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Coleção

TSRio

Articulação
Comunitária
Articulação
Comunitária
As práticas apresentadas na
Coleção TSRio estão orientadas
por princípios como
sustentabilidade, respeito
aos direitos dos cidadãos
e valorização de práticas
participativas.
Sem dúvida, é no campo
da articulação comunitária
que encontramos a base
para que as experiências
em áreas, aparentemente,
tão distintas, como descarte
sustentável de resíduos sólidos
e policiamento de proximidade
possam ganhar efetividade.
Destacar as nuances
e a multiplicidade de
cenários onde as práticas
de articulação podem ser
aplicadas é o objetivo deste
volume da coleção, que
termina por constituir-se
como leitura obrigatória para
os interessados qualquer um
dos temas abordados.
Coleção
TSRio

Articulação
Comunitária

Rio de Janeiro, 2016


Tecnologia Social – Articulação Comunitária
Coordenação Geral
Rubem Cesar Fernandes

Coordenador da Área de Segurança Humana


Ubiratan Ângelo

Subcoordenador da Área de Segurança Humana


Sandro Costa Santos

Equipe Técnica e de Pesquisa


Fabiano Dias Monteiro, Jonas Pereira Araujo, Carlos Roberto Fernandes,
Renata Oliveira, Larissa Harari, Thomaz Aragão, Fernanda Mattos,
Roberta Correa, Laís Araujo.

Organização
Fabiano Dias Monteiro, Jonas Pereira Araujo e Sandro Costa Santos

Redação e Concepção Gráfica


Milton Quintino e Marina Morena

Revisão
Sol Mendonça

Projeto Gráfico e Edição


Daniela Knorr

Foto da Capa
www.Istockphoto.com

Colaboradores
Jocelino Porto, Antonio Guedes, Nilmara, Maria Helena,
Bruno Teodoro, Marcio William, Alexandra da Silva, Cleide Araújo,
Claudio Napoleão, Carlos Costa, Edil, Juliana Guedes, Lucia Cabral,
Eliane Borges, Tião Santos, Pedro Strozenberg, Wolnei da Rocinha,
Luciene Silva, Rodolfo Noronha, Carlos Brandão, Osmar Vargas.

Realização
Viva Rio

Financiamento
Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF)

ISBN 978-85-61882-15-0

VIVA RIO
Rua do Russel, 76 • Glória • Rio de Janeiro • RJ • CEP: 22210-010
Tel.: (21) 2555-3750 • www.vivario.org.br
Sumário
Viva Rio 5
Apresentação 9
O tema é Articulação Comunitária 11
Introdução 13
Operação 15
Quadro Panorâmico 24
Riscos 26
Aprendizado da experiência 28
4
COLEÇÃO TSRIO
Foto: Amaury Alves
Viva Rio
O Viva Rio nasceu como um movimento organizado
pela sociedade civil, em 1993, em resposta à crise de
violência que atormentava o Rio de Janeiro. Cresceu
como uma organização sem fins lucrativos e tornou-se
uma empresa social que desenvolve projetos em
regiões vulneráveis. Está presente hoje em mais de
100 comunidades no Brasil e no Haiti e assiste a mais
de 2 milhões de indivíduos em programas de saúde,
educação, meio ambiente e segurança humana. Conta
com 9.000 funcionários e cerca de mil voluntários.
Tem por missão a promoção da cultura de paz e a
inclusão social.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 5
Coleção
TSRio
A coleção TS Rio
Fruto de uma parceria entre o Banco de Desenvolvimento
da América Latina (CAF) e o Viva Rio, o Projeto da
Coletânea Tecnologias Sociais Rio (Coleção TSRIO),
inicialmente, apresentou-se como um grande desafio.

Por um lado, tratava-se da sistematização da experiência


acumulada do Viva Rio em mais de vinte anos de atuação
em diversas áreas, como segurança pública, articulação
comunitária, educação e inclusão da juventude.

Observar os acertos e erros desses mais de vinte anos,


sobretudo em contextos sociais, culturais e políticos tão
distintos, como as realidades do Rio e do Haiti (e das
outras cidades, onde o Viva Rio executou ou apoiou
projetos) não era tarefa fácil.

Além disso, no dia-a-dia do trabalho, tendemos a nos


familiarizar com nossas práticas, naturalizar nossos
conceitos, tomar “a realidade” como imutável, abrindo
mão de pensar que existem outras formas de ver o mundo
e outros inúmeros meios de transformá-lo ainda não
experimentados.

A produção desta coleção apresenta-se como um


saudável e valoroso exercício de “estranhamento” de
práticas sociais e de formas de organização que apenas
por força de uma longa história escondem possibilidades
(e necessidades) de transformação.

Por outro lado, os impasses e lacunas existentes na


relação entre o Estado e as camadas mais pobres da

6 COLEÇÃO TSRIO
sociedade, típicas da América Latina, impunham ao
projeto nuances, a princípio, não imaginadas.

A falta de alcance e a intermitência das políticas de


governo em setores estratégicos indicava que muitas das
vezes a criatividade e o engajamento pessoalizado, que
geralmente são marcas das organizações da sociedade
civil, terminavam florescendo no seio das ações
governamentais.

Nesse sentido, a empreitada envolveu não apenas a


sistematização das ações do Viva Rio e seus parceiros da
sociedade civil.

Alcançou também operadores do Estado. De forma


criativa, corajosa e visionária, eles produziram (ou pelo
menos ajudaram a pensar) ferramentas do dia-a-dia que
contribuem muito para melhorar a qualidade de vida
de pessoas que, durante muito tempo, mantiveram-se
invisíveis à sociedade e fora do alcance das políticas
públicas convencionais.

Nossa esperança com essa Coleção é que tais práticas


possam ser avaliadas, experimentadas, redesenhadas
e reproduzidas, contribuindo para o equilíbrio entre a
autonomia e a inclusão.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 7
8 COLEÇÃO TSRIO
Apresentação
O conceito corrente de tecnologia social é
de um “conjunto de técnicas e metodologias
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na
interação com a população e apropriadas por ela,
que representam soluções para inclusão social e
melhoria das condições de vida”.

O Viva Rio é uma organização social que


tanto executa políticas públicas como media a
implantação destas políticas por outros executores.
Entre suas competências está sistematizar práticas e
conhecimentos empíricos. A proposta da coleção
TS Rio é tornar pública essa sistematização, para
que ela seja apropriada pelos formuladores e
executores de projetos em cada área temática e
também pelos beneficiários destas políticas sociais.

A sistematização publicada na coleção TS Rio não


é um produto acabado, mas um conhecimento ‘em
construção’. Buscou descrever processos complexos
da sociedade moderna, organizando e estruturando
o conhecimento para que possa ser compreendido e
adaptado a outras situações locais.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 9
O tema é Articulação
Comunitária

10 COLEÇÃO TSRIO
Foto: Walter Mesquita

O Viva Rio nasceu com a marca da articulação,


integrando os esforços de diversos setores sociais para
reduzir as desigualdades sociais e promover o exercício
cotidiano da cidadania.

A pesquisa e a formulação de políticas públicas têm


como referência o trabalho de campo, constituído por
experiências pontuais em comunidades de baixa renda,
no Brasil e no exterior. Estas intervenções são feitas
conjugando a participação governamental, de organismos
internacionais e, nalguns casos, empresarial.

Foco desse trabalho, o desenvolvimento comunitário


só é possível com o envolvimento e participação dos
atores locais; os quais, por sua vez, convivem em
contextos locais frequentemente caracterizados por
conflitos urbanos e violência ligada ao crime. Assim, cada
comunidade tem uma configuração própria de limitadores
e possibilidades que deve ser compreendida e respeitada
pelos articuladores.

Para produzir essa sistematização, nossos pesquisadores


entrevistaram os articuladores comunitários do Viva Rio,
revisaram a literatura especializada no tema e recolheram
informações dos diversos casos em que a instituição atua
e atuou em sua trajetória.

Desse modo, o conteúdo que vem a público por meio


deste manual procura manter uma lógica de diálogo.
Diálogo entre as experiências vividas e a reflexão
pedagógica, entre o conhecimento em construção e a
bagagem de cada leitor desse trabalho.

Por fim, convém destacar a figura do articulador


comunitário, cujo perfil será objeto de atenção específica
aqui. Nessa teia de instituições, tensões e intenções,
ela e ele cumprem um papel fundamental para criar ou
restaurar os laços da solidariedade social.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 11
Foto: www.Istockphoto.com

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COLEÇÃO TSRIO
Introdução
O que têm em comum?
• Uma chacina de moradores de determinada
comunidade feita como retaliação.

• Um serviço permanente de orientação jurídica


com base local.

• A implementação de um serviço público essencial


em um território conflagrado.

• O estado de calamidade produzido pela força das


chuvas em uma região da cidade.

Todas essas são situações que demandam a articulação


comunitária: a iniciativa que organiza ou reorganiza os
laços de solidariedade de uma comunidade para resolver
determinados impasses.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 13
Você reconhece que uma
situação precisa de articulação
comunitária quando:
• Os moradores estão insatisfeitos.
• O interesse do poder público parece não ser o mesmo
dos moradores.
• Aumentam os conflitos e suas consequências (materiais
ou simbólicas).
• Aumenta o uso de violência no enfrentamento dos
conflitos locais.
• Os impasses podem descambar para a violência.
• Acontecem calamidades públicas.
• Chega um serviço ou política pública, mas o local está
dominado pela criminalidade.

A articulação comunitária é um processo de composição


de pessoas, grupos e recursos para dar conta de
um problema específico. Isso significa que situações
diferentes podem ter composições e propostas variadas.
Alguns componentes, no entanto, estão sempre presentes
na operação dessa tecnologia social:
• o articulador comunitário – profissional que combina
técnica refinada e jogo de cintura.
• as redes de contatos – formadas pelas pessoas e
instituições que apoiam a articulação.
• o diagnóstico da situação – método para compreender
o que acontece e formular alternativas de solução.
• a mediação de conflitos – prática de negociação e
convívio baseada no diálogo.

Vamos conhecer um pouco mais de cada um.

14 COLEÇÃO TSRIO
Operação
Articuladoras e articuladores
Redes de contatos
Diagnóstico da situação
Mediação de conflitos

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 15
OPERAÇÃO

Articuladoras e articuladores
Comunidade é um conjunto de pessoas que seja bem aceita no local, já que
que mantêm relações sociais cotidianas encarna a possibilidade de mudança de
de proximidade. Nesse nosso caso, uma situação conflitiva.
a proximidade é estabelecida pela
A experiência de vida é, geralmente,
vizinhança: o território é muito importante.
o curso informal de preparação de
Portanto, a pessoa encarregada da articuladores comunitários. A vida
articulação comunitária precisa conhecer e o estudo ajudam a aperfeiçoar as
o local em que vai atuar, mesmo que habilidades e características típicas
não more ali. Além disso, é fundamental desse perfil.

Conhecimento do local
• Ter conhecimentos históricos e geográficos sobre a cidade e sobre a
comunidade.
• Ter informações sobre as principais questões urbanas que a
comunidade enfrenta e quais as agências públicas responsáveis.
• Manter a postura acima de facções e partidarismos para poder
circular em qualquer território.

Aceitação
• Ter disposição permanente para o diálogo.
• Estabelecer vínculos de relacionamento e confiança.
• Agir com sensibilidade.
• Integrar-se a atividades que a comunidade valoriza.

16 COLEÇÃO TSRIO
Habilidades
• Saber ouvir e observar.
• Compreender a linguagem local, inclusive a não-verbal.
• Ter tranquilidade, honestidade e abertura para todos.
• Atentar para as demandas e acontecimentos locais, comparecendo
sempre que possível.
• Saber improvisar, contornando obstáculos e evitando atritos.
• Focar no bem comum e no acesso a direitos da cidadania acima de
quaisquer outros interesses.
• Ajudar a dar visibilidade às reivindicações da comunidade e a
acionar as autoridades competentes.
• Agir como facilitador quando houver abuso de poder de alguma
liderança.
• Ter paciência e capacidade de diálogo para mediar conflitos.
• Ter coragem para trabalhar em situações de perigo.
• Saber evitar regalias ou presentes indevidos.

Características
• Capacidade de gestão.
• Capacidade de negociação.
• Capacidade de mobilização.
• Capacidade de realização a baixo custo.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 17
OPERAÇÃO

Redes de contatos
Cada comunidade cria sua própria teia
de relações e de poder. Esta teia é fonte tanto de
possibilidades quanto de problemas e conflitos.

O articulador precisa conhecer também este outro


terreno em que vai agir para evitar as armadilhas e
aproveitar seus pontos positivos.

Seu recurso para isso é o mapeamento dos atores


locais e externos. Essa tarefa de identificação é que
orientará seus esforços para construir uma rede
comunitária de apoio e legitimidade para o diagnóstico
e a mediação de conflitos.

Trabalhar em rede tem pelo menos duas vantagens


adicionais:

• Integra diferentes setores da comunidade, facilitando


a superação de barreiras culturais.

• Consolida ou fortalece um coletivo local para seguir


agindo quando o articulador não estiver mais presente.

Esta rede pode cumprir um papel importante no


acompanhamento de projetos, fornecendo informações,
monitorando as etapas e ajudando a decidir sobre o
melhor encaminhamento quando surgem imprevistos.

18 COLEÇÃO TSRIO
Curso de Capacitação de Lideranças Comunitárias e Gestores de Segurança Pública (ago 2012)
Foto: Acervo Viva Rio

Mapeamento dos atores


Atores são instituições e pessoas que tem da credibilidade que já possuem e
papel ativo no cotidiano da comunidade: conseguindo que sejam porta-vozes do
associação de moradores, ongs, grupos projeto que se deseja implantar.
organizados, igrejas, escolas, lideranças,
Quando existir um “poder paralelo” no
comerciantes.
local – como uma facção, milícia ou
Mapear esses atores significa, em grupo que se beneficia do crime e da
primeiro lugar, identificá-los. E, a partir ilegalidade – não convém ao articulador
daí, destacar aqueles que têm uma ter contato direto com algum de seus
atuação positiva na comunidade e são representantes. Se essa necessidade
reconhecidos por isso.
vier a ocorrer, é melhor que o contato
O principal desafio é conquistar o seja indireto, por meio de um dos atores
apoio desses atores, compartilhando locais que têm esse acesso.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 19
OPERAÇÃO

Diagnóstico da situação
Quando o articulador é bem aceito e tem o apoio de uma rede
local, estão dadas as condições – especialmente de acesso à
informação – para começar a entender a natureza do problema a
ser enfrentado e o quanto ele afeta a comunidade.

O mapeamento dos atores ajuda a identificar os tipos de conflito


e a história desses atores indica as possibilidades e necessidades
do local.

Com base nessa análise, o articulador trabalha para:


• minimizar a força de costumes, tradições e instituições de
influência negativa.
• desobstruir canais de comunicação na comunidade e com
atores externos.

O objetivo nessa fase é identificar as causas do conflito e


distinguir os atores que poderão ajudar ou mesmo atrapalhar no
processo de superação do mesmo.

Causas
• Sociais
• Culturais
• Educacionais
• De segurança
• De saúde pública
• De desastres naturais

Então, o articulador constrói o diagnóstico em conjunto com os


atores locais.

É uma dinâmica participativa, que reconhece a capacidade,


o protagonismo e o compromisso das próprias pessoas e
instituições que vivenciam aquele conflito em seu cotidiano.

Com o diagnóstico da situação pronto, o articulador e sua rede


comunitária constroem alternativas para solucionar o conflito
(problema) a partir das causas identificadas.

20 COLEÇÃO TSRIO
Foto: Acervo Viva Rio

Essas alternativas podem ser organizadas em ordem de


prioridade, sendo consideradas principais aquelas que tiverem
mais possibilidades de realização.

Essa lista, ou a alternativa escolhida, tem muito mais chance de


dar resultado se for assumida como um pacto, um acordo, um
compromisso entre todos os atores envolvidos.

Um critério importante para escolher uma determinada solução é


avaliar se a sua execução arrisca deixar a situação enfrentada pior
do que estava antes da intervenção.

Outro critério é buscar o benefício do maior número possível de


pessoas e grupos com a solução construída.

É importante manter no horizonte a noção de que a solução


de um problema específico é, sim, o objetivo inicial que abre
as portas para a articulação comunitária. Mas o legado, o
resultado que transforma as relações para produzir solidariedade
comunitária, é o aprendizado da mediação de conflitos.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 21
OPERAÇÃO

Mediação de conflitos
Como sugere a palavra, mediação é a Para perceber qual foi o foco do conflito,
atividade de um agente que se coloca o mediador precisa ouvir muito todas as
no meio, entre as partes envolvidas em partes e dialogar com elas e entre elas.
um conflito para:
Quando finalmente ficarem claras as
• ajudá-las a superar o círculo vicioso razões da divergência, o mediador orienta
da disputa o diálogo para os pontos em que pode
• criar novas alternativas de colaboração. existir convergência de opiniões.

Quando o articulador comunitário pratica Embora o diálogo comece no terreno das


a mediação, ele precisa acrescentar opiniões e visões de mundo, o fim que ele
alguns cuidados às qualidades e busca é a ação:
habilidades que já possui. • O que vamos fazer com as nossas
O mais importante desses cuidados é diferenças?
manter sempre sua imparcialidade. • O que vamos construir com as nossas
Nunca tomar partido de uma ou de concordâncias?
outra parte em conflito.

Muitos conflitos são causados por mal O mediador precisa manter sempre seu
entendidos ou por que uma ação ou espírito aberto porque esse processo
opinião com fundamento é feita ou costuma resultar em soluções dinâmicas,
dita de modo inapropriado. criativas e, muitas vezes, inesperadas.

Reunião com
lideranças
Foto: Acervo
Viva Rio

22 COLEÇÃO TSRIO
DICAS

Duas possibilidades
A situação de conflito pode ser identificada tanto por membros da comunidade
(que pedem auxílio de um articulador/mediador), quanto pelo próprio
articulador em suas visitas ao território. Em qualquer desses caminhos,
articulador e comunidade precisam reconhecer que o conflito existe.

O ambiente conta Forças ocultas


Para que a mediação aconteça com Se existirem poderes paralelos ou
tranquilidade e eficiência, as partes lideranças negativas na comunidade,
envolvidas precisam se sentir legítimas a melhor atitude é manter o respeito
e confortáveis, realizando seu encontros mútuo, mas não criar compromissos
em um espaço neutro e seguro. nem se submeter ao domínio dessas
forças ocultas.

Novos projetos
Quando a mediação trata da inserção Nem tudo...
de novos projetos em um território, é A mediação não dá conta de todo
fundamental que o articulador domine e qualquer tipo de conflito. Para
todas as informações sobre o plano. atritos como os institucionais
E também é importante que mantenha ou os que descambaram para a
um clima amistoso entre os membros violência, o mais recomendável é
de sua equipe. recorrer a autoridades ou instâncias
administrativas.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 23
Quadro Panorâmico
COMUNIDADE

OPORTUNIDADES
CONTEXTO
(1) Ampliar a visibilidade
A articulação comunitária
das demandas sociais do
é necessária em contextos território.
onde há:
(2) Aumentar a
• pouco ou nenhum efetividade dos serviços de
relacionamento entre assistência e garantia de
os atores locais e os direitos e deveres.
instrumentos de políticas (3) Diminuir antigos
públicas (como segurança, problemas sociais.
educação e saúde)

• pouco ou nenhum acesso


aos meios de garantia de
direitos jurídicos.

EXECUTOR

PARCEIROS

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Marcada por problemas de criminalidade, falta de investimentos e ações
governamentais, pobreza e situações de crise social e institucional.

BENEFÍCIOS RISCOS
(1) Abertura de diálogo entre a comunidade e (1) A intervenção
entidades públicas e privadas. pode ser vista pelos
moradores como
(2) Aumento da representatividade.
instrumento de
(3) Construção de ideias e soluções para conflitos. influência negativa.

(2) Eventual ameaça


à integridade física
PRINCIPAIS ATIVIDADES e emocional do
(1) Mapeamento da rede de representação local. articulador.

(2) Promoção de diálogo e ações solidárias. (3) Descrédito


provocado pela falta de
(3) Conhecimento legítimo da realidade local. soluções satisfatórias.

A tecnologia não requer um padrão institucional rígido. Suas ações devem ser
executadas por atores que conheçam a realidade social do território, sejam de
inciativas comunitárias, de ongs ou do governo. Pessoas práticas, com alto grau de
liderança e adeptas do diálogo contínuo.

Associações de moradores, igrejas, escolas, instituições sem fins lucrativos,


entidades internacionais e entidades privadas ou públicas interessadas no
fortalecimento da mediação comunitária.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 25
Riscos
Risco Descrição Alvo

Conflito armado Durante o processo de articulação População local,


acontece um conflito entre facções comerciantes,
ou com a polícia. escolas

Enchentes e Calamidade causada pela natureza. População local,


desabamento comerciantes,
escolas

Falta de O articulador é desconhecido pelo Articulador


reconhecimento poder paralelo local (especialmente
quando acontecem mudanças nesse
poder).

Pedido de O articulador é chamado pela Articulador


esclarecimento liderança criminosa a esclarecer
alguma ação sua.

26 COLEÇÃO TSRIO
Para evitar
Fatores decisivos
É um risco imprevisível. O para um
articulador pode tentar negociar a
saída de moradores para outro local.
bom resultado
Outro fator imprevisível. Capacidade de mobilização
O articulador auxilia participando
da população.
das ações humanitárias, em
Fortalecimento dos atores
parceria com o Corpo de Bombeiros
positivos locais.
e a Defesa Civil.

Usar crachá com foto, nome, Desenvolvimento de


função e nome da instituição. projetos de inclusão
social da juventude e dos
Quando entrar no local, sempre
grupos mais vulneráveis
avisar a um líder comunitário.
à violência doméstica e
Recorrer à rede local de contatos urbana.
para apoio na divulgação das
ações. Deixar claro sobre o Desenvolvimento de
que pode ou não fazer naquele projetos socioculturais
território. que visam à melhoria da
Nunca pedir “autorização” a qualidade de vida dos
poderes paralelos para implementar moradores.
políticas públicas. Se o líder
criminoso insistir em ter contato
Mediação de conflitos
direto, buscar auxílio na sua entre a comunidade
Instituição de origem. e representantes de
políticas públicas.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 27
Aprendizado
da experiência
Balcão de Direitos
O Balcão de Direitos foi criado por solicitação ao Viva Rio de 25 líderes
comunitários, traduzindo a necessidade de projetos de assistência jurídica
nas favelas do Rio de Janeiro. A assistência jurídica seria, naquele
momento, o mecanismo mais adequado e urgente para a constituição de
uma malha de proteção legal do Estado – e paradoxalmente também ao
Estado – sobre as populações alijadas do estado democrático de direito.

Para a primeira dessas experiências, na favela da Rocinha, o Viva Rio


desenvolveu metodologia e instrumentos pedagógicos e jurídico-formais
levando em consideração a distribuição de poder local, a percepção
dos direitos e deveres e as relações, envolvimentos e carências da
comunidade. O foco era constituir uma cultura de conciliação e mediação
de conflitos e providenciar documentação necessária para que os
moradores regularizassem sua situação social e ampliassem suas esferas
de acesso à Justiça.

Nesse sentido, os núcleos de atendimento deram forma à integração da


equipe institucional ao cotidiano da comunidade.

A atitude do Balcão de Direitos foi a de valorizar os recursos locais, dando


prioridade à participação dos litigantes na procura de mediações ou
conciliações de seus conflitos. E isso se tornou um elemento fundamental
tanto na legitimação dos atores sociais, como na efetivação dos direitos
civis e sociais.

O “direito à laje” é um exemplo significativo para compreender


algumas especificidades dos conflitos urbanos em favelas. Como
as ocupações não são reguladas pelo universo jurídico, quando
se constrói um novo pavimento sobre um barraco, quem se torna
o proprietário da nova laje: o morador que construiu o segundo
pavimento ou o morador que comprou? Questões como muros e
janelas – que podem impedir o acesso a determinados espaços –
também podem definir o que compreende-se por estes direitos.

28 COLEÇÃO TSRIO
O Viva Rio atua em mais de 100 comunidades cariocas, como o Morro do Alemão, e é um modelo de sucesso
Foto: Walter Mesquita - Site http://projetodraft.com/o-viva-rio-inova-ha-20-anos-quando-juntou-intelectuais-e-
liderancas-comunitarias-contra-a-violencia-no-rio/

A difusão dos serviços do Balcão aumentou a autoestima e o sentimento


de pertencimento à sociedade política da população local.

Reforçar redes de apoio e parcerias foi outro destaque. O projeto não


possuía uma rede de apoio para o seu financiamento total e, menos
ainda, para corresponder a todas as expectativas nele depositadas.
Foi, assim, imprescindível uma aproximação de outras iniciativas
comunitárias, técnicas (psicólogos, médicos, educadores) ou genéricas
(associações diversas, ongs, igrejas).

A mobilidade de demandas e expectativas fez com que, em várias


oportunidades, o Balcão também fiscalizasse os serviços públicos.

A criação dos agentes de cidadania também facilitou decisivamente


a integração do projeto à comunidade. Moradores selecionados e
remunerados se tornaram mediadores e auxiliavam os núcleos na parte
operacional e na interlocução com as microlocalidades.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 29
APRENDIZADO DA EXPERIÊNCIA

Um posto de saúde na favela

“ Quando nosso trabalho de saúde chegou a uma comunidade da Zona


Norte, a gente percebeu que tinha muito lixo. Nós já tínhamos percebido
que entre os problemas mais comuns na unidade estavam a dor de
barriga e as doenças de pele.

Então, começamos a fazer reuniões com os moradores e algumas


lideranças para falar sobre isso. Chamamos algumas pessoas ligadas ao
meio ambiente, à reciclagem para conversar. E essa foi a semente para
a criação do colegiado gestor, que está previsto na cartilha de direitos do
Sistema Único de Saúde.

Chamávamos a cada lugar de reunião de “núcleo ou células de meio


ambiente”, uma forma de responsabilizar os moradores para passar aos
demais a proposta de descartar o lixo de uma nova maneira.

Depois, chamamos os funcionários da companhia de limpeza para


fazer a “campanha da dengue” durante um ano, como forma de que os
moradores reconhecessem a atuação da unidade de saúde como atuante
por meio da visita constante dos agentes de vigilância sanitária.

Mais tarde, o colegiado gestor incluiu representantes de cada formação


(medicina, enfermagem, saúde bucal, gestão, serviços), os agentes
comunitários e representantes dos moradores. Isso acaba com a maioria
dos problemas. Você consegue pensar coletivamente e distribuir a
responsabilidade e as soluções. O funcionário compreende que a gestão
não tem que resolver tudo sozinha, o morador passa a compreender que
alguns problemas são mais complexos. Quando a solução é criada pelo
grupo, todo mundo se sente responsável.

30 COLEÇÃO TSRIO
Ação Global na Vila Olímpica do Alemão / Foto: Acervo Viva Rio

Nessa favela havia um tráfico pesado de drogas. Mas, como os


funcionários eram moradores locais, já conviviam nessa situação (por
conhecimento, parentesco, amizade antiga). Então, quando havia
problemas de algum tipo com o tráfico, o espaço do colegiado gestor
era perfeito para colocar o problema. Você explica: a interferência não é
boa para unidade, assusta médicos, enfermeiros e dentistas que podem
pedir demissão... Como essa possibilidade não é boa para ninguém, a
comunidade encontra um caminho de solução por seus próprios meios de


proximidade.

(Depoimento de uma articuladora comunitária)

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 31
APRENDIZADO DA EXPERIÊNCIA

Projeto Recomeçar
Teresópolis-RJ
No verão de 2011, chuvas fortíssimas causaram inundações e
deslizamentos na região serrana do estado do Rio de Janeiro.
Teresópolis foi uma cidade especialmente afetada, com perdas
humanas e de infraestrutura que comprometeram a economia
local, voltada para agricultura e turismo.

Nos primeiros momentos, o Viva Rio participou das


ações emergenciais organizando uma rede logística e de
comunicação que arrecadou 800 toneladas de donativos.
Também apoiou o acesso a áreas isoladas e recrutou 70
voluntários que ofereceram serviços de pronto-atendimento em
saúde às vítimas, em especial crianças e mulheres.

Essa aproximação com o território e com as autoridades locais,


por um lado, demonstrou o tamanho da vulnerabilidade
social nas áreas de saúde, defesa civil e meio ambiente e, por
outro, criou um vínculo inicial de confiança entre o Viva Rio, a
população local e a prefeitura do município.

Assim, três meses depois foi estabelecido um contrato para


as ações que reduzissem as vulnerabilidades apontadas e
capacitassem a sociedade civil a enfrentar eventuais situações
semelhantes no futuro. Nasceu o Projeto Recomeçar.

Na área da saúde, as ações se basearam na metodologia da


atenção primária da Saúde da Família. Para as áreas de defesa
civil e meio ambiente, foram criadas Brigadas de Agentes
Comunitários (também com ação na saúde) num processo
que começou com a capacitação de pessoas da região. Esses
agentes começaram a agir visitando as microáreas afetadas e
cadastrando as famílias.

32 COLEÇÃO TSRIO
Teresópolis / Foto: Walter Mesquita

Uma vez por mês, aos sábados, o projeto promovia ações


comunitárias integradas em locais mais distantes; e, em dois
dias da semana, retornava exclusivamente com o atendimento
em enfermagem. No decorrer do processo, as visitas mensais
dos agentes ajudaram a construir uma relação de confiança da
população com o projeto e com as instituições envolvidas.

Como grupo reconhecido, os Brigadistas participaram de


eventos locais, com um estande na Semana do Meio Ambiente
e desfilando no aniversário da cidade.

Com o tempo, outras ações se desdobraram na base de


atendimento do Recomeçar, como por exemplo o centro
recreativo para crianças e as aulas de artesanato para um
grupo de mulheres que buscavam um novo ofício para
complementar a renda familiar.

ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA 33
Referências

CESEC et. al. Impunidade na Baixada Fluminense. (2005). Disponível em:


< http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_jg_rj_impunidade_baixada.
pdf >. Acesso em 31/10/2016.

RIBEIRO, P. J. DO BALCÃO DE DIREITOS ÀS UPPS: DUAS EXPERIÊNCIAS


DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS EM FAVELAS DO RIO DE JANEIRO. (2015).
Revista Magistro – Revista do Programa de Pós-Graduação em Humanidades,
Culturas e Artes – UNIGRANRIO. Disponível em: < http://publicacoes.
unigranrio.edu.br/index.php/magistro/article/viewFile/2870/1390 >. Acesso em
31/10/2016.

VIVA RIO. Relatório de Resultados Projeto Recomeçar – Teresópolis


(2011). Disponível em: < http://vivario.org.br/wp-content/uploads/2012/01/
relatoriocompleto_FINAL1.pdf >. Acesso em 31/10/2016.

_______. PROJETO DE CENTRO DE OPORTUNIDADES E EFETIVIDADE


ENERGÉTICA EM ITABORAÍ (2013-2014). Disponível em: < http://vivario.
org.br/wp-content/themes/vivario/resultados_relatorios/docs/Pages%20from%20
Proposta%20de%20Trabalho%20-%20Ampla%20-%20Itaborai%20V3.pdf >.
Acesso em 31/10/2016.

34 COLEÇÃO TSRIO
Coleção
TSRio

Articulação Comunitária

Esta obra foi composta com as famílias


News Gothic e ITC Officina Serif e
impressa em papel Couchê Matte 115g
pela Gráfica Walprint para o Viva Rio.
Rio de Janeiro, 2016

36 COLEÇÃO TSRIO
Viva Rio
É uma organização que surgiu
em 1993 em resposta à crise
de violência que atormentava
o Rio de Janeiro. Tendo seu
início como um movimento
da sociedade local, crescendo
como uma Organização Sem
Fins Lucrativos e tornando-
se uma Empresa Social que
gerencia projetos em regiões
vulneráveis.
Na área da Saúde, ultrapassou
1,1 milhão de usuários
cadastrados e já atendeu
a mais de 3,7 milhões de
pessoas na Estratégia Saúde
da Família.
Um dos conceitos correntes de tecnologia social
é de um “conjunto de técnicas e metodologias
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas
na interação com a população e apropriadas por
ela, que representam soluções para inclusão
social e melhoria das condições de vida”.
O Viva Rio é uma organização social que
tanto executa políticas públicas como media
a implantação destas políticas por outros
executores. Entre suas competências está
sistematizar práticas e conhecimentos
empíricos.
A proposta da coleção TS Rio é tornar pública
essa sistematização, para que ela seja
apropriada pelos formuladores e executores de
projetos em cada área temática e também pelos
beneficiários destas políticas sociais.

www.tsrio.org.br

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