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Artigo recebido em

19/03/2014
A resistência das mulheres na
Aprovado em
27/04/2014 ditadura militar brasileira:
KARINA JANZ
WOITOWICZ
Universidade Estadual de
Imprensa feminista e práticas
Ponta Grossa (UEPG) –
karinajw@gmail.com
Professora do Curso
de ativismo
de Jornalismo e do
Mestrado em Jornalismo
da Universidade Estadual Karina Janz Woitowicz
de Ponta Grossa (UEPG/
PR), mestre em Ciências Resumo
da Comunicação, doutora Discutir o papel da imprensa feminista na tematização dos direitos das mulheres
em Ciências Humanas,
e no processo de organização do movimento feminista no Brasil, no contexto
coordenadora do Grupo
de Estudos de Jornalismo e da ditadura militar. Este é o propósito do presente artigo, que parte de uma
Gênero da UEPG. caracterização dos jornais feministas que circularam entre os anos 1970 e 80 para
debater os contrastes entre as lutas gerais, pelo fim do regime autoritário, e as
lutas específicas das mulheres, repercutidas nas páginas da imprensa alternativa.
As marcas da dupla militância, nos partidos políticos e no movimento feminista,
revelam um campo de disputas que ecoa nos jornais, produzindo tensões e
provocando desafios para o discurso e a prática feminista, em meio às lutas pela
democracia.

Palavras-chave
Imprensa alternativa; movimentos sociais; história da imprensa; ativismo midiático.

Abstract
Discuss the role of feminist press on themes of women’s rights and the organization
of the feminist movement in Brazil, in the context of military dictatorship. This is
the purpose of this article, which starts of a characterization of feminist newspapers
that circulated between 1970 and 80 to discuss the contrasts between general
fights at the end of the authoritarian regime, and the specific struggles of women,
reflected the press alternative. The brands of double militancy, political parties and
the feminist movement, reveal a field of disputes that echoes in the newspapers,
producing tensions and provoking challenges for feminist discourse and practice,
amid the struggles for democracy.

Keywords
Alternative press, social movements, history of media, media activism.

Estudos em Jornalismo
e Mídia
Vol. 11 Nº 1
Janeiro a Junho de 2014
ISSNe 1984-6924

104 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2014v11n1p104


A
história da imprensa O feminismo de segunda
alternativa produzida
onda em meio às lutas pela
no período da ditadura
militar no Brasil é
democracia
reveladora do processo O movimento feminista é caracterizado
de organização da sociedade a partir de pela diversidade de vertentes, que
grupos e setores que se mobilizam para transitam entre lutas gerais e específicas
lutar pela democracia, conjugando uma promovidas pelas mulheres. Porém,
causa geral – o fim do regime autoritário conforme destaca Céli Pinto, o feminismo
- com demandas específicas (dos no Brasil “não foi uma importação que
estudantes, trabalhadores, mulheres, pairou acima das contradições e lutas
homossexuais, etc). que constituem as terras brasileiras, foi
No presente texto, pretende-se discutir o um movimento que desde suas primeiras
fortalecimento do movimento feminista manifestações encontrou um campo de
a partir de suas publicações impressas, luta particular” (2003, p. 10).
servindo como fonte para observação A autora divide a trajetória do movimento
1- Céli Pinto assim das dinâmicas sociais que marcaram os em fases que denomina de “feminismo
demarca as diferenças
entre um feminismo chamados ‘anos de chumbo’. bem-comportado1” e “feminismo mal-
bem-comportado e Para tanto, são trazidas referências comportado”. A primeira corresponde
um mal-comportado:
“O primeiro não sobre a trajetória do feminismo e o papel ao início do movimento, entre o final de
afrontava os poderes, da mídia alternativa na visibilidade das século XIX até o ano de 1932, quando as
mas buscava apoio
neles. Não pode ser lutas das mulheres e no próprio processo mulheres conquistam o direito de votar,
percebido a partir de organização dos grupos feministas, de tendo em Bertha Lutz sua principal
de uma clivagem de
classe social, mas modo a situar, na história da imprensa expoente.
certamente a partir alternativa, o debate entre lutas gerais e Já a outra fase diz respeito a um
da forma como essas
mulheres viviam específicas que caracterizou os anos 1970 posicionamento mais ‘radical’ em
suas posições de e 80. relação à dominação masculina, em que
elite econômica e
intelectual. O segundo Ao traçar algumas informações sobre figuram desde mulheres intelectualizadas
era de enfrentamento: a história dos veículos feministas e suas que escreviam em jornais até líderes
o feminismo
“malcriado” bandeiras, a partir de textos publicados operárias. Para Céli Pinto, de 1932 até as
expressava-se nas nos jornais, busca-se lançar luz sob primeiras manifestações nos anos 1970
passeatas, nos
enfrentamentos o processo gradativo de conquista é considerado um período de refluxo
na Justiça e nas de espaço para tematizar, em meio do movimento feminista, em que havia
atividades de
mulheres livre- à ditadura, temas dos direitos das pouco espaço para as chamadas lutas
pensadoras que mulheres. “particularistas” (2003, p. 10).
criavam jornais e
escreviam livros Trata-se de uma história que compõe Assim, da primeira vertente, marcada
e peças de teatro. um cenário de lutas pela resistência, pelos direitos políticos, o feminismo no
Somavam-se a
elas as anarquistas que contou com o papel decisivo da Brasil – caracterizado como de segunda
radicais que traziam imprensa alternativa para instituir onda2 – ressurge na década de 1970, em
para a discussão o
mundo do trabalho, na esfera pública as demandas pela meio ao período mais radical contra
muito distante das cidadania feminina, conjugada com a ditadura militar, contando com a
preocupações das
feministas de elite.” transformações no campo da política. participação de mulheres que passaram
(2003, p. 38)

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pela experiência do exílio. De acordo sentido, os anos 1970 registram uma série
com Elizabeth Cardoso, de conquistas relacionadas à participação
das mulheres no meio social e ao
Com os “anos de chumbo” da comprometimento com as reivindicações
ditadura militar, várias mulheres e causas feministas.
brasileiras seguiram para o exílio e
Surgem vários grupos de consciência
uma vez fora do Brasil elas fundaram
grupos feministas no exterior. e em 1975, estimuladas pela instituição
Quatro deles ganharam destaque: do Dia Internacional da Mulher pela
o Comitê de Mulheres Brasileiras
ONU – Organização das Nações Unidas,
no Exterior, criado por Zuleika
Alembert, no Chile, durante os dois ocorrem reuniões no Rio de Janeiro e
primeiros anos da década de 1970; em São Paulo, que resultaram na criação
grupo de autoconsciência, fundado
por Branca Moreira Alves, em do Centro da Mulher Brasileira (Rio)
Berkeley, Estados Unidos, no início e do Centro de Desenvolvimento da
dos anos 70; o Círculo de Mulheres Mulher Brasileira (São Paulo). Em 1979,
Brasileiras em Paris, fundado em
abril de 1976, por um grupo de acontece o Primeiro Encontro Nacional
mulheres brasileiras, e o Grupo de Mulheres e, na década de 1980, já
Latino-Americano de Mulheres em
existem dezenas de grupos feministas por
Paris, fundado por Danda Prado, na
França, em 1972. (2004, p. 41) todo país.
De acordo com Maria Amélia de
Joana Pedro (2006) destaca que a Almeida Telles (1999), este é o momento
prática dos grupos de reflexão, criados em que as mulheres deixam de apenas
pelas mulheres que tiveram contato com marcar presença nos movimentos sociais
o feminismo nos Estados Unidos, era ao lado dos homens (só para se ter uma
vista com hostilidade por determinados ideia, o Comitê Brasileiro de Anistia
setores de esquerda, que apostavam em calcula que cerca de 12% das integrantes
outras frentes de luta e consideravam de movimentos sociais eram mulheres), e

Publicações
inúteis tais discussões, devido ao seu
viés “pequeno-burguês”: “os grupos
de reflexão, as lutas pelo controle e
autonomia do corpo, sexualidade, as
feministas
manifestações pela liberação da mulher, discutiam aspectos 2- Entre as fases do
feminismo, considera-

e tendências do
eram consideradas “ideias específicas”, se a primeira onda
(marcada pela
e portanto divisionistas da luta geral conquista de direitos
que consideravam ter prioridade: pela movimento em políticos) e a segunda
onda (em que as

temáticas como
democratização, pela anistia, pelo lutas se voltam à
socialismo” (2006, p. 16). conquista de direitos

trabalho e política
civis e culturais). Esta
Para além destes impasses e dificuldades última ganha força
que acompanharam o processo de nos anos 1970, com
diversas organizações
fortalecimento do feminismo, é preciso de mulheres e lutas
reconhecer a atuação de diversos grupos começam a surgir lutas mais dirigidas. que envolvem o
direito ao corpo.
na luta pela superação das desigualdades Em decorrência das lutas promovidas Esta é a classificação
entre homens e mulheres, que garantiram pelas mulheres, surgem vários clubes de usada por Joana
Maria Pedro (2006) e
a legitimidade do movimento. Neste mães, que começam a levantar discussões outras pesquisadoras.
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sobre custo de vida, baixos salários, as publicações do movimento feminista,
creches para mães trabalhadoras, que discutiam aspectos e tendências
sexualidade, violência sexual e doméstica. do movimento a partir de temáticas
São realizados congressos de mulheres, como trabalho feminino, participação
marchas, cartas às autoridades exigindo política, liberdade sexual, igualdade de
mudanças, entre outras ações, e começam direitos, aborto, políticas públicas para
a ganhar espaço lutas feministas como as mulheres, condições de trabalho,
o direito ao corpo e sexualidade. E é violência, entre outras.
neste contexto de mobilização que a As experiências dos grupos feministas
imprensa feminista surge como espaço de e de mulheres apontavam cada vez mais
resistência e luta das mulheres. para a necessidade de criar um discurso
próprio, capaz de fazer questionamentos
e promover mudanças. Em um Encontro
3- Para situar o Mídia alternativa e
contexto em que do Movimento das Mulheres no Brasil,
tais discursos ativismo feminista realizado no Rio de Janeiro em agosto
se inscrevem, é
Embora a história do movimento de
importante lembrar de 1981, entre as temáticas discutidas
que a ditadura mulheres registre a existência de diversas
militar (1964- ganhava destaque a comunicação. O
iniciativas de imprensa feminina e
1984) representou evento, transcrito no livro Mulheres em
um período de feminista, entre os séculos XIX e XX,
autoritarismo político Movimento, discutiu o papel educativo
pode-se dizer que o momento mais
que permaneceu dos meios de comunicação, considerando
por duas décadas, significativo desta trajetória, que contou
entrando para a que cumprem “não apenas o seu sentido
com a participação da mídia alternativa,
história do País conservador de reprodução da ideologia
como os chamados situa-se nas experiências de comunicação
“anos de chumbo”: dominante, mas também, o seu sentido de
que acompanharam a segunda onda do
censura, repressão mudança enquanto focos de resistência e
armada, perseguições, feminismo no Brasil, em plena ditadura
manobras políticas, propagadores das novas ideias e valores”
militar. Diante da criação de grupos
entre outras práticas (BARSTED, 1983, p. 13).
características deste feministas no país, surgem publicações
regime, marcaram Ao abordar a importância da criação
entre o final dos anos 1970 e o início
o período. Em meio ou reapropriação da mídia, Leila Barsted
a este sistema de dos 80 que, com orientações editoriais
castração de direitos observa que na década de 1970 novos
distintas, inserem o debate sobre diversas
e controle à liberdade espaços foram surgindo para dar voz às
de expressão, questões feministas nos meios da política,
surgem centenas mulheres, a partir de meios variados:
da intelectualidade e em setores de base.3
de publicações, revistas, boletins, jornais alternativos, luta
conhecidas como É a partir da necessidade de instaurar
imprensa alternativa, por espaço dentro da grande imprensa,
que ousavam o diálogo e provocar mudanças que do rádio, da televisão e do cinema. Para
denunciar situações o movimento feminista busca seu
de opressão. ela, “os veículos de comunicação se
Defendendo fortalecimento e representatividade, apresentam inseridos numa estratégia de
interesses de diversos organizando-se de forma mais
movimentos sociais, a educação do movimento feminista, de
imprensa alternativa sistemática, levantando bandeiras recriação da identidade social da mulher
proporcionou o específicas e se somando à resistência à
debate de idéias, e de resgate de nossa história.” (1983, p.
fazendo circular ditadura militar. Neste período, em que 16)
informações que, de a imprensa alternativa atuou como uma A necessidade de uma imprensa
outro modo, seriam feminista própria colocou-se,
silenciadas, criando importante aliada para a conscientização
assim, a partir da consciência
espaços de disputa de de diferentes setores da sociedade, surgem de que os meios tradicionais de
hegemonia.
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comunicação, esfera de atuação dos e questões ligadas à desigualdade entre
donos do poder, e até mesmo alguns
homens e mulheres), promovem o debate
setores da imprensa alternativa, ou
ignoram a mulher, ou reforçam os sobre as causas do feminismo a partir da
estereótipos discriminatórios a seupublicização de determinados assuntos
respeito, ou a manipulam enquanto
na esfera pública. Lamentavelmente,
objeto de consumo-consumidora.
Ou seja, negam a existência de um a maioria dos jornais feministas não
falar feminino e, portanto, de uma oferece informações no expediente sobre
mulher sujeito de sua fala e de seu
desejo. (1983, p. 14) a tiragem, a circulação e até mesmo a
periodicidade das publicações, dados esses
Entre as experiências de imprensa que poderiam apresentar mais elementos
alternativa feminista4, destacam-se para caracterizar a sua abrangência no
os jornais Brasil Mulher (1975-1979), período considerado. Contudo, é possível
Nós Mulheres (1976-1978) e Mulherio encontrar algumas pistas nos textos dos
(1981-1987), que tiveram uma inegável jornais, que indicam as conquistas e as
contribuição para o debate em torno da dificuldades encontradas para manter as 4- Antes mesmo das
necessidade de enfrentar novos desafios publicações, bem como as orientações primeiras iniciativas
em uma sociedade marcada pela diferença editoriais que as identificam.
de comunicação
alternativa no
e pela desigualdade entre os sexos, Em sua análise das origens da imprensa Brasil, registra-se
fortalecendo diversas reivindicações do feminista brasileira, com os jornais
a participação de
brasileiras exiladas
movimento feminista. Brasil Mulher e Nós Mulheres, Rosalina em experiências de
Além destes veículos, existiram muitas de Santa Cruz Leite (2003) assim
imprensa feminista
durante a ditadura
outras experiências do movimento de descreve o contexto em que os jornais se militar. Neste
mulheres e feministas, como os jornais desenvolveram:
sentido, destaca-se a
edição do periódico
Maria Quitéria (1977)5, Correio da Nosotras (1974-
Mulheres que se auto-organizam 1976), do Grupo
Mulher (1979), Liberta (Porto Alegre, nas periferias, em busca da garantia Latino-Americano de
1980), Chanacomchana (do grupo de ação de direitos sociais, e as feministas Mulheres em Paris,
preocupadas com a emancipação fundado por Danda
lésbico-feminista, 1982), Mulher ABC, Prado, na França, em
feminina, a discriminação, a
o goiano Mariação, as revistas Fotochoq sexualidade, o poder, reinventando 1972.
uma nova forma de fazer política 5- Maria Quitéria
e Maria Sem Vergonha, o programa de surgiu para divulgar
junto com a luta reivindicativa das
rádio Mulher em 360º (Rádio Capital/ classes populares. Só assim pode-
as atividades
do Movimento
SP), o programa Elas e mais elas” (Rádio se entender o papel desempenhado Feminino pela
Solimões) e diversos outros criados por pelos jornais Brasil Mulher e Nós Anistia, não podendo
Mulheres nessa conjuntura. (2003, ser caracterizado
grupos feministas em diferentes regiões p. 238) como um jornal. A
do País. A mesma autora observa que as este respeito, ver:
RAMOS, Andressa
Percebe-se que o movimento feminista, feministas que participaram dos referidos Maria Vilar. A
na medida em que se constitui como um jornais eram majoritariamente militantes liberdade permitida.
Contradições,
espaço de resistência e luta em defesa das oriundas da esquerda. Este aspecto da limites e conquistas
mulheres, passa a incorporar em suas dupla militância é assim descrito na do movimento
pela anistia: 1975-
ações diversas práticas relacionadas aos formação dos jornais Brasil Mulher e Nós 1980. Dissertação
processos midiáticos. Os jornais, a partir Mulheres: (Mestrado em
História), Pontifícia
de orientações distintas (que circulam [...] O Brasil Mulher já era conhecido
Universidade Católica
entre o enfoque político, a luta de classes pelas feministas exiladas militantes de São Paulo, São
do Círculo de Mulheres de Paris. Paulo, 2002, p. 57.

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A correspondência e o diálogo e feito por mulheres, publicado pela
eram frequentes entre a direção
Sociedade Brasil Mulher6, o destaque é
do jornal e o coletivo de mulheres
exiladas, de onde se origina para o discurso da igualdade e das lutas
grande parte das militantes do Nós pelas causas democráticas, que envolvem
Mulheres. E, mais, o Brasil Mulher
homens e mulheres7. Segundo Elizabeth
já era sabidamente, nessa época,
constituído por mulheres militantes Cardoso, o Brasil Mulher:
do Partido Comunista do Brasil (PC
do B), da Ação Popular Marxista É o primeiro jornal feminista
Leninista (APML) e do Movimento brasileiro feito no Brasil e traz a
Revolucionário 8 de Outubro (MR- gênese do debate entre mulheres
8). Quanto ao Círculo de Mulheres feministas e mulheres militantes
de Paris, cabe dizer que era de esquerda: a situação clássica de
formado por feministas de esquerda dupla militância do movimento
integrantes, em sua maioria, do feminista no período de 1974 a 1980.
Debate, dissidência política que Editado bimestralmente, em formato
surge no exílio agrupando ex- tablóide, contendo 16 páginas em
militantes da Vanguarda Popular preto-e-branco e ilustrado com
Revolucionária (VPR), da fotos, item muito valorizado pela
Vanguarda Armada Revolucionária publicação, o Brasil Mulher tinha
Palmares (VAR-Palmares) e do tiragem de 10 mil exemplares, com
Partido Comunista Brasileiro (PCB) circulação nacional e venda em
e mulheres autônomas. Ao voltar ao bancas, livrarias e por assinatura.
Brasil, esse segmento lança o Nós Sua publicação cessa em março de
Mulheres. (LEITE, 2003, p. 235-236) 1980. (2004, p. 43)

Rosalina de Santa Cruz Leite (2003, p. O enfoque nas questões de classe é a


237) observa que os dois jornais refletem tônica do jornal, que se revela na maior
um “período histórico muito intenso e parte das suas edições. As contradições ou
marcado por transformações rápidas e impasses da dupla militância manifestam-
6- O jornal foi
profundas” e destaca como características se logo na primeira edição, diante de
fundado por Joana das publicações as marcas da autonomia um editorial que causou polêmica ao
Lopes em Londrina/
PR. Pago com o
e da contestação à ordem social da época, anunciar que o Brasil Mulher “não é um
salário da jornalista, colocando-se de maneira independente jornal da mulher”. O editorial do jornal
o BM foi impresso nas
oficinas da Folha da
do Estado e dos partidos políticos. esclarece sobre esta postura:
Manhã e levado para
são Paulo dentro de
uma mala de viagem Impasses da dupla
Não é o jornal da mulher. Seu
(KUCINSKI, 2003, p.
125). Lançado com o militância nos jornais objetivo é ser mais uma voz na busca
apoio do Movimento
Feminino pela Anistia
feministas e na tomada da igualdade perdida.
Trabalho que se destina a homens
(MFA), criado no e mulheres. Não desejamos nos
mesmo ano (1975)
Para compreender o modo como os amparar nas diferenças biológicas
por Therezinha
grupos feministas se expressam por para desfrutar de pequenos favores
Zerbini, o jornal foi
transferido, a partir masculinos, ao mesmo tempo que
meio dos jornais, torna-se interessante o Estado, constituído de forma
da sua segunda
edição, para São recuperar os editoriais publicados masculina, deixa-nos um lugar só
Paulo. comparado ao que é destinado por
nas primeiras edições, em que o
7- Ao longo de sua incapacidade de participação do
existência, foram comprometimento com as causas do débil mental. Queremos falar dos
publicadas 16 edições problemas que são comuns a todas as
movimento se revela. No Brasil Mulher,
regulares e mais mulheres do mundo. Queremos falar
quatro ‘extras’. primeiro jornal dirigido às mulheres também das soluções encontradas
109
aqui e em lugares distantes: no em diversos estados brasileiros, de
entanto, queremos discuti-las em
colaboradores/as nas suas edições e de
função de nossa realidade brasileira
e latino-americana. uma sede em São Paulo. É o que mostra o
(...) Finalmente, Brasil Mulher seguinte editorial:
deseja incorporar-se à imprensa
democrática que, em meio à
A 9 de outubro de 1975 surgia, em
batalhas, o Brasil vê surgir.
Londrina – Paraná, o número 0 do
Teremos um número mensal e
jornal Brasil Mulher com a proposta
a sustentação desta proposta de
de ser uma voz na busca e na tomada
comunicação depende unicamente
da igualdade perdida, trabalho
da participação daqueles que com
destinado a homens e mulheres.
ela se identificarem. (BM, ano 1, n.
Em um ano de existência, com
0, 9 de out.1975, p. 2)
muito trabalho e sacrifício, o BM
já está se firmando como jornal. Da
O reconhecimento como um jornal equipe inicial de cinco mulheres
contamos, hoje, com a participação
feminista ocorreu mais tarde, quando de cerca de 50 pessoas, entre homens
reivindicações específicas passaram a ser e mulheres, em vários estados e
enfatizadas no periódico. ngela Borba também no exterior. (Brasil Mulher,
ano 1, n. 5, 1976, p. 2)
(1983) assim menciona os impasses
presentes no período de reformulação
Já o Nós Mulheres8, lançado um ano
do movimento, quando temas como
depois, tendo como jornalista responsável
sexualidade assumiam sua importância:
Anamárcia Veinsecher, se assume como
O jornal Brasil Mulher era uma feminista e enfatiza o comprometimento
espécie de elo que nos articulava. O com questões específicas das mulheres, a
último jornal saiu em março de 1980.
partir das quais desenvolve, ao longo da
Passávamos por um outro processo
de questionamentos de nossas sua existência, um importante trabalho
concepções sobre o feminismo. A com mulheres de classes populares. De
discussão era principalmente sobre
acordo com Bernardo Kucinski (2003,
a ligação do específico, a questão
específica da mulher, com as questões p. 128), o jornal possuía “uma base
gerais da sociedade. Passávamos de ativismo mais ampla do que a do
nesse momento, também, por uma
reformulação que a meu ver tinha Brasil Mulher, incluindo membros de
relação com o próprio crescimento clubes de mães engajadas em lutas por
do movimento de mulheres no creches na zona sul de São Paulo”. Sua
Brasil, que nos permitia avançar e
assumir com mais destaque questões matriz ideológica, segundo ao autor, era
tais como a sexualidade da mulher. “o paradigma clássico das esquerdas,
(1983, p. 199)
mas com autonomia clara para a luta
feminista” (KUCINSKI, 2003, p. 128).
O Brasil Mulher informa uma tiragem Nas suas páginas, revela-se o
inicial de 5.000 exemplares e, em março comprometimento contra a opressão de
de 1979, anuncia a publicação de 10.000 sexo e de classe, e a defesa do feminismo
exemplares. Além disso, em sua quinta da igualdade. A proposta do jornal é 8- Foram publicadas
edição, conta aos leitores e leitoras que assim apresentada no primeiro editorial: 8 edições do jornal,
no período de 1976
está sendo feito com o dinheiro da sua a 78, mantendo
venda, comemorando assim o sucesso Desde que nascemos, NÓS a periodicidade
MULHERES ouvimos em casa, bimestral.
do jornal na conquista de assinaturas na escola, no trabalho, na rua, em
110
todos os lugares, que nossa função Nós Mulheres sofria para se manter diante
na vida é casar e ter filhos. Que NÓS
das dificuldades econômicas e em alguns
MULHERES não precisamos estudar
nem trabalhar, pois isto é coisa pra momentos chegou a anunciar campanhas
homem. (...) NÓS MULHERES para conseguir doações e assinaturas,
decidimos fazer este jornal feminista
contando com a colaboração de outros
para que possamos ter um espaço
nosso, para discutir nossa situação e veículos da imprensa alternativa. Estas
nossos problemas. E, também, para dificuldades, e as alternativas encontradas
pensarmos juntas nas soluções. (Nós
Mulheres, ano 1, n. 1, junho de 1976, para manter o jornal em circulação, são
p. 2) relatadas no texto abaixo, sob o título
“Nós Mulheres agradece”:
A respeito da linguagem do Nós
Mulheres, Rosalina Leite (2003, p. 239) A gente estava mesmo sem dinheiro.
Devendo e sem saber como fazer este
destaca que se trata de um formato pessoal número. Nisso, veio a ideia de dar
e afetivo, que revela intimidade: “rompe uma festa, não só para comemorar
um ano de jornal, o que já é um
com o tratamento dado às mulheres
heroísmo, como também para nos
pela imprensa feminina tradicional, em tirar do “buraco”.
que um editor impessoal e assexuado Nos preparamos durante um mês e
no dia 23 de julho, uma festa estava
dita regras e ‘aconselha’ uma leitora montada na Fundação Getúlio
chamada de ‘você, mulher’”. Este é o tom Vargas. Exposição de gravuras,
presente no editorial citado, que projeta a quadros, desenhos, fotos. Venda
de livros, discos. Música ao vivo,
identificação com um sujeito coletivo – as com conjuntos de chorinho e
mulheres. O jornal, que circulou de 1976 samba rasgado. Um filme para os
a 78, não informa sua tiragem. Porém, mais intelectuais e, para animar,
salgadinhos e vinho. Era uma quinta-
sabe-se que sua circulação era voltada feira e o dia coincidia com o jogo do
para os grupos de mulheres de São Paulo. Brasil – ficamos com medo de não
aparecer ninguém, afinal, futebol é
No editorial abaixo, o Nós Mulheres
futebol. Mas no fim, vieram umas
revela seu comprometimento contra a 500 pessoas e apesar do trabalho
opressão de sexo e classe: foi uma noite animada e de muita
solidariedade com o Nós Mulheres.
(...) O resultado foi que conseguimos
Que as coisas fiquem claras:
liquidar nossas dívidas e ainda nos
mantemos a firme convicção de que
sobrou dinheiro para lançar este e o
existe um espaço para a imprensa
próximo número. Verdade que não
feminista, que denuncia a opressão
resolvemos de vez nosso problema
da mulher brasileira e luta por
financeiro, mas a solidariedade nos
uma sociedade livre e democrática.
fez avançar mais um pouquinho.
Acreditamos que a liderança da
(Nós Mulheres, ano 2, n. 6, agosto/
luta feminista cabe às mulheres
setembro de 1977)
das classes trabalhadoras que não
só são oprimidas enquanto sexo,
mas também exploradas enquanto Este aspecto da dificuldade financeira
classe. No Brasil, dada a incipiência
enfrentada pela imprensa feminista é
da organização de todos que lutam
por uma sociedade democrática mencionado por Rosalina Leite (2003,
e, em particular, da organização p. 237), que analisa que a periodicidade
das mulheres, essa liderança ainda
não foi assumida. E esse é o grande do Brasil Mulher e do Nós Mulheres foi
desafio que enfrentamos. (Nós prejudicada pelas dificuldade de conciliar
Mulheres, n. 7, março de 1978, p. 2) a publicidade com os objetivos de
111
militância. Além das campanhas de apoio marcada pela militância de esquerda,
aos jornais, ambos propagandeavam os surge em São Paulo, no início de 1981,
demais órgãos da imprensa alternativa, o jornal Mulherio, como a concretização
o que denotava o esforço para fortalecer de um antigo projeto de algumas
estes espaços, comum entre os veículos pesquisadoras da Fundação Carlos
que circularam durante a ditadura Chagas, que se dedicavam ao estudo da
militar: “leia a imprensa democrática”, condição feminina no Brasil9. Fundado
anunciavam os jornais. por Adélia Borges10 e conhecido como
“o mais duradouro e o mais feminista
De modo geral, a situação financeira dos jornais feministas” (KUCINSKI,
dos jornais, durante toda sua
existência, foi muito precária. É 2003, p. 129), Mulherio fugia do modelo
ilustrativo que o Brasil Mulher e o organizativo da imprensa alternativa dos
Nós Mulheres passem a publicar
anos 1970, contando com o suporte de
pequenas notas incentivando a
colaboração mensal, com o objetivo uma entidade.
de sensibilizar as leitoras para a O jornal não era ligado a nenhum grupo
necessidade de não só comprar e
feminista em particular; ele era formado
divulgar os jornais mas também 9- Em 1988, o jornal
de apoiá-los financeiramente a por mulheres de vários grupos e dava Nexo - Feminismo,
partir do aumento do número de destaque para questões relacionadas a Informação e
assinantes e daqueles colaboradores Cultura é criado
que o Brasil Mulher denominava de comportamento e sexualidade, sendo em substituição
sócios honorários, que mensalmente publicadas 39 edições. Em um texto ao Mulherio. No
colaboravam com uma quantia fixa. editorial da primeira
assinado por Adélia Borges, o jornal edição, assinado
(2003, p. 237)
anuncia diversas apoiadoras em todo por Inês Castilho, o
Nexo mostra a que
país: veio: “Refletindo
Leite destaca que os dois jornais se
as transformações
assemelham em sua orientação política, Era apenas um folheto, vividas pelo
feminismo em todo o
tentando conciliar as lutas gerais e despretensioso, anunciando o
mundo e largamente
específicas que marcaram a trajetória do lançamento de um jornal. Mas a discutidas,
repercussão que o número zero de “Mulherio” dá lugar
feminismo como um movimento social Mulherio alcançou surpreendeu- a “Nexo”, mantendo
que se consolida em um período de crise nos, como a demonstrar que a sua identidade e
mulher brasileira precisa realmente religando-se ao
política.
de um veículo de comunicação que universo mais amplo
divulgue suas coisas de uma forma para responder à
Durante o tempo de sua existência, nova, nossa. (Mulherio, ano 1, n. 1, necessidade de um
os dois jornais reafirmam maio/junho de 1981) espaço plural de
constantemente sua identidade reflexão e criação no
feminista, porém o fazem geralmente deserto brasileiro”.
Em um texto sobre o Mulherio, Adélia (Nexo, n. 1, junho de
na defensiva, argumentando que o
1988)
feminismo não separa a luta pela
Borges relata o crescimento do jornal 10- Bernardo
emancipação das mulheres da luta Kucinski lembra
pela emancipação humana, que e a sua repercussão entre as mulheres,
que Adélia Borges
feministas ou não. Ela conta que o jornal
a luta das mulheres não é contra havia trabalhado em
os homens, mas a favor de novasera distribuído gratuitamente para Movimento “e posta
relações igualitárias, etc. (2003, p. na lista negra das
239) instituições, emissoras de televisão e grandes empresas
rádio do país e também para entidades jornalísticas, depois
de participar da greve
Em uma conjuntura política um pouco acadêmicas, grupos feministas, etc. dos jornalistas de
1979, como dirigente
mais aberta ao diálogo sobre questões Além disso, “alguns jornais de bairro e sindical” (2003, p.
específicas das mulheres, e menos do interior de São Paulo reproduzem em 129).
112
parte ou inteiramente o jornal Mulherio. um espaço de debate sobre o feminismo.
Algumas rádios do interior chegam Neste momento, o jornal explica a
mesmo a ler o jornal todo” (1983, p. 24), alternativa encontrada para se manter em
o que demonstra que estas publicações circulação.
circulavam de outros modos, além das
assinaturas, chegando a um público mais (...) Ele volta agora porque, ao
anunciarmos nos dois últimos
amplo. números o fim próximo, recebemos
uma calorosa manifestação de
Nosso jornal tem periodicidade solidariedade de centenas de leitores
bimensal e o terceiro número saiu de todo o País, de cidades grandes
com tiragem de 8.000 exemplares. e de cidades pequenas, de gente
Isto está tendo uma penetração “importante” e de gente anônima, de
muito grande. O que me surpreendeu mulheres e de homens também.
é que o jornal está servindo para Foi isso que nos motivou a continuar
levar a causa feminista; para levar tentando. Sem recursos próprios,
a preocupação com a condição buscando apoio em agências
da mulher para pessoas que, pelo internacionais que financiam
menos me parece, pelas cartas projetos ligados à promoção da
que escrevem, não tinham essa mulher. E recebemos esse apoio –
preocupação anteriormente. A pequeno em dinheiro, mas suficiente
correspondência que chega lá é para dar a arrancada inicial nesta
muito grande. Uma média de 5 a 10 nova fase do Mulherio. (Mulherio,
cartas por dia, de pessoas dos mais ano 4, n. 16, maio/junho de 1984)
variados cantos do país, cidades
que eu até nunca sabia os nomes.
Estamos muito entusiasmadas com Além de experiências que dizem respeito
a penetração do jornal. Temos visto a grupos que se formaram a partir da
o que ele está conseguindo fazer até criação de um veículo, o que se destacam
agora. Tem circulação nacional e vai
também para grupos de mulheres no no período são as iniciativas de produção
exterior. Funciona mais com sistema de jornais como uma prática comum
de assinaturas, que está custando
de diversos grupos feministas. Muitas
agora (1981), 300 cruzeiros anuais.
Em julho de 1981, nós estávamos vezes de forma artesanal e com poucos
com mais de 400 assinaturas, só recursos, estes veículos eram publicados
esse mês. Então estamos crescendo
bastante. (1983, p. 22)
com o firme propósito de divulgar a causa
feminista, dentro e fora do movimento.
Exemplos destas experiências são os
O Mulherio, que também mantinha
jornais Agora é que são elas, do Círculo
uma periodicidade bimestral, foi o
de Mulheres Brasileiras, publicado por
jornal feminista de maior duração,
exiladas brasileiras em Paris em 1975,
sendo publicado por seis anos. Embora a
e Brasília Mulher, do Grupo Brasília
tiragem do jornal não conste na maioria
Mulher, de 1982.
das edições, em uma das publicações,
Outra publicação que marca o período
de 1984, encontra-se a referência a uma
de consolidação das lutas específicas
tiragem de 12 mil exemplares. Ao longo
das mulheres é o ChanacomChana,
de sua existência, o jornal ficou por
publicado em 1981 pelo Movimento
sete meses fora de circulação, quando a
Lésbico-Feminista (MLF). O movimento
Fundação Carlos Chagas (SP) retirou o
era formado por mulheres dissidentes
apoio financeiro. O Mulherio retornou
do Grupo Somos, fundado em 1978,
em função da necessidade de servir como
113
conhecido como primeiro grupo suas expressões. Exemplo disso é uma
homossexual politicamente organizado edição do jornal Movimento sobre a
no Brasil. censura (12 de junho de 1978), em que
Segundo Elizabeth Cardoso, “com consta uma reportagem sob o título “É
tiragem de, em média, 200 exemplares proibido falar de mulheres”, revelando
por edição e periodicidade instável, vários momentos em que houve a
entre trimestral e quadrimestral, o proibição de temas ligados à mulher,
ChanacomChana circulou durante toda principalmente no que se refere a uma
a década de 80, com sua última edição edição especial sobre as mulheres, que foi
publicada no ano de 1989 (2004, p. apreendida pelos censores:
46). A publicação, produzida de forma
artesanal, se assemelhava a um fanzine e O Dia Internacional da Mulher
estava próximo. Numa das
simbolizava a aproximação entre lésbicas reuniões de pauta decidimos
e feministas. que era necessária uma edição
especial, onde pudesse aprofundar
Também é preciso destacar que as
os debates em torno do papel da
questões feministas encontravam espaço mulher no Brasil (...). O esforço
em outros veículos alternativos que foi realmente grande – cerca de 40
jornalistas participaram do trabalho
circularam durante o período da ditadura
e o resultado, extraordinário: o mais
militar (tais como Opinião, Movimento, completo levantamento, em termos
Repórter, Pasquim, Coojornal, Versus, de pesquisa e reportagens já feito no
país em torno do tema. O contra-
Beijo, Bagaço, Em Tempo, Lampião, esforço da censura, no entanto,
Informação, Ovelha Negra, Escrita, Cobra não foi menor: praticamente
de Vidro, De Fato, entre diversos outros11). vetou tudo, 337 laudas de texto, 65
ilustrações. Mais de 80% do material
Estas publicações reuniam reivindicações enviado; um corte como nunca
de grupos sociais que não encontravam havíamos visto antes, suficiente
para produzirmos um livro de 250
Os rigores da censura páginas. (Movimento, 12 jun. 1978)

se impuseram e Os rigores da censura se impuseram aos

comprometeram grupos organizados e comprometeram


a circulação de informações sobre a
a circulação de luta pela democracia e as outras lutas

informações sobre a setores da sociedade na reivindicação de


específicas empreendidas por diferentes
11- Sobre a presença

luta pela democracia direitos. O conservadorismo em torno


de temas ligados a questões culturais
das lutas feministas
na imprensa
alternativa (nos
e comportamentais, aliado ao controle jornais Opinião,
espaço nos veículos tradicionais para Movimento e
político da informação, impôs filtros Repórter), ver artigo
se expressar, estabelecendo vínculos de publicado pela autora
para tematizar as mulheres nos jornais,
solidariedade entre os diferentes grupos no livro Recortes da
desafiando a mídia alternativa a produzir mídia alternativa:
e movimentos que integravam a luta histórias & memórias
discursos contrastantes a respeito dos
pela democracia. Obviamente, a censura da comunicação
direitos das mulheres. no Brasil.
tentava barrar qualquer tipo de oposição (WOITOWICZ,
ideológica, o que incluía o feminismo e 2009).

114
Considerações Finais destacarem o rechaço da imprensa
alternativa às questões das mulheres.
Apesar do controle expressivo dos
Enquanto um novo movimento
militares, a imprensa alternativa feminista explodia na Europa desde
proporciona um amplo debate acerca das o começo dos anos de 1970, no Brasil
a questão da mulher era desprezada
lutas das mulheres, principalmente no que
por diversos jornais alternativos
diz respeito às operárias e aos chamados importantes. [...] No Brasil, o
setores de base. Ao folhear os jornais, é feminismo ainda era tratado com
desdém e mesmo chacota, inclusive
possível encontrar muitas ocorrências
por O Pasquim, que fazia o gênero
sobre greves, reivindicações por creches do jornal machista como parte de
para mães trabalhadoras, notícias sobre as sua postura geral “anti-classe média
moralista”, especialmente através
presas políticas, bem como informações dos artigos de Ivan Lessa, Ziraldo
sobre o movimento de mulheres (eventos, e Paulo Francis. Frequentemente,
documentos, mobilizações, etc), que associavam feminismo à frustração
sexual. (2003, p. 124)
indicam a representatividade que o
feminismo assumiu em meio às lutas que
Este exemplo de um discurso polêmico
marcaram o referido período.
e repleto de contradições presente
Porém, esta solidariedade nem sempre
na imprensa alternativa reforça a
se mostrou plena e irrestrita, pois ao
necessidade do movimento feminista
mesmo tempo em que a imprensa
criar seus próprios veículos naquele
alternativa dava espaço para as causas
período, reconhecendo a importância
feministas e assumia a defesa dos
de valorizar um discurso em que havia
direitos das mulheres, por vezes recaía
espaço para causas específicas das
em contradições, próprias das disputas
mulheres. No artigo O Sistema percebeu
no interior do movimento de esquerda
a força explosiva do movimento feminista
e das questões de gênero implicadas nas
e se assustou, Carmem da Silva denuncia
reivindicações das mulheres. Céli Pinto
o silenciamento do feminismo na mídia.
faz a seguinte observação sobre o modo
como o feminismo era visto na época: Enquanto se tratava apenas de
melhorar o relacionamento do par,
O feminismo era malvisto no mas sem questionar o casamento;
Brasil, pelos militares, pela de criar mais harmonia entre as
esquerda, por uma sociedade gerações, mas sem contestar a família
culturalmente atrasada e sexista nem o princípio de autoridade; de
que se expressava tanto entre os incitar a mulher a trabalhar “para
generais de plantão como em uma realizar-se”, mas sem competir no
esquerda intelectualizada cujo campo econômico, tudo bem com
melhor representante era justamente a imprensa em geral. Enquanto
o jornal Pasquim, que associava a se tratava de reivindicações
liberalização dos costumes a uma exclusivamente sociais, válida para
vulgarização na forma de tratar a ambos os sexos (por exemplo,
mulher e a um constante deboche igualdade salarial, etc), tudo bem com
em relação a tudo que fosse ligado a imprensa alternativa de esquerda.
ao feminismo. (2003, p. 64) Mas feminismo propriamente dito,
em toda extensão de suas propostas,
As observações de Bernardo Kucinski é tema sutilmente censurado nos
vão ao encontro desta perspectiva, ao órgãos de comunicação. (1983, p. 30)

115
Mesmo diante de todas as limitações partir de suas estratégias de visibilidade.
e impasses para o desenvolvimento de Em outros termos, percebe-se que a
uma imprensa propriamente feminista, mídia alternativa traduz e participa do
pode-se dizer, ao observarmos os jornais processo de legitimação do movimento
publicados entre os anos 1970 e 1980, que no período da ditadura, produzindo
as diversas experiências de comunicação discursos que passam a incorporar a luta
que marcaram a história do movimento pelos direitos das mulheres, seja nas ruas
revelam a mídia alternativa como um ou no espaço doméstico. São páginas de
lugar de resistência e construção de uma resistência que tenta fazer ecoar as
identidades, uma vez que o discurso mais diversas expressões de desigualdade,
projetado nos veículos constitui também em meio a um contexto pautado por lutas
um fazer/agir do feminismo, que políticas pela democracia.
conquista espaço na esfera pública a

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