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TRÊS LORDES E UM AMOR

A Lord For Miss Larkins

Carola Dunn

O sonho de Alison, de casar-se com um lorde, ia se realizar. Já havia sido


apresentada à nobreza e três jovens de sangue azul a cortejavam. Então, por que a
perturbadora sensação quando fitava os olhos castanhos de Philip Trevelyan, que era um
simples cavalheiro? Por que sofrera ao descobrir que ele amava a elegante lady Emma?
Alison aprendia que a vida não é feita só de sonhos e risos, mas também de algo
chamado amor, que é maravilhoso e às vezes faz chorar!

Digitalização e correção: Nina


Revisão: Amanda
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Título: Três lordes e um amor

Autor: Carola Dunn

Título original: A lord for miss Larkins

Dados da Edição: Editora Nova Cultural 1992

Publicação original: 1991

Gênero: Romance histórico

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

CAPÍTULO I

Com um suspiro de satisfação, Alison fechou o último romance publicado pela sra.
Kitty Cuthbertson. Encolhida no canto do sofá, que já mostrava sinais evidentes dos anos
de uso, ela deixou que sua imaginação vagasse por entre castelos de mármore e
corredores sinistros de mosteiros sombrios. Que romântico deveria ser ter um jovem
lorde, bonito e elegante, caindo a seus pés! Ou melhor, dizia-lhe o senso prático, um lorde
ajoelhando-se a seus pés, em adoração pela amada.
Do lado de fora da janela, grossos pingos de chuva caíam do céu acinzentado. Na
lareira, o tênue crepitar das chamas deu um suspiro final e transformou-se em brasas
incandescentes. Alison levantou-se de seu refúgio sobre o velho sofá, colocou o precioso
livro sobre uma mesinha e, num movimento gracioso, apanhou o espanador de penas que
a aguardava.
O enorme cachorro negro espreguiçou-se sobre o tapete roto e ergueu a cabeça
maciça para observar a agilidade com que ela movia aquele pássaro engraçado e sem
vida sobre as estantes e poltronas. Não contente com isso, ela esfregou o pobrezinho
sobre um quadro de Dresden. Os humanos eram mesmo muito estranhos. O melhor era
esquecê-los. Assim, o cão imponente caminhou para a larga janela e inclinou-se, para
olhar a chuva que já caía mais suave.
O que o animal não poderia imaginar é que naquele exato momento, na mente
fantasiosa de Alison, ela era uma bondosa fada madrinha que transformava em ouro
todos os objetos que tocava com o espanador, ou melhor, com a varinha de condão. Sua
tarefa era dar à jovem Alison Larkin um bonito traje para ir ao baile e conhecer o príncipe
encantado com quem seria feliz para sempre. Bem, talvez um príncipe seria pedir demais.
Embora os romances da sra. Meeke afirmassem que os nobres da Inglaterra não
possuíam mais fortunas fabulosas, eles ainda tinham prestígio. Pensando melhor, Alison
decidiu que se contentaria com um conde ou até mesmo um barão.
Espanou mais uma vez o retrato que repousava sobre a lareira e suspirou. Olhando
para a moça que sorria na moldura dourada, quase podia reconhecer seus próprios
cabelos negros, ligeiramente encaracolados, o rosto oval e suave, onde sobressaíam os
brilhantes olhos azuis.
Quando este retrato foi feito, mamãe tinha dezenove anos, minha idade atual,
pensou ela, e papai também não devia ser muito mais velho.
Não se recordava dos pais e algumas vezes ficava triste, contudo, não permitia que
isto apagasse seus arroubos e anseios juvenis: a vida estava ali para ser vivida.
— Midnight! — exclamou ela, ao ver que o animal encostava o focinho na janela. —
Pare de se esfregar aí. Acabei de limpar os vidros. — Puxou o enorme cachorro negro e
passou o avental na marca que ficara na vidraça. — Bem, parece que a chuva está
parando. Vou levá-lo para um passeio, mas terá que esperar até que lá fora seque um
pouco.
Um som ininteligível foi emitido por Midnight, porém Alison compreendeu que ele
concordava. Antes de levá-lo para o passeio prometido, ela olhou mais uma vez para
certificar-se de que o livro com encadernação luxuosa estava devidamente guardado.
Letty nunca lhe emprestaria outro romance se alguma coisa acontecesse com aquele.
Cautelosa, abriu a porta da sala de visitas e chamou Midnight para segui-la. Mal a
havia fechado atrás de si, três pequeninos terriers surgiram saltitantes à sua frente.

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— Fechou a porta da sala de visitas, Alison? — a voz surgiu inesperadamente,


emitida por uma figura alta, vestida com obscuro traje cinza e uma touca branca de
algodão. — Desça daí, Goose — ralhou ela com um dos cãezinhos.
— É bom que ele desça mesmo, tia Di. Não tenho intenção de passar o resto do dia
limpando pelo de cachorros dos móveis.
— Eu ia ver se Cleo tem um pouco de chá pronto — disse a senhora. — Estou muito
aborrecida, minha última pena quebrou quando eu estava quase terminando de fazer as
contas.
— Vou levar Midnight para um passeio e se a senhora desejar posso lhe comprar
algumas — ofereceu-se Alison, enquanto caminhava, seguida pela tia e pelos animais.
— Nos dias de hoje as penas estão pela hora da morte. Mas o que vou fazer? Não
posso passar sem elas. Por favor, minha querida, compre-me uma dúzia.
Ouviu-se uma batida na porta e Alison atendeu. Um rapazote, vestido de andrajos,
estava parado à soleira e trazia um pequeno pacote.
— Encomenda para os Larkin — anunciou ele.
— Somos nós. Obrigada. Espere um momento que vou ver se consigo um
trocadinho para você.
Num gesto rápido o garoto escondeu o pacote às costas: — Seis pence seriam
muito melhores, senhorita. Caminhei da cidade até aqui, estava chovendo e...
Antes que ele concluísse a sentença, um pirralho que estivera assistindo à cena, do
outro lado da Ormond Street, surrupiou o pacote de suas mãos e entregou-o para Alison,
com um sorriso no rostinho encardido. Disse, orgulhoso: — Percebi que a senhorita tinha
um problema e quis ajudar.
Alison sorriu para o garoto: — Obrigada, Tarry Joe. Vá até a cozinha e diga à tia
Cleo para lhe dar um pêni por ter me ajudado a economizar cinco!
O garoto assentiu e correu para dentro da casa.
O mensageiro, que ainda estava à porta, suspirou, enfiou as mãos nos bolsos vazios
e saiu assobiando, com ar indolente.
Alison fechou a pesada porta de carvalho e fitou o pacote.
Vinha da Índia e fora trazido por um certo capitão Barlow. Com um gritinho
entusiasmado, ergueu a saia do vestido azul-real e correu para a cozinha.
— Tia Di, chegou um pacote de tia Zenóbia! — anunciou.
Os terriers interpretaram seu entusiasmo como uma brincadeira e correram,
saltando junto de seus pés.
— Sinto muito, amiguinhos! — riu a jovem — mas a brincadeira terá de ficar para
depois. Saiam!
Os cachorros obedeceram com um olhar de reprovação que provocou uma
gargalhada. Depois, driblando os animais, fez com que saíssem, fechou a porta da
cozinha e fitou as três tias que estavam à mesa, cada qual com sua xícara de chá.
Tia Cleo, roliça e corada, serviu chá para Alison.
— Quem estava à porta, querida? — perguntou.
— Um mensageiro com um pacote de tia Zenóbia — respondeu ela, colocou-o em
frente de tia Polly e sentou-se.
Como a mais velha das irmãs, Polly Larkin era quem merecia o direito de abrir a
encomenda. Era uma mulher de olhar indefinido, com alguns fios de cabelos grisalhos
escapando da touca branca. Ela pegou o pacote com uma expressão nervosa e disse,
como as outras esperavam: — Di, pode abrir e ler para nós?
Tia Di colocou o óculos que trazia pendurado no pescoço e preparou-se para a
importante missão que lhe fora confiada.

Já fazia dois anos que haviam recebido a última notícia de tia Zenóbia Winkle. E
todas se recordavam, pois com o dinheiro conseguido pela venda das echarpes de seda

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que ela enviara, tinham comprado carvão para todo o inverno.


Sussurros ecoaram pela cozinha quando quatro pares de brincos de ouro emergiram
do pequeno pacote.
— Vou comprar um ganso! — exclamou tia Cleo. — Quis tanto comprar um para o
Natal, mas antes tarde do que nunca!
Alison deu um suspiro pôde ser ouvido pelas demais mulheres. Era pena que as
joias tivessem de ser vendidas, mas não podiam dar-se ao luxo de mantê-las.
— Eles são um pouco chamativos — falou tia Di. — Acha que alguém vai comprá-
los?
— Claro. Há mulheres que gostam de ser notadas.
Alison estava prestes a pedir à tia Di e tia Cleo que lhe dissessem que mulheres
eram essas, quando ouviu-se a voz tímida de tia Polly: — Só o ouro que eles contêm,
dará um bom dinheiro.
— Tem razão, Polly — exclamou tia Cleo, batendo palmas. — Ousaria dizer que
renderá o suficiente para comprarmos um vestido novo para cada uma.
Vestidos de seda, farfalhantes, e capas de lã, de veludo, macias, dançaram na
imaginação de Alison.
— O que diz a carta, tia Di? — perguntou, curiosa.
A tia desdobrou o papel que acompanhava os brincos, com um ligeiro tremor das
mãos envelhecidas.
— Pelos céus! — gemeu, ao ler. — O sr. Winkle foi para o descanso eterno e
Zenóbia está voltando para casa. Quando ela escreveu esta carta, disse que pretendia
chegar no final de janeiro, portanto, pode aparecer a qualquer momento!
— Bem — disse tia Cleo — não temos tempo a perder. Já passou da hora de
começar a fazer minha torta de carne. Alison, ajude-me a preparar a mesa para abrir a
massa.
A jovem obedeceu, tirando tudo que havia sobre a mesa, enquanto tia Polly deixava
a cozinha. Tia Di pegou as joias e embrulhou-as novamente.
— Quer que as leve ao joalheiro? — indagou Alison. — Tinha mesmo prometido
levar Midnight para um passeio.
— Por favor, querida. Mas desta vez terá que ser um dos joalheiros elegantes da
Oxford Street. Vista sua melhor roupa e, por favor, não deixe Midnight entrar na loja.
Alison obedeceu e pouco depois caminhava para a cidade, em companhia do
cachorro.
Não havia como negar, a chegada de tia Zenóbia iria mudar a vida delas, se não
pelo dinheiro que possuía, ao menos pela presença diferente que teriam em casa.
Muitos preparativos precisavam ser feitos para receber a nova moradora.
Necessitariam contratar mais alguém para ajudar e nisso já iria um pouco do dinheiro dos
brincos.
Quando saiu da joalheria elegante levava uma quantia que a seus olhos era uma
verdadeira fortuna. Ficou feliz por ter levado Midnight para escoltá-la. Ele não era um
animal agressivo, mas seu porte desencorajaria qualquer batedor de carteiras. Estava tão
imersa em seus pensamentos que levou um grande susto quando, ao virar a Tottenham
Court, deparou com um garoto esfarrapado. Depois, suspirou aliviada ao reconhecê-lo e
perguntou: — Olá, Squeak. Já vendeu todas as flores?
— Sim, senhorita — respondeu ele, com voz estridente. — O jardim de dona Polly
não produz muito nesta parte do ano. Sabe, tem a neve, o frio. As empadinhas de dona
Cleo são muito mais compradas. As pessoas apreciam uma empada quentinha quando o
tempo está frio e chuvoso como hoje.
Alison assentiu, sorrindo, e continuou seu caminho.
Os dias que se seguiram foram de muito trabalho para as Larkin. A cortina precisava
de remendos, os tapetes, de consertos, e as tias se esforçavam, buscando tornar a casa

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mais agradável para a irmã que estava por chegar.


Um dia, soou a campainha e Alison correu para atender.
Na rua, uma carruagem elegante chamava a atenção dos transeuntes. A porta se
abriu e um imponente cavalheiro desceu, estendendo a mão para uma exuberante figura
feminina que olhou ao redor, com ar ansioso, ao sair.
Logo vários ajudantes começaram a descarregar uma infindável bagagem e o
cavalheiro conduziu a senhora até Alison.
— Você deve ser Alison — arriscou tia Zenóbia Winkle.
— Sim, madame — respondeu Alison, como fora instruída.
A viúva do mercador indiano entrou na casa e envolveu a sobrinha num abraço
caloroso.
As três irmãs se aproximaram e a emoção inundou o ambiente.
Aproveitando-se da distração das tias, Alison voltou para a porta e viu que Tarry Joe
e Squeak estavam ajudando a carregar as dezenas de caixas e pacotes que compunham
a bagagem da recém-chegada. Mostrou a eles onde colocar as coisas e voltou para junto
das comovidas senhoras.
Tia Zenóbia apresentou o cavalheiro que a acompanhava: — O sr. Osborne era
sócio do meu pobre Winkle — explicou.
Alison fitou-o, curiosa. Alto, magro, era uma figura quase etérea, e a ser um homem
bonito, com a pele morena e olhos muito negros. Animou-se quando ouviu-o prometer que
voltaria para ver como estaria se dando a sra. Winkle. Acompanhou-o até a porta e
quando o sr. Osborne ergueu o chapéu em uma saudação, ficou decepcionada. Assim
que ele se afastou, suspirou tristemente. Pudera vê-lo melhor à luz do dia e sem o
chapéu: o cavalheiro era um homem de muita idade para ela, seus cabelos já começavam
a exibir uma aura prateada.
Ao voltar, encontrou as tias na sala de visitas e viu que tia Zenóbia olhava
desanimada para os móveis velhos.
— Pelos céus, isto está uma catástrofe! — exclamou ela.
Percebendo que tia Di ia retrucar, Alison interferiu: — Fez uma boa viagem, tia
Zenóbia?
— Nem tanto, criança. Foi muito longa, cansativa, e eu não podia exigir que o pobre
sr, Osborne fizesse o papel de dama de companhia. A minha acompanhante, a sra.
Bowditch, sofre muito com viagens e tive de permitir que ficasse lá. Ela é viúva de um
coronel e...
Ouvindo a história da sra. Bowditch, Alison pensou no sr. Osborne. Talvez a vida
num país tropical lhe houvesse causado envelhecimento precoce. De repente, percebeu
que tia Di falava com ela e empertigou-se toda.
— Alison, por favor mostre o quarto para Zenóbia.
A jovem obedeceu e levou a tia para cima. Sentou-se na cama e ficou observando a
aia, que ela trouxera, ajudá-la.
— Conhece o sr. Osborne há muito tempo, tia? — perguntou, criando coragem.
— Acho que há uns vinte anos. Ele foi trabalhar com meu marido com apenas
dezessete e tornou-se um homem de negócios. Quando decidi voltar à Inglaterra, disse a
ele que deveria vir comigo, arrumar uma esposa e constituir família.
Alison não ouviu o resto, pois estava concentrada em sua aritmética mental.
Dezessete mais vinte.
— O jantar está servido — anunciou tia Di, entreabrindo a porta do quarto.
No momento em que tia Zenóbia olhou os pedaços de carne, do dia anterior teve
outra reação de desgosto.

— Não sabia que você viria hoje — declarou tia Cleo, na defensiva. — Vou ver se
consigo um ganso para amanhã.

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— Está delicioso, titia! — tentou apaziguar Alison.


— Minhas queridas eu nunca sonhei que estavam vivendo em tais condições! —
lamentou tia Zenóbia.
Não sei o que está querendo insinuar, mas devo lhe dizer que fazemos o que nos é
possível — replicou tia Di. — Polly planta flores para vender e Cleo faz tortas, empadas e
biscoitos para fora. Eu mesma crio terriers e tenho tido algum sucesso com a venda
deles. Você sabe, a pensão que Hector deixou para Alison não foi muito grande.
— Bem, como nosso irmão estava vivo quando me casei, não imaginei que as
coisas chegariam a este ponto. Mas Winkle me deixou um bom dinheiro e vou ajeitar tudo
por aqui.
— Alison precisa de vestidos novos — falou Cleo, animada.
— Tia Polly precisa de lareira em seu quarto, o reumatismo dela está ruim — foi a
vez de Alison reivindicar.
— Minhas queridas, podem ficar tranquilas que haverá lareira em todos os cômodos
e muito mais — afirmou Zenóbia, sorrindo. — E quanto a Alison, acho que está na hora
de apresentá-la à sociedade.
Quatro pares de olhos fitaram a recém-chegada com espanto. Foi Di quem primeiro
retomou a presença de espírito: — Tenho certeza de que ela o merece, mas não temos
relações com ninguém da alta sociedade.
Alison não se deixou desencorajar por tal comentário e já se imaginava toda faceira
em sedas farfalhantes, joias reluzentes, num maravilhoso baile na corte.
— Vou contratar uma dama de companhia para Alison e ela deverá ter
conhecimentos nos melhores círculos sociais da cidade. Quando se tem tanto dinheiro
quanto eu — declarou Zenóbia — nada é impossível. Alison terá a melhor apresentação
que esta cidade já viu.

CAPÍTULO II

— Não posso aceitar sua recusa! — declarou Philip Trevelyan. — Tinha esperanças
de que se casasse comigo.
Lady Emma Grant olhou com carinho para o rosto sério do homem bonito que se
encontrava à sua frente.
— Não, Philip. Você é jovem demais, só tem vinte e nove anos, e ainda pode se
apaixonar por alguém.
— Duvido muito que isso venha a acontecer. Você é a única mulher que conheço
que não me aborrece.
— Esse não é motivo suficiente para alguém se casar. Gosto de trabalhar como
dama de companhia de mocinhas. É ocupação bastante respeitável para uma viúva e me
permite ir a bailes e festas sem ter qualquer despesa.
— Mas tinha de ser com alguém da Ormond Street? Nenhum cidadão de classe
mora naquela parte da cidade. Pelo menos, suas protegidas anteriores eram de boas
famílias.
— Não preciso aceitar a srta. Larkin, se não simpatizar com ela — comentou a
dama, com tranquilidade. — A sra. Winkle mencionou que ela tem algum parentesco com
a nobreza.

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O cavalheiro fez ar de pouco caso, declarando: — Pior ainda. Isto deve significar
que houve uma relação promíscua na família dela. Como é o nome da tia?
— Zenóbia Winkle. Já ouviu falar? Pelo que soube, é viúva de um rico mercador que
vivia na Índia. Para ser franca, devo confessar que estou curiosíssima por conhecê-la,
embora ainda não saiba se aceitarei ou não a sobrinha.
O sr. Trevelyan fez a pequena carruagem entrar na Southampton Avenue e logo
depois tornou a dobrar à direita, entrando num beco bastante movimentado. Ele parecia
zangado quando, depois de perguntar a um garoto qual a melhor maneira de chegar lá,
afinal alcançou a Ormond Street.
— Lugar horrível! — exclamou, sem se conter.
Crianças maltrapilhas brincavam na rua e algumas mulheres vociferavam palavras
pouco convenientes para damas. Lady Emma estava quase desistindo quando avistaram
o número que a sra. Winkle havia lhe dado. Para seu alívio, a residência das Larkin ficava
na parte da Ormond Street onde as moradias eram bem melhores do que na parte inferior
da rua. A casa pareceu-lhe razoável e era até mesmo maior do que a dela, na Park
Street, em Mayfair.
O sr. Philip parou em frente ao número quarenta e oito e um moleque de rua logo
ofereceu-se para cuidar dos cavalos; tocou a campainha e a porta foi aberta por uma
criada vestida com uniforme imaculadamente limpo. O hall atrás dela parecia bastante
apresentável, sem qualquer sinal de pó.
A dama não esperou por ajuda para descer da carruagem e, quando juntou-se ao
amigo, declarou: — Parece-me um local bastante respeitável.
— Prefiro responder a isto daqui a meia hora, quando então tivermos uma visão do
conjunto.

Ela sorriu e todo o encanto dos traços suaves de seu rosto revelaram-se naquele
momento. A criada pediu que a acompanhasse e o cavalheiro voltou para a carruagem.
A sala para onde foi conduzida tinha móveis gastos e antigos. Entretanto, ela mal
teve tempo de observar os detalhes, pois encontrou-se como o centro da atenção de seis
pares de olhos.
Sua curiosidade foi atraída pela figura de uma senhora com um vestido de seda
amarela, bordado de lantejoulas prateadas. Enquanto ela tentava levantar-se, um forte
perfume oriental espalhou-se no ar.
Um cavalheiro elegante, que estava ao lado da lareira, ergueu as mãos para evitar
que a senhora levantasse.
— Eu diria que lady Emma não se ofenderá se continuar sentada, sra. Winkle. —
Concluindo a frase, o desconhecido deu um passo à frente. — Permita-me apresentar-
me, madame. Sou Ralph Osborne, um amigo do falecido Aloysius Winkle.
Curvando-se com elegância, ele apresentou os demais, enquanto lady Emma
apreciava a beleza um tanto mística do cavalheiro quase não prestando atenção no que
dizia, até que ele apresentou a srta. Alison Larkin.
A jovem que a observava com olhar límpido e direto era muito graciosa. Tinha
grandes olhos azuis sobressaindo no rosto de contorno delicado. A pele aveludada criava
um bonito contraste com os cabelos negros. Nem o simples traje azul que vestia ofuscava
a delicadeza de sua figura.
— Como tem passado, milady? — indagou ela, com voz modulada.
A lady suspirou, satisfeita. Não havia qualquer sinal de vulgaridade naquele timbre
agradável de voz.
A sra. Winkle aguardou com evidente impaciência que a criada, que acabara de
entrar na sala, deixasse o chá e Alison serviu-o, assim que ela se retirou. Em seus gestos
não havia qualquer pretensão de elegância e lady Emma concluiu que era melhor que
fosse assim.

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— Delicioso — murmurou, ao experimentar o saboroso biscoito que lhe fora servido.


— Meus cumprimentos à sua cozinheira.
Para seu horror, a visitante notou que as faces, naturalmente coradas, da srta. Cleo
Larkin ficaram rubras.
— Tia Cleo fez os biscoitos, madame — Alison disse, confirmando suas suspeitas.
— É excelente cozinheira.
Talvez Philip estivesse certo e ela não devesse sequer considerar a possibilidade de
ser acompanhante da moça, pensou e teve medo que tal pensamento houvesse
transparecido em sua expressão, pois a sra. Winkle disse: — Só retornei da Índia há uma
semana, milady. Portanto, ainda não tive tempo de colocar as coisa nos eixos. Mas tenho
certeza de que a senhora saberá como ensinar Alison a se comportar de maneira
adequada. Ousaria dizer que ela aprenderá rapidamente. Seu avô era um visconde e,
sem dúvida, o sangue deve ter deixado alguma herança.
Alison engoliu em seco. Um visconde! As tias nunca haviam lhe falado sobre a
família de sua mãe e ela acabara presumindo que os parentes maternos eram da mesma
classe social que os paternos.
A reação da elegante senhora não foi de tanta surpresa quanto a dela própria. Mas
lady Emma indagou, cautelosa: — Um visconde?
— Sim. E devo dizer-lhe que não existiu nenhuma ligação desonesta por parte de
qualquer membro da família. A mãe de Alison era filha de lorde Deverill de Ballycarrick,
mas ele a deserdou quando ela se casou com meu irmão.
— Ah, percebo. Um título irlandês, não?
A euforia de Alison se esvaiu.
— Um título irlandês não é legítimo? — indagou ela, séria.

Lady Emma sorriu com doçura: — Claro que é, minha querida. Perfeitamente
legítimo.
— Então, por favor, madame. Vai me levar para morar com a senhora e me ensinar
como devo comportar-me?
— Bem, se sua tia aprovar minhas qualificações.
Alison fitou tia Zenóbia, com grande ansiedade.
— Eu diria que é a pessoa perfeita para o cargo, milady. E não precisa se
preocupar, que não meterei o nariz onde não for chamada. Só conversaremos sobre seu
salário e as demais decisões serão tomadas pela senhora, sem qualquer consulta.
Quanto a você, Alison, pode ficar tranquila: o problema de dinheiro fica por minha conta.
Não é bom que uma garota de sua idade se preocupe com tais coisas. Ah, milady,
importa-se caso o sr. Osborne ficar conosco enquanto conversamos sobre negócios? É
ele quem toma conta de minhas finanças, desde que o pobre sr. Winkle faleceu. As três
irmãs entenderam a insinuação e saíram, com Alison.
— Você gostou de lady Emma, não, querida? — indagou tia Di, quando estavam no
corredor. — Sim, porque não deixaremos que vá, caso não queira ir, não importa o que
Zenóbia diga.
— Desde criança Zenóbia já gostava de controlar nossas vidas — queixou-se tia
Cleo, aborrecida com as instruções que a recém-chegada a vinha obrigando a seguir.
Tia Polly apoiou a, com vigoroso aceno de cabeça. Alison abraçou e beijou as tias,
assegurando: — Não precisam se preocupar, gostei de lady Emma. Ela é tão elegante e
graciosa! Estou certa que a melhor coisa que tenho a fazer é seguir seus conselhos e
tentar ser como ela.
Satisfeitas, as tias voltaram para seus afazeres.
A jovem ia subir quando ouviu fortes batidas na porta. Já se encaminhava para
atender quando recordou-se que agora tinham uma criada e que uma das funções dela
era essa.

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Enquanto continuava indecisa sobre se devia ou não atender à porta, os três terriers
de tia Di surgiram, começando a saltar em torno da barra de seu vestido. Provavelmente,
Bess, a criada, esquecera-se de prendê-los.
Ela sentiu-se atordoada: a pessoa à porta batia com mais impaciência e os cães
deveriam ser presos antes que se atendesse o visitante inesperado, que parecia ter
pressa. Midnight apareceu e ficou a observar a hesitação da dona.
Finalmente ela decidiu-se e ordenou: — Sente-se, Drop! Sentem-se, Flake e Goose!
Quando obedeceram, abriu a enorme porta de carvalho.
O cavalheiro parado à sua frente lançou-lhe um olhar frio e avaliador. Ele era de
estatura bem acima da média, muito elegante e bem vestido, com um casaco de uma
sobrecapa. Seu rosto era bem feito, mas nada tinha de extraordinário, a não ser a
determinação evidente na linha quadrada do maxilar.
Alison não pôde deixar de perceber a expressão de enfado dos olhos castanhos.
— Sou o acompanhante de lady Emma — anunciou ele. — Meu nome é Philip
Trevelyan. Anuncie-me à sua patroa, menina.
— Sou Alison Larkin — corrigiu-o a moça.
Os terriers decidiram que ela estava dando-lhes permissão para sair do castigo e
avançaram em direção ao jovem cavalheiro. Dois deles farejavam as botas reluzentes,
enquanto Flake apoiava as duas patinhas dianteiras nos joelhos do sr. Trevelyan e fitava-
lhe o rosto.
— Fora! — ordenaram Alison e o senhor, ao mesmo tempo.
Flake obedeceu, contudo, as marcas de suas patas sujas de lama ficaram no tecido
caro da calça cinzenta.
Um suspiro aborrecido escapou dos lábios dele e Alison não conseguiu esconder um
sorriso divertido.
Antes que ela pudesse desculpar-se, foi a vez de Midnight fazer sua investida,
fazendo-o quase cair e a expressão do sr. Trevelyan tornou-se perigosa.
— Os animais são imprevisíveis, senhor — disse Alison, não ousando sequer
desculpar-se. — Não gostaria de entrar? Acredito que lady Emma logo estará pronta para
partir.
— Espero que sim. Não gostaria de deixar meus animais na rua por muito tempo.
— Quem está tomando conta deles? — Alison olhou para fora. — Que cavalos
maravilhosos! Sempre achei os alazões mais bonitos. Ah, é Bubble quem está cuidando
deles. Pode confiar — afirmou ela. — Bubble, cuide bem desses animais! — bradou, sem
perceber o olhar consternado do cavalheiro.
— Pode deixar que cuido bem, senhorita — gritou o garoto, exibindo um sorriso
banguela.
Só então ela notou que o sr. Trevelyan a fitava atónito. Sabia que não era de bom
tom gritar em meio da rua, mas estava tentando fazer com que os cavalos dele fossem
bem tratados. Será que precisava parecer tão reprovador?
Repetiu o convite para o acompanhante de lady Emma entrar, só que com menos
entusiasmo. Por alguma razão que lhe era desconhecida, a presença dele fazia o
vestíbulo parecer ainda mais despojado do que sempre fora.
— Informarei lady Emma de que está aqui, senhor — disse, esperando ter sido
bastante formal. Então, um pensamento aterrador lhe ocorreu: — O senhor não é um
lorde, é?
— Não, srta. Larkin, não sou um lorde.
— Ainda bem — suspirou ela, enquanto caminhava para a sala onde tia Zenóbia
conversava com a senhora elegante.
Imaginou que teria sido uma catástrofe se o primeiro lorde que conhecesse fosse tão
antipático quanto o sr. Trevelyan. Abriu a porta devagar e disse: — Com licença, tia
Zenóbia. Um cavalheiro procura lady Emma. Philip está me chamando? — indagou a

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dama, levantando-se.
— Estamos de acordo, então, sra. Winkle. Seu advogado providenciará a papelada
e Alison irá para minha casa, na segunda-feira. Obrigada por sua ajuda, sr. Osborne.
Ralph Osborne também se levantara e beijava a mão da dama com tal gentileza que
Alison ficou encantada ao vê-lo dominar com tanta classe a arte da etiqueta. Ele as havia
visitado umas três vezes na semana passada, mas ela não notara qualquer sinal de tais
hábitos requintados, galantes, e começara a vê-lo como um tio querido.
Assim que lady Emma, seu acompanhante e o sr. Osborne haviam saído, tia
Zenóbia chamou Alison.
— Vou para casa de lady Emma na segunda-feira? — quis saber a jovem.
— Sim, querida, quanto antes melhor. A temporada já está começando e ainda é
preciso comprar vestidos de noite para você ir às festas. Todas as despesas serão
enviadas para mim, meu bem, por isto não se preocupe. Posso perfeitamente arcar com
esses gastos e quero que poupe sua cabecinha linda. Você terá duas libras por semana
para seu uso.
— Duas libras? Tenho certeza de que não precisarei de tanto dinheiro, tia Zenóbia.
— Vai ter como usá-lo, querida. Deve se acostumar, pois tudo que tenho será seu
um dia e, então, você será muito rica.
— Oh, tia!
— Bem, enquanto isto não acontece, eu disse à lady Emma que separarei uma
quantia como seu dote. Não quero que tenha pressa de encontrar marido: sempre haverá
Ralph.
— O sr. Osborne?
— Claro. Não lhe disse que ele veio à Inglaterra em busca de uma noiva e de uma
vida tranquila? Ele ficaria muito feliz em desposar minha querida sobrinha.
— Eu? Mas ele já está na meia-idade!
— Nem tanto, criança. Não tem mais que trinta e sete anos. Não quero forçá-la a
nada, mas ele é um homem muito rico, importante e bondoso. Deve considerar esta
possibilidade de casamento com cuidado, meu bem.
— Sei que é muito gentil da parte do sr. Osborne, mas ele não é nem mesmo um sir!
Gostaria de me casar com um lorde.
— Um lorde? Está voando muito alto, minha cara. Será melhor que se case com
alguém de sua própria condição. Digo isto, pois vimos a experiência de seu pai e sua
mãe. Você anda lendo muitos romances. Bem, vou deixar que tome suas próprias
decisões, porém tenho certeza que irá perceber que Ralph Osborne é um grande partido.
Por mais que tentasse, Alison não conseguia associar a figura gentil do sr. Osborne
com a imagem heroica do príncipe que aparecia em seus sonhos. Não que ele não fosse
atraente, era até mais que isto, porém faltava alguma coisa para que se tornasse o nobre
possuidor de seu coração.
Lembrou-se do sr. Philip Trevelyan. Sua opinião sobre ele decairá mais ao ouvi-lo
dizer a lady Emma, enquanto saíam: — Claro que não pretende levar este negócio
adiante, não é?
— Pretendo sim — respondera lady Emma. — Achei a moça bonita e delicada.
Precisa de algumas lições de boas maneiras e se transformará numa beleza de encanto e
suavidade raros.
— Não do jeito a que estamos acostumados, não é? — retrucara o cavalheiro. —
Não nego que ela seja uma criança muito bonita, no entanto, um simples polimento não
será suficiente para transformá-la em uma dama.
— Ora, Philip! Ela é neta de lorde Deverill! Sua mãe foi deserdada ao casar-se com
um cidadão comum.
— Sangue irlandês! Sem dúvida isto explica porque ela me lembrou um duende de
floresta encantada.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Tenha paciência, Philip! Está levando seus preconceitos muito longe.


— Não estou, não. Acho que você ainda vai se arrepender de tê-la aceitado, Emma.
Ela não respondera e, em silêncio, haviam caminhado para a pequena carruagem.
No entanto, o sr. Philip não conseguia tirar a encantadora srta. Larkim da cabeça.
Tinha ouvido quando ela dissera "Ainda bem" depois que ele afirmara não ser um lorde.

CAPÍTULO III

— Estou igualzinha à mamãe — Alison fitava, embevecida, o espelho de moldura


dourada do quarto de lady Emma. Os cabelos negros brilhavam mais depois que a
camareira da lady aparara as pontas e os arrumara em madeixas que caíam em torno da
face aveludada.
— Obrigada, srta. Cárter, fez um ótimo trabalho. Agora, vou limparei toda esta
sujeira.
— Não é necessário, senhorita — exclamou a serviçal, entre surpresa e satisfeita
pelo elogio a seu trabalho.
— Vamos até seu quarto ver o que deve vestir hoje, Alison — apressou-se em
intervir, lady Emma.
— Sim, madame — concordou ela, sorridente. — Os vestidos novos são tão lindos
que levarei séculos para escolher.
Embora pequeno, o quarto destinado a Alison era adorável. Em todos os detalhes da
decoração, laçarotes, fitilhos de cetim e musselina repetiam o delicado motivo floral da
colcha, em rosa e branco, da cama com dossel e da tapeçaria que forrava a parte inferior
das paredes. Havia ainda uma pequena lareira diante da qual ficavam duas confortáveis
poltronas estofadas em um tecido de brocado rosa-pálido.
Lady Emma conduziu Alison para uma das poltronas e sentou-se na outra. Inclinou-
se para ela, séria, enquanto dizia: — Minha querida, não deve oferecer-se para fazer o
serviço dos empregados. Não é próprio para alguém de sua condição.
— Desculpe-me, milady. É que não estou acostumada a ter serviçais. Antes de tia
Zenóbia chegar, tínhamos uma senhora que nos servia três vezes por semana, só para os
serviços pesados. E a srta. Cárter cortou meu cabelo com tanto capricho que quis
demonstrar-lhe meu agradecimento.
— E, por favor, não a chame de srta. Cárter, Alison.
— Ah, ela é casada? Espero não tê-la ofendido.
Lady Emma suspirou profundamente, antes de explicar: — Não, querida. Deve
chamá-la simplesmente Cárter.
— Sou muito ignorante! Prometo que vou aprender.
— Claro que vai. Agora, vamos ver que vestido deve usar.
Alison abriu o armário e mais uma vez não conteve uma exclamação de prazer
diante da elegância dos trajes pendurados. Havia dois vestidos próprios para o dia; um
era de musselina branca, com delicados motivos florais em rosa, e o outro, de cambraia
branca, com vistosos laçarotes verdes na saia e na delgada cintura. O terceiro, um
vestido de passeio, era de crepe azul-claro. Uma capa de veludo azul-escuro,
elegantíssima, seria seu agasalho. O costureiro de lady Emma confeccionara aquelas

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

roupas às pressas e preparava mais uma dezena, embora Alison não soubesse como iria
usar todos aqueles vestidos encantadores.
— O de musselina é o mais indicado — sugeriu lady Emma. — Estou esperando
uma ou duas visitas esta tarde.

— Visitas? Será que devo espanar. Não! Sua criada já limpou tudo. Desejaria fazer
algo pela senhora, que tem sido tão boa. Haveria problema se lhe fizesse uma touca?
Sempre fiz as de minhas tias, mas eram muito simples. Adoraria trabalhar com fitas e
laços de cetim.
— Acho muito adequado. Trabalho manual é ocupação perfeita para jovens
donzelas e serve em momentos embaraçosos. Ficaria muito feliz se fizesse uma touca
para mim. Cárter vai lhe dar o material necessário. Peça a ela.
— O sr. Trevelyan virá? — indagou a moça, depois de hesitar um pouco. — Ele
parece ser um grande amigo da senhora.
— Não o estou esperando, mas pode ser que apareça. Conheço Philip desde
pequena, ele costumava puxar minhas tranças.
— Não consigo imaginá-lo como um garoto travesso! — Alison estava surpresa. —
O sr. Trevelyan parece tão seguro de si e tem um ar tão severo que temo que ele me
desaprove.
— A opinião de Philip não deve nos preocupar. Mas a da sra. Talmage, sim. Ela será
uma de nossas visitantes desta tarde. Quero que você fique sentada, tranquila, e escute a
nossa conversa. Deve responder quando lhe for dirigida a palavra, mas ela raramente dá
chance para que alguém fale.
Alison sorriu, assentindo. A princípio ficara assustada com a forma como lady Emma
conduzia as coisas, mas começava a acostumar-se com o jeito dela. Sua dama de
companhia parecia-lhe o ser humano mais próximo da perfeição que já conhecera e, é
claro, alguém digno de ser imitado.
Os cabelos de lady Emma, de um loiro-escuro, eram muito brilhantes e desciam, em
cachos impecáveis, num penteado lateral, que valorizava a perfeição do rosto bonito.
Alison sabia que seus próprios cabelos nunca iriam parecer tão bem arrumados. No
entanto, apesar de não poder imitá-la fisicamente, decidiu que iria conquistar a dignidade
e a elegância graciosa que Emanavam da encantadora dama.
Quando desceu, todos os detalhes estavam em perfeita ordem e naquele ambiente
elegante foi recebida a sra. Talmage. Ela era alta e esguia, usando distinto traje verde-
oliva. As palavras fluíam de seus lábios ágeis.
Alison ouviu quase toda a conversa sem ver interrompido seu trabalho com as fitas
de cetim. Foi somente na hora de se despedir que a visitante lhe dirigiu algumas palavras
e depois, voltou-se para a dona da casa:
— Bem, lady Emma, tivemos ótimos momentos nesta tarde e obrigada pelo chá —
agradeceu a sra. Talmage, levantando-se para ir embora. — Tenha um bom dia, srta.
Larkin.
Alison deixou de lado seu trabalho e, como havia aprendido, estendeu a mão para a
senhora, dizendo, suave: — Obrigada, madame. Desejo-lhe o mesmo.
A visitante curvou-se para lady Emma e disse, baixinho: — Você tem aqui uma
mocinha muito bem comportada. Tenho certeza que irá fazer muito sucesso.
— Espero que sim, obrigada — sorriu a dama.
Depois que a visita se retirou, Alison quis saber: — Vou ter de aprender a falar sem
parar, daquele jeito?
— De forma alguma. Acho que tanta tagarelice em uma mocinha só traria
desgostos. Mas, Henrietta é bem intencionada.
— Como ela consegue saber de tudo que acontece?

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

A lady sorriu, ao responder: — Ouvi dizer que tem uma criada só para descobrir o
que está acontecendo em Londres. O fato é que suas informações são sempre exatas e
nunca a ouvi contando histórias maledicentes sobre quem quer que fosse. Henrietta não é
uma linguaruda e sempre tem uma palavra gentil sobre todas as pessoas que conhece.
Nas próximas semanas a sociedade londrina estará sabendo que minha protegida é uma
moça bem comportada.
— Como a senhora é esperta! — exclamou Alison, oferecendo-lhe a touca que
acabara de fazer.
— Vou retribuir seu elogio dizendo que esta é a touca mais encantadora que já tive.
— A senhora gostou? É muito fácil de fazer. Entretanto, uma vez tentei costurar um
vestido e tia Di precisou refazê-lo, de tão ruim que ficou. Bem não temos necessidade que
costure seus vestidos, mas acho que se mantiver as mãos ocupadas com trabalhos
manuais, poderá tirar algum proveito, pois é um excelente tema para conversas. E, além
disso, se não estiver certa sobre o que dizer, pode baixar os olhos para o trabalho e fingir
que está concentrada. Vou lhe dar meu estojo de costura. É elegante o bastante para que
o leve sempre consigo.
Aquele conselho provou ser bastante útil alguns minutos mais tarde, quando da
chegada do segundo visitante, Robert Gilchrist, o irmão mais jovem de lady Emma.
Os galanteios contidos no cumprimento do sr. Robert deixaram Alison enrubescida e
ela ficou satisfeita em poder inclinar a cabeça para o trabalho.
— Ele disse que meus olhos faziam-no pensar em um bosque repleto de borboletas
azuis — contara ela a lady Emma, depois que o cavalheiro havia se retirado.
— Nada original — afirmara a dama, pouco impressionada. — Contudo, não deve
preocupar-se com Robert. E não o leve muito a sério: meu irmão pensa que é um poeta.
Algumas vezes precisaremos dele para acompanhá-la a festas. Por falar nisto, seu
professor de dança vem amanhã.
As aulas de dança não foram a imensa alegria que Alison imaginara. O signor
Pascoli era um homem alto e magro, com um finíssimo bigode que lhe dava ar de extrema
melancolia. Era bastante exigente com os alunos.
Mais tarde Alison reclamara com sua protetora: — Não me parece justo ter aulas de
danças originalmente britânicas com um italiano.
— Mas ele é o melhor de todos os professores e você está se saindo bem. Aliás,
esforça-se bastante durante a aula.
— É porque o quanto antes aprender, melhor — respondeu a moça, sem dizer que,
assim, ficaria logo livre do mal-humorado professor.
— Fico muito satisfeita que pense assim.
— Estou dando o melhor de mim. Não posso desejar que um lorde caia a meus pés
se não me transformar numa lady.
— Um lorde cair a seus pés? — questionou lady Emma, com um meio sorriso. —
Está querendo conquistar muitos corações?
— Oh, não! Não quero ferir os sentimentos de ninguém. Quando um lorde me
oferecer seu coração, não vou recusar. Essa não será a coisa mais romântica que a
senhora já viu?
Um olhar triste escureceu o rosto bonito de lady Emma. Foi rápido e logo
desapareceu, mas havia uma certa melancolia em sua voz quando ela disse, com
gentileza: — Devastadoramente romântico. Já tem um lorde em mente?
— Não. Não conheço nenhum. Mas vou conhecer, não é mesmo?
— Isto posso lhe garantir. Só espero que não esteja sonhando demais com sua
apresentação, Alison. Por exemplo, não sei se conseguiremos convites para a festa do
Club Almack — dizendo isto lady Emma calou-se, pensativa. — Espere um pouco, acho
que posso dar um jeito. Philip é amigo dos Castlereagh e lady Castlereagh é uma das
patronesses do clube.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Mas o sr. Trevelyan não me aprova — lembrou-a Alison, corando. — Creio que
não vai dar certo. Não pense que não quero ir a esses bailes — apressou-se a explicar,
ao ver a expressão surpresa da dama — é que minha amiga Letty me contou que eles só
servem limonada e petiscos. É verdade?
— E alguns pedaços de bolo — completou a lady, rindo.

— Bem, então devo confessar que não me importo de não ir. Acho que isto já é mais
do que mereço — falou a moça, esboçando um gesto que englobava a casa elegante. —
Às vezes tenho a impressão que vou acordar e que tudo terá desaparecido. Só espero ter
algumas lembranças, como dançar com um lorde, mesmo que ele não se case comigo.
— Desculpe-me, Alison, mas sua tia me deu a entender que você já tem um
pretendente. O sr. Osborne.
— Não é verdade. Já imaginou algo menos romântico do que ficar noiva com um
mercador indiano de meia-idade? Tia Zenóbia só disse que se eu não encontrar um
marido nesta primavera o sr. Os borne ficará feliz em desposar-me.
— Percebo. Então, está livre para ter os admiradores que desejar. Todos
desmaiando a seus pés!
— Já leu os romances da sra. Cuthbertson? — indagou Alison, entusiasmada,
reconhecendo aquelas palavras com parte do último livro que lera. — Em um dos livros,
ela conta que vinte e sete rapazes desmaiaram por causa da mesma heroína! Nunca
desmaiei em minha vida — comentou, pensativa. — Talvez a senhora possa ensinar-me
como fazê-lo.
Lady Emma sorriu, divertida: — Se pensa fazê-lo, certifique-se de que haja alguém
forte, atrás de você, capaz de ampará-la antes que, atinja o chão.
Alison riu ao ouvir o irônico e brincalhão comentário.
— Por Deus! — exclamou lady Emma, num sobressalto. — Olhe que horas são! Vá
vestir-se, temos que fazer compras.
Uma batida soou na porta da frente no momento exato em que Alison atravessava o
vestíbulo. Precisou lutar contra o antigo hábito para não ir abrir e estava nos últimos
degraus da escada quando o mordomo atendeu. Curiosa, parou por alguns instantes,
para ouvir.
— Lady Emma está? — indagou a voz sonora do sr. Trevelyan.
Ela não queria encontrar-se com aquele homem que a menosprezava. Sua vontade
era trancar-se no quarto e permanecer lá, até que ele se fosse. Pensando melhor, achou
que era ridículo permitir que o arrogante cavalheiro a intimidasse. Iria tratá-lo como
merecia!
Decidida, foi para o quarto e trocou o vestido de casa pelo bonito vestido azul que
realçava a cor de seus olhos.
Esperava que, pelo menos, o sr. Trevelyan tivesse o bom senso de reconhecer a
melhora em sua aparência.

CAPÍTULO IV

Assim que entrou no vestíbulo da casa de lady Emma, o sr. Trevelyan notou que
uma figura feminina desaparecia no alto da escada. Um suspiro escapou de seus lábios

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quando percebeu que era Alison: ela o evitava. Lamentável, pensou, pois nunca negara
que apreciava seus dotes físicos, o que o desagradava era sua educação cheia de falhas.
— Então, a moça já está aqui — comentou o sr. Philip, assim que cumprimentou a
amiga de infância. — E eu tive esperanças de que você mudaria de ideia!
— Muito pelo contrário — retrucou lady Emma — fico cada dia mais orgulhosa de
Alison. Ela aprende com rapidez e está ansiosa para se tornar uma dama. Veja que linda,
foi ela quem fez esta touca para mim.
— Muito linda! — exclamou ele, com certa ironia. — Porém isto não muda minha
opinião. Você vai se meter em problemas tentando apresentar essa menina ao mundo
civilizado.
— Tome cuidado, Philip, está ficando intransigente como os nobres idosos e
ranzinzas que não admitem qualidades nas outras pessoas. É claro que não espero que
Alison seja perfeita, afinal devo considerar que ela não teve muitos contatos
enriquecedores. Entretanto, tenho certeza que aprenderá e terá sucesso em nossa
sociedade. Não duvido que ela consiga casar-se com um lorde, como deseja.
— Ela confessou-lhe isto? Bem, pelo menos, a pequena mercenária é honesta.
— Dificilmente eu a consideraria uma mercenária, meu caro — retrucou a dama,
secamente. — Saiba que a fortuna que a tia irá lhe deixar poderá comprar mais do que
uma dezena de nobres falidos. Posso até citar alguns, se desejar.
Philip ficou surpreso pelo comentário ácido, mas reagiu: — Então, a mocinha só está
perseguindo um título! Isto é muito comum, mas acho uma atitude desprezível.
— Você pensa assim porque os Trevelyan recusam títulos de nobreza há gerações.
Mas na minha família foi diferente: meu avô ficou satisfeito ao poder emprestar alguns
milhares de libras a Henrique VII e, em troca, receber um título e seu condado. Acho é
que você está determinado a não gostar de Alison. Muito longe de ser a pessoa vulgar
que imagina, Philip, ela é apenas uma jovem romântica.
— A próxima coisa que me dirá é que ela não passa de uma escrava de mitos
criados pelos escritores românticos!
— Mas isso é óbvio! — confirmou lady Emma.
— Devia ter imaginado que você ia dizer tal coisa.
— É que passei por essa fase, quando tinha a idade dela.
Philip revirou os olhos, num trejeito engraçado, e por fim, capitulou, com um sorriso:
— Muito bem, você venceu. Suponho que agora vá querer que eu a ajude na
apresentação da mocinha à sociedade.
— Faria isto, Philip? Confesso que ficaria muito satisfeita se pudesse contar com
seu apoio. Alison não tem nenhum parente que possa nos ajudar nesse sentido. —
Robert concordou em auxiliar-nos, porém ele é tão avoado, tão infantil!
— Um dia ele vai crescer, Emma. Você tem que admitir: ser poeta deve parecer
muito mais interessante aos olhos de seu irmão do que viver no complicado mundo dos
negócios.
— Sei disto, mas fico me perguntando como ele irá se arranjar, mais tarde! — Com
um suspiro, a bonita lady voltou-se para ver quem acabara de entrar na sala. — Ah,
Alison, venha cumprimentar o sr. Trevelyan.
Philip olhou para a porta e constatou, perplexo, que uma estranha sensação
expandia-se em seu peito, enquanto observava a graciosa e encantadora figura parada
ali. Desde os cabelos negros, do azul brilhante e profundo dos grandes olhos, até as
pontas das delicadas botinhas de pelica que envolvia os pequenos pés, a srta. Alison
Larkim era de uma beleza tão suave que parecia irreal, etérea. De novo ele pensou em
um duende de floresta encantada.
Com passos decididos, que desfizeram a impressão de irrealidade, ela aproximou-
se. Os olhos azuis tinham uma expressão indefinível, como se estivesse decidida a não
deixá-lo conhecer o seu íntimo. Ao reparar no sorriso quase infantil de Alison, ele

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perguntou a si mesmo por que tentava impedir-se de gostar daquela moça.


De repente, um pensamento estranho cruzou a mente em polvorosa do sr.
Trevelyan: por que, se ela desejava se casar com um lorde, havia ficado tão feliz ao
descobrir que ele não o era? Tratou de se dominar e indagou: — Será que me concederia
a honra de passear comigo no Hyde Park esta tarde, srta. Larkin?
Seria bom para a mocinha ser vista com ele, justificou o convite para si mesmo, não
costumava exibir-se em companhias femininas, ficariam curiosos e prestariam atenção
nela.
— Obrigada senhor, mas acredito que lady Emma tenha outros planos — replicou
Alison, educada, porém imperturbável.
Ridiculamente desapontado, ele olhou para a amiga.
— De fato, temos que fazer compras, Philip — confirmou a dama. — Amanhã ela
poderá ir, se estiver bem para você.
— Bem, amanhã terei que estar em casa às quatro horas. Será que poderia vir
buscá-la às duas?
A lady assentiu, sorrindo.
— Será maravilhoso — comentou Alison, bem-educada.
Mas não parecia maravilhada, nem tampouco demonstrava estar ciente da honra
que ele lhe concedia. Por isso, o sr. Philip foi embora um tanto decepcionado.
Mal a porta se fechara, lady Emma disse, preocupada: — Iremos primeiro ao sr.
Gribbins, ver se ele terminou mais um vestido de passeio, para você sair com Philip,
amanhã.
— Não posso usar este aqui mesmo, milady?
— Poderia, se ele não a tivesse visto com ele. Seria imperdoável se voltasse a usá-
lo amanhã. Venha, pegue o chapéu e vamos, que já é tarde.
Alison a seguiu com o cenho franzido, pensativa. Fez o que lady Emma mandara,
mas não pôde deixar de se lamentar: — Quer dizer que não vou mais poder usar este
vestido? É tão lindo e ainda nem estreei a capa!
— Claro que poderá usá-lo, querida — respondeu a dama. — Mas não nos próximos
dias, se Philip estiver por perto.
— Duvido muito que ele se lembre de minhas roupas. O sr. Trevelyan não se
importa com minha aparência.
— Ah, criança! Com certeza você tem razão. Acho que usamos roupas diferentes
principalmente para que as outras mulheres nos admirem e invejem. Os homens quase
nem prestam atenção. Bem, vamos para o ateliê do sr. Gribbins.
Para satisfação das duas, boa parte dos trajes encomendados estavam prontos e
Alison sorriu ao ver que o vestido de passeio que deveria usar no dia seguinte era ainda
mais bonito do que esperava, de um lindo cinza-azulado, com fitas de veludo, no mesmo
tom, bordadas.

No dia seguinte, Alison passou uma hora se preparando para sair. Comtemplou-se
no espelho por diversas vezes a fim de resolver como deveria pentear-se. Prendeu os
cabelos em cachos grandes, junto às orelhas delicadas e colocou o pequeno chapéu
forrado com o mesmo tecido do vestido.
Pensou que o sr. Trevelyan devia ter melhorado sua opinião sobre ela, se a
convidara para sair. Contudo, o cavalheiro imponente ainda lhe provocava calafrios de
temor.
Quando ele chegou e a ajudou a subir na carruagem verde-escuro, parecia tão
enfadado que Alison teve vontade de desistir de ir passear. Entretanto, decidiu que seria
melhor não se deixar intimidar. Observando os fogosos alazões castanhos perguntou,
timidamente, como se chamavam eles.
— Espanhol e Conquistador — informou o sr. Philip.

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— Têm alguma coisa a ver com o duque de Wellington? — indagou a jovem,


animada. — Só pode ter!
O sr. Trevelyan fitou-a surpreso e sorriu. Parecia quase um garoto com os olhos
castanhos brilhando, divertidos.
— Nunca diga a ninguém que descobriu meu segredo, srta. Larkin! — pediu, rindo.
— Foi a única pessoa, em um milhão, a perceber a ligação dos nomes de meus cavalos.
— Chamou-os assim porque são alazões, não foi? Os alazões são originários da
Espanha e quando potros são conhecidos como Conker, que o senhor expandiu para
conquistador. Bubble e Squeak sempre conversavam comigo sobre cavalos.
— Bubble é aquele garoto que tomou conta de meus cavalos, quando fui à sua casa,
não é mesmo?
— Sim, e Squeak é irmão dele. Os dois, mais Tarry Joe são o bando de tia Cleo.
Bem, acho que lady Emma não aprovaria se soubesse que lhe falei sobre os meninos.
— Tem toda razão! Mas permita-me fazer-lhe uma pergunta, o que quis dizer com
"bando de tia Cleo"?
Bem que lady Emma a proibira de que falar nos garotos!
— Não posso mais falar sobre isto — declarou Alison, decidida. — Que dia
maravilhoso estamos tendo, não?
Os raios de sol douravam a tarde e a brisa suave trazia em seu frescor o prenúncio
de primavera. A carruagem cruzou o portão do Hyde Park e Alison notou que muitas
pessoas já aproveitavam as delícias que a natureza oferecia.
Os primeiros narcisos despontavam sob os arbustos e, esquecendo-se de suas
lições de boas maneiras, a jovem exclamou, entusiasmada:
— Oh, olhe! Não são lindos? Tia Polly estava fazendo um canteiro de narcisos
quando deixei nossa casa. São minhas flores prediletas, pelo menos até que floresçam as
lindas rosas. Crisântemos também têm um encanto especial, mas o perfume e a
suavidade do jasmim são.
— Já sei, aprecia as flores em geral — completou por ela o sr. Trevelyan, rindo. —
Quer colher algumas?
— Sim, mas creio que lady Emma não iria aprovar.
— Está determinada a seguir as recomendações de Emma, não?
— Estou. Ela é tão boa para mim! Odiaria fazer algo que a desapontasse. Amanhã
irá me apresentar à sua irmã, Bella. Quero dizer, lady Farfield. Lady Emma me disse para
praticar com ela, porque é compreensiva e perdoará meus deslizes.
— Emma sempre leva suas protegidas para praticar com a irmã — comentou ele,
sorrindo. — Garanto que irá gostar de Bella. Na verdade, todos os Gilchrists são muito
agradáveis.

— Até agora só conheci pessoas agradáveis — comentou Alison, pensando que


quando o sr. Trevelyan estava alegre era um homem muito atraente. — Olhe, aquele
cavalheiro parece estar tentando chamar sua atenção — avisou-o, percebendo que um
rapaz os fitava com insistência.
O sr. Trevelyan viu um jovem cavalgando na direção deles.
— Aquele é lorde Fane. Pronta para conhecer seu primeiro lorde, srta. Larkin? Ou
será que devo fingir que não o vi? — Havia uma nota de sarcasmo naquela pergunta e,
erguendo a cabeça, Alison aceitou o desafio: — Por favor, apresente-nos, senhor —
pediu, um tanto aflita.
Em segundos, tentou rever todas as lições que lady Emma lhe ensinara. Porém,
quando a pequena carruagem e o cavalheiro se aproximaram, sentiu-se insegura.
— Srta. Larkin — falou com pompa o sr. Trevelyan — permita-me apresentar-lhe

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lorde Fane.
— Muito prazer, milorde — murmurou ela, de olhos baixos.
O jovem lorde a fitava com embevecida admiração e quando ele ergueu o chapéu,
cumprimentando, Alison notou que não havia como duvidar: a linha aquilina do nariz
revelava a descendência aristocrática. A voz dele era firme: — Fico feliz em conhecê-la,
srta. Larkin. Ouso dizer que é a nova na cidade. Estou enganado?
Ele não poderia ter começado com uma pergunta mais fácil de ser respondida,
pensou a moça.
— Tem razão, milorde — sussurrou, em tom quase inaudível.
Era evidente que o sr. Philip continha uma gargalhada a custo, o que dificultava para
Alison concentrar a atenção no que lorde Fane dizia. Felizmente, ele não disse nada que
excedesse as frases feitas comuns.
— Lindo dia, não acha?
— Sim, milorde.
— Se continuar, teremos uma primavera esplendorosa.
— Tem razão, milorde.
O jovem lorde continuou com o mesmo tipo de conversa e ela não foi além de
concordâncias e discordâncias. Então, ele indagou se poderia tornar a vê-la. Alison
lançou um olhar apelador para o sr. Trevelyan, que ajudou: — A srta. Larkin está
hospedada em casa de lady Emma Grani. Acho que conhece lady Emma, não é?
Lorde Fane assentiu, todo sorrisos, e declarou que logo tornariam a ver-se.
Cumprimentou, depois afastou-se.
— Ah, foi melhor do que eu esperava! — exclamou Alison, ajeitando-se no assento.
— Se o lorde voltar a procurar-me, deverei conversar mais apropriadamente com ele.
O sr. Trevelyan sorriu e procurou acalmá-la: — Fique tranquila, Emma a preservará
de conversar com lorde Fane até que esteja bem preparada. Mas, se não me engano, ele
é o tipo que prefere que as pessoas ouçam caladas o que tem a dizer.
— Comportou-se muito bem, senhorita!
— Mas não foi nada fácil fazê-lo, com o senhor segurando-se para não rir durante o
tempo todo — resmungou ela, amuada. — Mas que exímio cavaleiro lorde Fane deve ser
— comentou, observando o rapaz que já ia longe. — É muito elegante e simpático. Tem
certeza de que ele conhece lady Emma?
— Emma conhece todo mundo e acredito que os Fane tenham parentesco com os
Gilchrists. Só que ele, sendo mais jovem do que ela, não deve ser tão íntimo de nossa
amiga.
— Ele parece ter uns vinte e cinco ou vinte e seis anos — calculou a jovem.
— Idade perfeita — murmurou o sr. Philip com tanta suavidade que Alison não teve
certeza de ter ouvido direito.
Ele se mostrava tão gentil que ela decidiu indagar: — Posso lhe fazer uma pergunta,
senhor?
— Claro que sim, embora eu não prometa que responderei. E, depois, também
desejo lhe perguntar algo.
Alison ficou temerosa de que ele perguntasse sobre os garotos que ajudavam suas
tias e respondeu com astúcia: — Fique à vontade para perguntar, senhor, embora eu não
possa lhe garantir que irei responder.
— É muito esperta, srta. Larkin. Então, vamos lá, pergunte.
— Bem, eu gostaria de saber por que lady Emma não vive com a família, em vez de
ficar se preocupando com moças ignorantes como eu. O senhor disse que os Gilchrists
são pessoas agradáveis e ela fala sobre eles com muita afeição. Não quis fazer essa
pergunta a lady Emma e temo que o senhor diga que não é de minha conta. Contudo,
estou certa que ela teria uma vida muito mais fácil se morasse com seus familiares.
— Na verdade, Emma passa grande parte do ano com a família. No Natal ela ficou

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

em Farfield, com Bella, e no último verão passou vários meses com os pais. Mas não
gosta de morar com eles, tem verdadeiro horror de depender dos outros; por isso,
mantém sua casa e preserva a liberdade que tanto aprecia. Não é uma excêntrica, nem
gosta de viver sozinha: quando não tem protegidas para encaminhar, uma prima sempre
vai ficar com ela.
— Lady Emma nunca fala sobre o marido. Acho que deve tê-lo amado muito —
murmurou Alison, pensativa.
— Srta. Larkin, não pode esperar que eu lhe responda isto. Já fui bastante indiscreto
e o fiz porque acreditei que seu interesse era motivado pela afeição.
— E foi. Desculpe-me, não quis ser intrometida. Agora, qual é a sua pergunta?
Philip Trevelyan hesitou, como se não estivesse certo sobre qual a melhor maneira
de indagar. Por fim, resolveu: — Quando fui à sua casa, perguntou-me se eu era um
lorde; de pois que neguei eu a ouvi dizer "ainda bem". Por quê?
Alison sentiu-se absurdamente culpada. Não queria confessar a verdade, porém era
o que deveria fazer depois de toda a atenção que ele dedicara às suas perguntas.
— Bem, é que eu não havia gostado do senhor — murmurou ela, enrubescendo.
— Percebo. Acho que não fiz muito para que tivesse boa impressão a meu respeito
— disse ele, aborrecido. — Será que posso pedir que me perdoe?
— Ah, agora gosto muito do senhor — apressou-se a esclarecer a moça. —
Honestamente, não me lembro de ter gostado tanto de um passeio o quanto gostei deste!
— Obrigado, srta. Larkin.
Depois de trocarem sorrisos, o sr. Philip encaminhou a pequena carruagem para
fora do parque e retornaram. Quando se aproximavam da casa de lady Emma, Alison
estremeceu: Bubble estava na esquina, vendendo flores. Com certeza o sr. Trevelyan iria
reconhecê-lo e zangar-se.
Entretanto, para sua surpresa, ouviu o cavalheiro dirigir-se ao garoto com suavidade
e, antes que compreendesse o que acontecia, viu em seu colo um enorme buquê de
narcisos amarelos, enquanto a carruagem punha-se a caminho de novo.
— Acho que são suas flores favoritas, srta. Larkin — sorriu o sr. Philip. — Espero
que goste.
Olhando para trás, ela viu Bubble rindo, feliz por ter esvaziado sua cesta. Fitou o
homem a seu lado e percebeu que uma certa harmonia começava a existir entre eles.

CAPÍTULO V

Lady Arabella Farfield, era uma roliça e gentil senhora por volta dos trinta e cinco
anos, com três filhos: dois rapazes e uma mocinha, que estudavam fora.
Alison gostou muito da simpática dama. Se todas as anfitriãs que precisava visitar
fossem como ela, seria maravilhoso.
Quando retornaram à casa de lady Emma, souberam que o sr. Trevelyan e lorde
Fane haviam estado lá e deixado cartões, com breves mensagens para a dona da casa.
Enquanto a lady lia o recado do sr. Philip Alison pegou o de lorde Fane e examinou-
o, emocionada.
— O lorde cumpriu o que prometeu! — disse, como se não conseguisse acreditar. —
Estou tão feliz! O sr. Trevelyan foi muito gentil em nos apresentar. Acho que não tinha

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

obrigação de fazê-lo.
— Não tinha, mesmo. Ele fez mais do que eu esperava, quando lhe pedi que nos
ajudasse em sua apresentação, esperando que a levasse a alguns bailes e nada mais.
Contudo, conhecendo Philip como eu conheço, deveria ter desconfiado que ele não
pouparia esforços para ajudar uma velha amiga. Mas, diga-me, querida, o que achou
dele?
— Para ser franca, estava tão assustada que não consegui observá-lo com atenção.
Assim mesmo, percebi que seus traços são imponentes e aristocráticos, que é muito
elegante.
— Que tal as maneiras dele?
— Bem, não notei nada de especial, embora eu mesma não soubesse direito como
agir ou o que dizer. Fico feliz por não estarmos aqui quando lorde Fane veio nos visitar.
— Será que está com medo, Alison? Não precisa temer, pois acho que se encontra
quase pronta para enfrentar uma verdadeira conversa social. Fiquei satisfeita com a
maneira que se comportou com Bella, por isso estou pensando em convidar Philip e
Robert para um jantar formal, a fim de que você adquira mais experiência para essas
ocasiões.
— Neste caso, acho que devo ler alguns livros de poesia, assim poderei conversar
melhor com o sr. Gilchrist.
— Temo que você irá descobrir que Robert só se interessa por suas poesias. —
comentou, com alguma tristeza, a irmã do pretenso poeta. — Deseja guardar o cartão de
visitas do sr. Fane, como recordação de seu primeiro lorde, querida?
— Oh, sim, obrigada. Vou colocá-lo sob meu travesseiro e aí, quem sabe, sonharei
com uma paixão devastadora.
Lady Emma meneou a cabeça, com um leve sorriso. Quando alcançaram o topo da
escadaria que levava ao piso superior, Alison exibiu um lindo sorriso matreiro.
— Estive pensando. — explicou, ao ver que lady Emma notara que ria rindo. —
Ainda bem que lorde Fane não desmaiou a meus pés, como eu sonhava, pois levaria um
belo tombo e se machucaria bastante, porque estava montado a cavalo.
Quando, minutos mais tarde, Alison sentou-se em seu toucador para soltar os
cabelos, um fato estranho ocorreu: seus pensamentos se voltaram para o sr. Philip
Trevelyan e não para o lorde que esperava há tanto tempo.
Aquele homem arrogante só está sendo gentil com você para agradar lady Emma,
disse a si mesma, severa. Desapontou-se ao pensar nisso. O sr. Trevelyam bem que
poderia gostar de mim por minhas qualidades, em vez de me suportar, como um favor à
amiga, concluiu, triste. Não que fosse assim tão importante ele gostar dela, já que não era
um nobre. Entretanto, estava disposta a aceitar a companhia do cavalheiro mesmo assim,
pois lady Emma iria precisar de toda ajuda possível para introduzir na alta sociedade uma
moça com um passado tão obscuro.
Olhando para o cartão que lorde Fane deixara, Alison voltou a sorrir. Ele parecia tê-
la apreciado bastante. Com um pouco de encorajamento, e se ela soubesse agir de modo
elegante, logo teria um lorde pronto para cair a seus pés. O sr. Trevelyam dissera que ele
apreciava moças caladas e Alison jurou fazer o melhor que pudesse para satisfazê-lo.
Quando levantou-se para se despir, seus olhos deram com os esplendores jacintos
amarelos que Cárter colocara em um enorme jarro, sobre a cómoda. Sorriu. Talvez, o sr.
Trevelyam gostasse um pouco dela, pensou, gratificada.
No dia seguinte, quando o sr. Philip voltou a visitá-las, Alison estava tendo aula de
dança com lady Emma ao piano, e sentiu dificuldades em prosseguir quando notou que
os olhos castanhos do visitante não se desviavam dela. Descontraiu-se no momento em
que o professor italiano deu a aula por encerrada e retirou-se.
Sentiu falta da informalidade que havia dominado o passeio no parque, notando que
o sr. Trevelyan voltara a exibir aquela expressão de enfado que tanto a desgostava.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Lady Emma, entretanto, parecia satisfeita, ao dizer: — Muito bem, Alison, acho que
mais uma aula será o suficiente. Só uma coisa me preocupa: embora o signor Pascoli
seja uma ótimo professor, você precisa praticar com um cavalheiro. Valsar exige prática.
— Será que é indireta? — indagou o sr. Philip, divertido e irônico. — Como sempre
cumpro minhas obrigações sociais — continuou, levantando-se e curvando-se diante de
Alison: — quer me dar o prazer desta valsa, srta. Larkin?
Alison aceitou, com uma reverência graciosa, depois de receber olhar aprovador de
lady Emma, que começou a executar outra linda valsa ao piano.
O signor Pascoli dançara com ela bem distante, mal tocando de leve em seus
braços, a fim de orientá-la, e o sr. Philip a desconcertou, enlaçando-lhe a cintura. Era uma
sensação muito estranha aquela de ter um braço musculoso segurando-a com tanta
firmeza. Ergueu, a medo, os lindos olhos azuis para ele; ao ver que sua expressão era
muito séria, ela esqueceu o embaraço.
Se os modos dele a perturbavam, seu jeito de dançar a encantava. Philip Trevelyan
rodopiou com ela por toda a sala, até que a moça sentiu-se flutuar. Quando a dança
terminou e separaram-se, ela ficou decepcionada.
— Realmente, Philip! — repreendeu-o lady Emma, sorrindo. — Precisava rodopiar
tanto com a menina?
— Foi perfeito — afirmou ele, enigmaticamente. — A "menina" dançou muito bem.
Será que posso pedir-lhe que seja meu par no Club Almack, srta. Larkin?
— Obrigada, senhor, eu adoraria, mas não irei a essa festa.
Ele arqueou as sobrancelhas e comentou: — Não parece devastada pelo fato, não
é, senhorita? Acho que nunca ouviu os versos de Luttrell: "Tudo nesta lista mágica
depende de você, Fama, fortuna, elegância, amores, amigos: Isto é, o que envergonha ou
engrandece. Se uma vez ao Almack você for, Como os monarcas, vai viver no esplendor."

Lady Emma franziu o cenho e Alison achou muito mau gosto da parte dele deixar tão
evidente que ela estava em busca de uma escalada social. Por isso, decidiu não lhe dar a
satisfação de vê-la capitular e retrucou, altiva: — Na verdade, acho que já alcancei mais
esplendor do que sonhei. Não vejo como essa festa poderia me acrescentar tantos
valores. Lady Emma disse que eu deveria ir a reuniões e bailes, porém o Almack não me
parece nada atraente, já que só servem limonada e alguns petiscos que mal satisfazem o
apetite. Estou acostumada a comidas mais fartas, uma vez que minha tia Cleo é uma
esplêndida cozinheira.
Desta vez a expressão desgostosa da lady voltou-se diretamente para Alison. Pediu-
lhe, com suavidade: — Minha querida, não fique sempre mencionando suas tias.
— Tentarei, madame. Mas não pode esperar que eu as esqueça! — revoltou-se a
moça, sentindo que suas faces se avermelhavam de indignação.
— Claro que não — apoiou-a o sr. Trevelyan, calmo. — A credito que não tem visto
sua família desde que se mudou para cá. Será que me permitiria levá-la para visitar suas
tias, um dia destes?
Surpresa e agradecida, Alison aceitou. Aquele cavalheiro a deixava perplexa.
Primeiro a magoava, citando suas deficiências e determinação de subir socialmente,
depois a defendia de lady Emma e procurava ajudá-la a rever as tias. Era um homem
muito estranho, pensou, intrigada.
Ele, por sua vez, admirou a forma como ela defendera a família e esse pareceu-lhe

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

motivo suficiente para levá-la à Ormond Street. Mas havia outro propósito no
oferecimento. Era a ocasião perfeita para descobrir o que Alison quisera dizer quando
mencionara o "bando de tia Cleo".
No dia marcado, uma forte garoa cobria toda Londres e não servia, de modo algum,
para animar o sr. Trevelyam, que preferiria ficar em casa. No entanto, estoicamente,
parara a carruagem verde-escuro diante da casa de lady Emma e na hora marcada
puseram-se a caminho e ele percebeu que era impossível ficar de mau humor junto de
uma jovem tão bela, que admirava até os fenómenos que a maioria das pessoas
considerava desagradáveis.
— Veja, o gramado está ainda mais verdejante sob os pingos da chuva! —
comentou ela, radiante, quando cruzaram a Grosvenor Square. — Acho que nestes dias
as plantas sorvem toda a água que conseguem, para permanecer esplendorosas durante
toda a primavera. Que estação maravilhosa esta!
— Todas as estações do ano têm seus encantos. Até o inverno — ponderou o
cavalheiro. — Quer algo mais belo do que um alvo tapete de neve forrando a paisagem
campestre, em um claro dia de inverno?
— Nunca vi neve alva, como essa que fala — confessou ela, pensativa. — Aqui em
Londres a neve é cinzenta.
Provavelmente ela não tinha visto neve branca, mesmo, pensou ele, porque nunca
saíra daquela cidade. Então, era lógico que considerasse a primavera a melhor época do
ano.
— Está com frio? — indagou o sr. Trevelyan, tentando não pensar naquele fato que
o perturbava estranhamente.
— Não. Estou de capa nova. Queria uma com pele, mas lady Emma achou que seria
ostentação. Não me importei, porque esta é linda e combina com o vestido. Não é
maravilhosa?
O sr. Philip sorriu, admirando a habilidade que Alison tinha de ver sempre a parte
positiva de qualquer situação. Assim, conversando, logo alcançaram a Ormond Street.
Foram recebidos por uma criada e entraram no vestíbulo que demonstrava ter sido
pintado, pelo forte odor de tinta.
— Posso ficar com seu guarda-chuva, senhor? — pediu a criada, enquanto ele
ajudava Alison a tirar a capa.
A tarefa não era nada fácil, pois os olhos azuis e toda atenção de sua bela
acompanhante estavam presos por um porta-chapéus. Era um móvel largo, com
projeções pontiagudas que mais pareciam garras de um animal.
— Deve ser coisa de tia Zenóbia — comentou Alison, incerta. De pois indagou,
curiosa: — Oh, o que é isto?
— Uma pata de elefante — informou a figura magra e esbelta que acabara de entrar
no pequeno vestíbulo. — Para ser mais exata, é a pata do elefante que pisoteou o pobre
sr. Winkle.
Um pesado silêncio abateu-se sobre os três.
— Que horror! — murmurou a jovem, por fim.
O cavalheiro notou o tremor na voz e pensou como aquela história trágica devia
chocar seus sentimentos sensíveis.
— Que bom revê-la, Alison querida! — exclamou a tia, parecendo dar o assunto por
encerrado.
— Oh, tia Di, como senti falta de vocês! — respondeu a moça, abraçando a figura
esbelta. — Deixe-me apresentá-la ao sr. Trevelyan, que fez a gentileza de acompanhar-
me até aqui.
— Muito prazer srta. Diana — cumprimentou Philip.
— Di, por obséquio — pediu a senhora, com simplicidade. — Obrigada por trazer
nossa criança para ver-nos, senhor. Bess, por favor, diga às senhoras que Alison está

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

aqui e leve chá para sala de visitas.


Entraram numa saleta cheia de almofadas de seda verde e dourada, outras com
estampas de tigres e pássaros. Pelo olhar de Alison, Philip concluiu que a decoração era
nova.
— Um pouco espalhafatoso — disse a srta. Di, desculpando-se.
— Zenóbia é muito teimosa quando decide fazer alguma coisa. Mas por favor, sente-
se sr. Trevelyan.
— Obrigado, madame.
Ele ia sentar-se quando duas senhoras de mais idade entraram. Foi apresentado à
tia Cleo, roliça e simpática, depois à tia Polly, que parecia a ponto de morrer de vergonha,
em sua timidez.
Alison abraçou as duas senhoras, havendo troca muito grande de carinho entre as
tias e a sobrinha. Era fácil compreender porque ela sentira tanta falta da família.
Quando todos estavam confortavelmente instalados em suas poltronas a criada
serviu chá e bolo.
O sr. Philip ouvira elogios sobre as habilidades culinárias de tia Cleo e decidiu
prestar atenção ao bolo. Porém a primeira garfada lhe revelou que não era tão saboroso
assim. Pensava no que Alison lhe dissera, que a comida em sua casa era farta e ótima,
quando a jovem indagou: — Esteve doente, tia Cleo?
— Não, querida, é Zenóbia que exige que a cozinheira faça a maior parte das
coisas.
Naquele momento a porta se abriu e uma figura envergando um vestido de seda
vermelha entrou. Um forte aroma de patchuli invadiu o aposento.
— Tia Zenóbia, este é o sr. Trevelyan — apresentou-o Alison. — Ele é um grande
amigo de lady Emma.
— Muito prazer senhor, fique à vontade — falou Zenóbia Winkle, sentando-se na
última poltrona disponível. — Venha cá Alison, deixe-me olhá-la.
A jovem aproximou-se da tia e a senhora a observou:
— Está muito elegante. Só que eu gosto de um pouco mais de colorido. Um vestido
cor de cereja lhe cairia muito bem.
— Lady Emma acha que uma debutante só deve usar tons pastéis, tia — explicou a
moça.
— Bem, vou falar com lady Emma antes de partir.
— Partir? — indagou a srta. Di, revelando interesse.
— Sim. Minha amiga, a viúva Bowditch, está em Londres e tem se sentido muito só
e infeliz. Então, descobrimos que há muitos indianos vivendo em Cheltenham. Por isto,
vou com ela até lá, a fim de ajudá-la a encontrar uma bonita casa, que tenciona comprar.
Ah, Alison, não precisa se preocupar, pois o sr. Osborne prometeu tomar conta de você.
Agora vou subir, que tenho de preparar as malas. Com licença, sr. Trevelyan.
Alison não ficou satisfeita com a situação, mas Philip captou um enorme alívio no
olhar das senhoras e teve certeza que algo estranho acontecia. Ia descobrir o que era.

CAPÍTULO VI

— O que está havendo aqui? — indagou Alison, pasmada. — Vocês estão contentes

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com a partida de tia Zenóbia?


— Não é que não sejamos gratas — respondeu tia Di, sem jeito. — Não nos
preocupamos mais com dinheiro.
— Eu não imaginava que ter lareira no quarto fosse tão bom — confessou tia Polly,
num fio de voz, antes de olhar de soslaio para o sr. Trevelyan.
Alison também o fitou, preocupada. Embora parecesse entediado, o sr. Philip tinha a
gentileza de escondê-lo sob uma máscara de polido interesse e Alison achou melhor
voltar a atenção para o problema das tias, mesmo que o cavalheiro pensasse mal do que
acontecia.
— É que não temos nada para fazer — revelou tia Cleo. — E a comida, bem, depois
desse bolo não preciso nem falar!
— Intragável — disse tia Di, com uma careta engraçada. — A infeliz da cozinheira
não sabe nem fritar um ovo direito. Veja, Alison, depois que você foi para a casa de lady
Emma, Zenóbia contratou criados. Podia ser até muito bom ter uma arrumadeira e uma
criada permanentes, mas a cozinheira e o jardineiro estão enlouquecendo as pobres Cleo
e Polly.
— É verdade! — apoiou Cleo Larkin, animada. — Agora que Zenóbia vai viajar,
poderemos despedi-los e..
— Oh, não. Não podem fazer isso! — exclamou Alison, aflita. — Pensem em como
tia Zenóbia vai sentir-se ao ver sua generosidade rejeitada.
— A generosidade de Zenóbia é extremamente opressiva — afirmou tia Di, com
rebeldia.
— Não é só por nós, Alison. Pense nos garotos — manifestou-se tia Cleo. — Se não
venderem as flores de Polly, nem meus pães e tortas, não terão como se sustentar.
— Não tinha pensado nisso. — admitiu Alison.
Notou que o sr. Trevelyan, cuja presença quase esquecera, ficara interessado ao
falarem nos meninos. Ele captou o olhar astuto da jovem srta. Larkim e no mesmo
instante sua expressão voltou à antiga indiferença.
Alison ficou intrigada mas decidiu que havia coisas mais importantes do que a
opinião do sr. Trevelyan. Falou, com calma, enquanto pensava para encontrar uma saída.
— Se os garotos não tiverem o que vender, talvez roubem. Tia Polly, não pode fazer
o jardineiro ajudá-la?
Polly Larkin ficou pálida: não tinha coragem de dar ordens a ninguém. Como não
conseguia responder, Alison prosseguiu: — Ora, tia, não deixe que ele a assuste! O
jardineiro pode fazer o serviço pesado como cavar, começar novos canteiros, enquanto a
senhora cuida das plantas, colhe flores e cultiva espécies exóticas, como sempre sonhou.
— Pode deixar, Polly, que eu falo com o jardineiro! — decidiu-se tia Di, sabendo que
a irmã era insegura demais para fazê-lo. — Darei um jeito nisto assim que Zenóbia partir.
E a cozinheira? Não podemos colocá-la para lavar panelas, já que temos criada para isso.
Aliás, Cleo já tentou ensiná-la a cozinhar e a mulher ficou muito ofendida! Não podemos
continuar comendo mal desse jeito!
— Tem razão, a cozinheira tem que ir embora, do contrário vocês vão morrer de
fome — comentou Alison, com um sorriso. De repente, os olhos azuis brilharam mais: —
Já sei! Tia Cleo, a senhora vai dar ordens a ela o tempo todo, explicar como fazer os
pratos: ela ficará indignada e irá embora.
— É uma ideia maravilhosa! — concordou Cleo, entusiasmada. — Ficarei feliz em
voltar a vender meus. — calou-se, assustada, ao olhar para a porta.
Zenóbia Winkler estava parada no umbral.
— Não precisa trabalhar para ganhar uns míseros trocados, Cleo — disse ela, com
indulgência. — Tenho dinheiro.
— E os garotos, Zenóbia? — insurgiu-se tia Di. — Para nós o pequeno ganho com
esse trabalho não fará falta, mas para eles esses trocados são tudo que têm.

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— Suponho que não ganhem mais que uns poucos pence por semana — teimou a
sra. Winkler. — Ficarei feliz em dar a quantia necessária para ajudá-los.
A voz do sr. Trevelyan fez-se ouvir: — Desculpem-me por interferir, senhoras, mas
gostaria de frisar que há vantagens em permitir que os garotos ganhem seu próprio
sustento. É preferível que eles aprendam a trabalhar do que deixá-los viver de caridade.
— Tem toda razão, senhor — concordou a viúva Winkle, séria.
— Mas não quero que pensem que minhas irmãs precisam trabalhar, quando eu
tenho o bastante para manter-nos.
— Pois então, senhora, poderia aplicá-lo, criando um fundo assistencial para os
meninos desta rua.
Tia Zenóbia parecia inclinada a discordar.
— Mas... — começou a dizer.
— Está na hora de irmos embora, senhoras — atalhou o sr. Philip, interrompendo-a
propositadamente. — Foi um prazer conhecê-las — disse, com uma reverência.
Dirigiu-se para a moça, que ficara sem fala, pegou-a pela mão e Alison seguiu-o,
mal tendo tempo para as despedidas.
— Céus! — suspirou ela, enquanto iam para a casa de lady Emma. — Eu pensava
que todos os problemas haviam acabado com a chegada de tia Zenóbia! Obrigada por
sua sugestão, sr. Trevelyan. Os meninos são muito importantes para nós. Tive medo que
ficasse chocado ao saber da existência deles e de seu relacionamento com minha família.
— Para ser honesto — confessou o jovem cavalheiro — achei que sua tia dirigia um
grupo de ladrões.
— Tia Cleo? — indagou Alison, aturdida. — Não está falando sério! — exclamou e
não pôde conter uma gargalhada.
— Pois é! — confirmou ele. — E a culpa foi sua, por ter usado a palavra "bando"
para se referir a eles. Fiquei interessado porque sou membro de um dos comitês que
investigam a crescente onda de criminalidade que assola a cidade. Descobrimos que uma
porção de casas, aparentemente respeitáveis, eram os pontos centralizadores de ações
marginalizantes. Por isso, quis investigar sua tia Cleo.
O que seriam aquelas casas que ele chamava de "aparente respeitáveis"?,
perguntou-se Alison. Na certa, coisa boa é que não eram. E os comitês aos quais aludira?
— Os comitês são criados pelo Parlamento para investigar esses casos — explicou
ele, como se lesse seu pensamento.
— Agora compreendo porque o senhor vive cheio de compromissos, com hora
marcada. É do Parlamento, então?
— Sim, srta. Larkin.
— Lorde Fane também faz parte da câmara dos lordes. No entanto, ele não
mencionou nenhum comitê.
— Bem, sou um simples parlamentar e muitas de nossas comissões de inquérito são
compostas por ilustres desconhecidos. Mas, diga-me, lorde Fane a visitou?

— Sim, duas vezes. Na primeira não estávamos em casa, mas na segunda ele nos
encontrou. É um cavalheiro muito gentil e o senhor tinha razão quando disse que eu não
precisaria falar muito, somente ouvir com atenção.
— Acho difícil acreditar que tenha feito isto, senhorita — brincou o sr. Philip. Depois
disse, sério: — Acho que não preciso preveni-la para não dizer nada a ele sobre Bubble,
Squeak e. como é mesmo o nome do outro menino?
— Tarry Joe. Pode ficar tranquilo, também acredito que lorde Fane não entenderia.
Além de que, lady Emma me fez prometer que não falaria sobre minhas tias com ele.
— A propósito, creio que adivinhei os nomes de suas tias. — O sr. Trevelyan parecia
orgulhoso do feito. — A srta. Di chama-se, de fato, Dido, não é mesmo? Descobri quando
ela recusou-se a ser chamada Diana. O resto foi fácil, pois o nome Zenóbia me deu a

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pista. Cleo é Cleópatra e Polly, bem este foi um pouco mais difícil, é Hipólita. Todos são
nomes de rainhas da Mitologia ou da História Clássica.
Alison ficou impressionada.
— Muito esperto! Meu avô era estudioso de História Clássica. E ele não apreciava
só personagens femininos: meu pai se chamava Hector, como um príncipe da Mitologia
grega.
— Um historiador? Profissão muito incomum para um... — ele interrompeu-se,
confuso.
— Para um plebeu? — completou a moça, sem mágoa.
— Desculpe-me. Não deveria ter dito isto — falou o sr. Trevelyan, aborrecido.
— Mas o senhor não disse a palavra "plebeu". Fui eu que o fiz — assegurou ela,
sorrindo. — É a verdade quer gostemos ou não. Infelizmente, meu avô era melhor com os
clássicos do que como mercador. Por isto, só a chegada de tia Zenóbia foi capaz de nos
dar alguma segurança financeira.
— Que bom, assim poderá bem aproveitar a sua Temporada.
Alison duvidava que algo pudesse impedi-la de apreciar o período maravilhoso que
estava vivendo. A visita de lorde Fane, que durara quase duas horas, aumentara a
possibilidade de uma Temporada deslumbrante. Afinal, não era sempre que uma jovem
tinha chance de ser apresentada, à sociedade e de, mesmo antes disso, atrair a atenção
de um autêntico lorde. Até parecia um dos romances de que tanto gostava!
Ainda bem que a única coisa que poderia diminuir seu prazer não acontecera: tia
Zenóbia desistirá de falar com lady Emma sobre as cores de suas roupas. Tia Di enviara
um bilhete, dizendo que haviam conseguido dissuadi-la da ideia.
Mas, para seu desapontamento, lorde Fane não seria convidado para o jantar que
lady Emma ofereceria a fim de treiná-la na arte do convívio à mesa e na conversa de
salão.
Foram convidados o sr. Philip, lady Farfield e Robert Gilchrist. Segundo a anfitriã,
precisaria convidar mais um cavalheiro para compor a mesa, mas decidira que um jantar
íntimo como aquele poderia assustar lorde Fane.
Os preparativos estavam sendo feitos, quando o sr. Osborne apareceu, na manhã
no dia marcado para a pequena recepção. Mostrava-se pouco à vontade quando explicou:
— Desculpe-me, milady. Não queria intrometer-me em seus cuidados com a srta. Larkin,
porém a sra. Winkle viajou e incumbiu-me de tomar conta de tudo. Achei melhor vir me
apresentar, caso ela precise de algo.
Alison queria protestar dizendo que não precisava que ele cuidasse dela, porém lady
Emma antecipou-se: — Bom dia, sr. Osborne! Recordo-me perfeitamente do senhor. Por
favor, sente-se. Fiquei-lhe muito grata por ter me ajudado a solucionar alguns impasses
com a sra. Winkle.

Ele sorriu e Alison teve de admitir que era muito bonito, com a pele bronzeada e os
cabelos mais claros, por causa de sua descendência britânica. Não havia como negar que
o sr. Osborne era uma exótica e atraente figura masculina. Pena que fosse tão mais velho
e que não tivesse aquele charme que ela acreditava que seu príncipe encantado teria.
— A sra. Winkle às vezes tem ideias muito peculiares, mas no fundo tem um enorme
coração — declarou o cavalheiro. — Devo todo meu sucesso na Índia ao marido dela.
Lady Emma ainda dirigiu-lhe algumas perguntas, enquanto Alison fingia-se atenta
nas agulhas e fitas. Era uma grande ocupação aquela, principalmente em certas horas,
pensou.
De súbito, sua dama de companhia convidou o ex-mercador para jantar com eles
naquela noite.

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— Será apenas um jantar entre amigos — dizia ela. — Só peço-lhe desculpas por
ser um convite feito tão em cima da hora.
— De forma alguma, milady. Sinto-me honrado por seu convite e aceito com prazer.
Estava mesmo sem compromisso para esta noite. Vejo-a mais tarde, srta. Alison — falou
ele, despedindo-se com um largo sorriso paternal.
Aquela atitude irritou a jovem. Seu olhar reprovador voltou-se para lady Emma assim
que o cavalheiro se retirou.
— Ele é muito gentil — disse a dama, antes que ela falasse, já na defensiva. —
Além disso, tem um excelente humor. Nossa mesa precisava de alguém assim para
contrabalançar as atitudes poéticas e aborrecidas de Robert.
— Não gosto de tê-lo me vigiando o tempo todo. Mais, ainda, por saber que tia
Zenóbia quer que me case com ele.
— Ora, Alison, o sr. Osborne só está fazendo sua obrigação e tenho certeza que
não precisa se preocupar. Por favor, não faça tempestade num copo d'água. Ninguém vai
obrigá-la a se casar com quem não quiser.
Alison desculpou-se, reconhecendo que não fora razoável.
Naquela noite, quando o sr. Osborne chegou ela o cumprimentou, amável, mas era
com o sr. Trevelyan que queria falar. Depois daquele passeio a Ormond Street, haviam se
tornado grandes amigos e estava louca para contar-lhe que visitara os pais de lady
Emma, o conde e a condessa de Edgehill, e adorara a gentileza deles.
Porém, lady Emma a ensinara que não seria delicado falar de assuntos pessoais
quando outras pessoas estivessem presentes. Por isso, ela rezou para ter alguns
momentos a sós com seu mais novo amigo.
Para sua tristeza, quando os cavalheiros juntaram-se às damas na sala de visitas,
foi Robert quem sentou-se a seu lado.
— Fiz um soneto para você — declarou ele, embevecido. — Vou recitá-lo.
— Obrigada, senhor — agradeceu a jovem, buscando com o olhar a ajuda de lady
Emma.
— É melhor que leia para todos nós, então, Robert — sugeriu a dama. — Assim,
poderemos apreciá-lo.
Robert não se fez de rogado e, pigarreando, levantou-se.
— Bem, aqui vai. — Começou, com voz empostada: — "Seus olhos, belos como um
iluminado céu de verão, roubam o brilho das estrelas que no infinito estão."
— Muito bonito, Robert — aplaudiu lady Farfield.
— Não me interrompa, Bella — resmungou o pretenso poeta e prosseguiu: — "Seus
cabelos, negros como a noite, encerram a magia que me leva a correr, enlouquecido,
pelos campos da paixão!"
Alison sorriu e levou a mão a boca, disfarçando.
— O que achou de tão engraçado? — indagou o poeta, ofendido.
— Desculpe-me. Não é seu poema que me diverte. É a ideia de vê-lo correndo
enlouquecido que me parece engraçada.
Os sorrisos da irmã e do sr. Trevelyan só fizeram aumentar a indignação do rapaz.
Alison notou que o sr. Osborne também fazia grande esforço para não rir e ficou
agradecida por ele se conter.
— Acho que devo tocar um pouco, Emma — anunciou lady Farfield, quebrando o
clima pesado que pairava na sala. — Venha comigo, Robert, preciso de ajuda com as
partituras.
Ainda de cenho franzido, ele obedeceu e o sr. Trevelyan aproveitou para ocupar o
lugar vago ao lado de Alison.
— Pensei que fosse ficar deliciada ao ter um poema todinho dedicado à sua beleza.
— zombou ele, exibindo um sorriso nos lábios bem feitos, largos e firmes.
— Eu gostei, foram palavras muito bonitas — respondeu a moça. — Foi muito mal-

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

educado de minha parte ferir os sentimentos do sr. Robert, como fiz. Mas não tive essa
intenção, simplesmente aconteceu.
— Todos nós sorrimos, pelo menos, senhorita. Não leve isto tão a sério. Será que
estou enganado? Tive impressão que vem querendo me contar algo durante a noite toda.
— Tem razão, queria contar-lhe sobre minha visita aos pais de lady Emma. A casa
deles é tão imponente, tão cheia de luxo, que fiquei muito nervosa, ainda mais depois de
saber que não aprovam o tipo de trabalho que lady Emma vem fazendo comigo. Contudo,
achei-os encantadores e fiquei muito satisfeita por tê-los visitado. Imagine só que, quando
estávamos saindo, lady Edgehill perguntou a lady Emma quando desejaríamos ocupar o
salão de baile deles para a festa de minha apresentação oficial!
— E Emma marcou uma data?
— Não seja apressado! Acho que está zombando de mim outra vez. Ah, nunca
esperei ter um baile de apresentação. O senhor irá, não é mesmo?
— Se for convidado.
— Está terrível esta noite, não é? Claro que será convidado.
— Então, vai ter que me reservar uma valsa.
— Bem, se lady Emma disser que não há inconveniente — respondeu ela, incerta.
Lady Farfield tocou mais um pouco, depois pediu ao irmão que a levasse para casa
e logo todos os convidados se retiraram.
A lady deu-se a liberdade de bocejar, quando viu que estavam a sós. Então,
comentou: — Tivemos um dia muito cheio hoje, minha cara. É melhor nos recolhermos.
Alison não sentia um pingo de sono, mas aceitou a sugestão. Quando pararam no
corredor, à porta do quarto dela, a moça disse, meio triste: — Sinto muito ter ofendido o
sr. Robert.
— Não se preocupe. Sei que não teve intenção de zombar dele ao sorrir. Amanhã
vou ensiná-la a disfarçar um sorriso ou um riso, transformando-os num leve tossir. No
entanto, estou satisfeita, pois sua atitude dissuadiu Robert de uma imaginária paixão por
você.
— Acho que foi muito gentil da parte dele ter escrito um poema para mim. Sei que
nunca mais terei esta honra. Mas, lady Emma, não acha que ele pode fazer com que lady
Edgehill desista de emprestar o salão de bailes para minha festa?
— Ele não vai nem tentar e se o fizer minha mãe não lhe dará a menor atenção.
Pode dormir tranquila, querida.
Alison entrou em seu quarto e notou que estava excitada demais para conseguir
adormecer. Havia sido muita coisa para um dia só. Ia ter um baile só para ela e o sr.
Trevelyan já lhe pedira para reservar uma valsa. Ao deslizar sob as cobertas perfumadas
suspirou, desejando que aquela felicidade sempre a acompanhasse.
Quando Cárter entrou para apagar a vela de cabeceira, Alison já dormia
profundamente e sonhava com momentos de glória.

CAPÍTULO VII

— Tem certeza que não está com frio, srta. Larkin?


Alison tinha a impressão que se dissesse que sim, lorde Fane ofereceria o casaco
para agasalhá-la. Ele era o cavalheirismo em pessoa, mas apesar do vento frio que

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

soprava no parque, ela sentia-se aquecida.


— Obrigada por sua atenção, milorde. Mas estou muito bem.
— Folgo em sabê-lo, senhorita. Peço-lhe desculpa se meus cavalos não se
comportarem, eles não apreciam o vento.
— Confio em sua habilidade para conduzi-los, senhor.
— Tento ser o mais cauteloso possível, quando tenho alguém em minha companhia
— declarou o jovem lorde, com modéstia. — Jamais sujeitaria uma lady a andar num
veículo ridículo como aquele — indicou um faéton, a novidade em carruagem — esporte,
leve e mais rápida, com lugar para duas pessoas. — Aquele é lorde Kilmore, um homem
pouco confiável, eu diria.
Alison achou melhor não dizer que o veículo inovador a agradava bastante e que
deveria ser emocionante passear daquela maneira despojada, com rapidez, o vento
despenteando o cabelo. Ficou imaginando quem seria a dama que se encontrava ao lado
de lorde Kilmore. Talvez nem fosse uma lady, imaginou, considerando o comentário de
lorde Fane.
Antes que tivesse desviado o olhar curioso do casal no faéton, lorde Kilmore
percebeu seu interesse e arqueou as sobrancelhas escuras, com ar divertido,
embaraçando Alison que tornou a dar atenção a seu acompanhante.
Lorde Fane parecia conhecer todos que passeavam por ali. Cumprimentava e era
cumprimentado por várias pessoas. Quando apresentava sua acompanhada, sempre
dizia que era a nova protegida de lady Emma. Ao que parecia era o suficiente para
considerá-la como uma moça de boa família. Afinal, se assim não o fosse, lady Emma
não a teria aceitado. Ela acreditava que se algumas dessas pessoas soubessem de sua
origem humilde a tratariam de maneira bastante diferente. Mas naquele momento o que
importava era que estava satisfeita com a vida que vinha levando.
— Acho que muitos rapazes estão me invejando, senhorita. — disse o lorde, com
satisfação evidente, e enquanto conduzia os cavalos para longe dos portões do parque
acrescentou: — Vai me dar o prazer de sua companhia para um passeio, outra vez, srta.
Larkin?
— Com certeza, milorde. O senhor é gentil em convidar-me.
— Sou grato a Trevelyan por nos ter apresentado. Quem sabe assim terei vantagem
sobre meus rivais, que se multiplicarão depois que a senhorita for apresentada
oficialmente. Por falar nisto, recebi um convite para seu baile. Seria muito pedir que
reservasse duas danças para mim?
— Ficarei encantada, senhor.
— Está livre para o jantar, senhorita?
Emocionada pela honra que lorde Fane estava por conceder-lhe, Alison murmurou
que ainda estava livre.

— Então, insisto que jante comigo. Faço questão de conduzi-la pelos salões, num
momento tão importante.
Poucos minutos depois ele a ajudou a descer da carruagem diante da casa de lady
Emma.
— Por favor, senhorita, não se esqueça de anotar as danças que reservou para
mim.
— Não me esquecerei — prometeu ela, maravilhada.
Ao entrar na casa, foi direto à procura de lady Emma para contar-lhe as novidades.
Henry, o mordomo, informou-a que a dama estava na sala de visitas e, correndo, ela
entrou na sala ricamente decorada, fazendo a dama fitá-la, curiosa.
— Nem imagina, madame — anunciou a moça, de um fôlego só.
— Lorde Fane pediu-me que reservasse para ele a honra de me conduzir ao jantar!
— Só então deu se conta de que havia um cavalheiro sentado na poltrona que ficava de

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

costas para a porta. — Desculpem-me, eu não quis ser indelicada. Como está sr.
Trevelyan?
O cavalheiro respondeu ao cumprimento e não pronunciou uma só palavra,
parecendo ter voltado ao antigo mau-humor.
— Bem, Emma, já estou indo — disse ele, alguns minutos depois. — Vou lhe trazer
o livro que prometi, logo depois da minha cavalgada.
Por mais que Alison tentasse descobrir o que houvera, o que ele estava pensando,
não conseguia, pois o rosto moreno era uma máscara inexpressiva. Com um aceno de
cabeça, ele saiu da sala e da casa, enquanto ela, desanimada, deixava-se cair na
poltrona que ele ocupara até então.
— Que pena o sr. Trevelyan não ter ficado feliz por mim — comentou, pensativa.
— Eu diria que Philip anda com um problema que nada tem a ver com você, minha
cara. Todos temos nossos problemas. Mas, então, lorde Fane agiu como você sempre
sonhou, não foi?
Alison sorriu e desandou a falar, entusiasmada: — Imagine, ele disse que todos os
outros rapazes o invejavam por eu estar passeando em sua companhia. Não é
maravilhoso?
— Maravilhoso! — respondeu lady Emma, como um eco.
— Havia um cavalheiro, quer dizer, suponho que seja cavalheiro. Lorde Kilmore, que
lorde Fane não aprecia.
— Lorde Kilmore? Eu o conheço, mandei um convite para que ele compareça a seu
baile.
— A senhora mandou? Pelo que lorde Fane disse, pensei que talvez ele não fosse
muito respeitável.
Lady Emma deu de ombros, ao responder: — Não é bem assim. Todos o convidam
e suas maneiras são encantadoras. Tem um único defeito: prefere companhias femininas
de reputação muito duvidosa.
— Ah, bom — disse Alison, perdendo o interesse. — Será que o sr. Trevelyan vai
desistir de dançar comigo?
— Por que desistiria?
— É que tive impressão que ele perdeu sua afeição por mim. Não ficou satisfeito ao
ver-me, hoje.
— Não seja tola, minha querida. Philip tinha alguma preocupação. Além de que,
mesmo se o que está pensando fosse verdade, ele é cavalheiro o suficiente para não
voltar atrás. Acho que deve anotar que já tem quatro danças reservadas, então. Meu pai
ofereceu-se para dançar a primeira música com você, já que a festa será na casa dele.
— Lorde Edgehill? — os olhos azuis exibiram uma mistura de regozijo e surpresa. —
Pelos céus, não mereço tanta honra!

— Papai achou que seria uma honra para ele também. Meus pais gostaram muito de
você, Alison. Mamãe até virá para o seu chá. Ah, antes que eu me esqueça, sua tia vai
mesmo preparar os doces e o bolo para nosso chá de amanhã?
— Sim, madame, pode confiar em tia Cleo. Acredito até que ela passará a noite em
claro, para tudo sair perfeito.
Na manhã do dia seguinte Alison desceu depois das nove horas e estava ansiosa
quando tia Di chegou, acompanhada por Midnight. Assim que a senhora entrou na sala
onde lady Emma e a sobrinha conversavam, rompeu em prantos.
— O que houve, tia Di? — perguntou Alison, alarmada.
— Cleo está querendo morrer — começou a dizer confusamente a velha tia. —
Aquela infeliz da criada que Zenóbia contratou esqueceu a porta da cozinha aberta e
meus terriers comeram os doces que ela havia preparado para o chá desta tarde.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— O bolo, tudo? — quis saber a jovem.


— Sim, estou desolada, Alison querida. Nem sei o que dizer.
— Não foi culpa de vocês, tia Di — consolou-a a sobrinha, buscando com o olhar a
ajuda de lady Emma.
— Cleo foi comprar ovos e farinha, mas não terá tempo de fazer tudo outra vez. Só
temos um forno e não há quem ajude.
Fez-se um silêncio pesado, até que lady Emma falou: — Bem, duvido que minha
cozinha seja maior que a de vocês, também tenho só um forno, então não adianta ela vir
para cá. Portanto, diga à srta. Cleo que prepare o que puder e verei o que consigo na
Doceira Gunter's, se bem que eles irão reclamar por serem avisados na última hora.
— O que tem a Gunter’s? — indagou o sr. Trevelyan, que acabara de entrar, com o
livro que prometera para lady Emma.
As três passaram a contar a história ao mesmo tempo, no entanto, ele não teve
dificuldade para entender e manifestou-se assim que elas se calaram: — Bem, acho que
tenho a solução. Meu cozinheiro e seu ajudante não terão tempo para preparar os doces
e bolo para um chá que será à cinco horas. Porém, se a srta. Cleo for para minha casa e
supervisionar o pessoal, eu creio que tudo dará certo, porque temos bastante espaço e
dois enormes fogões. Agora, é só mandar um criado comprar o que é preciso e levar à
minha casa, Emma. Srta. Di, será que posso levá-la? Assim, acalmará logo a srta. Cleo.
— Obrigada, senhor, mas tive que trazer Midnight comigo. Mandei-o ficar lá, mas ele
não me obedeceu.
— Ora, tenho confiança em Midnight — sorriu o sr. Philip — ele se comportará como
um cavalheiro em minha carruagem.
— Vai mesmo levá-lo? — quis saber Alison, duvidando.
— Exatamente e será um prazer para mim, senhorita.
— Obrigada, senhor — agradeceu ela, com um lindo sorriso — por mim e por tia
Cleo, que deve estar desolada.
— Não tem porque me agradecer. Meu chefe de cozinha pode resmungar um pouco
por dividir seu reinado, porém eu mesmo não sofrerei transtorno algum. Vamos, srta. Di?
A tia despediu-se, beijou a sobrinha e Alison observou pela janela a gentileza com
que o sr. Philip tratava sua tia.
Lady Emma deu ordens a dois empregados, e voltou a juntar-se Alison, na sala.
Com um suspiro, pediu: — Sirva-me um pouco de chá, querida. Que manhã exaustiva!
A jovem assentiu e comentou: — Não sabia que o sr. Trevelyan tinha uma casa tão
grande.
— Sim, a casa dele é bem espaçosa, tem até um pequeno salão de baile e seu
meus pais não houvessem emprestado o deles eu ia pedir a Philip para fazê-lo. O salão
de baile dele não é usado desde o casamento de sua irmã mais jovem.
— O sr. Trevelyan tem irmã?

— Duas irmãs e dois irmãos. Um dos irmãos é capitão da Marinha Real e outro é
pastor anglicano.
— Engraçado, sempre achei que ele era sozinho no mundo.
— Philip é mais apegado à família do que a qualquer coisa na vida, mesmo que as
reuniões no Parlamento o impeçam de vê-los com frequência.
Alison descobriu, surpresa, que sentia inveja do lugar que lady Emma ocupava no
coração de Philip Trevelyan.
Naquela tarde, pouco depois das duas horas, vários serviçais chegaram à casa da
dama com os confeitos, doces e biscoitos, delicadamente decorados, e um bolo triunfal
para o chá.
As duas primeiras convidadas a chegar foram lady Witherington e sua filha. Alison
gostava muito de Fanny Witherington e, como o sentimento era recíproco, as duas haviam

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

se tornado grandes amigas. As demais convidadas eram uma dúzia de debutantes e suas
mães. Tudo correu muito bem e as Witherington foram das últimas a ir embora.
— As opiniões estão divididas — confidenciara Fanny para Alison, antes de sair. —
Metade das mães acha que não devem deixar as filhas perto de você, porque temem que
uma comparação possa ser favorável à jovem protegida de lady Emma — explicara,
sorrindo. — A outra metade julga que sua beleza atrairá tantos rapazes que se as filhas
estiverem por perto poderão conseguir um bom partido.
— Lady Witherington também pensa assim, Fanny? — indagara Alison, confusa.
— Claro, querida. Mas para o bem de nosso amizade, mamãe se encaixa no
segundo grupo.
As moças haviam rido e feito alguns comentários. Quando a última convidada saíra,
lady Emma declarara, triunfante: — Recebemos sete convites e lady Witherington indagou
quem é o maravilhoso confeiteiro que fez essas iguarias!

CAPÍTULO VIII

— E lady Witherington quis saber onde lady Emma encontrara um confeiteiro tão
fantástico — relatou Alison à tia Cleo que sorria, orgulhosa. — Ela me convidou para o
baile de Fanny, que vai ser um dia depois do meu.
— Será que podemos usar minhas flores para decorar o salão de baile, Alison? —
perguntou, timidamente, tia Polly.
Alison beijou-a nas faces envelhecidas, depois respondeu: — É lady Edgehill quem
está cuidando da decoração, tia. Preciso falar com ela.
Uma certa tristeza brilhou no rosto da simpática e humilde senhora, mas ela reagiu,
fingindo alegria: — Oh, não, querida! Não precisa falar com ela. Acho que lady Emma já
fez todos os preparativos necessários. É muito atenta e me parece uma senhora tão
bondosa! Não quero que...
— Não se preocupe tia. Lady Emma contou sobre nossa família para a mãe dela,
por isso, posso falar sobre suas plantas. Ah, esqueci de dizer, tia Cleo: lady Edgehill
esteve no chá e mandou cumprimentá-la pelos doces maravilhosos.
No dia seguinte, para sua própria surpresa, ao saber que a mãe de lady Emma
concordara em usar flores de tia Polly na decoração, o sr. Trevelyan pegou-se
oferecendo-se para levar a srta. Hippolita Larkin para ver o salão de baile de lady
Edgehill, a fim de verificar o que seria preciso.
— Vai ser gentil com ela, não vai? — suplicou-lhe Alison, ansiosa. — Tia Polly é
uma criatura muito sensível.
— Fique tranquila, srta. Alison: não costumo destratar senhoras indefesas — brincou
ele.
— Sabe a que me refiro, senhor. Eu gostaria de acompanhá-los, mas preciso ir
experimentar o vestido de baile.
— Será que se trata de um bonito vestido cor de cereja, como de seja a sra. Winkle?
— Veja — respondeu a moça, corando — era a isso que eu me referia. Se o senhor
brincar com tia Polly desse jeito, ela pode morrer de desgosto.
— Repito, srta. Larkin, fique tranquila. Vou prender minha língua e usar minhas

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melhores maneiras para com sua tia.


Quando ele foi buscar a srta. Hippolita, ficou deliciado ao perceber que para as
velhas tias de Alison era um herói, depois de ter salvo o chá do dia anterior.
A srta. Polly sentou-se na carruagem parecendo bastante sossegada enquanto
percorriam as ruas de Londres e, depois, as estradinhas que cortavam os campos nos
arredores da capital, onde ficava a propriedade do conde de Edgehill.
Lady Edgehill era uma figura alta e elegante, que cumprimentou a srta. Polly com
delicadeza e os conduziu ao salão que deveria ser decorado.
— Minha filha me contou que... Qual o problema, srta. Larkin? — indagou a dama,
com voz alterada.
O sr. Philip voltou-se, alarmado, e viu que grossas lágrimas rolavam pelas faces da
boa senhora.

Ele tornou-lhes as mãos entre as suas, notando pela primeira vez os sulcos e calos
somados à deformidade causada pelo reumatismo. A mãe dele padecera daquela
doença.
— O que a está incomodando, madame? — indagou, gentil.
— Pensei que o salão fosse menor — murmurou a senhora, triste. — Minhas flores
não serão suficientes para este espaço. Eu queria tanto fazer algo por Alison!
— Podemos improvisar alguma coisa — declarou o sr. Philip, depois de pensar um
pouco. — Que flores a senhora tem?
— Lírios, narcisos e junquilhos.
— A primavera — disse ele, com ar sonhador — a estação favorita de Alison, quero
dizer, da srta. Alison. — Seus olhos castanhos percorreram o salão.
As paredes eram cor de creme, com enormes janelas cobertas por cortinas de
veludo verde-escuro. Havia algumas estátuas nos cantos e numa das extremidades o
palco para os músicos que, segundo a tradição, deveria ser coberto de flores.
— O verde brilhante da primavera também pode ser trazido para cá — prosseguiu
ele. — Não palmas e outras folhagens comuns, mas plantas típicas do campo, que
crescem em qualquer lugar, como vegetação selvagem. Poderíamos decorar o palco com
elas, ficaria interessante.
— É uma ideia diferente — falou lady Edgehill, cautelosa.
— E então, madame, poderíamos ajeitar nos nichos e nos cantos as flores
primaveris.
— Os lírios e junquilhos completariam a decoração! — acrescentou tia Polly, com a
esperança renascendo no olhar.
— Já pensou no perfume delicioso que invadirá esta sala? — reforçou ele.
— Tem razão, senhor. Podemos tentar.
O sr. Philip levou-a para casa. De alguma forma, descobrira que aquela mulher
tímida tinha muito em comum com sua mãe: a sensibilidade aguçada, o amor às plantas,
a terrível e dolorosa doença que retorcia suas articulações. Uma imensa ternura o tocou e
Polly Larkin conquistou seu afeto.
Assim que saiu da Ormond Street, seu primeiro impulso foi ir à casa de lady Emma
para contar a novidade a Alison, mas decidiu que não seria muito elegante fazê-lo, pois
ela logo acabaria sabendo da notícia.
Naquele mesmo dia, Alison passou a tarde na casa de lady Witherington. Ela e
Fanny haviam se deliciado conversando sobre os mais recentes romances que haviam
lido. Quando a carruagem dos Witherington a deixou em casa, estava com as fantasias
românticas tão avivadas pela conversa com a amiga, que corre em busca de lady Emma.
No entanto, a reprimenda que levara no dia que entrara na sala em disparada, fez com
que parasse à soleira da porta. Então, ouviu a voz de Philip Trevelyan e ficou feliz por ter

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hesitado.
— Desde que ela entrou em nossas vidas tudo mudou — dizia ele. — Só espero que
isso não transforme a Temporada em um grande desastre.
Silenciosa, Alison se afastou, com lágrimas ardentes descendo dos olhos
entristecidos. Mas, determinada, parou e as enxugou: não ia permitir que aquele homem a
intimidasse. Era ridículo sentir-se tão frustrada porque alguém não gostava dela. Porém,
teve de admitir que a opinião de Philip Trevelyan era algo que começava a ser muito
importante, embora ainda não soubesse o por quê.
Um pouco mais tarde, lady Emma foi ver como fora seu dia. A julgar pela aparência
tranquila, sua acompanhante não ficara impressionada com os comentários do amigo.
— Então, meu bem, teve bons momentos em companhia dos Witherington? Preciso
lhe falar sobre a visita de sua tia a casa de meus pais. Philip não resistiu e veio contar-
me.
— O que ele contou? — indagou a moça, preocupada.
— Bem, parece que sua tia ficou desesperada quando viu o tamanho do salão. —
Com voz pausada, lady Emma a pôs a par do que acontecera, a solução encontrada por
Philip e prosseguiu: — Ele ficou muito satisfeito em resolver o problema e confessou-me
que desenvolveu um grande carinho por sua doce tia Polly. Ela o fez lembrar da mãe.
Alison não sabia o que dizer. Aquele homem era mesmo um enigma, pensou. Uma
hora dizia coisas que magoavam, em outra era um perfeito cavalheiro. Agora devia voltar
a ser-lhe grata. Que grande quebra-cabeça era Philip Trevelyan!
Finalmente, chegou o dia do baile. Desde o café da manhã lady Emma a
bombardeou com uma série de recomendações.
— Nunca dance mais de duas vezes com o mesmo cavalheiro. Uma boa desculpa é
dizer que já tem par. Lembre-se, embora não tenhamos convites para o Almack, muitas
das patronesses estarão no seu baile e bastará uma palavra delas para arruiná-la. Acho
que se sairá muito bem, mas por favor, Alison, não fale sobre suas tias.
Estava linda no vestido de baile em cetim branco, de corpete justo, bordado com fios
de prata, e saia ampla, valorizando a cintura esguia. Os cabelos negros haviam sido
penteados num estilo romano, realçando os traços do rosto bonito.
Ela sentia-se terrivelmente nervosa, achando que jamais iria lembrar-se de todas as
regras. Ainda bem que Philip estaria lá para aconselhá-la.
Precisava parar de pensar no sr. Trevelyan como Philip, avisou a si mesma, do
contrário, acabaria chamando-o pelo primeiro nome, o que seria uma gafe imperdoável.
Uma batida na porta a trouxe de volta à realidade. Era Cárter, com dois buquês. Um
de lírios do vale, mandado pelo sr. Trevelyan, e outro de rosas champanhe, enviado por
lorde Fane. Ela afligiu-se e recorreu à sua protetora: — O que faço, madame? Se usar as
rosas de lorde Fane o sr. Trevelyan ficará magoado, se usar os lírios lorde Fane que se
ressentirá.
— Um terrível dilema! — exclamou sua acompanhante, parecendo divertir-se. —
Bem, enquanto você decide, vou me vestir.
Alison a seguiu, junto com Cárter, até o quarto.
— Espero que dance esta noite, madame — falou, num impulso.
— Acho que sim, se alguma boa alma me convidar.
Alison ficou livre da indecisão quando, mais tarde, na saleta, Henry, o mordomo,
entrou com lindas rosas brancas e entregou-as a ela.
— São de lorde Edgehill — comunicou a moça, lendo o cartão. Que gentil da parte
de seu pai, madame! Acho que isto resolve meu problema. Agora, nem lorde Fane, nem o
sr. Trevelyan poderão ficar aborrecidos, pois vou usar as flores que meu anfitrião enviou.
— Muito apropriado — concordou lady Emma.
As flores fizeram Alison recordar-se de tia Polly e não pôde deixar de se perguntar
se desta vez os terriers também não teriam estragado os canteiros.

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Preocupada, assim que chegou à mansão dos Edgehills quis saber se as flores da
tia haviam chegado.
— Venha ver você mesma — respondeu a condessa, sorrindo. — Imagine, querida
— disse ela à filha — um bando de moleques de rua trouxeram as flores e um deles teve
a ousadia de pedir a Jeffrie para ver o salão onde a srta. Larkin iria dançar. É claro que
ele negou e alguns minutos depois os criados os encontraram espiando pelas vidraças do
salão de baile. Jeffrie os despachou.
Alison ficou feliz porque os meninos tinham visto o que desejavam. Ela gostava
muito daquelas pobres crianças.
Quando olhou para o salão, precisou prender a respiração, tal era o esplendor dos
lustres de cristal e dos jarros de onde curvavam-se narcisos, lírios e junquilhos em
profusão. Folhagens delicadas somavam-se às flores e a impressão era de um imenso
jardim mesclado ao luxo do aposento.
— Muito original — aprovou lady Emma. — E ficou lindo!
Antes que pudesse fazer qualquer comentário, Alison se viu conduzida para porta da
frente, onde junto ao conde e a condessa, passou a receber os convidados.
Todas aquelas pessoas haviam ido ali para conhecer Alison Larkin, da Ormond
Street, que fazia seu debut na sociedade.
Enquanto, ainda se regozijava com a conquista, Philip Trevelyan chegou, vestido
com refinada elegância.
— Está encantadora — murmurou ele, ao cumprimentá-la. — Espero que não tenha
se esquecido da minha valsa.
— Claro que não, senhor, e obrigada pelas flores.
— Creio que essas que usa foram enviadas por lorde Fane.
Alison ficou feliz em poder negar: — Não, senhor. Estas me foram enviadas por
lorde Edgehill.
Mal havia respondido, lady Emma aproximou-se, acompanhando um bonito rapaz
moreno.
— Alison, este é lorde Kilmore. Lorde Kilmore, deixe-me ter a honra de apresentá-lo
à minha protegida.
Ele curvou-se com deferência, porém afastou-se sem dirigir-lhe uma única palavra.
Alison observou-o e teve a impressão que, apesar de seu traje seguir as normas
impostas para as reuniões sociais, parecia bastante modesto. Contudo, a figura elegante
e bonita de lorde Kilmore sobressaía entre os demais convidados e ela desejou que ele a
convidasse para dançar.
Lorde Fane interrompeu-lhe os pensamentos e seu olhar reprovador era evidente.
— Eu pensei que usaria minhas flores, srta. Larkin — disse, em tom não muito
amistoso.
— E era o que eu talvez tivesse feito, milorde, porém estas me foram enviadas por
lorde Edgehill e acreditei que seria mais apropriado usá-las, já que se trata de meu
anfitrião.
Lorde Fane mudou imediatamente de atitude e concordou: — Claro, muito mais
apropriado. Talvez a senhorita possa conceder-me outra dança depois das que já
reservei?
— Espero que sim, senhor.
O jovem lorde se afastou e Alison voltou a encontrar Lady Emma, que lhe disse,
preocupada: — Esqueci de dizer-lhe uma coisa, querida. Você não pode dançar a valsa,
pois ainda não foi apresentada oficialmente e precisa da permissão das patronesses.
Agora, papai vai levá-la para que abram o baile.
Um grupo de convidados se aproximou e lorde Edgehill a conduziu ao salão, antes
mesmo que ela pudesse questionar aquela imposição. Já tinha antecipado o prazer de
valsar com Philip Trevelyan e lady Emma a proibia de fazê-lo!

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No momento em que, terminada a primeira dança, lorde Edgehill entregou-a a lorde


Fane, Alison já havia decidido que dançaria com Philip de qualquer jeito.
Por várias vezes dançou, tendo como par rapazes atenciosos. Também por várias
vezes tentou falar com lady Emma sobre a proibição da valsa, mas não conseguia
encontrá-la a sós.
Num certo momento, ao aproximar-se da condessa, notou que lorde Robert estava
lá. Não o havia visto desde aquele fatídico jantar, quando rira de seu poema. Contudo, o
jovem a cumprimentou sem aparentar ressentimento e disse: — A próxima dança é
minha, srta. Larkin.
— Foi uma precaução — informou a condessa, sorridente. — Tivemos medo que
você não fosse muito tirada. Vejo que foi um cuidado completamente desnecessário,
minha querida.
— Obrigada, milady. Mas tem certeza de que não se importa, senhor? — perguntou
a jovem. — Pensei que depois de...
— Será uma honra — cortou o sr. Robert, com suavidade, levando-a para o salão.
— Teve razão ao rir de meu poema, senhorita. Havia imagens neles que não eram nada
poéticas. O poema todo precisava de um polimento.
— Quer dizer que vai reescrevê-lo?
— Pelo céus, não! Não estou mais interessado em versos. Agora descobri que a
flauta é um esplêndido instrumento.
Desapontada por perder a chance de ter uma poesia dedicada à sua pessoa, ela
ouviu-o ressaltar as maravilhas da flauta.
— Foi ótimo a senhorita ter tido o bom senso de rir de minha poesia. Para me
consolar, Bella arrastou-me para o piano e assim descobri minha verdadeira vocação
artística.
Ele a estava conduzindo para junto de lady Emma, depois da dança, quando uma
voz os interrompeu: — Bob, seja um bom amigo e apresente-me a senhorita.
Alison voltou-se e encontrou-se diante de dois olhos tão azuis quanto os dela.

CAPÍTULO IX

— Neil, você veio! — Robert parecia muito satisfeito. — Srta. Larkin, permita-me
apresentá-la a lorde Deverill.
Alison sentiu-se como se estivesse olhando através de um espelho distorcido. A
começar pelos olhos azuis, todos os outros traços do rapaz eram extremamente
parecidos com os dela. Os cabelos cor de ébano, também crespos, tinham o mesmo
reflexo azulado e só o corte masculino os diferenciava. Lembrou-se, de repente, que
Deverill era o nome da família de sua mãe.
— Como vai, milorde? — murmurou, confusa, imaginando se lorde Deverill teria
alguma noção do parentesco.
— Não há como negar que somos parentes, srta. Larkin! — disse o jovem lorde,
adivinhando o que ela pensava. — A senhorita é a própria imagem de minha irmã Eileen!
— Por acaso, o senhor tem alguma relação com o visconde Deverill de Ballycarrick?
— indagou ela. — Porque, se tiver, creio que somos primos. Ele era pai de minha falecida

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

mãe.
— É a dama mais bonita da festa e revela ser minha prima! — comentou lorde
Deverill, maravilhado.
O sr. Gilchrist olhava de um para outro, duvidando do que via. Por fim, exclamou: —
Céus! Como não percebi? Vocês parecem gêmeos. Eu disse que você iria gostar do baile,
Neil! Vamos para a sala de jogos?
— E deixar minha prima sozinha? Não, obrigado. Por favor, prima, será que pode
me conceder a próxima dança?
— Oh, sim, com prazer. Mas antes terá que pedir permissão a lady Emma — avisou
a jovem e olhou ao redor, mas não viu nem sinal de sua acompanhante.
— Não há problema — assegurou Robert. — Desde que são parentes, está tudo
certo. Eu mesmo informarei minha irmã.
Assim que ela e lorde Deverill juntaram-se aos demais pares, na pista de danças, a
moça ficou consciente de que atraíam muitos olhares curiosos. A semelhança era
evidente e logo todos comentariam que tinha um primo visconde.
Contudo, aquele prazer cedeu lugar a outro, o da própria companhia de lorde
Deverill. Ele era uma pessoa alegre, simples e Alison viu-se sorrindo durante todo o
tempo. Na hora em que a música terminou, parecia conhecê-lo há anos.
— Preciso apresentá-lo a lady Emma — ela falou, decidida, arrastando-o consigo.
— Tenha piedade, prima Alison! Não me leve ao dragão.
— Lady Emma não é um dragão, é uma dama simpática e gentil. Além disto, preciso
vê-la e o senhor não pode abandonar-me.
Lorde Deverill deu um suspiro exagerado e obedeceu.
Alison já havia percebido que lorde Kilmore a observava com sua característica
expressão zombeteira. Aquele homem a intrigava. Era óbvio que não tivera oportunidade
de pedir-lhe que reservasse uma dança para ele, mas agora que a via aproximar-se de
lady Emma podia muito bem fazê-lo. Então, por que não o fazia?

Não estranhou quando viu que o sr. Osborne estava ao lado de sua orientadora.
Apenas um leve aborrecimento a tocou, pois não gostava de ser vigiada durante todo o
tempo. Porém, o cavalheiro indiano parecia estar mais interessado na conversa com a
lady do que em vigiá-la. E nenhum dos dois levantou os olhos quando ela aproximou-se
com o primo Neil.
Robert ficou por perto, esperando o amigo. Fanny, ao vê-los, procurou aproximar-se
de Alison, que a apresentou aos dois rapazes. De imediato, lorde Robert convidou a srta.
Witherington para dançar.
— Sinto muito, senhor — respondeu a moça, depois de consultar seu carne. — Mas
a próxima dança é uma valsa e ainda não tenho permissão para valsar.
— Então, reserve-me a seguinte — insistiu o jovem Gilchrist— enquanto vou pedir
licença à senhora sua mãe.
— Não poderíamos sentar-nos juntos para assistir aos outros valsarem? —
perguntou Fanny a Alison.
— Creio que sim. Mas por que não podemos dançar a valsa?
— Até que tenhamos sido autorizadas por uma das patronesses do Almack, dançar
a valsa afundaria nossa reputação para sempre — respondeu Fanny, em tom
confidencial.
Alison se pôs a pensar como deveria dizer ao sr. Trevelyan que não poderia dançar
a valsa com ele.
Por o cavalheiro se aproximava do grupinho, acompanhado por uma roliça matrona
de meia-idade. Seu era misterioso quando ficaram frente à frente e ele disse: — Lady
Castlereagh, permita-me apresentar-lhe a srta. Larkin.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Alison cumprimentou-a cortesmente, identificando o nome. Lady Castlereagh era


esposa do Ministro do Exterior e uma das patronesses do Almack. A dama disse,
sorrindo: — Philip persuadiu-me a convencê-la de que ele é o parceiro ideal para iniciá-la
na arte de valsar, srta. Larkin.
— Obrigada, milady, ficarei encantada — respondeu Alison, com graciosa
reverência, dizendo-se que deveria ter imaginado que Philip teria tudo sobre controle. —
Se não faz objeções, madame, apresento-lhe, e ao sr. Trevelyan, o meu primo, lorde
Deverill, e minha amiga, a srta. Witherington.
A matrona cumprimentou-os, enquanto Philip, exibia um olhar atônito com o fato de
existir um primo. Alison teve vontade de rir ao ver a expressão dele.
— Espero que dance a valsa com a srta. Witherington, sr. Deverill — sugeriu lady
Castlereagh, quando Robert retornava, depois de pedir a permissão da mãe de Fanny.
— Ficaria encantado, madame — disse Neil, polidamente, percebendo a ansiedade
nos olhos do amigo — porém acredito que o sr. Gilchrist pediu essa honra primeiro.
— Gilchrist? O filho do conde? Ah, sim, srta. Witherington! Eu diria que apreciará
muito valsar com o senhor Gilchrist — e, sorrindo, a dama separou-se do grupinho.
— Guarde a próxima valsa para mim, prima — murmurou Neil, quando Alison se
afastava pela mão de Philip.
— Então, descobriu um primo? — indagou ele, enquanto rodopiavam pelo salão.
— Não acha maravilhoso? O sr. Robert apresentou-nos, embora não tivesse a
menor ideia de que éramos parentes. Primo Neil é tão simpático! Não pode imaginar
como fico feliz de saber que tenho um primo assim gentil e elegante.
— Acho que posso imaginar — ele a fitava com grande simpatia nos enigmáticos
olhos castanhos.
Girando pelo salão, nos braços fortes do sr. Trevelyan, Alison acreditava que aquele
era o lugar mais maravilhoso do mundo e que não podia existir alguém mais feliz que ela.
Quando o sr. Philip a escoltou de volta à lady Emma, lorde Fane havia tomado o
lugar do sr. Osborne. O tempo passara depressa e já chegara a hora do jantar.

O sr. Trevelyan ausentou-se por alguns minutos e voltou na companhia de lorde


Deverill, apresentando-o a lady Emma e lorde Fane, como amigo de Robert e primo de
Alison.
— É amigo de Robert? E o distraído do meu irmão não notou a semelhança com
Alison? Ficaremos muito felizes em receber sua visita qualquer dia destes, sr. Deverill
— Muito grato, madame. Aceito com prazer o seu convite. Será que pode me dar a
honra desta dança? — pediu ele a lady Emma, com uma reverência.
Alison teve que disfarçar o sorriso com a falsa tossezinha que a dama lhe ensinara,
pois achou muito engraçado o primo convidar lady Emma para dançar, depois de ter
aludido a ela como um dragão.
— Obrigada, lorde Deverill — agradeceu a dama — mas prometi jantar com o sr.
Trevelyan. Veja, aí vem meu irmão. Talvez o senhor possa roubar-lhe a dama.
O jovem lorde Neil seguiu o conselho e foi, com a srta. Fanny, em busca da mãe
dela para pedir-lhe permissão, enquanto Robert os fitava, não conseguindo ocultar o
ciúme.
Uma discreta tosse da irmã, fez com que ele voltasse a atenção para a moça a seu
lado.
— Sua amiga é encantadora — disse ele a Alison. — Acho que ela lhe disse que
toca piano, mas talvez não tenha dito que o irmão também toca flauta. Ela tem alguns
livros de música que eu gostaria de ver.
— Que sorte a de vocês, os dois com os mesmos interesses! — exclamou Alison,
evitando olhar para o sr. Trevelyan, pois sabia que ele estava pensando no poema que
Robert lhe dedicara e tinha medo de começar a rir. — A srta. Witherington é muito

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

simpática — interferiu lorde Fane, pela primeira vez. — Imagino que irá ao baile dela
amanhã, srta. Larkin? Poderia reservar-me a primeira dança?
Enquanto aceitava a solicitação do nobre, ela não pôde deixar de reparar na
expressão aflita de Robert: certamente imaginava se ia ser convidado para o baile de
Fanny.
Nesse momento, o jantar foi anunciado e lorde Fane ofereceu-lhe o braço, para irem
ao luxuoso salão onde uma enorme mesa central exibia-se repleta de pratos finos,
deliciosos, e várias mesas menores, para oito pessoas, encontravam-se postas com
porcelana, prata e cristal.
— Fiquei feliz em conhecer seu primo — disse o cavalheiro — apesar de saber que
ele não é muito ajuizado. Começava a pensar que a senhorita não tinha parentes.
Alison ficou tentada a responder que tinha quatro parentes muito queridas, que
moravam na Ormond Street, mas segurou sua língua impetuosa e sorriu.O lorde parecia
ter opinião negativa sobre vários cavalheiros, pensou, lembrando-se de como ele falara
de lorde Kilmore com desprezo. Também não devia apreciar pessoas que não eram de
seu nível social.
Pouco depois, primo Neil, Fanny, Robert, lady Emma e o sr. Trevelyan juntaram-se a
eles, para jantar. Lorde Fane a servira de galantina de salmão, deliciosa, porém Alison
mal prestava atenção no que comia, tão empolgada encontrava-se com maravilhosa festa
feita para ela.
Quando terminaram de jantar e voltavam ao salão de baile, Robert anunciou,
entusiasmado: — A srta. Witherington gentilmente ofereceu-se para acompanhar-me ao
piano, num solo de flauta. Ela sabe tocar uma canção popular irlandesa, que eu também
sei. Que tal você cantar, Neil? É sabido que os irlandeses têm música no sangue e como
você é um deles.
— Concordo, se a prima Alison cantar comigo — respondeu Neil, com um sorriso.
A jovem voltou-se para lady Emma, que assentiu, então concordou.
Lorde Fane não pareceu ofendido por não ter sido convidado a participar do grupo
musical, cuja performance não foi nenhuma maravilha e acabou em risos e brincadeiras.
Alison e Fanny não pararam de dançar até o fim do baile: sempre havia um
cavalheiro para tirá-las.
A aurora já começava clarear o céu londrino quando o landau do sr. Trevelyan levou
a moça e sua acompanhante para a casa dela. O cavalheiro ajudou-as a descer,
despediu-se, esperou que entrassem e foi embora.
A jovem, toda animada, queria conversar sobre as emoções de seu primeiro baile,
mas lady Emma pediu-lhe: — Agora não, criança. Teremos outro baile esta noite. Se
quiser estar linda e bem disposta, precisa descansar.
Então, Alison foi para seu quarto, despiu-se, vestiu a camisola e deitou-se,
pensando na sua festa.
Entre as muitas coisas em que pensou, encontrava-se o comportamento intrigante
de lorde Kilmore: por que ele a olhara com tanta insistência, mas não a convidara para
dançar nenhuma vez?

CAPÍTULO X

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Parecia impossível que Alison apreciaria mais o baile de Fanny do que o seu.
Contudo, foi o que acabou acontecendo. Primeiro, porque não era o centro de todas as
atenções, o que lhe permitia divertir-se mais; segundo, porque lorde Kilmore finalmente a
convidou para dançar.
— Por que me olhava com tanta insistência na noite passada, milorde? — perguntou
ela, logo que se viram distante de ouvidos alheios.
— Não perde tempo com rodeios, não é mesmo, srta. Larkin? — o sorriso dele era
irônico. — Mas já que deseja saber, minha intenção era atormentá-la. Será que consegui?
Ela ergueu as longas pestanas para o homem moreno que a conduzia pelo salão.
— Verdade, senhor? Não percebi nada — replicou, tentando parecer o mais coquete
possível.
Lorde Kilmore sorriu, divertido.
— Minha cara, observei-a com tanta insistência porque tive a impressão que se
desviasse os olhos a senhorita desapareceria como uma visão. É assim que a vejo, como
uma aparição maravilhosa, produzida por minha imaginação, meus sonhos mais lindos e,
por que não dizê-lo, mais ardentes e ousados.
— Está enganado, senhor. Sou de carne e osso.
Um brilho intenso iluminou as pupilas negras de lorde Kilmore e ele a puxou para
junto de si, murmurando: — Estou consciente disto também, senhorita.
Alison percebeu que não fora feliz no comentário. Aquela história de flerte era mais
complicada do que parecia. Passando para a figuração seguinte da dança, ela disse: — É
sua vez de girar, milorde.
A música exigia que os dançarinos dessem uma volta em torno do parceiro e aquela
era a vez dos cavalheiros.
Quando eles voltaram a aproximar-se, lorde Kilmore mantinha a mesma expressão,
entre atrevida e zombeteira.
— Quer saber por quê não a convidei para dançar na noite passada, srta. Larkin? —
indagou ele. Ela o fitou, cautelosa, mas a curiosidade acabou vencendo.
— Conte-me, senhor — pediu, apesar de ter receio.
— Temi que pudesse ser chamado para duelar se destituísse algum de seus
admiradores da dança que lhe fora prometida.
— Está dizendo, então, que hoje meus admiradores não estão interessados em
minha companhia, senhor?
— Pelo contrário. Quando a vi, esta noite, decidi que estava disposto a perder a vida
pela honra deste momento.
— Obrigada, senhor.
Quando a dança terminou, Alison teve de admitir que aquele era um homem
fascinante, mas perigoso. Esperou ansiosa pela música seguinte, uma valsa, que
dançaria com o sr. Trevelyan que também aguardava aquele momento. Ele queria saber o
que Kilmore dissera, que havia feito os olhos de Alison brilharem de forma tempestuosa.
Não tinha dúvidas de que ela lhe contaria. Suas confidências inocentes o encantavam e
faziam-no feliz, por demonstrarem que a jovem confiava nele.
Já então, Philip Trevelyan não se perdoava por ter julgado aquela doce criatura uma
pessoa vulgar.
— Acrescentou outro lorde na sua lista? — brincou ele, quando se aproximou para
tirá-la.
Alison sorriu, fascinante: — Lorde Kilmore? É só um flerte sem consequências.
— O que ele lhe disse, posso saber?
— Uma porção de coisas, muitas das quais tolas demais para serem repetidas.
Sabe, eu pensei que todos os lordes eram iguais. Pelo menos, os dos romances que li
eram. Fiquei impressionada ao descobrir que lorde Kilmore é um conquistador, que lorde
Fane é quase inatingível em sua aristocracia e que meu primo Neil é um lorde encantador

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

em sua simplicidade. Isso sem falar em lorde Edgehill, o cavalheiro mais admirável que
conheci!
— Quatro lordes, senhorita!
— Conheci outros dois, mas não lembro de seus nomes.
— Nesse caso, somam seis. De qual gosta mais?
Alison pareceu estar considerando a pergunta quando a valsa começou. O
cavalheiro enlaçou-a e ela movimentou-se com graça e facilidade, seguindo-lhe os
passos, como se formasse uma só pessoa com ele. A mão pequena, repousando em seu
ombro, provocava uma estranha agitação em Philip Trevelyan. Ele precisou se concentrar
para entender o que ela dizia: — Gosto de todos, mas de maneiras diferentes. Um pouco
mais do primo Neil, talvez por ele ser meu parente.
— Tem uma forte lealdade para com a sua família, senhorita — observou ele,
sorrindo.
— Minha família bem o merece. Lady Emma contou-me que o senhor também é
muito apegado aos seus.
— Sim, minha família me é muito cara.
Sem perceber, o jovem sr. Philip passou a falar, com entusiasmo, das irmãs e dos
sobrinhos. De repente, pareceu cair em si, calou-se e em seguida pediu, sem jeito: —
Desculpe-me. Não deve estar interessada em estranhos.
— Estou, sim — assegurou ela, com veemência. — Depois, não são estranhos para
mim, já que fazem parte de seu coração.
Ele prosseguiu, contando-lhe detalhes cada vez mais íntimos da família, falando
também sobre o irmão pastor, que estava para se casar, do irmão marinheiro, que ia ser
promovido a capitão e teria seu navio. Era como se que quisesse fazê-la sentir-se
próxima daqueles de quem falava.
Alison fez perguntas e, quando a valsa terminou, eles continuaram conversando,
animados, enquanto caminhavam lentamente pelo salão. Iniciava-se a música seguinte
quando um indignado Robert Gilchrist os interrompeu: — Com licença, sr. Trevelyan, esta
é minha dança.
Philip desculpou-se e saiu à procura da parceira seguinte. Não dançava tanto havia
anos, mas não queria que comentassem que ele só tirava lady Emma e sua protegida.
No entanto, esse temor não o impediu de tirar a boa amiga, a seguir. Ela era uma
esplêndida dançarina e eles sempre haviam dançado muito bem juntos. Mas por algum
motivo inexplicável, ele não conseguia deixar de comparar o comportamento refinado e
sério da bonita dama com a deliciosa alegria e espontaneidade de Alison. E concluiu que
a lady estava em desvantagem.
— Merece parabéns, minha cara Emma — comentou, enquanto dançavam. — Fez
maravilhas com a srta. Larkin.
— Ela é uma moça encantadora e não me deu trabalho. É fácil de entender porque
os rapazes a assediam tanto, apesar de ninguém ter ideia da herança que ela irá receber.
O sr. Osborne teme que se souberem de seu alto dote, Alison venha a ser vítima de um
caçador de fortunas.
— Ah, sim? Vi você conversando com ele no baile de ontem.
Lady Emma desviou os olhos e o sr. Philip se perguntou se seria sua imaginação ou
se ela ficara enrubescida com aquele comentário. A lady apressou-se a explicar: — Achei
melhor que o sr. Osborne fosse convidado para algumas das festas que Alison irá, desta
forma poderá fazer seu relatório à colorida sra. Winkle. Ele é um homem muito gentil, não
acha? Difícil acreditar que é apenas um mercador indiano. Acho que pouca gente
imaginaria isso.
— Não acho que as pessoas estejam preocupadas com a profissão do sr. Osborne,
Emma.
— De qualquer forma, prometi-lhe arrumar alguns convites para que ele possa ver o

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

que se passa com Alison.


— Vou ver o que posso fazer para ajudá-los, talvez consiga alguns convites —
ofereceu-se o cavalheiro, com impressão de que captara alguma coisa estranha no ar.
— Oh, Philip! Se fizer isto vou ficar muito grata.
Durante o mês seguinte, Alison verificou que seu sucesso aumentava a cada dia.
Havia poucas pessoas que não tinham pelo menos ouvido falar na bela protegida de lady
Emma.
Philip Trevelyan comparecia a quase todos os bailes e festas que ela frequentava e
estava presente quando a jovem fez sua triunfal aparição no Club Almack. Foi ele também
quem ouviu suas confidências de que a comida do elegante clube era ainda pior do que
ela havia imaginado.
Em todas as festas, sempre dançavam uma valsa. Ele não sabia se aquilo se
tornara um hábito para Alison ou se, como ele, a moça aguardava ansiosa por aquele
momento.
Sua posição era privilegiada, porque assistia de perto a disputa de lorde Fane e
lorde Deverill por Alison Larkin. O que o preocupava era a presença de lorde Kilmore. O
barão não era um membro assíduo do grupo de admiradores, mas quando estava
presente, sempre dançava duas vezes com ela e fazia com que seus expressivos olhos
azuis brilhassem de uma estranha maneira. O que o consolava era que a jovem lhe havia
dito que Kilmore era um flerte sem consequências.
A reputação daquele homem o preocupava; nada havia de concreto contra ele, mas
algo lhe dizia que Alison não seria feliz com aquela figura estranha e ficava indeciso se
devia avisá-la ou não sobre a reputação duvidosa do jovem barão.
Dias mais tarde, aconteceu um encontro musical marcado por Robert Gilchrist e a
srta. Witherington.
O sr. Philip não perderia o espetáculo por nada no mundo. Os convidados não eram
em grande número e, para alívio dele, os lordes Fane e Kilmore não estavam entre eles.
A princípio os jovens tocaram seus instrumentos para uma plateia meio
desinteressada e chegou a hora de Alison e Neil Deverill juntarem vozes à técnica musical
dos amigos.
A moça estava bastante nervosa e quase a desistiu.
— Não vou conseguir cantar! — confidenciou, em pânico, para Philip e Neil.
— Vai, sim! — disseram eles, em coro.
Neil pegou-a pelas mãos e conduziu-a até o improvisado palco, sussurrando
palavras encorajadoras ao seu ouvido.
Formavam um par belíssimo: Alison, trajando um simples vestido azul, brilhava
soberana, mas não havia como negar que a perfeição dos traços de lorde Deverill
combinava com a beleza dela.
A atuação foi bonita, músicos e cantores bem integrados, pondo muito sentimento
na canção e ao final os jovens se abraçaram, entusiasmados.
Philip franziu o cenho diante da cena e voltou-se para fazer um comentário a
respeito com lady Emma, porém ela observava as atenções do irmão para com a jovem
Fanny Witherington.
— Robert nunca se mostrou tão interessado em uma moça — sussurrou para o
amigo. — Mamãe contou-me que ele praticou durante horas para impressionar Fanny.
— Isto não quer dizer muito.
— Você tem razão, estou apressando as coisas. Mas seria bom se acontecesse e
meus pais ficariam muito felizes.
Neste instante Alison aproximou-se deles, com o rosto afogueado.
— O que acharam? — perguntou, ainda emocionada.
Lady Emma esboçou alguns elogios e o sr. Philip precisou lhe assegurar que seu
sotaque irlandês havia sido perfeito, para que ela sossegasse.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Algumas noites depois, o sr. Trevelyan acompanhou um amigo, que desejava tirar
seu irmão imprudente das mesas de jogos, até um dos clubes onde a jogatina corria solta.
Assim que chegou à casa de jogo, ele surpreendeu-se ao deparar com lorde Deverill
sentado à mesa da roleta.
Uma expressão reprovadora cruzou seu rosto quando viu que o rapaz acabara de
perder bastante dinheiro. Sem pensar, desculpou-se com o amigo e achegou-se ao primo
de Alison.
— Perdeu muito? — indagou, preocupado.
— O quê? — o visconde voltou-se, assustado com a voz que sussurrara ao seu
ouvido. — Ah, não. Perdi pouco — respondeu, sorrindo. — Não tenho muito para perder.
Mas admito, sr. Trevelyan, que tenho melhor sorte com cavalos.
O primeiro impulso de Philip foi oferecer ao jovem uma boa quantia para que
voltasse à Irlanda e ficasse longe de Alison. Contudo, olhou para o rosto sereno, quase
infantil e desistiu. Pelo menos o rapaz não bebia, não parecia estar viciado no jogo e uma
palavra de lady Emma talvez resolvesse o assunto. Pediria a ela que falasse com Neil.
Na tarde seguinte, visitou a amiga, contou-lhe sobre o jovem primo da srta. Larkin e
ela prometeu falar com a moça.
Philip notou que a dama estava bastante distraída e que seus olhos voltavam-se
para a porta de entrada com insistência. Achou melhor ir embora para que a amiga
ficasse à vontade.
Entretanto, logo a inquietação de lady Emma se esclareceu. Quando se dirigia para
sua casa, que ficava apenas a duas quadras dali, ele encontrou o sr. Osborne subindo a
Park Street. Sem dúvida, ele se encaminhava para casa dela.
Alison estaria segura, agora que sabiam do comportamento de seu primo: lady
Emma falaria com o sr. Osborne.
Cismando, ele não pôde deixar de pensar que os dois pareciam estar se tornando
muito íntimos.

CAPÍTULO XI

Desgosto foi a primeira coisa que Alison sentiu quando lady Emma lhe contou que
lorde Deverill não tinha dinheiro e tentava consegui-lo nas mesas de jogo.
— Se ao menos eu soubesse antes! — exclamou ela, entristecida. — É absurdo
meu primo precisar de dinheiro, quando eu tenho mais do que necessito. A senhora
acredita que ele se ofenderia se eu lhe oferecesse ajuda?
— Dificilmente sua tia permitiria que sustentasse o visconde com o dinheiro dela,
Alison — lembrou a lady, com suavidade.
A jovem corou, envergonhada: — Não havia pensado nisto — murmurou. — Bem,
acho que minhas duas libras semanais não seriam suficientes para manter um cavalheiro
como Neil.
— Minha querida, o dinheiro que você der a ele desaparecerá nas mesas de jogo.
Sinto aborrecê-la, mas Philip encontrou-o num clube onde as apostas são das mais altas.
— Mas todos os cavalheiros jogam e estar numa casa de jogo não quer dizer que
Neil seja um viciado. Phil... O sr. Trevelyan também se encontrava nesse clube.

PROJETO REVISORAS 44
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Embora eu não possa negar que quase todos os cavalheiros gostem de jogar,
devo informá-la que Philip estava lá apenas acompanhando um amigo, que foi buscar o
jovem e tolo irmão viciado na roleta. Parece que seu primo admitiu para nosso amigo que
sua situação financeira não é das melhores.
— Deve haver algo que eu possa fazer! — afligiu-se Alison.
Lady Emma deu de ombros, ao dizer: — Duvido que ele aceite sua ajuda: tem
personalidade.
— Se não há nada que eu possa fazer, por que o sr. Trevelyan resolveu nos contar
que Neil joga demais?
— Ele queria que ficássemos avisadas. Eu já a aconselhei para se prevenir contra
os caçadores de dotes.
— Primo Neil não é um. A senhora acha ele quer se casar comigo por dinheiro? Meu
Deus, nem acredito que ele deseje se casar comigo! É como se fôssemos irmãos!
— Não franza a testa assim, querida — disse lady Emma — que pode provocar o
aparecimento de rugas precoces. Mas, voltando ao assunto, eu não diria que Deverill está
interessado em sua fortuna. No entanto, é melhor que se previna, caso esta possibilidade
venha a concretizar-se. E já que falamos nisto, cuidado com lorde Kilmore, também.
Todos dizem que ele está muito mal financeiramente.
— Lorde Kilmore! — surpreendeu-se Alison, mas achou que a dama deveria saber o
que estava dizendo. — Bem, acredito que ele seja capaz de casar-se com uma moça por
dinheiro. Se a senhora acha melhor que me afaste dele, eu o farei. Só não posso fazer o
mesmo com o primo Neil.
— Nem eu pediria que o fizesse, minha cara. Afinal, ele é seu parente. Só lhe peço
que fique atenta.
Alison comentou, com um suspiro: — Pois é. Esses dois lordes me enganaram
direitinho. O mundo real é bem diferente dos romances da sra. Cuthbertson. Será que
lorde Fane, pelo menos, é respeitável como parece? — indagou, ansiosa.

— Completamente respeitável e está cada dia mais enamorado de você, pelo que
me consta. Entretanto, minha querida, não fique com muitas esperanças. Cedo ou tarde
ele acabará sabendo sobre a sua família e não sei se a admiração e o sentimento dele
irão superar seu preconceito.
— Não queria decepcioná-lo — murmurou a jovem, pensativa. — Talvez fosse
melhor que lhe contássemos logo a verdade.
— Por favor, não tome nenhuma atitude precipitada, Alison! Fizemos bastante
esforço para construir a sua atual imagem e não quero que a origem de sua família
paterna a destrua.
Alison não se convenceu, pois não gostava de agir como se tivesse vergonha de
suas tias e pior do que isto era a incerteza que a situação criava. Que catástrofe seria
caso se apaixonasse por lorde Fane e ele lhe desse as costas quando soubesse suas
origens. Por enquanto, as virtudes do jovem cavalheiro não haviam cativado a parte mais
recôndita e profunda de seu coração. Não sentia qualquer emoção diferente quando em
companhia dele.
Dois dias depois, tomava café com lady Emma e o sr. Trevelyan quando o mordomo
entrou, entregando um bilhete à sua dama de companhia.
— É para você, Alison — disse esta entregando-lhe a carta — embora tenha sido
corretamente endereçada a mim.
— Só pode ser de um admirador, então! — comentou o sr. Philip, sorridente.
Estava muito bonito em sua elegante roupa de montaria. Os cabelos, sempre tão
bem penteados, caíam sobre a testa, em pequenos anéis castanhos, e o rosto másculo
apresentava um leve rubor devido a cavalgada que acabara de fazer.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Alison leu a breve mensagem.


— É de lorde Fane e diz que vai ficar fora alguns dias, mas já deixou reservado um
camarote para a apresentação de "Antônio e Cleópatra". Ele quer saber se aceitamos
acompanhá-lo ao teatro, madame. —E, antes que a dama respondesse, comentou,
melancólica: — Tia Cleo gostaria tanto de assistir esta peça!
— Isso está fora de cogitação, Alison! — exclamou lady Emma.
Os enormes olhos azuis voltaram-se para o sr. Trevelyan, pedindo socorro, mas ele
confirmou: — Temo que Emma tenha razão, minha cara.
Alison deu de ombros, mas quando falou o desapontamento e a mágoa eram
evidentes em sua voz: — Irá conosco, sr. Trevelyan?
— Para ser franco, tenho meu próprio camarote. Pena que lorde Fane haja se
antecipado a mim ao convidá-las e creio que ele não apreciaria minha presença.
— Podemos fingir que o senhor nos convidou primeiro — sugeriu a jovem,
esperançosa. — Ele não irá descobrir.
— Tenho uma ideia melhor — contrapôs o cavalheiro. — A senhorita acha que suas
tias me dariam a honra de acompanhar-me ao teatro?
— Oh, senhor! — Empurrando sua cadeira para longe, Alison deu a volta na mesa
para beijar o rosto daquele homem adorável. Depois, afastou-se, envergonhada. —
Desculpe-me. — sussurrou. — Não tinha a intenção de...
— Oh, mas eu ficaria contente se tivesse! — exclamou o jovem senhor, sorridente,
mas também enrubescido como ela. — Nenhum cavalheiro sensível faria objeção a ser
beijado por uma linda jovem. Concluo que aprovou minha sugestão.
— É verdade mesmo? Vai convidar as minhas tias para irem ao teatro? Oh, senhor,
eu...
— De novo, não! — interferiu lady Emma, segurando-a pelas mãos. — Realmente,
Alison, não sei o que deu em você. Se fosse outra pessoa e não Philip, estaríamos diante
de um verdadeiro escândalo devido à sua impulsividade.
— Desculpe, madame, mas como somente o sr. Trevelyan seria capaz de uma
gentileza assim, acredito que não corremos o menor perigo de arrasar minha reputação.
Philip Trevelyan sorriu, satisfeito, e comentou: — Fico feliz em ouvir isso. —
Levantou-se, com agilidade. — Devo ir, então, para escrever um bilhete às srtas. Larkin.
Emma, gostaria de passear em minha carruagem, esta tarde?
— Obrigada, Philip, mas vou receber uma visita.
Alison notou que o rosto da linda dama, sempre tão elegante e controlada, tornara-
se rubro.
— Então, srta. Larkin — ele voltou-se para a jovem — faria a gentileza de
acompanhar um pobre homem solitário em seu passeio vespertino?
Aceitando a brincadeira, encantada com a expressão travessa que tornava Philip o
jovem que de fato era e mais bonito, ela curvou-se cortesmente e disse, em tom refinado:
— Ficarei encantada, senhor.
Assim que o visitante saiu, as duas continuaram à mesa para terminar o café. Alison
notou que o olhar de lady Emma perdia-se no nada e que sua expressão era ligeiramente
desligada. Por isto ofereceu-se: — Se me disser quem gostaria de convidar para
acompanhar-nos ao camarote de lorde Fane, poderei escrever os convites.
— Camarote?
— Sim. Ele nos convidou para irmos ao teatro.
— Ah, de fato. Fanny e Robert serão nossos convidados.
— E outro cavalheiro, suponho, já que o sr. Trevelyan tem seu próprio camarote.
— Acha que o sr. Osborne iria apreciar a peça? — indagou a dama, indecisa.
Alison fitou-a, desgostosa. Será que precisava ser vigiada até no teatro?, pensou.
Então, teve uma ideia: — Não sei se o sr. Osborne gosta de Shakespeare, mas se ele for
poderá levar-me até o camarote do sr. Philip para eu ver minhas tias! Vou escrever-lhe,

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

convidando-o.
Depois do almoço, quando terminou a tarefa de endereçar os convites, Alison
percebeu que estava na hora de aprontar-se para o passeio que prometera fazer com o
sr. Trevelyan. Escolheu um vestido novo, em musselina rosa-antigo, com fitas cor de lilás
marcando a cintura e debruando o discreto decote. Acompanhava-o um bonito spencer no
mesmo lilás. O chapéu de palha trazia um delicado buquê de primaveras de um lado.
Botinhas de meio cano e luvas, em pelica branca, mais um guarda-sol rosa-antigo, com
fitas de cetim lilás, completaram a elegante toalete. Seus olhos brilharam de satisfação
quando examinou-se no espelho. Se Philip já a achara bonita pela manhã, quando trajava
seu velho vestido azul, o que ele diria agora? Sorriu, feliz. Provavelmente ele não diria
nada, mas gostava de estar com a melhor aparência possível quando o encontrava.
De fato, as primeiras palavras que o cavalheiro lhe dirigiu, assim que a ajudou a
acomodar-se na pequena carruagem, não tinham nada a ver com sua aparência: —
Mandei um de meus criados levar um recado para suas tias, esta manhã. Meia hora
depois, um dos garotos lá da rua trouxe-me a resposta. Elas adorariam aceitar meu
amável convite, porém parece que sua tia Di está indisposta e...
— Tia Di está doente? Por favor, pode me levar até lá, em vez de passearmos pelo
parque? — pediu a moça, aflita.
— A própria srta. Di me escreveu, assim, não acredito que seja grave — explicou
ele, sorrindo. — Não prefere exibir sua elegantíssima toalete aos olhos da sociedade
londrina?
— Não seja maldoso — disse ela, muito séria. — Preciso ir ver se tia Di está bem.
O sr. Philip conduziu a carruagem direto para a Ormond Street e sua companheira
entrou assim que chegaram.
Alison não conseguiu ver tia Di, que estava repousando e tinha apenas um forte
resfriado. Ficou sabendo também que a boa senhora esperava estar melhor logo e, se
isso acontecesse, poderiam aceitar o convite do sr. Trevelyan.

De fato, dois dias depois a srta. Di estava boa, a ponto de sair a passeio com
Midnight. Mas, infelizmente, tia Cleo pegou o resfriado, bem mais forte que o da irmã, e
no dia em que peça seria encenada a bondosa senhora estava de cama, com febre e
séria infecção de garganta.
Squeak levou a Alison um bilhete de Polly: Di estava cuidando de Cleo, os
empregados encontravam-se de folga e a casa, de pernas para o ar. O que ela deveria
fazer?
Nenhum argumento de lady Emma a persuadiu a acompanhar lorde Fane ao teatro,
em vez de correr em socorro das tias.
— Estou muito triste por desapontar lorde Fane, madame — explicou a jovem,
determinada — mas tenho que ir para casa. A pobre tia Polly é incapaz de lidar com essa
situação e, além disso, não devo esquecer dos cuidados que minhas tias tiveram para
comigo durante minha toda minha vida. Pode transmitir meu pedido de desculpa a ele, por
favor?
— Claro, minha querida, e acredito que ele irá tentar disfarçar o descontentamento
por sua ausência.
— Sinto muito, mas não posso agir de outra maneira. — repetiu Alison. — Não tenho
escolha.
Meia hora depois, já com roupas mais simples, o cocheiro de lady Emma a conduziu
à casa em que morara por tanto tempo.
Philip Trevelyan foi lá visitá-la, na manhã seguinte.
Ela estava na cozinha com tia Polly e três dos meninos pobres que viviam na rua
Ormond. Um enorme livro encontrava-se aberto sobre a mesa e Alison tentava decifrar a

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

caligrafia difícil. Uma expressão de felicidade brilhou nos olhos azuis assim que ela o viu
entrar.
— Philip, que bom ter vindo! — exclamou, sem perceber que o tratara com
intimidade. — Talvez possa me ajudar a ler esta receita. Quero fazer uma reforçada,
doentes, mas não entendo a letra de tia Cleo. Chega para lá, Squeak — pediu — e deixe
o cavalheiro sentar-se.
Tia Polly sugeriu, tímida: — Alison, querida, o sr. Trevelyan deveria ser recebido na
sala de visitas.
— A criada tentou me conduzir até lá, minha senhora, mas insisti em vir vê-las onde
estavam. Perdoe-me, se sou indiscreto. Deixe-me ver a receita, srta. Alison.
Ele havia notado a escorregadela da moça ao chamá-lo pelo nome de batismo, mas
não queria aborrecê-la tocando no assunto e pegou o pesado caderno.
— Hum. Eu acho que numa receita não convém fazer adivinhações — disse Philip,
por fim, reconhecendo que não conseguia decifrar a letra. — Meu cozinheiro tem um
ótimo assistente que sabe preparar caldos e ensopados para convalescentes. Arranje-me
um papel e pena, que ele estará aqui em menos de uma hora. Tarry Joe, não foi você que
levou uma mensagem à minha casa, outro dia? — O menino fez que sim. — Então, sabe
onde eu moro e...
— Todos nós sabemos onde mora, senhor — informou Bubble, orgulhoso. — Nós
conhecemos tudo e todos!
— É, sim! — concordaram os outros.
Philip pensou em investigar aquela afirmação mais a fundo, contudo Alison o
convidou para acompanhá-la à sala de estar, assim que o bilhete ficou pronto e foi
enviado.
Tia Polly desaparecera silenciosamente e, exceto pela presença de Midnight, eles
estavam a sós na sala decorada com as extravagâncias de tia Zenóbia.
A primeira coisa que Philip fez foi chamar a atenção da jovem para aquele fato.
— Espero que suas tias não tenham o hábito de deixá-la desacompanhada quando
recebe um cavalheiro, srta. Larkin.
— Bem, o senhor é o primeiro cavalheiro que me visita, aqui em casa — os olhos
azuis abriram-se mais, preocupados. — Será que devo chamar tia Polly?
— Não, não. A presença de Midnight bastará desta vez.
Ouvindo seu nome, o cachorro aproximou-se para colar o focinho aos joelhos do
visitante.
— Queria falar-lhe sobre os acontecimentos de ontem à noite, no teatro — começou
o sr. Trevelyan.
— Senti muito em perder a peça, mas não poderia ir, deixando tia Cleo, mal como
ela estava, e tia Polly atrapalhada.
— Foi o que expliquei a lorde Fane. Ele ficou desolado com sua ausência, porém
acredito que consegui fazê-lo compreender. Infelizmente, foi impossível esconder dele o
local em que a senhorita se encontra. Acredito que em breve não serei o único a visitá-la
nesta casa. O alívio mesclou-se ao espanto no rostinho encantador.
— O senhor acredita que ele virá ver-me? Fico muito feliz que lorde Fane tenha
sabido sobre minha origem e não esperava que ele decidisse me visitar.
— Desculpe-me por tê-lo feito, mas soaria muito estranho se eu me recusasse a dar
o endereço de suas tias.
— Oh, por favor, não pense que o estou culpando. Foi muito gentil de sua parte
convencer lorde Fane a desculpar-me por faltar ao compromisso. Compreendo que não é
agradável para um cavalheiro vir a esta parte da cidade e o admiro por estar disposto a
fazê-lo!
— Realmente — comentou o sr. Trevelyan, contrafeito.
Ele não teve coragem de mencionar que lorde Fane nem pensaria em fazer aquela

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

visita se Fanny Witherington não tivesse dito que ia visitar a amiga, dissesse o que
dissesse sua mãe. Depois daquele comentário, ele vira-se obrigado a visitar a moça que
cortejava.
Alison não parecia pensar que sua visita também era uma demonstração de
cavalheirismo, pensou ele, um tanto magoado. Porém, ao levá-lo até a porta ela disse,
com sinceridade: — Muito obrigada por emprestar-nos seu cozinheiro, senhor. Nossa
criada não tem experiência em cuidar de doentes, tia Polly e eu muito menos.
— Já chamaram um médico?
— Sim, ele veio ontem e disse que minha tia está muito doente — ela mordeu os
lábios, num esforço para impedir que as lágrimas rolassem de seus olhos.
Philip a confortou, tomando-a nos braços fortes e gentis.
A jovem sentiu dificuldade em se afastar daquele peito cálido, reconfortante, que a
protegia das agruras do mundo. Sorriu, os olhos ainda brilhantes de lágrimas, para o
homem que a tratava com tanta ternura e ele fitou-a em silêncio, tendo que usar todo seu
autodomínio para não beijar a criatura tão doce e ingênua.

CAPÍTULO XII

Alguns dias depois, o médico que atendia tia Cleo disse que ela estava bem melhor
e que seu estado já não era grave. No entanto, ela ainda necessitava dos cuidados
constantes de tia Di e Alison precisou ficar para dirigir a casa.
Lorde Fane a visitou duas vezes antes de anunciar que tinha negócios a tratar fora
da cidade e que estaria ausente por uma semana. Ela se perguntou se voltaria a vê-lo,
depois daquela desculpa tão óbvia. A gentileza forçada com que ele tratara tia Polly, que
fizera as vezes de dama de companhia durante as visitas, e o cumprimento polido, mas
pouco à vontade que ele dirigira à tia Di, deixara claro que não sentia-se bem naquela
casa.
Alison tentou não preocupar-se e deixou que as coisas continuassem a acontecer,
como sempre fazia.
Uma tarde, o primo Neil foi visitá-la. Ele achou a decoração da sala de visitas
engraçada e demonstrou ter a mesma impressão das tia de Alison, o que a desapontou.
Como o rapaz era parente, considerou-se que a jovem não precisava de
acompanhante para recebê-lo. Conversavam na sala de visitas, depois que ele fora
apresentado às tias, e elas haviam voltado a seus afazeres.
— Se meu pai não tivesse se casado com minha mãe, que era sua tia, ele poderia
ter se casado com uma jovem rica e assim teria poupado minhas tias de viverem como
vivem — comentou ela, irritada com o modo zombeteiro do primo.
— E você não teria nascido, prima! — replicou Neil, rindo. — Mas vamos deixar
disto. Peço que me perdoe se fui indelicado. Afinal, hoje foi meu dia de sorte!
— Sorte? — indagou ela, curiosa.
— Sim. Tive muita sorte nas corridas e saí do jóquei com os bolsos cheios. Até
mesmo paguei o que devia a Trevelyan.
— Neil! Você teve coragem de pedir dinheiro ao sr. Trevelyan? — censurou ela, não
acreditando em seus ouvidos.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Nunca pedi um pêni sequer a ele, mas seria um tolo se recusasse o que tão
gentilmente me foi oferecido, não seria? — falou o rapaz, com um meio sorriso. — Pela
cara que ele fez, acho que não esperava receber seu dinheiro de volta. Só a reação de
surpresa dele bastou para me deixar satisfeito.
— Não pode parar de jogar enquanto ainda possui alguma coisa, Neil? Um dia vai
acabar perdendo tudo!
Ele deu de ombros: — Esse é um risco que tenho de correr até que consiga o que
desejo. Estou tentando ganhar dinheiro. Bridey está me esperando, em Ballycarrick.
— Bridey? Tem uma namorada irlandesa, primo?
— Tenho. Bridget MacConigle, a mais doce donzela da Irlanda. O pai dela é um
fazendeiro, que não liga para títulos de nobreza e não quer que a filha se case com um
nobre arruinado. Então, preciso conseguir dinheiro.
Neil contou passagens de seu movimentado romance e que pretendia imigrar com a
noiva para o Canadá ou a América.

— Vou pedir à tia Zenóbia que me adiante parte de minha herança — ofereceu
Alison, impetuosamente. — Todos dizem que ela é mais rica do que se imagina, então
pode me dar uma quantia que permita que você e Bridey comecem vida nova.
— O diabo que pode! — exclamou o moço, levantando-se e andando de um lado a
outro. — Não quero sua caridade!
Midnigt, deitado no tapete indiano, fitou-o desconfiado.
— Mas nós somos primos! Não há por...
— Deixe um homem ter seu orgulho! — interrompeu-a o rapaz, sorrindo tristemente.
— Jogar não é tão comprometedor quanto aceitar dinheiro de parente, eu acho. Mas
agora, conte-me, está triste por perder tantas festas, ficando aqui?
Reconhecendo o esforço do primo para mudar de assunto, ela não voltou a falar
sobre Bridey ou dinheiro naquele dia, nem nos outros, pois Neil continuou a visitá-la com
frequência.
Um outro visitante apareceu quando Alison estava na cozinha, conversando com o
cozinheiro que do sr. Trevelyan.
— Um senhor quer vê-la, senhorita — anunciou a criada. — Lorde Kilmore, ele
disse. Está na sala de visitas.
Alison ficou mais atônita do que quando lorde Fane fora anunciado.
— Diga a ele que já vou, Betsi. E, por favor, chame a srta. Polly para me fazer
companhia.
Quando entrou na sala, surpreendeu o visitante fitando a decoração espalhafatosa
com profundo desdém.
A expressão de lorde Kilmore mudou, quando notou a presença da moça e, sorrindo,
cumprimentou-a, depois comentou: — Mora numa casa muito singular, srta. Larkin. A
maneira evasiva como ele falou fez com que ela sorrisse.
— Minha tia é a responsável por esta decoração, digamos... diferente, milorde. Ela
voltou recentemente da Índia.
— Ah, isto explica tudo, senhorita!
Tia Polly entrou, trajando a roupa simples que usava para cuidar do jardim, fazendo
o lorde arquear as sobrancelhas, não entendendo como uma serviçal entrava na sala de
visitas com tanta familiaridade. A jovem apresentou-o: — Tia Polly, este é lorde Kilmore.
Aqui, milorde, não sou a srta. Larkin, mas sim a srta. Alison, pois minhas tias são as srtas.
Larkin nesta casa.
Ele cumprimentou a nervosa tia Polly e indagou: — Índia?
— Não — respondeu a moça, enquanto a tia ficava sem fala, de tanta timidez. —
Minha tia Zenóbia é que chegou de lá. Ela não está aqui no momento. Tenho quatro tias.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Ignorando a srta. Polly, o jovem nobre convidou Alison para dar um passeio no
faéton que ela vira no parque e que admirara tanto. Ela achou melhor recusar.
— Obrigada, milorde. Mas no momento precisam de mim aqui.
Ele fez uma mesura: — Então, permita-me expressar o desejo fervoroso de que
retorne logo à civilização. Até mais, srta. Alison.
E, sem dirigir uma palavra à tia Polly, ele retirou-se.
— Que cavalheiro fino! — comentou tia Polly, ingênua.
— Fino? Ele foi rude. Mas chega a ser divertido se não for levado a sério. Sei que
ele não voltará a visitar-nos.
Ao dizê-lo, Alison percebeu que não se importava: não fazia a menor questão de
rever o emproado lorde.
Lady Emma, porém, foi uma visita muito bem-vinda, levando notícias do mundo que
ela começava a ver como seu.

Lady Castlereagh lamentava a ausência da srta. Larkin, mas aprovava a sua


demonstração de afeto pela família. Muitas outras pessoas haviam perguntado pela sua
jovem protegida e esperavam que ela não ficasse fora por muito tempo. Fanny mandava
dizer que morria de saudade e não via a hora de revê-la. Robert pedia que transmitisse
seus cumprimentos à jovem amiga, desejando a melhora da tia e breve regresso.
O sr. Osborne também apareceu por lá. Para me espionar, pensou Alison. Mas na
segunda visita do homem de confiança de tia
Zenóbia, ele e lady Emma chegaram juntos, então a moça notou que pareciam muito
estranhos. É que mal trocaram três palavras durante o tempo da visita. Porém, na hora de
ir embora, a dama perguntou se ele queria que o deixasse em algum lugar, pois se
encontrava ali com sua carruagem.
Alison lembrou-se, então, da última carta de tia Zenóbia, dizendo que apreciava
muito o passeio, mas que não hesitaria a voltar no momento em que a sobrinha lhe
comunicasse que aceitava ficar noiva de Ralph Osborne.
Perguntou-se de que lado estaria lady Emma. Será que ela tencionava ajudá-la a
casar-se com um lorde ou compartilhava da trama para casá-la com o sr. Osborne? Era
um homem simpático, bem-educado, bonito, mas nada sentia por ele. Será que a dama
falara mal de lorde Kilmore para dar mais chances ao preferido da sra. Winkle?
Havia um visitante que não provocava tantos conflitos na cabecinha da srta. Alison
Larkin: o sr. Trevelyan.
Ele aparecia todos os dias e sempre levava frutas, flores, bombons ou coisa
parecida para a convalescente tia Cleo. Toda vez que a convidava para um passeio, a
jovem aceitava, sem reservas. Adorava a companhia daquele homem suave e atencioso,
mais ainda quando ele ria, alegre, os olhos castanhos brilhando muito.
Philip Trevelyan é quem foi buscá-la para retornar à casa de lady Emma, assim que
tia Cleo ficou completamente boa.
— Está muito calada — observou ele, enquanto a conduzia pelas ruas de Londres.
— Suponho que deixar a casa de suas tias pela segunda vez não esteja sendo muito fácil.
Alison sorriu, admirada com a sensibilidade dele.
— Eu sabia que iria compreender — respondeu. — Sabe, desta vez está mesmo
sendo diferente. Claro que fico contente por tia Cleo estar bem e por voltar aos bailes e
festas. Porém, acho que alguma coisa mudou ou talvez eu tenha mudado. É estranho, por
mais que eu ame minhas tias, sinto-me como se já não pertencesse àquela casa.
— Está começando a ver o outro lado da vida. Essa é a parte mais difícil quando nos
tornamos adultos.
— Por favor — pediu ela, preocupada — não pense que me envergonho delas ou de

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

minhas origens.
— Nunca pensaria tal coisa a seu respeito e considero suas tias pessoas
admiráveis, dignas do maior respeito.
— Lorde Kilmore pensa ao contrário. Ele mal falou com tia Polly. Neil não é maldoso,
mas vê minhas tias como algo muito engraçado. Lorde Fane, então, tentou mostrar-se
educado e condescendente, mas ficou bem claro que estava se sentindo mal por ir me
visitar na Ormond Street. O senhor foi único que não nos insultou de maneira alguma.
— Não deve olhar os fatos sob esse prisma — comentou ele, com suavidade. — Eu
também sou o único que conhecia suas tias antes de tudo começar. Admiro-as muito,
também pelo que fazem em favor daquelas crianças pobres. Não preciso lhe dizer
quantos meninos de rua existem em Londres e elas ajudarem alguns deles mostra que
são pessoas especiais.
— Será que nada pode ser feito pelas outras crianças?
— É um problema enorme, que só pode ser resolvido pelo governo e, envergonho-
me de dizer, o governo encara essa lamentável situação em termos de crimes, não de
miséria.
— Mas o senhor não é um membro do Parlamento?
— Sim, Alison. — Os olhos castanhos escurecidos pela tristeza, ele nem notou que
a tratara simplesmente pelo nome. — E minha família sempre teve alguém no governo,
porém estou pensando em mudar de partido. Quem sabe na oposição teria mais chances
de fazer alguma coisa.
— O senhor não perderia se fizesse outra aliança política?
— Provavelmente, sim. Mas será que isso é importante?
— Não, não é se achar que faz o mais correto.
Que homem admirável era aquele!, pensou Alison. Era maravilhoso estar ao lado
dele, participar de suas preocupações que, aliás, combinavam com as dela.
No entanto, seu prazer só até chegarem na casa de lady Emma. Sentiu como uma
angústia, ao encontrá-la em companhia do sr. Ralph Osborne. Afligiu-se mais ao notar
que ficaram embaraçados ao vê-los chegar, como se apanhados em falta.
Era evidente que se tratava de uma conspiração contra ela! Que mais poderia haver,
que devesse ser escondido, entre lady Emma e o pretendente escolhido por sua tia?

CAPÍTULO XIII

Depois da chegada de Alison, o sr. Osborne só ficou o tempo suficiente para


perguntar sobre as tias dela, indo embora em companhia do sr. Trevelyan. Assim que eles
se retiraram, aflita, a jovem foi logo dizendo à lady Emma: — Não me casarei com ele,
nem mesmo se lorde Fane não se interessar mais por mim!
— Por favor, Alison! Jamais diga uma frase tão vulgar quanto esta. Não consigo
entender por que está tão determinada em pensar mal do sr. Osborne. Posso assegurar
que embora ele esteja agindo em nome da sra. Winkle, pensa em seu bem-estar, querida.
É um cavalheiro gentil, rico e tão atraente que qualquer mulher gostaria de tê-lo para
marido.
— Sim. Acho que daria um excelente tio. É uma pena que minhas tias sejam tão
velhas para ele, quanto ele para mim.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Aquele comentário fez com lady Emma sorrisse divertida. Mas, em seguida ela ficou
séria e indagou: — Acha que sua tia Zenóbia a obrigaria a casar-se com ele?
— Tia Zenóbia não pode fazer isso e acredito que é generosa demais para me
deserdar, caso eu não aceite o casamento. Há outra coisa: ela não pode obrigá-lo a fazer
o pedido. Ele não age como se estivesse apaixonado por mim, se me pedir em
casamento e eu recusar acho que não insistirá.
— Pelo que você me disse, entendi que existia um acordo entre eles — comentou a
dama.
Alison procurou lembrar-se com exatidão do que tia Zenóbia lhe dissera, antes de
falar.
— Bem, madame, minha tia disse que não tinha intenção de me empurrar para um
casamento e apenas comentou que o sr. Ralph Osborne ficaria feliz em desposar-me,
mas não acredito que exista qualquer acordo formal entre eles.
— Entendo — disse lady Emma, a alegria transparecendo nos olhos meigos.
— Não deve se preocupar achando que tia Zenóbia ficará zangada com a senhora
se eu me recusar a casar com o sr. Ralph — assegurou a jovem, interpretando mal a
expressão de sua orientadora. — Direi à titia que minha decisão não teve nada a ver com
a senhora. Portanto, penso que seria melhor que o sr. Osborne deixasse de me seguir a
todos os cantos.
— Concordo — murmurou a dama e o brilho em seus olhos era diferente,
demonstrando um sentimento que Alison não conseguia identificar. — No entanto, não
deve esperar que eu rompa minha amizade com o sr. Osborne. Seria descortês de minha
parte por ele ter um dever para com a sra. Winkle e, acima de tudo, porque gosto muito
de sua companhia.
— Não tenho nada contra o sr. Osborne, só não quero me casar com ele — explicou
Alison, depressa.
— Claro que não, pois o sr. Osborne não é um lorde — comentou lady Emma,
sorrindo. — Mudando de assunto, minha querida, temo que você vá ter uma noite muito
solitária. Não sabia que ia retornar hoje e aceitei um convite para jantar.
— Não faz mal, acostumei-me de novo a deitar cedo enquanto estive em casa —
declarou Alison, com ar filosófico.
À noite, depois que lady Emma saiu, ela saboreou uma refeição solitária, diante da
lareira, na saleta. Lia um livro quando alguém bateu à porta.
Henry, que recolhia a bandeja em que lhe levara o jantar, apressou-se em atender.
Alguns momentos depois ele anunciou: — É lorde Kilmore, senhorita. Diz que deseja
falar-lhe...
— Lorde Kilmore, a esta hora? Não posso recebê-lo, pois estou sozinha. Creio que é
melhor que eu vá até o hall.
Lorde Kilmore estava especialmente elegante naquela noite. Uma capa preta, muito
ampla, caía-lhe dos ombros largos e usava roupa de festa, trazendo na mão uma
máscara cinza.
— Srta. Alison — cumprimentou ele, com uma mesura — soube que havia voltado à
civilização e vim convidá-la para um baile de máscaras, hoje, no Vauxhall.
— Obrigada, milorde, lady Emma não está em casa e...
— Ah, mas eu pensei em tudo! — insistiu Kilmore. — Trouxe-lhe fantasia e há uma
dama, para acompanhá-la, na carruagem.
— Uma dama irá também? — a resistência de Alison cedia.
— Sim. Conhece a sra. Darnell? Ela e o marido irão conosco.
— Só conheci o sr. Darnell, não a esposa.
Alison lembrava-se de um gentil cavalheiro de meia-idade, que parecia uma
companhia pouco compatível com a fama de lorde Kilmore. No entanto, se a esposa dele
estava junto, poderia ficar despreocupada com sua reputação. Queria muito ir a um baile

PROJETO REVISORAS 53
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

de máscara e aquela era a oportunidade.


— Se assim é, aceito o convite. Por favor, peça aos Darnell para entrarem, vou
trocar de vestido.
— Não é preciso, a fantasia que lhe trouxe é uma capa, que cobrirá tudo — disse
ele, entregando-lhe um manto com capuz.
— De forma alguma, senhor! Seria muito estranho ir a uma festa com um vestido
simples como este — sorriu Alison. — Não demorarei mais do que quinze minutos.
Lorde Kilmore, aborrecido, concordou e disse a Henry para ir chamar seus amigos,
enquanto a jovem dama subia.
— Creio que lady Emma não aprovaria que sua protegida saia a esta hora da noite
com um cavalheiro — comentou Cárter, aflita e, sem jeito, acrescentou: — A senhorita
quer o vestido azul-safira.
— Sim. É o que mais combina com a capa que lorde Kilmore trouxe. Mas fique
tranquila, um casal respeitável vai conosco. Caso contrário, eu não iria.
Pronta, a moça sentou-se à mesinha escreveu um bilhete e pediu a criada que o
entregasse à lady Emma.
Quando Alison chegou à sala de visitas, ficou surpresa ao descobrir que embora o
sr. Darnell fosse como se lembrava, a esposa era diferente do que imaginara. Tratava-se
de uma loira de curvas avantajadas, com uma capa de um vermelho tão intenso quanto o
que exibia nos lábios.
Lorde Kilmore fez as apresentações.
— Muito prazer, queridinha — falou a mulher, com jeito afetado. — Lorde Kilmore
disse-nos que era muito bonita e posso ver que ele não exagerou. Bem, é melhor irmos
ou perderemos o melhor da festa.
Em face de tanta amabilidade, Alison não sabia como dizer que havia mudado de
ideia e não pretendia mais sair.
Como se percebesse sua hesitação, lorde Kilmore tornou-se o cavalheiro mais
encantador e solícito que ela já vira. Não fez qualquer tentativa de flertar. Quando se
aproximavam do Tamisa, ele desculpou-se por não ter alugado um barco para cruzar o rio
proporcionar-lhe mais uma alegria. Em vez disto, atravessaram-no de carruagem, sobre a
ponte Vauxhall, com outros veículos que faziam o mesmo trajeto.
Quando entraram nos jardins Vauxhall, onde se realizaria o baile, lorde Kilmore tirou
uma delicada máscara de um bolso e pedi permissão a Alison para ajudá-la a colocar
esse indispensável complemento da fantasia.
Ela assentiu e, abaixando o capuz da capa azul-escuro, permitiu que ele amarrasse
entre seus cabelos negros as fitas de cetim que prendiam a máscara.
— Está enxergando bem, srta. Larkin? — indagou, atencioso.
Ela sentia-se estranha, porém enxergava bem.
Seguindo os Darnell, lorde Kilmore deu o braço a Alison e caminharam pelos jardins,
em meio da multidão fantasiada.
— Oh, é incrível! Lindo! — exclamou a jovem, extasiada com os acordes musicais
que flutuavam no ar, com a brisa suave da primavera, morna e levemente perfumada. —
Podemos ir ouvir a orquestra? — pediu ela, percebendo que o som vinha do edifício ao
lado dos jardins.
— Certamente, minha cara, se você não estiver com fome. Reservei um camarote
para jantarmos aqui.
— Eu já jantei, mas talvez a sra. Darnell não — comentou ela, preocupada,
voltando-se para o outro casal.
— Não se preocupe, queridinha — disse a loira, rindo. — Você e lorde Kilmore vão
ouvir a orquestra, enquanto meu marido e eu vamos para o camarote, a fim de jantarmos.
Não se atrasem, que à meia-noite haverá fogos!
A mulher pegou no braço do marido e, antes que Alison protestasse, desapareceram

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

entre a multidão.
— Temo que a sra. Darnell não tenha a classe que desejaríamos — comentou lorde
Kilmore, secamente. — No entanto, ela é uma boa pessoa. Bem, vamos à sala de música,
pois o prédio por si só vale a pena de ser visto.
O salão circular, com o teto decorado no estilo rococó, era muito elegante. Alison
ainda não tinha visto uma orquestra e ficou deslumbrada ao ouvir o som que emanava de
quase meia centena de instrumentos.
Depois do empolgante espetáculo musical, quando se dirigiam para o camarote, ela
sentia-se quase à vontade na companhia de lorde Kilmore. No entanto, ficou mais
sossegada ao encontrar os Darnell esperando por eles, apesar do simpático cavalheiro
exibir um olhar meio embaçado e um nariz tão vermelho quanto o manto da esposa.
— Aí estão vocês! — exclamou a senhora, em voz alta demais. — Bonita música,
não acharam? Ainda há tempo para você comer alguma coisa, queridinha, antes dos
fogos.
Alison não tinha fome, mas não podia recusar-se a provar a famosa comida do
Vauxhall, porém não aceitou o ponche, do qual tinha certeza, o sr. Darnell bebera demais.
Lorde Kilmore não a pressionou para que consumisse qualquer bebida alcoólica e as
suspeitas de que ele teria segundas intenções desapareceram por completo.
O sr. Darnell estava quase roncando na cadeira do camarote quando a maioria das
damas por perto puseram-se a anunciar, com gritinhos e risadinhas excitadas, que os
fogos iam começar. Muitas delas haviam tirado suas capas para exibir decotes ousados,
que ultrapassavam os limites da decência, e manifestavam seu entusiasmo vulgarmente
penduradas ao braço de seus cavalheiros.
— Espero que aprecie fogos, srta. Larkin — murmurou o lorde ao ouvido da moça.
— Sempre quis ver esse espetáculo — assegurou ela, tentando não olhar demais
para a sra. Darnell.
Ela deixara a capa cair, exibindo um vestido amarelo, muito decotado. Quando,
pouco depois, luzes e cores iluminaram o céu, Alison esqueceu tudo mais.
— Nunca vi nada mais bonito! — declarou, com sinceridade.
— Fico feliz que esteja satisfeita. — sorriu o lorde.

Quando a primeira queima de fogos terminou, a sra. Darnell deu um gritinho para
chamar a atenção de um cavalheiro que passava por perto deles: — George, meu
pombinho!
— Ginger, querida, onde tem andado?
O homem usava o mesmo tom íntimo dela, enquanto a enlaçava pela cintura. Ela
aceitou a atitude atrevida e saiu caminhando com o sr. George, enquanto seu marido
ficava no camarote, embrutecido álcool, sem perceber nada. Horrorizada com a atitude
vulgar da senhora, Alison fitou lorde Kilmore.
— Desculpe-me, mas precisava arrumar uma acompanhante e assim, na última hora
— tentou explicar o nobre. — Apesar de seus modos um tanto impróprios, ela é uma boa
pessoa e acho que sua atitude é apenas da conta do marido dela. Bem, vamos terminar
nosso jantar?
Philip Trevelyan ficou surpreso ao encontrar lady Emma na residência dos
Landsdowne. Era indiscutível que a família dela era tão importante quanto a do marquês,
mas os Gilchrist eram Torys e os Landsdowne, Whigs, o que para os ingleses fazia muita
diferença, uma vez que se tratava de dois partidos opostos, que atuavam no Parlamento.
Entretanto, o acompanhante de lady Emma lhe causou bem menos surpresa. Ralph
Osborne já havia dito que tencionava doar vultuosa quantia para ajudar nas reformas
parlamentares e, assim, sua presença se explicava. Porém, o que deixava o cavalheiro
intrigado era o fato do simpático senhor indiano estar sempre junto de sua amiga.
Quando o jantar terminou, Philip encontrava-se bastante satisfeito com os resultados

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

obtidos naquela reunião e seus pensamentos voltaram-se para Alison. Ela ficaria feliz ao
saber que os planos dele de fazer alguma coisa pelas crianças de rua estavam
começando a dar resultado. Desta forma, decidiu ir com a amiga e seu acompanhante até
Park Street, na esperança de encontrar a jovem ainda acordada. Somente quando
chegaram à casa de lady Emma, foi que ele percebeu como seria estranho pedir para
falar com Alison àquela hora da noite.
— Posso oferecer-lhes um drinque? — indagou a dama.
Não era apropriado que só um deles aceitasse, então o sr. Trevelyan fitou o sr.
Osborne, que fez um sinal afirmativo.
— Ótima ideia, Emma — aceitou ele, com esperança de ver Alison.
Eles mal haviam entrado quando o mordomo anunciou: — Milady, a srta. Cárter tem
uma carta para a senhora. É da srta. Alison, que saiu com um cavalheiro.
A criada pessoal de lady Emma aguardava-a na sala, nervosa, com uma folha de
papel nas mãos trêmulas. Entregou-a à patroa, que desdobrou-a e leu.
— O que diz o bilhete? — indagou Philip, a impaciência sobrepujando as boas
maneiras.
— A srta. Alison saiu com lorde Kilmore — apressou-se a dizer a criada, com o olhar
ainda mais assustado.
— Pode retirar-se, Cárter — ordenou lady Emma, que empalidecera. Depois que a
moça saiu, voltou a falar: — Alison foi com Kilmore a um baile de máscaras, no Vauxhall.
Mal conseguiu completar a frase, num fio de voz, e o sr. Osborne amparou-a, para
que não caísse, fazendo-a acomodar-se em uma poltrona.
— Sozinha, com aquele libertino? — perguntou o sr. Philip, incrédulo.
— Não, ela diz que um casal iria acompanhá-los — respondeu a lady e olhou o
papel, para ver de quem se tratava. Ficou ainda mais pálida. — Oh, Deus, os Darnell!
— Os Darnell? Quem são eles? — quis saber Ralph Osborne.
— O sr. Darnell estará completamente embriagado antes que Alison venha embora.
— mal pôde dizer a angustiada lady.
— E a mulher dele irá para a cama com o primeiro que aparecer! — completou o sr.
Philip, os olhos castanhos soltando fogo. — Emma, por favor, empreste-me sua
carruagem. Vou buscar a srta. Larkin, agora mesmo.
— Vou com o senhor — determinou o sr. Osborne, preocupado. — Ela está também
sob minha responsabilidade.
Pouco depois, encontravam-se na carruagem de lady Emma, a caminho do
Vauxhall. Para a ansiedade de Philip Trevelyan, o veículo era muito lento. Teria escolhido
outro, mais ágil, se tivesse tempo. Apesar das palavras animadoras do sr. Ralph Osborne,
ele sentia-se sobre brasas: Kilmore levara Alison para um ambiente duvidoso e, tinha
certeza, se pudesse provocar uma situação que comprometesse a reputação da jovem,
ele o faria. Era evidente o seu plano: comprometê-la, para obrigá-la a aceitá-lo em
casamento.
Quando o sr. Philip parou o landau diante dos jardins Vauxhall e desceram, o sr.
Osborne ficou impressionado: — Nunca estive aqui — disse, olhando ao redor, assim que
passaram o portão. É um lugar lindo, mas também enorme! Por onde começaremos a
busca?
O sr. Trevelyan sacudiu os ombros, desanimado: — Não tenho a menor ideia. Vai
ser difícil encontrar Alison, porque os jardins Vauxhall são enormes, cheios de alamedas,
aliás não muito bem iluminadas. Vamos nos separar e procurar o melhor possível, meu
caro — sugeriu, respirando fundo em sua angústia. — Vá pela direita, que eu vou pela
esquerda. — Olhou o relógio. — O primeiro espetáculo de fogos de artifícios terminou há
alguns minutos. Precisamos encontrá-los antes que comece o segundo, porque vai ser
impossível depois que eles saírem do camarote, para o baile. Vamos!
O sr. Osborne saiu andando, rápido, e Philip ia fazer o mesmo quando sentiu que

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

alguém lhe puxava a manga do paletó.


— Ei, senhor!
Olhou para baixo e deu com o rostinho sardento de Tarry Joe.
— Ora! Que diabo você quer, menino? — impacientou-se, nervoso.
— Eu vim atrás deles, moço! Sei onde Alison está.

CAPÍTULO XIV

— Acho que deveríamos ajeitá-lo melhor — disse Alison, preocupada com o sr.
Darnell. — Ele me parece pouco confortável, está escorregando da cadeira e vai cair.
Lorde Kilmore ergueu-se, fez o amigo levantar-se e quase o carregou até um banco,
no fundo do camarote, enquanto ela comia mais um bocado do prato que tinha diante de
si.
— Hum! A torta de maçã está uma delícia! — comentou. — Acha que poderia
conseguir a receita, para minha tia Cleo?
— Não há mal nenhum em tentar.
Com um sinal discreto, lorde Kilmore chamou o garçom e falava com ele quando a
jovem avistou Philip Trevelyan e Ralph Osborne. Feliz por vê-los, acenou-lhes, sorrindo.
A fúria contida que escurecia a expressão do sr. Trevelyan transformou-se em
zombeteiro divertimento.
Sem ter ideia do que se passava, ela disse a Kilmore: — Veja, milorde, o sr.
Trevelyan está aqui.
Dispensando o garçom e engolindo a raiva, ele desabafou: — Agora que íamos ficar
sossegados, senhorita, tendo a festa apenas para nós, chegam mais duas pessoas. O
que devemos fazer? Vamos esconder Darnell embaixo da mesa?
Ela riu da brincadeira e antes que pudesse responder os cavalheiros chegaram.
— Olá, Trevelyan. Boa noite sr. Osborne — disse o lorde.
Os dois responderam, frios, depois cumprimentaram Alison.
— Deixe o pobre homem onde está, lorde Kilmore — observou ela, antes de
responder aos cumprimentos. — Estou feliz em vê-los aqui, senhores. Não é um lugar
maravilhoso?
— Maravilhoso? — explodiu Ralph Osborne, a angústia que sentira dissolvendo-se
em ira. — Mocinha, será que não...
— Realmente, este jardim é muito bonito — interrompeu-o o sr. Philip e o cavalheiro
indiano entendeu, acalmando-se. — Mas, lady Emma está preocupada e pediu-nos que
viéssemos buscá-la. Lorde Kilmore a perdoará se nos acompanhar.
— Que pena! Vai haver outra queima de fogos, "A Cascata", sabe? Eu queria tanto
assistir! Lorde Kilmore disse-me que é mais linda do que a primeira — lamentou a jovem.
— Fogos de artifícios? — indagou Osborne. — Ouvi falar da "Cascata" e tinha
vontade de vê-la.
— O senhor pode ficar, se quiser, eu levarei a srta. Alison para casa — respondeu
Trevelyan, determinado.
— Por favor, vamos ficar também! — pediu Alison. — Lady Emma ficará sossegada,
sabendo que os senhores estão comigo.

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— Está bem, então. Mais meia hora não fará diferença — cedeu o sr. Philip.
Naquele momento o garçom trouxe uma folha de papel para lorde Kilmore, que a
entregou a Alison.
— A receita que pediu, srta. Larkin. — Depois, sorrindo: — Esses cavalheiros a
estão importunando? Se estiverem, diga-me e eu a livrarei deles!

— Oh, não! — riu ela, entrando na brincadeira. — Eles queriam me impedir de ver "A
Cascata", mas já os convenci.
— Eu não permitiria que a privassem desse prazer — disse o lorde, oferecendo-lhe
o braço. — Venha, junto do parapeito veremos melhor — e levou-a, ignorando os recém-
chegados.
Quando o segundo espetáculo pirotécnico começou, ela ficou feliz por ter insistido.
O céu tornou-se esplendoroso de cores brilhantes, que o percorriam para baixo, dando a
impressão de uma enorme cascata de luz. Mas, junto ao lorde, Alison mantinha-se
consciente da presença de Trevelyan e descobriu que se sentia feliz por ele estar lá.
Quando os fogos terminaram, ele aproximou-se: — Está na hora de irmos, srta. Larkin. —
Lorde Kilmore ia dizer algo e ele cortou: — Eu levarei a senhorita para casa.
— Já que insiste — cedeu o nobre, sarcástico.
Alison agradeceu-lhe o convite, dizendo que tudo fora adorável, despediu-se e foi
embora com os cavalheiros.
Durante todo o trajeto de volta à Park Street, o sr. Osborne fez questão de lembrar a
Alison quais eram suas obrigações para com lady Emma. Ela ouviu em silêncio.
Assim que chegaram, o sr. Osborne disse que ia para casa e sumiu na escuridão.
Antes que entrassem, Alison viu quando o sr. Trevelyan entregava uma moeda para um
garoto que estivera empoleirado traseira da carruagem.
— Aquele era Tarry Joe! — exclamou, reconhecendo a figura que se afastava.
— Sim. Tarry Joe também estava muito preocupado com você e a seguiu quando
saiu com lorde Kilmore. Foi graças a ele que a encontrei em Vauxhall.
— Não precisavam se preocupar comigo. Lorde Kilmore foi um cavalheiro perfeito e
me diverti muito. Nunca ouviu o ditado latino: Timeo danaos et dona ferentesi
Ele ia falar quando o mordomo abriu a porta e levou-os para a sala de visitas, onde
lady Emma aguardava ansiosa.
— Minha querida, você está bem? — indagou, aflita, indo ao encontro da protegida e
abraçando-a.
— Oh, sim, perfeitamente bem. Não queria deixá-la preocupada, madame. Quando
percebi que os Darnell não eram pessoas tão respeitáveis quanto pensei que fossem, já
era muito tarde. Não tive coragem de dizer: "Sinto muito, mas depois de conhecê-los não
desejo mais sair". Lorde Kilmore foi um perfeito cavalheiro e o Vauxhall é uma beleza!
— Mas tratava-se de um baile de máscaras, Alison! Você não devia — começou a
lady.
— Eu não sabia que não era apropriado ir a um baile de máscaras no Vauxhall,
milady — interrompeu-a Alison, contrita, os olhos azuis mais meigos do que nunca. —
Não me lembro da senhora ter me dito algo a respeito.
— Não o fiz porque você nunca foi convidada para um baile de máscaras. Porém,
tenho quase certeza que não havia por lá alguém que pudesse reconhecê-la.
— Não havia, mesmo. E se houvesse não me reconheceria, porque usei máscara
durante quase toda a noite, só a tirei para comer e a capa tinha capuz. Não é bonita? —
disse ela, abrindo a ampla capa azul que o lorde lhe emprestara.
— A cor é perfeita para você — disse lady Emma, com um suspiro. — Mas é tarde,
querida. Devemos ir para a cama.
Alison não ficou surpresa quando desceu na manhã seguinte e encontrou o sr. Philip
esperando por ela na sala do café, muito embora lady Emma ainda estivesse dormindo.

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Henry a serviu, mas não se retirou, como sempre fazia, ficando ao lado da mesa;
parecia achar que não era certo deixá-la sozinha com o visitante madrugador.
— Pode ir, Henry — falou o cavalheiro. — Não tenho a menor intenção de atacar a
srta. Alison a esta hora da manhã.
O mordomo corou e voltou-se para a jovem.

— Obrigada, Henry — disse ela, com um sorriso. — Não vou precisar de você por
enquanto.
No momento em que a porta se fechou ela lançou um olhar acusador para o sr.
Philip e disse, amuada: — Não precisa expulsar os criados só para me dar uma lição de
moral. Poderia esperar até que eu lhe dissesse para se retirar. Veio com intenção de me
repreender por ter ido ao baile de máscaras com lorde Kilmore. Estou certa, senhor?
— Não. Não está. Na verdade, vim para perguntar-lhe o quis dizer com Timeo
danaos e sei lá o que mais.
— Não aprendeu latim na escola? — indagou ela.
— Não seja impertinente, aprendi, sim. Não quero que traduza o ditado que diz que
nem o diabo aguenta mulher, mas que me explique como uma moça que não foi à escola
sabe latim.
— Bem, primeiro, vou lhe contar o que pretendi dizer ao citar o provérbio. Na
verdade, eu não estava assim tão despreparada para uma possível investida de lorde
Kilmore. Desde que aceitei o convite para ir ao Vauxhall, fiquei atenta para qualquer
atitude suspeita.
— "Não confiem nos gregos, principalmente quando dão presentes!" disse Lacoonte
aos troianos, quando eles decidiram aceitar o enorme cavalo de madeira que os gregos
lhes ofereciam. Lorde Kilmore me oferecia algo que eu queria muito. A troco de quê?
— Pelo amor de Deus, Alison! — exclamou Trevelyan, impaciente. — Esqueça
Kilmore, esqueça os gregos, os troianos e conte-me onde e como aprendeu latim.
— Não lhe disse que meu avô era um estudioso? Ele deixou uma centena de livros
que estão guardados lá em casa, numa sala transformada em biblioteca. É por isto que
nunca usamos a outra sala de visitas: é lá que guardamos as coisas de meu avô. Entre
eles havia dicionários de latim e traduções, que eu gostava de ler. Mais tarde, interessei-
me por uns livros escritos em latim e os li, com a ajuda dos dicionários. Uma pessoa não
deve ler apenas romances.
— Nunca pensei que fosse tão culta! Na verdade, jamais o demonstrou.
— Bem, lady Emma disse que eu não deveria sair por aí fazendo citações em latim,
que as pessoas não gostam de mulheres cultas. O senhor se incomoda com isso? Na
verdade não me considero culta: ignoro vários assuntos, não sei me comportar, minha
educação não é refinada.
— Por que deveria me incomodar? Você é a moça mais extraordinária que já
conheci!
A intensidade do brilho nos olhos castanhos de Philip obrigou-a a baixar o rosto,
tomada por uma sensação que não sabia definir. Lady Emma entrou nesse momento.
— Alison, não é apropriado. — começou a dama, severa.
— A culpa é minha, Emma. — interrompeu-a o amigo. — Suponho que Henry tenha
ido chamá-la.
— Se está insinuando que meu mordomo tem mais senso de decoro do que você,
devo dizer que é verdade — afirmou ela, sentando-se à mesa. — Philip, não entendo o
que está acontecendo: sempre foi tão consciente das normas sociais.
Ele sorriu, depois ergueu-se, fez uma reverência para a lady e beijou-lhe a delicada
mão. Disse, com ar humilde e arrependido: — Está bem, entendi. Peço mil desculpas.
Agora, por favor, permita que me retire, pois já descobri o que queria. Vou vê-las no baile,
esta noite?

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— Na casa dos Hardcastle? — indagou a dama. — Sim.


— Então, queridas damas, peco-lhes que cada qual me reserve uma valsa. Tenham
um bom dia, ladies — fez uma mesura caricata, rindo, e retirou-se.
— Gostaria de saber o que há com Philip. — comentou lady Emma, pensativa. —
Em vez de ficar ajuizado com o passar dos anos, ele parece que está remoçando e se
tornando arteiro! Espero que tenha se comportado bem com você, Alison.
— Muito bem, madame! — confirmou a moça.
Não pôde perguntar à sua orientadora o que achava de tão estranho em Philip,
porque lorde Fane chegou naquele momento, a fim de convidá-la para um passeio no
parque. Conversaram muito enquanto passeavam, o nobre perguntou-pela saúde de suas
tias e ela ficou satisfeita ao descobrir que ele não mentira quando dissera que ia viajar a
negócios.
— Um homem tem obrigações para com a terra que herda de sua família —
declarou o nobre. — Fane Hall, a propriedade que tive de ir visitar, é nossa há mais de
trezentos anos.
— Acredito que os trabalhadores de sua propriedade nada têm a lamentar do amo
— comentou a jovem.
— Realmente, não — concordou ele. E, mudando de assunto: — Irá ao baile dos
Hardcastle, esta noite? — Ao ver que ela assentia, prosseguiu: — Será que ainda resta
alguma dança que possa reservar para mim, senhorita?
Alison concordou em reservar duas danças para o lorde. Não via a hora de contar a
novidade para lady Emma e o fez assim que entrou em casa, pouco mais tarde. A dama
admitiu: — Estou começando a acreditar que vai conseguir que um lorde caia a seus pés
e a leve para o altar, minha querida!
Foi só então que Alison percebeu que nunca havia pensado além do momento que o
lorde declarasse seu amor. Nunca pensara como seria a vida de casada, o
relacionamento físico com o marido, nem a vida de um casal.
Será que realmente desejava passar o resto de sua vida com lorde Fane? Ou com
lorde Kilmore? Era mesmo romântico casar-se com um lorde?, perguntou-se. Gostava
mais de Philip Trevelyan do que dos lordes que conhecia. Será que esse fato tinha
importância? Ele dissera ela era extraordinária. O que significava aquilo?
Decidiu perguntar-lhe quando dançassem, naquela noite.

CAPÍTULO XV

O vestido de baile de Alison era uma lindeza. De tafetá branco, tinha como
ornamento uma renda delicadíssima, que cobria o corpete justo e se prolongava pelos
braços esguios, com mangas compridas que realçavam a pele nacarada, de suave tom
marfim. Rosetas pequeninas, de fitilho em várias tonalidades de.azul, dispunham-se a
partir do ponto em que terminava o corpete de cintura baixa, sobre a saia ampla,
formando desenhos ondulantes, que acrescentavam graça aos movimentos dela e
valorizavam a cintura delgada.
— Separei uma fita para seus cabelos, srta. Alison — disse Cárter, que a ajudava a
vestir-se. — Este tom de azul vai realçar a core o brilho de seus olhos.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

A julgar pelo número de cavalheiros que elogiaram a beleza de seus olhos, durante
o baile, Cárter estava certa. Até mesmo primo Neil fez um elogio: — Nossos olhos são
idênticos, prima, mas os seus têm algo indescritível, mágico, feiticeiro, sei lá! Por favor, eu
imploro, conceda-me a primeira valsa e iremos arrasar os convidados com os poderes de
nossos olhos reunidos!
Rindo, Alison voltou-se para sua acompanhante e lady Emma assentiu, dizendo: —
Como Philip ainda não chegou, marque a primeira valsa para lorde Deverill, que eu marco
a minha para ele. Pode reservar-lhe a segunda, querida.
O jovem lorde Mortiner Hardcastle também ficou encantado e pediu-lhe uma dança.
Ele tinha vindo de Cambridge especialmente para o baile dos pais, era alto, um pouco
desajeitado e bastante tímido. Tudo correu bem até a figuração final, em que os pares, de
mãos dadas, voltados de frente um para o outro, giravam sobre si mesmos e a música
terminava com o cavalheiro inclinando a cabeça e a dama fazendo uma graciosa
reverência. Quando giravam, para finalizar, o lorde pisou na barra do vestido de Alison e
ouviu-se um assustador barulho de tecido rasgando. O rapaz imobilizou-se, pálido, e
gaguejou: — Srta. Larkin... eu...
Condoída de tanta aflição, ela deu-lhe o braço e o fez levá-la para a extremidade do
salão; precisava caminhar com cuidado, pois corria o risco de cair, se pisasse na barra
rasgada. Quando chegaram junto à porta, disse, suave: — Não se preocupe, milorde. Foi
pouca coisa e eu mesma posso arrumar. Será apenas o tempo de ir até a toalete. Mas,
por favor, avise lorde Deverill do que aconteceu e peça-lhe que me desculpe, pois não
poderei conceder-lhe a próxima dança.
O rapaz, consternado, fez o que lhe era pedido e Alison seguiu para a sala
reservada ao descanso das damas.
Quando retornou ao salão, a valsa já começara, lady Emma dançava com Philip e
ela foi para junto de lady Edgehill.
— Posso refugiar-me junto da senhora, madame? Ocorreu um incidente com meu
vestido e precisei desistir desta dança.
— Claro que pode, minha querida — declarou a condessa, com prazer. — Veja,
Emma está dançando com Philip. Eles formam um bonito casal, não acha? Um destes
dias minha filha vai criar juízo e fazer esse homem feliz.
— Fazê-lo feliz, madame? — indagou a moça, sem compreender.

— Sim. Vai concordar em casar-se com ele. Philip vem tentando convencê-la há
anos! É um par perfeito, não?
— Perfeito, madame — concordou Alison, estranhando o fato de sua voz sair muito
fraca.
Como tinha sido cega! Philip Trevelyan amava lady Emma e ela jamais percebera.
Sentindo uma dor muito estranha no fundo de seu coração inexperiente, deixou que lady
Edgehill conduzisse a conversa e ela passou a dar detalhes: — Philip não tem títulos, mas
é de família muito tradicional. Faz parte do governo e tem dinheiro suficiente para manter
Emma com o luxo e conforto que ela merece. E, o mais importante, sei que ele fará
qualquer coisa por ela!
Até mesmo tratar bem sua protegida, pensou a jovem desolada. Ele amava lady
Emma e não queria que sua amada sofresse ao cuidar de uma moça sem eira nem beira
como ela, por isso a ajudava, levando-a a passeios, dando-lhe uma atenção que não
daria se não fosse pela mulher amada.
Alison Larkin tratou de dominar a angústia que sentia e deu de ombros, procurando
forças em seu orgulho. Afinal, havia sido melhor assim. Descobrira a verdadeira situação
a tempo e não iria fazer papel de tola perguntando ao sr. Trevelyan o que quisera dizer
quando a classificara de "moça extraordinária". Decidiu não demonstrar o que sofria.
Ninguém, deveria saber de sua decepção, muito menos ele!

PROJETO REVISORAS 61
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

Exibindo um luminoso sorriso, ela dançou com lorde Fane e, depois, com lorde
Kilmore. O interesse evidente dos dois serviu de consolo e ajudaram-na a recuperar a
calma.
Quando, finalmente, Philip Trevelyam a enlaçou para a valsa, Alison encontrava-se
preparada para uma conversa fútil.
Na volta para casa, não se conteve e disse à lady Emma: — Não sabia que o sr.
Trevelyan a havia pedido em casamento, madame.
— Este é um assunto que nós dois não gostamos de comentar e minha mãe fez mal
em contar-lhe. No entanto, já que ela o fez, sim, Philip me pediu em casamento.
— E a senhora deseja se casar de novo, milady?
A bonita dama ficou silenciosa por alguns instantes, mas afinal resolveu responder:
— Sim, gostaria de me casar. Acho que compreende, Alison. A vida que levo pode se
tornar cansativa, com o tempo. Meu marido, lorde Grant, era um homem muito bonito,
atraente e romântico era a figura exata do príncipe encantado que uma moça sonhadora
quer encontrar, mas sem qualquer senso de praticidade. Nem mesmo era bondoso, a não
ser de um modo distraído, impessoal. Agora, quero um marido que leve em consideração
meus sentimentos e que, acima de tudo, seja capaz de resolver nossos problemas sem
criar outros.
Alison suspirou, pensando em um homem bonito, sensível e elegante, que
correspondia àquela descrição.
Na manhã seguinte, havia três buquês de rosas vermelhas esperando por ela. A
fragrância suave das flores anulava tradicional cheiro de presunto com ovos.
— Quem as enviou? — quis saber lady Emma.
Alison leu os cartões.
— Lorde Fane enviou os botões. Não entendo da linguagem das flores, mas acho
que botões significam cautela.
— Incerteza, talvez — sugeriu a dama, com um sorriso.
— O buquê maior é de lorde Mortiner, pedindo desculpas pelo estrago causado em
meu vestido e dizendo que terminará a faculdade no ano que vem. Que será que ele quis
dizer?
— O pobre rapaz está lhe pedindo para esperar por ele, avisando-a que ao fim do
ano que vem ele ficará por aqui e poderá assumir compromisso.
— Depois de uma única dança?
— Não se incomode, ele vai superar isso. Deve estar impressionado por sua beleza
e sem saber o que fazer para se punir da grosseria que julga ter cometido rasgando a
barra do seu vestido. E o terceiro buquê, de quem é?
— De lorde Kilmore, ele diz que deseja falar-me em particular.
— Então, chegou o momento tão esperado — murmurou lady Emma, com ar triste e
pensativo. — Para ser franca, não sei o que aconselhar. Uma semana atrás teria dito que
tomasse cuidado com lorde Kilmore. Agora não sei mais.
— O que a fez mudar de ideia, madame?
Ela deu de ombros.
— Lorde Kilmore não deveria tê-la levado ao Vauxhall, porém o comportamento dele
foi impecável e acima de qualquer crítica. Observei-o atentamente na noite passada e
começo a acreditar que ele está realmente apaixonado. Pelo menos, é o que parece pelas
atitudes dele, pelo jeito que a olha, pelo modo que lhe fala. Você gosta dele, Alison?
— Bem, ele é simpático, até mesmo encantador e divertido — declarou a jovem,
com cautela.
— Quem sabe ele pode fazê-la feliz. Pense bem no que deseja, minha cara. Antes
de dizer um sim, considere que encanto, simpatia e bom-humor não bastam para
sustentar um casamento. É preciso que exista algo mais forte, mais profundo entre um
casal. Outra coisa, querida, não é obrigada a conversar com lorde Kilmore a sós, se não

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

quiser.
— Não, mesmo? Aí, como seria? — quis saber Alison.
— Eu posso dizer a ele que suas intenções não são bem aceitas. Mas, antes de
tomar uma decisão, lembre-se de que talvez essa seja a única oportunidade de ter um
lorde a seus pés, como sonha. Não podemos contar com o jovem Fane.
— Não acho bom concordar em receber lorde Kilmore em particular apenas por esse
motivo. De qualquer modo, devo dar-lhe uma resposta. Mas não hoje: prometi a Fanny
que iríamos fazer umas compras e lorde Fane convidou-me para um passeio no parque,
mais tarde.
Foi somente quatro dias depois de ter recebido as flores que Alison concedeu a
lorde Kilmore a entrevista que ele pedira.
Lady Emma ficou com eles por alguns minutos, então retirou-se, com a desculpa de
dar ordens na cozinha.
O jovem lorde pôs-se a caminhar, nervoso, de um lado para outro da sala e Alison
concluiu que ele não era um simples caça-dotes, pois do contrário não estaria tão
nervoso.
— Srta. Alison! — exclamou ele, por fim, aproximando-se. — Srta. Larkin!
— Sim, milorde — respondeu ela, com a voz ligeiramente estremecida.
Com duas passadas o jovem, depois de passar a mão, agitado, pelos rebeldes
cabelos castanhos, ajoelhou-se diante dela e tomou-lhe as mãos entre as suas.
— Alison, case-se, comigo! Não posso viver sem você. É a criatura mais bela e doce
que já encontrei.
E rica!, completou ela, em silêncio, sem conseguir controlar o pensamento. Estava
resolvida a ver o mais claro possível.
— Não está querendo dizer que não pode viver sem minha herança? — indagou,
sem tentar disfarçar a tristeza.
— Ah! Minha torpe reputação chegou a seus ouvidos. — A expressão dele era séria,
o olhar penetrante e o jovem lorde sentou-se a seu lado no sofá. — Confesso que a
princípio meu interesse por você tinha muito a ver com a parte financeira. Porém fiquei
prisioneiro de minha própria armadilha e me apaixonei por seus inebriantes olhos azuis.
— Aquela noite, no meu primeiro baile, quando não me pediu para dançar, estava
tentando chamar minha atenção, não era?
Ele sorriu de leve.
— E consegui, não foi? Tentei cativar-lhe o interesse, mas em vez disto eu me tornei
cativo de seus encantos. Nunca conheci uma moça como você e desejo-a como esposa!
Os cabelos escuros ficaram mais desalinhados depois de lorde Kilmore ter corrido
os dedos ansiosos outra vez entre eles. As mãos, grandes e fortes, que seguraram as
delas estavam quentes e trêmulas. Ele parecia-se com a figura apaixonada dos romances
que lera e do príncipe encantado que aparecia em seus sonhos. Alison ficou tentada.

CAPÍTULO XVI

— Então, quer dizer que você acabou recusando pedido de casamento do pobre
rapaz — disse lady Emma, sem tentar esconder a surpresa.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Sim — suspirou Alison. — Acredito que esteja realmente interessado em mim, é


um cavalheiro muito refinado, atraente e simpático, mas o fato é que não desejo casar-me
com ele.
— Espero que o lorde não tenha ficado muito ofendido.
— Acho que não. Desgostoso, talvez, mas continuamos amigos.
— Lorde Kilmore comportou-se muito bem, Alison. Confesso que não o esperava.
— E eu devo confessar que cheguei a ter vontade de oferecer-lhe algum dinheiro,
mas não seria apropriado.
— Claro que não. Tampouco sua tia ou Ralph... o sr. Osborne, quero dizer,
permitiriam isto. Acho que, seja com quem for que você se case, precisamos tomar conta
de sua fortuna, antes que a dê para o primeiro mendigo que encontre.
— Neil também não aceitou meu dinheiro — disse a moça, com ar pensativo.
— Minha opinião sobre seu primo também melhorou muito — lady Emma parou de
falar, pois o mordomo entrou. — O que está havendo, Henry?
— É um daqueles garotos, milady. Ele trouxe um recado para a srta. Alison. —
Henry entregou à moça um papel amassado. — Diz que se chama Bubble, senhorita.
Mandei que esperasse na cozinha — acrescentou, baixinho, pois sua patroa não
apreciava a presença dos pirralhos.
— Obrigada, Henry — agradeceu Alison e leu. — É de tia Cleo, tia Di torceu o
tornozelo. Nada sério, mas ela não poderá levar Midnight para os passeios diários e o
pobre cão precisa sair. Bem, madame, terei de ir até lá, Midnight só sai se eu ou tia Di o
levarmos.
— Henry, mande preparar a carruagem para a srta. Alison — pediu lady Emma, com
desânimo, porém resignada. — Ainda bem que não preciso sair. Espero que você não
demore muito, querida. Ah! Lorde Fane ficou de visitá-la, hoje?
— Sim, milady. Neil e Fanny também virão e é possível que Robert apareça. Por
favor, se eu me atrasar, peça-lhes que me esperem e desculpe-me com eles.
Enquanto ela passeava com Midnight, pelos arredores da casa das tias, o cocheiro a
esperou e, depois, levou-a de volta para casa de lady Emma, onde o grupinho a
aguardava.
Ao abrir-lhe a porta, Henry avisou-a que a srta. Fanny, o sr. Gilchrist, lorde Fane,
lorde Deverill, o sr. Trevelyan e o sr. Osborne encontravam-se na saleta. Ela foi para lá.
— Desculpem-me o atraso! — exclamou, alegre. — Lady Emma lhes disse que fui
levar meu cachorro para passear e...
Pela expressão de lorde Fane, Alison compreendeu que sua protetora não dissera
isso e ficou evidente que ele não aprovava sua atitude.
— Então, você deve estar cansada demais para irmos passear no parque —
comentou Fanny, desapontada.

— Cansada, eu? De jeito nenhum — respondeu Alison, animada. — Mas acho que
não devemos esquecer que há outras pessoas aqui, Fanny. — E Alison olhou para lorde
Fane, indecisa. — É um prazer oferecer-lhe meu braço para o passeio no parque,
senhorita, para o caso de que fique cansada — disse o lorde, galante — e desde que lady
Emma permita.
A dama deu consentimento, dizendo que não os acompanharia porque estava à
espera da sra. Talmadge. Os srs. Osborne e Trevelyan disseram que ficariam, também,
mas o sr. Neil resolveu acompanhá-los. E o grupo de jovens saiu, ruidoso, entre risos e
brincadeiras.
O tornozelo de tia Di melhorava lentamente e Alison continuou a passear com o
cachorro pelas redondezas da Ormond Street durante algumas semanas.
Num dia úmido, ela esperou até o final da tarde, na esperança de que pararia de

PROJETO REVISORAS 64
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

chover, mas não foi o que aconteceu. Quando o cocheiro de lady Emma a deixou diante
da casa de suas tias, uma garoa fina ainda caía como um manto cinzento sobre a cidade.
Assim, decidiu dar uma volta pequena com Midnight, para evitar os lugares não calçados,
onde se formara lama. Aos poucos, a garoa fina parou e Alison passou a apreciar a
revigorante caminhada.
Ficou feliz quando, ao dobrar a Grays Inn Lane, deparou com lorde Kilmore
esperando por ela ao lado de uma carruagem.
— Fui à sua casa — informou ele — e suas tias me disseram que deveria estar
pelas redondezas, passeando com Midnight, então resolvi vir procurá-la.
— É, mudei um pouco meu percurso habitual por causa da chuva. Por que não está
com seu faéton, hoje?
— Achei que num tempo assim a senhorita ficaria melhor em uma carruagem
fechada — ele a ajudou a subir e ia fazer o mesmo quando Midnight abocanhou-lhe a
barra da capa e puxou-a. — O cachorro pode voltar sozinho, não é?
— Não. Se assim fosse, eu não precisaria vir até aqui para levá-lo a passeio —
respondeu Alison, agastada.
Midnight não se fez de rogado e subiu na carruagem, como se tivesse sido
convidado a fazê-lo.
Suspirando, o cavalheiro tomou seu lugar e fechou a porta.
O odor não muito agradável de cachorro molhado invadiu o pequeno ambiente.
Como as janelas estavam fechadas, lorde Kilmore levou o lenço ao nariz, de cara feia.
— Talvez seja melhor abrir as janelas — disse Alison.
— Não dá. Esta carruagem é de um amigo que tem horror a ver a paisagem em
movimento e as janelas foram travadas.
Subitamente inquieta, Alison deu um rápida espiada pela única janela envidraçada
que havia à frente. Midnight levantou a cabeçorra e tomou uma das mãos dela em sua
enorme boca, sem apertar, como costumava fazer.
— Ele vai estragar sua luva! — exclamou lorde Kilmore, alarmado. — E pode
machucar-lhe a mão.
Alison puxou a mão, para tristeza do animal, e comentou, intrigada: — Este não é o
caminho para a Ormond Street, senhor.
— Vou levá-la para Park Street.
— Lady Emma vai desmaiar se eu aparecer com Midnight. Vamos levá-lo para casa.
Diga a seu cocheiro para voltar. Lorde Kilmore meneou a cabeça negativamente.
— Sinto muito, mas ele tem ordens para seguir em frente.
— O que está querendo dizer? — indagou ela, perdendo a paciência. — Não está
me levando para casa de lady Emma, pois este não é o caminho para lá, também!
— Eu esperava que levasse mais tempo para perceber que pegamos outro caminho.
— disse o lorde, carrancudo.
— Onde está me levando?
— Não tenha medo minha cara. Quero dizer, tudo vai dar certo. Tentei fazer as
coisas como se deve, mas você não me deixou escolha.
— O senhor disse que estava apaixonado por mim — acusou ela, desejando que
sua voz não tremesse tanto.
— E estou, mesmo, terrivelmente apaixonado. Você também confessou que gostava
de mim, não foi? — indagou ele, deslizando sobre o banco e, assim, aproximando-se
dela.
Midnight, com um leve rosnado, interferiu colocando a enorme cabeça negra entre o
nobre e a sua assustada dona.
Lorde Kilmore recuou imediatamente, olhando para o grande cão com rancor.
— Para onde está me levando? — insistiu a moça, começando a entender que algo
terrível estava lhe acontecendo e que nada podia fazer para escapar.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Estamos indo para Gretna Green, minha querida — respondeu ele, com um
sorriso maldoso.
Ela estremeceu: sabia que era em Gretna Green que se casavam os pares que
fugiam e precisavam legalizar a situação.
Há algum tempo o sr. Philip Trevelyan tinha consciência de que Alison vinha se
conservando muito distante dele. Não que ela fosse menos amigável ou encantadora,
mas uma sombra de reserva pairava entre eles.
Ele retornava de sua propriedade Nether Beeches, que ficava em Buckinghamshire,
e sentia-se ansioso por rever as luzes de Londres, coisa que achava estranha, porque
sempre preferira o campo à cidade. Durante aqueles dias que ficara no interior sentira-se
esquisito, inquieto, como se estivesse faltando alguma coisa.
Naquela manhã, durante a viagem, descobrira o que lhe fazia tanta falta. Enquanto a
paisagem verdejante, brilhando ao sol, desfilava diante de seus olhos e o gorjeio dos
pássaros tocava recantos de seu coração, Philip se pôs a imaginar como seria ter Alison a
seu lado, contemplando com ele o panorama bucólico, pondo um toque de romantismo e
encanto naquela beleza cheia de paz.
De repente, enquanto a carruagem percorria a estrada, Philip descobriu, sem
sombra de dúvidas, que eram a alegria e o sorriso de Alison que faziam tanta diferença
em sua vida e que faltavam para completar sua felicidade. Era o desejo de acariciar, de
leve, os macios cabelos cor de ébano, de fitar os olhos azuis como o céu, que lhe fechava
o coração para todos os outros sentimentos, inclusive para o entusiasmo e a alegria que
sempre tivera quando ia à sua propriedade campestre. Aquela doce criatura, aquele
pequenino ser encantado, despertara seu coração descrente.
Uma chuva grossa começou a cair, despertando-o de seus pensamentos. Pediu ao
cocheiro que encostasse a carruagem ao lado da estrada e ajudou-o a levantar a capota.
— É melhor que entre e dirija daqui de dentro, John — disse, convidando o rapaz
para proteger-se.
Tinha consciência que antes de conhecer Alison jamais tal ideia teria lhe passado
pela cabeça. Fora ela quem lhe chamara a atenção para os sentimentos das outras
pessoas, para o fato de que todos eram sensíveis, vulneráveis, tivessem nascido ricos ou
pobres. Sorriu ao lembrar que chegara a considerá-la mal-educada, quando ela, quase
uma menina, pudera ensinar-lhe coisas bem mais importantes do que boas maneiras.
Quando desceu em frente de sua mansão, na Green Street, ficou consciente de três
coisas: o garoto que correu para ajudar John com os cavalos era Squeak, o cavalo parado
em frente da casa era de lady Emma e o cavalheiro que estava na porta com seu
mordomo era lorde Deverill.
— Nem entre em casa, Trevelyan! — gritou-lhe Neil, nervoso. — Aquele demônio do
Kilmore raptou Alison.
— O quê? Como você sabe? — Febril, sua cabeça trabalhando depressa, ele
ordenou: — John, troque a parelha, rápido, pelos alazões!
— Eu estava na casa de lady Emma quando este menino chegou com a notícia.
Parece que há sempre um deles de olho em Alison, mas como o tempo, hoje; não estava
ajudando as vendas, os três resolveram cuidar dela.
— É! Nós vimos o homem fazer a srta. Alison entrar na carruagem dele — disse
Squeak, que se aproximara.
— Para onde ele foi? — quis saber Philip, ansioso.
— Para o norte. Tarry Joe e Bubble estão "chocando" a carruagem deles. Eu
"choquei" outra, para chegar logo na casa de lady Emma e avisar. Se eles mudarem de
caminho, Bubble salta da traseira da carruagem e espera a gente, para dizer por onde
foram. Tarry Joe não vai desgrudar deles!
Em dez minutos a carruagem estava pronta. O sr. Trevelyan sentou-se à boleia e
lorde Deverill montou a cavalo, para deslocar-se mais depressa.

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— Leve o menino para dentro, faça com que se alimente e se aqueça — ordenou o
cavalheiro ao seu mordomo. — Mande um recado para lady Emma, dizendo que fomos
buscar Alison.
— Quer que eu os acompanhe, senhor? — indagou John.
— Não. A carruagem não é grande e creio que teremos também dois garotos e um
cão para trazer. Claro, não preciso recomendar que nada digam, a ninguém, do que está
acontecendo!
— Fique sossegado, senhor — responderam cocheiro e mordomo, ao mesmo
tempo.
O sr. Trevelyan fez os cavalos dispararem, rumo ao norte, a raiva por lorde Kilmore
e o medo pela pequena Alison rugindo em seu peito.

CAPÍTULO XVII

Alison olhou desgostosa para o quarto.


— Está cheio de teias de aranha nos cantos — disse ela, franzindo o nariz. — E
cheira muito mal.
Midnight parecia discordar de sua opinião, pois farejava os cantos com evidente
satisfação.
— Ora, srta. Larkin, garanto que o quarto não cheira tão mal quanto seu cachorro —
declarou lorde Kilmore, com maldosa ironia. — Considerando as circunstâncias, não
podia esperar que nos hospedássemos em uma das pousadas mais elegantes da região,
não é? Se os cavalariços idiotas desta estalagem estivessem com uma troca de cavalos
pronta, como deveriam, não precisaríamos nem mesmo colocar os pés nesta espelunca
— afirmou ele, tirando as luvas e colocando-as sobre a mesinha de cabeceira. — Quando
nos casarmos, prometo que você viverá no seio do luxo e do conforto, minha cara.
— Com meu dinheiro, é claro! — rebateu ela, zangada. — Não quero me casar com
você.
— Talvez seja melhor eu começar a demonstrar-lhe, desde já, que acabará
gostando.
Pegando-a de surpresa, ele a envolveu em seus braços e beijou com paixão os
lábios delicados.
Por um segundo, Alison achou a situação interessante, mas logo sentiu uma
aversão indescritível por aquele homem grosseiro; o beijo tornou-se uma coisa horrível e
ela passou a debater-se. Não conseguia escapar e começava a desesperar-se quando
soou um rosnado ameaçador e um corpo peludo forçou passagem entre ela e o agressor.
Era Midnight e lorde Kilmore soltou-a, depressa.
— Acho que ele está querendo sair para fazer suas necessidades — disse a jovem,
afastando-se e limpando os lábios do contato repulsivo, embora o enorme cão se
mantivesse parado, fitando seu agressor.
— Vou chamar um dos cocheiros para levá-lo — declarou lorde Kilmore, fazendo
menção de puxar o cão pela coleira.
Mas recuou, ao ver Midnight erguer-se nas patas traseiras, ficando quase da altura
dele. O cão rosnava alto, ao mesmo tempo que arreganhava os lábios, revelando duas

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fileiras de dentes enormes, amarelados.


— Ele morde? — perguntou Kilmore, assustado.
— Nunca mordeu ninguém — confessou Alison, em sua incurável honestidade. —
Mas acontece que também nunca havia rosnado ou avançado em alguém até este
momento.
— Bem, pensando melhor, talvez o ideal seja que você mesma o leve — decidiu o
jovem lorde, sentando-se em uma cadeira, enquanto ela se dirigia, com o animal, para a
porta.
Antes de deixar o quarto, a moça parou, voltou-se e disse: — Sinto o que aconteceu.
Não foi bom para mim, nem para o senhor. Espero que encontre outra herdeira.
Ele riu; o som áspero e amargo daquele riso acompanhou-a até o pátio enlameado.

A carruagem que os trouxera encontrava-se parada ao lado da estalagem e Alison


teve a impressão que os cocheiros estavam encontrando dificuldades para atrelar os
animais.
Caía uma garoa fina. Corajosamente, ela dirigiu-se para o portão enorme, de ferro,
abriu-o e saiu, com o canzarrão trotando a seu lado. Não tinha ideia a que distância
encontrava-se de Londres, mas precisava voltar. De repente, um assobio agudo chamou
sua atenção uma voz surpreendeu-a: — Srta. Alison, espere!
Tarry Joe corria em sua direção, as velhas botinas cambaias enterrando-se na lama.
— Pelo céus, menino! De onde você surgiu?
— Da parte de trás da carruagem. Eu "choquei" ela até aqui. Decidimos que um de
nós deveria vir com a senhorita e o homem que a trouxe. Ele a deixou vir embora, então?
— Agora que falou nisto, deixou, mas acho que foi Midnight quem o convenceu.
Estamos longe de Londres, Tarry Joe?
— É bastante. Vamos, antes que ele mude de ideia.
Alison e o garoto se puseram a caminho, mas a estrada coberta de lama impedia
que andassem depressa. Ela ficou feliz ao saber que Squeak tinha ido avisar lady Emma
de seu rapto. Porém, uma coisa a preocupava: anoitecia depressa e ela só tinha oito
pence. Nenhuma pousada respeitável a receberia por aquela quantia e suja de lama
como estava.
Comentavam a situação, desanimados, quando ouviram som de cascos de cavalo
aproximando-se e divisaram a silhueta de um cavaleiro ao longe, na estrada. Pararam e,
pouco depois, o cavaleiro detinha-se ao lado deles.
— Alison? — disse ele, hesitante.
— Neil? — indagou ela e, erguendo as saias, correu em direção ao primo,
duvidando dos próprios olhos e ouvidos, achando que ele não podia estar ali. — Oh, Neil!
— finalmente as lágrimas contidas correram-lhe pelo rostinho gelado, dando alívio à
angústia.
O rapaz saltou do cavalo e abraçou-a.
— Ei, está querendo me encharcar? — brincou ele, tentando disfarçar a emoção.
— Não, não. Só estou muito feliz em vê-lo. Pensei que tivesse de andar até Londres.
— Não se preocupe. Trevelyan está vindo, logo atrás de mim, com uma carruagem.
Mas onde está o demônio que teve a audácia de raptá-la?
— Está numa horrível hospedaria que fica mais atrás. Deixe-o, Neil. Lorde Kilmore
não me fez nada, apenas queria que me casasse com ele.
— E eu quero, apenas, amassar a cara dele! Vamos prima, posso levá-la na garupa.
— Não vou voltar àquele lugar, Neil Deverill! Quero ir para casa — respondeu a
moça, com jeito autoritário.
— Não podemos ir tão longe, montados os dois no pobre animal de lady Emma. É
melhor, então, você continuar andando até encontrar Trevelyan, que não deve demorar.
Sem mais uma palavra e sem esperar pelos protestos da prima, ele tornou a montar

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galopou na direção que ela indicara.


— Homem valente! — exclamou Tarry Joe, admirando o corajoso cavaleiro. —
Tenho certeza que ele vai ensinar aquele covarde.
— Como ele pôde fazer isto comigo! — resmungou Alison, indignada. — Deixar-me,
cansada como estou, a pé e toda molhada, sem falar na lama.
— Não se preocupe. Veja, ali adiante há um banco de madeira, ao lado de uns
arbustos. A senhorita pode sentar-se nele e esperar pelo sr. Trevelyan.
— E se ele não vier?
— Ele virá sim, Bubble deve estar junto e ele nunca perde uma trilha. Midnight fica
protegendo a senhorita, enquanto eu vou andando, para encontrar com ele e fazê-lo vir
mais depressa. — e, antes que ela pudesse impedi-lo, saiu correndo.

Alison fez o que o menino sugeriu e sentou-se, desolada, no pequeno banco à beira
da estrada. Fora abandonada por seus cavaleiros andantes, menos por um: o fiel
canzarrão mantinha-se firme ao lado dela, atento a todos os ruídos. O céu já se
encontrava completamente escuro quando, de repente, as orelhas do cão se espetaram e
ele ganiu, demonstrando ouvir algum ruído.
Ela ergueu-se e foi para o meio da estrada. Era a carruagem de Philip Trevelyan
que, pouco depois, parava a seu lado.
— Boa noite, senhor. Que surpresa agradável encontrá-lo por aqui esta noite! —
disse Alison, cumprimentando-o com uma reverência.
Ao vê-la sã e salva, ele não pôde deixar de rir, divertido com o bom-humor dela,
apesar das circunstâncias. Saltou da carruagem e cumprimentou-a no mesmo tom: —
Boa noite, madame. Também estou feliz por encontrá-la. E já que está dando um
agradável passeio a pé, suponho que esteja bem.
— Tão bem quanto poderia, com tudo que houve — suspirou ela.
— Estou muito cansada, Philip, e quero ir para casa. Contudo, sou obrigada dizer
que precisaremos ir até uma hospedaria onde lorde Kilmore está, para ver se o pobre não
foi massacrado por Neil.
— Pobre Kilmore? — indagou ele, pegando-lhe a mão e ajudando-a a subir para a
boleia.
Depois, abriu a porta da carruagem, fez Midnight entrar, fechou-a e saltou para o
lugar do condutor, ao lado dela, pondo os cavalos em movimento.
— Sim, pobre lorde Kilmore. Ele cometeu um erro, tentando raptar-me, porém nada
de ruim me aconteceu e ele ficou sem dinheiro para salvar suas propriedades. Isso sem
falar no que Neil pode ter-lhe feito. Ele estava tão zangado!
— Confesso que tenho mais simpatia por Neil do que por Kilmore e também estou
muito zangado — retrucou o cavalheiro, dessa vez sem sombra de brincadeira e incitando
os cavalos a prosseguirem mais depressa. — Se Kilmore estiver com uma pistola, como
penso, devemos temer pela vida de Deverill.
— Ele não está armado e não é uma pessoa tão ruim quanto vocês pintam. Oh! —
Ela olhou ao redor, assustada: — Onde está Tarry Joe?
— Está dentro da carruagem, com Bubble, que recolhi no caminho para cá. Aliás,
precisamos conversar sobre esses meninos. Temos que fazer algo por eles.
— Por enquanto, o que eles precisam é de roupas quentes, calor e comida —
retrucou Alison.
Chegavam à estalagem nesse momento. Trevelyan deteve a carruagem, assim que
entrou no pátio enlameado. Por algumas moedas que o cavalheiro lhe deu, a estalajadeira
pôs-se a cuidar dos meninos, enquanto ele acompanhava Alison ao quarto em que ela
fora salva por Midnight.
Apesar de não ser uma pessoa vingativa, a jovem sentiu-se frustrada ao deparar
com lorde Deverill e lorde Kilmore sentados à mesa, cada qual com um copo de brandy

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na não.
Só instantes depois notou que Kilmore tinha uma mancha arroxeada em torno dos
olhos, que começavam a inchar. Viu-se torcendo, então, para que Philip considerasse que
aquele castigo era suficiente para limpar sua honra.
— Bem, já que está tudo certo, quero ir para casa — declarou, pensando em fazer
Philip e Neil saírem logo dali.
— Só um momento — replicou o cavalheiro, puxando uma cadeira para que ela
sentasse. — Deverill, quero dar uma palavrinha com você. Os cavalheiros afastaram-se
para um canto do despojado quarto, distante dela e de lorde Kilmore.
— Sinto muito — disse o nobre e sua voz era apenas um murmúrio. — Foi uma ideia
estúpida. Peço-lhe que me perdoe.

— Também sinto que Neil o tenha atacado. Pedi-lhe que não o fizesse. O senhor
está bem? Pode ficar aqui?
— Os estalajadeiros me conhecem, vou ver o que consigo, apesar de estar sem
dinheiro.
Alison colocou a mão no bolso e colocou sobre a mesa tudo que possuía.
— Isto é para ajudá-lo, sei que não é muito, mas nas circunstâncias atuais. Olhe, eu
gostaria de ter me apaixonado pelo senhor e tudo dar certo! — disse, num impulso.
Depois, enrubescida, ela foi para junto dos dois cavalheiros e ouviu seu primo dizer:
— Não insista, por favor! Não vou aceitar recompensa por salvar minha prima!
— Não chame de recompensa, então. Pode considerá-lo como pagamento por
serviços prestados.
— Ah, mudou de nome, agora?
Alison percebeu o que estava acontecendo e interferiu: — Não deve ser tão
orgulhoso Neil! Pense em Bridey, que esse dinheiro o ajudará a voltar mais cedo para ela.
— disse e, voltando-se para Philip, comentou: — Neil deseja se casar com sua namorada
irlandesa e emigrar para o Canadá, senhor.
Foi a vez de Philip mostrar surpresa e alívio.
— Isso não é difícil de se arrumar! — exclamou, cheio de entusiasmo. — Será que
um posto no governo da colônia seria suficiente para você, rapaz? E, pelo bem de sua
noiva, vai aceitar algum dinheiro como presente de casamento, para que se estabeleçam
com tranquilidade, eu insisto! A expressão truculenta de Neil se desvaneceu por
completo.
— Está bem, senhor, vou aceitar o cargo, o empréstimo e agradeço por tudo.
O sr. Trevelyan sorriu, contente: — Vá até minha casa amanhã e combinaremos
todos os detalhes.
Vendo aquilo, Alison recordou-se do comentário de lady Emma, quando lhe falara
sobre o homem com quem gostaria de se casar novamente, alguém que resolvesse todos
os problemas. Sem dúvida, Philip Trevelyan era esse homem.
Na hora de retornarem, Neil montou o cavalo de lady Emma e Alison foi com o sr.
Philip, os meninos e Midnight na carruagem.
O longo caminho e o sacolejar do veículo na estrada esburacada, fizeram com que
ela acabasse adormecendo. Em sua semi-inconsciência, percebeu que escorregava de
seu lugar no banco acolchoado para a deliciosa segurança do ombro de Philip Trevelyan
e não fez nenhum esforço de mover-se. Deixou-se ficar, docemente apoiada nele,
embalada pelo balanço da viagem e protegida pela proximidade daquele homem
encantador.

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CAPÍTULO XVIII

O sr. Philip observou lady Emma entrando na sala de visitas e, devido à antiga
amizade, não se levantou, limitando-se a erguer o copo de brandy, num gesto de
saudação.
— A pobre criança mal se mexeu quando Cárter e eu a colocamos para dormir —
comentou a dama, sentando-se numa pequena poltrona ao lado da poltrona do amigo.
— Posso imaginar como ela deve estar se sentindo. Eu estou exausto e não passei
nem pela metade do que ela passou.
— Também fiquei exausta, Philip. Acho que foi de nervosismo. Esperar, sem poder
fazer nada, é desgastante. Não sei como teria suportado tanta ansiedade e preocupação
sem a gentileza de Ral... do sr. Osborne.
— Ele ficou aqui para confortá-la, eu imagino — comentou Trevelyan, com um olhar
maroto.
Lady Emma enrubesceu, ao responder: — Sim, ficou. Como responsável por Alison,
ele precisava ficar até que chegasse alguma informação ou vocês retornassem com ela.
Sou grata a ele e...
— Não quero me intrometer, Emma, mas é muito mais do que agradecimento o que
sente, não é? Perdoe-me se estiver enganado, mas creio que você está perdidamente
apaixonada pelo distinto cavalheiro indiano.
— Não. Perdidamente apaixonada, era como eu me sentia quando me casei com
Stephen, levada pelos sonhos românticos de uma adolescente. Meu sentimento por Ralph
é diferente. Sinto-me feliz em sua companhia, consigo enxergar suas falhas, seus
defeitos, mas com ele tudo é mais terno e tranquilo.
— Qual seria seu maior "defeito" ou a maior "falha"?
— O nascimento dele. Se eu não notasse por mim mesma, tenho certeza que minha
família faria questão de mostrar-me — confessou ela, com amargura. — Ainda não tive
coragem de contar que pretendo me casar com Ralph e mamãe já fez questão de dizer
que desaprova minha amizade com ele. Só Deus sabe o que dirão quando souberem.
Nenhum dos Gilchrists irá ao casamento. Não sei se vou suportar essa humilhação.
— Emma, você não deve nada à sua família. Está na hora de usufruir a
independência que conseguiu com esforço. Se acha que irão recusar seu convite, não os
convide.
— Eu pensei que você concordaria com eles, pois valoriza as origens de família!
Mudou bastante, meu caro amigo!
— Alison andou me mostrando muita coisa errada em minha maneira de ver o
mundo. Ela não notou, mas mostrou-me que eu vivia agarrado a preconceitos
desumanos. E mais: sinto-me pronto a admitir que estou apaixonado por ela.
— Você? Apaixonado por Alison? — Emma ficou atônita. Custou a recuperar a fala:
— Reconheço que ela é uma moça linda, meiga e encantadora. Mas você teve tantas
mulheres belas, de classe, a seus pés e não se interessou por nenhuma!
— Tive muitas... mas é Alison é diferente, ela é única.
— E as tias que ela tanto ama?
— Bem, existem excêntricos mesmo nas melhores famílias.
— Existem, mas não em tal quantidade.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Talvez não. Mas gosto muito das simpáticas senhoras. Elas não são vulgares, a
não ser a sra. Zenóbia Winkle e resolvi esse problema: vou convencê-la a mudar-se para
Cheltenhan, onde vive a colônia de indianos. Pelo que notei, Alison e as outras três tias
irão gostar muito desse arranjo.
— E os meninos de rua, dos quais Alison tanto gosta?
— Esses meninos de rua, Emma, querida, foram os responsáveis por Alison ter
voltado sã e salva para casa. Não há o que possa pagar essa dívida que tenho para com
eles. Tarry Joe quer ser marinheiro, Bubble quer um emprego de cavalariço e Squeak eu
acho que irá sair-se muito bem na escola. Portanto, não vejo dificuldade em arrumar tudo.
— Você fala como se fosse amigo íntimo de todos! — admirou-se lady Emma.
— E sou. Até ajudei Deverill a obter um posto nas colônias.
— Ajudou Deverill a... Oh, não, não me conte agora. Deixe para amanhã, que
poderei compreender melhor. Estou atordoada com o que aconteceu e com o que você
está me dizendo.
— Sabe, Emma, estou pronto para qualquer coisa. O problema é que Alison me trata
como a um tio, nada mais.
— Não creio que seja assim. Ela me disse várias vezes que via Ralph dessa
maneira, mas nunca falou da mesma forma a seu respeito.
— Como um amigo, então. O que já é um pouco melhor.
— Temo não poder dar-lhe muitas esperanças, meu caro. Ela está bastante
determinada a casar-se com um lorde, como me repetiu várias vezes.
— No entanto, rejeitou o pedido de Kilmore — Philip recusava-se a perder as
esperanças.
— Um caçador de fortunas. Ela não rejeitará lorde Fane, quando ele fizer o pedido.
— Talvez não. Mas isto é ela quem precisa decidir. E vou dar uma ajudazinha,
fazendo uma festa em Nether Beeches e convidando todos. Assim, Alison poderá rejeitar
ou aceitar o pedido de Fane. Se ela rejeitar, terei uma chance.
Quando se dirigia para sua casa, na Green Street, o sr. Philip Trevelyan tinha um
leve sorriso nos lábios. Talvez fosse um tolo, mas não podia deixar de perceber que
Alison estava crescendo e que começava a ficar desiludida com os romances fictícios e
açucarados demais da sra. Cuthbertson.
A luz dourada do sol filtrava-se por entre os ramos verdejantes que formavam como
uma abóboda viva sobre a bonita estradinha que levava a Nether Beeches.
Alison soltou uma exclamação encantada quando a singela paisagem campestre
surgiu, engalanada de flores, diante de seus olhos. Quando um pequeno e simpático
esquilo saltou do mato e ficou à beira da estrada, olhando a carruagem passar, com seus
olhinhos vivos e a cauda enorme, ereta, o encantamento da moça traduziu-se em
exclamações de prazer. Lady Emma e Fanny, que havia ficado noiva de Robert, trocaram
olhares e sorrisos tolerantes diante das reações quase infantis.
Um parque cheio de carvalhos e nogueiras, perfilados sobre um gramado extenso e
bem cuidado, circundavam a mansão imensa, de estilo clássico, austero. Era justamente
a simplicidade que conferia ao lugar uma beleza única.
— Esta é Nether Beeches? — quis saber Alison.
— Sim — respondeu Emma, divertida com o olhar espantado de sua protegida.
— Nunca imaginei que fosse tão grande e tão bonita. O sr. Trevelyan deve ser um
cavalheiro muito importante, não?
— Sim, ele é muito rico e influente — esclareceu a acompanhante de Alison. — A
família de Philip é importante e ele conquistou amigos e respeito, pelos próprios méritos.
— Papai costuma dizer que ele é o pilar sustentador da família — comentou Fanny,
que até então estivera calada.

— Eu não sabia — murmurou Alison, pensativa. — Ele não é pretensioso, não se

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

vangloria do que faz ou do que tem. Fala dos irmãos, dos sobrinhos, com amor e ternura
e não em termos de valores materiais. Deu-me impressão que se trata de pessoas muito
agradáveis. Gostaria de conhecê-los.
— Bem, Mark é pastor da igreja local e Dorothy, sua irmã, vai servir de anfitriã nesta
recepção — disse a lady.
— Está falando de lady Vernon? Ela tem uma filha e dois filhos, não é mesmo? Será
que as crianças também virão?
— Você parece saber tudo sobre a família Trevelyan, minha cara. Philip não deveria
entediá-la com esse assunto.
— Mas não fiquei entediada! Nunca tive irmãos, pais, primos. Gostaria tanto de ter
tido! Acho que é por isso que tudo me parece encantador.
O sr. Osborne que, juntamente com Robert, estava escoltando a carruagem, trouxe
seu cavalo para perto da janela onde lady Emma se encontrava e comentou, com
discrição: — Não esperava uma casa tão elegante!
Alison teve a sensação de que ele encontrava-se bastante tenso, ansioso, e sentiu
uma súbita simpatia por aquele homem diferente, de gestos e olhares doces. Como ela,
Ralph Osborne também desconhecia o que o aguardava e parecia inseguro, com certo
receio. Lady Emma pareceu também ter essa impressão, pois respondeu, sorridente e
meiga: — Posso lhe garantir que vai achar Nether Beeches um lugar bastante acolhedor,
não se preocupe.
O sr. Osborne sorriu e voltou para a companhia de Robert. A jovem observou-o
enquanto se afastava: era um cavaleiro garboso, um homem bonito, agradável, mas não
queria casar-se com ele. Estremeceu, comum arrepio gelado pela espinha. A Temporada
terminava e era o que iria acontecer, se lorde Fane não pedisse sua mão durante as duas
semanas seguintes.
O sr. Philip que os aguardava diante da mansão não era mais o homem vestido no
rigor da moda. Usava calças justas, botas negras, de cano alto, camisa branca, de
mangas compridas, e uma jaqueta curta, de camurça, no estilo dos cavalariços. Alison o
achou ainda mais bonito e atraente do que quando envergava trajes de festa. Depois dos
cumprimentos, assim que ele os conduziu para o interior da confortável residência, ela
não pôde se conter e perguntou-lhe se Dorothy estava lá e se levara as crianças.
— Pode perguntar a ela você mesma — respondeu ele, apresentando a irmã, que se
reunia ao grupo. — Dorothy, já conhece Emma, não é? E estas belas jovens são a srta.
Fanny Witherington e a srta. Alison Larkin.
Lady Dorothy Vernon, era uma gentil e rechonchuda senhora, com dois ou três anos
a menos do que o irmão. Ela cumprimentou os hóspedes com um sorriso e disse à Alison:
— Deixei minhas pestinhas em casa, mas pretendo ir até lá para ver se eles não deixaram
a governanta meio louca. Minha casa fica bem perto, talvez queira ir comigo?
— Oh, sim! — Alison aceitou tão animada que a lady sorriu.
— Ótimo! Ouso acreditar que Philip nos levará até lá — ela lançou um olhar de
soslaio para o irmão e, depois, voltou-se para uma moça que entrara na sala. — Ah,
Jenny, aqui está você! Venha conhecer nossos hóspedes.
Jenny era alta, de cabelos loiros e muito tímida. Logo soube-se que era noiva do
pastor Mark Trevelyan.
Alison a invejou, sem qualquer rancor, por fazer parte de uma família como aquela.
— Quer que eu leve a srta. Larkin e srta. Witherington para seus quartos, senhora?
— indagou a futura cunhada à lady.
— Por favor, Jenny, eu agradeço. Mas quantas vezes preciso lhe dizer para que me
chame de Dorothy? Philip vai para a biblioteca com Robert e o sr. Osborne, não é,
querido? Assim Emma e eu ficaremos à vontade, pois temos tanta coisa a conversar!
Srta. Witherington, seus pais virão para jantar conosco, eu espero?
— Sim, madame.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Ah que bom! Lorde Fane chegará amanhã. Que festa maravilhosa teremos! —
lady Vernon sorriu, deliciada, enquanto cada qual seguia seu caminho.
Alison não tardou a descobrir que Jenny era muito meiga e simpática; quando, mais
tarde, desceram a escada para o chá, já haviam se tornado amigas.
Terminada a refeição da tarde, os convidados se dispersaram pelos jardins da
mansão, passeando nas alamedas entre canteiros de folhagens e de flores, feitos com
muito bom gosto. Estava tudo colorido, lindo, pois apesar do horário adiantado, o sol
ainda se mantinha soberbo no céu azul.
Alison encontrou-se caminhando perto do canteiro de rosas, ao lado de Philip.
— Tia Polly adoraria este maravilhoso jardim! — declarou ela, admirando as rosas-
chá que exalavam uma fragrância inebriante. — Nada floresce assim no ar poluído de
Londres.
Se acha que suas tia irão apreciar, poderei convidá-las para virem ficar alguns uns
dias aqui, durante o verão. Ela olhou incerta para a enorme mansão às suas costas.
— É muito gentil de sua parte, senhor, mas creio que minhas tias iriam sentir-se
perdidas numa casa desse tamanho.
— Se for por isso temos uns chalés onde costumam ficar os hóspedes que preferem
certo isolamento. Elas podem acomodar-se lá. Pense em como Midnight e os terriers de
sua tia ficariam felizes com todo esse espaço.
— Oh! O senhor pretende convidar todos? — indagou Alison, com um largo sorriso
de satisfação.
A cada dia descobria mais um motivo para admirar aquele homem generoso.
Apenas uma sombra nublou seu sorriso: quando o dia dessa visita chegasse sua
Temporada já teria terminado e ela não moraria mais na casa de lady Emma. Assim, não
veria Philip com tanta frequência.
— Sei que minhas tias aceitarão, senhor, obrigada — disse, com a tristeza
escurecendo os olhos azuis.
O sr. Trevelyan percebeu a mudança, mas não entendeu por que Alison ficara triste,
de repente.
No final da manhã seguinte, quando lorde Fane chegou, ela já havia decidido que o
campo era o melhor lugar para se viver. Foi o que disse ao jovem lorde, assim que
puderam conversar e ele concordou, passando em seguida a enumerar as maravilhas de
sua propriedade de campo, a Fane Hall.
— Nether Beeches não tem um lago como temos em Fane Hall. Acho que gostará
de lá, senhorita.
A reação do lorde era muito promissora, achou ela.
A felicidade que os recentes noivos, Robert e Fanny, Mark e Jenny, exibiam pareceu
despertar em lorde Fane a ideia de seguir-lhes o exemplo e as demonstrações de
interesse dele por Alison redobraram.
Na segunda noite que passavam na propriedade de Philip, quando todos estavam
no jardim, depois do jantar, ela não ficou surpresa quando ele a levou para um canto
afastado.
— Tenho certeza que ainda não viu a exuberância dos jasmins a esta hora da noite,
srta. Larkin — comentou ele, parecendo muito esperançoso. — O perfume é
incomparável.
Nada podia ser mais romântico do que caminhar com um jovem pretendente entre
canteiros em flor.
Quando chegaram junto de um banco, ele a fez parar e a moça sentou-se, com certa
ansiedade. Seu coração bateu mais forte quando ele apoiou um dos joelhos no chão,
como pedia a moda.

— Srta. Larkin. Alison, se posso chamá-la assim — começou, pegando as mãos

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

delicadas entre as suas.


— Sim, milorde — disse ela, sentindo-se nervosa.
Lorde Fane também não estava muito à vontade, afinal tratava-se de um passo
sério.
— Alison, sabe quanto eu a admiro. Desde que a encontrei pela primeira vez, meu
coração não mais me pertence. Por favor, permita-me ter esperança, diga que será minha
noiva!
A declaração era muito romântica e a moça suspeitou que ele havia tirado aquelas
palavras de algum romance. Uma estranha sensação se apossou dela e por um instante
outro homem, moreno e gentil, veio-lhe à mente.
Contudo, estava quase aceitando quando lembrou-se que nem sequer sabia o nome
de batismo de lorde Fane.
— A senhorita hesita — voltou a falar o nobre. — Creio que fui brusco demais e a
peguei de surpresa. Permita-me enumerar-lhe as vantagens que terá com nossa união.
Confusa, ela ajeitou-se no banco de pedra. Precisava lembrar a Philip para trocar
aqueles bancos, eram muito desconfortáveis. Philip! Esse nome, de repente abriu uma
porta em sua mente e em seu coração. Como não percebera antes? Era Philip que ela
amava! Era aquele homem adorável que desejava para marido!
— Sinto muito, não posso me casar com o senhor — declarou ela, com firmeza.
— Está com medo, senhorita, e sua atitude é perfeitamente compreensível. Sei que
teme por ter uma origem diferente da minha, mas lhe asseguro que, tendo-me como
mestre, conseguirá superar as deficiências de sua educação. Não a proibirei de visitar
suas tias uma vez ou outra, mas é claro que irá vê-las numa carruagem que não tenha o
brasão da família. Ninguém precisa saber da existência delas.
— Obrigada, milorde. Agora, mais do que nunca, tenho certeza que não posso ser
sua esposa.
— Bem, não vou pressioná-la. Talvez queira falar com lady Emma, para certificar-se
do passo que dará. Esteja à vontade, senhorita.
O primeiro olhar que caiu sobre eles, quando retornaram para junto dos outros, foi o
de Philip Trevelyan.
Alison ficou feliz por ter seu trabalho manual para disfarçar o embaraço que sentia
com a recente descoberta.
Mais tarde, no quarto que lhe fora reservado, decidiu que precisava esforçar-se ao
máximo para que Philip e lady Emma não descobrissem que estava apaixonada e,
principalmente, por quem estava apaixonada.

CAPÍTULO XIX

O sr. Trevelyan encontrava-se de pé a uma das janelas de sua biblioteca, olhando a


carruagem de lorde Fane descer a colina, rumo a Londres, quando sua irmã Dorothy
entrou.
— Então? — indagou ela.
— Ele despediu-se com uma desculpa evidentemente inventada — respondeu o
cavalheiro, mal podendo esconder o sorriso de triunfo que lhe iluminava o rosto. — E

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

você? Já viu Alison hoje de manhã?


— Ainda não. Eu gostaria de saber o que ela disse a lorde Fane, ontem à noite, para
fazê-lo ir embora. Para ser franca, pensei que ele ia derrotar você, meu irmão.
— O lorde tinha tudo para consegui-lo, só faltou uma enorme lua cheia. Estou
desconfiado que Alison, levada como é, riu na hora errada. Fane detesta mulheres
frívolas.
— Alison pode ser tudo, menos frívola. Todos os criados a adoram e, você sabe,
ninguém melhor do que um criado para julgar o caráter de uma pessoa. Poucas ladies
conseguem continuar sendo respeitadas pela criadagem depois de tomar o café da
manhã na cozinha. Alison o fez, em companhia deles, e os cativou mais. Então, vai
declarar-se a ela hoje?
— Creio que não. — O sorriso luminoso desapareceu dos lábios bem feitos do sr.
Philip. — Ela pode estar abalada pela retirada do lorde e devo deixar que se recupere.
Você acha que Alison gostaria de aprender a dirigir meu faéton?
— Por que não pergunta a ela? — e Dorothy retirou-se, rindo.
Ele seguiu o conselho da irmã e ficou feliz ao ver que o rostinho da jovem iluminou-
se ao ouvir a pergunta.
— Claro que quero! O senhor me ensina? — Em seguida, ela conteve o entusiasmo.
— Bem, talvez prefira que a pessoa que o ensinou, quando era menino, me ensine
também, pois talvez não tenha tempo para isso.
— Quem me ensinou foi o cavalariço Davy, que está velhinho e cujo exercício atual
é aquecer-se ao sol, andando devagarzinho pelo jardim. Mas, se preferir outro professor,
posso indicar um bom cavalariço e...
— Está brincando comigo! Prefiro que seja o senhor, mas pode estar ocupado e
não quero lhe dar trabalho.
— Não dará, se me obedecer em tudo que eu mandar. À primeira desobediência,
chamarei meu cavalariço para ensiná-la.
A gargalhada alegre e cristalina de Alison levou o sol ao coração de Philip.
Ela revelou-se ótima aluna. Depois da terceira aula estava apta a ir sozinha de
faéton ao vilarejo e passou a ajudar muito, indo à igreja para ajudar nos preparativos do
casamento de Jenny. Depois, passou a ir visitar os sobrinhos de Trevelyan, que a
adoravam, na mansão dos Vernon. O tempo passava, entre passeios de faéton,
piqueniques quando o tempo permitia, noitadas musicais, jogos de salão, leituras e
agradáveis conversas, quando chovia.

Várias vezes Philip esteve a ponto de pedir a Alison que se casasse com ele mas,
com a sensibilidade aguda do homem que ama, percebia que quando ela o fitava algo
indefinível, que não sabia se era medo, insegurança ou tristeza, espelhava-se nos lindos
olhos azuis.
Ele a queria como esposa, mesmo que ela não o amasse, pois sentia que seu amor
era tão grande que teria paciência suficiente para ensiná-la a amá-lo. Quem sabe quando
estivesse de volta à casa das tias ela poderia pensar em aceitar um homem sem título
como marido. O último dia em Nether Beeches foi dentro de casa, pois uma chuva
ranzinza cismou de cair desde cedo até a noite. Antes do meio-dia a bagagem já fora
despachada para a capital. Alison iria na carruagem dos Witherington. Ela preferiria ir com
Philip, no faéton, aliás com esperança de dirigi-lo um pouco, mas era algo muito
impróprio: primeiro, por viajar sozinha com um rapaz, segundo, em um veículo esporte.
Nem a perspectiva de logo voltar ali, com as tias, para o casamento de Jenny,
consolava sua tristeza. Sentia-se desanimada e não prestava atenção na conversa de
Fanny e sua mãe, sobre o vestido que usariam no casamento, pois Alison e a amiga
tinham sido convidadas para damas de honra.

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Que cor você prefere para o vestido de dama de honra, Alison? — indagou
Fanny.
— Cor? — perguntou a moça, distraída como estava. — Vestido de dama de honra?
Ah, sim. Pode escolher você.
E sentiu um terrível aperto no peito ao pensar que lady Emma poderia convidá-la
para ser dama de honra de seu casamento com Philip Trevelyan.
O retorno à Londres foi triste para Alison, sua temporada chegara ao fim e agora
voltara de Nether Beeches para Ormond Street. Não veria mais Philip com frequência.
Depois do jantar com as tias, radiantes por sua volta ao lar, ela resolveu para
desarrumar as malas. Uma dura tarefa, por saber que cada vestido elegante iria trazer-lhe
recordações dos momentos que passara ao lado de Philip.
Cárter havia colocado todas as suas coisas no elegante baú de viagem que tia
Zenóbia lhe dera. A tampa, pesada, abriu com facilidade.
Sobre suas roupas havia um papel retangular. Intrigada, Alison pegou a folha branca
e desdobrou-a para ver do que se tratava. Quando começou a ler as poucas linhas
escritas na caligrafia bonita de lady Emma, seu coração disparou e ela recuou, largando a
tampa do baú que caiu com um estrondo.
— Alison, você está bem? — indagou tia Di, aflita, entrando no quarto. — Que
barulho foi esse?
— Barulho? Ah, foi a tampa do baú. Desculpe tia Di, foi sem querer. É que levei um
susto e... e não sei o que fazer.
— O que fazer? O que fazer, por quê? Bem, claro, está querendo me dizer que algo
está errado, mas o quê, querida? Tem a ver com essa carta em sua mão? O que diz ela?
Tia Cleo e tia Polly também entraram no quarto, logo depois, atraídas pelo barulho e
a voz nervosa da irmã.
Alison decidiu que devia contar tudo às tias e respirou fundo, antes de dizer: — É
uma carta de amor de lady Emma para Ralph Osborne, eles vão fugir para casar!
— É, mesmo? Mas você me disse que não quer se casar com o sr. Osborne, Alison!
— frisou tia Di. — O que a está incomodando?
— Philip. Quero dizer, o sr. Trevelyan. Ele ama lady Emma e eu o amo.
— Então, você devia estar feliz com essa carta.
— Por mim, até poderia ser, mas não posso pensar no que Philip irá sofrer com o
abandono. Acham que eu deveria ir avisá-lo do que está para acontecer? Ajudem-me, por
favor! Sozinha, não sei que decisão tomar.
— Teria que ir agora, Alison? Está chovendo! — protestou tia Polly.

— Vá, minha filha — disse tia Di, que não parecia surpresa com a revelação da
sobrinha sobre seu amor pelo sr. Trevelyan. — Mas leve Midnight com você, que já é
tarde.
— Sim, vou pegar um casaco. Mas acham que devo ir, mesmo? Esta não seria uma
tola atitude romântica?
— Não, minha querida. Lembre-se de como o sr. Trevelyan irá sentir-se infeliz —
respondeu tia Di — se for tarde demais quando ficar sabendo. E imagine como ele irá
admirar esse seu gesto nobre, quando podia ficar calada.
Já na rua, ela pensou que Philip só saberia de seu "gesto nobre" se descobrisse que
ela o amava. Mas ele não saberia, estava determinada a esconder seu amor infeliz.
Quando ela chegou a Green Street ficou preocupada: o mordomo lhe disse Philip
Trevelyan não estava em casa. Já ia retirar-se quando o criado pessoal do cavalheiro
passou pelo hall e, ao vê-la, apressou-se a cumprimentá-la e fazê-la entrar, juntamente
com o enorme cão que a acompanhava. O mordomo pegava a capa de Alison quando o
cavalheiro chegou.
Os olhos castanhos abriram-se, cheios de surpresa, ao vê-la, mas ele não fez

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Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

perguntas. Limitou-se a cumprimentá-la e levou-a para a saleta, onde um fogo alegre


crepitava na lareira. Depois de fazê-la acomodar-se numa poltrona, ia falar, mas Alison
adiantou-se: — Por favor, não diga nada e não me interrompa, senhor. Vim aqui para
preveni-lo de algo muito desagradável. Lady Emma está apaixonada pelo sr. Osborne e
eles pretendem casar-se.
— Por que está me dizendo isso? — quis saber Philip, intrigado. — Por acaso,
decidiu casar-se com ele?
— Eu, casar-me com o sr. Osborne? Oh, não! Vim contar por que sei que o senhor
ama lady Emma e achei que se fosse avisado poderá impedir que casem. Estão indo para
Gretna Green e...
— Eu sei e, na verdade, emprestei minha carruagem a eles. É menor e mais rápida
do que a de Emma.
— Então... quer dizer que não se importa? — indagou Alison, aturdida.
— Claro que não. Fico até feliz por eles. Estou apaixonado por outra pessoa —
confessou ele, puxando-a para si e beijando-a com ardor.
Trêmula e com os olhos azuis brilhando mais que nunca, Alison revisou seu conceito
de que beijar era horrível, como concluirá ao ser beijada por lorde Kilmore. Não. Beijar era
maravilhoso.
— Desculpe-me — riu Philip, zombeteiro, soltando-a e afastando-se um pouquinho
dela. — Esqueci-me que acha o beijo uma coisa horrível.
— O beijo de lorde Kilmore é horrível, o seu é diferente. Beije-me outra vez!
Trevelyan olhou para Midnight, que nem sequer se mexera do tapete diante da
lareira, onde se deitara. O cão fitou-os e a bateu o peludo rabo no chão, demonstrando
calma e alegria. Então, o cavalheiro apressou-se a obedecer.
Desta vez, quando seus lábios separaram-se, Alison sabia o que queria dizer. E
disse: — Eu não sei o que a palavra significa, mas se quer dizer ter mais beijos como
este, quero ser sua amante.
— E eu não tenho como recusar tão tentadora oferta — respondeu Philip, rindo, os
olhos brilhando intensamente. — Só que primeiro vamos nos casar.
— Você não pode casar-se comigo — murmurou ela e, diante do olhar interrogador
dele, explicou: — É verdade! Não posso aspirar a ser mais do que sua... sua protegida,
porque é um homem importante, o pilar de sua família.
— Um pilar meio abalado por um duendezinho feiticeiro!
Ela riu, porém logo ficou séria e continuou: — É um cavalheiro, eu sou uma moça da
classe média, apesar da nobreza de minha mãe. Não saberia me comportar e...

— Você pode aprender, principalmente porque herdou todas as sólidas virtudes das
pessoas de classe média. Alguém que é capaz de aprender latim sozinha é capaz de
vencer qualquer desafio. Não quero você só como minha amante, quero-a como esposa-
amante, minha, para sempre.
— É mesmo? Verdade? — murmurou ela, emocionada.
A resposta foi um outro longo, apaixonado, beijo.
Quando se separaram, ofegantes, ela indagou, num fio de voz: — Tem certeza de
que precisamos nos casar... primeiro?
— Tenho, sim, minha pequenina. E, outra coisa, se você quer muito ser uma lady,
posso conseguir um título nobre sem qualquer dificuldade. Há mais de três séculos que
minha família vem recusando esse tipo de honraria à qual nunca demos muita
importância. Quer?
— Oh, não! Jamais tive pretensão de ser uma lady. O que eu sonhava era ter o
romântico amor de um lorde. Pude conhecer esse tipo de amor e descobri que não existe
nada mais romântico, mais lindo do que o nosso amor!
— Querida, se desejar realmente um título de nobreza posso, consegui-lo para você.

PROJETO REVISORAS 78
Sissi 37 – Três lordes e um amor – Carola Dunn

— Não, não! Na verdade, nunca quis um título, só achava que seria uma glória ser
amada por um nobre. Mas agora aprendi que a vida é bem diferente dos romances da
sra. Cuthbertson e sei que o que mais quero no mundo é ser a sra. Philip Trevelyan.
E o tempo iria provar que Alison tinha razão.

FIM

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