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Anamnese

Semiologia
Caso clínico:

Paciente masculino, 42 anos, procura o médico com queixa de movimentos


anormais associados a queda do estado geral há 4 dias. O exame clínico reve-
lou movimentos involuntários súbitos, breves, espontâneos, irregulares e im-
previsíveis generalizados e evidenciou pensamento desorganizado e alucina-
ções visuais e auditivas. O médico, então, solicitou um exame toxicológico de
urina, que foi positivo para cocaína e benzodiazepínicos, negativo pra metanfe-
tamina. Quando indagado, o paciente confirmou ter usado crack recentemente
e interrompido tratamento com clozapina há 1 cerca de 1 mês.

O que o médico poderia ter feito durante a anamnese para que o seu atendi-
mento fosse mais eficiente?

Introdução:

A realidade da prática médica na clínica não é igual aos livros e artigos. Exames
complementares muitas vezes não estão disponíveis e/ou não são viáveis no
atendimento, seja por tempo prolongado para o resultado sair, o que pode re-
sultar em terapêutica tardia ou até mesmo não retorno do paciente para avalia-
ção; ou contra indicações relativas ao paciente.

Em cenários ideais com disponibilidade de métodos complementares, a situa-


ção do médico pode ser ainda pior se não for um profissional treinado. O pe-
dido desnecessário e descabido de exames complementares, além de gerar al-
tos custos hospitalares, onerando o paciente no setor privado e o SUS no setor
público, atrapalha o raciocínio clínico, já que nesses casos provavelmente o mé-
dico que está lendo os exames não sabe o que está procurando.

Exames complementares possuem indicações e devem ser solicitados para au-


xiliar o diagnóstico, acompanhamento ou conduta. Contudo, a assistência ao
paciente deve ser prestada mesmo em momentos em que os mesmos são invi-
áveis.

A anamnese e o exame físico são os meios utilizados para direcionar o raciocí-


nio clínico e com isso solicitar os exames nas indicações corretas e escolher a
melhor conduta com maior segurança, tendo o auxílio dos exames complemen-
tares ou não. A soberania da clínica está justamente na boa anamnese e bom
exame físico, que em diversas situações são suficientes para fechar diagnóstico
e determinar conduta.

• Semiotécnica:

A anamnese é coleta de dados sobre o paciente a partir de relatos próprios ou


de um acompanhante ciente do quadro, quando o paciente se encontra impos-
sibilitado ou na pediatria, até certa idade. É preciso relatar com quem foram co-
lhidas as informações, em alguns casos, há relatos tanto do paciente quanto do
responsável, muito comum na pediatria, sendo importante ficar claro na reda-
ção da entrevista os momentos em que o paciente falou e os momentos que o
acompanhante falou, relatando quem é esse acompanhante, principalmente
quando as informações são conflitantes.

A anamnese é dividida em:

a) identificação, na qual deve constar: nome completo, idade, data de nas-


cimento, sexo, auto declaração racial, estado civil, naturalidade, naciona-
lidade, escolaridade, religião, profissão atual e anterior, residência atual e
anterior (quanto tempo se mudou).

b) Queixa principal: o motivo da consulta, em poucas palavras, exatamente


as ditas pelo paciente, portanto relatadas entre aspas. Perguntas como
“o que te fez procurar um médico hoje?” costumam extrair essa informa-
ção sem grandes dificuldade.

c) História da doença atual: a principal parte da anamnese, a qual deve


constar as principais informações para o diagnóstico e conduta. A partir
da queixa principal, perguntamos ao paciente o detalhamento desse sin-
toma, sendo imprescindível perguntar quando iniciou, como iniciou (al-
gum fator desencadeante? Início súbito? Insidioso?), como evoluiu (pro-
gressivo? Estável? Regressivo?), intensidade, localização, irradiação, fre-
quência (constante? Em episódios? Se sim quantos? Alguma circunstân-
cia específica nos quais ocorrem?), fatores desencadeantes, agravantes e
atenuantes (incluindo medicações), sintomas associados, alguma tera-
pêutica prévia que funcionou ou falhou? (exemplo: estou com dor de
cabeça, tomei dipirona 500mg há 3h, mas não melhorou), já procurou
outro serviço/médico? Se sim quando? O que foi feito? Quadros pareci-
dos em outros momentos. É importante relatar não apenas o que o paci-
ente afirmou estar presente no quadro, mas também os sintomas que
negou ter (exemplo: nega cefaleia, vertigem e febre). Ao final da HDA
deve ser feita a revisão de sistemas, na qual pergunta-se sobre possíveis
achados que escaparam na história, aconselha-se nesse momento ter
uma ordem lógica para não esquecer qualquer sistema, sendo eles: sin-
tomas gerais, pele e fâneros, cabeça e pescoço, tórax, abdome, genituri-
nário, hemolinfopoiético, endócrino, ossos e articulações, vascular, ner-
voso e psíquico.
Além disso, recomenda-se que ao fim da HDA, a história que foi anotada
seja repassada ao paciente, a fim de confirmar que a comunicação foi
bem estabelecida e que as informações colhidas são compatíveis com o
que o paciente sentiu de fato. Vale também, após esse momento, uma
pergunta que confirme que tudo de importante foi dito, como “tem al-
guma outra informação que o senhor queira me dizer?”

d) História patológica pregressa: doenças crônicas que o paciente possua


(exemplo: diabetes mellitus), quando foi diagnosticado e como controla,
doenças comuns da infância, cirurgias prévias, alergias, internações e
traumas graves prévios e medicamentos que utiliza habitualmente e
como é o uso

e) História fisiológica: como foi o parto que nasceu (cesárea ou normal),


como foi o desenvolvimento psicomotor, o crescimento, história de imu-
nizações (relatar se apresentou caderneta), pubarca, sexarca, meno-
pausa, número de gestações e abortos em caso de mulheres.

f) História social: condições de moradia (quantidade de cômodos na casa,


quantas pessoas residem, saneamento básico, material da construção,
apartamento ou casa, água encanada e presença de animais em casa ou
no peridomicílio), alimentação (quantitativa e qualitativa), tabagismo,
etilismo, uso de outros drogas, prática de atividade física (o que faz,
quantas vezes na semana, por quanto tempo ao dia e qual intensidade),
hobbies e hábitos sexuais.

g) História familiar: doenças crônicas presentes na família, relatando quais


são e qual o grau de parentesco da pessoa acometida, se parentes de
primeiro grau (pais, filhos e irmãos) estão vivos, quantos filhos ou irmãos
possui, se não estão vivos, como faleceram e qual a idade, algum pa-
rente atualmente doente e pesquisar doenças que podem apresentar ca-
racterísticas hereditárias como neoplasias e doenças auto imunes.

A escrita da anamnese deve ser coerente, clara e seguir ordem cronológica na


HDA. Em caso de dúvidas na denominação de sintomas (uso de termos técni-
cos como eritema, vertigem e cefaleia), descreva. É melhor uma anamnese sem
termos técnicos e que não cause dúvidas do que uma escrita que gere uma in-
terpretação distinta da realidade por confusão na hora de denominar um
achado.

Informações duvidosas ou que não ficaram muito esclarecidas podem ser


acompanhadas de um “(sic)”. Um dado interessante é de que muitas vezes, en-
tende-se que o “(sic)” significa “segundo informações colhidas”. Porém essa in-
formação é equivocada, visto que este mesmo termo é utilizado em diversas
outras línguas inclusive em latim. Originalmente este termo significa “por mais
estranho que pareça ser”.

Para uma boa anamnese ser feita, é preciso uma boa postura do entrevistador,
deixando o paciente o mais confortável possível para que não omita ou altere
informações acerca de sua história clínica. O ideal é um ambiente privativo, em
que estejam presentes apenas as pessoas que precisam estar ali. Quanto a
postura do médico, espera-se um olhar no mesmo nível do paciente, simpatia,
cordialidade, empatia e atenção. O médico não deve em qualquer momento
desrespeitar o paciente; não deve externar julgamentos quanto à ética/moral do
paciente, ou expressar surpresa/preocupação excessiva com os sintomas rela-
tados; deve ser claro em suas perguntas e evitar ao máximo induzir respostas,
perguntando da forma mais imparcial possível (exemplo: “não teve febre não,
né?” x “teve febre?” x “tem certeza que não teve febre? Em nenhum mo-
mento?”); manter o tom de voz habitual, com fala calma e linguagem adequada;
não demonstrar pressa no atendimento; não interromper o paciente enquanto o
mesmo fala sobre seu quadro; não “engessar” a entrevista, se durante as per-
guntas da HDA surgir uma informação pertinente à HPP, não há necessidade
de interromper o paciente e retomar essas perguntas depois, pode ser opor-
tuno para colher outras informações relacionadas à HPP e depois retomar a
HDA, é importante que seja fluida e espontânea a fim de conquistar a confiança
do paciente e deixá-lo mais tranquilo; e não deve ser desvalorizada nenhuma
informação colhida.

• Achados e correlação clínica:

A anamnese nos dará os achados clínicos necessários para orientar indicações


de exames complementares quando necessários e condutas imediatas. A partir
dos sinais e sintomas é possível fechar diagnósticos sindrômicos, topográficos
e em alguns momentos até mesmo diagnósticos clínicos e etiológicos. Deve-se
estar atento se o quadro é agudo ou crônico, tentar localizar o sistema atingido
ou o foco primário quando possível e a partir disso guiar o exame físico e o raci-
ocínio clínico, utilizando do arsenal disponível para confirmar e/ou descartar hi-
póteses, a fim de assumir a conduta mais adequada ao paciente.

• Desfecho do caso clínico:

No caso em questão, o médico solicitou o toxicológico antes de perguntar ao


paciente se esse fazia uso de drogas ou medicação. A confirmação posterior do
paciente demonstra que o exame não era essencial para essa descoberta. A
equipe achou nos arquivos que o paciente já havia tido outros 2 quadros seme-
lhantes e seu histórico de interrupções do tratamento da esquizofrenia. Infor-
mações que poderiam ter sido obtidas mais rapidamente com algumas pergun-
tas durante a anamnese, poupando trabalho e agilizando a conduta mais cor-
reta e adequada.

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