Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
o 12
GUEST EDITOR
Ricardo Vasconcelos
EDITORS-IN-CHIEF
Onésimo Almeida
Paulo de Medeiros
Jerónimo Pizarro
Special Issue:
New Insights into Portuguese Modernism
from the Fernando Távora Collection
Table&of&Contents&
Issue%12,%Fall%2017%
(Special%Issue:%New%Insights%into%Portuguese%Modernism%
from%the%Fernando%Távora%Collection)%
Número%12,%outono%de%2017%
(Número%Especial:%Novos%Contributos%sobre%o%Modernismo%Português,%
a%partir%da%Coleção%Fernando%Távora)%
[PART%1:%TÁVORA]*%
[INTRODUCTORY%MATTER]!
Um&Tributo&a&Fernando&Távora%.......................................................................................%1&
[A%Tribute%to%Fernando%Távora]%
Ricardo Vasconcelos
Fernando&Távora:&um&homem&de&paixões,&1923@2005%................................................%14&
[Fernando%Távora:%a%man%of%passions,%1923Z2005]%
José Bernardo Távora
%O&Meta@arquivo&da&Coleção&Fernando&Távora%............................................................%18%
[The%MetaZarchive%of%the%Fernando%Távora%Collection]%
Fernanda Vizcaíno
[ARTICLES]!
José&Régio,&Raul&Leal&e&a!Presença%................................................................................%82%
– marcas%epistolares%de%um%diálogo%modernista
[José%Régio,%Raul%Leal%and%Presença
—epistolary%evidence%of%a%modernist%dialogue]
Enrico Martines
*
Cover%photo%credits:%Fernando%Távora%at%Casa%de%Ledesma,%by%José%Bernardo%Távora,%1978.
A&visão&luxuriosa&de&Raul&Leal,%...................................................................................%134%
profeta%sagrado%da%Morte%e%de%Deus%
[The%luxurious%vision%of%Raul%Leal,%
sacred%prophet%of%Death%and%God]%
António Almeida
“Foi&como&se&fôsse&eu&o&Suicidádo”:%...........................................................................%169&
Raul%Leal%escreve%a%Fernando%Pessoa,%na%morte%de%Mário%de%SáZCarneiro%
[“As%if%I%were%the%Suicided%one”:%%
Raul%Leal%writes%to%Fernando%Pessoa,%upon%the%death%of%Mário%de%SáZCarneiro]%
Ricardo Vasconcelos
Mr.&Ormond:%....................................................................................................................%194&
the%testimonial%from%a%classmate%of%Fernando%Pessoa%
[O%Sr.%Ormond:%%
o testemunho%de%um%colega%de%Fernando%Pessoa]
Carlos Pittella
Fernando&Pessoa&caricaturado%......................................................................................%236&
presencialmente%por%António%Teixeira%Cabral:%contexto%e%circunstâncias%
[Fernando% Pessoa% sketched in% person% by% António% Teixeira% Cabral:%
context% and% circumstances]%
Nataliya Hovorkova
Alfredo&Guisado&and&the&Orpheu&affair:%....................................................................%288%
tracing%the%magazine’s%reception%and%impact%through%the%Távora%archive%
[Alfredo%Guisado%e%o%caso%Orpheu:%%
rastrear%a%recepção%e%o%impacto%da%revista%através%do%arquivo%Távora]%
Patrícia Silva
[DOCUMENTS]!
Poemas&e&documentos&inéditos:%...................................................................................%333&
o lote%31%e%a%Colecção%Fernando%Távora
[Unpublished%poems%and%documents:
lot%31%and%the%Fernando%Távora%Collection]
Jerónimo Pizarro
Juliano&Apóstata:&um&poema&em&três&arquivos%.........................................................%457&
[Julian%the%Apostate:%a%poem%in%three%archives]%
Carlos Pittella
Álvaro&de&Campos:&dois&poemas&na&Colecção&Fernando&Távora%...........................%489%
[Álvaro%de%Campos:%two%poems%in%the%Fernando%Távora%Collection]%
Filipa de Freitas
A&chamada&“nota&autobiográfica“........................................................................... ..%503&
de%Fernando%Pessoa%de%30%de%Março%de%1935%
[Fernando%Pessoa’s%soZcalled%“autobiographical%note”%of%30%March%1935]%
José Barreto
O!Bando!Sinistro:%............................................................................................................%521&
ato%inaugural%do%“especulador%de%Política”%de%Orpheu%
[The(Sinister(Gang:%%
the%opening%act%of%Orpheu’s(“Politics%thinker”]%
António Almeida
Uma&carta&inédita&de&Fernando&Pessoa%.......................................................................%547&
ao%Gerente%do%Grand%Hôtel%de%Nice%
[An%unpublished%letter%by%Fernando%Pessoa%
to%the%Manager%of%the%Grand%Hôtel%de%Nice]%
Ricardo Vasconcelos
“Porque&é&que&não&escreve&Cartas?”:%..........................................................................%562&
Correspondência%de%Mário%de%SáZCarneiro%com%o%seu%avô%
[“Why%don’t%you%write%Letters?”:%
Mário%de%SáZCarneiro’s%correspondence%with%his%grandfather]%
Ricardo Vasconcelos
[PART%2]%
[ARTICLES]!
A&última&paixão&de&Fernando&Pessoa%..........................................................................%596%
[The%last%passion%of%Fernando%Pessoa]%
José Barreto
Teatro&estático&–&extático&–&excrito:&o&mito&de&Salomé%.............................................%642&
[Static%Theater—ecstatic—“excript”:%the%myth%of%Salomé]%
Marta Braga
[DOCUMENTS]!
%
“O&Amor”:&uma&peça&inédita&de&Fernando&Pessoa%...................................................%670%
[“Love”:%an%unpublished%drama%by%Fernando%Pessoa]%
Filipa de Freitas
%
Vergílio&Ferreira&e&Fernando&Pessoa,&numa&carta&inédita%.......................................%685&
[Vergílio%Ferreira%and%Fernando%Pessoa,%in%an%unpublished%letter]%
Leyla Perrone-Moisés
Pertinência&e&perspicácia&na&crítica&literária&de&Pierre&Hourcade%..........................%692&
[Relevance%and%astuteness%in%the%literary%criticism%of%Pierre%Hourcade]%%
Fernando Carmino Marques
[REVIEWS]!
%
The&Website&of&Disquiet:%..............................................................................................%725&
the%first%online%critical%edition%of%Fernando%Pessoa%
[O%Website%do%Desassossego:%
a%primeira%edição%crítica%online%de%Fernando%Pessoa]%
Nicolás Barbosa & Carlos Pittella
%
Drama&em&Gente:%............................................................................................................%733%
review%of%George%Monteiro’s%The(Pessoa(Chronicles%
[Drama%em%Gente:%
resenha%de%The(Pessoa(Chronicles%de%George%Monteiro]%
Frank X. Gaspar
%
Pessoa,&romancista&em&suspenso%.................................................................................%741%
[Pessoa,%a%novelist%in%suspense]%
Flávio Rodrigo Penteado
!
Um#Tributo#a#Fernando#Távora#
!
Ricardo Vasconcelos*
!
Palavras5chave#
#
Inéditos!de!Fernando!Pessoa,!Inéditos!de!Mário!de!Sá3Carneiro,!Inéditos!de!Alfredo!Pedro!
Guisado,! Inéditos! de! Raul! Leal,! Inéditos! de! José! Régio,! Inéditos! de! Teixeira! Cabral,!
Modernismo!Português,!Geração!de!Orpheu,!Coleção!Fernando!Távora,!Perfil!de!Fernando!
Távora.!
#
Resumo#
#
O! número! especial! da! Pessoa+ Plural! dedicado! à! Coleção! Fernando! Távora! assinala! a!
necessidade! e! a! oportunidade! de! se! revisitar! este! espólio,! com! vista! a! desenvolver! novas!
leituras!do!modernismo!português,!como!aquelas!que!aqui!já!se!apresentam.!Este!volume!
valoriza!amplamente!vários!manuscritos!até!aqui!desconhecidos!que!constam!nesta!coleção!
—! nomeadamente! de! poesia! e! correspondência! inédita! de! Fernando! Pessoa,! Mário! de! Sá3
Carneiro,! Raul! Leal,! Alfredo! Pedro! Guisado,! José! Régio,! Teixeira! Cabral,! entre! outros! —!
propondo! novas! linhas! de! interpretação! da! Geração! de! Orpheu! e! de! alguns! intelectuais! e!
artistas!que!a!valorizaram!nas!décadas!seguintes.!Procura3se!ainda!oferecer!um!retrato!da!
personalidade!de!Fernando!Távora,!de!algum!modo!espelhada!na!coleção!de!manuscritos!e!
impressos! que! o! arquiteto! criou! ao! longo! da! sua! vida,! e! de! que! aqui! se! apresenta! uma!
seleção.!
#
Keywords#
#
Unpublished!manuscripts!by!Fernando!Pessoa,!Unpublished!correspondence!by!Mário!de!
Sá3Carneiro,! Unpublished! poetry! by! Alfredo! Pedro! Guisado,! Unpublished! documents! by!
Raul! Leal,! Unpublished! letters! by! José! Régio,! Unpublished! documents! of! Teixeira! Cabral,!
Portuguese! Modernism,! Orpheu! Generation,! Fernando! Távora! Collection,! Profile! of!
Fernando!Távora.!
#
Abstract#
#
The!special!issue!of!Pessoa+Plural!dedicated!to!the!Fernando!Távora!Collection!points!to!the!
need! to! revisit! this! archive! and! the! opportunity! of! doing! so,! in! order! to! develop! new!
insights! on! Portuguese! Modernism,! such! as! those! already! gathered! here.! This! volume!
reveals! and! highlights! many! manuscripts! hitherto! unknown,! which! are! part! of! this!
collection! —! namely! unpublished! poetry! and! correspondence! by! Fernando! Pessoa,! Mário!
de! Sá3Carneiro,! Raul! Leal,! Alfredo! Pedro! Guisado,! José! Régio,! Teixeira! Cabral,! among!
others! —! proposing! new! lines! of! interpretation! of! the! Orpheu+ Generation! and! of! some!
intellectuals! and! artists! that! defended! it! in! the! following! decades.! This! special! issue! also!
seeks! to! offer! a! portrait! of! Fernando! Távora,! which! is! mirrored! in! the! collection! of!
manuscripts!and!printed!documents!that!he!created!throughout!his!life,!a!part!of!which!is!
studied!here.!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!
!
Vasconcelos Um Tributo a Fernando Távora
Numa!anotação!escrita!em!1991!por!Fernando!Távora,!a!propósito!de!um!exemplar!
de! English+ Poems,! de! Fernando! Pessoa,! na! sua! coleção,! o! prestigiado! arquiteto!
portuense!indica!que!o!comprou!“numa!Livraria!do!Porto!—!não!me!lembro!qual!
—! pelos! anos! de! 1950”.! E! acrescenta! ainda:! “Bons! tempos! em! que! o! F[ernando]!
P[essoa]! não! tinha! venda! e! se! encontrava! aí! pelas! livrarias!”! Com! este!
apontamento,! o! colecionador! naturalmente! assinalava,! na! ocasião,! o! achado! que!
tinha!feito!cerca!de!quatro!décadas!antes,!por!comparação!com!o!que!se!tornara!o!
mercado!livreiro!de!primeiras!edições!e!manuscritos!do!modernismo!português,!de!
Orpheu+ em! diante.! Hoje,! porém,! esta! breve! nota! ilumina,! acima! de! tudo,! a!
sensibilidade! e! a! visão! do! próprio! Fernando! Távora,! ao! lembrar3nos! que,! em!
meados!do!século!XX,!muito!antes!do!boom+pessoano!da!década!de!1980,!esta!figura!
central! da! arquitetura! portuguesa! era! já! um! leitor! atento! de! Pessoa! e! dava! os!
primeiros!passos!para!se!tornar!um!dos!principais!colecionadores!dos!manuscritos!
e!impressos!do!escritor.!!
!
!
Fig.#1.#Anotação#de#Fernando#Távora.#
!
Na! verdade,! é! ao! mesmo! tempo! com! um! fascínio! imenso! e! com! uma! forte!
impressão! de! desmesura! —! por! se! sentir! necessariamente! ultrapassado! —! que!
qualquer! pesquisador! entra! em! contacto! com! o! arquivo! da! Coleção! Fernando!
Távora.! Isto! acontece! dada! a! vastidão,! a! riqueza! e! a! qualidade! dos! materiais! que!
dela!fazem!parte,!nomeadamente!milhares!de!páginas!de!manuscritos!autógrafos!e!
de! impressos! —! incluindo! uma! biblioteca! de! primeiras! edições! —! relacionados!
! !
Figs.#2#e#3.#Retrato#de#Fernando#Pessoa#na#Coleção#Fernando#Távora.##
Inscrição#no#verso:#“Retrato#do#Poeta#Fernando#Pessoa#identificado##
por#Alfredo#Guisado#|#295115972”.#
!
!
Como!a!passagem!atrás!transcrita!demonstra,!bem!cedo!o!colecionador!teve!
uma!consciência!clara!da!profundidade!da!linguagem!e!do!pensamento!pessoanos,!
que!o!levou!a!procurar!recolher!o!maior!número!possível!dos!seus!escritos,!muitas!
vezes!acercando3se!daquelas!pessoas!que!com!o!autor!dos!heterónimos!se!tinham!
comunicado! diretamente,! como! João! Gaspar! Simões,! por! exemplo.! A! paixão! de!
Fernando! Távora! pela! obra! pessoana! tê3lo3á! levado! a! procurar! angariar! o! maior!
número!de!autógrafos,!começando!a!fazê3lo!num!momento!em!que!estes!não!eram!
ainda!particularmente!valorizados.!
!
!
!
!
!
!
!
Figs.#4#e#5.#Autógrafo#de#Fernando#Pessoa#na#Coleção#Fernando#Távora.##
!
Não! por! acaso,! segundo! nos! testemunha! José! Bernardo! Távora,! filho! do!
colecionador,! um! dos! documentos! mais! valorizados! pelo! seu! pai,! na! sua! coleção,!
era!uma!pequena!folha!de!papel!com!a!sugestiva!inscrição!“Para!Fernando!Pessoa,!
o!Maior”.!Embora!o!documento!não!esteja!assinado,!a!sua!autoria!é!atribuída!pelo!
colecionador! a! Mário! de! Sá3Carneiro,! e! até! por! isso! é! fácil! supor! alguns! dos!
motivos! pelos! quais! Fernando! Távora! o! valorizava! particularmente.! Como! se!
percebe,! a! inscrição! reconhece! a! Pessoa! o! lugar! de! astro! maior! da! galáxia!
modernista! portuguesa,! algo! com! o! qual! seguramente! Távora! concordaria.! Por!
outro! lado,! esta! mensagem,! enviada! de! um! escritor! a! outro,! implica! por! parte! de!
quem! a! escreve,! em! relação! a! quem! a! recebe,! sentimentos! de! generosidade! e! de!
camaradagem! que! talvez! poucos! companheiros! de! lides! literárias! cheguem! a! ter,!
mas!que!sem!dúvida!Mário!de!Sá3Carneiro!e!Fernando!Pessoa!partilharam.!!!
!
!
!
!
!
Figs.#6#e#7.#Manuscrito#atribuído#a#Mário#de#Sá5Carneiro,##
Coleção#Fernando#Távora#(lote#5).!
!
Acrescente3se!que!a!consulta!das!anotações!de!Fernando!Távora!acerca!deste!
documento!revela!ainda!um!detalhe!curioso,!que!diz!muito!também!sobre!a!forma!
como! o! arquiteto! se! relacionava! com! a! sua! coleção.! Segundo! a! nota! àquele! que!
designou! como! “lote! 5”,! o! documento! pertencera! a! João! Gaspar! Simões,! que! o!
negociara! com! o! livreiro! Manuel! Ferreira,! do! Porto,! através! de! quem! Távora! foi!
adquirindo! parte! substancial! da! sua! coleção.1!Curiosamente,! e! contrastando! com!
tantos!outros!manuscritos!adquiridos!por!Távora!a!preços!que!o!próprio!por!vezes!
considerava! excessivos! e! pelos! quais! frequentemente! o! vemos! recriminar3se,! este!
documento!específico!fora3lhe!simplesmente!oferecido!“por!M[anu]el!Ferreira,!em!
3/III/72”.!O!apreço!que!Távora!tinha!por!este!manuscrito!em!particular,!documento!
que!considerava!central!ao!seu!espólio!e!que!lhe!fora!oferecido,!é,!por!conseguinte,!
ilustrativo! da! menor! relevância! que! o! próprio! valor! monetário! destes! autógrafos!
acabava! por! assumir! para! Fernando! Távora,! à! medida! que! desenvolvia! a! sua!
coleção.!O!mesmo!é!dizer!que!o!preço!poderia!viabilizar!ou!impedir!a!compra!de!
qualquer!documento,!mas!não!era!nunca!ele!a!determinar!o!valor!que!Távora!lhe!
atribuía.!!
Interlocutor! maior! de! Fernando! Pessoa,! também! Mário! de! Sá3Carneiro!
ocupa! uma! posição! de! destaque! na! Coleção! Fernando! Távora,! que! no! passado!
contribuiu,! de! forma! muito! direta,! e! em! alguns! casos! bastante! substancialmente,!
para! diferentes! edições! da! escrita! deste! poeta! e! prosador,! nomeadamente! da! sua!
correspondência.2!!
A! este! respeito,! é! mesmo! possível! fazer! uma! nota! acerca! do! melhor!
contributo!que!os!colecionadores!oferecem!aos!legados!culturais!a!que!se!dedicam!
e! à! memória! cultural! coletiva! nacional,! de! que! Fernando! Távora! é! exemplo.! Isto!
porque,! como! aconteceu! também! em! relação! a! outros! autores! na! sua! coleção,! no!
que!diz!respeito!a!Sá3Carneiro,!Fernando!Távora!frequentemente!acabou!por!juntar!
aquilo! que! o! tempo! separou.! Tal! aconteceu,! por! exemplo,! com! a! correspondência!
de! Sá3Carneiro! para! um! mesmo! destinatário! que! o! tempo! foi! dispersando! em!
núcleos! distintos,! e! que! Fernando! Távora! foi! pacientemente! adquirindo,! em! lotes!
diferentes,! acabando! assim! por! reaproximar! documentos! que! a! todos! os! títulos!
devem! estar! juntos.! É! o! caso! da! correspondência! de! Sá3Carneiro! a! José! Pacheco,!
por! exemplo,! muita! da! qual! está! na! Coleção! Fernando! Távora! e! foi! editada! por!
Arnaldo!Saraiva! (SÁ3CARNEIRO,!1977),!ou!ainda! o! caso!da! correspondência! com! o!
avô!(VASCONCELOS,!2017)!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Veja3se!a!descrição!do!lote!5!em!VIZCAÍNO!(2017:!26).!
2!Casos,! por! exemplo,! de! Cartas+de+Mário+de+Sá9Carneiro+a+Luís+de+Montalvor,+Cândida+Ramos,+Alfredo+
Guisado,+José+Pacheco+(SÁ3CARNEIRO,!1977),!editado!por!Arnaldo!Saraiva,!ou,!parcialmente,!de!Mário+
de+Sá9Carneiro+—+Fotobiografia,!de!Marina!Tavares!DIAS!(1988).!
!
!
!
Figs.#8#e#9.#Postal#ilustrado#enviado#por#Mário#de#Sá5Carneiro#a#José#Pacheco,##
de#1#de#janeiro#de#1916.!
!
Ao!longo!de!várias!décadas,!a!Coleção!Fernando!Távora!cresceria!e!ocuparia!
um! lugar! importante! nos! estudos! do! modernismo! português,! com! a! inclusão! de!
muitos!outros!autores,!para!além!de!Fernando!Pessoa!e!de!Mário!de!Sá3Carneiro.!!
Entre! essas! outras! vozes,! realce3se,! aliás,! o! papel! que! a! Coleção! Fernando!
Távora! terá! inevitavelmente! na! compreensão! futura! da! obra! e! do! pensamento! de!
Raul! Leal.! Isto! porque! o! espólio! deste! escritor! está! integrado! nessa! coleção.! A!
análise! do! meta3arquivo! de! Fernando! Távora,! o! documento! que! o! colecionador!
organizou! com! vista! a! sistematizar! as! informações! principais! relativas! ao!
desenvolvimento!do!seu!acervo,!demonstra!que!Távora!foi!adquirindo!manuscritos!
lealinos! em! contextos! diferentes,! e! que! eventualmente! acabou! por! comprar! um!
núcleo!substancial!de!documentos!que!terão!pertencido!a!Leal!até!ao!momento!da!
sua!morte!(cf.!VIZCAÍNO,!2017).!!
Neste! mesmo! número! da! Pessoa+ Plural,! apresentam3se! já! documentos!
relevantes! do! espólio! lealino,! como! cartas! trocadas! com! Fernando! Pessoa! e! José!
Régio,!para!além!de!manuscritos!de!textos!com!que!pensou!—!e!agitou!—!o!meio!
cultural! português! do! seu! tempo.! A! consulta! da! Coleção! Fernando! Távora!
demonstra!que!a!compreensão!mais!cabal!do!espólio!do!autor!de!Sodoma+Divinizada!
irá,!muito!provavelmente,!exigir!o!trabalho!de!vários!investigadores,!nos!próximos!
anos,! e! levará! necessariamente! a! uma! reavaliação! da! relevância! que! o! autor! teve!
para! o! movimento! modernista! português,! até! mesmo! nas! suas! relações! com! a!
vanguarda!internacional.!
No!que!diz!respeito!a!outras!vozes,!para!além!de!Leal,!cujo!contributo!para!a!
Geração!de!Orpheu+pode!e!deve!ser!reavaliado!a!partir!de!documentos!na!Coleção!
Fernando! Távora,! diga3se! que! esta! inclui! ainda! manuscritos! de! Alfredo! Pedro!
Guisado,!Armando!Côrtes3Rodrigues,!Augusto!Ferreira!Gomes,!José!Pacheco,!Luís!
de! Montalvor,! ou! até! os! brasileiros! Ronald! de! Carvalho! e! Eduardo! Guimaraens,!
entre! muitos! escritores,! artistas! e! inclusive! críticos.! Este! número! é,! assim,! um!
convite! a! que! se! revisite! a! sua! contribuição! para! o! movimento! modernista!
português.!
A+Pessoa+Plural+–+A+Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies+chega!ao!seu!número!12,!
igualando! desta! forma! o! número! alcançado! pela! mítica! e! pioneira! Persona,!
publicação!do!Centro!de!Estudos!Pessoanos,!no!Porto,!que!dedicou!várias!das!suas!
páginas! a! materiais! na! Coleção! Fernando! Távora.! Ao! fazê3lo! com! este! número!
especial,! que! adquiriu! dimensões! assinaláveis,! a! revista! demonstra,! primeiro! que!
tudo,!a!necessidade!e!a!oportunidade!de!revisitar!a!Coleção!Fernando!Távora,!com!
vista! a! desenvolver! novas! visões! do! modernismo! português,! como! aquelas! que!
aqui! já! se! apresentam,! mantendo! uma! noção! muito! clara! do! muito! que! há! ainda!
por! fazer.! De! facto,! este! número! especial! valoriza! amplamente! variadíssimos!
manuscritos! até! aqui! desconhecidos! que! constam! nesta! coleção! e! que! aqui! se!
revelam! —! incluindo! poesia! e! correspondência! inédita! de! Fernando! Pessoa,! Sá3
Carneiro,!Raul!Leal,!Alfredo!Pedro!Guisado,!José!Régio,!entre!outros.!!
!
!
!
!
!
Fig.#10.#Primeira#página#do#manuscrito#de#“Uma#Lição#de#Moral#aos##
Estudantes#de#Lisboa”,#de#Raul#Leal,#na#Coleção#Fernando#Távora.!
!
!
!
!
!
Fig.#11.#Primeira#página#do#manuscrito#de#Sodoma&Divinizada,##
de#Raul#Leal,#na#Coleção#Fernando#Távora.!
!
!!
O!estudo!e!divulgação!da!poesia!e!correspondência!desses!autores,!como!o!
leitor! pode! verificar,! fomentam! interpretações! originais! da! Geração! de! Orpheu+ e!
dos!intelectuais!que!com!ela!se!relacionaram.!Por!outro!lado,!o!dossier!visa!em!si!
mesmo! honrar! a! atenção! do! colecionador! Fernando! Távora! em! relação! ao!
modernismo,! e! a! precocidade! da! sua! consciência! acerca! da! riqueza! deste!
movimento! estético! e! momento! histórico.! Isto! é! conseguido! até! mesmo!
procurando3se!em!cada!artigo!apresentar!claramente!a!voz!de!Fernando!Távora!a!
pronunciar3se! sobre! os! documentos! em! causa,! assim! valorizando! a! dimensão! de!
investigação! que! esteve! presente! na! preparação! da! sua! coleção.! Isto! porque! as!
anotações! de! Távora! acerca! destes! documentos! são! completíssimas! e! muitíssimo!
informadas,! muitas! vezes! consistindo! em! matrizes! do! que! poderiam! ser!
apresentações! académicas,! sempre! resultantes! da! sua! investigação! de! tipo!
filológico!e!da!sua!óbvia!erudição.!
No! formato! que! este! número! especial! da! Pessoa+ Plural+ adquiriu,! dedicado!
muito!substancialmente!à!divulgação!de!manuscritos!inéditos,!bem!assim!como!à!
teorização!e!crítica!do!modernismo,!a!partir!desses!mesmos!autógrafos,!valoriza3se,!
finalmente,! a! própria! abertura! de! Fernando! Távora! em! relação! à! divulgação! dos!
documentos! na! sua! Coleção.! Lembre3se! que! o! espólio! de! Fernando! Távora! se!
tornou!tanto!mais!instrumental!quanto,!mais!do!que!criar!uma!coleção!para!fruição!
exclusivamente!pessoal,!o!arquiteto!apoiou,!ao!longo!de!décadas,!a!divulgação!dos!
documentos! na! sua! posse,! quer! em! edições! organizadas! por! diferentes!
pesquisadores,! incluindo! inéditos! ou! documentos! raros,! quer! mesmo! em! eventos!
públicos,!como!a!exposição!associada!ao!Primeiro+Congresso+Internacional+de+Estudos+
Pessoanos,+ organizado! no! Porto! em! 1978,! exposição! essa,! aliás,! montada! pelo!
próprio!arquiteto,!em!colaboração!com!o!Centro!de!Estudos!Pessoanos.!!
Pretende3se,! assim,! salientar! e! perpetuar! a! ação! de! Fernando! Távora,! de!
divulgar!nos!anos!70!e!80!a!obra!de!Pessoa!e!Sá3Carneiro,!entre!outros,!junto!de!um!
público!que!ainda!nem!sabia!o!quanto!precisava!destes!escritores!e!o!quanto!eles!
viriam! a! ser! cruciais! para! a! forma! como! os! portugueses! se! leem! e! se! veem! a! si!
mesmos.! Ao! fazê3lo,! e! ao! registar! inclusivamente! as! primeiras! incursões! dos!
investigadores! por! esta! coleção,! então! levados! pela! mão! do! próprio! Fernando!
Távora,!o!dossier!homenageia!também!o!pioneirismo!dessas!pesquisas!e!as!várias!
linhas!de!leitura!que!na!ocasião!se!abriram!e!hoje!são!tidas!como!óbvias.!
Compete3me,!finalmente,!fazer!uma!série!de!agradecimentos!justificadíssimos.!
Primeiro! que! tudo,! há! que! notar! que,! desde! o! momento! em! que! visitei! a! Coleção!
Fernando! Távora,! há! cerca! de! um! ano! e! meio,! de! algum! modo! iniciando! um!
processo! de! abertura! deste! acervo! a! um! grupo! de! investigadores,! e! até! esta!
publicação,!houve!um!trabalho!muito!substancial!que!foi!em!grande!medida!mais!
colectivo! que! individual.! Foram! vários! os! colegas! que,! desde! o! começo,!
participaram! deste! projeto! e! se! dedicaram! a! estudar! e! a! documentar! os! materiais!
na! coleção,! com! vista! a! preparar! a! sua! contribuição! para! este! número! especial;!
todos!eles!participam!neste!volume!com!diferentes!publicações.!Outros!colegas!não!
chegaram! a! participar,! nesse! momento! inicial,! das! visitas! à! coleção,! mas! foram!
igualmente!seduzidos!pelas!propostas!que!os!materiais!aí!encontrados!suscitavam,!
e! puderam! enriquecer! a! Pessoa+ Plural! 12! com! os! seus! ensaios.! A! todos! agradeço!
pela! sua! colaboração,! quer! pelo! seu! trabalho! de! documentação! da! Coleção!
Fernando!Távora,!quer!pelos!seus!artigos!neste!número!especial.!
Agradeço! ainda! à! Pessoa+ Plural+ —+ A+ Journal+ of+ Fernando+ Pessoa+ Studies! pela!
oportunidade! de! organizar! este! número.! Sendo! possivelmente! a! principal!
publicação! académica! da! atualidade! dedicada! exclusivamente! ao! estudo! do!
modernismo! português,! nas! suas! várias! ramificações,! e! sendo! seguramente! a!
publicação! que! mais! documentos! pertencentes! a! esse! período! tem! estudado! e!
apresentado,! além! do! mais! disponibilizando3os! gratuitamente! em! linha,! a! revista!
Pessoa+ Plural! era! o! espaço! ideal! para! apresentar! estes! estudos! sobre! a! Coleção!
Fernando!Távora!a!todos!os!especialistas!e!ao!público!menos!especializado,!assim!
prestigiando! ainda! mais! o! espólio! em! causa! e! convidando! a! que! este! seja!
revisitado.!É!devido,!por!isso,!um!agradecimento!aos!editores!da!revista,!Onésimo!
Almeida,! Paulo! de! Medeiros,! e! em! particular! a! Jerónimo! Pizarro,! por! toda! a! sua!
colaboração.!
Finalmente,! deixo! um! sincero! e! profundo! agradecimento! aos! herdeiros! de!
Fernando!Távora,!Maria!José!Távora,!Luísa!Távora,!e!em!particular!a!José!Bernardo!
Távora,! que! mais! diretamente! trabalhou! com! os! diferentes! pesquisadores.! Em!
1977,!Arnaldo!Saraiva!mencionava!a!“atenção”!e!o!“bom!gosto”!de!Fernando!Távora,!
bem!como!a!sua!disponibilização!desinteressada!dos!materiais!na!sua!coleção,!com!
vista!à!divulgação!dos!mesmos!a!um!público!amplo!(SÁ3CARNEIRO,!1977:!10).!É3me!
muito! grato,! décadas! depois,! assinalar! a! mesma! amabilidade! e! idêntico! apreço!
estético! dos! herdeiros,! que! tiveram! neste! volume! apenas! dois! objetivos:! dar!
continuidade!ao!projeto!de!Fernando!Távora,!de!estudar!e!divulgar!o!modernismo!
português! e,! ao! mesmo! tempo,! dessa! forma,! honrar! a! memória! do! seu! pai,! bem!
como!a!contribuição!oferecida!pela!sua!família!à!cultura!portuguesa.!
San!Diego,!8!de!Dezembro!de!2017!
Chave#de#Símbolos#
!
Nas!transcrições!e!notas!podem!ocorrer!os!seguintes!símbolos:!
!
◊! ! espaço!deixado!em!branco!pelo!autor!!
*!! ! leitura!conjecturada!
†! ! palavra!ilegível!
//!! ! hesitação!do!autor!!
<>!! ! passagem!riscada!pelo!autor!
<>/\!! ! substituição!por!superposição!
<>![↑!]!!! substituição!por!riscado!e!acrescento!
[↑!]!! ! acrescento!na!entrelinha!superior!
[↓!]!! ! acrescento!na!entrelinha!inferior!
[→!]!! ! acrescento!na!margem!direita!
[←!]!! ! acrescento!na!margem!esquerda!
!
As!palavras!sublinhadas!em!manuscritos!são!reproduzidas!em!itálico.!!
!
#
Abreviaturas#Principais#
#
BNP/E3! Biblioteca!Nacional!de!Portugal,!Espólio!3!!
CFT! ! Coleção!Fernando!Távora!
ms.! ! Manuscrito!
!
#
Bibliografia#
!
DIAS,!Marina!Tavares!(1988).!Mário+de+Sá9Carneiro+—+Fotobiografia.!Lisboa:!Quimera.!
SÁ3CARNEIRO,! Mário,! Cartas+ de+ Mário+ de+ Sá9Carneiro+ a+ Luís+ de+ Montalvor,+ Cândida+ Ramos,+ Alfredo+
Guisado,+José+Pacheco.!Leitura,!selecção!e!notas!de!Arnaldo!Saraiva.!Porto:!Limiar.!!
VASCONCELOS,! Ricardo! (2017).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de!
Mário!de!Sá3Carneiro!com!o!seu!Avô”,!in!Pessoa+Plural+–+A+Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies,!
n.º!12,!Outono,!pp.!5623595.!
VIZCAÍNO,! Fernanda! (2017).! “O! meta3arquivo! da! Colecção! Fernando! Távora”,! in! Pessoa+ Plural+ –+ A+
Journal+of+Fernando+Pessoa+Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!18381.!
!
*#Arquitecto.#
Távora Fernando Távora: um homem de paixões
…Colecciono) tudo.) Sobretudo) livros) de) arquitectura) e)
poesia,) sempre) à) volta) do) Pessoa.) Interesso;me) muito) pela)
arquitectura)antiga)e)mais)ainda)pela)arquitectura)grega.)O)
meu) D.) Sebastião) da) arquitectura) é) a) arquitectura) grega.)
São)os)deuses)que)me)acompanham)lá)por)cima.)Possuo)uma)
grande) colecção) de) estatuária) portuguesa.) Compro) muitas)
coisas.)Tenho)uma)colecção)de)livros)clássicos)de)arquitectura.)
Portugueses)e)franceses.)Há)muitas)coisas)do)passado)que)eu)
ainda) teria) de) comprar) e) muitas) coisas) do) futuro) que)
gostaria)de)ter…)
…Apesar)de)tudo)tenho)tido)uma)vida)boa.)O)meu)problema)
é)que)devo)estar)para)morrer.)
Fernando#Távora,#Entrevista#ao#semanário#Expresso,#
Novembro#2002#
#
Depois# da# doença# de# meu# Pai# em# 2004# e# da# sua# partida# em# 2005,# pediram3me,#
sugeriram3me#várias#pessoas,#por#várias#vezes,#muito#particularmente#minha#Mãe,#
que#sobre#ele#escrevesse.#
Como# meu# Pai,# meu# Professor,# meu# Sócio,# como# Arquitecto,# como#
Coleccionador,#como#Homem#que#amava#a#Vida.#
Resisti#sempre.#
Nunca#o#consegui#fazer.#
Faltou3me# sempre# a# coragem,# também# pelas# muitas# e# maravilhosas#
recordações#que#dele#tenho.#
Não#escrevi#nunca,#uma#linha#que#fosse.#
Mas# fui# acumulando# pensamentos# e# recordações,# de# muitos# anos# de# vida#
pessoal,# familiar# e# sobretudo# da# vida# profissional,# dos# muitos# anos# e# momentos#
que#juntos#passamos.#
E,#mentalmente,#este#e#outros#textos#estavam#feitos.#
Pedem3me# agora,# este# grupo# de# Amigos,# a# quem# abri# a# Casa# e# as# suas#
colecções,#que#escreva.#
Pela#paixão,#pela#dedicação,#quantas#vezes#pela#emoção#com#que#estudaram#
a#biblioteca#de#meu#Pai,#não#poderia#deixar#de#o#fazer.#
Na#sua#família#conservadora,#não#foi#fácil#a#escolha#que#desde#cedo#fez#pelo#
mundo#das#artes.#
O#seu#período#de#formação#foi#intenso#e#doloroso,#creio.#
As#descobertas#de#Le#Corbusier,#Picasso#e#Fernando#Pessoa#marcaram#o#seu#
destino,#a#sua#vida.#
As# leituras,# a# escrita,# as# reflexões,# as# viagens,# as# colecções,# a# História#
ganham#durante#este#período#da#sua#vida#uma#maior#solidez,#com#a#publicação#de#
O) Problema) da) Casa) Portuguesa,# em# 1947,# Da) Organização) do) Espaço,# em# 1960,# e#
culminando# na# sua# participação# no# Inquérito) à) Arquitectura) Popular) em) Portugal,#
publicado#em#1961.#
E#o#desenho,#sempre#o#desenho.#
Mas# foi,# sobretudo,# com# a# descoberta# da# sua# vida,# a# obra# de# Fernando#
Pessoa# e# o# seu# estudo,# que# desde# muito# novo# todo# o# seu# pensamento# ganhou#
forma,#se#tornou#cada#vez#mais#sólido.#
Coleccionava#tudo,#tudo#aquilo#que#os#outros#ainda#não#coleccionavam.#
Comprava# barato# enquanto# podia,# comprava# o# essencial,# deixava# de#
comprar#quando#os#preços#subiam.#
E#rapidamente#se#dedicava#a#um#novo#tema.#
Foi#assim#com#selos#e#moedas,#com#marfins#indo3portugueses,#com#pintura#
ou# escultura# moderna# e# antiga,# com# mobiliário,# com# postais# antigos# ou# com# arte#
popular.# Foi# assim,# sobretudo,# com# as# suas# bibliotecas,# que# foram# sempre#
crescendo#e#fechando#temas#em#aberto.#
A#sua#obra#de#Arquitectura#é#de#uma#dedicação,#de#um#empenho,#de#uma#
paixão#e#de#uma#força#verdadeiramente#impressionantes.#
É# nos# seus# primeiros# projectos# que# define# claramente# as# bases# para# o# seu#
futuro,#com#a#leveza#e#a#diversidade#na#unidade#dos#vários#espaços#com#diferentes#
funções#e#seus#volumes,#o#atrevimento#da#estrutura#então#levada#até#aos#limites,#o#
domínio#claro#de#todas#as#proporções#e#escalas,#e#a#relação#dos#espaços#com#a#sua#
envolvente#e#com#a#paisagem,#em#edifícios#e#espaços#públicos,#hoje#cada#vez#mais#
belos.#
Por# fim,# a# escolha# clara# e# criteriosa# dos# materiais# de# acabamento,# e# do# seu#
desenho#de#pormenor.#
E#a#importância#da#cor.#
A# boa# Arquitectura# é# também,# e# sobretudo,# a# que# resiste# ao# tempo# e# às#
modas.#
É#assim#com#muitas#das#suas#obras.#
Durante# todo# este# tempo,# apaixonadamente# dedicou3se# também# ao# Ensino#
da#Arquitectura#na#Escola#Superior#de#Belas3Artes#do#Porto.#
E,# sempre# que# podia,# ao# fim# da# tarde# e# ao# fim3de3semana# corria# todos# os#
Antiquários# e# Alfarrabistas,# porque# lhe# faltava# sempre# qualquer# coisa# nas# suas#
colecções.#
Lia#muito,#à#noite,#todas#as#noites,#escrevia#nos#pequenos#papéis#que#tinha#à#
mão# as# suas# pequenas# notas# que# estão# em# todos# os# seus# livros# e# objectos,#
desenhava# também# os# seus# projectos,# e,# coisa# mais# espantosa,# descansava,#
adormecia# por# uns# minutos,# acordava# e# continuava# a# ler,# a# escrever,# a# desenhar,#
descobrindo# sempre# novas# relações# entre# os# livros# e# os# seus# autores,# os# seus#
desenhos#e#os#projectos#que#entretanto#ia#desenvolvendo.#
Por# isso,# encontramos# recentemente,# na# terrível# e# dolorosa# tarefa# de#
desmontar#as#suas#casas#da#Foz#do#Douro#e#de#Guimarães,#em#qualquer#gaveta#ou#
armário,# em# qualquer# espaço# que# sobrasse# nas# casas,# livros,# textos,# marfins,#
objectos#e#fotografias#antigas,#que#muito#nos#ajudam#a#perceber#a#sua#capacidade#
de# trabalho,# a# redescobrir# todas# as# suas# paixões,# em# muitos# temas,# em# muitos#
assuntos,#por#vezes#tão#diversos,#simultaneamente.#
Estranhamente#não#ouvia#música,#não#ia#ao#cinema,#não#fazia#fotografias.#
Fernando#Távora#foi#sempre#um#Homem#muito#à#frente#do#seu#tempo.#
Tinha# horror# à# incompetência,# à# estupidez,# à# falta# de# educação,# à#
mediocridade.#
Mas#não#o#dizia,#ou#raramente#o#dizia.#
Esquecia3se#lendo,#escrevendo,#desenhando.#
Quando# era# criticado# (aconteceu# em# muitas# das# suas# obras),# e# eu# lhe#
perguntava# porque# não# reagia,# tranquilamente# dizia3me,# não# te# preocupes,# o#
tempo#traz#sempre#a#verdade…#
No#fundo,#foi#um#homem#feliz,#muito#feliz,#estou#hoje#seguro#disso.#
Todo# o# seu# espólio# está# desde# 2012# em# depósito# na# Fundação# Marques# da#
Silva# na# Cidade# do# Porto,# a# que# acrescentamos# recentemente# a# sua# biblioteca# de#
literatura,#não#a#dispersando#por#temas#e#por#diferentes#entidades,#mais#ou#menos#
especializadas.#
Era#esse#o#seu#desejo,#a#criação#do#Arquivo#e#Biblioteca#Fernando#Távora.#
Numa#das#suas#últimas#entrevistas#disse:#
#
Viver#é#uma#coisa#que#não#tem#preço…#
Não#tem#preço…#
Eu#vou#deixar#uma#coisa#espantosa,#eu#acho#para#mim#espantosa…#
Eu#vou#deixar#isto#tudo#aqui…#
Tudo#isto#que#vê#aqui…#
Estas#árvores,#estas#pinturas,#estas#amizades,#o#pedreiro,#o#carpinteiro,#sei#lá…#
O#que#eu#deixo#de#gente,#de#relações,#de#amizades,#de#quadros,#de#textos,#de,#de,#de…#
Da#obra#que#eu#fiz.#
#
Disse3o#em#depoimento#para#a#RTP,#em#2001#(Homenagem)a)Fernando)Távora,)
Homem)de)Paixões,)de)Convicções,)de)Ideais).#
#
Porto,#Dezembro#de#2017#
O"Meta'arquivo"da"Colecção"Fernando"Távora"
!
Fernanda Vizcaíno*
!
Palavras'chave"
!
Colecção! Fernando! Távora,! Meta4arquivo! de! Fernando! Távora,! Fernando! Távora! como!
filólogo,!Modernismo!Português.!
"
Resumo"
!
A! Colecção! Fernando! Távora! de! manuscritos! e! impressos! é! uma! das! mais! completas! de!
Portugal,!tratando4se!de!um!legado!único,!pela!sua!importância!e!dimensão.!Consciente!da!
necessidade! de! sistematizar! a! informação! essencial! relacionada! com! estes! materiais,!
Fernando! Távora! preparou! um! minucioso! meta4arquivo,! que! é! hoje! de! enorme! utilidade.!
Nele,! cada! lote! do! espólio! é! descrito! ao! pormenor:! o! que! contempla,! o! preço,! a! origem,! a!
data! e! a! quem! foi! comprado.! Este! contributo! contextualiza! e! transcreve! o! meta4arquivo,!
ajudando! quer! os! futuros! especialistas! que! investiguem! este! espólio,! quer! todos! aqueles!
interessados!em!conhecerem!melhor!a!personalidade!de!Fernando!Távora.!
!
Keywords"
!
Fernando! Távora! Collection,! Fernando! Távora’s! Meta4archive,! Fernando! Távora! as!
Philologist,!Portuguese!Modernism."
"
Abstract"
!
The! Fernando! Távora! Collection! of! manuscript! and! printed! documents! is! one! of! the! most!
complete! in! Portugal,! and! indeed! a! unique! archive,! given! its! importance! and! dimension.!
Aware! of! the! need! to! systematize! the! main! information! regarding! the! documents! in! his!
collection,! Fernando! Távora! prepared! a! thorough! meta4archive,! which! today! is! highly!
useful.!In!it,!each!lot!is!described!in!detail:!its!content,!price,!source,!as!well!as!the!date!in!
which! it! was! bought.! This! contribution! contextualizes! and! transcribes! the! meta4archive,!
aiding! future! experts! working! with! this! collection,! as! well! all! those! interested! in! knowing!
better!the!personality!of!Fernando!Távora.!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!do!Minho.!
!
Vizcaíno O Meta-arquivo
Venho& utilizando& com& frequência& a& expressão&pedreiro&de& obra& grave,&
encontrada& em& documento& português& do& séc.& XVII,& para& nomear& um&
mestre& praticante& de& arquitectura.& A& expressão& é& felicíssima& –
pedreiro&aquele&que&constrói&com&pedra&ou&qualquer&outro&material&um&
objecto,& a& obra;& mas& obra& grave,& isto& é,& não& obra& fácil,& formal& ou&
fantasiosa,&mas&grave,&isto&é,&séria,&consequente,&honesta,&significativa,&
ponderada…& E& não& é& por& acaso,& naturalmente,& que& o& problema& da&
gravidade&em&arquitectura&me&preocupa&e&preenche&o&meu&espírito.&
!
Fernando!Távora,!no!Dia!Mundial!da!Arquitetura!de!1992.!
!
O! arquitecto! Fernando! Távora! deixou! toda! uma! obra! feita,! construída.! Como! um!
homem! de! cultura! que! foi,! a! literatura! foi! também! uma! constante! na! sua! vida.!
Prova! disso! é! a! espantosa! colecção! que! reuniu,! num! labor! persistente! e! contínuo,!
ao!longo!de!várias!décadas.1!!
! Quando!Fernando!Pessoa!morre,!em!1935,!Fernando!Távora!tem!doze!anos.!
Revelar4se4á,!desde!cedo,!um!apaixonado!pela!literatura!portuguesa!e,!em!especial,!
pelos!dois!grandes!de!Portugal:!Luís!de!Camões!e!Fernando!Pessoa.!Assume!uma!
paixão! pelo! segundo,! justificada! pelo! facto! de! ser! um! homem! e! de! tratar! de! uma!
realidade!mais!próximos!do!seu!tempo.!Aos!catorze!anos!lê!versos!do!único!livro!
publicado! por! Pessoa,! Mensagem,! que! mais! tarde! considerará! o& livro! da! sua! vida!
(TÁVORA,!1995:!s.p.).!
A! Colecção! Fernando! Távora! é! uma! das! mais! completas! do! país,! a! nível!
particular,!abarcando,!entre!manuscritos!e!impressos,!nomes!tão!díspares!como!os!de!
Fernando!Pessoa,!Mário!de!Sá4Carneiro,!Júlio!Dantas,!Leitão!de!Barros,!António!Ferro,!
Augusto!Ferreira!Gomes,!Victoriano!Braga,!Câmara!Reis,!Tito!Bettencourt,!Raul!Leal,!
José!Pacheco,!António!Botto,!Alfredo!Guisado,!Armando!Côrtes4Rodrigues,!Gualdino!
Gomes,! Jorge! de! Sena,! Luís! de! Montalvor,! Almada! Negreiros,! Ronald! de! Carvalho,!
João! Gaspar! Simões,! Branquinho! da! Fonseca,! José! Régio,! Adolfo! Casais! Monteiro,!
João! Osório! de! Oliveira,! Alberto! de! Lacerda,! Camilo! Pessanha,! António! de! Oliveira!
Salazar,!Amadeu!de!Souza!Cardoso,!António!Carneiro...!entre!tantos!outros.!!
Pela! sua! importância! e! dimensão,! trata4se! de! um! legado! sem! precedentes.!
Falamos! de! um! espólio! que! contempla! valiosíssimos! originais! de! poemas! —!
manuscritos! ou! dactiloscritos! —,! primeiras! provas,! provas! de! gravuras,! provas!
tipográficas,! mais! de! 120! cartas,! bilhetes! postais,! cartões! de! visita,! fotografias,!
dedicatórias,! artigos,! esboços,! bilhetes,! ou! até! retratos! autografados! de! artistas,!
como,!por!exemplo,!o!retrato!de!Luíza!Sattanella!e!Francis!(leia4se,!Francisco!Graça,!
bailarino)!oferecido!por!estes!a!Augusto!Ferreira!Gomes.!
Consciente! da! necessidade! de! sistematizar! a! informação! essencial!
relacionada! com! estes! materiais,! Fernando! Távora! preparou! um! minucioso! meta4
arquivo,! que! é! hoje! de! enorme! utilidade! a! quem! queira! conhecer! esta! colecção.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Agradeço!a!Jerónimo!Pizarro!e!Ricardo!Vasconcelos!a!colaboração!na!preparação!deste!documento.!
Acerca!deste!meta4arquivo,!diga4se!que!as!notas!que!o!arquitecto!Fernando!Távora!
escreve!à!margem!dos!documentos!que!fazem!parte!do!espólio!são!uma!espécie!de!
diário!e!explicam!a!forma!como!se!relacionava!com!o!acervo.!Cada!lote!do!espólio!é!
descrito! ao! pormenor:! o! que! contempla,! o! preço,! a! data! e! a! quem! foi! comprado.!
São,! acima! de! tudo,! anotações! que! revelam! a! preocupação! de! um! coleccionador!
que!se!tornou!num!verdadeiro!filólogo,!profundo!conhecedor!do!seu!espólio.!
Entre! essas! indicações! destacam4se! múltiplas! referências! aos! locais! de!
compra! dos! diversos! documentos.! Ao! longo! dos! anos,! Fernando! Távora!
relacionou4se! com! várias! livrarias,! destacando4se,! não! só! pela! importância! dos!
materiais!disponibilizados!como!pela!continuidade!temporal,!o!alfarrabista!Manuel!
Ferreira,!a!Livraria!Académica,!a!Livraria!Moreira!&!Almeida,!a!Livraria!Fumaça!e!
o!livreiro!Américo!Marques,!como!adiante!se!percebe.!!
Na! inventariação! dos! lotes! que! ia! adquirindo,! o! arquitecto! Távora!
sistematiza! a! informação,! descrevendo,! de! forma! sucinta,! o! seu! conteúdo.! No!
entanto,! por! vezes,! não! resiste! a! descrever! a! história! por! detrás! de! determinada!
compra.! Numa! espécie! de! diário! de! viagem,! relata,! de! forma! impressionante,! os!
seus!“estados!de!alma”,!quando!faz!mais!uma!compra!que!o!entusiasma!(no!fundo,!
são! quase! todas)! mesmo! sem! ver! o! que! está! a! comprar,! e! sobretudo! quando!
consegue!antecipar4se!a!outros!coleccionadores.!
Damos!dois!exemplos.!Na!memória!descritiva!do!Lote!40,!escreve!Távora:!!
!
Hoje,! 14! de! Agosto! de! 1981,! batalha! de! Aljubarrota! [...]! telefonou4me! o! M[anu]el! Ferreira!
comunicando!ter!“um!pequeno!e!belo!lote„!de!cartas!e!postais!do!Sá4Carneiro!e!pedindo4me!
para!passar!pelo!armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!com!o!lote!comprado!sem!
o!vêr!e!sem!saber!quanto!custava.!Em!resumo!–!a!força!do!destino.!Fiz!de!conta!que!via!o!
lote,!fiz!de!conta!que!perguntei!o!preço,!fiz!de!conta!que!discuti!o!valor!–!mas!de!antemão!já!
tudo!estava!resolvido!e!pago!porque,!por!acaso,!tinha!dinheiro.!(Se!o!não!tivesse!havia!de!o!
arranjar!–!estava!escrito.)!!!!
!
! Numa!altura!em!que!a!informação!não!“viajava”!com!a!rapidez!dos!tempos!
actuais,!as!transacções!comerciais!eram!feitas!de!outra!forma,!e!este!meta4arquivo!
demonstra4o!à!saciedade.!Nesse!sentido,!a!relação!comercial!que!Fernando!Távora!
manteve,!ao!longo!dos!anos,!com!o!alfarrabista!Manuel!Ferreira!assume!um!papel!
fundamental!na!construção!do!seu!valiosíssimo!espólio.!!
O!profundo!conhecimento!que!o!arquitecto!Távora!tinha!sobre!a!literatura,!
em!geral,!e!sobre!o!período!modernista,!em!particular,!aliado!a!uma!extraordinária!
sensibilidade,!foram!cruciais!na!construção!do!seu!legado.!As!palavras!de!regozijo!
do!próprio!Fernando!Távora!pela!compra!de!mais!um!lote!“sem!o!vêr!e!sem!saber!
quanto!custava”!são!um!bom!exemplo!da!paixão!do!arquitecto4poeta.!
A!leitura!deste!meta4arquivo!deve,!assim,!ajudar!o!leitor!a!compreender!de!
forma! mais! cabal! o! relevo! da! Colecção! Fernando! Távora.! A! título! de! exemplo,!
lembre4se!a!memória!descritiva!do!Lote!24:!!!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 20!
Vizcaíno O Meta-arquivo
A!menos!que!...!o!□!Pinto!de!Souza!tenha!querido!vingar4se,!no!bom!sentido,!do!facto!de!ter!
perdido!no!dia!17!último,!os!“Sonnets!of!this!century„![↑!que!pertenceram!a!F.!Pessoa!e]!que!
o! M[anu]el! Ferreira! comprara! em! Lxª! [Lisboa]! no! leilão! na! Associação! Portuguesa! <de!
Portugue>!de!Escritores.!Aconteceu!que!neste!dia,!2.a!feira,!de!manhã,!o!M[anu]el!Ferreira!
procurou4me! em! casa! e! <es>! no! escritório! para! <q>! me! comunicar! que! tinha! comprado!
aquele! livro! e! que! gostaria! que! eu! o! comprasse.! Por! coincidência! cheguei! <à>! ao!
estabelecimento!dois!minutos!antes!do!Pinto!de!Souza!que,!quando!chegou,!foi!informado!
que!o!livro!era!para!mim...!
!
Uma! descoberta! de! extrema! importância,! trata4se,! efectivamente,! de! um!
livro!que!pertenceu!a!Fernando!Pessoa!(a!comprová4lo!temos!a!assinatura!de!posse!
do! poeta),! que! permaneceu! incógnito! durante! mais! de! cem! anos.! O! pequeno!
livrinho! de! capa! verde! intitulado! Sonnets& of& this& Century,! com! provável! edição! de!
1902! (ver! PITTELLA,! 2017b:! 278)! encerra,! no! seu! interior,! um! verdadeiro! tesouro:!
anotações! manuscritas! pelo! punho! do! próprio! Fernando! Pessoa! em! mais! de! um!
terço! das! páginas! que! o! compõem.! Estas! notas! do! poeta,! inéditas! até! muito!
recentemente,! contemplam! “avaliações! gerais! de! sonetos! na! opinião! de! Pessoa,!
traduções! em! português,! notas! sobre! métrica,! rima! e! forma,! e! outra! marginália”!
(PITTELLA,!2017b:!277).!!!
Ainda!acerca!do!rigor!da!análise!a!que!Fernando!Távora!submetia!os!vários!
documentos,!destacamos,!por!exemplo!o!trabalho!de!investigação!e!compilação!da!
informação! relativa! às! cartas! de! Fernando! Pessoa! enviadas! a! João! Gaspar! Simões!
na! sua! posse.! Para! além! de! registar! a! data! de! todas! as! 39! cartas! enviadas! por!
Pessoa,!Fernando!Távora!vai!ao!ponto!de!anotar!o!número!de!linhas!de!cada!carta.!
Por!outro!lado,!o!seu!trabalho!de!pesquisa,!não!só!neste!caso!específico,!mas!
também!em!relação!a!outros!documentos!que!adquiria,!não!se!limitava!ao!registo!
da!pessoa!que!lhe!vendia!as!cartas.!Procurava!sempre!saber!a!origem!e!o!caminho!
que! cada! documento! percorria! até! chegar! às! suas! mãos,! por! vezes! revisitando! as!
anotações!para!acrescentar!informação!entretanto!encontrada.!Assim,!e!a!título!de!
exemplo,!escreve!o!arquitecto!em!nota!manuscrita!apensa!ao!1.o!Lote:!
!
Comprado!a!M[anuel]!Ferreira,!em!24/XII/71,!esc[udos]!12.000$00;!comprado!por!M[anuel]!
Ferreira!a!Dr.!Ant[ónio]!Miranda!(Santo!Tirso)!<por!intermédio!de>;!saberei!a!quem!este!as!
comprou.!Soube!depois!que!foram!compradas!em!L[isboa],!ao!livreiro!Américo!Marques.!
!
Em!suma,!o!meta4arquivo,!escrito!na!primeira!pessoa!e!num!registo!diarístico,!
intimista!até,!revela!como!que!o!“auto4retrato”!de!um!coleccionador!apaixonado!e!
empenhado.! Seguramente! a! transcrição! do! mesmo,! que! se! segue,! ajudará! quer! o!
especialista!que!enverede!por!uma!colecção!tão!extensa!e!rica,!quer!todos!aqueles!
interessados!em!conhecerem!a!personalidade!do!homem!que!a!criou.!
!
!
!
!
!
Fig."1."Lotes"1"a"4"(Colecção"Fernando"Távora)."
"
!
! –! poema! liberdade! –! dactilografado;! pertenceu! a! Luís! da! Câmara4! Reys! a!
quem!terá!sido!enviado!por!F[ernando]!P[essoa]!para!publicação!na!Seara!Nova.!!
!
pertencia!à!correspondência!de!Câmara!Reis!que!o!M[anu]el!Ferreira!adquiriu;!não!
vinha! acompanhado! por! carta! de! F[ernando]! P[essoa]! porque! naturalmente!
estando!ambos!em!Lisboa!essa!carta!não!era!necessária!!
!
adquirido!pelo!M[anuel]!Ferreira!a!J[oão]!G[aspar]!Simões!!
!
comprado!a!M[anuel]!Ferreira,!em!24/II/72,!esc[udos]!6.000$00!
!
4.o!Lote!!! –!<2>/3\!cartas!de!C[arlos]!Ferreira!a!F[ernando]!P[essoa]!!!!!!!!!!!!!!
! –!3!cartas!de!J[osé]!Araújo!a!F[ernando]!P[essoa]!
! –!1!carta!de!Tito!Bettencourt!a!F[ernando]!P[essoa]!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Camara!]&no&original.!
!
!
!
!
Fig."2."Lotes"4"a"9"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
– original!do!poema!“O!cavalinho!branco„!de!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes,
dedicado!a!F[ernando]!P[essoa]!(terá!sido!publicado?)!
– original!de!Aug[usto]!F[erreir]a!Gomes!que!começa:!“Conheci!F[ernando]
P[essoa]!quando!do!aparecimento„!
– original! de! Aug[usto]! F[erreir]a! Gomes! que! começa:! “Se! me! fosse
permitido!erguer!a!voz„.!
Comprado! a! M[anuel]! Ferreira,! em! 24/II/72,! esc[udos]! 3.000$00;! com! excepção! da!
nota! de! M[ári]o! de! Sá! Carneiro,! pertenceu! tudo! ao! espólio! de! Augusto! Ferreira!
Gomes,!comprado,!creio,!pelo!M[anu]el!Ferreira!a!um!colega!de!Lisboa!–!!
5.o!Lote!! –! folha! com! a! legenda:! “Para! Fernando! Pessoa,! o! Maior„,! escrito! por
M[ári]o! de! Sá! Carneiro! –! pertenceu! a! J[oão]! Gaspar! Simões! que! a! <†! vendeu! †>
negociou!com!M[anu]el!Ferreira
Oferecido!por!M[anu]el!Ferreira,!em!3/III/72!
o
6 Lote – 1 carta de M[ário] [de] Sá Carneiro a José Pacheco, Barcelona <30/
Agosto/14> [↑30/Agosto/1914] (2.250$00)
– 1, id[em], id[em], 4/Set[embro]/1914 (2.250$00)
– 1 postal, id[em], San Sebastian, 12 (?)/Julho, 1915 <2.2>/16\20$00)
Comprados!a!M[anu]el!Ferreira,!em!7/<IV>/!III\/72!pelo!total!de!6.120$00;!vieram!de!
L[isboa]!do!livreiro!Américo!Marques,!em!cujo!<catalogo>![↑!Boletim]!<vêm!sob!os!
n.ºs>!mensal!n.º!27!vêm!sob!os!números!5880,!588<1>/3\!e!5881.
7.o!Lote! –! 1! carta! de! M[ário]! [de]! Sá! Carneiro! a! J[osé]! Pacheco,! Lxª! [Lisboa],
2/Fev[ereiro]/1914!(2.250$00)
– 1!id[em],!id[em],!Paris,!10/Julho/1914!(2.250$00)
o
Lote – 1 carta de M[ário] [de] Sá Carneiro a J[osé] Pacheco, Paris, 1/
Agosto/1914 <(3.250$00)> [↑(2.250$00)]
– 1 id[em], id[em], Paris, 14/ e [ereiro]/1916 (<2>/3\.000$00)
– 1 id[em], id[em], Paris[,] 6/Abril /1916 (6.000$00)
– 1 P. S. de M[ário] [de] Sá Carneiro para José Pacheco (pertencia
ao conjunto!da!correspondência!deste)!–!(750$00)!
Comprado!a!Américo!Marques!–!Livreiro!e!alfarrabista!–!Lxª![Lisboa],!em!22/IV/72,!
directamente!por!mim.!Não!vêm!em!qualquer!Boletim.!Total!–!12.000$00!
9.o!Lote!! –! 1! manuscrito! com! o! <†>! texto! de! um! telegrama! (?)! enviado! a! Sá
Carneiro! por! vários! amigos! (R[ogério]! Peres,! M[ário]! Duarte,! V.! Silva,! A[ntónio]
Ponce!de!Leão,!A[lfredo]!Guisado,!F[ernando]!Pessoa.
– 1!bilhete!de!visita!(com!envelope)!de!César!Porto!a!F[ernando]!P[essoa],
apresentando!pesames!pela!morte!de!Sá!Carneiro.!
Oferecido! por! M[anuel]! Ferreira,! em! 25/IV/72,! depois! de! ter! comprado! o!
“Ultimatum„!de!A[lvaro]!de!Campos!e!outras!coisas.!
Fig."3."Lotes"10"a"13"(Colecção"Fernando"Távora)."
10.o!Lote!!–!carta!de!F.!P[essoa]!a!J.!G.!Simões!–!de!30/Set[embro]/29 (3.000$00)!
– carta!de!id[em]!a!id[em]!de!10/Jan[eiro]/30 (3.000$00)!
– carta!de!id[em]!a!id[em]!de!28/Julho/32 (3.000$00)!
– carta!de!<José!P>!M.!Sá!Carneiro!a!José!Pacheco!de!8/Jan[eiro]/1916
(3.000$00)!
Comprado! ao! Eng.! Vasco! Duarte! Silva! (Lisboa)! em! 25/V/72! por! 12.000$00.! Estas!
cartas! foram! compradas! pelo! Eng.! Duarte! Silva! a! Américo! Marques,! livreiro,! e!
figuram! n<a>/o\! <exp.>! <catálogo! n.º>! Boletim! n.º! 27! sob! os! números! 5887,! 5885,!
5886!e!5882.!A!margem!de!lucro!foi!pequena.!
10.o!Lote!!–!bilhete!postal!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!José!Pacheco!–!15/Jan[eiro]/1914
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!3/Julho/1914
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!7/Julho/1914
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!28/Out[ubro]/1914
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!18/Jan[eiro]/1915
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!19/Jan[eiro]/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!20/Abril/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!11/Agosto/1915
– carta!de!id[em]!a!id[em]!–!21/Agosto/1915
– bilhete!postal!de!id[em]!a!id[em]!–!13/Set[embro]/1915
Comprado! ao! livreiro! Américo! Marques! <(Lisboa)>! (Lisboa),! em! 26/V/72.! Estas!
cartas!não!figuram!em!qualquer!Boletim!e!estão!inéditas.!Era!o!que!restava!do!lote!
da!correspondência!de!M[ário]!de!Sá!Carneiro!para!José!Pacheco!e!que!estava!nas!
mãos!daquele!livreiro.!Além!das!cartas!deste!lote!que!anteriormente!lhe!comprei,!
bem!como!das!cartas!que!comprei!ao!Eng.!Vasco!Duarte!Silva[.]!Sei!que!havia!mais!
algumas,!creio!que!poucas.!custou!1<†>/7\.000$00!!
12.o!Lote! –!Hora!absurda!–!poema!de!F[ernando]!P[essoa]!(4!págs.)!–
–!Via!Sacra!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues!(2!págs).!
– Poente!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues
– Só!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues
– Abertura!do!Livro!da!Vida!–!poema!de!A[rmando]!Côrtes!Rodrigues!(2!págs).
– Taciturno!–!poema!de!M[ário]!Sá!Carneiro!(2!págs.)
– Sugestão!–!poema!de!M[ário]!Sá!Carneiro
– carta!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!Alfr[edo]!Guisado!(2!págs)!–!5/Julho/1914
– carta!de!M[ário]!Sá!Carneiro!a!Alfr[edo]!Guisado!(2!págs)!–!20/Julho/1914
13.o!Lote! –!prova!do!artigo!de!jornal!(por!Augusto!Ferreira!Gomes),!suspenso!pela
censura
– carta!de!Norberto!de!Araujo!(14/Abril/922)!para!Victoriano!Braga
– carta!de!João...!(12/Junho/36)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Alice...!(segunda4feira)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Gualdino!Gomes!(8/Setembro)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Carlos!Amaro!(s/d)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Joaquim!Carvalho...!(25/Abril/1920)!para!Vict[oriano]!Braga
– carta!de!Alves!da!Costa!(s/d)!para!Vict[oriano]!Braga
Comprado!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!em!31/VII/72,!por!esc.!4.000$00.!Foi!um!lote!
muito! caro! porque! é! pouco! interessante.! Tudo! pertenceu,! segundo! o! M[anu]el!
Ferreira,! a! Augusto! Ferreira! Gomes,! menos,! naturalmente,! as! coisas! dirigidas! a!
Victoriano!Braga.!
Fig."4."Lotes"13"a"15"(Colecção"Fernando"Távora)."
14.o!Lote! –!Cortejo!funebre!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(5!págs)
– outro!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(2!págs.)
– agonia!–!poema!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!(5!págs.)
– prova!de!artigo!de!jornal!intitulado!“O!suposto!crime!do!Orpheu„
– menú!de!um!banquete!de!homenagem!a!Alf[redo]!Guisado!(1/XI/25)
– prova!tipográfica,!zincogravura,!das!duas!últimas!quadras!de 1
“Hora!Absurda„!
– original!de!“As!Cinco!Chagas!de!Cristo„!–!1915!por!Alfredo!Guisado
– original!de!“Laços!de!seda„!–!Poemeto!de!Pedro!de!Menezes
– provas!de!Xente!d’a!Aldea,!corrigidas!por!Alfredo!Guisado 2
1
!10.000$00!
2
!3.000$00!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 32!
Vizcaíno O Meta-arquivo
Lote! comprado! a! M[anu]el! Ferreira,! em! 9/VIII/72,! por! 10! +! 3.000$00! (13.000$00).!
Pertenceu!tudo!a!Alfr[edo]!Guisado!a!quem!foi!comprado!por!Ernesto!Martins!da!
“Biblarte„! (Lxª! [Lisboa]),! que! o! vendeu! a! M[anu]el! Ferreira...! a! quem! o! comprei.!
Muito!caro.!
15.o!Lote! !–!!bilhete!de!Afonso!Lopes!Vieira,!manuscrito!a!lápis!de!côr,!com!o!texto:
“Com!um!abraço!ao!genial!sebastianista.!Boas!Festas!antecipadas...„.!Pertenceu!ao
Conde! de! Alvelos,! Porto! e! era4lhe,! portanto! [...]5! <†>! M[anu]el! Ferreira,
9/Out[ubro]/72.!Estava!marcado!120$00.
5!A!digitalização!não!deixa!ver!esta!parte!da!folha.
Fig."5."Lotes"16"e"17"(Colecção"Fernando"Távora)."
/1931!(2!págs.)
– Carta!de!F[ernando]!P[essoa]!a!J[oão]!Gaspar!Simões!de!25/Fev[ereiro]
/1933!(2!págs.)!
compradas!ao!Dr.!Ant[ónio]!Miranda,!de!Santo!Tirso,!por,!efectivamente,!4.000$00!
e! 3.000$00,! preço! muito! alto! para! a! primeira! mas! talvez! a! única! arma! para! o!
convencer!a!ceder4me!a!carta!que!êle!muito!estimava,!dado!o!tema!tratado.!Foram!
compradas! na! madrugada! de! 11/Nov[embro]/72! depois! de! uma! dura! luta,!
porquanto!tendo!o!Ant[ónio]!Miranda!manifestado!o!desejo!de!realizar!cerca!de!8!
contos! para! comprar! mss! iluminados! no! Manuel! Ferreira,! já! estava! arrependido!
quando!cheguei!a!sua!casa.!Ficou!ainda!com!13!cartas,!segundo!suponho;!eu!sugeri!
outro!negócio[:]!ficar!com!duas!cartas!mais!por!7!contos!do!que!com!4!cartas!de!<†>!
[↑uma]!página!por!8!contos.!
17.o!Lote! –!Carta!de!Joaquim!Paço!d’Arcos!p[ara]!Alfr[edo]!Guisado!de!27/1/1961!(4
págs);!anexo!<†>!envelope!e!fotocópia!<dirigi>!da!carta!dirigida!por!J[oaquim]!Paço
d[’]Arcos!a!José!Azeredo!Perdigão.
– Carta!de!Jorge!Barradas!p[ara]!Alfr[edo]!Guisado!de!9/Junho/1964
– Carta!id[em]!id[em]!de!26/Julho/1964,!com!envelope
– soneto,!inédito,!manuscrito,!de!Artur!Inez,!“Sahará„
– “Poema!da!hesitação„,!manuscrito,!inédito,!de!Alfr[edo]!Guisado.
– Carta!de!Jorge!de!Sena!para!Alfr[edo]!Guisado,!de!9/4/61!(3!págs.),!com
envelope;!
– fotografia!de!F[ernando]!P[essoa],!“atestada„!por!Alfr[edo]!Guisado;
– fotografia! de! Luís! de! Montalvor,! <atestada>! com! o! nome! escrito! por
Alfr[edo]!Guisado;!
– id[em]! de! Ronald! de! Carvalho,! id[em],! id[em];! id[em]! de! Almada
Negreiros,!id[em],!id[em];!
– id[em]!de!Alfredo!Guisado,!id[em],!id[em];
– id[em]! de! Alfr[edo]! Guisado,! Almada! Negreiros! e! Côrtes! Rodrigues,
id[em],!id[em]!(2.º!encontro!nos!Irmãos!Unidos,!2/4/58);!
– id[em]! de! Jorge! Barradas,! assinada! e! datada! de! 1964,! c[om]! o! nome
escrito!por!Alfr[edo]!Guisado.!
este! lote! foi! comprado! em! 5/XII/72! a! M[anuel]! Ferreira,! por! esc.! 4.000$00;! ele!
comprou o!<†>!em!Lisboa!a!Ernesto!Martins,!a!“Biblarte„!por!sua!vez!o!comprara!a
Alfr[edo]!Guisado!a!quem!tudo!pertencia.!Vieram!no!mesmo!<lote>![↑conjunto]!os!
livros!“Ânfora„,!“Mais!alto„!e!“a!lenda!do!rei!boneco„,!bem!como!dois!volumes!de!
recortes!de!jornais!com!críticas!ao!“Orfeu„!e!a!Alfr[edo]!Guisado.!
Fig."6."Lotes"18"a"20"(Colecção"Fernando"Távora)."
(11/VI/58)!com!envelope
– carta!de!Jorge!de!Sena!para!Alfr[edo]!Guisado!(4/I/59),!com!envelope
– escrito! de! Almada! Negreiros! relativo! aos! encontros! c[om]! Alfr[edo]
Guisado!e!Cortes!Rodrigues!(“os!de!Orpheu„)!
20.o!Lote! –! conjunto! de! cartas,! artigos,! esboços,! etc.! etc.! que! pertenceram! a! Raúl
Leal!(Henoch).!Comprado!em!23/I/73!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!por!esc.!40.000$00.
Trata4se! de! um! lote! que! eu! vira! em! Lx.a! [Lisboa]! em! 9/I/73! na! livraria! Moreira! &
Almeida! (por! esc.! 25.000$00)! mas! q[ue]! não! comprei! quer! porque! não! tinha
dinheiro! (e! não! tinha! à4vontade! para! ficar! a! dever! embora! pagasse! mais! tarde,
claro)! quer! porque! receei! o! seu! conteúdo! dado! que! o! lote! estava! por! abrir.! O
M[anu]el!Ferreira!soube,!comprou...!e!fez!bom!negócio.!Enfim,!comércio.
Fig."7."Lotes"21"a"24"(Colecção"Fernando"Távora)."
1.500$00
– bilhete!postal!de!id[em]!para!id[em],!de!Dezembro!de!1915,!esc.!1.000$00
comprado! a! Américo! Marques,! Lisboa,! em! 16/II/73,! por! esc.! 2.500$00.! <Garantiu4
me>!Garantiu4me!não!possuir!agora!mais!nada!de!Mário!para!José!Pacheco.!Vêr!o!
que!lhe!comprei!em!lotes!anteriores!
22.o!lote! –! conjunto! de! cartas,! poemas,! artigos! de! jornal! (República),! provas,
notícia!sobre!Ant[ónio]!Ferro!e!telegrama!de!Ant[ónio]!Ferro,!carta!de!A[rmando]
Cortes!Rodrigues,!texto!de!A[rmando]!Cortes!Rodrigues!s[obre]!o!“Orpheu„,!etc.!–
dum! modo! geral! com! pouco! interesse,! comprado! a! Ernesto! Martins,! Biblarte,
Lisboa,! em! 16/! II! /1973,! por! esc.! 4.500$00! (caríssimo!);! tudo! o! que! compõe! o! lote
pertenceu! a! Alfredo! Guisado! e! foi4lhe! comprado! recentemente! pelo! <Ernesto>
mesmo!Ernesto!Martins.
23.o!lote! –!carta!de!Man<u>/o\el!Serras!para!Alf[redo]!Guisado,!acompanhada!de
reprodução!fotográfica!de!uma!auto4biografia!de!F[ernando]!Pessoa;
– prova!de!gravura!de!“O!Taciturno„!(Mário!de!Sá!Carneiro).! (possivelmente
– prova!de!gravura!de!“Só„!(Cortes4Rodrigues) editadas!no!“República„)
– prova!de!artigo!de!jornal,!corrigido!por!Alf[redo]!Guisado;!(“Republica„
– 8/12/1966),!em!que!é!comentada!a!reedição!de!“Ceu!em!Fogo„!feita!pela!Ática.
Comprado! em! 17/II/1973! a! M[anu]el! Ferreira,! Porto,! que! o! havia! comprado,! dias!
antes,! a! Ernesto! Martins,! Biblarte,! Lisboa,! que! o! havia! comprado,! dias! antes,! a!
Alfr[edo]!Guisado!a!quem!tudo!pertencia.!Custou!esc.!1.000$00.!
24.o!lote! –! conjunto! de! <cartas,! provas>! manuscritos! de! Ronald! de! Carvalho,
Gomes! Leal,! Ed[uardo]! Guimaraens,! Fernando! Pessoa! e! Mário! de! Sá! Carneiro,
constantes!do!Catálogo!n.o!28!de!Soares!e!Mendonça,!n.os!1681!a!1717,!com!excepção
dos!n.os!1694!<e>/,\!1695!e!1708!e!com!inclusão!de!um!extra4catálogo!(“Soneto„!de
Fig."8."Lotes"24"e"25"(Colecção"Fernando"Távora)."
25.o!lote!! –! pasta! contendo! manuscritos! de! R[aul]! Leal! e! alguns! impressos;! tem! o
original!de!“o!Sindicalismo!personalista„,!de!“a!visão!de!dois!artistas!e!a!luxuriosa
loucura! de! Deus„,! rascunhos! de! cartas,! etc! e! ainda! o! manifesto! <de>! “a! visão! de
dois!artistas...„.7!Comprado!em!29/out[ubro]/73!à!Livraria!Moreira!&!Almeida,!L.da,
Lisboa! (R[ua]! Anchieta)! por! 5.000$00.! Quem! me! indicou! este! lote! foi! o! Diogo
Campo! Belo! que,! aliás,! já! me! indicara! o! outro! (Lote! 20.o).! Este! comprei4o
directamente.! Pertenceu,! segundo! fui! informado,! ao! “boxeur„! que! viveu! com
R[aul]!Leal!até!à!morte!deste.
6!por]!sem&acento.!
7!Veja4se,!a!este!respeito,!ALMEIDA!(2017).!
!
!
!
!
Fig."9."Lotes"25"e"26"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
Digo!jovem!no!sentido!de!idade!porquanto!como!colecionador!de!livros!<de!outros!
autores>!é!mais!velho!do!que!eu...!o!que!evidentemente!lhe!concede!certos!direitos.!
Fiquei! assim! sem! a! carta! por! descuido! <meu>! [↑e! hesitação]! da! minha! parte!
e! tambem! porque! o! problema! de! comprar! foi! posto,! pelo! telefone,! ao! Nuno,!
com!tanta! rapidez! que! êle! nem! pode! pensar! no! meu! interesse,! que! não! era,!
aliás,! compromisso! nem! pedido! de! reserva.! (A! carta! em! questão! vem! referida!
no!Catálogo!n.º!10,!da!Livraria!Académica,!n.º!823)!
A!menos!que!...!o!□!Pinto!de!Souza8!tenha!querido!vingar4se,!no!bom!sentido,!do!
facto! de! ter! perdido! no! dia! 17! último,! os! “Sonnets! of! this! century„! [↑! que!
pertenceram! a! F.! Pessoa! e]! que! o! M[anu]el! Ferreira! comprara! em! Lxª! [Lisboa]! no!
leilão!na!Associação!Portuguesa!<de!Portugue>!de!Escritores.!Aconteceu!que!neste!
dia,! 2.a! feira,! de! manhã,! o! M[anu]el! Ferreira! procurou4me! em! casa! e! <es>! no!
escritório!para!<q>!me!comunicar!que!tinha!comprado!aquele!livro!e!que!gostaria!
que!eu!o!comprasse.!Por!coincidência!cheguei!<à>!ao!estabelecimento!dois!minutos!
antes! do! Pinto! de! Souza! que,! quando! chegou,! foi! informado! que! o! livro! era! para!
mim,!bem!como!as!provas!do!<Só>![↑poema]!“António„,!do&Só9.!<Não>![↑<Êle>]!
[↑Ele! não]! disse! que! os! queria,! mas! creio! que! sim,! dado! o! seu! interesse! [↑pelo!
assunto]!e!as!suas!possibilidades![reveladas!pouco!depois!na!compra!da!carta!de!
Mário!Sá!Carneiro!por!esc.!25.000$00]!(30!de!Dezembro!de!1973)!
26.o! lote! –! 16! págs.! (apenas! 8! com! texto)! de! provas! do! Só! de! Ant[ónio]! Nobre
revistas! a! tinta! pelo! Autor.! Oferta! de! Alberto! Serpa! para! o! leilão! na! Associação
Portuguesa!de!Escritores,!figurando!no!respectivo!Catálogo,!que!possuo,!sob!o!n.o
<4>/8\.!Comprado!na!noite!do!dia!12,!na!minha!presença,!pelo!M[anu]el!Ferreira
por!esc.!4.100$00.!Comprei4lho!no!dia!17/XII/73!por!esc.!8.000$00.
Notar! que! estas! provas! não! são! as! últimas! porquanto! o! texto! não!
corresponde!rigorosamente!ao!publicado.!
8!Souza!]!grafado&“Sousa”&e&“Souza”.!
9!António,!do&Só!]!no&original.!
!
!
!
!
Fig."10."Lotes"27"e"28"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
de!cartão!enviado!por!Henriqueta!Madalena!Nogueira!Rosa!Dias!à!escritora!Maria
Amélia! Neto! e! cartão! desta! para! o! livreiro.! Trata4se! do! cartão! <que>! da! irmã! de
Fernando! Pessoa! que! acompanhou! a! oferta! dos! “Sonnets! of! this! century„! por! ele
oferecidos! para! o! Leilão! da! Associação! Portuguesa! de! Escritores! e! do! qual! Maria
Amélia!Neto!tinha!prometido!fotocópia!a!M[anu]el!Ferreira!quando!êle!adquiriu!o
livro!no!Leilão!em!14/XII/73.
Sobre! o! Leilão! vêr! o! Catálogo! que! possuo,! onde! não! figura! o! livro! dos!
“Sonnets„!porque!foi!oferecido!à!última!hora,!e!bem!assim!os!recortes!de!imprensa!
diária!que!lhe!juntei.!
28.o! lote! –! carta! de! F[ernando]! P[essoa]! para! João! Gaspar! Simões,! de! 11! de
Dezembro!de!1931.!Comprada!a!M[anu]el!Ferreira,!Porto,!em!28/Janeiro/1974!por
esc.! 25.000$00.! Esta! carta! veio! acompanhada,! como! “bónus„,! por! um! cartão! de
visita!(e!respectivo!envelope)!de!Joaquim!Pessôa![↓ não!esquecer!o!<til)>!acento)],
pai!do!poeta!e!no!qual!se!fala!do!“pequenito„!Fernando.
Compra! para! mim! sensacional! porquanto! reputo! esta! a! melhor! carta! escrita!
por!Pessoa!a!Gaspar!Simões!<e>![↑!formando]!com!a!carta!para!Casais!Monteiro!o!
melhor!par!dos!textos!epistolares!do!poeta.!
A! carta! e! o! cartão! pertenciam! a! João! Gaspar! Simões! que! os! trouxe,! para!
vender,!a!M[anu]el!Ferreira!pedindo4lhe!vinte!contos!pelo!lote.!Eu!julgava!que!tal!
carta! já! estava! fora! da! posse! do! Gaspar! Simões! porquanto! as! restantes! foram!
vendidas!e!como!prova!disso!possuo!algumas,!entre!as!quais!a!que!se!segue!à!hoje!
comprada! e! que! [↑! a]! ela! se! refere.! O! João! Gaspar! Simões! teria! dito! a! M[anu]el!
Ferreira! que! ainda! dispunha! da! carta! porque! ela! tinha! sido! emprestada! a! José!
Régio!(que!escreveu!no!alto!da!1.ª!página!Compor&em&12&Sorbonne.)!e!lhe!tinha!sido!
devolvida! depois! da! morte! deste.! Quanto! ao! preço...! é! melhor! não! falar! nisso.! Já!
ninguém!sabe!o!que!vale!um!conto!de!réis!!
!
!
!
!
Fig."11."Lotes"29"e"30"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
30o lote –
–!carta!de!Adolfo!Casais!Monteiro!para!Joaquim!Moreira,!de![↑Lisboa],!17/II/52,!!–!500$00
– carta!de id[em]! para!id[em],!de!S.!Paulo,!8/VI/55,!
!contendo!um!programa!de!um!espectáculo!s[obre]!F[ernando]!P[essoa]! –!700$00
– carta! de! Jorge! de! Sena! para! Guilherme! de! Castilho! (Lxª! [Lisboa],! 1/1/51)! e! que
pertenceu!a!Joaquim!Moreira,!devendo!ter!sido!publicada!na!“Portucale„! –!500$00
– carta!de!José!Régio!para!Joaquim!Moreira,!Portalegre,!22/XI/35 – 300$00
– carta!de!João!Gaspar!Simões!para!id[em]!–!Coimbra,!16/II/32 – 300$00
– carta!de!Osório!de!Oliveira!para!id[em]!–!Lisboa!–!3/II/32 – 150$00
– carta!de id[em]! para!id[em]!–!Lisboa!–!10/II/32! – 150$00
Compradas!em!17/VI/74!a!□,!Porto;!com!certo!interesse!as!de!Casais!Monteiro!pelas!
suas! referências! a! F[ernando]! P[essoa]! e! ao! livro! de! Gaspar! Simões! s[obre]!
F[ernando]!P[essoa].!
!
!
!
!
Fig."12."Lote"31"[31.1"/"31.8]"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
12!
31. !lote! –!Conjunto!de!documentos!vendidos!por!João!Gaspar!Simões!ao!livreiro4
o
alfarrabista! Manuel! Ferreira,! do! Porto! e! por! este! vendidos! a! mim! pelo! preço!
completamente! louco! de! esc.! 40.000$00.! Mais! uma! vez! não! consegui! resistir! e! não!
tive!coragem!de!discutir!o!preço!que,!aliás,!me!foi!dito!<que!era>!![↑!ser]!muito!alto!
porquanto! o! Dr.! Gaspar! Simões! “sabe! bem! o! valor! daquilo! que! tem„.! Comprado!
este! lote! em! 12! de! Julho! de! 1974.! Apesar! do! 25! de! Abril! continuo! com! este! vicio!
inveterado! e! insaciável!! (Os! documentos! que! pertenceram! a! F[ernando]! P[essoa]!
foram! certamente! retirados! por! J.! Gaspar! Simões! da! casa! do! poeta! quando! teve!
acesso!à!sua!obra![↑!inédita]!para!a!publicação!das!poesias!ou!da!biografia).10!
!
31.1!–!! folha! com! o! poema! Marinha! dactilografado! e! notas! a! lápis! de! F[ernando]!
P[essoa].!
31.2!–!! folha!com!o!poema!CôrteTReal!dactilografado!e!notas!a!lápis!de!F[ernando]!
P[essoa]!(plano!de!parte!da!Mensagem<)>!e!outros)!
31.3!–!! duas! folhas! com! os! poemas! Analyse,! Hiemal,! Serena& voz! e! Plenilúnio!
dactilografados;! a! segunda! folha! é! timbrada! de! A.! Xavier! Pinto! &! C.a,!
escritório!em!que!trabalhou!F[ernando]!P[essoa].!
31.4!–!! folha!com!Nota&de&poesias&portuguezas,!dactilografada;!contem!os!nomes!das!
poesias,!suas!datas!e!número!de!versos!de!cada!uma.!
31.5!–!! folha! com! poesias! do! Cancioneiro,! dactilografada;! contem! os! nomes! de! 50!
poesias.!
31.6!–!! três! folhas! com! [↑! sete]! poesias! sob! o! título! geral! de! Abdicação,!
dactilografadas! e! datadas! de! 184941917.! Embora! se! trate! de! poesias! de!
F[ernando]!P[essoa],![↑!pelo]!facto!de!estarem!originais!à!mão!pela!letra!de!
J.!Gaspar!Simões,!creio!tratar4se!de!uma!transcrição!feita!por!este.!
31.7!–!! duas!folhas!com!quatro!poesias!de!F[ernando]!P[essoa],!dactilografadas,!e!
com!o!<nome>![↑!título]!de!AlémTDeus.!São!poesias!do!Orpheu!3,!certamente!
transcritas!por!J.!Gaspar!Simões.!
31.8!–!! duas!folhas!dactilografadas;!a!primeira<,!original,!contem>![↑!contem]!uma!
declaração!do!avô!de!M[ári]o!de!Sá!Carneiro,!datada!de!21/Set/1918,!a!favor!
de! Carlos! Ferreira;! a! segunda,! timbrada! de! F.A.! Pessoa,! é! cópia! de! uma!
carta!<de!F.P.>![↓!do!poeta]!dirigida!ao!gerente!do!Grand!Hotel!de!Nice!e!
refere4se!à!celebre!mala!do!Mário!(datada!de!26/Set./1918).11!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10!Sobre!o!lote!31,!veja4se!o!contributo!correspondente!de!Jerónimo!PIZARRO!(2017),!neste!número!de!
Pessoa&Plural.!
11! Fecham4se! os! parênteses! e! acrescenta4se! ponto! final.! Sobre! este! lote,! 31.8,! veja4se! o! contributo!
correspondente!de!Ricardo!VASCONCELOS!(2017a),!neste!número!de!Pessoa&Plural.!
!
!
!
!
Fig."13."Lote"31"[31.9"/"31.17]"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
13!
31.9!–!! convite! impresso! referente! à! Ode! Marítima! dita! por! Manuela! Porto! e!
apresentada!por!J.!Gaspar!Simões!(16.Abril.1938).!
31.10!–!!três!folhas!manuscritas!contendo!um!horóscopo!que!certamente!se!refere!a!
F[ernando]!P[essoa];!falta4me!saber!quem!o!fez!e!se!pertenceu!a!F[ernando]!
P[essoa]!ou!foi!mandado!fazer!por!J.!Gaspar!Simões.!
31.11!–!!três! folhas! dactilografadas! contendo! um! horóscopo! que! certamente! se!
refere! a! F[ernando]! P[essoa];! tenho! dúvidas! semelhantes! às! expostas!
quanto!ao!documento!anterior.!
31.12!–!!folha! dactilografada! contendo! elementos! relativos! a! D.! Dionisia! Estrela!
Seabra!Pessoa.!Certamente!fornecidos!pelo!Dr.!Navarro!Soeiro!a!J.!Gaspar!
Simões! para! elaboração! da! biografia! do! poeta! (ref.! in! “Vida! e! obra! de!
F[ernando]!P[essoa]„,!2.ª!ed.!pág.!22423,!12,!e!outras!págs.)!
31.13!–! carta! do! secretário! da! Joint! Matriculation! Board! da! Universidade! de!
Pretória!dirigida!a!Guilherme!de!Castilho,!delegação!de!Portugal,!naquela!
cidade.! Responde! a! um! questionário! que! está! junto,! em! português,!
certamente!enviado!por!J.!Gaspar!Simões!para!colher!informações!sobre!o!
Queen!Victoria!Memorial!Prize!ganho!por!F[ernando]!P[essoa].!12!
31.14!–!!conjunto! de! dezasseis! folhas! respondendo! a! um! questionário! de! J.! G.!
Simões! relativo! à! presença! de! F[ernando]! P[essoa]! em! Durban.! Algumas!
assinadas! por! <Alberio>! [↑! Albertino]! dos! Santos! Matias,! consul! de!
Portugal!naquela!cidade.!Faltam!os!documentos![↑!um],!3<,>/e\!5<,>!que!são,!
<fotos>! creio,! as! fotos! publicadas! por! Gaspar! Simões! na! “Vida! e! obra! de!
F[ernando]! P[essoa]„! –! 2.ª! ed.! (Durban! em! 1895! e! Igreja! do! Convento! de!
Durban).!Também!ali,!a!pág.!23,!o!autor!se!refere!a!Santos!Matias!e!a!esses!
documentos.!
31.15!–!!carta,!duas!páginas,!manuscrita,!de!Guilherme!de!Castilho!para!J.!Gaspar!
Simões,! de! Pretória! (19.8.49),! relativa! à! pesquisa! de! elementos! sobre! a!
infância!de!F.!P.!em!Durban.!
31.16!–!!carta,! uma! página,! manuscrita,! de! Albertino! dos! Santos! Matias! para! J.!
Gaspar! Simões,! de! Durban! (4.11.49),! relativ<as>/a\ao! mesmo! assunto! da!
anterior.!
<31.17!–!!capa!de!cartolina!cinzenta!que!tem!escrito,!por!Gaspar!Simões,!“Fernando!
Pessoa!/!originais„!e!“Dicionário!de!literatura„.>!
31.17!–!!capa!de!cartolina!onde!vinham!guardados!todos!estes!documentos!do!lote!
31!tendo!escrito!por!J.!Gaspar!Simões:!“Fernando!Pessoa!/!originais„!e!do!
outro!lado:!“Dicionário!de!literatura„.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12!Sobre!os!lotes!31.13,!31.14,!31.15!e!31.16,!veja4se!o!contributo!de!Carlos!Pittella,!“Mr.!Ormond:!the!
testimonial!from!a!classmate!of!Fernando!Pessoa”,!neste!número!de!Pessoa&Plural&(PITTELLA!2017a)!
!!
!
!
!
Fig."14."Lotes"32"e"36"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
Comprado!a!12!de!Julho!de!1974,!quando!do!lote!anterior,!a!M[anu]el!Ferreira,!por!
esc.!1.000$00!
Lote!33.o! –! carta! de! José! Régio! para! Raul! Leal! e! respectivo! sobrescrito;! papel!
timbrado!da!revista!“Presença„;!datada!de!“março!de!1929„!e!com!um!desenho.13!
Comprada!em!20/1/75,!na!Livraria!Académica,!por!esc.!4.000$00!
Lote!34.o! –! dois! cartões! de! visita,! [↑e! respectivos! sobrescritos,]! do! Presidente! do!
Conselho!Oliveira!Salazar!para!Raul!Leal;!só!um,!creio,!será!da!mão!do!Presidente.!
Comprados!em!22/I/75!na!Livraria!Fumaça,!Lisboa,!por!esc.!141$90!
Lote!35.o! –! carta! de! José! Régio! para! António! José! Branquinho! da! Fonseca! e!
respectivo! sobrescrito;! datado! de! 27! de! Julho! de! 1927,! referente! a! assuntos! da!
Presença!e!com!duas!páginas!desenhadas.!O!Dr.!Álvaro!Bordalo,!que!me!vendeu!
esta!carta,!garante!que!a!cabeça!da!segunda!página!desenhada!é!um!auto4retrato!de!
<Jo>/Ré\gio.!
Lote!36.o! –! Recorte! do! jornal! “o! imparcial„! de! <1 (?) > [↑13 ]6 192 , [↑(n.º! 41),]!
com! texto! de! F[ernando]! Pessoa! s[obre]! Luis! de! Montalvor! e! um! <†>! soneto! deste.!
Oferecido! pelo! livreirod alfarrabista! Manuel! Ferreira,! Porto,! em! 2! de! Julho! de!
1976.! Este! recorte,! segundo! o! M[anuel]! Ferreira,! terá! pertencido! ao! conjunto! de!
Alfredo!Guisado!que!adquiri!há!tempos.!
!Veja4se,!a!este!respeito,!MARTINES!(2017).!
13
!
!
!
!
Fig."15."Lotes"37"e"38"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
15!
Lote!37! –! Comprado! em! Julho! de! 1977! a! Manuel! Ferreira,! Porto,! por! esc.!
15.000$00.! Como! as! massas! não! me! sobram! dei! em! troca! um! exemplar! do! K4! –!
Quadrado!Azul!(de!Almada!Ngreiros)!a!que!atribui!o!valor!de!esc.!5.000$00!(havia!
custado! 3.000$00! em! 12/4/72,! Livraria! Académica)! e! um! exemplar! da! Dispersão!
(Mário! de! Sá4Carneiro)! a! que! atribui! o! valor! de! esc.! 10.000$00! (havia! custado!
1.250$00! em! 5/67,! M[anu]el! Ferreira).! Ambos! os! exemplares! em! bom! estado! e!
ambos!duplicados;!fiquei!com!exemplares!com!dedicatórias.14!
Este!lote!é!composto!por:!
3741!–! <Bilhete!postal>![↓!Carta]!de!M[ário]!Sá4Carneiro!dirigida!ao!Avô! !(13/8/1904)!
3742!–! Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(16/8/1904)!
3743!–! Carta!–!id[em]!–!id[em]!! –!(3/11/1911)!
3744!–! Carta!–!id[em]!–!id[em]!! –!(2/5/1915)!
3745!–! Bilhete!postal!–!id[em]!–!id[em]!! –!(26/8/1915)!
3746!–! Numero!1!(e!único)!de!“O!Chinó„,!jornal!académico!dirigido!por!M[ário]!de!
Sá4Carneiro,!de!6/12/1904!
3747!–! “Programa!de!Festa!de!Caridade...„,!na!noite!de!15/5/1907!
NB.! –! As! cartas! e! postais! acima! encontram4se! inéditos;! espero! que! venham! a! ser!
publicados! <pelo>! e! estudados! pelo! Arnaldo! Saraiva,! na! sequência! da! publicação!
recente!de!todas!as!minhas!outras!cartas!de!Sá4Carneiro.!
Lote!38! –! Comprado! em! 23! de! Dezembro! de! 1977,! tempos! de! Natal,! a! M[anu]el!
Ferreira,!por!esc.!15.550$00.!Creio!que!o!preço![↑é]!exagerado!mas,!mais!uma!vez,!
cedi.!
O!lote!é!composto!<por!material>!por!manuscritos!que!pertenceram!a!R[aul]!Leal:!!
3 1 – cart o de isita de Augusto erreira [↑ omes] para a l Leal, anunciando
a morte e o uneral de [ernando] Pessoa.
3 2 – iposcrito de [ernando] Pessoa com a poesia Addiamento de l aro de
Campos.15
3 3 – C pia dactilogra ada de poema de l aro de Campos, a estudar.
3 4 – Conjunto!de!manuscritos!de!R[aul]!Leal!e!cartas!e!êle!dirigidas,!bem!como
recortes! de! jornais! e! panfletos,! a! estudar;! neste! momento! fic<ou>/a\! todo!
este!material!arquivado!em!conjunto!e!sob!este!número!3844.!
!Sobre!este!lote,!e!a!correspondência!de!Sá4Carneiro!com!o!seu!avô,!veja4se!VASCONCELOS!(2017b).!
14
!Sobre!este!documento,!veja4se!FREITAS!(2017).!
15
!
!
!
!
Fig."16."Lotes"39"e"40"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
16!
Lote!39! –!Comprado!em!Novembro!de!1978!a!Manuel!Ferreira!por!esc.!30.000$00.!
Novamente,! preços! loucos.! Eu! já! conhecia! estes! dois! documentos! que! pertenciam!
ao!livreiro!Américo!Marques,!de!Lisboa.!Foi!êle!que!me!vendeu!todas!as!cartas!de!
Sá!Carneiro!para!José!Pacheco!e!dizia!não!vender!esta!última!“por!preço!nenhum„,!
bem! como! o! poema! manuscrito! de! Pessoa.! O! Manuel! Ferreira! disse4me! ter4lhe!
“arrancado”!estas!duas!peças!“à!força!de!dinheiro„!e!que,!portanto,!só!muito!caras!
as!poderia!vender.!
3941!–!Carta!de!Mário!Sá4Carneiro!para!José!Pacheco!datada!de!Paris!–!Julho!1915,!
<d>/D\ia!28.!(4!folhas,!8!páginas)!
3942!–!Poema!de!F[ernando]!Pessoa,!“Sol!nullo!dos!dias!vãos,„,!manuscrito,!datado!
de!Janeiro,!1920.!
!
Lote! 40! –! Hoje,! 14! de! Agosto! de! 1981,! batalha! de! Aljubarrota,! estando! eu!
pacificamente!no!meu!atelier!a!trabalhar!na!memória!descritiva!do!Plano!Geral!de!
Guimarães,!<Mel>!telefonou4me!o!M[anu]el!Ferreira!comunicando!ter!“um!pequeno!
e! belo! lote„! de! cartas! e! postais! do! Sá4Carneiro! e! pedindo4me! para! passar! pelo!
armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!com!o!lote!comprado!sem!o!vêr!e!
sem!saber!quanto!custava.!Em!resumo!–!a!força!do!destino.!Fiz!de!conta!que!via!o!
lote,!fiz!de!conta!que!perguntei!o!preço,!fiz!de!conta!que!discuti!o!valor!–!mas!de!
antemão! já! tudo! estava! resolvido! e! pago! porque,! por! acaso,! tinha! dinheiro.! (Se! o!
não!tivesse!havia!de!o!arranjar!–!estava!escrito.).!Custou!este!fado!a!módica!quantia!
(e! talvez! assim! seja)! de! esc.! 40.000$00! ou! seja! 4.000$00! dos! que! conheci! há! anos!
quando! a! moeda! de! 1! escudo! era! igual! à! de! 10! centavos! de! hoje.! Assim,! o! lote!
compreende!
40.1!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Vesuvio!–!30/8/1904!
40.2!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Napoles!–!31/8/1904!(com!envelope)!
40.3!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!<Camarate>!–!Camarate!!–!11/9/1904!!
(c[om]!envelope)!
40.4!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!27/1/1913!–!
40.5!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô! –!Paris!–!17/2/1913!–!
40.6!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!20/5/1913!–!
40.7!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!29/5/1913!–!
40.8!! carta!――!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Lisboa!–!22/5/1914!(s/.!envelope)!
40.9!! bilhete!postal!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Paris!–!15/6/1914!!
40.10!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!28/6/1914!
40.11!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!24/7/1914!
40.12!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!6/8/1914!
40.13!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!21/12/1915!
40.14!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Paris!–!31/12/1915!
40.15!! carta!de!M.!S[á]4C[arneiro]!para!o!Avô!–!Barcelona!–!6/9/1914!(com!envelope)!
40.16!! ! Ü! Ü! Ü! Ü! –!Barcelona!–!7/9/1914!
(com!envelope)!
!
...!e!digo!que!a!quantia!talvez!seja!módica!porque!já!se!vendem!postais!antigos!do!
Porto! por! esc.! 1.000$00...! e! mais!!! Quanto! vale,! assim,! o! mais! simples! de! postal!
onde!Sá4Carneiro!pôs!as!suas!mãos!e!a!sua!paixão?!
!
!
!
!
Fig."17."Lotes"41"e"42"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
Lote!41!
Postal!para!Amadeu!de!Souza!Cardoso,!escrito!por!seu!pai.!Sem!data.!Comprado!
no!“Le!Temps!perdu„!(belo!nome!de!um!estabelecimento!comercial!que!acaba!de!
abrir! na! galeria! Pedro! Cem,! à! Av[enida]! Júlio! Dinis),! por! esc.! 300$00,! em!
22/Out[ubro]/81.!(sobre!alguns!postais!de!Amadeu!vêr!o!n.º!5!da!revista!Persona)!
!
Lote!42!
Conjunto! de! □! cartas! e! bilhetes! de! António! Carneiro! para! Guilherme! Leite! Faria.!
Comprado! a! □! Ribeiro,! comprador& de& lenha& e& de& antiguidades! com! casa! na! Póvoa! do!
Lanhoso.!Apareceu4me!ontem,!6!de!Março!de!1984,!3.ª!feira!de!Carnaval,!aqui!em!
casa!para!me!oferecer!uma!mesa!grande!que!poderia!servir!para!a!sala!do!Capítulo!
da!Pousada!da!Costa.!E!no!meio!da!conversa!mostrou4me!estas!cartas,!assim!como!
outras!de!Guilhermina!Suggia.!Mostrei!interesse!<por!elas,>!<pelas>!por!elas,!e!êle!
levou4mas!hoje!às!obras!da!Costa!pedindo!20!contos...!que!deixou!por!10.!Aí!estão!e!
parecem4me!interessantes.!
!
!
!
!
!
!
!
Fig."18."Relação"das"cartas"enviadas"por"Fernando"Pessoa"a"João"Gaspar"Simões""
(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!
!
!
!
!
I!–!26/Junho/29!–!26!linhas! XXVIII!–!28/Julho/32!–!111!l[inhas]!•!3!!!!!
II!–!30/Set/29!–!89!linhas!•2! XXIX!–!22/Out/32!–!28![linhas]!
III!–!17/Out/29!–!56!linhas! XXX!–!3/Fev./33!–!37![linhas]!
IV!–!6/Dez/29!–!78!l[inhas]! XXXI!–!18/Fev/33!–!25![linhas]!
V!–!10/Jan/30!–!135!l[inhas]!•3! XXXII!–!25/Fev/33!–!79![linhas]!•!2!
VI!–!28/Junho/30!–!106!l[inhas]! XXXIII!–!2/Abril/33!–!133![linhas]!
VII!–!4/Julho/30!–!21!l[inhas]!–!! XXXIV!–!11/Abril/33!–!□!
VIII!–!16/Out/30!–!22!l[inhas]!–!! XXXV!–!1/Julho/33!–!□!
IX!–!22/Out/30!–!33!l[inhas]!–!! XXXVI!–!22/Jan/34!–!□!
X!–!26/Out/30!–!34!l[inhas]!!!!! XXXVII!–!8/Fev./34!!□!
XI!–!18/Nov./30!–!89!l[inhas]! XXXVIII!–!24/Dez/34!!□!
XII!–!3/Dez/30!–!35!l[inhas]!•1!
XIII!–!6/Dez./30!–!32!l[inhas]!•1!
XIV!–!19/Dez/30!–!22!l[inhas]!•1!
XV!–!4/Jan/31!–!46!l[inhas]!•1!
XVI!–!7/Fev/31!–!17!l[inhas]!•1! 1!–!Comprado!a![ !Manuel!Ferreira]!
XVII!–!4/Abril/31!–!59!l[inhas]!<•>! (Ant[ónio]!Miranda)!
XVIII!–!6/Junho/31!–!19!l[inhas]! 2!–!comprado!a!Eng.!Vasco!Duarte!Silva!
XIX!–!5/Out/31!–!24!l[inhas]!•1!††! 3!–!comprado!a!Ant[ónio]!Miranda!
XX!–!1/Nov./31!–!53!l[inhas]!–!! 4!–!comprado!a!M[anuel]!Ferreira!!
XXI!–!20/Nov/31!–!12!l[inhas]!–! (J[oão]!Gaspar!Simões)!
XXII!–!<3>/4\/Dez/31!–!50!l[inhas]!–!! 5!–!□!
XXIII!–!11/Dez/31!–!402!l[inhas]!•4!
XXIV!–!14/Dez./31!–!70!l[inhas]!•2!.!
XXV!–!12/Maio/32!–!62!l[inhas]!
XXVI!–!25/Maio/32!–!30!l[inhas]!–!.!
XXVII!–!16/Jul/32!–!31!l[inhas]!<–>/–\!
!
!
!
!
Fig."19."Relação"das"cartas"enviadas"por"Fernando"Pessoa"a"João"Gaspar"Simões""
(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!
!
!
!
!
!
Cartas!de!F[ernando]!P[essoa]!para!J[oão]!G[aspar]!Simões!que!tenho:!
!
II!–!30/Set./29! –!2!págs.!
V!–!10/Jan./30! –!3!págs.!
XII!–!3/Dez/30! –!1!pág.!
XIII!–!6/Dez/30! –!1!pág.!
XIV!–!19/Dez/30! –!1!pág.! pertenceram!ao!Dr.!
XV!–!4/Jan/31! –!1!pág.! Ant[ónio]!Miranda!(Santo!Tirso!
XVI!–!7/Fev/31! –!1!pág.!
XIX!–!5/Out/31! –!1!pág.!
XXVIII!–!28/Julho/32! –!3!pág.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!
São!XXXIX!cartas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!
<Ref[erênci]a! à! “Hora! Absurda! de! Joel! Serrão! –! “Cartas! de! F[ernando]! P[essoa]! a!
A[rmando]!C[ôrtes]!R[odrigues]„!pág.!10>!
!
! 330!
!
!
203
~'"' ,L 1 f,.,r;-
1
Fig."20."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
1668!―!XAVIER"DA"CUNHA.!―!A!EXPOSIÇÃO!BIBLIO4ICONOGRAPHICA!DA!BIBLIOTHECA!
NACIONAL! DE! LISBOA! EM! CENTENARIA! COMMEMORAÇÃO! DA! GUERRA!
PENINSULAR.!Breve!noticia!por...!Coimbra.&1919.!In48.o!de!62!págs.!B.!!
Com!dedicatória!do!autor...!Pouco!vulgar.!
1669! ―! HOMENAGEM! POSTHUMA! AO! VISCONDE! JULIO! DE! CASTILHO,! por...! Coimbra.!
Imprensa&da&Universidade.&1919.!In48.o!gr.!de!36!págs.!B.!
Separata!de!O!Instituto.!
1670!―!QUEM!ERA!LUIZ!CARLOS!REBELLO!TRINDADE.!Subsidios!para!a!sua!biographia,!pelo...!
Coimbra.&1910.!In48.o!de!49!págs.!B.!
Com!dedicatória!do!autor.!Foi!professor!de!numismática!no!curso!instituído!na!Biblioteca!Nacional!de!Lisboa.!
1671! ―! XAVIER" DE" VASCONCELLOS! (José).! ―! CUMPRIMENTO! DE! GRATULAÇÃO! AO!
SERENISSIMO! SENHOR! D.! JOSÉ! NO! DIA! EM! QUE! S.! ALTEZA! TOMOU! POSSE! DO!
LUGAR! DE! INQUISIDOR! GERAL! DESTES! REINOS,! E! SEUS! DOMINIOS,! por...! Lisboa.!
Anno&M.DCC.LVIII.!In48.o!de!144I!págs.!E.!
1672! ―! XAVIER" DIAS" DA" SILVA! (Candido! José).! ―! EGLOGA! NA! MORTE! DO! SERENISSIMO!
SENHOR!D.!JOSEPH!PRINCIPE!DO!BRASIL.!Composta!por!C.!J.!D.!d.!S.!e!J.!B.!d.!S.!Thyrso!
Aonio,!e!Fido!Menalio.!Lisboa.!Na&Offic.&Patriarcal&de&Francisco&Luiz&Ameno.&MDCC.LXXXVIII.!
In48.o!de!15!págs.!B.!
Pouco!vulgar.!
1673!―!XAVIER"FERNANDES!(I.).!―!QUESTÕES!DE!LÍNGUA!PÁTRIA.!Coisas!que!asgramáticas!
não!dizem!e!outras!contra!o!que!elas!dizem.!Volume!I.!2.a!edição,!melhorada,!por...!Edição&de&
Álvaro&Pinto&«Ocidente».&Lisboa.&1949.!In48.o!gr.!de!2314I!págs.!B.!!
1674! ―! XAVIER" PEREIRA" COUTINHO! (António).! ―! FLORAE! MYCOLOGICAE! INSULAE! ST.!
THOMAE!(Sinu!Guineensi).!Contributio.!Auctore...!Coimbra.&Imprensa&da&Universidade.&1922.!
In48.o!de!28!págs.!B.!
Com!3!estampas!extra4texto.!
1675! ―! YOUNG! (Eduardo).! ―! NOITES! D’YOUNG.! Traduzidas! em! vulgar! por! Vicente! Carlos!
d’Oliveira,!e!adicionadas!com!as!notas!de!Mr.!le!Tourneur,!com!os!poemas!do!Juizo!Final,!e!
do! Triunfo! da! Religião! contra! o! Amor,! e! outros! Opusculos! do! mesmo! Young.! Terceira!
edição,! correcta,! e! emendada! pelo! Traductor! dos! Seculos! Christãos,! e! da! Historia! de!
Portugal!por!La!Clede.!Tomo!I!(e!TOMO!II).!Lisboa.&Na&Typographia&Rollandiana.&1804.!2!Vols.!
In48.o!E.!
Ilustrado!com!2!gravuras.!Apreciado.!Pouco!vulgar.!
1676! ―! ZABALA! (Arturo).! ―! LA! NAVIDAD! DE! LOS! NOCTURNOS! EN! 1561.! Edicion! y! notas!
por...!Valencia.&1946.!In48.o!de!654II!págs.!B.!
Edição!de!500!exemplares!numerados,!destinados!a!bibliófilos.!
1677! ―! ZBYSZEWSI" &" FERNANDO" MOITINHO" D’ALMEIDA! (Georges).! ―! OS! PEIXES!
MIOCÉNICOS!PORTUGUESES,!por...!Lisboa.&1950.!In48.o!de!108!págs.!e!XIII!Estampas!B.!
Separata!das!Comunicações!dos!Serviços!Geológicos!de!Portugal.!
Catálogo!de!Livros!n.o!28!–!Soares!&!Mendonça,!L.da.,!Porto.!
204
e VIII finais in s. E.
e S. Francisco Xavier.
CARTAS AUTóGRAFAS DE
FERNANDO PESSOA, MÁRIO DE SÃ-CARNEIRO,
RONALD DE CARVALHO E GOMES LEAL
1681 - CARVALHO (Ronald de). - DOIS POEMAS, estando um assinado
com o seu próprio nome (po ema intitulado Can!)ão do ultimo
adeus) e outro assinado «Principe dos Oleos-S •agmdos », havendo
neste uma referência a Luis de ,Montalvor. O primeiro, em duas
folhas , e stã mamuscrito a,penas em uma face do papel; o
segundo ocupa apenas uma pãgina de folha.
Ronald de Carvalh o f oi um dos mai s des tac ados obr eiros do movimento
mod ernista no Bra s il, es tand o tamb ém Intimam ente ligado a este mo-
vim ent o em P ortugal, por ter sido, com Luís de Montalvor, fundador
da revi s ta «Orfeu», págin a importantís s ima da nossa história literária.
1682 --- SONETO intitulado «Vitral Cin2Jento», assinado Ronald.
MCMXIII. <M•anuscrito numa folha de papel. Tem, na pãglna
oposta, vãrios nomes ,e mo11adas também escritas pelo punho
do .poeta.
1683 --- CARTA manuscrita em urna folha de ' papel de carta tlm-
·brooa do «Gabinete do Sub-Secretario d'IDsmdo das Relações
Exteriores» , ocupando as quatro pãginas e dirigida a Luís de
Montalvor, datada de «Quarta-Feira. Setembro MCMXIV ».
11: verdadeira poesia ,em prosa o texto desta interessante carta.
Fig."21."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
205
Fig."22."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
1684! ―! CARVALHO! (Ronald! de).! ―! EXTENSA! CARTA! de! sete! páginas,! dirigida! a! Luís! de!
Montalvor!e!datada!do!«Rio!―!Janeiro!―!MCMXV».!Fala!de!projectos!«sobre!uma!revista!
de!nóvos!daqui!e!dahi»!e!pede:!«Lembra4me!ao!Pessôa!e!ao!Sá4Carneiro».!
1685!―!EXTENSA!CARTA!de!dezoito!páginas,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!de!«Janeiro!
―!MCMXV!―!Fevereiro».!Refere4se!aos!seus!trabalhos!literários!e,!nesta!passagem,!cremos!
que! ao! futuro! «Orfeu»:! «Muito! me! agrada! a! proposta! do! Sr.! José! Pacheco;! espéro! os!
detalhes!para!ajudal4o!em!tudo!o!que!quizer».!«Dá!um!aperto!de!mãos!ao!Sá4Carneiro!e!ao!
Pessôa».!
1686!―!LONGA!CARTA!de!oito!páginas,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!de!«Rio!―!Março!
―!MCMXV».!Refere4se!com!alvoroço!ao!projecto!da!publicação!de!«Orpheu»,!para!o!qual!
há4de! trabalhar! «com! todos! os! meus! nervos»! como! diz! o! Sá4Carneiro».! «Já! comecei! a!
trabalhar! por! ele.! Assignaturas,! publicações! e! outras! burguezas! cousas! estão! a! caminho,!
bravamente».!Referências!a!José!Pacheco,!Pessoa!e!Sá4Carneiro.!Acompanha!o!original!uma!
cópia!dactilografada.!
1687!―!CARTA!manuscrita!em!oito!páginas!de!papel!azul,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!e!datada!
do! «Rio! de! Janeiro.! Abril.! MCMXV».! Refere4se! a! uma! campanha! movida! contra! Luís! de!
Montalvor,! «em! relação! aos! malditos! bilhetes! de! Renascença».! Refere4se! também! ao!
«Orpheu»:! «Recebi! os! talões! e! as! circulares.! As! assignaturas! surgem! de! todos! os! lados.! É!
quasi!a!Victoria!».!«Abraça!o!Mario!e!o!Fernando!Pessôa».!
1688! ―! CARTA! manuscrita! em! três! páginas! de! três! folhas! de! papel! branco,! datada! de! «Rio! ―!
Fevereiro!―!MCMXVII».!É!como!que!uma!carta!de!reconciliação,!escrita!«Depois!de!um!tão!
grande!silencio,!não!motivado!por!mim».!
1689!―!CARTA!datada!de!«Rio!―!6!Julho!―!1917»,!manuscrita!em!uma!só!face!de!uma!folha!de!
papel.!De!restrita!importância.!Dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!
1690! ―! CARTA! manuscrita! nas! quatro! páginas! de! uma! folha! de! papel! de! carta! timbrada! do!
«Gabinete! do! Sub4Secretario! d’Estado! das! Relações! Exteriores»,! datada! de! «Quarta4Feira,!
Setembro»!e!dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!Escrita!em!linguagem!de!pura!poesia,!a!carta!não!
se!ocupa!de!assuntos!de!assinalável!interesse.!
1691!―!CARTA!manuscrita!nas!quatro!páginas!de!uma!folha!de!papel!timbrado!do!«Gabinete!do!
Sub4Secretario! d’Estado! das! Relações! Exteriores»,! datada! de! «Sexta4Feira.! Setembro»! e!
dirigida! a! Luís! de! Montalvor.! Linguagem! poética! mas! sem! assunto! de! apreciável!
importância.!
1692! ―! GOMES" LEAL.! ―! TRÊS! CARTAS! manuscritas,! sendo! uma! sem! data! e! duas! datadas! de!
1910.! Cremos! que! todas! foram! dirigidas! a! Luís! Montalvor,! não! porque! o! seu! nome! nelas!
apareça!mas!porque!provêm!do!seu!espólio!literário.!
206
Fig."23."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
1693! ―! GUIMARAENS! (Eduardo).! ―! POEMA! autógrafo! do! poeta! brasileiro! Eduardo! Eduardo!
Guimaraens,! manuscrito! em! cinco! folhas! de! papel! esguio! e! intitulado:! «O! QUE! DIZ! A!
SOMBRA».!Ao!alto!da!primeira!folha!tem!a!seguinte!nota!a!lápis:!Era¶&incluir&no&Orfeu.!
/
1694! ―! PESSOA! (Fernando).! ―! DOIS! POSTAIS! manuscritos! e! assinados! por! Fernando! Pessoa,!
dirigidos!a!Luís!de!Montalvor!e!datados!de!274341915!e!164741915.!
1695! ―! CARTA! TOTALMENTE! MANUSCRITA! POR! FERNANDO! PESSOA! EM! AMBAS! AS!
/
FACES!DE!UMA!FOLHA!DE!PAPEL,!dirigida!a!D.!Emma,!esposa!de!Luís!de!Montalvor,!a!
propósito!de!uma!doença!de!que,!ao!momento,!este!padecia.!Datada!de!I.VIII.!1919.!
1696! ―! EXTENSA! CARTA! DE! SETE! PÁGINAS,! TOTALMENTE! MANUSCRITA! E! ASSINADA!
POR!PESSOA,!datada!de!«Faro,!30!de!Agosto!de!1919»!e!dirigida!a!Luís!de!Montalvor.!Diz!
«ter!recebido,!pouco!depois!de!chegar,!a!visita!do!Alvaro!de!Campos»!e!refere4se!ao!«plano!
da!nossa!Empreza»,!em!que!ambos!estariam!interessados.!
1697! ―! OITO! FOLHAS! DE! PAPEL! DACTILOGRAFADO,! duas! das! quais! timbrado! da! seguinte!
forma:!FERNANDO!PESSOA.!RUA!DE!S.!JULIÃO,!52,!1.o.!LISBOA.!Nenhuma!destas!folhas!
aparece!assinada,!mas,!não!só!o!facto!de!duas!folhas!serem!timbradas!como!ainda!as!várias!
redacções!do!mesmo!assunto!levam!a!crer!que!se!trata!de!autênticos!originais!de!Fernando!
Pessoa,! provenientes! do! espólio! de! Luís! de! Montalvor! e! todos! com! o! relato! de! episódios!
que! muito! interessam! à! história! da! revista! ORPHEU.! Juntamos! ainda! a! cópia! de! «Um!
bilhete! de! Fernando! Pessoa»,! datado! de! 11444191! (Sic)! (Domingo),! dirigido! a! Luís! de!
Montalvor.!
1698!―!SÁ'CARNEIRO!(Mário!de).!―!CARTA!MANUSCRITA!NAS!SUAS!QUATRO!PÁGINAS,!
dirigida! ao! «Meu! caro! Ramos»! (Luís& de& Montalvor! é! o! pseudónimo! de! Luiz! Filipe! de!
Saldanha!da!Gama!da!Silva!Ramos)!e!datada!de!«Lisboa!24!de!outubro!1910».!Pede4lhe!que!
o visite!e!diz4lhe!que!está!ansioso!por!conhecer!o!seu!poema!completo.
1699! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! «MEU! CARO! RAMOS»! (Luís! de! Montalvor),! sem! data,! mas!
certamente!de!1910.!Ocupa!duas!páginas!de!uma!carta!e!está!assinada!SáTC.!
1700!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!datada!de!«Lxa!12!Junho!1911»!e!manuscrita!
nas!quatro!páginas!de!uma!folha!de!carta.!Refere4se!à!leitura!de!um!poema!de!Montalvor!e!
ainda!a!um!«vigoroso!panfleto!acerca!de!Gomes!Leal».!
1701!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!escrita!aquando!da!chegada!de!Sá4Carneiro!
a! Coimbra,! cidade! a! que! faz! breves! mas! elogiosas! referências.! Está! escrita! nas! quatro!
páginas!de!uma!folha!de!carta!e!datada!de!«Coimbra!2!de!novembro!de!1911».!
207
Fig."24."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
208
Fig."25."Catálogo"de"Livros"n.o"28"–"Soares"&"Mendonça,"L.da.,"Porto."
1710!―!SÁ'CARNEIRO!(Mário!de).!―!CARTA!DIRIGIDA!À!ESPOSA!DE!LUÍS!DE!MONTALVOR,!
datada!de!«Lisboa!―!Agosto!de!1913.!Dia!28».!Pede!notícias!de!Montalvor!e!diz4lhe!da!sua!
surpresa! e! cuidados! causados! pela! recepção! de! um! telegrama! e! postal! enviados! pela!
referida!senhora.!Ocupa!duas!páginas.!
1711!―!CARTA!DE!TRÊS!PÁGINAS,!dirigida!à!esposa!de!Luís!de!Montalvor!aquando!da!estadia!
deste!no!Brasil,!datada!de!«Lisboa!―!Novembro!de!1913.!Dia!6».!!
1712! ―! CARTA! DE! QUATRO! PÁGINAS,! enviada! a! Luís! de! Montalvor,! datada! de! «Lisboa! ―!
Dezembro!de!1913.!Dia!29».!Refere4se!aos!seus!livros!«Confissão!de!Lucio»!e!«Dispersão»,!
pedindo! a! Montalvor! que! faça! com! que! a! imprensa! fale! deles.! «Retratos! não! tos! envio!
porque!os!não!tenho!(...)!O!que!eu!quero!é!que!falem!dos!meus!livros.!Que!me!publiquem!o!
focinho!é!o!menos!».!
1713!―!CARTA!MANUSCRITA!E!ASSINADA!POR!SÁ4CARNEIRO,!dirigida!a!Luís!de!Montalvor!
e! datada! de! «Lisboa! ―! Março! de! 1915.! Dia! 12».! Refere4se! ao! adiantado! da! impressão! da!
«nossa!revista»!(o!«Orpheu»)!e!aos!originais!de!Côrtes!Rodrigues!e!de!Álvaro!de!Campos,!
dizendo!ainda!que!«É!forçoso!que!entregues!o!teu!original!na!2.a!feira!».!«Encontras4me!no!
Martinho!ou!Brasileira,!á!tarde.!Á!noite!no!Guisado».!Manuscrito!em!duas!páginas!da!carta.!
1714! ―! CARTA! DIRIGIDA! A! LUÍS! DE! MONTALVOR,! dando4lhe! o! prazo! inadiável! de! oito! dias!
para! lhe! entregar! o! seu! poema! «Narciso»! a! incluir! no! 2.o! número! do! «Orfeu».! Carta!
manuscrita! em! papel! timbrado! do! «Café! Martinho»,! ocupando! duas! páginas! e! datada! de!
«Lisboa!―!Maio!1915.!Dia!31».!!
1715!―!CARTA!DIRIGIDA!A!LUÍS!DE!MONTALVOR,!manuscrita!numa!página!de!carta!timbrada!
do!«Café!Martinho»,!datada!de!«Lisboa!―!Junho!1915.!Dia!22».!Refere4se!ao!«Orfeu»!e!aos!
Directores!que!dali!em!diante!passariam!a!orientá4lo:!ele!próprio!e!Fernando!Pessoa.!
1716!―!SEIS!POSTAIS,!cinco!dos!quais!dirigidos!a!Montalvor!e!um!a!sua!esposa,!escritos!entre!1911!
e!1915,!sem!assuntos!de!apreciável!interesse.!
1717!―!ORFEU!E!CENTAURO.!Conjunto!de!cinco!artigos!de!jornais,!recortes,!publicados!aquando!
do! aparecimento! daquelas! duas! revistas:! Ás& Portas& do& Parnaso& ―& Os& bardos& do& «Orfeu»& são&
doidos& com& juízo,! ass.! Dr.! X! e! publicado! no! n.o! 8! de! abril! de! 1915! do! jornal! «O! Mundo»;!
«Orpheu»,! ass.! Fernando! Carvalho! Morão! e! publ.! no! n.o! de! 11! de! Abril! de! 1915! de! «Terra!
Nossa»;! O& Centauro,! não! assi.,! publ.! em! 241241916! no! jornal! «O! Combate»,! da! Guarda;!
Artigo!não!ass.,!acerca!do!Centauro,!publ.!em!«A!Capital»,!no!dia!2341041916;!A&proposito&do&
«Centauro»&―&Os&futuristas&portuguezes&a&caminho&duma&cura&radical.!não!ass.,!publ.!no!n.o!de!
341141916! do! jornal! «A! Lanterna».! Tem! ainda! um! artigo! de! Luís! de! Montalvor! sobre! A&
Exposição&IberoTAmericana&de&Sevilha,!de!1927.!
17174A! –! extra! catálogo! –! “Soneto„! de! Ronald! de! Carvalho! que! começa! “Hora! irmã! do! meu!
violino...„16!
!Texto!manuscrito,!a!tinta!azul,!pelo!Arquitecto!Fernando!Távora.!
16
Fig."26."Lista"de"preços"de"compra"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!
!
!
!
! Wo?#!^#3%!
^#3%
!
H?!#!!!!!!!!!!!!!!!!!!"X2=]@! =]JêX!^P2rP.Js! d@^TX!
UqU!! u!! !!jj?! W?jjj! U?ojj?!
UqW!! u! U?jjj?! U?\jj! U?Vjj?!
Uq[!! u! U?wjj?! [?jjj! [?Wjj!
Uqo!! u! W?jjj! [?\jj! o?wjj!
Uq\!! u! W?Wjj! o?jjj! ?\jj!
Uq!! u! W?wjj! [?\jj! w?[?!yUj?[jjz!
Uqw!! u! W?wjj! [?\jj! q?U!yUU?Ujjz!
Uqq!! u! U?ojj! W?\jj! V?W!yUW?Wjjz!
UqV!! u! U?Ujj! U?\jj! V?!yUW?jjz!
UVj!! u! U?[jj! W?jjj! Uj?[!yU[?[jjz!
UVU!! u! U?[jj! W?jjj! UU?!yUo?jjj?z!
UVW!! u! W?\jj! [?jjj! UU?\!yUo?\jjz!
UV[!! u! W?jjj! W?jjj! UU?\jj?!
UVo!! ! ! ! !
UV\!! ! ! ! !
UV!! u! o?\jj?! o?jjj! UU?jjj!
UVw!! u! \?Wjj! \?jjj?! Uj?qjj!
UVq!! u! [?Ujj?! [?jjj! Uj?wjj!
UVV!! u! U?jjj?! W?\jj?! UW?Wjj!
Uwjj!! u! o?j\j?! [?jjj! UU?U\j!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
Fig."27."Lista"de"preços"de"compra"(Colecção"Fernando"Távora)."
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
H?Ñ! "X2=]@! =]JêX!^P2rP.Js! d@^TX!
UwjU! o?Wjj?! o?jjj! Uj?V\j?!
UwjW! \?Wjj?! o?jjj! V?w\j!
Uwj[! \?wjj! \?jjj! V?j\j!
Uwjo! W?jj! o?jjj! Uj?o\j!
Uwj\! [?jj! W?jjj! q?q\j!
Uwj! ?Wjj! \?jjj! w?\j!
Uwjw! o?Wjj! \?jjj! V?o\j!
Uwjq!! ! ! ! !
UwjV! W?jjj! W?jjj! V?o\j!
UwUj! U?\jj! W?jjj! V?V\j!
UwUU! W?Ujj! W?jjj! V?q\j!
UwUW! \?wjj! o?jjj! q?Uwj!
UwU[! \?jjj! o?jjj! w?Uwj!
UwUo! [?Wjj! o?jjj! w?Vwj!
UwU\! ?jjj! o?jjj! \?Vwj!
UwU! o?jjj! ?jjj! w?Vwj!
UwUw! U?jjj! [?jjj! V?Vwj!
!
UwUw!u!@!!!!!dXHJ.X!]XH@^TX!"@]b@^pX!õ!U?jj?!
@!!!!!dXHJ.X!]XH@^TX!"@]b@^pX!õ!U?jj?
!
H?f?! J<3,! $7<3,! -%! A*%'#<! 9%73,! A%$#! 2r,+6s%$! )%**%7*,! 56%! 8%! A*#6! #<!
8,+6<&*73#<! +#! $%7$(#! &#+3%8! #<! A*%'#<! -%! &6<3#! `%<56%*-,c! %! #<! A*%'#<! $7873%!
`-7*%73,c!56%!%6!F,07,!%<37A6$,-#!
!
!
Bibliografia"
!
ALMEIDA,! António! (2017).! “A!visão!luxuriosa!de!Raul!Leal,!profeta!sagrado!da!Morte!e!de!Deus”,!in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!1344168.!
FREITAS,! Filipa! de! (2017).! “Álvaro! de! Campos:! dois! poemas! na! Colecção! Fernando! Távora”,! in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!4884501.!
HOVORKOVA,!Nataliya!(2017).!“Fernando!Pessoa!caricaturado!presencialmente!por!António!Teixeira!
Cabral:!contexto!e!circunstâncias”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!
12,!Outono,!pp.!2364287.!
MARTINES,!Enrico!(2017).!“José!Régio,!Raul!Leal!e!a!Presença!—!Marcas!epistolares!de!um!diálogo!
modernista”,! in! Pessoa& Plural& –& A& Journal& of& Fernando& Pessoa& Studies,! n.o! 12,! Outono,! pp.! 824
133.!
PITTELLA,! Carlos! (2017a).! “Mr.! Ormond:! the! testimonial! from! a! classmate! of! Fernando! Pessoa”,! in!
Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.o!12,!Outono,!pp.!4574487.!
_____! (2017b).!“Sonnet!101!with!Prof.!Pessoa:"Fernando!Pessoa’s!Marginalia!on!an!Anthology!of!
19th4Century!English!Sonnets”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!11,!
Primavera,!pp.!2774375.!
PIZARRO,! Jerónimo! (2017).! “Poemas! e! Documentos! Inéditos:! O! Lote! 31! e! a! Colecção! Fernando!
Távora”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!3334456.!
TÁVORA,! Fernando! (1995).! “Um! Livro! na! Minha! Vida”.! Texto! lido! no! colóquio! Os& Livros& da& Minha&
Vida,!integrado!em!Ler!Guimarães’95!–!festa!da!leitura,!organizado!pela!Câmara!Municipal!
de! Guimarães,! através! da! Biblioteca! Municipal! Raúl! Brandão.! Pavilhão! do! Desportivo!
Francisco!de!Holanda,!20!de!abril.!
VASCONCELOS,!Ricardo!(2017a).!“Uma!carta!inédita!de!Fernando!Pessoa!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!
de!Nice”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!5474561.!
_____! (2017b).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de! Mário! de! Sá4
Carneiro!ao!seu!Avô”,!in!Pessoa&Plural&–&A&Journal&of&Fernando&Pessoa&Studies,!n.º!12,!Outono,!
pp.!5624595.!
Enrico Martines*
Palavras2chave%
José&Régio,&Raul&Leal,&Branquinho&da&Fonseca,&Presença,&cartas.&
Resumo%
A& coleção& de& manuscritos& de& Fernando& Távora& inclui& alguns& documentos& referentes& a&
correspondência&de&e¶&José&Régio,&ligados&à&sua&função&de&diretorEfundador&da&revista&
Presença,&no&final&dos&anos&Vinte.&Com&efeito,&encontramos&neste&acervo&documental:&duas&
epístolas& que& testemunham& dos& contactos& entre& Régio& e& Raul& Leal,& uma& carta& dirigida& por&
Régio(a&Branquinho&da&Fonseca,&seu&parceiro&na&direção&da&Presença,(e&outra&breve&missiva,&
de& 1935,& para& Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& revista.& É& a& correspondência& com&
Raul& Leal& a& que& apresenta& os& elementos& de& maior& interesse& e,& dentro& dela,& sobretudo& as&
cartas& assinadas& por& este& autor.& A& respeito& desta& troca& epistolar,& foi& possível& articular& a&
leitura&dos&manuscritos&presentes&na&coleção&de&Fernando&Távora&com&três&missivas&de&Raul&
Leal&conservadas&no&espólio®iano&de&Vila&do&Conde,&as&quais&têm&ligação&com&o&material&
presente& na& coleção& e& fornecem& informações& importantes& para& o& aprimoramento& da& sua&
interpretação.&
Keywords%
José&Régio,&Raul&Leal,&Branquinho&da&Fonseca,&Presença(literary&magazine,&correspondence.&
Abstract&
Fernando& TávoraTs& collection& of& manuscripts& includes& some& documents& related& to& the&
correspondence& to& and& from& José& Régio,& connected& to& his& role& as& founding& director& of& the&
literary&magazine&Presença&in&the&late&twenties.&In&fact,&in&the&Távora&collection&we&find&two&
letters&that&bear&witness&to&the&contacts&between&Régio&and&Raul&Leal,&a&letter&addressed&by&
Régio&to&his&partner&in&the&direction&of&Presença,&Branquinho&da&Fonseca,&and&another&brief&
missive& dated& 1935& to& Joaquim& Moreira,& then& administrator& of& the& magazine.& It& is& the&
correspondence&with&Raul&Leal&that&presents&the&elements&of&greatest&interest&and&especially&
the&letters&signed&by&this&author.&With®ard&to&this&epistolary&exchange,&it&was&possible&to&
read&the&letters&in&the&collection&of&Fernando&Távora&alongside&three&manuscripts&present&in&
the&José&Régio&archive,&in&Vila&do&Conde,&which&are&directly&linked&to&the&material&present&in&
the&collection&and&provide&important&information,&beneficial&to&its&interpretation.&
* Università°li&Studi&di&Parma.
Martines José Régio, Raul Leal e a Presença
A&coleção&de&manuscritos&de&Fernando&Távora&inclui&alguns&documentos&referentes&
à& correspondência& de& e& para& José& Régio,& exímio& protagonista& do& chamado&
“segundo&modernismo”,&diretorEfundador&da&revista&Presença,&que,&como&é&sabido,&
esteve&em&atividade&entre&1927&e&1940.&Com&a&exceção&do&documento&mais&recente&
do&conjunto,&as&epístolas&patentes&nesta&coleção&dizem&respeito&a&esta&sua&função&de&
grande& divulgador& da& cultura& através& da& folha& coimbrã,& nomeadamente& com&
tarefas& e& acontecimentos& ligados& aos& seus& primeiros& anos& de& vida.& De& facto,&
encontramos& neste& acervo& documental& duas& epístolas& que& testemunham& dos&
contactos&entre&Régio&e&Raul&Leal,&uma&carta&dirigida&pelo&autor&de&A(velha(casa(ao&
seu&parceiro&na&direção&da&Presença,&António&José&Branquinho&da&Fonseca,&e&outra&
breve& missiva& para& Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& revista.& Entrando&
mais&em&detalhes,&o&conjunto&epistolar&é&formado&por:&
&
• um&rascunho&de&carta¶&José&Régio&escrito&por&Raul&Leal&em&dezembro&
de&1927;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Raul&Leal&de&março&de&1929;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Branquinho&da&Fonseca&de&25&de&julho&de&1927;&
• uma&carta&de&José&Régio&a&Joaquim&Moreira&de&22&de&novembro&de&1935.&
&
Os&temas&fundamentais&desta&correspondência&são&o&envio&–&ou&o&pedido&–&
de& colaborações& para& a& revista,& assim& como& de& exemplares& da& mesma,& a& sua&
distribuição& ou& a& angariação& de& novos& assinantes.& Como& é& sabido,& José& Régio&
ocupouEse& de& estabelecer& contactos& e& reunir& colaborações& para& a& Presença& só& nos&
primeiros&anos&da&sua&atividade.&Com&a&sua&partida¶&Portalegre,&em&1929,¶&
lecionar&no&então&Liceu&Nacional,&dessas&tarefas&incumbiramEse&principalmente&os&
outros& diretores& –& João& Gaspar& Simões& e,& mais& tarde,& Adolfo& Casais& Monteiro& –&
ficando& para& José& Régio& uma& função& de& controlo& e& orientação& da& revista& mais& à&
distância.& A& própria& correspondência& deste& com& Fernando& Pessoa& –& um& dos& mais&
ilustres& interlocutores& e& colaboradores& da& folha& coimbrã& –& testemunha& esta&
situação,&sendo&onze&das&quinze&cartas&que&compõem&esta&relação&epistolar&datadas&
entre& 1928& e& 1929& (cf.& PESSOA,& 1998).1& É& também& indício& deste& relativo&
distanciamento& físico& e& temporal& a& escassez& de& materiais& concernentes& à& vida& da&
Presença&no&espólio®iano,&conservado&em&Vila&do&Conde.2&
Mas& não& é& só& de& aspetos& práticos& ligados& ao& dia& a& dia& da& “Folha& de& Arte& e&
Crítica”& que& se& fala& nestas& cartas.& Nelas& podemEse& ler& desabafos& e& balanços&
pessoais,& esboços& de& projetos,& acenos& a& lembranças& individuais& e& geracionais,&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1&Das&restantes&quatro&epístolas&posteriores,&duas&–&de&1930&–&são&motivadas&pela&oferta,&por&parte&de&
José&Régio&a&Fernando&Pessoa,&de&um&exemplar&da&sua&coletânea&de&poesia& Biografia;&a&terceira,&de&
finais&de&1934,&é&escrita&por&Pessoa¶&agradecer&o&envio&do&Jogo(da(Cabra(Cega;&finalmente,&a&de&
junho&de&1935,&inclui&a&última&tentativa&que&Régio&faz¶&obter&–&em&vão&–&uma&nova&colaboração&
pessoana¶&a&Presença.&
2&AgradeceEse&por&esta&informação&a&Isabel&Cadete&Novais,&diretora&do&Centro&de&Estudos&Regianos.&
marcas&do&estilo&e&da&personalidade&dos&autores,&todos&elementos&que&tornam&estes&
documentos&dignos&da&atenção&que&merecem&as&figuras&neles&envolvidas.&
&
José%Régio2Raul%Leal%%
&
São& sobretudo& os& manuscritos& relativos& à& correspondência& com& Raul& Leal& a&
apresentar& os& maiores& elementos& de& interesse& e,& dentro& dela,& a(s)& carta(s)&
assinada(s)&pelo&autor&d’A(Liberdade(Transcendente.&As&desinências&do&plural&postas&
entre& parênteses& remetem& para& a& existência& de& materiais( adicionais& –& fora& da&
coleção&de&Fernando&Távora&–&que&podem&ser&úteis¶&complementar&e&esclarecer&
as& epístolas& contidas& no& acervo& documental& que& é& objeto& do& presente& dossier.&
Efetivamente,&graças&à&colaboração&de&Isabel&Cadete&Novais,&Presidente&da&Direção&
do&Centro&de&Estudos&Regianos&de&Vila&do&Conde,&pudemos&localizar&no&espólio&do&
autor&dos&Poemas(de(Deus(e(do(Diabo&–&conservado&no&Centro&de&Memória(de&Vila&do&
Conde&e&pertencente&à&Câmara&Municipal&dessa&cidade&–&três&missivas&endereçadas&
por& Raul& Leal& a& José& Régio.& Pelo& menos& duas& destas& têm& ligação& direta& com& o&
material&presente&na&coleção&Fernando&Távora&e&fornecem&informações&importantes&
para&o&aprimoramento&de&sua&interpretação:&
&
• Carta&de&dezembro&de&1927&enviada&por&Raul&Leal&a&José&Régio.&TrataEse&
da& passagem& a& limpo& do& rascunho& presente& na& coleção& Távora,& sem&
variantes& textuais& mas& completa& de& data& (elemento& fundamental& para&
colocar&cronologicamente&o&documento&preparatório),&assinatura&e&de&um&
interessante& Post( Scriptum& que& não& consta& do& esboço& que& aqui& se&
transcreve& (Fig.& 2d).& Estas& informações& complementares,& oriundas& da&
carta& guardada& no& espólio& regiano& de& Vila& do& Conde,& são& referidas& em&
notas& de& rodapé,& que& também& descrevem& todas& as& intervenções& autorais&
patentes&no&manuscrito&do&rascunho.&
• Carta&de&Raul&Leal&a&José&Régio&de&março&de&1929.&TrataEse&da&carta&que&
responde&à&epístola®iana&presente&na&coleção&de&Fernando&Távora,&ou&
melhor,¶&sermos&mais&exatos,&da&carta&que&responde&a&outra&missiva&
anterior&de&José&Régio&(que&não&temos&à&disposição)&e&que&se&cruza&com&a&
breve& mensagem& de& solicitação& enviada& por& Régio& nesses& mesmos& dias.&
Este& documento& presente& no& espólio& regiano& permite& contextualizar& o&
assunto&principal&a&respeito&do&qual&o&diretor&da&Presença&anseia&por&uma&
resposta&de&Raul&Leal&(“Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?”,&é&o&
exórdio& de& José& Régio):& a& delicada& questão& da& não& publicação& na& folha&
coimbrã& do& artigo& intitulado& “A& VirgemEBesta”,& como& se& explicará& a&
seguir.&&
• Postal&de&Raul&Leal&a&José&Régio&de&janeiro&de&1930.&Menos&interessante&e&
não&diretamente&ligado&ao&material&presente&na&coleção&Távora,&menciona&
contudo&o&envio&de&uma&parte&do&drama&teatral&O(Incompreendido¶&ser&
publicado&na&Presença.&
&
Julgámos& portanto& interessante& intercalar& o& material& presente& em& Vila& do&
Conde& às& epístolas& que& deveriam& naturalmente& ser& apresentadas& no& dossier&
dedicado& ao& acervo& documental& de& Fernando& Távora.& Não& se& pretende& desta&
maneira& oferecer& a& integralidade& da& correspondência& trocada& por& estas& duas&
grandes&personalidades&do&modernismo&português:&certamente,&houve&mais&cartas&
entre& os& dois,& anteriores& a& dezembro& de& 1927& (já& Raul& Leal& tinha& enviado&
colaborações& para& a& Presença& antes& dessa& altura)& e& sabeEse& da& existência& de& outras&
cartas& (não& disponíveis)& anteriores& às& de& março& de& 1929& e& ligadas& ao& envio& do&
mencionado&artigo&“A&VirgemEBesta”.&Não&obstante,&pareceuEnos&oportuno&juntar&
as& peças& de& correspondência& presentes& nos& dois& acervos& para& fornecer& uma&
informação&mais&completa&aos&leitores&da&revista.&
Homem& de& Orpheu,& aliás& “Orfeu& de& mais”,& na& opinião& de& Mário& de& SáE
Carneiro;3& futurista& heterodoxo,& autor& em& 1921& de& uma& carta& endereçada& a&
Marinetti& em& que& propunha& um& profundo& programa& de& reforma& do& movimento;&
filósofo&do&Vertiginismo&Transcendente,&referência&dos&modernistas&(sobretudo&de&
Fernando& Pessoa)4& com& as& suas& arrojadas& teorias& teometafísicas& expressas& em&
panfletos& de& estilo& retumbante& destinados& a& criar& polémicas& acirradas,& como& foi& o&
caso& da& Sodoma( divinizada,& em& 1923;& profeta,& com& o& nome& bíblico& de& Henoch,&
incumbido& da& alta& missão& de& fundar& uma& nova& religião,& a& Igreja& Paracletiana;&
poeta,& embora& quase& exclusivamente& em& francês;& Raul& Leal& era& um& dos& naturais&
interlocutores& da& Presença,& revista& que& se& propunha& divulgar& e& explicar& a& seus&
leitores& os& valores& mais& originais& da& nova& literatura& portuguesa,& os& autores& que&
tinham& provocado& mais& escândalo& do& que& uma& real& aceitação& crítica& quando&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3& Numa& carta& de& 5& de& novembro& de& 1915& a& Fernando& Pessoa,& SáECarneiro& afirmou,& a& propósito& do&
caráter& rebelde& e& inconformista& de& Raul& Leal:& “O& que& diz& do& Leal,& curioso& e& certo,& creio.& É& muita&
pena&que&o&rapazinho&seja&um&pouco&Orfeu(de&mais”&(SÁECARNEIRO,&2015:&413).&Aliás,&o&“rapazinho”&
a&que&se&refere&o&autor&da&Dispersão&era&quatro&anos&mais&velho&do&que&ele&e&dois&anos&mais&velho&do&
que&Fernando&Pessoa,&tendo&nascido&em&1886.&
4& Fernando& Pessoa& escrevia& em& 1915,& a& propósito& do& sistema& filosófico& proposto& por& Raul& Leal:& “É&
um& sistema& que& não& é& já,& propriamente,& uma& filosofia:& transcende& a& filosofia& [...]& A& propria&
incapacidade&de&se&pensar&esse&sistema&é&a&capacidade&de&pensar&esse&sistema.&A&impossibilidade&de&
o&explicar,&explicaEo.&Não&se&poder&definir&–&é&essa&a&definição&[...]&Envolto&na&linguagem&confusa,&
perplexa,&propriamente&e&explicavelmente&vertígica&do&próprio&sistema,&o&fusionismo&transcendente&
revela&contudo,&aos&espíritos&que&quiserem&descer&ao&seu&abismo&através&dos&turbilhões&de&névoa&da&
sua& expressão,& a& sua& íntima& e& original& riqueza& substantiva.& Era& impossível& que& quem& concebeu& tal&
sistema& o& pudesse& exprimir& claramente.& ExprimiElo& claramente,& mesmo,& é& não& o& compreender.& A&
grande&ficção&vertígica,&o&grande&Meio&inestável&das&cousas,&o&abismo&absoluto&e&ilocável&do&ser,&o&
oceano& sem& praias& do& Absoluto& Relativo.& Raul& Leal:& O& seu& espírito& viveu& demasiadamente& o& seu&
sistema”& (apud( LOPO,& 2013a:& 10E11).& Sobre& a& importância& do& pensamento& lealino& na& definição& das&
tendências& literárias& pessoanas,& cf.& LOPO& (2013a:& 1E27).& Mais& em& geral,& sobre& a& importância& do&
pensamento&lealino&no&movimento&modernista&cf.&SILVA&(2015).&
vieram&clamorosamente&a&público,&nos&anos&anteriores&ao&aparecimento&da&revista&
coimbrã.&E,&com&efeito,&Raul&Leal&foi&dos&primeiros&homens&da&geração&de&Orpheu&a&
aparecer&na&Presença,&logo&no&n.º&4,&de&8&de&maio&de&1927.&Foi&o&autor&dos&Poemas(de(
Deus(e(do(Diabo(o&responsável&pela&aproximação&de&Raul&Leal&à&folha&de&Coimbra,&
conforme& o& depoimento& de& João& Gaspar& Simões:& “Através& do& mesmo& José& Régio&
chegam&à&nossa&folha&Raul&Leal,&Mário&Saa&e&António&Botto”&(SIMÕES,&1977:&56).&Foi&
o& início& de& uma& colaboração& que& se& manteve& até& 1936,& embora& entre& a& última&
contribuição&(dedicada&a&Fernando&Pessoa,&depois&da&sua&morte)&e&a&penúltima&(a&
publicação,& em& 1931,& do& mencionado& artigo& “A& VirgemEBesta”,& que& provocou&
divisões&dentro&da&revista)&tenha&decorrido&o&longo&espaço&de&cinco&anos.&No&total,&
o& nome& de& Raul& Leal& (quase& sempre& acompanhado& pelo& pseudónimo& “Henoch”)&
apareceu&treze&vezes&na&“Folha&de&Arte&e&Crítica”,&com&sete&contribuições&poéticas,&
quatro&de&prosa&crítica&e&duas&de&teatro.5&Além&disto,&a&Presença&publicou&(no&n.º&18&
de& janeiro& de& 1929)& uma& detalhada& “Tábua& bibliográfica”& de& Raul& Leal,& realizada&
pela&redação&mas&que&muito&provavelmente&se&baseou&em&informações&fornecidas&
pelo& próprio& escritor,& como& aconteceu& em& relação& às& “Tábuas”& dedicadas& a& Mário&
de& SáECarneiro& e& Fernando& Pessoa,& ambas& redigidas& pela& mão& dos& poeta& dos&
heterónimos.6& Raul& Leal& foi& portanto& considerado& pelos& responsáveis& da& revista&
coimbrã& dentro& do& reduzido& número& de& autores& do& primeiro& modernismo& que&
mereciam& a& pontual& ação& de& informação& e& divulgação& empreendida& através& da&
publicação&desta&série&de&tábuas&bibliográficas,&dedicadas&também&–&além&dos&três&
nomes&citados&–&a&Mário&Saa,&António&Botto&e&José&de&Almada&Negreiros.&
A& primeira& carta& disponível& de& Raul& Leal& a& José& Régio& (dezembro& de& 1927)&
abreEse&com&a&declaração&da&proximidade&sentida&entre&o&espírito&de&quem&escreve&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5&As&colaborações&de&Raul&Leal¶&a&Presença&são:&“Le&Dernier&Testament.&II&–&Messe&noire.&Poème&
sacré”&(inédito)&(Final),&Presença,&n.º&4,&Coimbra,&8&de&maio&de&1927,&pp.&4E5;&“A&creação&do&futuro.&A&
organisação& bolchevista& pelo& fascismo& atravez& da& acção& norteEamericana& e& sob& o& regimen& duma&
monarquia& libertária”,& Presença,& n.º& 8,& Coimbra,& 15& dez.& 1927,& p.& 4;& “Psaume”,& Presença,& n.º& 10,&
Coimbra,&15&mar.&1928,&p.&5;&“Lamentations&de&Henoch&(do&poema&inédito&Messe(Noire)”,&Presença,&
n.º&12,&Coimbra,&9&maio&1928,&p.&7;&“Psaume”,&Presença,&n.º&13,&Coimbra,&13&jun.&1928,&p.&3;&“Psaume”,&
Presença,& n.º& 14E15,& Coimbra,& 23& jul.& 1928,& p.& 11;& “Mario& Eloy,& le& grand& évocateur& d’incubes”,&
Presença,&n.º&16,&Coimbra,&nov.&1928,&p.&6;&“Psaume”,&Presença,&n.º&19,&Coimbra,&fev.,&mar.&1929,&p.&3;&
“O&incompreendido,&peça&dramática&em&3&actos&e&4&quadros,&primeiro&acto,&scena&VI”,&Presença,&n.º&
23,& Coimbra,& dez.& 1929,& p.& 3;& “Excerpto& do& drama& metafisico& em& 3& actos& e& 4& quadros,& O&
incompreendido,&(terceiro&ato,&segundo&quadro)”,&Presença,&n.º&25,&Coimbra,&fev.,&mar.&1930,&pp.&9E&
15;&“Messe&noire,&poème&sacré&(excêrto)”,&Presença,&n.º&31E32,&Coimbra,&Mar.–Jun.&1931,&pp.&24E25;&“A&
virgemEbesta”,&ibidem,&p.&25;&“PublicaEse&o&primeiro&capítulo&do&livro&em&preparação&Fernando(Pessoa,(
precursor( do( Quinto( Império,& Na& glória& de& Deus”,& Presença,& n.º& 48,& julho& 1936,& pp.& 4E5.& Oito&
colaborações&são&escritas&em&francês&(as&sete&de&poesia,&mais&o&artigo&sobre&Mário&Eloy)&e&cinco&em&
português;& o& pseudónimo& Henoch& só& não& aparece& por& ocasião& da& primeira& colaboração& teatral;&
curiosamente,&por&duas&vezes&o&nome&do&autor&figura&escrito&com&a&grafia&francesa&“Raoul”&(no&fim&
do&artigo&dedicado&a&Mário&Eloy&e&no&“Psaume”&publicado&no&n.º&19).&
6& Cf.& as& cartas& de& Fernando& Pessoa& a& José& Régio& de& 3E5E1928,& 15E11E1928,& 20E11E1928& e& 6E12E1928& in&
PESSOA&(1998).&
e& o& de& quem& vai& ler& e,& sobretudo,& com& a& manifestação& do& interesse& suscitado& em&
Leal& pela& Presença,& tratandoEse& “duma& publicação& que,& sem& duvida,& ha& de& marcar&
na&historia&da&nossa&literatura”.&Os&dois&escritores&não&se&conheciam&pessoalmente,&
como& se& depreende& pelo& exórdio& da& missiva:& “Meu& querido& José& Régio,& DeixeEme&
tratálEo& assim& apesar& dos& meus& olhos& o& não& conhecerem”.& Mas& Raul& Leal& tinha&
outros& amigos& entre& os& colaboradores& da& revista,& como& se& lê& num& trecho& do&
rascunho& posteriormente& riscado:& “A& mais& profunda& estima& e& consideração&
intelectual& tenho& por& si& e& por& todos& que& o& rodeiam,& alguns& dos& quaes,& como& o&
Antonio&Navarro&e&o&Mario&Coutinho,&são&grandes&amigos&meus”&(Fig.&1d).&
A&referência&à&consideração&tida&pelos&jovens&responsáveis&e&colaboradores&
da&revista&coimbrã&trouxera&à&memória&de&Raul&Leal&os&seus&tempos&de&estudante&
de& Direito& na& cidade& banhada& pelas& águas& do& Mondego,& onde& obtivera& a& sua&
licenciatura& em& 1909.& E& suscitara& ainda& um& paralelo& entre& a& presente& geração&
universitária&coimbrã,&representada&pela&atividade&da&“Folha&de&Arte&e&Crítica”,&e&a&
da&sua&época&de&estudante&nessa&cidade.&Como&o&autor&de&O(Incompreendido&escreve&
na& carta& a& José& Régio:& “olhando& para& o& meu& passado& noturno,& encontro& um&
contraste& desolador...”.& Esta& constatação& dá& origem& a& interessantes& considerações&
sobre&o&nível&intelectual&da&sua&geração&coimbrã,&que&acabam&por&aludir&–&de&forma&
extremamente& crítica& –& à& situação& políticoEsocial& portuguesa& do& momento& em& que&
escreve:& “Na& minha& geração& coimbrã& não& havia& Nada,& na& aceção& absoluta,&
metafisica&da&palavra:&Nada(a(não(ser(Eu!&[...]&Em&Coimbra&mais&não&havia&do&que&
mediocres& e& parvos!& D’ahi& a& grande& decadencia& politica& e& social& em& que& vivemos,&
sendo&certo&que&a&vida&do&paiz&está&em&grande&parte&nas&mãos&da&minha&geração&
coimbrã”.& Dois& anos& mais& tarde,& noutra& carta& para& Régio& de& março& de& 1929,& Leal&
será& ainda& mais& explícito,& declarando& a& sua& intenção& de& “fincar& bem& as& minhas&
garras&de&tigre&na&carne&podre&dessa&sociedade&de&merda”.&Leal&era&profundamente&
monárquico& e& há& anos& lutava& contra& o& regime& republicano,& chefiado,& na& opinião&
dele,& por& indivíduos& medíocres& e& sem& relevo& espiritual.& Em& 1915& lançara&
(literalmente,& desde& as& galerias& do& café& Martinho& no& Rossio)& o& manifesto& O( Bando(
Sinistro& em& que,& protestando& contra& o& regime& liderado& por& Afonso& Costa,&
proclamava&que&“Portugal&vive&hoje&um&pesadelo&enorme&de&lama&e&de&sangue!”,&
devido& ao& “inferiorismo& d’alma& republicano”,& baseado& numa& mentalidade&
materialista,& virada& para& a& procura& do& lucro& e& falha& de& qualquer& componente&
espiritual.&De&resto,&toda&a&filosofia&lealina&da&Vertigem&Transcendente&é&articulada&
em&torno&da&dicotomia&Matéria&vs.&Espírito,&em&que&o&primeiro&polo&é&relacionado&
com&a&bestialidade&terrena,&a&razão&que&tudo&determina&–&e&assim&limita&–&e&que&por&
isso&nega&a&vida&anímica&e&espiritual,&a&qual&pelo&contrário&procura&o&Infinito,&o&que&
“ultrapassa&metafisicamente&todos&os&limites”,&o&que&“é&o&Indefinido&Absoluto,&é&a&
própria&Vertigem&que&é&assim&Deus”,&como&escrevia&em&Sodoma(Divinizada.&Perante&
a& decadência& da& sociedade& republicana,& o& panfleto& –& cujo& subtítulo& “Appello& aos&
Intellectuaes& Portuguezes”& sublinhava& o& seu& alvo& principal& –& ressaltava& a& fundaE
mental&missão&desses&“raros&espíritos&de&elite”&de&que&fala&na&carta&a&José&Régio&e&
entre&os&quais&ele&certamente&se&inscrevia&(cf.&ALMEIDA,&2015):&unir&os&seus&esforços&
contra& os& republicanos& para& decretar& a& vitória& dos& Espíritos& superiores& contra& a&
mediocridade&e&restabelecer&essa&“Ordem&sobrenaturalista&que&vem&de&Deus&e&que&
só&as&Monarchias&Sagradas&do&Christianismo&podem&exprimir”&(LEAL,&1918:&1).&&
Ainda& em& 1927,& Leal& sentia& que& a& mesquinhez& do& ambiente& intelectual&
português& de& início& do& século& travara& o& seu& desenvolvimento& espiritual,&
confessando& a& Régio& ter& preferido& –& ele,& o& futurista& amante& da& “vida& tumultuosa&
das& cidades”& –& o& isolamento& da& vida& nos& campos,& longe& desse& “bulicio& da& vida&
académica& a& que& não& sabia& adaptarEme”.& Encontramos& nestas& palavras& mais& uma&
afirmação&da&autoimagem&que&Raul&Leal&formara&ao&longo&dos&anos&de&uma&vida&
difícil&e&atormentada,&a&de&um&ser&incompreendido&e&alheio&ao&mundo&circunstante.&
Também& a& de& um& ser& excessivo& que& prefere& viver& a& sós& esta& faceta& do& seu& caráter&
para& ressalvar& a& própria& dignidade,& porque& ele& estava& ciente& de& que,& também& na&
forma& de& viver& o& excesso,& havia& uma& natural& diferença& entre& si& e& os& outros.&
Efetivamente,&como&escreve&na&carta&a&José&Régio,&até&“na&devassidão&e&no&vinho”,&
Raul&Leal&achava&melhor&“viver&sósinho&sem&companheiros&de&vicio”.&No&panfleto&
de&1923,&intitulado&Uma(Lição(de(Moral(aos(Estudantes(de(Lisboa(e(o(Descaramento(da(
Igreja(Católica&–&em&que&polemizava&diretamente&com&Pedro&Teotónio&Pereira,&líder&
da&Liga&dos&Estudantes,&que&reagira&publicamente&contra&a&sua&Sodoma(Divinizada&e&
contra&as&Canções&de&António&Botto&–&Raul&Leal&escrevia:&“Dolorosa&continúa&sendo&
a& essencia& da& minha& alma& atravez& de& todas& as& depravações,& de& todos& os& vicios.& O&
vinho,& o& jogo& e& o& deboche& são& em& mim& a& carcassa& exterior& de& uma& vida&
essencialmente&puríssima,&cheia&de&dôr&e&resignação”&(apud(BARRETO,&2012:&258).&E&
algumas&linhas&antes,&no&mesmo&texto,&desafiando&o&seu&interlocutor&a&acusáElo&de&
qualquer& tipo& de& indignidade,& sublinhava& a& natureza& discreta& e& solitária& dos& seus&
vícios,& ao& escrever:& “Até& calquei& de& encontro& ao& peito& toda& a& minha& sensualidade&
bestial,& sacrificandoEa& por& completo& n’uma& vida& de& simples& onanista.& E& porque&
mesmo& no& deboche& quero& sempre& orgulhosamente& estar& de& cima,& não& tendo& pois&
desejado& de& modo& algum& patentear& as& minhas& miserias& ás& creaturas& que& me&
pudessem&acompanhar&atravez&do&vicio”&(BARRETO,&2012:&255).&
A& expressão& “companheiros& do& vício”& aparecera& já& na& própria& Sodoma(
Divinizada,&no&parágrafo&em&que&o&autor&fala&do&ambiente&“depravado&e&sacrílego&
da& vida& moderna”&em&que&“tudo&é&profano,&pagão,&terrestre,&naturalista&em&volta&
de&nós”&e&em&que,&por&conseguinte,&se&torna&muito&difícil&“sobrenaturalizarEnos&no&
Amor& e& no& Vício”,& ou& seja,& sentir& Deus& na& luxúria,& realizáEla& misticamente,&
divinizar& Sodoma,& como& o& panfleto& propunha& escandalosamente.& A& este& respeito,&
escrevia:& “O& pederasta& e& luxurioso& alheado& das& cousas& divinas& não& é& digno& de&
censura&por&ser&pederasta&e&luxurioso;&éEo&apenas&como&quaisquer&outros&homens&–&
o&do&lar,&o&comerciante&honrado,&o&escroque&por&não&exercer&o&vício&misticamente.&
Mas&quem&o&pode&hoje&exercer&no&ambiente&terreno,&naturalista&das&nossas&cidades&
e&em&que&os&nossos&companheiros(do(vício&[sublinhado&meu]&se&alheiam&de&Deus,&sua&
própria&essência?”&(LEAL&et(al.,&1989).(
O& meio& académico& em& que& Leal& vivera,& “tão& mesquinho,& tão& pouco&
intelectual& e& artistico”,& tornara& apenas& ocasional& a& expressão& dos& seus& “rasgos& de&
génio”,& deprimindo& a& sua& ambição& de& “triunfar& nos& Céus”& e& impedindoEo& de&
realizar&uma&obra&à&altura&do&seu&nível,&que&só&seria&esboçada,&depois&de&formado,&
no& drama& metafísico& O( Incompreendido,& de& caráter& eminentemente& autobiográfico,&
cujo&segundo&capítulo,&“tendo&sofrido&posteriormente&grandes&remudelações&[sic],&
muitas& mais& sofrerá& ainda”.& Esse& mesmo& drama& de& que& a&Presença& publicaria& dois&
excertos,& no& n.º& 23& (dezembro& de& 1929)& e& no& n.º& 25& (fevereiroEmarço& de& 1930.& No&
postal& que& Raul& Leal& enviou& a& José& Régio& em& janeiro& de& 1930& (conservado& no&
espólio& pertencente& à& Câmara& Municipal& de& Vila& do& Conde),& o& autor& refere& a&
preparação& do& excerto& da& sua& peça& teatral& destinado& a& ser& publicado& no& n.º& 25& da&
revista:& “Estou& acabando& de& copiar& o& segundo& quadro& do& terceiro& ato& da& minha&
peça&O(Incomprendido¶&lhe&enviar”.&
Na&carta&de&1927&Leal&traça,&portanto,&um&balanço&dos&seus&inícios&literários,&
condicionados& pela& pobreza& do& meio& intelectual& em& que& vivia.& A& este& propósito,&
registaEse&com&interesse&a&informação&de&que&o&autor&de&O(Incompreendido&perdera&
“quasi& totalmente”& a& sua& produção& anterior& à& formação& universitária& (conseguida&
em&1909)&–&limitada&a&alguns&“esboços&filosoficos&e&criticos”&–&por&causa&da&Revolta&
de&fevereiro&de&1927,&malograda&tentativa&de&derrube&da&ditadura&militar&instalada&
com& o& golpe& de& 28& de& Maio& de& 1926,& chefiada& por& forças& militares& e& civis&
republicanas.&Raul&Leal&refere&que&os&seus&manuscritos&se&encontravam&guardados&
na&redação&do&jornal&Correio(da(Noite,&assaltado&por&populares&na&tarde&do&dia&7&de&
fevereiro.&
A&carta&é&acompanhada&pelo&envio&de&um&salmo&em&francês,&o&primeiro&da&
série&de&quatro&“Psaumes”&de&Raul&Leal&publicados&pela&Presença.&Este&apareceria&
no&n.º&10,&de&15&de&março&de&1928,&sendo&o&poema&datado&de&“décembre&1927”;&de&
facto,&na&carta,&o&autor&especifica&ter&“feito&ultimamente”&a&composição&que&envia&
para& a& revista& coimbrã.& Também& acrescenta& a& informação& de& se& tratar& de& “uma&
verdadeira& prece& paracletiana”.& Com& efeito,& o& tom& do& salmo& é& mesmo& o& de& uma&
invocação&aos&“esprits&aériens”,¶&que&a&alma&do&profeta&Henoch&se&eleve&a&Deus&
e&assim&alcance&a&loucura&divina&e&a&luxúria&delirante&de&todo&o&Infinito.&VejamEse&o&
início&e&o&final&do&poema:&
&
Oh,&esprits&aériens,&
Qui&au&galop&astral&
Eternellement&parcourent&
L’Univers&entier,&
Faites&que&Mon&âme&se&lève&à&Dieu&
En&extases&de&puissance,&
En&délire&profond&de&Grâce&
Et&de&sombre&fierté...&
ont& toutEàEfait& le& caractère& de& futuristes.& [...]& L’Église& Paracletienne& dont& la&
fondation&Dieu&M’ordonne&d’annoncer,&c’est&une&Église&essentiellement&Futuriste!&
Et&levons&donc&l’étendard&sanglant&de&la&Révolte&contre&la&charogne&du&Vatican!!...“&
(apud(SILVA,&2015:&117E118).&&
Uma& religião& a& que& se& juntava& uma& visão& da& obra& de& arte& como& misto& de&
representação&cénica,&celebração&religiosa&e&ritual&iniciático,&a&que&Leal&chamava&de&
Astralédia.& Também& no& mencionado& panfleto& de& 1923,& Uma( Lição( de( Moral( aos(
Estudantes( de( Lisboa( e( o( Descaramento( da( Igreja( Católica,& encontraEse& a& explicação&
dessa& “Theocracia& Universal& para& que& todas& as& Monarchias& da& Terra& se& devem&
encaminhar”&–&aqui&na&sua&vertente&teopolítica&–&cuja&alta&missão&“é&dar&a&cada&ser&
a&omnipotencia&divina”7&e&que&acabará&por&“fundar&o&terceiro&Reino&Divino&que&é&o&
Reino&da&Vertigem&ou&do&Espirito&Santo,&sagrado&Paracleto&de&Deus&e&da&Vida…”&
(apud(BARRETO,&2012:&261).&&
Apesar& de& Leal& indicar& que& o& manifesto& de& 1924& era& o& único& de& que& tinha&
exemplares& à& sua& disposição,8& provavelmente& quando& escreve& a& Régio& em&
dezembro& de& 1927& esse& texto& parecerElheEia& também& o& mais& adequado& para&
esclarecer&“os&pontos&obscuros”&da&sua&última&colaboração&na&Presença,&o&artigo&“‘A&
creação& do& futuro’.& A& organisação& bolchevista& pelo& fascismo& atravez& da& acção&
norteEamericana& e& sob& o& regimen& duma& monarquia& libertária”,& publicado& no& n.º& 8&
(dezembro& de& 1927).& Com& efeito,& se& já& o& final& do& poema& sagrado& “Messe& noire”& –&
estreia&de&Raul&Leal&na&folha&coimbrã&–&falava&do&profeta&Henoch9&e&da&sua&“Vertige&
éternel& de& LuxureEDieu...”,& o& último& artigo& discursava& sobre& a& “Cidade& ou& Reino&
paracletiano”& em& que& os& artistas& adeptos& dessa& doutrina& deveriam& exprimir& em&
“dramas&aéreos&[...]&todo&o&processus&labiríntica&e&vertigicamente&fantasmogénico,&
toda& a& tragédia& convulsiva& e& brutal& do& Existir& Divino,& do& espantoso& ExistirECriar,&
essencialmente& sinistro& e& oblíquo& VácuoEFantasma& em& delirante,& angustiosamente&
louca&e&luxuriosa&VertigemEBesta”,&assim&compondo&essa&“obra&de&arte&una&que&eu&
denomino& Astralédia& e& que& é& a& representação& viva,& gigantesca& do& Grande& Drama&
astral&e&divino&em&AbstraçãoEMorte,&aquele&Drama&de&VertigemEVácuo&que&impõe&
e&consome&Deus&na&sua&essência”.&&
Voltando& à& proposta& do& “Psaume”& para& a& Presença,& registaEse& também& a&
atitude& despretensiosa& do& autor,& que& deixa& totalmente& ao& arbítrio& de& José& Régio& a&
avaliação&da&eventualidade&e&dos&tempos&da&sua&publicação,&explicando&as&razões&
que& fazem& com& que& ele& perceba& perfeitamente& as& dificuldades& e& as& exigências& de&
um&diretor&de&jornal&ou&revista.&Um&comportamento&que&Leal&repete&dois&anos&mais&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7& De& que& deriva& também& a& utilização& da& maiúscula& em& todos& os& pronomes& pessoais& de& primeira&
pessoa&que&encontramos&nesses&textos.&
8&Leal&acrescenta:&“Desejaria&oferecerElhes&as&poucas&obras&que&tenho&publicado,&mas&não&conservo&
delas& nenhum& exemplar”.& No& mesmo& PostVScriptum& Leal& menciona& ademais& “os& sete& números& que&
publiquei& do& meu& panfleto& O( Rebelde”,& também& publicados& em& 1927,& dos& quais& já& enviara&
exemplares&a&José&Régio.&
9&“Le&ProphèteEMage&de&la&Mort&et&de&Dieu&|&Batira&enfin&|&Le&RoyaumeEVertige&du&SaintEEsprit”.&
tarde,& na& sucessiva& troca& de& cartas& de& que& temos& testemunho,& a& propósito& da&
controversa& publicação& do& artigo& “A& VirgemEBesta”.& Como& dito& anteriormente,& a&
carta& de& Régio& presente& na& coleção& de& Fernando& Távora& não& bastaria& para&
identificar&o&assunto&a&respeito&do&qual&o&diretor&da&Presença(espera&uma&resposta&
do&seu&interlocutor.&Seria&sempre&possível&avançar&uma&hipótese&com&base&na&data&
da& carta& regiana& e& sabendo& por& outras& fontes& que& o& debate& nas& fileiras& do&
movimento& presencista,& acerca& da& oportunidade& de& publicar& esse& chocante& artigo,&
surgiu&nos&primeiros&meses&de&1929.&Mas&a&resposta&pontual&e&inequívoca&lêEse&no&
início& da& carta& de& Raul& Leal& de& março& desse& ano,& conservada& no& espólio& regiano:&
“Em& resposta& á& sua& carta& [anterior& em& relação& àquela& presente& na& coleção& de&
Fernando& Távora]& deviaElhe& ter& escrito& imediatamente& para& lhe& desfazer& por&
completo&qualquer&preocupação&que&tenha&sobre&o&caso&do&meu&artigo,&‘A&VirgemE
Besta’”& (Fig.& 4a).& É& mesmo& por& Leal& não& ter& escrito& imediatamente& a& Régio& a& esse&
respeito,& que& este& volta& a& escrever& em& março& de& 1929,& principiando& a& sua& missiva&
por:&“Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?&Todos&os&dias&a&tenho&esperado&
–&a&carta&em&que&Você&me&diga&que&não&está&melindrado&com&a&Presença”&(Fig.&3a).&
Pelo& Post( Scriptum& da& epístola& de& Raul& Leal& (Fig.& 4a)& sabeEse& que& ele& recebeu& esta&
última& carta& regiana& quando& já& estava& a& mandar& a& sua,& tendo& atrasado& de& alguns&
dias&o&seu&envio¶&satisfazer&outro&pedido&de&colaboração,&de&que&se&falará&em&
breve.&
Porque&é&que&Raul&Leal&poderia&estar&melindrado&com&a&Presença?&A&resposta&
é& notória:& porque& um& grupo& maioritário& de& colaboradores& da& revista& opuseraEse& à&
publicação& de& “A& VirgemEBesta”,& contrariando& assim& a& intenção& do& próprio& José&
Régio,&que&terá&comunicado&esta&decisão&ao&autor&do&artigo&na&carta&que&antecede&a&
que& se& transcreve& neste& dossier.& Os& pormenores& desta& polémica& são& conhecidos&
através&de&cartas&que&Régio&enviou&nessa&época¶&João&Gaspar&Simões&e&que&este&
publicou& no& seu& José( Régio( e( a( história( do( movimento( da( “Presença”:& Raul& Leal& terá&
enviado& o& seu& artigo& a& Régio& em& janeiro& de& 1929,& acompanhando& a& remessa& pelas&
seguintes& palavras:& “Se& porventura& a& publicação& desse& artigo& lhe& puder& trazer&
quaisquer&sensaborias,&não&o&publique&pois&eu&não&me&ofenderei.&Sou&o&primeiro&a&
reconhecer& que& é& excessivo& e& não& desejo& arrastar& os& meus& amigos& no& abysmo& da&
minha&loucura”10.&Régio&mandara&“A&Virgem&Besta”&à&atenção&de&Simões&em&carta&
sem&data&(mas&datável&de&janeiro&de&1929),&comentando:&“Esse&trecho&do&Raul&Leal,&
que&te&mando.&É&escandaloso,&e&capaz&de&nos&afugentar&um&ou&outro&assinante!&Mas&
deixa&lá.&Não&o&publicar&por&semelhante&motivo&–&seria&um&desmentido&à&Presença”&
(SIMÕES,&1977:&229).&Da&carta&de&24&de&janeiro&a&Simões&percebeEse&a&reação&negativa&
da& maioria& dos& presencistas& perante& “A& VirgemEBesta”.& Régio& escreve:& “Novo&
assunto:& Raul& Leal.& SubmetoEme& à& vossa& decisão& mas& não& concordo& com& ela”&
(SIMÕES,& 1977:& 235).& As& razões& do& desacordo& regiano& são& as& mesmas& que& já&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Período&transcrito&por&Régio&na&carta&enviada&a&Simões&a&29&de&janeiro&de&1929&(cf.&SIMÕES,&1977:&
10
238).&
condensara&no&primeiro&comentário&transcrito:&mesmo&ofendendo&“brutalmente&as&
crenças& religiosas& e& morais& da& maioria”,& mesmo& chocando& “um& pouco& a& razão”,&
Régio& defendia& “a& afirmação& sincera& e& original& dum& temperamento& à& parte& [...]& a&
livre& afirmação& dum& corpo& e& duma& alma”;& e& afirmava& significativamente& a& sua&
opinião&sobre&o&autor:&“Raul&Leal&é&a&síntese&dum&corpo&miserável&e&duma&grande&
alma:& O& que& tudo& faz& uma& figura& sinistra& e& chocante,& mas& poderosa& e&
originalíssima”.& De& resto,& Régio& considerava& justamente& que& Leal& “já& mais& ou&
menos&tem&afirmado&na&Presença&o&que&afirma&agora,&com&mais&crueza,&na&VirgemE
Besta”&(SIMÕES,&1977:&235E236).&Sendo&as&razões&que&levavam&a&redação&da&Presença&
a& negar& a& publicação& do& artigo& sugeridas& por& considerações& de& conveniência& e&
oportunidade,& Régio& julgava& a& decisão& um& sinal& de& decadência& da& revista& em&
relação&às&ideias&que&defendera&desde&o&início.&Na&opinião&do&autor&do&manifesto&
Literatura( livresca( e( literatura( viva,( a& recusa& de& “A& VirgemEBesta”& marcava& “uma&
atitude& contrária& à& Presença& –& quando& esse& artigo& não& é& publicado& sem& ser& por&
motivos& de& ordem& estética”,& escrevia& a& Simões& a& 29& de& janeiro.& Na& mesma& carta,&
Régio& fechava& o& assunto& e& assumia& a& responsabilidade& de& comunicar& a& decisão&
contrária& a& Raul& Leal:& “Perante& as& vossas& razões,& ou& antes:& perante& a& vossa& não&
concordância& –& eu& não& tenho& mais& do& que& ceder.& Hoje& mesmo& escreverei& ao& Raul&
Leal”& (SIMÕES,& 1977:& 238E239).& Se& o& fez& mesmo& nesse& dia,& Régio& terá& esperado&
durante&mais&de&um&mês&a&reação&do&autor&de&“A&VirgemEBesta”&à&comunicação&da&
decisão&da&revista.11&
Na&carta&de&março&de&1929,&Raul&Leal&afirma:&“Por&Deus&lhe&peço&que&nem&
mais& um& momento& se& preocupe& com& o& caso& do& meu& artigo.& Compreendo& muito&
bem& a& vossa& atitude& e& tanto& que,& ensinado& pela& vida,& vou& já& tomando& atitudes&
semelhantes”.&Essa&vida&que,&já&no&primeiro&parágrafo&da&carta,&Leal&descreve&como&
um& “iterno& tormento”& que& provoca& um& constante& “estado& de& depressão& e&
abatimento”,& que& encontra& expressão& poética& nos& seus& salmos,& através& dos& quais&
Régio& poderia& avaliar& “todos& os& horrores& que& sofro& [...]& toda& a& tragédia& do& meu&
espirito&e&da&minha&vida”.&De&facto,&o&núcleo¢ral&desta&carta&é&constituído&por&
considerações&pessoais&em&que&um&balanço&triste&da&própria&existência&se&mistura&
com&a&afirmação&da&atitude&que&seria&necessário&tomar¶&poder&atingir&os&altos&
objetivos& que& Leal& ainda& colocava& acima& de& tudo.& Ensinado& por& mais& uma&
experiência&negativa&–&a&recusa&da&publicação&do&seu&artigo&“excessivo”&–&o&autor&
de&“A&VirgemEBesta”&fala&da&importância&de&“saber&organisar&convenientemente&a&
sua& independencia”,& porque& “Doutro& modo,& em& vez& de& triunfador& será& um&
falhado”.& Leal& consideraEse& “transitoriamente& um& vencido”& por& não& ter& sabido&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Finalmente,&o&artigo&“A&VirgemEBesta”&seria&publicado&no&n.º&31E32&da&Presença&(marçoEjunho&de&
11
1931).& A& saída& da& direção& da& revista,& em& 1930,& de& António& José& Branquinho& da& Fonseca& e& de& mais&
dois& dissidentes,& Edmundo& de& Bettencourt& e& Adolfo& Rocha& (Miguel& Torga),& terá& deixado& cair& uma&
parte&decisiva&da&oposição&à&publicação&do&texto&lealino.&A&linha&mantida&por&José&Régio&pôde&assim&
afirmarEse&e&“A&VirgemEBesta”&vir&a&público&nas&páginas&da&folha&coimbrã.&
orientar& a& sua& independência,& por& ter& dado& azo& a& demasiados& atos& de&
impulsividade,&de&que&a&proposta&de&publicação&de&“A&VirgemEBesta”&é&mais&um&
exemplo& de& que& se& arrepende,& já& que& considera& que& “Mesmo& a& mim,& neste&
momento,& não& convinha& esta& publicação”.& E& acrescenta:& “Tive,& ha& alguns& anos,&
todos& os& trunfos& nas& mãos& e& deixeiEos& imbecilmente& perder!”,& citando,& a& seguir,& o&
seu&poema&“Le&Prophète&Sacré&de&la&MortEDieu”¶&comparar&a&sua&situação&com&
a& da& Queda& de& Adão.& Para& poder& realizar& uma& grande& Obra& –& confessa& a& Régio& –&
“temos,& antes& de& mais& nada,& que& ser& uns& bons& estratégicos”;& menciona& a&
necessidade&de&ter&“manha&e&cautela,&sem&o&que&está&tudo&perdido&e&os&nossos&altos&
Ideaes&desfarEseEhão&como&pó&luminoso&disperso&na&Imensidade”,&porque&“Quem&
tem& uma& grande& Missão& a& rialisar,& deve& adquirir& por& vezes& a& rasteira& habilidade&
dos&políticos¶&que&o&Seu&alto&Fim&se&cumpra”.&E&propõeEse&ficar&algum&tempo&
em& silêncio,& esquecer& temporariamente& o& seu& espírito& de& rebeldia,& para& forjar& as&
suas& “melhores& armas,& que& são& algumas& das& minhas& obras”.& Como& uma& fera& que&
quer& assaltar& a& sua& presa,& Leal& dispõeEse& a& ocultarEse& “nas& selvas& para& na& ocasião&
própria&dar&o&salto&terrível&e&fincar&bem&as&minhas&garras&de&tigre&na&carne&podre&
dessa&sociedade&de&merda”.&
Outra&palavraEchave&repetida&nesta&carta&é&“sacrifício”,&que&aliás&ocorre&duas&
vezes&na&mesma&frase:&“ao&nosso&Ideal&devemos&sacrificar&o&nosso&próprio&espirito&
aventuroso& e& de& independencia& quando& Ele& exigir& esse& tamanho& sacrificio”.& Essa&
carta&assim&condensa&a&imagem&de&um&homem&não&só&incompreendido&–&celebrada&
no&homónimo&drama&autobiográfico&na&figura&do&protagonista,&Jorge&Vilar&–&como&
também& autoEcondenado& ao& sacrifício& perante& a& importância& capital& da& sua& Obra,&
da&sua&Missão&e&do&seu&Ideal.&Um&homem&rebelde&que&se&colocou&fora&das&normas&e&
das& convencões& sociais& e& morais,& que& protagonizou& lutas& quixotescas& contra& os&
poderes,& que& abdicou& dos& aspetos& materiais& de& uma& vida& burguesa& e& enfrentou&
sofrimentos&físicos&e&psicológicos¶&poder&afirmar&livremente&o&seu&Espírito.&No&
primeiro& capítulo,& intitulado& “Na& Glória& de& Deus”,& do& seu& livro& em& preparação&
Fernando(Pessoa,(Precursor(do(Quinto(Império,&publicado&no&n.º&48&da&Presença&(julho&
de&1936),&Raul&Leal&orgulharEseEia&desta&sua&disposição¶&o&martírio&terreno:&se&
ao&seu&grande&Amigo,&recémEfalecido,&e&não&a&ele,&o&Profeta&Henoch,&cabia&a&tarefa&
de&“cumprir&essa&Missão&altíssima&através&da&Morte”&(a&de&governar&os&homens&do&
Além),& ele& deveria& “realizar& em& absoluto& o& seu& sonho& puríssimo& de& Vertigem&
Divina& por& entre& sórdidos& suplícios& que& a& vida& terrestre,& hoje& feita& de& lama,&
continuadamente& impõe& aos& Grandes& Realizadores”.& Ele& que,& nas& mais& difíceis&
situações,& demonstrara& uma& força& sobrenatural& que& lhe& permitira& “triunfar&
gloriosamente& no& martírio& estupendo& que& como& eleito& de& Deus& eu& tinha& e& terei&
ainda&que&suportar”.&
Voltando&às&cartas&trocadas&com&José&Régio&em&março&de&1929,&encontramos&
nelas& referências& a& outras& colaborações& dos& dois& autores.& Na& carta& do& diretor& da&
Presença&há&o&pedido&de&um&artigo&sobre&cinema,&“para&um&número&especial&que&ao&
cinema&vamos&dedicar”.&No&Post(Scritptum&à&sua&carta&–&que&se&cruzou&com&esta&de&
Régio&–&Raul&Leal&escreve:&“Ia&mandar&esta&carta¶&o&correio&quando&recebi&uma&
outra& sua,& mostrando& desejo& de& que& eu& lhe& mandasse& um& artigo& sobre& o& cinema.&
Muito& brevemente& lh’o& enviarei”.& Contudo,& não& constam& colaborações& lealinas&
sobre& este& tema.& A& iniciativa& foi& também& comunicada& a& Fernando& Pessoa& sob& a&
forma&de&um&inquérito,&a&que&o&poeta&dos&heterónimos&respondia,&a&14&de&março&de&
1929:&“Não&sei&se&serei&eu,&se&o&Alvaro&de&Campos,&se&ambos,&quem&terá&opiniões&
sobre&o&cinema.&Alguma&receberá&–&pode&contar&com&isso”12.&Com&efeito,&a&“Folha&
de&Arte&e&Crítica”&acabou&por&não&publicar&um&número&especial&dedicado&à&sétima&
arte,& embora& mantivesse& durante& algum& tempo& uma& coluna,& redigida& por& José&
Régio,& intitulada& “Legendas& Cinematográficas”.& Na& sua& carta,& Raul& Leal& também&
acusa& a& receção& do& último& número& da& Presença,( em& que& aparece& a& mencionada&
tábua&bibliográfica&a&ele&dedicada,&que&é&do&seu&gosto,&e&propõe&mais&“um&psalmo&
que& me& parece& inofensivo”,& o& terceiro& dos& “Psaumes”& publicados& pela& revista&
coimbrã,& que& de& facto& aparecerá& no& n.º& 19& (fevereiroEmarço& de& 1929).& Finalmente,&
registaEse& o& agradecimento& que& Leal& faz& a& propósito& de& uma& colaboração& enviada&
por& Régio& para& a& Revista( da( Solução( Editora,& dirigida& por& José& Pacheco,& cuja&
publicação& no& terceiro& número& fora& garantida& por& Mário& Saa.& Efetivamente,& não&
constam&colaborações®ianas&no&n.º&3&mas&duas&aparecem&no&n.º&4&dessa&revista:&o&
artigo& de& crítica& intitulado& “Arrabalde& de& João& Cabral& do& Nascimento”& e& a& crónica&
“O& Amigo& Difícil”& (cf.& NOVAIS,& 2002:& 324).& Contudo,& fica& a& informação& de& que,& de&
alguma& maneira,& Raul& Leal& –& mesmo& não& “tendo& nada& com& essa& empreza”& –& terá&
funcionado&como&elo&de&ligação&entre&Régio&e&a&revista.&
A&correspondência&privada,&mesmo&tendo&caráter&contingente&e&finalidades&
práticas,& deixa& transparecer& algumas& marcas& do& estilo& pessoal& do& seu& autor.&
Embora,& nas& suas& cartas,& Raul& Leal& não& utilize& a& mesma& linguagem& obscura& com&
que& manifesta& a& complexidade& do& seu& pensamento& nos& seus& artigos& e& ensaios,&
encontramos&contudo&acentos&de&expressividade&literária&em&frases&como&“olhando&
para& o& meu& passado& noturno,& encontro& um& contraste& desolador”,& “era& uma& luz&
rastejante& que& ainda& não& podia& triunfar& nos& Céus”,& “Sentia& por& vezes& rasgos& de&
genio& que& porém& depressa& se& desfaziam& no& eter& das& minhas& emoções”.& Um& traço&
peculiar&do&estilo&lealino,&que&se&verifica&nesta&correspondência,&é&a&maiusculização&
das& iniciais& de& palavrasEchave& –& como& “Nada”,& “Eu”,& Céus”,& “Infinito”,& “Ideal”,&
“Imensidade”,& “Missão”,& “Fim”& –& para& sugerir& o& seu& sentido& transcendente.&
Também&encontramos&irregularidades&grafémicas&tipicamente&lealinas&ao&nível&da&
acentuação&–&aliás,&geralmente&irregular&nos&manuscritos&dessa&época&–&assim&como&
uma& ortografia& arcaizante& ou& simplesmente& pessoal& de& palavras& como& “poude”,&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Pessoa&acabaria&por&não&enviar&nenhuma&opinião&sobre&cinema,&comunicando&ao&próprio&Régio,&
12
dois& meses& depois,& a& 16& de& maio:& “Ao& inquerito& sobre& o& cinema& não& responderei.& Não& sei& o& que&
penso&do&cinema.&Aliás,&prefiro&não&responder&a&inqueritos”&(PESSOA,&1998:&77E78).&&Sobre&o&interesse&
de&Fernando&Pessoa&pelo&cinema&cf.&PESSOA&(2011).&
“depremido”,& “remudelações”,& “iterno”,& “rialisar”,& em& que,& como& se& vê,& o& desvio&
da&norma&afeta&principalmente&as&vogais&átonas&das&palavras.&
Quanto& a& José& Régio,& registaEse& na& carta& para& Raul& Leal& –& assim& como& na&
epístola& para& Branquinho& da& Fonseca& –& uma& caraterística& que& é& comum& a& muitos&
manuscritos& regianos& e& que& se& encontra& também& na& correspondência& para&
destinatários&em&relação&aos&quais&Régio&sente&um&certo&grau&de&afinidade,&se&não&
mesmo&de&intimidade:&a&ilustração&da&página&com&desenhos&que&são&reveladores&da&
sua&particular&sensibilidade&artística&e&mesmo&da&sua&predileção&por&uma&expressão&
“caleidoscópica”,&ou&seja,&por&uma&comunicação&total&que&procura&a&transmissão&de&
uma&emoção&estética&que&envolve&palavras&e&imagens.&&
Na&carta&a&Raul&Leal,&Régio&traçou&uma&figura&de&homem&semiEdeitado,&de&
cabelo&comprido,&nu,&que&pode&lembrar&a&um&Cristo&deposto,&motivo&tão&típico&na&
iconografia®iana,&tendo&em&conta&a&sua&la&coleção&de&crucifixos&e,&mais&em&
geral,& de& obras& de& arte& de& motivo& religioso.& A& presença& desta& figura& de& homem&
inerme,& de& cabeça& reclinada,& talvez& beatamente& adormecido& ou,& mais&
provavelmente,&abandonado&ao&seu&próprio&sacrifício,&poderá&relacionarEse&com&a&
imagem&que&Régio&eventualmente&teria&de&Raul&Leal.&AdmiteEse&contudo,&que&esta&
seja&apenas&uma&interpretação&pessoal,&falha&de&qualquer&elemento&de&provação.&
Mais& ricamente& decorada& é& a& carta& a& Branquinho& da& Fonseca& em& que,& no&
verso& das& duas& folhas& em& que& é& escrita,& aparecem& dois& desenhos& representantes&
figuras&de&jovens&de&ambos&os&sexos,&cujos&rostos&têm&olhos&grandes&e&fortemente&
expressivos,& traços& típicos& da& produção& iconográfica& regiana.& Ao& lado& das& figuras&
humanas& aparecem& elementos& vegetais& de& grandes& dimensões.& No& segundo&
desenho,& o& rosto& em& primeiro& plano,& sereno& em& aparência,& é& sobreposto& à& figura&
inteira&de&uma&mulher&que&corre,&como&fugindo&assustada,&de&olhos&semiEfechados.&
&
As%restantes%duas%cartas%de%José%Régio%presentes%na%coleção%
&
A& carta& que& José& Régio& enviou& para& o& também& diretor& e& fundador& da& Presença,&
António&José&Branquinho&da&Fonseca,&a&25&de&julho&de&1927,&foca&sobretudo&aspetos&
práticos&ligados&à&vida&da&revista&e&à&sua&gestão.&Régio&acusa&a&receção&do&último&
número& da& folha,& recomenda& o& seu& envio& a& leitores& possivelmente& interessados& e&
pede&a&Branquinho&o&envio&de&uma&coleção&em&boas&condições.&Também&menciona&
algumas& colaborações& recebidas& para& serem& publicadas:& além& da& de& Raul& Leal& –&
pela&data,&deve&tratarEse&do&artigo&“A&creação&do&futuro.&A&organisação&bolchevista&
pelo&fascismo&atravez&da&acção&norteEamericana&e&sob&o®imen&duma&monarquia&
libertária”,&publicado&no&n.º&8&(dezembro&de&1927)&–&o&escritor&vilacondense&diz&ter&
recebido&colaboração&de&Mário&Saa13&através&de&António&de&Navarro,&que&é&também&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Posteriores&a&esta&carta,®istamEse&duas&colaborações&de&Mário&Saa&aparecidas&no&mesmo&n.º&7&
13
da&Presença&(8&de&novembro&de&1927):&trataEse&do&artigo&“Redução&de&Deus”&e&do&poema&“Quadras&
da&minha&vida”.&
citado& por& Raul& Leal,& na& carta& de& dezembro& de& 1927,& como& seu& grande& amigo&
dentro& do& núcleo& da& Presença:& isto& coloca& Navarro& como& provável& intermediador&
das&primeiras&colaborações&lealinas&recebidas&por&Régio.&&
A& única& consideração& de& caráter& mais& pessoal& contida& nesta& carta& diz&
respeito&ao&descontentamento&expresso&por&Régio&acerca&do&isolamento&intelectual&
em&que&se&encontra&em&Vila&do&Conde,&onde&diz&viver,&“a&respeito&de&convivência,&
como& Robinson& [Crusoe].& Com& a& agravante& de& não& ser& favorecido& como& ele,& pela&
ausência&completa&dos&meus&semelhantes&cuja&semelhança&me&não&lisongeia”.&Só&a&
companhia&do&amigo&António14,&a&natureza,&o&apego&à&sua&terra,&e&a&certos&costumes&
simples& dos& locais& –& “o& ar& dos& pinheiros,& as& barretadas& dos& indígenas& e& a& própria&
poeira& das& estradas”& –& consolam& o& poeta& e& sanificam& os& seus& nervos& “tão&
escalavrados”.& Também& bastante& curiosa& é& a& referência& irónica& que& Régio& faz,&
depois& de& ter& comunicado& várias& recomendações& e& exigências& ao& seu& intelocutor,&
acerca& do& eventual& interesse& que& Branquinho& da& Fonseca& teria& pelos& carros& da&
marca&espanhola&HispanoESuiza:&“O&HispanoESuiza&que&me&perdôe&a&concorrência&
que&procuro&fazerElhe&na&tua&atenção”.&
Finalmente,¶&concluir&esta&apresentação&dos&documentos&contidos&nesta&
secção&“regiana”&da&coleção&de&Fernando&Távora,&resta&referir&a&carta&enviada¶&
Joaquim& Moreira,& então& administrador& da& Presença,& a& 22& de& novembro& de& 1935.&
TrataEse&de&uma&breve&e&anódina&missiva&em&que&Régio&comunica&os&nomes&de&três&
novos&assinantes&da&revista,¶&os&quais&pede&que&Moreira&envie,&o&mais&depressa&
possível,&o&último&número.&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Quanto&à&identidade&do&António&citado&por&José&Régio,&agradecemos&a&opinião&de&Isabel&Cadete&
14
Novais,& diretora& do& Centro& de& Estudos& Regianos,& que& levanta& a& seguinte& hipótese:& “Embora&
estivesse& a& passar& as& férias& de& verão& em& Vila& do& Conde,& as& referências& de& Régio& aos& pinheiros,& à&
poeira& e& ao& ‘Robinson’& (como& metáfora& de& isolamento,& sobretudo& civilizacional)& e& ainda&
particularmente& a& referência& ao& António& faz& pensar& nos& períodos& de& férias& que& José& Régio&
costumava& passar& com& o& irmão& Júlio& e& o& primo& António& em& Baltar& (aldeia& entre& Vila& Nova& de&
Famalicão& e& Póvoa& de& Varzim),& onde& os& avós& paternos& tinham& uma& casa.& Neste& caso,& o& referido&
António& seria& o& primo& António& Sousa& Pereira& com& quem& passava& férias& nessa& aldeia,& desde&
crianças”.&
Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[dezembro%de%1927]%15%
(Coleção%Fernando%Távora)16%
&
Meu&querido&José&Régio&
&
Deixe17Eme& tratálEo& assim& apesar& dos& meus& olhos& o& não& conhecerem& e& visto&
que&o&meu&espirito&sente&profundamente&o&seu.18&Como&deve&calcular19&–&pois&o&José&
Régio& sabe& com& certeza& o& que& vale& e& o& que& valem& os& seus& colaboradores20& –& o& seu&
jornalErevista& Presença& temEme& interessado& vivamente.& Por& isso& lhe& peço& que& me&
envie& os& tres& primeiros& numeros& e& o& sexto& que& não& possúo& ainda,21& para& ir& tendo&
assim& a& coleção& completa& duma& publicação& que,& sem& duvida,& ha& de& marcar& na&
historia&da&nossa&literatura.&
E& que& prazer& espiritual,& do& mesmo& modo& que& desgosto,& me& causa& a& sua&
Presença!&Prazer&porque&vejo&nitidamente&que&as&novas&gerações&brilharão&no&Ceu&
de& Portugal& e& do& Mundo& como& chamas& redentoras,& erguidas& exaltadamente& a&
Deus.22& Desgosto& porque& olhando& para& o& meu& passado& noturno,23& encontro& um24&
contraste&desolador...&
Na& minha& geração& coimbrã& não& havia& Nada,& na& aceção& absoluta,& metafisica&
da& palavra:& Nada( a( não( ser( Eu!25& Em& Lisboa& iam& surgindo,& nos& meus& tempos26& de&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
15&Rascunho&de&carta&escrito&a&tinta&preta&no&rosto&e&no&verso&de&duas&folhas:&a&primeira&é&uma&folha&
de& papel& pautado& de& cor& parda;& a& segunda& é& uma& folha& de& papel& comercial& quadriculado& de& cor&
amarelada.&A&passagem&a&limpo&deste&rascunho&–&ou&seja,&a&carta&que&Raul&Leal&enviou&a&José&Régio&
–& é& conservada& no& espólio& deste& escritor,& presente& no& Centro& de& Memória& de& Vila& do& Conde:& foi&
escrita& a& tinta& preta& em& ambas& as& faces& de& duas& folhas& de& papel& quadriculado& e& não& apresenta&
variantes& em& relação& ao& texto& do& rascunho,& à& exceção& da& presença& da& data,& da& assinatura& e& de& um&
Post(Scriptum.&
16& Conforme& dito,& a& carta& enviada& mostra& a& data& “Dezembro& de& 1927”,& escrita& no& canto& superior&
esquerdo&da&página,&na&diagonal&ascendente,&com&um&traço&diagonal&por&baixo.&
17& Riscado& o& “s”& final& de& “Deixe”& que& indicaria& tratamento& informal& na& segunda& pessoa,& provável&
lapso.&
18&Depois&do&ponto,&riscado&um&“A”&maiúsculo.&
19& Depois& de& “calcular”,& riscada& uma& vírgula,& o& artigo& “o”& e& a& letra& “J”,& provável& inicial& do& nome&
José;&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acima&do&artigo&riscado,&o&travessão.&
20&Riscada&uma&vírgula&depois&de&“colaboradores”&e&substituída&pelo&travessão,&acrescentado&acima&
dela.&
21&“ainda”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&com&um&sinal&de&inserção.&
22&O&ponto&foi&provavelmente&acrescentado&posteriormente;&ao&lado&dele&aparece&riscado&um&ponto&e&
vírgula.&O&“D”&inicial&de&“Desgosto”&sobreposto&a&um&“d”&minúsculo.&
23&“noturno”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&Ao&lado&
da&vírgula&aparece&riscado&um&provável&“s”.&
24&A&inicial&de&“um”&sobreposta&a&outra&letra&de&difícil&leitura,&provavelmente&um&“c”,&antecipação&
da&palavra&“contraste”.&
25& Na& carta& enviada& a& José& Régio,& quer& a& anterior& menção& da& palavra& “Nada”,& quer& a& expressão&
“Nada&a&não&ser&Eu”&aparecem&sublinhadas&três&vezes.&&
estudante,27& raros& espiritos& de& elite,& irmãos& do& meu& que& porém& só& tarde& os& poude&
conhecer.28& Em& Coimbra& mais& não& havia& do& que29& mediocres& e& parvos!& D’ahi& a&
grande&decadencia&politica&e&social&em&que&vivemos,&sendo&certo&que&a&vida&do&paiz&
está&em&grande&parte&nas&mãos&da30&minha&geração&coimbrã.&
Eu& mesmo,& nesse& tempo,& não& possuindo& em& volta& de& mim& um& ambiente&
propicio& ao& desenvolvimento& do& meu& espirito,& era& uma& luz& rastejante& que& ainda&
não&podia&triunfar&nos&Céus.&Sentia&por&vezes&rasgos&de&genio&que&porém&depressa&
se& desfaziam& no& eter& das& minhas& emoções.& E& era& tão& mesquinho,& tão& pouco&
intelectual& e& artistico& o& meio& em& que& eu& vivia31& apesar& de& ter& estado& na& casa& do&
Lenin&Martins,&espirito32&interessantissimo33&que,&no&fundo,34&pouco&se&mostrava&por&
não&ligar&nenhuma&aos&rapazes&da&minha&geração,&era&enfim&tão&mediocre,&mesmo&
tão&inferior&tudo&que&me&cercava&que&tendo&tamanho&amor&á&vida&tumultuosa35&das&
cidades,& preferia& isolarEme& nos& campos,& não& querendo& sequer& sentir& o& bulicio& da&
vida&académica&a&que&não&sabia&adaptarEme,&e&preferindo&mesmo&na&devassidão&e&
no&vinho&viver&sósinho&sem&companheiros&de&vicio.36&
Foi,&sem&duvida,&por&me&sentir&assim&mentalmente37&depremido&no&ambiente&
que&jámais38&poderia&desenvolver&as&minhas&faculdades&que39&estavam&destinadas&a&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
26& “nos& meus& tempos”& acrescentado& na& entrelinha& superior& em& substituição& de& “nessa& decada”,&
riscado.&
27&“de&estudante”,&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&sinal&de&inserção.&
28&O&ponto&é&acrescentado&posteriormente;&depois&de&“conhecer”&aparece&riscado:&“apesar&de&aqui&eu&
ter& nascido.& E& não& havendo& em& volta& de& mim”.& Acima& de& “E& não& havendo”& aparece,& também&
riscado:&“E&mesmo&d”.&
29&“Em&Coimbra&mais&não&havia”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“em&volta&de&mim”&(cf.&a&
nota&anterior);&dentro&deste&acrescento,&“mais&não”&aparece&escrito&acima&de&“só”,&riscado;&“do&que”&
escrito&na&entrelinha&superior&da&linha&seguinte,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&
30&A&inicial&de&“da”&é&sobreposta&a&um&“n”,&provável&lapso.&
31& “eu”& acrescentado& na& entrelinha& superior,& acompanhado& por& um& sinal& de& inserção.& Depois& de&
“vivia”&o&autor&riscou&uma&vírgula.&
32&A&inicial&de&“espirito”&sobreposta&a&um&“q”&riscado.&
33& A& desinência& do& grau& superlativo& absoluto& “issimo”& aparece& acrescentada& posteriormente;& o& “i”&
inicial&de&dita&desinência&é&sobreposto&a&um&“e”&final&de&“interessante”,&primeira&versão&do&adjetivo.&
34&À&parte&o&“f”&inicial,&a&palavra&“fundo”&aparece&sobreposta&a&“fim”.&
35& “era& enfim& tão& mediocre,& mesmo& tão& inferior& tudo& que& me& cercava”& acrescentado& na& entrelinha&
superior& e& acompanhado& por& um& sinal& de& inserção;& dentro& do& acrescento,& depois& de& “mediocre,”&
aparece&riscado&“tão”,&substituído&por&“mesmo&tão”,&escrito&a&seguir;&“que&tendo”&escrito&sempre&na&
entrelinha& superior,& porém& mais& abaixo,& por& falta& de& espaço& na& linha,& acima& de& “eu& que”,& riscado,&
escrito&anteriormente&na&linha;&depois&de&“amor”&o&autor&riscou&“tenho”.&Portanto,&a&versão&original&
deste& trecho& era:& “por& não& ligar& nenhuma& aos& rapazes& da& minha& geração,& eu& que& tamanho& amor&
tenho& à& vida”.& Depois& de& “vida”& aparece& riscado& “da”;& também& foi& riscado& o& “s”& final& de&
“tumultuosas”.&
36&O&ponto&final&foi&sobreposto&a&uma&anterior&vírgula;&a&seguir,&aparece&riscado:&“a&não&ser”.&
37&“mentalmente”&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&
38&A&primeira&sílaba&“já”&acrescentada&posteriormente.&
desenvolverEse&só&por&si,&foi&por&esse&motivo&que&apenas&aos&24&anos,&e&depois&de&
formado,&consegui&fazer&uma&verdadeira40&obra&de&génio,&o41&drama&metafísico,42&O(
Incompreendido.&Antes43&só&produzi44&esboços&filosoficos&e&criticos45&que&perdi&quasi&
totalmente& na& revolução& de& fevereiro,& por& ocasião& do& assalto& ao& Correio( da( Noite(
onde& esses& manuscritos& se& encontravam.& E& se& desse& drama& ficam& quasi& intactos& o&
primeiro& e& terceiro& atos,& o& mesmo& não& posso& dizer& do& segundo& que& tendo& sofrido&
posteriormente&grandes&remudelações,&muitas&mais&sofrerá&ainda.&
Mas& mudemos& de& assunto.& EnvioElhe& um& psalmo& em& francez,& feito&
ultimamente,46&e&que&julgo&ser&uma&verdadeira&prece¶cletiana¶&que&o&José&
Régio&o&publique&quando&quizer.&E&aproveito&a&ocasião¶&lhe&agradecer&todas&as&
suas&gentilezas.&
Como47&infelizmente&tenho&sido&forçado,&por&razões&pouco&poéticas&e&ainda&
menos& metafisicas,& a& trabalhar& em& jornaes,& sei& bem& o& quanto& é& dificil& contentar& a&
todos,&por&muita&consideração&que&haja&pelos&colaboradores.&D’ahi&o&sermos&muitas&
vezes& forçados& a& demorar& a& publicação& de& artigos,& versos,& seja& o& que& fôr,& e& que&
desejariamos& fosse& rapida,& pronta.& Portanto& não& se& preoucupe& com& a& demora& que&
possa& haver& no& aparecimento& da& minha& colaboração.& Eu& sei& bem& dar& valor& ás&
dificuldades& em48& que& se& vê49& um& diretor& de& jornal& ou& revista.& Uma50& publicação&
periodica&é&evidentemente&limitada&na&forma&não&podendo&conter&tudo&ao&mesmo&
tempo51.& Só& na& essencia& contem& muitas& vezes& o& Infinito.& É52& o& que& se& dá& com& as&
nossas&obras!53&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39&Depois&de&“faculdades&que”&riscado&“só&por&si”;&logo&a&seguir,&o&autor&escreveu&e&posteriormente&
riscou:&“se&fazem”;&na&entrelinha&superior&acrescentou&“estavam”&e&continuou&a&escrever&na&linha.&&
40&Riscado&um&“s”&final&de&“verdadeira”&escrito&provavelmente&por&lapso.&
41&O&artigo&“o”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“um”,&riscado.&&
42&Antes&do&título&do&drama,&o&autor&acrescentou&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&
de&inserção,&“intitulado”,&posteriormente&riscado.&
43&Riscada&uma&vírgula&depois&de&“Antes”.&
44&“produzi”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“escrevi”,&riscado.&
45&“e&criticos”&acrescentado&na&entrelinha&superior&e&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&
46&“feito&ultimamente,”&acrescentado&na&entrelinha&superior.&
47&Antes&de&“Como”,&riscado,&“Infe”,&provável&antecipação&do&advérbio&escrito&a&seguir.&
48&“em”&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção.&
49&“se&vê”&escrito&na&entrelinha&superior,&acima&de&“passou”,&riscado.&
50&Um&“S”&maiúsculo&aparece&riscado&antes&de&“Uma”.&
51&“ao&mesmo&tempo”&acrescentado&na&entrelinha&superior,&acompanhado&por&um&sinal&de&inserção,&
riscado,& que& o& colocaria& entre& “conter”& e& “tudo”;& posteriormente,& o& autor& traçou& novo& sinal& de&
inserção&no&fim&da&frase.&
52&Antes&de&“É”&aparece&um&“E”&maiúsculo,&riscado.&
53& Depois& de& “as& nossas& obras!”& há& um& trecho& bastante& longo,& riscado& pelo& autor,& que& a& seguir& se&
transcreve& utilizando& alguns& símbolos& para& indicar& as& intervenções& autorais& dentro& desta& porção&
textual,&posteriormente&eliminada:&<>&[↑ ] lição&riscada&e&acrescento&na&entrelinha&superior;&*&leitura&
conjeturada.&Transcrição:&“E&como&o&José&Régio&<decerto&se&[↑ *como,]>&conhece&bem,&não&vae[,]&[↑
sem& duvida,]& supor& que& eu& não& sou& sincero& quando& me& refiro& a& si& deste& modo.& Aliás& eu& sou&
demasiadamente& melancolico& para& ser& “blagueur”.& <Tenho>& [↑A& mais]& <sin>& profunda& estima& e&
Queira,&meu&querido&José&Régio,&aceitar&um&abraço&muito&apertado&
Do&seu&confrade,&sincero&admirador54&
&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
consideração& intelectual& tenho& por& si& e& por& todos& que& o& rodeiam,& <al>& <na& Presença,>& alguns& dos&
quaes,& como& o& Antonio& Navarro& e& o& Mario& Coutinho,& são& grandes& amigos& meus”.& O& início& deste&
parágrafo& riscado,& “E& como& o& José& Régio”,& que& vinha& na& continuação& da& linha,& foi& riscado& por& um&
traço&horizontal&grosso.&As&restantes&linhas&do&trecho&eliminado&foram&riscadas&por&traços&diagonais&
cruzados.&
54& Na& carta& enviada& a& José& Régio,& aparece& a& assinatura& “Raul& Leal”,& seguida& pelo& endereço& do&
remetente:& “S/C& Rua& das& Salgadeiras,& 36,& 3.º& D.& |& Lisboa”.& Debaixo& do& endereço,& o& autor& da& carta&
acrescentou& o& seguinte& Post( Scriptum:& “P.S.& –& Como& não& sei& se& já& leu& um& manifesto& que& lancei& ha&
anos,& a& proposito& duma& exposição& de& pintura,& no& qual& expuz& sinteticamente& o& paracletianismo&
(religião& do& Espirito& Santo& ou& Divino& Paracleto),& envioElhe& alguns& exemplares,& para& si& e& para& os&
nossos& amigos& da& Presença.& Esse& manifesto& esclarece& certos& pontos& obscuros& da& minha& ultima&
colaboração.&Desejaria&oferecerElhes&as&poucas&obras&que&tenho&publicado,&mas&não&conservo&delas&
nenhum&exemplar.&Logo&que&apareça&com&nova&obra,&é&claro,&lembrarEmeEhei&de&vocês&todos.&PeçoE
lhe&que&me&diga&se&recebeu,&ha&tempos,&os&sete&numeros&que&publiquei&do&meu&panfleto&O&Rebelde.&
Caso&os&não&tenha&recebido,&mandarElh’osEhei&outra&vez.&|&R.&Leal”.&
&
&
Fig.%1a.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%rosto%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%1b.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%verso%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%1c.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%rosto%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%1d.%Rascunho%de%carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1927];%verso%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%2a.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%rosto%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%2b.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[dezembro%de%1929];%verso%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%2c.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%rosto%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%2d.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%
[dezembro%de%1929];%verso%da%segunda%folha.%
Carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%de%março%de%1929%%
(Coleção%Fernando%Távora)55&
&
&
Porto&
Hotel&América&Central&
Av.&Rodrigues&de&Freitas&
&
Março&de&1929&
&
&
Meu&querido&Raul&Leal:&
Porque&não&respondeu&ainda&à&minha&carta?&Todos&os&dias&a&tenho&esperado&–&
a& carta& em& que& Você& me& diga& que& não& está& melindrado& com& a& Presença.& Confio&
tanto&na&sua&generosidade,&que&venho&pedirElhe¶&a&mesma&Presença&um&artigo:&
Um&artigo&sôbre&o&cinema,¶&um&número&especial&que&ao&cinema&vamos&dedicar.&
Não&sei&se&o&cinema&lhe&interessa;&mas&o&Raul&Leal&escreverá&sempre&coisas&pessoais&
e&novas&sôbre&o&que&quizer.&Isso&não&é&lisonja&interesseira&–&bem&o&sabe.&Quereria&
conversar& longamente& consigo.& Mas& escrevoElhe& ao& fim& duma& tarde& de& trabalho,&
com& a& cabeça& já& vazia.& Se& puder,& não& demore& muito& a& responderEme.& Um& abraço&
dum&dos&seus&amigos&e&admiradores&mais&certos&
&
& & & & & & & & José&Régio&
&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
55& Carta& escrita& na& página& de& rosto& de& uma& folha& de& papel& de& carta& que& tem,& no& canto& superior&
esquerdo,& o& carimbo& da( presença.& Na& parte& inferior& da& página,& o& autor& traçou& um& desenho,& uma&
figura&de&homem&semiEdeitado,&de&cabelo&comprido,&nu,&que&pode&lembrar&a&um&Cristo&deposto.&É&
também& presente& o& envelope& que& incluía& a& carta:& o& rosto& apresenta,& na& parte& superior& esquerda,& o&
carimbo& da( presença& e,& na& parte& direita,& o& endereço( “Exmo& Senhor& |& Dr.& Raul& Leal& |& Rua& das&
Salgadeiras& |& 36,& 3.º,& D& |& Lisboa”;& na& parte& inferior& esquerda& figura& o& selo& carimbado& “Republica&
Portuguesa& |& 40& C.& |& Correio”.( O& verso& do& envelope& apresenta,& na& parte& superior,& o& carimbo(
“presença&|&COIMBRA&–&PORTUGAL”;&na&parte&inferior,&em&sentido&inverso,&figura&duas&vezes&o&
carimbo&postal(“LISBOA&|&12.3.29&3E5T&|&CENTRAL”.&&
A&propósito&desta&carta,&figura&no&arquivo&uma¬a,&pela&mão&de&Fernando&Távora,&que&diz:&“Lote&
33.º& E& carta& de& José& Régio& para& Raul& Leal& e& respectivo& sobrescrito;& papel& timbrado& da& revista&
‘Presença’;& datada& de& ‘março& de& 1929’& e& com& um& desenho.& Comprada& em& 20/9/75,& na& Livraria&
Académica&por&ax.&4.000$00”.&
&
&
Fig.%3a.%Carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929].%
&
&
&
&
&
Fig.%3b.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929];%rosto.%
&
&
Fig.%3c.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Raul%Leal%[março%de%1929];%verso.%
&
Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%de%março%de%1929%%
(Espólio%José%Régio,%Vila%do%Conde)56&
&
&
&&&Lx&
Março57&&
&&de&&
1929&
&
&
Meu&querido&amigo&
&
Em&resposta&á&sua&carta&deviaElhe&ter&escrito&imediatamente¶&lhe&desfazer&
por& completo& qualquer& preocupação& que& tenha& sobre& o& caso& do& meu& artigo,& “A&
VirgemEBesta”.&Mas&a&minha&vida&é&um&iterno&tormento,&tão&grande&que&até&penso&
livrarEme& dela& indo& para& Africa& (!!!),& e& por& isso& perdôeEme& a& minha& falta& que& só&
deriva& do& estado& de& depressão,& de& abatimento& em& que& tal& vida& me& põe&
constantemente.& Os& meus& psalmos& interpretam& bem& a& minha& alma.& Bem& pode&
avaliar&por&eles&todos&os&horrores&que&sofro.&E&não&lhe&mandei&os&mais&intensos&por&
serem& demasiadamente& longos.& Então& veria,& assim& como& no& poema& que& estou&
escrevendo,&toda&a&tragedia&do&meu&espirito&e&da&minha&vida.&
Mas&deixemos&esse&assunto&que&não&interessa.&
Primeiro&que&tudo&quero&agradecerElhe&a&sua&bela&colaboração¶&a&Revista&
da&Solução&Editora.&Como&veio&um&pouco&tarde&só&poderá&ser&publicada&no&terceiro&
numero.&Apesar&de&eu&já&não&ter&nada&com&essa&empreza,&o&Mario&Saa&garantiuEme&
que&nesse&numero&a&publicará.&
Recebi& o& ultimo& numero& da& Presença.& Lá& vi& a& minha& taboa& bibliografica.& Vem&
muito& bem.& Satisfazendo& o& seu& desejo,& envioElhe& um& psalmo& que& me& parece&
inofensivo.&&
Agora,&a&sua&carta.&A&ela&vou&responder.&Por&Deus&lhe&peço&que&nem&mais&um&
momento&se&preocupe&com&o&caso&do&meu&artigo.&Compreendo&muito&bem&a&vossa&
atitude&e&tanto&que,&ensinado&pela&vida,&vou&já&tomando&atitudes&semelhantes.&Um&
espirito&pode&ser&muito&independente&mas&antes&de&mais&nada&deve&saber&organisar&
convenientemente& a& sua& independencia.& Não& a& deve& deixar& á& solta& de& forma& a&
tornarEse& uma& devastação& da& própria& existencia.& Doutro& modo,& em& vez& de&
triunfador& será& um& falhado.& E& se& eu& hoje& sou& transitoriamente& um& vencido,& devo&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
56&Escrita&a&tinta&preta&em&ambas&as&faces&de&duas&folhas&de&papel&de&carta.&Não&existe&cota,&porque&
esta&parte&do&espólio&ainda&não&foi&cotada.&
57& A& palavra& “Março”& aparece& sobreposta& a& outra& palavra& rasurada,& de& que& se& reconhece& o& “F”&
inicial,& provavelmente& “Fevereiro”;& a& preposição& “de”& é& sobreposta& a& algo& de& difícil& interpretação,&
talvez& um& anterior& “de”,& escrito& depois& de& “Fevereiro”,& que& o& autor,& ao& emendar& o& mês,& quis&
decalcar.(
esse&facto&á&desorientação&em&que&se&tem&desenvolvido&a&minha&independencia.&Só&
tenho&tido&atos&de&impulsividade.&E&é&disso&que&eu&tenho&remorsos.&Tive,&ha&alguns&
anos,& todos& os& trunfos& nas& mãos& e& deixeiEos& imbecilmente& perder!& D’ahi& o& castigo&
tremendo&que&dos&Céus&me&vem.&Por&isso&no&meu&poema&“Le&Prophète&Sacré&de&la&
MortEDieu”,&primeira&parte&(já&concluida)&do&“Royaume&de&la&Mort”&que&constará&
de& tres& partes& (2.ª& “La& Vision& de& Henoch”& em& que& estou& trabalhando;& 3.ª& “Vers&
l’Esprit”),&nesse&poema,&digo,&eu&comparo&a&minha&situação&atual&com&a&da&Queda&
de& Adão,& declarando& mesmo& que& a& encarno& por& razões& theometafisicas& que&
constam&do&mesmo&poema.&
A&verdade,&meu&querido&José&Régio,&é&que&quando&nos&propômos&rialisar&uma&
grande& Obra& na& vida,& temos,& antes& de& mais& nada,& que& ser& uns& bons& estratégicos.&
Para& impôrmos& essa& Obra& em& toda& a& sua& amplitude& precisamos& de& proceder& com&
manha& e& cautela,& sem& o& que& está& tudo& perdido& e& os& nossos& altos& Ideaes& desfarEseE
hão&como&pó&luminoso&disperso&na&Imensidade.&E&pareceEme&que&não&deve&ser&esta&
a& nossa& aspiração.& Não& devemos& ser& demasiadamente& cautelosos& por& nós,& pela&
nossa&existencia&particular&–&isso&é&bom¶&os&burguezes&e¶&os&moços&da&vida!&
–&mas&ao&nosso&Ideal&devemos&sacrificar&o&nosso&proprio&espirito&aventuroso&e&de&
independencia& quando& Ele58& nos& exigir& esse& tamanho& sacrificio.& Quem& tem& uma&
grande&Missão&a&rialisar,&deve&adquirir&por&vezes&a&rasteira&habilidade&dos&politicos&
para& que& o& Seu& alto& Fim& se& cumpra.& E& virá& tempo& em& que& possa& expandir&
livremente& toda& a& sua& independencia& d’alma.& Por& isso& eu& disponhoEme& agora& a&
ocultarEme& nas& selvas& para& na& ocasião& propria& dar& o& salto& terrivel& e& fincar& bem& as&
minhas&garras&de&tigre&na&carne&podre&dessa&sociedade&de&merda.&Convem&mesmo&
que& esqueçam& por& algum& tempo& o59& meu& espirito& de& rebeldia& pois& quando& os&
apahar& desprevenidos& e& depois& de& ter& forjado& as& minhas& melhores& armas& que& são&
algumas& das& minhas& obras,& é& que& então& o& salto& mortal& será& dado& por& mim&
triunfalmente.& Antes& disso& é& preciso& saber& esperar.& E& portanto& eu& proprio& fui&
precipitado,&reconheçoEo&bem,&enviandoElhe,¶&publicar,&“A&VirgemEBesta”.&Foi&
um& dos& taes& gestos60& de& má& impulsividade.& Mesmo& a& mim,& neste& momento,& não&
convinha&esta&publicação.&É&o&que&lhe&tenho&a&dizer&sobre&a&sua&carta.&AbraçaEo&o&
seu&muito&amigo&e&admirador&
&
& & & & & & & & Raul&Leal&
&
P.S.& –& Ia& mandar& esta& carta& para& o& correio& quando& recebi& uma& outra& sua,&
mostrando& desejo& de& que& eu& lhe& mandasse& um& artigo& sobre& cinema.& Muito&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
58&O&“E”&maiúsculo&sobreposto&a&um&“e”&minúsculo.&
59& O& artigo& “o”& sobreposto& a& “me”,& provável& antecipação& do& adjetivo& possessivo& “meu”,& escrito& a&
seguir.&
60&A&partir&daqui,&as&últimas&linhas&da&carta&e&a&assinatura&foram&escritas&de&maneira&muito&apertada,&
por&falta&de&espaço&na&página.&
brevemente& lh’o& enviarei.& E& como& já& tinha& copiado& o& psalmo,& ahi& vae& do& mesmo&
modo¶&qualquer&altura&–&R.L.61&
&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&O&Post(Scriptum&foi&escrito,&por&falta&de&espaço&no&fim&da&última&página&da&carta,&na&parte&superior&
61
da&primeira&página,&à&direita&da&data,&escrita&no&canto&superior&esquerdo,&e&acima&do&vocativo&“Meu&
querido&amigo”.(
Fig.%4a.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%rosto%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%4b.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%verso%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%4c.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%rosto%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%4d.%Carta%de%Raul%Leal%a%José%Régio%%
[março%de%1929];%verso%da%segunda%folha.%
Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930]%%
(Espólio%José%Régio,%Vila%do%Conde)62&
&
&
Meu&prezado&Amigo,&
&
Estou&acabando&de&copiar&o&segundo&quadro&do&terceiro&ato&da&minha&peça&“O&
Incompreendido”& para& lhe& enviar.& PeçoElhe& portanto& que& me& mande& dizer& se& se&
demora&em&Vila&do&Conde&ou&se&vae¶&Portalegre&visto&acabarem&as&ferias.&
AbraçaEo&o&seu&muito&amigo,&admirador&e&obrigado&
&
& & & & & & & & Raul&Leal&
&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
&Postal&escrito&a&tinta&preta&no&verso.&O&rosto&mostra,&na&parte&superior,&a&escrita&impressa(“Bilhete&
62
Postal”,(à&esquerda&da&qual&figura&o&brasão&nacional,&enquanto&à&direita&aparece&o&selo&de&“25&C”.&
Esta&parte&superior&é&parcialmente&coberta&pelo&carimbo&postal,&em&que&se&consegue&ler&o&número&
“30”&que,&com&toda&probabilidade,&se&refere&ao&ano&em&que&o&postal&foi&enviado.&A&parte&inferior&é&
dividida&em&duas&metades.&Na&metade&esquerda&figura,&debaixo&da&escrita&impressa&“Dêste&lado&e&
no& verso& a& correspondência”,& a& indicação& autografa& do& remetente,& escrita& a& tinta& preta:& “Remete& |&
Raul&Leal&|&R.&Das&Salgadeiras,&|&36,&3.º&D.&|&Lisboa”.&Na&metade&direita,&debaixo&da&escrita&impressa(
“Enderêço”,& o& remetente& escreveu& a& tinta& preta,& por& cima& das& linhas& pontuadas& impressas,& o&
endereço& do& destinatário& “Ilmo.& e& Exmo.& Sr.& |& José& Régio& |& Avenida& Campos& Henriques& |& Vila& do&
Conde”.& No& meio& desta& face& do& postal& aparece& também& o& carimbo& da& estação& de& correios& que& o&
recebeu,&em&que&se&lê:&“CORR.&E&TELEGR.&|&5.JAN.&|&VILA&DO&CONDE”.&Segundo&as&indicações&
presentes&nos&carimbos&o&postal&terá&sido&recebido&no&dia&5&de&janeiro&de&1930.&Na&parte&direita&do&
rosto,&ao&lado&da&indicação&manuscrita&“José&Régio”,&aparece&o&carimbo&azul&da&“CMVC&|&CASA&DE&
José&Régio”&instituição&que&catalogou&esta&peça&da&correspondência®iana.&&
&
&
Fig.%5a.%Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930];%rosto.%
&
&
Fig.%5b.%Postal%de%Raul%Leal%a%José%Régio%[janeiro%de%1930];%verso.%
&
Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca%%
(Coleção%Fernando%Távora)63&
&
&
Vila&do&Conde&
Av.&Campos&Henriques&
&
SegundaEfeira,&&
25E7E1927&
&
&
Meu&caro&António&José:&
&
Acabo& de& receber& a& Presença,& depois& duma& anciosa& espectativa...& Já& estava,&
mesmo,&a&construir&mentalmente&frases&incisivas&que&ia&escreverEte,¶&me&vingar&
da& tua& crueldade...& O& papel,& esplêndido!& E& a& disposição& também& ficou& melhor& do&
que& eu& esperava.& PeçoEte& que& não& descuides& muito& o& enviaEla,& porque& senão&
ninguem& a& receberá& ahi& em& Coimbra.& Tambem& te& lembro& que& mesmo& entre& os&
nossos& amigos& ainda& ha& quem& decerto& queira& pagar& a& segunda& série& (Hespanha,&
Alves& Machado,& o& Craveiro,& etc.)& Desculpa.& Alem& de& colaboração& do& Raul& Leal,&
recebi,& por& intermédio& do& Navarro,& colaboração& do& Mario& Saa.& O& Antonio& Botto&
escreveuEme&uma&carta&(reenviada&ahi&de&Coimbra)&com&uma&canção.&PedeEme&na&
carta&uma&colecção&da&Presença,&que&não&tenho&cá.&Espero,&pois,&de&ti&que&me&envies&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
63&Escrita&nas&páginas&de&rosto&de&duas&folhas&de&papel&de&carta,&exceto&a&parte&final&(a&partir&de&“aos&
nossos&amigos&da&Central”),&a&assinatura&e&o&Post(Scriptum,&escritos&no&verso&da&primeira&folha.&Quer&
este&verso,&quer&o&da&segunda&folha&são&ocupados&por&desenhos&do&autor:&no&primeiro,&debaixo&da&
parte&final&da&carta,&aparecem&duas&cabeças&de&jovens&e&uma&terceira&figura&inteira,&semiEdeitada,&de&
mulher,&de&menor&tamanho,&ao&lado&direito&da&qual&é&traçada&uma&flor&(pode&ser&um&bemEmeEquer&
ou& um& girassol),& cujas& dimensões& são& proporcionadas& com& as& das& cabeças;& repareEse& que& este&
desenho& parece& ter& sido& traçado& antes& da& redação& da& parte& final& da& carta,& que& é& escrita& à& volta& do&
desenho.& No& segundo,& figura& em& primeiro& plano& um& rosto& de& jovem,& parcialmente& sobreposto& à&
figura& de& uma& mulher& nua& que& corre,& como& fugindo& assustada,& ao& lado& da& qual& aparece& um&
elemento&vegetal,&uma&espécie&de&árvore.&&
É& também& presente& na& coleção& o& envelope& que& continha& a& carta.& No& rosto,& figura& o& endereço& do&
destinatário:&“Ex.mo&Senhor&|&António&José&Branquinho&|&da&Fonseca&|&Olivais&|&Coimbra”;&no&canto&
superior&direito&aparece&o&carimbo&postal:&“CORR.OS&E&TEL.&|&27.JUL.27&|&VILA&DO&CONDE”.&No&
verso,&figura&em&posição¢ral&o&selo&carimbado&(o&mesmo&carimbo&colocado&em&Vila&do&Conde)&e,&
à&direita&o&carimbo&posto&em&Coimbra:&“CORR.OS&E&TEL&|&27&JUL&27&|&COIMBRA”.&
O& acervo& guarda& uma& nota,& da& mão& de& Fernando& Távora,& em& que& se& lê:& “& Lote& 35.º& E& carta& de& José&
Régio¶&António&José&Branquinho&da&Fonseca&e&respectivo&sobrescrito;&datada&de&27&de&Julho&de&
927,&referente&a&assuntos&da&Presença&e&com&duas&páginas&desenhadas.&O&Dr.&Álvaro&Bordalo,&que&
me& vendeu& esta& carta,& garante& que& a& cabeça& da& segunda& página& desenhada& é& um& autoretrato& do&
Régio.& Comprado& em& 28/Maio/75;& <pertenceu& também& segundo>[↑& adquirida& pelo]& Dr.& Bordalo& à&
viúva&de&Branquinho&da&Fonseca”.&
a&dita&colecção&(poderás&dispensarEte&de&me&enviar&o&1.º&e&o&último&2&números,&que&
tenho&cá)&mas&que&ma&envies&com&todo&o&cuidado,&de&modo&aos&números&chegarem&
ao& seu& destino& decentemente;& As& minhas& recomendações& e& as& minhas& exigências&
anda& não& ficam& por& aqui:& PeçoEte& para& escolheres& números& bons,& e& para& mos&
mandares& o& mais& depressa& possivel.& Han...?& O& HispanoESuiza& que& me& perdôe& a&
concorrência&que&procuro&fazerElhe&na&tua&atenção.&
E&que&mais?&Esses&rapazes&por&ahi&já&fizeram&acto?&EscreveEme&um&pouco.&Vivo&
aqui,& a& respeito& de& convivência,& como& Robinson.& Com& a& agravante& de& não& ser&
favorecido& como& ele,& pela& ausência& completa& dos& meus& semelhantes& cuja&
semelhança&me&não&lisongeia.&O&que&me&vale&é&que&tenho&estado&pela&aldeia&com&o&
António.&E&o&ar&dos&pinheiros,&as&barretadas&dos&indígenas&e&a&própria&poeira&das&
estradas&vãoEme&sanificando&os&nervos&que&ahi&trazia&tão&escalavrados.&Adeus&por&
hoje.&RecomendaEme&aos&nossos&amigos&da&Central&e&da&Presença.&
Um&abraço&do&teu&
& & & & & & & José&Maria&
&
P.S.& Recebeste& o& meu& vale?& DemoreiEme& dois& dias& no& Porto,& por& isso& to& não&
mandei&logo.&Desculpa,&e&obrigadíssimo.&
& & & & & & & J.&M.&
&
&
Fig.%6a.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
rosto%da%primeira%folha.%
&
&
&
&
&
&
&
&
Fig.%6b.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
verso%da%primeira%folha.%
&
&
Fig.%6c.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
rosto%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%6d.%Carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%%
verso%da%segunda%folha.%
&
&
Fig.%6e.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%rosto.%
&
&
Fig.%6f.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%António%José%Branquinho%da%Fonseca;%verso.%
&
Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira%%
(Coleção%Fernando%Távora)64&
&
&
Portalegre& & & & & & & & & & 22E11E935&
Pensão&21&–&Boavista&
&
Senhor&administrador&da&presença&e&prezado&amigo:&
&
Aqui&lhe&envio&três&nomes&de&novos&65assinantes&da&presença:&
&
Dr.&Domingues&Gusmão&Araújo&
Hotel&Portugal&
Viseu&
&
Dr.&Augusto&Saraiva&
Hotel&Avenida&
Viseu&
&
Dr.&Manuel&da&Cunha&Reis&
Largo&do&Dr.&Cunha&Reis&
Vila&do&Conde&
&
PediaElhe& o& favor& de& enviar& a& êstes& novos& assinantes& o& último& número& da&
presença,&–&o&mais&depressa&possível.&Poderá&avisarEme,&numa&palavra,&da&recepção&
desta&carta?&
Sem&outro&assunto,&
amigo&e&agradecido,&
&
& & & & & & & & José&Régio&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
64&Carta&escrita&a&tinta&preta&no&rosto&de&uma&folha&de&papel&pautado&amarelado.&O&verso&da&folha&
apresenta,& no& canto& superior& direito,& a& marca& de& um& colchete.& Na& coleção& encontraEse& também& o&
envelope&que&continha&a&carta:&o&rosto&do&envelope&apresenta,&no&canto&superior&esquerdo,&a&mesma&
marca&de&um&colchete&que&se&observa&no&verso&da&folha&em&que&foi&escrita&a&carta;&além&disso,&figura&
o&endereço&do&destinatário:(“Ex.mo&Senhor&|&Joaquim&Moreira&|&Largo&da&Maternidade&Júlio&Diniz&|&
70&|&Porto”.&O&verso&do&envelope&mostra,&na&parte&superior,&o&endereço&do&remetente:&“José&Régio&|&
Pensão& 21& –& Portalegre”;& na& parte& inferior& figura,& em& sentido& inverso,& o& carimbo& postal,& repetido&
duas&vezes:&“PORTOECENTRAL&|&23.11.25&1E9&M&|&2.ª&SECÇÃO”.(
65&Antes&de&“assinantes”&aparece&riscado&“cola”,&provável&início&de&“colaboradores”,&por&lapso.(
%
Fig.%7a.%Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%rosto.%
&
%
Fig.%7b.%Carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%verso.%
&
%
Fig.%7c.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%rosto.%
%
%
Fig.%7d.%Envelope%da%carta%de%José%Régio%a%Joaquim%Moreira;%verso.%
Bibliografia%
&
ALMEIDA,& António& (2015).& “‘Brandindo& o& cutelo& da& Maldição’.& Em& torno& do& manifesto& O& Bando&
Sinistro&de&Raul&Leal”,&in&Pessoa(Plural(–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&8,&Outono,&
pp.&564E601.&
BARRETO,& José& (2012).& “Fernando& Pessoa& e& Raul& Leal& contra& a& campanha& moralizadora& dos&
estudantes& em& 1923”,& in& Pessoa( Plural& –( A( Journal( of( Fernando( Pessoa( Studies,& n.º& 2,& Outono,&
pp.&240E270.&
LEAL,& Raul&(1918).&“A&retirada&de&HomemEChristo,&Filho”,&in&O(Liberal.&Folha&Imparcial&da&Manhã&
(dir.&Carneiro&de&Moura),&Ano&II&(XII),&395&(3.544),&Lisboa,&17&de&maio,&pp.&1E2.&
LEAL,& Raul,& PESSOA,& Fernando,& MAIA,& Álvaro& et& al.& (1989).& Sodoma( divinizada:( uma( polémica( iniciada(
por(Fernando(Pessoa(a(propósito(de(António(Botto,(e(também(por(ele(terminada,(com(ajuda(de(Álvaro(
Maia( e( Pedro( Teotónio( Pereira( (da( Liga( de( Acção( dos( Estudantes( de( Lisboa).& Organização,&
introdução&e&cronologia&de&Aníbal&Fernandes.&Lisboa:&Hiena&Editora,&Colecção&Memória&do&
Abismo,&23.&8°.&
LOPO,&Rui&(2013a).&“Raul&Leal&e&Fernando&Pessoa,&um&sublimado&furor&diabolicamente&divino”,&in&
Pessoa(Plural–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&3,&Primavera,&pp.&1E27.&
LOPO,&Rui&(2013b).&“Inéditos&de&Raul&Leal”,&in&Pessoa(Plural–(A(Journal(of(Fernando(Pessoa(Studies,&n.º&
3,&Primavera,&pp.&56E90.&
NOVAIS,& Isabel& Cadete& (2002).& “Para& uma& bibliografia& activa:& colaboração& dispersa& em& jornais,&
revistas&e&publicações”,&in&José(Régio.(Itinerário(fotobiográfico,&Coleção&Presenças&da&Imagem,&
Lisboa:& Imprensa& NacionalECasa& da& Moeda/Vila& do& Conde:& Câmara& Municipal& de& Vila& do&
Conde,&2002,&pp.&319E356.&
PESSOA,&Fernando&(1998).&Cartas(entre(Fernando(Pessoa(e(os(diretores(da(presença.&Edição&e&estudo&de&
Enrico& Martines,& coleção& Estudos,& volume& 2,& Equipa& Pessoa,& Grupo& de& Trabalho& para& o&
Estudo& do& Espólio& e& Edição& Crítica& da& Obra& Completa& de& Fernando& Pessoa,& Lisboa:&
Imprensa&NacionalECasa&da&Moeda.&
PESSOA,&Fernando&(2011).&Argumentos(para(filmes.&Edição,&introdução&e&tradução&de&Patricio&Ferrari&e&
Claudia&J.&Fischer.&Posfácio&de&Fernando&Guerreiro.&Lisboa:&Ática.&
SÁECARNEIRO& Mário& de& (2015).& Em( Ouro( e( Alma( —( Correspondência( com( Fernando( Pessoa.& Edição& de&
Ricardo&Vasconcelos&e&Jerónimo&Pizarro.&Lisboa:&TintaEdaEchina.&&
SILVA,&Manuela&Parreira&da&(2015).&“Raul&Leal,&o&filósofo&‘futurista’&de&Orpheu”,&in&Estranhar(Pessoa,&
n.º&2,&Outono,&pp.&110E119.&
SIMÕES,& João& Gaspar& (1977).& José( Régio( e( a( história( do( movimento( da( “Presença”:( autobiografia.& Porto:&
Brasília.&
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*( Universidade( Nova( de( Lisboa,( Centre( for( English,( Translation( and( AngloLPortuguese( Studies(
(CETAPS).(
Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
Glória"ao"Génio"que"no"Nosso"Ser"Quer"arrebatar"o"Mundo"
para"a"Vertigem"de"Deus!..."
Raul(Leal,(“Fernando(Pessoa,(precursor(do((
Quinto(Império(–(Na(glória(de(Deus”(
"
Aos"artistas"compete"sobretudo"criar"um"ambiente"em"que"se"
sinta" imediatamente" Deus" em" toda" a" sua" bestialidade"
formidavelmente"luxuriosa.""
Raul(Leal,(Sodoma"divinisada(
"
A"Loucura"e"a"Luxúria"são"a"essência"de"Deus."
Raul(Leal,(“A(visão(de(dois(artistas((
e(a(luxuriosa(loucura(de(Deus”"
(
Homem(de(múltiplos(talentos(e(arrebatadas(paixões,(dotado(de(um(temperamento(
impetuoso( na( defesa( das( suas( convicções,( Raul( Leal( assumiu( um( papel( de( relevo(
no( panorama( do( modernismo( português,( que( começa( de( forma( paulatina( a( ser(
reconhecido(pela(crítica,(à(medida(que(os(inéditos(vão(finalmente(sendo(revelados.(
Essencialmente( conotado( com( a( militância( literária( e( com( a( especulação(
filosófica,( Raul( Leal( mostrarLseLia,( no( entanto,( sempre( atento( à( profusão( de(
movimentos(artísticos(em(vertiginosa(sucessão(ao(longo(do(século(XX.((
Sintomaticamente,(a(sua(estreia(nas(letras(deuLse(pela(via(da(crítica(musical(
com( a( publicação( do( opúsculo( A" “Apassionáta”" de" Beethoven" e" Viâna" da" Móta,( de(
1909,( no( qual( depreciava( a( interpretação( do( aclamado( pianista,( no( TeatroLCirco(
Príncipe(Real(de(Coimbra,(a(7(de(junho(desse(ano.(O(estudo(de(crítica(psicológica(
originou( uma( polémica( com( o( musicólogo( António( Arroyo( na( sequência( de( um(
comentário(deste(na(revista(A"Arte"Musical,(rebatido(por(Raul(Leal(numa(sucessão(
de( artigos( nos( quais( dava( mostras( da( sua( erudição( e( cultura( musical.( Nestes,( o(
autor( colocava( a( espontaneidade( acima( da( técnica,( o( virtuosismo( acima( da( mera(
submissão( a( regras( da( ciência( musical.( Esta( demonstração( de( competência(
proporcionouLlhe( o( convite( por( parte( do( diretor( Michel’Angelo( Lambertini( para(
colaboração(na(revista,(onde(publicaria(alguns(artigos(sobre(Massenet(e(Schumann(
(1910L12).((
Durante(este(intervalo(de(tempo,(ocuparia,(num(primeiro(momento,(o(cargo(
de(subdelegado(do(procurador(régio(na(6ª(vara(da(comarca(de(Lisboa(para(depois(
se(estabelecer(como(advogado(com(escritório(ao(Cais(de(Sodré.(Todavia,(o(exercício(
das( leis( viria( a( revelarLse( incompatível( com( o( anseio( de( especulação( filosófica( e(
cultivo(das(letras(que(então(o(animavam.(Deste(modo,(com(a(parte(da(herança(que(
lhe(coube(por(morte(do(pai(em(janeiro(de(1912,(abandonou(a(quase(certeza(de(uma(
apagada(carreira(na(advocacia(em(prol(da(luta(pelo(Ideal,(que(abraçou(a(partir(daí(
como( se( de( uma( verdadeira( missão( se( tratasse.( Nesse( sentido,( publicaria( uma(
primeira( obra( de( cunho( filosófico,( A" Liberdade" Transcendente( (1913),( tiragem( em(
separata(da(introdução(com(mais(de(uma(centena(de(páginas(à(obra(A"Hipnologia"
Transcendental(de(João(Antunes.(
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 135
Almeida A Visão Luxuriosa de Raul Leal
Com(efeito,(era(grande(o(seu(anseio(de(contactar(de(perto(com(as(tendências(
vanguardistas(da(arte(europeia,(ao(ponto(de(concretizar(uma(excêntrica(viagem(a(
Paris( no( outono( de( 1913( para( assistir( à( première" do( Parsifal( de( Wagner( no( Palais(
Garnier,( prevista( para( 4( de( janeiro( de( 1914,( tendo( coincidido,( entre( outros,( com(
Mário(de(SáLCarneiro,(SantaLRita(Pintor,(José(Pacheko(e(HomemLChristo(Filho,(na(
capital(francesa.(Nesta,(hospedouLse(nos(hotéis(mais(luxuosos(e(foi(cliente(das(lojas(
mais( exclusivas,( tendoLse( rodeado( do( maior( requinte( e( extravagância( durante(
alguns(meses,(acabando(por(se(ver(sem(fundos.(São(estas(circunstâncias(que(ditam(
o(regresso(ao(nosso(país(antes(do(Natal,(para(logo(de(seguida(voltar(a(Paris(para(
cumprir(o(seu(objetivo(inicial,(conforme(relata(em(“L’Homme(aux(Favoris(Noirs”(
(LEAL,(1948:(1L2).(
Em(maio(de(1915,(ainda(na(ressaca(do(escândalo(provocado(por(Orpheu"1(e(
na( sequência( da( deposição( de( Pimenta( de( Castro,( Raul( Leal( preparou( em( sigilo,(
com( a( colaboração( de( SantaLRita( Pintor,( a( saída( do( manifesto( antirrepublicano( O"
Bando" Sinistro" –" Apelo" aos" Intelectuais" Portugueses,( que,( por( uma( tremenda(
coincidência( com( o( acidente( sofrido( num( elétrico( pelo( chefe( do( governo( eleito,(
Afonso(Costa,(teria(repercussões(não(apenas(para(o(seu(autor,(mas(igualmente(para(
os( colaboradores( da( revista,( tendo,( em( larga( medida,( contribuído( para( o( fim( da(
mesma.1( Assim,( na( sequência( da( reação( desencadeada( pela( distribuição( em( julho(
de( 1915( do( manifesto( e( do( envio( de( uma( carta( dirigida( pelo( engenheiro(
sensacionista( Álvaro( de( Campos( ao( vespertino( A" Capital( que( enfureceu( os(
partidários(de(Afonso(Costa,(os(restantes(órficos(manifestariam(a(sua(discordância(
pública( relativamente( a( ambas( as( tomadas( de( posição.( Alguns( dos( colaboradores(
desligarLseLiam( da( revista,( Mário( de( SáLCarneiro( retornaria( de( surpresa( a( Paris(
mesmo(sem(o(conhecimento(do(pai,(e(Raul(Leal(rumaria(a(um(exílio(voluntário(em(
Espanha( em( dezembro( do( mesmo( ano,( logo( após( a( tomada( de( posse( do( segundo(
governo(de(Afonso(Costa,(no(dia(30(de(novembro2.(
Este( exílio( autoimposto,( ditado( não( apenas( pelo( receio( de( represálias,( mas(
também( pela( escassez( de( oportunidades( postas( à( disposição( de( um( opositor( do(
regime,( colocou( o( autor( de( A" Liberdade" Transcendente( perante( gravíssimas(
dificuldades( financeiras( que( as( espaçadas( remessas( de( dinheiro( enviadas( pelos(
advogados( encarregues( de( gerir( a( herança( paterna( apenas( cobriam( parcialmente.(
Isto(mesmo(se(depreende(da(correspondência(trocada(com(Mário(de(SáLCarneiro(e(
Fernando(Pessoa(presente(no(espólio(deste(último(e(revelada(por(Mário(Cesariny(
de(Vasconcelos(em(O"Virgem"Negra.(
Por( consequência,( o( regresso( a( Portugal( decorreu( do( repatriamento( a(
expensas(do(Consulado(português(em(meados(de(1917,(ainda(a(tempo(de(colaborar(
no( número( único( de( Portugal" Futurista,( saído( em( novembro( desse( ano( e(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1( VejaLse( a( apresentação( do( manuscrito( de( O" Bando" Sinistro,( também( pertencente( à( Coleção(
Fernando(Távora,(neste(mesmo(número(da(Pessoa"Plural((ALMEIDA,(2017).(
2(Para(uma(visão(mais(detalhada(sobre(esta(polémica,(ver(JÚDICE((1986)(e(ALMEIDA((2015).(
prontamente( apreendido( pelas( autoridades.( Leal( participa( nessa( revista( com( um(
texto( sobre( SantaLRita( Pintor:( “L’Abstractionisme( Futuriste( –( Divagation(
Outrephilosophique( –( Vertige( à( propos( de( l’oeuvre( géniale( de( SantaLRita( Pintor,(
‘Abstraction( Congénitale( Intuitive( (MatièreLForce)’,( la( suprème( réalisation( du(
Futurisme”.( TrataLse( do( primeiro( texto( lealino( sobre( artes( plásticas.( Não( apenas(
fruto( da( educação( esmerada( que( recebeu,( mas( também( de( um( caminho( de(
descoberta( que( o( levou( a( contactar( com( o( fenómeno( artístico( em( Portugal( e( no(
estrangeiro,(nomeadamente(em(França(e(Espanha,(produziria(ao(longo(da(sua(vida(
artigos(sobre(SantaLRita(Pintor,(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy,(Mário(Cesariny(de(
Vasconcelos,(Pablo(Picasso(e(Artur(Bual.(
Também( ao( nível( da( conferência,( que( Fernando( Pessoa( encarava( como( um(
abastardamento(por(considerar(que(um(escritor(nunca(devia(chegar(ao(ponto(de(se(
manifestar( como( homem( de( opiniões,( Raul( Leal( foi( um( dos( mais( destacados.(
Assim,(pretendeu(dar(mais(um(contributo(para(a(revolução(do(panorama(artístico(
português( encetada( pelos( órficos,( ao( assumirLse( como( um( dos( responsáveis( por(
“uma(longa(série(de(conferencias(de(afirmação,(sendo(as(primeiras(as(seguintes:(A"
Torre"Eiffel"e"o"Genio"do"Futurismo,(por(SantaLRita(Pintor;( A"Arte"e"a"Heraldica,(pelo(
pintor(Manuel(Jardim;(Teatro"Futurista"no"Espaço,(pelo(Dr.(Raul(Leal;(As"Esfinges"e"os"
Guindastes:" estudo" do" biYmetalismo" psicologico,( por( Mário( de( SáLCarneiro”( (AA.VV.,(
2015:( s.p.),( anunciadas( no( n.º( 2( de( Orpheu( para( a( rentrée,( ou( seja,( para( setembro(
desse(ano.(
Na(conferência(em(preparação,(que(não(logrou(realizarLse,(iria(ser(dada,(em(
primeira( mão,( uma( panorâmica( da( teoria( do( “Teatro( dos( Espaços( (Astralédia),(
fusão( psicodinâmica( de( todas( as( artes( em( abstracto”( (LEAL:( 1977,( 9),( daí( o( seu(
interesse(para(o(assunto(vertente.(
Sem(se(ser(exaustivo,(digaLse(que,(após(o(seu(retorno,(Raul(Leal(assumiu(um(
papel( fundamental( em( diversas( manifestações( direta( ou( indiretamente(
relacionadas( com( artes( plásticas,( como( a( reunião( dos( artistas( nacionalistas( na(
Cervejaria( Jansen( (1918),( o( comício( intelectual( do( Chiado( Terrasse,( no( qual(
pronunciou( a( conferência( “A( Derrocada( da( Técnica”,( no( âmbito( da( questão( entre(
os(Novos(e(os(Velhos(na(S.N.B.A.((Sociedade(Nacional(de(Belas(Artes)((1921L22),(o(I"
Salão"dos"Independentes((1930)(ou(as(reuniões(do(J.U.B.A.((Jardim(Universitário(das(
Belas( Artes)( na( Casa( do( Alentejo,( dinamizadas( pelo( pintor( Guilherme( Filipe( nas(
décadas(de(40(e(50.(
Fiel(a(uma(linha(de(pensamento(original,(mostraria(essa(faceta(interventiva(
no( panorama( político( e( cultural( português( ao( longo( da( sua( vida.( É( exatamente(
baseado(nesse(pressuposto(que(viria(a(produzir(mais(um(manifesto,(A"Visão"de"Dois"
Artistas(e"a"Luxuriosa"Loucura"de"Deus,(a(pretexto(da(exposição(de(pintura(de(Alberto(
Cardoso(e(Mário(Eloy(no(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”,(realizada(em(março(de(
1924.(
(
Os"dois"expositores:"Alberto"Cardoso"e"Mário"Eloy"
(
Vamos(então(passar(a(apresentar(os(dois(expositores.(
Em( primeiro( lugar,( a( escassez( de( informações( disponíveis( sobre( Alberto(
Cardoso( e( a( sua( obra( é,( à( partida,( reveladora( da( diminuta( atenção( crítica( e(
importância(do(seu(legado(no(panorama(artístico(nacional.(
Nas( palavras( de( JoséLAugusto( França,( “Alberto( Cardoso( (1881L1942)(
conheceu(destino(desamparado(e(medíocre”((FRANÇA,(1991:(26),(pertencendo(a(um(
conjunto( de( jovens( artistas( plásticos( instalados( no( início( do( século( passado( em(
Paris,( capital( do( mundo( artístico,( em( busca( duma( paleta( própria.( À( revelia( da(
rigidez( académica( e( das( bolsas( de( estudo( fornecidas( pela( Sociedade( Nacional( de(
BelasLArtes,( estes( procuram( trilhar( o( seu( caminho( individual( com( o( intuito( de(
superar(o(naturalismo(vigente,(elegendo(para(tal(as(Academias(Livres(espalhadas(
pela(cidade.(
À( Cité( Falguière,( casario( degradado( próximo( do( Montparnasse,( onde( se(
podia(arrendar(quartos(económicos(“a(trinta(francos(ao(mês”((MACEDO,(1930:(25(e"
passim),( confluíam( não( apenas( jovens( artistas( portugueses,( mas( também(
estrangeiros,( de( que( se( realçam( nomes( como( os( de( Soutine,( Foujita( e( Modigliani,(
numa( tentativa( de( absorver( tudo( o( que( de( mais( moderno( se( fazia( na( capital(
francesa( em( termos( pictóricos.( Nesta,( Alberto( Cardoso( acamaradou,( entre( outros,(
com(Eduardo(Viana,(Emmérico(Nunes,(Manuel(Bentes,(José(de(Bragança,(Francisco(
Smith,( Manuel( Bentes,( Armando( de( Basto,( Carlos( Franco,( José( Pacheko,( Amadeu(
de(SouzaLCardoso,(Manuel(Jardim(e(Diogo(de(Macedo.(
Este( último( recorda( o( pintor( em( Cité" Falguière," 14( como( alguém( “que( fazia(
caricaturas(e(tocava(guitarra”((MACEDO,(1930:(34),(não(o(destacando(particularmente(
pelo(seu(talento(ou(originalidade.(
De( 19( de( março( a( 17( de( abril( de( 1911,( sete( destes( pintores( e( caricaturistas(
residentes( em( Paris,( nomeadamente,( Francisco( Smith,( Francisco( Álvares( Cabral,(
Domingos( Rebelo,( Emmérico( Nunes,( Alberto( Cardoso,( Robert( Colin( e( Manoel(
Bentes,( pretendiam( darLse( a( conhecer( no( panorama( artístico( nacional.( Para( tal,(
decidiram(expor(no(Salão(Bobone,(em(Lisboa,(no(que(se(convencionou(denominar(
de( “Exposição( Livre”,( não( apenas( por( não( enfileirarem( em( qualquer( corrente(
artística,(mas(também(pelo(facto(de(alguns(dos(mesmos(terem(frequentado(as(atrás(
referidas(Academias(Livres.(
Em( comum( a( estes( expositores( de( 1911,( Raquel( Henriques( da( Silva,( em(
”Sinais(de(ruptura:(‘livres’(e(humoristas”,(ressalta(a(“[...](vida(acidentada(marcada(
por(carências(materiais(e(incapacidade(de(organização(social,(a(ameaça(precoce(da(
doença,( a( morte( em( plena( maturidade( e,( como( resultado,( a( escassa( visibilidade(
pública”((SILVA,(1995:(384).(
Como(contributo(para(esta(exposição(de(1911,(Alberto(Cardoso(enviaria(de(
Paris(oito(obras((cinco(óleos(e(três(pochades),(com(alguns(traços(modernizantes,(mas(
exterior,( aspeto( que( não( constituía( propriamente( uma( novidade( face( ao( seu(
trabalho(anterior,(no(que(tocava(à(pintura(de(Mário(Eloy,(esta(era(encarada(como(
sendo(uma(transposição(da(alma(para(as(suas(telas,(materialização(não(apenas(do(
interior( convulsionado( do( artista,( mas( também( da( psique( dos( retratados:( “O( seu(
pincel(presenta(e(exterioriza(a(psicologia.(É(um(pintor(de(almas”((MATOS(SEQUEIRA,(
1924:(1).((
No(mesmo(sentido,(na(aludida(palestra(proferida(no(vernissage"da(exposição,(
Assis( Esperança( afirma( que( aquilo( que( o( pintor( de( Varinas" executa( é( “retrato( de(
interpretação”,( desenvolvendo( a( sua( ideia:( “É( que( o( artista( desceu( às(
profundidades(da(vida(dos(modelos,(trazendo(para(a(tela(o(que(soube(ver,(todos(os(
segredos(que(surpreendeu…”((CATÁLOGO"DA"EXPOSIÇÃO,(1924:(2).(
(
A"exposição"de"pintura"no"Salão"da"“Ilustração"Portugueza”"(1924)"
(
Com(o(poder(da(agremiação(da(Barata(Salgueiro(ainda(nas(mãos(dos(naturalistas,(
após( o( golpe( falhado( com( vista( à( tomada( da( Direção( da( Sociedade( Nacional( de(
BelasLArtes( por( parte( de( José( Pacheko( e( dos( seus( companheiros,( na( denominada(
Questão( dos( Velhos( e( dos( Novos( da( S.N.B.A.( (1921L1922),( as( manifestações(
artísticas( das( tendências( modernistas( estavam( essencialmente( cingidas( a( dois(
espaços( preferenciais( no( Chiado,( coração( da( vida( intelectual( lisboeta:( o( Salão(
Bobone(e(o(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”.(
Neste(último,(particularmente(ativo(na(década(de(20(do(século(passado,(as(
exposições( de( arte,( dirigidas( a( um( público( informado( e( exigente,( desfrutavam( da(
cobertura( e( publicidade( dada( aos( eventos( pelo( jornal( O" Século( e( pela( sua( revista(
mundana(dos(sábados,(a(Ilustração"Portugueza,(que(emprestava(o(nome(ao(espaço.(
Essencialmente(sob(a(direção(de(António(Ferro((1921L1922),(esta(revista(colocou(em(
plano( de( destaque( modernistas( portugueses( como( António( Soares,( Almada(
Negreiros,( Jorge( Barradas,( Stuart( Carvalhais( ou( Bernardo( Marques,( por( exemplo,(
incumbindoLos(da(composição(das(capas.(
A(exposição(de(pintura(de(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy(realizada(no(Salão(
da( Ilustração" Portugueza( do( jornal( O" Século( foi( inaugurada( no( dia( do( vigésimo(
quarto( aniversário( deste( último( (15( de( março),( com( um( vernissage" reservado( à(
imprensa(e(convidados((Figs.(4,(5(e(6).(A(abertura(ao(público(apenas(se(daria(no(dia(
seguinte,(prolongandoLse(até(ao(dia(31(de(março,(com(relativo(sucesso.(
No( vernissage" foi( proferida( uma( palestra( sobre( arte( em( geral( e( sobre( estes(
dois( artistas( em( particular,( por( António( Assis( Esperança,( um( dos( retratados( por(
Mário(Eloy((Fig.(2),(companheiro(de(anarquistas(do(jornal(A"Batalha,"como(Ferreira(
de(Castro,(Julião(Quintinha,(Jaime(Brasil(ou(Roberto(Nobre,(que(viria(mais(tarde(a(
enfileirar(no(neoLrealismo,(colaborando(em(publicações(como(a(Seara"Nova,(O"Diabo(
ou( Vértice.( O( catálogo( da( exposição( apresenta( como( prefácio( uma( seleção( de(
excertos(dessa(palestra.(
· EXPOSIÇÃO .
DE PINTURA
DE
ALBERTO CARDOSO
E
MARIO ELOY
Salão da ILUSTRAÇÃO
PORTUGUESA
•
16 a 3 t de Março de 1924
(
Fig."1."Catálogo"da"Exposição."
(
(( (
Figs."2"e"3."Retratos"de"Assis"Esperança"e"Raul"Leal""
(Museu"do"Chiado"e"Contraponto)."
Arte e
Artistas
(
Fig."4."Artigo"da"Ilustração.Portuguesa."
(
Do( extenso( rol( de( presentes( na( assistência( fornecido( pelo( jornal( O" Século,"
para(além(de(alguns(dos(retratados(como(os(poetas(Gil(Vaz(e(Herculano(Levy(ou(
os( atores( Matos( Reis( e( Ribeiro( Lopes,( destacamLse( personalidades( da( cena(
intelectual" e( artística( portuguesa( como( Eduardo( Viana,( Valério( de( Rajanto,(
Augusto(Pina,(José(Tagarro,(Teixeira(de(Pascoaes,(António(Soares,(Gil(Vaz,(Ferreira(
de( Castro,( isto( a( somar( a( jornalistas( como( Bourbon( de( Meneses,( António( Alves(
Martins(e(Matos(Sequeira((O"SÉCULO,(1924g:(2).(
A(garantir(ainda(mais(visibilidade(ao(evento,(no(dia(da(saída(deste(artigo,(o(
próprio( Presidente( da( República,( Manuel( Teixeira( Gomes,( visitou( a( exposição,(
acompanhado( do( oficial( da( Marinha,( Florentino( Martins,( do( Diretor( da( Ilustração"
Portugueza,( Tito( Martins,( do( secretário( da( administração( d’O" Século,( Mário( do(
Rosário,( e( dos( dois( expositores,( facto( que( mereceu( honras( de( primeira( página( no(
dia(18(de(março.(
Por( fim,( no( dia( 22( de( março,( o( redator( d’O" Século" inclui( nova( lista( de(
personalidades( que( dignaram( a( exposição( com( a( sua( visita,( como( Emmérico( H.(
Nunes,(José(Dias(Sancho(ou(Mário(Domingues((O"SÉCULO,(1924j:(2).(
Vida artistica
'Exposição de pin tu ra n o Salã o
da «/lus tr 11çã o Po rt ugueza. ~
No Sa lão da llu stração Pot·tugueza In a u-
g u ra-se h oje a expos l~áo de p inlul'a dos
a r tistas s t·s, !llarl o Wol e .Alberto t.:ard oso ,
• J!IDA ART/S1/CA
fl exposição de pinfura no Salão da <1 :Jluslra;ão
j?orf ugue~a »
As( telas( exibidas( por( este( artista( não( apresentavam( uma( rutura( a( nível(
estético,( sendo( ainda( evidente( nas( mesmas( a( influência( exercida( pelos( mestres(
espanhóis( e( pelos( naturalistas( portugueses,( embora( desde( logo( com( uma( nota(
original,(um(assomo(de(cor,(ausente(das(obras(dos(anteriores:((
(
Por(esta(altura(os(olhos(de(Mário(Eloy(vêem(o(passado(pictórico(português,(detendoLse(na(
“maneira”(primitiva(de(Columbano.(Assim,(um(acentuado(naturalismo(envolve(os(retratos(
empenhados( na( penetração( psicológica( e( presididos( pela( austeridade( na( escolha( da( cor,(
concentrada( em( negros,( castanhos( e( tons( sombrios( que( o( aproximam( da( “tradição(
espanhola”.( Contudo,( nenhum( deles( estará( isento( do( seu( contraponto( cromático,( situado(
quer(na(própria(figura((…)(quer(num(lugar(exterior(a(ela.((
(ÁVILA,(1996:(62)(
(
Todavia,( o( êxito( relativo( desta( primeira( exposição( de( Mário( Eloy( operou( uma(
viragem( na( sua( vida,( com( a( aposta( definitiva( na( pintura( em( detrimento( da(
representação,(aparentemente(por(incentivo(da(própria(Amélia(Rey(Colaço.(
Na( sequência( desta( exposição( de( 1924,( Mário( Eloy( e( Alberto( Cardoso(
permaneceriam(em(Portugal(até(ao(ano(seguinte,(altura(em(que(participaram(no(I"
Salão"de"Outono(e(em(que,(acompanhados(por(Eduardo(Viana,(partiram(para(Paris,(
instalandoLse(nos(ateliês(da(Cité(Falguière.((
Conforme(vaticinado(pelos(críticos(à(primeira(exposição(de(Eloy,(a(carreira(
do( pintor( rapidamente( ganharia( ímpeto,( dando( passos( de( gigante( para( a(
internacionalização,(com(uma(rápida(sucessão(de(exposições(realizadas(no(ano(de(
1927(nas(galerias(“Au(Sacre(du(Printemps”((coletiva)(e(“Chez(Fast”((individual)(em(
Paris,(e(“A.(E.(Utsch”((individual)(em(Berlim,(antes(do(retorno(a(Portugal(no(ano(
seguinte(para(expor(pela(primeira(vez(individualmente(na(“Casa(da(Imprensa”,(a(
instâncias( de( António( Ferro.( Em( 1929,( o( pintor( tornaria( a( Berlim( para( expor( na(
“Galeria(Flechtheim”((coletiva)(e,(finalmente,(exporia(no(nosso(país,(no(marcante(I"
Salão"dos"Independentes((1930)(na(Sociedade(Nacional(de(BelasLArtes,(numa(fase(de(
plena(afirmação(do(modernismo(português.(
Por(seu(turno,(de(forma(quase(anónima,(Alberto(Cardoso(permaneceria(na(
capital(francesa(até(1939,(vindo(a(falecer(em(Portugal(três(anos(depois.(
"
O"manifesto"paracletiano"“A"visão"de"dois"artistas"e"a"luxuriosa"loucura"de"Deus”"
(
O( manuscrito( de( vinte( e( oito( páginas( que( agora( se( apresenta( pertence( à( Coleção(
Fernando( Távora,( que( terá( adquirido( o( espólio( de( Raul( Leal3( após( uma( iniciativa(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3( No( metaLarquivo( elaborado( por( Fernando( Távora( com( o( intuito( de( organizar( a( sua( Coleção,(
existem(duas(indicações(anexas(a(dar(conta(das(entradas(dos(documentos(do(espólio(de(Raul(Leal.(
A(primeira(delas(assinala:(“20.º(Lote(–(conjunto(de(cartas,(artigos,(esboços,(etc.,(etc.(que(pertenceram(
a(Raul(Leal((Henoch),(comprado(em(23/1/73(a(M[anu]el(Ferreira,(Porto,(por(esc.(40.000$00.(TrataLse(
de(um(lote(que(eu(vira(em(Lx.ª(em(9/1/73(na(Livraria(Moreira(&(Almeida((por(esc.(25.000$00)(mas(
q[ue](não(comprei(quer(porque(não(tinha(dinheiro((e(não(tinha(àLvontade(para(ficar(a(dever(embora(
gorada( por( parte( de( amigos( e( admiradores( do( filósofo( para( que( a( Fundação(
Calouste(Gulbenkian(o(recebesse((GOMES,(2000:(267).(
Pese(embora(o(facto(de(ter(sido(rasgado(o(título(no(topo(da(primeira(página(
(Fig.( 8),( se( cotejarmos( este( texto( com( um( dos( inéditos( em( francês( que( se(
encontravam( entre( os( papéis( de( Fernando( Pessoa( na( posse( da( família,( e( com( um(
dos( lotes( do( leilão( portuense( da( Biblioteca( de( Alberto( de( Serpa4,( tornaLse( claro(
estarmos( perante( o( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas( e( a( luxuriosa( loucura( de(
Deus”,( que( ostenta( como( subtítulo( “Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma(
exposição(de(pintura”((Fig.(7).(
O(manuscrito(lealino(na(posse(da(família(de(Fernando(Pessoa(fazia(parte(de(
um( conjunto( mais( alargado( de( pessoana,( incluindo( livros( e( revistas,( fotografias( e(
outros( objetos( pessoais( pertencentes( ao( criador( dos( heterónimos,( vendidos( em(
leilão(pela(P4(Live(Auctions5(e(parcialmente(adquiridos(pelo(Estado(em(2008.(Este(
texto,( cuja( parte( inicial( Rui( Lopo( apresentou( no( n.º( 3( de( Pessoa" Plural6,( é( uma(
tradução(posterior(do(manifesto(para(francês.(TratarLseLia,(eventualmente,(de(uma(
tentativa( de( dar( a( conhecer( o( manifesto( a( um( intelectual( francófono( como( F.( T.(
Marinetti(ou(Aleister(Crowley,(ou(faria(parte(de(uma(estratégia(de(internacionalização(
dos( seus( escritos,( a( exemplo( do( que( intentou( com( o( seu( primeiro( livro( de( poesia(
Antéchrist"et"la"Gloire"du"Saint"Esprit((1920)(ou(os(poemas(Messe"Noire(e(Psaumes"da(
série(“Le(Dernier(Testament”,(de(que(saíram(excertos(na(revista(Presença(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
pagasse( mais( tarde,( claro)( quer( porque( receei( o( seu( conteúdo( dado( que( o( lote( estava( por( abrir.( O(
M[anu]el(Ferreira(soube,(comprou…(e(fez(bom(negócio.(Enfim,(comércio”((VIZCAÍNO,(2017:(37).(A(
segunda(indicação(afirma:(“25.º(Lote(–(pasta(contendo(manuscritos(de(R.(Leal(e(alguns(impressos;(
tem(o(original(d“O(sindicalismo(personalista”,(d“A(visão(de(dois(artistas(e(a(luxuriosa(loucura(de(
Deus”,( rascunhos( de( cartas,( etc.( e( ainda( o( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas…”.( Comprado( em(
29/Out[ubro]/73( à( Livraria( Moreira( &( Almeida.( L.da,( Lisboa( (R.( Anchieta)( por( esc.( 5.000$00.( Quem(
me( indicou( este( lote( foi( o( Diogo( Campo( Belo,( que,( aliás,( já( me( indicara( o( outro.( (lote( 20.º).( Este(
compreiLo(directamente.(Pertenceu,(segundo(fui(informado,(ao(“boxeur”(que(viveu(com(R.(Leal(até(
à(morte(deste”((VIZCAÍNO,(2017:(41).(
4( O( lote( 645( do( Catálogo" da" Biblioteca" do" Poeta" Alberto" de" Serpa" constituída" essencialmente" por" livros" do"
século"XX,"com"representação"de"todos"os"escritores"modernistas,"raras"revistas"literárias,"exemplares"únicos,"
etc." é( apresentado( da( seguinte( forma:( “LEAL( (Raul)( A( VISÃO( DE( DOIS( ARTISTAS( E( A( LUXURIOSA(
LOUCURA( DE( DEUS.( Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma( exposição( de( pintura.( (Imprensa(
Lucas( &( Cª.( Sem( data).( Folha( medindo( 56( x( 41( cm”( (CATÁLOGO" ALBERTO" DE" SERPA:( 1988,( 87).( No(
espólio(do(arquiteto(Fernando(Távora(encontramos(também(esta(folha(volante(composta(e(impressa(
na( tipografia( de( Manuel( Lucas( Torres,( à( Rua( Diário( de( Notícias,( 59( a( 61,( a( mesma( de( Sodoma"
Divinisada( (1923)( ou( A" Explicação" do" Homem( (1928)( de( Mário( Saa,( por( exemplo,( mas( incompleta( e(
recortada(em(quatro(pequenos(retângulos(por(ação(do(tempo.(
5( TrataLse( do( lote( n.º( 34( do( Catálogo( The" Fernando" Pessoa" Auction" –" Handwritten" and" Typewritten"
Manuscripts," Books," Art" and" Literary" Magazines," Photographs" and" Other" Personal" Items" from" his" Estate,(
org.(Luís(Trindade,(Lisboa:(P4(Live(Auctions,(13(de(novembro(de(2008.(
6(O(texto(é(“La(vision(de(deux(artistes(et(la(folie(luxurieuse(de(Dieu.(Appel(aux(gens(à(propos(d’une(
exposition( de( peinture.( Les( salons( de( l’Illustration( Portugaise( viennent( de( s’ouvrir( pour( deux(
artistes:(Albert(Cardoso(et(Marius(Eloy”((LOPO,(2013b:(80L82).(
(
Fig."7."Manifesto"impresso."
(
(
Fig."8."Imagem"do"manuscrito."
(
(
(
(
(
Fig."9."Imagem"do"manuscrito."
(
(
Também(na(revista(Presença,(surge,(referido(pela(primeira(vez,(o(manifesto(
na(“Tábua(Bibliográfica”(fornecida(por(Raul(Leal(para(figurar(no(n.º(18((janeiro(de(
1929),(prestando,(entre(outras,(a(informação(sobre(a(data(em(que(foi(escrito:((
Em(Portugal,(o(aparecimento(oficial(do(Paracletianismo(é(representado(por( A(VISÃO(DE(DOIS(
ARTISTAS( E( A( LUXURIOSA( LOUCURA( DE( DEUS( (15" a" 17" de" Março" de" 1924).( “J’ai( reçu( et( lu( avec(
plaisir(votre( LETTRE(TRÈS(IMPORTANTE…”(sublinha(Marinetti(na(carta(em(que(respondeu(à(já(
citada.( Entre( nós,( poucos( se( não( envergonhariam( de( considerar( MUITO( IMPORTANTE( uma(
carta( de( Raul( Leal:( A( elevação( e( a( lucidez( dum( espirito( tão( estranho( é( perfeitamente(
inadmissível(ao(cérebro(dos(nossos(homens(de(senso.”((
(PRESENÇA,(1929:(11;(itálicos(meus;(cf.(Figs.(10(e(11)(
COMENTÁRIO• A "OACETA
~=
PORTUOUE!SA,.
R au l L ea l ::º::~:::~::
:."~t=~~:r- ::~::
..
trom H 1101>11 ,clldt1>C;111;
nlo H eoboç1 11mploDOodcnll ·
dor ; nlo K ,:01m oecç6cs de cr11ic11itcr,ri1, 1nl11ic.o, tu trol.
En Sm, o 5.cnhor F crroira do C.lfr<:Juçro .. , 11n111rb dct
outros, DOmrade1ut,...os odtuk>1deobr11 , «>m0H c1rl·
~::i::t;n:::~~!~!.~:e::
1•1.Lu.Ln111ceu111deSe1cml•rode1886. vra• 11CAMPANIIA UL 'T'R.·INACIONAI.IS'T A , cm
i;! ~~::.:~::·
.r.~
;.=·!:~rz
:\talo, lan~ou ~ontra Afonso Co.,a e os nus um mani- nhu sv,sacionais. Colabora n• •Restauração• e em faud1 ,...m, cntroiM1 COQ(.CdiJa><>DtJrit, d• NOl/(1,u e
fe.tn violentlsrimo: O BA,VDOSllUSTRO. O Pfó- ouira•folhu. numo ooníerfflâa ru~Pdo cm Modrid .•
rrio autor o di,ttibnin nnl.ní~ Mu,inhn
F.m 1916,csiando R11u\Le11lemE,ranh11,s11iuno
No me.mo ano d• ,9,.5, íu sair na ,Athcna•
À LOUCURA UNIVERSAL.
pcn•l•<1• pu a lhe Imprimir uma dtrecçla hl1<U1mte
e cr1tlco.
bem M:_º.,:!'!~~~.•. conl>tccJ P 1c.enci1 •••
Depois.de vertido paro
n(!mcro (!nico do ,Centauro• o seu comochnmado
A A l"E.VTURA DUM SATYRO OU A MORTE
Dl-. ADÓ,VIS; que, por sinal, saiu emagado de
gralhas
Em Setembro d" 1917, publicou no ,Portugal
franci,,servirAe,te11rtigodeintroduçll'oao1euTivr
LA FOLIE DE DIEU: aegundo da série LUX
THI::OLOGICA, que constar, de cinco livros.
Ainda no vtrio de 19i5, colaborou na.•Gazeta
dos Caminhos de Ferro,. En1re V.trios artig~. publi-
o
e o R R E I o
Furnri•ll • um artigo cscri10 cm francb i.õbrc Santa cou 1i O PERIGO ORIENTAL. E no outono do
Rita Pintor .. Arti;o de cuja forma o au1or dii n~o se mesmo ano, saiu com o 1eman,rio poli1ico • A lln·
or;;ulharmuito. cçlo•. Numlivroquepos1ivelmen1e1eráo1eullnico
-.:eue mesmo ano e no seguinte-anos em que o livro publicado em pom1guh- pen11 Raul Leal fazer
autt>r concebeu ddiniti,·11mcn1e o Paracleii1nismo- 111rgirordenadamente toda a sua actividadejornall..,
p1:blkou no,libcra), um1M!riedear1igo,dcdoutri- tiacombatin.
na1i,mopnlitico-religio.o. Novnilode19i6,levantouumacamp.1nhacon1ra
Fm Abril de 191~ =cveu o MIi livro-~ma a Pro,·edoria da Anb,eocia Pública de.Lisboa. Cons,a T Á B U A BIBLIOORÁflCA
.A.\'TÉCHRIST ET LA GLOJRE DU SAINT- cua campanha de dois manifestos, e carias s~idas no
-ESPR!T, só publicado em Deiembro de 1920. Ed. pelo autor talvez·a 1ua melborobra; LE ROY.AUME rd i&ilo f11turis
11 do Esplrito San10. Em Ponu1i1l, o
,Correio da Noi1e•. E valeu 101utoros.airens1n- DE$ LAR VES-peç• cm 4 1cto•, carecente de aparecimento oficial do Paradeti1nismo ê repreacnt11Jo
Pouug,tia. E' ~.te o 1,rimciro livro da ~tric LE guentado dum conflito gra,·lssimo no Café Nacional.
DERNJER TEST.AM/:NT-de que fazem parte grandes aher1ç6es (1914); o 1><>cma M F.SSE NO IRE poc .A Jl'ISÁO DE DOIS AR11ST AS E A L UXU-
De Março a ~unho de 19i7, publi~ou o panfleto (1926);0 em coacluslo- LE PRO PII f.'TE S.A.CRE RJ OSA LOUCUR A DE DEUS (15 1 17 de M,rço
Mf:SSE NOlRE, LE PROPHÊTE SACRÉ DE LA poU,iço e sociológico O REBELDE.
M ORT-DIEU, PSAU.\IES, LE ROYAUME DE DE L A MOR'f-DIEU ; Mie do, PSAU MES, que de 191,4). •J'a i rcçu e1Luavtcpt.1JJ r votte LETTRE
No mesmo ,no e no •ctual, tem colaborado na ffl'fo doze; fragmento, de drias obras em preparaçlo. TRÉS JJi/PO{tT AN TE •.. • 111bhnha Marinetti na
LA MOR1, e outro.. Serio, ao todo, dõie livros. •Prc,,ençao,
Em 1922 publicou no se~undn u(!mtro Ja • Con- per1cnc;en1es b duu series: LA CRt A 1JON DE. cana cm que respond eu , i' eirada. Entre nós. pou-
Raul Ltal considera omelhorda111aObra , vasta L'AJl'ENIR e LUX THEOLOGICA; o c,;;tudo dn co, se nlo envergonbsiriam de con,idcrar M UITO
temp<>r1nc11 • o discur,o A DERROCADA DA. e divtl'$8 como " vt, as i.cguinte.. obru inédita~;
'TECNIC.A-hd"o 11n1eriormenteno Chi~doTerra .. c. propag,nda social OS TREZ FLAGELOS E O REI - JA/POR T AN1 E 11macar1, dt Raul Leal; A clevaçlo
0 INCOMPRJ::ENDID0-1>eç1 em 3 ae101, escrita NO DE DEUS; 6nalmen1e, uma carta escriia a Mari• e a lucidn dume .plritot loestranhotperf citamente
Fni !<te discurso lido a rropó<i!o da chamada Ques11io
!~•
• ~f,vrf;• d~t:~ ~udl também eme,·cu um mrtigo
em Ou1ubro de 1910; UNE BACCH A NALJ::
ÉTRANGE-peça em 3 actQ1, escri1a cm pormguh
no1nodc1913ctmfran<:hnode1914,comidcrada
neui no ,·crio de 1911. Ness. carta, Raul Ln l upõe
long1m~nte a Mumcni as sua, doutrinas relaiivas à
ioadmiHlvel 10 cérebro dos n-
SEN SO.
H OMENS Dt:
Figs."10"e"11."“Tábua"bibliográfica”"–"Presença."
Pizarro( do( ano( de( 1925( (PESSOA,( 2014:( 555).( Este( projeto( era( composto( por( um(
conjunto( de( prefácios,( entrevistas( ou( manifestos( que( veiculavam( a( opinião(
individual( dos( seus( autores( sobre( o( movimento:( “os( escriptos,( da( natureza( de(
manifestos,( que( tendiam( a( explicar,( quando( não( esses( varios( movimentos(
conjunctos,(pelo(menos(as(suas(tendencias”((PESSOA,(2014:(559).(
A( avaliar( pelos( periódicos( da( época( consultados,( apenas( o( crítico( de( artes(
plásticas(Artur(Portela(faria(referência(ao(manifesto(no(seu(artigo(de(18(de(março,(
no(vespertino(Diário"de"Lisboa:(“Uma(exposição(–(Pintores(modernistas(no(salão(da(
“Ilustração(Portugueza”((Fig.(12),(pelo(que(este(terá(sido(eventualmente(distribuído(
por(Raul(Leal(à(entrada(da(exposição(no(dia(anterior:((
(
Não(ha(nada(peor(para(uma(exposição(de(arte,(que(despejarLlhe(em(cima,(nada(mais(nada(
menos( que( uma" conferencia" incompreensivel" e" um" manifesto" pirotecnico,( onde( a( estetica,( o(
equilibrio( e( o( bom( senso,( são( “jazzLband”( de( pretos,( bimbalhado( em( esmaltes( de( cosinha.(
Qualquer(arte(para(se(impôr,(seja(ela(a(mais(extremista(ou(a(mais(inverosimil,(tem(que(se(
apresentar(severa(de(rosto,(cuidada(de(maneiras(e(sincera(de(objectivos.((
Os(varios(individuos(que(anunciaram(a(exposição(de(Mario(Eloy(e(Alberto(Cardoso,(deramL
nos( nos( seus( escritos,( leitura( amena,( ainda( que( por( vezes( tão( indecifravel,( como( certos(
passos(do(Apocalipsis.((
(PORTELA,(1924:(5;(itálicos(meus)(
(
A( autoria( da( “conferencia( incompreensivel”( pertence( a( Assis( Esperança,( a(
do(“manifesto(pirotecnico”(a(Raul(Leal.(Ao(questionar(a(inteligibilidade(de(ambas(
as(intervenções,(comparandoLas(com(“jazzYband(de(pretos,(bimbalhado(em(esmaltes(
de( cosinha”( e( com(o( Apocalipse( de( S.( João,( o( crítico( procura( não( apenas( apoucar(
estes( contributos( em( particular( mas,( por( extensão,( ridicularizar( toda( a( arte(
moderna,(colocandoLos(na(esfera(do(absurdo.(
No( “Sumário( Ideográfico”( incluído( em( Raul" Leal" –" Iniciação" ao" seu"
Conhecimento,(Pinharanda(Gomes(detémLse(de(forma(demorada(na(importância(da(
linguagem( e( do( vocabulário( filosófico( a( que( o( autor( de( A" Liberdade" Transcendente(
recorre( para( explanar( o( seu( pensamento,( atentando( na( utilização( de( maiúsculas(
iniciais(e(na(profusão(de(adjetivos(e(advérbios(de(modo((GOMES:(1962,(11L18).(Na(
ótica(do(mais(prolífico(exegeta(de(Raul(Leal,(esta(linguagem(é(reflexo(da(psicologia(
do( autor( e( aproximaLo( do( profetismo( ou( visionarismo,( sendo( usada( para(
intensificar(o(valor(do(enunciado(por(afinidade(com(o(pensamento(vertígico(e(para(
tentar(comunicar(o(Absoluto.(
Amigo( do( filósofo,( com( quem( manteve( acesa( polémica( com( várias( réplicas(
sobre(“As(verdadeiras(origens(do(bolchevismo”((1922)(nas(páginas(do(jornal(A"Palavra,(
Mário( Saa( já( em( A" Invasão" dos" Judeus( (1925)( aludia( para( essa( incapacidade( de( o(
filósofo( d’A" Liberdade" Transcendente( manter( um( raciocínio( congruente( e( baseado(
numa(argumentação(lógica,(caracterizandoLo(como:(
EXPOSIÇÃO
UMA
Pintores modernistas
nosalão
..
Port1un~la
~a"ll011ratão
Não ha nada pcor para uma e:zposi çõo de
arte, que de1pejar•lho cm cima, nada mai,
uada men os qu e uma conf erencia incompreco·
aivcl o um manifesto pirotecnico, onde a ti·
teftce, o cquilibrio e o bom seo10 1 são cja:r.z·
band• de pretos, bimbalhado em esmaltes de
co1inha. Qua lqu er arte parn se impôr, 1cja
ela a mais c.tremista ou a mais inverosím il,
tem que 1c aprc1cntar severa de rosto, cui·
dada de maneiras e sincera de objactivoJ.
Os varios indivi duas que anunciaram a e.z·
po sição de Marío Eloy e Albe rto Cardoso ,
deram-001, nos seus escrito!, leitura amena,
ainda que por vezes tão indecifravel, como
certo1 pa5,os do Apocalíp1is.
Trataram de 1i. e não ob_iectiva.ram o• u -.
po !itorn , Meteram num tuncl 1ombrio de
•preciAçÕes. o!I quadro!! qufl Hi utadeiam na
ltustraçiio Porluzu ~•a, dia~nosticaodo-lbo tao·
tas anomaliiu, tantas ab err:açõu , tanto• vi-.
cios de gestação, que o critico tc r;neu 1incc-
r dme nte arrastar com im•gen1 coloridu de
caleido•copio, do cun.eHorme de1cnho, e dci'be•
terolita forma.
Dum lad o, encantr émos um pintor .iatere1•
11anle e 1iacero, Mario Eloy; do outro, um ar-·
tista ( ?) qoo fM dos seus defeitoS, tccoica,
ima ginando qqe o iocomp n::cnsi vel lhe dá di-
reito a chamar aos que não o apreciam nem
o entendtm, ignorantes chapados.
Rapidamente vamos renioter ao seu devido
lugat o 1r, Alberto Cardoso .
O .,_ Alberto Cardo10 oão é um homom
aincero em arte, Tem a 11ci 1ma de ao fazer
paHar por um genio, entre os seus contcmpo •
raneot , o que nio lhe levamos a mal nem nos
irrita. E' um impotente-um impotente que
s\Jfoca as 1uaa raiva~ pintando 1cm coerencia,
sem intenção e sem Hlbnto. N em é mesmo
um moderniatL Onde estão as 1uas eoncep--
çôes? Que realidade dá ele õ rida ou que
nbjcctivismo ezlzae ele da alma! Em dne•
nhoé canhe.tro; em tinta, lambuu; oos temas
não tem nu.o.
Vamos agora ao Hzuado expo,itor, o sr.
Mario Eloy, E' um modernista de 1ioteze.
Com ddei.to1o cloro. defeitos de mooidadl!,
que quer~ vo1r rapidamente, quando tem que
·
:;t:;nt;•:i;.a:t'Z1::toª,~ºN~t::,;~:moei:
um traço pe1toal e uma Corte penetração pai•
colorica. 10m ccbarre1> c:_aricit.turais,ou .fe--
brH d. prodígio. Presoote•1e em quut todo.,
• luz da aua pupil-. quo di11eca ocnoaameD-
tc a mu1culatura, poDdo • nu cara cteru ·de,
1ofrim.ento e de intcligencia ,
Nllmg-tcla-é uma bela fiRura crepltaotc
de modcroiuno, com uma linda orq uc,traçào
de f'.l,irodoente, tio 1egura, que por vcze,
lerabra a pincelada de Columbano. O 44,
Vo"tta do ~r.tcno, é duma alta expreC1ão dra •
matica. mabpela coojugaçio sombria das tintas
que propriamente pelaatitude das mulheres.
Mot.:czo do cai•, ainda que tenha um grave
erro do desenho, no ombro da figura, é um
belo. carachri,tico tipo , crimino10 e 1&ffgren•
to. A Frt:ira, marca polo.arrojo e pela audacia
do a u unto . E •inda hem. Mario Eloy, que ae
revela um artista dramatieo, servc·1e ou 1oa1
maa.chas como Goya, na pintura e Edgar Poi,
na literatura. podcroumentc , tia tinta som•
bria, donde ele ezbai npressivu sintc,ea de,
sofrimeDt~ hum!ltlo, que sobe a inexplorad• .·
altitudes de horror-horror•cspectro, horror ·
feataama, horror-larva.
NãQ ,i que não Hiba desenhar. A 1ua gale•
ria 1:loretn1to1 pron pleaamente o contrerio,
o dá-no, fc:-rça para diier que nela. • sua
tecnica oão tc·mmestre; acusa originalidade.
No1 rebato•,on.de há um mau, o de Matos
Roi~ e doi1 do Íalflilia. que 1uitcrem varamerite·
a maneira pri.mitiva de Columbano, oa Soiti~
êhea lui~tião M detalhe. A tecnica é eseul·
tUfâl_;Piuticã, nuin~aro-e 'itCúro,que marca, irn·
Pri:atlvamentc. os volume1, ligando·oi atm d..
SDnho;apen11 ·por 111i•11tba.s.-Â P.
(
Fig."12."Artigo"de"Artur"Portela"
Fernando(Pessoa(aponta(o(hermetismo(como(uma(característica(do(filosofar(lealino,(
fruto( da( Vertigem( que( lhe( confere( uma( natureza( contraditória( e( paradoxal( e(
impede(uma(abordagem(científica(e(permanente.(
Com(efeito,(a(Razão,(“filha(da(Serpente(e(do(Anticristo”,(opõeLse(à(Loucura(
e( ao( Prazer( obtido( pelos( Sentidos,( pela( Carne.( Esta( oferece( resistência( à( ação( da(
liberdade( criadora( que( produz( o( impreciso,( o( indeterminado( e( o( abstrato,(
constituindo,( assim,( um( obstáculo( à( aspiração( de( o( homem( se( infinitizar.( Por(
conseguinte,(a(Vertigem,(antítese(da(Razão,(assumeLse(como(um(motivo(obsessivo(
na( obra( deste( filósofo,( sendo( encarada( como( motor( de( ininterrupta( destruição( e(
posterior((re)criação,(ordem(gerada(a(partir(do(caos:((
(
A( Vertigem( é( com( efeito( a( suprema( imprecisão( antiLracional( ou,( antes,( ultraLracional,( das(
cousas(mergulhadas(no(infinito(de(Deus.(E(é(por(mergulharem(no(infinito(de(Deus(que(as(
cousas(são(imprecisas,(incertas,(vertígicas.(Logo,(a(Vertigem(é(sagrada,(é(divina.(O(Infinito(é(
o(Indefinido(Absoluto,(é(a(própria(Vertigem(que(é(assim(Deus.((
(LEAL,(1989:(75)(
(
Ao(impor(limites(à(ação(da(Vertigem(através(da(Razão,(negaLse(o(Infinito(e(Deus,(
daí( que( a( anarquia( estilística( nos( textos( do( autor( seja( também( ela( programática,(
dando(a(leitura(dos(mesmos(a(impressão(de(se(tratar(de(algo(repetitivo(e(confuso,(o(
que(causa(estranheza(e(afasta(o(eventual(leitor.(
Neste( sentido,( Raul( Leal( apropriaLse( da( linguagem( poética( para( discorrer(
sobre( os( temas( que( aborda:( é( um( filósofo( na( boca( de( um( poeta.( O( discurso(
filosófico( adotado( constitui,( assim,( um( reflexo( dessa( incapacidade( de( explanar( o(
seu(sistema(e(reduziLlo(a(escrito,(uma(vez(que(as(palavras(são(sempre(insuficientes(
para( representar( o( pensamento( vertígico( e( turbilhonante,( ou( seja,( ficam( sempre(
aquémLpensamento.((
No( que( toca( em( particular( ao( manifesto( “A( visão( de( dois( artistas( e( a(
luxuriosa( loucura( de( Deus”,( aproximadamente( dois( terços( do( mesmo( versam( a(
teoria( da( Astralédia( e( o( Paracletianismo,( constituindo( a( exposição( destes( dois(
artistas( um( pretexto( para( Raul( Leal( apresentar( ao( público( as( suas( conceções( de(
cunho(filosófico.(
O(manifesto(viria(mesmo(a(adquirir(uma(importância(vital(para(o(universo(
lealino,( uma( vez( que( a( sua( produção( marca( o( aparecimento( oficial( do(
Paracletianismo,(religião(prometeica(que(diviniza(o(Eu,(colocandoLo(no(centro(do(
Universo.(
Após(a(leitura(do(romance(Là"Bas,(do(francês(JorisLKarl(Huysmans(em(1917,(
Raul( Leal( começou( a( conceber( o( Paracletianismo,( nova( religião( do( Espírito( Santo(
ou( Divino( Paracleto,( passando( a( apor( ao( seu( nome( o( qualificativo( esotérico(
Henoch,(e(assim(assumindoLse(como(última(reincarnação(humana(deste(bisavô(de(
Noé,(conhecido(entre(os(egípcios(pela(designação(coletiva(de(Hermes(Trimegisto.(
Para(além(disso,(começou(a(designarLse(como(Profeta(Sagrado(da(Morte(e(de(Deus,(
anunciador(do(Reino(do(Espírito(Santo.(
Com( a( aspiração( de( renunciar( ao( positivismo( oitocentista,( num( mundo(
gradualmente(subjugado(à(matéria(e(à(técnica,(Raul(Leal(declaraLse(eleito(de(Deus,(
Messias(numa(via"crucis,(que(deverá(suportar(um(conjunto(de(provações(colocadas(
pela(Matéria(para(cumprir(a(tarefa(que(lhe(coube(em(sorte,(a(de(anunciar(o(Reino(
do(Espírito(Santo(e(conduzir(a(Humanidade(rumo(à(salvação(no(final(dos(tempos.(
Ainda(de(acordo(com(o(atrás(mencionado(testemunho(do(autor(na(“Tábua(
Bibliográfica”(no(n.º(18(da(revista(Presença,(o(Paracletianismo,(que(constitui(a(fusão(
harmónica(e(integral(de(todas(as(religiões,(foi(definitivamente(concebido(nos(anos(
de(1917(e(1918,(celebrandoLse,(portanto,(agora(o(centenário(do(seu(advento.(
À( data( da( exposição( de( Alberto( Cardoso( e( Mário( Eloy( no( Salão( da(
“Ilustração( Portugueza”( (16( a( 31( de( março( de( 1924),( altura( em( que( produz( este(
manifesto(paracletiano,(Raul(Leal(não(era(propriamente(um(desconhecido,(tendo(já(
publicado( várias( obras:( A" “Apassionáta”" de" Beethoven" e" Viâna" da" Móta( (1909),( A"
Situação"do"Estudante"em"Portugal((1910)((coletiva,(mas(redigida(na(sua(maior(parte(
pela( autor),( A" Liberdade" Transcendente( (1913),( O" Bando" Sinistro" –" Appello" aos"
Intellectuais"Portuguezes((1915),(Antéchrist"et"la"Gloire"du"Saint"Esprit"–"HymneYPoémeY
Sacré"(1920),(Sodoma"Divinisada((1923),(Uma"Lição"de"Moral"aos"Estudantes"de"Lisboa"e"o"
Descaramento"da"Egreja"Catholica((1923)(e(Para"os"Sordidos"Estudantes"de"Lisboa((1923),(
para( além( de( ter( colaborado( com( textos( de( diversa( índole( nas( revistas( Orpheu(
(1915),( Centauro( (1916),( Portugal" Futurista( (1917)," Athena" (1922)( e( Contemporânea(
(1923).((
Logo( nos( parágrafos( iniciais,7( o( autor( condena( a( inspiração( impressionista(
de( Alberto( Cardoso,( mas( não( sem( todavia( apontar( uma( clara( vantagem( face( aos(
seus( congéneres( franceses:( a( pintura( “sem( possuir( um( substancia( profundissima,(
possue( verdadeira( substancia( e( com( vibrante( essencia( anímica”( (p.( 1).( Ou( seja,(
enquanto(os(impressionistas(visionam(apenas(o(exterior,(Alberto(Cardoso(adiciona(
uma( nota( moderna( de( interiorismo,( de( essência,( que( Leal( aponta( como(
característica(tipicamente(portuguesa.(
Neste( manifesto,( o( filósofo( opõe( o( “berrantismo( impotente”( dos(
impressionistas( estrangeiros( “sem( força( interior”,( ao( animismo( dos( portugueses(
representados( aqui( por( Alberto( Cardoso,( que( confere( uma( brutalidade,( uma(
“bestialidade( pura”( à( sua( pintura:( “O( Génio( portuguez( não( deixa( de( surgir(
poderosamente( na( visão( artistica( do( pintor( Alberto( Cardoso( que( festivamente( se(
engrinalda(de(luminosas(flôres(animicas,(espirituaes…”((p.(4).(
No(caso(de(Mário(Eloy,(que(o(autor(reputa(de(“profundo(psicologo”((p.(5),(
os(retratos(apresentados(na(exposição(são(uma(visão(interior,(criada(pela(alma(do(
artista,( que( os( impregna( de( animismo( essencial,( numa( mescla( da( sensibilidade(
requintada(do(artista(e(da(psique(do(retratado.(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7(As(páginas(indicadas(são(as(do(manuscrito(original(do(manifesto.(
A( conceção( filosófica( de( Raul( Leal( assenta,( em( última( análise,( na( síntese(
entre(forças(opostas:(Bem(e(Mal,(Espírito(e(Matéria,(Uno(e(Múltiplo,(Deus(e(Satã,(
Luz( e( Trevas,( Prazer( e( Dor,( Orgulho( e( Humilhação,( Morte( e( Vida,( etc.,(
prevalecendo(a(essência(divina(num(movimento(ascensional(para(o(Infinito.(
Mário( Eloy( é( um( futurista( à( portuguesa( ao( apreender( a( realidade( através(
dos(sentidos,(numa(primeira(fase,(mas(agir(sobre(a(mesma(através(do(pensamento(
criador(numa(posterior:((
(
[…](tudo(geraLse(no(abysmo(animico(de(tudo(e(portanto(não(ha(essa(separação(“tranchée”(
de( monadas.( Ha( nos( seres( e( nos( objetos( qualquer( cousa( de( indecisamente( individual(
atravez( de( qualquer( cousa( de( puramente( universal,( puramente( infinito.( O( Infinito( que( ha(
em(cada(objeto(e(em(cada(ser,(é,(por(natureza,(continuo,(uno,(é(enfim(Unidade(Pura.(Mas(
atravez( de( o( ser,( é( tambem( pura( Multiplicidade( que( só( esta( exprime( verdadeiramente(
Infinito.(TrataLse(pois(neste(de(contraditoria(MultiplicidadeLUm.((
(p.(7)(
"
Assim,(existe(para(o(pensador(uma(relação(metafísica(ou(teometafísica(entre(
a(multiplicidade(de(seres(individuais,(partilhando(estes(a(substância(íntima,(o(Ser(
Universal( (Deus,( Espírito( ou( Infinito).( Tal( como( o( filósofo( Pinharanda( Gomes(
apontou(em(O"Incompreendido:(
(
Raul(Leal([…](identifica(“conhecimento”(com(“alma”(e(conclui(que(a(mónada(absoluta(é,(na(
verdade,( o( Espírito,( que( o( pensador( toma( como( uma( essência( universal,( dentro( da( qual(
todos( estamos( ou( somos,( mas( da( qual( não( beneficiamos( inteiramente( por( virtude( dos(
apêndices(materiais(da(nossa(existência.(Todavia,(para(Raul(Leal,(esta(mesma(“existência”(
não( se( opõe( àquela( “essência”,( porque( esta( contém( aquela,( como( grau( de( saber,( muito(
embora( como( grau( inferior( de( que( interessa( ao( homem( libertarLse( para( se( “essencializar”.(
[…]( Conclui,( finalmente,( por( uma( antropologia( da( comunidade( e( personalidade,( cujo(
objectivo( se( resume( na( máxima( transcensão( dos( graus( inferiores( até( ao( máximo( grau(
essencial,(que(é(Infinito.((
(GOMES,(1966b:(54L55)(
(
Raul( Leal( não( concebe( Deus( como( entidade( vingativa( e( opressora,( exterior( ao(
homem,( mas( como( um( plano( supremo( da( Existência( a( que( se( ascende( através( do(
esvaziamento( ou( aniquilamento( do( Eu,( num( frenesi( genesíaco( que( demanda( a(
substância(una(e(imutável,(o(Espírito(que(todos(os(seres(e(as(coisas(comungam.(
Deus,( ser( puro( e( abstrato,( vazio( de( essência,( é( um( excesso( da( Existência,( é(
um( ExcederLseLemLSi.( Na( eventualidade( de( o( homem( se( alhear( do( divino( ficará(
apenas( cingido( à( diversidade( da( Matéria,( ao( mundo( exterior( e( objetivo,( não(
constituindo( a( vida( senão( um( mero( trânsito( para( a( morte( terrena.( Daí( que( o(
homem( necessite( de( viver( de( forma( poética( e( vertigíca,( máxima( expressão( da(
Liberdade,( num( mundo( regido( pelo( Espírito.( Sem( fazer( concessões( à( Matéria,( o(
homem( deverá( inundar( a( Vida( de( Furor( Diabólico( e( Divino( para( se( transcender,(
sendo(a(vivência(material(subalternizada(face(à(ânsia(de(eterno.((
A(utopia(lealina(do(Reino(do(Espírito(Santo(sobrevém,(então,(a(um(processo(
de( depuração( ética( em( que( a( multiplicidade( imperfeita( do( mundo( exterior,( da(
Existência,(adquire(uma(natureza(absoluta(e(infinita.(Segundo(o(filósofo,(o(purismo(
sublimado(leva(a(que(o(homem(se(transcenda,(o(que(o(enche(de(“prazer(e(orgulho”(
(p.(11).(TrataLse,(desse(modo,(de(um(arrogarLse(ao(papel(de(Criador:(é(um(“sentirL
se(Deus”((p.(12).(
Na( arte( moderna,( não( basta,( segundo( o( filósofo,( cingirLse( à( superfície( na(
representação(dos(seres(e(das(coisas;(será(também(vital(ungir(essa(diversidade(de(
substância( íntima,( de( animismo( criador:( “Toda( a( arte( deve( ter( uma( unção(
formidavelmente(divina(e(astral(em(louca(e(luxuriosa(VertigemLBesta”((p.(21).(
Tal(como(o(autor(de(A"Liberdade"Transcendente(sustenta,(ao(homem(cumpre,(
através( do( ato( criador,( esvaziar( ou( aniquilar( a( Matéria,( purificandoLa.( Com( esse(
intuito,( conforme( avança( em( Sodoma" Divinizada,( terá( que( exprimir( a( loucura( e( a(
luxúria(divinas(de(forma(brutal,(podendo(atingirLse(o(Sublime(através(dos(excessos(
da(Carne(e(dos(Sentidos:(“Só(através(de(bestialidades(puras(se(atinge(o(sublime(dos(
Céus”((LEAL,(1989:(77).((
Mário(Eloy(fica,(deste(modo,(a(meioLcaminho(de(criar(uma(arte(paracletiana,(
pois( ainda( perceciona( tudo( como( distinto( e( individualizado,( indo( ao( fundo( das(
coisas( ou( dos( seres,( mas( não( os( excede,( não( os( ultrapassa( de( modo( a( atingir( a(
substância(íntima(da(Vida,(o(Universal,(o(Infinito(ou(Absoluto.(Assim,(deverá,(na(
ótica(de(Raul(Leal,(evoluir(no(sentido(de(um(aprofundamento(da(sua(arte(em(que(
astralize(o(mundo(de(fantasmas(da(Existência,(inundandoLos(da(Loucura(e(Luxúria(
de(Deus,(“do(Espírito(Santo(ou(VácuoLFantasma(em(VertigemLBesta”((p.(18).(
Nesse(sentido,(o(autor(declaraLse(contra(a(arte(naturalista(de(finais(do(século(
XIX(que(visava(uma(representação(tendencialmente(fiel(do(exterior(dos(seres(e(das(
coisas,( ao( invés( do( interior( do( artista.( Na( sua( perspetiva,( a( arte( deverá( então(
apresentar(uma(impressão(abstrata,(indefinida(e(vertígica(do(mundo(para(exprimir(
o(facto(de(se(ser(ao(mesmo(tempo(o(homem(e(Deus,(individual(e(universal,(Matéria(
e(Espírito.(
A(missão(dos(artistas(é(criar(o(ambiente(propício(à(sublimação(da(Existência,(
à( “pompa( astral”( pela( sua( tendência( para( o( requinte( e( a( sensualidade.( Logo,(
segundo( o( filósofo,( Eloy( deveria,( à( semelhança( de( Alberto( Cardoso,( utilizar( o(
berrantismo,(alargando(a(sua(paleta(através(de(uma(injeção(de(cor(para(gerar(um(
ambiente(propício(à(manifestação(brutal(do(VácuoLFantasma(em(VertigemLBesta.(
Nesse(sentido,(Alberto(Cardoso(e(Mário(Eloy(complementamLse:(o(primeiro(
apresenta( o( exterior( decorativo,( o( berrantismo( da( Vida,( e( o( segundo( a( substância(
íntima( de( Deus,( “a( pompa( divinamente( astral( criada( num( abysmo( abstrato( de(
Vacuo(e(Vertigem”((p.(25)(
Mário( Eloy( é( apresentado( como( potencial( soldado( de( Deus( e( da( Morte,(
capaz( de( criar( uma( arte( paracletiana,( podendo( vir( a( converterLse,( tal( como(
Guilherme( Filipe,( num( “genial( pintor”( (p.( 24).( Raul( Leal( pressente( em( Eloy( uma(
o MOR C EGO
"li MÁRlq f:LO\
DO CAIS
(((
Fig."13."Morcego"no"Caes"–"Seara.Nova."
"
Ao( longo( das( décadas( de( 20( e( 30,( a( arte( de( Mário( Eloy( viria( a( evoluir(
gradualmente( para( um( expressionismo.( Raul( Leal( retomaria,( quatro( anos( mais(
tarde,(a(sua(tese(no(artigo(“Mario(Eloy,(le(grand(évocateur(d’incubes”.(Neste,(para(
além(de(tecer(considerações(à(evolução(do(artista,(reconheceLlhe(já(algo(que(apenas(
pressentia(nas(telas(patentes(no(Salão(da(“Ilustração(Portugueza”:(a(capacidade(de(
astralizar( a( Existência,( inundandoLa( de( furor( diabólico( e( divino,( de( uma( beleza(
monstruosa(que(pode(almejar(a(essa(sublimação:(“Tous(les(Tableaux(de(Mario(Eloy(
semblent( forgés( dans( les( enfers,( hallucinations( sinistres( d’un( AuLdelà( féerique,(
guidé(para(Satan”((LEAL,(1928:(6).9(
(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9( Tradução( minha:( “Todas( as( Telas( de( Mário( Eloy( parecem( ter( sido( forjadas( nos( infernos,(
alucinações(sinistras(dum(Além(feérico,(governado(por(Satã”.(
No( manifesto,( Raul( Leal( aconselha( o( pintor( de( “Morcego( no( Caes”,( bem(
como(a(nova(geração(de(artistas(a(quem(é(dirigido(este(Apelo,(a(“abysmarLse(ainda(
mais(profundamente(na(essência(da(Vida(que(é(a(Morte([…](atingindo(finalmente(
assim( em( Vertigem( o( louco( e( luxurioso( Espírito( Santo( de( Deus”( (p.( 23).( Esta(
recomendação(advém(da(noção(de(que(a(Morte(constitui(uma(via(para(astralizar(a(
Existência(terrena,(tornandoLa(indefinida(e(imprecisa.(Num(texto(saído(na(Presença"
n.º( 48,( o( primeiro( capítulo( do( livro( em( preparação( Fernando" Pessoa," precursor" do"
Quinto" Império,( Raul( Leal( encara( a( Morte( como( uma( possibilidade( de( transcender(
os( limites( da( condição( humana( e( lograr( atingir( o( Espírito,( o( VácuoLAbstração,( o(
Infinito(de(Deus:(
(
É( para( Ela( com( efeito( que( eu( vivo,( intensamente,( feèricamente,( mas( porque( a( Morte,(
quando(divina,(é(intensificação(pura,(abstracta,(espiritual(da(Vida,(tornada(Sonho(torrencial(
em( Vertigem( Criadora,( porque( a( Morte( enfim,( galgando( por( sôbre( o( tempo,( é( o( espasmo(
eterno( de( Luxúria( astral( com( que( Deus( continuadamente( cria,( num( arranco( soberbo( que(
jamais( perece,( a( Existência,( o( Ser( que( a( Sua( Grandeza( Incomensurável( procura( com( ânsia(
feroz!(O(Vácuo(da(Morte(provém(do(seu(purismo(vaziamente(abstraccionizador(de(Vida,(é(
o( reflexo( do( excesso( de( Vertigem( que( como( Loucura( Espiritual( –( Vida( intensíssima,(
absoluta( –( se( debate,( eternamente( aniquilando( para( eternamente( criar( de( novo( o( Ser( que(
traz(em(si(própria(com(fúria(espasmódica,(cataclísmica,(divina!...((
(LEAL:(1936,(5)((
(
Inspirada( no( Paracletianismo,( a( Astralédia,( fusão( entre( a( arte( e( o( espírito(
bárbaro,(afiguraLse(como(o(“lugar(utópico(onde(os(homens(viverão(após(a(vinda(do(
espírito,(que(tornará(possível(o(domínio(do(universo(astral(pelo(homem”((GOMES,(
1966b:(72).("
Raul( Leal( recorda( no( artigo( “O( abstraccionismo( trágico( de( Artur( Bual”,(
saído(na(revista(Tempo"Presente,(o(aparecimento(do(conceito(de(Astralédia,(drama(
vertigínico( dos( espaços( aéreos,( onde( se( fundem( todas( as( artes( em( abstrato,(
inspirado(no(Paracletianismo.(Numa(carta(longuíssima(escrita(em(francês,(enviada(
a( Fillipo( Tommaso( Marinetti( no( Verão( de( 1921,( cuja( cópia( incompleta( composta(
por(trinta(e(sete(páginas(se(encontra(no(espólio(de(Fernando(Pessoa((BNP/E3,(113FL
1(a(37)10,(o(filósofo(afirma(que(já(conhecia(os(manifestos(enviados(pelo(fundador(do(
futurismo( numa( ocasião( anterior( e( também( o( livro( de( Umberto( Boccioni(
Dynamisme"plastique:"Peinture"et"sculpture"futuristes((1914).((
No(entanto,(apesar(de(concordar(parcialmente(com(as(teorias(de(Marinetti(e(
dos( seus( correligionários,( preconiza( um( ultrafuturismo,( ao( tentar( converter( o(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Na( publicação( de( Páginas" de" Estética" e" de" Teoria" e" Crítica" Literárias( (1967)( de( Fernando( Pessoa,(
10
Georg( Rudolf( Lind( e( Jacinto( do( Prado( Coelho( incluíram( a( tradução( inglesa( das( páginas( iniciais(
desta( carta,( atribuindo( a( sua( autoria( ao( criador( dos( heterónimos.( Profundo( conhecedor( da(
personalidade( e( do( estilo( do( filósofo,( Pinharanda( Gomes( demonstrou( que( a( autoria( do( texto( se(
devia( a( Raul( Leal( e( não( a( Fernando( Pessoa,( tendo( o( texto( em( causa( sido( retirado( das( edições(
seguintes((cf.(GOMES,(1969:(74L78).(
italiano(às(suas(conceções(e(persuadiLlo(a(conferir(uma(nova(feição(ao(movimento(
por( si( iniciado( através( da( introdução( da( nova( religião( e( Igreja( Paracletiana,( algo(
que(considera(ser(um(contributo(fundamental(para(superar(o(futurismo(ortodoxo:((
(
Já(em(1921,(numa(carta(que(escrevi(a(Marinetti(sobre(a(minha(concepção(astralLvertigem(de(
arte( ultrafuturista,( eu( preconizava( fortemente( o( estabelecimento( de( uma( estética( abstracta(
que,( aplicandoLse,( de( início,( nos( domínios( da( Pintura( e( da( Escultura,( acabasse( por( se(
realizar(ou(exprimir(em(todo(o(ambiente(circundante(turbilhonando(espasmodicamente(em(
delírios(vertigínicos.(E(assim(surgiria(a(Astralédia,(cujos(princípios,(verdadeiramente(ultraL
heraclitianos(pela(sua(espiritual(fogosidade(extrema,(fogosidade(transcendental,(eu(expus,(
ainda( que( incompletamente,( na( referida( carta( e,( mais( tarde,( (em( 1924),( no( meu( manifesto(
sobre(Mário(Eloy(e(Alberto(Cardoso,(intitulado(A"Visão"de"Dois"Artistas"e(a"Luxuriosa"Loucura"
de" Deus.( Entretanto,( só( na( obra( La" Création" de" lsAvenir," e( numa( outra,( em( organização( (A"
Idade"Paracletiana),"eu(desenvolvo(essa(minha(teoria(estéticoLreligiosa,(tendo(sido(o(trecho,(a(
ela( relativo,( desta( última( publicado( num( dos( números( da( velha( revista( Presença,( cujo(
espírito(se(tornou(bem(pouco(presente"e(muito(menos(de(futuro.11""
(LEAL,(1961:(21)(
(
O( italiano( terá( reputado( a( carta( que( motivou( larga( troca( epistolar12( entre(
ambos(de(“lettre"trés"importante”,(manifestando(o(desejo(de(se(encontrar(com(Raul(
Leal(em(Lisboa,(algo(que(apenas(não(terá(sucedido(na(visita(de(novembro(de(1932,(
uma( vez( que( este( havia( sido( submetido( a( uma( intervenção( cirúrgica,(
permanecendo(internado(no(Hospital(de(São(José(até(6(de(abril(de(1933.(
Nessa(carta,(o(pensador(português(defende(que(a(proposta(dos(futuristas(de(
abolição( radical( do( velho( para( imposição( do( novo,( num( progresso( linear( e(
irreversível,( não( explicaria( cabalmente( o( processo( histórico.( Contrariamente( a(
estes,(acredita(que(o(progresso(obedece(a(uma(estrutura(cíclica,(por(convulsões(que(
ditam( a( ascensão( e( queda( das( civilizações( e( que( existem( ganhos( evidentes( em(
(re)utilizar(os(elementos(do(passado,(fundindoLos(com(os(do(presente,(de(modo(a(
renovar(as(tradições(filosófica,(literária(e(artística,(superandoLas.(
No( Catálogo" do" I" Salão" dos" Independentes,( que( acompanha( a( exposição(
realizada( na( S.N.B.A.( em( maio( de( 1930( e( no( qual( os( modernistas( apresentam( as(
suas( teorias( sobre( Arte,( Raul( Leal( afirma( que( com( o( intuito( de( completar( a(
revolução( na( representação( artística( iniciada( pelos( futuristas( que( se( pautara(
somente( por( preocupações( com( o( individual( e( o( restrito( em( vez( do( Universal( e(
Ilimitado,(o(Infinito(de(Deus,(se(deveria(criar(uma(arte(infinitista(que(representasse(
o(Absoluto:(“que(os(pintores(lancem(nos(ares(as(suas(altas(creações(e(que(a(Grande(
Téla(da(Vida(Cósmica(seja(a(sua(única(téla!”((CATÁLOGO"DO"I"SALÃO,(1930:(26).(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11( A( este( respeito( ler( neste( número( da( Pessoa" Plural( o( artigo( de( Enrico( MARTINES( (2017)( sobre( as(
cartas(entre(Raul(Leal(e(José(Régio(encontradas(na(Coleção(Fernando(Távora.((
12( Na( edição( de( Sodoma" Divinisada( (1923),( a( “Lista( de( Obras( de( Raul( Leal( (Henoch)”( avança( como(
estando(em(preparação(uma(obra(intitulada(Futurisme"astralYVertige"(outreYfuturisme"mistique):"lettres"
à"Marinetti,"fondateur"du"Futurisme,(volume(que(não(chegaria,(no(entanto,(a(ser(publicado.(
As( limitações( da( tela( condicionam( a( expressão( dos( artistas( pelo( que( estes(
deverão( passar( a( pintar( na( própria( Vida,( inundandoLa( de( delírio( e( da( luxúria(
carnais(para(construir(a(Cidade(Paracletiana,(lançandoLse(no(abismo(em(que(que(os(
fantasmas(surgem(de(forma(imprecisa,(indefinida,(labiríntica,(confundindoLse(uns(
nos(outros:((
(
Num( ambiente,( sob( uma( atmosfera( que( a( cada( passo( transpira( Deus( e( Além( em(
sinistramente(espetraes(convulsões(de(Morte(a(expremirem,(com(pompa(abstrata(e(delirante(
luxuria( espasmodica( e( loucura( divina,( nesse( ambiente( astral( de( Vicio( e( Virtude,( a( carne(
geme,(os(sentidos(explodem(e(toda(a"alma,(abismandoLse(em(cio(de(ascése,(ergueLse(a(Deus(
com( furia( por( entre" contorsões( de( corpos( raivosamente( confundidos!( E( é( em( templos(
fantasticos( convulsivamente( erguidos( atravez( de( expressões( delirantes( de( vicio( lugubre( e(
ascético(a(marcar(Deus(em(Morte(–(intensificação(pura,(abstrata,(vertigica(da(Vida,(assim(a(
aniquilarLse( no( seu( excederLse( convulso( é( nesses( templos( vibrantes( de( Vicio( astral( que( a(
Carne(e(o(Espirito(confundidos(explodirão(magnanimamente…((pp.(26L27)(
(
Na( parte( final( do( manifesto,( o( pensador( apresenta,( assim,( a( sua( visão( utópica( da(
“Grande( Cidade( do( Vicio( Astral”( (p.( 26),( concretização( da( Astralédia,( cenário(
bizarro(em(que(fundindoLse(vertigicamente(os(materiais(de(construção(e(os(materiais(
de( pintura( aérea,( se( lançarão( no( ar( “jorros( de( luz( e( sombra”( (p.( 25)( e( construirão(
edifícios( e( templos( grandiosos,( sem( forma( definida,( entrelaçandoLse( em( contínuo(
uns(nos(outros(e(confundindoLse(num(infindável(“delirio(de(pedras(arremessadas(
aos( ares( em( turbilhão( fantastico( cheio( de( harmonias( barbaras,( e( feita( ainda( de(
farrapos(indefeniveis(de(aço,(ferro,(lama,(bronze,(côres,(luz(e(trevas!”((p.(25).(
O( subtítulo( “Apelo( às( gerações( novas( a( propósito( duma( exposição( de(
pintura”( aponta( para( o( verdadeiro( objetivo( do( manifesto,( ou( seja,( exercer(
magistério,( arregimentando( os( novos( artistas( para( as( suas( conceções( filosóficas( e(
artísticas,(numa(luta(pelo(Ideal.((
Ao( longo( de( toda( a( sua( vida,( mas( sobretudo( nos( seus( últimos( anos,( Raul(
Leal( procura( doutrinar( nas( suas( conceções( outros( intelectuais( portugueses( e(
mesmo( estrangeiros,( como( os( casos( atrás( referidos( de( Marinetti( e( Crowley.( Isto(
sucede(especialmente(no(que(respeita(a(jovens(literatos(e(artistas,(tais(como(Mário(
Eloy,(Guilherme(Filipe,(António(Pedro(ou,(mais(tarde,(Ernesto(Sampaio(e(António(
Barahona,(aproveitando(para(tal(as(escassas(tribunas(de(que(ainda(dispõe,(ou(seja,(
as(reuniões(esporádicas(de(intelectuais(como(as(do(J.U.B.A.(ou(as(tertúlias(de(cafés(
como(as(do(Palladium(ou(do(Gêlo.(
Assim,(este(Apelo(é(feito(não(apenas(a(Mário(Eloy13,(mas(às(gerações(novas(
do(panorama(artístico(nacional,(a(quem(é(pedido(que(se(convertam(em(“soldados(
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Ao( dirigirLse( aos( artistas( moços,( Raul( Leal( estaria( à( partida( e( conscientemente( a( excluir( deste(
13
desígnio(máximo(o(pintor(Alberto(Cardoso(que(é(elogiado(tãoLsomente(pelo(uso(abundante(da(cor.(
Nascido(em(1881,(Alberto(Cardoso(teria(à(data(mais(de(quarenta(anos,(enquanto(o(seu(companheiro(
acabara( de( fazer( vinte( e( quatro,( uma( diferença( de( quase( vinte( anos( que( exprime( bem( o(
desfasamento(em(termos(geracionais.(
da(Morte”(e(“criadores(do(Futuro”((p.(27),(guiados(pelo(Profeta(Henoch(para(impor(
o( Paracletianismo( no( mundo:( “Sans( crainte,( suivezLMoi( alors,( |( J’suis( Henoch,( le(
Prophet(sacré,(|(En(avant,(soldats(de(la(Mort,(|(Le(SaintLEsprit(est(Mon(Bouclier!”14(
Firme( na( sua( crença,( o( Profeta( Henoch,( precursor( do( Divino( Paracleto,(
Espírito( da( Morte,( prefere( viver( à( margem( das( convenções( e( desafiar( a(
incompreensão( dos( contemporâneos( para( obstinadamente( abraçar( a( Missão( que(
lhe(terá(sido(confiada:(a(de(anunciar(o(Reino(do(Espírito(Santo(e(liderar(os(soldados(
paracletianos(num(cenário(apocalíptico(de(combate(entre(o(Espírito(e(a(Matéria,(o(
Anticristo.( Este( profeta( da( futura( Idade( Paracletiana( visava,( assim,( infinitizarLse,(
ascender( a( um( plano( superior,( conforme( confessou( em( carta( a( Mário( de( SáL
Carneiro(reenviada(a(Pessoa:(“O(precursor(do(Divino(Paracleto,(a(Vertigem,(que(no(
nosso( século( se( espera,( sou( Eu,( uma( grande( vitória( alcançarei( sôbre( a( Àguia(
Prussiana,( Génio( do( Anticristo,( Génio( do( Absoluto( do( Limite( que( assim( se(
dissipará( e( erguendo( enfim( o( Mundo( ao( Deus( que( êle( lhe( envia,( o( Próprio( Deus(
enfim,(Me(Tornarei!!...”((VASCONCELOS,(1996:(107).(
"
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
( Tradução( minha:( “Sem( medo( sigamLMe( então,( |( Sou( Henoch,( o( Profeta( sagrado,( |( Em( frente,(
14
soldados(da(Morte,(|(O(Espírito(Santo(é(o(Meu(Escudo!”.(
Bibliografia"
(
(2008).(( Catálogo:(The"Fernando"Pessoa"Auction"–"Handwritten"and"Typewritten"Manuscripts,"Books,"Art"
and" Literary" Magazines," Photographs" and" Other" Personal" Items" from" his" Estate.( Organização,(
Luís(Trindade.(Lisboa:(P4(Live(Auctions.((
(1996).(( Catálogo:( Mário" Eloy:" exposição" retrospectiva.( Coordenação,( Raquel( Henriques( da( Silva.(
Lisboa:(Ministério(da(Cultura:(Instituto(Português(de(Museus:(Museu(do(Chiado.((
(1988).(( Catálogo" da" Biblioteca" do" Poeta" Alberto" de" Serpa," constituída" essencialmente" por" livros" do" século"
XX," com" representação" de" todos" os" escritores" modernistas," raras" revistas" literárias," exemplares"
únicos,"etc..(Elaborado(por(Manuel(Ferreira.(Vila(Nova(de(Gaia:(Sandeman.(
(1930)."" Catálogo"do"I"Salão"dos"Independentes"ilustrado"com"desenhos"e"comentários"dos"artistas"e"escritores"
modernos"&"uma"breve"resenha"do"movimento"moderno"em"Portugal,(Lisboa:([s.(n.].(
(1924).(( Catálogo:(Exposição"de"pintura"de"Alberto"Cardoso"e"Mário"Eloy"–"Salão"da"Ilustração"Portuguesa,(
[pref.](Assis(Esperança.(Lisboa:(Imp.(Libanio(da(Silva.((
(1922).(( Catálogo:(Exposição"Alberto"Cardoso"–"Pintura"Livre,(Salão(Nobre(do(Teatro(Nacional,(Lisboa:(
Imp.(Libanio(da(Silva(Sucessores(Sousa(&(Gomes,(Lim.da.(
(1911).(( Catálogo:(Exposição"dos"Pintores"Francisco"Smith,"Francisco"Álvares"Cabral,"Domingos"X."Rebelo,"
Emmerico" H." J." Nunes," Alberto" Cardoso," Roberto" Colin," Manoel" Bentes" –" Pintura," Desenho,"
Caricatura,(Salão(Bobone,(Lisboa:([s.(n.].(
AA.VV.( (2015).(Orpheu.(Edição(facLsimile.(Lisboa:(TintaLdaLchina.(
ALMEIDA,(António((2017).(“O"Bando"Sinistro:(ato(inaugural(do(‘especulador(de(Política’(de(Orpheu”,(
in"Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(12,(Outono,(pp.(521L546.(
_____( (2015).(“‘Brandindo(o(cutelo(da(Maldição’(–(Em(torno(do(manifesto(O"Bando"Sinistro(de(Raul(
Leal”,(in(Pessoa"Plural"–"A"Journal"of"Fernando"Pessoa"Studies,(n.º(8,(Outono;(pp.(564L601.(
ÁVILA,(Maria(de(Jesus((1996).(“Primeiras(obras”,(in(Raquel(Henriques(da(Silva((coord.),(Mário"Eloy:"
exposição" retrospectiva.( Lisboa:( Ministério( da( Cultura( /( Instituto( Português( de( Museus( /(
Museu(do(Chiado.(
D’ESAGUY,( Augusto( (1922).( “O( pintor( boémio( (Novela( curta)”,( in( Diário" de" Lisboa,( dir.( Joaquim(
Manso,(Ano(II,(n.º(530,(QuartaLfeira,(Lisboa,(27(de(dezembro,(p.(3.((
ELOY,( Mário( (1922).( “Retrato( de( Alberto( Cardoso”,( in( A" Palavra" –" Diário" Monárquico" Independente,(
dir.(Simão(de(Laboreiro,(Ano(I,(n.º(2,(Lisboa,(TerçaLfeira,(25(de(julho,(s/p.(
FRANÇA,( JoséLAugusto( (1999).( “Os( anos( vinte”,( in( Fernando( Pernes( (coord.),( Panorama" da" Arte"
Portuguesa"no"século"XX.(Porto:(Fundação(Serralves(/(Campo(de(Letras,(pp.(51L83.(
_____( (1991).(A"Arte"em"Portugal"no"Século"XX"(1911Y1961).(Venda(Nova:(Bertrand.(3ª.(ed.(
GOMES,(Alexandra(Josefina(dos(Reis((1986).(Mário"Eloy"e"o"modernismo([Texto(policopiado].(Tese(de(
mestrado(–(História(da(Arte.(Lisboa:([UNL(L(FCSH].(2(vols.((
GOMES,( Pinharanda( (2000).( “Raul( Leal:( a( vertigem( da( utopia( absoluta”,( in( História" do" Pensamento"
Filosófico"Português,(Volume(V,(Tomo(1,(Lisboa:(Caminho,(pp.(263L272.(
_____( (1975).( “Raul( Leal( –( Iniciação( ao( seu( Conhecimento”,( in( Pensamento" Português" III.( Braga:(
Editora(Pax,(pp.(66L80.(
_____( (1972).(“Vocabulário(filosófico((Contribuição)(–(2.(Raul(Leal”,(in(Pensamento"Português"–"II.(
Braga:(Editora(Pax,(pp.(38L40.(
_____( (1969).( “Fernando( Pessoa,( pensador( (Na( publicação( dos( Inéditos" em" Prosa)( –( Um( texto( de(
Raul(Leal(atribuído(a(Fernando(Pessoa”,(in(Pensamento"Português"–"I.(Braga:(Editora(Pax,(pp.(
74L78.(
_____( (1966a).(“Um(d’Orpheu(–(Raul(Leal((esboço(bioLbibliográfico)”,(in(Filologia"e"Filosofia"(Temas"
de"Filologia"e"Filosofia"Portuguesas).(Braga:(Editora(Pax,(pp.(23L45.((
_____( (1966b).( “O( Incompreendido( –( por( ocasião( da( morte( de( Raul( Leal”,( in( Filologia( e" Filosofia"
(Temas"de"Filologia"e"Filosofia"Portuguesas).(Braga:(Editora(Pax,(pp.(47L56.(
JÚDICE,(Nuno((1986).(A"Era"de"“Orpheu”.(Lisboa:(Teorema.(Col.(Terra(Nostra(n.º(3.(
TÁBUA BIBLIOGRÁFICA
Raul Leal
AUL LEAL nasceu a I de Setembro de 1886. vra» a CAMPANHA UL'TRANACIONALIS'T.A, cm
R
Amado.
Em Junho de 1909, sendo quintanista de
Direito, publicou cm Coimbra A APASSIO-
NATA DE BEETHOVEN E VIANA DA
MOTA - folheto de critica musical. Ed. França
que sustentou a necessidade de se facilitar, não só em
Portug,11 como em toda a Europa, a formação de
emprezas norte-americanas. Ao autor parece a influên-
cia destas émprezas altamente favorável - ainda mais
sob o ponto de vista psicológico do que económico.
Em 1910, A SITliAÇ_,ÍO D0 ESTUDANTE Pela rn.esma ocasião publicou ainda na •Palavra»
E.\! PORTUGAL -conferência realizada na Liga um artigo sôbre as ORIGENS PSICOLÓGICAS DO
Nava\ de Lisboa. BOLCHEVISMO. Esse artigo originou uma interes-
Por essa mesma ocasião, ou pouco !lntes, sust'cn- sante polémica entre o autor e Mário Saa, debatida
tou com Antonio Arroyo e ~lkhel Angelo Lambertini, no mesmo jornal.
na revista dêste, uma pequc,rn polémica em defesa do Em Fevereiro de 1923, publicou o folheto escan-
folheto A .APASSIONATA DE BEETHOVEN E daloso SODOMA DIVINIZADA. Por influência da
VIA,VA .DA J.IOTA.. Na mesma revista-«Art" « Epoca ., da Jg_ reja, e dum grupo Je estudautcs, foi
Musical• - col_aborou com vários artigos: Entre êles êste folheto apreendido.
com o estudo de filosofia arti sti.:a ROBEJ?TO SCHU- Sôbre tal caso, publicou cm Abril do mesmo ano o
MANN E A ESTHETICA ,lfUSICAL, impresso em manifesto UMA LIÇÁO DE MORA!, AOS ES·TU-
fins de t 9 t 2 ou princípios de 191 3. DAN'TES DE LISBOA E O DESCARAMENTO
Em t 91 3 publicou o estudo filosófico À LIBER- DA IGREJA CATÓLICA.
DADE TRANSCESDENTE (Ed. da Livraria Tei- Em Março de -~924, fez sair um novo manifesto:
xeira - Lisboa), violentamente atacado por Leonardo A VISÁO DE DOIS ARTISTAS E ALUXURIOSA
Coimbra na • Aguia ». LOUCURA DE DEUS.
Em Junho de 191 5, publicou no segundo número A actividade jocnalistica de Raul_Leal - anterior-
do • Orpheu • o conto chamado A TEL[ER; conto mente demasiado doutrinária-começa, por assim
que o autor declara necessitar ser revisto, para mere- diier, em Maio do mesmo ano. Entra então como
cer fazer parte da sua obra. redactor no • Correio da Noite•, onde em 1924 e 1925
Pela mesma ocasião, ·um mês depois do 14 de publica artigos violentíssimos. Levanta várias Campa-
Maio, lançou contra Afonso Costa e os seus um mani- nhas sensacionais. Colabora na •Restauração» e em
festo violentíssimo: O BANDO SINISTRO. O pró- outras folhas,
prio autor o distribuiu no, Café Martinho. · No mesmo ano de 1925, faz sair na « Athena •
Em 1916, estando Ra11lLeal_em Espanha, saiu no A LOUCURA UNIVER!i-AL. Depois. de vertido para
número único do •Centauro» o seu -conto chamado francês, servirá êste artigo de introdução ao seu livro
A A VENTURA DUM SATYRO OU A MORTE LA FOLIE DE DIEU: segundo da série LUX
DE ADÓNIS; que, por sinal, saiu estragado de 'THEOLOGICA, que constará de cinco livros.
gralhas. Ainda no verão de 1925, colaborou na « Gazeta
Em Setembro de 1917, publicou no • Portugal dos Caminhos de Ferro». Entre _vários artigos, publi-
Futurista» um artigo escrito em francês sôbre Santa cou aí O PERIGO ORIENTAL . . E no outono do
Rita Pintor ... Artii:o de cuja forma o autor diz não se mesmo ano, saiu com o semanário político • A Rea-
orgulhar muito, cção•- Num livro que possivelmente será o seu único
Nesse mesmo ano e no seguinte - anos em que o livro publicado em português-,. pensa Raul Leal fazer
autor concebeu definitivamente o Paracletianismo- surgir ordenadamente toda a sua actividade .jornalls-
publicou no •Liberal• uma série de artigos de doutri- tica combativa.
na, ismo político-religioso. No verão de 1926, levantou uma campanha contra
Em Abril de 1918 escreveu o se.u livro-poçma a Provedoria da Assistência Pública de .Lisboa. Consta
.ANTÉCHRIST ET LA GLOIRE DU SAINT- essa campanha de dois manifestos,- e cartas saídas no
-ESPRIT, s_ó publicado em Dezembro de 1920. Ed. « Correio da Noite», E valeu ao autor o sair ensan-
Portugália. E' êste o· primeiro livro da série LE guentado dum conflito gravíssimo no Café Nacional.
DERNIER 'TES'TAMEN'T - de que fazem parte De Março a Junho de 1927, publicou o panfleto
MESSE NOIRE, LE PROPHETE SACRÉ DE LA político e sociológico O REBELDE.
MOR'T-DIEU, PSAUJfES, LE . ROYAUME DE No mesmo ano e no actual, tem colaborado na
LA MOR1, e ' outros. Serão, ·ao todo, dôze livros. • Presença ».
Em 1922 publicou no segundo número da « Con- Raul Leal considera o melhor da sua Obra, vasta
temporanea • o discurso A DERROCADA DA e diversa como se vê, as seguintes obras inéditas:
'TÉCNICA-lido anteriormente no Chiado Terrasse, O INCOMPREENDIDO-peça em 3 actos, escriia
Foi êste discurso lido a propósito da chamada Questão em Outubro de 1910; - UNE BACCHANALE
dos Novos, sôbre a qual também escreveu um artigo É'TRAN"GE-peça em 3 ac.tos, escrita em portaguês
no • Diário de Lisboa ". no ano de 19 t 3 e em francês no de 1914, considerada
Ainda em 1922, levantou no •Tempo• e na «Pala- (Continua 11apágina u)
“ Presença vide
,
e O MENTA RI O li
La Gactla Li/t,-aria, jornal de literatura que se pub1ica
,
A "0ACETA PORTUOUESA,,
DE "LA OACETA LITERARIA,,
Senão vcj~-se a desorganização, o tot'a-a·ludo que os núme·
cm Madrid, na índole de ús Nouve/ir, Litlérairr,, de Paris, ros publicndos revelam . '
e de La f'iera Ltlltraria, de Milão, criou nas ·suai\ páginas ' Não se dizem ·os intuitos da sua publicação; nio se mos-
uma Gacita Po,-tugueJa a par ' das gazetas Catalã e Ame· tram as nossas tendencias; não se esboça um plano orienta-
ricana. La Gactta Literat·ia teve, com cstll iniciativa, acm dor; f'Jáo se criam secções de crítica literária, arrist ica, teatral.
dúvida, o intuito simp4tico e desinteressado ãc dar cxpinslo Enfim, o Senhor Ferreira de Castro escreve, uns atrlis dos
às nossas letras dentro de Espinha. Assim o cremos, pelo . outros, nomes de autarcs · títulos de obras,. como se esti-
menos. Seja-nos permitido, pOrém, comentar o significado vesse fazendo uma resenha bibliográfica ( mas uma pêssima
<\essa p4gina, a qua'I, incontcstiivclmcntc; dcsd,e- que bem resenha); e a nossa página, como.não há matéria prima para
dirigida, s~ria u~ clcmçnto importantíssimo de propaganda prcenc~@-la totalm~nte, serve de cscoadoirp às outras. Sendo,
da nossa literatura contcmporAnca. d@ste modo, que nos encontramos com uma amálgama de
.O nosso comenttfirioapenas •i.sa lstc ah·o : a Gacela Pot""· artigos portugueses, galcgo.s, sobrâs de espanhóis, noticiasi-
tuguesa, de La Gacela Li/traria, podendo ser .-~mbora um nhas de banquetes .ao Senhor Ferreira de Castro, etc., etc.
motivo de orgulho para nós portugueses, originada num Mas, hi mais: Alguém, de Li,boa, escreve à Gactla
acto cordeal dos intelectuais espanhois seus criadores, assume Lileraria felicitando-a · pela s1:1a inici11.tiva e, nessa .carta,
um, aspceto de certo modo equívoco, uma vez inscna a par afirma-se não existir cm Portugal uma única. rc•ista ou jor-
das Catalã e Americana. Uqia página pórtuguesa, ainda que nal onde seja possível colàbor'arem, com indepcnd~ncia 1
escrita' cm português, abr.açada num circulo de p4ginas escritores novos. Declara-se não sC publicar, . actualmentc,
duma região ede paises que os próprios dir'igentes de La 11b-nosso pais, nenhum periódico literário 1l"n0dt:rno. Ora,
Gacela Lileraria~ não há muito tempo, afirmavam subordi- quem · tal afirma . /a\ que não conhece o nosso jor11al. Pois;
nádós ao mtridia110-inteltétua/ d, Madrid- mostrar -nos-hi tt, já dois anos que se . publica a Pr'est11ça,onde colaboram,
ao resto da Europa · e a Améric11 subordinados à @ssemesmo regularmente: Fc:rnando Pessoa, Raul Leal, Mtii-io Saa, Antó-
meridiano . nio Botto, António de Navarro, Gil Vaz, Carl os Oueitó!,
O que não 6 verdade! Afon so ,Duarte: . onde .Alma-da Negreiros, Diogo de Macedo,
Dôrdio Gomes, Sarah Afonso t@mpublicado desenhos; oadc
~almentc dec;laramos, aqui estarmos convencidos de que António .Ferro não colaborou por niio se ter o(crec,do opor-
os directores do i:9roal espanho' procederam sem premedita- tunid áde; e onde çoloborarão todos os que o pretendam,
ção. Nós tcmQs.: .pela Espanha e pelos seus escritores uma desde que o mereçam.
consideração pouco •ulgar cm Portugal - consideração que E a suã exisrencia não passa rão desapercebida que não
se fundamente, fácilmenJe, por exemplo~ com a conferência tenha .merecido referências repetida~ da própria La Gaceta
sôbre Lite,•a/ura Espanhola Conlempo, ·â11ta realizada, cm Literaria: do E/ Sol, pela bôca do professor da Universi-
Coimbra, por um dos nossos c{frectores; da Espanha têm, dade de Salamanca, Manuel Garcia Blanco; que nã9. tenha
-nos vindo _provas de consideração que muito apreciamos cheg ado ao conhecimento de No$olros, da Argentina ; da
(Gimcnci Caballcro, cm La Gace/a Lit,raria e Manuel Circm1Palacion; do México; çla Musica/ia, de Cuba; de El
Garcia Blanco, cm E/ Sol);- mas nada disto impede que_ Puehlo Gall,go, ·de Vigo; de La Fier.:: Lc/lera,·ia, de
manifestemos, sinceramente, o nosso desacôrcfu -sôbre a publi- Milão; que, a ela, se não tenham referido, elogiosamente, a
cação dessa Gactla Port11gu,sa nas condiçlScs aludidas. &ara Nova, de LisbQa e a Porlucale, do Porto; q ue não
Al~m de que I maneira como essa págin~ tem aparecido · tenha de!pertad._o o interesse de Valcry Larbaud; que não
colaborada só nos pode desprestigiar. Ao Senhor An\ónio ,tenha merecido a consideração de Gimcnez Cab allero, mani-
Ftrro, cs~riror que trouxe para a literatura portuguesa mo· festada nuina entrevista concedida ao Diário de Nolicias e
dema algumas novidades e que, sem -dúvida. possúi quali· numa .confer~ncia realizada cm Madrid . . .
dados de literato aprcciinis -faltam · oa prcdi.cadoa indis- Mas o dito Sénhor não a conhece,l I'aci@ncia... Tam-
pensáveis para lhe !a\primir uma direcçio inteligente e critica. b4!m nós não o conhecemos .....
e
NOSOTRúS
o R
- Buenos Aires - N.• 233, . Octubrc, ,928.
Salicntainqs: Mariano Antoaio Barit.nechca --À dd11d•
R IODO
E I o
la mentalitá, etc., etc., desli studenti d'oiigi 1;_Giu-
aeppe Preuolini - La prodprront libraria rn ]Ili/ia ,
vamos,; Clemente Ricci- Las pictografias de Cordoba. all'eitero; I premi ltlltrari it~liani; Gui/!o Manacorda
N. 0 234, Noviembre , 1928. Salientamos : Marti Casan~ -Papi1u· t l'idealismo; Domenico Bulteretti - L' e/á
vas - La mo,-al socialy ti arte; Emilio Pcttoruti: Jorge barocca (sôbre um lino de Bencdctto Croce ).
dt Clririco. · CIRCUN,VALACION - Müico, 1929. Salientamos: Se-
LA FlçRA LETTERARIA - Milano - giornalc settima- bastiá Gasch-Joau Mir ó; Xavier. Abril-Po,mas en
nale di lettcre scienze ed arti-N .• 1, n.• 2, n.• 3 e n.• 4, Expo•ició11;Humberto Rivas- l.a Vil/e Multip/e; Tris -
Janeir?, 1929. Salientamo1: La noslra iuchies/a 1) quali tan Rcmy ·-Dramt .
T Á B u A B B L 1 o o R Á F 1 e A
pelo autor talvez · a sua melhor obra; i.E RO YAUME reli&ião futurista do Espirito i;,anto. Em Portugal, o
D~ LARVES - peça em 4 . actos, carecente de aparecimento oficial · do Paracletianismo é representado
grandes alteraçõe~ (1914); o poema MESSE NOIRE por A VI,SÁO DE DOIS ARTISTAS E A LUXU-
(1926); o em conclusão-LE ,PROPHE'TE SAGRE RIOSA LOUCIJRA DE DEUS (15 a 17 de Março
DE LA MORT-DIEU; .~ete dos PSAUMES; que de 1924) . «J'ai reçu et luave c-plaistr votre LETTRE
serão doze; fragmentos de várias obras em preparação, TRES IMPORTANTE _ . •• sublinha Marinetti na
pertencentes às duas séries : LA CRÉA '1ION DE carta .em qtte ·respondeu à já citada. Entre nós, pou-
L'AVENIR e LUX 'THEOLOGICA; o estudo de cos se não enver.gonhariam de considerai' MUITO
propaganda social OS TREZ FLAGELOS E O REI- IMPORTANTE iJ.ma carta de 'Raul Leal: A elevação
NO DE DEUS; finalmente, uma carta ·escrita a Mari• e a hicidez dum e.ptriio tão estranho é perfeitamente
netti no ,·erão de 192 1. Nessa carta, Raul Leal expl5e inadmissivel ao cérebro dos nossos HOMENS DE
longamente a Marinetti as suas doutrinas relativas à SENSO.
1l
“ Presença vide
“Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo”:%
Raul%Leal%escreve%a%Fernando%Pessoa,%
na%morte%de%Mário%de%Sá8Carneiro%
%
Ricardo Vasconcelos*
%
%
Palavras7chave%
%
%Raul%Leal%em%Espanha,%Suicídio%de%Mário%de%Sá8Carneiro,%Correspondência%com%Fernando%
Pessoa,%Vertiginismo%e%Relatividade%
%
Resumo%
%
A%Coleção%Fernando%Távora%inclui%vários%documentos%relacionados,%mais%de%perto%ou%mais%
tangencialmente,% com% a% morte% de% Mário% de% Sá8Carneiro,% nomeadamente% cartas% enviadas% a%
Fernando%Pessoa%a%respeito%do%tema.%Entre%elas%destaca8se%o%texto%de%uma%carta%de%Raul%Leal%
a% Pessoa,% escrita% a% 7% de% Maio% de% 1916,% em% que% o% filósofo% reage% à% notícia% da% morte% de% Sá8
Carneiro,%que%lhe%fora%enviada%por%Pessoa,%procurando%descrever%a%forma%como%ele%mesmo%
a%teria%somatizado,%e%teorizando%a%respeito%dela.%A%teorização%de%Leal%procura%abarcar%a%sua%
própria% espiritualidade,% uma% projeção% astral% das% suas% emoções,% que% ecoa% a% então% recém8
apresentada%teoria%da%relatividade,%e%a%crença%no%valor%redentor%da%obra%artística.%Este%artigo%
contextualiza%a%relação%de%Sá8Carneiro%com%Leal,%revisita%as%cartas%de%Leal%para%Pessoa%e%Sá8
Carneiro% conhecidas,% transcreve% a% carta% em% questão,% e% sistematiza% aspetos% principais% da%
argumentação%e%do%estilo%lealinos.%%
%
Keywords%
%
%Raul%Leal%in%Spain,%Mário%de%Sá8Carneiro’s%suicide,%Letters%to%Fernando%Pessoa,%Vertiginism%
and%Relativity%
%
Abstract%
%
The%Fernando%Távora%Collection%includes%different%documents%related%to%the%death%of%Mário%
de%Sá8Carneiro,%namely%letters%to%Fernando%Pessoa.%Among%them,%a%letter%from%Raul%Leal%to%
Pessoa%is%of%particular%interest.%In%it,%Leal%reacts%to%the%news%of%Sá8Carneiro’s%death,%sent%by%
Pessoa,% by% describing% how% he% himself% had% somatized% it,% and% by% theorizing% about% it.% Leal’s%
argumentation% brings% together% his% own% spirituality,% an% astral% projection% of% his% own%
emotions,%in%which%he%echoes%the%then%recently%presented%theory%of%relativity,%and%a%defense%
of% the% redeeming% role% of% the% artist% and% his% work.% I% contextualize% Sá8Carneiro’s% relation% to%
Leal,%revisit%the%letters%sent%by%Leal%to%Pessoa%or%Sá8Carneiro%known%thus%far,%transcribe%the%
newly%found%letter%by%Leal,%and%systematize%the%main%characteristics%of%Leal’s%reasoning%and%
style.%
%
%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*%Universidade%Estadual%de%San%Diego%(Califórnia),%Departamento%de%Espanhol%e%Português.%
!
Vasconcelos "Foi como se fôsse eu o Suicidádo"
Entre% os% documentos% que% integram% a% Coleção% Fernando% Távora,% há% vários%
relacionados,%mais%de%perto%ou%mais%tangencialmente,%com%a%morte%de%Mário%de%Sá8
Carneiro,%normalmente%diálogos%epistolares%estabelecidos%com%Fernando%Pessoa.%É%
o%caso%de%um%conjunto%de%cartas%enviadas%a%Fernando%Pessoa%por%Carlos%Ferreira%e%
José%de%Araújo,%com%várias%pistas%sobre%os%manuscritos%de%poemas%encontrados%—%e%
guardados%—%por%Ferreira%em%Paris,%no%momento%em%que%se%recolhiam%os%haveres%
do% malogrado% poeta,% cartas% estas% recentemente% publicadas% pela% primeira% vez% (SÁ8
CARNEIRO,%2017:%5578571).%É%o%caso%ainda%de%outra%correspondência,%como%a%de%Tito%
Bettencourt,% amigo% de% Sá8Carneiro,% ou% de% César% Porto.% E% é% neste% contexto% que%
ganha%especial%destaque%o%texto%de%uma%carta,%absolutamente%única,%de%Raul%Leal%a%
Fernando%Pessoa,%de%7%de%Maio%de%1916,%carta%esta%em%que%o%filósofo%reage%à%notícia%
da%morte%de%Sá8Carneiro,%que%lhe%fora%enviada%por%Pessoa.%%
Trata8se% de% uma% carta% particularmente% rica% por% vários% fatores.% Desde% logo,%
pela% descrição% da% impressão% fortíssima% que% a% notícia% causa% em% Leal,% a% ponto% de% o%
filósofo,% alegadamente,% ter% somatizado% o% ocorrido.% Mas% é% uma% carta% rica% também%
porque%a%notícia%da%morte%de%Sá8Carneiro%leva%Leal%a%teorizar%profusamente.%Raul%
Leal% procura% resolver% o% desconcerto% do% suicídio% —% de% qualquer% suicídio,% mas%
especificamente%o%de%Sá8Carneiro%—%na%sua%própria%espiritualidade,%levando%a%que%
a% sua% individualidade% emocional% encontre% simetria% em% noções% como% as% de%
vertigem,%infinito,%ou%eternidade.%Por%outro%lado,%Leal%tenta%também%ver%no%suicídio%
uma% forma% de% o% artista% e% a% sua% obra% poderem% de% algum% modo% abrir% caminho% à%
restante%sociedade.%A%carta%destaca8se%ainda%pela%extravagância%da%sintaxe%lealina,%
que%se%radicaliza%devido%ao%impulso%especulativo%a%que%Leal%se%entrega%totalmente.%
A% prosa% epistolar% lealina% é% aqui% um% corpo% a% corpo% intelectual% que% parece% quase%
físico,% dir8se8ia,% extremando% as% características% da% sua% escrita% dos% anos% de% Orpheu%
(1915)%e%da%década%subsequente,%até%Sodoma,Divinizada%(1923).%
Este% ensaio% começa% por% contextualizar% a% relação% de% Mário% de% Sá8Carneiro%
com%Raul%Leal,%revisita%as%cartas%de%Leal%a%Pessoa%e%a%Sá8Carneiro%conhecidas%até%os%
dias%de%hoje,%transcreve%a%nova%carta,%aliás%bastante%singular,%que%aqui%se%apresenta,%
e%sistematiza%as%suas%características%principais,%bem%como%o%estilo%lealino%em%geral.%
%
I.%Raul%Leal%por%Sá7Carneiro:%entre%“Orfeu%de%mais”%e%o%“limite%da%fraqueza”%%
%
A%coabitação%de%Mário%de%Sá8Carneiro%com%Raul%Leal%nas%páginas%de%Orpheu,e%no%
espaço% do% modernismo% português% apresenta% algumas% nuances% que% vale% a% pena%
ressaltar.% Deixarei% de% lado% uma% contextualização% das% principais% polémicas%
relacionadas%com%a%obra%lealina,%que%são%já%por%demais%conhecidas,%nomeadamente%
a%sua%distribuição,%em%1915,%em%espaços%públicos%de%Lisboa,%de%“O%Bando%Sinistro”,%
em% pleno% contexto% de% maior% acrimónia% pública% em% relação% à% revista% Orpheu% e% às%
palavras%de%Pessoa8Álvaro%de%Campos%acerca%do%acidente%que%ferira%seriamente%o%
líder% político% Afonso% Costa.% Ou% ainda% a% polémica% causada% pela% publicação% de%
Sodoma, Divinizada,% ensaio% que% faz% a% apologia% pública% de% um% homoerotismo%
espiritualizado%—%quanto%a%nós%talvez%ainda%menos%que%uma%defesa%da%escrita%de%
António%Botto%—,%bem%assim%como%a%forma%como%Pessoa%vem%em%defesa%de%Leal,%
após% a% polémica% causada% por% essa% publicação.% Acerca% destes% temas,% veja8se,%
nomeadamente,%a%edição%de%Sodoma,Divinizada,%de%Aníbal%Fernandes,%com%especial%
atenção% à% introdução% e% à% cronologia% do% editor% (LEAL,% 2010),% o% artigo% de% Rui% LOPO%
(2013),% o% capítulo% de% Márcia% Seabra% NEVES% (2015);% bem% assim% como% os% ensaios% de%
António% ALMEIDA% (2015,% 2017a% e% 2017b).% Estes% são% temas% que% enquadram%
genericamente% a% obra% de% Raul% Leal,% mas% importa8me% sobretudo% destacar% aqui%
vários%aspetos%da%relação%entre%este%escritor%e%Mário%Sá8Carneiro,%de%modo%a%melhor%
compreender%a%carta%a%Fernando%Pessoa%que%aqui%se%divulga.%%
A% visão% de% Sá8Carneiro% em% relação% a% Leal% parece% ser% marcada% desde% cedo%
pela%impressão%de%extravagância%que%o%segundo%suscita%ao%primeiro,%mesmo%no%que%
diz%respeito%à%participação%de%Leal%na%revista%Orpheu.%Vemo8lo,%desde%logo,%quando%
Mário%de%Sá8Carneiro%regressa%a%Paris%em%1915,%já%depois%da%publicação%de%Orpheu%e%
de%toda%a%comoção%pública%suscitada%pela%revista,%e%meses%mais%tarde,%quando%Sá8
Carneiro% declara% a% Pessoa% que% o% terceiro% número% da% revista% seria% inviável.% No%
contexto% das% movimentações% de% Guilherme% de% Santa% Rita% (ou% Santa% Rita% Pintor)%
com%vista%a%tentar%imprimir%ele%mesmo,Orpheu%3,%ou%uma%revista%que%a%evocasse%ou%
lhe%aproveitasse%o%título,%hipotético%projeto%a%que%Sá8Carneiro%não%aprecia%ver%o%seu%
nome%associado,%o%escritor%português%radicado%em%França%relaciona%Leal%a%figuras%
de% Orpheu% das% quais% se% tinha% distanciado.% Numa% carta% de% 17% de% julho% de% 1915,%
pergunta%de%um%jato:%“O%Leal%circula%ainda?%O%Santa8Rita%Pintor%tem%aparecido%por%
Lisboa?”%(SÁ8CARNEIRO,%2015:%316),%associando%mentalmente%os%dois%colaboradores%
de%Orpheu.%A%15%de%Novembro%desse%ano,%pergunta:%“E%Leal,%Montalvor%&%Cia?%(SÁ8
CARNEIRO,% 2015:% 419).% Afirma% ainda,% a% 20% de% Novembro% de% 1915:% “Muito%
interessantes% noticias:% em% particular% rompimento% Leal% —% Santa8Rita% Pintor”% % (SÁ8
CARNEIRO,%2015:%423).%A%determinada%altura,%Sá8Carneiro%parece%demonstrar%que%a%
sua%familiaridade%em%relação%a%Leal%é%bastante%menor%que%a%de%Pessoa,%mas%ainda%
assim% evidencia% alguma% consideração:% “Agradeço8lhe% pela% piada% —% que% disse% ao%
Leal% sobre% a% imortalidade% do% Pintor.% Ri% ás% bandeiras% despregadas.% Que% sorte% sem%
nome% o% pintor% deu% por% certo% —% se% o% Leal% lho% contou,% o% que% duvido,% pois% o% Leal%
parece8me% leal...”% (16% de% Outubro% de% 1915;% SÁ8CARNEIRO,% 2015:% 399).% Terá% sido,%
seguramente,% Fernando% Pessoa,% bastante% mais% próximo% de% Leal,% quem% procurou%
apresentar% com% algum% cuidado% o% caráter% único% deste% último,% e% em% particular% os%
aspetos% mais% valiosos% da% sua% vocação% filosófica.% Nesse% contexto,% Sá8Carneiro%
claramente% distingue% Leal% de% Santa8Rita,% a% quem% não% reconhece% qualquer%
profundidade% nas% suas% teorizações% artísticas,% que% ouvira% em% primeira% mão% em%
Paris:%“O%Santa8Rita%filosofo%e%a%falar%de%tempos%relativos%e%absolutos%é%de%morrer%
de%goso!%Claro%q[ue]%o%Leal%anda%na%historia.%Mas%não%deve%ter%escrito%nem%ditado%o%
texto.%Deve%ter%falado.%E%o%nosso%pintor%confusionado,%temperado,%condimentado.%
Admiravel!”%(carta%de%5%de%Novembro%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%414).%%
Sobre% a% relação% de% Raul% Leal% com% a% revista% Orpheu,% é% de% destacar% o% que% à%
primeira%vista%parece%ser%uma%contradição%da%parte%de%Sá8Carneiro.%É%conhecida%a%
passagem% em% que% diz% a% Pessoa,% aparentemente% reconhecendo% hipotéticos% méritos%
de%Leal%que%o%autor%dos%heterónimos%tivesse%apontado:%“O%que%diz%do%Leal,%curioso%
e%certo,%creio.%É%muita%pena%que%o%rapazinho%seja%um%pouco%Orfeu,de%mais”%(carta%
de%5%de%Novembro%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%413).%Contudo,%Sá8Carneiro%havia%
dito% pouco% antes,% quando% ainda% considerava% as% possíveis% contribuições% para% um%
Orpheu,3,%que%o%“limite%da%fraqueza%deve%ser%a%novela%do%Dr.%Leal%inserta%no%Orfeu,
2.%Daí%para%baixo%nem...%nem%poemas%interseccionistas%do%Afonso%Costa”%(carta%de%
31%de%Agosto%de%1915;%SÁ8CARNEIRO,%2015:%369).%Ora,%a%aparente%contradição%reside%
em%Leal%poder%ser%visto%como%o%“limite%da%fraqueza”%de%Orpheu,e%ao%mesmo%tempo%
como% “Orfeu% de% mais”.% Evidentemente% que% não% há% uma% contradição% em% sentido%
estrito,% mas% apenas% uma% plurissignificação% indicativa% do% todo% que% Orpheu, que%
representou% para% os% escritores% da% época,% a% começar% pelo% próprio% Mário% de% Sá8
Carneiro.%%
Na%primeira%frase%citada,%em%que%Leal%é%apresentado%como%“Orfeu,de%mais”,%
Sá8Carneiro% parece% referir8se% a% Orpheu, enquanto% revista% polémica% e% causadora% de%
escândalo;%na%segunda%frase%citada,%refere8se%apenas%à%revista%enquanto%conjunto%de%
textos% literários.% O% aspecto% mais% interessante% deste% contraste% está% no% facto% de% Sá8
Carneiro%distinguir%estas%duas%dimensões,%como%se%percebe,%ainda%que%ele%mesmo%
tenha% procurado% que% a% revista% adotasse% uma% estratégia% de% escândalo,% própria% das%
vanguardas%literárias%e%artísticas.%%
Eventualmente,% entre% o% final% do% ano% de% 1915% e% os% princípios% de% 1916,% Sá8
Carneiro%parece%aproximar8se%um%pouco%mais%de%Leal,%começando%mesmo%a%trocar%
correspondência% com% o% filósofo,% quando% este% vai% para% Espanha,% como% veremos%
adiante.%A%Pessoa,%Mário%de%Sá8Carneiro%pede%a%27%de%Novembro%de%1915:%“Quando%
Dr.%Leal%partir%diga8me.%Mas%que%vai%êle%fazer%a%Sevilha?%Você%sabe?%E%parece8lhe%
que% êle% arranjou% dinheiro?”% (2015:% 428).% O% comportamento% alegadamente% mais%
extravagante%de%Leal%parece%continuar%a%causar%algum%desconcerto%a%Sá8Carneiro,%
quando%diz%a%Pessoa,%na%véspera%de%Natal%de%1915:%“Desolador%e%hilariante%o%caso%
do%Dr.%Leal.%Respondi8lhe%ontem%pintando8lhe%em%negras%côres%a%vida%dos%artistas%
franceses% e% dizendo8lhe% que% achava% da% mais% grave% imprudencia% a% sua% vinda% aqui%
em% mira% de% arranjar% contrato% para% mimicas% ou% cinematografos”% (440),% e% a% 13% de%
Janeiro%do%ano%seguinte,%que%“O%Rodrigues%Pereira%detective%é%pendant,do%Dr.%Leal%
mimico”% (452).% Não% é% exatamente% claro% que% atividade% profissional% Leal% pretendia%
desenvolver,%mas%talvez%houvesse%aqui%alguma%relação%com%um%episódio%contado%
por%Aníbal%Fernandes,%como%tendo%decorrido%com%Leal%já%em%Espanha%entre%1916%e%
1917.%É%um%episódio%em%que%Leal%terá%procurado%reproduzir%a%sintaxe%performativa%
mais%extravagante%do%momento%Futurista:%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1%A%respeito%de%atribuições%erróneas%de%documentos%do%arquivo%pessoano,%e%em%particular%de%textos%
de% Leal% atribuídos% a% Pessoa,% Jerónimo% Pizarro% resumiu% os% contornos% de% dois% casos% conhecidos.% O%
primeiro%deles%é%a%tradução%para%inglês,%por%Pessoa,%de%uma%carta%de%Leal%a%Marinetti,%e%o%segundo%o%
artigo%“António%Botto%e%o%Sentido%Íntimo%do%Ritmo”%(cf.%PIZARRO,%2012:%2558257).%
%
%
%
%
Fig.%1.%Primeira%página%de%carta%de%Raul%Leal%a%Mário%de%Sá7Carneiro,%%
escrita%entre%27%e%30%de%janeiro%de%1916,%reencaminhada%subsequentemente%%
para%Fernando%Pessoa%(BNP/E3,!E371152781r).%
%
Quando%encaminha%a%carta%a%Fernando%Pessoa,%Sá8Carneiro%diz%ter%visto,%nas%
páginas%de%Leal,%o%belo;%mas%de%facto%apenas%terá%intuído%algo%próximo%do%sublime.%
Por%isso%fala%de%páginas%que%“chegam%a%ser%belas”,%mas%ao%mesmo%tempo%qualifica8
as% como% “terriveis% —% um% pesadelo% sem% sôno,% qualquer% coisa% de% alucinante% e%
miseravel”,%e%diz%ter%tido%“calafrios%ao%ler%essas%paginas”.%No%entanto,%Sá8Carneiro%
nunca% aceitou% uma% realidade% que% chamou% trágica,% “asquerosa”,% e% que,% por% via%
dessa% repulsa,% considerou% impossibilitar% qualquer% beleza% e% —% dir8se8ia,% qualquer%
aspeto% sublime.% No% fim% de% contas,% o% erro% possível% de% Sá8Carneiro% nesta% sua%
consideração% de% cariz% estético,% é% que% não% se% tratava% tanto% de% ser% a% sua% repulsa% a%
impossibilitar% o% belo,% mas% o% seu% próprio% sentimento% de% insegurança,% perante% a%
realidade% descrita% por% Leal,% a% impossibilitar% o% sentimento% do% sublime,% que% requer%
uma%liminar%forma%de%segurança,%a%qual%a%prosa%de%Leal%não%lhe%conferia.%%%
%
II.%O%requiem%de%Raul%Leal,%por%Mário%de%Sá7Carneiro%%
%
Até%hoje%apenas%foi%divulgada%uma%carta%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa;%aquela%
que% Mário% Cesariny% apresentou% em% O, Virgem, Negra,% juntamente% com% a%
anteriormente% descrita% cujo% destinatário% foi% de% facto% Sá8Carneiro% e% não% Pessoa.%
Ambas% as% cartas% estão% presentes% juntamente% no% espólio% pessoano,% tendo% esta% as%
cotas% BNP/E3,% 1152887% e% 88.% Raul% Leal% escreve% a% Pessoa% a% partir% de% Toledo,% em%
Dezembro%de%1916,%do%endereço%2,%Plaza%de%San%Ginés,%no%centro%da%cidade%(Fig.%2).%%%
No% arquivo% de% Fernando% Pessoa% na% Biblioteca% Nacional% de% Portugal,%
contudo,% há% ainda% uma% “Tarjeta% postal”,% que% cremos% inédita% até% hoje,% carimbada%
pelos% correios% espanhóis% a% 10% de% março% de% 1917,% e% chegada% a% Lisboa% dois% dias%
depois.% Nela,% Raul% Leal% limita8se% a% apresentar% a% Fernando% Pessoa% a% sua% nova%
morada%em%Madrid,%no%bairro%de%Lavapiés%(Figs.%3%e%4):%
%
% Meu%prezado%amigo%
Estou% de% nôvo% em% Madrid.% Cheguei% ha% um% mez.% A% minha% direção% é% Calle% de% los%
Tres%Peces,%30,%2.o%Derecha%onde%âs%súas%cártas%serão%sempre%muito%bem%recebidas.%%
Seu%amigo%e%admiradôr%
Raúl%Leal%
%
Neste%contexto,%é%particularmente%importante%o%texto%da%carta%inédita%que%Raul%Leal%
escreve,%também%em%Espanha,%a%Fernando%Pessoa,%aquando%da%morte%de%Mário%de%
Sá8Carneiro,% e% que% hoje% integra% a% Coleção% Fernando% Távora.% É% já% em% Madrid% que%
Leal%redige%essa%carta,%que%adiante%se%apresenta;%Leal%redige8a%no%dia%7%de%maio%de%
1916,% em% papel% timbrado% do% elegante% Café% Lion% d’Or,% um% importante% centro% de%
tertúlias%da%capital%espanhola.%%
%
%
%
%
Fig.%2.%Primeira%página%de%carta%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa,%
de%dezembro%de%1916%(BNP/E3,!E371152787r).%
%
%
%
%
Figs.%3%e%4.%“Tarjeta%Postal”%de%Raul%Leal%a%Fernando%Pessoa,%%
de%10%de%Março%de%1917%(BNP/E3,%1152789).%
%
Desde% logo% assinale8se% que% esta% carta% a% Fernando% Pessoa% ajuda% a% precisar%
com% maior% detalhe% os% movimentos% de% Raul% Leal% em% Espanha,% esclarecendo% que,%
ainda%em%1916,%Raul%Leal%esteve%até%os%“fins%de%márço%[...]%em%Sevilha”,%e%que%daí%
seguiu,%pouco%depois,%para%Madrid.%
Diga8se% desde% logo,% sobre% este% documento,% que% não% se% pode% descartar% por%
completo%a%hipótese%de%que%se%trate%de%uma%carta%efetivamente%enviada%a%Pessoa%e%a%
que%Fernando%Távora%possa%ter%tido%acesso.%Mas%há,%contudo,%razões%para%crer%que%
se%trata%de%um%rascunho%de%uma%carta,%cuja%versão%passada%a%limpo%possa%ter%sido%
enviada%ou%não.%No%seu%meta8arquivo,%Fernando%Távora%indica%que%os%lotes%20,%25%e%
38% incluem% manuscritos% vários% de% Raul% Leal,% incluindo% rascunhos% de% cartas.% Por%
outro% lado,% o% próprio% documento% aparenta% ter% características% próprias% de% um%
rascunho% —% nomeadamente% os% múltiplos% riscados,% que% encontramos% em% vários%
outros%rascunhos%de%Leal%—%e%que%o%escritor%tipicamente%não%mantinha%nas%cartas%
efetivamente%enviadas,%como%se%percebe%por%exemplo%nas%duas%cartas%a%Pessoa%e%Sá8
Carneiro% no% arquivo% de% Pessoa.% Parece% menos% plausível,% mesmo,% dado% o% seu%
conteúdo%e%a%circunstância%que%a%motiva,%que%Leal%não%tivesse%enviado%uma%versão%
limpa%da%mesma,%a%Pessoa,%embora%não%haja%sobre%isso%qualquer%certeza.%Conhece8
se,% contudo,% uma% anotação% de% Fernando% Távora% acerca% do% documento.% Como% nos%
indica% o% colecionador,% “Esta% carta% figurou% na% Exposição% realizada% quando% do% 1.o%
congresso% de% Estudos% Pessoanos% (Catálogo% n.o% 81)”,% informação% confirmada% pelo%
catálogo%dessa%mostra.%%
%
%
Fig.%5.%Anotação%de%Fernando%Távora,%%
anexa%à%carta%na%Coleção%(pormenor).%
%
Aqui% chegados,% importa% agora% comentar% o% conteúdo% da% carta,% que% adiante% se%%
apresenta%em%fac8símile%e%se%transcreve%%(Figs.%6%a%11).%Confesse8se%que%a%primeira%
leitura% desta% carta% de% Raul% Leal% —% e% provavelmente% até% algumas% mais% além% da%
primeira%—%podem%levar%o%leitor%a%um%imediato%silêncio,%tal%a%diferença%do%discurso%
lealino.% É% uma% diferença% estilística% que% se% nota% particularmente% nesta% época% mais%
conturbada%da%sua%vida,%diga8se,%já%que%cartas%de%outras%épocas%parecem%distinguir8
se% por% uma% maior% transparência,% uma% maior% limpidez% (veja8se% por% exemplo% a%
correspondência%de%Raul%Leal%com%Jorge%Sena;%SENA%e%LEAL,%2010).%O%contraste%com%
missivas%escritas%noutros%períodos%é%marcado%pela%impressão%de%uma%radicalidade%
do%discurso;%como%que%um%salto%no%abismo,%por%parte%de%Leal,%nos%anos%de%Orpheu,e%
do%apogeu%do%modernismo%português.%Nesta%altura,%e%como%se%vê%particularmente%
aqui,%o%escritor%procura%extremadamente%discernir%sentidos%profundos%para%a%vida%
e% a% morte,% e% funde% uma% espiritualidade% de% onde% está% ausente% a% própria% palavra%
Deus, com% a% mais% direta% imanência% dos% sentidos.% Ao% mesmo% tempo,% procura%
sintetizar%um%facto%tão%pouco%compreensível%na%sua%totalidade%para%o%ser%humano%
—% como% o% suicídio% do% seu% semelhante% —% juntamente% com% a% hipotética% redenção%
(talvez%Leal%preferisse%transfiguração?)%pelo%trabalho%do%artista,%chegando%a%pensar%
este% último% como% alguém% que% abre% novos% caminhos% para% os% que% o% sobrevivem,% a%
partir%do%gesto%que%é%o%seu%suicídio.%
Ora% o% espanto% que% causa% o% seu% discurso% emaranhado,% possivelmente%
esotérico,% prolífico% conceptualmente% —% uma% verdadeira% máquina% de% convocar%
conceitos%e%categorias%filosóficas,%ainda%que%não%necessariamente%os%desenvolvendo%
de% forma% consistente% —% não% nos% deve% fazer% desistir% de% analisar% alguns% dos%
elementos% constantes% da% carta,% que% nos% ajudam% a% compreender% um% pouco% mais% o%
modernismo% português.% Essa% dificuldade% também% não% nos% deve% dissuadir% de%
procurar%entender%e/ou%caracterizar%a%própria%linguagem,%tão%distinta,%desta%figura%
que% está% entre% as% mais% irreverentes% do% modernismo% português;% muito% pelo%
contrário.%Isto%porque%a%linguagem%em%causa,%ainda%que%provavelmente%única%e%ao%
arrepio%das%mentes%da%época,%contribui%ainda%assim%para%compreendê8la,%seja%pelas%
ideias% expressas,% seja% pela% própria% forma% como% elas% são% enunciadas.% Observemos%
assim% algumas% das% características% desta% carta,% conscientes,% porém,% de% que% terão%
forçosamente% de% ser% várias% as% vozes% a% pronunciarem8se,% para% que% se% possa% fazer%
uma%qualquer%síntese%da%originalidade%do%discurso%de%Raul%Leal.%
Esta% carta% evidencia% que% foi% Pessoa% quem% deu% a% notícia% da% morte% de% Sá8
Carneiro%a%Leal,%motivando8o,%assim,%a%responder,%menos%de%duas%semanas%depois%
do%suicídio%em%Paris.%Vemo8lo%nas%passagens%em%que%Raul%Leal%ilustra%o%seu%choque%
com%a%notícia:%“Foi,pavorósa,e,sublime,â,impressão,que,me,deixou,â,súa,carta...,Recebi8a%
de,noite%e%em%circunstancias%fantásticas!%|%Só%por%si%tive%conhecimento%do%suicidio%do%
nósso% querido% amigo% que% foi% Vivêr% em% Púro% Espirito% despedaçando% Arte...”% O%
aviso,% por% Fernando% Pessoa,% desde% logo% evidencia% a% camaradagem% entre% os% três%
escritores.% Mas% Pessoa% terá% mencionado% ainda% a% necessidade% de% homenagear% Sá8
Carneiro.%Numa%carta%datada%de%20%de%Maio%de%1916,%enviada%de%Paris%a%Fernando%
Pessoa,%por%Carlos%Ferreira%—um%dos%amigos%de%Sá8Carneiro%que%trataram%do%seu%
funeral—%percebemos%que%Pessoa%teria%escrito%a%Ferreira%acerca%da%melhor%maneira%
de%divulgar%postumamente%a%obra%inédita%de%Sá8Carneiro,%talvez%até%considerando%
que%a%mesma%exigiria%tempo%ou%indicando%que%a%mesma%deveria%ir%sendo%publicada%
na%imprensa.%Vemos%que%Ferreira%expressa%o%seu%desacordo%quanto%aos%planos%de%
Pessoa:%
%
Infelizmente%não%posso%estar%d’accordo%comtigo%no%que%diz%respeito%a%edicção%dos%ineditos.%
A%minha%ideia%era%outra%muito%differente.%Publicar%tudo%sim%n’um%volume%(edicção%de%luxo,%
edicção%á%Sá8Carneiro,%elle%que%tanto%gostava%dos%livros%elegantes).%Ilustrar%com%o%retrato%do%
auctor,% um% bom% retrato% pois% não% faltam% aqui,% e% alguns% autographos% fac8simile.% Quanto% á%
capa,%esquisita%mas%não%escandalosa.%Trata8se%d’uma%homenagem.%Mas%meu%caro%Fernando%
Pessôa:%nada%de%discordia%entre%nós,%sobretudo%eu%que%nada%represento%no%grupo%futurista%e%
que%nada%quero%com%semelhante%gente,%pondo%de%parte%a%tua%pessoa,%clarissimo,%a%unica%que%
respeito,% admiro,% perante% quem% me% curvo% e% a% unica% que% tinha% peso% na% opinião% do% Mario.%
(SÁ8CARNEIRO,%2017:%5658566)%
%%
Não%é%possível%precisar%o%plano%que%Pessoa%teria%idealizado,%ou%o%que%teria%
dito% especificamente% a% Ferreira—% embora% pareça% claro% que% teria% expressado% algo%
diferente%da%intenção%de%publicar%imediatamente%um%livro%de%inéditos.%Mas%Pessoa%
terá%mencionado%a%Leal,%possivelmente,%a%hipótese%de%uma%publicação%em%livro,%o%
que%talvez%esteja%na%base%da%passagem%de%Leal%em%que%este%diz%que%é%“necessário%que%
ésta% Mórte% não% pásse% desapercebida,% nós% tôdos,% Intelectuáes% e% Artistas,% têmos% o%
devêr% de% impôr% â% Personalidáde% do% Mário% de% Sá8Carneiro% â% tôda% éssa% gente”,%
falando% ainda% de% “manifestações% fúnebres,% incluindo% â% elaboração% dúm% livro% In,
Memoriam”.% Em% alternativa,% talvez% a% ideia% aqui% expressa% fosse% simplesmente% de%
Leal,% não% deixando% de% ecoar% um% desejo% coletivo,% dos% escritores% de% Orpheu,% de%
imporem% a% memória% de% Sá8Carneiro% a% um% meio% cultural% que% lhe% fora% hostil%
aquando%da%publicação%da%revista.%%%
Quanto%à%notícia%da%morte%de%Sá8Carneiro,%Raul%Leal%descreve%o%que%parece%
ter% sido% um% fortíssimo% choque,% reforçado% ainda% pelo% facto% de% também% ele%
aparentemente% ter% considerado% a% hipótese% do% suicídio,% nos% momentos% de% maior%
penúria%vividos%até%então.%De%certa%forma,%Leal%diz%ter%somatizado%o%sofrimento%do%
suicídio%de%Sá8Carneiro:%“Todos%os%meus%nêrvos%se%me%contrairam%tanto%que%senti%
verdadeiramente%tôda%â%opressão%contorcida%dúma%Asfixia%Gerál.%Sim,%porque%não%
foi% só% â% garganta% nem% o% peito% que% se% me% contraiu% em% torsão% mâs% túdo,% túdo% em%
mim% se% asfixiou...% Tornei8me% â% própria% Asfixia% em% Si”.% A% somatização% da% última%
hora%de%Sá8Carneiro%parece%evidente,%bem%como%a%sua%causa,%que%aliás%é%confessada%
por% Leal:% “â% minha% sensibilidade% excessiva% arrasta8me% o% Universo...”% E% é% por% isso%
que%confessa:%“Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo,%foi%cômo%se%fôsse%eu%quem%vivêsse%
â%Morte!”%
Esta% impressão% intensa% lança% Raul% Leal% numa% torrente% discursiva,% ávida% de%
conceptualização.% É% um% discurso% que% se% desdobra,% enrola,% autotorturado,% no%
sentido%de%encontrar%uma%racionalização%da%morte%ou%de%encontrar%uma%explicação%
para%ela.%Estas%tentativas%são%feitas%em%duas%vertentes:%num%discurso%em%que%Leal%
se%reporta%à%sua%própria%espiritualidade%projetada%“astralmente”%numa%animização%
do% Nada% (para% o% parafrasearmos% o% escritor);% ou% na% defesa% da% singularidade% da%
atividade% artística.% Por% isso% Leal% começa% mesmo% por% sugerir% a% Pessoa% que% se%
suponha%“fôra%da%Térra,%suspenso%no%éter,%em%volta%só%trévas%e%trevas%de%vácuo%sem%
consistencia”,%continuando%a%frase%num%crescendo%que%termina%interrogando8se:%“o%
próprio% Vácuo8Fantasma% de% Infinito% em% Iternidáde,% Infinito% Abstráto, em% Abstráta,
Iternidáde,% não% é% â% Opressão8Púra8Em8Liberdáde% da% Asfixia% em% Si?...”% É% nesta%
fusão% entre% espiritualidade% e% projeção% astral% da% sensação% íntima% que% aparece% a%
noção%de%vertigem,%recorrente%na%sua%escrita.%%
Em%relação%à%tentativa%de%encontrar%uma%explicação%para%a%realidade%através%
da% defesa% da% redenção% da% vida% humana% e% da% sua% morte% pela% arte,% vemos% Leal%
afirmar% numa% nota% acrescentada% e% riscada% na% primeira% página% da% carta,% que% “A%
transf[iguração]% do% S[á8]C[arneiro]”% será% “â% transf[iguração]% da% Vida”;% e,% no%
conteúdo%da%carta,%dizer%ainda%que:%%
%
Pavorósa% será% â% Transfiguração% da% Vida% mas% Sublime% será% tambem,% procurêmo8la% numa%
anciedáde% espasmódica,% sublimemente% nos% enchendo% de% Vertigem8Vácuo...% A%
Transfiguração%do%Artista%é%o%Grande%Principio%da%transfiguração%da%Vida,%Êle%encheu8se%dâ%
Glória%de%arrastár%na%Vida%que%é%Êle,%que%é%Nós%â%Livida%Mortálha.%Foi%â%Vida%que%começou%
â%Morrêr...%Principio%Formidável!%%
%
Em%suma,%Leal%encontraria%na%próprio%suicídio%de%Sá8Carneiro%uma%coragem%
redentora%que%evitava%reduzir%a%sua%morte%à%simples%voragem%pelo%real%quotidiano.%
Assim,% Leal% veria% no% suicidio% de% Sá8Carneiro% um% mérito% especial,% e% nunca% uma%
mera%desistência.%É%por%este%motivo%que%Leal%vai%ao%ponto%de%propor%a%morte%de%Sá8
Carneiro% como% exemplo% de% comportamento:% “O% Artista,% convulsionando8se%
crescentemente% em% espetralismo% púro,% núma% arrancáda% espetrál% se% precipitou,% o%
terror% feroz% do% Além% que% Ele% presagiava% para% â% Vida,% como% Actuação% Animica%
contrasticamente%â%si%próprio%se%gerou%e%foi%o%Artista%assim%que%núm%esfôrço%Divino%
nos%apontou%o%Caminho%dâ%Nêgra%Claridáde...”%
No%artigo%“A%Visão%Luxuriosa%de%Raul%Leal,%Profeta%Sagrado%da%Morte%e%de%
Deus”,% publicado%neste%mesmo%volume%da%Pessoa,Plural,%António%Almeida%sugere%
que% Leal% “é% um% filósofo% na% boca% de% um% poeta”% (ALMEIDA,% 2017).% É% uma% fórmula,
elegante%que%ajuda%a%compreender%a%escrita%de%Leal%desta%época%—%escrita%esta%que%
haveria% de% evoluir% ao% longo% das% muitas% décadas% que% o% filósofo% sobrevive% a% Sá8
Carneiro.% E% é% uma% fórmula% que% tem% o% particular% mérito% de% reconhecer% o% vínculo%
continuamente%existente%em%Leal%entre%esses%dois%tipos%de%linguagens.%Ao%mesmo%
tempo,% poder8se8ia% com% facilidade% reverter% a% fórmula,% dizendo% tratar8se% de% um%
poeta% na% boca% de% um% filósofo,% já% que% Leal% é% todo% ele% insight,% é% todo% ele% visão%
metafórica,% que% procura% subsequentemente% explanar8se% num% discurso% de% padrão%
aparentemente%filosófico.%Na%prática,%a%possibilidade%de%reversão%apenas%se%deve%ao%
facto%de%Leal%ser%ambas%as%coisas%ao%mesmo%tempo,%como%é%evidente:%um%poeta%que%
persegue% as% suas% percepções% instintivas% formuladas% metaforicamente,% as% quais%
procura% desenvolver% num% discurso% de% cariz% filosófico,% mas% também% um% filósofo%
cujas% referências% filosóficas% são% convocadas% de% uma% forma% por% vezes% sobretudo%
simbólica,%e%cujas%deduções%se%parecem%alinhar%mais%de%forma%estética%que%lógica.%
No% discurso% de% Leal% ecoam% amplamente% vários% conceitos% da% tradição%
filosófica,% que% o% autor% assimila% e% manipula% com% facilidade.% E% circulam% até% mesmo%
ecos% de% conceitos% que% estavam% no% início% da% sua% popularização,% como% é% o% caso% da%
relatividade%einsteiniana,%i.e.%a%teoria%da%relatividade%restrita,%de%1905,%e%a%teoria%da%
relatividade% geral,% de% 1915,% apresentada% pouco% antes% de% esta% carta% ser% escrita.% Por%
isso%Leal%fala%de%uma%“Púra%Subjectividáde,%Relatividáde%Pura,%Relatividáde%em%Si,%
Relatividáde8Fantasma”.% É% talvez% influenciado% pela% discussão% da% época% acerca% da%
gravitação,% e% pelo% conceito% de% espaço8tempo,% da% teoria% da% relatividade% geral,% que%
Leal% sempre% parece% ter% como% pano% de% fundo% os% termos% “astral”,% “abismo”% e% a%
própria%“vertigem”,%e%que%mais%adiante%nessa%passagem%se%refere%aos%seus%medos%
pessoais% neste% período% particularmente% difícil% da% sua% vida% como% a% “Espétros”%
(palavra% escrita,% pelo% autor,% sem% c),% dizendo% sobre% eles:% “os% próprios% abstrátos%
Contrástes%em%Si,%Contrastes8Fantásmas,%uns%nos%outros%fantasmicamente%tornados%
em% fantasmico8labirintizar% astral,% abysmos% abstrátos% de% abstráto% Vácuo%
sacudidamente% em% Vertigem,% êsses% Espétros,% digo,% êsses% abismos% imensos% de% Náda%
Animico%jámáis%me%abandônam%â%Alma%em%Crispações%Astráes...!”%%
% Perceba8se,% acima% de% tudo,% que% a% carta% de% Leal% é% ao% mesmo% tempo% um%
requiem%a%Mário%de%Sá8Carneiro%e%visa,%de%algum%modo,%oferecer%o%conforto%possível%
a%Fernando%Pessoa.%O%seu%exercício%de%teorização%é,%por%conseguinte,%também%um%
esforço%nesse%sentido.%É%aliás%um%esforço%a%que%Leal%se%entrega%intensamente,%como%
se% percebe,% parecendo% a% carta% ser% escrita% de% um% jorro,% de% forma% torrencial,% ao%
mesmo%tempo%que%Leal%se%desdobra%em%especulação.%Não%admira,%mesmo,%que%se%
tivesse%tratado%de%um%esforço%provavelmente%extenuante,%como%se%percebe%nas%suas%
últimas%frases:%“Sinto8me%Esgotádo,%não%pósso%mais”.%O%desejo%de%fusão%total%entre%
indivíduo%e%universo,%ao%mesmo%tempo%que%a%amizade,%leva8o%por%isso%a%despedir8
se% de% Fernando% Pessôa,% aliás% de% forma% particularmente% lírica,% com% “úm% abraço%
d’Alma%tão%apertado%que%em%Úm8Só%nos%confúnda%pâra%sempre...”%
%
III.% Fac7símile% da% carta% de% Raul% Leal% a% Fernando% Pessoa,% de% 7% de% maio% de% 1916%
(Coleção%Fernando%Távora).%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
%
Fig.%6.%Rosto%do%primeiro%bifólio.%
%
%
%
Fig.%7.%Verso%do%primeiro%bifólio.%
Fig.%8.%Rosto%do%segundo%bifólio.%
Fig.%9.%Verso%do%segundo%bifólio.%
Fig.%10.%Rosto%do%terceiro%bifólio.%
Fig.%11.%Verso%do%terceiro%bifólio.%
IV.%Anexo%—Transcrição%da%carta%%
%
%
Café%Lion%d’Or%
88888%>>.<<%88888%
18,%Alcalá,%18%
%%888888%o%888888%
%
Madrid,%7%de%Maio%de%1916%% %
%
Meu%querido%amigo%
%
Foi, pavorósa, e, sublime, â, impressão, que, me, deixou, â, súa, carta..., Recebi8a% de, noite% e% em%
circunstancias%fantásticas!%
% Só% por% si% tive% conhecimento% do% suicidio% do% nósso% querido% amigo% que% foi2%
Vivêr%em%Púro%Espirito%despedaçando%Arte...%Ésta%éra%cômo%que%o%seu%côrpo,astrál%
de% que% Êle% se% despojou% na% Suprêma3%Purificação.% O% esquêma% do% Espírito% que% Êle%
hoje%Vive%éra%tôda%â%súa%Óbra...4%Formidável%Esbôço%do%Além!...%
% É,necessário%que%ésta%Mórte%não%pásse%desapercebida,%nós%tôdos,%Intelectuáes%
e%Artistas,%têmos%o%devêr%de%impôr%â%Personalidáde%do%Mário%de%Sá8Carneiro%â%tôda%
éssa%gente.%Sem%dúvida,%quáesquér%manifestações%fúnebres,%incluindo%â%elaboração%
dúm% livro% In, Memoriam,% possúem% úma% expressão% de% Passádo5%que% nós% hoje% não%
podêmos%superiôrmente%vivêr,%em%farrápos%*nélas%nos%desenrolâmos%já%mâs%cômo%o%
nósso% fim,% nêste% momento,% é% atrair% tôdas% âs% atenções% pâra% â% Grande% Álma% que% o%
Artista% abandonou% nâ% Vida% e% cômo% só% em% exterioridades,% hoje% innexpressivas,%
poderêmos% alcançár% o% que% desejamos 6 %é% indespensável% prestárem8se% tôdas% âs%
honras% fúnebres% que% estiverem% ao% nósso% alcance.% Pessoálmente% náda% pósso% fazêr%
pois% ando7%muito% longe% mâs% pronto% estou% â% colaborár% em% túdo% que% nâ% minha%
situação%me%fôr%possivel.%
% Imagine% você% que% nos% fins% de% márço,% estando% ainda% em% Sevilha,% pensei% tão%
profúndamente% no% suicidio% que% até% á% minha% mãe% escrevi% uma% carta% tristissima%
expondo,% por% meias% palávras,% â% minha% resolução.% Era% tão% aflitivo% pâra% éla% o% que%
escrevi%que,%apesár%de%doente,%dirigiu8se8%lógo%ao%escritório%de%meu%irmão%pâra%lhe%
pedir% por% túdo% que% descubrisse% maneira% de% mudár% âs% minhas% circunstancias9%de%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2%<para%se>%[↑%foi]%
3%<para%†>%[↑%na]%Suprêma%
4%Óbra<,>...%%
5%<pass>%Passádo%
6%<queremos%†%do>%[↑%desejamos]%é%%
7%<estou>%[↑%ando]%
8%<foi>%dirigiu8se%
9%<situação>%[↑%circunstancias]%
fórma% â% impedir% â% minha% mórte.% Â% mudança% não% foi% grande% pois% só% consegui% vir%
pâra%Madrid%em%condições%pouco%favoráveis%mâs%emfim,%êle%fez%o%que%poude...%Óra%
perante%êsse%pensamento%ainda10%tão%próximo%você%póde%imaginár%bem%o%horrôr%dâ%
súa%carta%em%mim!%
% Todos% os% meus% nêrvos% se% me% contrairam% tanto% que% senti% verdadeiramente%
tôda%â%opressão%contorcida%dúma%Asfixia%Gerál.%Sim,%porque%não%foi%só%â%garganta%
nem%o%peito%que%se%me%contraiu%em%torsão11%mâs%túdo,%túdo%em%mim%se%asfixiou...%
Tornei8me%â%própria%Asfixia%em%Si.%Supônha8se%fóra%dâ%Térra,%suspenso%no%éter,%em%
vólta% só% trévas% e% trévas% de% vácuo% sem% consistencia,% sem% materialidade% algúma,%
supônha8se%por%fim12%essas%trévas%em,si,%esse%vácuo,%uma%extensão%infinita%de%Náda%
e% só% em% Âlma,% Náda% Abstráto,% animise8O% agóra,% animisando8se% % tôdo% e% diga8me%
esse% Abstráto% Vácuo% em% Si,% Vacuo% Fantasma 13 %em% que% tôdo% se% tornou,% éssa%
expressão%lúgubre%dâ%Inexpressão%Animica,%suspensa%em,si,%em%Abstração%Pura,%â%
própria% Abstração8Sem8Suporte,% o% próprio% Vácuo8Fantasma% de% Infinito% em%
Iternidáde,% Infinito% Abstráto, em% Abstráta, Iternidáde,% não% é% â% Opressão8Púra8Em8
Liberdáde%da%Asfixia%em%Si?...%Eu%não%me%senti%propriamente%asfixiádo%porque%me%
tornei%â%própria%Asfixia%que%por,existir,em,si%se%vivia%cômo%túdo%Ultrauno%e%em%Pura%
Abstração% Anímica% e% Espiritual14%tornando8se% Pudêr% Púro,% Ultraliberdáde% em% si%
própria% que% éra% Opressão% em% Si...% Este% estádo% verdadeiramente% vertigico,% duma%
Vertigem% abstráta% em% que% náda% ha% de% Fisico,% em% que% só% ha% o% Espirito8Abstráto,%
Espirito8Fantasma% duma15%vertigem% física% em,asfixia,% abstrátamente,animico% Infinito%
em% abstráto, Infinitesimal,% Vertigem% em% Si,% êsse% estádo% foi% aquêle% em% que% eu% vivi%
instantâneamente%quando%conheci%o%que%se%tinha%passádo%então%entre8nós8úm!16%Eu%
vinha% já% muito% tenebrósamente% extesificádo,% fantásmicas% vibrações% abstrátamente,
elétricas% me% sacudiam% os% nêrvos,% erguia8se8me% úm17%nôvo% periodo% de% Vida8Astral%
em% Vacuo8Espirito% depois% dúma% transição% desoladôra% de18%Sôno8Torrencial% que%
Sonhos8Espírito% mál% rompiam% em% Ancia% Exausta;% quando% cheguei% ao% meu% quárto%
sobre%â%mêsa%se%erguia%em%neblina%senistramente%luminosa%úma%estatuêta%em,gêsso,
do%Imperador,dâ,Alemanha,(!!!),19%arrogante%Fantasma%livido%que%pâra%ali%decerto%me%
tinham%pôsto%durante%o%dia%elementáes%do%Além%servindo8se%pâra%isso%dâ%mulher20%
que%me%alugou%o%quárto;%de%presságios%lúgubres%se%me%inundáva%pois%ferozmente%â%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10%<em%vista%dos%meus>%[↑%perante%êsse]%pensamento%[↑ainda]%
11%tor<ç>/s\ão%
12%supônha8se%[↑%por%fim]%
13%<Vacuo%Animico>%[↑%Vacuo%Fantasma]%
14%Pura%Abstração%[↓%Anímica%e]%[↑%Espiritual]%
15%[↑%Espirito8Fantasma]%d<a>%[↑%uma]%
16%[↑%então]%entre8nós8úm!%
17%erguia8se<em%mim>[↑8me]%úm%
18%<dum>%[↑%de]%
19%Alemanha,[↑%(!!!)],%
20%<que>%[↑%servindo8se]%pâra%isso%<se%serviam>%
Alma% e% foi% assim,% cambaleando% em% Espirito% e% atravez% de% fógos8fátuos% espirituáes,%
que% li% â% Tragédia% Fantástica% que% você% me% tinha% escrito!% E% denomino8A% assim%
porque21%o% estádo% de% ultravidência% em% que% me% encontráva% levou8me% â% viver% no%
simples22%suicidio%do%Sá8Carneiro%úm%Acontecimento%Formidável...%
% Diz% você% que% não% me% assúste,% não% me% encha% de% terrôres% sinistros,% pósso% lá%
expelil8os%de%mim%quando%preságios%fataes%percorrem8me%assim%â%Existencia!...%De%
Espétros% se% me% inunda% o% Cérebro,% os% turbilhões% astráes% do% Vacuo% em% Vertigem.%
Êles% são% Imensidáde% astrálmente% Vazia,% o% próprio% Vácuo% Animico,% Inexpressão8
Fantasma...% E% turbilhonáriamente% em% Abstração,% núm% turbilhonar% assim%
animicamente% quimérico 23 %—% fantasmico,% só% fantásmico...% —% como% que%
abstratámente% convulsivo% desenrolamento% púro% de% Púra% Subjectividáde,%
Relatividáde% Pura,% Relatividáde% em% Si,% Relatividáde8Fantasma% em% fantásmicos%
Contrástes% Púros,% êsses% Espétros,% os% próprios% abstrátos% Contrástes% em% Si,%
Contrastes8Fantásmas,% uns% nos% outros% fantasmicamente% tornados% em% fantasmico8
labirintizar% astral 24 ,% abysmos% abstrátos% de% abstráto% Vácuo% sacudidamente% em%
Vertigem,%êsses%Espétros,%digo,%êsses%abismos%imensos%de%Náda%Animico%jámáis%me%
abandônam% â% Alma% em% Crispações% Astráes...!% Por% isso% Vácuo% Astral25%é% minha%
Obsessão%itérna,%por%isso%dEle%se%enche%túdo%que%escrêvo,%túdo%que%penso%e%sinto...%
Sim,%úma%abstráta%corrente%eléctrica%vaziamente%animica%percórre8me%itérnamente%
os% nervos,% vibratizádos% em% negros% espásmos% agonizantes.% E% isto% me% léva% à%
Universalisação%de%mim...26%Eu%dissolvo8me%rialmente%em%tudo%que,%assim,%é%eu!%Â%
animicamente%elétrica%corrente%dâ%Vida%é%a%minha%própria%corrente%astrál,%â%minha%
sensibilidade%excessiva%arrásta8me%o%Univérso...%Assim,%eu%senti%em%mim%o%suicidio%
do% Artista,% o% que% se% passou,% em% mim% se% passou% então.% E% por% isso% uma% inorme%
revolução,%Cataclismo%Astrál,%sofri%em%mim...%Foi%como%se%fôsse%eu%o%Suicidádo,%foi%
cômo% se% fôsse% eu% quem% vivêsse% â% Morte!% Já% antes% os% meus% terrôres% de% Fóme% e% de%
Miséria,% deixando% de% sêr% humânos,% em% mim% se% astralisáram,% em% mim% túdo% se%
astralisou% mâs% o% que% éra% simples% presentimento% em% nubelose% intensificou8se% em%
Infinito%e%brotando%de%mim%em%tôdo%o%seu%estranho%puder%â%atmosféra%formidável%
do% Vácuo% Espetrál,% hoje% sinto8me% quási% â% Vertigem% em% seu% puro% astralismo8
fantásma...% Os% indecisos% pressentimentos 27 %que% me% animávam% o% Espirito,% â%
profética% inquietação% com% expressão% de% Mórte% lúgubremente% se% iluminou% em%
Infinito% e% núm% desenrolamento% fantastico% astrálmente% se% me% revelou% â% Alma,%
enchendo8A28%toda,% â% Visão% pavorósa% e% sublime% de% apocalyptica% Transfiguração%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21%<Porque>%[↑%E%denomino8A%assim]%porque%
22%[↑ levou8me]%â%viver%no%[↑ simples]%
23%turbilhonar%[↑ assim]%animicamente%quimérico%
24%[↑ uns%nos%outros%fantasmicamente%tornados%em%fantasmico8labirintizar%astral]%
25%Por%isso<,>%Vácuo%Astral%
26%[↑ E%isto%me%leva%à%Universalização%de%mim...]%
27%Os%<sinistros>[↑ indecisos]%pressentimentos%
28%enchendo8<a>/A\%
Universál!% Núma% cárta% que% me% escreveu,% o% Mário% de% Sá8Carneiro% confessou8me%
também% uma% estranha% inquietação,% úm% mêdo% ocúlto% de% Desconhecido,%
abstratamente% abysmico, 29 %você% fála8me% em% choques% de% ideias% trágicamente%
presagiadôres,%úm%cômo%presentimento%de%Grande%Revolução%em%si%que%em%si%não%
póde% deixár% de% têr% úma% expressão% terrivelmente% abysmica,% Expressão8Fantásma30%
(e31%esses% próprios% choques% são% já% úm% turbilhonár% de% Tróvas% em% Vácuo...),% vê8se%
pois% bem32%que% não% se% tráta% apênas% de% simples% transformações% individuálmente%
localisadas,%atravez%dâ%Vida%em%que%âs%nóssas%sensibilidádes%nos%dissólvem,%sendo%
tôdos% Úm,% sendo% â% Vida% em% Si,% córre% úma% cômo% lúgubre% exalação% de% Pantano%
Abstráto% onde% gérmens% indecisos% proximamente, expludirão% alagando% â% Vida% de%
Morte,% em% filamentos% mágicos% preságios% inquietadores% deslisam% núm% sussúrro%
espésso% ancificando% tudo,% e% assim% atravez% de% Nós8Um,% atravez% da% Vida% úm%
Cataclismo%Astrál,%Dilúvio%Abstráto%transfigurará%o%Espirito...%
% É%â%Morte...%é%â%Morte!...%
% O% Artista,% convulsionando8se% crescentemente% em% espetralismo% púro,% núma%
arrancáda%espetrál%se%precipitou,%o%terror%feroz%do%Além33%que%Ele%presagiava%para%â%
Vida,% como% Actuação% Animica34%contrasticamente% â% si% próprio% se% gerou% e% foi% o%
Artista 35 %assim% que% núm% esfôrço% Divino% nos% apontou% o% Caminho% dâ% Nêgra%
Claridáde...% %
% Os%nóssos%terrôres%se%dévem%pois,%transfigurár%tambem,%Negra%Atração%pêla%
Morte%em%nós%se%déve%gerar!%Bem%lúgubres%teem%sido%os%nóssos%presagios%e%porque%
nos%prométem%úm%horror%de%Vácuo,%Vácuo%Astrál,%Vácuo8Vertigem%mâs%O%que%êles%
arrástam% pâra% nós% vivido% déve% sêr% cômo% Suprêma% Perfeição% de% Força.% Pavorósa%
será% â% Transfiguração% da% Vida36%mas% Sublime% será% tambem,% procurêmo8la% numa%
anciedáde% espasmódica,% sublimemente% nos% enchendo% de% Vertigem8Vácuo...% A%
Transfiguração% do% Artista% é% o% Grande% Principio% da% transfiguração% da% Vida,% Êle%
encheu8se%dâ%Glória%de%arrastár%na%Vida%que%é%Êle,%que%é%Nós%â%Livida%Mortálha.%Foi%
â%Vida%que%começou%â%Morrêr...%Principio%Formidável!%%
% Túdo% que% antes% se% dispersava% no% Espirito% do% Artista,% no, Espirito, dâ, Vida,%
começou% sofrendo% â% gigantesca% Condensação,% Condensação% em% Si,% púramente%
abstracionadôra.% N’Êle,% formas37%de% expressão% fantasmica,% Sonhos8Pesadelos% que%
eram%Êle,38%úmas%nas%outras%fantásmicamente%se%tornávam%atravez39%de%labyrintisar%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
29%[↑ abstratamente%abysmico,]%
30%<ou%uma>[↑,]%Expressão8Fantasma%
31%—%e%]%substituiTse,o,travessão,pelo,parênteses,,usado,pelo,autor,no,fim,da,passagem.%
32%vê8se%[↓ pois]%bem%
33%terror%[↑ feroz]%do%Além%
34%<em%si%proprio%gerou>%como%[↑ Actuação%Animica]%
35%foi%<ele>%[↑ o%Artista]%
36%Transfiguração%[↑ da%Vida]%
37%<elementos>%[↑ formas]%
38%[↑ Sonhos8Pesadelos%que%eram%Êle,]%
convulsivo.%Nêsse40%processus%suspenso%em%Vácuo41%náda%de%riál%se%dáva%e%náda%de%
quimérico42,% éra% êle% úm% desenrolár% de% trágicas% fantasias% com% riál% álma% indecisa%
cômo%indecisa%éra%a%alma%riál%essência%própria43%do%próprio%desenrolár%labyrintico.%
Fantásmas%em%que%úns%nos%outros%se%gerávam%em%turbilhonár%vertigico%e%uns%nos%
outros% se% engolfávam% tambem,% perdendo8se% pâra% renascêrem% Divérsos,% pâra%
renascêrem%Outros...%Em%brutál,Anciedade%o%processus%fantásmico%labyrinticamente%
—%num%Labirintisar%nem%quimérico%nem%riál,%Labyrintisar8Fantasma,%Labirintizar8
Vertigem% e% tôdo% em% si% expressão% de% Ansia% Convulsiva% e% Impetuósa% —% se%
desenrolava% tôdo% como% onda% torrenciál% de% Além% gigantêscamente% dispersáda% em%
abstrátos%redemoinhos%entrechocádos%furiósamente%núm%despedaçamento%de%Cáos%
Abstráto% de% Demencia% Astrál. 44 %E% agóra,% o% que% núm% Tempo8Fantásma% e% em%
Extensão%Animica%violentamente%se%espargia%cômo%luzes%fantasmas45%rompendo8se%
em% sangue% de% estalejar% metálico% sinistramente% em% fúria,% Condensou8se% tôdo% em%
Iternidáde% e% em% Infinito% que% são% Além8Tempo% e% Além8Espáço,% Ultraunidádes,%
Espirito,% condensando,% ultracondensando% o% Labyrintisár% Fantasmico% que% â%
Infinitesimál% Anímico% se% ergueu% tôdo% pâra% néssa% ultracondensação% púramente%
abstracionadôra%—%o%Concréto%é%sempre%extensivo...%—%acentuár%tôda%a%Imensidáde%
em% Fôrça% do% seu% Abysmo% Vertigico!% Tornou8se% o% Labyrintisár% em% Si% que% â% si%
próprio% se% vive% pois% e% pois% como% Sêr8Alma 46,% Alma8Fantásma...% —% Vivêr8se% é%
indefinir8se% animicamente,% vertigificando8se...% —% O% fantasmismo% que% possuia% éra%
ainda%úm%pressentimento,%só%agora%é%verdadeiramente%Fantasma,%Vácuo%Animico,%
Vácuo% Animico% de% Labyrintisár% Convulsivo% em% Força% Quimérica8Riál,% Fôrça8
Vertigem% que% só% tál% Labyrintizar% Abstráto% fantásmicamente% exprime% todo!...%
Animico% Abysmo% vertigicamente% Convulsivo47%em% Abstração,% Abysmo8Vertigem,%
Indefenido8Fantásma% é% â% Morte% que% fantásmicamente% Vive% Infinito% em%
Infinitesimál,%Imensidáde8Fantasma%de%Trévas%em%Si%em%Vácuo%em%Si...%E%Vácuo%em%
Si,% Vácuo8Fantásma,% Vácuo% Astrál% é% um% pélago% abstráto% de% abstráto%
convulsionismo%vertigico,%Convulsionismo%Astrál!%Força%em%Vertigem...%
% E% é% pâra% isso,% pâra% éssa% fantásmica% Grandêza 48 %Vazia% que% â% Vida% se%
encaminha% tôda,% no% Artista 49 %foi% lançado% o% primeiro% Clamôr,% â% Mortálha% que%
começou%â%ser%arrástada%com%Violencia%Sinistra%arrebatará%por%fim%â%Vida%tôda%que%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39%atravez%<atravez>%
40%convulsivo<n>/.%N\esse%
41%processus%[↑ suspenso%em%Vácuo]%
42%náda%de%<irriál>quimérico%
43%a%alma%[riál]%[essencia%própria]%%
44%Cáos%<Astrál>%[↑ Abstráto]%de%Demencia%Astrál.%
45%espargia%<atravez%de%formas%concretas%de%Luz>%cômo%luzes%fantasmas%
46%[↑ e%pois]%como%Sêr8Alma%
47%Animico%Abysmo%[↑ vertigicamente]%Convulsivo%
48%éssa%[↑ fantásmica]%Grandêza%
49%<a>/A\rtista%
é%Nós,%Valôr,50%Puder%d’Animo,%nem%â%minima%vacilação,%a%minima%pusilanimidáde%
nâ%Grande%Vertigem...%Vertigem%em%Vácuo...!%%
%
................................................................................................................................................%
%
Sinto8me% Esgotádo,% não% pósso% mais,% aceite% pois% por% último, 51 %meu% querido%
Fernando% Pessôa,% úm% abraço% d’Alma% tão% apertado52%que% em% Úm8Só% nos% confúnda%
pâra%sempre...%
% Tôdo,%tôdo%seu%
% Raul53%
%
A%Morte54%
%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
50%<Corag>%[↑ Valôr,]%
51%aceite%[↑ pois%por%último,]%
52%úm%abraço%d’Alma%[↑ tão%apertado]%
53%Na%assinatura%apenas%o%“R”%é%desenhado%claramente.%%
54%Logo% abaixo% da% assinatura,% numa% diagonal% descendente,% Leal% escreve% “A% Morte”,% talvez% numa%
alusão% ao% contexto% da% carta.% Na% primeira% página% da% carta,% logo% acima% do% logótipo% do% “Café% Lion%
d’Or”,% Leal% escreve,% e% depois% risca,% a% seguinte% passagem:% “nossos% terrores% devem8se% também%
transfigurár;% os% nossos% preságios% conservando8se% sinistros% devem% tornár8se% preságios% de% Pudêr%
sinistro:%â%Morte%[↑ que%transfigurará%a%Vida]%é%horrível%[↓ justificando8se%o%que%ha%de%lugubre%nos%
presagios]% mas% merece% sêr% vivida% enchendo8nos% de% Força,% Força8Dôr.% A% transf[iguração]% do% S[á8]%
C[arneiro],%que%será%â%transf[iguração]%da%Vida%e%foi%já%o%principio%□”.%
Bibliografia%
%
ALMEIDA,% António% (2015).% “Brandindo% o% Cutelo% da% Maldição% –% Em% Torno% do% Manifesto% O, Bando,
Sinistro%de%Raul%Leal”,%in%Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%8,%Outono;%
pp.%5648601.%
_____%% (2017a).%“A%Visão%Luxuriosa%de%Raul%Leal,%Profeta%Sagrado%da%Morte%e%de%Deus”,%in%Pessoa,
Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%12,%Outono%1348168.%%
_____%% (2017b).% “O% Bando% Sinistro% –% O% Ato% Inaugural% do% ‘Especulador% de% Política’% de% Orpheu”,% in%
Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%12,%Outono;%pp.%5218546.%
CESARINY,% Mário% (1989).% O, Virgem, Negra, –, Fernando, Pessoa, Explicado, às, Criancinhas, Naturais, &,
Estrangeiras,por,M.,C.,V.,—,Who,Knows,about,It.%Lisboa:%Assírio%e%Alvim.%
LEAL,% Raul% (2010).% Sodoma, Divinizada.% Organização,% introdução% e% cronologia% de% Aníbal% Fernandes.%
Lisboa:%Guimarães/Babel.%2.a%ed.%
LOPO,%Rui%(2013).%“Raul%Leal%e%Fernando%Pessoa%–%Um%Sublimado%Furor%Diabolicamente%Divino”,%in%
Pessoa,Plural,–,A,Journal,of,Fernando,Pessoa,Studies,%n.º%3,%Primavera,%pp.%1827.%
NEVES,%Márcia%Seabra%(2015).%“Raul%Leal%(Henoch)%—%O%Mais%Louco%dos%Loucos%do%Orpheu%e%Profeta%
Maldito”.,1915,—,O,Ano,do,Orpheu.%Org.%Steffen%Dix.%Lisboa:%Tinta8da8china,%pp.%3698387.%
PIZARRO,% Jerónimo% (2012).% “Leituras,% Enquadramentos% e% Atribuições”.% Pessoa,Existe?% Lisboa:% Ática,%
pp.%2358259.%
SÁ8CARNEIRO,% Mário% (2015).% Em,Ouro,e,Alma,—,Correspondência,com,Fernando,Pessoa.% Edição% crítica%
de%Ricardo%Vasconcelos%e%Jerónimo%Pizarro.%Lisboa:%Tinta8da8china.%
SÁ8CARNEIRO,% Mário% de.% (2017)% Poesia, Completa.% Edição% crítica% de% Ricardo% Vasconcelos.% Lisboa,%
Tinta8da8china,%2017.%
SENA,%Jorge,%LEAL,%Raul%(2010).%Correspondência,1957T1960.%Prefácio%de%José%Augusto%Seabra.%Lisboa:%
Guerra%&%Paz.%
%
Carlos Pittella*
For$George$Monteiro$and$his$passion$for$setting$records$straight.$
Keywords$
Fernando$Pessoa’s$education,$Augustine$Ormond,$Durban$Commercial$School,$João$Gaspar$
Simões,$ Hubert$ Jennings,$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias,$ Alexandrino$ Severino,$ Roy$
Campbell.$
Abstract$
This$article$presents$newly$discovered$documents$regarding$Augustine$James$Ormond$and$
reevaluates$ the$ bibliography$ available$ about$ him.$ Mr.$ Ormond$ provides$ one$ of$ the$ three$
testimonials$ from$ contemporaries$ of$ Fernando$ Pessoa$ about$ the$ life$ of$ the$ young$ poet$ in$
Durban,$ South$ Africa.$ After$ revisiting$ the$ research$ of$ Alexandrino$ Severino,$ João$ Gaspar$
Simões,$ Hubert$ Jennings$ and$ Roy$ Campbell$ concerning$ Mr.$ Ormond$ and$ his$ relationship$
with$ Pessoa,$ this$ contribution$ exhibits$ a$ dossier,$ including:$ facsimiles$ and$ critical$
transcriptions$of$documents$found$in$the$Fernando$Távora$private$collection,$as$well$as$one$
drafted$ letter$ Pessoa$ addressed$ to$ Ormond$ himself,$ a$ document$ located$ at$ the$ National$
Library$of$Portugal.$
Palavras8chave$
Educação$ de$ Fernando$ Pessoa,$ Augustine$ Ormond,$ Escola$ Comercial$ de$ Durban,$ João$
Gaspar$Simões,$Hubert$Jennings,$Albertino$dos$Santos$Matias,$Alexandrino$Severino,$Roy$
Campbell.$
Resumo$
* Brown$ University,$ Department$ of$ Portuguese$ and$ Brazilian$ Studies;$ Universidade$ de$ Lisboa,
Centro$de$Estudos$de$Teatro.
Pittella Mr. Ormond
I.$A$Game$of$Telephone$
$
Augustine$James$Ormond$(Mr.$Ormond$for$short)$is$not$a$heteronym$of$Fernando$
Pessoa.$ Mr.$ Ormond$ existed$ as$ a$ flesh$ and$ blood$ entity$ independent$ from$ the$
imagination$ of$ the$ Portuguese$ poet—though$ the$ crossing$ of$ Pessoa’s$ and$
Ormond’s$ paths$ is$ precisely$ what$ interests$ this$ article.$ Together$ with$ the$
testimonials$ of$ Clifford$ Geerdts$ and$ Ernest$ Belcher$ (JENNINGS,$ 1984:$ 54),$ Mr.$
Ormond’s$is$one$of$the$three$firsthand$accounts$of$Pessoa’s$time$as$a$young$foreign$
student$ in$ South$ Africa$ and,$ therefore,$ an$ invaluable$ source$ to$ anyone$ pursuing$
the$ questions$ posed$ by$ Hubert$ Jennings,$ one$ of$ Pessoa’s$ first$ biographers:$ “Does$
the$ study$ of$ the$ boy$ help$ us$ to$ understand$ the$ man?$ Does$ that$ help$ us$ to$
understand$the$poet?”$(JENNINGS,$1979:$21).$
This$ essay$ will$ revisit$ each$ piece$ of$ information$ concerning$ Mr.$ Ormond$
located$ thus$ far$ in$ Pessoan$ archives$ and,$ in$ light$ of$ the$ original$ documents,$
reexamine$ and,$ in$ some$ cases,$ challenge$ the$ bibliography.$ By$ considering$ Pessoa$
and$Ormond$himself$as$the$primary$informants$in$our$search$for$Mr.$Ormond,$one$
may$trace$the$links$between$available$bibliography$and$original$documents,$going$
from$the$secondQ,$thirdQ$and$fourthQhand$reports$back$to$the$primary$sources.$
$
V,
(1)
<
Q UATERNARY SOURCES
~-
::::,
o
"'
Q)
'iõ
::::,
::::,
TERTIARY SOURCES 'ºE ::::,
()Q
vi V>
.n Miss
5ECONDARY SOURCES o.
E Ormo nd
u"'
Mr. nÍ"
V>
V>
PRIMARY SOU RCES Ormond oQJ
$
$
Fig.$1.$Diagram$connecting$Pessoan$bibliography$with$primary$sources.$
$
$
Born$ in$ 1888$ in$ Lisbon,$ Fernando$ Pessoa$ spent$ two$ stretches$ of$ time$ in$
Durban,$ South$ Africa:$ between$ February$ 1896$ and$ August$ 1901$ (age$ 7$ to$ 13)$ and$
then$from$October$1902$to$August$1905$(age$14$to$17).$It$was$probably$in$1903$that$
the$young$Portuguese$poet$met$Augustine$James$Ormond,$as$we$shall$see.$
In$the$game$called$“telephone“$(or$“Chinese$whispers”),$a$phrase$becomes$
more$ and$ more$ distorted$ as$ it$ is$ whispered$ to$ the$ next$ player…$ At$ the$ end$ of$ a$
round,$ the$ resulting$ message$ has$ little$ to$ do$ with$ the$ original.$ Like$ in$ this$ game,$
when$realQlife$primary$sources$are$quoted,$reQquoted,$translated$and$reQtranslated,$
oftentimes$ the$ result$ displays$ all$ sorts$ of$ distortions,$ from$ small$ inaccuracies$ to$
significant$errors$that$may$lead$to$incomprehension$and$wrongful$credits.$
For$ example,$ the$ entry$ dedicated$ to$ Mr.$ Ormond$ in$ the$ Dicionário$ Pessoa$
[Pessoa$ Dictionary]$ contains$ some$ of$ the$ original$ information$ (traceable$ to$ the$
primary$sources),$but$also$some$of$its$distortions:$
$
ORMOND,$ Augustine.$ Aluno$ da$ Commercial$ School$ (Durban)$ na$ mesma$ altura$ em$ que$
Pessoa$ a$ frequentou$ (1902Q1903),$ Augustine$ Ormond$ tornouQse$ um$ grande$ amigo$ seu.$ O$
rascunho$ –$ ou$ talvez$ a$ cópia$ –$ de$ uma$ carta$ que$ Pessoa$ lhe$ dirigiu$ em$ 27/11/1903$ sugere$
que$os$dois$se$incentivavam$mutuamente$a$cultivar$um$estilo$rebuscadamente$literário$(CE$
31Q33), a $parecendo$ confirmar$ que$ «ambos$ tinham$ a$ ambição$ de$ se$ tornarem$ grandes$
escritores»,$conforme$informou$uma$filha$de$Ormond,$numa$entrevista$telefónica$feita$pelo$
investigador$ H.D.$ Jennings$ (1984:$ 55Q56).$ João$ Gaspar$ Simões$ teve$ a$ oportunidade$ de$
entrevistar$o$próprio$Ormond$(SIMÕES,$1950,$1991:$82),$que$frisou$a$admirável$capacidade$
expressiva$de$Pessoa$em$inglês,$língua$que$se$preocupava$em$«falar$e$escrever$[...]$da$forma$
mais$ académica$ possível».$ Recordou$ ainda$ que$ os$ dois$ se$ escreveram$ até$ ao$ fim$ da$
Primeira$Guerra$Mundial,$mas$não$há$vestígios$dessa$correspondência,$para$além$da$citada$
carta.$
(ZENITH,$2008:$564)$
$
[TRANSLATION]b$$
ORMOND,$ Augustine.$ A$ student$ at$ the$ Commercial$ School$ (Durban)$ in$ the$ same$ period$
when$Pessoa$attended$it$(1902Q1903),$Augustine$Ormond$became$a$great$friend$of$his.$The$
draft—perhaps$ a$ copy—of$ a$ letter$ that$ Pessoa$ addressed$ to$ him$ on$ 27$ November$ 1903$
suggests$ that$ they$ encouraged$ each$ other$ to$ cultivate$ an$ ornately$ literary$ style$ (PESSOA,$
2007:$31Q33),$apparently$confirming$that$“both$had$the$ambition$of$becoming$great$writers,”$
as$reported$by$a$daughter$of$Mr.$Ormond,$in$a$telephone$interview$made$by$the$researcher$
H.D.$Jennings$(1984:$55Q56).$João$Gaspar$Simões$had$the$opportunity$to$interview$Ormond$
himself$ (SIMÕES,$ 1950,$ 1991:$ 82),$ who$ emphasized$ the$ admirable$ expressive$ aptitude$ of$
Pessoa$ in$ English,$ a$ language$ in$ which$ he$ strived$ to$ “speak$ and$ write$ [...]$ in$ the$ most$
academic$form$possible.”$He$recorded$still$that$both$had$written$to$each$other$until$the$end$
of$ the$ First$ World$ War,$ though$ there$ are$ no$ vestiges$ of$ this$ correspondence,$ besides$ the$
aforementioned$letter.$
$
$
a$“CE”$ is$ an$ abbreviation$ used$ by$ the$ Pessoa$ Dictionary$ to$ refer$ to$ the$ work$ Cartas,$ vol.$ 7$ of$ the$
collection$Obra$Essencial$de$Fernando$Pessoa,$edited$by$Zenith$(hereinafter$PESSOA,$2007).$
b$Unless$mentioned$otherwise,$all$translations$are$by$the$author$of$this$article.$
While$ most$ pieces$ of$ information$ in$ this$ entry$ may$ be$ factQchecked,$ the$
assertion$ that$ Pessoa$ and$ Ormond$ became$ great$ friends$ is$ somewhat$ improvable:$
besides$ Pessoa’s$ letter$ cited$ by$ Zenith$ (that$ does$ not$ specify$ the$ degree$ of$ that$
friendship$beyond$the$polite$“dear”$and$“yours$truly”),$we$have$Ormond’s$word$
(“close$friends”).$My$intent$is$never$to$disprove$Ormond’s$friendship$with$Pessoa,$
but$only$to$trace$accounts$back$to$their$sources;$thus,$it$is$interesting$to$note$that$
the$adjective$used$to$qualify$that$friendship$gets$inflated$as$our$game$of$telephone$
progresses,$ and$ Ormond’s$ word$ is$ reported$ by$ his$ daughter$ (“great$ friends”),$
Albertino$ dos$ Santos$ Matias$ (“amigo$ íntimo,”$ i.e.,$ intimate$ friend)$ and$ Roy$
Campbell$ (“closest$ friend”).c$Surely,$ Pessoa’s$ letter$ in$ itself,$ as$ a$ game$ between$
classmates,$presupposes$a$degree$of$intimacy;$however,$Pessoa$corresponded$with$
scores$ of$ people,$ and$ playing$ word$ games$ was$ his$ very$ domain,$ which$ makes$ it$
hard$to$tell,$from$a$single$letter,$how$intimate$his$relationship$with$Ormond$was.$
The$ Dicionário$ Pessoa$ entry$ also$ contains$ a$ factual$ error:$ it$ credits$ João$
Gaspar$ Simões—instead$ of$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias—as$ the$ one$ who$
interviewed$ Ormond$ in$ person$ (cf.$ Doc.$ 4).$ Matias$ was$ the$ Portuguese$ consul$ in$
Durban$in$1949,$when$he$gathered$information$for$Simões’s$biography$of$Pessoa,$
which$ would$ be$ published$ in$ 1950.$ In$ June$ 1949,$ when$ Matias$ received$ a$ letter$
from$ Ormond$ and$ followed$ up$ with$ a$ house$ visit,$ Simões$ was$ reportedly$ in$
London$ (cf.$ Doc.$ 6)—and$ there$ is$ no$ evidence$ suggesting$ that$ the$ Portuguese$
biographer$would$have$visited$South$Africa$at$that$point.$Thus,$Matias$should$be$
the$one$credited$for$discovering$and$interviewing$Ormond,$as$Simões$himself$does$
in$the$acknowledgements$of$his$1950$book:$
$
Inúmeras$ são$ as$ pessoas$ que$ me$ prestaram$ esclarecimentos.$ Quero$ distinguir$ [...]$
Guilherme$ de$ Castilho,$ secretário$ da$ Legação$ de$ Portugal$ em$ Pretória,$ graças$ ao$ qual$
obtive$não$só$inestimáveis$informes$sobre$o$período$escolar$de$Pessoa$na$High$School,$de$
Durban,$ como$ a$ faculdade$ de$ me$ pôr$ em$ contacto$com$ o$ nosso$ cônsul$ nesta$ cidade,$ o$ Sr.$
Dr.$Albertino$dos$Santos$Matias,$cujos$bons$ofícios$o$levaram,$inclusivamente,$a$descobrir$
um$ antigo$ condiscípulo$ do$ poeta,$ Mr.$ Ormonde$ [sic],$ e$ me$ permitiram$ publicar$ os$
documentos$ fotográficos$ sobre$ a$ velha$ Durban,$ que$ tanto$ enriquecem$ a$ iconografia$
«fernandina».$
$(SIMÕES,$1950:$12)$
$
[TRANSLATION]$$
Innumerable$people$provided$clarifications.$I$would$like$to$acknowledge$[…]$Guilherme$de$
Castilho,$secretary$of$the$Legation$of$Portugal$in$Pretoria,$thanks$to$whom$I$obtained,$not$
only$invaluable$reports$about$Pessoa’s$education$at$the$High$School$in$Durban,$but$also$the$
chance$ to$ contact$ our$ consul$ in$ that$ city,$ Mr.$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias,$ whose$ good$
offices$ also$ led$ him$ to$ discover$ a$ former$ classmate$ of$ the$ poet,$ Mr.$ Ormonde$ [sic],$ and$
allowed$ me$ to$ publish$ the$ photographic$ documents$ about$ old$ Durban,$ that$ so$ enrich$ the$
“Fernandine”$iconography.$
$
c $The$accounts$by$Ormond’s$daughter,$Campbell$and$Matias$are$fully$quoted$later$in$this$article.$
$
Therefore,$most$documents$reproduced$and$transcribed$in$this$article$exist$
thanks$to$Matias$(and$also$to$Guilherme$Castilho,$as$Simões$explains).$After$being$
used$as$research$data$for$his$1950$book,$these$papers$were$sold$by$Simões,$on$12$
July$1974,$to$the$architect$and$collector$Fernando$Távora,$together$with$a$series$of$
precious$typescripts$and$manuscripts$of$Pessoa$(in$what$received$the$general$call$
number$ of$ “lot$ 31”).d$$ It$ was$ only$ recently,$ in$ June$ 2017,$ that$ the$ South$ African$
documents$ in$ lot$ 31$ resurfaced,$ when$ the$ Távora$ family$ generously$ made$ the$
archive$available$to$the$editors$of$Pessoa$Plural$to$prepare$this$special$issue.$
What$ follows$ is$ a$ bibliographic$ study$ of$ references$ made$ to$ Mr.$ Ormond,$
culminating$ in$ a$ dossier$ with$ facsimiles$ and$ critical$ transcriptions$ of$ the$ Távora$
documents,$ as$ well$ as$ of$ the$ drafted$ letter$ from$ Pessoa$ to$ Ormond,$ found$ at$ the$
National$Library$of$Portugal$(BNP).$
$
II.$A$Quaternary$Source:$Severino$
$
Alexandrino$Severino’s$work$Fernando$Pessoa$na$África$
do$ Sul$ was$ published$ in$ 1969—fifteen$ years$ before$
Hubert$ Jennings’s$ books$ on$ Pessoa’s$ life$ while$ in$
South$Africa.$Though$the$first$to$publish,$Severino$got$
most$ of$ his$ research$ on$ Pessoa’s$ youth$ thanks$ to$
Jennings.$ Rightly$ so,$ Jennings’s$ name$ appears$ a$ total$
of$ 82$ times$ in$ Severino’s$ book,$ on$ 39$ different$ pages$
(and$ this$ number$ does$ not$ include$ the$ appendices$ in$
the$ book,$ with$ 16$ letters$ written$ by$ Jennings$ dating$
from$May$17th$to$December$6th,$1965).$In$1966,$Severino$would$defend$his$doctoral$
thesis,$which$later$became$the$1969$book.$
Mr.$Ormond$is$mentioned$on$five$pages$of$Severino’s$work$(1950:$74,$80,$92,$
108$and$124).$These$contain$four$mentions$in$the$main$text$and$three$in$a$footnote,$
as$ well$ as$ three$ more$ references$ in$ a$ letter$ from$ Jennings,$ dated$ 15$ June$ 1965.$
Those$ mentions$ may$ be$ arranged$ in$ four$ thematic$ groups,$ corresponding$ to$
different$key$pieces$of$information:e$
1)$ THE$ INTERMEDIATE$ EXAM.$ Three$ mentions$ state$ variations$ of$ the$ same$
fact—that$a$“J.M.$Ormond”$took$the$Intermediate$Exam$through$the$South$African$
College—with$ different$ additional$ details$ in$ each$ occurrence:$ that$ other$ students$
used$to$take$the$same$exam$through$the$Durban$High$School$(p.$74);$that$Ormond$
would$ have$ continued$ his$ studies$ at$ Cambridge$ University$ (p.$ 80);$ and$ that$
Ormond$ would$ have$ taken$ his$ Intermediate$ exam$ three$ years$ after$ obtaining$ his$
d$Jerónimo$Pizarro$presents$a$description$of$“lot$31”$in$this$issue$of$Pessoa$Plural.$
$It$should$be$noted$that$Severino’s$book$is$written$in$Portuguese,$and$that$I$have$summarized$his$
e
points$while$translating$his$words$into$English,$in$order$to$avoid$long$bilingual$citations.$
Matriculation$ certificate,$ while$ Pessoa$ took$ the$ Intermediate$ after$ the$ minimum$
stipulated$time$following$the$Matriculation,$i.e.,$as$soon$as$possible$(p.$92).$
2)$ THE$ DURATION$ OF$ THE$ CORRESPONDENCE.$ A$ fourth$ mention$ affirms$ that,$
after$ leaving$ Durban$ in$ August$ 1905,$ Pessoa$ kept$ in$ touch$ with$ some$ of$ his$
classmates$ at$ Durban$ High$ School$ (DHS).$ Severino$ cites$ “J.$ M.$ Ormond”$ and$
“Clifford$Geerdts,”$adding$that$Pessoa’s$correspondence$with$these$two$colleagues$
lasted$until$the$end$of$World$War$I$(p.$108).$No$proofs$are$given.$Though$there$is$
evidence$ of$ a$ 1907$ letterQexchange$ between$ Geerdts$ and$ Pessoa$ (under$ a$ false$
pretense$on$Pessoa’s$part)f,$we$only$have$Ormond’s$wordg$that$the$correspondence$
between$him$and$Pessoa$would$have$continued$after$1903.$
3)$ CONTRADICTING$ SIMÕES?$ In$ a$ footnote$ (p.$ 74),$ Severino$ explains$ that,$
according$ to$ João$ Gaspar$ Simões,$ Ormond$ was$ a$ classmate$ of$ Pessoa$ at$ the$
Commercial$ School.$ Nevertheless—and$ here$ I$ translate$ Severino’s$ words—while$
the$ poet$ attended$ that$ school,$ J.$ M.$ Ormond,$ according$ to$ the$ registration$ of$ his$
time$ at$ the$ DHS$ (1898Q1901),$ was$ taking$ the$ Intermediate$ Exam$ at$ Cape$ Town$
(1902);$ Severino$ concludes$ that,$ to$ him,$ it$ seems$ that$ the$ PessoaQOrmond$
friendship$ would$ date$ from$ their$ time$ together$ at$ the$ DHS.$ Still$ in$ the$ footnote,$
Severino$points$to$a$letter$from$Jennings$as$the$source$of$such$information,$which$
brings$us$to$the$last$point.$
4)$ GEERDTS$ REMEMBERS$ ORMOND:$ In$ a$ letter$ dated$ 15$ June$ 1965$ and$
reproduced$in$its$entirety$by$Severino$(pp.$123Q124),$Jennings$describes$one$of$his$
meetings$with$Clifford$Geerdts,$a$DHS.$classmate$of$Pessoa:$
$
[Geerdts]$ is$ now$ 79$ years$ old.$ He$ remembers$ Ormond$ and$ thinks$ he$ was$ the$ son$ of$ a$
doctor$ in$ Newcastle$ (a$ small$ town$ in$ Natal$ 300$ km$ from$ Durban).$ The$ [Durban$ High]$
school$records$show$that$J.$M.$Ormond$was$at$the$School$[in]$1898Q1901,$matriculated$[in]$
1899;$took$the$Cape$Intermediate$[in]$1902$at$the$South$African$College$(a$forerunner$of$the$
present$ University$ of$ Cape$ Tow[n])$ and$ then$ entered$ Trinity$ Hall,$ Cambridge.$ I$ have$ not$
been$able$to$find$anyone$who$came$into$contact$with$him$after$that.$You$will$notice$that$he$
matriculated$ 4$ years$ before$ Pessoa$ and$ that$ he$ was$ in$ Cape$ Town$ when$ Pessoa$ was$
supposed$ to$ have$ been$ at$ the$ Business$ College.$ He$ is$ the$ only$ Ormond$ in$ the$ School$
registers.$
$
(Jennings$apud$SEVERINO,$1969:$123Q124)$
$
One$may$note$that$Severino$(as$well$as$Jennings$in$his$1965$letter)$presents$
Ormond’s$ initials$ as$ “J.$ M.,”$ though$ we$ know$ from$ other$ sources$ (including$
Ormond’s$own$daughter),$that$his$full$name$was$Augustine$James$Ormond$(which$
f$Jennings$ reported$ his$ meeting$ with$ Geerdts$ in$ Os$ Dois$ Exílios,$ giving$ also$ details$ of$ Pessoa’s$
practical$joke$on$Geerdts$and$Belcher$(JENNINGS,$1984:$57Q59).$
g$We$also$have$the$testimonial$of$Miss$Ormond$(Augustine’s$daughter),$gathered$by$Jennings$(1984:$
55Q56),$ but$ she$ could$ be$ simply$ repeating$ what$ she$ heard$ from$ her$ father$ about$ the$ length$ of$ the$
correspondence$and,$thus,$does$not$qualify$as$an$independent$source$in$this$matter.$
$
would$ give$ us$ “A.$ J.”$ instead).$ While$ Severino$ sounds$ confident$ in$ contradicting$
Simões,$ the$ last$ sentence$ in$ the$ quote$ from$ Jennings$ betrays$ a$ nuance$ of$
uncertainty—“He$ is$ the$ only$ Ormond$ in$ the$ School$ registers”—suggesting$ that$
Jennings$also$looked$elsewhere.$Would$it$be$possible$that$there$were$two$Ormonds,$
and$that$J.$M.$and$A.$J.$would$be$different$people?$Severino$does$not$comment$on$
the$ discrepancy,$ and$ Jennings$ would$ only$ gather$ additional$ information$ in$ 1972,$
when$he$did$a$telephone$interview$with$Ormond’s$daughter.$
$
III.$Tertiary$Sources:$Simões$&$Jennings$
$
The$groundbreaking$biography$of$Pessoa$written$by$Simões$and$published$in$1950$
refers$ to$ Mr.$ Ormond$ in$ two$ places$ (not$ counting$ the$ aforementioned$
acknowledgements$with$the$typo$“Ormonde”).$Here$is$the$first$of$these$places:$
$
“Era$então$um$rapazinho$tímido$e$amável,$de$carácter$doce,$extremamente$inteligente,$com$
a$preocupação$de$falar$e$escrever$o$inglês$da$forma$mais$académica$possível”,$informa$um$
dos$seus$condiscípulos$da$Commercial$School,$Mr.$Ormond,$que$muito$bem$se$lembra$dele,$
frisando$que$falava$e$escrevia$o$inglês$melhor$do$que$ele$próprio$e$que$era$de$“um$invulgar$
senso$comum$para$a$sua$idade”,$como$muitas$vezes$notara$a$mãe$deste$senhor$que$nessa$
altura$ privou$ igualmente$ com$ o$ jovem$ Fernando$ António.$$
Aliás,$ ao$ saber$ que$ o$ seu$ antigo$ condiscípulo$ era$ hoje$
considerado$um$grande$poeta$português,$Mr.$Ormond,$que$
se$correspondeu$com$ele$durante$perto$de$vinte$anos$(até$ao$
fim$da$primeira$guerra),$comentou:$“Embora$eu$fosse$muito$
novo$naquela$época,$lembroQme$de$que$se$sentia$nele$fosse$o$
que$ fosse,$ que,$ compreendoQo$ agora,$ era$ génio”.$ E$
acrescentou:$ “Fernando$ Pessoa$ era$ então$ um$ rapazinho$
vivo,$ alegre,$ de$ bom$ humor$ e$ feitio$ atraente;$ sentiaQme$
arrastado$para$ele$como$um$pedaço$de$ferro$se$sente$atraído$
por$um$íman”.$ $
(SIMÕES,$1950:$66Q67)$
$
I$ will$ not$ translate$ this$ quote$ into$ English,$ as$ it$ is,$ in$ part,$ already$ a$
translation$ into$ Portuguese.$ Though$ these$ words$ by$ Simões$ may$ give$ the$
impression$ that$ he$ was$ in$ direct$ contact$ with$ Mr.$ Ormond,$ they$ are,$ in$ fact,$ a$
compilation$of$passages$from$a$letter$written,$in$English,$by$Ormond$himself$(Doc.$
5)$ and$ a$ report$ written,$ in$ Portuguese,$ by$ the$ consul$ Santos$ Matias$ after$ visiting$
Ormond’s$home$(Doc.$4).$$
Elsewhere$ in$ his$ book$ (besides$ in$ the$ acknowledgements$ already$ cited),$
Simões$does$credit$Matias$in$footnotes$such$as:$
$
Tinha$“a$preocupação$de$falar$e$escrever$o$inglês$o$mais$acadèmicamente$possível,$o$que,$
alias,$conseguiu$...”,$disse$Mr.$Ormond,$antigo$condiscípulo$de$Pessoa,$ao$Dr.$Albertino$dos$
Santos$Matias,$nosso$cônsul$em$Durban.$ $
(SIMÕES,$1950:$51,$footnote$5)$
[TRANSLATION]$
He$“strived$to$speak$and$write$in$English$in$the$most$academic$form$possible,$something$
he,$ in$ fact,$ achieved…”$ said$ Mr.$ Ormond,$ a$ former$ classmate$ of$ Pessoa,$ to$ Dr.$ Albertino$
dos$Santos$Matias,$our$consul$in$Durban.$
$
It$ seems$ plausible$ that$ a$ reader$ of$ Simões’s$ book,$ without$ scrutinizing$ all$
footnotes,$ would$ be$ left$ with$ the$ impression$ that$ the$ biographer$ met$ Ormond$ in$
person—and$ this$ unverified$ assumption$ may$ have$ made$ its$ way$ into$ the$
“Ormond”$ entry$ in$ the$ Dicionário$ Pessoa.$ If,$ on$ one$ hand,$ one$ may$ not$ accuse$
Simões$ of$ intentionally$ obfuscating$ the$ credit$ due$ to$ Matias,$ one$ may$ also$ not$
blame$ Zenith$ for$ the$ wrongful$ credit,$ as$ Simões$ is$ far$ from$ explicit.$ In$ any$ case,$
Matias$ is$ a$ decisive$ secondary$ source,$ as$ the$ documentation$ shows—the$ sole$
responsible$person$for$the$rediscovery$of$Mr.$Ormond.$
Turning$ now$ to$ Hubert$ Jennings,$ one$ has$ to$
recognize$the$multifaceted$value$of$his$contribution:$
Jennings$was$not$only$the$crucial$field$researcher$for$
Severino’s$ thesis,$ but$ also$ a$ factQchecker$ of$ the$
previous$ investigation$ presented$ by$ Simões.$$
Nevertheless,$ much$ like$ Simões,$ Jennings$ is$ still$ a$
tertiary$source$in$this$case,$though$his$tireless$efforts$
in$ Durban$ brought$ him$ as$ close$ as$ possible$ to$
Ormond$ in$ 1972—when$ he$ had$ the$ opportunity$ to$
interview,$ over$ the$ telephone,$ “Miss$ M.$ Ormond”$
(with$the$first$name$unfortunately$abbreviated).$
$
$
IV.$Secondary$Sources:$Miss$Ormond,$(maybe)$Campbell$&$(surely)$Matias$
$
In$ his$ 1984$ book,$ written$ in$ Portuguese,$ Hubert$ Jennings$ recounts$ his$
interview$ with$ Miss$ M.$ Ormond.$ Two$ years$ later,$ in$ Pessoa$ in$ Durban,$ Jennings$
includes$a$version$of$that$report,$now$in$English:h$$
$
In$ spite$ of$ strenuous$ efforts$ to$ trace$ Mr$ Ormond,$ it$ was$ not$ until$ 1972$ that$ the$ writer$
[Jennings$himself]$obtained$any$news$of$him.$The$chance$discovery$that$he$had$a$daughter$
living$in$the$vicinity$of$Durban$led$to$this$conversation,$recorded$at$the$time.$
$
Telephone$ conversation$ with$ Miss$ M.$ Ormond$ of$ 11$ Bideford$ Road,$ Bluff,$ Durban,$
February$3,$1972.$$
$
$
$
$
$
$
$Though$ the$ English$ account$ is$ from$ 1986,$ it$ is$ the$ original$ text,$ which$ had$ been$ translated$ by$
h
António$Sabler$into$Portuguese$(in$1984),$before$the$English$book$came$out.$
$
My$ father$ came$ to$ South$ Africa$ in$ the$ same$ year$ as$ King$ George$ V$ (as$ Duke$ of$
York)$visited$the$country$(1901).$He$was$16$when$he$joined$the$Natal$forces$to$put$
down$the$Bambata$revolt$(1906)i$so$that$he$must$have$been$born$in$1890.$He$was$
educated$at$St.$Joseph’s$School$and$was$himself$a$Catholic.$I$cannot$remember$his$
ever$mentioning$that$he$attended$the$Commercial$School.$He$took$part$in$the$First$
World$War$and$afterwards$went$to$Australia.$It$may$have$been$during$this$time$
that$ he$ lost$ contact$ with$ Fernando$ Pessoa.$ My$ father’s$ full$ name$ was$ Augustine$
James$Ormond$and$he$was$born$in$Ireland.$
$
He$was$a$friend$of$Roy$Campbell$and$Uys$Krige,j$the$South$African$poets,$and$in$
his$early$days$he$lived$in$the$house$next$to$Miss$Killie$Campbell,$Roy’s$cousin.$
$
Unfortunately,$I$have$no$letters$from$Fernando$Pessoa$to$my$father.”$
$
(JENNINGS,$1986:$17Q18)$
$
Each$ of$ the$ four$ paragraphs$ of$ Miss$ Ormond’s$ testimonial$ contribute$ very$
differently$to$our$search$for$her$father:$1)$the$first$paragraph$reveals$a$secondary$
source$ that$ is$ not$ independent$ from$ the$ memory$ of$ Augustine$ Ormond$ himself$
(unless$ Miss$ Ormond$ were$ born$ while$ her$ father$ and$ Pessoa$ were$ still$
correspondents,$ which$ is$ unlikely,$ her$ entire$ report$ comes$ from$ her$ father’s$
memory);$ 2)$ the$ second$ paragraph$ is$ the$ best$ biographical$ note$ on$ Augustine$
Ormond$ located$ to$ date;$ 3)$ the$ information$ that$ the$ poets$ Campbell$ and$ Krige$
knew$Ormond$is$important,$and$is$corroborated$by$Campbell$himself$(as$we$will$
see$shortly);$4)$one$draft$of$a$letter$from$Pessoa$to$Ormond$was$located$in$Pessoa’s$
archive,$and$is$included$in$this$article$(Doc.$9).$
It$ is$ noteworthy$ that$ Miss$ Ormond$ mentions$ the$ interview$ her$ father$ had$
“with$ the$ Portuguese$ consul,”$ corroborating$ that$ Matias$ (and$ not$ Simões)$ had$
been$that$interviewer.$Before$further$discussing$the$consul$as$a$secondary$source,$
though,$one$must$address$Roy$Campbell,$who$was$discredited$as$a$reliable$source$
in$Jennings’s$book:$
i
$The$Bambata$(or$Bambatha)$Rebellion$is$the$likely$inspiration$of$an$incomplete$sonnet$by$Pessoa,$
titled$“Kitchener”$(PITTELLA,$2016:$45Q46).$
j
$For$Uys$Krige$and$his$correspondence$with$Jennings$himself,$see$ HELGESSON,$2015:$265Q281.$The$
same$ paper$ includes$ a$ letter$ from$ Armand$ Guibert$ (who$ was$ friends$ with$ Krige)$ to$ Jennings,$ in$
which$ Guibert$ refers$ to$ Ormond$ vaguely:$ “I$ understand$ that$ one$ Mr$ Ormond,$ who$ was$ young$
Fernando’s$contemporary,$may$be$still$alive,$but$I$don’t$know$either$his$Christian$name$or$address”$
(idem:$277).$It$is$likely$that$Guibert$learned$of$Ormond$from$Simões’s$book,$though$Krige$could$also$
have$told$him—if$indeed$Krige$knew$Ormond,$as$Miss$Ormond$suggests.$Guibert$and$his$research$
efforts$in$South$Africa$are$referred$to$in$Docs.$2,$4$and$8$included$in$this$article.$
$
(JENNINGS,$1986:$18Q19)$
$
The$original$passage$in$Campbell’s$Portugal,$in$which$Ormond$appears,$is:$
$
Pessoa,$ as$ a$ man,$ was$ a$ shadowy,$ retiring$ person:$ my$ elder$ brothers$ were$ at$ school$ in$
Durban$ with$ him,$ though$ his$ closest$ friend,$ my$ friend,$ Mr.$ Ormond,$ corresponded$ with$
him$for$twenty$years$and$seems$to$have$been$the$only$person$ever$to$got$to$know$him.$His$
literary$ friends$ in$ Lisbon$ speak$ of$ him$ as$ of$ a$ ghost:$ and$ Dr.$ Gaspar$ Simões,$ in$ his$
monumental$book$on$his$life$and$work,$though$he$knew$him$personally,$says$it$was$harder$
to$find$particulars$of$his$life$than$of$anyone$else’s$who$had$died$200$years$ago.$
$
(CAMPBELL,$1957:$156Q157)$
$
Campbell’s$ argument$ may$ befit$ a$ largely$
disseminated$ image$ of$ Pessoa$ as$ a$ recluse$ and,$ by$
contrast,$ inflate$ the$ importance$ of$ Ormond’s$
acquaintanceship$ with$ the$ Portuguese$ poet.$ Surely,$
Ormond’s$ testimonial$ is$ precious,$ but$ Campbell$ was$
not$as$thorough$a$researcher$as$Jennings,$who,$in$time,$
would$find$Geerdts$and$Belcher,$other$contemporaries$
of$ Pessoa. k $Furthermore,$ Simões’s$ declaration$ of$
Pessoa’s$ elusiveness$ may$ also$ be$ questioned—and$
very$different$profiles$of$the$poet$have$been$done$since$1950.l$
The$ South$ African$ poet$ mentions$ Ormond$ three$ more$ times,$ in$ a$
manuscript$ left$ unfinished—and$ unearthed$ in$ 1994$ by$ George$ Monteiro,$ who$
edited$and$introduced$it$in$an$article$(with$a$republication$in$The$Presence$of$Pessoa).$
The$first$reference$to$Ormond$in$this$rescued$text$resembles$the$one$from$Portugal,$
with$two$distinct$attributes:$a$crossed$out$phrase,$and$a$commentary$by$Campbell$
on$the$disparate$religious$identities$of$Pessoa$and$Ormond:$
k
$For$ an$ overview$ of$ Pessoa’s$ correspondence$ with$ Geerdts$ and$ Belcher,$ one$ may$ see$ PIZARRO$
(2007:$chap.$II),$in$addition$to$JENNINGS$(1984:$chap.$VII;$1986:$chap.$4).$
l
$The$book$Como$Fernando$Pessoa$Pode$Mudar$a$Sua$Vida$thoroughly$challenges$the$myth$of$Pessoa’s$
isolation$(PITTELLA$&$PIZARRO,$2017).$
$
I$have$known$the$friends$of$his$[Pessoa’s]$childhood$in$South$Africa,$notably$Mr.$Ormond$
of$Durban,$his$closest$schoolfriend,$with$whom$he$corresponded$for$twenty$years,$and$for$
whom$ he$ preserved$ a$ loyal$ affection$ to$ his$ dying$ daym$feeling$ almost$ akin$ to$ affection,$
although$he$lapsed$from$the$Catholicism$in$which$his$friend$staunchly$continues.$(Pessoa$
was$highly$conscious$of$his$Jewish$ancestry$on$one$side).$
$
(Campbell,$apud$MONTEIRO,$1994:$132$&$1998:$109)$
$
Besides$the$assertions$of$the$special$nature$and$length$of$Pessoa’s$friendship$
with$ Ormond—which$ we$ have$ already$ seen$ and$ questioned—here$ we$ learn$
something$new:$that$Ormond$was$staunchly$Catholic$(to$borrow$Campbell’s$term)$
and$ that$ his$ affection$ toward$ Pessoa$ would$be$ such,$ that$ Ormond$ was$ willing$ to$
overlook$his$classmate’s$“lapse$from$[...]$Catholicism.”$
In$another$passage,$Campbell$makes$a$categorical$assertion:$“His$[Pessoa’s]$
friendships$with$SáQCarneiro$and$Ormond$were$chiefly$intellectual,$though$lasting”$
(apud$ MONTEIRO:$ 1994:$ 140$ &$ 1998:$ 119).$ If$ we$ concede$ that$ Pessoa$ and$ Ormond$
may$have$had$a$“lasting$friendship”$(in$spite$of$the$lack$of$documents),$Campbell’s$
claim$is$insightful,$at$least$in$regard$to$Ormond—and$is$corroborated$by$Doc.$9$of$
this$article.$Pessoa’s$drafted$letter$to$Ormond$constitutes$a$truly$intellectual$game:$
the$ winner$ would$ be$ the$ one$ who$ could$ stick$ the$ longest$ to$ the$ most$ formulaic$
academic$writing$possible,$while$keeping$the$pretense$of$a$letter.$
The$ last$ reference$ to$ Ormond$ in$ Campbell’s$ manuscript$ repeats$ the$ claims$
of$the$first—but$now$in$the$general$context$of$Pessoa’s$supposed$traceless$youth$in$
Durban,$an$argument$already$seen$in$Portugal$and$in$Simões’s$book:$
$
Now$we$come$to$one$of$the$strangest$things$in$the$whole$of$PessoaÉs$life.$His$ten$years$in$
Durban,$ where$ he$ learnt$ the$ English$ language$ so$ well,$ that$ he$ had$ no$ trace$ of$ a$ colonial$
accent,$ and$ where$ he$ stripped$ most$ of$ the$ schoolQprizes$ from$ his$ British$ colonial$
competitors,$left$absolutely$no$trace$on$his$writings$except$that$he$corresponded$for$twenty$
years$with$his$friend,$Mr.$Ormond.$
$
(Campbell,$apud$MONTEIRO,$1994:$152$&$1998:$134)$
$
If$ Campbell’s$ words$ need$ to$ be$ taken$ with$ a$ pinch$ of$ salt,$ the$ words$ of$
Albertino$ dos$ Santos$ Matias$ must$ be$ taken$ with$ nothing$ but$ gratitude.$ Though$
Miss$ M.$ Ormond$ was$ obviously$ closer$ to$ her$ father$ than$ the$ Portuguese$ consul$
who$found$himself$in$Durban$in$1949,$it$was$Albertino$who$provided$us$with$the$
best$account$of$Ormond’s$relationship$with$Pessoa.$This$account$includes$a$typed$
copy$of$a$letter$Ormond$sent$to$the$consul$at$that$time$(unfortunately,$the$original$
document,$possibly$a$manuscript,$has$not$been$located$to$date).$
m
$I$have$included$the$crossedQout$phrase$in$the$quote,$although$Monteiro$presents$it$as$a$footnote.$
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 204
Pittella Mr. Ormond
n
$The$ heirs$ of$ Albertino$ would$ donate$ more$ than$ 70$ books$ in$ Esperanto$ from$ his$ library$ to$ the$
Foundation$Lapa$do$Lobo,$which$promotes$the$study$of$that$artificial$language.$It$is$also$thanks$to$a$
biographical$ note$ prepared$ by$ this$ organization$ that$ we$ gathered$ most$ of$ the$ specifics$ on$ the$
consul’s$life$and$work$used$in$this$article.$
o
$The$questionnaire$(Doc.$7a)$was$clipped$to$the$letter$from$the$Matriculation$Board$(Doc.$7b).$
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 205
Pittella Mr. Ormond
M#$E'4;&,(2/*$I,4'()3"-$K$5"B&3"-$I';"4,/$
$
E%PQ!RF?$D#$SPA?G$TD#DUV$
$
$
~-
$
B#3$N%!&'*0($5'&6(4$
Consulado de Portugal
$ cm Durb a n
$
7$ ;-G$ 7-'()04$ ($ .()0&%.R?3+($ 0#$ /#-)*)0($ 1#%%(*$ *$ X3#$ '#$ -#,#-&4$ *.*9*$ 0#$ '#$
#)D&*-$*%$,(!(6-*,&*%$U3)!*%G$H#+#,()#&$*$*6-*0#.#-Q+"#$#$*$?#0&-$*3!(-&\*O=($?*-*$*%$
#)D&*-$*($'#3$Y('$5'&6($)($&)!3&!($0#$*?*-#.#-#'$)*$9&(6-*,&*$X3#$#%!K$,*\#)0(G$
8&%%#Q'#$X3#$*%$,(!(6-*,&*%$#-*'$'&)"*%$#$?(-$&%%($X3#$)=($"*D&*$)#.#%%&0*0#$0#$
'*&%$ ,(-'*+&0*0#%G$ 56-*0#.&$ )(D*'#)!#$ #$
,3&Q+"#$ 0&\#)0($ X3#$ ($ %#3$ '*)3%.-&!($ UK$
0#D&*$ #%!*-$ )*$ !&?(6-*,&*4$ '(!&D($ ?#+($ X3*+$ Con•~laclodt Pori~,, 1
r--
tm O"rban
)=($%*9&*$%#$&*'$*$!#'?(G$a%!(4$P$.+*-(4$P$?*-*$
%*+D*63*-0*-$ ($ ,*.!($ 0#$ )=($ %#-D&-#'4$ ?(-$ {fl 4 ~m,,-.),
A
,_,,.,1,,,,~;;.-rt.
A~,, j+« ,4.crl-17
V J....,.
pt',t ,<,«.L
,<,
,e,u,,J/l,tllf/l,'
X3*+X3#-$ '(!&D(4$ ?*-*$ &+3%!-*-$ ($ +&D-(G$ ;#$ IT/''r'" r/4. ir.,,:,/_, • "/''µa, d,
?(-D#)!3-*$ ,|-$ *+63'*$ (3$ !(0*%$ ?39+&.*0*%$
"" J-<,d# J/1-«(;.«f~,5 jM• ,llfA ~Uf/'IP'I- ,µ
h ,&7;.,ü ~,w, J
,Ú '"'""'
,:/.,!''/"", ,,..~I.",.,,,µ
,:,;,,,A.,,,_,.~
#1,,J
? $e$L(D#'9#-$bcecG$
E%PQ!RF?$W#$SPA?G$TD#D[V$
$
LEGACAO DE PORTUGAL
"
PRETORIA. $
$$$$$EF3G3HF$ $ $ B#3$.*-($>*%?*-$;&'@#%$
$
5X3&$ !#'4$ .('$ *$ '*&(-$ 9-#D&0*0#$ ?(%%RD#+4$ !(0(%$ (%$ #+#'#)!(%$ X3#b$
.()%#63&$ (9!#-$ %(9-#$ ($ /#-)*)0($ 1#%%(*G$ :('($ +"#$ 0&\&*$ )*$ '&)"*$ 3+!&'*k$ .*-!*$
.()%&0#-($ ($ -#%3+!*0($ 0*%$ ?#%X3&\*%$ D#-0*0#&-*'#)!#$ %3-?-##)0#)!#%4$
.()%&0#-*)0($ X3#$ %#$ !-*!*$ 03'$ ?*R%$ #'$ X3#$ )=($ %#$ +&6*$ *$ 'R)&'*$ &'?(-!T).&*$ Ñ%$
.(&%*%$0($#%?R-&!($#$()0#$(%$?*?P&%o$D#+"(%$)=($?*%%*'$0#$g?*?#&%$D#+"(%i$X3#$%#$
0#%!-(#'$0#?(&%$0#$!#-#'$?-##)."&0($*$%3*$,&)*+&0*0#$&'#0&*!*G$`5$'*&(-$?*-!#$
0($%#3$X3#%!&()K-&($-#,#-&*Q%#$*$,*.!(%$?*%%*0(%$(3$-#+*.&()*0(%$.('$83-9*)$#$?(-$
&%%($ !('#&$ *$ &)&.&*!&D*$ 0#$ #%.-#D#-$ *($ :()%3+$ )*X3#+*$ :&0*0#$ s$ 5+9#-!&)($ 0(%$
;*)!(%$B*!&*%G$:('($DS$#+#$,(&$03'*$#,&.&S).&*$)(!KD#+J$,#\$*%$.(&%*%$.('$'P!(0($#$
#%!(3$ .()D#).&0($ X3#$ .()%#63&3$ ($ 'KC&'(G$ N$ ?(0#$ %#-$ X3#$ *&)0*$ D#)"*$ *$ (9!#-$
'*&%$ *+63'*%$ &),(-'*O@#%G$ :('($ ?(0#$ D#-$ !*'9P'4$ ?#+(%$ 0(.3'#)!(%$ 0#+#4$ UK$ ($
5-'*)0$ >3&9#-!$ !&)"*$ ?-#!#)0&0($ .*O*-$ )($ '#%'($ !#--#)($ '*%$ %#&$ X3#$ )=($
.()%#63&-*$)*0*G$8&%%#Q'($3'$;#.-#!K-&($0*$M#6*O=($0#$/-*)O*$X3#$*X3&$,(&$*'&6($
0($L(63#&-*$#$*$X3#'$#%!#$!&)"*$,*+*0($)($*%%3)!(G$5($B*!&*%4$?(&%4$0#D#$D(.S$*$
'*&(-$ ?*-!#$ 0*%$ &),(-'*O@#%]$ '&)"*%$
*?#)*%$ *%$ X3#$ ?(0#$ .(+"#-$ )*$ .*-!*$ 0*$ LEGAÇAO OE PORTUGAL
%#!(-$ X3#$ #%!*D*$ *($ '#3$ *+.*).#$ #'$ /J;~·-r,;:;:' - -~·= 'k,,-,,;,1-.L,_~'
1-#!(-&*$ (3$ :*?#$ H(I)G$ 7$ '#%'($ B*!&*%4$ ,,..,L' -p::: ,,,t..,,,,,._., i "-)"--
f- e-- ,.,.,. ,1..;,c.
..
t;:._.........,.__
,,,.,._..,,L,~ u.J/4'=~
~-~-'-'-.......J-.7 '-'-1:,,,,ez,/1.....,,,(r-, =i
#%.-#D&$ ,*+*)0(Q+"#$ )($ *%%3)!(4$ +(6($ '#$ 7"1-""- .............__'....._·
........
- ,·~a......-·-
ú.. .;_ ~-./- .-1--.
~;.....J-..e~
:(&'9-*]$ X3#$ !&)"*'$ %&0($ .('?*)"#&-(%$
C-~ - ~-e.,._
r·
ct...o .,,,___..l'~tkc ..
0#$ '#%*$ )3'*$ ?#)%=($ 0#$ #%!30*)!#%]$ X3#$ e...-·¼... O.A e..- ...............
·~ <-~ ~tl-4,&A.,(,.,."h ;- ~· .......
l J'
',ÃA..,<..á,.'ic;......._o ""-!-
V-<
+"#$ !&)"*$ #%.-&!($ "K$ !#'?(%$ '*%$ X3#$ D(.S$ '{----'-r~~ e......~ --:r~ ..f--'-- ""--::
a-·u....J-_ ~- -~ ~ 4 ...:/
r ""-
%&$3'*$6-*)0#$#%!&'*$&)!#+#.!3*+$#$X3#$,*-&*$ ~.
/V~'.,,_- < "- /~ .....4..
/J.. (h.,.;z;-__ J-•,-«v-'- v7u·,._ ,.,,.,.,._·~(,....E:-'-
,f_··r......x
{k..,..,,_._l,,_"'-" - '-'-<.«_
(h,,,_,.L-~""- ~·;i.<J<,...:.....,...
,J-... 7 d«
'#-#.&*$ X3#$ D(.S$ +"#$ #%.-#D#%%#$ 3'*%$ ... '-'«,,.~-!L.--.........<r, t.-r ........
r...t;_·~ ...A,,<.,t:::---!r~
=~..h~
+&)"*%hÖ$:#-!*'#)!#$X3#$#+#$,&.*-&*$
t7 A_....:~ - JJ.o r ...
'7·1 ~-l,r~,-..... /,,.__',.J.,,...,,._
~e ..;.,..<....._ 4· 4'-..__.t,,.,;
ABC#$T#$X,22,"$>"'&$P3/2B69'$2'$IB&J,/G$!"#$%G$DYZY#$
$
$
'3&!($ %*!&%,#&!($ .('$ #+*%G$ `1#O(Q+"#$ X3#$ '#$ #%.-#D*$ *$ *.3%*-$ *$ -#.#?O=($ 0(%$
?*?P&%]$)=($!#)"($.W?&*%$'*%$%3?()"($X3#$($B*!&*%$*%$!#-K$?*-*$($.*%(4$*+&K%$?(3.($
?-(DKD#+4$0*$#).('#)0*$%#$?#-0#-G$
B3&!($ 6(%!#&$ 0#$ %*9#-$ X3#$ !#'$ ($ %#3$ +&D-($ X3*%#$ ?-()!(GGG$ #$ .-#%.&0(4$
?-('#!#)0($ ,(-'*-$ 3'$ 9#+($ ?*-$ .('$ ($
gNO*$ 0#$ {3#&-(\iGX $N%!(3$ *).&(%($ ?(-$ ($ LEGA<;:AO OE PORTUGAL
+#-G$$N%?#-($X3#$)=($%#$#%X3#.#-K$0#$'&'4$
PRETORIA .
~~,.~;e-·..._
3'$ +&D-($ .*?&!*+$ ?*-*$ *$ .+*-&,&.*O=($ 0($
~·- ,'1\.,l......._ ,, :..c..--·~Ja...L/,fL,<,,
1'~-e,/._ f ~ _,_,,
e,............ ~ ~.,,
- ....- -~- -~,.;-._
-
X $a)$bcef4$>*%?*-$;&'@#%$"*0$?39+&%"#0$"&%$9&(6-*?"F$(,$NO*$0#${3#&-(\G$
$
DOCUMENT$3.$[CFT,$31.14]$
$
RESPOSTA$AO$QUESTIONARIO$
$
1$–$A$“Commercial$School”,$dirigida$pelo$australiano$Dr.$(?)1$Haggar$e$frequentada$
por$Fernando$Pessoa$entre$1902$e$1904,$já$não$existe.$
O$ edifício$ onde$ funcionava,$ “London$ Chambers”$ em$ West$ Street,$ existe$
ainda,$sem$alterações$de$maior.$–$Vide2$documentos$nº.$1$e$nº.$2:$r$cartas$de$um$
condiscípulo3$ de$ Fernando$ Pessoa,$ Senhor$ Ormond,$ e$ do$ Senhor$ Banks,$
Director$da$Educação$da$Provincia$do$Natal.$
2$ –$ As$ disciplinas$ ensinadas$ na$ “High$ School”$ em$ 1900$ eram:$ Inglês,$ Francês,$
História,4$Latim,$Grego,$Matemática,$Quimica5$e$Física,$as$quais$habilitavam$os$
alunos$a$obter$os$diferentes$graus$académicos$na$Universidade$do$Cabo$da$Boa$
Esperança,$em$Cape$Town.$–$Vide$documento$nº.$2.$
Natal$ na$ mesma$ época$ era,$ em$ números$ Dr.{?) Haggar e frequentada por Fernando Pessoa
entre 902 e 1904, J4 nê'o existe.
redondos,$ de$ 400.000$ indígenas,$ 80.000$ O edif!clo onde funcionava, 11 London Chambers" em
JuntaQse$ uma$ fotografia$ de$ Durban$ cond!sc!pulo de Fernando Pessoa, Senhor Crmor.d,
e do Senhor Benks, Director de Educa('l'O da Pro-
tirada$em$1895.$ v!nc!a do N&tal.
2 - ks d scipllnas ensinadas na 11 H1gh School" em 1901.;
4$–$O$Consulado$de$Portugal$de$1901$a$1903$
eram: Inglês, l'r.,incês, Historia, Latim, Grego,
~etemdt!ca, ~uim!ca e Hs!ca, as quais habilitavam
era$em$West$Street$nº.$157.$O$edifício7$foi$ os alunos
ria Universidade
a obter os diferentes graus
do Cabo da .Soa .c;.sperança, eri Cape
acad~micos
Tersilian”$em$Ridge$Road;$de$1901$a$1903$ Junta-se
4 - u Consulado
uma fotografia
de Portugal
de Durban tirada
de 1901 a 1903 era em
em 1895.
no$ mesmo$ edifício$ da$ Chancelaria:$ West$ Y.'est Street no, 157, O ediflcio foi demolido, ten-
do sido erigida no local um templo da Igreja
Street$ nº$ .$ 157;$ posteriormente$ no$ Bay$ Baptiste.
View$ Hotel,$ imediações$ de$ Musgrave$ 5 - Em 1896 o Consul hac1tava na Casa Tersillan
11 11
Road.$ –$ Vide$ documento$ nº.$ 4,$ cópia$ de$ da Chancelaria: 'i\'est Street nci.157; poster,.or-
mente no Bay Y ew Hotel, 1med1açbes de M:usgrave
uma$ procuração$ passada$ pela$ esposa$ do$ i!,oad. - V. doeu ente n0.4 1 cdp!a de uma procu-
Fig.$5.$Report$from$Matias$to$Simões,$p.$1,$1949.$
r$Note$ we$ have$ three$ different$ numbering$ systems$ at$ play$ here:$ 1)$ Albertino’s$ initial$ numbers;$ 2)$
then$Távora’s$,$or$perhaps$Simões’s,$who$renumbered$the$documents$as$part$of$lot$31;$and$3)$ours.$
$
U$ \$ N'$ bdcm$ ($ :()D#)!($ :*!W+&.($ (.3?*D*$ X3K%&$ 3'$ X3*-!#&-=(4$ ,*\#)0($ ,-#)!#$
?*-*$y#%!$;!-##!4$Y-(*0$;!-##!$(3$>-#F$;!-##!$#$;'&!"$;!-##!G$5$&6-#U*4$.*!#0-*+$
)#%%*$ P?(.*4c$ #-*$ )*$ #%X3&)*$ 0*$ y#%!$ ;!-##!$ #$ >-#F$ ;!-##!]$ ($ .()D#)!($ )*$
#%X3&)*$0*$>-#F$;!-##!$(3$Y-(*0$;!-##!$#$;'&!"$;!-##!G$
5$ &6-#U*$ ,(&$ 0#'(+&0*$ #$
-#.()%!-3R0*bn$ #'$ ;!*',(-0$ A&++$ E(*04$
%#)0($ "(U#$ .()"#.&0*$ ?(-$ a6-#U*$ 0#$ ;=($
<(%PG$['*$)(D*$.*!#0-*+$,(&$.()%!-3R0*$)($ 6- L96 o "'-,nvento CatdUc
&. )Cupava quá'..:11um
~uartel"to, faz.enio
9*&--($&)0&*)(G$
nte para Jest St"eet, fr1
Broad Street ou Grey St:reet • Smith s+reet
g:()D#)!$ ;."((+i4$ #%.(+*$ 0&-&6&0*$ ?(-$ 1 reJa f'.;,1 de:.. Uda e reconst -ulda em Stamford
H 11 road
.l
,end, ho
J '
,-#&-*%$'*%$%39%&0&*0*$?#+($N%!*0(G$
cc.nheC!ida por 1,:reja de Sto
J • -
,(!(6-*,&*$%#$U3)!*$s$O+-&$0(.3'#)!($)áG$f4$ ~onheci.dv
por -"eiras
''Convent Scho.Jl'', po1
#%!K$"(U#$($g5!+*)!&.$Y3&+0&)6i$#$)*$?*-!#$ No loca
,.mta.
ia .greja demo .:Ja, cuja f)1 g afia se
v. documento no 5, estd l:ic.e o ''Atla,:'lt:c
0*$>-#F$;!-##!$($gA&6"I*F$A(!#+iG$ 81.Ú.lrl ng" e parte da 'lrey Street
rui ) "H r.h•~Y-
$
Hotel".
$
$
$ ..........---"".... .. ~-
$ ABC#$U#$:,@'"2$>"'&$!32B3/$2'$IB&J,/G$@#$W#$
$
DOCUMENT$4.$[CFT,$31.14,$addendum]$
$
ALGUMAS$NOTAS$REFERENTES$À$“RESPOSTA$AO$QUESTIONARIO”$
$
1$–$ A$ carta$ que$ o$ Sr.$ A.$ J.$ Ormond$ me$ enviou$ foi$ provocada$ pela$ notícia$ que$ fiz$
publicar$no$“Natal$Mercury”$(documento$nº.$6).$$
Procurei1$ em$ sua$ casa$ o$ Senhor$ Ormond$ que$ me$ referiu$ ter$ sido$ amigo$
íntimo2$de$Fernando$Pessoa$com$quem$se$correspondeu$durante$anos,$quando$
ambos$habitavam$Durban$e$quando$Fernando$Pessoa$saiu$para$o$Cabo.$
O$Senhor$Ormond,$que$é$vivo,$vive$com$sua$irmã,$tambem$viuva,$Mrs.$K.$
Swatton$em$514,$Ridge$Road.$FalaramQme$de$Fernando$Pessoa$com$um$carinho$
profundo$e$referindoQme$que$sua$mãe,$a$velha$Senhora$Ormond$falecida$no$ano$
passado$com$90$anos,$recordava$sempre$a$figura$do$poeta$com$saudade,$apezar$
dos$ anos$ decorridos$ desde$ a$ separação.$ Para$ isso$ concorreu$ a$ impressão$ que$
Fernando$ Pessoa$ lhes$ deixou$ –$ “a$ de$ um$
rapazinho$ um$ tanto$ tímido,$ amável,$ de$
carácter$ doce,$ extremamente$ inteligente,$ l• 'llrt.a lUe o .Sr. k.J. 1,1r un::l 111eenvivu foi provocada
4.
inglês$o$mais$academicamente$possível,3$o$ P acurei em sua can1 o Senhor 1,1r ond que a:e referiu
escrevia$ melhor$ do$ que$ êles$ próprios,$ de$ Durban e c1u11.ndoFernando Peuoa sdu p&ra o C&bo.
Senhor Ormond, lU8 li v.._tlvo, vive c1,; sua irmt, E!
O$ Senhor$ Ormond,$ que$ lamenta$ ter$ ridus desde a separaç&'o. Para .1. o cuncur ·eu a impres-
que$me$pareceu$bastante$culta$e$que$ficou$
P.-1meira Guerra J..un'!hl, i to iu.s de 20 anos, d é,
deliciada$ por$ saber$ que$ Fernando$ Pessoa$ cargo os serviços soc ...ais de e: benefic.1.wa os operá'.ii'ios. Je
Sua ...ra:lr, "l.ue me pareceu Das .... ,te cu ... e :i;ue ficuu
traduziu$ alguns$ contos$ de$ O.$ Henry5$ que$ je.ic ada por s1.1ber :i;ue rernando Pessua traduziu al-
ela$conhece$bem,$administra$a$casa$de$seu$ gu• s cunt-os de íenry ;iue ela ?ur ece be:r, admini'litra
1 ~asa ::le seu !rmlro e faz pa e:tr•s
1,;.
$ u ....... .
$
Fig.$7.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$1,$1949.$
O$Sr.$Ormond,$apezar$de$não$conhecer$português,$ficaria$satisfeitíssimo,$
segundo$ penso,$ se$ fosse$ contemplado$ com$ o$ futuro$ livro$ da$ biografia$ de$
Fernando$ Pessoa,$ visto$ a$ admiração$ que$ vota$ à$ memoria$ do$ seu$ antigo$
condiscípulo$ e$ o$ seu$ interesse$ por$ Portugal$ de$ que$ me$ falou$ com$ muito$
conhecimento.$
2$–$O$Dr.$S.G.$Campbell$(documento$nº.$2)s$faleceu$há$muitos$anos.$Não$consegui$
entrar$em$contacto$com$seu$filho,$Dr.$G.$Campbell,$que,$aliás,$nada$deve$saber.$
O$ Senhor$ B.$ M.$ Narbeth,$ que$ teve$ a$ amabilidade$ de$vir$ ao$ Consulado,$
nada$ adiantou,$ prometendo,$ no$ entanto,$ tentar$ encontrar$ nos$ arquivos$ da$
actual$“High$School”$quaisquer$elementos$àcerca6$do$poeta,$o$que,$segundo$êle,$
se$ lhe$ afigurava$ difícil,$ visto$ os$ documentos$ antigos$ terem$ desaparecido$ em$
grande$parte.$
3$–$Os$números$da$população$de$Durban$em$1896$foramQme$fornecidos$pelo$Sr.$P.$
Sullivan,$viceQdirector$do$Departamento$de$Publicidade,$o$qual$me$dispensou$o$
maior$ auxilio$ noutras$ diligências.$ Os$ -, -
restantes$ números$ foram$ extraídos$ de$ temph,do com o futui o 11v o biogra ia de Fer'l8nc.10
Municipal,$ Senhor$ Chubb,$ me$ poude$ vir o Consulado, l'laaa .. ,.. t ., prome endo, 10 e 1t&nto,
tentar encontr .. r 11.os,.r 11ivos da actual "H1gh ~ch"ol''
dispensar.$ Não$ tinha$ negativo,$ tendoQme$ 1uaisa 1er element::>s acerca do poeta, o q11e, !leg11ndo êle,
fotografar$e$de$que$foi$extraido$o$presente$ S• Osfor1ecidos
1dl:ler'>s d populacto de Dur
pelo Sr, P . .:.iull!v
em 1A9b "orac::-me
vice-d rectiJr do D41-1'11
"'l
referentes$ à$ fotografia,$ visto$ o$ longo$ o :1 recto do useu un e pa.1.., .;)e!'!hur ::hubb, e p ude
spensa , lo tin~a negat-1vu, te~fo .. e êJ.e emprestado
tempo$ decorrido$ e$ a$ vulgarização$ de$ tais$
:1
fotos$por$todo$o$país.$No$entanto,$diz$que$
o presente pos1t1vu u totugrafu foi u Sr. Lynn 4.cut
3egundu o Sr Cbubb Jd nto ex" te:,,,. dlreitvs da
é$ costume$ fazer$ acompanhar$ as$ propriedade art!stlca referent-es futugrat a, vlstu lil
reproduções$ com$ os$ seguintes$ dizeres:$ por todu o pa!s. to entant , :Uz que cost e fa- ti
“From$the$Durban$Museum$‘Old$Durban’$
zer .acompr.llhar u reprodu.ç~ss c.:i: s ,egu1..,tes dl·
zeres: "From the Durba!'I Jluseum ld Durbin"l'"oUect ...nn". 111
Acutt.$
$
Fig.$8.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$2.$
$This$“doc.$2”$(in$Matias’s$numbering)$has$not$been$located$to$date.$
s
A7$ fotografia$ foi$ tirada$ na$ direcção$ do$ Sul,$ da$ parte$ alta$ da$ cidade,$
chamada$Berea.$A$entrada$da$baía$é$à$esquerda.$Ao$fundo$está$o$“Bluff”,$hoje$
bastante$urbanizado,$monte$que$abriga$a$baía$dos$ventos$do$sul.$
É$ digno$ de$ nota$ a$ feliz$ coincidência$ de$ nela$ aparecer$ distintamente$ a$
igreja$do$convento,$reproduzida$no$documento$nº.$5.$
4$–$ Não$ me$ foi$ possivel$ saber$ onde$ era$ o$ Consulado$ de$ Portugal$ de$ 1896$ a$ 1901.$
Desde$este$ano$até$1903$foi$em$157,$West$Street,$segundo$os$anuários$da$cidade.$
Posteriormente,$ em$ data$ que$ tambem$ me$ não$ foi$ possivel$ apurar,$ era$ no$ 1º.$
andar$ do$ Natal$ Bank,$ prédio$ que$ existe$ ainda$ na$ esquina$ da$ West$ Street$ e$
Gardiner$Street.$
O$prédio$nº.$157$da$West$Street$foi$demolido.$
5$ –$ Em$ 1896$ o$ Consul$ de$ Portugal$ habitava$ uma$ casa$ denominada$ “Tersilian$
House”,$em$Ridge$Road,$segundo$consta$do$documento$nº.$4.$
Na$ procura$ de$ tal$ casa,$ ou$ lugar$ onde$ tivesse$ existido,$ empreguei$ todos$
os$ meus$ esforços,$ sem$ que$ ninguem$ me$
- 3 -
tal$nome$conste$de$qualquer$anuário.$ esquerda. Ao fundo estéf o "Bluf fl', hoje bas tanta ur-
Sou$levado$a$crer$que$a$referida$casa$
banizado, monte que abriga a ba!a dos ventos do sul.
E digno de nota a feliz coincidência de nela apa-
imediações$ –$ “off$ Ridge8$ Road”.$ Mesmo$ 4- Nâ:o me foi possivel saber onde era o Consulado de Por-
assim$ é$ de$ estranhar$ que$ não$ haja$
tugal de 1896 a 1901. Desde este ano atE! 1903 foi em
157, West Street, segundo os anuários da cidade. Pos-
qualquer$notícia.$ teriormente,
apurar,
em data que tambem me nlro foi possivel
era no l". andar do Natal Bank, prédio que
É9$ provável$ que$ tal$ casa$ fôsse10$ existe ainda na esquina da West Street e Gardiner
Alem$ de$ 1903,$ tambem$ nada$ Sou levado a crer que a referida ci:.sa nà"o era em
promessa$ do$ Sr.$ Ormond$ de$ que$ êle$ B provável que tal casa fosse demolida naquele
ano de 1896 ou lhe fosse dado outro nome.
6$ –$ O$ Convento$ onde$ estudou$ Fernando$ uma vaga promessa do Sr, Ormond de que êle diligenciaria
Igre
Street,
Ja do documento
visto que para
ni:i. 5.
esta rua só fazia face a
documento$nº.$5.$ 4/ ••.••.•
$
Fig.$9.$Addendum$from$Matias$to$Simões,$p.$3.$
$
$
<3)!*Q%#bk$ 3'$ 6-K,&.($ ^hÖ_$ s$ 0(.3'#)!($ )áG$ bb$ s$ X3#$ ?-#!#)0#$ 0*-$ 3'*$
&0#&*$0($+(.*+G$
5$ ,(!(6-*,&*$ 0*$ &6-#U*$ ,(&$ !&-*0*$ 0#$ 3'$ )#6*!&D($ .#0&0($ ?#+($ B3%#3$ 0#$
83-9*)G$ 5$ #%!*$ %#$ *?+&.*'$ *%$ '#%'*%$ .()%&0#-*O@#%$ ,#&!*%$ )($ )áG$ o$ Ñ.#-.*$ 0*$
,(!(6-*,&*$.('$*$D&%!*$0#$83-9*)G$/(&$!&-*0*$0*$Y-(*0$(3$>-#F$;!-##!G$
7$ 0(.3'#)!($ )áG$ bn$ ,(&$ .(?&*0($ 03'$ -#.(-!#$ 0#$ U(-)*+$ #'?-#%!*0($ ?#+($
:()%3+$0*$/-*)O*4$;#)"(-$N36Ä)#$E*!!()4$D&%!($X3#$)*$*0'&)&%!-*O=($0($U(-)*+$
)=($"K$#C#'?+*-#%$0#$'*&%$0#$3'$*)(G$
5X3#+#$ '#3$ .(+#6*$ !#'$ '*)&,#%!*0($ &)!#-#%%#$ )*%$ '&)"*%$ ?#%X3&\*%$ #$
."#6(3$ *$ ?#0&-Q'#$ (bo$ ,(-)#.&'#)!($ 0#$
&),(-'*O@#%$ ?*-*$ #)D&*-$ *($ #%.-&!(-$ - 4 -
>3&9#-!4$ X3#4$ %#63)0($ S+#4$ *&)0*$ )=($ .!·J!'lta- e griffico ("~) - :11--i=.1to ,i11• que
i.:- .u - prete!'lde
lar 11ma ide .a do local.
0#%&%!&3$0#$,*\#-$*$9&(6-*,&*$0($?(#!*G$ A fotogr~fia da ig eJa foi ·ada de um negativo ce- ti
:('($ P$ )*!3-*+4$ !#)"($ ?-(.#0&0($ msidergçO-es feitas no r.il. > àCe"'ca ja t.itc, rnaa
d1ào .ie.l.o lluseu de Durban uta. se &plicam u mesc:as lt.
com a
?(%%#$ 0($ %#3$ .*-6($ #'$ f$ 0#$ 73!39-($ 0#$ ,1 C:>cu::. ntr.is ri11,7, e, pr t,r:!i:im elu :'lar f1cta
bdcf4$ !#)0($ %&0($ %39%!&!3&0($ #'$ kd$ 0#$ at1 . ,te- '- .,.-an..111l e C'"'l'"Jand1Pe ua.
56(%!($0#$bcbbG$ J c-,n.:-1· T?to i.:.1::·1el Roza t .,m,)u "":' e :'lc ,~u e· r, > em
"I o lt o :'!e 1895, tendo s io .subs-1 tl ido em 2'3 de 4t s-
to 4• 1)11.
/ '
ABC#$D_#$0)),();&$>"'&$!32B3/$2'$IB&J,/G$@#$Z#$
$
24th$June,$1949.$
His$Excellency,$
The$Consul$for$Portugal,$
Netherlands$Bank$Buildings,$
Smith$Street,$
DURBAN.$
$
Dear$Sir,$
$
I$ was$ very$ interested$ to$ read$ in$ the$ newspaper$ that$ you$ are$ seeking$
information$about$Fernando$Pessoa.$
I$ cannot$ perhaps$ say$ that$ I$ can$
afford$ much$ information$ about$ him,$ but$ íl4 1 Rldge Road,
it$is$true$that$in$our$youth$we$were,$for$a$ DURbA.N.
while,$close$friends.$
24th. June, 1949.
although$ preserved$ for$ a$ long$ while,$ has$ I ca"lnvt perhaps 9ay that I cari afford much lnformatlon
hlm, but lt is true thélt 1n our youth we wera 1 for a wh1le,
about
close
fr1ends.
survived$the$exigencies$of$a$lifetime;$how$ Uso, we used to corresp nd, alth0ugh bott. Uvlng 1n Durt.an,
1~~o~gh
~~;s!r!:d st~? a tio~?-~~!;, n~~= ~~r~i!e~ 8 ~~:r!xi:e~~!e!
was$ I$ to$ know$ that$ this$ friend$ of$ my$ Ufetlme; how
oecome one of
every word he
was I to tcnow that this friend of my )".,)Uth would
the major poets of modern times? Had I known that,
ever wrote to me would have been closely treasured,
youth$ would$ become$ one$ of$ the$ major$ I knew Pessoa when we botl". attended for a wh1le a Commerc1al
School 1n London Chambers, ln 1,'est Street,
run by a well-t1.nown character
DurbBn, whlch wi.s then
of the time - Dr. Haggar,
poets$ of$ modern$ times?$ Had$ I$ known$ It seems we were drawn together
had a teste for the exerclse
DY the fact that
of the Engl19h language,
we b ,th
and thls
would$have$been$closely$treasured.$
ln all the longest words that I cuuld get hold ;,f ti,at somehow
f1 tted the sense of what I was trying to say • .Utr.ocgh I did not
admlt 1t openly, yet 1-, my hl'art of hearts I Knew that my friend's
efforts were very greatly superior to IIY )wn.
attended$ for$ a$ while$ a$ Commercial$ Y~ung as I w&s I re&Used a quali ty in him. which we nD"IIKnow
to have been ge-iius, He "1189then a sp1r1ted 1 cheerful 1 humorous
lad with &n extremely Ukeable nati;re a:-id I W89 drawri to him &9
Street,$Durban,$which$was$then$run$by$a$
Consul, but beyond that I knew nothing of his family llfe,
That he shou 1 have bec..,me the most famous of modero Portu-
guese poets _s '\Ot surpr~slng. The tio was father to the gen1us.
$
Fig.$11.$Copy$of$letter$from$Ormond$to$Santos$Matias,$1949.$
$
t $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$1”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$3.$
It$seems$we$were$drawn$together$by$the$fact$that$we$both$had$a$taste$for$the$
exercise$ of$ the$ English$ language,$ and$ this$ was$ the$ reason$ why,$ although$ we$ saw$
each$ other$ frequently,$ we$ started$ to$ correspond.$ Our$ letters$ were$ couched$ in$ the$
loftiest$ language$ of$ which$ we$ were$ capable$ but$ while$ Pessoa’s$ were$ really$
excellently$ put$ together,$ my$ own$ efforts$ merely$ consisted$ of$ roping$ in$ all$ the$
longest$words$that$I$could$get$hold$of$that$somehow$fitted$the$sense$of$what$I$was$
trying$to$say.$Although$I$did$not$admit$it$openly,$yet$in$my$heart$of$hearts$I$knew$
that$my$friend’s$efforts$were$very$greatly$superior$to$my$own.$
I$notice$it$is$said$that$he$came$to$Durban$in$1896$at$the$age$of$4$or$5.$It$is$my$
strong$impression$that$he$was$older$than$that$by$2$or$3$years.$I$always$understood$
him$ to$ be$ about$ a$ year$ older$ than$ myself$ and$ in$ 1896$ I$ would$ have$ been$ seven$
years$old.$
Young$as$I$was$I$realised$a$quality$in$him$which$we$now$know$to$have$been$
genius.$He$was$then$a$spirited,$cheerful,$humorous$lad$with$an$extremely$likeable$
nature$and$I$was$drawn$to$him$as$steel$to$a$magnet.$
I$ knew$ at$ the$ time$ that$ his$ father$ or$ uncle$ was$ Portuguese$ Consul,$ but$
beyond$that$I$knew$nothing$of$his$family$life.$
That$he$should$have$become$the$most$famous$of$modern$Portuguese$poets$
is$not$surprising.$$The$boy$was$father$to$the$genius.$
$
Yours$faithfully,$
$
A.$J.$ORMOND.$
$
DOCUMENT$6.$[CFT,$31.14,$“doc.$6”u]$
$
Simoes,$ at$ present$ in$ London,$ is$ writing$ a$ Dr. Matias tells me that Dr.
,Toao Gaspar Simoes, at present
biography$ about$ Fernando$ Pessoa,$ and$ any$ ln London, is writing a b10-
graphy about Fernando Pessoa,
information$of$interest$about$him$should$be$sent$to$ and any information of lnterest
about him should be sent to the
the$ Portuguese$ Consul,$ Netherlands$ Bank$ Portuguese Consul, Netherlands
Bank Buildlngs, Durban.
Buildings,$Durban.$$
* *
$
Figs.$12$&$13.$Notice$on$The$Natal$Mercury,$1949.$
$
u $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$6”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
DOCUMENT$7a.$[EFT,$31.13—questionnaire,$in$Portuguese]$
$
I$ –$ Existirá$ o$ texto$ do$ ensaio$ de$ Fernando$ Pessoa$ a$ que$ foi$ concedido$ o$ “Queen$
Victoria$ Memorial$ Prize”,$ no$ acto$ de$ exame$ “Matriculation$ Examination”,$
realizado$em$Janeiro$ou$Fevereiro$de$1904?$
2$ –$ Qual$ era$ a$ organização$ da$ High$ School1$ em$ 1900?$ SeguiamQse$ os$ estudos$
universitários$ em$ Durban$ ou$ eram$ os$ alunos$ obrigados$ a$ deslocarQse$ para$ a$
Cidade$do$Cabo?$
3$–$Quantos$alunos$teriam$concorrido$à$“Matriculation$Examination”,$em$1904?$
4$–$De$que$cadeiras$se$compunha$o$exame?$
$
UJ I - Existirá
"Queen Victoria
o texto do ensaio
.J.emorial
de 1"erna.ndo Pessoa
a Cidade do Cabo?
$
Fig.$14.$Questionnaire,$probably$prepared$by$Simões,$1949.$
E%PQ!RF?$]1#$SRA?G$TD#DT`"11+2+,;$;&**&#Z$+)$:)';+/.V$
$
JOI N T MATR ICULAT IO N BOA R D .
D IE GEMEENSK A PLIKE MATRIKU L A S IE R A A D.
P RETO R IA ,
Tel. Add n!H: T elephon ea :
Tel . Adr ea : Tel efone : } 2 º 32 4 8
" UN IV ERSI T Y." $
$
Bt<;G$
kf!"$B*F4$bcecG$
;&-4$
I&$_$!3J3N3$6&//",3$
$
a$9#6$!($*.l)(I+#06#$-#.#&?!$(,$F(3-$+#!!#-$(,$!"#$kn!"$&)%!*)!G$
H"#${3##)$&.!(-&*$B#'(-&*+$1-&\#$I*%$,(3)0$9F$!"#$<#I&%"$9(F%$*)0$6&-+%$
(,$ ;(3!"$ 5,-&.*$ &)$ bcnk$ *%$ *$ '#'(-&*+$ !($ !"#$ +*!#$ {3##)$ &.!(-&*]$ !"#$ ?-&\#$
.()%&%!#0$ (,$ 9((l%$ !($ !"#$ D*+3#$ (,$ *9(3!$ âj$ *)0$ I*%$ *I*-0#0$ *))3*++F$ !($ !"#$
%3..#%%,3+$ .*)0&0*!#$ *!$ !"#$ B*!-&.3+*!&()$ J O I N T M A TRIC UL ATION
DIE! GEMEENSKAPUKE
BO ARO.
MATRIKUI..ASIERAAC
·-
V f; RMauLaN.TOI ..... T.
.*%#4$I#-#J$
ABC#$D[#$X,22,"$>"'&$!32"B4;632B'($b'3")$2'$P3/2B69'$
$
DOCUMENT$8.$[CFT,$31.14,$“doc.$10” ]$ v
$
$
THE$NATAL$DAILY$NEWS$
28$de$Fevereiro$1946$
$
$
FERNANDO$PESSAO$[sic.]$
$
Do$any$readers$of$the$older$generation$who$went$to$the$Durban$Boys’$High$School$
remember$a$clever,$though[t]ful$young$Portuguese$named$Fernando$Pessao$[sic.]?$
$ Although$he$has$now$become$famous$in$his$homeland$and$is$regarded$by$
many$ critics$ as$ Portugal’s$ greatest$ modern$ poet,$ very$ little$ is$ known$ about$ his$
early$life.$
He$died$some$years$ago.$
Born$in$Portugal,$he$is$thought$to$have$grown$up$in$South$Africa,$to$have$
attended$the$Durban$Boys’$High$School,$and$the$South$African$College$School$at$
Cape$Town.$
Nh.Tlt.L DldLY ~e·.~s
De$ luxe$ editions$ of$ Pessao’s$ [sic.]$
THE
28 de Fevereiro 1946
M.$ Guibert,$ whose$ job$ in$ the$ He died some years ago.
Born in Portugal, he is thought to have grown up in
Union$is$to$foster$good$relations$between$ South Africa, to have attended the Durban Boys' High School,
France$ and$ the$ people$ of$ the$ Union,$ is$ and the Souti:. African College School at Cape Town.
De luxe edi tlons of Pessao• s works are being sold now
collecting$ material$ for$ a$ biography$ of$ in Portugal at hieh prices, and so, of course, are his
Pessao$[sic.].$ fJrat editions and manuscripts.
If y::>u remember hirp, or have heard of him, write to
$ M. lt.rmand Guibert, P.O. Box 6R42, Johónnesburg.
$
$ collec•ing mate ial for a blog-aphy of Pessao.
$
Fig.$16.$Copy$of$notice$on$The$Natal$Daily$News,$1946.$
v$Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$10”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
DOCUMENT$9.$[BNP/E3,$114383]$
$
$
November$27th$1903.1$$
$
My$dear$Ormond,$
$$
Having2$ fortunately$ attained$ the$ conclusion$ of$ your$ petulant$ composition,$
the$main$intention$of$which$is$to$disprove$that$which$has$been$proved$disproved,$I$
have$thence$drawn3$the$felicitous$inference4$that$the$sooner$a$termination5$is$put$to$
this$asinine$discussion,$the$better$it$will$be$for$the$stability$of$our$intellects6.$Most$
controversies$ are$ agreeable$ and$ even$ refreshing$ to$ the$ concerned$ minds,$ the$
exertion$of$striving$for7$the$superiority$calling$forth$all$the$unexercised$powers8$of$
the$brain,$but$when$they$fall$into$inanity$or$rise$to$the$most$crass$obscurity9,$they$
are$more$apt$to$nebulate$the$mind10$and$procure$ridicule$on$the$reasoning$powers$
of$the$various$antagonists.$In$our$inapposite$strife$after$a$supreme$style,$to$which$
the$subjectQmatter$has$been11$entirely12$sacrificed13,$we$have$at$last$reached$a$point$
when$ all$ sight$ is14$ lost$ of$ our$ original$
object15,$as$well$as$of$the$motives$which$
prompted$ us$ to$ enter$ the$ lists$ of$
argument$in$this$idiotic$garb16.$In$other$
words,$ our$ conflicting17$ reasons$ and$
beliefs,$ formulated18$ in$ the$ most$
abstruse$ and$ unpleasant$ language,$
glare$but$do$not$burn,$astonish$but$do$
not$ convince.$ Henceforth,$ my$ dear$
Ormond,$ be$ it$ our$ laudable$ aim$ to$
exercise$ our$ brains$ in$ the$ manner$ you$
have$ suggested,$ rather$ than$ cloy$ them$
by$ the$ passing$ of$ unauthorized$
remarks$ and$ ironies19$ upon$ each$
other’s20$interests$and$abilities.$
$
$
$
$
Fig.$17.$Draft$of$letter$from$Pessoa$to$Ormond,$recto,$1903$
$
$
$
$
$
$
VI.$Appendices$
$
APPENDIX$1.$[CFT,$31.14,$“doc.$4”w]$$
$
ll
co~pareceu Dona Maria agdalena Nogueira Roza, de trinta e
quatro annos de idade, casada commigo, Joà"o Miguel Roza, re-
sidente em Durban, Ridge Road, casa denominada "Tersilian",
a qual é minha conhecida e dou fé de ser a própria, E, na pre-
sença da testemunhas adeante nomeadas e assignadas, e com meu
pleno assentimento como seu marido, disse constituir seu bas-
tante procurador o Senhor Joio Nogueira de Freitas, residente
na cidade d•Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Archipelago dos
Açores, ao qual confere os poderes neccessarios para que possa,
em nome d 1 ella outhorgante, receber rendas, ou effectuar ven-
das, dos fóros de que ella outhorgénte é senhora na referida
Ilha Terceira, fazendo o mesmo procurador tudo quanto neces-
sario seja para o fim especial da presente procuraclo; e mais
declarou que, pela presente procuraçlo, fica nulla e de nenhum
effeito uma que, para o mesmo fim especial, a outhorgante pas-
sara a seu thio o Senhor Joaquim José de Sousa Freitas, tambem
residente em Angra do Heroísmo, eru epocha de que nlo conserva
memoria, e tudo prometteu haver por firme e válido sob ares-
ponsabilidade da sua pessoea. Assim o disse e outhorgou na pre-
sença das testemunhas, que conheço como os próprios os Senhores
Victor Leite de Sepulved a-, de maior idade, casado, segundo te-
nente da Armada Real Portuguesa, Commandante do Vapor "Neves
Ferreira" surto no porto de Durban, e Manuel Maria Ferrlo Cas-
tello Branco, de maior idade, solteiro, guarda-marinha, imediato
do referido Vapor, que assi~nam com a outhor~ante, depois de a
todos ser lido em voz alta este instrumento por mim, Joio I iguel
,)
Roza, Consul, que o escrevi e assigno,
w $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$4”$in$the$texts$we$edited$here$as$Docs.$3$and$4.$
APPENDIX$2.$[CFT,$31.14,$“doc.$7” ]$ x
EQJLD. hARll_
PRüCURçr.-o uUTURGA.DA
_jffi.Q
DALENA ROSAE,1! 6 DE JULHODE 1899 - LIVhll DE NOTAS
NUGUEIRA
DO CONSULA.DU
DE PURTUGAL
EM DURBAN
A PAGS, ?48.
compareceu D, Maria Magdalena Nogueira Roza, casada commigo,
Joio iP,uel Roza, a qual dou fé de ser apropria. E, na
presença das testemunhas Rniante nomeadas e as ignadas, e
com meu pleno assentimento como seu marido, disse que cons-
titue seu bastante procurador com poderes para substabelecer
o Sr, Jo~o Nogueira 1e Freitas, residente em Angra do Herois-
wo, ilha Terceira, Açores, e lhe concede os poderes necessa-
rios para, em nome da outorgante, proceder a todos os actos,
assinar todos os documentos que precisos se·am para que ela
outorpante entre na posse da parte dos uens que pertenciam
a sua li.ire, D. ae-dalena Xavier Pinheiro Nogueira, parte 11ue
por fallecimento d'este senhora coube à outorgartte; para,
depois, receber quaisquer rendimentos que para a outorgante
possam provir dos mesmos bens, e, oem assim, para receber
as rendas dos foros de que a 01torgante é senhora na Ilha
Terceira, podendo o mesmo procurador preceder à venda de
qualquer ou de todos os ditos foros quando isso lhe pareça
a bem dos interesses da outor~ante; e tudo o que o referido
procurador assim fizer, ella promete levar por firme e valido
Assim o disse e outorgou, de que dou f,, na presença das
testemunhas que conheço como os próprios, Joaquim A.ntonio
Neves da Silva, Capitlo tenente de Armada Real Portuguesa,
apora de passagem em Durban, e Franc'sco Infante de la Cerda,
proprietar10, tambem agora de passagem em Durban, que assi-
gnam com a outor ante depois de a todos ser lido, em voz alta
este testamento por mim, Joio kiguel Roza, cocsul, que o
escrevi e assino,
x $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$7”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
APPENDIX$3.$[CFT,$31.14,$“doc.$8” ]$ y
PROCURAÇirü
UUTúRGADA
PO": D, MARiá Ml.GDA.LENA
NOGUEIRARüfiA_IiUUALIDADL!lE TUTORADE SEU FILHO
FiHNANDOPESSOA, LIVRO DE NOTASDO CONSULADO
DE POR-
TUGALEM DURBANA PAGS, 2~
y $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$8”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
APPENDIX$4.$[CFT,$31.14,$“doc.$9” ]$ z
REGISTO DE NASCIMENTO
DE MARIACLARA
NOGUEIRAROSA, IRMA UTERINADE FERNANDO
PESSOA
z$Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$9”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
APPENDIX$5.$[CFT,$31.14,$“doc.$11” ]$ aa
$
o
s--+---rl
" 1/ Lf
'1
$-
4
t1 f
4
'(
'j}
"si
J- z i- .i-
2 z 1. 3 3
~)'--ri'· /111 .,.,.,_hn - - -
1- :,,t-1-/i,,,J~ 4
~f'.l.t<17,''n,o ;e,-n/4.ja.
4-N,.µ ~1r 171! J-
w ''7'-CJ
µ ,;t,n,/4fc,r,t,~6
, ... 1/4hli,, µ;.,u .,
"1,1z ..
Jf- _,Ie,í:i-d ~r ;U,-d, ---f~
~:,.,,,,, ,vw,Â- ~,li;, /4 4, t-,l,;:./4.;
r,-- _µJ k,hi;,/vnU;,._ ,{;t,, o/ú,,Ul.,/ 1 nv
aa $Matias$refers$to$this$piece$as$“doc.$11”$in$the$text$we$edited$here$as$Doc.$4.$
APPENDICES$6$&$7.$$
$
In$ Docs.$ 3$ and$ 4,$ Matias$ describes$ a$ photograph$ of$ a$ church$ that$ had$ been$
demolished,$ and,$ in$ his$ own$ numbering,$ refers$ to$ it$ as$ the$ enclosed$ “doc.$ 5.”$
Though$ that$ photograph$ was$ not$ sold$ to$ the$ collector$ Távora$ as$ part$ of$ lot$ 31,$ it$
was$ published$ by$ Simões,$ with$ the$ caption:$ “Igreja$ do$ Convento$ de$ Durban$ (St.$
Joseph’s$School),$onde$Fernando$Pessoa$estudou$as$primeiras$letras$(Fotografia$da$
‘Old$Durban’$Collection,$do$Museu$de$Durban)”$(1950:$bet.$96Q97).$
$
$
$
The$ Hubert$ Jennings$ Papers$ (at$ Brown$ University$ John$ Hay$ Library)$ contain$ a$
different$ picture$ of$ the$ same$ location,$ with$ the$ caption$ “ROMAN$ CATHOLIC$
CATHEDRAL$AND$CONVENT,$GREY$STREET$|$From$photo$belonging$to$Museum.”$
$
APPENDICES$8$&$9.$
$
In$ Docs.$ 3$ and$ 4,$ Matias$ describes$ a$ photograph$ of$ Durban$ in$ 1895.$ He$ does$ not$
number$it$explicitly,$but$it$should$constitute$the$“doc.$3”$in$Matias’s$inventorying.$
Though$ the$ photograph$ was$ not$ sold$ to$ the$ collector$ Fernando$ Távora$ as$ part$ of$
lot$31,$it$was$published$by$Simões,$with$the$caption:$“Durban$em$1895$(Fotografia$
da$‘Old$Durban’$Collection,$do$Museu$de$Durban)”$(1950:$bet.$72Q73).$
$
$
$
The$ Hubert$ Jennings$ Papers$ (at$ Brown$ University$ John$ Hay$ Library)$ contain$ a$
different$ picture$ of$ Durban$ in$ 1895,$ with$ the$ following$ handwritten$ notes$ on$ the$
verso:$ “Local$ History$ Museum$ copyright$ |$ only$ the$ small$ church$ has$ survived$ to$
this$day$|$Durban$1895$|$Note$horseQtrams.”$
$
( -
VII.$Critical$Apparatus$
$
Doc.$1.$[CFT,$31.16]$
DESCRIPTION:$ one$ piece$ of$ paper$ with$ the$ letterhead$ of$ the$ “Consulado$ de$ Portugal$ em$ Durban”$
handwritten$ in$ blue$ ink$ and$ signed$ by$ Albertino$ dos$ Santos$ Matias.$ Above$ the$ Consulate’s$
emblem,$one$reads$the$crossedQout$initials$“S.$R.”$
DATE:$<*2>/4\Q11Q1949$[4$November$1949]$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ <acrescentar>$apor$
2$ unico$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ we$ added$ it,$ as$ “condiscípulo”$ (another$ proparoxytone$ in$ the$
same$letter)$is$marked$by$the$writer.$
$
Doc.$2.$[CFT,$31.15]$
DESCRIPTION:$ two$ pieces$ of$ paper$ with$ the$ letterhead$ of$ the$ “Legação$ de$ Portugal$ |$ Pretoria,”$
handwritten$in$black$ink$and$signed$by$Guilherme$de$Castilho.$
DATE:$19.8.49$[19$August$1949]$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ q[ue]$we$expanded$the$abbreviation$in$all$its$occurrences.$$
2$ ultima]$without$accent$in$the$doc.;$we$added$it,$as$other$proparoxytones$are$marked$by$the$writer.$
3$ papeis$]$always$without$accent$in$the$doc.$
4$ optimos$]$same$as$in$note$2.$
5$ M[ari]a$*Joana$]$there’s$a$fold$in$the$digitized$image,$but$the$illegible$word$may$be$the$middle$name$
of$Gaspar$Simões’s$daughter.$
6$ This$conjectured$word$is$also$made$illegible$by$the$fold$in$the$document;$however,$we$know,$from$his$
correspondence$with$Jorge$de$Sena,$that$Castilho$used$to$sign$off$his$letters$with$“seu$muito$amigo”$
(SENA$&$CASTILHO,$1981:$20,$21,$48,$etc.)$
$
Doc.$3.$[CFT,$31.14]$
DESCRIPTION:$ one$ long$ piece$ of$ paper$ and$ one$ shorter$ one$ typed$ in$ black$ ink,$ with$ the$ title$
underline$(on$p.$1)$in$red$ink;$p.$2$contains$the$signature$of$Albertino$dos$Santos$Matias$in$blue$ink.$
These$ two$ pages$ are$ clipped$ together$ with$ the$ next$ document,$ which$ may$ be$ considered$ its$
addendum.$
DATE:$between$24$June$and$4$November$1949,$respectively$the$dates$of$Mr.$Ormond’s$letter$(Doc.$5)$
and$a$handwritten$letter$by$Santos$Matias$likely$sent$after$this$initial$report$(Doc.$1).$
PUBLICATIONS:$unpublished.$
NOTES:$
1$ The$doubt$is$meaningful;$Jennings,$for$example,$would$refer$to$Haggar$as$a$selfWproclaimed$“doctor.”$
2$ V[ide]$we$expanded$every$occurrence$of$the$abbreviation$“v.”$and$rendered$it$in$italics.$
3$ condiscipulo$]$without$accent$in$the$doc.;$we$added$it,$as$most$proparoxytone$words$are$marked$by$
the$writer$(furthermore,$the$same$word$appears$with$an$accent$in$the$previous$document).$
4$ Historia$ ]$ without$ accent$ in$ the$ doc.;$ as$ the$ writer$ marks$ “cópia”$ in$ the$ same$ document$ (an$
analogous$accentuation$case),$we$added$a$diacritic$sign$in$every$occurrence$of$the$word.$
5$ Same$as$in$note$3.$
$Vizcaíno’s$ transcription$ of$ Pessoa’s$ letter$ to$ Ormond$ is$ part$ of$ her$ unpublished$ doctoral$ thesis$
bb
and$was$kindly$shared$with$me$for$the$purposes$of$this$article,$for$which$I$am$grateful.$
$
VIII.$Credits$of$Profile$Photographs$
$
EYSSEN,$ J.$ C.$ B.$ [dir.]$ (1968).$ “O$ conferencista$ Hubert$ Dudley$ Jennings.”$ Notícias$ da$ África$ do$ Sul:$
Revista$de$Cultura,$Turismo$e$Economia,$year$18,$n.o$260,$Jul.,$p.$11$[CFT,$no$call$number].$
HULTON,$Edward$[publ.]$(ca.$1946).$“Roy$Campbell.”$HultonWDeutsch$Collection.$CORBIS.$
MILLERET,$Margo;$Eakin,$MARSHALL$C.$[eds.]$(1993).$“Cover$photograph”$[uncredited].$Homenagem$
a$Alexandrino$Severino:$Essays$on$the$Portuguese$Speaking$World.$Austin:$Host$Publications.$
SANTOS,$Delfim$(1963).$“Portrait$of$João$Gaspar$Simões$taken$in$Sintra.”$Estate$of$Delfim$Santos.$
Unknown$(undated).$“Matias.”$Zerozero.pt,$zerozero.pt/player.php?id=392835$(retr.$26$Nov.$2017).$
____$ (1904).$ “Fernando$ Pessoa$ and$ family$ at$ house$ in$ Durban,$ South$ Africa.”$ Hubert$ Jennings$
papers.$Brown$Digital$Repository.$Brown$University$Library$[BDR,$405196].$
$
IX.$Bibliographic$References$
$
CAMPBELL,$Roy$(1957).$Portugal.$London:$Max$Reinhardt.$
HELGESSON,$ Stefan$ (2015).$ “Uys$ Krige$ and$ the$ South$ African$ afterlife$ of$ Fernando$ Pessoa.”$ Pessoa$
Plural—a$Journal$of$Fernando$Pessoa$Studies,$n.o$8$(Special$Jennings$Issue),$Brown$University,$
Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall,$pp.$265Q281.$$
Hubert$ Jennings$ Papers.$ Ms.2016.002.$ Brown$ Digital$ Repository,$ Brown$ University$ Library,$
https://repository.library.brown.edu/studio/collections/id_722/.$$
JENNINGS,$Hubert$Dudley$(1986).$Fernando$Pessoa$in$Durban.$Durban:$Durban$Corporation.$
____$ (1984).$ Os$ Dois$ Exílios.$ Oporto:$ Centro$ de$ Estudos$ Pessoanos,$ Fundação$ Engenheiro$
António$de$Almeida.$
____$ (1979).$“In$Search$of$Fernando$Pessoa.”$Contrast,$South$African$Quarterly,$n.o$47.$Cape$Town:$
S.$A.$Literary$Journal$Ltd.,$Jun.,$vol.$12,$No.$3,$pp.$16Q25.$$
MONTEIRO,$ George$ (1998).$ The$ Presence$ of$ Pessoa:$ English,$ American,$ and$ Southern$ African$ Literary$
Responses$ (Studies$ in$ Romance$ Languages,$ n.o$ 43).$ Lexington:$ The$ University$ Press$ of$
Kentucky.$
____$ (1994).$“Fernando$Pessoa:$an$Unfinished$Manuscript$by$Roy$Campbell.”$Portuguese$Studies,$
vol.$10,$Modern$Humanities$Research$Association,$pp.$122Q154.$
PESSOA,$ Fernando$ (2007).$ Cartas.$ Edited$ by$ Richard$ Zenith.$ Lisbon:$ Assírio$ &$ Alvim$ (Collection$
“Obra$Essencial$de$Fernando$Pessoa,”$vol.$7).$
____$ (1999).$ Correspondência,$ vol.$ 1$ (1905W1922).$ Edited$ by$ Manuela$ Parreira$ da$ Silva.$ Lisbon:$
Assírio$&$Alvim$(Collection$“Obras$de$Fernando$Pessoa”).$
PITTELLA,$ Carlos$ (2017a).$ “Chamberlain,$ Kitchener,$ Kropotkine—and$ the$ Political$ Pessoa.”$ Pessoa$
Plural—a$ Journal$ of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,$ n.o$ 10$ (Inside$ the$ Mask),$ Brown$ University,$
Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall,$pp.$34Q65.$
____$ [ed.]$ (2016b)$ People$ of$ the$ Archive:$ the$ Contribution$ of$ Hubert$ Jennings$ to$ Pessoan$ Studies$ (a$
printed$ edition$ of$ Pessoa$ Plural—a$ Journal$ of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,$ n.o$ 8).$ Providence:$
GáveaQBrown.$
____$ [ed.]$(2015).$Pessoa$Plural—a$Journal$of$Fernando$Pessoa$Studies,$n.o$8$(Special$Jennings$Issue),$
Brown$University,$Warwick$University,$Universidad$de$los$Andes,$Fall.$
PITTELLA,$ Carlos;$ PIZARRO,$ Jerónimo$ (2017).$ Como$ Fernando$ Pessoa$ Pode$ Mudar$ a$ Sua$ Vida.$ Lisbon:$
TintaQdaQchina$[2nd$ed.;$1st$ed.:$Rio$de$Janeiro:$TintaQdaQchina$Brasil,$2016].$
PIZARRO, Jerónimo$(2007).$Fernando$Pessoa:$entre$Génio$e$Loucura.$Lisbon:$Imprensa$Nacional—Casa$
da$Moeda.$
SENA,$Jorge$de;$CASTILHO,$Guilherme$de$(1981).$Correspondência.$Lisbon:$Imprensa$Nacional—Casa$
da$Moeda.$
SEVERINO,$Alexandrino (1969).$ Fernando$ Pessoa$ na$ África$ do$ Sul.$ Marília:$ Faculdade$ de$ Filosofia,$
Ciências$e$Letras$de Marília$[thesis$presented$in$1966,$Universidade$de$São$Paulo].$$
SIMÕES,$João$Gaspar$(1950).$Vida$e$Obra$de$Fernando$Pessoa—História$Duma$Geração:$vol.$1,$Infância$e$
Adolescência;$vol.$2,$Maturidade$e$Morte.$Amadora:$Bertrand.$
VIZCAÍNO,$Fernanda$(unpublished).$Correspondência$de$Fernando$Pessoa$Revisitada$[doctoral$thesis$in$
Comparative$Modernities:$Literatures,$Arts$and$Cultures;$advisors:$Ana$Lúcia$Curado$and$
Jerónimo$Pizarro;$defense$scheduled$for$2018].$Braga:$Universidade$do$Minho.$
ZENITH,$ Richard$ (2008).$ “ORMOND,$ Augustine.”$ Dicionário$ de$ Fernando$ Pessoa$ e$ do$ Modernismo$
Português.$Coordination$by$Fernando$Cabral$Martins.$Lisbon:$Caminho,$p.$564.$
$
$
*'Investigadora'do'Centro'de'Estudos'de'Comunicação'e'Cultura,'Faculdade'de'Ciências'Humanas'
da'Universidade'Católica'Portuguesa.'
Hovorkova Fernando Pessoa caricaturado
…)amaram)o)seu)semelhante)no)que)ele)tinha)de)único,)
de)insólito,)de)livre,)de)diferente,))
e)foram)sacrificados,)torturados,)espancados,)
e)entregues)hipocritamente)à)secular)justiça,)
para)que)os)liquidasse)“com)suma)piedade)e)sem)efusão)de)sangue”.)
Por)serem)fiéis)a)um)deus,)a)um)pensamento,)
a)uma)pátria,)uma)esperança,)ou)muito)apenas)
à)fome)irrespondível)que)lhes)roía)as)entranhas,)
foram)estripados,)esfolados,)queimados,)gaseados,)
e)os)seus)corpos)amontoados)tão)anonimamente)quanto)haviam)vivido,)
ou)suas)cinzas)dispersas)para)que)delas)não)restasse)memória.)
Jorge'de'Sena'
'
Teixeira(Cabral(entre(os(modernistas:(seu(modo(de(ver(e(de(retratar(
(
António' Teixeira' Cabral' (1908@1910)' foi' um' artista' do' modernismo' dedicado'
exclusivamente'à'arte'da'caricatura'pessoal'de'traço'sintético,'que'registava'os'seus'
retratados,'como'regra,'presencialmente.'Os'seus'trabalhos'vinham'publicados'na'
imprensa' da' época,' acompanhados,' geralmente,' da' indicação' de' “visto' por'
Teixeira' Cabral”.' A' sua' carreira' como' caricaturista' profissional' durou' mais' de'
meio' século,' encontrando@se' obras' de' sua' autoria' dispersas' pelos' mais' variados'
periódicos' da' época,' com' os' quais' colaborou,' desde' jornais' diários' de' maior'
implementação' no' país,' até' revistas' e' outras' publicações' de' cariz' diverso.' A' sua'
obra,'de'tão'imensa,'revela@se'impossível'de'quantificar'com'precisão'e'de'se'poder'
reunir'na'sua'totalidade,'dispersa'que'está'por'colecções'particulares'e'espalhada'
por' publicações' várias,' tendo' publicado' caricaturas' também' no' estrangeiro,'
nomeadamente'em'Espanha,'Brasil,'França'e'Bélgica.''
' Teixeira' Cabral' realizou' também' exposições' individuais' que,' na' altura,'
obtiveram' grande' sucesso,' alcançando' a' admiração' do' público' em' geral' e' o'
reconhecimento' dos' círculos' artísticos' e' intelectuais' em' que' se' movimentou.' Na'
verdade' foi' do' seio' deste' meio' artístico' e' cultural' que' surgiu' com' a' arte' da'
caricatura,'no'tempo'em'que'artistas'e'intelectuais'partilhavam'ideias'em'tertúlias'
à' volta' das' mesas' dos' cafés' da' baixa' lisboeta,' quando' a' caricatura' era' ainda'
considerada' um' legítimo' desafio' artístico,' antes' de' ter' sido' desvalorizada' e'
remetida'para'a'berma'da'arte'pela'política'do'Estado'Novo,'dada'a'sua'inerente'
vertente' humorística' e' crítica.' As' caricaturas' eram' inconvenientes' e' passíveis' de'
serem,' com' frequência,' descaradamente' insubmissas' aos' padrões' impostos' pelas'
directrizes' do' poder' político.' Por' este' motivo,' os' programáticos' compêndios' de'
arte,'directa'ou'indirectamente'caucionados'pela'censura,'que'garantia'o'exercício'
da' orientação' cultural' propagada' pelo' regime,' trataram' de' reduzir' nas' suas'
páginas' a' importância' da' caricatura' a' duas' ou' três' linhas' de' pouca' relevância,'
encarando@a' como' uma' arte' secundária' e' pouco' significativa,' até' a' esquecerem,'
marginalizada' e' remetida' para' a' condescendência' de' uma' espécie' de' diáspora'
artística,'já'desvalorizada'e'com'pouca'cotação'no'mercado.'Passou@se'a'encarar'a'
caricatura' pessoal' como' uma' arte' de' rua' ou' de' feira,' ou' apenas' cingida' à' vulgar'
tentativa' de' alguém' tentar' retratar' espontaneamente' o' parceiro,' maltratando@o'
com' traços' grotescos,' como' o' aluno' que' se' vinga' do' professor' aborrecido'
entretendo@se'a'rabiscar@lhe'a'carantonha'nas'margens'do'caderno.'Teixeira'Cabral'
não'foi'o'que'actualmente'se'poderia'entender'como'um'caricaturista'de'rua'ou'de'
feira,'mas'foi,'nessa'época,'sobretudo'na'década'de'1930,'um'artista'de'renome'e'de'
mérito'reconhecido,'tendo'alcançado'grande'sucesso,'apesar'de'hoje'a'sua'obra'ser'
ignorada'e'o'artista'estar'praticamente'esquecido,'justa'ou'injustamente,'mas,'sem'
dúvida,'como'resultado'das'“malhas'que'o'império'tece”.''
' Na' verdade' —' e' isto' é' facilmente' provado' —' não' houve' em' Portugal' um'
artista' da' caricatura' que' tivesse,' como' Teixeira' Cabral,' retratado' presencialmente'
uma' tão' grande' galeria' de' personalidades,' quer' da' vida' nacional,' quer' da' vida'
internacional.'Entre'elas'figuraram'individualidades'mundiais'que'se'deslocavam'
a'Portugal'para'congressos,'conferências'ou'eventos,'com'quem'o'artista'contactou'
e' a' quem' registou' no' seu' traço' inconfundível.' Nas' suas' caricaturas,' os' seus'
retratados' não' possuíam' somente' o' registo' do' seu' perfil' fisionómico,' mas' eram@
lhes' particularmente' adicionados' os' traços' psicológicos' mais' marcantes' e'
identificativos,' acrescentando@se' mais' do' que' a' própria' fotografia' poderia'
transmitir'ou'do'que'no'mero'desenho'ilustrativo'poderia'figurar.'Por'essa'razão,'e'
fixados' no' momento' a' que' estavam' ligados,' os' seus' trabalhos' eram'
frequentemente'encarados'como'reportagens'pela'caricatura.'Referindo'somente'o'
período' do' auge' da' sua' carreira,' entre' 1931' e' 1936,' Teixeira' Cabral' retratou'
presencialmente,' entre' muitos' outros,' personalidades' de' relevo' dos' meios'
intelectuais'a'nível'mundial,'como'Luigi'Pirandello'(1931),'Marinetti'(1932),'Miguel'
de' Unamuno' (1935),' François' Mauriac' (1935),' Maurice' de' Maeterlinck' (1935),'
Jacques' Maritan' (1935),' Eugenio' D’Ors' (1936),' Ambroise' Vollard' (1936),' apenas'
para' enumerar' alguns' poucos.' Entre' estes' vultos' ilustres' que' a' humanidade'
conheceu'e'que'ficaram'presencialmente'registados'pelo'lápis'do'artista,'encontra@
se' Fernando' Pessoa,' com' quem' Teixeira' Cabral' conviveu' e' que' registou' no' traço'
ímpar'da'sua'caricatura'síntese.'Entre'o'poeta'e'o'caricaturista'houve'proximidade,'
sobretudo,' ao' nível' de' um' ideário' modernista' partilhado' na' mesma' intenção'
renovadora'da'arte'de'então'em'Portugal,'sublinhado'por'uma'admiração'pessoal'
que'Teixeira'Cabral'deixou'expressa,'em'poucas'linhas,'na'magistral'caricatura'em'
que'captou'Fernando'Pessoa.'Salienta'Osvaldo'de'Sousa:'
'
Dos'caricaturistas'que'o'conheceram,'apenas'quatro'o'transpuseram'para'o'papel.'Foram'o'
Stuart' Carvalhais,' Bernardo' Marques,' Almada' Negreiros' e' Teixeira' Cabral.' Stuart' num'
breve' retrato/ilustração' para' um' artigo' literário;' Bernardo' Marques' em' dois' desenhos'
alegórico/satíricos;' Almada' em' múltiplos' desenhos' e' telas;' Teixeira' Cabral' numa' genial'
caricatura'síntese.''
(SOUSA,'2006)'
'
'
Fig.(1.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,((
caricatura(publicada(pela(primeira(vez(em(1944(
no(semanário(lisboeta(Acção,'n.º(189((30(de(Novembro(de(1944:(8).1((
'
Precisemos,' então,' que,' ao' falarmos' aqui' de' caricatura,' nos' reportamos' a'
uma'época'em'que'a'caricatura'estava'reconhecida'como'uma'Arte'de'pleno'direito'
e'era'considerada'um'legítimo'desafio'artístico'tão'digno'como'outros.'O'conceito'
de' caricaturaFsíntese' tinha' surgido' na' passagem' do' século' XIX' para' o' século' XX,'
quando' a' síntese' e' o' formalismo' filosófico' tinham' começado' a' integrar@se' nos'
desafios'artísticos'da'caricatura,'consistindo'num'desenho'que,'em'poucos'traços,'e'
de'forma'espontânea,'era'capaz'de'revelar'as'mais'acentuadas'e,'por'vezes,'as'mais'
singulares'características'da'pessoa'retratada.''
O' modernismo' português,' dito' primeiro,' tendo' tido' como' marco'
reconhecido' a' publicação' da' revista' Orpheu,' em' 1915,' segundo' o' historiador' e'
crítico' de' arte' António' Rodriges' (1956@2008),' teria' dado' os' seus' primeiros' sinais'
com'o'desenho'humorístico,'em'1909,'com'a'publicação'dos'desenhos'de'Cristiano'
Cruz' (1892@1951)' na' revista' académica' O) Gorro,' de' Coimbra,' alertando' ainda' o'
autor' e' crítico' de' arte' para' o' facto' de' não' surpreender' que' “a' primeira'
manifestação' de' modernidade' em' Portugal' tenha' acontecido' no' humor' gráfico' e'
não'na'pintura”'(RODRIGUES,' 1989:'28).'E'acrescenta:'“O'grafismo'cómico'passava'
de'um'determinado'retrato)a'uma'imagem)em)si”'(RODRIGUES,'1989:'22).'Consoante'
os'manifestos'da'arte)pela)arte'de'então,'o'caricaturista'era'reconhecido'como'artista,'
conforme' afirma' o' célebre' curador' Warner' Hoffman' (1928@2013),' cujo' primeiro'
trabalho' foi' dedicado' precisamente' à' caricatura,' realçando' que' a' “caricatura,' que'
1'Jornal'editado'entre'1941'e'1949'sob'a'direção'de'Manuel'Múrias'(1900@1960).'A'mesma'caricatura'
foi' editada' em' postal,' em' 1985,' pela' Biblioteca' Nacional' de' Portugal,' e' consta' igualmente' no'
opúsculo' da' exposição' Teixeira) Cabral) –) A) caricatura) síntese,' realizada' na' Biblioteca' da' Câmara'
Munipal'de'Oeiras,'em'1997,'pela'Humorgrafe,'com'a'orientação'de'Osvaldo'de'Sousa.'Existe'um'
exemplar' do' postal' na' Fundação' António' Quadros:' PT@FAQ@AFC@CA@POST@0630@FP@por@Teixeira'
Cabral.'O'fac@símile'é'da'cópia'da'caricatura'existente'na'Coleção'Fernando'Távora.'
em'sua'evolução'era,'inicialmente,'um'protesto'situado'fora'das'regras'de'estética,'
torna@se'obra'de'arte”'(citado'em'COTRIM,'1965:'9).''
Considerando'que'o'movimento'modernista'português'foi'interrompido'em'
1918,'sofrendo'com'o'desaparecimento'inesperado'de'Mário'de'Sá'Carneiro'(1890@
1916),' Amadeo' de' Souza' Cardoso' (1887@1918),' Santa' Rita' (1889@1918),' a' ida' de'
Almada' Negreiros' para' Paris,' e' o' afastamento' e' abandono' da' arte' de' Cristiano'
Cruz,' deu@se' a' revitalização' do' modernismo,' dito' segundo,' tendo' como' marco' o'
aparecimento' da' revista' Presença,' em' Coimbra,' em' 1927,' cujos' fundadores' foram,'
entre'outros,'João'Gaspar'Simões'(1903@1987)'e'Branquinho'da'Fonseca'(1905@1974).'
Alguns' daqueles' que' tinham' iniciado' o' movimento' do' primeiro' modernismo'
português' permaneciam,' transitavam,' sobreviviam' e' esperavam' por'
oportunidades'para'que'a'arte'como'inovação'criadora'encontrasse'terrenos'mais'
permeáveis' à' sua' evolução' tão' natural' como' o' desenvolvimento' do' pensamento'
humano' e' das' suas' formas' de' expressão' renovadas.' Pretendeu@se' retomar' esse'
movimento'de'renovação'da'arte,'para'que'fosse're@criadora,'independente'e'livre.'''
Foi'nesse'contexto,'aparecendo'integrado'nos'círculos'artísticos'e'inteletuais'
situados' no' Chiado,' e' que' deslizavam' pelas' tertúlias' dos' cafés' da' baixa' lisboeta,'
que'surgiu'Teixeira'Cabral,'oriundo'de'uma'família'de'abastados'comerciantes'do'
Funchal'e'vindo'para'Lisboa'nos'finais'de'1926'com'a'finalidade'de'estudar.'
'
'
Fig.(2.(Café(Brasileira(do(Chiado,(1930.((
Com(Diogo(de(Macedo,(os(arquitectos(Dário(Vieira(e(Adelino(Nunes,((
os(artistas(Teixeira(Cabral((o(quarto,(a(contar(da(esquerda),(José(de(Lemos,(Paolo,((
o(fotógrafo(Benoliel(e(o(jornalista(A.(Rodrigues.(Fotografia(do(espólio(de(Teixeira(Cabral,((
igualmente(publicada(em:(Paolo,'1928/1975.'Exposição'através'da'obra'de'Paulo'Ferreira.(
'
Um' artigo' do' Jornal) de) Notícias' de' 1934' definia' aquilo' que' Teixeira' Cabral'
entendia'ser'a'arte'da'caricatura'que'realizava.'A'notícia'vinha'a'propósito'de'uma'
conferência' que' teve' lugar' no' Porto,' proferida' pelo' grupo' do' “Momento”,' que'
Teixeira' Cabral' integrava.' A' apresentação' dos' oradores' coube' a' Manuel'
Guimarães'(1915@1975),'pintor'da'cidade'Invicta,'que'proferiu'as'seguintes'palavras'
ao'apresentar'a'palestra'do'artista:''
'
E'agora'passemos'a'Teixeira'Cabral.'
A'caricatura'é'uma'arte.'
A'deformação,'só'deformação,'de'uma'face'não'é'difícil.'
Aumentar'um'nariz,'adulterar'a'expressão'de'uma'boca,'exagerando@a,'é'trabalho'estéril'e'
não' caricatura.' Caricatura' é' a' transposição' irónica' do' visado' para' o' papel.' E,' a' obra' de'
Teixeira'Cabral'é'um'tratado'de'psicologia'aplicada.'
Ele'não'faz'caricatura'parecida.'Faz'caricatura'completa.'
Não' é' só' a' fisionomia' que' o' prende[;]' é' a' psique' é' a' personalidade' e' maneira' de' ser' do'
visado.'
Por' isso' mesmo,' ele' é' um' caricaturista' com' características' próprias,' sem' antecedentes…'
mas'com'imitadores.''
(JN;'4'de'Novembro'de'1934:'4)'
'
Foi' no' emblemático' Chiado' que' Teixeira' Cabral' realizou' a' sua' primeira'
exposição' de' caricaturas,' em' 1929,' num' atelier) da' Fotografia' Magalhães,' na' Rua'
Nova'do'Almada.'Ali,'expôs'alguns'dos'habitués'das'tertúlias'que'se'desenrolavam'
então' nos' cafés' do' Chiado,' entre' eles,' a' caricatura' do' célebre' republicano' Brito'
Camacho' (1862@1934)' que,' dando' algum' brado,' levou' o' retratado,' abordado' por'
um'dos'amigos'do'artista'numa'das'mesas'de'um'dos'cafés,'ladeado'por'Ferreira'
de' Castro' (1898@1974),' a' confirmar,' um' dia' antes' de' terminar' a' mostra,' que' iria'
ainda' cumprir' a' “sua' desejada' e' prometida' visita' para' firmar' o' Livro' de' Honra”'
(VASCONCELOS,'1958:'24).'
Nesse' mesmo' ano' de' 1929,' Teixeira' Cabral' tinha' iniciado' a' sua' carreira'
como' caricaturista' profissional' no' jornal' humorístico' Sempre) Fixe,' ao' lado' dos'
caricaturistas' Francisco' Valença' (1882@1963),' Américo' Amarelhe' (1892@1946)' e'
Stuart' Carvalhais' (1887@1961),' entre' outros.' Neste' jornal,' foi' publicada' em' 1931'
uma' caricatura,' ainda' com' notórias' influências' do' cubismo,' do' poeta' Augusto'
Ferreira' Gomes' (1892@1953),' amigo' de' Fernando' Pessoa' (Fig.' 3).' Igualmente' em'
1931,' Teixeira' Cabral' participou' no' V' Congresso' Internacional' da' Crítica,'
organizado'por'António'Ferro,'que'decorreu'em'Portugal'de'19'a'28'de'Setembro.'
Cabral' integrou' o' grupo' de' fotógrafos' e' artistas' que' acompanharam' os'
participantes' internacionais,' percorrendo' Lisboa' em' festa' para' os' receber' e'
viajando' até' ao' norte' do' país,' e' registou' os' congressistas' para' um' álbum'
celebrativo' do' acontecimento.' Entre' eles,' Teixeira' Cabral' retratou' o' dramaturgo'
italiano' Luigi' Pirandello.' A' sua' participação,' a' convite' de' António' Ferro,' no' V'
Congresso'Internacional'da'Crítica,'fez'com'que'o'artista'se'evidenciasse'e'lhe'fosse'
dado' o' privilégio' de' saltar' para' a' imprensa' diária.' Depois' de' uma' breve'
colaboração' no' Diário) de) Lisboa,' começou' a' pertencer,' em' 1932,' como' efectivo,' ao'
Diário) de) Notícias' (DN),' então' dirigido' por' Eduardo' Schwalbah,' vindo'
frequentemente'os'seus'trabalhos'na'primeira'página'do'jornal'“de'maior'expansão'
nacional”.' Teixeira' Cabral' assumia@se,' na' época,' como' um' “repórter' de' imagem”'
pela'caricatura.'''
Em' 1932,' sempre' ligado' aos' meios' inteletuais,' realizou' uma' exposição'
individual' em' Coimbra,' na' sucursal' do' DN,' onde' foram' apresentadas' as'
caricaturas' de' personalidades' ligadas' ao' meio' académico' da' cidade' dos'
estudantes,'figurando,'entre'elas,'as'caricaturas'de'Eugénio'de'Castro'(1869@1944),'
do' Professor' Joaquim' de' Carvalho' (1892@1958)' e' de' João' Gapar' Simões.' Na'
exposição'Le)Dessin)au)Portugal,'que'ocorreu'em'Paris,'em'1981,'no'Centre'Culturel'
Portugais'da'Fundação'Calouste'Gulbenkian,'foi'exposto'um'estudo'para'o'retrato'
de'Gaspar'Simões'(Fig.'4)'realizado'por'Teixeira'Cabral,'em'1932,'que'fazia'parte'
da'colecção'de'Paulo'Ferreira.'Este'trabalho'de'Teixeira'Cabral'foi'escolhido'para'
ser' exposto' nessa' mostra' significativa' da' arte' do' desenho' em' Portugal' por' ser'
representativo'e'inovador'para'a'época,'vindo'assinalado'no'catálogo'da'exposição,'
por' baixo' da' reprodução' da' obra:' “ce) caricaturiste,) l’un) des) plus) importants) de) sa)
génération”' (1981).' Neste' estudo' para' o' retrato' de' Gaspar' Simões,' que' é'
referenciado' como' o' primeiro' estudioso' da' vida' e' obra' de' Fernando' Pessoa,' um'
dos' olhos' do' retratado' era' representado' como' um' elemento' geométrico'
tridimensional,' a' sugerir' facilmente' uma' lente' “olho' de' peixe”,' usada' em'
fotografia' para' expandir' o' campo' de' visão;' o' artista' sublinhava,' deste' modo,' a'
atenção' ao' pormenor' própria' de' alguém' que' não' deixaria' escapar' alguma'
inquetação' literária' ou' sua' emergente' manifestação.' Provavelmente,' foi' essa' a'
única' vez' que' Teixeira' Cabral' introduziu' elementos' tridimensionais' no' desenho'
linear'e'bidimensional'que'habitualmente'consistia'a'sua'caricatura.'
Em'Coimbra,'entre'1930'e'1932,'Teixeira'Cabral'também'retratou'os'poetas'
Francisco' Bugalho' (1905@1949),' Edmundo' Bettencourt' (1899@1973),' Vitorino'
Nemésio' (1901@1979)' e' João' de' Brito' Câmara' (1909@1967),' entre' outros.' Logo' no'
início' da' década' de' 1930' é' notória' a' proximidade' de' Teixeira' Cabral' aos' círculos'
literários' da' Presença,' com' quem' Fernando' Pessoa' também' viria' a' colaborar.'
Porém,' o' contacto' mais' directo' entre' o' caricaturista' e' o' autor' da' Mensagem) pode'
registar@se'com'mais'precisão'entre'1933'e'1935,'quando'ambos'colaboraram'com'a'
revista'Momento'e)partilhavam'ideias'nas'habituais'tertúlias,'algures'no'Martinho'
da'Arcada,'em'torno'do'poeta'do'Orpheu,'figura'de'referência'do'modernismo'para'
este' grupo' de' jovens' intelectuais' de' então.' A' este' propósito,' podemos' aqui'
recordar' o' que' referia' Gaspar' Simões:' “estávamos' em' 1927.' E' a' principiar,'
realmente,'o'prólogo'da'consagração'desse'grande'artista'–'desse'“Mestre”,'como'
lhe' chamava'a' Presença'–'em'quem'os'novos'reconheciam,'de'facto,'a'estatura' de'
um'grande'escritor,'embora'ainda'não'tivesse'publicado'um'único'livro!”'(SIMÕES,'
1950:'649).''E'acrescentava'Gaspar'Simões:'“se'a'juventude'o'considerava'Mestre,'
era' preciso' corresponder' à' prova' de' confiança' que' ela' lhe' dava.' A' sua' obra'
encontrava@se' dispersa' pelas' revistas' efémeras' que' uma' elite' –' uma' elite) apenas' –'
comprara,'lera'e'conservara”'(SIMÕES,'1950:'649).'
'
'''' '
Fig.(3.((Caricatura(de(Augusto(Ferreira(Gomes(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,(
publicada(no(Sempre'Fixe((21(de(Janeiro(de(1931:(7).(Fig.(4.(Estudo(para(o(retrato(de((
Gaspar(Simões,(1932,(em(grafite,(aguarela(e(guache,(390(x(315(mm,(com(a(dedicatória:((
“Para(o(Paulo(–(este(estudo(do(Cabral”.(
'
Ao' mesmo' tempo' que' os' trabalhos' de' Teixeira' Cabral' eram' publicados' no'
DN' e' noutros' periódicos' de' relevo' nacional,' como' o' Notícias) Ilustrado,' Diário) de)
Lisboa,' Semana) Portuguesa,' só' para' mencionar' alguns,' o' artista' realizou,' em' 1934,'
outra'exposição'individual,'novamente'no'Chiado.'Na'Rua'Serpa'Pinto'situava@se'a'
Galeria'UP,'a'primeira'galeria'comercial'de'arte'moderna'em'Portugal'e'que'existiu'
apenas'entre'1933'e'1936.'Na'história'breve,'mas'relevante,'da'Galeria'UP,'o'nome'
de' Teixeira' Cabral' figura' no' itinerário' das' exposições' individuais' que' se'
realizaram'naquele'espaço'de'referência'da'arte'moderna'em'Portugal,'ao'lado'de'
alguns' dos' mais' consagrados' nomes,' como' Almada' Negreiros,' Mário' Eloy,'
Bernardo'Marques,'ou'Vieira'da'Silva'e'Arpad'Szenes,'para'além'de'António'Pedro'
e' Tomaz' de' Mello' (Tom),' que' eram' os' proprietários' da' galeria.' Esta' exposição'
individual' de' Teixeira' Cabral' na' galeria' UP' obteve' grande' êxito,' tendo' nela' o'
artista' apresentado' caricaturas' de' Eugénio' de' Castro,' António' Botto,' Almada'
Negreiros,'Teixeira'de'Pascoaes,'Vitorino'Nemésio,'António'Ferro,'Salazar,'e'uma'
nova' caricatura' de' Brito' Camacho,' entre' outras' obras.' Era' significativo' o' valor'
monetário' elevado,' para' a' época,' das' obras' do' artista' ali' expostas' –' custando' a'
mais' barata' 120$00' e' a' mais' cara' 320$80.' A' esse' propósito' veio' publicada' uma'
poesia'no'jornal'República,'assinada'com'o'provável'pseudónimo'de'Antonito,'que'
assinalava' igualmente' a' forma' inovadora' de' retratar' pela' caricatura.' Escrevia' o'
autor:'“Há'ali'belezas'raras''|''De'caras,'lindas'algumas,'|'E'nessas'caras'preclaras''
|''Há'caras'que'nos'são'caras''|'Mas,'caras,'não'há'nenhumas.'|'Há'uma'apenas,'
repara'|'(traços'simples'sem'refolhos)'|''De'muito'preço,'mas'rara''|''–'É'uma'cara'
sem'olhos''|''Que'vale'os'olhos'da'cara”'(ANTONITO,'18'Maio'1934).'
Num' comentário' que' veio' no' Diário) Popular) em' 1977,' a' recordar,' passados'
mais' de' trinta' anos,' esta' exposição,' era' referido' que' os' “retratos' pessoais”' de'
Teixeira' Cabral,' expostos' em' 1934,' na' Galeria' UP,' tinham' constituído,' no'
panorama'artístico'de'então,'“uma'lufada'de'ar'fresco”'(17'de'Fevereiro'de'1977).''
As'caricaturas'de'Teixeira'Cabral'eram'apreciadas'pelo'público'em'geral'e,'de'um'
modo'particular,'pelo'círculo'intelectual'e'artístico'que'ele'não'só'retratava,'mas'do'
qual' também' era' tido' como' representante.' Mesmo' que' a' maioria' das' suas' obras'
viesse' publicada' frequentemente' na' imprensa,' por' vezes,' não' com' as' melhores'
condições' de' publicação' para' se' poderem' apreciar' devidamente,' as' suas'
exposições' eram' esperadas' e' desejadas,' como' já' referia' um' artigo' do' DN' (6' de'
Novembro' de' 1932:' 9):' “Coimbra' terá,' desta' forma,' um' prazer,' que' Lisboa' há'
muito' e' muito' deseja:' ver' trabalhos' de' Teixeira' Cabral,' em' conjunto,' e' a'
demonstrarem' que' a' sua' personalidade' artística' é' uma' das' mais' notáveis' da'
geração' a' que' pertence”.' Também' um' artigo' de' 1970,' cujo' recorte' consta' do' seu'
espólio,'e'que'foi'publicado'no'jornal'O)Momento,'com'o'título'“A'ingratidão'deste'
mundo'–''Para'quando'a'retrospectiva'sobre'o'eleito'Teixeira'Cabral?”,'referia'que'
o'artista,'nos'anos'trinta,'“era'tão''popular'como'o'são'hoje'a'Amália'e'o'Eusébio”'e'
que'“dotado'duma'nova'visão'caricaturística'–'com'muito'de'análise'psíquica'–'o'
moço' acabado' de' chegar' da' sua' querida' Ilha' da' Madeira,' logo' se' torna' o'
caricaturista'dos'intelectuais”'(17'de'Janeiro'de'1970:'12).''
'
''''' '
Fig.(5.(Estudo(para(o(retrato(de(Teixeira(de(Pascoaes(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,((
grafite,(tinta(da(China(preta,(azul,(vermelha(e(sépia;(início(da(década(de(1930.((
Fig.(6.(Esboço(do(retrato(do(poeta(presencista'Francisco(Bugalho(da(autoria(de(Teixeira(Cabral,(grafite(e(tinta(
da(China,(Coimbra,(1932,(com(a(nota:((
“a(Edmundo(Bettencourt(este(apontamento(do(Cabral”.(
'
Teixeira'Cabral'foi'reconhecido'pela'crítica'da'sua'época,'tendo'recebido'os'
mais' diversos' elogios' vindos' de' nomes' como' Diogo' de' Macedo,' Artur' Portela,'
Manuel' L.' Rodrigues,' Leopoldo' Nunes,' Correia' da' Costa,' Artur' Augusto,' entre'
outros.' Em' 1931,' quando' o' caricaturista' tinha' apenas' vinte' e' três' anos,' veio'
referido' na' revista' Notícias) Ilustrado,' que' era' um' suplemento' do' DN,' como' “um'
grande'caricaturista”'e'como'“o'AZ'da'caricatura'sintética”'(8'de'Outubro'de'1931).'
E'mais'tarde,'no'mesmo'suplemento,'afirmava@se'que'o'caricaturista'ao'desenhar'
os'seus'retratados'“apreende@lhes'a'feição'psicológica”'(20'de'Maio'de'1934:'4).'
No' Diário) de) Coimbra' o' caricaturista' foi' referido' como' “o' primeiro' artista'
português'contemporâneo'do'seu'género”'(30'de'Setembro'de'1933).'O'Sempre)Fixe''
destacava@o' como' “um' grande' caricaturista,' cujo' traço' inconfundível' ainda'
ninguém'conseguiu'suplantar”'(5'de'Outubro'de''1933).'No'Século'de'18'Maio'de'
1934'escrevia@se'que'o'caricaturista'“conta'uma'série'numerosa'de'imitadores”.'Em'
1935,' no' Sempre) Fixe,' Teixeira' Cabral' foi' chamado' “o' bolchevista) da' caricatura'
pessoal,' cuja' escola' vai' fazendo' discípulos' que' não' são' capazes' de' chegar' ao'
mestre”'(24'de'Outubro'de'1935).'O'bolchevista)ou)bolchevique)podia,'eventualmente,'
ser' entendido' com' uma' conotação' de' comunista,' porém,' esta' palavra' em' russo'
significa' ÅmaioritárioÅ,' e' pode' querer' indicar' alguém' “grande”' ou' “maior”.' O'
historiador'de'arte'Giulio'Carlo'Argan'faz'a'seguinte'consideração,'a'este'respeito:'
'
Os'regimes'totalitários,'independentemente'dos'seus'conteúdos'ideológicos,'contrariaram'e'
frequentemente' proibiram' e' perseguiram' todas' as' pesquisas' avançadas,' procurando'
subjugá@las' com' uma' arte' “de' Estado”,' e' é' significativo' que' os' mesmos' movimentos'
tenham'sido'condenados'pelo'fascismo'e'pelo'nazismo'como'“subversivos'e'bolchevistas”'e'
pelo'estalinismo'como'“burgueses”.''
(ARGAN,'2010:'42)'
'
O'dramaturgo'e'escritor'humorístico'Augusto'Cunha'(1894@1947),'cunhado'
de'António'Ferro'e'amigo'pessoal'de'Fernando'Pessoa'e'de'Teixeira'Cabral,'fazia'a'
mesma' referência' ao' bolchevismo' aplicada' à' geração' do' Orpheu,) denominando@a'
como'“essa'época'de'transição,'de'verdadeiro'bolchevismo'na'arte,'cheia'de'belos'
excessos' e' de' invioláveis' exageros,' de' que' o' saudoso' Sá' Carneiro' e' o' inalterável'
Fernando'Pessoa'eram'então'os'verdadeiros'Pontifex)Maximus”'(CUNHA,'1957:'19).''
Efectivamente,'como'já'foi'referido'e'mais'adiante'aprofundaremos,'Teixeira'
Cabral'integrava'um'grupo'de'jovens'intelectuais'e'artistas'que'pretendiam'manter'
acesa' a' chama' recriadora' da' vanguarda,' não' deixando' a' ânsia' pela' renovação'
artística'render@se'às'imposições'pré@estabelecidas'pelos'programas'da'política'do'
Estado' Novo.' Pretendia@se' dar' continuidade' ao' movimento' do' modernismo'
iniciado'pelos'seus'primeiros,'cultivando'o'espírito'de'irreverência'e'o'gosto'pela'
blague.' Também' Augusto' Cunha' afirmava,' referindo@se' à' geração' do' chamado'
primeiro'modernismo:'
'
'Citação'retirada'do'recorte'que'se'encontra'no'espólio'do'artista,'posteriormente'digitalizado'(ver:'
2
HOVORKOVA,'2013:'II,'0267).'
Na' poesia' intitulada' “Poema' da' Criação”,' dedicada' por' Mário' Fiúza' a'
Teixeira' Cabral,' e' que' fazia' parte' do' livro' Tatuagens,' publicado' pelas' Edições'
Momento,' o' poeta' sublinhava' a' incessante' busca' de' novas' formas' que'
caracterizava'a'atitude'do'caricaturista:'
'
Sobre'mim'deslizou'a'ânsia'de'conquistar'
Qualquer'coisa'que'ainda'ninguém'conquistou,'
Fantasma'de'mim,'cansado'de'criar,'
Em'busca'de'uma'arte'que'ninguém'criou...'
(FIÚZA,'1935)'
'
Mário' Fiúza,' ao' dedicar' esta' poesia' a' Teixeira' Cabral,' deixava' expressa' a'
intenção' do' caricaturista' em' encontrar' novas' expressões' artísticas' levadas' pela'
constante' insatisfação' própria' de' quem' não' cessava' de' procurar,' concluindo' o'
poema'com'os'seguintes'versos:'
'
Cada'vez'sinto'no'peito'mais'uma'vida.''
Que'me'impele,'todos'os'dias,'a'cantar...'
Imagem'perfeita'mas'incompreendida'
Que'busca'uma'forma'sem'nunca'encontrar...'
(FIÚZA,'1935)'
'
O' sentido' de' humor' que' Teixeira' Cabral' manifestava' nas' suas' obras'
contribuía' para' que' o' caricaturista' fosse' benquisto' e' obtivesse' grande'
popularidade.'A'fama'que'tornou'o'artista'conhecido'em'todo'o'país'ficou'a'dever@
se,' sobretudo,' ao' seu' modo' particular' de' retratar' os' seus' caricaturados,' sem' lhes'
forçar' a' distorção' da' fisionomia,' captando' no' seu' traço' alguns' pormenores'
identificativos' que' caracterizavam' a' pessoa' visada,' fazendo' recair' a' dimensão'
crítica' da' caricatura' em' aspectos,' situações' ou' circunstâncias' particulares' que'
distinguiam' o' visado,' e' aplicando' uma' ironia' subtil.' É' de' assinalar' que' também'
contribuiu' o' facto' de,' na' época,' os' jornais' e' as' revistas' terem' tido' grande'
proliferação' e' de' o' artista' ter' colaborado' assiduamente' com' toda' a' imprensa'
escrita,'que'constituía,'então,'um'meio'de'comunicação'privilegiado,'visto'a'rádio'
estar' a' dar' os' primeiros' passos' em' Portugal' e' a' televisão' ainda' tardar' em' surgir.'
Apesar'de'algumas'das'caricaturas'realizadas'por'Teixeira'Cabral'conterem'traços'
que'hoje'nos'podem'parecer'despojados'e'demasiado'simples'–'embora'essa'fosse,'
em'muitos'casos,'a'intenção'premeditada'do'artista'–,'é'de'assinalar'que'há'registo'
de' que' as' pessoas' retratadas' se' reconheciam' nessas' mesmas' caricaturas,' como'
disso'dá'testemunho'alguma'correspondência'que'se'manteve'no'espólio'do'artista'
e'em'que'os'visados'manifestavam'o'seu'apreço'e'admiração.'No'entanto,'tal'não'
impedia' que' outros' fugissem' do' caricaturista' para' que' não' fossem' “apanhados”'
pelo'seu'lápis,'como'referia'o'poema'Tenho)Medo,)dedicado'a'Teixeira'Cabral,'e'que'
veio' publicado' na' gazetilha' Fradique,) n.o' 39,' e' assinada' com' o' provável'
pseudónimo' de' Edgar,' que' terminava' com' os' seguintes' versos:' “Ontem' vi' um'
amigo'meu''|'que'apavorado'fugia'|'numa'louca'correria'|'co’as'pernas'que'Deus'
lhe'deu.'|'–'Porque'foges'afinal?'–'|'a'perguntar'não'resisto.'|'–'Tenho'medo'de'ser'
visto'|'pelo'Teixeira'Cabral...'”'(1'de'Novembro'de'1934).'O'facto'de'terem'surgido'
algumas' críticas' à' obra' de' Teixeira' Cabral' em' forma' de' poesia,' ou' poemas' a' ele'
dedicados,' indica@nos' a' ligação' que' o' artista' tinha' com' o' meio' literário,' onde' o'
caricaturista' naturalmente' se' inseria' por' trabalhar' como' jornalista,' mantendo'
relações'de'proximidade'e'de'amizade'com'poetas'e'escritores.'
A' relação' e' o' contacto' que' o' retratista' estabelecia' com' os' seus' retratados'
fazia' com' que' algumas' alusões' contidas' nas' caricaturas' que' realizava'
funcionassem'como'um'código'inscrito'nos'seus'traços,'destinado,'por'vezes,'a'ser'
entendido'e'decifrado'exclusivamente'pelo'caricaturista'e'pelo'caricaturado.'
O'jornal'Notícias)dos)Arcos,'de'1972,'de'Arcos'de'Valdevez,'terra'adoptiva'do'
escritor' Tomaz' de' Figueiredo' (1902@1970),' no' sua' coluna' “Postal' de' Lisboa”,'
assinada' por' Armindo' Ribeiro,' descrevia' o' seguinte' episódio' referido' a' Teixeira'
Cabral:''
'
Recordamos'as'frases'que'para'ele'teve'um'escritor'e'romancista,'já'desaparecido'[…].'Esse'
génio' foi' Tomaz' de' Figueiredo' que,' pouco' antes' de' falecer' e' com' a' familiaridade' que' lhe'
era'peculiar,'lhe'disse:'–'“FaçaFme)uma)caricatura.)Estou)farto)de)fotografias”.''
(RIBEIRO,'29'de'Janeiro'de'1972:'4)'
'
Esta'situação'particular'descrita'pelo'articulista,'em'que'o'escritor'se'dirigia'
ao' caricaturista' quase' como' se' recorresse' a' um' sacramento' concedido' por' um'
padre,' dava' a' ideia' da' dimensão' de' acréscimo' que,' para' alguns,' podia' trazer' o'
retrato' feito' por' Teixeira' Cabral,' acedendo' a' uma' imagem' que' pudesse' reflectir'
mais' do' que' a' fotografia' da' sua' fisionomia,' tendo' também' em' consideração' o'
conhecimento' mútuo' dos' intervenientes.' O' poeta' e' crítico' Artur' Augusto,' no' seu'
livro'Imagem:)ensaios)críticos,'onde,'inclusivamente,'se'referia'à'poesia'de'Fernando'
Pessoa,' tinha' deixado' a' pergunta' directamente' lançada' à' obra' do' caricaturista:'
“não' serão' tratados' de' psicologia' as' admiráveis' caricaturas' de' Teixeira' Cabral?”'
(AUGUSTO,'1935).''
Apesar' de' Teixeira' Cabral' se' ter' destacado' pelo' traço' sintético' da' sua'
caricatura' pessoal,' a' sua' obra' contém' uma' característica' que' a' torna' singular:' a'
introdução' sistemática' da' sua' auto@caricatura,' inserida' habitualmente' nas' suas'
obras'a'partir'de'1933,'que'acentua'a'reciprocidade'entre'o'retratista'e'o'retratado'e'
proporciona' um' meio' adicional' para' o' seu' comentário' crítico.' Na' introdução'
sistemática' da' sua' auto@caricatura,' o' artista' empresta' o' seu' corpo' no' espaço'
simbólico'da'representação'para'apontar'as'virtudes'e'defeitos'do'Outro'a'fim'de'
poderem' ser' objecto' de' reflexão,' em' ordem' a' um' “refazer@se”.' A' sua' auto@
caricatura' servia' também' para' o' artista' constituir' uma' marca' da' autoria' da' sua'
obra.'
Teixeira'Cabral'foi'reconhecido'como'Mestre'da'caricatura)síntese'ainda'nos'
anos' trinta,' naquele' período' em' que' no' modernismo' estavam' bem' visíveis' as'
manifestações' e' tentativas' de' uma' nova' vanguarda,' antes' de' a' imposição' dos'
modelos' culturais' e' artísticos' promovidos' pelo' Estado' Novo' se' fazerem' sentir,'
sobretudo,'através'do'exercício'de'uma'censura'cada'vez'mais'apertada.''
'
2.(Fernando(Pessoa,(Teixeira(Cabral(e(“os(rapazes(do(Momento”(
'
Em' 1934,' vemos' Teixeira' Cabral' participar' como' orador' numa' conferência'
organizada'no'Porto'pelo'grupo'do'“Momento”,'conforme'vinha'referido'no'Jornal)
de) Notícias' (4' de' Novembro' de' 1934:' 4).' O' artigo' do' jornal' anunciava' no' seu'
cabeçalho:''“Momento!'Mocidade'Vitoriosa”,''e'trazia'a'seguinte'introdução:''
'
As' conferências' da' Casa' da' Imprensa.' –' A' hora' é' dos' novos!' O' pensamento,' função' do'
trabalho.'–'Génio'e'talento.'–'Independentes''–'e'livres.'–'Pinta'monos'e'literatos'falhados.'–'
Contra'“o”'velho!'–'Ser'–'ou'não'ser…'–'Intercâmbio'Luso@Galáico.'–'Um'senhor'que'pede'a'
palavra'–'e'fica'calado…'
'
'Encontramos' uma' referência' feita' por' Fernando' Pessoa' a' estes' rapazes' da'
revista' Momento.' Na' carta' que' o' poeta' tinha' endereçada' a' Tomaz' Ribeiro' Colaço'
(1899@1965),' director' do' jornal' Fradique,' onde' já' tinha' colaborado,' esclarecia' a' sua'
decisão'de'deixar'de'ser'assinante'daquele'jornal,'preferindo'passar'a'comprá@lo'a'
avulso,' como,' aliás,' fazia' com' outras' publicações' que' também' lhe' manifestavam'
interesse.'Referia'o'poeta:'
'
Deverá' V.' porém' ter' reparado' que' não' tenho' colaborado' em' parte' alguma.' Salvo' erro,'
desde' 4' de' Fevereiro' —' data' em' que' publiquei' no' Diário) de) Lisboa) o' artigo' Associações'
Secretas' —' não' publiquei' senão' um' breve' poema' na' revista' Momento,' revista' de' rapazes,'
revista'simpática,'mas,'parece@me,'muito'mais'secreta'que'as'“associações”'acima'citadas.'
(PESSOA,'1967:'80)'
'
Como' é' sabido,' Fernando' Pessoa' realizou' escassas' publicações' no' seu'
último' ano' de' vida,' apontando' nesta' carta' o' artigo' do' Diário) de) Lisboa' (4' de'
Fevereiro'de'1935),'“Associações'Secretas”.'Este'seu'artigo,'na'verdade,'marcava'a'
sua'posição'de'defesa'do'direito'básico'de'reunião,'contra'o'deferimento'da'lei'que'
o'Estado'Novo'fazia'aprovar'com'o'objectivo'de'consolidar'o'monolitismo'da'sua'
ditadura' unipartidarista,' viabilizando,' assim,' a' perseguição' das' consideradas'
“associações'secretas”,'como'a'Maçonaria.'O'poeta'referia'também'ao'director'do'
Fradique'que'se'sentia'de'forças'consumidas'até'à'exaustão'psíquica,'facto'que'lhe'
tinha'limitado'a'publicação,'e'por'isso'tinha'colaborado'apenas'com'o'artigo'para'o'
Diário) de) Lisboa' e' com' uma' participação' na' “revista' Momento,' revista' de' rapazes,'
revista' simpática”;' de' facto' o' seu' poema' Intervalo' foi' publicado' no' número' 8,' de'
Abril'de'1935,'embora'tivesse'sido'escrito'ainda'em'Agosto'de'1934.'Esta'simpática'
revista'de'rapazes,'com'quem'o'poeta'tinha'colaborado,'era,'no'entanto,'apontada'
por' Fernando' Pessoa' como' sendo' ainda' “muito' mais' secreta' que' as' ‘associações’'
acima'citadas”,'deixando@nos'em'aberto'uma'possível'interpretação'do'verdadeiro'
significado' da' expressão' aqui' utilizada.' Por' isso,' torna@se' pertinente' começarmos'
por'tentar'responder'a'outra'pergunta:'quem'eram'estes'“rapazes'do'Momento”?''
A'revista'Momento'tinha'sido'fundada'graças'ao'dinamismo'de'um'grupo'de'
jovens' de' vinte' e' poucos' anos,' e' apresentava@se,' tal' como' a' Presença,' como' uma'
revista' “de' arte' e' crítica”,' com' vista' à' divulgação' de' obras' literárias.' Esta' revista'
consistia'num'pequeno'e'simples'folheto,'com'periodicidade'irregular,'e'que'teve'
como' directores' os' jovens' Artur' Augusto' (1912@1983),' José' Augusto' e' António'
Marques' Matias' (1911@1982).' A' revista' Momento' foi' registada,' em' Novembro' de'
1932,'por'Raul'Esperança'Martins,'seu'editor,'nascido'em'1908'e'residente'na'Rua'
das'Picoas,'36@1º,'e'tinha'sido'anunciada'como'um'“quinzenário'literário,'científico'
e' de' informação”,' tendo' como' seus' directores,' na' primeira' série,' o' advogado'
Fernando' Leiro' e' o' estudante' Francisco' Leão.3' A' segunda' série,' assumida' com'
nova' direcção,' existiu' desde' Dezembro' de' 1933' até' 1937,' e' no' seu' primeiro'
número,' na' coluna' inicial' intitulada' “Abertura”,' vinha' escrito,' em' forma' de'
programa,' o' que' tinha' mudado' na' revista' e' as' ideias' que' se' pretendiam' afirmar:'
“uma'revista'de'novos'não'precisa'de'apresentação,'nem'de'dizer'ao'que'vem”.'E'
acrescentava:'“e'os'novos,'que'se'hão@de'tornar'velhos'em'idade'e'não'em'espírito,'
conseguem'acompanhar'sempre'todos'os'movimentos,'os'modos'de'pensar'que'os'
outros'novos'apregoaram”.'O'artigo'de'“Abertura”'concluía:'“os'novos,'como'nós,'
que' queremos' ser' sempre' actuais,' não' têm' programas' para' se' adaptarem' melhor'
aos'tempos'e'para'os'não'alterarem'por'motivos'vários.”''
Nesta' revista' Momento,' participaram,' com' obras' literárias' e' críticas,' nomes'
como' José' Régio,' Luís' de' Montalvor,' Teixeira' de' Pascoaes,' Miguel' Torga,' Adolfo'
Casais' Monteiro,' Carlos' Queirós,' Edmundo' Bettencourt,' Mário' Fiúza,' Marques'
Matias,' Artur' Augusto,' José' Augusto,' Álvaro' Canelas,' Guilherme' de' Almeida,'
Alberto' de' Serpa,' entre' outros,' incluindo' o' próprio' Fernando' Pessoa.' No' seu'
número' 5,' de' Março' de' 1934,' Fernando' Pessoa' tinha' publicado' o' poema' Fresta,)
antes' de' publicar,' em' 1935,' o' poema' Intervalo.' Teixeira' Cabral' também' publicou'
nesta'revista'trabalhos'de'sua'autoria,'como'as'caricaturas'de'Teixeira'de'Pascoaes'
e'de'Urbano'Rodrigues,'no'número'7,'de'Janeiro'de'1935.''
Constata@se,' assim,' existir' alguma' convergência' de' ideias,' sobretudo,'
quanto' à' concepção' de' ser' “novo”,' efectivamente' e' na' prática,' e' ao'
reconhecimento,'pelos'“rapazes'do'Momento”,'de'Fernando'Pessoa'como'um'dos'
“novos”,'demonstrando'que'existia'reconhecimento'mútuo,'contacto'e'convivência'
entre'o'poeta'e'este'grupo'de'jovens.''
3'Conforme'os'documentos'do'arquivo'da'Torre'do'Tombo.'“Processos'de'Novas'Publicações”,'com'
o'código'de'referência'PT/TT/SNI@DSC/22/371,'cota:'Secretariado'Nacional'de'Informação,'Censura'
cx.'704,'Pasta'n.o'371.'
Todos' os' directores' do) Momento' eram' admiradores' de' poesia' e' também'
publicavam' os' seus' próprios' poemas.' Marques' Matias,' inclusivamente,' tinha'
concorrido,' em' 1934,' ao' Prémio' Antero' de' Quental' do' concurso' organizado' pelo'
Secretariado' de' Propaganda' Nacional' (SPN),' e' foi' desclassificado' por' a' sua' obra'
conter'um'número'de'páginas'inferior'ao'que'era'exigido,'tal'como'aconteceu'com'
Fernando'Pessoa,'embora'ao'poeta'da'Mensagem'tenha'sido'atribuído'o'prémio'de'
melhor' poema,' encarado' como' uma' segunda' categoria,' ou' uma' modalidade'
inferior'do'prémio'Antero'de'Quental.'No'início'de'1935,'Marques'Matias,'ofereceu'
a' Fernando' Pessoa' o' seu' livro' Poemas) de) Narciso) e' este,' em' resposta,' deixou' por'
terminar' uma' carta' a' manifestar@lhe' o' seu' apreço,' como' também' tinha' decidido'
incluir' a' poesia' de' Marques' Matias' no' seu' ensaio) A) Poesia) Nova) em) Portugal)
(PESSOA,'1966:'364),'revelando'assim'a'consideração'que'lhe'tinha.''
Artur' Augusto,' na' dedicatória' de' um' exemplar' do' seu' livro' assinado' e'
oferecido' a' Fernando' Pessoa,' no' dia' 1' de' Março' de' 1934,' escrevia' as' seguintes'
palavras:' “em' Fernando' Pessoa,' admiro' muito' particularmente,' o' seu' alto' senso'
crítico' e' a' sua' sensibilidade”.' Também' Fernando' Pessoa,' quando' publicou' o' seu'
livro' Mensagem,' retribuiu' o' gesto,' oferecendo@lhe' um' exemplar' com' dedicatória.'
Esta'troca'amável'e'mútua'de'livros'com'dedicatória'denotava'existir'uma'relação'
de'proximidade,'de'reconhecimento'e'de'consideração,'que'foi'destacada'por'Artur'
Augusto' no' seu' livro' de' ensaios' críticos,' onde,' na' secção' dedicada' à' literatura'
portuguesa,'criticando'a'Presença,'afirmava:''
'
[…]' falando' sobre' verdadeiros' artistas' eu' quero' afirmar' que' um' só' na' minha' geração'
conseguiu' ser' pessoal' e' atingir' plenamente' o' seu' objectivo;' e' esse' é' Fernando' Pessoa.'
Outros'com'tantas'possibilidades'como'ele,'ou'ainda'se'não'revelaram,'ou'o'fizeram'de'um'
modo'insuficiente'e'vago.''
(AUGUSTO,'1935)'
'
No' entanto,' se' Fernando' Pessoa' conhecia' “os' rapazes' do' Momento”,' e' até'
com' eles' tinha' colaborado,' o' que' o' levava' a' afirmar' que' a' revista' Momento' lhe'
parecia'“muito'mais'secreta'que'as'‘associações’'acima'citadas”?'E'não'tinha'Pessoa'
vindo'a'público'defender'a'existência'de'tais'associações?''
Esta'afirmação,'que'pareceria'levantar'suspeitas'sobre'tal'grupo'de'rapazes,'
sugere,' na' verdade,' pretender' sublinhar' outro' aspecto:' que' estes' “rapazes' do'
Momento”'possuíam'ideias'próprias,'distintas'das'inculcadas'pelo'regime,'e'que'se'
reuniam' para' discutirem' e' divulgarem' as' suas' ideias,' igualando@se,' por' isso,' às'
“associações' secretas”.' À' luz' da' nova' lei,' estes' jovens' poderiam' deste' modo' ser'
considerados' como' estando' a' cometer' um' acto' conspirativo,' e' poderiam' as' suas'
ideias'ser'tidas'como'subversivas,'sempre'que'fossem'diferentes'das'que'o'regime'
promovia.' Fernando' Pessoa,' que' tinha' sido' acusado' por' ter' vindo' a' público'
defender'a'Maçonaria,'e,'por'isso,'censurado'e'desconsideradamente'tratado'pelo'
deputado'José'Cabral'como'“um'pobre'escrevedor”'(SOUSA,'14'de'Junho'de'1988),'
ao' comparar' “os' rapazes' do' Momento”,' com' quem' ele' tinha' colaborado,' com''
“associações' secretas”,' sugeria' que' compartilhava' das' mesmas' ideias'
independentes' que' os' colocavam' à' margem' da' lei' e' faziam' deles' “farinha' do'
mesmo'saco”.'
Na'verdade,'o'Momento,'para'além'de'ser'uma'revista,'detinha'uma'editora'
de'obras'literárias'que'já'tinha'publicado'livros'tão'diversificados'como'Marias)da)
minha) terra,' de' Alice' Ogando' (1900@1981),' em' que' transbordava' a' imagética' do'
Estado'Novo,'ou,'no'sentido'contrário,'Ciúme,'de'António'Botto'(1897@1959).'Nem'
todos'os'conteúdos'editados'pelo'Momento'tinham'agradado'ao'regime.'Em'1933,'
do'prelo'da'mesma'editora'saiu'o'livro'Sensuais,'de'Helena'Maria,'com'prefácio'de'
Artur' Augusto.' Este' livro,' que' se' afirmava' ser' de' “poesia' erótica' feminina' sem'
preconceitos”,'foi'recebido'pela'censura'com'desagrado,'vendo'nele'perigo'para'a'
moral' pública,' e' por' isso' foi' proibido,' confiscado' e' retirado' do' mercado.'
Entretanto,' a' editora' prometia' voltar' a' publicar' mais' livros' da' autoria' de' Helena'
Maria,'como'Cartas,'ou'Poemas)imorais,'anunciando'nas'capas'das'suas'publicações'
os' próximos' livros' a' sair.' Na' verdade,' Helena' Maria' era' pseudónimo' do' próprio'
Artur' Augusto,' e' num' dos' números' da' revista) Momento' era' anunciado,' numa'
atitude' de' descarado' sarcasmo,' que' Helena' Maria' iria' estar' na' sede' da' redação'
para' cumprimentar' os' seus' admiradores' e' autografar' o' seu' livro' de' poemas,' ao'
mesmo' tempo' que,' no' mesmo' lugar' e' à' mesma' hora,' Artur' Augusto' estaria'
também'a'autografar'o'seu'recente'Romance)de)Inês)de)Castro.)Apesar'de'tais'gestos'
de' atrevimento,' que' questionavam' provocativamente' os' padrões' instituídos,'
exteriorizarem' rebeldia' e' irreverência' próprias' da' juventude,' eles' não' seriam' tão'
desmesurados' quanto' a' lei' a' interditar' a' Maçonaria' considerar' esta' editora' como'
uma'“organização'secreta”.''
Entretanto,'nas'páginas'do'Momento'foi'publicado'um'polémico'“Manifesto”'
a' tecer' duras' críticas' aos' modernistas' estagnados' e' uma' “Carta' aberta' aos'
imortais”' contra' o' academismo.' Vinha' ainda' publicado' na' revista' um' artigo'
(Março' de' 1934)' que' anunciava,' ou' talvez' mesmo' denunciasse,' a' inauguração' do'
sumptuoso' monumento' ao' Marquês' Pombal,' na' Rotunda,' acabado' de' ser' ali'
erigido.' Ressaltava' na' própria' notícia' uma' nota' irónica' acerca' da' grandeza' e' do'
significado' daquela' construção,' que' trazia' à' memória' os' actos' ditatoriais' e' cruéis'
que' rodeavam' o' controverso' estadista' Sebastião' José' de' Carvalho' e' Melo,'
sobretudo,' para' gente' do' meio' literário' que' conhecia' o' que' dele' tinha' escrito'
Camilo' Castelo' Branco' no' seu' livro' Perfil) do) Marquês) do) Pombal,) publicado' havia'
pouco'mais'do'que'cinquenta'anos.''
O' grupo' do' “Momento”,' no' Outono' de' 1934,' manifestando@se' como' um'
movimento' de' juventude' ansiosa' pela' renovação' e' pela' mudança,' realizava' uma'
conferência' na' Cidade' Invicta' com' a' finalidade' de' expandir' as' suas' ideias' e'
iniciativas'também'a'Norte.'Possuindo'um'espírito'anarquista'imanente,'“Teixeira'
Cabral' –' um' grande' nome' entre' os' novos' do' Momento”,' como' vinha' referido' no'
artigo'do'Jornal)de)Notícias'(4'de'Novembro'de'1934:'4),'integrava'esse'movimento'
e,'ao'lado'de'Artur'Augusto'e'de'José'Augusto,'participou'na'conferência'no'Porto.'
Pretendia@se'atrair'os'jovens'do'Norte'do'país,'assim'como'os'da'Galiza,'a'fim'de'se'
unirem' aos' jovens' de' Lisboa' e' participarem' conjuntamente' numa' exposição'
colectiva' que' o' “Momento”' tomava' a' iniciativa' de' organizar' na' capital.' A'
conferência'decorreu'na'Casa'da'Imprensa'no'dia'3'de'Novembro'de'1934,'e'veio'
referida' no' artigo' do' dia' seguinte' no' Jornal) de) Notícias' como' algo' inesperado' e'
surpreendente,'declarando@se'que'“a'apresentação'excedeu'a'melhor'expectativa”,'
que'o'enorme'salão'nobre'cedido'para'o'evento'estava'praticamente'cheio,'e'que'a'
conferência' tinha' sido' “patenteada”' pelo' chefe' da' polícia.' Os' oradores' foram'
apresentados' pelo' pintor' e' cineasta' Manuel' Guimarães.' Os' jovens' do' Momento)
explicavam' o' que' significava' ser' “novo”,' e' afirmavam' que' “ser' novo' nada' tem'
com'a'idade”.'Sublinharam'a'sua'liberdade'e'independência,'recusando@se'a'fazer'
parte' de' qualquer' escola.' Os' rapazes' apresentavam@se' contra' o' velho,' o' estável,' o'
consagrado:' “a' hora' é' dos' novos!”' No' final,' convidaram' o' público' a' participar' na'
exposição'que'estavam'a'organizar.''
O'discurso'destes'jovens'era'pleno'de'humor'e'de'ironia,'e'foi'recebido'com'
grande'entusiasmo.'Teixeira'Cabral,'que'estava'sentado'com'vários'bonecos'à'sua'
frente,' provocando' riso,' foi' o' último' a' falar.' Sabendo' que' na' assistência' havia'
velhosFnovos,' o' caricaturista' começou' por' anunciar:' “dou@lhes' a' palavra' de' honra'
que' vou' falar' muito' bem!”,' causando' agitação' no' público,' entre' gargalhadas' e'
rostos' sisudos,' conforme' era' referido' na' notícia.' O' caricaturista' começou' por'
dirigir@se'à'assembleia:'“rapazes'do'Porto.'Conhecemo@nos.'Eu'conheço@os'a'vocês'
como'vocês'me'conhecem'a'mim”.'E'acrescentou:'“eu'conheço'até'os'corações'dos'
homens' que' não' conheço' e' porque' sei' que' o' homem' –' animal' político' por'
excelência,'segundo'Aristóteles,'é'um'animal'a'quem'tratamos'–'por'excelência”'(4'
de' Novembro' de' 1934:' 4).' Com' o' humor' que' lhe' era' próprio,' Teixeira' Cabral'
apelou' para' não' darem' ouvidos' aos' conselhos' de' velhos' que' apenas' sabiam' ser'
seguidores,'e'advertiu:'“lembrem@se'que'é'necessário'vincar'a'nossa'personalidade'
e'o'nosso'nome”.'E'aconselhando'a'não'desistirem'da'sua'arte,'lembrou'a'História)
do)Rapaz,)do)Velho)e)do)Burro.'
O' grupo' “Momento”' estendia' a' sua' sagrada' bandeira' da' vanguarda,'
mantendo' viva' a' sua' chama,' cientes' de' que' isso' apenas' seria' possível' através' de'
uma' atitude' de' constante' renovação,' sem' submissões' a' padrões' que' limitavam' e'
estagnavam,' e' conduziam' a' uma' cristalização' da' arte.' Entre' as' palavras' dos'
oradores' ouviam@se' incentivos' a' unirem@se' sem' perderem' a' identidade' e' a'
subjectividade' próprias' na' sua' arte,' assim' como' se' aconselhava' a' fechar' os'
compêndios' académicos,' a' sair,' arejar,' andar' pelo' próprio' pé' e' ir' mais' longe;' ou'
seja,'todo'o'contrário'de'ficarem'parados'e'sentirem@se'fechados.'
'
'
Fig.(7.(Os(rapazes(do(“Momento”(na(conferência(no(Porto,(3(de(Novembro(de(1934,((
Salão(Nobre(da(Casa(da(Imprensa.(Fotografia(de(José(Mesquita.(De(pé:(José(Augusto((
proferindo(o(seu(discurso(“Fora(o(status'quo'ante!”.'Os(oradores(sentados((de(esquerda((
para(a(direita):(1)(Teixeira(Cabral;(2)(Artur(Augusto;(3)(Juliano(Ribeiro,(presidente(da((
Comissão(Administrativa(da(Casa(da(Imprensa;(4)(o(pintor(e(cineasta(Manuel(Guimarães;((
5)(Fernando(Teixeira,(representante(do(sucursal(do(DN(no(Porto.(Fotografia(publicada((
pela(primeira(vez(no(Jornal'de'Notícias((4(de(Novembro(de(1934:(4)(e(pela(segunda(vez((
no(site(“Des(Gens(Intéressants”((SILVA:(2017).(
'
'
Fig.(8.(Num(passeio(a(Sintra:Almoçageme([s.d.].(Da(esquerda(para(a(direita:(
Artur(Augusto,(Teixeira(Cabral,(José(Augusto,(conforme(a(anotação(feita((
Pelo(caricaturista(no(verso(da(fotografia.(Espólio(de(Teixeira(Cabral.(
'
Teixeira'Cabral'entrou'neste'projecto'como'um'artista'reconhecido,'vendo@
se'nele'e'na'popularidade'que'então'recolhia'capacidade'estratégica'para'motivar'
os' jovens' a' aderirem' às' causas' daquele' movimento,' que' apelava' à' renovação'
artística' e' que' apresentava' planos' para' novos' eventos' culturais.' Sendo' jovens,' os'
rapazes' do' “Momento”' demonstravam' estar' atentos' a' manifestações' sociais' e' a'
transformações'políticas,'dinamizavam@se'e'organizavam@se'num'movimento'que'
transmitia'força'e'vontade'de'renovar.'Teixeira'Cabral'fez'parte'deste'movimento'
de' jovens' intelectuais,' como' seu' membro' activo,' proclamando' que' só' a' eles'
próprios'cabia'decidir'o'seu'futuro.''
Na' inacabada' carta' que' Fernando' Pessoa' escreveu' a' Marques' Matias' a'
agradecer' o' livro' que' este' lhe' tinha' enviado,' o' poeta' confessou:' “tenho' estado'
velho' por' causa' do' Estado' Novo”' (PESSOA,' 1986:' 240).' Ao' expressar@se' desta'
maneira,' Fernando' Pessoa' referia@se,' por' um' lado,' aos' efeitos' desgastantes' que' o'
consumiam' fisicamente' e,' por' isso,' o' envelheciam' antes' do' tempo,' devido' a'
tomadas'de'posição'divergentes'das'directivas'impostas'pelo'regime'político.'Por'
outro'lado,'ao'dirigir@se'a'um'dos'novos)do)Momento,'a'frase'ganhava'ainda'outro'
sentido,'pois'a'palavra'“velho”,'no'discurso'entre'duas'pessoas'que'se'reconheciam'
como'novos,'tomava'o'significado'de'“vencido”,'de'arrumado'pelo'próprio'Estado'
Novo' na' “prateleira”' das' coisas' estagnadas' e,' por' isso,' sem' validade' efectiva.' O'
epíteto' de' “poeta' nacionalista”,' que' parecia' ter@lhe' sido' etiquetado' com' a'
atribuição' do' prémio' do' SPN' com' a' Mensagem,' para' os' rapazes' do' Momento,)
sobretudo'para'Artur'Augusto,'que'tinha'sido'contundente'na'crítica'para'com'os'
artistas' que' começaram' trabalhar' sobre' as' ordens' da' Propaganda' do' regime,'
correspondia' a' ser' tradicionalista,' estagnado,' “velho”.' Fernando' Pessoa,' nesta'
carta,' parecia,' então,' jogar' propositadamente' com' a' polissemia' desta' expressão,'
utilizando' o' seu' habitual' sentido' de' humor,' perceptível' a' alguém' com' quem'
partilhava' ideias.' O) Momento' manifestava@se' regularmente' contra' os' velhos) e'
Fernando' Pessoa,' sabendo' que' esses' rapazes' reconheciam' nele' um' dos' novos,'
estaria' assim' a' confirmar' que' era' a' política' posta' em' prática' pelo' regime' a' razão'
que' o' derrubava,' e' daí' a' sentir@se' vencido' por' completo' seria' um' passo' rápido' e'
fatal.)Fernando'Pessoa,'no'último'ano'de'vida,'utilizou''frequentemente'o'binómio'
de'palavras'novo/velho,)com'diferentes'sentidos'e'em'diferentes'situações.)'
Noutras' circunstâncias,' em' 1922' e' 1923,' Fernando' Pessoa' tinha' vindo' a'
terreiro' defender' António' Botto' contra' a' corrente' moralista' de' estudantes' que'
pretendia' confiscar' das' estantes' e' queimar' aqueles' livros' por' eles' considerados'
“imorais”,'tendo'o'Governo'Civil'mandado'apreender'Canções'de'António'Botto'e'
Sodoma) Divinizada' de' Raul' Leal,' e' tendo' Fernando' Pessoa' publicado,' em' reacção,'
dois'panfletos,'Aviso)por)causa)da)moral)e)Sobre)um)manifesto)de)Estudantes)(BARRETO,'
Outono' de' 2016).' No' primeiro,' Fernando' Pessoa) declarava' que' os' novos' não'
tinham' o' direito' de' opinar,' independentemente' de' terem' boas' ou' más' opiniões,'
sendo'melhor'estarem'calados'(PESSOA,'1980:'239).'Passados'alguns'anos,'com'estes'
rapazes'do'“Momento”,'como'se'o'tempo'fizesse'brotar'bons'frutos'de'uma'árvore'
já' antes' plantada,' Fernando' Pessoa' depara@se' com' aqueles' jovens' que' opinam' e'
que' merecem' o' seu' crédito,' talvez' mesmo' pelo' facto' de' o' ouvirem' e' de' o'
reconhecerem,' vendo' neles' os' novos) que' devem' ser' escutados,' porque'
evidenciavam' uma' forma' de' pensar' renovadora' e' uma' capacidade' crítica'
independente.'Agora,'era'a'vez'destes'jovens,'os'“rapazes'do'Momento”,'virem'em'
defesa'de'Botto,'apesar'de'Artur'Augusto,'ao'mesmo'tempo,'lhe'ter'infligido'duras'
criticas'no'seu'livro'de'ensaios'Imagem'(AUGUSTO,'1935).'
De'facto,'Fernando'Pessoa,'ao'ter'justificado,'na'carta'a'Ribeiro'Colaço,'que,'
naquele'ano,'ainda'não'tinha'publicado'em'lado'algum,'para'além'do'citado'artigo'
no' Diário) de) Lisboa,' mencionava,' como' outra' excepção,' apenas' a' sua' colaboração'
com' a' revista' Momento.) Ao' referir@se' à' “revista' de' rapazes”,' Fernando' Pessoa'
estava,' de' algum' modo,' a' sublinhar' esse' facto' ao' seu' interlocutor,' pois' ainda'
estaria' em' todos' bem' presente' a' divergência' que' tinha' havido' entre' o' diretor' do'
Fradique,) o' mesmo' Ribeiro' Colaço,' a' quem' Pessoa,' não' obstante,' tratava' na' carta'
por' amigo,' e' os' referidos' “rapazes' do' Momento”.' Quando,' um' ano' antes,' Ribeiro'
Colaço'tinha'publicado'o'artigo'“António'Botto,'um'poeta'que'não'existe”'(26'de'
Julho' de' 1934),' dois' dos' três' directores' do' Momento,' José' Augusto' e' Marques'
Matias,' tinham' vindo' a' público' em' defesa' de' Botto' (OLIVEIRA,' 1999:' 57).' Artur'
Augusto,' que' inicialmente' tinha' elogiado' Botto' e' depois' passou' a' carregar' na'
crítica' que' lhe' fazia,' respondeu' a' Colaço' de' outra' maneira,' acrescentando' uma'
nota' ao' “Manifesto”) contra' os' modernistas@passadistas,' publicado' no' Momento)
(Novembro' de' 1934),' que' visava' de' forma' contundente' o' director' do' Fradique,)
escrevendo:' “colaço:' inconsciênte' com' fumaças' do' literato”.' O' apelido' Colaço'
escrito' como' um' substantivo' comum,' com' a' inicial' em' minúscula,' sugeria' que' o'
próprio'Ribeiro'Colaço'—'que'considerava'Botto'“um'poeta'que'não'existe”'—'não'
passava' de' um' autor' medíocre.' Nesse' manifesto,' Artur' Augusto' vinha' também'
criticar'o'pintor'Mário'Eloy'(1900@1951),'por'este'ter'realizado'o'quadro'Lisboa,'em'
1934,' sob' encomenda' do' SPN,' em' que) apresentou' a' imagem' de' uma' varina' a'
transmitir' todo' o' cariz' popular' da' nova' ideologia' nacionalista,' e' que' veio'
publicada'no'Notícias)Ilustrado'(11'de'Março'de'1934:'12).'No'seu'manifesto,'Artur'
Augusto' apelidava' Eloy' de' “pinta' monas”,) tecendo@lhe,' noutro' artigo,' uma'
amarga'crítica'que,'muito'provavelmente,'teria'contribuído'para'que'o'pintor'logo'
de'seguida'mergulhasse'em'novas'e'incessantes'buscas'artísticas,'afastando@se'das'
narrativas' promovidas' pelo' Estado' Novo.' O' conflito' relacionado' com' Botto' e'
Ribeiro' Colaço' já' tinha' envolvido' muita' gente,' assim' como' a' discussão' sobre' o'
Manifesto,' e' ainda' fazia' correr' tinta' e' haveria' de' prolongar@se.' Entretanto,' este'
Manifesto' contra' os' modernistas' estagnados' colocou' Artur' Augusto' sob' fortes'
críticas,' e' os' debates' vieram' novamente' ocupar' as' páginas' do' Fradique) (15' de'
Novembro' de' 1934).' O' poeta' alentejano' Joaquim' Azinhal' Abelho' (1911@1979)'
publicou' aqui' o' artigo' “Divergências' de' novos' e' novíssimos:' resposta' a' um'
manifesto”,'acusando'Artur'Augusto'de'ter'sido'agressivo'ao'tratar'os'seus'visados'
de' modo' desprezível,' desconsiderando@os' ao' apresentar' os' seus' nomes' escritos'
com' letra' minúscula,' como' “dantas”,' “eloi”,' “colaço”,' “leitão”,' ou' “coelho”.' No'
entanto' Azinhal' Abelho' não' deixou' de' proteger' o' próprio' António' Botto,'
afirmando' que' Ribeiro' Colaço' não' tinha' conseguido' derrubar' este' escritor,' ao'
mesmo'tempo'que'deixava'sublinhado'que'Colaço,'ao'contrário'de'Artur'Augusto,'
não' tinha' recorrido' ao' uso' de' “verborreia”,' como' ele' tinha' feito' em' relação' a'
Dantas,'Eloy'e'ao'próprio'Colaço'(15'de'Novembro'de'1934).4'O'poeta'de'Canções)e'
de)Ciúme'nunca'tinha'deixado'de'ser'considerado'Artista'pelos'jovens'intelectuais'
do'Momento,)embora'as'opiniões'dos'seus'directores'não'fossem'unânimes,'tendo'
sido' duramente' criticado' e' apontado' como' pouco' inovador' por' Artur' Augusto,'
que' chegou' mesmo' a' afirmar' no' seu' livro' “que' a' obra' de' António' Botto' não'
resistirá' aos' tempos' e' seu' nome' se' perderá' na' sequência' dos' anos”' (AUGUSTO,'
1935).''
Teixeira'Cabral'publicou'a'primeira'caricatura'de'António'Botto'no'DN'do'
dia'17'de'Setembro'de'1932,'inserida'num'artigo'sobre'a'nova'edição'do'seu'livro'
Canções,' e' também' exibiu' a' caricatura' de' António' Botto' na' sua' exposição'
individual'na'Galeria'UP,'em'Maio'de'1934,'onde'representava'o'corpo'inteiro'do'
poeta'desenhado'por'um'único'traço'a'parecer'envolvê@lo'como'que'num'manto'de'
lirismo'(Fig.'9).'Seria,'precisamente,'uma'caricatura'de'António'Botto'o'derradeiro'
trabalho' de' Teixeira' Cabral' publicado' no' DN' durante' a' década' de' 1930,' a' 7' de'
Janeiro'de'1938,5'antes'de'o'jornal'ter'dispensado'os'seus'serviços.'Esta'caricatura'
de' António' Botto' foi' publicada' a' propósito' da' estreia' da' sua' comédia' 9) de) Abril,'
cujo'principal'tema'era'a'guerra,'e'a'caricatura'realizada'por'Teixeira'Cabral'aludia'
directamente'à'homossexualidade'assumida'pelo'poeta'e'às'“guerras”'e'polémicas'
que' tal' tinha' provocado' (Fig.' 10).' Os' traços' que' compunham' a' caricatura'
colocavam' em' evidência' aspectos' particulares' de' Botto,' como' a' linha' única' que'
desenhava'o'rosto'e'o'chapéu'a'sugerirem'um'coração,'ressaltando'nos'olhos'umas'
exuberantes' pestanas.' Também' na' introdução' da' auto@caricatura' de' Teixeira'
Cabral'se'aludia'ao'tema,'já'que'que'o'artista'surgia'vestido'de'soldado'no'teatro'
de' guerra' a' manipular' um' canhão' (com' simbologia' nitidamente' fálica),' que'
ostentava,' pendurado' no' cano,' uma' coroa' de' louros' invertida.' Teixeira' Cabral'
publicou'ainda'mais'caricaturas'do'poeta'de'Ciúme,'encontrando@se'no'espólio'do'
artista'os'recortes'que'guardou'da'notícia'da'morte'de'António'Botto,'no'Brasil,'em'
1959.'
'
4' No' dia' 5' de' Março' de' 1967' foi' inaugurada' uma' exposição' em' memória' de' António' Botto'
organizada'exatamente'por'Azinhal'Abelho,'para'a'qual'Teixeira'Cabral'também'tinha'decido'uma'
sua'caricatura'do'poeta.'Conforme'um'artigo'publicado'em'Portugal)D’Aquem)e)D’Além)Mar'(Março'
de'1967:'23).''
5'A'primeira'caricatura'de'António'Botto'foi'publicada'no'DN'no'dia'17'de'Setembro'de'1932.'
As' ideias' que' circulavam' neste' grupo' que' cultivava' a' livre' expressão' e' a'
criatividade' provocava' situações' incómodas' para' o' regime,' que,' a' partir' da'
Constituição'de'1933,'começava'a'ser'mais'rígido'na'aplicação'da'censura.'Teixeira'
Cabral' tinha' alertado' para' tal' facto' ao' publicar' a' caricatura' de' António' Ferro,' no'
Sempre)Fixe,'no'dia'19'de'Outubro'de'1933'(fig.'12),'dezasseis'dias'depois'de'este'ter'
sido' nomeado' director' do' recém@criado' Secretariado' de' Propaganda' Nacional'
(SPN),' a' 3' de' Outubro' desse' ano.' A' caricatura' intitulada' “António' Ferro' e' Eu”,'
evocando' o' livro' da' autoria' de' Ferro,' Gabriel) D’Annunzio) e) Eu,' de' 1922,'
representava' António' Ferro' a' surgir' como' um' “génio' da' lâmpada”,' olhando' de'
cima' para' baixo' para' o' caricaturista' com' o' seu' lápis' em' riste,' em' que' estava'
pendurado' um' dístico,' tal' como' em' alguns' estabelecimentos' públicos,' com' a'
inscrição'“reservado'o'direito'de'admissão”.'Teixeira'Cabral'apontava'assim'para'
os' riscos' da' chamada' Política' do' Espírito' promovida' por' António' Ferro,' no'
contexto' da' qual' todas' as' ideias' que' não' fossem' consideradas' benéficas' para' os'
fins'políticos'em'causa'deveriam'ser'postas'de'parte'e'afastadas'ao'serem'tomadas'
como'prejudiciais,'com'implicações'na'actividade'artística;'era'o'caso'da'literatura'
e' da' própria' caricatura,' que' haviam' de' sofrer,' efectivamente,' com' tais' ' medidas.'
No'seu'jogo'de'relação'recíproca'entre'o'artista'e'o'seu'visado,'do'eu)e'do'Outro,'o'
outro'reflectido'no'espaço'simbólico'da'auto@imagem'do'caricaturado'segurava'na'
mão'o'lápis'que'representava,'ao'mesmo'tempo,'a'arma'do'próprio'artista,'e'o'lápis'
azul'da'censura;'assinalava@se'assim,'por'um'lado,'a'restrição'imposta'aos'artistas'e'
intelectuais,' e,' por' outro,' a' resistência' da' caricatura' com' a' manifestação' da' sua'
auto@exclusão.' Na' inauguração' do' SPN,' Salazar' tinha' proferido' no' seu' discurso'
que'“politicamente,'só'existe'aquilo'que'o'público'sabe'que'existe”'(Salazar,'1935:'
259).'
'
Fig.(12.(António'Ferro'e'eu.'Caricatura(de(Teixeira(Cabral(publicada(
no(Sempre'Fixe'(19(de(Outubro(de(1933:(4).'Texto(do(letreiro:(“reservado(o(direito(
de(admissão”.(Esta(caricatura(foi(exposta(na(Galeria(UP,(em(Maio(de(1934.(
'
Fernando' Pessoa,' sobretudo' a' partir' de' 1935,' também' assinalou' o'
desconforto' causado' pela' política' do' Estado' Novo' e' referiu@se' várias' vezes' e' de'
diversas' formas,' concretamente,' ao' próprio' Salazar.' Escrevia' Pessoa' na' carta' a'
Adolfo'Casais'Monteiro,'datada'de'30'de'Outubro'de'1935,'a'propósito'do'discurso'
que' Salazar' tinha' feito' quando' da' “distribuição' do' prémio”' do' concurso'
organizado' pelo' SPN,' em' que' ele' não' compareceu,' apesar' de' ter' sido' um' dos'
premiados:''
'
Desde' o' discurso' que' o' Salazar' fez' em' 21' de' Fevereiro' deste' anno,' na' distribuição' de'
prémio' no' Secretariado' de' Propaganda' Nacional,' ficámos' sabendo,' todos' nós' que'
escrevemos,'que'estava'substituída'a'regra'restrictiva'da'Censura,'“não'se'póde'dizer'isto'
ou'aquillo”'pela'regra'soviética'do'Poder,'“tem'que'se'dizer'aquillo'ou'isto”.'Em'palavras'
mais' claras,' tudo' quanto' escrevemos,' não' só' não' tem' que' contrariar' os' princípios' ' (cuja'
natureza' ignoro)' do' Estado' Novo' (cuja' definição' desconheço),' mas' tem' que' ser'
subordinado' às' directrizes' traçadas' pelos' orientadores' do' citado' Estado' Novo.' Isto' quer'
dizer,' supponho,' que' não' poderá' haver' legitimamente' manifestação' literária' em' Portugal'
que' não' inclua' qualquer' referência' ao' equilíbrio' orçamental,' à' composição' corporativa'
(também' não' sei' o' que' seja)' da' sociedade' portugueza' e' a' outras' engrenagens' da' mesma'
espécie.'
(PESSOA,'1935'in)CUNHA'&'SOUSA,'1985:'123)''
'
O' poeta,' neste' último' ano' de' 1935,' também' dedicou' a' Salazar' e' ao' Estado'
Novo' várias' poesias,' refira@se,' com' uma' imagética' que' se' poderia' considerar'
caricatural.' Em' Poema) de) amor) em) Estado) Novo,) escrito' entre' 8' e' 9' de' Novembro,'
empregava' termos' de' algumas' entidades' utilizadas' pelo' poder' político,' como)
Câmara' Corporativa,' Sindicato' Nacional,' Banco' de' Portugal,' Civilização' Cristã,'
Acto'Colonial,'União'Nacional,'entre'versos'como)“Minha'Maria'Francisca,'|'Meu'
amor,' meu' orçamento!”,' ou' “Não' sei' porque' me' desprezas”' e' “De' amor' já' quasi'
não'como”.'Neste'poema'salienta@se'a'estrofe'que'dizia:'“Que'aristocrático'ri,'|'O'
teu' cabelo' em' cifrões' –' |' Finanças' em' mise@en@plis' –'!' |' Meu' altivo' plebiscito,' |'
Nunca' desceste' a' eleições'!”' (PESSOA,' 1935' in) CUNHA' &' SOUSA,' 1985:' 139).' E'
terminava' este' poema' afirmando:' “Estou' seguindo' as' directrizes' |' Do' professor'
Salazar”.'
'
'
Fig.(13.(“Na(primeira(fila…(O.(S.”(Dominó'n.o(1((5(de(Janeiro(de(1935:(2).(
Caricatura(de(Oliveira(Salazar,(por(Teixeira(Cabral.(
A'imagem'de'Salazar'com'o'penteado'frisado'com'um'cifrão,'como'se'fosse'
uma' miseFenFplis,' foi' igualmente' apresentada' por' Teixeira' Cabral' na' caricatura'
publicada' no' primeiro' número' do' hebdomadário' Dominó) (Fig.' 13),' lançado' por'
Luís'de'Oliveira'Guimarães'no'dia'5'de'Janeiro'de'1935.'Nessa'caricatura'o'artista'
retratava' Salazar' com' uma' moeda' com' um' cifrão' a' marcar@lhe' a' onda' do' cabelo'
que' lhe' segurava' o' penteado.' Não' só' a' moeda' com' um' cifrão' no' cimo' da' cabeça'
poderia'significar'a'exteriorização'do'que'ia'no'seu'interior,'como'o'olho'no'rosto,'
que'aquela'caricatura'não'possuía,'podia'ver@se'como'que'deslocado'para'o'alfinete'
que'a'gravata'ostentava,'bem'levantado,'como'um'emblema'do'próprio'clube,'com'
a'forma'de'uma'moeda'com'um'visível'cifrão'inscrito.''
Algumas' semanas' mais' tarde,' Francisco' Valença' também' publicou' uma'
caricatura' de' Salazar' com' cifrões' no' rosto,' na' primeira' página' do' Sempre) Fixe' n.o'
454'(31'de'Janeiro'de'1935),'com'o'título'“Escudeiro@Mor”.'A'caricatura'viria'a'ser'
repetida' quatro' anos' mais' tarde' no' mesmo' periódico' (12' de' Janeiro' de' 1939:' 1).'
Embora' realizada' posteriormente,' a' caricatura' de' Valença' é' atualmente' mais'
conhecida'do'que'a'caricatura'de'Salazar'realizada'por'Teixeira'Cabral.''
A' imagética' de' representação' de' Salazar' na' caricatura' de' Teixeira' Cabral'
torna@se,'deste'modo,'passível'de'ter'tido'repercussões'na'imagética'de'Salazar'que'
Fernando'Pessoa'expressou'no'seu'“Poema'de'Amor'em'Estado'Novo”.'
Na' verdade,' Teixeira' Cabral' tinha' publicado' pela' primeira' vez' a' sua'
caricatura' de' Salazar,' ainda' em' 1932,' no' diário' de' maior' expansão' nacional.' No'
Carnaval'desse'ano,'o'Diário)de)Notícias'(9'de'Fevereiro'de'1932)'cumpria'o'costume'
de' dedicar' a' sua' edição' do' dia' aos' festejos' do' Entrudo,' tendo' Teixeira' Cabral'
publicado' na' primeira' página' dessa' edição' a' sua' primeira' caricatura' de' Salazar,'
em' forma' de' cartoon,' atendendo' à' máxima' popular' que' dizia' que' “no' Carnaval'
ninguém' leva' a' mal”.' Na' mesma' página' constavam' quatro' desenhos' da' sua'
autoria) sob' o' título' de' Grande) Teatro) Carnavalesco,) que,' no' entanto,' pareciam' ser'
desenhos' despretensiosos,' como' que' desenhados' por' uma' criança,' porém,'
necessitavam'de'certa'erudição'para'o'seu'pleno'entendimento.''
Os' dois' primeiros' desenhos' apresentavam' o' friso' de' sete' políticos'
republicanos'e,'ao'lado,'o'general'José'Vicente'de'Freitas,'aludindo'aos'títulos'das'
operetas'cómicas,'em'voga'naquela'época,'O)burro)do)Senhor)Alcaide,'de'D.'João'da'
Câmara,'e'A)filha)da)Senhora)Angot,'de'Charles'Lecocq.'Esta'última'opereta'refletia'
sobre' o' clima' das' alianças' políticas' instáveis' que' se' viveram' logo' depois' da'
revolução' francesa,' em' 1795,' e' o' caricaturista' aproveitava' para,' deste' modo,' se'
referir'à'transformação'política'que,'em'1932,'se'vivia'em'Portugal,'sobretudo,'com'
a' criação' da' União' Nacional' e' a' intenção' de' esta' aglutinar' as' diversas' forças'
políticas' num' único' partido.' Na' mesma' página' deste' jornal' o' caricaturista'
publicou'o'desenho'O)Gaspar)dos)Sinos)de)Corneville,'aludindo'a'mais'uma'opereta'
cómica,'desta'vez,'Sinos)de)Corneville,)escrita'por'Clairville'e'Gabet,'na'qual'Gaspar'
é' uma' personagem' de' carácter' manipulador,' que' levanta' suspeitas' entre' os'
cidadãos' de' Corneville' pelo' seu' comportamento' face' ao' dinheiro.' Sugeria@se' que'
este'Gaspar,'representado'agarrando'sofregamente'um'monte'de'moedas,'indicava'
ser' o' todo' poderoso' Ministro' das' Finanças,' até' pelos' vagos' traços' do' seu' rosto'
anguloso' e' esguio,' mesmo' apresentado' com' o' cabelo' despenteado,' antes' de' ter'
sido'apresentado'com'miseFenFplis.'Mas'a'indefinição'da'caricatura'de'Salazar'seria'
intencional,'como'própria'de'alguém'que'estaria'disfarçado'com'uma'máscara'para'
o'Carnaval...''
'
'
Fig.(14.(O'Gaspar'dos'Sinos'de'Corneville'[Salazar].(Um(dos(quatro(desenhos((
de(Teixeira(Cabral(publicados(na(primeira(página(da(edição(de(Carnaval(do((
Diário'de'Notícias,'em(1932.(
'
Havia' mais' um' desenho' em' que' Teixeira' Cabral' também' aludia' a' Salazar,'
embora' indirectamente,' intitulado' O) regulamento) de) trânsito) e' que' continha) dois'
funcionários'dos'transportes'públicos:'o'guarda@freio'que'conduzia'o'eléctrico'e'o'
cobrador' de' bilhetes,' com' a' mala' do' dinheiro' pendurada' no' ombro.' Sem'
evidenciarem' serem' uma' caricatura' pessoal,' as' figuras' estabelecem' um' discurso'
directo,' dizendo:' “muda' essa' bandeira' para' o' Intendente!”,' anunciando' uma'
mudança' de' destino' do' transporte,' tal' como' naquele' momento' se' verificavam'
mudanças'na'condução'dos'rumos'da'nação'(vide'HOVORKOVA,'vol.'I,'2013:'70).''
Modo' semelhante' de' percepcionar' Salazar' e' a' política' do' Estado' Novo'
também' se' pode' encontrar' reflectido' em' escritos' do' último' ano' de' vida' de'
Fernando' Pessoa.' Assim' como' em' relação' a' Mussolini' e' à' invasão' da' Abissínia'
pelas'forças'italianas,'a'3'de'Outubro'de'1935.'A'este'respeito,'num'dos'dois'artigos'
que' Fernando' Pessoa' escreveu' para' o' Diário) de) Lisboa' sobre' a' invasão' da' Etiópia'
pela'Itália'fascista,'e'que'a'censura'não'permitiu'publicar,'o'poeta'afirmava:''
'
'' '
Fig.(15(.(“O(Novo(Atlas”.(Mussolini.(Caricatura(de(Teixeira(Cabral(
publicada(no(Diário'de'Notícias((5(de(Outubro(de(1935:(11),(integrada(no(artigo((
“A(guerra(entre(a(Itália(e(Abissínia”.(Fig.(16.(Pormenor(da(auto:caricatura(do(artista((
trajando(como(um(soldado(abexim.(
'
Neste' desenho' de' Teixeira' Cabral' os' contornos' do' mapa' de' África' e' da'
Europa' confundiam@se' propositadamente' para' sublinhar' a' solidariedade' humana'
para' com' o' povo' atacado.' Refere' José' Barreto' num' estudo' sobre' os' textos' de'
Fernando'Pessoa'relacionados'com'a'Etiópia:'
'
'Teixeira'Cabral'realizou'durante'a'sua'carreira'apenas'cerca'de'meia'dúzia'de'cartoons,'sendo'“O'
6
Novo'Atlas”uma'dessas'obras.'
7)$*)'7*J*+$"'
2%(&%()-'3-4)-5'
'
!,@A(B[A(!.$"#%0(&"(!"#$%$&'()"**'%C(&,%(O(&"(S"D"17#'(&"(BEK_A((
2(,&"$-,P,+%fi'(&"(2#-.#(2.@.*-'("$+'$-#%:*"($'(678>'&"*"$9'09,&'(/'#(.1(P%1,0,%#((
&"(2#-.#(2.@.*-'8(K>6'O>C6'QC8;9>66)C86(J]jXV2C(OLB[NA'
'
7)$*)' 7*J*+$"' /-' :(5O-' !"#$(#*"*' -' %+!)%O%)' 5(O)"+1' $%#/"' +(/"' *6'
?)%+$(J(-/"'-/O"J-/"='m(O%*'#-'r*(#M@9(++-*1'"#/%'T%;'*6-'%#$)%O(+$-'-'76K5!-)'
3-4)-51'%64")-'/%4-(&"'/"'!"#$)"5"'/-'0"5K!(-'[#$%)#-!("#-5'%'/%'k%T%+-'/"'\+$-/"'
B0[k\G=' ."(' /%$(/"1' %6' CDii1' #"' -%)"?")$"' /%' Y(+4"-1' ?-++"*' -5J*#+' 6%+%+' #-'
?)(+L"1' %' -?8+' "' jQ' /%' 74)(5' /%' CDsP' )%J)%++"*' -' Y(+4"-1' "#/%' 6-#$%O%' *6'
%+!)($8)("'!"6"'-/O"J-/"'5"!-5(;-/"'#-'>*-'r-))%$$1'#"'3I(-/"1'-#$%+'/%'O"5$-)'`'
r*(#M1'"#/%'6"))%*1'%6'CDFN'B:[Ym71'jECsG=''
7#$8#("' <-)A*%+' %+!)%O%*' 6-(+' 5(O)"+1' -5J*#+' $)-;%#/"' ?)"?"+($-/-6%#$%'
!($-Hf%+' /%' /(+!*)+"+' /%' :-5-;-)' %6' O%;' /%' ?)%Te!("=' ."(' ?)"T%++")' /%' 5(!%*' -'
%#+(#-)'5($%)-$*)-1'-d*/-#/"'"+'+%*+'-5*#"+'-'%#$%#/%)%6'!"))%!$-6%#$%'.%)#-#/"'
0%++"-1'+%6'"'!"6?-)-)'-'Y*K+'/%'3-6f%+'BY7gã7@3a\Y]a1'jN'/%'74)(5'/%'jEEDG=''
_"+M'7*J*+$"'/"+':-#$"+'!"#$(#*"*'!"6"'d")#-5(+$-1'!-+"*'!"6'-'%+!)($")-'%'
I(+$")(-/")-'T)-#!%+-':*;-##%'3I-#$-5'BCDEF@CDDPG1'$)-4-5I"*'#-')e/("'%1'#"+'-#"+'
+%++%#$-1'/%+%6?%#I"*'"'!-)J"'/%'/()%!$")'/%'3-+-'/%'0")$*J-5'%6'0-)(+=''
7#$8#("' 2%(&%()-' 3-4)-5' T"(' /(+?%#+-/"' /"' S1C+1") 2$) P"&D41*,'' %6' CDNF='
3"#+%J*()-6@5I%' *6' %6?)%J"' -' ?(#$-)' $%5f%+' ?-)-' !(#%6-+1' d*#$-6%#$%' !"6' "'
-)$(+$-' %' +%*' -6(J"' >"K;1' 6-+' /%+(+$(*' /%++%' %6?)%J"1' ?-++-#/"' ?")' *6' ?%)K"/"'
/(TK!(51'A*%'5I%'-5$%)"*'"+'?5-#"+'/%'O(/-'?%++"-51'%')%+(+$(#/"'/*)-#$%'%++%'?%)K"/"'
!"6"'!-)(!-$*)(+$-'/%O(/"'-"'#"6%'-)$K+$(!"'A*%'de'$(#I-'!"#A*(+$-/"='.(#-56%#$%'
%#!"#$)"*' *6' $)-4-5I"' T(&"1' %6' CDPj1' !"6' -' !)(-HL"' /"' S1C+1") A"8-.*+'' "#/%'
?%)6-#%!%*' !"6"' !-)(!-$*)(+$-' /*)-#$%' !%)!-' /%' $)(#$-' -#"+=' m()(-' -(#/-' -'
colaborar' com' variadas' publicações,' como' A) Capital,) Boletim) da) Sociedade) de)
Escritores)e)Compositores)Portugueses,)Revista)de)Angola,)entre'outras.'Entre'familiares'
e'amigos'mais'íntimos'nunca'deixou'de'referir'Fernando'Pessoa'como'“um'grande'
artista”,' de' quem' contava' histórias' com' o' seu' estilo' divertido.' A' notícia' que' foi'
publicada'a'propósito'da'morte'do'artista,'em'1980,'no'Diário)Popular,'mencionava'
o' seu' “espírito' estilo' ‘finFdeFsiécle’”,' podendo' ver@se' referido' no' emprego' dessa'
expressão'a'herança'da'vanguarda'a'que'Teixeira'Cabral'foi'inabalavelmente'fiel,'
apesar' das' dificuldades' causadas' pelas' circunstâncias' ditadas' pelos' tempos,' que'
reduzem' as' memórias' a' cinzas' e' ditam' o' esquecimento.' Dizia' a' notícia' do' Diário)
Popular:''
'
Ferozmente'independente,'desafecto'a'tudo'que'fosse'revelador'da'mais'ligeira'sombra'de'
tutela,'cultivando'uma'boémia'de'espírito'estilo'“finFdeFsiècle”'e'a'amizade'como'flor'rara,'
Teixeira' Cabral' viveu,' frequentemente,' com' extremas' dificuldades,' mas' sempre'
manifestando' uma' bem' humorada' indiferença' pelos' prestígios' fáceis' e' uma' recusa'
obstinada'de'lamentar@se.'
(2'de'Julho'de'1980)'
'
3.( Caricaturas( de( Fernando( Pessoa( por( Teixeira( Cabral,( cartas( do( artista( e( a(
proposta(de(venda(das(caricaturas(do(“grande(poeta”(
'
No' espólio' de' Teixeira' Cabral' constam' dois' esboços' em' grafite' sobre' papel' de'
esquiço' que' serviram' de' matriz' às' caricaturas' que' se' conhecem' de' Fernando'
Pessoa' realizadas' pelo' artista' (Figs.' 18' e' 20).' Estes' esboços' estavam' inicialmente'
numa'pasta'com'documentos'referentes'a'1933,'1934'e'1935,'dentro'de'um'envelope'
grande' onde' estava' escrito' pelo' próprio' artista:' “ATENÇÃO:' FERNANDO' PESSOA!”''
Para' além' destes' esboços' que' serviram' de' base' para' as' caricaturas' conhecidas,'
constam'outros'apontamentos'com'os'traços'do'poeta'da'Geração'de'Orpheu.)
'
)
Fig.(18.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral([1934].7(
7'Na'folha'do'esboço'consta'escrito'pelo'artista'a'indicação'“Fernando'Pessoa”.'No'canto'superior'
esquerdo' do' papel' branco' em' que' está' colada' a' folha' de' esboço' pode' ler@se' anotada' a' indicação:'
“atenção:' pupila' mais' redonda”.' As' anotações' feitas' a' esferográfica' devem' ter' sido' inseridas'
Conhecem@se' mais' duas' caricaturas' que' foram' leiloadas,' uma' entre' 2002' e'
2009,' e' outra' em' Dezembro' de' 2010,' na' leiloeira' Trocadero.' São' também'
conhecidas'outras'duas'caricaturas'que'foram'publicadas:'a'primeira'em'1944,'no'
jornal'Acção,'na'comemoração'do'nono'aniversário'da'morte'de'Fernando'Pessoa,'e'
a'segunda,'entre'1970'e'1972,'na'Revista)de)Angola'(Fig.'21).'Todas'estas'caricaturas,'
embora' contendo' pormenores' diferentes,' assentam' nos' rostos' dos' dois' esboços'
originais,' recolhidos' presencialmente,' como' era' prática' do' artista.' Após' efectuar'
presencialmente'os'seus'esboços,'Cabral'normalmente'desenvolvia@os'na'sua'mesa'
de'trabalho,'habitualmente'passados'a'tinta'da'China'e'sobre'papel'tipo'Cavalinho,'
sobretudo' se' estavam' destinadas' a' publicação' ou' venda,' e' incluía,' por' vezes,'
apontamentos'coloridos'com'pintura.''
São'igualmente'conhecidas'três'cartas'do'artista'com'a'proposta'de'venda'da'
caricatura' do' “grande' Fernando' Pessoa”,' uma' datada' de' Dezembro' de' 1938,' ao'
amigo'Dr.'Augusto'Cunha,'e'que'está'actualmente'na'Fundação'António'Quadros;'
outra'datada'de'Janeiro'de'1940,'dirigida'a'Agostinho'Fernandes,'que'faz'parte'do'
Espólio' de' Diogo' de' Macedo' que' se' encontra' na' Biblioteca' de' Arte' da' Fundação'
Calouste'Gulbenkian.'A'terceira'carta,'sem'data'assinalada,'embora'provavelmente'
escrita'no'período'entre'1938'e'1944,'foi'dirigida'a'um'“distinguido'poeta”e'consta'
na'Coleção'Fernando'Távora,'entre'documentos'adquiridos'pelo'coleccionador,'os'
quais'pertenceram'ao'poeta'Augusto'Ferreira'Gomes,'amigo'de'Fernando'Pessoa.''
A' caricatura' presente' na' Fundação' António' Quadros,' datada' de' 1934' (fig.'
19),' corresponderia' à' carta' escrita' em' 1938,' a' propor' a' venda' da' caricatura' a'
Augusto' Cunha' (1894@1947).' Esta' caricatura' teria' sido' adquirida' por' Augusto'
Cunha' ao' artista,' e' oferecida,' posteriormente,' pelo' seu' filho' a' António' Quadros,'
segundo' a' reconstituição' da' trajectória' da' caricatura' traçada' atenciosamente' por'
Mafalda'Ferro,'directora'da'Fundação'António'Quadros,'onde'actualmente'a'obra'
se'encontra.'Foi'desenhada'num'papel'grosso'e'acastanhado,'contendo'a'assinatura'
do'artista'sem'a'sua'auto@caricatura,'talvez'por'não'necessitar'de'mais'comentários.'
O' próprio' retrato' do' poeta' contém,' em' si,' uma' mensagem' suficientemente'
explícita.' Nesta' mesma' caricatura' Fernando' Pessoa' foi' representado' de' corpo' a'
três' quartos,' dando,' por' isso,' o' efeito' de' ter' as' “pernas' cortadas”.' A' caricatura'
representava'Fernando'Pessoa'com'pernas'extremamente'finas,'evidenciando'uma'
magreza' acentuada.' Nela' Pessoa' está' em' movimento,' como' se' estivesse' de'
passagem,' sobressaindo,' embora' discretamente' colocado,' um' botão' negro' a'
apertar' demasiadamente' o' casaco,' espetando@se' no' estômago,' como' um' dedo'
apontado'a'denunciar'as'dificuldades'que'o'poeta'sentia.'O'poeta'segura'com'a'sua'
mão' uma' folha' dobrada,' como' se' ainda' estivesse' por' abrir,' pressupostamente'
apontando' o' pouco' conhecimento' que' havia' então' da' totalidade' sua' obra,' e'
igualmente'o'facto'de'o'seu'pleno'valor,'na'época,'ainda'estar'por'reconhecer,'para'
posteriormente,'talvez'quando'o'artista'retomou'os'esboços'originais'para'a'fazer'a'caricatura'para'
publicar'na'Revista)de)Angola)(Fig.'6),'onde'o'olho'se'evidencia'maior'e'em'forma'mais'redonda.'
lá'do'círculo'estreito'daqueles'que'conheciam'e'apreciavam'Fernando'Pessoa,'e'no'
qual'Teixeira'Cabral'se'incluía.'A'ironia'que'esta'caricatura'contém,'e'que'o'artista'
transpôs'para'o'papel'de'modo'subtil,'não'se'referia'à'própria'pessoa'em'si,'mas'à'
circunstância' que' a' envolvia,' contendo' uma' declarada' crítica' a' acusar' a' situação'
que'envolvia'o'retratado,'a'quem'não'era'reconhecido'o'seu'devido'valor'ou,'pelo'
menos,' não' eram' concedidas' oportunidades' para' tal' poder' acontecer.' Dado' estar'
esta' caricatura' datada' de' 1934,' pode' ter' sido' feita' quando' saiu' a' Mensagem,' e' é'
plausível'que'tenha'sido'preparada'para'assinalar'a'atribuição'do'prémio'do'SPN'a'
Fernando' Pessoa,' visto' Teixeira' Cabral' ter' feito' provavelmente' parte' do' grupo'
daqueles' que' apoiavam' o' poeta' e' esperavam' que' ele' fosse' o' pleno' vencedor' do'
prémio' Antero' de' Quental,' distribuído' pelo' concurso' organizado' pelo' SPN.' O'
facto'é'que'o'poeta'de'Mensagem'não'ganhou'a'categoria'principal'do'prémio'que'
se'destinava'ao'melhor'livro'de'poesia,'para'desilusão'do'seu'“lobby”'de'apoiantes,'
mas' foi@lhe' apenas' concedido' o' prémio' para' “melhor' poema' ou' poesia' solta”,'
sendo' assim' entendido' como' “uma' categoria' secundária”,' conforme' noticiava' no'
dia'seguinte'o'Diário)de)Notícias)e'o'Diário)de)Lisboa'(BLANCO,'2007).''
'
'
'
Fig.(19.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,(caricatura(datada(de(1934,(
Fundação(António(Quadros.8(
'
8'O'percurso'da'peça'foi'reconstituído'por'Mafalda'Ferro'com'a'ajuda'de'seu'primo'Pedro'Cunha,'
neto' de' Augusto' Cunha.' A' obra' foi' adquirida' por' Augusto' Cunha' e' foi' oferecida' a' António'
Quadros'por'ocasião'da'morte'da'sua'tia'direita,'Umbelina'Ferro,'mulher'de'Augusto'Cunha.'Esta'
obra'foi'posteriormente'herdada'por'Mafalda'Ferro'e'doada'à'Fundação'António'Quadros.'
Embora'a'caricatura'adquirida'por'Augusto'Cunha,'por'proposta'do'artista,'
contenha'inscrita'uma'mensagem'de'dimensão'crítica,'os'dois'esboços'guardados'
pelo' artista' no' seu' espólio' (Fig.' 18' e' 20)' não' possuem' o' mesmo' sentido' crítico,'
sendo' apenas' registos' dos' traços' que' fixavam' o' perfil' e' a' expressão' do' poeta' em'
vida.' Nestes' esboços,' Fernando' Pessoa' foi' representado' como' se' tivesse' sido'
“apanhado”'num'determinado'momento'da'sua'vida,'revelando'o'rosto'macilento'
e' o' olhar' pululante' a' projetar@se' num' movimento' em' espiral,' com' toda' a'
significação'mística'e'esotérica'que'a'forma'da'espiral'possa'conter.'
'
'
Fig.(20.(Fernando(Pessoa(visto(por(Teixeira(Cabral,(esboço.(
'
No' entanto,' tendo' sido' esta' caricatura' realizada' em' 1934,' e' trabalhando'
Teixeira'Cabral'para'o'Diário)de)Notícias,'onde'publicava'frequentemente,'podemo@
nos' interrogar' sobre' a' razão' pela' qual' a' caricatura' de' Fernando' Pessoa' não' foi'
publicada' em' 1934' ou' em' 1935,' quando' da' atribuição' do' prémio' do' SPN' pela'
Mensagem' como' melhor' poema,' ou' mesmo' no' período' após' a' morte' do' poeta,'
quando' os' jornais' noticiaram' o' seu' óbito.' Tanto' mais' se' considerarmos,'
inclusivamente,'que'no'Diário)de)Lisboa'de'6'de'Dezembro'de'1935'foi'publicado'o'
retrato'em'desenho'de'Fernando'Pessoa'da'autoria'de'Almada'Negreiros,'em'que'o'
rosto'do'poeta'surgia'rígido'e'esguio,'como'se'fosse'uma'máscara'mortuária'a'que'
Almada'tinha'acrescentado'os'óculos'e'o'chapéu.'Mais'tarde'esta'imagem'ganharia'
corpo'nos'dois'retratos'a'óleo'que'Almada'fez'para'o'restaurante'Irmãos'Unidos,'
em' 1954,' e' dez' anos' depois,' em' 1964,' para' a' Fundação' Gulbenkian,' pretendendo'
assim'o'artista'elevar'a'memória'da'imagem'mítica'do'poeta'da'Geração'de'Orpheu.'
Será'de'realçar'que'o'original'deste'desenho'de'Almada,'que'veio'então'publicado'
no' Diário) de) Lisboa,' e' que' tem' servido' de' inspiração' a' uma' série' de' imagens'
estereotipadas' que' habitualmente' circulam' para' representar' Fernando' Pessoa,'
pertenceu' à' colecção' de' Agostinho' Fernandes,' tendo' sido' vendido' em' leilão' no'
Palácio'do'Correio'Velho,'em'2001.'O'desenho'continha'a'seguinte'anotação'escrita'
pelo'punho'do'seu'autor:''
'
9'Aliás,'era'habitual'quando'se'noticiava'a'morte'de'alguém'de'relevo'vir'publicado'o'desenho'do'
seu' rosto' funerário' –' veja@se,' por' exemplo,' quando' foi' da' morte' do' pintor' José' Malhoa,' a' notícia'
publicada'no'DN,'em'Outubro'de'1933,'com'o'título'“A'arte'portuguesa'de'luto'–'Morreu'o'pintor'
José'Malhoa”,'notícia'esta'acompanhada'de'um'desenho'a'representar'a'sua'máscara'mortuária,'da'
autoria'do'pintor'Fausto'Gonçalves.'
pensamento.'No'entanto,'e'apesar'de'a'caricatura'que'foi'publicada'no'jornal'Acção'
estar' cingida' apenas' ao' rosto' de' Fernando' Pessoa,' com' a' subtileza' própria' de'
Teixeira'Cabral,'a'ironia'recaía'sobre'o'laço'no'pescoço'do'poeta,'de'pontas'soltas,'
como' se' fosse' uma' cruz' ou' um' risco' cruzado' a' assinalar' negação.' Quase' toda' a'
página'do'jornal'Acção'era'dedicada'ao'poeta,'com'o'título,'em'cima,'“Qual'o'lugar'
de' Fernando' Pessoa' na' poesia' portuguesa?”,' a' ilustrar' declarações' de' Hernâni'
Cidade.' De' cada' lado,' no' canto' superior' esquerdo' e' no' canto' superior' direito' da'
página,' figuravam' a' “caricatura' por' Teixeira' Cabral”' e' “o' célebre' retrato' de'
Almada”.' Aos' lados,' vinham' depoimentos' de' várias' personalidades.' Jacinto' do'
Prado'Coelho,'referia'que'a'“sua'posição'perante'a'vida'permite'uma'interpretação'
do'seu'caso'e'do'lusitanismo)da)grei”;'Moreira'das'Neves,'padre,'poeta'e'jornalista'
de' Novidades,' apontava' que' o' poeta,' “crivado' de' enigmas' e' com' sede' de' luz,'
debateu@se' entre' Deus' e' o' Poder' das' Trevas”,' acrescentando:' “lastimo' todos' os'
erros' que' Fernando' Pessoa' não' soube' evitar”;' enquanto' António' Lopes' Ribeiro'
ressaltava'“a'sua'projecção'de'iniciado,'de'quási'profeta,'na'compreensão'actual'do'
Mundo'e'do'Além”.'No'entanto,'no'canto'inferior'esquerdo,'surgia'uma'opinião'de'
Augusto' da' Costa,' transcrita' do' periódico' Domingo,' que' poderia' explicar' a'
presença' ali' da' caricatura' de' Teixeira' Cabral,' e' também' a' sua' ausência' em'
anteriores'publicações.'Escrita'de'forma'capciosa,'talvez'para'ludibriar'a'censura,'
este'depoimento,'na'sua'totalidade,'dizia'o'seguinte:''
'
Na' edição' das' obras' completas' de' Fernando' Pessoa,' e' no' estudo,' que' necessariamente'
alguém' fará,' da' personalidade' do' autor,' que' não' esqueça' o' fundamental:' aquilo' que'
Fernando' Pessoa' ‘assinou’' com' o' seu' próprio' nome.' Espremendo' bem,' talvez' seja' fácil'
demonstrar' que' os' heterónimos' (isto' é:' os' nomes' falsos' de' Fernando' Pessoa)' eram' todos'
liberais,' democratas,' comunistas' ou' anarquistas,' verdadeiros' “valores' humanos”,' na'
expressão' posta' em' voga' pela' “juventude' do' Chiado”;' será' porém' difícil' provar,' sem'
prévio' entorse' à' verdade,' ou' prévia' falsificação' do' pensamento' do' autor,' que' Fernando'
Pessoa'não'foi'escritor'e'poeta,'mais'que'nacionalista'–'imperialista.'
(COSTA,'30'de'Novembro'de'1944:'8)'
'
''O' autor' destas' palavras,' Augusto' da' Costa,' tinha' sido' um' dos' vencedores'
do' concurso' organizado' pelo' SPN,' em' 1935,' para' o' prémio' António' Enes,' na'
categoria' de' jornalismo' (BLANCO,' 2007).' O' seu' livro' premiado,' Portugal,) vasto)
Império.)Um)inquérito)nacional,'incluía'uma'entrevista'a'Fernando'Pessoa'que'tinha'
vindo'publicada,'pela'primeira'vez,'n’O)Jornal)do)Comércio)e)das)Colónias'nº'21693,'
de'28'de'Maio'de'1926,'dia'em'que,'precisamente,'se'deu'o'golpe'militar,'conhecido'
como'Revolução'de'Maio,'que'pôs'fim'à'Primeira'República'e'levou'à'implantação'
da' Ditadura' Militar,' mais' tarde' denominada' Ditadura' Nacional,' que,' com' a'
aprovação'da'Constituição'de'1933,'se'transformou'em'Estado'Novo.''
'
''' '
Fig.(21.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral.(Revista'de'Angola((Luanda),(recorte.(
Fig.(22.(Caricatura(de(Fernando(Pessoa([s.d.](vendida(no(leilão(Trocadero.(
'
Augusto'da'Costa,'que'elevou'Fernando'Pessoa'enquanto'nacionalista,'para'
ganhar' o' prémio' (isto' é:' o' dinheiro' que' lhe' faltava' para' viver),' no' artigo' de'
opinião,' acaba' por' lembrar,' além' da' imagem' de' nacionalista@imperialista' que' ao'
poeta' se' colou' em' vida,' outras' vertentes' do' poeta' e' pensador' da' “juventude' do'
Chiado”,'nomeadamente'a'partir'dos'seus'heterónimos.'Considerado'este'aspecto,'
talvez'seja'possível'melhor'observar'e'entender'as'caricaturas,'a'partir'dos'esboços'
originais,' em' que' Teixeira' Cabral' retratou' Fernando' Pessoa,' evocando' nelas' a'
personalidade'do'pensador,'do'escritor,'do'poeta,'em'suma,'do'verdadeiro'“valor'
humano”,' como' referia' Augusto' da' Costa' na' opinião' que' vinha' transcrita' na'
mesma'página'do'jornal'Acção'em'que'foi'publicada,'pela'primeira'vez,'a'caricatura'
realizada'pelo'artista.'A'personalidade'que'Teixeira'Cabral'ali'retratava'em'traços'
sintéticos'rebatia,'por'si'só,'todas'as'possibilidades'de'plena'apropriação'por'parte'
de' qualquer' tutela' que' se' lhe' quisesse' impor' ou' o' tornar' submisso' a' um' modo'
programático'de'pensar,'de'ser'e,'em'última'análise,'impossibilitava'a'apropriação'
da'sua'Arte.'Em'Fernando'Pessoa,'é'esse'indivíduo'que'Teixeira'Cabral'observou,'
sentiu' e' retratou' pela' sua' caricatura:' alguém' que' reconhecia,' porque,' na' tradição'
da' “juventude' do' Chiado”,' entendia' profundamente' esses' “valores' humanos”'
como'sendo'próprios'de'um'espírito'renovador,'criador,'livre'e'independente.''
Tanto'na'caricatura'datada'de'1934,'como'nas'outras'duas'em'tinta'da'China'
(Figs.'22'e'23)'que'se'conhecem,'em'que'o'poeta'surge'de'corpo'a'três'quatros,'ou'
mesmo'naquela'que'foi'publicada'no'jornal'Acção)(Fig.'1),'e'que'se'reduz'ao'rosto'
do'poeta,'são'presentes'os'pequenos'sinais'que'denotam'algum'desconforto,'como,'
só' para' aqui' referir' esta' última,' o' laço' riscado' em' forma' de' cruz' à' frente' da'
garganta' ou' o' colarinho' desenhado' com' linhas' irregulares,' na' parte' detrás,' a'
sugerir' a' camisa' engelhada,' assim' como' uma' pequena' sombra' negra' que'
acentuava'a'folga'entre'o'pescoço'e'o'colarinho'que'sugeria'o'poeta'a'envergar'uma'
camisa'grande'demais'para'o'seu'corpo'mais'emagrecido.'Estas'caricaturas,'com'a'
liberdade'crítica'própria'da'caricatura,'faziam'passar'uma'mensagem'de'imagética'
semelhante'àquela'que'se'pode'encontrar'em'escritos'do'próprio'Fernando'Pessoa,'
de'1935,'como,'por'exemplo,'na'poesia'“Um'fato'em'Estado'Novo”,'sobretudo'nos'
versos'que'dizem:'
'
Tens'a'cara'lavada''
Um'fato'de'se'ver''
Mas'não'te'deram'nada,''
Coitado,'para'comer.'
'
Na' notícia' na' página' que' acompanhava' a' caricatura' publicada' no' jornal'
Acção,' Augusto' da' Costa,' na' coluna' que' trazia' a' sua' opinião' sobre' Fernando'
Pessoa,'referia'a'necessidade'de'estudar'a'obra'do'poeta'dos'heterónimos'e'de'se'
conhecer' a' sua' personalidade.' Também' as' caricaturas' realizadas' por' Teixeira'
Cabral' pretendiam' transmitir' o' poeta' como' ele' era' e,' em' última' análise,' a' sua'
personalidade,'no'seu'contexto'próprio'e'na'sua'particular'circunstância.'Também'
as'cartas'que'o'artista'escreveu'a'propor'a'venda'das'caricaturas'eram'dirigidas'a'
pessoas'que'conheciam'o'poeta'e'reconheciam'o'seu'valor.'As'três'cartas'têm'em'
comum'o'facto'de'o'artista'referir'em'todas'elas'que'a'caricatura'é'inédita,'i.e.'que'
nunca'tinha'sido'publicada;'por'isso'pode'dizer@se'com'algum'rigor'que'a'carta'não'
datada' pode' ter' sido' escrita' até' 1944,' data' em' que' a' gravura' foi' publicada' pela'
primeira'vez.'
Nessas'cartas'Teixeira'Cabral'referia@se'ao'“grande'Fernando'Pessoa”,'e'na'
carta' a' Agostinho' Fernandes' (enviada' através' de' Diogo' de' Macedo,' a' quem' o'
caricaturista' pedia' que' estabelecesse' contacto' com' o' coleccionador)' Cabral'
acrescentava'ser'aquela'“caricatura'absolutamente'inédita”'e'acentuava'ser'“talvez'
a'única'que'se'fez'daquele'saudoso'artista”,'não'utilizando'a'mesma'expressão'em'
mais' nenhuma' das' outras' cartas' que' se' conhecem' com' idêntico' teor.' A' ressalva'
quanto'a'ser'“talvez'a'única'que'se'fez'do'saudoso'artista”,'é'provavelmente'uma'
alusão' ao' facto' de' esta' caricatura' ser' supostamente' a' única' de' Fernando' Pessoa'
feita'presencialmente'e'com'o'seu'conhecimento'e'permissão.'
Na'carta'dirigida'a'Agostinho'Fernandes'o'caricaturista'falava'da'“situação'
embaraçosa”'pela'qual'estava'a'passar,'e'na'carta'dirigida'a'Augusto'Cunha,'talvez'
levado' por' uma' relação' de' maior' proximidade,' tratando@o' por' amigo,' explica' a'
razão'dessa'sua'situação,'i.e.'o'facto'de'o'Diário)de)Notícias'ter'deixado'de'lhe'pagar'
por'trabalhos.'Portanto,'mesmo'que'não'soubesse'a'intenção'total'do'diário'para'o'
qual' trabalhava,' como' efectivo,' desde' 1932,' Teixeira' Cabral' já' tinha' a' guia' de'
despedimento' na' intenção' da' sua' entidade' patronal.' O' período' ' em' que' Teixeira'
Cabral'propõe'a'venda'das'caricaturas'de'Fernando'Pessoa,'através'destas'cartas''–
pelo'menos'as'duas'datadas'–'corresponde'àquele'em'que'o'artista'Teixeira'Cabral'
passava'por'uma'situação'de'dificuldade'financeira,'que'se'iria'tornar'insuportável'
e' iria' condicioná@lo' ao' ponto' de' o' forçar' a' abandonar' a' sua' independência' e'
regressar'para'casa'da'sua'família,'que'também'vivia'em'Lisboa.'Tal'circunstância'
aconteceu' depois' de' a' censura' o' levar' a' ser' dispensado' do' DN,' pagando,'
provavelmente,'factura'das'“tropelias”'que'ali'tinha'feito'com'as'caricaturas'por'ele'
dadas'a'publicar.'Tentava@se'assim'limitar'a'sua'actividade'enquanto'caricaturista,'
ou' talvez' mesmo' obrigá@lo' a' abandonar' a' arte' da' caricatura' que,' pela' sua'
dimensão' crítica,' incomodava' e' podia' consistir' num' ponto' de' ameaça' à'
estabilidade'do'regime.'Nesse'período'de'embaraço'financeiro,'com'a'intenção'de'
manter'a'sua'sobrevivência'e'autonomia'económica,'Teixeira'Cabral'tentou'vender'
algumas'das'suas'obras'a'coleccionadores'e'apreciadores'da'sua'arte.'Esse'período'
concreto,' que' constituiu' um' golpe' rude' na' carreira' do' artista,' situa@se' a' partir' de'
1938,' e' duraria' até' à' fundação' do' Diário) Popular,' em' 1942,' jornal' onde' o' artista'
passou'a'colaborar'com'regularidade'até'aos'finais'da'década'de'1960.'
Estas'três'cartas'aqui'referidas'estão'assinadas'por'Teixeira'Cabral,'contendo'
a' autocaricatura' do' artista' no' meio' da' sua' assinatura.' Em' nenhuma' delas' vinha'
mencionado' pelo' artista' um' qualquer' valor' a' atribuir' às' obras' em' causa.' Na'
verdade' Teixeira' Cabral' nunca' estipulava' um' preço' às' caricaturas' que' propunha'
para'aquisição,'deixando@o'sempre'à'consideração'do'apreciador'da'sua'arte'que'o'
artista' escolhia' para' entregar' as' suas' obras.' Vemo@lo' expresso' na' carta' dirigida' a'
Diogo'de'Macedo,'onde'se'afirma'que'o'“valor'material'deixo'ao'justo'critério'do'
distinto'Artista”'(EDM@BA@FCG:'DM'273/6).'
A' caricatura' que' foi' leiloada' no' Trocadero,' novamente' de' corpo' a' três'
quartos,'tal'como'aquela'que'viria'a'ser'publicada'na'Revista)de)Angola,'no'início'da'
década' de' 1970,' continham' ambas' uma' imagética' idêntica' àquela' que' estava'
datada' de' 1934' e' que' pertenceu' a' Augusto' Cunha.' Quer' na' caricatura' que' foi'
leiloada' no' Trocadero,' quer' naquela' que' foi' publicada' na' Revista) de) Angola,'
Fernando'Pessoa'transportava'uma'pasta'dobrada'debaixo'do'braço.'
No' espólio' do' artista' constam' mais' alguns' apontamentos' de' Fernando'
Pessoa,' relativos' aos' traços' do' poeta' recolhidos' pelo' artista' como' estudo' para' as'
caricaturas'conhecidas'que'foram'publicadas'ou'vendidas.'
Nas'suas'caricaturas'pessoanas,'Teixeira'Cabral'recria,'afinal,'o'Pessoa'que'o'
artista' conheceu,' observou' e' retratou,' tomando' parte' do' círculo' daqueles' poucos'
que,' na' altura,' já' reconheciam' o' valor' do' “grande' Fernando' Pessoa”,' “daquele'
saudoso'artista”.'
'
Caricaturas(em(grafite'
'
'
Fig.(23.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'
'
Fig.(24.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'
Caricaturas(em(grafite'
'
'
Fig.(25.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'
'
Fig.(26.(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral,(esboço([s.d.](
'
Cartas'
'
'
'' '
Fig.(27(e(28(.(Carta(de(Teixeira(Cabral([provavelmente(para(Augusto(Ferreira(Gomes],(
frente,(sem(data.(Colecção(Fernando(Távora.(
'
Distinguido'Poeta'e'Amigo:'
'
Com' os' meus' melhores' cumprimentos,' tomo' a' iniciativa' de' enviar@lhe' um'
desenho' –' caricatura' do' grande' Fernando' Pessoa,' q[ue]' fazia' parte' da' m[inha]'
colecção,'q[ue]'um'conjunto'de'circunstancias'leva@me'a'desfazer.''
Seria' desejo' meu' oferecer@lhe' esse' mesmo' desenho,' mas' a' situação' em' q[ue]'
me'encontro'priva@me'de'tal'fazer,'o'que'me'leva'a'deixar'ao'vosso'justo'critério'e,'
ás'possibilidades'de'momento,'o'valor'q[ue]'achar'por'bem'atribuir@lhe.'
Por' simples' contrôle,' agradeço' me' indique' por' escrito' o' q[ue]' pensou' sobre'
este'assunto.'
Acredite,'meu'amigo,'na'm[inha]'admiração'e'estima'q[ue]'lhe'reserva'o'
'
Teixeira'Cabral10'
'
10 'A'assinatura'inclui'uma'auto@caricatura,'entre'os'dois'nomes.'
Cartas'
'
'
11 'A'assinatura'inclui'uma'auto@caricatura,'entre'os'dois'nomes.'
Cartas'
'
'
12 'A'assinatura'inclui'uma'auto@imagem,'entre'os'dois'nomes.'
Testemunho'
'
Depoimento'do'sobrinho'de'Teixeira'Cabral,'actual'detentor'do'espólio'do'artista,'
que'herdou'de'sua'mãe,'irmã'do'artista'e'em'casa'de'quem'o'artista'viveu'desde'o'
início'da'década'de'1960'até'à'sua'morte,'em'1980.'
'
A'propósito'de'Fernando'Pessoa,'lembro@me'de'ter'sido'habituado'a'ouvir'
falar'dele,'com'grande'estima,'ao'mesmo'tempo'que'ouvia'o'meu'tio'contar'
histórias'cheias'de'graça'relacionadas'com'Fernando'Pessoa.'Foi@me'sempre'
transmitida,' desde' a' minha' infância,' a' imagem' de' Fernando' Pessoa' como'
um' génio,' como' alguém' verdadeiramente' Grande.' Em' minha' casa' havia'
obras' de' Fernando' Pessoa,' penso' que' aquelas' primeiras' que' foram'
publicadas'pelo'Casais'Monteiro'e'também'o'livro'sobre'a'vida'e'a'obra,'de'
Gaspar'Simões,'com'a'primeira'página'escrita'com'uma'dedicatória'do'autor'
para' o' meu' tio.' Cheguei' a' andar' com' esse' enorme' livro' debaixo' do' braço'
para'o'ir'lendo,'tinha'eu'14'ou'15'anos.'
' Imagine'que,'quando'tinha'6'anos,'a'minha'mãe'e'o'meu'tio'levaram@
me' um' dia' ao' café' Avis,' nos' restauradores,' a' seguir' ao' Cinema' Éden,' em'
direcção'ao'Rossio,'para'ali'me'ser'tirada'uma'fotografia,'por'um'fotógrafo'
já'com'alguma'idade'que'costuma'estar'a'tirar'fotografias'naquele'local'com'
uma' máquina' daquelas' antigas' com' tripé' de' madeira,' onde' o' fotógrafo'
metia' a' cabeça' num' saco' de' pano' escuro' para' nos' fotografar.' Era' um'
homem' já' com' alguma' idade' que' costumava' estar' naquele' sítio' a' tirar'
fotografias' a' quem' passava' e' quisesse' depois' ficar' com' a' fotografia,' que,'
passada' uma' meia' hora' já' estava' pronta' e' pendurada' com' molas' numa'
corda' presa' à' parede' da' porta' onde' ele' revelava' as' fotografias,' num'
cubículo'no'interior'do'vão'de'uma'escada'onde'havia'um'pequeno'balcão'
que' vendia' jornais' e' revistas.' Levaram@me' ali' para' tirar' “uma' fotografia' à'
Fernando' Pessoa”' de' chapéu,' casaco' de' fato' e' com' laço.' Disseram@me' que'
era' o' sítio' onde' Fernando' Pessoa' tinha' uma' fotografia' também' de' casaco,'
chapéu'e'laço.'Deram@me'a'conhecer'essa'fotografia'de'Fernando'Pessoa,'e'
de' facto' só' faltaram' colocar@me' na' boca' um' cigarro,' pois' via@se' Fernando'
Pessoa' nessa' fotografia' com' um' cigarro' nos' lábios.' Penso' que' o' fotógrafo'
ainda'era'o'mesmo.'A'partir'dessa'altura,'tinha'eu'seis'anos,'associei'sempre'
os'Restauradores'a'Fernando'Pessoa,'talvez'somente'por'esse'facto.'Quando'
ali' passava' —' e' a' minha' família' levava@me' habitualmente' à' Baixa' —'
recordava@me'de'Fernando'Pessoa,'e'então'imaginei'aquelas'coisas'próprias'
de'uma'criança.''
' Ali'nos'Restauradores,'embora'do'outro'lado,'havia'em'cima'de'um'
telhado'um'enorme'reclame'luminoso,'que'à'noite'acendia'e'apagava,'e'que'
fazia'publicidade'ao'Porto'Sandeman.'Entre'as'luzes,'tinha'a'silhueta'negra'
de' um' homem' com' capa' e' chapéu,' do' tipo' do' Zorro.' Para' mim,' aquela'
figura' algo' enigmática,' mas' lá' no' cimo,' como' se' fosse' um' protector' ou'
sentinela' daquele' espaço' da' Baixa' de' Lisboa,' significava' Fernando' Pessoa.'
Nem'dá'para'explicar'o'que'os'miúdos'inventam.'
' '
Fig.(35.(Fotografia(“à(Fernando(Pessoa”((conforme(
era(chamada(pela(família)((
do(sobrinho(de(Teixeira(Cabral,(
tirada(em(11(de(Abril(de(1962((com(seis(anos),(
propositadamente(no(mesmo(local((Praça(dos(
Restauradores)(onde(existem(fotografias((
tiradas(de(Fernando(Pessoa(
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
'
Fig.( 36.( Imagem( de( um( anúncio(
luminoso( que( se( encontrava( em(
cima( de( um( dos( telhados( no(
extremo( da( Praça( dos(
Restauradores.( Esta( figura,( para(
a( imagem( da( marca( Porto(
Sandman,(foi(criada(em(1928(por(
George( Massiot( Brown.(
Fundação( Calouste( Gulbenkian.
Coleção(Estúdio(Horácio(Novais.(
FCG:Biblioteca( de( Arte( e(
Arquivos(
'
Em' casa' o' meu' tio' contava@me' histórias' de' Fernando' Pessoa,' por' vezes'
muito' engraçadas,' que' ele' contava' a' rir.' Lembro@me' de' ouvi@lo' falar' de'
maneira'mais'séria'sobre'Fernando'Pessoa,'mas'nessa'altura,'não'era'comigo'
que'o'fazia,'mas'com'amigos'ou'familiares,'lá'em'casa.'Sempre'lhe'perguntei'
pela' caricatura' de' Fernando' Pessoa.' Disse@me' que' a' tinha' feito,' penso' que'
me'falou'no'café'do'Martinho'da'Arcada,'mas'que'não'a'tinha.'Durante'anos'
andei'a'perguntar@lhe'por'essa'caricatura,'pois'passava'muitas'horas'com'ele'
sentado' à' mesa' do' trabalho,' a' vê@lo' trabalhar.' A' minha' mãe' disse@me' que'
ele' não' a' tinha,' que' nem' ela' a' conhecia,' que' ele' devia' ter@se' desfeito' dela,'
num'período'que'foi'para'ele'complicado,'
Depois' foi' ela' que' me' contou' que' ele' passou' um' grande' período' sem'
trabalho,'que'viveu'mal'durante'um'largo'tempo,'e'que'foi'o'meu'avô'que'
um'dia'o'foi'buscar'e'o'levou'para'casa'junto'da'família,'onde'permaneceu,'
primeiro'com'os'meus'avós,'depois'com'a'minha'avó'e'com'o'seu'irmão'e'
algumas' irmãs,' que' iam' casando' e' deixavam' a' casa' da' mãe.' Mais' tarde,'
depois' de' a' minha' avó' ter' morrido,' veio' viver' para' nossa' casa.' Acho' que'
esse'período'que'ele'passou'foi'bastante'difícil.'A'minha'mãe'conheceu'a'sua'
namorada,'com'quem'pensava'casar.'Acho'que'o'pai'dela,'ao'saber'do'que'
se' passou' com' ele,' sem' trabalho' e' por' aí' adiante,' não' permitiu' que' ele' se'
casasse' com' a' sua' filha,' dizendo' que' os' artistas' não' eram' de' confiar,'
proibindo' que' a' filha' continuasse' aquela' relação' de' namoro' com' ele.'
Naquele'tempo'era'assim.'Acho'que'foi'difícil'para'ele'e'foi'nesse'tempo'que'
começou'a'exagerar'na'bebida.'
Havia'um'monte'de'pastas'e'papéis'que'permaneceram'embrulhados'e'
atados' durante' muito' tempo' dentro' de' um' armário,' que' eram' papéis' seus'
que' tinham' vindo' da' casa' da' minha' avó.' Desembrulhava@os' de' vez' em'
quando'e'punha@se'a'arrumá@los.'Um'dia,'já'nos'finais'de'sessenta,'disse@me'
todo' contente' que' tinha' encontrado' os' esboços' antigos' da' caricatura' de'
Fernando'Pessoa.'Foi'uma'alegria.'Foi'a'partir'desse'momento'que'começou'
a' trabalhar' na' preparação' da' caricatura' para' ser' publicada' na' Revista) de)
Angola.' Lembro@me' que' comecei' por' lhe' fazer' reparos' e' perguntas.' Não'
gostei'da'pasta'que'ele'colocou'apertada'no'braço.'Dizia@lhe'que'aquilo'não'
era' uma' pasta,' mas' parecia' uma' daquelas' malinhas' com' que' as' senhoras'
iam'aos'casamentos.'Recordo@me'bem'de'ele'me'dizer:'
'–'Ó'menino,'o'que'pensas'que'ele'levava'na'pasta,'livros?'...'
'–'O'mais'que'podia'levar'era'um'jornal'e'alguma'folha...''
A' pasta' servia' para' ele' levar' coisas' para' comer,' que' comprava' na'
mercearia'perto'de'casa,'em'campo'de'Ourique.'Chegava'lá,'dava'a'pasta'ao'
homem'que'o'aviava'e'pedia'o'que'queria'num'código'por'números'que'só'
o'merceeiro'entendia.'As'mulheres'ficavam'sempre'curiosas'sem'saber'o'que'
ele'comprava,'quando'pedia'cem'gramas'do'número'cinco'ou'duzentas'do'
seis.'Eram'rodelas'de'chouriço'ou'de'queijo,'um'pouco'de'pão,'ou'azeitonas'
e'coisinhas'do'género'que'era'o'que'ele'habitualmente'comia'e'aquilo'com'
que' se' alimentava.' A' pasta' era' essas' coisas' que' levava;' o' que' ele' comia.' E'
uma' garrafinha' de' dois' decilitros' e' meio' que' enchia' de' aguardente,' uma'
garrafinha'como'aquela'que'eu'conhecia,'daquelas'das'gasosas'da'altura,'e'
que' eu' conhecia' porque' ia' uma' vez' ou' outra' a' seu' pedido' à' mercearia' e'
taberna'ali'perto'para'me'aviar.''
Dizia@me' mais,' a' rir' à' gargalhada,' contando' histórias' engraçadas' de'
Fernando'Pessoa,'que'ele'tinha'presenciado.'Lembro@me'de'me'dizer'que'a'
chávena' de' café' que,' na' pintura,' ele' tinha' à' sua' frente' em' cima' da' mesa'
servia'para'café,'mas'para'um,'apesar'de'ele'a'ter'sempre'à'sua'frente.'Mas'
que'depois'de'beber'um'café'era'aguardente'da'garrafinha'que'ele'colocava'
dentro.'Às'vezes'as'senhoras'que'entravam'no'Martinho'do'Arcada'olhavam'
para' ele,' e' ele' pegava' na' chávena' que' tinha' aguardente' e' soprava' para'
dentro' da' chávena' como' se' pretendesse' arrefecer' o' café' que' ainda' estava'
quente.'E'o'meu'tio'contava'esta'história'e'outras'a'rir'muito.'Apreciava@o,'
tinha'por'ele'um'carinho'e'uma'estima'que'eu'só'mais'velho'fui'percebendo.'
A' partir' daquela' altura,' Fernando' Pessoa' deixou' então' de' ser' a' sombra'
misteriosa' do' Porto' Sandeman' e' passei' a' reconhecê@lo' na' caricatura' feita'
pelo' meu' tio.' Ainda' hoje' tenho' um' dos' seus' esboços' emoldurado' na' sala.'
Quando'leio'Fernando'Pessoa'imagino@me'sempre'a'girar'naquele'olhar'do'
Fernando' Pessoa,' ajuda@me' a' subir' e' a' chegar' até' ele,' e' a' circular' pela' sua'
poesia...'é'fantástico,'gosto'muito'da'caricatura'e'junta'duas'pessoas'de'que'
me'habituei'a'gostar:'o'meu'tio'e'o'génio'Fernando'Pessoa.'
'
Jornais'
'
'
_
~~s!:·, ::r:;!
~t:~:\!;::: v~~=
crin co e hb.'.orlaJur da lite• t ra11.1itória, lhe wnqu i1tem oa aplau,os
::~::~
q:~!~:n~;
1c!:.~
~~
~~::•:~
L:;~
tra. A ui m a lJOoeiiam@lhor de Fernando
ri.lura purwgu:·sa, .Wbre doa que anda m com a moda. P,:ssna é aquela que no1 pro,·oca em nóa
P~rna ndo Pe i!ioa, o poeta dn «Mcn- r.tas hse.s ur,ecto1 de Fernando Penoa uma integ ral corr,?Çiio, porque nela pa,·-
aa.gen, ., 1>ara d11u.l na sua cs \CS<lplena são o& rnenOJIreve \ado;'ee da u a irrande ticipam tôdu usf::culdadet, tendo, mai 1 O célebre retrioto de Ailll&da
C.rltalu r e por Telxelra Cabral de dons do in~pir .'l<; fio lnti,na e <le in- e ,·ica perso nalidade. Elita, um pouco di· de uma vez, a inlelii~ncia ~ua parte de
tu"içã0 11.r1i~t:cl - a 0 riuaJ j:, U ,li,11u fícil da definir. ·Mu , -a t.ent!-lo, fliiO é leão.
A projecção do
~::~
::!~\
:~
~i;::;~;:
:Ú
::::
~I:~~ ~~~:;:::n1:::~:~~;:~~::~:~J~:c~:l~:a~::l'.:1r:; ~:=f~:1!;1 ;;; d!::~i : h~ ::~:-~~t7~,i~ &e~;~:,:::si::~~e l::::c.o~::~ poeta segundo
•hdade e sobre a obra do extraordi-
,nário
onde l 1•rimcira vist>1 0 Lomi::i>~tu
,poet a que foi F ermando eleglucia .úllr:a 11,,5 dr:xam aJi\' :11~11.\'
e • nicar a sua riqueza interior , que rc~ulta António Lopes
r,
P.essoa, falecido faz hoje vreci.sa - int,l,ctual d~ fina rae.,, que ali tem me·
precisamente dcua participa. ;io de todos
, Ribeiro
A
o, ree11rsos do seu e,,pirit.o nos movimen•
men te no\'e anos. ditado e ,l~li tem lan<;,.do p:na cs !•N· de ti>du u foculdadu da 111a alma.
los du mai, ,·aliM;is p;','!'nns q11e hoje _ llá critico, que , 1uerem ver em Fl!t· projeeçio da Fernando Penoa 7
O inquéri to ,prosseguirá no ,pr ó· se escrewn1 em l'nrt ur.;il. nando Pessoa um poet.aeuroi~u, vor isso A projec~io d, su, obu7
xim o 'llÜmero. O prof. ll e,·nã.ni Cid~dc entra capon· mes!l','J alheado da forma peculiar do li- Admir,hel palavra, 1d, pala.
tãneamente no ass1,·1to dn nossa cnll'e· rismo portugu ê~. Conçorda V. Ex. • com vro «projecçio», ptr, empregar em re-
"ista : esta mone1ra de ver o cuo de Pc.saoa! la~âo 1 ,mbos! Farntndo Peno, «pro--
te:-1~0e~'.:~1~0~~n~::s1~:,:,,,1;~•~:;,:d~,·i~~:1:~~ de-;~:\~~~ ~x::::.:e~:,i:u:~
1
1;!~:jeclou-s ~» de ~·~to sób~e tôd, umt •r-
1·Sccui-~,-~,:;·~~~'~:,:u~
..~:c~n;~~;c~,::~:;1~:.~ 1:: ::~:0;11 ~e;~~~;:~·
;e~:~::
1
DepOimenfO de ;;~;:1~,i~~ ~-;~.-i::i;~ ;:!::r::1c;:~ ·:::e~e:~:
Moreira das Neves grande, :;.r:1\ui:<>.
·) t.J é 11;",ué <1u,· \C~J I ao mesn,o tempo uni,·lh~l e IID~" nul. L a ena époc,, tio mal,inada e tio mel-
Joodeaer, num nu ,·uutN t:i><•, ,; prunica· daro que Cami:,c1mio é nadonul, pun1uc quislo1. Mu, por ser a êfOCt de F.r-
ERNANDO PESSOA foi o que o ta:~:I'::.~. cm 1-"ci-na,;do i'css.,a h' d~
F
estilizas.se na forma ou cump]içn.:;11enus nando Peno, vtl eu a pen,, par, pod er
grtnde teólogo ,lemio Dr. Klug
chameria dum, ntlureH pro·
_ ... De ll'anailvrio~
_ Sim. o q,ocia, ,·ivt, nêle, par.,det
:~0n:: r:~,,lítt,
10
1 0d~:.i~:n:!º;~ .~7i;~1\::
0
:::::;;:~: i\)f;
t~?:j3;~\::ii:;!:lf
~r.~~i~~;;:;;;;:: ,:::~ :::;'.~~::f l;::
:~~'.:~l,:i~):i;;::i:if
'.;(\;~I~,~:',;;:;'.J,;::;':M~ ~:','.:~::;'. Au~~ioin~!º ~~sta
ci11&. 111~~,~;~:
ta~~:Í• ·;~:::~:n~
1 1
'.~,:,v:·::~
;;; ~"'~: !i~,:~~r~~;i; ·: :··::lu: :::::/e,.;:
~::· N, edi~io du obr.s completu d•
-:.,:,.ª;.:;~1; 11
1 1
1
~.,:l!',,:,~'.:"':~~·;i,l~,t:··:'i', :1~: ,:~,:~: i , "~,,::l~~:c:.
111 :::;a i~:_:el!~i ..t.au!o <1oe 11~,a dizer-n us, :::~;,~~:.::;
1
:~~ :;ºf,:t~:·
11 ;~ ::
0
Palavras do romandI'.~, '!UU difr1·~w:a v,c,1cial cxi;;- um pont,:, :.l~ contaet11 .i1t1'\l " uutv,· ,Je
tC ~ntre '• r,m,ancc e ;i '"''"' !a.'
l'ara terminar, e ji que e;táv&mo.: lid•de do autor, qu, nio esqutç• o fun•
«IJa11hue ~P&n~~ ou Sidnq• l l~Tf:ln, , ,n as~uuto de ln!imn inJi1c1·.cao, iat('r demente i: tqu ilo que Fun ,ndo Peno•
Dr. Jacinto do Prado - E i, a l"·ol,,cm.'.itica J., ,..,,.,,11,0., e ,la umi. das f1~ur:1s mui~ Jo•cut,,la , <1,1~"-' 1-og:imo~ Je · chofr~:
Coelho
Fig.(37.(Página(do(jornal(Acção((30(de(Novembro(de(1944)(onde(consta(a((
Imagem(da(caricatura(de(Fernando(Pessoa(por(Teixeira(Cabral(publicada(pela(
primeira(vez,(figurando(ao(lado(do(retrato(realizado(por(Almada(Negreiros(
'
Tornai de Notic
11 MOMENTOI''
l'IOCID.I\DE VITORIOSA
1~:":r~b:,t~.~·G:at:
t..~~:: 1H!,:r:,~·;;:::~~
0r1~~
~~~í:::::.:t..d~:~~d~:1!!-~
"lllu•atH falhado1.-Cootra •o• •e lhal • Ser-ou o.1o H r ... -loter<:amblo
Lu10.0a lalco.-Vm senhor que pede a palnra-e lh::a catado .. ,
111/l C IMA: - JOH Á1'sr,<Oto /<de. Lo<léa1111<H>-'l"N-1•<> e.. ...,. AN .... A .. g ... 10,J .. l!G110 R!hl-
ra, Jla.. .. . , ••
º'""'ºr.S e ""· ............ do 'l"Noi•a.-Jl',V SAfX0 :-01
Ltlboo. ! Poria, /i11dll1 ,.. «111Jero11clu, ,,.... .. paro o tJ'onial
t""'d•'º""'lt• "'""" "·
YoUC'ian.
'
Fig.(38.(Página(do(Jornal'de'Notícias((4(de(Novembro(de(1934)(onde(figuram(
duas(fotografias(com(Teixeira(Cabral(na(conferência(organizada((
pelo(grupo(do(vMomentov(
'
Bibliografia(
(
“A' INGRATIDÃO' deste'mundo'–''Para'quando'a'retrospectiva'sobre'o'eleito'Teixeira'Cabral?”,)in'O)
Momento,'17'de'Janeiro'de'1970,'p.'12.'Digitalizado'de'um'recorte'que'consta'no'espólio'de'
Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'2013:'II,'Anexo'0286).'
ABELHO,' Azinhal'(1934).'“Divergências'de'novos'e'novíssimos:'resposta'a'um'manifesto”,'in'Fradique,'
n.º'41,'15'de'Novembro'de'1934,'p.'5.'
ANTONITO'(1934).'“Teixeira'Cabral”,'in'República,'Lisboa,'18'Maio.'
ARGAN,'Giulio'Carlo'(1995).)Arte)e)crítica)de)arte.'Lisboa:'Editorial'Estampa.'2.ª'edição.'
AUGUSTO,'Artur'(1935).'Imagem.)Ensaios)críticos.)Lisboa:'Edições'Momento.'
_____' (1934).' “Divergências' de' novos' e' novíssimos.' Uma' carta' de' Artur' Augusto,' rua' Carlos' José'
Barreiros,'n.º'20”,'in'Fradique,'n.º'45,'Novembro,'p.'4.)
BARRETO,' José' (2016).' “Os' destinatários' dos' panfletos' pessoanos”,' in'Pessoa) Plural) –) A) Journal) of)
Fernando)Pessoa)Studies,'n.º'10,'Outono,'pp.'628@703.'
_____' (2009).' “Fernando'Pessoa'e'a'invasão'da'Abissínia'pela'Itália'fascista”,'in'Análise)Social,'vol.'
XLIV,'n.º'193,'pp.'693@718.'
BLANCO,'José'(2007).'“A'verdade'sobre'a'´Mensagem´”,'in)A)Arca)de)Pessoa:)novos)ensaios,'Steffen'Dix'
e'Jerónimo'Pizarro'(orgs.).'Lisboa:'Imprensa'de'Ciências'Sociais,'2.ª'ed.))
CIDADE,' Hernâni' (1944).' “Qual' o' lugar' de' Fernando' Pessoa' na' poesia' portuguesa?”,' in' Acção,' n.º'
189,'30'de'Novembro,'p.'8.'
COLAÇO,'Tomás'Ribeiro'(1934).'“António'Botto,'um'poeta'que'não'existe”,'in'Fradique,'n.º'25,'26'de'
Julho,'p.'4.)
COLEÇÃO'Agostinho)Fernandes'(2001).'Lisboa:'Palácio'do'Correio'Velho.''
COSTA,' Augusto'da'(1944).'“Qual'o'lugar'de'Fernando'Pessoa'na'poesia'portuguesa?'A'opinião'de'
Augusto'da'Costa”,'Acção,'n.º'189,'30'de'Novembro,'p.'8.'
COTRIM,'Álvaro'(1965).'O)Rio)na)caricatura.'Rio'de'Janeiro:'Biblioteca'Nacional.'
CUNHA,'Augusto'(1957).'Contos)escolhidos.'Lisboa:'Livraria'Bertrand.'
CUNHA,'Teresa'Sobral'&'SOUSA,'João'Rui'de'(1985).'Fernando)Pessoa:)o)último)ano.)Lisboa:'Biblioteca'
Nacional' de' Portugal.' Catálogo.' Exposição' comemorativa' do' cinquentenário' da' morte' de'
Fernando'Pessoa.'
“FALECEU'Teixeira'Cabral,'um'dos'maiores'caricaturistas'portugueses”,'in'Diário)Popular,'2'de'Julho'
de'1980.'Digitalizado'de'um'recorte'que'consta'no'espólio'de'Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'
2013:'II,'Anexo'0291).'
FERREIRA,' Eugénio' (1933).' “Teixeira' Cabral”,' ReFnhauFnhau.' Digitalizado' de' um' recorte' que' consta'
no'espólio'de'Teixeira'Cabral'(HOVORKOVA,'2013:'II,'Anexo'0267).'
FÍUZA,'Mário'(1935).'Tatuagens.)Lisboa:)Edições'Momento.'
“GRANDE) Teatro' Carnavalesco”,' in' Diário) de) Notícias,' n.º' 23715,' 9' de' Fevereiro' de' 1932,' p.' 1.'
Caricaturas'de'Teixeira'Cabral.''
HOVORKOVA,' Nataliya' (2013),' As) caricaturas) de) Teixeira) Cabral) no) seu) contexto) histórico.) Início) da) sua)
carreira) e) contribuição) da) sua) actividade) artística) para) a) arte) nos) anos) 30) do) século) XX.)
Dissertação.'Lisboa:'FCH'/'Universidade'Católica'Portuguesa.''
LE' DESSIN' au) Portugal:) 1900F1940) (1981),' Paris:' Fundação' Calouste' Gulbenkian,' Centre' Culturel'
Portugais,'Maio.'
LANÇA@COELHO,' José' (2009).' “Fernando' Pessoa' &' heterónimos.'Da' memória…' O' meu' percurso'
pessoano”.'23'de'Abril.''http://cempalavras.blogs.sapo.pt/98525.html' (consultado' a' 28' de'
Outubro'de'2017).'
MACEDO,'Diogo'de'(1934).'“O'caricaturista'Teixeira'Cabral'visto'pelo'escultor'Diogo'de'Macedo”,'in'
Diário)de)Lisboa,'n.º'4143,'30'de'Maio,'p.'3.'
“‘MOMENTO!’'Mocidade'vitoriosa”,'Jornal)de)Notícias,'n.º'257,)Porto,'4'de'Novembro'de'1934,)p.'4.)
*
"Center!for!Social!Studies,!University!of!Coimbra!&!Queen!Mary,!University!of!London.!Formerly!
published!under!the!name!Patricia!Silva!(McNeill)."
Silva Alfredo Guisado
fortuna! crítica! da! revista.! Guisado! foi! um! dos! poucos! autores! de! Orpheu! que! publicara!
obras!suas!antes!do!aparecimento!da!revista.!Em!virtude!de!se!ter!aproximado!desde!muito!
cedo! dos! mentores! do! projeto,! Fernando! Pessoa! e! Mário! de! Sá<Carneiro,! Guisado! foi! um!
dos!primeiros!membros!do!chamado!grupo!do!Orpheu!a!escrever!sob!a!influência!da!poética!
que!lhe!ficou!associada.!Por!conseguinte,!as!suas!obras!documentam!o!teor!do!movimento!
estabelecido!por!intermédio!da!revista,!tal!como!exemplificado!pelo!MS!de!um!poema!seu!
—!julgado!inédito!—!que!se!encontra!no!arquivo!Távora.!
!
!
!
!
!
1.(The(Portuguese(periodical(scene(in(the(1910s(and(the(making(of(Orpheu(
!
Orpheu! made! its! debut! into! the! Portuguese! cultural! scene! on! 24! March! 1915.! On!
March! 27th,! the! daily! newspaper! O! Mundo! published! a! brief! note! announcing! its!
publication,! referring! to! it! as! “uma! espécie! de! resumo! das! várias! correntes!
modernas! na! nossa! literatura”! [a! sort! of! summary! of! various! modern! literary!
trends!in!our!literature],!which!was!said!to!include!“variada!colaboração!das!mais!
características! figuras! de! entre! os! novos”! [varied! collaboration! from! the! most!
characteristic! figures! among! the! “young”]! (MUNDO,! 27! March! 1915:! 3).! Following!
this!initial!innocuous!but!telling!appraisal!of!the!magazine,!which!underscored!the!
modernity! of! its! contributions! and! the! youth! of! its! contributors,! a! series! of!
inflamed! articles! criticizing! it! ensued! in! local,! regional! and! national! newspapers,!
which!will!be!discussed!in!detail!further!ahead.!The!strong!criticisms!the!magazine!
garnered!from!several!sectors!of!the!Portuguese!press!played!a!significant!part!in!
ensuring! it! the! status! of! the! most! significant! cultural! magazine! of! the! period! and!
one!of!the!most!impactful!in!Portuguese!cultural!history.!Thus,!this!essay!proposes!
to! reexamine! the! contemporary! reception! the! magazine! received! in! mainstream!
periodicals,! especially! in! light! of! documents! extant! in! the! Távora! archive,! which!
offer!new!insights!about!both!the!logistics!and!circumstances!of!the!dissemination!
and!reception!of!the!magazine!in!Portugal!and!abroad.!
The!momentous!reception!Orpheu!received!in!the!mainstream!press!owes!its!
fair!share!to!fortuitous!circumstances,!which!have!much!to!do!with!the!particular!
context!in!which!the!magazine!made!its!appearance,!since!the!scandal!occasioned!
by! its! publication! arose! from! the! rapid! spread! of! the! views! posited! in! what! was!
effectively! its! first! review,! an! unsigned! article! entitled! “Literatura! de! manicómio:!
Os!poetas!do!Orpheu”![Lunatic<asylum!Literature:!the!Poets!of!Orpheu],!published!
on! the! title! page! of! A! Capital! on! March! 30th! (A! CAPITAL,! 30! March! 1915:! 1).! This!
review! centered! on! the! perceived! novelty! of! its! literary! content,! notably! the!
experimental!and!original!use!of!language!–!neologisms,!synaesthesia,!alliteration,!
assonance,! fragmentation! –,! which! was! attributed! to! language<impairment!
conditions!of!the!mentally!disturbed.!The!contributions!from!Mário!de!Sá<Carneiro!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 289
Silva Alfredo Guisado
and!Álvaro!de!Campos,!in!particular,!bore!the!larger!part!of!those!criticisms,!with!
the!latter!accused!of!being!under!the!“influencia!do!chamado!futurismo”![influence!
of!the!so<called!futurism]!and!of!suffering!from!“paranoia”,!with!some!“expressões!
verbais”! [verbal! expressions]! in! his! “Ode! Triunfal”! deemed! as! “pornographicas”!
[pornographic]!(A! CAPITAL,!30!March!1915:!1)!–!incidentally,!an!accusation!indicted!
against!other!strikingly!innovative!works!across!Europe!at!that!time.1!According!to!
Maria! Aliete! Galhoz,! “a! chocarrice,! em! nome! do! bom! senso,! com! que! comenta!
Orpheu,!vai!dar!o!tom!a!tudo!o!que!se!seguiu”![the!jocular!reproach,!in!the!name!of!
common! sense,! with! which! Orpheu! is! reviewed! sets! the! tone! for! everything! that!
followed],!adding!that!this!publicity!kept!Orpheu!in!the!limelight!for!three!months!
(GALHOZ,!1981:!xvii).!Hence,!by!the!time!the!second!issue!was!published!on!June!
28th,!the!Orpheu!affair!in!the!press!had!developed!into!a!full!scandal!that!sent!shock!
waves! through! the! cultural! establishment,! which! this! issue! further! inflamed! by!
including!textual!and!visual!works!with!a!greater!avant<garde!bias!and!from!more!
polemical!contributors!(SILVA,!2017:!88).!
As! well! as! underscoring! the! sensationalist! bias! that! underpins! the!
presentation! of! front<page! news! stories! in! daily! periodicals,! the! bombastic!
reception! Orpheu! earned! in! the! mainstream! press! can! also! be! seen! to! reflect! the!
socio<political! turmoil! Portugal! was! experiencing! at! the! time.! Though! not! yet!
involved! in! WWI! at! the! time! of! publication! of! the! magazine,! Portugal! was!
nonetheless! prey! to! circumstances! which! were! not! amenable! to! the! onset! of! a!
burgeoning!modernity!and!the!vibrant!cultural!life!that!generally!accompanied!it,!
which!perhaps!explains!the!short!lives!of!many!of!its!cultural!magazines.!Arnaldo!
Saraiva!remarks!the!proliferation!of!cultural!magazines!in!Portugal!in!the!decade!
of! 1910! (as! elsewhere! in! Europe),! some! of! which! were! very! short<lived,! such! as!
Dionysos!(1912<1913),!A!Renascença!(1914),!Alma!Nova!(1914),!Centauro!(1916),!Exílio!
(1916),! Portugal! Futurista! (1917),! and! Ícaro! (1919),! among! others! (SARAIVA,! 2015b:!
407).! There! was! even! the! unusual! case! of! a! specimen! issue! of! a! magazine,!
Contemporânea!(1915),!which!would!only!be!continued!in!1922.!Appearing!halfway!
through! the! decade,! Orpheu! belongs! to! the! group! of! short<lived! magazines! since,!
though! initially! planned! as! a! quarterly,! it! was! circumscribed! to! two! published!
issues.!
In! situating! Orpheu! within! the! Portuguese! cultural! and! periodical! field,!
Saraiva! highlights! the! specificity! of! the! Portuguese! context! at! the! time,!
underscoring!the!defeatist!outlook!with!regard!to!Portugal’s!place!in!the!concert!of!
nations,!notably!the!sense!of!“humilhação!nacional,!nascida!com!o!‘Ultimatum’,!a!
somar!ao!crónico!complexo!de!inferioridade!e!de!dependência!económica!e!cultural!
inglesa! e! francesa”! [national! humiliation! which! arose! with! the! “Ultimatum”,!
adding!to!the!chronic!sense!of!inferiority!and!of!economic!and!cultural!dependence!
1! See! VASCONCELOS! (2017:! 27<47)! for! a! systematization! of! the! dialectical! readings! of! Orpheu,! at! the!
time,!as!either!the!result!of!“madness”!or!“blague”.!
of!English!and!French!culture].!He!also!mentions!the!political!instability!caused!by!
“permanentes! guerrilhas! entre! monárquicos! e! republicanos,! que! não! terminaram!
com! o! regicídio! nem! com! a! implantação! da! República”! [permanent! squabbles!
between! monarchic! and! republican! supporters,! which! did! not! end! with! the!
regicide! nor! with! the! newly! founded! Republic],! and! the! accompanying! social!
unrest! “que! se! evidenciava! em! greves,! em! manifestações! anarquistas,! em!
sucessivas! crises! governamentais”! [shown! in! strikes,! in! anarchist! manifestations,!
and!successive!governmental!crises]!(SARAIVA,!2015b:!408).!Against!this!backdrop!
of!socio<political!crisis,!incipient!modernization,!and!cultural!paralysis,!epitomized!
by!the!“saudosist”!aesthetic!of!Teixeira!de!Pascoaes,!Orpheu!asserted!itself,!argues!
Saraiva,!
!
como!resultado!de!um!projecto!de!clara!ruptura!com!a!instituição!literária!e!com!os!códigos!
decadentistas! e! simbolistas,! para! já! não! dizer! românticos! ou! parnasianos,! ou! como!
resultado! de! um! projecto! de! revelação! e! afirmação! individual! e! colectiva,! nacional! e!
internacional,!de!jovens!que!se!queriam!de!e!na!vanguarda!artística!!
(SARAIVA,!2015b:!408,!my!emphasis).!
!
[as!the!result!of!a!project!of!clear!rupture!with!the!literary!institution!and!the!decadent!and!
symbolist! codes,! not! to! mention! the! romantic! and! parnassian! ones,! or! as! the! result! of! a!
project!of!individual!and!collective,!national!and!international,!revelation!and!affirmation,!
of!young!men!who!regarded!themselves!as!part!of!the!artistic!avant<garde]!!
!
As!well!as!identifying!the!key!goals!underpinning!the!publication!of!Orpheu!–!the!
foundation! of! a! literary! movement! and,! thereby,! renewal! of! the! cultural! field! –,!
Saraiva!also!underscores!the!fact!that!it!was!a!planned!venture,!as!signalled!by!the!
term!“project”.!!
In!effect,!the!origins!of!the!project!of!a!magazine!date!back!to!late!1912,!early!
1913! –! when! Fernando! Pessoa,! Mário! de! Sá<Carneiro! began! planning! it! and! the!
main! contributors,! Alfredo! Pedro! Guisado,! Armando! Côrtes<Rodrigues,! and!
Almada! Negreiros! gathered! around! them! –,! which! was! therefore! synchronous!
with! other! early! avant<garde! manifestations! in! Europe.! Aside! from! the! rupture!
with! the! literary! establishment! mentioned! by! Saraiva,! the! avant<garde! principles!
underpinning!the!magazine!project!are!apparent!in!the!language!employed!by!its!
mentors,! notably! the! terms! “marcar! e! agitar”! [make! a! mark! and! agitate]! (SÁ<
CARNEIRO,! 2015:! 181),! which! evoke! the! shock! tactics! deployed! by! contemporary!
avant<garde! movements! via! manifestos! and! magazines.! Responding! to! Pessoa’s!
proposal!of!producing!a!magazine,!in!a!letter!from!14!May!1913,!Sá<Carneiro!states,!
“[c]laro!q[ue]!não!será!uma!revista!perduravel.!Mas!para!marcar!e!agitar!basta!fazer!
sair! uma! meia! duzia! de! n[umer]os.! O! titulo! Esfinge! é! optimo.! O! q[ue]! é! preciso! é!
arranjar! mais! colaboração! do! que! a! q[ue]! indica”! [Of! course! it! will! not! be! an!
enduring!magazine.!But!to!make!a!mark!and!agitate!it!is!enough!to!get!half!a!dozen!
issues!out.!The!title!Sphynx!is!excellent.!What!is!needed!is!to!get!more!contributions!
than!the!one!you!suggest]!(SÁ<CARNEIRO,!2015:!181).!This!excerpt!shows!they!began!
discussing! practical! matters! concerning! the! constitution! of! the! magazine! from! an!
early!stage!of!planning,!which!went!on!for!two!years,!during!which!the!project!had!
different! guises.! It! also! discloses! Sá<Carneiro’s! pragmatic! sense! in! assessing! the!
need! to! secure! further! collaboration,! a! process! which! would! take! some! time,! as!
both! he! and! Pessoa,! as! well! as! most! of! the! young! writers! associated! with! the!
project! at! the! time,! were! still! in! the! process! of! producing! their! first! works.! The!
project! underwent! several! stages,! with! its! proposed! names! changing! from! the!
initial! post<symbolist<sounding! Esfinge! to! the! more! reality<grounded! Lusitânia,!
epitomizing! a! nationalist! and! even! regionalist! bias,! which! gave! way! to! a! more!
international! outlook! encapsulated! in! the! title! “Europa”,! which! recurs! in! Sá<
Carneiro’s! letters! from! June! through! August! 1914! (Sá<Carneiro,! 2015:! 231).! With!
regard!to!the!latter,!claims!Pessoa,!!
!
O! que! esteve! mais! proximo! de! se! realisar! foi! o! de! uma! revista! pequena,! entitulada!
«Europa»,! que! abriria! por! um! manifesto,! de! que! escrevi! apenas! uns! quatro! paragraphos,!
com! collaboração! occasional! de! Sá<Carneiro,! e! de! que! me! lembro! ser! uma! das! principaes!
affirmações!a!da!nossa!necessidade!de!«reagir!em!Leonino»!contra!o!ambiente.!!
(apud!CASTEX,!1963:!60)!
!
[The!one!that!was!closest!to!being!fulfilled!was!that!of!a!small!magazine,!entitled!“Europa”,!
which!would!open!with!a!manifesto,!of!which!I!have!written!only!about!four!paragraphs,!
with! occasional! contributions! from! Sá<Carneiro,! and! about! which! I! recall! one! of! our! main!
statements!being!the!need!to!“react!in!Lion<fashion”!against!the!milieu]!
!
A! few! months! later,! though,! they! were! considering! an! alternative! way! of!
disseminating!their!newly<baptized!artistic!movement,!as!corroborated!by!Pessoa’s!
statement! in! a! letter! to! another! one! of! Orpheu’s! future! contributors,! Armando!
Côrtes<Rodrigues,!dated!from!4!October!1914:!
!
Em!vez!de!uma!revista!interseccionista,!contendo!o!manifesto!e!obras!nossas,!decidimos!(e!
v.,!estou!certo,!concordará)!para!evitar!possíveis!fiascos!e!não!se!poder!continuar!a!revista,!
etc.,! e,! ao! mesmo! tempo,! ficar! coisa! mais! escandalosa! e! definitiva,! fazer! aparecer! o!
Interseccionismo,! não! em! uma! revista! nossa,! mas! em! um! volume,! uma! Antologia! do!
Interseccionismo.!!
(PESSOA,!1999:!126)!
!
[Instead! of! an! intersectionist! magazine,! including! the! manifesto! and! our! works,! we! have!
decided!(and,!I!feel!certain,!you!will!agree)!in!order!to!avoid!possible!fiascos!and!not!being!
able!to!give!continuation!to!the!magazine,!etc.,!and,!at!the!same!time,!so!it!becomes!a!more!
scandalous!and!definitive!thing,!to!make!Intersectionism!appear,!not!in!a!magazine!of!ours,!
but!in!a!volume,!an!Anthology!of!Intersectionism.]!
!
Pessoa’s! suggestion! to! replace! the! magazine! with! an! anthology! is! based! on! his!
awareness! of! the! ephemeral! quality! of! magazines! and! was! possibly! informed! by!
contemporary! examples,! such! as! the! anthology! Des! Imagistes! –! edited! by! Ezra!
Pound! and! published! in! The! Glebe! in! February! 1914! and! as! a! chapbook! by! The!
Poetry!Bookshop!later!that!year!–!with!which!he!was!familiar!(PESSOA,!2009:!385).!
The! reasons! Pessoa! presents! for! doing! so! illustrate,! on! the! one! hand,! his! and! Sá<
Carneiro’s! desire! to! make! a! lasting! contribution! to! Portuguese! culture,! as!
suggested!by!the!term!“definitive”!(underlined!by!him!for!further!emphasis);!and,!
on!the!other!hand,!their!deliberate!intention!to!cause!a!scandal!that!would!agitate!
the! cultural! milieu.! With! this! in! mind,! careful! thought! went! into! the! selection! of!
authors,! artists! and! their! collaborations,! as! shown! by! the! numerous! lists! of!
contributors! and! possible! contributions! shared! between! Pessoa! and! Sá<Carneiro,!
and!the!production!of!the!magazine!issues.!The!planning!went!as!far!as!the!graphic!
layout,! from! the! choice! of! covers! and! visual! reproductions! to! typographic! details!
deployed!so!as!to!achieve!a!maximum!effect,!as!suggested!by!Pessoa’s!reference!to!
“the! scandalous! typographic! processes! adopted! by! Mario! de! Sá<Carneiro! in! his!
famous!‘Manucure’”!(PESSOA,!2009:!385)!in!a!letter!introducing!the!magazine!to!an!
English! publisher.! And! indeed,! this! poem! included! in! the! second! issue! of! the!
magazine!was!one!of!the!pieces!that!received!most!attention!from!the!Portuguese!
press,! and! one! of! the! most! criticized! alongside! Álvaro! de! Campos’s! poems.!
Therefore,! the! scandal! caused! by! Orpheu! owes! something! to! the! militant! and!
strategic! approach! adopted! by! its! mentors,! who! were! partly! responsible! for! the!
magazine’s!turbulent!reception!in!the!press.!
Similar! care! went! into! what! Saraiva! terms! “a! definição! de! estratégias! de!
publicação,!venda!e!promoção”![the!definition!of!publication,!sales!and!promotional!
strategies]! (SARAIVA,! 2015b:! 409),! countering! the! received! narrative! of! the!
impromptu! emergence! of! the! magazine,! following! a! chance! meeting! in! a! Lisbon!
café.!The!Luso<Brazilian!guise!in!which!the!magazine!emerged!was!itself!the!result!
of!a!meeting!of!two!discrete!but!analogous!strategies!of!publication!already!underway,!
led!respectively!by!Pessoa!and!Sá<Carneiro,!and!by!Luís!de!Montalvor!and!Ronald!
de! Carvalho,! who! had! also! been! planning! to! publish! a! magazine! in! Brazil.!
Therefore,! when! the! opportunity! of! a! joint! publication! with! Brazilian! writers!
presented!itself,!it!was!immediately!grasped!by!the!Portuguese!mentors!of!Orpheu!
as! a! way! of! increasing! its! impact! and! sales.! Letters! from! Ronald! de! Carvalho! to!
Luís! de! Montalvor! extant! in! the! Távora! archive! –! previously! transcribed! by!
Arnaldo!Saraiva!(SARAIVA,!1986:!II)!–!attest!to!the!fact!that!sometime!in!March,!in!
the! run<up! to! the! publication! of! the! magazine,! the! Brazilian! poet! was! busily!
gathering! contributions! from! fellow! writers! and! securing! sellers! and! subscribers,!
claiming!to!have!raised!about!twenty!in!one!of!the!letters.!By!the!same!token,!the!
MS!of!one!of!the!poems!he!sent!Montalvor!for!publication!in!Orpheu!features!a!list!
of!what!appear!to!be!suggested!subscribers!in!the!verso!of!one!of!its!pages.!
!
!
Fig.(1.(Ronald(de(Carvalho(informs(Luís(de(
Montalvor(that(he(is(gathering(contributions(
and(subscribers(for'Orpheu((Letter(from(March(
1915;(in(the(Fernando(Távora(Collection).(
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
Fig.(2.(Ronald(de(Carvalho(informs(Luís(de(
Montalvor(that(he(has(secured(sellers(for(the(
magazine((Letter(from(March(1915;(Fernando(
Távora(Collection).(
!
!
!
!
Fig.(3.(MS(of(poem(by(Ronald(de(Carvalho((
with(potential(list(of(subscribers(in(the(verso(
(Fernando(Távora(Collection).(
!
!
!
!
Fig.(4.(Potential(list(of(subscribers(in(the(verso(
of(MS(of(poem(by(Ronald(de(Carvalho(
(Fernando(Távora(Collection).!
!
Thus,!even!though!Montalvor!and!Carvalho!featured!as!joint!directors!of!the!
first!issue!of!the!magazine,!according!to!Pessoa,!“[a]!direcção!real!da!revista!era,!e!
foi!sempre,!conjuncta,!por!estudo!e!combinação!entre!nós!trez!e!tambem!o!Alfredo!
Guisado!e!o!Côrtes!Rodrigues”![the!real!direction!of!the!magazine!was,!and!always!
had!been,!shared,!by!planning!and!arrangement!by!the!three!of!us!and!also!Alfredo!
Guisado!e!o!Cortes!Rodrigues]!(apud!CASTEX,!1963:!60).!By!three!he!meant!himself,!
Sá<Carneiro! and! Montalvor,! who! planned! Orpheu! together! in! Lisbon;! along! with!
the! other! two! associates.! Accordingly,! Pessoa! also! discusses! sales! with! Armando!
Côrtes<Rodrigues,!based!in!the!Azores,!stating!in!a!letter!from!4!March:!
!
Temos! que! tratar! afincadamente! —! como! v.! compreende! —! da! parte<administração! da!
revista;! que! é! por! descurar! esta! parte! que! costumam! cair,! em! geral,! as! revistas! literárias.!
Indique<me!v.!também!para!onde,!em!Ponta!Delgada!(e!outros!pontos!de!S.!Miguel,!se!valer!
a!pena)!se!devem!mandar!exemplares!para!a!venda!avulso;!quantos!exemplares;!se!v.!fala!
aos! donos! desses! estabelecimentos,! etc.,! etc.! Temos! que! firmar! esta! revista,! porque! ela! é! a!
ponte!por!onde!a!nossa!Alma!passa!para!o!futuro.!!
(PESSOA,!1999:!126<127)!
!
[We! have! to! diligently! take! care! –! as! you’ll! understand! –! of! the! administration! of! the!
magazine;!as!it!is!by!neglecting!this!part!that!literary!magazines!generally!fail.!Please!let!me!
know!also!where!copies!for!retail!sale!should!be!sent!to!in!Ponta!Delgada!(and!other!parts!
of! S.! Miguel! if! worth! it);! how! many! copies;! if! you! will! speak! to! the! owners! of! those!
establishments,!etc.,!etc.!We!have!to!secure!this!magazine,!because!it!is!the!bridge!through!
which!our!Soul!crosses!into!the!future.]!
!
The! closing! statement! of! this! excerpt! underscores,! yet! again,! the! serious!
motivations!behind!the!efforts!to!promote!the!magazine!on!the!part!of!its!mentors,!
notably!the!sense!that!the!magazine!would!create!a!legacy!for!Portuguese!culture,!
which! indeed! it! did.! These! testimonies! also! show! that! those! efforts! were! shared!
among! a! few! of! the! co<contributors! to!the! magazine! who! associated! more! closely!
with! Pessoa! and! Sá<Carneiro.! This! letter! includes! a! list! of! the! intended!
contributions! to! the! first! issue! of! the! magazine! which! is! very! close! to! the! final!
arrangement,!except!for!Luís!de!Montalvor’s!“Narciso”,!which!was!submitted!too!
late! to! be! included! in! that! issue! and! only! appeared! in! the! second! one,! and! two!
poems!by!Álvaro!de!Campos,!which!were!added!just!before!the!magazine!went!to!
the!printers.!!
!
2.(Alfredo(Guisado(and(the(critical(fortune(of(Orpheu(
!
Like!Côrtes<Rodrigues,!Alfredo!Guisado,!the!other!associate!mentioned!by!Pessoa!
in! his! statement! about! the! genesis! of! Orpheu,! also! closely! accompanied! the!
development!of!the!project!of!a!magazine!throughout!and!even!had!a!substantial!
stake!in!it!at!one!point,!as!noted!by!António!Apolinário!Lourenço,!for!whom!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 297
Silva Alfredo Guisado
Alfredo! Guisado! pertenceu! inequivocamente! ao! núcleo! duro! do! projecto! órfico,! tendo!
integrado!todas!as!tentativas!frustradas!anteriores!ao! Orpheu!de!publicação!de!revistas!ou!
de!volumes!antológicos!representativos!do!paulismo!ou!do!interseccionismo!(...)!Lusitânia,!
da! qual! (...)! Guisado! deveria! ser! o! administrador,! e! Europa,! um! projecto! que! esteve! mais!
avançado!e!ao!qual!há!referências!em!cartas!de!Sá<Carneiro!e!Guisado!(...).!Para!essa!última!
publicação,!disponibilizava!Alfredo!Guisado,!em!carta!a!Fernando!Pessoa,!mil!e!quinhentos!
escudos.!!
(LOURENÇO,!2015:!287)!
!
[Alfredo! Guisado! unequivocally! belonged! to! the! core! group! involved! with! the! orphic!
project! having! taken! part! in! every! previous! failed! attempt! to! publish! magazines! or!
anthological! volumes! representative! of! paulismo! or! interseccionismo! before! Orpheu! (...)!
Lusitânia,!of!which!(...)!Guisado!was!to!be!the!administrator,!and!Europa,!a!project!that!was!
more!advanced!and!to!which!there!are!references!in!letters!from!Sá<Carneiro!and!Guisado!
(...).! For! that! latter! publication,! Alfredo! Guisado! made! available! a! thousand! and! five!
hundred!escudos!in!a!letter!to!Fernando!Pessoa.]!
!
In! effect,! Guisado! not! only! featured! in! the! list! of! authors! for! the! Anthology! of!
Intersectionism!project!Pessoa!entertained!for!some!time!(LOURENÇO, 2011: 163),!but!
was! also! assigned! the! role! of! administrator! of! Orpheu,! to! whom! any! of! the!
advertised! works! by! the! magazine’s! contributors! could! “ser! requisitada!
directamente”![be!directly!requested],!as!stated!in!the!front!matter!of!the!magazine!
(ORPHEU! 1,! 1915:! iv).! Tellingly,! Fernando! Távora’s! acquisition! of! the! Guisado!
papers!appears!to!have!partly!derived!from!a!conviction!about!the!importance!of!
the!latter’s!involvement!in!the!making!of!Orpheu,!as!suggested!by!a!note!in!which!
he!puzzles!over!the!tenor!of!Pessoa’s!dedication!in!the!copy!of!Mensagem!he!offered!
Guisado!(which!had!appeared!on!sale!at!the!time),!
!
Interessante!a!dedicatória!–!ao!poeta,!ao!amigo,!ao!cúmplice!–!poeta!e!amigo,!sem!duvida2,!
mas! cúmplice! em! quê?! Creio! que! na! aventura! do! Orpheu;! Pessoa! chama<lhe3! cúmplice!
comprovando!esta!denominação,4!segundo!suponho,!um!certo!sentido!qual!o!de!considerar!
Guisado! cumplice5! (e! não,! por! exemplo6! participante)! de! uma! aventura,! de! um! golpe!
audacioso,!de!um!rasgo!de!humor.!Será!assim?!Revelar<se<á!nesta!dedicatória!uma!posição!
de!dever!perante!as!intenções!e!o!significado!do!Orpheu?7!
[Interesting,! the! dedication! –! to! the! poet,! friend,! and! the! accomplice! –! poet! and! friend,!
undoubtedly,! but! accomplice! in! what?! I! believe! that! in! the! adventure! of! Orpheu;! Pessoa!
calls! him! accomplice! and! this! denomination! proves! a! certain! notion,! that! of! considering!
Guisado! an! accomplice! of! an! adventure,! of! an! audacious! gesture,! of! a! stroke! of! humour.!
2!Sem!acento.!
3!<mas!Pessoa>![↑!Pessoa]!chama<lhe!
4!<designação!segundo!suponho>!denominação!
5!Sem!acento.!
6![←!(e]!<(>!não,!por!ex[emplo]!
7!I!am!grateful!to!Fernanda!Vizcaino!for!the!reference!to!Fernando!Távora’s!note!in!one!of!his!loose!
notes,!and!the!editor!for!his!reading!of!it.!!
As!is!known,!many!of!the!reviews!published!in!the!mainstream!newspapers,!
including!the!ones!mentioned!in!this!excerpt,!were!collected!in!Sá<Carneiro’s!two!
notebooks!of!press!cuttings,!one!for!each!issue!of!the!magazine.8!These!notebooks!
constitute!a!committed!effort!on!his!part!to!document!and!record!the!“scandalous”!
reverberations! of! Orpheu! in! the! public! sphere! at! the! time,! thus! ensuring! the!
preservation! of! its! legacy! for! posterity.! Possibly! because! of! his! role! as!
administrator!of!the!magazine!and!out!of!personal!interest!about!a!publication!in!
which!his!work!features,!Guisado!also!kept!a!record!of!reviews!of!the!magazine!in!
the! press.9! The! documents! extant! in! the! Távora! archive! include! a! notebook! with!
press!cuttings!entitled!“Críticas!do!Orfeu”![Orfeu!reviews].!Additionally,!there!are!
a!few!loose<sheet!cuttings!with!articles!from!the!time!of!publication!of!Orpheu!and!
when! it! was! recalled! at! the! time! of! publication! of! Centauro! (1916);! these! were!
assorted!under!the!title!“Recortes!sobre!o!Orfeu,!etc.”![Cuttings!about!Orfeu,!etc.]!
and! kept! inside! another! notebook! with! press! cuttings! of! reviews! of! Guisado’s!
works,!entitled!“Críticas”![Reviews].10!!
Guisado’s!collection!of!press!cuttings!about!Orpheu!only!includes!reviews!of!
the! first! issue! of! the! magazine,! which! he! accompanied! more! closely,! having!
subsequently!distanced!himself!from!the!rest!of!the!group!and!failing!to!contribute!
to! the! second! issue! of! the! magazine.! Lourenço! comments! on! Sá<Carneiro’s!
observations!in!daily!notes!to!Pessoa!over!that!Spring!–!in!which!he!puzzles!over!
Guisado’s! disappearance! –,! venturing! that! he! might! have! feared! the! negative!
repercussions!of!the!scandal!for!his!family’s!restaurant!(“Irmãos!Unidos”,!the!main!
venue! where! Orpheu! was! plotted)! or! that! issues! might! have! arisen! regarding!
Guisado’s! ostensible! financial! contribution! to! the! publication! of! the! magazine!
(LOURENÇO,!2015:!289);!or!possibly!because!of!his!political!ambitions.!!
8!Sá<Carneiro’s!notebooks!with!press!cuttings!of!reviews!of!Orpheu!are!held!at!the!National!Library!
of! Portugal! and! are! digitally! available! here:! http://purl.pt/28015#.Wd4vxzEvlLo.gmail;!
http://purl.pt/28016#.Wd4vhSCaIrs.gmail!.!
9! A! note! from! the! architect! Fernando! Távora! identifies! these! notebooks! as! belonging! to! Alfredo!
Guisado:! “Comprado! a! M[an]uel! Ferreira,! Porto,! em! 30/V/72,! por! esc.! 15.000$00.! Pertencia! a!
Alfr[edo]! Guisado! que! a! vendeu! à! Biblarte! (Sr.! Ernesto)! e! este,! por! sua! vez,! a! M[an]uel! Ferreira.!
Sobre!o!lote!a!que!se!refere!este!negócio!vêr!apontamento!meu!em!“Ceu9!em!Fogo„”![Bought!from!
Manuel!Ferreira,!Porto,!on!30/V/72,!by!15.000$00!escudos.!It!belonged!to!Alfredo!Guisado!who!sold!
it! to! Biblarte! (Mr.! Ernesto)! and! this! one,! in! turn,! to! Manuel! Ferreira.]! (transcription! of! a! note! by!
Fernando!Távora).!I!am!grateful!to!Fernanda!Vizcaino!for!the!transcription.!
10! The! cuttings! grouped! under! “Recortes! sobre! o! Orfeu,! etc.”! [Cuttings! about! Orfeu,! etc.]! are!
attached! to! loose! sheets! of! a! paper! which! differs! in! aspect! from! that! in! the! “Críticas! do! Orfeu”!
[Orfeu!reviews]!notebook!and!in!the!“Críticas”![Reviews]!notebook;!i.e.,!the!paper!is!plain!whereas!
that! in! the! two! notebooks! has! horizontal! lines! across! its! length.! The! photograph! of! the! “Críticas”!
[Reviews]!notebook!displayed!here!shows!the!assorted!loose!sheets!inside!it.!!
!
!
!
!
Fig.(5:(Cover(of(the(“Críticas(do(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(
!
!
!
!
!
Fig.(6:(Notation(of(front(page(of(loose(sheets,(with(the(heading((
“Recortes(sobre(o(Orfeu,(etc.”([Cuttings(about(Orfeu,(etc.].(
!
!
!
!
Fig.(7:(Cover(of(the(“Críticas”([Reviews](notebook,(
with(the(“Recortes(sobre(o(Orfeu,(etc.”(
[Cuttings(about(Orfeu,(etc.](cuttings(inside.(
!
!This!cooling!of!their!relations!was!brought!to!a!head!by!the!publication!of!a!
letter,!in!A!Capital!on!6!July,!signed!by!Álvaro!de!Campos,!with!a!sarcastic!allusion!
to! an! accident! suffered! by! the! politician! Afonso! Costa.! There! followed! numerous!
articles!condemning!the!heartlessness!of!the!orphics,!to!which!Guisado!responded!
with! “uma! carta! ao! jornal! O! Mundo! desvinculando<se! das! opiniões! de! Álvaro! de!
Campos!e!proclamando!a!sua!ruptura!com!o!Orpheu.!A!carta!(...)!precisava!ainda!
que! Alfredo! Guisado! se! havia! desligado! da! revista! logo! a! seguir! à! publicação! do!
seu! nº! 1”! [a! letter! to! the! newspaper! O! Mundo! detaching! himself! from! Álvaro! de!
Campos’s! opinions! and! announcing! his! falling<out! with! Orpheu.! The! letter! also!
specified! that! Alfredo! Guisado! had! stopped! his! involvement! with! the! magazine!
soon! after! the! publication! of! its! first! issue]! (LOURENÇO,! 2015:! 290).! The! incident!
with! the! letter,! published! just! days! after! the! publication! of! the! second! issue! of!
Orpheu,!underscores!the!post<publication!press!campaign!undertaken!on!behalf!of!
the!magazine!by!Fernando!Pessoa,!which!included!other!provocative!letters!signed!
by! Álvaro! de! Campos! sent! to! mainstream! newspapers,! and! constitutes! a! good!
example! of! the! “propagandistic”! strategies! characteristic! of! avant<garde!
movements! deployed! by! some! of! the! mentors! of! Orpheu! in! order! to! generate!
polemics! and! further! fuel! the! scandal.! However,! the! consequences! of! this!
particular! action! caused! a! rift! amid! some! of! the! contributors! to! the! magazine,!
including!Guisado.!
Consequently,! the! reviews! of! Orpheu! collected! by! Guisado! do! not! extend!
beyond!mid<March,!but!they!amount!to!a!substantial!sample.!A!comparison!of!the!
press!cuttings!in!Guisado’s!“Orfeu!reviews”!notebook!and!Sá<Carneiro’s!notebook!
of! reviews! about! “Orfeu! 1”! shows! that! they! collected! sensibly! the! same! reviews,!
though! the! ones! collected! in! Sá<Carneiro’s! notebook! (some! of! which! likely! by!
Pessoa! after! the! latter’s! departure! for! Paris)! amount! to! a! larger! number.!
Concerning! the! reviews! in! regional! and! national! newspapers,! it! is! worth! noting!
that! they! echo,! for! the! most! part,! the! argument! of! “patologia! mental”! [mental!
pathology]! regarding! the! “artists”! associated! with! Orpheu! advanced! in! the!
aforementioned! review! from! March! 30th! in! A! Capital! (COVAS,! 1999:! 11).! These!
claims!reverberate!even!in!sympathetic!reviews!such!as!the!aforementioned!one!by!
Carvalho! Mourão,! published! in! the! “Vient! de! Paraître”! section! of! Terra! Nossa! on!
April! 11th,! though! with! a! lighter! tone! which,! rather! than! criticize,! conveys! sheer!
surprise!at!the!novelty!introduced!by!some!of!the!works!featuring!in!the!magazine!
and! the! inability! to! fully! grasp! their! import.! After! appraising! pieces! from! several!
contributors,! illustrating! his! argument! with! excerpts! from! their! works,! Mourão!
concludes!that!“Orpheu!é!no!seu!conjunto!uma!psicologia!doente!mas!bela”![in!its!
ensemble! Orpheu! is! a! sickly! but! beautiful! psychology],! adding! nonetheless,! that!
“(u)ma! grande! obra,! com! efeito,! se! propõe! erguer! esse! grupo! gentil! de!
inteligencias”! [a! great! work,! in! effect,! is! what! this! charming! collection! of! minds!
proposes! to! build]! (apud! COVAS,! 1999:! 11).! Hence,! he! counters! the! generally!
negative!opinion!about!the!magazine!circulating!in!the!press,!which!he!accuses!of!
having! failed! to! understand! it,! seeing! in! that! proof! of! its! success.! Singularly,! this!
review! is! doubly! recorded! in! Guisado’s! documents! extant! in! the! Távora! archive,!
appearing!both!in!the!“Críticas!de!Orfeu”![Orfeu!reviews]!notebook!and!as!a!loose!
sheet!under!the!heading!“Recortes!sobre!o!Orfeu,!etc.”![Cuttings!about!Orfeu,!etc.]!
kept! inside! the! “Críticas”! [Reviews]! notebook.! Guisado! likely! wished! to! keep! a!
record!of!it!alongside!reviews!of!his!own!works,!given!that!Mourão!made!a!direct!
reference! to! his! poems! appearing! in! Orpheu,! describing! them! as! “essa! enorme!
extranheza,! doentia”! [that! enormous! sickly! strangeness],! and! transcribed! “Ante<
Deus”! (SÁ<CARNEIRO,! 2017:! 597<599),! which! featured! alongside! “7”! from! Sá<
Carneiro!in!that!issue!of!Terra!Nossa.!!
Both! Sá<Carneiro’s! and! Guisado’s! notebooks! also! include! reviews! of! the!
magazine! abroad,! namely! in! Spanish! newspapers.! The! first! reviews! appeared! in!
Spanish!newspapers!just!days!after!the!publication!of!its!first!issue,!as!the!result!of!
an! elaborate! strategy! for! internationalization! of! the! magazine.! Regarding!
themselves!as!“portugueses!que!escrevem!para!a!Europa”![Portuguese!writing!for!
Europe]!(PESSOA,!1966:!121),!the!orphics!hoped!that!the!movement!they!established!
in! Portugal! through! Orpheu! –! Sensationism,! to! which! Pessoa! refers! as! “primeira!
manifestação! de! um! Portugal<Europa”! [first! manifestation! of! a! Portugal<Europe]!
(PESSOA,!1916:!46)!–!would!take!its!rightful!place!alongside!other!irruptions!of!the!
European! avant<garde.! That! they! thought! this! goal! could! be! achieved! by! making!
the! magazine! known! abroad! justifies! their! efforts! to! disseminate! news! of! its!
publication! internationally.! In! a! letter! from! 10! August! 1915,! Sá<Carneiro,! back! in!
Paris!following!the!publication!of!the!second!issue!of!the!magazine,!urges!Pessoa!
“a!que!não!descure!a!propaganda!europeia!do!Orfeu”![not!to!neglect!the!European!
propaganda! of! Orfeu],! suggesting! the! translation! of! excerpts! from! “Chuva!
Oblíqua”! and! “Manucure”! to! send! with! enclosed! copies! of! the! magazine! (SÁ<
CARNEIRO,!2015:!347).!Pessoa!would!follow!this!suggestion,!as!gathered!from!some!
of! his! letters! to! English! publishers! and! magazine! editors.! Although! Sá<Carneiro!
was! thinking! of! the! Italian! futurists,! whom! he! mentions! in! the! letter,! or! possibly!
some!of!the!Paris<based!artistic!movements,!for!Pessoa,!“[o]s!três!pontos!de!apoio!
exteriores!d’esta!propaganda!devem!ser!Londres,!Madrid!e!o!Rio!de!Janeiro”![the!
three!points!of!support!of!this!propaganda!abroad!should!be!London,!Madrid!and!
Rio!de!Janeiro]!(apud!LÓPEZ,!1915a:!186).!!
!
!
!
TERRA
11 DE
..
·v1ENT
"'
I
DEPARA1TRE rses;
,-,, ,
Volupfr, do fugir--s<W longe e sf':rdistancia, Í,1M:rrminaveiit"•. -.111-"1
e tornar logo ao eais e de uo,·o partir ! !d' eu de Vida ; dõ:
Volu1,ia-- Jest'j:tr P não possuir . st•r auiia -·
fü·1rnxos a dei!n'r, repuxos a subtr , uambólica de mo'"'imenlo o
' ;! ri horizonta!id. ,<., d~stim
vai tão allo v 1s1o nau do a Côr 110. n1t ert . t en{·ia .. _
r e11il-'
Re\'isla lrin1eslral de litera- m ed10 do Irleal que nos esqueCPWOs Velodd .. d~ '. , ek){;íà,rde !
l u r a- OirectGres: Luiz Je 1 Vida pttra rdco11hécermos ape11as • k Não •• pode criticar . ..
Montalv1)re nonaltl d" Carva - n111ra de ::ier do TuconceUido ! Cami nha- ~e ao lado d• obra.
lho -- Editor: Antc,uio ~~erro
-Ano 1 : 1915--N. 0 l - Ja- Fernando Pessôa oferece em Orp.lu11 u tt.ce lert1.da1neul.B-em bll8C&à
neiro -- Fcv1~rc1ro-Março. Cá.rios Franco o seu dra-tna e1StA. tii;o em; ; Futurismo! Foturismo !
um ac-.to O 111arin/ui,·o. ..,, l Timbrt>s metalicos resso
Afüma Luiz de Montalvor na su" In - Que euormidade de despreudime11t<N ;i)a1sam zig·ZbgUeKntes em \"
troducção que <a.fotografia de geração , e de incerteztt. ! : J - iltt.11t.t>~.e m corr~ritts n ..J u
?'aça 01, meio, com o seu mundo imediato Que grandezR. vive .ª 4ltna phr·a so.;'I 1i1nrnl1a iucornpar11'"'et m ~ot-
de e.ribição a que freqttentemetite se cha- uhnr ('Ul. Alérn-DeuM ! .jl ·viJisação moderna'.
ma Jiteratw·a , é sumo do que para, tU SL ·~·-i":J.rnn.·· hfflor i1:1 qw, st'li:1-tnrítnt,i ·JN&, · Niio faz,,· nadu é « mi11ld
intitula revista, com a variedade a infe- ria um s~crificio do seu pi-oprio tt:-rmo ~ oi• quê? Pttr& on le n
t'iorisar pela ig1,aldade de assuntos ( arti- Par1:t. quê !-lalrnr o Após .:,;e ü · A.ut,~i-w. Jiunuuu, preaente2
. go, secção ott m1.mrentos) qualquer tentativa no s et<qu e(:A o o Prf'seute e Meutiro.so ! P~....-5t•
.'.
de artt - dei.-ra de existir no texto preo- E' predso v i ver? - .Pois U6m ! So; rn :~~ -~ ..
cupado de Orpheu .> uhernos que vivt,remo.s, que a Vida t"e.râ: 'de Alé111 dK par alis.•ção m ,
Um!\ grande ohra, com e feito, se pro- p1\t.ria µtt.ra viver melhor! ... àue rgil-l fis: ca?
põe ergu er esse ;::rupo geutil de iuteli- Ü•HtÇUiSO de Côr ... e t.rR.uspare11cia: Â lna,·o d~ ('amp( l ua ~n r.
gencias, que uão pr etende Forma mas de .Nuuie.. · n-
vtti Uio longe q!le ::e t:>Sq
pretend (, Essencia, que não anseia Al- Quando escreve : -'-' f porq n e é tjUe peu,.._ olt - •
tur& mas que busca Motivo e Côr. -Não valeria então a penu (1-:chan>w; PH~a. b rU!!ICa. ~fH1sibi titl&d:? )
Adivinha se em torla uquela Realis&- nos no BC>nho e esqu.ecer11 ,,üla pü-ra qu~ seutimeuto ! Despri:ud ... :=
çiio o Verbo ignorado e obscGro d11m& 6 mm·fo nos esqw1cfi...
se? . .. osci la como as eugrt'na.::;-en.s
Siuceridade ! - 1Vciomililta irmã , nacla utle fl pena ...
1
uas que o rodeiam "JfüUJ,:o
Nii.o ha linhas de Colorido nem per- ha t,ants. graud~za e tau.ta sincerirla de, gus on p,trafuso~ per J i lo~. :-
fumes de Viol eta a eugrinuldar em Des- que é; mAsquiuho o muu <lo com ._toda.:."_ a ·J -rn e 11te ll.li Côr da ~ud. oo rii. '.
taqne esse Mundo que se pretende sen- sua Nature t.~., perrlute 'lt111a pa1:-1ttg~! Leia.se:
tir phr-. viver depois! da Alurn. tii.o seutida e graud ...! 'é
D os s,1uhos de Alfredo Pedro Gu-isO'l,b . o· rodas. ó engrenagrn!". r- r- r-r
Pret f'ude-se apenas co ustruir U:::!l ~1- 1Forlti espasmo retitlo d'o.; maqumi~
tar de al•bastro ao fnndo duma nave leia o leitor o Ante-Deus qne t,ra~1Jcr.Í,- J.:111
furia fora e oentro ,!e, miru.
inconstrnidii <l~ pl'eues recurvf\das. Er- vo em outro lo ga r. - , / Por lodo:; o:s IIJP.US uern"\5 di~ -
gue-se esboçadame nt e já o portico do Ansi~ e Orgulho! Pode-s e ir'.mais j' Por todas as paJJilas fora U1;-tu,i,:, e
longe? .
Essa enorme extranheza, doe11t,ia~meB· 1· VejH.-Se t.atolJe111 es~t:' d -:-t·r -
tão grH-nde co m qn" .-Hr ·u-
Templo, gotico ostra\ do Curvas /f:l~ mo, é uma art~ bem ma .is dificil do q11e
tHh ; arR. 1\ ::ma proprÍtl rsi c:ol
Incenso, para nele ~e ·resar em,-.0~ a de defluir " S in)p licid.de !
1· ........... .. ...
Longe as orações que a Arte resa, t-ill
Lne.r a. Nossa Seuhnra da. Beleza.. -~ '
O poP.t&.da D istani·ia vive numa otl -
tra vida mais verciarleira e mais saute.,
e os se ns versos são Alma e m stu olhtlr 1
{~ i11 s s;io feitos pra ~.,;istir
glezt.>
I
Tão pouco e ta11ttJ! ~;to l,a f:i->utccomo esla prn e,tar f--i'
.. . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . .. . .. . ..
_ a ocioso ·1 , •· , Com a Tra11q111 liJade. A li"•11h.· de1l1
U111\'i11h•111e s,,i tm1 lid es . 1 ~Jrõir .
Orpkeu é no seu conju ncto uwa p>Í· Tr ans par eucia de Dews tudo é capr-i.
cología doeute nHt.S bela. A Alma _
pH-Ss:a cho e m longes Côres... .,·.>J'
1Pcrlen ;o a um genno de púrlugu "z~
em deli rios de febre ... e canta ... e . . . E a"ºª Dôr de ser-se e i11fi1ti~tJ-' 1Qnt! depois de estar a lndia dc:-cc,
souha visiouando :uuudos... O deseuhactôr .José de·1J.lníaàã Ntfll'lh !Fi,-a,·cun trabalho.• -\ mortt• t' Ct'
~e1n
Mario de Sá-Canui-ro o poeta do~ mi_l:lj ros dá-110• nus Frisos que sen~(l 1..:048, iTeuho pcusado uisto mui~ \~ze~. _
o .
terias descoi~jnnctados, l1onra 0111 ~i' .: ~aopoeml\~ ~m t,r3:çns d,e canrão .. . ·1 4 • •
tõ~s doirttdos primeirHs pa,gi~IWi l(é .Na pouca pn 1t,e1J\~ão da Fot1w1 ·Vive·
Orp/,eu dando-nos ulg 1111sdo_s s,ri.~~·!•· : a sua mai: ';r beleza. · :· -~~l"'-4·~·~ ,.,,,-- ..
Foi esta r 11vi:..t,l:Ide lit er ·
w•• dos lndi cios d, Oiro arnd& meJl- Cortes Rodri,rtues, mostra-n os (·m cin-
r;rit,ica. dP- Lisboa, cousco:,n
'l'irn!.>rttndo :E'i11sdei Imperio, J'IH
theous, Gu111es e Esp!ldaii, perp• l~sarn ··
- co dos se us poemas, tod1:1.es~it le\•0 -é
dista.ute t,rtt.H!!lpal'encia d e:-1se iufittit,();
morbido de, Si. '' 1
lu.pelidon . rle "f11.ll1a rle r a~-
nexan, "im p er feita 'l e °'.sei
·e- 111 todOt,; os seus pe.-iodicv!'- 1
)ms 1!,e Op~ ~-,,.~d ~tJ.!lt'~.re th . Conciso na forma, profundo ·n-ã.E s~·
te, ti;.l vez, porqne 11ingueill
uiinb os âe -~ ..~ -A\01 • e 111 ' pano sencia escreve conscienc ioi:io e se.ui_"W·
com pr ei:,ude -la ..
Egipto. _ , ~-J. guen- ! ·
A } \
Um verdadeiro sncesso .t
Ha toda urua ~eusAça.o oe Cor- e Ue - A 8Ua poesia Outro porv e n tura ··a.~
Perfuml) tt. Uesuu:lar o corpo do lii ea\ Lisbo", 6-3-915 .
maior de t0da~ ela.8; sem Oôr, vive de~ ·
dando uma t'i.>rmtt.in comp l eto. mas p e~· se proprio d esco lorido . ,- Fernatido Cm-rol1
feit»... , Que estranha. beleza!
Duas poe:sia~, 16 e 7 1 terá n leitor O peusador Fernando Pessoa j,ubJ ;;°
onasião de nprecitt.r em outras co Junac i ca-nos dua!:I po esias tuturistas de 4 lv<t1Y,
do presf\ntti nutnero. ... . · de lawpos: Opiario • Ode 1'ri• 1-nfi1/. .', 1
(J poeta. brasileiro Ro11aldde c_a.r_va- De'&tru.m P-llrndos u.ugulos es!'ériuos vM
:;as lntu~~], curvas que'brada1 em mlstériós de St/n,.
lho cunta~110:-; uova.:-i e~tr 1:1nl,,ae
em impr c·ss0es de lu zes velht1.s e fins rie
Onto110. '•t •
!
!
CIDT &--k atJ t .e oós a impre ssio lu :ui1:1i•
ce u.:e oe f ontea iri~Kdas em uoit es d~
1Ln& e Sonho . • . Quando, tangendo diz:
Volupif\ de fugir--Stlr longe e ~M distancia,
/
e tornar logo ao cais e de "º"º
partir !
Re,·isla lrimcslral de li tera- Votu1)ia- - dest,jar e uão possuir, ser ansia. ; ses; int~rmiuaveis sonole:nci 11s h , u
tu r a-Diredores: Lniz Je . Repnxos a desi:e r, rcpnxos a subir. 1' cas de Vida; dô: tuorta em A 1m
1
~~~n~~l~~Ít~/~u,:,~ :0~:-oct~;:~ 1 vai t ão aHo visiou a uclo a Côr uo int.er• n~rnból~ ca d e m o vimento opono , D
---""º IF.; t9tõ-N. ut_- Ja- medio do I deal qu e 1108 esquec"'mos di-1. rvea",·•,htõenr~~,
0
.º,.º. t_a_lidH-dedestimbrada e
-nciro-- evP-reiro-março. Vida ptt.ra r ecouh ec ~rmoe ap enas a Ma.• .., ,.,
· · \ ueira de i:s~ r do Iuc oncebido ! Velocidad e ! VcluciJ~de ! -.
Afir.ma . Lui z de Montalvor ue. su• Iu- , F,mand o Pessôa ofere ce em 0,-p/,eu a Não se pod e criticar . .. ~ te.
trodn.cção que <afot ografia de g eração. Ca1·los Fr anco o seu drama es tatieo e m fcuminl,a.-se a o la.do d~ obra -.:. e
raça º" meio, com o St!tl ,nuudq ~ediato um acto O Mar inheiro . Ia ce lerad~in e ute e m busco. dos.No,;- ,
de ex ibição a qtu fr~quentemente se· clza- Que e norm id ad e d e d Pspreudimeutõ , Futurismo! Fu t urismo 1
ijleratura
n!!J:._ , é sumo do que para ai s~ e de inc ert eza ! , f 'riinbr es m e talicos re~~oam A :
intitula revista, com a variedade a Úife· Que grandA 2 a vi ve a l.lma pora •o::. · P••••ru zig-z,-gu•anto s e111vais-T
riorisar pela igualdade de assuntos 1-(•ti~ uhar f! ~U _Alé,'.i - Ü fHl~ ! __ ....:. _:.;. ci~a.1:~·e8 ,. e ~n eo r~·e rlus eudoide,ci
go, secção 01111/IJmentos)qualquer t~ntal.iva ; . Uma hist?n~, qu e, S E' ttffnlli_i;,~S. f", s~ 11~,1.1 u . u t. 111com~a1,\v eJmeat (1 Leia d
de arte-deixa de existir 110 te:rt{ll,reo- ria um ,·Si.let'ific io do seu propt·io u'!rn~.~J, vil1sação wo de 1na.
cupado dt Orpheu.> , '.> • Pj\ra quê sab er O Após se O A"t""', 1 N,;;o fa111r nadto é a minl,a p Ndi~
Uma gru.ndfl ohr.a, com efeito. se pro- uos .-,es_que ce 0 0 Pr esent e é Meutiroso r : Pois quê? Para on de Yt: i a i:!..
põe ergu8r essa zrupo gentil dà inteli- E' pr ecbo viv er?_ Pois bsm ! So- i·hunu1.11t1.pres e ut e?
geucias, q11e não pr et ende Forma mas nli en)Os qn o viv eremo~1 qu e a Vida t ~rá ;~ oiiÍ quê? N ã.u é todo l?'S8e u 1t)Ti
pretende Essen cia, que não ansei, -Al- 'pahin . pa.r R.Yiver m elbor ! . . . . ·, ·to ;·ttee ler ada.ment e fort e. a rd1.' isa
tora mas que busca Motivo A eôr . . Ct1.UÇi.SSO' de Côr. _. 6 t,ran~pirf!nciá de Al8lll da paralis ação m om eut :ta t:
Adivinha se em toda aquela Realisa• . de Nullle. en ergia fis;c,.?
ção o Verbo ignorado e obscisro dum& Qn~ndo escreve: · A li/Oro de Cwnp o, ua ,ua ,rn,i .. 1
Sinceridade! . . . . - - Não valeria entíi.o a pen,i fécha,·1110· vai tão longe qCle se <·s q n e,·e de P"!
Não ha !mhlls de Colorido ~em .per-, nos 110 sonho e esqu ecer II i:i d,1 p,,ra que- porqu e é 4u e pensa, olh, udo , .:,
~&r de ~~abast.ro ttO fund o .Uma · .na~e . sua N,atur e.L:tt., p er a nte 11tua p;Ü:of1:1get gas ou pc1.ra fuso s per di I,"> ::-. r l <:>
LC.
1neonstrn1da. de p.rec ~~ ~~cl:'C.Vf\d~~ Er - da AlttHL tllo sentida e gnuid H ! · m e ti te na C ô r da :--Urt o b ra.!
esboçada~t.1I ·JlhO "!pOrtico der 1 Dos souhos de Alfi'edn Pedro Guisado 1 ' L~ilL-s e :
..,~:.~-.·
TemplÕ.., gotic ~ •stf~l . de~<;:: ..·,11leia
-,r
ffl> o leit,or o Ant e-Deus que
voem outro logar.
t,ra~õcre· . j O' rodas, ó cngreuagen, . r-r -r-r- •- ;
· Port,? e~pasrno retido J os ,naquini:- ··~~
r"
.Iuc ensoi,. . par a. ii,e
l.,ouga 'aiiJ··· o r &ÇD:e
t ,
,·...res i-1 ..
s.~. é n f\1e t eli .e I Ansia e Orgulho! Pode-~e ir mais f:1n funa fora n t1entro de 111im
Luar Ness1.t-
~1t )ra d.a ~Êtaeza-. ~ :: louge? . Por todos "l> 111PnS nen-os d1ssecaJv:- fvn...
Tão pouco e ,to! ·· :!,.; ;Essa. en9rm e extranh ez a., doe1d.ia mes- Poi todas as papil,ts íoi a de Indo n,n.i!Jll'!~
•••••••••• 1-, ••••• ' . .. . .... , •• f-. .~:-ti; . mo, e uma ~rte bem muis rlifi cÍl do qoe ' v ~Ja se t arnb e m es~e d epr f'c :.cii
Orp_hei, &-uo seu coujuu ct<'ln1ba1·, a de deün1r a Simpli c1d.d?! tã o grand e con, que Aha , , de
colog,a do eute mas bela. A Alma _ .-a O poAt&.da DIStctnc,a v1v~ UUllj<L ouj eueara a sua pr opria p sicoJ,,,, ; • .
em delir10111 d e f ebr e . .. e. canta ,~ar I t.1 a vida mais ver<lade1ra e mais santa, . . . . . . . . . . . . . .-~.-. .· _.
sonha v1sion a ndo !OUndos.. . . Ft /" e os se ns v ersos são AlmA. em St,Y;Olhar
Mario de Sá Carnetro o poeta"'do11tiiis· ' anc1oso ! .._/' " ~- 1Os rnglez1~ss,1o feJtos pra t"'Xb hr
ter10s d esco1:junc r,a.d os honr9'! ~ 1 Tran ~ptt.rAncia d e D eu s tu d o 1 étc ~ 'l't ~ào h,i g,•nte como csla Jlra e5tar f-,L
' ' -'' -i;;f ;J,{ .:: 1 l O~ ; ; Lom ,1 TrJn<puiltl,tdt' A (!1111tt! de1b
tõ fl'S d úlf l:ld os ttR pr1me1ras pagthlt!"I, 1 e 10 em oug es ~r es. . , . . • . ~. Urnvmtuni e s,,1 11111d ei~ c1 sorri r
Orp!t eu dti.1Jdu-uos dlgnus dos 13'.'u-.po..-- .. E R. ~U!. Dor de ser -se e 1ufin~a .t J
1
wa!i tios lndt czos de Ozro ain 'da ined l'- ' O de se nhad o r Jo sé de Almaáá7fJ!lt-éi.,,, Pe,tcn ;o a 111ngenc10 de 1,orlur u-z-':o,
t ns. ., >- ros dá. llOSI n ns Pri,qo.crque sendo -,prosas• O.ne depois de estar a lndia dL";c:oBPrt.s
4
Tí111b1· ando Fiu s d A Imp eri Ô~,- -, ~ão po e ma~ em tr1t.cos de carvão ... 1• ;._, -... Y,ri:araw Sl'm ll·al~all,o. A.111ort e e .::t-;b..
· · , , · · - d F 1 ' ·0 • lenho pcwrnUomsto mmlas ,·eze;.
tbeons, Gun~t-S e Esp~da s,. pe~pass~ ~a po? ca pr ete4çao ~ . oru ~.t :~1~ ····
br&s de Opi o em p edl'l,rta• y · . , a su,. . Dl1''r.r b eleza. ';; ,1 ,. , • *
miul1os d e Além-Almrt t' .111 1Jal!ol . Cortes Rodn:gues, mostra-no.-.; yrn_,~iu'-:' •. ..,.1,. *
Egipt o. . "-~···"·4 t~ co dos seu8 poemt1.s. todn es~u ~, oi esta r ,:..vi ~th de Jit er 1ttu:-â
Ha toda uma oe us•çii.o de Oôt~ distaute t ra11spa re11ci11 desse iÍ•fi .~i~~ : crit.io ít. de Li sbo a, t:ous c<:m c:o»a
Pt-rfu111H u. d e~uu :Ja r o eorRo ~0 1
morbid? d e S i. . . _.... .i ctpe lidon de :.tfttllia dt:" r1t.s ã o_.
dando uma form11. incompl eto. ma.s _ Conc1su na formü., profundt;> ~,n~_;Es- 1 ! u exa. 11, " imp tll'foita ,, t:: -';,,, em · \"er;
feita.. . ..,. !l~ saneia escreve consci e ncioso e aoiu ,';.bla- e1n todo i,; 0~ seu::; ptnio lic.,~~ju ~:.
!
Fig.(9:(Cutting(of(review(published(in(Terra'Nossa((April(11),((
included(in(the(“Críticas(de(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(
!
!
!
!
IDe"ORPHN.º 1,Janeiro,
EU,,
o, , 1916
FeverirMarço 1
. ..._,.
___ANTE DEUS
l
c~:;<J
--:;; 1
de
AlU·êolei-111e oiro c1n ~0111bn fria
E inêtti. vôoS cairam deslrni1l()s.
F'uram' ~cdo~ tln Oeus M; hu·u~ sc,1tirlo;-..
M~M,.~(>rvy, andou ao t:ulo .le Maria. 1
1
~dupno Cri!ilo 1•1:1 ,·ens pagãos.
.'tgor.1
São. hp't-t~Mc l>Pus as 11,inh.-1s rnãlts. l
Rt'gresso Ansia pra a/ 1:ançar os céns.
1
da Dór.
] Er~o-,rni rnai~ Sou o pP1·11!
'j
·1S,)hrc os ombros de Deus olho em redor
j E lleus uão sabe 11ual de nús é Oeus !
! Alfndo Pedrn llu isr,d11.
1
1
!
Fig.(10:(Cutting(of(Alfredo(Guisado’s(poem(“Ante9Deus”(
published(in(Terra'Nossa((April(11).(
!
The! reception! of! the! magazine! in! Spain! was! particularly! important! for!
Pessoa,!given!“[a]!conveniência!de!uma!entente!ibérica”![the!convenience!of!an!Iberian!
entente]!(apud!LÓPEZ,!1915a:!186).!As!noted!by!Pablo!Javier!Pérez!López,!that!same!
year!Pessoa!began!developing!his!project!about!Iberia,!which!“supõe!a!afirmação!
de!uma!necessidade!de!acção!civilizacional!conjunta,!de!um!imperialismo!cultural!
e! de! uma! aliança! espiritual! ibérica! que! deixe! para! trás! o! provincianismo”!
[supposes! the! affirmation! of! a! necessity! of! joint! civilizational! action,! a! cultural!
imperialism! and! an! Iberian! spiritual! alliance! that! leaves! behind! provincialism]!
(LÓPEZ,! 2015:! 187),! thus! increasing! the! international! projection! of! peninsular!
literatures.! Aside! from! the! well<known! letter! to! Miguel! de! Unamuno,! Pessoa!
intended!to!contact!other!important!figures!in!the!Spanish!letters,!as!shown!by!lists!
with! names! and! contacts! found! in! his! archive! (LÓPEZ,! 2015:! 187),! which! also!
includes! a! list! of! Spanish! newspapers! to! which! they! should! send! reviews! of! the!
magazine,!notably!El!Mundo,!La!Tribuna,!and!El!Tea!(PESSOA,!2009:!39).!If!Pessoa’s!
attempts!to!introduce!Orpheu!to!London!publishers!and!magazine!editors!did!not!
bear!fruit,!nor!his!attempted!contacts!with!some!Spanish!intellectuals,!the!plan!to!
disseminate!the!magazine!in!the!Spanish!press!was!more!successful,!resulting!in!a!
few!reviews!being!published!in!Spanish!newspapers,!though!not!from!Madrid.!!
According! to! López,! “a! maior! ressonância! espanhola! relativa! à! publicação!
do! Orpheu! foi! atingida! na! Galiza,! onde! vários! jornais! publicaram! “críticas”! ou!
comentários.!Os!seus!autores!relacionavam<se!com!Alfredo!Guisado,!que!manteve,!
desde! muito! cedo,! uma! forte! vinculação! com! a! Galiza”! [the! largest! Spanish!
resonance! regarding! the! publication! of! Orpheu! was! achieved! in! Galicia,! where!
several! newspapers! published! reviews! or! commentaries.! Their! authors! had!
relations! with! Alfredo! Guisado,! who! kept,! from! early! on,! a! strong! connection! to!
Galicia]! (LÓPEZ,! 2015:! 189).! Among! the! latter,! he! lists! El! Eco! de! Santiago,! and! La!
Concordia!de!Vigo,!as!well!as!El!Tea,!originally!included!in!Pessoa’s!prospective!list!
of!targeted!newspapers.!López!argues!that!Guisado!not!only!assisted!Pessoa!in!the!
elaboration! of! the! aforesaid! lists,! as! shown! by! his! handwriting! on! some! of! them,!
but!was!also!responsible!for!passing!on!the!Galician!contacts!to!him!(LÓPEZ,!2015:!
187<188).!Additionally,!he!also!availed!himself!of!the!contacts!he!already!had!with!
Galician!journalists!to!disseminate!news!of!the!magazine’s!publication!and!secure!
reviews! of! it.! Therefore,! the! reception! of! Orpheu! in! Spain! was,! to! a! large! extent,!
mediated!by!Guisado,!through!his!acquaintances!in!the!Galician!press.!!
Originally!from!Galicia,!Guisado!had!close!personal!and!professional!ties!to!
that! part! of! Spain! and! therefore! played! a! central! role! in! the! reception! of! the!
magazine! in! the! local! press! from! that! region.! Unlike! most! of! the! Portuguese!
contributors! to! Orpheu,! he! had! previously! published! two! volumes! of! poetry,!
namely!Rimas!da!Noite!e!da!Tristeza!(1913)!and!Distância!(1914),!which!feature!in!the!
list!of!works!by!contributors!advertised!in!the!front!matter!of!Orpheu.!These!works!
had! been! reviewed! not! only! in! several! major! Portuguese! newspapers! such! as!
Diário! de! Notícias,! O! Século,! and! A! Capital,! but! also! in! some! Galician! newspapers,!
including! El! Tea,! in! which! one! of! the! reviews! of! Orpheu! subsequently! appeared,!
and!Vida!Gallega!–!in!which!Alejo!Carrera!Muñoz,!who!signed!the!review!of!Orpheu!
for! El! Tea,! had! previously! published,! in! November! 1914,! “a! que! seria! a! primeira!
notícia! do! grupo! do! Orpheu! fora! de! Portugal”! [what! would! be! the! first! piece! of!
news!about!the!“Orpheu!group”!outside!of!Portugal],!an!article!entitled!“Los!Poetas!
Lusitanos”.! In! this! review! in! Spanish! the! critic! referred! to! the! main! figures! that!
would!become!associated!with!Orpheu!as!a!“grupo!de!jóvenes!poetas!de!la!escuela!
moderna”![group!of!young!poets!from!the!modern!school]!(apud!LÓPEZ,!2015:!191).!
The! reviews! about! Guisado’s! works! were! carefully! collected! by! the! author! and!
kept! in! the! aforementioned! notebook! entitled! “Críticas”! [Reviews],! extant! in! the!
Távora!archive.!!
!
1)-e._trfJ f.e_at'
SOMBRAS
.•......--.....-
...........
.-.-... ......
. ....... ·Passam as sombras pela est rada fora .
Süo pedacos de luto e de mistério,
"Rimas
da Noite Personagens da vida, sem feitio,
Guardas do cemit!i[.io .. .
!
Fig.(11:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(Rimas'da'Noite'e'da'Tristeza((1913)((
in'El'Tea,(from(the(“Críticas”([Reviews](notebook.(
!
!
+1 (( Q..Ol,
·-
"Distancia"
por Alfredo l'edro Guisado.
!
Fig.(12:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(Distância'(1914)((
in(El'Tea,(from(the(“Críticas”([Reviews](notebook.(
!
Regarding! the! reviews! of! Orpheu! in! Spanish! newspapers,! Sá<Carneiro!
managed! to! gather! more! of! them,! namely! Juan! Barcia! Caballero’s! in! El! Eco! de!
Santiago!(6!April!1915:!1),!Jesús!Cano’s!in!La!Concordia!de!Vigo!([5th<7th?]!May),!and!a!
third! review! ([22nd/23rd?]! April)! in! an! unidentified! Vigo! newspaper! (LÓPEZ,! 1915:!
190)11,! all! of! which! feature! in! the! “Orfeu! 1”! notebook.! However,! Guisado’s!
“Críticas!de!Orfeu”![Orfeu!reviews]!notebook!includes!a!review!which!is!not!found!
in! Sá<Carneiro’s! notebook:! the! aforementioned! review! from! the! weekly! El! Tea! (9!
! While! the! information! about! the! month! of! publication! is! based! on! Pablo! López! (2015),! the!
11
proposed!dates!for!these!three!reviews!in!Galician!newspapers!are!based!on!the!examination!of!the!
reviews!adjoining!them!in!Sá<Carneiro’s!notebook!of!press!cuttings!of!reviews!of!Orpheu!1.!!
April!1915:!2),!published!a!mere!few!days!after!the!publication!of!the!first!issue!of!
Orpheu,!making!it!one!of!the!first!Spanish!reviews!of!the!magazine.!Signed!by!Alejo!
Carrera! (Muñoz)! and! entitled! “Revuelo! literário:! Los! poetas! de! Orpheu”! [Literary!
Stir:! the! Orpheu! Poets]! –! resuming! the! term! he! used! to! describe! the! action! of! the!
group! of! young! “Lusitanian”! poets! in! the! aforementioned! 1914! article! from! Vida!
Gallega!(LÓPEZ,!2015:!191)!–,!this!review!in!Spanish!underscores!the!scandal!caused!
by! the! newly<launched! magazine! (said! to! be! selling! out! fast),! quoting! from! the!
article!published!in!A!Capital!as!example!of!the!attacks!Orpheu!was!under!from!the!
Lisbon!mainstream!press.!Carrera!names!all!the!contributors!to!Orpheu,!whom!he!
identifies!as!representatives!of!a!new!school!of!poetry,!i.e.!the!so<called!“paúlicos”,!
claiming! that! they! were! being! hailed! as! “innovadores! de! la! musa! lusitana”!
[innovators! of! the! Lusitanian! muse]! and! underscoring! the! defiant! way! in! which!
they!were!facing!the!sustained!attacks!from!the!press!and!lack!of!recognition!by!the!
general!public,!which!he!regarded!as!proof!of!their!serious!mission!to!“legar!a!su!
patria! una! obra! de! grandeza! literaria”! [leave! a! work! of! literary! grandeur! to! their!
country].!!
According!to!López,!Alejo!Carrera!(Muñoz),!who!signed!the!review,!was!an!
acquaintance!of!Guisado,!hailing!from!the!same!Galician!town,!and!was!based!in!
Lisbon! as! correspondent! to! several! Galician! publications! (LÓPEZ,! 2015:! 191).! This!
explains! the! notation! “Lisboa”! alongside! the! date! of! “6<IV<915”,! below! the!
signature;!in!effect,!the!review!comprised!that!issue’s!“Crónica!de!Lisboa”![Lisbon!
Chronicle]!(LÓPEZ,!2015:!192),!the!name!of!the!regular!column!he!wrote!for!El!Tea.!
The! newspaper! is! identified! in! Guisado’s! notebook! as! “de! Puenteareas”! [from!
Puenteareas],! which! shows! his! familiarity! with! the! newspaper! since,! as! noted! by!
Lopez,! “Guisado! era! colaborador! habitual! do! semanário! agrarista! El! Tea! de!
Puenteareas”! [Guisado! was! a! regular! contributor! to! the! rural! weekly! El! Tea! from!
Puenteareas]!(LÓPEZ,!2015:!189).!Therefore,!considering!Guisado’s!close!ties!to!the!
journalist! and! the! newspaper,! and! given! the! review’s! encomiastic! tone,! it! seems!
reasonable!to!ponder!whether!it!wasn’t!in!fact!written!by!Guisado!himself!(if!not!
by!Pessoa).!This!possibility!is!reinforced!by!the!fact!that!the!review!comprises!one!
column,! corresponding! therefore! to! the! notation! “artigo! para! uma! columna”!
[article!for!one!column],!written!about!El!Tea,!in!the!list!of!Spanish!newspapers!to!
which! reviews! of! Orpheu! should! be! sent,! which! is! extant! in! Pessoa’s! archive!
(PESSOA,!2009:!39).!
!
!
~evuilo literario
Los poetas de "Orpheu"
u
Hace días v.ió la publicidad una-re-
vista trimestral de literatura que tiene
por título Orpheu. En ell~ colabora un
grupo de poetas que dan por el nombre
de paúlicos o sea el nombre de la no-
vísima escuela poética que sus discípu·
los quieren hacer popular o célebre.
Ese grupo de jóvenes son: Mario de 1
Sá Carneiro, Luis de Montalvór, Ro-
nald de Carvalho, Fernando Pessoa,
José de Almada· Negreiros, Cortes Ro-
drigues, Alvaro de Campos, Alfredo .
Pedro Guisado y como editor figura
Antonio Ferro.
Nosotrqs quisiéramos conocer a fon-
do la poesía portuguesa para formular '
una opinión propia referente · a la es- t
cuela sustentada por estos jóvenes li-
hoy son señalados por ,las j
callescomo innovadores de la musa lu- ¡
sitana. 1
!
!
!
.. . . r ·- .
grupo de ;:,<>e tas que dan por el ;:;;.:::-~e
de p .1úlicos o sea el nombre de la ~c-
vis ima e,cuela poética que sus discip~-
J
los quieren hacer popular o célebre.
Ese grupo de jóvenes son: Mario ce
Sá Carneiro, Luis de Montalvór, Ro-
nald de Carvalho, Fernando Pessoa,
José de Almada· Negrei~os, Cortes Ro-
drigues, Alvaro de Campos, Alfredo
Pedro Guisado y como editor figura
Antonio Ferro. ,
Nosotros quisiéramos conocer a fon- '
do la poesía portuguesa para formulilr '
una opinión propia referente a la es- ;
cuela sustentada por estos jóvenes li-
~P -~_ql!~ hoy son señalados por ,las J
ca~ como innovadores de la musa lu- 1
silana . )
Innecesario se hará decir a nuestros
lectores que la primera edición se está
agotando, porque hoy no hay nadie que
no I!~ leer la ya célebre revista
Orpheu,tan raras, rarísimas, son las
"inspiraciones que la misma contiene.
Los llamados paúlicos han aguanta-
do sobre ellos la implacable metralla de
., la PJ,W,l,S!!tCOtidianalisbonense. Algunos
diai:los IJegaron a dar la palabra al doc-
t0r · julio de Mattos, versado en enfer-
medades mentales.
A Capital lleva su crítica al extremo
siguiente:
• Los colaboradores de Orphe11nun- ·
ca se revelaron como literatos sinó en
manifestaciones idénticas a las que lle
nan las páginas de la revista, y de ahí
no es posible juzgar su valor real. Lo
que se concluye de la lectura de los
llamados poemas, subscriptos por Ma-
rio de Sá Carneiro, Ronald de Car-
.valho, Alvaro de Campos y otros, es
que pertenecen a una categoría de in-
dividuos que la ciencia definió y clasi •
ficó dentro de los manicomios, mas que
pueden, sin mayor peligro, andar fuera
de ellos .. . ,
Como lo~ lectores de EL TEA obser-
varan, los criticas literarios de este
país no son para bromas, Por otra par-
te los llamados paúlicos , que parece
tienen la monomanía de los puntos sus-
pensivos, no se atemorizan y continúan
a 011(ra11ceimponiéndose e imponien-
do su atrevida e,cuela, aunque, como
es natural, no encuentren grandes
ade-ptos en el pueblo. --··- -
Sin embargo, ello es un buen sínto-
ma, pues demuestra que hay cerebros
y que, cada uno en sus diversos modos
de pensar, tiene el buen deseo de legar
a su patria una obra de grandeza. lite-
raria.
ALEJO CARRERA.
Lisboa, 6·1V-915.
!
Figs.(13(&(14:(Cutting(of(review(of(Orpheu(in(El'Tea,(kept(in((
Guisado’s(“Críticas(de(Orfeu”([Orfeu(reviews](notebook.(
~ Distancia· =..., ..
en~or
Versos por
tugués fiuisado
Pedro
Alfredo
Con galante dedicatoria, no s envía el joven Sr. Guisado un ejem-
plar de su nueva produccióu . El Sr. Guisado no es un vulgar versifi-
cador como tantos que pu lulan por ahí, hechos escritores en fornn
rimada por la acción de un a constante voluntad. Es un verdade 0 o
poeta . Su obra es de hermosa y íres ca i11spiración. Hay en ella rasg os
que revelan el paso sobre las páginas del alma vibradora y sut il de
un del icado arti sta.
Joven el Sr. Guisado, tal vez en piena lectura de los moderni s-
mos transpiren áicos, muestra la influencia de la modálidad anteclás;-
ca en algu nas d e su s composiciones . Estos atrevi mientos métricos ,
qu e muchas veces dan con la clave de la elegancia y que llevan auras
de alegre renovación al horizonte po ético, son otras veces ilógicos y
úislocados y ni renuevan con benefic io p ara las letras ni resuelve n el
problema onomat opéyico que casi siempre escond en detrás . ele su
ap arente inocencia. El Sr. Guisad o sale en muchas ocasiones e0n
'gloria de sus vuelos por los espacios de la innovación y otras delin -
que como todos los p oetas congén eres. Pero le salva siempre la ins-
piración jugosa, llena de frescura, expontánea y sincera que corre á
lo largo de sus estrofas.
Hav :tlguna s muy lindas:
, Voci ...
Sub í... _
[ algu rna coisa de Ideal achei...
E alguma coisa de llu sao senti. ,.
'.A.nies·d~s~r q;,e j~ s~:rn; fu·i 3\'e!·
E se te conh ecesse
Nesse tempo 1
Tal vez que náo nasccS'sc...
Meu Oeu s, meu Deus,
Expulsa-nos da forma que nos deste
E da-nos outra vez a forma antiga,
Esse montáo de brumas
Voeja ntes ...
Esse montáo de espuma s
Palpitantes ,.,
Ühiq~e ~uPrc~ o-, in~e-ns~ abo~re.cer:
Ter forma, ter se ntido s ...
E poder ver ...
!
Fig.(17:(Cutting(of(review(of(Guisado’s(“Distância”((
in(Vida'Gallega(kept(in(“Críticas”((Reviews)(notebook.(
!
A!similar!question!of!authorship!about!other!reviews!in!some!of!the!Galician!
newspapers!is!raised!by!López,!who!wonders!whether!Guisado!wrote!the!review!
published! in! La! Concordia! de! Vigo! (LÓPEZ,! 2015:! 190)! and! whether! Pessoa! wrote!
another!one!entitled!“Orpheu”!and!signed!with!the!initials!R.R.!(LÓPEZ,!2015:!192),!
published! in! an! unknown! newspaper! said! to! be! from! Vigo! in! a! hand<written!
notation! in! Sá<Carneiro’s! “Orpheu! I”! notebook.! Cuttings! of! this! review! are! also!
found!among!the!Guisado!papers!in!the!Távora!archive,!possibly!not!added!to!the!
“Críticas!de!Orfeu”![Orpheu!reviews]!notebook!because!it!was!published!at!a!later!
date!–!in!late!April,!judging!from!its!positioning!among!other!late!April!reviews!in!
Sá<Carneiro’s! notebook! –,! by! which! time! Guisado! was! no! longer! following! as!
closely!the!magazine’s!press!career.!Nonetheless,!the!reference!to!his!works,!which!
are!said!to!be!read!and!appreciated!often!on!the!pages!of!the!Spanish!press,!likely!
sparked! his! interest! in! the! review,! which! does! seem! to! have! “um! cunho! muito!
pessoano! em! algumas! das! suas! frases”![a! very! Pessoa<like! imprint! on! some! of! its!
sentences]!(LÓPEZ,!2015:!192).!Therefore,!these!findings!reinforce!the!argument!that!
the!majority!of!reviews!of!Orpheu!published!in!the!Spanish!press!originated!from!
both!Guisado!and!Pessoa!and!were!part!of!a!sustained!campaign!to!publicize!the!
magazine!in!Spain.!If!the!focus!on!Guisado!in!this!review!is!directly!related!to!the!
latter! goal,! appealing! to! the! readers’! familiarity! with! the! author! from! the! Orpheu!
group!who!regularly!published!work!in!Spanish!periodicals,!on!the!other!hand,!if!
it! was! written! by! Pessoa,! it! can! also! be! seen! to! convey! a! genuine! admiration! for!
Guisado’s!work,!which!was!indeed!the!case.!
!
III.(A(subsidy(to(the(poetic(legacy(of(Alfredo(Guisado(from(the(Távora(archive(
!
In!a!Post!scriptum!to!the!aforementioned!letter!to!Armando!Côrtes<Rodrigues,!from!
4!March!1915,!Pessoa!remarks,!“O!Guisado!tem!feito!ultimamente!extraordinárias!e!
inesperadas! coisas,! versos! ofuscantemente! belos”! [Guisado! has! been! producing!
extraordinary!and!unexpected!things!lately,!obfuscatingly!beautiful!lines].!He!was!
likely!referring!to!the!“Treze!Sonetos”![Thirteen!Sonnets]!that!Guisado!contributed!
to!the!first!issue!of!Orpheu,!which!in!their!poetic!imagery!and!diction!epitomized!
the! predominant! aesthetic! in! the! first! issue! of! the! magazine,! “paúlismo”,! a! term!
coined! after! a! poem! entitled! “Pauis”! published! by! Pessoa! in! the! single<issue!
magazine! A! Renascença! (February,! 1914),! and! subsequently! adopted! by! most!
writers!of!the!Orpheu!group.!Guisado!also!published,!in!the!same!magazine,!“Asas!
Quebradas”!(February,!1914:!13),!the!closing!poem!of!Distância!(1914)!(LOURENÇO,!
2011:! 161),! which,! according! to! António! Apolinário! Lourenço,! “[é]! já! na! linha!
estética! paúlica! que! se! integra”! [already! falls! within! the! “paúlica”! aesthetic!
orientation]! (LOURENÇO,! 2015:! 286).! Lourenço! emphasizes! the! importance! of! this!
volume! of! poetry,! arguing! that! Distância,! “com! as! suas! sinestesias,! paradoxos,! o!
intenso! cromatismo! imagético,! o! desdobramento! do! sujeito,! a! fusão! do! material!
com! o! espiritual,! constituiria! um! dos! primeiros! testemunhos! em! livro! da! geração!
modernista”! [with! its! synaesthesia,! paradoxes,! the! intense! chromatism! of! the!
imagery,! the! dissociation! of! the! subject,! the! fusion! of! the! material! with! the!
spiritual,! it! would! constitute! one! of! the! first! testimonies! in! book! form! of! the!
modernist!generation]!(LOURENÇO,!2015:!287).!Distância!also!elicited!the!following!
comments!from!the!author!of!a!review!in!Spanish!published!in!Vida!Gallega,!in!June!
1914,! and! included! in! the! “Críticas”! (Reviews)! notebook:! “Un! hálito! panteístico!
corre! por! la! mayor! parte! de! las! poesias! de! Guisado.! Casi! sempre! vaga! por! las!
regions!del!ensueño”![A!pantheistic!breath!runs!through!the!majority!of!Guisado’s!
poems.!He!almost!always!wanders!through!the!regions!of!dreams]!(Vida!Gallega,!25!
June!1914:!26).!!
A! similar! pantheistic! strand,! which! constitutes! a! dominant! trait! of!
Sensationism,! the! aesthetic! that! subsumed! “Paúlismo”! in! the! rapid! progression!
from! the! first! to! the! second! issue! of! Orpheu,! and! which! also! straddles! Pessoa’s!
Portuguese!and!English!poetry!at!the!time,!is!also!present!in!O!Elogio!da!Paisagem!
(1915),!published!by!Guisado,!under!the!pseudonym!Pedro!de!Menezes.!This!book!
would!give!Pessoa!the!opportunity!to!endorse!Guisado’s!poetic!talent!publicly,!as!
well! as! the! “pretexto! (...)! para! Pessoa! apresentar! e! defender! na! revista! Exílio! (...)!
Abril! de! 1916,! o! ‘Movimento! Sensacionista’”! [pretext! for! Pessoa! to! present! and!
defend!in!the!magazine!Exílio!April!1916,!the!“Sensationist!Movement”]!(Lourenço,!
2015:!292),!which!he!claimed!the!book!encapsulated.!Thus,!argues!Pessoa,!
!
A!breve!e!magistral!colheita!de!sonetos,!que!o!Sr.!Pedro!de!Menezes!fez!para!o!seu!público,!
marca! bem! a! individualidade! definida,! que! ele! tem! adentro! do! Sensacionismo.! A!
exuberância! abstracto<concreta! das! imagens,! a! riqueza! de! sugestão! na! associação! delas,! a!
profunda! intuição! metafísica! que! rodeia! tanto! os! versos! culminantes! dos! sonetos! desta!
plaquette,! como,! bastas! vezes,! a! direcção! anímica! de! certos! sonetos! integralmente! –! tantas!
são! algumas! das! razões! que! um! espírito! esclarecido! e! europeu! encontra! para! admirar! e!
amar!o!Elogio!da!Paisagem.!!
(apud!LOURENÇO,!2011,!163)!
!
[The! brief! and! magistral! collection! of! sonnets! which! Mr.! Pedro! de! Menezes! offered! his!
public! signals! the! clear! individuality! he! has! within! Sensationism.! The! abstract<concrete!
exuberance! of! the! images,! the! wealth! of! suggestion! in! their! association,! the! profound!
metaphysical! intuition! that! surrounds! both! the! best! lines! of! the! sonnets! in! this! chapbook!
and,!oftentimes,!the!vital!thrust!of!certain!sonnets!in!full!–!so!many!are!some!of!the!reasons!
an!enlightened,!European!spirit!finds!to!admire!and!love!Elogio!da!Paisagem.]!
!
Apolinário! Lourenço! underscores! the! aesthetic! parallels! “entre! o! conjunto! de!
poemas! reunidos! neste! volume! e! dois! importantes! ciclos! poéticos! que! Pessoa!
ultimava!na!mesma!altura,!“Os!Passos!da!Cruz”!e!“Além<Deus”,!que!assentam!no!
princípio! da! suprema! unidade! de! todas! as! coisas”! [between! the! group! of! poems!
gathered! in! this! volume! and! two! important! poetic! cycles! Pessoa! was! finishing! at!
that! time,! “Os! Passos! da! Cruz”! and! “Além<Deus”,! which! rely! on! the! principle! of!
the!supreme!unity!of!all!things]!!(LOURENÇO,!2015:!293),!which!helps!to!explain!the!
perceived!affinities!by!Pessoa.!!
Several! of! the! aforesaid! characteristics! indentified! in! Guisado’s! poetry! by!
the!reviewer!from!Vida!Galega!(possibly!Alejo!Carrera,!by!Pessoa!and!Lourenço!are!
also! present! in! a,! seemingly,! previously! unpublished! poem! entitled! “Poema! da!
Hesitação”,! the! manuscript! of! which,! featuring! the! date! 1916! and! Guisado’s!
signature,12!is!among!Guisado’s!papers!in!the!Távora!archive,!and!reads!thus:!
!
O!eu!ter!sido!um!outro!me!procura.!
Passa!por!mim!e!parte!convencido!
De!que!não!me!encontrou.!
E!ao!regressar,!em!<†>!trémula!ternura,!
Alguém!busca!saber!em!que!sonho!de!altura!
Me!deixou!esquecido!
E!porque!regressou.!
!
Não!responde.!
O!ser!o!que!já!sou!me!desconhece.!
Este!que!eu!possa!ser!
A!minha!sombra!esconde,!
Para!o!que!fui,!
Que!de!mim!se!esquece,!
Me!não!conhecer.!
!
Tudo!o!mais!que!me!cerca!e!me!acompanha!
É!um!país!que!para!mim!próprio!invento.!
!
This! first! section! introduces! the! central! themes! of! dissociation! of! self,! inability! to!
know!oneself!due!to!mutability!of!past!and!future!selves,!and!real!life!as!a!dream,!
as!experienced!by!the!poetic!persona.!The!depiction!of!the!dream!of!existence!as!a!
country! draws! on! the! underlying! metaphor! of! O! Marinheiro,! Pessoa’s! “static”!
poetic!drama!published!in!the!first!issue!of!Orpheu.!!
That! the! latter! intertextual! allusion! was! deliberate! is! confirmed! by! the!
setting!evoked!at!the!start!of!the!second!part!(section!breaks!signaled!with!“x”):!
!
No!alto!do!castelo!que!o!mar!banha!
E!em!cujo!varandim!me!sento,!!
Olho!em!redor...!
A!paisagem!parada!em!minha!frente.!
12!The!holograph!comprises!six!loose!unnumbered!sheets!of!smooth!paper!written!in!black!ink!with!
tears!on!the!last!page,!which!features!the!date!and!Guisado’s!signature.!Beside!the!signature,!there!
is!a!handwritten!notation,!presumably!by!Fernando!Távora,!stating,!“Assinado!em!29!de!Novembro!
de!1972”!(signed!on!29!November!1972),!likely!the!date!in!which!he!succeeded!in!having!Guisado!
sign! the! holograph,! which! is! corroborated! by! the! fact! that! both! this! note! and! Guisado’s! signature!
are!in!the!same!blue!ink,!which!differs!from!the!black!ink!in!which!the!poem!is!written.!!
!
Fig.(18:(first(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
!
Fig.(19:(second(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
In! turn,! this! section! of! the! poem! evokes! the! process! of! intersection! of!
different! planes! rehearsed! in! “Chuva! Oblíqua”,! published! in! the! second! issue! of!
Orpheu,! juxtaposing! the! actual! perspective! of! the! persona! looking! onto! the!
landscape! and,! hypothetically,! the! imaginary! perspective! of! the! landscape!
observing! the! subject,! which! is! thus! objectified,! through! the! same! oneiric! logic!
underlying!Pessoa’s!poem.!!
The!ostensible!“dream”!landscape!is!descriptively!rendered!in!the!following!
section,!which!reads:!
!
and! happening! (...).! Incessantly,! in! Alfredo! Guisado’s! poetry,! the! ‘I’! is! put! into!
question! (...).! The! depersonalization! has! a! dramatic,! sometimes! even! histrionic,!
quality]!(Guisado,!1969:!XII).!This,!coincidently,!is!possibly!the!biggest!reason!why!
Pessoa!took!such!an!interest!in!and!so!insistently!praised!his!poetry,!with!which!he!
undoubtedly! felt! a! close! affinity.! As! with! the! Pessoan! subject,! the! dissociation! is!
poignantly! felt! by! the! persona! in! Guisado’s! poem,! as! evinced! in! the! following!
section:!
!
Eu!mesmo,!se!me!encontro,!nada!digo.!
Um,!o!que!sou,!me!fico!meditando,!
Outro,!o!que!fui,!afasta<se!e!consigo!
Que!me!não!veja.!
Cada!vez!mais!ao!largo!se!deseja.!
Cada!vez!mais!ao!longe!vai!passando.!
E!se!outro!que!jamais!tivesse!sido!
Pudesse!ainda!ser,!
Nunca!mais!a!mim!próprio!voltaria.!
Teria!conseguido!
No!que!então!seria,!
O!que!fui!e!o!que!sou!
Dentro!em!mim!esquecer.!
!
Quando!será!que!dentro!em!mim!se!acalme!
A!torturante!luta!
De!ser!enfim!o!que!desejo!ser!!
Ou!quando!será!que!deixe!então!de!ser!!
O!que!nunca!desejaria!ter!sido?!
!
This! section! expresses! the! sense! of! dissociation! of! the! subject! in! a! manner!
analogous! to! the! neoplatonist! treatment! it! received! in! some! of! the! poems! from!
Distância,!as!“cindido!dum!‘Eu’!originário!e,!na!condição!agónica!de!quem!suspeita!
o!insucesso!de!suas!decaídas!faculdades!(...)!persegue!a!reminiscente!recuperação!
da! integridade! primordial”! [separated! from! an! original! “I”! and,! in! the! agonic!
condition!of!someone!who!suspects!the!failure!of!his!fallen!faculties!(...)!he!chases!
the!reminiscent!recuperation!of!the!primordial!integration]!(PEREIRA,!1976:!79).!The!
“subjectivist! Neoplatonism”! ostensible! in! his! poetry,! previously! highlighted! by!
Óscar!Lopes!(Guisado,!1969:!XIV),!resembles!that!of!Pessoa,!which!is!particularly!
salient! in! the! “Passos! da! Cruz”! and! “Além<Deus”! series.! In! turn,! the! expression!
“Outro,!o!que!fui”![Another,!the!one!I!was]!and!surrounding!lines!evoke!the!lines!
“Outro!que!eu!fui!armei!ao!sol!a!minha!tenda,!/!(...)!Embebo!os!olhos,!scismo”!in!
Mario! Beirão’s! “Ermos”! [Another! that! I! was,! I! pitched! my! tent! in! the! sun! /! (...)! I!
water! my! eyes! and! brood]! (A! Águia,! February! 1913:! 58<59),13! disclosing! a! similar!
!This!line!of!Beirão’s,!in!turn,!may!have!owed!its!suggestion!to!Pessoa,!who,!as!noted!by!Lourenço,!
13
“enviou,! no! dia! 1! de! Fevereiro! de! 1913,! uma! carta! que! é! um! dos! primeiros! testemunhos! do!
brooding!subject!whose!excessive!self<awareness!leads!to!dissociation!and!disquiet!
and! denoting! the! influence! of! the! post<symbolist! diction! of! Saudosismo! on!
Guisado’s!poetry!(SOUSA,!2013:!33).!!
!
!
!
Fig.(20:(third(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
desdobramento! pessoano”! [on! the! 1st! of! February! 1913! sent! a! letter! which! is! one! of! the! first!
testimonies!of!pessoan!depersonalization],!experienced!in!writing!the!poem!“Abdicação”!(Guisado,!
2003:!XV.)!
!
Fig.(21:(fourth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
Some! of! the! imagery! from! the! “decadent! saudosismo”! Rodrigues! refers! to,! more!
prominent!in!“Distância”!also!features!in!this!poem,!as!illustrated!by!the!following!
section:!
!
Quando!passo!nos!longos!corredores!
Do!meu!palácio,!onde!não!há!ninguém!
Nem!eu!próprio!sequer,!
Porque!sou!eu!que!aí!suponho!estar,!
Mas!realmente!nunca!nele!estive,!
Oiço!falar!que!existem!outras!cores!
E!outro!luar.!
14 !Scratched!words:!“é!que”.!
!
!
!
!
!
Fig.(22:(fifth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
This!section!resumes!two!topoi!which!the!saudosist!aesthetic!of!A!Águia!and!
the! “Paúlismo”! of! Orpheu! shared! in! their! common! rooting! in! a! decadent! post<
symbolism,!notably!the!dream!and!the!vague!encapsulated!in!the!lines,!“Qualquer!
sonho! que! escrevo! /! Imensamente! vago”! [Whichever! dream! I! write! /! Imensely!
vague].!In!effect,!the!latter!is!one!of!the!key!traits!which!Pessoa!had!identified!as!
characteristic!of!the!“new!Portuguese!poetry”!in!a!series!of!articles!published!in!the!
second! series! of! A! Águia! in! 1912! (PESSOA,! 1980:! 45),! and! one! that! would! become!
equated!with!the!paúlista!aesthetic!cultivated!by!most!contributors!to!Orpheu!and!
Guisado! in! particular.! In! the! same! stanza,! he! borrows! the! central! image! of! the!
closing! section! of! Pessoa’s! “Chuva! Oblíqua”,! in! which! the! persona! evokes! a!
memory!of!throwing!a!ball!against!a!wall!as!a!child,!which!constitutes!a!metaphor!
for!the!act!of!remembering!through!the!action!of!the!imagination,!evoked!here!by!
the!lines,!“Uma!bola!que!atiro!e!que!acerta!/!Na!minha!imaginação”![A!ball!I!throw!
and! which! lands! on! /! my! imagination].! Similarly,! towards! the! end! of! the! section,!
Guisado!rehearses!the!topos!of!abdication!found!in!Pessoa’s!“Abdicação”,!a!poem!
from! 1913,! as! attested! by! a! letter! to! Mário! Beirão! from! 1! February! that! year!
(PESSOA,!1999:!80<81),!though!published!much!later!in!Ressurreição!(February,!1920),!
but! undoubtedly! circulated! amongst! the! “orphics”.! Through! the! reference! to! the!
dagger,! Guisado! also! evokes! that! poem’s! medieval! imagery,! characteristic! of! the!
paúlista!style,!which!is!also!apparent!in!the!setting!of!the!palace!as!the!site!of!his!
desolate!wandering,! recalling,! and! possibly! emulating,! Pessoa’s!“Hora! Absurda”,!
published! in! the! single! issue! of! Exílio! (1916),! with! which! he! was! familiar! as! co<
editor!of!that!magazine.!The!Pessoan!allusions!continue!into!the!closing!section!of!
the!poem:!
!
Hesitação...!
É!minha!sombra!em!ânsia!resoluta.!
É!o!momento!
Em!que!dentro!em!meu!ser!se!acende!a!luta!
Entre!aquele,!o!que!fui,!
E!aquele!outro,!o!que!sou.!
A!alma!é!o!que!resta.!
Porque!o!que!desejo!ser,!só!vive!em!mim,!
Jamais!se!manifesta!!
!
The! mention! of! “ânsia”! and! “alma”! in! the! closing! section! deliberately! evokes! the!
opening!lines!of!the!founding!poem!of!“Paúlismo”,!entitled!“Pauis”!and!published!
in! the! aforementioned! A! Renascença! –! “Pauis! de! roçarem! ânsias! pela! minha! alma!
em! ouro”! (PESSOA,! 1914:! 11)! –,! to! which! the! Portuguese! wing! of! Orpheu! would!
quickly!adhere,!as!shown!by!their!contributions!to!the!first!issue.!!
!
!
!
!
!
Fig.(23:(sixth(page(from(the(holograph(of(Alfredo(Guisado’s((
“Poema(da(Hesitação”(extant(in(the(Távora(archive.(
!
!
!Thus,!Guisado’s!poem!has!all!the!hallmarks!of!an!homage!to!Pessoa!–!since,!
as!noted!by!Lourenço,!“as!grandes!referências!de!Guisado!são,!no!momento!da!sua!
[Tempo! de! Orfeu]! composição,! os! poemas! que! na! época! Pessoa! lhe! vai! revelando”!
[Guisado’s! major! references! at! the! time! of! its! composition! are! the! poems! which!
Pessoa! had! been! disclosing! to! him]! (Lourenço,! in! Guisado! 2003:! xxxi).!
Additionally,!it!also!underscores!his!allegiance!to!Paúlismo!as!late!as!1916,!which!
he! would! later! define! as! “uma! poesia<padrão,! qualquer! coisa! de! basilar,! e! tanto!
que!se!convencionou!chamar!‘paúlismo’!a!esse!alvorecer!de!modernismo!literário”!
[a!landmark<poetry,!something!of!a!basis,!so!much!so,!that!this!dawning!of!literary!
modernism!became!known!as!paúlismo]!in!an!article!published!in!O!Diabo,!on!15!
December! 1935! (Lourenço,! 2003:! xvii,! 193).! This! poetic! style! is! epitomized! by!
Guisado’s!O!Elogio!da!Paisagem,!which!this!poem!also!evokes!–!and!which!Pessoa!
hailed! as! an! accomplished! and! eloquent! expression! of! Sensationism! –,! resuming!
the! diction! and! imagery! of! several! of! its! lyrics,! namely! “Meus! olhos! p’ra! o! luar”,!
“A! agonia! da! tarde”,! and! “Romaria! dos! ecos”.! However,! it! is! distinguished! from!
the!latter!by!not!being!a!sonnet,!which!was!his!preferred!poetic!form!until!then!and!
subsequently,! as! confirmed! by! the! poems! up! to! Ânfora! (1918),! collected! in! the!
anthology!Tempo!de!Orfeu.!Incidentally,!the!poem’s!departure!from!his!poetic!form!
of!election!and!its!ostensible!filial!bonds!to!Pessoa’s!poems!could!explain!why!the!
author! was! reticent! to! publish! it.! Therefore,! regardless! of! its! hypothetical! poetic!
value,! “Poema! da! Hesitação”! constitutes! a! valuable! record! of! an! experimental!
exercise! in! a! rhymed! longer! form! on! Guisado’s! part,! which! ascribes! further!
documental!value!to!the!manuscript.!!
!
IV.(Conclusion!
!
Having!reexamined!the!contemporary!reception!of!Orpheu,!as!proposed!at!the!start!
of!this!essay,!by!way!of!critical!revision!of!recent!appraisals!of!the!circumstances!of!
publication! of! the! magazine! on! the! occasion! of! its! centenary! and! analysis! of!
documents!extant!in!the!Távora!archive,!more!light!has!been!shed!on!the!logistics!
and!tenor!of!the!dissemination!and!reception!of!the!magazine.!These!new!findings!
underscore! the! close! collaboration! between! the! mentors! of! Orpheu,! Fernando!
Pessoa! and! Mário! de! Sá<Carneiro,! and! Alfredo! Guisado,! who! accompanied! the!
project! of! production! of! a! cultural! magazine! from! an! early! stage! and! throughout!
the! lengthy! preparatory! period! leading! up! to! its! publication,! highlighting!
Guisado’s! contribution! in! various! ways! to! its! fulfillment.! Thus,! they! establish!
Guisado!as!one!of!the!original!and!leading!actors!of!the!making!of!Orpheu!and!of!
its!reputation.!They!also!require!us!to!reconsider!the!complexities!involved!in!the!
reception!of!the!magazine,!namely!the!extent!to!which!the!scandal!it!caused!in!the!
press!resulted!from!a!carefully!devised!publicity!campaign!(or!marketing!campaign,!
in!today’s!terminology),!to!which!contributed!a!series!of!fortuitous!turns!of!events!
that! greatly! magnified! its! reach! and! impact.! It! is! hoped! that! this! study! has! also!
clarified! previously! unclear! aspects! concerning! certain! developments! in! the!
aftermath!of!the!publication!of!the!magazine,!notably!the!circumstances!that!gave!
rise! to! a! rift! between! its! contributors! which! likely! impacted! negatively! on!
preparations! for! a! planned! third! issue! and,! adding! to! paralyzing! financial!
pressures,!was!partly!responsible!for!the!denouement!of!the!magazine.!!
Aside!from!offering!valuable!documental!evidence!towards!the!material!and!
cultural! history! of! Orpheu,! the! notebooks! of! press! cuttings! of! reviews! of! the!
magazine!kept!by!Guisado!and!extant!in!the!Távora!archive!challenge!the!received!
notion!that!he!broke!away!from!the!group!entirely!after!the!scandal!that!followed!
the!publication!of!the!first!issue,!providing!conclusive!evidence!that!he!attentively!
followed!its!progress!in!the!press!and!the!general!public!sphere! for!at!least!some!
time,!if!privately.!These!documents!also!help!to!reconstitute!the!extent!of!Guisado’s!
intervention! in! the! reception! of! Orpheu! abroad,! which! he! facilitated! through! his!
contacts! in! the! Spanish! press,! earned! through! the! merits! of! his! previously!
published! works,! thus! also! clarifying! a! misconception! that! Guisado! was! a! minor!
writer!of!the!Orpheu!group!at!the!time:!the!dates!and!circumstances!of!publication!
of!his!works!as!well!as!their!critical!reception!show!that,!along!with!Sá<Carneiro,!he!
was!one!of!the!first!Portuguese!modernists!to!establish!himself!as!a!poet.!A!review!
of!the!critical!reception!of!his!works!at!the!time!and!subsequently!in!parallel!with!
the!analysis!of!a!poem!by!him!thought!to!be!previously!unpublished!–!whose!MS!
was!found!among!the!documents!pertaining!to!the!author!in!the!Távora!archive!–,!
has! reinforced! critical! readings! of! his! poetry! as! drawing! substantially! from! the!
wellspring!of!Paúlismo,!the!autochthonous!aesthetic!more!closely!associated!with!
Orpheu!by!its!contemporaries.!Additionally,!it!highlights!Guisado’s!close!aesthetic!
affinity!with!Pessoa,!the!creator!of!what!can!be!called!an!Orpheu!poetics,!or!more!
precisely!a!couple,!whose!legacy!continued!beyond!the!period!of!its!publication,!as!
attested!by!Guisado’s!poem!discussed!in!this!essay,!from!1916.!Finally,!it!is!hoped!
that! the! critical! examination! of! the! documental! evidence! presented! here! has!
underscored! the! importance! of! the! documents! extant! in! the! Távora! archive! in!
redressing!the!conventional!narrative!of!the!reception!of!Orpheu.!
!
!
Bibliography(
!
ANON!(30!March!1915).!“Literatura!de!manicómio:!Os!poetas!do!Orpheu”.!A!CAPITAL!1670.!!
Lisboa:!n.p.!1!
_____!! (27!March!1915).!“Orpheu”.!O!MUNDO!5:281.!Lisboa:!n.p.!3.!
_____! (25!June!1914).!“Distância”.!Vida!Gallega:!ilustración!regional!VI:!58.!Vigo:!n.p.!26!
BEIRÃO,!Mário!(February!1913).!“Ermos”.!A!Águia,!2nd!series,!vol.!III:!14.!Ed.!Tércio!Miranda.!Porto.!
58<59.!!
CASTEX,!François!(April!1963).!“Um!Inédito!de!Fernando!Pessoa”.!Colóquio:!Artes!e!Letras!48.!59<61.!
COVAS,!Maria!João!(1999).!“Orpheu!em!1915:!Revistas!e!Jornais”.!Mestrado,!FCSH<UNL.!
Palavras-chave
Resumo
Keywords
Abstract
Throughout his life, the Architect Fernando Távora purchased several of Fernando Pessoa’s
manuscripts. These include a number of poems, one of which (“No horizonte solemne”)
remained unpublished until today. The manuscripts also include lists that refer to other
unpublished poems, the latter available in Pessoa`s archive at the National Library of
Portugal. This contribution presents most of Fernando Pessoa's poems in the Fernando
Távora Collection, as well as other documents of in that archive, many of which are part of
what Távora designated as “lot 31.”
L’archive […] est difficile dans sa matérialité. Parce que démesurée, envahissante comme
les marées d’équinoxe, les avalanches ou les inondations. La comparaison avec des flux
naturels et imprévisibles est loin d’être fortuite ; celui qui travaille en archives se surprend
souvent à évoquer ce voyage en termes de plongée, d’immersion, voire de noyade… la mer
est au rendez-vous ; d’ailleurs, répertoriée dans des inventaires, l’archive consent à ces
évocations marines puisqu’elle se subdivise en fonds ; c’est le nom donné à ces ensembles
de documents, soit homogènes par la nature des pièces qu’ils comportent, soit reliés
ensemble par le seul fait d’avoir un jour été donnés ou légués par un particulier qui en avait
la propriété. Fonds d’archives nombreux et amples, arrimés dans les caves des
bibliothèques, à l’image de ces énormes masses de rochers appelées “basses” en Atlantique,
et qui ne se découvrent que deux fois par an, aux grandes marées.
(FARGE, 1989: 10)
Concluída esta primeira navegação pela colecção Fernando Távora, que tentei que
fosse guiada pelas notas do próprio arquitecto e pela história do arquivo, o
resultado é a crónica de viagem que se segue. Primeiro, uma transcrição do lote 31,
como o mapa inicial. Depois, como se fossem ilhas de um arquipélago: a edição e o
estudo de uma série de poemas e documentos poéticos, incluindo-se uma discussão
do estabelecimento textual e pistas para descobrir inéditos que Pessoa valorizou. A
certa altura optei por incluir poemas referidos em outros lotes, diferentes do 31,
simplesmente porque entre os manuscritos e cartas inventariados pelo arquitecto
Fernando Távora existiam mais poemas – e entendi que este devia ser um
contributo em que se apresentasse o maior número possível deles. Fica ao leitor a
tarefa de perder-se, com relativa organização, nesta vastidão e de sentir, como uma
lufada de ar fresco, que ainda há muito por descobrir neste mundo das arcas
pessoanas que, por vezes, parece já ser conhecido. O certo é que Pessoa ainda está
por conhecer – e milhares de documentos, ainda por relacionar.
12
31. lote – Conjunto de documentos vendidos por João Gaspar Simões ao livreiro-
o
alfarrabista Manuel Ferreira, do Porto e por este vendidos a mim pelo preço
completamente louco de esc. 40.000$00. Mais uma vez não consegui resistir e não
tive coragem de discutir o preço que, aliás, me foi dito <que era> [↑ ser] muito alto
porquanto o Dr. Gaspar Simões “sabe bem o valor daquilo que tem„. Comprado
este lote em 12 de Julho de 1974. Apesar do 25 de Abril continuo com este vicio
inveterado e insaciável! (Os documentos que pertenceram a F[ernando] P[essoa]
foram certamente retirados por J. Gaspar Simões da casa do poeta quando teve
acesso à sua obra [↑ inédita] para a publicação das poesias ou da biografia).
1Fecham-se os parênteses e acrescenta-se ponto final. Sobre este lote, 31.8, veja-se o contributo
correspondente de Ricardo VASCONCELOS (2017), neste número de Pessoa Plural.
13
31.9 – convite impresso referente à Ode Marítima dita por Manuela Porto e
apresentada por J. Gaspar Simões (16.Abril.1938).
31.10 – três folhas manuscritas contendo um horóscopo que certamente se refere a
F[ernando] P[essoa]; falta-me saber quem o fez e se pertenceu a F[ernando]
P[essoa] ou foi mandado fazer por J. Gaspar Simões.
31.11 – três folhas dactilografadas contendo um horóscopo que certamente se
refere a F[ernando] P[essoa]; tenho dúvidas semelhantes às expostas
quanto ao documento anterior.
31.12 – folha dactilografada contendo elementos relativos a D. Dionisia Estrela
Seabra Pessoa. Certamente fornecidos pelo Dr. Navarro Soeiro a J. Gaspar
Simões para elaboração da biografia do poeta (ref. in “Vida e obra de
F[ernando] P[essoa]„, 2.ª ed. pág. 22-23, 12, e outras págs.)
31.13 – carta do secretário da Joint Matriculation Board da Universidade de
Pretória dirigida a Guilherme de Castilho, delegação de Portugal, naquela
cidade. Responde a um questionário que está junto, em português,
certamente enviado por J. Gaspar Simões para colher informações sobre o
Queen Victoria Memorial Prize ganho por F[ernando] P[essoa]. 2
31.14 – conjunto de dezasseis folhas respondendo a um questionário de J. G.
Simões relativo à presença de F[ernando] P[essoa] em Durban. Algumas
assinadas por <Alberio> [↑ Albertino] dos Santos Matias, cônsul 3 de
Portugal naquela cidade. Faltam os documentos [↑ um], 3<,>/e\ 5<,> que são,
<fotos> creio, as fotos publicadas por Gaspar Simões na “Vida e obra de
F[ernando] P[essoa]„ – 2.ª ed. (Durban em 1895 e Igreja do Convento de
Durban). Também ali, a pág. 23, o autor se refere a Santos Matias e a esses
documentos.
31.15 – carta, duas páginas, manuscrita, de Guilherme de Castilho para J. Gaspar
Simões, de Pretória (19.8.49), relativa à pesquisa de elementos sobre a
infância de F. P. em Durban.
31.16 – carta, uma página, manuscrita, de Albertino dos Santos Matias para J.
Gaspar Simões, de Durban (4.11.49), relativ<as>/a\ao mesmo assunto da
anterior.
<31.17 – capa de cartolina cinzenta que tem escrito, por Gaspar Simões, “Fernando
Pessoa / originais„ e “Dicionário de literatura„.>
31.17 – capa de cartolina onde vinham guardados todos estes documentos do lote
31 tendo escrito por J. Gaspar Simões: “Fernando Pessoa / originais„ e do
outro lado: “Dicionário de literatura„.
2 Sobre os lotes 31.13, 31.14, 31.15 e 31.16, veja-se o contributo de Carlos Pittella, “Mr. Ormond: the
testimonial from a classmate of Fernando Pessoa”, neste número de Pessoa Plural.
3 Acrescenta-se o acento circunflexo.
Távora quase sempre cita a 4.ª edição da Obra Poética (PESSOA, 1972), da Aguilar, e,
com frequência, indica que o documento comentado por ele esteve na Exposição
Iconográfica e Bibliográfica associada ao 1.o Congresso Internacional de Estudos
Pessoanos – sobre ser o primeiro ou segundo, ver MONTEIRO (2013) –, de cuja
montagem foi responsável, e que decorreu na cidade do Porto em Abril de 1978.
[José Régio] assinou os artigos que, nos primeiros números da revista, definiram logo o seu
programa teórico; num destes, “Da Geração Modernista”, que apareceu no n.° 3, Fernando
Pessoa – já citado no artigo do n.° 1, intitulado “Literatura Viva” – é elevado pela primeira
vez à condição de mestre contemporâneo, tal como Mário de Sá-Carneiro e José de Almada
Negreiros. Este artigo deve ter tido algum efeito no estabelecimento de relações de estima e
de colaboração entre o poeta e a revista: de facto, Pessoa já aparece nas páginas do n.° 5 da
presença com o poema ortónimo Marinha e com o conjunto de aforismos de Álvaro de
Campos intitulado Ambiente. (in PESSOA, 1998: 14)
MARINHA. MARINHA.
Note-se que o testemunho dactilografado tem dois versos (vv. 5-6), com um traço
vertical cortado, indicando hesitação; uma variante manuscrita (v. 11) e uma
dactilografada (v. 12), que Pessoa não terá introduzido na versão que enviou para a
revista Presença – versão que não se conserva no espólio de José Régio no Arquivo
de Vila do Conde (cf. PIZARRO, 2017: 67-70) –; e ainda uns versos soltos (Fig. 5):
!! :.:. r .i. ~: h t~ •
•
)_ j_ -~:,,c f .i~ .-llS S...,c , _it l S 1
n::o ~e ~.p::.1
.....o ,
"'~o c~os ele e- .\(.. ..L~c='- :, ....:..-te J
"l/4/19'? 7.
, PRESENÇA
.APICE
O raio de sol da ,arde
Que.uma. jànela perdida
ReílfCÚU
-Ah. náo sei porqu~, mas certamente
Aquêlc raio cadente
Ah;uma coisa foi na minhasorte
-
E.NHOM>. época
AMBI.ENTE
traoso,ite a outrc1..asue sensibili- viver é pertencer a outrem "tlefora, e morrer ó pertcn•
N lídade; transmite--lhe apenas n inteligêncin que
"!ve dessa StrtSibilidade. Pela em°'ão ~omos
nós; pela inteligl!ncis somos alheios. A inteligêncis
cer a outrem de deltlro. As duas coisas assemelhom-se,.
mas o vida é o lado de fora da morte. 1'or isso a vida é
o vida e a morie n morte, pois o lado de fora é sempre ,
dispersa-nos; por isso é através do que nos dispersa mais vorqadeiro que o lado de dentro, tanto que é o
que aos sobrevivemos. Cadn época entrega ~s seguin- Jac!o d~ fora que se ve.
tos apenas aquilo 'lª" não foi.
M A R I N E H A_
ni:r- osos • quem aceno D ÕO·NR até onde penso, sobe alé mim, já farto
Cm lenço de despedida I E a dõr é já de pe nsar, De improflquas agonias,
São felizes: teem J>ena..• Orfão de um sonho suspenso N,o cais de onde nunca parto,
Eu sofro sem pena a vida. Pela maré a vasar .•. A maresia dos dias. •
T=ando pg:,:,011
Além disso, um testemunho está datado – de facto, desconhecia-se a data até agora –
e outro está assinado. E o segundo, aquele de 1927 (Fig. 7), possui uma ortografia
mais modernizada e uma distribuição gráfica singular.
No seu Dicionário da Mensagem (2000), Artur Veríssimo não refere João Vaz Corte
Real (1420-1496), nem os seus filhos, que Pessoa evoca no poema inicialmente
intitulado “Côrte-Real” (arquivo Távora) e depois “Noite” (BNP/E3, 146). Mas já
António Cirurgião tinha observado que, no poema mais longo de Mensagem, “sem
lhes dizer o nome, em virtude da transparência referencial do texto, o poeta conta a
história de três irmãos: Gaspar, Miguel e Vasco Corte-Real, filhos de João Vaz
Corte-Real, o navegador português que terá descoberto a Terra Nova por volta de
1472”; e que o terceiro dos irmãos, Vasco, poderia tomar-se “como símbolo de
Portugal, mergulhado naquela ‘austera, apagada e vil tristeza’ de que fala Camões
em Os Lusíadas (X, 145)” (CIRURGIÃO, 1990: 248). Pouco depois, também se encontra
uma outra observação muito esclarecedora: “o poder demiúrgico do poeta reflecte-
se onde menos se espera: na transformação do sintagma popular ‘olhos rasos de
água’ em ‘olhos rasos de ancia’, o que nos transporta ao terceiro poema dos
‘Avisos’, em que a ‘beira-mar’ se converte em ‘beira-magua’” (CIRURGIÃO, 1990:
249). O poema é longo, e parece ainda maior na versão impressa, porque foi
distribuído em três páginas – (daí os traços divisórios azuis na Fig. 10) – para
tentar atingir com os poemas de Mensagem um livro de pelo menos 100 páginas.
Como explica José Blanco, “Na categoria ‘livro de versos’, o regulamento [dos
Prémios Literários do Secretariado da Propaganda Nacional] impunha que as
obras tivessem mais de cem páginas”; no caso de Mensagem, o compositor
“literalmente (e habilmente)” esticou o miolo do livro, deixando 27 páginas em
branco e 22 com “títulos isolados (12 páginas), legendas latinas, também isoladas (4
páginas), índice (4 páginas), frontispício e cólofon (1 página cada)” (BLANCO, 2007:
154; cf. http://purl.pt/13966).
O testemunho de “Côrte-Real” conservado no arquivo do arquitecto
Fernando Távora revela a génese de um poema de Mensagem do qual não se sabia
quase nada em termos genéticos – de facto, esse testemunho não é referido na
edição crítica coordenada por José Augusto Seabra (cf. PESSOA, 1993) – e ainda
fornece uma datação crítica para um poema não datado (circa 26-2-1934),
atendendo a que no verso da folha figura um poema datado.
Primeiro
CÔRTE-REAL NOITE
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à patria, por quem dera Do mar ignoto à patria, por6 quem dera
O mysterio que hoje era. O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou. Licença de os buscar, e El-Rei negou.
——— x
——— x
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome, - Senhor, os dois irmãos do nosso Nome –
O Poder e o Renome - O Poder e o Renome –
Ambos se fôram pelo mar da edade Ambos se foram pelo mar da Edade8
Á tua eternidade; À tua eternidade;
E com elles de nós se foi E com elles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de heroe. O que faz a alma poder ser de heroe.9
9 Távora heroe. BNP heroe. 1934 heroe, ] mais testemunhos sugerem o ponto final.
CÔRTX - Ri:AL
-------------------~
Primeiro
NOITE
A nau de um d'elles tinha se per dido
No mar indefinido .
O segundo pediu l icença ao Rei
De, na. fé e na. lei
Da Descobe rta , ir em procura
Do irmã.o no mar sem fim e a nevoa escura .
Os Symbolos
I. D. Sebastião
II. O Quinto Imperio
III. O Desejado
IV. <O Encoberto> As Ilhas Afortunadas.
V. O Encoberto
Os Avisos
I. Bandarra
II. Vieira.
III. Terceiro (meu)
Os Tempos
I. Noite.
II. Tormenta.
III. Calma
IV. Antemanhã.
V. Nevoeiro.
<Chamada>
Pessoa – que confessa um aviso ser “meu” – parece ter contemplado uma quarta
secção, “Chamada” (no sentido de toque militar, sinónimo de “Clarim”), mas não
avançou com a ideia (cf. 144Q-42v, in PESSOA, 2007: 86; e ainda PESSOA, 2000: 268).
Ora, no verso da folha, manuscrito a lápis e riscado pela mesma caneta que
riscou o poema anterior, encontra-se um testemunho de “Tormenta”, datado de
“26-2-34”, isto é, com a mesma data que Pessoa lhe apôs à mão num exemplar
pessoal de Mensagem que se conserva na Casa Fernando Pessoa (cota 8-435) e que se
pode consultar em linha: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/8-435.
No inventário do “lote 31.2” – esta indicação pode ler-se na margem inferior
da Fig. 9 –, “Tormenta” não é referido, mas o arquitecto Távora refere-se a “outros”
textos nesse inventário (cf. Fig. 1). Aliás, o incipit era de difícil leitura:
26-2-34
TORMENTA
Ao dizer que se trata, não de um “abysmo” no mar, mas de um “abysmo sob o mar”, o
poeta está a fazer de “abysmo” uma metáfora para o Hades ou Tártaro da mitologia greco-
romana e para o Limbo do cristianismo, ou seja, para aquele inferno onde Orfeu foi buscar
Eurídice, ou para aquele inferno onde Cristo (de que Orfeu é figura, segundo a Patrística)
foi buscar as almas dos justos que aí se encontravam à espera do seu Libertador.
(CIRURGIÃO, 1990: 253)
10 Analise ] no original.
No espólio pessoano ficou uma cópia de “Tão abstracta é a idéa do teu sêr”
(Figs. 23 e 24), mas o poema foi editado por Maria Aliete Galhoz, na Obra Poética
(1960), partindo do testemunho dactilografado que tinha João Gaspar Simões (hoje
na Colecção Fernando Távora) com o título “ANALYSE” (Figs. 19 e 20). Ter os dois
testemunhos reunidos possibilita proceder ao seu confronto. Neste caso,
apresentamos primeiro o documento manuscrito, que é, presumivelmente,
anterior, e depois o dactilografado, que ostenta o timbre da firma A. XAVIER PINTO
& C.a (Fig. 22). O poema foi publicado em Portugal Futurista (1917) (Fig. 25).
11 Interlunio ] no original.
12 me sonho o que me sinto sendo. [↑ sinto que sonho o que me sinto sendo] variantes alternativas.
HIEMAL HIEMAL
Balladas de uma outra terra, aliadas Balladas de uma outra terra, alliadas
Ás saudades das fadas, amadas por gnomos idos, Ás saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lividas ainda aos ouvidos Retinem lividas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas... Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canaes barcas erradas Pelos canaes barcas erradas
Segredam-se rumos descridos... Segredam-se rumos descridos...
E tresloucadas ou casadas com o som das balladas, E tresloucadas ou casadas com o som das balladas,
As fadas são bellas, e as estrelas As fadas são bellas, e as estrellas
São d’ellas... Eil-as alheadas... São d’ellas... Eil-as alheadas...
E são fumos os rumos das barcas sonhadas, E são fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canaes fataes iguaes de erradas... Nos canaes fataes iguaes de erradas,
As barcas parcas das fadas, As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemaes Das fadas aladas e hiemaes
E caladas... E caladas...
Salvo o verso 11, que termina com reticências primeiro e depois com vírgula, não
há diferenças.
De “Serena voz imperfeita, eleita” existe um testemunho dactilografado no
espólio pessoano (Fig. 17).
6-X-1914.
'> , r-.:~113
..
., - Serena voz imperfeita, eleita
...."
o-Jl.-.1.!<14
-=~
...
i!t
Para fallar aos deuses mortos/,/ [→ –]
A janella que falta ao teu palacio deita
Oeroru. vo~ iwporteita,
Par~ rr.llar
eloitc
aos deu3es aorto'br ....,.,
tt;:., Para o Porto todos os portos.
,,..,
...
A jenellu qu~ r.it-1 1,0 teu fJ11,~c1.o dei
Pars o Porto todo3 os portos. _...
.,,.
Fuisou d& idé& de wca voz aorndo .:f/.;°
º'";!º Faisca da idéa de uma voz soando
j _!"
L7?ioo nas IJ>àoe Jt>B ,,rtnoozae aonh>tdaA,
S811.X8~ttaXUXJllllUDIXl<axilc&a ..,_.,,
El.l edu1 a m~ré de pona.lr-te, orlando Lyrios nas mãos das princezas sonhadas,
" ,.\ ~naoa.da toda.o ""ªensoa:hls. 5:i!il
Eu sou a maré de pensar-te, orlando
Bruir;ae m&rinhas os.Jttinaa lo sonho...
Jonol],Q,e d;1,n.d,ovar 1 ~adio os ch~ooe .... A Enseada todas as enseadas.
E eu le!o o ~eu P1m qllO me o:U...,tristonho,
'Do convez do naroo todos oa biroos.
,,,,,,,
-·ei Brumas marinhas esquinas de sonho...
Janellas dando para Tedio os charcos...
Fig. 17. “Serena voz imperfeita...” E eu vejo [↑ fito] o meu Fim que me olha, tristonho,
(BNP/E3, 16-29r). Do convez do Barco todos os barcos.
Faisca da idéa de uma voz soando Faisca da idéa de uma voz soando
Lyrios nas mãos das princezas sonhadas, Lyrios nas mãos das princezas sonhadas...
Eu sou a maré de pensar-te, orlando Eu sou a maré de pensar-te, orlando
A Enseada todas as enseadas. A Enseada todas as enseadas...
Se não fosse pelo aumento das reticências (nos versos 2, 4, 6 e 8, talvez por
paralelismo com os versos 10 e 12), ambos os testemunhos seriam idênticos. Pessoa
não datou o segundo.
Antes de referir o quarto poema, veja-se o fac-símile do verso da folha 16-29,
apenas para assinalar que “Serena voz imperfeita, eleita” coexiste no mesmo
suporte com o poema “E ah! esse horror tem o meu gesto” (Fig. 18).
O .,u·o /3h 1
ru _
Anterior
,\ tndJ 1n:mto .i. 'C·J OU 68,U '60
A or ou dor,
~êr
..llltfi dll antes de DeuB, ,portenco
Ao i::r~nle Inton.e • •••
Fig. 18. “E ah! esse horror tem o meu gesto”
(BNP/E3, 16-29r).
PLENILUNIO PLENILUNIO
Note-se que: (1) “A expirar mas nunca expira –” é um inciso, embora em algumas
edições falte o travessão do verso 7; (2) “seda”, nos versos 2 e 3, perde o acento
circunflexo; e (3) o verso 5 acaba por ficar sem reticências. De resto, as diferenças
são mínimas, e no segundo falta a data.
No inventário do lote 31 figuram a seguir, 31.4, uma “folha com Nota de
poesias portuguezas, dactilografada”, e 31.5, uma “folha com poesias do Cancioneiro,
dactilografada”, que não serão comentadas a seguir, mas nos Anexos. Embora este
contributo esteja dedicado a uma série de poemas, e não a listas de projectos, essas
“folhas” contêm títulos e incipits poéticos relevantes. Aliás, na ordem do lote 31,
essas listas ficaram entre os poemas já discutidos – “Analyse”, “Hiemal”, “Serena
voz imperfeita” e “Plenilúnio” – e os seguintes, o que poderá ser significativo. E
dão uma imagem de Pessoa enquanto editor e antologista da sua própria obra,
sendo que nesses suportes se preocupa pelo número de versos de algumas
composições e pelo número total de poemas de um livro de poesias.
.\:t,UYS ..:
·r:·• L
Fe rnando Pe ssoa - 5
:liliJNIO
So~ o s 1
2 tl"l!" de lllflr ...
..,l - G o ..r .. i raz -
A ·q.ü·•n· 11 e l t.; 1 1·c. -
U•.1 .fl 1u•c~ 1 i · ir
. U'lir ...
17 O 1..bi-0 19 13
PO&TVGAL FVTUJUSTA 23
13cbada branque ia
FICÇÕES
DOINTERLUDIO Co mo pela areia
Nas ru as da feira,
Da feira deserta,
Na noite já chda
De sombra ent reaber ta.
Plenilunio
A lua baqueia
As hora s !)ela alameda Nas ruas da feira
Arrastam vestes de seda, Deserta e i,icerta.
E o es v11r<'.'ruido da chuva
l!o';endo no alma t constante em meu pensow~nto.
~e quem só sen~1o3e Ueu ser é a invisivel curva
O luar, e exiatieoe Traçaua pelo som do vento . • •
SÓ pra a sua calma.
E eis que anto o sol e o azul u~Ji~
'+-tl- 1'11'+ Como ao a hora wi uetorvaoaa,
-------------------- Eu. soffro ..• E i:. luz e • eu61 1Alecria
r.:-'\ Sopr11 de muio o vento Cite 1108 meus p;s coa.o um disfarce.
Parl:l eu poder &escançar .• •
Ha no meu penJa~onto Ah, na min.~a alml:l f oowpra obove.
,ualquer cousa quo vae ~arar • •• Ru oe~re escuro dentro eronim.
So eec1tto, alg,J.e~ dentro em·adm
OIJ'll
Talvez esta oouaa aa ulma
Que acha real a vida .•• A chuva,como a voz de Qm !im ...
Talve~ esta cou.aa cal11111
Qae ee faz a alt:lll viv!da ••. Quando é çue e11 :1erei da tua côr,
Dateu plocido e nztU eru.:unto,
Sopra uo vento AXoeenivo ... Õ claro dia e~terior,
Tenho medo de pensar ..• 6 oeu til:lis utíl que o meu p.canto?
O meu myeterio eu avivo
Se mo perco a !lOditar.
Vento 4110pa:.ai. e es~uece, ® tlfos ou gnomoe tocum? ...
Pooiru qllEI se errrv,e e calle •.. no,~~ noa vinhGiraes ,
ti Je oo ea puaoaoo Som~roe e ba!oe leves
Si:.ber o ~ue e~ oim voei ... De rhythuos oueicaos . ..
~-- X 1-191<+. Onlul&~ co~o •~ voltas
-----·--------------------
© Serens vo::~mper:t e1ta, eleita
Para !allar
A Janella
aos deuaea mortos -
que falta ao teu palac1o dei
70raDe oatradas nao eei 01119,
nn oo~o algtlem ~ue entre arvoree
se tiostra ou escondo .. .
lorm.a lon.ginqaa e incerta
rara o l'cr•o t o-lo'"!o~ portos . Do que elt nunoa tez,i. ..
~al ouço e ~usei choro • ..
Faisca da idéa de uma vos soando Porque chÓro nuo sei ...
Lyrios nas mllos das princezaa sonhadas,
Eu aoa a maré de pensar-te, orlando T-o tonue a:.eloaia
A • nseada todaa aa enaeadaa. ~ne mal_e~i de ulla existe
ou ae e ao o CLe~usculo,
Brumas mar1~1we esquinas de oonho .. · oa pinhaoa e ou eatur triste ...
J~nellae dando para Tedio oa charcos ..
E eu fito o meu Pilll que me olha, tmtonho, •
Do convez d6 Ba.cco toiloa os bia.ccoe• · • I:ae cessa, cotao 111a11 briza
c, - X 11:·:. Eoquece a for1~a a?1 eeue ...1e,
----------------~------------- E acora nilo ha mais cueica
Chove?.Nenhgma chuva cahe ... Dodque a due pi>'l.!?eiraes ...
CD Ent~o onde e que eu ainto um dia .2S-•/i<- l'!l'f ,
Em que o ruido da chuva attrahe
A minha inutil aeon1a?
Onde ! que çhovo I q111J eu o ouço?
Onde e que efriste, o clarc, con?
iu quero eorri~-te, e não posso,
L-~ =º-=c~é_u-=--
a_z_u_l, cbui:llir-te i;ie11 .. .
_3_
•
-
311a canta , pobre ~e1te1ra,
Juls~ndo-eo !eliz tal.vez • ••
Canta e cei!a, e a auà voz cheia
De alegre e anof11- vlav••
Jluctua como Wllll canto de ave
Jo ar limpo como um limiar,
! ba curvas no enredo suave
Do eom que ella tem a ~a~ar •. .
•,
ouvn-.,. , alegra e entristece ••.
Na eua VOZ ha o campo e a lid~ ,
! canta 00140 ee tiveeae .
li!aia .razaee pra cantar que a vida . . .
E oo~ tão nitida pureza
A sua vo; entra no azul
Qne em noe sorri quanto 1 t.:H.oteta
! a vida sabe a acor e a asl l
Canta ! ..• Arde-me o coraçilo .. .
O que em mira OM-eet"8borar..do .. .
Derrama no meu peito vão
A tua incerta voz ar.doando .. ,
Canta e arrasta-me pra ti,
Pra o oontro ignoto da tua a1.._,
que um mo~onto eu sinta em mim
O acho da tua alada calma ...
Ah, poder ser tu;aendo eu !
Ter a tua alegre inoonaciençili
E a conecienoia d'ieeo! Õ ceu,
6 campo, Ó cançao, ..• a ecienoia
Pesa tanto e a vida é tão breve .. •
Entrae por mim dentro, tornae
KinhiJalma a vossa sombra leve ...
Depois, levando-me, paeeae. , .
?o - t 1
0
r.._,.
,./
PLIDIILUlfIO
---------- - - - ---- t
l el o a r a ondoa.r o a. i r . ,.
Silencio a t r er .clt.e i r - • •
- :
No inventário (Fig. 1), o Arquitecto Fernando Távora diz crer “tratar-se de uma
transcrição feita por este [João Gaspar Simões]”. E, noutras notas, acrescenta:
Repare-se na ausência do poema IV, “São vãs, como o meu sonho e a minha vida,”
que devia ter figurado como poesia “inédita” atendendo à sua ausência na 4.a
edição (1972) da Obra Poética editada por Maria Aliete Galhoz.
ABDICAÇÃO
Toma-me, ó 110/leeterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
Que ooluntadamente abandonei
. O meu throno de sonhos e cansaços.
Min!ta espada, pesadll a braços lassos,
Em maos o/ris e calmas entreguei;
E meu sceplro e coróa,-eu os deixei
IVa anfecamara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tao 1!111fll,
Minhas e.,poras, de um tinir tão /ufil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realesa, corpo e alma,
E regressei d noUe antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
FERNANt>O PSSSOA.
A cópia que Gaspar Simões terá dactilografado permite rever esta série de
poemas, três publicados na Obra Poética (II, III e V), em 1960, quatro na Nova
Renascença (I, IV, VI e VII), em 1989. Segue a dupla transcrição (coluna esquerda,
BNP/E3, 58-62 e 63r, Figs. 36 a 39; coluna direita, colecção Távora, Figs. 40 a 45):
ABDICAÇÃO ABDICAÇÃO
I. I.
Sombra fugaz, vulto da appetecida Sombra fugaz, vulto da appetecida
Imagem de um ansiado e incerto bem, Imagem de um ansiado e incerto bem,
Aereamente e aladamente vem Aereamente e aladamente vem
E um pouco abranda em mim o horror da vida. E um pouco abranda em mim o horror da vida.
Irreal embora, o teu momento é teu. Irreal embora, o teu momento é teu.
Nesse minuto, em que deveras prendes Nesse minuto, em que deveras prendes
Toda a alma, e és o seu sol e o seu céu, Toda a alma, e és o seu sol e o seu céu.
És toda a vida, e o resto é a sombra e o trilho. És toda a vida, e o resto é a sombra e o trilho.
Splende em verdade, ó sombra, emquanto splendes, Splende em verdade, ó sombra, emquanto splendes,
E eu nada seja salvo ter teu brilho.15 E eu nada seja salvo ter teu brilho.
15 E eu morra para mim nesse teu brilho [↓ (E eu nada seja salvo ter teu brilho)] variantes alternativas.
Ah, falta quem o lance ao mar, e alado Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas, peregrino Torne seu vulto em velas, peregrino
Frescor de afastamento, no divino Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado. Amplexo da manhã, puro e salgado.
Morto corpo da acção, sem a vontade Morto corpo da acção, sem a vontade
Que o viva, vulto steril do16 viver, Que o viva, vulto steril do viver,
Boiando á tona inutil da saudade − Boiando á tona inutil da saudade −
III. III.
Entre o abater rasgado dos pendões Entre o abater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia, E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões. Do mal cobriu os vagos batalhões.
Foi em vão que o Rey louco os seus varões Foi em vão que o Rey louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prelio, sem a idéa17. Trouxe ao prolixo prelio, sem a idéa.
Agua que mão infiel verteu na areia − Agua que mão infiel verteu na areia −
Tudo morreu, sem18 rasto e sem razões. Tudo morreu, sem rasto e sem razões.
A noite cobre o campo, que o Destino A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado. Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino. Cessou, com cessar tudo, o desatino.
Só no luar que nasce os pendões rotos Só no luar que nasce os pendões rotos
Mostram19 no absurdo campo desollado Mostram no absurdo campo desollado
Uma derrota heraldica de ignotos. Uma derrota heraldica de ignotos.
IV. IV.
São vãs, como o meu sonho e a minha vida, São vãs, como o meu sonho e a minha vida,
As imagens que busco, alvar recreio20, As imagens que busco, alvar recreio,
Para o meu ocio de cansaço cheio, Para o meu ocio de cansaço cheio,
Para o meu ser deposto e fé perdida. Para o meu ser deposto e fé perdida.
Acceita o nada a que te o Fado obriga, Acceita o nada a que te o Fado obriga,
E abdica, qual rainha desthronada E abdica, qual rainha desthronada
Que foi mendiga, e torna a ser mendiga. Que foi mendiga, e torna a ser mendiga.
V. V.
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... Eu sou um Rey E chama-me teu filho... Eu sou um Rey
Que voluntariamente abandonei Que voluntariamente abandonei
O meu throno de sonhos e cansaços. O meu throno de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada21 a braços lassos, Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris22 e calmas entreguei, Em mãos viris e calmas entreguei,
E meu sceptro e coroa – eu os deixei E meu sceptro e coroa – eu os deixei
Na antecamara, feitos em pedaços. Na antecamara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inutil; Minha cota de malha, tão inutil;
Minhas esporas, de um tinir tão futil, Minhas esporas, de um tinir tão futil,
Deixei-as pela fria escadaria. Deixei-as pela fria escadaria.
VI. VI.
Forma inutil, que surges vagarosa Forma inutil, que surges vagarosa
Do meu caminho, e augmentas minha dor: Do meu caminho, e augmentas minha dor:
Tua postiça luz não tem calor, Tua postiça luz não tem calor,
Teu vulto esfolha-se, como uma rosa. Teu vulto esfolha-se, como uma rosa.
Por que a mão irreal para mim stendes Por que a mão irreal para mim stendes
Se não me guiarás, nem me conheces? Se não me guiarás, nem me conheces?
Se nada podes dar, para que splendes? Se nada podes dar, para que splendes?
21 pesda ] no original.
22 vris ] no original.
VII. VII.
Com a expressão a dor menor24 se apaga Com a expressão a dor menor se apaga
E a dor maior se anima, como o vento E a dor maior se anima, como o vento
Apaga o lume fragil de um momento, Apaga o lume fragil de um momento,
E a grande chamma sacudindo propaga.25 E a grande chamma sacudindo propaga.
Toda a esperança morta, a ansia vaga, Toda a esperança morta, a ansia vaga,
A magua certa do meu pensamento, A magua certa do meu pensamento,
Com exprimir-se, mais conhece o augmento, Com exprimir-se, mais conhece o augmento,
Porque é consciente e com mais □ Porque é consciente e com mais □
Mas não dizer a dor é ter só dor. Mas não dizer a dor é ter só dor.
Dizel-a é acceital-a, e acceital-a Dizel-a é acceital-a, e acceital-a
É por presente tel-a, a ter maior. É por presente tel-a, a ter maior.
□ □
□ □
□ □
18-9-1917. 18-9-1917.
Gaspar Simões fez uma cópia bastante fiel do documento, salvo um ponto,
no verso 11, onde devia haver uma vírgula (“céu,”) e uma exclamação, no verso 19,
onde devia figurar outra vírgula (“Ah,”). Os lapsos de cópia, que sempre ocorrem,
foram neste caso mínimos.
A sequência está datada de 18 de Setembro de 1917, mas convém recordar
que pelo menos o poema que começa “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços” é
citado por Pessoa numa carta de 1 de Fevereiro de 1913 a Mário Beirão. Na edição
crítica dos poemas de 1915-1920, João Dionísio apresenta, em anexo, “material
preparatório do soneto VII (o único que ficaria incompleto) ou tentativa de
reelaboração posterior, constante do doc. 58-64r” (PESSOA, 2005a: 393).
A r,ica ~f!o.
I . '
VI.
16-9-1917.
.,'
r.
II .
à minh ., viàA é Ul"l barco .,b,,nn~n"no ,
Infiel , no 'H'IOO porto , ao '3"1U ,•,,.,,tino .
Poroue não erg..ie -f'e-ro e ..,e.,.ue o tino
Se 11.av,gar , C'lsado com • ,eu fado?
,\h
!:!'"l ta ouem o l<ince ao mar , e >l <i.t.lo
'Ibrne seu vulto em velas ; peregrino
Fresco r d" afastamento , no ili vL"lO
A:-J?lexo d~ l'lqnhã , nuro e sAlg :'ldo.
Mor tç, co r:ço da acçffo , sen vontade
<..ueóviva . vulto st .. ril de (dolviver ,
J:bi"' do a tona inutil da s a11dnd e -
Os li.mos esverdeinm ~ua qui ' ha ,
O yento em~la - ~e sem te "'!O ver ,
E e p• !'4 alem do mFlr a anshda Ilh a .
II I.
Entre o qb,-,ter l"'l.sgado do- ".lrmdões
E o cessar do s clarim, nn tarde a lh eia ,
A dF>r""Ota ~icou : como ume cheia
Do m!"l io':lriu os ,r ~"'.O~ b,,t,, l hêl'es,
:B'oi em vão aue o Rey l ouco os '3eus ,r,roes
Trouxe ao prolixo pr olio , sem (a ) idé a .
,l.gua "Ue ml'.ío infiel verteu n~ rirei a -
Tudo morreu , sem rasto e sem razões .
VI ,
i nut il , que surge s V!lg» ros 9.
:i'oll!l!l.
D:>meu C'l.."linho , e augmAnt As roinh" do r ;
Tu'l. ~at iç o. lu z nno ter~ c<i. l o.,.,
T'-lu v-ul to esfolha - se , cor·,, umn rosa ,
Porque tão PiedOSA
f'ÜS"MP.Ut'l
m, hora IMi s negra
do meu smB-rgo r
V,m~ com teu brilho err'l r o lil"'U t orx,r
Clup m.is v, li, rue "'St" "ll~l'l.ose ?
Por que mêí.o i rre· 1 i,:, r <i mim "~rndes
Se não r..P g,,.:_.,ri s , nem me conheces ?
qe n"da pode5 d"r , ~"r> nue su l end es?
18- 9- 1917 .
! :
_;
.t '
O ciclo poético de “Além-Deus” também foi copiado por João Gaspar Simões (Figs.
50 a 53), partindo das provas de página de Orpheu 3 (Figs. 47 a 49) que terá
consultado. O arquitecto Fernando Távora deixou estas observações num dos seus
papéis pequenos com notas sobre o arquivo:
[58] ALÉM-DEUS
1.— Destinado a figurar como a colaboração de Fernando Pessoa no n.o 3 de Orpheu, que
chegou a ser composto em provas mas que razões várias levaram a ser suspenso antes de
impresso, foi, pràticamente, publicado pela 1.a vez por Adolfo Casais Monteiro in Poemas
Inéditos Destinados ao n.o 3 do Orpheu.
ALÉM-DEUS ALÉM-DEUS
I I
ABYSMO ABISMO
III III
A VOZ DE DEUS A VOZ DE DEUS
IV IV
A QUEDA A QUEDA
Esta transcrição é menos fiel do que a anterior e pelo menos três alterações
serão lapsos do copista: “Passado” por “Passando”, no v. 2 de “Passou”; “ouvia-
se”, por “ouvi-a”, no v. 2 de “A Voz de Deus”; e “Estas-lhes” por “Está-lhes”, no v.
12 de “Braço sem corpo brandindo um gládio”. O resto são modernizações da
ortografia mais ou menos consistentes.
No inventário do lote 31 o arquitecto Fernando Távora refere muitos outros
documentos, mas nenhum deles tem cabimento nesta apresentação de poemas
pessoanos. Interessados em composições poéticas, é forçoso percorrer outros lotes.
Assim, no lote 3 encontram-se registados “No horizonte solemne” e “Liberdade”;
no 12, “Hora absurda”; e no 39, “Sol nullo dos dias vãos”. Há outros poemas
mencionados no inventário, mas alguns ainda devem ser localizados e estudados
(veja-se, de Carlos Pittella, neste número, “Juliano Apóstata: um poema em três
arquivos”). Ao que parece, “No horizonte solemne” – que pertenceu a João Gaspar
Simões, que assinou a autenticidade do documento a pedido de Manuel Ferreira e
por sugestão do arquitecto Távora – estará inédito. Pelo menos não figura no tomo
da edição crítica dedicado aos poemas de 1915-1920, nem no tomo da Assírio &
Alvim (hoje, Porto Editora) da poesia pessoana de 1902-1917.
ALÉM-'DEUS
I
ABYSNO
11
PASSOU
Turbilhã o de Ignorad o.
Sem ter turbilhonado . . . ,
------ -- ------- --
OLAD/0 • ALÉM-DEUS-Fern ando Pusoa 187
• II!
A VOZDE DEUS
IV
A QUEDA
Além-Deus
! Além•Deus
! Negracalma...
Clarão de Desconhecido..•
Tudo tem outro 'scntido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido.. .
J
Fig. 48. “Além-Deus” (Orpheu 3).
- .,
• J
FE RNANDO 1'&SSOA
...
...
•
,
Fig. 49. “Além-Deus” (Orpheu 3).
-
I
A. 1<3!.'.0
II
1·11- 1
')~1..,,- ") ~i-:,. .... ;;º·
.,,ri.......
"',p ... ,..,,... t-,1 ...........
" 1 )-,,()Yl"'~"' •••
~o v~,..~n
i:)~,,... -~T' . r"~@ ~i_ "!" ~ C!Cj f)..,..• .. T"n
J.II J·
•• vO~::> .J.11:3
Ó Univers o, eu s ou -te • • •
º"•(' hô!'!")"
J.Jp,•4~'"'Vº"
d 'l '"'l/) /7'l"Í9.
no a-rchote
,"':>p. ... --:,nr •.,..~ "',.,-=
-..-.,n,,&:> "'~
C 1 n~~~ ido~ ~O~ P
l!,r voz ! 6 riunn o,
..., ~, " ,. 0 '"'
3 e:r'llPnt e Pm ti PU ~ou - ~e •• ,
º"""" ~o '""i .'1"'1,,,,~ i·m,nr!o
l*': ('t '\
1)
'v ., i ...
v ' cun 1 .. th" n"""'L)'"U Yl.c'lO,
-.,:..... +~r J!,,, ').."I \l:!. .. • •
V h1t""
. .
,::;.,.,,.,. S1. *".;'."'"l°"'
.,10 , 0 OS
lJ ' cq,-,. ·o<>risVlO C OMO S<>r, , ,
1)
, :,: - ....,..,. r -~ ,, 1~ :' • • ,
.l!, ··e o '1""' diro e o one !1'1lo
b V ~tQ f 1 ") r,1)p •~o '7 ~ (
R,...,..1""'1
_rn,=,
••• n 1).-.l ,...,
"""!01'11 l r v ,~o
.l!.".,. t0'")10 n" nomha , ou tlP. l 'ln o f
l 01 '7
Figs. 54 e 55. Notas sobre “No horizonte Este original figurou na Exposição realizada
solemne” (colecção Fernando Távora). quando do 1.o Congresso de Estudos Pessoanos
(n.o 61 do Catálogo)
26É interessante a nota do arquitecto Fernando Távora porque sugere que não teria esse endereço
noutros materiais (cartas,nomeadamente), à época; cf. SÁ-CARNEIRO (2017: 672).
3-7-1915.
I.
No horizonte solemne,
No livido horizonte
<Estremece> Já estremece um vago horror do dia
Do dia que vae ser aquella infrene
Tortura de agonia
A perturbar o mar, e valle e monte
Toda a paysagem angustiada e fria
Sente que lhe perpassa
Pela verde □ da carcassa
Uma luz irreal e de prophecia.
II.
III.
27 silnecio ] no original.
28 perdido.... ] com quatro pontos.
29 <t>/r\ostos
3-7-19.15.
Bis-~ue já do Oriente ,
Quài %XiX!i%.C~XrjllK pavÔr qu.-e, nascente ,
In~ nda de suor a Pron t a aq· Hora, ·
Raia, co~o um a~t onito arJepio
O silnecio do sol inda ea &ond 1 do.
,rêda: a relva ma 1 cho ra _:("
E no silancio frio., '\' ·\ '·1
Um pasmo ilo f utu .ro erra perdido •••• ., -1
~II.
1ig6ta v~o Neptuno e Urano, oppo st os,
Derramar sangue sobre a t e rra inta ~a.
Senhc f .p i.ed ade p~ra os \~a;gos r ostos
Virados pa:ra o ceu
Dos homsns pela terra derr a deira
Zsp e rand~ dos astros o labéu .
. . ................................
do....Porto .,
• - ---~"T°';_ '"
, _ ___
_,_ _
Fig. 57. “No horizonte solemne”, verso de folha (colecção Fernando Távora).
Nas longas notas que fez para este poema, o arquitecto Fernando Távora foi
descobrindo o sentido político e anti-salazarista do mesmo, após uma crítica de
índole filológica na qual reparou – como Luís PRISTA, em “O melhor do mundo não
são as crianças” (2003) – que o poema não é infantil e que o verso 21 não tem o
artigo definido “as”, antes de “crianças” (veja-se também PESSOA, 2015: 275-276 e
PITTELLA & PIZARRO, 2017: 212-216). Távora não tinha a revista Seara Nova, n.º 526,
de 2 de Setembro de 1937, onde o poema foi bem publicado, com data de “16-3-
1935” e com o verso 21 certo, “Mas o melhor do mundo são crianças”, mas tinha
uma cópia absolutamente fiel aos dois dactiloscritos do espólio pessoano (BNP/E3,
118-54 e 55), provavelmente dactilografada por Pessoa. Daí as suas dúvidas
relativas à forma em que o poema foi publicado depois de 1937. A certa altura, o
arquitecto refere-se a Manuel Mendes, um escritor e artista, um democrata de
esquerda desde jovem ligado à Seara Nova. Foi a Mendes que Pessoa entregou o
poema “Liberdade” para publicar na revista, talvez a pedido do próprio Mendes.
Segundo diz Távora, Augusto Abelaira, amigo de Mendes, relatou na televisão, em
1978, uma frase que terá ouvido ao seu amigo; mas a revista Seara Nova, em Junho
de 1974, já tinha contado essa história, revelando que o poema foi rejeitado em
1935 pela censura:
Esta “Nota adicional” – ver Bibliografia – não está assinada, mas será da autoria de
Pedro da Silveira. Resumindo, Abelaira não revelou nada de novo na televisão em
1978, mas a sua intervenção foi decisiva para o arquitecto Távora terminar de
compreender o poema pessoano. Vejam-se as notas deste último:
1
A Liberdade é publicada, vida de que seja este o
com a data de 16/3/35 in original; mas se é,
Casaes Monteiro – “Antolo- onde foi encontrada a
gia de F.P.„ – Confluência – data do poema?
I – pg. 82-83 [↑da 1.ª ed.]; aí se
diz, pág. 96, que a poesia em Galhoz – ob. cit.
foi publicada na “Seara pg. 673<?> diz-se que
Nova„ – n.º 526. Na 2.ª Fdo.P. não costumava
ed. a nota vem no fim. datar os seus poemas,
Em Galhoz – “O.P. de F.P.„ quando os publicava.
3.ª ed., pág. 695 diz[↑-se] que [→ vêr aqui < > <verso>]
a Liberdade foi publ. pela Este original pertencia a
1.ª vez na Seara Nova, Camara Reis (da Seara
n.º 526, de 2/set/37 e Nova) e estava inserido
que a sua data original num caderno (marcas
é de 16/março/35; do lado esquerdo da folha)
<–––> aí, pg. 188-9 do qual o retirou o
a poesia é publicada sem M[anu]el Ferreira; toda a
data; haverá que vêr se correspondencia do Cama-
<que> na Seara foi ra Reis foi vendida por
publicada com data e M.el Ferreira ao Alberto
nesse caso tenho dú- Serpa, tendo ficado
apenas com este poema
Figs. 58 e 59. Notas sobre “Liberdade” de F.P. que depois me
(colecção Fernando Távora). vendeu.
2
Nas Poesias de F.P. (Ática), não se atribue
data à “Liberdade„; onde terá Casais Monteiro
recolhido a data?
3
S/ datação de poesias de F.P. vêr “F.P. –
poesia„ – col. Novos Clássicos, Livraria Agir,
organizada por Adolfo Casais Monteiro, 5.ª ed.
pg. 123.
4
Arnaldo Saraiva em “Fernando
Pessoa e Jorge de Sena„ (edições
ÁRVORE) refere, a pág. 23 (ao
alto) que “Sena encontraria
também32 o poema “Liberdade„.
A vêr, data, etc.
31 tambem ] no original.
32 tambem ] no original.
33 Heteronima ] no original.
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,35
Ter um livro para ler
E não o fazer. 36
Ler é maçada,37
Estudar é nada.38
34 BNP (118-54r) não tem epígrafe BNP (118-55r) (falta uma citação de Seneca) ] sublinhado Távora
(falta uma citação de Seneca) Seara (falta uma citação de Séneca) ] sublinhado
35 BNP (118-54r) dever! BNP (118-55r) dever, Távora dever, Seara dever,
36 BNP (118-54r) <E esquecer> E não o fazer. BNP (118-55r) E não o fazer! Távora E não o fazer. Seara
E não o fazer!
37 BNP (118-54r) <Por que> <l>/L\er é maçada BNP (118-55r) Ler é maçada, Távora Ler é maçada,
Fernando Pessoa50
38 BNP (118-54r) <E> <e>/E\studar <não> é nada. BNP (118-55r) Estudar é nada. Távora Estudar é
nada. Seara Estudar é nada
39 BNP (118-54r) O rio corre bem ou mal BNP (118-55r) O rio corre, bem ou mal, Távora O rio corre,
41 BNP (118-54r) <Tem tam pouca pressa!> Como tem tempo, BNP (118-55r) Como tem tempo
43 BNP (118-54r) indistincta<,> BNP (118-55r) indistinta Távora indistinta Seara indistinta
44 BNP (118-54r) A distincção entre nada e cousa nenhuma. BNP (118-55r) A distinção entre nada e
coisa nenhuma. Távora A distinção entre nada e coisa nenhuma. Seara A distinção entre nada e
coisa nenhuma.
45 BNP (118-54r) <O melhor do mundo são crianças> [↓ Mas o melhor do mundo são crianças,] BNP
(118-55r) Mas o melhor do mundo são crianças, Távora Mas o melhor do mundo são crianças, Seara
Mas o melhor do mundo são crianças,
46 BNP (118-54r) o luar e o sol que pecca BNP (118-55r) o luar, e o sol, que peca Távora o luar, e o sol,
48 BNP (118-54r) Christo, BNP (118-55r) Cristo, Távora Cristo, Seara Cristo,
49 BNP (118-54r) bibliotheca. BNP (118-55r) biblioteca... Távora biblioteca... Seara biblioteca...
50 BNP (118-54r) com data BNP (118-55r) com data e nome impresso Távora com nome impresso Seara com
Ai que pn.Nr
llo cnmq,rir - cleTitr.
'ler - llno para ler
JI lllo O f&Nr:
Ler ' m&Q&da.
Jrand&r' a4a.
O aol doura
Sem literatura.
O rio oorre. bem ou -i.
S.. ediqlo oricin&l .
JI a bri•a. •••••
De tu nahralmellte •Unal 0
Coao tem tanpo lllo te preHa.
.hàr
J.
'-
Lino• •k pape18 p1Dta4o• eom tinta.
4uthqlo ntn
OOiH em que Hti inti.tillta
nada • ooha Mnlraa.
Qu.nto, melhor. ha brma.
•perar por D. Sebutilo.
Qur 'nllha oado J
' UI
,,
;.
Liberdade
falta uma citação de Seneca)
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer .
Ler é ma9ads.
Estudar e nada.
O sol doura
Sem literatura.
o rio corre, bem ou mal ,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal ,
Como tem tempo, não tem pressa.
Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto ê melhor, quando ha bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não !
Grande é a poesia, a bondade e as dansas . • •
ltas o melhor do mundo são crianc;as,
Flores, musida, o luar, e o sol, que peca
só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
li Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca •.•
Fernando Pes11oa
t /.
..
.....
LIBERDADE
(/alta uma citação de Séneca)
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o faze r 1
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura .
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tam naturalmente matin-al,
Como tem tempo n?-o tem pressa.
16-3-1 935
F E R N A N D O P E S S O A
1
Ref. int. à Hora Absurda s/ a “Hora Absurda„ e seu
in Joel Serrão – “Cartas significado na poética
de F.P. a A. Côrtes Rodrigues„ de F.P., relações com o
– pag. 10; Aliete Galhoz – “Obra Paulismo, etc – vêr Georg
poética„ – 3.ª ed. pg 682, n.º Rudolf Lind – “Teoria
[56] – c. interesse. Poética de F.P. – ed. Inova51,
pg. 22 e stes<,> <vêr págs.>
Publicada, pela 1.ª vez, na <128, 223, 326.>
revista “Exílio„, dirigida por
A. Santa Rita, Pedro de Anexo a este original de
Menezes (Alf. Guisado), A. F.P. um “fac-símile„ da
Ferro e Côrtes52 Rodrigues, parte final do poema
razão pela qual se encontra- “Hora Absurda„ que veio
va este original nas mãos da casa de Alf. Guisa-
de Alf. Guisado, de onde do por intermédio do Sr.
veio recentemente. Ernesto Martins, da “Bibloar-
te„. Foi-me dado pelo
Sobre o facto acima e s/ a M.el Ferreira, em 8/VIII/72.
“Hora Absurda„ – J.G. Simões – Trata-se de uma prova
“Vida e obra de F.P.„ – II, 70, 71, e falta-me saber onde foi
74, e ainda I – 179, 192, publicado este “fac-símile„53
3
“Paúlista é também a bela
Hora Absurda...„ – Ant. Quadros –
“Fernando Pessoa – Iniciação global à
obra„ – 2.º vol. pg 52
HORA ABSURDA
59 No testemunho Távora há uma linha riscada: <A doida partiu todos os candelabros glabros,>
60 Em ambos os testemunhos, “ansias”, com dois “s”.
61 No testemunho Távora há uma substituição: no [← em]
HORA ABSURDA
r-~-...--.----,
,.....
... e - 1..,,:.l:'l
t:' nr V !.
r'l L oq e.e e-: ...,e.
...o:: AR "1'11J'l-
Hora Absur~a - 2
d '10
. 111n·nfllr"' r
0,.:11 bits- ao 11 :t"'ª"'afllofi ,
, . •8 t .t "" , 111
""''P"' ... rlR:t LIO moo 088
o-Ca nao ~ur arrnu ,' . lllDD.def> uo ~ua
J!o Al.l!nlm G r
~no S'IOV~ ~,
·r fnao
tku:'1' 1'14Bl"fd , on~~~a ft 1-,t o~a! nR me'1AUo e.ap !
-
Cue o ~eu ouvir o teu silencio não s e ja nuvens que attristom
O teu so rri so, anjo ex ilado, e o t e u tedio , aure ola negra •..
Suave, como t er mãe e irmãs , a tarde rici. desce .. .
Não chove já, e o va et3 céu;= gr and e sorr iso i mperfe:to • . .
A minha c :msciencia de t ár conscienci a de ~i ; um prece ,
E o meu saber- +e a sorrir é uma flÔr murcha a meu peito . . .
/-
Ah, se fôsse mos duas figuras num longin quo vitral ! . ..
Ah, e-e rôs seoos as dtnn!"': êTe a à3 ui:r:a bande"1.ra de gl oria ; . . . -;.
Est atu a acéphala poe ta a um ca nt o , pod irent a pia baptional,
Pendão de vencidos t endo asc ±i pt o ao centro este le mt:lfl-
Vi.e~!
O qu~ é que me t ortura? . . . Se at& a tun face cal ma
SÓ me encne de t.;d ioa e de opioa de oc1o a medonncs! . . .
Nã o se i. .. Eu sou u1:1do id o que õatra nha a sua pr opr1a alma .. .
Eu fu 1 a~ado em effig i e num poiz para al ém dos sonhos •• .
,..
ººv..irt'o
,uv,wa
o· ií
.. . .t
ct!nl.J A.
u - e, •
li., !l ') lJ:)L 'J. I 11.f l •1 l <, , , , (' 'Ul+'I ;t ll~ ' t.JJ,) f'J
. '">~no!, ,~ ub ll<'l ,o &b olL-t e,[ l· n r ll ÕZ
._ l"I ''J. 1 l. •:i n-r:taú 11, o 10L i;,1, .uoa 11: .. . t·oll
• • . r: \nrg 130 ~n1 ~10.. ~un el~l,,é ~a ou 1.o'l .D~
..
\
.
,
.:
....
...
.
.......
i .
,,....
...
HORA ABSURDA
•
Chove ouro baço, mas não no lá-fóra .•. É etl'l mim ... Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ella escombros d'ella .. .
Na minha auençáo ba uma viuva pobre que nunca chora .
No meu céu interior nunca houve uma unice estrella . ..
•
Fig. 87. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 13).
EXILIÓ
EXIL IO 15
Para que não 1er por ri desprezo? Porqu e não perdei-o? ...
Ah, deixa que eu te ignore ... O teu silencio é um leque-
Um leque fechado, um leque. que aberto seria tão bello, tão bello,
Mas mais bello é não o abrir, para que a Hora ~ão peque . . .
,,
Fig. 89. “Hora absurda” (BNP/E3, 135C-44r, página 15).
EXILIO
t;AIIÇAO
Sol nullo doa dlaa doa, Bol nullo dos <liao vã.o s.
A que11 nlo entras na ala! .1\ queia não entraa ?1L1, al.wa.
A mão que por ella passe~ .~ •..ão que por ella paa1>e .
Co11 externo calor brando Com externo oa.:ôr brando
CANÇÃO
Sol nullo dos dias vãos,
S OL nulo dos dias vàus.
Cheio$ de lida e dt• calma,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
Aqnt•ct· ao 111c11ns
as 111;\0s
A 411cmmlo entras na ulma! A quem não entras na alma!
Que ao meno$ rmlo, roçando
A mAo que por ela passé, Que ao menos a mão, roçando
Com externo calor hramlo A mão que por efla passe,
O frio da alnw disforcc! Com externo calor brando
S4;nhor,j:í que a dõr t' 11oss,1
O frio da alma disfarce 1
E a fraq11e1.aque l'la t~m.
D,i-11osao nM10, " [orça Senhor, ;á que a dor é nossa
De a não nmstrnr a ningucm! E a fraqueza que eHa tem,
9~0
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguem !
Figs. 93 e 94. “Sol nullo...” (Ilustração Portugueza; Athena).
E ainda existe, assinado, mas sem data, o que foi publicado em Cancioneiro (1930),
um impresso que o arquitecto Távora tinha na sua colecção. Numa das suas notas,
o arquitecto esclarece:
•e A N
:3ol nullo dos dias vãos,
ç_ Ã o
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao m, nos as mãos
quem não entras na alma l
FERNANDO PES5_0A
Figs. 96 e 97. “Sol nullo dos dias vãos” (colecção Fernando Távora).
Na margem inferior lê-se: “39.2”.
Janeiro,
1920.
X. Anexos
No lote 31, como já foi referido, existem outros documentos, alguns dos quais
relevantes, para encerrar este contributo. Os dois seguintes são comentados pelo
arquitecto Fernando Távora nas suas notas:
64 as ] no original.
65 mantem ] no original.
Estudados um a um, estes são os resultados: “Na Noite” (BNP/E3, 56-61 e 56-62),
inédito até Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 91-92), onde não se refere uma
primeira versão (BNP/E3, 37-2); “Se eu te adorasse então...”, também inédito até
essa data (PESSOA, 2005b: 90) e existente no verso dessa primeira versão (BNP/E3,
37-2); “Pausa”, inédito até a mesma data (PESSOA, 2005b: 8), partindo de um
testemunho em que o título é “In articulo mortis” (BNP/E3, 56-59); “A Flauta”,
publicado como sendo de 1909 (PESSOA, 2005b: 62-65), inédito até então, e
intitulado “A Flauta Nocturna” (BNP/E3, 34-27 e 34-28; cf. 93-74); “Ad Voluptatem”
(BNP/E3, 37-4 e 37-5), inédito até Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 92-93), com uma
variante alternativa logo no incipit: “Porque nasceste” | “Porque te fizeram”; “Fallo-
me em versos tristes”, inédito (PESSOA, 2005b: 85-86), e com o título, “Tristeza – ”,
acrescentado à mão (BNP/E3, 36-46); “Não sei porquê estou triste”, ainda hoje
inédito, do qual existem dois testemunhos, um com o título “Tristeza – ” (Figs. 101
a 104); “O espaço immenso é noite”, também ainda hoje inédito, de que se preserva
um testemunho intitulado “Tristeza – ” (Fig. 105); “Feliz só aquelle que”,
igualmente inédito, redigido no verso da folha anterior e encimado pelo título
“Tristeza – ” (Fig. 106); “Edade Media”, publicado pela primeira vez em Poesias
1902-1917 (PESSOA, 2005b: 87-88; BNP/E3, 36-48); “Folha Cahida”, inédito em
português antes de Poesias 1902-1917 (PESSOA, 2005b: 86; BNP/E3, 56-58); “A Um
Philosopho Christão”, inédito (Figs. 107-108); “A Uma Estatua”, publicado (PESSOA,
2005b: 97-98; BNP/E3, 37-44), mas não com 44 versos; “Edade Media”, encontra-se
em Poesias (PESSOA, 1942: 208-209; BNP/E3, 118-41, 36-43), mas não em Poesias 1902-
1917 (PESSOA, 2005b); “Outomnal”, publicado (PESSOA, 2005b: 96-97; BNP/E3, 37-44),
mas não com 20 versos; “Cinza”, idem (PESSOA, 2005b: 98-99; BNP/E3, 38-3).
66 trsites ] no original.
- •ô naus felizes
Y,sA_i_~. ••• • - 18,
9utomnal -•Cahiram ae folhas 4a ar~ore. O outomno"-3/9/10, 20,
Cinza -"No silencio das cousas tristes• - 25/9/10, 16,
6/7 /10.
56 b ~ 1
Tristeza
Não sei porquê porquê estou triste Não sei porquê porquê estou triste
Até á raiva o estou67 Até á morte o estou
E dentro em mim persiste E dentro em mim persiste
Uma que como me affaga68 Remota imagem triste
Lembrança de cousa vaga69 Que um sonho me lega.
Que já se me acabou.
Imagem de uma princeza
Não é da esperança 70. Morta Que era71 n’um jardim,
Foi-me essa já ao nascer. Virgem de extranha belleza
E a Fé, a eterna absorta 72 Que era, triste73 princeza,
Não me vem bater á porta Nas74 alamedas sem fim.
Do carcere do meu ser.
E, se viesse... Que importa? 75 Até que cahiu morta
Eu não a sei querer... 76 De cansaço e de dor,
E ficou morta á porta77
Nada. Um como desejo Do palacio do Amor. 78
Um como fraquejar
D’um intimo bocejo79
A se realisar. 80
Como o sabor que existe
Entre um beijo e um beijo
Este é, mas sem agradar.
Não sei porquê estou triste,
Sem sentir nem pensar.
6/7/10.
67 Até á ancia o estou (ao tedio, raiva) ] com variantes alternativas para “ancia”.
68 [← Uma que como] <Vaga lembrança tris> <que> me affaga
69 [← Lembrança] De <qualquer> cousa vaga
70 <infancia> [↑ esperança]
Tristeza – 3 –
Tristeza – 4 –
5-8-10
A um philosopho christão
88 <*mas> [↑ intima]
89 Se [↑ E] variantes alternativas.
CANCIONEIRO.
1. Gladio.
2. “Treme em luz a agua.”
3. Lâ-Bas.
4. Minuete invisivel.
5. “Sylphos ou gnomos tocam?”
6. Realejo.
7. Aria Incerta.
8. Pierrot Bebado.
9. Saudade Dada.
10. “Dorme, creança, dorme.”
11. Canção de Outomno91.
12. “Ide buscal-a, desejos.”
13. “Aurora de outro dia.”
91 Outumno ] no original.
CANCIONEIRO.
b • 11Gla..dio _J
~- Tren:e em luz a a(!ll,••J
3. I.À-Bas. J
4. lotinuete :!.nv1siveJ;. •
:,, •sy l-J)ho11ou 6f'Cmo1tocam?• '
<>•Realejo. ,
7. A.ria Inoerta. l
a. P1errot Eebador '
9, Saudade Dada. ·
10. "Dor1te, orea.,,ça, corme.11 •
11. canção de outurr.no .
12. wIde buscal-e., de,ejoe,• •
13. "Aurora de outro Ha..• •
14, Traneeunte.
15, •:i:asoeu u= nôr, a.lll)r,• 1
lti. '1301 nullo dos d iaa vãos.• ~
l '/, Do aldeão. ,
18, Noctu11110 ("Susph•o triste")• /
19. A Ceifeira. J ,
20. "Chor a s? Cai a o teu pranto," (
:i!l... "Vonto '\,-. ,z-. .. _.. __ .. •
:.:;.. l.anibue O date l1lia plenh•
23. !!JJari a, l 1nda l.iaria.•
~4-. lilz da tarde está calllB,• •
2:;. •6 n&UBfelizes, •• • ,
~- Jladrugadao - I.
~drugadas - II.
<za).JID.druglifae - III.
29. F.nv~ ~ªPrir.ceza que morreste"). ,
·so. Ãbyemo_.
t!í. A Voz de Deue.r
!'32. Passou •• 1.
l33. A iiuedâ •·
134'."Entre a· arvore
e o vel-6• :)
35. "Leve, 'breve, euaYe•. J
3e;;. ''l\ilo sei porquê, estou triste,• /
37. •Não s ei a dÔr que we é triste.•
38. lia.••nt-•-lietl~e-..1- .. -fi "Para que V!lna? Já. pe1·d1. 11
Data cota(s)
1. Gladio [“Deu-me Deus o Seu Gladio”] 21-VII-1913 57-40, 121-1, 121-293
2. “Treme em luz a agua” 21-VI-1913 16-37, 117-36
3. Lâ-bas [“Dorme emquanto eu velo”] 11/12-VII-1912 39-21, 117-28, 117-29
4. Minuete invisivel [“Ellas são vaporosas”] c. 1-V-1915 42-19, 117-13
5. “Sylphos ou gnomos tocam?” 25-IX-1914 16-25 a 16-28
6. Realejo [“Pobre velha música”] 12-V-1913 40-30, 117-26, 117-27
7. Aria incerta [“Trila na noite uma flauta”] 19-V-1913 57-25, 117-32
8. Pierrot bebado [“Nas ruas da feira”] 17-VIII-1914 117-11, 117-12
9. Saudade dada [“Em horas inda louras”] c. 1917 117-9, 117-10
10. “Dorme, creança, dorme” 27-I-1909 34-2694
11. Canção de Outomno [“No amarellecer”] 1-XII-1909 35-41, 65-6995
12. “Ide buscal-a, desejos” 15-XI-1908 34-6, 66A-43
13. “Aurora d’outro dia” 15-V-1910 36-32
14. Transeunte [“Ouço tocar um piano”] 21-VIII-192196 42-23, 42-46, 59-8
15. Folha cahida [“Nasceu uma flôr, amor”] 15-VII-1910 56-58
16. “Sol nullo dos dias vãos” JANEIRO, 1920 117-30, 117-31
17. O aldeão [“Ó sino da minha aldeia”] 97 8-IV-1911 119-11, 117-21 a 117-23
18. Nocturno98 [“Suspiro triste”] 15-V-1910 36-33 e 36-34
19. A ceifeira [“Ella canta, pobre ceifeira”] 1-XII-1914 117-42
20. “Choras? Caia o teu pranto”99 31-XII-1908 34-25
21. “Vento que passas” 21-VIII-1921100 119-11, 119-12
22. O manibus date lilia plenis [“Cheias...”] 10-I-1913 57-30101
23. “Maria, linda Maria” 19-XI-1908 34-19
24. “A luz da tarde está calma” 29-V-1910 36-38
25. “Ó naus felizes que do mar vago” 10-VI-1910 36-43
26. Madrugadas – I. [“Em toda a noite...”] 14-I-1920 117-40, 117-41
27. Madrugadas – II. [“Manhã dos outros...”] 15-I-1920 117-35
93 Há também um poema intitulado “Gladio” [“A sombra de todos os luares”], datado de 31-VIII-
1915, com a cota 57A-31.
94 Há também um poema que começa “Dorme, creança, dorme”], datado de 16-III-1934, com a cota
33-20. Mas, em princípio, trata-se deste, intitulado “Nocturno”; veja-se PESSOA (2000: 265).
95 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 491), dado que as editoras não
lê-se: “Da m[inha] aldeia é como quem diz, isto é, como quem mente. Nasci num 4.° andar do Largo
de S. Carlos, em Lisboa, dois andares por [↑ a] cima de onde o C[entro] E[leitoral] R[epublicano]
ainda não estava. Teve este aldeismo o meu nascimento.”
98 Este título não figura no manuscrito conhecido; cf. BNP/E3, 48F-49.
99 Publicado, por erro e leitura, com o título “Chorar? Caia o teu pranto”, em Poesias 1902-1917
101 Existe um poema anterior, com o mesmo título, datado de 4-I-1913; cf. BNP/E3, 30A-7. Sá-
Apenas dois poemas estarão ainda inéditos: “Aurora d’outro dia” e “Não sei a dôr
que me é triste”; sendo que ainda falta localizar este último. E há um que está
parcialmente inédito – “Não achei dita na crença” – porque apenas uma secção foi
publicada em 2005 (ver a nota de rodapé respectiva).
Para encerrar, apresenta-se “Aurora d’outro dia” e uma lista de poemas
encimada pelo título Cancioneiro. De um estudo mais aprofundado dos planos
desse livro de canções poderia um dia surgir uma antologia da poesia ortónima
mais próxima dos projectos pessoanos.
102 Também há um “Envoi” que começa “Princeza, se perguntares”, sem data (BNP/E3, 34-2).
103 Vejam-se as listas de poemas BNP/E3, 48-38 e 48E-23, onde figura a data deste poema.
104 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 491), dado que as editoras não
localizaram o primeiro testemunho, isto é, aquele datado. Segundo as listas já citadas, 48-38 e 48E-
23, está constituído por dois poemas com o mesmo incipit.
105 Poema não localizado. Inédito.
106 Em Poesia 1902-1917 lê-se: “Fixamos apenas a parte I de um poema que deveria ser constituído
por 4 partes, que ficaram apenas esboçadas” (PESSOA, 2005b: 447). Três partes estão inéditas. O
título geral parece ter mudado de “Lyrismos” para “Lagrimas”.
107 Constituído por 7 secções e um “Fim”. Sobre a datação, véja-se PESSOA (2005a: 339-346; 2005b: 462).
108 Publicado em Poesia 1931-1935 e Não Datada PESSOA (2006: 490). Dado que se encontra no mesmo
Figs. 112 e 113. “Aurora d’outro dia” e outros versos (BNP/E3, 36-32r e 32v).
15-5-10.
BLANCO, José (2008). Pessoana. I volumen, bibliografia passiva, selectiva e temática referida a 31 de
Dezembro de 2004. I volumen, índices. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2007). “A verdade sobre a Mensagem”, in A Arca de Pessoa: novos ensaios. Steffen Dix,
Jerónimo Pizarro (orgs.). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2.ª ed., pp. 147-158.
CENTRO DE ESTUDOS PESSOANOS (1978). 1.o Congresso Internacional de Estudos Pessoanos | Minha Pátria
É a Língua Portuguesa — Exposição Iconográfica e Bibliográfica. Catálogo da Exposição. Impr.
Rocha Artes Gráficas.
CIRURGIÃO, António (1990). O “olhar esfíngico” da Mensagem de Pessoa e a Concordância. Lisboa:
Ministério da Educação; Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
FARGE, Arlette (1989). Le goût de l’archive. Paris: Le Seuil.
FERRARI, Patricio (2015). “Bridging Archives: Twenty-Five Unpublished English Poems by Fernando
Pessoa”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 8, Outono, pp. 365-431.
GALHOZ, Maria Aliete (1990). “Breve nota à sequência ‘Abdicação’. Sete sonetos post-simbolistas de
Fernando Pessoa”, in Nova Renascença, n.o 35/38, Porto, pp. 270-275.
GASPAR SIMÕES, João (1950). Vida e Obra de Fernando Pessoa (História de uma geração). Lisboa: Livraria
Bertrand. 2 vols.
MONTEIRO, George (2013). “First International Symposium on Fernando Pessoa. Seven unpublished
letters by Jorge de Sena”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 3,
Primavera, pp. 114-140.
https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Iss
ue3/PDF/I3A07.pdf
PESSOA, Fernando (2015). Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar. Edição de José Barreto.
Lisboa: Tinta-da-china.
_____ (2007). A Educação do Stoico. Edição crítica de Jerónimo Pizarro. Lisboa: Imprensa Nacional-
Casa da Moeda.
_____ (2006). Poesia 1931-1935 e Não Datada. Edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria
Freitas e Madalena Dine. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2005a). Poemas 1915-1920. Edição crítica de João Dionísio. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda.
_____ (2005b). Poesia 1902-1917. Edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e
Madalena Dine. Lisboa: Assírio & Alvim.
_____ (2001). Poemas 1921-1930. Edição crítica de Ivo Castro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda.
_____ (2000). Poemas 1934-1935. Edição crítica de Luís Prista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda.
_____ (1993). Mensagem. Poemas Esotéricos. Edição crítica, José Augusto Seabra (coord.). Madrid:
Archivos, CSIC. Colecção Archivos, n.º 28.
_____ (1972). Obra Poética. Organização, introdução e notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de
Janeiro: José Aguilar Editôra. 1. ª ed., 1960; 2. ª ed., 1965; 3. ª ed., 1969; 4. ª ed., 1972.
_____ (1942). Poesias. Lisboa: Ática.
PITTELLA, Carlos (2017). “Juliano Apóstata: um poema em três arquivos”, in Pessoa Plural – A
Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 12, Outono, pp. 457-487.
_____ (2017). “Mr. Ormond: the testimonial from a classmate of Fernando Pessoa”, in Pessoa Plural
– A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.o 12, Outono, pp. 194-235.
PITTELLA, Carlos; PIZARRO, Jerónimo (2017). Como Fernando Pessoa Pode Mudar a Sua Vida. Primeiras
Lições. Lisboa: Tinta-da-china.
*# Brown# University,# Department# of# Portuguese# and# Brazilian# Studies;# Universidade# de# Lisboa,#
Centro#de#Estudos#de#Teatro.#
#
Pittella Juliano Apóstata
(
I.(Apresentação#
#
i.(Definições.(
#
Não#é#todo#dia#que#se#ouve#a#palavra#«apóstata».#Deparando>se#com#o#termo#pela#
primeira# vez,# talvez# seja# preciso# recorrer# ao# dicionário.# «Apóstata»# é# «aquele# que#
praticou# apostasia»,# e# «apostasia»# é# «renúncia# de# uma# religião# ou# crença,#
abandono#da#fé#(esp.#da#cristã);#renegação»#(HOUAISS#e#SALLES,#2001:#259).#
No# exemplar# de# The$ Gem$ Dictionary# da# biblioteca# particular# de# Fernando#
Pessoa,#há#definições#para#os#termos#correlatos#«apostasy/apostate/apostatize»:#
#
Apostast (a-pos'ta-si) n. a
departure from vrofcssed
pnnciples.
Apostate (a-pos'tat) n. one
that forsakes his principles
of religion ;-a. falling from
faith.
Apostatize (a-pos'ta-tiz) v.i.
to abandon one's faith or
part.y. [abscess. #
(The$Gem$Dictionary,#p.#34;#CFP,#0>6A)#
#
Além#de#Judas#Iscariotes#–#o#apóstolo#que#trairia#Cristo#com#um#beijo#–#há#
alguns# célebres# apóstatas# na# história# do# Cristianismo.# Dois# deles# foram#
relembrados# em# 2016# no# filme# Silence,# dirigido# pelo# cineasta# Martin# Scorsese# e#
baseado#num#romance#de#Shūsaku#Endō#de#1966#(cujo#título#é#a#palavra#japonesa#
para# «silêncio»).# O# longa>metragem# reconta# a# história# do# jesuíta# Sebastião#
Rodrigues,# que# vai# ao# Japão# em# busca# do# seu# mentor# desaparecido,# o# padre#
Ferreira.# Como# personagem,# Rodrigues# baseia>se# no# missionário# histórico#
Giuseppe#Chiara#(1602>1685),#que#de#fato#partira#ao#Oriente#em#busca#de#Cristóvão#
Ferreira#(c.#1580>1650),#o#qual,#por#sua#vez,#realmente#cometera#apostasia#durante#
os#expurgos#anticristãos#no#Japão#durante#os#anos#1630.#
Entretanto,#o#mais#famoso#apóstata#–#«O#Apóstata»#segundo#a#historiografia#
do# Cristianismo# –# há# de# ser# o# imperador# Juliano# (Flavius# Claudius# Julianus).#
Juliano# (também# referido# como# Julião)# seria# resgatado# por# Fernando# Pessoa# em#
1916,#cem#anos#exatos#antes#do#filme#de#Scorsese.#Como#revelam#poemas,#planos,#
listas#e#notas#dispersos#por#pelo#menos#três#arquivos#pessoanos,#o#poeta#português#
quis#dramatizar#em#verso#a#conturbada#estada#do#imperador#neopagão#na#cidade#
de#Antioquia,#em#362>363#d.C.##
Quem# teria# sido,# pois,# Juliano,# e# por# que# ficaria# conhecido# como# «o#
Apóstata»?#Em#The$Nuttall$Encyclopædia,#volume#na#biblioteca#particular#de#Pessoa,#
o#verbete#«apóstata»#surge#definido#como#o#próprio#epíteto#de#Juliano:#
#
#
+
Con s tantine the Great , on whose death moat of
.Juli11n·s family wer e murtlcn.,J: emhitten,--d by
this ~,·cnt, .Julian threw himself int o J>hllosophlc
stu1ti es, amt sec r e tly renotm ct->tlChristianity; as
j t'.int e mper or with his _ cou s in. fr om 355 he 1howed
h1ms c lf n ,·apahlc s .. 1t11er, a ' 'lh'Orous and wlse ad-
ministrator; on hec 1.1111i11g sole t' IIIJ>eror he pro-
claim ed hi s apnst .ns y, nn,l soui:ht to re11to re pAgan-
lsm. 1,ut with11ut pcrsct.'t1ti11~ the Church; though
paint• :d iu hla ekt·st colours hy the Chri1ti1m
Jo'ath~'.tl!, h e w1 '3 n lo ,·cr of truth, chAste, nhatluent,
just _.n111I atfet.· l11111at {.', if ~•m1t. ,·a~n
~what auJ auper-
11tit1n11;1:h e WIL., kille,l III an cx11ed1t1on agahut.
Pc~i:L : sc, ·cr:-,1 writings of his are extaut, but a
w u rk he wr uto ag:linst the Chri1tia111 ii lo1t (331-
36:n. #
(idem:#366)#
#
O# próprio# Pessoa# resume# os# dados# biográficos# do# imperador,# num#
documento#inédito#do#Espólio#3#(E3)#da#Biblioteca#Nacional#de#Portugal#(BNP):#
#
Nascimento:#Constantinopla#a#17#Novembro#331#(ou#332)#
Morte:#Tummara#(sobre#o#Euphrates)#26#Junho#363.#
Filho#de#Julius#Constantius#e#da#sua#2ª#mulher#Basilina.#
Pae#foi#égorgé#[assassinado]#em#337#por#ordem#de#Constancio#II#e#tambem#seus#(de#Juliano)#
dois#irmãos#(do#outro#casamento#do#pae).#
341#–#foi#morto#o#irmão#mais#velho#de#Juliano.#
(Gallus,#irmão#sobrevivente#de#Juliano#nascera#em#325)#
354#–#Gallus#(Cesar#desde#351)#foi#morto.#
6#Novº#355#–#Juliano#proclamado#Cesar.#
Morte#de#Constancio#(pela#qual#Juliano#ficara#imperador)#3#Nov.#361.#
#
(BNP/E3,#28>101av;#vide#ANEXO#3)#
#
Contudo,#é#apenas#em#algumas#passagens#em#prosa,#atribuídas#por#Pessoa#
ao# heterónimo# pessoano# Ricardo# Reis,# que# se# começa# a# esclarecer# o# interesse# do#
poeta#pela#figura#de#Juliano#como#símbolo#do#paganismo:#
#
#
Os#esforços#para#repellir#o#christismo#antes#de#Constantino#haviam#sido#stereis;#não#era#de#
suppor# que# o# não# fôsse# a# reacção# de# Juliano.# Ella# foi# o# ultimo# arranco# do# paganismo.# Na#
propria# indole# confessava# a# sua# fallencia.# O# paganismo# de# Juliano# é# já# um# paganismo# de#
Já# no# periodo# da# sua# formação,# o# christismo,# mau# grado# o# seu# fermento# fanatico,# se#
mostrára# incompetente# para# edificar# characteres# humanamente# respeitaveis.# No# que#
respeita#aos#imperadores#romanos#o#caso#é#exaggeradamente#flagrante;#o#christismo#honra>
se# com# os# assassinos,# os# crueis# e# os# ◊.# As# figuras# nobres,# quaes# as# de# Marco# Aurelio# e# de#
Juliano,#não#só#stão#fóra#do#christismo,#como#lhe#são#adversas#e#o#malquerem.#
#
(c.#1916,#Ricardo#Reis#/#PESSOA,#2016:#223>224;#BNP>E3,#52A>45v,#46r#e#47r)#
#
Esse# imperador# [Juliano]# quiz,# realmente,# restabelecer# o# paganismo,# numa# epocha# –# ai#
d’elle!#–#em#que#o#sentimento#do#paganismo#já#não#existia,#mas#apenas#um#culto#dos#deuses#
em# que# a# essencia# da# superstição# mais# era# aquella# que# havia# de# ser# typica# do# christismo,#
que# a# de# uma# especie# qualquer# do# genus$ paganismo.# Nas# proprias# idéas# de# Juliano# se#
reflecte# a# incapacidade# do# tempo# para# uma# reconstrucção# do# paganismo.# Juliano# era,#
propriamente,#um#mithraista,#o#que#hoje#se#chamaria#um#theosophista#ou#um#occultista.#A#
sua# reconstrucção# do# paganismo# baseava>se,# fantasticamente,# numa# fusão# d’elle# com#
elementos# orientaes# que# a# furia# mystica# do# tempo# havia# tornado# parte# do# espirito# da#
epocha.# E# assim# falhou,# na# verdade# porque# o# paganismo# tinha# morrido,# como# morrem#
todas#as#cousas,#salvo#os#Deuses#e#a#sua#inscrutavel#sciencia#atormentadora.#
#
(c.#1917,#Ricardo#Reis#/#PESSOA,#2016:#266>267;#BNP>E3,#21>65r)#
#
Datados#de#c.#1916>1917,#esses#escritos#ricardianos#são,#pois,#coetâneos#tanto#
das# notas# biográficas# que# Pessoa# fez# de# Juliano,# quanto# dos# primeiros# versos# de#
«Juliano#em#Antiochia»;#noutras#palavras,#a#reflexão#teórica#em#prosa#acompanha#a#
origem#do#poema,#como#freqüentemente#ocorre#na#obra#pessoana.##
#
ii.(Estado(da(Questão(
#
Este# dossiê# contém# dez# poemas# associados# a# «Juliano# em# Antiochia»,# incluindo#
versos# e# anexos# previamente# inéditos.# Desde# 1952,# sabe>se# da# existência# deste#
projecto,#quando#Jorge#Nemésio#escreveu#sobre#a#obra#ainda#inédita#do#poeta:#
#
Sobre# o# tema# deste# fragmento# [«Ó# Juliano# Apostata,# que# laço»,# nº# 445# na# catalogação# de#
Nemésio]# encontram>se,# no# espólio# de# Pessoa,# mais# os# seguintes:# JULIANO#EM# ANTIOQUIA,#
com#data#de#23>2>1918#(477);#LEGENDAS#–#“JULIANO#EM# ANTIOQUIA”,#com#data#provável#de#
1919# (486).# A# respeito# deste# fragmento# convém# notar# que,# além# da# subordinação# ao# título#
LEGENDAS,#existe#um#esboço#do#livro#de#poemas#LEGENDAS,#com#data#de#6>4>1919#(501),#em#
que#não#figura#o#título#daquele#poema#[...].#JULIANO#EM#ANTIOQUIA,#com#data#de#22>5>1919#
(513);#JULIANO#EM#ANTIOQUIA#–#LOVE>POEM,#com#data#provável#de#1919#(524).#
#
Além% da% repetição# do# tema,# o# que# mostra# a# insistência# com# que# Fernando# Pessoa# o#
abordou,# não# quereríamos# deixar# de# assinalar# que# o# titulo# JULIANO# EM# ANTIOQUIA# foi#
Malgrado#esta#inventariação#inicial#de#pelo#menos#7#documentos#associados#
a#«Juliano#em#Antiochia»,#poemas#do#projecto#só#vieram#à#tona#em#1990,#em#Pessoa$
por$Conhecer,#pelo#trabalho#de#Teresa#Rita#Lopes.#Seguindo#a#numeração#de#nosso#
dossiê,#a#edição#de#Lopes#incluiu#os#poemas#1,#3,#4#e#7,#além#da#primeira#página#do#
poema#6.#Vale#ressaltar#que,#precedendo#o#texto#do#poema#7,#Lopes#também#deu#a#
conhecer#uma#nota#explicativa#em#prosa,#feita#por#Pessoa:#
##
O# poema# symboliza# a# alma# elevada# que,# num# tempo# de# decadencia,# lucta# inutilmente,#
procura#infructiferamente#entravar,#a#corrupção#e#a#degenerescencia#geraes.#
#
O#thema#(que#deve#involver,#àparte#este#ponto#central,#outros#pontos#accessorios)#é#a#estada#
de#Juliano#na#cidade#christan#e#corrupta#de#Antiochia,#e#escolhe#para#base#um#momento#em#
que#o#Imperador#sente#bem#a#differença#moral#entre#si#e#os#que#o#cercam,#e#a#differença#de#
fôrça#entre#a#sua#personalidade#isolada#e#a#inteira#estructura#decadente#da#sociedade#que#o#
cerca#e#que#elle#“governa”.#
#
No#tratamento#do#thema#deve#vir#penumbrado#o#fim#de#Juliano.#
#
(Vide#APÊNDICE#3,#no#aparato#do#poema#7;#cf.#LOPES,#1990:#80>81)#
#
Na# edição# crítica# da# poesia# ortónima# escrita# em# 1915>1920# (PESSOA,# 2005c),#
João# Dionísio# republicou# os# poemas# 1,# 3# e# 4# (acrescidos# de# aparato# genético),#
apresentou# pela# primeira# vez# os# textos# 2# e# 5# (sempre# segundo# a# numeração# de#
nosso# dossiê)# e# aumentou# em# muito# o# poema# 6,# estendendo>lhe# de# 15# para# 80#
versos.#Curiosamente,#Dionísio#não#incluiu#o#poema#7#(já#publicado)#nem#o#8#(que#
permaneceria#inédito,#apesar#de#mencionado#por#Nemésio#em#1952).#
Ainda# em# 2005,# em# Poesia$ 1918C1930# (PESSOA,# 2005b),# Manuela# Parreira# da#
Silva,# Ana# Maria# Freitas# e# Madalena# Dine# desencavaram# do# espólio# o# poema# 8# –#
erroneamente# creditando# Dionísio# como# fonte# de# primeira# publicação# tanto# de# 8#
como#de#7#(este#último,#já#editado#por#Lopes).#
Além# de# rever# a# edição# dos# poemas# 1# a# 8# e# estabelecer# o# aparato# genético#
dos#textos#não#incluídos#na#edição#crítica,#este#dossiê#apresenta#pela#primeira#vez#
os# poemas# 9# e# 10,# a# partir# de# documentos# encontrados# em# duas# coleções#
particulares:#um#dactiloscrito#proveniente#do#espólio#de#Manuela#Nogueira#(EMN),#
sobrinha# do# poeta;# e# um# testemunho# dactilografado# com# notas# manuscritas,#
descoberto# na# Colecção# Fernando# Távora# (CFT),# verdadeiro# tesouro# de#
documentos#de#onde#também#provêm#os#anexos#1#e#2#deste#dossiê.#
Não# se# trata# do# primeiro# caso# em# que# um# arquivo# particular# implicou#
redescobertas# nos# estudos# pessoanos.# Para# citar# um# exemplo# recente,# os# Hubert#
Jennings#Papers,#doados#à#Brown#University#em#2016,#possibilitaram#a#atribuição#
de# um# texto# do# espólio# de# Manuela# Nogueira,# não# a# Fernando# Pessoa,# mas# a#
Jennings# (cf.# FREITAS,# 2016);# o# mesmo# arquivo,# complementando# os# papéis# na#
Biblioteca#Nacional#de#Portugal,#facilitou#a#edição#de#uma#série#de#poemas#ingleses#
de# Pessoa# previamente# inéditos# (cf.# FERRARI,# 2016).# Mais# exemplos# podem# ser#
encontrados#na#Pessoa$Plural#n.o#8#e#em#sua#versão#impressa#(PITTELLA,#2016).#
O# Espólio# Fernando# Távora,# além# de# oferecer>nos# o# último# poema# deste#
dossiê,#conta#com#notas#do#colecionador#sobre#a#proveniência#do#documento#e#uma#
cópia#do#catálogo#do#1o#Colóquio#de#Estudos#Pessoanos#(vide#ANEXOS#1#e#2).#
Entre#os#anexos,#apresentam>se#algumas#passagens#sublinhadas#por#Pessoa#
em#livros#de#sua#biblioteca#particular;#haverá#outras,#também#capazes#de#iluminar#
as# leituras# do# poeta# aquando# da# escrita# dos# versos# sobre# Juliano.# Ainda,# este#
dossier#não#se#envereda#pelas#várias#listas#de#projectos#que#mencionam#«Juliano#de#
Antiochia»,#outro#fértil#caminho#para#investigações.#
#
iii.(Leituras(e(Releituras(
#
Cada#poema#achado#de#Pessoa#gera#reverberações#por#diversas#partes#da#obra#do#
poeta,# convidando>nos# não# só# à# leitura# da# novidade,# mas# também# à# releitura# do#
que# conhecemos...# ou# pensamos# conhecer.# Perante# a# visão# em# conjunto# dos#
fragmentos#de#«Juliano#em#Antiochia»,#abrem>se,#pois,#caminhos#de#investigação,#
pois#no#poema#podemos#perceber:#
#
a)#elementos#sintáticos#e#semânticos#da#poesia#de#Ricardo#Reis:#
#
Grinaldas)tece)para)o)amor)que)é)morto# #
Nem$só$papoulas$põe$ou$claras$flores.#
#(POEMA#6,#vv.#48>49)#
#
b)# recursos# usados# em# outros# poemas# dramáticos# de# Pessoa,# como# o# uso# de#
decassílabos#intercalados#a#hexassílabos,#além#da#associação#de#versos>falas#a#uma#
personagem#específica,#como#freqüentemente#o#poeta#faz#no#Fausto:#
#
JULIANO:( Toda#essa#podridão#é#o#futuro...#
(POEMA#10,#v.#3)#
#
c)# temas# shakespearianos,# como# o# passar# do# tempo# e# o# perdurar# da# obra,#
eternizados#nos#sonetos#17#e#18#do#bardo#inglês#e#agora#evocados#por#Pessoa:#
#
De#toda#uma#epocha#de#gente#viva#
Que#fica#na#memoria#das#edades,#
Na#herdada#retentiva?#
Um#milhão#de#homens?#De#almas#um#milhão?#
Não:#uma#ode...,#uma#canção...#
(POEMA#10,#vv.#6>10)#
#
d)# intertextualidades# com# passagens# da# prosa# pessoana,# como# notou# Távora# em#
suas#notas#(vide#ANEXO#1),#referindo#o#texto#a#seguir:#
#
#
O#imperialismo#de#poetas#dura#e#domina;#o#dos#politicos#passa#e#esquece,#se#o#não#lembrar#
o#poeta#que#os#cante.#Dizemos#Cromwell#fez,#Milton#diz.#E#nos#tempos#longinquos#em#que#
não#houver#já#Inglaterra#(porque#a#Inglaterra#não#tem#a#propriedade#de#ser#eterna),#não#será#
Cromwell# lembrado# senão# porque# Milton# a# elle# se# refere# num# soneto.# Com# o# fim# da#
Inglaterra# terá# fim# o# que# se# pode# suppor# a# obra# de# Cromwell,# ou# aquella# em# que#
collaborou.#Mas#a#poesia#de#Milton#só#terá#fim#quando#o#tiver#o#homem#sobre#a#Terra,#ou#a#
civilização#inteira,#e,#mesmo#então,#quem#sabe#se#terá#fim.#
(PESSOA,#1974:#60#e#1979:#240;#BNP/E3,#125A>13)#
#
e)# importantes# contributos# para# a# teorização# pessoana# sobre# o# paganismo,# pois#
«Juliano# em# Antiochia»# também# pode# ser# lido# como# panegírico# neopagão.# Nesse#
sentido,#cronologia#e#teoria#literária#são#importantes:#o#ano#de#1916#(quando#Pessoa#
escreveu# os# primeiros# versos# sobre# Juliano)# também# foi# um# período# crucial# no#
desenvolvimento#dos#heterónimos;#além#disso,#o#próprio#conceito#de#«paganismo»#
é#chave#para#o#entendimento#do#heteronimismo,#como#indicou#Jennings#nos#anos#
1980#(1984:#157>161#e#1986:#92>95)#e#aprofundou#Steffen#Dix#em#2005.##
#
f)# a# necessidade# de# reinterpretar# escritos# autobiográficos# de# Pessoa,# pois# ele# se#
identifica# com# Juliano;# o# próprio# título# da# seção# em# que# Lopes# apresentou# os#
primeiros# poemas# de# «Juliano# em# Antiochia»# evidenciam# tal# relação:# «Pessoa# –#
pagão# novo:# reincarnação# de# Juliano# Apóstata»# (LOPES,# 1990:# 80).# # Note>se# que# o#
poema#1#principia#na#segunda#pessoa,#com#a#evocação#«Ó#Juliano#Apóstata»,#mas#
termina#(na#medida#em#que#um#poema#incompleto#pode#terminar)#na#primeira:#
#
Agora,#renascido,#
Quero#outra#vez#erguer#os#deuses#mortos#
(POEMA#1,#vv.#16>17)#
#
A# mesma# identidade# ressurge# na# prosa# pessoana:# «Mais# do# que,# propriamente,# o#
dos# neo>platonicos# é# meu# o# paganismo# sincretico# de# Juliano# Apostata»# (c.# 1917,#
PESSOA,#1966:#229;#BNP/E3,#21>7r).#Com#a#publicação#dos#cálculos#astrológicos#feitos#
no# mesmo# bifólio# em# que# o# poeta# listou# dados# biográficos# de# Juliano,# percebe>se#
que#o#poeta#buscou#uma#relação#entre#a#sua#data#de#nascimento#e#a#do#imperador#
Juliano#(vide#ANEXO#5).#Isso#permite#ler#sob#outra#luz#o#texto#inglês#«I#have,#thus,#
arrived#at#my#28th#year...»#no#mesmo#suporte#(vide#APÊNDICE#4).#
À#guisa#de#conclusão#(ou#provocação#numerológica),#chame>se#atenção#para#
o#fato#de#que#os#fragmentos#de#«Juliano#em#Antiochia»,#em#conjunto,#somam#241#
versos#–#exatamente#um$a$mais$do#que#o#total#de#versos#da#«Ode#Triunfal»,#com#a#
qual#o#heterónimo#Álvaro#de#Campos#foi#apresentado#ao#mundo#(cf.#PESSOA,#2014:#
Kr>KLO=#6;%)'3#1&-I&>+&#,!&#%#+&"->%)(70-"%#4!5-'0%#6$7+('('#0%+#8%0.-1&#!"'#.&?#
"'-+#'#8%09&8&)3#1&+8%09&8&)#&#)&8%09&8&)#2&++%'=#
II. Poemas*
1. [BNP/E3,(42226r]
c. 3>6>1916
Ó#Juliano#Apostata,#que#laço#
É#esse#que#me#prende#a#quem#tu#foste,#
Imperador#sombrio#e#calmo,#quem#
É"que"em"nós"ambos"é"o"mesmo"alguem?#
5 Porque#sinto#eu#teu#gesto#no#meu#braço#
Na#minha#vida#tua#morte.#
Quem#foste#tu,#que#hoje#me#sabes#tanto#
A"eu"ter"sido"tu."Porque"é"que"lembro#
Teu#vulto#serio,#o#mando#teu#augusto,#
10 Teu#porte#de#alma,#calmo#e#□#e#justo,#
Como#o#por#Maio#a#Junho#steril#pranto#
Quando'é'Dezembro?#
Imperador#acceite#pelas#gentes#
Do#teu#Imperio#em#prisões#de#te#qu’rer,#
15 Sobrio,#vergado#sobre#os#livros,#
□#
Agora,#renascido,#
Quero#outra#vez#erguer#os#deuses#mortos#
2. [BNP/E3,(42226r]
c. 3>6>1916
Fig.(1.(BNP/E3,(42226r(
Fecho#os#olhos,#medito#
E,#se#invoco,#revivo.#
Um#momento#meu#ser#é#infinito#
No#intervallo#entre#mim#e#o#que#fui#
5 Depois#estagno,#e#o#meu#ser#morto#e#esquivo#
Rio#vasto#por#mim#flue.#
* Agradeço#a#Jerónimo#Pizarro#a#ajuda#na#edição#de#passagens#à#primeira#vista#ilegíveis.
3. [BNP/E3,(42226v]
c. 3>6>1916
Outr’ora#
No#crepusculo#do#Imperio,#
Eu,$Julião$o$Apostata,$mandei#
Os#templos#dos#meus#Deuses#reerguer.#
5 Não$era$minha$a$Hora.#
Tua$era,$ó$Christo,$e$□#
4. [BNP/E3,(42226v]
3>6>1916#
Ás#vezes,#quando#scismo,#e#incerto#vou#
Atravez(do(meu(ser(em(confusão#
Procuro#vêr,#sentir,#sem#olhos#lêr#
Na#minha#consciencia#a#alvorecer#
5 De#que#anterior#Presença#humana#sou#
A#reincarnação.#
Então,'aos'olhos'com'que'sonho'olhando,#
Meu#proprio#vulto#outro#se#ergue,#e#eu#sei#
Que#fui,#num#grande#occaso#de#□#gentes#
10 Entre#sonhos#nas#almas#confluentes#
Alguem#com#gesto#e#mando,#
Imperador#ou#rei.#
Triste,#profundamente#triste,#calmo# Fig.(2.(BNP/E3,(42226v(
Sim,#calmo#como#a#morte,#eu#quiz#fazer#
15 Com$que$em$não$sei#que#terra#revivesse#
Um#bello#culto#morto,#a#incerta#messe#
5. [BNP/E3,(42247r]
23>11>1918#
No#azul#da#tarde#o#hymno#christão#se#mexe#
Com#os#beijos#vendidos#
Pouco#a#pouco#□#o#Cesar#desce#
Os#degraus#denegridos...#
5 O#templo#ruiu#e#Christo#emfim#venceu#
A#terra#é#um#Logo>Deus.#
Fig.(3.(BNP/E3,(42247r
6. [BNP/E3,(43247(e(43248]
22>5>1919#
Agir,#sabendo#
Que#a#acção#é#vil#e#o#exforço#nada.#
Ir#para#a#frente#por#dever,#mas#vendo#
Que#não#ha#strada.#
5 Tornar#a#pôr#altares,#templos#mortos#
Aos#deuses#reerguer,#sem#ignorar#
Que#as#almas#são#de#Christo#já,#e#ha#outros#
Homens#□#
O#exforço#inutil#feito#por#dever#
10 E#o#amor#á#verdade#inacceitavel,#
A#teimosia#stoica#em#dever#ser#
□#
Venceste,#Galileu.#Mas#nada#prova# Fig.(4.(BNP/E3,(43247r
Da#verdade#de#tu#teres#vencido.#
Constantemente#o#mundo#se#renova#
15 Um#dia#é#o#dia#do#mal#□#
Ai#de#quem#nasce#no#dever#absurdo#
De#conquistar#á#morte#um#moribundo,#
De#fallar#□#a#um#imperio#surdo#
E#dar#ao#mundo#leis#stranhas#ao#mundo#
20 Quando'o'corrupto'corpo'não'conhece#
Por$saude$senão$o$bem#que#adoece#
E"o"natural"repugna"porque"não#
Lhe$é$natural,$por$□$a!razão,#
Que#força#tem#a#força#para#□#
□#
25 Que#ao#menos#ao#meu#exforço#condemnado#
Ao#exilio#do#exito,#o#Destino#
Renascimento#dê#num#melhorado#
Fig.(5.(BNP/E3,(43247v
Tempo#aos#antigos#deuses#mais#benigno.#
Assim#fallou#com#a#voz#que#hoje#trago#
30 Ha#mil#annos#e#meio#o#Imperador.#
Se#ergo#de#olhar#para#a#minha#alma#o#olhar#
Com#que#commigo#encaro#e#□#
E#o#sentido#da#minha#vida#
É"uma"statua"antiga"reerguida#
35 Do#fundo#de#um#lago#□#
A#sombra#de#outros#deuses#enche#os#hortos.#
Que$vale$não$crer$n’elles,$se$elles$vieram?#
E#se#os#deuses,$em$nós$mortos,#
Levaram#para#o#abysmo#o#que#era#seu#–#
40 O"amor"á"vida,"que"□#nos#deram#
Hoje%só%o%amor%a%amar%□.#
Bate%o%sol%só%em%casas%de%eremitas.#
Que$importa$não$querer$o$ermiterio?#
O#que#de#novo#veiu#enche#as#contritas#
45 Almas,#e#o#proprio#sonho!é"já"de"Christo.# Fig.(6.(BNP/E3,(43248r
Choras?#Para#que#choras#as#avitas#
Glorias#da#vida#□#
Grinaldas)tece)para)o)amor)que)é)morto#
Nem$só$papoulas$põe$ou$claras$flores.#
50 Violetas#busca;#e#no#deixado#horto#
Vê#se#colhes#as#flores#da#tristeza#–#
Flor’s#sem#perfume#como#estes#amores,#
Flores,#como#estas#sebes,#sem#belleza.#
E"quando,"de"grinalda"já"composta#
55 Só#restar#dar>lhe#o#uso#e#ao#uso#os#beijos,#
Com$lentas$mãos$desfal>a#□#
Penelope#*sahira#sem#marido#
Desfal>a#como#aos#□#desejos#
Quando#realizal>os#□#
60 E#assim#na!inutil&obra&em&que&compões#
Sem#mesmo#ser#para#os#campos,#as#flores#
Que$com$cuidado$nas$grinaldas$pões#
E#sem#cuidado#continuas#pondo,# Fig.(7.(BNP/E3,(43248v
Vae#vivendo#a#sonhar#esses#amores#
65 Que#em#meu#sonho#de#ti#eu#vou#compondo;#
E#um#dia,#se!é"dos"deuses,"ou"de"além,#
Que#em#outros#corpos#volta#a#nova#alma#
Em#que#esta#dôr#nossa#consciencia#tem,#
Se#entre#outros#hortos#□#
70 Talvez'que'extranhos'um'ao'outro'nós#
Cruzemos#no#caminho%e%um%só%momento#
Olhando>nos,#*venha#um#subito#e#veloz#
E#autentico#assombro#e#□#medo#
Uma#emoção#no#nosso#pensamento#
75 Uma#occulta#verdade#do#segredo.#
E#será#esse#nada#o#amor#emfim#
Por$que$esta$grinalda$morta$é$feita;#
E#um#e#outro,#pesando>nos#na#alma,#
Perguntamos:#que#houve#agora#em#mim?#
80 Mas$já$parámos...#
7..([BNP/E3 3 3r]
c.#1919?
Quem#governa#mais#longe#que#só#os#gestos?#(
Quem#pode#mandar#mais#do#que#o#Destino?#(
Mithras,#meu#pae#□#
5
Regente#inutil#de#um#imperio#extincto,#
Portador#de#um#cadaver#sobre#mim,#
-··
•Jultuo • Ant1ooh1a•.
Minha#vontade#morre#no#precincto#
t•po 4a dacadencla, lucta lnuU l..,.ta, ~rown
lntnictlf•r•ent• antn.wr , a c.iomfflO • a da •
pn.-acancia aal'Ma .
ponto
ºc::;:l~q:t~::· 1:::••~~-;:)
5-~~:: ·r: ...
Da#minh’alma,#sem#alma#alguma#affim.# da Juliano
t&U
4• Antlochia,
que o I~nMlor
na cidada ctriatan • cOrl'\IJ'\a
a aacolba para 'oaaa .a 110aanto •
aante b• a 41tfann;a .oral
Meus#decretos#são#agua#tal#qual#um#
entra N • oa qua o c•rc-, a a 41ffarenp da
r8r;a antn a •• peraonaUdUa bolada • a ln •
talra aatructun. dk&Uflta 4a aoue11a• Cil• o
caro& a que alla •ICl••n:ia•,
Homem#só#a#consegue#arremessar#
Jo trataaento do t.h ... dna .rtr paruabndo
o U• da Juliano,
Salva#o#que#a#si#se#não#pode#salvar.#
llithraa, aau .-.,
Minha#voz#em#nenhuma#alma#calha,#
Porta4or de • cauyar aobN Ilia ,
1111M Tont.U. aorn ao praelr.cto
11a alnh'ala&, - alM ateu- atfi•,
h\la dacNt.oa .ao ap tal q-.1 ua
a ... ali a coo•~ arn•H•r
Passeio#o#exforço#meu#entre#desastres.#
he .. io • uf'Ol'fO ... eatN .... t .....
Fig.(8.(BNP/E3,(43213r
8. [BNP/E3,(4425(e(4426r]
c.#1919?
Mas#ah#que#um#ente#vil#e#tão#mesquinho,# '• · 6
Extrangeiro#á#virtude#e#á#intelligencia,#
Assim#ponha#em#submisso#desalinho#
O#edificio#□#da#nossa#sciencia!# ku ai>~-"" <>;>U l'tl
./r
• tl41' -~141.\II• ,
IJU·-•tn 6"1r,,,...• •, 111•lltn,..t1.
, .. ,. l"·"'- - •.-Stff •••• u,,..
•·un,,., ,n ""' ut111011!
Studo>te#e#odeio#com#desprezo#e#magua.#
u ... _u • HUI,__ ... HIJ,,l'ff'!> •• , , ....
J••· ,.., ._..,...,.. u11net1
5
H•"- ""' .. ,
fnat••ll•-H•••t•-1..-....
,..,,.,, .. O ; .. ut~ • • ff ,0,.101,n,11.
Plebe#dos#sexos,#sem#pudor#nem#sciencia,#
1'11 n")l'"J,1'11NP11\11"'11"11"11"•
1 .... P,.., J ,f'h l)OQ41H l ~J• •11'111 ,
Instavel#e#amoldavel#como#a#agua,##
) il•unu,11rllll•q,.,
Vil#no#proprio#carinho#dedicado,##
f'.,,.,.
..,,..,..,. ..a1,1llll,o•r-u,
Ili n ••• dHJ>H•U-u I l' ff•U !1111,
~:::·..r·=·~:,~::-~
...~.:--:~r:;;!'
·
:!·,:-,::,:~-::-~·t:•::.
E#na#propria#bondade#anjo#malvado.#
r-,/' •.,.
10
o ... rnq ...... ,Al''i'II-Al'IH,
Q... ni",j1 , •• HI' NIH' tl'lq141U,
JolÚIH,.t>l1H,.6e
Tu#aproveitas,#tudo#ao#goso#chamas.##
E#se#a#ti#mesmo#enganas#quando#mentes,# Fig.(9.(BNP/E3,(4425r(
Não#tanto#enganas#que#□#
Ah#que#contra#uma#alma#que#aprendeu#
15 Na#incerta#sorte#e#rudez#má#da#vida#
A#ter#a#firme#□#
Possam#as#tuas#redes#valer#tanto,##
Tanto#o#teu#proprio#suspeitado#encanto.#
Porque#de#nada#vale#conhecer>te,#
20 De#nada#desprezar>te#e#ver>te#nada.#
Fazes#querer>te#a#quem#não#quer#querer>te,#
Quem#vê#os#spinhos#na#tua#rosea#strada##
Não#menos#segue#a#strada#que#vê#ser##
Da#perdição,#esquecendo>a#por#te#ver.#
25 Que#fraqueza#se#é#força#sermos#fortes,#
Que#força,#se#ser#fortes#é#fraqueza,# h•d• .. • d••Jar•,ar-t•
r•s•r •• t••t<••º"• q1o.11d11•5ar111
...
• ;.. ...11•
;;ã""'
11.
Nos#dá#scravos#aos#pés#□## ••n.iCwt\.1'11h1o.11car
1n .. u1
••"
t• r1•tutrl
q.,.r•r ni1 ur ti-'
t,,~•
t"r'I• n •n• ••"" ••11••f'\l.lr.
19n•!
Podemos#desprezar>te#e#nem#queremos# :h!~·~.:;•~!.it:9!:.11;:h:;:.
i renlu
"•tto. ~.,,,
1n•eHntl do d•~•.l•;:,;.. ::: ":;,; , r
-·
Fazer#os#gestos#com#que#desprezamos.# lntr•
i
Ili
11..
o .l1no,"~•
c• ••
ltril(II. '41'1
lnt•rpff
·- --
1 101tn•l1
Ili"
:>l,...
4 11111~• -ullla
t• .. o•rtllho.
etlll'IIUIIII\I,
1. -u
•.
~~-:--:·,
: :i":.'~.:!;:.-:-!:~:~!~"12
30 Van#loucura#buscar#te#resistir!# :f:!! !:: d:;°~:.:o••'~!:
•r,,4,,, Hllf• n4• qwr. 1 nrlo. - ti
Inutil#força#querer#não#ser#teu#servo!#
tw1.o. •ila"••r
Sem#força#ou#arte#sabes#conseguir.##
-=:.:~!cW!'I!:.!~.~::·
Quo, 4 o aal.
q .. 11 unu
nio fl.a'lldo l atros.
hl'lldll
ci-..•11tooorp<1\0
sa u nl11t•01,
4111111Ud1.
dl
o-
11
t-.••Mtl-1"1111,
unia
nio uu.,
'IIU
tUPl<!l.ff••
E#cada#stria#em#nós#de#cada#nervo##
Qua f"l'9• '1"1)!'9ft,flt,ia 4 qca j 5ar•d••
i-ara, n""'° • º"n•tents , r•~.,_,.,_t•,
Se#o#mero#braço#sente#a#tua#mão.#
""•e•1JL1.•110•1111..r.r-t1. t•n«..,d&
35
Fig.(10.(BNP/E3,(4425v(
Contra#Venus#Minerva#não#construe#
Armaduras#que#durem#mais#que#um#beijo.#
Não#tem#Jove#justiça#que#subdue#
A#revolta#insolente#do#desejo.##
40 Se#a#tua#bocca#falla,#tudo#cala#
Em#nós#saber#o#que#em#nós#te#ouve#a#falla.#
Entre#o#livro,#onde#a#sciencia#é#lida,#e#a#mente#
A#imagem#se#interpõe#do#teu#carinho.##
Na#‘strada#para#o#Olimpo#eternamente,#
45 Teu#vulto#surge,#Circe#do#caminho.#
Entre#nós#e#a#ambição#que#quer#erguer>nos#
Anseiam#teus#humanos#olhos#ternos.#
E#com#teu#meigo#amplexo,#inda#sonhado,#
A#alma#fraqueja,#a#sciencia#é#fria#e#doe.#
50 Não#te#ter#todo#o#agrado#e#bem#destroe.#
Tudo,#salvo#a#razão,#em#nós#te#quer.#
Tudo,#a#não#ser#□#
,, '
Perenne#peso#da#matéria#em#nós,#
Q~o •U u n1 pora Q1.o iu .., u,oe.
Queodlo,::_ten•{-udo~olQ'-mo
Symbolo#eterno#da#imperfeita#vida,#
55 Que,#havido#é#o#mal,#e#não#havido#é#atroz,#
Que#tanto#does#tida#como#não#tida,#
Que#se#o#corpo#te#tem,#a#mente#adoece,#
Se#te#não#tem,#de#te#não#ter#padece.#
•
Que#força#sobrehumana#é#que#é#precisa#
60 Para,#firme#e#constante,#rejeitar>te,#
□#
II.# Fig.(11.(BNP/E3,(4426r
Se#me#amas,#não#me#ames.#Deixa#só#
Quem#não#quer#mais#que#a#gloria#e#a#immortal#vida#
Busca#quem#possa#qu’rer>te,#tendo#dó##
Que#mal#te#fiz#para#que#tu#me#ames,#
65 Que#odio#me#tens#á#vida#para#amar>me#
□#
E#a#noite#que#nos#□#e#nos#spera#–#
E#a#madrugada,#breve#primavera.#
Ji..liano e• An\.ioohla -
9. [EMN,(sem$cota]
Calau, 1ubll l a110 ao 1noogn1to U1t1ne .
Calou,#submisso#ao#incognito#destino#
11111 rol 181PN , 1 ··"' MlpN , O hoiae1,
Por#toda#Antiochia,#
No#escurecer#onde#se#as#fórmas#somem,#
Num#mixto#murmuro#de#pranto#e#de#hymno,#
5 Revezavam>se#as#preces#e#a#orgia.#
Assim#foi#sempre,#e#será#sempre,#o#homem.#
Fig.(12.(EMN,(sem$cota
10. [CFT,(sem$cota]
c.#1919?
E#o#proposito#addiado#sempre,#
A#vã#vontade#sempre#dividida...#
Juliano:(
Toda#essa#podridão#é#o#futuro...#
(O#orgiaco#murmurio#vago#e#impuro.#
5 É#nessa#podridão#que#stá#o#futuro...)#
De#toda#uma#epocha#de#gente#viva#
Que#fica#na#memoria#das#edades,#
Na#herdada#retentiva?#
Um#milhão#de#homens?#De#almas#um#milhão?#
10 Não:#uma#ode...,#uma#canção...#
Uma#pagina#cheia#de#ansiedades...#
Uma#só#melodia#esquiva...#
Os#que#amaram,#fruiram#e#soffreram,#
Deram#á#terra#o#nada#vivo#que#eram.#
15 Os#que#reinaram#e#fizeram#guerra# S o propolito
A vi TDntade
Ldd1'.do
1m,nre
••J'1>r•,
dividida •••
O#nada#altivo#que#viveram#deram# J uliano :
(i ::::1;C:~f!i~\~J1~;:~~~-
é o rut1ro •••
~,llr0~
De toda ur,. epooha. de gmte viva
Que ti01. nenorta da, eda.481 1
Só#do#esquecido#scriba#o#manuscripto,#
lia herdll da retanth'a T
l't.'I nilhlo de hO!l9naT Di, ali,.e un nilhlo'
fflo: Ul1 aonet.a ••• , w-. otnção •••
pagina cheia ue am 1edade1 •••
No#amanhã#longinquo#d’outras#eras,#
tTr.a ,ó ndlodia Hquivp. •••
o, que anara.-,,, rrutrar.i. , ,ortrermn,
1
Se#desdobra#submisso,#e#lê#com#rito,#
U9 rru, a terra o nada rtvo que enu1.
20 g-i:: ~!!~~u:;i::= r.:.~
J..m,na ni4a • reow4.a t_..,...
'
Só#do#poeta#que#ninguem#olhou# : ::.!:au~~~~~~~i:: ~t~u=~~to,
01
~bsi !~~~t:·:i,,.nl~:g
Todos#olham#as#paginas#severas.# 'l'odo• olhan •• paginas
Po1 o 'lu• tioa
~ll;~
o que tioou.
• evM"aa...
Foi#o#que#fica#o#que#ficou.#
Fig.(13.(EFT,(sem$cota
©
Poema sem titulo (3 .Vll .1915) .
@
Liberdade ( sem data) .
@
Marinha (21 .IV .1927) .
1
1
@
Fragmento sem título (sem data) .
l .J
#
65
Texto do Livro do Desassossego
{sem data) .
@
Figs.(16(e(17.(Capa(e(pormenor(com(o(item(64(do(catálogo(do(1 (Col.(de(Est.(Pessoanos((CFT)(
o
(
(
ANEXO(3.([BNP/E3,(282101av(e(282101v]( (
c.$13>6>1916# (
# (
Juliano$o$Apostata.# (
(
Nascimento:1#Constantinopla#a#17#Novembro#331#(ou#332)#
Morte:2#Tummara#(sobre3#o#Euphrates)#26#Junho#363.#
Filho#de#Julius#Constantius#e#da#sua4#2ª#mulher#Basilina.#
Pae# foi# égorgé# em# 337# por# ordem# de# Constancio# II# e#
tambem# seus# (de# Juliano)5# dois# irmãos# (do# outro#
casamento#do#pae).#
341#–#foi#morto#o#irmão#mais#velho#de#Juliano.#
(Gallus,#irmão#sobrevivente#de#Juliano6#nascera#em#325)#
354#–#Gallus#(Cesar#desde#351)#foi#morto.#
6#Novº#355#–#Juliano7#proclamado#Cesar.#
Morte#de#Constancio#(pela#qual#Juliano8#ficara#imperador)#
3#Nov.#361.#
___________________________________________________ (
(
__#
Naville:#Julien$l’Apostate.9#
Rendall:# The$ Emperor$ Julian# (contains# complete# (
bibliography)# Figs.(18(e(18a.(BNP/E3,((
282101av(e(282101v((pormenor)((
Articles# de# Boissier# (1# juillet# 1880)# et# de# Martha# (1# mars# (
1867)#dans#Revue$des$Deux$Mondes.10# (
Oeuvres$de$Julien#–#traduites11#par#Talbot.#
Memoires$ Couronées$ et$ autres$ mémoires# de$ l’Académie$
Royale$de$Belgique#–#1898#–#tome#LVII.#
Alphonse12#Capart,#S.#J.##
«La# propriété# individuelle# et# le# collectivisme»13#
in# Mémoires$ de$ l’Académie$ Royale$ de$ Belgique,14#####
t.#57#(read)#
#
#
#
#
#
ANEXO(4.([BNP/E3,(282101v]( (
c.$13>6>1916# (
# (
17#Novembro#–#!#in#!#27 #–#2## o
26#ou#27#ou#28#!#
#
estava#onde#estava#em#17#Nov#1887##
#################################################ou#1889#
#
###### # (
# Figs.(19(e(pormenores.(BNP/E3,(282101v((
(
#
#
#
#
#
# #
#
ANEXO(5.([BNP/E3,(282101r(e(282101ar](
c.$13>6>1916
.
Bossuet,# dans# ses# explications# sur# l’Apocalypse,# prouve#
longuement#qui#Julien#est#la#bête.1#
Christianity#(its#state#in#evil#enfevers#souls)#Martha.#144#
p. 145,# end# –# 148# (very# good2# comparison# between# the
absence# of# religious# wars# in# pagan# antiquity# &# the#
christian#ones)#
146#(middle)#
“eut#le#foie#traversé#d’un3#javelot”#
Juliano,# por# certas# especulações# do# seu# hymno# ao# Rei# Sol,#
/..J- ,.,.;:;
,;-J......;;
7. ,...fa. M, ;,-...._ ,,,,.,__
--1.-
- ,t-... ~;t;:;:"
dava#vida4#á#chamma#christan.# 1- 1,~ - ,._ ,.....,.=.. ',
"'"t;z,c-~~-""P., -.......
Boissier#–#p#92#–#The#non>acceptance#by#Christianity #of#the#
5 I , '~ IF>':>I~~---,.:--
ANEXO(6.([CFP,(82285,(vol.(II,(“Misopogon”](
'1'111': 1\"0llKS OF T I IE
IC:'11Pt,:HOH J UL JAN
[passagem#sublinhada#por#Pessoa,#a$quo#1913#(c.#1916?)]# \\ lTII AX ~:x1;1.1s11 TIU','',f.ATIO" DY
WIJ , \I E II ( ', \\ 1: \ \ ltl l, II T. Pu. I>.
"
guardian#of#the#laws.»#
Figs.(21(e(22.(CFP,(82285,(vol.(II:(
rosto(e(p.(473((pormenor)(
(
ANEXO(7.([CFP,(2255,(“Reaction(under(Julian”](
# A 8HORT
#
[passagens#sublinhadas#por#Pessoa,#a$quo#1902#(c.#1916?)]# II IKTOHY
OF CHlll8TIAX1TY
#
«If,# again,# we# keep# our# eyes# on# the# age# of# Constantine,# we#
cannot#but#be#struck#by#the#fact#that#Constantius#“the#pale,”#the#
,JOIIX \J. JlOIIEllTSOX
and# repelled# or# failed# to# satisfy# the# better;# and# the# younger#
11, ,OH!IIIO!f'll OOt'llT, FLU:T STlllT , t.OlfDOll. LC.
>ffl
IV.(Aparato(Crítico(
(
1.([BNP/E3,(42226r]#
ATRIBUIÇÃO:#Ó#Juliano#Apostata#[evocação$no$incipit]#
DESCRIÇÃO:#Tira#parda#vincada#ao#meio#(na#horizontal),#manuscrita#a#tinta#preta,#com#intervenções#
a# lápis# cinza.# O# documento# contém# quatro# grupos# de# versos# (dois# em# 42>26r# e# dois# em# 42>26v)#
atribuíveis# ao# poema# «Juliano# em# Antiochia»# ou# «Julião# Apostata»# –# títulos# que# aparecem# no#
documento#(vide#Anexos).#$
DATAÇÃO:# O# texto# na# metade# inferior# de# 42>26v,# o# único# datado# do# suporte# (3>6>1916),# parece# ter#
sido#o#último#escrito#do#papel,#como#sugeriu#Dionísio#(PESSOA,#2005c:#334>335);#o#poema#em#questão#
será#temporalmente#próximo#e,#provavelmente,#anterior.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#353>354;#2005c:#83;#LOPES,#1990:#81>82;#NEMÉSIO,#1958:#108#(incipit).#
NOTAS:#
1# Ó#Juli<ão>/ano\#emenda$a$lápis.$
9# <em#que>#[↑#o#mando]#
10# d<’>/e\#alma#
11# <de>#[↑#por]#Maio#<em>#[↑#a]#Junho#
15# livros,#<†>#
#
#
2.([BNP/E3,(42226r]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia$[título$do$projecto$ao$qual$o$poema$se$liga,$através$de$uma$seta]$
DESCRIÇÃO:#Mesmo#suporte#do#poema#anterior.#Uma#linha#conectada#ao#v.#1#visualmente#liga#este#
texto#ao#projecto#«Juliano#em#Antiochia»#(nomeadamente,#à#primeira#parte#do#projecto,#como#se#vê#
no# APÊNDICE 1).# Entretanto,# as# informações# do# plano# não# são# suficientes# para# associar# as# demais#
estrofes#em#42>26#às#respectivas#partes#da#planejada#obra.$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#do#poema#1.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#354;#2005c:#84.#
NOTAS:#
3# <meu#†>#[↑ meu#ser]#
6# Rio#fundo#[↑ vago]#[↓ vasto]#
#
APÊNDICE#1#
[42>26r#–#ms.#–#projecto#do#poema]#
#
Juliano$em$Antiochia:$
#
The#idle#efforts#of#a#reformer,#of#a#man#who#
wishes#to#bring#back#the#fair#past#to#the#evil#
present,#the#past#of#kings#to#the#present#of#slaves.#
#
# 1.$My$invocation$
# 2.#A#vision#of#Julian#in#Antiochia#
# 3.#Conclusion#
Fig.(26.(BNP/E3,(42226r((pormenor)(
(
(
3.([BNP/E3,(42226v]#
ATRIBUIÇÃO:#Eu,$Julião$o$Apostata$[referência$no$v.$3]$
DESCRIÇÃO:# Mesmo# suporte# do# poema# anterior.# Entre# este# poema# e# o# seguinte,# numa# seção#
demarcada# por# linhas# horizontais,# figuram# um# título# e# um# subtítulo# do# projecto# «Julião Apostata»
(vide APÊNDICE 2).$
DATAÇÃO:#Mesma#datação#dos#poemas#1#e#2.#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#354;#2005c:#84;#LOPES,#1990:#82.#
NOTAS:#
5# Não#é#[→ era]#minha#
#
APÊNDICE#2#
[42>26v#–#ms.#–#título#e#subtítulo#de#projecto]#
#
Julião#Apostata#–#
# biographia#
# estatua#ou#busto#
Fig.(27.(BNP/E3,(42226v((pormenor)#
#
#
4.([BNP/E3,(42226v]#
ATRIBUIÇÃO:#[por$afinidade$métricoCtemática$e$contiguidade$a$poemas$e$projectos$de$atribuição$explícita]$
DESCRIÇÃO:# Mesmo# suporte# do# poema# anterior.# Entre# este# poema# e# o# seguinte,# numa# seção#
demarcada# por# linhas# horizontais,# figuram# um# título# e# um# subtítulo# do# projecto# «Julião Apostata»
(vide Anexo 2).$
DATAÇÃO:#3>6>1916#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005a:#355;#2005c:#84;#LOPES,#1990:#82>83;#NEMÉSIO,#1958:#108#(incipit).#
NOTAS:#
7# <vendo>#[↑ olhando]#
11# Alguem#<que>#com#gesto#
13# /profundamente/#
#
#
5.([BNP/E3,(42247r]#
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.#
DESCRIÇÃO:#Folha#azulada#picotada#na#horizontal#com#a#marca#d’água#ALMAÇO#PRADO,#manuscrita#
a#tinta#preta.#Na#edição#crítica,#que#aqui#se#segue,#Dionísio#nota#duas#pequenas#cruzes#(uma#acima#
do#v.1#e#outra#abaixo#do#v.4),#sinais#de#delimitação#da#primeira#estrofe#(PESSOA:#2005:#407).#
DATAÇÃO:#23>11>1918#
PUBLICAÇÕES:#PESSOA,#2005b:#22;#2005c:#174;#NEMÉSIO,#1958:#109#(incipit).#
NOTAS:#
3# <Com#pr>#[↑ Pouco#<leve>#{↑#a}#pouco]#
#
#
#
(
(
7.([BNP/E3,(43213r]#
ATRIBUIÇÃO:#LEGENDAS.#[título$geral$no$topo$da$página]#|#“Juliano#em#Antiochia”.#
DESCRIÇÃO:# Fragmento# de# folha# parda,# dactilografada# a# tinta# preta.# Uma# explicação# em# prosa#
precede#o#poema#(vide$APÊNDICE#3).#
procura#infructiferamente#entravar,#a#corrupção#
"Juliano em Antioc hia".
e#a#degenerescencia#geraes.#
O# thema# (que# deve# involver,# àparte# este#
ponto# central,# outros# p[o]ntos# accessorios)# é# a# O poema ay111boliza a alma elevada que, num
tempo de decadencia, lucta 'inutil mente, procura
e a de-
estada#de#Juliano#na#cidade#christan#e#corrupta# infructiferamente
genereecencia
entravar,
geraes.
a corrupção
DATAÇÃO:#Mesma#datação#conjectural#dos#poemas#7#a#9.### #####Fig.(29.(CFT,(sem$cota$(pormenor).#
PUBLICAÇÕES:#Inédito.#
NOTAS:#
4# <mumurio>#orgiaco#murmurio#
10# Não:#[←uma#ode]#<um#soneto>...,#uma#canção...#]#var.$manuscrita$à$esquerda$do$v.$
20# [←S]<O>/e\#desdobra#submisso,#e#<o>#lê#
21# <O#sabio>#Só#
(
(
Anexo(3([BNP/E3,(282101av(e(parte(de(282101v]((
ATRIBUIÇÃO:#Juliano#em#Antiochia.$
DESCRIÇÃO:#bifólio#de#folha#parda,#com#cada#uma#das#quatro#páginas#também#vincada#ao#meio#(na#
horizontal),# manuscrito# a# tinta# preta# e# a# lápis# lilás.# Além# dos# apontamentos# biográficos# sobre#
APÊNDICE#4#
[28>101ar#e#28>101r#–#ms.#–#cf.#PESSOA,#2003:#172#e#174]#
I#have,#thus,#arrived#at#my#28th#year#with#nothing#done#
in# life—nothing# in# life,# in# letters# or# in# my# own#
individuality.# I# have# tasted# failure# to# the# full# up# to# now.#
How#longer#must#I#taste#it,#alas?##
The# more# I# examine# my# conscience,# the# less# I# acquit#
myself#of#the#nothingness#of#my#life.#
What#horrific#thing#is#this#that#has#so#delayed#me?#
My#deficient#reading,#my#lack#of#practical#spirit,#my#□#
Figs.(30(e(30a.(BNP/E3,(282101ar(
e(pormenor(de(282101r
[A&A]# 15:#Na#vária#sorte##########28:#desprezar>te#e#não#podemos##########41:#o#que#em#nós#ouve#a#
tua#fala##########47:#olhos#□#ternos##########65:#me#tens#à#minha#vida##########66>67:#vv.$omitidos$do$poema$e$
apresentados$apenas$no$aparato.$
#
9.$Calou,$submisso$ao$incognito$destino#
[Inédito]#
#
10.#E$o$proposito$addiado$sempre,#
[Inédito]#
VI. Bibliografia
[Bibliografia(Ativa(de(«Juliano»(em(Antiochia»](
LOPES,#Teresa#Rita#(1990).#Pessoa$Por$Conhecer$–$Textos$para$um$Novo$Mapa.#Lisboa:#Estampa.#
NEMÉSIO,# Jorge# (1958).# A$ obra$ poética$ de$ Fernando$ Pessoa:$ estructura$ das$ futuras$ edições.# Salvador:#
Aguiar#&#Souza.##
PESSOA,#Fernando#(2005a).#Poesia$1902C1917.#Edição#de#Manuela#Parreira#da#Silva,#Ana#Maria#Freitas#
e#Madalena#Dine.#Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (2005b).# Poesia$ 1918C1930.# Edição# de# Manuela# Parreira# da# Silva,# Ana# Maria# Freitas# e#
Madalena#Dine.#Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (2005c).# Poemas$ de$ Fernando$ Pessoa$ 1915C1920.# Edição# de# João# Dionísio.# Lisboa:# Imprensa#
Nacional#–#Casa#da#Moeda#(Edição#Crítica#de#Fernando#Pessoa,#Série#Maior,#2).#
[Obras(na(Biblioteca(Particular(de(Fernando(Pessoa]#
(The)$ Gem$ Pocket$ Pronouncing$ Dictionary$ of$ the$ English$ Language.# With# an# Appendix,# containing#
abbreviations,# foreign# words# and# phrases,# forms# of# address,# etc.# Durban;# Martizburg:#
Adam#&#Co,#[s.d.].#[CFP,#0>6A]#
JULIAN,# Imperador# (1913).# The$ Works$ of$ the$ Emperor$ Julian.$ With# an# English# translation# by# Wilmer#
Cave# Wright,# Ph.D.# 3# vols.# London:# William# Heinemann;# New# York:# The# Macmillan# Co.#
(The#Loeb#Classical#Library).#[CFP,#8>285;#só#os#vols.#I#e#II#encontram>se#na#biblioteca]#
ROBERTSON,#John#Mackinnon#(1902).#A$Short$History$of$Christianity.#London:#Watts#&#Co.#[CFP,#2>55]#
V.V.A.A.# (1912).# Revue$ des$ Deux$ Mondes,$ ano# LXXXII,# período# 6,# vol.# 8,# Paris,# 15# Abr.;# ano# LXXXII,
período#6,#vol.#9,#Paris,#1#Jun.#[CFP,#0>19]#
WOOD,# James# [dir.]# (1900).# The$ Nuttall$ Encyclopædia$ (being$ a$ concise$ and$ comprehensive$ dictionary$ of$
general$knowledge).#London:#Frederick#Warne#&#Co.#[CFP,#0>48#LMR]#
[Obras(Citadas(nas(Notas(de(Fernando(Pessoa](
BOSSUET,# Jacques# Benigne# (1689).# L’Apocalypse$ avec$ une$ Explication.# Paris:# Sébastien# Mabre>
Cramoisy,#Imprimeur#du#Roy.#
BOISSIER,# Gaston# (1880).# «L’Empereur# Julien».# Revue$ des$ Deux$ Mondes,# ano# L,# período# 3,# vol.# 40,#
Paris,#1#Jul.,#pp.#72>111.#
CAPART,#Alphonse#S.>J.#(1898).#«La#Proprieté#Individuelle#et#le#Collectivisme».#Mémoires$Couronnés$
et$ Autres$ Mémoires# de# l’Académie# Royale# de# Belgique,# tomo# LVII,# parte# 3,# Bruxelles,# Mar>
Dez.#
JULIAN,# Emperor# (1913).# «Hymn# to# King# Helios# Dedicated# to# Sallust».# The$ Works$ of$ the$ Emperor$
Julian,$vol.# I.#Com#tradução#inglesa#de#Wilmer#Cave#Wright.#London:#William#Heinemann;#
New#York:#The#Macmillan#Co.#(The#Loeb#Classical#Library),#pp.#353>435.#[CFP,#8>285]#
JULIEN,# L’Empereur# (1863).# Œuvres$ Complètes$ de$ L’Empereur$ Julien.# Traduction# nouvelle#
accompagnée# de# sommaires,# notes,# éclaircissements,# table# analytique# des# matières,# index#
alphabétique#et#précédée#d’une#étude#sur#Julien#par#Eugène#Talbot.#Paris:#Henri#Plon.#
MARTHA,# Constant# (1867).# «L’Empereur# Julien# –# l’Église# et# l’Empire# au# quatrième# siècle,# par# M.#
Albert# de# Broglie,# 3e# édition,# Paris,# Didier,# 1866».# Revue$ des$ Deux$ Mondes,# ano# XXXVII,#
período#2,#vol.#68,#Paris,#1#Mar.,#pp.#137>169.#
NAVILLE,# H.>Adrien# (1877).# Julien$ l’Apostat$ e$ sa$ Philosophie$ du$ Polythéisme.# Paris:# Didier# et# CIE;#
Neuchatel:#Sandoz;#Genève:#Desrogis.#
RENDALL,# Gerald# Henry# (1879).# The$ Emperor$ Julian—Paganism$ and$ Christianity,$ with$ genealogical,$
chronological$and$bibliographical$appendices.#Cambridge:#Deighton,#Bell#and#Co.#
V.V.A.A.#(1898).#Mémoires$Couronnés$et$Autres$Mémoires#de#l’Académie#Royale#de#Belgique,#tomo#LVII,
Bru elles
[Outras(Referências](
DIX,#Steffen#(2005).#Heteronymie$und$Neopaganismus$bei$Fernando$Pessoa.#Würzburg:#Königshausen#&#
Neumann.#
ENDŌ,#Shūsaku#(1969).#Silence.#Translated#by#William#Johnston.#London:#Peter#Owen.#
____# (1966).# #[Chinmoku].#Tōkyō:#Shinchōsha.#
FERRARI,#Patricio#(2016).#«Bridging#Archives:#twenty>five#unpublished#English#poems#by#Fernando#
Pessoa».#People$of$the$Archive:$the$contribution$of$Hubert$Jennings$to$Pessoan$studies$Providence:#
Gávea>Brown,# pp.# 231>261# [1a# publicação# em# Pessoa$ Plural—a$ Journal# of$ Fernando$ Pessoa$
Studies,#n.o#8,#2015,#pp.#365>431).#
____# (2008).# «Fernando# Pessoa# as# a# Writing>reader:# Some# Justifications# for# a# Complete# Digital#
Edition# of# his# Marginalia».# Portuguese$ Studies,# Vol.# 24,# No.# 2,# Modern# Humanities#
Association,#pp.#69>114.#
FREITAS,# Filipa# de# (2016).# «”Fernando# Pessoa,”# a# document# not# by# Fernando# Pessoa».# People$of$the$
Archive:$ the$ contribution$ of$ Hubert$ Jennings$ to$ Pessoan$ studies$Providence:# Gávea>Brown,# pp.#
183>195#[1a#publicação#em#Pessoa$Plural—a$Journal#of$Fernando$Pessoa$Studies,#n.o#8,#2015,#pp.#
282>309).#
HOUAISS,#Antônio#e#VILLAR,#Mauro#de#Salles#[eds.]#(2001).#Dicionário$Houaiss$da$Língua$Portuguesa.#
Elaborado# no# Instituto# Antônio# Houaiss# de# Lexicografia# e# Banco# de# Dados# da# Língua#
Portuguesa#S/C#Ltda.#Rio#de#Janeiro:#Objetiva.#
JENNINGS,#Hubert#Dudley#(1986).#Fernando$Pessoa$in$Durban.#Durban:#Durban#Corporation.#
____# (1984).# Os$ Dois$ Exílios.# Porto:# Centro# de# Estudos# Pessoanos# &# Fundação# Engenheiro#
António#de#Almeida.#
PESSOA,#Fernando#(2016).#Obra$Completa$de$Ricardo$Reis.#Edição#de#Jerónimo#Pizarro#e#Jorge#Uribe.#
Lisboa:#Tinta>da>china.#
____# (2014).#Álvaro$de$Campos$–$Obra$Completa.#Edição#de#Jerónimo#Pizarro#e#Antonio#Cardiello;#
colaboração#de#Jorge#Uribe#e#Filipa#Freitas.#Lisboa:#Tinta>da>china.#
____# (2003).#Escritos$Autobiográficos,$Automáticos$e$de$Reflexão$Pessoal.#Edição#e#posfácio#de#Richard#
Zenith,# com# a# colaboração# de# Manuela# Parreira# da# Silva# e# traduções# de# Manuela# Rocha.#
Lisboa:#Assírio#&#Alvim.#
____# (1979).# Sobre$ Portugal.$ Introdução$ ao$ Problema$ Nacional.# Recolha# de# textos# de# Maria# Isabel#
Rocheta#e#Maria#Paula#Morão.#Introdução#e#organização#de#Joel#Serrão.#Lisboa:#Ática.#
____# (1974).#“Textos#inéditos#de#Fernando#Pessoa#–#apresentados#por#Jacinto#do#Prado#Coelho”.#
Colóquio#Letras,#n.o#20,#Jul.,#pp.#54>60.#
____# (1966).#Páginas$Íntimas$e$de$AutoCInterpretação.#Textos#estabelecidos#e#prefaciados#por#Georg#
Rudolf#Lind#e#Jacinto#do#Prado#Coelho.#Lisboa:#Ática.#
PITTELLA,#Carlos#[ed.]#(2016)#People$of$the$Archive:$the$contribution$of$Hubert$Jennings$to$Pessoan$studies$
(a# printed# edition# of# Pessoa$ Plural—a$ Journal# of$ Fernando$ Pessoa$ Studies,# n.o# 8).# Providence:#
Gávea>Brown.#
____# [ed.]#(2015).$Pessoa$Plural—a$Journal#of$Fernando$Pessoa$Studies,#n.o#8#(Special#Jennings#Issue),#
Brown#University,#Warwick#University#e#Universidad#de#los#Andes,#Outono.#
Álvaro'de'Campos:''
dois%poemas%na%Colecção%Fernando%Távora%
%
Filipa de Freitas*
%
Palavras0chave'
'
Fernando%Távora,%Fernando%Pessoa,%Raul%Leal,%Álvaro%de%Campos.%
'
Resumo'
%
Dois% poemas% dactilografados% de% Álvaro% de% Campos% foram% encontrados% na% Colecção% de%
Fernando% Távora,% no% Porto.% Estes% testemunhos,% que% pertenceram% a% Raul% Leal,% são,% pelas%
suas% características% materiais,% idênticos% aos% do% espólio% de% Fernando% Pessoa.% PretendeFse,%
assim,%apresentar%estes%documentos%e%a%proximidade%que%os%caracteriza.%
%
Keywords'
'
Fernando%Távora,%Fernando%Pessoa,%Raul%Leal,%Álvaro%de%Campos.%
%
Abstract'
%
In%Fernando%Távora’s%private%collection,%at%Oporto,%two%typed%documents%have%been%found%
containing% poems% of% Álvaro% de% Campos.% These% copies% belonged% to% Raul% Leal,% and% are%
similar%to%the%ones%found%in%Fernando%Pessoa’s%literary%estate.%We%present%these%documents%
and%the%connections%between%them.%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*% Universidade% de% Coimbra,% Instituto% de% Estudos% Filosóficos;% Universidade% de% Lisboa,% Centro% de%
Estudos%de%Teatro.%
!
Freitas Álvaro de Campos
1%PIZARRO% (2017b),% no% artigo% “Poemas% e% documentos% inéditos:% o% lote% 31% e% a% colecção% Fernando%
Távora”,%esclarece%a%variedade%de%autores%que%se%encontram%representados%na%respectiva%colecção.%
2%VejaFse%a%transcrição%do%metaFarquivo%da%colecção%Fernando%Távora,%levada%a%cabo%por%Fernanda%
VIZCAÍNO%(2017),%que%inclui%referências%ao%espólio%de%Raul%Leal.%
3%O% arquitecto% Fernando% Távora% adquiriu% um% exemplar% desta% obra% em% 24% de% Fevereiro% de% 1975,%
segundo%um%recibo%encontrado%na%colecção.
4%Esta%cópia%foi%exposta%no%I%Congresso%Internacional%de%Estudos%Pessoanos,%no%Porto,%em%1978.%
5%O%papel%químico%ou%papelFcarbono,%criado%em%1801%por%Pellegrino%Turri,%foi%muito%usado%na%cópia%
de%documentos%dactilografados.%TrataFse%de%um%papel%com%uma%face%impregnada%de%uma%camada%
de% tinta% ou% de% um% pigmento,% que% é% transferido% quando% a% outra% face% (sem% tinta)% entra% em% contacto%
com% o% documento% que% se% pretende% copiar.% Há% outros% exemplos% de% cópias% em% papel% químico% no%
espólio%de%Pessoa%(cf.%PESSOA,%2000:%442%e%455).%%
(A%
- ;(·.,"J e.,...., V--./ ( I\ 1 P...f O%Addiamento%foi%publicado%%
(ó.4-r. 0 {,,,..~ ~"':
El', ·~ .. • a%1.ª%vez%no%n.º%1%da%“Solução%%
)-,. "7--- ,:;/,,...~ - ~c,.:Jt-
Editora„%–%pg.%4F5.%O%texto%corresponF%
(tJ
>-'1'<=-- A. de%exactamente%ao%deste%tiposcrito%%
(
{{.c-,l l.e4( ~-
7 “tom%geral”,%parar%às%mãos%do%%
Raul%Leal,%<de%onde%o>%em%cujo%%
k -~!/vS~""' espólio%se%encontrava?%Não%esquecer%%
-< que%R[aul]%Leal%colabora%no%n.º%2%<desta>%[↑?]%
f;.,. ~- (>..o
..
À~ [.J....J Ü-,'{;:;.
{ " da%Revista%“Solução%Editora„%e%estava%%
/l_~
"1 E ~~;...._.
,o .. ::__ <portanto>%muito%próximo%da%sua%%
(1,-,,..(,p.,_,.d-c.
e.
r -----~- J 1 I
gente%(José%Pacheco,%C[arlos]%Queiróz,%
r
( V"" fu&:.. ( -F.p.., / Mário%Sáa,%José%Régio,%F[ernando]%Pessoa,%%
~«.~) António%Botto...%etc.)%
ó J.- -e,,JS \: v-4-~ , O%poema%em%questão%foi%publicado,%%
e-..:..{r IP- 1 .....,
creio%que%pela%segunda%vez,%no%%
e...
~&,...'~ Q'fl,,) ~.1,-l "·
“Cancioneiro„%(1930),%pág.%12F3,%c[om]%
•p..J~~ ..
r.__a,,,' :J {
transcrição%rigorosa%da%“Solução%Editora„%%
(i ~ - <-{' 1 l~ \ o ~, .. n 1,;'j
(incluindo,%portanto,%o-àmanhã).%%
0 ,_Jl.o.
V) .t I
\,,_<.A.oÁ ~,...,_. <t
Pela%terceira%vez,%continuo%a%%
o ..
t,--¼Z-,)....
k,' crer,%terá%sido%publicado%no%%
·r~ ;~
1
(B%
~~-,(\. "'-b\~ ~.:;.e / (& Pessoa„%da%editorial%Confluência,%%
<edição%antologia>%(Introdução%e%%
~(~"- ~et,.J~.
)..,1.,,:..J' k selecção%de%Adolfo%Casais%Monteiro).%%
J' ..(.r ( Esta%edição%não%é%datada,%mas%%
/
fr ts,,,..
;;: ôt
creio%que%será%anterior%à%da%%
M ,= - vp~ l'-
Ática%–%“Poesias%de%Alvaro%de%%
'·N-f r º
~,t ' (',. Campos„,%Junho%de%1944,%onde%o%%
.,, r ~ ·c.--f- 1 q,A--~ Addiamento%é%publicado,%continuo%%
=, 4" ""3. ,_--, a%crer,%pela%4.ª%vez.%Nas%versões%%
4
•r~.;.e" .. cJ..M·c.e.,• da%“Confluência„%e%da%“Ática„%o%poema%%
/L
e,.._ "- ,vl W
..- o.~ -~. aparece%com%a%ortografia%actualizada.%%
~- '-"'- G- iS fl
''M ·:" "-" Porém-só-na-versão-da-“Ática„--
A~ l aparece-a-data-do-poema,%%
~a ,<K_~
1-u 14F4F1928,%possivelmente%colhida%no%%
-t4-4-C\~,~
,,.._.F_~ ......... r-4~ original%de%F[ernando]%Pessoa%pelos%organizadores%
tÀ ..... . do%volume.%
)).$_
(.,,........ e,..-, O%meu%tiposcrito%tem%a%data,%mas%%
u :
é%[↑%totalmente]%ilegível%porque%foi%coberta%com%
.,'~(+ t-7 ~(4-
fr tinta%negra,%com%intenção%que%%
' {
desconheço%e%por%pessoa%que%ignoro.%%
... (- \r.,.__-(r ~-
º f . r...-: r~ O%próprio%F[ernando]%Pessoa?%Pelo%rigor%%
-er . dos%traços%a%negro,%admito%que%sim.%%
r
9--,-,f="-" o. (
(C%
B--K' "-"-(e Este%original%figurou%na%
&et,-~ ~-- o{.'
Exposição%realizada%durante%o%1.º%
.... "l f~..... Congresso%de%Estudos%Pessoanos%
C----: d"a~J (n.º%60%do%Catálogo)%
mar%no%espólio%do%poeta.%
A% leitura% de% “No% conflicto% escuro% e% bêsta”% sugere,% como% Távora% presume,%
que% se% trata% de% uma% sátira% sobre% o% aumento% do% preço% da% luz,% pelas% Companhias%
Reunidas% de% Gás% e% Electricidade% (CRGE),% que% originou% revolta% por% parte% da%
Associação% dos% Lojistas% de% Lisboa.% O% início% da% década% de% 30% é% uma% época%
conturbada,% marcada% por% projectos% de% electrificação% da% cidade% e% de%
desenvolvimento% de% centrais% de% electricidade,% cujo% custo% dos% investimentos% e% das%
matériasFprimas%implicava%a%regulação%do%seu%preço.6%O%poema%não%é%o%único%caso%
de% uma% veia% mais% jocosa% de%Pessoa,%sob% a% assinatura% de% Campos,%de% que% há,% pelo%
menos,%mais%um%exemplo,%no%poema%“Ai,%Margarida”.7%%
A%informação%de%que%dispomos%não%permite%confirmar%a%hipótese%levantada%
por% Távora% sobre% o% percurso% da% cópia% nas% mãos% de% vários% contemporâneos% de%
Pessoa.% O% que% sabemos,% no% entanto,% segundo% um% dos% apontamentos% de% Távora,% é%
que% as% cópias% dos% poemas% foram% localizadas% entre% os% papéis% de% Raul% Leal,% que%
Távora%comprou,%em%23%de%Dezembro%de%1977,%ao%alfarrabista%Manuel%Ferreira,%no%
Porto,%por%15.000$00.%
A%presença%de%cópias%de%escritos%de%Fernando%Pessoa%em%espólios%alheios,%de%
contemporâneos% com% os% quais% o% poeta% teria% privado,% não% é% de% todo% inédita.% A%
revisitação% da% obra% pessoana,% especialmente% a% do% seu% heterónimo% Campos,% tem%
revelado% a% dificuldade% de% fixar% a% sua% obra% completa,% sujeita% não% só% a% releituras,%
apuramentos% textuais% e% até,% por% vezes,% à% descoberta% de% inéditos%–% não% obstante% as%
diversas% edições% que% têm% sido% feitas% nas% últimas% décadas% –,% mas% também% à%
localização% de% novos% testemunhos% fora% do% espólio% pessoano% depositado% na%
Biblioteca%Nacional%de%Portugal%(ver,%por%exemplo,%PIZARRO,%2017a).%Deste%modo,%a%
recente%descoberta%de%cópias%no%espólio%de%Raul%Leal%vem%completar%a%informação%
sobre%a%obra%de%Campos.%
SegueFse,%assim,%a%transcrição%dos%respectivos%textos,%assim%como%as%imagens%
correspondentes%do%espólio%de%Fernando%Pessoa%e%da%colecção%Fernando%Távora.%
6%Matos% salienta% a% dificuldade% na% regulação% dos% preços% da% electricidade:% “Um% dos% problemas% que%
sempre% se% colocou% na% criação% dos% serviços% de% fornecimento% de% bens% essenciais% no% conforto% e% bemF
estar% das% populações,% como% era% o% caso% do% abastecimento% de% água% ou% de% fornecimento% de%
electricidade,%foi%o%preço%desses%mesmos%serviços.%Num%país%com%baixos%rendimentos%per-capita,%os%
preços%praticados%afastavam%desses%bens%uma%grande%parte%da%população%urbana,%que%dificilmente%
conseguia%inserir%no%seu%orçamento%rúbricas%destinadas%ao%pagamento%da%electricidade%ou%da%água”%
(MATOS,%2004:%323).%
7%“Ai,%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%a%minha%vida,%|%Que%farias%tu%com%ella?%|%–%Tirava%os%brincos%do%
prego,%|%Casava%c’um%homem%cego%|%E%ia%morar%para%a%Estrella.%||%Mas,%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%
a%minha%vida,%|%Que%diria%tua%mãe?%|%–%(Ella%conheceFme%a%fundo.)%|%Que%ha%muito%parvo%no%mundo,%
|%E%que%eras%parvo.%||%E,%tambem%Margarida,%|%Se%eu%te%désse%a%minha%vida%|%No%sentido%de%morrer?%
|%–%Eu%iria%ao%teu%enterro,%|%Mas%achava%que%era%um%erro%|%Querer%amar%sem%viver.%||%Mas,%MargariF
da,%|%Se%este%darFte%a%minha%vida%|%Não%fôsse%senão%poesia?%|%–%Então,%filho,%nada%feito.%|%Fica%tudo%
sem%effeito.%|%Nesta%casa%não%se%fia.”%(PESSOA,%2014:%193F194)%%
Anexos'
ADDIAMENTO
-------------------
'
II. “Addiamento”,'dactiloscrito'pertencente'à'colecção'Fernando'Távora
,m"
,.,--· ..,. "~, ,...,
- .l.
"~:rr,.:- :....~··
:2,, ..._, .-,:L ' -~ l ... -
=1;_·
::~::~~;·~: :;~,.,~~
f r,...~: 1 : .. f' .L e·-- ,.,:. _!. ....,.,.. .... . .... - .....,.
;
/"\
-;·- " ·'~.. ...t,.., '
TT, • ., .. •• ...:...,..., " ...\-, . -- :- : l
1~ _, t: r" ,. . _:: ·.: e. ij,(; [. 1 · ......• • •
",
....s~~-··
--· - ,... ...... ,,.....,
-i....
,;;11- .(- !...
' .....i--
··r .
;
i .... .....,
"'·
..-.L... .. ...·. ..---
+ -· ""
•
-, .......
; __ ..,\-,• ~i - ~ ,: r i . - ~·
...-.
~~ ;e, ·- + .--.:·---·
/~~~,..!. _ 1 .. --? • • -. .i . r •· "'1 - ...
,., a- · i t "··.·
e -.... .. .,,;-
. ") ' ' .L -~:..,..
,....... ,
---, +-..::., r,, .:e ,-· ·-1 t·"I
h
1:
P :-i:· ,...._ -.., .L ' ••
• _. ., ,...,,
-
1'·
...' t.:- -.+C· .:.... ..., ....,
' '
i'I ·- . • - . ,-\.-,; ..:.. ,... ... 1::. ,__ ....·
_.....
.. , inó.] :
r h
,........ ,......,
-- )
ri, - , . . • .: .... ""
- .J
" r-- · •• •
:.--~::..r
,1~·
::.-;, ....,..., -·±: .• ..
'·_ TH IIT'1('
III. “Addiamento”,'transcrição'do'dactiloscrito'da'colecção'Fernando'Távora
ADDIAMENTO
Depois%de%amanhã,%sim,%só%depois%de%amanhã…%%
Levarei%amanhã%a%pensar%em%depois%de%amanhã,%%
E%assim%será%possivel;%mas%hoje%não…%%
Não,%hoje%nada;%hoje%não%posso.%%
A%persistencia%confusa%da%minha%subjectividade%objectiva,%%
O%somno%da%minha%vida%real,%intercalado,%%
O%cansaço%anticipado%e%infinito,%%
Um%cansaço%de%mundos%para%apanhar%um%electrico…%%
Esta%especie%de%alma…%%
Só%depois%de%amanhã…%%
Hoje%quero%prepararFme,%%
Quero%prepararFme%para%pensar%amanhã%no%dia%seguinte…%%
Elle%é%que%é%decisivo.%%
Tenho%já%o%plano%traçado;%mas%não,%hoje%não%traço%planos…%%
Amanhã%é%o8%dia%dos%planos.%%
Amanhã9%sentarFmeFhei%á%secretaria%para%conquistar%o%mundo;%%
Mas%só%conquistarei10%o%mundo%depois%de%amanhã…%%
Tenho%vontade%de%chorar,%%
Tenho%vontade%de%chorar%muito%de%repente,%de%dentro…%%
Não,%não%queiram%saber%mais%nada,%é%segredo,%não11%digo.%%
Só%depois%de%amanhã…%%
Quando%era%creança%o%circo%de%domingo%divertiaFme%toda%a%semana.%%
Hoje%só%me%diverte%o%circo%de%domingo%de%toda%a%semana%da%minha%infancia…%
Depois%de%amanhã%serei%outro,%%
A%minha%vida%triumpharFseFha,%%
Todas%as%minhas%qualidades%reaes%de%intelligente,%lido%e%práctico%%
Serão%convocadas%por%um%edital…%%
Mas%por%um%edital%de%amanhã…%%
Hoje%quero%dormir,%redigirei%amanhã…%
Por%hoje,%qual%é%o%espectaculo%que%me%repetiria%a%infancia?%%
Mesmo%para%eu%comprar%os%bilhetes12%amanhã,%%
Que%depois%de%amanhã%é%que%está%bem%o%espectaculo…%%
8%o%]%omitido-no-impresso-do-Cancioneiro.%
9%A<a>/m\anhã%
10%con<s>/q\uistarei%
11%n<m>/ã\o%
12%b<o>/i\lhetes%
Antes,%não…%%
Depois%de%amanhã%terei%a%pose%publica%que%amanhã13%estudarei.%%
Depois%de%amanhã%serei%finalmente14%o%que%hoje%não%posso%nunca%ser.%
Só%depois%de%amanhã…%%
Tenho%somno%como%o%frio%de%um%cão%vadio.%%
Tenho%muito%somno.%%
Amanhã15%te%direi%as%palavras,%ou%depois%de%amanhã…%%
Sim,%talvez%só%depois%de%amanhã…%
O%porvir…%%
Sim,%o%porvir16…%
ALVARO%DE%CAMPOS
14/4/1928.%
IV. “Addiamento”,'Cancioneiro)do)I)Salão)dos)Independentes
• A D D I A M E· N T O
H oje só me diverte o circo de domingo de toda a
semana da min ha infancia - - .
Dep ois de àmanhã, sim, só depois de· àmanhii . . •
......
-:;:v ,s ue ama nhã se rei ou tro,
Levarei àmanhã a pens ar em depois de àmanhã,
.-\ minha vida triumphar- se-ha,
E assi m será po ss ível ; mas hoje não • ••
T odas as minhas qualidades reaes de intellig en te, lido
Não, hoje nada; hoje não posso.
e práctico
A persistencia confu sa da minha subjectividade Serão convocadas por um edital. . .
object i,·ê. :l[as po r' um edi tal de aman hã . ..
O som no da minha vida rea l, intercalado,
H oje quero dormir, redigirei àman hã - · · __
O cansaço anticipado e infinito,
P or hoje qua l é o espectaculo que me repetma a
Um cansaço de mundos para apanhar um electric o . .•
' infancia?
E sta espec ie de alma •••
Mesmo para eu compr ar os bilhetes àmanhã,
Só depois de àm anhã ..•
H oje quero preparar -me, Que depois de à manhã é que es tá bem o espectaculo ...
Antes, não ..•
Quero preparar-me para pen sa r àman hã no dia
Depoi s de àmanhã terei a pose publica que àman hã
seguinte ...
Elle é que é decisivo. estudarei-
Tenh o já o pl ano traçado; ma s não, hoje não tr a;:; Depoi s de àmanhã se rei finalmente o que hoj e não
pl anos . . . posso nunca se r.
Amanhã é dia dos plano s . Só depois de àmanhã .. ·
Amanhã sentar-me- hei á secretaria para conqui star T enho somno como o frio de um cão vadio.
mu ndo ; T enho muito so mno.
Mas só conquistarei o mundo depois de àmanhá ... Amanhã te direi as palavra s, ou d epois de àm anhã · . ·
Tenho vontade de chorar, Sim, ialvez só depo .is de àmanhã ...
Tenho vontade de chorar mui to de repente, de dent ro ...
Não, não queiram saber mai s nada, é segredo, nã o dig 0. O porvir ...
Só depoi s de amanhã . • • Sim, o porvi r .. ·
Qu ando era creança o circo de domingo diverti a-me
toda a iiema::2. ALVA RO DE CAMPOS
13%am<nh>/an\hã%
14%f<a>/i\n<i>/a\lmente%
15%A<a>manhã%
16%porv<o>/i\r%
V. “No'conflicto'escuro'e'bêsta”,'dactiloscrito'localizado'no'espólio'de'Fernando
Pessoa'(BNP/E3,'71022r)
1
H-
,J
Al varo de Campos
VI. “No'conflicto'escuro'e'bêsta”,'dactiloscrito'pertencente'à'colecção'Fernando
Távora
Alv a ro d e C~mpoe
VII. “No' conflicto' escuro' e' bêsta”,' transcrição' do' dactiloscrito' da' colecção
Fernando'Távora
No%conflicto%escuro%e%bêsta%%
Entre%a%luz%e%o%lojame,%%
Que%ao%menos%luz%se%derrame%
Sobre%a%verdade,%que%é%esta:%
Como%é%uso%dos%lojistas%%
Augmentar%aos%cem%por%cento,%%
Protestam17%contra%um%augmento%
Que%é%reles%ás%suas%vistas.%%
E%gritam%que%é%enxovalho%%
Que%os%grandes,%quando%ladrões,%
Nem%guardem%as%tradições%%
Dos%gatunos%de%retalho.%%
Luzistas18,%que%vos%occorra%%
Roubar%duzentos%por%cento!%%
E%acaba%logo%o%argumento%%
Entre%a%Maffia%e%a%Camorra…%
17%P<or>/ro\testam%
18 %Lu<z>/j\istas:% no% testemunho% do% espólio% de% Fernando% Pessoa,% encontraFse% uma% correcção%
posterior%a%lápis,%provavelmente%da%autoria%do%poeta,%que%está%ausente%do%testemunho%da%colecção%
Fernando% Távora.% Não% sabemos% se% esta% correcção% corresponde% à% versão% final% do% autor,% mas% tendo%
em%conta%que%a%emenda%não%contemplou%a%vogal%anterior%do%substantivo%–%de%“u”%para%“o”%–,%o%que%
implicaria% a% fixação% de% “Lujistas”% (ao% invés% de% “Lojistas”,% como% ocorre% anteriormente% no% poema),%
optouFse%por%manter%a%versão%dactiloscrita.%Como%desconhecemos%o%intuito%do%autor,%põeFse%ainda%a%
hipótese%de%a%correcção%não%pretender%mudar%o%sujeito%do%verso%–%de%“Luzistas”%para%“Lojistas”%—,%
mas%de%ser%um%jogo%que%junta%“luzistas”%e%“lojistas”,%concentrando%no%substantivo%esta%dupla%leitura.%
É% importante% notar% que,% em% qualquer% uma% das% hipóteses,% a% correcção% altera% substancialmente% a%
interpretação% da% última% quadra,% e% que% a% alteração% não% consta% da% cópia% de% Raul% Leal% localizada% na%
colecção%Fernando%Távora.%
Bibliografia'
CENTRO%DE%ESTUDOS%PESSOANOS%(1978).%1.o-Congresso-Internacional-de-Estudos-Pessoanos-|-Minha-Pátria-
É-a-Língua-Portuguesa-—-Exposição-Iconográfica-e-Bibliográfica.% Catálogo% da% Exposição.% Impr.%
Rocha%Artes%Gráficas.%
MATOS,%Ana%Cardoso;%FARIA,%Fernando;%CRUZ,%Luís%(2004).%A-Electricidade-em-Portugal:-dos-primórdios-
à-2ª-Guerra-Mundial.%Lisboa:%EDP/Museu%da%Electricidade.%
PESSOA,%Fernando%(2004).%Obra-Completa-de-Álvaro-de-Campos.%Edição%de%Jerónimo%Pizarro%e%António%
Cardiello,%com%a%colaboração%de%Jorge%Uribe%e%Filipa%Freitas.%Lisboa:%TintaFdaFchina.%
_____% (2000).%Poemas-1934W1935.%Edição%de%Luís%Prista.%Lisboa:%Imprensa%NacionalFCasa%da%Moeda.%
Edição%Crítica%de%Fernando%Pessoa.%
PIZARRO,% Jerónimo% (2017a).% “Álvaro% de% Campos% Revisited”,% in% Estudos- Regianos,% n.º% 22F23,% Vila% do%
Conde,%Centro%de%Estudos%Regianos,%pp.%67F90,%http://joseregioFcer.pt/index.php/oFboletim/%%
PIZARRO%(2017b).%“Poemas%e%documentos%inéditos:%o%lote%31%e%a%colecção%Fernando%Távora”,%in-Pessoa-
Plural-–-A-Journal-of-Fernando-Pessoa-Studies,%n.º%12,%Outono,%pp.%333F456.%
VIZCAÍNO% (2017).% “O% MetaFarquivo% da% Colecção% Fernando% Távora”,% % in- Pessoa- Plural- –- A- Journal- of-
Fernando-Pessoa-Studies,%n.º%12,%Outono,%pp.%18F81.%
*!Instituto!de!Ciências!Sociais!da!Universidade!de!Lisboa.!
Barreto A chamada "nota autobiográfica"
João! Rui! de! Sousa! presume! terOse! devido! a! Augusto! Ferreira! Gomes! a! iniciativa!
desta!publicação!(SOUSA,!1988:!83).!
2. “Nota!biográfica!escrita!por!Fernando!Pessoa!em!30!de!Março!de!1935!e
publicada,!em!parte,!como!introdução!ao!poema!editado!pela!Editorial!Império!em!
1940!e!intitulado!‘À!memória!do!PresidenteOrei!Sidónio!Pais’”,!em!apêndice!a!João!
Gaspar! Simões,! Vida% e% Obra% de% Fernando% Pessoa:% História% duma% Geração,% Amadora:!
Livraria! Bertrand,! s.! d.! [ca.! 1950],! 2.º! vol.,! pp.! 361O362.! Versão! truncada,! mais!
completa! do! que! a! de! 1940,! mas! com! erros,! como! a! data! do! documento,!
erradamente! situada! em! 1933.! Entre! as! partes! que! se! mantinham! amputadas,!
contavaOse!o!parágrafo!“Posição!iniciática”!e!o!trecho!em!que!Pessoa!repudiava!o!
folheto!O%Interregno.!Esta!versão!incompleta!manteveOse!até!à!5.ª!edição!da!obra!de!
Gaspar! Simões,! a! última! por! ele! revista! (Lisboa:! D.! Quixote,! [1987]),! e! assim!
continuou! reimpressa! até! hoje.! Gaspar! Simões! refereOse! à! “nota! biográfica”! como!
um!documento!que!Pessoa!divulgara!“entre!amigos”,!sem!precisar!a!procedência!
do!documento!que!transcreveu.!!!
3. “Fernando! Pessoa! visto! por! ele! próprio”,! em! A% Tribuna,! Lourenço
Marques,! ano! 6,! n.º! 1981,! de! 22! de! Julho! de! 1971,! pp.! 5! e! 14.! O! título! é! da!
responsabilidade! do! jornal.! Não! dispomos! de! nenhuma! cópia! desta! publicação!
nem! sabemos! de! onde! terá! provindo! o! texto! ali! apresentado.! A! notícia! dessa!
publicação! apareceu! em! Fernando% Pessoa:% O% Último% Ano! (catálogo! da! exposição!
comemorativa!do!cinquentenário!da!morte!de!Fernando!Pessoa),!org.!Teresa!Sobral!
Cunha! e! João! Rui! de! Sousa,! Lisboa:! Biblioteca! Nacional,! 1985,! p.! 101.! TrataOse! do!
verbete! n.º! 315,! referente! à! reprodução! fotográfica! do! dactiloscrito! de! Fernando!
Pessoa! mostrada! na! dita! exposição,! com! a! referência! de! origem! “Col.! Fernando!
Távora”.! O! verbete! refere! que! o! documento! de! Pessoa! foi! “publicado!
integralmente”!no!jornal!moçambicano.!!
4. “Fernando!Pessoa”,!em!VVAA,!Fernando%Pessoa%no%seu%Tempo!(catálogo!da
exposição! homónima! coordenada! por! Eduardo! Lourenço! e! António! Braz! de!
Oliveira),! Lisboa:! Biblioteca! Nacional,! 1988,! pp.! 17O22.! Foi! esta! a! primeira!
publicação! integral! do! texto! do! dactiloscrito! de! 1935! para! um! público! amplo.! O!
título! é! comum! a! dois! textos,! ambos! designados! “notas! autobiográficas”,!
apresentados! lado! a! lado! no! catálogo:! o! dactiloscrito! de! 1935! e! a! “Tábua!
Bibliográfica”!que!Fernando!Pessoa!publicou!anonimamente!na!Presença!n.º!17,!em!
1928.! Numa! nota! da! p.! 16! do! mesmo! catálogo,! é! dito! que! “o! texto! completo! [do!
dactiloscrito!de!1935]!só!em!1971!viria!a!ser!conhecido”,!mas!não!se!diz!onde!nem!
como.! A! mesma! nota! afirma! que! das! duas! “notas! autobiográficas”! em! causa!
existiriam!“cópias!guardadas!no!espólio!do!poeta!(como!que!a!atestar!a!autoria)”,!
mas! não! é! dada! a! sua! localização! precisa! no! espólio.! Na! verdade,! não! existe!
qualquer!cópia!do!dactiloscrito!de!1935!no!espólio!pessoano!da!Biblioteca!Nacional!
de!Portugal.!!!
Pessoa,!Casa!Fernando!Pessoa).!
Acompanhou! o! funeral! de! Fernando! Pessoa,! segundo! o! Diário% de% Notícias% de! 3! de!
Dezembro! de! 1935.! Em! Dezembro! de! 1935! fazia! parte,! com! Artur! Inez! (fundador!
do! semanário! O% Diabo),! de! uma! Sociedade! Editorial! de! “O! Mundo”! (em!
organização).2!O!extinto!jornal!O%Mundo!era!o!órgão!oficioso!do!PRP,!banido!pela!
Ditadura!Militar!em!1926.!Em!1947,!Manoel!Serras!era!secretárioOgeral!do!PRP!(não!
reconhecido! pelo! Estado! Novo).3! Em! 1955,! pertenceu! ao! Directório! Provisório! da!
“Causa! Republicana”,! um! movimento! que! pretendia! legalizarOse,! visto! existir! já,!
com!o!consentimento!do!Estado!Novo,!a!“Causa!Monárquica”.!Não!conhecemos!a!
data!da!sua!morte.!
Juntamente! com! a! cópia! fotográfica! do! dactiloscrito! de! Pessoa,! o! Arq.!
Fernando!Távora!adquiriu!também!uma!carta!de!Manoel!Serras!a!Alfredo!Guisado,!
datada!de!9!de!Setembro!de!1948,!que!contém!várias!informações!importantes.!Por!
ela! ficamos! a! saber:! 1)! que! o! dactiloscrito! original! terá! sido! oferecido! a! Manoel!
Serras!pelo!próprio!Fernando!Pessoa!em!1935;!2)!que!do!dito!documento!existiria!
um!“duplicado”,!também!assinado,!cujo!paradeiro!Manoel!Serras!ignorava;!3)!que!
Manoel! Serras! ofereceu! uma! cópia! fotográfica! do! documento! a! Alfredo! Guisado,!
enviada! juntamente! com! a! carta;! 4)! que! Manoel! Serras! pretendia! legar,! por! sua!
morte,!o!documento!de!que!era!possuidor!à!Faculdade!de!Letras!de!Lisboa,!o!que!
aparentemente!não!se!consumou.!ReproduzOse!em!anexo!a!carta!de!Manoel!Serras!
a!Alfredo!Guisado!aqui!transcrita.!!!
MANOEL SERRAS
R. DO BARÃO, 5, 4,0 -D. - TEl. 21479
LISBOA ,!9!de!Setembro!de!1948!
Meu!caro!Alfredo!Guisado:!
Do! documento! a! que! me! referi! na! minha! carta! de! 4! do! corrente! e! que! me! foi! entregue! há!
anos! pelo! nosso! saudoso! amigo! Fernando! Pessoa,! tirei! a! fotocopia! que! vae! junta,! e! que!
tenho!muito!gosto!em!oferecerOlhe.!
Pelos! motivos! que! pessoalmente! já! lhe! expuz,! pareceOme! conveniente! guardar! toda! a!
reserva!acerca!do!seu!conteudo,!do!qual!só!uma!parte!foi!objecto!da!carta!que!lhe!dirigi.!
Quanto!ao!original,!entendi!que!o!seu!lugar!deve!ser,!depois!da!minha!morte,!na!Faculdade!
de!Letras!de!Lisboa!e,!nesse!sentido,!já!dei!as!minhas!instruções!á!pessoa!a!quem!o!confiei.!!
Creio! que,! desta! maneira,! cumpro! o! meu! dever! de! cidadão,! contribuindo! para! que! de!
futuro! a! personalidade4! do! genial! poeta! possa! sêr! apreciada! com! toda! a! clareza! e!
imparcialidade.!!
Do!documento!em!causa!existe5!um!duplicado,!tambem!assinado,!cujo!paradeiro!ignoro.!
2! Documento! consultável! em! EPHEMERA! –! Biblioteca! e! arquivo! de! José! Pacheco! Pereira:!
https://ephemerajpp.com/2013/07/14/arturOinezOmanuelOserrasOpelaOsociedadeOeditorialOoOmundoO
emOorganizacaoOrascunhoOdeOcartaOaOenviarOaOurbanoOrodriguesOeOmarioOsalgueiroOlisboaO13OdeO
dezembroOdeO1935/!!
3!Ver!a!carta!seguinte:!http://manuelObernardinomachado.blogspot.pt/2012/04/paraOoOmiguelOeOritaO
tresOantepassados.html!!
4!<*obra>![↑!personalidade]!
MANOEL SERRAS
•.DOBAiÃO,.S.4.•-D.-TEl.21479
l 1SBO A
/
9 ol,_ eL-,_ 4 9-?8
;,-,-,.A .,_.__,.
- ;/4.._ .
--'9"
~ --V'"'-)! <• -t
5!<foi>!existe!
(1!
Publicada,! a! notícia! autobiográfica! de!
F[ernando]! P[essoa],! em! “À! memória! do!
PresidenteORei! Sidónio! Paes”,! mas! com!
cortes!sensíveis.!Importante!saber!porque!foi!
aí!cortada!e!onde!está,!se!está,!integralmente!
publicada.!
O! texto! 2% col.! escrito! nas! costas! das!
fotografias! dáOme! a! entender! que! teria! sido!
feita! uma! gravura,! publicada! possivelmente!
por! Alf[redo]! Guisado! na! “República”.! A!
vêr.!
____!!
Tenho! um! manuscrito,! não! assinado,! que!
pertenceu! a! Alfr[edo]! Guisado! (lote! 22),! no!
qual!se!transcreve,!creio,!uma!notícia!de!um!
jornal!da!época!sobre!a!morte!e!o!enterro!de!
F[ernando]! P[essoa].! Aí! aparece! o! nome! de!
Manoel! Serras! entre! os! amigos.! Não! o!
encontrei!referido!em!qualquer!outro!lugar.!
____!!
Esta! autobiografia! vem,! também!
parcialmente!transcrita!em!J.!Gaspar!Simões,!
“V[ida]! e! O[bra]! de! F[ernando]! P[essoa]”! –!
2.ª!ed.6,!pág.!673O674,!548.!Aí!se!diz!que!este
documento! “foi! divulgado! entre! amigos”! e
até!hoje!publicado!“apenas!em!parte”.
____
S[obre]! a! iniciação! de! F[ernando]! P[essoa]! –
vêr! A.! Pina! Coelho! O! “Os! Fundamentos
6!João!Gaspar!Simões,!Vida%e%Obra%de%Fernando%Pessoa.!Amadora:!Livraria!Bertrand,![ca.!1970],!2.ª!ed.,.!
,u..et.:r
I
---
!½>("""}
P[essoa].!–!O!homem!e!a!obra”8,!pág.!258.!
" f...,,._..,,,e"'"':
,{)--o
~)
(2!
Este! documento,! sem! a! carta! de! Manoel!
fn' ~À (.
1P-v = { ----
A ri 1" --'---r .,,,, z,r_?. .P
"'""J?
Serras! a! Alfredo! Guisado,! figurou! na!
fL
101,!n.º!315;!a!pág.!17,!lamentavelmente,!não!
~}-o
Apesar! do! que! hoje! sabemos! sobre! a! chamada! “nota! autobiográfica”! de!
1935,! graças! também! aos! novos! elementos! proporcionados! pela! consulta! da!
colecção! do! Arq.! Fernando! Távora,! estamos! ainda! longe! de! solucionar! parte!
substancial! do! enigma! que! em! seu! torno! persiste.! Com! efeito,! para! além! de! se!
desconhecer! o! paradeiro! do! dactiloscrito! ou! dactiloscritos! assinados! do!
documento,! que! podem! estar! simplesmente! perdidos,! há! duas! ou! três! questões!
fundamentais! que! há! muito! esperam! resposta.! Com! que! objectivo! o! escreveu!
Fernando!Pessoa?!DestinouOo!a!publicação?!Se!sim,!porque!não!foi!publicado?!Em!
resposta!a!estas!perguntas,!avançamos!aqui!a!hipótese!de!o!texto!ter!realmente!sido!
destinado!a!publicação!e!de!não!ter!sido!publicado!em!virtude!da!censura.!
Julgamos,!de!facto,!muito!pouco!provável!que!Pessoa!tivesse!escrito!tal!nota!
apenas! para! a! divulgar! “entre! amigos”.! A! nossa! experiência! com! os! materiais! do!
7!António!Pina!Coelho,!Os%Fundamentos%Filosóficos%da%Obra%de%Fernando%Pessoa.!Lisboa:!Verbo,!1971!2!
vols..!!
8!António!Quadros.!Fernando%Pessoa:%A%Obra%e%o%Homem.!Lisboa:!Arcádia,!1981.!!
9! 1.º% Congresso% Internacional% de% Estudos% Pessoanos.% Porto% Abril% de% 1978.% “Minha% Pátria% é% a% Língua%
Portuguesa”.%Exposição%Iconográfica%e%Bibliográfica.!Catálogo!da!exposição.!Porto:!Rocha!Artes!Gráficas,!
1978.!
espólio!pessoano!dizOnos!que!um!dactiloscrito!com!estas!características!formais,!ou!
seja,!acabado,!limpo,!datado!e!assinado,!estaria!certamente!destinado!pelo!autor!a!
publicação,! embora! esta! não! tenha! realmente! acontecido! em! vida! de! Pessoa.! Por!
outro!lado,!o!próprio!conteúdo!do!documento!–!que!não!se!limitava!a!enumerar!os!
dados! biográficos! essenciais! do! autor! (daí! as! nossas! reticências! em! relação! à!
habitual! designação! de! nota% biográfica! ou! autobiográfica),! mas! sobretudo! expunha!
concisamente! as! “posições”! de! Fernando! Pessoa! nos! planos! ideológico,! político,!
religioso,! iniciático! e! social! –! também! parece! sustentar! a! hipótese! de! que! o!
dactiloscrito! se! destinava! a! ser! publicado.! Na! verdade,! faria! todo! o! sentido! que!
Pessoa,! no! momento! em! que! o! produziu,! desejasse! dar! publicidade! a! um!
documento! como! este,! esclarecendo! dúvidas! e! interrogações! que! pouco! antes!
haviam! sido! suscitadas,! quer! publicamente,! quer! entre! as! relações! privadas! do!
autor,!acerca!daquelas!suas!“posições”.!!
Com! efeito,! Fernando! Pessoa,! um! escritor! com! alguma! fama! de!
“situacionista”,!que!em!1928!publicara!um!opúsculo!em!defesa!da!Ditadura!Militar!
e!que!em!Dezembro!de!1934!fora!galardoado!por!um!organismo!governamental!do!
Estado! Novo! pelo! seu! livro! de! poesia! consabidamente! “nacionalista”! Mensagem,!
surgira! algo! surpreendentemente! no! início! de! Fevereiro! de! 1935,! na! imprensa!
diária!de!Lisboa,!com!um!artigo!de!grande!retumbância!em!defesa!da!Maçonaria,!
então! a! principal! inimiga! do! regime! de! Salazar! e! da! Igreja! católica! (Fernando!
Pessoa,! “Associações! Secretas”,! Diário% de% Lisboa,! 4! de! Fevereiro! de! 1935,! pp.! 1! e!
centrais).!A!própria!Mensagem!havia!já!antes!disso!suscitado!dúvidas!e!apreensões!
em! alguns! meios! do! regime,! que! julgaram! o! poema! derrotista,! esotérico! e!
religiosamente!herético.!Sabemos!que!Pessoa!tentou!reagir!a!estas!interrogações!e!
dúvidas! levantadas! quer! pela! Mensagem,! quer! pelo! artigo! “Associações! Secretas”,!
escrevendo! alguns! textos,! predominantemente! inacabados,! que! nunca! chegou! a!
poder! publicar,! cremos! que! principalmente! em! razão! da! censura.! O! black% out!
informativo! imposto! pela! censura! em! torno! do! poeta,! após! a! publicação! da! sua!
defesa!da!Maçonaria,!impediuOo!de!responder!a!diversos!artigos!da!imprensa!em!
que!se!viu!atacado,!por!vezes!com!grande!dureza.10!Nestas!circunstâncias,!Pessoa!
pode!ter!imaginado!contornar!essas!dificuldades!publicando!uma!espécie!de!“ficha!
pessoal”!de!escritor,!sobre!ele!próprio!(como!já!em!1928!publicara,!anonimamente,!
a! sua! “Tábua! Bibliográfica”! na! revista! Presença),! respondendo! assim,!
indirectamente,!às!dúvidas!e!críticas!acerca!dele!formuladas.!Claro!que!tal!empresa!
não!poderia!ter!sido!bemOsucedida,!pois!desde!Fevereiro!de!1935!que!a!censura!do!
regime,! aliás! apanhada! de! surpresa! pelo! artigo! publicado! no! Diário% de% Lisboa,!
colocara! Pessoa! sob! rigorosa! quarentena.! As! frequentas! queixas! de! Pessoa,! nesse!
! VejamOse,! a! este! respeito,! as! colectâneas! de! escritos! de! Fernando! Pessoa! por! nós! editadas,!
10
Associações%Secretas%e%Outros%Escritos!(2011)!e!Sobre%o%Fascismo,%a%Ditadura%Militar%e%Salazar!(2015),!bem!
como! o! nosso! artigo! “Salazar! and! the! New! State! in! the! Writings! of! Fernando! Pessoa”(BARRETO,!
2008).!!
ano,!sobre!a!censura!e!as!“directrizes”!governamentais!–!queixas!repetidas!poucas!
semanas!antes!de!morrer!numa!carta!inacabada!a!Adolfo!Casais!Monteiro!(datada!
de! 30! de! Outubro! de! 1935;! em! PESSOA,! 1998:! 282O284)! –! são! um! indício! muito!
plausível!de!que!vários!escritos!seus!terão!sido!recusados!nesse!ano!pelos!censores.!
É! bastante! provável! que! isso! tenha! sucedido! com! os! artigos! “Profecia! Italiana”!
(deixado!pronto!para!publicar)!e!“O!caso!é!muito!simples”!(não!acabado),!ambos!
escritos!em!Outubro!de!1935!a!propósito!da!invasão!da!Etiópia!pela!Itália!fascista!
(apud! BARRETO,! 2009).! Também! os! projectos! de! artigos! e! de! um! livro! com! que!
Pessoa! tencionava! responder! aos! críticos! da! sua! defesa! da! Maçonaria! podem! ter!
sido,!por!idêntico!motivo,!abandonados!pelo!escritor.!!
O!curto!e!belo!texto!que!Pessoa!intitulou!“Explicação!de!um!livro”,!escrito!
por! volta! de! Abril! de! 1935,! em! que! discorria! sobre! a! perplexidade! causada! em!
alguns! leitores! pelo! conteúdo! não! só! da! Mensagem,! como! também! do! artigo!
“Associações!Secretas”,!ficou!inédito!em!vida!do!autor.11!Na!verdade,!dificilmente!
poderia! esse! texto! ter! escapado! à! censura! de! então,! porque! embebido! em!
anticatolicismo!e!em!sentimentos!de!fraternidade!para!com!a!Maçonaria,!as!ordens!
templárias! e! o! rosicrucianismo.! Além! disso,! esse! texto! constituía! uma! flagrante!
profissão!de!fé!liberal,!cujos!pontos!essenciais!Pessoa!apontava!no!individualismo,!
na! tolerância! e! no! respeito! pela! dignidade! humana! e! pela! liberdade! do! espírito.!
Tudo!isto!era!flagrantemente!contrário!aos!princípios!do!nacionalismo!autoritário!e!
católico! do! salazarismo.! O! texto! “Explicação! de! um! livro”! deve,! pelo! exposto,!
considerarOse! simultaneamente! uma! chave! e! um! complemento! da! “nota!
autobiográfica”!de!30!de!Março!de!1935.!
Nada! surpreenderia,! assim,! que! o! dactiloscrito! “autobiográfico”! de! Pessoa!
tivesse! sido! chumbado! pela! censura! prévia! em! alguma! publicação! periódica! de!
1935,! em! virtude! dos! diversos! temas! “sensíveis”! ali! abordados:! defesa! do!
liberalismo! conservador! “de! estilo! inglês”,! condenação! do! reaccionarismo,! do!
fanatismo! (religioso)! e! da! tirania,! oposição! total! à! Igreja! Católica,! declaração! de!
iniciação! na! Ordem! Templária! Portuguesa,! declaração! de! afinidades! com! a!
Maçonaria,! etc.! Postumamente,! o! corte! de! todos! esses! parágrafos! do! dactiloscrito!
pela! Editorial! Império! –! dando! assim! à! estampa,! em! 1940,! um! documento!
drasticamente! amputado,! reduzido! aos! dados! biográficos! –! equivaleu,! de! facto,! a!
um!acto!da!censura!oficial,!ainda!que!o!não!tenha!sido!formalmente.!!
Não! dispomos,! em! abono! da! nossa! hipótese,! de! qualquer! pista! concreta!
sobre!os!jornais!ou!revistas!a!que!Pessoa!poderá!ter!destinado!a!publicação!da!sua!
“nota! biográfica”,! já! que! nenhum! dos! projectos! editoriais! do! escritor! relativos! ao!
ano! de! 1935! aparenta! listar! esse! texto.! SabeOse,! porém,! com! base! nesses! mesmo!
projectos!editoriais,!que!em!1935!Pessoa!tencionava!destinar!diversas!colaborações!
! Foi! pela! primeira! vez! publicado,! descontextualizado,! com! erros! de! leitura! e! erradamente!
11
acoplado!a!outro!texto,!em!PESSOA!(1966:!433O435).!Foi!novamente!publicado!em!PESSOA!(2011:!122O
123!e!226O227).%
a! periódicos! críticos! do! regime,! como! os! semanários! Fradique! (de! Tomás! Ribeiro!
Colaço)! e! O% Diabo% (dirigido! pelo! aqui! já! citado! Artur! Inez,! amigo! de! Manoel!
Serras),! bem! como! para! os! jornais! vespertinos! Diário% de% Lisboa! (onde! Pessoa!
conseguiu! publicar! “Associações! Secretas”)! e! República% (em! que! Alfredo! Guisado!
colaborava).!
Anexo"1"
Fotografia!em!papel!sensível!do!dactiloscrito!assinado!
(Colecção!Fernando!Távora).!
2.
FERNANDO%PESSOA.%
Nome%completo:!Fernando!Antonio!Nogueira!Pessoa.!
Edade%e%naturalidade:!Nasceu!em!Lisboa,!freguezia!dos!Martyres,!no!predio!n.º!4!do!
Largo!de!S.!Carlos!(hoje!do!Directorio)!em!13!de!Junho!de!1888.!!
Filiação:! Filho! legitimo! de! Joaquim! de! Seabra! Pessoa! e! de! D.! Maria! Magdalena!
Pinheiro! Nogueira.! Neto! paterno! do! General! Joaquim! Antonio! de! Araujo! Pessoa,!
combatente! das! campanhas! liberaes,! e! de! D.! Dionysia! Seabra;! neto! materno! do!
Conselheiro! Luiz! Antonio! Nogueira,! jurisconsulto! e! que! foi! Director! Geral! do!
Ministerio!do!Reino,!e!de!D.!Magdalena!Xavier!Pinheiro.!Ascendencia!geral:!mixto!
de!fidalgos!e!judeus.!!
Estado:!Solteiro.!
Morada:!Rua!Coelho!da!Rocha,!16,!1.º!dto.,!Lisboa.!(Endereço!postal!O!Caixa!Postal!
147,!Lisboa!).!!
Funcções% sociaes% que% tem% desempenhado:! Se! por! isso! se! entende! cargos! publicos,! ou!
funcções!de!destaque,!nenhumas.!!
Obras% que% tem% publicado:! A! obra! está! essencialmente! dispersa,! por! emquanto,! por!
varias! revistas! e! publicações! occasionaes.! O! que,! de! livros! ou! folhetos,! considera!
como! válido,! é! o! seguinte:! “35! Sonnets”! (em! inglez),! 1918;! “English! Poems! IOII”! e!
“English! Poems! III”! (em! inglez! tambem),! 1922,! e! o! livro! “Mensagem”,! 1934,!
premiado! pelo! Secretariado! de! Propaganda! Nacional,! na! categoria! “Poema”.! O!
folheto! “O! Interregno”,! publicado! em! 1928,! e! constituindo! uma! defeza! da!
Dictadura! Militar! em! Portugal,! deve! ser! considerado! como! não! existente.! Ha! que!
rever!tudo!isso!e!talvez!que!repudiar!muito.!!
Educação:!Em!virtude!de,!fallecido!seu!pae!em!1893,!sua!mãe!ter!casado,!em!1895,!
em!segundas!nupcias,!com!o!Commandante!João!Miguel!Rosa,!Consul!de!Portugal!
em! Durban,! Natal,! foi! alli! educado.! Ganhou! o! premio! Rainha! Victoria! de! estylo!
inglez! na! Universidade! do! Cabo! da! Boa! Esperança! em! 1903,! no! exame! de!
admissão,!aos!15!annos.!!
Ideologia% politica:! Considera! que! o! systema! monarchico! seria! o! mais! proprio! para!
uma!nação!organicamente!imperial!como!é!Portugal.!Considera,!ao!mesmo!tempo,!
a!Monarchia!completamente!inviavel!em!Portugal.!Por!isso,!a!haver!um!plebiscito!
entre!regimens,!votaria,!embora!com!pena,!pela!República.!Conservador!do!estylo!
inglez,! isto! é,! liberal! dentro! do! conservantismo,! e! absolutamente12! antiO
reaccionario.!!
Posição% iniciatica:! Iniciado,! por! communicação! directa! de! Mestre! a! Discipulo,! nos!
trez!graus!menores!da!(apparentemente!extincta)!Ordem!Templaria!de!Portugal.!!
Posição%patriotica:!Partidario!de!um!nacionalismo!mystico,!de!onde!seja!abolida!toda!
infiltração! catholicaOromana,! creandoOse,! se! possivel! fôr,! um! sebastianismo! novo,!
que!a!substitua!espiritualmente,!se!é!que!no!catholicismo!portuguez!houve!alguma!
vez! espiritualidade.! Nacionalista! que! se! guia! por! este! lemma:! “Tudo! pela!
Humanidade;!nada!contra!a!Nação”.!!
Posição%social:!AntiOcommunista!e!antiOsocialista.!O!mais!deduzOse!do!que!vae!dito!
acima.!!
Resumo%de%estas%ultimas%considerações:!Ter!sempre!na!memoria!o!martyr13!Jacques!de!
Molay,!Grão!Mestre!dos!Templarios,!e!combater,!sempre!e!em!toda!a!parte,!os!seus!
trez!assassinos!O!a!Ignorancia,!o!Fanatismo!e!a!Tyrannia.!
Lisboa,!30!de!Março!de!1935!
Fernando%Pessoa14!!
12!eabsolutamente]!as%palavras%foram%separadas%com%traço%vertical%a%tinta.!
13!<m>/ma\rtyr]!correcção%manuscrita%a%tinta.!
14!Assinatura%autógrafa.!
Anexo"2"
dactiloscrito!não!assinado!!
(Espólio!familiar!de!Fernando!Pessoa).!
FERNANDO
PESSOA.
2.
,,
Bibliografia"
BARRETO,! José! (2009).! “Fernando! Pessoa! e! a! invasão! da! Abissínia! pela! Itália! fascista”,! in! Análise%
Social,!n.º!193,!pp.!693O718.!
____! (2008).! “Salazar! and! the! New! State! in! the! Writings! of! Fernando! Pessoa”,! in! Portuguese%
Studies,! vol.! 24,! n.º! 2! [Pessoa:! The! Future! of! the! Arcas,! guest! editors:! Jerónimo! Pizarro,!
Steffen!Dix],!pp.!168O214.!
CUNHA,!Teresa!Sobral;!SOUSA,!João!Rui!de!(1985)!(orgs.).%Fernando%Pessoa:%O%Último%Ano.!Exposição!
comemorativa! do! cinquentenário! da! morte! de! Fernando! Pessoa.! Lisboa:! Biblioteca!
Nacional.!
LOURENÇO! Eduardo;! OLIVEIRA,! António! Braz! de! (1988)! (orgs.).! Fernando% Pessoa% no% seu% Tempo.!
Exposição.!Lisboa:!Biblioteca!Nacional.!
PESSOA,! Fernando! (2015).! Sobre% o% Fascismo,% a% Ditadura% Militar% e% Salazar.! Edição! de! José! Barreto.!
Lisboa:!TintaOdaOchina.!
____! (2011).!Associações%Secretas%e%Outros%Escritos.!Edição!de!José!Barreto.!Lisboa:!Ática.!
____! (1998).! Cartas% entre% Fernando% Pessoa% e% os% directores% da% presença.! Edição! e! estudo! de! Enrico!
Martines.%Lisboa:!Imprensa!NacionalOCasa!da!Moeda.!
____! (1966).! Páginas% Íntimas% e% de% Auto7Interpretação.! Edição! de! Jacinto! Prado! Coelho! e! Georg!
Rudolf!Lind.!Lisboa:!Ática.!
____! (1940).!À%Memória%do%Presidente7Rei%Sidónio%Paes.!Lisboa:!Editorial!Império.!
SIMÕES,!João!Gaspar!(1950).!Vida%e%Obra%de%Fernando%Pessoa:%História%duma%Geração.%Amadora:!Livraria!
Bertrand.!
SOUSA,!João!Rui!de!(1988).!Fotobibliografia%de%Fernando%Pessoa.!Prefácio!de!Eduardo!Lourenço.!Lisboa:!
Imprensa!NacionalOCasa!da!Moeda.!
O"Bando"Sinistro:""
ato$inaugural$do$“especulador$de$Política”$de$Orpheu'
$
António Almeida*
$
Palavras)chave"
"
Raul$ Leal,$ O' Bando' Sinistro,$ manuscrito,$ Orpheu,$ modernismo$ português,$ Afonso$ Costa,$
Primeira$República$Portuguesa.$
"
Resumo"
"
Apresenta?se$ neste$ artigo$ o$ manuscrito$ do$ manifesto$ político?literário$ O' Bando' Sinistro,$
publicado$ em$ 1915$ por$ Raul$ Leal.$ Contando$ com$ a$ colaboração$ do$ futurista$ Santa?Rita$
Pintor$ na$ edição$ do$ manifesto,$ o$ autor$ ataca$ violentamente$ o$ político$ republicano$ Afonso$
Costa$ e$ seus$ apoiantes,$ originando$ uma$ reação$ por$ parte$ dos$ mesmos,$ que$ teria$
repercussões$para$o$autor$e$indiretamente$para$a$revista$literária$Orpheu.$
$
Keywords"
$
Raul$ Leal,$ The' Sinister' Gang,$ manuscript,$ Orpheu,$ Portuguese$ modernism,$ Afonso$ Costa,$
Portuguese$First$Republic.$
$
Abstract"
$
The$ manuscript$ presented$ in$ this$ article$ is$ the$ political$ and$ literary$ manifesto$ The' Sinister'
Gang$ (O' Bando' Sinistro),$ published$ in$ 1915$ by$ Raul$ Leal.$ Relying$ on$ the$ assistance$ of$ the$
futurist$painter$Santa?Rita$Pintor$for$the$edition$of$the$manifesto,$the$author$fiercely$attacks$
the$ republican$ politician$ Afonso$ Costa$ and$ his$ supporters,$ sparking$ a$ reaction$ with$
repercussions$both$on$the$author$and,$in$an$indirect$fashion,$the$Orpheu$literary$magazine.$
$
$
$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*$ Universidade$ Nova$ de$ Lisboa,$ Centre$ for$ English,$ Translation$ and$ Anglo?Portuguese$ Studies$
(CETAPS).$
!
Almeida O Bando Sinistro
O$documento$aqui$tornado$público$é$o$manuscrito$do$manifesto$antirrepublicano$
O' bando' sinistro' –' Apêlo' aos' intelectuáes' portuguêzes$ (1915),$ pertencente$ à$ Coleção$
Fernando$Távora.$São$doze$fólios$os$que$constituem$o$manuscrito$em$causa,$o$qual$
foi$ escrito,$ tal$ como$ surge$ indicado$ na$ última$ página,$ em$ maio$ de$ 1915,$ na$
sequência$ da$ deposição$ do$ regime$ ditatorial$ do$ General$ Pimenta$ de$ Castro,$
ocorrida$a$14$desse$mês.$
A$importância$deste$documento$reside$no$facto$de$se$tratar$do$ato$inaugural$
no$campo$da$teorização$política$daquele$que,$na$celebração$do$cinquentenário$de$
Orpheu,$ Almada$ Negreiros$ apelidou$ de$ “especulador$ de$ Política”$ (NEGREIROS,$
1965:$10;$cf.$GIRALDO,$2016),$termo$que$tomei$emprestado$para$o$título$deste$artigo.$
O$epíteto$foi$cunhado$pelo$autor$de$Nome'de'Guerra,$que$trinta$anos$antes$editara$o$
texto$ especulativo$ “Super?Estado”$ de$ Raul$ Leal$ em$ Sudoeste$ n.º$ 3$ (novembro$ de$
1935).$Leal$não$manifestara$de$modo$algum$a$sua$veia$política$até$à$publicação$d’O'
Bando' Sinistro,$ limitando$ a$ sua$ atividade$ à$ crítica$ musical$ e$ à$ abordagem$ de$
questões$de$índole$sociológica,$filosófica$ou$literária.$
Em$relação$ao$manifesto$impresso,$que$estudei$no$n.º$8$de$Pessoa'Plural'–'A'
Journal' of' Fernando' Pessoa' Studies' (ALMEIDA,$ 2015;$ cf.$ Figs.$ 19$ e$ 20),$ o$ manuscrito$
apresenta$ duas$ particularidades$ fundamentais:$ a$ primeira$ no$ que$ respeita$ à$
ortografia$lealina$e$a$segunda$à$inclusão$da$sua$data$de$produção.$
Com$ efeito,$ o$ manuscrito$ evidencia$ uma$ ortografia$ peculiar$ ao$ nível$ da$
acentuação$dos$vocábulos,$algo$que$poderá$ser$aquilatado$logo$a$partir$da$leitura$
da$introdução,$que$passo$a$transcrever:$
$
A$vós$que$ilustráes$â$vida$com$os$vóssos$pensamentos$elevádos$que$só$em$álmas$livres,$em$
álmas$nobres$se$pódem$gerar$illuminando$o$múndo,$â$vós$me$dirijo$cheio$de$comoção$e$de$
revolta$ perante$ o$ desenrolár$ sombrio$ do$ lôdo$ que$ pavorosamente$ se$ derrâma$ na$ álma$
enlouquecida$ dos$ portuguêzes,$ que$ trágicamente$ avilta,$ ignobilisa$ o$ génio$ divino$ de$
Portugal!$Momentâneamente$nos$debatêmos$em$sangue$de$péste$e$em$trévas$lamacentas$e$
preciso$ se$ tórna$ riagirmos$ poderosamente$ contra$ os$ crimes$ aviltantes,$ contra$ âs$ vilêzas$
sinistras,$ de$ nôvo$ arrebatando$ o$ mundo$ em$ Espirito,$ de$ novo$ derramando$ Espirito$ pela$
Vida!$Núma$sintese$vigorósa$de$álmas$livres$unâmo?nos$pâra$sempre$e$brandindo$o$cutélo$
dâ$ Maldição$ despenhêmo?lo$ dos$ céus$ sobre$ êsse$ inférno$ momentâneo$ de$ Lâma…$ É$ â$ nós$
cômo$ Espiritos$ nóbres,$ cômo$ Álmas$ livres$ que$ compéte$ desfazêr$ âs$ malhas$ emaranhádas,$
âs$cadeias$lodósas$dúm$chárco,$dúm$pantano...!$$
(pág.$1)$
$
A$ acentuação$ abundante,$ essa,$ seria$ expurgada$ da$ versão$ final$ do$ manifesto,$ ou$
pelos$ revisores$ da$ tipografia,$ ou$ pelo$ próprio$ autor,$ que$ considerava$ que$ as$
gralhas$ eram$ as$ grandes$ inimigas$ dos$ escritores,$ revendo$ sempre$ as$ provas$
tipográficas$com$extremo$cuidado.$Este$chega$a$lamentar,$em$carta$a$João$Gaspar$
Simões,$ não$ ter$ tido$ oportunidade$ de$ rever$ provas$ de$ impressão,$ por$ exemplo,$
aquando$ da$ saída$ do$ conto$ “A$ Aventura$ dum$ Sátiro$ ou$ a$ Morte$ de$ Adónis”$ em$
Centauro$(1916),$por$se$encontrar$então$em$Espanha.$$
O$segundo$dos$aspetos$a$destacar$da$leitura$do$manuscrito$é$o$facto$de$vir$
assinado$ por$ Raul$ Leal$ e$ apresentar$ apenas$ a$ data$ de$ produção,$ maio$ de$ 1915.$
Assinale?se$ainda$que,$contrariamente$ao$que$sucede$no$impresso,$não$se$verificam$
quaisquer$ referências$ ao$ facto$ de$ se$ assumir$ como$ “Collaborador$ de$ Orpheu”,$ o$
que$apenas$poderia$ter$tido$lugar$num$momento$posterior$a$28$de$junho,$data$de$
saída$do$n.º$2$da$revista,$na$qual$colabora$com$a$novela$vertígica$“Atelier”.$$
A$ par$ do$ filósofo$ de$ A' Liberdade' Transcendente,$ Guilherme$ Santa?Rita$ é$ o$
único$dos$órficos$que$se$assume$explicitamente$como$monárquico.$Como$recorda$
Raul$ Leal$ no$ artigo$ “A$ ética$ dignificadora$ de$ Santa?Rita$ Pintor”$ saído$ em$ Tempo'
Presente,$ será$ este$ desconcertante$ artista$ a$ colaborar$ na$ publicação$ do$ manifesto$
anti?afonsista$que$Raul$Leal$viria$a$despejar$da$galeria$do$Martinho$do$Rossio$e$a$
distribuir$em$mão$no$comboio$da$linha$de$Cascais$a$3$de$julho.$Nessa$mesma$noite,$
Afonso$Costa$lançar?se?ia$de$um$elétrico$em$movimento,$julgando$tratar?se$de$um$
novo$ atentado$ à$ sua$ vida,$ atitude$ irrefletida$ que$ lhe$ acarretou$ uma$ longa$
convalescença.$
Tal$ como$ foi$ notado$ anteriormente$ no$ posfácio$ de$ apresentação$ do$
manifesto$em$Pessoa'Plural$n.º$8,$não$terá$sido$pacífico$o$envolvimento$do$nome$da$
revista$a$caucionar$a$autoria,$aludido$na$carta$de$Santa?Rita$Pintor$que$acompanha$
o$ artigo$ de$ Raul$ Leal$ em$ Tempo' Presente.$ O$ manifesto$ seria$ uma$ expressão$ da$
posição$individual$do$autor$face$ao$estadista,$pelo$que$a$intenção$de$o$trazer$para$a$
esfera$ da$ revista$ terá$ mesmo,$ numa$ fase$ prévia$ à$ distribuição$ da$ folha$ volante,$
semeado$alguma$discórdia$(ALMEIDA,$2015).$
A$coincidência$da$intervenção$de$Raul$Leal$com$o$acidente$de$Afonso$Costa$
e$ a$ subsequente$ carta$ ao$ jornal$ A' Capital$ por$ parte$ do$ engenheiro$ sensacionista$
Álvaro$de$Campos$(Fig.$1),$na$qual,$referindo?se$ao$sucedido,$se$congratula$com$o$
facto$ de$ a$ Providência$ Divina$ utilizar$ os$ carros$ elétricos$ para$ os$ seus$ altos$
ensinamentos,$à$boa$maneira$futurista,$contribuem$para$o$avolumar$do$escândalo$
acarinhado$pelos$órficos.$$Para$além$disso,$o$episódio$faz$com$que$o$autor$seja,$a$
partir$ desse$ momento,$ incluído$ no$ lote$ das$ “creaturas$ de$ maus$ sentimentos”$ (A'
CAPITAL,$1915a:$1;$Fig.$2)$que$produziam$uma$“literatura$de$manicómio$astral”$(O'
MUNDO,$ 1915b:$ 3;$ Fig.$ 3).$ Por$ sua$ vez,$ os$ periódicos$ aproveitariam$ o$ ensejo$ para$
conotar$a$revista$com$os$monárquicos,$colando?lhes$a$fama$de$alienados$já$gozada$
pelos$de$Orpheu.$
Este$constitui,$assim,$um$momento?charneira,$podendo$falar?se$de$um$antes$
e$um$depois$deste$episódio,$não$apenas$no$que$se$refere$a$Raul$Leal$mas$também$a$
Orpheu.$
$
$
$
$
Esj J6o
'S
r h
:l.-l-_
' ,< >
-
ti
,.,?' ~- ~
ra eaglarecer
ue ja se falla
·uo o drama
bem o assumpto - e visto
nelle em publico
que
se chama ''Os Jornalistas",
tencionamos
-lUe e um estu-
- direi
apr~sont.ar
-
~-.:;:-- e do syntheti~o do joralismo portuguez,
r~"'s-. .ue, como (em parte) v.~xa. diz, se_vêem
e
De V.Exa.
Raspeitador e creado,
A LA.VARO D.l!;0.h.....POS ,
$
Fig."1."Testemunho"de"carta"para"A"Capital"(BNP/E3,"160)."
$
$
$
$
1 llllPATlllfllllllll
1\Ospeeloslõ
11,~ea
nio passam, afinal, de creatur
de maas sentimentos
A noS!!eaoticia de hontem ácerca
ela uma reoita planeada paloa fotll·
rlatu do ()rp1,tMplll'8Ceque nlo agr ..
doa a easea pobrea maoiaoos, Pelo
menos auim se deprehenda de nma
-ta qae hoje nos foi eatregoe, assi-
pada pelo engeltll.m-oa poeta se11111-
CÍOtlÍ6tll Alvaro de Campoe, ond~ a
propoaito,1e iaaultam todoa q:;;
t r- parte cro jeroaliamo pano
N&onoa indigna a injuria, a as
polllljlH do oitnde quem qoer mas
simplesmente qoem pode. 01 aere-
' bl'OIIdestrambelhados do úrplie" não
podem iajoril,r ningoem. Masa carta
+
m,aa~t·
".!>OWQff!llt~v1otima ªº
.110111!»
ar. dr.
~ta, e e111afaz-noa a~ül-
oar o oonoeito em qaalnha-
mos~cionmat, l'obres 'tiiauia-
p li:io.-Oreatoras qe via e baixos
sentimentos é que &lil todos qoaok>s
oonoordam oom o ifititante período
fioal da referida carta, que 4 IIRtual-
mente o aegointe:-
De reato seria de mau goato ropudiar 11-
~ea com o fatariamo n'...,,,. A,na tão
<1eliciu11111et114me<>\on i ca .,,. tJU•11 prOJ>M
+ ProvideneiGDlvina •• •=• doa "f~ llk•
ch-iot1apt1rei oa BtH I alla, en,Ul,4,.~
l 5k> sim, iodigna e revolta. Ê de
hnje em deantij, podem oa futariatas,
até ha pooco simplosmea• ridioolos,
agora ridioolos e maus, contar oom
rª
uu non forma de tratamento por
parte chiajorn .,lístaa eatupida-
- ·_ ___ ..._.J
mente pre*8ndem~ i~º-ª~ª-tar.
ç ~!! /{
$
Fig."2."“Os"poetas"do"‘Orpheu’”"(BNP/E3,"156)9r)."
MUlTOPAÚLICO 1 1 1
:ri~Iâ~
ri!.r1n1r~1i:~~:v6 1~~di!~~:; ou?rb1~~- iu:od~01!!1:1:~~r~
.
$
$
$
$
$
Fig."4."“O"caso"do"‘Orpheu’”"(BNP/E3,"156)9v)."
No$ caso$ do$ futuro$ teorizador$ de$ “Super?Estado”,$ o$ episódio$ redunda$ num$
exílio$ de$ sensivelmente$ um$ ano$ e$ meio$ em$ Espanha$ (Sevilha,$ Madrid$ e$ Toledo),$
mas$com$o$intuito$de,$à$semelhança$de$Mário$de$Sá?Carneiro,$se$fixar$em$Paris,$no$
seu$ caso$ “em$ mira$ de$ arranjar$ contrato$ p[ar]a$ mimicas$ ou$ cinematografos”$ (SÁ?
CARNEIRO,$2015:$440),$em$plena$I$Guerra$Mundial,$algo$de$que$o$autor$de$Dispersão$
o' consegue$ dissuadir,$ alertando$ o$ filósofo$ para$ a$ imprudência$ dessa$ empresa$ e$
para$a$vida$difícil$que$levavam$os$artistas$franceses.1$
Raul$Leal$retorna$do$exílio$espanhol$em$meados$de$1917,$sendo$repatriado$
pelo$ Consulado$ português,$ ainda$ a$ tempo$ de$ colaborar$ em$ Portugal' Futurista.$
Apertado$ de$ meios$ após$ ter$ desbaratado$ em$ pouco$ tempo$ uma$ herança$
considerável$ recebida$ por$ morte$ do$ pai,$ em$ janeiro$ de$ 1912,$ era$ vital$ a$ Raul$ Leal$
garantir$ uma$ base$ de$ subsistência.$ Daí$ que,$ fiel$ à$ causa$ dos$ conservadores$ e$
monárquicos$ de$ restabelecer$ o$ regime$ sob$ a$ dinastia$ dos$ Braganças,$ tenha$
enveredado$ pela$ colaboração$ sistemática$ na$ imprensa,$ assumindo$ um$ combate$
sem$tréguas$ao$regime$político$então$vigente.$Deste$modo,$colabora,$entre$outros,$
nos$ periódicos$ O' Liberal' –' Jornal' Monarchico' Tradicionalista$ (1917?18),$ O' Tempo' –'
Diário' Monárquico' Independente$ (1922),$ A' Palavra' –' Diário' Monárquico' Independente$
(1922),$ Correio' da' Noite$ (1924?26),$ Gazeta' dos' CaminhosKdeKFerro$ (1925),$ A' Reacção' –'
Semanário'AntiKRepublicano$(1925),$do$qual$foi$diretor$político,$até$se$tornar$diretor$e$
editor$d’O'Rebelde'–'Panfleto'Monárquico'Independente,$que$saiu$em$sete$números,$de$
março$a$junho$de$1927.$
Contudo,$a$atividade$de$Raul$Leal$não$se$resume$à$colaboração$jornalística.$
Essencialmente$ nas$ décadas$ de$ 10$ e$ 20$ manteve$ uma$ prática$ de$ intervenção$ na$
sociedade$ portuguesa,$ adquirindo$ desde$ logo,$ através$ de$ polémicas$ como$ a$ d’O'
Bando'Sinistro$(1915),$de$Sodoma'Divinisada'(1923)$ou$da$campanha$levantada$contra$
a$gestão$da$Provedoria$da$Assistência$Pública$de$Lisboa$no$Correio'da'Noite$(1926),$
uma$ notoriedade$ que$ sempre$ o$ perseguiu$ e$ lhe$ granjeou$ inimigos$ em$ vários$
quadrantes,$nomeadamente$o$artístico,$o$político$e$o$religioso.$$
No$tocante$a$Orpheu,$o$desenlace$imediato$será$o$afastamento$voluntário$de$
Alfredo$ Pedro$ Guisado,$ António$ Ferro$ (Fig.$ 4)$ e,$ posteriormente,$ de$ Armando$
Côrtes?Rodrigues$ ditando,$ por$ conseguinte,$ a$ dissolução$ do$ conjunto$ de$
intelectuais$ que$ havia$ colaborado$ na$ revista.$ Malgrado$ as$ tentativas$ de$ publicar$
um$terceiro$número,$inclusivamente$com$a$oferta$de$Santa?Rita$Pintor$de$tomar$as$
rédeas$da$direção$da$revista,$esta$nunca$virá$a$recuperar$da$partida$apressada$de$
Mário$ de$ Sá?Carneiro,$ para$ Paris,$ na$ sequência$ dos$ acontecimentos$ do$ início$ de$
julho.$A$juntar$à$distância,$será$a$recusa$do$pai$em$continuar$a$financiar$a$revista$a$
concorrer$em$larga$medida$para$o$seu$fim.$Não$podemos$esquecer$que$o$tenente?
coronel$ Carlos$ Augusto$ de$ Sá?Carneiro$ detinha$ um$ cargo$ público$ tutelado$ pelo$
governo$ republicano,$ o$ de$ diretor$ dos$ portos$ e$ caminhos?de?ferro$ em$ Lourenço$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
$ Veja?se,$ neste$ mesmo$ número$ da$ Pessoa' Plural,$ VASCONCELOS$ (2017),$ sobre$ a$ estadia$ de$ Leal$ em$
1
Espanha$e$a$relação$do$filósofo$com$Sá?Carneiro.$
Marques,$ e$ não$ estaria$ na$ disposição$ de$ associar$ ainda$ mais$ o$ seu$ nome$ a$ esse$
escândalo.$
O$ambiente$de$crispação$vivido$nos$primeiros$anos$após$a$implantação$da$
República$estender?se?ia$ao$longo$de$quase$duas$décadas,$com$constantes$greves,$
atentados$ e$ tumultos,$ a$ tornar$ o$ país$ ingovernável,$ com$ efeitos$ gravosos$ para$ o$
povo$ português.$ Por$ conseguinte,$ Raul$ Leal$ considera$ imperativo$ que$ Portugal$
seja$governado$de$forma$rigorosa$e$eficaz$por$uma$ditadura$como$a$que$acaba$de$
ser$ deposta,$ de$ modo$ a$ pôr$ termo$ ao$ que$ seria$ a$ anarquia$ reinante$ do$ Partido$
Democrático$liderado$por$Afonso$Costa.$Daí$que$não$proponha$no$manifesto$uma$
solução$democrática$para$a$conjuntura$política$nacional,$preconizando,$outrossim,$
a$tomada$do$poder$pela$força$das$armas,$como$via$preferencial$para$a$restauração$
do$regime$monárquico.$$
O$ ataque$ feroz$ ao$ jacobino$ Afonso$ Costa$ e$ ao$ seu$ bando$ baseia?se$ no$
pressuposto$ que$ os$ republicanos$ não$ têm$ competência$ para$ exercer$ cargos$
governativos,$ responsabilizando?os$ por$ tudo$ aquilo$ que$ de$ negativo$ o$ país$
enfrenta.$ Estes$ são$ comparados$ a$ aranhas$ corpulentas$ a$ engordar$ à$ custa$ das$
apagadas$ e$ tristes$ gentes$ portuguesas,$ movidos$ apenas$ pela$ ambição$ de$ retirar$
dividendos$do$exercício$do$poder.$$
Logo$ na$ introdução$ do$ manifesto,$ o$ autor$ lança$ um$ apelo$ aos$ intelectuais$
portugueses$ para$ convergirem$ num$ desígnio$ nacional:$ o$ derrube$ da$ República,$
cumulada$ aqui$ na$ figura$ de$ Afonso$ Costa.$ À$ partida$ o$ regime$ saído$ do$ 5$ de$
Outubro$é$visto$pelos$monárquicos$como$sendo$algo$de$criminoso,$pois$teve$a$sua$
origem,$numa$primeira$fase,$no$regicídio$de$1908$e,$numa$segunda,$na$usurpação$
do$poder$aos$seus$legítimos$donos,$a$dinastia$dos$Braganças,$razão$pela$qual$estará$
para$sempre$manchado$de$sangue.$
Neste$ texto,$ Raul$ Leal$ compara$ Afonso$ Costa$ ao$ rei$ D.$ Carlos,$ afirmando$
que$ o$ republicano$ dá$ mostras$ de$ uma$ mediocridade$ confrangedora$ e$ carece$ de$
qualidades$ inatas$ para$ a$ governação$ próprias$ dos$ monarcas$ que,$ sagrados$ por$
Deus,$adquiriam,$desse$modo,$uma$legitimidade$sobrenatural$para$o$exercício$do$
poder.$
Um$ outro$ aspeto$ a$ ressaltar$ deste$ Apelo$ é$ o$ facto$ de$ ser$ dirigido$ não$ aos$
militares$conservadores$afetos$à$causa,$como$Paiva$Couceiro,$que$logo$desde$1911$
intenta$ restaurar$ o$ regime$ através$ das$ Incursões$ Monárquicas$ a$ partir$ da$ Galiza,$
mas$sim$aos$intelectuais$portugueses,$principalmente$aos$jovens$simpatizantes$das$
tendências$modernistas.$Aparentemente,$por$volta$de$1915,$a$crença$de$Raul$Leal$
no$poder$da$palavra$sobre$o$das$armas$é$ainda$vincada,$o$que$se$vai$esbatendo$até$
1926,$fruto$de$um$certo$desencantamento$face$à$maioria$dos$artistas$e$intelectuais$
que$ não$ perfilham$ os$ ideais$ do$ autor,$ como$ ficaria$ patente$ logo$ aquando$ da$
dessolidarização$dos$órficos$republicanos$em$face$das$intervenções$de$Raul$Leal$e$
Fernando$Pessoa.$
Creio$ que$ aquilo$ que$ se$ propõe$ não$ é$ tanto$ a$ criação$ de$ uma$ sinarquia,$
utopia$que$confere$o$poder$a$um$conjunto$de$intelectuais$dotados$de$capacidades$
superiores,$ mas$ a$ instituição$ de$ uma$ espécie$ de$ aristocracia,$ constituída$ por$
“Espiritos$nobres”$e$“Almas$livres”,$focados$somente$no$Espírito$e$não$na$Matéria,$
a$quem$caberá$a$árdua$tarefa$de$derrubar$a$burguesia$instalada$no$poder$e$libertar$
Portugal$ do$ pântano$ em$ que$ se$ tornara$ com$ a$ revolução$ do$ 5$ de$ Outubro,$
encarando$ o$ panorama$ político$ nacional$ como$ uma$ batalha$ entre$ o$ Bem$
(Monarquia)$ e$ o$ Mal$ (República).$ Assim,$ serão$ estes$ a$ providenciar$ as$ condições$
necessárias$para$o$retorno$ao$regime$monárquico,$legítimo$detentor$do$poder,$para$
que$ se$ possa$ recolocar$ Portugal$ na$ senda$ das$ grandes$ potências$ coloniais,$
conduzindo$ o$ país$ à$ grandeza$ e$ esplendor$ vividos$ na$ Idade$ do$ Ouro$ dos$
Descobrimentos.$$$
Enquanto$os$artigos$lealinos$saídos$em$O'Liberal$(1917?18),$O'Tempo$(1922)$e$
A' Palavra$ (1922)$ se$ destacam$ essencialmente$ pelo$ seu$ caráter$ doutrinário,$ como$
sucede,$ por$ exemplo,$ no$ caso$ da$ “Campanha$ Ultranacionalista”$ levada$ a$ cabo$
nestes$dois$últimos$periódicos,$a$partir$de$1924$os$seus$textos$começam$de$modo$
gradual$ a$ impelir$ à$ ação.$ Esta$ transformação$ no$ teor$ dos$ escritos$ leva$
inclusivamente,$de$abril$a$junho$de$1925,$ao$fecho$do$jornal$Correio'da'Noite,$de$que$
Raul$ Leal$ é$ redator$ principal,$ havendo$ lugar$ a$ múltiplas$ apreensões$ e$
empastelamento$ de$ edições$ na$ tipografia.$ No$ final$ do$ mesmo$ ano,$ dá?se$ a$
demissão$de$Leal$do$cargo$de$Diretor$Político$do$semanário$A'Reacção$na$sequência$
do$artigo$de$22$de$novembro$“A$chicote$–$Que$a$voz$dos$canhões$se$torne$a$voz$de$
Deus$e$a$voz$da$Raça”$(LEAL,$1925:$1).$
Será$esta$a$razão$que$faz$com$que$Leal$se$assuma$como$revolucionário$dos$
movimentos$militares$do$18$de$abril$e$do$19$de$junho$de$1925,$uma$vez$que$aceita$a$
responsabilidade$ ao$ preparar$ o$ ambiente$ na$ imprensa$ monárquica,$ com$ artigos$
incendiários$ que$ criaram$ condições$ para$ as$ revoltas$ de$ Filomeno$ da$ Câmara,$
Fidelino$ de$ Figueiredo,$ Sinel$ de$ Cordes$ e$ Raul$ Esteves$ (18$ de$ abril$ de$ 1925),$ e$
Mendes$ Cabeçadas$ e$ Jaime$ Baptista$ (19$ de$ julho$ de$ 1925),$ movimentos$ militares$
precursores$do$28$de$maio$de$1926.$Todavia,$apesar$de$se$manter$firme$na$defesa$
das$ suas$ convicções,$ é$ de$ referir$ que$ o$ envolvimento$ de$ Raul$ Leal$ na$ política$
monárquica$ se$ terá$ limitado$ apenas$ à$ imprensa,$ uma$ vez$ que$ não$ viria$ a$ ocupar$
quaisquer$cargos$políticos$a$nível$partidário$ou$parlamentar$ao$longo$da$sua$vida.$
Se$ é$ certo$ que$ quando$ Raul$ Leal$ se$ envolve$ na$ vida$ política$ nacional,$
advoga,$ numa$ primeira$ fase,$ a$ reimplantação$ da$ Monarquia,$ após$ a$ revolta$ de$
Gomes$ da$ Costa$ em$ 1926,$ que$ instaura$ a$ Ditadura$ Militar$ e$ redunda$
posteriormente$ no$ Estado$ Novo,$ o$ escritor$ assume$ as$ políticas$ da$ direita$
conservadora$ e$ tradicionalista.$ No$ entanto,$ o$ pensamento$ político$ de$ Raul$ Leal$
evoluiria$ noutra$ direção$ e,$ simultaneamente,$ em$ textos$ como$ “A$ Creação$ do$
Futuro$ –$ A$ Organização$ Bolchevista$ pelo$ Fascismo$ atravez$ da$ Acção$ Norte?
Americana$ e$ sob$ o$ Regimen$ duma$ Monarquia$ Libertária”$ (PRESENÇA:$ 1927:$ 4)$ ou$
na$ obra$ Sindicalismo' Personalista,$ começa$ a$ pugnar$ por$ uma$ “fusão$ integral,$
absoluta$de$comunismo,$individualismo$e$fascismo”$(LEAL,$1960:$52),$ou$seja,$dos$
sistemas$ideológicos$em$compita$na$II$Guerra$Mundial:$o$comunista$dos$soviéticos,$
o$personalista$ou$capitalista$dos$Aliados$(com$os$norte?americanos$na$vanguarda)$
e$o$totalitário$ou$fascista$das$potências$do$Eixo.$$
Convicto$da$validade$das$suas$teses,$o$autor$tenta$por$todos$os$meios$editar$
a$obra$que$sintomaticamente$tem$“Plano$de$Salvação$do$Mundo”$como$subtítulo,$
junto$ das$ várias$ instâncias$ públicas$ e$ privadas.$ Irá,$ inclusivamente,$ em$ 1950,$
enviar$ duas$ cartas$ ao$ Presidente$ do$ Conselho,$ António$ de$ Oliveira$ Salazar,$ para$
que$ este$ interceda$ junto$ das$ entidades$ competentes,$ em$ razão$ da$ extraordinária$
importância$que$a$obra$terá$para$o$mundo,$mas$não$obtém$resposta$favorável$por$
parte$ do$ político.$ A$ obra$ será$ finalmente$ publicada$ passada$ uma$ década$ na$
Editorial$Verbo$de$Fernando$Guedes,$numa$versão$mais$compacta$do$que$o$autor$
desejaria.$
Da$ Coleção$ Fernando$ Távora$ fazem$ parte$ um$ sobrescrito$ com$ carimbo$
datado$de$29?XII?1960$e$um$cartão$enviado$a$Raul$Leal$por$um$dos$colaboradores$
de$ Salazar$ (Figs.$ 5,$ 6$ e$ 7)2,$ para$ o$ quarto$ alugado$ pelo$ antigo$ treinador$ de$ boxe,$
Francisco$ de$ Brito,$ na$ Rua$ dos$ Condes$ de$ Monsanto,$ n.º$ 4,$ 5º$ direito,$ à$ Praça$ da$
Figueira,$ onde$ o$ escritor$ viveu$ nos$ últimos$ anos$ da$ sua$ vida.$ Neste$ cartão$ o$
estadista$ agradece$ o$ envio$ do$ livro$ Sindicalismo' Personalista' –' Plano' de' Salvação' do'
Mundo$ (1960),$ do$ modo$ que$ passarei$ a$ transcrever:$ “Doutor$ António$ de$ Oliveira$
Salazar$|$Presidente$do$Conselho$de$Ministros$|$agradece$o$exemplar$do$livro$que$
se$dignou$oferecer?lhe.”$
$
$
$$ $
Figs."5"e"6."Envelope"(Coleção"Fernando"Távora)."
$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2$ No$ meta?arquivo$ elaborado$ por$ Fernando$ Távora$ para$ organizar$ a$ sua$ Coleção,$ existe$ uma$
referência$a$documentos$do$espólio$de$Raul$Leal$que$dão$testemunho$da$relação$estabelecida$entre$
estas$ duas$ personalidades:$ “Lote$ 34.º$ –$ dois$ cartões$ de$ visita,$ [↑$ e$ respectivos$ sobrescritos,]$ do$
Presidente$ do$ Conselho$ Oliveira$ Salazar$ para$ Raul$ Leal;$ só$ um,$ creio,$ será$ da$ mão$ do$ Presidente.$
Comprados$em$22/1/75$na$Livraria$Fumaça,$Lisboa,$por$esc.$141$90”;$cf.$VIZCAINO$(2017).$
$
Fig."7."Cartão"de"visita"(Coleção"Fernando"Távora)."
$
Numa$fase$mais$tardia$da$sua$vida,$a$imprensa$da$direita$conservadora$viria$
a$ dispensar$ alguma$ atenção$ crítica$ e$ espaço$ editorial$ à$ colaboração$ de$ Raul$ Leal,$
como$são$os$casos$dos$jornais$Diário'da'Manhã$e$Debate'e$das$revistas$Quatro'Ventos,$
Tempo'Presente$e$Cooperação.$Nestes,$para$além$de$discorrer$sobre$temas$literários$e$
artísticos,$ interpreta$ o$ extravasar$ das$ fronteiras$ de$ Portugal$ continental$ como$
condição$imprescindível$para$um$país$que$se$pretende$afirmar$como$uma$potência$
moderna$ e$ não$ apenas$ viver$ à$ sombra$ dos$ feitos$ do$ passado.$ Nesse$ sentido,$
defende$de$forma$veemente$a$manutenção$das$colónias$do$Ultramar,$por$exemplo,$
no$que$respeita$à$legitimidade$portuguesa$face$à$pretensão$da$Índia$de$anexar$as$
possessões$ portuguesas$ de$ Goa,$ Damão$ e$ Diu$ em$ 1961,$ considerando$ que$ o$ país$
deveria$continuar$a$desempenhar$um$papel$fundamental$na$civilização$dos$povos$
nativos$de$África$e$Ásia,$libertando?os$da$ignorância$e$superstição.$
Vasta$ como$ a$ sua$ obra$ inédita,$ a$ colaboração$ de$ Raul$ Leal$ dispersa$ pelos$
jornais$ e$ revistas$ oferece$ um$ testemunho$ valioso$ não$ apenas$ das$ transformações$
políticas$vividas$no$nosso$país$na$primeira$metade$do$século$XX,$mas$também$da$
evolução$do$pensamento$especulativo$e$da$teorização$política$do$autor,$aspetos$a$
merecer$um$estudo$mais$desenvolvido$em$ocasião$oportuna.$
Anexo"
O"Bando"Sinistro"–"manuscrito"(Coleção"Fernando"Távora)"
$
$
Fig."8."O"Bando"Sinistro"[primeira"página]."
$
$
$
$
Fig."9."O"Bando"Sinistro"[segunda"página]."
$
$
$
$
$
Fig."10."O"Bando"Sinistro"[terceira"página]."
$
$
$
$
$
Fig."11."O"Bando"Sinistro"[quarta"página]."
$
$
$
$
$
Fig."12."O"Bando"Sinistro"[quinta"página]."
$
$
$
$
$
Fig."13."O"Bando"Sinistro"[sexta"página]."
$
$
$
$
$
Fig."14."O"Bando"Sinistro"[sétima"página]."
$
$
$
$
$
Fig."15."O"Bando"Sinistro"[oitava"página]."
$
$
$
$
$
Fig."16."O"Bando"Sinistro"[nona"página]."
$
$
$
$
$
Fig."17."O"Bando"Sinistro"[décima"página]."
$
$
$
$
$
Fig."18."O"Bando"Sinistro"[undécima"página]."
$
$
$
SlftlSTRO
OB111D0
O INTELLEGTUA
AOS
APPELL ES GUEZES
PORTU
slraes
A,ós que illu aYida
comosmsospe1sa11e1loseleYado , ea11• .._se P'-
sqaesóe• al•aslivres
de11gerarilluminando aYós
o111u1de, cbeiedecouoraoe derevai
medirijo o4esenroltr
la perante s•rlt ••
Iodequepamos ameale naalmaealouquecída
sederrama , quelraglea•eale
dos porluguezes • p-
Hilll,lpeMIIII
dePerlugal
ai• diYiBI 1tsdeb
l lomeolanea•eale atemese• sa1gue de peslee emIremla•ar.ealu e pist se
leraariaginnos oscrimea
coolra
poderosarnenle uniraasfillezas
a,illanles, deHYI
sini~lns, ,m- amuta••
t, de1110derramaudo
dt emEspiril pela
Espirilo Vida!~·uaa se
S)Blbe Yigtrtsade ai• füres••e-w-,an
sempreebr11dinde oculele 11
despenbe
dalaldiçae 1-ledosdos sobre essei1íe111•eaealaaetd&a.;,I' 1
noscome Espirllosnobres, Almas
como llnesquecompele asmalhas
desfazer ascadelas
emara1hadas, ltdu d'a
c•an:o,d'u1paalm!...
tlc ,..'~~I 1'ivc boje u,:.-1
J)é,.;iJelocnorm\' ,k lama e lo, o u'Nlf'llk ca(k iu "6 geram nut~11 o ou tr1111, nr i11,
1N1t1
inil!llni111111e,lol,,,
d011od iOllopprOlll<Ofll!ICdllllin veJa1111
O• arrebalameQIOII e1lllioosqucalra ,·czdos mart'fl r~me,ite contoN'cm, apertan1, esmil(alb11m, osscrr.
•ttalltl.nlm F.epitôto., _uma IOTTeftte l&ll[frffila de lódo 1hJoetoequC<"~ •í Pl'OJ'"O!I 1.11criam.
inundou em &nciu 11ntllt11! de cb.letes. em Mota~ \' {:de a anrJa ren-ente oom C(llfll:tll\ta, clietc de IMn-
ptJtulontu de r.,.nW>Oll., .. \A tni)ficu chlmhu: do mun- dn. im1t1rJH'OCl:lnO!I maia in~ 1fl('111tffoptoado linn.
lif> mW~I, ~mbrin na IJUAlaletate 1ntiednde de do,r, de Hri quto fot U. Carlos 1. (>uando IIOll lol:aftre rfi?ioR
U1.1N~t1 1qqweta,1tP.11pl"elll'ntiment09dem,irl,•,eYolu-
littdo, dl!ll"'..oeiaqdo-91.",
,n~11te •IAIOllo,
o 11tueapiritualit<mo,·;lgo11,1~n- ~:"~ ,~;:=:.=:~·1,~=1;:.:=i
'::-n\:::ni
d'uma anda romo que tragicamente IOli- llt'MIIn dicula eo nio f08ll0ahJOOIIOIIi:,iinilOOl:lm11,imen•
"11..idi!, roelos{,proglad1l do tmnulo, o 11e1 1C11piritu1li,,mo tO>lde nohreu. e diirtincçáotó propnoe do espiri108IU·
~n~-.1do dolol'Olllmeotc ,·ilH·~(('les dilTuKD'<de tre,,i11. perioret!-, dealmulivrei,. •
=e::~.i~;':"j;;~;
11••.,n nruo de lmme11S1da,fod11111iparam todo pan ~rm- >:oomo pó,Je mn clemental de larna clevaMle :l hf'l-
1•re e J"llª !!O.'tornan-m atra.-ez da ~:urol'a jacobinii>ada lr1.ac1;,·ina d'nm prlncifJ"!... '
l>e 1w>n,.IN111 repui;n11ntt6 do t:i:trerao Onentei1ue.11.alma
1111,·o""""mente JW"rl111h11m cm miJO e en, v,inutoedt rapa!: ;~ted~~r l~~-11~
"" Ul(UC 1/lUlndO50b 11<',~ l'fi!alam, c1m1igall1adotrintci:3- l>cm1, (, n'um ehaTI'O unmundo qv.e tllt' flC_debatr,POt
mMlc por mi! !. . . f~,cH rnonslr()tl fmmNiMlll o ,·aw>I! cntNi ehammu purulentas de paio, e,che1odom1,·11,
,l',dma nl,110rver:ru111indrt ti.ia chimoru medievni11 a~ de mnMres ~ini><lm,1, 11IIUIIfHklll hl.ha ckrra·11~ na Viih
;,11;f.in do trens ma~. drl!f'uN"ando-as ('Ili a,·i!tamen!O>i para ~1uea_\'itl-1, dt'IICcndoali-elle,1eeuhradepodr i•lllo
wnvu1- dl' fóme, ijm0biliitaram-1M11por tntre ~-:r.fl:-a·e dl!' 1~nommia:
lha1la111111,.'llhrei: de reptlló 11?mpirú:adoll. Soffrem a 3111:n, Sim, todo o pll'hei~rno IOl'{N! qut ft1li<iamente ~-
1n;)>< a a~eúl pttvenaenquero&a decohanlenm1te ra11pr irenn,11 aqui, empé,ltllndo erim111~mtntc o jren10 rlmno
11 r.arncmdofeutlolr .\nJl)ll ... lledó1 seeoeh_cm pcloodio! •: 0.fi~!i~~
~1~1~º~ ~e ,:~" t~br.ii~~:;::~
~i1;~ai!;
....,.., 1)o1roili0$11de pcrvern11 antiu jilm111aa rom 1iai~;\o
J"Íd" 1n11 pirarmnij11\ulllatlal'n1cseaffl)llnl'gl'Olltlcpea lc inlnmantc. Ja qu11 inNipu eo ~eall< dl'ee lih!:!rt:ar,IIQr
l'ru.b•·flOII n nlma dr cnj•)()!Je dnvomiloR OOl1\'Ul$0fl
:~:s::1~ ..1~;:i~i~f\('S;~~:'i:'!i-;
j~~~::.'\ 11 1
•.•
~~~
~::~ij::
,.1:~ ~~e1r:~;:;::
~p:i~;/i1 1
::
~~:11~
tio. cmporralhan,lo-o mm a, sua, f<!tid111
0
~:::
exal.aç<'>~d'al,
m•nlt:i de 111,·cp,mwtra. ,-.a re..-olla do p.iria Mrlomoa- ma, rnvenenando-o n'um derramento de pú~ cm quo a
,ltl ~·,tra a luz do tMpirilQ 'f\.M'as tre1·1" d:I sua ~ln1., ~u•alm.a, cnnerofataJ, rhei:11deangiurtia><p('rl'eN-.a<ilor:h
J.llnru•.fJO'l"'.Aitlu:nm11r. "dllllfu ... O mundo. 11111i_.cra. lil'l'e port111eera nol>tr,
O JIIN>h111Q, n p!t·licu l<(',1tchorris·tlmentc cr.1~11.rrm- a11pam'le!i tor\urantf'><, n, vdll&U que apt"rtam, que c,.in-
-<0 lhl' no perto os i.-nthl'it'~clrrnQ.'! d11111nomima('Om lrirnl(cm os ~MCIIqun GHei:alam, toda a lorpez.:i ,nes,1ui-
"liº llru11 o fotali·ou r, tomo amnha rorpoler_ita d_rh.1- nha. &l'anh~rla, f'lll'.Ta,·i,,,.rlon.1Jld111lorpczadosd.e-
1r1ulo_'91'nrt 11-i,,11i,n,io11a<l"mqu~ l'lla proimu rna, o J'l!< ptrhem1, da11 nnciM puru~ntu, o Jl'Cniopor lugttPl
JD.tnl,mt•. o plf'htu, rh,•,o ,te ra1.rore11ol>1<Curo111111r !ltí dCt1COubf":'iaoulr'oraPnecl"$~nn!lf!_tor1111n.enlào,para
ru, trcu11 rohardes ll'a/>.111~,m u mor\.-, corn Mn:,:uc tl!.'S· uma alma ci;cra,·a tias suu_ propna, po,lru~, ver-"°
prru,l_,·r·"''l'ror-ur.t d:,,~ JWi:11111:,:rilhoon,C!' da lomr r tia 1~1ra..em1•"'11.,.fo1t_o ·º ~:..pirtl.n,n ::-rnn,\e&alwm 11;1~ai,
llll""fl/1 a~ lllM"" nrn pn'.lnn;:amcnto tr,,~-,,...,_ apru~.,
1'11.n ma11nol,rr~ fJUO!, n1,lu1do, ma1~,l,.lom,.1,n•nt,' l/lria 1<"11-
um., ~n·nlma f'\/lla,:-:,n rl,.,_•;111011trru<11('1/I~ 1uliruas n1,1
,111~11'um !a!al inírrir,ri><mOd'alu,a. Como clrmrntal ,1,, ::~.;:' :;:;~ri~i;<;;11:1'~·:: ,!:'~',;~=
(~t~~';;i;~~:~. ~~j~~~._:l~ ·=
l<•tn rll<1un,rcu inferior, .1 ~ua infcrioridn dc n;ilural <JUC ,·11t:1 talnlmrntn nr:iulla, la. latahncnle .-11, rnh dr
U,r rn!'hc a :ilrua rio p.,i~r,,·• Cf'('.r.\\'i><aHlor11.•, d~ pcn·,:,r
si,ladr~ •111etoJa .ª Qlm~ c_onlon'Cm. toda a alma 11111' ~:t~\~~d;ª~C:t~~~
11u r~~:i:!:"ti~Í:;~;~~!~;,~1;~,°l~l:~u:
uo lk-m. no E~p,rito 11<:lrhcrla em ,·erti~cu~. e~ míe- ~111, <> f:mo ht,-'Ul>n",la n.b-i«';.lo tinha Je 111.ldf'l'ramar
riori<littl". l.ital cioca.11111;1,·i,ianpertailarno:-nl<·limitarla, no t:.rpmlQ. llu i,r,uule Hei a l.ul.rlJ.i,>ll,'lcClerc.1, li
:r uma n,L, Jo e,~r:r.rntui im,prta todo o ohri~,n i;.e,opc,• ,·rllmrnllle.xpa11tl,da c·n m!imloR. linh.1 da ,.,.r a1~1i;r.da
('Ili' r1111rol'Oflllmentc s..i,lc " deN!lcm<lo-~i· na fome, ua J>,lr~sl'mp,:r. l),111!11t111pre tintia. dP ~e d('l<lau,r r111[)00:-
nü~cria, pro<lucto ,la film :ih'l<)luta ioi:•pe.eidat\e ile"" ra de ,n:i.rmor~ e J,rr:1111.c, n/llPOloll ,f,.. ~lorlo o <!,~11:.,
li}Fª~~~~~~i!f:f@iit
~:1111intwil,ca11,m1. lllnehf'O'.lirle11!1J o mm ulo ml\·1'11
if?:t;~I;:y~1i~t5~}~
11
I~~.~:~,
~~;]'.;,~!ª: tll:,::~· c";:u;:,d:t;~~; i~;~::~i,:,~~:
""º'a alma por rntre a., ::-~r<~-all~,tl-ls
vurulenut, tlr ~11-
n.1tural •111c,\ ,n,ui IIOhrcludo r,,ra lllli~(a·,erosodioll ::-ur ranrol'Ol<D•nrnto_rxpelhda~ por uon ,·entre ahjocto,
1m1111ms1,-crados llt'll\flrc 1~r l"nlre lrWIIJM na« :ilmaK r.mrol'Oll,,mcntc vom1t:11l:19prlo ~-cnio de11n,·:tdo da
al,jcda111c11t~
11atural111,:,nll', . nnl'rior,-,s. \'~!')''o 110,lcrr.\- l\'Htrl
11'rior, o ouro ,1111·1'lt" pri11<'q,alrncntr im·1·1~,ma~ a 1;ra11-
,lcM nat ural dn~ _r:,;l'iri,los1ru<·dt~. mt'l<morol,erto do
ouro, j;'1mai1,puder1a 1\llt1ti,:tr ... \ nobreM ,l'alrng, 1,uprc-
n E~:;ir~~~t~c\'.~''~1~ i:~~~!
;~rii~ii'~:~::
H~Oh1·re de l.ux r.1da •·cz.malll entulha em trc,·a,.cem
ma lihtttadura. couro IK>Jcna clla 11,•r aJ~1w.ad11por lútlo ..•. \o lúdo Nlo 11:1beC!U"oilo 1,.íJ~ renunciar, u·l'llc
1111cm n,·e latalmentc ,te l'dezas OPJ'TesllOrall,J" abJr<:· ctrrn/lme11te.~o dchate, 11'elle ctcrrnu~cnteso n..orn"nt"
,·iic. 1111e~ó pódt'r'.I hl'olor ,ta~ nlmas atanhada.~. 1 ~r~u:;:ir;~
Jilllalnm~ n ..~t ... E 81111:1l!ll)~ibilid.:ule fatal enche rio ~!1~~ tle.~~t;:~~-i·~~~I~~
IM ll(Hl :.::r11u•lrumlirula, u:i. s1u e~
maiores;ibjeeções a nlm~ 0<1,cnta do jacobino! t:11:l.vim 1•mt,, o _huzn1!ha.
h,·ro Uc Lu~!..•• \la~ tltlllfcil311 to~ as !Umiur
~1.,c.~1 1jfr ~~r~!~iti é panl!<lo
1;)::,.~,{:rc~,~\n~i~I~~ 1;!~,\~r;!•~1:,: nri~lfll'r~tir.,~. M unir.1• nlm:t• lirrrR, 111Hr~~to ,Ir ~~n-
$
Fig."19."O"Bando"Sinistro"[primeira"página]."
$
$
$
RaulLul
OoUlboradar ._ -orp-..
$
Fig."20."O"Bando"Sinistro"[segunda"página]."
Bibliografia$
$
ALMEIDA,$ António$ (2015).$ “’Brandindo$ o$ cutelo$ da$ Maldição’$ –$ Em$ torno$ do$ manifesto$ O' Bando'
Sinistro$de$Raul$Leal”,$in$Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$8,$Outono,$
pp.$564?601.$
GIRALDO,$ Alejandro$ (2016).$ “Orpheu' 1915K1965:$ uma$ reedição”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A' Journal' of'
Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$9,$Primavera,$pp.$495?563.$
JÚDICE,$Nuno$(1986).$A'Era'de'“Orpheu”.$Lisboa:$Teorema.$Col.$Terra$Nostra,$n.º$3.$
LEAL,$Raul$(1982).$“Carta$de$Raul$Leal$a$João$Gaspar$Simões$a$propósito$da$Vida'e'Obra'de'Fernando'
Pessoa$e$Aleister$Crowley”,$in$Persona'–'Publicação'do'Centro'de'Estudos'Pessoanos,$n.º$7,$Porto:$
Centro$de$Estudos$Pessoanos,$agosto,$pp.$54?57.$
______$ (1981).$ “Duas$ cartas$ inéditas$ de$ Raul$ Leal$ (a$ Mário$ Saa$ e$ Oliveira$ Salazar)”,$ in$ Jornal' de'
Letras,'Artes'e'Ideias,$Ano$I,$n.º$12,$Lisboa,$4$de$agosto,$pp.$8?9.$
______$(1960).$Sindicalismo'Personalista'–'Plano'de'Salvação'do'Mundo.$Lisboa:$Verbo.$Coleção$Ensaio$
n.º$2.$
______$(1959).$“A$ética$dignificadora$de$Santa?Rita$Pintor”,$in$Tempo'Presente'–'Revista'Portuguesa'de'
Cultura,$Ano$I,$n.º$3,$Lisboa,$julho,$pp.18?20.$
______$(1935).$“Super?Estado$(texto$especulativo)”,$in$Sudoeste'n.º$3,$Lisboa,$Edições$SW,$novembro,$
pp.$8?12.$
_____$ (1927).$“A$Creação$do$Futuro$–$A$Organização$Bolchevista$pelo$Fascismo$atravez$da$Acção$
Norte?Americana$ e$ sob$ o$ Regimen$ duma$ Monarquia$ Libertária”,$ in$ Presença' –' Folha' de'
Crítica'e'Arte,$n.º$8,$Coimbra,$15$de$dezembro,$p.$4.$$
______$ (1925).$ “A$ chicote$ –$ Que$ a$ voz$ dos$ canhões$ se$ torne$ a$ voz$ de$ Deus$ e$ a$ voz$ da$ Raça”$ in$ A'
Reacção'–'Semanário'AntiKRepublicano$(dir.$Carlos$Silva),$Ano$I,$n.º$7,$22$de$novembro,$p.$1.$
_____$ (1915).$ O' Bando' Sinistro' –' Appello' aos' Intellectuaes' Portuguezes,$ Barcelona:$ s./n.$ [Prensa$
Libertad].$
NÃO$ ASSINADO$ (1915a).$ “Antipathico$ futurismo$ –$ Os$ poetas$ do$ ‘Orpheu’$ não$ passam,$ afinal,$ de$
creaturas$ de$ maus$ sentimentos”,$ in$ A' Capital' –' Diário' Republicano' da' Noite$ (dir.$ Manuel$
Guimarães),$Ano$VI,$n.º$1.766,$6$de$julho,$p.$1.$
______$ (1915b).$ “Muito…$ Paúlico$ –$ Literatura$ de$ Manicómio$ Astral”,$ in$ O' Mundo$ (dir.$ França$
Borges),$Ano$XV,$n.º$5.381,$8$de$julho,$p.$3.$
NEGREIROS,$José$de$Almada$(1965).$Orpheu'1915K65.$Lisboa:$Ática.$
SÁ?CARNEIRO,$Mário$(2015).$Em'Ouro'e'Alma.'Correspondência'com'Fernando'Pessoa.$Edição$de$Ricardo$
Vasconcelos$e$Jerónimo$Pizarro.$Lisboa:$Tinta?da?china.$
VASCONCELOS,$ Ricardo$ (2017).$ “Foi$ como$ se$ fôsse$ eu$ o$ Suicidádo”:$ Raul$ Leal$ escreve$ a$ Fernando$
Pessoa,$ na$ morte$ de$ Mário$ de$ Sá?Carneiro”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A' Journal' of' Fernando' Pessoa'
Studies,$n.º$12,$Outono,$pp.$169?193.$
VIZCAÍNO,$ Fernanda$ (2017).$ “O$ meta?arquivo$ da$ Colecção$ Fernando$ Távora”,$ in$ Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,$n.º$12,$Outono,$pp.$18?81.$
"
$
Uma$Carta$Inédita$de$Fernando$Pessoa$$
ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice$
!
Ricardo Vasconcelos*
!
Palavras9chave$
!
Suicídio!de!Mário!de!Sá-Carneiro,!Fernando!Pessoa,!Carlos!Ferreira,!Manuscritos!perdidos!
de!Mário!de!Sá-Carneiro,!Grand!Hôtel!de!Nice.$
$
Resumo$
!
Apresenta-se!neste!contributo!três!documentos!presentes!na!Coleção!Fernando!Távora!que!
estão! diretamente! relacionados! com! os! escritos! de! Mário! de! Sá-Carneiro! perdidos! após! a!
sua! morte,! em! Paris,! em! 1916.! O! primeiro! deles! é! uma! reprodução! da! carta! de! Fernando!
Pessoa!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice!já!conhecida!atualmente.!O!segundo!e!o!terceiro!
são! documentos! inéditos,! nomeadamente! uma! segunda! carta! de! Fernando! Pessoa! ao!
mesmo!gerente,!também!de!26!de!setembro!de!1918,!do!mesmo!teor!da!carta!já!conhecida,!e!
uma! declaração! em! nome! do! avô! de! Mário! de! Sá-Carneiro,! aparentemente! preparada! por!
Pessoa,!com!vista!a!autorizar!a!entrega!dos!manuscritos!a!Carlos!Ferreira.!
!
Keywords$
$
Mário! de! Sá-Carneiro’s! suicide,! Fernando! Pessoa,! Carlos! Ferreira,! Mário! de! Sá-Carneiro’s!
lost!manuscripts,!Grand!Hôtel!de!Nice.!$
$
Abstract$
$
This!study!introduces!three!documents!present!in!the!Fernando!Távora!Collection!that!are!
directly!connected!to!Mário!de!Sá-Carneiro’s!manuscripts!lost!upon!his!death,!in!Paris,!in!
1916.!The!first!one!is!a!reproduction!of!a!letter!by!Fernando!Pessoa!to!the!manager!of!the!
Grand! Hôtel! de! Nice,! which! is! already! known! today.! The! other! two! are! unpublished!
documents,!namely!a!second!letter!by!Fernando!Pessoa!to!the!same!recipient,!also!from!26!
September! 1918,! in! line! with! the! one! already! known,! and! a! declaration! to! be! signed! by!
Mário! de! Sá-Carneiro’s! grandfather,! apparently! typed! by! Pessoa,! written! with! the! goal! of!
authorizing!the!release!of!the!manuscripts!to!Carlos!Ferreira.!
$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!
!
Vasconcelos Uma Carta Inédita
É!célebre!a!narrativa!segundo!a!qual,!após!o!suicídio!de!Mário!de!Sá-Carneiro!em!
Paris,! a! 26! de! Abril! de! 1916,! os! seus! pertences,! incluindo! os! manuscritos! —! de!
prosa,! poesia! e! correspondência! —! terão! sido! guardados! numa! mala,! como!
garantia!de!ulterior!pagamento!das!despesas!do!escritor.!Segundo!a!mesma!versão,!
entretanto! cristalizada,! em! parte! pela! grande! influência! de! João! Gaspar! Simões,!
que! a! divulgou,! as! tentativas! de! Fernando! Pessoa! para! que! Carlos! Ferreira!
conseguisse! aceder! aos! conteúdos! da! mala! em! causa,! materializadas! numa! carta!
enviada!ao!Gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice,!a!26!de!setembro!de!1918,!terão!sido!
infrutíferas,! tendo! mais! tarde! Carlos! Augusto! de! Sá-Carneiro,! pai! do! poeta,!
resgatado!essa!mala,!sem!que!no!seu!interior!estivessem!já!quaisquer!papéis.!!
Esta! leitura! era! respaldada! por! correspondência! de! Carlos! Ferreira! e! José!
Araújo1,! as! duas! pessoas! que! mais! de! perto! cuidaram! dos! trâmites! relacionados!
com!a!morte!e!o!funeral!do!escritor.!Refiro-me!à!correspondência!enviada!de!Paris!
a! Fernando! Pessoa,! entre! 27! de! abril! e! 10! de! maio! de! 1916,! cartas! estas! que!
integram!o!espólio!pessoano!na!Biblioteca!Nacional!de!Portugal!(vd.!SÁ-CARNEIRO,!
2015:!531-535).!Aí!se!vê!Carlos!Ferreira,!por!exemplo,!expressar!alguma!frustação!
com!a!situação!em!causa!e!em!particular!com!José!Araújo,!indiciando,!contudo,!que!
a!problemática!dos!manuscritos!não!estava!ainda!definida!nos!termos!que!depois!
se!veio!a!conhecer:!
!
Peço-te! que! falles! já! com! o! avô! e! que! lhe! digas! para! telegraphar! ao! Consul! mandando-o!
entregar-me! todo! o! espolio! do! Mario.! Ha! papeis! importantes! de! literatura! que! desejo!
adquirir!para!comtigo!publicar!esse!livro!de!ineditos.!O!José!Araujo,!pelo!facto!de!ter!uma!
carta!do!Mario!para!tratar!de!varios!assumptos!julgou-se!no!direito!de!guardar!tudo!em!seu!
poder.!É!um!illetrado,!não!comprehende!estas!coisas.!Faze!isto,!pelo!bom!nome!do!Mario!e!
o! avô! que! me! escreva! dizendo! o! destino! que! devo! dar! ás! coisas! d’elle! ou! se! quer! que! as!
guarde![até]!nova!ordem.!Portanto!telegraphar!ao!Consul!para!que!este!diga!ao!Sr.!Araujo,!
por!ordem!da!familia,!de!me!entregar!tudo.!Trata!já!e!telegraphem!já.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!531)!!
!
Em! contrapartida,! já! a! 10! de! maio,! José! Araújo! escreverá! a! Pessoa,!
indicando-lhe!que!os!manuscritos!de!Sá-Carneiro!estariam,!em!geral,!guardados:!
!
Todos! os! papeis! que! encontrei! e! cartas,! tudo! está! fechado! n’uma! mala,! o! mesmo! tambem!
com!fatos,!roupa!branca,!chapeus,!escovas,!tudo,!inclusivè!os!mais!insignificantes!objectos.!
Sobre!o!que!o!meu!amigo!pede!os!papeis!não!os!posso!mandar!já!pela!seguinte!razão.!Sá-
Carneiro!devia!no!hotel!uma!conta,!de!200!e!tal!francos,!de!maneira!que!como!eu!não!posso!
pagar!essa!quantia!espero!que!qualquer!parente!me!envie!essa!importancia,!mesmo!porque!
eu!não!disponho!aqui!de!muito!dinheiro.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!532)!!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!Uso!José!Araújo,!sem!o!“de”!do!seu!nome,!já!que!era!assim!que!o!mesmo!assinava.!
Até!abril!de!2017,!sabia-se!apenas!que,!desde!essa!carta,!passariam!mais!de!
dois! anos! até! que,! a! 26! de! setembro! de! 1918,! Pessoa! escrevesse! e! possivelmente!
enviasse! a! já! mencionada! carta! ao! Gerente! do! Grand! Hôtel,! solicitando-lhe! que!
permitisse!a!Carlos!Ferreira!aceder!ao!conteúdo!da!mala!—!carta!esta!que!adiante!
se!transcreve.!Ora,!na!edição!da!Poesia'Completa'de!Mário!de!Sá-Carneiro!publicada!
em! abril! de! 2017,! apresenta-se! um! núcleo! até! aí! inédito! de! correspondência! de!
Carlos! Ferreira! e! José! Araújo! a! Fernando! Pessoa,! que! está! também! presente! na!
Coleção!de!Fernando!Távora.!Trata-se!de!correspondência!que,!não!esclarecendo!o!
que!aconteceu!aos!manuscritos!de!Sá-Carneiro,!apresenta!novidades!importantes.2!!
A! correspondência! até! então! desconhecida! sucede! imediatamente,! em!
termos!cronológicos,!aquela!até!aí!divulgada.!Por!outro!lado,!essas!cartas!revisitam!
vários! dos! mesmos! temas! —! desde! as! críticas! à! mulher! com! quem! Sá-Carneiro!
mantivera!uma!relação!nas!últimas!semanas!da!sua!vida,!à!impossibilidade!de!se!
mexer!na!mala,!entretanto!selada!(SÁ-CARNEIRO,!2017:!37!a!47).!!
Contudo,!numa!carta!de!Carlos!Ferreira!logo!de!2!de!maio!de!1916,!portanto!
ainda!anterior!àquela!de!José!Araújo,!que!já!se!conhecia,!em!que!este!indicava!que!
todos!os!papéis!estavam!na!mala,!Ferreira!apresenta!novos!elementos!quanto!aos!
manuscritos.! No! que! diz! respeito! à! prosa,! e! possivelmente! a! “Mundo! Interior”,!
manuscrito!que!Fernando!Pessoa!conhecera!e!pelo!qual!indagava,!Carlos!Ferreira!
indica! que! “Acerca! da! nouvella! o! Mario! só! escreveu! um! pedaço! muito! pequeno!
por!signal.!Está!na!mala”!(SÁ-CARNEIRO,!2017:!40).3!Outro!elemento!novo!que!esta!
correspondência!traz,!contudo,!é!a!correção!da!ideia!de!que!todos!os!manuscritos!
teriam! entrado! na! mala.! Isto! porque,! seis! dias! depois! da! morte! do! escritor,! nessa!
mesma!missiva!de!2!de!maio!de!1916,!Ferreira!anuncia!a!Pessoa:!
!
Confidencial'
Procedi!á!embalagem!dos!haveres!do!Mario!em!companhia!do!José!Araujo,!de!quem!já!te!
falei!e!que!devias!conhecer!pelas!cartas!do!autor!da!Confissão'de'Lucio.!Consegui!uma!coisa,!
para! nós,! importantissima! sem! que! ninguem! desse! por! ella:! guardar! os! melhores! ineditos!
quasi!todos.!Desprezei!apenas!as!notas!ligeiras.!Ninguem!viu.!Ora!é!preciso!que!me!digas!
os! titulos! de! tudo! quanto! ahi! tens,! porque! elle! mandava-te! copias,! a! fim! de! que! eu! possa!
fornecer-te!o!que!desconheces.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!559)!
!
Segue-se! a! esta! passagem! uma! lista! de! poemas,! em! que! se! reconhecem!
vários! títulos,! embora! não! todos,! com! consequências! importantes! para! o!
entendimento! e! inclusivamente! para! a! fixação! da! poesia! de! Sá-Carneiro,! como!
explico!na!introdução!dessa!edição.!A!última!carta!desse!núcleo!é!de!José!Araújo,!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2!Fernando! Távora! designa! esta! correspondência! de! ”lote! 4”,! como! se! lê! na! contribuição! de!
VIZCAÍNO!(2017)!!para!este!volume!da!Pessoa'Plural,!em!que!se!descreve!o!meta-arquivo!na!coleção.!
3!Como! expliquei! já,! não! é! de! excluir! que! “Carlos! Ferreira! se! referisse! a! um! esboço! da! ‘Novela!
Romântica’,!que!Sá-Carneiro!mencionou!por!várias!vezes!a!Pessoa!ao!longo!dos!seus!últimos!meses!
de!vida”!(in!SÁ-CARNEIRO,!2017:!40).!!
de!18!de!dezembro!de!1916,!e!nela!o!amigo!do!escritor!expressa!frustração!com!a!
situação! em! que! se! via,! criticando! os! familiares! de! Mário! de! Sá-Carneiro,!
reiterando! que! os! pertences! do! escritor! estariam! ainda! no! hotel,! e! curiosamente!
falando!de!malas,!no!plural,!ainda!que!não!se!referindo!especificamente!a!quaisquer!
papéis:!
!
Sobre! o! Sá! Carneiro! nunca! mais! recebi! nada,! creia! que! me! causa! bastante! desgosto! o!
procedimento!d’elle!pois!já!8!meses!são!passados!e!nem!ao!menos!uma!carta!em!resposta!ás!
minhas.!As!malas!e!outros!objectos!ainda!estão!no!hotel!em!que!Mario!morreu!pois!como!
elle!tinha!lá!uma!divida!de!254!francos!e!eu!também!não!posso!dispor!d’esta!importancia,!e!
como!de!Lisboa!a!familia!tão!pouco!caso!tem!feito.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!570)!
!
Ora!é!esta,!portanto,!a!informação!mais!próxima!no!tempo!da!única!carta!de!
Fernando!Pessoa!ao!Grand!Hôtel!de!Nice!que!se!conhecia!até!aqui,!datada!de!26!de!
setembro!de!1916,!carta!esta!que!consta!no!arquivo!de!Fernando!Pessoa,!com!a!cota!
BNP/E3,!1142-46.!!
!
partndo 14'1,
tlsbcn1W , le P f:epto 1 re 1918.
_.,.-,,.•
!! !
Figs.$1$e$2.$Carta$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice$(BNP/E3,$1142946).$
!
Transcreve-se!em!seguida!o!original,!em!francês,!e!a!sua!tradução,!a!partir!
do! volume! Em' Ouro' e' Alma' –' Correspondência' com' Fernando' Pessoa! (SÁ-CARNEIRO,!
2015:!536-538).!!
!
[Transcrição]$
!
Apartado!147,4!
Lisbonne,!le!26!septembre!1918.!
!
Monsieur!le!gérant!du!“Grand!Hôtel5!de!Nice”,!
29,!rue!Victor!Massé,!Paris.!
!
Monsieur:!
!
Dans! la! dernière! lettre! qu’il! m’a! écrite,! Monsieur! Mario! de! Sá-Carneiro,! décédé! le!
26! avril! 1916! à! votre! hôtel6,! et! qui! était,! comme! sans! doute! vous! le! savez,! un! écrivain!
distingué,!m’a!chargé!de!publier!ses!manuscrits7!inédits.!J’en!ai!presque!tous,!mais!il!y!en!a!
quelques!uns!—!un!surtout!—!qui!sans!doute!sont!restés8!dans!la!malle!gardée!par!vous.!!
Comme! il! s’agit! de! manuscrits9!d’une! importance! strictement! et! exclusivement!
littéraire,! je! vous! serais! bien! reconnaissant! si! vous! pouviez! autoriser! que! mon! ami,! M.!
Carlos!Ferreira,!qui!vous!est!connu,!les!retire!de!la!malle,!pour!m’en!faire!envoi,!lors!de!son!
prochain!retour!à!Paris.!Je!pourrai,!si!vous!le!voulez,!vous!renvoyer!ces!documents!aussitôt!
que! je! les! aurai! copiés.! En! tout! cas,! M.! Carlos! Ferreira! vous! donnera! tous! les!
renseignements!et!toutes!les!guaranties!écrites!que!vous!jugerez!convenables.!II!est!porteur!
d’une!letter!de!moi!en!confirmation!de!la!présente.!
Je! sais! bien! que! tout! ceci! ne! devrait! se! faire! que! moyennant! autorisation! de! M.! le!
major! du! génie! Carlos! de! Sá! Carneiro,! père! de! M.! Mario! de! Sá-Carneiro;! vu,! cependant,!
qu’il!n’est!pas!a!Lisbonne,!mais!dans!l’Afrique!Orientale!Portugaise!(où!il!se!trouvait!déjà!
lors!du!décès!de!son!fils),!et!que!je!suis!assez!pressé!pour!la!publication!des!manuscrits!en!
question,!je!me!suis!décidé!à!vous!adresser!sur!ce!point,!en!espérant!de!votre!amabilité!que!
vous!me!concédiez!ce!que!je!vous!demande.!
Pour! votre! gouverne,! je! puis! vous! dire! que! le! manuscrit10!auquel! je! m’intéresse! le!
plus,! se! compose! de! quelques! pages! (huit! ou! dix,! tout! au! plus)! avec! le! titre! portugais!
”mundo! interior” 11 .! Avec! mes! remerciements 12 ,! je! vous! prie! d’agréer,! Monsieur,! mes!
sentiments!bien!distingués.!!
$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Cita-se!do!aparato!crítico:!“Uma!folha!de!papel,!de!21,4!x!19,7!cm,!com!um!timbre!no!canto!inferior!
direito!‘F.!A.!PESSOA!|!Rua!do!Ouro,!87,!2.o!|!Lisboa’,!e!marca-d’água!‘BRITISH!BANKPOST’.!O!texto!
encontra-se! dactilografado! a! tinta! azul.! A! firma! F.! A.! Pessoa! foi! criada! em! meados! de! 1917! e,! em!
Dezembro! do! mesmo! ano,! mudou-se! para! a! Rua! do! Ouro,! 87,! 2.o;! inicialmente,! esteve! sediada! na!
Rua!de!S.!Julião,!52,!1.o”!(SÁ-CARNEIRO,!2015:!658).!
5!Hotel!]!no'original.!
6!hotel!]!no'original.!
7!manuscri<p>ts!]!correção'manuscrita.!
8!<est>/sont\!resté[s]!
9!manuscri<p>ts!]!correção'manuscrita.'
10!manuscri<p>/t\!]!correção'dactilografada.'
11!”mundo!interior”!]!aspas'invertidas'no'início.!
12!remerciments!]!no'original.!
[Tradução]$
!
Apartado!147,!
Lisboa,!26!de!Setembro!de!1918.!
!
Senhor!Gerente!do!“Grand!Hôtel!de!Nice”,!
29,!rue!Victor!Massé,!Paris.!
!
Ex.mo!Senhor:!
!
Na!última!carta!que!me!escreveu,!o!Sr.!Mário!de!Sá-Carneiro,!falecido!a!26!de!Abril!
de!1916!no!seu!hotel,!e!que!era,!como!sem!dúvida!sabe,!um!escritor!distinto,!encarregou-me!
de!publicar!os!seus!manuscritos!inéditos.!Tenho-os!quase!todos,!mas!há!alguns!—!um!em!
particular!—!que!sem!dúvida!ficaram!na!mala!que!o!senhor!guardou.!!
Como! se! trata! de! manuscritos! de! uma! importância! estritamente! e! exclusivamente!
literária,!ficar-lhe-ia!muito!agradecido!se!autorizasse!que!o!meu!amigo!Sr.!Carlos!Ferreira,!
seu! conhecido,! os! retirasse! da! mala,! para! mos! enviar,! quando! regressar! proximamente! a!
Paris.! Eu! poderei,! se! o! Sr.! assim! desejar,! devolver-lhe! estes! documentos! logo! que! os! tiver!
copiado.! Em! todo! o! caso,! o! Sr.! Carlos! Ferreira! dar-lhe-á! todas! as! informações! e! todas! as!
garantias! escritas! que! o! Sr.! julgar! convenientes.! Ele! é! portador! de! uma! carta! minha! que!
confirma!a!presente.!!
Sei! bem! que! tudo! isto! deveria! ser! feito! apenas! com! a! autorização! do! Sr.! Major! de!
Engenharia!Carlos!de!Sá!Carneiro,!pai!do!Sr.!Mário!de!Sá-Carneiro;!visto,!contudo,!que!ele!
não!está!em!Lisboa,!mas!na!África!Oriental!Portuguesa!(onde!se!encontrava!já!aquando!da!
morte!do!filho),!e!que!eu!tenho!bastante!pressa!na!publicação!dos!manuscritos!em!questão,!
decidi!contactá-lo!a!este!respeito,!esperando!que,!pela!sua!amabilidade,!me!conceda!aquilo!
que!lhe!peço.!
Para! seu! governo,! posso! dizer-lhe! que! o! manuscrito! que! mais! me! interessa! é!
composto! de! algumas! páginas! (oito! ou! dez,! no! máximo)! com! o! título! português! “mundo!
interior”.!
Com!os!meus!agradecimentos,!peço-lhe!que!aceite,!Ex.mo!Senhor,!os!meus!melhores!
cumprimentos.!
$
!
!
!
!
Deste! mesmo! documento! existe! uma! cópia! na! Coleção! Fernando! Távora,!
cuja! origem! é! explicada! pelo! arquiteto,! numa! anotação:! “O! original! desta! carta!
pertence! ao! espólio! de! F[ernando]! Pessoa! e! foi! cedido! para! figurar! na! Exposição!
Biblo-Iconográfica! realizada! quando! do! I! Congresso! Internacional! de! Estudos!
Pessoanos! (Porto,! Abril,! 1978).! <Figurou>! (É! o! n.o! 82! do! respectivo! Catálogo)”.!
Lembre-se! que! é! o! próprio! Fernando! Távora! quem! procede! à! montagem! desta!
mostra,! pelo! que! terá! sido! com! naturalidade! que! conservou! uma! cópia! do!
documento.!
!
,t -f.l~M...
-
f-,.e-y ..,e.. ~-"4t
J ~lo
('l •
"'
f),.Je,.,.....r..:.~
3.z, ~- {' flf Vn-r>
~)
( (>,-.F;
I
!
Fig.$3.$Anotação$de$Fernando$Távora$acerca$da$cópia$do$documento$
BNP/E3,$1142946$na$sua$coleção.$
!
1 ,LO ).f,
• •1 J
•o
_' ;;?,~!.~ :0~1~it}2 !LL/'~ - ~t:
:;,,•èù:, ..... • \'Ol~C •
1
5
;E~
.._.0,
~"
~·?·~:ii~r'.1~Ett·
:-~:;~ti~t:~~~
1;i:.;t~ t'lta { 1· 1:c1111:ln: ::·oxwo ,,,._·.• ·,nt., ,.~, ti,u:.:ic
...<-:r 1/,:.1.;u Ocr.lt,c-o .,.,e:vt/11.1. ,. ½ût't,}1 Lli'.Jli't'1;~ -
hLct . -;1 b-dt nôl"tcur ,:~nno 1,.-·.,L·v <1r 0~ l-n
r.:., • i. r ;1.;j,w1 (e l ,,1·-Î:JC:Ht 1; .
1,t.1;" .ro;:-..,,
0 "l: .....
!
Fig.$4.$Cópia$de$BNP/E3,$1142946,$na$Coleção$Fernando$Távora.!
!
Trata-se! de! uma! carta! em! que! Fernando! Pessoa! assinala,! acima! de! tudo,! a!
sua! autoridade! para! solicitar! o! envio! dos! manuscritos! de! Sá-Carneiro,!
apresentando-se! como! o! executor! literário! do! seu! amigo.! Por! outro! lado,! a! carta!
evidencia! alguma! pressa! na! obtenção! dos! materiais,! que! se! poderia! dever! a! um!
projeto! iminente! de! publicação! dos! textos! de! Sá-Carneiro,! ou! simplesmente! ao!
desejo! de! que! a! situação! não! se! arrastasse,! com! maiores! riscos! de! perda! desses!
materiais.! Não! terá! sido! alheio! a! esta! pressa! o! facto! de,! aparentemente,! Carlos!
Ferreira! estar! nesse! momento! em! Lisboa! e! prestes! a! regressar! a! Paris,! como! se!
depreende! da! carta.! Talvez! fosse! apenas! essa! oportunidade! a! conferir! a!
determinação!a!Pessoa!para!que!assim!procedesse.!!
A!propósito!do!particular!interesse!demonstrado!por!Fernando!Pessoa!com!
respeito! à! narrativa! “Mundo! Interior”,! lembre-se! que! este! texto! —! ou! o! seu!
extravio! —! o! terá! impressionado! tanto,! que! no! poema! “Se! te! queres! matar”,! de!
Álvaro!de!Campos,!escrito!alegadamente!no!décimo!aniversário!do!suicídio!de!Sá-
Carneiro,!se!lê!a!pergunta!dirigida!a!um!hipotético!destinatário!quasi-suicida:!“De!
que!te!serve!o!teu!mundo'interior'que!desconheces?”!(destaque!meu;!PESSOA,! 2014:!
181).13!Finalmente,! note-se! que! nesta! primeira! carta! de! Pessoa! anuncia-se! uma!
segunda,! que! funcionaria! como! credencial! para! que! Carlos! Ferreira! procedesse! a!
diligências!com!vista!a!resgatar!os!manuscritos.!Essa!carta!subsequente,!a!segunda!
ao! gerente! do! Grand! Hôtel! de! Nice,! integra! hoje! a! Coleção! Fernando! Távora,!
fazendo!parte!do!lote!31.8,!conjuntamente!com!uma!declaração!em!nome!do!avô!de!
Sá-Carneiro!(José!Paulino!de!Sá!Carneiro),!aparentemente!preparada!por!Fernando!
Pessoa.14!
!
!
Fig.$5.$Descrição$do$lote$31.8$no$meta9arquivo$de$Fernando$Távora.!
!
31.8!–!! duas! folhas! dactilografadas;! a! primeira<,! original,! contem>! [↑! contem]!
uma! declaração! do! avô! de! M[ári]o! de! Sá! Carneiro,! datada! de!
21/Set[embro]/1918,! a! favor! de! Carlos! Ferreira;! a! segunda,! timbrada! de!
F.A.! Pessoa,! é! cópia! de! uma! carta! <de! F.P.>! [↓! do! poeta]!dirigida! ao!
gerente! do! Grand! Hotel! de! Nice! e! refere-se! à! celebre! mala! do! Mário!
(datada!de!26/Set./1918).15!
$
Esta! segunda! carta! é! dactilografada! também! a! tinta! azul! numa! folha! da!
companhia!“F.!A.!PESSOA!|!Rua!do!Ouro,!87,!2.o!|!Lisboa”,!como!a!primeira,!que!se!
encontra!na!BNP.!No!verso,!pode!ler-se!a!inscrição!a!lápis!“Lote!31.8”,!pela!mão!de!
Fernando! Távora.! Nela! Fernando! Pessoa! reitera,! essencialmente,! as! ideias!
principais! que! já! eram! indicadas! na! primeira! carta,! a! qual,! apesar! da! sequência!
indicada,!terá!evidentemente!sido!escrita!ao!mesmo!tempo!ou!quase.!!
Apresenta-se! em! seguida! o! fac-símile! desta! segunda! carta! de! Fernando!
Pessoa!ao!gerente!do!Grand!Hôtel!de!Nice,!e!a!sua!transcrição!e!tradução.$
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
13!Veja-se,!a!este!respeito,!VASCONCELOS!(2015).!!
14!Veja-se,!sobre!todo!o!lote!31.8,!PIZARRO!(2017).!
15!Fecham-se!os!parênteses!e!acrescenta-se!ponto!final.!
!
!
!
. rt 0 l.tl', '
1 C, .., lo • C te r J. .L' .
O!• ic l' l l
0 1 T'!
i 0 • i ,
C C T l 'c.n
(c .. '. 11 .
~'..,L( - ._ ·t..:...,
,
vo ·o ., l ··
io
C D,
r v,
1t '
( . T c-~ . 0 C r, le n 1 1
-
i
woesi,
0 ·~ 'LS 'ottno oa •nw
VOSS3d 'Y ' .:f
!
Fig.$6.$Original$da$segunda$carta$de$Fernando$Pessoa$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice,$$
na$Coleção$Fernando$Távora$(recto).!
!
!
!
!
Fig.$7.$Original$da$segunda$carta$de$Fernando$Pessoa$ao$Gerente$do$Grand$Hôtel$de$Nice,$$
na$Coleção$Fernando$Távora$(verso);$com$a$inscrição$“Lote$31.8”.!
[Transcrição]$
!
Apartado!147,!
Lisbonne,!le!26!septembre!1918.!
!
Monsieur!le!gérant!du!“Grand!Hôtel16!de!Nice”,!!
29,!rue!Victor!Massé,!
Paris.!
Monsieur:!
Comme!suite!à!ma!lettre!d’aujourd’hui,!que!je!viens!de!vous!envoyer!par!la!poste,!
j’en! écris! la! confirmation! par! la! présente,! laquelle! vous! sera! présentée! par! mon! ami,! M.!
Carlos!Ferreira,!dont!il!est!déjà!question!dans!la!lettre!antérieure.!
Il!vous!donnera!tous!les!renseignements!nécessaires,!et!toutes!les!garanties!écrites!
que! vous! voudrez,! afin! que! vous! donniez! votre! autorisation! pour! que17!les! manuscrits!
purement 18 !littéraires! de! feu! M.! Mario! de! Sá-Carneiro! soient! retirés,! pour! vous! être!
renvoyés!si!vous!voulez,!de!la!malle!qui!était!à!lui!et!que!vous!gardée.!!
En! vous! remerciant! d’avance,! je! vous! prie! d’agréer,! Monsieur,! mes! salutations! les!
plus!distinguées.!!
!
[Tradução]$
!
Apartado!147,!
! ! ! ! Lisboa,!26!de!setembro!de!1918.!
!
! ! ! Sr.!Gerente!do!“Grand!Hotel!de!Nice”,!!
! ! ! ! 29,!rue!Victor!Massé,!!
! ! ! ! ! Paris.!!
Ex. !Senhor:!!
mo
Na! sequência! da! minha! carta! de! hoje,! que! acabo! de! enviar-lhe! por! correio,! escrevo! a!
confirmação! pela! presente,! que! lhe! será! apresentada! pelo! meu! amigo,! o! senhor! Carlos!
Ferreira,!já!mencionado!na!carta!anterior.!!
Ele! lhe! dar-lhe-á! todas! as! informações! necessárias! e! quaisquer! garantias! escritas! que!
desejar,!de!modo!a!que!dê!a!sua!autorização!para!que!os!manuscritos!puramente!literários!
do! falecido! Sr.! Mario! de! Sá-Carneiro! sejam! retirados,! e! lhe! sejam! enviados! de! volta,! se!
desejar,!da!mala!que!era!dele!e!o!senhor!guardou.!!
Agradecendo! antecipadamente,! peço-lhe! que! aceite,! caro! Senhor,! os! meus! mais!
distintos!cumprimentos.!
!
!
No! mesmo! lote! 31.8,! encontra-se! ainda! uma! declaração,! igualmente!
dactilografada!a!azul,!aparentemente!preparada!por!Fernando!Pessoa!e!cinco!dias!
antes! das! cartas! ao! Gerente! do! Grand! Hôtel! de! Nice.! Trata-se! de! um! documento!
preparado!para!que!o!avô!de!Sá-Carneiro!assinasse,!de!modo!a!autorizar!o!acesso!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
16!Hotel!]!no'original.!
17!pourque!]!no'original.!
18!purements!]!no'original.!
de!Carlos!Ferreira!aos!manuscritos!em!Paris.!Recorde-se!que!o!pai!de!Mário!de!Sá-
Carneiro! se! encontrava,! por! esta! ocasião,! em! Moçambique,! não! podendo! com!
facilidade!ser!parte!neste!diálogo,!como!aliás!Fernando!Pessoa!indica!na!primeira!
carta.!!
De! facto,! a! hipótese! de! contactar! o! avô,! no! sentido! de! desbloquear! o!
impasse,!é!mencionada!desde!cedo,!e!sobretudo!por!Carlos!Ferreira,!que!pretendia!
que!José!Araújo!lhe!facultasse!o!acesso!aos!documentos!de!Sá-Carneiro.!Logo!a!28!
de!Abril,!já!o!indica!a!Pessoa:!!
!
[...]!o!avô!que!me!escreva!dizendo!o!destino!que!devo!dar!ás!coisas!d’elle![Mário]!ou!se!quer!
que!as!guarde![até]!nova!ordem.!Portanto!telegraphar!ao!Consul!para!que!este!diga!ao!Sr.!
Araujo,!por!ordem!da!familia,!de!me!entregar!tudo.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2015:!531)!!
!
Na!carta!de!6!de!maio!de!1916,!Ferreira!volta!a!sugerir!a!Pessoa:!!
!
Entendo! que! devias! fallar! já! com! o! avô! para! que! elle! telegrafe! ao! Consul! ou! antes! ao!
proprietario!do!hotel!para!que!este!me!autorise!a!tomar!conta!de!toda!a!papelada;!creio!que!
elle! será! o! primeiro! a! reconhecer! a! importancia! do! facto! e! é! lamentavel! que! o! seu! pae! ahi!
não!esteja.!Portanto!faze!ahi!tudo!quanto!deve!ser!feito!n’este!sentido.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!562-563)!!
!
E!a!20!de!maio,!novamente!expressa!o!mesmo!desejo:!
!
Não! se! pode! tocar! na! mala! do! Mario! sem! que! venha! ordem! da! familia.! Ora! ninguem!
melhor! do! que! tu! o! poderá! conseguir.! Como! vês! trata-se! d’uma! questão! de! escrupulo! e! o!
Avô!com!uma!penada!pode!resolver!o!problema.!!
(SÁ-CARNEIRO,!2017:!567)!!
!
A!questão,!contudo,!não!se!resumia!apenas!à!expressão!da!vontade!do!avô,!
convém! lembrar;! era! também! uma! questão! de! pagamento,! evidentemente.!
Também! José! Araújo,! na! sua! carta! de! 18/12/1916,! expressa! alguma! esperança! de!
que! “talvez! se! possa! arranjar! alguma! coisa! com! o! avô”! (SÁ-CARNEIRO,! 2017:! 571),!
neste! caso! aludindo! ao! seu! desejo! de! ser! reembolsado! pelas! despesas! em! que!
entretanto!incorrera!—!despesas!estas!não!relacionadas!com!a!dívida!ao!hotel,!mas!
com!o!próprio!funeral.!!
Não! surpreende,! por! isso,! a! existência! deste! documento! hoje! na! Coleção!
Fernando! Távora,! que! aqui! se! revela,! já! que! Ferreira! em! particular! sempre!
reconhecera! no! avô! de! Sá-Carneiro! a! hipótese! mais! óbvia! para! a! resolução! do!
problema.!Quanto!ao!papel!de!patriarca!da!família!Sá-Carneiro!ocupado!por!José!
Paulino,! basta! lembrar! a! forma! como! Mário! de! Sá-Carneiro! se! lhe! referia! com!
particular!respeito,!na!correspondência!com!Pessoa,!ou!o!cuidado!e!o!carinho!que!
lhe! tinha! e! que! se! demonstra! na! correspondência! que! lhe! enviou! diretamente,!
(apresentada!neste!número!especial!da!Pessoa'Plural;!vd.!VASCONCELOS! 2017).!José!
Paulino!acabou!por!exercer!esse!papel!de!patriarca!também!ao!enviar!a!seu!filho,!
Carlos!—!o!pai!de!Mário!de!Sá-Carneiro!–,!um!telegrama!com!a!indicação!de!que!
escritor! morrera,! apenas! com! o! texto! “Mario! suicide! Paris! |! José! Paulino”! (DIAS,!
1988:! 215).! Como! é! evidente,! competia-lhe! a! ele! mais! diretamente! a!
responsabilidade!pela!família,!a!começar!pelas!más!notícias.!
!
!
••
•
!
!
! ..
l' r
''
''
1 -
!
Fig.$8$e$9.$Declaração$em$nome$do$avô$de$Mário$de$Sá9Carneiro$(não$assinada),$aparentemente$preparada$
por$Fernando$Pessoa;$com$a$inscrição$“Lote$31.8”.$Coleção$Fernando$Távora.!
[Transcrição]$
!
Je! soussigné,! grand-père! de! Monsieur! MARIO! DE! SA! CARNEIRO,! décédé! à! Paris! le! 26!
avril!1916,!à!l’hôtel!29,!rue!Victor!Massé,!déclare!par!ce!moyen!autoriser!Monsieur!CARLOS!
FERREIRA! à! prendre! quelques! documents! d’importance! seulement! littéraire! se! trouvant!
dans!une!malle!gardée!par!le!propriétaire!du!dit!hôtel.!
! Fait!à!Lisbonne!le!21!septembre!1918.!
!
[Tradução]$
!
Eu,! abaixo-assinado,! avô! do! senhor! MARIO! DE! SA! CARNEIRO,! morto! em! Paris! a! 26! de!
abril!de!1916,!no!hotel!sito!na!rue!Victor!Massé,!29,!declaro!por!este!meio!que!autorizo!o!Sr.!
CARLOS! FERREIRA! a! levantar! alguns! documentos! de! importância! estritamente! literária!
que!se!encontram!numa!mala19!guardada!pelo!proprietário!do!referido!hotel.!
Feito!em!Lisboa!a!21!de!setembro!de!1918.!
!
!
Não! há,! evidentemente,! qualquer! garantia! de! que! cópias! destas! cartas!
tenham! partido! para! Paris,! embora! se! aceite! facilmente! que! tal! tenha! acontecido.!
De! igual! modo,! não! é! possível! saber! se! o! avô! de! Sá-Carneiro! terá! visto! esta!
declaração,!se!a!terá!assinado,!se!a!mesma!terá!sido!usada!por!Ferreira!—!e!nesse!
caso,! se! mesma! teria! sido! aceite! ou! recusada! pelo! Gerente! do! Hôtel! de! Paris.! Em!
todo! o! caso,! estes! documentos! saídos! da! Coleção! Fernando! Távora! são! antes! de!
mais! uma! evidência! do! fascínio! do! colecionador! com! o! destino! de! Mário! de! Sá-
Carneiro! e! da! sua! obra.! Ao! mesmo! tempo,! são! os! elementos! mais! recentes! a!
contribuírem! para! a! compreensão! daquele! que! é! provavelmente! o! enigma! maior!
do! modernismo! português,! um! mistério! que! pode,! ou! não,! vir! um! dia! a! ter!
resolução.!
!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!Note-se,!no!original,!“malle”,!que!se!traduziria!hoje!comummente!por!baú.!É!de!supor!que!fosse!
19
deste!tipo!a!famosa!mala!de!viagem!de!Mário!de!Sá-Carneiro,!considerando!a!classe!alta!do!escritor.!
Traduz-se! aqui! por! “mala”,! já! que! é! este! o! termo! português! usado! por! todos! os! interlocutores!
diretos,!à!época,!para!se!lhe!referir.!
Bibliografia$
!
DIAS,!Marina!Tavares!(1988).!Mário'de'SáECarneiro'—'Fotobiografia.!Lisboa:!Quimera.!
PESSOA,!Fernando!(2014).!Obra'Completa'de'Álvaro'de'Campos.'Edição!de!Jerónimo!Pizarro!e!Antonio!
Cardiello;!colaboração!de!Jorge!Uribe!e!Filipa!de!Freitas.!Lisboa:!Tinta-da-china.!!
PIZARRO,! Jerónimo! (2017).! “Poemas! e! Documentos! Inéditos:! O! Lote! 31! e! a! Colecção! Fernando!
Távora”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!333-456.!
SÁ-CARNEIRO,! Mário! de! (2017).! Poesia' Completa.! Edição! crítica! de! Ricardo! Vasconcelos.! Lisboa:!
Tinta-da-china.!
_____! (2015).! Em' Ouro' e' Alma' –' Correspondência' com' Fernando' Pessoa.! Edição! crítica! de! Ricardo!
Vasconcelos!e!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!Tinta-da-china.!
VASCONCELOS,! Ricardo! (2017).! “‘Porque! é! que! não! escreve! Cartas?’! Correspondência! Inédita! de!
Mário!de!Sá-Carneiro!ao!seu!Avô”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!
12,!Outono,!pp.!562-595.!
_____! (2015).! “‘Se! te! queres! matar’! and! ‘Distante! melodia’! in! English:! Jennings! translates! Sá-
Carneiro”,!in!Pessoa'Plural'–'A'Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!8,!Outono,!pp.!310-326.!!
VIZCAÍNO,! Fernanda! (2017).! “O! Meta-arquivo! da! Colecção! Fernando! Távora”,! in! Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,!n.º!12,!Outono,!pp.!18-81.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!Estadual!de!San!Diego!(Califórnia),!Departamento!de!Espanhol!e!Português.!
Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
É! sabido! que! Mário! de! Sá3Carneiro! foi! um! escritor! de! cartas! quase! compulsivo.!
Não! será! ir! muito! longe! sugerir! que! a! sua! vida! foi! vivida! sobretudo! nas! suas!
palavras,!sejam!as!que!consubstanciam!a!sua!literatura,!sejam!aquelas!que!dedicou!
à! epistolografia,! capazes! de! apresentar! desde! uma! intensa! melancolia! a! um! forte!
sentido! de! humor! —! e! em! qualquer! dos! casos! assentando! numa! expressividade!
linguística!que!é!única.!A!correspondência!de!Mário!de!Sá3Carneiro!com!Fernando!
Pessoa,!a!mais!conhecida!de!todo!o!público,!ocupou!um!papel!central!na!sua!vida,!
pela! relação! intelectual! e! de! amizade! entre! ambos! os! escritores,! que! contribuiu!
decisivamente!para!o!fomento!do!movimento!modernista!português.!Mais!do!que!
apenas! refletir! a! dinâmica! que! se! desenvolvia,! na! sua! ambiguidade! com! as!
vanguardas!estéticas,!esse!diálogo!foi!mesmo!o!estímulo!para!que!a!criatividade!e!a!
dicção!modernista!tivesse!lugar!no!contexto!português,!e!converteu3se!no!impulso!
de! experiências! literárias! que! continuam! a! modificar! a! percepção! que! temos! da!
própria!língua!portuguesa.!
A! respeito! da! dedicação! de! Mário! de! Sá3Carneiro! à! escrita! de! cartas,!
Arnaldo!Saraiva!assinalou!já,!por!exemplo,!que!este!escritor,!em!cerca!de!três!anos!
e!meio,!escreveu!a!Pessoa:!!
!
[...]! uma! média! de! 5! [cartas]! por! mês.! Se! nos! recordarmos! que! durante! esse! período! ele!
passou! quase! dois! anos! em! Lisboa,! onde! chegou! a! encontrar3se! diariamente! com! Pessoa,!
não! teremos! dúvidas! em! considerar! que! se! trata! de! um! ‘caso’! raro! da! literatura! epistolar!
universal.!!
(SÁ3CARNEIRO,!1980:!8)!
!
Ao! mesmo! tempo,! este! caso! raro! da! literatura! epistolar! correspondeu3se! com!
muitíssimos!outros!amigos,!incluindo!colegas!das!letras!e!das!artes;!desde!aqueles!
companheiros! de! escola! que! primeiro! o! acompanharam,! como! Rogerio! Garcia!
Perez,! ou! Gilberto! Rola! Pereira! do! Nascimento,! àqueles! que! ocuparam! um! lugar!
central! já! durante! o! período! de! preparação! e! fruição! de! Orpheu,! como! Armando!
Côrtes3Rodrigues! (cf.! BARROS,! 2014),! Luís! de! Montalvor,! ou! José! Pacheco,! por!
exemplo! (cf.! SÁ3CARNEIRO,! 1977).! E! Sá3Carneiro! manteve! ainda! correspondência!
com!vários!amigos!do!meio!literário!que!foram!transitando!da!sua!juventude!para!
o!contexto!de!Orpheu,!ainda!que!sempre!ocupassem!lugares!algo!periféricos!a!esse!
espaço.!São!os!casos,!por!exemplo,!de!António!Ferro!ou!de!Augusto!Cunha!–!deste!
último!tendo3se!conhecido!as!cartas!que!recebeu!de!Mário!de!Sá3Carneiro!apenas!
muito!recentemente!(VASCONCELOS,!2017).a!!
Como!qualquer!leitor!da!correspondência!de!Sá3Carneiro!mais!amplamente!
divulgada! saberá,! o! autor! trocou,! também,! vasto! diálogo! epistolar! com! a! sua!
família,!de!quem!sempre!se!manteve!muito!próximo.!Foram!já!publicadas!cartas!a!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
a!Para! uma! lista! minuciosa! da! correspondência! mantida! por! Sá3Carneiro,! veja3se! TORIELLO! (1987),!
sobretudo!as!páginas!643105.!Preparada!há!trinta!anos,!naturalmente!esta!lista!já!não!está!completa,!
mas!é!ainda!assim!um!excelente!roteiro!para!conhecer!a!vastidão!da!epistolografia!de!Sá3Carneiro.!
0-$,-!"-$)#&#!)%!21!"-$(%,$#!^!%&'#&-!)#!'-,!)%!01$,#!^!%!54!(E+<%#!)%!+-$/-&!
-!"-$<#&!65A5&/#!)%!213"-$(%,$#!X2f3"6g\Whgi9!IKKnZB!0-&!&-G%3&%!F5%!#!(E4%$#!
)%! +-$/-&! F5%! 213"-$(%,$#! /%$1! /$#+-)#! +#4! #! &%5! '-,! %! +#4! #! &%5! -78! /%$1! &,)#!
+#(&,)%$-7%<4%(/%!4-,&!-4'<#B!6!+#$$%&'#()*(+,-!)%!213"-$(%,$#!+#4!#!&%5!-789!
%&'%+,D,+-4%(/%9! D#,! ,(7%(/-$,-)-! +#4! A$-()%! %_-5&/,7,)-)%! '#$! ?%$(-()-!
@ighWddi! XIKjoa! rM3ILOZ9! 4-&! +#(/,(5-! (-! &5-! 4-,#$,-! ,(.),/-B! \-! #+-&,>#9! -!
,(7%&/,A-)#$-!+#(&%A5,5!,)%(/,D,+-$!/$*&!(E+<%#&!'$,(+,'-,&!)%!+#$$%&'#()*(+,-!)%!
01$,#!+#4!:#&.!;-5<,(#!)%!21!"-$(%,$#9!(#4%-)-4%(/%!#&!)#&!+#<%+,#(-)#$%&!:#>#!
;,(/#!)%!?,A5%,$%)#!XC#H%!(-!m,G<,#/%+-!\-+,#(-<!)%!;#$/5A-<Z9!:#>#!;%)$#!;,(/#!)%!
2#5&-!XC#H%!(#5/$-&!4>#&Z9!%!'$%+,&-4%(/%!?%$(-()#!@17#$-BG!!
\-! 7%$)-)%9! +#4#! <%,/#$! -/%(/#! )%! 01$,#! )%! 213"-$(%,$#! %! +#<%+,#(-)#$!
17,)#!)#&!&%5&!4-(5&+$,/#&9!?%$(-()#!@17#$-!$%5(,5!54!+#(H5(/#!&5G&/-(+,-<!)%!
7,(/%!%!54-!+-$/-&!%!'#&/-,&!)%!01$,#!)%!213"-$(%,$#!'-$-!#!&%5!-78!'-/%$(#9!:#&.!
;-5<,(#!)%!21!"-$(%,$#!X:E(,#$ZB!\-&+,)#!(#!;#$/#9!D,<C#!)#!l%(%$-<!:#&.!;-5<,(#!)%!
21! "-$(%,$#9! #! -78! )%! 01$,#9! /-4G.4! :#&.! ;-5<,(#9! -+-G-$,-! '#$! &%A5,$! 54-!
+-$$%,$-! 'EG<,+-9! 7,()#! -! -&&54,$! 54-! '#&,=>#! %<%7-)-! (-! C,%$-$F5,-! %&/-/-<9!
(#4%-)-4%(/%! -! )%! h(&'%/#$! l%$-<! )-&! 6<D`()%A-&B! "#4#! -<,1&! &%! '%$+%G%! %4!
),D%$%(/%&!4%(=s%&!-!%<%!D%,/-&!'%<#!&%5!(%/#!(-!+#$$%&'#()*(+,-!+#4!;%&&#-9!'#$!
%_%4'<#9! #! -78! )%! 01$,#! D#,! 54-! D,A5$-! +5H-! /5/%<-! ^! %! -/.! #! -</#! $%<%7#!
'$#D,&&,#(-<9!+#4!+#(&%F5%(/%!$-N#17%<!%&/-/5/#!&Y+,#3%+#(Y4,+#!^!<%7-$-4!-!F5%!
D#&&%!4-$+-(/%!(-!7,)-!)#!%&+$,/#$B!
2%! -! +#$$%&'#()*(+,-! -#! -78! +#(C%+,)-! %&/-7-! ^! %! +#(/,(5-! -! %&/-$! ^!
),&'%$&-9!4%&4#!-F5%<-!F5%!@17#$-!+#<%+,#(#5!/-4G.4!#!%$-9!-(/%&!)%!<C%!+C%A-$!
]&! 4>#&B! 6! '-$/,$! )#! %&/5)#! )#! 4%/-3-$F5,7#! )%! ?%$(-()#! @17#$-9! 7%4#&! F5%! #!
+#<%+,#(-)#$! $%5(,5! 4-/%$,-,&! F5%! -#! <#(A#! )%! ).+-)-&! &%! /,(C-4! ),&'%$&-)#9! H1!
F5%!+#4'$#5!%&/-!+#$$%&'#()*(+,-!-#!<,7$%,$#!0-(5%<!?%$$%,$-9!(#!;#$/#9!%4!)#,&!
+#(H5(/#&!),D%$%(/%&9!-!F5%!-/$,G5,5!-&!)%&,A(-=s%&!)%!<#/%!Jo!%!<#/%!MLB!!
q-<%!-!'%(-!<%$!-&!(#/-&!,(&+$,/-&!(#!&%5!4%/-3-$F5,7#9!-+%$+-!)#&!)#,&!<#/%&!
X?,AB! IZB! [! %&/-! -! -'$%&%(/-=>#! )#&! )#+54%(/#&! (#! <#/%! Jo9! F5%! ?%$(-()#! @17#$-!
&-G,-!&%$%4!,(.),/#&a!!
!
d#/%! Jtruvow
Jtruvow! p!"#4'$-)#!%4!:5<C#!)%!IKoo!-!0-(5%<!?%$$%,$-9!;#$/#9!'#$!%&+B!IOBLLLxLLB!"#4#!
-&! 4-&&-&! (>#! 4%! &#G$-4! )%,! %4! /$#+-! 54! %_%4'<-$! )#! yM! p! z5-)$-)#! 6N5<! X)%! 6<4-)-!
\%A$%,$#&Z! -! F5%! -/$,G5P! #! 7-<#$! )%! %&+B! OBLLLxLL! XC-7,-! +5&/-)#! JBLLLxLL! %4! InvMvon9! d,7$-$,-!
6+-).4,+-Z! %! 54! %_%4'<-$! )-! T,&'%$&>#! X01$,#! )%! 213"-$(%,$#Z! -! F5%! -/$,G5P! #! 7-<#$! )%! %&+B!
ILBLLLxLL! XC-7,-! +5&/-)#! IBnOLxLL! %4! Ovro9! 0b-(5c%<! ?%$$%,$-ZB! 64G#&! #&! %_%4'<-$%&! %4! G#4!
%&/-)#!%!-4G#&!)5'<,+-)#&k!D,F5%,!+#4!%_%4'<-$%&!+#4!)%),+-/Y$,-&B
W&/%!<#/%!.!+#4'#&/#!'#$a
Jo3I!p!!tm,<C%/%!'#&/-<u!b!!"-$/-c!)%!0b1$,#c!213"-$(%,$#!),$,A,)-!-#!678!! XItjuvJwvjvIKLMZ
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
G!W_+%=>#!D%,/-!-!54-!+-$/-9!)%!J!)%!-A#&/#!)%!IKLM9!F5%!]!.'#+-!%&/-$,-!(-!'#&&%!)#!<,7$%,$#!0-(5%<!
?%$$%,$-B! \-! #+-&,>#9! ?%$(-()-! @#$,%<<#! &5'5(C-! F5%! %&/-! &%$,-! -! '$,4%,$-! +-$/-! )-! 7,-A%4! )%! 213
"-$(%,$#!+#4!&%5!'-,!'%<-!W5$#'-k!+#(/5)#!C#H%!&-G%4#&!F5%!-!'$,4%,$-!+-$/-!)%&&%!'%$P#)#!.!'%<#!
4%(#&!)%!nr!)%!H5<C#!)%!IKLMB!
!
Fig.'1.'Descrição'do'lote'37'no'meta1arquivo'de'Fernando'Távora'(pormenor).'
!
A!descrição!da!aquisição!do!Lote!40!é!também!particularmente!interessante,!
por! evidenciar! não! só! o! fascínio! de! Fernando! Távora! com! os! manuscritos! de! Sá3
Carneiro,! mas! também! o! humor! que! empregava! para! lidar! com! a! sua! própria!
atividade! de! colecionador,! no! que! ela! poderia! ter! de! mais! compulsiva! (Fig.! 2).! A!
lucidez! humorada! da! descrição! do! seu! próprio! comportamento! assinala! a!
consciência! dos! valores! em! causa,! que! no! fim! de! contas! acabavam! por! ser!
relativizados,!como!se!vê!adiante:!!
!
Lote!40!–!Hoje,!14!de!Agosto!de!1981,!batalha!de!Aljubarrota,!estando!eu!pacificamente!no!
meu!atelier!a!trabalhar!na!memória!descritiva!do!Plano!Geral!de!Guimarães,!<†>!telefonou3
me! o! M[anu]el! Ferreira! comunicando! ter! “um! pequeno! e! belo! lote„! de! cartas! e! postais! do!
Sá3Carneiro!e!pedindo3me!para!passar!pelo!armazem.!Lá!estava!às!3!da!tarde,!pràticamente!
com! o! lote! comprado! sem! o! vêr! e! sem! saber! quanto! custava.! Em! resumo! –! a! força! do!
destino.! Fiz! de! conta! que! vi! o! lote,! fiz! de! conta! que! perguntei! o! preço,! fiz! de! conta! que!
discuti!o!valor!–!mas!de!antemão!já!tudo!estava!resolvido!e!pago!porque,!por!acaso,!tinha!
dinheiro.!(Se!o!não!tivesse!havia!de!o!arranjar!–!estava!escrito.).!Custou!este!fado!a!módica!
quantia! (e! talvez! assim! seja)! de! esc.! 40.000$00! ou! seja! 4.000$00! dos! que! conheci! há! anos!
quando!a!moeda!de!1!escudo!era!igual!à!de!10!centavos!de!hoje.!Assim,!o!lote!compreende!
!!
40.1!! bilhete!postal!de!M.!S[á]3C[arneiro]!para!o!Avô!–!Vesuvio!–!30/8/1904!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
c!Sobre!O'Chinó,!veja3se!SÁ3CARNEIRO!(2017:!5103513!e!6703671).!
...!e!digo!que!a!quantia!talvez!seja!módica!porque!já!se!vendem!postais!antigos!do!Porto!por!
esc.!1.000$00...!e!mais!!!Quanto!vale,!assim,!o!mais!simples!de!postal!onde!Sá3Carneiro!pôs!
as!suas!mãos!e!a!sua!paixão?!
!
!
Fig.'2.'Descrição'do'lote'40'no'meta1arquivo'de'Fernando'Távora.'
Diga3se! ainda! que,! numa! folha! de! anotações! (Fig.! 3),! Fernando! Távora!
assinala! as! autorizações! dadas! especificamente! à! Professora! Fernanda! Toriello,!
evidenciando!uma!vez!mais!o!seu!próprio!rigor:!!
!
Autorizada!a!publicação!do!!
bilhete!postal!de!30/8/1904!!
e!a!carta!de!1/9/1904!pela!!
professora!Fernanda!Toriello!!
(12!de!Nov[embro]!de!1986!—!F[ernando]!T[avora].)!
!
Dos!restantes!cartas!e!postais!!
foi!autorizada!a!referência!pela!!
mesma!Professora!!
!
Foi,!igualmente,!autorizada!a!!
fotocópia![↑!de!carta!e]!de!envelope!de!1/9/1904!
(26.12.86!—!F[ernando]!T[avora].)!
!
!
!
Fig.'3.'Autorizações'relativas'aos'lotes'37'e'40.'
!
!
!Não!foram!estas,!em!todo!o!caso,!as!únicas!autorizações!dadas!por!Távora,!
já!que!na!Fotobiografia!de!Mário!de!Sá3Carneiro!(DIAS,!1988),!anos!mais!tarde,!são!
reproduzidos!três!documentos!da!coleção,!como!adiante!se!explica.!!
Ainda! quanto! à! lista! de! correspondência! de! Mário! de! Sá3Carneiro! a! José!
Paulino! de! Sá! Carneiro! na! Coleção! Fernando! Távora,! percebe3se,! portanto,! que!
ambos! os! lotes! adquiridos! pelo! arquiteto! Távora! contemplam! diferentes! períodos!
da! vida! de! Mário! de! Sá3Carneiro,! incluindo! correspondência! enviada! durante! a!
viagem!pela!Europa!que!o!escritor!efetuou!com!o!seu!pai,!em!1904,!quando!tinha!
catorze! anos,! uma! carta! do! seu! período! de! estudante! em! Coimbra! (de! 3! de!
Novembro! de! 1911),! e! cartas! da! sua! fase! adulta,! enviadas! de! Paris,! Barcelona! e!
Lisboa.!!
!Da!leitura!do!inventário!da!correspondência!de!Mário!de!Sá3Carneiro!ao!seu!
avô,!por!Fernanda!Toriello,!resulta!aliás!evidente!que!esta!distribuição!não!é!caso!
único,!já!que!também!o!núcleo!de!João!Pinto!de!Figueiredo!(hoje!na!BNP)!integra!
documentos! de! fases! diferentes,! incluindo! correspondência! da! longa! viagem! pela!
Europa!que!Mário!de!Sá3Carneiro!efetuou!com!o!seu!pai.!E!o!núcleo!então!descrito!
por!Toriello!como!pertencente!a!João!Pedro!Pinto!de!Sousa!—!hoje!noutras!mãos!—!
contemplava,!de!igual!modo,!correspondência!de!diferentes!anos.!!
!Note3se!que!a!dispersão!da!correspondência!em!causa!terá!mesmo!sido!uma!
das! razões! pelas! quais! ela! não! foi! ainda! publicada! de! forma! mais! completa.! Das!
várias!dezenas!de!missivas,!até!hoje!foram!publicados!por!João!Pinto!de!Figueiredo!
o!postal!de!27/09/1901,!enviado!da!Póvoa!do!Varzim;!a!carta!de!24/08/1904,!enviada!
de! Roma;! o! postal! de! 31/12/1912,! enviado! de! Paris;! e! o! postal! de! 14/07/1915,!
enviado!de!San!Sebastián!(cf.!FIGUEIREDO,!1983:!50,!2333235,!e!secção!de!fac3símiles,!
não! numerada).! Por! sua! vez,! Fernanda! Toriello! publicou,! do! lote! de! João! Pedro!
Pinto! de! Sousa,! o! postal! de! 01/05/1913,! enviado! de! Paris;! a! carta! de! 29/07/1914,!
enviada! também! de! Paris;! e! o! postal! de! 31/12/1914,! enviado! de! Lisboa! (cf.!
TORIELLO,! 1987:! 1523153,! 1603162! e! 164).! Quanto! ao! núcleo! de! Fernando! Távora,!
este!permanece!essencialmente!inédito,!já!que,!para!além!de!pontuais!descrições!de!
alguma! correspondência,! por! Toriello,! das! vinte! e! uma! cartas! e! postais! apenas!
terão!sido!reproduzidos!os!rostos!de!dois!postais,!de!16/08/1904!e!de!30/08/1904,!e!o!
rosto!do!envelope!associado!à!carta!de!06/09/1914,!na!Fotobiografia!de!Mário!de!Sá3
Carneiro! (DIAS,! 1988:! 64,! 67,! 157).! E! acrescente3se! que! neste! mesmo! volume!
publicam3se! ainda,! de! outra! proveniência,! um! retrato! de! Mário! tirado! em!
Tourville,! e! enviado! ao! seu! avô,! a! 11/08/1914,! e! uma! carta3sobrescrito! do! Café! Le!
Cardinal,!de!05/11/1915!(DIAS,!1988:!65!e!189).!
Assim! sendo,! esta! apresentação! visa! não! escamotear! a! dispersão! da!
correspondência!de!Mário!a!José!Paulino!de!Sá!Carneiro.!Nesse!sentido,!opta!por!
focar3se! clara! e! especificamente! no! núcleo! que! pertencia! a! Fernando! Távora,! no!
contexto!do!número!especial!que!a!revista!Pessoa'Plural'organiza.!
!Quanto! ao! seu! conteúdo,! já! se! disse! que! a! mesma! apresenta! obviamente!
uma! dimensão! familiar;! contudo,! há! aspectos! interessantes! que! vão! muito! além!
dela.! Desde! logo,! esta! correspondência! ajuda! ainda! a! compreender! em! mais!
detalhe!a!movimentação!de!Mário!de!Sá3Carneiro!e!da!sua!família,!desde!a!viagem!
europeia! de! 1904,! onde! encontra! múltiplos! fascínios,! até! às! datas! das! de! outras!
viagens,! bem! assim! como! à! chegada! de! Carlos! Augusto! de! Sá! Carneiro! à! Cidade!
do! Cabo,! em! trânsito! para! a! então! Lourenço! Marques.! Por! outro! lado,! assistimos!
em! primeira! mão! ao! afeto! que! Mário! de! Sá3Carneiro! devota! a! toda! a! sua! família,!
incluindo!os!dois!tios,!mais!jovens!que!ele,!Rui!e!Vasco!—!filhos!de!José!Paulino!de!
Sá!Carneiro!e!irmãos!muito!jovens!de!Carlos!Augusto!de!Sá!Carneiro.!!
!Em!Coimbra,!podemos!pressentir!o!mesmo!tom!de!bastante!indiferença,!ou!
talvez!até!de!tédio,!em!relação!à!vida!universitária!e!à!vida!na!cidade,!que!noutro!
lugar! levou! Mário! a! chamar3lhe! Lusa7Chatice' (SÁ3CARNEIRO,! 1977:! 41).! E! nessa!
mesma! cidade! de! Coimbra,! vemo3lo! reiterar! o! seu! grande! interesse! no! teatro! (já!
conhecido)!e!o!menor!interesse!no!animatógrafo.!
!Quanto! às! movimentações! da! sociedade! francesa,! é! de! notar! o! destaque!
dado! por! Mário! de! Sá3Carneiro! à! atenção! pública! recebida! pelo! caso! Caillaux! —!
em! que! Henriette! Caillaux,! a! segunda! mulher! do! Primeiro3Ministro! Joseph!
Caillaux,! assassina! a! tiro! o! diretor! do! Le' Figaro,! por! motivações! políticas,! nas!
vésperas! de! deflagrar! a! I! Guerra! Mundial! —,! caso! este! que! ia! distraindo! até! os!
franceses!do!conflito!que!estava!para!vir.!
!A! respeito! do! postal! de! 28! de! Junho! de! 1914,! é! interessante! notar! a!
observação!de!Mário!de!Sá3Carneiro,!segundo!a!qual!“Vai!um!soneto!pelo!mesmo!
correio”.! Referindo3se! seguramente! ao! soneto! “Apoteose”! (cf.! nota! junto! da!
transcrição),! o! pedido! demonstra! que! a! conversa! com! o! seu! avô! é! menos! de!
circunstância! do! que! até! aí! parece,! na! idade! adulta.! Isto! porque! aquilo! que! nos!
habituámos! a! conhecer! no! diálogo! com! Pessoa! —! os! constantes! pedidos! de!
comentários! em! relação! à! sua! obra! literária! —! eram! endereçados! também! a! um!
membro!da!família.!Tal!demonstra,!aliás,!uma!confiança!profunda!no!interlocutor,!
considerando! que! não! se! tratava! necessariamente! de! obra! acabada! —! ou! pelo!
menos! a! carta! assim! sugere.! Esta! passagem! demonstra! também! que! Sá3Carneiro!
envia! o! poema! no! própria! dia! em! que! o! terá! datado! para! a! posteridade.! A! este!
respeito,!ressalte3se!a!existência!(pelo!menos!no!passado)!de!mais!um!testemunho!
de! “Apoteose”! além! daqueles! três! que! se! conhecia! até! aqui! (cópia! para! Pessoa,!
caderno! de! Indícios' de' Oiro,! e! Orpheu;! cf.! SÁ3CARNEIRO,! 2017:! 600).! E! ainda! a!
propósito!da!relação!do!avô!com!a!vida!literária,!vemos!que!Sá3Carneiro!quereria,!
por! motivos! a! que! não! seriam! totalmente! alheias! as! questões! financeiras,! ir!
apresentando!quer!trabalho,!quer!o!seu!reconhecimento!em!relação!ao!apoio!que!o!
avô!lhe!oferecia,!inclusive!financeiro.!Por!isso,!não!surpreende!na!sua!carta!de!2!de!
Maio!de!1915!que!diga!enviar!ao!avô!o!primeiro!exemplar!de!Céu'em'Fogo!livro!—!
publicado!pela!Livraria!Brazileira!de!Monteiro!&!C.ia!(Rua!Áurea,!1903192!Lisboa),!
em!Abril!de!1915,!e!vendido!por!“70!centavos”.!
Em! contrapartida,! quanto! à! atenção! votada! aos! interlocutores,! vemos! que!
Sá3Carneiro!chega!a!avisar!Pessoa!do!seu!regresso!a!Paris,!e!da!sua!permanência!no!
mesmo! hotel! em! que! já! vivera,! mais! cedo! do! que! avisa! o! avô:! cerca! de! uma!
semana,!o!que!demonstra!bem!as!prioridades!quanto!aos!diálogos!a!manter!(cf.!a!
carta!de!15!de!Junho!de!1914,!e!SÁ3CARNEIRO,!2015:!207).!
!Finalmente,!diga3se!que!esta!correspondência!apresenta!duas!características!
inesperadas,! a! nível! ortográfico.! A! primeira! delas! é! o! facto! de! se! encontrar! a!
assinatura!Mário'grafada!aparentemente!com!um!acento!em!algumas!das!cartas!—!
algo!absolutamente!invulgar!no!escritor,!e!mesmo!assim!minoritário!neste!lote!de!
cartas.! A! segunda! característica,! talvez! menos! inesperada,! é! o! facto! de! Mário!
aplicar!a!sua!opção!de!grafar!os!seus!dois!apelidos!com!um!hífen!também!ao!avô:!a!
alteração! não! era,! por! conseguinte,! apenas! um! efeito! visado! para! um! nome!
literário,!mas!afinal!uma!mudança!que!propunha!para!todo!o!clã.!
!Não! faltam,! por! isso,! razões! para! que! se! conheça! esta! correspondência.!
Além!de!todas!as!já!aduzidas,!há!desde!logo!a!primordial,!que!é!a!possibilidade!de!
entrar!em!contacto!com!o!prazer!de!Sá3Carneiro!no!discurso!epistolográfico,!que!o!
leva! a! pedir! ao! seu! avô,! desde! muito! cedo,! que! lhe! escreva! cartas! e! não! apenas!
postais!ou!notas!curtas.!Ressalte3se!a!atenção!de!Fernando!Távora!em!relação!a!esse!
prazer,!bem!assim!como!à!obra!de!Sá3Carneiro,!que!nos!permite!hoje!conhecê3los!
ainda!melhor.!
[1]!
!
!! ! !
! !
Figs.'4'a'7.'Carta'de'13'de'agosto'de'1904.'3711.'
!
13!agosto!1904!
!
Meu!Querido!avô.!
! Escrevo3lhe! muito! contente! pois! vou! amanhã! para! a! Suissa! onde! irei! a!
Lucerna! e! talvez! Zurich' —! Italia! onde! irei! a! Roma,! Napoles1! ver! o! Vezuvio,! Piza,!
Milão,!Genova2!etc.!irei!tambem!a!Monte'Carlo.!Eu!e!o!papá!bons.!Escreva!sempre3!
para!o!Grand’!Hotel!pois!ainda!voltamos!a!Paris!—!3000!beijos!do!Mario!
! ama!!
!!!!!!!300!beijos !!
4
! miss!! Mario5!
[2]!
!
! !
Figs.'8'e'9.'Postal'de'16'agosto'de'1904.'3712.'
!
16!agosto![de!1904]!
!
Querido1!avô.!
! Estou! em! Lucerne! muito! contente.! Hei3de3lhe2! contar! uma! coisa! muito!
engraçada3!—!300!beijos!do!Mario.!
!
! Saudades!para!a!ama!e!Miss!
!
!
[3]!
!
!
Figs.'10'e'11.'Postal'de'30'agosto'de'1904.'4011.'
!
30!agosto![de!1904]!
!
Escrevo3lhe!do!Vezuvio!onde!fomos!hoje.!É!lindíssimo!mas!custa!muito!a!subir!até!
á!cratera!onde!fomos!mas!como!S.!Ex.a!esta!muito!zangado!foi!perigosissimo1!pois!
vimos2!pedras!a!cahirem!sem!exagero!a!2!passos.!
!
Este!bilhete!é!egual!a!um!que!lá!tenho!
! 300!beijos!do!
! Mario!
!
Beijos!ama!e!miss!/!Mario3!
!
!
[4]!
!
! !
!
! !
Figs.'12'a'15.'Carta'de'31'agosto'de'1904.'4012.!
!
Napoles!31!de!agosto!de!1904!
!
! Mio!–!Querido!–!Avô!
!
Estou!como!sabe!em!Napoles.!!
Tanto!eu!como!o!papá!bons!
Recebemos!hontem!cá!2!bilhetes!postaes,!um!para!mim!outro!para!o!papá!seus.!No!
meu! dizia! que! fossemos! a! Barcelona! e! no! do! papa! a! ama! tinha! conseguido! não!
pagar!a!multa!da!Miss.!!
Porque!é!que!não!escreve!Cartas?!
30000!beijos!do!
! Mario'
!
! 300000!beijos!!!!!!! ama!
! 200000!abraços!
! 300000!saudades!! miss!
Especiaes!para!o!avô!
!
! Mario!
[5]!
!
!
!
!
!
!
Figs.'16'a'19.'Carta'de'11'de'setembro'de'1904.'4013.!
!
Solar'vetusto'da'familia''
Sá!Carneiro,!quinta!da!Victoria,!!
Camarate,!aos!11!de!setembro!de!1904'
!
Meu!querido!avô:!
! Escrevo3lhe!dando3lhe!parte!que!cheguei!hoje!ao!nosso!solar!e!que!por!isso!
estou!alegrissimo.!Não!me!fui!despedir!de!si,!do!que!lhe!peço!desculpa,!por!se!ter!
resolvido! a! nossa! partida! no! sabbado! á! noute.! Estão! cá! alem! da! minha! illustre!
personagem!somente!a!ama!e!a!Maria!criada.!
! Eu,! meu! querido! avô,! pedia3lhe! com! instancia! que! viesse! cá! (por! exemplo!
nÖum!sabbado!de!tarde!para!se!ir!embora!na!2.a!de!manhã)!trazendo!o!Ruy!e!nÖesse!
caso! pedia3lhe! tambem! que! me! mandasse! dizer! quando! vinha! para1! se! ir! com! o!
burro!á!estação!para!trazer!o!Ruy!pois!su!ex.a!burrica!é!muito2!manso.3!
! Nada!mais!lhe!tenho!a!dizer!meu!querido!avô!senão!que!receba!1000!beijos!
! do!seu!neto!muito!amigo4!o!!
! ! Mario!
!
Pedia3lhe!que!me!respondesse!a!esta!carta.!Sim?!
! Mario!
!
! [Quando!fomos!ao!Bussaco!estivemos!tambem!na!sua!terra!(Porto).!M.]!
!
!
[6]!
!
!
!
!
!
!
!
!
Figs.'20'a'23.'Carta'de'3'de'novembro'de'1911.'3713.!
Coimbra!3!de!novembro1!1911!
!
Meu!querido!avô!
! Recebi!hoje!um!postal!seu!que!muito2!agradeço.!
! Cá! estou! pois! na! Lusa3Atenas,! perfeitamente! bom! e! aborrecido! —! mas!
todavia!não!tão!aborrecido!como!imaginava.!
! O! tempo! tem! estado! pessimo,! frio! e! chuva.! No! dia! 1! todavia! esteve! uma!
tarde!linda.!Dei!um!grande!passeio!pelo!choupal!que3!é!na!verdade!uma!das!coisas!
mais!lindas!que4!tenho!visto.!
! A!respeito!de!“caloiradas”!não!ha!positivamente!nada.!Calcule!que!apenas!
ainda! nos! deram! —! a! mim! e! a! um! outro5! rapaz! com! quem! ando! sempre! —! por!
duas! vezes! levemente! com! uma! capa! nos! hombros!! Passeia3se6! á! vontade! pelas!
ruas!á!noite!e!pela!Universidade!sem!nos!chamarem!sequer!caloiros!!Tenho!ouvido!
dizer! que! é7! o! primeiro! âno! que! assim! sucede.! Tanto! melhor.! Na! Universidade!
mais!de!75%!dos!estudantes!andam!à!Äcaixeira„!como!—!segundo!julgo!ter3lhe!dito!
na!estação!—!um!professor!do!liceu!Camões!diz!dos!que8!andam!sem!capa!e!batina.!
! Já! fui! ao! teatro! da! terra! que9! não! é! mau! como! edificio! mas! que10! não! tem!
senão!animatografo!—!coisa!de!que11!eu!gosto!muito!pouco.!
! No!hotel!está3se!bem,!sendo!a!comida!muito12!rasoavel.!
! E!nenhumas!mais!duvidades!lhe!tenho!a!dar.!
! Um!abraço!e!muitos13!beijos!do!seu!neto!que14!muito15!o!estima!
!
! ! ! ! ! Mario!
!
! ! Saudades!ao!Rui!e!ao!Vasco!
!
! ! ! ! ! M.!
!
[7]'
!
!
!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 577
Vasconcelos Porque é que não escreve Cartas?
!
Figs.'24'e'25.'Postal'de'27'de'janeiro'de'1913.'4014.!
!
Paris!–!27!janeiro!de!1913!
!
Um!grande!abraço!e!muitos!beijos!e!muitas!saudades!do!
! seu!neto!muito1!amigo,!
! ! o!!
! ! Mario!
! 50,!rue!des!Écoles.!
!
!
[8]!
!
!
Figs.'26'e'27.'Postal'de'17'de'fevereiro'de'1913.'4015.!
!
Paris!–!fevereiro1!de!1913!
! !Dia!17!
!
Meu!querido!avô,!
! Recebi!ontem!o!seu!postal!que!muito!e!muito!agradeço.!!
O! tempo! tem! estado! magnífico.! Sol! e! nenhum! frio,! De! resto! é! um! inverno!
excepcional!sendo!preciso!remontar!a!1875!para2!encontrar!outro!semelhante.!!
O!papá,!não!sei!se!sabe,!faz!agora!serviço!no!quartel!tendo!saído!do!campo!
entrincheirado.! Anda! muito3! triste! por! causa! da! estopada! da! vida! de! caserna! e!
tanto!mais!que!em!abril!proximo!tem!que!ir!para!Tancos!!
Cá! fico! esperando4! a! sua! carta! que! me! promete.! E! até! lá! muitos! beijos! e!
abraços!do!seu!neto!muito!e!muito5!amigo!
o!Mario!! 50,!rue!des!Écoles!
!
!
[9]!
!
!
Figs.'28'e'29.'Postal'de'20'de'maio'de'1913.'4016.!
!
Paris!–!Maio!de!1913!
! Dia!201!
!
Ontem!19!recebi!os!seus!parabens!que!de!todo!o!coração!lhe!agradeço.!Não!me!diz!
se! recebeu2! um! postal! meu! do! começo! deste! mês! e! uma! carta! de! parabens! pelos!
seus! ânos! que! lhe! enviei.! Não! teriam! chegado?! O! correio! daqui! e! daí! merece! tão!
pouca!confiança...!Quando!me!escrever!não!se!esqueça!de!mo!dizer.!
! Muitos!beijos!e!um!grande!abraço!do!
! seu!neto!muito!amigo!e!saudoso!
! ! o!Mario!
!
! Saudades!ao!Rui!e!Vasco.!
!
!
[10]!
! !
Figs.'30'e'31.'Postal'de'29'de'maio'de'1913.'4017.!
!
Paris!–!Maio!de!1913!
! Dia!29!
!
Meu!querido!avô,!
! Recebi!hoje!a!sua!carta!que!muito!do!coração!lhe!agradeço.!
! Novidades!=!Zero;!apenas!um!calor!horrivel.!! !
! Eu!sempre!bom.!
! Muitos!abraços!e!beijos!para1!si!e!para2!a!pequenada.!
! ! o!Mario!
! ! ! (muito3!amigo)! !
[11]!
!
!
!
!
!
Figs.'32'e'33.'Carta'de'22'de'maio'de'1914.'4018.!
!
!
Lisboa!–!Maio!de!1914!
! Dia!22!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Juntamente!vão!os!recibos!dos!Direitos!de!Mercê.!Vão!todos!quantos!achei!
na! caixa! de! lata.! Estavam! todos! espalhados! mas! eu! procurei! cuidadosamente!
verificando! um! por! um! todos! os! papeis! que! estão! na! caixa.! Em! suma,! se! alguns!
recibos!faltam,!lá!na!caixa!não!estão...!
! Sem!mais,!manda3lhe!um!grande!abraço!o!seu!neto!muito1!e!muito2!amigo!!
! ! o!
! ! Mario!
!
!
[12]!
!
Figs.'34'e'35.'Postal'de'15'de'junho'de'1914.'4019.!
!
Paris!–!junho!de!1914!
! Dia!15!
!
Meu!querido!Avô,!
! Desculpe! não! lhe! ter! escrito! ha! mais! tempo.! Cá! estou! e! bem! —! ainda! que1!
constipado...!O!papá!foi!hoje!embora!para2!Lisboa.!Novidade!nenhumas!a!não!ser!
hoje!uma!grande!trovoada.!O!meu!endereço!é!o!mesmo!50,!rue!des!Écoles!(Grand!
Hotel3!du!Globe).!!
! Adeus!avô.!Muitos4!beijos!e!abraços!do!seu!neto!muito5!Amigo!
! o!
! Mario6!
[13]! !
!
! !
Figs.'36'e'37.'Postal'de'28'de'junho'de'1914.'40110.!
!
Paris!–!Junho!de!1914!
! Dia!28!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi!o!seu!postal,!que!muito!agradeço,!só!antes!de!ontem!–!por!causa!da!
gréve !dos!correios!cá!da!terra.!Eu!sempre!bem.!O!tempo!lindo!–!mas!muito!calor.!
1
Novidades,! por! mais! que! queira! não! tenho! nenhumas! a! dar3lhe,! e! por! isso! me!
limito!a!escrever3lhe!um!simples!postal,!e!esse!mesmo!lacónico...!Peço3lhe!que!de!
vez!em!quando!não!deixe!de!me!escrever,!pois!gosto!muito!de!ter!noticias!suas.!Por!
mim,!farei!o!mesmo.!E!sem!mais,!mandando!muitas2!saudades!ao!Rui!e!ao!Vasco,!
peço3lhe!que!receba!um!grande,!muito3!grande!abraço!do!seu!neto!muito4!amigo!!
! ! o!
! ! Mario!
!
! Vai!um!soneto!pelo!mesmo!correio!
! Não! sei! se! no! fim! do! soneto! é! melhor! a! linha! de! reticências! –! ou! o! ultimo!
verso!a!seguir!aos!outros.d!Diga!o!que5!acha,!sim?...!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
d!Trata3se!muito!provavelmente!de!ÄApoteoseÄ,!soneto!datado!precisamente!do!dia!28!de!junho!de!
1914!e!que!inclui!uma!Älinha!de!reticenciasÄ!entre!os!versos!13!e!14!(cf.!SÁ3CARNEIRO,!2017:!99).!
[14]!
!
Figs.'38'e'39.'Postal'de'24'de'julho'de'1914.'40111.!
!
Paris!–!julho!de!1914!
! Dia!24!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi! hoje! o! seu! postal! de! 21! que1! muito2! agradeço.! Não! se! refere! nele! a!
uma!carta!que3!lhe!enviei!a!18!e!que4!portanto!o!avô!devia!ter!recebido!a!21.!Diga3
me! se! a! recebeu! ou! não.! Nela! dizia3lhe! eu! que! do! papá! sabia! apenas! o! seguinte:!
que5!ele!chegou!ao!Cabo!a!7!donde!telegrafou!para6!Lisboa!nesse!dia!e!a!12!e!que7!
só! a! 24! (isto! é:! hoje)! estaria! em! Lourenço! Marques.! Por! mim,! ainda! coisa! alguma!
recebi!dele!a!não!ser!postais!da!Madeira.!Espero!de!resto!carta!muito8!brevemente!
pois! com! certeza! me! escreveu! do! Cabo! e! até! cá! a! viagem! é! de! 15! dias.! Logo! que!
receber!lhe!direi!a!si!o!que!nela!vier!de!mais!importante.!!
! Eu9!vou!passando!bem.!Não!tive!mais!nevralgias!mas!tenho!uma!impressão!
ha! uns! poucos! de! dias! num! dente! da! frente! que! receio! esteja! cariado.! O! tempo!
muito10!maçador11,!chovendo!agora!quasi!todos!os!dias.!Os!jornais!não!falam!senão!
do!processo!Caillaux...!!
! Dê12!muitos13!parabens!ao!Rui!e!beijo!da!minha!parte!–!com!saudades,!bem!
como! ao! Vasco.! Isso! tudo! é! uma! cambada! de! alunos! distintos!...! E! por! hoje,! mais!
nada,! a! não! ser! um! grande,! grande! abraço! do! seu! neto! muito! amigo! de! todo! o!
coração!
! ! o!!
! ! Mario!!
! !
! Escreva!sempre!...!
[15]!
!
!
Figs.'40'e'41.'Postal'de'6'de'agosto'de'1914.'40112.!
!
Paris!–!Agosto!de!1914!
! Dia!6!
!
Meu!querido!Avô,!
! Recebi! hoje! a! sua! carta! registada! que1! muito,! muito! agradeço.! Pelo! mesmo!
correio!escrevo!carta!circunstanciada!para!a!repartição!–!receando!que2!ainda!não!
esteja!em!Cintra.!Muitos!beijos!e!abraços!do!seu!
! Mario3!
! (sem!novidades)!
!
![16]!
!
!
!
!
Figs.'42'a'45.'Carta'de'6'de'setembro'de'1914.'40115.!
!
Barcelona!–!Setembro!1914!
! Dia!6!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Para!o!fim!da!semana!devo!estar!em!Lisboa.!Mil!beijos!e!abraços!do!seu!neto!
muito!muito!Amigo!
! ! o!
! ! Mario!
! !
! Recados!a!Rui!&!Companhia.!
!
!
![17]!
!
!
Figs.'46'a'48.'Carta'de'7'de'setembro'de'1914.'40116.!
'
Barcelona!–!Setembro!1914!
! Dia!7!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Recebi!a!sua!carta!que!muito!agradeço.!Parto!amanhã.!Chego!4a!feira.!Não!
me!vi!atrapalhado!pois!o!papá!me!mandou!logo!dinheiro.!Mil!beijos!e!abraços!do!
seu!
! Mario!
!
! Irei!procura3lo!ao!Terreiro1!do!Trigo!na!5a!feira.!
!
!
[18]!
!
' '
Figs.'49'e'50.'Carta'de'2'de'maio'de'1915.'3714.!
'
Lisboa!3!Maio!de!1915!
! Dia!2!
!
Meu! Querido! Avô,! venho! só! dar3lhe! muitos! parabens,! mil! beijos! e! um! grande!
abraço! pelo! dia! de! hoje.! Parabens!! Ao! mesmo! tempo! envio3lhe! um! exemplar! do!
meu!novo!volume!–!o!primeiro!que!me!deram!na!tipografia.!E!renovando!todas!as!
minhas!felicitações!e!os!meus!beijos!sou!o!seu!neto!muito1!amigo!e!grato!
!
! o!Mario2!
'
'
[19]!
!
!
!
!
Figs.'51'e'52.'Postal'de'26'de'agosto'de'1915.'3715.!
!
! !
!
Muitas!saudades!e!beijos!do!!
! Mario!
! (muito1!amigo)!
!
! Paris!26!agosto!1915!
! Oxalá! tenha! chegado! a! tempo! o! meu! postal! em! como! a! carta! registada! era!
inutil.!
'
'
[20]!
'
! '
Figs.'53'e'54.'Postal'de'21'de'dezembro'de'1915.'40113.!
'
[Paris,!21!de!dezembro!de!1915]!
!
Meu!Querido!Avô,!como!lhe!disse!já!recebi!na!3a!feira!passada!os!75!francos.!O!que!
estou! muito,! muito! admirado! é! de! até! agora! não! ter! recebido! notícias! do! meu!
querido! Avô.! Ter3se3hia! porventura! perdido! a! carta?! Peço3lhe! muito! que,! se!
porventura!ainda!o!não!fez,!me'escreva'imediatamente'logo'que1'receba'este'postal.!Não!
escreva!carta!hoje!porque2!um!postal!é!mais!rapido!pois!não!vai!á!censura.!E!diga3
me!se!foi!á!livraria,!pois!não!sei!nada.!Mil!beijos!e!um!grande!abraço!do!seu!muito3!
amiguinho!!
! ! Mario!
! !
! Escreva,!suplico3lhe!!
[21]'
!
! !
Figs.'55'e'56.'Postal'de'31'de'dezembro'de'1915.'40114.!
!
Meu!Querido!Avô,!
! Recebi!o!seu!postal!de!26!que!muito!agradeço.!Nenhumas!novidades.!Chuva!
e!calor.!Fico!á!espera!da!sua!carta.!Mil!beijos!e!abraços1!
! do!
! Mario!
! (amiguinho)!
! !
! Saudades!a!todos.!
!
! Paris!31!Dezembro2!1915!
! Bom!1916!!
!
Notas'finais'
!
[1]!
Com!a!inscrição!de!lote!“37.1”,!pela!mão!de!Fernando!Távora.!Carta!escrita!a!tinta!preta,!em!folha!
de!papel!timbrada,!de!18,7!×!27,3!cm,!do!Grand!Hôtel!de!Paris,!sito!no!número!“12,!Boulevard!des!
Capucines”.!É!enviada!num!envelope!timbrado!do!mesmo!hotel,!de!9,8!×!14,3!cm,!que!se!encontra!
anexo!à!carta,!para!o!endereço!“Mr.!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!n.o!1!3!2.o!d.to!|!Lisbonne!|!
Portugal”.!Com!carimbo!de!Paris!ilegível,!e!carimbo!de!Lisboa!provavelmente!do!dia!17.!
NOTAS!
1!! Roma!Napoles!]!acrescenta7se'vírgula.!
2!! Jenova!
3! sem!]!Sá7Carneiro'parece'esquecer7se'de'terminar'a'palavra'“sempre”.'
4!! beijo!]!forma7se'o'plural.!
5! Mar[io]!
! !
[2]!
Lote!“37.2”.!“Postkarte”!ilustrado!de!“Luzern,!Gütsch”,!de!8,7!×!14!cm,!manuscrita!a!tinta!preta!na!
face!ilustrada.!Apresenta!vários!carimbos!postais,!sendo!legíveis!um!de!16!de!agosto,!em!Luzern,!e!
outro!de!19!de!agosto,!de!Lisboa.!É!endereçado!a!“Mr.!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!n.o!1!3!2.o!
d.!|!Lisbonne!|!Portugal”.!Foi!reproduzido,!a!preto!e!branco,!na!Fotobiografia!(DIAS,!1988:!64).!
NOTAS!
1! Q[ueri]do!
2! Ei3de3lhe!]!no'original.!
3! engransada!]!
!
[3]!
Lote!“40.1”.!“Cartolina!Postale”!de!9!×!14!cm,!com!gravura!do!“Vesuvio!in!Eruzione”![Vesúvio!em!
erupção],! com! o! texto! escrito! a! tinta! preta! sobre! diferentes! partes! da! ilustração.! Apresenta! vários!
carimbos! postais:! de! 30! de! agosto,! no! Vesúvio;! de! 31! de! agosto,! outro! carimbo! italiano! cuja!
localidade!é!ilegível;!e!um!português,!possivelmente!de!4!de!setembro.!É!destinado!ao!“Ex.mo!Snr.!
Sá! Carneiro! |! T[ravessa]! do! Carmo! n.o! 1! –! 2.o! andar! –! direito! |! Lisboa! |! (Portugal)”.! Foi!
reproduzido,!a!preto!e!branco,!na!Fotobiografia!(DIAS,!1988:!67).!
NOTAS!
1! prigusissimo!]!no'original.!
2!! vi!mos!]!no'original.!
3! Mar[io]!
!
[4]!
Lote!“40.2”.!Carta!escrita!em!folha!de!papel!pautada,!de!21,6!×!13,8!cm.!É!enviada!num!envelope,!de!
11! ×! 14,3! cm,! com! carimbos! de! “Napoli! *! Ferrovia”,! de! 1! de! setembro! de! 1904,! e! de! Lisboa,!
aparentemente!de!7!de!setembro!de!1904,!para!o!“Ex.o!Sñr.!|!Sá!Carneiro!|!T[ravessa]!do!Carmo!1!3!
2.o!d.!|!Lisbonna!|!Portugallo”.!Todos!os!materiais!são!escritos!a!lápis.!
!
[5]!
Lote! “40.3”.! Carta! escrita! numa! folha! de! papel! encorpado,! de! 13,4! ×! 27,3! cm,! com! um! timbre!
particularmente! ornado! e! dobrada! em! quatro.! O! envelope,! de! 7,3! ×! 14,5! cm,! apresenta! carimbos!
aparentemente!de!12!de!setembro.!É!remetido!ao!“Ex.o!Snr.!Conselheiro!José!Paulino!de!Sá!Carneiro!
|!R.!das!Trinas!n.o!81!3!2.o!andar!(d.)!|!Lisboa”.'
NOTAS!
1! par[a]!
*!Instituto!de!Ciências!Sociais!da!Universidade!de!Lisboa.!
Barreto A última paixão
Não!podemos!saber!quantas!vezes!Fernando!Pessoa!se!apaixonou!nem!por!quem,!
apesar! de! ser! habitual! reduzirRse! a! sua! história! amorosa! ao! caso! com! Ofélia!
Queiroz.1!A!ideia!do!“único!amor”!começou!cedo!a!radicarRse,!antes!mesmo!de!ser!
publicada! em! Portugal! a! correspondência! amorosa! de! Pessoa! e! Ofélia.2! Esse!
namoro! fogoso! e! breve,! nove! anos! depois! reincidente,! teve! a! vantagem! de! ficar!
documentado,!primeiro!pelas!revelações!parciais!feitas!ainda!na!Presença!(QUEIROZ,!
1936)3,!depois!pela!publicação!da!correspondência!recíproca!e!de!um!relato!colhido!
da!boca!da!antiga!amada,!tudo!hoje!bem!conhecido!(MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!
1978;!NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996;!SILVA,!2012).!Quando,!em!1978,!David!MourãoR
Ferreira!publicou!as!cartas!de!amor!do!poeta!a!Ofélia,!afirmou!que!não!se!conhecia!
nem! era! provável! que! tivesse! existido! qualquer! outro! “episódio! sentimental”! na!
vida!de!Fernando!Pessoa!(in!MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!1978:!9).!
Ficaram! também! para! a! posteridade! os! poemas! do! Pessoa! apaixonado! por!
Ofélia,! igualmente! já! publicados.4! Um! poeta,! quando! apaixonado,! costuma!
escrever! sobre! a! sua! paixão! e! Pessoa! não! fugiu! à! regra.! Mas! terá! realmente! sido!
Ofélia!a!única!amada!da!sua!vida?!Certos!poemas!de!amor!de!Pessoa!encontrados!
no!seu!espólio!falam!de!uma!“loura”!ou!de!uma!misteriosa!“mulher!casada”!que!
ele! terá! realmente! amado.! Assim! acreditaram! alguns! estudiosos! pessoanos,! entre!
eles! Ángel! Crespo,! cujas! laboriosas! pesquisas! nunca! chegaram! a! apurar! nada! de!
plausível!sobre!a!identidade!da!secreta!amada!(ou!amadas)!do!poeta.!Por!sua!vez,!
o!rumor!de!que!Pessoa!teria!tido!uma!paixão!por!Fernanda!de!Castro!foi!rotulado!
de! “absurdo”! pela! própria! nas! suas! memórias,! onde! também! descrevia! o! poeta!
como! “calado,! ensimesmado,! de! uma! timidez! que! chegava! a! incomodarRnos”!
(CASTRO,!1988:!270R271).!
ConhecemRse! igualmente,! da! produção! poética! confiada! à! arca,! poemas! de!
amor!pelo!sexo!masculino!escritos!na!primeira!pessoa.!São,!sobretudo,!poemas!de!
amor!sonhado!ou!frustrado,!versos!lamentosos!ou!nostálgicos!de!algo!que!poderia!
ter! acontecido,! mas! não! aconteceu.! Nada! indica! que,! nessa! matéria,! Pessoa! tenha!
ido! além! da! palavra! escrita,! embora! aparentasse,! de! facto,! ter! padecido!
solitariamente!tais!paixões.!!
Os!poemas!de!amor!na!primeira!pessoa!não!abundam!propriamente!na!obra!
de!Pessoa.!Todavia,!em!1935,!ano!da!sua!morte,!ele!produziu!–!sempre!para!a!arca!–!
um! número! invulgar! desses! poemas,! na! sua! maioria! em! inglês,! outros! em!
1! Este! artigo! contou! com! valiosas! colaborações! de! Carlos! Pittella! Leite,! Rijn! du! Toit,! Ricardo!
Vasconcelos!e!Kerry!Howard.!
2!O!primeiro!estudo!sobre!o!caso!amoroso!de!Pessoa!e!Ofélia!já!exprimia!essa!convicção.!TrataRse!de!
uma! comunicação! ao! “First! International! Symposium! on! Fernando! Pessoa”! (Brown! University,!
1977),!que!só!recentemente!viu!a!luz!do!dia!(SEVERINO!e!JENNINGS,!2013).!
3! Nessa! primeira! revelação! do! namoro! de! Pessoa! com! Ofélia! Queiroz,! o! nome! desta! não! era!
revelado,!sendo!substituído!por!asteriscos.!!!
4!Além!dos!poemas!divulgados!por!Maria!da!Graça!Queiroz!(in!MOURÃORFERREIRA!e!QUEIROZ,!1978:!
22R38),!vejaRse!LOPES!(1990:!57R61)!e!PIZARRO!et)al.!(2013:!179R183!e!187R193).!
5! Publicado! com! vários! erros! por! Ángel! CRESPO! (1989:! 25).! Publicado! sem! a! terceira! estrofe! por!
Luísa! Freire! (in! PESSOA,! 2000:! 198).! Publicado! com! um! erro! por! Richard! Zenith! (in! PESSOA,! 2016:!
202R203).!
! Tradução,! tanto! quanto! possível! literal,! do! autor! deste! artigo,! com! a! colaboração! de! Ricardo!
6
Vasconcelos.!
em! Portugal,! e! o! benjamim,! Luís! Miguel! (ou! Lhi! ou! Michael),! um! engenheiro!
químico!que!vivia!em!Inglaterra.!!
Madge,! que! casara! ainda! jovem! com! um! inglês,! fez! um! número!
indeterminado!de!viagens!a!Portugal!entre!o!ano!de!1929!–!já!então!em!“férias”!do!
seu!marido!e!em!vias!de!se!divorciar!dele!(NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996:!252;!SILVA,!
2012:! 276R277)! –! e! AbrilRMaio! de! 1935,! data! da! sua! presumível! última! estadia! em!
Lisboa.! Ofélia! Queiroz,! que! em! 1929! reatara! o! antigo! namoro! com! Fernando!
Pessoa,! tomou! através! dele! conhecimento,! nesse! mesmo! ano,! da! visita! a! Portugal!
de! Madge,! não) acompanhada) pelo) marido.! Esta! última! circunstância! poderá! ter! feito!
soar! algum! vago! alarme! na! mente! de! Ofélia,! a! avaliar! pelos! comentários!
depreciativos!que!teceu!sobre!Madge.7!Meses!depois,!novo!sinal!de!alarme:!numa!
carta! de! Março! de! 1930,! Ofélia! manifestavaRse! contra! o! plano! de! Pessoa! de! viajar!
sozinho!a!Inglaterra,!pois!poderia!“gostar!lá!de!alguma!inglesinha!e!ficar!por!lá”!ou!
“mandáRla!vir!para!cá”.8!TratarRseRia!aqui!de!mera!intuição!de!Ofélia!ou!de!alguma!
suspeita!mais!fundada?!SabeRse!apenas!que!Pessoa,!convidado!repetidamente!pelo!
seu!irmão!Luís!Miguel9,!terá!projectado!uma!viagem!a!Inglaterra,!que!nunca!viria!a!
concretizarRse.!
O! biógrafo! CAVALCANTI! (2011:! 128)! relacionou! os! encontros! que! Pessoa! e!
Madge!terão!tido!no!período!referido!com!dois!poemas!do!heterónimo!Álvaro!de!
Campos:!um,!sem!título,!que!começa:!“A!rapariga!inglesa,!tão!loura,!tão!jovem,!tão!
boa!|!Que!queria!casar!comigo...”,!datado!de!1930;!o!outro,!“Psiquetipia”,!de!1933.!
No!primeiro!poema,!aqui!transcrito!no!Anexo!1,!o!autor!chama!“meu!único!amor”!
à!anónima!inglesa.!Problema,!porém,!é!que!a!verdadeira!Madge,!sendo!realmente!
jovem,!pois!completou!26!anos!em!1930,!não!seria!propriamente!“tão!loura”,!mas!
sim,!segundo!apurou!Cavalcanti!junto!de!familiares!de!Pessoa,!de!“cabelo!castanho!
alourado”!(2011:!131).!
Na! última! vez! que! esteve! em! Portugal,! na! primavera! de! 1935,! Madge! viu!
frustrado! o! seu! desejo! de! se! encontrar! demoradamente! com! Pessoa! e,! desolada,!
terá!regressado!bruscamente!a!Inglaterra.!Com!efeito,!após!a!chegada!de!Madge!a!
Lisboa,! Pessoa! decidira! “desaparecer”! sem! dar! qualquer! explicação.! Tal! atitude!
mereceuRlhe!a!censura!da!sua!irmã!Henriqueta!Madalena!(a!Teca)!e,!mais!tarde,!da!
própria!Madge,!que!acusou!Pessoa!de!um!“truque”!para!não!se!encontrar!com!ela.!
Desse! “desaparecimento”! trata! parte! da! correspondência! inédita! entre! Pessoa! e!
Madge,!que!adiante!se!transcreverá.!
O! nome! de! Madge! Moncrieff! Anderson! e! o! seu! endereço! londrino! surgem!
várias!vezes!num!caderno!de!argolas!usado!no!verãoRoutono!de!1935!(cf.!BNP/E3,!
7!Carta! de! Ofélia! Queiroz! a! Fernando! Pessoa! de! 25! de! Novembro! de! 1929! (NOGUEIRA!e! AZEVEDO,!
1996:!256R257).!!
8!Carta!de!Ofélia!Queiroz!a!Fernando!Pessoa!de!3!de!Março!de!1930!(NOGUEIRA!e!AZEVEDO,!1996:!
292).!
9!Carta!de!Luís!Miguel!Nogueira!Rosa!a!Fernando!Pessoa,!de!15!de!Setembro!de!1935!(BNP/E3,!1152R
109).!!!
144FR2r,! 6r! e! 14r;! ver! Fig.! 1),! em! que! Pessoa! também! escreveu! vários! poemas! de!
amor! em! inglês.! Madge! e! sua! irmã! Eileen,! que! em! 1935! completavam!
respectivamente! 31! e! 33! anos,! eram! oriundas! de! uma! família! irlandoRescocesa.! A!
mãe,!Teresa!Murphy,!nascida!em!1874!perto!de!Dublin,!era!irlandesa.!O!pai,!James!
Moncrieff! Anderson,! nascido! em! 1875! em! Glasgow,! era! escocês;! trabalhou! como!
engenheiro!e!viveu!longos!anos!na!Turquia,!onde!foi!administrador!da!Companhia!
de! Telefones! de! Constantinopla,! de! capital! britânico.10! Os! Anderson! eram! uma!
família! “com! plaid”! e! “muito! conservadora”,! segundo! afirma! Isabel! Murteira!
França,! sobrinhaRneta! de! Pessoa! e! também! sua! biógrafa! (FRANÇA,! 1987:! 236).! Por!
correspondência!inédita!de!Pessoa!para!o!seu!irmão!João!(John),!sabemos!que!um!
tio! de! Eileen! e! Madge,! Jack! MacManus,! se! deslocou! em! negócios! a! Portugal! em!
1934!e!se!encontrou!duas!vezes!com!Pessoa,!que!guardou!dele!uma!opinião!muito!
favorável.11!!
Fig."1."Endereço"londrino"de"Madge"(BNP/E3,"144F514r)."
Segundo!o!testemunho!oral!do!sobrinho!de!Pessoa,!Luís!Miguel!Rosa!Dias,!
Madge! terá! trabalhado! mais! tarde,! durante! a! segunda! guerra! mundial,! na!
decifração!de!mensagens!alemãs!(CAVALCANTI,!127).!Esta!informação!é!consistente!
com! um! registo! que! descobrimos! do! casamento,! a! 29! de! Agosto! 1939,! em!
Westminster,! de! Madge! –! isto! é,! Margaret! Mary! Moncrieff! Anderson,! seu!
verdadeiro!nome!completo12!–!com!Frederick!William!Winterbotham13,!que!chefiou!
a!Air!Section!do!Secret!Intelligence!Service!(SIS!ou!MI6)!entre!1929!e!1945.!Não!há!
dúvida! de! que! se! trata! da! mesma! Madge! que! Fernando! Pessoa! conheceu,! pois! o!
endereço! londrino! do! casal! em! 1939! era! o! mesmo! da! amiga! de! Pessoa! em! 1935.14!
10! ConsultaramRse! os! registos! de! nascimento! de! Margaret! Mary! Moncrieff! Anderson,! James!
Moncrieff! Anderson! e! Teresa! Mary! Murphy,! bem! como! o! Annuaire) Oriental) 1922,! Constantinople:!
Alfred!Rizzo,!1922,!p.!174.!Agradeço!a!preciosa!ajuda!de!Rijn!du!Toit!na!obtenção!destas!e!de!outras!
informações.!!
11!Carta!de!Fernando!Pessoa!a!João!Maria!Nogueira!Rosa,!2!de!Fevereiro!de!1934!(espólio!familiar,!
sem!cota).!
12! Nas! principais! fontes! oficiais,! como! o! registo! de! nascimento,! o! registo! da! universidade! que!
frequentou! e! o! jornal! oficial! inglês,! o! nome! completo! de! Madge! aparece! como! Margaret! Mary!
Moncrieff!Anderson.!Madge!é,!pois,!neste!caso,!um!diminutivo!de!Margaret!.!!
13! “Frederick! William! Winterbotham”,! in! Mitchell! Families! Online.! Acessível! em:!
http://mfo.me.uk/getperson.php?personID=I15804&tree=W1!!
14!1939!Electoral!Register!for!Westminster,!London,!in!Ancestry.co.uk,!record!40020_189923R00369,!e!
1939!National!Register!for!F.!Winterbotham,!in!Findmypast.co.uk,!record!TNARR39R0624R0624ER018.!!
Fred!Winterbotham!esteve!associado,!durante!a!guerra,!ao!trabalho!“ultraRsecreto”!
do! centro! de! decriptação! de! telecomunicações! de! Bletchley! Park.! O! nome! de!
Winterbotham! foi! praticamente! desconhecido! do! público! inglês! até! 1974,! ano! em!
que! publicou! The) Ultra) secret,! que! lhe! granjeou! fama! internacional,! pois! foi! o!
primeiro!livro!autorizado!a!relatar,!ainda!que!só!parcialmente,!a!história!secreta!de!
Bletchley!Park.!!
A!ligação!de!Madge!aos!serviços!secretos!britânicos!foi!confirmada!por!uma!
série! de! informações! oficiais! a! que! tivemos! acesso,! que! elucidam! não! só! o! seu!
percurso! profissional,! como! também! os! seus! principais! dados! biográficos! e! a! sua!
formação!académica.!Margaret!Mary!Moncrieff!Anderson!nasceu!a!7!de!Setembro!
de! 1904! em! Cathcart,! então! subúrbio! e! hoje! parte! integrante! da! cidade! de!
Glasgow.15!Em!1923,!com!19!anos,!Madge!iniciou!os!seus!estudos!na!Universidade!
de!St.!Andrews,!na!Escócia,!alojandoRse!na!residência!feminina!do!campus.!Com!os!
pais!então!a!viver!na!Turquia,!o!home)address!de!Madge!registado!em!St!Andrews!
era!o!endereço!paterno!em!Constantinopla.16!Após!ter!completado,!em!1926,!uma!
licenciatura! de! três! anos,! dita! “General! MA”17,! Madge! entrou! em! 1927,! com! 22!
anos,! ao! serviço! do! Foreign! Office,! em! Londres,! e! em! 1929! foi! nomeada! junior)
assistant! do! mesmo! ministério.18! Em! Abril! de! 1935,! na! lista! de! passageiros! de! um!
navio! com! destino! a! Portugal,! a! sua! profissão! declarada! é! a! de! assistant) principal,!
sem! outra! precisão.19! Sempre! vinculada! ao! Foreign! Office,! foi! admitida! em!
Bletchley!Park!em!Agosto!de!1939,!mês!do!seu!casamento!com!Winterbotham,!com!
a!categoria!de!junior)assistant!20,!não!se!sabe!com!que!funções.!Meses!depois!passou,!
juntamente! com! o! seu! marido,! de! Bletchley! Park! para! a! sede! do! SIS! (dita!
“Broadway”)!em!Londres.!A!partir!de!1942,!trabalhou!na!secção!de!intercepção!de!
comunicações! diplomáticas! e! comerciais! (Diplomatic! and! Commercial! Signals!
Intelligence)! do! SIS,! situada! em! Berkeley! Street,! Londres.21! Depois! da! guerra,!
15!National!Records!of!Scotland.!1904!Birth!Register.!Births!in!the!Parish!of!Cathcart!in!the!County!of!
Renfrew!(p.!183,!no.!547).!
16!Informação!obtida!junto!do!Alumni!Relations!Office,!University!of!St!Andrews.!
17! O! curso! estendeuRse! pelos! anos! lectivos! de! 1923R1924! a! 1925R1926! e! comprendeu! as! cadeiras! de!
English!Literature,!Natural!Philosophy!(1.º!ano),!French,!Philosophy,!Latin!(2.º!ano),!Greek,!English!
Literature,!English!Language!and!Philosophy,!French!(3.º!ano).!Informação!obtida!junto!do!Alumni!
Relations!Office,!University!of!St!Andrews.!
18! The) London) Gazette,! 6! de! Agosto! de! 1929,! p.! 5162.! O! nome! indicado! é! Margaret! Mary! Moncrieff!
Anderson.!
19! “Names! and! description! of! British! passengers! embarked! at! the! Port! of! Southampton,! 12th! April!
1935”,!in!Ancestry.co.uk,!record!41039_6001421R00318.!O!nome!indicado!é!Madge!Mary!Anderson.!
Agradeço! esta! e! outras! valiosas! informações! a! Kerry! Howard,! investigadora! da! história! de!
Bletchley!Park.!
20!Bletchley!Park!R!Roll!of!Honour!Certificate!em!nome!de!Miss!Madge!M.!Anderson.!Acessível!em:!
https://bletchleypark.org.uk/rollRofRhonour/171.!!
21!Bletchley!Park!R!Roll!of!Honour!Certificate!em!nome!de!Mrs.!Madge!Winterbotham.!Acessível!em:!
https://bletchleypark.org.uk/rollRofRhonour/9958.!
Madge! continuou! vinculada! ao! Foreign! Office,! mas! o! seu! casamento! com! Fred!
Winterbotham! (que! deixou! os! serviços! secretos! em! 1945)! durou! apenas! até! 1946.!
Madge!viveu!até!aos!83!anos,!falecendo,!aparentemente!sem!descendência,!a!3!de!
Julho!de!198822,!ou!seja,!semanas!depois!do!centenário!do!nascimento!de!Fernando!
Pessoa.!!
Madge! era! uma! mulher! “muito! culta,! mas! tinha! um! ‘feitio’! algo!
complicado”,!segundo!o!testemunho!de!sobrinho!de!Pessoa,!Luís!Miguel!Rosa!Dias!
(CAVALCANTI,! 127).! Segundo! Manuela! Nogueira,! reportandoRse! ao! ano! de! 1929,!
Madge! era! “muito! inteligente,! fria! e! com! um! casamento! difícil”! (in! NOGUEIRA! e!
AZEVEDO,!256).!A!mesma!também!se!referiu!a!Madge!deste!modo:!“Aquela!mulher!
enigmática!que!o!atraíra![a!Pessoa]!nas!vindas!a!Lisboa!e!que!logo!partia!sem!uma!
explicação! plausível.! Uma! louca,! achava! a! família!”23! Ao! citar! aqui! a! opinião! da!
“família”,! Manuela! Nogueira! estaria! possivelmente! a! referirRse! a! Eileen! e! John,!
respectivamente!irmã!e!cunhado!de!Madge,!que!mantiveram!relacionamento!com!
Teca!em!Portugal.!
No!segundo!semestre!de!1935,!Pessoa!e!Madge!trocaram!cartas,!pelo!menos!
duas!em!cada!sentido.!A!correspondência!iniciouRse!no!final!do!verão!ou!início!do!
outono,!período!em!que!tanto!um!como!o!outro!atravessaram!crises!depressivas.!A!
10!de!Outubro,!Pessoa!enviou!uma!segunda!carta!a!Madge,!acompanhada!de!um!
poema! seu! em! inglês,! intitulado! “D.! T.”! (iniciais! de! Delirium) Tremens),! em! que!
falava!de!amor,!do!seu!alcoolismo!e!da!sua!“alma!perdida”!(cf.!PIZARRO!e!PITTELLA,!
2016,! 98R102,! 273R274).! O! poema! agradou! a! Madge,! que,! respondendo! a! 14! de!
Novembro,! lhe! pediu! mais! versos,! para! lhe! levantarem! o! ânimo! –! tal! como! ela,!
dizia,!tentara!anteriormente!levantar!o!ânimo!de!Pessoa.!!!
"
Três"cartas"inéditas"
!
TranscreveRse!de!seguida!a!referida!correspondência!entre!Pessoa!e!Madge!–!ou!o!
que!dela!restou!no!espólio!do!poeta,!pois!terRseRá!perdido!pelo!menos!uma!carta.!
São!duas!cartas!de!Pessoa!e!uma!de!Madge,!bem!como!um!postal!assinado!por!esta!
última,!todas!até!hoje!inéditas.!Cronologicamente,!a!primeira!peça!é!um!rascunho!
sem! data! de! uma! carta! de! Pessoa! para! Madge,! datável! do! fim! do! verão! ou!
princípio! do! outono! de! 1935,! na! qual! Pessoa! pede! desculpa! pelo! seu!
“desaparecimento”! quando! da! última! estadia! de! Madge! em! Lisboa,! em! AbrilR
Maio.!Como!justificação!da!sua!fuga,!Pessoa!alega!uma!crise!depressiva.!Esta!carta!
provém!do!espólio!familiar.!
!
!Notícia!de!morte!de!Margaret!Moncrieff!Winterbotham,!The)Times,!6!de!Julho!de!1988.!!
22
! Palestra! “Second! life”! proferida! por! Manuela! Nogueira! em! 2009.! Acessível! em:!
23
https://ccvirtual.wordpress.com/2009/02/08/aRpalestraRdeRmanuelaRnogueira/.!!
My!dear!Madge!
I!have!been!wanting!to!write!to!you!for!a!long!time,!but,!as!I!never!really!
know! what! time! is,! that! unknown! element! has! dragged! on! till! now.! It!
generally!does!this!when!we!do!nothing.!
My!letter!will!be!simply!an!apology.!You!arrived!here!when!I!was!sinking!
and!you!stayed!here!till!I!had!sunk.!I!have!since!then!come!up!to!the!surface,!
but!I!would!be!hard!put!to!it!to!say!what!surface!that!is.!I!am!very!sorry!for!
all! that! happened,! meaning! my! discourtesy! in! disappearing,! but! you24! lost!
nothing! by! my! disappearance,! which! was! the! best! action25! that! some!
remnants!of!decency!could!dictate!to!a!man!practically!lost26!to!the!whole!of!
it.27!
Though! I! have! risen! to! the! apparent! surface28,! I! am! now! ready! to! sink!
again,! and! this! time,! I! think,! definitely.! I! should! like! you! to! remember! me!
with! Christian! charity! and! not! with! simple! human! contempt,! though! this!
would!be!the!right!and!proper!feeling29,!as!the!world!is.!!
Most!sincerely!yours,!
)
Tradução:!
!
Minha!querida!Madge!
Há! muito! que! tencionava! escreverRte,! mas,! como! nunca! sei! realmente! o!
que!é!o!tempo,!esse!dado!desconhecido!foiRse!arrastando!até!agora.!É!o!que!
geralmente!sucede!quando!não!fazemos!nada.!
Esta! minha! carta! será! simplesmente! um! pedido! de! desculpas.! Chegaste!
aqui!quando!eu!estava!a!afundarRme!e!por!cá!ficaste!até!eu!me!ter!afundado.!
Desde! então,! já! voltei! à! superfície,! mas! teria! dificuldade! em! dizer! de! que!
superfície! se! trata.! Lamento! muito! tudo! o! que! se! passou,! isto! é,! a! minha!
descortesia! em! ter! desaparecido,! mas! não! perdeste! nada! com! o! meu!
desaparecimento,!que!foi!a!melhor!acção!que!alguns!resquícios!de!decência!
poderiam!ditar!a!um!homem!praticamente!perdido!para!tudo!isso.!
Embora! eu! tenha! subido! à! aparente! superfície,! estou! agora! pronto! para!
me! afundar! novamente! e,! desta! vez,! penso! que! definitivamente.! Gostaria!
que! me! recordasses! com! caridade! cristã! e! não! com! simples! desprezo!
24!<I!am!sorry!I!was!what!I!was!when!you!came.!The!apology!lies!in!this>!I!am!very!sorry!for!all!that!
happened,![↓!meaning!my!discourtesy!in!disappearing,]!<though>!but!you!
25!<the!last!act!of>!the!best!action!
26!a!man![←!practically]!lost!!
27!SeguemRse!dois!novos!parágrafos,!que!foram!depois!riscados:!“The!apology!goes!on.!From!Teca’s!
permanent!indignation!against!me!I!gather!that!I!have!been!guilty.!|!All!that!I!really!want!to!say!is!
that!I!do!not!really!know!what!I!did!or!said!during!the!time!you!were!here.”!
28!the![↑!apparent]!surface!!
29!<direct>![↓!proper]!feeling!!
humano,! ainda! que! fosse! esse! o! sentimento! certo! e! apropriado,! no! mundo!
tal!como!ele!é.!!
Muito!sinceramente!teu,!
!
!
!
!
Fig"2."Rascunho"de"carta"sem"data"de"Pessoa"para"Madge.""
Espólio"familiar"de"Fernando"Pessoa,"sem"cota."
!
!
Não! foi! possível! encontrar! a! carta! de! Madge! em! resposta! a! esta.! Sabemos,!
porém,!que!ela!realmente!respondeu,!com!uma!“carta!simpaticamente!agressiva”,!
como! Pessoa! lhe! chama! em! nova! missiva! sua,! datada! de! 9! de! Outubro! de! 1935.!
Esta! última,! de! que! adiante! se! reproduz! o! rascunho! (Fig.! 3),! não! foi! até! hoje!
identificada!como!uma!carta!de!Pessoa!para!Madge,!dado!que!lhe!falta!a!menção!
inicial!do!destinatário.!Todavia,!uma!leitura!atenta!permite!identificar!claramente!
Madge!como!a!destinatária.!TrataRse!de!um!documento!muito!interessante!a!vários!
títulos,!pois!Pessoa!fala!de!um!poema!que!envia!juntamente!para!Madge!e!refereRse!
também!a!Salazar,!manifestando!descontentamento!com!o!seu!regime.!!
!
9/10/1935.)!
Thanks!very!much!for!your!kind!aggressive!letter,!of!the...!–!no,!it!is!of!no!
the! for! it! is! femininely! undated30.! “Dramatic! old! silly”! is! about! the! best!
definition! that! could! be! given! of! me31;! it! is! even! quite! sisterly,! except! that!
Teca!would!have!left!out!the!“dramatic”!and!the!“old”.!□,!for!instance,!□!
Perhaps!my!letter!was!to!a!certain!extent!stupid.!In!practical!things!–!and!
letters,! I! suppose,! are! practical! things32! –! I! generally! am! stupid.! But! I! am!
really!sorry!if!it!annoyed!you.!
Apart!from!all!that,!I!am!really!not!sinking!now.!Indeed,!I!am!feeling!far!
better!in!all!ways.!If!Eileen!and!John33!had!come!–!we!know!now!that!they!
are!not!coming!–,!they!would!not!have!been!present!at!any!variation,!major!
or!minor,!of!the!“sinking!trick”,!as!you!call!it.!
We!are!very!sorry!that!Eileen!and!John!could!not!come!this!year,!but!we!
look!forward!to!the!next!and!to!a!full!month’s!stay!on!their!part.!
As!you!know,!the!Baby!has!been!ill;!indeed,!at!one!time!he!seemed!very!
ill,! but! fortunately! the! matter! was! less! serious! than! it! looked! and! he! is!
rapidly!recovering.!He!is!now!quite!bright,!though!still!a!little!pale,!and!eats!
like!a!human!being!and!not!as!I!did!in!the!sinking!etc.!time.!
By!the!bye,!I!am!sending!you!a!beautiful!little!poem!I!wrote!at!Estoril!by!
the! end! of! April,! that! is! to! say34! about! a! month! before35! the! sinking!
variously36!aforesaid.!It!isn’t!worth!much!–!as!a!matter!of!fact,!it!isn’t!worth!
anything! at! all! –,! but! it! is! rather! curious,! I! think,! as! a! psychological!
document.!I!won’t!say!a!“human!document”,!because!this!expression!seems!
to!apply!to!escaped!convicts,!dope!fiends!and!the!like,!and!the!Premier!(bad!
30!femininely!<or!unworldlily>!undated!!
31!the!best!definition!<of!myself>!that!could!be!<found>![↑!given!of!me]!!
32!<belong!to!that>![↑!are!practical!things]!!
33!If!<John>!Eileen!and!John!
34!at!Estoril![←!by!the!end!of!April,!that!is!to!say]!
35!<about>![↑!before]!
36!<several!times>![↑!variously]!!
cess!to!him!)!has!not!yet!even!made37!a!convict!of!me,!since38!what!he!says!
does! not! carry39! conviction,! though! it! is! very! likely! he! will! force! me! to!
become!a!dope!fiend!or!a!the!like.!
The!poem!happens!to!be!sincere!enough,!though!it!contains!a!good!deal!
of!dramatic!new!silliness40.!It!is!a!terrible41!mixRup!of!feelings!of!all!sorts,!but!
then! so! was! I! when! I! wrote! it.! I! should! add! that,! first42,! there! was! a!
centipede,! since! its! corpse! was! visible! next! morning,! so! the! basis! of! my!
sincere!poem!is!a!lie;!second43,!I!don’t!like!candy.!
Love!from!us!all.!
Yours!ever,!!
)
Tradução:!
!
9/10/1935.!
Muito! obrigado! pela! tua! carta! simpaticamente! agressiva! do! dia...! –! não,!
não! é! de! dia! nenhum,! pois! veio! femininamente! não! datada.! “Velho! tonto!
dramático”! é! praticamente! a! melhor! definição! que! se! poderia! dar! de! mim;!
parece!mesmo!coisa!de!irmã,!excepto!que!a!Teca!teria!omitido!o!“dramático”!
e!o!“velho”.!□,!por!exemplo,!□!
Talvez! a! minha! carta! tenha! sido! até! certo! ponto! estúpida.! Em! coisas!
práticas! –! e! cartas,! suponho,! são! coisas! práticas! –! eu! sou! geralmente!
estúpido.!Mas!lamento!realmente!se!isso!te!aborreceu.!!
Aparte!isso,!não!estou!verdadeiramente!a!afundarRme!agora.!SintoRme,!de!
facto,! muito! melhor! em! todos! os! aspectos.! Se! a! Eileen! e! o! John! tivessem!
vindo! –! sabemos! agora! que! já! não! vêm! –,! já! não! teriam! presenciado!
nenhuma! variação,! maior! ou! menor,! do! meu! “truque! de! afundamento”,!
como!lhe!chamas.!!
Temos!muita!pena!que!a!Eileen!e!o!John!não!tenham!podido!vir!este!ano,!
mas!ficamos!ansiosos!que!no!próximo!ano!fiquem!por!cá!um!mês!inteiro.!
Como!sabes,!o!Bebé!tem!estado!doente;!a!dada!altura,!pareceu!até!muito!
doente,!mas,!felizmente,!o!caso!era!menos!sério!do!que!parecia!e!ele!está!a!
recuperar! rapidamente.! Está! agora! bastante! vivo,! embora! ainda! um! pouco!
pálido,! e! come! como! um! ser! humano,! não! como! eu! comia! na! fase! de!
afundamento!etc.!!
37!has!not!yet![←!even]!made!!
38!<nor!even!con>!since!!
39!<he!does!not!carr>!what!he!says!does!not!carry!
40!dramatic!<old>![↑!new]!silliness!!
41!<an!awful>![←!a!terrible]!!
42!<(1)>![↑!first]!
43!<(2)>![↑!second]!!
A! propósito,! envioRte! junto! um! belo! poemeto! que! escrevi! no! Estoril! em!
fins!de!Abril,!ou!seja,!cerca!de!um!mês!antes!do!afundamento!várias!vezes!
atrás!referido.!Não!vale!muito!–!na!verdade,!não!vale!absolutamente!nada!–,!
mas! acho! que! é! bastante! curioso! como! documento! psicológico.! Não! diria!
como! “documento! humano”,! pois! é! uma! expressão! que! parece! sobretudo!
aplicarRse!a!condenados!evadidos!da!prisão,!viciados!em!droga!e!outros!que!
tais,!e!o!primeiroRministro!(má!sorte!para!ele!)!ainda!nem!sequer!fez!de!mim!
um! condenado,! visto! que! o! que! ele! diz! não! é! convincente44,! embora! seja!
bastante! provável! que! me! obrigue! a! tornarRme! um! drogado! ou! algo!
semelhante.!
Sucede! que! o! poema! é! bastante! sincero,! ainda! que! contenha! uma! boa!
porção!de!nova!tontice!dramática.!É!uma!terrível!mistura!de!sentimentos!de!
todo! o! tipo,! mas! também! era! assim! que! eu! estava! quando! o! escrevi.! Devo!
acrescentar,! em! primeiro! lugar,! que! havia! realmente! uma! centopeia,! dado!
que!o!seu!cadáver!estava!visível!na!manhã!seguinte,!pelo!que!a!base!sincera!
do!meu!poema!é,!afinal,!uma!mentira;!e!em!segundo!lugar,!que!não!gosto!de!
rebuçados.!!
Com!amor!de!todos!nós,!o!sempre!teu,!
!
!
Como!complemento!desta!carta,!reproduzRse!adiante!(Figs.!4!e!5)!o!poema!“D.!
T.”!(iniciais!de!delirium)tremens,!como!se!disse),!que!Pessoa!enviou!juntamente!e!ao!
qual! se! refere! nos! dois! últimos! parágrafos! da! missiva,! embora! sem! o! identificar!
pelo!título.!Essa!identificação!foi!possível!a!partir!da!carta!que!o!acompanhou,!até!
agora! desconhecida.45! Pessoa! fez! três! cópias! a! químico! do! poema! dactilografado,!
uma!das!quais!assinada!pelo!seu!punho,!que!se!acham!no!espólio!do!poeta!na!BNP.!
SabeRse!por!um!rascunho!inacabado!de!carta!para!o!seu!irmão!Luís!Miguel,!datado!
de!15!de!Outubro!de!1935!(espólio!familiar,!sem!cota),!que!Pessoa!pensou!enviarR
lhe! também! uma! cópia! do! poema! “D.! T.”,! que! achava,! aliás,! “impróprio! para!
publicação”.!O!poema!já!tinha!sido!recitado!por!Pessoa!ao!irmão!Luís!Miguel!e!à!
cunhada!Eve!quando,!no!verão!desse!ano,!eles!estiveram!em!Portugal!(cf.!PIZARRO!
e!PITTELLA,!2017:!102).!
!
44! Trocadilho! intraduzível! com! as! palavras! convict! (condenado)! e! conviction! (duplo! sentido! de!
convicção!e!condenação).!A!expressão!to)carry)conviction!significa!ser!convincente.!
45! Agradeço! a! ajuda! de! Carlos! Pittella! na! identificação! do! poema! que! foi! enviado! a! Madge.! A!
propósito! deste! poema,! ver! «Como! escrever! em! estado! alcoólico»,! em! Como) Fernando) Pessoa) Pode)
Mudar)a)sua)Vida!(PIZARRO!e!PITTELLA,!2017).!O!poema!teve!a!sua!primeira!publicação!em!Fernando!
Pessoa,"Obra)Poética!(1960).!
!
!
!
!
- - --- - - - - ----- - -- - -- ~
!
Fig."3."Espólio"familiar"de"Fernando"Pessoa,"sem"cota."
!
!
)6 A-e,~
D. 'l'.
Then the centipedes come
Without trouble ,
The other day 1ndeed, I can see them well
W1th my shoe, on the wall, Or even double .
I k1lled a centipede I ' ll see them home
Wh1ah was not there at all. l'iith my shoe ,
1low can that be? And, When they all go to hell ,
It's very simple, you see - I ' ll go too .
Just the beg1nn1ng or D.'l'.
, on a whole , .i
'.1.'hen
fthen the pink alligator I shall be happy indeed,
And the tiger without a head ~ecause, with a shoe
Begin to take stature Real and true,
And derani to be red, I shall kill the true centipede •
Aa I have no shoes My lost soul •. .
F1t to kill those,
I think I'll start th1nk1ng:
Should I at op dr1nk1ng?
But 1t reallvhoesn't 11atter •••
Am I th1nner"~r fatter
!Secause this is this?
iiould I be wiser or bet tar
If l1re were other than this 1a?
No, nothing is right.
Your love m1gllt
Maka me better than I
Can be or can try •
dut we never know •
Darling, .!_don't know•
.1.r the sugar or your heart
Wo1Jld not turn out candy •••
So I let my heart smart
And I drink brandy.
!! !
Figs."4"e"5."Poema"“D."T.”"(não"datado)."BNP/E3,"16A557r"e"56r."
)
) D.)T.) D.)T.)
)
The!other!day!indeed,! No!outro!dia,!de!facto,!
With!my!shoe,!on!the!wall,! Com!o!meu!sapato,!na!parede,!
I!killed!a!centipede! Matei!uma!centopeia!!
Which!was!not!there!at!all.! Que!não!estava!lá.!
How!can!that!be?! Como!é!isto!possível?!
It’s!very!simple,!you!see!–! Pois!é!muito!simples!–!
Just!the!beginning!of!D.T.! É!só!o!princípio!de!D.T.!
!
When!the!pink!alligator! Quando!o!jacaré!corRdeRrosa!
And!the!tiger!without!a!head! E!o!tigre!sem!cabeça!
Begin!to!take!stature! Começarem!a!ganhar!estatura!
And!demand!to!be!fed,!! E!exigerem!ser!alimentados,!
As!I!have!no!shoes! Como!não!tenho!sapatos!
Fit!to!kill!those,! Adequados!para!os!matar,!
I!think!I’ll!start!thinking:! Acho!que!começarei!a!pensar:!
Should!I!stop!drinking?! Devo!parar!de!beber?!
!
But!it!really!doesn’t!matter...! Mas!nada!disso!importa,!realmente...!!
Am!I!thinner!or!fatter! Sou!mais!magro!ou!mais!gordo!
Because!this!is!this?! Por!isto!ser!como!é?!
Would!I!be!wiser!or!better! Seria!eu!mais!sábio!ou!melhor!
If!life!were!other!than!this!is?! Se!a!vida!fosse!diferente?!
!
No,!nothing!is!right.! Não,!nada!é!certo.!
Your!love!might! O!teu!amor!poderia!
Make!me!better!than!I! TornarRme!melhor!do!que!eu!
Can!be!or!can!try.! Posso!ser!ou!tentar.!
But!we!never!know!–! Mas!nunca!poderemos!saber!–!!
Darling,!I!never!know! Querida,!eu!não!posso!saber!
If!the!sugar!of!your!heart! Se!o!açúcar!do!teu!coração!
Would!not!turn!out!candy...! Não!se!tornaria!rebuçado...!
So!I!let!my!heart!smart! Deixo,!pois,!o!coração!doer!
And!I!drink!brandy.! E!bebo!aguardente.!
!
Then!the!centipedes!come! Então!as!centopeias!vêm!
Without!trouble.! Sem!embaraço.!
I!can!see!them!well! Posso!vêRlas!bem!
Or!even!double.! Ou!até!a!dobrar.!
I’ll!see!them!home! LeváRlasRei!a!casa!
With!my!shoe,!! Com!o!meu!sapato,!
And,!when!they!all!go!to!hell,! E,!quando!forem!para!o!inferno,!
I’ll!go!too.! Irei!eu!também.!
!
Then,!on!a!whole,!! Então,!em!suma,!
I!shall!be!happy!indeed,! Serei!realmente!feliz,!
Because,!with!a!shoe! Porque,!com!um!sapato!
Real!and!true,! Real!e!verdadeiro,!
I!shall!kill!the!true!centipede!–!! Matarei!a!verdadeira!centopeia!–!
My!lost!soul...!! A!minha!alma!perdida...46!
!
Na!carta,!acima!transcrita,!que!este!poema!acompanhava,!Pessoa!afirma!têR
lo!escrito!no!Estoril!(isto!é,!na!casa!da!Teca)!em!fins!de!Abril!de!1935,!precisando!
que!isso!sucedeu!um!mês!antes!do!episódio!do!seu!“afundamento”!e!da!chegada!
de!Madge!a!Portugal.!Tal!cronologia!parece!pretender!afastar!da!mente!de!Madge!
qualquer!relação!do!poema!com!ela!ou!com!o!dito!episódio.!Não!é!fácil!acreditar!
que!assim!fosse,!nem!a!cronologia!de!Pessoa!parece!estar!correcta.!Não!se!conhece!
a!data!precisa!de!chegada!de!Madge,!mas!sabeRse!que!ela!embarcou!a!12!de!Abril!
! Tradução,! tanto! quanto! possível! literal,! do! autor! deste! artigo,! com! a! colaboração! de! Ricardo!
46
Vasconcelos.!
em!Southampton!com!destino!a!Lisboa47,!pelo!que!em!fins!desse!mês!(e!não!em!fins!
de!Maio)!ela!já!estaria!seguramente!em!Portugal!e!até!poderia!terRse!já!encontrado!
no!Estoril!com!Pessoa,!antes!do!“afundamenteo”!e!“desaparecimento”!deste.!Com!
efeito,! numa! carta! posterior! (ver! adiante),! Madge! dirá! que! passaram! sete! meses!
“since! I! saw! you”,! o! que! situaria! um! encontro! com! ele! em! Abril! –! se! esse! you!
engloba!Pessoa,!como!parece!englobar.!!
Contra! o! costume! de! Pessoa,! o! poema! “D.! T.”! não! está! datado! nem! no!
original! manuscrito! nem! na! versão! dactilografada.! Na! descrição! que,! na! carta,!
Pessoa! faz! do! poema,! afirma! que! ele! é! “bastante! sincero”! (para,! mais! adiante,!
sugerir! ironicamente! o! contrário)! e! que! contém! uma! “terrível! mistura! de!
sentimentos! de! todo! o! tipo”.! No! rascunho! da! carta! ao! irmão! Luís,! atrás! referida,!
Pessoa! diz! tratarRse! de! um! “poema! alcoólico! ou! pósRalcoólico”! que! expõe! uma!
“mistura! de! ideias! e! sentimentos! bastante! desconexos! entre! si”.! Na! verdade,! o!
poema!descreve!sucintamente!a!encruzilhada!psicológica!do!autor,!posto!perante!a!
escolha!entre!o!alcoolismo!e!o!amor,!optando!afinal!pelo!brandy,!embora!saiba!que!
lhe! matará! a! alma.! Não! se! pode! aqui! deixar! de! pensar! na! correspondência! de!
Ofélia! para! Pessoa,! em! que! o! vinho,! a! aguardente! e! o! “Abel”48! interferem!
regularmente!no!namoro.!Escrito!com!ironia!e!autoderisão,!o!poema!“D.T.”!desce!
sem!complacências!ao!âmago!do!dilema!existencial!do!poeta,!para!enfim!concluir!
que! o! melhor! é! continuar! a! beber! até! à! perdição.! Com! este! final,! fingida! ou!
sinceramente! desesperado,! o! poeta! parece! novamente! colocarRse! na! atitude! de!
apelar!à!“caridade!cristã”!de!Madge,!como!na!primeira!carta!para!ela.!
Na! carta! que! acompanha! o! poema,! Pessoa! refereRse! ao! Bebé! (“Baby”),!
tratamento!familiar!dado!ao!sobrinho!do!poeta,!Luís!Miguel!Rosa!Dias,!nascido!a!1!
de! Janeiro! de! 1931! (tinha,! portanto,! quatro! anos),! filho! da! Teca! e! de! Francisco!
Caetano!Dias.!!
Pessoa!refereRse!também!nessa!carta!a!um!primeiroRministro,!“the!Premier”,!
queixandoRse! dele! e! desejandoRlhe! má! sorte! (“bad! cess! to! him!”).! TrataRse!
obviamente!de!Salazar,!nesse!cargo!desde!1932.!Por!detrás!do!azedume!de!Pessoa!
para!com!o!“Premier”,!pressentemRse!as!razões!e!os!factos!que,!nesse!ano!de!1935,!
conduziram! o! escritor! a! uma! oposição! frontal! ao! regime! de! Salazar.! Entre! esses!
factos,!refiraRse!a!extinção!da!Maçonaria,!cujo!projecto!de!lei!mereceu!a!veemente!
oposição!de!Pessoa,!com!a!publicação!do!artigo!“Associações!Secretas”!no!Diário)de)
Lisboa) de! 4! de! Fevereiro! de! 1935! (PESSOA,! 2011).! RefiraRse! também! o! discurso! de!
Salazar! a! 21! do! mesmo! mês,! na! sessão! de! distribuição! dos! prémios! literários! do!
Secretariado! de! Propaganda! Nacional! –! discurso! que! provocou! a! ira! de! Pessoa,!
47! Lista! de! passageiros! acima! citada.! O! navio! “Dempo”,! da! Rotterdam! Lloyd,! tinha! como! destino!
último!a!Índia!e!fazia!as!primeiras!escalas!em!Roterdão!e!Lisboa.!
48!“Abel”!era!o!modo!como!Pessoa!se!referia!a!uma!loja!de!vinhos!da!firma!Abel!Pereira!da!Fonseca,!
por! ele! assiduamente! frequentada! e! onde! foi! retratado! “em! flagrante! delitro”,! como! o! poeta!
escreveu!no!verso!da!fotografia!oferecida!a!Ofélia!Queiroz.!
pela! defesa! que! o! ditador! ali! fez! da! imposição! de! limitações! (censura)! e! de!
directrizes! políticas! à! criação! artística! e! literária.! São! conhecidas! as! queixas! de!
Fernando! Pessoa! em! 1935,! relativamente! à! censura! do! Estado! Novo,! que!
nomeadamente! o! impediu! de! retorquir! aos! críticos! do! seu! artigo! sobre! a!
Maçonaria,! e! também! a! sua! torrente! de! poemas! satíricos! e! textos! políticos! contra!
Salazar!e!o!seu!regime!durante!o!mesmo!ano!(PESSOA,!2011!e!2015).!
Madge!demorou!várias!semanas!a!responder!a!esta!segunda!carta!de!Pessoa!
–! datada,! como! se! vê! no! rascunho,! de! 9! de! Outubro! –! e! a! agradecerRlhe! o! poema!
“D.!T.”.!FêRlo,!segundo!se!depreende!da!sua!cartaRresposta,!a!14!de!Novembro,!dia!
de!eleições!parlamentares!em!Inglaterra.!PresumindoRse!que!Madge!terá!enviado!a!
sua!carta!na!data!em!que!a!escreveu,!Pessoa!têRlaRá!recebido!por!volta!de!20!ou!21!
de!Novembro.!Como!se!sabe,!o!poeta!teve!uma!crise!a!26,!foi!internado!no!hospital!
a! 28! e! morreu! a! 30! de! Novembro! de! 1935.! ConcluiRse,! portanto,! que! Pessoa! terá!
recebido! a! carta! de! Madge! poucos! dias! antes! de! ser! internado.! Não! existem!
indícios! de! que! ainda! lhe! tenha! respondido.! TranscreveRse! abaixo! integralmente!
esta! carta,! seguida! das! imagens! do! original! (Figs.! 6! a! 9).! O! original! pertence! ao!
espólio! de! Fernando! Pessoa! consultável! na! BNP,! mas! a! carta,! aparentemente!
conhecida! de! alguns! investigadores,! manteveRse! até! hoje! inédita,! talvez! pelas!
dificuldades!que!a!sua!leitura!oferece.!
!
!
Fernando!My!Dear!
My! little! poem! was! a! great! pleasure! and! so! was! the! letter! that!
accompanied! it.! The! time! I! have! taken! to! reply! is! a! further! tribute! to! you!
since!on!all!the!occasions!when!I!have!intended!writing!and!failed!to!do!so!I!
have!devoted!many!thoughts!to!you.!!
I! feel! almost! as! depressed! as! you! did! when! you! wrote! the! first! time.!
Everything!seems!to!go!wrong!at!the!same!time:!or!a!probable!explanation!
to!account!for!it!all!would!be!some!strange!humour!in!the!blood!stream!!
Anyway! life! seems! hell! and! death! about! the! same! thing! at! the! moment!
and!brandy!is!dearer!here!and!ruins!the!complexion!and!gives!rise!to!poems!
not!all!as!worth!committing!to!paper!as!the!one!its!author!condemned.!
John! and! Eileen! came! back! from! Mallorca! the! other! day! and! were!
delighted!as!I!was!to!hear!of!the!Baby’s!recovery.!
By!the!way!–!it’s!the!14th!November!and!election!day!so!don’t!complain!of!
my! lack! of! vote! or! femininity.! I! caused! indignation! by! refusing! to! vote! on!
the!grounds!that!parliament!should!be!abolished.!!
I’d!love!to!be!setting!off!on!a!visit!to!you!all!again.!Since!I!saw!you!I’ve!
done!7!months!work!and!by!Jove!!it’s!too!much!at!a!stretch.!!
Write! me! another! little! poem! sometime! soon! and! teach! me! how! to!
recover!my!spirits!as!I!tried!to!do!for!you!!
Give!my!love!to!all!the!family!not!forgetting!yourself.!
!
!
Tradução:!
!
1!Catherine!House!
Catherine!Street!
S.W.!1.!!!!!VIC!5317!
Meu!querido!Fernando!
O! meu! poemeto! deuRme! um! grande! prazer,! tal! como! a! carta! que! o!
acompanhou.!O!tempo!que!demorei!a!responder!é!mais!uma!homenagem!a!
ti,! pois! que! em! todas! as! ocasiões! em! que! tencionei! escreverRte! e! não!
consegui,!dediqueiRte!sempre!muitos!pensamentos.!!
SintoRme! quase! tão! deprimida! como! tu! estavas! da! primeira! vez! que! me!
escreveste.! Tudo! parece! correr! mal! ao! mesmo! tempo;! ou! uma! provável!
explicação! para! tudo! isto! seria! a! presença! de! um! estranho! humor! na!
circulação!sanguínea!!
De!qualquer!modo,!a!vida!parece!um!inferno!e!a!morte!mais!ou!menos!o!
mesmo!neste!momento,!e!o!brandy!é!aqui!mais!caro!e!dá!cabo!da!aparência!
física! e! dá! origem! a! poemas! que! não! valem! tanto! a! pena! ser! passados! a!
papel!como!aquele!que!o!seu!autor!condenou.!!
John!e!Eileen!regressaram!no!outro!dia!de!Mallorca!e!ficaram!encantados!
por!saberem!da!recuperação!do!Bebé.!!
A! propósito,! hoje! é! 14! de! Novembro! e! dia! de! eleições,! por! isso! não! te!
queixes!da!minha!falta!de!voto!e!da!minha!feminilidade.!Causei!indignação!
por! ter! recusado! votar! com! o! argumento! de! que! o! parlamento! devia! ser!
abolido.!
Adoraria!estar!novamente!de!partida!em!visita!a!vocês!todos.!Desde!que!
vos!vi,!já!trabalhei!sete!meses!e,!por!Jove!,!é!demasiado!duma!só!vez.!!
EscreveRme!outro!poemeto!em!breve!e!ensinaRme!a!levantar!o!ânimo,!tal!
como!eu!tentei!fazer!contigo!!
Com!o!meu!amor!para!toda!a!família,!não!te!esquecendo!a!ti!
Madge!
!
!
!
!
!
!
Fig."6."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa,"datável"de"14"de"Novembro"de"1935"(BNP/E3,"11525108)."
!
!
!
!
!
Fig."7."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"segunda"página"
!
!
!
!
!
Fig."8."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"terceira"página"
!
!
!
!
!
Fig."9."Carta"de"Madge"a"Fernando"Pessoa;"quarta"página"
!
!
Fig."10."“The"happy"sun"is"shining...”"(BNP/E3,"49A7519r)."
!
!
Fig."11."“The"happy"sun"is"shining...”"(BNP/E3,"49A7519v)."
!
Há!ainda,!no!espólio!de!Pessoa,!um!enigmático!postal!ilustrado!inglês,!não!
datado,! sem! nome! nem! endereço! do! destinatário,! sem! selo! dos! correios! nem!
carimbo!(Figs.!12!e!13).!É!aparentemente!assinado!por!Madge!Anderson,!mas!nem!
essa! assinatura! nem! o! texto! da! correspondência! são! do! seu! punho,! como! pode!
constatarRse! pelo! cotejo! com! a! carta! autógrafa! de! Madge! acima! reproduzida! (ver!
adiante!as!Figs.!14!e!15).!O!postal!foi!aparentemente!enviado!de!Inglaterra!dentro!
de!um!envelope!e!o!destinatário!terá!sido,!muito!provavelmente,!Pessoa,!uma!vez!
que!se!encontra!no!seu!espólio.!A!caligrafia!poderá!eventualmente!ser!de!Eileen49!
ou!de!outra!possível!irmã!de!Madge,!já!que!uma!Cecilia!Mary!Anderson!viveu!nos!
anos!1930!com!Madge!no!mesmo!endereço!londrino!de!Catherine!Street.50.!O!texto!
do!postal!ilustrado!diz:!“I!hope!you!are!better!and!better!and!up!and!up.!We!tried!
49! O! exame! da! caligrafia! de! Eileen,! embora! numa! data! bastante! posterior,! parece! sustentar! essa!
hipótese.! Ver:! “Carta! de! Março! de! 1968! de! Eileen! &! John! Rosa! para! Hubert! &! Irene! Jennings”.!
Hubert) Jennings) papers,! Ms.2016.002,! Brown! University! Library.! Acessível! em:!
https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:707505/!!
50!1939!Electoral!Register!for!Westminster,!London,!in!Ancestry.co.uk,!record!40020_189923R00369.!
pigeon! post! but! they! turned! out! to! be! doves! and! only! coo! and! bill”! [Espero! que!
estejas!cada!vez!melhor,!sempre!para!cima.!Tentámos!pombosRcorreios,!mas!afinal!
eram! rolinhas! e! só! arrulhavam].! É! possível! que! tenha! sido! este! postal! a!
desencadear!a!troca!de!cartas!entre!Pessoa!e!Madge!a!partir!do!verão!de!1935.!!
!
!
Fig."12."Postal"ilustrado"com"relevo"da"catedral"de"Lincoln"(BNP/E3,"1152597v)."
!
!
Fig."13."Texto"no"postal"ilustrado"(BNP/E3,"1152597r)."
"
Brandy"contra"candy""
!
A! julgar! por! alguns! dos! seus! poemas! de! 1935,! especialmente! “The! happy! sun! is!
shining...”,! pode! concluirRse,! como! Ángel! Crespo! concluiu! em! 1989,! que,! na!
véspera!da!sua!morte,!Fernando!Pessoa!dava!evidentes!sinais!de!estar!apaixonado!
ou!de,!pelo!menos,!ter!assomos!de!paixão.!Certamente!que!o!seu!estado!psíquico!
obstava!a!uma!vivência!“normal”!do!sentimento!amoroso,!ao!que!o!próprio!poeta!
talvez!aludia,!quando!em!“D.T.”!falava!da!sua!“alma!perdida”!ou,!na!primeira!das!
suas!cartas!a!Madge,!se!considerava!“praticamente!perdido!para!tudo!isto”.!O!algo!
hermético!poema!“He!wrote!wonderful!verse...”!(Anexo!3),!de!18!de!Julho!de!1935,!
também! parece! testemunhar! essa! dolorosa! consciência,! no! contexto! de! uma!
justificação!do!alcoolismo!fundada!na!alegada!impossibilidade!de!se!“salvar”.!!
O! amor! era! por! vezes! encarado! por! Pessoa,! desde! a! juventude,! como! uma!
ameaça!à!sua!obra!literária,!mas!o!álcool!representaria!certamente!um!perigo!bem!
mais! real! para! a! sua! saúde! física! e! mental,! a! sua! vida! amorosa! (vejamRse,! a! esse!
propósito,! as! alusões! ao! álcool! na! correspondência! de! Ofélia! para! Pessoa)! e,! até!
certo! ponto,! para! a! sua! própria! obra,! a! qual,! dispersa! por! projectos! quase! nunca!
realizados! e! precocemente! terminada,! se! quedou! em! boa! parte! fragmentária! e!
inédita.!!
Na! “misteriosa”! relação! que! manteve! com! Madge,! Pessoa! parece! ter!
revivido! o! sentimento! de! beco! sem! saída! da! sua! vida! amorosa,! já! antes!
experimentado! com! Ofélia! e! parcialmente! determinado! por! idênticas! razões,! com!
destaque!para!o!círculo!vicioso!da!solidão!e!do!álcool.!Isso!poderá!contribuir!para!
explicar! o! “desaparecimento”! de! Pessoa! em! Maio! de! 1935,! após! a! chegada! de!
Madge! a! Lisboa,! apesar! da! conhecida! “simpatia! recíproca”! que! existia! entre! os!
dois.! Na! verdade,! há! muito! que! a! vida! social! do! poeta! se! ia! rarefazendo.! Meses!
antes,!em!Dezembro!de!1934,!Pessoa!faltara!a!um!encontro!marcado!num!café!de!
Lisboa! com! a! poetisa! Cecília! Meireles,! que! o! admirava.! Mas! já! num! poema! de!
Junho! de! 1929! Álvaro! de! Campos! falava! do! “desencontro! que! é! a! vida”! e! se!
regozijava!pelo!seu!assumido!“desleixo”!de!ter!faltado!a!dois!encontros!marcados!
com!pessoas!diferentes,!em!dois!locais!distintos,!à!mesma!hora!–!“deliberadamente!
à!mesma!hora”.51!!
Se,!na!vida!real,!a!atitude!de!Pessoa!era!frequentemente!de!fuga!e!de!refúgio!
na!solidão,!já!na!poesia!ele!não!se!escondia!tanto,!nem!disfarçava!tanto,!pelo!menos!
perante! si! próprio,! os! seus! sentimentos! –! embora! noutros! poemas! escrevesse! que!
“There! are! many! ointments! |! For! love:! |! It’s! only! a! skin! disease”! [Há! muitos!
unguentos!|!Para!o!amor:!|!É!só!uma!doença!de!pele]52!ou!declarasse!estoicamente!
já! nada! querer! da! vida! (verso! final! de! “A! rapariga! inglesa...”)! ou! afirmasse,!
suicidariamente,!preferir!o!brandy!ao!candy,!a!aguardente!ao!rebuçado!(“D.T.”).!
!“Ah!a!frescura!na!face!de!não!cumprir!um!dever...”!(PESSOA,!2014:!234).!!))
51
!“Never!mind...”!(poema!inédito!de!ca.!1935;!BNP/E3,!49A7R22r).!
52
TenhaRse! em! conta! o! que! Fernando! Pessoa,! Bernardo! Soares! e! Álvaro! de!
Campos! escreveram! sobre! a! fatal! insinceridade! dos! poetas,! admitindo! excepção!
apenas! para! Alberto! Caeiro53,! e! rememoremRse! as! prudentes! palavras! de! Casais!
Monteiro!a!propósito!da!interpretação,!a!partir!de!factos!biográficos,!da!poesia!do!
“insincero! verídico”.! Não! se! pode,! assim,! deixar! de! encarar! com! reserva! as!
tentadoras!conjecturas!que!seria!fácil!tecer!em!torno!de!relações!tão!complexas,!por!
vezes!insondáveis,!como!as!que!certamente!há!entre!a!vida!afectiva!e!a!obra!lírica!
de! Pessoa.! As! biografias! dos! poetas,! como! as! outras,! têm! de! assentar!
principalmente! em! factos! documentados.! Os! dados! aqui! apresentados! sobre! a!
última!paixão!de!Pessoa!sugerem!apenas!uma!mera!possibilidade.!!
ReúnemRse!nos!Anexos!dez!poemas!de!tema!amoroso!de!Fernando!Pessoa.!
Nove!deles!são!datáveis!de!1935,!servindo!para!ilustrar!o!que!aqui!se!disse!sobre!o!
período!apaixonado!que!o!poeta!viveu!no!fim!da!vida.!
!VejaRse,!pela!grande!proximidade!cronológica,!a!“Nota!ao!acaso”!de!Álvaro!de!Campos!(PESSOA,!
53
1935).!
Anexos!
!
I.! “A! rapariga! inglesa,! tão! loura,! tão! jovem,! tão! boa...”! (BNP/E3,! 60AR14r! a! 16r;!!
atribuído!a!Álvaro!de!Campos).!
!
! ! ! ! ! ! ! ! ! 29/6/1930!
A!rapariga!inglesa,!tão!loura,!tão!jovem,!tão!boa!
Que!queria!casar!comigo…!
Que!pena!eu!não!ter!casado!com!ela…!
Teria!sido!feliz!
Mas!como!é!que!eu!sei!se!teria!sido!feliz?!
Como!é!que!eu!sei!qualquer!coisa!a!respeito!do!que!teria!sido!
Do!que!teria!sido,!que!é!o!que!nunca!foi?!
!
Hoje!arrependoRme!de!não!ter!casado!com!ela,!
Mas!antes!que!até!a!hipótese!de!me!poder!arrepender!de!ter!casado!com!
ela.!
E!assim!é!tudo!arrependimento,!
E!o!arrependimento!é!pura!abstracção.!
Dá!um!certo!desconforto!
Mas!também!dá!um!certo!sonho…!
!
Sim,!aquela!rapariga!foi!uma!oportunidade!da!minha!alma.!
Hoje!o!arrependimento!é!que!é!afastado!da!minha!alma.!
Santo!Deus!!que!complicação!por!não!ter!casado!com!uma!inglesa!que!já!!
me!deve!ter!esquecido!...!
Mas!se!não!me!esqueceu?!
Se!(porque!há!disso)!me!lembra!ainda!e!é!constante!
(Escuso!de!me!achar!feio,!porque!os!feios!também!são!amados!
E!às!vezes!por!mulheres!)!
Se!não!me!esqueceu,!ainda!me!lembra.!
Isto!realmente,!é!já!outra!espécie!de!arrependimento.!
E!fazer!sofrer!alguém!não!tem!esquecimento.!
!
Mas,!afinal,!isto!são!conjecturas!da!vaidade.!
Bem!se!háRde!ela!lembrar!de!mim,!com!o!quarto!filho!nos!braços,!
Debruçada!sobre!o!Daily)Mirror!a!ver!a!Princesa!Maria.!
!
Pelo!menos!é!melhor!pensar!que!é!assim.!
É!um!quadro!de!casa!suburbana!inglesa,!
É!uma!boa!paisagem!interior!de!cabelos!louros,!
E!os!remorsos!são!sombras…!
Em!todo!o!caso,!se!assim!é,!fica!um!bocado!de!ciúme.!
O!quarto!filho!do!outro,!o!Daily)Mirror!na!casa!deles.!
O!que!podia!ter!sido…!
Sim,!sempre!o!abstracto,!o!impossível,!o!irreal!mas!perverso!–!
O!que!podia!ter!sido.!
Comem!marmelada!ao!pequenoRalmoço!em!Inglaterra…!
VingoRme!em!toda!a!burguesia!inglesa!de!ser!um!parvo!português.!
!
Ah,!mas!ainda!vejo!
O!teu!olhar!realmente!tão!sincero!como!azul!
A!olhar!como!uma!outra!criança!para!mim…!
E!não!é!com!piadas!de!sal!do!verso!que!te!apago!da!imagem!
Que!tens!no!meu!coração;!
Não!te!disfarço,!meu!único!amor,!e!não!quero!nada!da!vida.!
!
!
!
Fig."16."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A514r).!
!
!
Fig."17."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A515r)."
!
!
Fig."18."“A"rapariga"inglesa…”"(BNP/E3,"60A516r).!
II.!“Was!it!just!a!kiss?...”!(BNP/E3,!49A7R11r).!
!
! ! ! ! ! ! 28R4R1935.!
Was!it!just!a!kiss?!
Was!it!more!than!this?!
Was!he!just!too!kind?!
Were!you!just!too!blind?!
Anyhow!
I!want!to!know.!
I!am!not!jealous;!
No,!I!am!just!zealous!!
That!you!should!not!fall.!
And!I!think!I’ll!forgive,!
Oh,!I’m!sure!I’ll!forgive!
If!only!you!tell!me!all.!
!
Was!it!just!a!touch!
On!your!arm?!Was!it!more?!
Was!it!just!a!kiss!
Or!something!more!than!this?!
Tell!me,!tell!me,!although!
It!may!pain!me,!oh!pain!me!
To!know.!
Did!you!smile?!Did!you!kiss?!Did!you!fall?!
I!shall!really!forgive,!
Oh,!I’m!sure!I’ll!forgive,!
If!only!you!tell!me!all.!!
!
I!know!nothing!about!
What!happened,!but!say!
What!happened.!You!may.!!
Don’t!leave!me!in!doubt.!
The!worst!may!make!smart!
Or!break!my!heart,!
But!I!shall!have!the!better!part.!
(Oh,!it!was!not!just!a!kiss:!
It!was!more!than!this...!
Oh,!why!did!you!fall?)!
Yes,!I!shall!have!the!better!part,!
For!I’ll!really!forgive,!
Oh,!my!God,!I’ll!forgive,!
If!only!you!tell!me!all.!
!
!
!
!
!
Fig."19."“Was"it"just"a"kiss?...”"(BNP/E3,"49A7511r).!
!
!
!
!
!
!
!
Fig."20."“He"wrote"wonderful"verse...”"(BNP/E3,"49A7512r).!
III.!“He!wrote!wonderful!verse...”!(BNP/E3,!49A7R12r).!
!
! ! ! ! ! ! ! 18R7R35.!
He!wrote!wonderful!verse!
And!was!drunk!all!the!time.!
It!might!have!been!worse.!
He!might!have!written!worse!verse!
Though!in!a!better!liquid54!clime.!
!
These!things!are!all!wrong.!
We!never!know!
Who!is!weak!or!strong!
Or!only!soRso.!
As!men!of!mankind,!we!live!and!long!
And!worry!always!on!although.!
!
Yes,!we!never!get!right!
Except!when!we!have,!
Once!and!for!all,!the!real!sight!
Of!what!might!save;!
And!that!is!always!something!tossed!
Between!what!is!or!tries!to!be!
Or!something!we!cannot!recall,!
Or!something!simply!lost!
Or!something!we!might!hope!to!see,!
Or!simply!nothing!at!all.!!
!
!
IV.!“Sim,!um!momento...”!(BNP/E3,!63R29).!
!
19R7R35!
Sim,!um!momento!
Ainda!passas!
Pelo!meu!vago!pensamento,!
E!lembrarRte!seria!um!tormento!
Se!imaginar!fosse!desgraças.!
!
Sim,!nessa!hora!
Em!que!falámos!mais!a!olhar!
Do!que!a!falar!
!!mental![↑!liquid]!!
54
Resultou!esta!crónica!demora!
Que!tenho!agora!ao!te!lembrar.!
!
Apareceste!
Em!minha!vida!
Como!uma!coisa!que!estava!lá!fora.!!
Desapareceste.!
Mais!tarde!soube!da!tua!ida.!!
!
Contudo,!contudo,!!
conseguiste!
PrenderRme!um!pouco!o!coração.!
É!um!coração!triste!
E!não!
Se!entende!com!tudo!
!
Nem!tem!jeito!
Para!se!fazer!amar!
Ou!para!o!imaginar,!
Salvo!quando!
Teu!olhar!
Teimosamente!brando!
Me!fazia!saltar!
O!coração!dentro!do!peito.!
!
Onde!ia!eu?!
Já!me!esquecia...!
Sim,!o!meu!coração!foi!teu!
Naquele!dia,!
Naquele!dia!ou!noutro!dia...!
Nem!se!houvesse!outra!terra!ou!outro!céu!
Qualquer!coisa!aconteceria.!!
!
!
!
!
Fig."21."“Sim,"um"momento...”"(BNP/E3,"63529r).!
!
!
Fig."22."“Sim,"um"momento...”"(BNP/E3,"63529v).!
V.!“Am!I!such...”!(BNP/E3,!144FR5r!;!VerãoROutono!de!1935).!
!
Am!I!such!
As!you!won’t!touch,!
So!much!so!much!beyond!recall?!
Well,!it!doesn’t!matter!much!
It!doesn’t!matter!at!all!!
!
You!said!you!were!glad!
To!be!with!me,!
And!that!when!you!were!sad!
You!didn’t!feel!so!bad!
When!I!spoke!and!you!laughed!
And!you!really!laughed.!!
!
!
Fig."23."“Am"I"such...”"(BNP/E3,"144F55r)."
VI.!“There!was!a!wonderful!lady...”!(BNP/E3,!144FR5v;!VerãoROutono!de!1935).!
!
There!was!a!wonderful!lady,!
Oh!such!a!wonderful!lady!
Waiting!for!me,!
Oh!waiting!for!me,!
But!on!the!wrong!platform!or!on!the!wrong!street!
Or!in!any!place!where!we!cannot!meet...!
Such!a!wonderful!lady!
The!wonderful!lady!
So!impossibly!sweet!!
!
!
!
!
Fig."24."“There"was"a"wonderful"lady...”"(BNP/E3,"144F55v)."""
!
!
VII.!“The!girl!I!had!and!lost...”!(BNP/E3,!49A7R14r).!!
!
28R7R1935!
The!girl!I!had!and!lost...!
Of!course!she!had!to!be...!
She!had!to!be!lost,!
To!be!lost!to!me.!
I!loved!her!and!I!thought!
She!loved!me!like!I!her,!
But!she’d!another!thought.!
!
!
Fig."25."“The"girl"I"had"and"lost...”"(BNP/E3,"49A7514r).!
!
VIII.!“A!Outra”!(BNP/E3,!16R49r!e!49ar).!
!
! ! ! ! ! ! 28R7R1935!
A)Outra)
!
Amamos!sempre!no!que!temos!
O!que!não!temos!quando!amamos.!
O!barco!pára,!largo!os!remos!
E,!um!a!outro,!as!mãos!nos!damos.!
A!quem!dou!as!mãos?!
À!Outra.!
!
Teus!beijos!são!de!mel!de!boca,!
São!os!que!sempre!pensei!dar,!
E!agora!a!minha!boca!toca!
Os!beiços!que!sonhei!beijar55.!
De!quem!são!os!beiços56?!
Da!Outra.!
!
Os!remos!já!caíram!na!água,!
O!barco!faz!o!que!a!água!quer.!
Meus!braços!vingam!minha!mágoa!
No!abraço!que!enfim!podem!ter.!
Quem!abraço?!
A!Outra.!
!
Bem!sei,!és!bela,!és!quem!desejei...!
Não!deixe!a!vida!que!eu!deseje!
Mais!que!o!que!pode!ser!teu!beijo!
E!poder!ser!eu!que!te!beije!
Beijo,!e!em!que!penso?!
Na!Outra.!
!
Os!remos!vão!perdidos!já,!
O!barco!vai!não!sei!para!onde.!
Que!fresco!o!teu!sorriso!está,!
Ah,!meu!amor,!e!o!que!ele!esconde!!
Que!é!do!sorriso!
Da!Outra?!
!
!A!boca!que!eu![↑!Os!beiços!que]!sonhei!beijar!
55
!!De!quem!é!a!boca![↑!os!beiços]!
56
Ah,!talvez,!mortos!ambos!nós,!
Num!outro!rio!sem!lugar!
Em!outro!barco!outra!vez!sós!
Possamos!nós!recomeçar,!
Que!talvez!sejas!
A!Outra.!
!
Mas!não,!nem!onde!essa!paisagem!
É!sob!eterna!luz!eterna!
Te!acharei!mais!que!alguém!na!viagem!
Que!amei!com!ansiedade!terna!
Por!ser!parecida!
Com!a!Outra.!
!
Ah,!por!ora,!idos!remo!e!rumo,!
DáRme!as!mãos,!a!boca,!o!teu!ser.!
Façamos!desta!hora!um!resumo!
Do!que!não!poderemos!ter.!
Nesta!hora,!a!única,!
Sê!a!Outra.!
!
!
IX.!“Argumentamos!em!vão...”!(BNP/E3,!63R48r).!
!
2RXIR1935.!
Argumentamos!em!vão.!
Distraído,!certo,!bate!
Por!trás!do!nosso!debate!
O!coração.!
!
Sei!bem!que!gostas!de!mim,!
Sabes!bem!quanto!te!quero,!
E!argumentamos!assim,!
No!tom!arrastado!e!insincero!
De!quem!fala!só!de!coisas!
Que!nada!têm!connosco,!
Como!quem!com!mãos!ociosas,!
Num!gesto!alheado!e!manso,!
Limpa!o!pó!de!um!manipanso!
Santo!e!tosco.!!
! !
Figs."26"e"27."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r)."
!
!
Fig."28."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r;"metade"superior)."
X.!“Nunca!te!achei!nem!te!vi...”!(BNP/E3,!63R48r).!
! ! ! ! ! ! ! !
3RXIR1935!
Nunca!te!achei!nem!te!vi.!!
Mas,!por!imaginação,!
Dói!de!ti!meu!coração:!
Tenho!saudades!de!ti.!
!
Nunca,!amor,!te!conheci.!
Mas,!sem!saber!se!existes,!!
Meus!olhos!de!ti!estão!tristes:!
Tenho!saudades!de!ti.!
!
Quando!outra!achei,!te!perdi,!
Só!por!a!ter!encontrado.!
Não!sei!se!és!sonho!ou!pecado,!
Sei!que,!enganado!e!exilado,!
Tenho!saudades!de!ti.!
!
!
Fig."29."“Argumentamos"em"vão...”"(BNP/E3,"63548r;"metade"inferior)."
"
Bibliografia!
!
CASTRO,!Fernanda!de!(1988).!Ao)fim)da)memória.!Lisboa:!Verbo,!vol.!II.!
CAVALCANTI,!José!Paulo!(2011).!Fernando)Pessoa:)uma)quase)autobiografia.!Rio!de!Janeiro:!Record.!!
CRESPO,!Ángel!(1989).!“El!último!amor!de!Fernando!Pessoa”,!in!Revista)de)Occidente,!n.º!94,!Madrid,!
pp.!5R26.!
FRANÇA,!Isabel!Murteira!(1987).!Fernando)Pessoa)na)Intimidade.!Lisboa:!Dom!Quixote.!!
LOPES,!Teresa!Rita!(1990).!Pessoa)por)conhecer,)II)–)Textos)para)um)novo)mapa.!Lisboa:!Estampa.!
MONTEIRO,!Adolfo!Casais!(1954).!Fernando)Pessoa:)o)insincero)verídico.!Lisboa:!Ed.!Inquérito.!!
MOURÃORFERREIRA,! David;! QUEIROZ,! Maria! da! Graça! (1978).! Cartas) de) amor) de) Fernando) Pessoa.!
Lisboa:!Ática.!
NOGUEIRA,!Manuela;!AZEVEDO,!Maria!da!Conceição!!(1996)!(eds.).!Cartas)de)amor)de)Ofélia)a)Fernando)
Pessoa.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!
PESSOA,!Fernando!(2016).!English)Poetry.!Edição!de!Richard!Zenith.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (2015).!Associações)Secretas)e)outros)escritos.!Edição!de!José!Barreto,!Lisboa:!Ática.!!
_____! (2014).!Obra)Completa)de)Álvaro)de)Campos.!Edição!de!Jerónimo!Pizarro!e!Antonio!Cardiello;!
colaboração!de!Jorge!Uribe!e!Filipa!Freitas.!Lisboa:!TintaRdaRchina.!
_____! (2011).!Sobre)o)fascismo,!a)Ditadura)Militar)e)Salazar.!Edição!de!José!Barreto.!Lisboa:!TintaRdaR
china.!
_____! (2000).!Poesia)Inglesa.!Edição!de!Luísa!Freire.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim,!vol.!II.!
_____! (1960)."Obra)Poética.!Edição!de!Maria!Aliete!Galhoz.!Rio!de!Janeiro:!Ed.!José!Aguilar,!1960.!
_____! (1935).!“Nota!ao!acaso”![de!Álvaro!de!Campos],!in!Sudoeste,!n.º!3,!Lisboa,!Novembro,!p.!7.!
PIZARRO,! Jerónimo;! FERRARI,! Patricio;! CARDIELLO,! Antonio! (2013).! “Fernando! Pessoa! e! Ofélia!
Queiroz:! objectos! de! amor”,! in! Pessoa) Plural) –) A) Journal) of) Fernando) Pessoa) Studies,! n.º! 4,!
Dezembro,!pp.!153R195.!!
PIZARRO,!Jerónimo;!PITTELLA,!Carlos!(2016).!Como)Fernando)Pessoa)Pode)Mudar)a)sua)Vida.)Primeiras)
Lições.!Lisboa:!TintaRdaRchina.!!
QUEIROZ,! Carlos! (1936).! “Fragmentos! de! algumas! cartas! de! amor! de! Fernando! Pessoa”! e! “Carta! à!
memória!de!Fernando!Pessoa”,!in!Presença,!n.º!48,!Coimbra,!Julho,!pp.!2R3!e!9R11.!
SEVERINO,! Alexandrino! E.;! JENNINGS,! Hubert! D.! (2013).! “In! praise! of! Ophelia:! an! interpretation! of!
Pessoa’s!only!love”,!in!Pessoa)Plural)–)A)Journal)of)Fernando)Pessoa)Studies,!n.º!4,!Dezembro,!
pp.!1R30.!
SILVA,! Manuela! Parreira! da! (2012)! (ed.).! Cartas) de) amor) de) Fernando) Pessoa) e) Ofélia) Queiroz.! Lisboa:!
Assírio!&!Alvim.!!
WINTERBOTHAM,!F.!W.![Frederick!William]!(1974).!The)Ultra)Secret.!New!York:!Harper!and!Row.!
From"the"fourteen"texts"recently"published"in"the"Teatro'Estático"edition"(PESSOA,"2017),"this"
analysis" will" especially" focus" on" the" drama" “Salomé,”" which" is" a" recreation" of" the"
homonymous"myth."In"articulation"with"“Outros"fragmentos"de"Salomé,”"dated"from"1915"
and" 1916," and" other" plays" from" this" work," the" aforementioned" text" will" be" put" into"
perspective" in" relation" to" the" biblical" myth" and" its" recreations" by" other" authors," while"
assessing"the"degree"to"which"they"may"be"relevant"to"the"understanding"of"the"concept"of"
“static"theatre,”"as"Fernando"Pessoa"defined"it."
"
"
*"Universidade"da"Califórnia,"Santa"Bárbara.""
Braga Teatro estático
O" mito" de" Salomé," tal" como" chegou" ao" mundo" moderno,"consiste" na" narração" de"
um"conjunto"de"acções"que"conduziram"à"morte"de"São"João"Baptista."Segundo"os"
evangelhos" de" São" Mateus" e" São" Marcos," Herodíade" abandonou" o" primeiro"
marido,"de"quem"teve"uma"filha,"e"voltou"a"casarFse"com"Herodes"Antipas,"irmão"
do"seu"marido."São"João"Baptista"denunciava"publicamente"esta"situação"e"dizia"a"
Herodes"“Não"a"podes"ter"contigo”"(BÍBLIA"SAGRADA,"1978:"1308)"ou"“Não"te"é"lícito"
ter" contigo" a" mulher" de" teu" irmão”" (BÍBLIA" SAGRADA," 1978:" 1341)," denúncia" que"
motivava"um"ódio"de"morte"a"Herodíade1."O"fatídico"acontecimento"dáFse"quando"
a" filha" de" Herodíade," que," no" texto" bíblico," nunca" é" nomeada," sendo"
antonomasiada" de" “jovem”" e" “menina”," dança" para" Herodes" pela" ocasião" do"
aniversário"deste."Totalmente"seduzido,"Herodes"jura"oferecerFlhe"tudo"quanto"ela"
deseja,"manifestando"inclusive"a"disposição"de"lhe"dar"metade"do"seu"reino."Porém,"
a" bailarina" prefere" exigir" a" cabeça" do" profeta" servida" num" prato," tal" como" a" sua"
mãe"lha"tinha"solicitado.""
Mireille" DottinFOrsini," no" Dictionnaire' des' mythes' littéraires," põe" em" causa" a"
veracidade" histórica" do" mito" bíblico," argumentando" que:" “une" princesse" dansant,"
seule,"à"un"banquet"d’hommes"est"sans"autre"exemple"dans"les"Testaments,"et"peu"
probable"dans"la"Judée"du"Ie" siècle”(BRUNEL,"1988:"1232)"[uma"princesa"dançando,"
sozinha," num" banquete" de" homens," seria" um" caso" isolado" nos" Testamentos" e"
improvável" na" Judeia" do" Século" I]2." A" autora" faz" ainda" notar" que" o" episódio"
evangélico" em" análise" apresenta" algumas" semelhanças" com" uma" história" do"
governador" Lucius" Flaminius," falecido" em" 170" a.c.," que" foi" recriada" por" vários"
autores,"nomeadamente"por"Cícero,"Tito"Lívio,"Séneca"e"Petrarca."Narra"a"história"
que" Flaminius," para" agradar" a" uma" amante" que" nunca" tinha" assistido" a" uma"
degolação," decide" em" pleno" banquete" mandar" matar" um" condenado" e" pedir" que"
lhe" fosse" servida" a" cabeça" num" prato." Segundo" algumas" versões," esse" condenado"
teria" ofendido" essa" cortesã," noutras" surge" a" alusão" a" danças" indecentes" entre"
Flaminius"e"a"cortesã,"sendo"estes"alguns"referentes"comuns"entre"esta"narrativa"e"
as" do" Evangelho" respeitantes" ao" episódio" de" São" João" Baptista." De" acordo" com"
outro" estudioso," John" Meier," as" narrativas" do" Evangelho" recuperam" várias"
tradições" do" Antigo" Testamento," como" o" tema" do" profeta" martirizado," ou" alguns"
“motivos"folclóricos”"do"Livro"de"Ester.3"
1"De"acordo"com"S."Marcos:"“Tinha,"efectivamente,"sido"Herodes"quem"mandara"prender"João"e"pôF
lo"a"ferros"no"cárcere,"por"causa"de"Herodíade,"mulher"de"Filipe,"seu"irmão,"que"ele"desposara."(…)"
Herodíade" tinha" rancor" e," queria" darFlhe" a" morte" mas" não" podia" porque" Herodes" temia" João" e,"
sabendo"que"era"homem"justo"e"santo,"protegiaFo”"(BÍBLIA"SAGRADA,"1978:"1341)."
2" A" tradução," quando" não" acompanhada" por" uma" referência" bibliográfica," é" da" autoria" da" autora"
deste"artigo."
3"John"Meier,"no"segundo"volume"de"A'Marginal'Jew,"apresenta"uma"biografia"de"João"Baptista,"no"
entanto," considera" a" possibilidade" de" também" esta" ter" sido" expandida" através" de" referências"
tradicionais" e" folclóricas:" “As" all" admit," the" narrative" resonates" with" echoes" of" various" OT"
traditions:"the"prophet"Elijah’s"struggle"with"King"Ahab"and"his"evil"wife"Jezebel"(e.g.,"1"Kgs"19:"1–2;"
Tanto" quanto" se" sabe," a" nomeação" de" Salomé" deveFse" ao" historiador" judeu"
Flávio" Josefo," que," em" Antiguidades' Judaicas," desenvolve" também" uma" breve"
biografia" desta" personagem," sem" contudo" a" relacionar" com" a" morte" de" São" João"
Baptista." Em" Dictionnaire' des' Mythes' Littéraires," DottinFOrsini" parafraseia" as" notas"
de"Josefo"em"termos"que"nos"interessa"deixar"registados:""
"
Salomé" (c’est" à" dire" “La" Paisible”" ou"”La" Pacificatrice”" –" c’est" aussi" le" nom" de" la" cruelle"
sœur"d’Hérode"le"Grand,"et"d’une"des"”Saintes"femmes”)"est"donné"par"Flavius"Josèphe,"qui"
précise"le"lieu"du"martyre"(Machaerus)"et"développe"la"biographie"de"la"Salomé"historique:"
fille" d’Hérodiade" et" d’HérodeFPhilippe," demiFfrère" d’Antipas," elle" épousa" son" oncle"
Philippe,"puis,"devenue"veuve,"finit"reine"d’Arménie"inférieure,"femme"du"roi"Aristobule"et"
mère" de" trois" garçons." Une" monnaie" de" Nicopolis" la" représente," et" constitue" ainsi" le" seul"
véritable"portrait"de"Salomé.""
(BRUNEL,"1988:"1233)"
"
[Salomé"(que"quer"dizer"“A"Pacífica”"ou"“A"Pacificadora”"–"é"também"o"nome"da"cruel"irmã"
de"Herodes,"o"Grande,"e"de"uma"das" “Santas" mulheres”)" é"um"nome"atribuído"por"Flávio"
Josefo,"que"precisa"o"lugar"do"martírio"(Machaerus)"e"desenvolve"a"sua"biografia"histórica:"
filha"de"Herodíade"e"de"HerodesFFilipe,"meioFirmão"de"Antipas,"casa"com"o"seu"tio"Filipe."
Depois" de" enviuvar" deste," tornaFse" rainha" da" Arménia" inferior," desposando" o" rei"
Aristobulo," de" quem" teve" três" rapazes." Uma" moeda" de" Nicopolis" representaFa" e" constitui"
assim"o"único"verdadeiro"retrato"de"Salomé.]"
"
Um" dos" primeiros" aspectos" que" importa" desde" já" problematizar" nasce" da"
confrontação" da" etimologia" do" nome" Salomé" tanto" com" o" conteúdo" da" narrativa,"
21:"17–26),"the"persecuted"and"martyred"prophets"in"general,"and"the"folkloric"motifs"in"the"Book"of"
Esther."These"folkloric"motifs"find"parallels"in"GrecoFRoman"stories"of"love,"revenge,"rash"oaths,"and"
women"asking"for"what"kings"would"rather"not"give,"all"in"context"of"royal"banquets."We"seem"to"be"
dealing" with" folklore" tinged" with" strong" antiFHerodian" feeling" (perhaps" aimed" especially" at" the"
“liberated”" female" members" of" the" Herodian" dynasty)," folklore" that" was" then" reformulated" (by"
Baptist"sectarians"or"Christians?)"as"a"legend"of"the"martyr’s"death,"and"then"redacted"by"Mark"to"
make"John"a"forerunner"of"Jesus"in"death"as"well"in"life."With"such"a"complicated"tradition"history,"it"
is"no"wonder"that"exegetes"debate"the"exact"formFcritical"category"to"which"Mark"6:"17–29"belongs."
A" report" of" martyrdom," a" legend," and" an" anecdote" have" all" been" suggested”" (MEIER," 1994:" 173)"
[“Como"é"geralmente"admitido,"a"narrativa"ressoa"ecos"de"várias"tradições"do"Antigo"Testamento:"o"
profeta"Elias"combate"o"Rei"Ahab"e"a"sua"malvada"esposa"Jezebel"(e.g.,"1"Kgs"19:"1–2;"21:"17–26),"a"
perseguição" e" o" martírio" dos" profetas" em" geral," e" os" motivos" folclóricos" do" Livro" de" Ester." Estes"
motivos" folclóricos" encontram" paralelo" nas" histórias" grecoFromanas" de" amor," de" vingança," de"
blasfémias"e"de"mulheres"pedindo"coisas"que"os"reis"preferiam"não"dar,"todas"elas"em"contexto"de"
banquetes" reais." Parece" que" estamos" na" presença" de" folclore" mesclado" com" um" profundo"
sentimento" antiFHerodes" (talvez" especificamente" direccionado" às" mulheres" “livres”" da" dinastia" de"
Herodes)," folclore" que" então" foi" reformulado" (por" sectários" seguidores" de" Baptista" ou" Cristãos?)"
como"uma"lenda"da"morte"do"mártir,"e"depois"redigida"por"Marcos"para"fazer"de"João"um"percursor"
de" Jesus" tanto" na" morte" como" na" vida." Com" uma" tradição" histórica" tão" complicada," não" é" de"
admirar"que"os"exegetas"centrem"o"debate"na"determinação"da"exacta"categoria"formalFcrítica"a"que"
pertence" Marcos." SugeriuFse" o" relato" de" um" martírio," mas" também" de" uma" lenda," e" até" de" uma"
anedota”].""
pois"tem"que"se"ver"em"que"sentido"é"que"ela"é"pacificadora"e"não"é,"como"com"a"
evolução" da" significação," pois" Josefo" afirma" que" este" é" um" nome" comum" a" uma"
mulher"cruel"da"família"de"Herodes"e"a"uma"das"mulheres"que"acompanhou"Jesus,"
reforçando"deste"modo"as"ambiguidades"e"os"equívocos"que"se"geraram"em"torno"
desta" personagem" ao" longo" dos" séculos." Outro" dos" sublinhados" do" registo" deste"
historiador" está" na" justificação" da," e" na" responsabilidade" pela," morte" de" São" João"
Baptista."Josefo"narra"a"história"de"Antipas"(Herodes),"que"era"casado"com"a"filha"
do"rei"de"Petra"e"que"um"dia"se"apaixona"por"Herodíade,"sua"cunhada."Em"função"
da" sua" pretensão" de" desposar" Herodíade," Antipas" tem" que" abandonar" a" sua"
esposa," o" que" motiva" uma" guerra" com" o" rei" de" Petra" devido" aos" limites" de" um"
território"que"ambos"queriam."O"exército"de"Herodes"sai"derrotado"desta"guerra."É"
aqui"que"São"João"Baptista"entra"na"história:""
""
Muitos"Judeus"julgaram"que"este"vencimento"do"exército"de"Herodes"era"castigo"de"Deus,"
por"causa"de"João,"por"antonomásia"o"Baptista."Este"era"um"homem"de"grande"piedade,"que"
exortava" os" Judeus" a" abraçarem" a" virtude," a" exercitarem" a" justiça," e" a" que" recebessem" o"
Baptismo" […]" temeu" Herodes" que" o" séquito," que" ele" tinha," excitasse" a" sedição;" e" por" isso"
quis"prevenir"o"mal"antes"que"o"não"pudesse"remediar."Por"esta"razão"o"mandou"preso"para"
a"fortaleza"de"Manchera"[…]"e"os"Judeus"atribuíram"a"derrota"do"seu"exército"a"um"juízo"de"
Deus"por"uma"tão"injusta"acção."
(MOURÃO,"2001:14)"
"
Deste" modo," de" acordo" com" Josefo," a" responsabilidade" da" morte" de" São" João"
Baptista" é" totalmente" atribuída" a" Herodes," sendo" as" motivações" deste" de" índole"
meramente" política," o" que" não" acontece" com" os" textos" do" Evangelho," onde" a"
responsabilidade"recai"sobre"duas"mulheres"–"a"filha"que"protagoniza"a"dança"e"a"
mãe"que"pede"a"cabeça"de"João"Baptista."No"entanto,"a"maioria"dos"elementos"que"
constam"apenas"da"narrativa"dos"Evangelhos"–"como"a"dança"e"o"pedido"da"cabeça"
de"João"Baptista"–"prevaleceram"ao"longo"do"tempo"sobre"aquele"registo."Segundo"
DottinFOrsini," em" Dictionnaire' des' Mythes' Littéraires," os" pais" da" Igreja" muito"
contribuíram" para" que" Salomé" tivesse" ficado" marcada" pelo" ferrete" demoníaco:"
“Leur"religieuse"exécration"ajoute"au"bref"récit"de"l’Evangile"des"détails"savoureux:"
Salomé" tord" ses" hanches," dénude" son" corps," lance" ses" pieds" en" l’air," secoue" ses"
cheveux" come" une" bacchante;" le" Serpent" s’est" caché" dans" cette" femme"
luxueusement"parée,"qu’on"assimile"à"la"Synagogue"meurtrière"du"Christ;"le"Diable"
mène" la" danse" et" conseille" la" mère”"(BRUNEL," 1988:" 1234)"[A"condenação"religiosa"
acrescenta" à" breve" narrativa" do" Evangelho" detalhes" deliciosos:" Salomé" bamboleia"
as"suas"ancas,"desnuda"o"seu"corpo,"lança"os"seus"pés"no"ar,"sacode"os"seus"cabelos"
como" uma" bacante;" a" Serpente" escondeFse" nesta" mulher" luxuosamente" enfeitada,"
que"é"conhecida"na"Sinagoga"como"a"homicida"de"Cristo;"o"Diabo"conduz"a"dança"e"
aconselha"a"mãe]."Assim,"a"Igreja,"ao"difundir"esta"imagem"da"mulher"pecadora"e"
diabólica" de" Salomé," a" par" de" modelar" a" conduta" moral" (feminina)," tem" em" vista"
mitificar" a" personagem" de" São" João" Baptista," o" precursor" de" Jesus" Cristo." A" sua"
morte" é" a" morte" de" um" mártir," que" para" além" de" haver" profetizado," anunciado" e"
baptizado" Jesus" Cristo," sacrificou" a" vida," tal" como" este," em" prol" da" defesa" dos"
valores" cristãos." Salomé" fica" apodada" de" “tueuse" de" Dieu." Mais" elle" reste" un"
élément"somme"tout"secondaire"dans"l’hagiographie"du"Précurseur:"elle"n’est"que"
le"moyen"de"sa"mort”"(BRUNEL,"1988:"1234)"[assassina"de"Deus."Mas"ela"permanece,"
em" última" análise," um" elemento" completamente" secundário" na" hagiografia" do"
Precursor:"ela"não"é"mais"que"o"meio"para"a"sua"morte]."
Durante" a" Idade" Média" e" Renascimento" surgem" diversas" lendas" que," de"
acordo" com" o" país" e" a" cultura," vão" acrescentar" elementos" ao" episódio" evangélico"
(BRUNEL,"1988:"1234)."O"mito"espraiaFse"e"adquire"novos"contornos,"dentre"os"quais"
se"destacam"a"morte"fatídica"de"Salomé"(evento"que"assume"a"representação"de"um"
castigo"divino)"e"a"famosa"dança"da"morte"medieval:""
"
"
Du"XIIIe"au"XV1" IIe," des" Mystères" français," allemands," italiens" ajoutent" aux" personnages" du"
drame" le" Diable" et" ses" démons," ou" la" Mort," qui" à" la" fin" emmènent" mère" et" fille" en" Enfer,"
dans"une"danse"macabre"qui"suit"de"près"la"deuxième"danse"de"Salomé"avec"la"tête"coupée."
Puis" ce" sont" des" tragédies" scolaires" en" latin," à" but" édifiant" et" pédagogique," centrées" sur" le"
Baptiste,"dans"lesquelles"un"bouffon"vient"parfois"apporter"une"note"comique."De"la"fin"du"
XVIe"à"la"fin"du" XVIIIe"siècle,"de"nombreuses"“tragédies"de"saint"Jean”"utilisent"la"figure"du"
Précurseur" à" des" fins" d’engagement" religieux" ou" politique," en" liaison" avec" les" crises" et" les"
mouvements"de"l’époque"[…]"
(BRUNEL,"1988:"1235)"
"
[Do" século" XIII" ao" século" XVII," Mistérios" franceses," alemães" e" italianos" acrescentam" às"
personagens"do"drama"o"Diabo"e"os"seus"demónios,"ou"a"Morte,"que"no"fim"conduzem"mãe"
e" filha" ao" Inferno," numa" dança" macabra" que" segue" de" muito" perto" a" segunda" dança" de"
Salomé" com" a" cabeça" cortada." Depois," seguemFse" tragédias" escolares" em" latim," com" fins"
edificantes"e"pedagógicos,"centrados"em"Baptista,"nas"quais"um"bobo"vem"por"vezes"trazer"
uma"nota"cómica."Do"final"do"século" XVI"até"ao"final"do"século" XVIII,"numerosas"“tragédias"
de"S."João”"utilizam"a"figura"do"Precursor"para"fins"de"doutrinamento"religioso"ou"político,"
em"consonância"com"as"crises"e"os"movimentos"da"época"(…)]"
"
Com" o" advento" da" corrente" estética" do" Realismo/Naturalismo," surge" uma"
diferenciação"da"caracterização"romântica"da"mulher,"que"era"idealizada"por"via"da"
descrição"de"uma"conduta"de"vida"pautada"por"uma"superioridade"moral."Um"dos"
traços" mais" visíveis" desta" diferenciação" consiste" no" enfoque" dado" aos" elementos"
que" intensificam" a" sua" sensualidade" e" põem" em" curso" os" movimentos" do" seu"
erotismo," que," por" sua" vez," ganham" especial" relevo" quando" transgridem" a"
interdição" do" acto" sexual" fora" do" seio" matrimonial." VerificaFse" então," a" partir" da"
segunda" metade" do" segundo" XIX," uma" recorrente" presença" do" género" feminino"
perverso" na" arte" ocidental," consequência" do" questionamento" de" determinados"
pilares" fundamentais" desta" civilização," como" a" autoridade" cristã," patriarcal" e"
burguesa," esta" advinda" de" transformações" culturais" e" técnicas" inerentes" à"
Revolução"Industrial."O"mito"de"Salomé"é"um"dos"mitos"que"mais"contribui"para"a"
visibilidade"deste"fenómeno."
O"período"decadentista"que"emergiu"de"França"nas"duas"últimas"décadas"do"
século" XIX" é" marcado" pelo" mal' du' siècle," pelo" spleen' baudelairiano," e" do" ponto" de"
vista" literário" e" cultural" assisteFse" a" um" retorno" aos" mitos." Tendo" em" conta" o"
sentido"que"tomavam"as"tendências"artísticas,"não"é"de"estranhar"o"ressurgimento"
do" interesse" na" imagem" da" mulher" fatal" –" geralmente" caracterizada" pela" sua"
malignidade"e"pelo"seu"poder"de"destruição"–,"inspirada"nos"modelos"femininos"de"
textos" bíblicos" e" dos" mitos" da" Antiguidade" Clássica," como" Salomé," Judite," Eva,"
Lillith," Dalila," Cleópatra," entre" outras." Estas" figuras" dão" origem" a" novas" versões"
criadas"a"partir"da"mescla"de"traços"distintivos"de"cada"uma"delas."De"acordo"com"
Mireille" DottinFOrsini," “La" littérature" de" la" deuxième" moitié" du" XIXe" siècle" dit"
clairement" que" la" femme" fait" peur," qu’elle" est" cruelle," qu’elle" peut" tuer”(DOTTINF
ORSINI," 1993:" 16)" [A" literatura" da" segunda" metade" do" século" XIX" diz" claramente"
que" a" mulher" mete" medo," que" ela" é" cruel," que" pode" mentir]," assistindoFse" a" uma"
coexistência" dicotómica" de" arquétipos" do" género" feminino," que" oscilam" entre" o"
Bem" e" o" Mal," entre" “la" femme" (c’estFàFdire" la" mère" potentielle)" comme" étant"
naturellement"bonne,"altruiste,"prête"à"tous"les"sacrifices”"(DOTTINFORSINI,"1993:"16)"
[a" mulher" (isto" é," a" mãe" potencial)" como" sendo" naturalmente" boa," altruista,"
preparada"para"todos"os"sacrifícios"]"e"“la"femme"(c’estFàFdire"l’objet"du"désir)"(…),"
tout" aussi" naturellement," vouée" à" la" fausseté" et" à" la" cruauté," le" mensonge" à" la"
bouche"et"les"mains"tachées"de"sang”(DOTTINFORSINI,"1993:"16)"[a"mulher"(isto"é,"o"
objecto"de"desejo)"também"naturalmente"destinada"à"falsidade"e"à"crueldade,"com"a"
mentira" na" boca" e" as" mãos" manchadas" de" sangue]." De" acordo" com" esta" mesma"
autora," o" surgimento" destas" representações" fazFse" num" ambiente" intelectual"
profundamente" marcado" pela" misoginia" e," paradoxalmente," pela" obsessão" pela"
figura"feminina"malévola,"o"que"conduziu"à"recriação"multiartística"de"mitos"onde"
predominam"os"sentimentos"concomitantes"de"repulsa"e"de"atracção.""
Antes" de" chegar" ao" drama" pessoano," detenhamoFnos" na" obra" de" Mário" de"
SáFCarneiro." Este" segue" a" tendência" advinda" da" viragem" do" século" XIX" e" dedica"
muita"da"sua"atenção"literária"à"figura"do"feminino,"assumindo"a"recriação"do"mito"
de" Salomé" particular" importância" nos" seus" escritos," sendo" mencionada"
explicitamente"nas"suas"prosa"e"poesia"em"algumas"ocasiões,"surgindo"ainda"nelas"
frequentes" vezes" dançarinas" que" remetem" para" ela" pela" similitude" de"
características"próprias"ou"contextuais.""
O"poema"“Salomé”,"de"1913,"cumpre,"todavia,"um"novo"desígnio"para"esta"
personagem" literária." O" sujeito" poético," num" momento" de" insónia" soturna," vai"
deixandoFse" seduzir" por" essa" personagem" literária" que" se" lhe" começa" a" afigurar"
num" momento" de" devaneio." A" abstração" vaiFse" tornando" mais" real," ao" ponto" do"
sujeito"poético"se"sentir"intimidado"pela"sua"presença,"indicando"os"termos"“tenho"
frio”" e" “alabastro”" esse" estarrecimento." Um" pouco" à" semelhança" da" figura" de"
Herodes"descrita"no"texto"À"rebours'(1884),"“statue,"immobile,"figée"dans"une"pose"
hiératique" de" dieu" hindou”" (HUYSMANS," 1970:" 84)" [estátua," imóvel," congelada"
numa" pose" hierática" de" deus" hindu]," também" o" sujeito" poético" estaca" hirto" como"
uma" estátua." As" descrições" sensuais" de" Salomé" presentes" neste" poema" e" noutros"
momentos" da" obra" de" SáFCarneiro" estão" em" conformidade" com" algumas" outras"
feitas" por" des" Esseintes," o" personagem" principal" da" obra" de" Huysmans," des"
Esseintes,"a"partir"dos"quadros"“Salomé"dansant"devant"Herode”"e"“L’apparition”"
(ambos"de"1876)"de"Gustave"Moreau."A"aquisição"destes"quadros"por"parte"de"des"
Esseintes" envolve" uma" série" de" expectativas" íntimas" associadas" a" emoções"
perturbadoras:""
"
Il" avait" voulu," pour" la" délectation" de" son" esprit" et" la" joie" de" ses" yeux," quelques" œuvres"
suggestives" le" jetant" dans" un" monde" inconnu," lui" dévoilant" les" traces" de" nouvelles"
conjectures,"lui"ébranlant"le"système"nerveux"par"d’érudites"hystéries,"par"des"cauchemars"
compliqués,"par"des"visions"nonchalantes"et"atroces."
Entre" tous," un" artiste" existait" dont" le" talent" le" ravissait" en" de" longs" transports," Gustave"
Moreau."
Il"avait"acquis"ses"deux"chefsFd’œuvre"et,"pendant"des"nuits,"il"rêvait"devant"l’un"d’eux,"le"
tableau"de"la"Salomé"[…]"
(HUYSMANS,"1970:"83)"
"
[Ele" tinha" desejado," para" deleite" do" seu" espírito" e" alegria" dos" seus" olhos," algumas" obras"
sugestivas"que"o"lançassem"num"mundo"desconhecido,"que"lhe"desvendassem"vestígios"de"
novas" conjecturas," que" lhe" abalassem" o" sistema" nervoso" através" de" histerias" eruditas,"
pesadelos"complicados,"visões"indolentes"e"atrozes."
Dentre" todos," existia" um" artista" cujo" talento" o" arrebatava" para" longas" viagens," Gustave"
Moreau.""
Ele"tinha"adquirido"duas"das"suas"obras"de"arte"e,"durante"noites,"ele"sonhava"defronte"de"
uma"delas,"o"quadro"de"Salomé"(...)]"
"
O"momento"de"insónia"que"marca"o"início"do"poema"“Salomé”"de"Mário"de"
SáFCarneiro" abre" espaço" a" que" as" diferentes" histórias" e" descrições" em" torno" deste"
personagem," à" semelhança" do" que" acontece" com" o" personagem" des" Esseintes,"
provoquem" no" sujeito" poético" emoções" inusitadas," que" o" conduzem" a" um" estado"
de"devaneio,"de"sonho,"onde"é"possível"experienciar"um"grande"êxtase"somente"por"
poder"imaginar"a"existência"dessa"figura"lendária."NoteFse"ainda"que"a"criação"que"
irrompe" da" insónia" e" que" vem" modificar" a" existência" do" sujeito" poético" ganha"
dimensão,"corporizaAse,"ao"ponto"de,"na"terceira"estrofe,"o"sujeito"poético"se"fundir"
nesse" corpo" emergente." AssisteFse" a" um" movimento" de" devirFmulher"
protagonizado" através" da" infracção" linguística" presente" nas" irregularidades" de"
flexão" pronominal" verbal," mesclandoFse" num" ponto" de" indescernibilidade" o" “eu”"
poético" com" aquela" existência" que" o" seduz:" “Ela" chamaFme" em" Íris." NimbaFse" a"
perderFme," |" golfaFme" os" seios" nus”" (SÁFCARNEIRO," 2017:" 91)." A" incorporação" da"
dança" dionisíaca" motiva" uma" experiência" sinestésica" e" desencadeiamFse" intensas"
forças"de"desejo,"que"o"conduzem"quase"à"morte,"de"que"a"expressão"“A"doida"quer"
morrerFme”"(SÁFCARNEIRO,"2017:"91)"constitui"o"clímax"de"uma"escalada"sensorial"
erótica," evidenciando" o" desvio" gramatical" que" se" efectua" através" da" conjugação"
pronominal" de" um" verbo" intransitivo" a" rendição" final" do" sujeito" poético" àquela"
escalada.""
No"momento"em"que"a"alma"do"sujeito"poético"se"passou"a"protagonizar"no"
corpo"(imaginário)"da"bailarina,"as"sensações"descritas"são"as"de"quem"se"perde"no"
seu" próprio" movimento" encantatório" da" imaginação." No" terceto" final," a"
pronominalização" do" verbo" intransitivo" “arderFme”" reforça" a" metáfora" da" sua"
entrega"ao"prazer,"interpretação"também"defendida"por"Clara"Rocha"no"seu"artigo"
“Mário" de" SáFCarneiro," o" outro" lado" do" fogo”." O" “fogo”" constituiria," segundo" a"
mesma"autora,"uma"metáfora"do"“acender"dos"sentidos"no"acto"sexual"(ainda"que"
ficcionado)”"(ROCHA,"1990:"160)."AtenteFse"ainda"na"intertextualidade"entre"“arderF
me/" na" boca" imperial”" e" a" referência" ao" beijo" que" supostamente" S." João" Baptista"
recebeu" de" Salomé," no" texto" de" Oscar" Wilde," “Ah!" I" have" kissed" your" mouth,"
Iokanaan,"I"have"kissed"your"mouth”"(WILDE,"2011,"p."75)."A"alusão"ao"beijo,"–"adição"
sensual"que"constitui"uma"recriação"do"mito"original"–"confirma"o"conhecimento"da"
obra"de"Oscar"Wilde"por"parte"de"Mário"de"SáFCarneiro"e"reforça"a"intenção"deste"
em" conservar" o" carácter" sedutor" e" malévolo" da" personagem" de" Salomé," à"
semelhança"dos"seus"contemporâneos."
"
SALOMÉ
Lisboa 1913-Novembro 3
"
Fig.'1.'“Salomé”'(Orpheu,'n.º'1,'1915;'pormenor).'
Também" o" poema" “Bárbaro”" do" mesmo" autor," publicado" em" Outubro" de"
1914" (SÁFCARNEIRO," 2017:" 106–107)," retoma" o" mito" de" Salomé," na" perspectiva" de"
um"sujeito"poético"poderoso"–"César"–"que"é"igualmente"exposto"perante"a"mulher"
sedutora,"sendo"possível"identificar"laços"de"intertextualidade"com"a"descrição"do"
quadro" de" Moreau," “Salomé" dansant" devant" Hérode”," expressa" no" romance" de"
Huysmans." ObserveFse" como" no" início" do" poema" é" explicitado" o" nome" da"
personagem" feminina" –" Salomé" asiática" –," em" que" o" adjectivo" apositivo" pode"
constituir" um" elemento" de" referencialidade" relativamente" à" obra" À' rebours," no"
momento"em"que"des"Esseintes"associa"a"imagem"daquela"personagem"feminina"à"
estética"do"ExtremoFOriente:""
"
Ainsi" comprise," elle" appartenait" aux" théogonies" de" l’ExtrêmeFOrient;" elle" ne" relevait" plus"
des" traditions" bibliques," ne" pouvait" même" plus" être" assimilée" à" la" vivante" image" de"
Babylone," à" la" royale" Prostituée" de" l’Apocalypse," accoutrée," comme" elle," de" joyaux" et" de"
pourpre," fardée" comme" elle;" car" celleFlà" nÉétait" pas" jetée" par" une" puissance" fatidique," par"
une"force"suprême,"dans"les"attirantes"abjections"de"la"débauche."
(HUYSMANS,"1970:"87)"
"
[Assim" constituída," ela" pertencia" às" teogonias" do" ExtremoFOriente;" já" não" revelava" as"
tradições" bíblicas," nem" podia" ser" assimilada" à" imagem" viva" da" Babilónia," à" Prostituta" real"
do"Apocalipse,"tal"como"ela,"maquilhada"e"adornada"de"jóias"e"de"púrpura;"porque"aquela"já"
não" era" impulsionada" por" uma" potência" fatídica," por" uma" força" suprema," na" direcção" das"
atraentes"abjecções"da"libertinagem.]""
"
No"entanto,"o"mesmo"vocábulo,"“asiática”,"no"seu"sentido"figurado,"pode"expressar"
um" ambiente" de" luxo" e" de" opulência." AtenteFse" em" como" o" movimento" coleante"
manifesto" em" “EnroscamFseFlhe" ao" tronco”" sugere" o" enrolar" das" serpentes" em"
forma" de" pulseiras," que" embelezam" os" braços" e" os" tornozelos" de" Salomé" nos"
quadros"de"Moreau,"remetendo"ainda"para"“des"serpenteaux"de"feu”"(HUYSMANS,"
1970:"85)"[as"serpentes"de"fogo],"bem"como"para"uma"passagem"de"A"Confissão'de'
Lúcio:" “MordiamFseFlhe" nos" braços" serpentes" de" esmeraldas”" (SÁFCARNEIRO," 1968:"
35)." Há" uma" produção" imagética" inicial" em" torno" de" elementos" comummente"
associados" ao" Mal" que" concorre" para" a" reelaboração" do" mito" bíblico,"
amalgamandoFo" com" um" outro," igualmente" bíblico," que" diz" respeito" à" criação" do"
Mundo," onde" uma" serpente" e" a" primeira" mulher" Eva" são" responsáveis" pela"
expulsão"dos"homens"do"paraíso."
Estas" reelaborações" dos" mitos" correspondiam" a" uma" tendência" da" época" e,"
tal" como" nos" indica" Paula" Mourão" em" Salomé' e' outros" mitos," são" assinaláveis" as"
Salomés"que"foram"sendo"publicadas"nas"edições"de"Orpheu:"
"
[…]"vale"a"pena"atentar"nas"ocorrências"do"mito"de"Salomé"e"dos"seus"correlatos"em"Orpheu,"
assinalando"desde"já"que"encontraremos"um"corpus"textual"que"se"lembra"mais"de"Mallarmé"
e"de"Oscar"Wilde"do"que"do"modelo"narrativo"de"Flaubert;"nos"modernistas"importa"mais"a"
paisagem"interior"do"eu"que"um"qualquer"episódio"concreto,"e"por"isso"Salomé,"Madalena"e"
tutti'quanti"são"memórias,"são"inscrições"literárias,"são"símbolos"da"dança,"do"pecado"e"da"
[Em" Salomé," Wilde" apresenta" uma" estética" arrojada" e" um" pensamento" filosófico"
experimental" que" força" o" individualismo" moderno" ao" limite," a" asserção" enfática" e" extática"
de" um" indivíduo" transgressivo." Nos" últimos" momentos" da" vida" de" Salomé," Wilde"
apresentaFa" como" um" ser" autoFsuficiente" e" pósFmetafísico" capaz" de" satisfazer," de" modo"
imprudente,"egoísta"e"triunfante,"as"suas"próprias"necessidades.]"
"
Em" relação" a" Fernando" Pessoa," confirmaFse" a" afirmação" de" Paula" Mourão." Este"
segue," no" seu" teatro" estático," em" larga" medida," a" estetização" inerente" a" estes" dois"
autores"do"fim"do"século" XIX."As"noções"de"individualidade,"autoFsuficiência"e"de"
um"“eu”"pósFmetafísico"estão"presentes"não"só"na"Salomé'pessoana,"como"em"todo"
o"seu"teatro"estático."E"observeFse"como"também"a"dança"da"sua"Salomé"é"apenas"
de"cariz"metafórico:""
"
SALOMÉ"–"De"que"estão"aquelles"homens"fallando?"
A"–"Do"vosso"modo"de"dançar,"senhora."Dos"gestos"que"fazeis"quando"dançaes."
SALOMÉ"–"Que"gestos"faço"eu?"eu"não"estou"fazendo"gestos"nenhuns."
A"–"As"cousas"em"que"estaes"pensando"é"que"estão"fazendo"gestos"no"ar."
"(PESSOA,"2017:"176)"
"
Assim" sendo," ao" dizer" que" “Os" curiosos," quando" fitam" as" suas" mãos,"
tremem”"(PESSOA,"2017:"266)"ou"“O"gesto"dos"seus"braços"é"o"fio"de"uma"lamina”"
(PESSOA," 2017:" 267)," o" elemento" especificamente" erótico" encontraFse" associado" aos"
efeitos"de"uma"imagem"de"um"corpo"intelectualizado"ao"invés"de"uma"imagem"de"
um"corpo"estritamente"físico."É"por"isso"que"a"femme'fatale'pessoana"está,"como"se"
verá" mais" à" frente" neste" estudo," associada" a" um" problema" de" significação" textual"
transmitida" por" um" efeito" de" incompreensão." Isto" engaja" na" referência" à" lua" feita"
no" anexo" 23" (“Lá" fora" o" luar" é" de" prata" dada”;" PESSOA," 2017:" 266)," evocando,"
simultaneamente," duas" simbologias" do" drama" de" Oscar" Wilde:" por" um" lado," o"
terror"que"comporta"a"bandeja"de"prata"ali"explicitamente"mencionada"e,"por"outro,"
a"primeira"coloração"da"lua,"associada"à"pureza"e"à"inocência.4""
Também"em"1917,"a"descrição"inicial"da"noite,"marcada"pela"tranquilidade,"
contrasta"com"a"inquietação"interior"da"personagem"Salomé:"“A"noite"é"tão"calma"e"
tão"puro"o"céu"que"não"há"tristeza"que"esteja"fóra"de"mim."Uma"angustia"como"uma"
mão" oprimeFme." Há" um" desassossego" sem" esperança" em" todas" as" minhas"
emoções”"(PESSOA,"2017:"175)."A"impressão"corporal"penosa"que"a"angústia"provoca"
sobre" o" sujeito" e" a" exteriorização" interior" desse" malFestar" sob" a" forma" de" uma"
“mão”" que" oprime" abrem" pistas" de" leitura" sobre" a" dor" e" as" sensações," e" sobre" a"
forma"de"como"pensamento"e"corpo"se"tocam.""
O"desassossego,"outro"dos"elementos"que"caracteriza"o"estado"de"espírito"de"
Salomé,"antecede"o"momento"do"sonho,"à"semelhança"do"que"se"verifica"no"Livro'do'
Desassossego,"e"que"Silvina"Rodrigues"Lopes"interpreta"da"seguinte"forma:"
"
O"desassossego,"ou"desassocego,"não"é"uma"poética"de"evasão,"é"decisão"de"escrever,"sem"a"
qual"o"sono"e"o"sonho"seriam"apenas"aquilo"que"são"–"abandono"de"si"–"e"não"seriam"aquilo"
que" não" são;" não" seriam" interrompidos" pela" vigília." Por" uma" aliança" inexplicável" com" o"
acaso,"a"escrita,"movimento"insone,"impede"que"o"sonho"se"conforme"ao"substituto"da"acção"
na" passividade" e" na" irresponsabilidade." Enquanto" ficções," os" sonhos" encenam" motivações"
psicológicas"e"comportamentos"romanescos."TecemFse"de"farrapos"de"situações"e"ao"mesmo"
tempo"constroemFse"como"distância"da"realidade;"mas"enquanto"sonhos,"as"ficções"estão"do"
lado"de"uma"“atenção"desatenta”,"de"uma"desconformidade"(monstruosidade).""
(LOPES,"2014:"59)"
"
Se," nos" textos" de" Wilde" e" SáFCarneiro," a" iminência" de" uma" acção" trágica" é"
pressagiada"por"elementos"da"realidade"exterior,"no"drama"de"Pessoa,"o"desassossego"
4" O" símbolo" da" lua," em" Oscar" Wilde," pretende," de" acordo" com" a" interpretação" de" Petra" DierkesF
Thrun"(2011:"24),"representar"o"símbolo"do"espelho"utilizado"por"Mallarmé"e"tem,"por"esse"motivo,"
uma"intenção"de"criar"um"reflexo"da"personagem"de"Salomé."Deste"modo,"os"diferentes"matizes"de"
que" a" lua" se" reveste" estão" em" consonância" com" a" natureza" comportamental" desta" personagem" ao"
longo"da"peça:"em"primeiro,"a"cor"branca"representa"a"pureza"e"a"inocência"de"Salomé;"a"vermelha"
corresponde" à" paixão" de" Salomé" por" Jokanaan" e" ao" primeiro" derrame" de" sangue" decorrente" do"
suicídio"de"Narraboth;"por"fim,"a"cor"negra"condensa"todos"os"acontecimentos"finais"que"nimbam"a"
acção"com"um"halo"de"morte:"a"dança"que"conduz"à"morte"de"Jokanaan,"o"encontro"de"Salomé"com"a"
cabeça"decapitada"e"a"morte"de"Salomé."
interior" de" Salomé" é" o" gatilho" para" o" sonho," para" a" construção" de" uma" realidade"
onírica"que"será"interrompida"pela"vigília,"como"se"pode"verificar"no"fragmento"58,"
que" introduz" este" drama" estático." O" desassossego" acompanha" ainda" um" desejo"
particular:"“Nesta"hora"mórna"e"escura"eu"queria"ser"qualquer"cousa"que"ninguem"
tivesse" desejado" ser”" (PESSOA," 2017:" 175)." Este" desejo" de" ser" uma" outra" coisa" é"
possível"através"do"sonho"e"é"nele"que"essa"projecção"de"si"se"efectua"até"ao"infinito:"
“Assim,"quando"sonho,"os"meus"sonhos"são"maiores"do"que"eu,"infinitos"por"vezes,"
indo" até" ao" horizonte" absoluto." ProjectoFme," quando" sonho," sobre" todas" as"
epocas…”"(PESSOA,"2017:"175).""
"
"
"
Fig.'2.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'175).'
"
Salomé" começa" por" narrar" um" sonho" às" suas" aias" e" este" transformaFse" em"
realidade"à"medida"que"vai"sendo"enunciado."As"aias"aceitam"em"ouvir"a"história"
narrada"por"Salomé,"mas"antecipam"duas"possibilidades"de"um"veredicto"estético:"
“Se"a"historia"fôr"bella,"senhora,"será"pena"que"fôsse"apenas"sonho;"se"não"fôr"bella,"
será" pena" que" se" houvesse" contado”" (PESSOA," 2017:" 178)" A" história" narrada" por"
Salomé"institui"o"real"e"compreendeFse"o"poder"“divino”"que"a"palavra"adquire"ao"
permitir"a"criação"da"realidade:"
"
SALOMÉ" –"Se"a"sonharmos"bem,"e"fôr"bella,"e"porisso"a"sonharmos"bem,"será"mais"que"um"
sonho:"nalgum"logar,"nalgum"momento,"ella"terá"ser,"porque"as"coisas"que"acontecem"não"
são" senão" como" são" narradas" depois." O" que" aconteceu" ninguem" o" sabe," porque" ninguem"
sabe"até"o"que"está"acontecendo;"os"olhos"teem"a"venda"de"vêr,"e"os"ouvidos"estão"tapados"
com" o" ouvir." Os" livros" grandes" que" meu" Pae" lê" contam" coisas" maravilhosas" do" passado."
Essas" coisas" são" narradas," porém" talvez" nunca" se" dessem." Mas" as" coisas" deramFse" porque"
são"narradas.""
(PESSOA,"2017:"178)"
"
A" referência" aos" “livros" grandes”" e" aos" relatos" maravilhosos" do" passado" não" é"
ingénua"neste"sonho,"uma"vez"que"também"eles"são"decorrentes"de"outros"sonhos,"
que" “talvez" nunca" se" dessem”" e" que," apenas" pelo" facto" de" terem" ganho" uma"
existência" através" da" escrita," são" reais." AtenteFse" ao" facto" de" esta" pequena"
deambulação" em" torno" do" acontecimento" –" “O" que" aconteceu" ninguem" o" sabe,"
porque" ninguem" sabe" até" o" que" está" acontecendo”" –" corroborar" o" processo" de"
amalgamamento"a"que"a"criação"(literária)"está"inexoravelmente"exposta."O"sonho"
de" Salomé" constitui" um" exemplo" de" como" uma" breve" narração" bíblica" acerca" do"
episódio" da" decapitação" de" João" Baptista" pode" ser" polvilhada" por" resquícios" de"
outras" históricas" bíblicas" que," desta" forma," se" espraiam" em" novas" narrativas." Tal"
como"à"protagonista"deste"drama,"não"interessa"saber"o"que"aconteceu"mas"antes"o"
que"resultou"da"narração"desse"acontecimento,"ou"seja,"o"processo"de"escrita,"sob"a"
forma"de"histórias"que"contam"“coisas"maravilhosas"do"passado.”.""
Por"esse"motivo,"Salomé"está"disposta"a"contar"um"sonho"sobre"um"homem,"
João"(alusão"a"João"Baptista),"personagem"fictício"criado"por"ela"e"que"é"designado"
ora"por"“doido”,"ora"por"“bandido"que"mata"nas"aldeias”,"ou"ainda"por"“um"santo"
que" criasse" deuses”." À" semelhança" de" Salomé," também" este" personagem" sonha,"
também"ele"institui"uma"realidade"que"é"a"de"criar"um"deus:"“Esse"homem"clamava"
nos"desertos"a"vinda"do"deus"que"queria,"e"clamavaFa"porque"a"queria"e"não"porque"
ella"houvesse"de"ser."Mas"elle"clamava"tanto"que"sem"duvida"o"ouviria"esse"deus"
que"elle"estava"creando”"(PESSOA,"2017:"179)."Segundo"as"escrituras,"também"Deus"
da"tradição"bíblica"criou"o"mundo"pela"palavra,"e"tanto"a"criação"de"Salomé"como"a"
de" João" convergem" para" a" ideia" de" que" é" a" palavra" que" funda" a" realidade."
Corroborando"este"argumento,"acrescenta"Salomé:"
"
5"Fernando"Pessoa"(2017:"276)"utiliza"os"termos"“figuras”"e"“fantoches”.""
6"Esta"interpretação"é"igualmente"defendida"por"Flávio"Rodrigo"Vieira"Lopes"Penteado"Corrêa,"no"
seu"artigo"intitulado"“Salomé"ou"uma"história"em"que"nos"fechemos"da"vida”,"publicado"no"XI"SEL"
–"Seminário"de"Estudos"Literários,"na"UNESP,"em"2013."
"
"
"
"
s. - l'i·':ha. vich t'}!ll Ul'l cc.nsa.r,o <.le ais cnisas do '.ue a r;ir-r.a
V!clt1. "'tão sei -t49 que s0i1}-iar, ·nas hojo, C1Ue me peS!l tant0 ()
na.o saC'.ll' mais 1ue sonh:11•, e tP.'1110 se;r querer a ·nects id•, 1 e do
sn·1ho, ,1uei•,J que sonreis 00 1 ,130, ')lE!l'·' que sonh6mo 'nnt<s,
Se un. V;Yeri juntos, por r·e ão son.r.arão jan";os outr· ~;; ,r a 1 .-
guma difforanqo. corta e1tY,é, sonh., e o.. vida?
Al,- J :i.s ;::,.10, sen:.io:::a, s1n'1a1•erros juntas? """ln.ha 'l"lJl.'no, l' ~º •";a-
ri1 de so11.h•;;,"; ,,s na.o (J,Ufl"O clorrrir, por:ue os sonhos, ,u9.'ld"l
se dor'l1B, ª"" de outr'. all1la., e c1•-.i.za.,~-se co os lt,e desejariavos
ter,coino o~ perosrinoe nas encruzilhadas,
S, - "u furei para mim um sonho, e eese s0nho será ul"P histn!•is..
!1-'Ji contando alto essa hi.,t01'ia., e "é, ouvireis e s-.Jn',ol-a-heis
col"n,igo, 'C'ma ou outra de ,At, uando a historia itb.e fÔ:-, ~alia
a:t~ct«xocxsdmst ensopando a alma, me i"á dizendo o '!U· 1!ê r:a alma
cl essa hlstori!l, e que eu me esri iecesse de. contar, .iera co, o tu1
ca".lt.-, ,r· 1ue cc.ntem:is junta s no senti.elo, e cada uma. 1. ~na. vez
i-~i, 11 z, Dizei-r.ie que potl.e ser asíli'll, para (lue eu r>ossa sonhar a
hist·): '.a que ha de sei•.
A2. - Sn a ftXX histori'.1. f0" bell, ~e"hora, será pena quB f~s3e
o.pena.3 sonho; se não f'Õ1• bella, ~era. 1 eno. que se h,Jclvesse c) ,ta.-
do,
"
Fig.'3.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'1781179).'
"
"
"
"
"
'Sss 1omeo ch.n.t'1R.va-se tT,.,ão, ~"'r ~ue r n "'en ~nh.,) ..,o cho.ma
,J'.)io. ": ,.un none d'l ent1•F1 os hebroue, =sl_;lão !18. i'elizr,ient.e
pr0pheta ou rabblno d 1 entre elles que ainda us,sse d 1 elle.
Esse '101~em clanava no'! de2ertns a v.i.nda d0 deus que queria ,
e clamava-a r,orque a c;.t:e~ia e nã-1 poi•que e l la llmllve sse de
ser. !.'as à.le clalr.!!.Va tnn1;n "C).ueser duvida o :mviria !'las.e
deus que elle estava creando. E o clfms viria em sua hora,
wim.ll.xl!llllU!!lll.:ru!.l'lll por,,ue par '.uem on11.a nãn 11.ahora, nem se
·lese:.con~ra a alma com D«
"
Fig.'4.'“Salomé”'(PESSOA,'2017:'1781179).'
"
Apesar"do"trecho"constante"no"fragmento"em"análise"se"centrar"na"descrição"
de"características"que"elevariam"Salomé"à"categoria"de"femme'fatale,"a"personagem"
em" causa" não" conhece" essa" vertente" de" si." Significa" isto" que" uma" parte" do" que" se"
conhece"da"personagem"mítica"e"literária"de"Salomé"ficou"adstrita"a"uma"imagem"
cristalizada" sob" a" forma" de" mito," e" essa" significação" atravessou" eras" e" lugares"
longínquos,"foi"ampliada,"alterada"e"veiculada"pela"boca"do"sujeito"indeterminado"
de"“Dizem”."Para"além"disso,"a"existência"de"Salomé"é"comparada"à"de"outros"seres"
imaginários," que" também" concorrem" para" a" sedimentação" da" imagem" da" mulher"
fatal," como" é" o" caso" do" canto" das" sereias," enriquecendoFse," desta" forma," um"
imaginário" colectivo:" “As" suas" preferidas" odeiamFme" sem" saber" se" existo," porque"
entre"as"palavras"vagas"dos"seus"discursos"amorosos,"a"minha"imagem"embarga"as"
frases" e" ellas" sentemFme" passar," como" um" canto" de" sereia," nos" esquecimentos" da"
voz”"(PESSOA,"2017:"176)."O"mito"da"existência"de"Salomé"e"do"seu"poder"maléfico"
sobre" os" homens" é" assim" difundido" e" cimentado" no" inconsciente" colectivo,"
conjugando" elementos" de" diferentes" tradições" que" continuamente" urdem" (e"
desurdem)"uma"trama"literária.""
A"filha"de"Herodíade,"nos"textos"bíblicos,"foi"responsável"pela"morte"de"um"
santo,"de"um"profeta"e"a"memória"que"dela"perdurou"conduz"imediatamente"a"essa"
significação;" no" entanto," o" corpo" significante" não" cessa" de" se" construir" e" é" a" esse"
processo"que"se"assiste"com"este"sonho,"com"esta"nova"história,"ao"construirFse"um"
novo" passado" assente" sobre" uma" nova" premissa" –" a" de" que" a" cabeça" pedida"
pertencia"a"um"“doido”:"
"
SALOMÉ" –"E"eu"pensei"que"se"eu"sonhasse"isto"muitas"vezes"talvez"o"futuro"tivesse"pena"de"
mim."Amariam"a"minha"memoria"todos"os"homens."
A"–"O"que"é"que"vós"sonhastes?"
SALOMÉ"–"Que"meu"pae"dava"um"banquete"e"eu"dançava"no"banquete"deante"dos"convivas."
De"tal"maneira"eu"dançava"que"o"meu"pae"me"dizia"–"pedeFme"o"que"quiseres."E"eu"pedia"a"
cabeça"d’aquelle"doido"que"prenderam"ha"dias."
(PESSOA,"2017:"175,"176)"
"
Com" esta" mudança" do" epíteto" de" João" de" “santo”" para" “doido”," a" personagem"
Salomé,"através"de"uma"invenção"que"não"é"senão"a"narração"de"um"sonho,"tenta"
elidir"os"traços"do"passado"e"reescrevêFlos"no"presente,"daí"que"se"compreenda"que"
não"é"a"vida"o"que"cria"a"história,"o"mito,"mas"antes"o"inverso:"“Quero,"com"todo"o"
meu" sonho," que" este" sonho" seja" verdadeiro." Quero" que" fique" verdade" no" futuro,"
como" outros" sonhos" são" verdades" no" passado”" (PESSOA," 2017:" 180)." Deste" modo,"
libertandoFse" de" interpretações" e" traduções," Salomé" abandonaFse" à" criação" de"
novas"possibilidades"de"existência.""
No"entanto,"colocaFse"a"questão"de"saber"quem"é,"afinal,"Salomé."RespondeF
nos"ela,"no"fragmento"59:"“O"que"ficará"de"mim"será"falso”"(PESSOA,"2017:"176)."E"o"
que"é"“uma"cousa"ser"falsa”"questiona"a"aia,"a"que"Salomé"responde"“não"sei”."As"
expressões" “mas" não" sei" quem" sou”," “a" adormecida”" e" “o" que" fica" de" mim" será"
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 659
Braga Teatro estático
falso”" levantam" questões" em" torno" da" identidade" e" do" corpo" saturado" de"
significações"que"se"torna"irreconhecível,"externo,"ao"próprio"“eu”."
A" parte" “falsa”" de" Salomé," este" “eu”" extenso" que" está" entregue" aos" outros,"
não"existe"para"ela"pois,"e"apropriandoFnos"das"palavras"de"JeanFLuc"Nancy:"“Un"
corps"est"toujours"obFjecté"du"dehors,"à"“moi”"ou"autrui."Les"corps"sont"d’abord"et"
sont"toujours"autres"–"de"même"que"les"autres"sont"d’abord"et"sont"toujours"corps."
J’ignorerai" toujours" mon" corps," je" m’ignorerai" comme" corps" là" mème" où" “corpus"
ego”"est"une"certitude"sans"réserves."Les"autres,"au"contraire,"je"les"saurai"toujours"
en"tant"que"corps”"(NANCY,"2000a:"29)"[“Um"corpo"é"sempre"obFjectado"de"fora,"a"
“mim”"ou"a"outrem."Os"corpos"são"sempre"e"antes"de"tudo"outros"–"assim"como"os"
outros" são" sempre" e" antes" de" tudo" corpos." Desconhecerei" sempre" o" meu" corpo,"
desconhecerFmeFei"sempre"como"corpo"aí'mesmo"onde"“corpus"ego”"é"uma"certeza"
sem" reservas." Os" outros," pelo" contrário," conhecêFlosFei" sempre" enquanto" corpos”]"
(NANCY," 2000b:" 30)." Quer" isto" dizer" que" há" uma" parte" do" corpo" que" é" sempre"
desconhecida," externa" ao" “eu”" e" que" só" é" visível" pelos" outros" pois" esses" estão"
sempre" do" lado" de" fora" e" conseguem" visualizar" o" fora" do" “eu”." Em" um" dos"
diálogos" entabulados" numa" outra" peça" dramática" pertencente" ao" teatro" estático,"
Dialogo' no' Jardim' do' Palacio," esse" desconhecimento" do" seu" próprio" corpo," a"
ignorância" de" uma" parte" não" visível" do" eu" encontraFse" expressa" nos" seguintes"
termos:""
"
B"–"Que"vês"tu"de"mim?"O"meu"corpo."Tu"á"minha"alma"não"vês."
A"–"Mas"nem"a"minha"vejo,"e"ao"meu"corpo"mal"o"vejo."Não"o"vejo"como"um"corpo"se"deve"
ver"para"parecer"real."Olho"para"baixo"para"elle,"não"olho"para"deante,"como"para"ver"o"teu."
Se"ao"menos"eu"me"sentisse"dentro"do"meu"corpo!"Mas"não"me"sinto"dentro"nem"fóra."Nem"
sou," nem" visto," o" meu" corpo." Sou" –" corpo" e" alma" –" qualquer" cousa" que" eu" não" possúo…"
(pausa)" […]" Quando" me" vejo" de" costas," nos" espelhos," pareceFme" que" tenho" um" outro" sêr,"
que"sou"outra"coisa."ExtranhoFme"por"fóra…"Que"horror"que"não"possamos"vêr"mais"do"que"
um"lado"de"um"corpo"de"cada"vez…""
(PESSOA,"2017:"171)7"
"
A"expressão"“extranhoFme"por"fóra”,"o"terFse"tornado"extranho,"cuja"partícula"“ex”"
remete" para" a" ideia" de" exterior," para" alguém" que" se" vê" do" lado" de" fora," para" um"
“foraFdeFsi”" tal" como" Silvina" Rodrigues" Lopes" definiu" na" sua" leitura" da" palavra"
“extranho”"de"Bernardo"Soares"–"e"que"aparece"com"bastante"frequência"em"vários"
7"À"semelhança"deste"excerto"de"Dialogo'no'Jardim'do'Palacio,"também"em"Dialogo'na'Sombra"podemos"
encontrar"a"ideia"de"um"corpo"que"é"exterior"a"um"eu,"um"corpo"que"é"extranho"à"voz"da"enunciação:"
“E"–"Eu"proprio"não"sei"quem"eu"sou…"Meus"gestos"são"entes"extranhos"quando"reparo"n’elles,"e"
sombras"incertas"quando"não"reparo."São"uma"perpetua"revelação"a"mim"proprio."Sou"tão"exterior"a"
conhecerFme"como"o"mundo"externo…"Entre"o"meu"querer"erguer"um"braço"e"elle"erguerFse"vae"um"
intervallo" divino…" Transponho," entre" pensar" e" falar," rápido" como" uma" cousa" que" não" fosse," um"
abysmo"sem"fundo"humano."|"A"–"Eu"sou"simples"como"uma"pedra"no"caminho"ou"uma"rosa"numa"
roseira."|"E"–"És"simples"porque"não"te"espelhas"em"ti”"(PESSOA,"2017:"115).""
trechos"do"Livro'do'Desassossego"–"está"em"conformidade"com"a"leitura"que"Nancy"
faz"de"corpo,"convergindo"para"uma"ideia"comum:"a"do"corpo"como"mundo,"como"
espaçamento"infinito,"um"corpo"que"se"estende"para"além"dos"seus"limites,"que"se"
ultrapassa," em" pensamento" ou" linguagem." É" a" partir" do" próprio" corpo," do" meu"
corpo"que"se"pode"ver"o"corpo"como"algo"que"é"estranho,"expropriado."
O" tornarFse" extranho," o" desconhecimento" da" totalidade" do" “eu”" é" também"
uma"característica"em"evidência"na"obra"Mário"de"Sá–Carneiro,"como"sucede,"por"
exemplo,"nos"versos"finais"do"poema"“Bárbaro”:"
"
–"Não"sei"quem"tenho"aos"pés:"se"a"dançarina"morta,"
Ou"a"minh’Alma"só,"que"me"explodiu"de"cor…"
(SÁFCARNEIRO,"2017:"107)'
"
De" acordo" com" a" leitura" que" Paula" Mourão" efectua" destes" versos" finais," “tudo"
reverte" sobre" o" eu," pois" a" “dançarina" morta”" é" uma" face" especular" da" “minha"
Alma”;" depois" de" uma" suspensão" dramática" da" palavra," e" da" consciência" que" ela"
expressa,"o"sujeito"é"no"fim"do"poema"a"imagem"do"nãoFsaber”"(MOURÃO,"2000:"45)."
Esta" última" imagem" remeteFnos" para" uma" expressão" de" Sigmund" Freud," de" que"
JeanFLuc"Nancy"fez"uso"para"a"sua"definição"de"corpo:"“‘La"psyché"est"étendu:"n’en"
sait"rien.’"C’est"–"à"–"dire"que"la"‘psyché’"est"corps,"et"que"c’est"précisément"ce"qui"
lui"échappe,"et"dont"(peut"–"on"penser)"l’échappée"ou"l’échappement"la"constitue"en"
tant" que" ‘psyché’," et" dans" la" dimension" d’un" neFpasF(pouvoir/vouloir)Fse" savoir”"
(NANCY,"2000a:"22)"[“‘A"psique"é"extensa,"e"ignoraFo"de"todo’."Isto"quer"dizer"que"a"
‘psique’" é" corpo," e" que" é" precisamente" isso" que" lhe" escapa." Podemos" assim" supor"
que" este" escapar" a" constitui" enquanto" ‘psique’," na" dimensão" de" um" não" –"
(querer/poder)" –" saberFse”]" (NANCY," 2000b:" 22)." Assim," interpretaFse" que" o" nãoF
saber" a" que" Paula" Mourão" se" refere" corresponde" a" essa" extensão" que" o" sujeito"
poético"desconhece,"porquanto"lhe"é"difícil"determinar"os"limites"do"seu"psíquico."
O"psíquico,"de"acordo"com"a"perspectiva"apresentada,"refereFse"ao"corpo"ou"corpos"
que"estão"para"além"do"corpo"físico,"é"o"que"ele"designa"de"“ser"extenso"e"foraFdeFsi"
da"presençaFnoFmundo”"(NANCY,"2000b:"22).""
DetenhamoFnos" na" compreensão" do" conceito" de" corpo" (que" difere" do" de"
corpus)" de" JeanFLuc" Nancy" na" obra" supraFcitada:" há" uma" tradição" histórica" que"
precede" este" conceito" e" que" está" associada" à" frase" Hoc' est' enim' corpus' meum,"
utilizada" por" “des" millions" d’officiants" de" millions" de" cultes”" (NANCY," 2000a:" 7)"
[“milhões" de" oficiantes" de" milhões" de" cultos”]" (NANCY," 2000b:" 5)." Esta" expressão"
utilizada"no"ritual"religioso"católico"é"proferida"no"momento"em"que"se"apresenta"à"
comunidade" a" hóstia," enquanto" símbolo" do" corpo" de" Cristo." JeanFLuc" Nancy"
considera"que"este"foi"o"momento"em"que"houve"a"necessidade"de"“dar"um"corpo”"
a" uma" entidade" divina" enquanto" expressão" da" sua" existência," da" sua" realidade." E"
daí"a"“obsessão”"em"demonstrar"a"existência,"a"partir"de"uma"evidência"“física”,"de"
um"corpo,"acto"que"teria"correspondido"a"uma"“invenção”"e"que"teria"conduzido"a"
uma"angústia"pelo"facto"de"ser"impossível"determinar"o"que"é"realmente"um"corpo:"
"
L’angoisse," le" désir" de" voir," de" toucher" et" manger" le" corps" de" Dieu," d’être" ce" corps" et" de"
n’être'que'ça'font"le"principe"de"(dé)raison"de"l’Occident."Du"coup,"le"corps,"du"corps,"n’y'a'
jamais" lieu," et" surtout' pas' quand' on' l’y' nomme' et' l’y' convoque." Le" corps," pour" nous," est"
toujours"sacrifié:"hostie.""
(NANCY,"2000a:"9)"
"
[A"angústia,"o"desejo"de"ver,"de"tocar"e"comer"o"corpo"de"Deus,"de"ser"esse"corpo"e"de"não'
ser'mais'do'que'isso,"fazem"o"princípio"da"(semF)"razão"do"Ocidente."Subitamente,"o"corpo,"o"
simplesmente" corpo" nunca' aí' teve' lugar,' e' sobretudo' quando' aí' foi' nomeado' e' convocado." O"
corpo,"para"nós,"é"sempre"sacrificado:"hóstia.]"
(NANCY,"2000b:"7)"
"
Eis" a" razão" pela" qual," para" Nancy," o" corpo" não" é" esse" espaço" preenchido" de"
sentidos,"de"símbolos,"de"representações,"como"o"é"a"metáfora"do"corpo"de"Cristo,"
mas" antes" um" espaço" aberto," um" lugar" de" existência," isto" é," um" lugar" onde" a"
existência"se"dá."E"esse"corpoFlugar"não"tem"qualquer"função"ou"finalidade"senão"
existir:" “le" corps" donne' lieu" à" l’existence." [...]" Le" corps" est" l’être" de" l’existence”"
(NANCY," 2000a:" 16F17)" [“o" corpo" dá' lugar" à" existência." (…)" O" corpo" é" o" ser" da"
existência”]"(NANCY,"2000b:"15F16)."
Mais" do" que" apresentar" corpos," o" drama" estático" pessoano" apresenta"
também" existências," lugares" onde" a" existência" se" dá:" “Chamo" drama" estático"
áquelle"que,"longe"de"buscar"apresentar"a"acção,"pretende"apresentar"inercias,"isto"
é,"que"pretende"revelar"as"almas"n’aquillo"que"ellas"conteem"que"não"produz"acção,"
nem" se" revela" atravez" da" acção," mas" fica" dentro" d’ellas," tudo" quanto," no" bom"
theatro" dynamico," nunca" pode" apparecer" no" dialogo”" (PESSOA," 2017:" 277)" e" ainda"
“Pode"haver"revelação"de"almas"sem"acção,"e"pode"haver"creação"de"situações"de"
inércia," meramente" de" alma," sem" janellas" ou" portas" para" a" realidade”" (PESSOA,"
2017:"276)."O"corpo"é"já"acontecimento,"e"ele"não"precisa"de"se"mover,"de"produzir"
uma"acção,"para"que"exista,"para"que"revele"a"sua"extensão,"pois"segundo"Fernando"
Pessoa" “O" theatro" estatico" usa" o" movimento" inexprimivel," o" vitalmente"
intraduzivel”"(PESSOA,"2017:"277)."
ExplicaFnos" também" JeanFLuc" Nancy" que" o" “lugar”" ou" a" “existência" local”"
não"pode"ser"perspectivado"no"sentido"de"território"físico"ou"de"propriedade"mas"
no" “sens" pictural" de" la" couleur" locale:" la" vibration," l’intensité" singulière" –" elleF
même" changeante," mobile," multiple" –" d’un" événement" de" peau," ou" d’une" peau"
comme"lieu"d’événement"d’"existence”(NANCY,"2000a:17)"[“sentido"pictural"da"cor'
local:"a"vibração,"a"intensidade"singular"–"ela"própria"variável,"móbil"e"múltipla"–"de"
um" acontecimento" de" pele," ou" de" uma" pele" com" lugar" de" acontecimentos" de"
existência”]" (NANCY," 2000b:" 17)." A" escrita" é" igualmente" um" lugar," e" mais" do" que"
fixar"uma"memória"ou"apresentar"um"sentido,"ela"é"uma"presença"no"mundo,"uma"
exposição"do"ser,"isto"é,"o"“próprio"ser”:""
"
L’"“exposition”"ne"signifie"pas"que"l’intimité"est"extraite"de"son"retranchement,"et"portée"auF
dehors,"mise"en"vue."Le"corps"serait"alors"une"exposition"du"“soi”,"au"sens"d’une"traduction,"
d’une"interprétation,"d’une"mise"en"scène."L’"”exposition”"signifie"au"contraire"que"l’expression"
est"elleFmême"l’intimité"et"retranchement.""
"(NANCY,"2000a:"32)"
"
[A"“exposição”"não"significa"extrair"a"intimidade"do"seu"retraimento,"leváFla"para"o"exterior"
e"pôFla"à"vista."O"corpo"seria"então"uma"exposição"do"“si”,"no"sentido"de"uma"tradução,"de"
uma" interpretação," de" uma" encenação." “Exposição”" significa," pelo" contrário," que" a"
expressão"é"ela"própria"a"intimidade"e"o"retraimento.”]""
(NANCY,"2000b:"34)"
"
Essa"“exposição”"ocorre"ao"longo"da"peça'Salomé,"que"apresenta"o"ponto"de"
vista" da" extensão" da" existência" através" do" mito," do" corpo" estético" de" Salomé," um"
corpo"que"não"pára"de"se"expandir,"de"se"construir"e"de"desconstruir."Salomé"é"um"
corpo" que" nunca" se" fecha" sobre" si" próprio," que" não" morre" e" até" mesmo" a" sua"
decomposição"fertiliza"e"dissemina,"constituindo"exemplo"do"que"JeanFLuc"Nancy"
definiu:"“Le"corps"est"l’êtreFexposé"de"l’être”"(NANCY,"2000a:"32);"“O"corpo"é"o"serF
exposto"do"ser”"(NANCY,"2000b:"34).""
" É"ainda"visível,"a"par"da"projecção"e"da"extensão"do"eu,"o"tema"do"perderFse"
dentro"de"si,"que"cabe"também"nesta"concepção"de"corpo"de"JeanFLuc"Nancy,"uma"
vez" que" o" corpo" é" considerado" plasticamente," admitindo" uma" extensão" que"
interiormente"se"expande,"tanto"como"interioridade"como"exterioridade."O"Dialogo'
no'Jardim'do'Palacio"demonstra"como"é"que"o"corpo"pode"abrir"espaço"para"dentro"
de"“siFpróprio”:"
"
A"–"[…]"FuiFme"esquecendo"de"ti"e"de"mim…"Depois"que"me"esqueci"de"tudo,"então"o"meu"
corpo" cessou." Quiz" abrir" os" olhos" mas" tive" um" grande" medo" e" não" os" abri." Depois" cessei"
ainda"mais…"Fui"pouco"a"pouco"nem"tendo"alma."EncontreiFme"sendo"um"grande"abysmo"
em" forma" de" poço," sentindo" vagamente" que" o" universo" inteiro" –" com" os" seus" corpos" e" as"
suas" almas" –" estavam" muito" longe." […]" Comecei" então" a" sentir" o" grande" horror" –" ah," e" já"
sem"poder"sentilFo!"–"é"que"esse"poço"era"um"poço"para'dentro'de'siApróprio,"para"dentro"não'
do"meu"sêr,"nem"do"meu"sêrFpoço,"mas"para"dentro"de"siFpróprio,"não"sei"como;"porisso"elle"
tinha"e"não"tinha"muros…""
B"(n’uma'voz'muito'apagada)"–"E"depois?"Depois?"
A" –" Depois" desci…" Encontrei" no" meu" pensamento" uma" dimensão" desconhecida" por" onde"
foi"o"meu"caminho…"É"como"se"se"abrisse,"no"ar"como"vácuo,"o"subito"pavôr"de"uma"Porta…"
Assim"no"meu"pensamento"uno,"vácuo,"abstracto,"uma"porta"se"abriu,"um"Poço,"por"onde"
fui" descendo." Comprehendes" bem" –" não" comprehendes?" –" Foi" no" pensamento" todo"
abstracto"e"sem"diferenças"ou"formas,"ou"idéas,"ou"sêr,"que"um"Poço"se"abriu..."E"eu"descia,"
ao"contrario"do"que"se"desce"–"ao"contrario"por"dentro"do"ao"contrario…""
(PESSOA,"2017:"73)"
"
"
"
"
"
Fig.'5.'“Chama1se'drama'á'forma'totalmente'synthetica”'(PESSOA,'2017:'277).'
"
Inicialmente" o" eu" perdeFse" dentro" de" siFpróprio," mas" depois" o" movimento"
do" seu" pensamento" encontra" “uma" dimensão" desconhecida”," que" corresponde" ao"
movimento"de"“tocarAse'tu"(e"não"a"si"próprio)”"de"Nancy,"“telle"est"la"pensée"que"le"
corps" force" toujours" plus" loin," toujours" trop" loin”" (NANCY," 2000a:" 36)" “tal" é" o"
pensamento" que" o" corpo" força" sempre" mais" longe," sempre" demasiado" longe”"
(NANCY,"2000b:"38).""
"
B" –" […]" Eu" acho" que" há" muito," muito," a" explorar" nas" nossas" sensações." Há" grandes"
interiores"de"continentes"dentro"de"nós,"com"mysterios"a"desvendar."Quem"sabe,"acaso,"se"
raças" diferentes" das" cousas" habitarão" essas" sombras" inexploradas?" HabitueiFme" sempre" a"
olhar"para"as"minhas"sensações"como"para"uma"cousa"exterior.""
(PESSOA,"2017:"74)"
"
Assim," desemboca" este" texto" numa" impossibilidade" da" possessão" do" ser," tema"
central"da"obra"pessoana"no"que"concerne"à"criação"dos"heterónimos,"mas"também"
na" obra" de" Mário" de" SáFCarneiro." Na" carta" de" 6" de" Maio" de" 1913" enviada" a"
Fernando"Pessoa,"Mário"de"SáFCarneiro"afirma,"relativamente"ao"poema"“Como"Eu"
não" Possuo”:" “O" que" eu" desejo," nunca" posso" obter" nem" possuir," porque" só" o"
possuiria" sendoAo." Não" é" a" boca" daquela" rapariga" que" eu" quisera" beijar;" o" que" me"
satisfaria" era" sentirFme," serAme" aquela" boca," serFme" toda" a" gentileza" do" seu" corpo"
agreste”"(SÁFCARNEIRO,"2015:"158)."Por"outras"palavras,"o"narrador"queria"naquela"
“boca”," naquele" “corpo”," ter" uma" existência," através" da" extensão" do" seu" corpo" a"
esse" outro" corpo," pois" é" o" corpo" que" dá' lugar" à" existência." Daí" que" esta" passagem"
não" possa" ser" lida" enquanto" manifestação" de" desejo" ou" posse" sexual" mas" antes"
desejo"de"devirFoutro,"de"devirFmulher.""
Não" se" dá," porém," a" abertura" do" ser" apenas" ao" outro," mas" também" ao"
mundo,"às"possibilidades"ilimitadas"de"criação."Os"sujeitos"poéticos/narradores"das"
obras" de" Pessoa" e" de" SáFCarneiro" experienciam" e" potenciam," através" do" sonho," a"
sua" existência" numa" infinitude" de" sensações," num" “sentir" tudo" de" todas" as"
maneiras”" que" foge" à" consciência" da" vida" quotidiana" e" às" regras" do" pensamento"
racional"que"regem"esta"vida:""
"
2"–"Ele"não"te"pode"amar"pela"tua"lama"porque"elle"não"a"vê,"não"a"pode"possuir,"não"a"pode"
ter,"porque"não"é"d’elle,"mas"tua..."DizeFlhe"que"não..."Não"digas"mais"nada..."
2" –" Agora" viverás" toda" a" vida..." Só" quem" sonha" vive" toda" a" vida," porque" vive" a" vida" de"
todos,"e"a"vida"de"todas"as"maneiras...""
(PESSOA,"2017:"69)"
"
O" momento" de" despossessão" próprio" do" sonho" –" do" acto" de" escrever" –"
corresponde" a" um" momento" de" êxtase," à" criação" de" um" mundo" através" da"
linguagem" comum" a" ambos" os" escritores." Na" “Carta" sobre" a" génese" dos"
heterónimos”"dirigida"a"Adolfo"Casais"Monteiro,"a"13"de"Janeiro"de"1935,"Fernando"
Pessoa" expressa" o" “êxtase”" que" o" processo" de" escrita" e" de" invenção" dos"
heterónimos" lhe" proporcionou:" “E" escrevi" trinta" e" tantos" poemas" a" fio," numa"
especie"de"extase"cuja"natureza"não"conseguirei"definir”"(PESSOA,"2016:"646)."Antes"
do" Theatro' estático" (1914)," a" primeira" designação" que" Pessoa" deu" ao" seu" projecto"
dramatúrgico"foi"a"de"Theatro'd’Extase,"em"1913."Este"foi"o"ano"em"que"se"assiste"à"
criação" do" Paulismo" e" do" Interseccionismo" por" Fernando" Pessoa" e" Mário" de" SáF
Carneiro." Por" conseguinte," um" ano" antes" do" aparecimento" do" mestre" Caeiro" e" do"
êxtase" que" presidiu" ao" “dia" triunfal”." A" sequência" temporal" da" origem" do" teatro"
estático"e"da"germinação"do"teatro"heteronímico"fazFnos"supor"que"existe"uma"ideia"
de"“êxtase”"comum"a"ambos."O"facto"de"Pessoa"não"conseguir"definir"o"êxtase"que"
sente" engaja" silogisticamente" este" conceito" no" de" “absurdo”," pois" no" Dialogo' no'
Jardim' do' Palacio' é" dito" que:" “Custa" tanto" dizer" o" que" se" sente!..." Sentir" é" tão"
absurdo!...”" (PESSOA," 2017:" 69)." No" estudo" “O" estéril" amor" fecundo" de" Bernardo"
Soares”,"João"Albuquerque"(2013:"72F3)"faz"um"levantamento"dos"usos"do"adjectivo"
“absurdo”"no"Livro'do'Desassossego,"interpretando"esses"usos"justamente"como"uma"
espécie"de"êxtase"(embora"não"seja"exactamente"este"o"termo"usado):""
"
[o"adjectivo"“absurdo”]"caracteriza,"ao"longo"do"Livro'do'Desassossego,"diferentes"aspectos"da"
vida," como," por" exemplo," a" ética," os" sentimentos," o" divino," o" jogo" infantil," ou" ainda" a"
apoteose." Há," no" entanto," um" ponto" comum" em" todas" essas" caracterizações:" é" que" ele" é"
assumido" como" um" valor" supremo," dotando" esses" aspectos" de" um" excesso," tanto" em"
qualidade"como"em"quantidade,"de"vida,"ou,"melhor"dizendo,"afiguraFse"como"um"modo"de"
a"vida"se"transcender"além"do"vulgar"da"vida.""
"
Na" novela" “Ressurreição”," de" SáFCarneiro," o" narrador" pretende" estender" o"
seu"corpo"(pensamento,"acontecimento,"palavra,"letra…)"a"um"outro"corpo,"e"assim"
tocar"esse"corpo"como"se"fosse"o"seu."O"êxtase"que"lhe"proporciona"transformarFse"
numa" bailarina" é," na" mesma" novela," comparado" ao" de" poder" ser" uma" cidade"
luminosa," e" constitui" a" expressão" desse" corpo" que" se" abre," se" distende" e" que" dá'
lugar"para"que"se"dê"um"acontecimento,"quer"seja"de"prazer,"de"sofrer,"de"amar"ou"
de" morrer." E" é" esse" desejo" de" ser," de" se" deslocar" por" corpos" indistintos," a" que"
assistimos" em" muitos" momentos" da" obra" de" SáFCarneiro." A" impossibilidade" da"
realização"do"desejo"de"ser"outro"–"de"ser"mulher,"de"ser"estátua,"de"ser"armário..."–"
advém"de"um"dilaceramento"entre"a"sua"força"vital"e"as"formas"do"vivo."Há"em"si"
energia" criadora" que" propende" a" modelar" o" seu" ser," a" recriáFlo," a" expandiFlo" em"
todas" as" suas" possibilidades" de" existência." No" entanto," a" máquina" institucional,"
formadora"dos"princípios"homem/animal/coisa,"masculino/feminino,"e"responsável"
pela"manutenção"das"respectivas"diferenças"entre"eles,"aprisiona"a"força"vital"numa"
forma"estanque,"amorfa"e"sem"existência.""
O" teatro" estático" de" Fernando" Pessoa" visa" exprimir," paradoxalmente," esse"
“movimento" inexprimivel," o" vitalmente" intraduzivel." D’ahi" o" dever" ser" o" theatro"
estatico"absolutamente"irreal"e"falso”"(PESSOA,"2017:"277)."Esse"teatro,"inicialmente"
designado" de" Theatro' d’Extase' conduzFnos" à" ideia" do" movimento" de" saída" do" eu"
(sob" a" forma" de" sonho," pensamento," palavra)" para" fora" de" um" corpo," é" o"
deslocamento"que"o"corpo"faz"no"sentido"do"impensado"e"que"resulta"numa"nova"
realidade.""
No"já"mencionado"Dialogo'no'Jardim'do"Palacio,"o"raciocínio"é"explicitamente"
posto" de" parte," uma" vez" que" “O" raciocinio" é" a" peor" especie" de" sonho," porque" é"
aquelle"que"quer"transportar"para"o"sonho"a"regularidade"da"vida"que"não"ha,"isto"
é," é" duplamente" nada”" (PESSOA," 2017:" 83)." Desse" modo," não" se" pode" procurar"
sentido" no" sonho" pois" ele" é" um" texto" sem" fim," inacabável," e" expressa" uma"
consciência"sempre"em"devir,"como"sucede"também"no"fecho"do"último"fragmento"
de"Salomé:""
"
A"–"E"isso"tem"sentido?"
B"–"Não,"nem"pretende"ter."Tem"tanto"sentido"como"esta"noite"e"este"luar"e"tudo"quanto"tens"
dito."De"que"serve"raciocinar,"provar,"convencer?"Veem"os"factos"e"é"tudo"diferente."Quanto"
melhor,"meu"velho,"acceitar"a"obscuridade"lucida"das"coisas"e"amar"o"vago"por"não"termos"
outro"amor!""
(PESSOA,"2017:"184)"
"
A"falta"de"sentido"que"preside"a"esta"narração,"ou"antes,"o"processo"de"“desF
significação”"a"que"a"personagem"Salomé"foi"submetida,"conduz"ao"aparecimento"
de" um" novo" corpo." Se" com" a" escrita" foi" possível" fixar" a" memória," e"
consequentemente" a" história," é" igualmente" através" dela" que" é" possível" dar" novos"
sentidos"à"história"ou"mesmo"criar"o"semFsentido.""
Jean" –" Luc" Nancy" afirma" que" a" literatura" está" cheia" de" corpos," de" corpos"
“saturés"de"signification,"euxFmêmes"engendrés"pour"signifier,"et"uniquement"pour"
cela”" (NANCY," 2000a:" 62)" [“saturados" de" significação," eles" próprios" gerados" para"
significar,"e"unicamente"para"isso”"(NANCY,"2000b:"69)]."Os"exemplos"da"recriação"
do"mito"de"Salomé"são"disso"exemplo,"uma"vez"que"o"corpo"de"Salomé"comporta"
em"si"todos"os"traços"que"fazem"dela"a'Salomé,"reconhecível."No"entanto,"o"corpo"
significado/significante" de" Salomé" é" já" um" outro" corpo" da" literatura," porque" se"
afasta" da" significação" cristalizada" pela" memória" constituída" pelas" diferentes"
interpretações" e" sentidos" que" se" foram" fixando" ao" seu" corpo" literário." Ao"
desprenderFse"do"seu"sentido"“original”,"este"corpo"vai"abrindo"espaço"a"que"novas"
palavras," novos" acontecimentos" se" possam" produzir" e" segundo" o" pensamento" de"
Nancy," este" corpo," que" já" não" “será" um" signo" nem" fará" sentido”," será" antes" uma"
“excrição”8:" “L’excription" se" produit" dans" le" jeu" d’un" espacement" inFsignifiant:"
celui"qui"détache"les"mots"de"leur"sens,"toujours"à"nouveau,"et"qui"les"abandonne"à"
8"“S’il" y" a" autre" chose," un" autre" corps" de" la" littérature" que" ce" corps" signifié/signifiant," il" ne" fera" ni"
signe," ni" sens," et" en" cela" il" ne" sera" pas" même" écrit."Il" sera" l’écriture," si" l’”écriture”"indique" cela' qui"
s’écarte' de' la' signification," et" qui," pour" cela," s’excrit”" (NANCY," 2000a:" 63)" [“Se" existe" outra" coisa," um"
outro"corpo"da"literatura"que"não"seja"este"corpo"significado/significante,"ele"não"será"um"signo"nem"
fará"sentido,"e"nesta"medida"nem"sequer"será"escrito."Será"a"escrita,"se"“escrita”"indica"aquilo'que'se'
desvia'da'significação,"e"que"por"isso"se"excreve”]"(NANCY,"2000b:"69)."
leur" étendue”" (NANCY," 2000a:" 63)" [“A" excreção" produzFse" no" jogo" de" um"
espaçamento" inFsignificante:" aquele" que" desprende" as" palavras" do" seu" sentido,"
sempre"de"novo,"e"que"as"abandona"à"sua"extensão”]"(NANCY,"2000b:"69F70).""
A" evocação" de" um" passado," embora" irreversível," é" o" cerne" dessa"
reconstituição" a" que" Salomé" dá" voz," sob" a" forma" de" narração," enquanto" meio" de"
construir" uma" imagem" de" um" “eu”," e" que" constituiu" o" meio" de" manutenção" de"
uma"memória"de"sentido"no"dizer"de"Silvina"Rodrigues"Lopes:"
"
De" facto," sendo" a" presença" aquilo" que" na" linguagem" se" retira," a" relação" da" escrita" com" a"
presença" é" não" só" uma" relação" de" sentido" mas" também" uma" relação" de" semFsentido." Isto"
levarFnosFia" a" colocar" provisoriamente" dois" tipos" de" memória:" uma" memória" conjunto" de"
sentidos," interpretações" do" mundo," e" uma" memória" (“frayage”," “traces”)" dispersa" (o" sem"
sentido" não" pode" formar" um" conjunto)." No" entanto," [...]" estes" dois" tipos" de" memória" não"
existem" independentemente" um" do" outro," pelo" que" a" distinção" é" impossível." O" que" é"
possível," e" pertinente," é" tentar" ver" como" é" que" a" escrita" tende" para" a" construção" de" um"
império" do" Sentido," ou" para" a" sua" desconstrução." Ou" seja," como" é" que" a" escrita" ignora"
(ilude)" o" seu" funcionamento" ou" como" é" que" ela" tem" consciência" dele." No" primeiro" caso," a"
memória," como" possibilidade" de" evocação" do" passado," embora" este" se" considere" como"
aquilo"que"não"volta,"permite,"a"um"nível"imaginário,"fantasmático,"a"reconstituição"de"uma"
soma" de" acontecimentos" com" a" qual" se" constrói" a" imagem" de" um" “eu”" ou" de" uma"
sociedade." No" segundo" caso," a" consciência" do" vazio" na" linguagem" destrói" a" ilusão" do"
passado"como"memória.""
(LOPES,"1990:"170F171)."
"
Se"a"breve"retrospectiva"histórica"do"mito"que"levámos"a"cabo"neste"estudo"
demonstra"a"coexistência"destes"dois"tipos"de"memória"(variando,"numa"visão"de"
conjunto," tanto" o" que" permanece" como" o" que" difere)," no" caso" dos" autores"
modernistas,"que"surgem"no"final"do"século"XIX,"a"consciência"desse"facto"tornaFse"
patente."Assim,"a"tendência"seguida"por"estes"autores"é"a"da"desconstrução."Prova"
disto" é" a" perversidade" feminina" associada" a" este" mito" ser" operada" de" diversas"
formas,"com"diversos"fins"e"até"por"diferentes"personagens.""
Fernando" Pessoa," porém," agudiza" esta" consciência" de" desconstrução,"
tornandoFa" abstracta," ou" metaliterária," se" assim" se" pode" dizer." Pessoa" não" só"
esvazia" de" sentido" as" acções" e" as" significações" herdadas" do" mito," como" a" própria"
racionalidade" usada" para" engendrar" tais" sequências" narrativas" (princípio" de"
causalidade)"e"significações"(a"lógica),"concorrendo"este"processo"de"escrita"para"a"
desconstrução"radical"da"ideia"de"narração"do"passado"apenas"enquanto"memória"
histórica."E"isto"não"sucede"somente"em"Salomé,"mas"em"todo"o"seu"teatro"estático."
A"única"peça"que"ele"deu"por"finalizada"e"completa,"O'Marinheiro,'partilha"destas"
mesmas"características"–"fragmentárias,"fora"de"uma"lógica"estritamente"racional"–"
e"postula"exactamente"os"mesmos"problemas:"“Tenho"medo"de"me"poder"lembrar"
do" que" foi..." Mas" foi" qualquer" cousa" de" grande" e" pavoroso" como" o" haver" Deus..."
Deviamos" já" ter" acabado" de" fallar..." Ha" tempo" já" que" a" nossa" conversa" perdeu" o"
sentido...”"(PESSOA,"2017:"184).""
Fica"assim"posta"em"causa"a"ilusão"de"segurança"na"compreensão,"isto"é,"de"
uma"única"chave"de"interpretação,"do"texto"literário"e"da"realidade,"uma"vez"que"a"
vida,"bem"como"a"arte,"não"se"deixam"aprisionar,"fixar"em"sentidos,"já"que"são,"por"
si" mesmas," num" só" movimento," um" fazer" e" um" desfazer" sentido" na" contingência"
das"suas"existências"interFrelacionais."'
"
"
Bibliografia'
"
ALBUQUERQUE," João" (2013)." “O" estéril" amor" fecundo" de" Bernardo" Soares”," in" " Pessoa' Plural' –' A'
Journal'of'Fernando'Pessoa'Studies,"n.º"4,"Outono,"pp."47F74."
BÍBLIA"SAGRADA"(1978)."Lisboa:"Difusora"Bíblica"Missionários"Capuchinhos."8.ª"edição."
BRUNEL,"Pierre"(1988)."Dictionnaire'des'mythes'littéraires."Paris:"Éditions"Du"Rocher."
CORRÊA," Flávio" Rodrigo" Vieira" Lopes" Penteado" (2013)." “Salomé" ou" uma" história" em" que" nos"
fechemos"da"vida”"in"XI"SEL"–"Seminário"de"Estudos"Literários."São"Paulo:"UNESP,"pp."749F
762."
DIERKESFTHRUN," Petra" (2011).' Salome’s' Modernity:' Oscar' Wilde' and' the' Aesthetics' of' Transgression."
Michigan:"University"of"Michigan"Press."
DOTTINFORSINI,"Mireille"(1993)."Cette'femme'qu]ils'disent'fatale."Paris:"Grasset."
HUYSMANS,"JorisFKarl"(1970)."A'rebours."Paris:"Fasquelle"Éditeurs."
LOPES,"Silvina"Rodrigues"(2014)."“Escrita"do"dessassossego,"movimento"insone”,"in"Central'de'Poesia:'
o'“Livro'do'Desassossego”."Lisboa:"Esfera"do"Caos"Editores,"pp."49F61.""
_____" (1990)."“A"ficção"da"memória"e"a"inscrição"do"esquecimento"no"Livro'do'Desassossego”,"“DesF"
figurações." Leitura' do' Livro' do' Desassossego”" e" “Deslocação" e" apagamento" em" Livro' do"
Desassossego," de" Fernando" Pessoa/Bernardo" Soares," e" Le' pas' auAdelà," de" Maurice" Blanchot”,"
in"Aprendizagem'do'Incerto."Lisboa:"Litoral"Edições,"pp."133F174.""
MAETERLINCK,"Maurice"(2005)."Maurice'Maeterlinck'et'le'drame'statique:'L]intruse'Intérieur'drames'suiies'
de'“Le'Tragique'quotidine”'et'“Préface”'au'Théâtre."Edição"de"Paul"Gorceix."Paris:"Eurédit."
MEIER,"John"P."(1994)"A'Marginal'Jew,'Rethinking'the'Historical'Jesus."New"York:"Imprimatur."
MOURÃO,"Paula"(2000)."Salomé'e'Outros'Mitos."Lisboa:"Edições"Cosmos."
NANCY,"JeanFLuc"(2000a)."Corpus."Paris:"Éditions"Métailié."
_____" (2000b)."Corpus."Lisboa:"Vega."
PESSOA,"Fernando"(2017)."Teatro'Estático."Edição"de"Filipa"de"Freitas"e"Patricio"Ferrari."Lisboa:"TintaF
daFchina."
_____" (2016)." Eu' Sou' Uma' Antologia:' 136' autores' fictícios." Edição" de" Jerónimo" Pizarro" e" Patricio"
Ferrari."Lisboa:"TintaFdaFchina."1.ª"edição"de"bolso."
ROCHA,"Clara"(1990)."“Mário"de"SáFCarneiro:"o"outro"lado"do"fogo”,"in"Colóquio'de'Letras,"nº."117/118,"
Lisboa,"Setembro,"pp."156F162."
SÁFCARNEIRO," Mário" de" (2017)." Poesia' completa' de' Mário' de' SáACarneiro." Edição" de" Ricardo" de"
Vasconcelos,"Lisboa:"TintaFdaFChina."
_____" (2015)."Em'ouro'e'alma:'correspondência'com'Fernando'Pessoa."Edição"de"Ricardo"Vasconcelos"e"
Jerónimo"Pizarro."Lisboa:"TintaFdaFChina."
_____" (1968)."A'Confissão'de'Lúcio'."Lisboa:"Ática."
WILDE,"Oscar."(2011)."Salomé."Trad."J."Donohue."Charlottesville:"University"of"Virginia"Press."
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*$ Instituto$ de$ Estudos$ Filosóficos$ –$ Universidade$ de$ Coimbra$ /$ Centro$ de$ Estudos$ de$ Teatro$ –$
Universidade$de$Lisboa.$
Freitas "O Amor"
O$ teatro$ de$ Fernando$ Pessoa$ é,$ ainda,$ pouco$ conhecido.$ Devemos$ a$ Teresa$ Rita$
Lopes$o$primeiro$estudo$mais$profundo$da$faceta$dramatúrgica$de$Pessoa$na$sua$
tese$ Fernando' Pessoa' et' le' drame' simbolyste,$ em$ 1977.$ Nas$ últimas$ décadas,$ surgiu$
algum$ interesse$ pelo$ teatro$ pessoano,$ mas$ o$ que$ tem$ sido$ estudado$ é$ parcial,$
focandoOse$essencialmente$no$denominado$Teatro'Estático,$que$Pessoa$desenvolveu$
em$ duas$ fases,$ uma$ entre$ finais$ de$ 1913$ e$ 1918,$ e$ outra$ entre$ 1932$ e$ 1934$ (ver$
PESSOA,$2017).$O$Teatro'Estático$contém$14$peças,$mas$a$produção$dramatúrgica$de$
Pessoa$vai$mais$além,$englobando$cerca$de$30$peças$(mais$ou$menos$fragmentadas)$
que$não$pertencem$ao$género$estático.$Lopes,$na$sua$investigação,$deu$a$conhecer$
uma$ grande$ parte$ destes$ títulos$ e$ pontuais$ fragmentos,$ mas$ o$ cerne$ do$ seu$
trabalho$ centrouOse$ no$ Teatro' Estático,$ fortemente$ influenciado$ pelo$ teatro$
simbolista$francês$do$século$XIX.$
De$ entre$ os$ textos$ dramáticos$ que$ não$ fazem$ parte$ do$ Teatro' Estático,$
destacaOse$ “O$ Amor”,$ peça$ inédita$ de$ que$ se$ conhecia$ o$ título$ (LOPES,$ 1977:$ 130),$
mas$nenhum$dos$seus$fragmentos,$que$agora$apresentamos.$TrataOse$de$uma$das$
primeiras$ peças$ de$ Fernando$ Pessoa$ (que$ antecede$ o$ Teatro' Estático),$ constituída$
por$ dez$ folhas$ manuscritas.$ De$ entre$ os$ suportes$ materiais$ da$ peça,$ incluemOse$
folhas$com$o$carimbo$da$empresa$Íbis,$uma$editora$que$Fernando$Pessoa$manteve$
entre$1909$e$1910$(ver$FREITAS,$2008:$343).$
O$interesse$de$Pessoa$pelo$teatro$continua$a$ser$um$caminho$por$desbravar.$
Se,$ no$ Teatro' Estático,$ diversas$ influências$ têm$ sido$ assinaladas,$ com$ especial$
enfoque$nos$dramaturgos$simbolistas,$como$Maeterlinck,$e$nos$autores$prévios$que$
de$ algum$ modo$ contribuíram$ para$ o$ desenvolvimento$ da$ corrente$ (como$ Oscar$
Wilde,$ Edgar$ Allan$ Poe,$ etc.),$ ainda$ pouco$ se$ sabe$ sobre$ os$ interesses$ prévios$ de$
Pessoa.$Lopes$indica,$sobre$a$peça$“O$Amor”,$a$possível$influência$de$Herik$Ibsen,$
um$ dos$ autores$ que$ adoptou$ traços$ simbolistas.$ Na$ Biblioteca$ particular$ de$
Fernando$Pessoa,$não$se$encontra$nenhum$exemplar$da$obra$de$Ibsen,$mas$Pessoa$
conhecia$o$dramaturgo$norueguês,$embora$não$o$admirasse,$como$se$verifica$por$
ocasionais$referências$ao$último$(PESSOA,$2013a).1$$
“O$Amor”$é,$como$o$próprio$título$anuncia,$uma$peça$centrada$no$tema$do$
amor,$ mas$ este$ não$ é$ caso$ único$ na$ obra$ de$ Pessoa:$ no$ Teatro' Estático,$ Pessoa$
aborda$o$mesmo$tema$em$duas$peças:$“Diálogo$no$Jardim$do$Palácio”,$de$1914,$e$
“Intervenção$ Cirúrgica”,$ de$ 1934.$ A$ problemática$ do$ amor$ parece$ ter$
acompanhado$o$autor$ao$longo$da$sua$criação$literária,$tomando$formas$diferentes:$
não$ são$ apenas$ os$ textos$ de$ teatro$ que$ recorrem$ a$ esta$ temática,$ mas$ também$ os$
seus$semiOheterónimos,$Bernardo$Soares$e$Barão$de$Teive.$A$certeza$de$que$o$amor$
é$ um$ caminho$ que$ não$ se$ pode$ percorrer$ é$ muito$ explícito$ nestes$ dois$ autores$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1$ Pessoa$ revela$ opiniões$ depreciativas$ sobre$ Ibsen,$ indicando$ que$ o$ dramaturgo$ é$ “a$ thirdOrate$
artist”$ e$ que$ “tanto$ que$ Ibsen$ que$ quiz$ fazer$ drama$ psychiatrico,$ não$ conseguiu,$ nem$ sequer$ de$
longe,$ crear$ personagens$ tão$ inteiramente$ verdadeiras,$ perante$ a$ propria$ psychiatria,$ como$
Shakespeare”$(PESSOA,$2013a:$259$e$63).$
fictícios.$ Soares,$ no$ Livro' do' Desassossego,$ indica$ a$ sua$ incapacidade$ de$ amar:$
“Nunca$amei$ninguem”$(PESSOA,$2013b:$405).$Teive,$por$sua$vez,$na$“Educação$do$
Estóico”,$ assinala:$ “Amado,$ ou$ querido,$ nunca$ fui.$ Reconheço$ hoje$ que$ o$ não$
poderia$ser.$Tinha$boas$qualidades,$tinha$emoções$fortes,$tinha$□$—$mas$não$tinha$
o$ que$ se$ chama$ amor”$ (PESSOA,$ 2007:$ 25).$ Mas$ outros$ exemplos$ podem$ ser$
assinalados.$Campos$fala$de$uma$rapariga$inglesa$e$loura$com$quem$não$se$casou,$
mas$que$conserva$na$memória:$$
$
Ah,$mas$ainda$vejo$$
O$teu$olhar$realmente$tão$sincero$como$azul$
A$olhar$como$uma$outra$creança$para$mim…$
E$não$é$com$piadas$de$sal$do$verso$que$te$apago$da$imagem$
Que$tens$no$meu$coração,$$
Não$te$disfarço,$meu$único$amor,$e$não$quero$nada$da$vida.$
(PESSOA,$2014,$252).$$
$
Caeiro,$na$sua$forma$peculiar$de$estar$na$vida,$também$não$escapou$ao$surgimento$
dessa$possibilidade:$$
$
O$amor$é$uma$companhia$$
Já$não$sei$andar$só$pelos$caminhos,$$
Porque$já$não$posso$andar$só.$$
[...]$$
Mesmo$a$ausencia$d’ella$é$uma$coisa$que$está$commigo.$$
E$eu$gosto$tanto$d’ella$que$não$sei$como$a$desejar.$$
Se$não$a$vejo,$imaginoOa$e$sou$forte$como$as$arvores$altas.$$
Mas$se$a$vejo$tremo,$não$sei$o$que$é$feito$do$que$sinto$na$ausencia$d’ella.$
(PESSOA,$2016:$79)$
$
Não$ se$ pretende,$ todavia,$ fazer$ aqui$ um$ levantamento$ de$ todas$ as$
ocorrências$literárias$em$que$Pessoa,$de$uma$forma$ou$de$outra,$recorreu$ao$tema$
do$amor,$mas$somente$chamar$a$atenção$para$a$sua$presença$transversal$na$obra$
do$ poeta.$ No$ teatro$ pessoano,$ que$ agora$ retomamos,$ não$ se$ trata$ de$ referências$
pontuais:$como$vimos,$pelo$menos$três$peças$incidem$sobre$a$temática$do$amor$e,$
especificamente,$ sobre$ o' amor' infeliz,$ de$ modos$ diferentes$ que$ importa$ esclarecer.$
No$ “Diálogo$ no$ Jardim$ do$ Palácio”,$ o$ tema$ do$ amor$ infeliz$ prendeOse$ com$ a$
impossibilidade$ de$ as$ personagens$ desvendarem$ o$ significado$ do$ amor$ e,$ mais$
propriamente,$ com$ a$ noção$ de$ que$ não$ é$ possível$ apreender$ realmente$ o$ que$ o$
mundo$ apresenta,$ de$ tal$ modo$ que$ as$ suas$ personagens$ –$ inicialmente$ duas$
mulheres$ e,$ posteriormente,$ um$ homem$ e$ uma$ mulher$ –$ debatem$ sobre$ o$ horror$
de$o$sujeito$e$de$a$vida$serem$sentidos$como$estranhos.$Um$dos$diálogos$entre$as$
personagens$(masculina$e$feminina)$é$muito$claro$no$que$respeita$às$dúvidas$que$
se$instalam$quando$a$reflexão$predomina:$
$
de$que$essa$escolha$anula$uma$situação$de$conforto$prévio.$
Se$ estas$ duas$ peças$ revelam$ uma$ apropriação$ do$ tema$ do$ amor$ como$
causador$de$infelicidade,$como$se$encontra$também$em$textos$não$dramáticos$(em$
Campos$ e$ Caeiro,$ por$ exemplo),$ a$ terceira$ peça$ que$ pretendemos$ trazer$ à$ luz$
reflecte,$de$modo$mais$popular,$a$mesma$problemática.$“O$Amor”$é$uma$peça$que$
apresenta$ quatro$ personagens$ principais:$ uma$ mulher$ chamada$ Maria$ e$ o$ seu$
marido$ José;$ outra$ personagem$ masculina,$ Francisco,$ e$ outra$ feminina,$ Micaela,$
vítima$ de$ uma$ doença$ e$ prima$ daquele,$ com$ quem$ parece$ ter$ uma$ relação$
amorosa.$Nos$dois$casos,$o$que$está$em$causa$continua$a$ser$o$que$encontrámos$no$
Teatro'Estático:$o$amor$infeliz,$tanto$aquele$que$conduz$à$ruptura,$como$aquele$que$
prevalece$ na$ relação.$ Maria$ separaOse$ de$ José$ por$ estar$ saturada$ de$ uma$ vida$
insuficiente$que$o$casamento$lhe$proporciona;$Francisco$está$saturado$de$Micaela,$
que$sente$a$distância$do$primeiro,$mas$permanece$numa$relação$infeliz.$
Não$obstante$se$tratar$de$um$tema$transversal,$as$diferenças$entre$as$peças$
são$ substanciais.$ “O$ Amor”$ é$ claramente$ um$ texto$ de$ índole$ mais$ popular,$
retratando$uma$época,$uma$sociedade$e$uma$mentalidade:$aquelas$em$que$Pessoa$
se$ inseria.$ “Diálogo$ no$ Jardim$ do$ Palácio”$ e$ “Intervenção$ Cirúrgica”,$ pelo$
contrário,$ são$ textos$ sem' lugar' ou' tempo' definidos,$ funcionando$ como$ meios$ de$
revelação$de$uma$determinada$forma$de$compreender'a$vida.$Ou$seja,$n~“O$Amor”$
está$em$causa$uma$reflexão$mais$quotidiana,$ao$passo$que$nas$outras$predomina$o$
tom$ metafísico.$ Neste$ sentido,$ também$ é$ evidente$ um$ uso$ diferente' da' linguagem:$
n~“O$ Amor”$ encontraOse$ um$ diálogo$ mais$ coloquial,$ próximo$ da$ oralidade;$ no$
Teatro' Estático,$ a$ linguagem$ tem$ uma$ forma$ mais$ cuidada,$ mais$ reflexiva$ e$ mais$
existencial.$$
Mas$outras$diferenças$podem$ser$apontadas$no$que$respeita$às$personagens$
das$três$peças.$Quanto$às$personagens$femininas:$n’$“O$Amor”,$os$diálogos$entre$
Maria$e$o$marido$são$elucidativos$da$sua$indiferença'perante$ele,$de$tal$forma$que$o$
que$está$em$causa$é$a'ilusão'da'felicidade;$no$caso$de$Micaela$e$Francisco,$o$que$está$
em$causa$é$a$desilusão.$No$“Diálogo$no$Jardim$do$Palácio”,$a$personagem$feminina$
compreende'a'ilusão'do'amor'do'outro$e,$desse$modo,$aceita'a'separação'como'inevitável.$
Em$“Intervenção$Cirúrgica”,$o$amante$convence'a$mulher,$mas$a$sua$cedência$não$
exclui$ uma$ certa$ dedicação' ao$ marido$ e$ a$ consciência$ de$ que$ lhe$ está$ vedada' a'
felicidade$ com$ o$ amante.$ Em$ relação$ às$ personagens$ masculinas$ das$ três$ peças,$ a$
sua$caracterização$também$tem$matizes$diferentes:$a$personagem$do$“Diálogo$no$
Jardim$do$Palácio”$é,$muito$ao$gosto$de$Pessoa,$um$sujeito'reflexivo,$i.e.,$aquele$que$
revela$a$ilusão$do$conhecimento$e$que,$por$isso,$não'vê'sentido'no'amor.$No$caso$de$
“Intervenção$Cirúrgica”,$a$personagem$deambula$entre$a$reflexão$e$a$cedência$ao$
sentimento,$ de$ tal$ forma$ que,$ no$ fim,$ predomina$ este.$ Mas$ é$ na$ peça$ “O$ Amor”$
que$ as$ personagens$ masculinas$ mais$ se$ destacam:$ José$ caracterizaOse$ pela$ sua$
dependência$ da$ mulher;$ Francisco,$ pelo$ contrário,$ revela$ uma$ certa$ indiferença$ pela$
mulher,$salientandoOse$o$lado$sedutor$da$personagem.$$
Estas$ são$ apenas$ algumas$ características$ que$ se$ podem$ indicar$ na$
comparação$ entre$ as$ três$ peças$ de$ Fernando$ Pessoa.$ A$ edição$ de$ toda$ a$ obra$
dramatúrgica$do$poeta$é$uma$condição$fundamental$para$um$estudo$comparativo$
mais$ profundo,$ o$ que$ permitirá$ analisar$ em$ que$ medida$ certos$ temas$ são$
recorrentes$ na$ sua$ obra$ e$ o$ modo$ como$ foram$ tratados.$ A$ apresentação$ da$ peça$
inédita$ “O$ Amor”,$ que$ se$ segue,$ com$ as$ respectivas$ transcrições$ e$ imagens,$
pretende$ ser$ mais$ um$ contributo$ para$ clarificar$ o$ universo$ dramatúrgico$ de$
Pessoa.$$
A$ transcrição$ desta$ peça$ segue$ os$ critérios$ estabelecidos$ pela$ edição$ crítica$
da$ obra$ de$ Fernando$ Pessoa.$ Cada$ fragmento$ é$ apresentado$ separadamente,$
excepto$ nos$ casos$ em$ que$ o$ autor$ deixou$ alguma$ indicação$ explícita$ que$ permite$
reunir$núcleos.$O$aparato$de$cada$texto$pode$ser$encontrado$em$nota$de$rodapé.$A$
organização$ da$ peça$ teve$ em$ conta$ alguns$ elementos$ textuais$ dos$ próprios$
fragmentos,$ nomeadamente$ as$ indicações$ “Fim$ d’O$ Amor”$ e$ “Last$ Scene”,$ que$
justificam$a$sua$apresentação$como$fragmentos$finais.$Pessoa$não$deixou$nenhum$
esquema$de$ordenação$da$peça$(ao$contrário$do$que$sucede$com$algumas$odes$de$
Campos)$e,$desse$modo,$a$apresentação$aqui$em$causa$pretendeu$estabelecer$uma$
leitura$ viável$ do$ texto,$ reunindo$ os$ diálogos$ das$ personagens$ em$ dois$ grupos,$
tendo$em$conta$a$existência$de$duas$histórias$(a$de$Francisco$e$Micaela,$e$a$de$José$
e$Maria),$a$par$de$fragmentos$que$reúnem$trechos$de$fases$diferentes$da$peça.$Por$
fim,$ transcreveuOse$ uma$ anotação$ de$ Pessoa$ sobre$ uma$ cena$ da$ peça.$ Como$ no$
Teatro'Estático,$todas$as$didascálias$foram$assinaladas$a$itálico.$
$
$
Fac/símiles#e#transcrições#|#“O#Amor”#
$
$
$
Fig.#1.#BNP/E3,#111#AM/5r.#
$
Francisco2:$És$tão$bonita...$És$linda$
Michaëla:$Está$quieto.$
$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2 $Fº$]$abreviado;'como'outros'nomes,'que'serão'editados'sem'abreviatura'e'em'itálico.'
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3 $m/$]$abreviado;'como'outras'palavras'afins,'que'serão'editadas'sem'abreviatura.'
4 $Isto$de$estar$doente$parece$que$ás$vezes$aguça$]$com'hesitação'do'autor'e'sem'ponto'final.'
$
Fig.#5.#BNP/E3,#111#AM/4r.#
$
Francisco:$Olha$a$Michaëla$está$por$pouco.$Eu$devo$$
esperar.$Eu$gostava$d’ella$–$pobre$pequena.$UltimaO$
mente$estava$um$tanto$maçadora,$mas$conheçoOa$$
desde$creança.$A$gente$sempre$tem$pena...$$
Olha,$francamente$e$aqui$entre$nós,$eu$teria$mais$se$$
ella$não$me$tivesse$maçado$tanto$por$ultimo...$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5$<Pois>$Sim$é...$a$m/$prima$Michaëla,$<†>$
6$<*bem>$[↑$bem]$vês$]$mantemos'a'segunda'palavra,'embora'riscada.$
7$[←$senão]$como$de$cousa$que$<já>$esteve$para$ser<...>/e\não$foi.$
Jose:$E$o$que$será$de$mim,$Maria,$o$que$$
será$de$mim?$
$
Maria:$Ora,$tu$serás$como$se$estivesses$solteiro.$
Se$houvesse$cá$o$divorcio,$a$gente$divorO$
ciavaOse,$e$ficava$tudo$arranjado.$Agora$$
assim,$não$ha$outro$remedio$senão$este...$Tu$$
não$és$homem$para$espalhafatos$nem$$
grandes$paixões,$nem$coisas$d’essas...$de$
maneira$que$não$é$cousa$que$como$se$$
acostuma8$dizer$te$pique.$
$
Jose;$Ah$como9$eu$precisava$ter$a$minha$$
mãe$ao$pé$de$mim$agora!$
Maria:$Pra$quê?$Ora$não$sejas$creança.$FrancaO$
mente,$a$chamar$pela$mãe.$Olha$que$$
isto$não$é$a$mal.$Cada$um$nasce$para$$
o$que$ha$de$ser,$tu$bem$vês;$e$o$melhor$é$$
isto.$Depois,$tu$tens$o$teu$escriptorio,$os$teus$$
amigos.$D’aqui$a$um$mez,$já$vaes$melhor,$$
d’aqui$a$dois$mezes$se$calhar$já$nem$$
te$lembras.$É$como$se$tivessemos$tido$um$naO$
moro$e$elle10$acabasse.$Olha$quanta$gente$tem$
namoros$e$acaba$e$d’ahi$a$pouco$já$tem$outro$$
e$ás$vezes$mais$do$que$um.$
$
Fig.#7.#BNP/E3,#111#AM/6r.$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8$/a/costuma$]$com$hesitação'do'autor.$
9$<que>$como$
10$e$[↑ elle]$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11$SegueRse'este'apontamento:$[remark$the$lack$of$psychologic$knowledge$of$her]$
12$Porque$é$que$tu...$]$com'hesitação'do'autor.$
13$<com$o$dia>$a$pensar$
O#%+#h$U)?("333$RD$=/8,/333$=/!$#88($$
+&),./$%x.$/$59#%&!3$
5&)"')Th$Ä$"&!$G&!12$"&!$G&!13[p$
'
'
U"46&R#'"4$%#%'6"',A#G"FV'
^</$"&$+&(K&12$j#.(#3$^</$"&$+&(K&12$$
&!$?(5/$,</$1Vw$>#',A&%#%@$U!$?#'/O,&$,/+#1$$
#1$=/),#+&12$&!$%./5!./$/!,./1$&"O$
%.&6/1$%#.#$6#)9#.$"#(1$+()9&(./2$&!$$
#%.&)+/$#$#6.#+#.O,&$"&89/.333$>)&2F:#46&@$$
&!333$&!333$^</$,&$=D1$&";/.#2$j#.(#2$$
)</$=f1$:!&$&!$?(5/$1Vy$HD$)</$,&)9/$$
"()9#$"<&3$B11("$?(5/$1&"$)()6!&"3$$
^</$,&$=D1$&";/.#333$B()+#$:!&$)</$6/1,&1$
$
$
$
;=BC#DDC#EF*GHIJ#DDD#$K/S'C$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[b$"#(1$5#)'#+#$t# Ñu333$ÇI11/$=#.É$t! YD$)Q(11/u$=#.(#=#'
[o$j#1$t!$Uu$9#%+#4$")'6&'#F$&%3$
[p$@"3F"R)"'")$#'G"%3F4$#S!>#:!(h$.&?8&Kn&1$+#+#1$%&8#$j(59#Å8#y@'
$
;=BC#DMC#EF*GHIJ#DD D#$K/S-C#
$
bX$
+&$"("2$?(5#333c("$>)&2F:#@2$?(5#3$B/$"&)/1$$
)</$=D1$#()+#333$B11("$+&$.&%&),&333$$
U1%&.#$#/$"&)/1$"#(1$!"#$/!$+!#1$$
9/.#1333$^</$,&$=D1$&";/.#$#11("333$
O#%+#h$4.#2$?.#)5#"&),&$%#.#$!"#$15&)#$$
+Q&1,#1$*$:!&$&!$)</$&1,#=#$%.&O$
%#.#+#3$GD$"!(,#$=/),#+&$+&$$
?(5#.$)</$9#$+!=(+#333$%&8/$"&)/1$$
%#.#$#,#.$/$;(;&$#/$"&)()/333$$
4.#2$?.#)5#"&),&2$H/1&w[]$
5&)"h$B9$1&$&!$,(=&11&$"()9#$"<&$#/$%*$+&$
"("333$
$ $ &,53$
$
$
tO#%+#hu$U1,</$%./"%,#1$#1$"#8#13$
<%"#6#$>6"'6"4$%&@h$U1,</2$1("$"()9#$1&)9/.#3$
O#%+#h$489#$#$5.&#+#$&1,#=#[`$#/$%*$+#$$
%/.,#$#$&15!,#.333$41$)&.=/1$+&1,#333$
m/"333$^</$,&$#??8(R#12$)</$%&)1&1[\$$
)Q(1,/2$)</$q$B+&!12$H/1&2$B+&!13$
$
$
-("$+Q'-'./&%'
$
4$#%&.,/$+&$"</$
$
O#%+#$")$"46"'#'/;&h$B+&!13$$
5&)"'#G"%$#R2A"ad$#'/;&'$+/+6#R'
/"4$"3$(2#')#A"'"'>",A#''
#'G&%$#'#&'6"'2"9"3$
5&)"h$z/5f$*$#11("a[333$W"$$
#%&.,/$+&$"</$&333$&333&$$
>,#A"'#')&2F:#%WW')&C%"'&')&>#@$
$
$
$
$
;=BC#DIC#EF*GHIJ#DDD#$K/D'C$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
[]$%&8/$"&)/1$%#.#$#,#.$/$;(;&$#/$"&)()/333$4.#2$?.#)5#"&),&2$H/1&w$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%3$
[`$Ç.&1%/)+É$&1,#=#$
[\$)</$Ç,&É$%&)1&1$
ad$,/"#O89&$t!$#%&.,#O89&u$9#%+#4$")'#2$"%4#$+9#)3$
a[$ÇU$(1,/É$z3$*$#11("$
aa$5#9&$#$1/8!'#.$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%$
$
5&)"h$YD$&1,DWX$/$#%#.#+/.$:!&$&!$5/"%.&($5/"$$
,#),/$6/1,/ab$%/.$+&E$"(8$.&(1$#/$q$+#$Z!#$+&$
c#),/$B),</|$&$q$$
&$/$%#))/$+&$"&E#$:!&$&.#$+&$5#1#$+&$"()9#$$
"<&3$>)&2F:#46&',&/'#',#C":#'"4$%"'#)'/;&)'"'#,#R'
C%F4A#6&'4YF/#',#6"+%#@$
49$"()9#$.(5#$"<&2$1&$1/!;&11&1$:!&$&!$
59&6#.(#$#$(1,/w$
y$F$><%"#6#',A#/#'&F$%#'"'#G&4$#'"'%+"/'#'F/#''
G&%$#'#C"%$#'#$%#?'6Y"22"@$
$
O#%+#$F$49333$&$,&)9/$:!&$(.$;!15#.$/$"&!$$
8(=./$+&$"!1(5#$:!&$+&(K&($&"$5#1#$+&$G3$$
m.(,&12$)/$+/"()6/$%#11#+/3$
B%#4,+),&ao$F$s!&"$*$&11#$G3$m.(,&1y$
O#%+#$O${$!"#$#"(6#$+&$?#"(8(#$+Q&88&ap333$
B%#4,+),&$F$G/$,&!$"#.(+/y$
O#%+#$F$c("333$+&$:!&"$9#=(#$+&$1&.ya]$
B%#4,+),&$F$c("2$5/"$!"$)/"&$5/"/$&11&333$)</$
%/+(#$1&.$/!,.#$5/!1#3$
O#%+#$F$489#$:!&$#$,!#333$/$,#8$)/"&$+&$j(59#Å8#$
)</$*$"!(,/$"&89/.333$
B%#4,+),&$F$B9(a`$9#$5(!"&12$"#./,#2$1("2$1("2$
"#1$,&)1$.#E</|$)</$*$6.#)+&$5/!1#$$
5/"/$)/"&3$U!$*$:!&$89&$&1,/!$#5/1,!"#+/$$
q$RD$)</$"&$1x#$)&"$"#8$)&"$;&"3$
$
$
l#O+&$1&.$5/"/$,&.$!"#$G3$m.(,&13$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
$
;=BC#DLC#EF*GHIJ#DDD#$K/Q-#T'20&':+8&UC$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
a_$YD$&1,D$u$,&/'A")+$#:;&'6&'#F$&%$
ab$:!&$&!$5/"%.&($t!5/"$,#),/$6/1,/u$
ao$Ç-&.É$-.#)5(15/$
ap$Ç+/$"&!$"É$+Q&88&$
a]$+&$:!&"$9#=(#$+&$1&.y$u$,&/$A")+$#:;&'6&'#F$&%V'
a`$ÇI11/É$B9($
$
Fig.#16.#BNP/E3,#2723/103r.#
$
Amor$
Scena$em$que,$depois$do$row$com$$
Michaëla,29$Francisco$assobiando$$
“Menina$Rosa”30$põe$a$espada,$e,$vendoO$
se$ao$espelho,$retoca$o$bigode.$
$
Bibliografia#
$
FREITAS,$ Ana$ Maria$ (2008).$ “Íbis”,$ in$ Dicionário' de' Fernando' Pessoa' e' do' Modernismo' Português,$
Fernando$Cabral$Martins$(coord.).$Lisboa:$Caminho.$
LOPES,$Teresa$Rita$(1977).$Fernando'Pessoa'et'le'drame'symboliste:'heritage'et'creation.$Prefácio$de$Rene$
Etiemble.$Paris:$Fundação$Calouste$Gulbenkian.$
PESSOA,$Fernando$(2017).$Teatro'Estático.'Edição$de$Filipa$de$Freitas$e$Patricio$Ferrari;$colaboração$
de$Claudia$J.$Fischer.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2016).$Obra'Completa'de'Alberto'Caeiro.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro$e$Patricio$Ferrari.$Lisboa:$
TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2014).$Obra'Completa'de'Álvaro'de'Campos.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro$e$Antonio$Cardiello;$
colaboração$de$Jorge$Uribe$e$Filipa$de$Freitas.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$Pessoa.$
_____$ (2013a).$Apreciações'Literárias.$Edição$de$Pauly$Ellen$Bothe.$Lisboa:$Imprensa$NacionalOCasa$
da$Moeda.$Edição$Crítica$de$Fernando$Pessoa.$
_____$ (2013b).$Livro'do'Desassossego.$Edição$de$Jerónimo$Pizarro.$Lisboa:$TintaOdaOchina.$Colecção$
Pessoa.$
_____$ (2007).$ A' Educação' do' Stoico.$ Edição$ de$ Jerónimo$ Pizarro.$ Lisboa:$ Imprensa$ NacionalOCasa$
da$Moeda.$Edição$Crítica$de$Fernando$Pessoa.$$
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
29$ Scena$ [↑$ <nas>]$ em$ que$ (depois$ do$ row$ com$ Michaëla)$ ]$ no' original;' substituímos' os' parênteses' por'
vírgulas.$
30
!Francisco$(assobiando$“Menina$Rosa”)$]$substituímos'os'parênteses'por'vírgulas.!
*%Universidade%de%São%Paulo%(USP).%
Perrone-Moisés Vergílio Ferreira e Fernando Pessoa
Revirando% meus% arquivos,% encontrei% essa% carta% de% Vergílio% Ferreira,% datada% de%
setembro%de%1982.%É%sua%resposta%ao%envio%que%lhe%fiz%da%primeira%edição%de%meu%
livro%Fernando(Pessoa,(aquém(do(eu,(além(do(outro.(A%carta%de%Vergílio,%como%se%pode%
ver%em%seu%fac=símile,%é%de%leitura%difícil.%A%%caligrafia,%minúscula%e%ensimesmada%
como% o% romancista,% foi% por% mim% decifrada% com% o% auxílio% precioso% de% Jerônimo%
Pizarro.% Ela% é% uma% espécie% de% balanço% das% relações% do% romancista% com% o% poeta%
naquela%data,%relações%tão%intrincadas%quanto%sua%caligrafia.%%
Eu% conhecia% e% admirava% o% romancista% de% Aparição( desde% 1962.% Em% 1963,%
como%especialista%de%literatura%francesa,%publiquei%uma%resenha%de%seu%livro%André(
Malraux,(interrogação(ao(destino,%no%“Suplemento%Literário”%do%jornal%O(Estado(de(S.(
Paulo.% Ao% longo% dos% anos% reencontrei=o% algumas% vezes% em% Lisboa% e% uma% vez% em%
São%Paulo,%na%casa%da%poeta%Maria%Lucia%Dal%Farra.%Daí%ele%me%tratar%como%amiga.%
Quando%recebi%essa%carta%fiquei%agradecida%e,%naturalmente,%interessada%em%
suas%considerações.%Mas%confesso%que,%na%época,%eu%pouco%sabia%do%longo%e%tenso%
diálogo%que%o%romancista%travava,%desde%os%anos%1950,%com%o%poeta.%Lembrava=me%
vagamente% de% ter% lido% algo% sobre% isso.% E% como,% em% 1982,% eu% já% estava% empenhada%
em%outras%pesquisas%alheias%a%Pessoa,%não%procurei%aprofundar%o%assunto.%
Somente%agora,%depois%de%quatro%décadas,%ao%reler%a%carta%me%dei%conta%de%
sua% importância% para% o% estudo% das% relações% de% Vergílio% Ferreira% com% Fernando%
Pessoa.% Reli% então% os% dois% artigos% excelentes% de% Maria% da% Glória% PADRÃO% (1981,%
1982)%publicados%na%revista%Persona%(“I%–%O%neo=realismo%contra%a%Presença(e%Casais%
Monteiro”%e%“II%–%O%Neutro%e%a%Contemporaneidade”).%Esses%artigos%não%apenas%me%
reavivaram%a%memória,%mas%também%me%trouxeram%de%volta%à%crítica%pessoana,%da%
qual%eu%andava%um%pouco%afastada.%Fui%então%levada%a%reler%os%textos%da%polêmica%
provocada%pela%revista%Vértice(em%1952,%as%respostas%de%Eduardo%LOURENÇO%(1952)%
e% Adolfo% Casais% MONTEIRO% (1954),% e% a% folhear% o% problemático% livro% de% Mário%
SACRAMENTO% (1958),% assim% como% os% romances% de% Vergílio% Ferreira% nos% quais% há%
tantos% ecos% de% Pessoa.% E% só% depois% dessas% leituras% pude,% de% fato,% decifrar% as%
entrelinhas%da%carta%e%aquilatar%a%honra%que%foi%tê=la%recebido.%
A% primeira% declaração,% “sou% um% velho% admirador% de% Pessoa”% contradiz% a%
opinião% corrente,% presente% até% na% internet,% de% que% Vergílio% Ferreira% “detestava%
Pessoa”.%O%admirador%acrescenta%“mas%já%um%tanto%fatigado”.%O%romancista%estava%
fatigado,% não% apenas% das% antigas% polêmicas% pessoanas,% mas% sobretudo% da%
“verdade”,% que% ele% buscou% sofridamente% durante% toda% a% sua% vida:% “A% verdade%
cansa%e%é%por%isso%que%existe%o%erro,%ou%seja%outra%verdade”.%
“Pessoa%é%um%muro%e%há%assim%de%transpô=lo%ou%ladeá=lo”,%diz%ele.%De%fato,%a%
grandeza%de%Pessoa%e%o%crescimento%incessante%de%seu%reconhecimento%como%gênio,%
foram% sentidos% pela% geração% imediatamente% posterior% à% sua% como% um% empecilho.%
Essa% foi% à% principal% razão% da% irritação% dos% os% neo=realistas% de% Vértice,% além% das%
discordâncias%filosóficas%e%políticas%que%os%paradoxos%e%as%ambigüidades%do%poeta%
provocavam% neles.% Irritação% que% levou% Vergílio% a% afirmar,% naquela% ocasião,% que%
Pessoa% era% “apenas% um% humorista”,% que% seus% poemas% eram% “um% jogo% vão% de%
palavras”% (FERREIRA,% 1952:% 537)% e% que% Casais% Monteiro% dizia% “asneiras”% (apud%
PADRÃO,%1981:%47).%%
Entretanto,% já% em% 1952% o% romancista% se% afastava% dos% colegas% polemistas( e%
revelava% sua% contrariedade% por% ter% de% “descascar”% Pessoa.% Na% primeira% carta% a%
Álvaro%Sampaio,%Vergílio%Ferreira%escrevia:%”Um%alto%serviço%prestado%às%gerações%
futuras%seria%precisamente%esse%de%nos%aplicarmos%todos%a%descascar%Pessoa,%a%ver%o%
que% tem% por% dentro.% Pode% ser% que% tenha% uma% verdade% maciça% de% fruto% e% de%
semente.%Pode%ser%que%tenha%só%casca”%(1952:%537).%E%na%segunda:%%
%
Pobre%Pessoa.%Não%tivesse%ele%a%defendê=lo%certos%irrequietos%e%impertinentes%senhores%[leia=
se:%Adolfo%Casais%Monteiro%e%Eduardo%Lourenço]%e%nós%consumiríamos%nosso%tempo%não%a%
diminuí=lo,% mas% a% reconhecê=lo% e% engrandecê=lo% naquilo% que% o% valoriza.% Mas% quê?% Os%
paroleiros%chamam=lhe%génio,%Goethe,%Shakespeare%e%outras%coisas%medonhas.%E%nós%para%o%
deixarmos%em%seu%sensato%lugar%temos%de%dizer%mal%dele.%Bonito%azar%ao%menos%para%nós!%
(apud%PADRÃO,%1981:%45)%
%
Na% carta% a% mim% destinada,% o% agora% auto=proclamado% admirador% de% Pessoa%
revela,%logo%em%seguida,%que%seu%contencioso%com%o%poeta%continua.%Afirma%que%ele%
era% “incompreensível”,% e% cita% um% professor% de% filosofia% que% teria% provado% ser% ele%
“ininteligível”.%E%volta%às%antigas%razões%de%não%o%admirar:%“Para%mim,%que%lhe%bati%
o% pé,% não( sei( se( para( me( independentizar( [grifo% meu],% mas% o% poeta%me% colidiu% com% a%
compreensão.%Mas%colidiu=me%com%a%margem%de%toda%a%arte,%que%é%artifício,%e%nele%
me%soa([note=se%o%verbo%no%presente]%artificialismo”.%
Em%seguida,%há%uma%formulação%notável:%“Hoje%não%o%discuto%como%se%não%
discutem%as%pedras%que%são,%por%si%sós,%uma%maravilha%da%criação”.%Pessoa%é,%para%
os% que% vieram% depois% dele,% aquela% “pedra% no% meio% do% caminho”% de% Carlos%
Drummond%de%Andrade.%E%Vergílio%reconhece%que%errou%quando,%trinta%anos%antes,%
vaticinava%que%a%fama%de%Pessoa%não%duraria%muito:%“Mas%não%o%discuto%sobretudo%
porque%ele%está%aí,%inamovível,%e%há%que%continuar%a%viver”.%Diz%que%não%o%discute,%
mas%continua%a%teimar%com%antigos%argumentos%contrários%à%Pessoa,%comparando=o%
com% Eça% de% Queirós,% como% fazia% na% antiga% polêmica.% Segundo% ele,% assim% como%
Pessoa%obliterou%Eça,%outros%obliterariam%Pessoa.%
Finalmente,%retoma%a%questão%dos%heterônimos%do%ponto%de%vista%filosófico:%
a% constituição% do% sujeito% na% modernidade,% que% tornaria% Pessoa% legível% à% luz% de%
“Lacans% e% Derridas”.% E% tem% aí% toda% razão.% Pessoa% estava% décadas% à% frente% nessa%
questão,% e% a% prova% maior% é% que,% desde% o% fim% do% século% XX,% ele% é% cada% vez% mais%
compreendido% e% admirado.% Vergílio% termina% dizendo% que% ainda% nem% folheou% o%
meu% livro,% mas% esse% fecho% da% carta% é% um% diálogo% comigo.% Naquela% altura,% ele% já%
conhecia% minha% leitura% lacaniana,% apresentada% no% 1º% Congresso% Internacional% de%
Estudos%Pessoanos%de%1978%(PERRONE=MOISÉS,%1979).%%
Na%longa%entrevista%concedida%a%Maria%da%Glória%Padrão%(in%Vergílio(Ferreira,(
um(escritor(apresentaBse),%a%entrevistadora%lhe%pergunta:%“Quais%ou%autores%nacionais%
ou% estrangeiros% aos% quais% mais% gostaria% de% dedicar% um% ensaio?”.% E% Vergílio%
responde:% “Antes% de% todos,% um% Fernando% Pessoa% com% quem% comecei% um% diálogo%
(mal)%que%desejaria%concluir”%(FERREIRA,%1981B:%178).%O%diálogo%de%um%existencialista,%
preocupado% com% a% “autenticidade”% e% a% busca% de% respostas% a% inquietações%
metafísicas%e%políticas,%com%o%poeta%fingidor,%sempre%foi%difícil.%Difícil%era%também%
deixar% de% admirar% o% poeta.% Essa% carta% reencontrada% mostra% que% ele% prosseguia% o%
diálogo,%de%maneira%ainda%“ziguezagueante”,%como%bem%o%definiu%Maria%da%Glória%
Padrão:% “Seria% decerto% curioso% desenhar% o% diagrama% ziguezagueante% dessas%
explicações,%não%feito%de%curvas%e%contra=curvas%num%modo%ondulado,%mas%traçado%
em%ângulos%de%segmentos%de%recta”%(1982:%28).%Um%diálogo%que%não%foi%concluído,%
mas%cujas%marcas%se%encontram,%assimiladas,%nas%obras%do%grande%romancista.%
%
%
Anexo)I)
Fac2símile)do)envelope)
%
%
%
%
Anexo)II)
Transcrição)da)carta)de)Vergílio)Ferreira)
%
Praia%das%Maçãs%
2710%Fontanelas%
1.9.82%
%
Querida%amiga:%
%
Sou% um% velho% admirador% de% Pessoa,% mas% já% um% tanto% fatigado.% A% verdade%
cansa%e%é%por%isso%que%existe%o%erro,%ou%seja%outra%verdade.%Pessoa%é%um%muro%e%há%
assim%que%transpô=lo%ou%ladeá=lo.%Alguns%de%nós,%consciente%ou%inconscientemente,%
cometemos% a% imprudência% ou% a% fraqueza% de% traçar% tangentes% a% Pessoa% para% se%
tornarem% compreensíveis.% Mas% Pessoa% também% foi% incompreensível.% Se% temos%
vivido%no%tempo%dele,%era%provável%dar=se%o%caso%de%o%encararmos%sob%a%óptica%de%
Eça% de% Queirós.% Isto% é% uma% banalidade% mas% que% nem% por% isso% deixa% de% existir% a%
contraprova.%Houve%um%senhor%professor%de%filosofia,%chamado%Vieira%de%Almeida,%
que%a%deu.%Expressamente%ele%declarou%–%e%provou%à%sua%maneira%–%que%Pessoa%era%
ininteligível.% Por% mim,% que% também% lhe% bati% o% pé,% não% sei% se% para% me%
independentizar,%mas%o%poeta%me%colidiu%com%a%compreensão.%Mas%colidiu=me%com%
a%margem%de%toda%a%arte,%que%é%o%artifício,%e%nele%me%soa%artificialismo.%Hoje%não%o%
discuto% como% se% não% discutem% as% pedras% que% são,% por% si% sós,% uma% maravilha% da%
criação.% Mas% não% o% discuto% sobretudo% porque% ele% está% aí,% inamovível,% e% há% que%
continuar% a% viver.% Dado% tudo% isto,% pergunto=me% quantos% Pessoas% não% estarão% já%
existindo%e%dos%quais%não%damos%conta%por%causa%de%um%outro%Eça%de%Queirós%que%
ele% foi,% demolindo=o% ou% substituindo=o.% Possivelmente% não% há% acasos% nos% grandes%
factos% históricos,% apesar% do% nariz% de% Cleópatra.% Possivelmente% todo% o% real% é%
racional.%%Mas%não%deixa%de%me%chamar%a%atenção%o%facto%de%que%a%grande%expansão%
de%Pessoa%é%o%que%veio%a%centrar=se%na%problemática%do%“eu”%e%nele%se%exprimiu%–%
sem%talvez%bem%o%saber%–%na%questão%dos%heterónimos.%Porque%essa%questão%tinha%
que%ver%ultimamente%(ou%tem%que%ver%para%mim)%com%as%grandes%contradições%em%
que% o% homem% já% se% dilacerava% e% traduziam% por% fim% o% seu% vazio.% As% razões% que%
Pessoa%aduziu%para%o%problema%controverso%dos%heterónimos%era%mais%comezinha:%
se% um% romancista% ou% dramaturgo% pusesse% seus% personagens% a% fazer% versos,% tais%
versos%seriam%necessariamente%diferentes%sobre%o%fundo%comum%da%ausência%de%um%
autor.% De% qualquer% modo,% Pessoa% falou% numa% voz% mais% facilmente% entendível% ou%
convertível% por% todos% os% Lacans% e% Derridas.% E% assim% foi% que,% o% mais% discutível% no%
poeta,%foi%o%mais%essencial%e%actual.%É%essa%uma%questão%que%assenta%num%paradoxo%
e%é%que%é%um%sujeito%que%tem%de%negar%o%sujeito,%é%um%“eu”%que%tem%que%enunciar%a%
questão% do% “outro”.% E% atenção:% se% construirmos% um% robot( tão% perfeito% como% o%
homem,%o(problema(permanece.%
E%agora%vou%ler%o%seu%livro%pessoano,%que%recebo%neste%momento,%não%folheei%
sequer%e%muito%lhe%agradeço.%
% Abraço%amigo%%
% do%
%
%
Anexo)III)
Fac2símile)da)carta)de)Vergílio)Ferreira)
%
%
%
%
Bibliografia)
%
FERREIRA,%Vergílio%(1981a).%ContaBCorrente(2.%Lisboa:%Livraria%Bertrand.%
_____% (1981b).%Vergílio(Ferreira.(Um(escritor(apresentaBse.%Apresentação,%prefácio%e%notas%de%Maria%da%
Glória% Padrão.% Lisboa:% Imprensa% Nacional=Casa% da% Moeda.% Coleção,%Biblioteca% de% Autores%
Portugueses.%
_____% (1952).% “Carta% a% Álvaro% Sampaio% sobre% Fernando% Pessoa”,( in% Vértice,( n.º% 99/101,% Coimbra%
Novembro%de%1951%–%Janeiro%de%1952,%p.%537.%
LOURENÇO,% Eduardo% (1952).% “Explicação% pelo% inferior% ou% a% crítica% sem% classe% contra% Fernando%
Pessoa”,%in%O(Primeiro(de(Janeiro,%Suplemento%das%Artes,%das%Letras,%Porto,%26%de%Novembro,%
p.%3.%
PERRONE=MOISÉS,%Leyla%(1979).%“Notas%para%uma%leitura%lacaniana%do%Vácuo=Pessoa”%in%Actas(do(1º(
Congresso( Internacional( de( Estudos( Pessoanos.% Porto:% Brasília% Editora,% pp.% 459=469.% Edição%
realizada% em% colaboração% com% o% Centro% de% Estudos% Pessoanos% e% com% o% patrocínio% da%
Secretaria%de%Estado%da%Cultura.%
MONTEIRO,%Adolfo%Casais%(1954).%Fernando(Pessoa,(o(insincero(verídico.%Lisboa:%Editorial%Inquérito.%
PADRÃO,% Maria% da% Glória% (1982).% “Fernando% Pessoa% e% Vergílio% Ferreira,% II% –% O% Neutro% e% a%
Contemporaneidade”,%in%Persona,%n.º%6,%Porto,%pp.%27=32.%
_____% (1981).%“Fernando%Pessoa%e%Vergílio%Ferreira,% I%–%O%neo=realismo%contra%a%Presença(e%Casais%
Monteiro”,%in%Persona,%n.°%5,%Porto,%pp.%39=50.%
SACRAMENTO,% Mário% (1958).% Fernando( Pessoa,( Poeta( da( Hora( Absurda.% Lisboa:% Editorial% Contraponto.%
2.ª%ed.,%Porto:%Editorial%Inova,%1970.%
SAMPAIO,%Álvaro%[Luís%Albuquerque]%(1952).%“Conversa%com%Maurício%sobre%Fernando%Pessoa”,%in%
Vértice,(n.º%99/101,%Coimbra%Novembro%de%1951%–%Janeiro%de%1952,%p.%495.%
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Professor!titular!de!Língua!e!Cultura!Portuguesa!na!UDI!–!Instituto!Politécnico!da!Guarda.!
Carmino Marques Pertinência e perspicácia
Datado!de!janeiro!de!1930,!“Panorama!do!Modernismo!Literário!em!Portugal”!é!o!
primeiro! artigo! de! Pierre! Hourcade! sobre! literatura! portuguesa1,! tema! a! que!
voltará!com!frequência!no!decorrer!dos!anos!seguintes,!incidindo!particularmente!
a! sua! atenção! sobre! a! obra! de! Fernando! Pessoa2! (de! quem! foi! amigo,! primeiro!
tradutor!e!principal!divulgador!em!França!e!na!Bélgica!a!partir!de!1930)!e!sobre!a!
chamada!segunda!geração!modernista,!reunida!à!volta!da!revista!Presença.3!
Nesse!artigo,!e!como!o!título!indica,!além!de!apresentar!uma!visão!geral!da!
literatura!portuguesa!contemporânea,!Pierre!Hourcade!pretende!chamar!a!atenção!
do! público! leitor! de! francês! para! a! originalidade! e! a! importância! do! primeiro! e!
segundo! movimento! modernista! em! Portugal,! ao! mesmo! tempo! que! estabelece!
comparações! com! movimentos! semelhantes! europeus! a! fim! de! que! o! leitor! possa!
ter!uma!ideia!mais!justa!do!valor!da!literatura!que!então!se!escrevia!em!Portugal.!
Tendo! em! conta! que! Hourcade! chegara! a! Portugal! alguns! meses! antes! da!
data! em! que! redigiu! o! seu! artigo,! o! que! deveras! surpreende! nesta! apresentação!
panorâmica! do! modernismo! literário! português! é! a! larga! e! pertinente! perspetiva!
que!Hourcade!tem!da!situação!em!que!se!encontrava!a!literatura!portuguesa,!tanto!
no! que! diz! respeito! ao! contexto! social! e! cultural! em! que! os! escritores! viviam,! as!
dificuldades! materiais! que! encontravam! para! publicar,! como! na! atitude! dos!
próprios!escritores!para!com!a!receção!que!as!suas!composições!literárias!poderiam!
suscitar;! atitude! pautada! por! uma! espécie! de! indolência,! ou! excessiva! modéstia,!
que! os! levava! a! um! certo! desinteresse! e! uma! falta! de! persistência! na! defesa! das!
suas! ideias;! Hourcade! escreve! até! que! Portugal! é! o! país! das! renúncias! e! do!
ensimesmamento:! “nous! sommes! au! pays! des! renoncements! et! des! retraites!
intérieures”![estamos!no!país!das!renúncias!e!das!retiradas!interiores],!o!que!tinha!
por!consequência!que!muitas!das!promessas!literárias,!por!falta!de!persistência,!de!
promessas!certamente!não!passariam,!facto!que!aparentemente!se!veio!a!confirmar!
para!a!grande!maioria!dos!nomes!citados!no!artigo.!!
Além!das!observações!de!caracter!psicológico!sobre!o!espirito!e!a!atitude!de!
alguns! dos! escritores! então! contemporâneos,! Hourcade! tenta! igualmente!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1!O!artigo!foi!publicado!no!primeiro!volume!do!Bulletin-des-Études-Portugaises,!Coimbra,!Imprensa!
da!Universidade,!vol.!I,!1931,!pp.!69;78.!Do!mesmo!artigo!existe!uma!separata!datada!de!1930.!!
2! Entre! vários! artigos! publicados! refira;se:! “Rencontre! avec! Fernando! Pessoa”,! Contacts,! juin! 1930,!
pp.!42;44;!“Brève!Introduction!à!Fernando!Pessoa”,!Les-Cahiers-du-Sud,!n.º!147,!janvier;février!1933,!
pp.! 66;71! [datado:! “Coimbra,! février! 1932”].! Sobre! o! relacionamento! entre! Hourcade! e! Fernando!
Pessoa,! ver:! CARMINO! MARQUES! (2016).! Para! a! perspetiva! de! Hourcade! sobre! a! obra! de! Fernando!
Pessoa!ver,!de!HOURCADE,!A-mais-incerta-das-certezas,!itinerário-poético-de-Fernando-Pessoa!(2016).!
3! De! Pierre! Hourcade,! entre! outros! artigos! sobre! a! geração! da! Presença,! assinale;se:! “Défense! et!
illustration!de!la!poésie!portugaise!vivante”,!Les-Cahiers-du-Sud,!nº128,!Marseille,!janvier!1931,!pp.!
177;181.! O! mesmo! artigo! foi! inserido,! numa! tradução! de! João! Gaspar! Simões,! na! Presença,! n.º! 30,!
Coimbra,! janeiro;fevereiro! de! 1931,! pp.! 13;15;! “Deux! essayistes! portugais,! João! Gaspar! Simões! e!
Vitorino! Nemésio”,! Les- Cahiers- du- Sud,! nº! 181,! mars! 1936,! pp.! 270;272;! “O! ensaio! e! a! crítica! na!
Presença”,! Colóquio/Letras,! n.º! 38,! julho! 1977,! pp.20;29! [igualmente! inserido! em! Temas- de- literatura-
portuguesa,!Lisboa,!Moraes!Editores,1978].!
artifice! littéraire! qu’il! s’est! masqué! sous! différents! pseudonymes,! dont! chacun!
désigne! une! inspiration! différente,! un! autre! moyen! de! fuir! l’immobilité! et! la!
monotonie!sans!se!renier”![Não!é!por!simples!artifício!literário!se!ele!se!apresenta!
sob!a!máscara!de!diferentes!pseudónimos!pois!cada!um!representa!uma!inspiração!
diferente,! uma! outra! maneira! de! escapar! à! imobilidade! e! à! monotonia! sem! se!
renegar].* Em! observações! pertinentes,! expressas! de! forma! concisa,! Hourcade!
apresenta! cada! um! dos! três! principais! heterónimos! e! termina! salientando! quanto!
lhe!parece!densa!e!original!a!poesia!de!O-Guardador-de-Rebanhos:!“L’accent!unique!
de!la!poésie,!philosophique,!sans!le!vouloir,!du!Guardador-de-Rebanhos-(Le!Pasteur!
de!troupeaux)!atteint!à!un!degré!d’intensité!presque!physique!tout!em!décrivant!le!
drame!de!la!conscience!lucide!qui!se!dévore!elle;même!en!refusant!d’être!dupe!de!
la!matière”![!A!tonalidade!única!da!poesia,!filosófica!sem!o!desejar,!de!O-Guardador-
de- Rebanhos! atinge! um! grau! de! intensidade! quase! física! ao! mesmo! tempo! que!
descreve! o! drama! da! consciência! lúcida! que! a! si! mesma! se! devora,! embora! se!
recuse!a!aceitá;lo].*
Depois! de! Pessoa,! e! de! forma! muito! sucinta,! Almada! Negreiros! é! descrito!
como! uma! “espécie! de! Proteu! que! escapa! a! qualquer! definição! e! que! alguns! dos!
seus! textos! em! prosa! são! comparáveis! às! famosas! últimas! páginas! de! Ulisses! de!
James! Joyce:! “Almada! a! écrit! des! proses! que,! pour! ma! part,! je! n’hésiterait! pas! à!
placer! à! côté! des! fameuses! dernières! pages! de! l’Ulysses! de! James! Joyce”! [Almada!
escreveu! prosas! que! não! hesito! em! comparar! com! as! famosas! últimas! páginas! de!
Ulisses! de! James! Joyce].! Concisão! que! se! encontra! igualmente! na! apresentação! de!
António! Botto! que,! sob! um! dandismo! reafirmado! e! uma! falsa! simplicidade,!
dissimula,! para! Hourcade,! algo! de! espontâneo! e! ingénuo! que! diretamente! nos!
comove:!“on!ne!sait!quoi!de!rapide!et!d’ingénu!qui!frappe!droit!au!coeur”![um!não!
sei! quê! instantâneo! e! ingénuo! que! imediatamente! nos! comove].! Dos! restantes!
autores!desta!primeira!geração!modernista,!Hourcade!destaca!ainda,!sem!muito!se!
atardar,! Mário! Saa,! que! pela! especificidade! da! sua! obra! merece! um! estudo! mais!
aprofundado,!e!Raúl!Leal,!que!o!crítico!compara!ao!poeta!ocultista,!Rosacruciano,!
francês,! Joséphin! Sar! Péladan.! Cauteloso,! Hourcade! diz,! no! entanto,! deixar! para!
mais!tarde!uma!apreciação!mais!justa!sobre!a!obra!de!Leal,!isto!porque,!até!àquele!
momento,!Leal!apenas!escrevera!em!francês.!Hourcade!prefere!assim!esperar!para!
ajuizar!sobre!as!litanias!a!Satã!que!Leal!publicava:!“attendre!qu’il!se!soit!décidé!à!
chanter! en! portugais! les! litanies! à! Satan”! [esperar! que! ele! se! decida! a! cantar! em!
português!as!litanias!a!Satã].!!
A!segunda!parte!do!artigo!é!quase!exclusivamente!dedicada!aos!autores!que!
à! volta! da! revista! Presença! se! reuniram! para! exprimir! as! suas! ideias! e! dar! a!
conhecer! as! suas! criações! literárias.! Assim,! José! Régio! e! João! Gaspar! Simões! são!
apresentados! ao! público! leitor! de! francês! como! as! duas! figuras! essenciais! da!
renovação!literária!em!Portugal,!quer!pelo!que!escrevem!quer!pela!sua!atitude!para!
com!a!geração!modernista!anterior.!Consciente,!porém,!que!a!literatura!é!composta!
por! várias! tendências! que! ao! mesmo! tempo! coabitam,! Hourcade! faz! questão! de!
referir! vários! escritores! que! geralmente! são! excluídos! quando! de! modernismo! se!
fala,! entre! eles! Afonso! Duarte,! poeta! em! quem! Hourcade! pressente,! numa! poesia!
aparentemente! tradicional,! um! sentido! agudo! de! modernidade! mas! que! não!
consegue,! nem! pretende! explicar! de! onde! ele! provém:“! D’ou! vient! donc! le!
sentiment! aigu! de! modernité! qui! se! dégage! d’une! poésie! en! apparence! si!
traditionnelle?!Je!ne!me!chargerai!pas!de!l’expliquer”![De!onde!vem!o!sentimento!
agudo! de! modernidade! que! se! depreende! de! uma! poesia! aparentemente! tão!
tradicional.! Não! sei,! nem! pretendo! explicar].! É! precisamente! por! estar! consciente!
que! nenhum! movimento! literário! é! alheio! ao! que! o! procedeu,! nem! imune! a!
influências,!que!Hourcade,!ao!concluir!este!seu!panorama!do!modernismo!literário!
em! Portugal,! insiste! sobre! complexidade! da! literatura! portuguesa! de! então! ao!
mesmo!tempo!que!tenta!demonstrar!com!exemplos!concretos!como!são!diversas!as!
influências! estrangeiras! que! então! predominavam! numa! literatura! cuja!
originalidade!ele!não!se!cansa!de!reafirmar.!
Como!se!pode!verificar,!quase!um!século!depois!de!ter!sido!escrito,!a!leitura!
deste! “Panorama! do! modernismo! literário! em! Portugal”! de! Pierre! Hourcade!
confirma! a! pertinência! e! atualidade! de! muitas! das! suas! observações,! ao! mesmo!
tempo! que! nos! revela! a! perspicácia,! em! vários! aspetos! precursora,! de! uma! voz!
crítica,!original!e!inconfundível,!sobre!a!literatura!que!em!Portugal!prevalecia.!!
!
!
!
!
PIERRE HOURCADE
PANORAMA
DU
MODERNISME
LITTERAIRE
EN
PORTUGAL
COlMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSJDADE
1930
!
Fig.*1.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(capa).*
!
!
!
PANORAMA DU MODERNISMELITTERAIRE
EN PORTUGAL
!
Fig.*2.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*5).*
!
!
!
-6-
Les termes de « jeune littérature» ou de ,, mouvement mo-
derniste» ne doivent ras du reste faire illusion. li ne s'asit
pas d'une poussée d 1aâolescents tapageurs, pressés de renter
leurs prédécesseurs et de briser toutes les vitres en se grisant
de leurs propres exccs. La génération d'après-guerre a été
précédée et initiée par quelques individualites fortes dont les
œuvres n'ont point encore rejoint aux devantures des libraires
les écrits plus traditionnels des autres auteurs de leur géné-
ration. Il semble néanmoins, comme il est naturel, que ce soit
surtout dans la jeunesse que croisse d'année en année le nombre
des ami.:; et des adeptes de cet art plus neuf et plus direct.
Par ailleurs, on se tromperait grandement si l'on imaginait
qu'ib refusent toute considération aux trésors classiques de
leur langue et de leur littérature. Je n'ai nutle part entendu
parler avec plus de lucidité passionnée des srandes œuvres
consacrées de leur pays. Si certaines gloires cimentées à force
d'idolâtrie les irritent, d'injustes oublis parmi les écrivains
même les plus éloignés de leur propre idéal ne les trouvent
pas indifférents. Le nom de Cesario Verde est inscrit en tête
de !'Anthologie de la Poésie Moderne qu'ils élaborent t>n ce
moment (1).
Leur histoire anecdotique se réduit aux péripéties des diffé-
rentes revues où se sont successivement reflétées lc:urs aspira-
tions. La plus durable fut Co11temporâ11ea, où les arls gra-
phiques et picturaux, la typographie et la présentation générale
l'emportaient malheureusement de beaucoup par la qualité sur
le texte lui_-même. Trop d'ins~rtions de complaisance jetaient
une note d1scordaote, et parfois 1rès fausse, dans un ensemble
un peu hésitant. Elle avait été précédée, pendant la guerre,
par l'éphémère O,]!lzeuet le scandale du Portugal Futurisfo,
saisi dès son premier numéro. Quelles que soil!nt les raisons
qui ont motivé un tel acte d'autorité, la riche variété de cet
unique numéro lui confére la valeur d'un témoignage essentiel.
A la fin de 1924 et au début de 1~251 Atheth1 réalisa durant
cinq numéros une sorte de pcrfecuon par sa présentation très
pure et l'équilibre entre l'élément artistique et l'élément litté-
raire. Elle aussi disparut bientôt, écrasée par les difficultés
pécuniaires. Cependant â Coimbra quelques jeunes gens de
tendances très diverses, avec la collaboration de plusieurs de
leurs aînés, tâchaient de renouer la tradition locale de libre
!
Fig.*3.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*6).*
!
!
!
-7-
et audacieuse innovation. Après quelques tentatives infruc-
tueuses, ils fondaient, au début de rgz7, la revue Prese11ca,
modestement nommée Feuille d'art et de critique. A inter-
valles inégaux., sur des papiers parfois bien rêches et dans
des fascicules souvent minces, ils affirmèrent avec obstination
l'existence d'une génération nouvelle, unie non point par son
adhésion à un programme, ni par son uniformité d 10ge ou de
culture, mais par son dédain de la littérature facile et sa sin-
cérité sans cesse plus exigeaate. Depuis trois ans, ils durent,
mûrissent, s'enrichissent d 1 expériences et de collaborations
nouvelles, étendent leur critique à toutes les manifestations
de l'art, améliorent et rajeunissent la présentation matérielle
de leurs textes; ils ont leurs éditions, conservent soigneuse-
ment le contact avec les autres mouvements de même esprit
dans les différents pays européens. Ils ont même des abonnés.
!
Fig.*4.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*7).*
!
!
!
-8-
chez nous: un Ibsen, un Chestov, un Dostoievsky, un Rilke,
un Thomas Mann, un Keyserling, un Joyce, un Shaw, un
Pirandello. De cette exclusivité il faut rendre responsable la
faiblesse ou l'inexistence des traductions portugaises, ainsi que
l'insuffisante connaissance en Portugal, même dans l'élite, des
lan8ues vivantes. Mais pour qui voudra se donner la peine de
feuilleter la collection entière de la Revue, il deviendra évident
que les commentaires sur toute la littérature européenne et
les constants rappels de la littérature mnionale (Camoens, Ca-
milo, Eça de Queir6s, etc . ••. ) équilibrent singulièrement les
allusions à des œuvres françaises et complètent en une juste
vue d'ensemble le paysage de l'esprit moderne tel qu'il se
reflète dans les livres venus de France.
!
Fig.*5.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*8).*
!
!
!
-9-
sans remede dans les délices et les paradis artificiels d'une
sensibilité exaspérée __par la .solitude, la mélancolie sans espoir,
l'abandon de soi. Un jour, sans doute, on pourra joindre au
modeste bagage jusqu'ici connu, le nombre imposant des iné-
dits en désordre que les amis et les di.sciples du poète virent
celui-ci accumuler avec indifl'frence dans sa demeure; et l'on
ne sera pas peu surpris de découvrir en lui l'un des plus
authemiques héritiers de la tradition lyrique portugaise, un
frère douloureux et désaxé des grands quiuheutistas et de
Joffo de Deus.
Parmi les vivants de cette première génération, c'est, sans
aucun doute, Fernando Pessoa qu'il faut meure au premier
plan. Mystérieuse, dispersée, son œuvre, aujourd 'hui introu-
vable, n'a guère franchi les frontières du Portugal et le poète
lui-même semble l'avoir comme oubliée. Cette modestie per-
sonnelle n'ôte rien à sa violente sincérité, car ce poète solitaire
n'a jamais hésité, le cas échéant, à lancer les plus rudes mani-
festes; d'ailleurs il n'appartient en aucune façon à l'espèce
« homme de lettres 1>. Ce n'est point par pur artifice littéraire
qu'il s'est masqué sous ditférenls pseudonymes, dont chacun
désigne une inspiration différente, un autre moyen de fuir
l'immobilité et la monotonie sans se renier. Sous le nom de
« Ricardo Reis», il élabore des odes mallarméennes imprégnées
d'une sensualité que l'expression dense et recherchée rend plus
immédiatement émouvante. ccAlvaro de Campos)> se complait
au contraire en notations parfaitement libre::; où les images les
plus hardies se nuancent souvent d 1 unc amère ironie, ou bien
explosent en une succession dynamique à la Walt Whitman,
un des maîtres les plus aimés de Pessoa. <<Alberto Caeiro»
se souvient P,CUt·être aussi des Feuilles d'Herbe, mais il a
dépouillé délibérément toute chaleur lyrique, martelant, en un
retour incessant à la Péguy, la plus abstraite affirmation de
solitude, le plus obstiné désir de ne point humaniser l'Univers,
de le dresser en face de la conscience comme une muraille
sans yeux et sans âme. L'accent unique de la poésie, philo-
sophique sans le vouloir, du Guardador de Reba11hos(Le
Pasteur de t,·oupeaux) atteint à un de$ré d'intensité presque
physique tout en décrivant le drame de la conscience lucide
qui se dévore elle-même en refusant d'être dupe de la matière.
Parfois enfin Pessoa lui-même se montre à nu et par delà. la
forme savante de c<Ricardo Reis», la tristesse mordante d't<Al-
varo de C ampos» ou l'orgueil d'((AJberto Caeiron, son élan le
ramène au pur lyrisme de sa race. 11semble d'ailleurs que le
poète ne cesse depuis plusieurs années d'évoluer vers cette
!
Fig.*6.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*9).*
!
!
!
- IO -
!
Fig.*7.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*10).*
!
!
!
- Il -
Presque tous les noms qui précèdent ont figuré, à titre pins
ou moins occasionnel, dans les colonnes de Presc11ça,qui a
également révélé un grand nombre d'artistes nouveaux. De la
plupart d 1entrc eux il est encore difficile de parler, car ils en
sont a leurs premières tentatives en dépit d'un talent déjà
libre et hardi. Soit nonchalance, soit sévérilé envers eux-
mêmes, il.s produisent peu, publient moins encore, et cependant
l'ensemble cfonne une impression de complexité, de variété, de
richesse, et permet toutes les espérances. Ce n'est donc pas
pour dresser un palmarès que j'enumère les noms d'Edmundo
de Bettencourt, grand artiste et pocte émouvant, d'Adolfo
Rocha, de Francisco Bugalho, de José de Azcvedo Coutinho,
d'Alexandre de Aragao, de Carlos Queiros, Rui Santos, Olavo
de Eça Leal, Antonio Navarro, Gil Vaz, Fuusto José et d'au-
tres encore,-mais pour signaler à la curiosité du lecteur autant
de belles et cliver.sespromesses d'avenir qui, peut-être, ne S(!
réaliseront pas (nous sommes au pays des renoncements et des
retraites intérieures), m.:iis qui peut-être aussi donneront au
P<?rtugalde demain une de ses plus fécondes générations litté-
raires.
Il est plus facile de définir Porientation de certains d'entre
eux dont I évolution est déjà plus avancée, le talent plus formé.
P1·ese11çaest dirigée l?ar le moins absolu et le plus varié des
triumvirats: José Rég10, Joao Gaspar Simoes, Branquinho da
Fonseca. Il y a en Régio, qui fut le grand animateur de cette
génération, une force, une volonté, une incapacité de demeurer
immobile et de répéter toujours les mêmes créations, qui
entraînent la confiance et l'estime. Poète, critique, analyste,
conteur, c'est un écrivain complet, qui bientôt du reste abor-
dera également le roman et le theâlrc . En dépit de cette
diversité d'aptitudes, rien de prolixe en lui, aucune abondance
facile. Les Poemas de Deus e do Diabo, encore revêtus parfois
d'un symbolisme un peu artificiel, laissaient déjà éclater l'in-
tensité, le goût du spirituel et l'inquiétude profonde qui sont
l..i marque de cette nature impélueuse. Les beaux sonnets de
Biograjia et divers poèmes publiés depuis, ont confirmé et
mieux dégagé encore l'originalité de Régio. L'image n' est
jamais pour lui une production esthétique habilement agencée,
!
Fig.*8.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*11).*
!
!
!
- 12 -
!
Fig.*9.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*12).*
!
!
!
- 13 -
Cette énumération pourtant abondante ne vise aucunement
à épuiser toute la diversité de la littérature contemporaine au
Portugal. J'ai simplement cherché à esquisser le tableau des
valeurs nouvelles, à marquer les différentes étapes de l'esprit
moderniste, en dehors des préjugés (ou des principes selon le
point de vue auquel on se place) qm imposent aux écrivains
ëfe la génération précédente une conception de l'art et des
formes d'expression toutes différentes. Bien entendu, ces
tendances tant discutées et si mal connues n'ont point sup·
JJlanté en entier l'influence des maîtres consacrés depuis le
début du siècle. Un Eu~énio de Castro et un Teixeira de
Pascoais, un Raul Brandao et un Aquilino Ribeiro, et, plus
récemment, un Ant6nio Sérgio ou un Antonio Sardinha (pour
prendre deux tendances opposées) ont été et sont encore des
maîtres de pensée et de style dont se recommande plus d'un
jeune écrivain; sans parler de la gloire toujours vivante, ra.-
1eunie d'année en année, d'Eça de Queir6s, que personne ne
songe à diminuer. Mais à considérer seulement leurs émules
et successeurs, on commettrait une fâcheuse erreur d'Qptique,
en tout point semblable à celle des étrangers pour qui Anatole
France et Maurice Barrès représentent le dernier terme de
l'évolution dans notre littérature. Ce serait exiler le Portugal
de l'esprit européen; s'en donner une représentation figée et
dépourvue de tout imprévu dans l'avenir. Mais bien entendu,
cette constatation ne donne aucun droit à prophétiser le triom-
phe de telle ou telle forme, de telle ou telle influence.
D'ailleurs la complexité des talents et des P.oûts dont nous
avons tâché de donner une idée supporte mal l uniforme vernis
d'imitation française dont certains spectateurs, surtout hors
de Portugal, prétendent 9u'il est la faiblesse et la caracté·
ristique essentielle des ecrivains modernistes de ce pays.
A une époque où le cloisonnement des esprits n'est plus
9u'une légende ou une survivance, à une époque où eas un
ecrivain français ne peut se vanter de ne rien devoir aux
ijrands inspirateurs du modernisme étranger (la réciproque
etant d'ailleurs aussi vraie), parler de l'existence au Portugal
d'une génération entièrement francisée, systématiquement hos-
tile à toute autre culture et incapable de libérer sa propre
originalité du fardeau de cette imitation, c'est plus qu'une
injustice: c'est proprement une absurdité. En revanche, la
singulière attitude de notre critique, je dis des revues ou
périodiques qui se prétendent les plus hardis et les mieux
mformés, la confusion qui s'établit dans l'esprit des chroni-
queurs fran~ais entre modernisme espagnol et modernisme
!
Fig.*10.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*13).*
!
!
!
- 14 -
!
Fig.*11.*“Panorama*do*Modernismo*Literário*em*Portugal”*(pág.*14).*
PANORAMA!DU!MODERNISME!LITTERAIRE!AU!PORTUGAL!
!
!
Présenter! au! public! français! la! jeune! poésie! portugaise,! et! plus! généralement!
encore! tout! le! mouvement! littéraire! qui! s’efforce! au! Portugal! de! découvrir! les!
conditions! et! les! moyens! d’expression! d’un! art! vraiment! vivant,! ce! n’est! point! là!
une! tâche! aisée.! Les! difficultés! matérielles! et! l’indifférence! du! grand! public!
réduisent!les!écrivains!modernes!de!ce!pays!à!une!extrême!discrétion.!Je!serais!fort!
en! peine! d’énumérer! vingt! volumes! publiés! par! eux! depuis! la! guerre.! La! plupart!
de!leurs!œuvres!sont!dispersées!dans!d’étonnantes!revues,!souvent!présentées!avec!
un!goût!très!sur!et!libre,!mais!dans!un!tirage!fort!restreint,!vite!épuisé,!éphémère.!
Chez! quelques;uns! de! leurs! amis! s’amoncellent,! dans! l’indifférence! et! presque!
l’oubli,!les!exemplaires!invendus,!et!je!sais!un!très!grand!poète!dont!les!écrits!sont!
pratiquement! introuvables! ailleurs! que! dans! son! propre! appartement.! Ces!
conditions! extérieures! sont! encore! aggravées,! si! l’on! peut! dire,! par! le!
désintéressement! des! auteurs! eux;mêmes,! tous! plus! étrangers! les! uns! que! les!
autres!à!l’art!de!la!réclame,!et!se!souciant!fort!peu!d’être!compris!et!encouragés!au!
delà! de! leur! entourage! immédiat.! Ce! n’est! point! mépris! du! public,! ni! vanité! de!
chapelle,! mais! excès! de! nonchalante! modestie.! Pourtant! déjà,! leurs! noms! et! leurs!
premiers!essais!ont!franchi!les!frontières!portugaises!et!trouvé!d’attentifs!et!éclairés!
témoignages! en! Italie! et! en! Espagne.! La- Fiera- Letteraria,! la! Gaceta- Literaria,! des!
personnalités!d’une!importance!européenne,!un!Gimenez!Caballero,!um!Giacomo!
Prampolini,!d’autres!encore,!ont!publié,!traduit,!commenté!de!nombreux!ouvrages!
ou!fragments!d’ouvrages.!En!France!on!persiste!à!tout!ignorer.!Les!grands!mots!de!
culture! internationale! chez! les! uns,! de! génie! latin! chez! les! autres,! ne! revêtent! pas!
toujours! autant! de! sympathie! et! libre! curiosité! qu’on! pourrait! croire,! et! tel!
périodique!de!vaste!information!européenne!a!commis!chez!nous,!à!cet!égard,!des!
confusions!et!des!“gaffes”!bien!inattendues.!
Les! termes! de! “jeune! littérature”! ou! de! “mouvement! moderniste”! ne!
doivent! pas! du! reste! faire! illusion.! Il! ne! s’agit! pas! d’une! poussée! d’adolescents!
tapageurs,!pressés!de!renier!leurs!prédécesseurs!et!de!briser!toutes!les!vitres!en!se!
grisant! de! leurs! propres! excès.! La! génération! d’après;guerre! a! été! précédée! et!
initiée!par!quelques!individualités!fortes!dont!les!œuvres!n’ont!point!encore!rejoint!
aux!devantures!des!libraires!les!écrits!plus!traditionnels!des!autres!auteurs!de!leur!
génération.!Il!semble!néanmoins,!comme!il!est!naturel,!que!ce!soit!surtout!dans!la!
jeunesse!que!croisse!d’année!en!année!le!nombre!des!amis!et!des!adeptes!de!cet!art!
plus!neuf!et!plus!direct.!
Par! ailleurs,! on! se! tromperait! grandement! si! l’on! imaginait! qu’ils! refusent!
toute! considération! aux! trésors! classiques! de! leur! langue! et! de! leur! littérature.! Je!
n’ai!nulle!part!entendu!parler!avec!plus!de!lucidité!passionnée!des!grands!œuvres!
consacrées! de! leur! pays.! Si! certaines! gloires! cimentées! à! force! d’idolâtrie! les!
irritent,!d’injustes!oublis!parmi!les!écrivains!même!les!plus!éloignés!de!leur!propre!
idéal!ne!les!trouvent!pas!indifférents.!Le!nom!de!Cesário!Verde!est!inscrit!en!tête!
de!l’Anthologie!de!la!Poésie!Moderne!qu’ils!élaborent!en!ce!moment4.!
Leur!histoire!anecdotique!se!réduit!aux!péripéties!des!différentes!revues!où!
se! sont! successivement! reflétées! leurs! aspirations.! La! plus! durable! fut!
Contemporânea,! où! les! arts! graphiques! et! picturaux,! la! typographie! et! la!
présentation! générale! l’emportaient! malheureusement! de! beaucoup! par! la! qualité!
sur! le! texte! lui;même.! Trop! d’insertions! de! complaisance! jetaient! une! note!
discordante,!et!parfois!très!fausse,!dans!un!ensemble!un!peu!hésitant.!Elle!avait!été!
précédée,! pendant! la! guerre,! par! l’éphémère! Orpheu! et! le! scandale! du! Portugal-
Futurista,! saisi! dès! son! premier! numéro.! Quelles! que! soient! les! raisons! qui! ont!
motivé! un! tel! acte! d’autorité,! la! riche! variété! de! cet! unique! numéro! lui!confère! la!
valeur! d’un! témoignage! essentiel.! À! la! fin! de! 1924! et! au! début! de! 1925,! Athena!
réalisa!durant!cinq!numéros!une!sorte!de!perfection!par!la!présentation!très!pure!et!
l’équilibre! entre! l’élément! artistique! et! l’élément! littéraire.! Elle! aussi! disparue!
bientôt,! écrasée! par! les! difficultés! pécuniaires.! Cependant! à! Coimbra! quelques!
jeunes!gens!de!tendances!très!diverses,!avec!la!collaboration!de!plusieurs!de!leurs!
aînés,! tâchaient! de! renouer! la! tradition! locale! de! libre! et! audacieuse! innovation.!
Après!quelques!tentatives!infructueuses,!ils!fondaient,!au!début!de!1927,!la!revue!
Presença,!modestement!nommée!Feuille-d’art-et-de-critique.!À!intervalles!inégaux,!sur!
des! papiers! parfois! bien! rêches! et! dans! des! fascicules! souvent! minces,! ils!
affirmèrent!avec!obstination!l’existence!d’une!génération!nouvelle,!unie!non!point!
par!son!adhésion!à!un!programme,!ni!par!son!uniformité!d’âge!ou!de!culture,!mais!
par! son! dédain! de! la! littérature! facile! et! sa! sincérité! sans! cesse! plus! exigeante.!
Depuis! trois! ans,! ils! durent,! mûrissent,! s’enrichissent! d’expériences! et! des!
collaborations!nouvelles,!étendent!leur!critique!à!toutes!les!manifestations!de!l’art,!
améliorent! et! rajeunissent! la! présentation! matérielle! de! leurs! textes;! ils! ont! leurs!
éditions,! conservent! soigneusement! le! contact! avec! les! autres! mouvements! de!
même!esprit!dans!les!différents!pays!européens.!Ils!ont!même!des!abonnés.!
Du! fait! que! Presença! a! représenté! durant! ces! trois! années! le! centre! autour!
duquel!ont!gravité!tous!les!écrivains!modernes!qui!se!sont!révélés!dans!la!dernière!
décade,! il! ne! faudrait! aucunement! conclure! que! la! Revue! est! l’expression! d’une!
École.!Ce!qui!lui!a!donné!sa!force!et!sa!raison!d’être,!ce!n’est!pas!sa!conformité!à!
des!théories!élaborées!d’avance,!à!des!manifestes!fabriqués,!mais!le!constant!souci!
d’analyse!et!d’explications!qui!a!accompagné!ses!manifestations!positives.!Sentant!
en! eux! une! solidarité! “de! natura”! avec! les! grandes! œuvres! classiques,! ses!
rédacteurs! ont! cherché! à! élucider! les! raisons! d’ordre! esthétique! et! général! qui! les!
opposaient! aux! écrivains! traditionnalistes! de! leur! époque! (plus! conformes! en!
apparence! au! génie! national)! tout! en! les! faisait! participer! à! la! vie! de! la! culture!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4!Depuis!la!rédaction!de!cet!article!(Janvier!1930),!cette!Anthologie!a!paru!sur!le!titre!Cancioneiro,!à!
l’occasion!du!premier!Salon!des!Indépendants!(Mai,!1930).!
moderne! et! à! l’évolution! de! la! littérature! contemporaine.! On! n’a! pas! hésité! à! les!
accuser!de!perdre!tout!caractère!portugais!et!de!construire!un!art!cosmopolite!farci!
d’influences! françaises! mal! digérées.! Rien! n’est! plus! étranger! à! leur! ombrageuse!
indépendance.!Si!le!sentiment!des!valeurs!nouvelles!s’est!éveillé!en!eux!au!contact!
de!Proust,!de!Gide!ou!de!Cocteau,!si!Benda!et!Charles!du!Bos!ont!souvent!alimenté!
leurs! premières! réflexions,! on! ne! saurait! considérer! ce! contact! fécond! comme! um!
asservissement.! La! lecture! et! l’analyse! de! nos! œuvres! modernes! ont! orienté! leur!
recherche!critique,!mais!non!faussé!leur!talent!et!leur!originalité.!Bien!souvent!du!
reste,!notre!culture!n’a!été!que!le!véhicule!qui!leur!a!apporté!les!révélations!les!plus!
opposées.! À! travers! la! langue! française,! ils! ont! connu! bien! d’autres! maîtres! qui!
n’étaient! pas! de! chez! nous:! un! Ibsen,! un! Chestov,! un! Dostoievsky,! un! Rilke,! un!
Thomas! Mann,! un! Keyserling,! un! Joyce,! un! Shaw,! un! Pirandello.! De! cette!
exclusivité! il! faut! rendre! responsable! la! faiblesse! ou! l’inexistence! des! traductions!
portugaises,! ainsi! que! l’insuffisante! connaissance! en! Portugal,! même! dans! l´élite,!
des! langues! vivantes.! Mais! pour! qui! voudra! se! donner! la! peine! de! feuilleter! la!
collection!entière!de!la!Revue,!il!deviendra!évident!que!les!commentaires!sur!toute!
la! littérature! européenne! et! les! constants! rappels! de! la! littérature! nationale!
(Camões,!Camilo,!Eça!de!Queirós,!etc....)!équilibrent!singulièrement!les!allusions!à!
des! oeuvres! françaises! et! complètent! en! une! juste! vue! d’ensemble! le! paysage! de!
l’esprit!moderne!tel!qu’il!se!reflète!dans!les!livres!venus!de!France.!
!
On!peut!distinguer!dans!cet!ensemble!d’écrivains!nouveaux!deux!époques,!et!dans!
chacune,!autant!d’individualités!accusées!ou!en!puissance!que!d’auteurs.!
Ils! ont! déjà! leurs! grands! morts,! parés! de! cette! légende! damnée! dont!
s’auréolent!un!Rimbaud!ou!un!Lautréamont.!C’est!d’abord!Mário!de!Sá;Carneiro,!
qui! se! suicida! à! Paris! en! 1916,! à! l’âge! de! 26! ans! après! une! vie! d’angoisse! et! de!
recherche! intérieure! si! désespérée! que! la! mort! devient! la! seule! solution! pour! ce!
passionné! qui! n’avait! point! trouvé! la! foi.! De! tant! de! poèmes! où! la! sensualité!
déchaînée!emporte!dans!sa!course!à!l’abîme!un!être!au!même!temps!torturé!par!le!
désir!de!connaître!la!joie!dans!la!pureté,!des!belles!proses!sans!fausse!harmonie!ni!
désarticulation! voyante! qui! composent! le! recueil! Céu- em- Fogo! (Le- Ciel- en- Feu),! les!
éditions!de!Presença-doivent!publier!bientôt!le!texte!définitif.!On!verra!mieux!alors!
ce! que! tant! de! poètes! actuels! lui! doivent,! pourquoi! leur! inquiétude! s’éloigne! si!
souvent! de! la! traditionnelle! saudade,! sans! cesser! de! traduire! une! sensibilité!
essentiellement! portugaise.! L’autre! “poète! maudit”,! c’est! Camilo! Pessanha,! que!
rien!n’autorise!à!rallier!au!mouvement!actuel,!si!ce!n’est!sa!vie!de!réfractaire!et!sa!
liberté! d’écrivain,! ainsi! que! l’estime! des! jeunes! pour! les! quelques! poèmes! de!
Clepsydra,!seuls!publiés!jusqu’ici!malheureusement.!Professeur!à!Macao!où!il!passa!
toute!sa!vie,!Pessanha!connut!la!banale!aventure!de!L’Européen!inquiet!dévoré!par!
l’Orient;! mais! avant! de! sombrer! dans! l’opium! et! la! bohème! coloniale,! il! avait! su!
dans! des! poèmes! travaillés! où! domine! parfois! à! l’excès! la! mélopée! verlainienne,!
dans! des! sonnets! d’une! perfection! toute! autre! qu’! oratoire! ou! rhétorique,! donner!
jusqu’au! frisson! le! sentiment! d’une! chute! sans! remède! dans! les! délices! et! les!
paradis! artificiels! d’une! sensibilité! exaspérée! par! la! solitude,! la! mélancolie! sans!
espoir,!l’abandon!de!soi.!Un!jour,!sans!doute,!on!pourra!joindre!au!modeste!bagage!
jusqu’ici! connu,! le! nombre! imposant! des! inédits! en! désordre! que! les! amis! et! les!
disciples!du!poète!virent!celui;ci!accumuler!avec!indifférence!dans!sa!demeure;!et!
l’on!ne!sera!pas!surpris!de!découvrir!en!lui!l’un!des!plus!authentiques!héritiers!de!
la! tradition! lyrique! portugaise,! un! frère! douloureux! et! désaxé! des! grands!
quinhentistas!et!de!João!de!Deus.!
Parmi! les! vivants! de! cette! première! génération,! c’est,! sans! aucun! doute,!
Fernando! Pessoa! qu’il! faut! mettre! au! premier! plan.! Mystérieuse,! dispersée,! son!
œuvre,! aujourd’hui! introuvable,! n’a! guère! franchi! les! frontières! du! Portugal! et! le!
poète! lui;même! semble! l’avoir! comme! oubliée.! Cette! modestie! personnelle! n’ôte!
rien!à!sa!violente!sincerité,!car!ce!poète!solitaire!n’a!jamais!hésité,!le!cas!échéant,!à!
lancer! les! plus! rudes! manifestes;! d’ailleurs! il! n’appartient! en! aucune! façon! à!
l’espèce! “homme! de! lettres”.! Ce! n’est! point! par! pur! artifice! littéraire! qu’il! s’est!
masqué! sous! différents! pseudonymes,! dont! chacun! désigne! une! inspiration!
différente,!un!autre!moyen!de!fuir!l’immobilité!et!la!monotonie!sans!se!renier.!Sous!
le! nom! de! “Ricardo! Reis”,! il! élabore! des! odes! mallarméennes! imprégnées! d’une!
sensualité! que! l’expression! dense! et! recherchée! rend! plus! immédiatement!
émouvante.! “Álvaro! de! Campos”! se! complait! au! contraire! en! notations!
parfaitement!libres!où!les!images!les!plus!hardies!se!nuancent!souvent!d’une!amère!
ironie,!ou!bien!explosent!en!une!succession!dynamique!à!la!Walt!Whitman,!un!des!
maîtres!les!plus!aimés!de!Pessoa.!“Alberto!Caeiro”!se!souvient!peut;être!aussi!des!
Feuilles- d’Herbe,! mais! il! a! dépouillé! délibérément! toute! chaleur! lyrique! martelant,!
en!un!retour!incessante!à!la!Péguy,!la!plus!abstraite!affirmation!de!solitude,!le!plus!
obstiné! désir! de! ne! point! humaniser! l’Univers,! de! le! dresser! en! face! de! la!
conscience! comme! une! muraille! sans! yeux! et! sans! âme.! L’accent! unique! de! la!
poésie,! philosophique! sans! le! vouloir,! du! Guardador- de- Rebanhos- (Le! Pasteur! de!
troupeaux)! atteint! à! un! degré! d’intensité! presque! physique! tout! en! décrivant! le!
drame!de!la!conscience!lucide!qui!se!dévore!elle;même!en!refusant!d’être!dupe!de!
la! matière.! Parfois! enfin! Pessoa! lui;même! se! montre! à! nu! et! par! delà! la! forme!
savante!de!Ricardo!Reis,!la!tristesse!mordante!d’!”Álvaro!de!Campos”,!ou!l’orgueil!
d’! ”Alberto! Caeiro”,! son! élan! le! ramène! au! pur! lyrisme! de! sa! race.! Il! semble!
d’ailleurs!que!le!poète!ne!cesse!depuis!plusieurs!années!d’évoluer!vers!cette!limite,!
car!il!a!successivement!fait!périr!plusieurs!de!ses!incarnations!antérieures.!
Les! revues! d’après;guerre! qui! ont! précédé! Presença! révélèrent! plusieurs!
autres! personnalités! de! premier! plan,! parmi! lesquelles! je! soulignerai! Almada!
Negreiros!et!António!Botto.!Almada!Negreiros,!le!Giraudoux!du!dessin!portugais,!
est!une!sorte!de!Protée!qui!échappe!à!toute!définition!et!circule!avec!désinvolture!
parmi! toutes! les! formes! de! l’art! moderne:! ballet,! peinture,! dessin,! prose,! en! leur!
imprimant!à!toutes!la!marque!de!sa!fantaisie!raffinée.!Je!me!rappelle!dans!Athena-
certain!dialogue!entre!Pierrot!et!Arlequin!qui!eut!ravi,!je!pense,!l’auteur!d’Allen!et!
celui! d’Eglantine.! Il! faut! se! défier! d’ailleurs! de! sa! feinte! légèreté.! Au! temps! quasi!
légendaire! du! Portugal- Futurista,! Almada! a! écrit! des! proses! que,! pour! ma! part,! je!
n’hésiterai!pas!à!placer!à!côté!des!fameuses!dernières!pages!de!l’Ulysses!de!James!
Joyce.!António!Botto!a!épinglé!à!l’un!de!ses!recueils!la!fameuse!épigraphe:!“Mieux!
vaut! être! Brummel! que! Bonaparte”.! Sous! une! froideur! et! un! dandysme!
systématiquement! affichés,! derrière! un! cynisme! distingué! de! gidéen! cosmopolite,!
Botto!dissimule!une!fervente!simplicité,!on!ne!sait!quoi!de!rapide!et!d’ingénu!qui!
frappe! droit! au! cœur.! J’aurais! cru! nécessaire! d’ajouter! à! ces! deux! noms! ceux!
d’Afonso! Duarte,! de! Mário! Saa! et! de! Raul! Leal! si! ces! trois! derniers! n’avaient! été!
bien! mis! en! lumière! après! les! publications! qui! ont! révélé! les! premiers.! Afonso!
Duarte!a!rassemblé!l’année!dernière!en!une!seule!édition!englobant!ses!œuvres!de!
jeunesse!jusqu’à!la!fin!de!la!guerre,!différents!recueils!antérieurs!sous!le!titre!Os-sete-
poemas- lyricos.! Il! est! le! plus! trompeur! des! magiciens.! Les! titres! de! ces! poèmes!
laissent!attendre!de!simples!émotions!lyriques,!à!la!manière!de!João!de!Deus!ou!d’!
António! Nobre.! De! fait,! il! ne! s’embarrasse! pas! d’attitude,! ne! se! farde! pas! d’une!
inquiétude! de! commande,! et! soigne! avec! amour! la! perfection! et! la! richesse! de! sa!
métrique.! D’ou! vient! donc! le! sentiment! aigu! de! modernité! qui! se! dégage! d’une!
poésie! en! apparence! si! traditionnelle?! Je! ne! me! chargerai! pas! de! l’expliquer.!
Afonso! Duarte! bondi! d’image! en! image! avec! une! légèreté! de! chamois! en! nous!
entraînant! à! travers! des! thèmes! prévus! sans! jamais! rien! perdre! de! sa! parfaite!
spontanéité!toute!baignée!de!tendresse.!À!Mário!Saa,!il!faudrait!réserver!une!étude!
à! part,! et! très! approfondie.! Si! d’autres! sont! les! critiques! ou! les! esthéticiens! du!
mouvement,!Mário!Saa!en!est!le!métaphysicien!et!le!plus!fantaisiste,!le!plus!poète,!
le! plus! sorcier! des! métaphysiciens! ne! se! résume! pas! en! quelques! lignes.! Quant! à!
Raul!Leal,!c’est!un!peu!le!Sar!Péladan!du!Portugal!contemporain!et!il!faudra,!pour!
le! juger! à! sa! juste! valeur,! attendre! qu’il! se! soit! décidé! à! chanter! en! portugais! les!
litanies!à!Satan!qu’il!a!jusqu’ici!composées!en!un!français!apocalyptique.!
!
Presque!tous!les!noms!qui!précèdent!ont!figuré,!à!titre!plus!ou!moins!occasionnel,!
dans!les!colonnes!de!Presença,!qui!a!également!révélé!un!grand!nombre!d’artistes!
nouveaux.!De!la!plupart!d’entre!eux!il!est!encore!difficile!de!parler,!car!ils!en!sont!à!
leurs!premières!tentatives!en!dépit!d’un!talent!déjà!libre!et!hardi.!Soit!nonchalance,!
soit! sévérité! envers! eux;mêmes,! ils! produisent! peu,! publient! moins! encore,! et!
cependant!l’ensemble!donne!une!impression!de!complexité,!de!variété,!de!richesse,!
et! permet! toutes! les! espérances.! Ce! n’est! donc! pas! pour! dresser! un! palmarès! que!
j’énumère!les!noms!d’!Edmundo!de!Bettencourt,!grand!artiste!et!poète!émouvant,!
d’Adolfo!Rocha,!de!Francisco!Bugalho,!de!José!Azevedo!Coutinho,!d’!Alexandre!de!
Aragão,! de! Carlos! Queirós,! Rui! Santos,! Olavo! d’Eça! Leal,! António! Navarro,! Gil!
Vaz,! Fausto! José! et! d’autres! encore,! mais! pour! signaler! à! la! curiosité! du! lecteur!
autant!de!belles!et!diverses!promesses!d’avenir!qui,!peut;être,!ne!se!réaliseront!pas!
(nous! sommes! au! pays! des! renoncements! et! des! retraites! intérieures),! mais! qui!
peut;être! aussi! donneront! au! Portugal! de! demain! une! de! ses! plus! fécondes!
générations!littéraires.!
Il! est! plus! facile! de! définir! l’orientation! de! certains! d’entre! eux! dont!
l’évolution! est! déjà! plus! avancée,! le! talent! plus! formé.! Presença! est! dirigée! par! le!
moins! absolu! et! le! plus! varié! des! triumvirats:! José! Régio,! João! Gaspar! Simões,!
Branquinho! da! Fonseca.! Il! y! a! en! Régio,! qui! fut! le! grand! animateur! de! cette!
génération,! une! force,! une! volonté,! une! incapacité! de! demeurer! immobile! et! de!
répéter!toujours!les!mêmes!créations!qui!entraînent!la!confiance!et!l’estime.!Poète,!
critique,!analyste,!conteur,!c’est!un!écrivain!complet,!qui!bientôt!du!reste!abordera!
également! le! romain! et! le! théâtre.! En! dépit! de! cette! diversité! d’aptitudes,! rien! de!
prolixe! en! lui,! aucune! abondace! facile.! Les! Poemas- de- Deus- e- do- Diabo,! encore!
revêtus!parfois!d’un!symbolisme!un!peu!artificiel,!laissaient!déjà!éclater!l’intensité,!
le! goût! du! spirituel! et! l’inquiétude! profonde! qui! sont! la! marque! de! cette! nature!
impétueuse.! Les! beaux! sonnets! de! Biografia! et! divers! poèmes! publiés! depuis,! ont!
confirmé!et!mieux!dégagé!encore!l’originalité!de!Régio.!L’image!n’est!jamais!pour!
lui! une! production! esthétique! habilement! agencée,! et! dans! toutes! les!
manifestations! de! son! lyrisme! éclate! la! sincérité! puissante! de! l’âme! au! moins!
autant! que! le! talent! de! l’écrivain.! Quant! aux! abondantes! critiques,! aux! nombreux!
essais! brefs! et! denses! qu’il! a! consacrés! à! expliquer! l’attitude! de! sa! revue,! à!
combattre! l’académisme! et! la! “littérature! livresque”,! à! dégager! la! leçon! du!
véritable!classicisme!et!à!définir!la!valeur!d’une!liberté!sans!incohérence!artificielle,!
ils!ont!marqué!une!époque!dans!l’histoire!contemporaine!au!Portugal!et!exercé!une!
influence!profonde!sur!plus!d’un!qui!lui!devra,!dans!l’avenir,!le!goût!et!le!courage!
d’être!neuf!en!restant!soi;même.!De!la!même!importance!et!de!la!même!valeur!sont!
les!essais!et!les!chroniques!d’un!João!Gaspar!Simões.!Un!livre!comme!Temas!n’est!
pas! seulement! d’une! singulière! nouveauté! en! terre! lusitanienne;! il! révèle! une!
pensée!ferme,!bien!maîtresse!de!ses!moyens!d’expression,!sûre!et!subtile!dans!ses!
analyses.! Les! colloques! de! Simões! avec! Gide! ou! Pirandello,! Pessoa! ou! Valéry,!
Cocteau!ou!Antonio!Botto!ont!une!valeur!toute!autre!que!locale!ou!documentaire.!
Simões! est! aussi! l’auteur! d’analyses! psychologiques! assez! marquées! d’influence!
russe,!où!la!minutieuse!précision!du!détail!moral,!la!description!sans!faux!lyrisme!
des!oscillations!du!tempérament!et!de!la!conscience,!finissent!par!secréter!une!sorte!
de!mystère!tragique!et!par!créer!toute!une!mythologie!de!la!peur!et!des!passions.!Il!
est! difficile! d’atteindre! à! un! plus! haut! degré! d’émotion! avec! des! moyens! aussi!
dépouillés.!Branquinho!da!Fonseca,!ainsi!que!son!frère!jumeau!“António!Madeira”,!
évolue! dans! une! atmosphère! de! pudique! délicatesse.! Il! n’a! jamais! fini! de! se!
dédoubler,!de!s’interroger,!de!se!juger!soi;même.!En!des!brefs!dialogues!en!un!acte,!
dont! le! meilleur! est! la! Posição- de- Guerra! (L’État! de! guerre),! titre! significatif,! il! ne!
cesse! de! refuser! ce! masque! social! dont! Pirandello! lacère! la! menteuse! apparence.!
Ses! poèmes! rendent! toujours! un! son! d’étrangeté! ironique,! évoquent! des! mondes!
très! humains! au;delà! du! réel,! à! la! façon! d’un! Gomez! de! la! Serna,! plus! tendre! et!
plus!truculent.!Il!faut!souhaiter!que!cet!étonnant!égaré!ne!se!retrouve!pas!de!si!tôt,!
car!cette!quête!sans!complaisance!gidienne!est!plus!féconde!que!toutes!les!fausses!
certitudes.!
Je!mentionnerai,!pour!terminer,!le!curieux!recueil!Confusão,!d’Adolfo!Casais!
Monteiro,! dont! la! concision! brutale! et! les! audaces! franches! ont! fait! sérieusement!
scandale.! Après! cette! déclaration! de! guerre! à! la! littérature! satisfaite! et! aux!
confessions!de!comédie,!on!peut!attendre!de!lui!des!créations!d’une!verdeur!bien!
savoureuse.!
Cette!énumération!pourtant!abondante!ne!vise!aucunement!à!épuiser!toute!
la!diversité!de!la!littérature!contemporaine!au!Portugal.!J’ai!simplement!cherché!à!
esquisser! les! tableaux! des! valeurs! nouvelles,! à! marquer! les! différentes! étapes! de!
l’esprit!moderniste,!em!dehors!des!préjugés!(ou!des!principes!selon!le!point!de!vue!
auquel! on! se! place)! qui! imposent! aux! écrivains! de! la! génération! précédente! une!
conception!de!l’art!et!des!formes!d’expression!toutes!différentes.!Bien!entendu,!ces!
tendances! tant! discutées! et! si! mal! connues! n’ont! point! supplanté! en! entier!
l’influence!des!maîtres!consacrés!depuis!le!début!du!siècle.!Un!Eugénio!de!Castro!
et! un! Teixeira! de! Pascoais,! un! Raúl! Brandão! et! un! Aquilino! Ribeiro,! et,! plus!
récemment,! un! António! Sérgio! ou! un! António! Sardinha! (pour! prendre! deux!
tendances!opposées)!ont!été!et!sont!encore!des!maîtres!de!pensée!et!de!style!dont!
se!recommande!plus!d’un!jeune!écrivain;!sans!parler!de!la!gloire!toujours!vivante,!
rajeunie! d’année! en! année,! d’Eça! de! Queirós,! que! personne! ne! songe! à! diminuer.!
Mais! à! considérer! seulement! leurs! émules! et! successeurs,! ont! commettrait! une!
fâcheuse! erreur! d’optique,! en! tout! point! semblable! à! celle! des! étrangers! pour! qui!
Anatole!France!et!Maurice!Barrès!représentent!le!dernier!terme!de!l’évolution!dans!
notre!littérature.!Ce!serait!exiler!le!Portugal!de!l’esprit!européen;!s’en!donner!une!
représentation! figée! et! dépourvue! de! tout! imprévu! dans! l’avenir.! Mais! bien!
entendu,!cette!constatation!ne!donne!aucun!droit!à!prophétiser!le!triomphe!de!telle!
ou!telle!forme,!de!telle!ou!telle!influence.!
D’ailleurs! la! complexité! des! talents! et! des! goûts! dont! nous! avons! tâché! de!
donner!une!idée!supporte!mal!l’uniforme!vernis!d’imitation!française!dont!certains!
spectateurs,! surtout! hors! du! Portugal,! prétendent! qu’il! est! la! faiblesse! et! la!
caractéristique!essentielle!des!écrivains!modernistes!de!ce!pays.!À!une!époque!où!
le! cloisonnement! des! esprits! n’est! plus! qu’une! légende! ou! une! survivance,! à! une!
époque!où!pas!un!écrivain!français!ne!peut!se!vanter!de!ne!rien!devoir!aux!grands!
inspirateurs! du! modernisme! étranger! (la! réciproque! étant! d’ailleurs! aussi! vraie),!
parler! de! l’existence! au! Portugal! d’une! génération! entièrement! francisée,!
systématiquement! hostile! à! toute! autre! culture! et! incapable! de! libérer! sa! propre!
originalité! du! fardeau! de! cette! imitation,! c’est! plus! qu’une! injustice:! c’est!
proprement!une!absurdité.!En!revanche,!la!singulière!attitude!de!notre!critique,!je!
dis! des! revues! ou! périodiques! qui! se! prétendent! les! plus! hardis! et! les! plus!
informés,! la! confusion! qui! s’établit! dans! l’esprit! des! chroniqueurs! français! entre!
modernisme! espagnol! et! modernisme! portugais,! entre! écrivains! vraiment!
modernes! et! écrivains! traditionalistes,! n’est! pas! faite! pour! donner! une! haute! idée!
de! leur! discernement! et! de! leur! information! dans! un! pays! où! l’on! suit! avec! tant!
d’attention!leurs!jugements!et!où!l’on!serait!en!droit!d’attendre!d’eux!un!sens!plus!
juste!des!proportions!et!une!curiosité!bien!éclairée.!Mon!exposé!n’a!point!d’autre!
but!que!de!contribuer!à!combler!cette!fâcheuse!lacune!en!soulignant!l’importance!
d’ouvrages! et! de! revues! auxquels! on! n’a! jusqu’ici! témoigné! chez! nous!
qu’indifférence,! et! qu’un! homme! vraiment! cultivé,! s’il! s’intéresse! à! la! vie! de! la!
civilisation!lusitanienne,!n’a!plus!le!droit!d’ignorer!aujourd’hui.!
!
PANORAMA!DO!MODERNISMO!LITERÁRIO!EM!PORTUGAL5!
!
!
Apresentar!ao!público!francês!a!moderna!poesia!portuguesa,!e!mais!ainda!todo!o!
movimento! literário! que! em! Portugal! tenta! encontrar! as! condições! e! os! meios! de!
expressão!de!uma!arte!verdadeiramente!viva,!não!é!tarefa!fácil.!
As! dificuldades! materiais! e! a! indiferença! do! público! em! geral! obrigam! os!
novos! escritores! deste! país! a! uma! discrição! extrema.! Razão! por! que! terei! alguma!
dificuldade!em!assinalar!vinte!títulos!por!eles!publicados!desde!a!guerra.!A!maior!
parte!das!suas!obras!encontra;se!dispersa!em!revistas,!quase!sempre!de!apurado!e!
livre! critério! estético,! mas! de! tiragem! limitada,! efémera,! rapidamente! esgotada,! e!
muitos!dos!exemplares!não!vendidos!acumulam;se!em!casa!de!alguns!conhecidos!
na! indiferença! e! no! esquecimento! quase! completo.! Conheço! até! um! grande! poeta!
cujos! escritos! estão! praticamente! inacessíveis! fora! de! sua! própria! casa.!Condições!
ainda!por!cima!agravadas,!se!assim!se!pode!dizer,!pelo!desinteresse!dos!próprios!
autores,!pouco!preocupados!em!se!tornarem!conhecidos,!ou!serem!compreendidos!
e!incentivados!fora!dos!seus!círculos!mais!próximos!e!familiares.!Não!por!desprezo!
pelo! público,! nem! por! vaidades! de! capelinha,! mas! por! excesso! de! indolente!
modéstia.!O!que!não!impede,!porém,!que!alguns!deles,!e!seus!escritos,!tivessem!já!
encontrado! em! Itália! e! em! Espanha! uma! receção! calorosa! e! interessada.! A- Fiera-
Letteraria,! a! Gaceta- Literaria6,! personalidades! de! importância! europeia,! como!
Gimenez!Caballero,!Giacomo!Prampolini7,!e!outros!ainda,!publicaram,!traduziram!
e! comentaram! várias! obras! ou! fragmentos! de! obras.! Em! França,! no! entanto,! o!
desconhecimento! é! total.! Os! grandes! propósitos! sobre! cultura! internacional,! para!
uns,!e!sobre!o!espírito!latino!para!outros,!nem!sempre!se!traduzem!em!interesse!e!
na!curiosidade!que!se!poderia!esperar,!aliás,!sobre!este!ponto,!é!comum!encontrar!
em! este! ou! naquele! periódico! francês! de! vasta! informação! europeia! um! certo!
número!de!gaffes!deveras!surpreendentes.!
Os!termos!“literatura!jovem”!e!movimento!modernista!não!devem,!contudo,!
prestar! a! confusão.! Não! se! trata! de! uma! crise! de! adolescentes! barulhentos,!
apressados! em! renegar! os! seus! predecessores! e! em! tudo! destruírem! para! se!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5!Tradução!e!notas:!Fernando!Carmino!Marques!
6!Fiera-Letteraria!e!La-Gaceta-Literaria.!A!primeira!destas!revistas!La-Fiera-letteraria:!giornale-settimanale-
di- lettere,- scienze- ed- arti,! iniciou! a! sua! publicação! em! Milão,! em! 1925,! e! com! algumas! alterações,!
inclusive! no! título,! publicou;se! até! finais! dos! anos! 70.* La- Gaceta- Literaria! [ibérica! :! americana! :!
internacional!|!Letras!–!Arte!–!Ciencia]!aparece!em!Madrid!no!mesmo!ano,!1927,!que!Presença!inicia!
a! sua! publicação.! Em! vários! números! da! revista! se! encontram! referências! à! literatura! portuguesa!
(inclusive! em! português).! No! número! 3,! por! exemplo,! o! escritor! espanhol! Ramón! Gomez! de! la!
Serna! publica! um! artigo! sobre! José! de! Almada! Negreiros,! intitulado! “A! Alma! de! Almada”!
(fevereiro!de!1927,!p.!3).!
7! Ernesto! Gimenez! Caballero,! escritor! nacionalista! espanhol,! diretor! da! revista! La- Gaceta- Literaria;!
Giacomo! Prampolini,! poeta,! tradutor! e! ensaísta! italiano,! autor! entre! outras! obras! de! uma! Storia-
Universal-della-letteratura.!
contemplarem! no! seu! próprio! excesso.! A! geração! do! pós;guerra! foi! precedida! e!
iniciada! por! algumas! individualidades! marcantes! cujas! obras! ainda! não! figuram!
nas!montras!das!livrarias!ao!lado!das!de!outros!escritores!mais!tradicionais!da!sua!
geração.! Ao! que! parece,! e! como! é! natural,! é! sobretudo! entre! os! mais! jovens! que!
cresce,! ano! após! ano,! o! número! de! admiradores! e! adeptos! desta! arte! mais! viva! e!
mais!direta.!Por!outro!lado,!seria!um!erro!tremendo!pensar!que!eles!se!recusam!a!
fazer!qualquer!referência!à!rica!tradição!literária!da!sua!própria!língua.!Ninguém!
como!eles!fala!com!tanta,!e!esclarecida,!paixão!das!obras!mais!consagradas!do!seu!
país.!Se!algumas!glórias!alicerçadas!em!idolatria!os!deixa!profundamente!irritados,!
a!injusta!ignorância!que!recai!sobre!alguns!escritores,!mesmo!de!ideais!diferentes!
dos!seus,!não!os!deixa!indiferentes.!O!nome!de!Cesário!Verde!figura!no!início!da!
Antologia!da!Poesia!Moderna!que!neste!momento!preparam8.!
A!sua!episódica!história!limita;se!às!peripécias!das!diversas!revistas!em!que!
sucessivamente! expõem! as! suas! aspirações.! A! mais! duradoura! foi! Contemporânea,!
onde!as!artes!gráficas!e!picturais,!a!tipografia!e!a!apresentação!geral!se!sobrepõem,!
infelizmente!de!longe,!à!qualidade!dos!textos.!Os!vários!artigos!em!que!prevalece!
alguma!conivência!revelam!uma!nota!discordante,!por!vezes!totalmente!descabida,!
num!conjunto!algo!hesitante.!A!revista!tinha!sido!precedida,!durante!a!guerra,!pela!
efémera!Orpheu!e!pelo!escândalo!de!a!Portugal-Futurista,!proibida!desde!o!primeiro!
número.!Seja!qual!for!a!razão!que!esteve!na!origem!desta!decisão!da!autoridade,!a!
diversidade!e!a!riqueza!deste!número!único!fazem!dele!uma!referência!essencial.!
Entre!os!finais!de!1924!e!início!de!1925,!Athena,!conseguiu!em!cinco!números!
uma! espécie! de! perfeição,! tanto! na! sua! apresentação! simples! como! no! equilíbrio!
entre! os! elementos! artístico! e! literário.! Submergida,! como! as! outras,! pelas!
dificuldades! financeiras! a! revista! não! tardou! em! desaparecer.! No! entanto,! em!
Coimbra,!alguns!jovens!de!tendência!diversa,!com!a!colaboração!de!outros!menos!
jovens,!tentavam!revigorar!a!franca!e!audaciosa!tradição!local.!Depois!de!algumas!
tentativas! infrutíferas,! fundaram! no! início! de! 1927! a! revista! Presença,!
modestamente!designada!como!Folha-de-arte-e-de-crítica.!Em!diferentes!períodos!de!
tempo,! em! artigos! por! vezes! bastante! ríspidos! e! em! pequenos! fascículos,!
afirmavam! com! obstinação! a! existência! de! uma! nova! geração! unida! não! pela!
adesão! a! um! programa,! nem! por! uma! uniformidade! etária! ou! cultural,! mas! pelo!
desdém!por!uma!literatura!fácil!e!uma!sinceridade!cada!vez!mais!exigente.!Há!três!
anos! que! persistem,! amadurecem,! enriquecendo;se! com! novas! experiências! e!
colaborações,! estendem! a! sua! crítica! a! todas! as! manifestações! artísticas,! revêm! e!
renovam! à! apresentação! dos! seus! textos,! editam! e! mantêm! assíduo! contacto! com!
movimentos!similares!em!outros!países!europeus.!Até!assinantes!têm.!
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8![Nota!do!autor].!Depois!da!redação!deste!artigo!(janeiro!1930)!essa!Antologia!foi!publicada!com!o!
título!Cancioneiro,!durante!o!primeiro!Salão!dos!Independentes!(maio!de!1930).!
Apesar!de!Presença!ter!constituído!nos!últimos!três!anos!o!centro!à!volta!do!
qual! gravitam! todos! os! escritores! modernos! que! na! última! década! se! revelaram!
não!se!deve!de!aí!concluir!que!a!revista!seja!a!expressão!de!uma!escola.!A!sua!força!
e!a!sua!razão!de!ser!provêm!não!de!qualquer!submissão!a!teorias!pré;estabelecidas,!
ou!manifestos!de!encomenda,!mas!da!constante!preocupação!em!analisar!e!explicar!
que! acompanha! as! suas! manifestações! positivas.! Sentindo! neles! uma! afinidade!
natural!com!as!grandes!obras!clássicas,!os!seus!redatores!procuraram!esclarecer!as!
razões! de! ordem! estética! que! em! geral! os! opõe! aos! escritores! tradicionais! da! sua!
época! (mais! conformes,! na! aparência,! ao! espírito! nacional),! ao! mesmo! tempo! que!
os! leva! a! participar! na! vida! cultural! moderna! e! na! evolução! da! literatura!
contemporânea.! Houve! quem! não! hesitasse! em! afirmar! que! eles! tinham! perdido!
todo! o! caracter! português,! de! terem! criado! uma! arte! cosmopolita! repleta! de!
influências! francesas! mal! digeridas.! Nada! está! mais! longe! da! sua! resoluta!
independência.!Mesmo!se!o!contacto!com!Proust,!Gide,!Cocteau,!despertou!neles!o!
interesse!pelas!novas!ideias!e!valores!estéticos,!mesmo!se!Benda!e!Charles!du!Bos9!
foram! os! primeiros! a! provocar! as! suas! reflexões,! não! se! pode! considerar! esse!
profícuo! contacto! como! uma! submissão.! A! leitura! e! a! análise! das! nossas! obras!
modernas! podem! ter! orientado! a! sua! perspetiva! crítica,! não! interferiram,! porém,!
nem!no!seu!talento!nem!na!sua!originalidade.!Aliás,!a!cultura!francesa,!em!muitas!
situações,!mais!não!foi!que!um!meio!para!aceder!às!mais!diversas!revelações.!Pela!
língua! francesa! conheceram! mestres! como! Ibsen,! Chestov,! Dostoievsky,! Thomas!
Mann,! Keyserling,! Joyce,! Shaw! e! Pirandello.! Esta! exclusividade! resulta! da!
fraqueza,! ou! da! inexistência! de! traduções! portuguesas! e! do! quase!
desconhecimento! em! Portugal,! incluindo! a! elite,! de! outras! línguas! vivas.! Porém,!
quem! tiver! o! cuidado! de! folhear! a! coleção! inteira! da! revista! verá,! de! forma!
evidente,! que! os! comentários! sobre! toda! a! literatura! europeia! e! as! constantes!
referências!à!literatura!nacional!(Camões,!Camilo,!Eça!de!Queirós,!etc.)!equilibram!
singularmente!as!referências!às!obras!francesas!e!completam!de!forma!justa!a!visão!
geral!do!espirito!moderno!tal!como!ele!se!revela!nos!livros!vindos!de!França.!
!
Neste! conjunto! de! novos! escritores! duas! épocas! se! podem! distinguir! e! em! cada!
uma! delas! encontrar! um! número! idêntico! de! personalidades! marcantes,! ou! com!
potencial,!e!de!escritores.!
Com! a! auréola! de! maldito,! que! se! atribui! a! um! Rimbaud! ou! a! um!
Lautréamont,! o! conjunto! possui! já! os! seus! mortos! célebres.! O! primeiro! deles! é!
Mário! de! Sá;Carneiro! que! se! suicidou! em! Paris! em! 1916,! com! 26! anos,! ao! fim! de!
uma! vida! de! angústia! e! interrogação! interior! tão! intensas! que! a! morte! pareceu! a!
este!ser!de!tudo!descrente!a!única!solução.!São!inúmeros!os!poemas!em!que!a!sua!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9!Julien!Benda,!escritor!e!filósofo!francês!autor!de!La-Trahison!des-clercs,!Paris:!Grasset,!1927;!Charles!
du!Bos,!ensaísta!francês,!autor!entre!outras!obras!de!Le-dialogue-avec-André-Gide,!Paris:!Éditions!Au!
Sans;Pareil,!1929.!
sensibilidade!exacerbada!o!conduzem!à!beira!do!abismo!ao!mesmo!tempo!que!uma!
ânsia! de! encontrar! a! felicidade! na! pureza! o! devora.! As! belas! prosas,! sem! falsa!
harmonia!nem!gritante!disparidade,!que!constituem!o!livro!Céu-em-Fogo,!serão!em!
breve,! na! sua! versão! definitiva,! editadas! pelas! edições! Presença.! Só! então! se! verá!
quanto! lhe! devem! muitos! dos! poetas! atuais,! e! a! razão! por! que! a! sua! inquietação!
difere! tanto! da! tradicional! saudade,! sem! deixar! de! ser! a! manifestação! de! uma!
sensibilidade! essencialmente! portuguesa.! O! outro! “poeta! maldito”,! Camilo!
Pessanha,!que!nada!autoriza!a!associar!ao!movimento!atual,!além!da!sua!vida!de!
refratário!e!a!sua!liberdade!de!escritor,!assim!como!o!apreço!dos!mais!novos!pelos!
poemas!de!Clepsydra,!até!ao!momento!os!únicos!publicados.!Professor!em!Macau,!
onde!passou!toda!a!sua!vida,!Pessanha!viveu!a!banal!aventura!do!homem!europeu,!
inquieto,! devorado! pelo! Oriente,! no! entanto,! antes! de! se! perder! no! ópio! e! na!
boémia!colonial,!conseguiu!em!poemas!elaborados!em!que!se!sente,!por!vezes!de!
forma! excessiva,! a! melopeia! “verlainienne”,! em! sonetos! de! perfeita! construção,!
outra! que! oratória! ou! retórica,! transmitir! de! forma! comovente! o! sentimento! de!
uma! queda! irremediável! nas! delícias! e! paraísos! artificiais! de! uma! sensibilidade!
exasperada! pela! solidão,! a! melancolia! sem! esperança,! o! abandono! de! si;mesmo.!
Um! dia,! talvez,! se! possa! juntar! aos! poemas! até! agora! conhecidos! o! número!
considerável! de! inéditos! dispersos! que! amigos! e! discípulos! do! poeta! o! viram!
acumular!com!indiferença!em!sua!casa.!Então,!talvez,!com!algum!espanto!se!possa!
nele!descobrir!um!dos!mais!autênticos!herdeiros!da!tradição!lírica!portuguesa,!um!
irmão!inquieto!e!em!busca!de!si!dos!grandes!quinhentistas!e!de!João!de!Deus.!
Entre!os!vivos!desta!primeira!geração!é!Fernando!Pessoa!que,!sem!dúvida,!
deve! ser! colocado! em! primeiro! plano.! Misteriosa,! dispersa,! a! sua! obra! hoje!
dificilmente! acessível! não! ultrapassou! ainda! as! fronteiras! do! seu! país! e! o! próprio!
poeta! parece! dela! se! ter! esquecido.! Uma! modéstia! própria! que! nada! retira! à! sua!
total! sinceridade,! pois! sempre! que! a! ocasião! o! exigiu! nunca! este! poeta! solitário!
hesitou!em!lançar!os!mais!destemidos!manifestos;!aliás,!Pessoa!em!nada!se!parece!
com! o! habitual! “homme! de! lettres”.! Não! é! por! simples! artifício! literário! que! se!
apresenta! sob! diversas! máscaras,! pseudónimos! que! representam! cada! um! deles!
uma! inspiração! diferente,! uma! outra! forma! de! escapar! à! imobilidade! e! à!
monotonia! sem! se! renegar.! Como! Ricardo! Reis! compõe! odes! “malarméennes”!
repletas!de!uma!sensualidade!que!a!expressão!densa!e!elaborada!mais!rapidamente!
torna! emotiva.! Álvaro! de! Campos,! ao! contrário,! compraz;se! em! anotações!
totalmente! livres! em! que! as! imagens! mais! ousadas! aparecem! matizadas! por! uma!
amarga! ironia,! ou! então! exultam! numa! sucessão! dinâmica! à! maneira! de! Walt!
Whitman,! um! dos! mestres! preferidos! de! Pessoa.! Alberto! Caeiro! talvez! se! lembre!
igualmente!de!Leaves-of-Grass,!mas!retirou;lhe!deliberadamente!a!tonalidade!lírica,!
insistindo,! num! retorno! incessante,! à! maneira! de! Péguy,! na! mais! abstrata!
afirmação! da! solidão,! o! mais! obstinado! desejo! em! tornar! pouco! humano! o!
Universo,!de!o!apresentar!à!consciência!como!uma!muralha!sem!rosto!e!sem!alma.!
A!tonalidade!única!da!poesia,!filosófica!sem!o!desejar,!de!O-Guardador-de-Rebanhos,!
atinge! um! grau! de! intensidade! quase! física! ao! descrever! o! drama! da! consciência!
lúcida! que! a! si! mesma! se! devora! embora! se! recuse! a! aceitá;lo.! Por! vezes,! no!
entanto,!e!apesar!da!forma!erudita!de!Ricardo!Reis,!da!tristeza!mordaz!de!Álvaro!
de! Campos,! ou! o! orgulho! de! Alberto! Caeiro,! Pessoa,! ele;mesmo,! revela;se! e! num!
impulso! regressa! ao! puro! lirismo! da! sua! raça.! Aliás,! nos! últimos! anos! verifica;se!
até! que! o! poeta! parece! privilegiar! esta! vertente,! várias! das! suas! incarnações!
anteriores!têm!ficado!pelo!caminho.!
As!revistas!do!pós;guerra!que!precederam!Presença!revelaram!várias!outras!
personalidades! de! primeiro! plano,! entre! elas! assinalarei! Almada! Negreiros! e!
António! Botto.! Almada! Negreiros,! o! Giradoux! do! desenho! português,! é! uma!
espécie! de! Proteu! que! escapa! a! qualquer! definição! e! circula! de! forma! irreverente!
por!todas!as!formas!da!arte!moderna:!bailado,!pintura,!prosa,!deixando!em!todas!
elas! a! marca! da! sua! requintada! fantasia.! Lembro;me! em! Athena10! de! um! certo!
diálogo!entre!Pierrot!e!Arlequim!que!o!autor!de!Allen!e!de!Églantine!teria!por!certo!
apreciado11.! Aliás,! a! sua! falsa! ligeireza! é! apenas! aparente.! Na! altura,! quase!
lendária,!da!Portugal-Futurista,!Almada!Negreiros!escreveu!alguns!textos!em!prosa!
que!não!hesito!em!colocar!ao!lado!das!famosas!últimas!páginas!de!Ulysses!de!James!
Joyce.!António!Botto!colocou!num!dos!seus!livros!a!famosa!epigrafe!“Mieux!veut!
être! Brummel! que! Bonaparte”12.! Sob! uma! aparência! fria! e! de! um! dandismo!
sistematicamente! afirmado,! por! detrás! de! um! cinismo! distinto! de! “gidéen”!
cosmopolita,! Botto! dissimula! uma! veemente! simplicidade,! algo! de! ligeiro! e!
ingénuo!que!diretamente!nos!comove.!A!estes!dois!nomes!poderia!ter!acrescentado!
os! de! Afonso! Duarte,! Mário! Saa! e! Raúl! Leal! se! estes! não! tivessem! sido! editados!
depois! das! publicações! que! revelaram! os! primeiros.! Afonso! Duarte! reuniu! o! ano!
passado!num!só!volume!as!suas!obras!de!juventude!até!ao!final!da!guerra,!com!o!
título!Os-sete-poemas-líricos.!Se!os!títulos!dos!poemas!poderiam!deixar!supor!que!se!
trata! de! simples! emoções! líricas,! à! maneira! de! um! João! de! Deus! ou! de! António!
Nobre,! nada! mais! falso,! pois! na! verdade! o! poeta! não! se! submete! a! qualquer!
atitude,! nem! se! preocupa! com! inquietações! de! encomenda,! insistindo! sim! na!
perfeição! e! na! riqueza! da! sua! métrica.! Será! isto! que! explica! esse! sentimento! de!
extrema!modernidade!que!se!depreende!de!uma!poesia!aparentemente!tradicional?!
Prefiro! não! o! saber,! nem! explicar.! Afonso! Duarte! salta! de! imagem! para! imagem!
sem! nunca! perder! a! sua! perfeita! e! terna! espontaneidade.! A! Mário! Saa! seria!
necessário!reservar!um!estudo!à!parte,!muito!mais!aprofundado.!Se!outros!são!os!
críticos,!ou!os!estetas!do!movimento,!Mario!Saa!é!o!metafísico,!e!o!mais!fantasista,!
o! mais! poeta,! o! mais! mágico! dos! metafísicos! não! se! resume! em! algumas! linhas.!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10!Trata;se!de!“Pierrot!e!Arlequim”,!Athena,!vol.!1,!Lisboa,!Imprensa!Libânio!da!Silva,!1924,!pp.!13;18.!
11!Hourcade!refere;se!ao!romance!de!Jean!Girardoux,!Eglantine,!Paris:!Grasset,!1927.!!
12!Frase!atribuída!a!Lord!Byron.!Ver!a!este!propósito.!Jules!Barbey!d’Aurevilly,!Du-Dandysme-et-de-G.-
Brummel.!
Quanto! a! Raúl! Leal! pode! dizer;se! que! é! um! pouco! o! Sar! Péladan13! de! Portugal!
contemporâneo! e! para! que! dele! se! possa! fazer! uma! justa! apreciação! será!
conveniente! esperar! que! ele! se! decida! a! compor! em! português! as! suas! litanias! a!
Satã,!pois!até!agora!só!num!francês!apocalíptico!o!fez.!!
!
Quase!todos!os!nomes!que!precedem!figuram!de!maneira!mais!ou!menos!frequente!
nas! páginas! de! Presença,- que! do! mesmo! modo! tem! revelado! um! bom! número! de!
novos!artistas.!Da!maioria!deles!é!ainda!difícil!falar,!na!medida!em!que!ainda!estão!
nas! suas! primeiras! tentativas,! não! obstante! um! talento! espontâneo! e! ousado.! Seja!
por! indolência,! seja! por! severidade! para! com! eles;próprios,! produzem! pouco! e!
ainda! menos! publicam,! porém,! do! conjunto! transparece! uma! impressão! de!
complexidade,!variedade!e!riqueza!que!permite!todas!as!expectativas.!Não!é!pois!
para! estabelecer! um! palmarés! que! cito! os! nomes! de! Edmundo! de! Bettencourt,!
grande! artista! e! poeta! emocionante,! Adolfo! Rocha,! Francisco! Bugalho,! José!
Azevedo! Coutinho,! Alexandre! de! Aragão,! Carlos! Queirós,! Rui! Santos,! Olavo! de!
Eça!Leal,!António!Navarro,!Gil!Vaz,!Fausto!José!e!outros!ainda,!mas!para!suscitar!a!
curiosidade! do! leitor! sobre! muitas! e! diversas! promessas! futuras,! quem! sabe! se!
realizáveis! (estamos! no! país! das! renúncias! e! das! retiradas! interiores),! mas! que!
talvez! possam! dar! ao! Portugal! de! amanhã! uma! das! suas! mais! fecundas! gerações!
literárias.!
É! mais! fácil! definir! a! orientação! dos! que! entre! eles! apresentam! já! uma!
evolução!e!um!talento!mais!consistente.!Presença!é!dirigida!pelo!menos!absoluto!e!o!
mais! variado! dos! triunviratos:! José! Régio,! João! Gaspar! Simões,! Branquinho! da!
Fonseca.!Em!Régio,!que!foi!o!grande!impulsionador!desta!geração,!há!uma!força,!
uma! vontade,! uma! incapacidade! em! ficar! quieto! e! de! repetir! sempre! as! mesmas!
ideias!que!suscitam!a!confiança!e!a!estima.!Poeta,!crítico,!ensaísta,!contista,!Régio!é!
um!escritor!completo!que!em!breve!abordará!também!o!romance!e!o!teatro.!Apesar!
desta! diversidade! de! aptidões,! em! Régio! nada! é! prolixo,! nenhuma! abundância!
fácil.!Os!Poemas-de-Deus-e-do-Diabo,!ainda!revestidos,!por!vezes,!de!um!simbolismo!
algo! superficial,! deixavam! já! antever! a! intensidade,! o! gosto! pelo! espiritual! e! a!
profunda!inquietação!que!revelam!a!sua!natureza!impetuosa.!Os!belos!sonetos!de!
Biografia!e!diversos!poemas!desde!então!publicados!confirmaram!e!puseram!ainda!
mais!em!evidência!a!sua!originalidade.!Para!ele!a!imagem!nunca!é!uma!produção!
estética!habilidosamente!trabalhada,!e!em!todas!as!manifestações!do!seu!lirismo!se!
destaca! uma! sinceridade! intensa! da! alma,! ao! mesmo! tempo! que! o! talento! do!
escritor.!Quanto!às!criticas!abundantes,!aos!numerosos!ensaios!breves!e!densos!em!
que!explica!a!atitude!da!revista!ao!denunciar!o!academismo!e!a!literatura!livresca,!
enfatizando!a!lição!do!verdadeiro!classicismo!e!definindo!o!valor!de!uma!liberdade!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
! Sar! Mérodack! Joséphin! Peladan,! pseudónimo! de!Joseph;Aimé! Péladan,! poeta,! ocultista,!
13
dramaturgo! e! crítico! francês! autor! de! diversas! obras,! nomeadamente! Le- Vice- Suprême,! Paris:!
Librairie!de!la!Presse,!1886.!Disponível!em:!http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k61016425/f4!
sem!incoerência!artificial,!eles!marcam!em!Portugal!uma!época!na!história!literária!
contemporânea! e! exercem! uma! influência! profunda! sobre! alguns! que,! no! futuro,!
lhe!ficarão!a!dever!o!gosto!e!a!coragem!de!ser!moderno!sem!se!renegar.!
De!valor!idêntico!e!igualmente!importantes!são!os!ensaios!e!as!crónicas!de!
um! João! Gaspar! Simões.! Um! livro! como! Temas! não! é! apenas! uma! singular!
novidade!em!terras!lusitanas:!revela!um!pensamento!firme,!senhor!dos!seus!meios!
de!expressão,!seguro!e!subtil!nas!suas!análises.!Os!colóquios!de!Simões!com!Gide!
ou!Pirandello,!Pessoa!ou!Valéry,!Cocteau!ou!António!Botto,!têm!um!interesse!mais!
vasto! que! local! e! documental.! Simões! é! também! autor! de! análises! psicológicas,!
muito!marcadas!pela!influência!russa,!em!que!a!minuciosa!precisão!do!pormenor!
moral,! a! descrição! sem! falso! lirismo! das! oscilações! do! temperamento! e! da!
consciência!acabam!por!lhes!dar!uma!espécie!de!mistério!trágico!e!criar!toda!uma!
mitologia! do! medo! e! das! paixões.! É! difícil! atingir! um! tal! nível! de! emoção! com!
meios! tão! escassos.! Branquinho! da! Fonseca,! assim! como! o! seu! “irmão! gémeo”!
António! Madeira,! evolui! num! ambiente! de! púdica! delicadeza.! Desdobrando;se!
continuamente,! interroga;se! e! a! ele;mesmo! se! julga.! Em! breves! diálogos! em! um!
ato,! dos! quais! Posição- de- Guerra! (título! significativo)! constitui! o! melhor! exemplo,!
recusa!permanentemente!a!máscara!social!que!Pirandello!denuncia!e!lacera!a!falsa!
aparência.! Os! seus! poemas,! de! uma! estranheza! irónica,! evocam! um! mundo!
humano! para! além! do! real,! à! maneira! de! um! Gomez! de! la! Serna,! mais! terno! e!
menos! truculento.! Seria! desejável! que! este! estranho! “extraviado”! demore! em! se!
encontrar,!porque!esta!busca!sem!comprazimento!“gidienne”!é!mais!fecunda!que!
todas!as!falsas!certezas.!
Para! terminar,! refiro! Confusão! de! Adolfo! Casais! Monteiro! cuja! concisão!
abrupta!e!as!assumidas!audácias!provocaram!um!sério!escândalo.!Depois!de!uma!
tal!declaração!de!guerra!à!literatura!que!a!si!mesma!se!compraz!e!às!confissões!de!
comédia,! dele! se! podem! esperar! outras! criações! tanto! ou! ainda! mais! rudemente!
saborosas.!
Esta! enumeração,! suficientemente! longa,! não! pretende,! contudo,! de! forma!
alguma! esgotar! a! diversidade! da! literatura! contemporânea! em! Portugal:! procurei!
apenas! esboçar! o! quadro! dos! novos! valores,! sublinhar! as! diferentes! etapas! do!
espírito!modernista,!alheio!a!preconceitos!(ou!fundamentos!a!partir!da!perspetiva!
em! que! nos! situamos)! que! impõem! aos! escritores! da! geração! precedente! um!
conceito! da! arte! e! das! suas! formas! de! expressão! bem! diferentes.! Parece!
desnecessário! relembrar! que! estas! tendências! tão! questionadas,! e! tão! mal!
conhecidas,!não!fizeram!esquecer!totalmente!a!influência!de!mestres!consagrados!
desde! o! início! do! século.! Um! Eugénio! de! Castro! e! um! Teixeira! de! Pascoais,! um!
Raúl!Brandão!e!um!Aquilino!Ribeiro,!e!mais!recentemente!António!Sérgio!ou!um!
António! Sardinha! (para! citar! duas! tendências! opostas)! foram! e! ainda! são!
referências!nas!ideias!e!no!estilo!para!alguns!jovens!escritores,!e!isto!sem!falar!de!
Eça! de! Queirós,! glória! sempre! atual,! ano! após! ano! revigorada,! que! ninguém!
pensaria! em! desvalorizar.! Mas! se! considerarmos! apenas! os! seus! émulos! e!
seguidores! comete;se! um! erro! crasso! de! perspetiva,! igual! em! muitos! aspetos! ao!
que!cometem!os!estrangeiros!quando!pensam!que!Anatole!France!e!Maurice!Barrés!
representam! o! último! modelo! da! evolução! da! nossa! literatura.! Ao! propor! uma!
imagem! estagnada,! desprovida! de! qualquer! imprevisibilidade! no! futuro,! seria!
afastar! Portugal! do! espírito! europeu.! Mas,! esta! constatação! não! permite! que! se!
profetize! o! triunfo! desta! ou! daquela! forma,! desta! ou! daquela! influência.! Aliás,! a!
complexidade!de!talentos!e!de!tendências,!de!que!tentei!dar!uma!ideia,!suporta!mal!
o! verniz! uniforme! da! imitação! francesa! que! alguns! observadores,! sobretudo! fora!
do! país,! dizem! ser! a! debilidade! e! a! característica! essencial! dos! escritores!
modernistas!deste!país.!Numa!época!em!que!o!isolamento!dos!espíritos!não!é!mais!
que!uma!legenda!ou!um!vestígio!do!passado,!numa!época!em!que!nenhum!escritor!
francês! se! pode! gabar! de! nada! dever! aos! grandes! inspiradores! do! modernismo!
estrangeiro!(a!reciprocidade!é!igualmente!verdade),!falar!da!existência!em!Portugal!
de! uma! geração! inteiramente! afrancesada,! sistematicamente! hostil! a! qualquer!
outra! cultura! e! incapaz! de! libertar! a! sua! própria! originalidade! do! fardo! desta!
imitação,!é!mais!do!que!uma!injustiça:!é!totalmente!absurdo.!Em!contrapartida,!a!
singular! atitude! da! nossa! crítica,! refiro;me! às! revistas! e! aos! jornais! que! se!
pretendem!mais!inovadores!e!mais!informados,!a!confusão!que!fazem,!seguindo!o!
espírito! dos! cronistas! franceses,! entre! modernismo! espanhol! e! português,! entre!
escritores! modernos! e! escritores! tradicionais,! em! nada! contribui! para! dar! uma!
imagem! positiva! do! seu! discernimento! e! da! sua! informação! num! país! que! segue!
com! atenção! as! suas! apreciações! e! de! quem! se! espera! um! sentido! mais! justo! das!
proporções!e!uma!curiosidade!mais!esclarecida.!Esta!minha!exposição!tem!apenas!
por! objetivo! preencher! uma! grave! lacuna:! sublinhar! a! importância! de! revistas! e!
livros! que! em! França,! até! agora,! só! indiferença! obtiveram,! mas! que! nenhum!
homem!verdadeiramente!culto,!se!ele!se!interessa!pela!vida!da!civilização!lusitana,!
tem!hoje!o!direito!de!ignorar.!
!!
Bibliografia*
!
HOURCADE,! Pierre! (2016).! A- mais- incerta- das- certezas,! itinerário- poético- de- Fernando- Pessoa.! Edição! e!
tradução!de!Fernando!Carmino!Marques.!Lisboa:!Tinta;da;china.!
MARQUES,!Fernando! Carmino! (2016).! “Pierre! Hourcade! e! a! descoberta! de! Fernando! Pessoa:! novas!
cartas! e! outros! escritos”! [Pierre! Hourcade! and! the! discovery! of! Fernando! Pessoa:! new!
letters! and! other! writings],! in- Pessoa- Plural- –- A- Journal- of- Fernando- Pessoa- Studies,! n.º! 9,!
Primavera,!pp.!399;495.!
PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito [orgs.] (2017). LdoD Archive / Arquivo LdoD / Archivo
LdoD [collaborative digital archive of the Book of Disquiet by Fernando Pessoa.] Centre
for Portuguese Literature at the University of Coimbra (CLP), 723 encoded fragments
<https://ldod.uc.pt/ | accessed on 16 November 2017>.
With no demerit to the various critical editions of Fernando Pessoa published this
year, we may say that 2017 was the year of the Book of Disquiet. In the second half
of the year, almost simultaneously, the prose masterpiece of Pessoa ventured into
two very different territories, with wide implications for Pessoa's reach as an
author: a new English translation by Margaret Jull Costa exquisitely published by
New Directions, one of the world's leading literature publishing houses; and the
LdoD Archive (LdoD as short for Livro do Desassossego), a digital collaborative and
comparative edition that is nothing short of revolutionary for Pessoan studies. This
first online critical edition of Fernando Pessoa, developed and hosted by the
University of Coimbra, Portugal, is the focus of this review.
LdoD is a multifaceted object: it is a new edition, in digital form, of Pessoa's
Book of Disquiet; it is a portal in which all previous editions of this book may be
compared in a variety of ways; it is an archive of high-resolution facsimiles of all
original documents pertaining to the project, for the first time accessible to the
public; it is a virtual platform through which a user may create her own anthology
of Pessoa's book; and, lastly, it is a transparent initiative that shares not only its
main product, but also vast documentation of its process (an invaluable by-
product for anyone interested in Digital Humanities).
The field of Digital Humanities is perhaps the fastest growing area of
interest in the Humanities, covering online courses and journals, as well as digital
archives and editions. Since the pioneering publication in 1999 of Radical Scatters,
an electronic archive of Emily Dickinson's envelope poems and other late
fragments, a new horizon has opened for critical editions: to develop platforms
that recreate online the experience of navigating complex oeuvres, such as the ones
Dickinson and Pessoa left us. Being nonlinear by nature, the emblematic works of
those two authors lend themselves well to a digital reading experience, in which
the path is as important as the product. As the editors of Radical Scatters put it,
a
VIRILIO, Paul (1997). Open Sky, translated by Julie Rose. London: Verso.
The site also offers the possibility of an individual analysis of each edition.
In the section “Editions,” users encounter a list of titles that correspond to the
fragments in each editor’s sequence. Yet, once again, this apparently linear section
lures the reader into ever-changing ways of navigating the archive. Each item in
the list provides two reading options: the title itself is a link to the corresponding
text as laid out in the “Reading” section (previously described), and a second link
takes readers to the same text as displayed in a third section: “Documents.” This
last alternative displays fragments along with all genetic transcriptions of
autographs and published material (Fig. 3). Unlike the “Reading” section, which
favors sequential differences among editions, the “Documents” section highlights
textual variations and offers the possibility of overlapping transcriptions in a single
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 727
Barbosa & Pittella The Website of Disquiet
shot, so we may compare all versions—original documents and publications by
Pessoa, as well as posthumous editions.
our TEI encoding schema involved the parallel segmentation method and the definition of
a critical apparatus which treats all transcriptions as textual variations. [...] all variations
(whether they occur in the autographs or in the editions) are processed at the same level.
This encoding decision expresses the theoretical principle that underlies the LdoD Archive:
that of showing the Book of Disquiet as both authorial project and editorial project, making it
possible to observe the transformation of the archive into editions as a dynamic process of
generation of textual variations.
c
This is not an exhaustive list of digital editions using TEI.
d
PORTELA, Manuel (2013). “'Nenhum problema tem solução': um arquivo digital do Livro do
Desassossego.” Matlit: Revista do Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura, vol. 1, n.o 1.
e
PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito (2014). “A model for a virtual LdoD.” Literary and Linguistic
Computing, vol. 30, issue 3.
f
SILVA, António Rito; PORTELA, Manuel (2015). “TEI4LdoD: Textual Encoding and Social Editing in
Web 2.0 Environments.” Journal of the Text Encoding Initiative, issue 8.
g
PORTELA, Manuel; SILVA, António Rito (2016). “Encoding, Visualizing, and Generating Variation in
Fernando Pessoa’s Livro do Desassossego.” Variants, 12-13.
Substitution ↑ <subst>
(by deletion + <del rendition="overstrike">deleted</del>
supralinear addition <add place="above">added</add>
in this example) </subst>
Perhaps the most evident TEI contribution by LdoD is the elegant encoding
of variations, which turns the differences of transcriptions (normally a monotonous
table hidden in books) into an illuminating experience: to navigate a text in all its
complexity and interact with its editorial history. The variations, often flagged as
errors in heated debates among editors, suddenly become a treasure, offering
insights into the original documents, as well as into different editorial
philosophies. In short, LdoD elevates the critical apparatus from annex to fulcrum.
In inviting us to rethink the traditional critical apparatus, LdoD also
contributes to the development of TEI itself, notably in the question of how to code
open variants. Here we must clarify that open variants are alternative segments left
undecided by an author in a single manuscript, as the words ”rancor” (typed
inline) and ”torpor” (sublinear handwritten addition) in the following example:
Authorial and editorial textual versions are treated as variants and variations for encoding
purposes. The <rdg> TEI element stands for reading and is used to represent both authorial
and editorial micro variations. The editions and authorial sources are referred through the
“wit” attribute.
In TEI, variations are normally the matter of the <app> element (short for
apparatus) and specified by <rdg> sub-elements (short for readings), while open
variants constitute, truly, an open question, with as many solutions as there are
digital editions. However, there are still not many digital editions in which
variants pose a crucial question. If online editions such as the ones of Beckett and
Goethe rely on texts published during the lifetime of their authors to hierarchize
variants, in the case of Pessoa we are dealing mainly with works published
posthumously (or even still unpublished); thus, we do not have the luxury of
knowing, among open variants, which ones the poet would have eventually
chosen (to complicate matters, sometimes Pessoa would amend texts published
during his lifetime, creating another set of variants). The editors of LdoD discuss
the example presented in Fig. 5:
h
Idem.
Figs. 6 to 8. Fragment published in Revolução (n.º 74.1) and homepage of LdoD (details).
LdoD is, overall, a watershed in the editorial fortune of Pessoa, and its
legacy is clear: no future edition will be able to avoid its shadow, nor should it, as
there are many lessons to learn from the new home of the Book of Disquiet.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*&Graduate&Writing&Program&at&Pacific&University,&Oregon.&
Gaspar Drama em Gente
Surface$Noise$
&
It$scares$me,$this$life$
I$can’t$face$up$to.$In$
fact,$while$I$can’t$
entirely$bring$it$off,$I$
do$better$facing$it$down.$
I’m$an$aggressive$son@$
of@a@bitch,$but$it’s$a$
touch@and@go$existence$
I$allow$myself.$Or$is$it$
the$touch@and@go$myself$
that$allows$the$other—$
the$me$I$am—this,$
and$only$this$much?$
Who$speaks$for$me$now$
or$through$me?$Is$it$
Fernando$Pessoa,$his$
orthonymic$self,$sporting$
with$me,$or$is$it$one$$
of$his$sweaty$heteronyms$
scraping$out$a$horned@bottom$
scapegoat,$who$can’t,$or$
won’t,$cry$foul?$
&
“It& scares& me,& this& life& |& I& can’t& face& up& to…”& This& starts& as& a& slender& piece& of&
introspection& that& we& might& see& from& a& contemplative& writer& at& any& particular&
junction&in&life.&With&Monteiro&one&can&infer&the&middle&of&the&journey,&but&his&dark&
wood,&in&this&case,&is&identity,&and&as&we&read&further&we&see&it&is&an&identity,&if¬&
completely&vexed,&then&surely&complicated,&remarkably,&by&the&presence&of&Pessoa&
(it&is&impossible¬&to&borrow&those&last&three&words&from&Monteiro).&What&makes&
this& poem& significant& in& its& position& in& the& book& is& that& the& introspective& voice&
reaches& beyond& the& confines& of& the& self& (that$ self,& at& least)& when& Pessoa& enters& the&
question.&Monteiro&is&thinking,¬&so&much&about&Pessoa&as&subject,&but&personally&
and& compositionally& using& Pessoa& as& a& sling& to& propel& Monteiro& himself& into& a&
journey& of& self& and& identity,& and& he& includes& reference& to& the& “sweaty&
heteronyms”—in& the& literary& sense& of& course,& but,& tellingly,& in& a& personal& mode.&
This&poem&introduces&subtly,&yet&at&the&same&time&quite&vividly,&the&engine&of&the&
book:& Pessoa& and& his& life& and& times,& his& literary& reputation& and& the& heteronyms,&
will&accompany&Monteiro&in&a&complementary&excursion.&Monteiro&searches&for&his&
self&(or&selves)&by&immersion&in&the&complicated&nexus&of&names&and&identities&that&
are&Fernando&Pessoa.&And&Pessoa&speaks$to&and&through&Monteiro&(and&therefore&
us).&It&is&a&give&and&take&carried&out&in&a&way&that&no&other&American&Poet&or&writer&
that&I&can&think&of&would&be&equipped&for.&
Let&us&get&briefly&to&those&“sweaty&heteronyms.”&It&is&fair&to&say&that&much&of&
Pessoa’s&post&mortem¬oriety&stems&from&his&heteronyms&which,&he&is&careful&to&
point& out,& are& distinct& personalities& with& varying& points& of& view,& unlike&
pseudonyms,& which& are& simply& the& writer’s& auxiliary& names.& Pessoa& in& several&
places& speaks& to& the& incubation& and& birth& of& the& principal& three.& Part& of& their&
longevity,& I& think,& is& their& constant& binary& nature:& we& know& that& they& are& both&
Pessoa& and& entities& quite& separate& from& Pessoa& at& the& same& time.& We& cannot& help&
but& hear& this& binary& nature& of& the& speakers.& Pessoa,& in& one& of& his& several&
explanations&of&the&heteronyms,&cited&King&Lear&and&Shakespeare&as&an&analogy,&in&
a& letter& to& Armando& CôrtescRodrigues& in& 1915.& When& Lear& speaks,& we& hear& Lear.&
When&Lear&speaks&we&hear&Shakespeare.&Pessoa&of&course&takes&this&drama&at&least&
one&step&further.&He&walks&and&talks&with,&lives&with,&the&heteronyms.&But&so&too&
does& George& Monteiro.& He’s& going& to& spend& a& long& time& wandering& among& them.&
Here,&addressing&Pessoa&himself&on&June&20th,&1986,&he&makes&short&work&of&them&in&
order:& Ricardo& Reis,& the& doleful& Epicurean;& Alberto& Caeiro,& The& unintentional&
“master”&of&them&all;&and&Alvaro&de&Campos,&the&blasé&sensationalist&(and&smoker&
of&opium).&
&
Parthenogenesis$$
$
One,$two,$three,$born$
just$like$that,$each$his$
$
own$man,$all$internal$
network$loyalties$not$
$
withstanding,$Reis$
Caeiro,$Campos—a$
$
hat$trick$if$there$ever$
was$one,$profligacy$
$
indeed$for$a$poet$who$
owned$no$more$than$
$
one$hat—never$black—$&
at$any$given$moment$$
$
Monteiro& shows& his& colors& here,& and& his& wit& (a& hat& trick& is& one,& two,& three&
goals& in& the& game& of& hockey—Monteiro& is& from& Providence& after& all),& and& then&
turns&a&triplecaxle&pun&by&bringing&Pessoa’s&actual&hat&into&the&poem).&And&if&you&
hear& a& certain& tone& of& voice& in& that& poem,& I& would& agree& with& you.& A& gesture&
toward& snark& perhaps.& Monteiro& begins& the& book& bold& and& as& the& years& progress&
becomes&bolder.&Monteiro&is¬&afraid&of&these&guys;&he’s&as&tough&and&versatile&as&
they&are.&Here&is&Monteiro&appropriating&the&voice&of&God&(and&His&sarcasm—see&
Job)&as&he&interrogates&the&poet&in&1991:&&
&
From&Politics$and$Ideology&
&&
Tell$me$Fernando,$if$you$can,$why$bother$with$a$narrative$if$
the$payoff$is$to$knock$off$a$poet,$eased$into$being,$ode$by$ode.$&
&
I&would&assume&this&pique&derives&from&Pessoa’s&announcing&the&death&of&Alberto&
Caeiro&in&1915.&The&two&other&heteronyms&in&the&triumvirate&appear&to&have&died&
with&Pessoa&in&1935,&although&they&could&have&survived&him.&Ricardo&Reis,&at&least,&
seems&to&have,&according&to&the&investigations&of&José&Saramago.&&
There& are& other& heteronyms,& of& course.& Bernardo& Soares,& putative& writer& of&
The$ Book$ of$ Disquietude& is& one.& There& are& close& to& eighty& others& if& you& count& some&
that&Pessoa&listed&but&never&developed.&Several&are&more&like&“imaginary&friends”&
in& his& youth.& Monteiro& is& smart& enough& to& not& get& bogged& down& though.& He’s&
having&fun,&nudging&Pessoa,&needling&him&here&and&there&and&riffing&off&the&poet’s&
work&and&life.&Throughout&the&Chronicles&there&is&homage&and&extension,&irony,&and&
humor.&
There&is&some&precedent&for&this&treatment&of&Pessoa.&We&learn&about&it&from&
some&of&Monteiro’s&own&vast&scholarship.&Most&American&poets&who&have&gotten&
past& “Howl”& and& “A& Supermarket& in& California,”& are& familiar& with& Allen&
Ginsberg’s&“Salutations&to&Fernando&Pessoa.”&Monteiro&includes&a&passage&from&it&
for& perhaps& more& general& readers& in& his& essay& “Barbaric& Complaint.”& Ginsberg& is&
characteristically& over& the& top& in& his& humor.& Here& are& a& couple& of& clips& from& his&
long&poem:&&
&
What$way’m$I$better$than$Pessoa?$
Known$on$four$continents$I$have$25$English$books$he$only$3$
his$mostly$Portuguese,$but$that’s$not$his$fault$
U.S.A.’s$a$bigger$country$
&
and&later:&
&
$Besides$he$was$a$shrimp,$himself$admits$in$interminable$“Salutations$
$Walt$Whitman”$
$whereas$5’$7$½$“$height$
$somewhat$above$world$average,$no$immodesty$
$I’m$speaking$seriously$about$Fernando$Pessoa.&
&
In&another&essay,&“Durban&Echoes,”&Monteiro"es&the&South&African&poet&
Charles&Eglington&speaking&about&Pessoa’s&hold&on&him:&
&
book,&someone&I&will&dare&to&call&(lacking&all&creativity&on&my&part)&Pessoa@Monteiro.&
Borders& are& breached,& blurred,& erased.& We& have& been& headed& this& way& since& that&
“o.k.”& in& “Anniversary.”& The$ Pessoa$ Chronicles& are,& of& course,& The& Monteiro&
Chronicles&as&well,&and&how&happy&we&are&to&have&them,&for&Monteiro&is&a&virtuoso&
of&voice.&Anachronisms&now&abound,&but&we&do¬&read&them&as&such&because&we&
understand&that&Pessoa&is&now&with&us,&in&our&present,&indeed&he&has&always&been&
with&us,&it&is&one&of&his&uncanny&qualities,&the&man&who&never&was&is&the&man&who&
does¬&go&away.&The&poem&is&daring&and&hilarious.&And&while&we&are&at&it,&let’s&
look& at& that& brief& allusion& to& William& Faulkner!& The& book& is& resplendent& with&
allusions,& all& apt,& witty,& telling,& loitering& in& the& poems& like& cameos& or& walkcons,&
sometimes& occulted& in& delightful& ways& that& make& you& go& back& and& admire& the&
fusion.& Dickens,& Lenin,& Dickinson,& Hemingway,& Shakespeare,& Robert& Frost,& Poe,&
Bernie& Madoff& (!),& Cicero,& and& on& and& on.& This& is& not& Monteiro& being& literary& or&
showing&off.&This&his&how&his&mind&works—or&so&we&think&having&read&his&poems.&
It’s& as& if& he& possesses& some& neural& Alexandrian& library& in& his& head& and& has&
immediate&access&to&everything&in&it.&There&is&no&shelf&he&cannot&reach,&and&for&that&
matter& he& does& not& even& reach.& It’s& as& though& names,& places,& dates,& history,& data&
simply&glide&off&those&shelves&and&flutter&into&his&nimble&arms.&
But& Pipe$ Dreams& attracts& attention& in& another& regard.& It& is& humorous& in& its&
presentation&of&Pessoa&thinking&about&the&modern&conveniences&of&the&scrivener—
Microsoft&Word,&the&Internet,&files&and&folders.&But&when&we&remember&Monteiro’s&
preface& to& this& volume& we& note& he& reveals& a& good& deal& of& his& own& process& (we&
assume& he& writes& with& Word& or& one& of& the& lesser& word& processing& programs),&
dating&his&entries,&organizing&them&in&files&and&folders&as&he&accumulates&the&heft&
of&his&book.&Yes,&Pessoa&is&considering&Monteiro,&rather&wistfully,&imagining&how&
much&better&off&he&would&have&been&if&he&had&Monteiro’s&apparatus.&Wistful&for&a&
while&until&he&pulls&himself&back,&realizing&that&his&own&disorganized&trunk&was&in&
part& responsible& for& his& “worldwide& reputation.”& The& reader& will& find& many& such&
pieces& where& the& “unidentified& voice”& (Monteiro’s& words)& vibrates& with& its& dual&
nature,& Pessoa@Monteiro,& a& mercurial& dialectic—well,& almost& a& dialectic—wherein&
both&locutors&explore&the&vistas&and&limits&of&identity.&&
It’s&hardly&necessary&to&say&that&the&few&samples&I&offer&in&this&small&space&
cannot&possibly&do&justice&to&the&rich&tapestry&of&this&book.&But&I&would&be&remiss&in&
making&an&end&if&I&did¬&go&bit&further&about&what&is&in&store&for&the&reader.&&
There& is& a& great& love& of& the& city& of& Lisbon& that& permeates& this& collection.&
Monteiro& takes& us& down& to& Cais$ do$ Sodré,& Largos$ de$ S.$ Carlos,& the& Baixa,& walking&
through&the&Chiado,&contemplating&sculpture,&exploring&cafés;&and&he&leads&us&back&
to& the& beginnings,& to& the& journals& Orpheu,& and& Presença& and& the& dawning& of&
Portuguese& modernism;& he& peoples& the& poems& with& the& characters& in& and& around&
Pessoa’s&life—SácCarneiro,&Gaspar&Simões,&Vascos&Reis&(!),&Antonio&Ferro,&Miguel&
Torga,& to& name& a& scant& few,& and& not& forgetting& Ophelia,& his& strange,& failed,&
unconsummated&love&(this&in&a&poem&titled&Portuguese$Letters!&Pure&Monteiro&in&wit&
and&irony).& And&of&course&in&this&generous&volume&there&is&more.&Happily,&much&
more.&
About& Pessoa& we& know& much.& About& Monteiro& we& know& that& his& book&
begins& with& a& question.& “who& speaks& for& me& now& |& or& through& me….?”& In& the&
complex& music& of& the& poems& everyone& speaks& for& and& through& themselves& and&
everyone& else.& It’s& impossible& to& say& what& discoveries& Monteiro& made& over& the&
course&of&36&years&and&500&poems,&but&it&is&a&safe&wager&that&he&is¬&the&person&(or&
persons)&who&began&so&long&ago&with&that&slender&poem.&It&is,&however,&possible&to&
say& that& his& journey& was& epic& in& scale& and& completely& successful& as& art.& If& indeed&
there& is& dialectic& between& the& fused& Pessoa@Monterio,& and& if& dialectic& is& meant& as& a&
system& toward& truth,& than& this& reader& cannot& say& what& truth& comes& to& us& from&
Pessoa& (except,& through& Monteiro,& perhaps& a& more& poetic& manifest& of& his& inner&
being).& With& Monteiro,& who& confronts& Pessoa& in& every& possibility,& in& every& mien,&
who&has&wrestled&with&Pessoa’s&many&identities&and&his&own,&it&seems&inarguable&
that&he&emerges&from&this&36cyear&pilgrimage&with&at&least&one&clear&identity:&He&is&
the& singular& poet& who& brings& Pessoa& and& his& time& more& alive& than& Pessoa& did&
himself.& The$ Pessoa$ Chronicles’$ result& for& its& readers& is& a& magnanimous& gift,&
something&to&give&hours&of&pleasure—and&I&daresay,&raiding&Aristotle,&education,&
edification,& and& entertainment.& George& Monteiro& has& compiled& an& extraordinary&
achievement.&You&will&profit&from&reading&him.&He&contains&multitudes.&
Pessoa,'romancista'em'suspenso'
!
Flávio Rodrigo Penteado*
'
PESSOA,' Fernando' (2017).' A" Porta" e" outras" ficções.' Edição' e' tradução' de' Ana' Maria' Freitas.'
Lisboa:'Assírio'&'Alvim,'288'pp.'
!
Dentre! as! sucessivas! novas! edições! da! obra! pessoana! que! têm! chegado! às!
prateleiras! nos! últimos! anos,! receberam! especial! acolhida! do! público! duas!
coletâneas!organizadas!por!Ana!Maria!Freitas!sob!a!chancela!da!Assírio!&!Alvim,!
no!âmbito!da!coleção!“Obras!de!Fernando!Pessoa”:!O"Mendigo"e"outros"contos!(2012)!
e!A"Estrada"do"Esquecimento"e"outros"contos"(2015).1!O!interesse!dos!leitores!por!elas!
se! deve,! sem! dúvida,! ao! fato! de! revelarem! uma! faceta! até! então! ainda! pouco!
conhecida! do! criador! dos! heterônimos:! a! do! ficcionista! que! extrapola! o! domínio!
das! narrativas! de! sabor! policialesco,! as! quais! notoriamente! fascinavam! o! autor! e!
cuja! compreensão,! aliás,! já! vinha! sendo! ampliada! pela! mesma! investigadora,! seja!
na! tese! de! doutoramento! que! consagrou! ao! assunto,! O" Fio" e" o" Labirinto" –" a" ficção"
policial" de" Fernando" Pessoa! (2016),! seja! no! preparo! de! edições! da! natureza! de!
Quaresma,"Decifrador!(2008).!A!tais!trabalhos,!somaXse!agora!o!recémXlançado!título!
de! que! nos! ocuparemos! aqui,! produto! de! uma! nova! incursão! da! estudiosa! na!
esfera!da!ficção!pessoana.!
Nas! duas! compilações! anteriores,! predominavam! narrativas! quase! sempre!
inéditas! e! de! menor! extensão.! Semelhante! característica! não! se! deve! apenas! ao!
estado! fragmentário! em! que! se! encontravam! –! o! que! por! vezes! obrigou! a!
organizadora!a!propor!soluções!de!reconstituição!textual!que!tornassem!os!contos!
efetivamente! legíveis! –,! mas! corresponde,! também,! à! predileção! de! Pessoa! por!
formas!breves,!de!que!dão!testemunho!passagens!do!Livro"do"Desassossego!como!a!
que!segue:!“Nenhum!drama!de!Shakespeare!satisfaz!como!uma!lírica!de!Heine.!É!
perfeita! a! lírica! de! Heine,! e! todo! o! drama! –! de! um! Shakespeare! ou! de! outro,! é!
imperfeito! sempre”! (PESSOA,! 2014:! 125).! ObservaXse,! aqui,! a! renúncia! ao! modelo!
aristotélico!de!perfeição,!fundamentado!na!proporcionalidade!e!no!encadeamento!
lógico! entre! os! diversos! componentes! da! obra,! à! semelhança! de! um! organismo!
vivo,! uno! e! congruente;! bem! ao! contrário,! o! narrador! favorece! um! ideal! de!
plenitude! que,! para! garantir! a! grandeza! ambicionada! pelo! artista,! implica! a!
preferência! por! pequenas! proporções,! menos! vulneráveis! aos! sinais! de!
imperfeição.!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*!Universidade!de!São!Paulo!(USP),!bolsista!de!doutorado!da!Fundação!de!Amparo!à!Pesquisa!do!
Estado!de!São!Paulo!(FAPESP).!
1! Ambas! resenhadas! por! Jorge! Uribe! em! Pessoa" Plural" –" A" Journal" of" Fernando" Pessoa" Studies,! n.º! 9,!
Primavera,!2016.!
!
Penteado Pessoa, romancista em suspenso
Sob! tais! aspectos,! a! mais! recente! seleta! preparada! por! Freitas! não! deixa! de!
nos!surpreender:!se,!somadas,!as!duas!edições!precedentes!apresentavam!cerca!de!
trinta!narrativas,!o!número!agora!se!restringe!a!nove2;!se!antes!prevaleciam!textos!
não!divulgados!até!à!data,!pouco!mais!da!metade!das!composições!ora!coligidas!já!
são!conhecidas!pelo!leitor!mais!familiarizado!com!a!obra!de!Pessoa,!a!exemplo!de!
“A!Very!Original!Dinner”!e!“A!Hora!do!Diabo”!–!tendo!sido!todas,!naturalmente,!
objeto! de! novas! leituras! ou! mesmo! organização3;! por! último,! mas! não! menos!
importante,! deveXse! ressaltar! o! fato! de! neste! momento! se! exibir! um! conjunto! de!
textos! com! dimensões! mais! largas,! dos! quais! dois! logo! saltam! à! vista,! “Marcos!
Alves”! e! “Reacção”! (este! inédito),! na! medida! em! que! representam! investidas!
(porventura! únicas)! do! autor! no! espaço! do! romance,! modalidade! literária! que! a!
certa!altura!chegou!a!qualificar!como!um!“gênero!secundário”.4!
Em!sua!sucinta!“Nota!Introdutória”,!Freitas!esclarece!tratarXse,!em!ambos!os!
casos,! de! experiências! datáveis! de! 1909! e! que! remontam,! deste! modo,! tanto! ao!
início!da!vida!criativa!de!Pessoa,!no!contexto!de!fundação!da!Empresa!Íbis,!quanto!
ao!período!final!da!monarquia!em!Portugal.!A!situação!política!conturbada!do!país!
à!época!e!o!anseio!de!nela!intervir!assumido!pelo!jovem!escritor!são!elementos!que!
a! pesquisadora! considera! decisivos! para! a! gênese! desse! par! de! romances,!
sobretudo! “Reacção”,! uma! vez! que! este! tematiza! eventos! vinculados! àquela!
conjuntura!sócioXpolítica.!Conforme!ela!argumenta,!decresce!o!impulso!criativo!do!
romancista! tão! logo! é! proclamada! a! República! no! ano! seguinte,! de! modo! que,! ao!
contrário! do! que! viria! a! suceder! com! diversos! projetos! do! autor,! em! maior! ou!
menor!grau!perpetuados!por!décadas,!tal!romance!é!definitivamente!posto!à!parte!
por!ele.!!
Nas!listas!e!projetos!recentemente!compilados!em!O"Planeamento"Editorial"de"
Fernando"Pessoa!(Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda,!2016),!abrangendo!o!intervalo!
de!1913!a!1935,!é!possível!verificar!a!pertinência!da!tese!sustentada!por!Freitas:!não!
há! nenhuma! referência! a! “Reacção”! e! apenas! duas! a! “Marcos! Alves”,! em!
documentos!datáveis!de!1914!e!1920.!Ainda!de!acordo!com!a!estudiosa,!se!os!dois!
romances! se! distinguem! entre! si! quanto! à! natureza! –! o! primeiro! é! marcado! pelo!
ímpeto! intervencionista! e! o! segundo! propõeXse! à! sondagem! interior! –,! ambos! se!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
2! São! elas:! “A! Porta! [The! Door]”;! “Um! Jantar! Muito! Original! [A! Very! Original! Dinner]”;!
“Czaresko”;!“Os!Olhos!ou!o!Teatro!Ximéra![The!eyes!or!Le!Théatre!Ximéra]”;!“Reacção”;!“Marcos!
Alves”;!“A!Tortura!pela!Escuridão”;!“O!Livro!do!Rei!Igorab”;!“A!Hora!do!Diabo”.!O!volume!inclui!
a!versão!original!em!inglês!dos!textos!assim!redigidos!por!Pessoa,!traduzidos!para!português!por!
Freitas.!
3
!RegistramXse,!na!sequência,!os!dados!referentes!à!primeira!publicação,!no!todo!ou!em!parte,!dos!
seguintes! textos:! “The! Door”! (PESSOA,! 1988;! PESSOA,! 2006);! “A! Very! Original! Dinner”! (PESSOA,!
1988);! “Czaresko”! (PESSOA,! 1986);! “Marcos! Alves”! (PESSOA,! 2006);! “A! Hora! do! Diabo”! (PESSOA,!
1997).!!
4!Em!fevereiro!do!ano!corrente,!a!organizadora!do!volume!já!havia!chamado!a!atenção!para!este!par!
de! textos,! analisandoXlhes! alguns! aspectos! em! comunicação! proferida! na! Fundação! Calouste!
Gulbenkian,!recentemente!divulgada!online;!cf.!FREITAS,!2017.!
Pessoa Plural: 12 (O./Fall 2017) 742
Penteado Pessoa, romancista em suspenso
inserem!perfeitamente!na!linha!evolutiva!da!obra!pessoana:!um!se!associa!a!textos!
de! caráter! panfletário! da! espécie! de! “Aviso! por! Causa! da! Moral”! e! “Sobre! um!
Manifesto!de!Estudantes”,!bem!como!anuncia,!em!alguma!medida,!a!personagemX
título! de! “O! Banqueiro! Anarquista”,! ao! passo! que! no! outro! ecoam! as! meditações!
existenciais!de!relatos!como!“A!Carta!da!Corcunda!ao!Serralheiro”!e!“Uma!Carta!
da! Argentina”! (esta! recolhida! em! A" estrada" do" esquecimento" e" outros" contos),! A"
Educação" do" Estoico! (no! qual! igualmente! comparece! a! temática! do! suicídio;! cf.!
Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda,!2007)!ou!mesmo!do!Livro"do"Desassossego.!
Embora! a! presente! coletânea! já! se! justificasse! por! si! mesma,! em! vista! da!
lacuna!editorial!relativa!ao!Pessoa!ficcionista,!a!interlocução!que!ela!possibilita!com!
outras!criações!do!autor!constitui,!por!certo,!um!dos!atrativos!do!volume.!No!conto!
que!ganha!destaque!no!título!da!publicação,!por!exemplo,!originalmente!redigido!
em!inglês,!exploramXse!os!tópicos!da!loucura!e!da!fluidez!entre!sonho!e!realidade,!
recorrentes! no! universo! pessoano;! o! relato! também! reverbera,! no! entanto,! textos!
evocados!com!menos!frequência:!“Uma!batalha,!um!jantar,!um!olhar,!um!beijo!—!
cada! uma! d’estas! cousas,! porque! é! uma! cousa! é! um! ente,! uma! pessoa,! de! certa!
maneira! de! carne! e! osso”,! lêXse! no! apontamento! intitulado! “Occult! or! a! Static!
Drama”! [Ocultismo! ou! um! drama! estático]! (cf.! PESSOA,! 2017:! 278X279);! já! em! “A!
Porta”,! o! narrador,! obcecado! pelo! objeto! em! questão,! sentencia:! “Profunda! e!
irracionalmente,! considerava! a! porta! uma! pessoa”.! Da! mesma! forma,! a! própria!
organização! do! volume! proporciona! diálogos! que! seriam! pouco! evidentes! em!
outro! contexto:! quando! a! figura! central! de! “A! Hora! do! Diabo”! informa! a! sua!
interlocutora! ser! chamada! de! “Reacção”! pelos! “livres! pensadores”,! é! difícil! não!
vincular!tal!passagem!ao!romance!mencionado!anteriormente.!
Dentre! os! contos! inéditos,! “Os! Olhos! ou! o! Teatro! Ximéra”! (composto! em!
inglês!por!Pessoa)!e!a!“A!Tortura!pela!Escuridão”!recuperam!a!atmosfera!de!horror!
e!de!especulação!filosófica!já!presente!nas!coletâneas!anteriores,!cabendo!destacar,!
por! esse! motivo,! “O! Livro! do! Rei! Igorab”,! o! qual! toma! a! forma! do! livro! sagrado!
redigido! pela! personagem! do! título.! Ainda! em! termos! formais,! não! é! possível!
ignorar!a!presença,!no!inacabado!romance!“Reacção”,!de!um!extenso!bloco!textual!
que! se! configura! como! autêntico! diálogo! dramático! (didascálias! inclusas),! o! que!
tanto!pode!apontar!para!a!tendência!de!Pessoa!em!desestabilizar!fronteiras!entre!os!
gêneros!literários!–!hipótese!aventada!por!Freitas!na!comunicação!já!mencionada!–,!
como! para! a! possibilidade! de! o! autor! desdobrar! o! motivo! do! texto! em! obra!
dramatúrgica!autônoma,!modalidade!igualmente!exercitada!por!ele!durante!toda!a!
vida.!
É! inequívoca,! portanto,! a! importância! desta! nova! edição! de! ficções! de!
Fernando! Pessoa.! Por! isso! mesmo,! é! oportuno! salientar! a! reincidência! de!
problemas!de!revisão!nas!versões!em!português!que!acompanham!os!originais!em!
inglês,! cujo! texto! foi! impecavelmente! estabelecido.! Se! há! casos! em! que! os! lapsos!
podem!ser!solucionados!sem!dificuldade!pelo!leitor!(como!nas!páginas!21,!27!e!31),!
há! outros! em! que! teria! sido! bemXvinda! a! revisão! por! um! profissional!
especificamente!contratado!para!tal!fim!–!incumbência!da!Assírio!&!Alvim,!e!não!
da! organizadora! do! volume,! claro! está),! a! exemplo! do! que! se! verifica! no! último!
parágrafo!da!página!59,!em!que!o!texto!traduzido!soa!truncado!em!comparação!ao!
original.! Semelhantes! deslizes,! no! entanto,! em! nada! diminuem! o! valor! deste!
volume,! que! desde! já! se! afirma! como! uma! relevante! contribuição! para! ampliar! a!
compreensão!da!obra!pessoana.!
!
Bibliografia'
!
FREITAS,! Ana! Maria! (2017).! “Matar! o! Rei! –! Reacção! ou! Revolução”,! in! Congresso" Internacional"
Fernando" Pessoa" [9,! 10,! 11! de! Fevereiro].! Anais! eletrônicos.! Lisboa:! Casa! Fernando! Pessoa,!
pp.!56X67.!Consultado!em!15!de!nov.!de!2017.!Disponível!em:!http://casafernandopessoa.cmX
lisboa.pt/fileadmin/CASA_FERNANDO_PESSOA/CFP_ACTAS_2017.pdf.!!
_____! (2016).!O"Fio"e"o"Labirinto:!a"ficção"policial"de"Fernando"Pessoa.!Lisboa:!Edições!Colibri.!
PESSOA,!Fernando!(2017).!Teatro"Estático.!Edição!de!Filipa!de!Freitas!e!Patricio!Ferrari;!colaboração!
de!Claudia!J.!Fischer.!Lisboa:!TintaXdaXchina.!
_____! (2015).! A" Estrada" do" Esquecimento" e" outros" contos.! Edição! e! tradução! de! Ana! Maria! Freitas.!
Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!
_____! (2014).!Livro"do"Desassossego.!Edição!de!Jerónimo!Pizarro.!Lisboa:!TintaXdaXchina.!
_____! (2012).!O"Mendigo"e"outros"contos.!Edição!de!Ana!Maria!Freitas.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (2008a).! Quaresma," Decifrador:" as" novelas" policiárias.! Edição! de! Ana! Maria! Freitas.! Lisboa:!
Assírio!&!Alvim.!
_____! (2008b).! A" Educação" do" Stoico.! Edição! Crítica! de! Jerónimo! Pizarro.! Lisboa:! Imprensa!
NacionalXCasa!da!Moeda.!!
_____! (2006).! Escritos" sobre" Génio" e" Loucura.! Edição! crítica! de! Jerónimo! Pizarro.! Lisboa:! Imprensa!
NacionalXCasa!da!Moeda.!
_____! (1997).!A"Hora"do"Diabo.!Edição!de!Teresa!Rita!Lopes.!Lisboa:!Assírio!&!Alvim.!!
_____! (1988).! Um" Jantar" Muito" Original" seguido" de" A" Porta.! Edição! e! tradução! de! Maria! Leonor!
Machado!de!Souza.!Lisboa:!Relógio!D’Água.!!
_____! (1986).!Obra"Poética"e"em"Prosa.!Organização!de!António!Quadros;!tradução!de!Maria!Leonor!
Machado!de!Souza.!Porto:!Lello!&!Irmão!Editores.!!
SEPÚLVEDA,!Pedro!&!URIBE,!Jorge!(2016).!O"Planeamento"Editorial"de"Fernando"Pessoa.!Colaboração!de!
Pablo!Javier!Pérez!López.!Lisboa:!Imprensa!NacionalXCasa!da!Moeda.!