura&de&homem&semiEdeitado,&de&cabelo&comprido,&nu,&que&pode&lembrar&a&um&Cristo&deposto.&É&
também& presente& o& envelope& que& incluía& a& carta:& o& rosto& apresenta,& na& parte& superior& esquerda,& o&
carimbo& da( presença& e,& na& parte& direita,& o& endereço( “Exmo& Senhor& |& Dr.& Raul& Leal& |& Rua& das&
Salgadeiras& |& 36,& 3.º,& D& |& Lisboa”;& na& parte& inferior& esquerda& figura& o& selo& carimbado& “Republica&
Portuguesa& |& 40& C.& |& Correio”.( O& verso& do& envelope& apresenta,& na& parte& superior,& o& carimbo(
“presença&|&COIMBRA&–&PORTUGAL”;&na&parte&inferior,&em&sentido&inverso,&figura&duas&vezes&o&
carimbo&postal(“LISBOA&|&12.3.29&3E5T&|&CENTRAL”.&&
A&propósito&desta&carta,&figura&no&arquivo&uma&nota,&pela&mão&de&Fernando&Távora,&que&diz:&“Lote&
33.º& E& carta& de& José& Régio& para& Raul& Leal& e& respectivo& sobrescrito;& papel& timbrado& da& revista&
‘Presença’;& datada& de& ‘março& de& 1929’& e& com& um& desenho.& Comprada& em& 20/9/75,& na& Livraria&
Académica&por&ax.&4.000$00”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 110


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%3a.%Carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929].%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 111


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&
&
&
&

&
Fig.%3b.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929];%rosto.%
&

&
Fig.%3c.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929];%verso.%
&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 112


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%de%março%de%1929%%
(Espólio%José%Régio,%Vila%do%Conde)56&
&
&
&&&Lx&
Março57&&
&&de&&
1929&
&
&
Meu&querido&amigo&
&
Em&resposta&á&sua&carta&deviaElhe&ter&escrito&imediatamente&para&lhe&desfazer&
por& completo& qualquer& preocupação& que& tenha& sobre& o& caso& do& meu& artigo,& “A&
VirgemEBesta”.&Mas&a&minha&vida&é&um&iterno&tormento,&tão&grande&que&até&penso&
livrarEme& dela& indo& para& Africa& (!!!),& e& por& isso& perdôeEme& a& minha& falta& que& só&
deriva& do& estado& de& depressão,& de& abatimento& em& que& tal& vida& me& põe&
constantemente.& Os& meus& psalmos& interpretam& bem& a& minha& alma.& Bem& pode&
avaliar&por&eles&todos&os&horrores&que&sofro.&E&não&lhe&mandei&os&mais&intensos&por&
serem& demasiadamente& longos.& Então& veria,& assim& como& no& poema& que& estou&
escrevendo,&toda&a&tragedia&do&meu&espirito&e&da&minha&vida.&
Mas&deixemos&esse&assunto&que&não&interessa.&
Primeiro&que&tudo&quero&agradecerElhe&a&sua&bela&colaboração&para&a&Revista&
da&Solução&Editora.&Como&veio&um&pouco&tarde&só&poderá&ser&publicada&no&terceiro&
numero.&Apesar&de&eu&já&não&ter&nada&com&essa&empreza,&o&Mario&Saa&garantiuEme&
que&nesse&numero&a&publicará.&
Recebi& o& ultimo& numero& da& Presença.& Lá& vi& a& minha& taboa& bibliografica.& Vem&
muito& bem.& Satisfazendo& o& seu& desejo,& envioElhe& um& psalmo& que& me& parece&
inofensivo.&&
Agora,&a&sua&carta.&A&ela&vou&responder.&Por&Deus&lhe&peço&que&nem&mais&um&
momento&se&preocupe&com&o&caso&do&meu&artigo.&Compreendo&muito&bem&a&vossa&
atitude&e&tanto&que,&ensinado&pela&vida,&vou&já&tomando&atitudes&semelhantes.&Um&
espirito&pode&ser&muito&independente&mas&antes&de&mais&nada&deve&saber&organisar&
convenientemente& a& sua& independencia.& Não& a& deve& deixar& á& solta& de& forma& a&
tornarEse& uma& devastação& da& própria& existencia.& Doutro& modo,& em& vez& de&
triunfador& será& um& falhado.& E& se& eu& hoje& sou& transitoriamente& um& vencido,& devo&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
56&Escrita&a&tinta&preta&em&ambas&as&faces&de&duas&folhas&de&papel&de&carta.&Não&existe&cota,&porque&
esta&parte&do&espólio&ainda&não&foi&cotada.&
57& A& palavra& “Março”& aparece& sobreposta& a& outra& palavra& rasurada,& de& que& se& reconhece& o& “F”&

inicial,& provavelmente& “Fevereiro”;& a& preposição& “de”& é& sobreposta& a& algo& de& difícil& interpretação,&
talvez& um& anterior& “de”,& escrito& depois& de& “Fevereiro”,& que& o& autor,& ao& emendar& o& mês,& quis&
decalcar.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 113


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

esse&facto&á&desorientação&em&que&se&tem&desenvolvido&a&minha&independencia.&Só&
tenho&tido&atos&de&impulsividade.&E&é&disso&que&eu&tenho&remorsos.&Tive,&ha&alguns&
anos,& todos& os& trunfos& nas& mãos& e& deixeiEos& imbecilmente& perder!& D’ahi& o& castigo&
tremendo&que&dos&Céus&me&vem.&Por&isso&no&meu&poema&“Le&Prophète&Sacré&de&la&
MortEDieu”,&primeira&parte&(já&concluida)&do&“Royaume&de&la&Mort”&que&constará&
de& tres& partes& (2.ª& “La& Vision& de& Henoch”& em& que& estou& trabalhando;& 3.ª& “Vers&
l’Esprit”),&nesse&poema,&digo,&eu&comparo&a&minha&situação&atual&com&a&da&Queda&
de& Adão,& declarando& mesmo& que& a& encarno& por& razões& theometafisicas& que&
constam&do&mesmo&poema.&
A&verdade,&meu&querido&José&Régio,&é&que&quando&nos&propômos&rialisar&uma&
grande& Obra& na& vida,& temos,& antes& de& mais& nada,& que& ser& uns& bons& estratégicos.&
Para& impôrmos& essa& Obra& em& toda& a& sua& amplitude& precisamos& de& proceder& com&
manha& e& cautela,& sem& o& que& está& tudo& perdido& e& os& nossos& altos& Ideaes& desfarEseE
hão&como&pó&luminoso&disperso&na&Imensidade.&E&pareceEme&que&não&deve&ser&esta&
a& nossa& aspiração.& Não& devemos& ser& demasiadamente& cautelosos& por& nós,& pela&
nossa&existencia&particular&–&isso&é&bom&para&os&burguezes&e&para&os&moços&da&vida!&
–&mas&ao&nosso&Ideal&devemos&sacrificar&o&nosso&proprio&espirito&aventuroso&e&de&
independencia& quando& Ele58& nos& exigir& esse& tamanho& sacrificio.& Quem& tem& uma&
grande&Missão&a&rialisar,&deve&adquirir&por&vezes&a&rasteira&habilidade&dos&politicos&
para& que& o& Seu& alto& Fim& se& cumpra.& E& virá& tempo& em& que& possa& expandir&
livremente& toda& a& sua& independencia& d’alma.& Por& isso& eu& disponhoEme& agora& a&
ocultarEme& nas& selvas& para& na& ocasião& propria& dar& o& salto& terrivel& e& fincar& bem& as&
minhas&garras&de&tigre&na&carne&podre&dessa&sociedade&de&merda.&Convem&mesmo&
que& esqueçam& por& algum& tempo& o59& meu& espirito& de& rebeldia& pois& quando& os&
apahar& desprevenidos& e& depois& de& ter& forjado& as& minhas& melhores& armas& que& são&
algumas& das& minhas& obras,& é& que& então& o& salto& mortal& será& dado& por& mim&
triunfalmente.& Antes& disso& é& preciso& saber& esperar.& E& portanto& eu& proprio& fui&
precipitado,&reconheçoEo&bem,&enviandoElhe,&para&publicar,&“A&VirgemEBesta”.&Foi&
um& dos& taes& gestos60& de& má& impulsividade.& Mesmo& a& mim,& neste& momento,& não&
convinha&esta&publicação.&É&o&que&lhe&tenho&a&dizer&sobre&a&sua&carta.&AbraçaEo&o&
seu&muito&amigo&e&admirador&
&
& & & & & & & & Raul&Leal&
&
P.S.& –& Ia& mandar& esta& carta& para& o& correio& quando& recebi& uma& outra& sua,&
mostrando& desejo& de& que& eu& lhe& mandasse& um& artigo& sobre& cinema.& Muito&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
58&O&“E”&maiúsculo&sobreposto&a&um&“e”&minúsculo.&
59& O& artigo& “o”& sobreposto& a& “me”,& provável& antecipação& do& adjetivo& possessivo& “meu”,& escrito& a&
seguir.&
60&A&partir&daqui,&as&últimas&linhas&da&carta&e&a&assinatura&foram&escritas&de&maneira&muito&apertada,&

por&falta&de&espaço&na&página.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 114


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

brevemente& lh’o& enviarei.& E& como& já& tinha& copiado& o& psalmo,& ahi& vae& do& mesmo&
modo&para&qualquer&altura&–&R.L.61&
&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&O&Post(Scriptum&foi&escrito,&por&falta&de&espaço&no&fim&da&última&página&da&carta,&na&parte&superior&
61

da&primeira&página,&à&direita&da&data,&escrita&no&canto&superior&esquerdo,&e&acima&do&vocativo&“Meu&
querido&amigo”.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 115


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Fig.%4a.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%rosto%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 116


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%4b.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%verso%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 117


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%4c.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%rosto%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 118


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%4d.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%verso%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 119


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930]%%
(Espólio%José%Régio,%Vila%do%Conde)62&
&
&
Meu&prezado&Amigo,&
&
Estou&acabando&de&copiar&o&segundo&quadro&do&terceiro&ato&da&minha&peça&“O&
Incompreendido”& para& lhe& enviar.& PeçoElhe& portanto& que& me& mande& dizer& se& se&
demora&em&Vila&do&Conde&ou&se&vae&para&Portalegre&visto&acabarem&as&ferias.&
AbraçaEo&o&seu&muito&amigo,&admirador&e&obrigado&
&
& & & & & & & & Raul&Leal&
&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Postal&escrito&a&tinta&preta&no&verso.&O&rosto&mostra,&na&parte&superior,&a&escrita&impressa(“Bilhete&
62

Postal”,(à&esquerda&da&qual&figura&o&brasão&nacional,&enquanto&à&direita&aparece&o&selo&de&“25&C”.&
Esta&parte&superior&é&parcialmente&coberta&pelo&carimbo&postal,&em&que&se&consegue&ler&o&número&
“30”&que,&com&toda&probabilidade,&se&refere&ao&ano&em&que&o&postal&foi&enviado.&A&parte&inferior&é&
dividida&em&duas&metades.&Na&metade&esquerda&figura,&debaixo&da&escrita&impressa&“Dêste&lado&e&
no& verso& a& correspondência”,& a& indicação& autografa& do& remetente,& escrita& a& tinta& preta:& “Remete& |&
Raul&Leal&|&R.&Das&Salgadeiras,&|&36,&3.º&D.&|&Lisboa”.&Na&metade&direita,&debaixo&da&escrita&impressa(
“Enderêço”,& o& remetente& escreveu& a& tinta& preta,& por& cima& das& linhas& pontuadas& impressas,& o&
endereço& do& destinatário& “Ilmo.& e& Exmo.& Sr.& |& José& Régio& |& Avenida& Campos& Henriques& |& Vila& do&
Conde”.& No& meio& desta& face& do& postal& aparece& também& o& carimbo& da& estação& de& correios& que& o&
recebeu,&em&que&se&lê:&“CORR.&E&TELEGR.&|&5.JAN.&|&VILA&DO&CONDE”.&Segundo&as&indicações&
presentes&nos&carimbos&o&postal&terá&sido&recebido&no&dia&5&de&janeiro&de&1930.&Na&parte&direita&do&
rosto,&ao&lado&da&indicação&manuscrita&“José&Régio”,&aparece&o&carimbo&azul&da&“CMVC&|&CASA&DE&
José&Régio”&instituição&que&catalogou&esta&peça&da&correspondência&regiana.&&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 120


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%5a.%Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930];%rosto.%
&

&
Fig.%5b.%Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930];%verso.%
&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 121


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca%%
(Coleção%Fernando%Távora)63&
&
&
Vila&do&Conde&
Av.&Campos&Henriques&
&
SegundaEfeira,&&
25E7E1927&
&
&
Meu&caro&António&José:&
&
Acabo& de& receber& a& Presença,& depois& duma& anciosa& espectativa...& Já& estava,&
mesmo,&a&construir&mentalmente&frases&incisivas&que&ia&escreverEte,&para&me&vingar&
da& tua& crueldade...& O& papel,& esplêndido!& E& a& disposição& também& ficou& melhor& do&
que& eu& esperava.& PeçoEte& que& não& descuides& muito& o& enviaEla,& porque& senão&
ninguem& a& receberá& ahi& em& Coimbra.& Tambem& te& lembro& que& mesmo& entre& os&
nossos& amigos& ainda& ha& quem& decerto& queira& pagar& a& segunda& série& (Hespanha,&
Alves& Machado,& o& Craveiro,& etc.)& Desculpa.& Alem& de& colaboração& do& Raul& Leal,&
recebi,& por& intermédio& do& Navarro,& colaboração& do& Mario& Saa.& O& Antonio& Botto&
escreveuEme&uma&carta&(reenviada&ahi&de&Coimbra)&com&uma&canção.&PedeEme&na&
carta&uma&colecção&da&Presença,&que&não&tenho&cá.&Espero,&pois,&de&ti&que&me&envies&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
63&Escrita&nas&páginas&de&rosto&de&duas&folhas&de&papel&de&carta,&exceto&a&parte&final&(a&partir&de&“aos&
nossos&amigos&da&Central”),&a&assinatura&e&o&Post(Scriptum,&escritos&no&verso&da&primeira&folha.&Quer&
este&verso,&quer&o&da&segunda&folha&são&ocupados&por&desenhos&do&autor:&no&primeiro,&debaixo&da&
parte&final&da&carta,&aparecem&duas&cabeças&de&jovens&e&uma&terceira&figura&inteira,&semiEdeitada,&de&
mulher,&de&menor&tamanho,&ao&lado&direito&da&qual&é&traçada&uma&flor&(pode&ser&um&bemEmeEquer&
ou& um& girassol),& cujas& dimensões& são& proporcionadas& com& as& das& cabeças;& repareEse& que& este&
desenho& parece& ter& sido& traçado& antes& da& redação& da& parte& final& da& carta,& que& é& escrita& à& volta& do&
desenho.& No& segundo,& figura& em& primeiro& plano& um& rosto& de& jovem,& parcialmente& sobreposto& à&
figura& de& uma& mulher& nua& que& corre,& como& fugindo& assustada,& ao& lado& da& qual& aparece& um&
elemento&vegetal,&uma&espécie&de&árvore.&&
É& também& presente& na& coleção& o& envelope& que& continha& a& carta.& No& rosto,& figura& o& endereço& do&
destinatário:&“Ex.mo&Senhor&|&António&José&Branquinho&|&da&Fonseca&|&Olivais&|&Coimbra”;&no&canto&
superior&direito&aparece&o&carimbo&postal:&“CORR.OS&E&TEL.&|&27.JUL.27&|&VILA&DO&CONDE”.&No&
verso,&figura&em&posição&central&o&selo&carimbado&(o&mesmo&carimbo&colocado&em&Vila&do&Conde)&e,&
à&direita&o&carimbo&posto&em&Coimbra:&“CORR.OS&E&TEL&|&27&JUL&27&|&COIMBRA”.&
O& acervo& guarda& uma& nota,& da& mão& de& Fernando& Távora,& em& que& se& lê:& “& Lote& 35.º& E& carta& de& José&
Régio&para&António&José&Branquinho&da&Fonseca&e&respectivo&sobrescrito;&datada&de&27&de&Julho&de&
927,&referente&a&assuntos&da&Presença&e&com&duas&páginas&desenhadas.&O&Dr.&Álvaro&Bordalo,&que&
me& vendeu& esta& carta,& garante& que& a& cabeça& da& segunda& página& desenhada& é& um& autoretrato& do&
Régio.& Comprado& em& 28/Maio/75;& <pertenceu& também& segundo>[↑& adquirida& pelo]& Dr.& Bordalo& à&
viúva&de&Branquinho&da&Fonseca”.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 122


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

a&dita&colecção&(poderás&dispensarEte&de&me&enviar&o&1.º&e&o&último&2&números,&que&
tenho&cá)&mas&que&ma&envies&com&todo&o&cuidado,&de&modo&aos&números&chegarem&
ao& seu& destino& decentemente;& As& minhas& recomendações& e& as& minhas& exigências&
anda& não& ficam& por& aqui:& PeçoEte& para& escolheres& números& bons,& e& para& mos&
mandares& o& mais& depressa& possivel.& Han...?& O& HispanoESuiza& que& me& perdôe& a&
concorrência&que&procuro&fazerElhe&na&tua&atenção.&
E&que&mais?&Esses&rapazes&por&ahi&já&fizeram&acto?&EscreveEme&um&pouco.&Vivo&
aqui,& a& respeito& de& convivência,& como& Robinson.& Com& a& agravante& de& não& ser&
favorecido& como& ele,& pela& ausência& completa& dos& meus& semelhantes& cuja&
semelhança&me&não&lisongeia.&O&que&me&vale&é&que&tenho&estado&pela&aldeia&com&o&
António.&E&o&ar&dos&pinheiros,&as&barretadas&dos&indígenas&e&a&própria&poeira&das&
estradas&vãoEme&sanificando&os&nervos&que&ahi&trazia&tão&escalavrados.&Adeus&por&
hoje.&RecomendaEme&aos&nossos&amigos&da&Central&e&da&Presença.&
Um&abraço&do&teu&
& & & & & & & José&Maria&
&
P.S.& Recebeste& o& meu& vale?& DemoreiEme& dois& dias& no& Porto,& por& isso& to& não&
mandei&logo.&Desculpa,&e&obrigadíssimo.&
& & & & & & & J.&M.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 123


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%6a.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
rosto%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 124


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&
&
&
&
&
&
&

&
Fig.%6b.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
verso%da%primeira%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 125


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%6c.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
rosto%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 126


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%6d.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
verso%da%segunda%folha.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 127


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

&
Fig.%6e.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%rosto.%
&

&
Fig.%6f.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%verso.%
&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 128


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira%%
(Coleção%Fernando%Távora)64&
&
&
Portalegre& & & & & & & & & & 22E11E935&
Pensão&21&–&Boavista&
&
Senhor&administrador&da&presença&e&prezado&amigo:&
&
Aqui&lhe&envio&três&nomes&de&novos&65assinantes&da&presença:&
&
Dr.&Domingues&Gusmão&Araújo&
Hotel&Portugal&
Viseu&
&
Dr.&Augusto&Saraiva&
Hotel&Avenida&
Viseu&
&
Dr.&Manuel&da&Cunha&Reis&
Largo&do&Dr.&Cunha&Reis&
Vila&do&Conde&
&
PediaElhe& o& favor& de& enviar& a& êstes& novos& assinantes& o& último& número& da&
presença,&–&o&mais&depressa&possível.&Poderá&avisarEme,&numa&palavra,&da&recepção&
desta&carta?&
Sem&outro&assunto,&
amigo&e&agradecido,&
&
& & & & & & & & José&Régio&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
64&Carta&escrita&a&tinta&preta&no&rosto&de&uma&folha&de&papel&pautado&amarelado.&O&verso&da&folha&
apresenta,& no& canto& superior& direito,& a& marca& de& um& colchete.& Na& coleção& encontraEse& também& o&
envelope&que&continha&a&carta:&o&rosto&do&envelope&apresenta,&no&canto&superior&esquerdo,&a&mesma&
marca&de&um&colchete&que&se&observa&no&verso&da&folha&em&que&foi&escrita&a&carta;&além&disso,&figura&
o&endereço&do&destinatário:(“Ex.mo&Senhor&|&Joaquim&Moreira&|&Largo&da&Maternidade&Júlio&Diniz&|&
70&|&Porto”.&O&verso&do&envelope&mostra,&na&parte&superior,&o&endereço&do&remetente:&“José&Régio&|&
Pensão& 21& –& Portalegre”;& na& parte& inferior& figura,& em& sentido& inverso,& o& carimbo& postal,& repetido&
duas&vezes:&“PORTOECENTRAL&|&23.11.25&1E9&M&|&2.ª&SECÇÃO”.(
65&Antes&de&“assinantes”&aparece&riscado&“cola”,&provável&início&de&“colaboradores”,&por&lapso.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 129


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença
&

%
Fig.%7a.%Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%rosto.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 130


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

%
Fig.%7b.%Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%verso.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 131


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

&

%
Fig.%7c.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%rosto.%
%

%
Fig.%7d.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%verso.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 132


Martines José Régio, Raul Leal e a Presença

Bibliografia%
&
ALMEIDA,& António& (2015).& “‘Brandindo& o& cutelo& da& Maldição’.& Em& torno& do& manifesto& O& Bando&
Sinistro&de&Raul&Leal”,&in&Pessoa(Plural(–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&8,&Outono,&
pp.&564E601.&
BARRETO,& José& (2012).& “Fernando& Pessoa& e& Raul& Leal& contra& a& campanha& moralizadora& dos&
estudantes& em& 1923”,& in& Pessoa( Plural& –( A( Journal( of( Fernando( Pessoa( Studies,& n.º& 2,& Outono,&
pp.&240E270.&
LEAL,& Raul&(1918).&“A&retirada&de&HomemEChristo,&Filho”,&in&O(Liberal.&Folha&Imparcial&da&Manhã&
(dir.&Carneiro&de&Moura),&Ano&II&(XII),&395&(3.544),&Lisboa,&17&de&maio,&pp.&1E2.&
LEAL,& Raul,& PESSOA,& Fernando,& MAIA,& Álvaro& et& al.& (1989).& Sodoma( divinizada:( uma( polémica( iniciada(
por(Fernando(Pessoa(a(propósito(de(António(Botto,(e(também(por(ele(terminada,(com(ajuda(de(Álvaro(
Maia( e( Pedro( Teotónio( Pereira( (da( Liga( de( Acção( dos( Estudantes( de( Lisboa).& Organização,&
introdução&e&cronologia&de&Aníbal&Fernandes.&Lisboa:&Hiena&Editora,&Colecção&Memória&do&
Abismo,&23.&8°.&
LOPO,&Rui&(2013a).&“Raul&Leal&e&Fernando&Pessoa,&um&sublimado&furor&diabolicamente&divino”,&in&
Pessoa(Plural–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&3,&Primavera,&pp.&1E27.&
LOPO,&Rui&(2013b).&“Inéditos&de&Raul&Leal”,&in&Pessoa(Plural–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&
3,&Primavera,&pp.&56E90.&
NOVAIS,& Isabel& Cadete& (2002).& “Para& uma& bibliografia& activa:& colaboração& dispersa& em& jornais,&
revistas&e&publicações”,&in&José(Régio.(Itinerário(fotobiográfico,&Coleção&Presenças&da&Imagem,&
Lisboa:& Imprensa& NacionalECasa& da& Moeda/Vila& do& Conde:& Câmara& Municipal& de& Vila& do&
Conde,&2002,&pp.&319E356.&
PESSOA,&Fernando&(1998).&Cartas(entre(Fernando(Pessoa(e(os(diretores(da(presença.&Edição&e&estudo&de&
Enrico& Martines,& coleção& Estudos,& volume& 2,& Equipa& Pessoa,& Grupo& de& Trabalho& para& o&
Estudo& do& Espólio& e& Edição& Crítica& da& Obra& Completa& de& Fernando& Pessoa,& Lisboa:&
Imprensa&NacionalECasa&da&Moeda.&
PESSOA,&Fernando&(2011).&Argumentos(para(filmes.&Edição,&introdução&e&tradução&de&Patricio&Ferrari&e&
Claudia&J.&Fischer.&Posfácio&de&Fernando&Guerreiro.&Lisboa:&Ática.&
SÁECARNEIRO& Mário& de& (2015).& Em( Ouro( e( Alma( —( Correspondência( com( Fernando( Pessoa.& Edição& de&
Ricardo&Vasconcelos&e&Jerónimo&Pizarro.&Lisboa:&TintaEdaEchina.&&
SILVA,&Manuela&Parreira&da&(2015).&“Raul&Leal,&o&filósofo&‘futurista’&de&Orpheu”,&in&Estranhar(Pessoa,&
n.º&2,&Outono,&pp.&110E119.&
SIMÕES,& João& Gaspar& (1977).& José( Régio( e( a( história( do( movimento( da( “Presença”:( autobiografia.& Porto:&
Brasília.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 133


A"Visão"Luxuriosa"de"Raul"Leal,"
Profeta(Sagrado(da(Morte(e(de(Deus(
(
António Almeida*
(
Palavras4Chave"
(
Raul( Leal,( “A( Visão( de( Dois( Artistas”,( Mário( Eloy,( Alberto( Cardoso,( Astralédia,(
Vertiginismo,(Vanguarda,(F.T.(Marinetti,(Ultrafuturismo,(Paracletianismo.(
(
Resumo"
(
O(autor(modernista(Raul(Leal((1886L1964)(inicia(em(1909(a(sua(atividade(crítica(nos(campos(
da( literatura,( artes( plásticas( e( música,( com( o( lançamento( da( sua( primeira( obra( A"
“Apassionáta”" de" Beethoven" e" Viâna" da" Móta,( não( havia( concluído( o( curso( de( Direito( na(
Universidade( de( Coimbra.( Ao( longo( de( sensivelmente( duas( décadas( de( intervenção(
sistemática( no( panorama( cultural( português,( colabora( nas( principais( revistas( do(
modernismo( português( e( toma( parte( ativa( nas( suas( manifestações( e( polémicas,( sendo( um(
dos(mais(dinâmicos(na(produção(de(manifestos."A(apresentação(do(manifesto(ultrafuturista(
“A( Visão( de( Dois( Artistas( e( a( Luxuriosa( Loucura( de( Deus”( é( um( contributo( para( o(
conhecimento( desta( personalidade( complexa,( tratandoLse( da( primeira( aparição( oficial( do(
Paracletianismo,(Religião(do(Espírito(Santo(ou(Divino(Paracleto(proposta(por(Leal.(
(
Keywords"
(
Raul( Leal,( “The( Vision( of( Two( Artists”,( Mário( Eloy,( Alberto( Cardoso,( Astraledia,(
Vertiginism,(AvantLgarde,(F.T.(Marinetti,(Ultrafuturism,(Paracletianism.(
(
Abstract"
(
The(modernist(author(Raul(Leal((1886L1964)(begins(his(activity(in(the(fields(of(literary,(fine(
arts( and( musical( criticism( in( 1909,( with( the( release( of( his( first( book( A" “Apassionáta”" de"
Beethoven" e" Viâna" da" Móta,( before( finishing( his( Law( degree( at( the( University( of( Coimbra.(
During( a( period( of( nearly( two( decades( of( regular( participation( in( the( Portuguese( cultural(
scene,(he(collaborates(in(the(chief(magazines(of(Portuguese(modernism(and(plays(an(active(
role(in(its(happenings(and(controversies,(being(one(of(the(most(prolific(in(the(production(of(
manifestoes.(The(presentation(of(the(ultrafuturist(manifesto(“The(Vision(of(Two(Artists(and(
the(Luxurious(Folly(of(God”(is(an(approach(to(the(disclosure(of(such(a(complex(personality,(
representing( the( first( appearance( of( Paracletianism,( Religion( of( the( Holy( Ghost( or( Divine(
Paraclete(conceived(by(Leal.(
(

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*( Universidade( Nova( de( Lisboa,( Centre( for( English,( Translation( and( AngloLPortuguese( Studies(
(CETAPS).(
Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
Glória"ao"Génio"que"no"Nosso"Ser"Quer"arrebatar"o"Mundo"
para"a"Vertigem"de"Deus!..."
Raul(Leal,(“Fernando(Pessoa,(precursor(do((
Quinto(Império(–(Na(glória(de(Deus”(
"
Aos"artistas"compete"sobretudo"criar"um"ambiente"em"que"se"
sinta" imediatamente" Deus" em" toda" a" sua" bestialidade"
formidavelmente"luxuriosa.""
Raul(Leal,(Sodoma"divinisada(
"
A"Loucura"e"a"Luxúria"são"a"essência"de"Deus."
Raul(Leal,(“A(visão(de(dois(artistas((
e(a(luxuriosa(loucura(de(Deus”"
(
Homem(de(múltiplos(talentos(e(arrebatadas(paixões,(dotado(de(um(temperamento(
impetuoso( na( defesa( das( suas( convicções,( Raul( Leal( assumiu( um( papel( de( relevo(
no( panorama( do( modernismo( português,( que( começa( de( forma( paulatina( a( ser(
reconhecido(pela(crítica,(à(medida(que(os(inéditos(vão(finalmente(sendo(revelados.(
Essencialmente( conotado( com( a( militância( literária( e( com( a( especulação(
filosófica,( Raul( Leal( mostrarLseLia,( no( entanto,( sempre( atento( à( profusão( de(
movimentos(artísticos(em(vertiginosa(sucessão(ao(longo(do(século(XX.((
Sintomaticamente,(a(sua(estreia(nas(letras(deuLse(pela(via(da(crítica(musical(
com( a( publicação( do( opúsculo( A" “Apassionáta”" de" Beethoven" e" Viâna" da" Móta,( de(
1909,( no( qual( depreciava( a( interpretação( do( aclamado( pianista,( no( TeatroLCirco(
Príncipe(Real(de(Coimbra,(a(7(de(junho(desse(ano.(O(estudo(de(crítica(psicológica(
originou( uma( polémica( com( o( musicólogo( António( Arroyo( na( sequência( de( um(
comentário(deste(na(revista(A"Arte"Musical,(rebatido(por(Raul(Leal(numa(sucessão(
de( artigos( nos( quais( dava( mostras( da( sua( erudição( e( cultura( musical.( Nestes,( o(
autor( colocava( a( espontaneidade( acima( da( técnica,( o( virtuosismo( acima( da( mera(
submissão( a( regras( da( ciência( musical.( Esta( demonstração( de( competência(
proporcionouLlhe( o( convite( por( parte( do( diretor( Michel’Angelo( Lambertini( para(
colaboração(na(revista,(onde(publicaria(alguns(artigos(sobre(Massenet(e(Schumann(
(1910L12).((
Durante(este(intervalo(de(tempo,(ocuparia,(num(primeiro(momento,(o(cargo(
de(subdelegado(do(procurador(régio(na(6ª(vara(da(comarca(de(Lisboa(para(depois(
se(estabelecer(como(advogado(com(escritório(ao(Cais(de(Sodré.(Todavia,(o(exercício(
das( leis( viria( a( revelarLse( incompatível( com( o( anseio( de( especulação( filosófica( e(
cultivo(das(letras(que(então(o(animavam.(Deste(modo,(com(a(parte(da(herança(que(
lhe(coube(por(morte(do(pai(em(janeiro(de(1912,(abandonou(a(quase(certeza(de(uma(
apagada(carreira(na(advocacia(em(prol(da(luta(pelo(Ideal,(que(abraçou(a(partir(daí(
como( se( de( uma( verdadeira( missão( se( tratasse.( Nesse( sentido,( publicaria( uma(
primeira( obra( de( cunho( filosófico,( A" Liberdade" Transcendente( (1913),( tiragem( em(
separata(da(introdução(com(mais(de(uma(centena(de(páginas(à(obra(A"Hipnologia"
Transcendental(de(João(Antunes.(
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 135
Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Com(efeito,(era(grande(o(seu(anseio(de(contactar(de(perto(com(as(tendências(
vanguardistas(da(arte(europeia,(ao(ponto(de(concretizar(uma(excêntrica(viagem(a(
Paris( no( outono( de( 1913( para( assistir( à( première" do( Parsifal( de( Wagner( no( Palais(
Garnier,( prevista( para( 4( de( janeiro( de( 1914,( tendo( coincidido,( entre( outros,( com(
Mário(de(SáLCarneiro,(SantaLRita(Pintor,(José(Pacheko(e(HomemLChristo(Filho,(na(
capital(francesa.(Nesta,(hospedouLse(nos(hotéis(mais(luxuosos(e(foi(cliente(das(lojas(
mais( exclusivas,( tendoLse( rodeado( do( maior( requinte( e( extravagância( durante(
alguns(meses,(acabando(por(se(ver(sem(fundos.(São(estas(circunstâncias(que(ditam(
o(regresso(ao(nosso(país(antes(do(Natal,(para(logo(de(seguida(voltar(a(Paris(para(
cumprir(o(seu(objetivo(inicial,(conforme(relata(em(“L’Homme(aux(Favoris(Noirs”(
(LEAL,(1948:(1L2).(
Em(maio(de(1915,(ainda(na(ressaca(do(escândalo(provocado(por(Orpheu"1(e(
na( sequência( da( deposição( de( Pimenta( de( Castro,( Raul( Leal( preparou( em( sigilo,(
com( a( colaboração( de( SantaLRita( Pintor,( a( saída( do( manifesto( antirrepublicano( O"
Bando" Sinistro" –" Apelo" aos" Intelectuais" Portugueses,( que,( por( uma( tremenda(
coincidência( com( o( acidente( sofrido( num( elétrico( pelo( chefe( do( governo( eleito,(
Afonso(Costa,(teria(repercussões(não(apenas(para(o(seu(autor,(mas(igualmente(para(
os( colaboradores( da( revista,( tendo,( em( larga( medida,( contribuído( para( o( fim( da(
mesma.1( Assim,( na( sequência( da( reação( desencadeada( pela( distribuição( em( julho(
de( 1915( do( manifesto( e( do( envio( de( uma( carta( dirigida( pelo( engenheiro(
sensacionista( Álvaro( de( Campos( ao( vespertino( A" Capital( que( enfureceu( os(
partidários(de(Afonso(Costa,(os(restantes(órficos(manifestariam(a(sua(discordância(
pública( relativamente( a( ambas( as( tomadas( de( posição.( Alguns( dos( colaboradores(
desligarLseLiam( da( revista,( Mário( de( SáLCarneiro( retornaria( de( surpresa( a( Paris(
mesmo(sem(o(conhecimento(do(pai,(e(Raul(Leal(rumaria(a(um(exílio(voluntário(em(
Espanha( em( dezembro( do( mesmo( ano,( logo( após( a( tomada( de( posse( do( segundo(
governo(de(Afonso(Costa,(no(dia(30(de(novembro2.(
Este( exílio( autoimposto,( ditado( não( apenas( pelo( receio( de( represálias,( mas(
também( pela( escassez( de( oportunidades( postas( à( disposição( de( um( opositor( do(
regime,( colocou( o( autor( de( A" Liberdade" Transcendente( perante( gravíssimas(
dificuldades( financeiras( que( as( espaçadas( remessas( de( dinheiro( enviadas( pelos(
advogados( encarregues( de( gerir( a( herança( paterna( apenas( cobriam( parcialmente.(
Isto(mesmo(se(depreende(da(correspondência(trocada(com(Mário(de(SáLCarneiro(e(
Fernando(Pessoa(presente(no(espólio(deste(último(e(revelada(por(Mário(Cesariny(
de(Vasconcelos(em(O"Virgem"Negra.(
Por( consequência,( o( regresso( a( Portugal( decorreu( do( repatriamento( a(
expensas(do(Consulado(português(em(meados(de(1917,(ainda(a(tempo(de(colaborar(
no( número( único( de( Portugal" Futurista,( saído( em( novembro( desse( ano( e(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1( VejaLse( a( apresentação( do( manuscrito( de( O" Bando" Sinistro,( também( pertencente( à( Coleção(
Fernando(Távora,(neste(mesmo(número(da(Pessoa"Plural((ALMEIDA,(2017).(
2(Para(uma(visão(mais(detalhada(sobre(esta(polémica,(ver(JÚDICE((1986)(e(ALMEIDA((2015).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 136


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

prontamente( apreendido( pelas( autoridades.( Leal( participa( nessa( revista( com( um(
texto( sobre( SantaLRita( Pintor:( “L’Abstractionisme( Futuriste( –( Divagation(
Outrephilosophique( –( Vertige( à( propos( de( l’oeuvre( géniale( de( SantaLRita( Pintor,(
‘Abstraction( Congénitale( Intuitive( (MatièreLForce)’,( la( suprème( réalisation( du(
Futurisme”.( TrataLse( do( primeiro( texto( lealino( sobre( artes( plásticas.( Não( apenas(
fruto( da( educação( esmerada( que( recebeu,( mas( também( de( um( caminho( de(
descoberta( que( o( levou( a( contactar( com( o( fenómeno( artístico( em( Portugal( e( no(
estrangeiro,(nomeadamente(em(França(e(Espanha,(produziria(ao(longo(da(sua(vida(
artigos(sobre(SantaLRita(Pintor,(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy,(Mário(Cesariny(de(
Vasconcelos,(Pablo(Picasso(e(Artur(Bual.(
Também( ao( nível( da( conferência,( que( Fernando( Pessoa( encarava( como( um(
abastardamento(por(considerar(que(um(escritor(nunca(devia(chegar(ao(ponto(de(se(
manifestar( como( homem( de( opiniões,( Raul( Leal( foi( um( dos( mais( destacados.(
Assim,(pretendeu(dar(mais(um(contributo(para(a(revolução(do(panorama(artístico(
português( encetada( pelos( órficos,( ao( assumirLse( como( um( dos( responsáveis( por(
“uma(longa(série(de(conferencias(de(afirmação,(sendo(as(primeiras(as(seguintes:(A"
Torre"Eiffel"e"o"Genio"do"Futurismo,(por(SantaLRita(Pintor;( A"Arte"e"a"Heraldica,(pelo(
pintor(Manuel(Jardim;(Teatro"Futurista"no"Espaço,(pelo(Dr.(Raul(Leal;(As"Esfinges"e"os"
Guindastes:" estudo" do" biYmetalismo" psicologico,( por( Mário( de( SáLCarneiro”( (AA.VV.,(
2015:( s.p.),( anunciadas( no( n.º( 2( de( Orpheu( para( a( rentrée,( ou( seja,( para( setembro(
desse(ano.(
Na(conferência(em(preparação,(que(não(logrou(realizarLse,(iria(ser(dada,(em(
primeira( mão,( uma( panorâmica( da( teoria( do( “Teatro( dos( Espaços( (Astralédia),(
fusão( psicodinâmica( de( todas( as( artes( em( abstracto”( (LEAL:( 1977,( 9),( daí( o( seu(
interesse(para(o(assunto(vertente.(
Sem(se(ser(exaustivo,(digaLse(que,(após(o(seu(retorno,(Raul(Leal(assumiu(um(
papel( fundamental( em( diversas( manifestações( direta( ou( indiretamente(
relacionadas( com( artes( plásticas,( como( a( reunião( dos( artistas( nacionalistas( na(
Cervejaria( Jansen( (1918),( o( comício( intelectual( do( Chiado( Terrasse,( no( qual(
pronunciou( a( conferência( “A( Derrocada( da( Técnica”,( no( âmbito( da( questão( entre(
os(Novos(e(os(Velhos(na(S.N.B.A.((Sociedade(Nacional(de(Belas(Artes)((1921L22),(o(I"
Salão"dos"Independentes((1930)(ou(as(reuniões(do(J.U.B.A.((Jardim(Universitário(das(
Belas( Artes)( na( Casa( do( Alentejo,( dinamizadas( pelo( pintor( Guilherme( Filipe( nas(
décadas(de(40(e(50.(
Fiel(a(uma(linha(de(pensamento(original,(mostraria(essa(faceta(interventiva(
no( panorama( político( e( cultural( português( ao( longo( da( sua( vida.( É( exatamente(
baseado(nesse(pressuposto(que(viria(a(produzir(mais(um(manifesto,(A"Visão"de"Dois"
Artistas(e"a"Luxuriosa"Loucura"de"Deus,(a(pretexto(da(exposição(de(pintura(de(Alberto(
Cardoso(e(Mário(Eloy(no(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”,(realizada(em(março(de(
1924.(
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 137


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Os"dois"expositores:"Alberto"Cardoso"e"Mário"Eloy"
(
Vamos(então(passar(a(apresentar(os(dois(expositores.(
Em( primeiro( lugar,( a( escassez( de( informações( disponíveis( sobre( Alberto(
Cardoso( e( a( sua( obra( é,( à( partida,( reveladora( da( diminuta( atenção( crítica( e(
importância(do(seu(legado(no(panorama(artístico(nacional.(
Nas( palavras( de( JoséLAugusto( França,( “Alberto( Cardoso( (1881L1942)(
conheceu(destino(desamparado(e(medíocre”((FRANÇA,(1991:(26),(pertencendo(a(um(
conjunto( de( jovens( artistas( plásticos( instalados( no( início( do( século( passado( em(
Paris,( capital( do( mundo( artístico,( em( busca( duma( paleta( própria.( À( revelia( da(
rigidez( académica( e( das( bolsas( de( estudo( fornecidas( pela( Sociedade( Nacional( de(
BelasLArtes,( estes( procuram( trilhar( o( seu( caminho( individual( com( o( intuito( de(
superar(o(naturalismo(vigente,(elegendo(para(tal(as(Academias(Livres(espalhadas(
pela(cidade.(
À( Cité( Falguière,( casario( degradado( próximo( do( Montparnasse,( onde( se(
podia(arrendar(quartos(económicos(“a(trinta(francos(ao(mês”((MACEDO,(1930:(25(e"
passim),( confluíam( não( apenas( jovens( artistas( portugueses,( mas( também(
estrangeiros,( de( que( se( realçam( nomes( como( os( de( Soutine,( Foujita( e( Modigliani,(
numa( tentativa( de( absorver( tudo( o( que( de( mais( moderno( se( fazia( na( capital(
francesa( em( termos( pictóricos.( Nesta,( Alberto( Cardoso( acamaradou,( entre( outros,(
com(Eduardo(Viana,(Emmérico(Nunes,(Manuel(Bentes,(José(de(Bragança,(Francisco(
Smith,( Manuel( Bentes,( Armando( de( Basto,( Carlos( Franco,( José( Pacheko,( Amadeu(
de(SouzaLCardoso,(Manuel(Jardim(e(Diogo(de(Macedo.(
Este( último( recorda( o( pintor( em( Cité" Falguière," 14( como( alguém( “que( fazia(
caricaturas(e(tocava(guitarra”((MACEDO,(1930:(34),(não(o(destacando(particularmente(
pelo(seu(talento(ou(originalidade.(
De( 19( de( março( a( 17( de( abril( de( 1911,( sete( destes( pintores( e( caricaturistas(
residentes( em( Paris,( nomeadamente,( Francisco( Smith,( Francisco( Álvares( Cabral,(
Domingos( Rebelo,( Emmérico( Nunes,( Alberto( Cardoso,( Robert( Colin( e( Manoel(
Bentes,( pretendiam( darLse( a( conhecer( no( panorama( artístico( nacional.( Para( tal,(
decidiram(expor(no(Salão(Bobone,(em(Lisboa,(no(que(se(convencionou(denominar(
de( “Exposição( Livre”,( não( apenas( por( não( enfileirarem( em( qualquer( corrente(
artística,(mas(também(pelo(facto(de(alguns(dos(mesmos(terem(frequentado(as(atrás(
referidas(Academias(Livres.(
Em( comum( a( estes( expositores( de( 1911,( Raquel( Henriques( da( Silva,( em(
”Sinais(de(ruptura:(‘livres’(e(humoristas”,(ressalta(a(“[...](vida(acidentada(marcada(
por(carências(materiais(e(incapacidade(de(organização(social,(a(ameaça(precoce(da(
doença,( a( morte( em( plena( maturidade( e,( como( resultado,( a( escassa( visibilidade(
pública”((SILVA,(1995:(384).(
Como(contributo(para(esta(exposição(de(1911,(Alberto(Cardoso(enviaria(de(
Paris(oito(obras((cinco(óleos(e(três(pochades),(com(alguns(traços(modernizantes,(mas(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 138


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

que( denunciavam( ainda( a( herança( oitocentista,( apresentandoLse( como( tentativas(


ingénuas( e( hesitantes( de( superar( o( naturalismo( do( Grupo( do( Leão,( com(
Columbano,(Malhoa(e(Silva(Porto(à(cabeça.(
Após( esta( coletiva,( que( garantiu( uma( visibilidade( fugaz( aos( expositores,( o(
pintor( apenas( regressaria( a( Lisboa( passados( onze( anos,( desta( feita( com( a(
responsabilidade(de(apresentar(cinquenta(e(duas(obras(no(Salão(Nobre(do(Teatro(
Nacional,(de(20(de(maio(a(12(de(junho.(Esta(mostra(seria(a(sua(primeira(exposição(
individual,(já(passara(então(dos(quarenta(anos.((
Terá( sido,( porventura,( nesta( ocasião( que( Alberto( Cardoso( travou(
conhecimento( com( o( promissor( Mário( Eloy,( dezoito( anos( mais( jovem,( que( à( data(
utilizava( o( ateliê( de( cenografia( disponibilizado( por( Augusto( Pina( no( foyer" do(
Teatro(Nacional(e(o(retratou(para(o(periódico(A"Palavra((ELOY,(1922:(s/p).(
Nascido( na( viragem( do( século,( Mário( Eloy( (1900L1951)( teve( uma( vida(
verdadeiramente( aventurosa,( recheada( de( peripécias( até( à( sua( morte,( a( 5( de(
setembro(de(1951,(na(Casa(de(Saúde(do(Telhal,(onde(se(encontrava(internado(desde(
junho(de(1945.(
Filho( e( neto( de( ourives( e( atores( teatrais( amadores,( frequentou( a( Academia(
de( Belas( Artes( de( Lisboa( durante( dois( anos,( mas( não( se( terá( adaptado( à( rigidez(
passadista( do( curso,( preferindo( avançar( na( demanda( estética( de( uma( paleta(
própria.( A( sua( aposta( num( autodidatismo( rebelde( constituía,( ao( mesmo( tempo,(
uma(afirmação(da(sua(individualidade(e(uma(postura(de(desprezo(face(ao(ensino(e(
às(instituições,(à(semelhança(do(que(sucederia(mais(tarde(com(os(surrealistas,(por(
exemplo.(
Esse(inconformismo(face(à(norma(acompanhouLo(ao(longo(da(sua(vida(e(tal(
como(Raul(Leal(tinha(feito(quatro(anos(antes,(o(pintor(seguiu(no(final(de(1919(para(
Espanha( (Sevilha( e( Madrid),( onde( permaneceu( até( à( Primavera( do( ano( seguinte,(
altura( em( que( foi( resgatado( pelo( artista( e( cenógrafo( Augusto( Pina,( amigo( da(
família.(No(país(vizinho,(Mário(Eloy(contactou(com(as(obras(de(mestres(espanhóis(
como(El(Greco,(Velasquez,(Zurbáran(ou(Goya,((
No(início(da(década(de(20,(Eloy(ainda(se(mostrava(indeciso(sobre(que(rumo(
artístico( imprimir( à( sua( vida.( Numa( primeira( fase,( optou( por( seguir( a( tradição(
familiar(nos(palcos(teatrais,(ao(fazer(parte(do(elenco(da(Companhia(“Rey(ColaçoL
Robles(Monteiro”,(estreandoLse(a(21(de(dezembro(de(1922,(no(Teatro(Politeama,(na(
peça(“Mamã(Colibri”,(de(Henri(Bataille.(Durante(o(ano(de(1923(o(jovem(ator(viria(a(
participar( em( pelo( menos( outras( três( peças( teatrais( —( “Ribeirinha”,( “A( Luva( de(
Ricardina”(e(“Ordem(de(Marcha”(—,(sem,(no(entanto,(atingir(grande(sucesso."
Em( simultâneo,( este( ator( em( projeto( integrava( uma( tertúlia( de( ambiciosos(
jovens(literatos(e(artistas(plásticos(que(se(reuniam(no(ateliê(de(cenografia(utilizado(
pelo(pintor,(para(discutir(questões(artísticas,(apresentar(as(suas(telas(ou(ler(as(mais(
recentes(composições(e(peças(teatrais.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 139


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Contrariamente( ao( desamparado( Alberto( Cardoso,( e( mesmo( sem( alguma(


vez( ter( exposto,( Mário( Eloy( gozou( desde( o( início( da( sua( atividade( artística( dos(
favores( da( crítica,( aspeto( que( inclusivamente( se( viria( a( acentuar( nos( anos(
subsequentes.( Com( efeito,( logo( na( primeira( apreciação( crítica( conhecida,( ainda(
Eloy( repartia( o( seu( tempo( entre( a( representação( teatral( e( a( pintura,( já( Duarte( de(
Viveiros(o(visitava(no(seu(ateliê(de(cenografia(nas(cúpulas(no(Teatro(Nacional(D.(
Maria(II(e(compunha(para(um(artigo(n’O"Tempo(a(figura(mitificada(que(subsistiria(
deste( “pintorLinfante”,( “jovem( feiticeiro( da( cor”( e( “lusíado( aristocrata( do( pincel”(
(VIVEIROS,(1922:(1),(cujos(maiores(atributos(seriam(a(sinceridade(e(a(independência.(
A( composição( da( figura( deste( “artista( moço”( apresenta( laivos( de(
messianismo(artístico,(sendo(ele(encarado(como(arauto(de(uma(nova(geração,(que(
imporá( a( arte( portuguesa( no( mundo:( “Mário( Eloy( pertence( ao( número( dos( raros(
espíritos(que,(entre(nós,(souberam(atingir(o(conteudo(espiritual(do(século( XX(e(se(
impuzeram( a( audaciosa( construção( da( ponte( que( háLde( ligar( a( vida( portuguesa(
com(os(centros(onde(lateja(o(coração(forte(e(imperialista(duma(nova(concepção(do(
Belo”((VIVEIROS:(2).(
Ainda( no( decorrer( do( mesmo( ano,( na( novela( curta( “O( pintor( boémio”,(
inspirada( livremente( em( Eloy,( o( cronista( Augusto( d’Esaguy( contribuiu( para(
reforçar(essa(imagem(de(singularidade.(Conferiu,(todavia,(uma(aura(romântica(ao(
pintor( que( fazia( dos( cafés( o( seu( estúdio( e,( no( seu( jeito( “irrequieto( e( nervoso”(
(D’ESAGUY,(1922:(3),(retratava(os(seus(interlocutores(de(forma(apaixonada,(vivendo(
esmagado(pela(enormidade(da(sua(missão(de(criar(beleza:(“O(pintorLboémio(era(o(
Mario( –( expressão( decadente,( romantico( e( sonhador,( fumador( de( glorias( e(
hipoteses,(a(cabeça(prenhe(de(ideias,(as(mãos(torcendo(linhas(no(espaço,(os(dedos(
desenhando(na(grande(téla(do(mundo”((D’ESAGUY:(3).(
A( crítica( é( unânime( em( apontar( uma( maior( dose( de( talento( e( augurar( um(
futuro( mais( promissor( a( Mário( Eloy( que( a( Alberto( Cardoso.( No( artigo( que(
escreveu( para( o( jornal( A" Batalha,( Mário( Domingues( exprimiu( essa( ideia( de( forma(
lapidar:( “Na( idade,( o( primeiro( é( mais( velho( que( o( segundo,( na( arte( o( segundo( é(
mais(velho(que(o(primeiro”((DOMINGUES,(1924:(1).(
Por(seu(turno,(na(palestra(que(abriu(a(exposição,(Assis(Esperança(afirma(que(
“Alberto( Cardoso( faz( escultura( na( pintura( […]( Sacerdote( da( côr,( fervente(
apaixonado,( onde( haja( colorido( intenso,( lá( o( encontrarão”( (CATÁLOGO" DA"
EXPOSIÇÃO,(1924:(2;(cf.(Fig.(1).(Na(visão(dos(críticos,(a(utilização(deste(berrantismo(
de(índole(impressionista,(que(perturba(uma(certa(harmonia(da(representação,(terá(
concorrido( para( que( estes( considerassem( “a( sua( tecnica( d’aparencia( rebuscada,(
irritantemente( pretensiosa”( (CATÁLOGO" DA" EXPOSIÇÃO:( 2).( Assis( Esperança,(
contudo,( afastaLse( desta( visão,( atribuindo( essa( característica( apenas( à( liberdade(
criativa(do(artista(na(fixação(do(mundo(exterior.(
Se( no( caso( de( Alberto( Cardoso( a( crítica( coincidia( em( destacar( apenas( o(
arrojo( na( utilização( da( cor( e( dos( tons( berrantes( na( representação( do( mundo(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 140


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

exterior,( aspeto( que( não( constituía( propriamente( uma( novidade( face( ao( seu(
trabalho(anterior,(no(que(tocava(à(pintura(de(Mário(Eloy,(esta(era(encarada(como(
sendo(uma(transposição(da(alma(para(as(suas(telas,(materialização(não(apenas(do(
interior( convulsionado( do( artista,( mas( também( da( psique( dos( retratados:( “O( seu(
pincel(presenta(e(exterioriza(a(psicologia.(É(um(pintor(de(almas”((MATOS(SEQUEIRA,(
1924:(1).((
No(mesmo(sentido,(na(aludida(palestra(proferida(no(vernissage"da(exposição,(
Assis( Esperança( afirma( que( aquilo( que( o( pintor( de( Varinas" executa( é( “retrato( de(
interpretação”,( desenvolvendo( a( sua( ideia:( “É( que( o( artista( desceu( às(
profundidades(da(vida(dos(modelos,(trazendo(para(a(tela(o(que(soube(ver,(todos(os(
segredos(que(surpreendeu…”((CATÁLOGO"DA"EXPOSIÇÃO,(1924:(2).(
(
A"exposição"de"pintura"no"Salão"da"“Ilustração"Portugueza”"(1924)"
(
Com(o(poder(da(agremiação(da(Barata(Salgueiro(ainda(nas(mãos(dos(naturalistas,(
após( o( golpe( falhado( com( vista( à( tomada( da( Direção( da( Sociedade( Nacional( de(
BelasLArtes( por( parte( de( José( Pacheko( e( dos( seus( companheiros,( na( denominada(
Questão( dos( Velhos( e( dos( Novos( da( S.N.B.A.( (1921L1922),( as( manifestações(
artísticas( das( tendências( modernistas( estavam( essencialmente( cingidas( a( dois(
espaços( preferenciais( no( Chiado,( coração( da( vida( intelectual( lisboeta:( o( Salão(
Bobone(e(o(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”.(
Neste(último,(particularmente(ativo(na(década(de(20(do(século(passado,(as(
exposições( de( arte,( dirigidas( a( um( público( informado( e( exigente,( desfrutavam( da(
cobertura( e( publicidade( dada( aos( eventos( pelo( jornal( O" Século( e( pela( sua( revista(
mundana(dos(sábados,(a(Ilustração"Portugueza,(que(emprestava(o(nome(ao(espaço.(
Essencialmente(sob(a(direção(de(António(Ferro((1921L1922),(esta(revista(colocou(em(
plano( de( destaque( modernistas( portugueses( como( António( Soares,( Almada(
Negreiros,( Jorge( Barradas,( Stuart( Carvalhais( ou( Bernardo( Marques,( por( exemplo,(
incumbindoLos(da(composição(das(capas.(
A(exposição(de(pintura(de(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy(realizada(no(Salão(
da( Ilustração" Portugueza( do( jornal( O" Século( foi( inaugurada( no( dia( do( vigésimo(
quarto( aniversário( deste( último( (15( de( março),( com( um( vernissage" reservado( à(
imprensa(e(convidados((Figs.(4,(5(e(6).(A(abertura(ao(público(apenas(se(daria(no(dia(
seguinte,(prolongandoLse(até(ao(dia(31(de(março,(com(relativo(sucesso.(
No( vernissage" foi( proferida( uma( palestra( sobre( arte( em( geral( e( sobre( estes(
dois( artistas( em( particular,( por( António( Assis( Esperança,( um( dos( retratados( por(
Mário(Eloy((Fig.(2),(companheiro(de(anarquistas(do(jornal(A"Batalha,"como(Ferreira(
de(Castro,(Julião(Quintinha,(Jaime(Brasil(ou(Roberto(Nobre,(que(viria(mais(tarde(a(
enfileirar(no(neoLrealismo,(colaborando(em(publicações(como(a(Seara"Nova,(O"Diabo(
ou( Vértice.( O( catálogo( da( exposição( apresenta( como( prefácio( uma( seleção( de(
excertos(dessa(palestra.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 141


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

· EXPOSIÇÃO .
DE PINTURA
DE

ALBERTO CARDOSO
E

MARIO ELOY

Salão da ILUSTRAÇÃO
PORTUGUESA


16 a 3 t de Março de 1924

(
Fig."1."Catálogo"da"Exposição."
(

(( (
Figs."2"e"3."Retratos"de"Assis"Esperança"e"Raul"Leal""
(Museu"do"Chiado"e"Contraponto)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 142


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Arte e
Artistas

. Realisou -se no dia


15, no Sa lão da Jlus -
lração Por tugueza ,
o o ,r11issage da e x-
posição dos ilustres
r,in t ores srs . Albe r to
Cardoso e Ma r io Eloy,
que está obtendo o
mais justificado su -
cesso . Pela mesma
ocasião r eal i sou, o
11
s r. Assis Espe r ança,
!~:;;~sg~I
/~";rr~ l~al~:
lhos e., postos, r ep r e-
se11 ta11do a 11ossag r a-
'1ura o recinto ãa
exposiçãd , quando da
r efer i da pal estra. N a
o-1al -1eem-se os ar-
ti stas expositores: á
esquerda o sr. Alber -
to Ca rd oso e ád ir eit a,
o sr. Mario El oy.

(
Fig."4."Artigo"da"Ilustração.Portuguesa."
(
Do( extenso( rol( de( presentes( na( assistência( fornecido( pelo( jornal( O" Século,"
para(além(de(alguns(dos(retratados(como(os(poetas(Gil(Vaz(e(Herculano(Levy(ou(
os( atores( Matos( Reis( e( Ribeiro( Lopes,( destacamLse( personalidades( da( cena(
intelectual" e( artística( portuguesa( como( Eduardo( Viana,( Valério( de( Rajanto,(
Augusto(Pina,(José(Tagarro,(Teixeira(de(Pascoaes,(António(Soares,(Gil(Vaz,(Ferreira(
de( Castro,( isto( a( somar( a( jornalistas( como( Bourbon( de( Meneses,( António( Alves(
Martins(e(Matos(Sequeira((O"SÉCULO,(1924g:(2).(
A(garantir(ainda(mais(visibilidade(ao(evento,(no(dia(da(saída(deste(artigo,(o(
próprio( Presidente( da( República,( Manuel( Teixeira( Gomes,( visitou( a( exposição,(
acompanhado( do( oficial( da( Marinha,( Florentino( Martins,( do( Diretor( da( Ilustração"
Portugueza,( Tito( Martins,( do( secretário( da( administração( d’O" Século,( Mário( do(
Rosário,( e( dos( dois( expositores,( facto( que( mereceu( honras( de( primeira( página( no(
dia(18(de(março.(
Por( fim,( no( dia( 22( de( março,( o( redator( d’O" Século" inclui( nova( lista( de(
personalidades( que( dignaram( a( exposição( com( a( sua( visita,( como( Emmérico( H.(
Nunes,(José(Dias(Sancho(ou(Mário(Domingues((O"SÉCULO,(1924j:(2).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 143


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Vida artistica
'Exposição de pin tu ra n o Salã o
da «/lus tr 11çã o Po rt ugueza. ~
No Sa lão da llu stração Pot·tugueza In a u-
g u ra-se h oje a expos l~áo de p inlul'a dos
a r tistas s t·s, !llarl o Wol e .Alberto t.:ard oso ,
• J!IDA ART/S1/CA
fl exposição de pinfura no Salão da <1 :Jluslra;ão
j?orf ugue~a »

Po r ocas ião <lo ,vernissage», o sr. Assis


Bspe,·ança 1Jron u oc la rá a lg,u11as pa lav r as
de aLe1·Lllt'a.
Os q ua d r os d a Grande Querra Um aspeto dos visitantes á exposição, no mom en to da conferencia
ü as 13 as 17 h or as estarão lloJe expos-
tos no .ate ll e r • da Caba llo Hegalo, no Como tinha.mos not iciado, rea l isou-:.e O sr . As~is Esperança , moç,o cscr1lto r,
parque das 1 ece,s ldades, as gl'ande te- h on.t em, no Salão da 11 l lru.stl'a çã.o P ortu- fez uma inte l'essante confel',encia sobl'e
g ueza,,, a in au guração d,a e:q>0sição de Arte. tend o par a os t ra baH1os Pxpostos ,
las c u1 c1ue o ptnce l de Sousa Lopes fixou qu a àr o5 d os pint o res s1'S. l\M.r io El.oi e, pa lavr as t i-o j u5to .louvor o do in cita mcn-
al guns uus aspetos da parllclpação po r - Al.bert o Gard oso, tendo sido avul t ad o o to va l'a os seus a.11torcs.
t u g u eza. ua. Gr ande Gue rr a. Assim o r e- 11ume1'0 ele vi sita nt es .ao jnt er cssante uccr- A assistencia pre miou com ap la usos o
ol veu o em ine n te pintor, pal'a cor .respon- ta men u, ond e os n oveis art ista.s aprc sen- confe 1•ente. recebendo os expositores as
d e r a n umero as sollcl ta~ ões que lhe fo - tam t1•abalh os de l'ca l mer-ecimento e aos 1nais arect uosas demon.stra cões de estima
,·am <llrigldas. lJUaes faremos rnal-s clctl d.a 1~fcr ncia. vo1· par L-ode alg un s dos t:onvidados.
(( (
Figs."5"e"6."Artigos"de"O.Século.""
(
TratavaLse( da( segunda( exposição( de( Alberto( Cardoso( a( título( individual,(
após( a( realizada( em( 1922,( no( Salão( Nobre( do( Teatro( Nacional,( e( da( primeira( de(
Mário( Eloy.( Daí( a( importância( atribuída( pelo( pintor( à( mesma,( que( se( reflete( na(
sentida( dedicatória:( “Dedico( a( minha( Obra( Simples( à( Memória( do( meu( Pai,( ao(
ilustre(Artista(Augusto(Pina,(o(grande(Amigo.(A(Amélia(Rey(Collaço,(Illuminada(
de( Deus.( A( Robles( Monteiro,( Artista( Síntese( da( Sobriedade”( (CATÁLOGO" DA"
EXPOSIÇÃO,(1924:(4).(
Ao( passo( que( Alberto( Cardoso( apresentou( nesta( exposição( vinte( e( duas(
obras((dezoito(óleos(e(quatro(desenhos),(algumas(das(quais(já(patentes(na(de(1922,(
Mário(Eloy(exporia(pela(primeira(vez(trinta(e(cinco(obras((vinte(e(cinco(óleos(e(dez(
desenhos).( Estas( cifravamLse( em( representações( de( paisagens( e( retratos( de(
familiares(como(a(mãe(e(o(pai(ou(personalidades(do(seu(círculo(de(relações(como(o(
pintor(Alberto(Cardoso,(os(poetas(Gil(Vaz(e(Herculano(Levy,(os(escritores(Gastão(
de( Bettencourt( e( Assis( Esperança,( ou( os( atores( Clemente( Pinto,( Matos( Reis( e(
Ribeiro(Lopes.((

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 144


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

As( telas( exibidas( por( este( artista( não( apresentavam( uma( rutura( a( nível(
estético,( sendo( ainda( evidente( nas( mesmas( a( influência( exercida( pelos( mestres(
espanhóis( e( pelos( naturalistas( portugueses,( embora( desde( logo( com( uma( nota(
original,(um(assomo(de(cor,(ausente(das(obras(dos(anteriores:((
(
Por(esta(altura(os(olhos(de(Mário(Eloy(vêem(o(passado(pictórico(português,(detendoLse(na(
“maneira”(primitiva(de(Columbano.(Assim,(um(acentuado(naturalismo(envolve(os(retratos(
empenhados( na( penetração( psicológica( e( presididos( pela( austeridade( na( escolha( da( cor,(
concentrada( em( negros,( castanhos( e( tons( sombrios( que( o( aproximam( da( “tradição(
espanhola”.( Contudo,( nenhum( deles( estará( isento( do( seu( contraponto( cromático,( situado(
quer(na(própria(figura((…)(quer(num(lugar(exterior(a(ela.((
(ÁVILA,(1996:(62)(
(
Todavia,( o( êxito( relativo( desta( primeira( exposição( de( Mário( Eloy( operou( uma(
viragem( na( sua( vida,( com( a( aposta( definitiva( na( pintura( em( detrimento( da(
representação,(aparentemente(por(incentivo(da(própria(Amélia(Rey(Colaço.(
Na( sequência( desta( exposição( de( 1924,( Mário( Eloy( e( Alberto( Cardoso(
permaneceriam(em(Portugal(até(ao(ano(seguinte,(altura(em(que(participaram(no(I"
Salão"de"Outono(e(em(que,(acompanhados(por(Eduardo(Viana,(partiram(para(Paris,(
instalandoLse(nos(ateliês(da(Cité(Falguière.((
Conforme(vaticinado(pelos(críticos(à(primeira(exposição(de(Eloy,(a(carreira(
do( pintor( rapidamente( ganharia( ímpeto,( dando( passos( de( gigante( para( a(
internacionalização,(com(uma(rápida(sucessão(de(exposições(realizadas(no(ano(de(
1927(nas(galerias(“Au(Sacre(du(Printemps”((coletiva)(e(“Chez(Fast”((individual)(em(
Paris,(e(“A.(E.(Utsch”((individual)(em(Berlim,(antes(do(retorno(a(Portugal(no(ano(
seguinte(para(expor(pela(primeira(vez(individualmente(na(“Casa(da(Imprensa”,(a(
instâncias( de( António( Ferro.( Em( 1929,( o( pintor( tornaria( a( Berlim( para( expor( na(
“Galeria(Flechtheim”((coletiva)(e,(finalmente,(exporia(no(nosso(país,(no(marcante(I"
Salão"dos"Independentes((1930)(na(Sociedade(Nacional(de(BelasLArtes,(numa(fase(de(
plena(afirmação(do(modernismo(português.(
Por(seu(turno,(de(forma(quase(anónima,(Alberto(Cardoso(permaneceria(na(
capital(francesa(até(1939,(vindo(a(falecer(em(Portugal(três(anos(depois.(
"
O"manifesto"paracletiano"“A"visão"de"dois"artistas"e"a"luxuriosa"loucura"de"Deus”"
(
O( manuscrito( de( vinte( e( oito( páginas( que( agora( se( apresenta( pertence( à( Coleção(
Fernando( Távora,( que( terá( adquirido( o( espólio( de( Raul( Leal3( após( uma( iniciativa(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3( No( metaLarquivo( elaborado( por( Fernando( Távora( com( o( intuito( de( organizar( a( sua( Coleção,(
existem(duas(indicações(anexas(a(dar(conta(das(entradas(dos(documentos(do(espólio(de(Raul(Leal.(
A(primeira(delas(assinala:(“20.º(Lote(–(conjunto(de(cartas,(artigos,(esboços,(etc.,(etc.(que(pertenceram(
a(Raul(Leal((Henoch),(comprado(em(23/1/73(a(M[anu]el(Ferreira,(Porto,(por(esc.(40.000$00.(TrataLse(
de(um(lote(que(eu(vira(em(Lx.ª(em(9/1/73(na(Livraria(Moreira(&(Almeida((por(esc.(25.000$00)(mas(
q[ue](não(comprei(quer(porque(não(tinha(dinheiro((e(não(tinha(àLvontade(para(ficar(a(dever(embora(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 145


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

gorada( por( parte( de( amigos( e( admiradores( do( filósofo( para( que( a( Fundação(
Calouste(Gulbenkian(o(recebesse((GOMES,(2000:(267).(
Pese(embora(o(facto(de(ter(sido(rasgado(o(título(no(topo(da(primeira(página(
(Fig.( 8),( se( cotejarmos( este( texto( com( um( dos( inéditos( em( francês( que( se(
encontravam( entre( os( papéis( de( Fernando( Pessoa( na( posse( da( família,( e( com( um(
dos( lotes( do( leilão( portuense( da( Biblioteca( de( Alberto( de( Serpa4,( tornaLse( claro(
estarmos( perante( o( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas( e( a( luxuriosa( loucura( de(
Deus”,( que( ostenta( como( subtítulo( “Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma(
exposição(de(pintura”((Fig.(7).(
O(manuscrito(lealino(na(posse(da(família(de(Fernando(Pessoa(fazia(parte(de(
um( conjunto( mais( alargado( de( pessoana,( incluindo( livros( e( revistas,( fotografias( e(
outros( objetos( pessoais( pertencentes( ao( criador( dos( heterónimos,( vendidos( em(
leilão(pela(P4(Live(Auctions5(e(parcialmente(adquiridos(pelo(Estado(em(2008.(Este(
texto,( cuja( parte( inicial( Rui( Lopo( apresentou( no( n.º( 3( de( Pessoa" Plural6,( é( uma(
tradução(posterior(do(manifesto(para(francês.(TratarLseLia,(eventualmente,(de(uma(
tentativa( de( dar( a( conhecer( o( manifesto( a( um( intelectual( francófono( como( F.( T.(
Marinetti(ou(Aleister(Crowley,(ou(faria(parte(de(uma(estratégia(de(internacionalização(
dos( seus( escritos,( a( exemplo( do( que( intentou( com( o( seu( primeiro( livro( de( poesia(
Antéchrist"et"la"Gloire"du"Saint"Esprit((1920)(ou(os(poemas(Messe"Noire(e(Psaumes"da(
série(“Le(Dernier(Testament”,(de(que(saíram(excertos(na(revista(Presença(

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
pagasse( mais( tarde,( claro)( quer( porque( receei( o( seu( conteúdo( dado( que( o( lote( estava( por( abrir.( O(
M[anu]el(Ferreira(soube,(comprou…(e(fez(bom(negócio.(Enfim,(comércio”((VIZCAÍNO,(2017:(37).(A(
segunda(indicação(afirma:(“25.º(Lote(–(pasta(contendo(manuscritos(de(R.(Leal(e(alguns(impressos;(
tem(o(original(d“O(sindicalismo(personalista”,(d“A(visão(de(dois(artistas(e(a(luxuriosa(loucura(de(
Deus”,( rascunhos( de( cartas,( etc.( e( ainda( o( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas…”.( Comprado( em(
29/Out[ubro]/73( à( Livraria( Moreira( &( Almeida.( L.da,( Lisboa( (R.( Anchieta)( por( esc.( 5.000$00.( Quem(
me( indicou( este( lote( foi( o( Diogo( Campo( Belo,( que,( aliás,( já( me( indicara( o( outro.( (lote( 20.º).( Este(
compreiLo(directamente.(Pertenceu,(segundo(fui(informado,(ao(“boxeur”(que(viveu(com(R.(Leal(até(
à(morte(deste”((VIZCAÍNO,(2017:(41).(
4( O( lote( 645( do( Catálogo" da" Biblioteca" do" Poeta" Alberto" de" Serpa" constituída" essencialmente" por" livros" do"

século"XX,"com"representação"de"todos"os"escritores"modernistas,"raras"revistas"literárias,"exemplares"únicos,"
etc." é( apresentado( da( seguinte( forma:( “LEAL( (Raul)( A( VISÃO( DE( DOIS( ARTISTAS( E( A( LUXURIOSA(
LOUCURA( DE( DEUS.( Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma( exposição( de( pintura.( (Imprensa(
Lucas( &( Cª.( Sem( data).( Folha( medindo( 56( x( 41( cm”( (CATÁLOGO" ALBERTO" DE" SERPA:( 1988,( 87).( No(
espólio(do(arquiteto(Fernando(Távora(encontramos(também(esta(folha(volante(composta(e(impressa(
na( tipografia( de( Manuel( Lucas( Torres,( à( Rua( Diário( de( Notícias,( 59( a( 61,( a( mesma( de( Sodoma"
Divinisada( (1923)( ou( A" Explicação" do" Homem( (1928)( de( Mário( Saa,( por( exemplo,( mas( incompleta( e(
recortada(em(quatro(pequenos(retângulos(por(ação(do(tempo.(
5( TrataLse( do( lote( n.º( 34( do( Catálogo( The" Fernando" Pessoa" Auction" –" Handwritten" and" Typewritten"

Manuscripts," Books," Art" and" Literary" Magazines," Photographs" and" Other" Personal" Items" from" his" Estate,(
org.(Luís(Trindade,(Lisboa:(P4(Live(Auctions,(13(de(novembro(de(2008.(
6(O(texto(é(“La(vision(de(deux(artistes(et(la(folie(luxurieuse(de(Dieu.(Appel(aux(gens(à(propos(d’une(

exposition( de( peinture.( Les( salons( de( l’Illustration( Portugaise( viennent( de( s’ouvrir( pour( deux(
artistes:(Albert(Cardoso(et(Marius(Eloy”((LOPO,(2013b:(80L82).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 146


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

(
Fig."7."Manifesto"impresso."
(

(
Fig."8."Imagem"do"manuscrito."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 147


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

(
(
(
(

(
Fig."9."Imagem"do"manuscrito."
(
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 148


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Também(na(revista(Presença,(surge,(referido(pela(primeira(vez,(o(manifesto(
na(“Tábua(Bibliográfica”(fornecida(por(Raul(Leal(para(figurar(no(n.º(18((janeiro(de(
1929),(prestando,(entre(outras,(a(informação(sobre(a(data(em(que(foi(escrito:((

Em(Portugal,(o(aparecimento(oficial(do(Paracletianismo(é(representado(por( A(VISÃO(DE(DOIS(
ARTISTAS( E( A( LUXURIOSA( LOUCURA( DE( DEUS( (15" a" 17" de" Março" de" 1924).( “J’ai( reçu( et( lu( avec(
plaisir(votre( LETTRE(TRÈS(IMPORTANTE…”(sublinha(Marinetti(na(carta(em(que(respondeu(à(já(
citada.( Entre( nós,( poucos( se( não( envergonhariam( de( considerar( MUITO( IMPORTANTE( uma(
carta( de( Raul( Leal:( A( elevação( e( a( lucidez( dum( espirito( tão( estranho( é( perfeitamente(
inadmissível(ao(cérebro(dos(nossos(homens(de(senso.”((
(PRESENÇA,(1929:(11;(itálicos(meus;(cf.(Figs.(10(e(11)(

COMENTÁRIO• A "OACETA

~=
PORTUOUE!SA,.

TÁBUA BIBLIOGRÁFICA Df "LA OACETA LITfRARIA,.

R au l L ea l ::º::~:::~::
:."~t=~~:r- ::~::
..
trom H 1101>11 ,clldt1>C;111;
nlo H eoboç1 11mploDOodcnll ·
dor ; nlo K ,:01m oecç6cs de cr11ic11itcr,ri1, 1nl11ic.o, tu trol.
En Sm, o 5.cnhor F crroira do C.lfr<:Juçro .. , 11n111rb dct
outros, DOmrade1ut,...os odtuk>1deobr11 , «>m0H c1rl·

~::i::t;n:::~~!~!.~:e::
1•1.Lu.Ln111ceu111deSe1cml•rode1886. vra• 11CAMPANIIA UL 'T'R.·INACIONAI.IS'T A , cm

ll Em Junho de 1909,,enJo quin111ni,1a de


Dirciio, rubli.;ou cm Coimbra A APASSTO-
que •u<tcntou a nece,siJ11JcJe H f>1óli1or,n,\u.ócm
Portugal como em toda a Europa, o tormaç;'in de ~1~tt!=.
t~r~t~t~ti~~~~~
N A TA DE BEf.THOVE.\'
MOTA-fvlhe10
E VM.l\'.-t DA
de crhico mu,ical. EJ. Fran,;. ~:~::~s"::;r:::;i~:::~n~ºr:~!~!':i'~:,:~:fl~~1;
d~l e modo. ..,. '"'°""""'°"com 11mo 1Wlg1m1 de
sob n ponto de ,i•t~ r~icológico ~<>que cc0<1ómico.
Am~': 1910 , .4. SITCAÇÀO D0 ESTVD.I.VTE Pel~ O\esmaoc>1011io publi.:"u n,nJa na .Palavra•
E.\f l'ORTUGAL-confer~ncia rnhud1 na Liga um anigo sôbrc u ORIGENS PSICOLÓGICAS DO
Nj,·1ldcLi,boa. BOLCl/EVIS .110. Esse artigo originou uma intcrcs-
Por usa mesn10 o,;:11,i~o,ou pouco ~nie,, susten- Hnle polémica c1>1rco autor " M~rio Saa, JcbMida eocritorcsl>O-. D«la
tou com .-\n1onio Arroyo e .\li.;hel Angelo Lambuiini, non-c<mojornal. DO-.o..., polo, nenhum
na rc,ü1a dé,!e, uma rc-iucnu polémi,a em Jdeso do Em Fcvcrcirodc1923.publi.ouoíolhetoescan- quem t•l ,~,.... {111
11, ;, .so.s11101que H
folheio •.f APASSIO.Y,f.TA DE BEETROVEl•t E daloso SODOMA DllºJNJZADA. Por influéncia da
l'IA.V,t DA MOTA :>;;1 m,:,ma r,:,·i•IQ-•Arle "Epo, ..d •, Ja lgrej~, " Jum gruj)O J~ ""luJ.iulc", foi :.f~":~l~~·"!'
Mu,i,al, - colaborou com ,·ilrio, ar ligo,; Entre ~lu
com o c,iudo de li!o,ofij ar1l:,1ka ROBERTOSCHU-
h1e folhe1oarr,cnJido.
Sôbre tal cuo, puhlicou cm Abril do mesmo ano o ~:::!J::.':s:::~
!}:·!·
.~,;~~~~l:°1:..~-,,;..~c:~
MA.\'N E .4 ESTIIE71C.4 .IIUS!C,lL, iml'reuo em
fin1Je 1911 ou prindpiv,J,: 1913
monlfc,10 UMA LIÇÃO DE M ORAL AOS ESTlJ.
DANTES DE LISBOA E O DESCARA.\fEN10
:i1
~~t/:' ':.d:º..=~.!:~".,';":.
eludo queomcr•çam.
·~:;.o~;~~ndi:'~;
Em 1913 publicou o e.tudo filoM'ifico À LIBER- DA lGREJ.A GATÓLIC.A.. E oou1uu1t1>t11niop,.,.. ,lod<sapcrccbid1quedo
D-~DE TRA~'SCE.YDE.\'TE (Ed. da Liu.,ia Tei- Em Março de 192,4, fez uir um no,o manifcato: 1mha merecidorcforf...:iu ropctidosd! própria LA G•«t11
xeira-Lisboa). violen1am~nte aiacado por Leonardo
CoimN';i n, •Agui,.
.A.J'IS ..fO DE DOIS ARTISTAS E A LUXURJOSA
LOl:CUR.A. DE DEUS.
r.t,.";:•~.r!°n,;;..~;
tt.:ci'!"
,!:!:1 il;~~u~
n~\::.,t. 1

Em Junho de 1915, publicou no segundo oúmero


do ,Orpheu• o conlo chamado ..ITEL[ER,' conto
que o •utor Jeclara t1c~c,silu~er revi,to, para mere-
cer Íncr ru1e d11sua nbra
Pele me•ma oc;i,ii'l, um mh depois do 14 de
A 1c1ividade jor.nal!stica de Raul Leal-anterior•
mente demasiado dot11rin,rio -começo , por anim
dizer, em Maio do me•mo ano. Entra em/lo como
rtdacto r no , Correio da Noitt•,onde em 19~4e 1915
pubhca artigos violcml.. imos. Levama v.tria1 campa-
uçlo , ... Ga,,,,,. Port11pna ou wodiç6u oludid.11.
Alffll de q~ • maneiro amo .C!'""i>'li"" tem op>.r<tldo
col1borsd1o6 DOSpode dapranpr. Aa 5.cohot Antllnio
g}};~~{-~;~;~~f:~~~l~~
1tnh,, dc,portodi, o in_1orc:>H de Volcry l..orboud; que olo
.. .,., • .,.,,.,ecldo1 oon11d<r0<;lodcG1M<nuC.b•ll•ro,moni-

i;! ~~::.:~::·
.r.~
;.=·!:~rz
:\talo, lan~ou ~ontra Afonso Co.,a e os nus um mani- nhu sv,sacionais. Colabora n• •Restauração• e em faud1 ,...m, cntroiM1 COQ(.CdiJa><>DtJrit, d• NOl/(1,u e
fe.tn violentlsrimo: O BA,VDOSllUSTRO. O Pfó- ouira•folhu. numo ooníerfflâa ru~Pdo cm Modrid .•
rrio autor o di,ttibnin nnl.ní~ Mu,inhn
F.m 1916,csiando R11u\Le11lemE,ranh11,s11iuno
No me.mo ano d• ,9,.5, íu sair na ,Athcna•
À LOUCURA UNIVERSAL.
pcn•l•<1• pu a lhe Imprimir uma dtrecçla hl1<U1mte
e cr1tlco.
bem M:_º.,:!'!~~~.•. conl>tccJ P 1c.enci1 •••
Depois.de vertido paro
n(!mcro (!nico do ,Centauro• o seu comochnmado
A A l"E.VTURA DUM SATYRO OU A MORTE
Dl-. ADÓ,VIS; que, por sinal, saiu emagado de
gralhas
Em Setembro d" 1917, publicou no ,Portugal
franci,,servirAe,te11rtigodeintroduçll'oao1euTivr
LA FOLIE DE DIEU: aegundo da série LUX
THI::OLOGICA, que constar, de cinco livros.
Ainda no vtrio de 19i5, colaborou na.•Gazeta
dos Caminhos de Ferro,. En1re V.trios artig~. publi-
o
e o R R E I o
Furnri•ll • um artigo cscri10 cm francb i.õbrc Santa cou 1i O PERIGO ORIENTAL. E no outono do
Rita Pintor .. Arti;o de cuja forma o au1or dii n~o se mesmo ano, saiu com o 1eman,rio poli1ico • A lln·
or;;ulharmuito. cçlo•. Numlivroquepos1ivelmen1e1eráo1eullnico
-.:eue mesmo ano e no seguinte-anos em que o livro publicado em pom1guh- pen11 Raul Leal fazer
autt>r concebeu ddiniti,·11mcn1e o Paracleii1nismo- 111rgirordenadamente toda a sua actividadejornall..,
p1:blkou no,libcra), um1M!riedear1igo,dcdoutri- tiacombatin.
na1i,mopnlitico-religio.o. Novnilode19i6,levantouumacamp.1nhacon1ra
Fm Abril de 191~ =cveu o MIi livro-~ma a Pro,·edoria da Anb,eocia Pública de.Lisboa. Cons,a T Á B U A BIBLIOORÁflCA
.A.\'TÉCHRIST ET LA GLOJRE DU SAINT- cua campanha de dois manifestos, e carias s~idas no
-ESPR!T, só publicado em Deiembro de 1920. Ed. pelo autor talvez·a 1ua melborobra; LE ROY.AUME rd i&ilo f11turis
11 do Esplrito San10. Em Ponu1i1l, o
,Correio da Noi1e•. E valeu 101utoros.airens1n- DE$ LAR VES-peç• cm 4 1cto•, carecente de aparecimento oficial do Paradeti1nismo ê repreacnt11Jo
Pouug,tia. E' ~.te o 1,rimciro livro da ~tric LE guentado dum conflito gra,·lssimo no Café Nacional.
DERNJER TEST.AM/:NT-de que fazem parte grandes aher1ç6es (1914); o 1><>cma M F.SSE NO IRE poc .A Jl'ISÁO DE DOIS AR11ST AS E A L UXU-
De Março a ~unho de 19i7, publi~ou o panfleto (1926);0 em coacluslo- LE PRO PII f.'TE S.A.CRE RJ OSA LOUCUR A DE DEUS (15 1 17 de M,rço
Mf:SSE NOlRE, LE PROPHÊTE SACRÉ DE LA poU,iço e sociológico O REBELDE.
M ORT-DIEU, PSAU.\IES, LE ROYAUME DE DE L A MOR'f-DIEU ; Mie do, PSAU MES, que de 191,4). •J'a i rcçu e1Luavtcpt.1JJ r votte LETTRE
No mesmo ,no e no •ctual, tem colaborado na ffl'fo doze; fragmento, de drias obras em preparaçlo. TRÉS JJi/PO{tT AN TE •.. • 111bhnha Marinetti na
LA MOR1, e outro.. Serio, ao todo, dõie livros. •Prc,,ençao,
Em 1922 publicou no se~undn u(!mtro Ja • Con- per1cnc;en1es b duu series: LA CRt A 1JON DE. cana cm que respond eu , i' eirada. Entre nós. pou-
Raul Ltal considera omelhorda111aObra , vasta L'AJl'ENIR e LUX THEOLOGICA; o c,;;tudo dn co, se nlo envergonbsiriam de con,idcrar M UITO
temp<>r1nc11 • o discur,o A DERROCADA DA. e divtl'$8 como " vt, as i.cguinte.. obru inédita~;
'TECNIC.A-hd"o 11n1eriormenteno Chi~doTerra .. c. propag,nda social OS TREZ FLAGELOS E O REI - JA/POR T AN1 E 11macar1, dt Raul Leal; A clevaçlo
0 INCOMPRJ::ENDID0-1>eç1 em 3 ae101, escrita NO DE DEUS; 6nalmen1e, uma carta escriia a Mari• e a lucidn dume .plritot loestranhotperf citamente
Fni !<te discurso lido a rropó<i!o da chamada Ques11io
!~•
• ~f,vrf;• d~t:~ ~udl também eme,·cu um mrtigo
em Ou1ubro de 1910; UNE BACCH A NALJ::
ÉTRANGE-peça em 3 actQ1, escri1a cm pormguh
no1nodc1913ctmfran<:hnode1914,comidcrada
neui no ,·crio de 1911. Ness. carta, Raul Ln l upõe
long1m~nte a Mumcni as sua, doutrinas relaiivas à
ioadmiHlvel 10 cérebro dos n-
SEN SO.
H OMENS Dt:

Ainda em 1,j:n,lonmou no -Tempo• e 01 •Pa la- (c...,;- .. ,.i,1 .. u)


11

Figs."10"e"11."“Tábua"bibliográfica”"–"Presença."

Passados( sensivelmente( um( ano( e( meio( desta( primeira( referência( ao(


manifesto(paracletiano,(este(tornaria(a(constar(da(bibliografia(da(breve(resenha(do(
movimento( modernista( em( Portugal,( inserta( no( Catálogo( do( I" Salão" dos"
Independentes( (1930),( na( qual( constam( três( manifestos( da( autoria( de( Raul( Leal:( “a(
apassionata(de(beethowen([sic](e(viana(da(mota”,(“o(bando(sinistro”(e(“a(visão(de(
dois( artistas( e( a( loucura( luxuriosa( de( Deus”( (CATÁLOGO" DO" I" SALÃO,( 1930:( 29),(
conferências( e( três( livros:( “sodôma( divinizada( –( antéLchrist( –( liberdade(
transcendente”((CATÁLOGO"DO""I"SALÃO:(30).(
Porém,( já( anteriormente( Fernando( Pessoa( o( incluíra( numa( das( suas( típicas(
listas( referentes( a( projetos( de( publicação,( intitulada( “Documentos( do( Neo(
symbolismo,(do(Futurismo(e(do(Sensacionismo(portuguezes”(datado(por(Jerónimo(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 149


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Pizarro( do( ano( de( 1925( (PESSOA,( 2014:( 555).( Este( projeto( era( composto( por( um(
conjunto( de( prefácios,( entrevistas( ou( manifestos( que( veiculavam( a( opinião(
individual( dos( seus( autores( sobre( o( movimento:( “os( escriptos,( da( natureza( de(
manifestos,( que( tendiam( a( explicar,( quando( não( esses( varios( movimentos(
conjunctos,(pelo(menos(as(suas(tendencias”((PESSOA,(2014:(559).(
A( avaliar( pelos( periódicos( da( época( consultados,( apenas( o( crítico( de( artes(
plásticas(Artur(Portela(faria(referência(ao(manifesto(no(seu(artigo(de(18(de(março,(
no(vespertino(Diário"de"Lisboa:(“Uma(exposição(–(Pintores(modernistas(no(salão(da(
“Ilustração(Portugueza”((Fig.(12),(pelo(que(este(terá(sido(eventualmente(distribuído(
por(Raul(Leal(à(entrada(da(exposição(no(dia(anterior:((
(
Não(ha(nada(peor(para(uma(exposição(de(arte,(que(despejarLlhe(em(cima,(nada(mais(nada(
menos( que( uma" conferencia" incompreensivel" e" um" manifesto" pirotecnico,( onde( a( estetica,( o(
equilibrio( e( o( bom( senso,( são( “jazzLband”( de( pretos,( bimbalhado( em( esmaltes( de( cosinha.(
Qualquer(arte(para(se(impôr,(seja(ela(a(mais(extremista(ou(a(mais(inverosimil,(tem(que(se(
apresentar(severa(de(rosto,(cuidada(de(maneiras(e(sincera(de(objectivos.((
Os(varios(individuos(que(anunciaram(a(exposição(de(Mario(Eloy(e(Alberto(Cardoso,(deramL
nos( nos( seus( escritos,( leitura( amena,( ainda( que( por( vezes( tão( indecifravel,( como( certos(
passos(do(Apocalipsis.((
(PORTELA,(1924:(5;(itálicos(meus)(
(
A( autoria( da( “conferencia( incompreensivel”( pertence( a( Assis( Esperança,( a(
do(“manifesto(pirotecnico”(a(Raul(Leal.(Ao(questionar(a(inteligibilidade(de(ambas(
as(intervenções,(comparandoLas(com(“jazzYband(de(pretos,(bimbalhado(em(esmaltes(
de( cosinha”( e( com(o( Apocalipse( de( S.( João,( o( crítico( procura( não( apenas( apoucar(
estes( contributos( em( particular( mas,( por( extensão,( ridicularizar( toda( a( arte(
moderna,(colocandoLos(na(esfera(do(absurdo.(
No( “Sumário( Ideográfico”( incluído( em( Raul" Leal" –" Iniciação" ao" seu"
Conhecimento,(Pinharanda(Gomes(detémLse(de(forma(demorada(na(importância(da(
linguagem( e( do( vocabulário( filosófico( a( que( o( autor( de( A" Liberdade" Transcendente(
recorre( para( explanar( o( seu( pensamento,( atentando( na( utilização( de( maiúsculas(
iniciais(e(na(profusão(de(adjetivos(e(advérbios(de(modo((GOMES:(1962,(11L18).(Na(
ótica(do(mais(prolífico(exegeta(de(Raul(Leal,(esta(linguagem(é(reflexo(da(psicologia(
do( autor( e( aproximaLo( do( profetismo( ou( visionarismo,( sendo( usada( para(
intensificar(o(valor(do(enunciado(por(afinidade(com(o(pensamento(vertígico(e(para(
tentar(comunicar(o(Absoluto.(
Amigo( do( filósofo,( com( quem( manteve( acesa( polémica( com( várias( réplicas(
sobre(“As(verdadeiras(origens(do(bolchevismo”((1922)(nas(páginas(do(jornal(A"Palavra,(
Mário( Saa( já( em( A" Invasão" dos" Judeus( (1925)( aludia( para( essa( incapacidade( de( o(
filósofo( d’A" Liberdade" Transcendente( manter( um( raciocínio( congruente( e( baseado(
numa(argumentação(lógica,(caracterizandoLo(como:(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 150


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

EXPOSIÇÃO
UMA

Pintores modernistas
nosalão
..
Port1un~la
~a"ll011ratão
Não ha nada pcor para uma e:zposi çõo de
arte, que de1pejar•lho cm cima, nada mai,
uada men os qu e uma conf erencia incompreco·
aivcl o um manifesto pirotecnico, onde a ti·
teftce, o cquilibrio e o bom seo10 1 são cja:r.z·
band• de pretos, bimbalhado em esmaltes de
co1inha. Qua lqu er arte parn se impôr, 1cja
ela a mais c.tremista ou a mais inverosím il,
tem que 1c aprc1cntar severa de rosto, cui·
dada de maneiras e sincera de objactivoJ.
Os varios indivi duas que anunciaram a e.z·
po sição de Marío Eloy e Albe rto Cardoso ,
deram-001, nos seus escrito!, leitura amena,
ainda que por vezes tão indecifravel, como
certo1 pa5,os do Apocalíp1is.
Trataram de 1i. e não ob_iectiva.ram o• u -.
po !itorn , Meteram num tuncl 1ombrio de
•preciAçÕes. o!I quadro!! qufl Hi utadeiam na
ltustraçiio Porluzu ~•a, dia~nosticaodo-lbo tao·
tas anomaliiu, tantas ab err:açõu , tanto• vi-.
cios de gestação, que o critico tc r;neu 1incc-
r dme nte arrastar com im•gen1 coloridu de
caleido•copio, do cun.eHorme de1cnho, e dci'be•
terolita forma.
Dum lad o, encantr émos um pintor .iatere1•
11anle e 1iacero, Mario Eloy; do outro, um ar-·
tista ( ?) qoo fM dos seus defeitoS, tccoica,
ima ginando qqe o iocomp n::cnsi vel lhe dá di-
reito a chamar aos que não o apreciam nem
o entendtm, ignorantes chapados.
Rapidamente vamos renioter ao seu devido
lugat o 1r, Alberto Cardoso .
O .,_ Alberto Cardo10 oão é um homom
aincero em arte, Tem a 11ci 1ma de ao fazer
paHar por um genio, entre os seus contcmpo •
raneot , o que nio lhe levamos a mal nem nos
irrita. E' um impotente-um impotente que
s\Jfoca as 1uaa raiva~ pintando 1cm coerencia,
sem intenção e sem Hlbnto. N em é mesmo
um moderniatL Onde estão as 1uas eoncep--
çôes? Que realidade dá ele õ rida ou que
nbjcctivismo ezlzae ele da alma! Em dne•
nhoé canhe.tro; em tinta, lambuu; oos temas
não tem nu.o.
Vamos agora ao Hzuado expo,itor, o sr.
Mario Eloy, E' um modernista de 1ioteze.
Com ddei.to1o cloro. defeitos de mooidadl!,
que quer~ vo1r rapidamente, quando tem que
·
:;t:;nt;•:i;.a:t'Z1::toª,~ºN~t::,;~:moei:
um traço pe1toal e uma Corte penetração pai•
colorica. 10m ccbarre1> c:_aricit.turais,ou .fe--
brH d. prodígio. Presoote•1e em quut todo.,
• luz da aua pupil-. quo di11eca ocnoaameD-
tc a mu1culatura, poDdo • nu cara cteru ·de,
1ofrim.ento e de intcligencia ,
Nllmg-tcla-é uma bela fiRura crepltaotc
de modcroiuno, com uma linda orq uc,traçào
de f'.l,irodoente, tio 1egura, que por vcze,
lerabra a pincelada de Columbano. O 44,
Vo"tta do ~r.tcno, é duma alta expreC1ão dra •
matica. mabpela coojugaçio sombria das tintas
que propriamente pelaatitude das mulheres.
Mot.:czo do cai•, ainda que tenha um grave
erro do desenho, no ombro da figura, é um
belo. carachri,tico tipo , crimino10 e 1&ffgren•
to. A Frt:ira, marca polo.arrojo e pela audacia
do a u unto . E •inda hem. Mario Eloy, que ae
revela um artista dramatieo, servc·1e ou 1oa1
maa.chas como Goya, na pintura e Edgar Poi,
na literatura. podcroumentc , tia tinta som•
bria, donde ele ezbai npressivu sintc,ea de,
sofrimeDt~ hum!ltlo, que sobe a inexplorad• .·
altitudes de horror-horror•cspectro, horror ·
feataama, horror-larva.
NãQ ,i que não Hiba desenhar. A 1ua gale•
ria 1:loretn1to1 pron pleaamente o contrerio,
o dá-no, fc:-rça para diier que nela. • sua
tecnica oão tc·mmestre; acusa originalidade.
No1 rebato•,on.de há um mau, o de Matos
Roi~ e doi1 do Íalflilia. que 1uitcrem varamerite·
a maneira pri.mitiva de Columbano, oa Soiti~
êhea lui~tião M detalhe. A tecnica é eseul·
tUfâl_;Piuticã, nuin~aro-e 'itCúro,que marca, irn·
Pri:atlvamentc. os volume1, ligando·oi atm d..
SDnho;apen11 ·por 111i•11tba.s.-Â P.
(
Fig."12."Artigo"de"Artur"Portela"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 151


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
[…]( verdadeiro( hebreu,( e( não( apenas( pelo( aspecto( psicológico,( mas( ainda( pelo( físico( e…(
metafísico.( Ele( pretende( possuir( espírito( metafísico,( quando( afinal( não( possúe( mais( que( os(
delírios(dos(sentidos(e(a(incapacidade(de(definir;(à(capacidade(de(definir(chamará(estreitêza(
de(limites.((
(SAA,(1925:(287)(
(
Segundo(Mário(Saa,(a(herança(judia(de(Raul(Leal(refletirLseLia(essencialmente(em(
três(aspetos:(“o(estilo,(a(linguagem(profética(e(o(messianismo”((SAA:(286).(Na(sua(
análise,( o( autor( do( Evangelho" de" S." Vito( adverte( para( o( caráter( assistemático( do(
pensamento(lealino,(pouco(consistente(nas(suas(formulações,(assente(não(em(factos(
comprováveis(mas(em(sensações(e(intuições:(
(
Raul( Leal,( espírito( altamente( antiLscientifico( é,( portanto,( um( adversário( de( soluções( de(
problemas;(não(é(metafísico,(é(um(sacerdote(da(Metafísica,(–(e(para(um(bom(sacerdote(não(
ha( problemas,( tudo( nele( é( apenas( sacerdócio( e( prévia( solução( de( problemas;( tudo( nele( é(
pelo(mais(agradável,(pelo(mais(estupendamente(musical;(nem(pressente,(–(sente!(Raul(Leal(
é( uma( atmosfera( metafísica,( sem( sêr( a( creação( na( Metafísica!( Raul( Leal…( é( a( excitação(
variável(do(invariável.((
(SAA:(288)(
(
Por( sua( vez,( Fernando( Pessoa( revelaLse( apreciador( do( caráter( férreo( e( da(
fibra( ética( demonstrados( por( Raul( Leal( na( defesa( das( suas( convicções,( tal( como(
ficou( patente( aquando( da( polémica( da( Sodoma" Divinisada( (1923),( opúsculo( que(
editara(na(Olisipo(e(lhe(inspirou(a(produção(dos(manifestos(“Aviso(por(Causa(da(
Moral”( e( “Sobre( um( Manifesto( de( Estudantes”,( em( defesa( do( filósofo.( Assim,( o(
poeta(fornece,(neste(último,(o(testemunho(não(apenas(da(amizade(que(os(unia,(mas(
também(da(“admiração(pelo(alto(génio(especulativo(e(metafísico,(lustre(que(será(da(
nossa(grande(raça”((LEAL,(1989:(125).(
Com( efeito,( Pessoa( valorizava( acima( de( tudo( a( natureza( especulativa( e(
visionária(dos(seus(escritos,(algo(que(surge(expresso(num(texto(do(Caderno(X,(com(
o(incipit"“A(philosophia(de(Raul(Leal”,(datado(de(julho(a(dezembro(de(1915,(altura(
em( que,( com( a( partida( de( Mário( de( SáLCarneiro( para( Paris( após( a( polémica( do(
manifesto(O"Bando"Sinistro(e(afastamento(dos(outros(órficos,(Leal(se(mostra(como(
um(dos(mais(íntimos(do(poeta(da(“Ode(Triunfal”:((
(
Envolto( na( linguagem( confusa,( perplexa,( propriamente( e( explicavelmente( vertigica" do(
proprio( systema,( o( f[usionismo]( t[ranscendente]( revela( comtudo,( aos( espiritos( que(
quizerem( descer( ao( seu( abysmo( atravez( dos( turbilhões( de( nevoa( da( sua( expressão,( a( sua(
intima(e(original(riqueza(substantiva.(
Era(impossivel(que(quem(concebeu(tal(systema(o(pudesse(exprimir(claramente.(ExprimilLo(
claramente,(mesmo,(é(não(o(comprehender.(
A(grande(ficção(vertigica,(o(grande(Meio(inestavel(das(cousas,(o(abysmo(absoluto(e(illocavel(
do(ser,(o(oceano(sem(praias(do(Absoluto(Relativo.(
Raul(Leal.(O(seu(espirito(viveu(demasiadamente(o(seu(systema.((
(PESSOA,(2009:(320;(BNP/E3,(144XL(65r)(
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 152


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Fernando(Pessoa(aponta(o(hermetismo(como(uma(característica(do(filosofar(lealino,(
fruto( da( Vertigem( que( lhe( confere( uma( natureza( contraditória( e( paradoxal( e(
impede(uma(abordagem(científica(e(permanente.(
Com(efeito,(a(Razão,(“filha(da(Serpente(e(do(Anticristo”,(opõeLse(à(Loucura(
e( ao( Prazer( obtido( pelos( Sentidos,( pela( Carne.( Esta( oferece( resistência( à( ação( da(
liberdade( criadora( que( produz( o( impreciso,( o( indeterminado( e( o( abstrato,(
constituindo,( assim,( um( obstáculo( à( aspiração( de( o( homem( se( infinitizar.( Por(
conseguinte,(a(Vertigem,(antítese(da(Razão,(assumeLse(como(um(motivo(obsessivo(
na( obra( deste( filósofo,( sendo( encarada( como( motor( de( ininterrupta( destruição( e(
posterior((re)criação,(ordem(gerada(a(partir(do(caos:((
(
A( Vertigem( é( com( efeito( a( suprema( imprecisão( antiLracional( ou,( antes,( ultraLracional,( das(
cousas(mergulhadas(no(infinito(de(Deus.(E(é(por(mergulharem(no(infinito(de(Deus(que(as(
cousas(são(imprecisas,(incertas,(vertígicas.(Logo,(a(Vertigem(é(sagrada,(é(divina.(O(Infinito(é(
o(Indefinido(Absoluto,(é(a(própria(Vertigem(que(é(assim(Deus.((
(LEAL,(1989:(75)(
(
Ao(impor(limites(à(ação(da(Vertigem(através(da(Razão,(negaLse(o(Infinito(e(Deus,(
daí( que( a( anarquia( estilística( nos( textos( do( autor( seja( também( ela( programática,(
dando(a(leitura(dos(mesmos(a(impressão(de(se(tratar(de(algo(repetitivo(e(confuso,(o(
que(causa(estranheza(e(afasta(o(eventual(leitor.(
Neste( sentido,( Raul( Leal( apropriaLse( da( linguagem( poética( para( discorrer(
sobre( os( temas( que( aborda:( é( um( filósofo( na( boca( de( um( poeta.( O( discurso(
filosófico( adotado( constitui,( assim,( um( reflexo( dessa( incapacidade( de( explanar( o(
seu(sistema(e(reduziLlo(a(escrito,(uma(vez(que(as(palavras(são(sempre(insuficientes(
para( representar( o( pensamento( vertígico( e( turbilhonante,( ou( seja,( ficam( sempre(
aquémLpensamento.((
No( que( toca( em( particular( ao( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas( e( a(
luxuriosa( loucura( de( Deus”,( aproximadamente( dois( terços( do( mesmo( versam( a(
teoria( da( Astralédia( e( o( Paracletianismo,( constituindo( a( exposição( destes( dois(
artistas( um( pretexto( para( Raul( Leal( apresentar( ao( público( as( suas( conceções( de(
cunho(filosófico.(
O(manifesto(viria(mesmo(a(adquirir(uma(importância(vital(para(o(universo(
lealino,( uma( vez( que( a( sua( produção( marca( o( aparecimento( oficial( do(
Paracletianismo,(religião(prometeica(que(diviniza(o(Eu,(colocandoLo(no(centro(do(
Universo.(
Após(a(leitura(do(romance(Là"Bas,(do(francês(JorisLKarl(Huysmans(em(1917,(
Raul( Leal( começou( a( conceber( o( Paracletianismo,( nova( religião( do( Espírito( Santo(
ou( Divino( Paracleto,( passando( a( apor( ao( seu( nome( o( qualificativo( esotérico(
Henoch,(e(assim(assumindoLse(como(última(reincarnação(humana(deste(bisavô(de(
Noé,(conhecido(entre(os(egípcios(pela(designação(coletiva(de(Hermes(Trimegisto.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 153


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Para(além(disso,(começou(a(designarLse(como(Profeta(Sagrado(da(Morte(e(de(Deus,(
anunciador(do(Reino(do(Espírito(Santo.(
Com( a( aspiração( de( renunciar( ao( positivismo( oitocentista,( num( mundo(
gradualmente(subjugado(à(matéria(e(à(técnica,(Raul(Leal(declaraLse(eleito(de(Deus,(
Messias(numa(via"crucis,(que(deverá(suportar(um(conjunto(de(provações(colocadas(
pela(Matéria(para(cumprir(a(tarefa(que(lhe(coube(em(sorte,(a(de(anunciar(o(Reino(
do(Espírito(Santo(e(conduzir(a(Humanidade(rumo(à(salvação(no(final(dos(tempos.(
Ainda(de(acordo(com(o(atrás(mencionado(testemunho(do(autor(na(“Tábua(
Bibliográfica”(no(n.º(18(da(revista(Presença,(o(Paracletianismo,(que(constitui(a(fusão(
harmónica(e(integral(de(todas(as(religiões,(foi(definitivamente(concebido(nos(anos(
de(1917(e(1918,(celebrandoLse,(portanto,(agora(o(centenário(do(seu(advento.(
À( data( da( exposição( de( Alberto( Cardoso( e( Mário( Eloy( no( Salão( da(
“Ilustração( Portugueza”( (16( a( 31( de( março( de( 1924),( altura( em( que( produz( este(
manifesto(paracletiano,(Raul(Leal(não(era(propriamente(um(desconhecido,(tendo(já(
publicado( várias( obras:( A" “Apassionáta”" de" Beethoven" e" Viâna" da" Móta( (1909),( A"
Situação"do"Estudante"em"Portugal((1910)((coletiva,(mas(redigida(na(sua(maior(parte(
pela( autor),( A" Liberdade" Transcendente( (1913),( O" Bando" Sinistro" –" Appello" aos"
Intellectuais"Portuguezes((1915),(Antéchrist"et"la"Gloire"du"Saint"Esprit"–"HymneYPoémeY
Sacré"(1920),(Sodoma"Divinisada((1923),(Uma"Lição"de"Moral"aos"Estudantes"de"Lisboa"e"o"
Descaramento"da"Egreja"Catholica((1923)(e(Para"os"Sordidos"Estudantes"de"Lisboa((1923),(
para( além( de( ter( colaborado( com( textos( de( diversa( índole( nas( revistas( Orpheu(
(1915),( Centauro( (1916),( Portugal" Futurista( (1917)," Athena" (1922)( e( Contemporânea(
(1923).((
Logo( nos( parágrafos( iniciais,7( o( autor( condena( a( inspiração( impressionista(
de( Alberto( Cardoso,( mas( não( sem( todavia( apontar( uma( clara( vantagem( face( aos(
seus( congéneres( franceses:( a( pintura( “sem( possuir( um( substancia( profundissima,(
possue( verdadeira( substancia( e( com( vibrante( essencia( anímica”( (p.( 1).( Ou( seja,(
enquanto(os(impressionistas(visionam(apenas(o(exterior,(Alberto(Cardoso(adiciona(
uma( nota( moderna( de( interiorismo,( de( essência,( que( Leal( aponta( como(
característica(tipicamente(portuguesa.(
Neste( manifesto,( o( filósofo( opõe( o( “berrantismo( impotente”( dos(
impressionistas( estrangeiros( “sem( força( interior”,( ao( animismo( dos( portugueses(
representados( aqui( por( Alberto( Cardoso,( que( confere( uma( brutalidade,( uma(
“bestialidade( pura”( à( sua( pintura:( “O( Génio( portuguez( não( deixa( de( surgir(
poderosamente( na( visão( artistica( do( pintor( Alberto( Cardoso( que( festivamente( se(
engrinalda(de(luminosas(flôres(animicas,(espirituaes…”((p.(4).(
No(caso(de(Mário(Eloy,(que(o(autor(reputa(de(“profundo(psicologo”((p.(5),(
os(retratos(apresentados(na(exposição(são(uma(visão(interior,(criada(pela(alma(do(
artista,( que( os( impregna( de( animismo( essencial,( numa( mescla( da( sensibilidade(
requintada(do(artista(e(da(psique(do(retratado.(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7(As(páginas(indicadas(são(as(do(manuscrito(original(do(manifesto.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 154


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Alexandra( Reis( Gomes( aborda( a( questão( do( “psicologismo”( advogado( no(


manifesto(lealino,(na(sua(dissertação(de(mestrado(em(História(da(Arte,(Mário"Eloy"e"
o"Modernismo.(Nesse(estudo,(a(autora(censura(o(filósofo(não(apenas(pela(utilização(
de(uma(linguagem(“profética(e(mística”(GOMES,(1986:(15),(mas(também(pelo(facto(
de( este( encarar( o( retrato( como( uma( fusão( das( psiques( do( artista( e( do( retratado,(
com(o(cenário(apenas(a(refletir(o(íntimo(de(ambos:(
(
Utilizando( uma( linguagem( muitas( vezes( próxima( do( absurdo( (pretensamente( para(
iniciados)( ele( leva( às( últimas( consequências( racionais( a( análise( do( tema( do( retrato( na(
perspectiva( de( um( psicologismo.( Para( ele,( Mário( Eloy( procura( mostrar( “por( dentro”( as(
pessoas( que( retrata.( Esta( pintura,( saída( do( íntimo( dos( seus( sonhos,( cria( um( mundo( de(
fantasmas(–(a(palavra(fantasma(deve(ser(entendida(como(uma(materialização(de(fantasias(–(
na( qual( se( cruzam( as( personalidades( do( retratado( e( do( pintor.( O( retrato( é( conseguido( no(
binómio(homemLambiente:(a(personalidade(refleteLse(no(ambiente(que(a(rodeia,(impondo(a(
sua(marca;(e,(viceLversa,(um(ambiente(comunicaLse,(moldando(as(reacções(e(comportamentos(
de(determinada(pessoa(em(determinado(momento.(Nesse(sentido,(através(do(código(de(cor(
e(da(manipulação(intencional(dos(fundos((como(um(cenário(em(relação(à(figura),(obtinhaLse(
o(efeito(desejado.((
(GOMES:(15)8((
(
A(crítica(elementar(feita(por(Raul(Leal(aos(futuristas(no(manifesto(passa(pelo(
facto(de(considerarem(a(Vida(um(mundo(de(impressões(sem(substância(íntima(ou(
metafísica,( sem( o( toque( divino,( aspeto( no( qual( Mário( Eloy( os( ultrapassa( ao(
relativizar(a(realidade(através(da(ação(do(pensamento(criador,(embora(ainda(num(
grau(deveras(incipiente.(Na(sua(perspetiva,(no(Universo(existe(um(relativismo(em(
que(o(homem(cria(a(realidade(através(do(pensamento:(
(
Tudo( se( cria( mutuamente,( todos( nós( uns( aos( outros( nos( criamos,( sendo( todos( os( seres( e(
cousas(que(nos(envolvem,(o(nosso(mundo(de(impressões(por(nós(concebidas(e(sendo(pois(
cada( um( de( nós( um( mundo( de( impressões( desenroladas( na( conceção( criadora( dos( outros(
seres(ou(fantasmas(de(seres.((
(pp.(5L6)(
(
O( pintor( não( se( apropriara( então( totalmente( dessa( substância( universal,(
vivendo(mergulhado(no(“mundo(labyrintico(de(fantasmas(indefeniveis,(vertigicos(
(dôr,(prazer,(luxuria,(ancia,(loucura,(bestialidade,(vacuo,(bem,(mal,(tudo(que(forma(
o( Existir( e( por( ele( ser( essencialmente( VacuoLFantasma( em( louca( e( luxuriosa(
VertigemLBesta)”((pp.(16L17).(De(acordo(com(Leal,(os(seres(e(as(coisas(são(distintos(
uns( dos( outros,( não( constatando( a( relação( intrínseca( entre( eles,( uma( vez( que( são(
igualmente(indistintos(uns(dos(outros:(“infinituplos(aspectos(fantasmas(da(mesma(
substancia(intima”((p.(17).(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8(De(acordo(com(a(bibliografia(da(dissertação,(Alexandra(Reis(Gomes(aparentemente(cita(excertos(
do( manifesto( a( partir( de( O" Jornal( (abril( de( 1924),( periódico( que( não( me( foi( possível( localizar( nas(
bibliotecas(visitadas.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 155


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

A( conceção( filosófica( de( Raul( Leal( assenta,( em( última( análise,( na( síntese(
entre(forças(opostas:(Bem(e(Mal,(Espírito(e(Matéria,(Uno(e(Múltiplo,(Deus(e(Satã,(
Luz( e( Trevas,( Prazer( e( Dor,( Orgulho( e( Humilhação,( Morte( e( Vida,( etc.,(
prevalecendo(a(essência(divina(num(movimento(ascensional(para(o(Infinito.(
Mário( Eloy( é( um( futurista( à( portuguesa( ao( apreender( a( realidade( através(
dos(sentidos,(numa(primeira(fase,(mas(agir(sobre(a(mesma(através(do(pensamento(
criador(numa(posterior:((
(
[…](tudo(geraLse(no(abysmo(animico(de(tudo(e(portanto(não(ha(essa(separação(“tranchée”(
de( monadas.( Ha( nos( seres( e( nos( objetos( qualquer( cousa( de( indecisamente( individual(
atravez( de( qualquer( cousa( de( puramente( universal,( puramente( infinito.( O( Infinito( que( ha(
em(cada(objeto(e(em(cada(ser,(é,(por(natureza,(continuo,(uno,(é(enfim(Unidade(Pura.(Mas(
atravez( de( o( ser,( é( tambem( pura( Multiplicidade( que( só( esta( exprime( verdadeiramente(
Infinito.(TrataLse(pois(neste(de(contraditoria(MultiplicidadeLUm.((
(p.(7)(
"
Assim,(existe(para(o(pensador(uma(relação(metafísica(ou(teometafísica(entre(
a(multiplicidade(de(seres(individuais,(partilhando(estes(a(substância(íntima,(o(Ser(
Universal( (Deus,( Espírito( ou( Infinito).( Tal( como( o( filósofo( Pinharanda( Gomes(
apontou(em(O"Incompreendido:(
(
Raul(Leal([…](identifica(“conhecimento”(com(“alma”(e(conclui(que(a(mónada(absoluta(é,(na(
verdade,( o( Espírito,( que( o( pensador( toma( como( uma( essência( universal,( dentro( da( qual(
todos( estamos( ou( somos,( mas( da( qual( não( beneficiamos( inteiramente( por( virtude( dos(
apêndices(materiais(da(nossa(existência.(Todavia,(para(Raul(Leal,(esta(mesma(“existência”(
não( se( opõe( àquela( “essência”,( porque( esta( contém( aquela,( como( grau( de( saber,( muito(
embora( como( grau( inferior( de( que( interessa( ao( homem( libertarLse( para( se( “essencializar”.(
[…]( Conclui,( finalmente,( por( uma( antropologia( da( comunidade( e( personalidade,( cujo(
objectivo( se( resume( na( máxima( transcensão( dos( graus( inferiores( até( ao( máximo( grau(
essencial,(que(é(Infinito.((
(GOMES,(1966b:(54L55)(
(
Raul( Leal( não( concebe( Deus( como( entidade( vingativa( e( opressora,( exterior( ao(
homem,( mas( como( um( plano( supremo( da( Existência( a( que( se( ascende( através( do(
esvaziamento( ou( aniquilamento( do( Eu,( num( frenesi( genesíaco( que( demanda( a(
substância(una(e(imutável,(o(Espírito(que(todos(os(seres(e(as(coisas(comungam.(
Deus,( ser( puro( e( abstrato,( vazio( de( essência,( é( um( excesso( da( Existência,( é(
um( ExcederLseLemLSi.( Na( eventualidade( de( o( homem( se( alhear( do( divino( ficará(
apenas( cingido( à( diversidade( da( Matéria,( ao( mundo( exterior( e( objetivo,( não(
constituindo( a( vida( senão( um( mero( trânsito( para( a( morte( terrena.( Daí( que( o(
homem( necessite( de( viver( de( forma( poética( e( vertigíca,( máxima( expressão( da(
Liberdade,( num( mundo( regido( pelo( Espírito.( Sem( fazer( concessões( à( Matéria,( o(
homem( deverá( inundar( a( Vida( de( Furor( Diabólico( e( Divino( para( se( transcender,(
sendo(a(vivência(material(subalternizada(face(à(ânsia(de(eterno.((

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 156


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

A(utopia(lealina(do(Reino(do(Espírito(Santo(sobrevém,(então,(a(um(processo(
de( depuração( ética( em( que( a( multiplicidade( imperfeita( do( mundo( exterior,( da(
Existência,(adquire(uma(natureza(absoluta(e(infinita.(Segundo(o(filósofo,(o(purismo(
sublimado(leva(a(que(o(homem(se(transcenda,(o(que(o(enche(de(“prazer(e(orgulho”(
(p.(11).(TrataLse,(desse(modo,(de(um(arrogarLse(ao(papel(de(Criador:(é(um(“sentirL
se(Deus”((p.(12).(
Na( arte( moderna,( não( basta,( segundo( o( filósofo,( cingirLse( à( superfície( na(
representação(dos(seres(e(das(coisas;(será(também(vital(ungir(essa(diversidade(de(
substância( íntima,( de( animismo( criador:( “Toda( a( arte( deve( ter( uma( unção(
formidavelmente(divina(e(astral(em(louca(e(luxuriosa(VertigemLBesta”((p.(21).(
Tal(como(o(autor(de(A"Liberdade"Transcendente(sustenta,(ao(homem(cumpre,(
através( do( ato( criador,( esvaziar( ou( aniquilar( a( Matéria,( purificandoLa.( Com( esse(
intuito,( conforme( avança( em( Sodoma" Divinizada,( terá( que( exprimir( a( loucura( e( a(
luxúria(divinas(de(forma(brutal,(podendo(atingirLse(o(Sublime(através(dos(excessos(
da(Carne(e(dos(Sentidos:(“Só(através(de(bestialidades(puras(se(atinge(o(sublime(dos(
Céus”((LEAL,(1989:(77).((
Mário(Eloy(fica,(deste(modo,(a(meioLcaminho(de(criar(uma(arte(paracletiana,(
pois( ainda( perceciona( tudo( como( distinto( e( individualizado,( indo( ao( fundo( das(
coisas( ou( dos( seres,( mas( não( os( excede,( não( os( ultrapassa( de( modo( a( atingir( a(
substância(íntima(da(Vida,(o(Universal,(o(Infinito(ou(Absoluto.(Assim,(deverá,(na(
ótica(de(Raul(Leal,(evoluir(no(sentido(de(um(aprofundamento(da(sua(arte(em(que(
astralize(o(mundo(de(fantasmas(da(Existência,(inundandoLos(da(Loucura(e(Luxúria(
de(Deus,(“do(Espírito(Santo(ou(VácuoLFantasma(em(VertigemLBesta”((p.(18).(
Nesse(sentido,(o(autor(declaraLse(contra(a(arte(naturalista(de(finais(do(século(
XIX(que(visava(uma(representação(tendencialmente(fiel(do(exterior(dos(seres(e(das(
coisas,( ao( invés( do( interior( do( artista.( Na( sua( perspetiva,( a( arte( deverá( então(
apresentar(uma(impressão(abstrata,(indefinida(e(vertígica(do(mundo(para(exprimir(
o(facto(de(se(ser(ao(mesmo(tempo(o(homem(e(Deus,(individual(e(universal,(Matéria(
e(Espírito.(
A(missão(dos(artistas(é(criar(o(ambiente(propício(à(sublimação(da(Existência,(
à( “pompa( astral”( pela( sua( tendência( para( o( requinte( e( a( sensualidade.( Logo,(
segundo( o( filósofo,( Eloy( deveria,( à( semelhança( de( Alberto( Cardoso,( utilizar( o(
berrantismo,(alargando(a(sua(paleta(através(de(uma(injeção(de(cor(para(gerar(um(
ambiente(propício(à(manifestação(brutal(do(VácuoLFantasma(em(VertigemLBesta.(
Nesse(sentido,(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy(complementamLse:(o(primeiro(
apresenta( o( exterior( decorativo,( o( berrantismo( da( Vida,( e( o( segundo( a( substância(
íntima( de( Deus,( “a( pompa( divinamente( astral( criada( num( abysmo( abstrato( de(
Vacuo(e(Vertigem”((p.(25)(
Mário( Eloy( é( apresentado( como( potencial( soldado( de( Deus( e( da( Morte,(
capaz( de( criar( uma( arte( paracletiana,( podendo( vir( a( converterLse,( tal( como(
Guilherme( Filipe,( num( “genial( pintor”( (p.( 24).( Raul( Leal( pressente( em( Eloy( uma(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 157


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

sensibilidade( extrema( e( uma( apetência( pelo( diabólico( e( o( divino,( e( reconheceLlhe(


“nervos( bastantes( para( proseguir( na( sua( jornada( atravez( das( almas.( Avançar,(
avançar( sempre( no( abysmo( tenebroso( da( Vida( é( o( que( o( artista( moderno( deve(
constantemente(fazer!...”((p.(23),(dando(como(exemplo(a(tela(“O(Morcego(do(Caes”(
(Fig.(13),(que(caracteriza(como:(
(
[…]( abysmo( profundissimo( de( trevas( quasi( astraes( e( uma( brutalidade( sinistra( que(
convulsiona( os( nervos( opiados( […]( Mario( Eloy( mostraLme( nessa( tela( profundissima( que(
bem( pode( exprimir( turbillhonariamente( toda( a( bestialidade( astral( do( sinistramente(
pavoroso( e( sublime( VacuoLFantasma( em( louca( e( luxuriosa( VertigemLBesta,( Espirito( Santo(
da(Morte(e(Espirito(Santo(de(Deus!((
(p.(24).(
(

RI ,·1sr,, lH: OOt.:TRI~,\ CRITI ./\

l.' 33- !I Niitl, !!!4

o MOR C EGO
"li MÁRlq f:LO\
DO CAIS

DA EXP0!">1(..Ã0Dr ALBERTO CAR0050 f' MÁRIO flOV


~O SAL\O DA "ILl'STRAÇÃO POIUl O ESA

(((
Fig."13."Morcego"no"Caes"–"Seara.Nova."
"
Ao( longo( das( décadas( de( 20( e( 30,( a( arte( de( Mário( Eloy( viria( a( evoluir(
gradualmente( para( um( expressionismo.( Raul( Leal( retomaria,( quatro( anos( mais(
tarde,(a(sua(tese(no(artigo(“Mario(Eloy,(le(grand(évocateur(d’incubes”.(Neste,(para(
além(de(tecer(considerações(à(evolução(do(artista,(reconheceLlhe(já(algo(que(apenas(
pressentia(nas(telas(patentes(no(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”:(a(capacidade(de(
astralizar( a( Existência,( inundandoLa( de( furor( diabólico( e( divino,( de( uma( beleza(
monstruosa(que(pode(almejar(a(essa(sublimação:(“Tous(les(Tableaux(de(Mario(Eloy(
semblent( forgés( dans( les( enfers,( hallucinations( sinistres( d’un( AuLdelà( féerique,(
guidé(para(Satan”((LEAL,(1928:(6).9(
(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9( Tradução( minha:( “Todas( as( Telas( de( Mário( Eloy( parecem( ter( sido( forjadas( nos( infernos,(
alucinações(sinistras(dum(Além(feérico,(governado(por(Satã”.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 158


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

No( manifesto,( Raul( Leal( aconselha( o( pintor( de( “Morcego( no( Caes”,( bem(
como(a(nova(geração(de(artistas(a(quem(é(dirigido(este(Apelo,(a(“abysmarLse(ainda(
mais(profundamente(na(essência(da(Vida(que(é(a(Morte([…](atingindo(finalmente(
assim( em( Vertigem( o( louco( e( luxurioso( Espírito( Santo( de( Deus”( (p.( 23).( Esta(
recomendação(advém(da(noção(de(que(a(Morte(constitui(uma(via(para(astralizar(a(
Existência(terrena,(tornandoLa(indefinida(e(imprecisa.(Num(texto(saído(na(Presença"
n.º( 48,( o( primeiro( capítulo( do( livro( em( preparação( Fernando" Pessoa," precursor" do"
Quinto" Império,( Raul( Leal( encara( a( Morte( como( uma( possibilidade( de( transcender(
os( limites( da( condição( humana( e( lograr( atingir( o( Espírito,( o( VácuoLAbstração,( o(
Infinito(de(Deus:(
(
É( para( Ela( com( efeito( que( eu( vivo,( intensamente,( feèricamente,( mas( porque( a( Morte,(
quando(divina,(é(intensificação(pura,(abstracta,(espiritual(da(Vida,(tornada(Sonho(torrencial(
em( Vertigem( Criadora,( porque( a( Morte( enfim,( galgando( por( sôbre( o( tempo,( é( o( espasmo(
eterno( de( Luxúria( astral( com( que( Deus( continuadamente( cria,( num( arranco( soberbo( que(
jamais( perece,( a( Existência,( o( Ser( que( a( Sua( Grandeza( Incomensurável( procura( com( ânsia(
feroz!(O(Vácuo(da(Morte(provém(do(seu(purismo(vaziamente(abstraccionizador(de(Vida,(é(
o( reflexo( do( excesso( de( Vertigem( que( como( Loucura( Espiritual( –( Vida( intensíssima,(
absoluta( –( se( debate,( eternamente( aniquilando( para( eternamente( criar( de( novo( o( Ser( que(
traz(em(si(própria(com(fúria(espasmódica,(cataclísmica,(divina!...((
(LEAL:(1936,(5)((
(
Inspirada( no( Paracletianismo,( a( Astralédia,( fusão( entre( a( arte( e( o( espírito(
bárbaro,(afiguraLse(como(o(“lugar(utópico(onde(os(homens(viverão(após(a(vinda(do(
espírito,(que(tornará(possível(o(domínio(do(universo(astral(pelo(homem”((GOMES,(
1966b:(72).("
Raul( Leal( recorda( no( artigo( “O( abstraccionismo( trágico( de( Artur( Bual”,(
saído(na(revista(Tempo"Presente,(o(aparecimento(do(conceito(de(Astralédia,(drama(
vertigínico( dos( espaços( aéreos,( onde( se( fundem( todas( as( artes( em( abstrato,(
inspirado(no(Paracletianismo.(Numa(carta(longuíssima(escrita(em(francês,(enviada(
a( Fillipo( Tommaso( Marinetti( no( Verão( de( 1921,( cuja( cópia( incompleta( composta(
por(trinta(e(sete(páginas(se(encontra(no(espólio(de(Fernando(Pessoa((BNP/E3,(113FL
1(a(37)10,(o(filósofo(afirma(que(já(conhecia(os(manifestos(enviados(pelo(fundador(do(
futurismo( numa( ocasião( anterior( e( também( o( livro( de( Umberto( Boccioni(
Dynamisme"plastique:"Peinture"et"sculpture"futuristes((1914).((
No(entanto,(apesar(de(concordar(parcialmente(com(as(teorias(de(Marinetti(e(
dos( seus( correligionários,( preconiza( um( ultrafuturismo,( ao( tentar( converter( o(

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Na( publicação( de( Páginas" de" Estética" e" de" Teoria" e" Crítica" Literárias( (1967)( de( Fernando( Pessoa,(
10

Georg( Rudolf( Lind( e( Jacinto( do( Prado( Coelho( incluíram( a( tradução( inglesa( das( páginas( iniciais(
desta( carta,( atribuindo( a( sua( autoria( ao( criador( dos( heterónimos.( Profundo( conhecedor( da(
personalidade( e( do( estilo( do( filósofo,( Pinharanda( Gomes( demonstrou( que( a( autoria( do( texto( se(
devia( a( Raul( Leal( e( não( a( Fernando( Pessoa,( tendo( o( texto( em( causa( sido( retirado( das( edições(
seguintes((cf.(GOMES,(1969:(74L78).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 159


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

italiano(às(suas(conceções(e(persuadiLlo(a(conferir(uma(nova(feição(ao(movimento(
por( si( iniciado( através( da( introdução( da( nova( religião( e( Igreja( Paracletiana,( algo(
que(considera(ser(um(contributo(fundamental(para(superar(o(futurismo(ortodoxo:((
(
Já(em(1921,(numa(carta(que(escrevi(a(Marinetti(sobre(a(minha(concepção(astralLvertigem(de(
arte( ultrafuturista,( eu( preconizava( fortemente( o( estabelecimento( de( uma( estética( abstracta(
que,( aplicandoLse,( de( início,( nos( domínios( da( Pintura( e( da( Escultura,( acabasse( por( se(
realizar(ou(exprimir(em(todo(o(ambiente(circundante(turbilhonando(espasmodicamente(em(
delírios(vertigínicos.(E(assim(surgiria(a(Astralédia,(cujos(princípios,(verdadeiramente(ultraL
heraclitianos(pela(sua(espiritual(fogosidade(extrema,(fogosidade(transcendental,(eu(expus,(
ainda( que( incompletamente,( na( referida( carta( e,( mais( tarde,( (em( 1924),( no( meu( manifesto(
sobre(Mário(Eloy(e(Alberto(Cardoso,(intitulado(A"Visão"de"Dois"Artistas"e(a"Luxuriosa"Loucura"
de" Deus.( Entretanto,( só( na( obra( La" Création" de" lsAvenir," e( numa( outra,( em( organização( (A"
Idade"Paracletiana),"eu(desenvolvo(essa(minha(teoria(estéticoLreligiosa,(tendo(sido(o(trecho,(a(
ela( relativo,( desta( última( publicado( num( dos( números( da( velha( revista( Presença,( cujo(
espírito(se(tornou(bem(pouco(presente"e(muito(menos(de(futuro.11""
(LEAL,(1961:(21)(
(
O( italiano( terá( reputado( a( carta( que( motivou( larga( troca( epistolar12( entre(
ambos(de(“lettre"trés"importante”,(manifestando(o(desejo(de(se(encontrar(com(Raul(
Leal(em(Lisboa,(algo(que(apenas(não(terá(sucedido(na(visita(de(novembro(de(1932,(
uma( vez( que( este( havia( sido( submetido( a( uma( intervenção( cirúrgica,(
permanecendo(internado(no(Hospital(de(São(José(até(6(de(abril(de(1933.(
Nessa(carta,(o(pensador(português(defende(que(a(proposta(dos(futuristas(de(
abolição( radical( do( velho( para( imposição( do( novo,( num( progresso( linear( e(
irreversível,( não( explicaria( cabalmente( o( processo( histórico.( Contrariamente( a(
estes,(acredita(que(o(progresso(obedece(a(uma(estrutura(cíclica,(por(convulsões(que(
ditam( a( ascensão( e( queda( das( civilizações( e( que( existem( ganhos( evidentes( em(
(re)utilizar(os(elementos(do(passado,(fundindoLos(com(os(do(presente,(de(modo(a(
renovar(as(tradições(filosófica,(literária(e(artística,(superandoLas.(
No( Catálogo" do" I" Salão" dos" Independentes,( que( acompanha( a( exposição(
realizada( na( S.N.B.A.( em( maio( de( 1930( e( no( qual( os( modernistas( apresentam( as(
suas( teorias( sobre( Arte,( Raul( Leal( afirma( que( com( o( intuito( de( completar( a(
revolução( na( representação( artística( iniciada( pelos( futuristas( que( se( pautara(
somente( por( preocupações( com( o( individual( e( o( restrito( em( vez( do( Universal( e(
Ilimitado,(o(Infinito(de(Deus,(se(deveria(criar(uma(arte(infinitista(que(representasse(
o(Absoluto:(“que(os(pintores(lancem(nos(ares(as(suas(altas(creações(e(que(a(Grande(
Téla(da(Vida(Cósmica(seja(a(sua(única(téla!”((CATÁLOGO"DO"I"SALÃO,(1930:(26).(

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11( A( este( respeito( ler( neste( número( da( Pessoa" Plural( o( artigo( de( Enrico( MARTINES( (2017)( sobre( as(
cartas(entre(Raul(Leal(e(José(Régio(encontradas(na(Coleção(Fernando(Távora.((
12( Na( edição( de( Sodoma" Divinisada( (1923),( a( “Lista( de( Obras( de( Raul( Leal( (Henoch)”( avança( como(

estando(em(preparação(uma(obra(intitulada(Futurisme"astralYVertige"(outreYfuturisme"mistique):"lettres"
à"Marinetti,"fondateur"du"Futurisme,(volume(que(não(chegaria,(no(entanto,(a(ser(publicado.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 160


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

As( limitações( da( tela( condicionam( a( expressão( dos( artistas( pelo( que( estes(
deverão( passar( a( pintar( na( própria( Vida,( inundandoLa( de( delírio( e( da( luxúria(
carnais(para(construir(a(Cidade(Paracletiana,(lançandoLse(no(abismo(em(que(que(os(
fantasmas(surgem(de(forma(imprecisa,(indefinida,(labiríntica,(confundindoLse(uns(
nos(outros:((
(
Num( ambiente,( sob( uma( atmosfera( que( a( cada( passo( transpira( Deus( e( Além( em(
sinistramente(espetraes(convulsões(de(Morte(a(expremirem,(com(pompa(abstrata(e(delirante(
luxuria( espasmodica( e( loucura( divina,( nesse( ambiente( astral( de( Vicio( e( Virtude,( a( carne(
geme,(os(sentidos(explodem(e(toda(a"alma,(abismandoLse(em(cio(de(ascése,(ergueLse(a(Deus(
com( furia( por( entre" contorsões( de( corpos( raivosamente( confundidos!( E( é( em( templos(
fantasticos( convulsivamente( erguidos( atravez( de( expressões( delirantes( de( vicio( lugubre( e(
ascético(a(marcar(Deus(em(Morte(–(intensificação(pura,(abstrata,(vertigica(da(Vida,(assim(a(
aniquilarLse( no( seu( excederLse( convulso( é( nesses( templos( vibrantes( de( Vicio( astral( que( a(
Carne(e(o(Espirito(confundidos(explodirão(magnanimamente…((pp.(26L27)(
(
Na( parte( final( do( manifesto,( o( pensador( apresenta,( assim,( a( sua( visão( utópica( da(
“Grande( Cidade( do( Vicio( Astral”( (p.( 26),( concretização( da( Astralédia,( cenário(
bizarro(em(que(fundindoLse(vertigicamente(os(materiais(de(construção(e(os(materiais(
de( pintura( aérea,( se( lançarão( no( ar( “jorros( de( luz( e( sombra”( (p.( 25)( e( construirão(
edifícios( e( templos( grandiosos,( sem( forma( definida,( entrelaçandoLse( em( contínuo(
uns(nos(outros(e(confundindoLse(num(infindável(“delirio(de(pedras(arremessadas(
aos( ares( em( turbilhão( fantastico( cheio( de( harmonias( barbaras,( e( feita( ainda( de(
farrapos(indefeniveis(de(aço,(ferro,(lama,(bronze,(côres,(luz(e(trevas!”((p.(25).(
O( subtítulo( “Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma( exposição( de(
pintura”( aponta( para( o( verdadeiro( objetivo( do( manifesto,( ou( seja,( exercer(
magistério,( arregimentando( os( novos( artistas( para( as( suas( conceções( filosóficas( e(
artísticas,(numa(luta(pelo(Ideal.((
Ao( longo( de( toda( a( sua( vida,( mas( sobretudo( nos( seus( últimos( anos,( Raul(
Leal( procura( doutrinar( nas( suas( conceções( outros( intelectuais( portugueses( e(
mesmo( estrangeiros,( como( os( casos( atrás( referidos( de( Marinetti( e( Crowley.( Isto(
sucede(especialmente(no(que(respeita(a(jovens(literatos(e(artistas,(tais(como(Mário(
Eloy,(Guilherme(Filipe,(António(Pedro(ou,(mais(tarde,(Ernesto(Sampaio(e(António(
Barahona,(aproveitando(para(tal(as(escassas(tribunas(de(que(ainda(dispõe,(ou(seja,(
as(reuniões(esporádicas(de(intelectuais(como(as(do(J.U.B.A.(ou(as(tertúlias(de(cafés(
como(as(do(Palladium(ou(do(Gêlo.(
Assim,(este(Apelo(é(feito(não(apenas(a(Mário(Eloy13,(mas(às(gerações(novas(
do(panorama(artístico(nacional,(a(quem(é(pedido(que(se(convertam(em(“soldados(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Ao( dirigirLse( aos( artistas( moços,( Raul( Leal( estaria( à( partida( e( conscientemente( a( excluir( deste(
13

desígnio(máximo(o(pintor(Alberto(Cardoso(que(é(elogiado(tãoLsomente(pelo(uso(abundante(da(cor.(
Nascido(em(1881,(Alberto(Cardoso(teria(à(data(mais(de(quarenta(anos,(enquanto(o(seu(companheiro(
acabara( de( fazer( vinte( e( quatro,( uma( diferença( de( quase( vinte( anos( que( exprime( bem( o(
desfasamento(em(termos(geracionais.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 161


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

da(Morte”(e(“criadores(do(Futuro”((p.(27),(guiados(pelo(Profeta(Henoch(para(impor(
o( Paracletianismo( no( mundo:( “Sans( crainte,( suivezLMoi( alors,( |( J’suis( Henoch,( le(
Prophet(sacré,(|(En(avant,(soldats(de(la(Mort,(|(Le(SaintLEsprit(est(Mon(Bouclier!”14(
Firme( na( sua( crença,( o( Profeta( Henoch,( precursor( do( Divino( Paracleto,(
Espírito( da( Morte,( prefere( viver( à( margem( das( convenções( e( desafiar( a(
incompreensão( dos( contemporâneos( para( obstinadamente( abraçar( a( Missão( que(
lhe(terá(sido(confiada:(a(de(anunciar(o(Reino(do(Espírito(Santo(e(liderar(os(soldados(
paracletianos(num(cenário(apocalíptico(de(combate(entre(o(Espírito(e(a(Matéria,(o(
Anticristo.( Este( profeta( da( futura( Idade( Paracletiana( visava,( assim,( infinitizarLse,(
ascender( a( um( plano( superior,( conforme( confessou( em( carta( a( Mário( de( SáL
Carneiro(reenviada(a(Pessoa:(“O(precursor(do(Divino(Paracleto,(a(Vertigem,(que(no(
nosso( século( se( espera,( sou( Eu,( uma( grande( vitória( alcançarei( sôbre( a( Àguia(
Prussiana,( Génio( do( Anticristo,( Génio( do( Absoluto( do( Limite( que( assim( se(
dissipará( e( erguendo( enfim( o( Mundo( ao( Deus( que( êle( lhe( envia,( o( Próprio( Deus(
enfim,(Me(Tornarei!!...”((VASCONCELOS,(1996:(107).(
"

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Tradução( minha:( “Sem( medo( sigamLMe( então,( |( Sou( Henoch,( o( Profeta( sagrado,( |( Em( frente,(
14

soldados(da(Morte,(|(O(Espírito(Santo(é(o(Meu(Escudo!”.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 162


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

Bibliografia"
(
(2008).(( Catálogo:(The"Fernando"Pessoa"Auction"–"Handwritten"and"Typewritten"Manuscripts,"Books,"Art"
and" Literary" Magazines," Photographs" and" Other" Personal" Items" from" his" Estate.( Organização,(
Luís(Trindade.(Lisboa:(P4(Live(Auctions.((
(1996).(( Catálogo:( Mário" Eloy:" exposição" retrospectiva.( Coordenação,( Raquel( Henriques( da( Silva.(
Lisboa:(Ministério(da(Cultura:(Instituto(Português(de(Museus:(Museu(do(Chiado.((
(1988).(( Catálogo" da" Biblioteca" do" Poeta" Alberto" de" Serpa," constituída" essencialmente" por" livros" do" século"
XX," com" representação" de" todos" os" escritores" modernistas," raras" revistas" literárias," exemplares"
únicos,"etc..(Elaborado(por(Manuel(Ferreira.(Vila(Nova(de(Gaia:(Sandeman.(
(1930)."" Catálogo"do"I"Salão"dos"Independentes"ilustrado"com"desenhos"e"comentários"dos"artistas"e"escritores"
modernos"&"uma"breve"resenha"do"movimento"moderno"em"Portugal,(Lisboa:([s.(n.].(
(1924).(( Catálogo:(Exposição"de"pintura"de"Alberto"Cardoso"e"Mário"Eloy"–"Salão"da"Ilustração"Portuguesa,(
[pref.](Assis(Esperança.(Lisboa:(Imp.(Libanio(da(Silva.((
(1922).(( Catálogo:(Exposição"Alberto"Cardoso"–"Pintura"Livre,(Salão(Nobre(do(Teatro(Nacional,(Lisboa:(
Imp.(Libanio(da(Silva(Sucessores(Sousa(&(Gomes,(Lim.da.(
(1911).(( Catálogo:(Exposição"dos"Pintores"Francisco"Smith,"Francisco"Álvares"Cabral,"Domingos"X."Rebelo,"
Emmerico" H." J." Nunes," Alberto" Cardoso," Roberto" Colin," Manoel" Bentes" –" Pintura," Desenho,"
Caricatura,(Salão(Bobone,(Lisboa:([s.(n.].(
AA.VV.( (2015).(Orpheu.(Edição(facLsimile.(Lisboa:(TintaLdaLchina.(
ALMEIDA,(António((2017).(“O"Bando"Sinistro:(ato(inaugural(do(‘especulador(de(Política’(de(Orpheu”,(
in"Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(12,(Outono,(pp.(521L546.(
_____( (2015).(“‘Brandindo(o(cutelo(da(Maldição’(–(Em(torno(do(manifesto(O"Bando"Sinistro(de(Raul(
Leal”,(in(Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(8,(Outono;(pp.(564L601.(
ÁVILA,(Maria(de(Jesus((1996).(“Primeiras(obras”,(in(Raquel(Henriques(da(Silva((coord.),(Mário"Eloy:"
exposição" retrospectiva.( Lisboa:( Ministério( da( Cultura( /( Instituto( Português( de( Museus( /(
Museu(do(Chiado.(
D’ESAGUY,( Augusto( (1922).( “O( pintor( boémio( (Novela( curta)”,( in( Diário" de" Lisboa,( dir.( Joaquim(
Manso,(Ano(II,(n.º(530,(QuartaLfeira,(Lisboa,(27(de(dezembro,(p.(3.((
ELOY,( Mário( (1922).( “Retrato( de( Alberto( Cardoso”,( in( A" Palavra" –" Diário" Monárquico" Independente,(
dir.(Simão(de(Laboreiro,(Ano(I,(n.º(2,(Lisboa,(TerçaLfeira,(25(de(julho,(s/p.(
FRANÇA,( JoséLAugusto( (1999).( “Os( anos( vinte”,( in( Fernando( Pernes( (coord.),( Panorama" da" Arte"
Portuguesa"no"século"XX.(Porto:(Fundação(Serralves(/(Campo(de(Letras,(pp.(51L83.(
_____( (1991).(A"Arte"em"Portugal"no"Século"XX"(1911Y1961).(Venda(Nova:(Bertrand.(3ª.(ed.(
GOMES,(Alexandra(Josefina(dos(Reis((1986).(Mário"Eloy"e"o"modernismo([Texto(policopiado].(Tese(de(
mestrado(–(História(da(Arte.(Lisboa:([UNL(L(FCSH].(2(vols.((
GOMES,( Pinharanda( (2000).( “Raul( Leal:( a( vertigem( da( utopia( absoluta”,( in( História" do" Pensamento"
Filosófico"Português,(Volume(V,(Tomo(1,(Lisboa:(Caminho,(pp.(263L272.(
_____( (1975).( “Raul( Leal( –( Iniciação( ao( seu( Conhecimento”,( in( Pensamento" Português" III.( Braga:(
Editora(Pax,(pp.(66L80.(
_____( (1972).(“Vocabulário(filosófico((Contribuição)(–(2.(Raul(Leal”,(in(Pensamento"Português"–"II.(
Braga:(Editora(Pax,(pp.(38L40.(
_____( (1969).( “Fernando( Pessoa,( pensador( (Na( publicação( dos( Inéditos" em" Prosa)( –( Um( texto( de(
Raul(Leal(atribuído(a(Fernando(Pessoa”,(in(Pensamento"Português"–"I.(Braga:(Editora(Pax,(pp.(
74L78.(
_____( (1966a).(“Um(d’Orpheu(–(Raul(Leal((esboço(bioLbibliográfico)”,(in(Filologia"e"Filosofia"(Temas"
de"Filologia"e"Filosofia"Portuguesas).(Braga:(Editora(Pax,(pp.(23L45.((
_____( (1966b).( “O( Incompreendido( –( por( ocasião( da( morte( de( Raul( Leal”,( in( Filologia( e" Filosofia"
(Temas"de"Filologia"e"Filosofia"Portuguesas).(Braga:(Editora(Pax,(pp.(47L56.(
JÚDICE,(Nuno((1986).(A"Era"de"“Orpheu”.(Lisboa:(Teorema.(Col.(Terra(Nostra(n.º(3.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 163


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
LEAL,( Raul( (1977).( “Um( extraordinário( pintor( Mário( Cesariny( de( Vasconcelos”,( in( LEAL,( Raul,(
Natália(CORREIA(&(Lima(de(FREITAS,(Mário"Cesariny.(Lisboa:(Secretaria(de(Estado(da(Cultura.(
_____( (1948).(“Léhomme(aux(favoris(noirs”,(in(Ecos"de"Sintra,(dir.(João(Roberto(Rosado,(Ano(XIV,(
n.º(576,(Sintra,(Sup.(Ecos(da(Amadora(n.º(6,(QuintaLfeira,(4(de(novembro,(pp.(1L2.(
_____( (1936).( “Na( glória( de( Deus”( [primeiro( capítulo( do( livro( em( preparação,( Fernando( Pessoa,(
precursor(do(Quinto(Império]”,(in(Presença(–"Folha"de"Crítica"e"Arte,(n.º(48,(Coimbra,(julho,(
pp.(4L5.(
_____( (1928).(“Mario(Eloy,(le(grand(évocateur(d’incubes”,(in(Presença"–"Folha"de"Arte"e"Crítica,(n.º(
16,(Coimbra,(novembro,(p.(6.(
_____( (1920).( Antéchrist" et" la" Gloire" du" SaintYEsprit.( Lisboa( e( Rio( de( Janeiro:( Portugália.( Col.( Le(
Dernier(Testament(1.(
LEAL,( Raul,( Fernando( Pessoa( et" al.( (1989).( Sodoma" Divinizada( –" Uma" polémica" iniciada" por" Fernando"
Pessoa"a"propósito"de"António"Botto,"e"também"por"ele"terminada,"com"ajuda"de"Álvaro"Maia"e"Pedro"
Teotónio" Pereira" (da" Liga" de" Acção" dos" Estudantes" de" Lisboa).( Organização,( introdução( e(
cronologia(de(Aníbal(Fernandes.(Lisboa:(Hiena.(
LOPO,(Rui((2013a).(”Raul(Leal(e(Fernando(Pessoa(–(Um(Sublimado(Furor(Diabolicamente(Divino“,(
in(Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(3,(Primavera,(pp.(1L27(
_____( (2013b).(”Inéditos(de(Raul(Leal“,(in(Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(3,(
Primavera,(pp.56L90.(
MACEDO,(Diogo(de((1958).(Mário"Eloy:"1900Y1951.(Lisboa:(Artis.(Col.(Arte(Contemporânea(n.º(1.(
_____( (1930).(Cité"Falguière,([Lisboa]:(Seara(Nova.(
MARTINES,( Enrico( (2017).( “José( Régio,( Raul( Leal( e( a( Presença:( marcas( epistolares( de( um( diálogo(
modernista”,( in" Pessoa" Plural" –" A" Journal" of" Fernando" Pessoa" Studies,( n.º( 12,( Outono,( pp.( 82L
133.(
NÃO(ASSINADO((1929).(“Tábua(Bibliográfica(–(Raul(Leal”,(in(Presença"–"Folha"de"Arte"e"Crítica(n.º(18,(
Coimbra,(janeiro,(pp.(8(e(11.(
NEVES,(Márcia(Seabra((2015).(“Raul(Leal((Henoch)(–(O(mais(louco(dos(loucos(do(Orpheu(e(profeta(
maldito”,(in(Steffen(Dix((org.),(1915:"O"Ano"do"Orpheu.(Lisboa:(TintaLdaLchina,(pp.(369L387.(
PESSOA,(Fernando((2014).(Obra"Completa"de"Álvaro"de"Campos.(Edição(de(Jerónimo(Pizarro(e(António(
Cardiello;( colaboração( de( Jorge( Uribe( e( Filipa( Freitas.( Lisboa:( TintaLdaLchina.( Coleção(
Pessoa.(
_____( (1967).( Páginas" de" Estética" e" de" Teoria" e" Crítica" Literárias.( Textos( estabelecidos( e( prefaciados(
por(Georg(Rudolf(Lind(e(Jacinto(do(Prado(Coelho.(Lisboa:(Edições(Ática.(
SAA,(Mário((1925).(”Assalto(à(vida(mental”,(in(A"Invasão"dos"Judeus,(Lisboa:([Libânio(da(Silva],(pp.(
253L309.(
SEGURADO,(Jorge((1982).(Mário"Eloy:"Pinturas"e"desenhos.(Lisboa:(Imprensa(NacionalLCasa(da(Moeda.(
SILVA,(Raquel(Henriques(da((1995).(”Sinais(de(ruptura:(‘livres’(e(humoristas”,(in(Paulo(Pereira((dir.),(
História"da"Arte"Portuguesa.(Lisboa:(Temas(&(Debates,(vol.(3,(pp.(368L405.(
VASCONCELOS,(Helena((2005).(Mário"Eloy:"O"“astro”"do"desassossego.(Lisboa:(Caminho.(Col.(Caminhos(
da(Arte(Portuguesa(no(Século(XX,(n.º(11.(
VASCONCELOS,( Mário( Cesariny( de( (1996).( O" Virgem" Negra" –" Fernando" Pessoa" explicado" às" criancinhas"
naturais"&"estrangeiras"por"M."C."V.(Lisboa:(Assírio(e(Alvim.(2ª(ed.,(col.(Peninsulares(Especial,(
n.º(31.(
VIVEIROS,(Duarte(de((1922).(“Um(grande(artista(moço”,(in(O"Tempo"–"Diário"Monárquico"Independente,(
dir.(Simão(de(Laboreiro,(Ano(IV,(n.º(726,(Lisboa,(Sábado,(25(de(março,(p.(2.(
VIZCAÍNO,( Fernanda( (2017).( “O( metaLarquivo( da( Colecção( Fernando( Távora”,( in( Pessoa" Plural" –" A"
Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(12,(Outono,(pp.(18L81.(
"
"
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 164


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
Artigos"sobre"a"exposição"em"jornais"(por"ordem"cronológica)"
"
NÃO( ASSINADO( (1924a).( “Vida( artística( –( Exposição( Alberto( Cardoso( e( Mario( Eloy”,( in( A" Capital" –"
Diário" Republicano" da" Noite,( dir.( Manuel( Guimarães,( Ano( XIV,( n.º( 4.569,( Lisboa,( SegundaL
feira,(10(de(março,(p.(3.((
NÃO( ASSINADO((1924b).(“Vida(artística(–(Exposição(de(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy”,(in(A"Tarde,(
dir.(Jorge(de(Abreu,(Ano(I,(n.º(178,(Lisboa,(SegundaLfeira,(10(de(março,(p.(3.((
NÃO( ASSINADO((1924c).(”Vida(artística(–(Exposição(de(pintura(no(Salão(da(Ilustração(Portuguesa“,(
in(O"Século,(dir.(J.(J.(da(Silva(Graça,(Ano(XLV,(n.º(15.115,(Lisboa,(Sábado,(15(de(março,(p.(2.(
NÃO( ASSINADO( (1924d).( “Vida( artística( –( A( exposição( de( pintura( no( Salão( da( ’Ilustração(
Portuguesa’”,(in(O"Século,(dir.(J.(J.(da(Silva(Graça,(Ano(XLV,(n.º(15.116,(Lisboa,(Domingo,(16(
de(março,(p.(2.(
BRENO( (1924).( ”Exposição( Alberto( Cardoso( e( Mario( Eloy“,( in( Diário" de" Notícias,( dir.( Augusto( de(
Castro,(Ano(LX,(n.º(20.889,(Lisboa,(Domingo,(16(de(março,(p.(3.((
NÃO( ASSINADO( (1924e).( “Exposições( –( Alberto( Cardoso( e( Mário( Eloy”,( in( A" Imprensa" Nova,( dir.(
Mário(Reis,(Ano(II,(n.º(529,(Lisboa,(Domingo,(16(de(março,(p.(2.((
NÃO(ASSINADO((1924f).(“Uma(exposição”,(in(O"Mundo,(Ano(XXIV,(n.º(7.961,(Lisboa,(Domingo,(16(de(
março,(p.(1.(
NÃO(ASSINADO((1924g).(”Vida(artística(–(Exposição(de(pintura(no(Salão(da(’Ilustração(Portuguesa‘“,(
in( O" Século,( dir.( J.( J.( da( Silva( Graça,( Ano( XLV,( n.º( 15.117,( Lisboa,( SegundaLfeira,( 17( de(
março,(p.(2.((
MATOS( SEQUEIRA,( Gustavo( (1924).( “Arte( e( artistas( –( Mário( Eloi( e( Alberto( Cardoso( no( Salão( da(
Ilustração( Portuguesa”,( in( O" Mundo,( Ano( XXIV,( n.º( 7.962,( Lisboa,( SegundaLfeira,( 17( de(
março,(p.(1.((
NÃO( ASSINADO( (1924h).( ”O( Chefe( de( Estado( no( ‘Século’( –( O( sr.( Teixeira( Gomes( visitou( hontem( a(
exposição( da( ’Ilustração( Portugueza’”,( in( O" Século,( dir.( J.( J.( da( Silva( Graça,( Ano( XLV,( n.º(
15.118,(Lisboa,(TerçaLfeira,(18(de(março,(p.(1.((
M.( D.( [Mário( Domingues]( (1924).( “A( Arte( e( os( Artistas( –( A( exposição( de( pintura( moderna( de(
Alberto( Cardoso( e( Mario( Eloy”,( in( A" Batalha" –" Diário" da" Manhã" –" PortaYVoz" da" Organização"
Operária"Portuguesa,(dir.(Emídio(Santana,(Ano(VI,(n.º(1628,(Lisboa,(TerçaLfeira,(18(de(março,(
p.(1.((
A.(P.([Artur(Portela]((1924).(”Uma(exposição(–(Pintores(portugueses(no(Salão(da(Ilustração(Portuguesa”,(
in(Diário"de"Lisboa,(dir.(Joaquim(Manso,(Ano(III,(n.º(902,(Lisboa,(TerçaLfeira,(18(de(março,(p.(5.((
NÃO( ASSINADO( (1924i).( ”’O( Morcego( do( Cais( por( Mário( Eloy’( da( Exposição( de( Alberto( Cardoso( e(
Mario( Eloy( no( Salão( da( ’Ilustração( Portuguesa’”,( in( Seara" Nova" –" Revista" de" Doutrina" e"
Estética,(dir.(Raul(Proença,(I(série,(n.º(33,(Lisboa,(20(de(março,(capa.((
NÃO(ASSINADO((1924j).(”Vida(artística(–(No(Salão(da(‘Ilustração(Portuguesa’(–(Exposição(de(pintura(
de(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy“,(in(O"Século,(dir.(J.(J.(da(Silva(Graça,(Ano(XLV,(n.º(15.122,(
Lisboa,(Sábado,(22(de(março,(p.(2.((
NÃO(ASSINADO((1924k).(“Arte(e(artistas”(in(A"Ilustração"Portuguesa,(dir.(Tito(Martins,(Edição(semanal(
do(jornal(“O(Século”,(2.ª(série,(n.º(944,(Lisboa,(Sábado,(22(de(março,(p.(364.(
J.( DE( S.( B.([João(de(Santa(Bárbara]((1924).”Dois(Artistas.(Mário(Eloy(e(Alberto(Cardoso(expõem(no(
Salão(da(Ilustração(Portuguesa(–(À(maneira(de(prólogo”,(in(A"Capital"–"Diário"Republicano"da"
Noite,(dir.(Manuel(Guimarães,(Ano(XIV,(n.º(4.583,(Lisboa,(QuartaLfeira,(26(de(março,(p.(1.(
NÃO( ASSINADO( (1924l).( “A( exposição( dos( pintores( modernistas( srs.( Mario( Eloy( e( Alberto( Cardoso(
no( salão( da( ‘Ilustração( Portuguesa’( –( Fotografia“,( in( ABC,( dir.( Rocha( Martins,( Ano( IV,( n.º(
193,(Lisboa,(QuintaLfeira,(27(de(março,(p.(5.((
J.( DE( S.( B.( [João( de( Santa( Bárbara]( (1924).( ”Dois( Artistas( no( Salão( da( Ilustração( Portuguesa( II.(
Alberto( Cardoso“( in( A" Capital" –" Diário" Republicano" da" Noite,( dir.( Manuel( Guimarães,( Ano(
XIV,(n.º(4.585,(Lisboa,(SextaLfeira,(28(de(março,(p.(1.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 165


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
NÃO( ASSINADO( (1924m).( “Belas( Artes( –( No( salão( da( “Ilustração( Portuguesa”( –( Pintura( de( Mario(
Eloy(e(Alberto(Cardoso”,(in(Novidades,(Ano(XXXIX,(n.º(8.553,(Lisboa,(Sábado,(29(de(março,(
p.(4.(
J.( DE( S.( B.( [João( de( Santa( Bárbara]( (1924).( ”Dois( Artistas( no( Salão( da( Ilustração( Portuguesa( III.( A(
obra(de(Mario(Eloy“,(in(A"Capital"–"Diário"Republicano"da"Noite,(dir.(Manuel(Guimarães,(Ano(
XV,(n.º(4.586,(Lisboa,(Sábado,(29(de(março,(p.(1.(
BRITO,(Nogueira(de((1924).(“Vida(artística(–(Sobre(os(pintores(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy”,(in(O"
Século,(dir.(J.(J.(da(Silva(Graça,(Ano(XLV,(n.º(15.130,(Lisboa,(Domingo,(30(de(março,(p.(6.((
NÃO( ASSINADO( (1954).( “Há( 30( anos( –( Mário( Eloy”,( in( Diário" de" Lisboa,( dir.( Joaquim( Manso,( Ano(
XXXIII,(n.º(11.238,(Lisboa,(QuintaLfeira,(18(de(março,(p.(8.((

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 166


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

TÁBUA BIBLIOGRÁFICA
Raul Leal
AUL LEAL nasceu a I de Setembro de 1886. vra» a CAMPANHA UL'TRANACIONALIS'T.A, cm

R
Amado.
Em Junho de 1909, sendo quintanista de
Direito, publicou cm Coimbra A APASSIO-
NATA DE BEETHOVEN E VIANA DA
MOTA - folheto de critica musical. Ed. França
que sustentou a necessidade de se facilitar, não só em
Portug,11 como em toda a Europa, a formação de
emprezas norte-americanas. Ao autor parece a influên-
cia destas émprezas altamente favorável - ainda mais
sob o ponto de vista psicológico do que económico.
Em 1910, A SITliAÇ_,ÍO D0 ESTUDANTE Pela rn.esma ocasião publicou ainda na •Palavra»
E.\! PORTUGAL -conferência realizada na Liga um artigo sôbre as ORIGENS PSICOLÓGICAS DO
Nava\ de Lisboa. BOLCHEVISMO. Esse artigo originou uma interes-
Por essa mesma ocasião, ou pouco !lntes, sust'cn- sante polémica entre o autor e Mário Saa, debatida
tou com Antonio Arroyo e ~lkhel Angelo Lambertini, no mesmo jornal.
na revista dêste, uma pequc,rn polémica em defesa do Em Fevereiro de 1923, publicou o folheto escan-
folheto A .APASSIONATA DE BEETHOVEN E daloso SODOMA DIVINIZADA. Por influência da
VIA,VA .DA J.IOTA.. Na mesma revista-«Art" « Epoca ., da Jg_ reja, e dum grupo Je estudautcs, foi
Musical• - col_aborou com vários artigos: Entre êles êste folheto apreendido.
com o estudo de filosofia arti sti.:a ROBEJ?TO SCHU- Sôbre tal caso, publicou cm Abril do mesmo ano o
MANN E A ESTHETICA ,lfUSICAL, impresso em manifesto UMA LIÇÁO DE MORA!, AOS ES·TU-
fins de t 9 t 2 ou princípios de 191 3. DAN'TES DE LISBOA E O DESCARAMENTO
Em t 91 3 publicou o estudo filosófico À LIBER- DA IGREJA CATÓLICA.
DADE TRANSCESDENTE (Ed. da Livraria Tei- Em Março de -~924, fez sair um novo manifesto:
xeira - Lisboa), violentamente atacado por Leonardo A VISÁO DE DOIS ARTISTAS E ALUXURIOSA
Coimbra na • Aguia ». LOUCURA DE DEUS.
Em Junho de 191 5, publicou no segundo número A actividade jocnalistica de Raul_Leal - anterior-
do • Orpheu • o conto chamado A TEL[ER; conto mente demasiado doutrinária-começa, por assim
que o autor declara necessitar ser revisto, para mere- diier, em Maio do mesmo ano. Entra então como
cer fazer parte da sua obra. redactor no • Correio da Noite•, onde em 1924 e 1925
Pela mesma ocasião, ·um mês depois do 14 de publica artigos violentíssimos. Levanta várias Campa-
Maio, lançou contra Afonso Costa e os seus um mani- nhas sensacionais. Colabora na •Restauração» e em
festo violentíssimo: O BANDO SINISTRO. O pró- outras folhas,
prio autor o distribuiu no, Café Martinho. · No mesmo ano de 1925, faz sair na « Athena •
Em 1916, estando Ra11lLeal_em Espanha, saiu no A LOUCURA UNIVER!i-AL. Depois. de vertido para
número único do •Centauro» o seu -conto chamado francês, servirá êste artigo de introdução ao seu livro
A A VENTURA DUM SATYRO OU A MORTE LA FOLIE DE DIEU: segundo da série LUX
DE ADÓNIS; que, por sinal, saiu estragado de 'THEOLOGICA, que constará de cinco livros.
gralhas. Ainda no verão de 1925, colaborou na « Gazeta
Em Setembro de 1917, publicou no • Portugal dos Caminhos de Ferro». Entre _vários artigos, publi-
Futurista» um artigo escrito em francês sôbre Santa cou aí O PERIGO ORIENTAL . . E no outono do
Rita Pintor ... Artii:o de cuja forma o autor diz não se mesmo ano, saiu com o semanário político • A Rea-
orgulhar muito, cção•- Num livro que possivelmente será o seu único
Nesse mesmo ano e no seguinte - anos em que o livro publicado em português-,. pensa Raul Leal fazer
autor concebeu definitivamente o Paracletianismo- surgir ordenadamente toda a sua actividade .jornalls-
publicou no •Liberal• uma série de artigos de doutri- tica combativa.
na, ismo político-religioso. No verão de 1926, levantou uma campanha contra
Em Abril de 1918 escreveu o se.u livro-poçma a Provedoria da Assistência Pública de .Lisboa. Consta
.ANTÉCHRIST ET LA GLOIRE DU SAINT- essa campanha de dois manifestos,- e cartas saídas no
-ESPRIT, s_ó publicado em Dezembro de 1920. Ed. « Correio da Noite», E valeu ao autor o sair ensan-
Portugália. E' êste o· primeiro livro da série LE guentado dum conflito gravíssimo no Café Nacional.
DERNIER 'TES'TAMEN'T - de que fazem parte De Março a Junho de 1927, publicou o panfleto
MESSE NOIRE, LE PROPHETE SACRÉ DE LA político e sociológico O REBELDE.
MOR'T-DIEU, PSAUJfES, LE . ROYAUME DE No mesmo ano e no actual, tem colaborado na
LA MOR1, e ' outros. Serão, ·ao todo, dôze livros. • Presença ».
Em 1922 publicou no segundo número da « Con- Raul Leal considera o melhor da sua Obra, vasta
temporanea • o discurso A DERROCADA DA e diversa como se vê, as seguintes obras inéditas:
'TÉCNICA-lido anteriormente no Chiado Terrasse, O INCOMPREENDIDO-peça em 3 actos, escriia
Foi êste discurso lido a propósito da chamada Questão em Outubro de 1910; - UNE BACCHANALE
dos Novos, sôbre a qual também escreveu um artigo É'TRAN"GE-peça em 3 ac.tos, escrita em portaguês
no • Diário de Lisboa ". no ano de 19 t 3 e em francês no de 1914, considerada
Ainda em 1922, levantou no •Tempo• e na «Pala- (Continua 11apágina u)

“ Presença vide

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 167


Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal

,
e O MENTA RI O li
La Gactla Li/t,-aria, jornal de literatura que se pub1ica
,
A "0ACETA PORTUOUESA,,
DE "LA OACETA LITERARIA,,
Senão vcj~-se a desorganização, o tot'a-a·ludo que os núme·
cm Madrid, na índole de ús Nouve/ir, Litlérairr,, de Paris, ros publicndos revelam . '
e de La f'iera Ltlltraria, de Milão, criou nas ·suai\ páginas ' Não se dizem ·os intuitos da sua publicação; nio se mos-
uma Gacita Po,-tugueJa a par ' das gazetas Catalã e Ame· tram as nossas tendencias; não se esboça um plano orienta-
ricana. La Gactta Literat·ia teve, com cstll iniciativa, acm dor; f'Jáo se criam secções de crítica literária, arrist ica, teatral.
dúvida, o intuito simp4tico e desinteressado ãc dar cxpinslo Enfim, o Senhor Ferreira de Castro escreve, uns atrlis dos
às nossas letras dentro de Espinha. Assim o cremos, pelo . outros, nomes de autarcs · títulos de obras,. como se esti-
menos. Seja-nos permitido, pOrém, comentar o significado vesse fazendo uma resenha bibliográfica ( mas uma pêssima
<\essa p4gina, a qua'I, incontcstiivclmcntc; dcsd,e- que bem resenha); e a nossa página, como.não há matéria prima para
dirigida, s~ria u~ clcmçnto importantíssimo de propaganda prcenc~@-la totalm~nte, serve de cscoadoirp às outras. Sendo,
da nossa literatura contcmporAnca. d@ste modo, que nos encontramos com uma amálgama de
.O nosso comenttfirioapenas •i.sa lstc ah·o : a Gacela Pot""· artigos portugueses, galcgo.s, sobrâs de espanhóis, noticiasi-
tuguesa, de La Gacela Li/traria, podendo ser .-~mbora um nhas de banquetes .ao Senhor Ferreira de Castro, etc., etc.
motivo de orgulho para nós portugueses, originada num Mas, hi mais: Alguém, de Li,boa, escreve à Gactla
acto cordeal dos intelectuais espanhois seus criadores, assume Lileraria felicitando-a · pela s1:1a inici11.tiva e, nessa .carta,
um, aspceto de certo modo equívoco, uma vez inscna a par afirma-se não existir cm Portugal uma única. rc•ista ou jor-
das Catalã e Americana. Uqia página pórtuguesa, ainda que nal onde seja possível colàbor'arem, com indepcnd~ncia 1
escrita' cm português, abr.açada num circulo de p4ginas escritores novos. Declara-se não sC publicar, . actualmentc,
duma região ede paises que os próprios dir'igentes de La 11b-nosso pais, nenhum periódico literário 1l"n0dt:rno. Ora,
Gacela Lileraria~ não há muito tempo, afirmavam subordi- quem · tal afirma . /a\ que não conhece o nosso jor11al. Pois;
nádós ao mtridia110-inteltétua/ d, Madrid- mostrar -nos-hi tt, já dois anos que se . publica a Pr'est11ça,onde colaboram,
ao resto da Europa · e a Améric11 subordinados à @ssemesmo regularmente: Fc:rnando Pessoa, Raul Leal, Mtii-io Saa, Antó-
meridiano . nio Botto, António de Navarro, Gil Vaz, Carl os Oueitó!,
O que não 6 verdade! Afon so ,Duarte: . onde .Alma-da Negreiros, Diogo de Macedo,
Dôrdio Gomes, Sarah Afonso t@mpublicado desenhos; oadc
~almentc dec;laramos, aqui estarmos convencidos de que António .Ferro não colaborou por niio se ter o(crec,do opor-
os directores do i:9roal espanho' procederam sem premedita- tunid áde; e onde çoloborarão todos os que o pretendam,
ção. Nós tcmQs.: .pela Espanha e pelos seus escritores uma desde que o mereçam.
consideração pouco •ulgar cm Portugal - consideração que E a suã exisrencia não passa rão desapercebida que não
se fundamente, fácilmenJe, por exemplo~ com a conferência tenha .merecido referências repetida~ da própria La Gaceta
sôbre Lite,•a/ura Espanhola Conlempo, ·â11ta realizada, cm Literaria: do E/ Sol, pela bôca do professor da Universi-
Coimbra, por um dos nossos c{frectores; da Espanha têm, dade de Salamanca, Manuel Garcia Blanco; que nã9. tenha
-nos vindo _provas de consideração que muito apreciamos cheg ado ao conhecimento de No$olros, da Argentina ; da
(Gimcnci Caballcro, cm La Gace/a Lit,raria e Manuel Circm1Palacion; do México; çla Musica/ia, de Cuba; de El
Garcia Blanco, cm E/ Sol);- mas nada disto impede que_ Puehlo Gall,go, ·de Vigo; de La Fier.:: Lc/lera,·ia, de
manifestemos, sinceramente, o nosso desacôrcfu -sôbre a publi- Milão; que, a ela, se não tenham referido, elogiosamente, a
cação dessa Gactla Port11gu,sa nas condiçlScs aludidas. &ara Nova, de LisbQa e a Porlucale, do Porto; q ue não
Al~m de que I maneira como essa págin~ tem aparecido · tenha de!pertad._o o interesse de Valcry Larbaud; que não
colaborada só nos pode desprestigiar. Ao Senhor An\ónio ,tenha merecido a consideração de Gimcnez Cab allero, mani-
Ftrro, cs~riror que trouxe para a literatura portuguesa mo· festada nuina entrevista concedida ao Diário de Nolicias e
dema algumas novidades e que, sem -dúvida. possúi quali· numa .confer~ncia realizada cm Madrid . . .
dados de literato aprcciinis -faltam · oa prcdi.cadoa indis- Mas o dito Sénhor não a conhece,l I'aci@ncia... Tam-
pensáveis para lhe !a\primir uma direcçio inteligente e critica. b4!m nós não o conhecemos .....

e
NOSOTRúS
o R
- Buenos Aires - N.• 233, . Octubrc, ,928.
Salicntainqs: Mariano Antoaio Barit.nechca --À dd11d•
R IODO
E I o
la mentalitá, etc., etc., desli studenti d'oiigi 1;_Giu-
aeppe Preuolini - La prodprront libraria rn ]Ili/ia ,
vamos,; Clemente Ricci- Las pictografias de Cordoba. all'eitero; I premi ltlltrari it~liani; Gui/!o Manacorda
N. 0 234, Noviembre , 1928. Salientamos : Marti Casan~ -Papi1u· t l'idealismo; Domenico Bulteretti - L' e/á
vas - La mo,-al socialy ti arte; Emilio Pcttoruti: Jorge barocca (sôbre um lino de Bencdctto Croce ).
dt Clririco. · CIRCUN,VALACION - Müico, 1929. Salientamos: Se-
LA FlçRA LETTERARIA - Milano - giornalc settima- bastiá Gasch-Joau Mir ó; Xavier. Abril-Po,mas en
nale di lettcre scienze ed arti-N .• 1, n.• 2, n.• 3 e n.• 4, Expo•ició11;Humberto Rivas- l.a Vil/e Multip/e; Tris -
Janeir?, 1929. Salientamo1: La noslra iuchies/a 1) quali tan Rcmy ·-Dramt .

T Á B u A B B L 1 o o R Á F 1 e A
pelo autor talvez · a sua melhor obra; i.E RO YAUME reli&ião futurista do Espirito i;,anto. Em Portugal, o
D~ LARVES - peça em 4 . actos, carecente de aparecimento oficial · do Paracletianismo é representado
grandes alteraçõe~ (1914); o poema MESSE NOIRE por A VI,SÁO DE DOIS ARTISTAS E A LUXU-
(1926); o em conclusão-LE ,PROPHE'TE SAGRE RIOSA LOUCIJRA DE DEUS (15 a 17 de Março
DE LA MORT-DIEU; .~ete dos PSAUMES; que de 1924) . «J'ai reçu et luave c-plaistr votre LETTRE
serão doze; fragmentos de várias obras em preparação, TRES IMPORTANTE _ . •• sublinha Marinetti na
pertencentes às duas séries : LA CRÉA '1ION DE carta .em qtte ·respondeu à já citada. Entre nós, pou-
L'AVENIR e LUX 'THEOLOGICA; o estudo de cos se não enver.gonhariam de considerai' MUITO
propaganda social OS TREZ FLAGELOS E O REI- IMPORTANTE iJ.ma carta de 'Raul Leal: A elevação
NO DE DEUS; finalmente, uma carta ·escrita a Mari• e a hicidez dum e.ptriio tão estranho é perfeitamente
netti no ,·erão de 192 1. Nessa carta, Raul Leal expl5e inadmissivel ao cérebro dos nossos HOMENS DE
longamente a Marinetti as suas doutrinas relativas à SENSO.

1l

“ Presença vide

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 16


!

“Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo”:%
Raul%Leal%escreve%a%Fernando%Pessoa,%
na%morte%de%Mário%de%Sá8Carneiro%
%
Ricardo Vasconcelos*
%
%
Palavras7chave%
%
%Raul%Leal%em%Espanha,%Suicídio%de%Mário%de%Sá8Carneiro,%Correspondência%com%Fernando%
Pessoa,%Vertiginismo%e%Relatividade%
%
Resumo%
%
A%Coleção%Fernando%Távora%inclui%vários%documentos%relacionados,%mais%de%perto%ou%mais%
tangencialmente,% com% a% morte% de% Mário% de% Sá8Carneiro,% nomeadamente% cartas% enviadas% a%
Fernando%Pessoa%a%respeito%do%tema.%Entre%elas%destaca8se%o%texto%de%uma%carta%de%Raul%Leal%
a% Pessoa,% escrita% a% 7% de% Maio% de% 1916,% em% que% o% filósofo% reage% à% notícia% da% morte% de% Sá8
Carneiro,%que%lhe%fora%enviada%por%Pessoa,%procurando%descrever%a%forma%como%ele%mesmo%
a%teria%somatizado,%e%teorizando%a%respeito%dela.%A%teorização%de%Leal%procura%abarcar%a%sua%
própria% espiritualidade,% uma% projeção% astral% das% suas% emoções,% que% ecoa% a% então% recém8
apresentada%teoria%da%relatividade,%e%a%crença%no%valor%redentor%da%obra%artística.%Este%artigo%
contextualiza%a%relação%de%Sá8Carneiro%com%Leal,%revisita%as%cartas%de%Leal%para%Pessoa%e%Sá8
Carneiro% conhecidas,% transcreve% a% carta% em% questão,% e% sistematiza% aspetos% principais% da%
argumentação%e%do%estilo%lealinos.%%
%
Keywords%
%
%Raul%Leal%in%Spain,%Mário%de%Sá8Carneiro’s%suicide,%Letters%to%Fernando%Pessoa,%Vertiginism%
and%Relativity%
%
Abstract%
%
The%Fernando%Távora%Collection%includes%different%documents%related%to%the%death%of%Mário%
de%Sá8Carneiro,%namely%letters%to%Fernando%Pessoa.%Among%them,%a%letter%from%Raul%Leal%to%
Pessoa%is%of%particular%interest.%In%it,%Leal%reacts%to%the%news%of%Sá8Carneiro’s%death,%sent%by%
Pessoa,% by% describing% how% he% himself% had% somatized% it,% and% by% theorizing% about% it.% Leal’s%
argumentation% brings% together% his% own% spirituality,% an% astral% projection% of% his% own%
emotions,%in%which%he%echoes%the%then%recently%presented%theory%of%relativity,%and%a%defense%
of% the% redeeming% role% of% the% artist% and% his% work.% I% contextualize% Sá8Carneiro’s% relation% to%
Leal,%revisit%the%letters%sent%by%Leal%to%Pessoa%or%Sá8Carneiro%known%thus%far,%transcribe%the%
newly%found%letter%by%Leal,%and%systematize%the%main%characteristics%of%Leal’s%reasoning%and%
style.%
%
%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*%Universidade%Estadual%de%San%Diego%(Califórnia),%Departamento%de%Espanhol%e%Português.%

!
Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Entre% os% documentos% que% integram% a% Coleção% Fernando% Távora,% há% vários%
relacionados,%mais%de%perto%ou%mais%tangencialmente,%com%a%morte%de%Mário%de%Sá8
Carneiro,%normalmente%diálogos%epistolares%estabelecidos%com%Fernando%Pessoa.%É%
o%caso%de%um%conjunto%de%cartas%enviadas%a%Fernando%Pessoa%por%Carlos%Ferreira%e%
José%de%Araújo,%com%várias%pistas%sobre%os%manuscritos%de%poemas%encontrados%—%e%
guardados%—%por%Ferreira%em%Paris,%no%momento%em%que%se%recolhiam%os%haveres%
do% malogrado% poeta,% cartas% estas% recentemente% publicadas% pela% primeira% vez% (SÁ8
CARNEIRO,%2017:%5578571).%É%o%caso%ainda%de%outra%correspondência,%como%a%de%Tito%
Bettencourt,% amigo% de% Sá8Carneiro,% ou% de% César% Porto.% E% é% neste% contexto% que%
ganha%especial%destaque%o%texto%de%uma%carta,%absolutamente%única,%de%Raul%Leal%a%
Fernando%Pessoa,%de%7%de%Maio%de%1916,%carta%esta%em%que%o%filósofo%reage%à%notícia%
da%morte%de%Sá8Carneiro,%que%lhe%fora%enviada%por%Pessoa.%%
Trata8se% de% uma% carta% particularmente% rica% por% vários% fatores.% Desde% logo,%
pela% descrição% da% impressão% fortíssima% que% a% notícia% causa% em% Leal,% a% ponto% de% o%
filósofo,% alegadamente,% ter% somatizado% o% ocorrido.% Mas% é% uma% carta% rica% também%
porque%a%notícia%da%morte%de%Sá8Carneiro%leva%Leal%a%teorizar%profusamente.%Raul%
Leal% procura% resolver% o% desconcerto% do% suicídio% —% de% qualquer% suicídio,% mas%
especificamente%o%de%Sá8Carneiro%—%na%sua%própria%espiritualidade,%levando%a%que%
a% sua% individualidade% emocional% encontre% simetria% em% noções% como% as% de%
vertigem,%infinito,%ou%eternidade.%Por%outro%lado,%Leal%tenta%também%ver%no%suicídio%
uma% forma% de% o% artista% e% a% sua% obra% poderem% de% algum% modo% abrir% caminho% à%
restante%sociedade.%A%carta%destaca8se%ainda%pela%extravagância%da%sintaxe%lealina,%
que%se%radicaliza%devido%ao%impulso%especulativo%a%que%Leal%se%entrega%totalmente.%
A% prosa% epistolar% lealina% é% aqui% um% corpo% a% corpo% intelectual% que% parece% quase%
físico,% dir8se8ia,% extremando% as% características% da% sua% escrita% dos% anos% de% Orpheu%
(1915)%e%da%década%subsequente,%até%Sodoma,Divinizada%(1923).%
Este% ensaio% começa% por% contextualizar% a% relação% de% Mário% de% Sá8Carneiro%
com%Raul%Leal,%revisita%as%cartas%de%Leal%a%Pessoa%e%a%Sá8Carneiro%conhecidas%até%os%
dias%de%hoje,%transcreve%a%nova%carta,%aliás%bastante%singular,%que%aqui%se%apresenta,%
e%sistematiza%as%suas%características%principais,%bem%como%o%estilo%lealino%em%geral.%
%
I.%Raul%Leal%por%Sá7Carneiro:%entre%“Orfeu%de%mais”%e%o%“limite%da%fraqueza”%%
%
A%coabitação%de%Mário%de%Sá8Carneiro%com%Raul%Leal%nas%páginas%de%Orpheu,e%no%
espaço% do% modernismo% português% apresenta% algumas% nuances% que% vale% a% pena%
ressaltar.% Deixarei% de% lado% uma% contextualização% das% principais% polémicas%
relacionadas%com%a%obra%lealina,%que%são%já%por%demais%conhecidas,%nomeadamente%
a%sua%distribuição,%em%1915,%em%espaços%públicos%de%Lisboa,%de%“O%Bando%Sinistro”,%
em% pleno% contexto% de% maior% acrimónia% pública% em% relação% à% revista% Orpheu% e% às%
palavras%de%Pessoa8Álvaro%de%Campos%acerca%do%acidente%que%ferira%seriamente%o%
líder% político% Afonso% Costa.% Ou% ainda% a% polémica% causada% pela% publicação% de%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 170


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Sodoma, Divinizada,% ensaio% que% faz% a% apologia% pública% de% um% homoerotismo%
espiritualizado%—%quanto%a%nós%talvez%ainda%menos%que%uma%defesa%da%escrita%de%
António%Botto%—,%bem%assim%como%a%forma%como%Pessoa%vem%em%defesa%de%Leal,%
após% a% polémica% causada% por% essa% publicação.% Acerca% destes% temas,% veja8se,%
nomeadamente,%a%edição%de%Sodoma,Divinizada,%de%Aníbal%Fernandes,%com%especial%
atenção% à% introdução% e% à% cronologia% do% editor% (LEAL,% 2010),% o% artigo% de% Rui% LOPO%
(2013),% o% capítulo% de% Márcia% Seabra% NEVES% (2015);% bem% assim% como% os% ensaios% de%
António% ALMEIDA% (2015,% 2017a% e% 2017b).% Estes% são% temas% que% enquadram%
genericamente% a% obra% de% Raul% Leal,% mas% importa8me% sobretudo% destacar% aqui%
vários%aspetos%da%relação%entre%este%escritor%e%Mário%Sá8Carneiro,%de%modo%a%melhor%
compreender%a%carta%a%Fernando%Pessoa%que%aqui%se%divulga.%%
A% visão% de% Sá8Carneiro% em% relação% a% Leal% parece% ser% marcada% desde% cedo%
pela%impressão%de%extravagância%que%o%segundo%suscita%ao%primeiro,%mesmo%no%que%
diz%respeito%à%participação%de%Leal%na%revista%Orpheu.%Vemo8lo,%desde%logo,%quando%
Mário%de%Sá8Carneiro%regressa%a%Paris%em%1915,%já%depois%da%publicação%de%Orpheu%e%
de%toda%a%comoção%pública%suscitada%pela%revista,%e%meses%mais%tarde,%quando%Sá8
Carneiro% declara% a% Pessoa% que% o% terceiro% número% da% revista% seria% inviável.% No%
contexto% das% movimentações% de% Guilherme% de% Santa% Rita% (ou% Santa% Rita% Pintor)%
com%vista%a%tentar%imprimir%ele%mesmo,Orpheu%3,%ou%uma%revista%que%a%evocasse%ou%
lhe%aproveitasse%o%título,%hipotético%projeto%a%que%Sá8Carneiro%não%aprecia%ver%o%seu%
nome%associado,%o%escritor%português%radicado%em%França%relaciona%Leal%a%figuras%
de% Orpheu% das% quais% se% tinha% distanciado.% Numa% carta% de% 17% de% julho% de% 1915,%
pergunta%de%um%jato:%“O%Leal%circula%ainda?%O%Santa8Rita%Pintor%tem%aparecido%por%
Lisboa?”%(SÁ8CARNEIRO,%2015:%316),%associando%mentalmente%os%dois%colaboradores%
de%Orpheu.%A%15%de%Novembro%desse%ano,%pergunta:%“E%Leal,%Montalvor%&%Cia?%(SÁ8
CARNEIRO,% 2015:% 419).% Afirma% ainda,% a% 20% de% Novembro% de% 1915:% “Muito%
interessantes% noticias:% em% particular% rompimento% Leal% —% Santa8Rita% Pintor”% % (SÁ8
CARNEIRO,%2015:%423).%A%determinada%altura,%Sá8Carneiro%parece%demonstrar%que%a%
sua%familiaridade%em%relação%a%Leal%é%bastante%menor%que%a%de%Pessoa,%mas%ainda%
assim% evidencia% alguma% consideração:% “Agradeço8lhe% pela% piada% —% que% disse% ao%
Leal% sobre% a% imortalidade% do% Pintor.% Ri% ás% bandeiras% despregadas.% Que% sorte% sem%
nome% o% pintor% deu% por% certo% —% se% o% Leal% lho% contou,% o% que% duvido,% pois% o% Leal%
parece8me% leal...”% (16% de% Outubro% de% 1915;% SÁ8CARNEIRO,% 2015:% 399).% Terá% sido,%
seguramente,% Fernando% Pessoa,% bastante% mais% próximo% de% Leal,% quem% procurou%
apresentar% com% algum% cuidado% o% caráter% único% deste% último,% e% em% particular% os%
aspetos% mais% valiosos% da% sua% vocação% filosófica.% Nesse% contexto,% Sá8Carneiro%
claramente% distingue% Leal% de% Santa8Rita,% a% quem% não% reconhece% qualquer%
profundidade% nas% suas% teorizações% artísticas,% que% ouvira% em% primeira% mão% em%
Paris:%“O%Santa8Rita%filosofo%e%a%falar%de%tempos%relativos%e%absolutos%é%de%morrer%
de%goso!%Claro%q[ue]%o%Leal%anda%na%historia.%Mas%não%deve%ter%escrito%nem%ditado%o%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 171


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

texto.%Deve%ter%falado.%E%o%nosso%pintor%confusionado,%temperado,%condimentado.%
Admiravel!”%(carta%de%5%de%Novembro%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%414).%%
Sobre% a% relação% de% Raul% Leal% com% a% revista% Orpheu,% é% de% destacar% o% que% à%
primeira%vista%parece%ser%uma%contradição%da%parte%de%Sá8Carneiro.%É%conhecida%a%
passagem% em% que% diz% a% Pessoa,% aparentemente% reconhecendo% hipotéticos% méritos%
de%Leal%que%o%autor%dos%heterónimos%tivesse%apontado:%“O%que%diz%do%Leal,%curioso%
e%certo,%creio.%É%muita%pena%que%o%rapazinho%seja%um%pouco%Orfeu,de%mais”%(carta%
de%5%de%Novembro%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%413).%Contudo,%Sá8Carneiro%havia%
dito% pouco% antes,% quando% ainda% considerava% as% possíveis% contribuições% para% um%
Orpheu,3,%que%o%“limite%da%fraqueza%deve%ser%a%novela%do%Dr.%Leal%inserta%no%Orfeu,
2.%Daí%para%baixo%nem...%nem%poemas%interseccionistas%do%Afonso%Costa”%(carta%de%
31%de%Agosto%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%369).%Ora,%a%aparente%contradição%reside%
em%Leal%poder%ser%visto%como%o%“limite%da%fraqueza”%de%Orpheu,e%ao%mesmo%tempo%
como% “Orfeu% de% mais”.% Evidentemente% que% não% há% uma% contradição% em% sentido%
estrito,% mas% apenas% uma% plurissignificação% indicativa% do% todo% que% Orpheu, que%
representou% para% os% escritores% da% época,% a% começar% pelo% próprio% Mário% de% Sá8
Carneiro.%%
Na%primeira%frase%citada,%em%que%Leal%é%apresentado%como%“Orfeu,de%mais”,%
Sá8Carneiro% parece% referir8se% a% Orpheu, enquanto% revista% polémica% e% causadora% de%
escândalo;%na%segunda%frase%citada,%refere8se%apenas%à%revista%enquanto%conjunto%de%
textos% literários.% O% aspecto% mais% interessante% deste% contraste% está% no% facto% de% Sá8
Carneiro%distinguir%estas%duas%dimensões,%como%se%percebe,%ainda%que%ele%mesmo%
tenha% procurado% que% a% revista% adotasse% uma% estratégia% de% escândalo,% própria% das%
vanguardas%literárias%e%artísticas.%%
Eventualmente,% entre% o% final% do% ano% de% 1915% e% os% princípios% de% 1916,% Sá8
Carneiro%parece%aproximar8se%um%pouco%mais%de%Leal,%começando%mesmo%a%trocar%
correspondência% com% o% filósofo,% quando% este% vai% para% Espanha,% como% veremos%
adiante.%A%Pessoa,%Mário%de%Sá8Carneiro%pede%a%27%de%Novembro%de%1915:%“Quando%
Dr.%Leal%partir%diga8me.%Mas%que%vai%êle%fazer%a%Sevilha?%Você%sabe?%E%parece8lhe%
que% êle% arranjou% dinheiro?”% (2015:% 428).% O% comportamento% alegadamente% mais%
extravagante%de%Leal%parece%continuar%a%causar%algum%desconcerto%a%Sá8Carneiro,%
quando%diz%a%Pessoa,%na%véspera%de%Natal%de%1915:%“Desolador%e%hilariante%o%caso%
do%Dr.%Leal.%Respondi8lhe%ontem%pintando8lhe%em%negras%côres%a%vida%dos%artistas%
franceses% e% dizendo8lhe% que% achava% da% mais% grave% imprudencia% a% sua% vinda% aqui%
em% mira% de% arranjar% contrato% para% mimicas% ou% cinematografos”% (440),% e% a% 13% de%
Janeiro%do%ano%seguinte,%que%“O%Rodrigues%Pereira%detective%é%pendant,do%Dr.%Leal%
mimico”% (452).% Não% é% exatamente% claro% que% atividade% profissional% Leal% pretendia%
desenvolver,%mas%talvez%houvesse%aqui%alguma%relação%com%um%episódio%contado%
por%Aníbal%Fernandes,%como%tendo%decorrido%com%Leal%já%em%Espanha%entre%1916%e%
1917.%É%um%episódio%em%que%Leal%terá%procurado%reproduzir%a%sintaxe%performativa%
mais%extravagante%do%momento%Futurista:%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 172


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"
Para% fugir% a% estas% dificuldades% [financeiras],% pensa% em% alistar8se% como% voluntário% no%
exército%francês,%mas%desiste%da%ideia%por%lhe%ocorrer%(e%vai%contar8se%aqui%um%episódio%cuja%
fonte% só% é% o% próprio% Raul% Leal,% desconhecendo8se% a% existência% de% qualquer% outro%
testemunho% que% o% confirme)% que% pode% tirar% partido% da% faustosa% colecção% de% pijamas%
orientais% com% que% costuma% dormir,% comprada% a% peso% de% ouro% nos% seus% tempos% de% grande%
luxúria% parisiense.% Resolve% apresentar8se% como% “bailarino% futurista”% e% com% nome% Ahlali,%
Prince%de%la%Mort,%fiado%no%êxito%visual%dos%seus%pijamas,%só%eles%capazes%de%dispensar%que%o%
bailarino% dance.% A% sua% primeira% intervenção% em% palco% é,% porém,% pateada;% e% durante% a%
segunda% responde% ao% tumulto% do% público% com% um% manguito.% É% preso% e% —% afirma% ele% —%
deixa% escrito% na% parede% da% cela% o% Poème, de, la, Liberté,% assinado% por% Raoul% Leal,% poète, et,
penseur.%(LEAL,%2010:%27)%
%
Como% as% citações% de% Sá8Carneiro% indicam,% o% escritor% troca% correspondência%
com%o%filósofo%entre%finais%de%1915%e%princípios%de%1916.%De%facto,%na%carta%a%Pessoa%
de%24%de%dezembro%de%1915,%Sá8Carneiro%diz%ter%demorado%a%escrever,%por%ter%tido%
outras%cartas%a%enviar,%nomeadamente%“ao%Dr.%Leal%e%ao%meu%Pai,%ao%meu%Avô,%sei%
lá% mais% a% quem”% (439),% e% diz% ter% ter% tentado% dissuadir% Leal% de% ir% para% Paris% “pra%
mimicas% ou% cinematografos”% (440).% Já% na% carta% a% Pessoa% de% 13% de% janeiro% de% 1916,%
diz%que%em%breve%remeterá%a%“carta%que%pede%Leal”.%%
A% troca% de% correspondência% entre% Leal% e% Sá8Carneiro% está% até% relacionada%
com%uma%das%passagens%mais%estranhas%—%senão%mesmo%a%única%realmente%difícil%
de%compreender%—%de%todo%o%diálogo%epistolar%entre%Sá8Carneiro%e%Pessoa.%Numa%
carta% a% Pessoa% de% 29% de% Dezembro% de% 1915,% Sá8Carneiro% narra% ao% seu% interlocutor%
principal% um% episódio,% no% mínimo,% invulgar,% dizendo% do% seu% quotidiano% tratar8se%
de:%%
%
Uma%vertigem%de%aborrecimento%—%um%comboio%expresso%de%anquilose.%Aborrecimento%na%
Alma,% por% todo% o% corpo:% e% o% que% é% pior:% nos% intestinos.% Borbulhas% na% testa% e% no% pescoço.%
Tudo% isto,% juro8lhe,% provocado% pelo% meu% estado% de% alma% impossivel,% e% cada% vez% mais% sem%
remedio.%Uma%vontade%imensa%de%me%embebedar,%mas%nos%ossos.%Depois%—%sem%literatura%—%
de% súbito,% focam8se8me% nitidamente% coisas% estramboticas,% que% devem% ser% recordações:%
ontem%á%noite,%uma%galinha%de%vidro%azul%a%assar%no%espeto%—%sim%de%vidro%azul:%e%peças%de%
bordados%redondos,%ocultando%qualquer%coisa%por%baixo%que%mexia%e%devia%ser%detestavel.%
Os%bordados%eram%brancos%e%côr%de%rosa%—%e%mexiam%os%estuporinhos,%mexiam!%Onde%irá%
isto%parar%—%é%que%eu%não%sei.%(SÁ8CARNEIRO,%2015:%448).%
%
Ora,%Sá8Carneiro%terá%mencionado%o%mesmo%episódio%de%contornos%bizarros%
a%Raul%Leal,%já%que%este%se%lhe%refere%na%sua%resposta%escrita%em%Sevilha,%entre%27%e%
30%de%Janeiro%de%1916.%É%uma%carta%escrita%em%papel%timbrado%do%Café%de%La%Perla,%
um% dos% cafés% mais% elegantes% de% então,% entre% as% Calles% Granada% e% Tetuan.% Se% os%
eventos% narrados% por% Mário% de% Sá8Carneiro% poderão% ter% sido% estranhos,% ainda%
assim%este%escritor%chega%a%ficar%surpreso,%ou%mesmo%chocado,%com%o%conteúdo%da%
resposta%lealina,%acabando%por%reencaminhá8la%para%Pessoa,%e%por%acrescentar:%%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 173


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"
Uma% carta% rapida% para% —% sobretudo% —% lhe% enviar% uma% coisa% extraordinaria% do% Raul% Leal%
que%ontem%recebi.%Leia%essas%paginas,%que%chegam%a%ser%belas,%mas%que%são%terriveis%—%um%
pesadelo%sem%sôno,%qualquer%coisa%de%alucinante%e%miseravel,%de%pôr%os%cabelos%em%pé.%Tive%
na% verdade% calafrios% ao% ler% essas% paginas% —% determinadas% passagens% sobretudo.% Que%
tragedia% a% dessa% alma% —% que% coisa% lamentavel% porque,% dentro% do% seu% horror% belo% —% é%
tambem%asquerosa:%e%no%nojo,%francamente%é%muito%dificil%encontrar%o%belo.%Leia,%arquive%—%
escusa% de% mandar% —% e% diga8me% o% que% pensa% a% esse% respeito.% Não% a% mostre% a% ninguem% —%
claro% […]% De% resto% esta% carta% foi% só% para% lhe% enviar% a% do% Leal.% (Carta% de% 8% de% Fevereiro% de%
1916;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%4678468)%
%
Pessoa% conservou% de% facto% a% carta% de% Raul% Leal% para% Sá8Carneiro,% que% está%
ainda% hoje% no% seu% arquivo% (BNP/E3,% 1152881% a% 86),% e% que% várias% vezes% tem% sido%
descrita%erroneamente%como%tendo%sido%remetida%por%Leal%a%Pessoa%(Fig.%1).1%%
A% carta% foi% primeiro% divulgada% por% Mário% Cesariny,% em% O, Virgem, Negra,%
numa% secção% intitulada% “DUAS% CARTAS% DE% RAUL% LEAL% (HENOCH)% |% AO%
HETERONOMO”%(CESARINY,%1989:%91).%Vale%a%pena%salientar%este%episódio,%já%que,%
apesar%de%o%erro%ter%sido%corrigido%posteriormente%pelo%próprio%Mário%Cesariny,%ele%
continua%a%ser%cometido,%ainda%nos%dias%de%hoje,%por%investigadores%que%consultam%
o% arquivo% pessoano.% Logo% no% início% da% carta,% Leal% alude% muito% claramente% ao%
discurso% de% Sá8Carneiro,% dizendo:% “ao% menos,% em% seu% espirito% ainda% existem%
‘galinhas% de% cristal% azul’% enquanto% que% o% meu% enche8se% doutras,% esqualidas,%
ressequidas% a% alimentarem8se% de% esterco!”% Nesta% sua% carta,% de% facto% extravagante,%
Leal%enceta%um%ataque%de%cariz%filosófico%ao%“Kaiser”%e%à%sua%facção%na%guerra%de%
1914/1918,%por%possuírem%alegadamente%um%imperialismo%não%espiritualizado.%Mas%
Leal%refere8se%ainda,%em%seguida,%à%sua%própria%“atracção%estupenda%pelos%urinóis%
públicos”%(CESARINY,%1989:%99),%que%diz%visitar%para%“realizar%as%minhas%perversões”%
(CESARINY,% 1989:% 100);% e% apresenta% múltiplas% conceptualizações% da% sua% noção% de%
beleza,%bem%como%uma%descrição%da%sua%própria%penúria%financeira.%%
Não% admira% que% Leal% acabe% por% aludir% à% obra% literária% de% Sá8Carneiro% no%
parágrafo%de%despedida,%nos%seguintes%termos:%“Desculpe8me,%meu%querido%amigo%
esta% Enormidade% Imperdoavel% e% que% ela% apenas% sirva% para% lhe% inspirar% um% novo%
livro% de% novelas”% (CESARINY,% 1989:% 104).% Se% dúvidas% houvesse% quanto% ao%
destinatário%da%carta,%lembre8se%que%era%Sá8Carneiro%quem%tinha%publicado%já%dois%
livros%de%novelas%—%Princípio,e%Céu,em,Fogo%—%e%nunca%Pessoa,%como%é%evidente.%%
Quanto% à% sugestão% de% Leal,% diga8se% que% ela% não% deixa% de% ser% uma% intuição%
interessante:% de% facto% a% sua% vida% e% o% seu% pensamento,% tal% como% o% próprio% os%
descreve,%mais%o%aparentam%a%um%quase%inverosímil%protagonista%de%uma%novela,%
não%fosse%tratar8se%de%uma%hipotética%novela%modernista.%%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1%A%respeito%de%atribuições%erróneas%de%documentos%do%arquivo%pessoano,%e%em%particular%de%textos%
de% Leal% atribuídos% a% Pessoa,% Jerónimo% Pizarro% resumiu% os% contornos% de% dois% casos% conhecidos.% O%
primeiro%deles%é%a%tradução%para%inglês,%por%Pessoa,%de%uma%carta%de%Leal%a%Marinetti,%e%o%segundo%o%
artigo%“António%Botto%e%o%Sentido%Íntimo%do%Ritmo”%(cf.%PIZARRO,%2012:%2558257).%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 174


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

%
%
%

%
Fig.%1.%Primeira%página%de%carta%de%Raul%Leal%a%Mário%de%Sá7Carneiro,%%
escrita%entre%27%e%30%de%janeiro%de%1916,%reencaminhada%subsequentemente%%
para%Fernando%Pessoa%(BNP/E3,!E371152781r).%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 175


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Quando%encaminha%a%carta%a%Fernando%Pessoa,%Sá8Carneiro%diz%ter%visto,%nas%
páginas%de%Leal,%o%belo;%mas%de%facto%apenas%terá%intuído%algo%próximo%do%sublime.%
Por%isso%fala%de%páginas%que%“chegam%a%ser%belas”,%mas%ao%mesmo%tempo%qualifica8
as% como% “terriveis% —% um% pesadelo% sem% sôno,% qualquer% coisa% de% alucinante% e%
miseravel”,%e%diz%ter%tido%“calafrios%ao%ler%essas%paginas”.%No%entanto,%Sá8Carneiro%
nunca% aceitou% uma% realidade% que% chamou% trágica,% “asquerosa”,% e% que,% por% via%
dessa% repulsa,% considerou% impossibilitar% qualquer% beleza% e% —% dir8se8ia,% qualquer%
aspeto% sublime.% No% fim% de% contas,% o% erro% possível% de% Sá8Carneiro% nesta% sua%
consideração% de% cariz% estético,% é% que% não% se% tratava% tanto% de% ser% a% sua% repulsa% a%
impossibilitar% o% belo,% mas% o% seu% próprio% sentimento% de% insegurança,% perante% a%
realidade% descrita% por% Leal,% a% impossibilitar% o% sentimento% do% sublime,% que% requer%
uma%liminar%forma%de%segurança,%a%qual%a%prosa%de%Leal%não%lhe%conferia.%%%
%
II.%O%requiem%de%Raul%Leal,%por%Mário%de%Sá7Carneiro%%
%
Até%hoje%apenas%foi%divulgada%uma%carta%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa;%aquela%
que% Mário% Cesariny% apresentou% em% O, Virgem, Negra,% juntamente% com% a%
anteriormente% descrita% cujo% destinatário% foi% de% facto% Sá8Carneiro% e% não% Pessoa.%
Ambas% as% cartas% estão% presentes% juntamente% no% espólio% pessoano,% tendo% esta% as%
cotas% BNP/E3,% 1152887% e% 88.% Raul% Leal% escreve% a% Pessoa% a% partir% de% Toledo,% em%
Dezembro%de%1916,%do%endereço%2,%Plaza%de%San%Ginés,%no%centro%da%cidade%(Fig.%2).%%%
No% arquivo% de% Fernando% Pessoa% na% Biblioteca% Nacional% de% Portugal,%
contudo,% há% ainda% uma% “Tarjeta% postal”,% que% cremos% inédita% até% hoje,% carimbada%
pelos% correios% espanhóis% a% 10% de% março% de% 1917,% e% chegada% a% Lisboa% dois% dias%
depois.% Nela,% Raul% Leal% limita8se% a% apresentar% a% Fernando% Pessoa% a% sua% nova%
morada%em%Madrid,%no%bairro%de%Lavapiés%(Figs.%3%e%4):%
%
% Meu%prezado%amigo%
Estou% de% nôvo% em% Madrid.% Cheguei% ha% um% mez.% A% minha% direção% é% Calle% de% los%
Tres%Peces,%30,%2.o%Derecha%onde%âs%súas%cártas%serão%sempre%muito%bem%recebidas.%%
Seu%amigo%e%admiradôr%
Raúl%Leal%
%
Neste%contexto,%é%particularmente%importante%o%texto%da%carta%inédita%que%Raul%Leal%
escreve,%também%em%Espanha,%a%Fernando%Pessoa,%aquando%da%morte%de%Mário%de%
Sá8Carneiro,% e% que% hoje% integra% a% Coleção% Fernando% Távora.% É% já% em% Madrid% que%
Leal%redige%essa%carta,%que%adiante%se%apresenta;%Leal%redige8a%no%dia%7%de%maio%de%
1916,% em% papel% timbrado% do% elegante% Café% Lion% d’Or,% um% importante% centro% de%
tertúlias%da%capital%espanhola.%%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 176


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

%
%
%

%
Fig.%2.%Primeira%página%de%carta%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa,%
de%dezembro%de%1916%(BNP/E3,!E371152787r).%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 177


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

%
%

%
Figs.%3%e%4.%“Tarjeta%Postal”%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa,%%
de%10%de%Março%de%1917%(BNP/E3,%1152789).%
%
Desde% logo% assinale8se% que% esta% carta% a% Fernando% Pessoa% ajuda% a% precisar%
com% maior% detalhe% os% movimentos% de% Raul% Leal% em% Espanha,% esclarecendo% que,%
ainda%em%1916,%Raul%Leal%esteve%até%os%“fins%de%márço%[...]%em%Sevilha”,%e%que%daí%
seguiu,%pouco%depois,%para%Madrid.%
Diga8se% desde% logo,% sobre% este% documento,% que% não% se% pode% descartar% por%
completo%a%hipótese%de%que%se%trate%de%uma%carta%efetivamente%enviada%a%Pessoa%e%a%
que%Fernando%Távora%possa%ter%tido%acesso.%Mas%há,%contudo,%razões%para%crer%que%
se%trata%de%um%rascunho%de%uma%carta,%cuja%versão%passada%a%limpo%possa%ter%sido%
enviada%ou%não.%No%seu%meta8arquivo,%Fernando%Távora%indica%que%os%lotes%20,%25%e%
38% incluem% manuscritos% vários% de% Raul% Leal,% incluindo% rascunhos% de% cartas.% Por%
outro% lado,% o% próprio% documento% aparenta% ter% características% próprias% de% um%
rascunho% —% nomeadamente% os% múltiplos% riscados,% que% encontramos% em% vários%
outros%rascunhos%de%Leal%—%e%que%o%escritor%tipicamente%não%mantinha%nas%cartas%
efetivamente%enviadas,%como%se%percebe%por%exemplo%nas%duas%cartas%a%Pessoa%e%Sá8
Carneiro% no% arquivo% de% Pessoa.% Parece% menos% plausível,% mesmo,% dado% o% seu%
conteúdo%e%a%circunstância%que%a%motiva,%que%Leal%não%tivesse%enviado%uma%versão%
limpa%da%mesma,%a%Pessoa,%embora%não%haja%sobre%isso%qualquer%certeza.%Conhece8
se,% contudo,% uma% anotação% de% Fernando% Távora% acerca% do% documento.% Como% nos%
indica% o% colecionador,% “Esta% carta% figurou% na% Exposição% realizada% quando% do% 1.o%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 178


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

congresso% de% Estudos% Pessoanos% (Catálogo% n.o% 81)”,% informação% confirmada% pelo%
catálogo%dessa%mostra.%%
%

%
Fig.%5.%Anotação%de%Fernando%Távora,%%
anexa%à%carta%na%Coleção%(pormenor).%
%
Aqui% chegados,% importa% agora% comentar% o% conteúdo% da% carta,% que% adiante% se%%
apresenta%em%fac8símile%e%se%transcreve%%(Figs.%6%a%11).%Confesse8se%que%a%primeira%
leitura% desta% carta% de% Raul% Leal% —% e% provavelmente% até% algumas% mais% além% da%
primeira%—%podem%levar%o%leitor%a%um%imediato%silêncio,%tal%a%diferença%do%discurso%
lealino.% É% uma% diferença% estilística% que% se% nota% particularmente% nesta% época% mais%
conturbada%da%sua%vida,%diga8se,%já%que%cartas%de%outras%épocas%parecem%distinguir8
se% por% uma% maior% transparência,% uma% maior% limpidez% (veja8se% por% exemplo% a%
correspondência%de%Raul%Leal%com%Jorge%Sena;%SENA%e%LEAL,%2010).%O%contraste%com%
missivas%escritas%noutros%períodos%é%marcado%pela%impressão%de%uma%radicalidade%
do%discurso;%como%que%um%salto%no%abismo,%por%parte%de%Leal,%nos%anos%de%Orpheu,e%
do%apogeu%do%modernismo%português.%Nesta%altura,%e%como%se%vê%particularmente%
aqui,%o%escritor%procura%extremadamente%discernir%sentidos%profundos%para%a%vida%
e% a% morte,% e% funde% uma% espiritualidade% de% onde% está% ausente% a% própria% palavra%
Deus, com% a% mais% direta% imanência% dos% sentidos.% Ao% mesmo% tempo,% procura%
sintetizar%um%facto%tão%pouco%compreensível%na%sua%totalidade%para%o%ser%humano%
—% como% o% suicídio% do% seu% semelhante% —% juntamente% com% a% hipotética% redenção%
(talvez%Leal%preferisse%transfiguração?)%pelo%trabalho%do%artista,%chegando%a%pensar%
este% último% como% alguém% que% abre% novos% caminhos% para% os% que% o% sobrevivem,% a%
partir%do%gesto%que%é%o%seu%suicídio.%
Ora% o% espanto% que% causa% o% seu% discurso% emaranhado,% possivelmente%
esotérico,% prolífico% conceptualmente% —% uma% verdadeira% máquina% de% convocar%
conceitos%e%categorias%filosóficas,%ainda%que%não%necessariamente%os%desenvolvendo%
de% forma% consistente% —% não% nos% deve% fazer% desistir% de% analisar% alguns% dos%
elementos% constantes% da% carta,% que% nos% ajudam% a% compreender% um% pouco% mais% o%
modernismo% português.% Essa% dificuldade% também% não% nos% deve% dissuadir% de%
procurar%entender%e/ou%caracterizar%a%própria%linguagem,%tão%distinta,%desta%figura%
que% está% entre% as% mais% irreverentes% do% modernismo% português;% muito% pelo%
contrário.%Isto%porque%a%linguagem%em%causa,%ainda%que%provavelmente%única%e%ao%
arrepio%das%mentes%da%época,%contribui%ainda%assim%para%compreendê8la,%seja%pelas%
ideias% expressas,% seja% pela% própria% forma% como% elas% são% enunciadas.% Observemos%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 179


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

assim% algumas% das% características% desta% carta,% conscientes,% porém,% de% que% terão%
forçosamente% de% ser% várias% as% vozes% a% pronunciarem8se,% para% que% se% possa% fazer%
uma%qualquer%síntese%da%originalidade%do%discurso%de%Raul%Leal.%
Esta% carta% evidencia% que% foi% Pessoa% quem% deu% a% notícia% da% morte% de% Sá8
Carneiro%a%Leal,%motivando8o,%assim,%a%responder,%menos%de%duas%semanas%depois%
do%suicídio%em%Paris.%Vemo8lo%nas%passagens%em%que%Raul%Leal%ilustra%o%seu%choque%
com%a%notícia:%“Foi,pavorósa,e,sublime,â,impressão,que,me,deixou,â,súa,carta...,Recebi8a%
de,noite%e%em%circunstancias%fantásticas!%|%Só%por%si%tive%conhecimento%do%suicidio%do%
nósso% querido% amigo% que% foi% Vivêr% em% Púro% Espirito% despedaçando% Arte...”% O%
aviso,% por% Fernando% Pessoa,% desde% logo% evidencia% a% camaradagem% entre% os% três%
escritores.% Mas% Pessoa% terá% mencionado% ainda% a% necessidade% de% homenagear% Sá8
Carneiro.%Numa%carta%datada%de%20%de%Maio%de%1916,%enviada%de%Paris%a%Fernando%
Pessoa,%por%Carlos%Ferreira%—um%dos%amigos%de%Sá8Carneiro%que%trataram%do%seu%
funeral—%percebemos%que%Pessoa%teria%escrito%a%Ferreira%acerca%da%melhor%maneira%
de%divulgar%postumamente%a%obra%inédita%de%Sá8Carneiro,%talvez%até%considerando%
que%a%mesma%exigiria%tempo%ou%indicando%que%a%mesma%deveria%ir%sendo%publicada%
na%imprensa.%Vemos%que%Ferreira%expressa%o%seu%desacordo%quanto%aos%planos%de%
Pessoa:%
%
Infelizmente%não%posso%estar%d’accordo%comtigo%no%que%diz%respeito%a%edicção%dos%ineditos.%
A%minha%ideia%era%outra%muito%differente.%Publicar%tudo%sim%n’um%volume%(edicção%de%luxo,%
edicção%á%Sá8Carneiro,%elle%que%tanto%gostava%dos%livros%elegantes).%Ilustrar%com%o%retrato%do%
auctor,% um% bom% retrato% pois% não% faltam% aqui,% e% alguns% autographos% fac8simile.% Quanto% á%
capa,%esquisita%mas%não%escandalosa.%Trata8se%d’uma%homenagem.%Mas%meu%caro%Fernando%
Pessôa:%nada%de%discordia%entre%nós,%sobretudo%eu%que%nada%represento%no%grupo%futurista%e%
que%nada%quero%com%semelhante%gente,%pondo%de%parte%a%tua%pessoa,%clarissimo,%a%unica%que%
respeito,% admiro,% perante% quem% me% curvo% e% a% unica% que% tinha% peso% na% opinião% do% Mario.%
(SÁ8CARNEIRO,%2017:%5658566)%
%%
Não%é%possível%precisar%o%plano%que%Pessoa%teria%idealizado,%ou%o%que%teria%
dito% especificamente% a% Ferreira—% embora% pareça% claro% que% teria% expressado% algo%
diferente%da%intenção%de%publicar%imediatamente%um%livro%de%inéditos.%Mas%Pessoa%
terá%mencionado%a%Leal,%possivelmente,%a%hipótese%de%uma%publicação%em%livro,%o%
que%talvez%esteja%na%base%da%passagem%de%Leal%em%que%este%diz%que%é%“necessário%que%
ésta% Mórte% não% pásse% desapercebida,% nós% tôdos,% Intelectuáes% e% Artistas,% têmos% o%
devêr% de% impôr% â% Personalidáde% do% Mário% de% Sá8Carneiro% â% tôda% éssa% gente”,%
falando% ainda% de% “manifestações% fúnebres,% incluindo% â% elaboração% dúm% livro% In,
Memoriam”.% Em% alternativa,% talvez% a% ideia% aqui% expressa% fosse% simplesmente% de%
Leal,% não% deixando% de% ecoar% um% desejo% coletivo,% dos% escritores% de% Orpheu,% de%
imporem% a% memória% de% Sá8Carneiro% a% um% meio% cultural% que% lhe% fora% hostil%
aquando%da%publicação%da%revista.%%%
Quanto%à%notícia%da%morte%de%Sá8Carneiro,%Raul%Leal%descreve%o%que%parece%
ter% sido% um% fortíssimo% choque,% reforçado% ainda% pelo% facto% de% também% ele%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 180


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

aparentemente% ter% considerado% a% hipótese% do% suicídio,% nos% momentos% de% maior%
penúria%vividos%até%então.%De%certa%forma,%Leal%diz%ter%somatizado%o%sofrimento%do%
suicídio%de%Sá8Carneiro:%“Todos%os%meus%nêrvos%se%me%contrairam%tanto%que%senti%
verdadeiramente%tôda%â%opressão%contorcida%dúma%Asfixia%Gerál.%Sim,%porque%não%
foi% só% â% garganta% nem% o% peito% que% se% me% contraiu% em% torsão% mâs% túdo,% túdo% em%
mim% se% asfixiou...% Tornei8me% â% própria% Asfixia% em% Si”.% A% somatização% da% última%
hora%de%Sá8Carneiro%parece%evidente,%bem%como%a%sua%causa,%que%aliás%é%confessada%
por% Leal:% “â% minha% sensibilidade% excessiva% arrasta8me% o% Universo...”% E% é% por% isso%
que%confessa:%“Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo,%foi%cômo%se%fôsse%eu%quem%vivêsse%
â%Morte!”%
Esta% impressão% intensa% lança% Raul% Leal% numa% torrente% discursiva,% ávida% de%
conceptualização.% É% um% discurso% que% se% desdobra,% enrola,% autotorturado,% no%
sentido%de%encontrar%uma%racionalização%da%morte%ou%de%encontrar%uma%explicação%
para%ela.%Estas%tentativas%são%feitas%em%duas%vertentes:%num%discurso%em%que%Leal%
se%reporta%à%sua%própria%espiritualidade%projetada%“astralmente”%numa%animização%
do% Nada% (para% o% parafrasearmos% o% escritor);% ou% na% defesa% da% singularidade% da%
atividade% artística.% Por% isso% Leal% começa% mesmo% por% sugerir% a% Pessoa% que% se%
suponha%“fôra%da%Térra,%suspenso%no%éter,%em%volta%só%trévas%e%trevas%de%vácuo%sem%
consistencia”,%continuando%a%frase%num%crescendo%que%termina%interrogando8se:%“o%
próprio% Vácuo8Fantasma% de% Infinito% em% Iternidáde,% Infinito% Abstráto, em% Abstráta,
Iternidáde,% não% é% â% Opressão8Púra8Em8Liberdáde% da% Asfixia% em% Si?...”% É% nesta%
fusão% entre% espiritualidade% e% projeção% astral% da% sensação% íntima% que% aparece% a%
noção%de%vertigem,%recorrente%na%sua%escrita.%%
Em%relação%à%tentativa%de%encontrar%uma%explicação%para%a%realidade%através%
da% defesa% da% redenção% da% vida% humana% e% da% sua% morte% pela% arte,% vemos% Leal%
afirmar% numa% nota% acrescentada% e% riscada% na% primeira% página% da% carta,% que% “A%
transf[iguração]% do% S[á8]C[arneiro]”% será% “â% transf[iguração]% da% Vida”;% e,% no%
conteúdo%da%carta,%dizer%ainda%que:%%
%
Pavorósa% será% â% Transfiguração% da% Vida% mas% Sublime% será% tambem,% procurêmo8la% numa%
anciedáde% espasmódica,% sublimemente% nos% enchendo% de% Vertigem8Vácuo...% A%
Transfiguração%do%Artista%é%o%Grande%Principio%da%transfiguração%da%Vida,%Êle%encheu8se%dâ%
Glória%de%arrastár%na%Vida%que%é%Êle,%que%é%Nós%â%Livida%Mortálha.%Foi%â%Vida%que%começou%
â%Morrêr...%Principio%Formidável!%%
%
Em%suma,%Leal%encontraria%na%próprio%suicídio%de%Sá8Carneiro%uma%coragem%
redentora%que%evitava%reduzir%a%sua%morte%à%simples%voragem%pelo%real%quotidiano.%
Assim,% Leal% veria% no% suicidio% de% Sá8Carneiro% um% mérito% especial,% e% nunca% uma%
mera%desistência.%É%por%este%motivo%que%Leal%vai%ao%ponto%de%propor%a%morte%de%Sá8
Carneiro% como% exemplo% de% comportamento:% “O% Artista,% convulsionando8se%
crescentemente% em% espetralismo% púro,% núma% arrancáda% espetrál% se% precipitou,% o%
terror% feroz% do% Além% que% Ele% presagiava% para% â% Vida,% como% Actuação% Animica%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 181


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

contrasticamente%â%si%próprio%se%gerou%e%foi%o%Artista%assim%que%núm%esfôrço%Divino%
nos%apontou%o%Caminho%dâ%Nêgra%Claridáde...”%
No%artigo%“A%Visão%Luxuriosa%de%Raul%Leal,%Profeta%Sagrado%da%Morte%e%de%
Deus”,% publicado%neste%mesmo%volume%da%Pessoa,Plural,%António%Almeida%sugere%
que% Leal% “é% um% filósofo% na% boca% de% um% poeta”% (ALMEIDA,% 2017).% É% uma% fórmula,
elegante%que%ajuda%a%compreender%a%escrita%de%Leal%desta%época%—%escrita%esta%que%
haveria% de% evoluir% ao% longo% das% muitas% décadas% que% o% filósofo% sobrevive% a% Sá8
Carneiro.% E% é% uma% fórmula% que% tem% o% particular% mérito% de% reconhecer% o% vínculo%
continuamente%existente%em%Leal%entre%esses%dois%tipos%de%linguagens.%Ao%mesmo%
tempo,% poder8se8ia% com% facilidade% reverter% a% fórmula,% dizendo% tratar8se% de% um%
poeta% na% boca% de% um% filósofo,% já% que% Leal% é% todo% ele% insight,% é% todo% ele% visão%
metafórica,% que% procura% subsequentemente% explanar8se% num% discurso% de% padrão%
aparentemente%filosófico.%Na%prática,%a%possibilidade%de%reversão%apenas%se%deve%ao%
facto%de%Leal%ser%ambas%as%coisas%ao%mesmo%tempo,%como%é%evidente:%um%poeta%que%
persegue% as% suas% percepções% instintivas% formuladas% metaforicamente,% as% quais%
procura% desenvolver% num% discurso% de% cariz% filosófico,% mas% também% um% filósofo%
cujas% referências% filosóficas% são% convocadas% de% uma% forma% por% vezes% sobretudo%
simbólica,%e%cujas%deduções%se%parecem%alinhar%mais%de%forma%estética%que%lógica.%
No% discurso% de% Leal% ecoam% amplamente% vários% conceitos% da% tradição%
filosófica,% que% o% autor% assimila% e% manipula% com% facilidade.% E% circulam% até% mesmo%
ecos% de% conceitos% que% estavam% no% início% da% sua% popularização,% como% é% o% caso% da%
relatividade%einsteiniana,%i.e.%a%teoria%da%relatividade%restrita,%de%1905,%e%a%teoria%da%
relatividade% geral,% de% 1915,% apresentada% pouco% antes% de% esta% carta% ser% escrita.% Por%
isso%Leal%fala%de%uma%“Púra%Subjectividáde,%Relatividáde%Pura,%Relatividáde%em%Si,%
Relatividáde8Fantasma”.% É% talvez% influenciado% pela% discussão% da% época% acerca% da%
gravitação,% e% pelo% conceito% de% espaço8tempo,% da% teoria% da% relatividade% geral,% que%
Leal% sempre% parece% ter% como% pano% de% fundo% os% termos% “astral”,% “abismo”% e% a%
própria%“vertigem”,%e%que%mais%adiante%nessa%passagem%se%refere%aos%seus%medos%
pessoais% neste% período% particularmente% difícil% da% sua% vida% como% a% “Espétros”%
(palavra% escrita,% pelo% autor,% sem% c),% dizendo% sobre% eles:% “os% próprios% abstrátos%
Contrástes%em%Si,%Contrastes8Fantásmas,%uns%nos%outros%fantasmicamente%tornados%
em% fantasmico8labirintizar% astral,% abysmos% abstrátos% de% abstráto% Vácuo%
sacudidamente% em% Vertigem,% êsses% Espétros,% digo,% êsses% abismos% imensos% de% Náda%
Animico%jámáis%me%abandônam%â%Alma%em%Crispações%Astráes...!”%%
% Perceba8se,% acima% de% tudo,% que% a% carta% de% Leal% é% ao% mesmo% tempo% um%
requiem%a%Mário%de%Sá8Carneiro%e%visa,%de%algum%modo,%oferecer%o%conforto%possível%
a%Fernando%Pessoa.%O%seu%exercício%de%teorização%é,%por%conseguinte,%também%um%
esforço%nesse%sentido.%É%aliás%um%esforço%a%que%Leal%se%entrega%intensamente,%como%
se% percebe,% parecendo% a% carta% ser% escrita% de% um% jorro,% de% forma% torrencial,% ao%
mesmo%tempo%que%Leal%se%desdobra%em%especulação.%Não%admira,%mesmo,%que%se%
tivesse%tratado%de%um%esforço%provavelmente%extenuante,%como%se%percebe%nas%suas%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 182


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

últimas%frases:%“Sinto8me%Esgotádo,%não%pósso%mais”.%O%desejo%de%fusão%total%entre%
indivíduo%e%universo,%ao%mesmo%tempo%que%a%amizade,%leva8o%por%isso%a%despedir8
se% de% Fernando% Pessôa,% aliás% de% forma% particularmente% lírica,% com% “úm% abraço%
d’Alma%tão%apertado%que%em%Úm8Só%nos%confúnda%pâra%sempre...”%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 183


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

III.% Fac7símile% da% carta% de% Raul% Leal% a% Fernando% Pessoa,% de% 7% de% maio% de% 1916%
(Coleção%Fernando%Távora).%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
Fig.%6.%Rosto%do%primeiro%bifólio.%
%
%

%
Fig.%7.%Verso%do%primeiro%bifólio.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 184


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Fig.%8.%Rosto%do%segundo%bifólio.%

Fig.%9.%Verso%do%segundo%bifólio.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 185


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Fig.%10.%Rosto%do%terceiro%bifólio.%

Fig.%11.%Verso%do%terceiro%bifólio.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 186


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

IV.%Anexo%—Transcrição%da%carta%%
%
%
Café%Lion%d’Or%
88888%>>.<<%88888%
18,%Alcalá,%18%
%%888888%o%888888%
%
Madrid,%7%de%Maio%de%1916%% %
%
Meu%querido%amigo%
%
Foi, pavorósa, e, sublime, â, impressão, que, me, deixou, â, súa, carta..., Recebi8a% de, noite% e% em%
circunstancias%fantásticas!%
% Só% por% si% tive% conhecimento% do% suicidio% do% nósso% querido% amigo% que% foi2%
Vivêr%em%Púro%Espirito%despedaçando%Arte...%Ésta%éra%cômo%que%o%seu%côrpo,astrál%
de% que% Êle% se% despojou% na% Suprêma3%Purificação.% O% esquêma% do% Espírito% que% Êle%
hoje%Vive%éra%tôda%â%súa%Óbra...4%Formidável%Esbôço%do%Além!...%
% É,necessário%que%ésta%Mórte%não%pásse%desapercebida,%nós%tôdos,%Intelectuáes%
e%Artistas,%têmos%o%devêr%de%impôr%â%Personalidáde%do%Mário%de%Sá8Carneiro%â%tôda%
éssa%gente.%Sem%dúvida,%quáesquér%manifestações%fúnebres,%incluindo%â%elaboração%
dúm% livro% In, Memoriam,% possúem% úma% expressão% de% Passádo5%que% nós% hoje% não%
podêmos%superiôrmente%vivêr,%em%farrápos%*nélas%nos%desenrolâmos%já%mâs%cômo%o%
nósso% fim,% nêste% momento,% é% atrair% tôdas% âs% atenções% pâra% â% Grande% Álma% que% o%
Artista% abandonou% nâ% Vida% e% cômo% só% em% exterioridades,% hoje% innexpressivas,%
poderêmos% alcançár% o% que% desejamos 6 %é% indespensável% prestárem8se% tôdas% âs%
honras% fúnebres% que% estiverem% ao% nósso% alcance.% Pessoálmente% náda% pósso% fazêr%
pois% ando7%muito% longe% mâs% pronto% estou% â% colaborár% em% túdo% que% nâ% minha%
situação%me%fôr%possivel.%
% Imagine% você% que% nos% fins% de% márço,% estando% ainda% em% Sevilha,% pensei% tão%
profúndamente% no% suicidio% que% até% á% minha% mãe% escrevi% uma% carta% tristissima%
expondo,% por% meias% palávras,% â% minha% resolução.% Era% tão% aflitivo% pâra% éla% o% que%
escrevi%que,%apesár%de%doente,%dirigiu8se8%lógo%ao%escritório%de%meu%irmão%pâra%lhe%
pedir% por% túdo% que% descubrisse% maneira% de% mudár% âs% minhas% circunstancias9%de%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2%<para%se>%[↑%foi]%
3%<para%†>%[↑%na]%Suprêma%
4%Óbra<,>...%%

5%<pass>%Passádo%

6%<queremos%†%do>%[↑%desejamos]%é%%

7%<estou>%[↑%ando]%

8%<foi>%dirigiu8se%

9%<situação>%[↑%circunstancias]%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 187


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

fórma% â% impedir% â% minha% mórte.% Â% mudança% não% foi% grande% pois% só% consegui% vir%
pâra%Madrid%em%condições%pouco%favoráveis%mâs%emfim,%êle%fez%o%que%poude...%Óra%
perante%êsse%pensamento%ainda10%tão%próximo%você%póde%imaginár%bem%o%horrôr%dâ%
súa%carta%em%mim!%
% Todos% os% meus% nêrvos% se% me% contrairam% tanto% que% senti% verdadeiramente%
tôda%â%opressão%contorcida%dúma%Asfixia%Gerál.%Sim,%porque%não%foi%só%â%garganta%
nem%o%peito%que%se%me%contraiu%em%torsão11%mâs%túdo,%túdo%em%mim%se%asfixiou...%
Tornei8me%â%própria%Asfixia%em%Si.%Supônha8se%fóra%dâ%Térra,%suspenso%no%éter,%em%
vólta% só% trévas% e% trévas% de% vácuo% sem% consistencia,% sem% materialidade% algúma,%
supônha8se%por%fim12%essas%trévas%em,si,%esse%vácuo,%uma%extensão%infinita%de%Náda%
e% só% em% Âlma,% Náda% Abstráto,% animise8O% agóra,% animisando8se% % tôdo% e% diga8me%
esse% Abstráto% Vácuo% em% Si,% Vacuo% Fantasma 13 %em% que% tôdo% se% tornou,% éssa%
expressão%lúgubre%dâ%Inexpressão%Animica,%suspensa%em,si,%em%Abstração%Pura,%â%
própria% Abstração8Sem8Suporte,% o% próprio% Vácuo8Fantasma% de% Infinito% em%
Iternidáde,% Infinito% Abstráto, em% Abstráta, Iternidáde,% não% é% â% Opressão8Púra8Em8
Liberdáde%da%Asfixia%em%Si?...%Eu%não%me%senti%propriamente%asfixiádo%porque%me%
tornei%â%própria%Asfixia%que%por,existir,em,si%se%vivia%cômo%túdo%Ultrauno%e%em%Pura%
Abstração% Anímica% e% Espiritual14%tornando8se% Pudêr% Púro,% Ultraliberdáde% em% si%
própria% que% éra% Opressão% em% Si...% Este% estádo% verdadeiramente% vertigico,% duma%
Vertigem% abstráta% em% que% náda% ha% de% Fisico,% em% que% só% ha% o% Espirito8Abstráto,%
Espirito8Fantasma% duma15%vertigem% física% em,asfixia,% abstrátamente,animico% Infinito%
em% abstráto, Infinitesimal,% Vertigem% em% Si,% êsse% estádo% foi% aquêle% em% que% eu% vivi%
instantâneamente%quando%conheci%o%que%se%tinha%passádo%então%entre8nós8úm!16%Eu%
vinha% já% muito% tenebrósamente% extesificádo,% fantásmicas% vibrações% abstrátamente,
elétricas% me% sacudiam% os% nêrvos,% erguia8se8me% úm17%nôvo% periodo% de% Vida8Astral%
em% Vacuo8Espirito% depois% dúma% transição% desoladôra% de18%Sôno8Torrencial% que%
Sonhos8Espírito% mál% rompiam% em% Ancia% Exausta;% quando% cheguei% ao% meu% quárto%
sobre%â%mêsa%se%erguia%em%neblina%senistramente%luminosa%úma%estatuêta%em,gêsso,
do%Imperador,dâ,Alemanha,(!!!),19%arrogante%Fantasma%livido%que%pâra%ali%decerto%me%
tinham%pôsto%durante%o%dia%elementáes%do%Além%servindo8se%pâra%isso%dâ%mulher20%
que%me%alugou%o%quárto;%de%presságios%lúgubres%se%me%inundáva%pois%ferozmente%â%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10%<em%vista%dos%meus>%[↑%perante%êsse]%pensamento%[↑ainda]%
11%tor<ç>/s\ão%
12%supônha8se%[↑%por%fim]%

13%<Vacuo%Animico>%[↑%Vacuo%Fantasma]%

14%Pura%Abstração%[↓%Anímica%e]%[↑%Espiritual]%

15%[↑%Espirito8Fantasma]%d<a>%[↑%uma]%

16%[↑%então]%entre8nós8úm!%

17%erguia8se<em%mim>[↑8me]%úm%

18%<dum>%[↑%de]%

19%Alemanha,[↑%(!!!)],%

20%<que>%[↑%servindo8se]%pâra%isso%<se%serviam>%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 188


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Alma% e% foi% assim,% cambaleando% em% Espirito% e% atravez% de% fógos8fátuos% espirituáes,%
que% li% â% Tragédia% Fantástica% que% você% me% tinha% escrito!% E% denomino8A% assim%
porque21%o% estádo% de% ultravidência% em% que% me% encontráva% levou8me% â% viver% no%
simples22%suicidio%do%Sá8Carneiro%úm%Acontecimento%Formidável...%
% Diz% você% que% não% me% assúste,% não% me% encha% de% terrôres% sinistros,% pósso% lá%
expelil8os%de%mim%quando%preságios%fataes%percorrem8me%assim%â%Existencia!...%De%
Espétros% se% me% inunda% o% Cérebro,% os% turbilhões% astráes% do% Vacuo% em% Vertigem.%
Êles% são% Imensidáde% astrálmente% Vazia,% o% próprio% Vácuo% Animico,% Inexpressão8
Fantasma...% E% turbilhonáriamente% em% Abstração,% núm% turbilhonar% assim%
animicamente% quimérico 23 %—% fantasmico,% só% fantásmico...% —% como% que%
abstratámente% convulsivo% desenrolamento% púro% de% Púra% Subjectividáde,%
Relatividáde% Pura,% Relatividáde% em% Si,% Relatividáde8Fantasma% em% fantásmicos%
Contrástes% Púros,% êsses% Espétros,% os% próprios% abstrátos% Contrástes% em% Si,%
Contrastes8Fantásmas,% uns% nos% outros% fantasmicamente% tornados% em% fantasmico8
labirintizar% astral 24 ,% abysmos% abstrátos% de% abstráto% Vácuo% sacudidamente% em%
Vertigem,%êsses%Espétros,%digo,%êsses%abismos%imensos%de%Náda%Animico%jámáis%me%
abandônam% â% Alma% em% Crispações% Astráes...!% Por% isso% Vácuo% Astral25%é% minha%
Obsessão%itérna,%por%isso%dEle%se%enche%túdo%que%escrêvo,%túdo%que%penso%e%sinto...%
Sim,%úma%abstráta%corrente%eléctrica%vaziamente%animica%percórre8me%itérnamente%
os% nervos,% vibratizádos% em% negros% espásmos% agonizantes.% E% isto% me% léva% à%
Universalisação%de%mim...26%Eu%dissolvo8me%rialmente%em%tudo%que,%assim,%é%eu!%Â%
animicamente%elétrica%corrente%dâ%Vida%é%a%minha%própria%corrente%astrál,%â%minha%
sensibilidade%excessiva%arrásta8me%o%Univérso...%Assim,%eu%senti%em%mim%o%suicidio%
do% Artista,% o% que% se% passou,% em% mim% se% passou% então.% E% por% isso% uma% inorme%
revolução,%Cataclismo%Astrál,%sofri%em%mim...%Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo,%foi%
cômo% se% fôsse% eu% quem% vivêsse% â% Morte!% Já% antes% os% meus% terrôres% de% Fóme% e% de%
Miséria,% deixando% de% sêr% humânos,% em% mim% se% astralisáram,% em% mim% túdo% se%
astralisou% mâs% o% que% éra% simples% presentimento% em% nubelose% intensificou8se% em%
Infinito%e%brotando%de%mim%em%tôdo%o%seu%estranho%puder%â%atmosféra%formidável%
do% Vácuo% Espetrál,% hoje% sinto8me% quási% â% Vertigem% em% seu% puro% astralismo8
fantásma...% Os% indecisos% pressentimentos 27 %que% me% animávam% o% Espirito,% â%
profética% inquietação% com% expressão% de% Mórte% lúgubremente% se% iluminou% em%
Infinito% e% núm% desenrolamento% fantastico% astrálmente% se% me% revelou% â% Alma,%
enchendo8A28%toda,% â% Visão% pavorósa% e% sublime% de% apocalyptica% Transfiguração%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21%<Porque>%[↑%E%denomino8A%assim]%porque%
22%[↑ levou8me]%â%viver%no%[↑ simples]%
23%turbilhonar%[↑ assim]%animicamente%quimérico%

24%[↑ uns%nos%outros%fantasmicamente%tornados%em%fantasmico8labirintizar%astral]%

25%Por%isso<,>%Vácuo%Astral%

26%[↑ E%isto%me%leva%à%Universalização%de%mim...]%

27%Os%<sinistros>[↑ indecisos]%pressentimentos%

28%enchendo8<a>/A\%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 189


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Universál!% Núma% cárta% que% me% escreveu,% o% Mário% de% Sá8Carneiro% confessou8me%
também% uma% estranha% inquietação,% úm% mêdo% ocúlto% de% Desconhecido,%
abstratamente% abysmico, 29 %você% fála8me% em% choques% de% ideias% trágicamente%
presagiadôres,%úm%cômo%presentimento%de%Grande%Revolução%em%si%que%em%si%não%
póde% deixár% de% têr% úma% expressão% terrivelmente% abysmica,% Expressão8Fantásma30%
(e31%esses% próprios% choques% são% já% úm% turbilhonár% de% Tróvas% em% Vácuo...),% vê8se%
pois% bem32%que% não% se% tráta% apênas% de% simples% transformações% individuálmente%
localisadas,%atravez%dâ%Vida%em%que%âs%nóssas%sensibilidádes%nos%dissólvem,%sendo%
tôdos% Úm,% sendo% â% Vida% em% Si,% córre% úma% cômo% lúgubre% exalação% de% Pantano%
Abstráto% onde% gérmens% indecisos% proximamente, expludirão% alagando% â% Vida% de%
Morte,% em% filamentos% mágicos% preságios% inquietadores% deslisam% núm% sussúrro%
espésso% ancificando% tudo,% e% assim% atravez% de% Nós8Um,% atravez% da% Vida% úm%
Cataclismo%Astrál,%Dilúvio%Abstráto%transfigurará%o%Espirito...%
% É%â%Morte...%é%â%Morte!...%
% O% Artista,% convulsionando8se% crescentemente% em% espetralismo% púro,% núma%
arrancáda%espetrál%se%precipitou,%o%terror%feroz%do%Além33%que%Ele%presagiava%para%â%
Vida,% como% Actuação% Animica34%contrasticamente% â% si% próprio% se% gerou% e% foi% o%
Artista 35 %assim% que% núm% esfôrço% Divino% nos% apontou% o% Caminho% dâ% Nêgra%
Claridáde...% %
% Os%nóssos%terrôres%se%dévem%pois,%transfigurár%tambem,%Negra%Atração%pêla%
Morte%em%nós%se%déve%gerar!%Bem%lúgubres%teem%sido%os%nóssos%presagios%e%porque%
nos%prométem%úm%horror%de%Vácuo,%Vácuo%Astrál,%Vácuo8Vertigem%mâs%O%que%êles%
arrástam% pâra% nós% vivido% déve% sêr% cômo% Suprêma% Perfeição% de% Força.% Pavorósa%
será% â% Transfiguração% da% Vida36%mas% Sublime% será% tambem,% procurêmo8la% numa%
anciedáde% espasmódica,% sublimemente% nos% enchendo% de% Vertigem8Vácuo...% A%
Transfiguração% do% Artista% é% o% Grande% Principio% da% transfiguração% da% Vida,% Êle%
encheu8se%dâ%Glória%de%arrastár%na%Vida%que%é%Êle,%que%é%Nós%â%Livida%Mortálha.%Foi%
â%Vida%que%começou%â%Morrêr...%Principio%Formidável!%%
% Túdo% que% antes% se% dispersava% no% Espirito% do% Artista,% no, Espirito, dâ, Vida,%
começou% sofrendo% â% gigantesca% Condensação,% Condensação% em% Si,% púramente%
abstracionadôra.% N’Êle,% formas37%de% expressão% fantasmica,% Sonhos8Pesadelos% que%
eram%Êle,38%úmas%nas%outras%fantásmicamente%se%tornávam%atravez39%de%labyrintisar%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
29%[↑ abstratamente%abysmico,]%
30%<ou%uma>[↑,]%Expressão8Fantasma%
31%—%e%]%substituiTse,o,travessão,pelo,parênteses,,usado,pelo,autor,no,fim,da,passagem.%

32%vê8se%[↓ pois]%bem%

33%terror%[↑ feroz]%do%Além%

34%<em%si%proprio%gerou>%como%[↑ Actuação%Animica]%

35%foi%<ele>%[↑ o%Artista]%

36%Transfiguração%[↑ da%Vida]%

37%<elementos>%[↑ formas]%

38%[↑ Sonhos8Pesadelos%que%eram%Êle,]%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 190


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

convulsivo.%Nêsse40%processus%suspenso%em%Vácuo41%náda%de%riál%se%dáva%e%náda%de%
quimérico42,% éra% êle% úm% desenrolár% de% trágicas% fantasias% com% riál% álma% indecisa%
cômo%indecisa%éra%a%alma%riál%essência%própria43%do%próprio%desenrolár%labyrintico.%
Fantásmas%em%que%úns%nos%outros%se%gerávam%em%turbilhonár%vertigico%e%uns%nos%
outros% se% engolfávam% tambem,% perdendo8se% pâra% renascêrem% Divérsos,% pâra%
renascêrem%Outros...%Em%brutál,Anciedade%o%processus%fantásmico%labyrinticamente%
—%num%Labirintisar%nem%quimérico%nem%riál,%Labyrintisar8Fantasma,%Labirintizar8
Vertigem% e% tôdo% em% si% expressão% de% Ansia% Convulsiva% e% Impetuósa% —% se%
desenrolava% tôdo% como% onda% torrenciál% de% Além% gigantêscamente% dispersáda% em%
abstrátos%redemoinhos%entrechocádos%furiósamente%núm%despedaçamento%de%Cáos%
Abstráto% de% Demencia% Astrál. 44 %E% agóra,% o% que% núm% Tempo8Fantásma% e% em%
Extensão%Animica%violentamente%se%espargia%cômo%luzes%fantasmas45%rompendo8se%
em% sangue% de% estalejar% metálico% sinistramente% em% fúria,% Condensou8se% tôdo% em%
Iternidáde% e% em% Infinito% que% são% Além8Tempo% e% Além8Espáço,% Ultraunidádes,%
Espirito,% condensando,% ultracondensando% o% Labyrintisár% Fantasmico% que% â%
Infinitesimál% Anímico% se% ergueu% tôdo% pâra% néssa% ultracondensação% púramente%
abstracionadôra%—%o%Concréto%é%sempre%extensivo...%—%acentuár%tôda%a%Imensidáde%
em% Fôrça% do% seu% Abysmo% Vertigico!% Tornou8se% o% Labyrintisár% em% Si% que% â% si%
próprio% se% vive% pois% e% pois% como% Sêr8Alma 46,% Alma8Fantásma...% —% Vivêr8se% é%
indefinir8se% animicamente,% vertigificando8se...% —% O% fantasmismo% que% possuia% éra%
ainda%úm%pressentimento,%só%agora%é%verdadeiramente%Fantasma,%Vácuo%Animico,%
Vácuo% Animico% de% Labyrintisár% Convulsivo% em% Força% Quimérica8Riál,% Fôrça8
Vertigem% que% só% tál% Labyrintizar% Abstráto% fantásmicamente% exprime% todo!...%
Animico% Abysmo% vertigicamente% Convulsivo47%em% Abstração,% Abysmo8Vertigem,%
Indefenido8Fantásma% é% â% Morte% que% fantásmicamente% Vive% Infinito% em%
Infinitesimál,%Imensidáde8Fantasma%de%Trévas%em%Si%em%Vácuo%em%Si...%E%Vácuo%em%
Si,% Vácuo8Fantásma,% Vácuo% Astrál% é% um% pélago% abstráto% de% abstráto%
convulsionismo%vertigico,%Convulsionismo%Astrál!%Força%em%Vertigem...%
% E% é% pâra% isso,% pâra% éssa% fantásmica% Grandêza 48 %Vazia% que% â% Vida% se%
encaminha% tôda,% no% Artista 49 %foi% lançado% o% primeiro% Clamôr,% â% Mortálha% que%
começou%â%ser%arrástada%com%Violencia%Sinistra%arrebatará%por%fim%â%Vida%tôda%que%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39%atravez%<atravez>%
40%convulsivo<n>/.%N\esse%
41%processus%[↑ suspenso%em%Vácuo]%

42%náda%de%<irriál>quimérico%

43%a%alma%[riál]%[essencia%própria]%%

44%Cáos%<Astrál>%[↑ Abstráto]%de%Demencia%Astrál.%

45%espargia%<atravez%de%formas%concretas%de%Luz>%cômo%luzes%fantasmas%

46%[↑ e%pois]%como%Sêr8Alma%

47%Animico%Abysmo%[↑ vertigicamente]%Convulsivo%

48%éssa%[↑ fantásmica]%Grandêza%

49%<a>/A\rtista%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 191


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

é%Nós,%Valôr,50%Puder%d’Animo,%nem%â%minima%vacilação,%a%minima%pusilanimidáde%
nâ%Grande%Vertigem...%Vertigem%em%Vácuo...!%%
%
................................................................................................................................................%
%
Sinto8me% Esgotádo,% não% pósso% mais,% aceite% pois% por% último, 51 %meu% querido%
Fernando% Pessôa,% úm% abraço% d’Alma% tão% apertado52%que% em% Úm8Só% nos% confúnda%
pâra%sempre...%
% Tôdo,%tôdo%seu%
% Raul53%
%
A%Morte54%
%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
50%<Corag>%[↑ Valôr,]%
51%aceite%[↑ pois%por%último,]%
52%úm%abraço%d’Alma%[↑ tão%apertado]%

53%Na%assinatura%apenas%o%“R”%é%desenhado%claramente.%%

54%Logo% abaixo% da% assinatura,% numa% diagonal% descendente,% Leal% escreve% “A% Morte”,% talvez% numa%

alusão% ao% contexto% da% carta.% Na% primeira% página% da% carta,% logo% acima% do% logótipo% do% “Café% Lion%
d’Or”,% Leal% escreve,% e% depois% risca,% a% seguinte% passagem:% “nossos% terrores% devem8se% também%
transfigurár;% os% nossos% preságios% conservando8se% sinistros% devem% tornár8se% preságios% de% Pudêr%
sinistro:%â%Morte%[↑ que%transfigurará%a%Vida]%é%horrível%[↓ justificando8se%o%que%ha%de%lugubre%nos%
presagios]% mas% merece% sêr% vivida% enchendo8nos% de% Força,% Força8Dôr.% A% transf[iguração]% do% S[á8]%
C[arneiro],%que%será%â%transf[iguração]%da%Vida%e%foi%já%o%principio%□”.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 192


Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"

Bibliografia%
%
ALMEIDA,% António% (2015).% “Brandindo% o% Cutelo% da% Maldição% –% Em% Torno% do% Manifesto% O, Bando,
Sinistro%de%Raul%Leal”,%in%Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%8,%Outono;%
pp.%5648601.%
_____%% (2017a).%“A%Visão%Luxuriosa%de%Raul%Leal,%Profeta%Sagrado%da%Morte%e%de%Deus”,%in%Pessoa,
Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%12,%Outono%1348168.%%
_____%% (2017b).% “O% Bando% Sinistro% –% O% Ato% Inaugural% do% ‘Especulador% de% Política’% de% Orpheu”,% in%
Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%12,%Outono;%pp.%5218546.%
CESARINY,% Mário% (1989).% O, Virgem, Negra, –, Fernando, Pessoa, Explicado, às, Criancinhas, Naturais, &,
Estrangeiras,por,M.,C.,V.,—,Who,Knows,about,It.%Lisboa:%Assírio%e%Alvim.%
LEAL,% Raul% (2010).% Sodoma, Divinizada.% Organização,% introdução% e% cronologia% de% Aníbal% Fernandes.%
Lisboa:%Guimarães/Babel.%2.a%ed.%
LOPO,%Rui%(2013).%“Raul%Leal%e%Fernando%Pessoa%–%Um%Sublimado%Furor%Diabolicamente%Divino”,%in%
Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%3,%Primavera,%pp.%1827.%
NEVES,%Márcia%Seabra%(2015).%“Raul%Leal%(Henoch)%—%O%Mais%Louco%dos%Loucos%do%Orpheu%e%Profeta%
Maldito”.,1915,—,O,Ano,do,Orpheu.%Org.%Steffen%Dix.%Lisboa:%Tinta8da8china,%pp.%3698387.%
PIZARRO,% Jerónimo% (2012).% “Leituras,% Enquadramentos% e% Atribuições”.% Pessoa,Existe?% Lisboa:% Ática,%
pp.%2358259.%
SÁ8CARNEIRO,% Mário% (2015).% Em,Ouro,e,Alma,—,Correspondência,com,Fernando,Pessoa.% Edição% crítica%
de%Ricardo%Vasconcelos%e%Jerónimo%Pizarro.%Lisboa:%Tinta8da8china.%
SÁ8CARNEIRO,% Mário% de.% (2017)% Poesia, Completa.% Edição% crítica% de% Ricardo% Vasconcelos.% Lisboa,%
Tinta8da8china,%2017.%
SENA,%Jorge,%LEAL,%Raul%(2010).%Correspondência,1957T1960.%Prefácio%de%José%Augusto%Seabra.%Lisboa:%
Guerra%&%Paz.%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 193


Mr.$Ormond:$
the$testimonial$from$a$classmate$of$Fernando$Pessoa$

Carlos Pittella*
For$George$Monteiro$and$his$passion$for$setting$records$straight.$

Keywords$

Fernando$Pessoa’s$education,$Augustine$Ormond,$Durban$Commercial$School,$João$Gaspar$
Simões,$ Hubert$ Jennings,$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias,$ Alexandrino$ Severino,$ Roy$
Campbell.$

Abstract$

This$article$presents$newly$discovered$documents$regarding$Augustine$James$Ormond$and$
reevaluates$ the$ bibliography$ available$ about$ him.$ Mr.$ Ormond$ provides$ one$ of$ the$ three$
testimonials$ from$ contemporaries$ of$ Fernando$ Pessoa$ about$ the$ life$ of$ the$ young$ poet$ in$
Durban,$ South$ Africa.$ After$ revisiting$ the$ research$ of$ Alexandrino$ Severino,$ João$ Gaspar$
Simões,$ Hubert$ Jennings$ and$ Roy$ Campbell$ concerning$ Mr.$ Ormond$ and$ his$ relationship$
with$ Pessoa,$ this$ contribution$ exhibits$ a$ dossier,$ including:$ facsimiles$ and$ critical$
transcriptions$of$documents$found$in$the$Fernando$Távora$private$collection,$as$well$as$one$
drafted$ letter$ Pessoa$ addressed$ to$ Ormond$ himself,$ a$ document$ located$ at$ the$ National$
Library$of$Portugal.$

Palavras8chave$

Educação$ de$ Fernando$ Pessoa,$ Augustine$ Ormond,$ Escola$ Comercial$ de$ Durban,$ João$
Gaspar$Simões,$Hubert$Jennings,$Albertino$dos$Santos$Matias,$Alexandrino$Severino,$Roy$
Campbell.$

Resumo$

Este$ artigo$ apresenta$ documentos$ recémQdescobertos$ sobre$ Augustine$ James$ Ormond$ e$


reexamina$ a$ bibliografia$ disponível$ sobre$ ele.$ O$ Sr.$ Ormond$ fornece$ um$ dos$ três$
testemunhos$ de$ contemporâneos$ de$ Fernando$ Pessoa$ sobre$ a$ vida$ do$ jovem$ poeta$ em$
Durban,$ África$ do$ Sul.$ Após$ revisitar$ as$ pesquisas$ de$ Alexandrino$ Severino,$ João$ Gaspar$
Simões,$Hubert$Jennings$e$Roy$Campbell$acerca$do$Sr.$Ormond$e$sua$relação$com$Pessoa,$
este$contributo$exibe$um$dossiê,$incluindo:$facsímiles$e$transcrições$críticas$de$documentos$
encontrados$na$coleção$particular$de$Fernando$Távora,$assim$como$um$rascunho$de$carta$
de$ Pessoa$ destinada$ ao$ próprio$ Ormond,$ um$ documento$ proveniente$ da$ Biblioteca$
Nacional$de$Portugal.$

* Brown$ University,$ Department$ of$ Portuguese$ and$ Brazilian$ Studies;$ Universidade$ de$ Lisboa,
Centro$de$Estudos$de$Teatro.
Pittella Mr. Ormond

I.$A$Game$of$Telephone$
$
Augustine$James$Ormond$(Mr.$Ormond$for$short)$is$not$a$heteronym$of$Fernando$
Pessoa.$ Mr.$ Ormond$ existed$ as$ a$ flesh$ and$ blood$ entity$ independent$ from$ the$
imagination$ of$ the$ Portuguese$ poet—though$ the$ crossing$ of$ Pessoa’s$ and$
Ormond’s$ paths$ is$ precisely$ what$ interests$ this$ article.$ Together$ with$ the$
testimonials$ of$ Clifford$ Geerdts$ and$ Ernest$ Belcher$ (JENNINGS,$ 1984:$ 54),$ Mr.$
Ormond’s$is$one$of$the$three$firsthand$accounts$of$Pessoa’s$time$as$a$young$foreign$
student$ in$ South$ Africa$ and,$ therefore,$ an$ invaluable$ source$ to$ anyone$ pursuing$
the$ questions$ posed$ by$ Hubert$ Jennings,$ one$ of$ Pessoa’s$ first$ biographers:$ “Does$
the$ study$ of$ the$ boy$ help$ us$ to$ understand$ the$ man?$ Does$ that$ help$ us$ to$
understand$the$poet?”$(JENNINGS,$1979:$21).$
This$ essay$ will$ revisit$ each$ piece$ of$ information$ concerning$ Mr.$ Ormond$
located$ thus$ far$ in$ Pessoan$ archives$ and,$ in$ light$ of$ the$ original$ documents,$
reexamine$ and,$ in$ some$ cases,$ challenge$ the$ bibliography.$ By$ considering$ Pessoa$
and$Ormond$himself$as$the$primary$informants$in$our$search$for$Mr.$Ormond,$one$
may$trace$the$links$between$available$bibliography$and$original$documents,$going$
from$the$secondQ,$thirdQ$and$fourthQhand$reports$back$to$the$primary$sources.$
$

V,
(1)
<
Q UATERNARY SOURCES
~-
::::,
o

"'
Q)
'iõ
::::,
::::,
TERTIARY SOURCES 'ºE ::::,
()Q
vi V>

.n Miss
5ECONDARY SOURCES o.
E Ormo nd
u"'

Mr. nÍ"
V>
V>
PRIMARY SOU RCES Ormond oQJ

$
$
Fig.$1.$Diagram$connecting$Pessoan$bibliography$with$primary$sources.$
$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 195


Pittella Mr. Ormond

Born$ in$ 1888$ in$ Lisbon,$ Fernando$ Pessoa$ spent$ two$ stretches$ of$ time$ in$
Durban,$ South$ Africa:$ between$ February$ 1896$ and$ August$ 1901$ (age$ 7$ to$ 13)$ and$
then$from$October$1902$to$August$1905$(age$14$to$17).$It$was$probably$in$1903$that$
the$young$Portuguese$poet$met$Augustine$James$Ormond,$as$we$shall$see.$
In$the$game$called$“telephone“$(or$“Chinese$whispers”),$a$phrase$becomes$
more$ and$ more$ distorted$ as$ it$ is$ whispered$ to$ the$ next$ player…$ At$ the$ end$ of$ a$
round,$ the$ resulting$ message$ has$ little$ to$ do$ with$ the$ original.$ Like$ in$ this$ game,$
when$realQlife$primary$sources$are$quoted,$reQquoted,$translated$and$reQtranslated,$
oftentimes$ the$ result$ displays$ all$ sorts$ of$ distortions,$ from$ small$ inaccuracies$ to$
significant$errors$that$may$lead$to$incomprehension$and$wrongful$credits.$
For$ example,$ the$ entry$ dedicated$ to$ Mr.$ Ormond$ in$ the$ Dicionário$ Pessoa$
[Pessoa$ Dictionary]$ contains$ some$ of$ the$ original$ information$ (traceable$ to$ the$
primary$sources),$but$also$some$of$its$distortions:$
$
ORMOND,$ Augustine.$ Aluno$ da$ Commercial$ School$ (Durban)$ na$ mesma$ altura$ em$ que$
Pessoa$ a$ frequentou$ (1902Q1903),$ Augustine$ Ormond$ tornouQse$ um$ grande$ amigo$ seu.$ O$
rascunho$ –$ ou$ talvez$ a$ cópia$ –$ de$ uma$ carta$ que$ Pessoa$ lhe$ dirigiu$ em$ 27/11/1903$ sugere$
que$os$dois$se$incentivavam$mutuamente$a$cultivar$um$estilo$rebuscadamente$literário$(CE$
31Q33), a $parecendo$ confirmar$ que$ «ambos$ tinham$ a$ ambição$ de$ se$ tornarem$ grandes$
escritores»,$conforme$informou$uma$filha$de$Ormond,$numa$entrevista$telefónica$feita$pelo$
investigador$ H.D.$ Jennings$ (1984:$ 55Q56).$ João$ Gaspar$ Simões$ teve$ a$ oportunidade$ de$
entrevistar$o$próprio$Ormond$(SIMÕES,$1950,$1991:$82),$que$frisou$a$admirável$capacidade$
expressiva$de$Pessoa$em$inglês,$língua$que$se$preocupava$em$«falar$e$escrever$[...]$da$forma$
mais$ académica$ possível».$ Recordou$ ainda$ que$ os$ dois$ se$ escreveram$ até$ ao$ fim$ da$
Primeira$Guerra$Mundial,$mas$não$há$vestígios$dessa$correspondência,$para$além$da$citada$
carta.$
(ZENITH,$2008:$564)$
$

[TRANSLATION]b$$
ORMOND,$ Augustine.$ A$ student$ at$ the$ Commercial$ School$ (Durban)$ in$ the$ same$ period$
when$Pessoa$attended$it$(1902Q1903),$Augustine$Ormond$became$a$great$friend$of$his.$The$
draft—perhaps$ a$ copy—of$ a$ letter$ that$ Pessoa$ addressed$ to$ him$ on$ 27$ November$ 1903$
suggests$ that$ they$ encouraged$ each$ other$ to$ cultivate$ an$ ornately$ literary$ style$ (PESSOA,$
2007:$31Q33),$apparently$confirming$that$“both$had$the$ambition$of$becoming$great$writers,”$
as$reported$by$a$daughter$of$Mr.$Ormond,$in$a$telephone$interview$made$by$the$researcher$
H.D.$Jennings$(1984:$55Q56).$João$Gaspar$Simões$had$the$opportunity$to$interview$Ormond$
himself$ (SIMÕES,$ 1950,$ 1991:$ 82),$ who$ emphasized$ the$ admirable$ expressive$ aptitude$ of$
Pessoa$ in$ English,$ a$ language$ in$ which$ he$ strived$ to$ “speak$ and$ write$ [...]$ in$ the$ most$
academic$form$possible.”$He$recorded$still$that$both$had$written$to$each$other$until$the$end$
of$ the$ First$ World$ War,$ though$ there$ are$ no$ vestiges$ of$ this$ correspondence,$ besides$ the$
aforementioned$letter.$
$
$

a$“CE”$ is$ an$ abbreviation$ used$ by$ the$ Pessoa$ Dictionary$ to$ refer$ to$ the$ work$ Cartas,$ vol.$ 7$ of$ the$
collection$Obra$Essencial$de$Fernando$Pessoa,$edited$by$Zenith$(hereinafter$PESSOA,$2007).$
b$Unless$mentioned$otherwise,$all$translations$are$by$the$author$of$this$article.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 196


Pittella Mr. Ormond

While$ most$ pieces$ of$ information$ in$ this$ entry$ may$ be$ factQchecked,$ the$
assertion$ that$ Pessoa$ and$ Ormond$ became$ great$ friends$ is$ somewhat$ improvable:$
besides$ Pessoa’s$ letter$ cited$ by$ Zenith$ (that$ does$ not$ specify$ the$ degree$ of$ that$
friendship$beyond$the$polite$“dear”$and$“yours$truly”),$we$have$Ormond’s$word$
(“close$friends”).$My$intent$is$never$to$disprove$Ormond’s$friendship$with$Pessoa,$
but$only$to$trace$accounts$back$to$their$sources;$thus,$it$is$interesting$to$note$that$
the$adjective$used$to$qualify$that$friendship$gets$inflated$as$our$game$of$telephone$
progresses,$ and$ Ormond’s$ word$ is$ reported$ by$ his$ daughter$ (“great$ friends”),$
Albertino$ dos$ Santos$ Matias$ (“amigo$ íntimo,”$ i.e.,$ intimate$ friend)$ and$ Roy$
Campbell$ (“closest$ friend”).c$Surely,$ Pessoa’s$ letter$ in$ itself,$ as$ a$ game$ between$
classmates,$presupposes$a$degree$of$intimacy;$however,$Pessoa$corresponded$with$
scores$ of$ people,$ and$ playing$ word$ games$ was$ his$ very$ domain,$ which$ makes$ it$
hard$to$tell,$from$a$single$letter,$how$intimate$his$relationship$with$Ormond$was.$
The$ Dicionário$ Pessoa$ entry$ also$ contains$ a$ factual$ error:$ it$ credits$ João$
Gaspar$ Simões—instead$ of$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias—as$ the$ one$ who$
interviewed$ Ormond$ in$ person$ (cf.$ Doc.$ 4).$ Matias$ was$ the$ Portuguese$ consul$ in$
Durban$in$1949,$when$he$gathered$information$for$Simões’s$biography$of$Pessoa,$
which$ would$ be$ published$ in$ 1950.$ In$ June$ 1949,$ when$ Matias$ received$ a$ letter$
from$ Ormond$ and$ followed$ up$ with$ a$ house$ visit,$ Simões$ was$ reportedly$ in$
London$ (cf.$ Doc.$ 6)—and$ there$ is$ no$ evidence$ suggesting$ that$ the$ Portuguese$
biographer$would$have$visited$South$Africa$at$that$point.$Thus,$Matias$should$be$
the$one$credited$for$discovering$and$interviewing$Ormond,$as$Simões$himself$does$
in$the$acknowledgements$of$his$1950$book:$
$
Inúmeras$ são$ as$ pessoas$ que$ me$ prestaram$ esclarecimentos.$ Quero$ distinguir$ [...]$
Guilherme$ de$ Castilho,$ secretário$ da$ Legação$ de$ Portugal$ em$ Pretória,$ graças$ ao$ qual$
obtive$não$só$inestimáveis$informes$sobre$o$período$escolar$de$Pessoa$na$High$School,$de$
Durban,$ como$ a$ faculdade$ de$ me$ pôr$ em$ contacto$com$ o$ nosso$ cônsul$ nesta$ cidade,$ o$ Sr.$
Dr.$Albertino$dos$Santos$Matias,$cujos$bons$ofícios$o$levaram,$inclusivamente,$a$descobrir$
um$ antigo$ condiscípulo$ do$ poeta,$ Mr.$ Ormonde$ [sic],$ e$ me$ permitiram$ publicar$ os$
documentos$ fotográficos$ sobre$ a$ velha$ Durban,$ que$ tanto$ enriquecem$ a$ iconografia$
«fernandina».$
$(SIMÕES,$1950:$12)$
$

[TRANSLATION]$$
Innumerable$people$provided$clarifications.$I$would$like$to$acknowledge$[…]$Guilherme$de$
Castilho,$secretary$of$the$Legation$of$Portugal$in$Pretoria,$thanks$to$whom$I$obtained,$not$
only$invaluable$reports$about$Pessoa’s$education$at$the$High$School$in$Durban,$but$also$the$
chance$ to$ contact$ our$ consul$ in$ that$ city,$ Mr.$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias,$ whose$ good$
offices$ also$ led$ him$ to$ discover$ a$ former$ classmate$ of$ the$ poet,$ Mr.$ Ormonde$ [sic],$ and$
allowed$ me$ to$ publish$ the$ photographic$ documents$ about$ old$ Durban,$ that$ so$ enrich$ the$
“Fernandine”$iconography.$
$

c $The$accounts$by$Ormond’s$daughter,$Campbell$and$Matias$are$fully$quoted$later$in$this$article.$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 197


Pittella Mr. Ormond

Therefore,$most$documents$reproduced$and$transcribed$in$this$article$exist$
thanks$to$Matias$(and$also$to$Guilherme$Castilho,$as$Simões$explains).$After$being$
used$as$research$data$for$his$1950$book,$these$papers$were$sold$by$Simões,$on$12$
July$1974,$to$the$architect$and$collector$Fernando$Távora,$together$with$a$series$of$
precious$typescripts$and$manuscripts$of$Pessoa$(in$what$received$the$general$call$
number$ of$ “lot$ 31”).d$$ It$ was$ only$ recently,$ in$ June$ 2017,$ that$ the$ South$ African$
documents$ in$ lot$ 31$ resurfaced,$ when$ the$ Távora$ family$ generously$ made$ the$
archive$available$to$the$editors$of$Pessoa$Plural$to$prepare$this$special$issue.$
What$ follows$ is$ a$ bibliographic$ study$ of$ references$ made$ to$ Mr.$ Ormond,$
culminating$ in$ a$ dossier$ with$ facsimiles$ and$ critical$ transcriptions$ of$ the$ Távora$
documents,$ as$ well$ as$ of$ the$ drafted$ letter$ from$ Pessoa$ to$ Ormond,$ found$ at$ the$
National$Library$of$Portugal$(BNP).$
$
II.$A$Quaternary$Source:$Severino$
$
Alexandrino$Severino’s$work$Fernando$Pessoa$na$África$
do$ Sul$ was$ published$ in$ 1969—fifteen$ years$ before$
Hubert$ Jennings’s$ books$ on$ Pessoa’s$ life$ while$ in$
South$Africa.$Though$the$first$to$publish,$Severino$got$
most$ of$ his$ research$ on$ Pessoa’s$ youth$ thanks$ to$
Jennings.$ Rightly$ so,$ Jennings’s$ name$ appears$ a$ total$
of$ 82$ times$ in$ Severino’s$ book,$ on$ 39$ different$ pages$
(and$ this$ number$ does$ not$ include$ the$ appendices$ in$
the$ book,$ with$ 16$ letters$ written$ by$ Jennings$ dating$
from$May$17th$to$December$6th,$1965).$In$1966,$Severino$would$defend$his$doctoral$
thesis,$which$later$became$the$1969$book.$
Mr.$Ormond$is$mentioned$on$five$pages$of$Severino’s$work$(1950:$74,$80,$92,$
108$and$124).$These$contain$four$mentions$in$the$main$text$and$three$in$a$footnote,$
as$ well$ as$ three$ more$ references$ in$ a$ letter$ from$ Jennings,$ dated$ 15$ June$ 1965.$
Those$ mentions$ may$ be$ arranged$ in$ four$ thematic$ groups,$ corresponding$ to$
different$key$pieces$of$information:e$
1)$ THE$ INTERMEDIATE$ EXAM.$ Three$ mentions$ state$ variations$ of$ the$ same$
fact—that$a$“J.M.$Ormond”$took$the$Intermediate$Exam$through$the$South$African$
College—with$ different$ additional$ details$ in$ each$ occurrence:$ that$ other$ students$
used$to$take$the$same$exam$through$the$Durban$High$School$(p.$74);$that$Ormond$
would$ have$ continued$ his$ studies$ at$ Cambridge$ University$ (p.$ 80);$ and$ that$
Ormond$ would$ have$ taken$ his$ Intermediate$ exam$ three$ years$ after$ obtaining$ his$

d$Jerónimo$Pizarro$presents$a$description$of$“lot$31”$in$this$issue$of$Pessoa$Plural.$
$It$should$be$noted$that$Severino’s$book$is$written$in$Portuguese,$and$that$I$have$summarized$his$
e

points$while$translating$his$words$into$English,$in$order$to$avoid$long$bilingual$citations.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 198


Pittella Mr. Ormond

Matriculation$ certificate,$ while$ Pessoa$ took$ the$ Intermediate$ after$ the$ minimum$
stipulated$time$following$the$Matriculation,$i.e.,$as$soon$as$possible$(p.$92).$
2)$ THE$ DURATION$ OF$ THE$ CORRESPONDENCE.$ A$ fourth$ mention$ affirms$ that,$
after$ leaving$ Durban$ in$ August$ 1905,$ Pessoa$ kept$ in$ touch$ with$ some$ of$ his$
classmates$ at$ Durban$ High$ School$ (DHS).$ Severino$ cites$ “J.$ M.$ Ormond”$ and$
“Clifford$Geerdts,”$adding$that$Pessoa’s$correspondence$with$these$two$colleagues$
lasted$until$the$end$of$World$War$I$(p.$108).$No$proofs$are$given.$Though$there$is$
evidence$ of$ a$ 1907$ letterQexchange$ between$ Geerdts$ and$ Pessoa$ (under$ a$ false$
pretense$on$Pessoa’s$part)f,$we$only$have$Ormond’s$wordg$that$the$correspondence$
between$him$and$Pessoa$would$have$continued$after$1903.$
3)$ CONTRADICTING$ SIMÕES?$ In$ a$ footnote$ (p.$ 74),$ Severino$ explains$ that,$
according$ to$ João$ Gaspar$ Simões,$ Ormond$ was$ a$ classmate$ of$ Pessoa$ at$ the$
Commercial$ School.$ Nevertheless—and$ here$ I$ translate$ Severino’s$ words—while$
the$ poet$ attended$ that$ school,$ J.$ M.$ Ormond,$ according$ to$ the$ registration$ of$ his$
time$ at$ the$ DHS$ (1898Q1901),$ was$ taking$ the$ Intermediate$ Exam$ at$ Cape$ Town$
(1902);$ Severino$ concludes$ that,$ to$ him,$ it$ seems$ that$ the$ PessoaQOrmond$
friendship$ would$ date$ from$ their$ time$ together$ at$ the$ DHS.$ Still$ in$ the$ footnote,$
Severino$points$to$a$letter$from$Jennings$as$the$source$of$such$information,$which$
brings$us$to$the$last$point.$
4)$ GEERDTS$ REMEMBERS$ ORMOND:$ In$ a$ letter$ dated$ 15$ June$ 1965$ and$
reproduced$in$its$entirety$by$Severino$(pp.$123Q124),$Jennings$describes$one$of$his$
meetings$with$Clifford$Geerdts,$a$DHS.$classmate$of$Pessoa:$
$
[Geerdts]$ is$ now$ 79$ years$ old.$ He$ remembers$ Ormond$ and$ thinks$ he$ was$ the$ son$ of$ a$
doctor$ in$ Newcastle$ (a$ small$ town$ in$ Natal$ 300$ km$ from$ Durban).$ The$ [Durban$ High]$
school$records$show$that$J.$M.$Ormond$was$at$the$School$[in]$1898Q1901,$matriculated$[in]$
1899;$took$the$Cape$Intermediate$[in]$1902$at$the$South$African$College$(a$forerunner$of$the$
present$ University$ of$ Cape$ Tow[n])$ and$ then$ entered$ Trinity$ Hall,$ Cambridge.$ I$ have$ not$
been$able$to$find$anyone$who$came$into$contact$with$him$after$that.$You$will$notice$that$he$
matriculated$ 4$ years$ before$ Pessoa$ and$ that$ he$ was$ in$ Cape$ Town$ when$ Pessoa$ was$
supposed$ to$ have$ been$ at$ the$ Business$ College.$ He$ is$ the$ only$ Ormond$ in$ the$ School$
registers.$
$

(Jennings$apud$SEVERINO,$1969:$123Q124)$
$
One$may$note$that$Severino$(as$well$as$Jennings$in$his$1965$letter)$presents$
Ormond’s$ initials$ as$ “J.$ M.,”$ though$ we$ know$ from$ other$ sources$ (including$
Ormond’s$own$daughter),$that$his$full$name$was$Augustine$James$Ormond$(which$

f$Jennings$ reported$ his$ meeting$ with$ Geerdts$ in$ Os$ Dois$ Exílios,$ giving$ also$ details$ of$ Pessoa’s$
practical$joke$on$Geerdts$and$Belcher$(JENNINGS,$1984:$57Q59).$
g$We$also$have$the$testimonial$of$Miss$Ormond$(Augustine’s$daughter),$gathered$by$Jennings$(1984:$

55Q56),$ but$ she$ could$ be$ simply$ repeating$ what$ she$ heard$ from$ her$ father$ about$ the$ length$ of$ the$
correspondence$and,$thus,$does$not$qualify$as$an$independent$source$in$this$matter.$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 199


Pittella Mr. Ormond

would$ give$ us$ “A.$ J.”$ instead).$ While$ Severino$ sounds$ confident$ in$ contradicting$
Simões,$ the$ last$ sentence$ in$ the$ quote$ from$ Jennings$ betrays$ a$ nuance$ of$
uncertainty—“He$ is$ the$ only$ Ormond$ in$ the$ School$ registers”—suggesting$ that$
Jennings$also$looked$elsewhere.$Would$it$be$possible$that$there$were$two$Ormonds,$
and$that$J.$M.$and$A.$J.$would$be$different$people?$Severino$does$not$comment$on$
the$ discrepancy,$ and$ Jennings$ would$ only$ gather$ additional$ information$ in$ 1972,$
when$he$did$a$telephone$interview$with$Ormond’s$daughter.$
$
III.$Tertiary$Sources:$Simões$&$Jennings$
$
The$groundbreaking$biography$of$Pessoa$written$by$Simões$and$published$in$1950$
refers$ to$ Mr.$ Ormond$ in$ two$ places$ (not$ counting$ the$ aforementioned$
acknowledgements$with$the$typo$“Ormonde”).$Here$is$the$first$of$these$places:$
$
“Era$então$um$rapazinho$tímido$e$amável,$de$carácter$doce,$extremamente$inteligente,$com$
a$preocupação$de$falar$e$escrever$o$inglês$da$forma$mais$académica$possível”,$informa$um$
dos$seus$condiscípulos$da$Commercial$School,$Mr.$Ormond,$que$muito$bem$se$lembra$dele,$
frisando$que$falava$e$escrevia$o$inglês$melhor$do$que$ele$próprio$e$que$era$de$“um$invulgar$
senso$comum$para$a$sua$idade”,$como$muitas$vezes$notara$a$mãe$deste$senhor$que$nessa$
altura$ privou$ igualmente$ com$ o$ jovem$ Fernando$ António.$$
Aliás,$ ao$ saber$ que$ o$ seu$ antigo$ condiscípulo$ era$ hoje$
considerado$um$grande$poeta$português,$Mr.$Ormond,$que$
se$correspondeu$com$ele$durante$perto$de$vinte$anos$(até$ao$
fim$da$primeira$guerra),$comentou:$“Embora$eu$fosse$muito$
novo$naquela$época,$lembroQme$de$que$se$sentia$nele$fosse$o$
que$ fosse,$ que,$ compreendoQo$ agora,$ era$ génio”.$ E$
acrescentou:$ “Fernando$ Pessoa$ era$ então$ um$ rapazinho$
vivo,$ alegre,$ de$ bom$ humor$ e$ feitio$ atraente;$ sentiaQme$
arrastado$para$ele$como$um$pedaço$de$ferro$se$sente$atraído$
por$um$íman”.$ $

(SIMÕES,$1950:$66Q67)$
$
I$ will$ not$ translate$ this$ quote$ into$ English,$ as$ it$ is,$ in$ part,$ already$ a$
translation$ into$ Portuguese.$ Though$ these$ words$ by$ Simões$ may$ give$ the$
impression$ that$ he$ was$ in$ direct$ contact$ with$ Mr.$ Ormond,$ they$ are,$ in$ fact,$ a$
compilation$of$passages$from$a$letter$written,$in$English,$by$Ormond$himself$(Doc.$
5)$ and$ a$ report$ written,$ in$ Portuguese,$ by$ the$ consul$ Santos$ Matias$ after$ visiting$
Ormond’s$home$(Doc.$4).$$
Elsewhere$ in$ his$ book$ (besides$ in$ the$ acknowledgements$ already$ cited),$
Simões$does$credit$Matias$in$footnotes$such$as:$
$
Tinha$“a$preocupação$de$falar$e$escrever$o$inglês$o$mais$acadèmicamente$possível,$o$que,$
alias,$conseguiu$...”,$disse$Mr.$Ormond,$antigo$condiscípulo$de$Pessoa,$ao$Dr.$Albertino$dos$
Santos$Matias,$nosso$cônsul$em$Durban.$ $

(SIMÕES,$1950:$51,$footnote$5)$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 200


Pittella Mr. Ormond
$

[TRANSLATION]$
He$“strived$to$speak$and$write$in$English$in$the$most$academic$form$possible,$something$
he,$ in$ fact,$ achieved…”$ said$ Mr.$ Ormond,$ a$ former$ classmate$ of$ Pessoa,$ to$ Dr.$ Albertino$
dos$Santos$Matias,$our$consul$in$Durban.$
$
It$ seems$ plausible$ that$ a$ reader$ of$ Simões’s$ book,$ without$ scrutinizing$ all$
footnotes,$ would$ be$ left$ with$ the$ impression$ that$ the$ biographer$ met$ Ormond$ in$
person—and$ this$ unverified$ assumption$ may$ have$ made$ its$ way$ into$ the$
“Ormond”$ entry$ in$ the$ Dicionário$ Pessoa.$ If,$ on$ one$ hand,$ one$ may$ not$ accuse$
Simões$ of$ intentionally$ obfuscating$ the$ credit$ due$ to$ Matias,$ one$ may$ also$ not$
blame$ Zenith$ for$ the$ wrongful$ credit,$ as$ Simões$ is$ far$ from$ explicit.$ In$ any$ case,$
Matias$ is$ a$ decisive$ secondary$ source,$ as$ the$ documentation$ shows—the$ sole$
responsible$person$for$the$rediscovery$of$Mr.$Ormond.$
Turning$ now$ to$ Hubert$ Jennings,$ one$ has$ to$
recognize$the$multifaceted$value$of$his$contribution:$
Jennings$was$not$only$the$crucial$field$researcher$for$
Severino’s$ thesis,$ but$ also$ a$ factQchecker$ of$ the$
previous$ investigation$ presented$ by$ Simões.$$
Nevertheless,$ much$ like$ Simões,$ Jennings$ is$ still$ a$
tertiary$source$in$this$case,$though$his$tireless$efforts$
in$ Durban$ brought$ him$ as$ close$ as$ possible$ to$
Ormond$ in$ 1972—when$ he$ had$ the$ opportunity$ to$
interview,$ over$ the$ telephone,$ “Miss$ M.$ Ormond”$
(with$the$first$name$unfortunately$abbreviated).$
$
$

IV.$Secondary$Sources:$Miss$Ormond,$(maybe)$Campbell$&$(surely)$Matias$
$
In$ his$ 1984$ book,$ written$ in$ Portuguese,$ Hubert$ Jennings$ recounts$ his$
interview$ with$ Miss$ M.$ Ormond.$ Two$ years$ later,$ in$ Pessoa$ in$ Durban,$ Jennings$
includes$a$version$of$that$report,$now$in$English:h$$
$
In$ spite$ of$ strenuous$ efforts$ to$ trace$ Mr$ Ormond,$ it$ was$ not$ until$ 1972$ that$ the$ writer$
[Jennings$himself]$obtained$any$news$of$him.$The$chance$discovery$that$he$had$a$daughter$
living$in$the$vicinity$of$Durban$led$to$this$conversation,$recorded$at$the$time.$
$

Telephone$ conversation$ with$ Miss$ M.$ Ormond$ of$ 11$ Bideford$ Road,$ Bluff,$ Durban,$
February$3,$1972.$$
$
$
$
$
$
$

$Though$ the$ English$ account$ is$ from$ 1986,$ it$ is$ the$ original$ text,$ which$ had$ been$ translated$ by$
h

António$Sabler$into$Portuguese$(in$1984),$before$the$English$book$came$out.$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 201


Pittella Mr. Ormond
“I$ well$ remember$ my$ father$ telling$ me$ about$ the$ interview$ he$ had$ with$ the$
Portuguese$ consul$ concerning$ Fernando$ Pessoa.$ He$ remembered$ the$ latter$ very$
well.$ They$ were$ great$ friends$ and$ both$ had$ the$ ambition$ of$ becoming$ great$
writers.$ They$ wrote$ letters$ to$ one$ another$ for$ years$ with$ the$ frank$ object$ of$
practising$ their$ skill$ upon$ one$ another.$ He$ was$ delighted$ to$ find$ that$ Fernando$
had$succeeded$in$his$ambition.$
$

My$ father$ came$ to$ South$ Africa$ in$ the$ same$ year$ as$ King$ George$ V$ (as$ Duke$ of$
York)$visited$the$country$(1901).$He$was$16$when$he$joined$the$Natal$forces$to$put$
down$the$Bambata$revolt$(1906)i$so$that$he$must$have$been$born$in$1890.$He$was$
educated$at$St.$Joseph’s$School$and$was$himself$a$Catholic.$I$cannot$remember$his$
ever$mentioning$that$he$attended$the$Commercial$School.$He$took$part$in$the$First$
World$War$and$afterwards$went$to$Australia.$It$may$have$been$during$this$time$
that$ he$ lost$ contact$ with$ Fernando$ Pessoa.$ My$ father’s$ full$ name$ was$ Augustine$
James$Ormond$and$he$was$born$in$Ireland.$
$

He$was$a$friend$of$Roy$Campbell$and$Uys$Krige,j$the$South$African$poets,$and$in$
his$early$days$he$lived$in$the$house$next$to$Miss$Killie$Campbell,$Roy’s$cousin.$
$

Unfortunately,$I$have$no$letters$from$Fernando$Pessoa$to$my$father.”$
$

(JENNINGS,$1986:$17Q18)$
$
Each$ of$ the$ four$ paragraphs$ of$ Miss$ Ormond’s$ testimonial$ contribute$ very$
differently$to$our$search$for$her$father:$1)$the$first$paragraph$reveals$a$secondary$
source$ that$ is$ not$ independent$ from$ the$ memory$ of$ Augustine$ Ormond$ himself$
(unless$ Miss$ Ormond$ were$ born$ while$ her$ father$ and$ Pessoa$ were$ still$
correspondents,$ which$ is$ unlikely,$ her$ entire$ report$ comes$ from$ her$ father’s$
memory);$ 2)$ the$ second$ paragraph$ is$ the$ best$ biographical$ note$ on$ Augustine$
Ormond$ located$ to$ date;$ 3)$ the$ information$ that$ the$ poets$ Campbell$ and$ Krige$
knew$Ormond$is$important,$and$is$corroborated$by$Campbell$himself$(as$we$will$
see$shortly);$4)$one$draft$of$a$letter$from$Pessoa$to$Ormond$was$located$in$Pessoa’s$
archive,$and$is$included$in$this$article$(Doc.$9).$
It$ is$ noteworthy$ that$ Miss$ Ormond$ mentions$ the$ interview$ her$ father$ had$
“with$ the$ Portuguese$ consul,”$ corroborating$ that$ Matias$ (and$ not$ Simões)$ had$
been$that$interviewer.$Before$further$discussing$the$consul$as$a$secondary$source,$
though,$one$must$address$Roy$Campbell,$who$was$discredited$as$a$reliable$source$
in$Jennings’s$book:$

i
$The$Bambata$(or$Bambatha)$Rebellion$is$the$likely$inspiration$of$an$incomplete$sonnet$by$Pessoa,$
titled$“Kitchener”$(PITTELLA,$2016:$45Q46).$
j
$For$Uys$Krige$and$his$correspondence$with$Jennings$himself,$see$ HELGESSON,$2015:$265Q281.$The$
same$ paper$ includes$ a$ letter$ from$ Armand$ Guibert$ (who$ was$ friends$ with$ Krige)$ to$ Jennings,$ in$
which$ Guibert$ refers$ to$ Ormond$ vaguely:$ “I$ understand$ that$ one$ Mr$ Ormond,$ who$ was$ young$
Fernando’s$contemporary,$may$be$still$alive,$but$I$don’t$know$either$his$Christian$name$or$address”$
(idem:$277).$It$is$likely$that$Guibert$learned$of$Ormond$from$Simões’s$book,$though$Krige$could$also$
have$told$him—if$indeed$Krige$knew$Ormond,$as$Miss$Ormond$suggests.$Guibert$and$his$research$
efforts$in$South$Africa$are$referred$to$in$Docs.$2,$4$and$8$included$in$this$article.$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 202


Pittella Mr. Ormond
$
Roy$ Campbell$ writes$ of$ Ormond$ as$ being$ his$ friend$ and$ as$ his$ (Pessoa’s)$ closest$ school$
friend$ who$ “corresponded$ with$ him$ for$ twenty$ years$ and$ seems$ to$ have$ been$ the$ only$
person$ ever$ to$ have$ got$ to$ know$ him”.$ But$ Roy$ Campbell,$ an$ excellent$ critic,$ was$ not$ a$
reliable$ biographer$ as$ can$ be$ seen$ by$ some$ of$ his$ other$ comments$ on$ Pessoa$ (p.$ 157$ in$
Portugal)$and$there$are$some$quite$libellous$comments$on$his$friend$Uys$Krige$earlier$in$the$
book.$ It$ is$ probable$ that$ he$ knew$ Ormond,$ since$ he$ lived$ next$ door$ to$ where$ Campbell’s$
cousin$Killie$lived$(the$house$then$belonging$to$her$father$Sir$Marshall$Campbell$and$now$a$
museum)$but$it$is$unlikely$that$the$two$saw$much$of$one$another$for$both$were$out$of$the$
country$ for$ a$ great$ deal$ of$ their$ lives$ and$ Ormond$ was$ ten$ years$ older$ than$ Roy.$ Pessoa$
lived$ quite$ close$ (during$ his$ later$ years$ in$ Durban)$ in$ 11th$ Avenue$ which$ joins$ Marriott$
Road$quite$near$the$Campbell$House.$
$

(JENNINGS,$1986:$18Q19)$
$
The$original$passage$in$Campbell’s$Portugal,$in$which$Ormond$appears,$is:$
$
Pessoa,$ as$ a$ man,$ was$ a$ shadowy,$ retiring$ person:$ my$ elder$ brothers$ were$ at$ school$ in$
Durban$ with$ him,$ though$ his$ closest$ friend,$ my$ friend,$ Mr.$ Ormond,$ corresponded$ with$
him$for$twenty$years$and$seems$to$have$been$the$only$person$ever$to$got$to$know$him.$His$
literary$ friends$ in$ Lisbon$ speak$ of$ him$ as$ of$ a$ ghost:$ and$ Dr.$ Gaspar$ Simões,$ in$ his$
monumental$book$on$his$life$and$work,$though$he$knew$him$personally,$says$it$was$harder$
to$find$particulars$of$his$life$than$of$anyone$else’s$who$had$died$200$years$ago.$
$

(CAMPBELL,$1957:$156Q157)$
$
Campbell’s$ argument$ may$ befit$ a$ largely$
disseminated$ image$ of$ Pessoa$ as$ a$ recluse$ and,$ by$
contrast,$ inflate$ the$ importance$ of$ Ormond’s$
acquaintanceship$ with$ the$ Portuguese$ poet.$ Surely,$
Ormond’s$ testimonial$ is$ precious,$ but$ Campbell$ was$
not$as$thorough$a$researcher$as$Jennings,$who,$in$time,$
would$find$Geerdts$and$Belcher,$other$contemporaries$
of$ Pessoa. k $Furthermore,$ Simões’s$ declaration$ of$
Pessoa’s$ elusiveness$ may$ also$ be$ questioned—and$
very$different$profiles$of$the$poet$have$been$done$since$1950.l$
The$ South$ African$ poet$ mentions$ Ormond$ three$ more$ times,$ in$ a$
manuscript$ left$ unfinished—and$ unearthed$ in$ 1994$ by$ George$ Monteiro,$ who$
edited$and$introduced$it$in$an$article$(with$a$republication$in$The$Presence$of$Pessoa).$
The$first$reference$to$Ormond$in$this$rescued$text$resembles$the$one$from$Portugal,$
with$two$distinct$attributes:$a$crossed$out$phrase,$and$a$commentary$by$Campbell$
on$the$disparate$religious$identities$of$Pessoa$and$Ormond:$

k
$For$ an$ overview$ of$ Pessoa’s$ correspondence$ with$ Geerdts$ and$ Belcher,$ one$ may$ see$ PIZARRO$
(2007:$chap.$II),$in$addition$to$JENNINGS$(1984:$chap.$VII;$1986:$chap.$4).$
l
$The$book$Como$Fernando$Pessoa$Pode$Mudar$a$Sua$Vida$thoroughly$challenges$the$myth$of$Pessoa’s$
isolation$(PITTELLA$&$PIZARRO,$2017).$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 203


Pittella Mr. Ormond

$
I$have$known$the$friends$of$his$[Pessoa’s]$childhood$in$South$Africa,$notably$Mr.$Ormond$
of$Durban,$his$closest$schoolfriend,$with$whom$he$corresponded$for$twenty$years,$and$for$
whom$ he$ preserved$ a$ loyal$ affection$ to$ his$ dying$ daym$feeling$ almost$ akin$ to$ affection,$
although$he$lapsed$from$the$Catholicism$in$which$his$friend$staunchly$continues.$(Pessoa$
was$highly$conscious$of$his$Jewish$ancestry$on$one$side).$
$

(Campbell,$apud$MONTEIRO,$1994:$132$&$1998:$109)$
$
Besides$the$assertions$of$the$special$nature$and$length$of$Pessoa’s$friendship$
with$ Ormond—which$ we$ have$ already$ seen$ and$ questioned—here$ we$ learn$
something$new:$that$Ormond$was$staunchly$Catholic$(to$borrow$Campbell’s$term)$
and$ that$ his$ affection$ toward$ Pessoa$ would$be$ such,$ that$ Ormond$ was$ willing$ to$
overlook$his$classmate’s$“lapse$from$[...]$Catholicism.”$
In$another$passage,$Campbell$makes$a$categorical$assertion:$“His$[Pessoa’s]$
friendships$with$SáQCarneiro$and$Ormond$were$chiefly$intellectual,$though$lasting”$
(apud$ MONTEIRO:$ 1994:$ 140$ &$ 1998:$ 119).$ If$ we$ concede$ that$ Pessoa$ and$ Ormond$
may$have$had$a$“lasting$friendship”$(in$spite$of$the$lack$of$documents),$Campbell’s$
claim$is$insightful,$at$least$in$regard$to$Ormond—and$is$corroborated$by$Doc.$9$of$
this$article.$Pessoa’s$drafted$letter$to$Ormond$constitutes$a$truly$intellectual$game:$
the$ winner$ would$ be$ the$ one$ who$ could$ stick$ the$ longest$ to$ the$ most$ formulaic$
academic$writing$possible,$while$keeping$the$pretense$of$a$letter.$
The$ last$ reference$ to$ Ormond$ in$ Campbell’s$ manuscript$ repeats$ the$ claims$
of$the$first—but$now$in$the$general$context$of$Pessoa’s$supposed$traceless$youth$in$
Durban,$an$argument$already$seen$in$Portugal$and$in$Simões’s$book:$
$
Now$we$come$to$one$of$the$strangest$things$in$the$whole$of$PessoaÉs$life.$His$ten$years$in$
Durban,$ where$ he$ learnt$ the$ English$ language$ so$ well,$ that$ he$ had$ no$ trace$ of$ a$ colonial$
accent,$ and$ where$ he$ stripped$ most$ of$ the$ schoolQprizes$ from$ his$ British$ colonial$
competitors,$left$absolutely$no$trace$on$his$writings$except$that$he$corresponded$for$twenty$
years$with$his$friend,$Mr.$Ormond.$
$

(Campbell,$apud$MONTEIRO,$1994:$152$&$1998:$134)$
$
If$ Campbell’s$ words$ need$ to$ be$ taken$ with$ a$ pinch$ of$ salt,$ the$ words$ of$
Albertino$ dos$ Santos$ Matias$ must$ be$ taken$ with$ nothing$ but$ gratitude.$ Though$
Miss$ M.$ Ormond$ was$ obviously$ closer$ to$ her$ father$ than$ the$ Portuguese$ consul$
who$found$himself$in$Durban$in$1949,$it$was$Albertino$who$provided$us$with$the$
best$account$of$Ormond’s$relationship$with$Pessoa.$This$account$includes$a$typed$
copy$of$a$letter$Ormond$sent$to$the$consul$at$that$time$(unfortunately,$the$original$
document,$possibly$a$manuscript,$has$not$been$located$to$date).$

m
$I$have$included$the$crossedQout$phrase$in$the$quote,$although$Monteiro$presents$it$as$a$footnote.$
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 204
Pittella Mr. Ormond

Matias$ (1910Q1992),$ born$ into$ a$ Portuguese$ family,$


was$ actually$ brought$ into$ this$ world$ in$ Manaus,$ Brazil.$$
He$ attended$ elementary$ school$ in$ Nelas,$ Portugal,$ later$
completing$his$high$school$and$receiving$a$law$degree$in$
Coimbra.$ A$ man$ of$ many$ interests,$ during$ college$ he$
partook$ in$ a$ literary$ group,$ contributed$ to$ a$ cinema$
magazine$ and$ played$ soccer$ as$ a$ goalkeeper$ for$ the$
Academic$ Association$ of$ Coimbra.$ After$ graduating$ and$
marrying,$ he$ lived$ in$ Mêda,$ working$ as$ a$ lawyer$ and$
notary.$In$1943,$he$passed$the$diplomacy$exam$and$began$a$career$that$would$take$
him$ to$ Durban$ (1946Q53),$ Tokyo$ (1954Q56),$ Bangkok$ (1956Q58),$ Dublin$ (1960Q61),$
Quito$ (1962Q65),$ Karachi/Islamabad$ (1967Q73)$ and$ Athens$ (1973Q75).$ Albertino$
wrote$books$on$China,$on$disarmament$and$on$the$violence$of$the$Modern$world$
Between$1977$and$1985,$he$was$also$the$President$of$the$Portuguese$Association$of$
Esperanto.n$
Three$ years$ into$ his$ diplomatic$ appointment$ in$ Durban,$ the$ young$ consul$
was$contacted$by$Guilherme$Castilho,$the$secretary$of$the$Legation$of$Portugal$in$
Pretoria$ (and$ a$ friend$ of$ João$ Gaspar$ Simões,$ who,$ in$ 1949,$ was$ finalizing$ his$
biography$of$Pessoa).$While$Castilho$obtained$a$letter$from$the$Joint$Matriculation$
Board$ (probably$ after$ translating$ and$ submitting$ a$ questionnaire$ prepared$ by$
Simões)o,$ Matias$ did$ much$ more:$ he$ printed$ a$ public$ note$ in$ the$ Natal$ Mercury$
(Doc.$6),$prompting$a$letter$from$Ormond$(Doc.$5),$which$Albertino$followed$with$
a$home$visit$to$Ormond,$an$event$he$meticulously$reported$to$Simões$(Doc.$4).$
The$ following$ dossier,$ presented$ in$ antiQchronological$ order,$ begins$ with$
the$ last$ letter$ from$ Matias$ to$ Simões$ and$ ends$ with$ the$ oldest$ document:$ the$
drafted$letter$from$Pessoa$to$Ormond$himself.$$

n
$The$ heirs$ of$ Albertino$ would$ donate$ more$ than$ 70$ books$ in$ Esperanto$ from$ his$ library$ to$ the$
Foundation$Lapa$do$Lobo,$which$promotes$the$study$of$that$artificial$language.$It$is$also$thanks$to$a$
biographical$ note$ prepared$ by$ this$ organization$ that$ we$ gathered$ most$ of$ the$ specifics$ on$ the$
consul’s$life$and$work$used$in$this$article.$
o
$The$questionnaire$(Doc.$7a)$was$clipped$to$the$letter$from$the$Matriculation$Board$(Doc.$7b).$
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 205
Pittella Mr. Ormond

M#$E'4;&,(2/*$I,4'()3"-$K$5"B&3"-$I';"4,/$
$
E%PQ!RF?$D#$SPA?G$TD#DUV$
$
$
~-
$
B#3$N%!&'*0($5'&6(4$
Consulado de Portugal
$ cm Durb a n
$
7$ ;-G$ 7-'()04$ ($ .()0&%.R?3+($ 0#$ /#-)*)0($ 1#%%(*$ *$ X3#$ '#$ -#,#-&4$ *.*9*$ 0#$ '#$
#)D&*-$*%$,(!(6-*,&*%$U3)!*%G$H#+#,()#&$*$*6-*0#.#-Q+"#$#$*$?#0&-$*3!(-&\*O=($?*-*$*%$
#)D&*-$*($'#3$Y('$5'&6($)($&)!3&!($0#$*?*-#.#-#'$)*$9&(6-*,&*$X3#$#%!K$,*\#)0(G$
8&%%#Q'#$X3#$*%$,(!(6-*,&*%$#-*'$'&)"*%$#$?(-$&%%($X3#$)=($"*D&*$)#.#%%&0*0#$0#$
'*&%$ ,(-'*+&0*0#%G$ 56-*0#.&$ )(D*'#)!#$ #$
,3&Q+"#$ 0&\#)0($ X3#$ ($ %#3$ '*)3%.-&!($ UK$
0#D&*$ #%!*-$ )*$ !&?(6-*,&*4$ '(!&D($ ?#+($ X3*+$ Con•~laclodt Pori~,, 1

r--
tm O"rban

)=($%*9&*$%#$&*'$*$!#'?(G$a%!(4$P$.+*-(4$P$?*-*$
%*+D*63*-0*-$ ($ ,*.!($ 0#$ )=($ %#-D&-#'4$ ?(-$ {fl 4 ~m,,-.),
A
,_,,.,1,,,,~;;.-rt.
A~,, j+« ,4.crl-17
V J....,.
pt',t ,<,«.L
,<,
,e,u,,J/l,tllf/l,'

X3*+X3#-$ '(!&D(4$ ?*-*$ &+3%!-*-$ ($ +&D-(G$ ;#$ IT/''r'" r/4. ir.,,:,/_, • "/''µa, d,
?(-D#)!3-*$ ,|-$ *+63'*$ (3$ !(0*%$ ?39+&.*0*%$
"" J-<,d# J/1-«(;.«f~,5 jM• ,llfA ~Uf/'IP'I- ,µ

ti--- ,P,,,,i7... , ~,{.,/F,,, o/""- .,,. ~-


t·I~ ,,,,,,,,,,:;/r/4 ,/,,,..,...,?-« ,,,,fo,
?#O($ ($ ,*D(-$ 0#$ +"#%$ *?(- $ *$ )(!*$ 0#$ X3#$
b
t·I" ,,.,_ ,,.,, ..1,.. , r ~- 7"" ,,,,., /-.
,(-*'$.#0&0*%$?#+($;-G$7-'()04$?(&%$%#-K$3'$ __,.,t r
v,,H1•' ,.,,,,.~,,1,;,,,
;-,.,_..,,Y>",,,&/,AY "l'A,,t,,v''
,ntr,,,,-n1/11h

h ,&7;.,ü ~,w, J
,Ú '"'""'

,:/.,!''/"", ,,..~I.",.,,,µ
,:,;,,,A.,,,_,.~
#1,,J

?-*\#-$?*-*$#+#4$?-*\#-$*+&K%$U3%!&,&.*0(G$ ?1',d =/4 (,,_ {, );,$', ;',,/-,


A M , _ • ,:.;,,,_,;,,

./ I"'~,( ,....a,..~/4.t. /--"'..f./4


5$ *)!&6*$ gY3%&)#%%$ ;."((+i$ (3$
,.,.#CÁ ,'ff'WJ~
/": ?",./?"" ll>ff't.;,., ,,.,,.,,,. /4,Í,,w ; ~,.,..,, <
,1 ,.~_,,,,,,.;..,*/;. ·1"-· - 1,,1-,,.,. ,%;..),.,
g:(''#-.&*+$;."((+i$P$"(U#$3'$*+,*--*9&%!*4$ ,,,""'l"""
I'-' ,
r""u·",e/<!,{M ;:,,~p I r,fP.,-,~,1. __t;, ;,-,

z)&.( $ +(.*+$ ()0#$ %#$ ?(0#'$ .('?-*-$ +&D-(%$


k .,,. .. I"'"' I"'" , ,1, l"'r . t. ~-r
tfo/4
,-*).#%#%G$ / ,.,.r;..,':;,...;,,,..;;LJ '- ''(...._,,..,./ .a.t,
" _... «Lf'vwcf,_a./4:, .,.-""' /,J-A
L*%$ ,(!(6-*,&*%$ 0($ :()D#)!($ ?3\$ ),#,.., -,M""' 4,...,, 1-.,,.,,.
,,..,í· t· 1 ~,.,..,. ri
3'*%$ +&6#&-*%$ &)0&.*O@#%$ X3#4$ #%?#-(4$ %#U*'$ t, 1>-1".. ....ç :--.r-r'4-_ "}<O"">,~ -

.('?-##)%&D#&%G$ I" ._ ,J~""' .,.~.... ._11.,....-~..S <-

56-*0#.&*$ ($ ,*D(-$ 0#$ *.3%*-$ *$ r -~- ,,. ,,..,.~~ ~- ~"'"""·


k.o
-#.#?O=($#$?#O($0#%.3+?*$0*$?-#%%*$.('$X3#$ -r .:x,__.,;,c,<,<IT
,f;,-,C: :;.,.pt:..f)
#%.-#D(G$
:-#&*Q'#$$ ABC#$W#$X,22,"$>"'&$!32B3/$2'$IB&J,/G$DYZY#$
%#'?-#$
$ *'&6($.#-!(4$
83-9*)$
eQbbQbcec?$

? $e$L(D#'9#-$bcecG$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 206


Pittella Mr. Ormond
$

E%PQ!RF?$W#$SPA?G$TD#D[V$
$
LEGACAO DE PORTUGAL
"
PRETORIA. $
$$$$$EF3G3HF$ $ $ B#3$.*-($>*%?*-$;&'@#%$
$

5X3&$ !#'4$ .('$ *$ '*&(-$ 9-#D&0*0#$ ?(%%RD#+4$ !(0(%$ (%$ #+#'#)!(%$ X3#b$
.()%#63&$ (9!#-$ %(9-#$ ($ /#-)*)0($ 1#%%(*G$ :('($ +"#$ 0&\&*$ )*$ '&)"*$ 3+!&'*k$ .*-!*$
.()%&0#-($ ($ -#%3+!*0($ 0*%$ ?#%X3&\*%$ D#-0*0#&-*'#)!#$ %3-?-##)0#)!#%4$
.()%&0#-*)0($ X3#$ %#$ !-*!*$ 03'$ ?*R%$ #'$ X3#$ )=($ %#$ +&6*$ *$ 'R)&'*$ &'?(-!T).&*$ Ñ%$
.(&%*%$0($#%?R-&!($#$()0#$(%$?*?P&%o$D#+"(%$)=($?*%%*'$0#$g?*?#&%$D#+"(%i$X3#$%#$
0#%!-(#'$0#?(&%$0#$!#-#'$?-##)."&0($*$%3*$,&)*+&0*0#$&'#0&*!*G$`5$'*&(-$?*-!#$
0($%#3$X3#%!&()K-&($-#,#-&*Q%#$*$,*.!(%$?*%%*0(%$(3$-#+*.&()*0(%$.('$83-9*)$#$?(-$
&%%($ !('#&$ *$ &)&.&*!&D*$ 0#$ #%.-#D#-$ *($ :()%3+$ )*X3#+*$ :&0*0#$ s$ 5+9#-!&)($ 0(%$
;*)!(%$B*!&*%G$:('($DS$#+#$,(&$03'*$#,&.&S).&*$)(!KD#+J$,#\$*%$.(&%*%$.('$'P!(0($#$
#%!(3$ .()D#).&0($ X3#$ .()%#63&3$ ($ 'KC&'(G$ N$ ?(0#$ %#-$ X3#$ *&)0*$ D#)"*$ *$ (9!#-$
'*&%$ *+63'*%$ &),(-'*O@#%G$ :('($ ?(0#$ D#-$ !*'9P'4$ ?#+(%$ 0(.3'#)!(%$ 0#+#4$ UK$ ($
5-'*)0$ >3&9#-!$ !&)"*$ ?-#!#)0&0($ .*O*-$ )($ '#%'($ !#--#)($ '*%$ %#&$ X3#$ )=($
.()%#63&-*$)*0*G$8&%%#Q'($3'$;#.-#!K-&($0*$M#6*O=($0#$/-*)O*$X3#$*X3&$,(&$*'&6($
0($L(63#&-*$#$*$X3#'$#%!#$!&)"*$,*+*0($)($*%%3)!(G$5($B*!&*%4$?(&%4$0#D#$D(.S$*$
'*&(-$ ?*-!#$ 0*%$ &),(-'*O@#%]$ '&)"*%$
*?#)*%$ *%$ X3#$ ?(0#$ .(+"#-$ )*$ .*-!*$ 0*$ LEGAÇAO OE PORTUGAL

g<(&)!$ B*!-&.3+*!&()$ Y(*-0i]$ #-*$ ($ z)&.($


PRETORIA.

%#!(-$ X3#$ #%!*D*$ *($ '#3$ *+.*).#$ #'$ /J;~·-r,;:;:' - -~·= 'k,,-,,;,1-.L,_~'

1-#!(-&*$ (3$ :*?#$ H(I)G$ 7$ '#%'($ B*!&*%4$ ,,..,L' -p::: ,,,t..,,,,,._., i "-)"--
f- e-- ,.,.,. ,1..;,c.
..
t;:._.........,.__
,,,.,._..,,L,~ u.J/4'=~

#'$ -#%?(%!*$ Ñ$ ?-&'#&-*$ .*-!*$ X3#$ +"#$ ,_,..,.,,,t,._. • (;.,,/=;;!- li,_._,,___,_,_.~~


~,J.. ,,___

~-~-'-'-.......J-.7 '-'-1:,,,,ez,/1.....,,,(r-, =i
#%.-#D&$ ,*+*)0(Q+"#$ )($ *%%3)!(4$ +(6($ '#$ 7"1-""- .............__'....._·
........
- ,·~a......-·-
ú.. .;_ ~-./- .-1--.

'*)0(3$ 0&\#-$ X3#$ !&)"*$ ($ '*&(-$ ?-*\#-$ #$


-r~ c. ...,__,,_._ !ri--· Hd..., ..:;;:,, !r--- .,._~"
,-,/4...-,' i.,,,,._,c.__kf-'~fr-u-J.../4 ,._L<.._

&)!#-#%%#$ #'$ !-*!*-$ 0($ .*%(4$ *.-#%.#)!*)0($ h..<."c


f'~,._,._,.,,,,._,_._
,-~-....,;;::. - --·~rJ---= ,4 =/~~'
;-;;z;:;. ~~.,.......~-~----._
~·-=-.-u... a..

X3#$ ($ !&)"*$ .()"#.&0($ *$ %&$ '3&!($ 9#'4$ #'$ ..._


r ,..s~~- - ./4-~~-,_,,__ /4 -e,,,..,,.(/-'---.

~;.....J-..e~
:(&'9-*]$ X3#$ !&)"*'$ %&0($ .('?*)"#&-(%$
C-~ - ~-e.,._

ct...o .,,,___..l'~tkc ..

c;c..., {;...__ .... -'f-~-~ ~""-'- );; ,_j_,_

0#$ '#%*$ )3'*$ ?#)%=($ 0#$ #%!30*)!#%]$ X3#$ e...-·¼... O.A e..- ...............
·~ <-~ ~tl-4,&A.,(,.,."h ;- ~· .......
l J'
',ÃA..,<..á,.'ic;......._o ""-!-
V-<

+"#$ !&)"*$ #%.-&!($ "K$ !#'?(%$ '*%$ X3#$ D(.S$ '{----'-r~~ e......~ --:r~ ..f--'-- ""--::
a-·u....J-_ ~- -~ ~ 4 ...:/

)=($+"#$-#%?()0#-*4$.#-!*'#)!#$0#D&0($*(%$ ,.d,_, 1-.: o J~·,;,,,;:, 72..L<,t ( '-'- .,..,. .....


.c--y.~ ~r:......,._
%#3%$ '3&!(%$ *,*\#-#%G$ {3#$ .()%#-D*D*$ ?(-$ ;<l..,...
~1- )-.
.A,.,<...-,,~~

,r,.,._,x,:._.,.,,._ fá--:·~ j "/~ r


E:~~ j----<-J......_,
........u.-

r ""-
%&$3'*$6-*)0#$#%!&'*$&)!#+#.!3*+$#$X3#$,*-&*$ ~.
/V~'.,,_- < "- /~ .....4..
/J.. (h.,.;z;-__ J-•,-«v-'- v7u·,._ ,.,,.,.,._·~(,....E:-'-

!30($ ?*-*$ +"#$ ,(-)#.#-$ (%$ #+#'#)!(%$ X3#$ 'j-j-r-,'-c


,-~~;

,f_··r......x
{k..,..,,_._l,,_"'-" - '-'-<.«_

(h,,,_,.L-~""- ~·;i.<J<,...:.....,...

D(.S$?-#!#)0&*G$L=($+"#$?*-#.#$X3#$($-*?*\$ (J - j- (h,,;:;;-......."""' ~f--l-'- ,.,·;---e.,., f~#,._ C---?,..~-


......... a,,l~~ L(..<A

,J-... 7 d«
'#-#.&*$ X3#$ D(.S$ +"#$ #%.-#D#%%#$ 3'*%$ ... '-'«,,.~-!L.--.........<r, t.-r ........
r...t;_·~ ...A,,<.,t:::---!r~
=~..h~

+&)"*%hÖ$:#-!*'#)!#$X3#$#+#$,&.*-&*$
t7 A_....:~ - JJ.o r ...
'7·1 ~-l,r~,-..... /,,.__',.J.,,...,,._
~e ..;.,..<....._ 4· 4'-..__.t,,.,;

ABC#$T#$X,22,"$>"'&$P3/2B69'$2'$IB&J,/G$!"#$%G$DYZY#$
$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 207


Pittella Mr. Ormond

'3&!($ %*!&%,#&!($ .('$ #+*%G$ `1#O(Q+"#$ X3#$ '#$ #%.-#D*$ *$ *.3%*-$ *$ -#.#?O=($ 0(%$
?*?P&%]$)=($!#)"($.W?&*%$'*%$%3?()"($X3#$($B*!&*%$*%$!#-K$?*-*$($.*%(4$*+&K%$?(3.($
?-(DKD#+4$0*$#).('#)0*$%#$?#-0#-G$
B3&!($ 6(%!#&$ 0#$ %*9#-$ X3#$ !#'$ ($ %#3$ +&D-($ X3*%#$ ?-()!(GGG$ #$ .-#%.&0(4$
?-('#!#)0($ ,(-'*-$ 3'$ 9#+($ ?*-$ .('$ ($
gNO*$ 0#$ {3#&-(\iGX $N%!(3$ *).&(%($ ?(-$ ($ LEGA<;:AO OE PORTUGAL

+#-G$$N%?#-($X3#$)=($%#$#%X3#.#-K$0#$'&'4$
PRETORIA .

1 ,[,:d. - ,... ;... ,__..f,........,,....._ .,.._~,......... :'.'._


)=($ P$ D#-0*0#h$ B3&!($ (9-&6*0($ ?#+($ ~; '/ .l)._.7,;:,..L,.~-~-zt.·~..,,_._..z..h-c; ,..,..
,/4. ,.,,/;-"'---' c,.:zz;;:........_,.. .,..,,h~ ........-'-_+;t,-
z+!&'($ +&D-($ X3#$ '#$ #)D&(3J$ ,(-*'$ ()1,..u- "-Ú,.,,..,-t ..... "--~ ...r~ --~--4~--!-.e.. AA,,t-..t.-...4-.

7t-' t.::+.. f"' J,......_z;; 7 t,,-<;. ~-


W?!&'(% $ '('#)!(%$ (%$ 0*$ %3*$ +#&!3-*G$ Ü$
.(,,/.<A.,.,.,.... ..,
e tv- ..t..i«. 7 ,,,_---v-"',;t,~c,..,·Artth/~.,,.__G&,/,,,t,. .........
~t..C..

~~,.~;e-·..._
3'$ +&D-($ .*?&!*+$ ?*-*$ *$ .+*-&,&.*O=($ 0($
~·- ,'1\.,l......._ ,, :..c..--·~Ja...L/,fL,<,,

1'~-e,/._ f ~ _,_,,
e,............ ~ ~.,,
- ....- -~- -~,.;-._
-

,_,_,_ i. 1,1,,.,.,(;._, .... Ú«'f«,,


.().#&!($ 0#$ +&!#-*!3-*G$ H#)"($ +&0(4$ 3'*$ ir<4L-'i..;:;;:;t,:;:,.. <-<}._ -
,«1--..:tf-- li_,,· <-l, J-. «-«-~
• U.-0. "'-~

D#\$ ?(-$ (3!-*4$ *-!&6(%$ %#3%$ )($ g8&K-&($ (h,,_,,J;r'~,,,J.,'«..,


lt . ,iu:,. {'M-«"'- Q,,L,.r
1 •U...4V-JK-<f<--',
,__.l. • .,, "-~<.,;!
<~~/2,
r

1(?3+*-iG$ `L=($ 0#&C#$ 0#$ '#$ '*)0*-$ A4-U-...,..,_/;r:'-•


' ,.... Âr,.l...,,_-J-vJ-, «d< ........t!.',1,,_.,l -· =-'-- ' r-
.l.u_. ,.~ --u._....,,,f~c'.L._~ ..... ,-~ <.. V4

)(!R.&*%$%3*%4$0($X3#$D*&$,*\#)0(4$0($X3#$ ,..__..,._ r1-1-,·......._...,...........


~.,A~"'-·~ l~kv.,,.~
.L.-f-~ f;.d.. ú.,
?(-$ *R$ %#$ ?*%%*G$ N3$ #%.-#D#-#&$ !*'9P'4$ .............. "' ;l "",..;;z.;.,,
T,iJ.., ..... h --~·"'"" l4...~.
...Z.r--,,.,.., .....·/2..:... l"+-4--'.- /Y,._ ·.,,_
?*-*$'*!*-$*$%(+&0=($#%?&-&!3*+$#'$X3#$'#$ -.'{J.../---. ~"~·-z-.._.~, t,r-""- -.lA-c.. 4t...,t.J..,,,:;::;
'j,.,L,,.,.....=~..-...Á;. .... .c...-,"--7·,,..__·j-~. ,1. ?·J--,._
r..,/,,1,.
.......1.-- 7_..r....,. /Y,,..,.,,.~.,.,,___
D#U($ '#-63+"*0(G$ L($ -#%!(4$ *$ D&0*$ -1r·::c;::::,_
e.-.ú....~,f"-1-A.. .... ~- .... ~-""----e.~.

.()!&)3*4$6-*O*%$*$8#3%4$*$.(--#-Q'#$9#'G$ r,, ~......:;;:;;. 1-- - ,h.......,. /4, •.J-


t,...... ...,,.__,_.1--,., .,_,,~ ,,-r~j..
7%$ )(%%(%$ .3'?-&'#)!(%$ ?*-*$ *$
BP.&*$#$B*-&*$Z<(*)*Gf$
['$ *9-*O($ ?*-*$ %&$ 0($ %#3$ Z'3&!(m$
*'&6($
$
$$
$
$
ABC#$Z#$X,22,"$>"'&$P3/2B69'$2'$IB&J,/G$&"!'%G$DYZY#$
$
$
$

X $a)$bcef4$>*%?*-$;&'@#%$"*0$?39+&%"#0$"&%$9&(6-*?"F$(,$NO*$0#${3#&-(\G$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 208


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$3.$[CFT,$31.14]$
$
RESPOSTA$AO$QUESTIONARIO$
$

1$–$A$“Commercial$School”,$dirigida$pelo$australiano$Dr.$(?)1$Haggar$e$frequentada$
por$Fernando$Pessoa$entre$1902$e$1904,$já$não$existe.$
O$ edifício$ onde$ funcionava,$ “London$ Chambers”$ em$ West$ Street,$ existe$
ainda,$sem$alterações$de$maior.$–$Vide2$documentos$nº.$1$e$nº.$2:$r$cartas$de$um$
condiscípulo3$ de$ Fernando$ Pessoa,$ Senhor$ Ormond,$ e$ do$ Senhor$ Banks,$
Director$da$Educação$da$Provincia$do$Natal.$

2$ –$ As$ disciplinas$ ensinadas$ na$ “High$ School”$ em$ 1900$ eram:$ Inglês,$ Francês,$
História,4$Latim,$Grego,$Matemática,$Quimica5$e$Física,$as$quais$habilitavam$os$
alunos$a$obter$os$diferentes$graus$académicos$na$Universidade$do$Cabo$da$Boa$
Esperança,$em$Cape$Town.$–$Vide$documento$nº.$2.$

3$–$ A$ população$ branca$ de$ Durban$ em$ 1896$


era$de$31.877$habitantes.$
A$população$total$da$província6$do$ l - A ''Commercial School", dirigida pelo australlétno

Natal$ na$ mesma$ época$ era,$ em$ números$ Dr.{?) Haggar e frequentada por Fernando Pessoa
entre 902 e 1904, J4 nê'o existe.
redondos,$ de$ 400.000$ indígenas,$ 80.000$ O edif!clo onde funcionava, 11 London Chambers" em

indianos$e$40.000$brancos.$ ,\'est Street,


a:aior.
existe
- V. documentos
ainda, se alteraçbes
nci.l e nci.21 cartas
de
de Ult

JuntaQse$ uma$ fotografia$ de$ Durban$ cond!sc!pulo de Fernando Pessoa, Senhor Crmor.d,
e do Senhor Benks, Director de Educa('l'O da Pro-
tirada$em$1895.$ v!nc!a do N&tal.
2 - ks d scipllnas ensinadas na 11 H1gh School" em 1901.;

4$–$O$Consulado$de$Portugal$de$1901$a$1903$
eram: Inglês, l'r.,incês, Historia, Latim, Grego,
~etemdt!ca, ~uim!ca e Hs!ca, as quais habilitavam

era$em$West$Street$nº.$157.$O$edifício7$foi$ os alunos
ria Universidade
a obter os diferentes graus
do Cabo da .Soa .c;.sperança, eri Cape
acad~micos

demolido,$ tendo$ sido$ erigido8$ no$ local$ T >'9n.- V. dccumentu no .2.


- 4 poDU.L&\l'ol)ranr-• de ')urba e
um$templo$da$Igreja$Baptista.$ abit ntes.
A popu ça"o tot&.L da pruvtncia du Weti:tl na 111esP1a
~peca era, em ntlmeros redondos, de 41 .vOO lnd!-
5$ –$ Em$ 1896$ o$ Consul$ habitava$ na$ “Casa$ genu, 80.000 indianos e 4L,.uuv brancos.

Tersilian”$em$Ridge$Road;$de$1901$a$1903$ Junta-se
4 - u Consulado
uma fotografia
de Portugal
de Durban tirada
de 1901 a 1903 era em
em 1895.

no$ mesmo$ edifício$ da$ Chancelaria:$ West$ Y.'est Street no, 157, O ediflcio foi demolido, ten-
do sido erigida no local um templo da Igreja
Street$ nº$ .$ 157;$ posteriormente$ no$ Bay$ Baptiste.

View$ Hotel,$ imediações$ de$ Musgrave$ 5 - Em 1896 o Consul hac1tava na Casa Tersillan
11 11

em R1dge Road; de 19ül a 1903 no mesmo edif!cio

Road.$ –$ Vide$ documento$ nº.$ 4,$ cópia$ de$ da Chancelaria: 'i\'est Street nci.157; poster,.or-
mente no Bay Y ew Hotel, 1med1açbes de M:usgrave
uma$ procuração$ passada$ pela$ esposa$ do$ i!,oad. - V. doeu ente n0.4 1 cdp!a de uma procu-

Consul,$mãe$do$poeta.$ rai;a'o yassada pela esposa d, Consul, a:te do poeta.

Fig.$5.$Report$from$Matias$to$Simões,$p.$1,$1949.$

r$Note$ we$ have$ three$ different$ numbering$ systems$ at$ play$ here:$ 1)$ Albertino’s$ initial$ numbers;$ 2)$
then$Távora’s$,$or$perhaps$Simões’s,$who$renumbered$the$documents$as$part$of$lot$31;$and$3)$ours.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 209


Pittella Mr. Ormond

$
U$ \$ N'$ bdcm$ ($ :()D#)!($ :*!W+&.($ (.3?*D*$ X3K%&$ 3'$ X3*-!#&-=(4$ ,*\#)0($ ,-#)!#$
?*-*$y#%!$;!-##!4$Y-(*0$;!-##!$(3$>-#F$;!-##!$#$;'&!"$;!-##!G$5$&6-#U*4$.*!#0-*+$
)#%%*$ P?(.*4c$ #-*$ )*$ #%X3&)*$ 0*$ y#%!$ ;!-##!$ #$ >-#F$ ;!-##!]$ ($ .()D#)!($ )*$
#%X3&)*$0*$>-#F$;!-##!$(3$Y-(*0$;!-##!$#$;'&!"$;!-##!G$
5$ &6-#U*$ ,(&$ 0#'(+&0*$ #$
-#.()%!-3R0*bn$ #'$ ;!*',(-0$ A&++$ E(*04$
%#)0($ "(U#$ .()"#.&0*$ ?(-$ a6-#U*$ 0#$ ;=($
<(%PG$['*$)(D*$.*!#0-*+$,(&$.()%!-3R0*$)($ 6- L96 o "'-,nvento CatdUc
&. )Cupava quá'..:11um
~uartel"to, faz.enio
9*&--($&)0&*)(G$
nte para Jest St"eet, fr1
Broad Street ou Grey St:reet • Smith s+reet

7$ .()D#)!($ ,(&$ ?-(,3)0*'#)!#$ le'


e·,
A 1-reJa,
. ~ated,-11' nessa ep)ca, ere na esq~~na
da West Street e Grey st-eet; o CiJ'lvento na

'(0&,&.*0($ #$ "(U#$ P$ .()"#.&0($ ?(-$ es:


~tree •
da Grey 3treetJ!~• ou Broad 3treet e Smith

g:()D#)!$ ;."((+i4$ #%.(+*$ 0&-&6&0*$ ?(-$ 1 reJa f'.;,1 de:.. Uda e reconst -ulda em Stamford
H 11 road
.l

,end, ho
J '

,-#&-*%$'*%$%39%&0&*0*$?#+($N%!*0(G$
cc.nheC!ida por 1,:reja de Sto
J • -

?si!. a 'Ova catedrt1.1. U 1 e nstrlida. no b.11J.

L($ +(.*+$ 0*$ &6-#U*$ 0#'(+&0*4$ .3U*$


.i.ano. 1-;

nvento r, prof'l'''.:a•ente mo:l' f1 e 10Je •ado

,(!(6-*,&*$%#$U3)!*$s$O+-&$0(.3'#)!($)áG$f4$ ~onheci.dv
por -"eiras
''Convent Scho.Jl'', po1

mas ,suL-lrt:.ada pelo Estado,


esc)l;. d. r1i:;1da

#%!K$"(U#$($g5!+*)!&.$Y3&+0&)6i$#$)*$?*-!#$ No loca
,.mta.
ia .greja demo .:Ja, cuja f)1 g afia se
v. documento no 5, estd l:ic.e o ''Atla,:'lt:c
0*$>-#F$;!-##!$($gA&6"I*F$A(!#+iG$ 81.Ú.lrl ng" e parte da 'lrey Street
rui ) "H r.h•~Y-

$
Hotel".

$
$
$ ..........---"".... .. ~-
$ ABC#$U#$:,@'"2$>"'&$!32B3/$2'$IB&J,/G$@#$W#$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 210


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$4.$[CFT,$31.14,$addendum]$
$
ALGUMAS$NOTAS$REFERENTES$À$“RESPOSTA$AO$QUESTIONARIO”$
$

1$–$ A$ carta$ que$ o$ Sr.$ A.$ J.$ Ormond$ me$ enviou$ foi$ provocada$ pela$ notícia$ que$ fiz$
publicar$no$“Natal$Mercury”$(documento$nº.$6).$$
Procurei1$ em$ sua$ casa$ o$ Senhor$ Ormond$ que$ me$ referiu$ ter$ sido$ amigo$
íntimo2$de$Fernando$Pessoa$com$quem$se$correspondeu$durante$anos,$quando$
ambos$habitavam$Durban$e$quando$Fernando$Pessoa$saiu$para$o$Cabo.$
O$Senhor$Ormond,$que$é$vivo,$vive$com$sua$irmã,$tambem$viuva,$Mrs.$K.$
Swatton$em$514,$Ridge$Road.$FalaramQme$de$Fernando$Pessoa$com$um$carinho$
profundo$e$referindoQme$que$sua$mãe,$a$velha$Senhora$Ormond$falecida$no$ano$
passado$com$90$anos,$recordava$sempre$a$figura$do$poeta$com$saudade,$apezar$
dos$ anos$ decorridos$ desde$ a$ separação.$ Para$ isso$ concorreu$ a$ impressão$ que$
Fernando$ Pessoa$ lhes$ deixou$ –$ “a$ de$ um$
rapazinho$ um$ tanto$ tímido,$ amável,$ de$
carácter$ doce,$ extremamente$ inteligente,$ l• 'llrt.a lUe o .Sr. k.J. 1,1r un::l 111eenvivu foi provocada
4.

com$ a$ preocupação$ de$ falar$ e$ escrever$ o$ peh ~ot!ch


cument:, ,o.6),
lUe fiz publie.ar no "'fat l L\ercury" (do-

inglês$o$mais$academicamente$possível,3$o$ P acurei em sua can1 o Senhor 1,1r ond que a:e referiu

que,$ aliás,$ conseguiu,$ pois$ falava$ e$


ter s~do ami ~o intimo de rermrndu Pessoa com uue: se
~crresponcleu durunte 11nos, qu•ndo &!""boshabl tavam

escrevia$ melhor$ do$ que$ êles$ próprios,$ de$ Durban e c1u11.ndoFernando Peuoa sdu p&ra o C&bo.
Senhor Ormond, lU8 li v.._tlvo, vive c1,; sua irmt, E!

um$senso$comum$invulgar$em$crianças$de$ tumbem viuva, 11-..s, K• .3watton em ~14, Ridge Road,

tal$ idade,$ segundo$ referia$ mais$ tarde$ a$


i''alar11m-111ede Ferm,ndo r'essua co"'I um csrinho p~·ofund.:,
referi~a~-rn• e ma-e, ve_ha :::e'lhora
'iU& s1.1 r111.ond a

falecida$Senhora$Ormond,$etc.”$ ta.1.ecida no ano pau ado com 90 anos


a figu a do poeta cc saudade, apez:ar dos snos deeo"-
recorda,ta I semp1 e

O$ Senhor$ Ormond,$ que$ lamenta$ ter$ ridus desde a separaç&'o. Para .1. o cuncur ·eu a impres-

destruído$ as$cartas$ de$ Fernando$ Pessoa,$


sê'o i\!ª Fernando Pessua ::leix de rapa-
'.1es )U - "a um

z:inho um tanto t!m1do air.dve·, de c: rácter 1 doce, ex-

conservadas$até$ao$fim$da$Primeira$Guerra$ tremamente inte.1.ige 1te,com a preocui;a1.,~o de ta .ar e


esc ever ) inglês o 11:-is cadem!camenta )O"<;ive.., o
Mundial,$ isto$ é,$ mais$ de$ 20$ anos,$ é$
1

,~ue, alias, consegu.1.u, pois falava esc~evi& melhor e

empregado$ superior$ da$ firma$ Dunlop,$


:lo ~ue êles :,rôprius, de um sensL ec-ur tnv•1lgar e,
.:r1anças tu.l idade, de referia arde a
segunóo ma....a ..

onde$tem$a$seu$cargo$os$serviços$sociais$de$ fã..,ec da .Senhora Jrmond, etc,"

Senhor ,rr,:io.,d e:1e l ::ief"lta ter destru!do as


que$ beneficiam$ os$ operários.4$ Sua$ irmã,$
J 1

cartas hr!'u,ndo Pe::-.:ia, conserv&das ati ao fi


de da

que$me$pareceu$bastante$culta$e$que$ficou$
P.-1meira Guerra J..un'!hl, i to iu.s de 20 anos, d é,

egado superiur da firma .>un


e ;, onde tem a seu 1 if',

deliciada$ por$ saber$ que$ Fernando$ Pessoa$ cargo os serviços soc ...ais de e: benefic.1.wa os operá'.ii'ios. Je

Sua ...ra:lr, "l.ue me pareceu Das .... ,te cu ... e :i;ue ficuu
traduziu$ alguns$ contos$ de$ O.$ Henry5$ que$ je.ic ada por s1.1ber :i;ue rernando Pessua traduziu al-

ela$conhece$bem,$administra$a$casa$de$seu$ gu• s cunt-os de íenry ;iue ela ?ur ece be:r, admini'litra
1 ~asa ::le seu !rmlro e faz pa e:tr•s
1,;.

na Radio 1ocdl so-

irmão$e$faz$palestras$na$Radio$local$sobre$ bre JaMinagem, em ;ue perita. t:l'.

u »r .... :ond, apezar Je nl'o cJMecer


jardinagem,$em$que$é$perita.$
purtuguAs,
fi ~'Iria sa+ 1fe1 t!ssimo, segun:lo penso, se f?sse
1 •, n-

$ u ....... .
$
Fig.$7.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$1,$1949.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 211


Pittella Mr. Ormond

O$Sr.$Ormond,$apezar$de$não$conhecer$português,$ficaria$satisfeitíssimo,$
segundo$ penso,$ se$ fosse$ contemplado$ com$ o$ futuro$ livro$ da$ biografia$ de$
Fernando$ Pessoa,$ visto$ a$ admiração$ que$ vota$ à$ memoria$ do$ seu$ antigo$
condiscípulo$ e$ o$ seu$ interesse$ por$ Portugal$ de$ que$ me$ falou$ com$ muito$
conhecimento.$

2$–$O$Dr.$S.G.$Campbell$(documento$nº.$2)s$faleceu$há$muitos$anos.$Não$consegui$
entrar$em$contacto$com$seu$filho,$Dr.$G.$Campbell,$que,$aliás,$nada$deve$saber.$
O$ Senhor$ B.$ M.$ Narbeth,$ que$ teve$ a$ amabilidade$ de$vir$ ao$ Consulado,$
nada$ adiantou,$ prometendo,$ no$ entanto,$ tentar$ encontrar$ nos$ arquivos$ da$
actual$“High$School”$quaisquer$elementos$àcerca6$do$poeta,$o$que,$segundo$êle,$
se$ lhe$ afigurava$ difícil,$ visto$ os$ documentos$ antigos$ terem$ desaparecido$ em$
grande$parte.$

3$–$Os$números$da$população$de$Durban$em$1896$foramQme$fornecidos$pelo$Sr.$P.$
Sullivan,$viceQdirector$do$Departamento$de$Publicidade,$o$qual$me$dispensou$o$
maior$ auxilio$ noutras$ diligências.$ Os$ -, -
restantes$ números$ foram$ extraídos$ de$ temph,do com o futui o 11v o biogra ia de Fer'l8nc.10

vários$ panfletos$ àcerca$ da$ historia$ de$


Pe ""' to a &.dmiraçto :iue vota a e. oria do seu
v.i

antigo condi ,c!r;iulo e o seu interesse por Po'" ugal de

Durban.$ J.e me rale com mui te conhec1me.,to,


- IJ
.1

Dr, s.G. Campbell (documento no ,2) aleceu hd muitos


A$fotografia$de$Durban$de$1895$foi$a$ anos. con agui entrar em contacto com seu filt.o,
.1"'>

melhor$ que$o$ director$ do$ Museu$


')r. Campbell, e, alUs,
G. da deve saber. ri...

u Senhor , , rt:eth, a teve a &P'aui Udade de


'1 1e

Municipal,$ Senhor$ Chubb,$ me$ poude$ vir o Consulado, l'laaa .. ,.. t ., prome endo, 10 e 1t&nto,
tentar encontr .. r 11.os,.r 11ivos da actual "H1gh ~ch"ol''

dispensar.$ Não$ tinha$ negativo,$ tendoQme$ 1uaisa 1er element::>s acerca do poeta, o q11e, !leg11ndo êle,

êle$ emprestado$ um$ positivo$ que$ fiz$


se l 1e af1 ur va diftcil, vi > docw:iento lgo
t 1

terea: de.... rer-ido,em r ae rta,

fotografar$e$de$que$foi$extraido$o$presente$ S• Osfor1ecidos
1dl:ler'>s d populacto de Dur
pelo Sr, P . .:.iull!v
em 1A9b "orac::-me
vice-d rectiJr do D41-1'11
"'l

positivo.$O$fotografo$foi$o$Sr.$Lynn$Acutt.$ parti,;mentu de P•J.bliéiaaae, o l l me c.'!!.s el'l:.)u > maior


auxilio noutr s dilil"ê'lelas. Cs re ta"l es rnl:nero t'l-
Segundo$o$Sr.$Chubb$já$não$existem$ r m extr, !d >S de vdrios parifl s àce ..ca da hl r1 t t

direitos$ de$ propriedade$ artística$ Durutn. ie

fot-og aJ.u de Durban de 1695 fui a elhor ~ua


A.

referentes$ à$ fotografia,$ visto$ o$ longo$ o :1 recto do useu un e pa.1.., .;)e!'!hur ::hubb, e p ude
spensa , lo tin~a negat-1vu, te~fo .. e êJ.e emprestado
tempo$ decorrido$ e$ a$ vulgarização$ de$ tais$
:1

u. pos t- vu :i,ue fiz fotor:ratar e 1e ~ue to! extrai :iu

fotos$por$todo$o$país.$No$entanto,$diz$que$
o presente pos1t1vu u totugrafu foi u Sr. Lynn 4.cut
3egundu o Sr Cbubb Jd nto ex" te:,,,. dlreitvs da

é$ costume$ fazer$ acompanhar$ as$ propriedade art!stlca referent-es futugrat a, vlstu lil

o ongu t-e po :iecorr1 e a vu garlzaeA'r 1e •a s fut,.;,s


fo

reproduções$ com$ os$ seguintes$ dizeres:$ por todu o pa!s. to entant , :Uz que cost e fa- ti

“From$the$Durban$Museum$‘Old$Durban’$
zer .acompr.llhar u reprodu.ç~ss c.:i: s ,egu1..,tes dl·
zeres: "From the Durba!'I Jluseum ld Durbin"l'"oUect ...nn". 111

Collection”.$ actua ... neg tlvu f


eu a f.,tografia,
u e er,tregue,
p ler .S • ILcutt.
junta:..ente
J.-r

O$ actual$ negativo$ foiQme$ entregue,$


juntamente$ com$ a$ fotografia,$ pelo$ Sr.$
l/ ..•...

Acutt.$
$
Fig.$8.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$2.$

$This$“doc.$2”$(in$Matias’s$numbering)$has$not$been$located$to$date.$
s

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 212


Pittella Mr. Ormond
$

A7$ fotografia$ foi$ tirada$ na$ direcção$ do$ Sul,$ da$ parte$ alta$ da$ cidade,$
chamada$Berea.$A$entrada$da$baía$é$à$esquerda.$Ao$fundo$está$o$“Bluff”,$hoje$
bastante$urbanizado,$monte$que$abriga$a$baía$dos$ventos$do$sul.$
É$ digno$ de$ nota$ a$ feliz$ coincidência$ de$ nela$ aparecer$ distintamente$ a$
igreja$do$convento,$reproduzida$no$documento$nº.$5.$

4$–$ Não$ me$ foi$ possivel$ saber$ onde$ era$ o$ Consulado$ de$ Portugal$ de$ 1896$ a$ 1901.$
Desde$este$ano$até$1903$foi$em$157,$West$Street,$segundo$os$anuários$da$cidade.$
Posteriormente,$ em$ data$ que$ tambem$ me$ não$ foi$ possivel$ apurar,$ era$ no$ 1º.$
andar$ do$ Natal$ Bank,$ prédio$ que$ existe$ ainda$ na$ esquina$ da$ West$ Street$ e$
Gardiner$Street.$
O$prédio$nº.$157$da$West$Street$foi$demolido.$

5$ –$ Em$ 1896$ o$ Consul$ de$ Portugal$ habitava$ uma$ casa$ denominada$ “Tersilian$
House”,$em$Ridge$Road,$segundo$consta$do$documento$nº.$4.$
Na$ procura$ de$ tal$ casa,$ ou$ lugar$ onde$ tivesse$ existido,$ empreguei$ todos$
os$ meus$ esforços,$ sem$ que$ ninguem$ me$
- 3 -

pudesse$ elucidar$ e$ sem$ que$ edifício$ com$ fotografia


alta da cidade,
foi tirada
li. na direcçél'o do Sul, da parte
chamada Berea. entrada da bafa ti. A. E!

tal$nome$conste$de$qualquer$anuário.$ esquerda. Ao fundo estéf o "Bluf fl', hoje bas tanta ur-

Sou$levado$a$crer$que$a$referida$casa$
banizado, monte que abriga a ba!a dos ventos do sul.
E digno de nota a feliz coincidência de nela apa-

não$ era$ em$ Ridge$ Road,$ mas$ nas$ recer distintamente


no docUJllento n" . 5,
a igreja do convento, reproduzida

imediações$ –$ “off$ Ridge8$ Road”.$ Mesmo$ 4- Nâ:o me foi possivel saber onde era o Consulado de Por-
assim$ é$ de$ estranhar$ que$ não$ haja$
tugal de 1896 a 1901. Desde este ano atE! 1903 foi em
157, West Street, segundo os anuários da cidade. Pos-

qualquer$notícia.$ teriormente,
apurar,
em data que tambem me nlro foi possivel
era no l". andar do Natal Bank, prédio que

É9$ provável$ que$ tal$ casa$ fôsse10$ existe ainda na esquina da West Street e Gardiner

demolida$ naquele$ ano$ de$ 1896$ ou$ lhe$


Street.
O prédio no ,157 da West Street foi demolido.

fôsse$dado$outro$nome.$ 5- Em 1896 o Consul de Portugal habitava


mim1da Tersilian
uma casa deno-
House", em Ridge Road, segundo cons-
11

De$ 1901$ a$ 1903$ o$ Consul$ viveu$ no$ ta do docwnento ni:i.4.

mesmo$ edifício $ da$ Chancelaria:$ 157,$


Na procura de tal casa, ou lugcar onde tivesse exis-
11
tido, empreguei t.odos us ml:!us esforços, sem que nin-

West$Street.$ guem me pudesse elucidar


nome conste de qualquer
sem que edif!cio
anu.::lrio.
e
com tal

Alem$ de$ 1903,$ tambem$ nada$ Sou levado a crer que a referida ci:.sa nà"o era em

consegui$ saber.$ Tenho$uma$ vaga$


Ridge Robd, mas nas imediaçô'es - "off 11:idp:e Road".
hlesmo assim de estranhar que nlto haja qualquer
E! not!cia,

promessa$ do$ Sr.$ Ormond$ de$ que$ êle$ B provável que tal casa fosse demolida naquele
ano de 1896 ou lhe fosse dado outro nome.

diligenciaria$esclarecer$este$assunto.$ De 1901 a 19ü3 o Consul viveu no mesmo edifioio


da Chancelaria: 157 1 West Street.
Alem de 1903, tambem nada consegui saber. Tenho

6$ –$ O$ Convento$ onde$ estudou$ Fernando$ uma vaga promessa do Sr, Ormond de que êle diligenciaria

Pessoa$ não$ era$ em$ West$ Street,$ visto$ que$


esclarecer este assunto.
6- O Convento onde estudou lernando Pessoa nlro era em

para$ esta$ rua$ só$ fazia$ face$ a$ Igreja$ do$ riest

Igre
Street,

Ja do documento
visto que para

ni:i. 5.
esta rua só fazia face a

documento$nº.$5.$ 4/ ••.••.•

$
Fig.$9.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$3.$

$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 213


Pittella Mr. Ormond

<3)!*Q%#bk$ 3'$ 6-K,&.($ ^hÖ_$ s$ 0(.3'#)!($ )áG$ bb$ s$ X3#$ ?-#!#)0#$ 0*-$ 3'*$
&0#&*$0($+(.*+G$
5$ ,(!(6-*,&*$ 0*$ &6-#U*$ ,(&$ !&-*0*$ 0#$ 3'$ )#6*!&D($ .#0&0($ ?#+($ B3%#3$ 0#$
83-9*)G$ 5$ #%!*$ %#$ *?+&.*'$ *%$ '#%'*%$ .()%&0#-*O@#%$ ,#&!*%$ )($ )áG$ o$ Ñ.#-.*$ 0*$
,(!(6-*,&*$.('$*$D&%!*$0#$83-9*)G$/(&$!&-*0*$0*$Y-(*0$(3$>-#F$;!-##!G$

7$ 0(.3'#)!($ )áG$ bn$ ,(&$ .(?&*0($ 03'$ -#.(-!#$ 0#$ U(-)*+$ #'?-#%!*0($ ?#+($
:()%3+$0*$/-*)O*4$;#)"(-$N36Ä)#$E*!!()4$D&%!($X3#$)*$*0'&)&%!-*O=($0($U(-)*+$
)=($"K$#C#'?+*-#%$0#$'*&%$0#$3'$*)(G$
5X3#+#$ '#3$ .(+#6*$ !#'$ '*)&,#%!*0($ &)!#-#%%#$ )*%$ '&)"*%$ ?#%X3&\*%$ #$
."#6(3$ *$ ?#0&-Q'#$ (bo$ ,(-)#.&'#)!($ 0#$
&),(-'*O@#%$ ?*-*$ #)D&*-$ *($ #%.-&!(-$ - 4 -

>3&9#-!4$ X3#4$ %#63)0($ S+#4$ *&)0*$ )=($ .!·J!'lta- e griffico ("~) - :11--i=.1to ,i11• que
i.:- .u - prete!'lde
lar 11ma ide .a do local.
0#%&%!&3$0#$,*\#-$*$9&(6-*,&*$0($?(#!*G$ A fotogr~fia da ig eJa foi ·ada de um negativo ce- ti

:('($ P$ )*!3-*+4$ !#)"($ ?-(.#0&0($ msidergçO-es feitas no r.il. > àCe"'ca ja t.itc, rnaa
d1ào .ie.l.o lluseu de Durban uta. se &plicam u mesc:as lt.

com a

#D*%&D*'#)!#G$ vis a :le Durt-1. Fo .r'!:loa aa E.oad ou Uny ~t~eet.

u 1ocwi:ento no ,iu foi >oiado :iutl' recorte de Jo.rna

7%$ 0(.3'#)!(%$ )áG$ j4$ d$ #$ c$ emprestado


vistu 1ue
pelo Cvnsui da !'rai'lça, .senhur ..ugftne Rattur.,
,11adrlnistra, ,te., do Jornal nto Cl.4exemplares de
?-#!#)0#'$ #+3.&0*-$ ,*.!(%$ *!&)#)!#%$ Ñ$ a s ie um ano,
1ele meu co 3ga tem man fest~do
,*'&+&*$0#$/#-)*)0($1#%%(*G$
1.( 11te1 esse nas mi-
nhas pesa•lizas e chegou a ledi!" - ::ie o f,>r1ecl1 entu ia ln-
,._ r11ac,.O',:;, .ra er-v.i.ar ao ~-cr.i.tur .iu1bert 1 ~ue, segundu êl',
a n1a
7$ :()%3+$ <(=($ B&63#+$ E(\*$ !('(3$
~""? des.i.st.i.1.1 de fnzer a b.., gr>J.f..,,~ ao 1 ::eta

'=omo 41: natural, tenho :oced11o vr--1va1 ent.e.

?(%%#$ 0($ %#3$ .*-6($ #'$ f$ 0#$ 73!39-($ 0#$ ,1 C:>cu::. ntr.is ri11,7, e, pr t,r:!i:im elu :'lar f1cta

bdcf4$ !#)0($ %&0($ %39%!&!3&0($ #'$ kd$ 0#$ at1 . ,te- '- .,.-an..111l e C'"'l'"Jand1Pe ua.

56(%!($0#$bcbbG$ J c-,n.:-1· T?to i.:.1::·1el Roza t .,m,)u "":' e :'lc ,~u e· r, > em
"I o lt o :'!e 1895, tendo s io .subs-1 tl ido em 2'3 de 4t s-
to 4• 1)11.

/ '

ABC#$D_#$0)),();&$>"'&$!32B3/$2'$IB&J,/G$@#$Z#$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 214


Pittella Mr. Ormond
$
DOCUMENT$5.$[CFT,$31.14,$“doc.$1”t]$
$
514,$Ridge$Road,$
DURBAN.$
$

24th$June,$1949.$
His$Excellency,$
The$Consul$for$Portugal,$
Netherlands$Bank$Buildings,$
Smith$Street,$
DURBAN.$
$
Dear$Sir,$
$

I$ was$ very$ interested$ to$ read$ in$ the$ newspaper$ that$ you$ are$ seeking$
information$about$Fernando$Pessoa.$
I$ cannot$ perhaps$ say$ that$ I$ can$
afford$ much$ information$ about$ him,$ but$ íl4 1 Rldge Road,

it$is$true$that$in$our$youth$we$were,$for$a$ DURbA.N.

while,$close$friends.$
24th. June, 1949.

Also,$ we$ used$ to$ correspond,$


--
His Excellency 1
The Consul for Portugal,
Netherbnds Bank Bulldlngs,
Smith Street,
although$both$living$in$Durban,$but$I$am$ Dear Sir,

sorry$to$say$that$none$of$his$letters$to$me,$ I w1u very lnterested


seeielng lnformatlon about
to read ln the newspaper
Fernando Pessoa.
that you are

although$ preserved$ for$ a$ long$ while,$ has$ I ca"lnvt perhaps 9ay that I cari afford much lnformatlon
hlm, but lt is true thélt 1n our youth we wera 1 for a wh1le,
about
close
fr1ends.
survived$the$exigencies$of$a$lifetime;$how$ Uso, we used to corresp nd, alth0ugh bott. Uvlng 1n Durt.an,
1~~o~gh
~~;s!r!:d st~? a tio~?-~~!;, n~~= ~~r~i!e~ 8 ~~:r!xi:e~~!e!

was$ I$ to$ know$ that$ this$ friend$ of$ my$ Ufetlme; how
oecome one of
every word he
was I to tcnow that this friend of my )".,)Uth would
the major poets of modern times? Had I known that,
ever wrote to me would have been closely treasured,

youth$ would$ become$ one$ of$ the$ major$ I knew Pessoa when we botl". attended for a wh1le a Commerc1al
School 1n London Chambers, ln 1,'est Street,
run by a well-t1.nown character
DurbBn, whlch wi.s then
of the time - Dr. Haggar,

poets$ of$ modern$ times?$ Had$ I$ known$ It seems we were drawn together
had a teste for the exerclse
DY the fact that
of the Engl19h language,
we b ,th
and thls

that,$ every$ word$ he$ ever$ wrote$ to$ me$ escellently


~~-~~~r=~~b~:te~~'~.;!.~:·
put together,
-=~~h
language of which we were capable but while Pessoa's
my own elforts
rr~q~~:ti~rt~:st
were really
merely consisted :,f roplng

would$have$been$closely$treasured.$
ln all the longest words that I cuuld get hold ;,f ti,at somehow
f1 tted the sense of what I was trying to say • .Utr.ocgh I did not
admlt 1t openly, yet 1-, my hl'art of hearts I Knew that my friend's
efforts were very greatly superior to IIY )wn.

I$ knew$ Pessoa$ when$ we$ both$


I notice 1t 1s said that he caJD.eto Durba'l ln 1!396 at the age
of 4 or 5, It 1s my stN'lg impression th&t he was oldar than th11it
by 2 or 3 years. I alway, understood him to be aoout • yHr older
th&n myself &'l.d ln 1896 I -. ...uld have been seven years old.

attended$ for$ a$ while$ a$ Commercial$ Y~ung as I w&s I re&Used a quali ty in him. which we nD"IIKnow
to have been ge-iius, He "1189then a sp1r1ted 1 cheerful 1 humorous
lad with &n extremely Ukeable nati;re a:-id I W89 drawri to him &9

School$ in$ London$ Chambers,$ in$ West$ steel to a m&gnet,


l ,rnew at the time tnat hls faU-.er or uncle ,ras Porturuese

Street,$Durban,$which$was$then$run$by$a$
Consul, but beyond that I knew nothing of his family llfe,
That he shou 1 have bec..,me the most famous of modero Portu-
guese poets _s '\Ot surpr~slng. The tio was father to the gen1us.

wellQknown$ character$ of$ the$ time—Dr.$ Y.:>urs fa1thfully 1

Haggar.$ l,l_ ... ~D.

$
Fig.$11.$Copy$of$letter$from$Ormond$to$Santos$Matias,$1949.$
$

t $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$1”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$3.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 215


Pittella Mr. Ormond

It$seems$we$were$drawn$together$by$the$fact$that$we$both$had$a$taste$for$the$
exercise$ of$ the$ English$ language,$ and$ this$ was$ the$ reason$ why,$ although$ we$ saw$
each$ other$ frequently,$ we$ started$ to$ correspond.$ Our$ letters$ were$ couched$ in$ the$
loftiest$ language$ of$ which$ we$ were$ capable$ but$ while$ Pessoa’s$ were$ really$
excellently$ put$ together,$ my$ own$ efforts$ merely$ consisted$ of$ roping$ in$ all$ the$
longest$words$that$I$could$get$hold$of$that$somehow$fitted$the$sense$of$what$I$was$
trying$to$say.$Although$I$did$not$admit$it$openly,$yet$in$my$heart$of$hearts$I$knew$
that$my$friend’s$efforts$were$very$greatly$superior$to$my$own.$
I$notice$it$is$said$that$he$came$to$Durban$in$1896$at$the$age$of$4$or$5.$It$is$my$
strong$impression$that$he$was$older$than$that$by$2$or$3$years.$I$always$understood$
him$ to$ be$ about$ a$ year$ older$ than$ myself$ and$ in$ 1896$ I$ would$ have$ been$ seven$
years$old.$
Young$as$I$was$I$realised$a$quality$in$him$which$we$now$know$to$have$been$
genius.$He$was$then$a$spirited,$cheerful,$humorous$lad$with$an$extremely$likeable$
nature$and$I$was$drawn$to$him$as$steel$to$a$magnet.$
I$ knew$ at$ the$ time$ that$ his$ father$ or$ uncle$ was$ Portuguese$ Consul,$ but$
beyond$that$I$knew$nothing$of$his$family$life.$
That$he$should$have$become$the$most$famous$of$modern$Portuguese$poets$
is$not$surprising.$$The$boy$was$father$to$the$genius.$
$
Yours$faithfully,$
$
A.$J.$ORMOND.$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 216


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$6.$[CFT,$31.14,$“doc.$6”u]$
$

THE NATAL MERCURY, WEDNESDAY, JUNE 15, 1949.


$
THE$NATAL$MERCURY,$WEDNESDAY,$JUNE$15,$1949.$
$
Portuguese$Poet$ ***
THE$ Portuguese$ Consul$ in$ Durban,$ Dr.$ Portuguese Poet
Albertino$Dos$Santos$Matias,$is$anxious$to$obtain$as$ THEin Durban,
Portuguese Consul
Dr. Alber-
much$ information$ as$ possible$ about$ Fernando$ tino Dos Santos Matias, is
anxious to obtam as much
Pessoa,$the$most$famous$of$the$modern$Portuguese$ information as JJ os si b 1e
poets.$ about Fernando Pessoa, the
most famous of the modem
He$ was$ the$ stepWson$ of$ Captain$ J.$ M.$ Roza,$ Portuguese poets.
Portuguese$ Consul$ in$ Durban$ from$ 1896$ to$ 1911,$ and$ lle wa.s the 8/fp-~ort r,/
Captai,1 J. M. Ro~a, Pr,rtuguese
came$to$Durban$in$1896$at$the$age$of$four$or$five$years.$$ Co11sul iri Durl,an /rom 189G lv
1911, and can,e to Durba11 m
He$ was$ a$ pupil$ at$ the$ Durban$ Boys’$ High$ School,$ and$ 18!1G at the age o/ /our or Jl,:e

about$ 1906$ attended$ the$ CapeWtown$ University.$ It$ is$


ylar8. He u·as a flllJ!ll at thc
D11rbart Boy.~' Htgh Sclwol, a11 d

thought$hat$he$lived$at$Tresilian$House,$Ridge$Road.$ aboul 1906 attended lhe Cape-


low,1 U ,1n;ers1ty. lt is tJ,oaght
Dr.$ Matias$ tells$ me$ that$ Dr.$ Joao$ Gaspar$ that he li't;erl
Ho,ise, R1dge Roorl.
at T, esiltan

Simoes,$ at$ present$ in$ London,$ is$ writing$ a$ Dr. Matias tells me that Dr.
,Toao Gaspar Simoes, at present
biography$ about$ Fernando$ Pessoa,$ and$ any$ ln London, is writing a b10-
graphy about Fernando Pessoa,
information$of$interest$about$him$should$be$sent$to$ and any information of lnterest
about him should be sent to the
the$ Portuguese$ Consul,$ Netherlands$ Bank$ Portuguese Consul, Netherlands
Bank Buildlngs, Durban.
Buildings,$Durban.$$
* *
$
Figs.$12$&$13.$Notice$on$The$Natal$Mercury,$1949.$
$

u $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$6”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 217


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$7a.$[EFT,$31.13—questionnaire,$in$Portuguese]$
$
I$ –$ Existirá$ o$ texto$ do$ ensaio$ de$ Fernando$ Pessoa$ a$ que$ foi$ concedido$ o$ “Queen$
Victoria$ Memorial$ Prize”,$ no$ acto$ de$ exame$ “Matriculation$ Examination”,$
realizado$em$Janeiro$ou$Fevereiro$de$1904?$
2$ –$ Qual$ era$ a$ organização$ da$ High$ School1$ em$ 1900?$ SeguiamQse$ os$ estudos$
universitários$ em$ Durban$ ou$ eram$ os$ alunos$ obrigados$ a$ deslocarQse$ para$ a$
Cidade$do$Cabo?$
3$–$Quantos$alunos$teriam$concorrido$à$“Matriculation$Examination”,$em$1904?$
4$–$De$que$cadeiras$se$compunha$o$exame?$
$

UJ I - Existirá

"Queen Victoria
o texto do ensaio

.J.emorial
de 1"erna.ndo Pessoa

Prize" ,nu a.cto


a aue fvi conceá1.0.o v

Cie exW.110''!ib.utr.1.cuta.tion .bxw.Ui_


nation" ,realizfiao em Janeiro ou Fevereiro de I904 ~,

2 - Qual era a organização da High School em I900 'i Seguirun-se os estuClúS


universitários em Durban ou arrua os a.lunos obriga.aos b ueslocb.r-se ~flr~

a Cidade do Cabo?

3 - Quantos alunos teriam concorrido â. "~atriculation Lxaw.i.nt:1..tion" ,tlJ.ú I9J4


4 - ~e que cadeiras se compunha o exame ?

$
Fig.$14.$Questionnaire,$probably$prepared$by$Simões,$1949.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 218


Pittella Mr. Ormond
$

E%PQ!RF?$]1#$SRA?G$TD#DT`"11+2+,;$;&**&#Z$+)$:)';+/.V$
$
JOI N T MATR ICULAT IO N BOA R D .
D IE GEMEENSK A PLIKE MATRIKU L A S IE R A A D.

AU comm u nicatJona to be a ddr eucd to


11Je Secretary , J oi n t M o tric u la tion Board, O FF I CES OF TH E BOARD,
P .O . Box 39?, Pret oria. K A NTORE V A N D IE R A A D ,

" S O MERS ET H OU SE, "


AJl o bri ewe moe t &'erig word
llie Se.kr etari a, Cem ee n ska plik e M n t ri kuJ ahi erno d, V E RM E ULEN STREET ,
P osbus 392, P r eor-la . V E RME U L E NS T RA A T ,

P RETO R IA ,
Tel. Add n!H: T elephon ea :
Tel . Adr ea : Tel efone : } 2 º 32 4 8
" UN IV ERSI T Y." $
$

Bt<;G$
kf!"$B*F4$bcecG$
;&-4$
I&$_$!3J3N3$6&//",3$
$
a$9#6$!($*.l)(I+#06#$-#.#&?!$(,$F(3-$+#!!#-$(,$!"#$kn!"$&)%!*)!G$
H"#${3##)$&.!(-&*$B#'(-&*+$1-&\#$I*%$,(3)0$9F$!"#$<#I&%"$9(F%$*)0$6&-+%$
(,$ ;(3!"$ 5,-&.*$ &)$ bcnk$ *%$ *$ '#'(-&*+$ !($ !"#$ +*!#$ {3##)$ &.!(-&*]$ !"#$ ?-&\#$
.()%&%!#0$ (,$ 9((l%$ !($ !"#$ D*+3#$ (,$ *9(3!$ âj$ *)0$ I*%$ *I*-0#0$ *))3*++F$ !($ !"#$
%3..#%%,3+$ .*)0&0*!#$ *!$ !"#$ B*!-&.3+*!&()$ J O I N T M A TRIC UL ATION
DIE! GEMEENSKAPUKE
BO ARO.
MATRIKUI..ASIERAAC

NC*'&)*!&()$ I"(4$ &)$ !"#$ (?&)&()$ (,$ !"#$


#C*'&)#-4$ I-(!#$ !"#$ 9#%!$ N)6+&%"$ #%%*F4$
...-.. ....... ____
-------
OP'l'ICaa
""NTORaVANOl
01' THlli .0
......
... RO,
o

........... uLaN .T .... T,

·-
V f; RMauLaN.TOI ..... T.

*)0$ I*%$ )(!$ (D#-$ !"#$ ?-#%.-&9#0$ *6#$ ,(-$ ·-·


#C"&9&!&()$ *!$ !"#$ #C*'&)*!&()G$ a!$ I*%$
• 1

*0'&)&%!#-#0$ 9F$ !"#$ [)&D#-%&!F$ (,$ !"#$


:*?#$ (,$ >((0$ A(?#4$ !"#$ 9(0F$ I"&."$ *!$
!"*!$ !&'#$ .()03.!#0$ !"#$ B*!-&.3+*!&()$
NC*'&)*!&()G$
H"#$ ,&-%!$ *I*-0$ I*%$ '*0#$ ()$ !"#$
-#%3+!%$ (,$ !"#$ B*!-&.3+*!&()$ NC*'&)*!&()$
"#+0$ &)$ bcno4$ !"#$ *I*-0$ 9#&)6$ ?39+&%"#0$
#*-+F$ &)$ bcneG$ H"#$ ?-&\#$ I&))#-$ I*%$
/#-)*)0($ 5)!()&(k$ L(63#&-*$ 1#%%(*4$ *$
?3?&+$ (,$ !"#$ :(''#-.&*+$ ;."((+4$ 83-9*)G$
/(-$ F(3-$ &),(-'*!&()$ a$ '*F$ *00$ !"*!$ "#$
?*%%#0$!"#$#C*'&)*!&()$&)$!"#$!"&-0$.+*%%4$
(9!*&)&)6$*$!(!*+o$(,$jke$'*-l%]$"&%$'*-l%$
,(-$ !"#$ &)0&D&03*+$ %39U#.!%4$ I&!"$ !"#$
?(%%&9+#$'*-l%$%"(I)$&)$9-*.l#!%$&)$#*."$ li
\' 1

.*%#4$I#-#J$
ABC#$D[#$X,22,"$>"'&$!32"B4;632B'($b'3")$2'$P3/2B69'$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 219


Pittella Mr. Ormond
N)6+&%"$$ bdm$^onn_]$
/-#)."$ $ bke$^knn_]$
M*!&)$ $ bmk$^onn_]$
B*!"#'*!&.%$ kfk$^mnn_G$
$
A#$*+%($(9!*&)#0$eo$(3!$(,$kfn$&)$1"F%&.%4$93!$!"#%#$'*-l%$I#-#$)(!$*00#0$
!($"&%$!(!*+G$
5!$ !"&%$ #C*'&)*!&()$ !"#-#$ I#-#$ dcc$ .*)0&0*!#%]$ bc$ ?*%%#0$ &)$ .+*%%$ a4$ bmf$ &)$
.+*%%$aa$*)0$kmo$&)$.+*%%$aaa4$I"&+#$eoe$,*&+#0$*)0$bd$I#-#$*9%#)!G$
a$ -#6-#!$ !"*!$ !"#$ #%%*F$ &!%#+,$ &%$ )($ +()6#-$ &)$ #C&%!#).#]$ &!$ %"(3+0$ "*D#$ 9##)$
0#%!-(F#0$%"(-!+F$*,!#-$!"#$#C*'&)*!&()G$
a$!-3%!$!"*!$!"&%$&),(-'*!&()$I&++$9#$(,$&)!#-#%!$*)0$(,$3%#$!($F(3G$
~(3-%$,*&!",3++F4$
$
$
;N:ENH5E~
~Pí'RPTARY $
8-G$>GBG$0#$:*%!&+"($
1(-!363#%#$M#6*!&()4$
1ENH7Ea5G$
$ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 220


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$8.$[CFT,$31.14,$“doc.$10” ]$ v

$
$
THE$NATAL$DAILY$NEWS$
28$de$Fevereiro$1946$
$
$
FERNANDO$PESSAO$[sic.]$
$
Do$any$readers$of$the$older$generation$who$went$to$the$Durban$Boys’$High$School$
remember$a$clever,$though[t]ful$young$Portuguese$named$Fernando$Pessao$[sic.]?$
$ Although$he$has$now$become$famous$in$his$homeland$and$is$regarded$by$
many$ critics$ as$ Portugal’s$ greatest$ modern$ poet,$ very$ little$ is$ known$ about$ his$
early$life.$
He$died$some$years$ago.$
Born$in$Portugal,$he$is$thought$to$have$grown$up$in$South$Africa,$to$have$
attended$the$Durban$Boys’$High$School,$and$the$South$African$College$School$at$
Cape$Town.$
Nh.Tlt.L DldLY ~e·.~s
De$ luxe$ editions$ of$ Pessao’s$ [sic.]$
THE

28 de Fevereiro 1946

works$ are$ being$ sold$ now$ in$ Portugal$ at$


high$prices,$and$so,$of$course,$are$his$first$
editions$and$manuscripts.$ Do any readers of U.e older generation who went to
the Durb&n Boys' High School remember a clever, thou~hl"ul
If$ you$ remember$ him,1$ or$ have$ young Portuguesa n&med Fernando Pessao?
heard$ of$ him,$ write$ to$ M.$ Armand$ Although he h&s now bec" e famous 1n his horieland and
is regarded by many cri tics as Por~uga· 's greatest modern
Guibert,$P.O.$Box$6842,$Johannesburg.$ poet, very 11 t tle is kno;o;n a bout his early life.

M.$ Guibert,$ whose$ job$ in$ the$ He died some years ago.
Born in Portugal, he is thought to have grown up in
Union$is$to$foster$good$relations$between$ South Africa, to have attended the Durban Boys' High School,
France$ and$ the$ people$ of$ the$ Union,$ is$ and the Souti:. African College School at Cape Town.
De luxe edi tlons of Pessao• s works are being sold now
collecting$ material$ for$ a$ biography$ of$ in Portugal at hieh prices, and so, of course, are his
Pessao$[sic.].$ fJrat editions and manuscripts.
If y::>u remember hirp, or have heard of him, write to
$ M. lt.rmand Guibert, P.O. Box 6R42, Johónnesburg.

$ Guibert,J.;.1;hose Jo!J i.'l he Urion 1s toJ foster


rel t ons between r·rt.!1Ce and the people of the t!nh>n, is
good

$
$ collec•ing mate ial for a blog-aphy of Pessao.
$
Fig.$16.$Copy$of$notice$on$The$Natal$Daily$News,$1946.$

v$Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$10”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 221


Pittella Mr. Ormond
$

DOCUMENT$9.$[BNP/E3,$114383]$
$
$
November$27th$1903.1$$
$
My$dear$Ormond,$
$$
Having2$ fortunately$ attained$ the$ conclusion$ of$ your$ petulant$ composition,$
the$main$intention$of$which$is$to$disprove$that$which$has$been$proved$disproved,$I$
have$thence$drawn3$the$felicitous$inference4$that$the$sooner$a$termination5$is$put$to$
this$asinine$discussion,$the$better$it$will$be$for$the$stability$of$our$intellects6.$Most$
controversies$ are$ agreeable$ and$ even$ refreshing$ to$ the$ concerned$ minds,$ the$
exertion$of$striving$for7$the$superiority$calling$forth$all$the$unexercised$powers8$of$
the$brain,$but$when$they$fall$into$inanity$or$rise$to$the$most$crass$obscurity9,$they$
are$more$apt$to$nebulate$the$mind10$and$procure$ridicule$on$the$reasoning$powers$
of$the$various$antagonists.$In$our$inapposite$strife$after$a$supreme$style,$to$which$
the$subjectQmatter$has$been11$entirely12$sacrificed13,$we$have$at$last$reached$a$point$
when$ all$ sight$ is14$ lost$ of$ our$ original$
object15,$as$well$as$of$the$motives$which$
prompted$ us$ to$ enter$ the$ lists$ of$
argument$in$this$idiotic$garb16.$In$other$
words,$ our$ conflicting17$ reasons$ and$
beliefs,$ formulated18$ in$ the$ most$
abstruse$ and$ unpleasant$ language,$
glare$but$do$not$burn,$astonish$but$do$
not$ convince.$ Henceforth,$ my$ dear$
Ormond,$ be$ it$ our$ laudable$ aim$ to$
exercise$ our$ brains$ in$ the$ manner$ you$
have$ suggested,$ rather$ than$ cloy$ them$
by$ the$ passing$ of$ unauthorized$
remarks$ and$ ironies19$ upon$ each$
other’s20$interests$and$abilities.$
$

$
$
$
Fig.$17.$Draft$of$letter$from$Pessoa$to$Ormond,$recto,$1903$
$
$
$
$
$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 222


Pittella Mr. Ormond
$
/*++&)6$&)$I&!"$F(3-$D*+3*9+#$%366#%!&()4$a$F#%!#-0*Fkb$9#!((l$'F%#+,$!($!"#$
D#-*)0*"$ (,$ !"#$ M()0()$ :"*'9#-%4$ *)0$ !"#).#kk$ %?-&)l+#0$ 'F$ 6*\#$ ()$ !"#$
%3--(3)0&)6$9#*3!&#%G$Y#&)6$(,$*$0#.&0#0$*#%!"#!&.$!#'?#-*'#)!4$a$I*%$-*!"#-$"3-!$
9F$ !"#$ 3)9#.('&)6$ %F''#!-F$ (,$ !"#$ .&-.3'*'9&#)!$ %!-3.!3-#%$ s$ *$ %F''#!-F$ %($
.()!-*-F$ !($ !"#$ (-0&)*-F$ -3+#%$ (,$ L*!3-#$ !"*!$ a$ ,#+!ko$ 'F%#+,$ .('?#++#0$ !($ !3-)$
#+%#I"#-#$,(-$*$%*!&%,*.!(-F$(9U#.!$()$I"&."$!($%#!!+#$'F$I*)0#-&)6ke$6+*).#G$H"#-#$
I*%$ )()#G$ H"#$ ()+F$ (9U#.!%$ '*0#$ 9F$ )*!3-#$ !"*!$ 'F$ #F#$ .(3+0$ #).(3)!#-$ I#-#$ *$
9+*.l$ %lF4$ k$ 9+*.l#-$ l*,,&-%$ *)0$ *$ 0-(?$ (,$ -*&)$ !"*!$ 9+&)0#0$ '#$ ,(-$ *$ 6((0$ ,&D#$
'&)3!#%G$5,!#-$a$"*0$-#6*&)#0$'F$)(-'*+$%&6"!4$I"&."$a$0&0$)(!$%3..##0$&)$0(&)6$
I&!"(3!$.()%&0#-*9+#$!-(39+#4$%&).#$'F$,&-%!$*??*-#)!$!-#*!'#)!$,(-$*$%(-#$#F#$I*%$
!($93'?$'F$"#*0$()$()#$(,$!"#$&-()$0+;;,#/$!"*!$%3??(-!$!"#$D#-*)0*"$^8#D&+kf$!*l#$
!"#$*-."&!#.!$I"($?3!$&!$!"#-#_4$a$9-(36"!$'F$'&)0$%+(I+F$9*.l$!($!"#$,*.!$!"*!$a$I*%$
!"#-#$ ,(-km$ %('#$ ?3-?(%#$ *)0$ )($ +#%%$
!($!"#$'(-#$0&%!-#%%&)6$-#*+&%*!&()$!"*!$
a$ I*%$ 0-#)."#0$ !($ !"#$ %l&)G$ a$ 9#6kj4$
!"#-#,(-#4$ !"*!$ F(3$ I(3+0$ *6*&)$ )(!kd$
-#X3&-#$ (,$ '#$ %3."$ *$ 0&,,&.3+!$
3)0#-!*l&)64$ ,(-4$ 9#+&#D#$ '#4$ *$ %(-#$
#F#4$*$%I#++#0$"#*0$*)0$*$0*-)#0$.(+0$
*-#$ )(!$ !"#$ #C*.!$ -#I*-0%$ a$ #C?#.!#0$
,-('$ L*!3-#$ ,(-$ 'F$ l&)0#%!$
*!!#)!&()%G$ a)$ F(3-$ #)%3&)6$ #?&%!+#4$ a$
I(3+0$ %(+&.&!$ F(3-$ (?&)&()%$ ()$ !"#$
*9(D#$ %39U#.!4$ &)$ !"#$ .*--F&)6$ (3!$ (,$
I"&."$ a$ "*D#$ 3),(-!3)*!#+F$
#C?#-&#).#0$ !"#$ '(%!$ 3)6-*!&,F&)6$
."#.l%G$$
a$-#'*&)4$'F$0#*-$7-'()04$
~(3-%$!-3+F$^93!$D#-F$%(-#_$
$
ABC#$D^#$E"3>2$'>$6,22,"$>"'&$5,//'3$2'$%"&'()G$&"!'%G$DY_T#$
,,,....
0 ,ra,. •. - $
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 223


Pittella Mr. Ormond
$

VI.$Appendices$
$
APPENDIX$1.$[CFT,$31.14,$“doc.$4”w]$$
$

PROCURAÇirO POR D, iliARIA,1,AGDALEN


OUTORGADA A
li
NOGUEIRAROZAE!,1~O DE ABRIL DE 1896.,_SEGUNDOO LIVRO_
il
DE NOTASE OUTROSACTOS_
DO CONSULADO
DE_PORTUGAL
EivIDURBAN
A PAGS.,_J:.z~

ll
co~pareceu Dona Maria agdalena Nogueira Roza, de trinta e
quatro annos de idade, casada commigo, Joà"o Miguel Roza, re-
sidente em Durban, Ridge Road, casa denominada "Tersilian",
a qual é minha conhecida e dou fé de ser a própria, E, na pre-
sença da testemunhas adeante nomeadas e assignadas, e com meu
pleno assentimento como seu marido, disse constituir seu bas-
tante procurador o Senhor Joio Nogueira de Freitas, residente
na cidade d•Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Archipelago dos
Açores, ao qual confere os poderes neccessarios para que possa,
em nome d 1 ella outhorgante, receber rendas, ou effectuar ven-
das, dos fóros de que ella outhorgénte é senhora na referida
Ilha Terceira, fazendo o mesmo procurador tudo quanto neces-
sario seja para o fim especial da presente procuraclo; e mais
declarou que, pela presente procuraçlo, fica nulla e de nenhum
effeito uma que, para o mesmo fim especial, a outhorgante pas-
sara a seu thio o Senhor Joaquim José de Sousa Freitas, tambem
residente em Angra do Heroísmo, eru epocha de que nlo conserva
memoria, e tudo prometteu haver por firme e válido sob ares-
ponsabilidade da sua pessoea. Assim o disse e outhorgou na pre-
sença das testemunhas, que conheço como os próprios os Senhores
Victor Leite de Sepulved a-, de maior idade, casado, segundo te-
nente da Armada Real Portuguesa, Commandante do Vapor "Neves
Ferreira" surto no porto de Durban, e Manuel Maria Ferrlo Cas-
tello Branco, de maior idade, solteiro, guarda-marinha, imediato
do referido Vapor, que assi~nam com a outhor~ante, depois de a
todos ser lido em voz alta este instrumento por mim, Joio I iguel
,)
Roza, Consul, que o escrevi e assigno,

w $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$4”$in$the$texts$we$edited$here$as$Docs.$3$and$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 224


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDIX$2.$[CFT,$31.14,$“doc.$7” ]$ x

EQJLD. hARll_
PRüCURçr.-o uUTURGA.DA
_jffi.Q
DALENA ROSAE,1! 6 DE JULHODE 1899 - LIVhll DE NOTAS
NUGUEIRA
DO CONSULA.DU
DE PURTUGAL
EM DURBAN
A PAGS, ?48.
compareceu D, Maria Magdalena Nogueira Roza, casada commigo,
Joio iP,uel Roza, a qual dou fé de ser apropria. E, na
presença das testemunhas Rniante nomeadas e as ignadas, e
com meu pleno assentimento como seu marido, disse que cons-
titue seu bastante procurador com poderes para substabelecer
o Sr, Jo~o Nogueira 1e Freitas, residente em Angra do Herois-
wo, ilha Terceira, Açores, e lhe concede os poderes necessa-
rios para, em nome da outorgante, proceder a todos os actos,
assinar todos os documentos que precisos se·am para que ela
outorpante entre na posse da parte dos uens que pertenciam
a sua li.ire, D. ae-dalena Xavier Pinheiro Nogueira, parte 11ue
por fallecimento d'este senhora coube à outorgartte; para,
depois, receber quaisquer rendimentos que para a outorgante
possam provir dos mesmos bens, e, oem assim, para receber
as rendas dos foros de que a 01torgante é senhora na Ilha
Terceira, podendo o mesmo procurador preceder à venda de
qualquer ou de todos os ditos foros quando isso lhe pareça
a bem dos interesses da outor~ante; e tudo o que o referido
procurador assim fizer, ella promete levar por firme e valido
Assim o disse e outorgou, de que dou f,, na presença das
testemunhas que conheço como os próprios, Joaquim A.ntonio
Neves da Silva, Capitlo tenente de Armada Real Portuguesa,
apora de passagem em Durban, e Franc'sco Infante de la Cerda,
proprietar10, tambem agora de passagem em Durban, que assi-
gnam com a outor ante depois de a todos ser lido, em voz alta
este testamento por mim, Joio kiguel Roza, cocsul, que o
escrevi e assino,

x $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$7”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 225


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDIX$3.$[CFT,$31.14,$“doc.$8” ]$ y

PROCURAÇirü
UUTúRGADA
PO": D, MARiá Ml.GDA.LENA
NOGUEIRARüfiA_IiUUALIDADL!lE TUTORADE SEU FILHO
FiHNANDOPESSOA, LIVRO DE NOTASDO CONSULADO
DE POR-
TUGALEM DURBANA PAGS, 2~

Saibam quantos este instrumento de procuraç~o especial virem,


que, no ano de Nascimento de ~osso Senhor Jesus Christo de mil
oitocentos e noventa e nove, aos seis dias domes de Julho, nes-
ta Chancelaria do Consulado da Naç~o Portuguesa na Colonia do
Natal, e cidade de Durban, perante mim, Jo~o Miguel Roza, Consul
de Portugal, compareceu D. Maria l'agdalena Nogueira Roza, casada
a qual é minha conhecida e dou fé de ser a própria. E, na pre-
sença das testemunhas adiante nomeaaas e assje,nadas, disse que
constitua seu bastante procurédor o senhor Antonio Maria Silvano,
General de Brigaaa reformado, residente em Lisboa, rua de S.Paulo
numero cento e cincoenta e oito, e lhe concede os poderes neces-
sários para o fim especial de em Lisboa, represen~ar a outorgante
em todos os actos em que, como tutora de seu filho menor do pri-
meiro matrimónio, Fernando António Nogueira Pessoa, ella tenha
de intervir, pode~do portanto, o mesmo procurador receber as pen-
s~es de differentes montepios, j~ vencidos ou a vencer, a que o
dito menor tem direito, e empregar as quantias assim recebidas
de forma que lhe pareça mais conveniente para os interesses do
mesmo menor; e tudo o que o referido procurador assim fizer, ella
outorgante, como tutora do mesmo seu filho, prometeu haver por
firme e válido. Assim o disse e outorgou, de que dou fé, na pre-
0ença das testemunhas que conheço como os próprios, Joaquim An-
tónio Nunes da Silva, Capit~o tenente da Armada Real Porturuesa,
a?ora de passagem em Durban, e Francisco Infante de la Cerda,
proprietario tamoem agora de pa~sagem em DurbaR, que assignam
com a outorgante depois de a todos ser lido, em voz alta, este
instrumento por mim, Jo~o Miguel Rosa, Consul, que o escrevi e
a<::sinei.

y $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$8”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 226


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDIX$4.$[CFT,$31.14,$“doc.$9” ]$ z

REGISTO DE NASCIMENTO
DE MARIACLARA
NOGUEIRAROSA, IRMA UTERINADE FERNANDO
PESSOA

Segundo consta do livro de "Registo de Nascimentos" do


Consulado de Portugal em Durban, fls. 1, registo nQ.l,
lavrado em 15' de Setembro de 1904,"nasceu em Durban às
13 horas e 15' minutos de 16 de Agosto de 1904 Maria
Clara Nogueira Rosa, filha leg!tima de Jo~o Miguel Rosa,
casado, capit~o de fragata da Armada Real Portuguesa,
exercendo em comiss~o o cargo de Consul de Portugal no
Natal, natural de Lisboa, e de Maria Magdalena Noguelrb
Rosa, casada, natural de Angra do Reroismo, Ilha Tercei-
ra, neta paterna de Jo~o dos Santos Rosa, casado, nego-
ciante, natural de Lisboa, já falecido, e de Henriqueta
Marfarida Rosa, viuva domiciliada em Lisboa, neta mater-
na de Luiz Antonio Nogueira, casado, director geral do
~inistério do Reino, natural de Angra do Reroismo, já

falecido em Lisooa e de Magdalena Xavier Pinheiro No-


gueira, natural da Ilha de s. Jorge, viuva ao tempo que
faleceu na cidade de Angra do Reroismo. Foram testemu-
nhas os subditos pa,rtugueses Boaventura Mendes de Almei-
da, primeiro tenente da Armada Real Portuguesa, coman-
dante da canhoneira "Chaimite" agora surta no porto de
Durban, solteiro, e Luis de Castello Branco de Almeida
T.1;'.j.goso, segundo tenente da dita Armada Real, oficial
imediato da mesma canhoneira, solteiro •.•••• tendo a
declarante (a mte da registanda) acrescentado que a ha-
turalidade de Henriqueta Margarida Rosa, avô paterna da
recem-nascida é Lisboa".

z$Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$9”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 227


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDIX$5.$[CFT,$31.14,$“doc.$11” ]$ aa

$
o

s--+---rl

" 1/ Lf

'1
$-
4
t1 f
4
'(
'j}
"si

J- z i- .i-
2 z 1. 3 3
~)'--ri'· /111 .,.,.,_hn - - -

1- :,,t-1-/i,,,J~ 4
~f'.l.t<17,''n,o ;e,-n/4.ja.
4-N,.µ ~1r 171! J-

w ''7'-CJ
µ ,;t,n,/4fc,r,t,~6
, ... 1/4hli,, µ;.,u .,
"1,1z ..
Jf- _,Ie,í:i-d ~r ;U,-d, ---f~
~:,.,,,,, ,vw,Â- ~,li;, /4 4, t-,l,;:./4.;
r,-- _µJ k,hi;,/vnU;,._ ,{;t,, o/ú,,Ul.,/ 1 nv

~k'.tv tuf Á n,t;á r~;,,


/...,_-
...h - ,M-<-w..l,<4,tH
-t.Í:-c~
{ ,J ,.ti 'Vl--ç(t,
~,la í~f ;/a,J.
"r'~.,,,,__~k:, 1 m-r.;;f<
&,,,..~
$
$

aa $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$11”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 228


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDICES$6$&$7.$$
$
In$ Docs.$ 3$ and$ 4,$ Matias$ describes$ a$ photograph$ of$ a$ church$ that$ had$ been$
demolished,$ and,$ in$ his$ own$ numbering,$ refers$ to$ it$ as$ the$ enclosed$ “doc.$ 5.”$
Though$ that$ photograph$ was$ not$ sold$ to$ the$ collector$ Távora$ as$ part$ of$ lot$ 31,$ it$
was$ published$ by$ Simões,$ with$ the$ caption:$ “Igreja$ do$ Convento$ de$ Durban$ (St.$
Joseph’s$School),$onde$Fernando$Pessoa$estudou$as$primeiras$letras$(Fotografia$da$
‘Old$Durban’$Collection,$do$Museu$de$Durban)”$(1950:$bet.$96Q97).$
$

$
$
The$ Hubert$ Jennings$ Papers$ (at$ Brown$ University$ John$ Hay$ Library)$ contain$ a$
different$ picture$ of$ the$ same$ location,$ with$ the$ caption$ “ROMAN$ CATHOLIC$
CATHEDRAL$AND$CONVENT,$GREY$STREET$|$From$photo$belonging$to$Museum.”$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 229


Pittella Mr. Ormond
$

APPENDICES$8$&$9.$
$
In$ Docs.$ 3$ and$ 4,$ Matias$ describes$ a$ photograph$ of$ Durban$ in$ 1895.$ He$ does$ not$
number$it$explicitly,$but$it$should$constitute$the$“doc.$3”$in$Matias’s$inventorying.$
Though$ the$ photograph$ was$ not$ sold$ to$ the$ collector$ Fernando$ Távora$ as$ part$ of$
lot$31,$it$was$published$by$Simões,$with$the$caption:$“Durban$em$1895$(Fotografia$
da$‘Old$Durban’$Collection,$do$Museu$de$Durban)”$(1950:$bet.$72Q73).$
$

$
$
The$ Hubert$ Jennings$ Papers$ (at$ Brown$ University$ John$ Hay$ Library)$ contain$ a$
different$ picture$ of$ Durban$ in$ 1895,$ with$ the$ following$ handwritten$ notes$ on$ the$
verso:$ “Local$ History$ Museum$ copyright$ |$ only$ the$ small$ church$ has$ survived$ to$
this$day$|$Durban$1895$|$Note$horseQtrams.”$
$
( -

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 230


Pittella Mr. Ormond
$

VII.$Critical$Apparatus$
$
Doc.$1.$[CFT,$31.16]$
DESCRIPTION:$ one$ piece$ of$ paper$ with$ the$ letterhead$ of$ the$ “Consulado$ de$ Portugal$ em$ Durban”$
handwritten$ in$ blue$ ink$ and$ signed$ by$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias.$ Above$ the$ Consulate’s$
emblem,$one$reads$the$crossedQout$initials$“S.$R.”$
DATE:$<*2>/4\Q11Q1949$[4$November$1949]$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ <acrescentar>$apor$
2$ unico$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ we$ added$ it,$ as$ “condiscípulo”$ (another$ proparoxytone$ in$ the$
same$letter)$is$marked$by$the$writer.$
$
Doc.$2.$[CFT,$31.15]$
DESCRIPTION:$ two$ pieces$ of$ paper$ with$ the$ letterhead$ of$ the$ “Legação$ de$ Portugal$ |$ Pretoria,”$
handwritten$in$black$ink$and$signed$by$Guilherme$de$Castilho.$
DATE:$19.8.49$[19$August$1949]$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ q[ue]$we$expanded$the$abbreviation$in$all$its$occurrences.$$
2$ ultima]$without$accent$in$the$doc.;$we$added$it,$as$other$proparoxytones$are$marked$by$the$writer.$
3$ papeis$]$always$without$accent$in$the$doc.$
4$ optimos$]$same$as$in$note$2.$
5$ M[ari]a$*Joana$]$there’s$a$fold$in$the$digitized$image,$but$the$illegible$word$may$be$the$middle$name$
of$Gaspar$Simões’s$daughter.$
6$ This$conjectured$word$is$also$made$illegible$by$the$fold$in$the$document;$however,$we$know,$from$his$
correspondence$with$Jorge$de$Sena,$that$Castilho$used$to$sign$off$his$letters$with$“seu$muito$amigo”$
(SENA$&$CASTILHO,$1981:$20,$21,$48,$etc.)$
$
Doc.$3.$[CFT,$31.14]$
DESCRIPTION:$ one$ long$ piece$ of$ paper$ and$ one$ shorter$ one$ typed$ in$ black$ ink,$ with$ the$ title$
underline$(on$p.$1)$in$red$ink;$p.$2$contains$the$signature$of$Albertino$dos$Santos$Matias$in$blue$ink.$
These$ two$ pages$ are$ clipped$ together$ with$ the$ next$ document,$ which$ may$ be$ considered$ its$
addendum.$
DATE:$between$24$June$and$4$November$1949,$respectively$the$dates$of$Mr.$Ormond’s$letter$(Doc.$5)$
and$a$handwritten$letter$by$Santos$Matias$likely$sent$after$this$initial$report$(Doc.$1).$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ The$doubt$is$meaningful;$Jennings,$for$example,$would$refer$to$Haggar$as$a$selfWproclaimed$“doctor.”$
2$ V[ide]$we$expanded$every$occurrence$of$the$abbreviation$“v.”$and$rendered$it$in$italics.$
3$ condiscipulo$]$without$accent$in$the$doc.;$we$added$it,$as$most$proparoxytone$words$are$marked$by$
the$writer$(furthermore,$the$same$word$appears$with$an$accent$in$the$previous$document).$
4$ Historia$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ as$ the$ writer$ marks$ “cópia”$ in$ the$ same$ document$ (an$
analogous$accentuation$case),$we$added$a$diacritic$sign$in$every$occurrence$of$the$word.$
5$ Same$as$in$note$3.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 231


Pittella Mr. Ormond
6$ provincia$]$without$accent$in$the$doc.;$see$note$4.$
7$ edificio$]$without$accent$in$the$doc.;$see$note$4.$
8$ erigida$]$instead$of$“erigido,”$as$a$typo.$
9$ Same$as$in$note$3;$moreover,$the$writer$had$already$marked$“época”$in$item$#3.$
10$ reconstruida$[…]$construida$]$we$added$accents$in$both$cases,$marking$the$hiatus.$
$
Doc.$4.$[CFT,$31.14,$addendum]$
DESCRIPTION:$ three$ long$ pieces$ of$ paper$ and$ one$ shorter$ one$ stapled$ together$ and$ typed$ in$ black$
ink,$ with$ the$ title$ underline$ (on$ p.$ 1),$ the$ item$ numbers$ and$ the$ upperQmargin$ page$ numbers$ (as$
from$p.$2)$in$red$ink;$p.$4$contains$the$signature$of$Albertino$dos$Santos$Matias$in$blue$ink.$These$
four$pages$were$clipped$to$the$previous$document,$and$may$be$considered$its$addendum.$
DATE:$same$date$as$previous$document.$
PUBLICATIONS:$ unpublished,$ but$ with$ excerpts$ quoted$ by$ SIMÕES$ (1950a:$ 66Q67);$ republished$ by$
JENNINGS$in$the$original$Portuguese$(1984:$54)$and$in$English$translation$(1986:$17).$
NOTES:$
1$ Editorial$indent.$
2$ intimo$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ we$ added$ it,$ as$ most$ proparoxytone$ words$ are$ marked$ by$ the$
writer.$
3$ possivel$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ as$ the$ writer$ marks$ “amável”$ in$ the$ same$ paragraph$ (an$
analogous$accentuation$case),$we$added$a$diacritic$sign$in$every$occurrence$of$the$word.$
4$ operá<Q>/r\ios$
5$ See$ “Dois$ Contos$ de$ O.$ Henry$ (‘A$ Theoria$ e$ o$ Cão’$ e$ ‘Os$ Caminhos$ que$ Tomamos’)”$ and$ “A$
Decisão$ de$ Georgia”,$ the$ translations$ of$ O.$ Henry’s$ short$ stories$ made$ by$ Fernando$ Pessoa$ and$
published$in$Athena—Revista$de$Arte,$vol.$I,$Oct.$1924$to$Feb.$1925,$Lisbon,$pp.$89W102$and$pp.$
173W184,$respectively$(the$volume$is$extant$in$Pessoa’s$private$library,$call$number$CFP,$0W28MN).$
6$ The$grave$accent$appears$in$all$occurrences$of$“àcerca”$in$the$doc.,$and$we$maintained$it.$
7$ Editorial$indent.$
8$ <r>/R\idge$
9$ <é>/E\$ ]$ though$the$accent$does$not$appear$in$the$uppercase$letter,$it$existed$in$the$lowercase$still$
visible$in$the$overstrike.$
10$ fosse$ ]$ without$ circumflex$ here,$ but$ with$ the$ accent$ later$ in$ the$ same$ sentence;$ we$ added$ it$ for$
consistency.$
11$ edificio$]$without$accent$in$the$doc.;$as$the$writer$marks$“notícia”$in$the$same$page$(an$analogous$
accentuation$case),$we$added$a$diacritic$sign$in$every$occurrence$of$the$word.$
12$ Editorial$indent.$
13$ <u>/o\$
$
Doc.$5.$[CFT,$31.14,$doc.$1]$
DESCRIPTION:$one$piece$of$legal$paper,$typed$in$black$ink,$with$three$interventions$in$typed$red$ink$
and$one$in$handwritten$red$pencil.$One$of$the$typed$red$ink$interventions$is$the$word$“COPIA”$on$
the$ upper$ margin$ of$ the$ page,$ indicating$ that$ this$ is$ a$ copy$ of$ a$ letter$ whose$ original$ was$ not$
located$ to$ date$ (Albertino$ dos$ Santos$ Matias,$ the$ Portuguese$ consul$ in$ Durban$ in$ 1949,$ likely$
received$ the$ original$ letter$ from$ Mr.$ Ormond$ and$ created$ or$ requested$ the$ creation$ of$ this$ typed$
copy$ which$ was$ sent$ to$ João$ Gaspar$ Simões).$ The$ handwritten$ note$ red$ pencil,$ “Doc.$ nº$ 1,”$ was$
probably$ made$ by$ Santos$ Matias,$ with$ the$ numbering$ corresponding$ to$ the$ document$ titled$
“ALGUMAS$NOTAS$REFERENTES$À$«RESPOSTA$AO$QUESTIONARIO»”$(see$Doc.$4).$
DATE:$24th.$June,$1949.$$$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 232


Pittella Mr. Ormond
PUBLICATIONS:$unpublished,$but$with$excerpts$quoted,$in$Portuguese$translation,$by$SIMÕES$(1950a:$
67);$republished$by$JENNINGS$in$Portuguese$(1984:$54Q55)$and,$curiously,$in$English$translation$of$the$
Portuguese$translation$(1986:$17),$for$Jennings$did$not$have$access$to$the$original$English$letter,$but$
only$ to$ the$ quotes$ already$ translated$ into$ Portuguese$ by$ Gaspar$ Simões$ (therefore,$ the$ English$
translation$and$the$English$original$differ$significantly$in$some$passages).$
$
Doc.$6.$[CFT,$31.14,$doc.$6]$
DESCRIPTION:$ two$ newspaper$ clippings$ from$ The$ Natal$
Mercury,$comprising$the$date$of$the$publication$and$the$notice$
submitted$ by$ the$ Portuguese$ consul$ with$ a$ call$ for$
information$on$Pessoa;$the$pieces$of$paper$were$glued$onto$a$
thicker$paper$for$support.$
DATE:$15$June$1949.$$
PUBLICATIONS:$The$Natal$Mercury,$June$15,$1949.$
$
Doc.$7.$[CFT,$31.13]$
DESCRIPTION:$a$smaller$piece$of$paper$(with$a$Portuguese$questionnaire$typed$in$black$ink)$and$a$
longer$ piece$ of$ paper$ constituting$ an$ official$ letter$ from$ the$ Joint$ Matriculation$ Board,$ typed$ and$
signed$in$black$ink$by$the$Board’s$secretary.$
DATE:$25th$May,$1949$[the$date$is$in$the$letter,$while$the$questionnaire$must$precede$it$in$time].$$
PUBLICATIONS:$SIMÕES,$1950:$65Q66$(partially$quoted,$in$Portuguese$translation).$
NOTES:$
1$ High$Sc<k>/h\ool$
2$ Anton[io]$
3$ obtaining$a$<group>$[→ total]$
$
Doc.$8.$[CFT,$31.14,$doc.$10]$
DESCRIPTION:$ a$ copy$ of$ a$ published$ notice$ submitted$ by$ the$ French$ consul$ with$ a$ call$ for$
information$on$Pessoa.$We$do$not$know$if$the$critical$typo$(“Pessao”$instead$of$“Pessoa”)$appeared$
in$the$publication$or$only$in$the$typed$copy.$
DATE:$28$de$Fevereiro$1946$[28$February$1946].$$
PUBLICATIONS:$The$Natal$Daily$News,$28$February$1946.$
NOTES:$
1$ hi<,>/m\,$
$
Doc.$9.$[BNP/E3,$114383]$
DESCRIPTION:$one$loose$smooth$piece$of$paper$manuscript$on$both$sides:$on$the$recto,$in$black$ink$
and$gray$pencil,$with$emendations$made$with$both$utensils;$on$the$verso,$in$gray$pencil.$The$paper$
displays$ two$ horizontal$ creases,$ consistent$ with$ the$ folding$ of$ a$ letter$ the$ poet$ intended$ to$ place$
inside$an$envelope.$
DATE:$November$27th$1903.$$
PUBLICATIONS:$VIZCAÍNO,$unpublished:$no$final$page$numberbb;$PESSOA,$2007:$31Q33,$1999:$35Q36.$
NOTES:$

$Vizcaíno’s$ transcription$ of$ Pessoa’s$ letter$ to$ Ormond$ is$ part$ of$ her$ unpublished$ doctoral$ thesis$
bb

and$was$kindly$shared$with$me$for$the$purposes$of$this$article,$for$which$I$am$grateful.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 233


Pittella Mr. Ormond
1$ There$has$been$disagreement$over$the$letter’s$given$date:$whether$it$is$“1903,”$as$Zenith$transcribed$
it$ (PESSOA,$ 2007:$ 31)$ or$ “1909,”$ as$ Parreira$ da$ Silva$ first$ edited$ it$ (PESSOA,$ 1999:$ 35).$ Here$ we$
understand$ it$ to$ be$ “1903,”$ both$ because$ of$ the$ notable$ differences$ between$ the$ last$ digit$ and$ the$
previous$ “9,”$ and$ because$ the$ letter$ would$ thus$ date$ from$ the$ end$ of$ Pessoa’s$ term$ at$ the$
Commercial$ School$ (Durban),$ where$ the$ poet$ studied$ from$ October$ 1902$ to$ the$ end$ of$ 1903$ and$
where$he$met$Mr.$Ormond.$
2$ <I$have>$[→$Having]$
3$ I$<have$come$to>$[↑$have$thence$drawn]$
4$ {<conclusion>$[↑$inference]}$braces$made$by$Pessoa,$suggesting$hesitation$before$“conclusion”$was$
crossed$out.$
5$ a<n$end>$[↑$ter<n>/m\ination]$
6$ <minds>$[→$intellects]$<(minds)>$
7$$ <attain>$[→$striving$for]$
8$ the$[↑$unexercised]$powers$
9$$ <incomprehensibility>$[↑$the$most$crass$obscurity]$
10$$ <brains$of>$[↑$mind]$$
11$$ {<rises>}$[↑$has$been]$braces$made$by$Pessoa.$
12$$ ent<r>/i\rely$
13$$ <secondary>$[↑$sacrificed]$
14$$ <of>$/is\$$
15$$ original$<motives>$[→$object]$
16$$ idiotic$<manner.>$[→$garb]$
17$$ adverse$(conflicting)$]$note$Pessoa$did$not$cross$out$the$first$variant.$
18$$ formulated$]$henceforth$the$manuscript$continues$solely$in$pencil.$
19$$ sarcasms$(ironies)$]$note$Pessoa$did$not$cross$out$the$first$variant.$
20$ each$others’$]$a$common$grammatical$mistake,$which$we$corrected$for$“each$other’s.”$
21$$ I$[↑$yesterday]$betook$
22$$ <therein>$[→$thence]$
23$$ fe<t>/l\t$$
24$$ <questioning>$[↑$wandering]$
25$ D[evi]l$]$Pessoa$abbreviates$it$as$“D—l.”$
26$$ fo<*re>/r\$
27$$ <Don’t$ask$me$again>$[→$I$beg]$
28$$ would$[↑$again]$not$$

$
VIII.$Credits$of$Profile$Photographs$
$
EYSSEN,$ J.$ C.$ B.$ [dir.]$ (1968).$ “O$ conferencista$ Hubert$ Dudley$ Jennings.”$ Notícias$ da$ África$ do$ Sul:$
Revista$de$Cultura,$Turismo$e$Economia,$year$18,$n.o$260,$Jul.,$p.$11$[CFT,$no$call$number].$
HULTON,$Edward$[publ.]$(ca.$1946).$“Roy$Campbell.”$HultonWDeutsch$Collection.$CORBIS.$
MILLERET,$Margo;$Eakin,$MARSHALL$C.$[eds.]$(1993).$“Cover$photograph”$[uncredited].$Homenagem$
a$Alexandrino$Severino:$Essays$on$the$Portuguese$Speaking$World.$Austin:$Host$Publications.$
SANTOS,$Delfim$(1963).$“Portrait$of$João$Gaspar$Simões$taken$in$Sintra.”$Estate$of$Delfim$Santos.$
Unknown$(undated).$“Matias.”$Zerozero.pt,$zerozero.pt/player.php?id=392835$(retr.$26$Nov.$2017).$
____$ (1904).$ “Fernando$ Pessoa$ and$ family$ at$ house$ in$ Durban,$ South$ Africa.”$ Hubert$ Jennings$
papers.$Brown$Digital$Repository.$Brown$University$Library$[BDR,$405196].$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 234


Pittella Mr. Ormond
$

IX.$Bibliographic$References$
$
CAMPBELL,$Roy$(1957).$Portugal.$London:$Max$Reinhardt.$
HELGESSON,$ Stefan$ (2015).$ “Uys$ Krige$ and$ the$ South$ African$ afterlife$ of$ Fernando$ Pessoa.”$ Pessoa$
Plural—a$Journal$of$Fernando$Pessoa$Studies,$n.o$8$(Special$Jennings$Issue),$Brown$University,$
Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall,$pp.$265Q281.$$
Hubert$ Jennings$ Papers.$ Ms.2016.002.$ Brown$ Digital$ Repository,$ Brown$ University$ Library,$
https://repository.library.brown.edu/studio/collections/id_722/.$$
JENNINGS,$Hubert$Dudley$(1986).$Fernando$Pessoa$in$Durban.$Durban:$Durban$Corporation.$
____$ (1984).$ Os$ Dois$ Exílios.$ Oporto:$ Centro$ de$ Estudos$ Pessoanos,$ Fundação$ Engenheiro$
António$de$Almeida.$
____$ (1979).$“In$Search$of$Fernando$Pessoa.”$Contrast,$South$African$Quarterly,$n.o$47.$Cape$Town:$
S.$A.$Literary$Journal$Ltd.,$Jun.,$vol.$12,$No.$3,$pp.$16Q25.$$
MONTEIRO,$ George$ (1998).$ The$ Presence$ of$ Pessoa:$ English,$ American,$ and$ Southern$ African$ Literary$
Responses$ (Studies$ in$ Romance$ Languages,$ n.o$ 43).$ Lexington:$ The$ University$ Press$ of$
Kentucky.$
____$ (1994).$“Fernando$Pessoa:$an$Unfinished$Manuscript$by$Roy$Campbell.”$Portuguese$Studies,$
vol.$10,$Modern$Humanities$Research$Association,$pp.$122Q154.$
PESSOA,$ Fernando$ (2007).$ Cartas.$ Edited$ by$ Richard$ Zenith.$ Lisbon:$ Assírio$ &$ Alvim$ (Collection$
“Obra$Essencial$de$Fernando$Pessoa,”$vol.$7).$
____$ (1999).$ Correspondência,$ vol.$ 1$ (1905W1922).$ Edited$ by$ Manuela$ Parreira$ da$ Silva.$ Lisbon:$
Assírio$&$Alvim$(Collection$“Obras$de$Fernando$Pessoa”).$
PITTELLA,$ Carlos$ (2017a).$ “Chamberlain,$ Kitchener,$ Kropotkine—and$ the$ Political$ Pessoa.”$ Pessoa$
Plural—a$ Journal$ of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,$ n.o$ 10$ (Inside$ the$ Mask),$ Brown$ University,$
Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall,$pp.$34Q65.$
____$ [ed.]$ (2016b)$ People$ of$ the$ Archive:$ the$ Contribution$ of$ Hubert$ Jennings$ to$ Pessoan$ Studies$ (a$
printed$ edition$ of$ Pessoa$ Plural—a$ Journal$ of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,$ n.o$ 8).$ Providence:$
GáveaQBrown.$
____$ [ed.]$(2015).$Pessoa$Plural—a$Journal$of$Fernando$Pessoa$Studies,$n.o$8$(Special$Jennings$Issue),$
Brown$University,$Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall.$
PITTELLA,$ Carlos;$ PIZARRO,$ Jerónimo$ (2017).$ Como$ Fernando$ Pessoa$ Pode$ Mudar$ a$ Sua$ Vida.$ Lisbon:$
TintaQdaQchina$[2nd$ed.;$1st$ed.:$Rio$de$Janeiro:$TintaQdaQchina$Brasil,$2016].$
PIZARRO, Jerónimo$(2007).$Fernando$Pessoa:$entre$Génio$e$Loucura.$Lisbon:$Imprensa$Nacional—Casa$
da$Moeda.$
SENA,$Jorge$de;$CASTILHO,$Guilherme$de$(1981).$Correspondência.$Lisbon:$Imprensa$Nacional—Casa$
da$Moeda.$
SEVERINO,$Alexandrino (1969).$ Fernando$ Pessoa$ na$ África$ do$ Sul.$ Marília:$ Faculdade$ de$ Filosofia,$
Ciências$e$Letras$de Marília$[thesis$presented$in$1966,$Universidade$de$São$Paulo].$$
SIMÕES,$João$Gaspar$(1950).$Vida$e$Obra$de$Fernando$Pessoa—História$Duma$Geração:$vol.$1,$Infância$e$
Adolescência;$vol.$2,$Maturidade$e$Morte.$Amadora:$Bertrand.$
VIZCAÍNO,$Fernanda$(unpublished).$Correspondência$de$Fernando$Pessoa$Revisitada$[doctoral$thesis$in$
Comparative$Modernities:$Literatures,$Arts$and$Cultures;$advisors:$Ana$Lúcia$Curado$and$
Jerónimo$Pizarro;$defense$scheduled$for$2018].$Braga:$Universidade$do$Minho.$
ZENITH,$ Richard$ (2008).$ “ORMOND,$ Augustine.”$ Dicionário$ de$ Fernando$ Pessoa$ e$ do$ Modernismo$
Português.$Coordination$by$Fernando$Cabral$Martins.$Lisbon:$Caminho,$p.$564.$
$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 235


Fernando(Pessoa(caricaturado(presencialmente((
por(António(Teixeira(Cabral:(
contexto'e'circunstâncias'
'
Nataliya Hovorkova*
'
Palavras:chave(
'
Fernando' Pessoa,' Teixeira' Cabral,' caricaturas,' modernismo,' Momento,' António' Botto,'
Salazar,'Mussolini,'cartas.'
'
Resumo(
'
Reproduzem@se' aqui' as' caricaturas' de' Fernando' Pessoa' realizadas' pelo' caricaturista'
António' Teixeira' Cabral' (1908@1980)' a' partir' de' esboços' recolhidos' presencialmente.'
Abordamos'o'contexto'do'modernismo'em'que'se'inseriram,'tendo'o'caricaturista'surgido'
nos'círculos'intelectuais'de'então,'tornando@se'num'artista'de'renome'a'partir'do'início'da'
década' de' 1930' e' integrando' o' grupo' da' revista' Momento,' com' a' qual' Fernando' Pessoa'
colaborou'em'1934'e'1935.'Assinalamos'ideias'e'imagens'que'se'repercutem,'quer'em'obras'
de' Teixeira' Cabral,' quer' nos' escritos' do' último' ano' de' vida' de' Fernando' Pessoa.'
Apresentamos'três'cartas'onde'o'artista'propunha'a'venda'dessas'caricaturas,'revelando'a'
consideração'que'Teixeira'Cabral'mantinha'por'Fernando'Pessoa.'
'
Keywords(
'
Fernando' Pessoa,' Teixeira' Cabral,' caricatures,' modernism,' Momento,' Antonio' Botto,'
Salazar,'Mussolini,'letters.'
'
Abstract(
'
This' article' presents' portraits' of' Fernando' Pessoa' drawn' by' the' caricaturist' Antonio'
Teixeira' Cabral' (1908@1980),' which' were' taken' from' sketches' made' with' Fernando' Pessoa'
personally'present.'We'analyze'them'here'in'the'context'of'Portuguese'modernism.'Teixeira'
Cabral' emerged' as' a' portrait' caricaturist' in' the' Lisbon' intellectual' circles' and' he' quickly'
became'a'well@known'artist'at'the'beginning'of'the'1930s.'The'artist'was'part'of'the'group'
that' published' the' magazine' Momento,' with' which' Fernando' Pessoa' collaborated' in' 1934'
and' 1935.' We' point' to' some' ideas' and' images' that' reverberate' in' the' works' of' Teixeira'
Cabral'and'in'the'writings'of'Fernando'Pessoa'in'the'last'year'of'his'life.'Three'letters'are'
also'presented,'in'which'Teixeira'Cabral'manifests'his'intention'to'sell'the'caricatures'of'the'
poet,' and' which' show' us' the' high' regard' and' consideration' that' Teixeira' Cabral' had' for'
Fernando'Pessoa.''
'

*'Investigadora'do'Centro'de'Estudos'de'Comunicação'e'Cultura,'Faculdade'de'Ciências'Humanas'
da'Universidade'Católica'Portuguesa.'
Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
…)amaram)o)seu)semelhante)no)que)ele)tinha)de)único,)
de)insólito,)de)livre,)de)diferente,))
e)foram)sacrificados,)torturados,)espancados,)
e)entregues)hipocritamente)à)secular)justiça,)
para)que)os)liquidasse)“com)suma)piedade)e)sem)efusão)de)sangue”.)
Por)serem)fiéis)a)um)deus,)a)um)pensamento,)
a)uma)pátria,)uma)esperança,)ou)muito)apenas)
à)fome)irrespondível)que)lhes)roía)as)entranhas,)
foram)estripados,)esfolados,)queimados,)gaseados,)
e)os)seus)corpos)amontoados)tão)anonimamente)quanto)haviam)vivido,)
ou)suas)cinzas)dispersas)para)que)delas)não)restasse)memória.)
Jorge'de'Sena'
'
Teixeira(Cabral(entre(os(modernistas:(seu(modo(de(ver(e(de(retratar(
(
António' Teixeira' Cabral' (1908@1910)' foi' um' artista' do' modernismo' dedicado'
exclusivamente'à'arte'da'caricatura'pessoal'de'traço'sintético,'que'registava'os'seus'
retratados,'como'regra,'presencialmente.'Os'seus'trabalhos'vinham'publicados'na'
imprensa' da' época,' acompanhados,' geralmente,' da' indicação' de' “visto' por'
Teixeira' Cabral”.' A' sua' carreira' como' caricaturista' profissional' durou' mais' de'
meio' século,' encontrando@se' obras' de' sua' autoria' dispersas' pelos' mais' variados'
periódicos' da' época,' com' os' quais' colaborou,' desde' jornais' diários' de' maior'
implementação' no' país,' até' revistas' e' outras' publicações' de' cariz' diverso.' A' sua'
obra,'de'tão'imensa,'revela@se'impossível'de'quantificar'com'precisão'e'de'se'poder'
reunir'na'sua'totalidade,'dispersa'que'está'por'colecções'particulares'e'espalhada'
por' publicações' várias,' tendo' publicado' caricaturas' também' no' estrangeiro,'
nomeadamente'em'Espanha,'Brasil,'França'e'Bélgica.''
' Teixeira' Cabral' realizou' também' exposições' individuais' que,' na' altura,'
obtiveram' grande' sucesso,' alcançando' a' admiração' do' público' em' geral' e' o'
reconhecimento' dos' círculos' artísticos' e' intelectuais' em' que' se' movimentou.' Na'
verdade' foi' do' seio' deste' meio' artístico' e' cultural' que' surgiu' com' a' arte' da'
caricatura,'no'tempo'em'que'artistas'e'intelectuais'partilhavam'ideias'em'tertúlias'
à' volta' das' mesas' dos' cafés' da' baixa' lisboeta,' quando' a' caricatura' era' ainda'
considerada' um' legítimo' desafio' artístico,' antes' de' ter' sido' desvalorizada' e'
remetida'para'a'berma'da'arte'pela'política'do'Estado'Novo,'dada'a'sua'inerente'
vertente' humorística' e' crítica.' As' caricaturas' eram' inconvenientes' e' passíveis' de'
serem,' com' frequência,' descaradamente' insubmissas' aos' padrões' impostos' pelas'
directrizes' do' poder' político.' Por' este' motivo,' os' programáticos' compêndios' de'
arte,'directa'ou'indirectamente'caucionados'pela'censura,'que'garantia'o'exercício'
da' orientação' cultural' propagada' pelo' regime,' trataram' de' reduzir' nas' suas'
páginas' a' importância' da' caricatura' a' duas' ou' três' linhas' de' pouca' relevância,'
encarando@a' como' uma' arte' secundária' e' pouco' significativa,' até' a' esquecerem,'
marginalizada' e' remetida' para' a' condescendência' de' uma' espécie' de' diáspora'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 237


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

artística,'já'desvalorizada'e'com'pouca'cotação'no'mercado.'Passou@se'a'encarar'a'
caricatura' pessoal' como' uma' arte' de' rua' ou' de' feira,' ou' apenas' cingida' à' vulgar'
tentativa' de' alguém' tentar' retratar' espontaneamente' o' parceiro,' maltratando@o'
com' traços' grotescos,' como' o' aluno' que' se' vinga' do' professor' aborrecido'
entretendo@se'a'rabiscar@lhe'a'carantonha'nas'margens'do'caderno.'Teixeira'Cabral'
não'foi'o'que'actualmente'se'poderia'entender'como'um'caricaturista'de'rua'ou'de'
feira,'mas'foi,'nessa'época,'sobretudo'na'década'de'1930,'um'artista'de'renome'e'de'
mérito'reconhecido,'tendo'alcançado'grande'sucesso,'apesar'de'hoje'a'sua'obra'ser'
ignorada'e'o'artista'estar'praticamente'esquecido,'justa'ou'injustamente,'mas,'sem'
dúvida,'como'resultado'das'“malhas'que'o'império'tece”.''
' Na' verdade' —' e' isto' é' facilmente' provado' —' não' houve' em' Portugal' um'
artista' da' caricatura' que' tivesse,' como' Teixeira' Cabral,' retratado' presencialmente'
uma' tão' grande' galeria' de' personalidades,' quer' da' vida' nacional,' quer' da' vida'
internacional.'Entre'elas'figuraram'individualidades'mundiais'que'se'deslocavam'
a'Portugal'para'congressos,'conferências'ou'eventos,'com'quem'o'artista'contactou'
e' a' quem' registou' no' seu' traço' inconfundível.' Nas' suas' caricaturas,' os' seus'
retratados' não' possuíam' somente' o' registo' do' seu' perfil' fisionómico,' mas' eram@
lhes' particularmente' adicionados' os' traços' psicológicos' mais' marcantes' e'
identificativos,' acrescentando@se' mais' do' que' a' própria' fotografia' poderia'
transmitir'ou'do'que'no'mero'desenho'ilustrativo'poderia'figurar.'Por'essa'razão,'e'
fixados' no' momento' a' que' estavam' ligados,' os' seus' trabalhos' eram'
frequentemente'encarados'como'reportagens'pela'caricatura.'Referindo'somente'o'
período' do' auge' da' sua' carreira,' entre' 1931' e' 1936,' Teixeira' Cabral' retratou'
presencialmente,' entre' muitos' outros,' personalidades' de' relevo' dos' meios'
intelectuais'a'nível'mundial,'como'Luigi'Pirandello'(1931),'Marinetti'(1932),'Miguel'
de' Unamuno' (1935),' François' Mauriac' (1935),' Maurice' de' Maeterlinck' (1935),'
Jacques' Maritan' (1935),' Eugenio' D’Ors' (1936),' Ambroise' Vollard' (1936),' apenas'
para' enumerar' alguns' poucos.' Entre' estes' vultos' ilustres' que' a' humanidade'
conheceu'e'que'ficaram'presencialmente'registados'pelo'lápis'do'artista,'encontra@
se' Fernando' Pessoa,' com' quem' Teixeira' Cabral' conviveu' e' que' registou' no' traço'
ímpar'da'sua'caricatura'síntese.'Entre'o'poeta'e'o'caricaturista'houve'proximidade,'
sobretudo,' ao' nível' de' um' ideário' modernista' partilhado' na' mesma' intenção'
renovadora'da'arte'de'então'em'Portugal,'sublinhado'por'uma'admiração'pessoal'
que'Teixeira'Cabral'deixou'expressa,'em'poucas'linhas,'na'magistral'caricatura'em'
que'captou'Fernando'Pessoa.'Salienta'Osvaldo'de'Sousa:'
'
Dos'caricaturistas'que'o'conheceram,'apenas'quatro'o'transpuseram'para'o'papel.'Foram'o'
Stuart' Carvalhais,' Bernardo' Marques,' Almada' Negreiros' e' Teixeira' Cabral.' Stuart' num'
breve' retrato/ilustração' para' um' artigo' literário;' Bernardo' Marques' em' dois' desenhos'
alegórico/satíricos;' Almada' em' múltiplos' desenhos' e' telas;' Teixeira' Cabral' numa' genial'
caricatura'síntese.''
(SOUSA,'2006)'
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 238


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

'

Fig.(1.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,((
caricatura(publicada(pela(primeira(vez(em(1944(
no(semanário(lisboeta(Acção,'n.º(189((30(de(Novembro(de(1944:(8).1((
'
Precisemos,' então,' que,' ao' falarmos' aqui' de' caricatura,' nos' reportamos' a'
uma'época'em'que'a'caricatura'estava'reconhecida'como'uma'Arte'de'pleno'direito'
e'era'considerada'um'legítimo'desafio'artístico'tão'digno'como'outros.'O'conceito'
de' caricaturaFsíntese' tinha' surgido' na' passagem' do' século' XIX' para' o' século' XX,'
quando' a' síntese' e' o' formalismo' filosófico' tinham' começado' a' integrar@se' nos'
desafios'artísticos'da'caricatura,'consistindo'num'desenho'que,'em'poucos'traços,'e'
de'forma'espontânea,'era'capaz'de'revelar'as'mais'acentuadas'e,'por'vezes,'as'mais'
singulares'características'da'pessoa'retratada.''
O' modernismo' português,' dito' primeiro,' tendo' tido' como' marco'
reconhecido' a' publicação' da' revista' Orpheu,' em' 1915,' segundo' o' historiador' e'
crítico' de' arte' António' Rodriges' (1956@2008),' teria' dado' os' seus' primeiros' sinais'
com'o'desenho'humorístico,'em'1909,'com'a'publicação'dos'desenhos'de'Cristiano'
Cruz' (1892@1951)' na' revista' académica' O) Gorro,' de' Coimbra,' alertando' ainda' o'
autor' e' crítico' de' arte' para' o' facto' de' não' surpreender' que' “a' primeira'
manifestação' de' modernidade' em' Portugal' tenha' acontecido' no' humor' gráfico' e'
não'na'pintura”'(RODRIGUES,' 1989:'28).'E'acrescenta:'“O'grafismo'cómico'passava'
de'um'determinado'retrato)a'uma'imagem)em)si”'(RODRIGUES,'1989:'22).'Consoante'
os'manifestos'da'arte)pela)arte'de'então,'o'caricaturista'era'reconhecido'como'artista,'
conforme' afirma' o' célebre' curador' Warner' Hoffman' (1928@2013),' cujo' primeiro'
trabalho' foi' dedicado' precisamente' à' caricatura,' realçando' que' a' “caricatura,' que'

1'Jornal'editado'entre'1941'e'1949'sob'a'direção'de'Manuel'Múrias'(1900@1960).'A'mesma'caricatura'
foi' editada' em' postal,' em' 1985,' pela' Biblioteca' Nacional' de' Portugal,' e' consta' igualmente' no'
opúsculo' da' exposição' Teixeira) Cabral) –) A) caricatura) síntese,' realizada' na' Biblioteca' da' Câmara'
Munipal'de'Oeiras,'em'1997,'pela'Humorgrafe,'com'a'orientação'de'Osvaldo'de'Sousa.'Existe'um'
exemplar' do' postal' na' Fundação' António' Quadros:' PT@FAQ@AFC@CA@POST@0630@FP@por@Teixeira'
Cabral.'O'fac@símile'é'da'cópia'da'caricatura'existente'na'Coleção'Fernando'Távora.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 239


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

em'sua'evolução'era,'inicialmente,'um'protesto'situado'fora'das'regras'de'estética,'
torna@se'obra'de'arte”'(citado'em'COTRIM,'1965:'9).''
Considerando'que'o'movimento'modernista'português'foi'interrompido'em'
1918,'sofrendo'com'o'desaparecimento'inesperado'de'Mário'de'Sá'Carneiro'(1890@
1916),' Amadeo' de' Souza' Cardoso' (1887@1918),' Santa' Rita' (1889@1918),' a' ida' de'
Almada' Negreiros' para' Paris,' e' o' afastamento' e' abandono' da' arte' de' Cristiano'
Cruz,' deu@se' a' revitalização' do' modernismo,' dito' segundo,' tendo' como' marco' o'
aparecimento' da' revista' Presença,' em' Coimbra,' em' 1927,' cujos' fundadores' foram,'
entre'outros,'João'Gaspar'Simões'(1903@1987)'e'Branquinho'da'Fonseca'(1905@1974).'
Alguns' daqueles' que' tinham' iniciado' o' movimento' do' primeiro' modernismo'
português' permaneciam,' transitavam,' sobreviviam' e' esperavam' por'
oportunidades'para'que'a'arte'como'inovação'criadora'encontrasse'terrenos'mais'
permeáveis' à' sua' evolução' tão' natural' como' o' desenvolvimento' do' pensamento'
humano' e' das' suas' formas' de' expressão' renovadas.' Pretendeu@se' retomar' esse'
movimento'de'renovação'da'arte,'para'que'fosse're@criadora,'independente'e'livre.'''
Foi'nesse'contexto,'aparecendo'integrado'nos'círculos'artísticos'e'inteletuais'
situados' no' Chiado,' e' que' deslizavam' pelas' tertúlias' dos' cafés' da' baixa' lisboeta,'
que'surgiu'Teixeira'Cabral,'oriundo'de'uma'família'de'abastados'comerciantes'do'
Funchal'e'vindo'para'Lisboa'nos'finais'de'1926'com'a'finalidade'de'estudar.'
'

'
Fig.(2.(Café(Brasileira(do(Chiado,(1930.((
Com(Diogo(de(Macedo,(os(arquitectos(Dário(Vieira(e(Adelino(Nunes,((
os(artistas(Teixeira(Cabral((o(quarto,(a(contar(da(esquerda),(José(de(Lemos,(Paolo,((
o(fotógrafo(Benoliel(e(o(jornalista(A.(Rodrigues.(Fotografia(do(espólio(de(Teixeira(Cabral,((
igualmente(publicada(em:(Paolo,'1928/1975.'Exposição'através'da'obra'de'Paulo'Ferreira.(
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 240


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Um' artigo' do' Jornal) de) Notícias' de' 1934' definia' aquilo' que' Teixeira' Cabral'
entendia'ser'a'arte'da'caricatura'que'realizava.'A'notícia'vinha'a'propósito'de'uma'
conferência' que' teve' lugar' no' Porto,' proferida' pelo' grupo' do' “Momento”,' que'
Teixeira' Cabral' integrava.' A' apresentação' dos' oradores' coube' a' Manuel'
Guimarães'(1915@1975),'pintor'da'cidade'Invicta,'que'proferiu'as'seguintes'palavras'
ao'apresentar'a'palestra'do'artista:''
'
E'agora'passemos'a'Teixeira'Cabral.'
A'caricatura'é'uma'arte.'
A'deformação,'só'deformação,'de'uma'face'não'é'difícil.'
Aumentar'um'nariz,'adulterar'a'expressão'de'uma'boca,'exagerando@a,'é'trabalho'estéril'e'
não' caricatura.' Caricatura' é' a' transposição' irónica' do' visado' para' o' papel.' E,' a' obra' de'
Teixeira'Cabral'é'um'tratado'de'psicologia'aplicada.'
Ele'não'faz'caricatura'parecida.'Faz'caricatura'completa.'
Não' é' só' a' fisionomia' que' o' prende[;]' é' a' psique' é' a' personalidade' e' maneira' de' ser' do'
visado.'
Por' isso' mesmo,' ele' é' um' caricaturista' com' características' próprias,' sem' antecedentes…'
mas'com'imitadores.''
(JN;'4'de'Novembro'de'1934:'4)'
'
Foi' no' emblemático' Chiado' que' Teixeira' Cabral' realizou' a' sua' primeira'
exposição' de' caricaturas,' em' 1929,' num' atelier) da' Fotografia' Magalhães,' na' Rua'
Nova'do'Almada.'Ali,'expôs'alguns'dos'habitués'das'tertúlias'que'se'desenrolavam'
então' nos' cafés' do' Chiado,' entre' eles,' a' caricatura' do' célebre' republicano' Brito'
Camacho' (1862@1934)' que,' dando' algum' brado,' levou' o' retratado,' abordado' por'
um'dos'amigos'do'artista'numa'das'mesas'de'um'dos'cafés,'ladeado'por'Ferreira'
de' Castro' (1898@1974),' a' confirmar,' um' dia' antes' de' terminar' a' mostra,' que' iria'
ainda' cumprir' a' “sua' desejada' e' prometida' visita' para' firmar' o' Livro' de' Honra”'
(VASCONCELOS,'1958:'24).'
Nesse' mesmo' ano' de' 1929,' Teixeira' Cabral' tinha' iniciado' a' sua' carreira'
como' caricaturista' profissional' no' jornal' humorístico' Sempre) Fixe,' ao' lado' dos'
caricaturistas' Francisco' Valença' (1882@1963),' Américo' Amarelhe' (1892@1946)' e'
Stuart' Carvalhais' (1887@1961),' entre' outros.' Neste' jornal,' foi' publicada' em' 1931'
uma' caricatura,' ainda' com' notórias' influências' do' cubismo,' do' poeta' Augusto'
Ferreira' Gomes' (1892@1953),' amigo' de' Fernando' Pessoa' (Fig.' 3).' Igualmente' em'
1931,' Teixeira' Cabral' participou' no' V' Congresso' Internacional' da' Crítica,'
organizado'por'António'Ferro,'que'decorreu'em'Portugal'de'19'a'28'de'Setembro.'
Cabral' integrou' o' grupo' de' fotógrafos' e' artistas' que' acompanharam' os'
participantes' internacionais,' percorrendo' Lisboa' em' festa' para' os' receber' e'
viajando' até' ao' norte' do' país,' e' registou' os' congressistas' para' um' álbum'
celebrativo' do' acontecimento.' Entre' eles,' Teixeira' Cabral' retratou' o' dramaturgo'
italiano' Luigi' Pirandello.' A' sua' participação,' a' convite' de' António' Ferro,' no' V'
Congresso'Internacional'da'Crítica,'fez'com'que'o'artista'se'evidenciasse'e'lhe'fosse'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 241


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

dado' o' privilégio' de' saltar' para' a' imprensa' diária.' Depois' de' uma' breve'
colaboração' no' Diário) de) Lisboa,' começou' a' pertencer,' em' 1932,' como' efectivo,' ao'
Diário) de) Notícias' (DN),' então' dirigido' por' Eduardo' Schwalbah,' vindo'
frequentemente'os'seus'trabalhos'na'primeira'página'do'jornal'“de'maior'expansão'
nacional”.' Teixeira' Cabral' assumia@se,' na' época,' como' um' “repórter' de' imagem”'
pela'caricatura.'''
Em' 1932,' sempre' ligado' aos' meios' inteletuais,' realizou' uma' exposição'
individual' em' Coimbra,' na' sucursal' do' DN,' onde' foram' apresentadas' as'
caricaturas' de' personalidades' ligadas' ao' meio' académico' da' cidade' dos'
estudantes,'figurando,'entre'elas,'as'caricaturas'de'Eugénio'de'Castro'(1869@1944),'
do' Professor' Joaquim' de' Carvalho' (1892@1958)' e' de' João' Gapar' Simões.' Na'
exposição'Le)Dessin)au)Portugal,'que'ocorreu'em'Paris,'em'1981,'no'Centre'Culturel'
Portugais'da'Fundação'Calouste'Gulbenkian,'foi'exposto'um'estudo'para'o'retrato'
de'Gaspar'Simões'(Fig.'4)'realizado'por'Teixeira'Cabral,'em'1932,'que'fazia'parte'
da'colecção'de'Paulo'Ferreira.'Este'trabalho'de'Teixeira'Cabral'foi'escolhido'para'
ser' exposto' nessa' mostra' significativa' da' arte' do' desenho' em' Portugal' por' ser'
representativo'e'inovador'para'a'época,'vindo'assinalado'no'catálogo'da'exposição,'
por' baixo' da' reprodução' da' obra:' “ce) caricaturiste,) l’un) des) plus) importants) de) sa)
génération”' (1981).' Neste' estudo' para' o' retrato' de' Gaspar' Simões,' que' é'
referenciado' como' o' primeiro' estudioso' da' vida' e' obra' de' Fernando' Pessoa,' um'
dos' olhos' do' retratado' era' representado' como' um' elemento' geométrico'
tridimensional,' a' sugerir' facilmente' uma' lente' “olho' de' peixe”,' usada' em'
fotografia' para' expandir' o' campo' de' visão;' o' artista' sublinhava,' deste' modo,' a'
atenção' ao' pormenor' própria' de' alguém' que' não' deixaria' escapar' alguma'
inquetação' literária' ou' sua' emergente' manifestação.' Provavelmente,' foi' essa' a'
única' vez' que' Teixeira' Cabral' introduziu' elementos' tridimensionais' no' desenho'
linear'e'bidimensional'que'habitualmente'consistia'a'sua'caricatura.'
Em'Coimbra,'entre'1930'e'1932,'Teixeira'Cabral'também'retratou'os'poetas'
Francisco' Bugalho' (1905@1949),' Edmundo' Bettencourt' (1899@1973),' Vitorino'
Nemésio' (1901@1979)' e' João' de' Brito' Câmara' (1909@1967),' entre' outros.' Logo' no'
início' da' década' de' 1930' é' notória' a' proximidade' de' Teixeira' Cabral' aos' círculos'
literários' da' Presença,' com' quem' Fernando' Pessoa' também' viria' a' colaborar.'
Porém,' o' contacto' mais' directo' entre' o' caricaturista' e' o' autor' da' Mensagem) pode'
registar@se'com'mais'precisão'entre'1933'e'1935,'quando'ambos'colaboraram'com'a'
revista'Momento'e)partilhavam'ideias'nas'habituais'tertúlias,'algures'no'Martinho'
da'Arcada,'em'torno'do'poeta'do'Orpheu,'figura'de'referência'do'modernismo'para'
este' grupo' de' jovens' intelectuais' de' então.' A' este' propósito,' podemos' aqui'
recordar' o' que' referia' Gaspar' Simões:' “estávamos' em' 1927.' E' a' principiar,'
realmente,'o'prólogo'da'consagração'desse'grande'artista'–'desse'“Mestre”,'como'
lhe' chamava'a' Presença'–'em'quem'os'novos'reconheciam,'de'facto,'a'estatura' de'
um'grande'escritor,'embora'ainda'não'tivesse'publicado'um'único'livro!”'(SIMÕES,'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 242


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

1950:'649).''E'acrescentava'Gaspar'Simões:'“se'a'juventude'o'considerava'Mestre,'
era' preciso' corresponder' à' prova' de' confiança' que' ela' lhe' dava.' A' sua' obra'
encontrava@se' dispersa' pelas' revistas' efémeras' que' uma' elite' –' uma' elite) apenas' –'
comprara,'lera'e'conservara”'(SIMÕES,'1950:'649).'
'

'''' '

Fig.(3.((Caricatura(de(Augusto(Ferreira(Gomes(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,(
publicada(no(Sempre'Fixe((21(de(Janeiro(de(1931:(7).(Fig.(4.(Estudo(para(o(retrato(de((
Gaspar(Simões,(1932,(em(grafite,(aguarela(e(guache,(390(x(315(mm,(com(a(dedicatória:((
“Para(o(Paulo(–(este(estudo(do(Cabral”.(
'
Ao' mesmo' tempo' que' os' trabalhos' de' Teixeira' Cabral' eram' publicados' no'
DN' e' noutros' periódicos' de' relevo' nacional,' como' o' Notícias) Ilustrado,' Diário) de)
Lisboa,' Semana) Portuguesa,' só' para' mencionar' alguns,' o' artista' realizou,' em' 1934,'
outra'exposição'individual,'novamente'no'Chiado.'Na'Rua'Serpa'Pinto'situava@se'a'
Galeria'UP,'a'primeira'galeria'comercial'de'arte'moderna'em'Portugal'e'que'existiu'
apenas'entre'1933'e'1936.'Na'história'breve,'mas'relevante,'da'Galeria'UP,'o'nome'
de' Teixeira' Cabral' figura' no' itinerário' das' exposições' individuais' que' se'
realizaram'naquele'espaço'de'referência'da'arte'moderna'em'Portugal,'ao'lado'de'
alguns' dos' mais' consagrados' nomes,' como' Almada' Negreiros,' Mário' Eloy,'
Bernardo'Marques,'ou'Vieira'da'Silva'e'Arpad'Szenes,'para'além'de'António'Pedro'
e' Tomaz' de' Mello' (Tom),' que' eram' os' proprietários' da' galeria.' Esta' exposição'
individual' de' Teixeira' Cabral' na' galeria' UP' obteve' grande' êxito,' tendo' nela' o'
artista' apresentado' caricaturas' de' Eugénio' de' Castro,' António' Botto,' Almada'
Negreiros,'Teixeira'de'Pascoaes,'Vitorino'Nemésio,'António'Ferro,'Salazar,'e'uma'
nova' caricatura' de' Brito' Camacho,' entre' outras' obras.' Era' significativo' o' valor'
monetário' elevado,' para' a' época,' das' obras' do' artista' ali' expostas' –' custando' a'
mais' barata' 120$00' e' a' mais' cara' 320$80.' A' esse' propósito' veio' publicada' uma'
poesia'no'jornal'República,'assinada'com'o'provável'pseudónimo'de'Antonito,'que'
assinalava' igualmente' a' forma' inovadora' de' retratar' pela' caricatura.' Escrevia' o'
autor:'“Há'ali'belezas'raras''|''De'caras,'lindas'algumas,'|'E'nessas'caras'preclaras''

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 243


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

|''Há'caras'que'nos'são'caras''|'Mas,'caras,'não'há'nenhumas.'|'Há'uma'apenas,'
repara'|'(traços'simples'sem'refolhos)'|''De'muito'preço,'mas'rara''|''–'É'uma'cara'
sem'olhos''|''Que'vale'os'olhos'da'cara”'(ANTONITO,'18'Maio'1934).'
Num' comentário' que' veio' no' Diário) Popular) em' 1977,' a' recordar,' passados'
mais' de' trinta' anos,' esta' exposição,' era' referido' que' os' “retratos' pessoais”' de'
Teixeira' Cabral,' expostos' em' 1934,' na' Galeria' UP,' tinham' constituído,' no'
panorama'artístico'de'então,'“uma'lufada'de'ar'fresco”'(17'de'Fevereiro'de'1977).''
As'caricaturas'de'Teixeira'Cabral'eram'apreciadas'pelo'público'em'geral'e,'de'um'
modo'particular,'pelo'círculo'intelectual'e'artístico'que'ele'não'só'retratava,'mas'do'
qual' também' era' tido' como' representante.' Mesmo' que' a' maioria' das' suas' obras'
viesse' publicada' frequentemente' na' imprensa,' por' vezes,' não' com' as' melhores'
condições' de' publicação' para' se' poderem' apreciar' devidamente,' as' suas'
exposições' eram' esperadas' e' desejadas,' como' já' referia' um' artigo' do' DN' (6' de'
Novembro' de' 1932:' 9):' “Coimbra' terá,' desta' forma,' um' prazer,' que' Lisboa' há'
muito' e' muito' deseja:' ver' trabalhos' de' Teixeira' Cabral,' em' conjunto,' e' a'
demonstrarem' que' a' sua' personalidade' artística' é' uma' das' mais' notáveis' da'
geração' a' que' pertence”.' Também' um' artigo' de' 1970,' cujo' recorte' consta' do' seu'
espólio,'e'que'foi'publicado'no'jornal'O)Momento,'com'o'título'“A'ingratidão'deste'
mundo'–''Para'quando'a'retrospectiva'sobre'o'eleito'Teixeira'Cabral?”,'referia'que'
o'artista,'nos'anos'trinta,'“era'tão''popular'como'o'são'hoje'a'Amália'e'o'Eusébio”'e'
que'“dotado'duma'nova'visão'caricaturística'–'com'muito'de'análise'psíquica'–'o'
moço' acabado' de' chegar' da' sua' querida' Ilha' da' Madeira,' logo' se' torna' o'
caricaturista'dos'intelectuais”'(17'de'Janeiro'de'1970:'12).''
'

''''' '

Fig.(5.(Estudo(para(o(retrato(de(Teixeira(de(Pascoaes(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,((
grafite,(tinta(da(China(preta,(azul,(vermelha(e(sépia;(início(da(década(de(1930.((
Fig.(6.(Esboço(do(retrato(do(poeta(presencista'Francisco(Bugalho(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,(grafite(e(tinta(
da(China,(Coimbra,(1932,(com(a(nota:((
“a(Edmundo(Bettencourt(este(apontamento(do(Cabral”.(
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 244


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Teixeira'Cabral'foi'reconhecido'pela'crítica'da'sua'época,'tendo'recebido'os'
mais' diversos' elogios' vindos' de' nomes' como' Diogo' de' Macedo,' Artur' Portela,'
Manuel' L.' Rodrigues,' Leopoldo' Nunes,' Correia' da' Costa,' Artur' Augusto,' entre'
outros.' Em' 1931,' quando' o' caricaturista' tinha' apenas' vinte' e' três' anos,' veio'
referido' na' revista' Notícias) Ilustrado,' que' era' um' suplemento' do' DN,' como' “um'
grande'caricaturista”'e'como'“o'AZ'da'caricatura'sintética”'(8'de'Outubro'de'1931).'
E'mais'tarde,'no'mesmo'suplemento,'afirmava@se'que'o'caricaturista'ao'desenhar'
os'seus'retratados'“apreende@lhes'a'feição'psicológica”'(20'de'Maio'de'1934:'4).'
No' Diário) de) Coimbra' o' caricaturista' foi' referido' como' “o' primeiro' artista'
português'contemporâneo'do'seu'género”'(30'de'Setembro'de'1933).'O'Sempre)Fixe''
destacava@o' como' “um' grande' caricaturista,' cujo' traço' inconfundível' ainda'
ninguém'conseguiu'suplantar”'(5'de'Outubro'de''1933).'No'Século'de'18'Maio'de'
1934'escrevia@se'que'o'caricaturista'“conta'uma'série'numerosa'de'imitadores”.'Em'
1935,' no' Sempre) Fixe,' Teixeira' Cabral' foi' chamado' “o' bolchevista) da' caricatura'
pessoal,' cuja' escola' vai' fazendo' discípulos' que' não' são' capazes' de' chegar' ao'
mestre”'(24'de'Outubro'de'1935).'O'bolchevista)ou)bolchevique)podia,'eventualmente,'
ser' entendido' com' uma' conotação' de' comunista,' porém,' esta' palavra' em' russo'
significa' ÅmaioritárioÅ,' e' pode' querer' indicar' alguém' “grande”' ou' “maior”.' O'
historiador'de'arte'Giulio'Carlo'Argan'faz'a'seguinte'consideração,'a'este'respeito:'
'
Os'regimes'totalitários,'independentemente'dos'seus'conteúdos'ideológicos,'contrariaram'e'
frequentemente' proibiram' e' perseguiram' todas' as' pesquisas' avançadas,' procurando'
subjugá@las' com' uma' arte' “de' Estado”,' e' é' significativo' que' os' mesmos' movimentos'
tenham'sido'condenados'pelo'fascismo'e'pelo'nazismo'como'“subversivos'e'bolchevistas”'e'
pelo'estalinismo'como'“burgueses”.''
(ARGAN,'2010:'42)'
'
O'dramaturgo'e'escritor'humorístico'Augusto'Cunha'(1894@1947),'cunhado'
de'António'Ferro'e'amigo'pessoal'de'Fernando'Pessoa'e'de'Teixeira'Cabral,'fazia'a'
mesma' referência' ao' bolchevismo' aplicada' à' geração' do' Orpheu,) denominando@a'
como'“essa'época'de'transição,'de'verdadeiro'bolchevismo'na'arte,'cheia'de'belos'
excessos' e' de' invioláveis' exageros,' de' que' o' saudoso' Sá' Carneiro' e' o' inalterável'
Fernando'Pessoa'eram'então'os'verdadeiros'Pontifex)Maximus”'(CUNHA,'1957:'19).''
Efectivamente,'como'já'foi'referido'e'mais'adiante'aprofundaremos,'Teixeira'
Cabral'integrava'um'grupo'de'jovens'intelectuais'e'artistas'que'pretendiam'manter'
acesa' a' chama' recriadora' da' vanguarda,' não' deixando' a' ânsia' pela' renovação'
artística'render@se'às'imposições'pré@estabelecidas'pelos'programas'da'política'do'
Estado' Novo.' Pretendia@se' dar' continuidade' ao' movimento' do' modernismo'
iniciado'pelos'seus'primeiros,'cultivando'o'espírito'de'irreverência'e'o'gosto'pela'
blague.' Também' Augusto' Cunha' afirmava,' referindo@se' à' geração' do' chamado'
primeiro'modernismo:'
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 245


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
Por' vezes,' no' “Martinho”,' aparecia' também' Santa' Rita' Pintor,' chegado' havia' pouco' de'
Paris'e'de'quem'se'contavam'as'mais'estranhas'blagues,'as'mais'sensacionais'boutades,'os'
mais'espirituosos'ditos.''
(CUNHA,'1957:'33)'
'
A' Fernando' Pessoa' foram' igualmente' atribuídas' atitudes' de' blagueur' que,'
sobretudo,'os'seus'amigos'mais'próximos'reconheciam.'Teixeira'Cabral'também'foi'
conhecido' como' blagueur,' assumindo' uma' atitude' própria' da' vanguarda.' A' este'
propósito,'o'jornalista'Manuel'L.'Rodrigues,'no'artigo'“A'arte'da'caricatura'pessoal'
e'um'dos'seus'mais'modernos'representantes”,'publicado'na'Ilustração)n.o'203,'tecia'
as'seguintes'considerações'por'ocasião'da'exposição'na'Galeria'UP:'
'
Num' meio' avesso' a' consagrações' como' é' o' nosso,' Teixeira' Cabral' soube' conquistar' uma'
verdadeira'celebridade'como'blagueur.'Algumas'das'suas'boutades)circulam'por'aí'contadas'
como'anedotas.'Em'todas'elas'se'revela'o'seu'espírito'malicioso'sem'ser'sarcástico,'irónico'
sem'ser'cruel.''
(RODRIGUES,'1'de'Junho'de'1934:'8)'
'
O'jornalista'Eugénio'Ferreira,'em'1933,'anotava'uma'história'que'se'contava'
ter'acontecido'com'o'caricaturista:''
'
Recordo,' a' propósito,' o' caso' passado,' quando' Cabral' foi' à' redacção' da' «República»,'
caricaturar' o' director' daquele' jornal.' Ribeiro' de' Carvalho,' ao' ter' conhecimento' da' missão'
de' T.' Cabral,' apressou@se' a' indumentar@se' de' chapéu' e' pasta' sob' o' braço,' afim' de' que'
ficasse'completo'o'trabalho.''
T.' Cabral' tomou' o' respectivo' apontamento' e' apresentou' ao' seu' jornal' a' caricatura:' Um'
chapéu,'uma'pasta'e'uma'bengala!...'
(FERREIRA,'1933)2'
'
Ribeiro' de' Carvalho' era' uma' conhecida' e' prestigiada' figura' nacional,'
político,' republicano,' maçónico,' que' pertenceu' à' Carbonária,' e' que,' em' 1910,'
estava' na' varanda' da' Câmara' Municipal' de' Lisboa' para' proclamar' a' República.'
Esta' atitude' de' Teixeira' Cabral,' para' além' de' parecer' poder' conter' algo' de'
performativo' e' de' happening,' visto' surgir' como' uma' resposta' espontânea' face' ao'
comportamento' do' modelo,' afirmava@se' como' um' gesto' iconoclasta.' A' caricatura'
surgia' ainda' como' uma' piada' ou' gracejo' fruto' de' uma' situação' divertida,'
desfazendo'assim'o'efeito'de'posar'para'um'registo'que'perdurasse'na'posteridade,'
descolando@se' do' conceito' habitual' do' retrato,' uma' vez' que' aquela' obra' não' se'
cingia'a'um'desenho'concluído'para'ser'publicado'e'emoldurado'como'a'letra'de'
um' dogma,' mas' seria' apenas' o' resultado' momentâneo' das' circunstâncias' de' um'
facto'espontaneamente'registado'pelo'espírito'criador'do'artista.'

'Citação'retirada'do'recorte'que'se'encontra'no'espólio'do'artista,'posteriormente'digitalizado'(ver:'
2

HOVORKOVA,'2013:'II,'0267).'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 246


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Na' poesia' intitulada' “Poema' da' Criação”,' dedicada' por' Mário' Fiúza' a'
Teixeira' Cabral,' e' que' fazia' parte' do' livro' Tatuagens,' publicado' pelas' Edições'
Momento,' o' poeta' sublinhava' a' incessante' busca' de' novas' formas' que'
caracterizava'a'atitude'do'caricaturista:'
'
Sobre'mim'deslizou'a'ânsia'de'conquistar'
Qualquer'coisa'que'ainda'ninguém'conquistou,'
Fantasma'de'mim,'cansado'de'criar,'
Em'busca'de'uma'arte'que'ninguém'criou...'
(FIÚZA,'1935)'
'
Mário' Fiúza,' ao' dedicar' esta' poesia' a' Teixeira' Cabral,' deixava' expressa' a'
intenção' do' caricaturista' em' encontrar' novas' expressões' artísticas' levadas' pela'
constante' insatisfação' própria' de' quem' não' cessava' de' procurar,' concluindo' o'
poema'com'os'seguintes'versos:'
'
Cada'vez'sinto'no'peito'mais'uma'vida.''
Que'me'impele,'todos'os'dias,'a'cantar...'
Imagem'perfeita'mas'incompreendida'
Que'busca'uma'forma'sem'nunca'encontrar...'
(FIÚZA,'1935)'
'
O' sentido' de' humor' que' Teixeira' Cabral' manifestava' nas' suas' obras'
contribuía' para' que' o' caricaturista' fosse' benquisto' e' obtivesse' grande'
popularidade.'A'fama'que'tornou'o'artista'conhecido'em'todo'o'país'ficou'a'dever@
se,' sobretudo,' ao' seu' modo' particular' de' retratar' os' seus' caricaturados,' sem' lhes'
forçar' a' distorção' da' fisionomia,' captando' no' seu' traço' alguns' pormenores'
identificativos' que' caracterizavam' a' pessoa' visada,' fazendo' recair' a' dimensão'
crítica' da' caricatura' em' aspectos,' situações' ou' circunstâncias' particulares' que'
distinguiam' o' visado,' e' aplicando' uma' ironia' subtil.' É' de' assinalar' que' também'
contribuiu' o' facto' de,' na' época,' os' jornais' e' as' revistas' terem' tido' grande'
proliferação' e' de' o' artista' ter' colaborado' assiduamente' com' toda' a' imprensa'
escrita,'que'constituía,'então,'um'meio'de'comunicação'privilegiado,'visto'a'rádio'
estar' a' dar' os' primeiros' passos' em' Portugal' e' a' televisão' ainda' tardar' em' surgir.'
Apesar'de'algumas'das'caricaturas'realizadas'por'Teixeira'Cabral'conterem'traços'
que'hoje'nos'podem'parecer'despojados'e'demasiado'simples'–'embora'essa'fosse,'
em'muitos'casos,'a'intenção'premeditada'do'artista'–,'é'de'assinalar'que'há'registo'
de' que' as' pessoas' retratadas' se' reconheciam' nessas' mesmas' caricaturas,' como'
disso'dá'testemunho'alguma'correspondência'que'se'manteve'no'espólio'do'artista'
e'em'que'os'visados'manifestavam'o'seu'apreço'e'admiração.'No'entanto,'tal'não'
impedia' que' outros' fugissem' do' caricaturista' para' que' não' fossem' “apanhados”'
pelo'seu'lápis,'como'referia'o'poema'Tenho)Medo,)dedicado'a'Teixeira'Cabral,'e'que'
veio' publicado' na' gazetilha' Fradique,) n.o' 39,' e' assinada' com' o' provável'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 247


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

pseudónimo' de' Edgar,' que' terminava' com' os' seguintes' versos:' “Ontem' vi' um'
amigo'meu''|'que'apavorado'fugia'|'numa'louca'correria'|'co’as'pernas'que'Deus'
lhe'deu.'|'–'Porque'foges'afinal?'–'|'a'perguntar'não'resisto.'|'–'Tenho'medo'de'ser'
visto'|'pelo'Teixeira'Cabral...'”'(1'de'Novembro'de'1934).'O'facto'de'terem'surgido'
algumas' críticas' à' obra' de' Teixeira' Cabral' em' forma' de' poesia,' ou' poemas' a' ele'
dedicados,' indica@nos' a' ligação' que' o' artista' tinha' com' o' meio' literário,' onde' o'
caricaturista' naturalmente' se' inseria' por' trabalhar' como' jornalista,' mantendo'
relações'de'proximidade'e'de'amizade'com'poetas'e'escritores.'
A' relação' e' o' contacto' que' o' retratista' estabelecia' com' os' seus' retratados'
fazia' com' que' algumas' alusões' contidas' nas' caricaturas' que' realizava'
funcionassem'como'um'código'inscrito'nos'seus'traços,'destinado,'por'vezes,'a'ser'
entendido'e'decifrado'exclusivamente'pelo'caricaturista'e'pelo'caricaturado.'
O'jornal'Notícias)dos)Arcos,'de'1972,'de'Arcos'de'Valdevez,'terra'adoptiva'do'
escritor' Tomaz' de' Figueiredo' (1902@1970),' no' sua' coluna' “Postal' de' Lisboa”,'
assinada' por' Armindo' Ribeiro,' descrevia' o' seguinte' episódio' referido' a' Teixeira'
Cabral:''
'
Recordamos'as'frases'que'para'ele'teve'um'escritor'e'romancista,'já'desaparecido'[…].'Esse'
génio' foi' Tomaz' de' Figueiredo' que,' pouco' antes' de' falecer' e' com' a' familiaridade' que' lhe'
era'peculiar,'lhe'disse:'–'“FaçaFme)uma)caricatura.)Estou)farto)de)fotografias”.''
(RIBEIRO,'29'de'Janeiro'de'1972:'4)'
'
Esta'situação'particular'descrita'pelo'articulista,'em'que'o'escritor'se'dirigia'
ao' caricaturista' quase' como' se' recorresse' a' um' sacramento' concedido' por' um'
padre,' dava' a' ideia' da' dimensão' de' acréscimo' que,' para' alguns,' podia' trazer' o'
retrato' feito' por' Teixeira' Cabral,' acedendo' a' uma' imagem' que' pudesse' reflectir'
mais' do' que' a' fotografia' da' sua' fisionomia,' tendo' também' em' consideração' o'
conhecimento' mútuo' dos' intervenientes.' O' poeta' e' crítico' Artur' Augusto,' no' seu'
livro'Imagem:)ensaios)críticos,'onde,'inclusivamente,'se'referia'à'poesia'de'Fernando'
Pessoa,' tinha' deixado' a' pergunta' directamente' lançada' à' obra' do' caricaturista:'
“não' serão' tratados' de' psicologia' as' admiráveis' caricaturas' de' Teixeira' Cabral?”'
(AUGUSTO,'1935).''
Apesar' de' Teixeira' Cabral' se' ter' destacado' pelo' traço' sintético' da' sua'
caricatura' pessoal,' a' sua' obra' contém' uma' característica' que' a' torna' singular:' a'
introdução' sistemática' da' sua' auto@caricatura,' inserida' habitualmente' nas' suas'
obras'a'partir'de'1933,'que'acentua'a'reciprocidade'entre'o'retratista'e'o'retratado'e'
proporciona' um' meio' adicional' para' o' seu' comentário' crítico.' Na' introdução'
sistemática' da' sua' auto@caricatura,' o' artista' empresta' o' seu' corpo' no' espaço'
simbólico'da'representação'para'apontar'as'virtudes'e'defeitos'do'Outro'a'fim'de'
poderem' ser' objecto' de' reflexão,' em' ordem' a' um' “refazer@se”.' A' sua' auto@
caricatura' servia' também' para' o' artista' constituir' uma' marca' da' autoria' da' sua'
obra.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 248


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Teixeira'Cabral'foi'reconhecido'como'Mestre'da'caricatura)síntese'ainda'nos'
anos' trinta,' naquele' período' em' que' no' modernismo' estavam' bem' visíveis' as'
manifestações' e' tentativas' de' uma' nova' vanguarda,' antes' de' a' imposição' dos'
modelos' culturais' e' artísticos' promovidos' pelo' Estado' Novo' se' fazerem' sentir,'
sobretudo,'através'do'exercício'de'uma'censura'cada'vez'mais'apertada.''
'
2.(Fernando(Pessoa,(Teixeira(Cabral(e(“os(rapazes(do(Momento”(
'
Em' 1934,' vemos' Teixeira' Cabral' participar' como' orador' numa' conferência'
organizada'no'Porto'pelo'grupo'do'“Momento”,'conforme'vinha'referido'no'Jornal)
de) Notícias' (4' de' Novembro' de' 1934:' 4).' O' artigo' do' jornal' anunciava' no' seu'
cabeçalho:''“Momento!'Mocidade'Vitoriosa”,''e'trazia'a'seguinte'introdução:''
'
As' conferências' da' Casa' da' Imprensa.' –' A' hora' é' dos' novos!' O' pensamento,' função' do'
trabalho.'–'Génio'e'talento.'–'Independentes''–'e'livres.'–'Pinta'monos'e'literatos'falhados.'–'
Contra'“o”'velho!'–'Ser'–'ou'não'ser…'–'Intercâmbio'Luso@Galáico.'–'Um'senhor'que'pede'a'
palavra'–'e'fica'calado…'
'
'Encontramos' uma' referência' feita' por' Fernando' Pessoa' a' estes' rapazes' da'
revista' Momento.' Na' carta' que' o' poeta' tinha' endereçada' a' Tomaz' Ribeiro' Colaço'
(1899@1965),' director' do' jornal' Fradique,' onde' já' tinha' colaborado,' esclarecia' a' sua'
decisão'de'deixar'de'ser'assinante'daquele'jornal,'preferindo'passar'a'comprá@lo'a'
avulso,' como,' aliás,' fazia' com' outras' publicações' que' também' lhe' manifestavam'
interesse.'Referia'o'poeta:'
'
Deverá' V.' porém' ter' reparado' que' não' tenho' colaborado' em' parte' alguma.' Salvo' erro,'
desde' 4' de' Fevereiro' —' data' em' que' publiquei' no' Diário) de) Lisboa) o' artigo' Associações'
Secretas' —' não' publiquei' senão' um' breve' poema' na' revista' Momento,' revista' de' rapazes,'
revista'simpática,'mas,'parece@me,'muito'mais'secreta'que'as'“associações”'acima'citadas.'
(PESSOA,'1967:'80)'
'
Como' é' sabido,' Fernando' Pessoa' realizou' escassas' publicações' no' seu'
último' ano' de' vida,' apontando' nesta' carta' o' artigo' do' Diário) de) Lisboa' (4' de'
Fevereiro'de'1935),'“Associações'Secretas”.'Este'seu'artigo,'na'verdade,'marcava'a'
sua'posição'de'defesa'do'direito'básico'de'reunião,'contra'o'deferimento'da'lei'que'
o'Estado'Novo'fazia'aprovar'com'o'objectivo'de'consolidar'o'monolitismo'da'sua'
ditadura' unipartidarista,' viabilizando,' assim,' a' perseguição' das' consideradas'
“associações'secretas”,'como'a'Maçonaria.'O'poeta'referia'também'ao'director'do'
Fradique'que'se'sentia'de'forças'consumidas'até'à'exaustão'psíquica,'facto'que'lhe'
tinha'limitado'a'publicação,'e'por'isso'tinha'colaborado'apenas'com'o'artigo'para'o'
Diário) de) Lisboa' e' com' uma' participação' na' “revista' Momento,' revista' de' rapazes,'
revista' simpática”;' de' facto' o' seu' poema' Intervalo' foi' publicado' no' número' 8,' de'
Abril'de'1935,'embora'tivesse'sido'escrito'ainda'em'Agosto'de'1934.'Esta'simpática'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 249


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

revista'de'rapazes,'com'quem'o'poeta'tinha'colaborado,'era,'no'entanto,'apontada'
por' Fernando' Pessoa' como' sendo' ainda' “muito' mais' secreta' que' as' ‘associações’'
acima'citadas”,'deixando@nos'em'aberto'uma'possível'interpretação'do'verdadeiro'
significado' da' expressão' aqui' utilizada.' Por' isso,' torna@se' pertinente' começarmos'
por'tentar'responder'a'outra'pergunta:'quem'eram'estes'“rapazes'do'Momento”?''
A'revista'Momento'tinha'sido'fundada'graças'ao'dinamismo'de'um'grupo'de'
jovens' de' vinte' e' poucos' anos,' e' apresentava@se,' tal' como' a' Presença,' como' uma'
revista' “de' arte' e' crítica”,' com' vista' à' divulgação' de' obras' literárias.' Esta' revista'
consistia'num'pequeno'e'simples'folheto,'com'periodicidade'irregular,'e'que'teve'
como' directores' os' jovens' Artur' Augusto' (1912@1983),' José' Augusto' e' António'
Marques' Matias' (1911@1982).' A' revista' Momento' foi' registada,' em' Novembro' de'
1932,'por'Raul'Esperança'Martins,'seu'editor,'nascido'em'1908'e'residente'na'Rua'
das'Picoas,'36@1º,'e'tinha'sido'anunciada'como'um'“quinzenário'literário,'científico'
e' de' informação”,' tendo' como' seus' directores,' na' primeira' série,' o' advogado'
Fernando' Leiro' e' o' estudante' Francisco' Leão.3' A' segunda' série,' assumida' com'
nova' direcção,' existiu' desde' Dezembro' de' 1933' até' 1937,' e' no' seu' primeiro'
número,' na' coluna' inicial' intitulada' “Abertura”,' vinha' escrito,' em' forma' de'
programa,' o' que' tinha' mudado' na' revista' e' as' ideias' que' se' pretendiam' afirmar:'
“uma'revista'de'novos'não'precisa'de'apresentação,'nem'de'dizer'ao'que'vem”.'E'
acrescentava:'“e'os'novos,'que'se'hão@de'tornar'velhos'em'idade'e'não'em'espírito,'
conseguem'acompanhar'sempre'todos'os'movimentos,'os'modos'de'pensar'que'os'
outros'novos'apregoaram”.'O'artigo'de'“Abertura”'concluía:'“os'novos,'como'nós,'
que' queremos' ser' sempre' actuais,' não' têm' programas' para' se' adaptarem' melhor'
aos'tempos'e'para'os'não'alterarem'por'motivos'vários.”''
Nesta' revista' Momento,' participaram,' com' obras' literárias' e' críticas,' nomes'
como' José' Régio,' Luís' de' Montalvor,' Teixeira' de' Pascoaes,' Miguel' Torga,' Adolfo'
Casais' Monteiro,' Carlos' Queirós,' Edmundo' Bettencourt,' Mário' Fiúza,' Marques'
Matias,' Artur' Augusto,' José' Augusto,' Álvaro' Canelas,' Guilherme' de' Almeida,'
Alberto' de' Serpa,' entre' outros,' incluindo' o' próprio' Fernando' Pessoa.' No' seu'
número' 5,' de' Março' de' 1934,' Fernando' Pessoa' tinha' publicado' o' poema' Fresta,)
antes' de' publicar,' em' 1935,' o' poema' Intervalo.' Teixeira' Cabral' também' publicou'
nesta'revista'trabalhos'de'sua'autoria,'como'as'caricaturas'de'Teixeira'de'Pascoaes'
e'de'Urbano'Rodrigues,'no'número'7,'de'Janeiro'de'1935.''
Constata@se,' assim,' existir' alguma' convergência' de' ideias,' sobretudo,'
quanto' à' concepção' de' ser' “novo”,' efectivamente' e' na' prática,' e' ao'
reconhecimento,'pelos'“rapazes'do'Momento”,'de'Fernando'Pessoa'como'um'dos'
“novos”,'demonstrando'que'existia'reconhecimento'mútuo,'contacto'e'convivência'
entre'o'poeta'e'este'grupo'de'jovens.''

3'Conforme'os'documentos'do'arquivo'da'Torre'do'Tombo.'“Processos'de'Novas'Publicações”,'com'
o'código'de'referência'PT/TT/SNI@DSC/22/371,'cota:'Secretariado'Nacional'de'Informação,'Censura'
cx.'704,'Pasta'n.o'371.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 250


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Todos' os' directores' do) Momento' eram' admiradores' de' poesia' e' também'
publicavam' os' seus' próprios' poemas.' Marques' Matias,' inclusivamente,' tinha'
concorrido,' em' 1934,' ao' Prémio' Antero' de' Quental' do' concurso' organizado' pelo'
Secretariado' de' Propaganda' Nacional' (SPN),' e' foi' desclassificado' por' a' sua' obra'
conter'um'número'de'páginas'inferior'ao'que'era'exigido,'tal'como'aconteceu'com'
Fernando'Pessoa,'embora'ao'poeta'da'Mensagem'tenha'sido'atribuído'o'prémio'de'
melhor' poema,' encarado' como' uma' segunda' categoria,' ou' uma' modalidade'
inferior'do'prémio'Antero'de'Quental.'No'início'de'1935,'Marques'Matias,'ofereceu'
a' Fernando' Pessoa' o' seu' livro' Poemas) de) Narciso) e' este,' em' resposta,' deixou' por'
terminar' uma' carta' a' manifestar@lhe' o' seu' apreço,' como' também' tinha' decidido'
incluir' a' poesia' de' Marques' Matias' no' seu' ensaio) A) Poesia) Nova) em) Portugal)
(PESSOA,'1966:'364),'revelando'assim'a'consideração'que'lhe'tinha.''
Artur' Augusto,' na' dedicatória' de' um' exemplar' do' seu' livro' assinado' e'
oferecido' a' Fernando' Pessoa,' no' dia' 1' de' Março' de' 1934,' escrevia' as' seguintes'
palavras:' “em' Fernando' Pessoa,' admiro' muito' particularmente,' o' seu' alto' senso'
crítico' e' a' sua' sensibilidade”.' Também' Fernando' Pessoa,' quando' publicou' o' seu'
livro' Mensagem,' retribuiu' o' gesto,' oferecendo@lhe' um' exemplar' com' dedicatória.'
Esta'troca'amável'e'mútua'de'livros'com'dedicatória'denotava'existir'uma'relação'
de'proximidade,'de'reconhecimento'e'de'consideração,'que'foi'destacada'por'Artur'
Augusto' no' seu' livro' de' ensaios' críticos,' onde,' na' secção' dedicada' à' literatura'
portuguesa,'criticando'a'Presença,'afirmava:''
'
[…]' falando' sobre' verdadeiros' artistas' eu' quero' afirmar' que' um' só' na' minha' geração'
conseguiu' ser' pessoal' e' atingir' plenamente' o' seu' objectivo;' e' esse' é' Fernando' Pessoa.'
Outros'com'tantas'possibilidades'como'ele,'ou'ainda'se'não'revelaram,'ou'o'fizeram'de'um'
modo'insuficiente'e'vago.''
(AUGUSTO,'1935)'
'
No' entanto,' se' Fernando' Pessoa' conhecia' “os' rapazes' do' Momento”,' e' até'
com' eles' tinha' colaborado,' o' que' o' levava' a' afirmar' que' a' revista' Momento' lhe'
parecia'“muito'mais'secreta'que'as'‘associações’'acima'citadas”?'E'não'tinha'Pessoa'
vindo'a'público'defender'a'existência'de'tais'associações?''
Esta'afirmação,'que'pareceria'levantar'suspeitas'sobre'tal'grupo'de'rapazes,'
sugere,' na' verdade,' pretender' sublinhar' outro' aspecto:' que' estes' “rapazes' do'
Momento”'possuíam'ideias'próprias,'distintas'das'inculcadas'pelo'regime,'e'que'se'
reuniam' para' discutirem' e' divulgarem' as' suas' ideias,' igualando@se,' por' isso,' às'
“associações' secretas”.' À' luz' da' nova' lei,' estes' jovens' poderiam' deste' modo' ser'
considerados' como' estando' a' cometer' um' acto' conspirativo,' e' poderiam' as' suas'
ideias'ser'tidas'como'subversivas,'sempre'que'fossem'diferentes'das'que'o'regime'
promovia.' Fernando' Pessoa,' que' tinha' sido' acusado' por' ter' vindo' a' público'
defender'a'Maçonaria,'e,'por'isso,'censurado'e'desconsideradamente'tratado'pelo'
deputado'José'Cabral'como'“um'pobre'escrevedor”'(SOUSA,'14'de'Junho'de'1988),'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 251


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

ao' comparar' “os' rapazes' do' Momento”,' com' quem' ele' tinha' colaborado,' com''
“associações' secretas”,' sugeria' que' compartilhava' das' mesmas' ideias'
independentes' que' os' colocavam' à' margem' da' lei' e' faziam' deles' “farinha' do'
mesmo'saco”.'
Na'verdade,'o'Momento,'para'além'de'ser'uma'revista,'detinha'uma'editora'
de'obras'literárias'que'já'tinha'publicado'livros'tão'diversificados'como'Marias)da)
minha) terra,' de' Alice' Ogando' (1900@1981),' em' que' transbordava' a' imagética' do'
Estado'Novo,'ou,'no'sentido'contrário,'Ciúme,'de'António'Botto'(1897@1959).'Nem'
todos'os'conteúdos'editados'pelo'Momento'tinham'agradado'ao'regime.'Em'1933,'
do'prelo'da'mesma'editora'saiu'o'livro'Sensuais,'de'Helena'Maria,'com'prefácio'de'
Artur' Augusto.' Este' livro,' que' se' afirmava' ser' de' “poesia' erótica' feminina' sem'
preconceitos”,'foi'recebido'pela'censura'com'desagrado,'vendo'nele'perigo'para'a'
moral' pública,' e' por' isso' foi' proibido,' confiscado' e' retirado' do' mercado.'
Entretanto,' a' editora' prometia' voltar' a' publicar' mais' livros' da' autoria' de' Helena'
Maria,'como'Cartas,'ou'Poemas)imorais,'anunciando'nas'capas'das'suas'publicações'
os' próximos' livros' a' sair.' Na' verdade,' Helena' Maria' era' pseudónimo' do' próprio'
Artur' Augusto,' e' num' dos' números' da' revista) Momento' era' anunciado,' numa'
atitude' de' descarado' sarcasmo,' que' Helena' Maria' iria' estar' na' sede' da' redação'
para' cumprimentar' os' seus' admiradores' e' autografar' o' seu' livro' de' poemas,' ao'
mesmo' tempo' que,' no' mesmo' lugar' e' à' mesma' hora,' Artur' Augusto' estaria'
também'a'autografar'o'seu'recente'Romance)de)Inês)de)Castro.)Apesar'de'tais'gestos'
de' atrevimento,' que' questionavam' provocativamente' os' padrões' instituídos,'
exteriorizarem' rebeldia' e' irreverência' próprias' da' juventude,' eles' não' seriam' tão'
desmesurados' quanto' a' lei' a' interditar' a' Maçonaria' considerar' esta' editora' como'
uma'“organização'secreta”.''
Entretanto,'nas'páginas'do'Momento'foi'publicado'um'polémico'“Manifesto”'
a' tecer' duras' críticas' aos' modernistas' estagnados' e' uma' “Carta' aberta' aos'
imortais”' contra' o' academismo.' Vinha' ainda' publicado' na' revista' um' artigo'
(Março' de' 1934)' que' anunciava,' ou' talvez' mesmo' denunciasse,' a' inauguração' do'
sumptuoso' monumento' ao' Marquês' Pombal,' na' Rotunda,' acabado' de' ser' ali'
erigido.' Ressaltava' na' própria' notícia' uma' nota' irónica' acerca' da' grandeza' e' do'
significado' daquela' construção,' que' trazia' à' memória' os' actos' ditatoriais' e' cruéis'
que' rodeavam' o' controverso' estadista' Sebastião' José' de' Carvalho' e' Melo,'
sobretudo,' para' gente' do' meio' literário' que' conhecia' o' que' dele' tinha' escrito'
Camilo' Castelo' Branco' no' seu' livro' Perfil) do) Marquês) do) Pombal,) publicado' havia'
pouco'mais'do'que'cinquenta'anos.''
O' grupo' do' “Momento”,' no' Outono' de' 1934,' manifestando@se' como' um'
movimento' de' juventude' ansiosa' pela' renovação' e' pela' mudança,' realizava' uma'
conferência' na' Cidade' Invicta' com' a' finalidade' de' expandir' as' suas' ideias' e'
iniciativas'também'a'Norte.'Possuindo'um'espírito'anarquista'imanente,'“Teixeira'
Cabral' –' um' grande' nome' entre' os' novos' do' Momento”,' como' vinha' referido' no'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 252


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

artigo'do'Jornal)de)Notícias'(4'de'Novembro'de'1934:'4),'integrava'esse'movimento'
e,'ao'lado'de'Artur'Augusto'e'de'José'Augusto,'participou'na'conferência'no'Porto.'
Pretendia@se'atrair'os'jovens'do'Norte'do'país,'assim'como'os'da'Galiza,'a'fim'de'se'
unirem' aos' jovens' de' Lisboa' e' participarem' conjuntamente' numa' exposição'
colectiva' que' o' “Momento”' tomava' a' iniciativa' de' organizar' na' capital.' A'
conferência'decorreu'na'Casa'da'Imprensa'no'dia'3'de'Novembro'de'1934,'e'veio'
referida' no' artigo' do' dia' seguinte' no' Jornal) de) Notícias' como' algo' inesperado' e'
surpreendente,'declarando@se'que'“a'apresentação'excedeu'a'melhor'expectativa”,'
que'o'enorme'salão'nobre'cedido'para'o'evento'estava'praticamente'cheio,'e'que'a'
conferência' tinha' sido' “patenteada”' pelo' chefe' da' polícia.' Os' oradores' foram'
apresentados' pelo' pintor' e' cineasta' Manuel' Guimarães.' Os' jovens' do' Momento)
explicavam' o' que' significava' ser' “novo”,' e' afirmavam' que' “ser' novo' nada' tem'
com'a'idade”.'Sublinharam'a'sua'liberdade'e'independência,'recusando@se'a'fazer'
parte' de' qualquer' escola.' Os' rapazes' apresentavam@se' contra' o' velho,' o' estável,' o'
consagrado:' “a' hora' é' dos' novos!”' No' final,' convidaram' o' público' a' participar' na'
exposição'que'estavam'a'organizar.''
O'discurso'destes'jovens'era'pleno'de'humor'e'de'ironia,'e'foi'recebido'com'
grande'entusiasmo.'Teixeira'Cabral,'que'estava'sentado'com'vários'bonecos'à'sua'
frente,' provocando' riso,' foi' o' último' a' falar.' Sabendo' que' na' assistência' havia'
velhosFnovos,' o' caricaturista' começou' por' anunciar:' “dou@lhes' a' palavra' de' honra'
que' vou' falar' muito' bem!”,' causando' agitação' no' público,' entre' gargalhadas' e'
rostos' sisudos,' conforme' era' referido' na' notícia.' O' caricaturista' começou' por'
dirigir@se'à'assembleia:'“rapazes'do'Porto.'Conhecemo@nos.'Eu'conheço@os'a'vocês'
como'vocês'me'conhecem'a'mim”.'E'acrescentou:'“eu'conheço'até'os'corações'dos'
homens' que' não' conheço' e' porque' sei' que' o' homem' –' animal' político' por'
excelência,'segundo'Aristóteles,'é'um'animal'a'quem'tratamos'–'por'excelência”'(4'
de' Novembro' de' 1934:' 4).' Com' o' humor' que' lhe' era' próprio,' Teixeira' Cabral'
apelou' para' não' darem' ouvidos' aos' conselhos' de' velhos' que' apenas' sabiam' ser'
seguidores,'e'advertiu:'“lembrem@se'que'é'necessário'vincar'a'nossa'personalidade'
e'o'nosso'nome”.'E'aconselhando'a'não'desistirem'da'sua'arte,'lembrou'a'História)
do)Rapaz,)do)Velho)e)do)Burro.'
O' grupo' “Momento”' estendia' a' sua' sagrada' bandeira' da' vanguarda,'
mantendo' viva' a' sua' chama,' cientes' de' que' isso' apenas' seria' possível' através' de'
uma' atitude' de' constante' renovação,' sem' submissões' a' padrões' que' limitavam' e'
estagnavam,' e' conduziam' a' uma' cristalização' da' arte.' Entre' as' palavras' dos'
oradores' ouviam@se' incentivos' a' unirem@se' sem' perderem' a' identidade' e' a'
subjectividade' próprias' na' sua' arte,' assim' como' se' aconselhava' a' fechar' os'
compêndios' académicos,' a' sair,' arejar,' andar' pelo' próprio' pé' e' ir' mais' longe;' ou'
seja,'todo'o'contrário'de'ficarem'parados'e'sentirem@se'fechados.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 253


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

'

'
Fig.(7.(Os(rapazes(do(“Momento”(na(conferência(no(Porto,(3(de(Novembro(de(1934,((
Salão(Nobre(da(Casa(da(Imprensa.(Fotografia(de(José(Mesquita.(De(pé:(José(Augusto((
proferindo(o(seu(discurso(“Fora(o(status'quo'ante!”.'Os(oradores(sentados((de(esquerda((
para(a(direita):(1)(Teixeira(Cabral;(2)(Artur(Augusto;(3)(Juliano(Ribeiro,(presidente(da((
Comissão(Administrativa(da(Casa(da(Imprensa;(4)(o(pintor(e(cineasta(Manuel(Guimarães;((
5)(Fernando(Teixeira,(representante(do(sucursal(do(DN(no(Porto.(Fotografia(publicada((
pela(primeira(vez(no(Jornal'de'Notícias((4(de(Novembro(de(1934:(4)(e(pela(segunda(vez((
no(site(“Des(Gens(Intéressants”((SILVA:(2017).(
'

'
Fig.(8.(Num(passeio(a(Sintra:Almoçageme([s.d.].(Da(esquerda(para(a(direita:(
Artur(Augusto,(Teixeira(Cabral,(José(Augusto,(conforme(a(anotação(feita((
Pelo(caricaturista(no(verso(da(fotografia.(Espólio(de(Teixeira(Cabral.(
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 254


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Teixeira'Cabral'entrou'neste'projecto'como'um'artista'reconhecido,'vendo@
se'nele'e'na'popularidade'que'então'recolhia'capacidade'estratégica'para'motivar'
os' jovens' a' aderirem' às' causas' daquele' movimento,' que' apelava' à' renovação'
artística' e' que' apresentava' planos' para' novos' eventos' culturais.' Sendo' jovens,' os'
rapazes' do' “Momento”' demonstravam' estar' atentos' a' manifestações' sociais' e' a'
transformações'políticas,'dinamizavam@se'e'organizavam@se'num'movimento'que'
transmitia'força'e'vontade'de'renovar.'Teixeira'Cabral'fez'parte'deste'movimento'
de' jovens' intelectuais,' como' seu' membro' activo,' proclamando' que' só' a' eles'
próprios'cabia'decidir'o'seu'futuro.''
Na' inacabada' carta' que' Fernando' Pessoa' escreveu' a' Marques' Matias' a'
agradecer' o' livro' que' este' lhe' tinha' enviado,' o' poeta' confessou:' “tenho' estado'
velho' por' causa' do' Estado' Novo”' (PESSOA,' 1986:' 240).' Ao' expressar@se' desta'
maneira,' Fernando' Pessoa' referia@se,' por' um' lado,' aos' efeitos' desgastantes' que' o'
consumiam' fisicamente' e,' por' isso,' o' envelheciam' antes' do' tempo,' devido' a'
tomadas'de'posição'divergentes'das'directivas'impostas'pelo'regime'político.'Por'
outro'lado,'ao'dirigir@se'a'um'dos'novos)do)Momento,'a'frase'ganhava'ainda'outro'
sentido,'pois'a'palavra'“velho”,'no'discurso'entre'duas'pessoas'que'se'reconheciam'
como'novos,'tomava'o'significado'de'“vencido”,'de'arrumado'pelo'próprio'Estado'
Novo' na' “prateleira”' das' coisas' estagnadas' e,' por' isso,' sem' validade' efectiva.' O'
epíteto' de' “poeta' nacionalista”,' que' parecia' ter@lhe' sido' etiquetado' com' a'
atribuição' do' prémio' do' SPN' com' a' Mensagem,' para' os' rapazes' do' Momento,)
sobretudo'para'Artur'Augusto,'que'tinha'sido'contundente'na'crítica'para'com'os'
artistas' que' começaram' trabalhar' sobre' as' ordens' da' Propaganda' do' regime,'
correspondia' a' ser' tradicionalista,' estagnado,' “velho”.' Fernando' Pessoa,' nesta'
carta,' parecia,' então,' jogar' propositadamente' com' a' polissemia' desta' expressão,'
utilizando' o' seu' habitual' sentido' de' humor,' perceptível' a' alguém' com' quem'
partilhava' ideias.' O) Momento' manifestava@se' regularmente' contra' os' velhos) e'
Fernando' Pessoa,' sabendo' que' esses' rapazes' reconheciam' nele' um' dos' novos,'
estaria' assim' a' confirmar' que' era' a' política' posta' em' prática' pelo' regime' a' razão'
que' o' derrubava,' e' daí' a' sentir@se' vencido' por' completo' seria' um' passo' rápido' e'
fatal.)Fernando'Pessoa,'no'último'ano'de'vida,'utilizou''frequentemente'o'binómio'
de'palavras'novo/velho,)com'diferentes'sentidos'e'em'diferentes'situações.)'
Noutras' circunstâncias,' em' 1922' e' 1923,' Fernando' Pessoa' tinha' vindo' a'
terreiro' defender' António' Botto' contra' a' corrente' moralista' de' estudantes' que'
pretendia' confiscar' das' estantes' e' queimar' aqueles' livros' por' eles' considerados'
“imorais”,'tendo'o'Governo'Civil'mandado'apreender'Canções'de'António'Botto'e'
Sodoma) Divinizada' de' Raul' Leal,' e' tendo' Fernando' Pessoa' publicado,' em' reacção,'
dois'panfletos,'Aviso)por)causa)da)moral)e)Sobre)um)manifesto)de)Estudantes)(BARRETO,'
Outono' de' 2016).' No' primeiro,' Fernando' Pessoa) declarava' que' os' novos' não'
tinham' o' direito' de' opinar,' independentemente' de' terem' boas' ou' más' opiniões,'
sendo'melhor'estarem'calados'(PESSOA,'1980:'239).'Passados'alguns'anos,'com'estes'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 255


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

rapazes'do'“Momento”,'como'se'o'tempo'fizesse'brotar'bons'frutos'de'uma'árvore'
já' antes' plantada,' Fernando' Pessoa' depara@se' com' aqueles' jovens' que' opinam' e'
que' merecem' o' seu' crédito,' talvez' mesmo' pelo' facto' de' o' ouvirem' e' de' o'
reconhecerem,' vendo' neles' os' novos) que' devem' ser' escutados,' porque'
evidenciavam' uma' forma' de' pensar' renovadora' e' uma' capacidade' crítica'
independente.'Agora,'era'a'vez'destes'jovens,'os'“rapazes'do'Momento”,'virem'em'
defesa'de'Botto,'apesar'de'Artur'Augusto,'ao'mesmo'tempo,'lhe'ter'infligido'duras'
criticas'no'seu'livro'de'ensaios'Imagem'(AUGUSTO,'1935).'
De'facto,'Fernando'Pessoa,'ao'ter'justificado,'na'carta'a'Ribeiro'Colaço,'que,'
naquele'ano,'ainda'não'tinha'publicado'em'lado'algum,'para'além'do'citado'artigo'
no' Diário) de) Lisboa,' mencionava,' como' outra' excepção,' apenas' a' sua' colaboração'
com' a' revista' Momento.) Ao' referir@se' à' “revista' de' rapazes”,' Fernando' Pessoa'
estava,' de' algum' modo,' a' sublinhar' esse' facto' ao' seu' interlocutor,' pois' ainda'
estaria' em' todos' bem' presente' a' divergência' que' tinha' havido' entre' o' diretor' do'
Fradique,) o' mesmo' Ribeiro' Colaço,' a' quem' Pessoa,' não' obstante,' tratava' na' carta'
por' amigo,' e' os' referidos' “rapazes' do' Momento”.' Quando,' um' ano' antes,' Ribeiro'
Colaço'tinha'publicado'o'artigo'“António'Botto,'um'poeta'que'não'existe”'(26'de'
Julho' de' 1934),' dois' dos' três' directores' do' Momento,' José' Augusto' e' Marques'
Matias,' tinham' vindo' a' público' em' defesa' de' Botto' (OLIVEIRA,' 1999:' 57).' Artur'
Augusto,' que' inicialmente' tinha' elogiado' Botto' e' depois' passou' a' carregar' na'
crítica' que' lhe' fazia,' respondeu' a' Colaço' de' outra' maneira,' acrescentando' uma'
nota' ao' “Manifesto”) contra' os' modernistas@passadistas,' publicado' no' Momento)
(Novembro' de' 1934),' que' visava' de' forma' contundente' o' director' do' Fradique,)
escrevendo:' “colaço:' inconsciênte' com' fumaças' do' literato”.' O' apelido' Colaço'
escrito' como' um' substantivo' comum,' com' a' inicial' em' minúscula,' sugeria' que' o'
próprio'Ribeiro'Colaço'—'que'considerava'Botto'“um'poeta'que'não'existe”'—'não'
passava' de' um' autor' medíocre.' Nesse' manifesto,' Artur' Augusto' vinha' também'
criticar'o'pintor'Mário'Eloy'(1900@1951),'por'este'ter'realizado'o'quadro'Lisboa,'em'
1934,' sob' encomenda' do' SPN,' em' que) apresentou' a' imagem' de' uma' varina' a'
transmitir' todo' o' cariz' popular' da' nova' ideologia' nacionalista,' e' que' veio'
publicada'no'Notícias)Ilustrado'(11'de'Março'de'1934:'12).'No'seu'manifesto,'Artur'
Augusto' apelidava' Eloy' de' “pinta' monas”,) tecendo@lhe,' noutro' artigo,' uma'
amarga'crítica'que,'muito'provavelmente,'teria'contribuído'para'que'o'pintor'logo'
de'seguida'mergulhasse'em'novas'e'incessantes'buscas'artísticas,'afastando@se'das'
narrativas' promovidas' pelo' Estado' Novo.' O' conflito' relacionado' com' Botto' e'
Ribeiro' Colaço' já' tinha' envolvido' muita' gente,' assim' como' a' discussão' sobre' o'
Manifesto,' e' ainda' fazia' correr' tinta' e' haveria' de' prolongar@se.' Entretanto,' este'
Manifesto' contra' os' modernistas' estagnados' colocou' Artur' Augusto' sob' fortes'
críticas,' e' os' debates' vieram' novamente' ocupar' as' páginas' do' Fradique) (15' de'
Novembro' de' 1934).' O' poeta' alentejano' Joaquim' Azinhal' Abelho' (1911@1979)'
publicou' aqui' o' artigo' “Divergências' de' novos' e' novíssimos:' resposta' a' um'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 256


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

manifesto”,'acusando'Artur'Augusto'de'ter'sido'agressivo'ao'tratar'os'seus'visados'
de' modo' desprezível,' desconsiderando@os' ao' apresentar' os' seus' nomes' escritos'
com' letra' minúscula,' como' “dantas”,' “eloi”,' “colaço”,' “leitão”,' ou' “coelho”.' No'
entanto' Azinhal' Abelho' não' deixou' de' proteger' o' próprio' António' Botto,'
afirmando' que' Ribeiro' Colaço' não' tinha' conseguido' derrubar' este' escritor,' ao'
mesmo'tempo'que'deixava'sublinhado'que'Colaço,'ao'contrário'de'Artur'Augusto,'
não' tinha' recorrido' ao' uso' de' “verborreia”,' como' ele' tinha' feito' em' relação' a'
Dantas,'Eloy'e'ao'próprio'Colaço'(15'de'Novembro'de'1934).4'O'poeta'de'Canções)e'
de)Ciúme'nunca'tinha'deixado'de'ser'considerado'Artista'pelos'jovens'intelectuais'
do'Momento,)embora'as'opiniões'dos'seus'directores'não'fossem'unânimes,'tendo'
sido' duramente' criticado' e' apontado' como' pouco' inovador' por' Artur' Augusto,'
que' chegou' mesmo' a' afirmar' no' seu' livro' “que' a' obra' de' António' Botto' não'
resistirá' aos' tempos' e' seu' nome' se' perderá' na' sequência' dos' anos”' (AUGUSTO,'
1935).''
Teixeira'Cabral'publicou'a'primeira'caricatura'de'António'Botto'no'DN'do'
dia'17'de'Setembro'de'1932,'inserida'num'artigo'sobre'a'nova'edição'do'seu'livro'
Canções,' e' também' exibiu' a' caricatura' de' António' Botto' na' sua' exposição'
individual'na'Galeria'UP,'em'Maio'de'1934,'onde'representava'o'corpo'inteiro'do'
poeta'desenhado'por'um'único'traço'a'parecer'envolvê@lo'como'que'num'manto'de'
lirismo'(Fig.'9).'Seria,'precisamente,'uma'caricatura'de'António'Botto'o'derradeiro'
trabalho' de' Teixeira' Cabral' publicado' no' DN' durante' a' década' de' 1930,' a' 7' de'
Janeiro'de'1938,5'antes'de'o'jornal'ter'dispensado'os'seus'serviços.'Esta'caricatura'
de' António' Botto' foi' publicada' a' propósito' da' estreia' da' sua' comédia' 9) de) Abril,'
cujo'principal'tema'era'a'guerra,'e'a'caricatura'realizada'por'Teixeira'Cabral'aludia'
directamente'à'homossexualidade'assumida'pelo'poeta'e'às'“guerras”'e'polémicas'
que' tal' tinha' provocado' (Fig.' 10).' Os' traços' que' compunham' a' caricatura'
colocavam' em' evidência' aspectos' particulares' de' Botto,' como' a' linha' única' que'
desenhava'o'rosto'e'o'chapéu'a'sugerirem'um'coração,'ressaltando'nos'olhos'umas'
exuberantes' pestanas.' Também' na' introdução' da' auto@caricatura' de' Teixeira'
Cabral'se'aludia'ao'tema,'já'que'que'o'artista'surgia'vestido'de'soldado'no'teatro'
de' guerra' a' manipular' um' canhão' (com' simbologia' nitidamente' fálica),' que'
ostentava,' pendurado' no' cano,' uma' coroa' de' louros' invertida.' Teixeira' Cabral'
publicou'ainda'mais'caricaturas'do'poeta'de'Ciúme,'encontrando@se'no'espólio'do'
artista'os'recortes'que'guardou'da'notícia'da'morte'de'António'Botto,'no'Brasil,'em'
1959.'
'

4' No' dia' 5' de' Março' de' 1967' foi' inaugurada' uma' exposição' em' memória' de' António' Botto'
organizada'exatamente'por'Azinhal'Abelho,'para'a'qual'Teixeira'Cabral'também'tinha'decido'uma'
sua'caricatura'do'poeta.'Conforme'um'artigo'publicado'em'Portugal)D’Aquem)e)D’Além)Mar'(Março'
de'1967:'23).''
5'A'primeira'caricatura'de'António'Botto'foi'publicada'no'DN'no'dia'17'de'Setembro'de'1932.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 257


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

''' ''' '


Fig.(9.(António(Botto(visto(por(Teixeira(Cabral:(caricatura(exposta,(em(1934,(na(Galeria(UP.((
Fig.(10.(Caricatura(de(António(Botto(publicada(no(DN((7(de(Janeiro(de(1938:(4)(a(propósito((
da(estreia(da(peça(9'de'Abril,(que(o(autor,(devido(à(censura,(foi(obrigado(constantemente((
a(modificar.(Fig.(11.(António(Botto(retratado(em(1944,(depois(de(ter(sido(despedido(do(serviço((
público(em(1942.(Caricatura(publicada(no(Diário'Popular(n.o(564((20(de(Abril(de(1944:(5).(
'
O'Manifesto)contra'os'modernistas'estagnados,'publicado'por'Artur'Augusto'
em' Novembro' de' 1934,' tinha' saído' praticamente' ao' mesmo' tempo' em' que' se'
realizou' a' conferência' no' Porto,' durante' a' qual' os' jovens' do' “Momento”' tinham'
incentivado' à' participação' na' exposição' que' iria' decorrer' em' Janeiro' de' 1935,' na'
Casa' do' Alentejo,' em' Lisboa.' É' de' realçar' que' estes' “rapazes”,' revelando' o' seu'
dinamismo'e'atitude,'lançaram'a'Primeira'Exposição'“Momento”'antes'de'ter'sido'
realizada'a'Primeira'Exposição'do'SPN,'que'teve'lugar'na'Sociedade'Nacional'de'
Belas'Artes'(SNBA)'em'Março'desse'ano.'A'exposição'organizada'pelo'“Momento”'
foi' muito' concorrida,' também' pelo' facto' de' ter' sido' livremente' aberta' a' todos,'
independentemente' das' habilitações' académicas' de' cada' qual,' congregando,'
assim,' diversos' artistas' que' não' tinham' oportunidade' de' participar' noutras'
exposições.' Esta' mostra' expunha' obras' de' variados' autores,' entre' outros,' nomes'
como' Manuel' Lima' (1911@1991),' que' já' tinha' retratado' Teixeira' Cabral' e' Artur'
Augusto;' Luís' Dourdil' (1914@1989),' que' ilustrou' alguns' números' do' Momento;'
Abílio' Leal' de' Mattos' e' Silva' (1908@1985),' artista' que' ficou' famoso' pelos' seus'
quadros'da'Nazaré,'onde'viveu;'e'Teixeira'Cabral,'que'expôs'a'caricatura'do'crítico'
literário'Hernâni'Cidade'(1887@1975).'
A' revista' Momento,' mesmo' que,' em' alguns' aspectos,' repetisse' a' revista'
Presença,' fazia@lhe' alguma' saudável' concorrência,' promovendo,' como' ela,'
exposições' de' Arte.' Este' grupo' do' “Momento”' posicionava@se' como' uma' nova'
vanguarda,' pretendendo' não' deixar' cristalizar' os' princípios' de' inovação' que' a'
primeira'vanguarda'tinha'trazido,'marcando'assim'a'diferença'entre'os'novos)e'os'
novíssimos)e'fomentando,'inclusivamente,'manifestações'iconoclastas.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 258


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

As' ideias' que' circulavam' neste' grupo' que' cultivava' a' livre' expressão' e' a'
criatividade' provocava' situações' incómodas' para' o' regime,' que,' a' partir' da'
Constituição'de'1933,'começava'a'ser'mais'rígido'na'aplicação'da'censura.'Teixeira'
Cabral' tinha' alertado' para' tal' facto' ao' publicar' a' caricatura' de' António' Ferro,' no'
Sempre)Fixe,'no'dia'19'de'Outubro'de'1933'(fig.'12),'dezasseis'dias'depois'de'este'ter'
sido' nomeado' director' do' recém@criado' Secretariado' de' Propaganda' Nacional'
(SPN),' a' 3' de' Outubro' desse' ano.' A' caricatura' intitulada' “António' Ferro' e' Eu”,'
evocando' o' livro' da' autoria' de' Ferro,' Gabriel) D’Annunzio) e) Eu,' de' 1922,'
representava' António' Ferro' a' surgir' como' um' “génio' da' lâmpada”,' olhando' de'
cima' para' baixo' para' o' caricaturista' com' o' seu' lápis' em' riste,' em' que' estava'
pendurado' um' dístico,' tal' como' em' alguns' estabelecimentos' públicos,' com' a'
inscrição'“reservado'o'direito'de'admissão”.'Teixeira'Cabral'apontava'assim'para'
os' riscos' da' chamada' Política' do' Espírito' promovida' por' António' Ferro,' no'
contexto' da' qual' todas' as' ideias' que' não' fossem' consideradas' benéficas' para' os'
fins'políticos'em'causa'deveriam'ser'postas'de'parte'e'afastadas'ao'serem'tomadas'
como'prejudiciais,'com'implicações'na'actividade'artística;'era'o'caso'da'literatura'
e' da' própria' caricatura,' que' haviam' de' sofrer,' efectivamente,' com' tais' ' medidas.'
No'seu'jogo'de'relação'recíproca'entre'o'artista'e'o'seu'visado,'do'eu)e'do'Outro,'o'
outro'reflectido'no'espaço'simbólico'da'auto@imagem'do'caricaturado'segurava'na'
mão'o'lápis'que'representava,'ao'mesmo'tempo,'a'arma'do'próprio'artista,'e'o'lápis'
azul'da'censura;'assinalava@se'assim,'por'um'lado,'a'restrição'imposta'aos'artistas'e'
intelectuais,' e,' por' outro,' a' resistência' da' caricatura' com' a' manifestação' da' sua'
auto@exclusão.' Na' inauguração' do' SPN,' Salazar' tinha' proferido' no' seu' discurso'
que'“politicamente,'só'existe'aquilo'que'o'público'sabe'que'existe”'(Salazar,'1935:'
259).'
'

Fig.(12.(António'Ferro'e'eu.'Caricatura(de(Teixeira(Cabral(publicada(
no(Sempre'Fixe'(19(de(Outubro(de(1933:(4).'Texto(do(letreiro:(“reservado(o(direito(
de(admissão”.(Esta(caricatura(foi(exposta(na(Galeria(UP,(em(Maio(de(1934.(
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 259


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Fernando' Pessoa,' sobretudo' a' partir' de' 1935,' também' assinalou' o'
desconforto' causado' pela' política' do' Estado' Novo' e' referiu@se' várias' vezes' e' de'
diversas' formas,' concretamente,' ao' próprio' Salazar.' Escrevia' Pessoa' na' carta' a'
Adolfo'Casais'Monteiro,'datada'de'30'de'Outubro'de'1935,'a'propósito'do'discurso'
que' Salazar' tinha' feito' quando' da' “distribuição' do' prémio”' do' concurso'
organizado' pelo' SPN,' em' que' ele' não' compareceu,' apesar' de' ter' sido' um' dos'
premiados:''
'
Desde' o' discurso' que' o' Salazar' fez' em' 21' de' Fevereiro' deste' anno,' na' distribuição' de'
prémio' no' Secretariado' de' Propaganda' Nacional,' ficámos' sabendo,' todos' nós' que'
escrevemos,'que'estava'substituída'a'regra'restrictiva'da'Censura,'“não'se'póde'dizer'isto'
ou'aquillo”'pela'regra'soviética'do'Poder,'“tem'que'se'dizer'aquillo'ou'isto”.'Em'palavras'
mais' claras,' tudo' quanto' escrevemos,' não' só' não' tem' que' contrariar' os' princípios' ' (cuja'
natureza' ignoro)' do' Estado' Novo' (cuja' definição' desconheço),' mas' tem' que' ser'
subordinado' às' directrizes' traçadas' pelos' orientadores' do' citado' Estado' Novo.' Isto' quer'
dizer,' supponho,' que' não' poderá' haver' legitimamente' manifestação' literária' em' Portugal'
que' não' inclua' qualquer' referência' ao' equilíbrio' orçamental,' à' composição' corporativa'
(também' não' sei' o' que' seja)' da' sociedade' portugueza' e' a' outras' engrenagens' da' mesma'
espécie.'
(PESSOA,'1935'in)CUNHA'&'SOUSA,'1985:'123)''
'
O' poeta,' neste' último' ano' de' 1935,' também' dedicou' a' Salazar' e' ao' Estado'
Novo' várias' poesias,' refira@se,' com' uma' imagética' que' se' poderia' considerar'
caricatural.' Em' Poema) de) amor) em) Estado) Novo,) escrito' entre' 8' e' 9' de' Novembro,'
empregava' termos' de' algumas' entidades' utilizadas' pelo' poder' político,' como)
Câmara' Corporativa,' Sindicato' Nacional,' Banco' de' Portugal,' Civilização' Cristã,'
Acto'Colonial,'União'Nacional,'entre'versos'como)“Minha'Maria'Francisca,'|'Meu'
amor,' meu' orçamento!”,' ou' “Não' sei' porque' me' desprezas”' e' “De' amor' já' quasi'
não'como”.'Neste'poema'salienta@se'a'estrofe'que'dizia:'“Que'aristocrático'ri,'|'O'
teu' cabelo' em' cifrões' –' |' Finanças' em' mise@en@plis' –'!' |' Meu' altivo' plebiscito,' |'
Nunca' desceste' a' eleições'!”' (PESSOA,' 1935' in) CUNHA' &' SOUSA,' 1985:' 139).' E'
terminava' este' poema' afirmando:' “Estou' seguindo' as' directrizes' |' Do' professor'
Salazar”.'
'

'
Fig.(13.(“Na(primeira(fila…(O.(S.”(Dominó'n.o(1((5(de(Janeiro(de(1935:(2).(
Caricatura(de(Oliveira(Salazar,(por(Teixeira(Cabral.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 260


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

A'imagem'de'Salazar'com'o'penteado'frisado'com'um'cifrão,'como'se'fosse'
uma' miseFenFplis,' foi' igualmente' apresentada' por' Teixeira' Cabral' na' caricatura'
publicada' no' primeiro' número' do' hebdomadário' Dominó) (Fig.' 13),' lançado' por'
Luís'de'Oliveira'Guimarães'no'dia'5'de'Janeiro'de'1935.'Nessa'caricatura'o'artista'
retratava' Salazar' com' uma' moeda' com' um' cifrão' a' marcar@lhe' a' onda' do' cabelo'
que' lhe' segurava' o' penteado.' Não' só' a' moeda' com' um' cifrão' no' cimo' da' cabeça'
poderia'significar'a'exteriorização'do'que'ia'no'seu'interior,'como'o'olho'no'rosto,'
que'aquela'caricatura'não'possuía,'podia'ver@se'como'que'deslocado'para'o'alfinete'
que'a'gravata'ostentava,'bem'levantado,'como'um'emblema'do'próprio'clube,'com'
a'forma'de'uma'moeda'com'um'visível'cifrão'inscrito.''
Algumas' semanas' mais' tarde,' Francisco' Valença' também' publicou' uma'
caricatura' de' Salazar' com' cifrões' no' rosto,' na' primeira' página' do' Sempre) Fixe' n.o'
454'(31'de'Janeiro'de'1935),'com'o'título'“Escudeiro@Mor”.'A'caricatura'viria'a'ser'
repetida' quatro' anos' mais' tarde' no' mesmo' periódico' (12' de' Janeiro' de' 1939:' 1).'
Embora' realizada' posteriormente,' a' caricatura' de' Valença' é' atualmente' mais'
conhecida'do'que'a'caricatura'de'Salazar'realizada'por'Teixeira'Cabral.''
A' imagética' de' representação' de' Salazar' na' caricatura' de' Teixeira' Cabral'
torna@se,'deste'modo,'passível'de'ter'tido'repercussões'na'imagética'de'Salazar'que'
Fernando'Pessoa'expressou'no'seu'“Poema'de'Amor'em'Estado'Novo”.'
Na' verdade,' Teixeira' Cabral' tinha' publicado' pela' primeira' vez' a' sua'
caricatura' de' Salazar,' ainda' em' 1932,' no' diário' de' maior' expansão' nacional.' No'
Carnaval'desse'ano,'o'Diário)de)Notícias'(9'de'Fevereiro'de'1932)'cumpria'o'costume'
de' dedicar' a' sua' edição' do' dia' aos' festejos' do' Entrudo,' tendo' Teixeira' Cabral'
publicado' na' primeira' página' dessa' edição' a' sua' primeira' caricatura' de' Salazar,'
em' forma' de' cartoon,' atendendo' à' máxima' popular' que' dizia' que' “no' Carnaval'
ninguém' leva' a' mal”.' Na' mesma' página' constavam' quatro' desenhos' da' sua'
autoria) sob' o' título' de' Grande) Teatro) Carnavalesco,) que,' no' entanto,' pareciam' ser'
desenhos' despretensiosos,' como' que' desenhados' por' uma' criança,' porém,'
necessitavam'de'certa'erudição'para'o'seu'pleno'entendimento.''
Os' dois' primeiros' desenhos' apresentavam' o' friso' de' sete' políticos'
republicanos'e,'ao'lado,'o'general'José'Vicente'de'Freitas,'aludindo'aos'títulos'das'
operetas'cómicas,'em'voga'naquela'época,'O)burro)do)Senhor)Alcaide,'de'D.'João'da'
Câmara,'e'A)filha)da)Senhora)Angot,'de'Charles'Lecocq.'Esta'última'opereta'refletia'
sobre' o' clima' das' alianças' políticas' instáveis' que' se' viveram' logo' depois' da'
revolução' francesa,' em' 1795,' e' o' caricaturista' aproveitava' para,' deste' modo,' se'
referir'à'transformação'política'que,'em'1932,'se'vivia'em'Portugal,'sobretudo,'com'
a' criação' da' União' Nacional' e' a' intenção' de' esta' aglutinar' as' diversas' forças'
políticas' num' único' partido.' Na' mesma' página' deste' jornal' o' caricaturista'
publicou'o'desenho'O)Gaspar)dos)Sinos)de)Corneville,'aludindo'a'mais'uma'opereta'
cómica,'desta'vez,'Sinos)de)Corneville,)escrita'por'Clairville'e'Gabet,'na'qual'Gaspar'
é' uma' personagem' de' carácter' manipulador,' que' levanta' suspeitas' entre' os'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 261


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

cidadãos' de' Corneville' pelo' seu' comportamento' face' ao' dinheiro.' Sugeria@se' que'
este'Gaspar,'representado'agarrando'sofregamente'um'monte'de'moedas,'indicava'
ser' o' todo' poderoso' Ministro' das' Finanças,' até' pelos' vagos' traços' do' seu' rosto'
anguloso' e' esguio,' mesmo' apresentado' com' o' cabelo' despenteado,' antes' de' ter'
sido'apresentado'com'miseFenFplis.'Mas'a'indefinição'da'caricatura'de'Salazar'seria'
intencional,'como'própria'de'alguém'que'estaria'disfarçado'com'uma'máscara'para'
o'Carnaval...''
'

'
Fig.(14.(O'Gaspar'dos'Sinos'de'Corneville'[Salazar].(Um(dos(quatro(desenhos((
de(Teixeira(Cabral(publicados(na(primeira(página(da(edição(de(Carnaval(do((
Diário'de'Notícias,'em(1932.(
'
Havia' mais' um' desenho' em' que' Teixeira' Cabral' também' aludia' a' Salazar,'
embora' indirectamente,' intitulado' O) regulamento) de) trânsito) e' que' continha) dois'
funcionários'dos'transportes'públicos:'o'guarda@freio'que'conduzia'o'eléctrico'e'o'
cobrador' de' bilhetes,' com' a' mala' do' dinheiro' pendurada' no' ombro.' Sem'
evidenciarem' serem' uma' caricatura' pessoal,' as' figuras' estabelecem' um' discurso'
directo,' dizendo:' “muda' essa' bandeira' para' o' Intendente!”,' anunciando' uma'
mudança' de' destino' do' transporte,' tal' como' naquele' momento' se' verificavam'
mudanças'na'condução'dos'rumos'da'nação'(vide'HOVORKOVA,'vol.'I,'2013:'70).''
Modo' semelhante' de' percepcionar' Salazar' e' a' política' do' Estado' Novo'
também' se' pode' encontrar' reflectido' em' escritos' do' último' ano' de' vida' de'
Fernando' Pessoa.' Assim' como' em' relação' a' Mussolini' e' à' invasão' da' Abissínia'
pelas'forças'italianas,'a'3'de'Outubro'de'1935.'A'este'respeito,'num'dos'dois'artigos'
que' Fernando' Pessoa' escreveu' para' o' Diário) de) Lisboa' sobre' a' invasão' da' Etiópia'
pela'Itália'fascista,'e'que'a'censura'não'permitiu'publicar,'o'poeta'afirmava:''
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 262


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
Nós'todos,'homens,'que'neste'mundo'vivemos'opressos'pelos'vários'desprezos'dos'felizes'e'
pelas' diversas' insolências' dos' poderosos' —' que' somos' todos' nós' neste' mundo,' senão'
abexins?''
(PESSOA,'Outubro'de'1935)'
'
Igualmente' Teixeira' Cabral' tinha' abordado' o' tema,' com' a' mesma'
perspectiva,' quando' publicou' “O' Novo' Atlas”,' no' Diário) de) Notícias,' em' 5' de'
Outubro' de' 1935' (Fig.' 15),' dois' dias' depois' da' invasão' da' Abissínia' pelas' forças'
italianas.'Esta'caricatura'de'Mussolini,'na'forma'de'cartoon,6'representava'o'ditador'
fascista' a' carregar' o' globo' terrestre' às' costas,' com' o' rosto' vincado' pelo' esforço'
despendido,'e'com'pingos'de'suor,'que'também'poderiam'ser'de'lágrimas,'que'lhe'
caíam' a' criarem' um' charco' à' sua' frente.' No' globo' terrestre' que' Mussolini'
transportava'nos'seus'ombros'eram'visíveis'os'sinais'de'guerra'no'mundo,'como'a'
presença' de' um' navio' de' guerra.' A' auto@representação' do' artista' ostentava' um'
traje'de'soldado'etíope'de'arma'empunhada,'como'que'preparado'para'o'combate,'
assumindo' assim' a' posição' de' um' abexim;' Cabral' identificava@se' com' o' povo'
invadido'pelo'exército'fascista'de'Mussolini.''
'

'' '
Fig.(15(.(“O(Novo(Atlas”.(Mussolini.(Caricatura(de(Teixeira(Cabral(
publicada(no(Diário'de'Notícias((5(de(Outubro(de(1935:(11),(integrada(no(artigo((
“A(guerra(entre(a(Itália(e(Abissínia”.(Fig.(16.(Pormenor(da(auto:caricatura(do(artista((
trajando(como(um(soldado(abexim.(
'
Neste' desenho' de' Teixeira' Cabral' os' contornos' do' mapa' de' África' e' da'
Europa' confundiam@se' propositadamente' para' sublinhar' a' solidariedade' humana'
para' com' o' povo' atacado.' Refere' José' Barreto' num' estudo' sobre' os' textos' de'
Fernando'Pessoa'relacionados'com'a'Etiópia:'
'

'Teixeira'Cabral'realizou'durante'a'sua'carreira'apenas'cerca'de'meia'dúzia'de'cartoons,'sendo'“O'
6

Novo'Atlas”uma'dessas'obras.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 263


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
O'nacionalismo'liberal'do'“conservador'de'estilo'inglês”'Fernando'Pessoa'não'se'confundia'
com'o'“nacionalismo'animal”'ou'“nacionalismo'mórbido”'do'fascismo'italiano'—'assim'o'
definiu'em'duas'notas'que'deixou'inéditas.'
(BARRETO,'2009:'694)'
'
Na' caricatura' “O' Novo' Atlas”,' Teixeira' Cabral' expressava' este'
“nacionalismo' animal”' acrescentando' uma' subtil' cauda' de' suíno' na' figura' de'
Mussolini.'
Estes'exemplos'aqui'descritos'sugerem'a'existência'de'alguma'circulação'de'
ideias' entre' Fernando' Pessoa,' os' “rapazes' do' Momento”' e,' nomeadamente,'
Teixeira'Cabral,'que'já'vimos'a'integrar'este'grupo'de'jovens'artistas'e'intelectuais'
que'manifestavam'vontade'de'renovação'cultural.''
Não' muito' tempo' depois' da' morte' de' Fernando' Pessoa' este' grupo' de'
“rapazes' simpáticos”' é' desfeito.' A' revista' Momento' viria' a' terminar' em' 1937,'
depois'de'passar'por'grandes'dificuldades'em'se'manter,'os'seus'elementos'foram'
dispersos'e'as'suas'intenções'de'renovação'cultural'acabaram'por'ser'diluídas,'ou'
remetidas' para' o' foro' individual' de' cada' colaborador.' Dado' isto,' ser@nos@ia'
possível' assinalar' o' facto' de' o' desaparecimento' físico' de' Fernando' Pessoa'
constituir' um' marco' simbólico' da' vanguarda' que,' assim,' também' acabaria' por'
desaparecer.' Quando' morre' a' vanguarda,' por' lhe' tirarem' o' espaço' vital,' há' uma'
estagnação' que' se' limitava' à' arte' do' Estado,' à' arte' popular,' ao' classicismo,' ao'
academismo,'e'a'um'modernismo'absorvido'e'moldado'por'um'sentido'moralista'e'
utilitário' “a' bem' da' Nação”.' Sobretudo,' depois' de' 1936,' com' o' reforço' dos'
instrumentos' ideológicos' do' regime,' viria' a' ser' cada' vez' mais' difícil' colocar' em'
prática'as'ideias'renovadoras'que'o'grupo'“Momento”'congregava.'As'instituições'
do' poder' que,' para' maior' controlo,' promoviam' a' centralização' da' cultura,' viam'
como' uma' ameaça' qualquer' tipo' de' incentivo' à' irreverência,' à' independência,' à'
liberdade,' à' subjetividade' e' à' vanguarda.' Este' grupo' de' jovens,' com' ideias'
independentes'e'livres,'que'pretendia,'com'o'seu'pensamento,'a'“sua'sensibilidade'
e' o' seu' senso' crítico”,' serem' eles' próprios' a' pensar' e' a' gerir' os' seus' próprios'
eventos' artísticos,' nesse' tempo' de' consagração' da' ditadura,' seriam' facilmente'
considerados,' à' luz' do' sistema' político' vigente,' uma' ameaçadora' organização'
conspirativa,'pronta'a'ser'banida.'
Numa'fotografia'do'funeral'de'Fernando'Pessoa'podem'ver@se'alguns'destes'
rapazes,' como' Teixeira' Cabral' e' Artur' Augusto,' que' foram' identificados' e'
confirmados' por' familiares.' ' Em' Dezembro' de' 1935' foi' publicado' o' número' 9' da'
revista' Momento,' dedicada' na' íntegra' a' Fernando' Pessoa,' referindo@o' como' “o'
poeta' maior' que' deixou' o' transitório' partindo' para' eternidade”.' Neste' número'
foram' publicados' os' poemas' Tabacaria,) O) menino) da) sua) mãe,) Autopsicografia,) O)
Andaime,'entre'outras'obras.'
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 264


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

7)$*)'7*J*+$"'
2%(&%()-'3-4)-5'

'

!,@A(B[A(!.$"#%0(&"(!"#$%$&'()"**'%C(&,%(O(&"(S"D"17#'(&"(BEK_A((
2(,&"$-,P,+%fi'(&"(2#-.#(2.@.*-'("$+'$-#%:*"($'(678>'&"*"$9'09,&'(/'#(.1(P%1,0,%#((
&"(2#-.#(2.@.*-'8(K>6'O>C6'QC8;9>66)C86(J]jXV2C(OLB[NA'
'
7)$*)' 7*J*+$"' /-' :(5O-' !"#$(#*"*' -' %+!)%O%)' 5(O)"+1' $%#/"' +(/"' *6'
?)%+$(J(-/"'-/O"J-/"='m(O%*'#-'r*(#M@9(++-*1'"#/%'T%;'*6-'%#$)%O(+$-'-'76K5!-)'
3-4)-51'%64")-'/%4-(&"'/"'!"#$)"5"'/-'0"5K!(-'[#$%)#-!("#-5'%'/%'k%T%+-'/"'\+$-/"'
B0[k\G=' ."(' /%$(/"1' %6' CDii1' #"' -%)"?")$"' /%' Y(+4"-1' ?-++"*' -5J*#+' 6%+%+' #-'
?)(+L"1' %' -?8+' "' jQ' /%' 74)(5' /%' CDsP' )%J)%++"*' -' Y(+4"-1' "#/%' 6-#$%O%' *6'
%+!)($8)("'!"6"'-/O"J-/"'5"!-5(;-/"'#-'>*-'r-))%$$1'#"'3I(-/"1'-#$%+'/%'O"5$-)'`'
r*(#M1'"#/%'6"))%*1'%6'CDFN'B:[Ym71'jECsG=''
7#$8#("' <-)A*%+' %+!)%O%*' 6-(+' 5(O)"+1' -5J*#+' $)-;%#/"' ?)"?"+($-/-6%#$%'
!($-Hf%+' /%' /(+!*)+"+' /%' :-5-;-)' %6' O%;' /%' ?)%Te!("=' ."(' ?)"T%++")' /%' 5(!%*' -'
%#+(#-)'5($%)-$*)-1'-d*/-#/"'"+'+%*+'-5*#"+'-'%#$%#/%)%6'!"))%!$-6%#$%'.%)#-#/"'
0%++"-1'+%6'"'!"6?-)-)'-'Y*K+'/%'3-6f%+'BY7gã7@3a\Y]a1'jN'/%'74)(5'/%'jEEDG=''
_"+M'7*J*+$"'/"+':-#$"+'!"#$(#*"*'!"6"'d")#-5(+$-1'!-+"*'!"6'-'%+!)($")-'%'
I(+$")(-/")-'T)-#!%+-':*;-##%'3I-#$-5'BCDEF@CDDPG1'$)-4-5I"*'#-')e/("'%1'#"+'-#"+'
+%++%#$-1'/%+%6?%#I"*'"'!-)J"'/%'/()%!$")'/%'3-+-'/%'0")$*J-5'%6'0-)(+=''
7#$8#("' 2%(&%()-' 3-4)-5' T"(' /(+?%#+-/"' /"' S1C+1") 2$) P"&D41*,'' %6' CDNF='
3"#+%J*()-6@5I%' *6' %6?)%J"' -' ?(#$-)' $%5f%+' ?-)-' !(#%6-+1' d*#$-6%#$%' !"6' "'
-)$(+$-' %' +%*' -6(J"' >"K;1' 6-+' /%+(+$(*' /%++%' %6?)%J"1' ?-++-#/"' ?")' *6' ?%)K"/"'
/(TK!(51'A*%'5I%'-5$%)"*'"+'?5-#"+'/%'O(/-'?%++"-51'%')%+(+$(#/"'/*)-#$%'%++%'?%)K"/"'
!"6"'!-)(!-$*)(+$-'/%O(/"'-"'#"6%'-)$K+$(!"'A*%'de'$(#I-'!"#A*(+$-/"='.(#-56%#$%'
%#!"#$)"*' *6' $)-4-5I"' T(&"1' %6' CDPj1' !"6' -' !)(-HL"' /"' S1C+1") A"8-.*+'' "#/%'
?%)6-#%!%*' !"6"' !-)(!-$*)(+$-' /*)-#$%' !%)!-' /%' $)(#$-' -#"+=' m()(-' -(#/-' -'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 265


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

colaborar' com' variadas' publicações,' como' A) Capital,) Boletim) da) Sociedade) de)
Escritores)e)Compositores)Portugueses,)Revista)de)Angola,)entre'outras.'Entre'familiares'
e'amigos'mais'íntimos'nunca'deixou'de'referir'Fernando'Pessoa'como'“um'grande'
artista”,' de' quem' contava' histórias' com' o' seu' estilo' divertido.' A' notícia' que' foi'
publicada'a'propósito'da'morte'do'artista,'em'1980,'no'Diário)Popular,'mencionava'
o' seu' “espírito' estilo' ‘finFdeFsiécle’”,' podendo' ver@se' referido' no' emprego' dessa'
expressão'a'herança'da'vanguarda'a'que'Teixeira'Cabral'foi'inabalavelmente'fiel,'
apesar' das' dificuldades' causadas' pelas' circunstâncias' ditadas' pelos' tempos,' que'
reduzem' as' memórias' a' cinzas' e' ditam' o' esquecimento.' Dizia' a' notícia' do' Diário)
Popular:''
'
Ferozmente'independente,'desafecto'a'tudo'que'fosse'revelador'da'mais'ligeira'sombra'de'
tutela,'cultivando'uma'boémia'de'espírito'estilo'“finFdeFsiècle”'e'a'amizade'como'flor'rara,'
Teixeira' Cabral' viveu,' frequentemente,' com' extremas' dificuldades,' mas' sempre'
manifestando' uma' bem' humorada' indiferença' pelos' prestígios' fáceis' e' uma' recusa'
obstinada'de'lamentar@se.'
(2'de'Julho'de'1980)'
'
3.( Caricaturas( de( Fernando( Pessoa( por( Teixeira( Cabral,( cartas( do( artista( e( a(
proposta(de(venda(das(caricaturas(do(“grande(poeta”(
'
No' espólio' de' Teixeira' Cabral' constam' dois' esboços' em' grafite' sobre' papel' de'
esquiço' que' serviram' de' matriz' às' caricaturas' que' se' conhecem' de' Fernando'
Pessoa' realizadas' pelo' artista' (Figs.' 18' e' 20).' Estes' esboços' estavam' inicialmente'
numa'pasta'com'documentos'referentes'a'1933,'1934'e'1935,'dentro'de'um'envelope'
grande' onde' estava' escrito' pelo' próprio' artista:' “ATENÇÃO:' FERNANDO' PESSOA!”''
Para' além' destes' esboços' que' serviram' de' base' para' as' caricaturas' conhecidas,'
constam'outros'apontamentos'com'os'traços'do'poeta'da'Geração'de'Orpheu.)
'

)
Fig.(18.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral([1934].7(

7'Na'folha'do'esboço'consta'escrito'pelo'artista'a'indicação'“Fernando'Pessoa”.'No'canto'superior'
esquerdo' do' papel' branco' em' que' está' colada' a' folha' de' esboço' pode' ler@se' anotada' a' indicação:'
“atenção:' pupila' mais' redonda”.' As' anotações' feitas' a' esferográfica' devem' ter' sido' inseridas'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 266


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Conhecem@se' mais' duas' caricaturas' que' foram' leiloadas,' uma' entre' 2002' e'
2009,' e' outra' em' Dezembro' de' 2010,' na' leiloeira' Trocadero.' São' também'
conhecidas'outras'duas'caricaturas'que'foram'publicadas:'a'primeira'em'1944,'no'
jornal'Acção,'na'comemoração'do'nono'aniversário'da'morte'de'Fernando'Pessoa,'e'
a'segunda,'entre'1970'e'1972,'na'Revista)de)Angola'(Fig.'21).'Todas'estas'caricaturas,'
embora' contendo' pormenores' diferentes,' assentam' nos' rostos' dos' dois' esboços'
originais,' recolhidos' presencialmente,' como' era' prática' do' artista.' Após' efectuar'
presencialmente'os'seus'esboços,'Cabral'normalmente'desenvolvia@os'na'sua'mesa'
de'trabalho,'habitualmente'passados'a'tinta'da'China'e'sobre'papel'tipo'Cavalinho,'
sobretudo' se' estavam' destinadas' a' publicação' ou' venda,' e' incluía,' por' vezes,'
apontamentos'coloridos'com'pintura.''
São'igualmente'conhecidas'três'cartas'do'artista'com'a'proposta'de'venda'da'
caricatura' do' “grande' Fernando' Pessoa”,' uma' datada' de' Dezembro' de' 1938,' ao'
amigo'Dr.'Augusto'Cunha,'e'que'está'actualmente'na'Fundação'António'Quadros;'
outra'datada'de'Janeiro'de'1940,'dirigida'a'Agostinho'Fernandes,'que'faz'parte'do'
Espólio' de' Diogo' de' Macedo' que' se' encontra' na' Biblioteca' de' Arte' da' Fundação'
Calouste'Gulbenkian.'A'terceira'carta,'sem'data'assinalada,'embora'provavelmente'
escrita'no'período'entre'1938'e'1944,'foi'dirigida'a'um'“distinguido'poeta”e'consta'
na'Coleção'Fernando'Távora,'entre'documentos'adquiridos'pelo'coleccionador,'os'
quais'pertenceram'ao'poeta'Augusto'Ferreira'Gomes,'amigo'de'Fernando'Pessoa.''
A' caricatura' presente' na' Fundação' António' Quadros,' datada' de' 1934' (fig.'
19),' corresponderia' à' carta' escrita' em' 1938,' a' propor' a' venda' da' caricatura' a'
Augusto' Cunha' (1894@1947).' Esta' caricatura' teria' sido' adquirida' por' Augusto'
Cunha' ao' artista,' e' oferecida,' posteriormente,' pelo' seu' filho' a' António' Quadros,'
segundo' a' reconstituição' da' trajectória' da' caricatura' traçada' atenciosamente' por'
Mafalda'Ferro,'directora'da'Fundação'António'Quadros,'onde'actualmente'a'obra'
se'encontra.'Foi'desenhada'num'papel'grosso'e'acastanhado,'contendo'a'assinatura'
do'artista'sem'a'sua'auto@caricatura,'talvez'por'não'necessitar'de'mais'comentários.'
O' próprio' retrato' do' poeta' contém,' em' si,' uma' mensagem' suficientemente'
explícita.' Nesta' mesma' caricatura' Fernando' Pessoa' foi' representado' de' corpo' a'
três' quartos,' dando,' por' isso,' o' efeito' de' ter' as' “pernas' cortadas”.' A' caricatura'
representava'Fernando'Pessoa'com'pernas'extremamente'finas,'evidenciando'uma'
magreza' acentuada.' Nela' Pessoa' está' em' movimento,' como' se' estivesse' de'
passagem,' sobressaindo,' embora' discretamente' colocado,' um' botão' negro' a'
apertar' demasiadamente' o' casaco,' espetando@se' no' estômago,' como' um' dedo'
apontado'a'denunciar'as'dificuldades'que'o'poeta'sentia.'O'poeta'segura'com'a'sua'
mão' uma' folha' dobrada,' como' se' ainda' estivesse' por' abrir,' pressupostamente'
apontando' o' pouco' conhecimento' que' havia' então' da' totalidade' sua' obra,' e'
igualmente'o'facto'de'o'seu'pleno'valor,'na'época,'ainda'estar'por'reconhecer,'para'

posteriormente,'talvez'quando'o'artista'retomou'os'esboços'originais'para'a'fazer'a'caricatura'para'
publicar'na'Revista)de)Angola)(Fig.'6),'onde'o'olho'se'evidencia'maior'e'em'forma'mais'redonda.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 267


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

lá'do'círculo'estreito'daqueles'que'conheciam'e'apreciavam'Fernando'Pessoa,'e'no'
qual'Teixeira'Cabral'se'incluía.'A'ironia'que'esta'caricatura'contém,'e'que'o'artista'
transpôs'para'o'papel'de'modo'subtil,'não'se'referia'à'própria'pessoa'em'si,'mas'à'
circunstância' que' a' envolvia,' contendo' uma' declarada' crítica' a' acusar' a' situação'
que'envolvia'o'retratado,'a'quem'não'era'reconhecido'o'seu'devido'valor'ou,'pelo'
menos,' não' eram' concedidas' oportunidades' para' tal' poder' acontecer.' Dado' estar'
esta' caricatura' datada' de' 1934,' pode' ter' sido' feita' quando' saiu' a' Mensagem,' e' é'
plausível'que'tenha'sido'preparada'para'assinalar'a'atribuição'do'prémio'do'SPN'a'
Fernando' Pessoa,' visto' Teixeira' Cabral' ter' feito' provavelmente' parte' do' grupo'
daqueles' que' apoiavam' o' poeta' e' esperavam' que' ele' fosse' o' pleno' vencedor' do'
prémio' Antero' de' Quental,' distribuído' pelo' concurso' organizado' pelo' SPN.' O'
facto'é'que'o'poeta'de'Mensagem'não'ganhou'a'categoria'principal'do'prémio'que'
se'destinava'ao'melhor'livro'de'poesia,'para'desilusão'do'seu'“lobby”'de'apoiantes,'
mas' foi@lhe' apenas' concedido' o' prémio' para' “melhor' poema' ou' poesia' solta”,'
sendo' assim' entendido' como' “uma' categoria' secundária”,' conforme' noticiava' no'
dia'seguinte'o'Diário)de)Notícias)e'o'Diário)de)Lisboa'(BLANCO,'2007).''
'

'

'
Fig.(19.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,(caricatura(datada(de(1934,(
Fundação(António(Quadros.8(
'

8'O'percurso'da'peça'foi'reconstituído'por'Mafalda'Ferro'com'a'ajuda'de'seu'primo'Pedro'Cunha,'
neto' de' Augusto' Cunha.' A' obra' foi' adquirida' por' Augusto' Cunha' e' foi' oferecida' a' António'
Quadros'por'ocasião'da'morte'da'sua'tia'direita,'Umbelina'Ferro,'mulher'de'Augusto'Cunha.'Esta'
obra'foi'posteriormente'herdada'por'Mafalda'Ferro'e'doada'à'Fundação'António'Quadros.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 268


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Embora'a'caricatura'adquirida'por'Augusto'Cunha,'por'proposta'do'artista,'
contenha'inscrita'uma'mensagem'de'dimensão'crítica,'os'dois'esboços'guardados'
pelo' artista' no' seu' espólio' (Fig.' 18' e' 20)' não' possuem' o' mesmo' sentido' crítico,'
sendo' apenas' registos' dos' traços' que' fixavam' o' perfil' e' a' expressão' do' poeta' em'
vida.' Nestes' esboços,' Fernando' Pessoa' foi' representado' como' se' tivesse' sido'
“apanhado”'num'determinado'momento'da'sua'vida,'revelando'o'rosto'macilento'
e' o' olhar' pululante' a' projetar@se' num' movimento' em' espiral,' com' toda' a'
significação'mística'e'esotérica'que'a'forma'da'espiral'possa'conter.'
'

'
Fig.(20.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,(esboço.(
'
No' entanto,' tendo' sido' esta' caricatura' realizada' em' 1934,' e' trabalhando'
Teixeira'Cabral'para'o'Diário)de)Notícias,'onde'publicava'frequentemente,'podemo@
nos' interrogar' sobre' a' razão' pela' qual' a' caricatura' de' Fernando' Pessoa' não' foi'
publicada' em' 1934' ou' em' 1935,' quando' da' atribuição' do' prémio' do' SPN' pela'
Mensagem' como' melhor' poema,' ou' mesmo' no' período' após' a' morte' do' poeta,'
quando' os' jornais' noticiaram' o' seu' óbito.' Tanto' mais' se' considerarmos,'
inclusivamente,'que'no'Diário)de)Lisboa'de'6'de'Dezembro'de'1935'foi'publicado'o'
retrato'em'desenho'de'Fernando'Pessoa'da'autoria'de'Almada'Negreiros,'em'que'o'
rosto'do'poeta'surgia'rígido'e'esguio,'como'se'fosse'uma'máscara'mortuária'a'que'
Almada'tinha'acrescentado'os'óculos'e'o'chapéu.'Mais'tarde'esta'imagem'ganharia'
corpo'nos'dois'retratos'a'óleo'que'Almada'fez'para'o'restaurante'Irmãos'Unidos,'
em' 1954,' e' dez' anos' depois,' em' 1964,' para' a' Fundação' Gulbenkian,' pretendendo'
assim'o'artista'elevar'a'memória'da'imagem'mítica'do'poeta'da'Geração'de'Orpheu.'
Será'de'realçar'que'o'original'deste'desenho'de'Almada,'que'veio'então'publicado'
no' Diário) de) Lisboa,' e' que' tem' servido' de' inspiração' a' uma' série' de' imagens'
estereotipadas' que' habitualmente' circulam' para' representar' Fernando' Pessoa,'
pertenceu' à' colecção' de' Agostinho' Fernandes,' tendo' sido' vendido' em' leilão' no'
Palácio'do'Correio'Velho,'em'2001.'O'desenho'continha'a'seguinte'anotação'escrita'
pelo'punho'do'seu'autor:''
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 269


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
Este'desenho'foi''
feito'ao'regressar''
do'enterro'de'Fer@''
nando'Pessoa.''
Almada.9''
'
É' de' supor,' então,' que' uma' caricatura' da' autoria' de' Teixeira' Cabral,' com'
todas'as'suas'crassas'subtilezas'críticas,'não'fosse'conveniente'para'acompanhar'a'
notícia' da' morte' de' Fernando' Pessoa,' que' veio' no' Diário' de' Notícias' de' 3' de'
Dezembro' de' 1935,' com' o' título' “Morreu' Fernando' Pessoa,' grande' poeta' de'
Portugal”,' acrescentando' logo' na' segunda' linha' a' designação' de' “poeta'
extraordinário' da' Mensagem,' poema' de' exaltação' nacionalista”.' Esta' notícia' da'
morte'de'Fernando'Pessoa'que'vinha'no'DN,'jornal'do'regime'político,'encontrava'
consonância'com'a'notícia'que'vinha'no'jornal'Bandarra,'de'7'de'Dezembro'de'1935,'
que' trazia' o' título' “Morreu' o' grande' poeta' nacionalista' Fernando' Pessoa”.' É'
possível' que' António' Ferro,' diretor' do' SPN,' que' conhecia' Fernando' Pessoa' de'
longa'data,'desde'os'tempos'da'revista'Orpheu,'tivesse'intenção'de'reabilitar'o'mais'
possível'a'figura'de'Fernando'Pessoa,'chamando@lhe'“grande'poeta'nacionalista”'e'
dando'a'conhecer'melhor'o'poeta.'Neste'sentido,'diga@se,'em'boa'verdade,'que'não'
seria' alguma' caricatura' do' poeta' da' autoria' de' Teixeira' Cabral' a' melhor' maneira'
para' ilustrar' uma' notícia' com' a' sua' morte' e' evocação,' que' servisse' e'
acompanhasse,'na'medida'mais'correcta,'qualquer'notícia'ou'artigo'contendo'uma'
caracterização'nacionalista'do'poeta.'Mas'é'também'de'referir'que'a'caricatura'de'
Fernando' Pessoa' realizada' por' Teixeira' Cabral' nunca' foi' publicada' na' revista'
Momento,'com'a'qual'o'artista'colaborou'e'que'foi'dirigida'por'gente'com'quem'o'
artista' mantinha' ligações' de' proximidade' e' cumplicidade' artística' e' intelectual,'
como'se'viu.'A'caricatura'da'autoria'de'Teixeira'Cabral'não'era'o'desenho'de'um'
rosto' mortuário,' nem' possuía' uma' intenção' de' mitificação,' nem' a' sua' imagem'
evocava,'em'si,'qualquer'espécie'de'memória'louvável'do'percurso'do'poeta.'Pelo'
contrário,'a'caricatura'de'Fernando'Pessoa'estava'traçada'cruamente'com'as'linhas'
que'a'própria'realidade'lhe'tinha'traçado.'
A' caricatura' de' Fernando' Pessoa' realizada' por' Teixeira' Cabral' foi'
publicada,'pela'primeira'vez,'no'jornal'Acção,'de'30'de'Novembro'de'1944'(Fig.'1),'
na' celebração' do' nono' aniversário' da' morte' do' poeta' dos' heterónimos.' Portanto,'
decorridos' dez' anos' desde' que' Teixeira' Cabral' tinha' retratado' presencialmente'
Fernando' Pessoa.' A' caricatura' apresentava' somente' o' rosto' de' Fernando' Pessoa,'
com' o' olho' em' espiral' e' a' copa' do' chapéu' como' se' estivesse' a' elevar@lhe' o'

9'Aliás,'era'habitual'quando'se'noticiava'a'morte'de'alguém'de'relevo'vir'publicado'o'desenho'do'
seu' rosto' funerário' –' veja@se,' por' exemplo,' quando' foi' da' morte' do' pintor' José' Malhoa,' a' notícia'
publicada'no'DN,'em'Outubro'de'1933,'com'o'título'“A'arte'portuguesa'de'luto'–'Morreu'o'pintor'
José'Malhoa”,'notícia'esta'acompanhada'de'um'desenho'a'representar'a'sua'máscara'mortuária,'da'
autoria'do'pintor'Fausto'Gonçalves.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 270


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

pensamento.'No'entanto,'e'apesar'de'a'caricatura'que'foi'publicada'no'jornal'Acção'
estar' cingida' apenas' ao' rosto' de' Fernando' Pessoa,' com' a' subtileza' própria' de'
Teixeira'Cabral,'a'ironia'recaía'sobre'o'laço'no'pescoço'do'poeta,'de'pontas'soltas,'
como' se' fosse' uma' cruz' ou' um' risco' cruzado' a' assinalar' negação.' Quase' toda' a'
página'do'jornal'Acção'era'dedicada'ao'poeta,'com'o'título,'em'cima,'“Qual'o'lugar'
de' Fernando' Pessoa' na' poesia' portuguesa?”,' a' ilustrar' declarações' de' Hernâni'
Cidade.' De' cada' lado,' no' canto' superior' esquerdo' e' no' canto' superior' direito' da'
página,' figuravam' a' “caricatura' por' Teixeira' Cabral”' e' “o' célebre' retrato' de'
Almada”.' Aos' lados,' vinham' depoimentos' de' várias' personalidades.' Jacinto' do'
Prado'Coelho,'referia'que'a'“sua'posição'perante'a'vida'permite'uma'interpretação'
do'seu'caso'e'do'lusitanismo)da)grei”;'Moreira'das'Neves,'padre,'poeta'e'jornalista'
de' Novidades,' apontava' que' o' poeta,' “crivado' de' enigmas' e' com' sede' de' luz,'
debateu@se' entre' Deus' e' o' Poder' das' Trevas”,' acrescentando:' “lastimo' todos' os'
erros' que' Fernando' Pessoa' não' soube' evitar”;' enquanto' António' Lopes' Ribeiro'
ressaltava'“a'sua'projecção'de'iniciado,'de'quási'profeta,'na'compreensão'actual'do'
Mundo'e'do'Além”.'No'entanto,'no'canto'inferior'esquerdo,'surgia'uma'opinião'de'
Augusto' da' Costa,' transcrita' do' periódico' Domingo,' que' poderia' explicar' a'
presença' ali' da' caricatura' de' Teixeira' Cabral,' e' também' a' sua' ausência' em'
anteriores'publicações.'Escrita'de'forma'capciosa,'talvez'para'ludibriar'a'censura,'
este'depoimento,'na'sua'totalidade,'dizia'o'seguinte:''
'
Na' edição' das' obras' completas' de' Fernando' Pessoa,' e' no' estudo,' que' necessariamente'
alguém' fará,' da' personalidade' do' autor,' que' não' esqueça' o' fundamental:' aquilo' que'
Fernando' Pessoa' ‘assinou’' com' o' seu' próprio' nome.' Espremendo' bem,' talvez' seja' fácil'
demonstrar' que' os' heterónimos' (isto' é:' os' nomes' falsos' de' Fernando' Pessoa)' eram' todos'
liberais,' democratas,' comunistas' ou' anarquistas,' verdadeiros' “valores' humanos”,' na'
expressão' posta' em' voga' pela' “juventude' do' Chiado”;' será' porém' difícil' provar,' sem'
prévio' entorse' à' verdade,' ou' prévia' falsificação' do' pensamento' do' autor,' que' Fernando'
Pessoa'não'foi'escritor'e'poeta,'mais'que'nacionalista'–'imperialista.'
(COSTA,'30'de'Novembro'de'1944:'8)'
'
''O' autor' destas' palavras,' Augusto' da' Costa,' tinha' sido' um' dos' vencedores'
do' concurso' organizado' pelo' SPN,' em' 1935,' para' o' prémio' António' Enes,' na'
categoria' de' jornalismo' (BLANCO,' 2007).' O' seu' livro' premiado,' Portugal,) vasto)
Império.)Um)inquérito)nacional,'incluía'uma'entrevista'a'Fernando'Pessoa'que'tinha'
vindo'publicada,'pela'primeira'vez,'n’O)Jornal)do)Comércio)e)das)Colónias'nº'21693,'
de'28'de'Maio'de'1926,'dia'em'que,'precisamente,'se'deu'o'golpe'militar,'conhecido'
como'Revolução'de'Maio,'que'pôs'fim'à'Primeira'República'e'levou'à'implantação'
da' Ditadura' Militar,' mais' tarde' denominada' Ditadura' Nacional,' que,' com' a'
aprovação'da'Constituição'de'1933,'se'transformou'em'Estado'Novo.''
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 271


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

''' '
Fig.(21.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral.(Revista'de'Angola((Luanda),(recorte.(
Fig.(22.(Caricatura(de(Fernando(Pessoa([s.d.](vendida(no(leilão(Trocadero.(
'
Augusto'da'Costa,'que'elevou'Fernando'Pessoa'enquanto'nacionalista,'para'
ganhar' o' prémio' (isto' é:' o' dinheiro' que' lhe' faltava' para' viver),' no' artigo' de'
opinião,' acaba' por' lembrar,' além' da' imagem' de' nacionalista@imperialista' que' ao'
poeta' se' colou' em' vida,' outras' vertentes' do' poeta' e' pensador' da' “juventude' do'
Chiado”,'nomeadamente'a'partir'dos'seus'heterónimos.'Considerado'este'aspecto,'
talvez'seja'possível'melhor'observar'e'entender'as'caricaturas,'a'partir'dos'esboços'
originais,' em' que' Teixeira' Cabral' retratou' Fernando' Pessoa,' evocando' nelas' a'
personalidade'do'pensador,'do'escritor,'do'poeta,'em'suma,'do'verdadeiro'“valor'
humano”,' como' referia' Augusto' da' Costa' na' opinião' que' vinha' transcrita' na'
mesma'página'do'jornal'Acção'em'que'foi'publicada,'pela'primeira'vez,'a'caricatura'
realizada'pelo'artista.'A'personalidade'que'Teixeira'Cabral'ali'retratava'em'traços'
sintéticos'rebatia,'por'si'só,'todas'as'possibilidades'de'plena'apropriação'por'parte'
de' qualquer' tutela' que' se' lhe' quisesse' impor' ou' o' tornar' submisso' a' um' modo'
programático'de'pensar,'de'ser'e,'em'última'análise,'impossibilitava'a'apropriação'
da'sua'Arte.'Em'Fernando'Pessoa,'é'esse'indivíduo'que'Teixeira'Cabral'observou,'
sentiu' e' retratou' pela' sua' caricatura:' alguém' que' reconhecia,' porque,' na' tradição'
da' “juventude' do' Chiado”,' entendia' profundamente' esses' “valores' humanos”'
como'sendo'próprios'de'um'espírito'renovador,'criador,'livre'e'independente.''
Tanto'na'caricatura'datada'de'1934,'como'nas'outras'duas'em'tinta'da'China'
(Figs.'22'e'23)'que'se'conhecem,'em'que'o'poeta'surge'de'corpo'a'três'quatros,'ou'
mesmo'naquela'que'foi'publicada'no'jornal'Acção)(Fig.'1),'e'que'se'reduz'ao'rosto'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 272


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

do'poeta,'são'presentes'os'pequenos'sinais'que'denotam'algum'desconforto,'como,'
só' para' aqui' referir' esta' última,' o' laço' riscado' em' forma' de' cruz' à' frente' da'
garganta' ou' o' colarinho' desenhado' com' linhas' irregulares,' na' parte' detrás,' a'
sugerir' a' camisa' engelhada,' assim' como' uma' pequena' sombra' negra' que'
acentuava'a'folga'entre'o'pescoço'e'o'colarinho'que'sugeria'o'poeta'a'envergar'uma'
camisa'grande'demais'para'o'seu'corpo'mais'emagrecido.'Estas'caricaturas,'com'a'
liberdade'crítica'própria'da'caricatura,'faziam'passar'uma'mensagem'de'imagética'
semelhante'àquela'que'se'pode'encontrar'em'escritos'do'próprio'Fernando'Pessoa,'
de'1935,'como,'por'exemplo,'na'poesia'“Um'fato'em'Estado'Novo”,'sobretudo'nos'
versos'que'dizem:'
'
Tens'a'cara'lavada''
Um'fato'de'se'ver''
Mas'não'te'deram'nada,''
Coitado,'para'comer.'
'
Na' notícia' na' página' que' acompanhava' a' caricatura' publicada' no' jornal'
Acção,' Augusto' da' Costa,' na' coluna' que' trazia' a' sua' opinião' sobre' Fernando'
Pessoa,'referia'a'necessidade'de'estudar'a'obra'do'poeta'dos'heterónimos'e'de'se'
conhecer' a' sua' personalidade.' Também' as' caricaturas' realizadas' por' Teixeira'
Cabral' pretendiam' transmitir' o' poeta' como' ele' era' e,' em' última' análise,' a' sua'
personalidade,'no'seu'contexto'próprio'e'na'sua'particular'circunstância.'Também'
as'cartas'que'o'artista'escreveu'a'propor'a'venda'das'caricaturas'eram'dirigidas'a'
pessoas'que'conheciam'o'poeta'e'reconheciam'o'seu'valor.'As'três'cartas'têm'em'
comum'o'facto'de'o'artista'referir'em'todas'elas'que'a'caricatura'é'inédita,'i.e.'que'
nunca'tinha'sido'publicada;'por'isso'pode'dizer@se'com'algum'rigor'que'a'carta'não'
datada' pode' ter' sido' escrita' até' 1944,' data' em' que' a' gravura' foi' publicada' pela'
primeira'vez.'
Nessas'cartas'Teixeira'Cabral'referia@se'ao'“grande'Fernando'Pessoa”,'e'na'
carta' a' Agostinho' Fernandes' (enviada' através' de' Diogo' de' Macedo,' a' quem' o'
caricaturista' pedia' que' estabelecesse' contacto' com' o' coleccionador)' Cabral'
acrescentava'ser'aquela'“caricatura'absolutamente'inédita”'e'acentuava'ser'“talvez'
a'única'que'se'fez'daquele'saudoso'artista”,'não'utilizando'a'mesma'expressão'em'
mais' nenhuma' das' outras' cartas' que' se' conhecem' com' idêntico' teor.' A' ressalva'
quanto'a'ser'“talvez'a'única'que'se'fez'do'saudoso'artista”,'é'provavelmente'uma'
alusão' ao' facto' de' esta' caricatura' ser' supostamente' a' única' de' Fernando' Pessoa'
feita'presencialmente'e'com'o'seu'conhecimento'e'permissão.'
Na'carta'dirigida'a'Agostinho'Fernandes'o'caricaturista'falava'da'“situação'
embaraçosa”'pela'qual'estava'a'passar,'e'na'carta'dirigida'a'Augusto'Cunha,'talvez'
levado' por' uma' relação' de' maior' proximidade,' tratando@o' por' amigo,' explica' a'
razão'dessa'sua'situação,'i.e.'o'facto'de'o'Diário)de)Notícias'ter'deixado'de'lhe'pagar'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 273


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

por'trabalhos.'Portanto,'mesmo'que'não'soubesse'a'intenção'total'do'diário'para'o'
qual' trabalhava,' como' efectivo,' desde' 1932,' Teixeira' Cabral' já' tinha' a' guia' de'
despedimento' na' intenção' da' sua' entidade' patronal.' O' período' ' em' que' Teixeira'
Cabral'propõe'a'venda'das'caricaturas'de'Fernando'Pessoa,'através'destas'cartas''–
pelo'menos'as'duas'datadas'–'corresponde'àquele'em'que'o'artista'Teixeira'Cabral'
passava'por'uma'situação'de'dificuldade'financeira,'que'se'iria'tornar'insuportável'
e' iria' condicioná@lo' ao' ponto' de' o' forçar' a' abandonar' a' sua' independência' e'
regressar'para'casa'da'sua'família,'que'também'vivia'em'Lisboa.'Tal'circunstância'
aconteceu' depois' de' a' censura' o' levar' a' ser' dispensado' do' DN,' pagando,'
provavelmente,'factura'das'“tropelias”'que'ali'tinha'feito'com'as'caricaturas'por'ele'
dadas'a'publicar.'Tentava@se'assim'limitar'a'sua'actividade'enquanto'caricaturista,'
ou' talvez' mesmo' obrigá@lo' a' abandonar' a' arte' da' caricatura' que,' pela' sua'
dimensão' crítica,' incomodava' e' podia' consistir' num' ponto' de' ameaça' à'
estabilidade'do'regime.'Nesse'período'de'embaraço'financeiro,'com'a'intenção'de'
manter'a'sua'sobrevivência'e'autonomia'económica,'Teixeira'Cabral'tentou'vender'
algumas'das'suas'obras'a'coleccionadores'e'apreciadores'da'sua'arte.'Esse'período'
concreto,' que' constituiu' um' golpe' rude' na' carreira' do' artista,' situa@se' a' partir' de'
1938,' e' duraria' até' à' fundação' do' Diário) Popular,' em' 1942,' jornal' onde' o' artista'
passou'a'colaborar'com'regularidade'até'aos'finais'da'década'de'1960.'
Estas'três'cartas'aqui'referidas'estão'assinadas'por'Teixeira'Cabral,'contendo'
a' autocaricatura' do' artista' no' meio' da' sua' assinatura.' Em' nenhuma' delas' vinha'
mencionado' pelo' artista' um' qualquer' valor' a' atribuir' às' obras' em' causa.' Na'
verdade' Teixeira' Cabral' nunca' estipulava' um' preço' às' caricaturas' que' propunha'
para'aquisição,'deixando@o'sempre'à'consideração'do'apreciador'da'sua'arte'que'o'
artista' escolhia' para' entregar' as' suas' obras.' Vemo@lo' expresso' na' carta' dirigida' a'
Diogo'de'Macedo,'onde'se'afirma'que'o'“valor'material'deixo'ao'justo'critério'do'
distinto'Artista”'(EDM@BA@FCG:'DM'273/6).'
A' caricatura' que' foi' leiloada' no' Trocadero,' novamente' de' corpo' a' três'
quartos,'tal'como'aquela'que'viria'a'ser'publicada'na'Revista)de)Angola,'no'início'da'
década' de' 1970,' continham' ambas' uma' imagética' idêntica' àquela' que' estava'
datada' de' 1934' e' que' pertenceu' a' Augusto' Cunha.' Quer' na' caricatura' que' foi'
leiloada' no' Trocadero,' quer' naquela' que' foi' publicada' na' Revista) de) Angola,'
Fernando'Pessoa'transportava'uma'pasta'dobrada'debaixo'do'braço.'
No' espólio' do' artista' constam' mais' alguns' apontamentos' de' Fernando'
Pessoa,' relativos' aos' traços' do' poeta' recolhidos' pelo' artista' como' estudo' para' as'
caricaturas'conhecidas'que'foram'publicadas'ou'vendidas.'
Nas'suas'caricaturas'pessoanas,'Teixeira'Cabral'recria,'afinal,'o'Pessoa'que'o'
artista' conheceu,' observou' e' retratou,' tomando' parte' do' círculo' daqueles' poucos'
que,' na' altura,' já' reconheciam' o' valor' do' “grande' Fernando' Pessoa”,' “daquele'
saudoso'artista”.'
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 274


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Caricaturas(em(grafite'
'

'
Fig.(23.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'

'
Fig.(24.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 275


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Caricaturas(em(grafite'
'

'
Fig.(25.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'

'
Fig.(26.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 276


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Cartas'
'
'

'' '
Fig.(27(e(28(.(Carta(de(Teixeira(Cabral([provavelmente(para(Augusto(Ferreira(Gomes],(
frente,(sem(data.(Colecção(Fernando(Távora.(
'
Distinguido'Poeta'e'Amigo:'
'
Com' os' meus' melhores' cumprimentos,' tomo' a' iniciativa' de' enviar@lhe' um'
desenho' –' caricatura' do' grande' Fernando' Pessoa,' q[ue]' fazia' parte' da' m[inha]'
colecção,'q[ue]'um'conjunto'de'circunstancias'leva@me'a'desfazer.''
Seria' desejo' meu' oferecer@lhe' esse' mesmo' desenho,' mas' a' situação' em' q[ue]'
me'encontro'priva@me'de'tal'fazer,'o'que'me'leva'a'deixar'ao'vosso'justo'critério'e,'
ás'possibilidades'de'momento,'o'valor'q[ue]'achar'por'bem'atribuir@lhe.'
Por' simples' contrôle,' agradeço' me' indique' por' escrito' o' q[ue]' pensou' sobre'
este'assunto.'
Acredite,'meu'amigo,'na'm[inha]'admiração'e'estima'q[ue]'lhe'reserva'o'
'
Teixeira'Cabral10'
'

10 'A'assinatura'inclui'uma'auto@caricatura,'entre'os'dois'nomes.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 277


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Cartas'
'
'

' ' '


Figs.(29,(30(e(31.(Carta(de(António(Teixeira(Cabral(a(Augusto(Cunha((24(de(Dezembro(de(1938).((
Fundação(António(Quadros,(PT:FAQ:AFC:01:001:0684,(páginas(1:3.(
'
Ex.mo'Sr.'Dr.'Augusto'Cunha'
Amigo'e'Senhor:'
'
Meus'cumprimentos'
Creia'q[ue]'se'não'fora'a'situação'embaraçosa'em'q[ue]'me'encontro'de'há'um'
tempo' a' esta' parte' de' maneira' o' incomodaria' mais' uma' vêz' para' o' seguinte' e'
grande' favor:' há' bastante' tempo' q[ue]' não' recebo' vencimentos' do' “Notícias”'
motivo' p[or]q[ue]' a' minha' situação' presentemente' é' bastante' crítica.' Estamos' no'
Natal' e' encontro@me' completamente' “vazio”' de' massas.' Para' realizar' fundos'
resolvi' distribuir' por' pessoas' amigas' alguns' originais' meus' q[ue]' têm' sido'
regularmente'recebidos.'
Achei' por' bem' reservar' para' o' meu' bom' Amigo' uma' caricatura' inédita' do'
grande' Fernando' Pessoa' q[ue]' julgo' dever' interessar@lhe' assim' como' do' Ministro'
dos'Colonias.'Não'faço'preço.'O'que'o'q[ue]'o'meu'Ex.mo'Amigo'puder'enviar@me'
será'do'coração'recebido.'
Muito'grato'lhe'fico'por'este'enorme'favor,'o'admirador'incondicional'
'
Teixeira'Cabral11'
'

11 'A'assinatura'inclui'uma'auto@caricatura,'entre'os'dois'nomes.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 278


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Cartas'
'
'

' ' '


Figs.(32,(33(e(34.(Carta(de(António(Teixeira(Cabral(a(Joaquim(Agostinho(Fernandes((
(11(de(Janeiro(de(1940).(Espólio(Diogo(de(Macedo(|(Fundação(Calouste(Gulbenkian(–((
Biblioteca(de(Arte,(Cota:(DM(290/10,(páginas(1:3.(
'
Ex.mo'Sr.'Agostinho'Fernandes'
Ex.mo'Senhor'
'
Meus'cumprimentos'
A'situação'embaraçosa'em'que'me'encontro'presentemente'leva@me'a'desfazer'
da' minha' colecção' de' caricaturas' na' qual' figurava' a' do' grande' Poeta' Fernando'
Pessoa'q[ue]'junto'envio'–'caricatura'absolutamente'inédita'e'talvez'a'única'que'se'
fez'daquele'saudoso'artista.'Envio'a'V.'Ex.cia,'visto'ter@me'sido'informado'que'além'
de' grande' amigo' e' admirador' de' Fernando' Pessoa' é' também' um' distintíssimo'
amador' de' arte' e' bom' amigo' dos' artistas.' Não' faço' preço.' O' q[ue]' V.' Ex.cia' achar'
por'bem'atribuir'por'meu'trabalho'muito'grato'lhe'ficaria'–'visto'vir'suavizar'um'
pouco'a'minha'situação.'Creia@me'm[ui]t[o]'agradecido'e'obrigado'
'
Teixeira'Cabral12'

12 'A'assinatura'inclui'uma'auto@imagem,'entre'os'dois'nomes.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 279


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Testemunho'
'
Depoimento'do'sobrinho'de'Teixeira'Cabral,'actual'detentor'do'espólio'do'artista,'
que'herdou'de'sua'mãe,'irmã'do'artista'e'em'casa'de'quem'o'artista'viveu'desde'o'
início'da'década'de'1960'até'à'sua'morte,'em'1980.'
'
A'propósito'de'Fernando'Pessoa,'lembro@me'de'ter'sido'habituado'a'ouvir'
falar'dele,'com'grande'estima,'ao'mesmo'tempo'que'ouvia'o'meu'tio'contar'
histórias'cheias'de'graça'relacionadas'com'Fernando'Pessoa.'Foi@me'sempre'
transmitida,' desde' a' minha' infância,' a' imagem' de' Fernando' Pessoa' como'
um' génio,' como' alguém' verdadeiramente' Grande.' Em' minha' casa' havia'
obras' de' Fernando' Pessoa,' penso' que' aquelas' primeiras' que' foram'
publicadas'pelo'Casais'Monteiro'e'também'o'livro'sobre'a'vida'e'a'obra,'de'
Gaspar'Simões,'com'a'primeira'página'escrita'com'uma'dedicatória'do'autor'
para' o' meu' tio.' Cheguei' a' andar' com' esse' enorme' livro' debaixo' do' braço'
para'o'ir'lendo,'tinha'eu'14'ou'15'anos.'
' Imagine'que,'quando'tinha'6'anos,'a'minha'mãe'e'o'meu'tio'levaram@
me' um' dia' ao' café' Avis,' nos' restauradores,' a' seguir' ao' Cinema' Éden,' em'
direcção'ao'Rossio,'para'ali'me'ser'tirada'uma'fotografia,'por'um'fotógrafo'
já'com'alguma'idade'que'costuma'estar'a'tirar'fotografias'naquele'local'com'
uma' máquina' daquelas' antigas' com' tripé' de' madeira,' onde' o' fotógrafo'
metia' a' cabeça' num' saco' de' pano' escuro' para' nos' fotografar.' Era' um'
homem' já' com' alguma' idade' que' costumava' estar' naquele' sítio' a' tirar'
fotografias' a' quem' passava' e' quisesse' depois' ficar' com' a' fotografia,' que,'
passada' uma' meia' hora' já' estava' pronta' e' pendurada' com' molas' numa'
corda' presa' à' parede' da' porta' onde' ele' revelava' as' fotografias,' num'
cubículo'no'interior'do'vão'de'uma'escada'onde'havia'um'pequeno'balcão'
que' vendia' jornais' e' revistas.' Levaram@me' ali' para' tirar' “uma' fotografia' à'
Fernando' Pessoa”' de' chapéu,' casaco' de' fato' e' com' laço.' Disseram@me' que'
era' o' sítio' onde' Fernando' Pessoa' tinha' uma' fotografia' também' de' casaco,'
chapéu'e'laço.'Deram@me'a'conhecer'essa'fotografia'de'Fernando'Pessoa,'e'
de' facto' só' faltaram' colocar@me' na' boca' um' cigarro,' pois' via@se' Fernando'
Pessoa' nessa' fotografia' com' um' cigarro' nos' lábios.' Penso' que' o' fotógrafo'
ainda'era'o'mesmo.'A'partir'dessa'altura,'tinha'eu'seis'anos,'associei'sempre'
os'Restauradores'a'Fernando'Pessoa,'talvez'somente'por'esse'facto.'Quando'
ali' passava' —' e' a' minha' família' levava@me' habitualmente' à' Baixa' —'
recordava@me'de'Fernando'Pessoa,'e'então'imaginei'aquelas'coisas'próprias'
de'uma'criança.''
' Ali'nos'Restauradores,'embora'do'outro'lado,'havia'em'cima'de'um'
telhado'um'enorme'reclame'luminoso,'que'à'noite'acendia'e'apagava,'e'que'
fazia'publicidade'ao'Porto'Sandeman.'Entre'as'luzes,'tinha'a'silhueta'negra'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 280


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

de' um' homem' com' capa' e' chapéu,' do' tipo' do' Zorro.' Para' mim,' aquela'
figura' algo' enigmática,' mas' lá' no' cimo,' como' se' fosse' um' protector' ou'
sentinela' daquele' espaço' da' Baixa' de' Lisboa,' significava' Fernando' Pessoa.'
Nem'dá'para'explicar'o'que'os'miúdos'inventam.'
' '
Fig.(35.(Fotografia(“à(Fernando(Pessoa”((conforme(
era(chamada(pela(família)((
do(sobrinho(de(Teixeira(Cabral,(
tirada(em(11(de(Abril(de(1962((com(seis(anos),(
propositadamente(no(mesmo(local((Praça(dos(
Restauradores)(onde(existem(fotografias((
tiradas(de(Fernando(Pessoa(
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
Fig.( 36.( Imagem( de( um( anúncio(
luminoso( que( se( encontrava( em(
cima( de( um( dos( telhados( no(
extremo( da( Praça( dos(
Restauradores.( Esta( figura,( para(
a( imagem( da( marca( Porto(
Sandman,(foi(criada(em(1928(por(
George( Massiot( Brown.(
Fundação( Calouste( Gulbenkian.
Coleção(Estúdio(Horácio(Novais.(
FCG:Biblioteca( de( Arte( e(
Arquivos(
'
Em' casa' o' meu' tio' contava@me' histórias' de' Fernando' Pessoa,' por' vezes'
muito' engraçadas,' que' ele' contava' a' rir.' Lembro@me' de' ouvi@lo' falar' de'
maneira'mais'séria'sobre'Fernando'Pessoa,'mas'nessa'altura,'não'era'comigo'
que'o'fazia,'mas'com'amigos'ou'familiares,'lá'em'casa.'Sempre'lhe'perguntei'
pela' caricatura' de' Fernando' Pessoa.' Disse@me' que' a' tinha' feito,' penso' que'
me'falou'no'café'do'Martinho'da'Arcada,'mas'que'não'a'tinha.'Durante'anos'
andei'a'perguntar@lhe'por'essa'caricatura,'pois'passava'muitas'horas'com'ele'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 281


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

sentado' à' mesa' do' trabalho,' a' vê@lo' trabalhar.' A' minha' mãe' disse@me' que'
ele' não' a' tinha,' que' nem' ela' a' conhecia,' que' ele' devia' ter@se' desfeito' dela,'
num'período'que'foi'para'ele'complicado,'
Depois' foi' ela' que' me' contou' que' ele' passou' um' grande' período' sem'
trabalho,'que'viveu'mal'durante'um'largo'tempo,'e'que'foi'o'meu'avô'que'
um'dia'o'foi'buscar'e'o'levou'para'casa'junto'da'família,'onde'permaneceu,'
primeiro'com'os'meus'avós,'depois'com'a'minha'avó'e'com'o'seu'irmão'e'
algumas' irmãs,' que' iam' casando' e' deixavam' a' casa' da' mãe.' Mais' tarde,'
depois' de' a' minha' avó' ter' morrido,' veio' viver' para' nossa' casa.' Acho' que'
esse'período'que'ele'passou'foi'bastante'difícil.'A'minha'mãe'conheceu'a'sua'
namorada,'com'quem'pensava'casar.'Acho'que'o'pai'dela,'ao'saber'do'que'
se' passou' com' ele,' sem' trabalho' e' por' aí' adiante,' não' permitiu' que' ele' se'
casasse' com' a' sua' filha,' dizendo' que' os' artistas' não' eram' de' confiar,'
proibindo' que' a' filha' continuasse' aquela' relação' de' namoro' com' ele.'
Naquele'tempo'era'assim.'Acho'que'foi'difícil'para'ele'e'foi'nesse'tempo'que'
começou'a'exagerar'na'bebida.'
Havia'um'monte'de'pastas'e'papéis'que'permaneceram'embrulhados'e'
atados' durante' muito' tempo' dentro' de' um' armário,' que' eram' papéis' seus'
que' tinham' vindo' da' casa' da' minha' avó.' Desembrulhava@os' de' vez' em'
quando'e'punha@se'a'arrumá@los.'Um'dia,'já'nos'finais'de'sessenta,'disse@me'
todo' contente' que' tinha' encontrado' os' esboços' antigos' da' caricatura' de'
Fernando'Pessoa.'Foi'uma'alegria.'Foi'a'partir'desse'momento'que'começou'
a' trabalhar' na' preparação' da' caricatura' para' ser' publicada' na' Revista) de)
Angola.' Lembro@me' que' comecei' por' lhe' fazer' reparos' e' perguntas.' Não'
gostei'da'pasta'que'ele'colocou'apertada'no'braço.'Dizia@lhe'que'aquilo'não'
era' uma' pasta,' mas' parecia' uma' daquelas' malinhas' com' que' as' senhoras'
iam'aos'casamentos.'Recordo@me'bem'de'ele'me'dizer:'
'–'Ó'menino,'o'que'pensas'que'ele'levava'na'pasta,'livros?'...'
'–'O'mais'que'podia'levar'era'um'jornal'e'alguma'folha...''
A' pasta' servia' para' ele' levar' coisas' para' comer,' que' comprava' na'
mercearia'perto'de'casa,'em'campo'de'Ourique.'Chegava'lá,'dava'a'pasta'ao'
homem'que'o'aviava'e'pedia'o'que'queria'num'código'por'números'que'só'
o'merceeiro'entendia.'As'mulheres'ficavam'sempre'curiosas'sem'saber'o'que'
ele'comprava,'quando'pedia'cem'gramas'do'número'cinco'ou'duzentas'do'
seis.'Eram'rodelas'de'chouriço'ou'de'queijo,'um'pouco'de'pão,'ou'azeitonas'
e'coisinhas'do'género'que'era'o'que'ele'habitualmente'comia'e'aquilo'com'
que' se' alimentava.' A' pasta' era' essas' coisas' que' levava;' o' que' ele' comia.' E'
uma' garrafinha' de' dois' decilitros' e' meio' que' enchia' de' aguardente,' uma'
garrafinha'como'aquela'que'eu'conhecia,'daquelas'das'gasosas'da'altura,'e'
que' eu' conhecia' porque' ia' uma' vez' ou' outra' a' seu' pedido' à' mercearia' e'
taberna'ali'perto'para'me'aviar.''

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 282


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Dizia@me' mais,' a' rir' à' gargalhada,' contando' histórias' engraçadas' de'
Fernando'Pessoa,'que'ele'tinha'presenciado.'Lembro@me'de'me'dizer'que'a'
chávena' de' café' que,' na' pintura,' ele' tinha' à' sua' frente' em' cima' da' mesa'
servia'para'café,'mas'para'um,'apesar'de'ele'a'ter'sempre'à'sua'frente.'Mas'
que'depois'de'beber'um'café'era'aguardente'da'garrafinha'que'ele'colocava'
dentro.'Às'vezes'as'senhoras'que'entravam'no'Martinho'do'Arcada'olhavam'
para' ele,' e' ele' pegava' na' chávena' que' tinha' aguardente' e' soprava' para'
dentro' da' chávena' como' se' pretendesse' arrefecer' o' café' que' ainda' estava'
quente.'E'o'meu'tio'contava'esta'história'e'outras'a'rir'muito.'Apreciava@o,'
tinha'por'ele'um'carinho'e'uma'estima'que'eu'só'mais'velho'fui'percebendo.'
A' partir' daquela' altura,' Fernando' Pessoa' deixou' então' de' ser' a' sombra'
misteriosa' do' Porto' Sandeman' e' passei' a' reconhecê@lo' na' caricatura' feita'
pelo' meu' tio.' Ainda' hoje' tenho' um' dos' seus' esboços' emoldurado' na' sala.'
Quando'leio'Fernando'Pessoa'imagino@me'sempre'a'girar'naquele'olhar'do'
Fernando' Pessoa,' ajuda@me' a' subir' e' a' chegar' até' ele,' e' a' circular' pela' sua'
poesia...'é'fantástico,'gosto'muito'da'caricatura'e'junta'duas'pessoas'de'que'
me'habituei'a'gostar:'o'meu'tio'e'o'génio'Fernando'Pessoa.'
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 283


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Jornais'
'
'

Qualo lugarde FernandoPessoa


na.PoesiaPortuguesa?
~===r
OU\ INDO O PROF. HERNANICIDADE
O :~·~;,d~l~~eJeLc~;::\~ee
UlSl::llOS ouvir o doutor Her - em aua aet ividsd e aub-contclent.e, pr l- fluir, ja.mai1 delxa de lhe provocar a acti-

_
~~s!:·, ::r:;!
~t:~:\!;::: v~~=
crin co e hb.'.orlaJur da lite• t ra11.1itória, lhe wnqu i1tem oa aplau,os
::~::~
q:~!~:n~;
1c!:.~
~~
~~::•:~
L:;~
tra. A ui m a lJOoeiiam@lhor de Fernando
ri.lura purwgu:·sa, .Wbre doa que anda m com a moda. P,:ssna é aquela que no1 pro,·oca em nóa
P~rna ndo Pe i!ioa, o poeta dn «Mcn- r.tas hse.s ur,ecto1 de Fernando Penoa uma integ ral corr,?Çiio, porque nela pa,·-
aa.gen, ., 1>ara d11u.l na sua cs \CS<lplena são o& rnenOJIreve \ado;'ee da u a irrande ticipam tôdu usf::culdadet, tendo, mai 1 O célebre retrioto de Ailll&da
C.rltalu r e por Telxelra Cabral de dons do in~pir .'l<; fio lnti,na e <le in- e ,·ica perso nalidade. Elita, um pouco di· de uma vez, a inlelii~ncia ~ua parte de
tu"içã0 11.r1i~t:cl - a 0 riuaJ j:, U ,li,11u fícil da definir. ·Mu , -a t.ent!-lo, fliiO é leão.
A projecção do
~::~
::!~\
:~
~i;::;~;:

::::
~I:~~ ~~~:;:::n1:::~:~~;:~~::~:~J~:c~:l~:a~::l'.:1r:; ~:=f~:1!;1 ;;; d!::~i : h~ ::~:-~~t7~,i~ &e~;~:,:::si::~~e l::::c.o~::~ poeta segundo
•hdade e sobre a obra do extraordi-
,nário
onde l 1•rimcira vist>1 0 Lomi::i>~tu
,poet a que foi F ermando eleglucia .úllr:a 11,,5 dr:xam aJi\' :11~11.\'
e • nicar a sua riqueza interior , que rc~ulta António Lopes
r,
P.essoa, falecido faz hoje vreci.sa - int,l,ctual d~ fina rae.,, que ali tem me·
precisamente dcua participa. ;io de todos
, Ribeiro
A
o, ree11rsos do seu e,,pirit.o nos movimen•
men te no\'e anos. ditado e ,l~li tem lan<;,.do p:na cs !•N· de ti>du u foculdadu da 111a alma.
los du mai, ,·aliM;is p;','!'nns q11e hoje _ llá critico, que , 1uerem ver em Fl!t· projeeçio da Fernando Penoa 7
O inquéri to ,prosseguirá no ,pr ó· se escrewn1 em l'nrt ur.;il. nando Pessoa um poet.aeuroi~u, vor isso A projec~io d, su, obu7
xim o 'llÜmero. O prof. ll e,·nã.ni Cid~dc entra capon· mes!l','J alheado da forma peculiar do li- Admir,hel palavra, 1d, pala.
tãneamente no ass1,·1to dn nossa cnll'e· rismo portugu ê~. Conçorda V. Ex. • com vro «projecçio», ptr, empregar em re-
"ista : esta mone1ra de ver o cuo de Pc.saoa! la~âo 1 ,mbos! Farntndo Peno, «pro--
te:-1~0e~'.:~1~0~~n~::s1~:,:,,,1;~•~:;,:d~,·i~~:1:~~ de-;~:\~~~ ~x::::.:e~:,i:u:~
1
1;!~:jeclou-s ~» de ~·~to sób~e tôd, umt •r-
1·Sccui-~,-~,:;·~~~'~:,:u~
..~:c~n;~~;c~,::~:;1~:.~ 1:: ::~:0;11 ~e;~~~;:~·
;e~:~::
1
DepOimenfO de ;;~;:1~,i~~ ~-;~.-i::i;~ ;:!::r::1c;:~ ·:::e~e:~:
Moreira das Neves grande, :;.r:1\ui:<>.
·) t.J é 11;",ué <1u,· \C~J I ao mesn,o tempo uni,·lh~l e IID~" nul. L a ena époc,, tio mal,inada e tio mel-
Joodeaer, num nu ,·uutN t:i><•, ,; prunica· daro que Cami:,c1mio é nadonul, pun1uc quislo1. Mu, por ser a êfOCt de F.r-
ERNANDO PESSOA foi o que o ta:~:I'::.~. cm 1-"ci-na,;do i'css.,a h' d~

F
estilizas.se na forma ou cump]içn.:;11enus nando Peno, vtl eu a pen,, par, pod er
grtnde teólogo ,lemio Dr. Klug
chameria dum, ntlureH pro·
_ ... De ll'anailvrio~
_ Sim. o q,ocia, ,·ivt, nêle, par.,det
:~0n:: r:~,,lítt,
10
1 0d~:.i~:n:!º;~ .~7i;~1\::
0

conviver com i!e, como Homem o como


i:u . Quando, pela intelii;ênd:i e pcl:i scn- Poeta, com • humildade do homem e 1
blemMic,. Criv,do de enigme.s e com mei&1com o intckct<.àl, a quctn ,ul..rcludn ai~1lidade, KUL'[Jl"Ce
nJcm o ta ptom 110 vc,·- allivet do po et, . 0i1er que • sua in•
séde d, 1111,debat eU·IO entro Deus " o p,·endem us &Ub tilczus, os p1·.",pdosc~p-co- •'EHNAN OO PESSOA bo harmoni o,;o e lumino10 O 10 11 ,uun,lo fluénc<a foi muito 9r1nde om mim, e que
Poder dts Trevu. Dai O herme tismo de t~culo. da açti\·idadc cerebral; e uindu, Desenho de Jo1é Videira interior, é na tu_ra\ <111~ nece \'Hl><1 r,·· continua , eurcer-se _ é qu,hi uma
muitos dos seus versos e o pendor pro·
féfieo de tento s outros. L,itimo todo s
~:mj:~t~~::i
1
~:i~c:,~e:i~:: ::,! !::
:
11 11
dadc a um tempo fina e profunda, o~r·
lavra1 . í: 1oouí,·cl que i~~o lhe ti-111:11,vad1 1.n, todos os seus mais lnt imo1 ell·
~:s::~~mf:n~:,:~~:tº !!e ta! mua.du, ' banali~edeE po,ba u pe~oas dhe minh~
Naa flore:. nóticu, se u 1ulm1<e tcr:n u.. g.eraso1o. em. º'' eu neo t en • ,par e. '
os irros qu e Fernando Pessoa não soube a11la11-, )>U;itoque ,cj::i. o que menos trç111C1:lmenlos, por uma inlcligênda d2 a anUise , é n.tural 1-e encoutrem clemcn- c,do , nem que1r1 •perecer nunca, eomo
.vitar. Mli tdmiro néle, com profund, pode rc,·elai- o gr:rnde ]lOC1:t que ~lc foi. culturllo e :l.l!11dezauceJ>tionalluimu. t<>1 que denunciem a ..,,n,do terra 1•11r11 pa ruila liter,l,rio de Peno•, preto-me
sifK'tridade, um 4os poefts m11isdensos T~Wm hi. em J,'~rn~ndo l' ,uc.:1. " pn· - Viato isso, qual a influ~neia e a onde furam tran splantadn. Mn , suced<c de t er sido por minhu mio, que, com
de liter,tur, porlugueia. tempoi-ineo e leitor daqucl:1 poe11i:1d, pivj~ão do dado ernoti\·o na poe1ia de mais de uma vez que, se a forma O: iuac- iluitr ,çõe s de Almad, Negreiros, três
~o:;'r 1 1
~,m~;~mi~:. :~:'~ªe,_':i."~ª 1 ;,:,.::', ,~ 1-':i~ml:a~:·~:,:ti,·o, m~mo quand~ ~::•:e:,.!:,:u~~ã~:i:'.ê~!~~~::!::
tot e.maranhamentos do mundo interior, cn1itndo pela e.•l>!'essãoem 1cu espontànto zu e o hum11s de qce emergem.
!:::ti~
~em~s d, • Menug~m11 ~~;g•ra m pe~,
pnmcor, vez ao gran '! pu oco, nu P •
ginu do «Suplemento Lite r.Srio11 do
«Diário de Lisboa», que o Dr. Joequim
Fala Manso e Pedro Bord,lo Pinheiro mah .,.
Afonso Lopes
Vitorino Nemésio
viam confiado ne111 • lture.
E hli um, outra inr.uéncie que gosta.
Vieira rio1der eferir:a1uaproj ecçiodetufin-
lico o:inici,doa, d, quli1i profet,, na
O qu• conheço melhor da ob re de
compreen1io 1ciu,I do Mundo e do
Fernando Penoa, c Menugem», ond e (Cunclo:~Uu ,1., J.• pciyin:,) vei1 - ma~ que ,rrit.am oa nouoa <li· •eu primeiro Jivr<-, e mio pode Cei~n Alêm. M1s ino ptr ece que, como tódu
renovou com ert. a 111nsi
bilidede eer to1 ter >1t.os~
... de 4Jl:1$
\ichc•. de sorr!.l"·se, lah· ~i da!gum:i. ingenuida- as coi111 verd,de iramente impor+entes,
:~:~;.S; ,~ci:; r:;~ ~o d:~ :::~éd:
0
;;e~ 111 :-é
rio V~1·J~. obj~cti"''· <lcserit;rn , l""I.:,
.::ciC::,
:::~~·::
: 1 1
:11:~ra': · ro::~:~~o d:cn:~ ·~:,tf:~ "·;::
1,1.1raO i:·~nero lhe ncL"am de lorn , úu1
~:-~:u::s~.b~
1
ª~ dn~e: :~~i:i::;"~i~:: •inda nio se tome • 1irio
foi o cvelho, A11,tra <1c. Frcqiic-11
ta q, J
qua me fi 1 deidenh11r outra que eu ti· prujc.:tar ·-f , como tom sitlu frl"•1uc111,·, 1,10.avr,au ,1u.:,111 d~,·e a 1 u1 goati,Jf,o 11ua tipografia foi J:i que &e imp,·in,io
nh, tentedo. num au tor . t.1119 Alltcru, su~jcdi1·0, cspe. çon,u ~k•tn t : _ N:i técnic11, i.;ça JJ\· o meu cCn1>1u~lati,,~ 1,, ,·cr11ns ,loi 1.-.

:::::;;:~: i\)f;
t~?:j3;~\::ii:;!:lf
~r.~~i~~;;:;;;;:: ,:::~ :::;'.~~::f l;::
:~~'.:~l,:i~):i;;::i:if
'.;(\;~I~,~:',;;:;'.J,;::;':M~ ~:','.:~::;'. Au~~ioin~!º ~~sta
ci11&. 111~~,~;~:
ta~~:Í• ·;~:::~:n~
1 1
'.~,:,v:·::~
;;; ~"'~: !i~,:~~r~~;i; ·: :··::lu: :::::/e,.;:
~::· N, edi~io du obr.s completu d•
-:.,:,.ª;.:;~1; 11
1 1
1
~.,:l!',,:,~'.:"':~~·;i,l~,t:··:'i', :1~: ,:~,:~: i , "~,,::l~~:c:.
111 :::;a i~:_:el!~i ..t.au!o <1oe 11~,a dizer-n us, :::~;,~~:.::;
1
:~~ :;ºf,:t~:·
11 ;~ ::
0
Palavras do romandI'.~, '!UU difr1·~w:a v,c,1cial cxi;;- um pont,:, :.l~ contaet11 .i1t1'\l " uutv,· ,Je
tC ~ntre '• r,m,ancc e ;i '"''"' !a.'
l'ara terminar, e ji que e;táv&mo.: lid•de do autor, qu, nio esqutç• o fun•
«IJa11hue ~P&n~~ ou Sidnq• l l~Tf:ln, , ,n as~uuto de ln!imn inJi1c1·.cao, iat('r demente i: tqu ilo que Fun ,ndo Peno•
Dr. Jacinto do Prado - E i, a l"·ol,,cm.'.itica J., ,..,,.,,11,0., e ,la umi. das f1~ur:1s mui~ Jo•cut,,la , <1,1~"-' 1-og:imo~ Je · chofr~:

Coelho

8 ------------------------------------- - .ACÇÃO• - N.• 189 - 30.11-1944

Fig.(37.(Página(do(jornal(Acção((30(de(Novembro(de(1944)(onde(consta(a((
Imagem(da(caricatura(de(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral(publicada(pela(
primeira(vez,(figurando(ao(lado(do(retrato(realizado(por(Almada(Negreiros(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 284


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

'
Tornai de Notic
11 MOMENTOI''

l'IOCID.I\DE VITORIOSA
1~:":r~b:,t~.~·G:at:
t..~~:: 1H!,:r:,~·;;:::~~
0r1~~
~~~í:::::.:t..d~:~~d~:1!!-~
"lllu•atH falhado1.-Cootra •o• •e lhal • Ser-ou o.1o H r ... -loter<:amblo
Lu10.0a lalco.-Vm senhor que pede a palnra-e lh::a catado .. ,

111/l C IMA: - JOH Á1'sr,<Oto /<de. Lo<léa1111<H>-'l"N-1•<> e.. ...,. AN .... A .. g ... 10,J .. l!G110 R!hl-
ra, Jla.. .. . , ••
º'""'ºr.S e ""· ............ do 'l"Noi•a.-Jl',V SAfX0 :-01
Ltlboo. ! Poria, /i11dll1 ,.. «111Jero11clu, ,,.... .. paro o tJ'onial
t""'d•'º""'lt• "'""" "·
YoUC'ian.

'

que H Htrela ao LONDON CLUB


llok, aRA~g~~J"i'ii~R'.o..i.J~ZAlldorlftliu.
Ser•lço de ,..,,uiura,ue e ltar.

Fig.(38.(Página(do(Jornal'de'Notícias((4(de(Novembro(de(1934)(onde(figuram(
duas(fotografias(com(Teixeira(Cabral(na(conferência(organizada((
pelo(grupo(do(vMomentov(
'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 285


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado

Bibliografia(
(
“A' INGRATIDÃO' deste'mundo'–''Para'quando'a'retrospectiva'sobre'o'eleito'Teixeira'Cabral?”,)in'O)
Momento,'17'de'Janeiro'de'1970,'p.'12.'Digitalizado'de'um'recorte'que'consta'no'espólio'de'
Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'2013:'II,'Anexo'0286).'
ABELHO,' Azinhal'(1934).'“Divergências'de'novos'e'novíssimos:'resposta'a'um'manifesto”,'in'Fradique,'
n.º'41,'15'de'Novembro'de'1934,'p.'5.'
ANTONITO'(1934).'“Teixeira'Cabral”,'in'República,'Lisboa,'18'Maio.'
ARGAN,'Giulio'Carlo'(1995).)Arte)e)crítica)de)arte.'Lisboa:'Editorial'Estampa.'2.ª'edição.'
AUGUSTO,'Artur'(1935).'Imagem.)Ensaios)críticos.)Lisboa:'Edições'Momento.'
_____' (1934).' “Divergências' de' novos' e' novíssimos.' Uma' carta' de' Artur' Augusto,' rua' Carlos' José'
Barreiros,'n.º'20”,'in'Fradique,'n.º'45,'Novembro,'p.'4.)
BARRETO,' José' (2016).' “Os' destinatários' dos' panfletos' pessoanos”,' in'Pessoa) Plural) –) A) Journal) of)
Fernando)Pessoa)Studies,'n.º'10,'Outono,'pp.'628@703.'
_____' (2009).' “Fernando'Pessoa'e'a'invasão'da'Abissínia'pela'Itália'fascista”,'in'Análise)Social,'vol.'
XLIV,'n.º'193,'pp.'693@718.'
BLANCO,'José'(2007).'“A'verdade'sobre'a'´Mensagem´”,'in)A)Arca)de)Pessoa:)novos)ensaios,'Steffen'Dix'
e'Jerónimo'Pizarro'(orgs.).'Lisboa:'Imprensa'de'Ciências'Sociais,'2.ª'ed.))
CIDADE,' Hernâni' (1944).' “Qual' o' lugar' de' Fernando' Pessoa' na' poesia' portuguesa?”,' in' Acção,' n.º'
189,'30'de'Novembro,'p.'8.'
COLAÇO,'Tomás'Ribeiro'(1934).'“António'Botto,'um'poeta'que'não'existe”,'in'Fradique,'n.º'25,'26'de'
Julho,'p.'4.)
COLEÇÃO'Agostinho)Fernandes'(2001).'Lisboa:'Palácio'do'Correio'Velho.''
COSTA,' Augusto'da'(1944).'“Qual'o'lugar'de'Fernando'Pessoa'na'poesia'portuguesa?'A'opinião'de'
Augusto'da'Costa”,'Acção,'n.º'189,'30'de'Novembro,'p.'8.'
COTRIM,'Álvaro'(1965).'O)Rio)na)caricatura.'Rio'de'Janeiro:'Biblioteca'Nacional.'
CUNHA,'Augusto'(1957).'Contos)escolhidos.'Lisboa:'Livraria'Bertrand.'
CUNHA,'Teresa'Sobral'&'SOUSA,'João'Rui'de'(1985).'Fernando)Pessoa:)o)último)ano.)Lisboa:'Biblioteca'
Nacional' de' Portugal.' Catálogo.' Exposição' comemorativa' do' cinquentenário' da' morte' de'
Fernando'Pessoa.'
“FALECEU'Teixeira'Cabral,'um'dos'maiores'caricaturistas'portugueses”,'in'Diário)Popular,'2'de'Julho'
de'1980.'Digitalizado'de'um'recorte'que'consta'no'espólio'de'Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'
2013:'II,'Anexo'0291).'
FERREIRA,' Eugénio' (1933).' “Teixeira' Cabral”,' ReFnhauFnhau.' Digitalizado' de' um' recorte' que' consta'
no'espólio'de'Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'2013:'II,'Anexo'0267).'
FÍUZA,'Mário'(1935).'Tatuagens.)Lisboa:)Edições'Momento.'
“GRANDE) Teatro' Carnavalesco”,' in' Diário) de) Notícias,' n.º' 23715,' 9' de' Fevereiro' de' 1932,' p.' 1.'
Caricaturas'de'Teixeira'Cabral.''
HOVORKOVA,' Nataliya' (2013),' As) caricaturas) de) Teixeira) Cabral) no) seu) contexto) histórico.) Início) da) sua)
carreira) e) contribuição) da) sua) actividade) artística) para) a) arte) nos) anos) 30) do) século) XX.)
Dissertação.'Lisboa:'FCH'/'Universidade'Católica'Portuguesa.''
LE' DESSIN' au) Portugal:) 1900F1940) (1981),' Paris:' Fundação' Calouste' Gulbenkian,' Centre' Culturel'
Portugais,'Maio.'
LANÇA@COELHO,' José' (2009).' “Fernando' Pessoa' &' heterónimos.'Da' memória…' O' meu' percurso'
pessoano”.'23'de'Abril.''http://cempalavras.blogs.sapo.pt/98525.html' (consultado' a' 28' de'
Outubro'de'2017).'
MACEDO,'Diogo'de'(1934).'“O'caricaturista'Teixeira'Cabral'visto'pelo'escultor'Diogo'de'Macedo”,'in'
Diário)de)Lisboa,'n.º'4143,'30'de'Maio,'p.'3.'
“‘MOMENTO!’'Mocidade'vitoriosa”,'Jornal)de)Notícias,'n.º'257,)Porto,'4'de'Novembro'de'1934,)p.'4.)

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 286


Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
MOMENTO) (1933@1935),' “MANIFESTO'DE'ARTE'E'CRÍTICA”,' revista'de'periodicidade'irregular,'2.ª'série:'
n.º' 1' (Dezembro' de' 1933);' n.º' 3' (Janeiro' de' 1934);' n.º' 4' (Fevereiro' de' 1934);' n.º' 5' (Março' de'
1934);'n.º'6'(Novembro'de'1934);'n.º'7'(Janeiro'de'1935);'n.º'8'(Abril'de'1935);'n.º'9'(Dezembro'
de'1935).'Lisboa.'Biblioteca'de'Arte'—'Fundação'Calouste'Gulbenkian.'Cota:'579.'
“NA'PRIMEIRA'fila…'O.'S.”'(1935),'in'Dominó,'n.º'1,'5'de'Janeiro,'p.'2.)Caricatura'de'Oliveira'Salazar,'
por'Teixeira'Cabral.'
OLIVEIRA,' Luís' Amaro' de' (1999).' António) Botto) –) Bibliografias.' Lisboa:' Biblioteca' Nacional' de'
Portugal.'
“O' NOVO' Atlas”'(1935),'in'Diário)de)Notícias,)n.º'25013,'5'de'Outubro,'p.'11.'Caricatura'de'Teixeira'
Cabral.)
“O' POETA' António'Botto'evocado'na'sua'velha'Alfama”'(1967),'in'Portugal)D’Aquem)e)D’Além)Mar,'
n.º'119,'Lisboa,'Março,'p.'23.'
PAOLO,' 1928F1975.)Exposição)atravez)de)obra)de)Paolo)Ferreira.'[Catálogo'da'exposição:'Julho'–'Agosto'
1978].'Lisboa:'Fundação'Calouste'Gulbenkian,'1978.'Introdução'de'Jorge'de'Sena.'
PESSOA,'Fernando'(1980).'Textos)de)crítica)e)de)intervenção.'Lisboa:'Ática.'
_____' (1967),'Páginas)de)estética)e)de)teoria)e)crítica)literárias.'Textos'estabelecidos'e'prefaciados'por'
Georg'Rudolf'Lind'e'Jacinto'Prado'Coelho.'Lisboa:'Ática.''
RIBEIRO,' Armindo' (1972).' “António' Teixeira' Cabral”,' rubrica' “Postal' de' Lisboa.' Busto' de' gente'
celebre”,'in'Notícias)dos)Arcos,'Arcos'de'Valdevez,'29'de'Janeiro'p.'4.'
RODRIGUES,'António'(1989).'Christiano)Cruz.)Cenas)de)guerra.'Lisboa:'Quetzal'Editores.'
RODRIGUES,' Manuel' M.' (1934).' “A' arte' da' caricatura' pessoal' e' um' dos' seus' mais' modernos'
representantes”,)in'Ilustração,'n.º'203,'Lisboa,'1'de'Junho,'p.'8.'
SALAZAR,'Oliveira'(1935).'Discursos)1928F1934.'Coimbra:'Coimbra'Editora.'
SILVA,'João'Schwarz'(2017),'“Artur'Augusto'Silva”,)Des)Gens)Intéressants.'
http://www.desgensinteressants.org/artur@augusto@silva/index.html' (consultado' a' 28' de'
Outubro'de'2017)'
SOUSA,'João'Rui'de'(1988).'“Fernando'Pessoa'e'o'Estado'Novo”,''in'Jornal)de)Letras,)Jornal)de)Letras,)
Artes)e)Ideias,'n.º'310,'14'de'Junho,'pp.'10@13.''
SOUSA,'Osvaldo'de'(2006),'“Fernando'Pessoa'caricatural”,'Humorgrafe.))
' http://humorgrafe.blogspot.pt/2006/11/caricaturas@crnicas@19.html' (consultado' a' 22' de'
Novembro'de'2016)'
_____' (1997).' Teixeira) Cabral) –) A) caricatura) síntese.' Lisboa:' Edição' Humorgrafe.' Cátalogo' da'
exposição.'
“TEIXEIRA' Cabral:' o' AZ' da' caricatura' sintética”' (1931),' in' Notícias) Ilustrado,' n.º' 175,' 8' de' Outubro,''
pp.'12@13.'
VASCONCELOS,'Mota'de'(1958),'“Teixeira'Cabral'–'um'grande'caricaturista'português'que'ainda'vive'
na'fulguração'memorável'do'seu'antigo'esplendor,'pagando'à'boémia'o'tributo'dos'artistas'
célebres”,'in'AçoresFMadeira,'n.º'9,'Revista'anual,'Funchal,'pp..'22@24.'
'
)
As)imagens)da)autoria)de)Teixeira)Cabral)que)constam)neste)trabalho)foram)publicadas)com)o)consentimento)
do) seu) sobrinho,) herdeiro) dos) direitos) de) autor) do) artista,) e) com) o) consentimento) dos) proprietários) dos)
respectivos)espólios.)

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 287


Alfredo(Guisado(and(the!Orpheu(Affair:((
Tracing!the!Magazine’s!Reception!and!Impact!through!
the!Távora!Archive!
!
Patrícia Silva*
!
Keywords(
!
“Making<of”! of! Orpheu,! Reception! in! national! and! international! periodicals,! Alfredo!
Guisado!and!Orpheu,!Guisado’s!poetry!and!Pessoa,!Paúlismo!and!Sensationism!!
!
Abstract(
!
Created!by!a!group!of!practically!unknown!young!writers!and!artists,!when!it!appeared!in!
1915,!Orpheu!caused!a!scandal!of!significant!proportions!for!a!literary!phenomenon,!and!the!
striking! echoes! in! the! mainstream! press! ensured! its! notoriety! well! beyond! the! moment! of!
publication.! The! extent! to! which! this! outcome! was! planned! or! the! result! of! chance!
circumstances!is!discussed!in!this!essay,!which!reappraises! the!contemporary!reception!of!
Orpheu!in!the!light!of!new!findings!yielded!by!the! Távora!archive,!namely!two!notebooks!
with! cuttings! of! press! reviews! kept! by! Alfredo! Guisado.! By! considering! these,! the! article!
reviews!the!latter’s!role!in!the!making!of!the!Orpheu’s!critical!fortune.!Guisado!was!one!of!
the! few! authors! associated! with! Orpheu! who! had! published! works! before! the! magazine!
appeared.!Through!his!early!association!with!the!mentors!of!the!magazine,!he!was!also!one!
of! the! first! members! of! the! Orpheu! group! to! write! under! the! influence! of! the! poetics! that!
became!associated!with!it.!Therefore,!his!works!document!the!tenor!of!the!movement!that!
was! established! through! Orpheu,! which! will! be! revisited! through! the! analysis! of! the!
manuscript!of!a!poem!—!thought!to!be!previously!unpublished!—!found!among!Guisado’s!
papers!in!the!Távora!archive.!!
!
Palavras9chave(
!
“Making<of”! de! Orpheu,! Receção! em! periódicos! nacionais! e! internacionais,! Alfredo!
Guisado!e!Orpheu,!a!poesia!de!Guisado!e!Pessoa,!Paúlismo!e!Sensacionismo!
!
Resumo(
!
Criada! por! um! grupo! de! jovens! escritores! e! artistas! praticamente! desconhecidos,! quando!
surgiu! em! 1915,! Orpheu! causou! um! escândalo! de! proporções! significativas! para! um!
fenómeno!literário,!e!os!ecos!notáveis!na!imprensa!corrente!asseguraram!a!sua!notoriedade!
para! além! do! momento! de! publicação.! Em! que! medida! este! resultado! foi! planeado! ou! a!
consequência! de! circunstâncias! fortuitas! será! discutido! neste! ensaio,! que! reexamina! a!
receção! contemporânea! de! Orpheu! à! luz! de! novos! achados! na! coleção! Fernando! Távora,!
nomeadamente,! dois! cadernos! com! recortes! de! imprensa! de! Alfredo! Guisado.! Ao!
considerá<los,!o!ensaio!contribui!para!determinar!o!papel!do!escritor!no!estabelecimento!da!

*
"Center!for!Social!Studies,!University!of!Coimbra!&!Queen!Mary,!University!of!London.!Formerly!
published!under!the!name!Patricia!Silva!(McNeill)."
Silva Alfredo Guisado
fortuna! crítica! da! revista.! Guisado! foi! um! dos! poucos! autores! de! Orpheu! que! publicara!
obras!suas!antes!do!aparecimento!da!revista.!Em!virtude!de!se!ter!aproximado!desde!muito!
cedo! dos! mentores! do! projeto,! Fernando! Pessoa! e! Mário! de! Sá<Carneiro,! Guisado! foi! um!
dos!primeiros!membros!do!chamado!grupo!do!Orpheu!a!escrever!sob!a!influência!da!poética!
que!lhe!ficou!associada.!Por!conseguinte,!as!suas!obras!documentam!o!teor!do!movimento!
estabelecido!por!intermédio!da!revista,!tal!como!exemplificado!pelo!MS!de!um!poema!seu!
—!julgado!inédito!—!que!se!encontra!no!arquivo!Távora.!
!
!
!
!
!
1.(The(Portuguese(periodical(scene(in(the(1910s(and(the(making(of(Orpheu(
!
Orpheu! made! its! debut! into! the! Portuguese! cultural! scene! on! 24! March! 1915.! On!
March! 27th,! the! daily! newspaper! O! Mundo! published! a! brief! note! announcing! its!
publication,! referring! to! it! as! “uma! espécie! de! resumo! das! várias! correntes!
modernas! na! nossa! literatura”! [a! sort! of! summary! of! various! modern! literary!
trends!in!our!literature],!which!was!said!to!include!“variada!colaboração!das!mais!
características! figuras! de! entre! os! novos”! [varied! collaboration! from! the! most!
characteristic! figures! among! the! “young”]! (MUNDO,! 27! March! 1915:! 3).! Following!
this!initial!innocuous!but!telling!appraisal!of!the!magazine,!which!underscored!the!
modernity! of! its! contributions! and! the! youth! of! its! contributors,! a! series! of!
inflamed! articles! criticizing! it! ensued! in! local,! regional! and! national! newspapers,!
which!will!be!discussed!in!detail!further!ahead.!The!strong!criticisms!the!magazine!
garnered!from!several!sectors!of!the!Portuguese!press!played!a!significant!part!in!
ensuring! it! the! status! of! the! most! significant! cultural! magazine! of! the! period! and!
one!of!the!most!impactful!in!Portuguese!cultural!history.!Thus,!this!essay!proposes!
to! reexamine! the! contemporary! reception! the! magazine! received! in! mainstream!
periodicals,! especially! in! light! of! documents! extant! in! the! Távora! archive,! which!
offer!new!insights!about!both!the!logistics!and!circumstances!of!the!dissemination!
and!reception!of!the!magazine!in!Portugal!and!abroad.!
The!momentous!reception!Orpheu!received!in!the!mainstream!press!owes!its!
fair!share!to!fortuitous!circumstances,!which!have!much!to!do!with!the!particular!
context!in!which!the!magazine!made!its!appearance,!since!the!scandal!occasioned!
by! its! publication! arose! from! the! rapid! spread! of! the! views! posited! in! what! was!
effectively! its! first! review,! an! unsigned! article! entitled! “Literatura! de! manicómio:!
Os!poetas!do!Orpheu”![Lunatic<asylum!Literature:!the!Poets!of!Orpheu],!published!
on! the! title! page! of! A! Capital! on! March! 30th! (A! CAPITAL,! 30! March! 1915:! 1).! This!
review! centered! on! the! perceived! novelty! of! its! literary! content,! notably! the!
experimental!and!original!use!of!language!–!neologisms,!synaesthesia,!alliteration,!
assonance,! fragmentation! –,! which! was! attributed! to! language<impairment!
conditions!of!the!mentally!disturbed.!The!contributions!from!Mário!de!Sá<Carneiro!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 289
Silva Alfredo Guisado

and!Álvaro!de!Campos,!in!particular,!bore!the!larger!part!of!those!criticisms,!with!
the!latter!accused!of!being!under!the!“influencia!do!chamado!futurismo”![influence!
of!the!so<called!futurism]!and!of!suffering!from!“paranoia”,!with!some!“expressões!
verbais”! [verbal! expressions]! in! his! “Ode! Triunfal”! deemed! as! “pornographicas”!
[pornographic]!(A! CAPITAL,!30!March!1915:!1)!–!incidentally,!an!accusation!indicted!
against!other!strikingly!innovative!works!across!Europe!at!that!time.1!According!to!
Maria! Aliete! Galhoz,! “a! chocarrice,! em! nome! do! bom! senso,! com! que! comenta!
Orpheu,!vai!dar!o!tom!a!tudo!o!que!se!seguiu”![the!jocular!reproach,!in!the!name!of!
common! sense,! with! which! Orpheu! is! reviewed! sets! the! tone! for! everything! that!
followed],!adding!that!this!publicity!kept!Orpheu!in!the!limelight!for!three!months!
(GALHOZ,!1981:!xvii).!Hence,!by!the!time!the!second!issue!was!published!on!June!
28th,!the!Orpheu!affair!in!the!press!had!developed!into!a!full!scandal!that!sent!shock!
waves! through! the! cultural! establishment,! which! this! issue! further! inflamed! by!
including!textual!and!visual!works!with!a!greater!avant<garde!bias!and!from!more!
polemical!contributors!(SILVA,!2017:!88).!
As! well! as! underscoring! the! sensationalist! bias! that! underpins! the!
presentation! of! front<page! news! stories! in! daily! periodicals,! the! bombastic!
reception! Orpheu! earned! in! the! mainstream! press! can! also! be! seen! to! reflect! the!
socio<political! turmoil! Portugal! was! experiencing! at! the! time.! Though! not! yet!
involved! in! WWI! at! the! time! of! publication! of! the! magazine,! Portugal! was!
nonetheless! prey! to! circumstances! which! were! not! amenable! to! the! onset! of! a!
burgeoning!modernity!and!the!vibrant!cultural!life!that!generally!accompanied!it,!
which!perhaps!explains!the!short!lives!of!many!of!its!cultural!magazines.!Arnaldo!
Saraiva!remarks!the!proliferation!of!cultural!magazines!in!Portugal!in!the!decade!
of! 1910! (as! elsewhere! in! Europe),! some! of! which! were! very! short<lived,! such! as!
Dionysos!(1912<1913),!A!Renascença!(1914),!Alma!Nova!(1914),!Centauro!(1916),!Exílio!
(1916),! Portugal! Futurista! (1917),! and! Ícaro! (1919),! among! others! (SARAIVA,! 2015b:!
407).! There! was! even! the! unusual! case! of! a! specimen! issue! of! a! magazine,!
Contemporânea!(1915),!which!would!only!be!continued!in!1922.!Appearing!halfway!
through! the! decade,! Orpheu! belongs! to! the! group! of! short<lived! magazines! since,!
though! initially! planned! as! a! quarterly,! it! was! circumscribed! to! two! published!
issues.!
In! situating! Orpheu! within! the! Portuguese! cultural! and! periodical! field,!
Saraiva! highlights! the! specificity! of! the! Portuguese! context! at! the! time,!
underscoring!the!defeatist!outlook!with!regard!to!Portugal’s!place!in!the!concert!of!
nations,!notably!the!sense!of!“humilhação!nacional,!nascida!com!o!‘Ultimatum’,!a!
somar!ao!crónico!complexo!de!inferioridade!e!de!dependência!económica!e!cultural!
inglesa! e! francesa”! [national! humiliation! which! arose! with! the! “Ultimatum”,!
adding!to!the!chronic!sense!of!inferiority!and!of!economic!and!cultural!dependence!

1! See! VASCONCELOS! (2017:! 27<47)! for! a! systematization! of! the! dialectical! readings! of! Orpheu,! at! the!
time,!as!either!the!result!of!“madness”!or!“blague”.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 290


Silva Alfredo Guisado

of!English!and!French!culture].!He!also!mentions!the!political!instability!caused!by!
“permanentes! guerrilhas! entre! monárquicos! e! republicanos,! que! não! terminaram!
com! o! regicídio! nem! com! a! implantação! da! República”! [permanent! squabbles!
between! monarchic! and! republican! supporters,! which! did! not! end! with! the!
regicide! nor! with! the! newly! founded! Republic],! and! the! accompanying! social!
unrest! “que! se! evidenciava! em! greves,! em! manifestações! anarquistas,! em!
sucessivas! crises! governamentais”! [shown! in! strikes,! in! anarchist! manifestations,!
and!successive!governmental!crises]!(SARAIVA,!2015b:!408).!Against!this!backdrop!
of!socio<political!crisis,!incipient!modernization,!and!cultural!paralysis,!epitomized!
by!the!“saudosist”!aesthetic!of!Teixeira!de!Pascoaes,!Orpheu!asserted!itself,!argues!
Saraiva,!
!
como!resultado!de!um!projecto!de!clara!ruptura!com!a!instituição!literária!e!com!os!códigos!
decadentistas! e! simbolistas,! para! já! não! dizer! românticos! ou! parnasianos,! ou! como!
resultado! de! um! projecto! de! revelação! e! afirmação! individual! e! colectiva,! nacional! e!
internacional,!de!jovens!que!se!queriam!de!e!na!vanguarda!artística!!
(SARAIVA,!2015b:!408,!my!emphasis).!
!
[as!the!result!of!a!project!of!clear!rupture!with!the!literary!institution!and!the!decadent!and!
symbolist! codes,! not! to! mention! the! romantic! and! parnassian! ones,! or! as! the! result! of! a!
project!of!individual!and!collective,!national!and!international,!revelation!and!affirmation,!
of!young!men!who!regarded!themselves!as!part!of!the!artistic!avant<garde]!!
!
As!well!as!identifying!the!key!goals!underpinning!the!publication!of!Orpheu!–!the!
foundation! of! a! literary! movement! and,! thereby,! renewal! of! the! cultural! field! –,!
Saraiva!also!underscores!the!fact!that!it!was!a!planned!venture,!as!signalled!by!the!
term!“project”.!!
In!effect,!the!origins!of!the!project!of!a!magazine!date!back!to!late!1912,!early!
1913! –! when! Fernando! Pessoa,! Mário! de! Sá<Carneiro! began! planning! it! and! the!
main! contributors,! Alfredo! Pedro! Guisado,! Armando! Côrtes<Rodrigues,! and!
Almada! Negreiros! gathered! around! them! –,! which! was! therefore! synchronous!
with! other! early! avant<garde! manifestations! in! Europe.! Aside! from! the! rupture!
with! the! literary! establishment! mentioned! by! Saraiva,! the! avant<garde! principles!
underpinning!the!magazine!project!are!apparent!in!the!language!employed!by!its!
mentors,! notably! the! terms! “marcar! e! agitar”! [make! a! mark! and! agitate]! (SÁ<
CARNEIRO,! 2015:! 181),! which! evoke! the! shock! tactics! deployed! by! contemporary!
avant<garde! movements! via! manifestos! and! magazines.! Responding! to! Pessoa’s!
proposal!of!producing!a!magazine,!in!a!letter!from!14!May!1913,!Sá<Carneiro!states,!
“[c]laro!q[ue]!não!será!uma!revista!perduravel.!Mas!para!marcar!e!agitar!basta!fazer!
sair! uma! meia! duzia! de! n[umer]os.! O! titulo! Esfinge! é! optimo.! O! q[ue]! é! preciso! é!
arranjar! mais! colaboração! do! que! a! q[ue]! indica”! [Of! course! it! will! not! be! an!
enduring!magazine.!But!to!make!a!mark!and!agitate!it!is!enough!to!get!half!a!dozen!
issues!out.!The!title!Sphynx!is!excellent.!What!is!needed!is!to!get!more!contributions!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 291


Silva Alfredo Guisado

than!the!one!you!suggest]!(SÁ<CARNEIRO,!2015:!181).!This!excerpt!shows!they!began!
discussing! practical! matters! concerning! the! constitution! of! the! magazine! from! an!
early!stage!of!planning,!which!went!on!for!two!years,!during!which!the!project!had!
different! guises.! It! also! discloses! Sá<Carneiro’s! pragmatic! sense! in! assessing! the!
need! to! secure! further! collaboration,! a! process! which! would! take! some! time,! as!
both! he! and! Pessoa,! as! well! as! most! of! the! young! writers! associated! with! the!
project! at! the! time,! were! still! in! the! process! of! producing! their! first! works.! The!
project! underwent! several! stages,! with! its! proposed! names! changing! from! the!
initial! post<symbolist<sounding! Esfinge! to! the! more! reality<grounded! Lusitânia,!
epitomizing! a! nationalist! and! even! regionalist! bias,! which! gave! way! to! a! more!
international! outlook! encapsulated! in! the! title! “Europa”,! which! recurs! in! Sá<
Carneiro’s! letters! from! June! through! August! 1914! (Sá<Carneiro,! 2015:! 231).! With!
regard!to!the!latter,!claims!Pessoa,!!
!
O! que! esteve! mais! proximo! de! se! realisar! foi! o! de! uma! revista! pequena,! entitulada!
«Europa»,! que! abriria! por! um! manifesto,! de! que! escrevi! apenas! uns! quatro! paragraphos,!
com! collaboração! occasional! de! Sá<Carneiro,! e! de! que! me! lembro! ser! uma! das! principaes!
affirmações!a!da!nossa!necessidade!de!«reagir!em!Leonino»!contra!o!ambiente.!!
(apud!CASTEX,!1963:!60)!
!
[The!one!that!was!closest!to!being!fulfilled!was!that!of!a!small!magazine,!entitled!“Europa”,!
which!would!open!with!a!manifesto,!of!which!I!have!written!only!about!four!paragraphs,!
with! occasional! contributions! from! Sá<Carneiro,! and! about! which! I! recall! one! of! our! main!
statements!being!the!need!to!“react!in!Lion<fashion”!against!the!milieu]!
!
A! few! months! later,! though,! they! were! considering! an! alternative! way! of!
disseminating!their!newly<baptized!artistic!movement,!as!corroborated!by!Pessoa’s!
statement! in! a! letter! to! another! one! of! Orpheu’s! future! contributors,! Armando!
Côrtes<Rodrigues,!dated!from!4!October!1914:!
!
Em!vez!de!uma!revista!interseccionista,!contendo!o!manifesto!e!obras!nossas,!decidimos!(e!
v.,!estou!certo,!concordará)!para!evitar!possíveis!fiascos!e!não!se!poder!continuar!a!revista,!
etc.,! e,! ao! mesmo! tempo,! ficar! coisa! mais! escandalosa! e! definitiva,! fazer! aparecer! o!
Interseccionismo,! não! em! uma! revista! nossa,! mas! em! um! volume,! uma! Antologia! do!
Interseccionismo.!!
(PESSOA,!1999:!126)!
!
[Instead! of! an! intersectionist! magazine,! including! the! manifesto! and! our! works,! we! have!
decided!(and,!I!feel!certain,!you!will!agree)!in!order!to!avoid!possible!fiascos!and!not!being!
able!to!give!continuation!to!the!magazine,!etc.,!and,!at!the!same!time,!so!it!becomes!a!more!
scandalous!and!definitive!thing,!to!make!Intersectionism!appear,!not!in!a!magazine!of!ours,!
but!in!a!volume,!an!Anthology!of!Intersectionism.]!
!
Pessoa’s! suggestion! to! replace! the! magazine! with! an! anthology! is! based! on! his!
awareness! of! the! ephemeral! quality! of! magazines! and! was! possibly! informed! by!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 292


Silva Alfredo Guisado

contemporary! examples,! such! as! the! anthology! Des! Imagistes! –! edited! by! Ezra!
Pound! and! published! in! The! Glebe! in! February! 1914! and! as! a! chapbook! by! The!
Poetry!Bookshop!later!that!year!–!with!which!he!was!familiar!(PESSOA,!2009:!385).!
The! reasons! Pessoa! presents! for! doing! so! illustrate,! on! the! one! hand,! his! and! Sá<
Carneiro’s! desire! to! make! a! lasting! contribution! to! Portuguese! culture,! as!
suggested!by!the!term!“definitive”!(underlined!by!him!for!further!emphasis);!and,!
on!the!other!hand,!their!deliberate!intention!to!cause!a!scandal!that!would!agitate!
the! cultural! milieu.! With! this! in! mind,! careful! thought! went! into! the! selection! of!
authors,! artists! and! their! collaborations,! as! shown! by! the! numerous! lists! of!
contributors! and! possible! contributions! shared! between! Pessoa! and! Sá<Carneiro,!
and!the!production!of!the!magazine!issues.!The!planning!went!as!far!as!the!graphic!
layout,! from! the! choice! of! covers! and! visual! reproductions! to! typographic! details!
deployed!so!as!to!achieve!a!maximum!effect,!as!suggested!by!Pessoa’s!reference!to!
“the! scandalous! typographic! processes! adopted! by! Mario! de! Sá<Carneiro! in! his!
famous!‘Manucure’”!(PESSOA,!2009:!385)!in!a!letter!introducing!the!magazine!to!an!
English! publisher.! And! indeed,! this! poem! included! in! the! second! issue! of! the!
magazine!was!one!of!the!pieces!that!received!most!attention!from!the!Portuguese!
press,! and! one! of! the! most! criticized! alongside! Álvaro! de! Campos’s! poems.!
Therefore,! the! scandal! caused! by! Orpheu! owes! something! to! the! militant! and!
strategic! approach! adopted! by! its! mentors,! who! were! partly! responsible! for! the!
magazine’s!turbulent!reception!in!the!press.!
Similar! care! went! into! what! Saraiva! terms! “a! definição! de! estratégias! de!
publicação,!venda!e!promoção”![the!definition!of!publication,!sales!and!promotional!
strategies]! (SARAIVA,! 2015b:! 409),! countering! the! received! narrative! of! the!
impromptu! emergence! of! the! magazine,! following! a! chance! meeting! in! a! Lisbon!
café.!The!Luso<Brazilian!guise!in!which!the!magazine!emerged!was!itself!the!result!
of!a!meeting!of!two!discrete!but!analogous!strategies!of!publication!already!underway,!
led!respectively!by!Pessoa!and!Sá<Carneiro,!and!by!Luís!de!Montalvor!and!Ronald!
de! Carvalho,! who! had! also! been! planning! to! publish! a! magazine! in! Brazil.!
Therefore,! when! the! opportunity! of! a! joint! publication! with! Brazilian! writers!
presented!itself,!it!was!immediately!grasped!by!the!Portuguese!mentors!of!Orpheu!
as! a! way! of! increasing! its! impact! and! sales.! Letters! from! Ronald! de! Carvalho! to!
Luís! de! Montalvor! extant! in! the! Távora! archive! –! previously! transcribed! by!
Arnaldo!Saraiva!(SARAIVA,!1986:!II)!–!attest!to!the!fact!that!sometime!in!March,!in!
the! run<up! to! the! publication! of! the! magazine,! the! Brazilian! poet! was! busily!
gathering! contributions! from! fellow! writers! and! securing! sellers! and! subscribers,!
claiming!to!have!raised!about!twenty!in!one!of!the!letters.!By!the!same!token,!the!
MS!of!one!of!the!poems!he!sent!Montalvor!for!publication!in!Orpheu!features!a!list!
of!what!appear!to!be!suggested!subscribers!in!the!verso!of!one!of!its!pages.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 293


Silva Alfredo Guisado

!
!
Fig.(1.(Ronald(de(Carvalho(informs(Luís(de(
Montalvor(that(he(is(gathering(contributions(
and(subscribers(for'Orpheu((Letter(from(March(
1915;(in(the(Fernando(Távora(Collection).(
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
Fig.(2.(Ronald(de(Carvalho(informs(Luís(de(
Montalvor(that(he(has(secured(sellers(for(the(
magazine((Letter(from(March(1915;(Fernando(
Távora(Collection).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 294


Silva Alfredo Guisado

!
!
!

!
Fig.(3.(MS(of(poem(by(Ronald(de(Carvalho((
with(potential(list(of(subscribers(in(the(verso(
(Fernando(Távora(Collection).(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 295


Silva Alfredo Guisado

!
!
!

!
Fig.(4.(Potential(list(of(subscribers(in(the(verso(
of(MS(of(poem(by(Ronald(de(Carvalho(
(Fernando(Távora(Collection).!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 296


Silva Alfredo Guisado

Thus,!even!though!Montalvor!and!Carvalho!featured!as!joint!directors!of!the!
first!issue!of!the!magazine,!according!to!Pessoa,!“[a]!direcção!real!da!revista!era,!e!
foi!sempre,!conjuncta,!por!estudo!e!combinação!entre!nós!trez!e!tambem!o!Alfredo!
Guisado!e!o!Côrtes!Rodrigues”![the!real!direction!of!the!magazine!was,!and!always!
had!been,!shared,!by!planning!and!arrangement!by!the!three!of!us!and!also!Alfredo!
Guisado!e!o!Cortes!Rodrigues]!(apud!CASTEX,!1963:!60).!By!three!he!meant!himself,!
Sá<Carneiro! and! Montalvor,! who! planned! Orpheu! together! in! Lisbon;! along! with!
the! other! two! associates.! Accordingly,! Pessoa! also! discusses! sales! with! Armando!
Côrtes<Rodrigues,!based!in!the!Azores,!stating!in!a!letter!from!4!March:!
!
Temos! que! tratar! afincadamente! —! como! v.! compreende! —! da! parte<administração! da!
revista;! que! é! por! descurar! esta! parte! que! costumam! cair,! em! geral,! as! revistas! literárias.!
Indique<me!v.!também!para!onde,!em!Ponta!Delgada!(e!outros!pontos!de!S.!Miguel,!se!valer!
a!pena)!se!devem!mandar!exemplares!para!a!venda!avulso;!quantos!exemplares;!se!v.!fala!
aos! donos! desses! estabelecimentos,! etc.,! etc.! Temos! que! firmar! esta! revista,! porque! ela! é! a!
ponte!por!onde!a!nossa!Alma!passa!para!o!futuro.!!
(PESSOA,!1999:!126<127)!
!
[We! have! to! diligently! take! care! –! as! you’ll! understand! –! of! the! administration! of! the!
magazine;!as!it!is!by!neglecting!this!part!that!literary!magazines!generally!fail.!Please!let!me!
know!also!where!copies!for!retail!sale!should!be!sent!to!in!Ponta!Delgada!(and!other!parts!
of! S.! Miguel! if! worth! it);! how! many! copies;! if! you! will! speak! to! the! owners! of! those!
establishments,!etc.,!etc.!We!have!to!secure!this!magazine,!because!it!is!the!bridge!through!
which!our!Soul!crosses!into!the!future.]!
!
The! closing! statement! of! this! excerpt! underscores,! yet! again,! the! serious!
motivations!behind!the!efforts!to!promote!the!magazine!on!the!part!of!its!mentors,!
notably!the!sense!that!the!magazine!would!create!a!legacy!for!Portuguese!culture,!
which! indeed! it! did.! These! testimonies! also! show! that! those! efforts! were! shared!
among! a! few! of! the! co<contributors! to!the! magazine! who! associated! more! closely!
with! Pessoa! and! Sá<Carneiro.! This! letter! includes! a! list! of! the! intended!
contributions! to! the! first! issue! of! the! magazine! which! is! very! close! to! the! final!
arrangement,!except!for!Luís!de!Montalvor’s!“Narciso”,!which!was!submitted!too!
late! to! be! included! in! that! issue! and! only! appeared! in! the! second! one,! and! two!
poems!by!Álvaro!de!Campos,!which!were!added!just!before!the!magazine!went!to!
the!printers.!!
!
2.(Alfredo(Guisado(and(the(critical(fortune(of(Orpheu(
!
Like!Côrtes<Rodrigues,!Alfredo!Guisado,!the!other!associate!mentioned!by!Pessoa!
in! his! statement! about! the! genesis! of! Orpheu,! also! closely! accompanied! the!
development!of!the!project!of!a!magazine!throughout!and!even!had!a!substantial!
stake!in!it!at!one!point,!as!noted!by!António!Apolinário!Lourenço,!for!whom!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 297
Silva Alfredo Guisado
Alfredo! Guisado! pertenceu! inequivocamente! ao! núcleo! duro! do! projecto! órfico,! tendo!
integrado!todas!as!tentativas!frustradas!anteriores!ao! Orpheu!de!publicação!de!revistas!ou!
de!volumes!antológicos!representativos!do!paulismo!ou!do!interseccionismo!(...)!Lusitânia,!
da! qual! (...)! Guisado! deveria! ser! o! administrador,! e! Europa,! um! projecto! que! esteve! mais!
avançado!e!ao!qual!há!referências!em!cartas!de!Sá<Carneiro!e!Guisado!(...).!Para!essa!última!
publicação,!disponibilizava!Alfredo!Guisado,!em!carta!a!Fernando!Pessoa,!mil!e!quinhentos!
escudos.!!
(LOURENÇO,!2015:!287)!
!
[Alfredo! Guisado! unequivocally! belonged! to! the! core! group! involved! with! the! orphic!
project! having! taken! part! in! every! previous! failed! attempt! to! publish! magazines! or!
anthological! volumes! representative! of! paulismo! or! interseccionismo! before! Orpheu! (...)!
Lusitânia,!of!which!(...)!Guisado!was!to!be!the!administrator,!and!Europa,!a!project!that!was!
more!advanced!and!to!which!there!are!references!in!letters!from!Sá<Carneiro!and!Guisado!
(...).! For! that! latter! publication,! Alfredo! Guisado! made! available! a! thousand! and! five!
hundred!escudos!in!a!letter!to!Fernando!Pessoa.]!
!
In! effect,! Guisado! not! only! featured! in! the! list! of! authors! for! the! Anthology! of!
Intersectionism!project!Pessoa!entertained!for!some!time!(LOURENÇO, 2011: 163),!but!
was! also! assigned! the! role! of! administrator! of! Orpheu,! to! whom! any! of! the!
advertised! works! by! the! magazine’s! contributors! could! “ser! requisitada!
directamente”![be!directly!requested],!as!stated!in!the!front!matter!of!the!magazine!
(ORPHEU! 1,! 1915:! iv).! Tellingly,! Fernando! Távora’s! acquisition! of! the! Guisado!
papers!appears!to!have!partly!derived!from!a!conviction!about!the!importance!of!
the!latter’s!involvement!in!the!making!of!Orpheu,!as!suggested!by!a!note!in!which!
he!puzzles!over!the!tenor!of!Pessoa’s!dedication!in!the!copy!of!Mensagem!he!offered!
Guisado!(which!had!appeared!on!sale!at!the!time),!
!
Interessante!a!dedicatória!–!ao!poeta,!ao!amigo,!ao!cúmplice!–!poeta!e!amigo,!sem!duvida2,!
mas! cúmplice! em! quê?! Creio! que! na! aventura! do! Orpheu;! Pessoa! chama<lhe3! cúmplice!
comprovando!esta!denominação,4!segundo!suponho,!um!certo!sentido!qual!o!de!considerar!
Guisado! cumplice5! (e! não,! por! exemplo6! participante)! de! uma! aventura,! de! um! golpe!
audacioso,!de!um!rasgo!de!humor.!Será!assim?!Revelar<se<á!nesta!dedicatória!uma!posição!
de!dever!perante!as!intenções!e!o!significado!do!Orpheu?7!

[Interesting,! the! dedication! –! to! the! poet,! friend,! and! the! accomplice! –! poet! and! friend,!
undoubtedly,! but! accomplice! in! what?! I! believe! that! in! the! adventure! of! Orpheu;! Pessoa!
calls! him! accomplice! and! this! denomination! proves! a! certain! notion,! that! of! considering!
Guisado! an! accomplice! of! an! adventure,! of! an! audacious! gesture,! of! a! stroke! of! humour.!

2!Sem!acento.!
3!<mas!Pessoa>![↑!Pessoa]!chama<lhe!
4!<designação!segundo!suponho>!denominação!

5!Sem!acento.!

6![←!(e]!<(>!não,!por!ex[emplo]!

7!I!am!grateful!to!Fernanda!Vizcaino!for!the!reference!to!Fernando!Távora’s!note!in!one!of!his!loose!

notes,!and!the!editor!for!his!reading!of!it.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 298


Silva Alfredo Guisado
Could! it! be! so?! Is! there! an! assumption! of! duty! before! the! intentions! and! the! meaning! of!
Orpheu!disclosed!in!this!dedication?!]!
!
Távora’s! hypothesis! is! certainly! convincing,! since! Pessoa’s! use! of! the! term!
accomplice! is! suggestive! of! a! conspiracy,! underscoring! the! strategic! planning! that!
went!into!the!making!and!disseminating!of!the!magazine.!
The! promotional! strategies! continued! after! Orpheu! was! published,! with! a!
view!to!ensuring!a!wide!distribution!of!the!magazine!and!its!early!reception!in!the!
press.!In!that!regard,!Sá<Carneiro’s!annotations!at!the!beginning!of!a!notebook!he!
kept! with! cuttings! of! press! reviews! of! the! magazine! are! invaluable! in! tracing! the!
steps! taken! by! the! orphics.! Entitled! “Identificação! de! exemplares”! that! section!
displays!a!detailed!plan!to!distribute!copies!of!the!magazine!among!journalists!or!
acquaintances! with! contacts! in! the! press,! which! included! a! list! of! subscribers,!
contacts!in!the!press!and!targeted!newspapers.!For!instance,!of!the!first!ten!copies!
to! be! printed! on! the! 24th! of! March,! one! strategically! went! to! Carvalho! Mourão! –!
former!director!of!A!Renascença,!the!single<issue!magazine!Pessoa,!Sá<Carneiro!and!
Guisado! had! contributed! to! in! the! previous! year! –,! who,! as! intended,! “em! 11! de!
abril! publicaria! no! jornal! Terra! Nossa,! de! Estremoz,! uma! das! primeiras! críticas!
elogiosas!à!revista”![on!11!April!would!publish!one!of!the!first!reviews!praising!the!
magazine!in!the!newspaper!Terra!Nossa,!from!Estremoz]!(Saraiva,!2015a:!214).!This!
was!to!prove!an!exception!since,!as!previously!mentioned,!the!magazine!generally!
elicited! critical! reviews,! but! it! was! precisely! their! inflamed! antagonism! that!
ensured! the! magazine! achieved! the! goal! of! causing! a! “scandalous”! affair! in! the!
Portuguese!cultural!milieu!and!that!the!just!over!450!copies!(SARAIVA,!2015a:!216)!
of! its! first! issue! sold! out! in! three! weeks! (PESSOA,! 1999:! 185).! Consequently,! as!
argued!by!Saraiva,!
!
A! estratégia! publicitária! de! distribuição! do! Orpheu! por! estes! [jornais! indicados! na!
“Identificação! de! exemplares”]! e! outros! jornais! resultou! em! pleno,! porque! logo! a! 27! de!
março!O!Mundo!se!lhe!referiu!como!“uma!espécie!de!resumo!das!várias!correntes!modernas!
na!nossa!literatura”!e!a!30!de!março!A!Capital,!em!duas!colunas!de!primeira!página,!falaria!
nos!“casos!de!paranoia”!dos!“artistas”!de!Rilhafoles,!o!que!fez!com!que!nos!dias!seguintes!o!
Orpheu!fosse!notícia!privilegiada!de!várias!publicações!da!capital!e!da!província!–!e!até!de!
Vigo.’!!
(SARAIVA,!2015a:!216)!
!
[The!publicity!strategy!for!distributing!Orpheu!through!these!(newspapers!indicated!in!the!
list! “Identification! of! copies”)! and! other! newspapers! was! a! complete! success,! because!
immediately!on!March!27th!O!Mundo!referred!to!it!as!“a!sort!of!summary!of!various!modern!
literary! trends! in! our! literature”! and! on! March! 30th,! in! two! front! page! columns,! A! Capital!
would!speak!of!the!“cases!of!paranoia”!of!the!“artists”!of!Rilhafoles,!which!caused!Orpheu!
to! be! privileged! news! of! several! periodicals! of! the! capital! and! the! province! –! and! even! of!
Vigo!–!over!the!next!few!days.]!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 299


Silva Alfredo Guisado

As!is!known,!many!of!the!reviews!published!in!the!mainstream!newspapers,!
including!the!ones!mentioned!in!this!excerpt,!were!collected!in!Sá<Carneiro’s!two!
notebooks!of!press!cuttings,!one!for!each!issue!of!the!magazine.8!These!notebooks!
constitute!a!committed!effort!on!his!part!to!document!and!record!the!“scandalous”!
reverberations! of! Orpheu! in! the! public! sphere! at! the! time,! thus! ensuring! the!
preservation! of! its! legacy! for! posterity.! Possibly! because! of! his! role! as!
administrator!of!the!magazine!and!out!of!personal!interest!about!a!publication!in!
which!his!work!features,!Guisado!also!kept!a!record!of!reviews!of!the!magazine!in!
the! press.9! The! documents! extant! in! the! Távora! archive! include! a! notebook! with!
press!cuttings!entitled!“Críticas!do!Orfeu”![Orfeu!reviews].!Additionally,!there!are!
a!few!loose<sheet!cuttings!with!articles!from!the!time!of!publication!of!Orpheu!and!
when! it! was! recalled! at! the! time! of! publication! of! Centauro! (1916);! these! were!
assorted!under!the!title!“Recortes!sobre!o!Orfeu,!etc.”![Cuttings!about!Orfeu,!etc.]!
and! kept! inside! another! notebook! with! press! cuttings! of! reviews! of! Guisado’s!
works,!entitled!“Críticas”![Reviews].10!!
Guisado’s!collection!of!press!cuttings!about!Orpheu!only!includes!reviews!of!
the! first! issue! of! the! magazine,! which! he! accompanied! more! closely,! having!
subsequently!distanced!himself!from!the!rest!of!the!group!and!failing!to!contribute!
to! the! second! issue! of! the! magazine.! Lourenço! comments! on! Sá<Carneiro’s!
observations!in!daily!notes!to!Pessoa!over!that!Spring!–!in!which!he!puzzles!over!
Guisado’s! disappearance! –,! venturing! that! he! might! have! feared! the! negative!
repercussions!of!the!scandal!for!his!family’s!restaurant!(“Irmãos!Unidos”,!the!main!
venue! where! Orpheu! was! plotted)! or! that! issues! might! have! arisen! regarding!
Guisado’s! ostensible! financial! contribution! to! the! publication! of! the! magazine!
(LOURENÇO,!2015:!289);!or!possibly!because!of!his!political!ambitions.!!

8!Sá<Carneiro’s!notebooks!with!press!cuttings!of!reviews!of!Orpheu!are!held!at!the!National!Library!
of! Portugal! and! are! digitally! available! here:! http://purl.pt/28015#.Wd4vxzEvlLo.gmail;!
http://purl.pt/28016#.Wd4vhSCaIrs.gmail!.!
9! A! note! from! the! architect! Fernando! Távora! identifies! these! notebooks! as! belonging! to! Alfredo!

Guisado:! “Comprado! a! M[an]uel! Ferreira,! Porto,! em! 30/V/72,! por! esc.! 15.000$00.! Pertencia! a!
Alfr[edo]! Guisado! que! a! vendeu! à! Biblarte! (Sr.! Ernesto)! e! este,! por! sua! vez,! a! M[an]uel! Ferreira.!
Sobre!o!lote!a!que!se!refere!este!negócio!vêr!apontamento!meu!em!“Ceu9!em!Fogo„”![Bought!from!
Manuel!Ferreira,!Porto,!on!30/V/72,!by!15.000$00!escudos.!It!belonged!to!Alfredo!Guisado!who!sold!
it! to! Biblarte! (Mr.! Ernesto)! and! this! one,! in! turn,! to! Manuel! Ferreira.]! (transcription! of! a! note! by!
Fernando!Távora).!I!am!grateful!to!Fernanda!Vizcaino!for!the!transcription.!
10! The! cuttings! grouped! under! “Recortes! sobre! o! Orfeu,! etc.”! [Cuttings! about! Orfeu,! etc.]! are!

attached! to! loose! sheets! of! a! paper! which! differs! in! aspect! from! that! in! the! “Críticas! do! Orfeu”!
[Orfeu!reviews]!notebook!and!in!the!“Críticas”![Reviews]!notebook;!i.e.,!the!paper!is!plain!whereas!
that! in! the! two! notebooks! has! horizontal! lines! across! its! length.! The! photograph! of! the! “Críticas”!
[Reviews]!notebook!displayed!here!shows!the!assorted!loose!sheets!inside!it.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 300


Silva Alfredo Guisado

!
!
!

!
Fig.(5:(Cover(of(the(“Críticas(do(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 301


Silva Alfredo Guisado

!
!
!

!
Fig.(6:(Notation(of(front(page(of(loose(sheets,(with(the(heading((
“Recortes(sobre(o(Orfeu,(etc.”([Cuttings(about(Orfeu,(etc.].(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 302


Silva Alfredo Guisado

!
!

!
Fig.(7:(Cover(of(the(“Críticas”([Reviews](notebook,(
with(the(“Recortes(sobre(o(Orfeu,(etc.”(
[Cuttings(about(Orfeu,(etc.](cuttings(inside.(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 303


Silva Alfredo Guisado

!This!cooling!of!their!relations!was!brought!to!a!head!by!the!publication!of!a!
letter,!in!A!Capital!on!6!July,!signed!by!Álvaro!de!Campos,!with!a!sarcastic!allusion!
to! an! accident! suffered! by! the! politician! Afonso! Costa.! There! followed! numerous!
articles!condemning!the!heartlessness!of!the!orphics,!to!which!Guisado!responded!
with! “uma! carta! ao! jornal! O! Mundo! desvinculando<se! das! opiniões! de! Álvaro! de!
Campos!e!proclamando!a!sua!ruptura!com!o!Orpheu.!A!carta!(...)!precisava!ainda!
que! Alfredo! Guisado! se! havia! desligado! da! revista! logo! a! seguir! à! publicação! do!
seu! nº! 1”! [a! letter! to! the! newspaper! O! Mundo! detaching! himself! from! Álvaro! de!
Campos’s! opinions! and! announcing! his! falling<out! with! Orpheu.! The! letter! also!
specified! that! Alfredo! Guisado! had! stopped! his! involvement! with! the! magazine!
soon! after! the! publication! of! its! first! issue]! (LOURENÇO,! 2015:! 290).! The! incident!
with! the! letter,! published! just! days! after! the! publication! of! the! second! issue! of!
Orpheu,!underscores!the!post<publication!press!campaign!undertaken!on!behalf!of!
the!magazine!by!Fernando!Pessoa,!which!included!other!provocative!letters!signed!
by! Álvaro! de! Campos! sent! to! mainstream! newspapers,! and! constitutes! a! good!
example! of! the! “propagandistic”! strategies! characteristic! of! avant<garde!
movements! deployed! by! some! of! the! mentors! of! Orpheu! in! order! to! generate!
polemics! and! further! fuel! the! scandal.! However,! the! consequences! of! this!
particular! action! caused! a! rift! amid! some! of! the! contributors! to! the! magazine,!
including!Guisado.!
Consequently,! the! reviews! of! Orpheu! collected! by! Guisado! do! not! extend!
beyond!mid<March,!but!they!amount!to!a!substantial!sample.!A!comparison!of!the!
press!cuttings!in!Guisado’s!“Orfeu!reviews”!notebook!and!Sá<Carneiro’s!notebook!
of! reviews! about! “Orfeu! 1”! shows! that! they! collected! sensibly! the! same! reviews,!
though! the! ones! collected! in! Sá<Carneiro’s! notebook! (some! of! which! likely! by!
Pessoa! after! the! latter’s! departure! for! Paris)! amount! to! a! larger! number.!
Concerning! the! reviews! in! regional! and! national! newspapers,! it! is! worth! noting!
that! they! echo,! for! the! most! part,! the! argument! of! “patologia! mental”! [mental!
pathology]! regarding! the! “artists”! associated! with! Orpheu! advanced! in! the!
aforementioned! review! from! March! 30th! in! A! Capital! (COVAS,! 1999:! 11).! These!
claims!reverberate!even!in!sympathetic!reviews!such!as!the!aforementioned!one!by!
Carvalho! Mourão,! published! in! the! “Vient! de! Paraître”! section! of! Terra! Nossa! on!
April! 11th,! though! with! a! lighter! tone! which,! rather! than! criticize,! conveys! sheer!
surprise!at!the!novelty!introduced!by!some!of!the!works!featuring!in!the!magazine!
and! the! inability! to! fully! grasp! their! import.! After! appraising! pieces! from! several!
contributors,! illustrating! his! argument! with! excerpts! from! their! works,! Mourão!
concludes!that!“Orpheu!é!no!seu!conjunto!uma!psicologia!doente!mas!bela”![in!its!
ensemble! Orpheu! is! a! sickly! but! beautiful! psychology],! adding! nonetheless,! that!
“(u)ma! grande! obra,! com! efeito,! se! propõe! erguer! esse! grupo! gentil! de!
inteligencias”! [a! great! work,! in! effect,! is! what! this! charming! collection! of! minds!
proposes! to! build]! (apud! COVAS,! 1999:! 11).! Hence,! he! counters! the! generally!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 304


Silva Alfredo Guisado

negative!opinion!about!the!magazine!circulating!in!the!press,!which!he!accuses!of!
having! failed! to! understand! it,! seeing! in! that! proof! of! its! success.! Singularly,! this!
review! is! doubly! recorded! in! Guisado’s! documents! extant! in! the! Távora! archive,!
appearing!both!in!the!“Críticas!de!Orfeu”![Orfeu!reviews]!notebook!and!as!a!loose!
sheet!under!the!heading!“Recortes!sobre!o!Orfeu,!etc.”![Cuttings!about!Orfeu,!etc.]!
kept! inside! the! “Críticas”! [Reviews]! notebook.! Guisado! likely! wished! to! keep! a!
record!of!it!alongside!reviews!of!his!own!works,!given!that!Mourão!made!a!direct!
reference! to! his! poems! appearing! in! Orpheu,! describing! them! as! “essa! enorme!
extranheza,! doentia”! [that! enormous! sickly! strangeness],! and! transcribed! “Ante<
Deus”! (SÁ<CARNEIRO,! 2017:! 597<599),! which! featured! alongside! “7”! from! Sá<
Carneiro!in!that!issue!of!Terra!Nossa.!!
Both! Sá<Carneiro’s! and! Guisado’s! notebooks! also! include! reviews! of! the!
magazine! abroad,! namely! in! Spanish! newspapers.! The! first! reviews! appeared! in!
Spanish!newspapers!just!days!after!the!publication!of!its!first!issue,!as!the!result!of!
an! elaborate! strategy! for! internationalization! of! the! magazine.! Regarding!
themselves!as!“portugueses!que!escrevem!para!a!Europa”![Portuguese!writing!for!
Europe]!(PESSOA,!1966:!121),!the!orphics!hoped!that!the!movement!they!established!
in! Portugal! through! Orpheu! –! Sensationism,! to! which! Pessoa! refers! as! “primeira!
manifestação! de! um! Portugal<Europa”! [first! manifestation! of! a! Portugal<Europe]!
(PESSOA,!1916:!46)!–!would!take!its!rightful!place!alongside!other!irruptions!of!the!
European! avant<garde.! That! they! thought! this! goal! could! be! achieved! by! making!
the! magazine! known! abroad! justifies! their! efforts! to! disseminate! news! of! its!
publication! internationally.! In! a! letter! from! 10! August! 1915,! Sá<Carneiro,! back! in!
Paris!following!the!publication!of!the!second!issue!of!the!magazine,!urges!Pessoa!
“a!que!não!descure!a!propaganda!europeia!do!Orfeu”![not!to!neglect!the!European!
propaganda! of! Orfeu],! suggesting! the! translation! of! excerpts! from! “Chuva!
Oblíqua”! and! “Manucure”! to! send! with! enclosed! copies! of! the! magazine! (SÁ<
CARNEIRO,!2015:!347).!Pessoa!would!follow!this!suggestion,!as!gathered!from!some!
of! his! letters! to! English! publishers! and! magazine! editors.! Although! Sá<Carneiro!
was! thinking! of! the! Italian! futurists,! whom! he! mentions! in! the! letter,! or! possibly!
some!of!the!Paris<based!artistic!movements,!for!Pessoa,!“[o]s!três!pontos!de!apoio!
exteriores!d’esta!propaganda!devem!ser!Londres,!Madrid!e!o!Rio!de!Janeiro”![the!
three!points!of!support!of!this!propaganda!abroad!should!be!London,!Madrid!and!
Rio!de!Janeiro]!(apud!LÓPEZ,!1915a:!186).!!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 305


Silva Alfredo Guisado

!
!
TERRA
11 DE
..
·v1ENT
"'
I
DEPARA1TRE rses;
,-,, ,
Volupfr, do fugir--s<W longe e sf':rdistancia, Í,1M:rrminaveiit"•. -.111-"1
e tornar logo ao eais e de uo,·o partir ! !d' eu de Vida ; dõ:
Volu1,ia-- Jest'j:tr P não possuir . st•r auiia -·
fü·1rnxos a dei!n'r, repuxos a subtr , uambólica de mo'"'imenlo o
' ;! ri horizonta!id. ,<., d~stim
vai tão allo v 1s1o nau do a Côr 110. n1t ert . t en{·ia .. _
r e11il-'
Re\'isla lrin1eslral de litera- m ed10 do Irleal que nos esqueCPWOs Velodd .. d~ '. , ek){;íà,rde !
l u r a- OirectGres: Luiz Je 1 Vida pttra rdco11hécermos ape11as • k Não •• pode criticar . ..
Montalv1)re nonaltl d" Carva - n111ra de ::ier do TuconceUido ! Cami nha- ~e ao lado d• obra.
lho -- Editor: Antc,uio ~~erro
-Ano 1 : 1915--N. 0 l - Ja- Fernando Pessôa oferece em Orp.lu11 u tt.ce lert1.da1neul.B-em bll8C&à
neiro -- Fcv1~rc1ro-Março. Cá.rios Franco o seu dra-tna e1StA. tii;o em; ; Futurismo! Foturismo !
um ac-.to O 111arin/ui,·o. ..,, l Timbrt>s metalicos resso
Afüma Luiz de Montalvor na su" In - Que euormidade de despreudime11t<N ;i)a1sam zig·ZbgUeKntes em \"
troducção que <a.fotografia de geração , e de incerteztt. ! : J - iltt.11t.t>~.e m corr~ritts n ..J u
?'aça 01, meio, com o seu mundo imediato Que grandezR. vive .ª 4ltna phr·a so.;'I 1i1nrnl1a iucornpar11'"'et m ~ot-
de e.ribição a que freqttentemetite se cha- uhnr ('Ul. Alérn-DeuM ! .jl ·viJisação moderna'.
ma Jiteratw·a , é sumo do que para, tU SL ·~·-i":J.rnn.·· hfflor i1:1 qw, st'li:1-tnrítnt,i ·JN&, · Niio faz,,· nadu é « mi11ld
intitula revista, com a variedade a infe- ria um s~crificio do seu pi-oprio tt:-rmo ~ oi• quê? Pttr& on le n
t'iorisar pela ig1,aldade de assuntos ( arti- Par1:t. quê !-lalrnr o Após .:,;e ü · A.ut,~i-w. Jiunuuu, preaente2
. go, secção ott m1.mrentos) qualquer tentativa no s et<qu e(:A o o Prf'seute e Meutiro.so ! P~....-5t•
.'.
de artt - dei.-ra de existir no texto preo- E' predso v i ver? - .Pois U6m ! So; rn :~~ -~ ..
cupado de Orpheu .> uhernos que vivt,remo.s, que a Vida t"e.râ: 'de Alé111 dK par alis.•ção m ,
Um!\ grande ohra, com e feito, se pro- p1\t.ria µtt.ra viver melhor! ... àue rgil-l fis: ca?
põe ergu er esse ;::rupo geutil de iuteli- Ü•HtÇUiSO de Côr ... e t.rR.uspare11cia: Â lna,·o d~ ('amp( l ua ~n r.
gencias, que uão pr etende Forma mas de .Nuuie.. · n-
vtti Uio longe q!le ::e t:>Sq
pretend (, Essencia, que não anseia Al- Quando escreve : -'-' f porq n e é tjUe peu,.._ olt - •
tur& mas que busca Motivo e Côr. -Não valeria então a penu (1-:chan>w; PH~a. b rU!!ICa. ~fH1sibi titl&d:? )
Adivinha se em torla uquela Realis&- nos no BC>nho e esqu.ecer11 ,,üla pü-ra qu~ seutimeuto ! Despri:ud ... :=
çiio o Verbo ignorado e obscGro d11m& 6 mm·fo nos esqw1cfi...
se? . .. osci la como as eugrt'na.::;-en.s
Siuceridade ! - 1Vciomililta irmã , nacla utle fl pena ...
1
uas que o rodeiam "JfüUJ,:o
Nii.o ha linhas de Colorido nem per- ha t,ants. graud~za e tau.ta sincerirla de, gus on p,trafuso~ per J i lo~. :-
fumes de Viol eta a eugrinuldar em Des- que é; mAsquiuho o muu <lo com ._toda.:."_ a ·J -rn e 11te ll.li Côr da ~ud. oo rii. '.
taqne esse Mundo que se pretende sen- sua Nature t.~., perrlute 'lt111a pa1:-1ttg~! Leia.se:
tir phr-. viver depois! da Alurn. tii.o seutida e graud ...! 'é
D os s,1uhos de Alfredo Pedro Gu-isO'l,b . o· rodas. ó engrenagrn!". r- r- r-r
Pret f'ude-se apenas co ustruir U:::!l ~1- 1Forlti espasmo retitlo d'o.; maqumi~
tar de al•bastro ao fnndo duma nave leia o leitor o Ante-Deus qne t,ra~1Jcr.Í,- J.:111
furia fora e oentro ,!e, miru.
inconstrnidii <l~ pl'eues recurvf\das. Er- vo em outro lo ga r. - , / Por lodo:; o:s IIJP.US uern"\5 di~ -
gue-se esboçadame nt e já o portico do Ansi~ e Orgulho! Pode-s e ir'.mais j' Por todas as paJJilas fora U1;-tu,i,:, e
longe? .
Essa enorme extranheza, doe11t,ia~meB· 1· VejH.-Se t.atolJe111 es~t:' d -:-t·r -
tão grH-nde co m qn" .-Hr ·u-
Templo, gotico ostra\ do Curvas /f:l~ mo, é uma art~ bem ma .is dificil do q11e
tHh ; arR. 1\ ::ma proprÍtl rsi c:ol
Incenso, para nele ~e ·resar em,-.0~ a de defluir " S in)p licid.de !
1· ........... .. ...
Longe as orações que a Arte resa, t-ill
Lne.r a. Nossa Seuhnra da. Beleza.. -~ '
O poP.t&.da D istani·ia vive numa otl -
tra vida mais verciarleira e mais saute.,
e os se ns versos são Alma e m stu olhtlr 1
{~ i11 s s;io feitos pra ~.,;istir
glezt.>

I
Tão pouco e ta11ttJ! ~;to l,a f:i->utccomo esla prn e,tar f--i'
.. . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . .. . .. . ..
_ a ocioso ·1 , •· , Com a Tra11q111 liJade. A li"•11h.· de1l1
U111\'i11h•111e s,,i tm1 lid es . 1 ~Jrõir .
Orpkeu é no seu conju ncto uwa p>Í· Tr ans par eucia de Dews tudo é capr-i.
cología doeute nHt.S bela. A Alma _
pH-Ss:a cho e m longes Côres... .,·.>J'
1Pcrlen ;o a um genno de púrlugu "z~
em deli rios de febre ... e canta ... e . . . E a"ºª Dôr de ser-se e i11fi1ti~tJ-' 1Qnt! depois de estar a lndia dc:-cc,
souha visiouando :uuudos... O deseuhactôr .José de·1J.lníaàã Ntfll'lh !Fi,-a,·cun trabalho.• -\ mortt• t' Ct'
~e1n

Mario de Sá-Canui-ro o poeta do~ mi_l:lj ros dá-110• nus Frisos que sen~(l 1..:048, iTeuho pcusado uisto mui~ \~ze~. _
o .
terias descoi~jnnctados, l1onra 0111 ~i' .: ~aopoeml\~ ~m t,r3:çns d,e canrão .. . ·1 4 • •

tõ~s doirttdos primeirHs pa,gi~IWi l(é .Na pouca pn 1t,e1J\~ão da Fot1w1 ·Vive·
Orp/,eu dando-nos ulg 1111sdo_s s,ri.~~·!•· : a sua mai: ';r beleza. · :· -~~l"'-4·~·~ ,.,,,-- ..
Foi esta r 11vi:..t,l:Ide lit er ·
w•• dos lndi cios d, Oiro arnd& meJl- Cortes Rodri,rtues, mostra-n os (·m cin-
r;rit,ica. dP- Lisboa, cousco:,n
'l'irn!.>rttndo :E'i11sdei Imperio, J'IH
theous, Gu111es e Esp!ldaii, perp• l~sarn ··
- co dos se us poemas, tod1:1.es~it le\•0 -é
dista.ute t,rtt.H!!lpal'encia d e:-1se iufittit,();
morbido de, Si. '' 1
lu.pelidon . rle "f11.ll1a rle r a~-
nexan, "im p er feita 'l e °'.sei
·e- 111 todOt,; os seus pe.-iodicv!'- 1
)ms 1!,e Op~ ~-,,.~d ~tJ.!lt'~.re th . Conciso na forma, profundo ·n-ã.E s~·
te, ti;.l vez, porqne 11ingueill
uiinb os âe -~ ..~ -A\01 • e 111 ' pano sencia escreve conscienc ioi:io e se.ui_"W·
com pr ei:,ude -la ..
Egipto. _ , ~-J. guen- ! ·
A } \
Um verdadeiro sncesso .t
Ha toda urua ~eusAça.o oe Cor- e Ue - A 8Ua poesia Outro porv e n tura ··a.~
Perfuml) tt. Uesuu:lar o corpo do lii ea\ Lisbo", 6-3-915 .
maior de t0da~ ela.8; sem Oôr, vive de~ ·
dando uma t'i.>rmtt.in comp l eto. mas p e~· se proprio d esco lorido . ,- Fernatido Cm-rol1
feit»... , Que estranha. beleza!
Duas poe:sia~, 16 e 7 1 terá n leitor O peusador Fernando Pessoa j,ubJ ;;°
onasião de nprecitt.r em outras co Junac i ca-nos dua!:I po esias tuturistas de 4 lv<t1Y,
do presf\ntti nutnero. ... . · de lawpos: Opiario • Ode 1'ri• 1-nfi1/. .', 1
(J poeta. brasileiro Ro11aldde c_a.r_va- De'&tru.m P-llrndos u.ugulos es!'ériuos vM
:;as lntu~~], curvas que'brada1 em mlstériós de St/n,.
lho cunta~110:-; uova.:-i e~tr 1:1nl,,ae
em impr c·ss0es de lu zes velht1.s e fins rie
Onto110. '•t •

No. sua poesia, O Eldgio [los 8efu:r,


. a 1 e uós a im ressão )mu1111-,,
..cul'....V_.ll.·S ... !
Fig.(8:(Cutting(of(review(published(in(Terra'Nossa((April(11),((
included(in(assorted(loose(sheets(“Recortes(sobre(o(Orfeu,(etc.”((
[Cuttings(about(Orfeu,(etc.](
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 306


Silva Alfredo Guisado

!
!
CIDT &--k atJ t .e oós a impre ssio lu :ui1:1i•
ce u.:e oe f ontea iri~Kdas em uoit es d~
1Ln& e Sonho . • . Quando, tangendo diz:
Volupif\ de fugir--Stlr longe e ~M distancia,
/
e tornar logo ao cais e de "º"º
partir !
Re,·isla lrimcslral de li tera- Votu1)ia- - dest,jar e uão possuir, ser ansia. ; ses; int~rmiuaveis sonole:nci 11s h , u
tu r a-Diredores: Lniz Je . Repnxos a desi:e r, rcpnxos a subir. 1' cas de Vida; dô: tuorta em A 1m
1
~~~n~~l~~Ít~/~u,:,~ :0~:-oct~;:~ 1 vai t ão aHo visiou a uclo a Côr uo int.er• n~rnból~ ca d e m o vimento opono , D
---""º IF.; t9tõ-N. ut_- Ja- medio do I deal qu e 1108 esquec"'mos di-1. rvea",·•,htõenr~~,
0
.º,.º. t_a_lidH-dedestimbrada e
-nciro-- evP-reiro-março. Vida ptt.ra r ecouh ec ~rmoe ap enas a Ma.• .., ,.,
· · \ ueira de i:s~ r do Iuc oncebido ! Velocidad e ! VcluciJ~de ! -.
Afir.ma . Lui z de Montalvor ue. su• Iu- , F,mand o Pessôa ofere ce em 0,-p/,eu a Não se pod e criticar . .. ~ te.
trodn.cção que <afot ografia de g eração. Ca1·los Fr anco o seu drama es tatieo e m fcuminl,a.-se a o la.do d~ obra -.:. e
raça º" meio, com o St!tl ,nuudq ~ediato um acto O Mar inheiro . Ia ce lerad~in e ute e m busco. dos.No,;- ,
de ex ibição a qtu fr~quentemente se· clza- Que e norm id ad e d e d Pspreudimeutõ , Futurismo! Fu t urismo 1
ijleratura
n!!J:._ , é sumo do que para ai s~ e de inc ert eza ! , f 'riinbr es m e talicos re~~oam A :
intitula revista, com a variedade a Úife· Que grandA 2 a vi ve a l.lma pora •o::. · P••••ru zig-z,-gu•anto s e111vais-T
riorisar pela igualdade de assuntos 1-(•ti~ uhar f! ~U _Alé,'.i - Ü fHl~ ! __ ....:. _:.;. ci~a.1:~·e8 ,. e ~n eo r~·e rlus eudoide,ci
go, secção 01111/IJmentos)qualquer t~ntal.iva ; . Uma hist?n~, qu e, S E' ttffnlli_i;,~S. f", s~ 11~,1.1 u . u t. 111com~a1,\v eJmeat (1 Leia d
de arte-deixa de existir 110 te:rt{ll,reo- ria um ,·Si.let'ific io do seu propt·io u'!rn~.~J, vil1sação wo de 1na.
cupado dt Orpheu.> , '.> • Pj\ra quê sab er O Após se O A"t""', 1 N,;;o fa111r nadto é a minl,a p Ndi~
Uma gru.ndfl ohr.a, com efeito. se pro- uos .-,es_que ce 0 0 Pr esent e é Meutiroso r : Pois quê? Para on de Yt: i a i:!..
põe ergu8r essa zrupo gentil dà inteli- E' pr ecbo viv er?_ Pois bsm ! So- i·hunu1.11t1.pres e ut e?
geucias, q11e não pr et ende Forma mas nli en)Os qn o viv eremo~1 qu e a Vida t ~rá ;~ oiiÍ quê? N ã.u é todo l?'S8e u 1t)Ti
pretende Essen cia, que não ansei, -Al- 'pahin . pa.r R.Yiver m elbor ! . . . . ·, ·to ;·ttee ler ada.ment e fort e. a rd1.' isa
tora mas que busca Motivo A eôr . . Ct1.UÇi.SSO' de Côr. _. 6 t,ran~pirf!nciá de Al8lll da paralis ação m om eut :ta t:
Adivinha se em toda aquela Realisa• . de Nullle. en ergia fis;c,.?
ção o Verbo ignorado e obscisro dum& Qn~ndo escreve: · A li/Oro de Cwnp o, ua ,ua ,rn,i .. 1
Sinceridade! . . . . - - Não valeria entíi.o a pen,i fécha,·1110· vai tão longe qCle se <·s q n e,·e de P"!
Não ha !mhlls de Colorido ~em .per-, nos 110 sonho e esqu ecer II i:i d,1 p,,ra que- porqu e é 4u e pensa, olh, udo , .:,

t~qne esse_ Muudu <lue.1 se pre. t~11tj~ -


tir p"ra viv er depois.
Pretende-11e apenas cons\Nllr U!!l
l
s~~"
tnmes de Violeta. a engnnolrlar e~.pes- ; I!\ uwJ·fo no.s esquece,.,se ?.. .
- Não miulta inn ã, nada rú. ~ett1J~flª·
;1 es:-; a. bru!!lca "1e nsibilida ,ie qué v i...-,
··, sentim ent o ! D espr end ~-se d ~ ~i ..
~\.,. · ,, ,.. ha tanta. granrl eza t, t a ntu. siur.eridáde · oscila como as engr euage ns 'J..s r::.-
que é me~quinho O muudo com t,Oda.a nas qu e o r ode ia1u qt rn. 1110 la c:i:.::-:•
_

~&r de ~~abast.ro ttO fund o .Uma · .na~e . sua N,atur e.L:tt., p er a nte 11tua p;Ü:of1:1get gas ou pc1.ra fuso s per di I,"> ::-. r l <:>
LC.
1neonstrn1da. de p.rec ~~ ~~cl:'C.Vf\d~~ Er - da AlttHL tllo sentida e gnuid H ! · m e ti te na C ô r da :--Urt o b ra.!
esboçada~t.1I ·JlhO "!pOrtico der 1 Dos souhos de Alfi'edn Pedro Guisado 1 ' L~ilL-s e :

..,~:.~-.·
TemplÕ.., gotic ~ •stf~l . de~<;:: ..·,11leia
-,r
ffl> o leit,or o Ant e-Deus que
voem outro logar.
t,ra~õcre· . j O' rodas, ó cngreuagen, . r-r -r-r- •- ;
· Port,? e~pasrno retido J os ,naquini:- ··~~
r"
.Iuc ensoi,. . par a. ii,e
l.,ouga 'aiiJ··· o r &ÇD:e
t ,
,·...res i-1 ..
s.~. é n f\1e t eli .e I Ansia e Orgulho! Pode-~e ir mais f:1n funa fora n t1entro de 111im
Luar Ness1.t-
~1t )ra d.a ~Êtaeza-. ~ :: louge? . Por todos "l> 111PnS nen-os d1ssecaJv:- fvn...
Tão pouco e ,to! ·· :!,.; ;Essa. en9rm e extranh ez a., doe1d.ia mes- Poi todas as papil,ts íoi a de Indo n,n.i!Jll'!~
•••••••••• 1-, ••••• ' . .. . .... , •• f-. .~:-ti; . mo, e uma ~rte bem muis rlifi cÍl do qoe ' v ~Ja se t arnb e m es~e d epr f'c :.cii
Orp_hei, &-uo seu coujuu ct<'ln1ba1·, a de deün1r a Simpli c1d.d?! tã o grand e con, que Aha , , de
colog,a do eute mas bela. A Alma _ .-a O poAt&.da DIStctnc,a v1v~ UUllj<L ouj eueara a sua pr opria p sicoJ,,,, ; • .
em delir10111 d e f ebr e . .. e. canta ,~ar I t.1 a vida mais ver<lade1ra e mais santa, . . . . . . . . . . . . . .-~.-. .· _.
sonha v1sion a ndo !OUndos.. . . Ft /" e os se ns v ersos são AlmA. em St,Y;Olhar
Mario de Sá Carnetro o poeta"'do11tiiis· ' anc1oso ! .._/' " ~- 1Os rnglez1~ss,1o feJtos pra t"'Xb hr
ter10s d esco1:junc r,a.d os honr9'! ~ 1 Tran ~ptt.rAncia d e D eu s tu d o 1 étc ~ 'l't ~ào h,i g,•nte como csla Jlra e5tar f-,L
' ' -'' -i;;f ;J,{ .:: 1 l O~ ; ; Lom ,1 TrJn<puiltl,tdt' A (!1111tt! de1b
tõ fl'S d úlf l:ld os ttR pr1me1ras pagthlt!"I, 1 e 10 em oug es ~r es. . , . . • . ~. Urnvmtuni e s,,1 11111d ei~ c1 sorri r
Orp!t eu dti.1Jdu-uos dlgnus dos 13'.'u-.po..-- .. E R. ~U!. Dor de ser -se e 1ufin~a .t J
1
wa!i tios lndt czos de Ozro ain 'da ined l'- ' O de se nhad o r Jo sé de Almaáá7fJ!lt-éi.,,, Pe,tcn ;o a 111ngenc10 de 1,orlur u-z-':o,
t ns. ., >- ros dá. llOSI n ns Pri,qo.crque sendo -,prosas• O.ne depois de estar a lndia dL";c:oBPrt.s
4

Tí111b1· ando Fiu s d A Imp eri Ô~,- -, ~ão po e ma~ em tr1t.cos de carvão ... 1• ;._, -... Y,ri:araw Sl'm ll·al~all,o. A.111ort e e .::t-;b..
· · , , · · - d F 1 ' ·0 • lenho pcwrnUomsto mmlas ,·eze;.
tbeons, Gun~t-S e Esp~da s,. pe~pass~ ~a po? ca pr ete4çao ~ . oru ~.t :~1~ ····
br&s de Opi o em p edl'l,rta• y · . , a su,. . Dl1''r.r b eleza. ';; ,1 ,. , • *
miul1os d e Além-Almrt t' .111 1Jal!ol . Cortes Rodn:gues, mostra-no.-.; yrn_,~iu'-:' •. ..,.1,. *
Egipt o. . "-~···"·4 t~ co dos seu8 poemt1.s. todn es~u ~, oi esta r ,:..vi ~th de Jit er 1ttu:-â
Ha toda uma oe us•çii.o de Oôt~ distaute t ra11spa re11ci11 desse iÍ•fi .~i~~ : crit.io ít. de Li sbo a, t:ous c<:m c:o»a
Pt-rfu111H u. d e~uu :Ja r o eorRo ~0 1
morbid? d e S i. . . _.... .i ctpe lidon de :.tfttllia dt:" r1t.s ã o_.
dando uma form11. incompl eto. ma.s _ Conc1su na formü., profundt;> ~,n~_;Es- 1 ! u exa. 11, " imp tll'foita ,, t:: -';,,, em · \"er;
feita.. . ..,. !l~ saneia escreve consci e ncioso e aoiu ,';.bla- e1n todo i,; 0~ seu::; ptnio lic.,~~ju ~:.

ocasião de a11reciar em aftll&ll:~i


Duas po es i~s, · 16 e J, ·:t~ · &.-~ltdla4. gue,, .
A •U& po esil\ Outl·Q porventura
do p1·e se 11te num.ei·?· .·· '~o\.,-, . .1.:. '' 1"11\11. piaiorde.t odas e las.; sem Côr.vivedes· i
t> 1 ·t ~, t a.l ve
" ·compr eeu de -lo<.
z, porqu e 11

Um verdad eiro sa C:esso !


in g u em C;,c, ~
0
.

-O poet"' bra s1l~11-o~lil Alé .~ se propn o descolorido. · Lisho• , 6.3.915. .


llw cttn t...- uo, NOVILif.eflll't<nbe!li.s~ ~ - , Que estrauha bel eza! ·
·
em 1mpres•lle• de luiies vel11KSe li • O peus•dor Fern ..ndo Pessoa publi- F ernund o Cnrwll w
OntonQ. • .,, ,· ca-nos du&8 po esia s f uturistas de AlOOro1
de Cam]NJB o Opio ri o e Oc/i: Tr ·i•,.·i1fi,I. ·, j
De1t"'m eih&rlos a ~gulr,s e,lêrí..,os p0r j
curva• q11ebrada1em m1st&~ e de _'?!r

!
Fig.(9:(Cutting(of(review(published(in(Terra'Nossa((April(11),((
included(in(the(“Críticas(de(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 307


Silva Alfredo Guisado

!
!

IDe"ORPHN.º 1,Janeiro,
EU,,
o, , 1916
FeverirMarço 1

. ..._,.
___ANTE DEUS
l
c~:;<J
--:;; 1

, Q11an1iote \'i eu foi o h•u \'r+:u· .


E dc~i Deus pra me l' IICOll(rar em 1111111. J
Voei-.rnc sobre po11tes de rnarfir11-
E uma das ponks, Deu~, em 111 eu clliar !
1·_ d

de
AlU·êolei-111e oiro c1n ~0111bn fria
E inêtti. vôoS cairam deslrni1l()s.
F'uram' ~cdo~ tln Oeus M; hu·u~ sc,1tirlo;-..
M~M,.~(>rvy, andou ao t:ulo .le Maria. 1
1
~dupno Cri!ilo 1•1:1 ,·ens pagãos.
.'tgor.1
São. hp't-t~Mc l>Pus as 11,inh.-1s rnãlts. l
Rt'gresso Ansia pra a/ 1:ançar os céns.
1
da Dór.
] Er~o-,rni rnai~ Sou o pP1·11!
'j
·1S,)hrc os ombros de Deus olho em redor
j E lleus uão sabe 11ual de nús é Oeus !
! Alfndo Pedrn llu isr,d11.

1
1

Eu não sou cu 1rn.'ll sou o outro ,


Sou qualguer coisa de interrnedio :
e de tédio •
Pil ar 11a\lo11l
·· Qnc ,,ai l e u,im para o Outro .
,, ' ...."i,:

LisLoa, fmi crcfro Jc f914.


Jlal'io d" f;ti,-Cllr11f1,P
X

!
Fig.(10:(Cutting(of(Alfredo(Guisado’s(poem(“Ante9Deus”(
published(in(Terra'Nossa((April(11).(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 308


Silva Alfredo Guisado

The! reception! of! the! magazine! in! Spain! was! particularly! important! for!
Pessoa,!given!“[a]!conveniência!de!uma!entente!ibérica”![the!convenience!of!an!Iberian!
entente]!(apud!LÓPEZ,!1915a:!186).!As!noted!by!Pablo!Javier!Pérez!López,!that!same!
year!Pessoa!began!developing!his!project!about!Iberia,!which!“supõe!a!afirmação!
de!uma!necessidade!de!acção!civilizacional!conjunta,!de!um!imperialismo!cultural!
e! de! uma! aliança! espiritual! ibérica! que! deixe! para! trás! o! provincianismo”!
[supposes! the! affirmation! of! a! necessity! of! joint! civilizational! action,! a! cultural!
imperialism! and! an! Iberian! spiritual! alliance! that! leaves! behind! provincialism]!
(LÓPEZ,! 2015:! 187),! thus! increasing! the! international! projection! of! peninsular!
literatures.! Aside! from! the! well<known! letter! to! Miguel! de! Unamuno,! Pessoa!
intended!to!contact!other!important!figures!in!the!Spanish!letters,!as!shown!by!lists!
with! names! and! contacts! found! in! his! archive! (LÓPEZ,! 2015:! 187),! which! also!
includes! a! list! of! Spanish! newspapers! to! which! they! should! send! reviews! of! the!
magazine,!notably!El!Mundo,!La!Tribuna,!and!El!Tea!(PESSOA,!2009:!39).!If!Pessoa’s!
attempts!to!introduce!Orpheu!to!London!publishers!and!magazine!editors!did!not!
bear!fruit,!nor!his!attempted!contacts!with!some!Spanish!intellectuals,!the!plan!to!
disseminate!the!magazine!in!the!Spanish!press!was!more!successful,!resulting!in!a!
few!reviews!being!published!in!Spanish!newspapers,!though!not!from!Madrid.!!
According! to! López,! “a! maior! ressonância! espanhola! relativa! à! publicação!
do! Orpheu! foi! atingida! na! Galiza,! onde! vários! jornais! publicaram! “críticas”! ou!
comentários.!Os!seus!autores!relacionavam<se!com!Alfredo!Guisado,!que!manteve,!
desde! muito! cedo,! uma! forte! vinculação! com! a! Galiza”! [the! largest! Spanish!
resonance! regarding! the! publication! of! Orpheu! was! achieved! in! Galicia,! where!
several! newspapers! published! reviews! or! commentaries.! Their! authors! had!
relations! with! Alfredo! Guisado,! who! kept,! from! early! on,! a! strong! connection! to!
Galicia]! (LÓPEZ,! 2015:! 189).! Among! the! latter,! he! lists! El! Eco! de! Santiago,! and! La!
Concordia!de!Vigo,!as!well!as!El!Tea,!originally!included!in!Pessoa’s!prospective!list!
of!targeted!newspapers.!López!argues!that!Guisado!not!only!assisted!Pessoa!in!the!
elaboration! of! the! aforesaid! lists,! as! shown! by! his! handwriting! on! some! of! them,!
but!was!also!responsible!for!passing!on!the!Galician!contacts!to!him!(LÓPEZ,!2015:!
187<188).!Additionally,!he!also!availed!himself!of!the!contacts!he!already!had!with!
Galician!journalists!to!disseminate!news!of!the!magazine’s!publication!and!secure!
reviews! of! it.! Therefore,! the! reception! of! Orpheu! in! Spain! was,! to! a! large! extent,!
mediated!by!Guisado,!through!his!acquaintances!in!the!Galician!press.!!
Originally!from!Galicia,!Guisado!had!close!personal!and!professional!ties!to!
that! part! of! Spain! and! therefore! played! a! central! role! in! the! reception! of! the!
magazine! in! the! local! press! from! that! region.! Unlike! most! of! the! Portuguese!
contributors! to! Orpheu,! he! had! previously! published! two! volumes! of! poetry,!
namely!Rimas!da!Noite!e!da!Tristeza!(1913)!and!Distância!(1914),!which!feature!in!the!
list!of!works!by!contributors!advertised!in!the!front!matter!of!Orpheu.!These!works!
had! been! reviewed! not! only! in! several! major! Portuguese! newspapers! such! as!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 309


Silva Alfredo Guisado

Diário! de! Notícias,! O! Século,! and! A! Capital,! but! also! in! some! Galician! newspapers,!
including! El! Tea,! in! which! one! of! the! reviews! of! Orpheu! subsequently! appeared,!
and!Vida!Gallega!–!in!which!Alejo!Carrera!Muñoz,!who!signed!the!review!of!Orpheu!
for! El! Tea,! had! previously! published,! in! November! 1914,! “a! que! seria! a! primeira!
notícia! do! grupo! do! Orpheu! fora! de! Portugal”! [what! would! be! the! first! piece! of!
news!about!the!“Orpheu!group”!outside!of!Portugal],!an!article!entitled!“Los!Poetas!
Lusitanos”.! In! this! review! in! Spanish! the! critic! referred! to! the! main! figures! that!
would!become!associated!with!Orpheu!as!a!“grupo!de!jóvenes!poetas!de!la!escuela!
moderna”![group!of!young!poets!from!the!modern!school]!(apud!LÓPEZ,!2015:!191).!
The! reviews! about! Guisado’s! works! were! carefully! collected! by! the! author! and!
kept! in! the! aforementioned! notebook! entitled! “Críticas”! [Reviews],! extant! in! the!
Távora!archive.!!
!

1)-e._trfJ f.e_at'
SOMBRAS
.•......--.....-
...........
.-.-... ......
. ....... ·Passam as sombras pela est rada fora .
Süo pedacos de luto e de mistério,
"Rimas
da Noite Personagens da vida, sem feitio,
Guardas do cemit!i[.io .. .

e da Tristeza" Passam as sombras, pasa am buscar


Um abrigo onde possan repousar ...
n
a
Lleva este título el libro de versos
que nuestro querido amigo el inspirado Sombras, irmí\s do Noite e da Tristeza,
poeta portugues Alfredo Pedro Guisa- Sois mu fas, bem o sei, mas por sina is e
do acaba de publicar. Guisado no es un Comp ree!ldeis·vos. fala is. !•
desconocido para nuestros lectores: en E eu quer ia tamberopoder sabe r
estas columnas hemos venido publican- Que falais, que dizeis.
do composiciones suyas hondamente Qneria responder·vos e contar•vos
sentidas y admirablemente rimadas. Tuda o que nao sabeis!
•Rimas da Noite e da Tristeza• esta-
mos seguros que será un triunfo más Sombr as, sombras dasárvores, dosmosteiros,
para nuestro amigo. En cuantas com- Dos altos campanário s melancó licos,
posiciones contiene el libro se nos re- Dos choupos, dos pinheiros,
vela Guisado como poeta de brio, deli- O que sofreis na vossa vida breve !
cado y tierno, inspi rado siempre y con Pisadas por quem passa, desprezadas,
alientos poéticos muy elevados. Cobe rtas de geadas e de neve!
Nos enorgullec e el triunfo del joven
poeta, porque le consideramos como E o que vós, quando juntas, 'stais contando,
Almas da sombra e 5ombras do viver,
paisano nuestro a pesar de ser ciuda-
Nilo silo mais do que contos que adormecem
dano portugués , pues Guisado es hijo
Nos ouvidos da briza do sofrerl
de padres gallegos y por añadidura de
esta nuestra comarca, y ha esc rito la E quem quei r a sabe r a vossa vida,
mayor parte de las poesías del citado Que o pregunte nos montes,
lib ro en Mondariz, todas ellas respon- Ás pequenina s urzes
diendo al titulo del libro, notas tristes, ; E as sonorosas fontes.
sentimental es, y de exqu isita ternura. , 1 Arvores que viveis a medita r !
Aun escribiendo en portugués nos ] Br ac;os che ios de nós,
muestra Guisado que lleva en sus ve- · ' Maos a tremer no ar,
nas sangre gallega: sus poesías nos pa- · Peitos sem corar;ílo!
recen inspiradas en las bellezas del te- ' Junta co'a vossa sombra de impassíveis,
rruño; nuestr os rios, nuestras fuentes. Vejo a sombra de h'ibios invisíveis
nuestras montañas, todo cuanto aq·u; es Re zando urnaorar;ao,
poesía ha inspirado -al poeta. d ' Emquanto v8.o ca indo lentamente
Con gusto publicarem os algunos de ¡ As Trindmle)S,
los trabajos poéticos que admiramos en Como pét'las de rosas desfo lhadas
el libro de nuestro amigo; por hoy ce- Em campos de Saudades!
rr amos estas notas recogiendo la si- E até quando me sinto só, e vejo
guiente composición que Guisado dedi- Que nCste mar revolto do meu peito
ca á nuestro director: Existe a maré calma,
Vem-me cair nos brac;os mua sombra,
Que é a sombra da minha própria alma!

!
Fig.(11:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(Rimas'da'Noite'e'da'Tristeza((1913)((
in'El'Tea,(from(the(“Críticas”([Reviews](notebook.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 310


Silva Alfredo Guisado

!
!

+1 (( Q..Ol,
·-

"Distancia"
por Alfredo l'edro Guisado.

Es el titulo del nuevo libro de ver-


sos de nuestro querido amig o A lfr e-
do Pedro Guis ado.
No es preciso decir que estos ver -
sos del joven poeta son muy inspi-
rados y están hondamente sentidos.
Et triunf o de Guis ado como poeta lo
regis tram os ya con mot ivo de ante -
riores publicacion es muy bien reci·
bidas por la crítica.
Guisado trab aja en ta publi cación
de dos nuevos l ibros, to que quiere
decir qi:e se trata de un poeta tan
inspirado como fecundo . Le felicita-
mos muy cordictlmente.
Como muestra transcrib imos la
sigu iente compos ición:

Elcgio das ró las


No* s, as árvor 's, sonham com r; noivos.
Falai. 1 baixo. cantand o, apertarn dedos .. .
Coram de Lua, bei¡am se os segr(do~ .. .
No sep ulcro da Tard e cnem goivos .
Falam as Fontes:-« Conheceis as rólns?
Nil o as ouvis ?. .. Ao largo .. . nos pinheiros?
V elh¡tslllen digas a pedi r esmolas! »
E os ecos mort os ro lam p'los out ei ros; ..

A Noi t e lhes contou que urtrn princesa ,


Nascera a amar e assim tinha marrido
Num palá cio do Luto e da Tri steza.
E elas choram por essa que sen tiu
Dentro de sí eterno amor perdido,
Corno quem chore a noivn qlíe nao vi u!

!
Fig.(12:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(Distância'(1914)((
in(El'Tea,(from(the(“Críticas”([Reviews](notebook.(
!
Regarding! the! reviews! of! Orpheu! in! Spanish! newspapers,! Sá<Carneiro!
managed! to! gather! more! of! them,! namely! Juan! Barcia! Caballero’s! in! El! Eco! de!
Santiago!(6!April!1915:!1),!Jesús!Cano’s!in!La!Concordia!de!Vigo!([5th<7th?]!May),!and!a!
third! review! ([22nd/23rd?]! April)! in! an! unidentified! Vigo! newspaper! (LÓPEZ,! 1915:!
190)11,! all! of! which! feature! in! the! “Orfeu! 1”! notebook.! However,! Guisado’s!
“Críticas!de!Orfeu”![Orfeu!reviews]!notebook!includes!a!review!which!is!not!found!
in! Sá<Carneiro’s! notebook:! the! aforementioned! review! from! the! weekly! El! Tea! (9!

! While! the! information! about! the! month! of! publication! is! based! on! Pablo! López! (2015),! the!
11

proposed!dates!for!these!three!reviews!in!Galician!newspapers!are!based!on!the!examination!of!the!
reviews!adjoining!them!in!Sá<Carneiro’s!notebook!of!press!cuttings!of!reviews!of!Orpheu!1.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 311


Silva Alfredo Guisado

April!1915:!2),!published!a!mere!few!days!after!the!publication!of!the!first!issue!of!
Orpheu,!making!it!one!of!the!first!Spanish!reviews!of!the!magazine.!Signed!by!Alejo!
Carrera! (Muñoz)! and! entitled! “Revuelo! literário:! Los! poetas! de! Orpheu”! [Literary!
Stir:! the! Orpheu! Poets]! –! resuming! the! term! he! used! to! describe! the! action! of! the!
group! of! young! “Lusitanian”! poets! in! the! aforementioned! 1914! article! from! Vida!
Gallega!(LÓPEZ,!2015:!191)!–,!this!review!in!Spanish!underscores!the!scandal!caused!
by! the! newly<launched! magazine! (said! to! be! selling! out! fast),! quoting! from! the!
article!published!in!A!Capital!as!example!of!the!attacks!Orpheu!was!under!from!the!
Lisbon!mainstream!press.!Carrera!names!all!the!contributors!to!Orpheu,!whom!he!
identifies!as!representatives!of!a!new!school!of!poetry,!i.e.!the!so<called!“paúlicos”,!
claiming! that! they! were! being! hailed! as! “innovadores! de! la! musa! lusitana”!
[innovators! of! the! Lusitanian! muse]! and! underscoring! the! defiant! way! in! which!
they!were!facing!the!sustained!attacks!from!the!press!and!lack!of!recognition!by!the!
general!public,!which!he!regarded!as!proof!of!their!serious!mission!to!“legar!a!su!
patria! una! obra! de! grandeza! literaria”! [leave! a! work! of! literary! grandeur! to! their!
country].!!
According!to!López,!Alejo!Carrera!(Muñoz),!who!signed!the!review,!was!an!
acquaintance!of!Guisado,!hailing!from!the!same!Galician!town,!and!was!based!in!
Lisbon! as! correspondent! to! several! Galician! publications! (LÓPEZ,! 2015:! 191).! This!
explains! the! notation! “Lisboa”! alongside! the! date! of! “6<IV<915”,! below! the!
signature;!in!effect,!the!review!comprised!that!issue’s!“Crónica!de!Lisboa”![Lisbon!
Chronicle]!(LÓPEZ,!2015:!192),!the!name!of!the!regular!column!he!wrote!for!El!Tea.!
The! newspaper! is! identified! in! Guisado’s! notebook! as! “de! Puenteareas”! [from!
Puenteareas],! which! shows! his! familiarity! with! the! newspaper! since,! as! noted! by!
Lopez,! “Guisado! era! colaborador! habitual! do! semanário! agrarista! El! Tea! de!
Puenteareas”! [Guisado! was! a! regular! contributor! to! the! rural! weekly! El! Tea! from!
Puenteareas]!(LÓPEZ,!2015:!189).!Therefore,!considering!Guisado’s!close!ties!to!the!
journalist! and! the! newspaper,! and! given! the! review’s! encomiastic! tone,! it! seems!
reasonable!to!ponder!whether!it!wasn’t!in!fact!written!by!Guisado!himself!(if!not!
by!Pessoa).!This!possibility!is!reinforced!by!the!fact!that!the!review!comprises!one!
column,! corresponding! therefore! to! the! notation! “artigo! para! uma! columna”!
[article!for!one!column],!written!about!El!Tea,!in!the!list!of!Spanish!newspapers!to!
which! reviews! of! Orpheu! should! be! sent,! which! is! extant! in! Pessoa’s! archive!
(PESSOA,!2009:!39).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 312


Silva Alfredo Guisado

!
!
~evuilo literario
Los poetas de "Orpheu"

u
Hace días v.ió la publicidad una-re-
vista trimestral de literatura que tiene
por título Orpheu. En ell~ colabora un
grupo de poetas que dan por el nombre
de paúlicos o sea el nombre de la no-
vísima escuela poética que sus discípu·
los quieren hacer popular o célebre.
Ese grupo de jóvenes son: Mario de 1
Sá Carneiro, Luis de Montalvór, Ro-
nald de Carvalho, Fernando Pessoa,
José de Almada· Negreiros, Cortes Ro-
drigues, Alvaro de Campos, Alfredo .
Pedro Guisado y como editor figura
Antonio Ferro.
Nosotrqs quisiéramos conocer a fon-
do la poesía portuguesa para formular '
una opinión propia referente · a la es- t
cuela sustentada por estos jóvenes li-
hoy son señalados por ,las j
callescomo innovadores de la musa lu- ¡
sitana. 1

Innecesario se hará decir a nuestros


lectores que la primera edición se está
agotando, porque hoy no hay nadie que
no_g~ leer la ya célebre revista
Orp[lell, tan raras, rarísimas, son las
ºinspiraciones que la misma contiene.
Los llamados paúlicos han aguanta-
do sobre ellos la implacable metralla de
la P,m8Jtiicotidiana lisbonense. Algunos
diados Uegaron a dar la palabra al doc-
t0r Julio de Mallos, versado en enfer-
medados mentales.
A Capital lleva su crítica al extremo
siguiente:
• Los colaboradores de Orpheu nun-
ca se revelaron como literatos sinó en
manifestaciones idénticas a las que lle
nan las páginas de la revista, y de ahí
no es posible juzgar su valor real. Lo
que se concluye de la lectura de los
llamados poemas, subscríptos por · Ma-
rio de Sá Carneiro, Ronald de Car-
.valho;·Alvaro de Campos y otros, es
que pertenecen a una categoría de in-
dividuos que la ciencia definió y clasi-
ficó dentro de los manicomios, mas que
pueden, sin mayor peligro, andar fuera
de ellos ... >
Como los lectores de EL TEA obser-
varan, los críticos literarios de este
país no son para bromas. Por otra par-
te los llamados paúlicos, que parece
tienen la monomanía de los puntos sus-
pensivos, no se atemorizan y continúan
a oufrance imponiéndose e imponien-
do su atrevida e,cuela, aunque, como
es natural, no encuentren grandes ·
adeptos en el pueblo. ·- -
Sin embargo, ello es un buen sínto-
ma, pues der7Ju estra q:J~ i3 y cerebros
y ½:..I e. rc:: a :.ino en 5 U5 .:.\·ersos modos
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 313


Silva Alfredo Guisado

!
!
!
.. . . r ·- .
grupo de ;:,<>e tas que dan por el ;:;;.:::-~e
de p .1úlicos o sea el nombre de la ~c-
vis ima e,cuela poética que sus discip~-
J
los quieren hacer popular o célebre.
Ese grupo de jóvenes son: Mario ce
Sá Carneiro, Luis de Montalvór, Ro-
nald de Carvalho, Fernando Pessoa,
José de Almada· Negrei~os, Cortes Ro-
drigues, Alvaro de Campos, Alfredo
Pedro Guisado y como editor figura
Antonio Ferro. ,
Nosotros quisiéramos conocer a fon- '
do la poesía portuguesa para formulilr '
una opinión propia referente a la es- ;
cuela sustentada por estos jóvenes li-
~P -~_ql!~ hoy son señalados por ,las J
ca~ como innovadores de la musa lu- 1
silana . )
Innecesario se hará decir a nuestros
lectores que la primera edición se está
agotando, porque hoy no hay nadie que
no I!~ leer la ya célebre revista
Orpheu,tan raras, rarísimas, son las
"inspiraciones que la misma contiene.
Los llamados paúlicos han aguanta-
do sobre ellos la implacable metralla de
., la PJ,W,l,S!!tCOtidianalisbonense. Algunos
diai:los IJegaron a dar la palabra al doc-
t0r · julio de Mattos, versado en enfer-
medades mentales.
A Capital lleva su crítica al extremo
siguiente:
• Los colaboradores de Orphe11nun- ·
ca se revelaron como literatos sinó en
manifestaciones idénticas a las que lle
nan las páginas de la revista, y de ahí
no es posible juzgar su valor real. Lo
que se concluye de la lectura de los
llamados poemas, subscriptos por Ma-
rio de Sá Carneiro, Ronald de Car-
.valho, Alvaro de Campos y otros, es
que pertenecen a una categoría de in-
dividuos que la ciencia definió y clasi •
ficó dentro de los manicomios, mas que
pueden, sin mayor peligro, andar fuera
de ellos .. . ,
Como lo~ lectores de EL TEA obser-
varan, los criticas literarios de este
país no son para bromas, Por otra par-
te los llamados paúlicos , que parece
tienen la monomanía de los puntos sus-
pensivos, no se atemorizan y continúan
a 011(ra11ceimponiéndose e imponien-
do su atrevida e,cuela, aunque, como
es natural, no encuentren grandes
ade-ptos en el pueblo. --··- -
Sin embargo, ello es un buen sínto-
ma, pues demuestra que hay cerebros
y que, cada uno en sus diversos modos
de pensar, tiene el buen deseo de legar
a su patria una obra de grandeza. lite-
raria.
ALEJO CARRERA.
Lisboa, 6·1V-915.
!
Figs.(13(&(14:(Cutting(of(review(of(Orpheu(in(El'Tea,(kept(in((
Guisado’s(“Críticas(de(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 314


Silva Alfredo Guisado

me e c n an a.. una con ra os.•co a o-


radores de la nueva revista, que no
1" podemos tornar en serio sus considera-
1
OrpbtU ciones harto apasionadas y fuera de
razón.
Pretende hacer crítica literaria y lo
único que consigue es exteriorizar el
Una revista literaria que con este tí-
tulo ha comenzado á publicarse en la odio ó la envidia que siente h'ácia algu-
capital de la- vecina República, escrita no de los jóvenes literatos, valiéndose
por unos ·cuantos jóvenes que goz¡m de para ello de copiar trozos de composi-
, gran :popularidad en el mundo de las ciones que luego no analiza ni comen-
IJ Letras, está siendo objeto de muy ca- ta, sin duda por ser cosa muy superior
l lurosos _comentarios entre periodistas y á las fuerzas del anónimo comentarista
de A Capital.
\ literatos.
No hemos de decir ahora si la labor
, Y no podía esperarse otra cosa. Si 1
de esa juventud que honra á su patria.
se tratase de gente de poco más ó me-
habrá ó no de prosperar; mas lo que sí
nos, de unos cuantos ilusos que inten· ,
nos atrevern·os á afirmar, es que la nue-.
. tasen darse á conocer rompiendo mol- \ va escuela ha de tener muchos partida-
· des y haciendo mangas y capirotes de rios en todas esas tierras en que se ha-
cuantos recursos utilizaron otros para bla el idioma tierno y melodioso de Ca-
. inmortalizarse, su labor buena ó mala, moens.
\1 habría de pasar inadved fda entre las Porque es lo cierto que los fundado~
. cuchufletas y ditirambos de unos cuan- res de Orpheu, verdaderos revolucio-
tos críticos amantes del café de á vin- . narios de Ja pluma, no son, como he-
tén; pero como esa-juventud que ahora mos dicho antes, cuatro mozalbetes al-
arremete con valentía contra todo y midonados, con muchas pretensiones y
' contra todos, no ha salido del montón sin ningún prestigio, sino escritores de
: de los anónimos, sino que ha sabido muy sólida reputación, hallándose en·
11; j~stificar _ m~s de una vez su competen- tre ellos Alfredo Pedro Guisado cuyos
\: cia y valimiento en la prensa y en el trabajos hemos leído y ad_rnirado varias
libro, forzosamente había de llamar la veces en las columnas de la prensa es-
atención de unos y excitar la sátira pañola.
· mordaz y rastrera en otros, esa obra Esta nueva escuela, lejos de apartar-
que, llámese como se quiera, significa se del arte, rompiendo el ánfora divina
una verdadera revolución en la literatu- en que bebieron los.genios de la poesía
ra portuguesa. portuguesa, pretende hermanár lo bello
Hemos : leído algunos comentarios, y lo sublime dando vida á la idea, color
al pensamiento.
poco respetuosos unos y desatinados
otros. · Esos jóvenes enamorados de la nue-
va escuela, por ellos creqda, constitu·
A Capital, al emitir juicio, hace tan
yen una herrnÓsa aristocracia intelec-
extravagantes manifestaciones ;y arre-
tual, la aristocracia del nuevo estilo
que sabe entreklzar las opacidades de
melancólicos atardeceres con los bellí-
simos destellos de doradas auroras.
Y hemos de terminar este brev.ísirno
Figs.( 15( &( 16:( Cuttings( of( review( of( Orpheu( in( an(
trabajo, dando un fuerte y sincero ¡hu-
unknown( Vigo( newspaper,( kept( in( Guisado’s(
rra! á esos rebeldes artistas ·que con
“Críticas(de(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.((
tanta valentía y arrogancia vuelven los
ojos hácia lo porvenir, despreciando
con una sarcástica sonrisa bajezas,
odios y desplantes de cuatro miserables
sapos.
R. R.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 315


Silva Alfredo Guisado

~ Distancia· =..., ..
en~or
Versos por
tugués fiuisado
Pedro
Alfredo
Con galante dedicatoria, no s envía el joven Sr. Guisado un ejem-
plar de su nueva produccióu . El Sr. Guisado no es un vulgar versifi-
cador como tantos que pu lulan por ahí, hechos escritores en fornn
rimada por la acción de un a constante voluntad. Es un verdade 0 o
poeta . Su obra es de hermosa y íres ca i11spiración. Hay en ella rasg os
que revelan el paso sobre las páginas del alma vibradora y sut il de
un del icado arti sta.
Joven el Sr. Guisado, tal vez en piena lectura de los moderni s-
mos transpiren áicos, muestra la influencia de la modálidad anteclás;-
ca en algu nas d e su s composiciones . Estos atrevi mientos métricos ,
qu e muchas veces dan con la clave de la elegancia y que llevan auras
de alegre renovación al horizonte po ético, son otras veces ilógicos y
úislocados y ni renuevan con benefic io p ara las letras ni resuelve n el
problema onomat opéyico que casi siempre escond en detrás . ele su
ap arente inocencia. El Sr. Guisad o sale en muchas ocasiones e0n
'gloria de sus vuelos por los espacios de la innovación y otras delin -
que como todos los p oetas congén eres. Pero le salva siempre la ins-
piración jugosa, llena de frescura, expontánea y sincera que corre á
lo largo de sus estrofas.
Hav :tlguna s muy lindas:
, Voci ...
Sub í... _
[ algu rna coisa de Ideal achei...
E alguma coisa de llu sao senti. ,.
'.A.nies·d~s~r q;,e j~ s~:rn; fu·i 3\'e!·
E se te conh ecesse
Nesse tempo 1
Tal vez que náo nasccS'sc...
Meu Oeu s, meu Deus,
Expulsa-nos da forma que nos deste
E da-nos outra vez a forma antiga,
Esse montáo de brumas
Voeja ntes ...
Esse montáo de espuma s
Palpitantes ,.,
Ühiq~e ~uPrc~ o-, in~e-ns~ abo~re.cer:
Ter forma, ter se ntido s ...
E poder ver ...

Un hálito p,nteístico corre por la mayor parte de las poesías de


Guisado . Casi siempre vaga el poeta por las reg ion es d el ensueño.
No es un canto r de la vida, un rea lista. Su inspiración se pasea so-
bre las nube s. A veces se po stra ante el miste rio de la Mctcmpsíco
sis. Su núm en es etéreo, huye ele las materialidades d e la vida.
Por momentos vuela tanto que sep1tra al lector de la percepción
clara de sus ideas. Acaso entonces sueña grandes bellezas. Pu ede del
mismo modo delirar. No estaría por demás qu e el Sr. Guisado tu -
viese freno de oro -el úe su bel la forma !rapista-para estas exalta-
ciones y "viviese más nuestra vida 11 en la cual existen, para los artis-
tas co mo él, motivos tanto ó más bellos que en las regio nes del ideal
para que luzca esplendente el ostro po ético ...
El Sr. Gu isado, aunque nació en Portu gal, es hijo d e gallegos.
Aquí habr á conviv ido muchos vera nos con los encantos de la campi -
ña pontevedr esa. Entre Mond aríz y Pu ent eareas está el hogar de sus
mayores . Esas umbrías y esos cielos y esas fontanas hablan con rit -
mos galicianos y sienten en la lengua de Resalía . ¿No haría bien en
escribir para nosot ros? Podría ser un gran poeta reg iona l, un gra11
poeta nue stro. Es doloroso que , teniendo nuestra sangre, pueúa ser
un gran po eta extranjero .
Vigo,j11nio 1914.

!
Fig.(17:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(“Distância”((
in(Vida'Gallega(kept(in(“Críticas”((Reviews)(notebook.(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 316


Silva Alfredo Guisado

A!similar!question!of!authorship!about!other!reviews!in!some!of!the!Galician!
newspapers!is!raised!by!López,!who!wonders!whether!Guisado!wrote!the!review!
published! in! La! Concordia! de! Vigo! (LÓPEZ,! 2015:! 190)! and! whether! Pessoa! wrote!
another!one!entitled!“Orpheu”!and!signed!with!the!initials!R.R.!(LÓPEZ,!2015:!192),!
published! in! an! unknown! newspaper! said! to! be! from! Vigo! in! a! hand<written!
notation! in! Sá<Carneiro’s! “Orpheu! I”! notebook.! Cuttings! of! this! review! are! also!
found!among!the!Guisado!papers!in!the!Távora!archive,!possibly!not!added!to!the!
“Críticas!de!Orfeu”![Orpheu!reviews]!notebook!because!it!was!published!at!a!later!
date!–!in!late!April,!judging!from!its!positioning!among!other!late!April!reviews!in!
Sá<Carneiro’s! notebook! –,! by! which! time! Guisado! was! no! longer! following! as!
closely!the!magazine’s!press!career.!Nonetheless,!the!reference!to!his!works,!which!
are!said!to!be!read!and!appreciated!often!on!the!pages!of!the!Spanish!press,!likely!
sparked! his! interest! in! the! review,! which! does! seem! to! have! “um! cunho! muito!
pessoano! em! algumas! das! suas! frases”![a! very! Pessoa<like! imprint! on! some! of! its!
sentences]!(LÓPEZ,!2015:!192).!Therefore,!these!findings!reinforce!the!argument!that!
the!majority!of!reviews!of!Orpheu!published!in!the!Spanish!press!originated!from!
both!Guisado!and!Pessoa!and!were!part!of!a!sustained!campaign!to!publicize!the!
magazine!in!Spain.!If!the!focus!on!Guisado!in!this!review!is!directly!related!to!the!
latter! goal,! appealing! to! the! readers’! familiarity! with! the! author! from! the! Orpheu!
group!who!regularly!published!work!in!Spanish!periodicals,!on!the!other!hand,!if!
it! was! written! by! Pessoa,! it! can! also! be! seen! to! convey! a! genuine! admiration! for!
Guisado’s!work,!which!was!indeed!the!case.!
!
III.(A(subsidy(to(the(poetic(legacy(of(Alfredo(Guisado(from(the(Távora(archive(
!
In!a!Post!scriptum!to!the!aforementioned!letter!to!Armando!Côrtes<Rodrigues,!from!
4!March!1915,!Pessoa!remarks,!“O!Guisado!tem!feito!ultimamente!extraordinárias!e!
inesperadas! coisas,! versos! ofuscantemente! belos”! [Guisado! has! been! producing!
extraordinary!and!unexpected!things!lately,!obfuscatingly!beautiful!lines].!He!was!
likely!referring!to!the!“Treze!Sonetos”![Thirteen!Sonnets]!that!Guisado!contributed!
to!the!first!issue!of!Orpheu,!which!in!their!poetic!imagery!and!diction!epitomized!
the! predominant! aesthetic! in! the! first! issue! of! the! magazine,! “paúlismo”,! a! term!
coined! after! a! poem! entitled! “Pauis”! published! by! Pessoa! in! the! single<issue!
magazine! A! Renascença! (February,! 1914),! and! subsequently! adopted! by! most!
writers!of!the!Orpheu!group.!Guisado!also!published,!in!the!same!magazine,!“Asas!
Quebradas”!(February,!1914:!13),!the!closing!poem!of!Distância!(1914)!(LOURENÇO,!
2011:! 161),! which,! according! to! António! Apolinário! Lourenço,! “[é]! já! na! linha!
estética! paúlica! que! se! integra”! [already! falls! within! the! “paúlica”! aesthetic!
orientation]! (LOURENÇO,! 2015:! 286).! Lourenço! emphasizes! the! importance! of! this!
volume! of! poetry,! arguing! that! Distância,! “com! as! suas! sinestesias,! paradoxos,! o!
intenso! cromatismo! imagético,! o! desdobramento! do! sujeito,! a! fusão! do! material!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 317


Silva Alfredo Guisado

com! o! espiritual,! constituiria! um! dos! primeiros! testemunhos! em! livro! da! geração!
modernista”! [with! its! synaesthesia,! paradoxes,! the! intense! chromatism! of! the!
imagery,! the! dissociation! of! the! subject,! the! fusion! of! the! material! with! the!
spiritual,! it! would! constitute! one! of! the! first! testimonies! in! book! form! of! the!
modernist!generation]!(LOURENÇO,!2015:!287).!Distância!also!elicited!the!following!
comments!from!the!author!of!a!review!in!Spanish!published!in!Vida!Gallega,!in!June!
1914,! and! included! in! the! “Críticas”! (Reviews)! notebook:! “Un! hálito! panteístico!
corre! por! la! mayor! parte! de! las! poesias! de! Guisado.! Casi! sempre! vaga! por! las!
regions!del!ensueño”![A!pantheistic!breath!runs!through!the!majority!of!Guisado’s!
poems.!He!almost!always!wanders!through!the!regions!of!dreams]!(Vida!Gallega,!25!
June!1914:!26).!!
A! similar! pantheistic! strand,! which! constitutes! a! dominant! trait! of!
Sensationism,! the! aesthetic! that! subsumed! “Paúlismo”! in! the! rapid! progression!
from! the! first! to! the! second! issue! of! Orpheu,! and! which! also! straddles! Pessoa’s!
Portuguese!and!English!poetry!at!the!time,!is!also!present!in!O!Elogio!da!Paisagem!
(1915),!published!by!Guisado,!under!the!pseudonym!Pedro!de!Menezes.!This!book!
would!give!Pessoa!the!opportunity!to!endorse!Guisado’s!poetic!talent!publicly,!as!
well! as! the! “pretexto! (...)! para! Pessoa! apresentar! e! defender! na! revista! Exílio! (...)!
Abril! de! 1916,! o! ‘Movimento! Sensacionista’”! [pretext! for! Pessoa! to! present! and!
defend!in!the!magazine!Exílio!April!1916,!the!“Sensationist!Movement”]!(Lourenço,!
2015:!292),!which!he!claimed!the!book!encapsulated.!Thus,!argues!Pessoa,!
!
A!breve!e!magistral!colheita!de!sonetos,!que!o!Sr.!Pedro!de!Menezes!fez!para!o!seu!público,!
marca! bem! a! individualidade! definida,! que! ele! tem! adentro! do! Sensacionismo.! A!
exuberância! abstracto<concreta! das! imagens,! a! riqueza! de! sugestão! na! associação! delas,! a!
profunda! intuição! metafísica! que! rodeia! tanto! os! versos! culminantes! dos! sonetos! desta!
plaquette,! como,! bastas! vezes,! a! direcção! anímica! de! certos! sonetos! integralmente! –! tantas!
são! algumas! das! razões! que! um! espírito! esclarecido! e! europeu! encontra! para! admirar! e!
amar!o!Elogio!da!Paisagem.!!
(apud!LOURENÇO,!2011,!163)!
!
[The! brief! and! magistral! collection! of! sonnets! which! Mr.! Pedro! de! Menezes! offered! his!
public! signals! the! clear! individuality! he! has! within! Sensationism.! The! abstract<concrete!
exuberance! of! the! images,! the! wealth! of! suggestion! in! their! association,! the! profound!
metaphysical! intuition! that! surrounds! both! the! best! lines! of! the! sonnets! in! this! chapbook!
and,!oftentimes,!the!vital!thrust!of!certain!sonnets!in!full!–!so!many!are!some!of!the!reasons!
an!enlightened,!European!spirit!finds!to!admire!and!love!Elogio!da!Paisagem.]!
!
Apolinário! Lourenço! underscores! the! aesthetic! parallels! “entre! o! conjunto! de!
poemas! reunidos! neste! volume! e! dois! importantes! ciclos! poéticos! que! Pessoa!
ultimava!na!mesma!altura,!“Os!Passos!da!Cruz”!e!“Além<Deus”,!que!assentam!no!
princípio! da! suprema! unidade! de! todas! as! coisas”! [between! the! group! of! poems!
gathered! in! this! volume! and! two! important! poetic! cycles! Pessoa! was! finishing! at!
that! time,! “Os! Passos! da! Cruz”! and! “Além<Deus”,! which! rely! on! the! principle! of!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 318


Silva Alfredo Guisado

the!supreme!unity!of!all!things]!!(LOURENÇO,!2015:!293),!which!helps!to!explain!the!
perceived!affinities!by!Pessoa.!!
Several! of! the! aforesaid! characteristics! indentified! in! Guisado’s! poetry! by!
the!reviewer!from!Vida!Galega!(possibly!Alejo!Carrera,!by!Pessoa!and!Lourenço!are!
also! present! in! a,! seemingly,! previously! unpublished! poem! entitled! “Poema! da!
Hesitação”,! the! manuscript! of! which,! featuring! the! date! 1916! and! Guisado’s!
signature,12!is!among!Guisado’s!papers!in!the!Távora!archive,!and!reads!thus:!
!
O!eu!ter!sido!um!outro!me!procura.!
Passa!por!mim!e!parte!convencido!
De!que!não!me!encontrou.!
E!ao!regressar,!em!<†>!trémula!ternura,!
Alguém!busca!saber!em!que!sonho!de!altura!
Me!deixou!esquecido!
E!porque!regressou.!
!
Não!responde.!
O!ser!o!que!já!sou!me!desconhece.!
Este!que!eu!possa!ser!
A!minha!sombra!esconde,!
Para!o!que!fui,!
Que!de!mim!se!esquece,!
Me!não!conhecer.!
!
Tudo!o!mais!que!me!cerca!e!me!acompanha!
É!um!país!que!para!mim!próprio!invento.!
!
This! first! section! introduces! the! central! themes! of! dissociation! of! self,! inability! to!
know!oneself!due!to!mutability!of!past!and!future!selves,!and!real!life!as!a!dream,!
as!experienced!by!the!poetic!persona.!The!depiction!of!the!dream!of!existence!as!a!
country! draws! on! the! underlying! metaphor! of! O! Marinheiro,! Pessoa’s! “static”!
poetic!drama!published!in!the!first!issue!of!Orpheu.!!
That! the! latter! intertextual! allusion! was! deliberate! is! confirmed! by! the!
setting!evoked!at!the!start!of!the!second!part!(section!breaks!signaled!with!“x”):!
!
No!alto!do!castelo!que!o!mar!banha!
E!em!cujo!varandim!me!sento,!!
Olho!em!redor...!
A!paisagem!parada!em!minha!frente.!

12!The!holograph!comprises!six!loose!unnumbered!sheets!of!smooth!paper!written!in!black!ink!with!
tears!on!the!last!page,!which!features!the!date!and!Guisado’s!signature.!Beside!the!signature,!there!
is!a!handwritten!notation,!presumably!by!Fernando!Távora,!stating,!“Assinado!em!29!de!Novembro!
de!1972”!(signed!on!29!November!1972),!likely!the!date!in!which!he!succeeded!in!having!Guisado!
sign! the! holograph,! which! is! corroborated! by! the! fact! that! both! this! note! and! Guisado’s! signature!
are!in!the!same!blue!ink,!which!differs!from!the!black!ink!in!which!the!poem!is!written.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 319


Silva Alfredo Guisado
A!própria!água!que!o!rio!acarinhava!
E!por!êle!passava,!
Parou.!Não!há!nem!árvore,!nem!flor...!
E!serei!eu!que!vejo!essa!paisagem!
Quieta,!parada!em!frente!do!castelo,!
Ou!será!ela!que,!ante!a!minha!imagem,!
Se!julga!ser!paisagem!
E!tudo!o!mais!é!sonho!e!eu!querer!vê<lo?!
!
!

!
Fig.(18:(first(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 320


Silva Alfredo Guisado

!
Fig.(19:(second(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
In! turn,! this! section! of! the! poem! evokes! the! process! of! intersection! of!
different! planes! rehearsed! in! “Chuva! Oblíqua”,! published! in! the! second! issue! of!
Orpheu,! juxtaposing! the! actual! perspective! of! the! persona! looking! onto! the!
landscape! and,! hypothetically,! the! imaginary! perspective! of! the! landscape!
observing! the! subject,! which! is! thus! objectified,! through! the! same! oneiric! logic!
underlying!Pessoa’s!poem.!!
The!ostensible!“dream”!landscape!is!descriptively!rendered!in!the!following!
section,!which!reads:!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 321


Silva Alfredo Guisado
Outras!vezes!galopo!sem!cessar,!
A!procurar!!
O!que!pretendo!ser...!
O!corcel!que!me!leva!não!existe.!
Imagino<o!apenas.!Se!existisse,!
Nem!tão!veloz!o!poderia!ter...!
!
A!paisagem!é!triste!
E!se!se!modifica!não!resiste.!
E!quando!resistisse,!
Já!o!que!tinha!sido!não!seria,!
Não!se!encontraria.!
!
Se!p’lo!mesmo!caminho!eu!volto!ao!ponto!em!que!parti,!
Já!são!outras!paisagens,!
Outras!que!eu!nunca!vi.!
E!fico<me!pensando,!
Na!minha!hesitação,!
Se!sou!eu!que!procuro!outras!paragens,!
Ou!se!tôda!a!paisagem!é!só!uma!
E!me!procura!a!mim.!
!
Num!campanário,!ao!longe,!uma!oração...!
Numa!praia,!mais!perto,!inquieta!espuma.!
E!entre!esse!campanário!e!a!praia!há!sedas!e!marfins.!
!
This!section!develops!the!topos!of!search!for!an!integrated!Self!introduced!in!
the! previous! section! through! the! metaphor! of! wandering! through! a! landscape,!
which!is!an!inner!landscape,!as!encapsulated!the!line!“Toda!a!Paisagem!está!dentro!
de! mim!”! [The! whole! Landscape! is! inside! me!]! from! “Romaria! dos! ecos”,! the!
closing! poem! of! O! Elogio! da! Paisagem! (Guisado,! 1969:! 15).! As! noted! by! Lourenço,!
“da! intersecção! da! natureza! com! os! estados! anímicos! resulta! a! anulação! da!
fronteira!entre!o!sujeito!e!o!objecto!(...).!O!desdobramento!psíquico!é!quase!sempre!
de!signo!negativo,!insinuando!indecisão!(...)”![from!the!intersection!of!nature!with!
the!states!of!soul!results!the!dissolution!of!the!border!between!the!subject!and!the!
object! (…).! The! psychic! dissociation! almost! always! has! a! negative! stress,!
insinuating! indecision]! (Lourenço,! in! Guisado! 2003:! xxxiii),! which! is! the! central!
mood! conveyed! in! the! poem,! encapsulated! in! the! word! “hesitação”! [hesitation].!
Throughout! the! poem,! Guisado! persistently! emphasizes! the! impossibility! of!
achieving! integration,! developing! the! themes! of! mutability! and! unreality! of! all!
sensory!things.!!
In! attempting! to! delineate! Guisado’s! key! themes! and! motifs,! Urbano!
Tavares! Rodrigues! highlights,! “o! carácter! radicalmente! incerto! e! problemático! do!
ser! e! do! acontecer! (...).! Incessantemente,! na! poesia! de! Alfredo! Guisado,! o! ‘eu’! é!
posto! em! causa! (...).! A! despersonalização! toma! um! cunho! dramático,! por! vezes!
mesmo! histriónico”! [the! radically! uncertain! and! problematic! character! of! being!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 322
Silva Alfredo Guisado

and! happening! (...).! Incessantly,! in! Alfredo! Guisado’s! poetry,! the! ‘I’! is! put! into!
question! (...).! The! depersonalization! has! a! dramatic,! sometimes! even! histrionic,!
quality]!(Guisado,!1969:!XII).!This,!coincidently,!is!possibly!the!biggest!reason!why!
Pessoa!took!such!an!interest!in!and!so!insistently!praised!his!poetry,!with!which!he!
undoubtedly! felt! a! close! affinity.! As! with! the! Pessoan! subject,! the! dissociation! is!
poignantly! felt! by! the! persona! in! Guisado’s! poem,! as! evinced! in! the! following!
section:!
!
Eu!mesmo,!se!me!encontro,!nada!digo.!
Um,!o!que!sou,!me!fico!meditando,!
Outro,!o!que!fui,!afasta<se!e!consigo!
Que!me!não!veja.!
Cada!vez!mais!ao!largo!se!deseja.!
Cada!vez!mais!ao!longe!vai!passando.!
E!se!outro!que!jamais!tivesse!sido!
Pudesse!ainda!ser,!
Nunca!mais!a!mim!próprio!voltaria.!
Teria!conseguido!
No!que!então!seria,!
O!que!fui!e!o!que!sou!
Dentro!em!mim!esquecer.!
!
Quando!será!que!dentro!em!mim!se!acalme!
A!torturante!luta!
De!ser!enfim!o!que!desejo!ser!!
Ou!quando!será!que!deixe!então!de!ser!!
O!que!nunca!desejaria!ter!sido?!
!
This! section! expresses! the! sense! of! dissociation! of! the! subject! in! a! manner!
analogous! to! the! neoplatonist! treatment! it! received! in! some! of! the! poems! from!
Distância,!as!“cindido!dum!‘Eu’!originário!e,!na!condição!agónica!de!quem!suspeita!
o!insucesso!de!suas!decaídas!faculdades!(...)!persegue!a!reminiscente!recuperação!
da! integridade! primordial”! [separated! from! an! original! “I”! and,! in! the! agonic!
condition!of!someone!who!suspects!the!failure!of!his!fallen!faculties!(...)!he!chases!
the!reminiscent!recuperation!of!the!primordial!integration]!(PEREIRA,!1976:!79).!The!
“subjectivist! Neoplatonism”! ostensible! in! his! poetry,! previously! highlighted! by!
Óscar!Lopes!(Guisado,!1969:!XIV),!resembles!that!of!Pessoa,!which!is!particularly!
salient! in! the! “Passos! da! Cruz”! and! “Além<Deus”! series.! In! turn,! the! expression!
“Outro,!o!que!fui”![Another,!the!one!I!was]!and!surrounding!lines!evoke!the!lines!
“Outro!que!eu!fui!armei!ao!sol!a!minha!tenda,!/!(...)!Embebo!os!olhos,!scismo”!in!
Mario! Beirão’s! “Ermos”! [Another! that! I! was,! I! pitched! my! tent! in! the! sun! /! (...)! I!
water! my! eyes! and! brood]! (A! Águia,! February! 1913:! 58<59),13! disclosing! a! similar!

!This!line!of!Beirão’s,!in!turn,!may!have!owed!its!suggestion!to!Pessoa,!who,!as!noted!by!Lourenço,!
13

“enviou,! no! dia! 1! de! Fevereiro! de! 1913,! uma! carta! que! é! um! dos! primeiros! testemunhos! do!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 323


Silva Alfredo Guisado

brooding!subject!whose!excessive!self<awareness!leads!to!dissociation!and!disquiet!
and! denoting! the! influence! of! the! post<symbolist! diction! of! Saudosismo! on!
Guisado’s!poetry!(SOUSA,!2013:!33).!!
!
!

!
Fig.(20:(third(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!

desdobramento! pessoano”! [on! the! 1st! of! February! 1913! sent! a! letter! which! is! one! of! the! first!
testimonies!of!pessoan!depersonalization],!experienced!in!writing!the!poem!“Abdicação”!(Guisado,!
2003:!XV.)!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 324


Silva Alfredo Guisado

!
Fig.(21:(fourth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
Some! of! the! imagery! from! the! “decadent! saudosismo”! Rodrigues! refers! to,! more!
prominent!in!“Distância”!also!features!in!this!poem,!as!illustrated!by!the!following!
section:!
!
Quando!passo!nos!longos!corredores!
Do!meu!palácio,!onde!não!há!ninguém!
Nem!eu!próprio!sequer,!
Porque!sou!eu!que!aí!suponho!estar,!
Mas!realmente!nunca!nele!estive,!
Oiço!falar!que!existem!outras!cores!
E!outro!luar.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 325


Silva Alfredo Guisado
Outras!cores!que!não!as!que!conheço.!
Outro!luar!que!não!o!que!me!vê.!
E!eu!lamento!que,!assim,!não!seja!alguém!
Nesse!outro!tal!país!que!em!outras!cores!vive.!
Tudo!o!que!me!rodeia!e!sem!saber!porquê!
Logo,!em!seguida,!esqueço.!
!
Hesito.!
Medito!
E!fico<me!a!cismar!
No!motivo!da!minha!hesitação.!
!
14
Hesitação!<†> !!
É!qualquer!coisa!que!escrevo!
Depois!de!meditar!
Alheio!de!atenção!
Qualquer!sonho!que!escrevo!
Imensamente!vago.!
Sobre!uma!ardósia!imensa,!
E!que!logo!que!minha!alma!chega!e!pensa,!
Rapidamente!apago...!
Uma!bola!que!atiro!e!que!acerta!
Na!minha!imaginação!
Numa!resolução!
Que!existiu!e!voou.!
A!minha!sombra!é!essa!ardósia!incerta!
Onde!se!escreve!a!curva!do!que!sou.!
!
Eu!próprio!passo!
E!a!minha!sombra!fica...!
Sou!mesmo!um!braço!
Onde!um!punhal!existe...!
!
Todo!o!meu!pensamento!é!um!rei!que!abdica!
E!que!se!afasta!triste,!
Para!esquecer!o!reino!em!que!julgou!ser!rei!
E!onde!só!foi!vassalo,!
E!outras!vezes!desejou!ser!apenas!
Um!súbdito!obediente!
E!o!seu!sonho,!depois,!foi!encontrá<lo!
No!alto!trono!em!que,!afinal,!foi!rei!
E!dêle!se!encontra!ausente.!
!

14 !Scratched!words:!“é!que”.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 326


Silva Alfredo Guisado

!
!
!
!

!
Fig.(22:(fifth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 327


Silva Alfredo Guisado

This!section!resumes!two!topoi!which!the!saudosist!aesthetic!of!A!Águia!and!
the! “Paúlismo”! of! Orpheu! shared! in! their! common! rooting! in! a! decadent! post<
symbolism,!notably!the!dream!and!the!vague!encapsulated!in!the!lines,!“Qualquer!
sonho! que! escrevo! /! Imensamente! vago”! [Whichever! dream! I! write! /! Imensely!
vague].!In!effect,!the!latter!is!one!of!the!key!traits!which!Pessoa!had!identified!as!
characteristic!of!the!“new!Portuguese!poetry”!in!a!series!of!articles!published!in!the!
second! series! of! A! Águia! in! 1912! (PESSOA,! 1980:! 45),! and! one! that! would! become!
equated!with!the!paúlista!aesthetic!cultivated!by!most!contributors!to!Orpheu!and!
Guisado! in! particular.! In! the! same! stanza,! he! borrows! the! central! image! of! the!
closing! section! of! Pessoa’s! “Chuva! Oblíqua”,! in! which! the! persona! evokes! a!
memory!of!throwing!a!ball!against!a!wall!as!a!child,!which!constitutes!a!metaphor!
for!the!act!of!remembering!through!the!action!of!the!imagination,!evoked!here!by!
the!lines,!“Uma!bola!que!atiro!e!que!acerta!/!Na!minha!imaginação”![A!ball!I!throw!
and! which! lands! on! /! my! imagination].! Similarly,! towards! the! end! of! the! section,!
Guisado!rehearses!the!topos!of!abdication!found!in!Pessoa’s!“Abdicação”,!a!poem!
from! 1913,! as! attested! by! a! letter! to! Mário! Beirão! from! 1! February! that! year!
(PESSOA,!1999:!80<81),!though!published!much!later!in!Ressurreição!(February,!1920),!
but! undoubtedly! circulated! amongst! the! “orphics”.! Through! the! reference! to! the!
dagger,! Guisado! also! evokes! that! poem’s! medieval! imagery,! characteristic! of! the!
paúlista!style,!which!is!also!apparent!in!the!setting!of!the!palace!as!the!site!of!his!
desolate!wandering,! recalling,! and! possibly! emulating,! Pessoa’s!“Hora! Absurda”,!
published! in! the! single! issue! of! Exílio! (1916),! with! which! he! was! familiar! as! co<
editor!of!that!magazine.!The!Pessoan!allusions!continue!into!the!closing!section!of!
the!poem:!
!
Hesitação...!
É!minha!sombra!em!ânsia!resoluta.!
É!o!momento!
Em!que!dentro!em!meu!ser!se!acende!a!luta!
Entre!aquele,!o!que!fui,!
E!aquele!outro,!o!que!sou.!
A!alma!é!o!que!resta.!
Porque!o!que!desejo!ser,!só!vive!em!mim,!
Jamais!se!manifesta!!
!
The! mention! of! “ânsia”! and! “alma”! in! the! closing! section! deliberately! evokes! the!
opening!lines!of!the!founding!poem!of!“Paúlismo”,!entitled!“Pauis”!and!published!
in! the! aforementioned! A! Renascença! –! “Pauis! de! roçarem! ânsias! pela! minha! alma!
em! ouro”! (PESSOA,! 1914:! 11)! –,! to! which! the! Portuguese! wing! of! Orpheu! would!
quickly!adhere,!as!shown!by!their!contributions!to!the!first!issue.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 328


Silva Alfredo Guisado

!
!
!
!

!
Fig.(23:(sixth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 329


Silva Alfredo Guisado

!Thus,!Guisado’s!poem!has!all!the!hallmarks!of!an!homage!to!Pessoa!–!since,!
as!noted!by!Lourenço,!“as!grandes!referências!de!Guisado!são,!no!momento!da!sua!
[Tempo! de! Orfeu]! composição,! os! poemas! que! na! época! Pessoa! lhe! vai! revelando”!
[Guisado’s! major! references! at! the! time! of! its! composition! are! the! poems! which!
Pessoa! had! been! disclosing! to! him]! (Lourenço,! in! Guisado! 2003:! xxxi).!
Additionally,!it!also!underscores!his!allegiance!to!Paúlismo!as!late!as!1916,!which!
he! would! later! define! as! “uma! poesia<padrão,! qualquer! coisa! de! basilar,! e! tanto!
que!se!convencionou!chamar!‘paúlismo’!a!esse!alvorecer!de!modernismo!literário”!
[a!landmark<poetry,!something!of!a!basis,!so!much!so,!that!this!dawning!of!literary!
modernism!became!known!as!paúlismo]!in!an!article!published!in!O!Diabo,!on!15!
December! 1935! (Lourenço,! 2003:! xvii,! 193).! This! poetic! style! is! epitomized! by!
Guisado’s!O!Elogio!da!Paisagem,!which!this!poem!also!evokes!–!and!which!Pessoa!
hailed! as! an! accomplished! and! eloquent! expression! of! Sensationism! –,! resuming!
the! diction! and! imagery! of! several! of! its! lyrics,! namely! “Meus! olhos! p’ra! o! luar”,!
“A! agonia! da! tarde”,! and! “Romaria! dos! ecos”.! However,! it! is! distinguished! from!
the!latter!by!not!being!a!sonnet,!which!was!his!preferred!poetic!form!until!then!and!
subsequently,! as! confirmed! by! the! poems! up! to! Ânfora! (1918),! collected! in! the!
anthology!Tempo!de!Orfeu.!Incidentally,!the!poem’s!departure!from!his!poetic!form!
of!election!and!its!ostensible!filial!bonds!to!Pessoa’s!poems!could!explain!why!the!
author! was! reticent! to! publish! it.! Therefore,! regardless! of! its! hypothetical! poetic!
value,! “Poema! da! Hesitação”! constitutes! a! valuable! record! of! an! experimental!
exercise! in! a! rhymed! longer! form! on! Guisado’s! part,! which! ascribes! further!
documental!value!to!the!manuscript.!!
!
IV.(Conclusion!
!
Having!reexamined!the!contemporary!reception!of!Orpheu,!as!proposed!at!the!start!
of!this!essay,!by!way!of!critical!revision!of!recent!appraisals!of!the!circumstances!of!
publication! of! the! magazine! on! the! occasion! of! its! centenary! and! analysis! of!
documents!extant!in!the!Távora!archive,!more!light!has!been!shed!on!the!logistics!
and!tenor!of!the!dissemination!and!reception!of!the!magazine.!These!new!findings!
underscore! the! close! collaboration! between! the! mentors! of! Orpheu,! Fernando!
Pessoa! and! Mário! de! Sá<Carneiro,! and! Alfredo! Guisado,! who! accompanied! the!
project! of! production! of! a! cultural! magazine! from! an! early! stage! and! throughout!
the! lengthy! preparatory! period! leading! up! to! its! publication,! highlighting!
Guisado’s! contribution! in! various! ways! to! its! fulfillment.! Thus,! they! establish!
Guisado!as!one!of!the!original!and!leading!actors!of!the!making!of!Orpheu!and!of!
its!reputation.!They!also!require!us!to!reconsider!the!complexities!involved!in!the!
reception!of!the!magazine,!namely!the!extent!to!which!the!scandal!it!caused!in!the!
press!resulted!from!a!carefully!devised!publicity!campaign!(or!marketing!campaign,!
in!today’s!terminology),!to!which!contributed!a!series!of!fortuitous!turns!of!events!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 330


Silva Alfredo Guisado

that! greatly! magnified! its! reach! and! impact.! It! is! hoped! that! this! study! has! also!
clarified! previously! unclear! aspects! concerning! certain! developments! in! the!
aftermath!of!the!publication!of!the!magazine,!notably!the!circumstances!that!gave!
rise! to! a! rift! between! its! contributors! which! likely! impacted! negatively! on!
preparations! for! a! planned! third! issue! and,! adding! to! paralyzing! financial!
pressures,!was!partly!responsible!for!the!denouement!of!the!magazine.!!
Aside!from!offering!valuable!documental!evidence!towards!the!material!and!
cultural! history! of! Orpheu,! the! notebooks! of! press! cuttings! of! reviews! of! the!
magazine!kept!by!Guisado!and!extant!in!the!Távora!archive!challenge!the!received!
notion!that!he!broke!away!from!the!group!entirely!after!the!scandal!that!followed!
the!publication!of!the!first!issue,!providing!conclusive!evidence!that!he!attentively!
followed!its!progress!in!the!press!and!the!general!public!sphere! for!at!least!some!
time,!if!privately.!These!documents!also!help!to!reconstitute!the!extent!of!Guisado’s!
intervention! in! the! reception! of! Orpheu! abroad,! which! he! facilitated! through! his!
contacts! in! the! Spanish! press,! earned! through! the! merits! of! his! previously!
published! works,! thus! also! clarifying! a! misconception! that! Guisado! was! a! minor!
writer!of!the!Orpheu!group!at!the!time:!the!dates!and!circumstances!of!publication!
of!his!works!as!well!as!their!critical!reception!show!that,!along!with!Sá<Carneiro,!he!
was!one!of!the!first!Portuguese!modernists!to!establish!himself!as!a!poet.!A!review!
of!the!critical!reception!of!his!works!at!the!time!and!subsequently!in!parallel!with!
the!analysis!of!a!poem!by!him!thought!to!be!previously!unpublished!–!whose!MS!
was!found!among!the!documents!pertaining!to!the!author!in!the!Távora!archive!–,!
has! reinforced! critical! readings! of! his! poetry! as! drawing! substantially! from! the!
wellspring!of!Paúlismo,!the!autochthonous!aesthetic!more!closely!associated!with!
Orpheu!by!its!contemporaries.!Additionally,!it!highlights!Guisado’s!close!aesthetic!
affinity!with!Pessoa,!the!creator!of!what!can!be!called!an!Orpheu!poetics,!or!more!
precisely!a!couple,!whose!legacy!continued!beyond!the!period!of!its!publication,!as!
attested!by!Guisado’s!poem!discussed!in!this!essay,!from!1916.!Finally,!it!is!hoped!
that! the! critical! examination! of! the! documental! evidence! presented! here! has!
underscored! the! importance! of! the! documents! extant! in! the! Távora! archive! in!
redressing!the!conventional!narrative!of!the!reception!of!Orpheu.!
!
!
Bibliography(
!
ANON!(30!March!1915).!“Literatura!de!manicómio:!Os!poetas!do!Orpheu”.!A!CAPITAL!1670.!!
Lisboa:!n.p.!1!
_____!! (27!March!1915).!“Orpheu”.!O!MUNDO!5:281.!Lisboa:!n.p.!3.!
_____! (25!June!1914).!“Distância”.!Vida!Gallega:!ilustración!regional!VI:!58.!Vigo:!n.p.!26!
BEIRÃO,!Mário!(February!1913).!“Ermos”.!A!Águia,!2nd!series,!vol.!III:!14.!Ed.!Tércio!Miranda.!Porto.!
58<59.!!
CASTEX,!François!(April!1963).!“Um!Inédito!de!Fernando!Pessoa”.!Colóquio:!Artes!e!Letras!48.!59<61.!
COVAS,!Maria!João!(1999).!“Orpheu!em!1915:!Revistas!e!Jornais”.!Mestrado,!FCSH<UNL.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 331


Silva Alfredo Guisado
GALHOZ,!Maria!Aliete!(1981).!“O!Momento!Poético!do!Orpheu”.!Orpheu!I!(3rd!ed.).!Lisboa:!Ática.!i<li.!
GUISADO,! Alfredo! (1969).! Tempo! de! Orfeu! (1915`1918).! Intro.! Urbano! Tavares! Rodrigues.! Lisboa:!
Portugália.!
_____!! (2003)!Tempo!de!Orfeu.!Ed.!António!Apolinário!Lourenço.!Coimbra:!Angelus!Novus.!!
HILÁRIO,! Fernando! (2008).! Orpheu:! percursos! e! ecos! de! um! escândalo.! Porto:! Edições! Universidade!
Fernando!Pessoa.!!
JÚDICE,!Nuno!(1986).!A!Era!de!Orpheu.!Lisboa:!Teorema.!
LÓPEZ,!Pablo!Javier!Pérez!(2015).!“As!Tentativas!de!Propaganda!Órfica!em!Espanha”.!1915:!o!ano!do!
ORPHEU.!Lisboa:!Tinta!da!China.!185<198.!
LOURENÇO,!António!Apolinário!(2015).!“Alfredo!Guisado:!Um!Modernista!Acidental?”.!1915:!o!!
ano!do!ORPHEU.!Lisboa:!Tinta!da!China.!285<296.!
!_____! (2011).! “Alfredo! Guisado,! entre! o! cosmopolitismo! do! Orpheu! e! a! Xente! d’a! aldea”.! Boletín!
Galego!de!Literatura!45.!159<173.!
MUÑOZ,! Alejo! Carrera! (9! April! 1915).! “Revuelo! literário:! Los! poetas! de! Orpheu”.! El! Tea:! semanario!
independiente.!2nd!series,!Year!VIII:!63.!Vigo:!n.p.!2!
ORPHEU:!revista!trimestral!de!literatura.!Lisboa:!n.p.,!1915.!n.!1!(Jan./Mar.!1915).!!
! http://ric.slhi.pt/Orpheu/numeros/?id=num_0000002625!(accessed!7!Nov).!
PEREIRA,!José!Carlos!Seabra!(Set.!1976).!“Trajectória!poética!de!Alfredo!Pedro!Guisado”.!Colóquio!/!
Letras!33.!79<82.!
PESSOA,!Fernando!(1999).!Correspondência.!Ed.!Manuela!Parreira!da!Silva.!Vol.!I:!1905–1922.!2!vols.!
Lisbon:!Assírio!&!Alvim.
_____! (1966).!Páginas!Íntimas!e!de!Auto`Interpretação.!Ed.!Georg!Rudolf!Lind!and!Jacinto!do!Prado!
Coelho.!Lisboa:!Ática.!
_____! (2009).!Sensacionismo!e!Outros!Ismos.!Ed.!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!Imprensa!Nacional!Casa!
da!Moeda.!!
_____! (1980).!Textos!de!Crítica!e!de!Intervenção.!Lisboa:!Ática.!
_____! (April!1916).!“Movimento!Sensacionista”.! EXÍLIO:!Revista!Mensal!de!Artes,!Lettras!e!Sciencias!1.!!
Ed.!Augusto!de!Santa<Rita.!Lisboa:!Rodrigues!&!Cª.!Pp.!46<48.!
<http://ric.slhi.pt/Exilio/numeros/?id=num_0000002630>!!
_____! (February!1914).!“Pauis”.!A!Renascença:!revista!mensal!de!critica,!literatura,!arte,!!
sciencia.!Lisboa:!n.p.!11.!
SÁ<CARNEIRO,! Mário! de! (2015).! Em! Ouro! e! Alma:! Correspondência! com! Fernando! Pessoa.! Ed.! Ricardo!
Vasconcelos!and!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!Tinta<da<China.!
_____! (2017).! Poesia! Completa! de! Mário! de! Sá`Carneiro.! Ed.! Ricardo! Vasconcelos.! Lisboa:! Tinta<da<
China.!
SARAIVA,!Arnaldo!(2015a).!Os!Órfãos!do!Orpheu.!Porto:!Fundação!Engenheiro!António!de!Almeida.!
_____! (2015b).!“O!‘Frustrado’!e!Abençoado!Orpheu”.!Ed.!Steffen!Dix.!1915:!o!ano!do!Orpheu.!Lisboa:!
Tinta<de<china.!407<420.!
_____! Modernismo! brasileiro! e! Modernismo! português:! Subsídios! para! o! seu! estudo! e! para! a! história! das!
suas!relações!(Porto:!Rocha!Artes!Gráficas,!1986),!3!vols.!
SILVA,! Patricia!(Spring!2017).!‘The!Orpheu!Generation!and!the!Avant<Garde:!Intersecting!Literature!
and! the! Visual! Arts’.! Pessoa! Plural! 11.! Special! issue:! Portuguese! Modernisms! 1915<1917:!
Contexts,!Facets!&!Legacies!of!the!Orpheu!Generation.!Ed.!Steffen!Dix!and!Patricia!Silva.!87<
113.!
SOUSA,! Raquel!Madanêlo!(2013).!“Entre!A!Águia!e!Orpheu:!o!sujeito,!a!noite,!o!sonho”.!Cadernos!de!
Literatura!Comparada!28:!6.!29<38.!
VASCONCELOS,! Ricardo.! “Mário! de! Sá<Carneiro,! Orpheu,! and! the! Modernist! Blague”.! Mário! de! Sá`
Carneiro:! A! Cosmopolitan! Modernist.! Ed.! Fernando! Beleza! and! Simon! Park.! Oxford,! Bern,!
Berlin,!Bruxelles,!Frankfurt!am!Main,!New!York,!Wien:!Peter!Lang.!2017.!Pp.!27<47.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 332


Poemas e documentos inéditos:
o lote 31 e a colecção Fernando Távora
Jerónimo Pizarro*

Palavras-chave

Fernando Pessoa, Colecção Fernando Távora, “Marinha”, “Côrte-Real”, Mensagem,


“Analyse”, “Hiemal”, “Serena voz imperfeita”, “Plenilúnio”, Ficções do Interlúdio,
“Abdicação”, “Além-Deus”, “No horizonte solemne”, “Liberdade”, “Hora absurda”, “Sol
nullo dos dias vãos”, “Nota de poesias portuguezas”, Cancioneiro, Poemas portugueses
inéditos.

Resumo

O arquitecto Fernando Távora adquiriu numerosos documentos manuscritos e


dactilografados por Fernando Pessoa, entre os quais figuram muitos poemas (um deles
inédito até hoje) e algumas listas de poemas que referem poemas também inéditos (mas
estes encontram-se no espólio pessoano na Biblioteca Nacional de Portugal). Este contributo
apresenta a maior parte dos poemas da colecção Fernando Távora e ainda outros
documentos dessa mesma colecção, muitos deles referidos no lote 31.

Keywords

Fernando Pessoa, Fernando Távora collection, “Marinha”, “Côrte-Real”, Mensagem,


“Analyse”, “Hiemal”, “Serena voz imperfeita”, “Plenilúnio”, Ficções do Interlúdio,
“Abdicação”, “Além-Deus”, “No horizonte solemne”, “Liberdade”, “Hora absurda”, “Sol
nullo dos dias vãos”, “Nota de poesias portuguezas”, Cancioneiro, Unpublished Portuguese
Poems.

Abstract

Throughout his life, the Architect Fernando Távora purchased several of Fernando Pessoa’s
manuscripts. These include a number of poems, one of which (“No horizonte solemne”)
remained unpublished until today. The manuscripts also include lists that refer to other
unpublished poems, the latter available in Pessoa`s archive at the National Library of
Portugal. This contribution presents most of Fernando Pessoa's poems in the Fernando
Távora Collection, as well as other documents of in that archive, many of which are part of
what Távora designated as “lot 31.”

* Universidad de los Andes.


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Entrar num arquivo sempre comporta algum perigo – e mais ainda quando esse
arquivo remete, como costuma acontecer, para muitos mais... A informação gerada
pela pesquisa parece infinita, e a sensação de ter tocado uma caixa de Pandora
impõe-se. Quando comecei este contributo, querendo homenagear uma família e
retribuir a generosidade de um filho, José Bernardo Távora, que me deixou, a mim
e a outros colegas, consultar a colecção Fernando Távora, imaginei escrever umas
poucas páginas sobre uns poemas que acreditava conhecer. Mas o contributo
cresceu como bola de neve, e nem a minha tranquilidade inicial – assente na ideia
de que iria escrever sobre um número limitado de textos referidos no inventário de
um lote, o 31, adquirido por um coleccionador – foi suficiente para esconjurar a
angústia que tive a certa altura, quando percebi que o texto não parava de crescer...
Um texto remetia a outro, a necessidade de “Bridging Archives” (FERRARI, 2017)
era imensa, e a vastidão surgia como apenas uma dimensão da realidade. Já Arlette
Farge explicou que a comparação dos arquivos com os fluxos naturais não era
fortuita:

L’archive […] est difficile dans sa matérialité. Parce que démesurée, envahissante comme
les marées d’équinoxe, les avalanches ou les inondations. La comparaison avec des flux
naturels et imprévisibles est loin d’être fortuite ; celui qui travaille en archives se surprend
souvent à évoquer ce voyage en termes de plongée, d’immersion, voire de noyade… la mer
est au rendez-vous ; d’ailleurs, répertoriée dans des inventaires, l’archive consent à ces
évocations marines puisqu’elle se subdivise en fonds ; c’est le nom donné à ces ensembles
de documents, soit homogènes par la nature des pièces qu’ils comportent, soit reliés
ensemble par le seul fait d’avoir un jour été donnés ou légués par un particulier qui en avait
la propriété. Fonds d’archives nombreux et amples, arrimés dans les caves des
bibliothèques, à l’image de ces énormes masses de rochers appelées “basses” en Atlantique,
et qui ne se découvrent que deux fois par an, aux grandes marées.
(FARGE, 1989: 10)

Concluída esta primeira navegação pela colecção Fernando Távora, que tentei que
fosse guiada pelas notas do próprio arquitecto e pela história do arquivo, o
resultado é a crónica de viagem que se segue. Primeiro, uma transcrição do lote 31,
como o mapa inicial. Depois, como se fossem ilhas de um arquipélago: a edição e o
estudo de uma série de poemas e documentos poéticos, incluindo-se uma discussão
do estabelecimento textual e pistas para descobrir inéditos que Pessoa valorizou. A
certa altura optei por incluir poemas referidos em outros lotes, diferentes do 31,
simplesmente porque entre os manuscritos e cartas inventariados pelo arquitecto
Fernando Távora existiam mais poemas – e entendi que este devia ser um
contributo em que se apresentasse o maior número possível deles. Fica ao leitor a
tarefa de perder-se, com relativa organização, nesta vastidão e de sentir, como uma
lufada de ar fresco, que ainda há muito por descobrir neste mundo das arcas
pessoanas que, por vezes, parece já ser conhecido. O certo é que Pessoa ainda está
por conhecer – e milhares de documentos, ainda por relacionar.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 334


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 1. “31o Lote” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 335


Pizarro Poemas e documentos inéditos

12
31. lote – Conjunto de documentos vendidos por João Gaspar Simões ao livreiro-
o

alfarrabista Manuel Ferreira, do Porto e por este vendidos a mim pelo preço
completamente louco de esc. 40.000$00. Mais uma vez não consegui resistir e não
tive coragem de discutir o preço que, aliás, me foi dito <que era> [↑ ser] muito alto
porquanto o Dr. Gaspar Simões “sabe bem o valor daquilo que tem„. Comprado
este lote em 12 de Julho de 1974. Apesar do 25 de Abril continuo com este vicio
inveterado e insaciável! (Os documentos que pertenceram a F[ernando] P[essoa]
foram certamente retirados por J. Gaspar Simões da casa do poeta quando teve
acesso à sua obra [↑ inédita] para a publicação das poesias ou da biografia).

31.1 – folha com o poema Marinha dactilografado e notas a lápis de F[ernando]


P[essoa].
31.2 – folha com o poema Côrte-Real dactilografado e notas a lápis de F[ernando]
P[essoa] (plano de parte da Mensagem<)> e outros)
31.3 – duas folhas com os poemas Analyse, Hiemal, Serena voz e Plenilúnio
dactilografados; a segunda folha é timbrada de A. Xavier Pinto & C.a,
escritório em que trabalhou F[ernando] P[essoa].
31.4 – folha com Nota de poesias portuguezas, dactilografada; contem os nomes das
poesias, suas datas e número de versos de cada uma.
31.5 – folha com poesias do Cancioneiro, dactilografada; contem os nomes de 50
poesias.
31.6 – três folhas com [↑ sete] poesias sob o título geral de Abdicação,
dactilografadas e datadas de 18-9-1917. Embora se trate de poesias de
F[ernando] P[essoa], [↑ pelo] facto de estarem originais à mão pela letra de
J. Gaspar Simões, creio tratar-se de uma transcrição feita por este.
31.7 – duas folhas com quatro poesias de F[ernando] P[essoa], dactilografadas, e
com o <nome> [↑ título] de Além-Deus. São poesias do Orpheu 3, certamente
transcritas por J. Gaspar Simões.
31.8 – duas folhas dactilografadas; a primeira<, original, contem> [↑ contem] uma
declaração do avô de M[ári]o de Sá Carneiro, datada de 21/Set/1918, a favor
de Carlos Ferreira; a segunda, timbrada de F.A. Pessoa, é cópia de uma
carta <de F.P.> [↓ do poeta] dirigida ao gerente do Grand Hotel de Nice e
refere-se à celebre mala do Mário (datada de 26/Set./1918).1

1Fecham-se os parênteses e acrescenta-se ponto final. Sobre este lote, 31.8, veja-se o contributo
correspondente de Ricardo VASCONCELOS (2017), neste número de Pessoa Plural.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 336


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 2. “31o Lote” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 337


Pizarro Poemas e documentos inéditos

13
31.9 – convite impresso referente à Ode Marítima dita por Manuela Porto e
apresentada por J. Gaspar Simões (16.Abril.1938).
31.10 – três folhas manuscritas contendo um horóscopo que certamente se refere a
F[ernando] P[essoa]; falta-me saber quem o fez e se pertenceu a F[ernando]
P[essoa] ou foi mandado fazer por J. Gaspar Simões.
31.11 – três folhas dactilografadas contendo um horóscopo que certamente se
refere a F[ernando] P[essoa]; tenho dúvidas semelhantes às expostas
quanto ao documento anterior.
31.12 – folha dactilografada contendo elementos relativos a D. Dionisia Estrela
Seabra Pessoa. Certamente fornecidos pelo Dr. Navarro Soeiro a J. Gaspar
Simões para elaboração da biografia do poeta (ref. in “Vida e obra de
F[ernando] P[essoa]„, 2.ª ed. pág. 22-23, 12, e outras págs.)
31.13 – carta do secretário da Joint Matriculation Board da Universidade de
Pretória dirigida a Guilherme de Castilho, delegação de Portugal, naquela
cidade. Responde a um questionário que está junto, em português,
certamente enviado por J. Gaspar Simões para colher informações sobre o
Queen Victoria Memorial Prize ganho por F[ernando] P[essoa]. 2
31.14 – conjunto de dezasseis folhas respondendo a um questionário de J. G.
Simões relativo à presença de F[ernando] P[essoa] em Durban. Algumas
assinadas por <Alberio> [↑ Albertino] dos Santos Matias, cônsul 3 de
Portugal naquela cidade. Faltam os documentos [↑ um], 3<,>/e\ 5<,> que são,
<fotos> creio, as fotos publicadas por Gaspar Simões na “Vida e obra de
F[ernando] P[essoa]„ – 2.ª ed. (Durban em 1895 e Igreja do Convento de
Durban). Também ali, a pág. 23, o autor se refere a Santos Matias e a esses
documentos.
31.15 – carta, duas páginas, manuscrita, de Guilherme de Castilho para J. Gaspar
Simões, de Pretória (19.8.49), relativa à pesquisa de elementos sobre a
infância de F. P. em Durban.
31.16 – carta, uma página, manuscrita, de Albertino dos Santos Matias para J.
Gaspar Simões, de Durban (4.11.49), relativ<as>/a\ao mesmo assunto da
anterior.
<31.17 – capa de cartolina cinzenta que tem escrito, por Gaspar Simões, “Fernando
Pessoa / originais„ e “Dicionário de literatura„.>
31.17 – capa de cartolina onde vinham guardados todos estes documentos do lote
31 tendo escrito por J. Gaspar Simões: “Fernando Pessoa / originais„ e do
outro lado: “Dicionário de literatura„.

2 Sobre os lotes 31.13, 31.14, 31.15 e 31.16, veja-se o contributo de Carlos Pittella, “Mr. Ormond: the
testimonial from a classmate of Fernando Pessoa”, neste número de Pessoa Plural.
3 Acrescenta-se o acento circunflexo.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 338


Pizarro Poemas e documentos inéditos
I. “Marinha” [Lote 31.1]

Para além da descrição de cada lote, o arquitecto Fernando Távora costumava


deixar pequenas folhas junto dos documentos da sua colecção, com informações
mais extensas e complementares. No caso de “Marinha”, as seguintes:

Creio ser int[eressante] o poema


Marinha estar aqui datado;
na transcrição de Galhoz –
“Obra poética„ – 4.ª edição –
pág. 147, não vem
datado. (Poesia n.º [106]
diz-se na nota a pág. 689
que foi publicado a 1.ª vez na
Presença, n.º 5, Junho de
1927). Reparar que a data
é de Abril – 21/4/1927

Este original figurou na Exposição


Realizada durante o 1.º Congresso de

Estudos Pessoanos (n.º 63 do


Catálogo)

Figs. 3 e 4. Notas sobre “Marinha”


(colecção Fernando Távora)

Távora quase sempre cita a 4.ª edição da Obra Poética (PESSOA, 1972), da Aguilar, e,
com frequência, indica que o documento comentado por ele esteve na Exposição
Iconográfica e Bibliográfica associada ao 1.o Congresso Internacional de Estudos
Pessoanos – sobre ser o primeiro ou segundo, ver MONTEIRO (2013) –, de cuja
montagem foi responsável, e que decorreu na cidade do Porto em Abril de 1978.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 339


Pizarro Poemas e documentos inéditos
De facto, no catálogo dessa exposição, o poema corresponde ao documento 63
(CENTRO DE ESTUDOS PESSOANOS, 1978: 5).
“Marinha” é o poema com o qual Pessoa iniciou em 1927 a sua colaboração
com a revista Presença. Enrico Martines, que editou e estudou a correspondência de
Pessoa com os diretores da revista coimbrã, escreveu a este respeito:

[José Régio] assinou os artigos que, nos primeiros números da revista, definiram logo o seu
programa teórico; num destes, “Da Geração Modernista”, que apareceu no n.° 3, Fernando
Pessoa – já citado no artigo do n.° 1, intitulado “Literatura Viva” – é elevado pela primeira
vez à condição de mestre contemporâneo, tal como Mário de Sá-Carneiro e José de Almada
Negreiros. Este artigo deve ter tido algum efeito no estabelecimento de relações de estima e
de colaboração entre o poeta e a revista: de facto, Pessoa já aparece nas páginas do n.° 5 da
presença com o poema ortónimo Marinha e com o conjunto de aforismos de Álvaro de
Campos intitulado Ambiente. (in PESSOA, 1998: 14)

Apresenta-se a seguir um confronto dos dois testemunhos hoje conhecidos (Figs. 5


e 7) desse poema escrito e publicado em 1927:

MARINHA. MARINHA.

Ditosos a quem acena Ditosos a quem acena


Um lenço de despedida! Um lenço de despedida!
São felizes: teem pena. São felizes: teem pena...
Eu soffro sem pena a vida. Eu sofro sem pena a vida.

Dôo-me até onde penso, Dôo-me até onde penso,


E a dôr é já de pensar, E a dôr é já de pensar,
Orphão de um sonho suspenso Orfão de um sonho suspenso
Pela maré a vasar. Pela maré a vasar...

E sobe até mim, já farto E sobe até mim, já farto


De improficuas4 agonias, De improfíquas agonias,
No caes de onde nunca parto5, No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias. A maresia dos dias.

21/4/1927. Fernando Pessoa

Note-se que o testemunho dactilografado tem dois versos (vv. 5-6), com um traço
vertical cortado, indicando hesitação; uma variante manuscrita (v. 11) e uma
dactilografada (v. 12), que Pessoa não terá introduzido na versão que enviou para a
revista Presença – versão que não se conserva no espólio de José Régio no Arquivo
de Vila do Conde (cf. PIZARRO, 2017: 67-70) –; e ainda uns versos soltos (Fig. 5):

4 improficuas [↑ variadas] variantes alternativas.


5 nunca parto [↑ não me aparto] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 340


Pizarro Poemas e documentos inéditos

!! :.:. r .i. ~: h t~ •


)_ j_ -~:,,c f .i~ .-llS S...,c , _it l S 1
n::o ~e ~.p::.1
.....o ,
"'~o c~os ele e- .\(.. ..L~c='- :, ....:..-te J

'. ,.::.:•o ..;i ,. r'cs rio. a .

"l/4/19'? 7.

Fig. 5. “Marinha” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 341


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 6. “Marinha” (colecção Fernando Távora).


No canto superior direito há um apontamento de Fernando Pessoa;
no canto inferior direito lê-se: “lote 31-1”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 342


Pizarro Poemas e documentos inéditos

, PRESENÇA

.APICE
O raio de sol da ,arde
Que.uma. jànela perdida
ReílfCÚU
-Ah. náo sei porqu~, mas certamente
Aquêlc raio cadente
Ah;uma coisa foi na minhasorte
-

Num tnstante indiíereme- Que a sua projécção atravessou ...


Arde,
Numa lembrança esvaída;
Á minha rnemórÍa de hoje Tanto segrêdo oo destino duma vida ...
Subitamen1c ...

J!;como a ideia do Norie,


Seu efémero arrepio Preconcebida,
Ziguigueia, ondu la, foge, Qoe sémpre '\ne acompanhou ...
l'tla minha relentiva .. .
- E nlio pÔder adivinhar P A R 1 _S
Porque misterio se me evoca AGOSTO 19d
JNltÓITO Dli
Esta ideia fugitiva,
Tão <lcbil que mal me toca! .. . mdrlo ag Sd-Camg/ro

E.NHOM>. época
AMBI.ENTE
traoso,ite a outrc1..asue sensibili- viver é pertencer a outrem "tlefora, e morrer ó pertcn•
N lídade; transmite--lhe apenas n inteligêncin que
"!ve dessa StrtSibilidade. Pela em°'ão ~omos
nós; pela inteligl!ncis somos alheios. A inteligêncis
cer a outrem de deltlro. As duas coisas assemelhom-se,.
mas o vida é o lado de fora da morte. 1'or isso a vida é
o vida e a morie n morte, pois o lado de fora é sempre ,
dispersa-nos; por isso é através do que nos dispersa mais vorqadeiro que o lado de dentro, tanto que é o
que aos sobrevivemos. Cadn época entrega ~s seguin- Jac!o d~ fora que se ve.
tos apenas aquilo 'lª" não foi.

w deus. ·oo sentido pagão, isto C,verdadeiro, não é


U · maii que a inteligência que um ente 1em de si T poisa emoçóo-yerdadeira
ODA mentira na inteligência,
se não dá nela. Toda a emoção verdadeira
tem portanto uma expressão falsa. Exprimir..se é dizer
próprio, pois êssa inteligência, que tem de sl próprio,
o que não se sente.
é a formo impessoal, e por isso ideal, do que é. For-
mando de nós Um conceitoiofelectual,formamosum
s· cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria.
deus de nós próprios. R~ros, porém, formam de si
próprios úm cooceilo intelec1ual, porque a intcligênciã
é essencialmenlc objectivo . Mesmo entre os grandes
O Sem •• montadas, os cavaleiros seriam peões.
O Jogar t que foz a localidade. Estar é ser.
génios são raros os que existiram para si próprios com
plena objec,ividade.
f'"Gtké conhecer-se.
é periencer a outrem. Morrer é P<!rlcncer a
V
IVER
01.llrem.Viver e morrer são a m~ma coisa. Mas Jffuaro dg Campos

M A R I N E H A_
ni:r- osos • quem aceno D ÕO·NR até onde penso, sobe alé mim, já farto
Cm lenço de despedida I E a dõr é já de pe nsar, De improflquas agonias,
São felizes: teem J>ena..• Orfão de um sonho suspenso N,o cais de onde nunca parto,
Eu sofro sem pena a vida. Pela maré a vasar .•. A maresia dos dias. •

T=ando pg:,:,011

Fig. 7. “Marinha” (Presença).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 343


Pizarro Poemas e documentos inéditos
A <longa> [↑ fria], triste, longa estrada
<Confusa de curva a *curv> [↑ Confusa sob o luar a ondar-se]
A Angustia sempre renovada
Da sprança ter que renovar-se

Além disso, um testemunho está datado – de facto, desconhecia-se a data até agora –
e outro está assinado. E o segundo, aquele de 1927 (Fig. 7), possui uma ortografia
mais modernizada e uma distribuição gráfica singular.

II. “Côrte-Real” [Lote 31.2]

No seu Dicionário da Mensagem (2000), Artur Veríssimo não refere João Vaz Corte
Real (1420-1496), nem os seus filhos, que Pessoa evoca no poema inicialmente
intitulado “Côrte-Real” (arquivo Távora) e depois “Noite” (BNP/E3, 146). Mas já
António Cirurgião tinha observado que, no poema mais longo de Mensagem, “sem
lhes dizer o nome, em virtude da transparência referencial do texto, o poeta conta a
história de três irmãos: Gaspar, Miguel e Vasco Corte-Real, filhos de João Vaz
Corte-Real, o navegador português que terá descoberto a Terra Nova por volta de
1472”; e que o terceiro dos irmãos, Vasco, poderia tomar-se “como símbolo de
Portugal, mergulhado naquela ‘austera, apagada e vil tristeza’ de que fala Camões
em Os Lusíadas (X, 145)” (CIRURGIÃO, 1990: 248). Pouco depois, também se encontra
uma outra observação muito esclarecedora: “o poder demiúrgico do poeta reflecte-
se onde menos se espera: na transformação do sintagma popular ‘olhos rasos de
água’ em ‘olhos rasos de ancia’, o que nos transporta ao terceiro poema dos
‘Avisos’, em que a ‘beira-mar’ se converte em ‘beira-magua’” (CIRURGIÃO, 1990:
249). O poema é longo, e parece ainda maior na versão impressa, porque foi
distribuído em três páginas – (daí os traços divisórios azuis na Fig. 10) – para
tentar atingir com os poemas de Mensagem um livro de pelo menos 100 páginas.
Como explica José Blanco, “Na categoria ‘livro de versos’, o regulamento [dos
Prémios Literários do Secretariado da Propaganda Nacional] impunha que as
obras tivessem mais de cem páginas”; no caso de Mensagem, o compositor
“literalmente (e habilmente)” esticou o miolo do livro, deixando 27 páginas em
branco e 22 com “títulos isolados (12 páginas), legendas latinas, também isoladas (4
páginas), índice (4 páginas), frontispício e cólofon (1 página cada)” (BLANCO, 2007:
154; cf. http://purl.pt/13966).
O testemunho de “Côrte-Real” conservado no arquivo do arquitecto
Fernando Távora revela a génese de um poema de Mensagem do qual não se sabia
quase nada em termos genéticos – de facto, esse testemunho não é referido na
edição crítica coordenada por José Augusto Seabra (cf. PESSOA, 1993) – e ainda
fornece uma datação crítica para um poema não datado (circa 26-2-1934),
atendendo a que no verso da folha figura um poema datado.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 344


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Primeiro
CÔRTE-REAL NOITE

A nau de um d’elles tinha-se perdido A nau de um d’elles tinha se perdido


No mar indefinido. No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei Para, segundo a lei
Da descoberta, ir em procura Da Descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a nevoa escura. Do irmão no mar sem fim e a nevoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à patria, por quem dera Do mar ignoto à patria, por6 quem dera
O mysterio que hoje era. O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou. Licença de os buscar, e El-Rei negou.

——— x

Como a um captivo, ouvem-o passar Como a um captivo, o ouvem a passar


Os servos do solar, Os servos do solar,7
E, quando o vêem, vêem a figura E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura, Da febre e da amargura,
Com fixos olhos razos de ansia Com fixos olhos rasos de ancia
Fitando a prohibida azul distancia. Fitando a prohibida azul distancia.

——— x

Senhor, os dois irmãos do nosso Nome, - Senhor, os dois irmãos do nosso Nome –
O Poder e o Renome - O Poder e o Renome –
Ambos se fôram pelo mar da edade Ambos se foram pelo mar da Edade8
Á tua eternidade; À tua eternidade;
E com elles de nós se foi E com elles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de heroe. O que faz a alma poder ser de heroe.9

Em busca d’elles queremos ir, da vil Queremos ir buscal-os, d’esta vil


Nossa prisão servil, Nossa prisão servil:
Em busca de quem fomos, na distancia É a busca de quem somos, na distancia
De nós, e em febre de ansia De nós; e, em febre de ancia,
A Deus as mãos alçamos... A Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos.
Mas Deus não dá licença que partamos.
FERNANDO PESSOA

6 Távora patria, por BNP patria, por 1934 patria por


7 Távora solar, BNP solar, 1934 solar. ] mais testemunhos sugerem a vírgula final.
8 Távora Edade BNP edade 1934 edade

9 Távora heroe. BNP heroe. 1934 heroe, ] mais testemunhos sugerem o ponto final.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 345


Pizarro Poemas e documentos inéditos

CÔRTX - Ri:AL

-------------------~

.\ nau de u m d'elles tinha-se pe


No mar indefinido .
O segundo pediu licen~a ao Re
Para, segundo a lei
Da. de a coberta , ir em procur
Do irmão n o raar eem fini e

Ternpo foi. Nem pri mei r o , er.i se gundo


Volveu do fim pro;zndo
Do mar ignoto á patria por quero dera
O rnyeterio que h e era.
Então o t erceiro a El ~~!:,.i roeou
lincnça d e : " bue a~ e E~-Rei neGOU•
( •
Co.mo a. :ll J! ~~pti v , <* em- e pa.soar
Oe aervoe o eol&r,
:U:, quand o o vê m, v;em a figura
La febre e da ai:.argura,
Com fixoe ol os ra.:oe de aneia.
~i t and o p ohibida azul dista n cia .

e do i. s i r mã.os do no aso Nome 1 -


O oder e o Rano1oe -
Ambos e fÔra m pelo mar da Edade
' tua Etern~dade ;
E co1f/ e ll ee de n o s ee foi
u qo/f faz a alma pode r ser de heroe.

FJÍbuaca d ' el l. eo qu ' re i.10:i ir, dA vil

f Nossa prisão eervil,


busca 1e q;.1em foJOoll, na dii,tancia
De nos , e em febre de ansia
A Deus as mã.011 a.lçaraos, .•
llla.11Deu s nã.o dá lice n ça que pa.rtaznoe .

FEJUt AlTOO PESSôA

Fig. 8. “Corte Real” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 346


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 9. “Tormenta” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-2”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 347


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Primeiro
NOITE
A nau de um d'elles tinha se per dido
No mar indefinido .
O segundo pediu l icença ao Rei
De, na. fé e na. lei
Da Descobe rta , ir em procura
Do irmã.o no mar sem fim e a nevoa escura .

Tempo foi . Nem pri meiro nem segundo


Volv eu do fi m prof undo
Do mar ignoto a pat ria, por quem dera
O eni gma. que fizera .
Ent ão o t erceiro a El - Rei rogou
Licença de os bus ca r , e El - Rei negou .
X

Como a um captivo, o ouvem a pas sar


Os servos do solar ,
E, quando o vêem, vêe m a figura
Da febre e da amar gura ,
Com fixos olhos r asos de an cia
Fitando a prohibida azul distancia .

Senhor , os dois innã os do nosso Nome -


O Poder e o Renome -
.Ambosse fo r am pelo mar da edade
À tua eternidade ;
E com elles de nós se foi
O que faz a alma. pode r ser de heroe .
Queremos ir busc al - os , d'esta vil
Nossa prisão servil:
ta bus
J
ca de quem somos , na. distancia
De nos; e , em febre de an ci a,
A Deus as ~os alçamos .

Mas Deus não dÁ licen ça que partamos .

Fig. 10. “Noite” (BNP/E3, 146-62r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 348


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Note-se que, para além do poema que começa “A nau de um d’elles tinha-se
perdido”, encontra-se manuscrito o índice quase definitivo da terceira parte de
Mensagem, isto é, daquela parte em que se insere a dita composição poética:

Os Symbolos
I. D. Sebastião
II. O Quinto Imperio
III. O Desejado
IV. <O Encoberto> As Ilhas Afortunadas.
V. O Encoberto

Os Avisos
I. Bandarra
II. Vieira.
III. Terceiro (meu)

Os Tempos
I. Noite.
II. Tormenta.
III. Calma
IV. Antemanhã.
V. Nevoeiro.

<Chamada>

Pessoa – que confessa um aviso ser “meu” – parece ter contemplado uma quarta
secção, “Chamada” (no sentido de toque militar, sinónimo de “Clarim”), mas não
avançou com a ideia (cf. 144Q-42v, in PESSOA, 2007: 86; e ainda PESSOA, 2000: 268).
Ora, no verso da folha, manuscrito a lápis e riscado pela mesma caneta que
riscou o poema anterior, encontra-se um testemunho de “Tormenta”, datado de
“26-2-34”, isto é, com a mesma data que Pessoa lhe apôs à mão num exemplar
pessoal de Mensagem que se conserva na Casa Fernando Pessoa (cota 8-435) e que se
pode consultar em linha: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/8-435.
No inventário do “lote 31.2” – esta indicação pode ler-se na margem inferior
da Fig. 9 –, “Tormenta” não é referido, mas o arquitecto Távora refere-se a “outros”
textos nesse inventário (cf. Fig. 1). Aliás, o incipit era de difícil leitura:

26-2-34

Que jaz no <escuro> [↑ abysmo], além do [↑ sob o] mar, que se ergue?


Nós, Portugal, o poder ser...
Que fluctuação [↑ inquietação] do fundo nos soergue?
O desejar poder querer...

<Mais> [↑ <Mais>] <n>/N\ada, o <abysmo> [↓ mysterio] [↑ de] que a noite é o fausto;


E súbito, onde o vento ruge,
O relampago, farol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro [↑ <turvo>] struge.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 349


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O poema encontra-se na metade inferior da página, sendo que há outros versos,
ainda não identificados, na metade superior.
O testemunho que se encontra no original de imprensa dactilografado pelo
autor e com emendas manuscritas da mão dele (além de anotações tipográficas de
outra mão), permite ler o poema mais limpo. Veja-se a página 92 desse original de
imprensa (BNP/E3, 146; cf. http://purl.pt/13965):

TORMENTA

Que jaz no abysmo sob o mar que se ergue?


Nós, Portugal, o poder <ser?> ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer...

Isto, e o mysterio de que a noite é o fausto...


Mas súbito, onde o vento ruge,
O relampago, pharol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro struge.

É interessante conferir que, para fundamentar a sua leitura de “Tormenta”,


António Cirurgião concentra-se na conotação da palavra “abysmo”, uma que no
manuscrito muda da segunda para a primeira estrofe.

Ao dizer que se trata, não de um “abysmo” no mar, mas de um “abysmo sob o mar”, o
poeta está a fazer de “abysmo” uma metáfora para o Hades ou Tártaro da mitologia greco-
romana e para o Limbo do cristianismo, ou seja, para aquele inferno onde Orfeu foi buscar
Eurídice, ou para aquele inferno onde Cristo (de que Orfeu é figura, segundo a Patrística)
foi buscar as almas dos justos que aí se encontravam à espera do seu Libertador.
(CIRURGIÃO, 1990: 253)

Conhecendo a primeira versão de “Tormenta”, o texto ganha profundidade quer


textual, quer interpretativa.
O que não é certo é que em 1978 o público da Exposição Iconográfica e
Bibliográfica tenha conseguido ver ambos os poemas, “Côrte-Real” e “Tormenta”,
isto é, os dois lados da folha. Lê-se numa nota:

Este original figurou na


Exposição realizada quando do
1.º Congresso Internacional de
Estudos Pessoanos (n.º 120 do Catálogo)

Fig. 11. Nota sobre “Côrte-Real”


(colecção Fernando Távora; pormenor)

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 350


Pizarro Poemas e documentos inéditos
III. “Analyse”, “Hiemal”, “Serena voz imperfeita” e “Plenilúnio” [Lote 31.3]

Sobre os quatro poemas seguintes as notas pessoais do arquitecto Fernando Távora


são muito eloqüentes (Figs. 12, 14 e 15). As primeiras encontram-se no verso de um
impresso do Banco Borges & Irmão (Fig. 13), manuscritas a tinta azul, inicialmente,
e a tinta vermelha, depois:

A poesia ANALYSE foi


publicada, inédita, em J[oão] G[aspar]
Simões – “V[ida] e O[bra] de F[ernando] Pessoa„;
aí diz o autor, em nota:
“Poesia inédita em meu
poder„ (2.ª ed., pg. 385).

É esse inédito que aqui


se encontra porquanto veio, por
intermédio do livreiro M[anu]el
Ferreira, das irmãs de J[oão] G[aspar]
Simões.

<vêr onde foram publicadas –


não as creio inéditas – as
restantes poesias destas duas
paginas>

As poesias Análise10 e Hiemal


figuraram na Exposição realizada
durante o 1º Congresso de Estudos
Pessoanos (n.º 48 do Catálogo)

Figs. 12 e 13. Notas sobre “Analyse”, “Hiemal”


(colecção Fernando Távora).

10 Analise ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 351


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Segundo informações de J[oão] G[aspar] Simões a


M[anu]el Ferreira (livreiro que me
vendeu estas poesias) –
– “ANALYSE„ foi por ele publicada
– “SERENA voz imperfeita„ está inédita.

Verificando nas “Obras completas„ de


Galhoz (4.ª ed.):
“Análise„ – publicada pela 1.ª vez na
“Vida e Obra„ (<pág. 50> pág. 106,
poesia [51], nota a pág. 680).
“Hiemal„ – publicada pela 1.ª vez na
“Portugal Futurista„ (pág. 136, poesia
[79.5], nota a pág. 686). É a V poesia
das Ficções do Interlúdio.11
“Serena voz imperfeita...„ – publicada pela
1.ª vez nas “Cartas de F. P. a A. C. Rodrigues
(pág. 117-118, poesia [62], nota a pág.
680).
“Plenilunio„ – publicada pela 1.ª vez no
“Portugal Futurista„ (pág. 134, poesia
[79.1], nota a pág. 686). É interessante
notar que Plenilunio está <neste> aqui
datado (17 Outubro 1913) e não está
em Galhoz (pg. 134), embora na <nota
referência a OP (pág. 686)> nota a
pág. 686 (referência a OP) <*de> apareça
a data de 1913.

Portanto, nenhuma destas poesias


está inédita.

Figs. 14 e 15. Notas sobre “Analyse”, “Hiemal”


“Serena voz imperfeita” e “Plenilúnio”
(colecção Távora)

No espólio pessoano ficou uma cópia de “Tão abstracta é a idéa do teu sêr”
(Figs. 23 e 24), mas o poema foi editado por Maria Aliete Galhoz, na Obra Poética
(1960), partindo do testemunho dactilografado que tinha João Gaspar Simões (hoje
na Colecção Fernando Távora) com o título “ANALYSE” (Figs. 19 e 20). Ter os dois
testemunhos reunidos possibilita proceder ao seu confronto. Neste caso,
apresentamos primeiro o documento manuscrito, que é, presumivelmente,
anterior, e depois o dactilografado, que ostenta o timbre da firma A. XAVIER PINTO
& C.a (Fig. 22). O poema foi publicado em Portugal Futurista (1917) (Fig. 25).

11 Interlunio ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 352


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Tão abstracta é a idéa do teu sêr Tão abstracta é a idéa do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista, Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica ao meu olhar, e dista E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu vêr tão longemente, Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéa do teu sêr fica tão rente E a idéa do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto. Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, n’este ignorar-me a ver-te, minto E assim, n’este ignorar-me <ve> a ver-te, minto
Á illusão da sensação, e sonho, Á illusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequér que sou, risonho Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepusculo tristonho Do interior crepusculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo. 12 Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessôa. Dezembro 1911
Dezembro de 1911.

Para além de questões ortográficas (sêr/ser, vêr/ver, sequér/sequer), o principal é


uma mudança no quarto verso (“ao meu olhar” --> “em meu olhar”) e um acento
que falta em muitas edições no verso 11 (“A illusão” --> “Á illusão”). Ter o
testemunho dactilografado da colecção Fernando Távora contribui para editar
melhor “Analyse”, que tem este título apenas no testemunho B, no qual Pessoa
escolheu uma das duas variantes alternativas do último verso.
De “Hiemal” existe, no espólio pessoano, um testemunho manuscrito
riscado, sob um grande xis e a indicação “Copied” (Fig. 16).

Balladas de uma outra terra, aliadas


Ás saudades das fadas, amadas por gnomos idos
Retinem lividas ainda aos ouvidos
Dos luares das [↑ altas] noites aladas...
Nos canaes embarcações erradas
Segredam-se rumos descridos.

Fig. 16. “Balladas de uma outra terra...”


(BNP/E3, 40-15v; pormenor).

12 me sonho o que me sinto sendo. [↑ sinto que sonho o que me sinto sendo] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 353


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O confronto entre a versão dactilografada da coleção Távora e o testemunho
impresso em Portugal Futurista (1917) (Fig. 25) não é muito significativo:

HIEMAL HIEMAL

Balladas de uma outra terra, aliadas Balladas de uma outra terra, alliadas
Ás saudades das fadas, amadas por gnomos idos, Ás saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lividas ainda aos ouvidos Retinem lividas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas... Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canaes barcas erradas Pelos canaes barcas erradas
Segredam-se rumos descridos... Segredam-se rumos descridos...

E tresloucadas ou casadas com o som das balladas, E tresloucadas ou casadas com o som das balladas,
As fadas são bellas, e as estrelas As fadas são bellas, e as estrellas
São d’ellas... Eil-as alheadas... São d’ellas... Eil-as alheadas...

E são fumos os rumos das barcas sonhadas, E são fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canaes fataes iguaes de erradas... Nos canaes fataes iguaes de erradas,
As barcas parcas das fadas, As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemaes Das fadas aladas e hiemaes
E caladas... E caladas...

Toadas affastadas, irreaes, de balladas... Toadas affastadas, irreaes, de balladas...


Ais... Ais...

Salvo o verso 11, que termina com reticências primeiro e depois com vírgula, não
há diferenças.
De “Serena voz imperfeita, eleita” existe um testemunho dactilografado no
espólio pessoano (Fig. 17).
6-X-1914.
'> , r-.:~113
..
., - Serena voz imperfeita, eleita
...."
o-Jl.-.1.!<14
-=~
...
i!t
Para fallar aos deuses mortos/,/ [→ –]
A janella que falta ao teu palacio deita
Oeroru. vo~ iwporteita,
Par~ rr.llar
eloitc
aos deu3es aorto'br ....,.,
tt;:., Para o Porto todos os portos.
,,..,
...
A jenellu qu~ r.it-1 1,0 teu fJ11,~c1.o dei
Pars o Porto todo3 os portos. _...
.,,.
Fuisou d& idé& de wca voz aorndo .:f/.;°
º'";!º Faisca da idéa de uma voz soando
j _!"
L7?ioo nas IJ>àoe Jt>B ,,rtnoozae aonh>tdaA,
S811.X8~ttaXUXJllllUDIXl<axilc&a ..,_.,,
El.l edu1 a m~ré de pona.lr-te, orlando Lyrios nas mãos das princezas sonhadas,
" ,.\ ~naoa.da toda.o ""ªensoa:hls. 5:i!il
Eu sou a maré de pensar-te, orlando
Bruir;ae m&rinhas os.Jttinaa lo sonho...
Jonol],Q,e d;1,n.d,ovar 1 ~adio os ch~ooe .... A Enseada todas as enseadas.
E eu le!o o ~eu P1m qllO me o:U...,tristonho,
'Do convez do naroo todos oa biroos.
,,,,,,,
-·ei Brumas marinhas esquinas de sonho...
Janellas dando para Tedio os charcos...
Fig. 17. “Serena voz imperfeita...” E eu vejo [↑ fito] o meu Fim que me olha, tristonho,
(BNP/E3, 16-29r). Do convez do Barco todos os barcos.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 354


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Mas há outro, também dactilografado, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional
de Ponta Delgada – no espólio de Armando Côrtes-Rodrigues, que recebeu vários
poemas com uma carta de Fernando Pessoa de 19 de Janeiro de 1915 (Figs. 26 a 29).
Veja-se o confronto da versão que recebeu Côrtes-Rodrigues com aquela que
conservou o Arquitecto Fernando Távora:

Serena voz imperfeita, eleita Serena voz imperfeita, eleita


Para fallar aos deuses mortos – Para fallar aos deuses mortos...
A janella que falta ao teu palacio deita A janella que falta ao teu palacio deita
Para o Porto todos os portos. Para o Porto todos os portos...

Faisca da idéa de uma voz soando Faisca da idéa de uma voz soando
Lyrios nas mãos das princezas sonhadas, Lyrios nas mãos das princezas sonhadas...
Eu sou a maré de pensar-te, orlando Eu sou a maré de pensar-te, orlando
A Enseada todas as enseadas. A Enseada todas as enseadas...

Brumas marinhas esquinas de sonho... Brumas marinhas esquinas de sonho...


Janellas dando para Tedio os charcos... Janellas dando para Tedio os charcos...
E eu fito o meu Fim que me olha, tristonho, E eu fito o meu Fim que me olha, tristonho,
Do convez do Barco todos os barcos... Do convez do Barco todos os barcos...
6-X-1914.

Se não fosse pelo aumento das reticências (nos versos 2, 4, 6 e 8, talvez por
paralelismo com os versos 10 e 12), ambos os testemunhos seriam idênticos. Pessoa
não datou o segundo.
Antes de referir o quarto poema, veja-se o fac-símile do verso da folha 16-29,
apenas para assinalar que “Serena voz imperfeita, eleita” coexiste no mesmo
suporte com o poema “E ah! esse horror tem o meu gesto” (Fig. 18).

X nhl oJ~e hvrror tou o ueu guoto .,


!! o .., u olhar. .,.,.
iDBO vuJ~ ~ele, o reBto ....
...
w:, nozroJ;r ,
O rooto o som~ru origin~ri~
O velho Bnia ,
Da JUf<I ~aue e G filho-~ rig
Jlo=a-9,:ilt1dn , ..,
o
o . ,~ . -, • ,. ; :;1· ,, ... latir,
A ;
~11. ..,· .----,,.. (MA.,":). ......,. '

O .,u·o /3h 1
ru _
Anterior
,\ tndJ 1n:mto .i. 'C·J OU 68,U '60
A or ou dor,
~êr
..llltfi dll antes de DeuB, ,portenco
Ao i::r~nle Inton.e • •••
Fig. 18. “E ah! esse horror tem o meu gesto”
(BNP/E3, 16-29r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 355


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Do quarto e último poema, “Plenilunio”, que figura na segunda de duas folhas da
colecção Fernando Távora com a indicação superior “Fernando Pessoa – 4” e
“Fernando Pessoa – 5” –, existe um testemunho dactilografado no espólio pessoano
(Figs. 30 e 31) que se pode confrontar com aquele da colecção Távora (que será
anterior):

PLENILUNIO PLENILUNIO

As horas pela alameda As horas pela alameda


Arrastam vestes de sêda, Arrastam vestes de seda,

Vestes de sêda sonhada Vestes de seda sonhada


Pela alameda alongada Pela alameda alongada

Sob o azular do luar... Sob o azular do luar.


E ouve-se no ar a expirar — E ouve-se no ar a expirar —

A expirar mas nunca expira — A expirar mas nunca expira —


Uma flauta que delira, Uma flauta que delira,

Que é mais a idéa de ouvil-a Que é mais a idéa de ouvil-a


Que ouvil-a quasi tranquilla Que ouvil-a quasi tranquilla

Pelo ar<a> a ondear e a ir... Pelo ar a ondear e a ir...

Silencio a tremeluzir... Silencio a tremeluzir...


17 Outubro 1913

Note-se que: (1) “A expirar mas nunca expira –” é um inciso, embora em algumas
edições falte o travessão do verso 7; (2) “seda”, nos versos 2 e 3, perde o acento
circunflexo; e (3) o verso 5 acaba por ficar sem reticências. De resto, as diferenças
são mínimas, e no segundo falta a data.
No inventário do lote 31 figuram a seguir, 31.4, uma “folha com Nota de
poesias portuguezas, dactilografada”, e 31.5, uma “folha com poesias do Cancioneiro,
dactilografada”, que não serão comentadas a seguir, mas nos Anexos. Embora este
contributo esteja dedicado a uma série de poemas, e não a listas de projectos, essas
“folhas” contêm títulos e incipits poéticos relevantes. Aliás, na ordem do lote 31,
essas listas ficaram entre os poemas já discutidos – “Analyse”, “Hiemal”, “Serena
voz imperfeita” e “Plenilúnio” – e os seguintes, o que poderá ser significativo. E
dão uma imagem de Pessoa enquanto editor e antologista da sua própria obra,
sendo que nesses suportes se preocupa pelo número de versos de algumas
composições e pelo número total de poemas de um livro de poesias.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 356


Pizarro Poemas e documentos inéditos

J.'ern • ndo Pe s soa - 4

.\:t,UYS ..:

Tão aba t rac t& ; a i déa do t ou s er


~u e l'.l:; v.'.': vJ ts ol:u r, .Ju..;, a o Jn tr e t e r
Os ta-.illS ol ho.:; nos t vue , p..,rco - oa de vi s ta ,
'nudu f ic a~~ ,u ol har , v di s ta
Te~ co~po do ~..,u v er tào lon ge ment e ,
: , i d~~ vC ~or f i e~ t~o
Ao meu pd~3ar ol uor - te, e ao aaoe'r - me
e~~ar1J i1= tci q<J; , s ~ por t ~r - tae
Cor.s ci ont .u ti , "'õr:i a mi m si nto .
ua ai . , naat iB~"?.r - ~u xx a var - t e , mi n t o
;, illus o :-,n ~,:!o , e s onho ,
Nlc ~. ve ~e , n, voc10 , n~m sn bsnJ~
Qua t e v o:c , o. ~Jqu vr que s ou, risonh o
Do int.rior e• r1oc1lo :ristoclo
m que :Jin~o ;i.ua ron!i o o q .i e m" '3in t o S.Jnd o .

·r:·• L

__ 11:a,:1< Je ur.ia 0 1:tr'.l to r r a , ol l i a das


{3 .i.t l J 1,c1 ,'01: _i:.os i de i,
:.te i '1J ... l .1.
vicin · i.inüu ao:- ouvi dos
~o ::.1 1 r 'l 1 t _,., ~o i t _, a l 3 1a::. . . .
l' e lo-> ..:ai •., ,o bu!'cao e rrnJ'3.s
'= - ~e ru o l ...sc-.1.i O::i , •.

• rélc, o;c 1~ oJ o::n ,ari co~ o :.i~1~ do s b-;1 ' a da a ,


1

" :Jf .. ::uJ .J:lc b.,~_1i;;J , 3 es e s t .rel l a s


s-·"' 1 • e,11s . .. :11- ~, a~ ea ...03 . ..
- A~o f~ ~" 01 r ·o~ 1u: tv rc au ~oft~ada o ,
1100 c:ur~e..; fat110E1 -i-:U.Oe<J 1... er ra d ac .. .
ha b-.r ca:: pr..,ca~ !o ''é1Jna ,
Dus f a ias l~J30 e hi ~ma oe
r. c'lla-!aa ...

':'01rd• 1a u."!' s t:.. , , i rr aeo , lo b· 1lod os , • •


Ais . ..

Fig. 19. “Analyse”, “Hiemal” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 357


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 20. “Analyse”, “Hiemal” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-3”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 358


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fe rnando Pe ssoa - 5

Serena voe i ~p e rf cita , eleita


Furn fa':~r ~o dvuscs ~crtoc ...
A ian e lli.1 qu.J 111it.a ao teu palacio de i ta
Ior~ o ro~to to.0s ca nortoa •..
P...i::icu u ... iJ.: .. "' u VOZ JC&.ndo
L.·rios na:1 ...,..os das rr incezae sonhadas •• .
_,11 30U - :. ~r; .... 01 .s"r - t.;, orltcr.do
EnoeudG todQc -ª .nseaJae . . .
1uz~a ~nriqbus IPqDiJDS de so~ho .. .
J:..ue11,..e ..:.<1rur r teU· 03 àl arcos . . .
·. au. :1to o r:i,u Fi:r. 111. me ol1'a , ~r ist onno,
;)e COTvc- .o Borc ~o.J ,, os l>crcoe . . .

:liliJNIO

1, 1';-rp;i p.l .. _.il;, .,d&


,rrwit vast-o J ~·
Ve a~ ,j.! L.. ...... ao dc.l
t ul:, • hHlJ 1:1 '..1lon~'l:ia.

So~ o s 1
2 tl"l!" de lllflr ...
..,l - G o ..r .. i raz -
A ·q.ü·•n· 11 e l t.; 1 1·c. -
U•.1 .fl 1u•c~ 1 i · ir

..~ú a" 8' :.,ni~ a


o•wi: -
uáo
.,Wl,"i
....
';r
o.ivil - a
,i-i 1~

Pele or .,{ ·~cn.va ~- ., a ir ...

. U'lir ...

17 O 1..bi-0 19 13

Fig. 21. “Serena voz...”, “Plenilunio” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 359


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 22. “Serena voz...”, “Plenilunio” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-3”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 360


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 23. “Tão abstracta...” (BNP/E3, 16-19r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 361


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 24. “Tão abstracta...” (BNP/E3, 16-19v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 362


Pizarro Poemas e documentos inéditos

PO&TVGAL FVTUJUSTA 23

13cbada branque ia
FICÇÕES
DOINTERLUDIO Co mo pela areia
Nas ru as da feira,
Da feira deserta,
Na noite já chda
De sombra ent reaber ta.
Plenilunio
A lua baqueia
As hora s !)ela alameda Nas ruas da feira
Arrastam vestes de seda, Deserta e i,icerta.

Vestes de sed a sonhada IV


Pela alam eda alon gada
M inuete inv isível
Sob o azular do luar . .. Elias são vaporosa s,
E ouve-se nc- ar a expirar - Pa llidas sombra s. as rosas
Nadas da ho ra lunar . . .
A expira r mas nunca expira -
Uma flaul a que delira , Veem . aereas. danç a r
Como perfu mes soltos
Que é mais a idéa de ouvil-a Entre os canteiros e os buxos.
Q ue ouvil-a q uasi tra nquilla Chora no so m dos repuxos
O rhythm o qu e ha nos seus vultos .
Pe lo a,· a ondear e a ir .
Passam e agitam a b risa ...
Silencio a tremel uzir . . Pa llida, â po mpa indecis a
Da sua flcb il demoºra
Paira e m a ureola á hora . ..
li
Passa m nos rhy th mos da so mbra . ..
Saudade dada Ora é u ma folha q ue to mba,
Ora uma brisà qu e tre me
Em horas inda lou ras. lindas Sua leveza sole mn e. .
Clorindas e Belindas , brandas,
Brinca m no tempo das ber lind as, E assim vão ind o. delind o
JAs vindas vendo das varand as. Seu perfil uni co e lindo ,
De onde ouvem vir a rir as vindas Seu vulto feito de todas,
Fitam a fio as hias ban das. Nas alameda s, em rodas
No jardim livido e frio.
Mas c m torno â tarde se entorna
A ato rd oar o a r qu e ar de Passam sós inhas , a fio,
Que a eterna tard e já não torna ! Como u m fumo indo, a rarear,
E e m to m de atoarda todo o alarde Pe lo ar lon!(inqu o e vazio .
Do ado rna do ard or tra nstorna Sob o, dispe rso pelo ar,
No ar de torpõr da tarda tarde. Pallido pa llio lunar. . .

E ha nevoen tos dese ncanlos V


Dos e ncant os dos pensamento s
Nos sant os lentos dos recantos H iema l
Dos bentos ca ntos d os conven tos .. .
Pran tos de intentos, lentos, tantos Bailadas <.leurna ou tra terra. alliadas
Q ue enca ntam os attcntos ventos. Ás saud ades d as fadas, ama cias. po r g nomas idos,
Relincm lividas ainda aos ouvidos
Dos lnares das altas noites aladas . ..
Ili Pe los cana es barcas erradas
Seg redam -se ru mo s d escridos ...
Pierro t bebado
E tresloucadas ou casadas com o som das bailadas,
Nas rua s da feira, As fadas são bcllas. e as cslrellas
Da feira deserta , São d'e llas . . . Eil-as a lheadas . ..
Só a lua cheia
Branq~eia e clareia f. são fumos os rumo s das ba rc as so nhadas ,
As ruas da feira Nos can aes fataes cguacs d e erra das ,
Na noite entreabe rta. As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemaes
Só a lua alva E calad as . . .
Branqueia e clareia
A paysage m calva Toadas afastada s, irreaes, de bailadas .
De abandon,:, e. alva Ais . ..

Fig. 25. “Hiemal” (Portugal Futurista).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 363


Pizarro Poemas e documentos inéditos

@ Como a no1te n longa! Saber? gue sei eu?


'l'oda a noite é na81m... Fonsar o descrer.
Senta-te, ama, perto - Levo e aaul é o eeu -
Do le1to on19 esperto. Tudo Ó ~o difticil
Vem pr'ao pede m1m... De collll'rohender! ...
Amei tanta cousa ... A scienoia, uma tada
Ro~e nada,fxisto. N 'uo con!O de lo •~co•..
Aqui ao pe ·da coma - A luz o luvada -
Canta-mo, minha ama, Ço.,o d que nós vemos
u~ ançJo triate. t nitido e pouco!
!ra uci.1 rrin~9za ~·1~sei ou que abrande
.iue ª"º~· . . Jr. n!1o 11ei..• ~eu anceio fundo?
~omo estou esquecido! o oou real e grande,
Canta-me ao ouvido N~o saber o modo
E adormocero1 ..• De pensar o mundo!
Que é teito de tudo? 4-.:x.1-
l'it<f
Que fiz eu de mim9 ----------------------
I>eixa-::ie dormir, Vae rodondo salta
::>o:cmira soTrir A lua . Que dôr
E seja teto o fim, f em mim llll1 amor? • . .
ti-- •l-11'Y: ~ao eei que me falta ...
---------------·~---
--
Bate a lu~o cimo N~o eei o que iuero,
Da montanha, vê .. • Nem poeso eo9lwl-o . • •
Sem ~uerur, eu suieco Coc-.oo luar e r11lo
ll!as n~o sei em quê .•. ~o t~.o vago e aus•ero• • •.

JJo sei que perdi Ponl!o-m~ a sorrir


Ou que n.lo achei ••• Frua tdéa de mim. . .
Tida qlle ..,ivi, E t~o trin•e, asaim
Q•• mal eu a am61! . .. Como ~uem está a ouvir

Hoje qqero tanto Uma vos que o chaUU:1


Que o n...o posso ter . Uae não ·oabe d'onde
De manli~ ha o pranto (Vo; que em ni ao esconde)
· E ao anoitecer. i eo u ella ama...

Tomara eu ter geitn tudo isto ó o lu.ar


'E a cinha dÔr
ra~a ser toli~··· rornudo oatdrior
Como o mundo e estreito, Ao :r.011 meJitar ...
E o pouco que eu quia!
Vae morrendo a luz leeaseooego!
~o alto da montanha • .. ,,te inq oieta illue ..o l
Como Ul:I rio a flwc !: esta sansa~ ...o Ah, !l ,suuv1-daJe
A minha alma banha, Oca, de aer cego Do lu.ar sem toroen-
,,.,,,., ~os nuo me acarinha,
11-- w...o me acalma nada...
rro ::iou pensawttnto,
minho vontoae ...
to
,..a,
Pobre cdanci~ Perdida ua eotrtA.la ! ...
~-~-'-- ----' ·--.:...._----~...____~__,j

Fig. 26. Poemas enviados a Armando Côrtes-Rodrigues (ACR, CORR. 4483-2r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 364


Pizarro Poemas e documentos inéditos

E o es v11r<'.'ruido da chuva
l!o';endo no alma t constante em meu pensow~nto.
~e quem só sen~1o3e Ueu ser é a invisivel curva
O luar, e exiatieoe Traçaua pelo som do vento . • •
SÓ pra a sua calma.
E eis que anto o sol e o azul u~Ji~
'+-tl- 1'11'+ Como ao a hora wi uetorvaoaa,
-------------------- Eu. soffro ..• E i:. luz e • eu61 1Alecria
r.:-'\ Sopr11 de muio o vento Cite 1108 meus p;s coa.o um disfarce.
Parl:l eu poder &escançar .• •
Ha no meu penJa~onto Ah, na min.~a alml:l f oowpra obove.
,ualquer cousa quo vae ~arar • •• Ru oe~re escuro dentro eronim.
So eec1tto, alg,J.e~ dentro em·adm
OIJ'll
Talvez esta oouaa aa ulma
Que acha real a vida .•• A chuva,como a voz de Qm !im ...
Talve~ esta cou.aa cal11111
Qae ee faz a alt:lll viv!da ••. Quando é çue e11 :1erei da tua côr,
Dateu plocido e nztU eru.:unto,
Sopra uo vento AXoeenivo ... Õ claro dia e~terior,
Tenho medo de pensar ..• 6 oeu til:lis utíl que o meu p.canto?
O meu myeterio eu avivo
Se mo perco a !lOditar.
Vento 4110pa:.ai. e es~uece, ® tlfos ou gnomoe tocum? ...
Pooiru qllEI se errrv,e e calle •.. no,~~ noa vinhGiraes ,
ti Je oo ea puaoaoo Som~roe e ba!oe leves
Si:.ber o ~ue e~ oim voei ... De rhythuos oueicaos . ..
~-- X 1-191<+. Onlul&~ co~o •~ voltas
-----·--------------------
© Serens vo::~mper:t e1ta, eleita
Para !allar
A Janella
aos deuaea mortos -
que falta ao teu palac1o dei
70raDe oatradas nao eei 01119,
nn oo~o algtlem ~ue entre arvoree
se tiostra ou escondo .. .
lorm.a lon.ginqaa e incerta
rara o l'cr•o t o-lo'"!o~ portos . Do que elt nunoa tez,i. ..
~al ouço e ~usei choro • ..
Faisca da idéa de uma vos soando Porque chÓro nuo sei ...
Lyrios nas mllos das princezaa sonhadas,
Eu aoa a maré de pensar-te, orlando T-o tonue a:.eloaia
A • nseada todaa aa enaeadaa. ~ne mal_e~i de ulla existe
ou ae e ao o CLe~usculo,
Brumas mar1~1we esquinas de oonho .. · oa pinhaoa e ou eatur triste ...
J~nellae dando para Tedio oa charcos ..
E eu fito o meu Pilll que me olha, tmtonho, •
Do convez d6 Ba.cco toiloa os bia.ccoe• · • I:ae cessa, cotao 111a11 briza
c, - X 11:·:. Eoquece a for1~a a?1 eeue ...1e,
----------------~------------- E acora nilo ha mais cueica
Chove?.Nenhgma chuva cahe ... Dodque a due pi>'l.!?eiraes ...
CD Ent~o onde e que eu ainto um dia .2S-•/i<- l'!l'f ,
Em que o ruido da chuva attrahe
A minha inutil aeon1a?
Onde ! que çhovo I q111J eu o ouço?
Onde e que efriste, o clarc, con?
iu quero eorri~-te, e não posso,
L-~ =º-=c~é_u-=--
a_z_u_l, cbui:llir-te i;ie11 .. .

Fig. 27. Poemas enviados a Armando Côrtes-Rodrigues (ACR, CORR. 4483-2v).


Contém “Serena voz imperfeita, eleita”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 365


Pizarro Poemas e documentos inéditos

_3_

~eu ,ensamento é um rio subto~runeo.


Para que terras vae e d'onde vem?
Ngo sei ... Na noite om qu_e o meu aêr o tem
3merge d'olle um ruiJo oubitanoo
D~ orie;vn3 no M::oterio oxtraviaê!ae
De eu oo~prehondol-as ... ,~yetoriooas fontes
Hubit11r.4o a distm ciu de arcos 1:10Qitee
Onde oo ~o~entos elo a Dous chegados ...
De vae em quando lu~e: ~in~u,ui.gua,
Como u:n pharo1 n' um, 11UArdesoonhealilo,
Um movimento de correr, perdido
Em m:llf.,u:r. pallido soluço de ag12& .•..
E eu relembro do te~~oe wuio ontig9a
Que a minha conaoienci~a illusno
Aguas d1•1nas percorrendo o chao""'
De verdorea unisonos e amieoo,
a idéa de o.oa ratria unterior
à forme conacim te do meu ser
Doe- me no que desejo, àvem batel
Como uma onda de enoo~iro á. "'6!\Q dir.
Eecute>-o ... .Ao longe,no 111euvago tacto
Da minha alma, perdido som inuerto,
Ocmo um etern~ rio indeecoberto,
Uaie que a idea de rio oerto e abets aot o ...
E prb on1e é quo elle vae, ~ue ee extravia
~o meu ouvil-o? que cav9rnue doace?
Em que frios de 1saombro e que arrefeoe?
Do que nevoae eoiurna~se annuvia?
Não sei ... Eu perco-o •.. E outra vez resreaaa
A luz e a côr do mundo claro e actual,
E na interior dietanci~ do ceu Real
Como ae aX.alma u.cabaeae, o rio ceaaa ...

;--:;:---;Ameaçou chuva. E a negra Forque entüo minha vista


Nuvem passou sem o~is •• • Por meue eonhos ae perde?
Todo o meu ser ss alegra Da~ue é que a minha alma dieta?
Bm alegrias eguaea,
Duvem que passa .. . céu
Que fica e nada diz •. •
Vazio azul eem vau
Sobre a terra feliz • ••
B a tena é verde, verde , ..

Fig. 28. Poemas enviados a Armando Côrtes-Rodrigues (ACR, CORR. 4483-3r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 366


Pizarro Poemas e documentos inéditos

-
311a canta , pobre ~e1te1ra,
Juls~ndo-eo !eliz tal.vez • ••
Canta e cei!a, e a auà voz cheia
De alegre e anof11- vlav••
Jluctua como Wllll canto de ave
Jo ar limpo como um limiar,
! ba curvas no enredo suave
Do eom que ella tem a ~a~ar •. .
•,
ouvn-.,. , alegra e entristece ••.
Na eua VOZ ha o campo e a lid~ ,
! canta 00140 ee tiveeae .
li!aia .razaee pra cantar que a vida . . .
E oo~ tão nitida pureza
A sua vo; entra no azul
Qne em noe sorri quanto 1 t.:H.oteta
! a vida sabe a acor e a asl l
Canta ! ..• Arde-me o coraçilo .. .
O que em mira OM-eet"8borar..do .. .
Derrama no meu peito vão
A tua incerta voz ar.doando .. ,
Canta e arrasta-me pra ti,
Pra o oontro ignoto da tua a1.._,
que um mo~onto eu sinta em mim
O acho da tua alada calma ...
Ah, poder ser tu;aendo eu !
Ter a tua alegre inoonaciençili
E a conecienoia d'ieeo! Õ ceu,
6 campo, Ó cançao, ..• a ecienoia
Pesa tanto e a vida é tão breve .. •
Entrae por mim dentro, tornae
KinhiJalma a vossa sombra leve ...
Depois, levando-me, paeeae. , .

Fig. 29. Poemas enviados a Armando Côrtes-Rodrigues (ACR, CORR. 4483-3v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 367


Pizarro Poemas e documentos inéditos

?o - t 1

0
r.._,.
,./
PLIDIILUlfIO
---------- - - - ---- t

\B llora a pela ala1,eda


Arrastw.: vestes de oeda ,

Veat ea de oedn aonh~da


l'e l a a.lamada a.l o118Bda

~ob o uzu l ar do lua r.


E ouve-se no n.r i1. ox, irar -

A &XJ)i rar mas nunca e:r.rira -


lh11B, flauta quo del ira,

1,'.te é n.a.is n i<loo de ouvil -a

·~ue ouvil-e. quusi trs.11quil l a

l el o a r a ondoa.r o a. i r . ,.

Silencio a t r er .clt.e i r - • •
- :

Fig. 30. “Plenilunio” (BNP/E3, 117-8v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 368


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 31. “Plenilunio” (BNP/E3, 117-8v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 369


Pizarro Poemas e documentos inéditos
IV. “Abdicação” [Lote 31.6]

No inventário (Fig. 1), o Arquitecto Fernando Távora diz crer “tratar-se de uma
transcrição feita por este [João Gaspar Simões]”. E, noutras notas, acrescenta:

Situação das poesias aqui


contidas, certamente (?) cópias efectua-
das por J[oão] G[aspar] Simões a quem este
documento pertenceu, segundo
Galhoz, 4.a edição:
“Sombra fugaz,...„ inédita
“A minha vida é um barco abando-
nado...„ – publicado pela 1.a vez
no Diário Popular a 3 de Fev. de
1949. Por quem? a ver. (páginas
193, poesia [203], nota a pág. 696)
“Entre o abater rasgado dos pendões...„ –
publicado pela 1.a vez no Diário Popular
de 3 de Fevereiro de 1949. Por quem? A
vêr. (páginas 192-193, poesia [202], nota
a pág. 696). Notar que há alguns erros
de transcrição.
“Toma-me, ó noite eterna13 nos teus braços...„

publicado pela 1.a vez in “Ressurreição„


n.o 9, Lisboa, Fev[eveiro] 1920 (páginas
138, poesia [83], nota a pág. 686).
Notar que figura com o título
Abdicação que aqui preside ao
conjunto dos VII poemas.
“Forma inutil14 que surges vagarosa...„
inédita
“Com a expressão a dor menor se apaga
inédita

Figs. 32 e 33. Notas sobre “Abdicação”


(colecção Fernando Távora)

Repare-se na ausência do poema IV, “São vãs, como o meu sonho e a minha vida,”
que devia ter figurado como poesia “inédita” atendendo à sua ausência na 4.a
edição (1972) da Obra Poética editada por Maria Aliete Galhoz.

13 Falta uma vírgula depois de “eterna”.


14 Falta uma vírgula depois de “inutil”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 370


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Como observa o arquitecto Távora, “Abdicação” é o nome de um ciclo poético,
mas também o nome com que foi publicado um poema desse ciclo, o quinto, no
Mensário para Arte, para Literatura, para Vida Mental, chamado Ressurreição (1920).

ABDICAÇÃO
Toma-me, ó 110/leeterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
Que ooluntadamente abandonei
. O meu throno de sonhos e cansaços.
Min!ta espada, pesadll a braços lassos,
Em maos o/ris e calmas entreguei;
E meu sceplro e coróa,-eu os deixei
IVa anfecamara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tao 1!111fll,
Minhas e.,poras, de um tinir tão /ufil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realesa, corpo e alma,
E regressei d noUe antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
FERNANt>O PSSSOA.

Fig. 34. “Abdicação” (Ressurreição).

A cópia que Gaspar Simões terá dactilografado permite rever esta série de
poemas, três publicados na Obra Poética (II, III e V), em 1960, quatro na Nova
Renascença (I, IV, VI e VII), em 1989. Segue a dupla transcrição (coluna esquerda,
BNP/E3, 58-62 e 63r, Figs. 36 a 39; coluna direita, colecção Távora, Figs. 40 a 45):

ABDICAÇÃO ABDICAÇÃO

I. I.
Sombra fugaz, vulto da appetecida Sombra fugaz, vulto da appetecida
Imagem de um ansiado e incerto bem, Imagem de um ansiado e incerto bem,
Aereamente e aladamente vem Aereamente e aladamente vem
E um pouco abranda em mim o horror da vida. E um pouco abranda em mim o horror da vida.

O esforço inutil, a penosa lida, O esforço inutil, a penosa lida,


De que, salvo soffrer, nada provém, De que, salvo soffrer, nada provém,
O receio, a incerteza e o desdem O receio, a incerteza e o desdem
Mitiga e sara, como a quem olvida. Mitiga e sara, como a quem olvida.

Irreal embora, o teu momento é teu. Irreal embora, o teu momento é teu.
Nesse minuto, em que deveras prendes Nesse minuto, em que deveras prendes
Toda a alma, e és o seu sol e o seu céu, Toda a alma, e és o seu sol e o seu céu.

És toda a vida, e o resto é a sombra e o trilho. És toda a vida, e o resto é a sombra e o trilho.
Splende em verdade, ó sombra, emquanto splendes, Splende em verdade, ó sombra, emquanto splendes,
E eu nada seja salvo ter teu brilho.15 E eu nada seja salvo ter teu brilho.

15 E eu morra para mim nesse teu brilho [↓ (E eu nada seja salvo ter teu brilho)] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 371


Pizarro Poemas e documentos inéditos
II. II.
A minha vida é um barco abandonado, A minha vida é um barco abandonado,
Infiel, no ermo porto, ao seu destino. Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Porque não ergue ferro e segue o atino Porque não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com seu fado? De navegar, casado com seu fado?

Ah, falta quem o lance ao mar, e alado Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas, peregrino Torne seu vulto em velas, peregrino
Frescor de afastamento, no divino Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado. Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da acção, sem a vontade Morto corpo da acção, sem a vontade
Que o viva, vulto steril do16 viver, Que o viva, vulto steril do viver,
Boiando á tona inutil da saudade − Boiando á tona inutil da saudade −

Os limos esverdeiam tua quilha, Os limos esverdeiam tua quilha,


O vento embala-te sem te mover, O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha. E é para além do mar a ansiada Ilha.

III. III.
Entre o abater rasgado dos pendões Entre o abater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia, E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões. Do mal cobriu os vagos batalhões.

Foi em vão que o Rey louco os seus varões Foi em vão que o Rey louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prelio, sem a idéa17. Trouxe ao prolixo prelio, sem a idéa.
Agua que mão infiel verteu na areia − Agua que mão infiel verteu na areia −
Tudo morreu, sem18 rasto e sem razões. Tudo morreu, sem rasto e sem razões.

A noite cobre o campo, que o Destino A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado. Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino. Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendões rotos Só no luar que nasce os pendões rotos
Mostram19 no absurdo campo desollado Mostram no absurdo campo desollado
Uma derrota heraldica de ignotos. Uma derrota heraldica de ignotos.

IV. IV.
São vãs, como o meu sonho e a minha vida, São vãs, como o meu sonho e a minha vida,
As imagens que busco, alvar recreio20, As imagens que busco, alvar recreio,
Para o meu ocio de cansaço cheio, Para o meu ocio de cansaço cheio,
Para o meu ser deposto e fé perdida. Para o meu ser deposto e fé perdida.

16 de (do) ] variantes alternativas.


17 sem (a) idéa ] com uma hesitação.
18 smm ] no original.

19 Strellam (mostram) ] variantes alternativas.

20 dor-recreio (alvar recreio) ] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 372


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Nada vale. Renova a despedida Nada vale. Renova a despedida
Todos os dias renovada, ó anceio Todos os dias renovada, ó anceio
Que nem em ti sabes querer, baqueio Que nem em ti sabes querer, baqueio
Surdo e ignobil da purpura e da lida. Surdo e ignobil da purpura e da lida.

Reu confesso da tua impenitente Reu confesso da tua impenitente


Indecisão, de inutil reprovada, Indecisão, de inutil reprovada,
E, reprovada, vil por persistente, E, reprovada, vil por persistente,

Acceita o nada a que te o Fado obriga, Acceita o nada a que te o Fado obriga,
E abdica, qual rainha desthronada E abdica, qual rainha desthronada
Que foi mendiga, e torna a ser mendiga. Que foi mendiga, e torna a ser mendiga.

V. V.
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... Eu sou um Rey E chama-me teu filho... Eu sou um Rey
Que voluntariamente abandonei Que voluntariamente abandonei
O meu throno de sonhos e cansaços. O meu throno de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada21 a braços lassos, Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris22 e calmas entreguei, Em mãos viris e calmas entreguei,
E meu sceptro e coroa – eu os deixei E meu sceptro e coroa – eu os deixei
Na antecamara, feitos em pedaços. Na antecamara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inutil; Minha cota de malha, tão inutil;
Minhas esporas, de um tinir tão futil, Minhas esporas, de um tinir tão futil,
Deixei-as pela fria escadaria. Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma, Despi a realeza, corpo e alma,


E regressei á Noite antiga e calma E regressei á Noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia. Como a paisagem ao morrer do dia.

VI. VI.
Forma inutil, que surges vagarosa Forma inutil, que surges vagarosa
Do meu caminho, e augmentas minha dor: Do meu caminho, e augmentas minha dor:
Tua postiça luz não tem calor, Tua postiça luz não tem calor,
Teu vulto esfolha-se, como uma rosa. Teu vulto esfolha-se, como uma rosa.

Porque tão falsamente piedosa Porque tão falsamente piedosa


Na hora mais negra do meu amargor Na hora mais negra do meu amargor
Vens com teu brilho errar o meu torpor Vens com teu brilho errar o meu torpor
Que mais valia que esta sp’rança ansiosa? Que mais valia que esta sp’rança ansiosa?

Por que a mão irreal para mim stendes Por que a mão irreal para mim stendes
Se não me guiarás, nem me conheces? Se não me guiarás, nem me conheces?
Se nada podes dar, para que splendes? Se nada podes dar, para que splendes?

21 pesda ] no original.
22 vris ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 373


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Ah, deixa ao menos imitar o somno Ah, deixa ao menos imitar o somno
Meu ser, morto23 na strada onde tu desces, Meu ser, morto na strada onde tu desces,
Sòsinho ao menos com seu abandono! Sòsinho ao menos com seu abandono!

VII. VII.
Com a expressão a dor menor24 se apaga Com a expressão a dor menor se apaga
E a dor maior se anima, como o vento E a dor maior se anima, como o vento
Apaga o lume fragil de um momento, Apaga o lume fragil de um momento,
E a grande chamma sacudindo propaga.25 E a grande chamma sacudindo propaga.

Toda a esperança morta, a ansia vaga, Toda a esperança morta, a ansia vaga,
A magua certa do meu pensamento, A magua certa do meu pensamento,
Com exprimir-se, mais conhece o augmento, Com exprimir-se, mais conhece o augmento,
Porque é consciente e com mais □ Porque é consciente e com mais □

Mas não dizer a dor é ter só dor. Mas não dizer a dor é ter só dor.
Dizel-a é acceital-a, e acceital-a Dizel-a é acceital-a, e acceital-a
É por presente tel-a, a ter maior. É por presente tel-a, a ter maior.

□ □
□ □
□ □

18-9-1917. 18-9-1917.

Gaspar Simões fez uma cópia bastante fiel do documento, salvo um ponto,
no verso 11, onde devia haver uma vírgula (“céu,”) e uma exclamação, no verso 19,
onde devia figurar outra vírgula (“Ah,”). Os lapsos de cópia, que sempre ocorrem,
foram neste caso mínimos.
A sequência está datada de 18 de Setembro de 1917, mas convém recordar
que pelo menos o poema que começa “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços” é
citado por Pessoa numa carta de 1 de Fevereiro de 1913 a Mário Beirão. Na edição
crítica dos poemas de 1915-1920, João Dionísio apresenta, em anexo, “material
preparatório do soneto VII (o único que ficaria incompleto) ou tentativa de
reelaboração posterior, constante do doc. 58-64r” (PESSOA, 2005a: 393).

Mas não dizer a dor é ter só dor.


Dizel-a é accentual-a, e accentual-a.
E, por presente tel-a, a □ maior.

Não me sei encontrar, se o encontrar-me


É <*meu> □
Fig. 35. “Mas não dizer” (BNP/E3, 58-64r)

23 (morto) ] com hesitação.


24 meno<s>/r\.
25 affaga. (propaga) ] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 374


Pizarro Poemas e documentos inéditos

A r,ica ~f!o.

I . '

Sonibra fugaz , vulto cta appotecid_a '


Imager:i da um ansiado e i '11corto bem,
Aereamente e aladamente vem
E um -pouco abJ'.'anda em lim o· ho1-ror da vida .
O esforço inutil, a nenoea lida ,
• De quo , salvo soffrer , 'nada p1·ovêm,
O receio , a incerteza a o (,l.Qsdem :io:xx
Hitiga A so.ra, cone a quen olvlda .
Irro'al nmbora , o. teu momento 6 teu ,
lleeae minuto, em que dovero.s prendes
Toda a alma , 'e ês o sou sol e o seu oóu ,
Ee toda o. vida , e o resto ê a oombra e o trilho .
Snln.nda em vardado , 6 oombra , nmquanto epleunos ,
E eu morra para mim nesse tau brilho·
(E ou nada se~a salv'-' ter teu brilho) .
II ,
,, minha vida é um barco abandont1.do,
Infiel , no ermo porto , ao sou déstino .
Porque não orgue fe1-ro e segue o atino
Do navegnr , casado com seu fado~
Ah, falta quoT!lo 19,noe llo Dtur, a nlado
':orne seu v1ll to mn velas; · parci,r ino
Frasoor do afastamento , no clivino
Amplexo da matlliã , puro e solgado .
L!orto corpo ela aoç40,. sen a vontadé
Qu13 o viva , vttl to ata ri :r de ( do ) vi ver ,
Boiando â tona inutil da saudade -
Os limas oevordei&r.1 tua quilha,
O vento orabala-te sA~ te mover ,
E ti para alóm do mar a nnsiac1a Ilha,
III ,
Entra o abater rasgado dos _pendões.
E o cessar dos clariLS na tarde alheia ,
A. derrota t'ioou: oomo umn cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões ,
li'oi cr.i vão que o Re:,• louco os sei.a varões
':'rouxe ao prolixo priJ1 io, se:1 (a) idéa .
Ami.11aue mão i. .:fiol vo1·tou na o.reia -
~íldo ~orrPu , seo rasto e eem razõea .

Fig. 36. “Abdicação” (BNP/E3, 58-62r).


Fac-similado em GALHOZ (1990: 273).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 375


Pizarro Poemas e documentos inéditos

A noite cobre o crnmpo. que o Dosti110


Com a morte tornoµ abandonado ,
Cessou , com cessar tudo , ? clasatL10 ,
Sô no luar que hasce os pendões 1·otos
Strsllam (mostram) no abSllrdo COJ!lpodesolado
Uma derrota heraldioa de i~otos . >:.e~=:
IV.
Siío vãs , oor:10o meu sonho e a r.ii:ha vida ,
As imagens que,bn,soo , dor-recreio (alvar recreio) ,
Fara o meu ooio de oasxwaço cheio , '
Para o meu ser deposto e fé per~idu .
llaa.a val"l . Renova. a d-,s~dida
~odos os dia/3 rellovada , 6 nnoeio'
Que nem em ti sabes querer , baqasio
Surdo e'ig.iobil da purpura e da lidó. .
· Reu confesso ela tua imuon.Uiente
·Indecisão , a.e inutil reprovada ,
E, r"prov~dti , rv~l por pei•sistante ,
àcceita o nada a que te o ~ado obriga,
E abdica , qual rainha desthronada
Que foi m?ndiga , e torna a ser mendiga .
V,
~orna-mo, 6 noite eterna , nos teus braços
E oh!l!:ltl-mo teu filho ••• Eu sou um Rey
Que voluntariámente abtuldonei '
O mau throno ª? sonhos Ei'cansaç ãs .
llinha espada , peada a b~aços laseos ,
h"mmãos vris e calmas ent~éguei ,
E meu acêptro n coroa - ou oâ aeixei'
lia Blltecamara , feitos em pedaços .

!linha cota d" malha, tão inutil ;


llinhas esooraa , de W1l tinir tão tutil ,
.Jl:'ixei - aa péla il!ria escadaria .
Despi a realeza , corpo o ál.Lla,
E regrassei '1 1loi t" antiga a calma
Como a páisagem ao morrer do dia .

Fig. 37. “Abdicação” (BNP/E3, 58-62v).


Fac-similado em GALHOZ (1990: 274).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 376


Pizarro Poemas e documentos inéditos

VI.

Forma inutil , que surges vagarosa


Do ·neu caminho . e augm,mtas ll!Ílllla -dor :
Tua postiça luz não tem calor ,
Teu vulto esfolha:se , como uma rosa .
Porque tão falsamente piedosa
!la hora mais negra do meu :rimargor
Vens com teu brilho errar o meu tornor
Que mais valia r1ue oota spr' ança ansiosa?
Por que a raão ir1 ·eal para mim standos
Se não me guiarâs, nem me conheces?
Sn nada ,:iodes dar , pBJ.·a que snlendes'?

Ah, deixa ao menos ioitar o somno


?-leu ser , (oortol na strada onde tu desces ;
Sosinho ao menos com sAu abandono!
VII .
C.oma expressão a dor mono:c se apaga
E a dor naior se anima , como o ,ento
,lpaga o lur,1r1fragil de um momento,
E a grande uhar.una. sacudindo affaga . ( pi·opnsa l
~oda a esperança morta , a ansia vaga ,
magua certa domou pensanento,
A
Com exorinir - se , mais conhece o au61!1ento,
Porque é consci ute e cott mais
Lias não di "I"~ o. il.o~ ó t nr !!Ó der .
Di~el-a P. accaital - a, e accAital-a
n por pres13.nte tel - e., a ter ua.ior .

16-9-1917.

Fig. 38. “Abdicação” (BNP/E3, 58-63r).


Fac-similado em GALHOZ (1990: 275).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 377


Pizarro Poemas e documentos inéditos

.,'

Fig. 39. “Abdicação” (BNP/E3, 58-63v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 378


Pizarro Poemas e documentos inéditos

r.

Sombra fugaz , vulto da ap n et ecida


Imagem de um ansiado e incerto bem,
.\ereOJJ1ente e al<td':t!llente vem
E um pouco branda 8I'1 mim o horror da vida .
O esfo:rç ó. in<1til , a peno sa lida ,
De que , salvo soffrer , n,,d:'l provem ,
O receio , a incerteza e o desdem
ú i tiga e sara , como "Uera olvida .
Ir real embora ,o teu '10mento é teu .
Nesse minuto , e~ que deve!"l s nr"lndes ,
Tcd., ,, .,1.In,i
, e es o seu sol "' o seu ceu .
:Ôs toda a vida , e o resto é ,, sombra e o trilho .
S:plPnde en v~rdt\de , ó BOP1bra, e:nou11nt-,0snl-,ndes ,
E eu ~.orr:l :J?(lr'l mim nesse teu bri lho
{:E eu mi da se .in salvo ter te11 brilho ) .

II .
à minh ., viàA é Ul"l barco .,b,,nn~n"no ,
Infiel , no 'H'IOO porto , ao '3"1U ,•,,.,,tino .
Poroue não erg..ie -f'e-ro e ..,e.,.ue o tino
Se 11.av,gar , C'lsado com • ,eu fado?
,\h
!:!'"l ta ouem o l<ince ao mar , e >l <i.t.lo
'Ibrne seu vulto em velas ; peregrino
Fresco r d" afastamento , no ili vL"lO
A:-J?lexo d~ l'lqnhã , nuro e sAlg :'ldo.
Mor tç, co r:ço da acçffo , sen vontade
<..ueóviva . vulto st .. ril de (dolviver ,
J:bi"' do a tona inutil da s a11dnd e -
Os li.mos esverdeinm ~ua qui ' ha ,
O yento em~la - ~e sem te "'!O ver ,
E e p• !'4 alem do mFlr a anshda Ilh a .
II I.
Entre o qb,-,ter l"'l.sgado do- ".lrmdões
E o cessar do s clarim, nn tarde a lh eia ,
A dF>r""Ota ~icou : como ume cheia
Do m!"l io':lriu os ,r ~"'.O~ b,,t,, l hêl'es,
:B'oi em vão aue o Rey l ouco os '3eus ,r,roes
Trouxe ao prolixo pr olio , sem (a ) idé a .
,l.gua "Ue ml'.ío infiel verteu n~ rirei a -
Tudo morreu , sem rasto e sem razões .

Fig. 40. “Abdicação” (colecção Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 379


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 41. “Abdicação” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-6”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 380


Pizarro Poemas e documentos inéditos

,\ no it e cobre o ~,,r,ro, oue o De::itino


Com "I morte to,. nou aban<"onll do.
Ces sou , co m c ess'l r tudo ,o d esati no .
SÓ no l u ·:r c-ue n°ice o- "'>end õ es 'lt>tos
Strelle.m o com::;x>d"'sol'ldo
l rio:;tr.:1m) no <1b!3u"'d
Uma der"' i;a herel iic d~ ign oto" .
IV .
São v1'1s, coro o meu sonho e minh 1 vida ,
\ s i "'."lgens que buac o ,<lor - r ecre io (alva r recreio) ,
-Pari,. o meu o cio dn c asaQo ,c heio ,
.t'"ro o r4eu sor de::;,osto e f' e nerd id a .
Nada v~le . Ranova a les:r>ed i da
'Ibdos os d i as I"3llOV"ldn, ó 'ln ceio
1iue nem el!l t i S?be::i ·ºU rer , baq_ueio
Su-d o e i t:;nobi l d, :pu "P'll'8. e da l id a .
R u coni'esso do. tu/3. L"!t'Oeni t e nte
I nd ·c-i s l'!o, d e inuti l r,provada ,
E , r'.lpro vo.dA, ,,11 :x:,,. ""!'S stente ,

•\cceita o Mdf-l a m 1A t!L'?..i.:d? q bri ga ,


E <1.bil ica , o 1<1.l r i nhn
1"1.u"'foi men,'i g" , "' t ô '"'!lri 'l ·e:r m"n 4 i go.,
v.
'Ibm'l- IDA,Ó no it e et"1"!W., l'l03 t"U"' ''l"""OS
E ch,ma - m" t"•l .:'ilho .• . Eu MU un Bay
Que volun t ri 'llll~nte a b~ndone i
0

O IDAU throno d0 "Onhos e cnns,ços .


: :lnh" esr ;'lda , pcs"dl l a 'braço si l a sso s ,
Ern mãoA v,ri s e cem.as entregue i ,
E meu scept ro e coroa - eu o- d~ixei
Na '\Ilte c 'Ull ra , f 13it os em pe~úCOs .
Mi nh9. cota de m'1l ha , tã o i nutil ;
;,inhas es"X>ras , de uin tin i::- tão fu til,
De ix e i - a s pe l e ~ri a esc~dar~a .
Desp i a r ea l eza , co n:o e alma ,
E resres s ei á Noite "n tiSf' e c alma
Coroo ':l. pnis<1eem '\O morr13r do ni a .

Fig. 42. “Abdicação” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 381


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 43. “Abdicação” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-6”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 382


Pizarro Poemas e documentos inéditos

VI ,
i nut il , que surge s V!lg» ros 9.
:i'oll!l!l.
D:>meu C'l.."linho , e augmAnt As roinh" do r ;
Tu'l. ~at iç o. lu z nno ter~ c<i. l o.,.,
T'-lu v-ul to esfolha - se , cor·,, umn rosa ,
Porque tão PiedOSA
f'ÜS"MP.Ut'l
m, hora IMi s negra
do meu smB-rgo r
V,m~ com teu brilho err'l r o lil"'U t orx,r
Clup m.is v, li, rue "'St" "ll~l'l.ose ?
Por que mêí.o i rre· 1 i,:, r <i mim "~rndes
Se não r..P g,,.:_.,ri s , nem me conheces ?
qe n"da pode5 d"r , ~"r> nue su l end es?

Com a exp:ressffo a do.· menor se 'l,..aga


E a dor -e b r se e.ni ma, col'X>o vento
11.];iagao lume f'r'lg il de um momento,
E " grande chomma sacudind o af f aga , ( ,;rol)aga )

Tod e"ne:rança r.o rta , 'l ansia vae;:a,


A mngua qerta do m u pqn s amen to ,0

Com exp ,~ ir - se , m.ais conh'alce o c,u@:lento ,


Porque e consc ::..-nte e com ,•.·üs
ias n";ío 'i ~er n <or é ter só do r .
Dizel - a é cc e it "l - a , e acce it a 1 - a
0

t: por ...,r,,sentf' t"Jl - a , a ter m·ü o r .

18- 9- 1917 .

Fig. 44. “Abdicação” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 383


Pizarro Poemas e documentos inéditos

! :
_;

.t '

Fig. 45. “Abdicação” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-6”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 384


Pizarro Poemas e documentos inéditos
V. “Além-Deus” [Lote 31.7]

O ciclo poético de “Além-Deus” também foi copiado por João Gaspar Simões (Figs.
50 a 53), partindo das provas de página de Orpheu 3 (Figs. 47 a 49) que terá
consultado. O arquitecto Fernando Távora deixou estas observações num dos seus
papéis pequenos com notas sobre o arquivo:

Esta cópia do conjunto


de poemas ALEM-DEUS
(com excepção do I, Abismo,
e porquê?) pertenceu a J. G.
Simões cuja caligrafia
aparece corrigindo o poema
n.o III.
Sobre o “Alem-Deus„, vêr
Galhoz – “Obra poética„ – 4.a ed.
notas a páginas 682-3

Fig. 46. Notas sobre “Além-Deus”


(colecção Fernando Távora)

As notas referidas são as seguintes e encontram-se, de facto, nas páginas 682-683


da 4.a ed. da Obra Poética (PESSOA, 1972).

[58] ALÉM-DEUS

1.— Destinado a figurar como a colaboração de Fernando Pessoa no n.o 3 de Orpheu, que
chegou a ser composto em provas mas que razões várias levaram a ser suspenso antes de
impresso, foi, pràticamente, publicado pela 1.a vez por Adolfo Casais Monteiro in Poemas
Inéditos Destinados ao n.o 3 do Orpheu.

2. — Ainda enleados de um transcendentalismo que não está completamente longe da


poesia da Águia, aflora, com uma certa rigidez formal, a interrogativa ocultista e conceptual
a que se inclina tanto a sua poesia ortônima.

3. — Em carta a J. Gaspar Simões, 26 out. 1930, diz o A.:


Causou-lhe estranheza, talvez, o assunto. Isso, porém, procede de v. desconhecer outros poemas meus,
inéditos, do mesmo gênero. Tenho um, incompleto, “Lúcifer”, que vai muito além dêste na mesma direção; e
êsse é já antigo. A mesma nuvem paira sôbre os cinco poemas a cujo conjunto chamei ALÉM-DEUS, e que
escrevi ainda há mais tempo, são cinco pequenos poemas completos, e estiveram para ser publicados
(chegaram a ser impressos) num Orpheu 3 que foi frustrado de cima. [in CA.]

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 385


Pizarro Poemas e documentos inéditos
4. — Da primeira, “Abismo”, diz Sá Carneiro, em carta de 3 fev. 1913 :
Tôda ela é uma orquestração de bruma – o poeta manuseia o mistério, interroga o além. E que coisa
maravilhosa a 2.a estrofe!... Como é bem descrito o estado da alma que interroga: “O que é ser rio e correr? O
que é está-lo eu a ver?” E neste verso: “tudo de repente é ôco”, passou uma asa de gênio. Sabe bem que não
estou a “elogiar”, que estou apenas a dizer sinceramente o que penso da sua obra.

Acêrca das outras diz em carta de 26 fev. 1913:


Os seus versos, meu querido Fernando, são uma maravilha, acredite-me, creia-me, por amor de Deus faça-
me a justiça de acreditar que os atinjo e, sobretudo, que sou sincero. “O Braço Sem Corpo” é uma das coisas
maiores, mais perturbadores, extra-humanas – infinitas, ampliadas que eu conheço. É bem o que nos meus
versos eu quero que o artista seja. Os dois primeiros versos das duas primeiras quadras são coisas
estranhamente admiráveis, mas sobretudo a última estrofe fêz-me tremer num calafrio alucinador de beleza e
de mistério. Eu creio que dificilmente se pode devassar em mais profundeza o desconhecido, dar melhor a
ânsia, a perturbação. Coisas como essas não se apreciam, veneram-se. Devo-lhe dizer que a “Voz de Deus” me
agrada muito menos e que, se cabe na classificação em que o englobei com o “Braço Sem Corpo" é, quanto a
mim, por causa dêsse verso magistral: “ó universo eu sou-te.” As três últimas estrofes acho-as muito inferiores
ao restante, mesmo levando em conta a beleza do “sermente em si eu sou-me”. [In Cartas de Mário de Sá-
Carneiro a Fernando Pessoa.]

Por algum motivo, Gaspar Simões não transcreveu o primeiro poema,


“Abysmo”, mas os outros todos são passíveis de confronto. Há uma série de
testemunhos antigos que não examinaremos (BNP/E3, 16-22, 16-23, 41-1, 57-33 e
33a, 144D-72), mas que revelam que os poemas são de 1913, embora tenham sido
(quase) publicados em 1917 (cf. “...levaram a ser suspenso antes de impresso”).

ALÉM-DEUS ALÉM-DEUS

I I
ABYSMO ABISMO

Olho o Tejo, e de tal arte □


Que me esquece olhar olhando, □
E subito isto me bate □
De encontro ao devaneando – □
O que é ser-rio, e correr? □
O que é estal-o eu a ver? □

Sinto de repente pouco, □


Vacuo, o momento, o logar. □
Tudo de repente é ôco – □
Mesmo o meu estar a pensar. □
Tudo – eu e o mundo em redór – □
Fica mais que exterior. □

Perde tudo o ser, ficar, □


E do pensar se me some. □
Fico sem poder ligar □
Ser, idéa, alma de nome □
A mim, á terra e aos céus... □

E subito encontro Deus. □

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 386


Pizarro Poemas e documentos inéditos
II II
PASSOU PASSOU

Passou, fóra de Quando, Passou, fora de Quando,


De Porquê, e de Passando..., De porquê, e de Passado...

Turbilhão de Ignorado, Turbilhão de ignorado,


Sem ter turbilhonado..., Sem ter turbilhonado...

Vasto por fóra do Vasto Vasto por fora do vasto


Sem ser, que a si se assombra... Sem ser, que a si se assombra...

O universo é o seu rasto... O universo é o seu rasto...


Deus é a sua sombra... Deus é a sua sombra...

III III
A VOZ DE DEUS A VOZ DE DEUS

Brilha uma voz na noute... Brilha uma voz na noute...


De dentro de Fóra ouvi-a... De dentro de Fora ouvia-se...
Ó Universo, eu sou-te... Ó Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria Oh, o horror da alegria
D’este pavor, do archote Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia! Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéa e de nome Cinzas de idea e de nome


Em mim, e a voz : Ó mundo, Em mim, e a voz : Ó mundo,
Sêrmente em ti eu sou-me... Sermente em ti eu sou-me...
Mero echo de mim, me innundo Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo. Em que pra Deus me afundo.

IV IV
A QUEDA A QUEDA

Da minha idéa do mundo Da minha idea do mundo


Cahi... Cahi...
Vacuo além de profundo, Vácuo alem de profundo,
Sem ter Eu nem Alli... Sem ter Eu nem Alli...

Vacuo sem si-proprio, chaos Vácuo sem si-próprio, caos


De ser pensado como ser... De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus... Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver... Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma... Além-Deus! Alem-Deus! Negra calma...


Clarão de Desconhecido... Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma, Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido... Mesmo o ter-um-sentido...

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 387


Pizarro Poemas e documentos inéditos
V V
BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLADIO BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLADIO

Entre a arvore e o vel-a Entre a arvore e o vê-la


Onde está o sonho? Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horisonte... É a curva do horizonte...

Entre o que vive e a vida Entre o que vive e a vida


Pra que lado corre o rio? Pra que lado corre o rio?
Arvore de folhas vestida – Arvore de folhas vestida –
Entre isso e Arvore ha fio? Entre isso e Arvore ha fio?
Pombas voando – o pombal Pombas voando – o pombal
Está-lhes sempre á direita, ou é real? Estas-lhes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervallo, Deus é um grande Intervalo,


Mas entre quê e quê?... Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê? Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado? Está em torno na pomba, ou de lado?

FERNANDO PESSOA Fernando Pessoa

Do Orpheu 3 – 1917 Páginas 186, 187, 188.

Esta transcrição é menos fiel do que a anterior e pelo menos três alterações
serão lapsos do copista: “Passado” por “Passando”, no v. 2 de “Passou”; “ouvia-
se”, por “ouvi-a”, no v. 2 de “A Voz de Deus”; e “Estas-lhes” por “Está-lhes”, no v.
12 de “Braço sem corpo brandindo um gládio”. O resto são modernizações da
ortografia mais ou menos consistentes.
No inventário do lote 31 o arquitecto Fernando Távora refere muitos outros
documentos, mas nenhum deles tem cabimento nesta apresentação de poemas
pessoanos. Interessados em composições poéticas, é forçoso percorrer outros lotes.
Assim, no lote 3 encontram-se registados “No horizonte solemne” e “Liberdade”;
no 12, “Hora absurda”; e no 39, “Sol nullo dos dias vãos”. Há outros poemas
mencionados no inventário, mas alguns ainda devem ser localizados e estudados
(veja-se, de Carlos Pittella, neste número, “Juliano Apóstata: um poema em três
arquivos”). Ao que parece, “No horizonte solemne” – que pertenceu a João Gaspar
Simões, que assinou a autenticidade do documento a pedido de Manuel Ferreira e
por sugestão do arquitecto Távora – estará inédito. Pelo menos não figura no tomo
da edição crítica dedicado aos poemas de 1915-1920, nem no tomo da Assírio &
Alvim (hoje, Porto Editora) da poesia pessoana de 1902-1917.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 388


Pizarro Poemas e documentos inéditos

OkPHEU- Vol 1- 1111

ALÉM-'DEUS
I
ABYSNO

Olho o Te jo, e de tal art e


Qu e me esquece olhar olhand o.
E subito isto me bate
De encontr o ao devaneando -
O que é ser-rio , e correr?
O que é estai-o eu a ver ?

Sinto de repen te pouco


, ·acuo , o momento, o fogar.
Tudo de repente é ôco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Tud o - eu e o mundo em redór -
Fica mais que exterior.

Perde rudo o ser, ficar,


E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéa, alma de nome
A .n im, á te!rra e aos céus ...
F. subito encontro Deus.

11
PASSOU

Passou, f6ra de Ouando,


De!Porquê , e de J>assando . .. ,

Turbilhã o de Ignorad o.
Sem ter turbilhonado . . . ,

Vasto por f6ra do Vasto


Sem ser, que a si se assombra ...

O universo é o seu rasto ...


Deu s é a sua som bra ...

Fig. 47. “Além-Deus” (Orpheu 3).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 389


Pizarro Poemas e documentos inéditos

------ -- ------- --
OLAD/0 • ALÉM-DEUS-Fern ando Pusoa 187

• II!
A VOZDE DEUS

Brilha uma voz na noute . • .


De dentro de Fóra ouvi-a. •.
O' Uníver,o, eu S()U-te
. .•
Oh, () horror da alegria
D'este pavor, do archote
Se apagar, que me guia !

Cinzas de idéa e de nome


Em mim, e :1 voz : O' mundo,
Sêrme11/eem ti ei• ,'lllu-me. ..
~lero echo de mim, me innundo
De ondas de ne<>rolume
rm que pra Dc~s me afundo

IV

A QUEDA

Da minha idéa do mundo


Cahi. ..
Vacuo al~mde profundo,
Sem tcriEu nem Alli •• .

Vacuo sem si-proprio, chaos


De ser pensado como ser ...
Escada absoluta sem degraus ...
Vis:ío que se não pod" ver •..

Além-Deus
! Além•Deus
! Negracalma...
Clarão de Desconhecido..•
Tudo tem outro 'scntido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido.. .

J
Fig. 48. “Além-Deus” (Orpheu 3).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 390


Pizarro Poemas e documentos inéditos

ORPHEU- Voll - 1911

- .,
• J

TJRAÇOBEM CORP,0~RA NDI NDO UM GLADIO

Entr e a arvore e o vel-a


Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus ?. .. E cu fico tristonho
~or não saber se :1 cu rva da ponte
E a curva do horisontc .. .

Entre o que vive e a vida


Pra que lado corre o rio?
Anore de folhas vestida -
Entre isso e Arvorc ha fio ?
Pombas voando - o pomba l
Está -lhes sempre á direita, ou é real?

Deus é um grande lntervallo,


Mas entre q uê e q uê? ...
F.ntre o 4ue digo e o que calo
Existo? Q uem é que me vê?
Erro-me . . . E o pombal clcv,, do
Está cm torno na pomba, ou de lado ?

FE RNANDO 1'&SSOA

...
...

,
Fig. 49. “Além-Deus” (Orpheu 3).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 391


Pizarro Poemas e documentos inéditos

-
I
A. 1<3!.'.0

II

y <".-~0'1.,.:\C'""'"' ;;o Lj"i ,-, 10


Jjf"'l ....,,..,,.."',,~ , ~ rfo '"·1~ ~ ..,f'l~• ., •

1·11- 1
')~1..,,- ") ~i-:,. .... ;;º·
.,,ri.......
"',p ... ,..,,... t-,1 ...........
" 1 )-,,()Yl"'~"' •••

~o v~,..~n
i:)~,,... -~T' . r"~@ ~i_ "!" ~ C!Cj f)..,..• .. T"n

v l,ni'7-r.a-r-r.;o º r,, e;P'l .,.., ('-.=.n• • •


A ("\ ~'J""' ~nm"'.,..,·"·.
.!)t.:l·J.,q

J.II J·

•• vO~::> .J.11:3

B~ilh,., 1.U'ln V"?, na l'l0;1te , • •


J.J- <'!-'lt n11v· ~- '3e,,,
,.('I dP .l! f"l""'

Ó Univers o, eu s ou -te • • •
º"•(' hô!'!")"
J.Jp,•4~'"'Vº"
d 'l '"'l/) /7'l"Í9.
no a-rchote
,"':>p. ... --:,nr •.,..~ "',.,-=
-..-.,n,,&:> "'~
C 1 n~~~ ido~ ~O~ P
l!,r voz ! 6 riunn o,
..., ~, " ,. 0 '"'

3 e:r'llPnt e Pm ti PU ~ou - ~e •• ,
º"""" ~o '""i .'1"'1,,,,~ i·m,nr!o
l*': ('t '\

JJr- ,,,.,;; e: ~t!'t 1'J""º


l'I.Jl"l --•ip ""' ....ri u~·~eo 11"'·::i • .ç,o,.,,.'lno
.

1)
'v ., i ...
v ' cun 1 .. th" n"""'L)'"U Yl.c'lO,
-.,:..... +~r J!,,, ').."I \l:!. .. • •

V h1t""
. .
,::;.,.,,.,. S1. *".;'."'"l°"'
.,10 , 0 OS
lJ ' cq,-,. ·o<>risVlO C OMO S<>r, , ,

Fig. 50. “Além-Deus” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 392


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 51. “Além-Deus” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-7”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 393


Pizarro Poemas e documentos inéditos

"l,1 "' 1'"1 ... ':)1,1+- 1"'0• ,i O,..Y' .,~ . • •

v : c:-~ o .....,-:-: ,q~ r ""'o ---v


,d P v~ - • . •

1]~ -l l r 1~! l ..,., - !J~"'l$ ~ !'1~~,... e ,


..,, r ão de vo3""",..""ci<10, .•
.L .L.n f) l~,..o s e,,rtido ,~ l'la. >
W ""' 0 0 tnT'~,,· -s t? 1;ir 1 o . e

B ?O '3 r: '1~0 3'l lrTJINDO UI'


1;J 'I.')!0

,-:-,A. ... ., .., ., ........ p 1:11 o ,, ,.,_,


u ~ , P aqt~ ~onho Y
f', ,:1, "'~" r ~-,Y"+ P., ~q ; r; vr-1 "'
11~-,
-" . . ,......,
~u -.r-.; no + ,-.i ~-4."..-,"º
t' -n- ""~O ... 'r\-..,.. r • ...--V f1 1
"'\~,-'fo o
r~ ,. ••.,...,, 11"'-f"'l .,...
; ..,.l"f..,.P •• ,.

J:!,,-,-'-.,..n() ,. •-.o u\ v p p 1\ vi ~ ....


J:"~ ,,..• ,..... J no " " ,-.,...p n ,...1n t
\~r~- 0 rlc ~01· vn~ti~~ -
r:,.,........
,... .........
" ...._\ -, ,.,..._,
.....
" h- ~ ir, :
p" ('"IS sro ""'10 - O n ,,,,.,-,~l
.e,-- - 1 ,, ,e. ""I .....,_@ ..-1:-rr i_t •' t'°)l) Q A 1(

1)
, :,: - ....,..,. r -~ ,, 1~ :' • • ,
.l!, ··e o '1""' diro e o one !1'1lo
b V ~tQ f 1 ") r,1)p •~o '7 ~ (
R,...,..1""'1
_rn,=,
••• n 1).-.l ,...,
"""!01'11 l r v ,~o
.l!.".,. t0'")10 n" nomha , ou tlP. l 'ln o f

l 01 '7

Fig. 52. “Além-Deus” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 394


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 53. “Além-Deus” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “lote 31-7”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 395


Pizarro Poemas e documentos inéditos
VI. “No horizonte solemne” [Lote 3]

Este poema fez parte da Exposição Iconográfica e Bibliográfica associada ao 1.o


Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, de cuja montagem foi responsável
Fernando Távora. No catálogo dessa exposição, o poema corresponde ao
documento 61 (CENTRO DE ESTUDOS PESSOANOS, 1978: 5). Vejam-se duas folhas onde
o Arquitecto se refere a “No horizonte solemne” (Figs. 54 e 55), um poema que não
faz parte das edições de poesia pessoana.

S/ a casa A. Xavier Pinto & [↑ C.A] – vêr J. G. Simões


– “V[ida] e obra de F. P[essoa]„ – II, 158. 49,

em Maio de 1916 já a casa A. Xavier Pinto


está em 101 R. de S. Julião 1.o – vêr sob[re]scrito
de uma das cartas que tenho dirigida
por Carlos Ferreira a F[ernando] P[essoa].26

.... “montanhas de papéis rabiscados... etc... etc


redigidos à máquina, no intervalo de uma carta
para Manchester ou de um bilhete postal para
Londres... „ – J. G. Simões “V. e O. de F.P.„ – II –
p. 335 –

O deixar palavras ou expressões em branco


para preencher mais tarde, não “adequando„
assim o “andamento poético„ é próprio de
F. P. Aqui aparece no 9.o verso: “Pela
verde da carcassa„. Vêr caso semelhante
numa poesia inédita, sobre Guisado, publicada
pela “Flama”, n.o 1198.

É evidente que neste ms e tiposcrito todo


o escrito é da autoria de F. P., exceptuan-
do o pequeno texto que autentica
o documento, da autoria de J[oão] Gaspar
Simões.

Este documento pertenceu portanto a


J[oão] Gaspar Simões que o autenticou a
meu pedido e por intermédio do livreiro-
-alfarrabista M[anu]el Ferreira que mo
vendeu.

Figs. 54 e 55. Notas sobre “No horizonte Este original figurou na Exposição realizada
solemne” (colecção Fernando Távora). quando do 1.o Congresso de Estudos Pessoanos
(n.o 61 do Catálogo)

26É interessante a nota do arquitecto Fernando Távora porque sugere que não teria esse endereço
noutros materiais (cartas,nomeadamente), à época; cf. SÁ-CARNEIRO (2017: 672).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 396


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O poema está datado, de 3 de Julho de 1915, mas não deixa de ser
interessante que o arquitecto Fernando Távora estude o timbre da folha e relacione
dois documentos da sua colecção. Além disso, cita um trecho da biografia de
Gaspar Simões e uma reportagem da revista Flama. Veja-se o trecho e a referência
bibliográfica:

Tinha montanhas de papéis rabiscados – sobrescritos recobertos de versos, facturas


comerciais sulcadas de poemas escritos de um jacto, folhas de agendas enegrecidas de
quadras, de sonetos, de canções, ora tracejados a tinta, ora apontados a lápis, ora redigidos
à máquina, no intervalo de uma carta para Manchester ou de um bilhete postal para
Londres, e notas mil, breves, sumárias, ilegíveis, cabalísticas, de onde poderia extrair
ensaios, odes, contos, manifestos, estudos críticos, aforismos estéticos, doutrinas filosóficas,
teorias políticas, sistemas religiosos e romances “policiários” –, havia que fechar-se em casa,
meter mãos à obra e aproveitar o tempo de vida que lhe restava – os astros não lhe
prometiam longevidade – para organizar a sua obra e principar a publicação dos seus
livros.
Ah, mas quando? quando?
(GASPAR SIMÕES, 1950: II, 335)

2979. LETRIA, Joaquim e LOBO, Joaquim. “Fernando Pessoa: Um poeta em sobrescritos”. In


Flama, XXVII, 1198, Lisboa, 2/19/1971, pp. 29-48.
Reportagem ilustrada sobre a vida e a obra de FP, em que se revela que o Poeta “rezava e contava
em inglês”. O seu meio-irmão Michael Rosa conta que “Fernando era um pouco estranho nessa
altura. Mas era um homem de imaginação delirante, em completo e intenso funcionamento.”
(in BLANCO, 2008: I, 439)

Segue-se a transcrição do poema (feita em colaboração com Ricardo


Vasconcelos) e depois o fac-símile do documento (Figs. 56 e 57). Não se transcreve
o verso, mas é interessante reparar na existência de uma factura comercial para o
“Snr. Alfredo Cilia” por conta dos representantes da firma Guilherme Puls &
Companhia, de comissões e consignações, sedeada no Porto, mas com delegações
em Lisboa e noutras cidades portuguesas.

3-7-1915.

I.

No horizonte solemne,
No livido horizonte
<Estremece> Já estremece um vago horror do dia
Do dia que vae ser aquella infrene
Tortura de agonia
A perturbar o mar, e valle e monte
Toda a paysagem angustiada e fria
Sente que lhe perpassa
Pela verde □ da carcassa
Uma luz irreal e de prophecia.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 397


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Dia de terramotos e de eclipse
Este que vai raiar
Sobre a terra e o mar.
Dia de tempestades e clarões
Sobre o esbracejar
Das pavidas nações
Dia de sombra, fôgo e apocalypse.

II.

Eis que já do Oriente


Qual <a aurora que> pavôr que, nascente,
Inunda de suor a fronte da Hora,
Raia, como um attonito arrepio
O silencio27 do sol inda escondido.
Vêde: a relva mal chora
E no silencio frio
Um pasmo do futuro erra perdido...28

III.

Agora vão Neptuno e Urano, oppostos,


Derramar sangue sobre a terra inteira.
Senhor, piedade para os vagos rostos29
Virados para o céu
Dos homens pela terra derradeira
Esperando dos astros o labéu.

Salvo a lacuna que comenta – e talvez lamenta – o arquitecto Fernando Távora,


trata-se de um poema bastante “acabado” e de grande beleza. A paisagem matinal
é perpassada por “uma luz irreal e de profecia”, o dia raia, mas é um “dia de
sombra, fôgo e apocalypse” em que “o futuro erra perdido”, e Neptuno, o deus
romano do mar, e Urano, a divindade que personificava o céu, derramam “sangue
sobre a terra inteira”. Talvez este poema possa ser lido no contexto do ano de 1915
e das considerações pessoanas sobre “a desolação mortífera da guerra europeia”
referidas e estudadas por António Sousa RIBEIRO (2017), entre outros, atendendo ao
facto de os homens esperarem “o labéu”. Mas também no contexto de outros
poemas de 1915, tais como “Gládio” (PESSOA, 2000: 53-54) ou “Saque da cidade...”
(PESSOA, 2000: 56), onde profecia, guerra e paisagem estão presentes.
No lote 3, onde figura o registo de “No horizonte solemne”, também existe
aquele do poema “Liberdade”.

27 silnecio ] no original.
28 perdido.... ] com quatro pontos.
29 <t>/r\ostos

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 398


Pizarro Poemas e documentos inéditos

3-7-19.15.

!fo h orizpnte solemne,


~o livido·hori~onte
R~xx•~«gaJá est-e~ ~o~ wn vago horr 0r do dia
Do dia qu.e vae. ser aqus..,lla infrene
~ortura de agonia
A perturbar o mar, o val1e 9 monte~
~ oda a paysagem angustiad~. 3 fria
Sente qu~ ihe .p erpass a
Pel a verde àa ~arcassa
~rr.a l -ti~ ir-r-9e.l -de prophe eia. •
..Dia da +e~ra~o tos e de eclipse :;-
:'s ta q ud Vfli raiar
Sobr e a ter-:-a e o mar.
Dia de temp estad es e cl~ r~ es
Sobre o esbra cejar H
Das pavi das naç~es,
Dia de sombra, fÔgo e apocalypse.
II.
., ;;J

Bis-~ue já do Oriente ,
Quài %XiX!i%.C~XrjllK pavÔr qu.-e, nascente ,
In~ nda de suor a Pron t a aq· Hora, ·
Raia, co~o um a~t onito arJepio
O silnecio do sol inda ea &ond 1 do.
,rêda: a relva ma 1 cho ra _:("
E no silancio frio., '\' ·\ '·1
Um pasmo ilo f utu .ro erra perdido •••• ., -1

~II.
1ig6ta v~o Neptuno e Urano, oppo st os,
Derramar sangue sobre a t e rra inta ~a.
Senhc f .p i.ed ade p~ra os \~a;gos r ostos
Virados pa:ra o ceu
Dos homsns pela terra derr a deira
Zsp e rand~ dos astros o labéu .

Fig. 56. “No horizonte solemne” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 399


Pizarro Poemas e documentos inéditos

A. XAVIER PINTO & C.'


CAMPO OAS C680LAS, 4:3
:wzc:aoA - FOBT"O"GAX..

TE LEO, CORCAO TE LEPH ONE 37<:tl

po r . conta a.os ..I1 lmoe . Snr.s G11ilhnm.t .f..u.l s &...e.a L ..

. . ................................
do....Porto .,

• - ---~"T°';_ '"

peça de rol o de oabo


d'aço da 2½• da ' 6~9
com 550 braças ,. cim
a~patilho, por
'

, _ ___
_,_ _
Fig. 57. “No horizonte solemne”, verso de folha (colecção Fernando Távora).

VII. “Liberdade” [Lote 3]

Nas longas notas que fez para este poema, o arquitecto Fernando Távora foi
descobrindo o sentido político e anti-salazarista do mesmo, após uma crítica de
índole filológica na qual reparou – como Luís PRISTA, em “O melhor do mundo não
são as crianças” (2003) – que o poema não é infantil e que o verso 21 não tem o
artigo definido “as”, antes de “crianças” (veja-se também PESSOA, 2015: 275-276 e
PITTELLA & PIZARRO, 2017: 212-216). Távora não tinha a revista Seara Nova, n.º 526,
de 2 de Setembro de 1937, onde o poema foi bem publicado, com data de “16-3-
1935” e com o verso 21 certo, “Mas o melhor do mundo são crianças”, mas tinha
uma cópia absolutamente fiel aos dois dactiloscritos do espólio pessoano (BNP/E3,
118-54 e 55), provavelmente dactilografada por Pessoa. Daí as suas dúvidas
relativas à forma em que o poema foi publicado depois de 1937. A certa altura, o
arquitecto refere-se a Manuel Mendes, um escritor e artista, um democrata de
esquerda desde jovem ligado à Seara Nova. Foi a Mendes que Pessoa entregou o
poema “Liberdade” para publicar na revista, talvez a pedido do próprio Mendes.
Segundo diz Távora, Augusto Abelaira, amigo de Mendes, relatou na televisão, em
1978, uma frase que terá ouvido ao seu amigo; mas a revista Seara Nova, em Junho
de 1974, já tinha contado essa história, revelando que o poema foi rejeitado em
1935 pela censura:

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 400


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Como se sabe – e Jorge de Sena o regista na segunda das suas notas [publicadas antes desta]
–, o poema “Liberdade”, que Pessoa escreveu em Março de 1935, saiu na Seara em Setembro
de 1937. Hoje, é finalmente possível revelar-se a esse respeito o que antes de 25 de Abril era
de todo impossível.
Pelo menos desde 1932, um dos jovens amigos de café de F. Pessoa era Manuel Mendes. Foi
a ele que o poeta entregou o poema “Liberdade”, acabado de passar à máquina, para que,
se assim o entendesse, e na Seara o quisessem, lá saísse. Quiseram; mas o lápis do censor,
ante a última estância (“O mais do que isto / É Jesus Cristo, / Que não sabia nada de
finanças / Nem consta que tivesse biblioteca...”), embirrou com o terceiro verso dela: “... não
sabia nada de finanças”. Entenderia o tropa que manejava o lápis que era uma alusão a...
Salazar. Só dois anos corridos outro censor deixou passar.
É esta a história, sem dúvida edificante, de Fernando Pessoa ter sido um “seareiro”...
póstumo.
Manuel Mendes, que não viveu o bastante para pensar em escrever um livro de memórias,
falava de vez em quando das suas relações com Fernando Pessoa. Não faltará quem se
lembre muito bem dos ditos do poeta sobre o ditador, que ele fixara e repetia.
([SILVEIRA], 1974: 20) 30

Esta “Nota adicional” – ver Bibliografia – não está assinada, mas será da autoria de
Pedro da Silveira. Resumindo, Abelaira não revelou nada de novo na televisão em
1978, mas a sua intervenção foi decisiva para o arquitecto Távora terminar de
compreender o poema pessoano. Vejam-se as notas deste último:

1
A Liberdade é publicada, vida de que seja este o
com a data de 16/3/35 in original; mas se é,
Casaes Monteiro – “Antolo- onde foi encontrada a
gia de F.P.„ – Confluência – data do poema?
I – pg. 82-83 [↑da 1.ª ed.]; aí se
diz, pág. 96, que a poesia em Galhoz – ob. cit.
foi publicada na “Seara pg. 673<?> diz-se que
Nova„ – n.º 526. Na 2.ª Fdo.P. não costumava
ed. a nota vem no fim. datar os seus poemas,
Em Galhoz – “O.P. de F.P.„ quando os publicava.
3.ª ed., pág. 695 diz[↑-se] que [→ vêr aqui < > <verso>]
a Liberdade foi publ. pela Este original pertencia a
1.ª vez na Seara Nova, Camara Reis (da Seara
n.º 526, de 2/set/37 e Nova) e estava inserido
que a sua data original num caderno (marcas
é de 16/março/35; do lado esquerdo da folha)
<–––> aí, pg. 188-9 do qual o retirou o
a poesia é publicada sem M[anu]el Ferreira; toda a
data; haverá que vêr se correspondencia do Cama-
<que> na Seara foi ra Reis foi vendida por
publicada com data e M.el Ferreira ao Alberto
nesse caso tenho dú- Serpa, tendo ficado
apenas com este poema
Figs. 58 e 59. Notas sobre “Liberdade” de F.P. que depois me
(colecção Fernando Távora). vendeu.

30 Agradeço a José Barreto esta referência.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 401


Pizarro Poemas e documentos inéditos

2
Nas Poesias de F.P. (Ática), não se atribue
data à “Liberdade„; onde terá Casais Monteiro
recolhido a data?

s/ a “Liberdade„ (publicada em 1937 e não em


1938 como aí se diz) vêr – Feliciano Ramos –
“Eug. de Castro e a poesia nova„ – pg. 181-2; c.
comentário de interesse.

O apontamento a lápis, nas costas deste


“tiposcrito„ é de autoria de M[anu]el Ferreira,
o livreiro que mo vendeu, mas está erra-
do na data da Seara Nova que é 2/set e
não 11/set, segundo o atrás transcrito de
Galhoz. [→ imp. s/ a liberdade – vêr “Seara Nova„ – Julho
1974, n.º 1545 q. tenho nos recortes s/ F.P.]

Qual o sentido de “(falta uma citação de


Séneca)„ que aqui aparece e com que o
poema foi publicado, quer na “Seara” (creio)
quer nas obras completas? Faltará mesmo uma
citação ou será intencional a referência à falta?
Creio mais na 2.ª hipótese mas ignoro o sentido.
A vêr.

Haverá qualquer relação de “Liberdade„ com o


texto, anterior, de Ant[ónio] Ferro in “Teoria
da indiferença„ que diz: “Só os ignorantes, como eu,
podem fazer revelações. Jesus não sabia mate-
matica...„?

Notar que na quadra “Grande é a poesia...„


é acrescentado as antes de “crianças„ quer
na 1.ª ed. da Ática quer nas 1.ª e 2.ª da “Confluência„.
Assim nessa quadra há várias versões quanto
a vírgulas.
Parece-me que é mais correcto “crianças„ sem
as p[or]que se insere em “...crianças, flores,
música, o luar e o sol...„; pondo “as crianças„
deveria seguir-se: “as flores, a música„ Seria
assim? Em Galhoz (“obra poética„ – Aguilar), 3.ª
ed. vem, pág. 188-9, vem as crianças. Mas há
também erros, na vírgula, no verso “como
tem tempo(,) não tem pressa„ – Há que
comparar todas as versões com o meu original.

O (falta uma citação de Séneca) que se encontra no


Figs. 60 e 61. Notas sobre “Liberdade” meu original vem em Galhoz, mas não vem na Ática
(colecção Fernando Távora). nem na Confluência. Vêr no q[ue] se refere a Notas no
fim.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 402


Pizarro Poemas e documentos inéditos

3
S/ datação de poesias de F.P. vêr “F.P. –
poesia„ – col. Novos Clássicos, Livraria Agir,
organizada por Adolfo Casais Monteiro, 5.ª ed.
pg. 123.

O facto de [↑a assinatura] [d]este <texto> não ser <assinado por>


<F.P.> manuscrita mas também31 tiposcrita
não me parece de capital importância. A dactilo-
grafia parece-me de F.P. e o caso da assina-
tura tiposcrita aparece, por ex., no texto
do prefácio do Quinto Império (que tenho),
sem dúvida alguma original.

Ouvi hoje (25/Abril/1978) o Augusto Abelaira


afirmar num programa da RTP, e a propó-
sito do “dia da liberdade„, que Fernando
Pessoa afirmou a <M.el> Manuel Mendes
quando lhe entregou este poema para
publicar na Seara Nova que o verso
“que não sabia nada de finanças„ se refere
a Salazar.

4
Arnaldo Saraiva em “Fernando
Pessoa e Jorge de Sena„ (edições
ÁRVORE) refere, a pág. 23 (ao
alto) que “Sena encontraria
também32 o poema “Liberdade„.
A vêr, data, etc.

Este original figurou na Exposição


realizada quando do 1.º Congresso
Internacional de Estudos Pessoanos
(n.º 62 do Catálogo)

vêr J. de Sena – “F.P. & C.ª Heterónima33„


– 2.º vol. 75-7.

Figs. 62 e 63. Notas sobre “Liberdade”


(colecção Fernando Távora).

31 tambem ] no original.
32 tambem ] no original.
33 Heteronima ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 403


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Figs. 64 e 65. Versos das folhas numeradas 3 e 4.


Referência à “Bibliografia da literatura portuguesa”
de Massaud Moisés, e outros apontamentos riscados
(colecção Fernando Távora).

A consulta da revista Seara Nova e a realização do pretendido pelo arquitecto


Távora (“Há que comparar todas as versões com o meu original”) é hoje mais simples
e exequível. Transcreve-se a seguir o testemunho da colecção Fernando Távora
(Figs. 70 e 71), acompanhando o texto com algumas notas de rodapé (cf. Figs. 66 a
69, e 72). São significativos o “fazer.”, com ponto, do verso 4, e o “tão”,
modernizado, do verso 11:

Liberdade

(falta uma citação de Seneca)34

Ai que prazer
Não cumprir um dever,35
Ter um livro para ler
E não o fazer. 36
Ler é maçada,37
Estudar é nada.38

34 BNP (118-54r) não tem epígrafe BNP (118-55r) (falta uma citação de Seneca) ] sublinhado Távora
(falta uma citação de Seneca) Seara (falta uma citação de Séneca) ] sublinhado
35 BNP (118-54r) dever! BNP (118-55r) dever, Távora dever, Seara dever,

36 BNP (118-54r) <E esquecer> E não o fazer. BNP (118-55r) E não o fazer! Távora E não o fazer. Seara

E não o fazer!
37 BNP (118-54r) <Por que> <l>/L\er é maçada BNP (118-55r) Ler é maçada, Távora Ler é maçada,

<Estudar> Seara Ler é maçada

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 404


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O sol doura
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,39
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão40 naturalmente matinal,
Como tem tempo,41 não tem pressa.

Livros são papeis pintados com tinta.42


Estudar é uma coisa em que está indistinta43
A distinção entre nada e coisa nenhuma.44

Quanto é melhor, quando ha bruma,


Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...


Mas o melhor do mundo são crianças,45
Flores, musica, o luar, e o sol, que peca46

Só quando, em vez de criar, seca.47

O mais do que isto


É Jesus Cristo,48
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca... 49

Fernando Pessoa50

38 BNP (118-54r) <E> <e>/E\studar <não> é nada. BNP (118-55r) Estudar é nada. Távora Estudar é
nada. Seara Estudar é nada
39 BNP (118-54r) O rio corre bem ou mal BNP (118-55r) O rio corre, bem ou mal, Távora O rio corre,

bem ou mal, Seara Orio corre, bem ou mal,


40 BNP (118-54r) De tam BNP (118-55r) De tam Távora De tão Seara De tam

41 BNP (118-54r) <Tem tam pouca pressa!> Como tem tempo, BNP (118-55r) Como tem tempo

Távora Como tem tempo, Seara Como tem tempo


42 BNP (118-54r) com <letras,> tinta. BNP (118-55r) com tinta. Távora com tinta. Seara com tinta.

43 BNP (118-54r) indistincta<,> BNP (118-55r) indistinta Távora indistinta Seara indistinta

44 BNP (118-54r) A distincção entre nada e cousa nenhuma. BNP (118-55r) A distinção entre nada e

coisa nenhuma. Távora A distinção entre nada e coisa nenhuma. Seara A distinção entre nada e
coisa nenhuma.
45 BNP (118-54r) <O melhor do mundo são crianças> [↓ Mas o melhor do mundo são crianças,] BNP

(118-55r) Mas o melhor do mundo são crianças, Távora Mas o melhor do mundo são crianças, Seara
Mas o melhor do mundo são crianças,
46 BNP (118-54r) o luar e o sol que pecca BNP (118-55r) o luar, e o sol, que peca Távora o luar, e o sol,

que peca Seara o luar, e o sol, que peca


47 BNP (118-54r) secca. BNP (118-55r) seca. Távora seca. Seara seca.

48 BNP (118-54r) Christo, BNP (118-55r) Cristo, Távora Cristo, Seara Cristo,

49 BNP (118-54r) bibliotheca. BNP (118-55r) biblioteca... Távora biblioteca... Seara biblioteca...

50 BNP (118-54r) com data BNP (118-55r) com data e nome impresso Távora com nome impresso Seara com

data e nome impresso

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 405


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 66. “Liberdade” (BNP/E3, 118-54r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 406


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 67. “Liberdade” (BNP/E3, 118-54v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 407


Pizarro Poemas e documentos inéditos

<tti1• w, s!1ndn 1t §1MA1r)

Ai que pn.Nr
llo cnmq,rir - cleTitr.
'ler - llno para ler
JI lllo O f&Nr:
Ler ' m&Q&da.
Jrand&r' a4a.
O aol doura
Sem literatura.
O rio oorre. bem ou -i.
S.. ediqlo oricin&l .
JI a bri•a. •••••
De tu nahralmellte •Unal 0
Coao tem tanpo lllo te preHa.

.hàr
J.
'-
Lino• •k pape18 p1Dta4o• eom tinta.
4uthqlo ntn
OOiH em que Hti inti.tillta
nada • ooha Mnlraa.
Qu.nto, melhor. ha brma.
•perar por D. Sebutilo.
Qur 'nllha oado J

Grude , a ponia, a bOJldacle • u d&aqu •••


ira. o llllllhor 4o IIIIUl4o alo oriaaçu,
J'),orea, mll81oa. o l.uar. • o 101, que peea
s& qa&Ddo , • fts 48 oriar, aeoa.
O ma1• do qu llto .
j J'ena Orino.
Qu nlo Hbia aad& de finaaçu
•• oouta qu tift1H bibl111õ1-. ••

' UI
,,
;.

Fig. 68. “Liberdade” (BNP/E3, 118-55r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 408


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 69. “Liberdade” (BNP/E3, 118-55v). Existem duas notas:


“Quando essa typa William Shakespeare | Ia a cambalear p’ra casa”
“There is no reason to suppose that I am not worse...”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 409


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Liberdade
falta uma citação de Seneca)

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer .
Ler é ma9ads.
Estudar e nada.
O sol doura
Sem literatura.
o rio corre, bem ou mal ,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal ,
Como tem tempo, não tem pressa.
Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto ê melhor, quando ha bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não !
Grande é a poesia, a bondade e as dansas . • •
ltas o melhor do mundo são crianc;as,
Flores, musida, o luar, e o sol, que peca
só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
li Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca •.•

Fernando Pes11oa

Fig. 70. “Liberdade” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 410


Pizarro Poemas e documentos inéditos

t /.

..
.....

Fig. 71. “Liberdade” (colecção Fernando Távora).


Na margem superior lê-se: “Seara Nova, n.º 526, 11 de Setembro de 1937”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 411


Pizarro Poemas e documentos inéditos

SEARA NOVA 4-27

UM INÉDITO DE FERNANDO PESSOA

LIBERDADE
(/alta uma citação de Séneca)

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o faze r 1
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura .
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tam naturalmente matin-al,
Como tem tempo n?-o tem pressa.

Livros são papéis pintados com tinta.


Es t udar é uma coisa em que está .indistinta
A distinção entre nada e co.isa nenhuma .

Quanto é melhor, quando há bruma,


Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças ...


Mas ·o melhor do mundo são crianças,
Flores, música , o lua r , e o sol, que peca
Só qua n do, em vez de criar, seca.

O mais do que isto


É Jesus Cristo,
Que não sabia n ada de fiifanças
Nem consta que tivesse biblioteca ...

16-3-1 935

F E R N A N D O P E S S O A

Fig. 72. “Liberdade” (Seara Nova).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 412


Pizarro Poemas e documentos inéditos
VIII. “Hora absurda” [Lote 12]

O arquitecto Fernando Tãvora adquiriu o testemunho dactilografado de “Hora


absurda” que pertenceu a Alfredo Guisado, e que terá sido utilizado para preparar
a publicação do poema na Revista Mensal de Arte, Lettras e Sciencias, Exilio, em Abril
de 1916. Finalmente, a separação tipográfica das páginas está indicada (ver Figs.
78, 80 e 82) e as diferenças entre o texto dactilografado e o impresso (Figs. 86 a 90),
assinaladas apenas em notas de rodapé, são mínimas. Mas antes de rever o poema,
vejam-se as notas do arquitecto, as quais revelam o seu profundo conhecimento da
bibliografia activa e passiva pessoana. Távora inclui entre as referências o longo
ensaio introdutório de Luigi Panarese, a sua antologia Poesie (Milão: Lerici Editori,
1967) e o Dicionário de Literatura (Porto: Livraria Figueirinhas, 1969), com direcção
de Jacinto do Prado Coelho, que teve muitas reimpressões e reedições.

1
Ref. int. à Hora Absurda s/ a “Hora Absurda„ e seu
in Joel Serrão – “Cartas significado na poética
de F.P. a A. Côrtes Rodrigues„ de F.P., relações com o
– pag. 10; Aliete Galhoz – “Obra Paulismo, etc – vêr Georg
poética„ – 3.ª ed. pg 682, n.º Rudolf Lind – “Teoria
[56] – c. interesse. Poética de F.P. – ed. Inova51,
pg. 22 e stes<,> <vêr págs.>
Publicada, pela 1.ª vez, na <128, 223, 326.>
revista “Exílio„, dirigida por
A. Santa Rita, Pedro de Anexo a este original de
Menezes (Alf. Guisado), A. F.P. um “fac-símile„ da
Ferro e Côrtes52 Rodrigues, parte final do poema
razão pela qual se encontra- “Hora Absurda„ que veio
va este original nas mãos da casa de Alf. Guisa-
de Alf. Guisado, de onde do por intermédio do Sr.
veio recentemente. Ernesto Martins, da “Bibloar-
te„. Foi-me dado pelo
Sobre o facto acima e s/ a M.el Ferreira, em 8/VIII/72.
“Hora Absurda„ – J.G. Simões – Trata-se de uma prova
“Vida e obra de F.P.„ – II, 70, 71, e falta-me saber onde foi
74, e ainda I – 179, 192, publicado este “fac-símile„53

Não esquecer o título do


livro de Mário Sacramento –
“F.P. – poeta da hora absurda„

Figs. 73 e 74. Notas sobre “Hora absurda”


(colecção Fernando Távora).

51 Cortes ] aqui, e na terceira linha, sem acento.


52 inova ] no original.
53 fac-simile ] aqui, e no início do parágrafo, sem acento.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 413


Pizarro Poemas e documentos inéditos
2
s/ a publ. de Hora Absurda ao interseccionismo impres-
na rev. Exílio – vêr José sionista de “Chuva Oblíqua„
Galvão – “Fontes impressas
da obra de F.P.„ – p. 34. Uma personagem de “Hora
A data é: 4/Julho/ Absurda„ é descrita na aber-
1913; faz-se aí referência tura de <“Hora absur> “F.P.,
Ao “magnífico poema„. poeta da Hora Absurda„
por Mário Sacramento.
ref. à Hora Absurda – Pana-
rese – “F.P. - Poesie„ – Descrição bibl. da rev.
pg. LXXXII Exilio onde foi publicada
a “Hora Absurda„ – in,
ref. à “Hora Absurda„ in “Dic. Mel Ferreira – catálogo54
de literatura„ – 655 - B n.º 3 – n.º 893.
820 - A e 1030 - B
s/ a “Hora Absurda„, o “Exilio„
ref. à Hora Absurda, int. e o momento da sua publi-
J. Gaspar Simões – “V. e O. de ção vêr [↑ na] edição facsi-
F.P.„ – 2.ª ed. pg. 383, 195, milada do “Exílio„ (edição
da Contexto), o artigo intro-
publicada no “Exilio„ dutório de Teresa Almeida.
juntamente c. um artigo
sobre o “sensacionismo„. Estes originais figuraram na
“do simbolismo decadentis- Exposição realizada duran-
ta e desconexo de Hora Absurda. te o 1.º Congresso de Estudos
Pessoanos (n.º 55 do Catálogo)

3
“Paúlista é também a bela
Hora Absurda...„ – Ant. Quadros –
“Fernando Pessoa – Iniciação global à
obra„ – 2.º vol. pg 52

Este original figurou na Exposição


realizada na Fac. de Letras da Univer-
sidade do Porto em Dezº 1985

Figs. 75, 76 e 77. Notas sobre “Hora absurda”


(colecção Fernando Távora).

54 catalogo ] sem acento.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 414


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Segue-se a transcrição do poema conservado na colecção Fernando Távora e
que as notas anteriores introduzem bem:

HORA ABSURDA

O teu silencio é uma nau com todas as velas pandas...


Brandas, as brisas brincam nas flammulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silencio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso...

Meu coração é uma amphora que cahe e que se parte...


O teu silencio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéa de ti é um cadaver que o mar traz á praia..., e emtanto
Tu és a tela irreal em que érro em côr a minha arte...55

Abre todas as portas e que o vento varra a idéa


Que temos de que um fumo perfuma de ocio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida pla56 maré cheia,
E a minha idéa de te sonhar uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá-fóra... É em mim... Sou a Hora,


E a Hora é de assombros e toda ella escombros d’ella...
Na minha attenção ha uma viuva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma unica estrella...

Hoje o céu é pesado como a idéa de nunca chegar a um porto...


A chuva miuda é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquér57 cousa como leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,


Minhas ansias58 todas talhadas num marmore que não ha,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alégro,
E a minha bondade inversa não é nem bôa nem má...

Os feixes dos lictores abriram-se á beira dos caminhos...


Os pendões das victorias medievaes nem chegaram ás cruzadas...
Puzeram in-folios uteis entre as pedras das barricadas...
E a herva cresceu nas vias-ferreas com viços damninhos...

Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!...


Na praia só um cabo morto e uns restos de vela fallam
Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquella angustia de sonhar mais que até para si calam...

55 Távora arte... Exílio arte ..


56 Távora pla... Exílio p’la
57 Távora qualquér Exílio qualquer

58 Távora ansias Exílio ancias

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 415


Pizarro Poemas e documentos inéditos

O palacio está em ruinas... Dóe ver no parque o abandono


Da fonte sem repuxo... Ninguem ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquelle logar-outomno...
Esta paysagem é um manuscripto com a phrase mais bella cortada...59

A doida partiu todos os candelabros glabros,


Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquella luz que não mais haverá nos candelabros...
E que querem ao lago aziago minhas ansias60 brisas fortuitas...

Porque me afflijo e me enfermo?... Deitam-se nuas ao luar


Todas as nymphas... Veiu o sol e já tinham partido...
O teu silencio que me embala e a idéa de naufragar,
E a idéa de a tua voz soar a lyra d’um Apollo fingido...

Já não ha caudas de pavões todas olhos nos jardins de outr’ora...


As proprias sombras estão mais tristes... Ainda
Ha rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que echo de passos pela alameda que eis finda...

Todos os occasos fundiram-se na minha alma...


As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Seccou em61 teu olhar a idéa de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios...

Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas


Passou uma saudade de não serem o mar... Em frente
Ao meu throno de alheamento ha gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lampada que se apagou e ainda esta quente...

Ah, e o teu silencio é um perfil de pincaro ao sol!


Todas as princezas sentiram o seio opprimido...
Da ultima janella do castello só um girasol
Se vê, e o sonhar que ha outros põe brumas no nosso sentido...

Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...


Repique de sinos para além, no Outro Valle... Perto?...
Arde o collegio e uma creança ficou fechada na aula...
Porque não ha de ser o Norte o Sul?... O que está descoberto?...

E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te


E o teu silencio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Ha coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéa sabe á lembrança de um sabor de medonho...

59 No testemunho Távora há uma linha riscada: <A doida partiu todos os candelabros glabros,>
60 Em ambos os testemunhos, “ansias”, com dois “s”.
61 No testemunho Távora há uma substituição: no [← em]

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 416


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdel-o?...
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silencio e um leque –
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão bello, tão bello
Mas mais bello é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...


Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma cathedral de silencios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem principio mas com fim...

Alguem vae entrar pala porta... Sente-se o ar sorrir...


Tecedeiras viuvas, gosam as mortalhas de virgens que tecem... 62
Ah, o teu tedio e a estatua de uma mulher que ha de vir,
O perfume que os crysantemos teriam, se o tivessem...

É preciso destruir o proposito de todas as pontes,


Vestir de alheamento as paysagens de todas as terras,
Endireitar á força a curva dos horisontes,
E gemer por ter de viver, como um ruido brusco de serras...

Ha tão pouca gente que ame as paysagens que não existem!...


Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã – como nos desalégra!...
Que o meu ouvir o teu silencio não seja nuvens que attristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tedio, auréola negra...

Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...


Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciencia de ter consciencia de ti é um prece,
E o meu saber- te a sorrir é uma flôr murcha a meu peito...

Ah, se fôssemos duas figuras num longinquo vitral!...


Ah, se fôssemos as duas côres de uma bandeira de gloria!...
Estatua acéphala posta a um canto, poeirenta pia baptismal,
Pendão de vencidos tendo escripto ao centro este lemma – Victoria!

O que é que me tortura?... Se até a tua face calma


Sé me enche de tedios e de opios de ocios medonhos!...
Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua propria alma...
Eu fui amado em effigie num paiz para além dos sonhos...

Lisboa, 4 de Julho de 1913.

62 Távora tecem... Exílio tecem..

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 417


Pizarro Poemas e documentos inéditos

HORA ABSURDA

O teu silencio 9 UC18 nau com todas as veles pande e . . .


~rendes as brieae brinca- na & :1accu.lae, teu eorrieo .. .
E o teu'eorrieo no teu silencio é ao escadas as ondae
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer e peraiso . ..
!!en coroç!lo é u.ma amphora que cahe e q1ie se parto • ..
O teu si!encio re9olhe - o e guarda - o, partido
~inha id~a de ti e u:n cadaver que o mar traz , a,~ prai um canto . • .
a •• • , e
emtanto
Tu Ó3 a tela irreal em qu.e érro em côr a minha arte . . ,
Abre toJao as portao e qu~ o vento varra a iàéa
~u.e te mos d~ que um fumo perf uaia de ocío,oe sal0es . . .
~ inha alma e uma cave rna enchido pla cara cheia,
: a oinh!l idéa de te sonhar 0.'118 caravana de btetr i~ ee ...
Chove ouro baço, r.iHS não no lá-fóra •. . t o:: mim.. . Sou e
: a Hora é de osso~ bros e toda ella eacomb ttoro,
roe
Na minha ottenção hn u.,na víuvl\ pobre que nunca d chora
' ella •..
.No meu cé u inte ríor nunca hou.vo um.a u.nica es t:cell.1 . . ... .
Ho,e o céu é l)<!Sado como a idéa de nunca chegar
A chuva miuda é vazia .•. A lioro sabe a ter sii\o, a•. um porto . ..
Nilo hav e r qualquér cousa como leitos per a as
~m se alhear de si, teu olhar é noo praga aernnaus! . . . Abso rto
sentido ..•
Todas ao cin.b.!le hor uo s l c faitae J o jao po negro,
t~inbas eneiae todas talhadas nu.:nlõl8r::::oreque nõo ha,
N~o é alegrj~ ne~ dor eotfl dor , coQ qu~ me a1ée r o ,
E a o~llha bonda~e inversa não e nom boa nem mo, ••
Oa feix e s doe licto1 os obrira ~- se á beira dos caoin1'loe •.
Os pend~es das victor ia e o edi ovae e neo chegara .
m ác c r uzad a c ...
Puzera~ in - folic s ut e ie er tT J as pedras das barricad as • . •
E a herva cresceu nas vi ae -f e rrea s cctn vi çoe damni nhos
..•
Ah, como ef}ta hora é velha! .. , : todas ao naus partira!'.!\! ...
Na praia ao um cabo morto e uns reatos de vela fallam
Do Longo , das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquella angustia de eon!lar maia que até Pl ra ai calam • .•
O palacio está em ruina.e •• • • óe ver no
Da fonte sem re ouxo . • . .Ninguem ergue o p~rque o abandono
olbür da
oente aaudad~e de ei ante aquelle logar-outomno estrada
••.
Esta payeagem e um n~nu.ec ri ~to com a ohrAee maia bella
rortada ., ,
• ieiia • •••• to ' ot oe oanJe~ae2oa e~•i•,..,

Fig. 78. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 418


Pizarro Poemas e documentos inéditos

r-~-...--.----,
,.....

n ::D .r'lJ'lo!te ne~"


~l'l1 aael~d e~ ,ae~~ 'l
u J on ocl,To1 v :t n
olBm o. l~ em oup moo
o ~o O'> JJ •
l?n 'l oeJ"
.>.t e' Ll l3ll 11
A
'100 8 O'X'lO li~ 8 •o.,'l'll MI J • oT
'

' 1 ..,ad ~':tllO 11'10 I'.)


. eli o 'XCH
o n 1,1 o1,-1 7.
't~l'll L v

... e - 1..,,:.l:'l
t:' nr V !.
r'l L oq e.e e-: ...,e.
...o:: AR "1'11J'l-

, , , 1 8"l' t:h BUa:t O.li U .bo;t : 1


V 8 B'l Ort RJ~ OmOO , dA
n! I ai alvv ab eo:t EC'l Btltl e o:t'lom o'Do u on nle'Iq si
T .[J ot!ItOB DOllOOn tJO e fulo ofl ,LDB ob ao'loé oab 1 e3nol o:
.• • Cla.CB:t ! li'l 87 Q~ 01'1p Hl 'l liAtIO o e ó n.t J Bl ,:rn a!C e11p A

ono.u: da o ~up'l q on 'lOY oà « ••• aunlw'l cb àJoo ol oa!sq O


r,b :ta& HL "Idd!o o ODlfU Ei.LBlJ r. .•. o: e:: e;tnol n:r
. . · "" n:.un - 'lQIOI er!o1riio o;tno ~e o 11n11to:tnec :-'
J"'º" a !ed !ili AAl''fdn n r o~ o:tr ·ly SJne- 1 •asoieq .11:tc:::.
~{-g-~feúnz; ao •Uel, •

JJ..,(,.c.4,,,. .... '~ t ...·J•-k>


Fig. 79. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).
Na margem inferior lê-se: “pertenceu a Alfr[edo] Guisado”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 419


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Hora Absur~a - 2

A doida partiu to1oe os cand e labros gl ab~oe,


Sujou de humano, o lago com cartas rasg~daa , mui~As .• •
E a minha alma e aque11A luz quft não mAi e havera n~o
candel abr oe . . .
E que que rem AO lago a ; ing o ~inh Q an~ 1ne , brisas f nrtui tAR? • .•
0

J>orqu e me affl1jo e ma en.fermo, ... , Deititm- se nuas ao J.uax


TodAP an nymph811. .. veiu o eo! e Ja,tl.11Jl8m partido ...
O teu silencio que me emoala e a idea de na.dragar,
E a 1déa de a tua voz soar a lyra d ' lllll Apollo f1J181.do•..
.;á não .na caudas de pavões todae olnos nos ja rd ine de outr ' o::ra• .
A~ proprias sombras estão mais triatee ••• Ainda
Ha rastos do vestes de aias (parece) no cnão, e ainda chora
um como que acho de passos pala alameda que e1e finda . .•
Todos os occaeoe fundiram-a~ na minha alma , .•
Ae r el wae de todos os prados toram frescas sob meus pés frios • .
/em Sa ccou ~P teu olhar a idér ~e tJ julgares calC18,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios •..
Ergueram-se a um tempo todos os remos, .• Pelo ouro dae searas
Passou u::ia saudade de n~o sere~ o mar ••• Em frente
Ao meu tnrono de alheamento na gestos com pedras rarse • .•
...__Minha alma é uma lampada que se apagou e ainda está quente . . .
Ah, e o teu silencio é um perfil de pincaro ao sol!
Todas ae prin cezae sentiram o seio opprimido •.•
Da u}ti ma jaMlla do caetel l o eó 11!:l giraeol
Sa ve, e o sonnar que ba outros põe brumas no noeeo sentido . . ,
Sarmoe, a não sermos ciai~! ••. 6 leõe3 nai c1dos na jaula ! • . .
Repiqu e de e1noe para al em, no Outro Val le •• . Per t o? . . .
Arde o collegio e Ulr8 creança ficou fechada na aula • ..
Porque nã o na de ser o Norte o Sul? • .. O que está descob erto? . . ,
E eu deli r o •. , De repente pauso no que penoo . •. Pito - te
E o teu silencio é um.o cegueira minha ..• Fito-to e sonho •. .
H3 coisas rubras a cobras no modo como medito - te,
E a tua idáa sabe é lembrança de um sabor de medonho . . .
Para que nã o ter por ti de spr az o'? Porque nilo :e9rdel - o? .. .
Ah, doixa que eu 'te ignore ..• O t e u silencio e um lsgue -
Um leque te cha d9, uo loque que abarto seria tào bel lo,t úO bello,
?.!as mais bello e não o abrir, para que a Hora não peque •.•
Gelaram todas ae màos cruzadas sobre todos os peitos . ..
Murcharam maia ,!lor,;ie do que as quo havia no jardim •.•
O meu amar-t e e uma cathedral de eilencioe eleitos,
E os m~us sonhos uma escada sem princi pJo mas com fim •• •

Fig. 80. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 420


Pizarro Poemas e documentos inéditos

d '10

. 111n·nfllr"' r
0,.:11 bits- ao 11 :t"'ª"'afllofi ,
, . •8 t .t "" , 111
""''P"' ... rlR:t LIO moo 088
o-Ca nao ~ur arrnu ,' . lllDD.def> uo ~ua
J!o Al.l!nlm G r
~no S'IOV~ ~,
·r fnao
tku:'1' 1'14Bl"fd , on~~~a ft 1-,t o~a! nR me'1AUo e.ap !

• ur 01• ••RUn nr - i,A.t.t1 • .. \OC!'Ie?ne III o o~tr,,a cn eup"Io'l


. . . o!:l.t:illQ cl!t1lld ' r "'ll ,. i,1e, .. . 1truh 11l:ª n ., floT
, '1113'5'1?.uan ol : -
1..arao e
ca vup 0.u.1 ..,o!lp :1,e:t O
..• ob.q;n.c1 oHoqA co ' lt nt! o '1 o aov &J:t e efl o<.-!J.ts

10' .iJ;ic, eonio oabo:t e Ov.cc;iub càlw(;!) tl.11 ol!l! iit.


ó enl.l>u1'; &Oll
af:li.tA •.• co:tol'I:t ezam o :te aai-dcoa ool"Iqo:i~ ~A
? .11 o.ta e , oSlto on (e~eq) a.t eb ae:teev ob eo:te8'1 8E
.. . af:nt? ale e.up nflacain r aot~aq ob odoo enp omoo cu

..• a::i•c cdl'.t ~- c-tibtw1 aoenooo eo coLoT


c:toc caoeo-rl eof: o~:t eb a owiti'l cA
, ar.' Irt • ~· l!Uo U&:t oh
D00010
Ylltl J me o~a.t YOY ae g

![ce oo o:iaonlq eb IllT q i:w ' o.ton~!lo uo: o


... obl l"Ilqo ol~ft o "Ilfnee ec~eonnq ao
ro · a-r~ CJJ Õo orr •,ao ofl o! a: Bcl A -

.. . c,t, :t, e oo on oa ccmu"Id eõq oOY:tvo ,n eup ,oruioe o e , ev ce


. ' r~ •t en nof:1?6M cooet ..• ,l&i ooo,:e11 oAn , eoar.rea
. .. :. 't ... e rav o,::tvO •e 8"l eonla et e.11p.t,eH
. . . nI~a w af;art,o'l vo:,l' .- 'lo r..::w • o.tae!foo o etrlL
. . cl'l .... oL .:t110 cur O • . <'.!u8 <' eh'> o -roe et, e.rt ol:ft eop"Icq

1-o:Tll!f • •• oonoq eap on oot1l>Q :taoqO"I , &C ••. o'Il.!ob 111;::;


.. . of o o o:t-c:t.tll! ... m!al1:1 a"Ilewe .toneíl!l l!e:t o
,e:t - o:t!frca ocoo 0600 on o, nd-"l aeetoo cF
.. . onnoboc e;fl ,oc:t'-8 .:w 116 c.>nst rce aeC,.t WJ:t o •
Ot!p 1!'1t.°i
. .. - r f::t oisn cwr,'lo'I ,·oa -i ,ct. U -XQ~ -i e: ,.lín xl t,.f. ,t!J.
up I u é o.tonel.te 11,J O .. . o'l l u » wu.,
LJ,ç!Ittu ~..: i4'18U ot-icJn w~r e~r l .~L.ru10~, oa.,, .I mu
. • . eup~q o~ B"loH e <lDp an:E.;; ,-rhd o oflt: o o.!!e.:I e.t a:i ce?.l

. . . ectt i co eof.o:t o-idoe eoie~c1? ~o..:, ee onbo:t mn'IaI&-0


••• lL-x1.<i on lll:vBli u,r cs 011 ainon , e.t~ lllC'll311o·ui~
eo.:l.tcre ~o.toaoI.ta b !nt J cr.11o et - ~ m ue= O
oo o•-:: o 7br h:;i r.:es ef: o SillC 110.rtnoo [.itr ro w

Fig. 81. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 421


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Hora Aba urda - 3

Algu em vae entrar p3la porta •. . ~onte - se o ar sorri r .. .


Te cedeiras viuvas gosam as mortalhas de virgens que tece~ .. .
Ah, o teu tedio á a estntua de uma mul her que ha de vi r ,
O perfume que os cryaantemoa teriam , se o tiveaae m•.•
preciso destrui r o pro posi t o de todas as pontes,
Vdstir de a!beamento as paysagens de ~odas as terras,
Endireitar a força a curva dos horisont e s ,
E gemer po r ter de viver, como wn ruido brusco de ser.ras • . •
Ha tão pouca gente que a me ae payaagena que não existem ! . . .
Saber que conti nuara a haver o mesmo!Dlndo amanhã - como nos
desal ágra ! . .•

-
Cue o ~eu ouvir o teu silencio não s e ja nuvens que attristom
O teu so rri so, anjo ex ilado, e o t e u tedio , aure ola negra •..
Suave, como t er mãe e irmãs , a tarde rici. desce .. .
Não chove já, e o va et3 céu;= gr and e sorr iso i mperfe:to • . .
A minha c :msciencia de t ár conscienci a de ~i ; um prece ,
E o meu saber- +e a sorrir é uma flÔr murcha a meu peito . . .
/-
Ah, se fôsse mos duas figuras num longin quo vitral ! . ..
Ah, e-e rôs seoos as dtnn!"': êTe a à3 ui:r:a bande"1.ra de gl oria ; . . . -;.
Est atu a acéphala poe ta a um ca nt o , pod irent a pia baptional,
Pendão de vencidos t endo asc ±i pt o ao centro este le mt:lfl-
Vi.e~!
O qu~ é que me t ortura? . . . Se at& a tun face cal ma
SÓ me encne de t.;d ioa e de opioa de oc1o a medonncs! . . .
Nã o se i. .. Eu sou u1:1do id o que õatra nha a sua pr opr1a alma .. .
Eu fu 1 a~ado em effig i e num poiz para al ém dos sonhos •• .

Lisboa, 4 de Ju ilh.o de 1913 .

,..

Fig. 82. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 422


Pizarro Poemas e documentos inéditos

. . . 'Il"J.-xoe-xo o,~ - ~no~ . .. ta& OIW l!I uarA


":> 1 t•p en&~-xh f- o~.é!il:t'to rilv oe<-xJei;eo •
, TlV f SJ! .t. p 'Iod!U ~11 Hl&:t 110:t O ,!!lc
.•• r&ll evl.1 o R 1 11.t-r cur fllllll'h

........,. c,::r.:ii a ae.,o:t c.L ·tl.u ,o.to


,de-r1t,:t ca ral•boJ el.l nt e o:tno:.:. t -rl: · v
o .,;tn'l8l'l ~t! e 'I • ~~Sle'J.1Ln2
't Í/ oJ
1
d O l11'I 11 Q vlv t:t T ,.t • l 'lC.OB

txc ofn LI rn98C• '(Sq 08 oup t:tBúB BODOq on: cH


rn - lrln e oLtti.C!ooer,c o i:&v ,r.r~unUnoo 011p 'l dae
• •• t e'tft; raoeb
l'n r:líl Vl!ll BtL O ti ,t')Z, f 1 J o ·.dvuo S.Jí't• ., eu
r, ' 1 tbe.t u ! o f.n , o~h'J.O[ uo:t O

ººv..irt'o
,uv,wa
o· ií
.. . .t
ct!nl.J A.
u - e, •

li., !l ') lJ:)L 'J. I 11.f l •1 l <, , , , (' 'Ul+'I ;t ll~ ' t.JJ,) f'J
. '">~no!, ,~ ub ll<'l ,o &b olL-t e,[ l· n r ll ÕZ
._ l"I ''J. 1 l. •:i n-r:taú 11, o 10L i;,1, .uoa 11: .. . t·oll
• • . r: \nrg 130 ~n1 ~10.. ~un el~l,,é ~a ou 1.o'l .D~

Fig. 83. “Hora absurda” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “pertenceu a Alfr[edo] Guisado”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 423


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Ah, se fôssemos duas figuras no.m.longinquo vitral!, ..


Ah, se rôsseraos as du.aa dÔTes de ums bande1ra de gloria!, ••
Estatu.a acéphala posta a o.m.canto, poeirenta pia baptiamal,
rendão de vencidos tendo escttpto ao c,ntro este lemma -
Jictoriat
O que é que me tortura?, •• Se até a tua face calma
SÓ me encJle de tedioa e de opios de oc101 mEldonnoe!•.•
Ião sei ••• Eu sou um doido que estranha, eua propr1a alma •••
Eu fui audo em effigie num pa1g p.ara alem doe eonhoe •••

tieboe, 4 de Juhho de 191~.

..
\
.
,
.:

....

...
.

.......
i .

,,....
...

Figs. 84 e 85. Parte final de “Hora absurda”


(cf. Lote 14: prova tipográfica, zincogravura, das duas últimas quadras de “Hora Absurda„)
(colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 424


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 86. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 425


Pizarro Poemas e documentos inéditos

HORA ABSURDA

O teu silencio é uma nau com codas as "elas pandas .. .


Brandas, as brisas brincam nas flammulas, teu sorriso . . .
E o teu sorriso no teu silencio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso ...

Meu coração é uma amphora que cabe e .que se pane ...


O reu silencio tecolbe-o e guarda -o. partido, a um canta ...
Minha idéa de ti é um cadavcr que o mar traz á praia .. . , e emtaoto
Tu és a tela irreal em que érro em côr a minha arte

Abre todas as portas e que o vento varra a id,!a


Que temos de que um fumo perfumo de o cio os salões . ..
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cbeia1
E a minha idéa de te sonhar uma caravana de bistrióes ...

Chove ouro baço, mas não no lá-fóra .•. É etl'l mim ... Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ella escombros d'ella .. .
Na minha auençáo ba uma viuva pobre que nunca chora .
No meu céu interior nunca houve uma unice estrella . ..

Hoje o céu ,! pesado como a idéa de nunca chegar a um porto ...


A chuva rniuda é vazia ... A Hora sabe a ter sido ...
Não haver qualquer cousa como leitos para as naus! ... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido .. .

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,


Minhas ancias todas talhadas num marmore que não ha,
Não é alegria nem dor esta dor com que me a légro,
E a minha bondade inversa nlio é nem bôa nem má ...


Fig. 87. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 13).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 426


Pizarro Poemas e documentos inéditos

EXILIÓ

Os ícixes dos lictores abriram-se á beirã dos caminhos ...


'os pendões das victorias medievaes nem chegaram ás cruzadas ...
Puzeram in-folios uteis ent re as pedras das barricadas .. .
E a herva c-resceu nas vias-ferreas com viços damninhos . •.

Ah, como esta hora é velha! ... E iodas as naus partiram!. ..


Na praia só um cabo morto e uns restos de vela íallam
Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
AqueUa angustia de sonhar mais que até para si calam ...

O palacio está em ruínas ... Dóe ver no parque o abandono


Da fonte sem repuxo ... Ninguem ergue o olha r da estrada
E sente saudades de si ante aquelle"logar-omomno ...
Esta paysagem é um manuscripto com a phrasc mnis bclla cortada ...

A doida partiu todos os candelabros glabros,


Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas.
E a minha alma é aquella luz que não mais haverá nos candelabro s....
E que querem ao lado aziago minqas ansias, brisas fortuitas? ...

Porque me afflijo e me enfermo? ... Deitam-se nuas ao luar


Todas as nymphas ... Veiu o sol e já tinham partido ...
O teu silencio que me embala é a idéa de naufragar,
E a idéa de a tua voz soar a lyra d'um Apollo fingido...

Já não ha caudas de pavões todas olhos nos jardins de outr'ora ...


As proprias sombras es1lio mais tristes .. . Ainda
Ha rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que echo de passos pela alameda que eis finda . ..

Todos os occasos fundiram-se na minha alma ...


As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios
Seccou em teu olhar a idéa de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios ...

Ergu eram-se a um tempo todos os remos . .. Pelo ouro das searas


Passou uma saudado de não serem o mar .. Em frente
Ao meu throno de nlbeamcnto ha gestos com pedras raras . ..
Minha alma é uma lampada que se apagou e ainda está quente.· .:

Fig. 88. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 14).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 427


Pizarro Poemas e documentos inéditos

EXIL IO 15

Ah, e o 1eu silencio é um perfil de pincaro ao sol !


T odas as princezas sentirem o seio opprimido ...
Da ultim a janella do castello só um girasol
S e vê, e o so nhar que ha outros põe bruma s no nosso sentido .. .

Sermos, e não sermos mais! ... Ó leões nascido s na jaula!..,


Repique de sinos para além, no Outro Valie . .. Perto? ...
Arde o collegio e uma crcança ficou fechada na aula,,. t
Porqu e não ha de ser o Norte o Sul? . .. O que está descobe rto? . ..

E eu deliro ... De repente pauso no que penso ... Firo-te


E o teu silencio é uma cegueira m'nha ... Fi10-1ee sonho ...
Ha coisas rubra s e cobras no modo como medira-te,
E a tua idéa sabe á lembrança o.leum sabor de medonho . ..

Para que não 1er por ri desprezo? Porqu e não perdei-o? ...
Ah, deixa que eu te ignore ... O teu silencio é um leque-
Um leque fechado, um leque. que aberto seria tão bello, tão bello,
Mas mais bello é não o abrir, para que a Hora ~ão peque . . .

Gelaram todas as mãos cruza das sobre 10dos os peitos . . .


Murcharam mais flores do que as que ha via no jardim .. .
O meu amar-te é uma cath edral de silencias eleitos, •
E os meus sonh os uma escada sem principio mas com fim...

Alguem vae entrar pela porta . . . Sen1e-se o ar sorrir . . .


T ecedeiras viuvas gosam as mortalhas de virgens que tecem ..
Ah, o teu 1edio é uma estatua de uma mulher que ha de vir,
O perfume que os crysantemos teriam, se o tivessem ...

É preciso desrruir o proposito de todas as ponres,


Vestir de alheamento as paysagens de rodas as terras,
Endir eitar á força a cun •a do$ horisont es,
E gemer por ter de viver, como um ruido brusco de serras ...

Ha ião pouca gente que ame as paysagens que não existem! , ..


Saber que continuará a haver o mosmo mundo amanhã-como nos desalégra! . ..
Que o meu ouvir o 1eu silencio não seja nuvens que auris1em
O 1eu sorriso, anjo exilado, e o teu tedio, auréo la negra ...

,,
Fig. 89. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 15).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 428


Pizarro Poemas e documentos inéditos

EXILIO

Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce ...


Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito . . .
A minha consciencio de ter consciencia de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma fiôr murcha a meu peito . ..

Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral J. ..


Ah, se fôssemos as duas cõres de uma bandeira de gloria!. ..
Estarua acépbala posta a um can10, poeirenta pia baptismal,
Pendão de vencidos tendo escripto ao c~atro este lemma - 'Victoria I

O que é que me tortura? ... Se até a tua face calma


Só me enche de tcdios e de opios de ocios medonhos! . . .
Não sei . .. Eu sou um doido que estranha a sua prepria alma . . .
Eu foi amado em effigie num paiz para além dos sonhos ...

Lisboa, 4 de Julho de 1913.

Fig. 90. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 16).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 429


Pizarro Poemas e documentos inéditos
IX. “Sol nullo dos dias vãos” [Lote 39.2]

Deste poema existem dois testemunhos dactilografados, identificados com as cotas


BNP/E3, 117-3063 e 117-31, e três testemunhos impressos: dois, com título (“Canção”),
encontram-se, respetivamente, na revista Ilustração Portuguesa, n.º 832, de Janeiro
de 1922, e no livro colectivo Cancioneiro (1930); e outro, sem título, está incluído na
sequência de “Alguns poemas” da revista Athena, n.º 3, de Dezembro de 1924. O
texto publicado em Cancioneiro é idêntico ao da Athena. Desconhecia-se a versão
manuscrita que se encontra na colecção Távora e que, para além de indicar o ano
de “1920”, tal como o testemunho da Ilustração Portuguesa, indica o mês de Janeiro.
Essa versão também reforça as opções ortográficas do autor, nem sempre
adoptadas nas publicações impressas.

t;AIIÇAO

Sol nullo doa dlaa doa, Bol nullo dos <liao vã.o s.

Chelee de lida e de oalaa, Che i os je lida e de oalta .

Aquece ao menos as aios Aquece a.o me11oa as rrãos

A que11 nlo entras na ala! .1\ queia não entraa ?1L1, al.wa.

~ue ao menos a m!o, rogando Q.ue ao menos a 1.iio, roçando

A mão que por ella passe~ .~ •..ão que por ella paa1>e .
Co11 externo calor brando Com externo oa.:ôr brando

O trio da alma dietaroe! O :frio da alma di 13fa.rce 1

Senhor 1 J~ que a dor é noeea Senhor , Já que 3 rlÔr é n~ooa


B a fraqueza que ella tem. .E a t'raqurea que ella tei. ,
Dá-no• ao menos a torqa Dá - nos ao 1,enoe a :fÔrça
De a não mostrar a nlnguem! De a não 1.oatrar a nincuei.a l

Figs. 91 e 92. “Sol nullo...” (BNP/E3, 117-30r e 117-31r; pormenores).

Como se pode ver, os testemunhos preservados no espólio pessoano são quase


idênticos: o v. 4 termina com ponto de exclamação em 30r e com ponto final em 31r,
e neste último há acentos circunflexos não presentes no primeiro (“calôr”, “dôr”,
“fôrça”). É difícil estabelecer qual esteve na base da publicação na Ilustração
Portuguesa (1922) e qual na da Athena (1924).

63 BNP/E3, 117-30a é uma cópia a químico de BNP/E3, 117-30.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 430


Pizarro Poemas e documentos inéditos

CANÇÃO
Sol nullo dos dias vãos,
S OL nulo dos dias vàus.
Cheio$ de lida e dt• calma,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
Aqnt•ct· ao 111c11ns
as 111;\0s
A 411cmmlo entras na ulma! A quem não entras na alma!
Que ao meno$ rmlo, roçando
A mAo que por ela passé, Que ao menos a mão, roçando
Com externo calor hramlo A mão que por efla passe,
O frio da alnw disforcc! Com externo calor brando
S4;nhor,j:í que a dõr t' 11oss,1
O frio da alma disfarce 1
E a fraq11e1.aque l'la t~m.
D,i-11osao nM10, " [orça Senhor, ;á que a dor é nossa
De a não nmstrnr a ningucm! E a fraqueza que eHa tem,
9~0
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguem !
Figs. 93 e 94. “Sol nullo...” (Ilustração Portugueza; Athena).

E ainda existe, assinado, mas sem data, o que foi publicado em Cancioneiro (1930),
um impresso que o arquitecto Távora tinha na sua colecção. Numa das suas notas,
o arquitecto esclarece:

Este “Cancioneiro, o “catálogo do I Salão dos Independentes„ e o “Manifesto do I Salão dos


Independentes„ por António Pedro formam um conjunto [...] Do Cancioneiro [Eduardo
Antunes] diz ser “de reduzidissima tiragem„; do Catálogo diz “raríssimo de aparecer„ e do
conjunto diz ser “rarissimo aparecer no mercado„. Falta-me o “Manifesto„.

Assim figura em Cancioneiro (1930) (segue depois o fac-símile da colecção Távora):

•e A N
:3ol nullo dos dias vãos,
ç_ Ã o
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao m, nos as mãos
quem não entras na alma l

Que oo m~nos o mão, royando


A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da a lma disfarce'.

Senhor, já que a dôr é nossa


E a fraqueZ3 que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguem r

FERNANDO PES5_0A

Fig. 95. “Sol nullo...” (Cancioneiro).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 431


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Figs. 96 e 97. “Sol nullo dos dias vãos” (colecção Fernando Távora).
Na margem inferior lê-se: “39.2”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 432


Pizarro Poemas e documentos inéditos
E ainda a transcrição:

Sol nullo dos dias vãos,


Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!

Que ao menos a mão, roçando


A mão que por ella passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!

Senhor, já que a dor é nossa


E a fraqueza que ella tem,
Dá-nos ao menos a fôrça
De a não mostrar a ninguem!

Janeiro,
1920.

X. Anexos

No lote 31, como já foi referido, existem outros documentos, alguns dos quais
relevantes, para encerrar este contributo. Os dois seguintes são comentados pelo
arquitecto Fernando Távora nas suas notas:

Desta nota às64 poesias de 1910


seria interessante saber – e não é
dificil – as que foram publicadas
pelo poeta e as que se mantêm65
inéditas. (Seguir “a obra poética„
de Galhoz)

Este documento figurou na Exposi-


ção realizada aquando do 1.º Congresso
de Estudos Pessoanos (n.º 47)

Fig. 98. Sobre “Nota de poesias portuguezas”


(colecção Távora; pormenor).

Esta é a transcrição do primeiro (Figs. 99 e 100):

64 as ] no original.
65 mantem ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 433


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Nota de poesias portuguezas: –
Na Noite. – “O socego da noite desce” – 8/8/10. 40.
Soneto – “Se eu te adorasse então...” – 8/8/10. 14.
Pausa – “Que nos importa que a lua morta...”– 23/7/10. 15.
A Flauta – “A flauta debil” – 109.
Ad Voluptatem – “Porque nasceste...” – 11/8/10. 25.
Tristeza – “Fallo-me em versos tristes66” – 6/7/10. 18.
Tristeza – “Não sei porquê estou triste” – 6/7/10. 21.
Tristeza – “O espaço immenso é noite” – 19/7/10. 18.
Tristeza – “Feliz só aquelle que” – 19/7/10. 18.
Edade Media – “Com capacete de plumas” – 19/7/10. 32.
Folha Cahida – “Nasceu uma flôr, amôr” – 15/7/10. 12.
A Um Philosopho Christão – “Quem te deu, espirito nú”– 5/8/10. 16.
A Uma Estatua – “Eterno momento...” – 3/9/10. 44.
Edade Media – “Ó naus felizes...” – 18.
Outomnal – “Cahiram as folhas da arvore. O outomno”– 3/9/10. 20.
Cinza – “No silencio das cousas tristes” – 25/9/10. 16.

Estudados um a um, estes são os resultados: “Na Noite” (BNP/E3, 56-61 e 56-62),
inédito até Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 91-92), onde não se refere uma
primeira versão (BNP/E3, 37-2); “Se eu te adorasse então...”, também inédito até
essa data (PESSOA, 2005b: 90) e existente no verso dessa primeira versão (BNP/E3,
37-2); “Pausa”, inédito até a mesma data (PESSOA, 2005b: 8), partindo de um
testemunho em que o título é “In articulo mortis” (BNP/E3, 56-59); “A Flauta”,
publicado como sendo de 1909 (PESSOA, 2005b: 62-65), inédito até então, e
intitulado “A Flauta Nocturna” (BNP/E3, 34-27 e 34-28; cf. 93-74); “Ad Voluptatem”
(BNP/E3, 37-4 e 37-5), inédito até Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 92-93), com uma
variante alternativa logo no incipit: “Porque nasceste” | “Porque te fizeram”; “Fallo-
me em versos tristes”, inédito (PESSOA, 2005b: 85-86), e com o título, “Tristeza – ”,
acrescentado à mão (BNP/E3, 36-46); “Não sei porquê estou triste”, ainda hoje
inédito, do qual existem dois testemunhos, um com o título “Tristeza – ” (Figs. 101
a 104); “O espaço immenso é noite”, também ainda hoje inédito, de que se preserva
um testemunho intitulado “Tristeza – ” (Fig. 105); “Feliz só aquelle que”,
igualmente inédito, redigido no verso da folha anterior e encimado pelo título
“Tristeza – ” (Fig. 106); “Edade Media”, publicado pela primeira vez em Poesias
1902-1917 (PESSOA, 2005b: 87-88; BNP/E3, 36-48); “Folha Cahida”, inédito em
português antes de Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 86; BNP/E3, 56-58); “A Um
Philosopho Christão”, inédito (Figs. 107-108); “A Uma Estatua”, publicado (PESSOA,
2005b: 97-98; BNP/E3, 37-44), mas não com 44 versos; “Edade Media”, encontra-se
em Poesias (PESSOA, 1942: 208-209; BNP/E3, 118-41, 36-43), mas não em Poesias 1902-
1917 (PESSOA, 2005b); “Outomnal”, publicado (PESSOA, 2005b: 96-97; BNP/E3, 37-44),
mas não com 20 versos; “Cinza”, idem (PESSOA, 2005b: 98-99; BNP/E3, 38-3).

66 trsites ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 434


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Nota de poesiBs portuguezas:-


1!!, Noite - "O eooego da noite desce• - 8/8/10. 40,
Soneto -•se eu te adorasse então,.,"- 8/8/lo. 14.

-~~ue nos importa que a lua morta .• • "- 23/7/10. 15.


li Flauta - •A flauta. debil" - 109.
Mt tVol\Ulie,.t~ -"Porque nMceste ••• " - ll/8/10. 26 .
Tristeza -"Fallo-me em verooe treitee" - 6/7/10. 18,
Tristeza -•Yao eei porqu& estou triste" - 6/7/10. 21.
Tristeza -•o espaço immsneo é noite• - 19/7/10, 18,
Tristeza -•Feliz e6 aquelle que" - 19/7/10, 18.
:Iedia - •com capacete de pluzuas• - 19/7/10, 32,
Folha~ -"llaeoeu uma f'lôr, a.-nôr" - 15/?/lo. 12,
Ji]aPhilosopho Chrietão -"Quem te deu,eepirito n~"-6/6/10, 16,
Ji~Estatua - •Eterno momento.,,• - 3/9/lO. 44,

- •ô naus felizes
Y,sA_i_~. ••• • - 18,
9utomnal -•Cahiram ae folhas 4a ar~ore. O outomno"-3/9/10, 20,
Cinza -"No silencio das cousas tristes• - 25/9/10, 16,

Fig. 99. “Nota de poesias...” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 435


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 100. “Nota de poesias...” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “31.4”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 436


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Não sei porque estou triste


Até á ancia o estou (ao tedio,raiva)
E dentro em mim persiste
Uma que oom~a~a: U~RXXJCi:Jlx.1!.:mt me affaga
Lembrança De cousa vaga
Que já se me acabou.
a.. ~-,. ,..
Não á da ~· . Morta
w Foi-me essa já ao nascer.
-Não vem baterá porta
Do caroere do meu ser. .~ t ___ ,-;.,.,,,.r.?
'!'a91r'POQCO assi m-me absórta- t ,~ , v:-.--,.. • ·
Amor que ter . -;t,. 1--..lv'- ,; ,...,,· '{~ •·•
J'

Nada. Um como desejo


Um como fraquejar
Mmx~•m±irxàmx~»mzar,
D1 Um intimo bocejo
.xTxa.xxxxxxxxx:rm:~x A se realisar.
Como o sabor que existe
Entre um beijo e um beijo

Fig. 101. “Não sei porquê estou triste” (BNP/E3, 56-56r).

Este é, mas sem agradar .


Não sei porque estou triste,
Sem sentir nem pensar .

6/7 /10.

Fig. 102. “Não sei porquê estou triste” (BNP/E3, 56-56v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 437


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 103. “Não sei porquê estou triste” (BNP/E3, 36-49r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 438


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 104. “Não sei porquê estou triste” (BNP/E3, 36-49v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 439


Pizarro Poemas e documentos inéditos

56 b ~ 1

O espaço immenso é noite


, *2 JiF\ «..
na illlli na · dão ;
Que ha em que se coite Feliz aô aquelle que
A alma que esta 1dbc frta Dorme o viver ;
Gelou de eol\dão . e,le que
O espaço enorme é queio 1-0 sabe sorrrer .
O uom o o ruido apenas
fingos de nada s~o . Mesmo ,ue gema .nll:o
Quem sente ~? este seJredo Soffre qual quem
Na alma jã aem horas serenas , Não porque tema, nâo
De que lhe esfria o coraç o? Porque ,t tem
Cinzas por lemma , não
O eapaç p infindo é morto Ama n1nguem .
A vida é apenas nadas
N 1 aquella eecurid~o . Não ; nem si nem
E haverfl algum porto, 1,.... ~-lifJ:,.' A ouro ou mulh~r ,
O que não ri nem
Cnde a alma ~- ;.
N' um santo de ü.ma 11 ~eao? Sabe querer
nem
19-7-10 . 19-7-1~ .

Fig. 105. “O espaço immenso é noite” (BNP/E3, 56-57r).


Fig. 106. “Feliz só aquelle que” (BNP/E3, 56-57v).

Fig. 107. “A Um Philosopho Christão” (BNP/E3, 56-53r).


Fig. 108. “A Um Philosopho Christão” (BNP/E3, 56-53v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 440


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O seguinte é o confronto, remitindo parte da génese para rodapé, dos
documentos BNP/E3, 56-56 e 36-49. Em “Nota de poesias portuguezas”, Pessoa
refere-se ao primeiro, que tem 22 versos, mas indica 21 (talvez porque a primeira
estrofe, de seis versos, deva ser substituída pela variante com cinco versos).

Tristeza

Não sei porquê porquê estou triste Não sei porquê porquê estou triste
Até á raiva o estou67 Até á morte o estou
E dentro em mim persiste E dentro em mim persiste
Uma que como me affaga68 Remota imagem triste
Lembrança de cousa vaga69 Que um sonho me lega.
Que já se me acabou.
Imagem de uma princeza
Não é da esperança 70. Morta Que era71 n’um jardim,
Foi-me essa já ao nascer. Virgem de extranha belleza
E a Fé, a eterna absorta 72 Que era, triste73 princeza,
Não me vem bater á porta Nas74 alamedas sem fim.
Do carcere do meu ser.
E, se viesse... Que importa? 75 Até que cahiu morta
Eu não a sei querer... 76 De cansaço e de dor,
E ficou morta á porta77
Nada. Um como desejo Do palacio do Amor. 78
Um como fraquejar
D’um intimo bocejo79
A se realisar. 80
Como o sabor que existe
Entre um beijo e um beijo
Este é, mas sem agradar.
Não sei porquê estou triste,
Sem sentir nem pensar.
6/7/10.

67 Até á ancia o estou (ao tedio, raiva) ] com variantes alternativas para “ancia”.
68 [← Uma que como] <Vaga lembrança tris> <que> me affaga
69 [← Lembrança] De <qualquer> cousa vaga

70 <infancia> [↑ esperança]

71 Errante [↑ndo] [↓ Que era]

72 [← E a Fé, a eterna absorta]

73 triste ] sobre sinal de hesitação.

74 Pelas [↓ Nas] variantes alternativas.

75 <Tampouco assim me absórta> E, se viesse... Que importa?

76 <Amor que □ ter.> Eu não a sei querer...

77 Segue-se um verso riscado.

78 Segue-se uma rubrica, talvez de VG [Vicente Guedes].

79 <No sentir do pensar,> | [←D’]Um intimo bocejo

80 <Do □ recomeçar> A se realisar.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 441


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Falta transcrever os outros três poemas inéditos (Figs. 105 a 108), referidos
na lista dactilografada do arquitecto Fernando Távora, e que estão no espólio
pessoano. “O espaço immenso é noite”, de 18 versos; “Feliz [var.: Ditoso] só aquelle
que”, também de 18 (ou de 16, e então falta apenas um verso no fim?); e “A Um
Philosopho Christão” – que começa “Quem te deu espirito nu” –, de 16.

Tristeza – 3 –

O espaço immenso é noite


A luz é local <um dia> [→ e]
Ilha na immensidão;81
Que □ ha em que se acoite
A alma que esta idéa fria
Gelou de solidão.

O espaço enorme é quedo


O som e o ruido apenas
Pingos de nada são.
Quem sente mudo este segredo82
Na alma já sem horas serenas,
De que lhe esfria o coração?

O espaço infindo é morto


A vida é apenas nadas
N’aquella escuridão.
E haverá algum porto
Onde a alma cruze as horas estagnadas 83
N’um sonho de uma illusão?
19-7-10.

Tristeza – 4 –

Ditoso84 só aquelle que


Dorme o viver;
□ elle que
Não sabe soffrer.

Mesmo que gema não


Soffre qual quem
Não porque tema, não
Porque □ tem
Cinzas por lemma, não
Ama ninguem.

81 <N> <□>/Ilha\ na immensidão;


82 Quem sente <□>/mudo\ este segredo
83 Onde a alma <□>/cruze as mãos cansadas\ [↑ horas estagnadas]

84 Feliz [↑ Ditoso] variantes alternativas.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 442


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Não; nem a si nem
A ouro ou mulhér,
O que não ri nem
Sabe querer
□ nem

19-7-10.

5-8-10
A um philosopho christão

Quem te deu espirito nu


De □ e pensar
Licença para tratar
O incognoscivel por tu?

A Trascendencia em que scismo


E de que os sóes são véus,
De85 que pia de baptismo
Tomou86 o nome de Deus?

Para o que na87 alma não cabe,


Ao paladar da razão
Tão bom *vinho lhe sabe
Como Deus a □

Pois, Reverendo, outro officio –


Se Egreja é <*mas> intima88 ao mundo
E89 este é a veste do Papado
A Egreja é o seu cilicio90

A lista do arquitecto Távora torna possível uma revisitação crítica e editorial


de alguns poemas de 1910 e leva a ler como uma unidade os quatro poemas da
série “Tristeza”, de 6 e 19 de Julho de 1910. Também sugere a necessidade de se
publicar não alguns poemas de 1910, mas a totalidade deles (urge a edição crítica
dos poemas anteriores a 1915). Afinal, hoje podemos localizar mais poemas dos
que teria localizado o arquitecto na altura – ele teria localizado apenas um poema
dos dezasseis consultando a obra impressa –, mas ainda dependemos de mapas
próprios do espólio pessoano para determinar o lugar de determinados textos.

85 Em [↑ De] variantes alternativas.


86 /Levou/ [↑ Tomou] variantes alternativas.
87 <em> [↑ na]

88 <*mas> [↑ intima]

89 Se [↑ E] variantes alternativas.

90 A Egreja <□ é>/é o seu\ o seu cilicio

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 443


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Veja-se mais uma nota de Távora, referente ao último documento que falta
transcrever e comentar: uma longa lista de poemas que deviam ficar reunidos sob
o título geral de “Cancioneiro”

Este tiposcrito figurou na


Exposição realizada durante
1.º Congresso de Estudos Pessoanos
(n.º 66 do Catálogo)

Figurou na Exposição realizada


na Fac. de Letras da Univ. do Porto
em Dezº 1985.

Fig. 109. Poemas de “Cancioneiro”


(colecção Fernando Távora).

Segue a transcrição e o fac-símile (Figs. 110 e 111) da segunda lista de


poemas do lote 31. Não está datada, mas talvez seja datável de c. 1931-1932:

CANCIONEIRO.

1. Gladio.
2. “Treme em luz a agua.”
3. Lâ-Bas.
4. Minuete invisivel.
5. “Sylphos ou gnomos tocam?”
6. Realejo.
7. Aria Incerta.
8. Pierrot Bebado.
9. Saudade Dada.
10. “Dorme, creança, dorme.”
11. Canção de Outomno91.
12. “Ide buscal-a, desejos.”
13. “Aurora de outro dia.”

91 Outumno ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 444


Pizarro Poemas e documentos inéditos
14. Transeunte.
15. “Nasceu uma flôr, amor.”
16. “Sol nullo dos dias vãos.”
17. Do aldeão.
18. Nocturno (“Suspiro triste”).
19. A Ceifeira.
20. “Choras? Caia o teu pranto.”
21. “Vento que passas.”
22. Manibus O date lilia plenis.
23. “Maria, linda Maria.”
24. “A luz da tarde está calma.”
25. “Ó naus felizes...”
Madrugadas – I.
26. Mad
27. Madrugadas – II.
28. Madrugadas – III.
29. Envoi (“Princeza que morreste”).
30. Abysmo.
31. A Voz de Deus.
32. Passou...
33. A Queda.
34. “Entre a arvore e o vel-a.”
35. “Leve, breve, suave”.
36. “Não sei porquê, estou triste.”
37. “Não sei a dôr que me é triste.”
38. Bacchica Medieval. (? “Para que vens? Já perdi.”
39. “Suspiro, quero ir comtigo.”
40. “Não achei dita na crença.”
41. “Não tornarei a ver as rosas”.
42. “Impossivel visão.”
43. As Septe Salas do Palacio Abandonado.
44. “Cahe do firmamento”.
45. “Olhos verdes, côr do mar.”
46. “Dorme sobre o meu seio.”
47. Insomnia.
48. Threno Geral.
49. “...E a minha92 sensação é nulla...”
50. Fado dos Ausentes.

92 ....E a minha ] no original.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 445


Pizarro Poemas e documentos inéditos

CANCIONEIRO.

b • 11Gla..dio _J
~- Tren:e em luz a a(!ll,••J
3. I.À-Bas. J
4. lotinuete :!.nv1siveJ;. •
:,, •sy l-J)ho11ou 6f'Cmo1tocam?• '
<>•Realejo. ,
7. A.ria Inoerta. l
a. P1errot Eebador '
9, Saudade Dada. ·
10. "Dor1te, orea.,,ça, corme.11 •
11. canção de outurr.no .
12. wIde buscal-e., de,ejoe,• •
13. "Aurora de outro Ha..• •
14, Traneeunte.
15, •:i:asoeu u= nôr, a.lll)r,• 1
lti. '1301 nullo dos d iaa vãos.• ~
l '/, Do aldeão. ,
18, Noctu11110 ("Susph•o triste")• /
19. A Ceifeira. J ,
20. "Chor a s? Cai a o teu pranto," (
:i!l... "Vonto '\,-. ,z-. .. _.. __ .. •
:.:;.. l.anibue O date l1lia plenh•
23. !!JJari a, l 1nda l.iaria.•
~4-. lilz da tarde está calllB,• •
2:;. •6 n&UBfelizes, •• • ,
~- Jladrugadao - I.
~drugadas - II.
<za).JID.druglifae - III.
29. F.nv~ ~ªPrir.ceza que morreste"). ,
·so. Ãbyemo_.
t!í. A Voz de Deue.r
!'32. Passou •• 1.
l33. A iiuedâ •·
134'."Entre a· arvore
e o vel-6• :)
35. "Leve, 'breve, euaYe•. J
3e;;. ''l\ilo sei porquê, estou triste,• /
37. •Não s ei a dÔr que we é triste.•
38. lia.••nt-•-lietl~e-..1- .. -fi "Para que V!lna? Já. pe1·d1. 11

t '61.lepiro, quero ir oomtigo.• ./


"h"ilo ac hei dita na crença."
• "Nilo tornarei
42, "Impooeivel vie!l.0. 11
a ver
/
ªi
[-@_,_ Aã Se_pte $a_ar; do l'a _lacj. _Q A'b1"&;ponado~
rosas•,

4~. •eahe do firl!Bcento•. •


45. "Olho s verdes,
,6. côr do mo.r.• •
•Dorme sobre o meu seio.• •
47, Inso1r41ia.
4e. Threno Geral,
-e~. •, •. ,Ea minha aenoaçil.o é cu ll a •• •" I
éG • .Fado doe Ausentes. i

Fig. 110. “Cancioneiro” (colecção Fernando Távora).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 446


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Fig. 111. “Cancioneiro” (colecção Fernando Távora).


Na margem inferior lê-se: “31.5”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 447


Pizarro Poemas e documentos inéditos
O seguinte é o estudo detalhado da lista já transcrita, indicando a data de
cada poema e a sua localização no espólio pessoano:

Data cota(s)
1. Gladio [“Deu-me Deus o Seu Gladio”] 21-VII-1913 57-40, 121-1, 121-293
2. “Treme em luz a agua” 21-VI-1913 16-37, 117-36
3. Lâ-bas [“Dorme emquanto eu velo”] 11/12-VII-1912 39-21, 117-28, 117-29
4. Minuete invisivel [“Ellas são vaporosas”] c. 1-V-1915 42-19, 117-13
5. “Sylphos ou gnomos tocam?” 25-IX-1914 16-25 a 16-28
6. Realejo [“Pobre velha música”] 12-V-1913 40-30, 117-26, 117-27
7. Aria incerta [“Trila na noite uma flauta”] 19-V-1913 57-25, 117-32
8. Pierrot bebado [“Nas ruas da feira”] 17-VIII-1914 117-11, 117-12
9. Saudade dada [“Em horas inda louras”] c. 1917 117-9, 117-10
10. “Dorme, creança, dorme” 27-I-1909 34-2694
11. Canção de Outomno [“No amarellecer”] 1-XII-1909 35-41, 65-6995
12. “Ide buscal-a, desejos” 15-XI-1908 34-6, 66A-43
13. “Aurora d’outro dia” 15-V-1910 36-32
14. Transeunte [“Ouço tocar um piano”] 21-VIII-192196 42-23, 42-46, 59-8
15. Folha cahida [“Nasceu uma flôr, amor”] 15-VII-1910 56-58
16. “Sol nullo dos dias vãos” JANEIRO, 1920 117-30, 117-31
17. O aldeão [“Ó sino da minha aldeia”] 97 8-IV-1911 119-11, 117-21 a 117-23
18. Nocturno98 [“Suspiro triste”] 15-V-1910 36-33 e 36-34
19. A ceifeira [“Ella canta, pobre ceifeira”] 1-XII-1914 117-42
20. “Choras? Caia o teu pranto”99 31-XII-1908 34-25
21. “Vento que passas” 21-VIII-1921100 119-11, 119-12
22. O manibus date lilia plenis [“Cheias...”] 10-I-1913 57-30101
23. “Maria, linda Maria” 19-XI-1908 34-19
24. “A luz da tarde está calma” 29-V-1910 36-38
25. “Ó naus felizes que do mar vago” 10-VI-1910 36-43
26. Madrugadas – I. [“Em toda a noite...”] 14-I-1920 117-40, 117-41
27. Madrugadas – II. [“Manhã dos outros...”] 15-I-1920 117-35

93 Há também um poema intitulado “Gladio” [“A sombra de todos os luares”], datado de 31-VIII-
1915, com a cota 57A-31.
94 Há também um poema que começa “Dorme, creança, dorme”], datado de 16-III-1934, com a cota

33-20. Mas, em princípio, trata-se deste, intitulado “Nocturno”; veja-se PESSOA (2000: 265).
95 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 491), dado que as editoras não

localizaram o primeiro testemunho, o qual ostenta a data indicada.


96 Sobre a datação deste poema, veja-se PESSOA (2001: 272-273).

97 O título de um testemunho dactilografado, BNP/E3, 117-23, é “O aldeão”. Na folha cotada 119-11,

lê-se: “Da m[inha] aldeia é como quem diz, isto é, como quem mente. Nasci num 4.° andar do Largo
de S. Carlos, em Lisboa, dois andares por [↑ a] cima de onde o C[entro] E[leitoral] R[epublicano]
ainda não estava. Teve este aldeismo o meu nascimento.”
98 Este título não figura no manuscrito conhecido; cf. BNP/E3, 48F-49.

99 Publicado, por erro e leitura, com o título “Chorar? Caia o teu pranto”, em Poesias 1902-1917

(PESSOA, 2005b: 40). Cf. BNP/E3, 48F-40.


100 Sobre a datação deste poema, veja-se PESSOA (2001: 271-272).

101 Existe um poema anterior, com o mesmo título, datado de 4-I-1913; cf. BNP/E3, 30A-7. Sá-

Carneiro refere-se ao poema da lista em carta de 3-II-1913 (SÁ-CARNEIRO, 2015: 74).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 448


Pizarro Poemas e documentos inéditos
28. Madrugadas – III. [“Com um splendor...”] 15-I-1920 58A-2
29. Envoi [“Princeza que morreste”] 102 6-XI-1913 41-28
30. Abysmo [“Olho o Tejo, e de tal arte”] c. 20-I-1913 16-22
31. A voz de Deus [“Brilha uma voz...”] 1-III-1913 57-33
32. Passou... [“Passou, fóra de quando”] 1-III-1913 57-33
33. A queda [“Da minha idea-do-mundo”] c. 8-II-1913 16-23
34. Braço sem corpo [“Entre a arvore...”] 2-II-1913 40-1
35. “Leve, breve, suave” 15-I-1920103 117-24, 117-25
36. “Não sei porquê, estou triste” 15-XI-1908 34-13, 65-73104
37. “Não sei a dôr que me é triste”105

38. Manhã [“Para que vens? Já perdi”] 15-XI-1908 34-14


39. “Suspiro, quero ir comtigo” 15-XI-1908 34-8, 34-10
40. “Não achei dita na crença” 28-XII-1908 34-23106
41. “Não tornarei a ver as rosas” 26-II-1920 144G-30
42. “Impossivel visão” 14-I-1917 144Y-22, 144Y-23
43. As septe salas do palacio abandonado c. 1915 144C-1 a 10, 15 a 17107
44. “Cahe do firmamento” 26-X-1919 58-87
45. “Olhos verdes, côr do mar” c. 1-XII-1909 65-69108
46. “Dorme sobre o meu seio” 28-X-1909 117-37, 117-38
47. Insomnia [“Insomnia. Ouço o gemido”] 13-VIII-1921 59-6
48. Threno109 19-XI-1908 56-12
49. Mar. Manhã [“Suavemente...”]110 16-XI-1909 16-20
50. Fado dos ausentes [“Ó fado repenicado”] 29-X-1909 56-39

Apenas dois poemas estarão ainda inéditos: “Aurora d’outro dia” e “Não sei a dôr
que me é triste”; sendo que ainda falta localizar este último. E há um que está
parcialmente inédito – “Não achei dita na crença” – porque apenas uma secção foi
publicada em 2005 (ver a nota de rodapé respectiva).
Para encerrar, apresenta-se “Aurora d’outro dia” e uma lista de poemas
encimada pelo título Cancioneiro. De um estudo mais aprofundado dos planos
desse livro de canções poderia um dia surgir uma antologia da poesia ortónima
mais próxima dos projectos pessoanos.

102 Também há um “Envoi” que começa “Princeza, se perguntares”, sem data (BNP/E3, 34-2).
103 Vejam-se as listas de poemas BNP/E3, 48-38 e 48E-23, onde figura a data deste poema.
104 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 491), dado que as editoras não

localizaram o primeiro testemunho, isto é, aquele datado. Segundo as listas já citadas, 48-38 e 48E-
23, está constituído por dois poemas com o mesmo incipit.
105 Poema não localizado. Inédito.

106 Em Poesia 1902-1917 lê-se: “Fixamos apenas a parte I de um poema que deveria ser constituído

por 4 partes, que ficaram apenas esboçadas” (PESSOA, 2005b: 447). Três partes estão inéditas. O
título geral parece ter mudado de “Lyrismos” para “Lagrimas”.
107 Constituído por 7 secções e um “Fim”. Sobre a datação, véja-se PESSOA (2005a: 339-346; 2005b: 462).

108 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 490). Dado que se encontra no mesmo

suporte de um testemunho de Canção de Outomno [“No amarellecer do Outomno”], é datável.


109 Se “Threno geral” for “Threno”, então deve ser este poema. Figura em pelo menos duas listas:

BNP/E3, 48-39 e 144D2-2 a 5.


110 Referido por um dos versos finais: “...E a minha sensação é nulla...”.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 449


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Figs. 112 e 113. “Aurora d’outro dia” e outros versos (BNP/E3, 36-32r e 32v).

15-5-10.

Aurora d’outro dia Levae-me comvosco longe


Momento [← Logar] onde nasceu <a dor> Onde nem □ nem flôr
<Não trazes mais> Ensine a lembrar o amôr
<Um novo no velho ceu –> Para ser □ e monge
Que é da minha alegria?
Da minha dôr sei eu.
Sobram-me /a/ vida e /a/ dôr.

<Flores novas da> solidão Crescei para o dia em ouro


□ que se desdobra *Amoras, /trigal/ □ <a> <*e> [↑ d<*a>/e\] luz
□ immensidão <Que importa> O ondear do trigo louro!
Meus sorrisos onde estão? Se eu soubesse onde o choro
<Lagrimas> tenho de sobra. Á propria dôr [↓ Ao cégo amor] conduz!

Frescura de nova aurora



□ demora
Minha alma vendo-vos chora
Mas porquê eu não sei.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 450


Pizarro Poemas e documentos inéditos

Cancion.slro - ~iv. l e II.

1 . Como u noito é longa .. . 4/XI/14 . 5 x 4 .


2. Bate a luz no ci~o . . . 1/XI/14 . 4 x 6 .
3. Saber? Que sei eu? ... 4/XI/14 . 5 x 3 .
4. va~ redonda o alta .. . 4/XI/14 . 4 x 8 .
5. Canç~o (Ide buecal - a, ieeejoe ... ) . 5 x 3 .
6 ; O orvalho da tarde bei,ia ... 6 x 3,
2r Treme em luz a agua . . .
8 , Là-Bae . (Dorm0 3mquanto eu vélo .. . ) 5 x 3
9 . Canção de Outol!l?lo. . .6 x 3 .
10 . Trila na noitr:. uma flauta ... 4 x 3 ,
11 . Pobre v~lha ~uaica ... 4 x 3 .
12 . 1Lo sei "uê deasoeta .. .
13 . Põe-me as m~oe nos bombroa . .. 4 X 3,
14 . Vae leve a eo~bra •. ..
15 , N~o eei porque, estou triste . . .
16 , Sylphos ou gnomoe tocam? . .. 25/Ix/ L4, 4 x 5 .
17 . Am11açouchnva,,.
18 . !~arinheiro - monge . . . . .
·19 , ,, Tristeza Lusitana .. .
20 . .,uudraa . .. .
21. Choras? Caia o te1,1 pranto ... 6 X 3,
,22 . Nocturno .
23 , Sonata em X (Arrepio) :
24 . Dobre .
25 . Fio de Agua .
16. l!ar , a:anhil.
xnl 27 . Fonte .
28 . ,, bondonada .
29 , Suspiro .
30 . !4anibue o date lilie plenie .
? 31. No amarelJece:r do outomno .
? 32 . Cahi:ram as folhas da arvo:re . . .
? 33 . A hora é de.cinza õ de fogo .. .
34 . . : . m1:1dindoeata viJ:a .. .
35 ... . só de a ver t~o distanto . ..
36. 6 sino da ~inha aldeia .. .
37 . Amarellecer DÓ poonte . . .
38 . Li nda 15aria .
39 . Threno geral .
40 . Parado acaso na viagem .
41 . De~cendo acaso . ..
42 . Fallo - me am v~rsos tristas ...
43 . Aucora de outro dia . ..
44 . O Flido dos Ausentes .
45 . Por quanto t .. mpo a inda ... , ..., 1 ,,,

46 , Para que v,rns? Eu perdi. . .


47 . nora Lenta .
48 . Com capacdtd com plQonae.
49 . Paraiao .
50 . Tange o sino, tange • ..

Fig. 114. “Cancioneiro – Liv. I e II” (BNP/E3, 48-39r).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 451


Pizarro Poemas e documentos inéditos

51 . Áa vezee , em eonho triste .. .


52 . ,.:·tee . que o Tempo fÔaae .. .
53 . 1.1 do • .iOnho.; q u... ionhalllO& ..•
54 . O azul branco do horizonte .. .
55 . Deixa que o mou ol har desça .. .
56 . :;u amo t•.ülo o que fo i. ..
5 7 . O que a alJgria lega ..•
58 .... aon'ian:'lo •le aonl:ar ...
59 . r.'.eio- Dia .
60 . Nio eei . que quero , e es t ou tri a te ...
? 61 . ~mbate fu r ioeo •dae onJae . .
6? . roe1ra .
63 . Olhos verdée , cor do mar ...
64 . Uurmura e~ mim longir.quA~ente : ..
65 . Com o co r açào estranho ...
66 . Lagrymna .
67 . Tenho em vez de p. nea ·lento .•.
68 . Fecho o livro e reaccorJo .. .
69 . A luz :'IA tarde eetá cal~a .. .
70 . A Tristeza cobriu ...
'l 7 1 . Nasceu gma flÔr , amor ...
? 72 , ~eliz ao Jqualle quJ
73 , ... aaudu:los de amanh!1..•
74 . ~ue eia pagão de luz ! ...
75 , '.~ar , ~e i o-Dia .
76 . Chove? Nor.hu:::.achuva cahe ...
77 . Ella ca9ta , pobre .ceifeira •..
? 78 . A hora e calt~a ...
79 . O quQ é quo tu àeeejas t e ...
? 80 . A tarae cedo cousa unse de vago ...
? 81 , Aa horas pJla alam;da ... (Plenilunio)
? 82 . Jllas são vaporoeas ... (title obove?)

Fig. 114. “Cancioneiro – Liv. I e II” (BNP/E3, 48-39v).

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 452


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Cancioneiro – Liv. I e II.

1. Como a noite é longa... 4/XI/14. 5 × 4.


2. Bate a luz no cimo... 4/ XI/14. 4 × 6.
3. Saber? Que sei eu?... 4/ XI/14. 5 × 3.
4. Vae redonda e alta... 4/ XI/14. 4 × 8.
5. Canção (Ide buscal-a, desejos...). 5 × 3.
6. O orvalho da tarde beija... 6 × 3.
7. Treme em luz a agua...
8. Là-Bas. (Dorme enquanto eu vélo...) 5 × 3.
9. Canção de Outomno. 6 × 3.
10. Trila na noite uma flauta... 4 × 3.
11. Pobre velha musica... 4 × 3.
12. Não sei quê desgosta...
13. Põe-me as mãos nos hombros... 4 × 3.
14. Vae leve a sombra...
15. Não sei porquê, estou triste...
16. Sylphos ou gnomos tocam?... 25/ IX/14. 4 × 5.
17. Ameaçou chuva...
18. Marinheiro-monge...
19. A Tristeza Lusitana...
20. Quadras.
21. Choras? Caia o teu pranto... 6 × 3.
22. Nocturno.
23. Sonata em X (Arrepio).
24. Dobre.111
25. Fio de Agua.
26. Mar, manhã.
27. Fonte.112
28. Abandonada.
29. Suspiro.
30. Manibus o date lilia plenis.
? 31. No amarellecer do outomno.
? 32. Cahiram as folhas da arvore...
? 33. A hora é de cinza e de fogo...
34. ... medindo esta vida...
35. ... só de a ver tão distante...
36. Ó sino da minha aldeia...
37. Amarellecer Do poente...
38. Linda Maria.
39. Threno geral.
40. Parado acaso na viagem.
41. Descendo acaso...
42. Fallo-me em versos tristes...
43. Aurora do outro dia...
44. O Fado dos Ausentes.
45. Por quanto tempo ainda...

111 <Dobre> 24. Dobre.


112 <Font> 27. Fonte.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 453


Pizarro Poemas e documentos inéditos
46. Para que vens? Eu perdi...
47. Hora Lenta.
48. Com capacete com plumas.
49. Paraiso.
50. Tange o sino, tange...
51. Ás vezes, em sonho triste...
52. Antes que o Tempo fosse...
53. Ai dos sonhos que sonhamos...
54. O azul branco do horizonte...
55. Deixa que o meu olhar desça...
56. Eu amo tudo o que foi...
57. O que a alegria lega...
58. ... sonhando de sonhar...
59. Mei o-Dia.
60. Não sei que quero, e estou triste...
? 61. Embate furioso das ondas.
62. Poeira.
63. Olhos verdes, côr do mar...
64. Murmura em mim longinquamente...
65. Com o coração estranho...
66. Lagrymas.
67. Tenho em vez do pensamento...
68. Fecho o livro e reccordo...
69. A luz da tarde está calma...
70. A Tristeza cobriu...
? 71. Nasceu uma flôr, amor...
? 72. Feliz só aquelle que
73. ...saudades de amanhã...
74. Que dia pagão de luz!...
75. Mar. Meio-Dia.
76. Chove? Nenhuma chuva cahe...
77. Ella canta, pobre ceifeira...
? 78. A hora é calma...
79. O que é que tu desejaste...
? 80. A tarde cada cousa unge de vago...
? 81. As horas pela alameda... (Plenilunio)
? 82. Elllas são vaporosas... (title above?)

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 454


Pizarro Poemas e documentos inéditos
Bibliografia

BLANCO, José (2008). Pessoana. I volumen, bibliografia passiva, selectiva e temática referida a 31 de
Dezembro de 2004. I volumen, índices. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2007). “A verdade sobre a Mensagem”, in A Arca de Pessoa: novos ensaios. Steffen Dix,
Jerónimo Pizarro (orgs.). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2.ª ed., pp. 147-158.
CENTRO DE ESTUDOS PESSOANOS (1978). 1.o Congresso Internacional de Estudos Pessoanos | Minha Pátria
É a Língua Portuguesa — Exposição Iconográfica e Bibliográfica. Catálogo da Exposição. Impr.
Rocha Artes Gráficas.
CIRURGIÃO, António (1990). O “olhar esfíngico” da Mensagem de Pessoa e a Concordância. Lisboa:
Ministério da Educação; Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
FARGE, Arlette (1989). Le goût de l’archive. Paris: Le Seuil.
FERRARI, Patricio (2015). “Bridging Archives: Twenty-Five Unpublished English Poems by Fernando
Pessoa”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8, Outono, pp. 365-431.
GALHOZ, Maria Aliete (1990). “Breve nota à sequência ‘Abdicação’. Sete sonetos post-simbolistas de
Fernando Pessoa”, in Nova Renascença, n.o 35/38, Porto, pp. 270-275.
GASPAR SIMÕES, João (1950). Vida e Obra de Fernando Pessoa (História de uma geração). Lisboa: Livraria
Bertrand. 2 vols.
MONTEIRO, George (2013). “First International Symposium on Fernando Pessoa. Seven unpublished
letters by Jorge de Sena”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 3,
Primavera, pp. 114-140.
https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Iss
ue3/PDF/I3A07.pdf
PESSOA, Fernando (2015). Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar. Edição de José Barreto.
Lisboa: Tinta-da-china.
_____ (2007). A Educação do Stoico. Edição crítica de Jerónimo Pizarro. Lisboa: Imprensa Nacional-
Casa da Moeda.
_____ (2006). Poesia 1931-1935 e Não Datada. Edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria
Freitas e Madalena Dine. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2005a). Poemas 1915-1920. Edição crítica de João Dionísio. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda.
_____ (2005b). Poesia 1902-1917. Edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e
Madalena Dine. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2001). Poemas 1921-1930. Edição crítica de Ivo Castro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda.
_____ (2000). Poemas 1934-1935. Edição crítica de Luís Prista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda.
_____ (1993). Mensagem. Poemas Esotéricos. Edição crítica, José Augusto Seabra (coord.). Madrid:
Archivos, CSIC. Colecção Archivos, n.º 28.
_____ (1972). Obra Poética. Organização, introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de
Janeiro: José Aguilar Editôra. 1. ª ed., 1960; 2. ª ed., 1965; 3. ª ed., 1969; 4. ª ed., 1972.
_____ (1942). Poesias. Lisboa: Ática.
PITTELLA, Carlos (2017). “Juliano Apóstata: um poema em três arquivos”, in Pessoa Plural – A
Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 12, Outono, pp. 457-487.
_____ (2017). “Mr. Ormond: the testimonial from a classmate of Fernando Pessoa”, in Pessoa Plural
– A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 12, Outono, pp. 194-235.
PITTELLA, Carlos; PIZARRO, Jerónimo (2017). Como Fernando Pessoa Pode Mudar a Sua Vida. Primeiras
Lições. Lisboa: Tinta-da-china.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 455


Pizarro Poemas e documentos inéditos
PIZARRO, Jerónimo (2017). “Álvaro de Campos Revisited”, in Estudos Regianos, n.º 22-23 (número
comemorativo), Vila do Conde, Centro de Estudos Regianos, pp. 67-90. Direcção Editorial:
Isabel Cadete Novais; cf. http://joseregio-cer.pt/index.php/o-boletim/
PIZARRO, Jerónimo; FERRARI, Patricio; CARDIELLO, Antonio (2010). A Biblioteca Particular de Fernando
Pessoa | Fernando Pessoa’s Private Library. Edição bilingue. Alfragide: D. Quixote.
PRISTA, Luís (2003). “O melhor do mundo não são as crianças”, in VVAA, Razões e Emoção: Miscelânea
de Estudos em Homenagem a Maria Helena Mira Mateus. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, pp. 217-238.
RIBEIRO, António Sousa (2017). “Modernist temporalities: the Orpheu generation and the impact of
history”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 11, Primavera, pp. 9-22.
http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Issu
e11/PDF/I11A02.pdf
SÁ-CARNEIRO, Mário (2017). Poesia Completa. Edição de Ricardo Vasconcelos. Lisboa: Tinta-da-china.
Colecção Sá-Carneiro.
SÁ-CARNEIRO, Mário (2015). Em Ouro e Alma. Correspondência com Fernando Pessoa. Edição de Ricardo
Vasconcelos e Jerónimo Pizarro. Lisboa: Tinta-da-china. Colecção Sá-Carneiro.
SILVEIRA, Pedro da (1974). “Nota adicional” [a Jorge de Sena, “Quatro poemas anti-salazaristas de
Fernando Pessoa”], in Seara Nova, n.º 1545, Lisboa, Julho, p. 20.
VASCONCELOS, Ricardo (2017). “Uma Carta Inédita de Fernando Pessoa ao Gerente do Grand Hôtel
de Nice”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 12, Outono, pp. 547-561.
VERÍSSIMO, Artur (2000). Dicionário da Mensagem – Figuras Históricas, Mitos, Símbolos, Conceitos. Porto:
Areal Editores.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 456


Juliano(Apóstata:(
um#poema#em#três#arquivos#
#
Carlos Pittella*
#
Palavras2chave(
#
Fernando# Pessoa,# Juliano# Apóstata,# Juliano# em# Antiochia,# Flavius# Claudius# Julianus,#
Apostasia,#Paganismo,#Valores.#
#
Resumo(
#
Apresentam>se# aqui,# agrupados# pela# primeira# vez,# dez# poemas# de# Fernando# Pessoa#
atribuídos# ao# projecto# «Juliano# em# Antochia»:# dois# deles# sendo# previamente# inéditos,#
outros# dois# não# constando# da# edição# crítica# e# quatro# contendo# novas# leituras# no#
estabelecimento# textual.# Provenientes# de# três# arquivos# diferentes,# os# textos# revelam# que,#
entre#1916#e#1919,#Pessoa#dramatizou,#em#verso,#um#período#da#vida#do#imperador#romano#
Juliano# (Flavius# Claudius# Julianus),# conhecido# como# «o# Apóstata».# Pessoa# interessou>se,#
especificamente,#pela#estada#de#Juliano#em#Antioquia,#em#362>363#d.C.,#pouco#antes#de#sua#
morte:#tentando#restaurar#o#paganismo,#o#imperador#via>se#isolado#e#incompreendido#por#
seu# povo# cristão.# Este# dossiê# inclui# introdução,# aparato# genético# e# uma# série# de# anexos,#
entre# eles:# notas# biobibliográficas# de# Pessoa# sobre# Juliano,# passagens# sublinhadas# da#
biblioteca# particular# do# poeta# e# notas# de# Fernando# Távora# sobre# a# procedência# do#
documento#contendo#o#último#poema.#
(
Keywords(
#
Fernando# Pessoa,# Julian# the# Apostate,# Julian# in# Antioch,# Flavius# Claudius# Julianus,#
Apostasy,#Paganism,#Values.#
#
Abstract(
#
This# dossier# groups,# for# the# first# time,# ten# poems# of# Fernando# Pessoa# attributed# to# the#
project#“Juliano#em#Antochia”:#two#of#them#being#previously#unpublished,#two#others#not#
included#in#the#critical#edition,#and#four#presenting#new#readings#in#the#fixation#of#the#text.#
Found# in# three# different# archives,# the# texts# reveal# that,# between# 1916# and# 1919,# Pessoa#
dramatized,# in# verse,# a# period# in# the# life# of# Roman# emperor# Julian# (Flavius# Claudius#
Julianus),#known#as#“the#Apostate.”#Pessoa#was#particularly#interested#in#the#stay#of#Julian#
in# Antioch,# in# 362>363# CE,# soon# before# his# death:# trying# to# restore# paganism,# the# emperor#
found#himself#isolated#and#misunderstood#by#his#Christian#people.#This#dossier#includes#an#
introduction,# a# critical# apparatus# and# a# series# of# appendices,# among# them:# bio>
bibliographical# notes# of# Pessoa# on# Julian,# marginalia# from# the# poet’s# private# library,# and#
records#by#Fernando#Távora#on#the#provenance#of#the#document#containing#the#last#poem.#
(

*# Brown# University,# Department# of# Portuguese# and# Brazilian# Studies;# Universidade# de# Lisboa,#
Centro#de#Estudos#de#Teatro.#
#
Pittella Juliano Apóstata
(

I.(Apresentação#
#
i.(Definições.(
#
Não#é#todo#dia#que#se#ouve#a#palavra#«apóstata».#Deparando>se#com#o#termo#pela#
primeira# vez,# talvez# seja# preciso# recorrer# ao# dicionário.# «Apóstata»# é# «aquele# que#
praticou# apostasia»,# e# «apostasia»# é# «renúncia# de# uma# religião# ou# crença,#
abandono#da#fé#(esp.#da#cristã);#renegação»#(HOUAISS#e#SALLES,#2001:#259).#
No# exemplar# de# The$ Gem$ Dictionary# da# biblioteca# particular# de# Fernando#
Pessoa,#há#definições#para#os#termos#correlatos#«apostasy/apostate/apostatize»:#
#
Apostast (a-pos'ta-si) n. a
departure from vrofcssed
pnnciples.
Apostate (a-pos'tat) n. one
that forsakes his principles
of religion ;-a. falling from
faith.
Apostatize (a-pos'ta-tiz) v.i.
to abandon one's faith or
part.y. [abscess. #
(The$Gem$Dictionary,#p.#34;#CFP,#0>6A)#
#
Além#de#Judas#Iscariotes#–#o#apóstolo#que#trairia#Cristo#com#um#beijo#–#há#
alguns# célebres# apóstatas# na# história# do# Cristianismo.# Dois# deles# foram#
relembrados# em# 2016# no# filme# Silence,# dirigido# pelo# cineasta# Martin# Scorsese# e#
baseado#num#romance#de#Shūsaku#Endō#de#1966#(cujo#título#é#a#palavra#japonesa#
para# «silêncio»).# O# longa>metragem# reconta# a# história# do# jesuíta# Sebastião#
Rodrigues,# que# vai# ao# Japão# em# busca# do# seu# mentor# desaparecido,# o# padre#
Ferreira.# Como# personagem,# Rodrigues# baseia>se# no# missionário# histórico#
Giuseppe#Chiara#(1602>1685),#que#de#fato#partira#ao#Oriente#em#busca#de#Cristóvão#
Ferreira#(c.#1580>1650),#o#qual,#por#sua#vez,#realmente#cometera#apostasia#durante#
os#expurgos#anticristãos#no#Japão#durante#os#anos#1630.#
Entretanto,#o#mais#famoso#apóstata#–#«O#Apóstata»#segundo#a#historiografia#
do# Cristianismo# –# há# de# ser# o# imperador# Juliano# (Flavius# Claudius# Julianus).#
Juliano# (também# referido# como# Julião)# seria# resgatado# por# Fernando# Pessoa# em#
1916,#cem#anos#exatos#antes#do#filme#de#Scorsese.#Como#revelam#poemas,#planos,#
listas#e#notas#dispersos#por#pelo#menos#três#arquivos#pessoanos,#o#poeta#português#
quis#dramatizar#em#verso#a#conturbada#estada#do#imperador#neopagão#na#cidade#
de#Antioquia,#em#362>363#d.C.##
Quem# teria# sido,# pois,# Juliano,# e# por# que# ficaria# conhecido# como# «o#
Apóstata»?#Em#The$Nuttall$Encyclopædia,#volume#na#biblioteca#particular#de#Pessoa,#
o#verbete#«apóstata»#surge#definido#como#o#próprio#epíteto#de#Juliano:#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 458


Pittella Juliano Apóstata

#
#

Apostate, nu CJJitht:t 1tpJJlicd t n th e Emp e rt•r


Juli an . fr um his lia, ·in ~. Ct•IISt ie nti o usly h n Wt.'\'er ,
abj ur cll the Chri ;itian rdiJri, •n estal,li i;h n l l1v (.'uu·
st&ntin e . in f ,l\' u ur nf pa ga11i!!m. • #
(WOOD,#1900:#27;#CFP,#0>48#LMR)#
#
No#mesmo#livro,#o#poeta#marcou#o#verbete#«Julian»#(cf.#FERRARI,#2008:#84):#
#
Julian the Apostate, Roman emperor for
18 months, fr om 361 to 363; waa born at C')Q-
sta11tinuplc-, his fath er heing a bait-brother of

+
Con s tantine the Great , on whose death moat of
.Juli11n·s family wer e murtlcn.,J: emhitten,--d by
this ~,·cnt, .Julian threw himself int o J>hllosophlc
stu1ti es, amt sec r e tly renotm ct->tlChristianity; as
j t'.int e mper or with his _ cou s in. fr om 355 he 1howed
h1ms c lf n ,·apahlc s .. 1t11er, a ' 'lh'Orous and wlse ad-
ministrator; on hec 1.1111i11g sole t' IIIJ>eror he pro-
claim ed hi s apnst .ns y, nn,l soui:ht to re11to re pAgan-
lsm. 1,ut with11ut pcrsct.'t1ti11~ the Church; though
paint• :d iu hla ekt·st colours hy the Chri1ti1m
Jo'ath~'.tl!, h e w1 '3 n lo ,·cr of truth, chAste, nhatluent,
just _.n111I atfet.· l11111at {.', if ~•m1t. ,·a~n
~what auJ auper-
11tit1n11;1:h e WIL., kille,l III an cx11ed1t1on agahut.
Pc~i:L : sc, ·cr:-,1 writings of his are extaut, but a
w u rk he wr uto ag:linst the Chri1tia111 ii lo1t (331-
36:n. #
(idem:#366)#
#
O# próprio# Pessoa# resume# os# dados# biográficos# do# imperador,# num#
documento#inédito#do#Espólio#3#(E3)#da#Biblioteca#Nacional#de#Portugal#(BNP):#
#
Nascimento:#Constantinopla#a#17#Novembro#331#(ou#332)#
Morte:#Tummara#(sobre#o#Euphrates)#26#Junho#363.#
Filho#de#Julius#Constantius#e#da#sua#2ª#mulher#Basilina.#
Pae#foi#égorgé#[assassinado]#em#337#por#ordem#de#Constancio#II#e#tambem#seus#(de#Juliano)#
dois#irmãos#(do#outro#casamento#do#pae).#
341#–#foi#morto#o#irmão#mais#velho#de#Juliano.#
(Gallus,#irmão#sobrevivente#de#Juliano#nascera#em#325)#
354#–#Gallus#(Cesar#desde#351)#foi#morto.#
6#Novº#355#–#Juliano#proclamado#Cesar.#
Morte#de#Constancio#(pela#qual#Juliano#ficara#imperador)#3#Nov.#361.#
#

(BNP/E3,#28>101av;#vide#ANEXO#3)#
#
Contudo,#é#apenas#em#algumas#passagens#em#prosa,#atribuídas#por#Pessoa#
ao# heterónimo# pessoano# Ricardo# Reis,# que# se# começa# a# esclarecer# o# interesse# do#
poeta#pela#figura#de#Juliano#como#símbolo#do#paganismo:#
#
#

Os#esforços#para#repellir#o#christismo#antes#de#Constantino#haviam#sido#stereis;#não#era#de#
suppor# que# o# não# fôsse# a# reacção# de# Juliano.# Ella# foi# o# ultimo# arranco# do# paganismo.# Na#
propria# indole# confessava# a# sua# fallencia.# O# paganismo# de# Juliano# é# já# um# paganismo# de#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 459


Pittella Juliano Apóstata
occultista.#O#veneno#do#mystico#a#tal#ponto#corria#nas#veias#de#Roma#que#a#propria#reacção#
contra# o# christismo# participava# de# um# dos# characteristicos# do# proprio# christismo.# A# lança#
que#cravou#no#figado#de#Juliano#matou,#como#a#elle,#ao#paganismo.#O#“vicisti,#Galilaeu”#é#
apocrypho;#podia,#porém,#ter#sido#dicto.#O#resto#nem#é#já#a#agonia#do#paganismo;#é#já,#post>
mortem,#o#seu#apodrecimento.#[...]#
#

Já# no# periodo# da# sua# formação,# o# christismo,# mau# grado# o# seu# fermento# fanatico,# se#
mostrára# incompetente# para# edificar# characteres# humanamente# respeitaveis.# No# que#
respeita#aos#imperadores#romanos#o#caso#é#exaggeradamente#flagrante;#o#christismo#honra>
se# com# os# assassinos,# os# crueis# e# os# ◊.# As# figuras# nobres,# quaes# as# de# Marco# Aurelio# e# de#
Juliano,#não#só#stão#fóra#do#christismo,#como#lhe#são#adversas#e#o#malquerem.#
#

(c.#1916,#Ricardo#Reis#/#PESSOA,#2016:#223>224;#BNP>E3,#52A>45v,#46r#e#47r)#
#
Esse# imperador# [Juliano]# quiz,# realmente,# restabelecer# o# paganismo,# numa# epocha# –# ai#
d’elle!#–#em#que#o#sentimento#do#paganismo#já#não#existia,#mas#apenas#um#culto#dos#deuses#
em# que# a# essencia# da# superstição# mais# era# aquella# que# havia# de# ser# typica# do# christismo,#
que# a# de# uma# especie# qualquer# do# genus$ paganismo.# Nas# proprias# idéas# de# Juliano# se#
reflecte# a# incapacidade# do# tempo# para# uma# reconstrucção# do# paganismo.# Juliano# era,#
propriamente,#um#mithraista,#o#que#hoje#se#chamaria#um#theosophista#ou#um#occultista.#A#
sua# reconstrucção# do# paganismo# baseava>se,# fantasticamente,# numa# fusão# d’elle# com#
elementos# orientaes# que# a# furia# mystica# do# tempo# havia# tornado# parte# do# espirito# da#
epocha.# E# assim# falhou,# na# verdade# porque# o# paganismo# tinha# morrido,# como# morrem#
todas#as#cousas,#salvo#os#Deuses#e#a#sua#inscrutavel#sciencia#atormentadora.#
#

(c.#1917,#Ricardo#Reis#/#PESSOA,#2016:#266>267;#BNP>E3,#21>65r)#
#
Datados#de#c.#1916>1917,#esses#escritos#ricardianos#são,#pois,#coetâneos#tanto#
das# notas# biográficas# que# Pessoa# fez# de# Juliano,# quanto# dos# primeiros# versos# de#
«Juliano#em#Antiochia»;#noutras#palavras,#a#reflexão#teórica#em#prosa#acompanha#a#
origem#do#poema,#como#freqüentemente#ocorre#na#obra#pessoana.##
#
ii.(Estado(da(Questão(
#
Este# dossiê# contém# dez# poemas# associados# a# «Juliano# em# Antiochia»,# incluindo#
versos# e# anexos# previamente# inéditos.# Desde# 1952,# sabe>se# da# existência# deste#
projecto,#quando#Jorge#Nemésio#escreveu#sobre#a#obra#ainda#inédita#do#poeta:#
#
Sobre# o# tema# deste# fragmento# [«Ó# Juliano# Apostata,# que# laço»,# nº# 445# na# catalogação# de#
Nemésio]# encontram>se,# no# espólio# de# Pessoa,# mais# os# seguintes:# JULIANO#EM# ANTIOQUIA,#
com#data#de#23>2>1918#(477);#LEGENDAS#–#“JULIANO#EM# ANTIOQUIA”,#com#data#provável#de#
1919# (486).# A# respeito# deste# fragmento# convém# notar# que,# além# da# subordinação# ao# título#
LEGENDAS,#existe#um#esboço#do#livro#de#poemas#LEGENDAS,#com#data#de#6>4>1919#(501),#em#
que#não#figura#o#título#daquele#poema#[...].#JULIANO#EM#ANTIOQUIA,#com#data#de#22>5>1919#
(513);#JULIANO#EM#ANTIOQUIA#–#LOVE>POEM,#com#data#provável#de#1919#(524).#
#

Além% da% repetição# do# tema,# o# que# mostra# a# insistência# com# que# Fernando# Pessoa# o#
abordou,# não# quereríamos# deixar# de# assinalar# que# o# titulo# JULIANO# EM# ANTIOQUIA# foi#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 460


Pittella Juliano Apóstata
enquadrado# pelo# poeta# no# plano# do# seu# projectado# livro# ITINERÁRIO# (557),# em# que# figura#
como#poema#5.#
(NEMÉSIO,#1958:#130>131)#
#
#

Malgrado#esta#inventariação#inicial#de#pelo#menos#7#documentos#associados#
a#«Juliano#em#Antiochia»,#poemas#do#projecto#só#vieram#à#tona#em#1990,#em#Pessoa$
por$Conhecer,#pelo#trabalho#de#Teresa#Rita#Lopes.#Seguindo#a#numeração#de#nosso#
dossiê,#a#edição#de#Lopes#incluiu#os#poemas#1,#3,#4#e#7,#além#da#primeira#página#do#
poema#6.#Vale#ressaltar#que,#precedendo#o#texto#do#poema#7,#Lopes#também#deu#a#
conhecer#uma#nota#explicativa#em#prosa,#feita#por#Pessoa:#
##
O# poema# symboliza# a# alma# elevada# que,# num# tempo# de# decadencia,# lucta# inutilmente,#
procura#infructiferamente#entravar,#a#corrupção#e#a#degenerescencia#geraes.#
#

O#thema#(que#deve#involver,#àparte#este#ponto#central,#outros#pontos#accessorios)#é#a#estada#
de#Juliano#na#cidade#christan#e#corrupta#de#Antiochia,#e#escolhe#para#base#um#momento#em#
que#o#Imperador#sente#bem#a#differença#moral#entre#si#e#os#que#o#cercam,#e#a#differença#de#
fôrça#entre#a#sua#personalidade#isolada#e#a#inteira#estructura#decadente#da#sociedade#que#o#
cerca#e#que#elle#“governa”.#
#

No#tratamento#do#thema#deve#vir#penumbrado#o#fim#de#Juliano.#
#

(Vide#APÊNDICE#3,#no#aparato#do#poema#7;#cf.#LOPES,#1990:#80>81)#
#
Na# edição# crítica# da# poesia# ortónima# escrita# em# 1915>1920# (PESSOA,# 2005c),#
João# Dionísio# republicou# os# poemas# 1,# 3# e# 4# (acrescidos# de# aparato# genético),#
apresentou# pela# primeira# vez# os# textos# 2# e# 5# (sempre# segundo# a# numeração# de#
nosso# dossiê)# e# aumentou# em# muito# o# poema# 6,# estendendo>lhe# de# 15# para# 80#
versos.#Curiosamente,#Dionísio#não#incluiu#o#poema#7#(já#publicado)#nem#o#8#(que#
permaneceria#inédito,#apesar#de#mencionado#por#Nemésio#em#1952).#
Ainda# em# 2005,# em# Poesia$ 1918C1930# (PESSOA,# 2005b),# Manuela# Parreira# da#
Silva,# Ana# Maria# Freitas# e# Madalena# Dine# desencavaram# do# espólio# o# poema# 8# –#
erroneamente# creditando# Dionísio# como# fonte# de# primeira# publicação# tanto# de# 8#
como#de#7#(este#último,#já#editado#por#Lopes).#
Além# de# rever# a# edição# dos# poemas# 1# a# 8# e# estabelecer# o# aparato# genético#
dos#textos#não#incluídos#na#edição#crítica,#este#dossiê#apresenta#pela#primeira#vez#
os# poemas# 9# e# 10,# a# partir# de# documentos# encontrados# em# duas# coleções#
particulares:#um#dactiloscrito#proveniente#do#espólio#de#Manuela#Nogueira#(EMN),#
sobrinha# do# poeta;# e# um# testemunho# dactilografado# com# notas# manuscritas,#
descoberto# na# Colecção# Fernando# Távora# (CFT),# verdadeiro# tesouro# de#
documentos#de#onde#também#provêm#os#anexos#1#e#2#deste#dossiê.#
Não# se# trata# do# primeiro# caso# em# que# um# arquivo# particular# implicou#
redescobertas# nos# estudos# pessoanos.# Para# citar# um# exemplo# recente,# os# Hubert#
Jennings#Papers,#doados#à#Brown#University#em#2016,#possibilitaram#a#atribuição#
de# um# texto# do# espólio# de# Manuela# Nogueira,# não# a# Fernando# Pessoa,# mas# a#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 461


Pittella Juliano Apóstata

Jennings# (cf.# FREITAS,# 2016);# o# mesmo# arquivo,# complementando# os# papéis# na#
Biblioteca#Nacional#de#Portugal,#facilitou#a#edição#de#uma#série#de#poemas#ingleses#
de# Pessoa# previamente# inéditos# (cf.# FERRARI,# 2016).# Mais# exemplos# podem# ser#
encontrados#na#Pessoa$Plural#n.o#8#e#em#sua#versão#impressa#(PITTELLA,#2016).#
O# Espólio# Fernando# Távora,# além# de# oferecer>nos# o# último# poema# deste#
dossiê,#conta#com#notas#do#colecionador#sobre#a#proveniência#do#documento#e#uma#
cópia#do#catálogo#do#1o#Colóquio#de#Estudos#Pessoanos#(vide#ANEXOS#1#e#2).#
Entre#os#anexos,#apresentam>se#algumas#passagens#sublinhadas#por#Pessoa#
em#livros#de#sua#biblioteca#particular;#haverá#outras,#também#capazes#de#iluminar#
as# leituras# do# poeta# aquando# da# escrita# dos# versos# sobre# Juliano.# Ainda,# este#
dossier#não#se#envereda#pelas#várias#listas#de#projectos#que#mencionam#«Juliano#de#
Antiochia»,#outro#fértil#caminho#para#investigações.#
#
iii.(Leituras(e(Releituras(
#
Cada#poema#achado#de#Pessoa#gera#reverberações#por#diversas#partes#da#obra#do#
poeta,# convidando>nos# não# só# à# leitura# da# novidade,# mas# também# à# releitura# do#
que# conhecemos...# ou# pensamos# conhecer.# Perante# a# visão# em# conjunto# dos#
fragmentos#de#«Juliano#em#Antiochia»,#abrem>se,#pois,#caminhos#de#investigação,#
pois#no#poema#podemos#perceber:#
#
a)#elementos#sintáticos#e#semânticos#da#poesia#de#Ricardo#Reis:#
#
Grinaldas)tece)para)o)amor)que)é)morto# #
Nem$só$papoulas$põe$ou$claras$flores.#
#(POEMA#6,#vv.#48>49)#
#
b)# recursos# usados# em# outros# poemas# dramáticos# de# Pessoa,# como# o# uso# de#
decassílabos#intercalados#a#hexassílabos,#além#da#associação#de#versos>falas#a#uma#
personagem#específica,#como#freqüentemente#o#poeta#faz#no#Fausto:#
#
JULIANO:( Toda#essa#podridão#é#o#futuro...#
(POEMA#10,#v.#3)#
#
c)# temas# shakespearianos,# como# o# passar# do# tempo# e# o# perdurar# da# obra,#
eternizados#nos#sonetos#17#e#18#do#bardo#inglês#e#agora#evocados#por#Pessoa:#
#
De#toda#uma#epocha#de#gente#viva#
Que#fica#na#memoria#das#edades,#
Na#herdada#retentiva?#
Um#milhão#de#homens?#De#almas#um#milhão?#
Não:#uma#ode...,#uma#canção...#
(POEMA#10,#vv.#6>10)#
#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 462


Pittella Juliano Apóstata

d)# intertextualidades# com# passagens# da# prosa# pessoana,# como# notou# Távora# em#
suas#notas#(vide#ANEXO#1),#referindo#o#texto#a#seguir:#
#
#

O#imperialismo#de#poetas#dura#e#domina;#o#dos#politicos#passa#e#esquece,#se#o#não#lembrar#
o#poeta#que#os#cante.#Dizemos#Cromwell#fez,#Milton#diz.#E#nos#tempos#longinquos#em#que#
não#houver#já#Inglaterra#(porque#a#Inglaterra#não#tem#a#propriedade#de#ser#eterna),#não#será#
Cromwell# lembrado# senão# porque# Milton# a# elle# se# refere# num# soneto.# Com# o# fim# da#
Inglaterra# terá# fim# o# que# se# pode# suppor# a# obra# de# Cromwell,# ou# aquella# em# que#
collaborou.#Mas#a#poesia#de#Milton#só#terá#fim#quando#o#tiver#o#homem#sobre#a#Terra,#ou#a#
civilização#inteira,#e,#mesmo#então,#quem#sabe#se#terá#fim.#
(PESSOA,#1974:#60#e#1979:#240;#BNP/E3,#125A>13)#
#
e)# importantes# contributos# para# a# teorização# pessoana# sobre# o# paganismo,# pois#
«Juliano# em# Antiochia»# também# pode# ser# lido# como# panegírico# neopagão.# Nesse#
sentido,#cronologia#e#teoria#literária#são#importantes:#o#ano#de#1916#(quando#Pessoa#
escreveu# os# primeiros# versos# sobre# Juliano)# também# foi# um# período# crucial# no#
desenvolvimento#dos#heterónimos;#além#disso,#o#próprio#conceito#de#«paganismo»#
é#chave#para#o#entendimento#do#heteronimismo,#como#indicou#Jennings#nos#anos#
1980#(1984:#157>161#e#1986:#92>95)#e#aprofundou#Steffen#Dix#em#2005.##
#
f)# a# necessidade# de# reinterpretar# escritos# autobiográficos# de# Pessoa,# pois# ele# se#
identifica# com# Juliano;# o# próprio# título# da# seção# em# que# Lopes# apresentou# os#
primeiros# poemas# de# «Juliano# em# Antiochia»# evidenciam# tal# relação:# «Pessoa# –#
pagão# novo:# reincarnação# de# Juliano# Apóstata»# (LOPES,# 1990:# 80).# # Note>se# que# o#
poema#1#principia#na#segunda#pessoa,#com#a#evocação#«Ó#Juliano#Apóstata»,#mas#
termina#(na#medida#em#que#um#poema#incompleto#pode#terminar)#na#primeira:#
#
Agora,#renascido,#
Quero#outra#vez#erguer#os#deuses#mortos#
(POEMA#1,#vv.#16>17)#
#
A# mesma# identidade# ressurge# na# prosa# pessoana:# «Mais# do# que,# propriamente,# o#
dos# neo>platonicos# é# meu# o# paganismo# sincretico# de# Juliano# Apostata»# (c.# 1917,#
PESSOA,#1966:#229;#BNP/E3,#21>7r).#Com#a#publicação#dos#cálculos#astrológicos#feitos#
no# mesmo# bifólio# em# que# o# poeta# listou# dados# biográficos# de# Juliano,# percebe>se#
que#o#poeta#buscou#uma#relação#entre#a#sua#data#de#nascimento#e#a#do#imperador#
Juliano#(vide#ANEXO#5).#Isso#permite#ler#sob#outra#luz#o#texto#inglês#«I#have,#thus,#
arrived#at#my#28th#year...»#no#mesmo#suporte#(vide#APÊNDICE#4).#
À#guisa#de#conclusão#(ou#provocação#numerológica),#chame>se#atenção#para#
o#fato#de#que#os#fragmentos#de#«Juliano#em#Antiochia»,#em#conjunto,#somam#241#
versos#–#exatamente#um$a$mais$do#que#o#total#de#versos#da#«Ode#Triunfal»,#com#a#
qual#o#heterónimo#Álvaro#de#Campos#foi#apresentado#ao#mundo#(cf.#PESSOA,#2014:#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 463


Pittella Juliano Apóstata

Kr>KLO=#6;%)'3#1&-I&>+&#,!&#%#+&"->%)(70-"%#4!5-'0%#6$7+('('#0%+#8%0.-1&#!"'#.&?#
"'-+#'#8%09&8&)3#1&+8%09&8&)#&#)&8%09&8&)#2&++%'=#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 464


Pittella Juliano Apóstata

II. Poemas*

1. [BNP/E3,(42226r]
c. 3>6>1916

Ó#Juliano#Apostata,#que#laço#
É#esse#que#me#prende#a#quem#tu#foste,#
Imperador#sombrio#e#calmo,#quem#
É"que"em"nós"ambos"é"o"mesmo"alguem?#
5 Porque#sinto#eu#teu#gesto#no#meu#braço#
Na#minha#vida#tua#morte.#

Quem#foste#tu,#que#hoje#me#sabes#tanto#
A"eu"ter"sido"tu."Porque"é"que"lembro#
Teu#vulto#serio,#o#mando#teu#augusto,#
10 Teu#porte#de#alma,#calmo#e#□#e#justo,#
Como#o#por#Maio#a#Junho#steril#pranto#
Quando'é'Dezembro?#

Imperador#acceite#pelas#gentes#
Do#teu#Imperio#em#prisões#de#te#qu’rer,#
15 Sobrio,#vergado#sobre#os#livros,#
□#
Agora,#renascido,#
Quero#outra#vez#erguer#os#deuses#mortos#

2. [BNP/E3,(42226r]
c. 3>6>1916
Fig.(1.(BNP/E3,(42226r(

Fecho#os#olhos,#medito#
E,#se#invoco,#revivo.#
Um#momento#meu#ser#é#infinito#
No#intervallo#entre#mim#e#o#que#fui#
5 Depois#estagno,#e#o#meu#ser#morto#e#esquivo#
Rio#vasto#por#mim#flue.#

* Agradeço#a#Jerónimo#Pizarro#a#ajuda#na#edição#de#passagens#à#primeira#vista#ilegíveis.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 465


Pittella Juliano Apóstata

3. [BNP/E3,(42226v]
c. 3>6>1916

Outr’ora#
No#crepusculo#do#Imperio,#
Eu,$Julião$o$Apostata,$mandei#
Os#templos#dos#meus#Deuses#reerguer.#
5 Não$era$minha$a$Hora.#
Tua$era,$ó$Christo,$e$□#

4. [BNP/E3,(42226v]
3>6>1916#

Ás#vezes,#quando#scismo,#e#incerto#vou#
Atravez(do(meu(ser(em(confusão#
Procuro#vêr,#sentir,#sem#olhos#lêr#
Na#minha#consciencia#a#alvorecer#
5 De#que#anterior#Presença#humana#sou#
A#reincarnação.#

Então,'aos'olhos'com'que'sonho'olhando,#
Meu#proprio#vulto#outro#se#ergue,#e#eu#sei#
Que#fui,#num#grande#occaso#de#□#gentes#
10 Entre#sonhos#nas#almas#confluentes#
Alguem#com#gesto#e#mando,#
Imperador#ou#rei.#

Triste,#profundamente#triste,#calmo# Fig.(2.(BNP/E3,(42226v(
Sim,#calmo#como#a#morte,#eu#quiz#fazer#
15 Com$que$em$não$sei#que#terra#revivesse#
Um#bello#culto#morto,#a#incerta#messe#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 466


Pittella Juliano Apóstata

5. [BNP/E3,(42247r]
23>11>1918#

No#azul#da#tarde#o#hymno#christão#se#mexe#
Com#os#beijos#vendidos#
Pouco#a#pouco#□#o#Cesar#desce#
Os#degraus#denegridos...#
5 O#templo#ruiu#e#Christo#emfim#venceu#
A#terra#é#um#Logo>Deus.#

Fig.(3.(BNP/E3,(42247r

6. [BNP/E3,(43247(e(43248]
22>5>1919#

Agir,#sabendo#
Que#a#acção#é#vil#e#o#exforço#nada.#
Ir#para#a#frente#por#dever,#mas#vendo#
Que#não#ha#strada.#
5 Tornar#a#pôr#altares,#templos#mortos#
Aos#deuses#reerguer,#sem#ignorar#
Que#as#almas#são#de#Christo#já,#e#ha#outros#
Homens#□#

O#exforço#inutil#feito#por#dever#
10 E#o#amor#á#verdade#inacceitavel,#
A#teimosia#stoica#em#dever#ser#
□#

Venceste,#Galileu.#Mas#nada#prova# Fig.(4.(BNP/E3,(43247r
Da#verdade#de#tu#teres#vencido.#
Constantemente#o#mundo#se#renova#
15 Um#dia#é#o#dia#do#mal#□#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 467


Pittella Juliano Apóstata

Ai#de#quem#nasce#no#dever#absurdo#
De#conquistar#á#morte#um#moribundo,#
De#fallar#□#a#um#imperio#surdo#
E#dar#ao#mundo#leis#stranhas#ao#mundo#
20 Quando'o'corrupto'corpo'não'conhece#
Por$saude$senão$o$bem#que#adoece#
E"o"natural"repugna"porque"não#
Lhe$é$natural,$por$□$a!razão,#
Que#força#tem#a#força#para#□#
□#

25 Que#ao#menos#ao#meu#exforço#condemnado#
Ao#exilio#do#exito,#o#Destino#
Renascimento#dê#num#melhorado#
Fig.(5.(BNP/E3,(43247v
Tempo#aos#antigos#deuses#mais#benigno.#

Assim#fallou#com#a#voz#que#hoje#trago#
30 Ha#mil#annos#e#meio#o#Imperador.#
Se#ergo#de#olhar#para#a#minha#alma#o#olhar#
Com#que#commigo#encaro#e#□#

E#o#sentido#da#minha#vida#
É"uma"statua"antiga"reerguida#
35 Do#fundo#de#um#lago#□#

A#sombra#de#outros#deuses#enche#os#hortos.#
Que$vale$não$crer$n’elles,$se$elles$vieram?#
E#se#os#deuses,$em$nós$mortos,#
Levaram#para#o#abysmo#o#que#era#seu#–#
40 O"amor"á"vida,"que"□#nos#deram#
Hoje%só%o%amor%a%amar%□.#

Bate%o%sol%só%em%casas%de%eremitas.#
Que$importa$não$querer$o$ermiterio?#
O#que#de#novo#veiu#enche#as#contritas#
45 Almas,#e#o#proprio#sonho!é"já"de"Christo.# Fig.(6.(BNP/E3,(43248r

Choras?#Para#que#choras#as#avitas#
Glorias#da#vida#□#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 468


Pittella Juliano Apóstata

Grinaldas)tece)para)o)amor)que)é)morto#
Nem$só$papoulas$põe$ou$claras$flores.#
50 Violetas#busca;#e#no#deixado#horto#
Vê#se#colhes#as#flores#da#tristeza#–#
Flor’s#sem#perfume#como#estes#amores,#
Flores,#como#estas#sebes,#sem#belleza.#

E"quando,"de"grinalda"já"composta#
55 Só#restar#dar>lhe#o#uso#e#ao#uso#os#beijos,#
Com$lentas$mãos$desfal>a#□#
Penelope#*sahira#sem#marido#
Desfal>a#como#aos#□#desejos#
Quando#realizal>os#□#

60 E#assim#na!inutil&obra&em&que&compões#
Sem#mesmo#ser#para#os#campos,#as#flores#
Que$com$cuidado$nas$grinaldas$pões#
E#sem#cuidado#continuas#pondo,# Fig.(7.(BNP/E3,(43248v
Vae#vivendo#a#sonhar#esses#amores#
65 Que#em#meu#sonho#de#ti#eu#vou#compondo;#

E#um#dia,#se!é"dos"deuses,"ou"de"além,#
Que#em#outros#corpos#volta#a#nova#alma#
Em#que#esta#dôr#nossa#consciencia#tem,#
Se#entre#outros#hortos#□#

70 Talvez'que'extranhos'um'ao'outro'nós#
Cruzemos#no#caminho%e%um%só%momento#
Olhando>nos,#*venha#um#subito#e#veloz#
E#autentico#assombro#e#□#medo#
Uma#emoção#no#nosso#pensamento#
75 Uma#occulta#verdade#do#segredo.#

E#será#esse#nada#o#amor#emfim#
Por$que$esta$grinalda$morta$é$feita;#
E#um#e#outro,#pesando>nos#na#alma,#
Perguntamos:#que#houve#agora#em#mim?#
80 Mas$já$parámos...#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 469


Pittella Juliano Apóstata

7..([BNP/E3 3 3r]
c.#1919?

Quem#governa#mais#longe#que#só#os#gestos?#(
Quem#pode#mandar#mais#do#que#o#Destino?#(
Mithras,#meu#pae#□#

5
Regente#inutil#de#um#imperio#extincto,#
Portador#de#um#cadaver#sobre#mim,#
-··
•Jultuo • Ant1ooh1a•.

O po- •)'ait.ouaa a alaa elen.da que, n-

Minha#vontade#morre#no#precincto#
t•po 4a dacadencla, lucta lnuU l..,.ta, ~rown
lntnictlf•r•ent• antn.wr , a c.iomfflO • a da •
pn.-acancia aal'Ma .
ponto
ºc::;:l~q:t~::· 1:::••~~-;:)
5-~~:: ·r: ...
Da#minh’alma,#sem#alma#alguma#affim.# da Juliano
t&U
4• Antlochia,
que o I~nMlor
na cidada ctriatan • cOrl'\IJ'\a
a aacolba para 'oaaa .a 110aanto •
aante b• a 41tfann;a .oral

Meus#decretos#são#agua#tal#qual#um#
entra N • oa qua o c•rc-, a a 41ffarenp da
r8r;a antn a •• peraonaUdUa bolada • a ln •
talra aatructun. dk&Uflta 4a aoue11a• Cil• o
caro& a que alla •ICl••n:ia•,

Homem#só#a#consegue#arremessar#
Jo trataaento do t.h ... dna .rtr paruabndo
o U• da Juliano,

10 Sobre#o#incendio#de#um#paiz.#Nenhum# Qu- goTam& •1 • longe que -6 o• 1aatoa!


Q,u.. poda •nd&r •h do qua o DHtinot

Salva#o#que#a#si#se#não#pode#salvar.#
llithraa, aau .-.,

aacont.a tnutU da ua laperio u.Uncto ,

Minha#voz#em#nenhuma#alma#calha,#
Porta4or de • cauyar aobN Ilia ,
1111M Tont.U. aorn ao praelr.cto
11a alnh'ala&, - alM ateu- atfi•,
h\la dacNt.oa .ao ap tal q-.1 ua
a ... ali a coo•~ arn•H•r

Meu#trabalho#por#nada#e#vil#trabalha,# lclbH o tncaruU.o 4e IUI pais, l•nb•


lah& • que a d •• nb pot• •l'f'U'.
atllha 9H • uniu.a ala& oalbao
11n t•lalllo por .... • .-u traNlha,

Passeio#o#exforço#meu#entre#desastres.#
he .. io • uf'Ol'fO ... eatN .... t .....

Fig.(8.(BNP/E3,(43213r

8. [BNP/E3,(4425(e(4426r]
c.#1919?

Mas#ah#que#um#ente#vil#e#tão#mesquinho,# '• · 6

Extrangeiro#á#virtude#e#á#intelligencia,#
Assim#ponha#em#submisso#desalinho#
O#edificio#□#da#nossa#sciencia!# ku ai>~-"" <>;>U l'tl
./r
• tl41' -~141.\II• ,
IJU·-•tn 6"1r,,,...• •, 111•lltn,..t1.
, .. ,. l"·"'- - •.-Stff •••• u,,..
•·un,,., ,n ""' ut111011!

Studo>te#e#odeio#com#desprezo#e#magua.#
u ... _u • HUI,__ ... HIJ,,l'ff'!> •• , , ....
J••· ,.., ._..,...,.. u11net1
5
H•"- ""' .. ,
fnat••ll•-H•••t•-1..-....
,..,,.,, .. O ; .. ut~ • • ff ,0,.101,n,11.

Plebe#dos#sexos,#sem#pudor#nem#sciencia,#
1'11 n")l'"J,1'11NP11\11"'11"11"11"•
1 .... P,.., J ,f'h l)OQ41H l ~J• •11'111 ,

f""-') l~'!'Mlltll, t ... 10 ,_ 11t..d,


J H I li -·- ,_.. •• 'f\'11.Mfl _,_,, .. ,

Instavel#e#amoldavel#como#a#agua,##
) il•unu,11rllll•q,.,

Incapaz#de#justiça#e#de#consciencia.# ~ou .., 111..a1 H1'1 •• &.1•r un10.


? .,,_\o • 1ft. •P<lllrl• , ... 1,,ltt1<1-, IMl .,U,

Vil#no#proprio#carinho#dedicado,##
f'.,,.,.
..,,..,..,. ..a1,1llll,o•r-u,
Ili n ••• dHJ>H•U-u I l' ff•U !1111,

~:::·..r·=·~:,~::-~
...~.:--:~r:;;!'
·
:!·,:-,::,:~-::-~·t:•::.
E#na#propria#bondade#anjo#malvado.#
r-,/' •.,.
10
o ... rnq ...... ,Al''i'II-Al'IH,
Q... ni",j1 , •• HI' NIH' tl'lq141U,
JolÚIH,.t>l1H,.6e

Tu#aproveitas,#tudo#ao#goso#chamas.##
E#se#a#ti#mesmo#enganas#quando#mentes,# Fig.(9.(BNP/E3,(4425r(

Não#tanto#enganas#que#□#

Ah#que#contra#uma#alma#que#aprendeu#
15 Na#incerta#sorte#e#rudez#má#da#vida#
A#ter#a#firme#□#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 470


Pittella Juliano Apóstata

Possam#as#tuas#redes#valer#tanto,##
Tanto#o#teu#proprio#suspeitado#encanto.#

Porque#de#nada#vale#conhecer>te,#
20 De#nada#desprezar>te#e#ver>te#nada.#
Fazes#querer>te#a#quem#não#quer#querer>te,#
Quem#vê#os#spinhos#na#tua#rosea#strada##
Não#menos#segue#a#strada#que#vê#ser##
Da#perdição,#esquecendo>a#por#te#ver.#

25 Que#fraqueza#se#é#força#sermos#fortes,#
Que#força,#se#ser#fortes#é#fraqueza,# h•d• .. • d••Jar•,ar-t•
r•s•r •• t••t<••º"• q1o.11d11•5ar111
...
• ;.. ...11•
;;ã""'
11.

Nos#dá#scravos#aos#pés#□## ••n.iCwt\.1'11h1o.11car
1n .. u1
••"
t• r1•tutrl
q.,.r•r ni1 ur ti-'
t,,~•
t"r'I• n •n• ••"" ••11••f'\l.lr.
19n•!

r ·•1• 111rt1 • 11&•• ••1•n•rT•


n:r.::!•.d~":•:f:.
~!a:•.:;:'~
~ontr • nn,.., lltn9ru. b,:, •"nlll'\oll 1--'" ,>- , ,...'t-

Podemos#desprezar>te#e#nem#queremos# :h!~·~.:;•~!.it:9!:.11;:h:;:.
i renlu
"•tto. ~.,,,
1n•eHntl do d•~•.l•;:,;.. ::: ":;,; , r

Fazer#os#gestos#com#que#desprezamos.# lntr•
i
Ili
11..
o .l1no,"~•
c• ••
ltril(II. '41'1
lnt•rpff
·- --
1 101tn•l1
Ili"
:>l,...
4 11111~• -ullla
t• .. o•rtllho.
etlll'IIUIIII\I,
1. -u

t•\l lft.11\0 ''"J'III, Clrff lllo• .. nh••


i;....c _, • k .-,{,.~ ,- r-- ....--- -~
--r..,..~

•.
~~-:--:·,
: :i":.'~.:!;:.-:-!:~:~!~"12
30 Van#loucura#buscar#te#resistir!# :f:!! !:: d:;°~:.:o••'~!:
•r,,4,,, Hllf• n4• qwr. 1 nrlo. - ti

Inutil#força#querer#não#ser#teu#servo!#
tw1.o. •ila"••r

Sem#força#ou#arte#sabes#conseguir.##
-=:.:~!cW!'I!:.!~.~::·
Quo, 4 o aal.
q .. 11 unu
nio fl.a'lldo l atros.
hl'lldll

ci-..•11tooorp<1\0
sa u nl11t•01,
4111111Ud1.

dl
o-
11

t-.••Mtl-1"1111,
unia
nio uu.,
'IIU

tUPl<!l.ff••

E#cada#stria#em#nós#de#cada#nervo##
Qua f"l'9• '1"1)!'9ft,flt,ia 4 qca j 5ar•d••
i-ara, n""'° • º"n•tents , r•~.,_,.,_t•,

Clama#contra#o#dominio#da#razão# B•••• ..•.ni••--D•tn•&


q.,.,.do q,..r •11 11-..11• ,1orl• • 1 1...,ru1 '1141

Se#o#mero#braço#sente#a#tua#mão.#
""•e•1JL1.•110•1111..r.r-t1. t•n«..,d&

35
Fig.(10.(BNP/E3,(4425v(

Contra#Venus#Minerva#não#construe#
Armaduras#que#durem#mais#que#um#beijo.#
Não#tem#Jove#justiça#que#subdue#
A#revolta#insolente#do#desejo.##
40 Se#a#tua#bocca#falla,#tudo#cala#
Em#nós#saber#o#que#em#nós#te#ouve#a#falla.#

Entre#o#livro,#onde#a#sciencia#é#lida,#e#a#mente#
A#imagem#se#interpõe#do#teu#carinho.##
Na#‘strada#para#o#Olimpo#eternamente,#
45 Teu#vulto#surge,#Circe#do#caminho.#
Entre#nós#e#a#ambição#que#quer#erguer>nos#
Anseiam#teus#humanos#olhos#ternos.#

E#com#teu#meigo#amplexo,#inda#sonhado,#
A#alma#fraqueja,#a#sciencia#é#fria#e#doe.#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 471


Pittella Juliano Apóstata

50 Não#te#ter#todo#o#agrado#e#bem#destroe.#
Tudo,#salvo#a#razão,#em#nós#te#quer.#
Tudo,#a#não#ser#□#
,, '
Perenne#peso#da#matéria#em#nós,#
Q~o •U u n1 pora Q1.o iu .., u,oe.
Queodlo,::_ten•{-udo~olQ'-mo

Symbolo#eterno#da#imperfeita#vida,#
55 Que,#havido#é#o#mal,#e#não#havido#é#atroz,#
Que#tanto#does#tida#como#não#tida,#
Que#se#o#corpo#te#tem,#a#mente#adoece,#
Se#te#não#tem,#de#te#não#ter#padece.#

Que#força#sobrehumana#é#que#é#precisa#
60 Para,#firme#e#constante,#rejeitar>te,#
□#

II.# Fig.(11.(BNP/E3,(4426r

Se#me#amas,#não#me#ames.#Deixa#só#
Quem#não#quer#mais#que#a#gloria#e#a#immortal#vida#
Busca#quem#possa#qu’rer>te,#tendo#dó##
Que#mal#te#fiz#para#que#tu#me#ames,#
65 Que#odio#me#tens#á#vida#para#amar>me#
□#
E#a#noite#que#nos#□#e#nos#spera#–#
E#a#madrugada,#breve#primavera.#

Ji..liano e• An\.ioohla -

9. [EMN,(sem$cota]
Calau, 1ubll l a110 ao 1noogn1to U1t1ne .

c.#1919? f'ol" tcda ~ nt1oohla, ,


No eooureoer onda •• •• roraa e.o1e1,
lf111 ah.to auraurc de ..-. a da hJ- ,
BaYaN•aa ~aa •• pr1011 a • orgia.

Calou,#submisso#ao#incognito#destino#
11111 rol 181PN , 1 ··"' MlpN , O hoiae1,

Por#toda#Antiochia,#
No#escurecer#onde#se#as#fórmas#somem,#
Num#mixto#murmuro#de#pranto#e#de#hymno,#
5 Revezavam>se#as#preces#e#a#orgia.#

Assim#foi#sempre,#e#será#sempre,#o#homem.#

Fig.(12.(EMN,(sem$cota

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 472


Pittella Juliano Apóstata

10. [CFT,(sem$cota]
c.#1919?

E#o#proposito#addiado#sempre,#
A#vã#vontade#sempre#dividida...#

Juliano:(

Toda#essa#podridão#é#o#futuro...#
(O#orgiaco#murmurio#vago#e#impuro.#
5 É#nessa#podridão#que#stá#o#futuro...)#

De#toda#uma#epocha#de#gente#viva#
Que#fica#na#memoria#das#edades,#
Na#herdada#retentiva?#
Um#milhão#de#homens?#De#almas#um#milhão?#
10 Não:#uma#ode...,#uma#canção...#
Uma#pagina#cheia#de#ansiedades...#
Uma#só#melodia#esquiva...#

Os#que#amaram,#fruiram#e#soffreram,#
Deram#á#terra#o#nada#vivo#que#eram.#
15 Os#que#reinaram#e#fizeram#guerra# S o propolito
A vi TDntade
Ldd1'.do
1m,nre
••J'1>r•,
dividida •••

O#nada#altivo#que#viveram#deram# J uliano :

Á#mesma#muda#e#renovada#terra.# "'oda eaaa pi:dridlo

(i ::::1;C:~f!i~\~J1~;:~~~-
é o rut1ro •••
~,llr0~
De toda ur,. epooha. de gmte viva
Que ti01. nenorta da, eda.481 1

Só#do#esquecido#scriba#o#manuscripto,#
lia herdll da retanth'a T
l't.'I nilhlo de hO!l9naT Di, ali,.e un nilhlo'
fflo: Ul1 aonet.a ••• , w-. otnção •••
pagina cheia ue am 1edade1 •••

No#amanhã#longinquo#d’outras#eras,#
tTr.a ,ó ndlodia Hquivp. •••
o, que anara.-,,, rrutrar.i. , ,ortrermn,
1

Se#desdobra#submisso,#e#lê#com#rito,#
U9 rru, a terra o nada rtvo que enu1.
20 g-i:: ~!!~~u:;i::= r.:.~
J..m,na ni4a • reow4.a t_..,...
'
Só#do#poeta#que#ninguem#olhou# : ::.!:au~~~~~~~i:: ~t~u=~~to,
01
~bsi !~~~t:·:i,,.nl~:g
Todos#olham#as#paginas#severas.# 'l'odo• olhan •• paginas
Po1 o 'lu• tioa
~ll;~
o que tioou.
• evM"aa...

Foi#o#que#fica#o#que#ficou.#

Fig.(13.(EFT,(sem$cota

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 473


Pittella Juliano Apóstata
(
III.(Anexos(
(
ANEXO(1.([CFT,(sem$cota]( (
a$quo#Abril#de#1978# (
# (
Este# Juliano# deve# ser# o# mesmo# de#
“J[uliano]#em#Antioquia„#a#pp.#31,#75,#109,#110,#
130>1,# de# “A# obra# poética# de# F.# P.„# por# Jorge#
Nemésio#–#
#

Este# ms.# pertenceu# ao# J[oão]# Gaspar#


Simões# que# o# autenticou# a# meu# pedido# e# por#
intermédio# de# M[anu]el# Ferreira,# livreiro>
alfarrabista#a#quem#o#comprei.#
#

O# tema# “só# do# esquecido# scriba# o#


manuscripto„,# “só# do# poeta# que# ninguem#
olhou„#é#igualmente#tratado#por#F.#P.#na#prosa#
inédita# publicada# no# n.o# 20# de# “Colóquio„,# a#
pág.#60.#
#

Este# fragmento# figurava# na# Exposição#


(
realizada# quando# do# 1o# Colóquio# de# Estudos#( (
Pessoanos#(n.o#64#do#Catálogo)# Figs.(14(e(15.(Notas(de(Fernando(Távora((CFT)((
(
(
(
ANEXO(2.([CFT,(sem$cota]( (
ad$quem$Abril#de#1978# (

©
Poema sem titulo (3 .Vll .1915) .
@
Liberdade ( sem data) .
@
Marinha (21 .IV .1927) .
1
1
@
Fragmento sem título (sem data) .

l .J
#
65
Texto do Livro do Desassossego
{sem data) .
@
Figs.(16(e(17.(Capa(e(pormenor(com(o(item(64(do(catálogo(do(1 (Col.(de(Est.(Pessoanos((CFT)(
o
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 474


Pittella Juliano Apóstata

(
ANEXO(3.([BNP/E3,(282101av(e(282101v]( (
c.$13>6>1916# (
# (
Juliano$o$Apostata.# (
(
Nascimento:1#Constantinopla#a#17#Novembro#331#(ou#332)#
Morte:2#Tummara#(sobre3#o#Euphrates)#26#Junho#363.#
Filho#de#Julius#Constantius#e#da#sua4#2ª#mulher#Basilina.#
Pae# foi# égorgé# em# 337# por# ordem# de# Constancio# II# e#
tambem# seus# (de# Juliano)5# dois# irmãos# (do# outro#
casamento#do#pae).#
341#–#foi#morto#o#irmão#mais#velho#de#Juliano.#
(Gallus,#irmão#sobrevivente#de#Juliano6#nascera#em#325)#
354#–#Gallus#(Cesar#desde#351)#foi#morto.#
6#Novº#355#–#Juliano7#proclamado#Cesar.#
Morte#de#Constancio#(pela#qual#Juliano8#ficara#imperador)#
3#Nov.#361.#
___________________________________________________ (
(
__#
Naville:#Julien$l’Apostate.9#
Rendall:# The$ Emperor$ Julian# (contains# complete# (
bibliography)# Figs.(18(e(18a.(BNP/E3,((
282101av(e(282101v((pormenor)((
Articles# de# Boissier# (1# juillet# 1880)# et# de# Martha# (1# mars# (
1867)#dans#Revue$des$Deux$Mondes.10# (

Oeuvres$de$Julien#–#traduites11#par#Talbot.#
Memoires$ Couronées$ et$ autres$ mémoires# de$ l’Académie$
Royale$de$Belgique#–#1898#–#tome#LVII.#
Alphonse12#Capart,#S.#J.##
«La# propriété# individuelle# et# le# collectivisme»13#
in# Mémoires$ de$ l’Académie$ Royale$ de$ Belgique,14#####
t.#57#(read)#
#
#

#
#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 475


Pittella Juliano Apóstata

#
ANEXO(4.([BNP/E3,(282101v]( (
c.$13>6>1916# (
# (
17#Novembro#–#!#in#!#27 #–#2## o

26#ou#27#ou#28#!#
#
estava#onde#estava#em#17#Nov#1887##
#################################################ou#1889#
#

###### # (
# Figs.(19(e(pormenores.(BNP/E3,(282101v((
(

#
#

#
#
#
# #
#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 476


Pittella Juliano Apóstata

ANEXO(5.([BNP/E3,(282101r(e(282101ar](
c.$13>6>1916

.
Bossuet,# dans# ses# explications# sur# l’Apocalypse,# prouve#
longuement#qui#Julien#est#la#bête.1#
Christianity#(its#state#in#evil#enfevers#souls)#Martha.#144#
p. 145,# end# –# 148# (very# good2# comparison# between# the
absence# of# religious# wars# in# pagan# antiquity# &# the#
christian#ones)#
146#(middle)#
“eut#le#foie#traversé#d’un3#javelot”#
Juliano,# por# certas# especulações# do# seu# hymno# ao# Rei# Sol,#
/..J- ,.,.;:;
,;-J......;;
7. ,...fa. M, ;,-...._ ,,,,.,__
--1.-
- ,t-... ~;t;:;:"
dava#vida4#á#chamma#christan.# 1- 1,~ - ,._ ,.....,.=.. ',
"'"t;z,c-~~-""P., -.......
Boissier#–#p#92#–#The#non>acceptance#by#Christianity #of#the#
5 I , '~ IF>':>I~~---,.:--

esoteric$ &$ exoteric# philosophic# duality:# it# was#


4, 11: J".:.
'///~ t~'.£ I
1--. I r,.,._,""
- "' ,)
democratic#sometimes.6#
Was# the# term# “hellenism”# created# by# Julian?# (Boissier# in# 2#
places)7
Figs.(20(e(20a.(BNP/E3,(282101r((
[Auguste]# Comte# attacks# Julian,# Émil# Lamé# makes# a#
curious#defence#(Boissier,#108>109)#

ANEXO(6.([CFP,(82285,(vol.(II,(“Misopogon”](
'1'111': 1\"0llKS OF T I IE
IC:'11Pt,:HOH J UL JAN
[passagem#sublinhada#por#Pessoa,#a$quo#1913#(c.#1916?)]# \\ lTII AX ~:x1;1.1s11 TIU','',f.ATIO" DY
WIJ , \I E II ( ', \\ 1: \ \ ltl l, II T. Pu. I>.

«first# you# begin# by# refusing# slavery# to# the# gods,#


secondly# to# the# laws,# and# thirdly# to# me# who# am# the#
1::,: TIIRU: YOI.L'.l!~;::.

"
guardian#of#the#laws.»#

L O~DOS; WIL L I ,\\! H F,I .SE~IA:-;'S


SEW YOIIK : T H E ~l:\ C~II L I..\ :,.' CO.

Figs.(21(e(22.(CFP,(82285,(vol.(II:(
rosto(e(p.(473((pormenor)(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 477


Pittella Juliano Apóstata

(
ANEXO(7.([CFP,(2255,(“Reaction(under(Julian”](
# A 8HORT
#

[passagens#sublinhadas#por#Pessoa,#a$quo#1902#(c.#1916?)]# II IKTOHY
OF CHlll8TIAX1TY

#
«If,# again,# we# keep# our# eyes# on# the# age# of# Constantine,# we#
cannot#but#be#struck#by#the#fact#that#Constantius#“the#pale,”#the#
,JOIIX \J. JlOIIEllTSOX

father# of# Constantine,# a# monotheist# but# not# a# Christian,# and#


Julian,# who# turned# away# from# Christianity# to# polytheism,# are#
by# far# the# best# men# in# the# series# of# rulers# of# that# house.#
Christianity#attracted#the#worse#men,#Constantine#and#his#sons,# WATTS&. CO.,

and# repelled# or# failed# to# satisfy# the# better;# and# the# younger#
11, ,OH!IIIO!f'll OOt'llT, FLU:T STlllT , t.OlfDOll. LC.
>ffl

Constantius,# who# was# bred# and# remained# a# Christian,# is# the#


(
worst# of# all.# The# finer# character>values# are# all# associated# with# Figs.(23(a(25.(CFP,(2255:(rosto,(
paganism:#on#the#Christian#side#there#is#a#signal#defect#of#good# pp.(159(e(162((pormenores)(
men.»#
#

REACTION UNDER JULIAN.

nobility. If, n.gain, we keep our eyes on the age of


Constantine, we cannot but be struck by the fad Uia,
Constantius "the pale," the father of Constantine,a
monotheist but not a Christian, and Julian, whoturned
awny from Christianity to polytheism, are by far the
l>t't men in the series of rulers of that house. Chris-
tianity n.ttracted the worse men, Constantine and his
ons, and repelled or failed to satisfy the better ; and
the younger Constantius, who was bred and remained
a 'hristinn, is the worst of all. The finer character- ;
values are all associated with pn.ganism: on the Chris-
tian side there is a signal defect of good men. #
#

«Julian# himself# schemed# more# solid# reforms# of# administration#


in#his#one#year#of#rule#than#any#of#his#Christian#successors#ever#
accomplished,#with#the#exceptions#of#Marcian#and#Anastasius»#
#
Constantine onward·. Julian hims elf schemed more
solid reform: of administration in his one year of
rule than any of his Christian succes ors ever accom-
plished, with th xceptions of 1\fa.rcianand Anastasi us; #
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 478


Pittella Juliano Apóstata
(

IV.(Aparato(Crítico(
(
1.([BNP/E3,(42226r]#
ATRIBUIÇÃO:#Ó#Juliano#Apostata#[evocação$no$incipit]#
DESCRIÇÃO:#Tira#parda#vincada#ao#meio#(na#horizontal),#manuscrita#a#tinta#preta,#com#intervenções#
a# lápis# cinza.# O# documento# contém# quatro# grupos# de# versos# (dois# em# 42>26r# e# dois# em# 42>26v)#
atribuíveis# ao# poema# «Juliano# em# Antiochia»# ou# «Julião# Apostata»# –# títulos# que# aparecem# no#
documento#(vide#Anexos).#$
DATAÇÃO:# O# texto# na# metade# inferior# de# 42>26v,# o# único# datado# do# suporte# (3>6>1916),# parece# ter#
sido#o#último#escrito#do#papel,#como#sugeriu#Dionísio#(PESSOA,#2005c:#334>335);#o#poema#em#questão#
será#temporalmente#próximo#e,#provavelmente,#anterior.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#353>354;#2005c:#83;#LOPES,#1990:#81>82;#NEMÉSIO,#1958:#108#(incipit).#
NOTAS:#
1# Ó#Juli<ão>/ano\#emenda$a$lápis.$
9# <em#que>#[↑#o#mando]#
10# d<’>/e\#alma#
11# <de>#[↑#por]#Maio#<em>#[↑#a]#Junho#
15# livros,#<†>#
#
#
2.([BNP/E3,(42226r]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia$[título$do$projecto$ao$qual$o$poema$se$liga,$através$de$uma$seta]$
DESCRIÇÃO:#Mesmo#suporte#do#poema#anterior.#Uma#linha#conectada#ao#v.#1#visualmente#liga#este#
texto#ao#projecto#«Juliano#em#Antiochia»#(nomeadamente,#à#primeira#parte#do#projecto,#como#se#vê#
no# APÊNDICE 1).# Entretanto,# as# informações# do# plano# não# são# suficientes# para# associar# as# demais#
estrofes#em#42>26#às#respectivas#partes#da#planejada#obra.$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#do#poema#1.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#354;#2005c:#84.#
NOTAS:#
3# <meu#†>#[↑ meu#ser]#
6# Rio#fundo#[↑ vago]#[↓ vasto]#
#
APÊNDICE#1#
[42>26r#–#ms.#–#projecto#do#poema]#
#
Juliano$em$Antiochia:$
#

The#idle#efforts#of#a#reformer,#of#a#man#who#
wishes#to#bring#back#the#fair#past#to#the#evil#
present,#the#past#of#kings#to#the#present#of#slaves.#
#

# 1.$My$invocation$
# 2.#A#vision#of#Julian#in#Antiochia#
# 3.#Conclusion#
Fig.(26.(BNP/E3,(42226r((pormenor)(
(
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 479


Pittella Juliano Apóstata
(

3.([BNP/E3,(42226v]#
ATRIBUIÇÃO:#Eu,$Julião$o$Apostata$[referência$no$v.$3]$
DESCRIÇÃO:# Mesmo# suporte# do# poema# anterior.# Entre# este# poema# e# o# seguinte,# numa# seção#
demarcada# por# linhas# horizontais,# figuram# um# título# e# um# subtítulo# do# projecto# «Julião Apostata»
(vide APÊNDICE 2).$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#dos#poemas#1#e#2.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#354;#2005c:#84;#LOPES,#1990:#82.#
NOTAS:#
5# Não#é#[→ era]#minha#
#
APÊNDICE#2#
[42>26v#–#ms.#–#título#e#subtítulo#de#projecto]#
#
Julião#Apostata#–#
# biographia#
# estatua#ou#busto#
Fig.(27.(BNP/E3,(42226v((pormenor)#
#
#
4.([BNP/E3,(42226v]#
ATRIBUIÇÃO:#[por$afinidade$métricoCtemática$e$contiguidade$a$poemas$e$projectos$de$atribuição$explícita]$
DESCRIÇÃO:# Mesmo# suporte# do# poema# anterior.# Entre# este# poema# e# o# seguinte,# numa# seção#
demarcada# por# linhas# horizontais,# figuram# um# título# e# um# subtítulo# do# projecto# «Julião Apostata»
(vide Anexo 2).$
DATAÇÃO:#3>6>1916#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#355;#2005c:#84;#LOPES,#1990:#82>83;#NEMÉSIO,#1958:#108#(incipit).#
NOTAS:#
7# <vendo>#[↑ olhando]#
11# Alguem#<que>#com#gesto#
13# /profundamente/#
#
#
5.([BNP/E3,(42247r]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.#
DESCRIÇÃO:#Folha#azulada#picotada#na#horizontal#com#a#marca#d’água#ALMAÇO#PRADO,#manuscrita#
a#tinta#preta.#Na#edição#crítica,#que#aqui#se#segue,#Dionísio#nota#duas#pequenas#cruzes#(uma#acima#
do#v.1#e#outra#abaixo#do#v.4),#sinais#de#delimitação#da#primeira#estrofe#(PESSOA:#2005:#407).#
DATAÇÃO:#23>11>1918#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005b:#22;#2005c:#174;#NEMÉSIO,#1958:#109#(incipit).#
NOTAS:#
3# <Com#pr>#[↑ Pouco#<leve>#{↑#a}#pouco]#
#
#
#
(
(

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 480


Pittella Juliano Apóstata
6.([BNP/E3,(43247(e(43248]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:# Dois# fragmentos# de# folha# amarelada# com# marca# d’água# vegetalista# (quatro# folhas#
formando# uma# cruz),# manuscrita# a# tinta# preta.# A# partir# de# 43>47v,# as# páginas# encontram>se#
numeradas#de#«2»#a#«4».#
DATAÇÃO:#22>5>1919#(em#43>47r)#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005b:#52>55;#2005c:#205>207;#LOPES,#1990:#83#(43>47r);#NEMÉSIO,#1958:#110#
(incipit).#
NOTAS:#
4# Hexassílabo$possivelmente$completo.#
10# E#[↑#o]#amor#
13# <que>#[↑#teres]$
23# <e>#[↑#por]#<a#razão>#[↑#a#razão],#
25# <Nem#de>#[↓#Que#ao#menos#ao#meu#exforço#condemnado]#
27# <*Amado#*um#renascido>#[↑#Renascimento#dê#num]#
28# benigno#
30# meio#<minha>#o#Imperador.#
33>35# Na$margem$direita$da$pág.,$perpendicularmente$aos$vv.$precedentes.#
33# Octossílabo$aparentemente$completo.#
34# statua#<†>#[↑#antiga]#
36# <vem#t>#[↑ enche#os#hortos.]#
38#e#40# Octossílabos$aparentementes$completos.#
38# [←E]#Se#os#<antigos>#[↑#deuses],#
40# O#amor#<†#†>#[↑#á"vida,"que]#
42# sol#<já#nas>#[↑#só#em]#casas#
45# proprio#<*ref>#[↑#sabor]#cruz$de$hesitação$à$direita$do$v.#
46>47# Cruz$de$hesitação$à$esquerda$dos$vv.#
50# <procura>#[↑#busca],#e#no#</perdido/>#[↑#deixado]#horto#
52# <As>#<f>/F\lor<e>/’\s#
53## <sem>#[↑#comoJ#estas#sebes,#
58# <Mas#†#†#>#[↓ Desfal>a#como#aos#□#desejos]#
61# <E#no#que,#desfeito,#†#não#pões#grinaldas>#[↓ Sem#mesmo#ser#para#os#campos,#as#flores]#
67# Que#<um#ser#os#†>#[↑#em#outros]#corpos#volt<†>/a\#
69# hortos#<ja#†>#
72# <†>#[↑#*venha]#verso$de$difícil$leitura,$aparentemente$hipermétrico.$
75## occ[↓†]ulta##
76>77# Na$margem$direita$da$página.#
77## (<Que>#[↑#Por#que]#esta#grinalda#morta#é#feita;)#]#interpretamos$esses$parênteses$do$autor$como$
sinais$de$hesitação.$
78>80# Na$margem$esquerda$da$página.#
79# porque#estremeces?#[↑#que#houve#agora#em#mim?]##
#
#

7.([BNP/E3,(43213r]#
ATRIBUIÇÃO:#LEGENDAS.#[título$geral$no$topo$da$página]#|#“Juliano#em#Antiochia”.#
DESCRIÇÃO:# Fragmento# de# folha# parda,# dactilografada# a# tinta# preta.# Uma# explicação# em# prosa#
precede#o#poema#(vide$APÊNDICE#3).#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 481


Pittella Juliano Apóstata
DATAÇÃO:# c.# 1919?# [por# estar# dactilografado,# conjectura>se# que# este# poema# seja# posterior# aos#
manuscritos# datados# atribuíveis# ao# mesmo# projecto;# Silva,# Freitas# e# Dine# também# conjecturaram#
essa#datação#em#PESSOA,#2005b:#449]#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005b:#51>52;#1990:#80>81;#NEMÉSIO,#1958:#109#(incipit).#
#
APÊNDICE#3#
[42>26v#–#ms.#–#título#e#subtítulo#de#projecto]#
#
O# poema# symboliza# a# alma# elevada# que,#
num# tempo# de# decadencia,# lucta# inutilmente,# LEGENDAS.

procura#infructiferamente#entravar,#a#corrupção#
"Juliano em Antioc hia".
e#a#degenerescencia#geraes.#
O# thema# (que# deve# involver,# àparte# este#
ponto# central,# outros# p[o]ntos# accessorios)# é# a# O poema ay111boliza a alma elevada que, num
tempo de decadencia, lucta 'inutil mente, procura
e a de-
estada#de#Juliano#na#cidade#christan#e#corrupta# infructiferamente
genereecencia
entravar,
geraes.
a corrupção

de#Antiochia,#e#escolhe#para#base#um#momento# O thema (que deve invclver, àparte este ·


é a se-
pente central, outros ~ntcs accsosorics)
em# que# o# Imperador# sente# bem# a# differença# tada de Juliano na cidade christan e corrupta
de Antiochia, e esc olhe para base um momento em
moral#entre#si#e#os#que#o#cercam,#e#a#differença# que e Imperador sente bem a differença moral
entre si e os que e cercam, e a differença de
de# fôrça# entre# a# sua# personalidade# isolada# e# a# f8rça entre a sua personalidade isolada e a in-
teira estructura decadente da sociedade que e
inteira#estructura#decadente#da#sociedade#que#o# cerca e que elle •governa•.
do thema deve ~ir penumbrado
cerca#e#que#elle#“governa”.# No tratamento
o fim de Juliano.
No# tratamento# do# thema# deve# vir#
penumbrado#o#fim#de#Juliano.#
Fig.(28.(BNP/E3,(42226v((pormenor)#
(
(
8.([BNP/E3,(4425(e(4426r]#
ATRIBUIÇÃO:#JULIANO#EM#ANTIOCHIA#|#LOVE>POEM$
DESCRIÇÃO:# Duas# folhas# de# papel# de# máquina# vincadas# ao# meio# (na# vertical# e# na# horizontal),#
dactilografadas#a#tinta#roxa#e#com#intervenções#manuscritas#a#tinta#preta#e#a#lápis#cinza.#O#poema#
encontra>se#dividido#em#duas#partes,#com#a#indicação#«II»#na#parte#inferior#de#44>5v.$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#conjectural#do#poema#7.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005b:#55>57;#NEMÉSIO,#1958:#110#(incipit).#
NOTAS:#
1# <Mas#ahu#que>#[↓ Mas#ah#que#um#ente#vil#e#mesquinho,]#à$direita$do$v.,$com$uma$seta$ligada$à$
palavra$«mesquinho»,$lêCse$a$nota$manuscrita:$«An$ascete’s$name$as$title$to$this».$
5# odeio<>te>#
7# como#a#[←a]gua#
15# Na#varia#[↑ incerta]#
21# Fazes#quere[r>]te#]#emenda$editorial.#
24# Da#perdição,#[→ esquecendo>a#por#te#ver]#
26# ser#fo[r]tes#]#emenda$editorial.#
27# sracvos#]#com$gralha$no$dact.#
28# não#podemos#[↑ nem#queremos]#
40>41# Vv.$acrescentados$à$direita.#
41# Em#nós#saber#o#que#em#nós#ouve#a#tua#[↓ te#ouve#{a}]#falla#]#acrescento$editorial$de${a}.#
42# e#<os#olhos>#a#mente#
#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 482


Pittella Juliano Apóstata
#
44# para#o<s>#<deuses>#Olympo#
46>47# #Vv.$manuscritos$abaixo$da$estrofe,$com$cruz$de$hesitação$na$margem$esquerda.#
47# Anseiam#<os>#teus#[↓ humanos]#olhos#□#ternos.#]#o$espaço$inicialmente$deixado$em$branco$entre$
«olhos»$e$«ternos»$terá$sido$metricamente$preenchido$pelo$acrescento$de$«humanos»$alhures$no$v.#
53# <Eterno>#[↑ Perenne]#peso#
54# <Perenne>#symbolo#[↑ eterno]#da#
63# qu[’]rer>te#]#a$contração$é$metricamente$necessária$e$consta$no$doc.;$apenas$o$apóstrofo$é$editorial.$
65# Que#odio#[↓ me]#tens#á#<minha>#vida#<pra>#[↓ para]#amar>me#
66>67# Vv.$a$manuscritos$lápis$abaixo$do$poema,$sob$a$indicação$«no#fim»,$com$cruz$de$hesitação$à$esquerda$
do$v.$66.$
#
#
9.([Espólio(Manuela(Nogueira((EMN),(sem$cota]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:#Folha#de#papel#de#máquina#dactilografada#a#tinta#lilás#e#vermelha.$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#conjectural#dos#poemas#7#e#8.#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
NOTAS:#
4# de#<prece>/pranto\#]#«r»$e$«a»$sobrepostos$na$palavra$substituta.$
(
(
10.([Colecção(Fernando(Távora((CFT),(sem$cota]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano:#[indicação$de$personagem$entre$os$vv.$2$e$3]$
DESCRIÇÃO:#Folha#de#papel#de#máquina#dactilografada#a#tinta#lilás#e#vermelha,#com#intervenções#a#
lápis# cinza.# Embora# haja# dois# versos# acima# da# indicação# de# personagem,# entende>se# que# também#
sejam#parte#do#poema,#que#poderia#constituir#um#
diálogo# dramático.# No# verso# da# folha,# lêem>se#
duas# intervenções# a# tinta# azul# de# João# Gaspar#
Simões,#que#autenticou#o#documento#a#pedido#de#
Fernando#Távora:#«original#de#Fernando#Pessoa#|#
João#Gaspar#Simões»#(vide#ANEXO#1).#
#

DATAÇÃO:#Mesma#datação#conjectural#dos#poemas#7#a#9.### #####Fig.(29.(CFT,(sem$cota$(pormenor).#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
NOTAS:#
4# <mumurio>#orgiaco#murmurio#
10# Não:#[←uma#ode]#<um#soneto>...,#uma#canção...#]#var.$manuscrita$à$esquerda$do$v.$
20# [←S]<O>/e\#desdobra#submisso,#e#<o>#lê#
21# <O#sabio>#Só#
(
(
Anexo(3([BNP/E3,(282101av(e(parte(de(282101v]((
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:#bifólio#de#folha#parda,#com#cada#uma#das#quatro#páginas#também#vincada#ao#meio#(na#
horizontal),# manuscrito# a# tinta# preta# e# a# lápis# lilás.# Além# dos# apontamentos# biográficos# sobre#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 483


Pittella Juliano Apóstata
Juliano#em#28>101av,#há#referências#bibliográficas#(espalhadas#pelas#quatro#páginas)#e#um#texto#de#
reflexão#pessoal#em#28>101ar#e#28>101r#(vide#APÊNDICE#4).#
DATAÇÃO:#c.#13>6>1916#[data#de#referência#em#28>101ar]#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
NOTAS:#
1# Nasc[imento:]#
2# M[orte:]#
3# s[obre]#o#Euphrates#
4# s[ua]#mulher$
5# de#<*Julian>#[↑ Juliano]#
6# J[uliano]#
7# Jul[iano]#
8# J[uliano]#
9# EditamCse$os$títulos$de$livros$em$itálico,$mesmo$quando$não$sublinhados$por$Pessoa.$
10# Articles# de# Boissier# [↓# 1# juillet# 1880]# et# de# Martha# [↓# 1# mars# 1867]# dans# Revue$ des$ Deux$
Mondes.#[→(e#quando?)]#a$pergunta$«e$quando?»$será$anterior$às$datas$acrescentadas$a$lápis$lilás.#
11# trad[uite]s$
12# <Allp>#Alphonse#
13# EditaCse$o$título$do$artigo$entre$aspas,$por$convenção.$
14# Mém[oires#de#l’]Acad[émie#Royale#de]#Belg[ique]#
(
(
Anexo(4([BNP/E3,(282101v](
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:# mesmo# suporte# do# ANEXO# 3,# manuscrito# a# tinta# preta;# além# das# anotações# astro>
numerológicas,#há#uma#referência#bibliográfica#(incluída#na#edição#do#ANEXO#3).$
DATAÇÃO:#c.#13>6>1916#[data#de#referência#em#28>101ar]#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
#
Anexo(5([BNP/E3,(282101r(e(parte(de(282101ar](
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:#mesmo#suporte#dos#ANEXOS#3#e#4,#manuscrito#a#tinta#lilás$
DATAÇÃO:#c.#13>6>1916#[data#de#referência#em#28>101ar,#associada#ao#escrito#de#reflexão#pessoal#que#
também#se#encontra#no#suporte#(vide#APÊNDICE#4)]#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
NOTAS:#
1# Cf.$MARTHA,$1867:$141$(trataCse$de$uma$citação$do$texto$de$Martha,$ipsis#litteris).#
2# v[ery]#good#
3# <par>/d\’un#javelot#
4# dava#<*chamma>#vida#á#chamma#
5# by#Xty#
6# some–times#]#em$vez$de#hífen,$o$traço$seria$indicação$de$que$a$palavra$era$uma$só.$
7# Cf.$BOISSIER,$1880:$78$e$96$(pp.$em$que$surge$o$termo$«hellénisme»).#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 484


Pittella Juliano Apóstata

APÊNDICE#4#
[28>101ar#e#28>101r#–#ms.#–#cf.#PESSOA,#2003:#172#e#174]#

I#have,#thus,#arrived#at#my#28th#year#with#nothing#done#
in# life—nothing# in# life,# in# letters# or# in# my# own#
individuality.# I# have# tasted# failure# to# the# full# up# to# now.#
How#longer#must#I#taste#it,#alas?##
The# more# I# examine# my# conscience,# the# less# I# acquit#
myself#of#the#nothingness#of#my#life.#
What#horrific#thing#is#this#that#has#so#delayed#me?#
My#deficient#reading,#my#lack#of#practical#spirit,#my#□#

Figs.(30(e(30a.(BNP/E3,(282101ar(
e(pormenor(de(282101r

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 485


Pittella Juliano Apóstata
(
V.(Aparato(de(Divergências(de(Leitura(da(Tradição(
#
Sempre#que#um#poema#aqui#editado#também#conste#na#edição#crítica#da#Imprensa#
Nacional–Casa# da# Moeda# (INCM# –# PESSOA,# 2005c),# recenseamos# apenas# as#
divergências#de#leitura#da#sua#edição.#Quando#um#poema#não#tenha#sido#incluído#
na# edição# da# INCM,# mas# tenha# saído# alhures,# apresentam>se# as# divergências# de#
leitura# da# edição# mais# recente:# a# da# Assírio# &# Alvim# (A&A# –# PESSOA,# 2005a# e#
2005b).#Cada#leitura#divergente#é#seguida#pela#sigla#da#edição#que#a#oferece#(INCM#
ou# A&A),# não# sendo# consideradas# as# diferenças# de# pontuação# ou# as# divergências#
decorrentes#de#normas#ortográficas#distintas.#
#
2.#Fecho$os$olhos,$medito#
[INCM]# 4:#No#inteiro#eu#então#vivo#
#
3.#Outr’ora#
[INCM]# 3:#apostata#]#com$inicial$minúscula$
#
5.#No$azul$da$tarde$o$hymno$christão$se$mexe#
[INCM]# 6:#logo>deus#]#com$iniciais$minúsculas#
#
6.#Agir,$sabendo#
[INCM]# 13:#de#ti#teres##########21:#senão#o#ceu##########27:#nunca#melhorado##########31:#ergo#da#obra##########
44:#O#que#de#nova#seiva##########45:#e#o#proprio#sabor##########47:#*Ruinas#da#vida##########49:#põe#as#claras#
flores##########50:#violetas#*leva##########57:#Penelope#sonhará##########65:#de#ti#se#iam#compondo##########66:#E#
um# dia,# ou# é# # # # # # # # # # 71:# Amigos# no# carinho# e# um# só# momento# # # # # # # # # # 72:# Olhando>nos,# aches# um##########
75:#occulta#vida#de#segredo##########76:#E#será#que#nada#
#
7.#Quem$governa$mais$longe$que$só$os$gestos?$
[INCM]# não$consta$o$poema.$
#
8.#Mas$ah$que$um$ente$vil$e$tão$mesquinho,#
[INCM]# não$consta$o$poema.$
#

[A&A]# 15:#Na#vária#sorte##########28:#desprezar>te#e#não#podemos##########41:#o#que#em#nós#ouve#a#
tua#fala##########47:#olhos#□#ternos##########65:#me#tens#à#minha#vida##########66>67:#vv.$omitidos$do$poema$e$
apresentados$apenas$no$aparato.$
#
9.$Calou,$submisso$ao$incognito$destino#
[Inédito]#
#
10.#E$o$proposito$addiado$sempre,#
[Inédito]#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 486


Pittella Juliano Apóstata

VI. Bibliografia

[Bibliografia(Ativa(de(«Juliano»(em(Antiochia»](
LOPES,#Teresa#Rita#(1990).#Pessoa$Por$Conhecer$–$Textos$para$um$Novo$Mapa.#Lisboa:#Estampa.#
NEMÉSIO,# Jorge# (1958).# A$ obra$ poética$ de$ Fernando$ Pessoa:$ estructura$ das$ futuras$ edições.# Salvador:#
Aguiar#&#Souza.##
PESSOA,#Fernando#(2005a).#Poesia$1902C1917.#Edição#de#Manuela#Parreira#da#Silva,#Ana#Maria#Freitas#
e#Madalena#Dine.#Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (2005b).# Poesia$ 1918C1930.# Edição# de# Manuela# Parreira# da# Silva,# Ana# Maria# Freitas# e#
Madalena#Dine.#Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (2005c).# Poemas$ de$ Fernando$ Pessoa$ 1915C1920.# Edição# de# João# Dionísio.# Lisboa:# Imprensa#
Nacional#–#Casa#da#Moeda#(Edição#Crítica#de#Fernando#Pessoa,#Série#Maior,#2).#

[Obras(na(Biblioteca(Particular(de(Fernando(Pessoa]#
(The)$ Gem$ Pocket$ Pronouncing$ Dictionary$ of$ the$ English$ Language.# With# an# Appendix,# containing#
abbreviations,# foreign# words# and# phrases,# forms# of# address,# etc.# Durban;# Martizburg:#
Adam#&#Co,#[s.d.].#[CFP,#0>6A]#
JULIAN,# Imperador# (1913).# The$ Works$ of$ the$ Emperor$ Julian.$ With# an# English# translation# by# Wilmer#
Cave# Wright,# Ph.D.# 3# vols.# London:# William# Heinemann;# New# York:# The# Macmillan# Co.#
(The#Loeb#Classical#Library).#[CFP,#8>285;#só#os#vols.#I#e#II#encontram>se#na#biblioteca]#
ROBERTSON,#John#Mackinnon#(1902).#A$Short$History$of$Christianity.#London:#Watts#&#Co.#[CFP,#2>55]#
V.V.A.A.# (1912).# Revue$ des$ Deux$ Mondes,$ ano# LXXXII,# período# 6,# vol.# 8,# Paris,# 15# Abr.;# ano# LXXXII,
período#6,#vol.#9,#Paris,#1#Jun.#[CFP,#0>19]#
WOOD,# James# [dir.]# (1900).# The$ Nuttall$ Encyclopædia$ (being$ a$ concise$ and$ comprehensive$ dictionary$ of$
general$knowledge).#London:#Frederick#Warne#&#Co.#[CFP,#0>48#LMR]#

[Obras(Citadas(nas(Notas(de(Fernando(Pessoa](
BOSSUET,# Jacques# Benigne# (1689).# L’Apocalypse$ avec$ une$ Explication.# Paris:# Sébastien# Mabre>
Cramoisy,#Imprimeur#du#Roy.#
BOISSIER,# Gaston# (1880).# «L’Empereur# Julien».# Revue$ des$ Deux$ Mondes,# ano# L,# período# 3,# vol.# 40,#
Paris,#1#Jul.,#pp.#72>111.#
CAPART,#Alphonse#S.>J.#(1898).#«La#Proprieté#Individuelle#et#le#Collectivisme».#Mémoires$Couronnés$
et$ Autres$ Mémoires# de# l’Académie# Royale# de# Belgique,# tomo# LVII,# parte# 3,# Bruxelles,# Mar>
Dez.#
JULIAN,# Emperor# (1913).# «Hymn# to# King# Helios# Dedicated# to# Sallust».# The$ Works$ of$ the$ Emperor$
Julian,$vol.# I.#Com#tradução#inglesa#de#Wilmer#Cave#Wright.#London:#William#Heinemann;#
New#York:#The#Macmillan#Co.#(The#Loeb#Classical#Library),#pp.#353>435.#[CFP,#8>285]#
JULIEN,# L’Empereur# (1863).# Œuvres$ Complètes$ de$ L’Empereur$ Julien.# Traduction# nouvelle#
accompagnée# de# sommaires,# notes,# éclaircissements,# table# analytique# des# matières,# index#
alphabétique#et#précédée#d’une#étude#sur#Julien#par#Eugène#Talbot.#Paris:#Henri#Plon.#
MARTHA,# Constant# (1867).# «L’Empereur# Julien# –# l’Église# et# l’Empire# au# quatrième# siècle,# par# M.#
Albert# de# Broglie,# 3e# édition,# Paris,# Didier,# 1866».# Revue$ des$ Deux$ Mondes,# ano# XXXVII,#
período#2,#vol.#68,#Paris,#1#Mar.,#pp.#137>169.#
NAVILLE,# H.>Adrien# (1877).# Julien$ l’Apostat$ e$ sa$ Philosophie$ du$ Polythéisme.# Paris:# Didier# et# CIE;#
Neuchatel:#Sandoz;#Genève:#Desrogis.#
RENDALL,# Gerald# Henry# (1879).# The$ Emperor$ Julian—Paganism$ and$ Christianity,$ with$ genealogical,$
chronological$and$bibliographical$appendices.#Cambridge:#Deighton,#Bell#and#Co.#
V.V.A.A.#(1898).#Mémoires$Couronnés$et$Autres$Mémoires#de#l’Académie#Royale#de#Belgique,#tomo#LVII,
Bru elles

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 487


Pittella # Juliano Apóstata

[Outras(Referências](
DIX,#Steffen#(2005).#Heteronymie$und$Neopaganismus$bei$Fernando$Pessoa.#Würzburg:#Königshausen#&#
Neumann.#
ENDŌ,#Shūsaku#(1969).#Silence.#Translated#by#William#Johnston.#London:#Peter#Owen.#
____# (1966).# #[Chinmoku].#Tōkyō:#Shinchōsha.#
FERRARI,#Patricio#(2016).#«Bridging#Archives:#twenty>five#unpublished#English#poems#by#Fernando#
Pessoa».#People$of$the$Archive:$the$contribution$of$Hubert$Jennings$to$Pessoan$studies$Providence:#
Gávea>Brown,# pp.# 231>261# [1a# publicação# em# Pessoa$ Plural—a$ Journal# of$ Fernando$ Pessoa$
Studies,#n.o#8,#2015,#pp.#365>431).#
____# (2008).# «Fernando# Pessoa# as# a# Writing>reader:# Some# Justifications# for# a# Complete# Digital#
Edition# of# his# Marginalia».# Portuguese$ Studies,# Vol.# 24,# No.# 2,# Modern# Humanities#
Association,#pp.#69>114.#
FREITAS,# Filipa# de# (2016).# «”Fernando# Pessoa,”# a# document# not# by# Fernando# Pessoa».# People$of$the$
Archive:$ the$ contribution$ of$ Hubert$ Jennings$ to$ Pessoan$ studies$Providence:# Gávea>Brown,# pp.#
183>195#[1a#publicação#em#Pessoa$Plural—a$Journal#of$Fernando$Pessoa$Studies,#n.o#8,#2015,#pp.#
282>309).#
HOUAISS,#Antônio#e#VILLAR,#Mauro#de#Salles#[eds.]#(2001).#Dicionário$Houaiss$da$Língua$Portuguesa.#
Elaborado# no# Instituto# Antônio# Houaiss# de# Lexicografia# e# Banco# de# Dados# da# Língua#
Portuguesa#S/C#Ltda.#Rio#de#Janeiro:#Objetiva.#
JENNINGS,#Hubert#Dudley#(1986).#Fernando$Pessoa$in$Durban.#Durban:#Durban#Corporation.#
____# (1984).# Os$ Dois$ Exílios.# Porto:# Centro# de# Estudos# Pessoanos# &# Fundação# Engenheiro#
António#de#Almeida.#
PESSOA,#Fernando#(2016).#Obra$Completa$de$Ricardo$Reis.#Edição#de#Jerónimo#Pizarro#e#Jorge#Uribe.#
Lisboa:#Tinta>da>china.#
____# (2014).#Álvaro$de$Campos$–$Obra$Completa.#Edição#de#Jerónimo#Pizarro#e#Antonio#Cardiello;#
colaboração#de#Jorge#Uribe#e#Filipa#Freitas.#Lisboa:#Tinta>da>china.#
____# (2003).#Escritos$Autobiográficos,$Automáticos$e$de$Reflexão$Pessoal.#Edição#e#posfácio#de#Richard#
Zenith,# com# a# colaboração# de# Manuela# Parreira# da# Silva# e# traduções# de# Manuela# Rocha.#
Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (1979).# Sobre$ Portugal.$ Introdução$ ao$ Problema$ Nacional.# Recolha# de# textos# de# Maria# Isabel#
Rocheta#e#Maria#Paula#Morão.#Introdução#e#organização#de#Joel#Serrão.#Lisboa:#Ática.#
____# (1974).#“Textos#inéditos#de#Fernando#Pessoa#–#apresentados#por#Jacinto#do#Prado#Coelho”.#
Colóquio#Letras,#n.o#20,#Jul.,#pp.#54>60.#
____# (1966).#Páginas$Íntimas$e$de$AutoCInterpretação.#Textos#estabelecidos#e#prefaciados#por#Georg#
Rudolf#Lind#e#Jacinto#do#Prado#Coelho.#Lisboa:#Ática.#
PITTELLA,#Carlos#[ed.]#(2016)#People$of$the$Archive:$the$contribution$of$Hubert$Jennings$to$Pessoan$studies$
(a# printed# edition# of# Pessoa$ Plural—a$ Journal# of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,# n.o# 8).# Providence:#
Gávea>Brown.#
____# [ed.]#(2015).$Pessoa$Plural—a$Journal#of$Fernando$Pessoa$Studies,#n.o#8#(Special#Jennings#Issue),#
Brown#University,#Warwick#University#e#Universidad#de#los#Andes,#Outono.#

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 488


!

Álvaro'de'Campos:''
dois%poemas%na%Colecção%Fernando%Távora%
%
Filipa de Freitas*
%
Palavras0chave'
'
Fernando%Távora,%Fernando%Pessoa,%Raul%Leal,%Álvaro%de%Campos.%
'
Resumo'
%
Dois% poemas% dactilografados% de% Álvaro% de% Campos% foram% encontrados% na% Colecção% de%
Fernando% Távora,% no% Porto.% Estes% testemunhos,% que% pertenceram% a% Raul% Leal,% são,% pelas%
suas% características% materiais,% idênticos% aos% do% espólio% de% Fernando% Pessoa.% PretendeFse,%
assim,%apresentar%estes%documentos%e%a%proximidade%que%os%caracteriza.%
%
Keywords'
'
Fernando%Távora,%Fernando%Pessoa,%Raul%Leal,%Álvaro%de%Campos.%
%
Abstract'
%
In%Fernando%Távora’s%private%collection,%at%Oporto,%two%typed%documents%have%been%found%
containing% poems% of% Álvaro% de% Campos.% These% copies% belonged% to% Raul% Leal,% and% are%
similar%to%the%ones%found%in%Fernando%Pessoa’s%literary%estate.%We%present%these%documents%
and%the%connections%between%them.%

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*% Universidade% de% Coimbra,% Instituto% de% Estudos% Filosóficos;% Universidade% de% Lisboa,% Centro% de%
Estudos%de%Teatro.%

!
Freitas Álvaro de Campos

Na% Colecção% Fernando% Távora,% no% Porto,% encontraramFse% diversos% documentos%


relacionados% com% a% “Geração% de% Orpheu”.% Fernando% Pessoa% é% um% dos% autores%
representados%nesta%colecção1,%mas%também%o%seu%heterónimo%Álvaro%de%Campos,%
com% os% poemas% “Addiamento”% e% “No% conflicto% escuro% e% bêsta”,% pertencentes% ao%
espólio% de% Raul% Leal.% Este% espólio% é% um% dos% núcleos% pertencentes% à% colecção%
Fernando% Távora. 2 Como% se% sabe,% nenhum% destes% poemas% é% inédito,% mas% a%
comparação%dos%papéis%com%os%autógrafos%do%espólio%pessoano%permite%constatar%
que%se%trata%de%cópias%outrora%pertencentes%ao%poeta%de%Mensagem.%%
“Addiamento”-é%um%poema%datado%de%14%de%Abril%de%1928,%publicado%duas%
vezes%durante%a%vida%de%Pessoa:%no%primeiro%número%da%Revista-da-Solução-Editora,%
em%1929,%e%no%Cancioneiro-do-I-Salão-dos-Independentes%(Anexo% IV),%no%ano%seguinte3.%
Para%além%destes%testemunhos%impressos,%existe,%no%espólio%pessoano,%uma%folha%de%
papel%dactilografada%a%tinta%azul,%com%a%data%do%poema%no%canto%esquerdo%inferior%
– “14/04/1928”%–%e%a%assinatura%de%Álvaro%de%Campos%no%canto%direito%inferior%da
folha% –% “ALVARO% DE% CAMPOS”.% O% testemunho% encontrado% na% colecção% Fernando
Távora% (Anexo% III)4%é,% pelas% suas% características% materiais,% uma% cópia% em% papel
químico5%do% testemunho% dactilografado% do% espólio% de% Pessoa% (Anexo% II).% SalientaF
se,%no%entanto,%uma%ligeira%diferença%entre%os%testemunhos:%a%primeira%tem%a%data
riscada,%a%tinta%preta,%desconhecendoFse%se%esta%intervenção%manuscrita%foi%feita%por
Pessoa% ou% por% um% contemporâneo% a% quem% pertencera% a% cópia,% embora% Fernando
Távora% sugira% que% se% trata% provavelmente% de% uma% alteração% feita% por% Pessoa.% A
propósito%da%aquisição%deste%dactiloscrito%e%do%seu%possível%percurso,%o%arquitecto
Fernando%Távora%deixou%uma%longa%nota%(Figs.%1%a%6):
“Addiamento”%não%é%a%única%cópia%de%um%poema%de%Álvaro%de%Campos%na%
colecção% portuense.% Uma% cópia% em% papel% químico% do% poema% que% começa% “No%
conflicto% escuro% e% bêsta”,% de% c.% 1931,% foi% encontrada% na% Colecção% Fernando% Távora%
(Anexo%VI).%Também%há%uma%cópia%desse%poema,%dactilografado%a%tinta%preta,%com%a%
assinatura%final%“Alvaro%de%Campos”,%no%espólio%de%Pessoa%(Anexo% V).%Este%poema%
não%foi%publicado%durante%a%vida%de%Pessoa,%mas%apenas%em%1990,%na%edição%crítica%
de% Cleonice% Berardinelli.% O% desconhecimento% do% poema% despertou% o% interesse% de%
Távora,%que%acrescentou,%numa%folha%à%parte,%um%comentário%(Figs.%7%e%8).%

1%PIZARRO% (2017b),% no% artigo% “Poemas% e% documentos% inéditos:% o% lote% 31% e% a% colecção% Fernando%
Távora”,%esclarece%a%variedade%de%autores%que%se%encontram%representados%na%respectiva%colecção.%
2%VejaFse%a%transcrição%do%metaFarquivo%da%colecção%Fernando%Távora,%levada%a%cabo%por%Fernanda%

VIZCAÍNO%(2017),%que%inclui%referências%ao%espólio%de%Raul%Leal.%
3%O% arquitecto% Fernando% Távora% adquiriu% um% exemplar% desta% obra% em% 24% de% Fevereiro% de% 1975,%

segundo%um%recibo%encontrado%na%colecção.
4%Esta%cópia%foi%exposta%no%I%Congresso%Internacional%de%Estudos%Pessoanos,%no%Porto,%em%1978.%

5%O%papel%químico%ou%papelFcarbono,%criado%em%1801%por%Pellegrino%Turri,%foi%muito%usado%na%cópia%

de%documentos%dactilografados.%TrataFse%de%um%papel%com%uma%face%impregnada%de%uma%camada%
de% tinta% ou% de% um% pigmento,% que% é% transferido% quando% a% outra% face% (sem% tinta)% entra% em% contacto%
com% o% documento% que% se% pretende% copiar.% Há% outros% exemplos% de% cópias% em% papel% químico% no%
espólio%de%Pessoa%(cf.%PESSOA,%2000:%442%e%455).%%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

(A%
- ;(·.,"J e.,...., V--./ ( I\ 1 P...f O%Addiamento%foi%publicado%%
(ó.4-r. 0 {,,,..~ ~"':
El', ·~ .. • a%1.ª%vez%no%n.º%1%da%“Solução%%
)-,. "7--- ,:;/,,...~ - ~c,.:Jt-
Editora„%–%pg.%4F5.%O%texto%corresponF%
(tJ
>-'1'<=-- A. de%exactamente%ao%deste%tiposcrito%%
(

~- 11-:"""- ~e.A com%excepção,%creio%da%palavra%%


...
(.;, •O I,~). o l,..''-"",, amanhã%que%ali%aparece%%
..,, k Lfbf .(. . t5 acentuada%(àmanhã).%O%número%%
(,..,.,.. M c,..l'\'7l'o fr-o [↑%referido]%desta%revista%é%de%1929%e%o%original%
;.,, (~
f . Pe.vo--. p ~( do%poema%pode%ter%sido%cedido%pelo%%
- ••:fr>A (. ()-( próprio%F[ernando]%Pessoa.%Como%foi%êle,%%
1--{r
(r
u>-,o
)..d. · lrrt+e • d ....... caso%seja%este%o%original,%o%que%%
( J:., ........;:;. <À creio,%pela%dactilografia%e%o%seu%%
~"'
-~

{{.c-,l l.e4( ~-
7 “tom%geral”,%parar%às%mãos%do%%
Raul%Leal,%<de%onde%o>%em%cujo%%

k -~!/vS~""' espólio%se%encontrava?%Não%esquecer%%
-< que%R[aul]%Leal%colabora%no%n.º%2%<desta>%[↑?]%
f;.,. ~- (>..o

..
À~ [.J....J Ü-,'{;:;.
{ " da%Revista%“Solução%Editora„%e%estava%%
/l_~
"1 E ~~;...._.
,o .. ::__ <portanto>%muito%próximo%da%sua%%
(1,-,,..(,p.,_,.d-c.
e.
r -----~- J 1 I
gente%(José%Pacheco,%C[arlos]%Queiróz,%
r
( V"" fu&:.. ( -F.p.., / Mário%Sáa,%José%Régio,%F[ernando]%Pessoa,%%
~«.~) António%Botto...%etc.)%
ó J.- -e,,JS \: v-4-~ , O%poema%em%questão%foi%publicado,%%
e-..:..{r IP- 1 .....,
creio%que%pela%segunda%vez,%no%%
e...
~&,...'~ Q'fl,,) ~.1,-l "·
“Cancioneiro„%(1930),%pág.%12F3,%c[om]%
•p..J~~ ..
r.__a,,,' :J {
transcrição%rigorosa%da%“Solução%Editora„%%
(i ~ - <-{' 1 l~ \ o ~, .. n 1,;'j
(incluindo,%portanto,%o-àmanhã).%%
0 ,_Jl.o.
V) .t I
\,,_<.A.oÁ ~,...,_. <t
Pela%terceira%vez,%continuo%a%%
o ..
t,--¼Z-,)....
k,' crer,%terá%sido%publicado%no%%
·r~ ;~
1

·~ .,-A_~~ "'" “segundo%volume„%de%“Poesia%/%Fernando%%

(B%
~~-,(\. "'-b\~ ~.:;.e / (& Pessoa„%da%editorial%Confluência,%%
<edição%antologia>%(Introdução%e%%
~(~"- ~et,.J~.
)..,1.,,:..J' k selecção%de%Adolfo%Casais%Monteiro).%%
J' ..(.r ( Esta%edição%não%é%datada,%mas%%
/
fr ts,,,..
;;: ôt
creio%que%será%anterior%à%da%%
M ,= - vp~ l'-
Ática%–%“Poesias%de%Alvaro%de%%
'·N-f r º
~,t ' (',. Campos„,%Junho%de%1944,%onde%o%%
.,, r ~ ·c.--f- 1 q,A--~ Addiamento%é%publicado,%continuo%%
=, 4" ""3. ,_--, a%crer,%pela%4.ª%vez.%Nas%versões%%
4
•r~.;.e" .. cJ..M·c.e.,• da%“Confluência„%e%da%“Ática„%o%poema%%
/L
e,.._ "- ,vl W
..- o.~ -~. aparece%com%a%ortografia%actualizada.%%
~- '-"'- G- iS fl
''M ·:" "-" Porém-só-na-versão-da-“Ática„--
A~ l aparece-a-data-do-poema,%%
~a ,<K_~

1-u 14F4F1928,%possivelmente%colhida%no%%
-t4-4-C\~,~
,,.._.F_~ ......... r-4~ original%de%F[ernando]%Pessoa%pelos%organizadores%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

tÀ ..... . do%volume.%
)).$_
(.,,........ e,..-, O%meu%tiposcrito%tem%a%data,%mas%%
u :
é%[↑%totalmente]%ilegível%porque%foi%coberta%com%
.,'~(+ t-7 ~(4-
fr tinta%negra,%com%intenção%que%%
' {
desconheço%e%por%pessoa%que%ignoro.%%
... (- \r.,.__-(r ~-

º f . r...-: r~ O%próprio%F[ernando]%Pessoa?%Pelo%rigor%%
-er . dos%traços%a%negro,%admito%que%sim.%%
r
9--,-,f="-" o. (

é> e.é-J-< ""' "_µ...<j - _f-.:< O%facto%de%na%“Solução%Editora„%a%poesia%%


~ --..... Pr aparecer%sem%data%permiteFme%julgar%%
""1t"""'-~Y--~ /.__:
.
-e,...--,4 ., que%este%tenha%sido%o%original%transF%
crito.%
C-......1 ......,_:.; r (r .._ J:;.l;: -11/4 / «U. Creio%aliás,%que%a%data%14/4/1928.%%
( ,,_ -{.....c,-r-" í' -- • ~e""-'_'.: (chamo%a%atenção%para%o%ponto<)>%caracteF%
i_,- t...lf. p_) I
-J-.
oÍ~t,f-z- ~c--f.. t..r rístico%da%dactilografia%de%F[ernando]%P[essoa])%é%
v~ ( lb--.. ~, u... ......... (-<~
~
legível,%em%parte,%no%meu%tiposcrito.%%
11í/1,í.i a. ~ -? <14/4/1928>%Será?%

(C%
B--K' "-"-(e Este%original%figurou%na%
&et,-~ ~-- o{.'
Exposição%realizada%durante%o%1.º%
.... "l f~..... Congresso%de%Estudos%Pessoanos%
C----: d"a~J (n.º%60%do%Catálogo)%

Figs.'1'a'6.' Notas' de' Fernando' Távora' sobre'


“Addiamento”.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

- -·-- ---,....- - A%estudar%este%poema,%que%%


A--~.>---G~,r veio%do%espólio%de%R[aul]%Leal.%%
J.. .~ ",e _~- Não%vem%publicado%em%Galhoz%–%%
“Obra%poética„%e%o%tema%dáFlhe%%
v:- .Q.-. ~-
um%ar%de%humor%e%circunstânF%
~ô"k (< " k_--ú..t cia.%Não%sei%a%q[ue]%se%refere%em%%
e.... ,:x,..,, l..,..,._,.._e C.:" pormenor%mas%creio%que%a%um%caso%
~ . }JS~ .:: ( ~.12>-- de%aumento%do%custo%da%%
+-...,_....- ...,0,..:.. fr e,..... luz%e%à%respectiva%reacção%por%%
ó?,<, k -~;-. ~A, parte%dos%lojistas.%
Jl ~~----- (-'-e> e_'!
Pode%tratarFse%de%uma%versão%%
~ ·""li~ - i
de% um% original% de% F[ernando]% P[essoa]% que% tenha%
J-t:;-J.. ,A ._._ (rM. circulado%entre%amigos.%A%confirF%
)\_ "-+~~r'-
- .,;.~e...~ '
c_(t~ ;_. . À~

mar%no%espólio%do%poeta.%

Figs.'7'e'8.' Notas' de' Fernando' Távora' sobre' “No'


conflicto'escuro'e'bêsta”.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

A% leitura% de% “No% conflicto% escuro% e% bêsta”% sugere,% como% Távora% presume,%
que% se% trata% de% uma% sátira% sobre% o% aumento% do% preço% da% luz,% pelas% Companhias%
Reunidas% de% Gás% e% Electricidade% (CRGE),% que% originou% revolta% por% parte% da%
Associação% dos% Lojistas% de% Lisboa.% O% início% da% década% de% 30% é% uma% época%
conturbada,% marcada% por% projectos% de% electrificação% da% cidade% e% de%
desenvolvimento% de% centrais% de% electricidade,% cujo% custo% dos% investimentos% e% das%
matériasFprimas%implicava%a%regulação%do%seu%preço.6%O%poema%não%é%o%único%caso%
de% uma% veia% mais% jocosa% de%Pessoa,%sob% a% assinatura% de% Campos,%de% que% há,% pelo%
menos,%mais%um%exemplo,%no%poema%“Ai,%Margarida”.7%%
A%informação%de%que%dispomos%não%permite%confirmar%a%hipótese%levantada%
por% Távora% sobre% o% percurso% da% cópia% nas% mãos% de% vários% contemporâneos% de%
Pessoa.% O% que% sabemos,% no% entanto,% segundo% um% dos% apontamentos% de% Távora,% é%
que% as% cópias% dos% poemas% foram% localizadas% entre% os% papéis% de% Raul% Leal,% que%
Távora%comprou,%em%23%de%Dezembro%de%1977,%ao%alfarrabista%Manuel%Ferreira,%no%
Porto,%por%15.000$00.%
A%presença%de%cópias%de%escritos%de%Fernando%Pessoa%em%espólios%alheios,%de%
contemporâneos% com% os% quais% o% poeta% teria% privado,% não% é% de% todo% inédita.% A%
revisitação% da% obra% pessoana,% especialmente% a% do% seu% heterónimo% Campos,% tem%
revelado% a% dificuldade% de% fixar% a% sua% obra% completa,% sujeita% não% só% a% releituras,%
apuramentos% textuais% e% até,% por% vezes,% à% descoberta% de% inéditos%–% não% obstante% as%
diversas% edições% que% têm% sido% feitas% nas% últimas% décadas% –,% mas% também% à%
localização% de% novos% testemunhos% fora% do% espólio% pessoano% depositado% na%
Biblioteca%Nacional%de%Portugal%(ver,%por%exemplo,%PIZARRO,%2017a).%Deste%modo,%a%
recente%descoberta%de%cópias%no%espólio%de%Raul%Leal%vem%completar%a%informação%
sobre%a%obra%de%Campos.%
SegueFse,%assim,%a%transcrição%dos%respectivos%textos,%assim%como%as%imagens%
correspondentes%do%espólio%de%Fernando%Pessoa%e%da%colecção%Fernando%Távora.%

6%Matos% salienta% a% dificuldade% na% regulação% dos% preços% da% electricidade:% “Um% dos% problemas% que%
sempre% se% colocou% na% criação% dos% serviços% de% fornecimento% de% bens% essenciais% no% conforto% e% bemF
estar% das% populações,% como% era% o% caso% do% abastecimento% de% água% ou% de% fornecimento% de%
electricidade,%foi%o%preço%desses%mesmos%serviços.%Num%país%com%baixos%rendimentos%per-capita,%os%
preços%praticados%afastavam%desses%bens%uma%grande%parte%da%população%urbana,%que%dificilmente%
conseguia%inserir%no%seu%orçamento%rúbricas%destinadas%ao%pagamento%da%electricidade%ou%da%água”%
(MATOS,%2004:%323).%
7%“Ai,%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%a%minha%vida,%|%Que%farias%tu%com%ella?%|%–%Tirava%os%brincos%do%

prego,%|%Casava%c’um%homem%cego%|%E%ia%morar%para%a%Estrella.%||%Mas,%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%
a%minha%vida,%|%Que%diria%tua%mãe?%|%–%(Ella%conheceFme%a%fundo.)%|%Que%ha%muito%parvo%no%mundo,%
|%E%que%eras%parvo.%||%E,%tambem%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%a%minha%vida%|%No%sentido%de%morrer?%
|%–%Eu%iria%ao%teu%enterro,%|%Mas%achava%que%era%um%erro%|%Querer%amar%sem%viver.%||%Mas,%MargariF
da,%|%Se%este%darFte%a%minha%vida%|%Não%fôsse%senão%poesia?%|%–%Então,%filho,%nada%feito.%|%Fica%tudo%
sem%effeito.%|%Nesta%casa%não%se%fia.”%(PESSOA,%2014:%193F194)%%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

Anexos'

I. “Addiamento”,' dactiloscrito' localizado' no' espólio' de' Fernando' Pessoa


(BNP/E3,'70039r)

ADDIAMENTO
-------------------
'

Depois de a.T"IB.nlm, sim, s6 depois do amanhã •••


Levarei amanhã a penear em depoie de amanhã,
E assim será possivel; mas h o je não •••
Não, hoje na <a; hoje não posco.
A persistencia con.fusa da minha subjectividade objectiva,
0 sonmo da minha vida real, in t ercalado,
O cansaço anticipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um electrico.,,
Esta especie de alma ••.
,s6 depois de amanhã •••
Hoje quero prepar!ll"-me,
r uero prepar!l'-mo para pensar amanhã no dia seguinte •• ,
Elle é ~ue é decisivo. _ •
Tenho_j, o plano traçado; mas nao, hoje nao traço planos, ••
Amanha e o dia dos planos,
Allanh; sentar-me-hei
ias ao con,uistarei
á secretaria para conq]!istar
o mundo depois de amanha, ••
o mundo;
'.l.'enho vontade de chorar,
Tenho vontade de dDrar nruito de repente, de dentro •••
Não, n-ao queiram saber I"IS.is nada, é se gredo, não digo.
s6 depois de amanhã •••
~uando ora creança o circo de dominc;o divertia-me t o~a a sems..nn,
Hoje s6 me diverte o circo de domi ng o de toda a semana da minha
infancia •••
Depois de a 1r: anhã serei out ro,
A minha vida tr1u.mphaI'tlc-ha,
Todas as m1nlU1s qualidades reaes de intelligente, lido e prác-
tico
Serão convocadas por um ecl:I.tal. ••
Mas por um edital de amanhã •••
Hoje quero dormir, redigirei amanhã •••
Por hoje, qual é o espectaculo ~ue me repetiria a infancia?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de a nanhã é que está bem o espectaculo •••
Antes, não •••
Depois de amanhã terei a pose publica que amahhãestudarei.
D9pois de amanhã e2rei i'b&lmente o que hoje não poeso _nunca ser.
So depois de amanha •••
Tenho somno como o .frio de um cão vadio.
Tenho muito eomno.
AJCmanhã te d~ei as palavras, gu depoie de amanhã •••
Sim, talvez ao depois de a r anha •• ,
O porvir •••
Sim, o porvir •••
ALVARO DE CAMPOS
~' 1 ,.,,.___
14/4/1928. ::. :
::

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

II. “Addiamento”,'dactiloscrito'pertencente'à'colecção'Fernando'Távora

,m"
,.,--· ..,. "~, ,...,
- .l.

"~:rr,.:- :....~··
:2,, ..._, .-,:L ' -~ l ... -

T,--..,r...,·-;i :..- ::-.n~ "-· . h,

=1;_·
::~::~~;·~: :;~,.,~~
f r,...~: 1 : .. f' .L e·-- ,.,:. _!. ....,.,.. .... . .... - .....,.
;
/"\
-;·- " ·'~.. ...t,.., '
TT, • ., .. •• ...:...,..., " ...\-, . -- :- : l
1~ _, t: r" ,. . _:: ·.: e. ij,(; [. 1 · ......• • •
",

....s~~-··
--· - ,... ...... ,,.....,
-i....
,;;11- .(- !...
' .....i--
··r .
;
i .... .....,
"'·
..-.L... .. ...·. ..---
+ -· ""

-, .......
; __ ..,\-,• ~i - ~ ,: r i . - ~·
...-.
~~ ;e, ·- + .--.:·---·
/~~~,..!. _ 1 .. --? • • -. .i . r •· "'1 - ...

,., a- · i t "··.·
e -.... .. .,,;-
. ") ' ' .L -~:..,..
,....... ,
---, +-..::., r,, .:e ,-· ·-1 t·"I
h

·-1 +.: .L r.'

....'.".l· "I .:_,.. .-" +-.....

.,.. "\,.·- la'


_,._,,
f\
,,, -~--,
:,...
"''- • •• .i . , , -; rf' ,.

u ' - .:_ r .,.. ""\, . :

1:
P :-i:· ,...._ -.., .L ' ••

• _. ., ,...,,
-

J..,-. ..., ...;...~,


~ -
..... "-.! -,. · • 9

1'·
...' t.:- -.+C· .:.... ..., ....,
' '
i'I ·- . • - . ,-\.-,; ..:.. ,... ... 1::. ,__ ....·
_.....
.. , inó.] :
r h
,........ ,......,
-- )
ri, - , . . • .: .... ""
- .J

flx-··...:-l-: + .... ,: -:_


....

- :-"'-. : - ....'~. ,.,,...~ ......


r :.~., .._
J. ~.''IC- ,.. ..... :_,,
...:!.v

" r-- · •• •
:.--~::..r
,1~·
::.-;, ....,..., -·±: .• ..
'·_ TH IIT'1('

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 496


Freitas Álvaro de Campos

III. “Addiamento”,'transcrição'do'dactiloscrito'da'colecção'Fernando'Távora

ADDIAMENTO

Depois%de%amanhã,%sim,%só%depois%de%amanhã…%%
Levarei%amanhã%a%pensar%em%depois%de%amanhã,%%
E%assim%será%possivel;%mas%hoje%não…%%
Não,%hoje%nada;%hoje%não%posso.%%
A%persistencia%confusa%da%minha%subjectividade%objectiva,%%
O%somno%da%minha%vida%real,%intercalado,%%
O%cansaço%anticipado%e%infinito,%%
Um%cansaço%de%mundos%para%apanhar%um%electrico…%%
Esta%especie%de%alma…%%
Só%depois%de%amanhã…%%
Hoje%quero%prepararFme,%%
Quero%prepararFme%para%pensar%amanhã%no%dia%seguinte…%%
Elle%é%que%é%decisivo.%%
Tenho%já%o%plano%traçado;%mas%não,%hoje%não%traço%planos…%%
Amanhã%é%o8%dia%dos%planos.%%
Amanhã9%sentarFmeFhei%á%secretaria%para%conquistar%o%mundo;%%
Mas%só%conquistarei10%o%mundo%depois%de%amanhã…%%
Tenho%vontade%de%chorar,%%
Tenho%vontade%de%chorar%muito%de%repente,%de%dentro…%%
Não,%não%queiram%saber%mais%nada,%é%segredo,%não11%digo.%%
Só%depois%de%amanhã…%%
Quando%era%creança%o%circo%de%domingo%divertiaFme%toda%a%semana.%%
Hoje%só%me%diverte%o%circo%de%domingo%de%toda%a%semana%da%minha%infancia…%
Depois%de%amanhã%serei%outro,%%
A%minha%vida%triumpharFseFha,%%
Todas%as%minhas%qualidades%reaes%de%intelligente,%lido%e%práctico%%
Serão%convocadas%por%um%edital…%%
Mas%por%um%edital%de%amanhã…%%
Hoje%quero%dormir,%redigirei%amanhã…%
Por%hoje,%qual%é%o%espectaculo%que%me%repetiria%a%infancia?%%
Mesmo%para%eu%comprar%os%bilhetes12%amanhã,%%
Que%depois%de%amanhã%é%que%está%bem%o%espectaculo…%%

8%o%]%omitido-no-impresso-do-Cancioneiro.%
9%A<a>/m\anhã%
10%con<s>/q\uistarei%

11%n<m>/ã\o%

12%b<o>/i\lhetes%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 497


Freitas Álvaro de Campos

Antes,%não…%%
Depois%de%amanhã%terei%a%pose%publica%que%amanhã13%estudarei.%%
Depois%de%amanhã%serei%finalmente14%o%que%hoje%não%posso%nunca%ser.%
Só%depois%de%amanhã…%%
Tenho%somno%como%o%frio%de%um%cão%vadio.%%
Tenho%muito%somno.%%
Amanhã15%te%direi%as%palavras,%ou%depois%de%amanhã…%%
Sim,%talvez%só%depois%de%amanhã…%

O%porvir…%%
Sim,%o%porvir16…%
ALVARO%DE%CAMPOS
14/4/1928.%

IV. “Addiamento”,'Cancioneiro)do)I)Salão)dos)Independentes

• A D D I A M E· N T O
H oje só me diverte o circo de domingo de toda a
semana da min ha infancia - - .
Dep ois de àmanhã, sim, só depois de· àmanhii . . •
......
-:;:v ,s ue ama nhã se rei ou tro,
Levarei àmanhã a pens ar em depois de àmanhã,
.-\ minha vida triumphar- se-ha,
E assi m será po ss ível ; mas hoje não • ••
T odas as minhas qualidades reaes de intellig en te, lido
Não, hoje nada; hoje não posso.
e práctico
A persistencia confu sa da minha subjectividade Serão convocadas por um edital. . .
object i,·ê. :l[as po r' um edi tal de aman hã . ..
O som no da minha vida rea l, intercalado,
H oje quero dormir, redigirei àman hã - · · __
O cansaço anticipado e infinito,
P or hoje qua l é o espectaculo que me repetma a
Um cansaço de mundos para apanhar um electric o . .•
' infancia?
E sta espec ie de alma •••
Mesmo para eu compr ar os bilhetes àmanhã,
Só depois de àm anhã ..•
H oje quero preparar -me, Que depois de à manhã é que es tá bem o espectaculo ...
Antes, não ..•
Quero preparar-me para pen sa r àman hã no dia
Depoi s de àmanhã terei a pose publica que àman hã
seguinte ...
Elle é que é decisivo. estudarei-
Tenh o já o pl ano traçado; ma s não, hoje não tr a;:; Depoi s de àmanhã se rei finalmente o que hoj e não
pl anos . . . posso nunca se r.
Amanhã é dia dos plano s . Só depois de àmanhã .. ·
Amanhã sentar-me- hei á secretaria para conqui star T enho somno como o frio de um cão vadio.
mu ndo ; T enho muito so mno.
Mas só conquistarei o mundo depois de àmanhá ... Amanhã te direi as palavra s, ou d epois de àm anhã · . ·
Tenho vontade de chorar, Sim, ialvez só depo .is de àmanhã ...
Tenho vontade de chorar mui to de repente, de dent ro ...
Não, não queiram saber mai s nada, é segredo, nã o dig 0. O porvir ...
Só depoi s de amanhã . • • Sim, o porvi r .. ·
Qu ando era creança o circo de domingo diverti a-me
toda a iiema::2. ALVA RO DE CAMPOS

13%am<nh>/an\hã%
14%f<a>/i\n<i>/a\lmente%
15%A<a>manhã%

16%porv<o>/i\r%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

V. “No'conflicto'escuro'e'bêsta”,'dactiloscrito'localizado'no'espólio'de'Fernando
Pessoa'(BNP/E3,'71022r)

1
H-
,J

No conflict::> escuro e bâsta


1ntre a luz e o lojame,
~ue ao menos luz se derrame
Sobre a verdade, q~e é esta:

Como é uso doe lojietas


Augmentar aos cem por .cento,
PDotestem contra um augmento
Que é reles ás suas vistas.

E gritam que é enxovalho


~ue os grandes, quando ladrões,
Nem guardem as tradições
Dos gatunos de retalho.

Lu1istas, que vos occorra


Roübiir duzentos por cento!
h acaba logo o argumento
Entre a waffia e a Camorra •..

Al varo de Campos

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 49


Freitas Álvaro de Campos

VI. “No'conflicto'escuro'e'bêsta”,'dactiloscrito'pertencente'à'colecção'Fernando
Távora

:,o c '.lri.flicta escuro a bÉistn


Lr..t.re n luz n o lo.i r die,
4 ue ao mono & luz P B dorrRM&
J obre a var dada , q ue, este:

Cono i uso do e l nit atee


Aug~ent~ r FOs c em~oor eret o,
Pi, o testam co ntra um t::uí,!r.·e
nto
Quo , r a las ~a s uoe uiiL~e .

"g r itam quo I enxovfll h o


~·.H ! as g rf!nde~, quflndo ladrõe s ,
Hpm au e rd • m e& t ~td i c 5ea
ie tunos de retal~o .

~uzi,t~s, que vog oc ro rrB


~>~~t
i\ OUb~;r d· .1zcnt O'.:· ;) :)rt.o ?
,, nc s bn lo t,:\l o nr gumonto
Bnt1 e e M
1
~rr1~ e e G&r1~rrn ••

Alv a ro d e C~mpoe

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017)


Freitas Álvaro de Campos

VII. “No' conflicto' escuro' e' bêsta”,' transcrição' do' dactiloscrito' da' colecção
Fernando'Távora

No%conflicto%escuro%e%bêsta%%
Entre%a%luz%e%o%lojame,%%
Que%ao%menos%luz%se%derrame%
Sobre%a%verdade,%que%é%esta:%

Como%é%uso%dos%lojistas%%
Augmentar%aos%cem%por%cento,%%
Protestam17%contra%um%augmento%
Que%é%reles%ás%suas%vistas.%%

E%gritam%que%é%enxovalho%%
Que%os%grandes,%quando%ladrões,%
Nem%guardem%as%tradições%%
Dos%gatunos%de%retalho.%%

Luzistas18,%que%vos%occorra%%
Roubar%duzentos%por%cento!%%
E%acaba%logo%o%argumento%%
Entre%a%Maffia%e%a%Camorra…%

17%P<or>/ro\testam%
18 %Lu<z>/j\istas:% no% testemunho% do% espólio% de% Fernando% Pessoa,% encontraFse% uma% correcção%
posterior%a%lápis,%provavelmente%da%autoria%do%poeta,%que%está%ausente%do%testemunho%da%colecção%
Fernando% Távora.% Não% sabemos% se% esta% correcção% corresponde% à% versão% final% do% autor,% mas% tendo%
em%conta%que%a%emenda%não%contemplou%a%vogal%anterior%do%substantivo%–%de%“u”%para%“o”%–,%o%que%
implicaria% a% fixação% de% “Lujistas”% (ao% invés% de% “Lojistas”,% como% ocorre% anteriormente% no% poema),%
optouFse%por%manter%a%versão%dactiloscrita.%Como%desconhecemos%o%intuito%do%autor,%põeFse%ainda%a%
hipótese%de%a%correcção%não%pretender%mudar%o%sujeito%do%verso%–%de%“Luzistas”%para%“Lojistas”%—,%
mas%de%ser%um%jogo%que%junta%“luzistas”%e%“lojistas”,%concentrando%no%substantivo%esta%dupla%leitura.%
É% importante% notar% que,% em% qualquer% uma% das% hipóteses,% a% correcção% altera% substancialmente% a%
interpretação% da% última% quadra,% e% que% a% alteração% não% consta% da% cópia% de% Raul% Leal% localizada% na%
colecção%Fernando%Távora.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Freitas Álvaro de Campos

Bibliografia'

CENTRO%DE%ESTUDOS%PESSOANOS%(1978).%1.o-Congresso-Internacional-de-Estudos-Pessoanos-|-Minha-Pátria-
É-a-Língua-Portuguesa-—-Exposição-Iconográfica-e-Bibliográfica.% Catálogo% da% Exposição.% Impr.%
Rocha%Artes%Gráficas.%
MATOS,%Ana%Cardoso;%FARIA,%Fernando;%CRUZ,%Luís%(2004).%A-Electricidade-em-Portugal:-dos-primórdios-
à-2ª-Guerra-Mundial.%Lisboa:%EDP/Museu%da%Electricidade.%
PESSOA,%Fernando%(2004).%Obra-Completa-de-Álvaro-de-Campos.%Edição%de%Jerónimo%Pizarro%e%António%
Cardiello,%com%a%colaboração%de%Jorge%Uribe%e%Filipa%Freitas.%Lisboa:%TintaFdaFchina.%
_____% (2000).%Poemas-1934W1935.%Edição%de%Luís%Prista.%Lisboa:%Imprensa%NacionalFCasa%da%Moeda.%
Edição%Crítica%de%Fernando%Pessoa.%
PIZARRO,% Jerónimo% (2017a).% “Álvaro% de% Campos% Revisited”,% in% Estudos- Regianos,% n.º% 22F23,% Vila% do%
Conde,%Centro%de%Estudos%Regianos,%pp.%67F90,%http://joseregioFcer.pt/index.php/oFboletim/%%
PIZARRO%(2017b).%“Poemas%e%documentos%inéditos:%o%lote%31%e%a%colecção%Fernando%Távora”,%in-Pessoa-
Plural-–-A-Journal-of-Fernando-Pessoa-Studies,%n.º%12,%Outono,%pp.%333F456.%
VIZCAÍNO% (2017).% “O% MetaFarquivo% da% Colecção% Fernando% Távora”,% % in- Pessoa- Plural- –- A- Journal- of-
Fernando-Pessoa-Studies,%n.º%12,%Outono,%pp.%18F81.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


A"chamada"“nota"autobiográfica”""
de"Fernando"Pessoa"de"30"de"Março"de"1935""
!
José Barreto*
!
PalavrasAchave"
!
Fernando!Pessoa,!Nota!Autobiográfica,!Colecção!Fernando!Távora,!Manoel!Serras.!
!
Resumo"
!
O! autor! expõe! tudo! o! que! até! ao! presente! se! sabe! sobre! o! importante! documento!
“autobiográfico”!de!duas!páginas,!dactilografado!e!assinado!por!Fernando!Pessoa!a!30!de!
Março! de! 1935,! oito! meses! antes! da! sua! morte.! DesconheceOse! o! paradeiro! do! documento!
original! assinado,! de! que! a! colecção! do! Arquitecto! Fernando! Távora! possui! uma! preciosa!
reprodução! fotográfica! e! outros! documentos! relacionados,! procedentes! do! espólio! de!
Alfredo! Guisado,! que! aqui! se! dão! a! conhecer.! O! autor! faz! a! história! das! publicações! do!
conteúdo! do! dactiloscrito,! desde! as! primeiras,! com! textos! truncados,! em! 1940! e! 1950,! e!
procura!dar!resposta!a!algumas!interrogações!que!ainda!hoje!persistem!sobre!o!motivo!que!
levou!Fernando!Pessoa!a!escrever!este!documento!e!sobre!o!destino!que!pretendia!darOlhe.!!
"
Keywords"
!
Fernando!Pessoa,!Autobiographical!Note,!Fernando!Távora!Collection,!Manoel!Serras.!
!
Abstract"
!
The! author! presents! what! hitherto! is! known! about! the! important! twoOpage!
“autobiographical”! document! typed! and! signed! by! Fernando! Pessoa! on! March! 30,! 1935,!
eight! months! before! his! death.! The! whereabouts! of! the! original! signed! document! is!
unknown,!but!the!collection!of!the!Architect!Fernando!Távora!has!a!precious!photographic!
reproduction!of!it!and!other!related!documents,!coming!from!the!estate!of!Alfredo!Guisado,!
which! are! divulged! here.! The! author! traces! the! publication! history! of! the! content! of! the!
typescript!since!its!first!editions,!with!truncated!texts,!in!1940!and!1950.!Finally,!the!article!
addresses! some! questions! still! persisting! today! regarding! the! reasons! that! led! Fernando!
Pessoa!to!write!the!document!and!its!intended!purpose.!
!

*!Instituto!de!Ciências!Sociais!da!Universidade!de!Lisboa.!
Barreto A chamada "nota autobiográfica"

É!singularmente! acidentada!e! tortuosa!a!história!das!publicações!da!vulgarmente!


chamada! “nota! biográfica”! ou! “nota! autobiográfica”! de! Fernando! Pessoa! –! um!
dactiloscrito!de!duas!páginas,!intitulado!“FERNANDO!PESSOA”,!datado!de!30!de!
Março! de! 1935! e! ostentando! no! final! a! assinatura! autógrafa! do! seu! autor.! Foi!
publicada!pela!primeira!vez!em!1940,!pela!Editorial!Império,!em!versão!truncada!
designada!como!“extracto!de!uma!nota!biográfica”,!a!abrir!o!opúsculo!em!que!se!
reeditou! a! ode! “À! Memória! do! PresidenteORei! Sidónio! Pais”! (originalmente!
publicada!em!1920).!A!“nota!biográfica”!seria!alvo!de!segunda!publicação!em!1950,!
em!apêndice!à!Vida%e%Obra%de%Fernando!Pessoa,!de!João!Gaspar!Simões,!ainda!numa!
versão! truncada,! mas! mais! completa! que! a! anterior,! e! assim! quedaria! reimpressa!
nas!posteriores!edições!desse!livro.!Seria!necessário!esperar!por!1971!para!que!uma!
versão! integral! visse! a! luz! do! dia,! embora! num! remoto! jornal! de! Lourenço!
Marques,! A% Tribuna,! sem! eco! sensível! em! Portugal.! Em! 1978,! no! Porto,! uma!
reprodução! fotográfica! do! dactiloscrito! original! foi! pela! primeira! vez! mostrada!
publicamente!numa!breve!exposição!por!ocasião!do!1.º!Congresso!Internacional!de!
Estudos!Pessoanos,!mas!dela!não!se!publicou!então!nem!gravura!nem!transcrição.!
Essa! reprodução! fotográfica,! de! que! adiante! se! falará,! provinha! da! colecção! do!
Arquitecto! Fernando! Távora.! Em! 1985,! na! exposição! da! Biblioteca! Nacional! pelo!
cinquentenário!da!morte!do!escritor,!foi!novamente!mostrada!a!mesma!reprodução!
fotográfica! do! dactiloscrito! original,! mas! o! catálogo! da! exposição! também! não!
reproduziu! a! sua! imagem! nem! transcreveu! o! seu! conteúdo.! Enfim,! em! 1988,! o!
catálogo! de! nova! exposição! da! Biblioteca! Nacional,! desta! vez! pelo! centenário! do!
nascimento! do! poeta,! incluiu! uma! transcrição! integral! do! texto! do! dactiloscrito,!
dandoOlhe! assim,! pela! primeira! vez,! ampla! divulgação,! mas! novamente! sem! se!
reproduzir! a! imagem! do! documento! original.! Em! 2011,! a! Casa! Fernando! Pessoa!
colocou!online,!no!seu!site,!uma!imagem!do!documento!original!assinado,!a!partir!
de!uma!fotocópia!da!reprodução!fotográfica!atrás!referida.!
Damos! seguidamente! a! lista! das! quatro! primeiras! publicações! deste!
documento! de! Fernando! Pessoa,! com! as! competentes! referências! bibliográficas!
anotadas.!
1. “Fernando!Pessoa!(extrato!de!uma!nota!biográfica!escrita!por!ele!próprio
em!30!de!Março!de!1935”,!em!Fernando!Pessoa,!À%Memória%do%Presidente7Rei%Sidónio%
Paes,! Lisboa:! Editorial! Império,! 1940,! pp.! 3O4.! Versão! gravemente! truncada,!
equivalendo!a!uma!censura!política!e!religiosa!do!conteúdo!do!escrito!original.!A!
Editorial!Império,!que!em!1934!esteve!envolvida!na!publicação!do!livro!Mensagem,!
era! uma! editora! associada! ao! Secretariado! de! Propaganda! Nacional,! dirigido! por!
António!Ferro.!ConstataOse!a!amputação!total!dos!parágrafos!“Ideologia!política”,!
“Posição! religiosa”,! “Posição! iniciática”,! “Posição! patriótica”,! “Posição! social”! e!
“Resumo!de!estas!últimas!considerações”,!bem!como!o!corte!de!um!trecho!em!que!
Pessoa! repudiava! o! seu! opúsculo! O% Interregno:% Defesa% e% Justificação% da% Ditadura%
Militar% em% Portugal,! de! 1928.! A! própria! data! do! documento! original! foi! omitida.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

João! Rui! de! Sousa! presume! terOse! devido! a! Augusto! Ferreira! Gomes! a! iniciativa!
desta!publicação!(SOUSA,!1988:!83).!
2. “Nota!biográfica!escrita!por!Fernando!Pessoa!em!30!de!Março!de!1935!e
publicada,!em!parte,!como!introdução!ao!poema!editado!pela!Editorial!Império!em!
1940!e!intitulado!‘À!memória!do!PresidenteOrei!Sidónio!Pais’”,!em!apêndice!a!João!
Gaspar! Simões,! Vida% e% Obra% de% Fernando% Pessoa:% História% duma% Geração,% Amadora:!
Livraria! Bertrand,! s.! d.! [ca.! 1950],! 2.º! vol.,! pp.! 361O362.! Versão! truncada,! mais!
completa! do! que! a! de! 1940,! mas! com! erros,! como! a! data! do! documento,!
erradamente! situada! em! 1933.! Entre! as! partes! que! se! mantinham! amputadas,!
contavaOse!o!parágrafo!“Posição!iniciática”!e!o!trecho!em!que!Pessoa!repudiava!o!
folheto!O%Interregno.!Esta!versão!incompleta!manteveOse!até!à!5.ª!edição!da!obra!de!
Gaspar! Simões,! a! última! por! ele! revista! (Lisboa:! D.! Quixote,! [1987]),! e! assim!
continuou! reimpressa! até! hoje.! Gaspar! Simões! refereOse! à! “nota! biográfica”! como!
um!documento!que!Pessoa!divulgara!“entre!amigos”,!sem!precisar!a!procedência!
do!documento!que!transcreveu.!!!
3. “Fernando! Pessoa! visto! por! ele! próprio”,! em! A% Tribuna,! Lourenço
Marques,! ano! 6,! n.º! 1981,! de! 22! de! Julho! de! 1971,! pp.! 5! e! 14.! O! título! é! da!
responsabilidade! do! jornal.! Não! dispomos! de! nenhuma! cópia! desta! publicação!
nem! sabemos! de! onde! terá! provindo! o! texto! ali! apresentado.! A! notícia! dessa!
publicação! apareceu! em! Fernando% Pessoa:% O% Último% Ano! (catálogo! da! exposição!
comemorativa!do!cinquentenário!da!morte!de!Fernando!Pessoa),!org.!Teresa!Sobral!
Cunha! e! João! Rui! de! Sousa,! Lisboa:! Biblioteca! Nacional,! 1985,! p.! 101.! TrataOse! do!
verbete! n.º! 315,! referente! à! reprodução! fotográfica! do! dactiloscrito! de! Fernando!
Pessoa! mostrada! na! dita! exposição,! com! a! referência! de! origem! “Col.! Fernando!
Távora”.! O! verbete! refere! que! o! documento! de! Pessoa! foi! “publicado!
integralmente”!no!jornal!moçambicano.!!
4. “Fernando!Pessoa”,!em!VVAA,!Fernando%Pessoa%no%seu%Tempo!(catálogo!da
exposição! homónima! coordenada! por! Eduardo! Lourenço! e! António! Braz! de!
Oliveira),! Lisboa:! Biblioteca! Nacional,! 1988,! pp.! 17O22.! Foi! esta! a! primeira!
publicação! integral! do! texto! do! dactiloscrito! de! 1935! para! um! público! amplo.! O!
título! é! comum! a! dois! textos,! ambos! designados! “notas! autobiográficas”,!
apresentados! lado! a! lado! no! catálogo:! o! dactiloscrito! de! 1935! e! a! “Tábua!
Bibliográfica”!que!Fernando!Pessoa!publicou!anonimamente!na!Presença!n.º!17,!em!
1928.! Numa! nota! da! p.! 16! do! mesmo! catálogo,! é! dito! que! “o! texto! completo! [do!
dactiloscrito!de!1935]!só!em!1971!viria!a!ser!conhecido”,!mas!não!se!diz!onde!nem!
como.! A! mesma! nota! afirma! que! das! duas! “notas! autobiográficas”! em! causa!
existiriam!“cópias!guardadas!no!espólio!do!poeta!(como!que!a!atestar!a!autoria)”,!
mas! não! é! dada! a! sua! localização! precisa! no! espólio.! Na! verdade,! não! existe!
qualquer!cópia!do!dactiloscrito!de!1935!no!espólio!pessoano!da!Biblioteca!Nacional!
de!Portugal.!!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

DesconheceOse! o! actual! paradeiro! do! dactiloscrito! original,! com! assinatura!


autógrafa!e!duas!emendas!a!tinta!do!punho!de!Pessoa.!Dele!existe,!como!se!referiu,!
na! Colecção! do! Arquitecto! Fernando! Távora,! uma! reprodução! fotográfica! (ver!
adiante! o! Anexo! 1),! que! foi! feita! em! 1948! e! esteve! exposta! em! 1978! e! 1985! nas!
exposições! atrás! citadas.! Como! adiante! se! dirá,! para! além! deste! dactiloscrito!
“original”!de!Pessoa!conhecido!pela!sua!reprodução!fotográfica,!pode!ter!existido!
um!outro!testemunho!“original”,!isto!é,!outra!cópia!assinada!pelo!punho!do!autor,!
da!qual!igualmente!se!desconhece!o!paradeiro.!!
ConheceOse,!sim,!um!outro!testemunho!do!dactiloscrito!original,!embora!não!
assinado!nem!emendado!manualmente!pelo!autor,!conservado!até!hoje!no!espólio!
familiar! de! Fernando! Pessoa! (Anexo! 2).! Essa! cópia! não! assinada,! mas! preservada!
pela! família,! atestaria,! se! necessário! fosse,! a! genuinidade! da! proveniência! do!
documento.!
Na! Colecção! do! Arq.! Fernando! Távora,! que! foi! um! apaixonado!
coleccionador! de! edições,! correspondência! e! outros! documentos! pessoanos,!
encontramOse! vários! itens! relacionados! com! o! dactiloscrito! de! 1935.! Em! primeiro!
lugar,!a!própria!reprodução!fotográfica!em!papel!sensível!do!documento!assinado!
e!emendado!pela!mão!de!Pessoa!(Anexo!1),!que!já!se!disse!ter!sido!exibida!em!1985!
e! o! seu! texto! integralmente! transcrito! em! 1988,! no! quadro! das! exposições!
comemorativas!organizadas!nesses!anos!pela!Biblioteca!Nacional.!Essa!reprodução!
fotográfica,! juntamente! com! diversas! outras! peças! do! espólio! do! poeta! Alfredo!
Guisado! (1891O1975),! foi! adquirida! no! final! dos! anos! 1970,! em! data,! certamente!
posterior! à! morte! deste! último,! por! Fernando! Távora.! As! fotografias! tinham! sido!
oferecidas! em! 1948! a! Guisado! pelo! algo! enigmático! detentor! do! documento!
original,!Manoel!Serras,!de!cujo!nome!não!se!conhecia!rasto!nem!no!espólio!nem!na!
literatura!pessoana.!Até!agora,!apenas!a!presença!de!Manoel!Serras!no!funeral!de!
Pessoa,!registada!no!necrológio!do!Diário%de%Notícias,!o!associava!ao!escritor.!!
Conseguimos! apurar! que! Manoel! Serras,! nascido! em! Lisboa! em! 1895,! foi!
funcionário! superior! do! Ministério! das! Colónias! e,! em! 1925,! secretário! da!
Inspecção! dos! Serviços! de! Emigração,! cargo! de! que! foi! afastado! pelo! governo! da!
Ditadura!Militar!em!30!de!Outubro!de!1926!(decreto!n.º!12607!de!30!de!Outubro!de!
1926).!Foi!sucessivamente!membro!do!Partido!Republicano!Evolucionista,!apoiante!
de!Sidónio!Pais!em!1918,!secretário!particular!do!presidente!da!República!António!
José! de! Almeida! (1919O1923)! e! deputado! (1925O1926)! pelo! Partido! Republicano!
Português!–!PRP.!Publicou!o!livro!As%Colónias%e%a%sua%Administração%Central!(Lisboa:!
Centro! Tipográfico! Colonial,! 1925),! de! que! ofereceu! em! 1932! um! exemplar! a!
Fernando!Pessoa,!com!esta!dedicatória:!“A!Fernando!Pessoa,!como!testemunho!de!
sincera! admiração.! Fevereiro/32! ‒! Manoel! Serras”.1! Em! 1932! foi! editor! do! Diário%
Liberal,!jornal!republicano!“frentista”!que!deixou!de!se!publicar!em!Janeiro!de!1934.!

! Ver:! bibliotecaparticular.casa ernandopessoa.pt/3 92LM !(Biblioteca! Digital! de! Fernando!


1

Pessoa,!Casa!Fernando!Pessoa).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 506


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

Acompanhou! o! funeral! de! Fernando! Pessoa,! segundo! o! Diário% de% Notícias% de! 3! de!
Dezembro! de! 1935.! Em! Dezembro! de! 1935! fazia! parte,! com! Artur! Inez! (fundador!
do! semanário! O% Diabo),! de! uma! Sociedade! Editorial! de! “O! Mundo”! (em!
organização).2!O!extinto!jornal!O%Mundo!era!o!órgão!oficioso!do!PRP,!banido!pela!
Ditadura!Militar!em!1926.!Em!1947,!Manoel!Serras!era!secretárioOgeral!do!PRP!(não!
reconhecido! pelo! Estado! Novo).3! Em! 1955,! pertenceu! ao! Directório! Provisório! da!
“Causa! Republicana”,! um! movimento! que! pretendia! legalizarOse,! visto! existir! já,!
com!o!consentimento!do!Estado!Novo,!a!“Causa!Monárquica”.!Não!conhecemos!a!
data!da!sua!morte.!
Juntamente! com! a! cópia! fotográfica! do! dactiloscrito! de! Pessoa,! o! Arq.!
Fernando!Távora!adquiriu!também!uma!carta!de!Manoel!Serras!a!Alfredo!Guisado,!
datada!de!9!de!Setembro!de!1948,!que!contém!várias!informações!importantes.!Por!
ela! ficamos! a! saber:! 1)! que! o! dactiloscrito! original! terá! sido! oferecido! a! Manoel!
Serras!pelo!próprio!Fernando!Pessoa!em!1935;!2)!que!do!dito!documento!existiria!
um!“duplicado”,!também!assinado,!cujo!paradeiro!Manoel!Serras!ignorava;!3)!que!
Manoel! Serras! ofereceu! uma! cópia! fotográfica! do! documento! a! Alfredo! Guisado,!
enviada! juntamente! com! a! carta;! 4)! que! Manoel! Serras! pretendia! legar,! por! sua!
morte,!o!documento!de!que!era!possuidor!à!Faculdade!de!Letras!de!Lisboa,!o!que!
aparentemente!não!se!consumou.!ReproduzOse!em!anexo!a!carta!de!Manoel!Serras!
a!Alfredo!Guisado!aqui!transcrita.!!!

MANOEL SERRAS
R. DO BARÃO, 5, 4,0 -D. - TEl. 21479
LISBOA ,!9!de!Setembro!de!1948!

Meu!caro!Alfredo!Guisado:!

Do! documento! a! que! me! referi! na! minha! carta! de! 4! do! corrente! e! que! me! foi! entregue! há!
anos! pelo! nosso! saudoso! amigo! Fernando! Pessoa,! tirei! a! fotocopia! que! vae! junta,! e! que!
tenho!muito!gosto!em!oferecerOlhe.!
Pelos! motivos! que! pessoalmente! já! lhe! expuz,! pareceOme! conveniente! guardar! toda! a!
reserva!acerca!do!seu!conteudo,!do!qual!só!uma!parte!foi!objecto!da!carta!que!lhe!dirigi.!
Quanto!ao!original,!entendi!que!o!seu!lugar!deve!ser,!depois!da!minha!morte,!na!Faculdade!
de!Letras!de!Lisboa!e,!nesse!sentido,!já!dei!as!minhas!instruções!á!pessoa!a!quem!o!confiei.!!
Creio! que,! desta! maneira,! cumpro! o! meu! dever! de! cidadão,! contribuindo! para! que! de!
futuro! a! personalidade4! do! genial! poeta! possa! sêr! apreciada! com! toda! a! clareza! e!
imparcialidade.!!
Do!documento!em!causa!existe5!um!duplicado,!tambem!assinado,!cujo!paradeiro!ignoro.!

2! Documento! consultável! em! EPHEMERA! –! Biblioteca! e! arquivo! de! José! Pacheco! Pereira:!
https://ephemerajpp.com/2013/07/14/arturOinezOmanuelOserrasOpelaOsociedadeOeditorialOoOmundoO
emOorganizacaoOrascunhoOdeOcartaOaOenviarOaOurbanoOrodriguesOeOmarioOsalgueiroOlisboaO13OdeO
dezembroOdeO1935/!!
3!Ver!a!carta!seguinte:!http://manuelObernardinomachado.blogspot.pt/2012/04/paraOoOmiguelOeOritaO

tresOantepassados.html!!
4!<*obra>![↑!personalidade]!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 507


Barreto A chamada "nota autobiográfica"
Creia!na!muita!e!afectuosa!estima!do!
Seu!amigo!m.to!ob.o!

MANOEL SERRAS
•.DOBAiÃO,.S.4.•-D.-TEl.21479
l 1SBO A
/
9 ol,_ eL-,_ 4 9-?8

Ai-o~ --i......,_. e'"'.


4'- J..

;,-,-,.A .,_.__,.
- ;/4.._ .
--'9"
~ --V'"'-)! <• -t

5!<foi>!existe!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

A! admiração! de! Manoel! Serras! por! Fernando! Pessoa,! atestada! pela!


dedicatória!de!1932,!só!pode!ter!aumentado!perante!as!posições!políticas!tomadas!
pelo! poeta! em! 1935! e,! inclusivamente,! pela! leitura! da! sua! “nota! autobiográfica”,!
cujo! original! dactilografado! Serras! diz! terOlhe! sido! oferecido! pelo! autor.! NoteOse!
ainda! que! a! amizade! existente! entre! Manoel! Serras! e! Alfredo! Guisado! também!
tinha! uma! conotação! política,! dado! que! ambos! estiveram! ligados! à! política!
republicana!activa!e!ao!PRP.!!
A!Colecção!Fernando!Távora,!entre!vários!papéis!relacionados!com!a!“nota!
biográfica”!de!Pessoa,!conserva!também!uma!série!de!apontamentos!do!minucioso!
coleccionador! portuense,! escritos! pelo! seu! punho! em! duas! pequenas! folhas! de!
papel,!que!de!seguida!transcrevemos,!mantendo!a!ortografia,!mas!desdobrando!as!
abreviaturas!usadas!pelo!autor.!!

(1!
Publicada,! a! notícia! autobiográfica! de!
F[ernando]! P[essoa],! em! “À! memória! do!
PresidenteORei! Sidónio! Paes”,! mas! com!
cortes!sensíveis.!Importante!saber!porque!foi!
aí!cortada!e!onde!está,!se!está,!integralmente!
publicada.!
O! texto! 2% col.! escrito! nas! costas! das!
fotografias! dáOme! a! entender! que! teria! sido!
feita! uma! gravura,! publicada! possivelmente!
por! Alf[redo]! Guisado! na! “República”.! A!
vêr.!
____!!
Tenho! um! manuscrito,! não! assinado,! que!
pertenceu! a! Alfr[edo]! Guisado! (lote! 22),! no!
qual!se!transcreve,!creio,!uma!notícia!de!um!
jornal!da!época!sobre!a!morte!e!o!enterro!de!
F[ernando]! P[essoa].! Aí! aparece! o! nome! de!
Manoel! Serras! entre! os! amigos.! Não! o!
encontrei!referido!em!qualquer!outro!lugar.!
____!!
Esta! autobiografia! vem,! também!
parcialmente!transcrita!em!J.!Gaspar!Simões,!
“V[ida]! e! O[bra]! de! F[ernando]! P[essoa]”! –!
2.ª!ed.6,!pág.!673O674,!548.!Aí!se!diz!que!este
documento! “foi! divulgado! entre! amigos”! e
até!hoje!publicado!“apenas!em!parte”.
____
S[obre]! a! iniciação! de! F[ernando]! P[essoa]! –
vêr! A.! Pina! Coelho! O! “Os! Fundamentos

6!João!Gaspar!Simões,!Vida%e%Obra%de%Fernando%Pessoa.!Amadora:!Livraria!Bertrand,![ca.!1970],!2.ª!ed.,.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Barreto A chamada "nota autobiográfica"
Filosóficos!da!Obra!de!F[ernando]!P[essoa]” E:-,,c ltvt-........J:õ 1-4- "'c...k (e.
7,!I!–!pág.!43,!nota!4.!

E! também! Ant.! Quadros! –! “F[ernando]! r:r~ r=~;..-.;{~~,.


)-(_ /l.>s-t

,u..et.:r
I
---
!½>("""}
P[essoa].!–!O!homem!e!a!obra”8,!pág.!258.!
" f...,,._..,,,e"'"':
,{)--o
~)
(2!
Este! documento,! sem! a! carta! de! Manoel!
fn' ~À (.
1P-v = { ----
A ri 1" --'---r .,,,, z,r_?. .P
"'""J?
Serras! a! Alfredo! Guisado,! figurou! na!
fL

' r'(r"--"-"- "" F---t<f,,__.J A


Exposição! realizada! quando! do! 1.º! ¼,.J;-c.. /v;,.c..,-"...f. ,9-, C-1(,,__,_
Congresso! de! Estudos! Pessoanos! (n.º! 1! do! :,,., o,,_~

Catálogo9).! ~e:~ &-LP.


____!! L ~1.o~~ -.,_~ -
Foi! cedido,! sem! a! carta,! a! Arnaldo! Saraiva,! ·~ t...
- -, ~- ...............
,,--vt-
1. ,, "':JIJ; · = ltf·/+~ ,
em! 24.9.85,! para! figurar! na! Exposição! da! .....r_,.
' ~<.À.. ~!..:.J.....-~ e;4.
Biblioteca!Nacional!de!Lisboa!comemorativa!
do!centenário!do!nascimento!de!F.!P.! t -
,, { e,.- •
~-K
-r .,
t.J--t.,..,,
____!! • A,;-A- j:..,,_;_,._ t..-J.-. c.J:;;._,
.....
'*
Vem! referido! no! respectivo! Catálogo! O!
“Fernando! Pessoa! O! O! último! ano”! O! ! a! pág.!
~
~~--~ -½o, .,__f.,
$4. ,<<'-- •

101,!n.º!315;!a!pág.!17,!lamentavelmente,!não!
~}-o

r~.'./-.J'<õ, lr"' .A .í-v-....~va..


-J~
é!agradecida!a!minha!“amável!colaboração”,! 0 ""'&..(?' = tr 6 t <""" '
como! deveria,! facto! que,! aliás,! o! Arnaldo! -4-w r-=-2-J 6 f,,,c.n.

Saraiva! também! notou! e! referiu! quando! me!


deixou!o!catálogo!aqui!em!casa.!
____!!
O! documento! foi! devolvido! hoje,! 10.7.86,!
pelo!A[rnaldo]!Saraiva.!

Apesar! do! que! hoje! sabemos! sobre! a! chamada! “nota! autobiográfica”! de!
1935,! graças! também! aos! novos! elementos! proporcionados! pela! consulta! da!
colecção! do! Arq.! Fernando! Távora,! estamos! ainda! longe! de! solucionar! parte!
substancial! do! enigma! que! em! seu! torno! persiste.! Com! efeito,! para! além! de! se!
desconhecer! o! paradeiro! do! dactiloscrito! ou! dactiloscritos! assinados! do!
documento,! que! podem! estar! simplesmente! perdidos,! há! duas! ou! três! questões!
fundamentais! que! há! muito! esperam! resposta.! Com! que! objectivo! o! escreveu!
Fernando!Pessoa?!DestinouOo!a!publicação?!Se!sim,!porque!não!foi!publicado?!Em!
resposta!a!estas!perguntas,!avançamos!aqui!a!hipótese!de!o!texto!ter!realmente!sido!
destinado!a!publicação!e!de!não!ter!sido!publicado!em!virtude!da!censura.!
Julgamos,!de!facto,!muito!pouco!provável!que!Pessoa!tivesse!escrito!tal!nota!
apenas! para! a! divulgar! “entre! amigos”.! A! nossa! experiência! com! os! materiais! do!

7!António!Pina!Coelho,!Os%Fundamentos%Filosóficos%da%Obra%de%Fernando%Pessoa.!Lisboa:!Verbo,!1971!2!
vols..!!
8!António!Quadros.!Fernando%Pessoa:%A%Obra%e%o%Homem.!Lisboa:!Arcádia,!1981.!!

9! 1.º% Congresso% Internacional% de% Estudos% Pessoanos.% Porto% Abril% de% 1978.% “Minha% Pátria% é% a% Língua%

Portuguesa”.%Exposição%Iconográfica%e%Bibliográfica.!Catálogo!da!exposição.!Porto:!Rocha!Artes!Gráficas,!
1978.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 50


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

espólio!pessoano!dizOnos!que!um!dactiloscrito!com!estas!características!formais,!ou!
seja,!acabado,!limpo,!datado!e!assinado,!estaria!certamente!destinado!pelo!autor!a!
publicação,! embora! esta! não! tenha! realmente! acontecido! em! vida! de! Pessoa.! Por!
outro!lado,!o!próprio!conteúdo!do!documento!–!que!não!se!limitava!a!enumerar!os!
dados! biográficos! essenciais! do! autor! (daí! as! nossas! reticências! em! relação! à!
habitual! designação! de! nota% biográfica! ou! autobiográfica),! mas! sobretudo! expunha!
concisamente! as! “posições”! de! Fernando! Pessoa! nos! planos! ideológico,! político,!
religioso,! iniciático! e! social! –! também! parece! sustentar! a! hipótese! de! que! o!
dactiloscrito! se! destinava! a! ser! publicado.! Na! verdade,! faria! todo! o! sentido! que!
Pessoa,! no! momento! em! que! o! produziu,! desejasse! dar! publicidade! a! um!
documento! como! este,! esclarecendo! dúvidas! e! interrogações! que! pouco! antes!
haviam! sido! suscitadas,! quer! publicamente,! quer! entre! as! relações! privadas! do!
autor,!acerca!daquelas!suas!“posições”.!!
Com! efeito,! Fernando! Pessoa,! um! escritor! com! alguma! fama! de!
“situacionista”,!que!em!1928!publicara!um!opúsculo!em!defesa!da!Ditadura!Militar!
e!que!em!Dezembro!de!1934!fora!galardoado!por!um!organismo!governamental!do!
Estado! Novo! pelo! seu! livro! de! poesia! consabidamente! “nacionalista”! Mensagem,!
surgira! algo! surpreendentemente! no! início! de! Fevereiro! de! 1935,! na! imprensa!
diária!de!Lisboa,!com!um!artigo!de!grande!retumbância!em!defesa!da!Maçonaria,!
então! a! principal! inimiga! do! regime! de! Salazar! e! da! Igreja! católica! (Fernando!
Pessoa,! “Associações! Secretas”,! Diário% de% Lisboa,! 4! de! Fevereiro! de! 1935,! pp.! 1! e!
centrais).!A!própria!Mensagem!havia!já!antes!disso!suscitado!dúvidas!e!apreensões!
em! alguns! meios! do! regime,! que! julgaram! o! poema! derrotista,! esotérico! e!
religiosamente!herético.!Sabemos!que!Pessoa!tentou!reagir!a!estas!interrogações!e!
dúvidas! levantadas! quer! pela! Mensagem,! quer! pelo! artigo! “Associações! Secretas”,!
escrevendo! alguns! textos,! predominantemente! inacabados,! que! nunca! chegou! a!
poder! publicar,! cremos! que! principalmente! em! razão! da! censura.! O! black% out!
informativo! imposto! pela! censura! em! torno! do! poeta,! após! a! publicação! da! sua!
defesa!da!Maçonaria,!impediuOo!de!responder!a!diversos!artigos!da!imprensa!em!
que!se!viu!atacado,!por!vezes!com!grande!dureza.10!Nestas!circunstâncias,!Pessoa!
pode!ter!imaginado!contornar!essas!dificuldades!publicando!uma!espécie!de!“ficha!
pessoal”!de!escritor,!sobre!ele!próprio!(como!já!em!1928!publicara,!anonimamente,!
a! sua! “Tábua! Bibliográfica”! na! revista! Presença),! respondendo! assim,!
indirectamente,!às!dúvidas!e!críticas!acerca!dele!formuladas.!Claro!que!tal!empresa!
não!poderia!ter!sido!bemOsucedida,!pois!desde!Fevereiro!de!1935!que!a!censura!do!
regime,! aliás! apanhada! de! surpresa! pelo! artigo! publicado! no! Diário% de% Lisboa,!
colocara! Pessoa! sob! rigorosa! quarentena.! As! frequentas! queixas! de! Pessoa,! nesse!

! VejamOse,! a! este! respeito,! as! colectâneas! de! escritos! de! Fernando! Pessoa! por! nós! editadas,!
10

Associações%Secretas%e%Outros%Escritos!(2011)!e!Sobre%o%Fascismo,%a%Ditadura%Militar%e%Salazar!(2015),!bem!
como! o! nosso! artigo! “Salazar! and! the! New! State! in! the! Writings! of! Fernando! Pessoa”(BARRETO,!
2008).!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

ano,!sobre!a!censura!e!as!“directrizes”!governamentais!–!queixas!repetidas!poucas!
semanas!antes!de!morrer!numa!carta!inacabada!a!Adolfo!Casais!Monteiro!(datada!
de! 30! de! Outubro! de! 1935;! em! PESSOA,! 1998:! 282O284)! –! são! um! indício! muito!
plausível!de!que!vários!escritos!seus!terão!sido!recusados!nesse!ano!pelos!censores.!
É! bastante! provável! que! isso! tenha! sucedido! com! os! artigos! “Profecia! Italiana”!
(deixado!pronto!para!publicar)!e!“O!caso!é!muito!simples”!(não!acabado),!ambos!
escritos!em!Outubro!de!1935!a!propósito!da!invasão!da!Etiópia!pela!Itália!fascista!
(apud! BARRETO,! 2009).! Também! os! projectos! de! artigos! e! de! um! livro! com! que!
Pessoa! tencionava! responder! aos! críticos! da! sua! defesa! da! Maçonaria! podem! ter!
sido,!por!idêntico!motivo,!abandonados!pelo!escritor.!!
O!curto!e!belo!texto!que!Pessoa!intitulou!“Explicação!de!um!livro”,!escrito!
por! volta! de! Abril! de! 1935,! em! que! discorria! sobre! a! perplexidade! causada! em!
alguns! leitores! pelo! conteúdo! não! só! da! Mensagem,! como! também! do! artigo!
“Associações!Secretas”,!ficou!inédito!em!vida!do!autor.11!Na!verdade,!dificilmente!
poderia! esse! texto! ter! escapado! à! censura! de! então,! porque! embebido! em!
anticatolicismo!e!em!sentimentos!de!fraternidade!para!com!a!Maçonaria,!as!ordens!
templárias! e! o! rosicrucianismo.! Além! disso,! esse! texto! constituía! uma! flagrante!
profissão!de!fé!liberal,!cujos!pontos!essenciais!Pessoa!apontava!no!individualismo,!
na! tolerância! e! no! respeito! pela! dignidade! humana! e! pela! liberdade! do! espírito.!
Tudo!isto!era!flagrantemente!contrário!aos!princípios!do!nacionalismo!autoritário!e!
católico! do! salazarismo.! O! texto! “Explicação! de! um! livro”! deve,! pelo! exposto,!
considerarOse! simultaneamente! uma! chave! e! um! complemento! da! “nota!
autobiográfica”!de!30!de!Março!de!1935.!
Nada! surpreenderia,! assim,! que! o! dactiloscrito! “autobiográfico”! de! Pessoa!
tivesse! sido! chumbado! pela! censura! prévia! em! alguma! publicação! periódica! de!
1935,! em! virtude! dos! diversos! temas! “sensíveis”! ali! abordados:! defesa! do!
liberalismo! conservador! “de! estilo! inglês”,! condenação! do! reaccionarismo,! do!
fanatismo! (religioso)! e! da! tirania,! oposição! total! à! Igreja! Católica,! declaração! de!
iniciação! na! Ordem! Templária! Portuguesa,! declaração! de! afinidades! com! a!
Maçonaria,! etc.! Postumamente,! o! corte! de! todos! esses! parágrafos! do! dactiloscrito!
pela! Editorial! Império! –! dando! assim! à! estampa,! em! 1940,! um! documento!
drasticamente! amputado,! reduzido! aos! dados! biográficos! –! equivaleu,! de! facto,! a!
um!acto!da!censura!oficial,!ainda!que!o!não!tenha!sido!formalmente.!!
Não! dispomos,! em! abono! da! nossa! hipótese,! de! qualquer! pista! concreta!
sobre!os!jornais!ou!revistas!a!que!Pessoa!poderá!ter!destinado!a!publicação!da!sua!
“nota! biográfica”,! já! que! nenhum! dos! projectos! editoriais! do! escritor! relativos! ao!
ano! de! 1935! aparenta! listar! esse! texto.! SabeOse,! porém,! com! base! nesses! mesmo!
projectos!editoriais,!que!em!1935!Pessoa!tencionava!destinar!diversas!colaborações!

! Foi! pela! primeira! vez! publicado,! descontextualizado,! com! erros! de! leitura! e! erradamente!
11

acoplado!a!outro!texto,!em!PESSOA!(1966:!433O435).!Foi!novamente!publicado!em!PESSOA!(2011:!122O
123!e!226O227).%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

a! periódicos! críticos! do! regime,! como! os! semanários! Fradique! (de! Tomás! Ribeiro!
Colaço)! e! O% Diabo% (dirigido! pelo! aqui! já! citado! Artur! Inez,! amigo! de! Manoel!
Serras),! bem! como! para! os! jornais! vespertinos! Diário% de% Lisboa! (onde! Pessoa!
conseguiu! publicar! “Associações! Secretas”)! e! República% (em! que! Alfredo! Guisado!
colaborava).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

Anexo"1"
Fotografia!em!papel!sensível!do!dactiloscrito!assinado!
(Colecção!Fernando!Távora).!

lfF:. 'J, IDU PESS OA•

.fome completo: Fernando Antonio Nogueira Pessoa.


~dade e naturalid&d.9: Nasceu en Lisboa, treguezia doe
l.tartyrea, no pred1o no 4 do Largo de s. Carlos
(hc'8 do Direotorio) e 13 de Junho 6e 1888.
Fili•gio: ?ilho de Joaquilll de Beabra Pessoa
legitimo
e de n. Haria llagdalena Pinheiro Nogueira. Neto
paterno do General. 1 Joaquim Antonio de Araujo
Peasoa, combatente .das a•panha• li'beraea, e de
n,·~iony-aia Seabra; neto materno do Conselheiro
Luis Antonio Nogueira, Juriaoonaulto e que foi
Direotor Geral do Y1n11terio do Reino, e de D.
llagdalena XaTier Pinheire. Aaoendenoia geral•
mixto de tidalgoa e de judna.
Estado: SeUeil"O.
Protiado: A designa9'o maia propria aerf. •traduotor•,
a maia exaota a de •correspondente estrangeiro
em oaaaa ooaaero1ae•". o ae poeta e 83~iptor
n&o oona'U'tue prot'~ado, mu T00&9lo.
uorao,: Coelho
Rua
11ndere90 postaa
da Roo:tla, 16, 11, dto., Llaboa.
• _Caixa Poatal 14,, Ltaboa).

lW)9c8t1 l901Uf 9lll tllll ft•aimenlulda


ae entende Q.rgoa pulÕÔã,Õutuno98ea
:
Se por iHO
de de•-
taque • nenh\llUUI. ·
Obra, que'• publioa4o: A obra Ht, eaaenaialmente
disperaa por mquanto, por variu revhu.a •
publiaaç3es oocasionaea. O que, de 11-n-os ou fo-
lhetos, oonaidera oo• rili4o, , o aeguinie:
•35 Sonneta• (em ingles), 1918; "Bnglish Po••
1-11• e "Ellgliah Po- xn• (• inglez t•b•),
1922, e o liTI'O •Uenaagem•, 1934, pr•iad.o pelo
Secretariado de Pro~ Haoional, na oatego-
ria "Poema•. O t'olheto •o Interregno•, publicado
arn 1928, e constituindo uma det'•• da DiatadUl"a
.rilitar en Portugal, deve ser considerado como
não existente. Ha que rner tudo isso e talTes
que re pudir mui to.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

2.

Educaçio: Em virtude de, fallecido seu pae em 1893,


sua mãe ter casado, em 1111, em aagundaa nupciaa,
com o Commandante Joio Miguel Koaa, Consul de
Portugal em Durban, Natal, foi a11, educado.
Ganhou o prtmio Rainha Victoria dt aatylo in glea
na Univeraiciade do Cabe da ~oa Esperança em 1903,
no exame de admi•a&o, ao• 15 annoa.
Ideologia politioa: Conaidera que o •r•tma&
monarohico
eeria o maia proprio pal'& 1.111a na9&0organicamente
imperial como 6 Portugal. C:oneidea, ao uuao tem-
po, a•onarohla completaaenM inviavel • Portugal.
Por i~ao, a ~Tal' ua p1-biao1to entre regimelaa, To-
tai-1&, •bon ooa pena, pela Republica. Coneer,....
dor do eatyle ,~nslea, iata ,, libffal dent:ro do oon-
eenantiau, ,-b•olut•ente anti-reaooionario.
Poaiglo ffligioyj Chrialle poatioo, e portanto intei-
ramente oprsto a todaa .. Bgreju orpnisada•,.
aobretu4o ~eja de Roaa. ~iel, por aotivoa que
mai• a4eante eatlo iaplicitoa, à frad.ig&o Beoreta
do CluiatianiaM, ,.que t• 1nt!Jla9 re1&9le• oea a
Tra4iglo Seneta • hl'Ul (a Santa X.b'bal.Nl) e ooa
a uaeno1a ooou1'a da ll&ftnaJPia..
Poeiclo ·1n101atio~; lnioWo, por oomunioag&o direota
de K .. tre a lacipule, no• bes gr&ll8 menor•• da
(appanntemante exUnota) OH• Templarla de
Portugal.
Poaiç&o ptriotioa; ~utidario de a naoionaliao
tice, de onde ••J•
abolida to4a intiltrag&o
lioa-romana, oreando·••,
llcy'B•
oatho-
•• poaaivel t3r, ua ••ba•-
tiani111110novo, que a aubatitua eapiritualmente, ••
a que ne catholici•o portugues houve alguma ves
up1r1 tualidad.e. Naoionali•ta que •• suia p~ eate
lemaa: •Tudo pela H\llllllllh14ade;nada oontra a Nag&o•.

Posiçl.o social: Anti-oommuniata e ant1-aooial1ata. O


maia deduz-•• do que vae dito acima •
.:.:R~e-=•~um~o_d~e:!!...,;e~a~t~e~u~l~t~~uc:.ll.!.l~s~~~!cU
Ter sempre ll•!.:
na
memoria o tyr J'aoquea de llo~, OTl.o Meat re doa
Templario, e ooabater, sempre e em toda a parte,
os aeua tres aaaaaeino• a lgnoranoia, o Fanatismo
e a Tyranni&.
Lisboa, 30 de Março de l93õ.
/

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

FERNANDO%PESSOA.%

Nome%completo:!Fernando!Antonio!Nogueira!Pessoa.!

Edade%e%naturalidade:!Nasceu!em!Lisboa,!freguezia!dos!Martyres,!no!predio!n.º!4!do!
Largo!de!S.!Carlos!(hoje!do!Directorio)!em!13!de!Junho!de!1888.!!

Filiação:! Filho! legitimo! de! Joaquim! de! Seabra! Pessoa! e! de! D.! Maria! Magdalena!
Pinheiro! Nogueira.! Neto! paterno! do! General! Joaquim! Antonio! de! Araujo! Pessoa,!
combatente! das! campanhas! liberaes,! e! de! D.! Dionysia! Seabra;! neto! materno! do!
Conselheiro! Luiz! Antonio! Nogueira,! jurisconsulto! e! que! foi! Director! Geral! do!
Ministerio!do!Reino,!e!de!D.!Magdalena!Xavier!Pinheiro.!Ascendencia!geral:!mixto!
de!fidalgos!e!judeus.!!

Estado:!Solteiro.!

Profissão:! A! designação! mais! propria! será! “traductor”,! a! mais! exacta! a! de!


“correspondente! estrangeiro! em! casas! commerciaes”.! O! ser! poeta! e! escriptor! não!
constitue!profissão,!mas!vocação.!!

Morada:!Rua!Coelho!da!Rocha,!16,!1.º!dto.,!Lisboa.!(Endereço!postal!O!Caixa!Postal!
147,!Lisboa!).!!

Funcções% sociaes% que% tem% desempenhado:! Se! por! isso! se! entende! cargos! publicos,! ou!
funcções!de!destaque,!nenhumas.!!

Obras% que% tem% publicado:! A! obra! está! essencialmente! dispersa,! por! emquanto,! por!
varias! revistas! e! publicações! occasionaes.! O! que,! de! livros! ou! folhetos,! considera!
como! válido,! é! o! seguinte:! “35! Sonnets”! (em! inglez),! 1918;! “English! Poems! IOII”! e!
“English! Poems! III”! (em! inglez! tambem),! 1922,! e! o! livro! “Mensagem”,! 1934,!
premiado! pelo! Secretariado! de! Propaganda! Nacional,! na! categoria! “Poema”.! O!
folheto! “O! Interregno”,! publicado! em! 1928,! e! constituindo! uma! defeza! da!
Dictadura! Militar! em! Portugal,! deve! ser! considerado! como! não! existente.! Ha! que!
rever!tudo!isso!e!talvez!que!repudiar!muito.!!

Educação:!Em!virtude!de,!fallecido!seu!pae!em!1893,!sua!mãe!ter!casado,!em!1895,!
em!segundas!nupcias,!com!o!Commandante!João!Miguel!Rosa,!Consul!de!Portugal!
em! Durban,! Natal,! foi! alli! educado.! Ganhou! o! premio! Rainha! Victoria! de! estylo!
inglez! na! Universidade! do! Cabo! da! Boa! Esperança! em! 1903,! no! exame! de!
admissão,!aos!15!annos.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 516


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

Ideologia% politica:! Considera! que! o! systema! monarchico! seria! o! mais! proprio! para!
uma!nação!organicamente!imperial!como!é!Portugal.!Considera,!ao!mesmo!tempo,!
a!Monarchia!completamente!inviavel!em!Portugal.!Por!isso,!a!haver!um!plebiscito!
entre!regimens,!votaria,!embora!com!pena,!pela!República.!Conservador!do!estylo!
inglez,! isto! é,! liberal! dentro! do! conservantismo,! e! absolutamente12! antiO
reaccionario.!!

Posição% religiosa:! Christão! gnostico,! e! portanto! inteiramente! opposto! a! todas! as!


Egrejas! organizadas,! e! sobretudo! à! Egreja! de! Roma.! Fiel,! por! motivos! que! mais!
adeante! estão! implicitos,! à! Tradição! Secreta! do! Christianismo,! que! tem! intimas!
relações! com! a! Tradição! Secreta! em! Israel! (a! Santa! Kabbalah)! e! com! a! essencia!
occulta!da!Maçonaria.!!

Posição% iniciatica:! Iniciado,! por! communicação! directa! de! Mestre! a! Discipulo,! nos!
trez!graus!menores!da!(apparentemente!extincta)!Ordem!Templaria!de!Portugal.!!

Posição%patriotica:!Partidario!de!um!nacionalismo!mystico,!de!onde!seja!abolida!toda!
infiltração! catholicaOromana,! creandoOse,! se! possivel! fôr,! um! sebastianismo! novo,!
que!a!substitua!espiritualmente,!se!é!que!no!catholicismo!portuguez!houve!alguma!
vez! espiritualidade.! Nacionalista! que! se! guia! por! este! lemma:! “Tudo! pela!
Humanidade;!nada!contra!a!Nação”.!!

Posição%social:!AntiOcommunista!e!antiOsocialista.!O!mais!deduzOse!do!que!vae!dito!
acima.!!

Resumo%de%estas%ultimas%considerações:!Ter!sempre!na!memoria!o!martyr13!Jacques!de!
Molay,!Grão!Mestre!dos!Templarios,!e!combater,!sempre!e!em!toda!a!parte,!os!seus!
trez!assassinos!O!a!Ignorancia,!o!Fanatismo!e!a!Tyrannia.!

Lisboa,!30!de!Março!de!1935!

Fernando%Pessoa14!!

12!eabsolutamente]!as%palavras%foram%separadas%com%traço%vertical%a%tinta.!
13!<m>/ma\rtyr]!correcção%manuscrita%a%tinta.!
14!Assinatura%autógrafa.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 517


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

Anexo"2"
dactiloscrito!não!assinado!!
(Espólio!familiar!de!Fernando!Pessoa).!

FERNANDO
PESSOA.

Nome completo: Fernand~Antonio


,, Nogueira Pessoa.
Edade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, ireguezia dos
MartyTes, no predio '. no 4 do Largo de s. Carlos
(hqje do Directorio). , em 13 de Junho 11e 1888.
Filiação: Filho legitimo de Joaquim de Seabra Pessoa
e de D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira. Neto
paterno do General ~oaquim Antonio de Araujo
Pessoa, combatente das campanhas liberaes , e de
D!·Dionysia Seabra; neto materno do Conselheiro
Luiz Antonio Nogueira, jurisconsulto e que foi
Direotor Geral do JiÜ'nisterio do Reino, e de D,
Magdalena Xavier Pinheiro. Asoendenoia geral -
mixto de fidalgoa e ~e judeus.
Estado: Solteiro.
Profissã o : A designação màis pr opria será "traductor•,
a mais exacta a de "correspondente estrangeiro
em casa.e oommeroiaes". O ser poeta e esoriptor
não oonstitue profissão, mas vocação.
Morada: Rua Coelho da Rqcha, 16, 10, dto., Liaboa.
(Endereço poatQ - ~aixa Postal 147, Lisboa).
Funccõea sociaes que tem desempenhado: Se por isso
se entende cargos p~blicos, ou funcções de des-
taque, nenhumas.
Obras que tem publicado: .:A obra está essencialmente
dispersa, por emquanto, por varias revistas a
publicações oocasionaes, O que, de livros ou fo-
lhetos, considera cqmo válido, é o seguinte:
1135 Sonnets" (em inglez), 1918; "English Poema
I-II" e "Ehglish Poema III" (em inglez tambem),
1922, e o livro "Mensagem", 1934, premiado pelo
Secretariado de Propaganda Nacional, na cate go-
ria "Poema•. O folheto "0 Interregno 11, publicado
em 1928, e constituindo uma defeza da Dieta.dura
Milital" em Portugal, deve ser considerado como
não existente. Ha que rever tudo isso e talvez
que repudir muito.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

2.
,,

Educação: Er:i. virtude de, falleoido aeu pae em 1895,


sua mãe ter casado, em 189~, em eggundae nupcias,
com o Ccmmandante J oã o lii guel Zosa Consul de
Portuga l em Durban, Natal, foi alll educad o .
Ganhou o pr~io Rainha Victoria de astylo in g lez
na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903,
no exame de a.dx~iseão , aos 15 annos.
Ideologia poli tio§: Considera que o syotoma mona.rohioo
seria o maia proprio para Ull1a nação organicamente
imperial oomo 6 Portugal. Considera, ao mesmo tem-
po, a Jiona.rohia completamente inviavel em Portugal.
Por i eao, a ho.ver um plebiscito entre regimcbs, vo•
taria , embora oom pena, pela Republica. Conoerva-
dor do eotylo inglez , isto é, libéral ~tmtro do con-
servantismo, eabaolutamente a nti•reaooionario.
Pgsição religiosa: Christão gnootioo, e portanto intei-
ramente oppoato a t odas as Egrejae organiza.das, e
sobretudo à Egreja de Roma. Fiol, por motivos que
mais adeante estão illlplicitos, à Trl\Aiçã o Secreta
do Ghr1sttantslll0" , iâó tem intimo.a relações com a
Tradição Sec r eta «n Is r a el (a Santa Kabbalah) e com
a eesencia occulta d~ Uaçonaria.
Posição iniciatica: Iniciado, por com11111n
ica9í10 dirocta
de ll eatre a Diecipulo, nos trez graus menores da
(a pparente mente extincta) Ordem Templaria de
Portugal.
Pooição patriotioa: Partidario de um naoionalieno IJ\YS•
tioo, de onde seja abolida toda infiltração cat ho-
lioa-romana, oreando-ae, se possivel fôr, um oebas-
tianisn:.o novo, que a substitua es p iritualmente, oe
f que no oathol1oi81Jlo portuguez houva alguw-, vez
espiritualidade. M~oionalista que ee guia por eote
lemma: "Tudo pela Jiumânidade; nada contra a Nação•,

Poe1çao social: Anti-oo llllli


unieta e anti-sooialieta. o
mai• deduz-se do que vae dito acima.
Reoumo de eotao ultimas conaideraçõee: Ter oempre na
ria o Qrtyr Jacques de llolay, OTao ~e s t re dos
m811lo
Templa ~ios, e combater, oampre e em toda a parte,
os seus t r ez assassinos• a I gnorancia, o Fanatismo
e a •ryrannia.
Lisboa, 30 de llar ço de 1935.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 51


Barreto A chamada "nota autobiográfica"

Bibliografia"

BARRETO,! José! (2009).! “Fernando! Pessoa! e! a! invasão! da! Abissínia! pela! Itália! fascista”,! in! Análise%
Social,!n.º!193,!pp.!693O718.!
____! (2008).! “Salazar! and! the! New! State! in! the! Writings! of! Fernando! Pessoa”,! in! Portuguese%
Studies,! vol.! 24,! n.º! 2! [Pessoa:! The! Future! of! the! Arcas,! guest! editors:! Jerónimo! Pizarro,!
Steffen!Dix],!pp.!168O214.!
CUNHA,!Teresa!Sobral;!SOUSA,!João!Rui!de!(1985)!(orgs.).%Fernando%Pessoa:%O%Último%Ano.!Exposição!
comemorativa! do! cinquentenário! da! morte! de! Fernando! Pessoa.! Lisboa:! Biblioteca!
Nacional.!
LOURENÇO! Eduardo;! OLIVEIRA,! António! Braz! de! (1988)! (orgs.).! Fernando% Pessoa% no% seu% Tempo.!
Exposição.!Lisboa:!Biblioteca!Nacional.!
PESSOA,! Fernando! (2015).! Sobre% o% Fascismo,% a% Ditadura% Militar% e% Salazar.! Edição! de! José! Barreto.!
Lisboa:!TintaOdaOchina.!
____! (2011).!Associações%Secretas%e%Outros%Escritos.!Edição!de!José!Barreto.!Lisboa:!Ática.!
____! (1998).! Cartas% entre% Fernando% Pessoa% e% os% directores% da% presença.! Edição! e! estudo! de! Enrico!
Martines.%Lisboa:!Imprensa!NacionalOCasa!da!Moeda.!
____! (1966).! Páginas% Íntimas% e% de% Auto7Interpretação.! Edição! de! Jacinto! Prado! Coelho! e! Georg!
Rudolf!Lind.!Lisboa:!Ática.!
____! (1940).!À%Memória%do%Presidente7Rei%Sidónio%Paes.!Lisboa:!Editorial!Império.!
SIMÕES,!João!Gaspar!(1950).!Vida%e%Obra%de%Fernando%Pessoa:%História%duma%Geração.%Amadora:!Livraria!
Bertrand.!
SOUSA,!João!Rui!de!(1988).!Fotobibliografia%de%Fernando%Pessoa.!Prefácio!de!Eduardo!Lourenço.!Lisboa:!
Imprensa!NacionalOCasa!da!Moeda.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 5


!

O"Bando"Sinistro:""
ato$inaugural$do$“especulador$de$Política”$de$Orpheu'
$
António Almeida*
$
Palavras)chave"
"
Raul$ Leal,$ O' Bando' Sinistro,$ manuscrito,$ Orpheu,$ modernismo$ português,$ Afonso$ Costa,$
Primeira$República$Portuguesa.$
"
Resumo"
"
Apresenta?se$ neste$ artigo$ o$ manuscrito$ do$ manifesto$ político?literário$ O' Bando' Sinistro,$
publicado$ em$ 1915$ por$ Raul$ Leal.$ Contando$ com$ a$ colaboração$ do$ futurista$ Santa?Rita$
Pintor$ na$ edição$ do$ manifesto,$ o$ autor$ ataca$ violentamente$ o$ político$ republicano$ Afonso$
Costa$ e$ seus$ apoiantes,$ originando$ uma$ reação$ por$ parte$ dos$ mesmos,$ que$ teria$
repercussões$para$o$autor$e$indiretamente$para$a$revista$literária$Orpheu.$
$
Keywords"
$
Raul$ Leal,$ The' Sinister' Gang,$ manuscript,$ Orpheu,$ Portuguese$ modernism,$ Afonso$ Costa,$
Portuguese$First$Republic.$
$
Abstract"
$
The$ manuscript$ presented$ in$ this$ article$ is$ the$ political$ and$ literary$ manifesto$ The' Sinister'
Gang$ (O' Bando' Sinistro),$ published$ in$ 1915$ by$ Raul$ Leal.$ Relying$ on$ the$ assistance$ of$ the$
futurist$painter$Santa?Rita$Pintor$for$the$edition$of$the$manifesto,$the$author$fiercely$attacks$
the$ republican$ politician$ Afonso$ Costa$ and$ his$ supporters,$ sparking$ a$ reaction$ with$
repercussions$both$on$the$author$and,$in$an$indirect$fashion,$the$Orpheu$literary$magazine.$
$
$
$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*$ Universidade$ Nova$ de$ Lisboa,$ Centre$ for$ English,$ Translation$ and$ Anglo?Portuguese$ Studies$
(CETAPS).$
!
Almeida O Bando Sinistro

O$documento$aqui$tornado$público$é$o$manuscrito$do$manifesto$antirrepublicano$
O' bando' sinistro' –' Apêlo' aos' intelectuáes' portuguêzes$ (1915),$ pertencente$ à$ Coleção$
Fernando$Távora.$São$doze$fólios$os$que$constituem$o$manuscrito$em$causa,$o$qual$
foi$ escrito,$ tal$ como$ surge$ indicado$ na$ última$ página,$ em$ maio$ de$ 1915,$ na$
sequência$ da$ deposição$ do$ regime$ ditatorial$ do$ General$ Pimenta$ de$ Castro,$
ocorrida$a$14$desse$mês.$
A$importância$deste$documento$reside$no$facto$de$se$tratar$do$ato$inaugural$
no$campo$da$teorização$política$daquele$que,$na$celebração$do$cinquentenário$de$
Orpheu,$ Almada$ Negreiros$ apelidou$ de$ “especulador$ de$ Política”$ (NEGREIROS,$
1965:$10;$cf.$GIRALDO,$2016),$termo$que$tomei$emprestado$para$o$título$deste$artigo.$
O$epíteto$foi$cunhado$pelo$autor$de$Nome'de'Guerra,$que$trinta$anos$antes$editara$o$
texto$ especulativo$ “Super?Estado”$ de$ Raul$ Leal$ em$ Sudoeste$ n.º$ 3$ (novembro$ de$
1935).$Leal$não$manifestara$de$modo$algum$a$sua$veia$política$até$à$publicação$d’O'
Bando' Sinistro,$ limitando$ a$ sua$ atividade$ à$ crítica$ musical$ e$ à$ abordagem$ de$
questões$de$índole$sociológica,$filosófica$ou$literária.$
Em$relação$ao$manifesto$impresso,$que$estudei$no$n.º$8$de$Pessoa'Plural'–'A'
Journal' of' Fernando' Pessoa' Studies' (ALMEIDA,$ 2015;$ cf.$ Figs.$ 19$ e$ 20),$ o$ manuscrito$
apresenta$ duas$ particularidades$ fundamentais:$ a$ primeira$ no$ que$ respeita$ à$
ortografia$lealina$e$a$segunda$à$inclusão$da$sua$data$de$produção.$
Com$ efeito,$ o$ manuscrito$ evidencia$ uma$ ortografia$ peculiar$ ao$ nível$ da$
acentuação$dos$vocábulos,$algo$que$poderá$ser$aquilatado$logo$a$partir$da$leitura$
da$introdução,$que$passo$a$transcrever:$
$
A$vós$que$ilustráes$â$vida$com$os$vóssos$pensamentos$elevádos$que$só$em$álmas$livres,$em$
álmas$nobres$se$pódem$gerar$illuminando$o$múndo,$â$vós$me$dirijo$cheio$de$comoção$e$de$
revolta$ perante$ o$ desenrolár$ sombrio$ do$ lôdo$ que$ pavorosamente$ se$ derrâma$ na$ álma$
enlouquecida$ dos$ portuguêzes,$ que$ trágicamente$ avilta,$ ignobilisa$ o$ génio$ divino$ de$
Portugal!$Momentâneamente$nos$debatêmos$em$sangue$de$péste$e$em$trévas$lamacentas$e$
preciso$ se$ tórna$ riagirmos$ poderosamente$ contra$ os$ crimes$ aviltantes,$ contra$ âs$ vilêzas$
sinistras,$ de$ nôvo$ arrebatando$ o$ mundo$ em$ Espirito,$ de$ novo$ derramando$ Espirito$ pela$
Vida!$Núma$sintese$vigorósa$de$álmas$livres$unâmo?nos$pâra$sempre$e$brandindo$o$cutélo$
dâ$ Maldição$ despenhêmo?lo$ dos$ céus$ sobre$ êsse$ inférno$ momentâneo$ de$ Lâma…$ É$ â$ nós$
cômo$ Espiritos$ nóbres,$ cômo$ Álmas$ livres$ que$ compéte$ desfazêr$ âs$ malhas$ emaranhádas,$
âs$cadeias$lodósas$dúm$chárco,$dúm$pantano...!$$
(pág.$1)$
$
A$ acentuação$ abundante,$ essa,$ seria$ expurgada$ da$ versão$ final$ do$ manifesto,$ ou$
pelos$ revisores$ da$ tipografia,$ ou$ pelo$ próprio$ autor,$ que$ considerava$ que$ as$
gralhas$ eram$ as$ grandes$ inimigas$ dos$ escritores,$ revendo$ sempre$ as$ provas$
tipográficas$com$extremo$cuidado.$Este$chega$a$lamentar,$em$carta$a$João$Gaspar$
Simões,$ não$ ter$ tido$ oportunidade$ de$ rever$ provas$ de$ impressão,$ por$ exemplo,$
aquando$ da$ saída$ do$ conto$ “A$ Aventura$ dum$ Sátiro$ ou$ a$ Morte$ de$ Adónis”$ em$
Centauro$(1916),$por$se$encontrar$então$em$Espanha.$$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 522


Almeida O Bando Sinistro

O$segundo$dos$aspetos$a$destacar$da$leitura$do$manuscrito$é$o$facto$de$vir$
assinado$ por$ Raul$ Leal$ e$ apresentar$ apenas$ a$ data$ de$ produção,$ maio$ de$ 1915.$
Assinale?se$ainda$que,$contrariamente$ao$que$sucede$no$impresso,$não$se$verificam$
quaisquer$ referências$ ao$ facto$ de$ se$ assumir$ como$ “Collaborador$ de$ Orpheu”,$ o$
que$apenas$poderia$ter$tido$lugar$num$momento$posterior$a$28$de$junho,$data$de$
saída$do$n.º$2$da$revista,$na$qual$colabora$com$a$novela$vertígica$“Atelier”.$$
A$ par$ do$ filósofo$ de$ A' Liberdade' Transcendente,$ Guilherme$ Santa?Rita$ é$ o$
único$dos$órficos$que$se$assume$explicitamente$como$monárquico.$Como$recorda$
Raul$ Leal$ no$ artigo$ “A$ ética$ dignificadora$ de$ Santa?Rita$ Pintor”$ saído$ em$ Tempo'
Presente,$ será$ este$ desconcertante$ artista$ a$ colaborar$ na$ publicação$ do$ manifesto$
anti?afonsista$que$Raul$Leal$viria$a$despejar$da$galeria$do$Martinho$do$Rossio$e$a$
distribuir$em$mão$no$comboio$da$linha$de$Cascais$a$3$de$julho.$Nessa$mesma$noite,$
Afonso$Costa$lançar?se?ia$de$um$elétrico$em$movimento,$julgando$tratar?se$de$um$
novo$ atentado$ à$ sua$ vida,$ atitude$ irrefletida$ que$ lhe$ acarretou$ uma$ longa$
convalescença.$
Tal$ como$ foi$ notado$ anteriormente$ no$ posfácio$ de$ apresentação$ do$
manifesto$em$Pessoa'Plural$n.º$8,$não$terá$sido$pacífico$o$envolvimento$do$nome$da$
revista$a$caucionar$a$autoria,$aludido$na$carta$de$Santa?Rita$Pintor$que$acompanha$
o$ artigo$ de$ Raul$ Leal$ em$ Tempo' Presente.$ O$ manifesto$ seria$ uma$ expressão$ da$
posição$individual$do$autor$face$ao$estadista,$pelo$que$a$intenção$de$o$trazer$para$a$
esfera$ da$ revista$ terá$ mesmo,$ numa$ fase$ prévia$ à$ distribuição$ da$ folha$ volante,$
semeado$alguma$discórdia$(ALMEIDA,$2015).$
A$coincidência$da$intervenção$de$Raul$Leal$com$o$acidente$de$Afonso$Costa$
e$ a$ subsequente$ carta$ ao$ jornal$ A' Capital$ por$ parte$ do$ engenheiro$ sensacionista$
Álvaro$de$Campos$(Fig.$1),$na$qual,$referindo?se$ao$sucedido,$se$congratula$com$o$
facto$ de$ a$ Providência$ Divina$ utilizar$ os$ carros$ elétricos$ para$ os$ seus$ altos$
ensinamentos,$à$boa$maneira$futurista,$contribuem$para$o$avolumar$do$escândalo$
acarinhado$pelos$órficos.$$Para$além$disso,$o$episódio$faz$com$que$o$autor$seja,$a$
partir$ desse$ momento,$ incluído$ no$ lote$ das$ “creaturas$ de$ maus$ sentimentos”$ (A'
CAPITAL,$1915a:$1;$Fig.$2)$que$produziam$uma$“literatura$de$manicómio$astral”$(O'
MUNDO,$ 1915b:$ 3;$ Fig.$ 3).$ Por$ sua$ vez,$ os$ periódicos$ aproveitariam$ o$ ensejo$ para$
conotar$a$revista$com$os$monárquicos,$colando?lhes$a$fama$de$alienados$já$gozada$
pelos$de$Orpheu.$
Este$constitui,$assim,$um$momento?charneira,$podendo$falar?se$de$um$antes$
e$um$depois$deste$episódio,$não$apenas$no$que$se$refere$a$Raul$Leal$mas$também$a$
Orpheu.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 523


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$
Esj J6o

Lisboa, em 6 de Julho de 1915.

Ex:no. Senhor Director de "A Capital".

JJ noticia inserta em "A Capital" de


hontem regista uma informa,· Ao imperfa i ta
com respeito aos intui~P,S theatraes que,
!iK? '}PP ao l!!EH!l!JliM9 tomatã'nrf6s meus colle-
I gas de "Orpheu", sob minha diligente
rientaçdo.
o-

r Não se trata nem de futurismo nem


r Je r9presentar um drama dynawico da cate-
Pa-
" gria lithographica que V.~xa. indica.

'S
r h
:l.-l-_
' ,< >
-
ti
,.,?' ~- ~
ra eaglarecer
ue ja se falla
·uo o drama
bem o assumpto - e visto
nelle em publico
que
se chama ''Os Jornalistas",
tencionamos
-lUe e um estu-
- direi
apr~sont.ar

-
~-.:;:-- e do syntheti~o do joralismo portuguez,
r~"'s-. .ue, como (em parte) v.~xa. diz, se_vêem
e

J ~ , \ apenas as doze lfflXlUlJI pes dos traz Jorna-


, listas ~ue estão em quasi-scena.
Passo em branco - pornue seria inu-
til protestar nesse l~n e - sobre a atri-
buiç~o de futurismo 1 ue nos pretendem
lançar. Seria de mau gÔsto repudiar liga-
ções com os futuristas numa hora t~o de-
liciosamente dynamica em que apropria
Providen0ia Divina se serve dos carroe
alectricos para os seus altos ensinamentos.

De V.Exa.
Raspeitador e creado,
A LA.VARO D.l!;0.h.....POS ,

engenheiro e poeta sensacionista

$
Fig."1."Testemunho"de"carta"para"A"Capital"(BNP/E3,"160)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 524


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

1 llllPATlllfllllllll

1\Ospeeloslõ
11,~ea
nio passam, afinal, de creatur
de maas sentimentos
A noS!!eaoticia de hontem ácerca
ela uma reoita planeada paloa fotll·
rlatu do ()rp1,tMplll'8Ceque nlo agr ..
doa a easea pobrea maoiaoos, Pelo
menos auim se deprehenda de nma
-ta qae hoje nos foi eatregoe, assi-
pada pelo engeltll.m-oa poeta se11111-
CÍOtlÍ6tll Alvaro de Campoe, ond~ a
propoaito,1e iaaultam todoa q:;;
t r- parte cro jeroaliamo pano
N&onoa indigna a injuria, a as
polllljlH do oitnde quem qoer mas
simplesmente qoem pode. 01 aere-
' bl'OIIdestrambelhados do úrplie" não
podem iajoril,r ningoem. Masa carta

+
m,aa~t·
".!>OWQff!llt~v1otima ªº
.110111!»
ar. dr.
~ta, e e111afaz-noa a~ül-
oar o oonoeito em qaalnha-
mos~cionmat, l'obres 'tiiauia-
p li:io.-Oreatoras qe via e baixos
sentimentos é que &lil todos qoaok>s
oonoordam oom o ifititante período
fioal da referida carta, que 4 IIRtual-
mente o aegointe:-
De reato seria de mau goato ropudiar 11-
~ea com o fatariamo n'...,,,. A,na tão
<1eliciu11111et114me<>\on i ca .,,. tJU•11 prOJ>M
+ ProvideneiGDlvina •• •=• doa "f~ llk•
ch-iot1apt1rei oa BtH I alla, en,Ul,4,.~
l 5k> sim, iodigna e revolta. Ê de
hnje em deantij, podem oa futariatas,
até ha pooco simplosmea• ridioolos,
agora ridioolos e maus, contar oom


uu non forma de tratamento por
parte chiajorn .,lístaa eatupida-
- ·_ ___ ..._.J
mente pre*8ndem~ i~º-ª~ª-tar.

ç ~!! /{

$
Fig."2."“Os"poetas"do"‘Orpheu’”"(BNP/E3,"156)9r)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 525


Almeida O Bando Sinistro

MUlTOPAÚLICO 1 1 1

'Literatura de manicomio a~tral


~Numo tarde destas-foi na de nnlc- alguns trcchós do papel. E' ri a *s
ontem-o r rostavo-socor roceirnlmcn- bandeiras desp rogndos. Rin., rio, quo
l o o comboio q ue pur lc do Cuis do era uma consoJor;ilo , Ma is um po-
Sodr é 6s l ã ho r ns o 40 minutos pelo doço:
pito r~sco o omcnn liÍlha do Cosçois, O!i nrre!>íl"t
? mentos e~la llcoS quo atra·
sob um colar ~o deserlo ?quolori~I e \·c1. ,10 s rr.ares orraslorom esplrlt os,
sem que a mms lenue br1so uca r ius · 1;mo lnr rcnic s11ngrentn de Jôrlo Inun dou
so os in fel izes pl!.ssngoiros quo 110 em on(';lns si ntstrns de chncots. em avo·
om1iibus tronsp irovom toúos os-1nous cnr;ões pur:ulcntns de panL.inos,,. As
o bons humores ctc11't)sitodosnos ro::;- Lr_o!('lc~sri111méros do mundo mMfevul.
pectivos OrBaOi'smos. o_
combo i?, fia. ~6~~)~
·6~s l~s 1
,;'~~,:riQl
:1~~~ ªn~~~ gl~~e~:
ruva em lod~s ns c~lw;;~s, 'em r;crol los tio morl<', evolullndo,<legcncrondo·
só. pm-n os cumpr1ment{Jr, po1i, os se, o seu csnirHnoU~mo,·ogo e n1i,:-o-
possnueiros, tol vez · ·por prcguii;o, · rncnlc anclo~o. de umu onclo e.ornoque
dcixaVllll)-SO seguir meío,odormoci- l1·n.ttlcon1!nle roaslllznda pelo ~ôpro glo·
dos :nas carruogcos . Aqui e ali, ro- clol do lun111lo, o sou cspfrltunllsmo so·
rameotc subia ou descia ol<>ucm,nlu,1nc10 clulorosomoote \·ll>rocõcs dlfu-
nlogucddô, cscorrcmdo st~or, flh~rnnn- ~~s
(it~
::. ~6:~
f{i;~·i,~ 1~~~ºsc~~pr !tei~i rfl~
J~~ç~~~íJ~;i1~!x~g.!~~ ~?z~'\~11~~c~1.
~~~~~~~zrc~~~}{~~li6,;{.~ºf
~· .
dio turhovn o vi,1gcm. Uma unico trcrm.1Orlcrlc que él ntma .pàvorosamo n·
~g~a~~ç~~liig~!r
.v~t~~:ql'~~
!l~c,;:ir~i~;:: ~;:\~1~~u~:
!~!~l;~1ogô
j1~0~ ~~111'i?rl~'.t~:~
1f
1
~~.,~~;~:r;i~º~1~~sº;r: ~rec;ii 11
;,~g:~ 1i11:
,?i-:
i ~~~~nl! · E:1i;!
P~~,Jg;· ~O
t~linlo.s, 'formosa·. ~·calor pnr'ccw 1~~ri
!' \('(tsª,\1~1~~!
1;11 ~
nao a mcom9dor. Nno dcsdobrnva o 1 -wdo·nscm a,lltamr:h tos convu lsos de
leque, &equer(Os ~us olhos negros- -rome,lg-nooilihram na's popentre gor·
e c,rorroes nã:1.fllovam nado e uin.- !78.lbad:i,.s Ju::cu
brcs de replls v.amP ,li;-tza.
guem, .a,oô.o t1 , de vez om qunndo, dos. Sofre m a &Qcla, mab o p.ncia per·
a5"aguas quie s do 'rio quo,'oo Jetki, ,·ersa e .ascorosa do cobordomente
sêtn um queixume, beijavam silen- rnsgor a come tndctesa dos,AnJos.
ciosamente o are ia . Em Poço do Ar- ,A ~orRn~~ado não resiste a .tanlb
cos dosCou do carruagem . . • E O cocego. l!: t~no q:ue sucedeu. Todos
co·mbojo cqntinuou carroceir olmcnlc os p11ssaBe 1ros ria m á ga:go.lhado.
11 .sua mortificante viagem. Si.lbilo, GOmrazoo. Ora leiam mais esto no.co.
ahi peJa.saHL1rasda Parede, os pas- . O jacohino, o plebeu sento horrircl
.sageiros são quasi que ,acordados 'J)e- mente crnvaretn·SO·lhe no pello os grl
Ja visila de um individuo homem !hões eternos da lgnomlnia com que
aln~a Dovo, sobraçando um :volumo - Deuso faLoJtzou ~· como o.ranho cor~
so rolo, do qual ia .arro.ncon~(!pros- ~~nl~u:e~rl~eog~o~~l:~/~ 1.ªoºf~~~l~~~ºo
o,ectos Q,ue orc,ucrn ao_s ,·11,1Jati,les.
plebeu . cheio do rancores ohscuros que
Mud.o, sem nos p,.0Jer 1r uma palo.- só cm lrovas eobo.rdes trabalham o.
~ 8'c~:~:e~:V~~;: ,~ ~~~l~cf~~m~:~~:rn~~~~~~ed~ªfonfJºe
seguia. 'Por' todos os passageiros da d:t mlserla as .qu&l.sum proloo~amento
C81'J:USJ~émen'I. que iatnOS, distrl- lrarcco 8~0 l!lpeoas umn somDrlaexa-
bufu eHo a sua gralis ;ínElreàdoria lsç o dessas outrH pelas lnUmascria ·
Julgllmos, a pri,ncipio, quesetr,alas~Ü~~~ºdeJ!'ii~1 d~ºfá%
1 ~W~
se da propsgollda prolestonte. des- rcrlor, a sua fnter1or1dafll'o
1 n~!c:~i~:
natural que
dobro.mos, com pequenn curiosidade, ihc enche a alma do paixões escravlso-
~J:~~~ Je8r:~ºo~;::;d~ ;~~:ª~o~f~j~~~rs~d~º! º~~~o.
orooacrnnda nlemã contra o. auerraT Bem,no l:.splflt9 s.o. l!bc_rto..
4u~ª~~
em \ erU·
· ~ã( &:lhemoap~.rq_',18, nom~porque 'f.i{l~~·aC:CMa'd~ ~u~rift~t"
-~1!~í!:1if~i~:d~.
mtster10~ o~soc1açao de porml'!no· tio de e~crovJdlloproprla todo o obriga
r~, o ~pecto do individ~9 que di.8- sempre c[le rancorosamente sento e
.t'1~»ür· os . pàpefs e aquelle Utu).o; <leorttendo
se 0111tome. no mlser io., pro:
Jembraro.m.-nouma qualquer propa · cluloda sua absoluto focar,acufado de
sanda gormanonla . E, curiosamente, Q~Pirllo.contra:a l..~z, conii:o.a verda
comoçnmos lendo o .papel. Trf!lav'.a- ~f:~~ésL: 1~er~~es°~se~~1;~~~!t r,~~
se do um «opéJoaos mtolectua,s. PQ!- mlnloso11 nllo sô r,ara vencer a Comeln·
tugue~es», po,r a que nHma . ,inUse dtgntimcnle que, de outro modo,jámot~
t1igorqsa.dt almas tivr4a M uniasem a poderia ,,eo.cer como e,ilcraxono.lura !
para 1tmpre e brandindo-o ClllelD da que é, mas sobretudo para soUsro.zer
)laltlíção o· deap"n~,r~m do8cio, os ocUos Jmpuros gorados sempre por
,obre elH inftrno ~taneo de entro tnv.cjD.snas almas no.turalmenta,
La,n.a. Isto prometia . O nosso pri- aDJeclomcute lnterlores.

:ri~Iâ~
ri!.r1n1r~1i:~~:v6 1~~di!~~:; ou?rb1~~- iu:od~01!!1:1:~~r~
.

apeqYa-aeem S. João do Estoril. Pro- Lom, nessa prosa, nosso. gramnlica e


.curomo-10' com a vis!~ . Lá esLo.vonesses ndmiraveis e fmponderaveis
r~~=ª~
elie, com 9 seu ró/o debaixo dobre- pcnsmn.~ntos, quo fariam morrer de
&~k 1g~;ti:,!~
c6~\ ·.E~ª~:~f~
uQo 0 ~i;:j: s~i~:°prio S. Agostinho. Coa-
paz .dós ieua 25 anoos, vestido de ,
Wtlo, da cara , ra~do ,,, o:,ç~ptuolld.PLt~ ~~~~::,ll~:i~far~~e
.,ll,Oll eepecle-de. au11su: à Atrocso Xfl, hoje o.mundoJJuiús.mooslrosCnbuioaos

2:1~ o:nc:~=,v~1:c:~!t: d: ~~~~~ngg,~i~fs ~:~~tiõ~!r~º;c~~~


cõr de felte e&tr~gado. Tinhtt um o'r so dlsslparll.o,par«.aempre ao orogar4o
estatico , meio !ioo11mbulo,lembrando cm esolrllo, o qual rodlosamcnte cObri.
um s.emloarlsta fugido da· cela ou rá o Universo,o Ittflnilo,de anelas ce·
r.riaLu,a · que perde .08 I.lOites Jestlota!!!... .
j)QQ~Ell',f&Ddo
com 08· deuses ou coro Nesta '.altura, todas 08 convenien -
o diabo nas encrusilhedas dos cami- cias sociais se perderam. Quaei se
1ºd~;iy~ª~
Jl:::=i:~~N~~ r~!.º~~v~r~~!11!:.
~:~d:isª~~
chos. O texto é lodo. iguol. .Meia ~u- dia de cólo.r trreiro, aparecer. no
~ia 40 palavrM.,-.~ele, IMo, sangue, coroboio um sorvé~ doque!Jes, alin-
ptla,.coJBmatus.culas. . · .gta o mnximo que .podiad~jar um
I\IOQlentanotmontenos dcbO:ten-.oscm ~ortsl pres!Daa derreter as ~o.xua-
eangue de peato e cm·tre,•o<i·1amacen d1os, com carno e msos . Fo1o que
~!a°nie~~~~fra
i:n:n~ ~1a~~~: 1 ~:~t :ol:~~~nte
J;,'%lll ~:~i gr~~r
con~~Jns vil.esta sin1'lrt1s. de,noro ar Leal, éotoborador do «Orfetf•. Esta -
~!::~
r... =1:~~e:p!i~
· de no,·o f~:
;;:riad~~!!l~~'8ir:a:1~:
te.~º;J~ogr::f~~s~ ~lr~:e~. fceri::úr!º~~~i~: :;:r
cme jimoo.ad{\: Uma menino, aiode reduzír a lelra de fórma os gen iais
muito nova, muito faladeira e bonita, congemiooções quo esbrn&83vam o
que duranle toda a viagem suóra em ccrebro da Raul O sr. dr. Julio Oe
bica, lia á crisdti, J;iUO cemponhqiro, ~fotos lorá o monicomio orrombv.do,
"
Fig."3."“”Muito…"paúlico"–"Literatura"de"manicomio"astral”"(O"Mundo)."
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 526


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."4."“O"caso"do"‘Orpheu’”"(BNP/E3,"156)9v)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 527


Almeida O Bando Sinistro

No$ caso$ do$ futuro$ teorizador$ de$ “Super?Estado”,$ o$ episódio$ redunda$ num$
exílio$ de$ sensivelmente$ um$ ano$ e$ meio$ em$ Espanha$ (Sevilha,$ Madrid$ e$ Toledo),$
mas$com$o$intuito$de,$à$semelhança$de$Mário$de$Sá?Carneiro,$se$fixar$em$Paris,$no$
seu$ caso$ “em$ mira$ de$ arranjar$ contrato$ p[ar]a$ mimicas$ ou$ cinematografos”$ (SÁ?
CARNEIRO,$2015:$440),$em$plena$I$Guerra$Mundial,$algo$de$que$o$autor$de$Dispersão$
o' consegue$ dissuadir,$ alertando$ o$ filósofo$ para$ a$ imprudência$ dessa$ empresa$ e$
para$a$vida$difícil$que$levavam$os$artistas$franceses.1$
Raul$Leal$retorna$do$exílio$espanhol$em$meados$de$1917,$sendo$repatriado$
pelo$ Consulado$ português,$ ainda$ a$ tempo$ de$ colaborar$ em$ Portugal' Futurista.$
Apertado$ de$ meios$ após$ ter$ desbaratado$ em$ pouco$ tempo$ uma$ herança$
considerável$ recebida$ por$ morte$ do$ pai,$ em$ janeiro$ de$ 1912,$ era$ vital$ a$ Raul$ Leal$
garantir$ uma$ base$ de$ subsistência.$ Daí$ que,$ fiel$ à$ causa$ dos$ conservadores$ e$
monárquicos$ de$ restabelecer$ o$ regime$ sob$ a$ dinastia$ dos$ Braganças,$ tenha$
enveredado$ pela$ colaboração$ sistemática$ na$ imprensa,$ assumindo$ um$ combate$
sem$tréguas$ao$regime$político$então$vigente.$Deste$modo,$colabora,$entre$outros,$
nos$ periódicos$ O' Liberal' –' Jornal' Monarchico' Tradicionalista$ (1917?18),$ O' Tempo' –'
Diário' Monárquico' Independente$ (1922),$ A' Palavra' –' Diário' Monárquico' Independente$
(1922),$ Correio' da' Noite$ (1924?26),$ Gazeta' dos' CaminhosKdeKFerro$ (1925),$ A' Reacção' –'
Semanário'AntiKRepublicano$(1925),$do$qual$foi$diretor$político,$até$se$tornar$diretor$e$
editor$d’O'Rebelde'–'Panfleto'Monárquico'Independente,$que$saiu$em$sete$números,$de$
março$a$junho$de$1927.$
Contudo,$a$atividade$de$Raul$Leal$não$se$resume$à$colaboração$jornalística.$
Essencialmente$ nas$ décadas$ de$ 10$ e$ 20$ manteve$ uma$ prática$ de$ intervenção$ na$
sociedade$ portuguesa,$ adquirindo$ desde$ logo,$ através$ de$ polémicas$ como$ a$ d’O'
Bando'Sinistro$(1915),$de$Sodoma'Divinisada'(1923)$ou$da$campanha$levantada$contra$
a$gestão$da$Provedoria$da$Assistência$Pública$de$Lisboa$no$Correio'da'Noite$(1926),$
uma$ notoriedade$ que$ sempre$ o$ perseguiu$ e$ lhe$ granjeou$ inimigos$ em$ vários$
quadrantes,$nomeadamente$o$artístico,$o$político$e$o$religioso.$$
No$tocante$a$Orpheu,$o$desenlace$imediato$será$o$afastamento$voluntário$de$
Alfredo$ Pedro$ Guisado,$ António$ Ferro$ (Fig.$ 4)$ e,$ posteriormente,$ de$ Armando$
Côrtes?Rodrigues$ ditando,$ por$ conseguinte,$ a$ dissolução$ do$ conjunto$ de$
intelectuais$ que$ havia$ colaborado$ na$ revista.$ Malgrado$ as$ tentativas$ de$ publicar$
um$terceiro$número,$inclusivamente$com$a$oferta$de$Santa?Rita$Pintor$de$tomar$as$
rédeas$da$direção$da$revista,$esta$nunca$virá$a$recuperar$da$partida$apressada$de$
Mário$ de$ Sá?Carneiro,$ para$ Paris,$ na$ sequência$ dos$ acontecimentos$ do$ início$ de$
julho.$A$juntar$à$distância,$será$a$recusa$do$pai$em$continuar$a$financiar$a$revista$a$
concorrer$em$larga$medida$para$o$seu$fim.$Não$podemos$esquecer$que$o$tenente?
coronel$ Carlos$ Augusto$ de$ Sá?Carneiro$ detinha$ um$ cargo$ público$ tutelado$ pelo$
governo$ republicano,$ o$ de$ diretor$ dos$ portos$ e$ caminhos?de?ferro$ em$ Lourenço$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
$ Veja?se,$ neste$ mesmo$ número$ da$ Pessoa' Plural,$ VASCONCELOS$ (2017),$ sobre$ a$ estadia$ de$ Leal$ em$
1

Espanha$e$a$relação$do$filósofo$com$Sá?Carneiro.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 528


Almeida O Bando Sinistro

Marques,$ e$ não$ estaria$ na$ disposição$ de$ associar$ ainda$ mais$ o$ seu$ nome$ a$ esse$
escândalo.$
O$ambiente$de$crispação$vivido$nos$primeiros$anos$após$a$implantação$da$
República$estender?se?ia$ao$longo$de$quase$duas$décadas,$com$constantes$greves,$
atentados$ e$ tumultos,$ a$ tornar$ o$ país$ ingovernável,$ com$ efeitos$ gravosos$ para$ o$
povo$ português.$ Por$ conseguinte,$ Raul$ Leal$ considera$ imperativo$ que$ Portugal$
seja$governado$de$forma$rigorosa$e$eficaz$por$uma$ditadura$como$a$que$acaba$de$
ser$ deposta,$ de$ modo$ a$ pôr$ termo$ ao$ que$ seria$ a$ anarquia$ reinante$ do$ Partido$
Democrático$liderado$por$Afonso$Costa.$Daí$que$não$proponha$no$manifesto$uma$
solução$democrática$para$a$conjuntura$política$nacional,$preconizando,$outrossim,$
a$tomada$do$poder$pela$força$das$armas,$como$via$preferencial$para$a$restauração$
do$regime$monárquico.$$
O$ ataque$ feroz$ ao$ jacobino$ Afonso$ Costa$ e$ ao$ seu$ bando$ baseia?se$ no$
pressuposto$ que$ os$ republicanos$ não$ têm$ competência$ para$ exercer$ cargos$
governativos,$ responsabilizando?os$ por$ tudo$ aquilo$ que$ de$ negativo$ o$ país$
enfrenta.$ Estes$ são$ comparados$ a$ aranhas$ corpulentas$ a$ engordar$ à$ custa$ das$
apagadas$ e$ tristes$ gentes$ portuguesas,$ movidos$ apenas$ pela$ ambição$ de$ retirar$
dividendos$do$exercício$do$poder.$$
Logo$ na$ introdução$ do$ manifesto,$ o$ autor$ lança$ um$ apelo$ aos$ intelectuais$
portugueses$ para$ convergirem$ num$ desígnio$ nacional:$ o$ derrube$ da$ República,$
cumulada$ aqui$ na$ figura$ de$ Afonso$ Costa.$ À$ partida$ o$ regime$ saído$ do$ 5$ de$
Outubro$é$visto$pelos$monárquicos$como$sendo$algo$de$criminoso,$pois$teve$a$sua$
origem,$numa$primeira$fase,$no$regicídio$de$1908$e,$numa$segunda,$na$usurpação$
do$poder$aos$seus$legítimos$donos,$a$dinastia$dos$Braganças,$razão$pela$qual$estará$
para$sempre$manchado$de$sangue.$
Neste$ texto,$ Raul$ Leal$ compara$ Afonso$ Costa$ ao$ rei$ D.$ Carlos,$ afirmando$
que$ o$ republicano$ dá$ mostras$ de$ uma$ mediocridade$ confrangedora$ e$ carece$ de$
qualidades$ inatas$ para$ a$ governação$ próprias$ dos$ monarcas$ que,$ sagrados$ por$
Deus,$adquiriam,$desse$modo,$uma$legitimidade$sobrenatural$para$o$exercício$do$
poder.$
Um$ outro$ aspeto$ a$ ressaltar$ deste$ Apelo$ é$ o$ facto$ de$ ser$ dirigido$ não$ aos$
militares$conservadores$afetos$à$causa,$como$Paiva$Couceiro,$que$logo$desde$1911$
intenta$ restaurar$ o$ regime$ através$ das$ Incursões$ Monárquicas$ a$ partir$ da$ Galiza,$
mas$sim$aos$intelectuais$portugueses,$principalmente$aos$jovens$simpatizantes$das$
tendências$modernistas.$Aparentemente,$por$volta$de$1915,$a$crença$de$Raul$Leal$
no$poder$da$palavra$sobre$o$das$armas$é$ainda$vincada,$o$que$se$vai$esbatendo$até$
1926,$fruto$de$um$certo$desencantamento$face$à$maioria$dos$artistas$e$intelectuais$
que$ não$ perfilham$ os$ ideais$ do$ autor,$ como$ ficaria$ patente$ logo$ aquando$ da$
dessolidarização$dos$órficos$republicanos$em$face$das$intervenções$de$Raul$Leal$e$
Fernando$Pessoa.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 529


Almeida O Bando Sinistro

Creio$ que$ aquilo$ que$ se$ propõe$ não$ é$ tanto$ a$ criação$ de$ uma$ sinarquia,$
utopia$que$confere$o$poder$a$um$conjunto$de$intelectuais$dotados$de$capacidades$
superiores,$ mas$ a$ instituição$ de$ uma$ espécie$ de$ aristocracia,$ constituída$ por$
“Espiritos$nobres”$e$“Almas$livres”,$focados$somente$no$Espírito$e$não$na$Matéria,$
a$quem$caberá$a$árdua$tarefa$de$derrubar$a$burguesia$instalada$no$poder$e$libertar$
Portugal$ do$ pântano$ em$ que$ se$ tornara$ com$ a$ revolução$ do$ 5$ de$ Outubro,$
encarando$ o$ panorama$ político$ nacional$ como$ uma$ batalha$ entre$ o$ Bem$
(Monarquia)$ e$ o$ Mal$ (República).$ Assim,$ serão$ estes$ a$ providenciar$ as$ condições$
necessárias$para$o$retorno$ao$regime$monárquico,$legítimo$detentor$do$poder,$para$
que$ se$ possa$ recolocar$ Portugal$ na$ senda$ das$ grandes$ potências$ coloniais,$
conduzindo$ o$ país$ à$ grandeza$ e$ esplendor$ vividos$ na$ Idade$ do$ Ouro$ dos$
Descobrimentos.$$$
Enquanto$os$artigos$lealinos$saídos$em$O'Liberal$(1917?18),$O'Tempo$(1922)$e$
A' Palavra$ (1922)$ se$ destacam$ essencialmente$ pelo$ seu$ caráter$ doutrinário,$ como$
sucede,$ por$ exemplo,$ no$ caso$ da$ “Campanha$ Ultranacionalista”$ levada$ a$ cabo$
nestes$dois$últimos$periódicos,$a$partir$de$1924$os$seus$textos$começam$de$modo$
gradual$ a$ impelir$ à$ ação.$ Esta$ transformação$ no$ teor$ dos$ escritos$ leva$
inclusivamente,$de$abril$a$junho$de$1925,$ao$fecho$do$jornal$Correio'da'Noite,$de$que$
Raul$ Leal$ é$ redator$ principal,$ havendo$ lugar$ a$ múltiplas$ apreensões$ e$
empastelamento$ de$ edições$ na$ tipografia.$ No$ final$ do$ mesmo$ ano,$ dá?se$ a$
demissão$de$Leal$do$cargo$de$Diretor$Político$do$semanário$A'Reacção$na$sequência$
do$artigo$de$22$de$novembro$“A$chicote$–$Que$a$voz$dos$canhões$se$torne$a$voz$de$
Deus$e$a$voz$da$Raça”$(LEAL,$1925:$1).$
Será$esta$a$razão$que$faz$com$que$Leal$se$assuma$como$revolucionário$dos$
movimentos$militares$do$18$de$abril$e$do$19$de$junho$de$1925,$uma$vez$que$aceita$a$
responsabilidade$ ao$ preparar$ o$ ambiente$ na$ imprensa$ monárquica,$ com$ artigos$
incendiários$ que$ criaram$ condições$ para$ as$ revoltas$ de$ Filomeno$ da$ Câmara,$
Fidelino$ de$ Figueiredo,$ Sinel$ de$ Cordes$ e$ Raul$ Esteves$ (18$ de$ abril$ de$ 1925),$ e$
Mendes$ Cabeçadas$ e$ Jaime$ Baptista$ (19$ de$ julho$ de$ 1925),$ movimentos$ militares$
precursores$do$28$de$maio$de$1926.$Todavia,$apesar$de$se$manter$firme$na$defesa$
das$ suas$ convicções,$ é$ de$ referir$ que$ o$ envolvimento$ de$ Raul$ Leal$ na$ política$
monárquica$ se$ terá$ limitado$ apenas$ à$ imprensa,$ uma$ vez$ que$ não$ viria$ a$ ocupar$
quaisquer$cargos$políticos$a$nível$partidário$ou$parlamentar$ao$longo$da$sua$vida.$
Se$ é$ certo$ que$ quando$ Raul$ Leal$ se$ envolve$ na$ vida$ política$ nacional,$
advoga,$ numa$ primeira$ fase,$ a$ reimplantação$ da$ Monarquia,$ após$ a$ revolta$ de$
Gomes$ da$ Costa$ em$ 1926,$ que$ instaura$ a$ Ditadura$ Militar$ e$ redunda$
posteriormente$ no$ Estado$ Novo,$ o$ escritor$ assume$ as$ políticas$ da$ direita$
conservadora$ e$ tradicionalista.$ No$ entanto,$ o$ pensamento$ político$ de$ Raul$ Leal$
evoluiria$ noutra$ direção$ e,$ simultaneamente,$ em$ textos$ como$ “A$ Creação$ do$
Futuro$ –$ A$ Organização$ Bolchevista$ pelo$ Fascismo$ atravez$ da$ Acção$ Norte?
Americana$ e$ sob$ o$ Regimen$ duma$ Monarquia$ Libertária”$ (PRESENÇA:$ 1927:$ 4)$ ou$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 530


Almeida O Bando Sinistro

na$ obra$ Sindicalismo' Personalista,$ começa$ a$ pugnar$ por$ uma$ “fusão$ integral,$
absoluta$de$comunismo,$individualismo$e$fascismo”$(LEAL,$1960:$52),$ou$seja,$dos$
sistemas$ideológicos$em$compita$na$II$Guerra$Mundial:$o$comunista$dos$soviéticos,$
o$personalista$ou$capitalista$dos$Aliados$(com$os$norte?americanos$na$vanguarda)$
e$o$totalitário$ou$fascista$das$potências$do$Eixo.$$
Convicto$da$validade$das$suas$teses,$o$autor$tenta$por$todos$os$meios$editar$
a$obra$que$sintomaticamente$tem$“Plano$de$Salvação$do$Mundo”$como$subtítulo,$
junto$ das$ várias$ instâncias$ públicas$ e$ privadas.$ Irá,$ inclusivamente,$ em$ 1950,$
enviar$ duas$ cartas$ ao$ Presidente$ do$ Conselho,$ António$ de$ Oliveira$ Salazar,$ para$
que$ este$ interceda$ junto$ das$ entidades$ competentes,$ em$ razão$ da$ extraordinária$
importância$que$a$obra$terá$para$o$mundo,$mas$não$obtém$resposta$favorável$por$
parte$ do$ político.$ A$ obra$ será$ finalmente$ publicada$ passada$ uma$ década$ na$
Editorial$Verbo$de$Fernando$Guedes,$numa$versão$mais$compacta$do$que$o$autor$
desejaria.$
Da$ Coleção$ Fernando$ Távora$ fazem$ parte$ um$ sobrescrito$ com$ carimbo$
datado$de$29?XII?1960$e$um$cartão$enviado$a$Raul$Leal$por$um$dos$colaboradores$
de$ Salazar$ (Figs.$ 5,$ 6$ e$ 7)2,$ para$ o$ quarto$ alugado$ pelo$ antigo$ treinador$ de$ boxe,$
Francisco$ de$ Brito,$ na$ Rua$ dos$ Condes$ de$ Monsanto,$ n.º$ 4,$ 5º$ direito,$ à$ Praça$ da$
Figueira,$ onde$ o$ escritor$ viveu$ nos$ últimos$ anos$ da$ sua$ vida.$ Neste$ cartão$ o$
estadista$ agradece$ o$ envio$ do$ livro$ Sindicalismo' Personalista' –' Plano' de' Salvação' do'
Mundo$ (1960),$ do$ modo$ que$ passarei$ a$ transcrever:$ “Doutor$ António$ de$ Oliveira$
Salazar$|$Presidente$do$Conselho$de$Ministros$|$agradece$o$exemplar$do$livro$que$
se$dignou$oferecer?lhe.”$
$
$

$$ $
Figs."5"e"6."Envelope"(Coleção"Fernando"Távora)."
$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2$ No$ meta?arquivo$ elaborado$ por$ Fernando$ Távora$ para$ organizar$ a$ sua$ Coleção,$ existe$ uma$
referência$a$documentos$do$espólio$de$Raul$Leal$que$dão$testemunho$da$relação$estabelecida$entre$
estas$ duas$ personalidades:$ “Lote$ 34.º$ –$ dois$ cartões$ de$ visita,$ [↑$ e$ respectivos$ sobrescritos,]$ do$
Presidente$ do$ Conselho$ Oliveira$ Salazar$ para$ Raul$ Leal;$ só$ um,$ creio,$ será$ da$ mão$ do$ Presidente.$
Comprados$em$22/1/75$na$Livraria$Fumaça,$Lisboa,$por$esc.$141$90”;$cf.$VIZCAINO$(2017).$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 531


Almeida O Bando Sinistro

$
Fig."7."Cartão"de"visita"(Coleção"Fernando"Távora)."
$
Numa$fase$mais$tardia$da$sua$vida,$a$imprensa$da$direita$conservadora$viria$
a$ dispensar$ alguma$ atenção$ crítica$ e$ espaço$ editorial$ à$ colaboração$ de$ Raul$ Leal,$
como$são$os$casos$dos$jornais$Diário'da'Manhã$e$Debate'e$das$revistas$Quatro'Ventos,$
Tempo'Presente$e$Cooperação.$Nestes,$para$além$de$discorrer$sobre$temas$literários$e$
artísticos,$ interpreta$ o$ extravasar$ das$ fronteiras$ de$ Portugal$ continental$ como$
condição$imprescindível$para$um$país$que$se$pretende$afirmar$como$uma$potência$
moderna$ e$ não$ apenas$ viver$ à$ sombra$ dos$ feitos$ do$ passado.$ Nesse$ sentido,$
defende$de$forma$veemente$a$manutenção$das$colónias$do$Ultramar,$por$exemplo,$
no$que$respeita$à$legitimidade$portuguesa$face$à$pretensão$da$Índia$de$anexar$as$
possessões$ portuguesas$ de$ Goa,$ Damão$ e$ Diu$ em$ 1961,$ considerando$ que$ o$ país$
deveria$continuar$a$desempenhar$um$papel$fundamental$na$civilização$dos$povos$
nativos$de$África$e$Ásia,$libertando?os$da$ignorância$e$superstição.$
Vasta$ como$ a$ sua$ obra$ inédita,$ a$ colaboração$ de$ Raul$ Leal$ dispersa$ pelos$
jornais$ e$ revistas$ oferece$ um$ testemunho$ valioso$ não$ apenas$ das$ transformações$
políticas$vividas$no$nosso$país$na$primeira$metade$do$século$XX,$mas$também$da$
evolução$do$pensamento$especulativo$e$da$teorização$política$do$autor,$aspetos$a$
merecer$um$estudo$mais$desenvolvido$em$ocasião$oportuna.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 532


Almeida O Bando Sinistro

Anexo"
O"Bando"Sinistro"–"manuscrito"(Coleção"Fernando"Távora)"
$

$
Fig."8."O"Bando"Sinistro"[primeira"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 533


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$

$
Fig."9."O"Bando"Sinistro"[segunda"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 534


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."10."O"Bando"Sinistro"[terceira"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 535


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."11."O"Bando"Sinistro"[quarta"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 536


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."12."O"Bando"Sinistro"[quinta"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 537


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."13."O"Bando"Sinistro"[sexta"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 538


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."14."O"Bando"Sinistro"[sétima"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 539


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."15."O"Bando"Sinistro"[oitava"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 540


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."16."O"Bando"Sinistro"[nona"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 541


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."17."O"Bando"Sinistro"[décima"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 542


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$
$

$
Fig."18."O"Bando"Sinistro"[undécima"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 543


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$

SlftlSTRO
OB111D0
O INTELLEGTUA
AOS
APPELL ES GUEZES
PORTU
slraes
A,ós que illu aYida
comosmsospe1sa11e1loseleYado , ea11• .._se P'-
sqaesóe• al•aslivres
de11gerarilluminando aYós
o111u1de, cbeiedecouoraoe derevai
medirijo o4esenroltr
la perante s•rlt ••
Iodequepamos ameale naalmaealouquecída
sederrama , quelraglea•eale
dos porluguezes • p-
Hilll,lpeMIIII
dePerlugal
ai• diYiBI 1tsdeb
l lomeolanea•eale atemese• sa1gue de peslee emIremla•ar.ealu e pist se
leraariaginnos oscrimea
coolra
poderosarnenle uniraasfillezas
a,illanles, deHYI
sini~lns, ,m- amuta••
t, de1110derramaudo
dt emEspiril pela
Espirilo Vida!~·uaa se
S)Blbe Yigtrtsade ai• füres••e-w-,an
sempreebr11dinde oculele 11
despenbe
dalaldiçae 1-ledosdos sobre essei1íe111•eaealaaetd&a.;,I' 1
noscome Espirllosnobres, Almas
como llnesquecompele asmalhas
desfazer ascadelas
emara1hadas, ltdu d'a
c•an:o,d'u1paalm!...
tlc ,..'~~I 1'ivc boje u,:.-1
J)é,.;iJelocnorm\' ,k lama e lo, o u'Nlf'llk ca(k iu "6 geram nut~11 o ou tr1111, nr i11,
1N1t1
inil!llni111111e,lol,,,
d011od iOllopprOlll<Ofll!ICdllllin veJa1111
O• arrebalameQIOII e1lllioosqucalra ,·czdos mart'fl r~me,ite contoN'cm, apertan1, esmil(alb11m, osscrr.
•ttalltl.nlm F.epitôto., _uma IOTTeftte l&ll[frffila de lódo 1hJoetoequC<"~ •í Pl'OJ'"O!I 1.11criam.
inundou em &nciu 11ntllt11! de cb.letes. em Mota~ \' {:de a anrJa ren-ente oom C(llfll:tll\ta, clietc de IMn-
ptJtulontu de r.,.nW>Oll., .. \A tni)ficu chlmhu: do mun- dn. im1t1rJH'OCl:lnO!I maia in~ 1fl('111tffoptoado linn.
lif> mW~I, ~mbrin na IJUAlaletate 1ntiednde de do,r, de Hri quto fot U. Carlos 1. (>uando IIOll lol:aftre rfi?ioR
U1.1N~t1 1qqweta,1tP.11pl"elll'ntiment09dem,irl,•,eYolu-
littdo, dl!ll"'..oeiaqdo-91.",
,n~11te •IAIOllo,
o 11tueapiritualit<mo,·;lgo11,1~n- ~:"~ ,~;:=:.=:~·1,~=1;:.:=i
'::-n\:::ni
d'uma anda romo que tragicamente IOli- llt'MIIn dicula eo nio f08ll0ahJOOIIOIIi:,iinilOOl:lm11,imen•
"11..idi!, roelos{,proglad1l do tmnulo, o 11e1 1C11piritu1li,,mo tO>lde nohreu. e diirtincçáotó propnoe do espiri108IU·
~n~-.1do dolol'Olllmeotc ,·ilH·~(('les dilTuKD'<de tre,,i11. perioret!-, dealmulivrei,. •

=e::~.i~;':"j;;~;
11••.,n nruo de lmme11S1da,fod11111iparam todo pan ~rm- >:oomo pó,Je mn clemental de larna clevaMle :l hf'l-
1•re e J"llª !!O.'tornan-m atra.-ez da ~:urol'a jacobinii>ada lr1.ac1;,·ina d'nm prlncifJ"!... '
l>e 1w>n,.IN111 repui;n11ntt6 do t:i:trerao Onentei1ue.11.alma
1111,·o""""mente JW"rl111h11m cm miJO e en, v,inutoedt rapa!: ;~ted~~r l~~-11~
"" Ul(UC 1/lUlndO50b 11<',~ l'fi!alam, c1m1igall1adotrintci:3- l>cm1, (, n'um ehaTI'O unmundo qv.e tllt' flC_debatr,POt
mMlc por mi! !. . . f~,cH rnonslr()tl fmmNiMlll o ,·aw>I! cntNi ehammu purulentas de paio, e,che1odom1,·11,
,l',dma nl,110rver:ru111indrt ti.ia chimoru medievni11 a~ de mnMres ~ini><lm,1, 11IIUIIfHklll hl.ha ckrra·11~ na Viih
;,11;f.in do trens ma~. drl!f'uN"ando-as ('Ili a,·i!tamen!O>i para ~1uea_\'itl-1, dt'IICcndoali-elle,1eeuhradepodr i•lllo
wnvu1- dl' fóme, ijm0biliitaram-1M11por tntre ~-:r.fl:-a·e dl!' 1~nommia:
lha1la111111,.'llhrei: de reptlló 11?mpirú:adoll. Soffrem a 3111:n, Sim, todo o pll'hei~rno IOl'{N! qut ft1li<iamente ~-
1n;)>< a a~eúl pttvenaenquero&a decohanlenm1te ra11pr irenn,11 aqui, empé,ltllndo erim111~mtntc o jren10 rlmno
11 r.arncmdofeutlolr .\nJl)ll ... lledó1 seeoeh_cm pcloodio! •: 0.fi~!i~~
~1~1~º~ ~e ,:~" t~br.ii~~:;::~
~i1;~ai!;
....,.., 1)o1roili0$11de pcrvern11 antiu jilm111aa rom 1iai~;\o
J"Íd" 1n11 pirarmnij11\ulllatlal'n1cseaffl)llnl'gl'Olltlcpea lc inlnmantc. Ja qu11 inNipu eo ~eall< dl'ee lih!:!rt:ar,IIQr
l'ru.b•·flOII n nlma dr cnj•)()!Je dnvomiloR OOl1\'Ul$0fl

:~:s::1~ ..1~;:i~i~f\('S;~~:'i:'!i-;
j~~~::.'\ 11 1
•.•

~~~
~::~ij::
,.1:~ ~~e1r:~;:;::
~p:i~;/i1 1
::
~~:11~
tio. cmporralhan,lo-o mm a, sua, f<!tid111
0
~:::
exal.aç<'>~d'al,
m•nlt:i de 111,·cp,mwtra. ,-.a re..-olla do p.iria Mrlomoa- ma, rnvenenando-o n'um derramento de pú~ cm quo a
,ltl ~·,tra a luz do tMpirilQ 'f\.M'as tre1·1" d:I sua ~ln1., ~u•alm.a, cnnerofataJ, rhei:11deangiurtia><p('rl'eN-.a<ilor:h
J.llnru•.fJO'l"'.Aitlu:nm11r. "dllllfu ... O mundo. 11111i_.cra. lil'l'e port111eera nol>tr,
O JIIN>h111Q, n p!t·licu l<(',1tchorris·tlmentc cr.1~11.rrm- a11pam'le!i tor\urantf'><, n, vdll&U que apt"rtam, que c,.in-
-<0 lhl' no perto os i.-nthl'it'~clrrnQ.'! d11111nomima('Om lrirnl(cm os ~MCIIqun GHei:alam, toda a lorpez.:i ,nes,1ui-
"liº llru11 o fotali·ou r, tomo amnha rorpoler_ita d_rh.1- nha. &l'anh~rla, f'lll'.Ta,·i,,,.rlon.1Jld111lorpczadosd.e-
1r1ulo_'91'nrt 11-i,,11i,n,io11a<l"mqu~ l'lla proimu rna, o J'l!< ptrhem1, da11 nnciM puru~ntu, o Jl'Cniopor lugttPl
JD.tnl,mt•. o plf'htu, rh,•,o ,te ra1.rore11ol>1<Curo111111r !ltí dCt1COubf":'iaoulr'oraPnecl"$~nn!lf!_tor1111n.enlào,para
ru, trcu11 rohardes ll'a/>.111~,m u mor\.-, corn Mn:,:uc tl!.'S· uma alma ci;cra,·a tias suu_ propna, po,lru~, ver-"°
prru,l_,·r·"''l'ror-ur.t d:,,~ JWi:11111:,:rilhoon,C!' da lomr r tia 1~1ra..em1•"'11.,.fo1t_o ·º ~:..pirtl.n,n ::-rnn,\e&alwm 11;1~ai,
llll""fl/1 a~ lllM"" nrn pn'.lnn;:amcnto tr,,~-,,...,_ apru~.,
1'11.n ma11nol,rr~ fJUO!, n1,lu1do, ma1~,l,.lom,.1,n•nt,' l/lria 1<"11-
um., ~n·nlma f'\/lla,:-:,n rl,.,_•;111011trru<11('1/I~ 1uliruas n1,1
,111~11'um !a!al inírrir,ri><mOd'alu,a. Como clrmrntal ,1,, ::~.;:' :;:;~ri~i;<;;11:1'~·:: ,!:'~',;~=
(~t~~';;i;~~:~. ~~j~~~._:l~ ·=
l<•tn rll<1un,rcu inferior, .1 ~ua infcrioridn dc n;ilural <JUC ,·11t:1 talnlmrntn nr:iulla, la. latahncnle .-11, rnh dr
U,r rn!'hc a :ilrua rio p.,i~r,,·• Cf'('.r.\\'i><aHlor11.•, d~ pcn·,:,r
si,ladr~ •111etoJa .ª Qlm~ c_onlon'Cm. toda a alma 11111' ~:t~\~~d;ª~C:t~~~
11u r~~:i:!:"ti~Í:;~;~~!~;,~1;~,°l~l:~u:
uo lk-m. no E~p,rito 11<:lrhcrla em ,·erti~cu~. e~ míe- ~111, <> f:mo ht,-'Ul>n",la n.b-i«';.lo tinha Je 111.ldf'l'ramar
riori<littl". l.ital cioca.11111;1,·i,ianpertailarno:-nl<·limitarla, no t:.rpmlQ. llu i,r,uule Hei a l.ul.rlJ.i,>ll,'lcClerc.1, li
:r uma n,L, Jo e,~r:r.rntui im,prta todo o ohri~,n i;.e,opc,• ,·rllmrnllle.xpa11tl,da c·n m!imloR. linh.1 da ,.,.r a1~1i;r.da
('Ili' r1111rol'Oflllmentc s..i,lc " deN!lcm<lo-~i· na fome, ua J>,lr~sl'mp,:r. l),111!11t111pre tintia. dP ~e d('l<lau,r r111[)00:-
nü~cria, pro<lucto ,la film :ih'l<)luta ioi:•pe.eidat\e ile"" ra de ,n:i.rmor~ e J,rr:1111.c, n/llPOloll ,f,.. ~lorlo o <!,~11:.,

li}Fª~~~~~~i!f:f@iit
~:1111intwil,ca11,m1. lllnehf'O'.lirle11!1J o mm ulo ml\·1'11

if?:t;~I;:y~1i~t5~}~
11
I~~.~:~,
~~;]'.;,~!ª: tll:,::~· c";:u;:,d:t;~~; i~;~::~i,:,~~:
""º'a alma por rntre a., ::-~r<~-all~,tl-ls
vurulenut, tlr ~11-
n.1tural •111c,\ ,n,ui IIOhrcludo r,,ra lllli~(a·,erosodioll ::-ur ranrol'Ol<D•nrnto_rxpelhda~ por uon ,·entre ahjocto,
1m1111ms1,-crados llt'll\flrc 1~r l"nlre lrWIIJM na« :ilmaK r.mrol'Oll,,mcntc vom1t:11l:19prlo ~-cnio de11n,·:tdo da
al,jcda111c11t~
11atural111,:,nll', . nnl'rior,-,s. \'~!')''o 110,lcrr.\- l\'Htrl
11'rior, o ouro ,1111·1'lt" pri11<'q,alrncntr im·1·1~,ma~ a 1;ra11-
,lcM nat ural dn~ _r:,;l'iri,los1ru<·dt~. mt'l<morol,erto do
ouro, j;'1mai1,puder1a 1\llt1ti,:tr ... \ nobreM ,l'alrng, 1,uprc-
n E~:;ir~~~t~c\'.~''~1~ i:~~~!
;~rii~ii'~:~::
H~Oh1·re de l.ux r.1da •·cz.malll entulha em trc,·a,.cem
ma lihtttadura. couro IK>Jcna clla 11,•r aJ~1w.ad11por lútlo ..•. \o lúdo Nlo 11:1beC!U"oilo 1,.íJ~ renunciar, u·l'llc
1111cm n,·e latalmentc ,te l'dezas OPJ'TesllOrall,J" abJr<:· ctrrn/lme11te.~o dchate, 11'elle ctcrrnu~cnteso n..orn"nt"
,·iic. 1111e~ó pódt'r'.I hl'olor ,ta~ nlmas atanhada.~. 1 ~r~u:;:ir;~
Jilllalnm~ n ..~t ... E 81111:1l!ll)~ibilid.:ule fatal enche rio ~!1~~ tle.~~t;:~~-i·~~~I~~
IM ll(Hl :.::r11u•lrumlirula, u:i. s1u e~
maiores;ibjeeções a nlm~ 0<1,cnta do jacobino! t:11:l.vim 1•mt,, o _huzn1!ha.
h,·ro Uc Lu~!..•• \la~ tltlllfcil311 to~ as !Umiur
~1.,c.~1 1jfr ~~r~!~iti é panl!<lo
1;)::,.~,{:rc~,~\n~i~I~~ 1;!~,\~r;!•~1:,: nri~lfll'r~tir.,~. M unir.1• nlm:t• lirrrR, 111Hr~~to ,Ir ~~n-

$
Fig."19."O"Bando"Sinistro"[primeira"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 544


Almeida O Bando Sinistro

$
$
$

RaulLul
OoUlboradar ._ -orp-..

$
Fig."20."O"Bando"Sinistro"[segunda"página]."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 545


Almeida O Bando Sinistro

Bibliografia$
$
ALMEIDA,$ António$ (2015).$ “’Brandindo$ o$ cutelo$ da$ Maldição’$ –$ Em$ torno$ do$ manifesto$ O' Bando'
Sinistro$de$Raul$Leal”,$in$Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$8,$Outono,$
pp.$564?601.$
GIRALDO,$ Alejandro$ (2016).$ “Orpheu' 1915K1965:$ uma$ reedição”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A' Journal' of'
Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$9,$Primavera,$pp.$495?563.$
JÚDICE,$Nuno$(1986).$A'Era'de'“Orpheu”.$Lisboa:$Teorema.$Col.$Terra$Nostra,$n.º$3.$
LEAL,$Raul$(1982).$“Carta$de$Raul$Leal$a$João$Gaspar$Simões$a$propósito$da$Vida'e'Obra'de'Fernando'
Pessoa$e$Aleister$Crowley”,$in$Persona'–'Publicação'do'Centro'de'Estudos'Pessoanos,$n.º$7,$Porto:$
Centro$de$Estudos$Pessoanos,$agosto,$pp.$54?57.$
______$ (1981).$ “Duas$ cartas$ inéditas$ de$ Raul$ Leal$ (a$ Mário$ Saa$ e$ Oliveira$ Salazar)”,$ in$ Jornal' de'
Letras,'Artes'e'Ideias,$Ano$I,$n.º$12,$Lisboa,$4$de$agosto,$pp.$8?9.$
______$(1960).$Sindicalismo'Personalista'–'Plano'de'Salvação'do'Mundo.$Lisboa:$Verbo.$Coleção$Ensaio$
n.º$2.$
______$(1959).$“A$ética$dignificadora$de$Santa?Rita$Pintor”,$in$Tempo'Presente'–'Revista'Portuguesa'de'
Cultura,$Ano$I,$n.º$3,$Lisboa,$julho,$pp.18?20.$
______$(1935).$“Super?Estado$(texto$especulativo)”,$in$Sudoeste'n.º$3,$Lisboa,$Edições$SW,$novembro,$
pp.$8?12.$
_____$ (1927).$“A$Creação$do$Futuro$–$A$Organização$Bolchevista$pelo$Fascismo$atravez$da$Acção$
Norte?Americana$ e$ sob$ o$ Regimen$ duma$ Monarquia$ Libertária”,$ in$ Presença' –' Folha' de'
Crítica'e'Arte,$n.º$8,$Coimbra,$15$de$dezembro,$p.$4.$$
______$ (1925).$ “A$ chicote$ –$ Que$ a$ voz$ dos$ canhões$ se$ torne$ a$ voz$ de$ Deus$ e$ a$ voz$ da$ Raça”$ in$ A'
Reacção'–'Semanário'AntiKRepublicano$(dir.$Carlos$Silva),$Ano$I,$n.º$7,$22$de$novembro,$p.$1.$
_____$ (1915).$ O' Bando' Sinistro' –' Appello' aos' Intellectuaes' Portuguezes,$ Barcelona:$ s./n.$ [Prensa$
Libertad].$
NÃO$ ASSINADO$ (1915a).$ “Antipathico$ futurismo$ –$ Os$ poetas$ do$ ‘Orpheu’$ não$ passam,$ afinal,$ de$
creaturas$ de$ maus$ sentimentos”,$ in$ A' Capital' –' Diário' Republicano' da' Noite$ (dir.$ Manuel$
Guimarães),$Ano$VI,$n.º$1.766,$6$de$julho,$p.$1.$
______$ (1915b).$ “Muito…$ Paúlico$ –$ Literatura$ de$ Manicómio$ Astral”,$ in$ O' Mundo$ (dir.$ França$
Borges),$Ano$XV,$n.º$5.381,$8$de$julho,$p.$3.$
NEGREIROS,$José$de$Almada$(1965).$Orpheu'1915K65.$Lisboa:$Ática.$
SÁ?CARNEIRO,$Mário$(2015).$Em'Ouro'e'Alma.'Correspondência'com'Fernando'Pessoa.$Edição$de$Ricardo$
Vasconcelos$e$Jerónimo$Pizarro.$Lisboa:$Tinta?da?china.$
VASCONCELOS,$ Ricardo$ (2017).$ “Foi$ como$ se$ fôsse$ eu$ o$ Suicidádo”:$ Raul$ Leal$ escreve$ a$ Fernando$
Pessoa,$ na$ morte$ de$ Mário$ de$ Sá?Carneiro”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A' Journal' of' Fernando' Pessoa'
Studies,$n.º$12,$Outono,$pp.$169?193.$
VIZCAÍNO,$ Fernanda$ (2017).$ “O$ meta?arquivo$ da$ Colecção$ Fernando$ Távora”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$12,$Outono,$pp.$18?81.$
"
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 546


!

Uma$Carta$Inédita$de$Fernando$Pessoa$$
ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice$
!
Ricardo Vasconcelos*
!
Palavras9chave$
!
Suicídio!de!Mário!de!Sá-Carneiro,!Fernando!Pessoa,!Carlos!Ferreira,!Manuscritos!perdidos!
de!Mário!de!Sá-Carneiro,!Grand!Hôtel!de!Nice.$
$
Resumo$
!
Apresenta-se!neste!contributo!três!documentos!presentes!na!Coleção!Fernando!Távora!que!
estão! diretamente! relacionados! com! os! escritos! de! Mário! de! Sá-Carneiro! perdidos! após! a!
sua! morte,! em! Paris,! em! 1916.! O! primeiro! deles! é! uma! reprodução! da! carta! de! Fernando!
Pessoa!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice!já!conhecida!atualmente.!O!segundo!e!o!terceiro!
são! documentos! inéditos,! nomeadamente! uma! segunda! carta! de! Fernando! Pessoa! ao!
mesmo!gerente,!também!de!26!de!setembro!de!1918,!do!mesmo!teor!da!carta!já!conhecida,!e!
uma! declaração! em! nome! do! avô! de! Mário! de! Sá-Carneiro,! aparentemente! preparada! por!
Pessoa,!com!vista!a!autorizar!a!entrega!dos!manuscritos!a!Carlos!Ferreira.!
!
Keywords$
$
Mário! de! Sá-Carneiro’s! suicide,! Fernando! Pessoa,! Carlos! Ferreira,! Mário! de! Sá-Carneiro’s!
lost!manuscripts,!Grand!Hôtel!de!Nice.!$
$
Abstract$
$
This!study!introduces!three!documents!present!in!the!Fernando!Távora!Collection!that!are!
directly!connected!to!Mário!de!Sá-Carneiro’s!manuscripts!lost!upon!his!death,!in!Paris,!in!
1916.!The!first!one!is!a!reproduction!of!a!letter!by!Fernando!Pessoa!to!the!manager!of!the!
Grand! Hôtel! de! Nice,! which! is! already! known! today.! The! other! two! are! unpublished!
documents,!namely!a!second!letter!by!Fernando!Pessoa!to!the!same!recipient,!also!from!26!
September! 1918,! in! line! with! the! one! already! known,! and! a! declaration! to! be! signed! by!
Mário! de! Sá-Carneiro’s! grandfather,! apparently! typed! by! Pessoa,! written! with! the! goal! of!
authorizing!the!release!of!the!manuscripts!to!Carlos!Ferreira.!
$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!

!
Vasconcelos Uma Carta Inédita

É!célebre!a!narrativa!segundo!a!qual,!após!o!suicídio!de!Mário!de!Sá-Carneiro!em!
Paris,! a! 26! de! Abril! de! 1916,! os! seus! pertences,! incluindo! os! manuscritos! —! de!
prosa,! poesia! e! correspondência! —! terão! sido! guardados! numa! mala,! como!
garantia!de!ulterior!pagamento!das!despesas!do!escritor.!Segundo!a!mesma!versão,!
entretanto! cristalizada,! em! parte! pela! grande! influência! de! João! Gaspar! Simões,!
que! a! divulgou,! as! tentativas! de! Fernando! Pessoa! para! que! Carlos! Ferreira!
conseguisse! aceder! aos! conteúdos! da! mala! em! causa,! materializadas! numa! carta!
enviada!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice,!a!26!de!setembro!de!1918,!terão!sido!
infrutíferas,! tendo! mais! tarde! Carlos! Augusto! de! Sá-Carneiro,! pai! do! poeta,!
resgatado!essa!mala,!sem!que!no!seu!interior!estivessem!já!quaisquer!papéis.!!
Esta! leitura! era! respaldada! por! correspondência! de! Carlos! Ferreira! e! José!
Araújo1,! as! duas! pessoas! que! mais! de! perto! cuidaram! dos! trâmites! relacionados!
com!a!morte!e!o!funeral!do!escritor.!Refiro-me!à!correspondência!enviada!de!Paris!
a! Fernando! Pessoa,! entre! 27! de! abril! e! 10! de! maio! de! 1916,! cartas! estas! que!
integram!o!espólio!pessoano!na!Biblioteca!Nacional!de!Portugal!(vd.!SÁ-CARNEIRO,!
2015:!531-535).!Aí!se!vê!Carlos!Ferreira,!por!exemplo,!expressar!alguma!frustação!
com!a!situação!em!causa!e!em!particular!com!José!Araújo,!indiciando,!contudo,!que!
a!problemática!dos!manuscritos!não!estava!ainda!definida!nos!termos!que!depois!
se!veio!a!conhecer:!
!
Peço-te! que! falles! já! com! o! avô! e! que! lhe! digas! para! telegraphar! ao! Consul! mandando-o!
entregar-me! todo! o! espolio! do! Mario.! Ha! papeis! importantes! de! literatura! que! desejo!
adquirir!para!comtigo!publicar!esse!livro!de!ineditos.!O!José!Araujo,!pelo!facto!de!ter!uma!
carta!do!Mario!para!tratar!de!varios!assumptos!julgou-se!no!direito!de!guardar!tudo!em!seu!
poder.!É!um!illetrado,!não!comprehende!estas!coisas.!Faze!isto,!pelo!bom!nome!do!Mario!e!
o! avô! que! me! escreva! dizendo! o! destino! que! devo! dar! ás! coisas! d’elle! ou! se! quer! que! as!
guarde![até]!nova!ordem.!Portanto!telegraphar!ao!Consul!para!que!este!diga!ao!Sr.!Araujo,!
por!ordem!da!familia,!de!me!entregar!tudo.!Trata!já!e!telegraphem!já.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!531)!!
!
Em! contrapartida,! já! a! 10! de! maio,! José! Araújo! escreverá! a! Pessoa,!
indicando-lhe!que!os!manuscritos!de!Sá-Carneiro!estariam,!em!geral,!guardados:!
!
Todos! os! papeis! que! encontrei! e! cartas,! tudo! está! fechado! n’uma! mala,! o! mesmo! tambem!
com!fatos,!roupa!branca,!chapeus,!escovas,!tudo,!inclusivè!os!mais!insignificantes!objectos.!
Sobre!o!que!o!meu!amigo!pede!os!papeis!não!os!posso!mandar!já!pela!seguinte!razão.!Sá-
Carneiro!devia!no!hotel!uma!conta,!de!200!e!tal!francos,!de!maneira!que!como!eu!não!posso!
pagar!essa!quantia!espero!que!qualquer!parente!me!envie!essa!importancia,!mesmo!porque!
eu!não!disponho!aqui!de!muito!dinheiro.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!532)!!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Uso!José!Araújo,!sem!o!“de”!do!seu!nome,!já!que!era!assim!que!o!mesmo!assinava.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 548


Vasconcelos Uma Carta Inédita

Até!abril!de!2017,!sabia-se!apenas!que,!desde!essa!carta,!passariam!mais!de!
dois! anos! até! que,! a! 26! de! setembro! de! 1918,! Pessoa! escrevesse! e! possivelmente!
enviasse! a! já! mencionada! carta! ao! Gerente! do! Grand! Hôtel,! solicitando-lhe! que!
permitisse!a!Carlos!Ferreira!aceder!ao!conteúdo!da!mala!—!carta!esta!que!adiante!
se!transcreve.!Ora,!na!edição!da!Poesia'Completa'de!Mário!de!Sá-Carneiro!publicada!
em! abril! de! 2017,! apresenta-se! um! núcleo! até! aí! inédito! de! correspondência! de!
Carlos! Ferreira! e! José! Araújo! a! Fernando! Pessoa,! que! está! também! presente! na!
Coleção!de!Fernando!Távora.!Trata-se!de!correspondência!que,!não!esclarecendo!o!
que!aconteceu!aos!manuscritos!de!Sá-Carneiro,!apresenta!novidades!importantes.2!!
A! correspondência! até! então! desconhecida! sucede! imediatamente,! em!
termos!cronológicos,!aquela!até!aí!divulgada.!Por!outro!lado,!essas!cartas!revisitam!
vários! dos! mesmos! temas! —! desde! as! críticas! à! mulher! com! quem! Sá-Carneiro!
mantivera!uma!relação!nas!últimas!semanas!da!sua!vida,!à!impossibilidade!de!se!
mexer!na!mala,!entretanto!selada!(SÁ-CARNEIRO,!2017:!37!a!47).!!
Contudo,!numa!carta!de!Carlos!Ferreira!logo!de!2!de!maio!de!1916,!portanto!
ainda!anterior!àquela!de!José!Araújo,!que!já!se!conhecia,!em!que!este!indicava!que!
todos!os!papéis!estavam!na!mala,!Ferreira!apresenta!novos!elementos!quanto!aos!
manuscritos.! No! que! diz! respeito! à! prosa,! e! possivelmente! a! “Mundo! Interior”,!
manuscrito!que!Fernando!Pessoa!conhecera!e!pelo!qual!indagava,!Carlos!Ferreira!
indica! que! “Acerca! da! nouvella! o! Mario! só! escreveu! um! pedaço! muito! pequeno!
por!signal.!Está!na!mala”!(SÁ-CARNEIRO,!2017:!40).3!Outro!elemento!novo!que!esta!
correspondência!traz,!contudo,!é!a!correção!da!ideia!de!que!todos!os!manuscritos!
teriam! entrado! na! mala.! Isto! porque,! seis! dias! depois! da! morte! do! escritor,! nessa!
mesma!missiva!de!2!de!maio!de!1916,!Ferreira!anuncia!a!Pessoa:!
!
Confidencial'
Procedi!á!embalagem!dos!haveres!do!Mario!em!companhia!do!José!Araujo,!de!quem!já!te!
falei!e!que!devias!conhecer!pelas!cartas!do!autor!da!Confissão'de'Lucio.!Consegui!uma!coisa,!
para! nós,! importantissima! sem! que! ninguem! desse! por! ella:! guardar! os! melhores! ineditos!
quasi!todos.!Desprezei!apenas!as!notas!ligeiras.!Ninguem!viu.!Ora!é!preciso!que!me!digas!
os! titulos! de! tudo! quanto! ahi! tens,! porque! elle! mandava-te! copias,! a! fim! de! que! eu! possa!
fornecer-te!o!que!desconheces.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!559)!
!
Segue-se! a! esta! passagem! uma! lista! de! poemas,! em! que! se! reconhecem!
vários! títulos,! embora! não! todos,! com! consequências! importantes! para! o!
entendimento! e! inclusivamente! para! a! fixação! da! poesia! de! Sá-Carneiro,! como!
explico!na!introdução!dessa!edição.!A!última!carta!desse!núcleo!é!de!José!Araújo,!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2!Fernando! Távora! designa! esta! correspondência! de! ”lote! 4”,! como! se! lê! na! contribuição! de!
VIZCAÍNO!(2017)!!para!este!volume!da!Pessoa'Plural,!em!que!se!descreve!o!meta-arquivo!na!coleção.!
3!Como! expliquei! já,! não! é! de! excluir! que! “Carlos! Ferreira! se! referisse! a! um! esboço! da! ‘Novela!

Romântica’,!que!Sá-Carneiro!mencionou!por!várias!vezes!a!Pessoa!ao!longo!dos!seus!últimos!meses!
de!vida”!(in!SÁ-CARNEIRO,!2017:!40).!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 549


Vasconcelos Uma Carta Inédita

de!18!de!dezembro!de!1916,!e!nela!o!amigo!do!escritor!expressa!frustração!com!a!
situação! em! que! se! via,! criticando! os! familiares! de! Mário! de! Sá-Carneiro,!
reiterando! que! os! pertences! do! escritor! estariam! ainda! no! hotel,! e! curiosamente!
falando!de!malas,!no!plural,!ainda!que!não!se!referindo!especificamente!a!quaisquer!
papéis:!
!
Sobre! o! Sá! Carneiro! nunca! mais! recebi! nada,! creia! que! me! causa! bastante! desgosto! o!
procedimento!d’elle!pois!já!8!meses!são!passados!e!nem!ao!menos!uma!carta!em!resposta!ás!
minhas.!As!malas!e!outros!objectos!ainda!estão!no!hotel!em!que!Mario!morreu!pois!como!
elle!tinha!lá!uma!divida!de!254!francos!e!eu!também!não!posso!dispor!d’esta!importancia,!e!
como!de!Lisboa!a!familia!tão!pouco!caso!tem!feito.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!570)!
!
Ora!é!esta,!portanto,!a!informação!mais!próxima!no!tempo!da!única!carta!de!
Fernando!Pessoa!ao!Grand!Hôtel!de!Nice!que!se!conhecia!até!aqui,!datada!de!26!de!
setembro!de!1916,!carta!esta!que!consta!no!arquivo!de!Fernando!Pessoa,!com!a!cota!
BNP/E3,!1142-46.!!
!

partndo 14'1,
tlsbcn1W , le P f:epto 1 re 1918.

OnEleur le g4rw,.t 4u "i,rmu\ iotel tle ice" ,


29, rue '11otor ..1.saé. ;is. rie .
l'onoieur:
f'..ns la à.ernt~re lettre '""'il 1:1•: é -
crite, oncicur Drio de .;d.- c:lrneiro , dt'icd<ldle
:: ::!1d!!t: !o::tr: !~!:!: :! ~~;1!~t~t 1~-
·l1~t
~;-né, tt•o cbElr~6 de tlllbllcr eee ..
uite • .r•an e.1
prctitue tour ,
l:.ee ~e - un surtout - qui 11:_
.ta 11111iorir,e e1f ta tn,'-
lOU :eeti s
lOl•

dn11e la. mt1lle ee.rdée ,nr voue .


Coi~ U e•i.:.git ùo-=:. ,cr.l {fl
ta •w1a
lnvortaz.oe etr1ctel"!er1t et oxcl~_1ivll; •it 11tté;. ,i -
n , Je voue ter11ie bien reco. n::.\sau1t al voue
,ouviet: autorteer (lUe ~on atJ.1 , • L rloe 'errel-
rr , rrni vouo est connu , lee ntirc lie la ~lle ,
nonr m•en ftlire envoi , lor!l de eov -·rochi tn re•
tour à '"'.!!'le . Je pourttl, !Ji voua le Touleu ,
voua renvo;er ooe docmnente &U'attGt que ~e lee
:.t1re.i copies . rn tout ces , • c :!'loe :•erreir,1
voua donnot"l. toue lco l'<ln:::c1611b, ~nte et totrt-oe
lea g,.N.ntiea écrites (!US vo1ce J1..3oroa conven -
bloe , !l et1t ?orteu.r d•urio lettre rl.c l'!Oi en
confirmation de la )rl.leénto .
"'e sr.le bien que tout <it'ci ne .i&Tr lt
oe fnire l:tie tw 8)1n.'.J,t autori8l;.ti0n de , le t.c. -
ior du g{nie cal'loe de ,;i c,,r.nelro , ~~r, do •
:·1i.rlo de .:,{- .:arneiro; v, • ce .enc1 nt , qt<•ll n•est
pne à LieboD.lle, te 4nno l '_ .(1"i11••0-r1entale or -
tug iee (ot\ il te trou.v~tit dl!,JJ lore d1 ttéob de
1,on file l , et ; tie Je eu.le Nif!et: preee6 ,onr li!!.
yn>bl1cotior. ,1ee m.nueorite er: ,neetlon . jr me 1miB
aécidé à voue adreeael" enr ce ?Joint , en erpérant
i!o votre nnnbllité iuo V<.HB1'1fl ct1nc611\ce ce atie
je vour de .r,de.
o; r votrv r:01,ve,-ne, "e l)lio 1'0tlB Clin•
"ue le matmscr-lt z;urr11el Je :• lntlir-ceee le 1l1•1c ,
Ill! coni1,ore de , · elonee - s-i::e ,htit 011 db:, tou'li
au plue} lVoo le titre ortugnls ..,ui;r,-. ,.,,,,.,
voc noa remerctm,nte , je vo1
li.'agrler , ono.teur, !'!;os e ~;tlJl""lnt.abioi

_.,.-,,.•
!! !
Figs.$1$e$2.$Carta$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice$(BNP/E3,$1142946).$
!
Transcreve-se!em!seguida!o!original,!em!francês,!e!a!sua!tradução,!a!partir!
do! volume! Em' Ouro' e' Alma' –' Correspondência' com' Fernando' Pessoa! (SÁ-CARNEIRO,!
2015:!536-538).!!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 550


Vasconcelos Uma Carta Inédita

[Transcrição]$
!
Apartado!147,4!
Lisbonne,!le!26!septembre!1918.!
!
Monsieur!le!gérant!du!“Grand!Hôtel5!de!Nice”,!
29,!rue!Victor!Massé,!Paris.!
!
Monsieur:!
!
Dans! la! dernière! lettre! qu’il! m’a! écrite,! Monsieur! Mario! de! Sá-Carneiro,! décédé! le!
26! avril! 1916! à! votre! hôtel6,! et! qui! était,! comme! sans! doute! vous! le! savez,! un! écrivain!
distingué,!m’a!chargé!de!publier!ses!manuscrits7!inédits.!J’en!ai!presque!tous,!mais!il!y!en!a!
quelques!uns!—!un!surtout!—!qui!sans!doute!sont!restés8!dans!la!malle!gardée!par!vous.!!
Comme! il! s’agit! de! manuscrits9!d’une! importance! strictement! et! exclusivement!
littéraire,! je! vous! serais! bien! reconnaissant! si! vous! pouviez! autoriser! que! mon! ami,! M.!
Carlos!Ferreira,!qui!vous!est!connu,!les!retire!de!la!malle,!pour!m’en!faire!envoi,!lors!de!son!
prochain!retour!à!Paris.!Je!pourrai,!si!vous!le!voulez,!vous!renvoyer!ces!documents!aussitôt!
que! je! les! aurai! copiés.! En! tout! cas,! M.! Carlos! Ferreira! vous! donnera! tous! les!
renseignements!et!toutes!les!guaranties!écrites!que!vous!jugerez!convenables.!II!est!porteur!
d’une!letter!de!moi!en!confirmation!de!la!présente.!
Je! sais! bien! que! tout! ceci! ne! devrait! se! faire! que! moyennant! autorisation! de! M.! le!
major! du! génie! Carlos! de! Sá! Carneiro,! père! de! M.! Mario! de! Sá-Carneiro;! vu,! cependant,!
qu’il!n’est!pas!a!Lisbonne,!mais!dans!l’Afrique!Orientale!Portugaise!(où!il!se!trouvait!déjà!
lors!du!décès!de!son!fils),!et!que!je!suis!assez!pressé!pour!la!publication!des!manuscrits!en!
question,!je!me!suis!décidé!à!vous!adresser!sur!ce!point,!en!espérant!de!votre!amabilité!que!
vous!me!concédiez!ce!que!je!vous!demande.!
Pour! votre! gouverne,! je! puis! vous! dire! que! le! manuscrit10!auquel! je! m’intéresse! le!
plus,! se! compose! de! quelques! pages! (huit! ou! dix,! tout! au! plus)! avec! le! titre! portugais!
”mundo! interior” 11 .! Avec! mes! remerciements 12 ,! je! vous! prie! d’agréer,! Monsieur,! mes!
sentiments!bien!distingués.!!
$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Cita-se!do!aparato!crítico:!“Uma!folha!de!papel,!de!21,4!x!19,7!cm,!com!um!timbre!no!canto!inferior!
direito!‘F.!A.!PESSOA!|!Rua!do!Ouro,!87,!2.o!|!Lisboa’,!e!marca-d’água!‘BRITISH!BANKPOST’.!O!texto!
encontra-se! dactilografado! a! tinta! azul.! A! firma! F.! A.! Pessoa! foi! criada! em! meados! de! 1917! e,! em!
Dezembro! do! mesmo! ano,! mudou-se! para! a! Rua! do! Ouro,! 87,! 2.o;! inicialmente,! esteve! sediada! na!
Rua!de!S.!Julião,!52,!1.o”!(SÁ-CARNEIRO,!2015:!658).!
5!Hotel!]!no'original.!

6!hotel!]!no'original.!

7!manuscri<p>ts!]!correção'manuscrita.!

8!<est>/sont\!resté[s]!

9!manuscri<p>ts!]!correção'manuscrita.'

10!manuscri<p>/t\!]!correção'dactilografada.'

11!”mundo!interior”!]!aspas'invertidas'no'início.!

12!remerciments!]!no'original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 551


Vasconcelos Uma Carta Inédita

[Tradução]$
!
Apartado!147,!
Lisboa,!26!de!Setembro!de!1918.!
!
Senhor!Gerente!do!“Grand!Hôtel!de!Nice”,!
29,!rue!Victor!Massé,!Paris.!
!
Ex.mo!Senhor:!
!
Na!última!carta!que!me!escreveu,!o!Sr.!Mário!de!Sá-Carneiro,!falecido!a!26!de!Abril!
de!1916!no!seu!hotel,!e!que!era,!como!sem!dúvida!sabe,!um!escritor!distinto,!encarregou-me!
de!publicar!os!seus!manuscritos!inéditos.!Tenho-os!quase!todos,!mas!há!alguns!—!um!em!
particular!—!que!sem!dúvida!ficaram!na!mala!que!o!senhor!guardou.!!
Como! se! trata! de! manuscritos! de! uma! importância! estritamente! e! exclusivamente!
literária,!ficar-lhe-ia!muito!agradecido!se!autorizasse!que!o!meu!amigo!Sr.!Carlos!Ferreira,!
seu! conhecido,! os! retirasse! da! mala,! para! mos! enviar,! quando! regressar! proximamente! a!
Paris.! Eu! poderei,! se! o! Sr.! assim! desejar,! devolver-lhe! estes! documentos! logo! que! os! tiver!
copiado.! Em! todo! o! caso,! o! Sr.! Carlos! Ferreira! dar-lhe-á! todas! as! informações! e! todas! as!
garantias! escritas! que! o! Sr.! julgar! convenientes.! Ele! é! portador! de! uma! carta! minha! que!
confirma!a!presente.!!
Sei! bem! que! tudo! isto! deveria! ser! feito! apenas! com! a! autorização! do! Sr.! Major! de!
Engenharia!Carlos!de!Sá!Carneiro,!pai!do!Sr.!Mário!de!Sá-Carneiro;!visto,!contudo,!que!ele!
não!está!em!Lisboa,!mas!na!África!Oriental!Portuguesa!(onde!se!encontrava!já!aquando!da!
morte!do!filho),!e!que!eu!tenho!bastante!pressa!na!publicação!dos!manuscritos!em!questão,!
decidi!contactá-lo!a!este!respeito,!esperando!que,!pela!sua!amabilidade,!me!conceda!aquilo!
que!lhe!peço.!
Para! seu! governo,! posso! dizer-lhe! que! o! manuscrito! que! mais! me! interessa! é!
composto! de! algumas! páginas! (oito! ou! dez,! no! máximo)! com! o! título! português! “mundo!
interior”.!
Com!os!meus!agradecimentos,!peço-lhe!que!aceite,!Ex.mo!Senhor,!os!meus!melhores!
cumprimentos.!
$
!
!
!
!
Deste! mesmo! documento! existe! uma! cópia! na! Coleção! Fernando! Távora,!
cuja! origem! é! explicada! pelo! arquiteto,! numa! anotação:! “O! original! desta! carta!
pertence! ao! espólio! de! F[ernando]! Pessoa! e! foi! cedido! para! figurar! na! Exposição!
Biblo-Iconográfica! realizada! quando! do! I! Congresso! Internacional! de! Estudos!
Pessoanos! (Porto,! Abril,! 1978).! <Figurou>! (É! o! n.o! 82! do! respectivo! Catálogo)”.!
Lembre-se! que! é! o! próprio! Fernando! Távora! quem! procede! à! montagem! desta!
mostra,! pelo! que! terá! sido! com! naturalidade! que! conservou! uma! cópia! do!
documento.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 552


Vasconcelos Uma Carta Inédita

,t -f.l~M...
-
f-,.e-y ..,e.. ~-"4t

J ~lo

('l •
"'
f),.Je,.,.....r..:.~
3.z, ~- {' flf Vn-r>

~)
( (>,-.F;
I

!
Fig.$3.$Anotação$de$Fernando$Távora$acerca$da$cópia$do$documento$
BNP/E3,$1142946$na$sua$coleção.$
!

1 ,LO ).f,

o if: ~· l. .~r ni, l .,. , ;1 Cf,,f·l n let_... ,


'·.r , 1 ,1< 'lo or ,,.t J Yi:.? ..

,.1 lu J(ll" .tt'.":-c lc ..t·i- ql'':'..l 11' l-


ei·• :-.f,, 01. · nt· · t·;l.o 1tr 1·· w!..:-o . L.!'.c(. k lc-
·•.:"'lJ•. l :. 1 l ,-otrt. h.1î.01.~ ~t. ·ll:i ": ; t , t -
':·mu· :J.t· "t·o. • 11 :cr:v l. i l.n·
t' tlt; r,1:-;:! r c, •, -1w:o:i'i ff,tr 'H -

• •1 J
•o
_' ;;?,~!.~ :0~1~it}2 !LL/'~ - ~t:
:;,,•èù:, ..... • \'Ol~C •
1
5

~.o..no 1l f'Pf. ;lt c.\t i. .h!"IC:ti (J,1 t· h'~ .. ,


,ol"'t {llJ 1~1cto ct 1t t:;1 c:.cl· '·lveumt U.tt,ir~ l-
:i.-c. je '\'t11.. ,•1· 1c 1.L~t,n rauo, ~; GC:~!:t l'. i ,:m.t J
ic 'Vit·~ "'' t .::i.J'(.t' C!1'J r:ün .u.:., • .rlvt: -c::.:ci - "
-~- , ! t \l (>tè, t•r.t lO it.,,1c, J.c3 l'i ti.-·c tl1> ln r ·l .c ,
Kd' J''{T:! ··t ·e NlVOi , 1.·:~tlP .i}U J"OC~)-1.n .·t -

;E~
.._.0,
~"
~·?·~:ii~r'.1~Ett·
:-~:;~ti~t:~~~
1;i:.;t~ t'lta { 1· 1:c1111:ln: ::·oxwo ,,,._·.• ·,nt., ,.~, ti,u:.:ic
...<-:r 1/,:.1.;u Ocr.lt,c-o .,.,e:vt/11.1. ,. ½ût't,}1 Lli'.Jli't'1;~ -
hLct . -;1 b-dt nôl"tcur ,:~nno 1,.-·.,L·v <1r 0~ l-n
r.:., • i. r ;1.;j,w1 (e l ,,1·-Î:JC:Ht 1; .

•l() YOU: " :J ' 1<,1~,•.L

1,t.1;" .ro;:-..,,
0 "l: .....

!
Fig.$4.$Cópia$de$BNP/E3,$1142946,$na$Coleção$Fernando$Távora.!
!
Trata-se! de! uma! carta! em! que! Fernando! Pessoa! assinala,! acima! de! tudo,! a!
sua! autoridade! para! solicitar! o! envio! dos! manuscritos! de! Sá-Carneiro,!
apresentando-se! como! o! executor! literário! do! seu! amigo.! Por! outro! lado,! a! carta!
evidencia! alguma! pressa! na! obtenção! dos! materiais,! que! se! poderia! dever! a! um!
projeto! iminente! de! publicação! dos! textos! de! Sá-Carneiro,! ou! simplesmente! ao!
desejo! de! que! a! situação! não! se! arrastasse,! com! maiores! riscos! de! perda! desses!
materiais.! Não! terá! sido! alheio! a! esta! pressa! o! facto! de,! aparentemente,! Carlos!
Ferreira! estar! nesse! momento! em! Lisboa! e! prestes! a! regressar! a! Paris,! como! se!
depreende! da! carta.! Talvez! fosse! apenas! essa! oportunidade! a! conferir! a!
determinação!a!Pessoa!para!que!assim!procedesse.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 553


Vasconcelos Uma Carta Inédita

A!propósito!do!particular!interesse!demonstrado!por!Fernando!Pessoa!com!
respeito! à! narrativa! “Mundo! Interior”,! lembre-se! que! este! texto! —! ou! o! seu!
extravio! —! o! terá! impressionado! tanto,! que! no! poema! “Se! te! queres! matar”,! de!
Álvaro!de!Campos,!escrito!alegadamente!no!décimo!aniversário!do!suicídio!de!Sá-
Carneiro,!se!lê!a!pergunta!dirigida!a!um!hipotético!destinatário!quasi-suicida:!“De!
que!te!serve!o!teu!mundo'interior'que!desconheces?”!(destaque!meu;!PESSOA,! 2014:!
181).13!Finalmente,! note-se! que! nesta! primeira! carta! de! Pessoa! anuncia-se! uma!
segunda,! que! funcionaria! como! credencial! para! que! Carlos! Ferreira! procedesse! a!
diligências!com!vista!a!resgatar!os!manuscritos.!Essa!carta!subsequente,!a!segunda!
ao! gerente! do! Grand! Hôtel! de! Nice,! integra! hoje! a! Coleção! Fernando! Távora,!
fazendo!parte!do!lote!31.8,!conjuntamente!com!uma!declaração!em!nome!do!avô!de!
Sá-Carneiro!(José!Paulino!de!Sá!Carneiro),!aparentemente!preparada!por!Fernando!
Pessoa.14!
!

!
Fig.$5.$Descrição$do$lote$31.8$no$meta9arquivo$de$Fernando$Távora.!
!
31.8!–!! duas! folhas! dactilografadas;! a! primeira<,! original,! contem>! [↑! contem]!
uma! declaração! do! avô! de! M[ári]o! de! Sá! Carneiro,! datada! de!
21/Set[embro]/1918,! a! favor! de! Carlos! Ferreira;! a! segunda,! timbrada! de!
F.A.! Pessoa,! é! cópia! de! uma! carta! <de! F.P.>! [↓! do! poeta]!dirigida! ao!
gerente! do! Grand! Hotel! de! Nice! e! refere-se! à! celebre! mala! do! Mário!
(datada!de!26/Set./1918).15!
$
Esta! segunda! carta! é! dactilografada! também! a! tinta! azul! numa! folha! da!
companhia!“F.!A.!PESSOA!|!Rua!do!Ouro,!87,!2.o!|!Lisboa”,!como!a!primeira,!que!se!
encontra!na!BNP.!No!verso,!pode!ler-se!a!inscrição!a!lápis!“Lote!31.8”,!pela!mão!de!
Fernando! Távora.! Nela! Fernando! Pessoa! reitera,! essencialmente,! as! ideias!
principais! que! já! eram! indicadas! na! primeira! carta,! a! qual,! apesar! da! sequência!
indicada,!terá!evidentemente!sido!escrita!ao!mesmo!tempo!ou!quase.!!
Apresenta-se! em! seguida! o! fac-símile! desta! segunda! carta! de! Fernando!
Pessoa!ao!gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice,!e!a!sua!transcrição!e!tradução.$
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
13!Veja-se,!a!este!respeito,!VASCONCELOS!(2015).!!
14!Veja-se,!sobre!todo!o!lote!31.8,!PIZARRO!(2017).!
15!Fecham-se!os!parênteses!e!acrescenta-se!ponto!final.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 554


Vasconcelos Uma Carta Inédita

!
!
!

. rt 0 l.tl', '

1 C, .., lo • C te r J. .L' .
O!• ic l' l l

0 1 T'!

i 0 • i ,

C C T l 'c.n
(c .. '. 11 .

~'..,L( - ._ ·t..:...,
,

vo ·o ., l ··
io
C D,

r v,

1t '

( . T c-~ . 0 C r, le n 1 1
-
i

woesi,
0 ·~ 'LS 'ottno oa •nw
VOSS3d 'Y ' .:f

!
Fig.$6.$Original$da$segunda$carta$de$Fernando$Pessoa$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice,$$
na$Coleção$Fernando$Távora$(recto).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 555


Vasconcelos Uma Carta Inédita

!
!
!

!
Fig.$7.$Original$da$segunda$carta$de$Fernando$Pessoa$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice,$$
na$Coleção$Fernando$Távora$(verso);$com$a$inscrição$“Lote$31.8”.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 556


Vasconcelos Uma Carta Inédita

[Transcrição]$
!
Apartado!147,!
Lisbonne,!le!26!septembre!1918.!
!
Monsieur!le!gérant!du!“Grand!Hôtel16!de!Nice”,!!
29,!rue!Victor!Massé,!
Paris.!
Monsieur:!
Comme!suite!à!ma!lettre!d’aujourd’hui,!que!je!viens!de!vous!envoyer!par!la!poste,!
j’en! écris! la! confirmation! par! la! présente,! laquelle! vous! sera! présentée! par! mon! ami,! M.!
Carlos!Ferreira,!dont!il!est!déjà!question!dans!la!lettre!antérieure.!
Il!vous!donnera!tous!les!renseignements!nécessaires,!et!toutes!les!garanties!écrites!
que! vous! voudrez,! afin! que! vous! donniez! votre! autorisation! pour! que17!les! manuscrits!
purement 18 !littéraires! de! feu! M.! Mario! de! Sá-Carneiro! soient! retirés,! pour! vous! être!
renvoyés!si!vous!voulez,!de!la!malle!qui!était!à!lui!et!que!vous!gardée.!!
En! vous! remerciant! d’avance,! je! vous! prie! d’agréer,! Monsieur,! mes! salutations! les!
plus!distinguées.!!
!
[Tradução]$
!
Apartado!147,!
! ! ! ! Lisboa,!26!de!setembro!de!1918.!
!
! ! ! Sr.!Gerente!do!“Grand!Hotel!de!Nice”,!!
! ! ! ! 29,!rue!Victor!Massé,!!
! ! ! ! ! Paris.!!
Ex. !Senhor:!!
mo

Na! sequência! da! minha! carta! de! hoje,! que! acabo! de! enviar-lhe! por! correio,! escrevo! a!
confirmação! pela! presente,! que! lhe! será! apresentada! pelo! meu! amigo,! o! senhor! Carlos!
Ferreira,!já!mencionado!na!carta!anterior.!!
Ele! lhe! dar-lhe-á! todas! as! informações! necessárias! e! quaisquer! garantias! escritas! que!
desejar,!de!modo!a!que!dê!a!sua!autorização!para!que!os!manuscritos!puramente!literários!
do! falecido! Sr.! Mario! de! Sá-Carneiro! sejam! retirados,! e! lhe! sejam! enviados! de! volta,! se!
desejar,!da!mala!que!era!dele!e!o!senhor!guardou.!!
Agradecendo! antecipadamente,! peço-lhe! que! aceite,! caro! Senhor,! os! meus! mais!
distintos!cumprimentos.!
!
!
No! mesmo! lote! 31.8,! encontra-se! ainda! uma! declaração,! igualmente!
dactilografada!a!azul,!aparentemente!preparada!por!Fernando!Pessoa!e!cinco!dias!
antes! das! cartas! ao! Gerente! do! Grand! Hôtel! de! Nice.! Trata-se! de! um! documento!
preparado!para!que!o!avô!de!Sá-Carneiro!assinasse,!de!modo!a!autorizar!o!acesso!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
16!Hotel!]!no'original.!
17!pourque!]!no'original.!
18!purements!]!no'original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 557


Vasconcelos Uma Carta Inédita

de!Carlos!Ferreira!aos!manuscritos!em!Paris.!Recorde-se!que!o!pai!de!Mário!de!Sá-
Carneiro! se! encontrava,! por! esta! ocasião,! em! Moçambique,! não! podendo! com!
facilidade!ser!parte!neste!diálogo,!como!aliás!Fernando!Pessoa!indica!na!primeira!
carta.!!
De! facto,! a! hipótese! de! contactar! o! avô,! no! sentido! de! desbloquear! o!
impasse,!é!mencionada!desde!cedo,!e!sobretudo!por!Carlos!Ferreira,!que!pretendia!
que!José!Araújo!lhe!facultasse!o!acesso!aos!documentos!de!Sá-Carneiro.!Logo!a!28!
de!Abril,!já!o!indica!a!Pessoa:!!
!
[...]!o!avô!que!me!escreva!dizendo!o!destino!que!devo!dar!ás!coisas!d’elle![Mário]!ou!se!quer!
que!as!guarde![até]!nova!ordem.!Portanto!telegraphar!ao!Consul!para!que!este!diga!ao!Sr.!
Araujo,!por!ordem!da!familia,!de!me!entregar!tudo.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!531)!!
!
Na!carta!de!6!de!maio!de!1916,!Ferreira!volta!a!sugerir!a!Pessoa:!!
!
Entendo! que! devias! fallar! já! com! o! avô! para! que! elle! telegrafe! ao! Consul! ou! antes! ao!
proprietario!do!hotel!para!que!este!me!autorise!a!tomar!conta!de!toda!a!papelada;!creio!que!
elle! será! o! primeiro! a! reconhecer! a! importancia! do! facto! e! é! lamentavel! que! o! seu! pae! ahi!
não!esteja.!Portanto!faze!ahi!tudo!quanto!deve!ser!feito!n’este!sentido.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!562-563)!!
!
E!a!20!de!maio,!novamente!expressa!o!mesmo!desejo:!
!
Não! se! pode! tocar! na! mala! do! Mario! sem! que! venha! ordem! da! familia.! Ora! ninguem!
melhor! do! que! tu! o! poderá! conseguir.! Como! vês! trata-se! d’uma! questão! de! escrupulo! e! o!
Avô!com!uma!penada!pode!resolver!o!problema.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!567)!!
!
A!questão,!contudo,!não!se!resumia!apenas!à!expressão!da!vontade!do!avô,!
convém! lembrar;! era! também! uma! questão! de! pagamento,! evidentemente.!
Também! José! Araújo,! na! sua! carta! de! 18/12/1916,! expressa! alguma! esperança! de!
que! “talvez! se! possa! arranjar! alguma! coisa! com! o! avô”! (SÁ-CARNEIRO,! 2017:! 571),!
neste! caso! aludindo! ao! seu! desejo! de! ser! reembolsado! pelas! despesas! em! que!
entretanto!incorrera!—!despesas!estas!não!relacionadas!com!a!dívida!ao!hotel,!mas!
com!o!próprio!funeral.!!
Não! surpreende,! por! isso,! a! existência! deste! documento! hoje! na! Coleção!
Fernando! Távora,! que! aqui! se! revela,! já! que! Ferreira! em! particular! sempre!
reconhecera! no! avô! de! Sá-Carneiro! a! hipótese! mais! óbvia! para! a! resolução! do!
problema.!Quanto!ao!papel!de!patriarca!da!família!Sá-Carneiro!ocupado!por!José!
Paulino,! basta! lembrar! a! forma! como! Mário! de! Sá-Carneiro! se! lhe! referia! com!
particular!respeito,!na!correspondência!com!Pessoa,!ou!o!cuidado!e!o!carinho!que!
lhe! tinha! e! que! se! demonstra! na! correspondência! que! lhe! enviou! diretamente,!
(apresentada!neste!número!especial!da!Pessoa'Plural;!vd.!VASCONCELOS! 2017).!José!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 558


Vasconcelos Uma Carta Inédita

Paulino!acabou!por!exercer!esse!papel!de!patriarca!também!ao!enviar!a!seu!filho,!
Carlos!—!o!pai!de!Mário!de!Sá-Carneiro!–,!um!telegrama!com!a!indicação!de!que!
escritor! morrera,! apenas! com! o! texto! “Mario! suicide! Paris! |! José! Paulino”! (DIAS,!
1988:! 215).! Como! é! evidente,! competia-lhe! a! ele! mais! diretamente! a!
responsabilidade!pela!família,!a!começar!pelas!más!notícias.!
!
!

••

J e ' sou ss i e-né, G and --p ~r e de , ·ons i eur' HAru:o


• IX SA 0/.IUIIRO , déc é é à '.!.
'~~ i•s le 86 (1.vril H tt
;
à l •hôtei 29 , rue 'Tl t r :-~uss &, dé c l cr e pa:i; co
moyen ,-ut orise ; !Ions ~t1r C,.fl.P
J.0 S FI.. r-Œ;IJ! J?ien-
<ire q11el q_ues doclUllen~s d ' i t~'portun ce r3eu l eme11
t
l i t_té r_i:ür e se .t romr& t il:i.r:is 11ne r~!l.ll e g;.,rd 6e p ar
l e :,rol)r U t\; ire d1> d t h ôte l ,
~~it à Li sbo~e
.
l e 21 ~ept embre 1918 .

!
!

! ..
l' r
''
''
1 -

!
Fig.$8$e$9.$Declaração$em$nome$do$avô$de$Mário$de$Sá9Carneiro$(não$assinada),$aparentemente$preparada$
por$Fernando$Pessoa;$com$a$inscrição$“Lote$31.8”.$Coleção$Fernando$Távora.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 559


Vasconcelos Uma Carta Inédita

[Transcrição]$
!
Je! soussigné,! grand-père! de! Monsieur! MARIO! DE! SA! CARNEIRO,! décédé! à! Paris! le! 26!
avril!1916,!à!l’hôtel!29,!rue!Victor!Massé,!déclare!par!ce!moyen!autoriser!Monsieur!CARLOS!
FERREIRA! à! prendre! quelques! documents! d’importance! seulement! littéraire! se! trouvant!
dans!une!malle!gardée!par!le!propriétaire!du!dit!hôtel.!
! Fait!à!Lisbonne!le!21!septembre!1918.!
!
[Tradução]$
!
Eu,! abaixo-assinado,! avô! do! senhor! MARIO! DE! SA! CARNEIRO,! morto! em! Paris! a! 26! de!
abril!de!1916,!no!hotel!sito!na!rue!Victor!Massé,!29,!declaro!por!este!meio!que!autorizo!o!Sr.!
CARLOS! FERREIRA! a! levantar! alguns! documentos! de! importância! estritamente! literária!
que!se!encontram!numa!mala19!guardada!pelo!proprietário!do!referido!hotel.!
Feito!em!Lisboa!a!21!de!setembro!de!1918.!
!
!
Não! há,! evidentemente,! qualquer! garantia! de! que! cópias! destas! cartas!
tenham! partido! para! Paris,! embora! se! aceite! facilmente! que! tal! tenha! acontecido.!
De! igual! modo,! não! é! possível! saber! se! o! avô! de! Sá-Carneiro! terá! visto! esta!
declaração,!se!a!terá!assinado,!se!a!mesma!terá!sido!usada!por!Ferreira!—!e!nesse!
caso,! se! mesma! teria! sido! aceite! ou! recusada! pelo! Gerente! do! Hôtel! de! Paris.! Em!
todo! o! caso,! estes! documentos! saídos! da! Coleção! Fernando! Távora! são! antes! de!
mais! uma! evidência! do! fascínio! do! colecionador! com! o! destino! de! Mário! de! Sá-
Carneiro! e! da! sua! obra.! Ao! mesmo! tempo,! são! os! elementos! mais! recentes! a!
contribuírem! para! a! compreensão! daquele! que! é! provavelmente! o! enigma! maior!
do! modernismo! português,! um! mistério! que! pode,! ou! não,! vir! um! dia! a! ter!
resolução.!
!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!Note-se,!no!original,!“malle”,!que!se!traduziria!hoje!comummente!por!baú.!É!de!supor!que!fosse!
19

deste!tipo!a!famosa!mala!de!viagem!de!Mário!de!Sá-Carneiro,!considerando!a!classe!alta!do!escritor.!
Traduz-se! aqui! por! “mala”,! já! que! é! este! o! termo! português! usado! por! todos! os! interlocutores!
diretos,!à!época,!para!se!lhe!referir.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 560


Vasconcelos Uma Carta Inédita

Bibliografia$
!
DIAS,!Marina!Tavares!(1988).!Mário'de'SáECarneiro'—'Fotobiografia.!Lisboa:!Quimera.!
PESSOA,!Fernando!(2014).!Obra'Completa'de'Álvaro'de'Campos.'Edição!de!Jerónimo!Pizarro!e!Antonio!
Cardiello;!colaboração!de!Jorge!Uribe!e!Filipa!de!Freitas.!Lisboa:!Tinta-da-china.!!
PIZARRO,! Jerónimo! (2017).! “Poemas! e! Documentos! Inéditos:! O! Lote! 31! e! a! Colecção! Fernando!
Távora”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!333-456.!
SÁ-CARNEIRO,! Mário! de! (2017).! Poesia' Completa.! Edição! crítica! de! Ricardo! Vasconcelos.! Lisboa:!
Tinta-da-china.!
_____! (2015).! Em' Ouro' e' Alma' –' Correspondência' com' Fernando' Pessoa.! Edição! crítica! de! Ricardo!
Vasconcelos!e!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!Tinta-da-china.!
VASCONCELOS,! Ricardo! (2017).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de!
Mário!de!Sá-Carneiro!ao!seu!Avô”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!
12,!Outono,!pp.!562-595.!
_____! (2015).! “‘Se! te! queres! matar’! and! ‘Distante! melodia’! in! English:! Jennings! translates! Sá-
Carneiro”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!8,!Outono,!pp.!310-326.!!
VIZCAÍNO,! Fernanda! (2017).! “O! Meta-arquivo! da! Colecção! Fernando! Távora”,! in! Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!18-81.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 561


Porque'é'que'não'escreve'Cartas?'
!Correspondência!inédita!de!!
Mário!de!Sá3Carneiro!com!o!seu!Avô!
!
Ricardo Vasconcelos*
!
Palavras1chave'
!
Cartas! de! Mário! de! Sá3Carneiro,! José! Paulino! de! Sá! Carneiro,! Coleção! Fernando! Távora,!
João!Pinto!de!Figueiredo.'
'
Resumo'
!
A!correspondência!conhecida!entre!Mário!de!Sá3Carneiro!e!o!seu!avô!paterno,!José!Paulino!
de! Sá! Carneiro,! está! dispersa! em! diferentes! núcleos,! um! dos! quais! na! coleção! Fernando!
Távora,! onde! chegou! em! dois! lotes! diferentes.! Apresenta3se! neste! contributo! toda! a!
correspondência! do! escritor! ao! seu! avô! que! integra! a! Coleção! Fernando! Távora,! na! sua!
maioria!inédita.!Trata3se!de!um!conjunto!de!vinte!e!um!postais!e!cartas!escritos!entre!13!de!
agosto! de! 1904! e! 31! de! dezembro! de! 1915,! aqui! reproduzidos! em! fac3símile! e! transcritos!
criticamente.!!
!
Keywords'
!
Mário! de! Sá3Carneiro’s! letters,! José! Paulino! de! Sá! Carneiro,! Fernando! Távora! Collection,!
João!Pinto!de!Figueiredo.'
!
Abstract'
!
Mário! de! Sá3Carneiro’s! correspondence! with! his! paternal! grandfather,! José! Paulino! de! Sá!
Carneiro,!is!dispersed!in!different!clusters,!one!of!which!in!the!Fernando!Távora!Collection,!
where!it!arrived!in!two!different!lots.!This!study!presents!all!the!correspondence!from!the!
writer! to! his! grandfather! that! is! today! in! the! Fernando! Távora! Collection,! most! of! which!
never! published! before.! These! are! twenty3one! letters! and! postcards! written! between! 13!
August!1904!and!31!December!1915,!here!presented!in!their!fac3similes!and!transcribed!in!a!
critical!format.!!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!
Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

É! sabido! que! Mário! de! Sá3Carneiro! foi! um! escritor! de! cartas! quase! compulsivo.!
Não! será! ir! muito! longe! sugerir! que! a! sua! vida! foi! vivida! sobretudo! nas! suas!
palavras,!sejam!as!que!consubstanciam!a!sua!literatura,!sejam!aquelas!que!dedicou!
à! epistolografia,! capazes! de! apresentar! desde! uma! intensa! melancolia! a! um! forte!
sentido! de! humor! —! e! em! qualquer! dos! casos! assentando! numa! expressividade!
linguística!que!é!única.!A!correspondência!de!Mário!de!Sá3Carneiro!com!Fernando!
Pessoa,!a!mais!conhecida!de!todo!o!público,!ocupou!um!papel!central!na!sua!vida,!
pela! relação! intelectual! e! de! amizade! entre! ambos! os! escritores,! que! contribuiu!
decisivamente!para!o!fomento!do!movimento!modernista!português.!Mais!do!que!
apenas! refletir! a! dinâmica! que! se! desenvolvia,! na! sua! ambiguidade! com! as!
vanguardas!estéticas,!esse!diálogo!foi!mesmo!o!estímulo!para!que!a!criatividade!e!a!
dicção!modernista!tivesse!lugar!no!contexto!português,!e!converteu3se!no!impulso!
de! experiências! literárias! que! continuam! a! modificar! a! percepção! que! temos! da!
própria!língua!portuguesa.!
A! respeito! da! dedicação! de! Mário! de! Sá3Carneiro! à! escrita! de! cartas,!
Arnaldo!Saraiva!assinalou!já,!por!exemplo,!que!este!escritor,!em!cerca!de!três!anos!
e!meio,!escreveu!a!Pessoa:!!
!
[...]! uma! média! de! 5! [cartas]! por! mês.! Se! nos! recordarmos! que! durante! esse! período! ele!
passou! quase! dois! anos! em! Lisboa,! onde! chegou! a! encontrar3se! diariamente! com! Pessoa,!
não! teremos! dúvidas! em! considerar! que! se! trata! de! um! ‘caso’! raro! da! literatura! epistolar!
universal.!!
(SÁ3CARNEIRO,!1980:!8)!
!
Ao! mesmo! tempo,! este! caso! raro! da! literatura! epistolar! correspondeu3se! com!
muitíssimos!outros!amigos,!incluindo!colegas!das!letras!e!das!artes;!desde!aqueles!
companheiros! de! escola! que! primeiro! o! acompanharam,! como! Rogerio! Garcia!
Perez,! ou! Gilberto! Rola! Pereira! do! Nascimento,! àqueles! que! ocuparam! um! lugar!
central! já! durante! o! período! de! preparação! e! fruição! de! Orpheu,! como! Armando!
Côrtes3Rodrigues! (cf.! BARROS,! 2014),! Luís! de! Montalvor,! ou! José! Pacheco,! por!
exemplo! (cf.! SÁ3CARNEIRO,! 1977).! E! Sá3Carneiro! manteve! ainda! correspondência!
com!vários!amigos!do!meio!literário!que!foram!transitando!da!sua!juventude!para!
o!contexto!de!Orpheu,!ainda!que!sempre!ocupassem!lugares!algo!periféricos!a!esse!
espaço.!São!os!casos,!por!exemplo,!de!António!Ferro!ou!de!Augusto!Cunha!–!deste!
último!tendo3se!conhecido!as!cartas!que!recebeu!de!Mário!de!Sá3Carneiro!apenas!
muito!recentemente!(VASCONCELOS,!2017).a!!
Como!qualquer!leitor!da!correspondência!de!Sá3Carneiro!mais!amplamente!
divulgada! saberá,! o! autor! trocou,! também,! vasto! diálogo! epistolar! com! a! sua!
família,!de!quem!sempre!se!manteve!muito!próximo.!Foram!já!publicadas!cartas!a!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
a!Para! uma! lista! minuciosa! da! correspondência! mantida! por! Sá3Carneiro,! veja3se! TORIELLO! (1987),!
sobretudo!as!páginas!643105.!Preparada!há!trinta!anos,!naturalmente!esta!lista!já!não!está!completa,!
mas!é!ainda!assim!um!excelente!roteiro!para!conhecer!a!vastidão!da!epistolografia!de!Sá3Carneiro.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 563


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

0-$,-!"-$)#&#!)%!21!"-$(%,$#!^!%&'#&-!)#!'-,!)%!01$,#!^!%!54!(E+<%#!)%!+-$/-&!
-!"-$<#&!65A5&/#!)%!213"-$(%,$#!X2f3"6g\Whgi9!IKKnZB!0-&!&-G%3&%!F5%!#!(E4%$#!
)%! +-$/-&! F5%! 213"-$(%,$#! /%$1! /$#+-)#! +#4! #! &%5! '-,! %! +#4! #! &%5! -78! /%$1! &,)#!
+#(&,)%$-7%<4%(/%!4-,&!-4'<#B!6!+#$$%&'#()*(+,-!)%!213"-$(%,$#!+#4!#!&%5!-789!
%&'%+,D,+-4%(/%9! D#,! ,(7%(/-$,-)-! +#4! A$-()%! %_-5&/,7,)-)%! '#$! ?%$(-()-!
@ighWddi! XIKjoa! rM3ILOZ9! 4-&! +#(/,(5-! (-! &5-! 4-,#$,-! ,(.),/-B! \-! #+-&,>#9! -!
,(7%&/,A-)#$-!+#(&%A5,5!,)%(/,D,+-$!/$*&!(E+<%#&!'$,(+,'-,&!)%!+#$$%&'#()*(+,-!)%!
01$,#!+#4!:#&.!;-5<,(#!)%!21!"-$(%,$#9!(#4%-)-4%(/%!#&!)#&!+#<%+,#(-)#$%&!:#>#!
;,(/#!)%!?,A5%,$%)#!XC#H%!(-!m,G<,#/%+-!\-+,#(-<!)%!;#$/5A-<Z9!:#>#!;%)$#!;,(/#!)%!
2#5&-!XC#H%!(#5/$-&!4>#&Z9!%!'$%+,&-4%(/%!?%$(-()#!@17#$-BG!!
\-! 7%$)-)%9! +#4#! <%,/#$! -/%(/#! )%! 01$,#! )%! 213"-$(%,$#! %! +#<%+,#(-)#$!
17,)#!)#&!&%5&!4-(5&+$,/#&9!?%$(-()#!@17#$-!$%5(,5!54!+#(H5(/#!&5G&/-(+,-<!)%!
7,(/%!%!54-!+-$/-&!%!'#&/-,&!)%!01$,#!)%!213"-$(%,$#!'-$-!#!&%5!-78!'-/%$(#9!:#&.!
;-5<,(#!)%!21!"-$(%,$#!X:E(,#$ZB!\-&+,)#!(#!;#$/#9!D,<C#!)#!l%(%$-<!:#&.!;-5<,(#!)%!
21! "-$(%,$#9! #! -78! )%! 01$,#9! /-4G.4! :#&.! ;-5<,(#9! -+-G-$,-! '#$! &%A5,$! 54-!
+-$$%,$-! 'EG<,+-9! 7,()#! -! -&&54,$! 54-! '#&,=>#! %<%7-)-! (-! C,%$-$F5,-! %&/-/-<9!
(#4%-)-4%(/%! -! )%! h(&'%/#$! l%$-<! )-&! 6<D`()%A-&B! "#4#! -<,1&! &%! '%$+%G%! %4!
),D%$%(/%&!4%(=s%&!-!%<%!D%,/-&!'%<#!&%5!(%/#!(-!+#$$%&'#()*(+,-!+#4!;%&&#-9!'#$!
%_%4'<#9! #! -78! )%! 01$,#! D#,! 54-! D,A5$-! +5H-! /5/%<-! ^! %! -/.! #! -</#! $%<%7#!
'$#D,&&,#(-<9!+#4!+#(&%F5%(/%!$-N#17%<!%&/-/5/#!&Y+,#3%+#(Y4,+#!^!<%7-$-4!-!F5%!
D#&&%!4-$+-(/%!(-!7,)-!)#!%&+$,/#$B!
2%! -! +#$$%&'#()*(+,-! -#! -78! +#(C%+,)-! %&/-7-! ^! %! +#(/,(5-! -! %&/-$! ^!
),&'%$&-9!4%&4#!-F5%<-!F5%!@17#$-!+#<%+,#(#5!/-4G.4!#!%$-9!-(/%&!)%!<C%!+C%A-$!
]&! 4>#&B! 6! '-$/,$! )#! %&/5)#! )#! 4%/-3-$F5,7#! )%! ?%$(-()#! @17#$-9! 7%4#&! F5%! #!
+#<%+,#(-)#$! $%5(,5! 4-/%$,-,&! F5%! -#! <#(A#! )%! ).+-)-&! &%! /,(C-4! ),&'%$&-)#9! H1!
F5%!+#4'$#5!%&/-!+#$$%&'#()*(+,-!-#!<,7$%,$#!0-(5%<!?%$$%,$-9!(#!;#$/#9!%4!)#,&!
+#(H5(/#&!),D%$%(/%&9!-!F5%!-/$,G5,5!-&!)%&,A(-=s%&!)%!<#/%!Jo!%!<#/%!MLB!!
q-<%!-!'%(-!<%$!-&!(#/-&!,(&+$,/-&!(#!&%5!4%/-3-$F5,7#9!-+%$+-!)#&!)#,&!<#/%&!
X?,AB! IZB! [! %&/-! -! -'$%&%(/-=>#! )#&! )#+54%(/#&! (#! <#/%! Jo9! F5%! ?%$(-()#! @17#$-!
&-G,-!&%$%4!,(.),/#&a!!
!
d#/%! Jtruvow
Jtruvow! p!"#4'$-)#!%4!:5<C#!)%!IKoo!-!0-(5%<!?%$$%,$-9!;#$/#9!'#$!%&+B!IOBLLLxLLB!"#4#!
-&! 4-&&-&! (>#! 4%! &#G$-4! )%,! %4! /$#+-! 54! %_%4'<-$! )#! yM! p! z5-)$-)#! 6N5<! X)%! 6<4-)-!
\%A$%,$#&Z! -! F5%! -/$,G5P! #! 7-<#$! )%! %&+B! OBLLLxLL! XC-7,-! +5&/-)#! JBLLLxLL! %4! InvMvon9! d,7$-$,-!
6+-).4,+-Z! %! 54! %_%4'<-$! )-! T,&'%$&>#! X01$,#! )%! 213"-$(%,$#Z! -! F5%! -/$,G5P! #! 7-<#$! )%! %&+B!
ILBLLLxLL! XC-7,-! +5&/-)#! IBnOLxLL! %4! Ovro9! 0b-(5c%<! ?%$$%,$-ZB! 64G#&! #&! %_%4'<-$%&! %4! G#4!
%&/-)#!%!-4G#&!)5'<,+-)#&k!D,F5%,!+#4!%_%4'<-$%&!+#4!)%),+-/Y$,-&B
W&/%!<#/%!.!+#4'#&/#!'#$a
Jo3I!p!!tm,<C%/%!'#&/-<u!b!!"-$/-c!)%!0b1$,#c!213"-$(%,$#!),$,A,)-!-#!678!! XItjuvJwvjvIKLMZ

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
G!W_+%=>#!D%,/-!-!54-!+-$/-9!)%!J!)%!-A#&/#!)%!IKLM9!F5%!]!.'#+-!%&/-$,-!(-!'#&&%!)#!<,7$%,$#!0-(5%<!
?%$$%,$-B! \-! #+-&,>#9! ?%$(-()-! @#$,%<<#! &5'5(C-! F5%! %&/-! &%$,-! -! '$,4%,$-! +-$/-! )-! 7,-A%4! )%! 213
"-$(%,$#!+#4!&%5!'-,!'%<-!W5$#'-k!+#(/5)#!C#H%!&-G%4#&!F5%!-!'$,4%,$-!+-$/-!)%&&%!'%$P#)#!.!'%<#!
4%(#&!)%!nr!)%!H5<C#!)%!IKLMB!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 564


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
3732!–!!Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(16/8/1904)
3733!–!!Carta!–!id[em]!–!id[em]! –!(3/11/1911)
3734!–!!Carta!–!id[em]!–!id[em]!! –!(2/5/1915)
3735!–!!Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(26/8/1915)
3736!–!Numero! 1!(e!único)!de!“O!Chinó„,!jornal!académico!dirigido!por!M[ário]!de!Sá3Carneiro,!
de!6/12/1904c
3737!–!!“Programa!da!Festa!de!Caridade...„,!na!noite!de!15/5/1907
!

!
Fig.'1.'Descrição'do'lote'37'no'meta1arquivo'de'Fernando'Távora'(pormenor).'
!
A!descrição!da!aquisição!do!Lote!40!é!também!particularmente!interessante,!
por! evidenciar! não! só! o! fascínio! de! Fernando! Távora! com! os! manuscritos! de! Sá3
Carneiro,! mas! também! o! humor! que! empregava! para! lidar! com! a! sua! própria!
atividade! de! colecionador,! no! que! ela! poderia! ter! de! mais! compulsiva! (Fig.! 2).! A!
lucidez! humorada! da! descrição! do! seu! próprio! comportamento! assinala! a!
consciência! dos! valores! em! causa,! que! no! fim! de! contas! acabavam! por! ser!
relativizados,!como!se!vê!adiante:!!
!
Lote!40!–!Hoje,!14!de!Agosto!de!1981,!batalha!de!Aljubarrota,!estando!eu!pacificamente!no!
meu!atelier!a!trabalhar!na!memória!descritiva!do!Plano!Geral!de!Guimarães,!<†>!telefonou3
me! o! M[anu]el! Ferreira! comunicando! ter! “um! pequeno! e! belo! lote„! de! cartas! e! postais! do!
Sá3Carneiro!e!pedindo3me!para!passar!pelo!armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!
com! o! lote! comprado! sem! o! vêr! e! sem! saber! quanto! custava.! Em! resumo! –! a! força! do!
destino.! Fiz! de! conta! que! vi! o! lote,! fiz! de! conta! que! perguntei! o! preço,! fiz! de! conta! que!
discuti!o!valor!–!mas!de!antemão!já!tudo!estava!resolvido!e!pago!porque,!por!acaso,!tinha!
dinheiro.!(Se!o!não!tivesse!havia!de!o!arranjar!–!estava!escrito.).!Custou!este!fado!a!módica!
quantia! (e! talvez! assim! seja)! de! esc.! 40.000$00! ou! seja! 4.000$00! dos! que! conheci! há! anos!
quando!a!moeda!de!1!escudo!era!igual!à!de!10!centavos!de!hoje.!Assim,!o!lote!compreende!
!!

40.1!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Vesuvio!–!30/8/1904!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
c!Sobre!O'Chinó,!veja3se!SÁ3CARNEIRO!(2017:!5103513!e!6703671).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 565


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
40.2!! carta!――!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Napoles!–!31/8/1904!(com!envelope)!
40.3!! carta!――!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!<Camarate>!–!Camarate!!–!11/9/1904!!
(c[om]!envelope)!
40.4!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!27/1/1913!–!
40.5!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!17/2/1913!–!
40.6!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!20/5/1913!–!
40.7!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!29/5/1913!–!
40.8!! carta!――!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Lisboa!–!22/5/1914!(s/.!envelope)!
40.9!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!15/6/1914!!
40.10!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!28/6/1914!
40.11!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!24/7/1914!
40.12!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!6/8/1914!
40.13!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!21/12/1915!
40.14!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Paris!–!31/12/1915!
40.15!! carta!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Barcelona!–!6/9/1914!(com!envelope)!
40.16!! ! Ä! Ä! Ä! Ä! –!Barcelona!–!7/9/1914!
(com!envelope)!
!

...!e!digo!que!a!quantia!talvez!seja!módica!porque!já!se!vendem!postais!antigos!do!Porto!por!
esc.!1.000$00...!e!mais!!!Quanto!vale,!assim,!o!mais!simples!de!postal!onde!Sá3Carneiro!pôs!
as!suas!mãos!e!a!sua!paixão?!
!

!
Fig.'2.'Descrição'do'lote'40'no'meta1arquivo'de'Fernando'Távora.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 566


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Diga3se! ainda! que,! numa! folha! de! anotações! (Fig.! 3),! Fernando! Távora!
assinala! as! autorizações! dadas! especificamente! à! Professora! Fernanda! Toriello,!
evidenciando!uma!vez!mais!o!seu!próprio!rigor:!!
!
Autorizada!a!publicação!do!!
bilhete!postal!de!30/8/1904!!
e!a!carta!de!1/9/1904!pela!!
professora!Fernanda!Toriello!!
(12!de!Nov[embro]!de!1986!—!F[ernando]!T[avora].)!
!
Dos!restantes!cartas!e!postais!!
foi!autorizada!a!referência!pela!!
mesma!Professora!!
!
Foi,!igualmente,!autorizada!a!!
fotocópia![↑!de!carta!e]!de!envelope!de!1/9/1904!
(26.12.86!—!F[ernando]!T[avora].)!
!
!
!
Fig.'3.'Autorizações'relativas'aos'lotes'37'e'40.'
!
!
!Não!foram!estas,!em!todo!o!caso,!as!únicas!autorizações!dadas!por!Távora,!
já!que!na!Fotobiografia!de!Mário!de!Sá3Carneiro!(DIAS,!1988),!anos!mais!tarde,!são!
reproduzidos!três!documentos!da!coleção,!como!adiante!se!explica.!!
Ainda! quanto! à! lista! de! correspondência! de! Mário! de! Sá3Carneiro! a! José!
Paulino! de! Sá! Carneiro! na! Coleção! Fernando! Távora,! percebe3se,! portanto,! que!
ambos! os! lotes! adquiridos! pelo! arquiteto! Távora! contemplam! diferentes! períodos!
da! vida! de! Mário! de! Sá3Carneiro,! incluindo! correspondência! enviada! durante! a!
viagem!pela!Europa!que!o!escritor!efetuou!com!o!seu!pai,!em!1904,!quando!tinha!
catorze! anos,! uma! carta! do! seu! período! de! estudante! em! Coimbra! (de! 3! de!
Novembro! de! 1911),! e! cartas! da! sua! fase! adulta,! enviadas! de! Paris,! Barcelona! e!
Lisboa.!!
!Da!leitura!do!inventário!da!correspondência!de!Mário!de!Sá3Carneiro!ao!seu!
avô,!por!Fernanda!Toriello,!resulta!aliás!evidente!que!esta!distribuição!não!é!caso!
único,!já!que!também!o!núcleo!de!João!Pinto!de!Figueiredo!(hoje!na!BNP)!integra!
documentos! de! fases! diferentes,! incluindo! correspondência! da! longa! viagem! pela!
Europa!que!Mário!de!Sá3Carneiro!efetuou!com!o!seu!pai.!E!o!núcleo!então!descrito!
por!Toriello!como!pertencente!a!João!Pedro!Pinto!de!Sousa!—!hoje!noutras!mãos!—!
contemplava,!de!igual!modo,!correspondência!de!diferentes!anos.!!
!Note3se!que!a!dispersão!da!correspondência!em!causa!terá!mesmo!sido!uma!
das! razões! pelas! quais! ela! não! foi! ainda! publicada! de! forma! mais! completa.! Das!
várias!dezenas!de!missivas,!até!hoje!foram!publicados!por!João!Pinto!de!Figueiredo!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 567


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

o!postal!de!27/09/1901,!enviado!da!Póvoa!do!Varzim;!a!carta!de!24/08/1904,!enviada!
de! Roma;! o! postal! de! 31/12/1912,! enviado! de! Paris;! e! o! postal! de! 14/07/1915,!
enviado!de!San!Sebastián!(cf.!FIGUEIREDO,!1983:!50,!2333235,!e!secção!de!fac3símiles,!
não! numerada).! Por! sua! vez,! Fernanda! Toriello! publicou,! do! lote! de! João! Pedro!
Pinto! de! Sousa,! o! postal! de! 01/05/1913,! enviado! de! Paris;! a! carta! de! 29/07/1914,!
enviada! também! de! Paris;! e! o! postal! de! 31/12/1914,! enviado! de! Lisboa! (cf.!
TORIELLO,! 1987:! 1523153,! 1603162! e! 164).! Quanto! ao! núcleo! de! Fernando! Távora,!
este!permanece!essencialmente!inédito,!já!que,!para!além!de!pontuais!descrições!de!
alguma! correspondência,! por! Toriello,! das! vinte! e! uma! cartas! e! postais! apenas!
terão!sido!reproduzidos!os!rostos!de!dois!postais,!de!16/08/1904!e!de!30/08/1904,!e!o!
rosto!do!envelope!associado!à!carta!de!06/09/1914,!na!Fotobiografia!de!Mário!de!Sá3
Carneiro! (DIAS,! 1988:! 64,! 67,! 157).! E! acrescente3se! que! neste! mesmo! volume!
publicam3se! ainda,! de! outra! proveniência,! um! retrato! de! Mário! tirado! em!
Tourville,! e! enviado! ao! seu! avô,! a! 11/08/1914,! e! uma! carta3sobrescrito! do! Café! Le!
Cardinal,!de!05/11/1915!(DIAS,!1988:!65!e!189).!
Assim! sendo,! esta! apresentação! visa! não! escamotear! a! dispersão! da!
correspondência!de!Mário!a!José!Paulino!de!Sá!Carneiro.!Nesse!sentido,!opta!por!
focar3se! clara! e! especificamente! no! núcleo! que! pertencia! a! Fernando! Távora,! no!
contexto!do!número!especial!que!a!revista!Pessoa'Plural'organiza.!
!Quanto! ao! seu! conteúdo,! já! se! disse! que! a! mesma! apresenta! obviamente!
uma! dimensão! familiar;! contudo,! há! aspectos! interessantes! que! vão! muito! além!
dela.! Desde! logo,! esta! correspondência! ajuda! ainda! a! compreender! em! mais!
detalhe!a!movimentação!de!Mário!de!Sá3Carneiro!e!da!sua!família,!desde!a!viagem!
europeia! de! 1904,! onde! encontra! múltiplos! fascínios,! até! às! datas! das! de! outras!
viagens,! bem! assim! como! à! chegada! de! Carlos! Augusto! de! Sá! Carneiro! à! Cidade!
do! Cabo,! em! trânsito! para! a! então! Lourenço! Marques.! Por! outro! lado,! assistimos!
em! primeira! mão! ao! afeto! que! Mário! de! Sá3Carneiro! devota! a! toda! a! sua! família,!
incluindo!os!dois!tios,!mais!jovens!que!ele,!Rui!e!Vasco!—!filhos!de!José!Paulino!de!
Sá!Carneiro!e!irmãos!muito!jovens!de!Carlos!Augusto!de!Sá!Carneiro.!!
!Em!Coimbra,!podemos!pressentir!o!mesmo!tom!de!bastante!indiferença,!ou!
talvez!até!de!tédio,!em!relação!à!vida!universitária!e!à!vida!na!cidade,!que!noutro!
lugar! levou! Mário! a! chamar3lhe! Lusa7Chatice' (SÁ3CARNEIRO,! 1977:! 41).! E! nessa!
mesma! cidade! de! Coimbra,! vemo3lo! reiterar! o! seu! grande! interesse! no! teatro! (já!
conhecido)!e!o!menor!interesse!no!animatógrafo.!
!Quanto! às! movimentações! da! sociedade! francesa,! é! de! notar! o! destaque!
dado! por! Mário! de! Sá3Carneiro! à! atenção! pública! recebida! pelo! caso! Caillaux! —!
em! que! Henriette! Caillaux,! a! segunda! mulher! do! Primeiro3Ministro! Joseph!
Caillaux,! assassina! a! tiro! o! diretor! do! Le' Figaro,! por! motivações! políticas,! nas!
vésperas! de! deflagrar! a! I! Guerra! Mundial! —,! caso! este! que! ia! distraindo! até! os!
franceses!do!conflito!que!estava!para!vir.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 568


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!A! respeito! do! postal! de! 28! de! Junho! de! 1914,! é! interessante! notar! a!
observação!de!Mário!de!Sá3Carneiro,!segundo!a!qual!“Vai!um!soneto!pelo!mesmo!
correio”.! Referindo3se! seguramente! ao! soneto! “Apoteose”! (cf.! nota! junto! da!
transcrição),! o! pedido! demonstra! que! a! conversa! com! o! seu! avô! é! menos! de!
circunstância! do! que! até! aí! parece,! na! idade! adulta.! Isto! porque! aquilo! que! nos!
habituámos! a! conhecer! no! diálogo! com! Pessoa! —! os! constantes! pedidos! de!
comentários! em! relação! à! sua! obra! literária! —! eram! endereçados! também! a! um!
membro!da!família.!Tal!demonstra,!aliás,!uma!confiança!profunda!no!interlocutor,!
considerando! que! não! se! tratava! necessariamente! de! obra! acabada! —! ou! pelo!
menos! a! carta! assim! sugere.! Esta! passagem! demonstra! também! que! Sá3Carneiro!
envia! o! poema! no! própria! dia! em! que! o! terá! datado! para! a! posteridade.! A! este!
respeito,!ressalte3se!a!existência!(pelo!menos!no!passado)!de!mais!um!testemunho!
de! “Apoteose”! além! daqueles! três! que! se! conhecia! até! aqui! (cópia! para! Pessoa,!
caderno! de! Indícios' de' Oiro,! e! Orpheu;! cf.! SÁ3CARNEIRO,! 2017:! 600).! E! ainda! a!
propósito!da!relação!do!avô!com!a!vida!literária,!vemos!que!Sá3Carneiro!quereria,!
por! motivos! a! que! não! seriam! totalmente! alheias! as! questões! financeiras,! ir!
apresentando!quer!trabalho,!quer!o!seu!reconhecimento!em!relação!ao!apoio!que!o!
avô!lhe!oferecia,!inclusive!financeiro.!Por!isso,!não!surpreende!na!sua!carta!de!2!de!
Maio!de!1915!que!diga!enviar!ao!avô!o!primeiro!exemplar!de!Céu'em'Fogo!livro!—!
publicado!pela!Livraria!Brazileira!de!Monteiro!&!C.ia!(Rua!Áurea,!1903192!Lisboa),!
em!Abril!de!1915,!e!vendido!por!“70!centavos”.!
Em! contrapartida,! quanto! à! atenção! votada! aos! interlocutores,! vemos! que!
Sá3Carneiro!chega!a!avisar!Pessoa!do!seu!regresso!a!Paris,!e!da!sua!permanência!no!
mesmo! hotel! em! que! já! vivera,! mais! cedo! do! que! avisa! o! avô:! cerca! de! uma!
semana,!o!que!demonstra!bem!as!prioridades!quanto!aos!diálogos!a!manter!(cf.!a!
carta!de!15!de!Junho!de!1914,!e!SÁ3CARNEIRO,!2015:!207).!
!Finalmente,!diga3se!que!esta!correspondência!apresenta!duas!características!
inesperadas,! a! nível! ortográfico.! A! primeira! delas! é! o! facto! de! se! encontrar! a!
assinatura!Mário'grafada!aparentemente!com!um!acento!em!algumas!das!cartas!—!
algo!absolutamente!invulgar!no!escritor,!e!mesmo!assim!minoritário!neste!lote!de!
cartas.! A! segunda! característica,! talvez! menos! inesperada,! é! o! facto! de! Mário!
aplicar!a!sua!opção!de!grafar!os!seus!dois!apelidos!com!um!hífen!também!ao!avô:!a!
alteração! não! era,! por! conseguinte,! apenas! um! efeito! visado! para! um! nome!
literário,!mas!afinal!uma!mudança!que!propunha!para!todo!o!clã.!
!Não! faltam,! por! isso,! razões! para! que! se! conheça! esta! correspondência.!
Além!de!todas!as!já!aduzidas,!há!desde!logo!a!primordial,!que!é!a!possibilidade!de!
entrar!em!contacto!com!o!prazer!de!Sá3Carneiro!no!discurso!epistolográfico,!que!o!
leva! a! pedir! ao! seu! avô,! desde! muito! cedo,! que! lhe! escreva! cartas! e! não! apenas!
postais!ou!notas!curtas.!Ressalte3se!a!atenção!de!Fernando!Távora!em!relação!a!esse!
prazer,!bem!assim!como!à!obra!de!Sá3Carneiro,!que!nos!permite!hoje!conhecê3los!
ainda!melhor.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 569


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[1]!
!

!! ! !

! !
Figs.'4'a'7.'Carta'de'13'de'agosto'de'1904.'3711.'
!
13!agosto!1904!
!
Meu!Querido!avô.!
! Escrevo3lhe! muito! contente! pois! vou! amanhã! para! a! Suissa! onde! irei! a!
Lucerna! e! talvez! Zurich' —! Italia! onde! irei! a! Roma,! Napoles1! ver! o! Vezuvio,! Piza,!
Milão,!Genova2!etc.!irei!tambem!a!Monte'Carlo.!Eu!e!o!papá!bons.!Escreva!sempre3!
para!o!Grand’!Hotel!pois!ainda!voltamos!a!Paris!—!3000!beijos!do!Mario!
! ama!!
!!!!!!!300!beijos !!
4

! miss!! Mario5!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 570


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[2]!
!

! !
Figs.'8'e'9.'Postal'de'16'agosto'de'1904.'3712.'
!
16!agosto![de!1904]!
!
Querido1!avô.!
! Estou! em! Lucerne! muito! contente.! Hei3de3lhe2! contar! uma! coisa! muito!
engraçada3!—!300!beijos!do!Mario.!
!
! Saudades!para!a!ama!e!Miss!
!
!
[3]!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 571


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!
Figs.'10'e'11.'Postal'de'30'agosto'de'1904.'4011.'
!
30!agosto![de!1904]!
!
Escrevo3lhe!do!Vezuvio!onde!fomos!hoje.!É!lindíssimo!mas!custa!muito!a!subir!até!
á!cratera!onde!fomos!mas!como!S.!Ex.a!esta!muito!zangado!foi!perigosissimo1!pois!
vimos2!pedras!a!cahirem!sem!exagero!a!2!passos.!
!
Este!bilhete!é!egual!a!um!que!lá!tenho!
! 300!beijos!do!
! Mario!
!
Beijos!ama!e!miss!/!Mario3!
!
!
[4]!
!

! !
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 572


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

! !
Figs.'12'a'15.'Carta'de'31'agosto'de'1904.'4012.!
!
Napoles!31!de!agosto!de!1904!
!
! Mio!–!Querido!–!Avô!
!
Estou!como!sabe!em!Napoles.!!
Tanto!eu!como!o!papá!bons!
Recebemos!hontem!cá!2!bilhetes!postaes,!um!para!mim!outro!para!o!papá!seus.!No!
meu! dizia! que! fossemos! a! Barcelona! e! no! do! papa! a! ama! tinha! conseguido! não!
pagar!a!multa!da!Miss.!!
Porque!é!que!não!escreve!Cartas?!
30000!beijos!do!
! Mario'
!
! 300000!beijos!!!!!!! ama!
! 200000!abraços!
! 300000!saudades!! miss!
Especiaes!para!o!avô!
!
! Mario!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 573


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[5]!
!

!
!

!
!

!
Figs.'16'a'19.'Carta'de'11'de'setembro'de'1904.'4013.!
!
Solar'vetusto'da'familia''
Sá!Carneiro,!quinta!da!Victoria,!!
Camarate,!aos!11!de!setembro!de!1904'
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 574


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Meu!querido!avô:!
! Escrevo3lhe!dando3lhe!parte!que!cheguei!hoje!ao!nosso!solar!e!que!por!isso!
estou!alegrissimo.!Não!me!fui!despedir!de!si,!do!que!lhe!peço!desculpa,!por!se!ter!
resolvido! a! nossa! partida! no! sabbado! á! noute.! Estão! cá! alem! da! minha! illustre!
personagem!somente!a!ama!e!a!Maria!criada.!
! Eu,! meu! querido! avô,! pedia3lhe! com! instancia! que! viesse! cá! (por! exemplo!
nÖum!sabbado!de!tarde!para!se!ir!embora!na!2.a!de!manhã)!trazendo!o!Ruy!e!nÖesse!
caso! pedia3lhe! tambem! que! me! mandasse! dizer! quando! vinha! para1! se! ir! com! o!
burro!á!estação!para!trazer!o!Ruy!pois!su!ex.a!burrica!é!muito2!manso.3!
! Nada!mais!lhe!tenho!a!dizer!meu!querido!avô!senão!que!receba!1000!beijos!
! do!seu!neto!muito!amigo4!o!!
! ! Mario!
!
Pedia3lhe!que!me!respondesse!a!esta!carta.!Sim?!
! Mario!
!
! [Quando!fomos!ao!Bussaco!estivemos!tambem!na!sua!terra!(Porto).!M.]!
!
!
[6]!
!

!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 575


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!
!

!
!

!
Figs.'20'a'23.'Carta'de'3'de'novembro'de'1911.'3713.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 576


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Coimbra!3!de!novembro1!1911!
!
Meu!querido!avô!
! Recebi!hoje!um!postal!seu!que!muito2!agradeço.!
! Cá! estou! pois! na! Lusa3Atenas,! perfeitamente! bom! e! aborrecido! —! mas!
todavia!não!tão!aborrecido!como!imaginava.!
! O! tempo! tem! estado! pessimo,! frio! e! chuva.! No! dia! 1! todavia! esteve! uma!
tarde!linda.!Dei!um!grande!passeio!pelo!choupal!que3!é!na!verdade!uma!das!coisas!
mais!lindas!que4!tenho!visto.!
! A!respeito!de!“caloiradas”!não!ha!positivamente!nada.!Calcule!que!apenas!
ainda! nos! deram! —! a! mim! e! a! um! outro5! rapaz! com! quem! ando! sempre! —! por!
duas! vezes! levemente! com! uma! capa! nos! hombros!! Passeia3se6! á! vontade! pelas!
ruas!á!noite!e!pela!Universidade!sem!nos!chamarem!sequer!caloiros!!Tenho!ouvido!
dizer! que! é7! o! primeiro! âno! que! assim! sucede.! Tanto! melhor.! Na! Universidade!
mais!de!75%!dos!estudantes!andam!à!Äcaixeira„!como!—!segundo!julgo!ter3lhe!dito!
na!estação!—!um!professor!do!liceu!Camões!diz!dos!que8!andam!sem!capa!e!batina.!
! Já! fui! ao! teatro! da! terra! que9! não! é! mau! como! edificio! mas! que10! não! tem!
senão!animatografo!—!coisa!de!que11!eu!gosto!muito!pouco.!
! No!hotel!está3se!bem,!sendo!a!comida!muito12!rasoavel.!
! E!nenhumas!mais!duvidades!lhe!tenho!a!dar.!
! Um!abraço!e!muitos13!beijos!do!seu!neto!que14!muito15!o!estima!
!
! ! ! ! ! Mario!
!
! ! Saudades!ao!Rui!e!ao!Vasco!
!
! ! ! ! ! M.!
!
[7]'
!

!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 577
Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!
Figs.'24'e'25.'Postal'de'27'de'janeiro'de'1913.'4014.!
!
Paris!–!27!janeiro!de!1913!
!
Um!grande!abraço!e!muitos!beijos!e!muitas!saudades!do!
! seu!neto!muito1!amigo,!
! ! o!!
! ! Mario!
! 50,!rue!des!Écoles.!
!
!
[8]!
!

!
Figs.'26'e'27.'Postal'de'17'de'fevereiro'de'1913.'4015.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 578


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Paris!–!fevereiro1!de!1913!
! !Dia!17!
!
Meu!querido!avô,!
! Recebi!ontem!o!seu!postal!que!muito!e!muito!agradeço.!!
O! tempo! tem! estado! magnífico.! Sol! e! nenhum! frio,! De! resto! é! um! inverno!
excepcional!sendo!preciso!remontar!a!1875!para2!encontrar!outro!semelhante.!!
O!papá,!não!sei!se!sabe,!faz!agora!serviço!no!quartel!tendo!saído!do!campo!
entrincheirado.! Anda! muito3! triste! por! causa! da! estopada! da! vida! de! caserna! e!
tanto!mais!que!em!abril!proximo!tem!que!ir!para!Tancos!!
Cá! fico! esperando4! a! sua! carta! que! me! promete.! E! até! lá! muitos! beijos! e!
abraços!do!seu!neto!muito!e!muito5!amigo!
o!Mario!! 50,!rue!des!Écoles!
!
!
[9]!
!

!
Figs.'28'e'29.'Postal'de'20'de'maio'de'1913.'4016.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 579


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Paris!–!Maio!de!1913!
! Dia!201!
!
Ontem!19!recebi!os!seus!parabens!que!de!todo!o!coração!lhe!agradeço.!Não!me!diz!
se! recebeu2! um! postal! meu! do! começo! deste! mês! e! uma! carta! de! parabens! pelos!
seus! ânos! que! lhe! enviei.! Não! teriam! chegado?! O! correio! daqui! e! daí! merece! tão!
pouca!confiança...!Quando!me!escrever!não!se!esqueça!de!mo!dizer.!
! Muitos!beijos!e!um!grande!abraço!do!
! seu!neto!muito!amigo!e!saudoso!
! ! o!Mario!
!
! Saudades!ao!Rui!e!Vasco.!
!
!
[10]!

! !
Figs.'30'e'31.'Postal'de'29'de'maio'de'1913.'4017.!
!
Paris!–!Maio!de!1913!
! Dia!29!
!
Meu!querido!avô,!
! Recebi!hoje!a!sua!carta!que!muito!do!coração!lhe!agradeço.!
! Novidades!=!Zero;!apenas!um!calor!horrivel.!! !
! Eu!sempre!bom.!
! Muitos!abraços!e!beijos!para1!si!e!para2!a!pequenada.!
! ! o!Mario!
! ! ! (muito3!amigo)! !

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 580


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[11]!
!
!

!
!

!
Figs.'32'e'33.'Carta'de'22'de'maio'de'1914.'4018.!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 581


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Lisboa!–!Maio!de!1914!
! Dia!22!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Juntamente!vão!os!recibos!dos!Direitos!de!Mercê.!Vão!todos!quantos!achei!
na! caixa! de! lata.! Estavam! todos! espalhados! mas! eu! procurei! cuidadosamente!
verificando! um! por! um! todos! os! papeis! que! estão! na! caixa.! Em! suma,! se! alguns!
recibos!faltam,!lá!na!caixa!não!estão...!
! Sem!mais,!manda3lhe!um!grande!abraço!o!seu!neto!muito1!e!muito2!amigo!!
! ! o!
! ! Mario!
!
!
[12]!

!
Figs.'34'e'35.'Postal'de'15'de'junho'de'1914.'4019.!
!
Paris!–!junho!de!1914!
! Dia!15!
!
Meu!querido!Avô,!
! Desculpe! não! lhe! ter! escrito! ha! mais! tempo.! Cá! estou! e! bem! —! ainda! que1!
constipado...!O!papá!foi!hoje!embora!para2!Lisboa.!Novidade!nenhumas!a!não!ser!
hoje!uma!grande!trovoada.!O!meu!endereço!é!o!mesmo!50,!rue!des!Écoles!(Grand!
Hotel3!du!Globe).!!
! Adeus!avô.!Muitos4!beijos!e!abraços!do!seu!neto!muito5!Amigo!
! o!
! Mario6!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 582


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[13]! !
!

! !
Figs.'36'e'37.'Postal'de'28'de'junho'de'1914.'40110.!
!
Paris!–!Junho!de!1914!
! Dia!28!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi!o!seu!postal,!que!muito!agradeço,!só!antes!de!ontem!–!por!causa!da!
gréve !dos!correios!cá!da!terra.!Eu!sempre!bem.!O!tempo!lindo!–!mas!muito!calor.!
1

Novidades,! por! mais! que! queira! não! tenho! nenhumas! a! dar3lhe,! e! por! isso! me!
limito!a!escrever3lhe!um!simples!postal,!e!esse!mesmo!lacónico...!Peço3lhe!que!de!
vez!em!quando!não!deixe!de!me!escrever,!pois!gosto!muito!de!ter!noticias!suas.!Por!
mim,!farei!o!mesmo.!E!sem!mais,!mandando!muitas2!saudades!ao!Rui!e!ao!Vasco,!
peço3lhe!que!receba!um!grande,!muito3!grande!abraço!do!seu!neto!muito4!amigo!!
! ! o!
! ! Mario!
!
! Vai!um!soneto!pelo!mesmo!correio!
! Não! sei! se! no! fim! do! soneto! é! melhor! a! linha! de! reticências! –! ou! o! ultimo!
verso!a!seguir!aos!outros.d!Diga!o!que5!acha,!sim?...!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
d!Trata3se!muito!provavelmente!de!ÄApoteoseÄ,!soneto!datado!precisamente!do!dia!28!de!junho!de!
1914!e!que!inclui!uma!Älinha!de!reticenciasÄ!entre!os!versos!13!e!14!(cf.!SÁ3CARNEIRO,!2017:!99).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 583


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[14]!

!
Figs.'38'e'39.'Postal'de'24'de'julho'de'1914.'40111.!
!
Paris!–!julho!de!1914!
! Dia!24!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi! hoje! o! seu! postal! de! 21! que1! muito2! agradeço.! Não! se! refere! nele! a!
uma!carta!que3!lhe!enviei!a!18!e!que4!portanto!o!avô!devia!ter!recebido!a!21.!Diga3
me! se! a! recebeu! ou! não.! Nela! dizia3lhe! eu! que! do! papá! sabia! apenas! o! seguinte:!
que5!ele!chegou!ao!Cabo!a!7!donde!telegrafou!para6!Lisboa!nesse!dia!e!a!12!e!que7!
só! a! 24! (isto! é:! hoje)! estaria! em! Lourenço! Marques.! Por! mim,! ainda! coisa! alguma!
recebi!dele!a!não!ser!postais!da!Madeira.!Espero!de!resto!carta!muito8!brevemente!
pois! com! certeza! me! escreveu! do! Cabo! e! até! cá! a! viagem! é! de! 15! dias.! Logo! que!
receber!lhe!direi!a!si!o!que!nela!vier!de!mais!importante.!!
! Eu9!vou!passando!bem.!Não!tive!mais!nevralgias!mas!tenho!uma!impressão!
ha! uns! poucos! de! dias! num! dente! da! frente! que! receio! esteja! cariado.! O! tempo!
muito10!maçador11,!chovendo!agora!quasi!todos!os!dias.!Os!jornais!não!falam!senão!
do!processo!Caillaux...!!
! Dê12!muitos13!parabens!ao!Rui!e!beijo!da!minha!parte!–!com!saudades,!bem!
como! ao! Vasco.! Isso! tudo! é! uma! cambada! de! alunos! distintos!...! E! por! hoje,! mais!
nada,! a! não! ser! um! grande,! grande! abraço! do! seu! neto! muito! amigo! de! todo! o!
coração!
! ! o!!
! ! Mario!!
! !
! Escreva!sempre!...!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 584


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[15]!
!

!
Figs.'40'e'41.'Postal'de'6'de'agosto'de'1914.'40112.!
!
Paris!–!Agosto!de!1914!
! Dia!6!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi! hoje! a! sua! carta! registada! que1! muito,! muito! agradeço.! Pelo! mesmo!
correio!escrevo!carta!circunstanciada!para!a!repartição!–!receando!que2!ainda!não!
esteja!em!Cintra.!Muitos!beijos!e!abraços!do!seu!
! Mario3!
! (sem!novidades)!
!
![16]!
!

!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 585


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!
Figs.'42'a'45.'Carta'de'6'de'setembro'de'1914.'40115.!
!
Barcelona!–!Setembro!1914!
! Dia!6!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Para!o!fim!da!semana!devo!estar!em!Lisboa.!Mil!beijos!e!abraços!do!seu!neto!
muito!muito!Amigo!
! ! o!
! ! Mario!
! !
! Recados!a!Rui!&!Companhia.!
!
!
![17]!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 586


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

!
Figs.'46'a'48.'Carta'de'7'de'setembro'de'1914.'40116.!
'
Barcelona!–!Setembro!1914!
! Dia!7!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Recebi!a!sua!carta!que!muito!agradeço.!Parto!amanhã.!Chego!4a!feira.!Não!
me!vi!atrapalhado!pois!o!papá!me!mandou!logo!dinheiro.!Mil!beijos!e!abraços!do!
seu!
! Mario!
!
! Irei!procura3lo!ao!Terreiro1!do!Trigo!na!5a!feira.!
!
!
[18]!
!

' '
Figs.'49'e'50.'Carta'de'2'de'maio'de'1915.'3714.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 587


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

'
Lisboa!3!Maio!de!1915!
! Dia!2!
!
Meu! Querido! Avô,! venho! só! dar3lhe! muitos! parabens,! mil! beijos! e! um! grande!
abraço! pelo! dia! de! hoje.! Parabens!! Ao! mesmo! tempo! envio3lhe! um! exemplar! do!
meu!novo!volume!–!o!primeiro!que!me!deram!na!tipografia.!E!renovando!todas!as!
minhas!felicitações!e!os!meus!beijos!sou!o!seu!neto!muito1!amigo!e!grato!
!
! o!Mario2!
'
'
[19]!
!

!
!

!
Figs.'51'e'52.'Postal'de'26'de'agosto'de'1915.'3715.!
!
! !
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 588


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Muitas!saudades!e!beijos!do!!
! Mario!
! (muito1!amigo)!
!
! Paris!26!agosto!1915!
! Oxalá! tenha! chegado! a! tempo! o! meu! postal! em! como! a! carta! registada! era!
inutil.!
'
'
[20]!
'

! '
Figs.'53'e'54.'Postal'de'21'de'dezembro'de'1915.'40113.!
'
[Paris,!21!de!dezembro!de!1915]!
!
Meu!Querido!Avô,!como!lhe!disse!já!recebi!na!3a!feira!passada!os!75!francos.!O!que!
estou! muito,! muito! admirado! é! de! até! agora! não! ter! recebido! notícias! do! meu!
querido! Avô.! Ter3se3hia! porventura! perdido! a! carta?! Peço3lhe! muito! que,! se!
porventura!ainda!o!não!fez,!me'escreva'imediatamente'logo'que1'receba'este'postal.!Não!
escreva!carta!hoje!porque2!um!postal!é!mais!rapido!pois!não!vai!á!censura.!E!diga3
me!se!foi!á!livraria,!pois!não!sei!nada.!Mil!beijos!e!um!grande!abraço!do!seu!muito3!
amiguinho!!
! ! Mario!
! !
! Escreva,!suplico3lhe!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 589


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

[21]'
!

! !
Figs.'55'e'56.'Postal'de'31'de'dezembro'de'1915.'40114.!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Recebi!o!seu!postal!de!26!que!muito!agradeço.!Nenhumas!novidades.!Chuva!
e!calor.!Fico!á!espera!da!sua!carta.!Mil!beijos!e!abraços1!
! do!
! Mario!
! (amiguinho)!
! !
! Saudades!a!todos.!
!
! Paris!31!Dezembro2!1915!
! Bom!1916!!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 590


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?

Notas'finais'
!
[1]!
Com!a!inscrição!de!lote!“37.1”,!pela!mão!de!Fernando!Távora.!Carta!escrita!a!tinta!preta,!em!folha!
de!papel!timbrada,!de!18,7!×!27,3!cm,!do!Grand!Hôtel!de!Paris,!sito!no!número!“12,!Boulevard!des!
Capucines”.!É!enviada!num!envelope!timbrado!do!mesmo!hotel,!de!9,8!×!14,3!cm,!que!se!encontra!
anexo!à!carta,!para!o!endereço!“Mr.!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!n.o!1!3!2.o!d.to!|!Lisbonne!|!
Portugal”.!Com!carimbo!de!Paris!ilegível,!e!carimbo!de!Lisboa!provavelmente!do!dia!17.!
NOTAS!
1!! Roma!Napoles!]!acrescenta7se'vírgula.!
2!! Jenova!
3! sem!]!Sá7Carneiro'parece'esquecer7se'de'terminar'a'palavra'“sempre”.'
4!! beijo!]!forma7se'o'plural.!
5! Mar[io]!
! !
[2]!
Lote!“37.2”.!“Postkarte”!ilustrado!de!“Luzern,!Gütsch”,!de!8,7!×!14!cm,!manuscrita!a!tinta!preta!na!
face!ilustrada.!Apresenta!vários!carimbos!postais,!sendo!legíveis!um!de!16!de!agosto,!em!Luzern,!e!
outro!de!19!de!agosto,!de!Lisboa.!É!endereçado!a!“Mr.!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!n.o!1!3!2.o!
d.!|!Lisbonne!|!Portugal”.!Foi!reproduzido,!a!preto!e!branco,!na!Fotobiografia!(DIAS,!1988:!64).!
NOTAS!
1! Q[ueri]do!
2! Ei3de3lhe!]!no'original.!
3! engransada!]!
!
[3]!
Lote!“40.1”.!“Cartolina!Postale”!de!9!×!14!cm,!com!gravura!do!“Vesuvio!in!Eruzione”![Vesúvio!em!
erupção],! com! o! texto! escrito! a! tinta! preta! sobre! diferentes! partes! da! ilustração.! Apresenta! vários!
carimbos! postais:! de! 30! de! agosto,! no! Vesúvio;! de! 31! de! agosto,! outro! carimbo! italiano! cuja!
localidade!é!ilegível;!e!um!português,!possivelmente!de!4!de!setembro.!É!destinado!ao!“Ex.mo!Snr.!
Sá! Carneiro! |! T[ravessa]! do! Carmo! n.o! 1! –! 2.o! andar! –! direito! |! Lisboa! |! (Portugal)”.! Foi!
reproduzido,!a!preto!e!branco,!na!Fotobiografia!(DIAS,!1988:!67).!
NOTAS!
1! prigusissimo!]!no'original.!
2!! vi!mos!]!no'original.!
3! Mar[io]!
!
[4]!
Lote!“40.2”.!Carta!escrita!em!folha!de!papel!pautada,!de!21,6!×!13,8!cm.!É!enviada!num!envelope,!de!
11! ×! 14,3! cm,! com! carimbos! de! “Napoli! *! Ferrovia”,! de! 1! de! setembro! de! 1904,! e! de! Lisboa,!
aparentemente!de!7!de!setembro!de!1904,!para!o!“Ex.o!Sñr.!|!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!1!3!
2.o!d.!|!Lisbonna!|!Portugallo”.!Todos!os!materiais!são!escritos!a!lápis.!
!
[5]!
Lote! “40.3”.! Carta! escrita! numa! folha! de! papel! encorpado,! de! 13,4! ×! 27,3! cm,! com! um! timbre!
particularmente! ornado! e! dobrada! em! quatro.! O! envelope,! de! 7,3! ×! 14,5! cm,! apresenta! carimbos!
aparentemente!de!12!de!setembro.!É!remetido!ao!“Ex.o!Snr.!Conselheiro!José!Paulino!de!Sá!Carneiro!
|!R.!das!Trinas!n.o!81!3!2.o!andar!(d.)!|!Lisboa”.'
NOTAS!
1! par[a]!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 591


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
2! m[ui]to!
3! manço!]!no'original.!
4!! neto!m[ui]to!*amigo!o!
!
[6]!
Lote!“3733”.!Bifólio!de!papel!pautado!de!16,9!×!24,8!cm!e!envelope!de!papel!de!linho,!de!14,2!×!9,5!
cm,!com!um!carimbo!de!Coimbra,!de!data!ilegível,!e!dois!carimbos!de!Lisboa,!de!5!de!novembro!de!
1911.!
NOTAS!
1! nov.!
2! m[ui]to!
3!e!4!! q[ue]!
5! a!mim!a!um!outro!]!acrescenta7se'o'KeK.!!
6!! Tenho! ouvido! dizer! q[ue]! o! primeiro! âno! ]! desdobra7se' a' abreviatura' e' acrescenta7se' a' forma'
verbal'KéK.'
7!a!10! q[ue]!
11!! m[ui]to!
12! m[ui]tos!
13! q[ue]!
14!! m[ui]to!
!
[7]!
Lote! “40.4”.' “Carte! postale”! ilustrada! do! Café! Riche,! de! 9,2! ×! 14,2! cm,! com! carimbo! de! Paris! do!
próprio! dia! 27! (não! sendo! legíveis! o! mês! ou! o! ano)! e! carimbos! de! Lisboa! Central! praticamente!
ilegíveis,! no! rosto.! É! endereçada! a! “Monsieur! |! José! Paulino! de! Sá3Carneiro! |! 5,! rua! de! Almeida!
Brandão!|!1.o!andar!|!Lisbonne!|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1 !! m[ui]to!!
!
[8]!
Lote! “40.5”.! “Carte! postale”,! de! 9! ×! 14! cm,! com! carimbos! de! Paris! de! 17! de! fevereiro! de! 1913! e!
carimbos!de!Lisboa!do!dia!20.!O!remetente!é!Ä[M].!de!Sá3Carneiro!|!Paris!|![Rue]!des!Écoles![N.o]!
50Ä!e!o!destinatário!é!“[M]onsieur!|!José!Paulino!de!Sá3Carneiro!|!5,!rua!de!Almeida!Brandão!=!1.o!|!
Lisbonne!|!Portugal”.!
NOTAS!
1 !! fevreiro!]!no'original.'
2' p[ar]a!
3! m[ui]to!
4! esprando!ou!esperando!
5! m[ui]to!e!m[ui]to!
!
[9]!
Lote!“40.6”.!“Carte!postale”,!de!8,9!×!13,8!cm,!remetida!a!20!de!maio!de!1913,!a!partir!dos!correios!
do!Boulevard!des!Italiens,!e!chegada!a!Lisboa!a!23!desse!mês.!O!remetente!é!“[M].!de!Sá3Carneiro!|!
Paris!|![Rue]!des!Écoles,![N.o]!50”!e!o!destinatário!é!“[M]onsieur!|!José!Paulino!de!Sá3Carneiro!|!5,!
rua!de!Almeida!Brandão!=!1.o!|!Lisbonne!|!=!Portugal!=”.!
NOTAS!
1! Dia!20.!]!com'ponto.!
2! recbeu!]!no'original.'
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 592


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
[10]!
Lote!“40.7”.!“Carte!postale”,!de!8,9!×!13,8!cm,!com!carimbos!de!Paris!(R.!Danton)!de!29!de!maio!de!
1913,!às!14!horas,!e!carimbos!de!Lisboa!de!1!de!junho.!O!remetente!é!“[M].!de!Sá3Carneiro!|!Paris!|!
[Rue]! des! Écoles! [N.o]! 50”! e! o! destinatário! é! “Monsieur! |! José! Paulino! de! Sá3Carneiro! |! 5,! rua! de!
Almeida!Brandão!=!1o!|!Lisbonne!|!=!Portugal!=”.!
NOTAS!
1!e!2!! p[ar]a!!
3!! m[ui]to!
!
[11]!
Lote! “40.8”.! Um! bifólio! de! papel! de! linho! pautado,! com! as! dimensões! de! 17,7! ×! 26,6! cm,! que! foi!
dobrado!em!quatro,!e!está!escrito!apenas!no!interior.!Não!há!qualquer!envelope!anexo,!na!coleção.!!
NOTAS!
1!e!2!! m[ui]to!
3! Mário!]!aqui'aparentemente'com'acento.!
!
[12]!
Lote! “40.9”.! “Carte! postale”! de! 8,9! ×! 13,8! cm,! com! carimbos! de! Paris! de! 16! de! junho! de! 1914,! e!
carimbos! de! Lisboa! aparentemente! do! dia! 18.! O! remetente! é! “[M].! de! Sá3Carneiro! |! Paris! |! [Rue]!
des! Écoles! [N.o]! 50”! e! o! destinatário! é! “[M]onsieur! |! José! Paulino! de! Sá3Carneiro! |! 5! –! rua! de!
Almeida!Brandão|!Lisbonne!|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1! q[ue]!
2!! p!a!]!Sá7Carneiro'terá'esquecido'a'habitual'barra'de'abreviatura.!
3! Hotel!]!sem'acento'circunflexo.!
4! M[ui]tos!
5! m[ui]to!
6!! Mário.!]!possivelmente'com'um'acento;!com'um'ponto'final.'
!
[13]!
Lote! “40.10”.! ÄCarte! postaleÄ! de! 8,9! ×! 13,8! cm,! com! carimbos! de! Paris! de! 29! de! junho! de! 1914,! e!
carimbos! de! Lisboa! de! 2! de! julho.! O! remetente! é! “[M].! de! Sá3Carneiro! |! Paris! |! [Rue]! des! Écoles!
[N.o]!50”!e!o!destinatário!é!“[M]onsieur!|!José!Paulino!de!Sá3Carneiro!|!5!rua!de!Almeida!Brandão!
(1.o)!|!Lisbonne!|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1! gréve!]!com'acento'no'original,'talvez'por'influência'francesa.'
2! m[ui]tas!
3!e!4!! m[ui]to!
5! q[ue]!
!
[14]!
Lote! “40.11”.! “Carte! postale”! de! 8,9! ×! 13,8! cm,! com! carimbos! de! Paris! de! difícil! leitura,!
aparentemente! de! 24! julho! de! 1914,! e! carimbos! de! Lisboa! do! dia! 27.! O! remetente! é! “[M].! de! Sá3
Carneiro! |! Paris! |! [Rue]! des! Écoles! [N.o]! 50”! e! o! destinatário! é! “[M]onsieur! |! José! Paulino! de! Sá3
Carneiro!|!5!rua!de!Almeida!Brandão|!Lisbonne!|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1!! q[ue]!
2!! m[ui]to!
3!a!5! q[ue]!
6! Passea3se!]!no'original.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 593


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
7! p[ar]a!
8!! q[ue]!
9!! m[ui]to!
10!! importante.! —! Eu! ]! na' sua' correspondência' Sá7Carneiro' assinala,' frequentemente,' com' um'
travessão' a' mudança' de' parágrafo' que' o' espaço' não' permite.' Faz7se' o' parágrafo,' eliminando' o'
travessão.'
11!! m[ui]to!
12!! massador!]!no'original.!
13! Caillaux...!—!Dê!]!elimina7se'o'travessão,'e'faz7se'parágrafo.'
14! m[ui]to!
!
[15]!
Lote!“40.12”.!“Carte!postale”!de!8,9!×!13,8!cm,!com!carimbo!de!Paris!aparentemente!do!próprio!dia!
6! de! agosto! de! 1914,! e! um! carimbo! de! Cintra! aparentemente! do! dia! 15! de! Outubro! de! 1914.! O!
remetente!é!Ä[M].!de!Sá3Carneiro!|!Paris!|![Rue]!des!Écoles![N.o]!50Ä!e!o!destinatário!é!“[M]onsieur!|!
José! Paulino! de! Sá3Carneiro! |! 20! rua! Consiglieri! Pedroso! (2.o! andar)! |! Cintra' |! (Lisbonne! =!
Portugal)”.!
NOTAS!
1!e!2! q[ue]!
3! Mário!]!aqui'aparentemente'com'acento.!
!!
[16]!
Lote!“40.15”.!Carta!enviada!em!folha!de!papel!pautada!com!timbre!do!Palace3Hotel!de!Barcelona,!
de!20,6!×!27!cm.!O!envelope,!também!timbrado,!de!11,8!×!14,6!cm,!apresenta!no!rosto!um!carimbo!
ilegível!—!provavelmente!de!Barcelona!—!e!no!verso!carimbos!de!Lisboa!Central,!de!9!de!setembro,!
e! “Cintra”,! com! data! ilegível.! A! carta! é! remetida! a! “M.! José! Paulino! de! Sá3Carneiro! |! 20! rua! de!
Consiglieri!Pedroso!(1.o)!|!Cintra!|!(Lisboa!=!Portugal)”.!
!
[17]!
Lote!“40.16”.!Carta!enviada!em!bifólio!de!papel!pautado!com!timbre!do!Palace3Hotel!de!Barcelona,!
de!26,7!×!21,2.!O!envelope,!do!mesmo!hotel,!de!11,8!×!14,6!cm,!apresenta!no!rosto!um!carimbo!com!
data!ilegível,!aparentemente!de!Barcelona,!e!no!verso!um!carimbo!de!“Cintra”!possivelmente!de!9!
de!setembro,!como!a!carta!anterior.!A!carta!é!remetida!a!“Al!Señor!Don!José!Paulino!de!Sá3Carneiro!
|!20!rua!Consiglieri!Pedroso!(1.o)!|!Cintra!|!(Lisboa!=!Portugal)”.!
NOTA!
1! <T>/a\o!T.!]!desdobra7se'a'abreviatura.!
!
[18]!
Lote!“37.4”.!A!carta!é!escrita!numa!folha!de!papel!encorpado,!de!21!×!16,2!cm.!
1! m[ui]to!
2! Mário!]!aqui'aparentemente'com'acento.!
!
[19]!
Lote!“37.5”.!Uma!“carte!postale”!com!ilustração!de!“PARIS! –! GARE! ST3LAZARE! –! COUR!DU! HAVRE”,!
de!8,7!×!13,9!cm.!Apresenta!carimbos!de!Paris!de!26!de!agosto!de!1915,!e!um!carimbo!de!ÄCintraÄ!
aparentemente!de!31!de!agosto.!É!remetida!ao!“M.r!|!José!Paulino!de!Sá3Carneiro!|!20!R.!Consiglieri!
Pedroso!|!(1.o!andar)!|!Cintra!|!(Lisbonne'=!Portugal)”.!
NOTA!
1! m[ui]to!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 594


Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
[20]!
Lote!“40.13”.!Uma!“carte!postale”!com!ilustração!de!“PARIS!–!LÖAVENUE!DES!CHAMPS!ÉLYSEES!ET!LES!
CHEVAUX! DE! MARLY”! de! 8,9! ×! 13,8! cm.! Apresenta! carimbos! de! Paris! (Observatoire)! de! 21! de!
dezembro! de! 1915,! e! um! carimbo! ilegível,! provavelmente! de! Lisboa.! É! remetida! ao! “Monsieur! |!
José!Paulino!de!Sá3Carneiro!|!5!Rua!Almeida!Brandão!|!Lisbonne'|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1!! q[ue]'
2! porq[ue]!
3! m[ui]to!
!
[21]!
Lote! “40.14”.! Uma! “carte! postale”! com! ilustração! “690.! –! CHAMBERY' –' Tour' de' l[Ancien' Manoir' des'
Sires'de'Chambèry'(XIe'siècle)”!de!8,7!×!13,3!cm.!Apresenta!carimbos!de!Paris!(R.!Fontaine)!de!31!de!
dezembro!de!1915,!e!um!carimbo!de!Lisboa!de!5!de!janeiro!de!1916.!É!remetida!ao!“Monsieur!|!José!
P.!de!Sá3Carneiro!|!5!rua!Almeida!Brandão!|!Lisbonne'|!(Portugal)”.!
NOTAS!
1! abra[ço]s!
2! Dez[embro]!
!
!
Bibliografia'
!
BARROS,!Anabela!(2014).!As'Constantes'de'Orpheu'na'Obra'de'Côrtes7Rodrigues.!Lisboa:!Universidade!
Nova!de!Lisboa.!Tese!de!Doutoramento.'
DIAS,!Marina!Tavares!(1988).!Mário'de'Sá7Carneiro'—'Fotobiografia.!Lisboa:!Quimera.!!
FIGUEIREDO,!João!Pinto!de!(1983).!A'Morte'de'Mário'de'Sá7Carneiro.!Lisboa:!Publicações!D.!Quixote.!
SÁ3CARNEIRO,! Mário! (2017).! Poesia' Completa.! Edição! crítica! de! Ricardo! Vasconcelos.! Lisboa:! Tinta3
da3china.!
_____! (2015).! Em' Ouro' e' Alma' —' Correspondência' com' Fernando' Pessoa.! Lisboa:! Edição! crítica! de!
Ricardo!Vasconcelos!e!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!Tinta3da3china..!
_____! (1992).! Cartas' a' Maria' e' Outra' Correspondência' Inédita.! Leitura,! fixação! e! notas! de! François!
Castex!e!Marina!Tavares!Dias.!Lisboa:!Quimera.!
_____! (1980).!Correspondência'Inédita'de'Mário'de'Sá7Carneiro'a'Fernando'Pessoa.!Leitura,!introdução!e!
notas!de!Arnaldo!Saraiva.!Porto:!Centro!de!Estudos!Pessoanos.!
_____! (1977).!Cartas'de'Mário'de'Sá7Carneiro'a'Luís'de'Montalvor,'Cândida'Ramos,'Alfredo'Guisado,'José'
Pacheco.!Edição!de!Arnaldo!Saraiva.!Porto:!Limiar.!!
TORIELLO,!Fernanda!(1987).!La'Ricerca'Infinita'—'Omaggio'a'Mário'de'Sá7'Carneiro.!Bari:!Lusitania/Libri.!!
VASCONCELOS,!Ricardo!(2017).!“Cinco!cartas!inéditas!de!Mário!de!Sá3Carneiro!a!Augusto!Cunha”,!
in!Santa'Barbara'Portuguese'Studies,!n.o!1![Online!Series],!April.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 595


A"última"paixão"de"Fernando"Pessoa"
!
José Barreto*
"
Palavras5chave"
!
Fernando!Pessoa,!Poemas!de!Amor,!Ángel!Crespo,!Ofélia!Queiroz,!Madge!Anderson.!
!
Resumo"
!
Ofélia! Queiroz! é! geralmente! apontada! como! o! único! amor! da! vida! de! Fernando! Pessoa.!
Todavia,! em! 1935,! ano! da! sua! morte,! Pessoa! escreveu! em! várias! línguas! um! número!
invulgar! de! poemas! de! amor! na! primeira! pessoa,! incluindo! versos! denotando! intensa!
paixão.!Esse!facto!levou!Ángel!Crespo!em!1989!a!formular!a!hipótese!de!Pessoa!ter!morrido!
profundamente! apaixonado! por! uma! mulher! misteriosa,! sobre! cuja! identidade! nunca!
conseguiu! dados! plausíveis.! Este! artigo! apresenta! uma! hipótese! de! identificação! do! alvo!
dessa!paixão!tardia!de!Pessoa,!partindo!da!análise!de!vários!dos!seus!poemas!de!amor!de!
1935!e!de!algumas!cartas,!até!hoje!desconhecidas,!trocadas!no!mesmo!ano!entre!ele!e!Madge!
Anderson,! uma! inglesa! que! visitou! repetidamente! Portugal! a! partir! de! 1929.! Madge! era!
irmã!de!Eileen,!que!por!sua!vez!era!a!cunhada!de!Pessoa,!casada!com!o!seu!meioRirmão!João!
Maria!Nogueira!Rosa!(ou!John).!!
!
Keywords"
!
Fernando!Pessoa,!Love!poems,!Ángel!Crespo,!Ofélia!Queiroz,!Madge!Anderson.!
!
Abstract"
!
It! is! often! stated! that! Ofélia! Queiroz! was! the! only! love! in! the! life! of! Fernando! Pessoa.!
However,! in! 1935,! the! year! of! his! death,! Pessoa! wrote! in! several! languages! an! unusual!
number!of!love!poems!in!the!first!person,!including!verses!conveying!intense!passion.!This!
led!Ángel!Crespo!to!formulate,!in!1989,!the!hypothesis!that!Pessoa!died!deeply!in!love!with!
a! mysterious! woman,! though! Crespo! did! not! gather! enough! plausible! information! to!
uncover!her!identity.!This!article!proposes!an!identity!for!the!target!of!Pessoa’s!late!passion,!
through! the! analysis! of! several! of! his! love! poems! of! 1935! and! of! some! letters,! previously!
unknown,! exchanged! in! that! same! year! between! him! and! Madge! Anderson,! a! British!
woman! who! repeatedly! visited! Portugal! from! 1929! onwards.! Madge! was! the! sister! of!
Eileen,! who! in! turn! was! Pessoa’s! sisterRinRlaw,! married! to! his! halfRbrother! João! Maria!
Nogueira!Rosa!(aka!John).!
!

*!Instituto!de!Ciências!Sociais!da!Universidade!de!Lisboa.!
Barreto A última paixão

Não!podemos!saber!quantas!vezes!Fernando!Pessoa!se!apaixonou!nem!por!quem,!
apesar! de! ser! habitual! reduzirRse! a! sua! história! amorosa! ao! caso! com! Ofélia!
Queiroz.1!A!ideia!do!“único!amor”!começou!cedo!a!radicarRse,!antes!mesmo!de!ser!
publicada! em! Portugal! a! correspondência! amorosa! de! Pessoa! e! Ofélia.2! Esse!
namoro! fogoso! e! breve,! nove! anos! depois! reincidente,! teve! a! vantagem! de! ficar!
documentado,!primeiro!pelas!revelações!parciais!feitas!ainda!na!Presença!(QUEIROZ,!
1936)3,!depois!pela!publicação!da!correspondência!recíproca!e!de!um!relato!colhido!
da!boca!da!antiga!amada,!tudo!hoje!bem!conhecido!(MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!
1978;!NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996;!SILVA,!2012).!Quando,!em!1978,!David!MourãoR
Ferreira!publicou!as!cartas!de!amor!do!poeta!a!Ofélia,!afirmou!que!não!se!conhecia!
nem! era! provável! que! tivesse! existido! qualquer! outro! “episódio! sentimental”! na!
vida!de!Fernando!Pessoa!(in!MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!1978:!9).!
Ficaram! também! para! a! posteridade! os! poemas! do! Pessoa! apaixonado! por!
Ofélia,! igualmente! já! publicados.4! Um! poeta,! quando! apaixonado,! costuma!
escrever! sobre! a! sua! paixão! e! Pessoa! não! fugiu! à! regra.! Mas! terá! realmente! sido!
Ofélia!a!única!amada!da!sua!vida?!Certos!poemas!de!amor!de!Pessoa!encontrados!
no!seu!espólio!falam!de!uma!“loura”!ou!de!uma!misteriosa!“mulher!casada”!que!
ele! terá! realmente! amado.! Assim! acreditaram! alguns! estudiosos! pessoanos,! entre!
eles! Ángel! Crespo,! cujas! laboriosas! pesquisas! nunca! chegaram! a! apurar! nada! de!
plausível!sobre!a!identidade!da!secreta!amada!(ou!amadas)!do!poeta.!Por!sua!vez,!
o!rumor!de!que!Pessoa!teria!tido!uma!paixão!por!Fernanda!de!Castro!foi!rotulado!
de! “absurdo”! pela! própria! nas! suas! memórias,! onde! também! descrevia! o! poeta!
como! “calado,! ensimesmado,! de! uma! timidez! que! chegava! a! incomodarRnos”!
(CASTRO,!1988:!270R271).!
ConhecemRse! igualmente,! da! produção! poética! confiada! à! arca,! poemas! de!
amor!pelo!sexo!masculino!escritos!na!primeira!pessoa.!São,!sobretudo,!poemas!de!
amor!sonhado!ou!frustrado,!versos!lamentosos!ou!nostálgicos!de!algo!que!poderia!
ter! acontecido,! mas! não! aconteceu.! Nada! indica! que,! nessa! matéria,! Pessoa! tenha!
ido! além! da! palavra! escrita,! embora! aparentasse,! de! facto,! ter! padecido!
solitariamente!tais!paixões.!!
Os!poemas!de!amor!na!primeira!pessoa!não!abundam!propriamente!na!obra!
de!Pessoa.!Todavia,!em!1935,!ano!da!sua!morte,!ele!produziu!–!sempre!para!a!arca!–!
um! número! invulgar! desses! poemas,! na! sua! maioria! em! inglês,! outros! em!

1! Este! artigo! contou! com! valiosas! colaborações! de! Carlos! Pittella! Leite,! Rijn! du! Toit,! Ricardo!
Vasconcelos!e!Kerry!Howard.!
2!O!primeiro!estudo!sobre!o!caso!amoroso!de!Pessoa!e!Ofélia!já!exprimia!essa!convicção.!TrataRse!de!

uma! comunicação! ao! “First! International! Symposium! on! Fernando! Pessoa”! (Brown! University,!
1977),!que!só!recentemente!viu!a!luz!do!dia!(SEVERINO!e!JENNINGS,!2013).!
3! Nessa! primeira! revelação! do! namoro! de! Pessoa! com! Ofélia! Queiroz,! o! nome! desta! não! era!

revelado,!sendo!substituído!por!asteriscos.!!!
4!Além!dos!poemas!divulgados!por!Maria!da!Graça!Queiroz!(in!MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!1978:!

22R38),!vejaRse!LOPES!(1990:!57R61)!e!PIZARRO!et)al.!(2013:!179R183!e!187R193).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 597


Barreto A última paixão

português! e! em! francês,! incluindo! versos! claramente! apaixonados.! Ángel! Crespo!


publicou!em!1989!um!conjunto!desses!poemas,!datados!sobretudo!de!1935,!alguns!
deles!inéditos,!num!artigo!que!intitulou!“El!último!amor!de!Fernando!Pessoa”,!no!
qual! sustentava! pioneiramente! a! tese! de! que! “Pessoa! murió! profundamente!
enamorado!de!una!mujer”!(CRESPO,!1989:!14).!
É!sabido!que!a!poesia!de!amor!não!tem!uma!relação!necessária,!directa!ou!
imediata!com!factos!coevos!da!vida!dos!seus!autores.!Há!mais!de!meio!século,!já!
Adolfo!Casais!Monteiro!–!falando,!aliás,!de!Fernando!Pessoa,!a!quem!chamou!“o!
insincero!verídico”!–!alertou!para!os!perigos!da!interpretação!da!poesia!a!partir!de!
dados!biográficos!do!poeta!(MONTEIRO,!1954).!Igualmente!arriscado!seria!o!oposto,!
ou! seja,! tentar! extrair! dados! biográficos! de! uma! obra! poética.! Porém,! aquilo! que!
acima! se! designou! versos) apaixonados! não! deixa,! por! via! de! regra,! muitas! dúvidas!
sobre!a!existência!de!uma!relação!com!a!vida!afectiva!de!um!poeta!no!momento!em!
que! os! escreve.! É! o! caso! de! versos! escritos! na! primeira! pessoa! e! no! presente,!
dirigidos! ao! ser! amado,! nos! quais! o! poeta! manifesta! uma! dor! pungente! causada!
pela!separação!física!do!seu!amor!–!algo!que,!vulgarmente,!não!se!inventa!nem!se!
fantasia.!!
No!caso!de!Fernando!Pessoa,!pode!darRse!como!exemplo!o!seu!poema!cujo!
incipit!é!“The!happy!sun!is!shining...”,!datado!de!22!de!Novembro!de!1935,!ou!seja,!
uma! semana! antes! de! morrer.! O! poema,! que! abaixo! se! transcreve! do! original!
manuscrito! (BNP/E3,! 49A7R19;! ver! facRsímile! mais! adiante)5,! é! dirigido! a! uma!
amada!ausente!“far!away”,!por!quem!o!coração!do!poeta!anseia.!O!refrão!das!três!
estrofes! que! o! compõem! é! “What! matters! is! just! you”.! Reforça! o! tom! realístico!
desse! poema! a! circunstância! de! se! somar! a! outros,! de! temas! afins,! quiçá! de!
“sinceridade”! variável,! escritos! no! mesmo! ano! (alguns! desses! poemas! vão! aqui!
transcritos!nos!Anexos).!Adiante!se!verá!que!circunstâncias!poderão!ter!originado!
este!poema!–!talvez!o!último!escrito!por!Pessoa!em!qualquer!língua,!pois!nenhum!
tem!data!posterior.!
! ! ! ! ! ! !
The!happy!sun!is!shining,! O!sol!feliz!brilha!
The!fields!are!green!and!gay,! Os!campos!estão!verdes!e!alegres!!
But!my!poor!heart!is!pining! Mas!o!meu!pobre!coração!anseia!
For!something!far!away.! Por!algo!que!está!longe.!
It’s!pining!just!for!you,! Anseia!só!por!ti,!
It’s!pining!for!your!kiss.! Anseia!pelo!teu!beijo!
It!does!not!matter!if!you’re!true! Não!importa!se!és!fiel! !
To!this.! A!isto.!
What!matters!is!just!you.! O!que!importa!és!só!tu.!
!
I!know!the!sea!is!beaming! Sei!que!o!mar!reluz!

5! Publicado! com! vários! erros! por! Ángel! CRESPO! (1989:! 25).! Publicado! sem! a! terceira! estrofe! por!
Luísa! Freire! (in! PESSOA,! 2000:! 198).! Publicado! com! um! erro! por! Richard! Zenith! (in! PESSOA,! 2016:!
202R203).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 598


Barreto A última paixão
Under!the!summer!sun.! Sob!um!sol!de!verão.!
I!know!the!waves!are!gleaming,! Sei!que!as!ondas!cintilam!
Each!one!and!every!one.! Cada!uma!e!todas!elas.!
But!I!am!far!from!you,! Mas!eu!estou!longe!de!ti,!
Oh!so!far!from!your!kiss!! Oh!tão!longe!do!teu!beijo!!
And!that’s!all!that!is!really!true! E!apenas!essa!é!a!verdade!!
In!this.! Nisto.!
What!matters!is!just!you.! O!que!importa!és!só!tu.!
!
Oh,!yes,!the!sky!is!splendid,! Oh,!sim,!o!céu!resplende,!
So!blue!as!it!is!now,! Tão!azul,!agora!mesmo,!
The!air!and!light!are!blended! ConfundemRse!ar!e!luz!!
Oh,!yes,!but,!anyhow,! Oh,!sim,!mas,!no!entanto,!
Nothing!of!this!is!you,! Nada!disto!és!tu,!
I’m!absent!from!your!kiss! Eu!estou!ausente!do!teu!beijo!
That’s!all!I!get!that!is!sad!and!true! Só!essa!triste!verdade!colho!
From!this.! Disto.!
What!matters!is!just!you.! O!que!importa!és!só!tu.6!
!
Quem!poderá!ter!inspirado!este!ou!outros!poemas!de!amor!de!1935,!altura!
em! que! a! paixão! de! Pessoa! por! Ofélia! se! encontrava,! há! muito,! aparentemente!
extinta?! Não! sendo! do! tipo! de! questões! a! que! habitualmente! se! possa! responder!
com! muita! segurança,! nada! impede,! porém,! que! se! confronte! esta! última! vaga!
poética!amorosa!de!Pessoa!–!rara!no!autor,!volte!a!sublinharRse!–!com!peças!da!sua!
correspondência! de! 1935! e! certos! factos! desse! ano! relatados! mais! tarde! por!
familiares!do!poeta.!Esse!conjunto!de!circunstâncias!permite!sugerir!hipóteses!com!
alguma!verosimilhança,!mas!não!prováRlas,!obviamente.!
!
Madge"Anderson"
!
Um!biógrafo!de!Pessoa,!José!Paulo!Cavalcanti,!baseandoRse!em!testemunhos!orais!
recolhidos! junto! dos! familiares! do! poeta,! referiuRse! brevemente! a! uma! inglesa,!
Madge! Anderson,! como! tendo! tido! uma! “relação! misteriosa”! e! uma! “simpatia!
recíproca”! com! Fernando! Pessoa! (CAVALCANTI,! 2011:! 127).! Muito! antes! disso,! nas!
Cartas)de)amor)de)Ofélia)a)Fernando)Pessoa,!Manuela!Nogueira,!sobrinha!do!poeta,!já!
se! referira! vagamente! a! Madge,! identificandoRa! como! “a! inglesa”! de! quem! Ofélia!
falava!numa!das!suas!cartas!para!Pessoa!(NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996:!256).!!
Madge! Anderson! (1904R1988)! era! irmã! de! Eileen! Anderson! (1902R1987),!
cunhada! de! Pessoa,! pois! era! casada! com! o! seu! meioRirmão! João! Maria! Nogueira!
Rosa! (ou! John),! um! bancário! que! vivia! em! Londres.! Os! outros! dois! meiosRirmãos!
de!Fernando!Pessoa!eram!Henriqueta!Madalena!(ou!Teca),!a!mais!velha,!que!vivia!

! Tradução,! tanto! quanto! possível! literal,! do! autor! deste! artigo,! com! a! colaboração! de! Ricardo!
6

Vasconcelos.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 599


Barreto A última paixão

em! Portugal,! e! o! benjamim,! Luís! Miguel! (ou! Lhi! ou! Michael),! um! engenheiro!
químico!que!vivia!em!Inglaterra.!!
Madge,! que! casara! ainda! jovem! com! um! inglês,! fez! um! número!
indeterminado!de!viagens!a!Portugal!entre!o!ano!de!1929!–!já!então!em!“férias”!do!
seu!marido!e!em!vias!de!se!divorciar!dele!(NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996:!252;!SILVA,!
2012:! 276R277)! –! e! AbrilRMaio! de! 1935,! data! da! sua! presumível! última! estadia! em!
Lisboa.! Ofélia! Queiroz,! que! em! 1929! reatara! o! antigo! namoro! com! Fernando!
Pessoa,! tomou! através! dele! conhecimento,! nesse! mesmo! ano,! da! visita! a! Portugal!
de! Madge,! não) acompanhada) pelo) marido.! Esta! última! circunstância! poderá! ter! feito!
soar! algum! vago! alarme! na! mente! de! Ofélia,! a! avaliar! pelos! comentários!
depreciativos!que!teceu!sobre!Madge.7!Meses!depois,!novo!sinal!de!alarme:!numa!
carta! de! Março! de! 1930,! Ofélia! manifestavaRse! contra! o! plano! de! Pessoa! de! viajar!
sozinho!a!Inglaterra,!pois!poderia!“gostar!lá!de!alguma!inglesinha!e!ficar!por!lá”!ou!
“mandáRla!vir!para!cá”.8!TratarRseRia!aqui!de!mera!intuição!de!Ofélia!ou!de!alguma!
suspeita!mais!fundada?!SabeRse!apenas!que!Pessoa,!convidado!repetidamente!pelo!
seu!irmão!Luís!Miguel9,!terá!projectado!uma!viagem!a!Inglaterra,!que!nunca!viria!a!
concretizarRse.!
O! biógrafo! CAVALCANTI! (2011:! 128)! relacionou! os! encontros! que! Pessoa! e!
Madge!terão!tido!no!período!referido!com!dois!poemas!do!heterónimo!Álvaro!de!
Campos:!um,!sem!título,!que!começa:!“A!rapariga!inglesa,!tão!loura,!tão!jovem,!tão!
boa!|!Que!queria!casar!comigo...”,!datado!de!1930;!o!outro,!“Psiquetipia”,!de!1933.!
No!primeiro!poema,!aqui!transcrito!no!Anexo!1,!o!autor!chama!“meu!único!amor”!
à!anónima!inglesa.!Problema,!porém,!é!que!a!verdadeira!Madge,!sendo!realmente!
jovem,!pois!completou!26!anos!em!1930,!não!seria!propriamente!“tão!loura”,!mas!
sim,!segundo!apurou!Cavalcanti!junto!de!familiares!de!Pessoa,!de!“cabelo!castanho!
alourado”!(2011:!131).!
Na! última! vez! que! esteve! em! Portugal,! na! primavera! de! 1935,! Madge! viu!
frustrado! o! seu! desejo! de! se! encontrar! demoradamente! com! Pessoa! e,! desolada,!
terá!regressado!bruscamente!a!Inglaterra.!Com!efeito,!após!a!chegada!de!Madge!a!
Lisboa,! Pessoa! decidira! “desaparecer”! sem! dar! qualquer! explicação.! Tal! atitude!
mereceuRlhe!a!censura!da!sua!irmã!Henriqueta!Madalena!(a!Teca)!e,!mais!tarde,!da!
própria!Madge,!que!acusou!Pessoa!de!um!“truque”!para!não!se!encontrar!com!ela.!
Desse! “desaparecimento”! trata! parte! da! correspondência! inédita! entre! Pessoa! e!
Madge,!que!adiante!se!transcreverá.!
O! nome! de! Madge! Moncrieff! Anderson! e! o! seu! endereço! londrino! surgem!
várias!vezes!num!caderno!de!argolas!usado!no!verãoRoutono!de!1935!(cf.!BNP/E3,!

7!Carta! de! Ofélia! Queiroz! a! Fernando! Pessoa! de! 25! de! Novembro! de! 1929! (NOGUEIRA!e! AZEVEDO,!
1996:!256R257).!!
8!Carta!de!Ofélia!Queiroz!a!Fernando!Pessoa!de!3!de!Março!de!1930!(NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996:!

292).!
9!Carta!de!Luís!Miguel!Nogueira!Rosa!a!Fernando!Pessoa,!de!15!de!Setembro!de!1935!(BNP/E3,!1152R

109).!!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 600


Barreto A última paixão

144FR2r,! 6r! e! 14r;! ver! Fig.! 1),! em! que! Pessoa! também! escreveu! vários! poemas! de!
amor! em! inglês.! Madge! e! sua! irmã! Eileen,! que! em! 1935! completavam!
respectivamente! 31! e! 33! anos,! eram! oriundas! de! uma! família! irlandoRescocesa.! A!
mãe,!Teresa!Murphy,!nascida!em!1874!perto!de!Dublin,!era!irlandesa.!O!pai,!James!
Moncrieff! Anderson,! nascido! em! 1875! em! Glasgow,! era! escocês;! trabalhou! como!
engenheiro!e!viveu!longos!anos!na!Turquia,!onde!foi!administrador!da!Companhia!
de! Telefones! de! Constantinopla,! de! capital! britânico.10! Os! Anderson! eram! uma!
família! “com! plaid”! e! “muito! conservadora”,! segundo! afirma! Isabel! Murteira!
França,! sobrinhaRneta! de! Pessoa! e! também! sua! biógrafa! (FRANÇA,! 1987:! 236).! Por!
correspondência!inédita!de!Pessoa!para!o!seu!irmão!João!(John),!sabemos!que!um!
tio! de! Eileen! e! Madge,! Jack! MacManus,! se! deslocou! em! negócios! a! Portugal! em!
1934!e!se!encontrou!duas!vezes!com!Pessoa,!que!guardou!dele!uma!opinião!muito!
favorável.11!!

Fig."1."Endereço"londrino"de"Madge"(BNP/E3,"144F514r)."

Segundo!o!testemunho!oral!do!sobrinho!de!Pessoa,!Luís!Miguel!Rosa!Dias,!
Madge! terá! trabalhado! mais! tarde,! durante! a! segunda! guerra! mundial,! na!
decifração!de!mensagens!alemãs!(CAVALCANTI,!127).!Esta!informação!é!consistente!
com! um! registo! que! descobrimos! do! casamento,! a! 29! de! Agosto! 1939,! em!
Westminster,! de! Madge! –! isto! é,! Margaret! Mary! Moncrieff! Anderson,! seu!
verdadeiro!nome!completo12!–!com!Frederick!William!Winterbotham13,!que!chefiou!
a!Air!Section!do!Secret!Intelligence!Service!(SIS!ou!MI6)!entre!1929!e!1945.!Não!há!
dúvida! de! que! se! trata! da! mesma! Madge! que! Fernando! Pessoa! conheceu,! pois! o!
endereço! londrino! do! casal! em! 1939! era! o! mesmo! da! amiga! de! Pessoa! em! 1935.14!

10! ConsultaramRse! os! registos! de! nascimento! de! Margaret! Mary! Moncrieff! Anderson,! James!
Moncrieff! Anderson! e! Teresa! Mary! Murphy,! bem! como! o! Annuaire) Oriental) 1922,! Constantinople:!
Alfred!Rizzo,!1922,!p.!174.!Agradeço!a!preciosa!ajuda!de!Rijn!du!Toit!na!obtenção!destas!e!de!outras!
informações.!!
11!Carta!de!Fernando!Pessoa!a!João!Maria!Nogueira!Rosa,!2!de!Fevereiro!de!1934!(espólio!familiar,!

sem!cota).!
12! Nas! principais! fontes! oficiais,! como! o! registo! de! nascimento,! o! registo! da! universidade! que!

frequentou! e! o! jornal! oficial! inglês,! o! nome! completo! de! Madge! aparece! como! Margaret! Mary!
Moncrieff!Anderson.!Madge!é,!pois,!neste!caso,!um!diminutivo!de!Margaret!.!!
13! “Frederick! William! Winterbotham”,! in! Mitchell! Families! Online.! Acessível! em:!
http://mfo.me.uk/getperson.php?personID=I15804&tree=W1!!
14!1939!Electoral!Register!for!Westminster,!London,!in!Ancestry.co.uk,!record!40020_189923R00369,!e!

1939!National!Register!for!F.!Winterbotham,!in!Findmypast.co.uk,!record!TNARR39R0624R0624ER018.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 601


Barreto A última paixão

Fred!Winterbotham!esteve!associado,!durante!a!guerra,!ao!trabalho!“ultraRsecreto”!
do! centro! de! decriptação! de! telecomunicações! de! Bletchley! Park.! O! nome! de!
Winterbotham! foi! praticamente! desconhecido! do! público! inglês! até! 1974,! ano! em!
que! publicou! The) Ultra) secret,! que! lhe! granjeou! fama! internacional,! pois! foi! o!
primeiro!livro!autorizado!a!relatar,!ainda!que!só!parcialmente,!a!história!secreta!de!
Bletchley!Park.!!
A!ligação!de!Madge!aos!serviços!secretos!britânicos!foi!confirmada!por!uma!
série! de! informações! oficiais! a! que! tivemos! acesso,! que! elucidam! não! só! o! seu!
percurso! profissional,! como! também! os! seus! principais! dados! biográficos! e! a! sua!
formação!académica.!Margaret!Mary!Moncrieff!Anderson!nasceu!a!7!de!Setembro!
de! 1904! em! Cathcart,! então! subúrbio! e! hoje! parte! integrante! da! cidade! de!
Glasgow.15!Em!1923,!com!19!anos,!Madge!iniciou!os!seus!estudos!na!Universidade!
de!St.!Andrews,!na!Escócia,!alojandoRse!na!residência!feminina!do!campus.!Com!os!
pais!então!a!viver!na!Turquia,!o!home)address!de!Madge!registado!em!St!Andrews!
era!o!endereço!paterno!em!Constantinopla.16!Após!ter!completado,!em!1926,!uma!
licenciatura! de! três! anos,! dita! “General! MA”17,! Madge! entrou! em! 1927,! com! 22!
anos,! ao! serviço! do! Foreign! Office,! em! Londres,! e! em! 1929! foi! nomeada! junior)
assistant! do! mesmo! ministério.18! Em! Abril! de! 1935,! na! lista! de! passageiros! de! um!
navio! com! destino! a! Portugal,! a! sua! profissão! declarada! é! a! de! assistant) principal,!
sem! outra! precisão.19! Sempre! vinculada! ao! Foreign! Office,! foi! admitida! em!
Bletchley!Park!em!Agosto!de!1939,!mês!do!seu!casamento!com!Winterbotham,!com!
a!categoria!de!junior)assistant!20,!não!se!sabe!com!que!funções.!Meses!depois!passou,!
juntamente! com! o! seu! marido,! de! Bletchley! Park! para! a! sede! do! SIS! (dita!
“Broadway”)!em!Londres.!A!partir!de!1942,!trabalhou!na!secção!de!intercepção!de!
comunicações! diplomáticas! e! comerciais! (Diplomatic! and! Commercial! Signals!
Intelligence)! do! SIS,! situada! em! Berkeley! Street,! Londres.21! Depois! da! guerra,!

15!National!Records!of!Scotland.!1904!Birth!Register.!Births!in!the!Parish!of!Cathcart!in!the!County!of!
Renfrew!(p.!183,!no.!547).!
16!Informação!obtida!junto!do!Alumni!Relations!Office,!University!of!St!Andrews.!

17! O! curso! estendeuRse! pelos! anos! lectivos! de! 1923R1924! a! 1925R1926! e! comprendeu! as! cadeiras! de!

English!Literature,!Natural!Philosophy!(1.º!ano),!French,!Philosophy,!Latin!(2.º!ano),!Greek,!English!
Literature,!English!Language!and!Philosophy,!French!(3.º!ano).!Informação!obtida!junto!do!Alumni!
Relations!Office,!University!of!St!Andrews.!
18! The) London) Gazette,! 6! de! Agosto! de! 1929,! p.! 5162.! O! nome! indicado! é! Margaret! Mary! Moncrieff!

Anderson.!
19! “Names! and! description! of! British! passengers! embarked! at! the! Port! of! Southampton,! 12th! April!

1935”,!in!Ancestry.co.uk,!record!41039_6001421R00318.!O!nome!indicado!é!Madge!Mary!Anderson.!
Agradeço! esta! e! outras! valiosas! informações! a! Kerry! Howard,! investigadora! da! história! de!
Bletchley!Park.!
20!Bletchley!Park!R!Roll!of!Honour!Certificate!em!nome!de!Miss!Madge!M.!Anderson.!Acessível!em:!

https://bletchleypark.org.uk/rollRofRhonour/171.!!
21!Bletchley!Park!R!Roll!of!Honour!Certificate!em!nome!de!Mrs.!Madge!Winterbotham.!Acessível!em:!

https://bletchleypark.org.uk/rollRofRhonour/9958.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 602


Barreto A última paixão

Madge! continuou! vinculada! ao! Foreign! Office,! mas! o! seu! casamento! com! Fred!
Winterbotham! (que! deixou! os! serviços! secretos! em! 1945)! durou! apenas! até! 1946.!
Madge!viveu!até!aos!83!anos,!falecendo,!aparentemente!sem!descendência,!a!3!de!
Julho!de!198822,!ou!seja,!semanas!depois!do!centenário!do!nascimento!de!Fernando!
Pessoa.!!
Madge! era! uma! mulher! “muito! culta,! mas! tinha! um! ‘feitio’! algo!
complicado”,!segundo!o!testemunho!de!sobrinho!de!Pessoa,!Luís!Miguel!Rosa!Dias!
(CAVALCANTI,! 127).! Segundo! Manuela! Nogueira,! reportandoRse! ao! ano! de! 1929,!
Madge! era! “muito! inteligente,! fria! e! com! um! casamento! difícil”! (in! NOGUEIRA! e!
AZEVEDO,!256).!A!mesma!também!se!referiu!a!Madge!deste!modo:!“Aquela!mulher!
enigmática!que!o!atraíra![a!Pessoa]!nas!vindas!a!Lisboa!e!que!logo!partia!sem!uma!
explicação! plausível.! Uma! louca,! achava! a! família!”23! Ao! citar! aqui! a! opinião! da!
“família”,! Manuela! Nogueira! estaria! possivelmente! a! referirRse! a! Eileen! e! John,!
respectivamente!irmã!e!cunhado!de!Madge,!que!mantiveram!relacionamento!com!
Teca!em!Portugal.!
No!segundo!semestre!de!1935,!Pessoa!e!Madge!trocaram!cartas,!pelo!menos!
duas!em!cada!sentido.!A!correspondência!iniciouRse!no!final!do!verão!ou!início!do!
outono,!período!em!que!tanto!um!como!o!outro!atravessaram!crises!depressivas.!A!
10!de!Outubro,!Pessoa!enviou!uma!segunda!carta!a!Madge,!acompanhada!de!um!
poema! seu! em! inglês,! intitulado! “D.! T.”! (iniciais! de! Delirium) Tremens),! em! que!
falava!de!amor,!do!seu!alcoolismo!e!da!sua!“alma!perdida”!(cf.!PIZARRO!e!PITTELLA,!
2016,! 98R102,! 273R274).! O! poema! agradou! a! Madge,! que,! respondendo! a! 14! de!
Novembro,! lhe! pediu! mais! versos,! para! lhe! levantarem! o! ânimo! –! tal! como! ela,!
dizia,!tentara!anteriormente!levantar!o!ânimo!de!Pessoa.!!!
"
Três"cartas"inéditas"
!
TranscreveRse!de!seguida!a!referida!correspondência!entre!Pessoa!e!Madge!–!ou!o!
que!dela!restou!no!espólio!do!poeta,!pois!terRseRá!perdido!pelo!menos!uma!carta.!
São!duas!cartas!de!Pessoa!e!uma!de!Madge,!bem!como!um!postal!assinado!por!esta!
última,!todas!até!hoje!inéditas.!Cronologicamente,!a!primeira!peça!é!um!rascunho!
sem! data! de! uma! carta! de! Pessoa! para! Madge,! datável! do! fim! do! verão! ou!
princípio! do! outono! de! 1935,! na! qual! Pessoa! pede! desculpa! pelo! seu!
“desaparecimento”! quando! da! última! estadia! de! Madge! em! Lisboa,! em! AbrilR
Maio.!Como!justificação!da!sua!fuga,!Pessoa!alega!uma!crise!depressiva.!Esta!carta!
provém!do!espólio!familiar.!
!

!Notícia!de!morte!de!Margaret!Moncrieff!Winterbotham,!The)Times,!6!de!Julho!de!1988.!!
22

! Palestra! “Second! life”! proferida! por! Manuela! Nogueira! em! 2009.! Acessível! em:!
23

https://ccvirtual.wordpress.com/2009/02/08/aRpalestraRdeRmanuelaRnogueira/.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 603


Barreto A última paixão

My!dear!Madge!
I!have!been!wanting!to!write!to!you!for!a!long!time,!but,!as!I!never!really!
know! what! time! is,! that! unknown! element! has! dragged! on! till! now.! It!
generally!does!this!when!we!do!nothing.!
My!letter!will!be!simply!an!apology.!You!arrived!here!when!I!was!sinking!
and!you!stayed!here!till!I!had!sunk.!I!have!since!then!come!up!to!the!surface,!
but!I!would!be!hard!put!to!it!to!say!what!surface!that!is.!I!am!very!sorry!for!
all! that! happened,! meaning! my! discourtesy! in! disappearing,! but! you24! lost!
nothing! by! my! disappearance,! which! was! the! best! action25! that! some!
remnants!of!decency!could!dictate!to!a!man!practically!lost26!to!the!whole!of!
it.27!
Though! I! have! risen! to! the! apparent! surface28,! I! am! now! ready! to! sink!
again,! and! this! time,! I! think,! definitely.! I! should! like! you! to! remember! me!
with! Christian! charity! and! not! with! simple! human! contempt,! though! this!
would!be!the!right!and!proper!feeling29,!as!the!world!is.!!
Most!sincerely!yours,!
)
Tradução:!
!
Minha!querida!Madge!
Há! muito! que! tencionava! escreverRte,! mas,! como! nunca! sei! realmente! o!
que!é!o!tempo,!esse!dado!desconhecido!foiRse!arrastando!até!agora.!É!o!que!
geralmente!sucede!quando!não!fazemos!nada.!
Esta! minha! carta! será! simplesmente! um! pedido! de! desculpas.! Chegaste!
aqui!quando!eu!estava!a!afundarRme!e!por!cá!ficaste!até!eu!me!ter!afundado.!
Desde! então,! já! voltei! à! superfície,! mas! teria! dificuldade! em! dizer! de! que!
superfície! se! trata.! Lamento! muito! tudo! o! que! se! passou,! isto! é,! a! minha!
descortesia! em! ter! desaparecido,! mas! não! perdeste! nada! com! o! meu!
desaparecimento,!que!foi!a!melhor!acção!que!alguns!resquícios!de!decência!
poderiam!ditar!a!um!homem!praticamente!perdido!para!tudo!isso.!
Embora! eu! tenha! subido! à! aparente! superfície,! estou! agora! pronto! para!
me! afundar! novamente! e,! desta! vez,! penso! que! definitivamente.! Gostaria!
que! me! recordasses! com! caridade! cristã! e! não! com! simples! desprezo!

24!<I!am!sorry!I!was!what!I!was!when!you!came.!The!apology!lies!in!this>!I!am!very!sorry!for!all!that!
happened,![↓!meaning!my!discourtesy!in!disappearing,]!<though>!but!you!
25!<the!last!act!of>!the!best!action!

26!a!man![←!practically]!lost!!

27!SeguemRse!dois!novos!parágrafos,!que!foram!depois!riscados:!“The!apology!goes!on.!From!Teca’s!

permanent!indignation!against!me!I!gather!that!I!have!been!guilty.!|!All!that!I!really!want!to!say!is!
that!I!do!not!really!know!what!I!did!or!said!during!the!time!you!were!here.”!
28!the![↑!apparent]!surface!!

29!<direct>![↓!proper]!feeling!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 604


Barreto A última paixão

humano,! ainda! que! fosse! esse! o! sentimento! certo! e! apropriado,! no! mundo!
tal!como!ele!é.!!
Muito!sinceramente!teu,!
!
!
!

li:y dear U.adge:

I have been •nantirig t·o write jo you for a long


time, but, 3.S I never really kno1·1 what -time is, that un-
known element has dragged on till now. It generall.JI: does
this when we do nothing.
:li1y letter will be simply an apology. You ar-
rived here ,.,;hen I was sinking andt you stayed here till I
had sunk. I have since then cor.~e up to the surface, but
I would be hard put to it to 4ay what surface that is.
I a.m very sorry fo-;r
all that happened,--- but
x>am:!§k you lost nothing b!' my diaa.ppearame, whlich we.a
J:)mxxarlxim:t..~ the bes* action that some remnants of
d~cenny could dictate to a ma~lost to the whole of it.
nm.x.:im:bg;y:xgm•s:xmqx~abxp~
:tignllil!!:n.xa:p±nll.t:xm&xJlxfxgm:tkB~xk:a:n~~
Jttbc:tx&t:ocitxJraa~xuµ:nrll'llrttlxli=h
r~Xl'Ul10C]l!7la:txb;i.iidxu.rJl&:i!ixd:urt
µJIX'JOl'XlLv:m!.Xll

meanin~ llll[ in l'l::cqlX :it:twsppa%Ra:ing lisappearing,


diocourtesy
apparent
T:t.ough I have risen to the/surface, I am no.'f
rea.:ly to sink again, and this time, I think, def"inttely.
I should like you to remember me with l!furistian charity
a:1d not with siople human ......,,.ptwmpcontempt, though this
would be the right and i:tuJJU feeling, as the world is.
proper
l:ost sincerely yours,

!
Fig"2."Rascunho"de"carta"sem"data"de"Pessoa"para"Madge.""
Espólio"familiar"de"Fernando"Pessoa,"sem"cota."
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 605


Barreto A última paixão

Não! foi! possível! encontrar! a! carta! de! Madge! em! resposta! a! esta.! Sabemos,!
porém,!que!ela!realmente!respondeu,!com!uma!“carta!simpaticamente!agressiva”,!
como! Pessoa! lhe! chama! em! nova! missiva! sua,! datada! de! 9! de! Outubro! de! 1935.!
Esta! última,! de! que! adiante! se! reproduz! o! rascunho! (Fig.! 3),! não! foi! até! hoje!
identificada!como!uma!carta!de!Pessoa!para!Madge,!dado!que!lhe!falta!a!menção!
inicial!do!destinatário.!Todavia,!uma!leitura!atenta!permite!identificar!claramente!
Madge!como!a!destinatária.!TrataRse!de!um!documento!muito!interessante!a!vários!
títulos,!pois!Pessoa!fala!de!um!poema!que!envia!juntamente!para!Madge!e!refereRse!
também!a!Salazar,!manifestando!descontentamento!com!o!seu!regime.!!
!
9/10/1935.)!
Thanks!very!much!for!your!kind!aggressive!letter,!of!the...!–!no,!it!is!of!no!
the! for! it! is! femininely! undated30.! “Dramatic! old! silly”! is! about! the! best!
definition! that! could! be! given! of! me31;! it! is! even! quite! sisterly,! except! that!
Teca!would!have!left!out!the!“dramatic”!and!the!“old”.!□,!for!instance,!□!
Perhaps!my!letter!was!to!a!certain!extent!stupid.!In!practical!things!–!and!
letters,! I! suppose,! are! practical! things32! –! I! generally! am! stupid.! But! I! am!
really!sorry!if!it!annoyed!you.!
Apart!from!all!that,!I!am!really!not!sinking!now.!Indeed,!I!am!feeling!far!
better!in!all!ways.!If!Eileen!and!John33!had!come!–!we!know!now!that!they!
are!not!coming!–,!they!would!not!have!been!present!at!any!variation,!major!
or!minor,!of!the!“sinking!trick”,!as!you!call!it.!
We!are!very!sorry!that!Eileen!and!John!could!not!come!this!year,!but!we!
look!forward!to!the!next!and!to!a!full!month’s!stay!on!their!part.!
As!you!know,!the!Baby!has!been!ill;!indeed,!at!one!time!he!seemed!very!
ill,! but! fortunately! the! matter! was! less! serious! than! it! looked! and! he! is!
rapidly!recovering.!He!is!now!quite!bright,!though!still!a!little!pale,!and!eats!
like!a!human!being!and!not!as!I!did!in!the!sinking!etc.!time.!
By!the!bye,!I!am!sending!you!a!beautiful!little!poem!I!wrote!at!Estoril!by!
the! end! of! April,! that! is! to! say34! about! a! month! before35! the! sinking!
variously36!aforesaid.!It!isn’t!worth!much!–!as!a!matter!of!fact,!it!isn’t!worth!
anything! at! all! –,! but! it! is! rather! curious,! I! think,! as! a! psychological!
document.!I!won’t!say!a!“human!document”,!because!this!expression!seems!
to!apply!to!escaped!convicts,!dope!fiends!and!the!like,!and!the!Premier!(bad!

30!femininely!<or!unworldlily>!undated!!
31!the!best!definition!<of!myself>!that!could!be!<found>![↑!given!of!me]!!
32!<belong!to!that>![↑!are!practical!things]!!

33!If!<John>!Eileen!and!John!

34!at!Estoril![←!by!the!end!of!April,!that!is!to!say]!

35!<about>![↑!before]!

36!<several!times>![↑!variously]!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 606


Barreto A última paixão

cess!to!him!)!has!not!yet!even!made37!a!convict!of!me,!since38!what!he!says!
does! not! carry39! conviction,! though! it! is! very! likely! he! will! force! me! to!
become!a!dope!fiend!or!a!the!like.!
The!poem!happens!to!be!sincere!enough,!though!it!contains!a!good!deal!
of!dramatic!new!silliness40.!It!is!a!terrible41!mixRup!of!feelings!of!all!sorts,!but!
then! so! was! I! when! I! wrote! it.! I! should! add! that,! first42,! there! was! a!
centipede,! since! its! corpse! was! visible! next! morning,! so! the! basis! of! my!
sincere!poem!is!a!lie;!second43,!I!don’t!like!candy.!
Love!from!us!all.!
Yours!ever,!!
)
Tradução:!
!
9/10/1935.!
Muito! obrigado! pela! tua! carta! simpaticamente! agressiva! do! dia...! –! não,!
não! é! de! dia! nenhum,! pois! veio! femininamente! não! datada.! “Velho! tonto!
dramático”! é! praticamente! a! melhor! definição! que! se! poderia! dar! de! mim;!
parece!mesmo!coisa!de!irmã,!excepto!que!a!Teca!teria!omitido!o!“dramático”!
e!o!“velho”.!□,!por!exemplo,!□!
Talvez! a! minha! carta! tenha! sido! até! certo! ponto! estúpida.! Em! coisas!
práticas! –! e! cartas,! suponho,! são! coisas! práticas! –! eu! sou! geralmente!
estúpido.!Mas!lamento!realmente!se!isso!te!aborreceu.!!
Aparte!isso,!não!estou!verdadeiramente!a!afundarRme!agora.!SintoRme,!de!
facto,! muito! melhor! em! todos! os! aspectos.! Se! a! Eileen! e! o! John! tivessem!
vindo! –! sabemos! agora! que! já! não! vêm! –,! já! não! teriam! presenciado!
nenhuma! variação,! maior! ou! menor,! do! meu! “truque! de! afundamento”,!
como!lhe!chamas.!!
Temos!muita!pena!que!a!Eileen!e!o!John!não!tenham!podido!vir!este!ano,!
mas!ficamos!ansiosos!que!no!próximo!ano!fiquem!por!cá!um!mês!inteiro.!
Como!sabes,!o!Bebé!tem!estado!doente;!a!dada!altura,!pareceu!até!muito!
doente,!mas,!felizmente,!o!caso!era!menos!sério!do!que!parecia!e!ele!está!a!
recuperar! rapidamente.! Está! agora! bastante! vivo,! embora! ainda! um! pouco!
pálido,! e! come! como! um! ser! humano,! não! como! eu! comia! na! fase! de!
afundamento!etc.!!

37!has!not!yet![←!even]!made!!
38!<nor!even!con>!since!!
39!<he!does!not!carr>!what!he!says!does!not!carry!

40!dramatic!<old>![↑!new]!silliness!!

41!<an!awful>![←!a!terrible]!!

42!<(1)>![↑!first]!

43!<(2)>![↑!second]!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 607


Barreto A última paixão

A! propósito,! envioRte! junto! um! belo! poemeto! que! escrevi! no! Estoril! em!
fins!de!Abril,!ou!seja,!cerca!de!um!mês!antes!do!afundamento!várias!vezes!
atrás!referido.!Não!vale!muito!–!na!verdade,!não!vale!absolutamente!nada!–,!
mas! acho! que! é! bastante! curioso! como! documento! psicológico.! Não! diria!
como! “documento! humano”,! pois! é! uma! expressão! que! parece! sobretudo!
aplicarRse!a!condenados!evadidos!da!prisão,!viciados!em!droga!e!outros!que!
tais,!e!o!primeiroRministro!(má!sorte!para!ele!)!ainda!nem!sequer!fez!de!mim!
um! condenado,! visto! que! o! que! ele! diz! não! é! convincente44,! embora! seja!
bastante! provável! que! me! obrigue! a! tornarRme! um! drogado! ou! algo!
semelhante.!
Sucede! que! o! poema! é! bastante! sincero,! ainda! que! contenha! uma! boa!
porção!de!nova!tontice!dramática.!É!uma!terrível!mistura!de!sentimentos!de!
todo! o! tipo,! mas! também! era! assim! que! eu! estava! quando! o! escrevi.! Devo!
acrescentar,! em! primeiro! lugar,! que! havia! realmente! uma! centopeia,! dado!
que!o!seu!cadáver!estava!visível!na!manhã!seguinte,!pelo!que!a!base!sincera!
do!meu!poema!é,!afinal,!uma!mentira;!e!em!segundo!lugar,!que!não!gosto!de!
rebuçados.!!
Com!amor!de!todos!nós,!o!sempre!teu,!
!
!
Como!complemento!desta!carta,!reproduzRse!adiante!(Figs.!4!e!5)!o!poema!“D.!
T.”!(iniciais!de!delirium)tremens,!como!se!disse),!que!Pessoa!enviou!juntamente!e!ao!
qual! se! refere! nos! dois! últimos! parágrafos! da! missiva,! embora! sem! o! identificar!
pelo!título.!Essa!identificação!foi!possível!a!partir!da!carta!que!o!acompanhou,!até!
agora! desconhecida.45! Pessoa! fez! três! cópias! a! químico! do! poema! dactilografado,!
uma!das!quais!assinada!pelo!seu!punho,!que!se!acham!no!espólio!do!poeta!na!BNP.!
SabeRse!por!um!rascunho!inacabado!de!carta!para!o!seu!irmão!Luís!Miguel,!datado!
de!15!de!Outubro!de!1935!(espólio!familiar,!sem!cota),!que!Pessoa!pensou!enviarR
lhe! também! uma! cópia! do! poema! “D.! T.”,! que! achava,! aliás,! “impróprio! para!
publicação”.!O!poema!já!tinha!sido!recitado!por!Pessoa!ao!irmão!Luís!Miguel!e!à!
cunhada!Eve!quando,!no!verão!desse!ano,!eles!estiveram!em!Portugal!(cf.!PIZARRO!
e!PITTELLA,!2017:!102).!
!

44! Trocadilho! intraduzível! com! as! palavras! convict! (condenado)! e! conviction! (duplo! sentido! de!
convicção!e!condenação).!A!expressão!to)carry)conviction!significa!ser!convincente.!
45! Agradeço! a! ajuda! de! Carlos! Pittella! na! identificação! do! poema! que! foi! enviado! a! Madge.! A!

propósito! deste! poema,! ver! «Como! escrever! em! estado! alcoólico»,! em! Como) Fernando) Pessoa) Pode)
Mudar)a)sua)Vida!(PIZARRO!e!PITTELLA,!2017).!O!poema!teve!a!sua!primeira!publicação!em!Fernando!
Pessoa,"Obra)Poética!(1960).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 608


Barreto A última paixão

!
!
!
!
- - --- - - - - ----- - -- - -- ~

... - Thanks very much for yo ur kind agg r essive le t ter,


of the t no, it is of no ~the • , for it is Kami11ii~~ feminine-
ly 2n IN"'UJ .l lol. Jo;; 9 undated }-• "Dramatic old si,l'.ly 11
is a-
l:nut the best definition .Q&. ~ f that c ould be/ ~ ; it
i s even J. s i s te r ly, e xcept th a t Tec a /wou ld have left out the
11 11
drar,atic a nd the 11old 11, ,for instan c e,
Per haps my letter was to a certain extetiL_stupJ.dl.7.: _
In practical things -,. and letters, I suppose, -~e'!itf=~~at: ~
I gene.rally am stupid, But I am really sorry if I annoyed
yo u,

Apart from all that, I am really not sinking now,


Ind e ed, I am feeling far better in all ways, If iXl1ll'!PI
Eileen
and John had come - we know now that they are not coming -
they would not have been present at any variation, major
or minor, of the "sinking trick", as you call it,
Vie are very sorry that Ei l'len arrl John could hot
come this year, but we look forward to the ne xt and to a full
month's stay on tri eir part.
AS you know, the Baby has be en ill; indeed, at one
tim e he seemed very ill, but fortunately the matter was less
serious than it looked and he is ms rapidly recovering, He
kPlll!l is now quite bright, though still a little pale, am eats
like a human being and not as I did in the sinking etc, time,
By the bye,
poem I wrote at Estoril
I;A
sending you P.:,E'?autiful
about a month~
little~
the sinking
,. 1
--a-l:.
/

w..- aforesaid , It is t worth much - as a matter of fact,


it isn't worth anything at a· . -, but it is rat her curious,
I think, as a psychological uoc•lment. '( I won't say a "human
docurr.ent 11 , because this expression seems to apply to escaped
conviets, dope fiends and the like, and the Pr emier (bad cess
to him!) has not yet / made a co n,1ict of me, lll1l~Xll\Vi«r.tXl!.l1lPI since
uxal:OIBJIXPll!itxsanu~ Vlhat he says does not can • y conviction,
though it i s very likely he will force me to be come a doll'
fierrl or a the like. \
The poem happens to be sJ,mere enough, though it
contains a good deal of dr amatic~ silliness. It is - "'-
mix-up of feelings of all sor ~ but then so was I
whe n I wrot e it. 1 s.l:ou l d -add th a t ,~-' the i·e ,1as o. cent i -
pede , c i n r e it s c or p se vras v isi bl e next morn in g7'°co the
Lo v e fro~ us all.
Yours ever,
J.,.__),
b a sis ,r r:-:y oir, c ere r,o em is a lie; I d on 't li k~ ca ndy.

!
Fig."3."Espólio"familiar"de"Fernando"Pessoa,"sem"cota."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 609


Barreto A última paixão

!
)6 A-e,~

D. 'l'.
Then the centipedes come
Without trouble ,
The other day 1ndeed, I can see them well
W1th my shoe, on the wall, Or even double .
I k1lled a centipede I ' ll see them home
Wh1ah was not there at all. l'iith my shoe ,
1low can that be? And, When they all go to hell ,
It's very simple, you see - I ' ll go too .
Just the beg1nn1ng or D.'l'.
, on a whole , .i
'.1.'hen
fthen the pink alligator I shall be happy indeed,
And the tiger without a head ~ecause, with a shoe
Begin to take stature Real and true,
And derani to be red, I shall kill the true centipede •
Aa I have no shoes My lost soul •. .
F1t to kill those,
I think I'll start th1nk1ng:
Should I at op dr1nk1ng?
But 1t reallvhoesn't 11atter •••
Am I th1nner"~r fatter
!Secause this is this?
iiould I be wiser or bet tar
If l1re were other than this 1a?
No, nothing is right.
Your love m1gllt
Maka me better than I
Can be or can try •
dut we never know •
Darling, .!_don't know•
.1.r the sugar or your heart
Wo1Jld not turn out candy •••
So I let my heart smart
And I drink brandy.

!! !
Figs."4"e"5."Poema"“D."T.”"(não"datado)."BNP/E3,"16A557r"e"56r."
)
) D.)T.) D.)T.)
)
The!other!day!indeed,! No!outro!dia,!de!facto,!
With!my!shoe,!on!the!wall,! Com!o!meu!sapato,!na!parede,!
I!killed!a!centipede! Matei!uma!centopeia!!
Which!was!not!there!at!all.! Que!não!estava!lá.!
How!can!that!be?! Como!é!isto!possível?!
It’s!very!simple,!you!see!–! Pois!é!muito!simples!–!
Just!the!beginning!of!D.T.! É!só!o!princípio!de!D.T.!
!
When!the!pink!alligator! Quando!o!jacaré!corRdeRrosa!
And!the!tiger!without!a!head! E!o!tigre!sem!cabeça!
Begin!to!take!stature! Começarem!a!ganhar!estatura!
And!demand!to!be!fed,!! E!exigerem!ser!alimentados,!
As!I!have!no!shoes! Como!não!tenho!sapatos!
Fit!to!kill!those,! Adequados!para!os!matar,!
I!think!I’ll!start!thinking:! Acho!que!começarei!a!pensar:!
Should!I!stop!drinking?! Devo!parar!de!beber?!
!
But!it!really!doesn’t!matter...! Mas!nada!disso!importa,!realmente...!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 610


Barreto A última paixão

Am!I!thinner!or!fatter! Sou!mais!magro!ou!mais!gordo!
Because!this!is!this?! Por!isto!ser!como!é?!
Would!I!be!wiser!or!better! Seria!eu!mais!sábio!ou!melhor!
If!life!were!other!than!this!is?! Se!a!vida!fosse!diferente?!
!
No,!nothing!is!right.! Não,!nada!é!certo.!
Your!love!might! O!teu!amor!poderia!
Make!me!better!than!I! TornarRme!melhor!do!que!eu!
Can!be!or!can!try.! Posso!ser!ou!tentar.!
But!we!never!know!–! Mas!nunca!poderemos!saber!–!!
Darling,!I!never!know! Querida,!eu!não!posso!saber!
If!the!sugar!of!your!heart! Se!o!açúcar!do!teu!coração!
Would!not!turn!out!candy...! Não!se!tornaria!rebuçado...!
So!I!let!my!heart!smart! Deixo,!pois,!o!coração!doer!
And!I!drink!brandy.! E!bebo!aguardente.!
!
Then!the!centipedes!come! Então!as!centopeias!vêm!
Without!trouble.! Sem!embaraço.!
I!can!see!them!well! Posso!vêRlas!bem!
Or!even!double.! Ou!até!a!dobrar.!
I’ll!see!them!home! LeváRlasRei!a!casa!
With!my!shoe,!! Com!o!meu!sapato,!
And,!when!they!all!go!to!hell,! E,!quando!forem!para!o!inferno,!
I’ll!go!too.! Irei!eu!também.!
!
Then,!on!a!whole,!! Então,!em!suma,!
I!shall!be!happy!indeed,! Serei!realmente!feliz,!
Because,!with!a!shoe! Porque,!com!um!sapato!
Real!and!true,! Real!e!verdadeiro,!
I!shall!kill!the!true!centipede!–!! Matarei!a!verdadeira!centopeia!–!
My!lost!soul...!! A!minha!alma!perdida...46!
!
Na!carta,!acima!transcrita,!que!este!poema!acompanhava,!Pessoa!afirma!têR
lo!escrito!no!Estoril!(isto!é,!na!casa!da!Teca)!em!fins!de!Abril!de!1935,!precisando!
que!isso!sucedeu!um!mês!antes!do!episódio!do!seu!“afundamento”!e!da!chegada!
de!Madge!a!Portugal.!Tal!cronologia!parece!pretender!afastar!da!mente!de!Madge!
qualquer!relação!do!poema!com!ela!ou!com!o!dito!episódio.!Não!é!fácil!acreditar!
que!assim!fosse,!nem!a!cronologia!de!Pessoa!parece!estar!correcta.!Não!se!conhece!
a!data!precisa!de!chegada!de!Madge,!mas!sabeRse!que!ela!embarcou!a!12!de!Abril!

! Tradução,! tanto! quanto! possível! literal,! do! autor! deste! artigo,! com! a! colaboração! de! Ricardo!
46

Vasconcelos.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 611


Barreto A última paixão

em!Southampton!com!destino!a!Lisboa47,!pelo!que!em!fins!desse!mês!(e!não!em!fins!
de!Maio)!ela!já!estaria!seguramente!em!Portugal!e!até!poderia!terRse!já!encontrado!
no!Estoril!com!Pessoa,!antes!do!“afundamenteo”!e!“desaparecimento”!deste.!Com!
efeito,! numa! carta! posterior! (ver! adiante),! Madge! dirá! que! passaram! sete! meses!
“since! I! saw! you”,! o! que! situaria! um! encontro! com! ele! em! Abril! –! se! esse! you!
engloba!Pessoa,!como!parece!englobar.!!
Contra! o! costume! de! Pessoa,! o! poema! “D.! T.”! não! está! datado! nem! no!
original! manuscrito! nem! na! versão! dactilografada.! Na! descrição! que,! na! carta,!
Pessoa! faz! do! poema,! afirma! que! ele! é! “bastante! sincero”! (para,! mais! adiante,!
sugerir! ironicamente! o! contrário)! e! que! contém! uma! “terrível! mistura! de!
sentimentos! de! todo! o! tipo”.! No! rascunho! da! carta! ao! irmão! Luís,! atrás! referida,!
Pessoa! diz! tratarRse! de! um! “poema! alcoólico! ou! pósRalcoólico”! que! expõe! uma!
“mistura! de! ideias! e! sentimentos! bastante! desconexos! entre! si”.! Na! verdade,! o!
poema!descreve!sucintamente!a!encruzilhada!psicológica!do!autor,!posto!perante!a!
escolha!entre!o!alcoolismo!e!o!amor,!optando!afinal!pelo!brandy,!embora!saiba!que!
lhe! matará! a! alma.! Não! se! pode! aqui! deixar! de! pensar! na! correspondência! de!
Ofélia! para! Pessoa,! em! que! o! vinho,! a! aguardente! e! o! “Abel”48! interferem!
regularmente!no!namoro.!Escrito!com!ironia!e!autoderisão,!o!poema!“D.T.”!desce!
sem!complacências!ao!âmago!do!dilema!existencial!do!poeta,!para!enfim!concluir!
que! o! melhor! é! continuar! a! beber! até! à! perdição.! Com! este! final,! fingida! ou!
sinceramente! desesperado,! o! poeta! parece! novamente! colocarRse! na! atitude! de!
apelar!à!“caridade!cristã”!de!Madge,!como!na!primeira!carta!para!ela.!
Na! carta! que! acompanha! o! poema,! Pessoa! refereRse! ao! Bebé! (“Baby”),!
tratamento!familiar!dado!ao!sobrinho!do!poeta,!Luís!Miguel!Rosa!Dias,!nascido!a!1!
de! Janeiro! de! 1931! (tinha,! portanto,! quatro! anos),! filho! da! Teca! e! de! Francisco!
Caetano!Dias.!!
Pessoa!refereRse!também!nessa!carta!a!um!primeiroRministro,!“the!Premier”,!
queixandoRse! dele! e! desejandoRlhe! má! sorte! (“bad! cess! to! him!”).! TrataRse!
obviamente!de!Salazar,!nesse!cargo!desde!1932.!Por!detrás!do!azedume!de!Pessoa!
para!com!o!“Premier”,!pressentemRse!as!razões!e!os!factos!que,!nesse!ano!de!1935,!
conduziram! o! escritor! a! uma! oposição! frontal! ao! regime! de! Salazar.! Entre! esses!
factos,!refiraRse!a!extinção!da!Maçonaria,!cujo!projecto!de!lei!mereceu!a!veemente!
oposição!de!Pessoa,!com!a!publicação!do!artigo!“Associações!Secretas”!no!Diário)de)
Lisboa) de! 4! de! Fevereiro! de! 1935! (PESSOA,! 2011).! RefiraRse! também! o! discurso! de!
Salazar! a! 21! do! mesmo! mês,! na! sessão! de! distribuição! dos! prémios! literários! do!
Secretariado! de! Propaganda! Nacional! –! discurso! que! provocou! a! ira! de! Pessoa,!

47! Lista! de! passageiros! acima! citada.! O! navio! “Dempo”,! da! Rotterdam! Lloyd,! tinha! como! destino!
último!a!Índia!e!fazia!as!primeiras!escalas!em!Roterdão!e!Lisboa.!
48!“Abel”!era!o!modo!como!Pessoa!se!referia!a!uma!loja!de!vinhos!da!firma!Abel!Pereira!da!Fonseca,!

por! ele! assiduamente! frequentada! e! onde! foi! retratado! “em! flagrante! delitro”,! como! o! poeta!
escreveu!no!verso!da!fotografia!oferecida!a!Ofélia!Queiroz.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 612


Barreto A última paixão

pela! defesa! que! o! ditador! ali! fez! da! imposição! de! limitações! (censura)! e! de!
directrizes! políticas! à! criação! artística! e! literária.! São! conhecidas! as! queixas! de!
Fernando! Pessoa! em! 1935,! relativamente! à! censura! do! Estado! Novo,! que!
nomeadamente! o! impediu! de! retorquir! aos! críticos! do! seu! artigo! sobre! a!
Maçonaria,! e! também! a! sua! torrente! de! poemas! satíricos! e! textos! políticos! contra!
Salazar!e!o!seu!regime!durante!o!mesmo!ano!(PESSOA,!2011!e!2015).!
Madge!demorou!várias!semanas!a!responder!a!esta!segunda!carta!de!Pessoa!
–! datada,! como! se! vê! no! rascunho,! de! 9! de! Outubro! –! e! a! agradecerRlhe! o! poema!
“D.!T.”.!FêRlo,!segundo!se!depreende!da!sua!cartaRresposta,!a!14!de!Novembro,!dia!
de!eleições!parlamentares!em!Inglaterra.!PresumindoRse!que!Madge!terá!enviado!a!
sua!carta!na!data!em!que!a!escreveu,!Pessoa!têRlaRá!recebido!por!volta!de!20!ou!21!
de!Novembro.!Como!se!sabe,!o!poeta!teve!uma!crise!a!26,!foi!internado!no!hospital!
a! 28! e! morreu! a! 30! de! Novembro! de! 1935.! ConcluiRse,! portanto,! que! Pessoa! terá!
recebido! a! carta! de! Madge! poucos! dias! antes! de! ser! internado.! Não! existem!
indícios! de! que! ainda! lhe! tenha! respondido.! TranscreveRse! abaixo! integralmente!
esta! carta,! seguida! das! imagens! do! original! (Figs.! 6! a! 9).! O! original! pertence! ao!
espólio! de! Fernando! Pessoa! consultável! na! BNP,! mas! a! carta,! aparentemente!
conhecida! de! alguns! investigadores,! manteveRse! até! hoje! inédita,! talvez! pelas!
dificuldades!que!a!sua!leitura!oferece.!
!

!
Fernando!My!Dear!
My! little! poem! was! a! great! pleasure! and! so! was! the! letter! that!
accompanied! it.! The! time! I! have! taken! to! reply! is! a! further! tribute! to! you!
since!on!all!the!occasions!when!I!have!intended!writing!and!failed!to!do!so!I!
have!devoted!many!thoughts!to!you.!!
I! feel! almost! as! depressed! as! you! did! when! you! wrote! the! first! time.!
Everything!seems!to!go!wrong!at!the!same!time:!or!a!probable!explanation!
to!account!for!it!all!would!be!some!strange!humour!in!the!blood!stream!!
Anyway! life! seems! hell! and! death! about! the! same! thing! at! the! moment!
and!brandy!is!dearer!here!and!ruins!the!complexion!and!gives!rise!to!poems!
not!all!as!worth!committing!to!paper!as!the!one!its!author!condemned.!
John! and! Eileen! came! back! from! Mallorca! the! other! day! and! were!
delighted!as!I!was!to!hear!of!the!Baby’s!recovery.!
By!the!way!–!it’s!the!14th!November!and!election!day!so!don’t!complain!of!
my! lack! of! vote! or! femininity.! I! caused! indignation! by! refusing! to! vote! on!
the!grounds!that!parliament!should!be!abolished.!!
I’d!love!to!be!setting!off!on!a!visit!to!you!all!again.!Since!I!saw!you!I’ve!
done!7!months!work!and!by!Jove!!it’s!too!much!at!a!stretch.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 613


Barreto A última paixão

Write! me! another! little! poem! sometime! soon! and! teach! me! how! to!
recover!my!spirits!as!I!tried!to!do!for!you!!
Give!my!love!to!all!the!family!not!forgetting!yourself.!

!
!
Tradução:!
!
1!Catherine!House!
Catherine!Street!
S.W.!1.!!!!!VIC!5317!
Meu!querido!Fernando!
O! meu! poemeto! deuRme! um! grande! prazer,! tal! como! a! carta! que! o!
acompanhou.!O!tempo!que!demorei!a!responder!é!mais!uma!homenagem!a!
ti,! pois! que! em! todas! as! ocasiões! em! que! tencionei! escreverRte! e! não!
consegui,!dediqueiRte!sempre!muitos!pensamentos.!!
SintoRme! quase! tão! deprimida! como! tu! estavas! da! primeira! vez! que! me!
escreveste.! Tudo! parece! correr! mal! ao! mesmo! tempo;! ou! uma! provável!
explicação! para! tudo! isto! seria! a! presença! de! um! estranho! humor! na!
circulação!sanguínea!!
De!qualquer!modo,!a!vida!parece!um!inferno!e!a!morte!mais!ou!menos!o!
mesmo!neste!momento,!e!o!brandy!é!aqui!mais!caro!e!dá!cabo!da!aparência!
física! e! dá! origem! a! poemas! que! não! valem! tanto! a! pena! ser! passados! a!
papel!como!aquele!que!o!seu!autor!condenou.!!
John!e!Eileen!regressaram!no!outro!dia!de!Mallorca!e!ficaram!encantados!
por!saberem!da!recuperação!do!Bebé.!!
A! propósito,! hoje! é! 14! de! Novembro! e! dia! de! eleições,! por! isso! não! te!
queixes!da!minha!falta!de!voto!e!da!minha!feminilidade.!Causei!indignação!
por! ter! recusado! votar! com! o! argumento! de! que! o! parlamento! devia! ser!
abolido.!
Adoraria!estar!novamente!de!partida!em!visita!a!vocês!todos.!Desde!que!
vos!vi,!já!trabalhei!sete!meses!e,!por!Jove!,!é!demasiado!duma!só!vez.!!
EscreveRme!outro!poemeto!em!breve!e!ensinaRme!a!levantar!o!ânimo,!tal!
como!eu!tentei!fazer!contigo!!
Com!o!meu!amor!para!toda!a!família,!não!te!esquecendo!a!ti!
Madge!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 614


Barreto A última paixão

!
!
!

!
Fig."6."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa,"datável"de"14"de"Novembro"de"1935"(BNP/E3,"11525108)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 615


Barreto A última paixão

!
!
!

!
Fig."7."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"segunda"página"
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 616


Barreto A última paixão

!
!
!

!
Fig."8."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"terceira"página"
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 617


Barreto A última paixão

!
!
!

!
Fig."9."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"quarta"página"
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 618


Barreto A última paixão

Coincidindo! aproximadamente! com! a! chegada! desta! carta,! em! que! Madge!


expressa! o! seu! desejo! de! voltar! a! Lisboa! após! sete! meses! de! ausência,! Pessoa!
redigiu!o!poema!apaixonado!que!foi!transcrito!no!início!deste!artigo,!datado!de!22!
de!Novembro!de!1935,!com!o!incipit!“The!happy!sun!is!shining...”!e!o!refrão!“What!
matters! is! just! you”.! O! tema! desses! versos! é! muito! simples! e! enfaticamente!
repetido!pelo!poeta!nas!três!estrofes:!o!sol!brilha,!a!natureza!irradia!alegria,!mas!a!
sua!amada!está!longe,!e!só!ela!importa.!!
Mera! coincidência! na! galeria! poética! de! um! “fingidor”! ou! expressão! da!
paixão! de! Pessoa! por! Madge,! reacendida! no! momento! da! chegada! da! sua! carta?!
Sem!se!poder!ter!qualquer!certeza,!a!segunda!hipótese!possui!mais!verosimilhança.!!
ReproduzRse!abaixo!integralmente!o!original!manuscrito!–!aparentemente,!o!último!
poema!que!Fernando!Pessoa!datou,!se!não!mesmo!o!último!poema!que!escreveu!na!
sua! vida,! em! qualquer! língua.! Regista! uma! falsa! partida:! o! verso! inicial! era,!
originalmente,!“My!heart!is!sick!of!dreams”,!que!aparece!riscado.!
!

!
Fig."10."“The"happy"sun"is"shining...”"(BNP/E3,"49A7519r)."
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 619


Barreto A última paixão

!
Fig."11."“The"happy"sun"is"shining...”"(BNP/E3,"49A7519v)."
!
Há!ainda,!no!espólio!de!Pessoa,!um!enigmático!postal!ilustrado!inglês,!não!
datado,! sem! nome! nem! endereço! do! destinatário,! sem! selo! dos! correios! nem!
carimbo!(Figs.!12!e!13).!É!aparentemente!assinado!por!Madge!Anderson,!mas!nem!
essa! assinatura! nem! o! texto! da! correspondência! são! do! seu! punho,! como! pode!
constatarRse! pelo! cotejo! com! a! carta! autógrafa! de! Madge! acima! reproduzida! (ver!
adiante!as!Figs.!14!e!15).!O!postal!foi!aparentemente!enviado!de!Inglaterra!dentro!
de!um!envelope!e!o!destinatário!terá!sido,!muito!provavelmente,!Pessoa,!uma!vez!
que!se!encontra!no!seu!espólio.!A!caligrafia!poderá!eventualmente!ser!de!Eileen49!
ou!de!outra!possível!irmã!de!Madge,!já!que!uma!Cecilia!Mary!Anderson!viveu!nos!
anos!1930!com!Madge!no!mesmo!endereço!londrino!de!Catherine!Street.50.!O!texto!
do!postal!ilustrado!diz:!“I!hope!you!are!better!and!better!and!up!and!up.!We!tried!

49! O! exame! da! caligrafia! de! Eileen,! embora! numa! data! bastante! posterior,! parece! sustentar! essa!
hipótese.! Ver:! “Carta! de! Março! de! 1968! de! Eileen! &! John! Rosa! para! Hubert! &! Irene! Jennings”.!
Hubert) Jennings) papers,! Ms.2016.002,! Brown! University! Library.! Acessível! em:!
https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:707505/!!
50!1939!Electoral!Register!for!Westminster,!London,!in!Ancestry.co.uk,!record!40020_189923R00369.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 620


Barreto A última paixão

pigeon! post! but! they! turned! out! to! be! doves! and! only! coo! and! bill”! [Espero! que!
estejas!cada!vez!melhor,!sempre!para!cima.!Tentámos!pombosRcorreios,!mas!afinal!
eram! rolinhas! e! só! arrulhavam].! É! possível! que! tenha! sido! este! postal! a!
desencadear!a!troca!de!cartas!entre!Pessoa!e!Madge!a!partir!do!verão!de!1935.!!
!

!
Fig."12."Postal"ilustrado"com"relevo"da"catedral"de"Lincoln"(BNP/E3,"1152597v)."
!

!
Fig."13."Texto"no"postal"ilustrado"(BNP/E3,"1152597r)."
"

" " "


"
Figs."14"e"15."Assinatura"de"Madge"na"carta"de"14"de"Novembro"de"1935"e""
suposta"assinatura"da"mesma"no"postal"ilustrado"inglês."
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 621


Barreto A última paixão

Brandy"contra"candy""
!
A! julgar! por! alguns! dos! seus! poemas! de! 1935,! especialmente! “The! happy! sun! is!
shining...”,! pode! concluirRse,! como! Ángel! Crespo! concluiu! em! 1989,! que,! na!
véspera!da!sua!morte,!Fernando!Pessoa!dava!evidentes!sinais!de!estar!apaixonado!
ou!de,!pelo!menos,!ter!assomos!de!paixão.!Certamente!que!o!seu!estado!psíquico!
obstava!a!uma!vivência!“normal”!do!sentimento!amoroso,!ao!que!o!próprio!poeta!
talvez!aludia,!quando!em!“D.T.”!falava!da!sua!“alma!perdida”!ou,!na!primeira!das!
suas!cartas!a!Madge,!se!considerava!“praticamente!perdido!para!tudo!isto”.!O!algo!
hermético!poema!“He!wrote!wonderful!verse...”!(Anexo!3),!de!18!de!Julho!de!1935,!
também! parece! testemunhar! essa! dolorosa! consciência,! no! contexto! de! uma!
justificação!do!alcoolismo!fundada!na!alegada!impossibilidade!de!se!“salvar”.!!
O! amor! era! por! vezes! encarado! por! Pessoa,! desde! a! juventude,! como! uma!
ameaça!à!sua!obra!literária,!mas!o!álcool!representaria!certamente!um!perigo!bem!
mais! real! para! a! sua! saúde! física! e! mental,! a! sua! vida! amorosa! (vejamRse,! a! esse!
propósito,! as! alusões! ao! álcool! na! correspondência! de! Ofélia! para! Pessoa)! e,! até!
certo! ponto,! para! a! sua! própria! obra,! a! qual,! dispersa! por! projectos! quase! nunca!
realizados! e! precocemente! terminada,! se! quedou! em! boa! parte! fragmentária! e!
inédita.!!
Na! “misteriosa”! relação! que! manteve! com! Madge,! Pessoa! parece! ter!
revivido! o! sentimento! de! beco! sem! saída! da! sua! vida! amorosa,! já! antes!
experimentado! com! Ofélia! e! parcialmente! determinado! por! idênticas! razões,! com!
destaque!para!o!círculo!vicioso!da!solidão!e!do!álcool.!Isso!poderá!contribuir!para!
explicar! o! “desaparecimento”! de! Pessoa! em! Maio! de! 1935,! após! a! chegada! de!
Madge! a! Lisboa,! apesar! da! conhecida! “simpatia! recíproca”! que! existia! entre! os!
dois.! Na! verdade,! há! muito! que! a! vida! social! do! poeta! se! ia! rarefazendo.! Meses!
antes,!em!Dezembro!de!1934,!Pessoa!faltara!a!um!encontro!marcado!num!café!de!
Lisboa! com! a! poetisa! Cecília! Meireles,! que! o! admirava.! Mas! já! num! poema! de!
Junho! de! 1929! Álvaro! de! Campos! falava! do! “desencontro! que! é! a! vida”! e! se!
regozijava!pelo!seu!assumido!“desleixo”!de!ter!faltado!a!dois!encontros!marcados!
com!pessoas!diferentes,!em!dois!locais!distintos,!à!mesma!hora!–!“deliberadamente!
à!mesma!hora”.51!!
Se,!na!vida!real,!a!atitude!de!Pessoa!era!frequentemente!de!fuga!e!de!refúgio!
na!solidão,!já!na!poesia!ele!não!se!escondia!tanto,!nem!disfarçava!tanto,!pelo!menos!
perante! si! próprio,! os! seus! sentimentos! –! embora! noutros! poemas! escrevesse! que!
“There! are! many! ointments! |! For! love:! |! It’s! only! a! skin! disease”! [Há! muitos!
unguentos!|!Para!o!amor:!|!É!só!uma!doença!de!pele]52!ou!declarasse!estoicamente!
já! nada! querer! da! vida! (verso! final! de! “A! rapariga! inglesa...”)! ou! afirmasse,!
suicidariamente,!preferir!o!brandy!ao!candy,!a!aguardente!ao!rebuçado!(“D.T.”).!

!“Ah!a!frescura!na!face!de!não!cumprir!um!dever...”!(PESSOA,!2014:!234).!!))
51

!“Never!mind...”!(poema!inédito!de!ca.!1935;!BNP/E3,!49A7R22r).!
52

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 622


Barreto A última paixão

TenhaRse! em! conta! o! que! Fernando! Pessoa,! Bernardo! Soares! e! Álvaro! de!
Campos! escreveram! sobre! a! fatal! insinceridade! dos! poetas,! admitindo! excepção!
apenas! para! Alberto! Caeiro53,! e! rememoremRse! as! prudentes! palavras! de! Casais!
Monteiro!a!propósito!da!interpretação,!a!partir!de!factos!biográficos,!da!poesia!do!
“insincero! verídico”.! Não! se! pode,! assim,! deixar! de! encarar! com! reserva! as!
tentadoras!conjecturas!que!seria!fácil!tecer!em!torno!de!relações!tão!complexas,!por!
vezes!insondáveis,!como!as!que!certamente!há!entre!a!vida!afectiva!e!a!obra!lírica!
de! Pessoa.! As! biografias! dos! poetas,! como! as! outras,! têm! de! assentar!
principalmente! em! factos! documentados.! Os! dados! aqui! apresentados! sobre! a!
última!paixão!de!Pessoa!sugerem!apenas!uma!mera!possibilidade.!!
ReúnemRse!nos!Anexos!dez!poemas!de!tema!amoroso!de!Fernando!Pessoa.!
Nove!deles!são!datáveis!de!1935,!servindo!para!ilustrar!o!que!aqui!se!disse!sobre!o!
período!apaixonado!que!o!poeta!viveu!no!fim!da!vida.!

!VejaRse,!pela!grande!proximidade!cronológica,!a!“Nota!ao!acaso”!de!Álvaro!de!Campos!(PESSOA,!
53

1935).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 623


Barreto A última paixão

Anexos!
!
I.! “A! rapariga! inglesa,! tão! loura,! tão! jovem,! tão! boa...”! (BNP/E3,! 60AR14r! a! 16r;!!
atribuído!a!Álvaro!de!Campos).!
!
! ! ! ! ! ! ! ! ! 29/6/1930!
A!rapariga!inglesa,!tão!loura,!tão!jovem,!tão!boa!
Que!queria!casar!comigo…!
Que!pena!eu!não!ter!casado!com!ela…!
Teria!sido!feliz!
Mas!como!é!que!eu!sei!se!teria!sido!feliz?!
Como!é!que!eu!sei!qualquer!coisa!a!respeito!do!que!teria!sido!
Do!que!teria!sido,!que!é!o!que!nunca!foi?!
!
Hoje!arrependoRme!de!não!ter!casado!com!ela,!
Mas!antes!que!até!a!hipótese!de!me!poder!arrepender!de!ter!casado!com!
ela.!
E!assim!é!tudo!arrependimento,!
E!o!arrependimento!é!pura!abstracção.!
Dá!um!certo!desconforto!
Mas!também!dá!um!certo!sonho…!
!
Sim,!aquela!rapariga!foi!uma!oportunidade!da!minha!alma.!
Hoje!o!arrependimento!é!que!é!afastado!da!minha!alma.!
Santo!Deus!!que!complicação!por!não!ter!casado!com!uma!inglesa!que!já!!
me!deve!ter!esquecido!...!
Mas!se!não!me!esqueceu?!
Se!(porque!há!disso)!me!lembra!ainda!e!é!constante!
(Escuso!de!me!achar!feio,!porque!os!feios!também!são!amados!
E!às!vezes!por!mulheres!)!
Se!não!me!esqueceu,!ainda!me!lembra.!
Isto!realmente,!é!já!outra!espécie!de!arrependimento.!
E!fazer!sofrer!alguém!não!tem!esquecimento.!
!
Mas,!afinal,!isto!são!conjecturas!da!vaidade.!
Bem!se!háRde!ela!lembrar!de!mim,!com!o!quarto!filho!nos!braços,!
Debruçada!sobre!o!Daily)Mirror!a!ver!a!Princesa!Maria.!
!
Pelo!menos!é!melhor!pensar!que!é!assim.!
É!um!quadro!de!casa!suburbana!inglesa,!
É!uma!boa!paisagem!interior!de!cabelos!louros,!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 624


Barreto A última paixão

E!os!remorsos!são!sombras…!
Em!todo!o!caso,!se!assim!é,!fica!um!bocado!de!ciúme.!
O!quarto!filho!do!outro,!o!Daily)Mirror!na!casa!deles.!
O!que!podia!ter!sido…!
Sim,!sempre!o!abstracto,!o!impossível,!o!irreal!mas!perverso!–!
O!que!podia!ter!sido.!
Comem!marmelada!ao!pequenoRalmoço!em!Inglaterra…!
VingoRme!em!toda!a!burguesia!inglesa!de!ser!um!parvo!português.!
!
Ah,!mas!ainda!vejo!
O!teu!olhar!realmente!tão!sincero!como!azul!
A!olhar!como!uma!outra!criança!para!mim…!
E!não!é!com!piadas!de!sal!do!verso!que!te!apago!da!imagem!
Que!tens!no!meu!coração;!
Não!te!disfarço,!meu!único!amor,!e!não!quero!nada!da!vida.!
!
!

!
Fig."16."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A514r).!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 625


Barreto A última paixão

!
Fig."17."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A515r)."
!

!
Fig."18."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A516r).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 626


Barreto A última paixão

II.!“Was!it!just!a!kiss?...”!(BNP/E3,!49A7R11r).!
!
! ! ! ! ! ! 28R4R1935.!
Was!it!just!a!kiss?!
Was!it!more!than!this?!
Was!he!just!too!kind?!
Were!you!just!too!blind?!
Anyhow!
I!want!to!know.!
I!am!not!jealous;!
No,!I!am!just!zealous!!
That!you!should!not!fall.!
And!I!think!I’ll!forgive,!
Oh,!I’m!sure!I’ll!forgive!
If!only!you!tell!me!all.!
!
Was!it!just!a!touch!
On!your!arm?!Was!it!more?!
Was!it!just!a!kiss!
Or!something!more!than!this?!
Tell!me,!tell!me,!although!
It!may!pain!me,!oh!pain!me!
To!know.!
Did!you!smile?!Did!you!kiss?!Did!you!fall?!
I!shall!really!forgive,!
Oh,!I’m!sure!I’ll!forgive,!
If!only!you!tell!me!all.!!
!
I!know!nothing!about!
What!happened,!but!say!
What!happened.!You!may.!!
Don’t!leave!me!in!doubt.!
The!worst!may!make!smart!
Or!break!my!heart,!
But!I!shall!have!the!better!part.!
(Oh,!it!was!not!just!a!kiss:!
It!was!more!than!this...!
Oh,!why!did!you!fall?)!
Yes,!I!shall!have!the!better!part,!
For!I’ll!really!forgive,!
Oh,!my!God,!I’ll!forgive,!
If!only!you!tell!me!all.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 627


Barreto A última paixão

!
!
!
!

!
Fig."19."“Was"it"just"a"kiss?...”"(BNP/E3,"49A7511r).!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 628


Barreto A última paixão

!
!
!
!

!
Fig."20."“He"wrote"wonderful"verse...”"(BNP/E3,"49A7512r).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 629


Barreto A última paixão

III.!“He!wrote!wonderful!verse...”!(BNP/E3,!49A7R12r).!
!
! ! ! ! ! ! ! 18R7R35.!
He!wrote!wonderful!verse!
And!was!drunk!all!the!time.!
It!might!have!been!worse.!
He!might!have!written!worse!verse!
Though!in!a!better!liquid54!clime.!
!
These!things!are!all!wrong.!
We!never!know!
Who!is!weak!or!strong!
Or!only!soRso.!
As!men!of!mankind,!we!live!and!long!
And!worry!always!on!although.!
!
Yes,!we!never!get!right!
Except!when!we!have,!
Once!and!for!all,!the!real!sight!
Of!what!might!save;!
And!that!is!always!something!tossed!
Between!what!is!or!tries!to!be!
Or!something!we!cannot!recall,!
Or!something!simply!lost!
Or!something!we!might!hope!to!see,!
Or!simply!nothing!at!all.!!
!
!
IV.!“Sim,!um!momento...”!(BNP/E3,!63R29).!
!
19R7R35!
Sim,!um!momento!
Ainda!passas!
Pelo!meu!vago!pensamento,!
E!lembrarRte!seria!um!tormento!
Se!imaginar!fosse!desgraças.!
!
Sim,!nessa!hora!
Em!que!falámos!mais!a!olhar!
Do!que!a!falar!

!!mental![↑!liquid]!!
54

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 630


Barreto A última paixão

Resultou!esta!crónica!demora!
Que!tenho!agora!ao!te!lembrar.!
!
Apareceste!
Em!minha!vida!
Como!uma!coisa!que!estava!lá!fora.!!
Desapareceste.!
Mais!tarde!soube!da!tua!ida.!!
!
Contudo,!contudo,!!
conseguiste!
PrenderRme!um!pouco!o!coração.!
É!um!coração!triste!
E!não!
Se!entende!com!tudo!
!
Nem!tem!jeito!
Para!se!fazer!amar!
Ou!para!o!imaginar,!
Salvo!quando!
Teu!olhar!
Teimosamente!brando!
Me!fazia!saltar!
O!coração!dentro!do!peito.!
!
Onde!ia!eu?!
Já!me!esquecia...!
Sim,!o!meu!coração!foi!teu!
Naquele!dia,!
Naquele!dia!ou!noutro!dia...!
Nem!se!houvesse!outra!terra!ou!outro!céu!
Qualquer!coisa!aconteceria.!!
!
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 631


Barreto A última paixão

!
Fig."21."“Sim,"um"momento...”"(BNP/E3,"63529r).!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 632


Barreto A última paixão

!
Fig."22."“Sim,"um"momento...”"(BNP/E3,"63529v).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 633


Barreto A última paixão

V.!“Am!I!such...”!(BNP/E3,!144FR5r!;!VerãoROutono!de!1935).!
!
Am!I!such!
As!you!won’t!touch,!
So!much!so!much!beyond!recall?!
Well,!it!doesn’t!matter!much!
It!doesn’t!matter!at!all!!
!
You!said!you!were!glad!
To!be!with!me,!
And!that!when!you!were!sad!
You!didn’t!feel!so!bad!
When!I!spoke!and!you!laughed!
And!you!really!laughed.!!
!

!
Fig."23."“Am"I"such...”"(BNP/E3,"144F55r)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 634


Barreto A última paixão

VI.!“There!was!a!wonderful!lady...”!(BNP/E3,!144FR5v;!VerãoROutono!de!1935).!
!
There!was!a!wonderful!lady,!
Oh!such!a!wonderful!lady!
Waiting!for!me,!
Oh!waiting!for!me,!
But!on!the!wrong!platform!or!on!the!wrong!street!
Or!in!any!place!where!we!cannot!meet...!
Such!a!wonderful!lady!
The!wonderful!lady!
So!impossibly!sweet!!
!
!
!

!
Fig."24."“There"was"a"wonderful"lady...”"(BNP/E3,"144F55v)."""
!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 635


Barreto A última paixão

VII.!“The!girl!I!had!and!lost...”!(BNP/E3,!49A7R14r).!!
!
28R7R1935!
The!girl!I!had!and!lost...!
Of!course!she!had!to!be...!
She!had!to!be!lost,!
To!be!lost!to!me.!
I!loved!her!and!I!thought!
She!loved!me!like!I!her,!
But!she’d!another!thought.!
!

!
Fig."25."“The"girl"I"had"and"lost...”"(BNP/E3,"49A7514r).!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 636


Barreto A última paixão

VIII.!“A!Outra”!(BNP/E3,!16R49r!e!49ar).!
!
! ! ! ! ! ! 28R7R1935!
A)Outra)
!
Amamos!sempre!no!que!temos!
O!que!não!temos!quando!amamos.!
O!barco!pára,!largo!os!remos!
E,!um!a!outro,!as!mãos!nos!damos.!
A!quem!dou!as!mãos?!
À!Outra.!
!
Teus!beijos!são!de!mel!de!boca,!
São!os!que!sempre!pensei!dar,!
E!agora!a!minha!boca!toca!
Os!beiços!que!sonhei!beijar55.!
De!quem!são!os!beiços56?!
Da!Outra.!
!
Os!remos!já!caíram!na!água,!
O!barco!faz!o!que!a!água!quer.!
Meus!braços!vingam!minha!mágoa!
No!abraço!que!enfim!podem!ter.!
Quem!abraço?!
A!Outra.!
!
Bem!sei,!és!bela,!és!quem!desejei...!
Não!deixe!a!vida!que!eu!deseje!
Mais!que!o!que!pode!ser!teu!beijo!
E!poder!ser!eu!que!te!beije!
Beijo,!e!em!que!penso?!
Na!Outra.!
!
Os!remos!vão!perdidos!já,!
O!barco!vai!não!sei!para!onde.!
Que!fresco!o!teu!sorriso!está,!
Ah,!meu!amor,!e!o!que!ele!esconde!!
Que!é!do!sorriso!
Da!Outra?!
!

!A!boca!que!eu![↑!Os!beiços!que]!sonhei!beijar!
55

!!De!quem!é!a!boca![↑!os!beiços]!
56

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 637


Barreto A última paixão

Ah,!talvez,!mortos!ambos!nós,!
Num!outro!rio!sem!lugar!
Em!outro!barco!outra!vez!sós!
Possamos!nós!recomeçar,!
Que!talvez!sejas!
A!Outra.!
!
Mas!não,!nem!onde!essa!paisagem!
É!sob!eterna!luz!eterna!
Te!acharei!mais!que!alguém!na!viagem!
Que!amei!com!ansiedade!terna!
Por!ser!parecida!
Com!a!Outra.!
!
Ah,!por!ora,!idos!remo!e!rumo,!
DáRme!as!mãos,!a!boca,!o!teu!ser.!
Façamos!desta!hora!um!resumo!
Do!que!não!poderemos!ter.!
Nesta!hora,!a!única,!
Sê!a!Outra.!
!
!
IX.!“Argumentamos!em!vão...”!(BNP/E3,!63R48r).!
!
2RXIR1935.!
Argumentamos!em!vão.!
Distraído,!certo,!bate!
Por!trás!do!nosso!debate!
O!coração.!
!
Sei!bem!que!gostas!de!mim,!
Sabes!bem!quanto!te!quero,!
E!argumentamos!assim,!
No!tom!arrastado!e!insincero!
De!quem!fala!só!de!coisas!
Que!nada!têm!connosco,!
Como!quem!com!mãos!ociosas,!
Num!gesto!alheado!e!manso,!
Limpa!o!pó!de!um!manipanso!
Santo!e!tosco.!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 638


Barreto A última paixão

! !
Figs."26"e"27."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r)."
!

!
Fig."28."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r;"metade"superior)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 639


Barreto A última paixão

X.!“Nunca!te!achei!nem!te!vi...”!(BNP/E3,!63R48r).!
! ! ! ! ! ! ! !
3RXIR1935!
Nunca!te!achei!nem!te!vi.!!
Mas,!por!imaginação,!
Dói!de!ti!meu!coração:!
Tenho!saudades!de!ti.!
!
Nunca,!amor,!te!conheci.!
Mas,!sem!saber!se!existes,!!
Meus!olhos!de!ti!estão!tristes:!
Tenho!saudades!de!ti.!
!
Quando!outra!achei,!te!perdi,!
Só!por!a!ter!encontrado.!
Não!sei!se!és!sonho!ou!pecado,!
Sei!que,!enganado!e!exilado,!
Tenho!saudades!de!ti.!
!

!
Fig."29."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r;"metade"inferior)."
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 640


Barreto A última paixão

Bibliografia!
!
CASTRO,!Fernanda!de!(1988).!Ao)fim)da)memória.!Lisboa:!Verbo,!vol.!II.!
CAVALCANTI,!José!Paulo!(2011).!Fernando)Pessoa:)uma)quase)autobiografia.!Rio!de!Janeiro:!Record.!!
CRESPO,!Ángel!(1989).!“El!último!amor!de!Fernando!Pessoa”,!in!Revista)de)Occidente,!n.º!94,!Madrid,!
pp.!5R26.!
FRANÇA,!Isabel!Murteira!(1987).!Fernando)Pessoa)na)Intimidade.!Lisboa:!Dom!Quixote.!!
LOPES,!Teresa!Rita!(1990).!Pessoa)por)conhecer,)II)–)Textos)para)um)novo)mapa.!Lisboa:!Estampa.!
MONTEIRO,!Adolfo!Casais!(1954).!Fernando)Pessoa:)o)insincero)verídico.!Lisboa:!Ed.!Inquérito.!!
MOURÃORFERREIRA,! David;! QUEIROZ,! Maria! da! Graça! (1978).! Cartas) de) amor) de) Fernando) Pessoa.!
Lisboa:!Ática.!
NOGUEIRA,!Manuela;!AZEVEDO,!Maria!da!Conceição!!(1996)!(eds.).!Cartas)de)amor)de)Ofélia)a)Fernando)
Pessoa.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!
PESSOA,!Fernando!(2016).!English)Poetry.!Edição!de!Richard!Zenith.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (2015).!Associações)Secretas)e)outros)escritos.!Edição!de!José!Barreto,!Lisboa:!Ática.!!
_____! (2014).!Obra)Completa)de)Álvaro)de)Campos.!Edição!de!Jerónimo!Pizarro!e!Antonio!Cardiello;!
colaboração!de!Jorge!Uribe!e!Filipa!Freitas.!Lisboa:!TintaRdaRchina.!
_____! (2011).!Sobre)o)fascismo,!a)Ditadura)Militar)e)Salazar.!Edição!de!José!Barreto.!Lisboa:!TintaRdaR
china.!
_____! (2000).!Poesia)Inglesa.!Edição!de!Luísa!Freire.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim,!vol.!II.!
_____! (1960)."Obra)Poética.!Edição!de!Maria!Aliete!Galhoz.!Rio!de!Janeiro:!Ed.!José!Aguilar,!1960.!
_____! (1935).!“Nota!ao!acaso”![de!Álvaro!de!Campos],!in!Sudoeste,!n.º!3,!Lisboa,!Novembro,!p.!7.!
PIZARRO,! Jerónimo;! FERRARI,! Patricio;! CARDIELLO,! Antonio! (2013).! “Fernando! Pessoa! e! Ofélia!
Queiroz:! objectos! de! amor”,! in! Pessoa) Plural) –) A) Journal) of) Fernando) Pessoa) Studies,! n.º! 4,!
Dezembro,!pp.!153R195.!!
PIZARRO,!Jerónimo;!PITTELLA,!Carlos!(2016).!Como)Fernando)Pessoa)Pode)Mudar)a)sua)Vida.)Primeiras)
Lições.!Lisboa:!TintaRdaRchina.!!
QUEIROZ,! Carlos! (1936).! “Fragmentos! de! algumas! cartas! de! amor! de! Fernando! Pessoa”! e! “Carta! à!
memória!de!Fernando!Pessoa”,!in!Presença,!n.º!48,!Coimbra,!Julho,!pp.!2R3!e!9R11.!
SEVERINO,! Alexandrino! E.;! JENNINGS,! Hubert! D.! (2013).! “In! praise! of! Ophelia:! an! interpretation! of!
Pessoa’s!only!love”,!in!Pessoa)Plural)–)A)Journal)of)Fernando)Pessoa)Studies,!n.º!4,!Dezembro,!
pp.!1R30.!
SILVA,! Manuela! Parreira! da! (2012)! (ed.).! Cartas) de) amor) de) Fernando) Pessoa) e) Ofélia) Queiroz.! Lisboa:!
Assírio!&!Alvim.!!
WINTERBOTHAM,!F.!W.![Frederick!William]!(1974).!The)Ultra)Secret.!New!York:!Harper!and!Row.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 641


Teatro'estático'–'extático'–'excrito:''
o"mito"de"Salomé"
"
Marta Cristina Mendes Braga*
"
Palavras1chave'
"
Fernando"Pessoa,"teatro"estático,"Salomé,"mito,"corpo."
"
Resumo'
"
Dentre" os" catorze" textos" recentemente" publicados" na" edição" Teatro' Estático" (PESSOA," 2017),"
centrarFseFá" a" nossa" análise" sobretudo" no" drama" “Salomé”," que" reúne" cinco" fragmentos" e"
que" constitui" uma" recriação" do" mito" homónimo." Em" articulação" com" “Outros" fragmentos"
de"Salomé”,"datados"de"1915"e"de"1926,"e"ainda"com"outras"peças"desta"obra,"perspectivarF
seFá" o" supramencionado" texto" na" sua" relação" com" o" mito" bíblico" e" com" as" recriações" do"
mesmo" mito" levadas" a" cabo" por" outros" autores," aferindo" do" seu" interesse" para" a"
compreensão"do"conceito"de"“teatro"estático”,"tal"como"Fernando"Pessoa"o"definiu"em"1914."
'
Keywords'
"
Fernando"Pessoa,"static"theatre,"Salome,"myth,"body."
"
Abstract'

From"the"fourteen"texts"recently"published"in"the"Teatro'Estático"edition"(PESSOA,"2017),"this"
analysis" will" especially" focus" on" the" drama" “Salomé,”" which" is" a" recreation" of" the"
homonymous"myth."In"articulation"with"“Outros"fragmentos"de"Salomé,”"dated"from"1915"
and" 1916," and" other" plays" from" this" work," the" aforementioned" text" will" be" put" into"
perspective" in" relation" to" the" biblical" myth" and" its" recreations" by" other" authors," while"
assessing"the"degree"to"which"they"may"be"relevant"to"the"understanding"of"the"concept"of"
“static"theatre,”"as"Fernando"Pessoa"defined"it."

"
"

*"Universidade"da"Califórnia,"Santa"Bárbara.""
Braga Teatro estático

O" mito" de" Salomé," tal" como" chegou" ao" mundo" moderno,"consiste" na" narração" de"
um"conjunto"de"acções"que"conduziram"à"morte"de"São"João"Baptista."Segundo"os"
evangelhos" de" São" Mateus" e" São" Marcos," Herodíade" abandonou" o" primeiro"
marido,"de"quem"teve"uma"filha,"e"voltou"a"casarFse"com"Herodes"Antipas,"irmão"
do"seu"marido."São"João"Baptista"denunciava"publicamente"esta"situação"e"dizia"a"
Herodes"“Não"a"podes"ter"contigo”"(BÍBLIA"SAGRADA,"1978:"1308)"ou"“Não"te"é"lícito"
ter" contigo" a" mulher" de" teu" irmão”" (BÍBLIA" SAGRADA," 1978:" 1341)," denúncia" que"
motivava"um"ódio"de"morte"a"Herodíade1."O"fatídico"acontecimento"dáFse"quando"
a" filha" de" Herodíade," que," no" texto" bíblico," nunca" é" nomeada," sendo"
antonomasiada" de" “jovem”" e" “menina”," dança" para" Herodes" pela" ocasião" do"
aniversário"deste."Totalmente"seduzido,"Herodes"jura"oferecerFlhe"tudo"quanto"ela"
deseja,"manifestando"inclusive"a"disposição"de"lhe"dar"metade"do"seu"reino."Porém,"
a" bailarina" prefere" exigir" a" cabeça" do" profeta" servida" num" prato," tal" como" a" sua"
mãe"lha"tinha"solicitado.""
Mireille" DottinFOrsini," no" Dictionnaire' des' mythes' littéraires," põe" em" causa" a"
veracidade" histórica" do" mito" bíblico," argumentando" que:" “une" princesse" dansant,"
seule,"à"un"banquet"d’hommes"est"sans"autre"exemple"dans"les"Testaments,"et"peu"
probable"dans"la"Judée"du"Ie" siècle”(BRUNEL,"1988:"1232)"[uma"princesa"dançando,"
sozinha," num" banquete" de" homens," seria" um" caso" isolado" nos" Testamentos" e"
improvável" na" Judeia" do" Século" I]2." A" autora" faz" ainda" notar" que" o" episódio"
evangélico" em" análise" apresenta" algumas" semelhanças" com" uma" história" do"
governador" Lucius" Flaminius," falecido" em" 170" a.c.," que" foi" recriada" por" vários"
autores,"nomeadamente"por"Cícero,"Tito"Lívio,"Séneca"e"Petrarca."Narra"a"história"
que" Flaminius," para" agradar" a" uma" amante" que" nunca" tinha" assistido" a" uma"
degolação," decide" em" pleno" banquete" mandar" matar" um" condenado" e" pedir" que"
lhe" fosse" servida" a" cabeça" num" prato." Segundo" algumas" versões," esse" condenado"
teria" ofendido" essa" cortesã," noutras" surge" a" alusão" a" danças" indecentes" entre"
Flaminius"e"a"cortesã,"sendo"estes"alguns"referentes"comuns"entre"esta"narrativa"e"
as" do" Evangelho" respeitantes" ao" episódio" de" São" João" Baptista." De" acordo" com"
outro" estudioso," John" Meier," as" narrativas" do" Evangelho" recuperam" várias"
tradições" do" Antigo" Testamento," como" o" tema" do" profeta" martirizado," ou" alguns"
“motivos"folclóricos”"do"Livro"de"Ester.3"

1"De"acordo"com"S."Marcos:"“Tinha,"efectivamente,"sido"Herodes"quem"mandara"prender"João"e"pôF
lo"a"ferros"no"cárcere,"por"causa"de"Herodíade,"mulher"de"Filipe,"seu"irmão,"que"ele"desposara."(…)"
Herodíade" tinha" rancor" e," queria" darFlhe" a" morte" mas" não" podia" porque" Herodes" temia" João" e,"
sabendo"que"era"homem"justo"e"santo,"protegiaFo”"(BÍBLIA"SAGRADA,"1978:"1341)."
2" A" tradução," quando" não" acompanhada" por" uma" referência" bibliográfica," é" da" autoria" da" autora"

deste"artigo."
3"John"Meier,"no"segundo"volume"de"A'Marginal'Jew,"apresenta"uma"biografia"de"João"Baptista,"no"

entanto," considera" a" possibilidade" de" também" esta" ter" sido" expandida" através" de" referências"
tradicionais" e" folclóricas:" “As" all" admit," the" narrative" resonates" with" echoes" of" various" OT"
traditions:"the"prophet"Elijah’s"struggle"with"King"Ahab"and"his"evil"wife"Jezebel"(e.g.,"1"Kgs"19:"1–2;"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 643


Braga Teatro estático

Tanto" quanto" se" sabe," a" nomeação" de" Salomé" deveFse" ao" historiador" judeu"
Flávio" Josefo," que," em" Antiguidades' Judaicas," desenvolve" também" uma" breve"
biografia" desta" personagem," sem" contudo" a" relacionar" com" a" morte" de" São" João"
Baptista." Em" Dictionnaire' des' Mythes' Littéraires," DottinFOrsini" parafraseia" as" notas"
de"Josefo"em"termos"que"nos"interessa"deixar"registados:""
"
Salomé" (c’est" à" dire" “La" Paisible”" ou"”La" Pacificatrice”" –" c’est" aussi" le" nom" de" la" cruelle"
sœur"d’Hérode"le"Grand,"et"d’une"des"”Saintes"femmes”)"est"donné"par"Flavius"Josèphe,"qui"
précise"le"lieu"du"martyre"(Machaerus)"et"développe"la"biographie"de"la"Salomé"historique:"
fille" d’Hérodiade" et" d’HérodeFPhilippe," demiFfrère" d’Antipas," elle" épousa" son" oncle"
Philippe,"puis,"devenue"veuve,"finit"reine"d’Arménie"inférieure,"femme"du"roi"Aristobule"et"
mère" de" trois" garçons." Une" monnaie" de" Nicopolis" la" représente," et" constitue" ainsi" le" seul"
véritable"portrait"de"Salomé.""
(BRUNEL,"1988:"1233)"
"
[Salomé"(que"quer"dizer"“A"Pacífica”"ou"“A"Pacificadora”"–"é"também"o"nome"da"cruel"irmã"
de"Herodes,"o"Grande,"e"de"uma"das" “Santas" mulheres”)" é"um"nome"atribuído"por"Flávio"
Josefo,"que"precisa"o"lugar"do"martírio"(Machaerus)"e"desenvolve"a"sua"biografia"histórica:"
filha"de"Herodíade"e"de"HerodesFFilipe,"meioFirmão"de"Antipas,"casa"com"o"seu"tio"Filipe."
Depois" de" enviuvar" deste," tornaFse" rainha" da" Arménia" inferior," desposando" o" rei"
Aristobulo," de" quem" teve" três" rapazes." Uma" moeda" de" Nicopolis" representaFa" e" constitui"
assim"o"único"verdadeiro"retrato"de"Salomé.]"
"
Um" dos" primeiros" aspectos" que" importa" desde" já" problematizar" nasce" da"
confrontação" da" etimologia" do" nome" Salomé" tanto" com" o" conteúdo" da" narrativa,"

21:"17–26),"the"persecuted"and"martyred"prophets"in"general,"and"the"folkloric"motifs"in"the"Book"of"
Esther."These"folkloric"motifs"find"parallels"in"GrecoFRoman"stories"of"love,"revenge,"rash"oaths,"and"
women"asking"for"what"kings"would"rather"not"give,"all"in"context"of"royal"banquets."We"seem"to"be"
dealing" with" folklore" tinged" with" strong" antiFHerodian" feeling" (perhaps" aimed" especially" at" the"
“liberated”" female" members" of" the" Herodian" dynasty)," folklore" that" was" then" reformulated" (by"
Baptist"sectarians"or"Christians?)"as"a"legend"of"the"martyr’s"death,"and"then"redacted"by"Mark"to"
make"John"a"forerunner"of"Jesus"in"death"as"well"in"life."With"such"a"complicated"tradition"history,"it"
is"no"wonder"that"exegetes"debate"the"exact"formFcritical"category"to"which"Mark"6:"17–29"belongs."
A" report" of" martyrdom," a" legend," and" an" anecdote" have" all" been" suggested”" (MEIER," 1994:" 173)"
[“Como"é"geralmente"admitido,"a"narrativa"ressoa"ecos"de"várias"tradições"do"Antigo"Testamento:"o"
profeta"Elias"combate"o"Rei"Ahab"e"a"sua"malvada"esposa"Jezebel"(e.g.,"1"Kgs"19:"1–2;"21:"17–26),"a"
perseguição" e" o" martírio" dos" profetas" em" geral," e" os" motivos" folclóricos" do" Livro" de" Ester." Estes"
motivos" folclóricos" encontram" paralelo" nas" histórias" grecoFromanas" de" amor," de" vingança," de"
blasfémias"e"de"mulheres"pedindo"coisas"que"os"reis"preferiam"não"dar,"todas"elas"em"contexto"de"
banquetes" reais." Parece" que" estamos" na" presença" de" folclore" mesclado" com" um" profundo"
sentimento" antiFHerodes" (talvez" especificamente" direccionado" às" mulheres" “livres”" da" dinastia" de"
Herodes)," folclore" que" então" foi" reformulado" (por" sectários" seguidores" de" Baptista" ou" Cristãos?)"
como"uma"lenda"da"morte"do"mártir,"e"depois"redigida"por"Marcos"para"fazer"de"João"um"percursor"
de" Jesus" tanto" na" morte" como" na" vida." Com" uma" tradição" histórica" tão" complicada," não" é" de"
admirar"que"os"exegetas"centrem"o"debate"na"determinação"da"exacta"categoria"formalFcrítica"a"que"
pertence" Marcos." SugeriuFse" o" relato" de" um" martírio," mas" também" de" uma" lenda," e" até" de" uma"
anedota”].""

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 644


Braga Teatro estático

pois"tem"que"se"ver"em"que"sentido"é"que"ela"é"pacificadora"e"não"é,"como"com"a"
evolução" da" significação," pois" Josefo" afirma" que" este" é" um" nome" comum" a" uma"
mulher"cruel"da"família"de"Herodes"e"a"uma"das"mulheres"que"acompanhou"Jesus,"
reforçando"deste"modo"as"ambiguidades"e"os"equívocos"que"se"geraram"em"torno"
desta" personagem" ao" longo" dos" séculos." Outro" dos" sublinhados" do" registo" deste"
historiador" está" na" justificação" da," e" na" responsabilidade" pela," morte" de" São" João"
Baptista."Josefo"narra"a"história"de"Antipas"(Herodes),"que"era"casado"com"a"filha"
do"rei"de"Petra"e"que"um"dia"se"apaixona"por"Herodíade,"sua"cunhada."Em"função"
da" sua" pretensão" de" desposar" Herodíade," Antipas" tem" que" abandonar" a" sua"
esposa," o" que" motiva" uma" guerra" com" o" rei" de" Petra" devido" aos" limites" de" um"
território"que"ambos"queriam."O"exército"de"Herodes"sai"derrotado"desta"guerra."É"
aqui"que"São"João"Baptista"entra"na"história:""
""
Muitos"Judeus"julgaram"que"este"vencimento"do"exército"de"Herodes"era"castigo"de"Deus,"
por"causa"de"João,"por"antonomásia"o"Baptista."Este"era"um"homem"de"grande"piedade,"que"
exortava" os" Judeus" a" abraçarem" a" virtude," a" exercitarem" a" justiça," e" a" que" recebessem" o"
Baptismo" […]" temeu" Herodes" que" o" séquito," que" ele" tinha," excitasse" a" sedição;" e" por" isso"
quis"prevenir"o"mal"antes"que"o"não"pudesse"remediar."Por"esta"razão"o"mandou"preso"para"
a"fortaleza"de"Manchera"[…]"e"os"Judeus"atribuíram"a"derrota"do"seu"exército"a"um"juízo"de"
Deus"por"uma"tão"injusta"acção."
(MOURÃO,"2001:14)"
"
Deste" modo," de" acordo" com" Josefo," a" responsabilidade" da" morte" de" São" João"
Baptista" é" totalmente" atribuída" a" Herodes," sendo" as" motivações" deste" de" índole"
meramente" política," o" que" não" acontece" com" os" textos" do" Evangelho," onde" a"
responsabilidade"recai"sobre"duas"mulheres"–"a"filha"que"protagoniza"a"dança"e"a"
mãe"que"pede"a"cabeça"de"João"Baptista."No"entanto,"a"maioria"dos"elementos"que"
constam"apenas"da"narrativa"dos"Evangelhos"–"como"a"dança"e"o"pedido"da"cabeça"
de"João"Baptista"–"prevaleceram"ao"longo"do"tempo"sobre"aquele"registo."Segundo"
DottinFOrsini," em" Dictionnaire' des' Mythes' Littéraires," os" pais" da" Igreja" muito"
contribuíram" para" que" Salomé" tivesse" ficado" marcada" pelo" ferrete" demoníaco:"
“Leur"religieuse"exécration"ajoute"au"bref"récit"de"l’Evangile"des"détails"savoureux:"
Salomé" tord" ses" hanches," dénude" son" corps," lance" ses" pieds" en" l’air," secoue" ses"
cheveux" come" une" bacchante;" le" Serpent" s’est" caché" dans" cette" femme"
luxueusement"parée,"qu’on"assimile"à"la"Synagogue"meurtrière"du"Christ;"le"Diable"
mène" la" danse" et" conseille" la" mère”"(BRUNEL," 1988:" 1234)"[A"condenação"religiosa"
acrescenta" à" breve" narrativa" do" Evangelho" detalhes" deliciosos:" Salomé" bamboleia"
as"suas"ancas,"desnuda"o"seu"corpo,"lança"os"seus"pés"no"ar,"sacode"os"seus"cabelos"
como" uma" bacante;" a" Serpente" escondeFse" nesta" mulher" luxuosamente" enfeitada,"
que"é"conhecida"na"Sinagoga"como"a"homicida"de"Cristo;"o"Diabo"conduz"a"dança"e"
aconselha"a"mãe]."Assim,"a"Igreja,"ao"difundir"esta"imagem"da"mulher"pecadora"e"
diabólica" de" Salomé," a" par" de" modelar" a" conduta" moral" (feminina)," tem" em" vista"
mitificar" a" personagem" de" São" João" Baptista," o" precursor" de" Jesus" Cristo." A" sua"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 645


Braga Teatro estático

morte" é" a" morte" de" um" mártir," que" para" além" de" haver" profetizado," anunciado" e"
baptizado" Jesus" Cristo," sacrificou" a" vida," tal" como" este," em" prol" da" defesa" dos"
valores" cristãos." Salomé" fica" apodada" de" “tueuse" de" Dieu." Mais" elle" reste" un"
élément"somme"tout"secondaire"dans"l’hagiographie"du"Précurseur:"elle"n’est"que"
le"moyen"de"sa"mort”"(BRUNEL,"1988:"1234)"[assassina"de"Deus."Mas"ela"permanece,"
em" última" análise," um" elemento" completamente" secundário" na" hagiografia" do"
Precursor:"ela"não"é"mais"que"o"meio"para"a"sua"morte]."
Durante" a" Idade" Média" e" Renascimento" surgem" diversas" lendas" que," de"
acordo" com" o" país" e" a" cultura," vão" acrescentar" elementos" ao" episódio" evangélico"
(BRUNEL,"1988:"1234)."O"mito"espraiaFse"e"adquire"novos"contornos,"dentre"os"quais"
se"destacam"a"morte"fatídica"de"Salomé"(evento"que"assume"a"representação"de"um"
castigo"divino)"e"a"famosa"dança"da"morte"medieval:""
"
"
Du"XIIIe"au"XV1" IIe," des" Mystères" français," allemands," italiens" ajoutent" aux" personnages" du"
drame" le" Diable" et" ses" démons," ou" la" Mort," qui" à" la" fin" emmènent" mère" et" fille" en" Enfer,"
dans"une"danse"macabre"qui"suit"de"près"la"deuxième"danse"de"Salomé"avec"la"tête"coupée."
Puis" ce" sont" des" tragédies" scolaires" en" latin," à" but" édifiant" et" pédagogique," centrées" sur" le"
Baptiste,"dans"lesquelles"un"bouffon"vient"parfois"apporter"une"note"comique."De"la"fin"du"
XVIe"à"la"fin"du" XVIIIe"siècle,"de"nombreuses"“tragédies"de"saint"Jean”"utilisent"la"figure"du"
Précurseur" à" des" fins" d’engagement" religieux" ou" politique," en" liaison" avec" les" crises" et" les"
mouvements"de"l’époque"[…]"
(BRUNEL,"1988:"1235)"
"
[Do" século" XIII" ao" século" XVII," Mistérios" franceses," alemães" e" italianos" acrescentam" às"
personagens"do"drama"o"Diabo"e"os"seus"demónios,"ou"a"Morte,"que"no"fim"conduzem"mãe"
e" filha" ao" Inferno," numa" dança" macabra" que" segue" de" muito" perto" a" segunda" dança" de"
Salomé" com" a" cabeça" cortada." Depois," seguemFse" tragédias" escolares" em" latim," com" fins"
edificantes"e"pedagógicos,"centrados"em"Baptista,"nas"quais"um"bobo"vem"por"vezes"trazer"
uma"nota"cómica."Do"final"do"século" XVI"até"ao"final"do"século" XVIII,"numerosas"“tragédias"
de"S."João”"utilizam"a"figura"do"Precursor"para"fins"de"doutrinamento"religioso"ou"político,"
em"consonância"com"as"crises"e"os"movimentos"da"época"(…)]"
"
Com" o" advento" da" corrente" estética" do" Realismo/Naturalismo," surge" uma"
diferenciação"da"caracterização"romântica"da"mulher,"que"era"idealizada"por"via"da"
descrição"de"uma"conduta"de"vida"pautada"por"uma"superioridade"moral."Um"dos"
traços" mais" visíveis" desta" diferenciação" consiste" no" enfoque" dado" aos" elementos"
que" intensificam" a" sua" sensualidade" e" põem" em" curso" os" movimentos" do" seu"
erotismo," que," por" sua" vez," ganham" especial" relevo" quando" transgridem" a"
interdição" do" acto" sexual" fora" do" seio" matrimonial." VerificaFse" então," a" partir" da"
segunda" metade" do" segundo" XIX," uma" recorrente" presença" do" género" feminino"
perverso" na" arte" ocidental," consequência" do" questionamento" de" determinados"
pilares" fundamentais" desta" civilização," como" a" autoridade" cristã," patriarcal" e"
burguesa," esta" advinda" de" transformações" culturais" e" técnicas" inerentes" à"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 646


Braga Teatro estático

Revolução"Industrial."O"mito"de"Salomé"é"um"dos"mitos"que"mais"contribui"para"a"
visibilidade"deste"fenómeno."
O"período"decadentista"que"emergiu"de"França"nas"duas"últimas"décadas"do"
século" XIX" é" marcado" pelo" mal' du' siècle," pelo" spleen' baudelairiano," e" do" ponto" de"
vista" literário" e" cultural" assisteFse" a" um" retorno" aos" mitos." Tendo" em" conta" o"
sentido"que"tomavam"as"tendências"artísticas,"não"é"de"estranhar"o"ressurgimento"
do" interesse" na" imagem" da" mulher" fatal" –" geralmente" caracterizada" pela" sua"
malignidade"e"pelo"seu"poder"de"destruição"–,"inspirada"nos"modelos"femininos"de"
textos" bíblicos" e" dos" mitos" da" Antiguidade" Clássica," como" Salomé," Judite," Eva,"
Lillith," Dalila," Cleópatra," entre" outras." Estas" figuras" dão" origem" a" novas" versões"
criadas"a"partir"da"mescla"de"traços"distintivos"de"cada"uma"delas."De"acordo"com"
Mireille" DottinFOrsini," “La" littérature" de" la" deuxième" moitié" du" XIXe" siècle" dit"
clairement" que" la" femme" fait" peur," qu’elle" est" cruelle," qu’elle" peut" tuer”(DOTTINF
ORSINI," 1993:" 16)" [A" literatura" da" segunda" metade" do" século" XIX" diz" claramente"
que" a" mulher" mete" medo," que" ela" é" cruel," que" pode" mentir]," assistindoFse" a" uma"
coexistência" dicotómica" de" arquétipos" do" género" feminino," que" oscilam" entre" o"
Bem" e" o" Mal," entre" “la" femme" (c’estFàFdire" la" mère" potentielle)" comme" étant"
naturellement"bonne,"altruiste,"prête"à"tous"les"sacrifices”"(DOTTINFORSINI,"1993:"16)"
[a" mulher" (isto" é," a" mãe" potencial)" como" sendo" naturalmente" boa," altruista,"
preparada"para"todos"os"sacrifícios"]"e"“la"femme"(c’estFàFdire"l’objet"du"désir)"(…),"
tout" aussi" naturellement," vouée" à" la" fausseté" et" à" la" cruauté," le" mensonge" à" la"
bouche"et"les"mains"tachées"de"sang”(DOTTINFORSINI,"1993:"16)"[a"mulher"(isto"é,"o"
objecto"de"desejo)"também"naturalmente"destinada"à"falsidade"e"à"crueldade,"com"a"
mentira" na" boca" e" as" mãos" manchadas" de" sangue]." De" acordo" com" esta" mesma"
autora," o" surgimento" destas" representações" fazFse" num" ambiente" intelectual"
profundamente" marcado" pela" misoginia" e," paradoxalmente," pela" obsessão" pela"
figura"feminina"malévola,"o"que"conduziu"à"recriação"multiartística"de"mitos"onde"
predominam"os"sentimentos"concomitantes"de"repulsa"e"de"atracção.""
Antes" de" chegar" ao" drama" pessoano," detenhamoFnos" na" obra" de" Mário" de"
SáFCarneiro." Este" segue" a" tendência" advinda" da" viragem" do" século" XIX" e" dedica"
muita"da"sua"atenção"literária"à"figura"do"feminino,"assumindo"a"recriação"do"mito"
de" Salomé" particular" importância" nos" seus" escritos," sendo" mencionada"
explicitamente"nas"suas"prosa"e"poesia"em"algumas"ocasiões,"surgindo"ainda"nelas"
frequentes" vezes" dançarinas" que" remetem" para" ela" pela" similitude" de"
características"próprias"ou"contextuais.""
O"poema"“Salomé”,"de"1913,"cumpre,"todavia,"um"novo"desígnio"para"esta"
personagem" literária." O" sujeito" poético," num" momento" de" insónia" soturna," vai"
deixandoFse" seduzir" por" essa" personagem" literária" que" se" lhe" começa" a" afigurar"
num" momento" de" devaneio." A" abstração" vaiFse" tornando" mais" real," ao" ponto" do"
sujeito"poético"se"sentir"intimidado"pela"sua"presença,"indicando"os"termos"“tenho"
frio”" e" “alabastro”" esse" estarrecimento." Um" pouco" à" semelhança" da" figura" de"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 647


Braga Teatro estático

Herodes"descrita"no"texto"À"rebours'(1884),"“statue,"immobile,"figée"dans"une"pose"
hiératique" de" dieu" hindou”" (HUYSMANS," 1970:" 84)" [estátua," imóvel," congelada"
numa" pose" hierática" de" deus" hindu]," também" o" sujeito" poético" estaca" hirto" como"
uma" estátua." As" descrições" sensuais" de" Salomé" presentes" neste" poema" e" noutros"
momentos" da" obra" de" SáFCarneiro" estão" em" conformidade" com" algumas" outras"
feitas" por" des" Esseintes," o" personagem" principal" da" obra" de" Huysmans," des"
Esseintes,"a"partir"dos"quadros"“Salomé"dansant"devant"Herode”"e"“L’apparition”"
(ambos"de"1876)"de"Gustave"Moreau."A"aquisição"destes"quadros"por"parte"de"des"
Esseintes" envolve" uma" série" de" expectativas" íntimas" associadas" a" emoções"
perturbadoras:""
"
Il" avait" voulu," pour" la" délectation" de" son" esprit" et" la" joie" de" ses" yeux," quelques" œuvres"
suggestives" le" jetant" dans" un" monde" inconnu," lui" dévoilant" les" traces" de" nouvelles"
conjectures,"lui"ébranlant"le"système"nerveux"par"d’érudites"hystéries,"par"des"cauchemars"
compliqués,"par"des"visions"nonchalantes"et"atroces."
Entre" tous," un" artiste" existait" dont" le" talent" le" ravissait" en" de" longs" transports," Gustave"
Moreau."
Il"avait"acquis"ses"deux"chefsFd’œuvre"et,"pendant"des"nuits,"il"rêvait"devant"l’un"d’eux,"le"
tableau"de"la"Salomé"[…]"
(HUYSMANS,"1970:"83)"
"
[Ele" tinha" desejado," para" deleite" do" seu" espírito" e" alegria" dos" seus" olhos," algumas" obras"
sugestivas"que"o"lançassem"num"mundo"desconhecido,"que"lhe"desvendassem"vestígios"de"
novas" conjecturas," que" lhe" abalassem" o" sistema" nervoso" através" de" histerias" eruditas,"
pesadelos"complicados,"visões"indolentes"e"atrozes."
Dentre" todos," existia" um" artista" cujo" talento" o" arrebatava" para" longas" viagens," Gustave"
Moreau.""
Ele"tinha"adquirido"duas"das"suas"obras"de"arte"e,"durante"noites,"ele"sonhava"defronte"de"
uma"delas,"o"quadro"de"Salomé"(...)]"
"
O"momento"de"insónia"que"marca"o"início"do"poema"“Salomé”"de"Mário"de"
SáFCarneiro" abre" espaço" a" que" as" diferentes" histórias" e" descrições" em" torno" deste"
personagem," à" semelhança" do" que" acontece" com" o" personagem" des" Esseintes,"
provoquem" no" sujeito" poético" emoções" inusitadas," que" o" conduzem" a" um" estado"
de"devaneio,"de"sonho,"onde"é"possível"experienciar"um"grande"êxtase"somente"por"
poder"imaginar"a"existência"dessa"figura"lendária."NoteFse"ainda"que"a"criação"que"
irrompe" da" insónia" e" que" vem" modificar" a" existência" do" sujeito" poético" ganha"
dimensão,"corporizaAse,"ao"ponto"de,"na"terceira"estrofe,"o"sujeito"poético"se"fundir"
nesse" corpo" emergente." AssisteFse" a" um" movimento" de" devirFmulher"
protagonizado" através" da" infracção" linguística" presente" nas" irregularidades" de"
flexão" pronominal" verbal," mesclandoFse" num" ponto" de" indescernibilidade" o" “eu”"
poético" com" aquela" existência" que" o" seduz:" “Ela" chamaFme" em" Íris." NimbaFse" a"
perderFme," |" golfaFme" os" seios" nus”" (SÁFCARNEIRO," 2017:" 91)." A" incorporação" da"
dança" dionisíaca" motiva" uma" experiência" sinestésica" e" desencadeiamFse" intensas"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 648


Braga Teatro estático

forças"de"desejo,"que"o"conduzem"quase"à"morte,"de"que"a"expressão"“A"doida"quer"
morrerFme”"(SÁFCARNEIRO,"2017:"91)"constitui"o"clímax"de"uma"escalada"sensorial"
erótica," evidenciando" o" desvio" gramatical" que" se" efectua" através" da" conjugação"
pronominal" de" um" verbo" intransitivo" a" rendição" final" do" sujeito" poético" àquela"
escalada.""
No"momento"em"que"a"alma"do"sujeito"poético"se"passou"a"protagonizar"no"
corpo"(imaginário)"da"bailarina,"as"sensações"descritas"são"as"de"quem"se"perde"no"
seu" próprio" movimento" encantatório" da" imaginação." No" terceto" final," a"
pronominalização" do" verbo" intransitivo" “arderFme”" reforça" a" metáfora" da" sua"
entrega"ao"prazer,"interpretação"também"defendida"por"Clara"Rocha"no"seu"artigo"
“Mário" de" SáFCarneiro," o" outro" lado" do" fogo”." O" “fogo”" constituiria," segundo" a"
mesma"autora,"uma"metáfora"do"“acender"dos"sentidos"no"acto"sexual"(ainda"que"
ficcionado)”"(ROCHA,"1990:"160)."AtenteFse"ainda"na"intertextualidade"entre"“arderF
me/" na" boca" imperial”" e" a" referência" ao" beijo" que" supostamente" S." João" Baptista"
recebeu" de" Salomé," no" texto" de" Oscar" Wilde," “Ah!" I" have" kissed" your" mouth,"
Iokanaan,"I"have"kissed"your"mouth”"(WILDE,"2011,"p."75)."A"alusão"ao"beijo,"–"adição"
sensual"que"constitui"uma"recriação"do"mito"original"–"confirma"o"conhecimento"da"
obra"de"Oscar"Wilde"por"parte"de"Mário"de"SáFCarneiro"e"reforça"a"intenção"deste"
em" conservar" o" carácter" sedutor" e" malévolo" da" personagem" de" Salomé," à"
semelhança"dos"seus"contemporâneos."
"

10 Orpheu - Vol. 1 - 1915

SALOMÉ

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,


Luz morta de luar, mais Alma do que a lua ...
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo ...

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas ...


O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou ...
Tenho frio ... Alabastro!. .. A minh'Alma parou ...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas ...

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,


Golfa-me os seios nus, ecôa me em quebranto ...
Timbres, elmos, punhais ... A doida quer morrer-me:

Mordoura-se a chorar - ha sexos no seu pranto ...


Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que hum anisou um Santo ...

Lisboa 1913-Novembro 3
"
Fig.'1.'“Salomé”'(Orpheu,'n.º'1,'1915;'pormenor).'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 649


Braga Teatro estático

Também" o" poema" “Bárbaro”" do" mesmo" autor," publicado" em" Outubro" de"
1914" (SÁFCARNEIRO," 2017:" 106–107)," retoma" o" mito" de" Salomé," na" perspectiva" de"
um"sujeito"poético"poderoso"–"César"–"que"é"igualmente"exposto"perante"a"mulher"
sedutora,"sendo"possível"identificar"laços"de"intertextualidade"com"a"descrição"do"
quadro" de" Moreau," “Salomé" dansant" devant" Hérode”," expressa" no" romance" de"
Huysmans." ObserveFse" como" no" início" do" poema" é" explicitado" o" nome" da"
personagem" feminina" –" Salomé" asiática" –," em" que" o" adjectivo" apositivo" pode"
constituir" um" elemento" de" referencialidade" relativamente" à" obra" À' rebours," no"
momento"em"que"des"Esseintes"associa"a"imagem"daquela"personagem"feminina"à"
estética"do"ExtremoFOriente:""
"
Ainsi" comprise," elle" appartenait" aux" théogonies" de" l’ExtrêmeFOrient;" elle" ne" relevait" plus"
des" traditions" bibliques," ne" pouvait" même" plus" être" assimilée" à" la" vivante" image" de"
Babylone," à" la" royale" Prostituée" de" l’Apocalypse," accoutrée," comme" elle," de" joyaux" et" de"
pourpre," fardée" comme" elle;" car" celleFlà" nÉétait" pas" jetée" par" une" puissance" fatidique," par"
une"force"suprême,"dans"les"attirantes"abjections"de"la"débauche."
(HUYSMANS,"1970:"87)"
"

[Assim" constituída," ela" pertencia" às" teogonias" do" ExtremoFOriente;" já" não" revelava" as"
tradições" bíblicas," nem" podia" ser" assimilada" à" imagem" viva" da" Babilónia," à" Prostituta" real"
do"Apocalipse,"tal"como"ela,"maquilhada"e"adornada"de"jóias"e"de"púrpura;"porque"aquela"já"
não" era" impulsionada" por" uma" potência" fatídica," por" uma" força" suprema," na" direcção" das"
atraentes"abjecções"da"libertinagem.]""
"
No"entanto,"o"mesmo"vocábulo,"“asiática”,"no"seu"sentido"figurado,"pode"expressar"
um" ambiente" de" luxo" e" de" opulência." AtenteFse" em" como" o" movimento" coleante"
manifesto" em" “EnroscamFseFlhe" ao" tronco”" sugere" o" enrolar" das" serpentes" em"
forma" de" pulseiras," que" embelezam" os" braços" e" os" tornozelos" de" Salomé" nos"
quadros"de"Moreau,"remetendo"ainda"para"“des"serpenteaux"de"feu”"(HUYSMANS,"
1970:"85)"[as"serpentes"de"fogo],"bem"como"para"uma"passagem"de"A"Confissão'de'
Lúcio:" “MordiamFseFlhe" nos" braços" serpentes" de" esmeraldas”" (SÁFCARNEIRO," 1968:"
35)." Há" uma" produção" imagética" inicial" em" torno" de" elementos" comummente"
associados" ao" Mal" que" concorre" para" a" reelaboração" do" mito" bíblico,"
amalgamandoFo" com" um" outro," igualmente" bíblico," que" diz" respeito" à" criação" do"
Mundo," onde" uma" serpente" e" a" primeira" mulher" Eva" são" responsáveis" pela"
expulsão"dos"homens"do"paraíso."
Estas" reelaborações" dos" mitos" correspondiam" a" uma" tendência" da" época" e,"
tal" como" nos" indica" Paula" Mourão" em" Salomé' e' outros" mitos," são" assinaláveis" as"
Salomés"que"foram"sendo"publicadas"nas"edições"de"Orpheu:"
"
[…]"vale"a"pena"atentar"nas"ocorrências"do"mito"de"Salomé"e"dos"seus"correlatos"em"Orpheu,"
assinalando"desde"já"que"encontraremos"um"corpus"textual"que"se"lembra"mais"de"Mallarmé"
e"de"Oscar"Wilde"do"que"do"modelo"narrativo"de"Flaubert;"nos"modernistas"importa"mais"a"
paisagem"interior"do"eu"que"um"qualquer"episódio"concreto,"e"por"isso"Salomé,"Madalena"e"
tutti'quanti"são"memórias,"são"inscrições"literárias,"são"símbolos"da"dança,"do"pecado"e"da"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 650


Braga Teatro estático
culpa," da" nostalgia" de" um" paraíso" perdido," tudo" se" desenrolando" no" espaço" imenso,"
nocturno"e"ensombrado,"de"uma"alma"doente.""
(MOURÃO,"2001:"40)"
"
Mallarmé," na" sua" peça" inacabada" Herodíade," elide" a" existência" da" jovem"
anónima" dos" textos" evangélicos" e" faz" de" Herodíade" a" única" protagonista" do"
enredo."Na"obra"Salome’s'Modernity:'Oscar'Wilde'and'the'Aesthetics'of'Transgression,"
Petra" DierkesFThrun" (2011:" 17)" argumenta" que" o" facto" de," naquele" texto" de"
Mallarmé,"não"existir"uma"representação"explícita"de"uma"dança"de"Herodíade"não"
retira" a" esta" personagem" uma" característica" (metafórica)" marcadamente" dançante,"
sustentando" que" esta" característica" está" em" conformidade" com" o" que" o" próprio"
Mallarmé"pensou,"no"seu"ensaio"“Ballets”,"acerca"da"dança"e"da"dançarina."São"as"
palavras" de" Herodíade" que" protagonizam" uma" dança," um" poema," e" que"
mergulham"o"leitor"“into"a"symbolist"universe"of"synesthesia,"ennui,"and"reverie”"
[“num"universo"simbolista"de"sinestesia,"tédio"e"sonho”]."
Os" conflitos" internos" da" Salomé/Herodíade" de" Mallarmé" inspiraram" Oscar"
Wilde,"que,"em"Salomé,'Drame'en'un'acte,"publicado"em"1893,"põe"a"nu"a"rebeldia"e"
perversão"da"personagem"Salomé"e"segue"um"programa"modernista"que"substitui"
as" premissas" da" religião" pelas" premissas" da" estética" e" do" erotismo." Segundo" a"
mesma"DierkesFThrun"(2011:"55):"
"
In"Salomé,"Wilde"offers"a"bold"aesthetic"and"philosophical"thought"experiment"that"pushes"
modern"individualism"to"the"extreme,"the"emphatic"and"ecstatic"assertion"of"a"transgressive"
individual." In" Salome’s" final" moments," Wilde" conjures" up" a" postmetaphysical," selfF
sufficient"self"able"to"satisfy"her"own"needs"recklessly"and"triumphantly.""
"

[Em" Salomé," Wilde" apresenta" uma" estética" arrojada" e" um" pensamento" filosófico"
experimental" que" força" o" individualismo" moderno" ao" limite," a" asserção" enfática" e" extática"
de" um" indivíduo" transgressivo." Nos" últimos" momentos" da" vida" de" Salomé," Wilde"
apresentaFa" como" um" ser" autoFsuficiente" e" pósFmetafísico" capaz" de" satisfazer," de" modo"
imprudente,"egoísta"e"triunfante,"as"suas"próprias"necessidades.]"
"
Em" relação" a" Fernando" Pessoa," confirmaFse" a" afirmação" de" Paula" Mourão." Este"
segue," no" seu" teatro" estático," em" larga" medida," a" estetização" inerente" a" estes" dois"
autores"do"fim"do"século" XIX."As"noções"de"individualidade,"autoFsuficiência"e"de"
um"“eu”"pósFmetafísico"estão"presentes"não"só"na"Salomé'pessoana,"como"em"todo"
o"seu"teatro"estático."E"observeFse"como"também"a"dança"da"sua"Salomé"é"apenas"
de"cariz"metafórico:""
"
SALOMÉ"–"De"que"estão"aquelles"homens"fallando?"
A"–"Do"vosso"modo"de"dançar,"senhora."Dos"gestos"que"fazeis"quando"dançaes."
SALOMÉ"–"Que"gestos"faço"eu?"eu"não"estou"fazendo"gestos"nenhuns."
A"–"As"cousas"em"que"estaes"pensando"é"que"estão"fazendo"gestos"no"ar."
"(PESSOA,"2017:"176)"
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 651


Braga Teatro estático

Assim" sendo," ao" dizer" que" “Os" curiosos," quando" fitam" as" suas" mãos,"
tremem”"(PESSOA,"2017:"266)"ou"“O"gesto"dos"seus"braços"é"o"fio"de"uma"lamina”"
(PESSOA," 2017:" 267)," o" elemento" especificamente" erótico" encontraFse" associado" aos"
efeitos"de"uma"imagem"de"um"corpo"intelectualizado"ao"invés"de"uma"imagem"de"
um"corpo"estritamente"físico."É"por"isso"que"a"femme'fatale'pessoana"está,"como"se"
verá" mais" à" frente" neste" estudo," associada" a" um" problema" de" significação" textual"
transmitida" por" um" efeito" de" incompreensão." Isto" engaja" na" referência" à" lua" feita"
no" anexo" 23" (“Lá" fora" o" luar" é" de" prata" dada”;" PESSOA," 2017:" 266)," evocando,"
simultaneamente," duas" simbologias" do" drama" de" Oscar" Wilde:" por" um" lado," o"
terror"que"comporta"a"bandeja"de"prata"ali"explicitamente"mencionada"e,"por"outro,"
a"primeira"coloração"da"lua,"associada"à"pureza"e"à"inocência.4""
Também"em"1917,"a"descrição"inicial"da"noite,"marcada"pela"tranquilidade,"
contrasta"com"a"inquietação"interior"da"personagem"Salomé:"“A"noite"é"tão"calma"e"
tão"puro"o"céu"que"não"há"tristeza"que"esteja"fóra"de"mim."Uma"angustia"como"uma"
mão" oprimeFme." Há" um" desassossego" sem" esperança" em" todas" as" minhas"
emoções”"(PESSOA,"2017:"175)."A"impressão"corporal"penosa"que"a"angústia"provoca"
sobre" o" sujeito" e" a" exteriorização" interior" desse" malFestar" sob" a" forma" de" uma"
“mão”" que" oprime" abrem" pistas" de" leitura" sobre" a" dor" e" as" sensações," e" sobre" a"
forma"de"como"pensamento"e"corpo"se"tocam.""
O"desassossego,"outro"dos"elementos"que"caracteriza"o"estado"de"espírito"de"
Salomé,"antecede"o"momento"do"sonho,"à"semelhança"do"que"se"verifica"no"Livro'do'
Desassossego,"e"que"Silvina"Rodrigues"Lopes"interpreta"da"seguinte"forma:"
"
O"desassossego,"ou"desassocego,"não"é"uma"poética"de"evasão,"é"decisão"de"escrever,"sem"a"
qual"o"sono"e"o"sonho"seriam"apenas"aquilo"que"são"–"abandono"de"si"–"e"não"seriam"aquilo"
que" não" são;" não" seriam" interrompidos" pela" vigília." Por" uma" aliança" inexplicável" com" o"
acaso,"a"escrita,"movimento"insone,"impede"que"o"sonho"se"conforme"ao"substituto"da"acção"
na" passividade" e" na" irresponsabilidade." Enquanto" ficções," os" sonhos" encenam" motivações"
psicológicas"e"comportamentos"romanescos."TecemFse"de"farrapos"de"situações"e"ao"mesmo"
tempo"constroemFse"como"distância"da"realidade;"mas"enquanto"sonhos,"as"ficções"estão"do"
lado"de"uma"“atenção"desatenta”,"de"uma"desconformidade"(monstruosidade).""
(LOPES,"2014:"59)"
"
Se," nos" textos" de" Wilde" e" SáFCarneiro," a" iminência" de" uma" acção" trágica" é"
pressagiada"por"elementos"da"realidade"exterior,"no"drama"de"Pessoa,"o"desassossego"

4" O" símbolo" da" lua," em" Oscar" Wilde," pretende," de" acordo" com" a" interpretação" de" Petra" DierkesF
Thrun"(2011:"24),"representar"o"símbolo"do"espelho"utilizado"por"Mallarmé"e"tem,"por"esse"motivo,"
uma"intenção"de"criar"um"reflexo"da"personagem"de"Salomé."Deste"modo,"os"diferentes"matizes"de"
que" a" lua" se" reveste" estão" em" consonância" com" a" natureza" comportamental" desta" personagem" ao"
longo"da"peça:"em"primeiro,"a"cor"branca"representa"a"pureza"e"a"inocência"de"Salomé;"a"vermelha"
corresponde" à" paixão" de" Salomé" por" Jokanaan" e" ao" primeiro" derrame" de" sangue" decorrente" do"
suicídio"de"Narraboth;"por"fim,"a"cor"negra"condensa"todos"os"acontecimentos"finais"que"nimbam"a"
acção"com"um"halo"de"morte:"a"dança"que"conduz"à"morte"de"Jokanaan,"o"encontro"de"Salomé"com"a"
cabeça"decapitada"e"a"morte"de"Salomé."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 652


Braga Teatro estático

interior" de" Salomé" é" o" gatilho" para" o" sonho," para" a" construção" de" uma" realidade"
onírica"que"será"interrompida"pela"vigília,"como"se"pode"verificar"no"fragmento"58,"
que" introduz" este" drama" estático." O" desassossego" acompanha" ainda" um" desejo"
particular:"“Nesta"hora"mórna"e"escura"eu"queria"ser"qualquer"cousa"que"ninguem"
tivesse" desejado" ser”" (PESSOA," 2017:" 175)." Este" desejo" de" ser" uma" outra" coisa" é"
possível"através"do"sonho"e"é"nele"que"essa"projecção"de"si"se"efectua"até"ao"infinito:"
“Assim,"quando"sonho,"os"meus"sonhos"são"maiores"do"que"eu,"infinitos"por"vezes,"
indo" até" ao" horizonte" absoluto." ProjectoFme," quando" sonho," sobre" todas" as"
epocas…”"(PESSOA,"2017:"175).""
"
"

"
Fig.'2.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'175).'
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 653


Braga Teatro estático

Salomé" começa" por" narrar" um" sonho" às" suas" aias" e" este" transformaFse" em"
realidade"à"medida"que"vai"sendo"enunciado."As"aias"aceitam"em"ouvir"a"história"
narrada"por"Salomé,"mas"antecipam"duas"possibilidades"de"um"veredicto"estético:"
“Se"a"historia"fôr"bella,"senhora,"será"pena"que"fôsse"apenas"sonho;"se"não"fôr"bella,"
será" pena" que" se" houvesse" contado”" (PESSOA," 2017:" 178)" A" história" narrada" por"
Salomé"institui"o"real"e"compreendeFse"o"poder"“divino”"que"a"palavra"adquire"ao"
permitir"a"criação"da"realidade:"
"
SALOMÉ" –"Se"a"sonharmos"bem,"e"fôr"bella,"e"porisso"a"sonharmos"bem,"será"mais"que"um"
sonho:"nalgum"logar,"nalgum"momento,"ella"terá"ser,"porque"as"coisas"que"acontecem"não"
são" senão" como" são" narradas" depois." O" que" aconteceu" ninguem" o" sabe," porque" ninguem"
sabe"até"o"que"está"acontecendo;"os"olhos"teem"a"venda"de"vêr,"e"os"ouvidos"estão"tapados"
com" o" ouvir." Os" livros" grandes" que" meu" Pae" lê" contam" coisas" maravilhosas" do" passado."
Essas" coisas" são" narradas," porém" talvez" nunca" se" dessem." Mas" as" coisas" deramFse" porque"
são"narradas.""
(PESSOA,"2017:"178)"
"
A" referência" aos" “livros" grandes”" e" aos" relatos" maravilhosos" do" passado" não" é"
ingénua"neste"sonho,"uma"vez"que"também"eles"são"decorrentes"de"outros"sonhos,"
que" “talvez" nunca" se" dessem”" e" que," apenas" pelo" facto" de" terem" ganho" uma"
existência" através" da" escrita," são" reais." AtenteFse" ao" facto" de" esta" pequena"
deambulação" em" torno" do" acontecimento" –" “O" que" aconteceu" ninguem" o" sabe,"
porque" ninguem" sabe" até" o" que" está" acontecendo”" –" corroborar" o" processo" de"
amalgamamento"a"que"a"criação"(literária)"está"inexoravelmente"exposta."O"sonho"
de" Salomé" constitui" um" exemplo" de" como" uma" breve" narração" bíblica" acerca" do"
episódio" da" decapitação" de" João" Baptista" pode" ser" polvilhada" por" resquícios" de"
outras" históricas" bíblicas" que," desta" forma," se" espraiam" em" novas" narrativas." Tal"
como"à"protagonista"deste"drama,"não"interessa"saber"o"que"aconteceu"mas"antes"o"
que"resultou"da"narração"desse"acontecimento,"ou"seja,"o"processo"de"escrita,"sob"a"
forma"de"histórias"que"contam"“coisas"maravilhosas"do"passado.”.""
Por"esse"motivo,"Salomé"está"disposta"a"contar"um"sonho"sobre"um"homem,"
João"(alusão"a"João"Baptista),"personagem"fictício"criado"por"ela"e"que"é"designado"
ora"por"“doido”,"ora"por"“bandido"que"mata"nas"aldeias”,"ou"ainda"por"“um"santo"
que" criasse" deuses”." À" semelhança" de" Salomé," também" este" personagem" sonha,"
também"ele"institui"uma"realidade"que"é"a"de"criar"um"deus:"“Esse"homem"clamava"
nos"desertos"a"vinda"do"deus"que"queria,"e"clamavaFa"porque"a"queria"e"não"porque"
ella"houvesse"de"ser."Mas"elle"clamava"tanto"que"sem"duvida"o"ouviria"esse"deus"
que"elle"estava"creando”"(PESSOA,"2017:"179)."Segundo"as"escrituras,"também"Deus"
da"tradição"bíblica"criou"o"mundo"pela"palavra,"e"tanto"a"criação"de"Salomé"como"a"
de" João" convergem" para" a" ideia" de" que" é" a" palavra" que" funda" a" realidade."
Corroborando"este"argumento,"acrescenta"Salomé:"
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 654


Braga Teatro estático
Essas" coisas" são" narradas," porém" talvez" nunca" se" dessem." Mas" as" coisas" deramFse" porque"
são"narradas."Que"temos"nós"com"o"que"foi?"O"que"foi"é"morto"e"como"se"não"fôra"nunca."O"
que" é" do" que" foi" é" que" verdadeiramente" hoje" foi" antes." O" mais" é" pensar" de" loucos" ou" de"
creanças,"que"querem"a"verdade"ou"a"lua"nas"grandes"noites"de"verão,"como"esta,"em"que"a"
alma"é"ampla"e"triste.""
(PESSOA,"2017:"178F179)"
"
Este" trecho" é" especialmente" importante" para" compreender" a" dificuldade" em"
discernir" o" mito" da" realidade," uma" vez" que" a" própria" personagem" Salomé" alega"
que"o"que"permanece"como"real"é"só"o"que"ficou"narrado."A"narração,"mais"do"que"
fazer" o" levantamento" de" uma" memória" ou" de" um" passado," tem" como" função"
produziFlo." O" sonho" que" Salomé" vai" narrando" às" suas" aias," onde" a" mesma" não"
pretende" firmar" uma" memória" ou" entabular" um" discurso" da" verdade," é" a"
construção" de" uma" nova" história" e" de" um" novo" “eu”" que" se" vai" descobrindo" ao"
longo"da"narração.""
Um" outro" aspecto" que" importa" realçar" é" que" esta" peça" não" apresenta" os"
nomes" dos" protagonistas," o" que," salva" raras" excepções," como" a" peça" Sakyamuni" e"
outros"casos"pontuais,"é"habitual"nesta"obra"de"teatro"estático,"onde"a"identificação"
das"personagens"se"efectua"maioritariamente,"quer"através"do"uso"da"primeira"letra"
do" nome" dos" protagonistas" ou" por" números." Esta" despersonalização" é" uma"
característica"do"teatro"estático"de"Maurice"Maeterlinck,"dramaturgo"que"bastante"
influência" granjeou" junto" de" Fernando" Pessoa," como" é" feito" notar" pelos" editores"
Filipa"de"Freitas"e"Patricio"Ferrari"do"posfácio"desta"edição:""
"
Após" La' Princesse' Maleine," de" Maeterlinck," publicada" em" 1889," as" personagens" tornamFse"
arquétipos," praticamente" desaparecendo" o" recurso" aos" nomes" próprios." […]" No" caso" de"
Pessoa," a" despersonalização" também" é" evidente:" com" algumas" excepções," a" identificação"
das"personagens"não"recorre,"geralmente,"a"nenhum"atributo"que"as"possa"diferenciar"(um"
nome"ou"alguma"propriedade"caracterizadora),"sendo"elas"apenas"nomeadas"por"uma"letra"
inicial"–"A,"B,"C,"X.""
(PESSOA,"2017:"361)"
"
De"acordo"com"o"editor"de"Maurice"Maeterlinck,"Paul"Gorceix,"“Le"refus"du"
dialogue" conforme" à" la" dramaturgie" traditionnelle" va" de" pair" avec" l’autre" refus,"
non" moins" frappant," de" l’identité" du" personnage”" (MAETERLINCK," 2005:" 20)" [“A"
recusa" de" um" diálogo," em" conformidade" com" a" dramaturgia" tradicional,"
acompanha"a"outra"recusa,"igualmente"evidente,"da"identidade"do"personagem”]."
Reduzindo" os" personagens" a" simples" “marionetas”5," pretendia" Maeterlink" que" as"
mesmas"constituíssem""
"
[…]" la" représentation" symbolique" de" l’être" désincarné," vidé" de" son" moi" et" de" sa" parole."
L’absence" d’identité" des" personnages" de" L’Intruse" correspond" à" la" fois" à" la"
dépersonnalisation"de"la"parole"et"à"l’abstraction"menaçante"du"troisième"personnage,"sans"

5"Fernando"Pessoa"(2017:"276)"utiliza"os"termos"“figuras”"e"“fantoches”.""

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 655


Braga Teatro estático
visage,"et"irreprésentable"qu’est"la"mort."La"dépersonnalisation"systématique"des"êtres"qui"
apparaissent" sur" la" scène," est" en" résonance" avec" l’enlisement" de" la" créature" humaine,"
anonyme,"vouée"inéluctablement"à"sa"disparition.""
(MAETERLINCK"2005:"20)"
"
[(...)"a"representação"simbólica"do"ser"desincarnado,"esvaziado"do"seu"eu"e"da"sua"palavra."
A" ausência" de" identidade" das" personagens" de' O' Intruso' corresponde" ao" mesmo" tempo" à"
despersonalização"da"palavra"e"à"abstração"ameaçadora"do"terceiro"personagem,"sem"rosto"
e"irrepresentável,"que"é"a"morte."A"despersonalização"sistemática"dos"seres"que"surgem"em"
cena"está"em"consonância"com"a"estagnação"da"criatura"humana,"anónima,"inelutavelmente"
condenada"ao"desaparecimento."]"
"
Sendo"a"despersonalização"uma"das"características"do"teatro"estático,"interessaFnos"
compreender"o"recurso"ao"nome"de"Salomé"para"intitular"este"drama,"bem"como"a"
identificação"de"João,"num"enredo"que"facilmente"seria"identificado"sem"nenhuma"
nomeação," uma" vez" que" a" história" foi" amplamente" difundida" e" adaptada" a"
diferentes" expressões" artísticas." Esse" reconhecimento" quase" imediato" deverFseFia"
sobretudo" ao" peso" da" significação" que" estas" figuras" (mesmo" que" não" nomeadas)"
carregam"no"seu"bojo"e"ainda"que"o"leitor"desconhecesse"o"mito"bíblico"de"Salomé,"
uma"das"passagens"iniciais"revela"sucintamente"a"história"genésica"(bíblica)."Estes"
corpos" literários," à" semelhança" do" corpo" de" Cristo" –" um" dos" personagens" que"
também"é"nomeado"na"peça"Calvário'–"estão"repletos"de"significação"e"foram,"como"
nos"diz"JeanFLuc"Nancy"na"obra"Corpus,"“euxFmêmes"engendrés"pour"signifier,"et"
uniquement"pour"cela”(NANCY,"2000a:"62)"[“gerados"para"significar,"e"unicamente"
para"isso”]"(NANCY,"2000b:"69)."ApropriandoFnos"de"uma"das"questões"levantadas"
deste" autor," sobre" a" existência" de" corpos" em" literatura" que" não" sejam" signos,"
pretendemos" compreender" se" a" nomeação" de" Salomé" não" será," por" esse" motivo,"
intencional."Se"a"ideia"de"construção"de"sentido"é"feita"a"partir"de"uma"nomeação,"o"
que"aconteceria"se"esse"nome"deixasse"de"fazer"sentido"ou"não"se"relacionasse"com"
um" sentido" advindo" da" tradição" literária?" ImportaFnos" compreender" o"
questionamento"da"significação"do(s)"corpo(s)"literário(s),"uma"vez"que"é"nele"que"
se" centra" parte" do" drama" Salomé," nomeadamente" no" fragmento" 60," onde" Salomé"
descreve"as"suas"características,"sobretudo"sensuais;"contudo,"e"contrariamente"ao"
que" sucede" nos" textos" a" que" aludimos" anteriormente," neste" drama" estático" as"
características"enunciadas"reportamFse"a"um"molde6"de"femme'fatale"–"a"beleza"que"
desperta"o"ódio"das"mulheres"e"que"conduz"à"perdição"dos"homens"–"que"nela"foi"
incorporado," sem" que" a" protagonista" tenha" disso" certeza:" “Dizem" que" sou" a"
maravilha,"mas"eu"não"sei"quem"sou."[...]"Mas"eu"sou"a"adormecida”"(PESSOA,"2017:"
177).""

6"Esta"interpretação"é"igualmente"defendida"por"Flávio"Rodrigo"Vieira"Lopes"Penteado"Corrêa,"no"
seu"artigo"intitulado"“Salomé"ou"uma"história"em"que"nos"fechemos"da"vida”,"publicado"no"XI"SEL"
–"Seminário"de"Estudos"Literários,"na"UNESP,"em"2013."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 656


Braga Teatro estático

"
"
"
"

s. - l'i·':ha. vich t'}!ll Ul'l cc.nsa.r,o <.le ais cnisas do '.ue a r;ir-r.a
V!clt1. "'tão sei -t49 que s0i1}-iar, ·nas hojo, C1Ue me peS!l tant0 ()
na.o saC'.ll' mais 1ue sonh:11•, e tP.'1110 se;r querer a ·nects id•, 1 e do
sn·1ho, ,1uei•,J que sonreis 00 1 ,130, ')lE!l'·' que sonh6mo 'nnt<s,
Se un. V;Yeri juntos, por r·e ão son.r.arão jan";os outr· ~;; ,r a 1 .-
guma difforanqo. corta e1tY,é, sonh., e o.. vida?

Al,- J :i.s ;::,.10, sen:.io:::a, s1n'1a1•erros juntas? """ln.ha 'l"lJl.'no, l' ~º •";a-
ri1 de so11.h•;;,"; ,,s na.o (J,Ufl"O clorrrir, por:ue os sonhos, ,u9.'ld"l
se dor'l1B, ª"" de outr'. all1la., e c1•-.i.za.,~-se co os lt,e desejariavos
ter,coino o~ perosrinoe nas encruzilhadas,
S, - "u furei para mim um sonho, e eese s0nho será ul"P histn!•is..
!1-'Ji contando alto essa hi.,t01'ia., e "é, ouvireis e s-.Jn',ol-a-heis
col"n,igo, 'C'ma ou outra de ,At, uando a historia itb.e fÔ:-, ~alia
a:t~ct«xocxsdmst ensopando a alma, me i"á dizendo o '!U· 1!ê r:a alma
cl essa hlstori!l, e que eu me esri iecesse de. contar, .iera co, o tu1
ca".lt.-, ,r· 1ue cc.ntem:is junta s no senti.elo, e cada uma. 1. ~na. vez
i-~i, 11 z, Dizei-r.ie que potl.e ser asíli'll, para (lue eu r>ossa sonhar a
hist·): '.a que ha de sei•.
A2. - Sn a ftXX histori'.1. f0" bell, ~e"hora, será pena quB f~s3e
o.pena.3 sonho; se não f'Õ1• bella, ~era. 1 eno. que se h,Jclvesse c) ,ta.-
do,

s. ; r- J.30 a son'1a.,..nos 1",e1~,


s<,C'CJ. '.1.is 1ue =
a sor,1u...rmos O~m, P. fô_.. 1 ella,
,, .,., porq_uo a.s coisas
"ºn',o: r1.,gU1 lo~ar,
que
n° l;;i..:1 111ot<:mto, olla te"'
oontecem nh sao senão como são ·,1a.rra-
do.s d:Aoi,s, O pe a9ontecu1 ni1gue o · abc,, porque 'llnr;uem s11be
ncro 1!!1íto o 1ue e.,ta acontecendo; os olhos teem a ve11da. de ver,
(:: os 'Juvi.dos ,stão t.,,,.,.,_dos com o ouvir, Os liv1•os granden que n:eu
Pae lê r•.0,1t. n, c,1isai "IB.ravil'wsa do p!:a.ssa.uo. "~ ª" .,;'i"a" :;Üo
ns.r· .. 'lu~.i. p• re'n talvez nunca se cl&ster., r', s as co:i.aas deram-se
porque sao narradas. r:_ue temos- nós cor o tt..e foi? O ·ue foi é
morto e co· o se não fÔra nunca, O que é lo que "oi É ·-.u'- ver,ladei-
ramente 110 je foi antes, O mais é pensar :ie l nco s ou l r ~a iças ,
'-! 10 c.nerF' verdade , ,.. , a lua ru• s g1•endes noi:te s de verão, como
esta, em ,ue a al, a e 1pla e tristd,
Al, - .vrnim seja, senhora, e sonhe:n0s, Começa.e vós, 1ue quereis
co:-.eça.1•, e tendes avo,; dae f0ntes ,;scn>1C::.idas, ·), i;esLo", 1ua.n-
,_3 ,,caso oa ,'-pis, <.l&a pal .eiras 1ue r0stram ,1ue ha vento, }!ando
não rr. v0nt0 ,u':l torp ...e nas palpebras, ne ..1 brisa .<1ne •oce na "3.ce
e. "istrac-.~o dos -:ahellos,
s. - (depoi2 de urna. breve pausa) . S1 1ppnnde que ... Não, g,,.,....r"r· 0
... H&o, ni' o é ·e;.ssi n '11Ue se sonJ.w.... ,:i pe.
,:-· .1.•d-3r , iue .,.\1 .r•
ví;r,,. (outra pausa) ·•evi",, n~ u.eserto pa~lér- <lS! 11;s,;1•to, en-
+;1·'l a parte elos 1esertos ~,ue e rochedos, ep, so1id "," n:c,;'._r, ch,ra.
do que na,i XJUUCU areias e a 1111a 1ais ...,,::.st~ que a<" :,e das pal 1ei-
ras, un horr1cm r,ue ;'.v,1•ia ,l.L1deu:,, por·_ce roa.o"-havi11. -i ·uses dos
1-iorens r;ue '1abit,;,ase..i a,,uelles dtoSºt>tns nem a ,uella alnn, Ç;ueria
,:tJJdeus cQ~ iais s;,d- que 0. de.- agua, e mais fo1:ie •1ue a ,los fruc-
v')s !Ue sar, comp a-· e •- {,..,,...,.,:i
• .,· G ......_~Sa"I '') 'U··d, e ns.ra Ow lUS. ú crcap-
~"l.3 es+:enu1;:--~ .., vJ11.ar e a. riao. · ,._

"
Fig.'3.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'1781179).'
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 657


Braga Teatro estático

"
"
"
"

'Sss 1omeo ch.n.t'1R.va-se tT,.,ão, ~"'r ~ue r n "'en ~nh.,) ..,o cho.ma
,J'.)io. ": ,.un none d'l ent1•F1 os hebroue, =sl_;lão !18. i'elizr,ient.e
pr0pheta ou rabblno d 1 entre elles que ainda us,sse d 1 elle.
Esse '101~em clanava no'! de2ertns a v.i.nda d0 deus que queria ,
e clamava-a r,orque a c;.t:e~ia e nã-1 poi•que e l la llmllve sse de
ser. !.'as à.le clalr.!!.Va tnn1;n "C).ueser duvida o :mviria !'las.e
deus que elle estava creando. E o clfms viria em sua hora,
wim.ll.xl!llllU!!lll.:ru!.l'lll por,,ue par '.uem on11.a nãn 11.ahora, nem se
·lese:.con~ra a alma com D«

"
Fig.'4.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'1781179).'
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 658


Braga Teatro estático

Apesar"do"trecho"constante"no"fragmento"em"análise"se"centrar"na"descrição"
de"características"que"elevariam"Salomé"à"categoria"de"femme'fatale,"a"personagem"
em" causa" não" conhece" essa" vertente" de" si." Significa" isto" que" uma" parte" do" que" se"
conhece"da"personagem"mítica"e"literária"de"Salomé"ficou"adstrita"a"uma"imagem"
cristalizada" sob" a" forma" de" mito," e" essa" significação" atravessou" eras" e" lugares"
longínquos,"foi"ampliada,"alterada"e"veiculada"pela"boca"do"sujeito"indeterminado"
de"“Dizem”."Para"além"disso,"a"existência"de"Salomé"é"comparada"à"de"outros"seres"
imaginários," que" também" concorrem" para" a" sedimentação" da" imagem" da" mulher"
fatal," como" é" o" caso" do" canto" das" sereias," enriquecendoFse," desta" forma," um"
imaginário" colectivo:" “As" suas" preferidas" odeiamFme" sem" saber" se" existo," porque"
entre"as"palavras"vagas"dos"seus"discursos"amorosos,"a"minha"imagem"embarga"as"
frases" e" ellas" sentemFme" passar," como" um" canto" de" sereia," nos" esquecimentos" da"
voz”"(PESSOA,"2017:"176)."O"mito"da"existência"de"Salomé"e"do"seu"poder"maléfico"
sobre" os" homens" é" assim" difundido" e" cimentado" no" inconsciente" colectivo,"
conjugando" elementos" de" diferentes" tradições" que" continuamente" urdem" (e"
desurdem)"uma"trama"literária.""
A"filha"de"Herodíade,"nos"textos"bíblicos,"foi"responsável"pela"morte"de"um"
santo,"de"um"profeta"e"a"memória"que"dela"perdurou"conduz"imediatamente"a"essa"
significação;" no" entanto," o" corpo" significante" não" cessa" de" se" construir" e" é" a" esse"
processo"que"se"assiste"com"este"sonho,"com"esta"nova"história,"ao"construirFse"um"
novo" passado" assente" sobre" uma" nova" premissa" –" a" de" que" a" cabeça" pedida"
pertencia"a"um"“doido”:"
"
SALOMÉ" –"E"eu"pensei"que"se"eu"sonhasse"isto"muitas"vezes"talvez"o"futuro"tivesse"pena"de"
mim."Amariam"a"minha"memoria"todos"os"homens."
A"–"O"que"é"que"vós"sonhastes?"
SALOMÉ"–"Que"meu"pae"dava"um"banquete"e"eu"dançava"no"banquete"deante"dos"convivas."
De"tal"maneira"eu"dançava"que"o"meu"pae"me"dizia"–"pedeFme"o"que"quiseres."E"eu"pedia"a"
cabeça"d’aquelle"doido"que"prenderam"ha"dias."
(PESSOA,"2017:"175,"176)"
"
Com" esta" mudança" do" epíteto" de" João" de" “santo”" para" “doido”," a" personagem"
Salomé,"através"de"uma"invenção"que"não"é"senão"a"narração"de"um"sonho,"tenta"
elidir"os"traços"do"passado"e"reescrevêFlos"no"presente,"daí"que"se"compreenda"que"
não"é"a"vida"o"que"cria"a"história,"o"mito,"mas"antes"o"inverso:"“Quero,"com"todo"o"
meu" sonho," que" este" sonho" seja" verdadeiro." Quero" que" fique" verdade" no" futuro,"
como" outros" sonhos" são" verdades" no" passado”" (PESSOA," 2017:" 180)." Deste" modo,"
libertandoFse" de" interpretações" e" traduções," Salomé" abandonaFse" à" criação" de"
novas"possibilidades"de"existência.""
No"entanto,"colocaFse"a"questão"de"saber"quem"é,"afinal,"Salomé."RespondeF
nos"ela,"no"fragmento"59:"“O"que"ficará"de"mim"será"falso”"(PESSOA,"2017:"176)."E"o"
que"é"“uma"cousa"ser"falsa”"questiona"a"aia,"a"que"Salomé"responde"“não"sei”."As"
expressões" “mas" não" sei" quem" sou”," “a" adormecida”" e" “o" que" fica" de" mim" será"
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 659
Braga Teatro estático

falso”" levantam" questões" em" torno" da" identidade" e" do" corpo" saturado" de"
significações"que"se"torna"irreconhecível,"externo,"ao"próprio"“eu”."
A" parte" “falsa”" de" Salomé," este" “eu”" extenso" que" está" entregue" aos" outros,"
não"existe"para"ela"pois,"e"apropriandoFnos"das"palavras"de"JeanFLuc"Nancy:"“Un"
corps"est"toujours"obFjecté"du"dehors,"à"“moi”"ou"autrui."Les"corps"sont"d’abord"et"
sont"toujours"autres"–"de"même"que"les"autres"sont"d’abord"et"sont"toujours"corps."
J’ignorerai" toujours" mon" corps," je" m’ignorerai" comme" corps" là" mème" où" “corpus"
ego”"est"une"certitude"sans"réserves."Les"autres,"au"contraire,"je"les"saurai"toujours"
en"tant"que"corps”"(NANCY,"2000a:"29)"[“Um"corpo"é"sempre"obFjectado"de"fora,"a"
“mim”"ou"a"outrem."Os"corpos"são"sempre"e"antes"de"tudo"outros"–"assim"como"os"
outros" são" sempre" e" antes" de" tudo" corpos." Desconhecerei" sempre" o" meu" corpo,"
desconhecerFmeFei"sempre"como"corpo"aí'mesmo"onde"“corpus"ego”"é"uma"certeza"
sem" reservas." Os" outros," pelo" contrário," conhecêFlosFei" sempre" enquanto" corpos”]"
(NANCY," 2000b:" 30)." Quer" isto" dizer" que" há" uma" parte" do" corpo" que" é" sempre"
desconhecida," externa" ao" “eu”" e" que" só" é" visível" pelos" outros" pois" esses" estão"
sempre" do" lado" de" fora" e" conseguem" visualizar" o" fora" do" “eu”." Em" um" dos"
diálogos" entabulados" numa" outra" peça" dramática" pertencente" ao" teatro" estático,"
Dialogo' no' Jardim' do' Palacio," esse" desconhecimento" do" seu" próprio" corpo," a"
ignorância" de" uma" parte" não" visível" do" eu" encontraFse" expressa" nos" seguintes"
termos:""
"
B"–"Que"vês"tu"de"mim?"O"meu"corpo."Tu"á"minha"alma"não"vês."
A"–"Mas"nem"a"minha"vejo,"e"ao"meu"corpo"mal"o"vejo."Não"o"vejo"como"um"corpo"se"deve"
ver"para"parecer"real."Olho"para"baixo"para"elle,"não"olho"para"deante,"como"para"ver"o"teu."
Se"ao"menos"eu"me"sentisse"dentro"do"meu"corpo!"Mas"não"me"sinto"dentro"nem"fóra."Nem"
sou," nem" visto," o" meu" corpo." Sou" –" corpo" e" alma" –" qualquer" cousa" que" eu" não" possúo…"
(pausa)" […]" Quando" me" vejo" de" costas," nos" espelhos," pareceFme" que" tenho" um" outro" sêr,"
que"sou"outra"coisa."ExtranhoFme"por"fóra…"Que"horror"que"não"possamos"vêr"mais"do"que"
um"lado"de"um"corpo"de"cada"vez…""
(PESSOA,"2017:"171)7"
"
A"expressão"“extranhoFme"por"fóra”,"o"terFse"tornado"extranho,"cuja"partícula"“ex”"
remete" para" a" ideia" de" exterior," para" alguém" que" se" vê" do" lado" de" fora," para" um"
“foraFdeFsi”" tal" como" Silvina" Rodrigues" Lopes" definiu" na" sua" leitura" da" palavra"
“extranho”"de"Bernardo"Soares"–"e"que"aparece"com"bastante"frequência"em"vários"

7"À"semelhança"deste"excerto"de"Dialogo'no'Jardim'do'Palacio,"também"em"Dialogo'na'Sombra"podemos"
encontrar"a"ideia"de"um"corpo"que"é"exterior"a"um"eu,"um"corpo"que"é"extranho"à"voz"da"enunciação:"
“E"–"Eu"proprio"não"sei"quem"eu"sou…"Meus"gestos"são"entes"extranhos"quando"reparo"n’elles,"e"
sombras"incertas"quando"não"reparo."São"uma"perpetua"revelação"a"mim"proprio."Sou"tão"exterior"a"
conhecerFme"como"o"mundo"externo…"Entre"o"meu"querer"erguer"um"braço"e"elle"erguerFse"vae"um"
intervallo" divino…" Transponho," entre" pensar" e" falar," rápido" como" uma" cousa" que" não" fosse," um"
abysmo"sem"fundo"humano."|"A"–"Eu"sou"simples"como"uma"pedra"no"caminho"ou"uma"rosa"numa"
roseira."|"E"–"És"simples"porque"não"te"espelhas"em"ti”"(PESSOA,"2017:"115).""

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 660


Braga Teatro estático

trechos"do"Livro'do'Desassossego"–"está"em"conformidade"com"a"leitura"que"Nancy"
faz"de"corpo,"convergindo"para"uma"ideia"comum:"a"do"corpo"como"mundo,"como"
espaçamento"infinito,"um"corpo"que"se"estende"para"além"dos"seus"limites,"que"se"
ultrapassa," em" pensamento" ou" linguagem." É" a" partir" do" próprio" corpo," do" meu"
corpo"que"se"pode"ver"o"corpo"como"algo"que"é"estranho,"expropriado."
O" tornarFse" extranho," o" desconhecimento" da" totalidade" do" “eu”" é" também"
uma"característica"em"evidência"na"obra"Mário"de"Sá–Carneiro,"como"sucede,"por"
exemplo,"nos"versos"finais"do"poema"“Bárbaro”:"
"
–"Não"sei"quem"tenho"aos"pés:"se"a"dançarina"morta,"
Ou"a"minh’Alma"só,"que"me"explodiu"de"cor…"
(SÁFCARNEIRO,"2017:"107)'
"
De" acordo" com" a" leitura" que" Paula" Mourão" efectua" destes" versos" finais," “tudo"
reverte" sobre" o" eu," pois" a" “dançarina" morta”" é" uma" face" especular" da" “minha"
Alma”;" depois" de" uma" suspensão" dramática" da" palavra," e" da" consciência" que" ela"
expressa,"o"sujeito"é"no"fim"do"poema"a"imagem"do"nãoFsaber”"(MOURÃO,"2000:"45)."
Esta" última" imagem" remeteFnos" para" uma" expressão" de" Sigmund" Freud," de" que"
JeanFLuc"Nancy"fez"uso"para"a"sua"definição"de"corpo:"“‘La"psyché"est"étendu:"n’en"
sait"rien.’"C’est"–"à"–"dire"que"la"‘psyché’"est"corps,"et"que"c’est"précisément"ce"qui"
lui"échappe,"et"dont"(peut"–"on"penser)"l’échappée"ou"l’échappement"la"constitue"en"
tant" que" ‘psyché’," et" dans" la" dimension" d’un" neFpasF(pouvoir/vouloir)Fse" savoir”"
(NANCY,"2000a:"22)"[“‘A"psique"é"extensa,"e"ignoraFo"de"todo’."Isto"quer"dizer"que"a"
‘psique’" é" corpo," e" que" é" precisamente" isso" que" lhe" escapa." Podemos" assim" supor"
que" este" escapar" a" constitui" enquanto" ‘psique’," na" dimensão" de" um" não" –"
(querer/poder)" –" saberFse”]" (NANCY," 2000b:" 22)." Assim," interpretaFse" que" o" nãoF
saber" a" que" Paula" Mourão" se" refere" corresponde" a" essa" extensão" que" o" sujeito"
poético"desconhece,"porquanto"lhe"é"difícil"determinar"os"limites"do"seu"psíquico."
O"psíquico,"de"acordo"com"a"perspectiva"apresentada,"refereFse"ao"corpo"ou"corpos"
que"estão"para"além"do"corpo"físico,"é"o"que"ele"designa"de"“ser"extenso"e"foraFdeFsi"
da"presençaFnoFmundo”"(NANCY,"2000b:"22).""
DetenhamoFnos" na" compreensão" do" conceito" de" corpo" (que" difere" do" de"
corpus)" de" JeanFLuc" Nancy" na" obra" supraFcitada:" há" uma" tradição" histórica" que"
precede" este" conceito" e" que" está" associada" à" frase" Hoc' est' enim' corpus' meum,"
utilizada" por" “des" millions" d’officiants" de" millions" de" cultes”" (NANCY," 2000a:" 7)"
[“milhões" de" oficiantes" de" milhões" de" cultos”]" (NANCY," 2000b:" 5)." Esta" expressão"
utilizada"no"ritual"religioso"católico"é"proferida"no"momento"em"que"se"apresenta"à"
comunidade" a" hóstia," enquanto" símbolo" do" corpo" de" Cristo." JeanFLuc" Nancy"
considera"que"este"foi"o"momento"em"que"houve"a"necessidade"de"“dar"um"corpo”"
a" uma" entidade" divina" enquanto" expressão" da" sua" existência," da" sua" realidade." E"
daí"a"“obsessão”"em"demonstrar"a"existência,"a"partir"de"uma"evidência"“física”,"de"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 661


Braga Teatro estático

um"corpo,"acto"que"teria"correspondido"a"uma"“invenção”"e"que"teria"conduzido"a"
uma"angústia"pelo"facto"de"ser"impossível"determinar"o"que"é"realmente"um"corpo:"
"
L’angoisse," le" désir" de" voir," de" toucher" et" manger" le" corps" de" Dieu," d’être" ce" corps" et" de"
n’être'que'ça'font"le"principe"de"(dé)raison"de"l’Occident."Du"coup,"le"corps,"du"corps,"n’y'a'
jamais" lieu," et" surtout' pas' quand' on' l’y' nomme' et' l’y' convoque." Le" corps," pour" nous," est"
toujours"sacrifié:"hostie.""
(NANCY,"2000a:"9)"
"
[A"angústia,"o"desejo"de"ver,"de"tocar"e"comer"o"corpo"de"Deus,"de"ser"esse"corpo"e"de"não'
ser'mais'do'que'isso,"fazem"o"princípio"da"(semF)"razão"do"Ocidente."Subitamente,"o"corpo,"o"
simplesmente" corpo" nunca' aí' teve' lugar,' e' sobretudo' quando' aí' foi' nomeado' e' convocado." O"
corpo,"para"nós,"é"sempre"sacrificado:"hóstia.]"
(NANCY,"2000b:"7)"
"
Eis" a" razão" pela" qual," para" Nancy," o" corpo" não" é" esse" espaço" preenchido" de"
sentidos,"de"símbolos,"de"representações,"como"o"é"a"metáfora"do"corpo"de"Cristo,"
mas" antes" um" espaço" aberto," um" lugar" de" existência," isto" é," um" lugar" onde" a"
existência"se"dá."E"esse"corpoFlugar"não"tem"qualquer"função"ou"finalidade"senão"
existir:" “le" corps" donne' lieu" à" l’existence." [...]" Le" corps" est" l’être" de" l’existence”"
(NANCY," 2000a:" 16F17)" [“o" corpo" dá' lugar" à" existência." (…)" O" corpo" é" o" ser" da"
existência”]"(NANCY,"2000b:"15F16)."
Mais" do" que" apresentar" corpos," o" drama" estático" pessoano" apresenta"
também" existências," lugares" onde" a" existência" se" dá:" “Chamo" drama" estático"
áquelle"que,"longe"de"buscar"apresentar"a"acção,"pretende"apresentar"inercias,"isto"
é,"que"pretende"revelar"as"almas"n’aquillo"que"ellas"conteem"que"não"produz"acção,"
nem" se" revela" atravez" da" acção," mas" fica" dentro" d’ellas," tudo" quanto," no" bom"
theatro" dynamico," nunca" pode" apparecer" no" dialogo”" (PESSOA," 2017:" 277)" e" ainda"
“Pode"haver"revelação"de"almas"sem"acção,"e"pode"haver"creação"de"situações"de"
inércia," meramente" de" alma," sem" janellas" ou" portas" para" a" realidade”" (PESSOA,"
2017:"276)."O"corpo"é"já"acontecimento,"e"ele"não"precisa"de"se"mover,"de"produzir"
uma"acção,"para"que"exista,"para"que"revele"a"sua"extensão,"pois"segundo"Fernando"
Pessoa" “O" theatro" estatico" usa" o" movimento" inexprimivel," o" vitalmente"
intraduzivel”"(PESSOA,"2017:"277)."
ExplicaFnos" também" JeanFLuc" Nancy" que" o" “lugar”" ou" a" “existência" local”"
não"pode"ser"perspectivado"no"sentido"de"território"físico"ou"de"propriedade"mas"
no" “sens" pictural" de" la" couleur" locale:" la" vibration," l’intensité" singulière" –" elleF
même" changeante," mobile," multiple" –" d’un" événement" de" peau," ou" d’une" peau"
comme"lieu"d’événement"d’"existence”(NANCY,"2000a:17)"[“sentido"pictural"da"cor'
local:"a"vibração,"a"intensidade"singular"–"ela"própria"variável,"móbil"e"múltipla"–"de"
um" acontecimento" de" pele," ou" de" uma" pele" com" lugar" de" acontecimentos" de"
existência”]" (NANCY," 2000b:" 17)." A" escrita" é" igualmente" um" lugar," e" mais" do" que"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 662


Braga Teatro estático

fixar"uma"memória"ou"apresentar"um"sentido,"ela"é"uma"presença"no"mundo,"uma"
exposição"do"ser,"isto"é,"o"“próprio"ser”:""
"
L’"“exposition”"ne"signifie"pas"que"l’intimité"est"extraite"de"son"retranchement,"et"portée"auF
dehors,"mise"en"vue."Le"corps"serait"alors"une"exposition"du"“soi”,"au"sens"d’une"traduction,"
d’une"interprétation,"d’une"mise"en"scène."L’"”exposition”"signifie"au"contraire"que"l’expression"
est"elleFmême"l’intimité"et"retranchement.""
"(NANCY,"2000a:"32)"
"
[A"“exposição”"não"significa"extrair"a"intimidade"do"seu"retraimento,"leváFla"para"o"exterior"
e"pôFla"à"vista."O"corpo"seria"então"uma"exposição"do"“si”,"no"sentido"de"uma"tradução,"de"
uma" interpretação," de" uma" encenação." “Exposição”" significa," pelo" contrário," que" a"
expressão"é"ela"própria"a"intimidade"e"o"retraimento.”]""
(NANCY,"2000b:"34)"
"
Essa"“exposição”"ocorre"ao"longo"da"peça'Salomé,"que"apresenta"o"ponto"de"
vista" da" extensão" da" existência" através" do" mito," do" corpo" estético" de" Salomé," um"
corpo"que"não"pára"de"se"expandir,"de"se"construir"e"de"desconstruir."Salomé"é"um"
corpo" que" nunca" se" fecha" sobre" si" próprio," que" não" morre" e" até" mesmo" a" sua"
decomposição"fertiliza"e"dissemina,"constituindo"exemplo"do"que"JeanFLuc"Nancy"
definiu:"“Le"corps"est"l’êtreFexposé"de"l’être”"(NANCY,"2000a:"32);"“O"corpo"é"o"serF
exposto"do"ser”"(NANCY,"2000b:"34).""
" É"ainda"visível,"a"par"da"projecção"e"da"extensão"do"eu,"o"tema"do"perderFse"
dentro"de"si,"que"cabe"também"nesta"concepção"de"corpo"de"JeanFLuc"Nancy,"uma"
vez" que" o" corpo" é" considerado" plasticamente," admitindo" uma" extensão" que"
interiormente"se"expande,"tanto"como"interioridade"como"exterioridade."O"Dialogo'
no'Jardim'do'Palacio"demonstra"como"é"que"o"corpo"pode"abrir"espaço"para"dentro"
de"“siFpróprio”:"
"
A"–"[…]"FuiFme"esquecendo"de"ti"e"de"mim…"Depois"que"me"esqueci"de"tudo,"então"o"meu"
corpo" cessou." Quiz" abrir" os" olhos" mas" tive" um" grande" medo" e" não" os" abri." Depois" cessei"
ainda"mais…"Fui"pouco"a"pouco"nem"tendo"alma."EncontreiFme"sendo"um"grande"abysmo"
em" forma" de" poço," sentindo" vagamente" que" o" universo" inteiro" –" com" os" seus" corpos" e" as"
suas" almas" –" estavam" muito" longe." […]" Comecei" então" a" sentir" o" grande" horror" –" ah," e" já"
sem"poder"sentilFo!"–"é"que"esse"poço"era"um"poço"para'dentro'de'siApróprio,"para"dentro"não'
do"meu"sêr,"nem"do"meu"sêrFpoço,"mas"para"dentro"de"siFpróprio,"não"sei"como;"porisso"elle"
tinha"e"não"tinha"muros…""
B"(n’uma'voz'muito'apagada)"–"E"depois?"Depois?"
A" –" Depois" desci…" Encontrei" no" meu" pensamento" uma" dimensão" desconhecida" por" onde"
foi"o"meu"caminho…"É"como"se"se"abrisse,"no"ar"como"vácuo,"o"subito"pavôr"de"uma"Porta…"
Assim"no"meu"pensamento"uno,"vácuo,"abstracto,"uma"porta"se"abriu,"um"Poço,"por"onde"
fui" descendo." Comprehendes" bem" –" não" comprehendes?" –" Foi" no" pensamento" todo"
abstracto"e"sem"diferenças"ou"formas,"ou"idéas,"ou"sêr,"que"um"Poço"se"abriu..."E"eu"descia,"
ao"contrario"do"que"se"desce"–"ao"contrario"por"dentro"do"ao"contrario…""
(PESSOA,"2017:"73)"
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 663


Braga Teatro estático

"
"
"

"
Fig.'5.'“Chama1se'drama'á'forma'totalmente'synthetica”'(PESSOA,'2017:'277).'
"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 664


Braga Teatro estático

Inicialmente" o" eu" perdeFse" dentro" de" siFpróprio," mas" depois" o" movimento"
do" seu" pensamento" encontra" “uma" dimensão" desconhecida”," que" corresponde" ao"
movimento"de"“tocarAse'tu"(e"não"a"si"próprio)”"de"Nancy,"“telle"est"la"pensée"que"le"
corps" force" toujours" plus" loin," toujours" trop" loin”" (NANCY," 2000a:" 36)" “tal" é" o"
pensamento" que" o" corpo" força" sempre" mais" longe," sempre" demasiado" longe”"
(NANCY,"2000b:"38).""
"
B" –" […]" Eu" acho" que" há" muito," muito," a" explorar" nas" nossas" sensações." Há" grandes"
interiores"de"continentes"dentro"de"nós,"com"mysterios"a"desvendar."Quem"sabe,"acaso,"se"
raças" diferentes" das" cousas" habitarão" essas" sombras" inexploradas?" HabitueiFme" sempre" a"
olhar"para"as"minhas"sensações"como"para"uma"cousa"exterior.""
(PESSOA,"2017:"74)"
"
Assim," desemboca" este" texto" numa" impossibilidade" da" possessão" do" ser," tema"
central"da"obra"pessoana"no"que"concerne"à"criação"dos"heterónimos,"mas"também"
na" obra" de" Mário" de" SáFCarneiro." Na" carta" de" 6" de" Maio" de" 1913" enviada" a"
Fernando"Pessoa,"Mário"de"SáFCarneiro"afirma,"relativamente"ao"poema"“Como"Eu"
não" Possuo”:" “O" que" eu" desejo," nunca" posso" obter" nem" possuir," porque" só" o"
possuiria" sendoAo." Não" é" a" boca" daquela" rapariga" que" eu" quisera" beijar;" o" que" me"
satisfaria" era" sentirFme," serAme" aquela" boca," serFme" toda" a" gentileza" do" seu" corpo"
agreste”"(SÁFCARNEIRO,"2015:"158)."Por"outras"palavras,"o"narrador"queria"naquela"
“boca”," naquele" “corpo”," ter" uma" existência," através" da" extensão" do" seu" corpo" a"
esse" outro" corpo," pois" é" o" corpo" que" dá' lugar" à" existência." Daí" que" esta" passagem"
não" possa" ser" lida" enquanto" manifestação" de" desejo" ou" posse" sexual" mas" antes"
desejo"de"devirFoutro,"de"devirFmulher.""
Não" se" dá," porém," a" abertura" do" ser" apenas" ao" outro," mas" também" ao"
mundo,"às"possibilidades"ilimitadas"de"criação."Os"sujeitos"poéticos/narradores"das"
obras" de" Pessoa" e" de" SáFCarneiro" experienciam" e" potenciam," através" do" sonho," a"
sua" existência" numa" infinitude" de" sensações," num" “sentir" tudo" de" todas" as"
maneiras”" que" foge" à" consciência" da" vida" quotidiana" e" às" regras" do" pensamento"
racional"que"regem"esta"vida:""
"
2"–"Ele"não"te"pode"amar"pela"tua"lama"porque"elle"não"a"vê,"não"a"pode"possuir,"não"a"pode"
ter,"porque"não"é"d’elle,"mas"tua..."DizeFlhe"que"não..."Não"digas"mais"nada..."
2" –" Agora" viverás" toda" a" vida..." Só" quem" sonha" vive" toda" a" vida," porque" vive" a" vida" de"
todos,"e"a"vida"de"todas"as"maneiras...""
(PESSOA,"2017:"69)"
"
O" momento" de" despossessão" próprio" do" sonho" –" do" acto" de" escrever" –"
corresponde" a" um" momento" de" êxtase," à" criação" de" um" mundo" através" da"
linguagem" comum" a" ambos" os" escritores." Na" “Carta" sobre" a" génese" dos"
heterónimos”"dirigida"a"Adolfo"Casais"Monteiro,"a"13"de"Janeiro"de"1935,"Fernando"
Pessoa" expressa" o" “êxtase”" que" o" processo" de" escrita" e" de" invenção" dos"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 665


Braga Teatro estático

heterónimos" lhe" proporcionou:" “E" escrevi" trinta" e" tantos" poemas" a" fio," numa"
especie"de"extase"cuja"natureza"não"conseguirei"definir”"(PESSOA,"2016:"646)."Antes"
do" Theatro' estático" (1914)," a" primeira" designação" que" Pessoa" deu" ao" seu" projecto"
dramatúrgico"foi"a"de"Theatro'd’Extase,"em"1913."Este"foi"o"ano"em"que"se"assiste"à"
criação" do" Paulismo" e" do" Interseccionismo" por" Fernando" Pessoa" e" Mário" de" SáF
Carneiro." Por" conseguinte," um" ano" antes" do" aparecimento" do" mestre" Caeiro" e" do"
êxtase" que" presidiu" ao" “dia" triunfal”." A" sequência" temporal" da" origem" do" teatro"
estático"e"da"germinação"do"teatro"heteronímico"fazFnos"supor"que"existe"uma"ideia"
de"“êxtase”"comum"a"ambos."O"facto"de"Pessoa"não"conseguir"definir"o"êxtase"que"
sente" engaja" silogisticamente" este" conceito" no" de" “absurdo”," pois" no" Dialogo' no'
Jardim' do' Palacio' é" dito" que:" “Custa" tanto" dizer" o" que" se" sente!..." Sentir" é" tão"
absurdo!...”" (PESSOA," 2017:" 69)." No" estudo" “O" estéril" amor" fecundo" de" Bernardo"
Soares”,"João"Albuquerque"(2013:"72F3)"faz"um"levantamento"dos"usos"do"adjectivo"
“absurdo”"no"Livro'do'Desassossego,"interpretando"esses"usos"justamente"como"uma"
espécie"de"êxtase"(embora"não"seja"exactamente"este"o"termo"usado):""
"
[o"adjectivo"“absurdo”]"caracteriza,"ao"longo"do"Livro'do'Desassossego,"diferentes"aspectos"da"
vida," como," por" exemplo," a" ética," os" sentimentos," o" divino," o" jogo" infantil," ou" ainda" a"
apoteose." Há," no" entanto," um" ponto" comum" em" todas" essas" caracterizações:" é" que" ele" é"
assumido" como" um" valor" supremo," dotando" esses" aspectos" de" um" excesso," tanto" em"
qualidade"como"em"quantidade,"de"vida,"ou,"melhor"dizendo,"afiguraFse"como"um"modo"de"
a"vida"se"transcender"além"do"vulgar"da"vida.""
"
Na" novela" “Ressurreição”," de" SáFCarneiro," o" narrador" pretende" estender" o"
seu"corpo"(pensamento,"acontecimento,"palavra,"letra…)"a"um"outro"corpo,"e"assim"
tocar"esse"corpo"como"se"fosse"o"seu."O"êxtase"que"lhe"proporciona"transformarFse"
numa" bailarina" é," na" mesma" novela," comparado" ao" de" poder" ser" uma" cidade"
luminosa," e" constitui" a" expressão" desse" corpo" que" se" abre," se" distende" e" que" dá'
lugar"para"que"se"dê"um"acontecimento,"quer"seja"de"prazer,"de"sofrer,"de"amar"ou"
de" morrer." E" é" esse" desejo" de" ser," de" se" deslocar" por" corpos" indistintos," a" que"
assistimos" em" muitos" momentos" da" obra" de" SáFCarneiro." A" impossibilidade" da"
realização"do"desejo"de"ser"outro"–"de"ser"mulher,"de"ser"estátua,"de"ser"armário..."–"
advém"de"um"dilaceramento"entre"a"sua"força"vital"e"as"formas"do"vivo."Há"em"si"
energia" criadora" que" propende" a" modelar" o" seu" ser," a" recriáFlo," a" expandiFlo" em"
todas" as" suas" possibilidades" de" existência." No" entanto," a" máquina" institucional,"
formadora"dos"princípios"homem/animal/coisa,"masculino/feminino,"e"responsável"
pela"manutenção"das"respectivas"diferenças"entre"eles,"aprisiona"a"força"vital"numa"
forma"estanque,"amorfa"e"sem"existência.""
O" teatro" estático" de" Fernando" Pessoa" visa" exprimir," paradoxalmente," esse"
“movimento" inexprimivel," o" vitalmente" intraduzivel." D’ahi" o" dever" ser" o" theatro"
estatico"absolutamente"irreal"e"falso”"(PESSOA,"2017:"277)."Esse"teatro,"inicialmente"
designado" de" Theatro' d’Extase' conduzFnos" à" ideia" do" movimento" de" saída" do" eu"

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 666


Braga Teatro estático

(sob" a" forma" de" sonho," pensamento," palavra)" para" fora" de" um" corpo," é" o"
deslocamento"que"o"corpo"faz"no"sentido"do"impensado"e"que"resulta"numa"nova"
realidade.""
No"já"mencionado"Dialogo'no'Jardim'do"Palacio,"o"raciocínio"é"explicitamente"
posto" de" parte," uma" vez" que" “O" raciocinio" é" a" peor" especie" de" sonho," porque" é"
aquelle"que"quer"transportar"para"o"sonho"a"regularidade"da"vida"que"não"ha,"isto"
é," é" duplamente" nada”" (PESSOA," 2017:" 83)." Desse" modo," não" se" pode" procurar"
sentido" no" sonho" pois" ele" é" um" texto" sem" fim," inacabável," e" expressa" uma"
consciência"sempre"em"devir,"como"sucede"também"no"fecho"do"último"fragmento"
de"Salomé:""
"
A"–"E"isso"tem"sentido?"
B"–"Não,"nem"pretende"ter."Tem"tanto"sentido"como"esta"noite"e"este"luar"e"tudo"quanto"tens"
dito."De"que"serve"raciocinar,"provar,"convencer?"Veem"os"factos"e"é"tudo"diferente."Quanto"
melhor,"meu"velho,"acceitar"a"obscuridade"lucida"das"coisas"e"amar"o"vago"por"não"termos"
outro"amor!""
(PESSOA,"2017:"184)"
"
A"falta"de"sentido"que"preside"a"esta"narração,"ou"antes,"o"processo"de"“desF
significação”"a"que"a"personagem"Salomé"foi"submetida,"conduz"ao"aparecimento"
de" um" novo" corpo." Se" com" a" escrita" foi" possível" fixar" a" memória," e"
consequentemente" a" história," é" igualmente" através" dela" que" é" possível" dar" novos"
sentidos"à"história"ou"mesmo"criar"o"semFsentido.""
Jean" –" Luc" Nancy" afirma" que" a" literatura" está" cheia" de" corpos," de" corpos"
“saturés"de"signification,"euxFmêmes"engendrés"pour"signifier,"et"uniquement"pour"
cela”" (NANCY," 2000a:" 62)" [“saturados" de" significação," eles" próprios" gerados" para"
significar,"e"unicamente"para"isso”"(NANCY,"2000b:"69)]."Os"exemplos"da"recriação"
do"mito"de"Salomé"são"disso"exemplo,"uma"vez"que"o"corpo"de"Salomé"comporta"
em"si"todos"os"traços"que"fazem"dela"a'Salomé,"reconhecível."No"entanto,"o"corpo"
significado/significante" de" Salomé" é" já" um" outro" corpo" da" literatura," porque" se"
afasta" da" significação" cristalizada" pela" memória" constituída" pelas" diferentes"
interpretações" e" sentidos" que" se" foram" fixando" ao" seu" corpo" literário." Ao"
desprenderFse"do"seu"sentido"“original”,"este"corpo"vai"abrindo"espaço"a"que"novas"
palavras," novos" acontecimentos" se" possam" produzir" e" segundo" o" pensamento" de"
Nancy," este" corpo," que" já" não" “será" um" signo" nem" fará" sentido”," será" antes" uma"
“excrição”8:" “L’excription" se" produit" dans" le" jeu" d’un" espacement" inFsignifiant:"
celui"qui"détache"les"mots"de"leur"sens,"toujours"à"nouveau,"et"qui"les"abandonne"à"

8"“S’il" y" a" autre" chose," un" autre" corps" de" la" littérature" que" ce" corps" signifié/signifiant," il" ne" fera" ni"
signe," ni" sens," et" en" cela" il" ne" sera" pas" même" écrit."Il" sera" l’écriture," si" l’”écriture”"indique" cela' qui"
s’écarte' de' la' signification," et" qui," pour" cela," s’excrit”" (NANCY," 2000a:" 63)" [“Se" existe" outra" coisa," um"
outro"corpo"da"literatura"que"não"seja"este"corpo"significado/significante,"ele"não"será"um"signo"nem"
fará"sentido,"e"nesta"medida"nem"sequer"será"escrito."Será"a"escrita,"se"“escrita”"indica"aquilo'que'se'
desvia'da'significação,"e"que"por"isso"se"excreve”]"(NANCY,"2000b:"69)."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 667


Braga Teatro estático

leur" étendue”" (NANCY," 2000a:" 63)" [“A" excreção" produzFse" no" jogo" de" um"
espaçamento" inFsignificante:" aquele" que" desprende" as" palavras" do" seu" sentido,"
sempre"de"novo,"e"que"as"abandona"à"sua"extensão”]"(NANCY,"2000b:"69F70).""
A" evocação" de" um" passado," embora" irreversível," é" o" cerne" dessa"
reconstituição" a" que" Salomé" dá" voz," sob" a" forma" de" narração," enquanto" meio" de"
construir" uma" imagem" de" um" “eu”," e" que" constituiu" o" meio" de" manutenção" de"
uma"memória"de"sentido"no"dizer"de"Silvina"Rodrigues"Lopes:"
"
De" facto," sendo" a" presença" aquilo" que" na" linguagem" se" retira," a" relação" da" escrita" com" a"
presença" é" não" só" uma" relação" de" sentido" mas" também" uma" relação" de" semFsentido." Isto"
levarFnosFia" a" colocar" provisoriamente" dois" tipos" de" memória:" uma" memória" conjunto" de"
sentidos," interpretações" do" mundo," e" uma" memória" (“frayage”," “traces”)" dispersa" (o" sem"
sentido" não" pode" formar" um" conjunto)." No" entanto," [...]" estes" dois" tipos" de" memória" não"
existem" independentemente" um" do" outro," pelo" que" a" distinção" é" impossível." O" que" é"
possível," e" pertinente," é" tentar" ver" como" é" que" a" escrita" tende" para" a" construção" de" um"
império" do" Sentido," ou" para" a" sua" desconstrução." Ou" seja," como" é" que" a" escrita" ignora"
(ilude)" o" seu" funcionamento" ou" como" é" que" ela" tem" consciência" dele." No" primeiro" caso," a"
memória," como" possibilidade" de" evocação" do" passado," embora" este" se" considere" como"
aquilo"que"não"volta,"permite,"a"um"nível"imaginário,"fantasmático,"a"reconstituição"de"uma"
soma" de" acontecimentos" com" a" qual" se" constrói" a" imagem" de" um" “eu”" ou" de" uma"
sociedade." No" segundo" caso," a" consciência" do" vazio" na" linguagem" destrói" a" ilusão" do"
passado"como"memória.""
(LOPES,"1990:"170F171)."
"
Se"a"breve"retrospectiva"histórica"do"mito"que"levámos"a"cabo"neste"estudo"
demonstra"a"coexistência"destes"dois"tipos"de"memória"(variando,"numa"visão"de"
conjunto," tanto" o" que" permanece" como" o" que" difere)," no" caso" dos" autores"
modernistas,"que"surgem"no"final"do"século"XIX,"a"consciência"desse"facto"tornaFse"
patente."Assim,"a"tendência"seguida"por"estes"autores"é"a"da"desconstrução."Prova"
disto" é" a" perversidade" feminina" associada" a" este" mito" ser" operada" de" diversas"
formas,"com"diversos"fins"e"até"por"diferentes"personagens.""
Fernando" Pessoa," porém," agudiza" esta" consciência" de" desconstrução,"
tornandoFa" abstracta," ou" metaliterária," se" assim" se" pode" dizer." Pessoa" não" só"
esvazia" de" sentido" as" acções" e" as" significações" herdadas" do" mito," como" a" própria"
racionalidade" usada" para" engendrar" tais" sequências" narrativas" (princípio" de"
causalidade)"e"significações"(a"lógica),"concorrendo"este"processo"de"escrita"para"a"
desconstrução"radical"da"ideia"de"narração"do"passado"apenas"enquanto"memória"
histórica."E"isto"não"sucede"somente"em"Salomé,"mas"em"todo"o"seu"teatro"estático."
A"única"peça"que"ele"deu"por"finalizada"e"completa,"O'Marinheiro,'partilha"destas"
mesmas"características"–"fragmentárias,"fora"de"uma"lógica"estritamente"racional"–"
e"postula"exactamente"os"mesmos"problemas:"“Tenho"medo"de"me"poder"lembrar"
do" que" foi..." Mas" foi" qualquer" cousa" de" grande" e" pavoroso" como" o" haver" Deus..."
Deviamos" já" ter" acabado" de" fallar..." Ha" tempo" já" que" a" nossa" conversa" perdeu" o"
sentido...”"(PESSOA,"2017:"184).""

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 668


Braga Teatro estático

Fica"assim"posta"em"causa"a"ilusão"de"segurança"na"compreensão,"isto"é,"de"
uma"única"chave"de"interpretação,"do"texto"literário"e"da"realidade,"uma"vez"que"a"
vida,"bem"como"a"arte,"não"se"deixam"aprisionar,"fixar"em"sentidos,"já"que"são,"por"
si" mesmas," num" só" movimento," um" fazer" e" um" desfazer" sentido" na" contingência"
das"suas"existências"interFrelacionais."'
"
"
Bibliografia'
"
ALBUQUERQUE," João" (2013)." “O" estéril" amor" fecundo" de" Bernardo" Soares”," in" " Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,"n.º"4,"Outono,"pp."47F74."
BÍBLIA"SAGRADA"(1978)."Lisboa:"Difusora"Bíblica"Missionários"Capuchinhos."8.ª"edição."
BRUNEL,"Pierre"(1988)."Dictionnaire'des'mythes'littéraires."Paris:"Éditions"Du"Rocher."
CORRÊA," Flávio" Rodrigo" Vieira" Lopes" Penteado" (2013)." “Salomé" ou" uma" história" em" que" nos"
fechemos"da"vida”"in"XI"SEL"–"Seminário"de"Estudos"Literários."São"Paulo:"UNESP,"pp."749F
762."
DIERKESFTHRUN," Petra" (2011).' Salome’s' Modernity:' Oscar' Wilde' and' the' Aesthetics' of' Transgression."
Michigan:"University"of"Michigan"Press."
DOTTINFORSINI,"Mireille"(1993)."Cette'femme'qu]ils'disent'fatale."Paris:"Grasset."
HUYSMANS,"JorisFKarl"(1970)."A'rebours."Paris:"Fasquelle"Éditeurs."
LOPES,"Silvina"Rodrigues"(2014)."“Escrita"do"dessassossego,"movimento"insone”,"in"Central'de'Poesia:'
o'“Livro'do'Desassossego”."Lisboa:"Esfera"do"Caos"Editores,"pp."49F61.""
_____" (1990)."“A"ficção"da"memória"e"a"inscrição"do"esquecimento"no"Livro'do'Desassossego”,"“DesF"
figurações." Leitura' do' Livro' do' Desassossego”" e" “Deslocação" e" apagamento" em" Livro' do"
Desassossego," de" Fernando" Pessoa/Bernardo" Soares," e" Le' pas' auAdelà," de" Maurice" Blanchot”,"
in"Aprendizagem'do'Incerto."Lisboa:"Litoral"Edições,"pp."133F174.""
MAETERLINCK,"Maurice"(2005)."Maurice'Maeterlinck'et'le'drame'statique:'L]intruse'Intérieur'drames'suiies'
de'“Le'Tragique'quotidine”'et'“Préface”'au'Théâtre."Edição"de"Paul"Gorceix."Paris:"Eurédit."
MEIER,"John"P."(1994)"A'Marginal'Jew,'Rethinking'the'Historical'Jesus."New"York:"Imprimatur."
MOURÃO,"Paula"(2000)."Salomé'e'Outros'Mitos."Lisboa:"Edições"Cosmos."
NANCY,"JeanFLuc"(2000a)."Corpus."Paris:"Éditions"Métailié."
_____" (2000b)."Corpus."Lisboa:"Vega."
PESSOA,"Fernando"(2017)."Teatro'Estático."Edição"de"Filipa"de"Freitas"e"Patricio"Ferrari."Lisboa:"TintaF
daFchina."
_____" (2016)." Eu' Sou' Uma' Antologia:' 136' autores' fictícios." Edição" de" Jerónimo" Pizarro" e" Patricio"
Ferrari."Lisboa:"TintaFdaFchina."1.ª"edição"de"bolso."
ROCHA,"Clara"(1990)."“Mário"de"SáFCarneiro:"o"outro"lado"do"fogo”,"in"Colóquio'de'Letras,"nº."117/118,"
Lisboa,"Setembro,"pp."156F162."
SÁFCARNEIRO," Mário" de" (2017)." Poesia' completa' de' Mário' de' SáACarneiro." Edição" de" Ricardo" de"
Vasconcelos,"Lisboa:"TintaFdaFChina."
_____" (2015)."Em'ouro'e'alma:'correspondência'com'Fernando'Pessoa."Edição"de"Ricardo"Vasconcelos"e"
Jerónimo"Pizarro."Lisboa:"TintaFdaFChina."
_____" (1968)."A'Confissão'de'Lúcio'."Lisboa:"Ática."
WILDE,"Oscar."(2011)."Salomé."Trad."J."Donohue."Charlottesville:"University"of"Virginia"Press."

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 669


“O#Amor”:#
uma$peça$inédita$de$Fernando$Pessoa$
$
Filipa de Freitas*
$
Palavras/chave$
$
Fernando$Pessoa,$Teatro'Estático,'O'Amor,'Diálogo'no'Jardim'do'Palácio,'Intervenção'Cirúrgica.$
$
Resumo#
$
O$ teatro$ de$ Fernando$ Pessoa$ continua,$ em$ grande$ parte,$ inédito.$ O$ seu$ núcleo$ mais$
conhecido,$ que$ se$ reúne$ sob$ a$ designação$ Teatro' Estático,$ não$ corresponde$ ao$ universo$
completo$ das$ peças$ (fragmentadas)$ de$ Pessoa.$ “O$ Amor”,$ peça$ inédita$ que$ antecede$ no$
tempo$ o$ Teatro' Estático,$ será$ aqui$ apresentada$ pela$ primeira$ vez,$ com$ a$ respectiva$
transcrição$e$imagens.$O$tema$da$peça$–$o'amor'infeliz$–$também$se$encontra$no$“Diálogo$no$
Jardim$ do$ Palácio”$ e$ na$ “Intervenção$ Cirúrgica”,$ peças$ pertencentes$ ao$ Teatro' Estático.$
Deste$modo,$apresentamos$uma$breve$comparação$entre$os$textos,$procurando$evidenciar$
abordagens$diferentes$do$mesmo$tema.$
$
Keywords#
$
Fernando$Pessoa,$Static'Theatre,$O'Amor,'Diálogo'no'Jardim'do'Palácio,'Intervenção'Cirúrgica.$
$
Abstract#
$
The$ plays$ written$ by$ Fernando$ Pessoa$ are$ still$ mostly$ unpublished.$ The$ betterOknown$
nucleus,$compiled$under$the$name$Static'Theatre,$does$not$exhaust$the$entirety$of$Pessoa’s$
(fragmented)$dramas.$“O$Amor”,$an$unpublished$play$written$before$the$Static'Theatre,$will$
be$presented$in$the$following$pages,$including$its$transcription$and$corresponding$images.$
The$ play’s$ subject—unhappy$ love—can$ also$ be$ found$ in$ “Diálogo$ no$ Jardim$ do$ Palácio”$
and$ “Intervenção$ Cirúrgica,”$ both$ belonging$ to$ the$ Static' Theatre.$ As$ such,$ we$ intend$ to$
briefly$compare$the$three$plays,$in$order$to$reveal$the$different$ways$through$which$Pessoa$
addresses$the$subject.$
#
#

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*$ Instituto$ de$ Estudos$ Filosóficos$ –$ Universidade$ de$ Coimbra$ /$ Centro$ de$ Estudos$ de$ Teatro$ –$
Universidade$de$Lisboa.$
Freitas "O Amor"

O$ teatro$ de$ Fernando$ Pessoa$ é,$ ainda,$ pouco$ conhecido.$ Devemos$ a$ Teresa$ Rita$
Lopes$o$primeiro$estudo$mais$profundo$da$faceta$dramatúrgica$de$Pessoa$na$sua$
tese$ Fernando' Pessoa' et' le' drame' simbolyste,$ em$ 1977.$ Nas$ últimas$ décadas,$ surgiu$
algum$ interesse$ pelo$ teatro$ pessoano,$ mas$ o$ que$ tem$ sido$ estudado$ é$ parcial,$
focandoOse$essencialmente$no$denominado$Teatro'Estático,$que$Pessoa$desenvolveu$
em$ duas$ fases,$ uma$ entre$ finais$ de$ 1913$ e$ 1918,$ e$ outra$ entre$ 1932$ e$ 1934$ (ver$
PESSOA,$2017).$O$Teatro'Estático$contém$14$peças,$mas$a$produção$dramatúrgica$de$
Pessoa$vai$mais$além,$englobando$cerca$de$30$peças$(mais$ou$menos$fragmentadas)$
que$não$pertencem$ao$género$estático.$Lopes,$na$sua$investigação,$deu$a$conhecer$
uma$ grande$ parte$ destes$ títulos$ e$ pontuais$ fragmentos,$ mas$ o$ cerne$ do$ seu$
trabalho$ centrouOse$ no$ Teatro' Estático,$ fortemente$ influenciado$ pelo$ teatro$
simbolista$francês$do$século$XIX.$
De$ entre$ os$ textos$ dramáticos$ que$ não$ fazem$ parte$ do$ Teatro' Estático,$
destacaOse$ “O$ Amor”,$ peça$ inédita$ de$ que$ se$ conhecia$ o$ título$ (LOPES,$ 1977:$ 130),$
mas$nenhum$dos$seus$fragmentos,$que$agora$apresentamos.$TrataOse$de$uma$das$
primeiras$ peças$ de$ Fernando$ Pessoa$ (que$ antecede$ o$ Teatro' Estático),$ constituída$
por$ dez$ folhas$ manuscritas.$ De$ entre$ os$ suportes$ materiais$ da$ peça,$ incluemOse$
folhas$com$o$carimbo$da$empresa$Íbis,$uma$editora$que$Fernando$Pessoa$manteve$
entre$1909$e$1910$(ver$FREITAS,$2008:$343).$
O$interesse$de$Pessoa$pelo$teatro$continua$a$ser$um$caminho$por$desbravar.$
Se,$ no$ Teatro' Estático,$ diversas$ influências$ têm$ sido$ assinaladas,$ com$ especial$
enfoque$nos$dramaturgos$simbolistas,$como$Maeterlinck,$e$nos$autores$prévios$que$
de$ algum$ modo$ contribuíram$ para$ o$ desenvolvimento$ da$ corrente$ (como$ Oscar$
Wilde,$ Edgar$ Allan$ Poe,$ etc.),$ ainda$ pouco$ se$ sabe$ sobre$ os$ interesses$ prévios$ de$
Pessoa.$Lopes$indica,$sobre$a$peça$“O$Amor”,$a$possível$influência$de$Herik$Ibsen,$
um$ dos$ autores$ que$ adoptou$ traços$ simbolistas.$ Na$ Biblioteca$ particular$ de$
Fernando$Pessoa,$não$se$encontra$nenhum$exemplar$da$obra$de$Ibsen,$mas$Pessoa$
conhecia$o$dramaturgo$norueguês,$embora$não$o$admirasse,$como$se$verifica$por$
ocasionais$referências$ao$último$(PESSOA,$2013a).1$$
“O$Amor”$é,$como$o$próprio$título$anuncia,$uma$peça$centrada$no$tema$do$
amor,$ mas$ este$ não$ é$ caso$ único$ na$ obra$ de$ Pessoa:$ no$ Teatro' Estático,$ Pessoa$
aborda$o$mesmo$tema$em$duas$peças:$“Diálogo$no$Jardim$do$Palácio”,$de$1914,$e$
“Intervenção$ Cirúrgica”,$ de$ 1934.$ A$ problemática$ do$ amor$ parece$ ter$
acompanhado$o$autor$ao$longo$da$sua$criação$literária,$tomando$formas$diferentes:$
não$ são$ apenas$ os$ textos$ de$ teatro$ que$ recorrem$ a$ esta$ temática,$ mas$ também$ os$
seus$semiOheterónimos,$Bernardo$Soares$e$Barão$de$Teive.$A$certeza$de$que$o$amor$
é$ um$ caminho$ que$ não$ se$ pode$ percorrer$ é$ muito$ explícito$ nestes$ dois$ autores$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1$ Pessoa$ revela$ opiniões$ depreciativas$ sobre$ Ibsen,$ indicando$ que$ o$ dramaturgo$ é$ “a$ thirdOrate$
artist”$ e$ que$ “tanto$ que$ Ibsen$ que$ quiz$ fazer$ drama$ psychiatrico,$ não$ conseguiu,$ nem$ sequer$ de$
longe,$ crear$ personagens$ tão$ inteiramente$ verdadeiras,$ perante$ a$ propria$ psychiatria,$ como$
Shakespeare”$(PESSOA,$2013a:$259$e$63).$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 671


Freitas "O Amor"

fictícios.$ Soares,$ no$ Livro' do' Desassossego,$ indica$ a$ sua$ incapacidade$ de$ amar:$
“Nunca$amei$ninguem”$(PESSOA,$2013b:$405).$Teive,$por$sua$vez,$na$“Educação$do$
Estóico”,$ assinala:$ “Amado,$ ou$ querido,$ nunca$ fui.$ Reconheço$ hoje$ que$ o$ não$
poderia$ser.$Tinha$boas$qualidades,$tinha$emoções$fortes,$tinha$□$—$mas$não$tinha$
o$ que$ se$ chama$ amor”$ (PESSOA,$ 2007:$ 25).$ Mas$ outros$ exemplos$ podem$ ser$
assinalados.$Campos$fala$de$uma$rapariga$inglesa$e$loura$com$quem$não$se$casou,$
mas$que$conserva$na$memória:$$
$
Ah,$mas$ainda$vejo$$
O$teu$olhar$realmente$tão$sincero$como$azul$
A$olhar$como$uma$outra$creança$para$mim…$
E$não$é$com$piadas$de$sal$do$verso$que$te$apago$da$imagem$
Que$tens$no$meu$coração,$$
Não$te$disfarço,$meu$único$amor,$e$não$quero$nada$da$vida.$
(PESSOA,$2014,$252).$$
$
Caeiro,$na$sua$forma$peculiar$de$estar$na$vida,$também$não$escapou$ao$surgimento$
dessa$possibilidade:$$
$
O$amor$é$uma$companhia$$
Já$não$sei$andar$só$pelos$caminhos,$$
Porque$já$não$posso$andar$só.$$
[...]$$
Mesmo$a$ausencia$d’ella$é$uma$coisa$que$está$commigo.$$
E$eu$gosto$tanto$d’ella$que$não$sei$como$a$desejar.$$
Se$não$a$vejo,$imaginoOa$e$sou$forte$como$as$arvores$altas.$$
Mas$se$a$vejo$tremo,$não$sei$o$que$é$feito$do$que$sinto$na$ausencia$d’ella.$
(PESSOA,$2016:$79)$
$
Não$ se$ pretende,$ todavia,$ fazer$ aqui$ um$ levantamento$ de$ todas$ as$
ocorrências$literárias$em$que$Pessoa,$de$uma$forma$ou$de$outra,$recorreu$ao$tema$
do$amor,$mas$somente$chamar$a$atenção$para$a$sua$presença$transversal$na$obra$
do$ poeta.$ No$ teatro$ pessoano,$ que$ agora$ retomamos,$ não$ se$ trata$ de$ referências$
pontuais:$como$vimos,$pelo$menos$três$peças$incidem$sobre$a$temática$do$amor$e,$
especificamente,$ sobre$ o' amor' infeliz,$ de$ modos$ diferentes$ que$ importa$ esclarecer.$
No$ “Diálogo$ no$ Jardim$ do$ Palácio”,$ o$ tema$ do$ amor$ infeliz$ prendeOse$ com$ a$
impossibilidade$ de$ as$ personagens$ desvendarem$ o$ significado$ do$ amor$ e,$ mais$
propriamente,$ com$ a$ noção$ de$ que$ não$ é$ possível$ apreender$ realmente$ o$ que$ o$
mundo$ apresenta,$ de$ tal$ modo$ que$ as$ suas$ personagens$ –$ inicialmente$ duas$
mulheres$ e,$ posteriormente,$ um$ homem$ e$ uma$ mulher$ –$ debatem$ sobre$ o$ horror$
de$o$sujeito$e$de$a$vida$serem$sentidos$como$estranhos.$Um$dos$diálogos$entre$as$
personagens$(masculina$e$feminina)$é$muito$claro$no$que$respeita$às$dúvidas$que$
se$instalam$quando$a$reflexão$predomina:$
$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 672


Freitas "O Amor"
A$—$Se,$apesar$de$tudo,$nós$nos$amassemos!$
B$—$Não,$agora$já$não$pode$ser.$Descobrimos$n’um$momento$o$que$os$felizes$atravessam$a$
vida$ sem$ descobrir,$ e$ os$ menos$ infelizes$ levam$ muito$ tempo$ a$ achar.$ Descobrimos$ que$
somos$ dois$ e$ que$ por$ isso$ não$ nos$ podemos$ amar,$ amor.$ Descobrimos$ que$ não$ se$ pode$
amar,$mas$só$suppôr$que$se$ama.$
A$—$Ah$mas$eu$amoOte$tanto,$tanto!$Tu$se$dizes$isso$é$porque$não$imaginas$quanto$eu$te$
amo…$
B$—$Não,$é$porque$sei$quanto$tu$me$não$podes$amar…$EscutaOme.$O$nosso$erro$foi$pensar$
no$amôr.$Deviamos$ter$pensado$apenas$um$no$outro.$Assim,$descobrimoOnos.$DespimoOnos$
da$ illusão$ para$ vermos$ bem$ como$ eramos$ e$ vimos$ que$ eramos$ apenas$ como$ a$ illusão$ nos$
fizera.$ No$ fundo$ não$ somos$ nada$ senão$ Dois.$ No$ fundo$ somos$ uma$ opposição$ eterna$ –$ o$
Homem$e$a$Mulher…$TuOpropria$deves$estar$já$convencida$d’isto$tudo…$
A$—$Nada$me$pode$convencer$de$que$te$não$amo.$Se$Deus$m’o$dissesse$eu$deixava$de$crêr$
em$Deus…$Oh,$meu$amôr,$não$pensemos$mais,$não$pensemos$mais.$Amemos$sem$pensar…$
Maldito$seja$o$pensamento!$Se$não$pensassemos$seriamos$sempre$felizes…$Que$tem$quem$
ama$com$o$saber$que$ama,$ou$porque$ama,$ou$o$que$é$o$amôr?…$
B$ —$ Não$ podemos$ deixar$ de$ querer$ comprehender.$ No$ fundo,$ talvez,$ toda$ a$ nossa$
discordia$esteja$dentro$de$nós$e$seja$entre$o$que$em$nós$quer$amar$e$sentir,$e$o$que$em$nós$
quer$comprehender$e$explicar.$Vês?$Porque$me$fallaste$n’isto?$Quanto$mais$penso$em$tudo,$
mais$tudo$se$me$resolve$em$opposições,$em$divisões,$em$conflitos!$Mataste$de$todo$a$minha$
felicidade!$ Agora,$ mesmo$ que$ eu$ quizesse$ sonhar,$ nem$ isso$ poderia$ fazer.$ O$ mundo$ é$
absurdo$ como$ um$ quarto$ sem$ porta$ nenhuma…$ Que$ baixeza$ se$ não$ pensassemos,$ e$ que$
horror$o$havermos$pensado!$
A$ —$ Agora$ podemos$ sonharOnos…$ E$ não$ pensar$ mais,$ não$ olhar$ mais$ para$ o$ amôr.$ Elle$
acabaOse$por$vêr$que$olha…$e$olha,$talvez$apenas$se$disfarce$sob$o$olhar,$fingindo$que$não$é$
amor,$ para$ voltar$ a$ ser$ amor$ quando$ não$ olharmos$ já$ para$ elle.$ Sinto$ que$ isto$ deve$ ser$
assim…$
B$ —$ Não…$ Agora$ é$ impossivel.$ Podemos$ não$ pensar,$ mas$ não$ esquecer$ que$ pensámos.$
(continuando)$ Sejamos$ fortes$ e$ separemoOnos,$ agora$ para$ sempre.$ Ouxalá$ nos$ possamos$
esquecer$e$esquecer$que$descobrimos$o$amor$e$vimos$que$elle$era$uma$estatua$ôca…$Olha,$
toldaOse$o$ceu…$LevantaOse$vento…$Vae$chover…$
A$ —$ Já$ não$ ouso$ dizerOte$ que$ te$ amo,$ mas$ amarOteOhei$ sempre.$ Tu$ não$ me$ devias$ ter$
amado…$Tu…$
B$—$Nada$devia$ser$como$é…$Fomos$infelizes,$mais$nada.$A$curva$d’esta$estrada$foi$tal$que$
d’ella$vimos$o$amôr$e$não$pudémos$amar$mais.$
A$ —$ Tu$ não$ me$ amaste$ nunca.$ Se$ me$ tivesses$ amado,$ tu$ não$ podias$ dizer$ isso.$ Se$ tu$ me$
tivesses$amado$tu$não$pensavas$no$amor,$pensarias$em$mim.$Sim,$agora$está$tudo$acabado,$
mas$ é$ porque$ entre$ nós$ nunca$ houve$ senão$ o$ meu$ amôr.$ AmasteOme,$ talvez,$ porque$
percebeste$que$eu$te$amava$ou$que$te$devia$amar.$Não$sei$porque$me$amaste,$mas$não$foi$
por$me$teres$amôr…$Porque$me$olhas$assim$tão$differente$e$alheado?$$
B$—$Porque$reparo$agora$em$quão$pouco$sabemos$o$que$somos,$no$que$pensamos,$ou$o$que$
nos$leva.$Subiu$Ome$agora$á$comprehensão$o$que$tudo$isto$é$de$complexo$e$absurdo.$O$que$
concluimos$nós$d’isto$tudo?$Nada.$Dissemos$muitas$verdades$e$ellas$contradizemOse$todas,$
umas$ ás$ outras.$ Não$ nos$ podemos$ comprehender.$ Entre$ alma$ e$ alma$ ha$ um$ abysmo$
enorme.$ O$ que$ nós$ descobrimos$ afinal$ foi$ isso:$ eu$ vejoOo$ e$ tu$ não$ o$ queres$ vêr.$ Mas$ eu$
descobri$mais,$ao$reparar$que$não$sei$o$que$deva$fazer$–$é$que$entre$nós$e$a$nossa$propria$
alma$é$um$abysmo$tambem…$Andamos$como$sonambulos$n’uma$terra$de$abysmos,$dentro$
e$ fóra$ de$ mim.$ Se$ despertamos,$ ou$ cahimos$ ou$ não$ avançamos$ mais.$ A$ nossa$ unica$
differença$n’este$assunto$é$que$tu$estacaste$e$eu$cahi$dentro$de$mimOproprio,$n’um$abysmo$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 673


Freitas "O Amor"
entre$ a$ consciencia,$ d’aquelle$ abysmo$ mysterioso$ que$ era$ entre$ mim$ e$ a$ minha$ alma…$
Tudo$isto$é$um$grande$erro…$Seja$como$fôr,$ficamos$separados…$Chove$já…$Adeus…$$
A$—$Adeus,$sê$feliz$e$esquece$Ome.$Não$te$demores,$que$chove$mais…$Na$curva$da$estrada$
ha$ uma$ arvore$ grande$ onde$ te$ abrigues.$ *Pobrezinha$ de$ mim$ por$ ser$ viuva$ sem$ ter$ sido$
mais$que$viuva$e$mulher$sem$ter$sido$bem$uma…$Vae$depressa,$vae$depressa…$Adeus…$
adeus.$
(PESSOA,$2017:$79O81)$
$
A$ ausência$ de$ certezas$ quanto$ ao$ significado$ do$ amor$ conduz$ as$
personagens$ à$ separação,$ de$ tal$ modo$ o$ amor$ infeliz$ resulta$ da$ necessidade$ de$
compreender' a' emoção.$ Mas$ o$ amor$ infeliz$ nem$ sempre$ leva$ à$ ruptura$ entre$ as$
personagens.$Pessoa$explora,$nas$suas$peças,$várias$formas$de$destruir$a$ilusão$do$
amor.$ É$ esta$ linha$ de$ orientação$ que$ também$ encontramos$ em$ “Intervenção$
Cirúrgica”,$uma$peça$muito$mais$tardia$do$que$o$“Diálogo$no$Jardim$do$Palácio”.$$
Com$uma$linguagem$e$um$enredo$ligeiramente$menos$simbolista$do$que$na$
primeira$peça,$Pessoa$salienta,$em$“Intervenção$Cirúrgica”,$a$infelicidade'que'subjaz'
ao' amor' correspondido.$ Nesta$ peça,$ trataOse$ de$ um$ reencontro$ entre$ uma$ mulher$ e$
um$antigo$amante,$que$a$convence$a$abandonar$o$marido.$Embora$aparentemente$
a$peça$aborde$um$tema$muito$mais$recorrente,$os$seus$traços$inseremOse$dentro$do$
Teatro' Estático,$ através$ da$ desconstrução$ de$ crenças$ e$ de$ ideias$ préOconcebidas.$
Apesar$de$ser$uma$peça$fragmentada,$composta$por$apenas$três$textos,$o$seu$tema$
não$é,$por$isso,$menos$claro.$Citamos$um$dos$seus$fragmentos,$em$que$a$presença$
da$infelicidade'é$evidente:$
$
C$—$Vens?$$
A$—$Sim,$vou.$Mas$estou$certa$que$hei$de$ser$infeliz$para$sempre.$Vou,$porque$tenho$que$ir.$
Sei$ lá$ porquê!$ A$ gente$ nunca$ sabe$ o$ que$ faz.$ Por$ isso$ por$ pena$ é$ sempre$ o$ coração$ que$
manda.$E$manda$sempre$para$nosso$mal.$$
C$—$O$coração…$$
A$—$Não,$não$digas$nada.$Vou.$Já$te$disse$que$vou.$Não$me$falles$mais.$(Compondo'o'casaco'
no'pescoço)$Por$que$terei$ainda$que$passar,$meu$Deus?$$
C$ —$ Que$ tristeza$ é$ essa,$ meu$ amôr!$ A$ (estendendo' a' mão' de' *repente)$ —$ Ai,$ não.$ Não$ me$
chames$ “amor”$ ainda…$ Ainda$ é$ cedo.$ Deixa$ passar$ estes$ momentos.$ Que$ desgraça$ a$
minha.$$
C$—$Eu$não$te$quero$raptar…$Pensa…$Pensa$bem…$Se$quizeres,$fica.$$
A$ —$ Tu$ dizes$ isso$ porque$ sabes$ que$ eu$ já$ não$ posso$ ficar.$ Já$ estou$ convencida.$ (acaba' de'
compôr'o'casaco'no'pescoço)$Vamos?$$
C$—$Mas$vens$assim$tão$triste?!…$$
A$ —$ Sim,$ isto$ tem$ que$ ser…$ isto$ tenho$ que$ ser…$ mas$ é$ uma$ cobardia$ enorme.$ E$ os$
cobardes$podem$estar$salvos,$mas$nunca$podem$estar$alegres.$O$que$os$salvou$não$se$pode$
dizer$–$ninguem…$$
C$—$Queres$que$esperemos$por$elle$e$lhe$digamos$tudo?$Esperemos.$$
A$—$Isso$não,$isso$não.$Quem$é$cobarde,$ao$menos,$é$cobarde.$
$
Neste$fragmento,$o$diálogo$entre$as$personagens$mostra$como$a$infelicidade$
do$amor$pode$derivar$da$própria$cedência$ao$afecto,$quando$está$em$causa$a$noção$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 674


Freitas "O Amor"

de$que$essa$escolha$anula$uma$situação$de$conforto$prévio.$
Se$ estas$ duas$ peças$ revelam$ uma$ apropriação$ do$ tema$ do$ amor$ como$
causador$de$infelicidade,$como$se$encontra$também$em$textos$não$dramáticos$(em$
Campos$ e$ Caeiro,$ por$ exemplo),$ a$ terceira$ peça$ que$ pretendemos$ trazer$ à$ luz$
reflecte,$de$modo$mais$popular,$a$mesma$problemática.$“O$Amor”$é$uma$peça$que$
apresenta$ quatro$ personagens$ principais:$ uma$ mulher$ chamada$ Maria$ e$ o$ seu$
marido$ José;$ outra$ personagem$ masculina,$ Francisco,$ e$ outra$ feminina,$ Micaela,$
vítima$ de$ uma$ doença$ e$ prima$ daquele,$ com$ quem$ parece$ ter$ uma$ relação$
amorosa.$Nos$dois$casos,$o$que$está$em$causa$continua$a$ser$o$que$encontrámos$no$
Teatro'Estático:$o$amor$infeliz,$tanto$aquele$que$conduz$à$ruptura,$como$aquele$que$
prevalece$ na$ relação.$ Maria$ separaOse$ de$ José$ por$ estar$ saturada$ de$ uma$ vida$
insuficiente$que$o$casamento$lhe$proporciona;$Francisco$está$saturado$de$Micaela,$
que$sente$a$distância$do$primeiro,$mas$permanece$numa$relação$infeliz.$
Não$obstante$se$tratar$de$um$tema$transversal,$as$diferenças$entre$as$peças$
são$ substanciais.$ “O$ Amor”$ é$ claramente$ um$ texto$ de$ índole$ mais$ popular,$
retratando$uma$época,$uma$sociedade$e$uma$mentalidade:$aquelas$em$que$Pessoa$
se$ inseria.$ “Diálogo$ no$ Jardim$ do$ Palácio”$ e$ “Intervenção$ Cirúrgica”,$ pelo$
contrário,$ são$ textos$ sem' lugar' ou' tempo' definidos,$ funcionando$ como$ meios$ de$
revelação$de$uma$determinada$forma$de$compreender'a$vida.$Ou$seja,$n~“O$Amor”$
está$em$causa$uma$reflexão$mais$quotidiana,$ao$passo$que$nas$outras$predomina$o$
tom$ metafísico.$ Neste$ sentido,$ também$ é$ evidente$ um$ uso$ diferente' da' linguagem:$
n~“O$ Amor”$ encontraOse$ um$ diálogo$ mais$ coloquial,$ próximo$ da$ oralidade;$ no$
Teatro' Estático,$ a$ linguagem$ tem$ uma$ forma$ mais$ cuidada,$ mais$ reflexiva$ e$ mais$
existencial.$$
Mas$outras$diferenças$podem$ser$apontadas$no$que$respeita$às$personagens$
das$três$peças.$Quanto$às$personagens$femininas:$n’$“O$Amor”,$os$diálogos$entre$
Maria$e$o$marido$são$elucidativos$da$sua$indiferença'perante$ele,$de$tal$forma$que$o$
que$está$em$causa$é$a'ilusão'da'felicidade;$no$caso$de$Micaela$e$Francisco,$o$que$está$
em$causa$é$a$desilusão.$No$“Diálogo$no$Jardim$do$Palácio”,$a$personagem$feminina$
compreende'a'ilusão'do'amor'do'outro$e,$desse$modo,$aceita'a'separação'como'inevitável.$
Em$“Intervenção$Cirúrgica”,$o$amante$convence'a$mulher,$mas$a$sua$cedência$não$
exclui$ uma$ certa$ dedicação' ao$ marido$ e$ a$ consciência$ de$ que$ lhe$ está$ vedada' a'
felicidade$ com$ o$ amante.$ Em$ relação$ às$ personagens$ masculinas$ das$ três$ peças,$ a$
sua$caracterização$também$tem$matizes$diferentes:$a$personagem$do$“Diálogo$no$
Jardim$do$Palácio”$é,$muito$ao$gosto$de$Pessoa,$um$sujeito'reflexivo,$i.e.,$aquele$que$
revela$a$ilusão$do$conhecimento$e$que,$por$isso,$não'vê'sentido'no'amor.$No$caso$de$
“Intervenção$Cirúrgica”,$a$personagem$deambula$entre$a$reflexão$e$a$cedência$ao$
sentimento,$ de$ tal$ forma$ que,$ no$ fim,$ predomina$ este.$ Mas$ é$ na$ peça$ “O$ Amor”$
que$ as$ personagens$ masculinas$ mais$ se$ destacam:$ José$ caracterizaOse$ pela$ sua$
dependência$ da$ mulher;$ Francisco,$ pelo$ contrário,$ revela$ uma$ certa$ indiferença$ pela$
mulher,$salientandoOse$o$lado$sedutor$da$personagem.$$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 675


Freitas "O Amor"

Estas$ são$ apenas$ algumas$ características$ que$ se$ podem$ indicar$ na$
comparação$ entre$ as$ três$ peças$ de$ Fernando$ Pessoa.$ A$ edição$ de$ toda$ a$ obra$
dramatúrgica$do$poeta$é$uma$condição$fundamental$para$um$estudo$comparativo$
mais$ profundo,$ o$ que$ permitirá$ analisar$ em$ que$ medida$ certos$ temas$ são$
recorrentes$ na$ sua$ obra$ e$ o$ modo$ como$ foram$ tratados.$ A$ apresentação$ da$ peça$
inédita$ “O$ Amor”,$ que$ se$ segue,$ com$ as$ respectivas$ transcrições$ e$ imagens,$
pretende$ ser$ mais$ um$ contributo$ para$ clarificar$ o$ universo$ dramatúrgico$ de$
Pessoa.$$
A$ transcrição$ desta$ peça$ segue$ os$ critérios$ estabelecidos$ pela$ edição$ crítica$
da$ obra$ de$ Fernando$ Pessoa.$ Cada$ fragmento$ é$ apresentado$ separadamente,$
excepto$ nos$ casos$ em$ que$ o$ autor$ deixou$ alguma$ indicação$ explícita$ que$ permite$
reunir$núcleos.$O$aparato$de$cada$texto$pode$ser$encontrado$em$nota$de$rodapé.$A$
organização$ da$ peça$ teve$ em$ conta$ alguns$ elementos$ textuais$ dos$ próprios$
fragmentos,$ nomeadamente$ as$ indicações$ “Fim$ d’O$ Amor”$ e$ “Last$ Scene”,$ que$
justificam$a$sua$apresentação$como$fragmentos$finais.$Pessoa$não$deixou$nenhum$
esquema$de$ordenação$da$peça$(ao$contrário$do$que$sucede$com$algumas$odes$de$
Campos)$e,$desse$modo,$a$apresentação$aqui$em$causa$pretendeu$estabelecer$uma$
leitura$ viável$ do$ texto,$ reunindo$ os$ diálogos$ das$ personagens$ em$ dois$ grupos,$
tendo$em$conta$a$existência$de$duas$histórias$(a$de$Francisco$e$Micaela,$e$a$de$José$
e$Maria),$a$par$de$fragmentos$que$reúnem$trechos$de$fases$diferentes$da$peça.$Por$
fim,$ transcreveuOse$ uma$ anotação$ de$ Pessoa$ sobre$ uma$ cena$ da$ peça.$ Como$ no$
Teatro'Estático,$todas$as$didascálias$foram$assinaladas$a$itálico.$
$
$
Fac/símiles#e#transcrições#|#“O#Amor”#
$
$

$
Fig.#1.#BNP/E3,#111#AM/5r.#
$
Francisco2:$És$tão$bonita...$És$linda$
Michaëla:$Está$quieto.$
$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2 $Fº$]$abreviado;'como'outros'nomes,'que'serão'editados'sem'abreviatura'e'em'itálico.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 676


Freitas "O Amor"
$
$
Michaëla:$Olha$como$tu$me$beiO$
jas$–$como$se$eu$fôsse$uma$$
tia$ou$□$com$$
que$embirrasses$e$te$visses$$
obrigado$a$beijar...$Assim$$
antes$quero$que$me$não$$
beijes...$Ó$meu$Deus,$meu$$
Deus...$
$
$
$
Fig.#2.#BNP/E3,#111#AM/3r.$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
Michaëla:$Mas$tu$não$me$amas,$$
tu$não$me$amas.$BeijoOte$$
com$toda$a$minha3$alma$e$tu$$
deixasOme$beijar$e$mais$nada.$
Francisco:$Não$percebo...$
Michaëla:$Percebes,$sim,$percebes.$$
Ha$cousas$que$a$gente$$
percebe$por$malOditas$$
que$sejam.$Ó$meu$Deus,$$
meu$Deus,$meu$Deus$(soluça).$
Francisco:$Mas$eu$amoOte,$Michaëla.$
Michaëla:$Não,$não$mintas.$Não$me$
amas.$Nem$me$olhas,$nem$$
me$fallas,$como$se$me$aO$
masses.$Nem$sequer$me$$
beijas$como$beijarias$uma$$
mulher$qualquer...$CausoO$
te$repugnancia$por$ser$$
doente...$como$se$eu$o$$
não$percebe[sse]...$Isto$de$$
estar$doente$parece$que$$
ás$vezes$aguça.4$
$
Fig.#3.#BNP/E3,#111#AM/10r.#

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3 $m/$]$abreviado;'como'outras'palavras'afins,'que'serão'editadas'sem'abreviatura.'
4 $Isto$de$estar$doente$parece$que$ás$vezes$aguça$]$com'hesitação'do'autor'e'sem'ponto'final.'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 677


Freitas "O Amor"
$
Francisco:$A$minha$prima$Michaëla...$
Maria:$Feio$nome...$
Francisco:$Sim$é...$a$minha$$
prima$Michaëla,$□5$
$
Francisco:$A$Michaëla$agora$que$está$
irremediavelmente$perdida$$
já$ninguem$sonha$em$eu$
casar$com$ella.$Ella$$
mesma$–$lá$por$um$$
instincto$que$vocês,$as$$
mulheres$têm$–$descoO$
briu$que$eu$não$gosto$$
d’ella...$De$maneira$que$$
bem$vês6$que$ninguem$já$$
falla$de$um$casamento$$
senão$como$de$cousa$que$$
esteve$para$ser$e$não$foi.7$$
$
Fig.#4.#BNP/E3,#111#AM/10v.#
$
$
$
$
$

$
Fig.#5.#BNP/E3,#111#AM/4r.#
$
Francisco:$Olha$a$Michaëla$está$por$pouco.$Eu$devo$$
esperar.$Eu$gostava$d’ella$–$pobre$pequena.$UltimaO$
mente$estava$um$tanto$maçadora,$mas$conheçoOa$$
desde$creança.$A$gente$sempre$tem$pena...$$
Olha,$francamente$e$aqui$entre$nós,$eu$teria$mais$se$$
ella$não$me$tivesse$maçado$tanto$por$ultimo...$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5$<Pois>$Sim$é...$a$m/$prima$Michaëla,$<†>$
6$<*bem>$[↑$bem]$vês$]$mantemos'a'segunda'palavra,'embora'riscada.$
7$[←$senão]$como$de$cousa$que$<já>$esteve$para$ser<...>/e\não$foi.$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 678


Freitas "O Amor"
$
$
Maria:$Não$te$rales$por$$
minha$causa.$Ó$menino,$$
até$se$tiver$de$me$ir$$
embora$á$força$–$eu$$
pareceOme$que$tenho$$
mais$força$do$que$elle...$
Francisco:$Ora$esta...$mas$para$
que$diabo...$
Maria:$Mas$é$que$nada$d’isso$
aconteceu...$Deixa,$que$$
eu$sei$o$que$faço...$
$
$
Fig.#6.#BNP/E3,#111#AM/2r.$
$
$
O'Amôr.$
'

Jose:$E$o$que$será$de$mim,$Maria,$o$que$$
será$de$mim?$
$
Maria:$Ora,$tu$serás$como$se$estivesses$solteiro.$
Se$houvesse$cá$o$divorcio,$a$gente$divorO$
ciavaOse,$e$ficava$tudo$arranjado.$Agora$$
assim,$não$ha$outro$remedio$senão$este...$Tu$$
não$és$homem$para$espalhafatos$nem$$
grandes$paixões,$nem$coisas$d’essas...$de$
maneira$que$não$é$cousa$que$como$se$$
acostuma8$dizer$te$pique.$
$

Jose;$Ah$como9$eu$precisava$ter$a$minha$$
mãe$ao$pé$de$mim$agora!$
Maria:$Pra$quê?$Ora$não$sejas$creança.$FrancaO$
mente,$a$chamar$pela$mãe.$Olha$que$$
isto$não$é$a$mal.$Cada$um$nasce$para$$
o$que$ha$de$ser,$tu$bem$vês;$e$o$melhor$é$$
isto.$Depois,$tu$tens$o$teu$escriptorio,$os$teus$$
amigos.$D’aqui$a$um$mez,$já$vaes$melhor,$$
d’aqui$a$dois$mezes$se$calhar$já$nem$$
te$lembras.$É$como$se$tivessemos$tido$um$naO$
moro$e$elle10$acabasse.$Olha$quanta$gente$tem$
namoros$e$acaba$e$d’ahi$a$pouco$já$tem$outro$$
e$ás$vezes$mais$do$que$um.$
$
Fig.#7.#BNP/E3,#111#AM/6r.$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8$/a/costuma$]$com$hesitação'do'autor.$
9$<que>$como$
10$e$[↑ elle]$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 679


Freitas "O Amor"
$
2/$
Maria:$DeixaOte$de$espalhafatos.$Olha$que$$
isso$não$serve$de$nada;$e$a$gente$é$meO$
lhor$□$a$bem$do$que$a$mal.$A$gritar$$
ninguem$me$leva,$tu$já$deves$saber,$e$não$heiO$
de$começar$agora...$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
Fig.#8.#BNP/E3,#111#AM/6v.$
$
O'Amor'' Last'Scene'
$
Jose:$eu$julguei$que$tu$eras$feliz...$Eu$julO$
gava...$Eu...$enfim$eu$pensava$$
que$vivendo$assim$na$nossa$casinha,11$$
que$□$que$a$gente$enfim$viveria$feO$
liz.$E$vivia...$Porque$é$que$tu...12$
Maria:$Ora$adeus,$adeus,$adeus.$Como$é$que$$
se$pode$ser$feliz$com$isto?$Encafuada$$
aqui$desde$a$manhã$á$noite,$a$pensar13$$
no$almoco,$e$no*jantar$e$no$chá,$e$$
em$limpar$o$pó$e$em$coser$a$roupa$$
e...$e...$e$tudo$isso...$P’ra$divertimento$$
a$prima$Brites$e$fallar$ás$visinhas$$
e$ir$para$a$geral$no$Colyseu$uma$$
vez$por$semana$e$ir$ós$touros$uma$$
vez$por$mez...$no$verão...$e$o$grande$$
divertimento$de$passear$pela$Rua$do$$
Ouro$abaixo$e$pela$Rua$Augusta$acima$e$$
depois$dar$a$volta$no$Rossio$e$$
depois$voltar$para$casa...$É$uma$$
vida$divertida$como$não$ha$outra,$já$$
se$deixa$vêr...$
Jose:$Ás$vezes$a$gente$podia$ir$á$outra$Banda$e$
ao$Dafundo...$
$
Fig.#9.#BNP/E3,#111#AM/8r.$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11$SegueRse'este'apontamento:$[remark$the$lack$of$psychologic$knowledge$of$her]$
12$Porque$é$que$tu...$]$com'hesitação'do'autor.$

13$<com$o$dia>$a$pensar$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 680


;=BC#DNC#EF*GHIJ#DDD#$K/R-C#
Freitas "O Amor"
O#%+#h$c("2$,()9#$#$=#),#6&"$+&$=/8,#.$%#.#$5#1#$
"#(1$5#)'#+#333$YD$)Q(11/$=#.(#=#[b$$
#$6&),&$!"$;/5#+/333$
5&)"h$j#1$&),</$/$:!&$%/+(#$&!$?#E&.y$
O#%+#h$^#+#333$U!$)</$+(11&$:!&$%!+&11&1$$
/!$)</$%!+&11&1333$B9$:!&$=(+#w$
$ $ >G#F)#'G"HF"4#@$
5&)"h$U[o$,!$1&"%.&$"&$+&(K#1y$
O#%+#h$^</|$&1,/!$#$+(=&.,(.O"&2$&$#$+(=&.,(.O$
,&$#$,(|$?(5/$&$=#"/1$%#11&#.$8/6/$$
%Q8#$.!#$+/$4!./$#$;#(K/$&$%Q8#$.!#$$
B!6!1,#$#$5("#$&$+&%/(1$+&$+#.$$
#$=/8,#$#/$Z/11(/$=/8,#"/1$%~.#$5#1#333$$
^</$+D$=/),#+&$+&$?(5#.333$m#1,#$#$6&),&$$
?#88#.$)Q(11/$%#.#$5/"&'#.$#$$
#;.(.$#$;/55#333$
$ $ >G#F)#@$
5&)"h$U!$1&),(#O,&$!"$;/5#+()9/$"!+#+#2$"#1$
R!86#=#$:!&$&.#$5/!1#$:!&$%#11#=#333$:!&$$
)</$&.#$)#+#$#11("333$U!$#+(=()9#=#$8D$$
(1,/333$j#.(#|$&!$5/"/$*$:!&$%/+(#$$
#+(=()9#.$:!&$,!$:!&.(#1$(.$&";/.#3$
O#%+#h$489#2$#6/.#$&15!1#1$+&$$
#+(=()9#.2$%/.:!&$RD$1#;&13$
$
_X$

O#%+#h$U)?("333$RD$=/8,/333$=/!$#88($$
+&),./$%x.$/$59#%&!3$
5&)"')Th$Ä$"&!$G&!12$"&!$G&!13[p$
'
'
U"46&R#'"4$%#%'6"',A#G"FV'
^</$"&$+&(K&12$j#.(#3$^</$"&$+&(K&12$$
&!$?(5/$,</$1Vw$>#',A&%#%@$U!$?#'/O,&$,/+#1$$
#1$=/),#+&12$&!$%./5!./$/!,./1$&"O$
%.&6/1$%#.#$6#)9#.$"#(1$+()9&(./2$&!$$
#%.&)+/$#$#6.#+#.O,&$"&89/.333$>)&2F:#46&@$$
&!333$&!333$^</$,&$=D1$&";/.#2$j#.(#2$$
)</$=f1$:!&$&!$?(5/$1Vy$HD$)</$,&)9/$$
"()9#$"<&3$B11("$?(5/$1&"$)()6!&"3$$
^</$,&$=D1$&";/.#333$B()+#$:!&$)</$6/1,&1$
$
$
$
;=BC#DDC#EF*GHIJ#DDD#$K/S'C$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[b$"#(1$5#)'#+#$t# Ñu333$ÇI11/$=#.É$t! YD$)Q(11/u$=#.(#=#'
[o$j#1$t!$Uu$9#%+#4$")'6&'#F$&%3$
[p$@"3F"R)"'")$#'G"%3F4$#S!>#:!(h$.&?8&Kn&1$+#+#1$%&8#$j(59#Å8#y@'

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 681


Freitas "O Amor"

$
;=BC#DMC#EF*GHIJ#DD D#$K/S-C#

$
bX$
+&$"("2$?(5#333c("$>)&2F:#@2$?(5#3$B/$"&)/1$$
)</$=D1$#()+#333$B11("$+&$.&%&),&333$$
U1%&.#$#/$"&)/1$"#(1$!"#$/!$+!#1$$
9/.#1333$^</$,&$=D1$&";/.#$#11("333$
O#%+#h$4.#2$?.#)5#"&),&$%#.#$!"#$15&)#$$
+Q&1,#1$*$:!&$&!$)</$&1,#=#$%.&O$
%#.#+#3$GD$"!(,#$=/),#+&$+&$$
?(5#.$)</$9#$+!=(+#333$%&8/$"&)/1$$
%#.#$#,#.$/$;(;&$#/$"&)()/333$$
4.#2$?.#)5#"&),&2$H/1&w[]$
5&)"h$B9$1&$&!$,(=&11&$"()9#$"<&$#/$%*$+&$
"("333$
$ $ &,53$
$
$
tO#%+#hu$U1,</$%./"%,#1$#1$"#8#13$
<%"#6#$>6"'6"4$%&@h$U1,</2$1("$"()9#$1&)9/.#3$
O#%+#h$489#$#$5.&#+#$&1,#=#[`$#/$%*$+#$$
%/.,#$#$&15!,#.333$41$)&.=/1$+&1,#333$
m/"333$^</$,&$#??8(R#12$)</$%&)1&1[\$$
)Q(1,/2$)</$q$B+&!12$H/1&2$B+&!13$
$
$
-("$+Q'-'./&%'
$
4$#%&.,/$+&$"</$
$
O#%+#$")$"46"'#'/;&h$B+&!13$$
5&)"'#G"%$#R2A"ad$#'/;&'$+/+6#R'
/"4$"3$(2#')#A"'"'>",A#''
#'G&%$#'#&'6"'2"9"3$
5&)"h$z/5f$*$#11("a[333$W"$$
#%&.,/$+&$"</$&333$&333&$$
>,#A"'#')&2F:#%WW')&C%"'&')&>#@$
$
$
$
$
;=BC#DIC#EF*GHIJ#DDD#$K/D'C$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[]$%&8/$"&)/1$%#.#$#,#.$/$;(;&$#/$"&)()/333$4.#2$?.#)5#"&),&2$H/1&w$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%3$
[`$Ç.&1%/)+É$&1,#=#$
[\$)</$Ç,&É$%&)1&1$

ad$,/"#O89&$t!$#%&.,#O89&u$9#%+#4$")'#2$"%4#$+9#)3$

a[$ÇU$(1,/É$z3$*$#11("$

aa$5#9&$#$1/8!'#.$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 682


Freitas "O Amor"
$
;=BC#DOC#EF*GHIJ#DD D#$K/Q'C$

$
5&)"h$YD$&1,DWX$/$#%#.#+/.$:!&$&!$5/"%.&($5/"$$
,#),/$6/1,/ab$%/.$+&E$"(8$.&(1$#/$q$+#$Z!#$+&$
c#),/$B),</|$&$q$$
&$/$%#))/$+&$"&E#$:!&$&.#$+&$5#1#$+&$"()9#$$
"<&3$>)&2F:#46&',&/'#',#C":#'"4$%"'#)'/;&)'"'#,#R'
C%F4A#6&'4YF/#',#6"+%#@$
49$"()9#$.(5#$"<&2$1&$1/!;&11&1$:!&$&!$
59&6#.(#$#$(1,/w$
y$F$><%"#6#',A#/#'&F$%#'"'#G&4$#'"'%+"/'#'F/#''
G&%$#'#C"%$#'#$%#?'6Y"22"@$
$
O#%+#$F$49333$&$,&)9/$:!&$(.$;!15#.$/$"&!$$
8(=./$+&$"!1(5#$:!&$+&(K&($&"$5#1#$+&$G3$$
m.(,&12$)/$+/"()6/$%#11#+/3$
B%#4,+),&ao$F$s!&"$*$&11#$G3$m.(,&1y$
O#%+#$O${$!"#$#"(6#$+&$?#"(8(#$+Q&88&ap333$
B%#4,+),&$F$G/$,&!$"#.(+/y$
O#%+#$F$c("333$+&$:!&"$9#=(#$+&$1&.ya]$
B%#4,+),&$F$c("2$5/"$!"$)/"&$5/"/$&11&333$)</$
%/+(#$1&.$/!,.#$5/!1#3$
O#%+#$F$489#$:!&$#$,!#333$/$,#8$)/"&$+&$j(59#Å8#$
)</$*$"!(,/$"&89/.333$
B%#4,+),&$F$B9(a`$9#$5(!"&12$"#./,#2$1("2$1("2$
"#1$,&)1$.#E</|$)</$*$6.#)+&$5/!1#$$
5/"/$)/"&3$U!$*$:!&$89&$&1,/!$#5/1,!"#+/$$
q$RD$)</$"&$1x#$)&"$"#8$)&"$;&"3$
$
$
l#O+&$1&.$5/"/$,&.$!"#$G3$m.(,&13$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
;=BC#DLC#EF*GHIJ#DDD#$K/Q-#T'20&':+8&UC$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
a_$YD$&1,D$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%$
ab$:!&$&!$5/"%.&($t!5/"$,#),/$6/1,/u$
ao$Ç-&.É$-.#)5(15/$

ap$Ç+/$"&!$"É$+Q&88&$

a]$+&$:!&"$9#=(#$+&$1&.y$u$,&/$A")+$#:;&'6&'#F$&%V'

a`$ÇI11/É$B9($

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 683


Freitas "O Amor"

$
Fig.#16.#BNP/E3,#2723/103r.#
$
Amor$
Scena$em$que,$depois$do$row$com$$
Michaëla,29$Francisco$assobiando$$
“Menina$Rosa”30$põe$a$espada,$e,$vendoO$
se$ao$espelho,$retoca$o$bigode.$
$
Bibliografia#
$
FREITAS,$ Ana$ Maria$ (2008).$ “Íbis”,$ in$ Dicionário' de' Fernando' Pessoa' e' do' Modernismo' Português,$
Fernando$Cabral$Martins$(coord.).$Lisboa:$Caminho.$
LOPES,$Teresa$Rita$(1977).$Fernando'Pessoa'et'le'drame'symboliste:'heritage'et'creation.$Prefácio$de$Rene$
Etiemble.$Paris:$Fundação$Calouste$Gulbenkian.$
PESSOA,$Fernando$(2017).$Teatro'Estático.'Edição$de$Filipa$de$Freitas$e$Patricio$Ferrari;$colaboração$
de$Claudia$J.$Fischer.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2016).$Obra'Completa'de'Alberto'Caeiro.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro$e$Patricio$Ferrari.$Lisboa:$
TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2014).$Obra'Completa'de'Álvaro'de'Campos.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro$e$Antonio$Cardiello;$
colaboração$de$Jorge$Uribe$e$Filipa$de$Freitas.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2013a).$Apreciações'Literárias.$Edição$de$Pauly$Ellen$Bothe.$Lisboa:$Imprensa$NacionalOCasa$
da$Moeda.$Edição$Crítica$de$Fernando$Pessoa.$
_____$ (2013b).$Livro'do'Desassossego.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$
Pessoa.$
_____$ (2007).$ A' Educação' do' Stoico.$ Edição$ de$ Jerónimo$ Pizarro.$ Lisboa:$ Imprensa$ NacionalOCasa$
da$Moeda.$Edição$Crítica$de$Fernando$Pessoa.$$

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
29$ Scena$ [↑$ <nas>]$ em$ que$ (depois$ do$ row$ com$ Michaëla)$ ]$ no' original;' substituímos' os' parênteses' por'
vírgulas.$
30
!Francisco$(assobiando$“Menina$Rosa”)$]$substituímos'os'parênteses'por'vírgulas.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 684


Vergílio)Ferreira)e)Fernando)Pessoa,)
numa%carta%inédita%
%
Leyla Perrone-Moisés*
%
Palavras2chave)
%
Vergílio%Ferreira,%Fernando%Pessoa,%polêmicas,%reconhecimento,%crítica,%admiração.%
)
Resumo)
%
Edita=se% uma% carta% inédita% de% Vergílio% Ferreira% sobre% Fernando% Pessoa,% enviada% a% Leyla%
Perrone=Moisés%em%1982.%A%carta%dá%prosseguimento%ao%longo%diálogo%do%romancista%com%a%
obra% do% poeta,% iniciado% de% maneira% polêmica% em% 1951=52,% como% uma% reação% dos% escritores%
neo=realistas% da% revista% Vértice( à% fama% crescente% de% Pessoa.% Eduardo% Lourenço% e% Adolfo%
Casais%Monteiro%reagiram%à%critica%negativa%dos%polemistas%de%Vértice.%Essa%carta%revela%que%
Vergílio% Ferreira,% depois% de% três% décadas,% mudou% sua% visão% de% Pessoa,% mas% não%%
inteiramente.%Reconhece%então%a%grandeza%do%poeta,%declara=se%seu%admirador,%mas%mantém%
alguns% argumentos% contrários% à% sua% obra,% como% as% acusações% de% artificialismo% e% de%
vacuidade.%
%
Keywords)
%
Vergílio%Ferreira,%Fernando%Pessoa,%polemics,%recognition,%criticism,%admiration.%
%
Abstract)
%
What%follows%is%an%unpublished%letter%about%Fernando%Pessoa,%written%by%Vergílio%Ferreira%
and% sent% to% Leyla% Perrone=Moisés% in% 1982.% The% letter% continues% the% long% dialogue% of% the%
novelist% with% the% poet’s% work,% which% began% in% polemical% fashion% in% 1951=52,% as% a% reaction%
from%the%neorealist%writers%of%the%Vértice(magazine%to%the%growing%fame%of%Pessoa.%Eduardo%
Lourenço% and% Adolfo% Casais% Monteiro% then% reacted% to% the% negative% criticism% made% by% the%
Vértice(polemists.%This%letter%reveals%that%Vergílio%Ferreira,%after%three%decades,%changed%his%
view%of%Pessoa,%but%not%entirely.%He%recognizes,%at%this%later%date,%the%greatness%of%the%poet,%
declares%being%his%admirer,%but%sustains%some%arguments%opposing%the%poet’s%work,%such%as%
accusations%of%artificialism%and%vacuity.%
%
%

*%Universidade%de%São%Paulo%(USP).%
Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Revirando% meus% arquivos,% encontrei% essa% carta% de% Vergílio% Ferreira,% datada% de%
setembro%de%1982.%É%sua%resposta%ao%envio%que%lhe%fiz%da%primeira%edição%de%meu%
livro%Fernando(Pessoa,(aquém(do(eu,(além(do(outro.(A%carta%de%Vergílio,%como%se%pode%
ver%em%seu%fac=símile,%é%de%leitura%difícil.%A%%caligrafia,%minúscula%e%ensimesmada%
como% o% romancista,% foi% por% mim% decifrada% com% o% auxílio% precioso% de% Jerônimo%
Pizarro.% Ela% é% uma% espécie% de% balanço% das% relações% do% romancista% com% o% poeta%
naquela%data,%relações%tão%intrincadas%quanto%sua%caligrafia.%%
Eu% conhecia% e% admirava% o% romancista% de% Aparição( desde% 1962.% Em% 1963,%
como%especialista%de%literatura%francesa,%publiquei%uma%resenha%de%seu%livro%André(
Malraux,(interrogação(ao(destino,%no%“Suplemento%Literário”%do%jornal%O(Estado(de(S.(
Paulo.% Ao% longo% dos% anos% reencontrei=o% algumas% vezes% em% Lisboa% e% uma% vez% em%
São%Paulo,%na%casa%da%poeta%Maria%Lucia%Dal%Farra.%Daí%ele%me%tratar%como%amiga.%
Quando%recebi%essa%carta%fiquei%agradecida%e,%naturalmente,%interessada%em%
suas%considerações.%Mas%confesso%que,%na%época,%eu%pouco%sabia%do%longo%e%tenso%
diálogo%que%o%romancista%travava,%desde%os%anos%1950,%com%o%poeta.%Lembrava=me%
vagamente% de% ter% lido% algo% sobre% isso.% E% como,% em% 1982,% eu% já% estava% empenhada%
em%outras%pesquisas%alheias%a%Pessoa,%não%procurei%aprofundar%o%assunto.%
Somente%agora,%depois%de%quatro%décadas,%ao%reler%a%carta%me%dei%conta%de%
sua% importância% para% o% estudo% das% relações% de% Vergílio% Ferreira% com% Fernando%
Pessoa.% Reli% então% os% dois% artigos% excelentes% de% Maria% da% Glória% PADRÃO% (1981,%
1982)%publicados%na%revista%Persona%(“I%–%O%neo=realismo%contra%a%Presença(e%Casais%
Monteiro”%e%“II%–%O%Neutro%e%a%Contemporaneidade”).%Esses%artigos%não%apenas%me%
reavivaram%a%memória,%mas%também%me%trouxeram%de%volta%à%crítica%pessoana,%da%
qual%eu%andava%um%pouco%afastada.%Fui%então%levada%a%reler%os%textos%da%polêmica%
provocada%pela%revista%Vértice(em%1952,%as%respostas%de%Eduardo%LOURENÇO%(1952)%
e% Adolfo% Casais% MONTEIRO% (1954),% e% a% folhear% o% problemático% livro% de% Mário%
SACRAMENTO% (1958),% assim% como% os% romances% de% Vergílio% Ferreira% nos% quais% há%
tantos% ecos% de% Pessoa.% E% só% depois% dessas% leituras% pude,% de% fato,% decifrar% as%
entrelinhas%da%carta%e%aquilatar%a%honra%que%foi%tê=la%recebido.%
A% primeira% declaração,% “sou% um% velho% admirador% de% Pessoa”% contradiz% a%
opinião% corrente,% presente% até% na% internet,% de% que% Vergílio% Ferreira% “detestava%
Pessoa”.%O%admirador%acrescenta%“mas%já%um%tanto%fatigado”.%O%romancista%estava%
fatigado,% não% apenas% das% antigas% polêmicas% pessoanas,% mas% sobretudo% da%
“verdade”,% que% ele% buscou% sofridamente% durante% toda% a% sua% vida:% “A% verdade%
cansa%e%é%por%isso%que%existe%o%erro,%ou%seja%outra%verdade”.%
“Pessoa%é%um%muro%e%há%assim%de%transpô=lo%ou%ladeá=lo”,%diz%ele.%De%fato,%a%
grandeza%de%Pessoa%e%o%crescimento%incessante%de%seu%reconhecimento%como%gênio,%
foram% sentidos% pela% geração% imediatamente% posterior% à% sua% como% um% empecilho.%
Essa% foi% à% principal% razão% da% irritação% dos% os% neo=realistas% de% Vértice,% além% das%
discordâncias%filosóficas%e%políticas%que%os%paradoxos%e%as%ambigüidades%do%poeta%
provocavam% neles.% Irritação% que% levou% Vergílio% a% afirmar,% naquela% ocasião,% que%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 686


Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Pessoa% era% “apenas% um% humorista”,% que% seus% poemas% eram% “um% jogo% vão% de%
palavras”% (FERREIRA,% 1952:% 537)% e% que% Casais% Monteiro% dizia% “asneiras”% (apud%
PADRÃO,%1981:%47).%%
Entretanto,% já% em% 1952% o% romancista% se% afastava% dos% colegas% polemistas( e%
revelava% sua% contrariedade% por% ter% de% “descascar”% Pessoa.% Na% primeira% carta% a%
Álvaro%Sampaio,%Vergílio%Ferreira%escrevia:%”Um%alto%serviço%prestado%às%gerações%
futuras%seria%precisamente%esse%de%nos%aplicarmos%todos%a%descascar%Pessoa,%a%ver%o%
que% tem% por% dentro.% Pode% ser% que% tenha% uma% verdade% maciça% de% fruto% e% de%
semente.%Pode%ser%que%tenha%só%casca”%(1952:%537).%E%na%segunda:%%
%
Pobre%Pessoa.%Não%tivesse%ele%a%defendê=lo%certos%irrequietos%e%impertinentes%senhores%[leia=
se:%Adolfo%Casais%Monteiro%e%Eduardo%Lourenço]%e%nós%consumiríamos%nosso%tempo%não%a%
diminuí=lo,% mas% a% reconhecê=lo% e% engrandecê=lo% naquilo% que% o% valoriza.% Mas% quê?% Os%
paroleiros%chamam=lhe%génio,%Goethe,%Shakespeare%e%outras%coisas%medonhas.%E%nós%para%o%
deixarmos%em%seu%sensato%lugar%temos%de%dizer%mal%dele.%Bonito%azar%ao%menos%para%nós!%
(apud%PADRÃO,%1981:%45)%
%
Na% carta% a% mim% destinada,% o% agora% auto=proclamado% admirador% de% Pessoa%
revela,%logo%em%seguida,%que%seu%contencioso%com%o%poeta%continua.%Afirma%que%ele%
era% “incompreensível”,% e% cita% um% professor% de% filosofia% que% teria% provado% ser% ele%
“ininteligível”.%E%volta%às%antigas%razões%de%não%o%admirar:%“Para%mim,%que%lhe%bati%
o% pé,% não( sei( se( para( me( independentizar( [grifo% meu],% mas% o% poeta%me% colidiu% com% a%
compreensão.%Mas%colidiu=me%com%a%margem%de%toda%a%arte,%que%é%artifício,%e%nele%
me%soa([note=se%o%verbo%no%presente]%artificialismo”.%
Em%seguida,%há%uma%formulação%notável:%“Hoje%não%o%discuto%como%se%não%
discutem%as%pedras%que%são,%por%si%sós,%uma%maravilha%da%criação”.%Pessoa%é,%para%
os% que% vieram% depois% dele,% aquela% “pedra% no% meio% do% caminho”% de% Carlos%
Drummond%de%Andrade.%E%Vergílio%reconhece%que%errou%quando,%trinta%anos%antes,%
vaticinava%que%a%fama%de%Pessoa%não%duraria%muito:%“Mas%não%o%discuto%sobretudo%
porque%ele%está%aí,%inamovível,%e%há%que%continuar%a%viver”.%Diz%que%não%o%discute,%
mas%continua%a%teimar%com%antigos%argumentos%contrários%à%Pessoa,%comparando=o%
com% Eça% de% Queirós,% como% fazia% na% antiga% polêmica.% Segundo% ele,% assim% como%
Pessoa%obliterou%Eça,%outros%obliterariam%Pessoa.%
Finalmente,%retoma%a%questão%dos%heterônimos%do%ponto%de%vista%filosófico:%
a% constituição% do% sujeito% na% modernidade,% que% tornaria% Pessoa% legível% à% luz% de%
“Lacans% e% Derridas”.% E% tem% aí% toda% razão.% Pessoa% estava% décadas% à% frente% nessa%
questão,% e% a% prova% maior% é% que,% desde% o% fim% do% século% XX,% ele% é% cada% vez% mais%
compreendido% e% admirado.% Vergílio% termina% dizendo% que% ainda% nem% folheou% o%
meu% livro,% mas% esse% fecho% da% carta% é% um% diálogo% comigo.% Naquela% altura,% ele% já%
conhecia% minha% leitura% lacaniana,% apresentada% no% 1º% Congresso% Internacional% de%
Estudos%Pessoanos%de%1978%(PERRONE=MOISÉS,%1979).%%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 687


Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Na%longa%entrevista%concedida%a%Maria%da%Glória%Padrão%(in%Vergílio(Ferreira,(
um(escritor(apresentaBse),%a%entrevistadora%lhe%pergunta:%“Quais%ou%autores%nacionais%
ou% estrangeiros% aos% quais% mais% gostaria% de% dedicar% um% ensaio?”.% E% Vergílio%
responde:% “Antes% de% todos,% um% Fernando% Pessoa% com% quem% comecei% um% diálogo%
(mal)%que%desejaria%concluir”%(FERREIRA,%1981B:%178).%O%diálogo%de%um%existencialista,%
preocupado% com% a% “autenticidade”% e% a% busca% de% respostas% a% inquietações%
metafísicas%e%políticas,%com%o%poeta%fingidor,%sempre%foi%difícil.%Difícil%era%também%
deixar% de% admirar% o% poeta.% Essa% carta% reencontrada% mostra% que% ele% prosseguia% o%
diálogo,%de%maneira%ainda%“ziguezagueante”,%como%bem%o%definiu%Maria%da%Glória%
Padrão:% “Seria% decerto% curioso% desenhar% o% diagrama% ziguezagueante% dessas%
explicações,%não%feito%de%curvas%e%contra=curvas%num%modo%ondulado,%mas%traçado%
em%ângulos%de%segmentos%de%recta”%(1982:%28).%Um%diálogo%que%não%foi%concluído,%
mas%cujas%marcas%se%encontram,%assimiladas,%nas%obras%do%grande%romancista.%
%
%
Anexo)I)
Fac2símile)do)envelope)
%

%
%
%
Anexo)II)
Transcrição)da)carta)de)Vergílio)Ferreira)
%
Praia%das%Maçãs%
2710%Fontanelas%
1.9.82%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 688


Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Querida%amiga:%
%
Sou% um% velho% admirador% de% Pessoa,% mas% já% um% tanto% fatigado.% A% verdade%
cansa%e%é%por%isso%que%existe%o%erro,%ou%seja%outra%verdade.%Pessoa%é%um%muro%e%há%
assim%que%transpô=lo%ou%ladeá=lo.%Alguns%de%nós,%consciente%ou%inconscientemente,%
cometemos% a% imprudência% ou% a% fraqueza% de% traçar% tangentes% a% Pessoa% para% se%
tornarem% compreensíveis.% Mas% Pessoa% também% foi% incompreensível.% Se% temos%
vivido%no%tempo%dele,%era%provável%dar=se%o%caso%de%o%encararmos%sob%a%óptica%de%
Eça% de% Queirós.% Isto% é% uma% banalidade% mas% que% nem% por% isso% deixa% de% existir% a%
contraprova.%Houve%um%senhor%professor%de%filosofia,%chamado%Vieira%de%Almeida,%
que%a%deu.%Expressamente%ele%declarou%–%e%provou%à%sua%maneira%–%que%Pessoa%era%
ininteligível.% Por% mim,% que% também% lhe% bati% o% pé,% não% sei% se% para% me%
independentizar,%mas%o%poeta%me%colidiu%com%a%compreensão.%Mas%colidiu=me%com%
a%margem%de%toda%a%arte,%que%é%o%artifício,%e%nele%me%soa%artificialismo.%Hoje%não%o%
discuto% como% se% não% discutem% as% pedras% que% são,% por% si% sós,% uma% maravilha% da%
criação.% Mas% não% o% discuto% sobretudo% porque% ele% está% aí,% inamovível,% e% há% que%
continuar% a% viver.% Dado% tudo% isto,% pergunto=me% quantos% Pessoas% não% estarão% já%
existindo%e%dos%quais%não%damos%conta%por%causa%de%um%outro%Eça%de%Queirós%que%
ele% foi,% demolindo=o% ou% substituindo=o.% Possivelmente% não% há% acasos% nos% grandes%
factos% históricos,% apesar% do% nariz% de% Cleópatra.% Possivelmente% todo% o% real% é%
racional.%%Mas%não%deixa%de%me%chamar%a%atenção%o%facto%de%que%a%grande%expansão%
de%Pessoa%é%o%que%veio%a%centrar=se%na%problemática%do%“eu”%e%nele%se%exprimiu%–%
sem%talvez%bem%o%saber%–%na%questão%dos%heterónimos.%Porque%essa%questão%tinha%
que%ver%ultimamente%(ou%tem%que%ver%para%mim)%com%as%grandes%contradições%em%
que% o% homem% já% se% dilacerava% e% traduziam% por% fim% o% seu% vazio.% As% razões% que%
Pessoa%aduziu%para%o%problema%controverso%dos%heterónimos%era%mais%comezinha:%
se% um% romancista% ou% dramaturgo% pusesse% seus% personagens% a% fazer% versos,% tais%
versos%seriam%necessariamente%diferentes%sobre%o%fundo%comum%da%ausência%de%um%
autor.% De% qualquer% modo,% Pessoa% falou% numa% voz% mais% facilmente% entendível% ou%
convertível% por% todos% os% Lacans% e% Derridas.% E% assim% foi% que,% o% mais% discutível% no%
poeta,%foi%o%mais%essencial%e%actual.%É%essa%uma%questão%que%assenta%num%paradoxo%
e%é%que%é%um%sujeito%que%tem%de%negar%o%sujeito,%é%um%“eu”%que%tem%que%enunciar%a%
questão% do% “outro”.% E% atenção:% se% construirmos% um% robot( tão% perfeito% como% o%
homem,%o(problema(permanece.%
E%agora%vou%ler%o%seu%livro%pessoano,%que%recebo%neste%momento,%não%folheei%
sequer%e%muito%lhe%agradeço.%
% Abraço%amigo%%
% do%
%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 689


Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Anexo)III)
Fac2símile)da)carta)de)Vergílio)Ferreira)
%

%
%
%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 690


Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa

Bibliografia)
%
FERREIRA,%Vergílio%(1981a).%ContaBCorrente(2.%Lisboa:%Livraria%Bertrand.%
_____% (1981b).%Vergílio(Ferreira.(Um(escritor(apresentaBse.%Apresentação,%prefácio%e%notas%de%Maria%da%
Glória% Padrão.% Lisboa:% Imprensa% Nacional=Casa% da% Moeda.% Coleção,%Biblioteca% de% Autores%
Portugueses.%
_____% (1952).% “Carta% a% Álvaro% Sampaio% sobre% Fernando% Pessoa”,( in% Vértice,( n.º% 99/101,% Coimbra%
Novembro%de%1951%–%Janeiro%de%1952,%p.%537.%
LOURENÇO,% Eduardo% (1952).% “Explicação% pelo% inferior% ou% a% crítica% sem% classe% contra% Fernando%
Pessoa”,%in%O(Primeiro(de(Janeiro,%Suplemento%das%Artes,%das%Letras,%Porto,%26%de%Novembro,%
p.%3.%
PERRONE=MOISÉS,%Leyla%(1979).%“Notas%para%uma%leitura%lacaniana%do%Vácuo=Pessoa”%in%Actas(do(1º(
Congresso( Internacional( de( Estudos( Pessoanos.% Porto:% Brasília% Editora,% pp.% 459=469.% Edição%
realizada% em% colaboração% com% o% Centro% de% Estudos% Pessoanos% e% com% o% patrocínio% da%
Secretaria%de%Estado%da%Cultura.%
MONTEIRO,%Adolfo%Casais%(1954).%Fernando(Pessoa,(o(insincero(verídico.%Lisboa:%Editorial%Inquérito.%
PADRÃO,% Maria% da% Glória% (1982).% “Fernando% Pessoa% e% Vergílio% Ferreira,% II% –% O% Neutro% e% a%
Contemporaneidade”,%in%Persona,%n.º%6,%Porto,%pp.%27=32.%
_____% (1981).%“Fernando%Pessoa%e%Vergílio%Ferreira,% I%–%O%neo=realismo%contra%a%Presença(e%Casais%
Monteiro”,%in%Persona,%n.°%5,%Porto,%pp.%39=50.%
SACRAMENTO,% Mário% (1958).% Fernando( Pessoa,( Poeta( da( Hora( Absurda.% Lisboa:% Editorial% Contraponto.%
2.ª%ed.,%Porto:%Editorial%Inova,%1970.%
SAMPAIO,%Álvaro%[Luís%Albuquerque]%(1952).%“Conversa%com%Maurício%sobre%Fernando%Pessoa”,%in%
Vértice,(n.º%99/101,%Coimbra%Novembro%de%1951%–%Janeiro%de%1952,%p.%495.%

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 691


Pertinência*e*perspicácia*na*crítica*literária**
de*Pierre*Hourcade*
!
Fernando Carmino Marques*
!
Palavras5chave!
!!
Fernando! Pessoa,!Modernismo! português,! José! de! Almada! Negreiros,! Mário! de! Sá;!
Carneiro,!António!Botto,!Pierre!Hourcade.!
!
Resumo!
!!
O! autor! defende! neste! artigo! a! pertinência! e! a! surpreendente! atualidade! das! observações!
críticas!de! Pierre! Hourcade! (escritas! e! publicadas! em! 1930)! relativas! ao! primeiro!
modernismo! literário! em! Portugal,! nomeadamente! sobre! a! obra! de! Fernando! Pessoa,! José!
de!Almada!Negreiros,!Mário!de!Sá;Carneiro,!António!Botto!e!outros.!
!
Keywords*
!
Fernando! Pessoa,! Portuguese! Modernism,! José! de! Almada! Negreiros,!Mário! de! Sá;
Carneiro,!António!Botto,!Pierre!Hourcade.!
!
!
Abstract!
!
This! article! defends! the! relevance! of! Pierre! Hourcade’s! critical! observations! (written! and!
published!in!1930)!concerning!the!first!literary!modernism!in!Portugal,!namely,!on!the!work!
of! Fernando! Pessoa,! José! de! Almada! Negreiros,!Mário! de! Sá;Carneiro,!António! Botto!and!
others.!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Professor!titular!de!Língua!e!Cultura!Portuguesa!na!UDI!–!Instituto!Politécnico!da!Guarda.!
Carmino Marques Pertinência e perspicácia

Datado!de!janeiro!de!1930,!“Panorama!do!Modernismo!Literário!em!Portugal”!é!o!
primeiro! artigo! de! Pierre! Hourcade! sobre! literatura! portuguesa1,! tema! a! que!
voltará!com!frequência!no!decorrer!dos!anos!seguintes,!incidindo!particularmente!
a! sua! atenção! sobre! a! obra! de! Fernando! Pessoa2! (de! quem! foi! amigo,! primeiro!
tradutor!e!principal!divulgador!em!França!e!na!Bélgica!a!partir!de!1930)!e!sobre!a!
chamada!segunda!geração!modernista,!reunida!à!volta!da!revista!Presença.3!
Nesse!artigo,!e!como!o!título!indica,!além!de!apresentar!uma!visão!geral!da!
literatura!portuguesa!contemporânea,!Pierre!Hourcade!pretende!chamar!a!atenção!
do! público! leitor! de! francês! para! a! originalidade! e! a! importância! do! primeiro! e!
segundo! movimento! modernista! em! Portugal,! ao! mesmo! tempo! que! estabelece!
comparações! com! movimentos! semelhantes! europeus! a! fim! de! que! o! leitor! possa!
ter!uma!ideia!mais!justa!do!valor!da!literatura!que!então!se!escrevia!em!Portugal.!
Tendo! em! conta! que! Hourcade! chegara! a! Portugal! alguns! meses! antes! da!
data! em! que! redigiu! o! seu! artigo,! o! que! deveras! surpreende! nesta! apresentação!
panorâmica! do! modernismo! literário! português! é! a! larga! e! pertinente! perspetiva!
que!Hourcade!tem!da!situação!em!que!se!encontrava!a!literatura!portuguesa,!tanto!
no! que! diz! respeito! ao! contexto! social! e! cultural! em! que! os! escritores! viviam,! as!
dificuldades! materiais! que! encontravam! para! publicar,! como! na! atitude! dos!
próprios!escritores!para!com!a!receção!que!as!suas!composições!literárias!poderiam!
suscitar;! atitude! pautada! por! uma! espécie! de! indolência,! ou! excessiva! modéstia,!
que! os! levava! a! um! certo! desinteresse! e! uma! falta! de! persistência! na! defesa! das!
suas! ideias;! Hourcade! escreve! até! que! Portugal! é! o! país! das! renúncias! e! do!
ensimesmamento:! “nous! sommes! au! pays! des! renoncements! et! des! retraites!
intérieures”![estamos!no!país!das!renúncias!e!das!retiradas!interiores],!o!que!tinha!
por!consequência!que!muitas!das!promessas!literárias,!por!falta!de!persistência,!de!
promessas!certamente!não!passariam,!facto!que!aparentemente!se!veio!a!confirmar!
para!a!grande!maioria!dos!nomes!citados!no!artigo.!!
Além!das!observações!de!caracter!psicológico!sobre!o!espirito!e!a!atitude!de!
alguns! dos! escritores! então! contemporâneos,! Hourcade! tenta! igualmente!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!O!artigo!foi!publicado!no!primeiro!volume!do!Bulletin-des-Études-Portugaises,!Coimbra,!Imprensa!
da!Universidade,!vol.!I,!1931,!pp.!69;78.!Do!mesmo!artigo!existe!uma!separata!datada!de!1930.!!
2! Entre! vários! artigos! publicados! refira;se:! “Rencontre! avec! Fernando! Pessoa”,! Contacts,! juin! 1930,!

pp.!42;44;!“Brève!Introduction!à!Fernando!Pessoa”,!Les-Cahiers-du-Sud,!n.º!147,!janvier;février!1933,!
pp.! 66;71! [datado:! “Coimbra,! février! 1932”].! Sobre! o! relacionamento! entre! Hourcade! e! Fernando!
Pessoa,! ver:! CARMINO! MARQUES! (2016).! Para! a! perspetiva! de! Hourcade! sobre! a! obra! de! Fernando!
Pessoa!ver,!de!HOURCADE,!A-mais-incerta-das-certezas,!itinerário-poético-de-Fernando-Pessoa!(2016).!
3! De! Pierre! Hourcade,! entre! outros! artigos! sobre! a! geração! da! Presença,! assinale;se:! “Défense! et!

illustration!de!la!poésie!portugaise!vivante”,!Les-Cahiers-du-Sud,!nº128,!Marseille,!janvier!1931,!pp.!
177;181.! O! mesmo! artigo! foi! inserido,! numa! tradução! de! João! Gaspar! Simões,! na! Presença,! n.º! 30,!
Coimbra,! janeiro;fevereiro! de! 1931,! pp.! 13;15;! “Deux! essayistes! portugais,! João! Gaspar! Simões! e!
Vitorino! Nemésio”,! Les- Cahiers- du- Sud,! nº! 181,! mars! 1936,! pp.! 270;272;! “O! ensaio! e! a! crítica! na!
Presença”,! Colóquio/Letras,! n.º! 38,! julho! 1977,! pp.20;29! [igualmente! inserido! em! Temas- de- literatura-
portuguesa,!Lisboa,!Moraes!Editores,1978].!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 693


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

demonstrar! o! que! distingue! o! modernismo! português,! as! afinidades! e! diferenças!


que!apresenta!relativamente!aos!demais!modernismos!europeus,!destacando,!entre!
outros!aspetos,!o!apreço!que!os!modernistas!portugueses!revelavam!pela!herança!
literária! nacional! que! mais! do! que! ninguém! prezavam,! segundo! Hourcade,!
ninguém!como!eles!fala!com!tanta!e!esclarecida!paixão!das!obras!mais!consagradas!
do!seu!país:!“Je!n’ai!nulle!part!entendu!parler!avec!plus!de!lucidité!passionée!des!
grandes! oeuvres! consacrées! de! leur! pays”! [Em! parte! alguma! ouvi! falar! com!
veemente!lucidez!das!grandes!obras!consagradas!do!seu!país].!!
O! primeiro! movimento! modernista! é! caracterizado! numa! breve! análise! a!
quatro! revistas.! Assim,! ao! mesmo! tempo! que! realça! a! importância! da! efémera!
Orpheu! e! do! número! único! da! Portugal- Futurista- como! referências! essenciais,!
Hourcade! não! hesita! em! descrever! Contemporânea! como! uma! revista! em! que! a!
qualidade!das!artes!gráficas!e!picturais!se!sobrepõe!à!qualidade!dos!textos:!“les!arts!
graphiques! et! picturaux,! la! typographie! et! la! présentation! générale! l’emportaient!
malheuresement! de! beaucoup! par! la! qualité! sur! le! texte! lui;même”! [as! artes!
gráficas!e!picturais,!a!tipografia!e!a!apresentação!geral!sobrepõe;se,!infelizmente!de!
longe,! à! qualidade! dos! textos].! Isto! devido! em! parte! à! falta! de! rigor! editorial,! na!
medida! em! que,! para! Hourcade,! são! vários! os! artigos! em! que! prevalece! alguma!
conivência,! artigos! reveladores! de! uma! nota! discordante,! por! vezes! totalmente!
descabida:! “Trop! d’insertions! de! complaisance! jetaient! une! note! discordante,! et!
parfois! très! fausse,! dans! un! ensemble! un! peu! hésitant”! [Muitos! artigos! de!
conivência! dão! uma! nota! de! discordância,! por! vezes! bastante! falsa! num! conjunto!
algo! hesitante].! Para! ele,! o! equilíbrio! entre! os! elementos! artístico! e! literário!
encontra;se!sobretudo!na!Athena,!revista!que!atingiu!nos!seus!cinco!números!uma!
espécie! de! perfeição,! na! forma! e! no! conteúdo:! “une! sorte! de! perfection! par! sa!
présentation!très!pure!et!l’équilibre!entre!l’élément!artistique!et!l’élément!littéraire”!
[uma! espécie! de! perfeição! na! apresentação! simples! e! no! equilíbrio! entre! os!
elementos! artísticos! e! literários].! Feita! a! análise! sucinta! a! estas! quatro! revistas,!
Hourcade!destaca!em!seguida,!entre!os!autores!associados!direta!ou!indiretamente!
ao! primeiro! modernismo,! os! nomes! de! Mário! de! Sá;Carneiro! e! Camilo! Pessanha!
(este! último! pelo! interesse! que! alguns! dos! seus! poemas! despertava! entre! os!
modernistas),! explicando! porque! são! considerados! os! dois! poetas! malditos! do!
grupo,! antes! de! se! deter! mais! longamente! sobre! Fernando! Pessoa! (que! entre! os!
autores!vivos!dessa!geração!deve!ser!colocado!em!primeiro!plano),!José!de!Almada!
Negreiros!e!António!Botto.!Pessoa!é!apresentado!como!um!poeta!que!em!nada!se!
parece!com!o!habitual!“homme!de!lettres”,!quer!na!atitude!que!tem!para!com!a!sua!
obra,!“misteriosa!e!dispersa”,!de!que!o!próprio!poeta!se!parece!ter!esquecido,!quer!
pelo! recurso! às! diversas! “máscaras”! que! ela! apresenta.! Hourcade! assinala,! no!
entanto,! que! não! se! trata! de! um! simples! artifício! literário,! pois! cada! um! destes!
“pseudónimos”!(como!Hourcade!refere)!representa!uma!inspiração!diferente,!uma!
outra! forma! de! escapar! à! imobilidade! e! à! monotonia:! “Ce! n’est! point! par! pur!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 694


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

artifice! littéraire! qu’il! s’est! masqué! sous! différents! pseudonymes,! dont! chacun!
désigne! une! inspiration! différente,! un! autre! moyen! de! fuir! l’immobilité! et! la!
monotonie!sans!se!renier”![Não!é!por!simples!artifício!literário!se!ele!se!apresenta!
sob!a!máscara!de!diferentes!pseudónimos!pois!cada!um!representa!uma!inspiração!
diferente,! uma! outra! maneira! de! escapar! à! imobilidade! e! à! monotonia! sem! se!
renegar].* Em! observações! pertinentes,! expressas! de! forma! concisa,! Hourcade!
apresenta! cada! um! dos! três! principais! heterónimos! e! termina! salientando! quanto!
lhe!parece!densa!e!original!a!poesia!de!O-Guardador-de-Rebanhos:!“L’accent!unique!
de!la!poésie,!philosophique,!sans!le!vouloir,!du!Guardador-de-Rebanhos-(Le!Pasteur!
de!troupeaux)!atteint!à!un!degré!d’intensité!presque!physique!tout!em!décrivant!le!
drame!de!la!conscience!lucide!qui!se!dévore!elle;même!en!refusant!d’être!dupe!de!
la!matière”![!A!tonalidade!única!da!poesia,!filosófica!sem!o!desejar,!de!O-Guardador-
de- Rebanhos! atinge! um! grau! de! intensidade! quase! física! ao! mesmo! tempo! que!
descreve! o! drama! da! consciência! lúcida! que! a! si! mesma! se! devora,! embora! se!
recuse!a!aceitá;lo].*
Depois! de! Pessoa,! e! de! forma! muito! sucinta,! Almada! Negreiros! é! descrito!
como! uma! “espécie! de! Proteu! que! escapa! a! qualquer! definição! e! que! alguns! dos!
seus! textos! em! prosa! são! comparáveis! às! famosas! últimas! páginas! de! Ulisses! de!
James! Joyce:! “Almada! a! écrit! des! proses! que,! pour! ma! part,! je! n’hésiterait! pas! à!
placer! à! côté! des! fameuses! dernières! pages! de! l’Ulysses! de! James! Joyce”! [Almada!
escreveu! prosas! que! não! hesito! em! comparar! com! as! famosas! últimas! páginas! de!
Ulisses! de! James! Joyce].! Concisão! que! se! encontra! igualmente! na! apresentação! de!
António! Botto! que,! sob! um! dandismo! reafirmado! e! uma! falsa! simplicidade,!
dissimula,! para! Hourcade,! algo! de! espontâneo! e! ingénuo! que! diretamente! nos!
comove:!“on!ne!sait!quoi!de!rapide!et!d’ingénu!qui!frappe!droit!au!coeur”![um!não!
sei! quê! instantâneo! e! ingénuo! que! imediatamente! nos! comove].! Dos! restantes!
autores!desta!primeira!geração!modernista,!Hourcade!destaca!ainda,!sem!muito!se!
atardar,! Mário! Saa,! que! pela! especificidade! da! sua! obra! merece! um! estudo! mais!
aprofundado,!e!Raúl!Leal,!que!o!crítico!compara!ao!poeta!ocultista,!Rosacruciano,!
francês,! Joséphin! Sar! Péladan.! Cauteloso,! Hourcade! diz,! no! entanto,! deixar! para!
mais!tarde!uma!apreciação!mais!justa!sobre!a!obra!de!Leal,!isto!porque,!até!àquele!
momento,!Leal!apenas!escrevera!em!francês.!Hourcade!prefere!assim!esperar!para!
ajuizar!sobre!as!litanias!a!Satã!que!Leal!publicava:!“attendre!qu’il!se!soit!décidé!à!
chanter! en! portugais! les! litanies! à! Satan”! [esperar! que! ele! se! decida! a! cantar! em!
português!as!litanias!a!Satã].!!
A!segunda!parte!do!artigo!é!quase!exclusivamente!dedicada!aos!autores!que!
à! volta! da! revista! Presença! se! reuniram! para! exprimir! as! suas! ideias! e! dar! a!
conhecer! as! suas! criações! literárias.! Assim,! José! Régio! e! João! Gaspar! Simões! são!
apresentados! ao! público! leitor! de! francês! como! as! duas! figuras! essenciais! da!
renovação!literária!em!Portugal,!quer!pelo!que!escrevem!quer!pela!sua!atitude!para!
com!a!geração!modernista!anterior.!Consciente,!porém,!que!a!literatura!é!composta!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 695


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

por! várias! tendências! que! ao! mesmo! tempo! coabitam,! Hourcade! faz! questão! de!
referir! vários! escritores! que! geralmente! são! excluídos! quando! de! modernismo! se!
fala,! entre! eles! Afonso! Duarte,! poeta! em! quem! Hourcade! pressente,! numa! poesia!
aparentemente! tradicional,! um! sentido! agudo! de! modernidade! mas! que! não!
consegue,! nem! pretende! explicar! de! onde! ele! provém:“! D’ou! vient! donc! le!
sentiment! aigu! de! modernité! qui! se! dégage! d’une! poésie! en! apparence! si!
traditionnelle?!Je!ne!me!chargerai!pas!de!l’expliquer”![De!onde!vem!o!sentimento!
agudo! de! modernidade! que! se! depreende! de! uma! poesia! aparentemente! tão!
tradicional.! Não! sei,! nem! pretendo! explicar].! É! precisamente! por! estar! consciente!
que! nenhum! movimento! literário! é! alheio! ao! que! o! procedeu,! nem! imune! a!
influências,!que!Hourcade,!ao!concluir!este!seu!panorama!do!modernismo!literário!
em! Portugal,! insiste! sobre! complexidade! da! literatura! portuguesa! de! então! ao!
mesmo!tempo!que!tenta!demonstrar!com!exemplos!concretos!como!são!diversas!as!
influências! estrangeiras! que! então! predominavam! numa! literatura! cuja!
originalidade!ele!não!se!cansa!de!reafirmar.!
Como!se!pode!verificar,!quase!um!século!depois!de!ter!sido!escrito,!a!leitura!
deste! “Panorama! do! modernismo! literário! em! Portugal”! de! Pierre! Hourcade!
confirma! a! pertinência! e! atualidade! de! muitas! das! suas! observações,! ao! mesmo!
tempo! que! nos! revela! a! perspicácia,! em! vários! aspetos! precursora,! de! uma! voz!
crítica,!original!e!inconfundível,!sobre!a!literatura!que!em!Portugal!prevalecia.!!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 696


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

INSTITUT FRANÇAIS EN PORTUGAL

PIERRE HOURCADE

PANORAMA
DU

MODERNISME
LITTERAIRE
EN

PORTUGAL

COlMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSJDADE

1930

!
Fig.*1.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(capa).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 697


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

PANORAMA DU MODERNISMELITTERAIRE
EN PORTUGAL

Présenter au public français la jeune poésie portugaise, et


plus généralement encore tout le mouvement littéraire qui
s'efforce au Portugal de découvrir les conditions et les moyens
d'expression d'un art vraiment vivant, ce n'est _pointlà une tâche
aisée. Les difficultés matérielles et l'indifférence du grand
public réduisent les écrivains modernes de ce pays a une
extrême discrétion. Je serais fort en peine d 1 énumerer vingt
volumes publiés par eux depuis la guerre, La plupart de
leurs œuvres sont dispersées dans d1 étonnantes revues, sou-
vent présentées avec un goût très sûr et libre, mais dans un
tirage fort restreint, vite épuisé, éphémère. Chez quelques-uns
de leurs amis s'amoncellent, dans l'indifférence et presque
l'oubli, les exemplaires invendus, et je sais un très grand poète
dont les écrits sont pratiquement introuvables ailleurs que
dans son propre appartement. Ces conditions extérieures sont
encore aggravées, si Pon peut dire, par le désintéressement
des auteurs eux-mêmes, tous plus étransers les uns que Jes
autres à l'art de la réclame, et se souciant fort peu d'être
compris et encouragés au de1à de leur entourage immédiat.
Ce n'est point mépris du public, ni vanité de chapelle, mais
excès de nonchalante modestie. Pourtant déjà, leurs noms et
leurs premiers essais ont franchi les frontières portu~aises et
trouvé d'attentifs et éclairés témoignages en Italie el· en
Espagne. La Fiera Letteraria, la Gaceta Lilernria, des
personnalités d'une importance européenne, un Gimenez Ca-
ballero, un Giacomo Prampolini, d'autres encore, ont publié,
traduit, commenté de nombreux ouvrages ou fragments d'ou-
vrages. En France on persiste à tout ignorer. Les grands
mots de culture internationale chez les uns, de génie latin
chez les autres, ne revêtent pas toujours autant de sympathie
et de libre curiosité qu'on pourrait croire, et tel périodique de
vaste information européenne a commis chez nous, à cet egard,
des confosions et des « gaffes >i bien inattendues.

!
Fig.*2.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*5).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 698


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

-6-
Les termes de « jeune littérature» ou de ,, mouvement mo-
derniste» ne doivent ras du reste faire illusion. li ne s'asit
pas d'une poussée d 1aâolescents tapageurs, pressés de renter
leurs prédécesseurs et de briser toutes les vitres en se grisant
de leurs propres exccs. La génération d'après-guerre a été
précédée et initiée par quelques individualites fortes dont les
œuvres n'ont point encore rejoint aux devantures des libraires
les écrits plus traditionnels des autres auteurs de leur géné-
ration. Il semble néanmoins, comme il est naturel, que ce soit
surtout dans la jeunesse que croisse d'année en année le nombre
des ami.:; et des adeptes de cet art plus neuf et plus direct.
Par ailleurs, on se tromperait grandement si l'on imaginait
qu'ib refusent toute considération aux trésors classiques de
leur langue et de leur littérature. Je n'ai nutle part entendu
parler avec plus de lucidité passionnée des srandes œuvres
consacrées de leur pays. Si certaines gloires cimentées à force
d'idolâtrie les irritent, d'injustes oublis parmi les écrivains
même les plus éloignés de leur propre idéal ne les trouvent
pas indifférents. Le nom de Cesario Verde est inscrit en tête
de !'Anthologie de la Poésie Moderne qu'ils élaborent t>n ce
moment (1).
Leur histoire anecdotique se réduit aux péripéties des diffé-
rentes revues où se sont successivement reflétées lc:urs aspira-
tions. La plus durable fut Co11temporâ11ea, où les arls gra-
phiques et picturaux, la typographie et la présentation générale
l'emportaient malheureusement de beaucoup par la qualité sur
le texte lui_-même. Trop d'ins~rtions de complaisance jetaient
une note d1scordaote, et parfois 1rès fausse, dans un ensemble
un peu hésitant. Elle avait été précédée, pendant la guerre,
par l'éphémère O,]!lzeuet le scandale du Portugal Futurisfo,
saisi dès son premier numéro. Quelles que soil!nt les raisons
qui ont motivé un tel acte d'autorité, la riche variété de cet
unique numéro lui confére la valeur d'un témoignage essentiel.
A la fin de 1924 et au début de 1~251 Atheth1 réalisa durant
cinq numéros une sorte de pcrfecuon par sa présentation très
pure et l'équilibre entre l'élément artistique et l'élément litté-
raire. Elle aussi disparut bientôt, écrasée par les difficultés
pécuniaires. Cependant â Coimbra quelques jeunes gens de
tendances très diverses, avec la collaboration de plusieurs de
leurs aînés, tâchaient de renouer la tradition locale de libre

(1) Depuis lu rédaction de cet article (Janvier 1~30), cetre Anthologie


a paru sous le titre de Cancio11ciro,
à l'occusion du I•• Salon des Jndépcn·
d,mts (Mai 1~30).

!
Fig.*3.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*6).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 699


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

-7-
et audacieuse innovation. Après quelques tentatives infruc-
tueuses, ils fondaient, au début de rgz7, la revue Prese11ca,
modestement nommée Feuille d'art et de critique. A inter-
valles inégaux., sur des papiers parfois bien rêches et dans
des fascicules souvent minces, ils affirmèrent avec obstination
l'existence d'une génération nouvelle, unie non point par son
adhésion à un programme, ni par son uniformité d 10ge ou de
culture, mais par son dédain de la littérature facile et sa sin-
cérité sans cesse plus exigeaate. Depuis trois ans, ils durent,
mûrissent, s'enrichissent d 1 expériences et de collaborations
nouvelles, étendent leur critique à toutes les manifestations
de l'art, améliorent et rajeunissent la présentation matérielle
de leurs textes; ils ont leurs éditions, conservent soigneuse-
ment le contact avec les autres mouvements de même esprit
dans les différents pays européens. Ils ont même des abonnés.

Du fait que Prese11caa représenté durant ces trois années


le centre autour duquél ont gravité tous les écrivains moder-
nistes qui se sont révélés dans la dernière décade, il ne faudrait
aucunement conclure que la Revue est l'expression d'une Ecole.
Ce 9ui lui a donné sa force et sa raison d'être, ce n'est P.as sa
conformité à des théories élaborées d'avance, à des manifestes
fabriqués, mais la constant souci d'analyse et d'explication qui
a accompa~né ses manifestations positives. Sentant en eux
une solidarné ccdenature» avec les grandes œuvres classiques,
ses rédacteurs ont cherché à élucider les raisons d'ordre esthé-
tique et général qui les opposaient aux écrivains traditionna-
listes de leur époque (plus conformes en apparence au génie
national) tout en les faisant participer à la vie de la culture
moderne et à l'évolution de la littérature contemporaine. On
n'a pas hésité à les accuser de perdre tout caractère portuijaÎs
et de construire un art cosmoP.olite forci d'influences françaises
mal digérées. Rien n'est plus étranger à leur ombrageuse
indépendance. Si le sentiment des valeurs nouvelles s'est
éveillé en eux au contact de Proust, de Gide ou de Cocteau,
si Benda et Charles du Bos ont souvent alimenté leurs pre-
mière s réflexions, on ne saurait considérer ce contact fécond
comme un asservissement. La lecture et l'analyse de nos
œuvres modernes ont orienté leur recherche critique, mais
non faussé leur talent et leur originalité. Bien souvent du
reste, notre culture n'a été que le véhicule qui leur a apporté
les révélations les plus opposées. A travers la langue fran-
çaise, ils ont connu bien d'autres maîtres qui n'étaient pas de

!
Fig.*4.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*7).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 700


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

-8-
chez nous: un Ibsen, un Chestov, un Dostoievsky, un Rilke,
un Thomas Mann, un Keyserling, un Joyce, un Shaw, un
Pirandello. De cette exclusivité il faut rendre responsable la
faiblesse ou l'inexistence des traductions portugaises, ainsi que
l'insuffisante connaissance en Portugal, même dans l'élite, des
lan8ues vivantes. Mais pour qui voudra se donner la peine de
feuilleter la collection entière de la Revue, il deviendra évident
que les commentaires sur toute la littérature européenne et
les constants rappels de la littérature mnionale (Camoens, Ca-
milo, Eça de Queir6s, etc . ••. ) équilibrent singulièrement les
allusions à des œuvres françaises et complètent en une juste
vue d'ensemble le paysage de l'esprit moderne tel qu'il se
reflète dans les livres venus de France.

On peut distinguer dans cet ensemble d'écrivains nouveaux


deux époques, et dans chacune, autant d'individualités accusées
ou en puissance que d'auteurs.
Ils ont déjà leurs grands morts, parés de cette légende
damnée dont s'auréolent un Rimbauéf ou un Lautréamont.
C'est d'abord Mârio de Sâ-Carneiro, qui se suicida à Paris
en 1916, à l'âge de 26 ans, après une vie d'angoisse et de
recherche intérieure si désespérée que la mort devint la seule
solution pour ce passionné qui n'avait point trouvé la foi.
De tant de poèmes où la sensualité déchaînée emporte dans
sa course à Pabîme un être en même temps torturé par le
désir de connaître la joie dans la pureté, des belles proses
sans fausse harmonie ni désarticulation voyante qui compo ·
sent le recueil Céu em Fogo (Le Ciel ell Feu), les editions de
Prese11çadoivent publier bientôt le texte définitif. On verra
mieux alors ce que tant de poètes actuels lui doivent, pour-
quoi Jeur inquiétude s'éloigne si souvent de la traditionnelle
salldade, sans cesser de traduire une sensibilité essentiellement
portugaise. - L'autre cipoète maudit», c'est Camilo Pessanha,
que nen n'autorise à rallier au mouvement actuel, si ce n'est
sa vie de réfractaire et sa liberté d'écrivain, ainsi que l'estime
des jeunes pour les quelques poèmes de ClepSJ'dra, seuls publiés
jusqu'ici malheureusement. Professeur à Macao où il passa
toute sa vie, Pessaoha connut la banale aventure de !'Européen
inquiet dévoré par l'Orient; mais avant de sombrer âans
l'opium et la bohème coloniale, iJ avait su, dans des poèmes
travaillés où domine parfois à l'excès la mélopée verlainienne,
dans des sonnets d'une perfection toute autre qutoratoire ou
rhétorique, donner jusqutau frisson le sentiment dtune chute

!
Fig.*5.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*8).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 701


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

-9-
sans remede dans les délices et les paradis artificiels d'une
sensibilité exaspérée __par la .solitude, la mélancolie sans espoir,
l'abandon de soi. Un jour, sans doute, on pourra joindre au
modeste bagage jusqu'ici connu, le nombre imposant des iné-
dits en désordre que les amis et les di.sciples du poète virent
celui-ci accumuler avec indifl'frence dans sa demeure; et l'on
ne sera pas peu surpris de découvrir en lui l'un des plus
authemiques héritiers de la tradition lyrique portugaise, un
frère douloureux et désaxé des grands quiuheutistas et de
Joffo de Deus.
Parmi les vivants de cette première génération, c'est, sans
aucun doute, Fernando Pessoa qu'il faut meure au premier
plan. Mystérieuse, dispersée, son œuvre, aujourd 'hui introu-
vable, n'a guère franchi les frontières du Portugal et le poète
lui-même semble l'avoir comme oubliée. Cette modestie per-
sonnelle n'ôte rien à sa violente sincérité, car ce poète solitaire
n'a jamais hésité, le cas échéant, à lancer les plus rudes mani-
festes; d'ailleurs il n'appartient en aucune façon à l'espèce
« homme de lettres 1>. Ce n'est point par pur artifice littéraire
qu'il s'est masqué sous ditférenls pseudonymes, dont chacun
désigne une inspiration différente, un autre moyen de fuir
l'immobilité et la monotonie sans se renier. Sous le nom de
« Ricardo Reis», il élabore des odes mallarméennes imprégnées
d'une sensualité que l'expression dense et recherchée rend plus
immédiatement émouvante. ccAlvaro de Campos)> se complait
au contraire en notations parfaitement libre::; où les images les
plus hardies se nuancent souvent d 1 unc amère ironie, ou bien
explosent en une succession dynamique à la Walt Whitman,
un des maîtres les plus aimés de Pessoa. <<Alberto Caeiro»
se souvient P,CUt·être aussi des Feuilles d'Herbe, mais il a
dépouillé délibérément toute chaleur lyrique, martelant, en un
retour incessant à la Péguy, la plus abstraite affirmation de
solitude, le plus obstiné désir de ne point humaniser l'Univers,
de le dresser en face de la conscience comme une muraille
sans yeux et sans âme. L'accent unique de la poésie, philo-
sophique sans le vouloir, du Guardador de Reba11hos(Le
Pasteur de t,·oupeaux) atteint à un de$ré d'intensité presque
physique tout en décrivant le drame de la conscience lucide
qui se dévore elle-même en refusant d'être dupe de la matière.
Parfois enfin Pessoa lui-même se montre à nu et par delà. la
forme savante de c<Ricardo Reis», la tristesse mordante d't<Al-
varo de C ampos» ou l'orgueil d'((AJberto Caeiron, son élan le
ramène au pur lyrisme de sa race. 11semble d'ailleurs que le
poète ne cesse depuis plusieurs années d'évoluer vers cette

!
Fig.*6.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*9).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 702


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

- IO -

limite, car il a successivement fait périr plusieurs de ses incar-


nations antérieures .
. Les revues d'après-guerre qui ont précédé Presença révè-
lèrent plusieurs autres _personnalités de premier plan, parmi
lesquelles je soulignerai Almada Negreiros et Antônio Botto.
Almada Negreiros, le Giraudoux. du dessin portugais, est une
sorte de Protée qui échappe à toute définition et circule avec
désinvolture parmi toutes les formes de l'art moderne: ballet,
peinture, dessin, prose, en leur imprimant à toutes la marque
de sa fantaisie raffinée. Je me rappelle dans Athena certain
dialogue entre Pierrot et Arlequin qui eut ravi, je pense, l'uu-
teur d'Allen et celui d'Eglantine. Il faut se defier d'ailleurs
de sa feinte légèreté. Au temps quasi légendaire du Portugal
futurista, Almada Negreiros a écrit des proses que, pour ma
part, je n'hésiterai pas à placer à coté des fameuses dernières
pa?es de l' Ulyssesde James Joyce. -Antonio Botta a épinglé
à l un de ses recueils la fameuse épigraphe: ,, Mieux vaut être
Brumrnel que Bonaparte». Sous une froideur et un dandysme
systèmatiquemenl affichés, derrière un cynisme distingué de
gidéen cosmopolite, Bono dissimule une fervente simplicité,
on ne sait quoi de rapide et d'ingénu qui frappe droit au
cœur. -Jtaurais cru nécessaire d'ajouter à ces deux noms ceux
d'Afonso Duarte, de Mario Saa et de Raul Leal si ces trois
derniers n'avaient été bien mis en lumière après les publica-
tions qui ont révélé les premiers. Afonso Duane a rassembl~
l'année der1:ière en une seule édition ~n~lobaot ses _œuvre.s
de 1eunesse 1usqu'à la fin de la guerre, dafferents recueils ante-
rieurs sous le titre Os sete poemas (xricos. Il est le plus
trompeur des magiciens. Les titres de ces poèmes laissent
attendre de simples émotions lyriques, à la manière de Joffo
de Deus ou d'Ant6nio Nobre, De fait, il ne s'embarrasse pas
d'attitude, ne se farde pas d'une inquiétude de commande, et
soigne :1vec amour la perfection et la richesse de sa métrique.
D'où vient donc le sentiment aigu de modernité qui se dégage
d'une poésie en apparence si traditionnelle? Je ne me char-
gerai pas de l'expliquer. Afonso Duarte bondit d'image en
image avec une légèreté de chamois en nous entraînant à tra-
vers bien des lhèmes prévus sans jamais rien perdre de sa
P.arfaite spontanéité toute baignée de tendresse. A Mario Saa,
il1 faudrait réserver une étude à part, et très approfondie. Si
d autres sont les critiques ou ]es esthéticiens du mouvement,
Mario Saa en est le métaphysicien et le plus fantaisiste, le plus
poète, le plus sorcier des métarhysiciens ne se résume pas en
quelques lignes. Quant à Rau Leal, c'est un peu le Sar Pé-

!
Fig.*7.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*10).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 703


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

- Il -

ladan du Portugal contemporain et il faudra, pour le juger à sn


juste valeur, attendre qu1il se soit décidé à chanter en portu-
gais les litanies a Satan qu1 il a jusqu1 ici composées en un
français apocalyptique.

Presque tous les noms qui précèdent ont figuré, à titre pins
ou moins occasionnel, dans les colonnes de Presc11ça,qui a
également révélé un grand nombre d'artistes nouveaux. De la
plupart d 1entrc eux il est encore difficile de parler, car ils en
sont a leurs premières tentatives en dépit d'un talent déjà
libre et hardi. Soit nonchalance, soit sévérilé envers eux-
mêmes, il.s produisent peu, publient moins encore, et cependant
l'ensemble cfonne une impression de complexité, de variété, de
richesse, et permet toutes les espérances. Ce n'est donc pas
pour dresser un palmarès que j'enumère les noms d'Edmundo
de Bettencourt, grand artiste et pocte émouvant, d'Adolfo
Rocha, de Francisco Bugalho, de José de Azcvedo Coutinho,
d'Alexandre de Aragao, de Carlos Queiros, Rui Santos, Olavo
de Eça Leal, Antonio Navarro, Gil Vaz, Fuusto José et d'au-
tres encore,-mais pour signaler à la curiosité du lecteur autant
de belles et cliver.sespromesses d'avenir qui, peut-être, ne S(!
réaliseront pas (nous sommes au pays des renoncements et des
retraites intérieures), m.:iis qui peut-être aussi donneront au
P<?rtugalde demain une de ses plus fécondes générations litté-
raires.
Il est plus facile de définir Porientation de certains d'entre
eux dont I évolution est déjà plus avancée, le talent plus formé.
P1·ese11çaest dirigée l?ar le moins absolu et le plus varié des
triumvirats: José Rég10, Joao Gaspar Simoes, Branquinho da
Fonseca. Il y a en Régio, qui fut le grand animateur de cette
génération, une force, une volonté, une incapacité de demeurer
immobile et de répéter toujours les mêmes créations, qui
entraînent la confiance et l'estime. Poète, critique, analyste,
conteur, c'est un écrivain complet, qui bientôt du reste abor-
dera également le roman et le theâlrc . En dépit de cette
diversité d'aptitudes, rien de prolixe en lui, aucune abondance
facile. Les Poemas de Deus e do Diabo, encore revêtus parfois
d'un symbolisme un peu artificiel, laissaient déjà éclater l'in-
tensité, le goût du spirituel et l'inquiétude profonde qui sont
l..i marque de cette nature impélueuse. Les beaux sonnets de
Biograjia et divers poèmes publiés depuis, ont confirmé et
mieux dégagé encore l'originalité de Régio. L'image n' est
jamais pour lui une production esthétique habilement agencée,

!
Fig.*8.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*11).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 704


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

- 12 -

et dans toutes les manifestations de son lyrisme éclate la


sincérité puissante de l'âme au moins autant que le talent de
l'écrivain. Quant aux abondantes critiques, aux nombreux
essais brefs et denses qu'il a consacrés à expliquer l'attitude
de sa revue, à combattre l'académisme et la « littérature li-
vr~squc », à dégager la leçon du véritable classicisme et à
définir la valeur d'une liberté sans incohérence artificielle, ils
ont marqué une époque dans l'histoire littéraire contemporaine
au Portugal et exercé une influence profonde sur plus d'un
qui lui devra, dans l'avenir, le goüt et le courage d'être neuf
en restant soi-même. - De la même importance et de la même
valeur sont les essais et les chroniques d'un Jofio Gaspar Si-
môes. Un livre comme Temas n'est pas seulement d'une sin-
gulière nouveauté en terre lusitanienne; il révèle une pensée
ferme, bien maîtresse de ses moyens d'expression, sûre et
subtile dans ses analyses. Les colloques de Simoes avec
Gide ou Pirandello, Pessoa ou Valéry, Cocteau ou Antonio
Botto ont une valeur toute autre que locale ou documentaire.
Simoes est aussi l'auteur d'analyses psychologiques assez mar-
quées d'influence russe, où la minutieuse précision du détail
moral, la description sans faux lyrisme des oscillat ions du
tempérament et de la conscience, finissent par secréter une
sorte de mystère tragique et par créer toute une rnytholopic
de la peur et des passions. Il est difficile d'atteindre à un ptus
haut degré d'émotion avec des moyens aussi dépouillés.-Bran-
quinho da Fonseca, ainsi que son frère jumeau nAntonio Ma-
deira», évolue dans une atmosphère de pudique délicatesse.
Il n'a jamais fini de se dédoubler, de s'interroger, de se juger
soi-même. En de brefs dialogues en un acte, dont le meilleur
est la Posiçiio de Guer,·a (l'Etat de fJlle,-re), titre significatif,
il ne cesse de refuser ce masque social dont Pirandello lacère
la menteuse ap~arence. Ses poèmes rendent toujours un son
d'étrangeté ironique, évoquent des mondes très humains au-dda
du réel, à la façon d'un Gomez de la Serna, plus tendre et
moins truculent. Il faut souhaiter que cet étonnant égaré ne
se relrouve pas de si tôt, car cette quête sans complaisance
gidienne est plus féconde que toutes les fausses cerutudes. -
Je mentionnerai, pour terminer, le curieux recueil C01zfusâo,
d'Adolfo Casais Monte iro, dont la concision brutale et les
audaces franches ont fait sérieusement scandale. Après cette
déclaration de ~uerre à la littérature satisfaite et aux confes-
sions de comédie, on peut attendre de lui des créations d'une
verdeur bien savoureuse.

!
Fig.*9.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*12).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 705


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

- 13 -
Cette énumération pourtant abondante ne vise aucunement
à épuiser toute la diversité de la littérature contemporaine au
Portugal. J'ai simplement cherché à esquisser le tableau des
valeurs nouvelles, à marquer les différentes étapes de l'esprit
moderniste, en dehors des préjugés (ou des principes selon le
point de vue auquel on se place) qm imposent aux écrivains
ëfe la génération précédente une conception de l'art et des
formes d'expression toutes différentes. Bien entendu, ces
tendances tant discutées et si mal connues n'ont point sup·
JJlanté en entier l'influence des maîtres consacrés depuis le
début du siècle. Un Eu~énio de Castro et un Teixeira de
Pascoais, un Raul Brandao et un Aquilino Ribeiro, et, plus
récemment, un Ant6nio Sérgio ou un Antonio Sardinha (pour
prendre deux tendances opposées) ont été et sont encore des
maîtres de pensée et de style dont se recommande plus d'un
jeune écrivain; sans parler de la gloire toujours vivante, ra.-
1eunie d'année en année, d'Eça de Queir6s, que personne ne
songe à diminuer. Mais à considérer seulement leurs émules
et successeurs, on commettrait une fâcheuse erreur d'Qptique,
en tout point semblable à celle des étrangers pour qui Anatole
France et Maurice Barrès représentent le dernier terme de
l'évolution dans notre littérature. Ce serait exiler le Portugal
de l'esprit européen; s'en donner une représentation figée et
dépourvue de tout imprévu dans l'avenir. Mais bien entendu,
cette constatation ne donne aucun droit à prophétiser le triom-
phe de telle ou telle forme, de telle ou telle influence.
D'ailleurs la complexité des talents et des P.oûts dont nous
avons tâché de donner une idée supporte mal l uniforme vernis
d'imitation française dont certains spectateurs, surtout hors
de Portugal, prétendent 9u'il est la faiblesse et la caracté·
ristique essentielle des ecrivains modernistes de ce pays.
A une époque où le cloisonnement des esprits n'est plus
9u'une légende ou une survivance, à une époque où eas un
ecrivain français ne peut se vanter de ne rien devoir aux
ijrands inspirateurs du modernisme étranger (la réciproque
etant d'ailleurs aussi vraie), parler de l'existence au Portugal
d'une génération entièrement francisée, systématiquement hos-
tile à toute autre culture et incapable de libérer sa propre
originalité du fardeau de cette imitation, c'est plus qu'une
injustice: c'est proprement une absurdité. En revanche, la
singulière attitude de notre critique, je dis des revues ou
périodiques qui se prétendent les plus hardis et les mieux
mformés, la confusion qui s'établit dans l'esprit des chroni-
queurs fran~ais entre modernisme espagnol et modernisme

!
Fig.*10.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*13).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 706


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

!
!
!

- 14 -

portugais, entre écrivains vraiment modernes et écrivains tra-


ditionalistes, n'est point faite ~our donner une haute idée de
leur discernement et de leur information dans un pays où l'on
suit avec tant d'attention leurs jugements et où l'on serait en
droit d'attendre d'eux un sens plus juste des proportions et
une curiosité plus éclairée. Mon exposé n'a pomt d'autre but
que de contribuer à combler cette îllcheuse lacune en souli-
gnant l'importance d'ouvrages et de revues auxquels on n'a
Jusq.u'ici temoigné chez nous qu'indilférence 1 et qu'un homme
vraiment cuhivé 1 s'il s'intéresse à la vie de la civ1lisation lusi•
tanienne, n'a plus le droit d'ignorer aujourd'hui.

!
Fig.*11.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*14).*

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 707


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

PANORAMA!DU!MODERNISME!LITTERAIRE!AU!PORTUGAL!
!
!
Présenter! au! public! français! la! jeune! poésie! portugaise,! et! plus! généralement!
encore! tout! le! mouvement! littéraire! qui! s’efforce! au! Portugal! de! découvrir! les!
conditions! et! les! moyens! d’expression! d’un! art! vraiment! vivant,! ce! n’est! point! là!
une! tâche! aisée.! Les! difficultés! matérielles! et! l’indifférence! du! grand! public!
réduisent!les!écrivains!modernes!de!ce!pays!à!une!extrême!discrétion.!Je!serais!fort!
en! peine! d’énumérer! vingt! volumes! publiés! par! eux! depuis! la! guerre.! La! plupart!
de!leurs!œuvres!sont!dispersées!dans!d’étonnantes!revues,!souvent!présentées!avec!
un!goût!très!sur!et!libre,!mais!dans!un!tirage!fort!restreint,!vite!épuisé,!éphémère.!
Chez! quelques;uns! de! leurs! amis! s’amoncellent,! dans! l’indifférence! et! presque!
l’oubli,!les!exemplaires!invendus,!et!je!sais!un!très!grand!poète!dont!les!écrits!sont!
pratiquement! introuvables! ailleurs! que! dans! son! propre! appartement.! Ces!
conditions! extérieures! sont! encore! aggravées,! si! l’on! peut! dire,! par! le!
désintéressement! des! auteurs! eux;mêmes,! tous! plus! étrangers! les! uns! que! les!
autres!à!l’art!de!la!réclame,!et!se!souciant!fort!peu!d’être!compris!et!encouragés!au!
delà! de! leur! entourage! immédiat.! Ce! n’est! point! mépris! du! public,! ni! vanité! de!
chapelle,! mais! excès! de! nonchalante! modestie.! Pourtant! déjà,! leurs! noms! et! leurs!
premiers!essais!ont!franchi!les!frontières!portugaises!et!trouvé!d’attentifs!et!éclairés!
témoignages! en! Italie! et! en! Espagne.! La- Fiera- Letteraria,! la! Gaceta- Literaria,! des!
personnalités!d’une!importance!européenne,!un!Gimenez!Caballero,!um!Giacomo!
Prampolini,!d’autres!encore,!ont!publié,!traduit,!commenté!de!nombreux!ouvrages!
ou!fragments!d’ouvrages.!En!France!on!persiste!à!tout!ignorer.!Les!grands!mots!de!
culture! internationale! chez! les! uns,! de! génie! latin! chez! les! autres,! ne! revêtent! pas!
toujours! autant! de! sympathie! et! libre! curiosité! qu’on! pourrait! croire,! et! tel!
périodique!de!vaste!information!européenne!a!commis!chez!nous,!à!cet!égard,!des!
confusions!et!des!“gaffes”!bien!inattendues.!
Les! termes! de! “jeune! littérature”! ou! de! “mouvement! moderniste”! ne!
doivent! pas! du! reste! faire! illusion.! Il! ne! s’agit! pas! d’une! poussée! d’adolescents!
tapageurs,!pressés!de!renier!leurs!prédécesseurs!et!de!briser!toutes!les!vitres!en!se!
grisant! de! leurs! propres! excès.! La! génération! d’après;guerre! a! été! précédée! et!
initiée!par!quelques!individualités!fortes!dont!les!œuvres!n’ont!point!encore!rejoint!
aux!devantures!des!libraires!les!écrits!plus!traditionnels!des!autres!auteurs!de!leur!
génération.!Il!semble!néanmoins,!comme!il!est!naturel,!que!ce!soit!surtout!dans!la!
jeunesse!que!croisse!d’année!en!année!le!nombre!des!amis!et!des!adeptes!de!cet!art!
plus!neuf!et!plus!direct.!
Par! ailleurs,! on! se! tromperait! grandement! si! l’on! imaginait! qu’ils! refusent!
toute! considération! aux! trésors! classiques! de! leur! langue! et! de! leur! littérature.! Je!
n’ai!nulle!part!entendu!parler!avec!plus!de!lucidité!passionnée!des!grands!œuvres!
consacrées! de! leur! pays.! Si! certaines! gloires! cimentées! à! force! d’idolâtrie! les!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 708


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

irritent,!d’injustes!oublis!parmi!les!écrivains!même!les!plus!éloignés!de!leur!propre!
idéal!ne!les!trouvent!pas!indifférents.!Le!nom!de!Cesário!Verde!est!inscrit!en!tête!
de!l’Anthologie!de!la!Poésie!Moderne!qu’ils!élaborent!en!ce!moment4.!
Leur!histoire!anecdotique!se!réduit!aux!péripéties!des!différentes!revues!où!
se! sont! successivement! reflétées! leurs! aspirations.! La! plus! durable! fut!
Contemporânea,! où! les! arts! graphiques! et! picturaux,! la! typographie! et! la!
présentation! générale! l’emportaient! malheureusement! de! beaucoup! par! la! qualité!
sur! le! texte! lui;même.! Trop! d’insertions! de! complaisance! jetaient! une! note!
discordante,!et!parfois!très!fausse,!dans!un!ensemble!un!peu!hésitant.!Elle!avait!été!
précédée,! pendant! la! guerre,! par! l’éphémère! Orpheu! et! le! scandale! du! Portugal-
Futurista,! saisi! dès! son! premier! numéro.! Quelles! que! soient! les! raisons! qui! ont!
motivé! un! tel! acte! d’autorité,! la! riche! variété! de! cet! unique! numéro! lui!confère! la!
valeur! d’un! témoignage! essentiel.! À! la! fin! de! 1924! et! au! début! de! 1925,! Athena!
réalisa!durant!cinq!numéros!une!sorte!de!perfection!par!la!présentation!très!pure!et!
l’équilibre! entre! l’élément! artistique! et! l’élément! littéraire.! Elle! aussi! disparue!
bientôt,! écrasée! par! les! difficultés! pécuniaires.! Cependant! à! Coimbra! quelques!
jeunes!gens!de!tendances!très!diverses,!avec!la!collaboration!de!plusieurs!de!leurs!
aînés,! tâchaient! de! renouer! la! tradition! locale! de! libre! et! audacieuse! innovation.!
Après!quelques!tentatives!infructueuses,!ils!fondaient,!au!début!de!1927,!la!revue!
Presença,!modestement!nommée!Feuille-d’art-et-de-critique.!À!intervalles!inégaux,!sur!
des! papiers! parfois! bien! rêches! et! dans! des! fascicules! souvent! minces,! ils!
affirmèrent!avec!obstination!l’existence!d’une!génération!nouvelle,!unie!non!point!
par!son!adhésion!à!un!programme,!ni!par!son!uniformité!d’âge!ou!de!culture,!mais!
par! son! dédain! de! la! littérature! facile! et! sa! sincérité! sans! cesse! plus! exigeante.!
Depuis! trois! ans,! ils! durent,! mûrissent,! s’enrichissent! d’expériences! et! des!
collaborations!nouvelles,!étendent!leur!critique!à!toutes!les!manifestations!de!l’art,!
améliorent! et! rajeunissent! la! présentation! matérielle! de! leurs! textes;! ils! ont! leurs!
éditions,! conservent! soigneusement! le! contact! avec! les! autres! mouvements! de!
même!esprit!dans!les!différents!pays!européens.!Ils!ont!même!des!abonnés.!
Du! fait! que! Presença! a! représenté! durant! ces! trois! années! le! centre! autour!
duquel!ont!gravité!tous!les!écrivains!modernes!qui!se!sont!révélés!dans!la!dernière!
décade,! il! ne! faudrait! aucunement! conclure! que! la! Revue! est! l’expression! d’une!
École.!Ce!qui!lui!a!donné!sa!force!et!sa!raison!d’être,!ce!n’est!pas!sa!conformité!à!
des!théories!élaborées!d’avance,!à!des!manifestes!fabriqués,!mais!le!constant!souci!
d’analyse!et!d’explications!qui!a!accompagné!ses!manifestations!positives.!Sentant!
en! eux! une! solidarité! “de! natura”! avec! les! grandes! œuvres! classiques,! ses!
rédacteurs! ont! cherché! à! élucider! les! raisons! d’ordre! esthétique! et! général! qui! les!
opposaient! aux! écrivains! traditionnalistes! de! leur! époque! (plus! conformes! en!
apparence! au! génie! national)! tout! en! les! faisait! participer! à! la! vie! de! la! culture!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Depuis!la!rédaction!de!cet!article!(Janvier!1930),!cette!Anthologie!a!paru!sur!le!titre!Cancioneiro,!à!
l’occasion!du!premier!Salon!des!Indépendants!(Mai,!1930).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 709


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

moderne! et! à! l’évolution! de! la! littérature! contemporaine.! On! n’a! pas! hésité! à! les!
accuser!de!perdre!tout!caractère!portugais!et!de!construire!un!art!cosmopolite!farci!
d’influences! françaises! mal! digérées.! Rien! n’est! plus! étranger! à! leur! ombrageuse!
indépendance.!Si!le!sentiment!des!valeurs!nouvelles!s’est!éveillé!en!eux!au!contact!
de!Proust,!de!Gide!ou!de!Cocteau,!si!Benda!et!Charles!du!Bos!ont!souvent!alimenté!
leurs! premières! réflexions,! on! ne! saurait! considérer! ce! contact! fécond! comme! um!
asservissement.! La! lecture! et! l’analyse! de! nos! œuvres! modernes! ont! orienté! leur!
recherche!critique,!mais!non!faussé!leur!talent!et!leur!originalité.!Bien!souvent!du!
reste,!notre!culture!n’a!été!que!le!véhicule!qui!leur!a!apporté!les!révélations!les!plus!
opposées.! À! travers! la! langue! française,! ils! ont! connu! bien! d’autres! maîtres! qui!
n’étaient! pas! de! chez! nous:! un! Ibsen,! un! Chestov,! un! Dostoievsky,! un! Rilke,! un!
Thomas! Mann,! un! Keyserling,! un! Joyce,! un! Shaw,! un! Pirandello.! De! cette!
exclusivité! il! faut! rendre! responsable! la! faiblesse! ou! l’inexistence! des! traductions!
portugaises,! ainsi! que! l’insuffisante! connaissance! en! Portugal,! même! dans! l´élite,!
des! langues! vivantes.! Mais! pour! qui! voudra! se! donner! la! peine! de! feuilleter! la!
collection!entière!de!la!Revue,!il!deviendra!évident!que!les!commentaires!sur!toute!
la! littérature! européenne! et! les! constants! rappels! de! la! littérature! nationale!
(Camões,!Camilo,!Eça!de!Queirós,!etc....)!équilibrent!singulièrement!les!allusions!à!
des! oeuvres! françaises! et! complètent! en! une! juste! vue! d’ensemble! le! paysage! de!
l’esprit!moderne!tel!qu’il!se!reflète!dans!les!livres!venus!de!France.!
!
On!peut!distinguer!dans!cet!ensemble!d’écrivains!nouveaux!deux!époques,!et!dans!
chacune,!autant!d’individualités!accusées!ou!en!puissance!que!d’auteurs.!
Ils! ont! déjà! leurs! grands! morts,! parés! de! cette! légende! damnée! dont!
s’auréolent!un!Rimbaud!ou!un!Lautréamont.!C’est!d’abord!Mário!de!Sá;Carneiro,!
qui! se! suicida! à! Paris! en! 1916,! à! l’âge! de! 26! ans! après! une! vie! d’angoisse! et! de!
recherche! intérieure! si! désespérée! que! la! mort! devient! la! seule! solution! pour! ce!
passionné! qui! n’avait! point! trouvé! la! foi.! De! tant! de! poèmes! où! la! sensualité!
déchaînée!emporte!dans!sa!course!à!l’abîme!un!être!au!même!temps!torturé!par!le!
désir!de!connaître!la!joie!dans!la!pureté,!des!belles!proses!sans!fausse!harmonie!ni!
désarticulation! voyante! qui! composent! le! recueil! Céu- em- Fogo! (Le- Ciel- en- Feu),! les!
éditions!de!Presença-doivent!publier!bientôt!le!texte!définitif.!On!verra!mieux!alors!
ce! que! tant! de! poètes! actuels! lui! doivent,! pourquoi! leur! inquiétude! s’éloigne! si!
souvent! de! la! traditionnelle! saudade,! sans! cesser! de! traduire! une! sensibilité!
essentiellement! portugaise.! L’autre! “poète! maudit”,! c’est! Camilo! Pessanha,! que!
rien!n’autorise!à!rallier!au!mouvement!actuel,!si!ce!n’est!sa!vie!de!réfractaire!et!sa!
liberté! d’écrivain,! ainsi! que! l’estime! des! jeunes! pour! les! quelques! poèmes! de!
Clepsydra,!seuls!publiés!jusqu’ici!malheureusement.!Professeur!à!Macao!où!il!passa!
toute!sa!vie,!Pessanha!connut!la!banale!aventure!de!L’Européen!inquiet!dévoré!par!
l’Orient;! mais! avant! de! sombrer! dans! l’opium! et! la! bohème! coloniale,! il! avait! su!
dans! des! poèmes! travaillés! où! domine! parfois! à! l’excès! la! mélopée! verlainienne,!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 710


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

dans! des! sonnets! d’une! perfection! toute! autre! qu’! oratoire! ou! rhétorique,! donner!
jusqu’au! frisson! le! sentiment! d’une! chute! sans! remède! dans! les! délices! et! les!
paradis! artificiels! d’une! sensibilité! exaspérée! par! la! solitude,! la! mélancolie! sans!
espoir,!l’abandon!de!soi.!Un!jour,!sans!doute,!on!pourra!joindre!au!modeste!bagage!
jusqu’ici! connu,! le! nombre! imposant! des! inédits! en! désordre! que! les! amis! et! les!
disciples!du!poète!virent!celui;ci!accumuler!avec!indifférence!dans!sa!demeure;!et!
l’on!ne!sera!pas!surpris!de!découvrir!en!lui!l’un!des!plus!authentiques!héritiers!de!
la! tradition! lyrique! portugaise,! un! frère! douloureux! et! désaxé! des! grands!
quinhentistas!et!de!João!de!Deus.!
Parmi! les! vivants! de! cette! première! génération,! c’est,! sans! aucun! doute,!
Fernando! Pessoa! qu’il! faut! mettre! au! premier! plan.! Mystérieuse,! dispersée,! son!
œuvre,! aujourd’hui! introuvable,! n’a! guère! franchi! les! frontières! du! Portugal! et! le!
poète! lui;même! semble! l’avoir! comme! oubliée.! Cette! modestie! personnelle! n’ôte!
rien!à!sa!violente!sincerité,!car!ce!poète!solitaire!n’a!jamais!hésité,!le!cas!échéant,!à!
lancer! les! plus! rudes! manifestes;! d’ailleurs! il! n’appartient! en! aucune! façon! à!
l’espèce! “homme! de! lettres”.! Ce! n’est! point! par! pur! artifice! littéraire! qu’il! s’est!
masqué! sous! différents! pseudonymes,! dont! chacun! désigne! une! inspiration!
différente,!un!autre!moyen!de!fuir!l’immobilité!et!la!monotonie!sans!se!renier.!Sous!
le! nom! de! “Ricardo! Reis”,! il! élabore! des! odes! mallarméennes! imprégnées! d’une!
sensualité! que! l’expression! dense! et! recherchée! rend! plus! immédiatement!
émouvante.! “Álvaro! de! Campos”! se! complait! au! contraire! en! notations!
parfaitement!libres!où!les!images!les!plus!hardies!se!nuancent!souvent!d’une!amère!
ironie,!ou!bien!explosent!en!une!succession!dynamique!à!la!Walt!Whitman,!un!des!
maîtres!les!plus!aimés!de!Pessoa.!“Alberto!Caeiro”!se!souvient!peut;être!aussi!des!
Feuilles- d’Herbe,! mais! il! a! dépouillé! délibérément! toute! chaleur! lyrique! martelant,!
en!un!retour!incessante!à!la!Péguy,!la!plus!abstraite!affirmation!de!solitude,!le!plus!
obstiné! désir! de! ne! point! humaniser! l’Univers,! de! le! dresser! en! face! de! la!
conscience! comme! une! muraille! sans! yeux! et! sans! âme.! L’accent! unique! de! la!
poésie,! philosophique! sans! le! vouloir,! du! Guardador- de- Rebanhos- (Le! Pasteur! de!
troupeaux)! atteint! à! un! degré! d’intensité! presque! physique! tout! en! décrivant! le!
drame!de!la!conscience!lucide!qui!se!dévore!elle;même!en!refusant!d’être!dupe!de!
la! matière.! Parfois! enfin! Pessoa! lui;même! se! montre! à! nu! et! par! delà! la! forme!
savante!de!Ricardo!Reis,!la!tristesse!mordante!d’!”Álvaro!de!Campos”,!ou!l’orgueil!
d’! ”Alberto! Caeiro”,! son! élan! le! ramène! au! pur! lyrisme! de! sa! race.! Il! semble!
d’ailleurs!que!le!poète!ne!cesse!depuis!plusieurs!années!d’évoluer!vers!cette!limite,!
car!il!a!successivement!fait!périr!plusieurs!de!ses!incarnations!antérieures.!
Les! revues! d’après;guerre! qui! ont! précédé! Presença! révélèrent! plusieurs!
autres! personnalités! de! premier! plan,! parmi! lesquelles! je! soulignerai! Almada!
Negreiros!et!António!Botto.!Almada!Negreiros,!le!Giraudoux!du!dessin!portugais,!
est!une!sorte!de!Protée!qui!échappe!à!toute!définition!et!circule!avec!désinvolture!
parmi! toutes! les! formes! de! l’art! moderne:! ballet,! peinture,! dessin,! prose,! en! leur!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 711


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

imprimant!à!toutes!la!marque!de!sa!fantaisie!raffinée.!Je!me!rappelle!dans!Athena-
certain!dialogue!entre!Pierrot!et!Arlequin!qui!eut!ravi,!je!pense,!l’auteur!d’Allen!et!
celui! d’Eglantine.! Il! faut! se! défier! d’ailleurs! de! sa! feinte! légèreté.! Au! temps! quasi!
légendaire! du! Portugal- Futurista,! Almada! a! écrit! des! proses! que,! pour! ma! part,! je!
n’hésiterai!pas!à!placer!à!côté!des!fameuses!dernières!pages!de!l’Ulysses!de!James!
Joyce.!António!Botto!a!épinglé!à!l’un!de!ses!recueils!la!fameuse!épigraphe:!“Mieux!
vaut! être! Brummel! que! Bonaparte”.! Sous! une! froideur! et! un! dandysme!
systématiquement! affichés,! derrière! un! cynisme! distingué! de! gidéen! cosmopolite,!
Botto!dissimule!une!fervente!simplicité,!on!ne!sait!quoi!de!rapide!et!d’ingénu!qui!
frappe! droit! au! cœur.! J’aurais! cru! nécessaire! d’ajouter! à! ces! deux! noms! ceux!
d’Afonso! Duarte,! de! Mário! Saa! et! de! Raul! Leal! si! ces! trois! derniers! n’avaient! été!
bien! mis! en! lumière! après! les! publications! qui! ont! révélé! les! premiers.! Afonso!
Duarte!a!rassemblé!l’année!dernière!en!une!seule!édition!englobant!ses!œuvres!de!
jeunesse!jusqu’à!la!fin!de!la!guerre,!différents!recueils!antérieurs!sous!le!titre!Os-sete-
poemas- lyricos.! Il! est! le! plus! trompeur! des! magiciens.! Les! titres! de! ces! poèmes!
laissent!attendre!de!simples!émotions!lyriques,!à!la!manière!de!João!de!Deus!ou!d’!
António! Nobre.! De! fait,! il! ne! s’embarrasse! pas! d’attitude,! ne! se! farde! pas! d’une!
inquiétude! de! commande,! et! soigne! avec! amour! la! perfection! et! la! richesse! de! sa!
métrique.! D’ou! vient! donc! le! sentiment! aigu! de! modernité! qui! se! dégage! d’une!
poésie! en! apparence! si! traditionnelle?! Je! ne! me! chargerai! pas! de! l’expliquer.!
Afonso! Duarte! bondi! d’image! en! image! avec! une! légèreté! de! chamois! en! nous!
entraînant! à! travers! des! thèmes! prévus! sans! jamais! rien! perdre! de! sa! parfaite!
spontanéité!toute!baignée!de!tendresse.!À!Mário!Saa,!il!faudrait!réserver!une!étude!
à! part,! et! très! approfondie.! Si! d’autres! sont! les! critiques! ou! les! esthéticiens! du!
mouvement,!Mário!Saa!en!est!le!métaphysicien!et!le!plus!fantaisiste,!le!plus!poète,!
le! plus! sorcier! des! métaphysiciens! ne! se! résume! pas! en! quelques! lignes.! Quant! à!
Raul!Leal,!c’est!un!peu!le!Sar!Péladan!du!Portugal!contemporain!et!il!faudra,!pour!
le! juger! à! sa! juste! valeur,! attendre! qu’il! se! soit! décidé! à! chanter! en! portugais! les!
litanies!à!Satan!qu’il!a!jusqu’ici!composées!en!un!français!apocalyptique.!
!
Presque!tous!les!noms!qui!précèdent!ont!figuré,!à!titre!plus!ou!moins!occasionnel,!
dans!les!colonnes!de!Presença,!qui!a!également!révélé!un!grand!nombre!d’artistes!
nouveaux.!De!la!plupart!d’entre!eux!il!est!encore!difficile!de!parler,!car!ils!en!sont!à!
leurs!premières!tentatives!en!dépit!d’un!talent!déjà!libre!et!hardi.!Soit!nonchalance,!
soit! sévérité! envers! eux;mêmes,! ils! produisent! peu,! publient! moins! encore,! et!
cependant!l’ensemble!donne!une!impression!de!complexité,!de!variété,!de!richesse,!
et! permet! toutes! les! espérances.! Ce! n’est! donc! pas! pour! dresser! un! palmarès! que!
j’énumère!les!noms!d’!Edmundo!de!Bettencourt,!grand!artiste!et!poète!émouvant,!
d’Adolfo!Rocha,!de!Francisco!Bugalho,!de!José!Azevedo!Coutinho,!d’!Alexandre!de!
Aragão,! de! Carlos! Queirós,! Rui! Santos,! Olavo! d’Eça! Leal,! António! Navarro,! Gil!
Vaz,! Fausto! José! et! d’autres! encore,! mais! pour! signaler! à! la! curiosité! du! lecteur!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 712


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

autant!de!belles!et!diverses!promesses!d’avenir!qui,!peut;être,!ne!se!réaliseront!pas!
(nous! sommes! au! pays! des! renoncements! et! des! retraites! intérieures),! mais! qui!
peut;être! aussi! donneront! au! Portugal! de! demain! une! de! ses! plus! fécondes!
générations!littéraires.!
Il! est! plus! facile! de! définir! l’orientation! de! certains! d’entre! eux! dont!
l’évolution! est! déjà! plus! avancée,! le! talent! plus! formé.! Presença! est! dirigée! par! le!
moins! absolu! et! le! plus! varié! des! triumvirats:! José! Régio,! João! Gaspar! Simões,!
Branquinho! da! Fonseca.! Il! y! a! en! Régio,! qui! fut! le! grand! animateur! de! cette!
génération,! une! force,! une! volonté,! une! incapacité! de! demeurer! immobile! et! de!
répéter!toujours!les!mêmes!créations!qui!entraînent!la!confiance!et!l’estime.!Poète,!
critique,!analyste,!conteur,!c’est!un!écrivain!complet,!qui!bientôt!du!reste!abordera!
également! le! romain! et! le! théâtre.! En! dépit! de! cette! diversité! d’aptitudes,! rien! de!
prolixe! en! lui,! aucune! abondace! facile.! Les! Poemas- de- Deus- e- do- Diabo,! encore!
revêtus!parfois!d’un!symbolisme!un!peu!artificiel,!laissaient!déjà!éclater!l’intensité,!
le! goût! du! spirituel! et! l’inquiétude! profonde! qui! sont! la! marque! de! cette! nature!
impétueuse.! Les! beaux! sonnets! de! Biografia! et! divers! poèmes! publiés! depuis,! ont!
confirmé!et!mieux!dégagé!encore!l’originalité!de!Régio.!L’image!n’est!jamais!pour!
lui! une! production! esthétique! habilement! agencée,! et! dans! toutes! les!
manifestations! de! son! lyrisme! éclate! la! sincérité! puissante! de! l’âme! au! moins!
autant! que! le! talent! de! l’écrivain.! Quant! aux! abondantes! critiques,! aux! nombreux!
essais! brefs! et! denses! qu’il! a! consacrés! à! expliquer! l’attitude! de! sa! revue,! à!
combattre! l’académisme! et! la! “littérature! livresque”,! à! dégager! la! leçon! du!
véritable!classicisme!et!à!définir!la!valeur!d’une!liberté!sans!incohérence!artificielle,!
ils!ont!marqué!une!époque!dans!l’histoire!contemporaine!au!Portugal!et!exercé!une!
influence!profonde!sur!plus!d’un!qui!lui!devra,!dans!l’avenir,!le!goût!et!le!courage!
d’être!neuf!en!restant!soi;même.!De!la!même!importance!et!de!la!même!valeur!sont!
les!essais!et!les!chroniques!d’un!João!Gaspar!Simões.!Un!livre!comme!Temas!n’est!
pas! seulement! d’une! singulière! nouveauté! en! terre! lusitanienne;! il! révèle! une!
pensée!ferme,!bien!maîtresse!de!ses!moyens!d’expression,!sûre!et!subtile!dans!ses!
analyses.! Les! colloques! de! Simões! avec! Gide! ou! Pirandello,! Pessoa! ou! Valéry,!
Cocteau!ou!Antonio!Botto!ont!une!valeur!toute!autre!que!locale!ou!documentaire.!
Simões! est! aussi! l’auteur! d’analyses! psychologiques! assez! marquées! d’influence!
russe,!où!la!minutieuse!précision!du!détail!moral,!la!description!sans!faux!lyrisme!
des!oscillations!du!tempérament!et!de!la!conscience,!finissent!par!secréter!une!sorte!
de!mystère!tragique!et!par!créer!toute!une!mythologie!de!la!peur!et!des!passions.!Il!
est! difficile! d’atteindre! à! un! plus! haut! degré! d’émotion! avec! des! moyens! aussi!
dépouillés.!Branquinho!da!Fonseca,!ainsi!que!son!frère!jumeau!“António!Madeira”,!
évolue! dans! une! atmosphère! de! pudique! délicatesse.! Il! n’a! jamais! fini! de! se!
dédoubler,!de!s’interroger,!de!se!juger!soi;même.!En!des!brefs!dialogues!en!un!acte,!
dont! le! meilleur! est! la! Posição- de- Guerra! (L’État! de! guerre),! titre! significatif,! il! ne!
cesse! de! refuser! ce! masque! social! dont! Pirandello! lacère! la! menteuse! apparence.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 713


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

Ses! poèmes! rendent! toujours! un! son! d’étrangeté! ironique,! évoquent! des! mondes!
très! humains! au;delà! du! réel,! à! la! façon! d’un! Gomez! de! la! Serna,! plus! tendre! et!
plus!truculent.!Il!faut!souhaiter!que!cet!étonnant!égaré!ne!se!retrouve!pas!de!si!tôt,!
car!cette!quête!sans!complaisance!gidienne!est!plus!féconde!que!toutes!les!fausses!
certitudes.!
Je!mentionnerai,!pour!terminer,!le!curieux!recueil!Confusão,!d’Adolfo!Casais!
Monteiro,! dont! la! concision! brutale! et! les! audaces! franches! ont! fait! sérieusement!
scandale.! Après! cette! déclaration! de! guerre! à! la! littérature! satisfaite! et! aux!
confessions!de!comédie,!on!peut!attendre!de!lui!des!créations!d’une!verdeur!bien!
savoureuse.!
Cette!énumération!pourtant!abondante!ne!vise!aucunement!à!épuiser!toute!
la!diversité!de!la!littérature!contemporaine!au!Portugal.!J’ai!simplement!cherché!à!
esquisser! les! tableaux! des! valeurs! nouvelles,! à! marquer! les! différentes! étapes! de!
l’esprit!moderniste,!em!dehors!des!préjugés!(ou!des!principes!selon!le!point!de!vue!
auquel! on! se! place)! qui! imposent! aux! écrivains! de! la! génération! précédente! une!
conception!de!l’art!et!des!formes!d’expression!toutes!différentes.!Bien!entendu,!ces!
tendances! tant! discutées! et! si! mal! connues! n’ont! point! supplanté! en! entier!
l’influence!des!maîtres!consacrés!depuis!le!début!du!siècle.!Un!Eugénio!de!Castro!
et! un! Teixeira! de! Pascoais,! un! Raúl! Brandão! et! un! Aquilino! Ribeiro,! et,! plus!
récemment,! un! António! Sérgio! ou! un! António! Sardinha! (pour! prendre! deux!
tendances!opposées)!ont!été!et!sont!encore!des!maîtres!de!pensée!et!de!style!dont!
se!recommande!plus!d’un!jeune!écrivain;!sans!parler!de!la!gloire!toujours!vivante,!
rajeunie! d’année! en! année,! d’Eça! de! Queirós,! que! personne! ne! songe! à! diminuer.!
Mais! à! considérer! seulement! leurs! émules! et! successeurs,! ont! commettrait! une!
fâcheuse! erreur! d’optique,! en! tout! point! semblable! à! celle! des! étrangers! pour! qui!
Anatole!France!et!Maurice!Barrès!représentent!le!dernier!terme!de!l’évolution!dans!
notre!littérature.!Ce!serait!exiler!le!Portugal!de!l’esprit!européen;!s’en!donner!une!
représentation! figée! et! dépourvue! de! tout! imprévu! dans! l’avenir.! Mais! bien!
entendu,!cette!constatation!ne!donne!aucun!droit!à!prophétiser!le!triomphe!de!telle!
ou!telle!forme,!de!telle!ou!telle!influence.!
D’ailleurs! la! complexité! des! talents! et! des! goûts! dont! nous! avons! tâché! de!
donner!une!idée!supporte!mal!l’uniforme!vernis!d’imitation!française!dont!certains!
spectateurs,! surtout! hors! du! Portugal,! prétendent! qu’il! est! la! faiblesse! et! la!
caractéristique!essentielle!des!écrivains!modernistes!de!ce!pays.!À!une!époque!où!
le! cloisonnement! des! esprits! n’est! plus! qu’une! légende! ou! une! survivance,! à! une!
époque!où!pas!un!écrivain!français!ne!peut!se!vanter!de!ne!rien!devoir!aux!grands!
inspirateurs! du! modernisme! étranger! (la! réciproque! étant! d’ailleurs! aussi! vraie),!
parler! de! l’existence! au! Portugal! d’une! génération! entièrement! francisée,!
systématiquement! hostile! à! toute! autre! culture! et! incapable! de! libérer! sa! propre!
originalité! du! fardeau! de! cette! imitation,! c’est! plus! qu’une! injustice:! c’est!
proprement!une!absurdité.!En!revanche,!la!singulière!attitude!de!notre!critique,!je!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 714


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

dis! des! revues! ou! périodiques! qui! se! prétendent! les! plus! hardis! et! les! plus!
informés,! la! confusion! qui! s’établit! dans! l’esprit! des! chroniqueurs! français! entre!
modernisme! espagnol! et! modernisme! portugais,! entre! écrivains! vraiment!
modernes! et! écrivains! traditionalistes,! n’est! pas! faite! pour! donner! une! haute! idée!
de! leur! discernement! et! de! leur! information! dans! un! pays! où! l’on! suit! avec! tant!
d’attention!leurs!jugements!et!où!l’on!serait!en!droit!d’attendre!d’eux!un!sens!plus!
juste!des!proportions!et!une!curiosité!bien!éclairée.!Mon!exposé!n’a!point!d’autre!
but!que!de!contribuer!à!combler!cette!fâcheuse!lacune!en!soulignant!l’importance!
d’ouvrages! et! de! revues! auxquels! on! n’a! jusqu’ici! témoigné! chez! nous!
qu’indifférence,! et! qu’un! homme! vraiment! cultivé,! s’il! s’intéresse! à! la! vie! de! la!
civilisation!lusitanienne,!n’a!plus!le!droit!d’ignorer!aujourd’hui.!
!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 715


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

PANORAMA!DO!MODERNISMO!LITERÁRIO!EM!PORTUGAL5!
!
!
Apresentar!ao!público!francês!a!moderna!poesia!portuguesa,!e!mais!ainda!todo!o!
movimento! literário! que! em! Portugal! tenta! encontrar! as! condições! e! os! meios! de!
expressão!de!uma!arte!verdadeiramente!viva,!não!é!tarefa!fácil.!
As! dificuldades! materiais! e! a! indiferença! do! público! em! geral! obrigam! os!
novos! escritores! deste! país! a! uma! discrição! extrema.! Razão! por! que! terei! alguma!
dificuldade!em!assinalar!vinte!títulos!por!eles!publicados!desde!a!guerra.!A!maior!
parte!das!suas!obras!encontra;se!dispersa!em!revistas,!quase!sempre!de!apurado!e!
livre! critério! estético,! mas! de! tiragem! limitada,! efémera,! rapidamente! esgotada,! e!
muitos!dos!exemplares!não!vendidos!acumulam;se!em!casa!de!alguns!conhecidos!
na! indiferença! e! no! esquecimento! quase! completo.! Conheço! até! um! grande! poeta!
cujos! escritos! estão! praticamente! inacessíveis! fora! de! sua! própria! casa.!Condições!
ainda!por!cima!agravadas,!se!assim!se!pode!dizer,!pelo!desinteresse!dos!próprios!
autores,!pouco!preocupados!em!se!tornarem!conhecidos,!ou!serem!compreendidos!
e!incentivados!fora!dos!seus!círculos!mais!próximos!e!familiares.!Não!por!desprezo!
pelo! público,! nem! por! vaidades! de! capelinha,! mas! por! excesso! de! indolente!
modéstia.!O!que!não!impede,!porém,!que!alguns!deles,!e!seus!escritos,!tivessem!já!
encontrado! em! Itália! e! em! Espanha! uma! receção! calorosa! e! interessada.! A- Fiera-
Letteraria,! a! Gaceta- Literaria6,! personalidades! de! importância! europeia,! como!
Gimenez!Caballero,!Giacomo!Prampolini7,!e!outros!ainda,!publicaram,!traduziram!
e! comentaram! várias! obras! ou! fragmentos! de! obras.! Em! França,! no! entanto,! o!
desconhecimento! é! total.! Os! grandes! propósitos! sobre! cultura! internacional,! para!
uns,!e!sobre!o!espírito!latino!para!outros,!nem!sempre!se!traduzem!em!interesse!e!
na!curiosidade!que!se!poderia!esperar,!aliás,!sobre!este!ponto,!é!comum!encontrar!
em! este! ou! naquele! periódico! francês! de! vasta! informação! europeia! um! certo!
número!de!gaffes!deveras!surpreendentes.!
Os!termos!“literatura!jovem”!e!movimento!modernista!não!devem,!contudo,!
prestar! a! confusão.! Não! se! trata! de! uma! crise! de! adolescentes! barulhentos,!
apressados! em! renegar! os! seus! predecessores! e! em! tudo! destruírem! para! se!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5!Tradução!e!notas:!Fernando!Carmino!Marques!
6!Fiera-Letteraria!e!La-Gaceta-Literaria.!A!primeira!destas!revistas!La-Fiera-letteraria:!giornale-settimanale-
di- lettere,- scienze- ed- arti,! iniciou! a! sua! publicação! em! Milão,! em! 1925,! e! com! algumas! alterações,!
inclusive! no! título,! publicou;se! até! finais! dos! anos! 70.* La- Gaceta- Literaria! [ibérica! :! americana! :!
internacional!|!Letras!–!Arte!–!Ciencia]!aparece!em!Madrid!no!mesmo!ano,!1927,!que!Presença!inicia!
a! sua! publicação.! Em! vários! números! da! revista! se! encontram! referências! à! literatura! portuguesa!
(inclusive! em! português).! No! número! 3,! por! exemplo,! o! escritor! espanhol! Ramón! Gomez! de! la!
Serna! publica! um! artigo! sobre! José! de! Almada! Negreiros,! intitulado! “A! Alma! de! Almada”!
(fevereiro!de!1927,!p.!3).!
7! Ernesto! Gimenez! Caballero,! escritor! nacionalista! espanhol,! diretor! da! revista! La- Gaceta- Literaria;!

Giacomo! Prampolini,! poeta,! tradutor! e! ensaísta! italiano,! autor! entre! outras! obras! de! uma! Storia-
Universal-della-letteratura.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 716


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

contemplarem! no! seu! próprio! excesso.! A! geração! do! pós;guerra! foi! precedida! e!
iniciada! por! algumas! individualidades! marcantes! cujas! obras! ainda! não! figuram!
nas!montras!das!livrarias!ao!lado!das!de!outros!escritores!mais!tradicionais!da!sua!
geração.! Ao! que! parece,! e! como! é! natural,! é! sobretudo! entre! os! mais! jovens! que!
cresce,! ano! após! ano,! o! número! de! admiradores! e! adeptos! desta! arte! mais! viva! e!
mais!direta.!Por!outro!lado,!seria!um!erro!tremendo!pensar!que!eles!se!recusam!a!
fazer!qualquer!referência!à!rica!tradição!literária!da!sua!própria!língua.!Ninguém!
como!eles!fala!com!tanta,!e!esclarecida,!paixão!das!obras!mais!consagradas!do!seu!
país.!Se!algumas!glórias!alicerçadas!em!idolatria!os!deixa!profundamente!irritados,!
a!injusta!ignorância!que!recai!sobre!alguns!escritores,!mesmo!de!ideais!diferentes!
dos!seus,!não!os!deixa!indiferentes.!O!nome!de!Cesário!Verde!figura!no!início!da!
Antologia!da!Poesia!Moderna!que!neste!momento!preparam8.!
A!sua!episódica!história!limita;se!às!peripécias!das!diversas!revistas!em!que!
sucessivamente! expõem! as! suas! aspirações.! A! mais! duradoura! foi! Contemporânea,!
onde!as!artes!gráficas!e!picturais,!a!tipografia!e!a!apresentação!geral!se!sobrepõem,!
infelizmente!de!longe,!à!qualidade!dos!textos.!Os!vários!artigos!em!que!prevalece!
alguma!conivência!revelam!uma!nota!discordante,!por!vezes!totalmente!descabida,!
num!conjunto!algo!hesitante.!A!revista!tinha!sido!precedida,!durante!a!guerra,!pela!
efémera!Orpheu!e!pelo!escândalo!de!a!Portugal-Futurista,!proibida!desde!o!primeiro!
número.!Seja!qual!for!a!razão!que!esteve!na!origem!desta!decisão!da!autoridade,!a!
diversidade!e!a!riqueza!deste!número!único!fazem!dele!uma!referência!essencial.!
Entre!os!finais!de!1924!e!início!de!1925,!Athena,!conseguiu!em!cinco!números!
uma! espécie! de! perfeição,! tanto! na! sua! apresentação! simples! como! no! equilíbrio!
entre! os! elementos! artístico! e! literário.! Submergida,! como! as! outras,! pelas!
dificuldades! financeiras! a! revista! não! tardou! em! desaparecer.! No! entanto,! em!
Coimbra,!alguns!jovens!de!tendência!diversa,!com!a!colaboração!de!outros!menos!
jovens,!tentavam!revigorar!a!franca!e!audaciosa!tradição!local.!Depois!de!algumas!
tentativas! infrutíferas,! fundaram! no! início! de! 1927! a! revista! Presença,!
modestamente!designada!como!Folha-de-arte-e-de-crítica.!Em!diferentes!períodos!de!
tempo,! em! artigos! por! vezes! bastante! ríspidos! e! em! pequenos! fascículos,!
afirmavam! com! obstinação! a! existência! de! uma! nova! geração! unida! não! pela!
adesão! a! um! programa,! nem! por! uma! uniformidade! etária! ou! cultural,! mas! pelo!
desdém!por!uma!literatura!fácil!e!uma!sinceridade!cada!vez!mais!exigente.!Há!três!
anos! que! persistem,! amadurecem,! enriquecendo;se! com! novas! experiências! e!
colaborações,! estendem! a! sua! crítica! a! todas! as! manifestações! artísticas,! revêm! e!
renovam! à! apresentação! dos! seus! textos,! editam! e! mantêm! assíduo! contacto! com!
movimentos!similares!em!outros!países!europeus.!Até!assinantes!têm.!
!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8![Nota!do!autor].!Depois!da!redação!deste!artigo!(janeiro!1930)!essa!Antologia!foi!publicada!com!o!
título!Cancioneiro,!durante!o!primeiro!Salão!dos!Independentes!(maio!de!1930).!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 717


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

Apesar!de!Presença!ter!constituído!nos!últimos!três!anos!o!centro!à!volta!do!
qual! gravitam! todos! os! escritores! modernos! que! na! última! década! se! revelaram!
não!se!deve!de!aí!concluir!que!a!revista!seja!a!expressão!de!uma!escola.!A!sua!força!
e!a!sua!razão!de!ser!provêm!não!de!qualquer!submissão!a!teorias!pré;estabelecidas,!
ou!manifestos!de!encomenda,!mas!da!constante!preocupação!em!analisar!e!explicar!
que! acompanha! as! suas! manifestações! positivas.! Sentindo! neles! uma! afinidade!
natural!com!as!grandes!obras!clássicas,!os!seus!redatores!procuraram!esclarecer!as!
razões! de! ordem! estética! que! em! geral! os! opõe! aos! escritores! tradicionais! da! sua!
época! (mais! conformes,! na! aparência,! ao! espírito! nacional),! ao! mesmo! tempo! que!
os! leva! a! participar! na! vida! cultural! moderna! e! na! evolução! da! literatura!
contemporânea.! Houve! quem! não! hesitasse! em! afirmar! que! eles! tinham! perdido!
todo! o! caracter! português,! de! terem! criado! uma! arte! cosmopolita! repleta! de!
influências! francesas! mal! digeridas.! Nada! está! mais! longe! da! sua! resoluta!
independência.!Mesmo!se!o!contacto!com!Proust,!Gide,!Cocteau,!despertou!neles!o!
interesse!pelas!novas!ideias!e!valores!estéticos,!mesmo!se!Benda!e!Charles!du!Bos9!
foram! os! primeiros! a! provocar! as! suas! reflexões,! não! se! pode! considerar! esse!
profícuo! contacto! como! uma! submissão.! A! leitura! e! a! análise! das! nossas! obras!
modernas! podem! ter! orientado! a! sua! perspetiva! crítica,! não! interferiram,! porém,!
nem!no!seu!talento!nem!na!sua!originalidade.!Aliás,!a!cultura!francesa,!em!muitas!
situações,!mais!não!foi!que!um!meio!para!aceder!às!mais!diversas!revelações.!Pela!
língua! francesa! conheceram! mestres! como! Ibsen,! Chestov,! Dostoievsky,! Thomas!
Mann,! Keyserling,! Joyce,! Shaw! e! Pirandello.! Esta! exclusividade! resulta! da!
fraqueza,! ou! da! inexistência! de! traduções! portuguesas! e! do! quase!
desconhecimento! em! Portugal,! incluindo! a! elite,! de! outras! línguas! vivas.! Porém,!
quem! tiver! o! cuidado! de! folhear! a! coleção! inteira! da! revista! verá,! de! forma!
evidente,! que! os! comentários! sobre! toda! a! literatura! europeia! e! as! constantes!
referências!à!literatura!nacional!(Camões,!Camilo,!Eça!de!Queirós,!etc.)!equilibram!
singularmente!as!referências!às!obras!francesas!e!completam!de!forma!justa!a!visão!
geral!do!espirito!moderno!tal!como!ele!se!revela!nos!livros!vindos!de!França.!
!
Neste! conjunto! de! novos! escritores! duas! épocas! se! podem! distinguir! e! em! cada!
uma! delas! encontrar! um! número! idêntico! de! personalidades! marcantes,! ou! com!
potencial,!e!de!escritores.!
Com! a! auréola! de! maldito,! que! se! atribui! a! um! Rimbaud! ou! a! um!
Lautréamont,! o! conjunto! possui! já! os! seus! mortos! célebres.! O! primeiro! deles! é!
Mário! de! Sá;Carneiro! que! se! suicidou! em! Paris! em! 1916,! com! 26! anos,! ao! fim! de!
uma! vida! de! angústia! e! interrogação! interior! tão! intensas! que! a! morte! pareceu! a!
este!ser!de!tudo!descrente!a!única!solução.!São!inúmeros!os!poemas!em!que!a!sua!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9!Julien!Benda,!escritor!e!filósofo!francês!autor!de!La-Trahison!des-clercs,!Paris:!Grasset,!1927;!Charles!
du!Bos,!ensaísta!francês,!autor!entre!outras!obras!de!Le-dialogue-avec-André-Gide,!Paris:!Éditions!Au!
Sans;Pareil,!1929.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 718


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

sensibilidade!exacerbada!o!conduzem!à!beira!do!abismo!ao!mesmo!tempo!que!uma!
ânsia! de! encontrar! a! felicidade! na! pureza! o! devora.! As! belas! prosas,! sem! falsa!
harmonia!nem!gritante!disparidade,!que!constituem!o!livro!Céu-em-Fogo,!serão!em!
breve,! na! sua! versão! definitiva,! editadas! pelas! edições! Presença.! Só! então! se! verá!
quanto! lhe! devem! muitos! dos! poetas! atuais,! e! a! razão! por! que! a! sua! inquietação!
difere! tanto! da! tradicional! saudade,! sem! deixar! de! ser! a! manifestação! de! uma!
sensibilidade! essencialmente! portuguesa.! O! outro! “poeta! maldito”,! Camilo!
Pessanha,!que!nada!autoriza!a!associar!ao!movimento!atual,!além!da!sua!vida!de!
refratário!e!a!sua!liberdade!de!escritor,!assim!como!o!apreço!dos!mais!novos!pelos!
poemas!de!Clepsydra,!até!ao!momento!os!únicos!publicados.!Professor!em!Macau,!
onde!passou!toda!a!sua!vida,!Pessanha!viveu!a!banal!aventura!do!homem!europeu,!
inquieto,! devorado! pelo! Oriente,! no! entanto,! antes! de! se! perder! no! ópio! e! na!
boémia!colonial,!conseguiu!em!poemas!elaborados!em!que!se!sente,!por!vezes!de!
forma! excessiva,! a! melopeia! “verlainienne”,! em! sonetos! de! perfeita! construção,!
outra! que! oratória! ou! retórica,! transmitir! de! forma! comovente! o! sentimento! de!
uma! queda! irremediável! nas! delícias! e! paraísos! artificiais! de! uma! sensibilidade!
exasperada! pela! solidão,! a! melancolia! sem! esperança,! o! abandono! de! si;mesmo.!
Um! dia,! talvez,! se! possa! juntar! aos! poemas! até! agora! conhecidos! o! número!
considerável! de! inéditos! dispersos! que! amigos! e! discípulos! do! poeta! o! viram!
acumular!com!indiferença!em!sua!casa.!Então,!talvez,!com!algum!espanto!se!possa!
nele!descobrir!um!dos!mais!autênticos!herdeiros!da!tradição!lírica!portuguesa,!um!
irmão!inquieto!e!em!busca!de!si!dos!grandes!quinhentistas!e!de!João!de!Deus.!
Entre!os!vivos!desta!primeira!geração!é!Fernando!Pessoa!que,!sem!dúvida,!
deve! ser! colocado! em! primeiro! plano.! Misteriosa,! dispersa,! a! sua! obra! hoje!
dificilmente! acessível! não! ultrapassou! ainda! as! fronteiras! do! seu! país! e! o! próprio!
poeta! parece! dela! se! ter! esquecido.! Uma! modéstia! própria! que! nada! retira! à! sua!
total! sinceridade,! pois! sempre! que! a! ocasião! o! exigiu! nunca! este! poeta! solitário!
hesitou!em!lançar!os!mais!destemidos!manifestos;!aliás,!Pessoa!em!nada!se!parece!
com! o! habitual! “homme! de! lettres”.! Não! é! por! simples! artifício! literário! que! se!
apresenta! sob! diversas! máscaras,! pseudónimos! que! representam! cada! um! deles!
uma! inspiração! diferente,! uma! outra! forma! de! escapar! à! imobilidade! e! à!
monotonia! sem! se! renegar.! Como! Ricardo! Reis! compõe! odes! “malarméennes”!
repletas!de!uma!sensualidade!que!a!expressão!densa!e!elaborada!mais!rapidamente!
torna! emotiva.! Álvaro! de! Campos,! ao! contrário,! compraz;se! em! anotações!
totalmente! livres! em! que! as! imagens! mais! ousadas! aparecem! matizadas! por! uma!
amarga! ironia,! ou! então! exultam! numa! sucessão! dinâmica! à! maneira! de! Walt!
Whitman,! um! dos! mestres! preferidos! de! Pessoa.! Alberto! Caeiro! talvez! se! lembre!
igualmente!de!Leaves-of-Grass,!mas!retirou;lhe!deliberadamente!a!tonalidade!lírica,!
insistindo,! num! retorno! incessante,! à! maneira! de! Péguy,! na! mais! abstrata!
afirmação! da! solidão,! o! mais! obstinado! desejo! em! tornar! pouco! humano! o!
Universo,!de!o!apresentar!à!consciência!como!uma!muralha!sem!rosto!e!sem!alma.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 719


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

A!tonalidade!única!da!poesia,!filosófica!sem!o!desejar,!de!O-Guardador-de-Rebanhos,!
atinge! um! grau! de! intensidade! quase! física! ao! descrever! o! drama! da! consciência!
lúcida! que! a! si! mesma! se! devora! embora! se! recuse! a! aceitá;lo.! Por! vezes,! no!
entanto,!e!apesar!da!forma!erudita!de!Ricardo!Reis,!da!tristeza!mordaz!de!Álvaro!
de! Campos,! ou! o! orgulho! de! Alberto! Caeiro,! Pessoa,! ele;mesmo,! revela;se! e! num!
impulso! regressa! ao! puro! lirismo! da! sua! raça.! Aliás,! nos! últimos! anos! verifica;se!
até! que! o! poeta! parece! privilegiar! esta! vertente,! várias! das! suas! incarnações!
anteriores!têm!ficado!pelo!caminho.!
As!revistas!do!pós;guerra!que!precederam!Presença!revelaram!várias!outras!
personalidades! de! primeiro! plano,! entre! elas! assinalarei! Almada! Negreiros! e!
António! Botto.! Almada! Negreiros,! o! Giradoux! do! desenho! português,! é! uma!
espécie! de! Proteu! que! escapa! a! qualquer! definição! e! circula! de! forma! irreverente!
por!todas!as!formas!da!arte!moderna:!bailado,!pintura,!prosa,!deixando!em!todas!
elas! a! marca! da! sua! requintada! fantasia.! Lembro;me! em! Athena10! de! um! certo!
diálogo!entre!Pierrot!e!Arlequim!que!o!autor!de!Allen!e!de!Églantine!teria!por!certo!
apreciado11.! Aliás,! a! sua! falsa! ligeireza! é! apenas! aparente.! Na! altura,! quase!
lendária,!da!Portugal-Futurista,!Almada!Negreiros!escreveu!alguns!textos!em!prosa!
que!não!hesito!em!colocar!ao!lado!das!famosas!últimas!páginas!de!Ulysses!de!James!
Joyce.!António!Botto!colocou!num!dos!seus!livros!a!famosa!epigrafe!“Mieux!veut!
être! Brummel! que! Bonaparte”12.! Sob! uma! aparência! fria! e! de! um! dandismo!
sistematicamente! afirmado,! por! detrás! de! um! cinismo! distinto! de! “gidéen”!
cosmopolita,! Botto! dissimula! uma! veemente! simplicidade,! algo! de! ligeiro! e!
ingénuo!que!diretamente!nos!comove.!A!estes!dois!nomes!poderia!ter!acrescentado!
os! de! Afonso! Duarte,! Mário! Saa! e! Raúl! Leal! se! estes! não! tivessem! sido! editados!
depois! das! publicações! que! revelaram! os! primeiros.! Afonso! Duarte! reuniu! o! ano!
passado!num!só!volume!as!suas!obras!de!juventude!até!ao!final!da!guerra,!com!o!
título!Os-sete-poemas-líricos.!Se!os!títulos!dos!poemas!poderiam!deixar!supor!que!se!
trata! de! simples! emoções! líricas,! à! maneira! de! um! João! de! Deus! ou! de! António!
Nobre,! nada! mais! falso,! pois! na! verdade! o! poeta! não! se! submete! a! qualquer!
atitude,! nem! se! preocupa! com! inquietações! de! encomenda,! insistindo! sim! na!
perfeição! e! na! riqueza! da! sua! métrica.! Será! isto! que! explica! esse! sentimento! de!
extrema!modernidade!que!se!depreende!de!uma!poesia!aparentemente!tradicional?!
Prefiro! não! o! saber,! nem! explicar.! Afonso! Duarte! salta! de! imagem! para! imagem!
sem! nunca! perder! a! sua! perfeita! e! terna! espontaneidade.! A! Mário! Saa! seria!
necessário!reservar!um!estudo!à!parte,!muito!mais!aprofundado.!Se!outros!são!os!
críticos,!ou!os!estetas!do!movimento,!Mario!Saa!é!o!metafísico,!e!o!mais!fantasista,!
o! mais! poeta,! o! mais! mágico! dos! metafísicos! não! se! resume! em! algumas! linhas.!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10!Trata;se!de!“Pierrot!e!Arlequim”,!Athena,!vol.!1,!Lisboa,!Imprensa!Libânio!da!Silva,!1924,!pp.!13;18.!
11!Hourcade!refere;se!ao!romance!de!Jean!Girardoux,!Eglantine,!Paris:!Grasset,!1927.!!
12!Frase!atribuída!a!Lord!Byron.!Ver!a!este!propósito.!Jules!Barbey!d’Aurevilly,!Du-Dandysme-et-de-G.-

Brummel.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 720


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

Quanto! a! Raúl! Leal! pode! dizer;se! que! é! um! pouco! o! Sar! Péladan13! de! Portugal!
contemporâneo! e! para! que! dele! se! possa! fazer! uma! justa! apreciação! será!
conveniente! esperar! que! ele! se! decida! a! compor! em! português! as! suas! litanias! a!
Satã,!pois!até!agora!só!num!francês!apocalíptico!o!fez.!!
!
Quase!todos!os!nomes!que!precedem!figuram!de!maneira!mais!ou!menos!frequente!
nas! páginas! de! Presença,- que! do! mesmo! modo! tem! revelado! um! bom! número! de!
novos!artistas.!Da!maioria!deles!é!ainda!difícil!falar,!na!medida!em!que!ainda!estão!
nas! suas! primeiras! tentativas,! não! obstante! um! talento! espontâneo! e! ousado.! Seja!
por! indolência,! seja! por! severidade! para! com! eles;próprios,! produzem! pouco! e!
ainda! menos! publicam,! porém,! do! conjunto! transparece! uma! impressão! de!
complexidade,!variedade!e!riqueza!que!permite!todas!as!expectativas.!Não!é!pois!
para! estabelecer! um! palmarés! que! cito! os! nomes! de! Edmundo! de! Bettencourt,!
grande! artista! e! poeta! emocionante,! Adolfo! Rocha,! Francisco! Bugalho,! José!
Azevedo! Coutinho,! Alexandre! de! Aragão,! Carlos! Queirós,! Rui! Santos,! Olavo! de!
Eça!Leal,!António!Navarro,!Gil!Vaz,!Fausto!José!e!outros!ainda,!mas!para!suscitar!a!
curiosidade! do! leitor! sobre! muitas! e! diversas! promessas! futuras,! quem! sabe! se!
realizáveis! (estamos! no! país! das! renúncias! e! das! retiradas! interiores),! mas! que!
talvez! possam! dar! ao! Portugal! de! amanhã! uma! das! suas! mais! fecundas! gerações!
literárias.!
É! mais! fácil! definir! a! orientação! dos! que! entre! eles! apresentam! já! uma!
evolução!e!um!talento!mais!consistente.!Presença!é!dirigida!pelo!menos!absoluto!e!o!
mais! variado! dos! triunviratos:! José! Régio,! João! Gaspar! Simões,! Branquinho! da!
Fonseca.!Em!Régio,!que!foi!o!grande!impulsionador!desta!geração,!há!uma!força,!
uma! vontade,! uma! incapacidade! em! ficar! quieto! e! de! repetir! sempre! as! mesmas!
ideias!que!suscitam!a!confiança!e!a!estima.!Poeta,!crítico,!ensaísta,!contista,!Régio!é!
um!escritor!completo!que!em!breve!abordará!também!o!romance!e!o!teatro.!Apesar!
desta! diversidade! de! aptidões,! em! Régio! nada! é! prolixo,! nenhuma! abundância!
fácil.!Os!Poemas-de-Deus-e-do-Diabo,!ainda!revestidos,!por!vezes,!de!um!simbolismo!
algo! superficial,! deixavam! já! antever! a! intensidade,! o! gosto! pelo! espiritual! e! a!
profunda!inquietação!que!revelam!a!sua!natureza!impetuosa.!Os!belos!sonetos!de!
Biografia!e!diversos!poemas!desde!então!publicados!confirmaram!e!puseram!ainda!
mais!em!evidência!a!sua!originalidade.!Para!ele!a!imagem!nunca!é!uma!produção!
estética!habilidosamente!trabalhada,!e!em!todas!as!manifestações!do!seu!lirismo!se!
destaca! uma! sinceridade! intensa! da! alma,! ao! mesmo! tempo! que! o! talento! do!
escritor.!Quanto!às!criticas!abundantes,!aos!numerosos!ensaios!breves!e!densos!em!
que!explica!a!atitude!da!revista!ao!denunciar!o!academismo!e!a!literatura!livresca,!
enfatizando!a!lição!do!verdadeiro!classicismo!e!definindo!o!valor!de!uma!liberdade!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
! Sar! Mérodack! Joséphin! Peladan,! pseudónimo! de!Joseph;Aimé! Péladan,! poeta,! ocultista,!
13

dramaturgo! e! crítico! francês! autor! de! diversas! obras,! nomeadamente! Le- Vice- Suprême,! Paris:!
Librairie!de!la!Presse,!1886.!Disponível!em:!http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k61016425/f4!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 721


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

sem!incoerência!artificial,!eles!marcam!em!Portugal!uma!época!na!história!literária!
contemporânea! e! exercem! uma! influência! profunda! sobre! alguns! que,! no! futuro,!
lhe!ficarão!a!dever!o!gosto!e!a!coragem!de!ser!moderno!sem!se!renegar.!
De!valor!idêntico!e!igualmente!importantes!são!os!ensaios!e!as!crónicas!de!
um! João! Gaspar! Simões.! Um! livro! como! Temas! não! é! apenas! uma! singular!
novidade!em!terras!lusitanas:!revela!um!pensamento!firme,!senhor!dos!seus!meios!
de!expressão,!seguro!e!subtil!nas!suas!análises.!Os!colóquios!de!Simões!com!Gide!
ou!Pirandello,!Pessoa!ou!Valéry,!Cocteau!ou!António!Botto,!têm!um!interesse!mais!
vasto! que! local! e! documental.! Simões! é! também! autor! de! análises! psicológicas,!
muito!marcadas!pela!influência!russa,!em!que!a!minuciosa!precisão!do!pormenor!
moral,! a! descrição! sem! falso! lirismo! das! oscilações! do! temperamento! e! da!
consciência!acabam!por!lhes!dar!uma!espécie!de!mistério!trágico!e!criar!toda!uma!
mitologia! do! medo! e! das! paixões.! É! difícil! atingir! um! tal! nível! de! emoção! com!
meios! tão! escassos.! Branquinho! da! Fonseca,! assim! como! o! seu! “irmão! gémeo”!
António! Madeira,! evolui! num! ambiente! de! púdica! delicadeza.! Desdobrando;se!
continuamente,! interroga;se! e! a! ele;mesmo! se! julga.! Em! breves! diálogos! em! um!
ato,! dos! quais! Posição- de- Guerra! (título! significativo)! constitui! o! melhor! exemplo,!
recusa!permanentemente!a!máscara!social!que!Pirandello!denuncia!e!lacera!a!falsa!
aparência.! Os! seus! poemas,! de! uma! estranheza! irónica,! evocam! um! mundo!
humano! para! além! do! real,! à! maneira! de! um! Gomez! de! la! Serna,! mais! terno! e!
menos! truculento.! Seria! desejável! que! este! estranho! “extraviado”! demore! em! se!
encontrar,!porque!esta!busca!sem!comprazimento!“gidienne”!é!mais!fecunda!que!
todas!as!falsas!certezas.!
Para! terminar,! refiro! Confusão! de! Adolfo! Casais! Monteiro! cuja! concisão!
abrupta!e!as!assumidas!audácias!provocaram!um!sério!escândalo.!Depois!de!uma!
tal!declaração!de!guerra!à!literatura!que!a!si!mesma!se!compraz!e!às!confissões!de!
comédia,! dele! se! podem! esperar! outras! criações! tanto! ou! ainda! mais! rudemente!
saborosas.!
Esta! enumeração,! suficientemente! longa,! não! pretende,! contudo,! de! forma!
alguma! esgotar! a! diversidade! da! literatura! contemporânea! em! Portugal:! procurei!
apenas! esboçar! o! quadro! dos! novos! valores,! sublinhar! as! diferentes! etapas! do!
espírito!modernista,!alheio!a!preconceitos!(ou!fundamentos!a!partir!da!perspetiva!
em! que! nos! situamos)! que! impõem! aos! escritores! da! geração! precedente! um!
conceito! da! arte! e! das! suas! formas! de! expressão! bem! diferentes.! Parece!
desnecessário! relembrar! que! estas! tendências! tão! questionadas,! e! tão! mal!
conhecidas,!não!fizeram!esquecer!totalmente!a!influência!de!mestres!consagrados!
desde! o! início! do! século.! Um! Eugénio! de! Castro! e! um! Teixeira! de! Pascoais,! um!
Raúl!Brandão!e!um!Aquilino!Ribeiro,!e!mais!recentemente!António!Sérgio!ou!um!
António! Sardinha! (para! citar! duas! tendências! opostas)! foram! e! ainda! são!
referências!nas!ideias!e!no!estilo!para!alguns!jovens!escritores,!e!isto!sem!falar!de!
Eça! de! Queirós,! glória! sempre! atual,! ano! após! ano! revigorada,! que! ninguém!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 722


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

pensaria! em! desvalorizar.! Mas! se! considerarmos! apenas! os! seus! émulos! e!
seguidores! comete;se! um! erro! crasso! de! perspetiva,! igual! em! muitos! aspetos! ao!
que!cometem!os!estrangeiros!quando!pensam!que!Anatole!France!e!Maurice!Barrés!
representam! o! último! modelo! da! evolução! da! nossa! literatura.! Ao! propor! uma!
imagem! estagnada,! desprovida! de! qualquer! imprevisibilidade! no! futuro,! seria!
afastar! Portugal! do! espírito! europeu.! Mas,! esta! constatação! não! permite! que! se!
profetize! o! triunfo! desta! ou! daquela! forma,! desta! ou! daquela! influência.! Aliás,! a!
complexidade!de!talentos!e!de!tendências,!de!que!tentei!dar!uma!ideia,!suporta!mal!
o! verniz! uniforme! da! imitação! francesa! que! alguns! observadores,! sobretudo! fora!
do! país,! dizem! ser! a! debilidade! e! a! característica! essencial! dos! escritores!
modernistas!deste!país.!Numa!época!em!que!o!isolamento!dos!espíritos!não!é!mais!
que!uma!legenda!ou!um!vestígio!do!passado,!numa!época!em!que!nenhum!escritor!
francês! se! pode! gabar! de! nada! dever! aos! grandes! inspiradores! do! modernismo!
estrangeiro!(a!reciprocidade!é!igualmente!verdade),!falar!da!existência!em!Portugal!
de! uma! geração! inteiramente! afrancesada,! sistematicamente! hostil! a! qualquer!
outra! cultura! e! incapaz! de! libertar! a! sua! própria! originalidade! do! fardo! desta!
imitação,!é!mais!do!que!uma!injustiça:!é!totalmente!absurdo.!Em!contrapartida,!a!
singular! atitude! da! nossa! crítica,! refiro;me! às! revistas! e! aos! jornais! que! se!
pretendem!mais!inovadores!e!mais!informados,!a!confusão!que!fazem,!seguindo!o!
espírito! dos! cronistas! franceses,! entre! modernismo! espanhol! e! português,! entre!
escritores! modernos! e! escritores! tradicionais,! em! nada! contribui! para! dar! uma!
imagem! positiva! do! seu! discernimento! e! da! sua! informação! num! país! que! segue!
com! atenção! as! suas! apreciações! e! de! quem! se! espera! um! sentido! mais! justo! das!
proporções!e!uma!curiosidade!mais!esclarecida.!Esta!minha!exposição!tem!apenas!
por! objetivo! preencher! uma! grave! lacuna:! sublinhar! a! importância! de! revistas! e!
livros! que! em! França,! até! agora,! só! indiferença! obtiveram,! mas! que! nenhum!
homem!verdadeiramente!culto,!se!ele!se!interessa!pela!vida!da!civilização!lusitana,!
tem!hoje!o!direito!de!ignorar.!
!!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 723


Carmino Marques Pertinência e perspicácia

Bibliografia*
!
HOURCADE,! Pierre! (2016).! A- mais- incerta- das- certezas,! itinerário- poético- de- Fernando- Pessoa.! Edição! e!
tradução!de!Fernando!Carmino!Marques.!Lisboa:!Tinta;da;china.!
MARQUES,!Fernando! Carmino! (2016).! “Pierre! Hourcade! e! a! descoberta! de! Fernando! Pessoa:! novas!
cartas! e! outros! escritos”! [Pierre! Hourcade! and! the! discovery! of! Fernando! Pessoa:! new!
letters! and! other! writings],! in- Pessoa- Plural- –- A- Journal- of- Fernando- Pessoa- Studies,! n.º! 9,!
Primavera,!pp.!399;495.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 724


The Website of Disquiet:
the first online critical edition of Fernando Pessoa
Nicolás Barbosa* & Carlos Pittella**

PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito [orgs.] (2017). LdoD Archive / Arquivo LdoD / Archivo
LdoD [collaborative digital archive of the Book of Disquiet by Fernando Pessoa.] Centre
for Portuguese Literature at the University of Coimbra (CLP), 723 encoded fragments
<https://ldod.uc.pt/ | accessed on 16 November 2017>.

With no demerit to the various critical editions of Fernando Pessoa published this
year, we may say that 2017 was the year of the Book of Disquiet. In the second half
of the year, almost simultaneously, the prose masterpiece of Pessoa ventured into
two very different territories, with wide implications for Pessoa's reach as an
author: a new English translation by Margaret Jull Costa exquisitely published by
New Directions, one of the world's leading literature publishing houses; and the
LdoD Archive (LdoD as short for Livro do Desassossego), a digital collaborative and
comparative edition that is nothing short of revolutionary for Pessoan studies. This
first online critical edition of Fernando Pessoa, developed and hosted by the
University of Coimbra, Portugal, is the focus of this review.
LdoD is a multifaceted object: it is a new edition, in digital form, of Pessoa's
Book of Disquiet; it is a portal in which all previous editions of this book may be
compared in a variety of ways; it is an archive of high-resolution facsimiles of all
original documents pertaining to the project, for the first time accessible to the
public; it is a virtual platform through which a user may create her own anthology
of Pessoa's book; and, lastly, it is a transparent initiative that shares not only its
main product, but also vast documentation of its process (an invaluable by-
product for anyone interested in Digital Humanities).
The field of Digital Humanities is perhaps the fastest growing area of
interest in the Humanities, covering online courses and journals, as well as digital
archives and editions. Since the pioneering publication in 1999 of Radical Scatters,
an electronic archive of Emily Dickinson's envelope poems and other late
fragments, a new horizon has opened for critical editions: to develop platforms
that recreate online the experience of navigating complex oeuvres, such as the ones
Dickinson and Pessoa left us. Being nonlinear by nature, the emblematic works of
those two authors lend themselves well to a digital reading experience, in which
the path is as important as the product. As the editors of Radical Scatters put it,

* PhD student; Brown University, Department of Portuguese and Brazilian Studies.


** Brown University, Department of Portuguese and Brazilian Studies; University of Lisbon, Center
for Theatre Studies (CET).
Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
borrowing a keyword from Paul Virilio (1997: 24), a “The hypertext archive offers a
new site for an exploration of trajectivity,“ a concept proposed to play with and
transcend the dialectics between objectivity and subjectivity.
Any description of the navigation experience of LdoD—or at least one that
intends to be coherent with the way the project conceives itself—inevitably pays
heed to two features made prominent in the website: mutability and immersion.
By the former we refer to the site’s ongoing recreation of a sense of uniqueness and
infinitude, that is, of the impression that no two navigation experiences will ever
be the same. This is evident right from the start: the homepage (composed of a
brief description of the project followed by links to the site's five main sections:
“Reading,” “Documents,” “Editions,” “Search,” and “Virtual”) is introduced by a
random quote, from the Book of Disquiet, that changes every time the site is
refreshed or re-entered (Fig. 1). This rotating quote not only makes room for
literary interpretation, as a common epigraph would, but also is accompanied by a
link to the entire fragment where it is originally found. This means that the first
and most visible link users encounter is one which immediately takes them to the
gist of the site: any random fragment that inevitably blurs the notion of a starting
point. Thus, by entering the site, users are only one click away from finding
themselves amongst the labyrinthine abundance of the Book of Disquiet.

Fig. 1. LdoD homepage, detail with random quote.

By definition, paper editions fail to reproduce this exact sense of mutability


and instant immersion provided by the online nature of LdoD. These features also
suggest that a sequential description of the navigation would not do justice to the
spirit behind this website. Although the homepage header does allow for a more
linear navigation, our description will instead try to reproduce how the layout
pushes readers into a rather sinuous experience.
Users that were to click on the initial quote would end up amidst the
deliberate disquiet of the “Reading” section, whose layout reinforces the idea of

a
VIRILIO, Paul (1997). Open Sky, translated by Julie Rose. London: Verso.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 726


Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
each fragment's mutable ordering. A single shot for each of the book's 723
fragments shows their location within each of the four paper editions. For instance,
the layout allows users to read the entire text titled “Nunca deixo saber às minhas
sensações” while realizing that it is 296th according to the sequence proposed in
Jacinto do Prado Coelho’s edition, 138th in Teresa Sobral Cunha’s, 370th in Richard
Zenith’s, and 46th in the one edited by Jerónimo Pizarro (Fig. 2). Moreover, going
from one fragment to the next is an exercise on exponential possibilities. Following
our previous example: a reader may choose to stay in the sequence established by
Prado Coelho and read his next or previous fragment, or change the course
entirely by reading the next or previous fragment in any of the other three editions.
Rarely will any of these choices lead to the same piece. Thus, any attempt to follow
a sequential order (intending to read, for instance, any edition’s texts 1, 2, 3…) will
inevitably be accompanied by at least six alternatives to deviate the course of
reading. The possibility of going back and forth between alternative sequences
conveys an immediate sense of the difficulties behind the Book of Disquiet’s
editorial process, while replacing a diachronic hierarchy with a horizontal dialogue
among all editions.

Fig. 2. LdoD Reading of Fragment #46 in Pizarro's ed.

The site also offers the possibility of an individual analysis of each edition.
In the section “Editions,” users encounter a list of titles that correspond to the
fragments in each editor’s sequence. Yet, once again, this apparently linear section
lures the reader into ever-changing ways of navigating the archive. Each item in
the list provides two reading options: the title itself is a link to the corresponding
text as laid out in the “Reading” section (previously described), and a second link
takes readers to the same text as displayed in a third section: “Documents.” This
last alternative displays fragments along with all genetic transcriptions of
autographs and published material (Fig. 3). Unlike the “Reading” section, which
favors sequential differences among editions, the “Documents” section highlights
textual variations and offers the possibility of overlapping transcriptions in a single
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 727
Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
shot, so we may compare all versions—original documents and publications by
Pessoa, as well as posthumous editions.

Fig. 3. LdoD Document BNP/E3, 4-84r.

By providing enough freedom to design their own reading experience, LdoD


wills users to become virtual editors. Reader autonomy is reinforced both by the
“Search” section (supporting simple or advanced queries based on editions, dates,
or keywords, among other criteria), and by the “Virtual” function. The latter stands
as one of the most advantageous features of online platforms and perhaps the
ultimate contribution of this project: openness to user response (Fig. 4). Through
“Virtual,” users are able to create their own editions of the Book of Disquiet, by
curating fragments based on any criteria and from any of the prior editions
featured. Thus, the platform's openness to users mirrors the way it invites us to
read the paper editions, and by doing so, LdoD is highly coherent: it abides to the
same standard of mutability that governs its arrangement of previous editions.
Ultimately, the website dismantles our “anxiety for unity,” a term conceived by
Jerónimo Pizarro, who has advocated for representing the multiplicity and
fragmentation of the creative process (PIZARRO, 2016: 288) b. As LdoD manages to
prove, the acknowledgment of the author as only one of the entities responsible for
the text does facilitate a fruitful reading experience.

Fig. 4. LdoD “Virtual” option: create your own edition.

b PIZARRO, Jerónimo (2016). “A ansiedade da unidade: uma teoria da edição.” LEA—Lingue e


letterature d’Oriente e d’Occidente, n.o 5, 284-311.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 728


Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
Behind all these innovative features—and making them possible through a
language that both humans and machines may understand—LdoD makes use of
TEI (Text Encoding and Interchange). Developed since 1988 by the Text Encoding
Initiative Consortium, the TEI guidelines are definitions of elements and attributes
in XML (Extensible Markup Language). One may say that TEI constitutes the
semantics, while XML, the syntax of the language used by LdoD.
Besides the aforementioned Radical Scatters, other projects have made
productive use of TEI to represent archives, including digital editions of works by
Whitman (1995-2017), Beckett (2011-2016), Austen (2012), Thoreau (2013); Shelley
& Godwin (2014-2015), Zerklaere (2015-2016), and Goethe (2016-2017). c Now,
Pessoa's LdoD (2017), while influenced by those previous works, has decisive TEI
innovations, particularly in its meticulous parallel representation of editions. As
the LdoD editors explain:

our TEI encoding schema involved the parallel segmentation method and the definition of
a critical apparatus which treats all transcriptions as textual variations. [...] all variations
(whether they occur in the autographs or in the editions) are processed at the same level.
This encoding decision expresses the theoretical principle that underlies the LdoD Archive:
that of showing the Book of Disquiet as both authorial project and editorial project, making it
possible to observe the transformation of the archive into editions as a dynamic process of
generation of textual variations.

(PORTELA et al., 2017: LdoD ”Encoding” page)

This clarity of purpose was developed through a series of papers, in which


Manuel Portela and António Rito Silva (respectively credited as editor and
software architect of LdoD) honed key concepts with a view to making the most of
TEI. Besides the initial formulation of the project in ”Nenhum problema tem
solução,” d three articles should be highlighted: ”A model for a virtual LdoD,” e
”TEI4LdoD,” f and ”Encoding, Visualizing, and Generating Variation in Fernando
Pessoa’s Livro do Desassossego.” g Taken into consideration with an XML file
annotated by the project team, these essays create a body of knowledge with

c
This is not an exhaustive list of digital editions using TEI.
d
PORTELA, Manuel (2013). “'Nenhum problema tem solução': um arquivo digital do Livro do
Desassossego.” Matlit: Revista do Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura, vol. 1, n.o 1.
e
PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito (2014). “A model for a virtual LdoD.” Literary and Linguistic
Computing, vol. 30, issue 3.
f
SILVA, António Rito; PORTELA, Manuel (2015). “TEI4LdoD: Textual Encoding and Social Editing in
Web 2.0 Environments.” Journal of the Text Encoding Initiative, issue 8.
g
PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito (2016). “Encoding, Visualizing, and Generating Variation in
Fernando Pessoa’s Livro do Desassossego.” Variants, 12-13.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 729


Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
implications for all future editions of Pessoa, whose manuscripts pose every
possible encoding challenge. They contribute towards a conversion table between
TEI and the symbols used in print critical editions. To illustrate this point, we may
juxtapose some TEI elements with critical symbols common in print:

Descriptions Critical Symbols TEI Elements & Attributes

Deletion <deleted text> <del rendition="overstrike">deleted text</del>


*Another possible value used: "overtyped".

Additions ↑ word <add place="above">addition</add> word


(supralinear and
sublinear, in these ↓ word <add place="below">addition</add> word
examples)
*Other possible values used: "inline" | "top" | "bottom" | "margin".

Substitution ↑ <subst>
(by deletion + <del rendition="overstrike">deleted</del>
supralinear addition <add place="above">added</add>
in this example) </subst>

Variations *Normally, given as a <app type="substantive">


(across table of divergent
transcriptions) <rdg wit="#Fr1.ED.X">one way to read</rdg>
previous readings
(separate from the <rdg wit="#Fr1.ED.Y">another way</rdg>
critical genetic <rdg wit="#Fr1.ED.Z">and yet another one</rdg>
apparatus). </app>

Open Variants ↑ <app type="substantive">


(created by the
author in a single <rdg varSeq="1" wit="#FP">var. inline</rdg>
document) <rdg varSeq="2" wit="#FP"><add
place="above">var. above </add></rdg>
</app>

Perhaps the most evident TEI contribution by LdoD is the elegant encoding
of variations, which turns the differences of transcriptions (normally a monotonous
table hidden in books) into an illuminating experience: to navigate a text in all its
complexity and interact with its editorial history. The variations, often flagged as
errors in heated debates among editors, suddenly become a treasure, offering
insights into the original documents, as well as into different editorial
philosophies. In short, LdoD elevates the critical apparatus from annex to fulcrum.
In inviting us to rethink the traditional critical apparatus, LdoD also
contributes to the development of TEI itself, notably in the question of how to code
open variants. Here we must clarify that open variants are alternative segments left
undecided by an author in a single manuscript, as the words ”rancor” (typed
inline) and ”torpor” (sublinear handwritten addition) in the following example:

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 730


Barbosa & Pittella The Website of Disquiet

Fig. 5. BNP/E3, 1-50r, detail.

These variants are different from the aforementioned variations, which in


turn are editorial and do not necessarily spring from authorial variants (for
example, editors may employ idiosyncratic orthographic conventions or transcribe
the same semi-legible word differently, resulting in variations independent from
variants). In an article already mentioned, the editors explain the matter further:

Authorial and editorial textual versions are treated as variants and variations for encoding
purposes. The <rdg> TEI element stands for reading and is used to represent both authorial
and editorial micro variations. The editions and authorial sources are referred through the
“wit” attribute.

(PORTELA and SILVA, 2016) h

In TEI, variations are normally the matter of the <app> element (short for
apparatus) and specified by <rdg> sub-elements (short for readings), while open
variants constitute, truly, an open question, with as many solutions as there are
digital editions. However, there are still not many digital editions in which
variants pose a crucial question. If online editions such as the ones of Beckett and
Goethe rely on texts published during the lifetime of their authors to hierarchize
variants, in the case of Pessoa we are dealing mainly with works published
posthumously (or even still unpublished); thus, we do not have the luxury of
knowing, among open variants, which ones the poet would have eventually
chosen (to complicate matters, sometimes Pessoa would amend texts published
during his lifetime, creating another set of variants). The editors of LdoD discuss
the example presented in Fig. 5:

The marking up of variants is rendered through the simultaneous presence of the


alternatives in a different color from the rest of the text. Besides, when you mouse over
each variant, the associated probability value appears. This value results from the division
of the unit by the number of textual variants. In the first paragraph of BNP/E3 1-50r, for
example, the interface shows the variants “rancor” and “torpor” with a probability of being
excluded of 0.5 each (“excl 0.5”). When there are three variants, the distribution is usually a
combination of 0.3, 0.3 and 0.4.

(PORTELA et al., 2017: LdoD “encoding” page)

h
Idem.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 731


Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
In the case of the variants ”rancor” and ”torpor” (from Fig. 5), we would
argue for different values (0.49 and 0.51 respectively), as the mere existence of a
second variant implicates some hesitation of the poet regarding the first (thus, the
certainty over the second option would be arguably higher). Regardless of how
one measures certainty here, though, the question posed by LdoD is important, and
its contribution, invaluable.
It is hard to find things to criticize in a critique of LdoD, as we are still trying
to grasp the new editorial horizon it reveals. Even the website aesthetics is
thoughtful and groundbreaking, drawing inspiration from typefaces used during
Pessoa's lifetime—as becomes clear if one juxtaposes a fragment of the Book of
Disquiet published in 1932 and the fonts used in LdoD's homepage: note how the
capital ”R” and ”D” from the publication reappear in the website.

Figs. 6 to 8. Fragment published in Revolução (n.º 74.1) and homepage of LdoD (details).

LdoD is, overall, a watershed in the editorial fortune of Pessoa, and its
legacy is clear: no future edition will be able to avoid its shadow, nor should it, as
there are many lessons to learn from the new home of the Book of Disquiet.

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 732


Drama%em%Gente:"
Review&of&George&Monteiro’s&The$Pessoa$Chronicles&
"
Frank X. Gaspar*
&
MONTEIRO," George" (2016)." The% Pessoa% Chronicles:" Poems,% 198082016." Willimantic" [CT]:" Bricktop"
Hill"Books,"352"pp."
"
The$Pessoa$Chronicles&is&a&volume&that&threatens&to&burst&at&the&seams.&It&comprises&
516& poems& written& over& the& span& of& 36& years,& and& Pessoa& is& everywhere& in& it,&
inhabiting& not& only& his& familiar& heteronyms& Alvaro& de& Campos,& Ricardo& Reis,&
Alberto& Caeiro& and& Bernardo& Soares& but& also& inhabiting& George& Monteiro& the&
author& who& by& some& great& alchemy& brings& a& sense& of& order& to& what,& in& a& lesser&
hand,&would&fly&apart&from&its&own&centrifugal&forces.&Monteiro&conducts&the&many&
voices&like&the&master&that&he&is,&and&more&often&than&not,&we&hear&him&going&toe&to&
toe&with&that&other&Master,&that&sly&and&slippery&modernist&who&pretended&to&elude&
notice& even& as& he& craved& recognition.& Pessoa& seems& to& have& achieved& both& his&
temporal& obscurity& and& then& great& fame,& and& the& Chronicles& encompass& virtually&
everything&and&everyone&he&touched&during&his&life&and&after&his&death.&
George&Monteiro&is&known&for&his&translations,&critical&essays&and&numerous&
books& on& both& American& and& Portuguese& literature& including& The$ Presence$ of$
Camoes,$Elizabeth$Bishop$in$Brazil$and$After,$Fernando$Pessoa$and$19th$Century$Anglo@
American$Literature,$There’s$no$Word$for$Saudade,&and&many&others.&But&Monteiro&is&
also&a&memoirist&(38$School$Street)&and,&significantly,&a&poet&(As$the$Crow$Flies,&The$
Double$Weaver’s$Knot,&and&The$Coffee$Exchange).&And&while&he&brings&with&him&his&
vast&critical&and&historical&knowledge&of&everything&Pessoa,&it&is&not&Monteiro&the&
scholar& but& Monteiro& the& poet,& with& his& imagination& and& creative& sensibility,& who&
gains& entry& into& the& minds& and& spirits& of& not& only& Fernando& and& his& coterie& of&
heteronyms,& but& a& host& of& others:& artists,& writers,& friends& and& more—you& could&
wear& a& pencil& down& to& a& nub& just& jotting& down& the& names& and& associations,&
descriptions&and&particulars&that&make&this&book&a&marvel.&
Here&is&the&first&poem&of&the&Chronicles,&written,&we&know,&on&July&11th,&1980&
because& unlike& Pessoa,& Monteiro& organizes& every& poem& by& date,& to& be& kept& in&
folders& that& will& hold& the& organized& contents& of& the& book.& No& messy& baú& for&
Monteiro.& But& one& cannot& help& noticing& that& the& date& approaches& some& sort& of&
concordance& (almost)& with& Pessoa’s—that& is,& Alvaro& de& Campos’s& unusually&
dated—“Salutation&to&Walt&Whitman,”&June&11th,&1915.&&
&

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*&Graduate&Writing&Program&at&Pacific&University,&Oregon.&
Gaspar Drama em Gente
Surface$Noise$
&
It$scares$me,$this$life$
I$can’t$face$up$to.$In$
fact,$while$I$can’t$
entirely$bring$it$off,$I$
do$better$facing$it$down.$
I’m$an$aggressive$son@$
of@a@bitch,$but$it’s$a$
touch@and@go$existence$
I$allow$myself.$Or$is$it$
the$touch@and@go$myself$
that$allows$the$other—$
the$me$I$am—this,$
and$only$this$much?$
Who$speaks$for$me$now$
or$through$me?$Is$it$
Fernando$Pessoa,$his$
orthonymic$self,$sporting$
with$me,$or$is$it$one$$
of$his$sweaty$heteronyms$
scraping$out$a$horned@bottom$
scapegoat,$who$can’t,$or$
won’t,$cry$foul?$
&
“It& scares& me,& this& life& |& I& can’t& face& up& to…”& This& starts& as& a& slender& piece& of&
introspection& that& we& might& see& from& a& contemplative& writer& at& any& particular&
junction&in&life.&With&Monteiro&one&can&infer&the&middle&of&the&journey,&but&his&dark&
wood,&in&this&case,&is&identity,&and&as&we&read&further&we&see&it&is&an&identity,&if&not&
completely&vexed,&then&surely&complicated,&remarkably,&by&the&presence&of&Pessoa&
(it&is&impossible&not&to&borrow&those&last&three&words&from&Monteiro).&What&makes&
this& poem& significant& in& its& position& in& the& book& is& that& the& introspective& voice&
reaches& beyond& the& confines& of& the& self& (that$ self,& at& least)& when& Pessoa& enters& the&
question.&Monteiro&is&thinking,&not&so&much&about&Pessoa&as&subject,&but&personally&
and& compositionally& using& Pessoa& as& a& sling& to& propel& Monteiro& himself& into& a&
journey& of& self& and& identity,& and& he& includes& reference& to& the& “sweaty&
heteronyms”—in& the& literary& sense& of& course,& but,& tellingly,& in& a& personal& mode.&
This&poem&introduces&subtly,&yet&at&the&same&time&quite&vividly,&the&engine&of&the&
book:& Pessoa& and& his& life& and& times,& his& literary& reputation& and& the& heteronyms,&
will&accompany&Monteiro&in&a&complementary&excursion.&Monteiro&searches&for&his&
self&(or&selves)&by&immersion&in&the&complicated&nexus&of&names&and&identities&that&
are&Fernando&Pessoa.&And&Pessoa&speaks$to&and&through&Monteiro&(and&therefore&
us).&It&is&a&give&and&take&carried&out&in&a&way&that&no&other&American&Poet&or&writer&
that&I&can&think&of&would&be&equipped&for.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 734


Gaspar Drama em Gente

Let&us&get&briefly&to&those&“sweaty&heteronyms.”&It&is&fair&to&say&that&much&of&
Pessoa’s&post&mortem&notoriety&stems&from&his&heteronyms&which,&he&is&careful&to&
point& out,& are& distinct& personalities& with& varying& points& of& view,& unlike&
pseudonyms,& which& are& simply& the& writer’s& auxiliary& names.& Pessoa& in& several&
places& speaks& to& the& incubation& and& birth& of& the& principal& three.& Part& of& their&
longevity,& I& think,& is& their& constant& binary& nature:& we& know& that& they& are& both&
Pessoa& and& entities& quite& separate& from& Pessoa& at& the& same& time.& We& cannot& help&
but& hear& this& binary& nature& of& the& speakers.& Pessoa,& in& one& of& his& several&
explanations&of&the&heteronyms,&cited&King&Lear&and&Shakespeare&as&an&analogy,&in&
a& letter& to& Armando& CôrtescRodrigues& in& 1915.& When& Lear& speaks,& we& hear& Lear.&
When&Lear&speaks&we&hear&Shakespeare.&Pessoa&of&course&takes&this&drama&at&least&
one&step&further.&He&walks&and&talks&with,&lives&with,&the&heteronyms.&But&so&too&
does& George& Monteiro.& He’s& going& to& spend& a& long& time& wandering& among& them.&
Here,&addressing&Pessoa&himself&on&June&20th,&1986,&he&makes&short&work&of&them&in&
order:& Ricardo& Reis,& the& doleful& Epicurean;& Alberto& Caeiro,& The& unintentional&
“master”&of&them&all;&and&Alvaro&de&Campos,&the&blasé&sensationalist&(and&smoker&
of&opium).&
&
Parthenogenesis$$
$
One,$two,$three,$born$
just$like$that,$each$his$
$
own$man,$all$internal$
network$loyalties$not$
$
withstanding,$Reis$
Caeiro,$Campos—a$
$
hat$trick$if$there$ever$
was$one,$profligacy$
$
indeed$for$a$poet$who$
owned$no$more$than$
$
one$hat—never$black—$&
at$any$given$moment$$
$
Monteiro& shows& his& colors& here,& and& his& wit& (a& hat& trick& is& one,& two,& three&
goals& in& the& game& of& hockey—Monteiro& is& from& Providence& after& all),& and& then&
turns&a&triplecaxle&pun&by&bringing&Pessoa’s&actual&hat&into&the&poem).&And&if&you&
hear& a& certain& tone& of& voice& in& that& poem,& I& would& agree& with& you.& A& gesture&
toward& snark& perhaps.& Monteiro& begins& the& book& bold& and& as& the& years& progress&
becomes&bolder.&Monteiro&is&not&afraid&of&these&guys;&he’s&as&tough&and&versatile&as&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 735


Gaspar Drama em Gente

they&are.&Here&is&Monteiro&appropriating&the&voice&of&God&(and&His&sarcasm—see&
Job)&as&he&interrogates&the&poet&in&1991:&&
&
From&Politics$and$Ideology&
&&
Tell$me$Fernando,$if$you$can,$why$bother$with$a$narrative$if$
the$payoff$is$to$knock$off$a$poet,$eased$into$being,$ode$by$ode.$&
&
I&would&assume&this&pique&derives&from&Pessoa’s&announcing&the&death&of&Alberto&
Caeiro&in&1915.&The&two&other&heteronyms&in&the&triumvirate&appear&to&have&died&
with&Pessoa&in&1935,&although&they&could&have&survived&him.&Ricardo&Reis,&at&least,&
seems&to&have,&according&to&the&investigations&of&José&Saramago.&&
There& are& other& heteronyms,& of& course.& Bernardo& Soares,& putative& writer& of&
The$ Book$ of$ Disquietude& is& one.& There& are& close& to& eighty& others& if& you& count& some&
that&Pessoa&listed&but&never&developed.&Several&are&more&like&“imaginary&friends”&
in& his& youth.& Monteiro& is& smart& enough& to& not& get& bogged& down& though.& He’s&
having&fun,&nudging&Pessoa,&needling&him&here&and&there&and&riffing&off&the&poet’s&
work&and&life.&Throughout&the&Chronicles&there&is&homage&and&extension,&irony,&and&
humor.&
There&is&some&precedent&for&this&treatment&of&Pessoa.&We&learn&about&it&from&
some&of&Monteiro’s&own&vast&scholarship.&Most&American&poets&who&have&gotten&
past& “Howl”& and& “A& Supermarket& in& California,”& are& familiar& with& Allen&
Ginsberg’s&“Salutations&to&Fernando&Pessoa.”&Monteiro&includes&a&passage&from&it&
for& perhaps& more& general& readers& in& his& essay& “Barbaric& Complaint.”& Ginsberg& is&
characteristically& over& the& top& in& his& humor.& Here& are& a& couple& of& clips& from& his&
long&poem:&&
&
What$way’m$I$better$than$Pessoa?$
Known$on$four$continents$I$have$25$English$books$he$only$3$
his$mostly$Portuguese,$but$that’s$not$his$fault$
U.S.A.’s$a$bigger$country$
&
and&later:&
&
$Besides$he$was$a$shrimp,$himself$admits$in$interminable$“Salutations$
$Walt$Whitman”$
$whereas$5’$7$½$“$height$
$somewhat$above$world$average,$no$immodesty$
$I’m$speaking$seriously$about$Fernando$Pessoa.&
&
In&another&essay,&“Durban&Echoes,”&Monteiro&quotes&the&South&African&poet&
Charles&Eglington&speaking&about&Pessoa’s&hold&on&him:&
&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 736


Gaspar Drama em Gente
&Pessoa$has$a$curious$effect$on$me.$I$begin$to$translate$one$of$his$poems,$and$before$I$know$where$I$am$
I$ have$ abandoned$ the$ translation$ and$ begun$ a$ poem$ of$ my$ own.$ In$ the$ finished$ result$ the$ prima$
anima$ of$ my$ own$ poem$ derives$ from$ the$ theme,$ some$ of$ the$ images$ or$ the$ main$ idea,$ of$ Pessoa’s$
poems.&
&
We& get& a& glimpse& from& these& samples& of& how& Pessoa& can& inspire& humor& at&
his&own&expense&(he&pretty&much&asks&for&it:&witness&the&innumerable&caricatures&of&
him;&the&cover&of&The$Pessoa$Chronicles&sports&a&photograph&of&two&made&of&wire—
you’ll&find&the&name&of&the&artist&in&a&poem&written&Feb.&28th,&2007).&We&also&see&the&
“curious&effect”&that&Pessoa&has&on&other&writers.&Once&you&let&him&into&the&kitchen,&
he&won’t&ever&leave.&And&he&has&sat&in&Monteiro’s&kitchen&for&more&than&thirtycsix&
years.&But&the&intent&of&these&two&examples&is&to&emphasize&scale.&Certainly&Pessoa&
invites& attention& and& apportions& influence,& but& Monteiro,& measured& against& any&
host& of& writers& caught& in& the& poet’s& sway,& is& enormous.& His& humor& is& more& edgy&
than&Ginsberg’s,&more&angular,&and&rises&from&deeper&sources.&And&as&for&a&prima$
anima,$yes,&images,&ideas,&themes,&but&far&more.&Monteiro&inhabits,&at&times,&becomes&
Pessoa,& and& the& effect& is& singular& and& magical.& (And& when& it& comes& to& throwing&
shade,& have& a& look& at& how& Monteiro,& in& Sir$ Francis$ Bacon,& works& a& twelvecline&
sentence& rooted& in& renaissance& detail,& full& of& irony,& and& turning& into& a& plangent&
lamentccumcbonk&you&can&almost&hear&across&a&room&(Pace,&Ginsberg).&&
&
Sir$Francis$Bacon$
$
He$who$took$all$knowledge$to$be$his$province,$
who,$a$jurist,$rendered$honest,$judicious$verdicts$
(but$took$bribes),$and,$who,$an$ever$practical$man$
died$from$complications$linked$to$riding$in$a$cab$
with$a$chicken$in$an$experiment$in$refrigeration,$
an$experiment$tried,$of$course,$after$he$had$written$
every$one$of$Shakespeare’s$words—it’s$no$wonder$
he$caught$the$intense$attention$of$one$who$gave$up$
love$and$marriage$hands$down$for$the$sake$of$his$
“work”$(so$he$said),$one$who$had$no$interest$in$
refrigeration$(as$far$as$we$know),$but$did$risk$it$all$
on$a$single$throw,$a$single$casting$of$the$horoscope.$
$
Sept.$21,$2014$
&
But&becoming&Pessoa!&This&seems&like&dangerous&magic.&On&June&13th,&1986&
something& momentous& happens—albeit& quietly.& As& if& shrugging& off& all& the&
manifold&references&to&him&in&third&person&over&the&years,&Pessoa&speaks:&
& &
Anniversary$
$
Today$I’d$be$ninety@eight$if$not$for$the$drink,$the$kidney$

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 737


Gaspar Drama em Gente
shutdown,$and$God$knows$what$else$that$put$me$away$before$
my$time.$
$
My$remains—all$that$lived$at$the$old$address—have$now$been$
whisked$away$to$Jerónimos.$
$
Life’s$like$that.$Just$when$it$all$seems$settled—once$and$for$
all—you$up$and$move$or$somebody$does$the$moving$for$you.$
To$live$to$ninety@eight,$now$that’s$going$too$far,$but$seventy$or$
seventy@five,$that’s$o.k.$
$
What$a$chest$I’d$have$left$you.$A$fleet$of$chests,$all$of$them$
filled$with$bits$and$pieces,$things$and$puzzles$that$would$amuse$
you$for$a$century,$nay,$a$millennium.$$
$
I$would$have$preferred$but$one$interment,$when$memory$itself$
was$fresh,$rosy,$green.$
&
This& sounds& like& Pessoa,& or—to& my& ear—like& Bernardo& Soares,& but& that’s&
splitting& hairs.& George& Monteiro& has& taken& the& step,& which& in& his& case,& cannot& be&
taken&back.&He&enters&Pessoa.&This&reader&has&the&eerie&feeling&that&he&might&have&
been&lurking&there&for&quite&some&time,&but&I’m&not&ready&to&sell&Monteiro&short&in&
any& case.& This& is& Pessoa,& speaking& from& the& grave,& (nothing& new—regard& Emily&
Dickinson,& Edgar& Lee& Masters,& and& so& forth)& but:& look& at& that& “o.k.”& That’s$
something& different.& A& whiff& of& displacement,& anachronism.& It& pries& a& crack& in& a&
door& that& Monteiro,& with& his& restless& poet’s& imagination& and& his& wit& and& artistry,&
cannot&forbear&breaking&open.&
We’ll&jump&to&Pipe$Dreams&(Dec.&14th,&2015),&a&poem&I&favor&for&its&audacious&
whimsy,&and&for&Pessoa’s&transformed&voice:&
&
&Now$trolling$is$something$I$would$have$done$
$had$the$internet$been$around$in$my$day.$And,$
$of$course,$I$would$have$kept$close$track$of$my$
$enemies,$though$I$would$have$been$chary$with$
$my$own$postings.$WORD$would$have$helped,$
$too,$for$quiet$composition,$labeling$folders,$
$squirreling$away$poems$and$unsent$screeds$in$
$files.$I$could$have$also$have$eliminated$repetition$
$notably$in$the$desassossego$mélange,$which,$
$come$to$think$of$it,$would$have$cost$me$my$
$current$worldwide$reputation$as$artist$and$
$thinker.$Still,$however,$as$Cash$Bundren$
$puts$it,$it$would$have$made$for$a$neater$job.$
$
transformed&only&in&the&sense&that&it&has&now&broken&free&of&all&constraints&of&time&
and&place,&yet&remains&fully&Pessoa&(and&Monteiro).&Enter&the&binary&genius&of&the&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 738


Gaspar Drama em Gente

book,&someone&I&will&dare&to&call&(lacking&all&creativity&on&my&part)&Pessoa@Monteiro.&
Borders& are& breached,& blurred,& erased.& We& have& been& headed& this& way& since& that&
“o.k.”& in& “Anniversary.”& The$ Pessoa$ Chronicles& are,& of& course,& The& Monteiro&
Chronicles&as&well,&and&how&happy&we&are&to&have&them,&for&Monteiro&is&a&virtuoso&
of&voice.&Anachronisms&now&abound,&but&we&do&not&read&them&as&such&because&we&
understand&that&Pessoa&is&now&with&us,&in&our&present,&indeed&he&has&always&been&
with&us,&it&is&one&of&his&uncanny&qualities,&the&man&who&never&was&is&the&man&who&
does&not&go&away.&The&poem&is&daring&and&hilarious.&And&while&we&are&at&it,&let’s&
look& at& that& brief& allusion& to& William& Faulkner!& The& book& is& resplendent& with&
allusions,& all& apt,& witty,& telling,& loitering& in& the& poems& like& cameos& or& walkcons,&
sometimes& occulted& in& delightful& ways& that& make& you& go& back& and& admire& the&
fusion.& Dickens,& Lenin,& Dickinson,& Hemingway,& Shakespeare,& Robert& Frost,& Poe,&
Bernie& Madoff& (!),& Cicero,& and& on& and& on.& This& is& not& Monteiro& being& literary& or&
showing&off.&This&his&how&his&mind&works—or&so&we&think&having&read&his&poems.&
It’s& as& if& he& possesses& some& neural& Alexandrian& library& in& his& head& and& has&
immediate&access&to&everything&in&it.&There&is&no&shelf&he&cannot&reach,&and&for&that&
matter& he& does& not& even& reach.& It’s& as& though& names,& places,& dates,& history,& data&
simply&glide&off&those&shelves&and&flutter&into&his&nimble&arms.&
But& Pipe$ Dreams& attracts& attention& in& another& regard.& It& is& humorous& in& its&
presentation&of&Pessoa&thinking&about&the&modern&conveniences&of&the&scrivener—
Microsoft&Word,&the&Internet,&files&and&folders.&But&when&we&remember&Monteiro’s&
preface& to& this& volume& we& note& he& reveals& a& good& deal& of& his& own& process& (we&
assume& he& writes& with& Word& or& one& of& the& lesser& word& processing& programs),&
dating&his&entries,&organizing&them&in&files&and&folders&as&he&accumulates&the&heft&
of&his&book.&Yes,&Pessoa&is&considering&Monteiro,&rather&wistfully,&imagining&how&
much&better&off&he&would&have&been&if&he&had&Monteiro’s&apparatus.&Wistful&for&a&
while&until&he&pulls&himself&back,&realizing&that&his&own&disorganized&trunk&was&in&
part& responsible& for& his& “worldwide& reputation.”& The& reader& will& find& many& such&
pieces& where& the& “unidentified& voice”& (Monteiro’s& words)& vibrates& with& its& dual&
nature,& Pessoa@Monteiro,& a& mercurial& dialectic—well,& almost& a& dialectic—wherein&
both&locutors&explore&the&vistas&and&limits&of&identity.&&
It’s&hardly&necessary&to&say&that&the&few&samples&I&offer&in&this&small&space&
cannot&possibly&do&justice&to&the&rich&tapestry&of&this&book.&But&I&would&be&remiss&in&
making&an&end&if&I&did&not&go&bit&further&about&what&is&in&store&for&the&reader.&&
There& is& a& great& love& of& the& city& of& Lisbon& that& permeates& this& collection.&
Monteiro& takes& us& down& to& Cais$ do$ Sodré,& Largos$ de$ S.$ Carlos,& the& Baixa,& walking&
through&the&Chiado,&contemplating&sculpture,&exploring&cafés;&and&he&leads&us&back&
to& the& beginnings,& to& the& journals& Orpheu,& and& Presença& and& the& dawning& of&
Portuguese& modernism;& he& peoples& the& poems& with& the& characters& in& and& around&
Pessoa’s&life—SácCarneiro,&Gaspar&Simões,&Vascos&Reis&(!),&Antonio&Ferro,&Miguel&
Torga,& to& name& a& scant& few,& and& not& forgetting& Ophelia,& his& strange,& failed,&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 739


Gaspar Drama em Gente

unconsummated&love&(this&in&a&poem&titled&Portuguese$Letters!&Pure&Monteiro&in&wit&
and&irony).& And&of&course&in&this&generous&volume&there&is&more.&Happily,&much&
more.&
About& Pessoa& we& know& much.& About& Monteiro& we& know& that& his& book&
begins& with& a& question.& “who& speaks& for& me& now& |& or& through& me….?”& In& the&
complex& music& of& the& poems& everyone& speaks& for& and& through& themselves& and&
everyone& else.& It’s& impossible& to& say& what& discoveries& Monteiro& made& over& the&
course&of&36&years&and&500&poems,&but&it&is&a&safe&wager&that&he&is&not&the&person&(or&
persons)&who&began&so&long&ago&with&that&slender&poem.&It&is,&however,&possible&to&
say& that& his& journey& was& epic& in& scale& and& completely& successful& as& art.& If& indeed&
there& is& dialectic& between& the& fused& Pessoa@Monterio,& and& if& dialectic& is& meant& as& a&
system& toward& truth,& than& this& reader& cannot& say& what& truth& comes& to& us& from&
Pessoa& (except,& through& Monteiro,& perhaps& a& more& poetic& manifest& of& his& inner&
being).& With& Monteiro,& who& confronts& Pessoa& in& every& possibility,& in& every& mien,&
who&has&wrestled&with&Pessoa’s&many&identities&and&his&own,&it&seems&inarguable&
that&he&emerges&from&this&36cyear&pilgrimage&with&at&least&one&clear&identity:&He&is&
the& singular& poet& who& brings& Pessoa& and& his& time& more& alive& than& Pessoa& did&
himself.& The$ Pessoa$ Chronicles’$ result& for& its& readers& is& a& magnanimous& gift,&
something&to&give&hours&of&pleasure—and&I&daresay,&raiding&Aristotle,&education,&
edification,& and& entertainment.& George& Monteiro& has& compiled& an& extraordinary&
achievement.&You&will&profit&from&reading&him.&He&contains&multitudes.&

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 740


!

Pessoa,'romancista'em'suspenso'
!
Flávio Rodrigo Penteado*
'
PESSOA,' Fernando' (2017).' A" Porta" e" outras" ficções.' Edição' e' tradução' de' Ana' Maria' Freitas.'
Lisboa:'Assírio'&'Alvim,'288'pp.'
!
Dentre! as! sucessivas! novas! edições! da! obra! pessoana! que! têm! chegado! às!
prateleiras! nos! últimos! anos,! receberam! especial! acolhida! do! público! duas!
coletâneas!organizadas!por!Ana!Maria!Freitas!sob!a!chancela!da!Assírio!&!Alvim,!
no!âmbito!da!coleção!“Obras!de!Fernando!Pessoa”:!O"Mendigo"e"outros"contos!(2012)!
e!A"Estrada"do"Esquecimento"e"outros"contos"(2015).1!O!interesse!dos!leitores!por!elas!
se! deve,! sem! dúvida,! ao! fato! de! revelarem! uma! faceta! até! então! ainda! pouco!
conhecida! do! criador! dos! heterônimos:! a! do! ficcionista! que! extrapola! o! domínio!
das! narrativas! de! sabor! policialesco,! as! quais! notoriamente! fascinavam! o! autor! e!
cuja! compreensão,! aliás,! já! vinha! sendo! ampliada! pela! mesma! investigadora,! seja!
na! tese! de! doutoramento! que! consagrou! ao! assunto,! O" Fio" e" o" Labirinto" –" a" ficção"
policial" de" Fernando" Pessoa! (2016),! seja! no! preparo! de! edições! da! natureza! de!
Quaresma,"Decifrador!(2008).!A!tais!trabalhos,!somaXse!agora!o!recémXlançado!título!
de! que! nos! ocuparemos! aqui,! produto! de! uma! nova! incursão! da! estudiosa! na!
esfera!da!ficção!pessoana.!
Nas! duas! compilações! anteriores,! predominavam! narrativas! quase! sempre!
inéditas! e! de! menor! extensão.! Semelhante! característica! não! se! deve! apenas! ao!
estado! fragmentário! em! que! se! encontravam! –! o! que! por! vezes! obrigou! a!
organizadora!a!propor!soluções!de!reconstituição!textual!que!tornassem!os!contos!
efetivamente! legíveis! –,! mas! corresponde,! também,! à! predileção! de! Pessoa! por!
formas!breves,!de!que!dão!testemunho!passagens!do!Livro"do"Desassossego!como!a!
que!segue:!“Nenhum!drama!de!Shakespeare!satisfaz!como!uma!lírica!de!Heine.!É!
perfeita! a! lírica! de! Heine,! e! todo! o! drama! –! de! um! Shakespeare! ou! de! outro,! é!
imperfeito! sempre”! (PESSOA,! 2014:! 125).! ObservaXse,! aqui,! a! renúncia! ao! modelo!
aristotélico!de!perfeição,!fundamentado!na!proporcionalidade!e!no!encadeamento!
lógico! entre! os! diversos! componentes! da! obra,! à! semelhança! de! um! organismo!
vivo,! uno! e! congruente;! bem! ao! contrário,! o! narrador! favorece! um! ideal! de!
plenitude! que,! para! garantir! a! grandeza! ambicionada! pelo! artista,! implica! a!
preferência! por! pequenas! proporções,! menos! vulneráveis! aos! sinais! de!
imperfeição.!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!de!São!Paulo!(USP),!bolsista!de!doutorado!da!Fundação!de!Amparo!à!Pesquisa!do!
Estado!de!São!Paulo!(FAPESP).!
1! Ambas! resenhadas! por! Jorge! Uribe! em! Pessoa" Plural" –" A" Journal" of" Fernando" Pessoa" Studies,! n.º! 9,!

Primavera,!2016.!
!
Penteado Pessoa, romancista em suspenso

Sob! tais! aspectos,! a! mais! recente! seleta! preparada! por! Freitas! não! deixa! de!
nos!surpreender:!se,!somadas,!as!duas!edições!precedentes!apresentavam!cerca!de!
trinta!narrativas,!o!número!agora!se!restringe!a!nove2;!se!antes!prevaleciam!textos!
não!divulgados!até!à!data,!pouco!mais!da!metade!das!composições!ora!coligidas!já!
são!conhecidas!pelo!leitor!mais!familiarizado!com!a!obra!de!Pessoa,!a!exemplo!de!
“A!Very!Original!Dinner”!e!“A!Hora!do!Diabo”!–!tendo!sido!todas,!naturalmente,!
objeto! de! novas! leituras! ou! mesmo! organização3;! por! último,! mas! não! menos!
importante,! deveXse! ressaltar! o! fato! de! neste! momento! se! exibir! um! conjunto! de!
textos! com! dimensões! mais! largas,! dos! quais! dois! logo! saltam! à! vista,! “Marcos!
Alves”! e! “Reacção”! (este! inédito),! na! medida! em! que! representam! investidas!
(porventura! únicas)! do! autor! no! espaço! do! romance,! modalidade! literária! que! a!
certa!altura!chegou!a!qualificar!como!um!“gênero!secundário”.4!
Em!sua!sucinta!“Nota!Introdutória”,!Freitas!esclarece!tratarXse,!em!ambos!os!
casos,! de! experiências! datáveis! de! 1909! e! que! remontam,! deste! modo,! tanto! ao!
início!da!vida!criativa!de!Pessoa,!no!contexto!de!fundação!da!Empresa!Íbis,!quanto!
ao!período!final!da!monarquia!em!Portugal.!A!situação!política!conturbada!do!país!
à!época!e!o!anseio!de!nela!intervir!assumido!pelo!jovem!escritor!são!elementos!que!
a! pesquisadora! considera! decisivos! para! a! gênese! desse! par! de! romances,!
sobretudo! “Reacção”,! uma! vez! que! este! tematiza! eventos! vinculados! àquela!
conjuntura!sócioXpolítica.!Conforme!ela!argumenta,!decresce!o!impulso!criativo!do!
romancista! tão! logo! é! proclamada! a! República! no! ano! seguinte,! de! modo! que,! ao!
contrário! do! que! viria! a! suceder! com! diversos! projetos! do! autor,! em! maior! ou!
menor!grau!perpetuados!por!décadas,!tal!romance!é!definitivamente!posto!à!parte!
por!ele.!!
Nas!listas!e!projetos!recentemente!compilados!em!O"Planeamento"Editorial"de"
Fernando"Pessoa!(Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda,!2016),!abrangendo!o!intervalo!
de!1913!a!1935,!é!possível!verificar!a!pertinência!da!tese!sustentada!por!Freitas:!não!
há! nenhuma! referência! a! “Reacção”! e! apenas! duas! a! “Marcos! Alves”,! em!
documentos!datáveis!de!1914!e!1920.!Ainda!de!acordo!com!a!estudiosa,!se!os!dois!
romances! se! distinguem! entre! si! quanto! à! natureza! –! o! primeiro! é! marcado! pelo!
ímpeto! intervencionista! e! o! segundo! propõeXse! à! sondagem! interior! –,! ambos! se!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2! São! elas:! “A! Porta! [The! Door]”;! “Um! Jantar! Muito! Original! [A! Very! Original! Dinner]”;!
“Czaresko”;!“Os!Olhos!ou!o!Teatro!Ximéra![The!eyes!or!Le!Théatre!Ximéra]”;!“Reacção”;!“Marcos!
Alves”;!“A!Tortura!pela!Escuridão”;!“O!Livro!do!Rei!Igorab”;!“A!Hora!do!Diabo”.!O!volume!inclui!
a!versão!original!em!inglês!dos!textos!assim!redigidos!por!Pessoa,!traduzidos!para!português!por!
Freitas.!
3
!RegistramXse,!na!sequência,!os!dados!referentes!à!primeira!publicação,!no!todo!ou!em!parte,!dos!
seguintes! textos:! “The! Door”! (PESSOA,! 1988;! PESSOA,! 2006);! “A! Very! Original! Dinner”! (PESSOA,!
1988);! “Czaresko”! (PESSOA,! 1986);! “Marcos! Alves”! (PESSOA,! 2006);! “A! Hora! do! Diabo”! (PESSOA,!
1997).!!
4!Em!fevereiro!do!ano!corrente,!a!organizadora!do!volume!já!havia!chamado!a!atenção!para!este!par!

de! textos,! analisandoXlhes! alguns! aspectos! em! comunicação! proferida! na! Fundação! Calouste!
Gulbenkian,!recentemente!divulgada!online;!cf.!FREITAS,!2017.!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 742
Penteado Pessoa, romancista em suspenso

inserem!perfeitamente!na!linha!evolutiva!da!obra!pessoana:!um!se!associa!a!textos!
de! caráter! panfletário! da! espécie! de! “Aviso! por! Causa! da! Moral”! e! “Sobre! um!
Manifesto!de!Estudantes”,!bem!como!anuncia,!em!alguma!medida,!a!personagemX
título! de! “O! Banqueiro! Anarquista”,! ao! passo! que! no! outro! ecoam! as! meditações!
existenciais!de!relatos!como!“A!Carta!da!Corcunda!ao!Serralheiro”!e!“Uma!Carta!
da! Argentina”! (esta! recolhida! em! A" estrada" do" esquecimento" e" outros" contos),! A"
Educação" do" Estoico! (no! qual! igualmente! comparece! a! temática! do! suicídio;! cf.!
Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda,!2007)!ou!mesmo!do!Livro"do"Desassossego.!
Embora! a! presente! coletânea! já! se! justificasse! por! si! mesma,! em! vista! da!
lacuna!editorial!relativa!ao!Pessoa!ficcionista,!a!interlocução!que!ela!possibilita!com!
outras!criações!do!autor!constitui,!por!certo,!um!dos!atrativos!do!volume.!No!conto!
que!ganha!destaque!no!título!da!publicação,!por!exemplo,!originalmente!redigido!
em!inglês,!exploramXse!os!tópicos!da!loucura!e!da!fluidez!entre!sonho!e!realidade,!
recorrentes! no! universo! pessoano;! o! relato! também! reverbera,! no! entanto,! textos!
evocados!com!menos!frequência:!“Uma!batalha,!um!jantar,!um!olhar,!um!beijo!—!
cada! uma! d’estas! cousas,! porque! é! uma! cousa! é! um! ente,! uma! pessoa,! de! certa!
maneira! de! carne! e! osso”,! lêXse! no! apontamento! intitulado! “Occult! or! a! Static!
Drama”! [Ocultismo! ou! um! drama! estático]! (cf.! PESSOA,! 2017:! 278X279);! já! em! “A!
Porta”,! o! narrador,! obcecado! pelo! objeto! em! questão,! sentencia:! “Profunda! e!
irracionalmente,! considerava! a! porta! uma! pessoa”.! Da! mesma! forma,! a! própria!
organização! do! volume! proporciona! diálogos! que! seriam! pouco! evidentes! em!
outro! contexto:! quando! a! figura! central! de! “A! Hora! do! Diabo”! informa! a! sua!
interlocutora! ser! chamada! de! “Reacção”! pelos! “livres! pensadores”,! é! difícil! não!
vincular!tal!passagem!ao!romance!mencionado!anteriormente.!
Dentre! os! contos! inéditos,! “Os! Olhos! ou! o! Teatro! Ximéra”! (composto! em!
inglês!por!Pessoa)!e!a!“A!Tortura!pela!Escuridão”!recuperam!a!atmosfera!de!horror!
e!de!especulação!filosófica!já!presente!nas!coletâneas!anteriores,!cabendo!destacar,!
por! esse! motivo,! “O! Livro! do! Rei! Igorab”,! o! qual! toma! a! forma! do! livro! sagrado!
redigido! pela! personagem! do! título.! Ainda! em! termos! formais,! não! é! possível!
ignorar!a!presença,!no!inacabado!romance!“Reacção”,!de!um!extenso!bloco!textual!
que! se! configura! como! autêntico! diálogo! dramático! (didascálias! inclusas),! o! que!
tanto!pode!apontar!para!a!tendência!de!Pessoa!em!desestabilizar!fronteiras!entre!os!
gêneros!literários!–!hipótese!aventada!por!Freitas!na!comunicação!já!mencionada!–,!
como! para! a! possibilidade! de! o! autor! desdobrar! o! motivo! do! texto! em! obra!
dramatúrgica!autônoma,!modalidade!igualmente!exercitada!por!ele!durante!toda!a!
vida.!
É! inequívoca,! portanto,! a! importância! desta! nova! edição! de! ficções! de!
Fernando! Pessoa.! Por! isso! mesmo,! é! oportuno! salientar! a! reincidência! de!
problemas!de!revisão!nas!versões!em!português!que!acompanham!os!originais!em!
inglês,! cujo! texto! foi! impecavelmente! estabelecido.! Se! há! casos! em! que! os! lapsos!
podem!ser!solucionados!sem!dificuldade!pelo!leitor!(como!nas!páginas!21,!27!e!31),!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 743


Penteado Pessoa, romancista em suspenso

há! outros! em! que! teria! sido! bemXvinda! a! revisão! por! um! profissional!
especificamente!contratado!para!tal!fim!–!incumbência!da!Assírio!&!Alvim,!e!não!
da! organizadora! do! volume,! claro! está),! a! exemplo! do! que! se! verifica! no! último!
parágrafo!da!página!59,!em!que!o!texto!traduzido!soa!truncado!em!comparação!ao!
original.! Semelhantes! deslizes,! no! entanto,! em! nada! diminuem! o! valor! deste!
volume,! que! desde! já! se! afirma! como! uma! relevante! contribuição! para! ampliar! a!
compreensão!da!obra!pessoana.!
!
Bibliografia'
!
FREITAS,! Ana! Maria! (2017).! “Matar! o! Rei! –! Reacção! ou! Revolução”,! in! Congresso" Internacional"
Fernando" Pessoa" [9,! 10,! 11! de! Fevereiro].! Anais! eletrônicos.! Lisboa:! Casa! Fernando! Pessoa,!
pp.!56X67.!Consultado!em!15!de!nov.!de!2017.!Disponível!em:!http://casafernandopessoa.cmX
lisboa.pt/fileadmin/CASA_FERNANDO_PESSOA/CFP_ACTAS_2017.pdf.!!
_____! (2016).!O"Fio"e"o"Labirinto:!a"ficção"policial"de"Fernando"Pessoa.!Lisboa:!Edições!Colibri.!
PESSOA,!Fernando!(2017).!Teatro"Estático.!Edição!de!Filipa!de!Freitas!e!Patricio!Ferrari;!colaboração!
de!Claudia!J.!Fischer.!Lisboa:!TintaXdaXchina.!
_____! (2015).! A" Estrada" do" Esquecimento" e" outros" contos.! Edição! e! tradução! de! Ana! Maria! Freitas.!
Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!
_____! (2014).!Livro"do"Desassossego.!Edição!de!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!TintaXdaXchina.!
_____! (2012).!O"Mendigo"e"outros"contos.!Edição!de!Ana!Maria!Freitas.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (2008a).! Quaresma," Decifrador:" as" novelas" policiárias.! Edição! de! Ana! Maria! Freitas.! Lisboa:!
Assírio!&!Alvim.!
_____! (2008b).! A" Educação" do" Stoico.! Edição! Crítica! de! Jerónimo! Pizarro.! Lisboa:! Imprensa!
NacionalXCasa!da!Moeda.!!
_____! (2006).! Escritos" sobre" Génio" e" Loucura.! Edição! crítica! de! Jerónimo! Pizarro.! Lisboa:! Imprensa!
NacionalXCasa!da!Moeda.!
_____! (1997).!A"Hora"do"Diabo.!Edição!de!Teresa!Rita!Lopes.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (1988).! Um" Jantar" Muito" Original" seguido" de" A" Porta.! Edição! e! tradução! de! Maria! Leonor!
Machado!de!Souza.!Lisboa:!Relógio!D’Água.!!
_____! (1986).!Obra"Poética"e"em"Prosa.!Organização!de!António!Quadros;!tradução!de!Maria!Leonor!
Machado!de!Souza.!Porto:!Lello!&!Irmão!Editores.!!
SEPÚLVEDA,!Pedro!&!URIBE,!Jorge!(2016).!O"Planeamento"Editorial"de"Fernando"Pessoa.!Colaboração!de!
Pablo!Javier!Pérez!López.!Lisboa:!Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda.!

Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 744

Você também pode gostar