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LEDA BOECHAT RODRIGUES HISTORIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VOLUME I Defesa das Liberdades Civis (1891-1898) 23 Edigaio civilizagao brasileira INTRODUGAO ‘Em julho de 1889, indo Salvador de Mendonca, acom- panhado de Lafayette Rodrigues Pereira, despedir-se de D. Pedro If, a fim de cumprir misséo oficial nos Estados Unidos, ouviu do Imperador as seguintes palavras: “Es- tudem com todo o cuidado a organizacao do Supremo bunal de Justiga de Washington. Creio que nas funcdes da Corte Suprema est o segrédo do bom funcionamento da Constituigao norte-americana. Quando voltarem, have- remos de ter uma conferéncia a este respeito. Entre nés as coisas nfo vio bem, e parece-me que se pudéssemos criar aqui um tribunal igual ao norte-americano, e trans- ferir para ele as atribuigdes do Poder Moderador da nossa Constituicao, ficaria esta melhor. Déem téda a atengio a este ponto”! Quatro meses depois o Imperador era deposto, mas essa sua idéia parecia estar na consciéneia de outros. Pro- clamada a Repiblica, a Constituigio promulgada em 24 de fevereiro de 1891, copiando em grande parte o sistema americano de governo, copiou também em certos’ pontos a Corte Suprema dos Estados Unidos e outorgou expressa- mente ao Supremo Tribunal Federal o poder de declarar a inconstitucionalidade das leis. ste poder fora, na Re- pablica do Norte, conquistado para a Corte Suprema atra- ‘vés da interpretagio judicial, a partir do célebre caso Mar- bury v. Madison (1803). Nao seria 0 Supremo Tribunal Federal um tribunal ordinario, Disse-o com todas as letras o Ministro da Jus- tiga do Governo Provisério, Campos Sales, na exposigio de motivos ao Deereto n.° 848, de 11 de outubro de 1890, 1 Carlos Slissekind de Mendonca, Satvador de Mendonga, Rio ‘de Janeiro, Instituto Nacional do’ Livro, 1960, pag. 136. 1 que 0 organizou: “A magistratura, que agora se instala no ais gracas ao regimen republicano, néo é um instrumento ‘cego, ou mero intérprete, na execugéo dos atos do Poder Legislative. Antes de aplicar a lei, cabe-Ihe o direito de exame, podendo dar-Ihe ou recusar-lhe sancdo, se ela The Parecer conforme, ou contréria a lei orgdnica’.- Ai esta posta a profunda diversidade de indole, que existe entre © Poder Judicidrio, tal comio se achava instituido no re. gimen decaido, e aquele que agora se inaugura, calcado sobre os moldes demoeriticos do sistema federal. De poder subordinado, qual era, transforma-se em poder soberano, apto, na elevada esfera de sua atividade, para interpor 2 benéfica influéneia do seu eritério decisivo, a fim de man- ter o equilibrio, a regularidade e a propria independéncia dos outros poderes, assegurando, ao mesmo tempo, o livre exercicio dos direitos do cidadio... Ao influx’ da sua real soberania se desfazem os erros iegislativos, ¢ sf0 en- tregues & severidade da lei os crimes dos depositérios do Poder Executivo”, E nos publicistas da época encontram-se repetidas re- feréncias 4 funco politica do Tribunal, como supremo in- téxprete da Constituigéo. Se coube a Rui Barbosa sustentar pela primeira vez no foro brasileiro, em 1893, 0 direito dos tribunals de examinarem a constitucionalidade das leis © dos ats administrativos e negar-Ihes execucéo, a ra- pidez com que a semente por ele lancada germinow ¢ jui- zes e tribunais passaram a aplicar a “novidade de um re. gime inteiramente sem passado entre nés", mostra que o terreno estava preparado para recebéla e fazé-la erescer e frutificar. Enquanto nos Estados Unidos o poder de declarar a incohstitucionalidade das leis, afirmado pela Corte Su- prema de Marshall, em 1803, 's6 foi invocado e exercido novamente passados 54 anos,? no Brasil trés anos depois da ostulagéo de Rui Barbosa, em 1896, juizes e desembar gadores, do Norte ao Sul do pais, j& respondiam eriminal- FocNO ga80 Dred Scott, 1857. Julgado as vésperas da Guerra de Secessio, nele se negou a Ubertagso da condledo de eccravo Go preto Dred Scott e a sua capacidade para agir em juizo, Essa decisio fol, segundo muitos autores, um dos estopins. pack a deflagractio do conflito armado entre 0 Norte eo Sul’ dos Estados Unidos, 2 jente a processo por haverem declarado a inconstitucio- halidade Ge leis Tederais © estaduais?* ae Enfrentou o Supremo Tribunal Federal dias dificeis desde o seu segundo ano de existéncia. Alertados pela ex- periéncia americana de interferéncia dos Poderes Exe- cutivo ¢ Legislative nos trabalhos da Corte Suprema, atra- vés do aumento e diminuisio dos seus juizes, ¢ da maior ou menor extensio de sua competencia — especialmente no perfodo de Reconstrugio, que se seguiu & Guerra Civil — haviam tratado os constituintes brasileiros de fixer aguéle namero em 15 e de definir expressamente a com: peténcia constitucional do novo tribunal. : a sua irmA do Norte, a Corte Suprema dos Estadlce Unidos sutreu 9 Supremo ‘Tribunal Federal desde 0s setis anos iniciais, e esté sofrendo principalmente. hoje, ‘as mafores presses politicas: 1é, ha anos, é raro.o dia em gue elementos reaciondrios e da extrema direita ‘nao pe- dem o impeachment de seu grande Presidente, 0 Chief Justice Earl Warren, e ‘aqui, a partir do Movimento de ‘Abril, o Supremo Tribunal Federal tem estado permanen- ‘temente na alga de mira da chamada “linha dura” militar, sendo bravamente defendido pelo seu atual Presidente, Ministro Ribeiro da Costa. ae Juando, em 1898, fol declarada pelo Supremo Tribu- nal Federal ‘2 nuldade Go: Codige Penal da Marinha, de 7 de mato de 1891, Aristides Lobo, lider. governista, escreveu que o Tribunal incorrera-em crime de abuso de autoridade e precisava responder pelo mesmo perante o Senado. E tendo o Tribunal despertado a ira politica de Floriano Peixoto, em razdo daquele julgamento, ficou meses sem funcionar, porque o Marechal de Ferro néo provia as vagas que iam ocorrendo e recusava-se,.como entdo lhe competia, a dar posse ao Presidente eleito pelo ‘Tribunal. : i Correram, em fins de 1894, boatos de que o Mini Pisa e Almeida, pelo voto proferido na peticao de habeas: corpus impetrado pelo Conselheiro Dr. Manuel da Silva Mafra, em favor do Coronel Luiz Gomes Caldeira de An- 3. Vide 0 eapitulo V. 4 “Cartas do Rio", Diério Popular’ (Sio Paulo), 28 de agusto, de 1893. 3 drade, ia ser submetido a processo de responsabilidades Nesse voto, Pisa e Almeida julgara prejudicado:o habeas- corpus, declarando que o fazia porque o paciente “depois de preso pelas forcas legais em abril deste ano, foi fuzi- lado, ou antes assassinado na capital do Estado de Santa Catarina”. Ao elogiar esse voto, que equivalia a uma con- denagio dos fuzilamentos naquele Estado, em repressio & Revolta da Armada, disse o Jornal do Brasil que ele era “tanto miais'admirdvel quanto o dr. Pisa e Almeida é re- publicano histérico, e no consta que jamais haja feito causa comum eom a revolta de 6 de setembro”? No final do quatriénio do Presidente Prudente de Mo- rais, ao firmer, em famoso habeas-corpus, o principio das imunidades parlamentares durante 0 estado de sitio, nic 86 foi o Supremo Tribunal Federal criticado em Mensagem presidencial ao Congresso, como sofreu violentfssima eam- panha por parte da imprensa governista. Nao faltou tam? ‘bém um projeto malogrado, visando a aumentar-lhe o niimero de juizes. A critica e os projetos ficaram esque- cidos, mas aquele habeas-corpus é sempre relembrado come um dos pontos mais altos do direito constitucional brasileiro. ‘As armas de ataque do arsenal juridico sio relativa- mente limitadas e a repeticéo do seu uso, vista através do tempo, apresenta uma certa monotonia. Mas diante de cada nova crise e de cada nova tentativa de invasio de ‘um poder constitucional pelos outros, a emocio e a paixio Politica séo as mesmas e o mesmo é o desejo dos verda- deiros democratas de ver respeitado o livre jogo das ins- tituicoes, 36 ele garantidor das liberdades civis. Depois que se fixou em 9, em 1869, 0 mimero dé mi- nistros.da Corte Suprema dos Estados Unidos, em vio se Procurou, em numerosas tentativas, aumenté-lo, sendo a mais dramatica de todas a de Franklin D. Roosevelt, em 1937. No Brasil, a Revolugéo de 1930 diminuiu de 15 para AL og ministros'do Supremo Tribunal Federal (Decreto n° 19.656, de 3 de fevereiro de 1931), e esta parece ser uma boa conta para uma corte de indole constitucional. 5 “Noticias do Brasil”, © Economista (Lisboa), sem data. Co- legdo de Recortes de Jornais da Casa de Rul Barbosa, *""Secio Forense”, Jornal do Brasil, 3-12-1894, 4 Afigura-se-nos: injusta a frase de Joo Mangabeira, tantas vezes repetida, de ter sido o Supremo Tribunal Fe- deral o poder que mais falhou na Repiiblica, Diente das falhas coletivas dos trés Poderes e da fundamental fraque- za da economia brasileira, cuja precariedade crénica agra- va sistematicamente as crises politicas, qual déles poderia atirar a primeira pedra?? Um julgamento objetivo do funcionamento da insti tuigio, airavés de seus altos e baixos, s6 poderd ser feito depois de conhecida a sua histéria e de serem postos em equacdo 0s diversos fatores que condicionaram & evolugao jurisprudencial. Essa histérfa ainda néo esté escrita e va- rias so as dificuldades antepostas aos que pretendem rea- lizé-la: faltam ainda monografias sobre o Tribunal, faltam biografias dos principais Ministros, faltam anélises peri dicas de seu trabalho feitas por publicistas de nomeada, faltam comentérios eruditos e continuados dos julgados, redigidos pelos competentes nas revistas especializadas, inexistindo, até, uma colecio oficisl dos julgamentos de 1801 até hoje; falta, em suma, toda aquela massa de in- formagées que constituem a riquissima bibliografia sobre Corte Suprema dos Estados Unidos e sobre a histéria americana em geral, de que mos pudemos utilizar ao es- crever sobre aquela Corte. Desde 1958 venho colhendo material para uma His- téria do Supremo Tribunal Federal. Muito tempo ainda se passard, porém, antes que eu consiga terminar a pri- meira parte, planejada até 1930. Composta a narrativa da fase que vai de 1891 a 1898, notei ser de tanta atua- Tidade a temética tratada pelo Tribunal de entio — de- posigéo de governadores, prises de parlamentares, apo- sentadoria de juizes, reformas forcadas de militares, de- 1 Segundo José Hondrio Rodrigues, dentre os Poderes, no Brasil, “o Executivo foi sempre mais progressista e mais recep- tivo as aspiragées populares; © Congresso mais anti-reformista e mais retardatario; a Justica esteve sempre a favor das forgas dominantes". H4, diz éle, “uma relacao de comportamento fun- clonal entre ’a eitabilidade econdmico-social e a instabllidade politica e esta ‘s6 desapareceré quando aquela ajustar-se as ‘exiggnelas da vida brasileira”. Conciligedo e Reforma no Brasil. Um desafio histérico-politico, Rio de Janeiro, Civilizagio Bra- siletra, 1965, pags. 125 © 14. misses de professéres, discussio da competéncia do foro comum ou do foro militar — que me anime! a publicer, antecipadamente, este primeiro volume. As crises vém ¢ vio, mas a instituiedo permancee. Estes ofto primeiros anos’ de vida do Supremo Tribunal Federal sio extremamente importantes na histéria da Preservagio das liberdades civis no Brasil, © para a dex finigdo das liberdades de palavra e de reuniio, muito antes que a Corte Suprema dos Estados Unidos enfrentasse esse problema. Correspondem, como obseryou Américo Jace, bina Lacombe, ao primeito grande ciclo de habeas-corpus impetrados por Rui Barbosa,* e neles paira, eminente a figura do grande, destemido e audaz advogado, jorna. Ista e senader. Rui contribuiu decisivamente para que Supremo Tribunal Federal adquirisse -a conseiéne: ‘de Ser um verdadeiro Poder, mas a verdade € que ao usar o Tribunal algumas vezes com grande desassombro as suas atribuigées constitucionais, seja com votos dissidentes, seja & unanimidade, o fez, a exemplo de cada um de seus juizes, a duras penas e correndo ele proprio os riscos de sua tomada de posigio. Destacam-se nessa fase sobretudo os Ministros Anté: nio Joaquim de Macedo Soares, José Higino Duarte Perei- ta e Iicio de Mendonga. Pelos seus votos vencidos a favor Gas liberdades civis néo devem também ser esquecidos os Ministros Pisa e Almeida e Figueiredo Jiinior, Podem-se certamente extrair deste estudo algumas HgGes de valor permanente. Entre elas avulta a de que & democracia brasileira teria funcionado de modo ainda mais defeituoso sem 0 simbolo do Supremo Tribunal Fe~ deral e de sua capacidade de encarnar, em determinados momentos, o que existe de melhor na-eonsciéneia nacional, ‘Supremo intérprete da Constituigéo, num sistema de con, role jurisdicional dos atos do Congresso e do Executivo, cle mantém viva a esperanga de que os abusos de poder, ainda quando nao corrigidos nos momentos de ditadura ¢ de grande conturbagdo polities, 0 poderao ser quando res. taurado o pleno regime legal. E como se vera neste livro, mais de uma vez 0 Executivo e o Legislativo se autocorni, giram em face de acérdacs do Supremo Tribunal Federal, 5 a.Rtl Barboea © a Primetra Constitutgto da Repiilea, Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1949, te 6 CAPETULO I INSTALAGAO DO TRIBUNAL. NOMEACGAO DOS MINISTROS de fevereiro de 1891, quatro dias depois de pro- smulgada # primera Constitigéo republicana, remiase 0 SAE. no velho edifclo da Relago, a rus do Lavra, és sessio extraordinézia* 2 een vinha do Supremo THbunal de Tustga @ pouco se demofaria no novo Telounel. Quatro extavamn ta casa dos 70 ano, sete na dos 60, 3 na dos 50 © apenas tum tinha menos de 50 anos. A idade média era de 63 anos. r i 4 (1891-1892), ited os Ministros Visconde de Sabaré ( Freltos Henriques (10011004), Andrade Pinto (aso1-1094), Aquino e Castro (1891-1906), Joaguim Bearcats i Faria choa (1891-1892), Queirés Barr oe 1891-1892), Trigo de Loureiro (1891-1892), Souza Mendes ( Fag cherie ai bral (1891-1893), Cost (1891-1894), Bardo de Sobral yaoi Barras 5 Bardo de Pereira Franco (189 BE Geurse sob a prositacia interina do primeito a elei¢fo do Presidente, Néo tomaram parte na votagio os Ministros Alencar Araripe (1891-1882) ¢ Bardo dé Lucena (1891- 4802), que se retiraram logo epés a assinatura do terme és is, como membros do E , podlam exereer seus eangos no Tribunal. No comparecea forme 2.08: 1 decrelo no 1, de 24-2-1001, art. 19, 0 {ol orgattzndg ex vitae do deoreto n® 848, de" 11-10 fa base do proelo de Constiulgio. que ee promulgaso, 7 © Ministro Pisa e Almeida.* © Ministro Freitas Henriques foi eleito no primeiro escrutinio, por 8 votos. Conta Rodrigo Otavio que o Visconde de Sabard, mais velho de todos, com 73 anos, ao ler pela tereeira vez ‘onome do vencedor, mal pode enuncié-lo: “dai por diante, num acesso crescente de raiva, com os dentes cerrados, ia abrindo as cédulas e pronunciando uns sons roucos, cada vez menos inteligiveis, até que, chegando A iiltima, nada mais pode dizer, levantando-se e deixando a cadeira, apo- plético e furioso”.* Na mesma sesso foi eleito Viee-Pre- sidente, no terceiro escrutinio, Aquino e Castro. Tomou Posse Ta sesso seguinte. Freitas Henriques agradecen e, encerrada a sessio, di- rigiu-se’ ao palacio do Presidente da Republica, perante 0 qual fez a solene promessa de fidelidade 4 Constituigio as leis.* Iria ocupar a presidéncia até 10 de fevereiro de 1894, quando foi aposentado. Baiano, com 69 anos de idade, fora deputado estadual, quatro vezes Presidente de Pro- vineia, e, sucessivamente, delegado, juiz municipal, juiz de diteito ¢ ministro do Supremo Tribunal de Justia, em 1886, prédio em que funcionou o S.-F. em seu primeiro ano primava pela pobreza e desconforto, Na sesso de.13 de junho propunha o Visconde de Sabard se representasse a0 Governo, “a respeito do estado de indecéncia, senao de aviltamento do edificio"; nao tinham os Ministros sequer onde guardar seus papéis, visto que os juizes que ali fun- cionavam:alternadamente com o S‘TF., quatro vezes por semana, ‘se haviam apossado das chaves de todas as ga- vetas”. E também sobre a necessidade de instalar-se o ‘Tribunal em outro edificio decente e comodo, onde priva- 2 Todos nomeados por decreto de 12-11-1890, com exeecéo do Baro de Pereira Franco, nomeado por decreto de 29--1091, no lugar do Dr. Bernardino de Campos, que no aceltou @ no~ meacdo, Pisa © Almeida s6 tomou posse na sesso de 1-4-1801, © 38 8 16 de maio entrava em lcenca, Para os nomes eomple- 08 dos Ministros e alguns dados blogrificos vide, no final deste volume, a “Personalia”. 3 Minhas Memérias dos Outros, Ultima Série, vol. 3, Rlo de Janelro, 1998, pags. 222-229, + Noticla da instalagio do.8.7.¥., Jornal do Coméroto, 1-8-1891. ‘Transerita in O Direito, vol. 4, 1801, 8 tiva e exclusivamente pudesse trabalhar* Vencida a pro- posta, contra os votos apenas de seu autor e dos Ministros Barradas e Pisa e Almeida, somente no ano seguinte se daria a mudanga, em virtude de ordem do Ministro da Justiga, iniciando'se o novo ano judiciério, a 6 de feve- reiro de 1892, em outro edifieio, dividido também com a Corte de Apelacio.* Reaberto 0 Congresso em 15 de junho de 1891, no dia 22 9 Senador Amaro Cavalcanti (futuro Ministro do S.TF,) submetia 4 apreciagdo de seus pares um requeri- mento pedindo solicitasse o Presidente do Senado, em mensagem ao Presidente da Repiblica, a remessa da lista dos cidadaos nomeados para compor 0 S..F., a fim de cumprir-se 0 disposto na tiltima parte do n° 12 do art. 48 da Constituigao. ‘Nao bastava, dizia Amaro Cavaleanti, para o funcio- namento legal, legitimo do S/T, tivessem os seus mem- bros uma ‘simples investidura’do Poder Executivo; era indispensdvel a aprovagio do Senado. Durante’ os traba- thos da Constituinte, lembrava, fora rejeitada emenda no sentido de ficarem, desde logo, aprovadas as primeira’ no- meagies de juizes federais. O'S.T.F. nao podia continuar “como peca da ditadura”, ao lado dos dois outros poderes, 44 dentro da Constituicéo. Era urgente submetesse 0 Go- Verno ao Senado a lista dos nomeados; gozando os, mem- bros do Poder Judiciario de vitaliciedade e possuindo a elevada missio de declarar nulas as leis do Poder Legis- Istivo, muito importava “atender para: étimas qualida- des de t&o conspfeuos magistrados”, a fim de verificar “se, com efeito, os que tém assento em to importante tri- ‘bunal reunem ‘tio excelentes qualidades, precisas para o desempenho de t4o alto mandato”. Incidentemente refe- ria-se A no tomada por térmo, pelo Presidente Freitas Henriques (elias correta ¢ jundicamente), do protesto de um juiz seecional do Rio Grande do Norte, cuja nomeacéo © Ministro da Justiga mandara tomar sem efetto por de- creto de 3 de mareo, nomeando-se na-mesma data outro magistrado nao proposto pelo S.TF.,.e dizia: “iste fato deixa supor que o atual Presidente do-Supremo Tribunal # Livro de Atas do 8.T.F., 1891, fis. 47v © Id., 1891-1895, fis. 45v. @ 147. 9 deseonhecen, ou abdicou, as amplas atribuigses do seu ele- vado pésto”.t Enitrando em discusso o requerimento de Amaro Ca- valeanti, apresentoa Rui Barbosa indicagéo, mandando aditar ao regimento interno do Senado um titulo com 12 artigos dispondo sobre 0 processo a ser obedecido para a aprovacdo ou nfo das nomeagées de membros do STF. e dos ministros diplométicos. Disse, ao justifieé-la: “Indu bitavelmente, os elementos dessa indicagio 14 se acham em gérmen no regimento, la se v4o encontrar os linea mentos gerais do processo aqui estabelecido, mas também agui se desenvolvem certos modos de proceder, que néo se acham especificados no regimento e que lhe parecem de evidente necessidade”. Assim, por exemplo, na matéria da escolha deixada & casa sobre 0 ser secreta ou publica a sessa Entrou a matéria na ordem do dia de 25 de junho, Tecebeu emendas, e foi debatida na sesso de 27 de junho, Discordou Américo Lobo energicamente de Rui Barbosa, ¢ Pronunciou-se a favor da deliberagio em sessio secreta, A indicagéo do senador baiano, na sua opiniio, era até “um desvio do sistema federal, uma contradi¢io com 0 que se passa na nossa preceptora, a Repiiblica da América do Norte, € um proceso quase andrquico, porque, consti- tuindo o Senado, no caso de que se trata, um ramo do Poder Executivo, como podem ser piblicas as suas deli- beracées?” Também se insurgiu quanto a disposiggo do projeto em que se dava oportunidade aos nomeados de se defenderem. “Qual 0 membro do Supremo ‘Tribunal que se poderia assentar em sua cadeira se ainda tivesse de vir aqui conquistar os pedagos de sua toga?” E prosseguiu: “Supondo que haja necessidade de algum esclarecimento, Por que no hé de o Senado fazer como os governos quan- £ Anats do Senado, 1891, pigs. 96-08—Na primeira reuntio do S.1.P., a 21 de junho, Presidente Freitas Hennques fuels ou au atitude no ead do protesio do julz seccional do ROW. Slaendo que ele"ou o ‘Tribunal s6 poderiam tet conheetsor aa Iatéria se tvesse vindo como reclamacho ou represeneagho, A propos, "edo aprovaday do inicio Peteire France que se fesise constar da Ata tim voto de adesio a0 Presidente Preites Henriques in Ze da erin do Senator, Amaro’ Caralesnt im debate que ocupon see880. Vide Lives de Atas, fis. ‘v1. ere wee 10 do_usam do processo diplomatico, sem que coisa alguma saibam os individuos de quem se trata?” * Suscitou a matéria generalizados debates e a apre- sentagéo de varias emendas supressivas. Na. sessio de 3 de junho entrou em terceira discussio 0 projeto modifi- cado, propondo o Senador Tavares Bastos néo se apli cassem as novas disposicdes regimentais aos atuais Mi- nistros que de ha muito se achavam empossados dos seus cargos do S.TF. Parecia-lhe que havia “inconveniente e inconveniente muito grande em querer-se sujeitar & apro- vacdo do Senado, nao a nomeacdo de um ou outro membro do Supremo Tribunal Federal, mas a de todos, a do tri- bunal coletivo que jd se acha funcionando h4 meses, e que pela natureza de suas elevadas fungées ndo pode” sofrer solugdo alguma de continuidade em séu exercicio”, Em contrério manifestou-se Amaro Cavalcanti. A lei de 11 de outubro de 1890, que criara os lugares do S.TF., impunha ao Presidente da Republica o dever de submeter as nomeagées & aprovacéo do Senado. “Esse decreto, em virtude do qual a ditadura tinha de fazer tais nomeacées, j4 continha a cléusula de serem posteriormente aprova- das, Embora se tratasse de um governo ditatorial, ndo podia ele investir corporagéo alguma de poderes pitblicos, sendo em virtude de leis especiais’, 0 que néo ocorrera, Além disso, nas nomeagées feitas “assentou-se definitiva- mente que nenhum dos nomeados entraria em exercicio sendo apés a Constituigdo se esta consagrasse a mesma organizago do decreto de 11 de outubro. Daf o art. 48, § 12, da Constituicao, que & a reprodugdo do art. 4° do decreto”. Por conseguinte, “ninguém pode contestar ao Senado o direito de verificar a idoneidade dos atuais mem- bros daquele tribunal, quando so eles juizes dos sena- dores e verificam 0 seu procedimento”.® ~" “Aprovolt-se na sesso de 6 de julho a redagio final do titulo “Da discussio dos atos do Poder Executivo, dispondo 8 Anais do Senado, 1801, pigs. 183 ¢ 156. Nos Estados Unidos, mais de uma vee Ministios da Curte Suprema irlam defender erante a Comissio Judieléria do Senado suas pessoas ¢ suas Romeagées. Fol o caso, por exemplo, dos Ministros Brandels ¢ Frankfurter. Vide Leda Boochat Rodrigues, Corte Suprema ¢.0 Diretto Constitucional Americano, Hi0 de saneiro, Livraria Forense, 1958. * Anais do Senado, 1861, pigs. 190-202. nt

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