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MEDIDAS PROVISÓRIAS

O PODER QUASE ABSOLUTO

Diogo Alves de Abreu Junior

2002

Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados


Centro de Documentação e Informação
Coordenação de Biblioteca
http://bd.camara.gov.br

"Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.”


Diogo Alves de Abreu Junior
"A primeira missão do Parlamento é Diogo Alves de Abreu Junior é
legislar. A Constituição de 1988 que jornalista formado pelo Centro Uni-
tinha um perfil parlamentarista criou o versitário de Brasília – UniCEUB,
instituto das medidas provisórias, CÂMARA DOS DEPUTADOS pós-graduado em Especialização em
sucedâneo dos decretos-leis do período Desenvolvimento Gerencial pela
autoritário. Em conseqüência, o Poder Universidade de Brasília – UnB, e co-
autor do livro *Processo legislativo:
Executivo vem-se valendo disso para
(não cabe aqui discutir intenções nem
resultados) retirar do Parlamento a sua
Diogo Alves de Abreu Junior guia prático. Técnico Legislativo da
Câmara dos Deputados, assessorou a
Liderança do PSDB no Plenário e
razão primeira de ser." (Aécio Neves, nas Comissões (1991-1997) e foi

MEDIDAS
2001) Chefe de Gabinete da Primeira-Se-
cretaria da Câmara dos Deputados
"Quando vi deixarmos de votar nesta (1997-2001). Hoje, é Chefe de Gabi-
Casa [Senado Federal] contra a nete da Liderança do PSDB.
admissibilidade de uma medida pro-
visória que supostamente deveria tratar Este livro originou-se da mono-

MEDIDAS PROVISÓRIAS: O PODER QUASE ABSOLUTO


de assunto urgente e relevante que grafia de conclusão do curso de es-

PROVISÓRIAS
conferia a possibilidade de o Vice- pecialização. O tema abordado é o
Presidente da República ter um abuso no processo de edição de me-
automóvel, passei a não acreditar nos didas provisórias que vigorou até a
promulgação da Emenda Constitu-
critérios de anterioridade, ou seja, na
cional no 32, de 2001, uma tentativa
obediência aos pressupostos que
do Congresso de restringir o uso das
definem a admissibilidade de uma
medida provisória." (Mário Covas,
1991)
O PODER QUASE ABSOLUTO MP, devolvendo ao Parlamento a sua
mais importante prerrogativa: fazer
leis.
"Esse instrumento [medida pro- O autor faz um estudo compara-
visória] hoje é utilizado de forma tivo dos decretos-leis em diversos
autoritária e absolutista, transfor- países, inclusive na Itália, cuja cons-
mando o Presidente da República em tituição inspirou os constituintes
imperador do País, com funções par- brasileiros; relata a história do de-
lamentares. (...) O Executivo usa e abusa creto-lei no Brasil e os debates sobre
das medidas provisórias, o Legislativo medidas provisórias na Constituinte
não reage e o Judiciário dá uma de 1988; discute as diferenças entre o
decreto-lei e a medida provisória,
interpretação elástica ao conceito de
que, com a promulgação da Carta de
urgência e relevância." (Rubens
1988, passa a ser o instrumento legal

Capa: montagem sobre fotos de Marilda Campolino


Approbato Machado, Presidente do preferido e de uso indiscriminado
Conselho Federal da Ordem dos dos governantes.
Advogados do Brasil – OAB, 2001)
Os fatores que caracterizam os
"... é imperioso contê-las [MP] na abusos cometidos são identificados e
dimensão de poder limitado, próprio do ISBN 85 - 7365 - 231 - 4 analisados, bem como suas causas
Estado de Direito". (Josaphat Marinho, circunstanciais, em busca de pos-
SENADO síveis soluções. Ao contrário do que
ao defender uma proposta de emenda FEDERAL
constitucional que coibia os excessos comumente se diz, o autor demons-

Brasília – 2002
praticados, 1997) tra que a responsabilidade pelo abu-
SECRETARIA so no processo de edição de MP não
ESPECIAL
DE EDITORAÇÃO
E PUBLICAÇÕES
9 788573 652314
se restringe ao Poder Executivo.
*
Francisco da Silva Cardozo
Hundalto Guida
Marco Aurélio Santullo
Brasília – 2002
CÂMARA DOS DEPUTADOS

MEDIDAS PROVISÓRIAS
o PODER QUASE ABSOLUTO

Diogo Alves de Abreu Junior

Centro de Documentação e Informação


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Brasília 2002
CÂMARA DOS DEPUTADOS I

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SÉRIE
Temas de interesse do Legislativo
n.1

Dados Internacionais de Catalcqaçãc-na-publlcação (CIP)


Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação.

Abreu Junior, Diogo Alves de.


Medidas provisórias : o poder quase absoluto I Diogo Alves de Abreu Junior. -
Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.
74 p. - (Temas de interesse do Legislativo; n. 1)

ISBN 85-7365-231-4

1. Medida provisória, Brasil. I. Título. 11. Série.

CDU 340.135(81)

ISBN 85-7365-231-4
sUMÁRIo
APRESENTAÇÃO
Pelo Aperfeiçoamento da Democracia (Aécio Neves) 5

1. INTRODUÇÃO: MEDIDA PROVISÓRIA E


INDEPENDÊNCIA DOS PODERES 9

2. MEDIDA PROVISÓRIA: O INSTRUMENTO E SEU USO


2.1 Antecedentes da medida provisória
2.1.1 O decreto-lei
2.1.1.1 Alemanha: dura experiência 15
2.1.1.2 França: moderado uso das ordenanças 16
2.1.1.3 Portugal: um instituto limitado 17
2.1.1.4 Espanha: parlamentarismo monárquico 18
2.1.1.5 Itália: a agilidade necessária 21
2.1.1.6 O decreto-lei no Brasil 24
2.2 Medidas provisórias no Brasil
2.2.1 A Constituição de 1988: o sonho parlamentarista
a) A discussão 27
b) As diferenças entre o decreto-lei e a medida
provisória 30
2.2.2 A prática das medidas provisórias no Brasil
2.2.2.1 A regulamentação da tramitação das
medidas provisórias 33
a) Natureza jurídica e processo legislativo .. 34
b) A reedição 38
2.2.2.2 A medida provisória nos governos do Brasil:
um balanço 40
2.2.3 Uso, abuso e poderes da República:
hipótese e metodologia 44

3. USO E ABUSO

3.1 Conceituação de abuso 47


3.2 Uso abusivo das medidas provisórias 48
3.2.1 Abusos procedimentais
a) Na edição 48
b) Na reedição 50
c) Na convalidação 52
3.2.2 Abusos materiais 53
3.3 Causas circunstanciais do uso abusivo 56
3.3.1 Causas legislativas 57
3.3.2 Causas jurídicas 58
3.3.3 Causas políticas 59

4. CONCLUSÕES 63

5. POSFÁCIO 67
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 71
APRESENTAÇÃO

PELO APERFEIÇOAMENTO DA DEMOCRACIA

As medidas provisórias constituíam, até o advento da Emenda


Constitucional n° 32, que votamos em 2001, um perigo permanente
para a democracia. Usadas excessivamente pelo Poder Executivo
como instrumento de legislação, acabavam atropelando os trabalhos
do Poder Legislativo, instância maior de representação da sociedade,
criada para elaborar as leis de que o país necessita. Compreender por
que e como isso acontecia, grande contribuição deste trabalho, é
fundamental para termos dimensão da importância dos passos que o
Congresso Nacional tem dado nos últimos anos em busca de sua
legitimação como poder.
Desde minha candidatura, no ano passado, à Presidência da
Câmara, vinha enfatizando a necessidade imperiosa de o Congresso
Nacional recuperar suas prerrogativas de legislar, ofuscadas por uma
enxurrada de medidas provisórias editadas pelo Executivo. Os
conflitos e desavenças provocados até então apontavam para a
exigência de uma ação política, rápida e eficaz, que pudesse estancar o
fluxo incessante dessas medidas, que não apenas desfiguravam a
função do legislador, mas ainda provocavam um desequilíbrio
desastroso nas relações entre os poderes da República.
É preciso enfatizar ainda que não apenas as instituições mas
todo o povo brasileiro estavam sendo prejudicados com o uso abusivo
das medidas provisórias pelo Executivo. Os cidadãos votam nos seus
legisladores para que façam as leis, mas, se essa função é usurpada por
outro poder, a vontade do povo é contrariada, ofendida e
desrespeitada. Transforma-se, assim, a utilização abusiva de medidas
provisórias num instrumento autoritário e antidemocrático.
Como irá demonstrar este estudo de Diogo Alves de Abreu
Junior, havia no país uma situação anômala e constrangedora entre os
poderes, ou como sentenciou no ano passado o presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rubens Approbato
5
Machado, "o Executivo usa e abusa das medidas provisonas, o
Legislativo não reage e o Judiciário dá uma interpretação elástica ao
conceito de urgência e relevância".

A anomalia criou um campo de conflitos permanentes entre os


poderes, que se acusavam mutuamente e se desentendiam. Esse
desequilíbrio não contribuía em nada para o aperfeiçoamento do
regime democrático, mas, ao contrário, tornava-se ameaça constante à
harmonia que deve imperar nas relações entre Legislativo, Executivo e
Judiciário.

Harmonia, equilíbrio e independência constituem, como


sabemos, os fundamentos da teoria da separação dos poderes, tal
como a formularam Locke e Montesquieu. Essa formulação tem um
sentido maior, mais abrangente: demonstrar que, sem separação e sem
harmonia, equilíbrio e independência, um dos poderes acaba
concentrando todas as forças do Estado numa só instituição, abrindo
caminho para toda sorte de arbítrio, de decisões autoritárias, de
abstração de direitos fundamentais, enfim, para as ditaduras.

Eleito Presidente da Câmara, minha primeira preocupação foi,


portanto, encaminhar a regulamentação das medidas provisórias, para
que o Legislativo deixasse de ser um mero estuário das vontades do
Executivo, uma instituição sem força, sem vontade própria, sem
poder, e recobrasse, finalmente, a função essencial de legislar.

Por outro lado, era necessário ainda fomentar uma vasta e


delicada engenharia parlamentar que permitisse a confluência das
posições do Executivo, do Judiciário e das próprias correntes do
Congresso, para a construção do consenso, sem o qual qualquer
tentativa de mudança nas regras estabelecidas poderia redundar em
mais um grande fracasso.

Há mais de dez anos, o Congresso tentava, sem êxito,


regulamentar a edição de medidas provisórias. Se fosse fácil, já teria
acontecido. Houve então convergência positiva de vontades e de
interesses, e, com o consenso estabelecido entre todas as forças
políticas do Congresso, foi possível regulamentar o uso desse

6
instrumento e alargar o campo das decisões democráticas, abrindo
amplo espaço para o entendimento, a independência e a harmonia
entre os poderes da República.
Neste estudo. Medidas Provisórias - O Poder Quase
Absoluto, o autor faz um resumo de tudo o que existe sobre o assunto,
traçando o percurso do nascimento dos conceitos, seus antecedentes e
sua utilização na prática jurídica e política de vários países do mundo.
Ele percorre ainda o caminho da medida provisória na Constituinte de
1988, acompanhando não apenas sua trajetória na discussão política
entre as diversas forças partidárias em ação no Congresso, mas
também as distorções e desvirtuamentos de que as medidas
provisórias vinham padecendo nesses últimos anos.

Este estudo constitui, portanto, instrumento útil de trabalho


não apenas para os estudiosos do assunto mas para todos aqueles que
têm interesse nos fundamentos da democracia e desejam conhecer os
obstáculos que se opõem à sua concretização em nosso país. O uso
abusivo de medidas provisórias pelo Executivo era um deles e,
felizmente, parece afastado depois que votamos a Emenda
Constitucional n° 32, em setembro de 2001.
A votação foi uma promessa da minha campanha à Presidência
da Câmara. Acredito que ela contribuiu para aproximar o povo
brasileiro do Congresso Nacional, o que se converte em uma força
poderosa de aperfeiçoamento da democracia em nosso país.

Aécio Neves
Presidente da Câmara dos Deputados

7
1. INTRODUÇÃO: MEDIDA PROVISÓRIA
E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES

A democracia parece ser a melhor forma de permitir que a


população de um país participe do governo e escolha o destino a ser
seguido. Com a democracia, pode-se votar, ser votado, ter direitos
fundamentais assegurados e viver em liberdade. Contudo, para que
isso seja possível, é necessário haver garantias de que seja
imediatamente afastada qualquer possibilidade de arbítrio. Entre essas
garantias, encontram-se a própria Constituição e o princípio da
separação e harmonia entre os poderes.
Montesquieu (apud Santos, 1991), que desenvolveu ateoria da
separação dos poderes, ensina que, quando na mesma pessoa ou no
mesmo corpo de magistratura, o Poder Legislativo junta-se ao Poder
Executivo, não existe liberdade, pelo temor de que o mesmo monarca
ou o mesmo senado apenas estabeleça leis tirânicas para executá-las
tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não
estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estiver ligado
ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos
será arbitrário, pois o juiz será legislador. Se estiver ligado ao Poder
Executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor. Montesquieu, em
sua análise, assegura que tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o
mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse
esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.
Com o objetivo de assegurar a liberdade dos cidadãos, as
constituições dos países democráticos prevêem a harmonia e a
independência entre os poderes. Contudo, há situações em que,
mesmo em uma democracia, devem ser adotadas medidas urgentes
para assegurar a ordem social, por vezes até com suspensão das
garantias constitucionais, O estado de defesa, o estado de sítio e a
intervenção federal, previstos na Constituição, são exemplos de
medidas excepcionais.
O constituinte, semelhantemente, também quis fosse excepcional
a utilização das medidas provisórias, pois, devido à sua eficácia
9
imediata, elas invertem o processo legislativo normal: apresentação de
projeto, tramitação na Câmara e no Senado e a sanção presidencial,
com direito a veto, a ser apreciado pelo Congresso Nacional. A
Constituição determina que as medidas provisórias, com força de lei,
só poderiam ser editadas pelo Presidente da República em caso
de relevância e urgência. Não preenchidos esses requisitos,
dever-se-ia percorrer o processo normal. A intenção do constituinte
com a criação da medida provisória (MP) era dar agilidade ao
Poder Executivo em situações nas quais fosse impossível aguardar a
tramitação de um projeto de lei, sem que houvesse prejuízos para
a sociedade e para o país.
Porém, após a Constituição de 1988, o que se observou em
todos os governos foi a grande utilização de MPs como caminho mais
curto para o advento de uma lei. O instituto excepcional passou a ser
utilizado de forma ordinária. Além de freqüentemente não respeitar os
pressupostos constitucionais, tratou-se, por MP, dos mais variados
assuntos, inclusive os constitucionalmente proibidos. O Poder
Executivo toma-se hipertrófico no processo legislativo, deixando em
segundo plano o Congresso Nacional, a quem cabe precipuamente,
pela Constituição, a elaboração das leis. A inversão de papéis, que
causa constantes atritos entre os poderes, é apenas um dos abusos
cometidos pelo Poder Executivo na edição de MPs.
Mariotti (1999) reconhece entre as causas do grande uso de
medidas provisórias: a preferência indiscriminada do Executivo por
sua edição; o descumprimento das limitações materiais implícitas da
Constituição; a complacência do Poder Legislativo, que normalmente
não obsta a tramitação de MPs; a falta de rigor do Poder Judiciário,
que considera de discricionariedade política o julgamento dos
requisitos de urgência e relevância, e a exigüidade do prazo legislativo
de trinta dias para a votação de uma MP 1•
O autor considera curioso que se invoque ofensa ao princípio da
separação dos poderes em relação a uma prática que só se estabelece

1 Prazo
que constava no texto da Constituição Federal anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n" 32, de 2001.
10
com o consentimento do Congresso Nacional, cuja supremacia em
matéria legislativa é plenamente preservada pela disciplina do art. 62 da
Constituição Federal. Ressalva, ainda, que se deve resistir à tentação
de "imputar todas as vicissitudes relacionadas ao tema à tradição de
comportamento autocrático do Poder Executivo no Brasil.

Clêve (1999) sustenta ser impossível a transformação de ato


normativo excepcional em meio ordinário de legislação, mediante a
reedição de MPs que, por seu conteúdo, poderiam tramitar como
projeto de lei. Neste caso, o autor aponta a ocorrência de abuso
do poder de legislar, desafiador da pronta censura do Judiciário.
Reconhece que o Poder Executivo abusa da prerrogativa de editar
MPs e que seria viável, por parte do Poder Judiciário, uma
interpretação restritiva do disposto no art. 62 da Constituição Federal
para uma adequada disciplina jurídica das medidas provisórias.

Bastos (2001) considera a medida provisória um instrumento


aparentemente inócuo e criado para não funcionar na prática, devido à
impossibilidade de o Poder Legislativo, por sua lentidão, pronunciar-se
no prazo de 30 dias. Assim, o Executivo, para conseguir maior
eficácia, passou a reeditar MP e o Judiciário, a aceitá-la, impedindo
que fosse entravada. Para o autor, o uso das MPs ganhou proporções
não imaginadas pelo constituinte de 1988.
Segundo o constitucionalista, além de se assegurar a
independência dos poderes, algo que se tem procurado nos últimos
anos, é necessária a implantação de uma harmonia entre eles para a
composição das coordenadas fundamentais do órgão estatal. Para isso,
não basta haver uma norma limitando a edição de medidas
provisórias; urge que se preveja a possibilidade de dissolução do
Congresso Nacional, caso este se torne um estorvo para a apreciação
do mérito da medida provisória, como acontece na Itália.
Ferreira Filho (2000) defende a eliminação da medida
provisória da Constituição Federal, por ela ter-se tornado um
instrumento de concentração de poder, ensejando o abuso e o arbítrio,
e gerando insegurança jurídica, com as suas constantes reedições'.

2 Posteriormente, a EC n° 32, de 2001, proibiu a reedição de medida provisória.

11
Rubens Approbato Machado, presidente do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil- OAB, assim se posiciona:

Esse instrumento [medida provisória] hoje é utilizado de forma


autoritária e absolutista, transformando o Presidente da
República em imperador do país, com funções parlamentares.
(...) O Executivo usa e abusa das medidas provisórias, o
Legislativo não reage e o Judiciário dá uma interpretação
elástica ao conceito de urgência e relevância. (Machado,
2001)

Para Santos (1991), a medida provisória é incompatível com o


sistema presidencialista e, no Brasil, quase sempre, motivo de atrito
entre os poderes e de desequilíbrio das relações jurídicas. Segundo o
autor, o excesso de poder que ocorre na edição de medidas provisórias
leva ao estado de desordem, por ausência de legitimidade da ordem
jurídica por elas introduzida.

O Deputado Aécio Neves (pSDB-MG), então candidato à


Presidência da Câmara dos Deputados, afirma:

A primeira missão do Parlamento é legislar. A Constituição


de 1988 - que tinha um perfil parlamentarista - criou o
instituto das medidas provisórias, sucedâneo dos decretos-leis
do período autoritário. Em conseqüência, o Poder Executivo
vem-se valendo disso para (não cabe aqui discutir intenções
nem resultados) retirar do Parlamento a sua razão primeira
de ser. (Neves, 2001)

Marinho (1996) constata que os chefes do Poder Executivo


têm abusado das medidas provisórias. O jurista alega que a edição e a
reedição de MPs, muitas com alterações, mostram o grau de arbítrio
com que têm sido usadas. Lembra que até medidas rejeitadas pelo
Congresso Nacional foram reeditadas. Ao defender uma proposta de
emenda constitucional que coibia os excessos praticados, Marinho
afirma que é imperioso contê-las [MPs] na dimensão de poder
limitado, próprio do Estado de Direito.

12
Bicudo (1995) denuncia que, na questão do uso das medidas
provisórias, o Poder Executivo invadiu a competência do Poder
Legislativo. A invasão de um poder nas áreas que não lhe são próprias
configura uma balbúrdia intolerável, que pode redundar numa crise
capaz de destruir o Estado Democrático de Direito.
A medida provisória é importante instrumento que permite
ao Presidente da República agir em situações emergenciais, para
preservar o bem-estar social e para que o cidadão não seja submetido a
perigo. Apesar de se adequar mais ao sistema parlamentarista, como
se verá neste trabalho, também pode funcionar no presidencialismo.
Contudo, para o seu emprego adequado, indispensável é o efetivo
funcionamento de mecanismos de controle institucionais.
A importância deste trabalho reside na relevância da
identificação e análise dos abusos cometidos, bem como das suas
causas circunstanciais, com vistas a melhor compreender o fenômeno,
na busca de formas de impedir a sua ocorrência. Pretende-se
demonstrar que, no periodo da promulgação da Carta de 1988 até a
edição da Emenda Constitucional n° 32, de 2001, que regulamentou
a utilização de MPs, o Poder Executivo, em diversas ocasiões,
usurpou a função constitucional do Legislativo de fazedor de leis,
interferiu no Judiciário e desrespeitou direitos e garantias da
Constituição, atentando contra a democracia.

13
2. MEDIDA PROVISÓRIA: O INSTRUMENTO E SEU USO

2.1 Antecedentes da medida provisória

2.1.1 O decreto-lei

2.1.1.1 Alemanha: dura experiência

Os decretos-leis surgem na Alemanha em 1850 para serem


utilizados em casos de necessidade ou de emergência. Também são
permitidos pela Constituição de Weimar de 1919. Sua utilização
abusiva por Hitler fez com que o instituto do decreto-lei fosse abolido
pela Constituição de Bonn de 1949, que criou em seu lugar a
declaração de estado de necessidade legislativa.
A partir de então, quando um chanceler não obtém o voto de
confiança do Parlamento, que rejeita projeto de lei declarado urgente
por ele, o Presidente da República pode mantê-lo no poder se
conseguir o apoio do Conselho Federal, composto por representantes
das unidades da federação (que corresponde ao nosso Senado
Federal), para declarar o estado de emergência legislativa. O projeto é
novamente submetido à Câmara dos Deputados. Caso ele seja
rejeitado mais umà vez, seja aprovado de forma inaceitável pelo
governo ou não seja convertido em lei em quatro semanas, o
Presidente da República pode promulgar a lei, se com ela
concordarem os representantes do Conselho Federal.
Santos (1991, p. 886) pondera:

Contudo, há limites materiais e formais. O estado de


emergência legislativa não pode durar mais de seis meses com
o mesmo chanceler. Não se pode atentar contra a Lei
Fundamental nem contra os direitos fundamentais através de
projetos de lei aprovados sob esse regime. Aliás, segundo
Michel Fromont e Alfred Ring, esse regime jamais teve
oportunidade de ser aplicado.

15
2.1.1.2 França: moderado uso das ordenanças

As Constituições francesas de 1799 e de 1814 criaram os


decretos de necessidade para serem utilizados em ocasiões de risco
para as instituições. A Constituição francesa de 1830 impediu o rei de
editar decretos com força de lei.

Durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, os


decretos-leis foram largamente utilizados, o que levou o constituinte
de 1946 a suspender o instituto. Contudo, em 1948, uma lei instituiu
as diretrizes legais, que dispunham sobre princípios gerais, cabendo ao
Poder Executivo editar decretos regulamentares, que se tomariam
definitivos ante o silêncio do Poder Legislativo. Caso houvesse
oposição, a competência de regulamentar voltaria ao Legislativo.

A mesma lei que instituiu as diretrizes legais permitiu a


repartição do poder regulamentar, típica do Poder Legislativo, com o
Poder Executivo, de acordo com a matéria tratada. O limite dessa
regulamentação era feito pelo Legislativo.

Em seguida, apesar de proibidos, recomeçaram a surgir os


decretos-leis.

Hoje, ainda está em vigor o texto da Constituição de 1958, que


instituiu três espécies de ordenanças, além dos regulamentos
autônomos e de complementação.

A primeira ordenança, do art. 38, permite que o Governo


solicite ao Parlamento autorização para, durante prazo fixo, editar
medidas reservadas à lei. Elas entram em vigor a partir de sua
publicação, tomando-se caducas se não for enviado projeto de lei de
ratificação ao Parlamento em prazo definido pela lei de habilitação.
Findo esse prazo, as ordenanças só podem ser modificadas por lei, nas
matérias do domínio da lei.

O segundo tipo de ordenança é a prevista no art. 47 da


Constituição de 1958. O Governo pode se utilizar dela para pôr em
vigor projeto de lei orçamentária que o Parlamento tenha deixado de
apreciar no prazo de 60 dias. Para esse tipo de ordenança, não é

16
necessária a autorização legislativa, uma vez que aquela decorre de
uma autorização direta da Constituição.
Por fim, há as ordenanças do art. 16, que concede ao
Presidente da República poderes extraordinários, inclusive
legislativos, em caso de estado de emergência. Apesar dos amplos
poderes conferidos ao Presidente, as ordenanças só são permitidas
após consultados o primeiro-ministro e os presidentes do Senado, da
Assembléia Nacional e do Conselho Constitucional. Não há limitação
com relação às matérias.
Estas ordenanças só foram utilizadas uma vez, no ano de 1961,
para pôr fim a uma rebelião de oficiais na Argélia, que tentavam
estabelecer um governo paralelo.
Além das ordenanças, há ainda os regulamentos autônomos
e de complementação. Aqueles são normas primárias; estes visam
complementar as diretrizes legais, que possuem apenas princípios
gerais.

2.1.1.3 Portugal: um instituto limitado

A atual Constituição portuguesa, de 1976, institui três espécies


de decreto-lei:

a) os decorrentes de competência legislativa originária ou


independente - são aqueles de competência concorrente
do Poder Executivo com o Poder Legislativo;
b) os decorrentes de competência legislativa derivada ou
dependente - são aqueles que tratam de matérias
reservadas à Assembléia da República e sobre as quais o
Governo somente pode editar decretos-leis mediante
delegação;
c) os oriundos de competência legislativa exclusiva do Poder
Executivo.

17
A Assembléia da República, além de possuir a competência de
dispor sobre as matérias reservadas pela Constituição, pode também,
quanto às outras, reservar para si a fixação de princípios gerais,
reduzindo ainda mais o campo de atuação do Poder Executivo, no
âmbito da competência legislativa concorrente.
Outro aspecto que limita a atuação do governo é que o
decreto-lei só pode ser editado pelo Conselho de Ministros, o que
propicia a responsabilidade solidária. Além disso, as leis de delegação
cessam seus efeitos: a) quando revogadas; b) com a sua utilização pelo
governo; c) com a demissão do governo ao qual tenha sido feita
a delegação; d) com o término da legislatura; e) no caso de a
Assembléia editar lei regulamentando matéria objeto de delegação,
quando há revogação implícita desta.
Portanto, a Constituição portuguesa impõe limitações materiais
à edição de decretos-leis e não faz referência a requisitos de urgência,
relevância ou de necessidade premente. Santos (1991, p. 893) alerta
para o perigo que isso representa:

A experiência de mais de um século demonstrou que essas


experiências tão largas dão sempre ensejo ao arbítrio,
convertendo o governo em legislador normal, em vez do
Parlamento, que ficará quase sempre em segundo plano no
atinente ao exercício do poder de editar as leis.

2.1.1.4 Espanha: parlamentarismo monárquico

A Espanha é uma monarquia parlamentarista, de reinado


hereditário. O governo é composto pelo Presidente, pelo
Vice-Presidente e pelos ministros. As Cortes Gerais representam o
povo espanhol, e compõem-se de Congresso dos Deputados e Senado.
Santos (1991, p. 158-162) descreve detalhadamente o
funcionamento do regime parlamentar espanhol. No início de cada
legislatura, o rei propõe, por intermédio do Presidente do Congresso
dos Deputados, o nome de um candidato ao cargo de presidente do
governo. O candidato expõe ao Congresso o seu programa de governo

18
e pede o voto de confiança, que deve ser aprovado por maioria
absoluta, em primeira votação, ou por maioria simples, em segunda
votação. Caso rejeitado, sucessivas propostas devem ser submetidas
ao Congresso até que alguém consiga a aprovação.

Se nenhum candidato conseguir o voto de confiança em dois


meses, a partir da primeira votação, o rei dissolverá as Câmaras e
convocará novas eleições, com o referendo do Presidente do Congresso.
No caso de perda de confiança do Parlamento, o governo deve
apresentar seu pedido de demissão, sendo convocadas eleições gerais.

O presidente do governo, ouvido o Conselho de Ministros,


pode solicitar uma moção de confiança para o seu programa de
governo ou para uma decisão política. O Congresso pode outorgá-la,
por maioria simples.

Se o Congresso negar confiança ao governo, este deve pedir


sua demissão ao rei. Em seguida, o partido majoritário no Parlamento
deve indicar novo presidente do governo.

A moção de censura pode ser aprovada pelo Congresso, por


maioria absoluta, desde que proposta por, no mínimo, um décimo dos
deputados. A moção deve indicar o nome de um candidato à
presidência do governo, que será nomeado pelo rei.

O presidente do governo, mediante prévia deliberação do


Conselho de Ministros e desde que não esteja em tramitação uma
moção de censura, pode propor ao rei a dissolução do Congresso, do
Senado ou das Cortes Gerais. O decreto de dissolução fixará a data
das novas eleições. Não se pode proceder a nova dissolução antes de
transcorrido um ano da dissolução anterior, exceto no caso, já citado,
de que não seja aprovado o programa de um candidato a presidente do
governo no início da legislatura, após transcorridos dois meses da
primeira votação.

O regime parlamentarista, por sua própria natureza, permite


maior responsabilidade no uso do decreto-lei. E este é um dos principais
motivos por que não ocorre seu uso abusivo na Espanha. Outro fator
que dificulta o abuso é o art. 86 da Constituição espanhola de 1978, que

19
prevê a utilização do decreto-lei apenas em caso de extraordinária e
urgente necessidade. Esses pressupostos devem ser avaliados pelo
Parlamento, que se utiliza de critérios políticos. Entretanto, essa decisão
está sujeita ao controle do Tribunal Constitucional.
Um terceiro aspecto a ser considerado é quanto às limitações
temáticas para a edição de decreto-lei: é vedado o seu emprego em
matérias referentes aos direitos, deveres e às liberdades do cidadão; ao
ordenamento das instituições básicas do Estado; ao regime das
Comunidades Autônomas e o Direito Eleitoral Geral.
Editado, o decreto-lei deve ser submetido imediatamente ao
Congresso dos Deputados, que é convocado se não estiver reunido.
No prazo de trinta dias, o Congresso deve ratificar ou derrogar o
decreto-lei. Este, ratificado, pode tramitar como projeto de lei pelo
procedimento de urgência, desde que requerido por parlamentares,
podendo ser emendado, exceto em sua totalidade, caso que resultaria
em sua devolução. Não havendo solução sobre o decreto-lei no
período de trinta dias, este perde eficácia ex nunc, não afetando os atos
praticados durante a sua vigência. Se, por outro lado, a decisão for
contrária, o decreto-lei é derrogado, também com efeito ex nunc.
A ratificação do decreto-lei não produz uma lei, visto que até
então só se tem o pronunciamento de uma das Câmaras, mas a
habilitação do instrumento legislativo no que diz respeito aos
pressupostos de extraordinária e urgente necessidade. A lei só surge
com a sua publicação no Boletim Oficial do Estado.
Se o Congresso não adotar decisão alguma no prazo de trinta
dias, o decreto-lei perderá toda a eficácia, pois só a ratificação poderia
tirar dele a provisoriedade que o caracteriza quando editado.
Devido ao fato de a Espanha ser uma monarquia parlamentarista,
em que o rei possui a competência de dissolver o Parlamento e o
governo, conforme o caso, e de as limitações à edição de decretos-leis
estarem expressas na Lei Maior, não há grandes problemas no seu uso.
Em caso de crise, o regime parlamentarista permite um pronto retorno
à estabilidade política, visto que, após a dissolução do governo, o
partido majoritário sempre indica o novo presidente.

20
2.1.1.5 Itália: a agilidade necessária

Tendo em vista que o instituto da medida provisória brasileiro


foi inspirado no modelo da Itália (Ferreira apud Santos, 1991), faz-se
necessário o conhecimento mais pormenorizado da história do
decreto-lei naquele país.
Os primeiros decretos-leis na Itália foram expedidos na
monarquia constitucional. O Estatuto Albertino, que regeu o reino
Sardo-piemontês e depois o reino da Itália, não previa a adoção dos
decretos-leis, antes a proibia expressamente, porquanto o art. 6°
somente habilitava o rei a emanar os decretos e regulamentos
necessários para a execução das leis, sem suspendê-las ou dispensar
sua observância (Giuseppe Vieste apud Santos, idem). Apesar dessa
restrição, os decretos-leis foram muito utilizados. Para isso,
interpretaram de modo forçado o art. 6°, alegando até que ele não
possuía a palavra jamais.
Data de 1843 o primeiro decreto-lei italiano, que tomou o
n° 738. Até 1914 o uso do decreto-lei foi moderado. A partir de então,
devido às necessidades advindas com a Primeira Guerra Mundial,
houve grande uso. Para tentar frear, o legislador fascista aprova, em
janeiro de 1926, a Lei n" 100, que permitia ao governo baixar normas
com força de lei e a expedir por decreto real, também sem delegação
das Câmaras, normas com força de lei, quando ocorressem casos
extraordinários de necessidade e urgência. Estes requisitos só se
submetiam ao controle político do parlamento.
Como o uso do decreto-lei continuou grande, o legislador
limitou sua adoção a casos em que haja o estado de necessidade
por causa de guerra ou em que sejam necessárias urgentes medidas
de caráter financeiro ou tributário. Apesar disso, o decreto-lei
continuou sendo o meio ordinário de legiferação. Santos (ibidem)
denominou esse uso de orgia que atingia o ridículo e ignorava os
mais elementares limites do bom senso, e que continuou até o
desmoronamento da ditadura legalizada.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, o constituinte italiano
previu o decreto-lei, a ser utilizado em casos de extrema urgência,

21
para atender situações imprevistas e excepcionais. Mariotti (1999,
p. 40) destaca as seguintes características básicas do decreto-legge:
a) a existência de uma situação de necessidade; b) a ser enfrentada
com urgência; c) por medidas do Executivo com força de lei; d) que
deverão ser submetidas posteriormente ao parlamento.
A Constituição italiana de 1947 trata dos decreti-leggi nos
seguintes termos:

Art. 77. O governo não pode, sem delegação das Câmaras,


editar decretos com valor de lei ordinária.

Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o


governo, sob sua responsabilidade, adotar medidas provisórias
com força de lei, deverá, no mesmo dia, submetê-las para efeito
de conversão às Câmaras, as quais, se dissolvidas, são
convocadas para essefim e reúnem-se em cinco dias.

Os decretos perdem a eficácia desde o início se não forem


convertidos em lei nos sessenta dias posteriores à sua
publicação. As Câmaras, todavia, podem regular por lei as
relações jurídicas decorrentes dos decretos não convertidos.
(Cleve,1999,p.32)

Apesar de não haver limites materiais à edição dos decreti-leggi


no lugar de lei ordinária, a doutrina incorporou o consenso de que não
caberia ao governo utilizá-los para dispor sobre matérias insuscetíveis
de delegação legislativa, matéria eleitoral, autorização para emitir leis
delegadas (decreti legislativi), autorização para o Chefe de Estado
ratificar tratados internacionais e matéria orçamentária.

Apesar disso, a utilização dos decreti-leggi por parte dos


sucessivos governos foi se intensificando. Constatou-se que começava
a haver abuso na sua utilização. A providência só surgiu após decisão
da Corte Constitucional na sentença n" 30211988 (reI. Baldassare), em
uma questão conexa a um decreto-legge reiterado nove vezes:
(..) como princípio, a reiteração de decreti-leggi suscita
graves dúvidas relativamente aos equilíbrios institucionais e

22
aos princípios constitucionais, tanto mais graves em razão de
os efeitos surgidos com fundamento no decreto reiterado
terem sido ressalvados, não obstante a decadência ter-se
verijicado por obra dos decretos sucessivamente produzidos.
Diante dessa exigência a Corte faz votos de que se produzam
rapidamente as reformas necessárias para evitar o
esvaziamento do significado dos preceitos contidos no
art. 77 da Constituição. Ao mesmo tempo, todavia, não pode
escusar-se, como no presente julgamento, de destacar as
violações à Constituição devidas à reiteração dos decretos.
(Mariotti, 1999, p. 45-46)
Em resposta à sugestão judicial, o parlamento aprovou a
Lei n" 400, de 23 de agosto de 1988, cujo art. 15 veda a edição
de decreti-leggi para: a) conceder delegações legislativas; b) dispor
sobre matéria constitucional e eleitoral, autorizar a ratificação de
tratados internacionais, aprovar orçamentos e prestação de contas
orçamentárias; c) renovar as disposições de atos cuja conversão em lei
tenha sido negada, ainda que por uma só das Câmaras do Parlamento;
d) repristinar disposições que a Corte Constitucional tenha declarado
ilegítimas por vícios substanciais ou de competência; e) regular as
relações jurídicas decorrentes dos atos não convertidos em lei.

Essa legislação, contudo, não foi suficiente para deter o ímpeto


legiferante do governo italiano, como mostra a seguinte tabela:
Tabela 1
Edição de decreti-leggi na Itália - 1988-1994
Ano Decretos
1988 102
1989 103
1990 069
1991 077
1992 142
1993 258
1994 327
Fonte: Mariotti (1999, p. 49).
Nota: No ano de 1994, os decreti-leggi novos (excluídas as reedições)
representaram 63,7% da produção legislativa total.

23
A solução só vina a partir de 1995, quando a Corte
Constitucional da Itália, revogando entendimento anterior, decidiu ser
inconstitucional a reedição de qualquer medida provisória. A seguir,
em 1997, o Parlamento modificou a redação original da Constituição
italiana, limitando a edição de medidas provisórias aos casos de segurança
nacional, calamidadepública e normas financeiras (Castro, 2000).

2.1.1.6 O decreto-lei no Brasil

Todas as Constituições do Brasil promulgadas em períodos


democráticos (1824, 1891, 1934 e 1946) não permitiam ao Presidente
da República a competência de editar as chamadas medidas com força
de lei. Já as Constituições surgidas nas ditaduras (1937, 1967 e 1969)
contemplavam a figura do decreto-lei.

A Constituição de 1937 nunca entrou em vigor, uma vez que


não houve reunião do Congresso Nacional durante o Estado Novo. O
Presidente da República exerceu a competência legislativa da União.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Constituição de 1946 refletiu os
pactos políticos firmados, que tinham o objetivo de impedir que
tiranos tivessem um poder imperial. Assim, não previu a edição de
medidas provisórias.

Com o regime militar de 1964, começou a surgir uma


legislação que privilegiava o Executivo na atividade legislativa. Em
abril de 1964, foi editado o Ato Institucional n° 1, que: fixava o prazo
de 30 dias para a aprovação dos projetos de Emenda Constitucional
oriundos do Poder Executivo, reduzindo o quorum para sua aprovação
para maioria absoluta, contra os dois terços estipulados na Carta de
1946; facultava ao Poder Executivo o envio de projetos de lei sobre
qualquer matéria, revogando a exclusividade do Legislativo na
iniciativa legal sobre determinados assuntos; estabelecia prazo de 30
dias para a apreciação de projetos enviados pelo Executivo à Câmara
dos Deputados e ao Senado Federal- no caso de projetos declarados
urgentes, o prazo era reduzido para 30 dias nas duas Casas, findos os
quais os projetos seriam considerados aprovados por decurso de
prazo; concedia ao Executivo a exclusividade da iniciativa de leis
que criassem ou aumentassem despesa pública e proibia o
24
Legislativo de acrescentar emendas que implicassem aumento de
despesa. O decurso de prazo foi uma prática que vigorou até a
Constituição de 1988.
Em outubro de 1965, foi editado o Ato Institucional n° 2, que,
além de repetir os dispositivos relativos às emendas constitucionais e à
aprovação de projetos de leis oriundos do Executivo, mantinha a
competência exclusiva do Poder Executivo para a iniciativa legal
sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos, aumentos de
vencimentos ou despesas públicas e fixação dos efetivos das Forças
Armadas, proibindo também emendas tendentes ao aumento de
despesas. Autorizava ainda o Executivo a emitir atos complementares
ao AI-2, bem como decretos-leis sobre matérias de segurança
nacional ou, no caso de o Poder Executivo decretar recesso
parlamentar, legislar por meio de decretos-leis em todas as matérias
previstas na Constituição e na lei orgânica.
Em 26 de novembro de 1965, o Congresso Nacional aprovou a
Emenda Constitucional n" 17, proposta pelo Executivo, que, dentre
outras coisas, fixava em 45 dias o prazo para tramitação, em cada casa
do Congresso, dos projetos de lei oriundos do Poder Executivo.
A Constituição de 1967 inova ao permitir as leis delegadas e
os decretos-leis. Conforme o seu art. 58, o Presidente da República
estava autorizado a expedir decretos com força de lei especificamente
sobre segurança nacional e finanças-públicas. O texto entrava em
vigor com a publicação, tendo o Congresso o prazo de 60 dias para
aprovar ou rejeitar, não podendo emendá-lo. Caso o decreto não fosse
apreciado nesse prazo, o texto seria tido como aprovado.
No ano seguinte, foi editado o Ato Institucional n" 5, que
inaugurou o mais longo recesso parlamentar depois do Estado Novo.
Em 1969, a ditadura militar - que substituíra o Presidente Costa e
Silva - emite a Emenda n" 1 à Carta de 1967, na verdade uma nova
Constituição, ampliando a abrangência do decreto-lei. Além disso,
dilatou o prazo de apreciação de veto pelo Congresso Nacional para
45 dias e determinou que, caso não fosse apreciado nesse prazo, o veto
seria mantido. O art. 55 determinava:

25
o Presidente da República, em casos de urgência ou de
interesse público relevante, e desde que não haja aumento
de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes
matérias: I - Segurança Nacional; 11 - Finanças Públicas,
inclusive normas tributárias; e 1lI - criação de cargos
públicos e fixação de vencimentos.
Posteriormente, o Executivo sairia ainda mais fortalecido em
detrimento do Congresso Nacional. Em 1977, o Presidente Ernesto
Geisel impõe o denominado Pacote de Abril. Tratava-se de um
conjunto de emendas à Constituição e decretos-leis que alteraram as
legislações eleitoral e partidária.
Pessanha (1995, p. 291) chama a atenção para o fato de que
todas as alterações ocorridas no período do regime militar sempre
beneficiaram o Poder Executivo, no que diz respeito à iniciativa da
produção legal no país:
A ampliação do poder de legislar do Executivo não foi
acompanhada por uma correspondente capacidade de
controle e fiscalização do Congresso. Paralelamente ocorreu
a neutralização do Judiciário, ora com a suspensão das
garantias inerentes ao poder de julgar pelos atos
institucionais, ora dificultando o acesso à justiça pelo
monopólio das ações de inconstitucionalidadepelo Ministério
Público, até 1988 diretamente subordinado ao Executivo. O
controle do eleitorado sobre o Poder Executivo tomou-se
inexistente, com a suspensão das eleições diretas em 1965, e
extremamente débil sobre o Legislativo, devido às constantes
mudanças nas regras do jogo mediante a introdução de
casuísmos na legislação eleitoral e partidária.
Como resultado, o referido autor revela que, de 1965, quando
foi criado o decreto-lei, até outubro de 1988, em que foi extinto, a
proporção entre a legislação ordinária e o número de decretos-leis só foi
maior que 2:1 em dois anos: 1965 (330:1) e em 1986 (3:1). Em três
anos a produção entre as duas foi idêntica, e em cinco anos a legislação
extraordinária suplantou a ordinária. Esses números revelam a grande
quantidade de decretos-leis editados no período da ditadura.
26
Por outro lado, o perfil da iniciativa legal, que ou era
equilibrado ou revelava vantagem do Legislativo sobre o Executivo,
alterou-se significativamente após 1964. Até o ano de 1988, nunca a
iniciativa do Legislativo foi superior a 30% de toda a produção legal.
Os decretos-leis só foram extintos com a promulgação da
Constituição de 1988. Pensou-se que, com a extinção desse instrumento
e a criação da medida provisória, estar-se-ia inaugurando novo tempo.
Contudo, a realidade mostra que não foi bem isso o que aconteceu.

2.2 Medidas provísõrías no Brasil


2.2.1 A Constituição de 1988: o sonho parlamentarista
a) A discussão
Os debates na Assembléia Nacional Constituinte de 1988
centraram-se na necessidade de abolir o decreto-lei, que deixava o
Congresso Nacional em segundo plano, devido à possibilidade de ser
considerado aprovado por decurso de prazo, sem deliberação pelo
Parlamento.
Por outro lado, os constituintes tinham consciência da
importância de dotar o Poder Executivo com um instrumento que
possibilitasse agilidade na edição de uma norma, em casos excepcionais.
Esse entendimento decorreu principalmente da constatação de que o
Poder Legislativo era moroso para deliberar sobre matérias e, portanto,
poderiam ocorrer graves conseqüências em casos de urgência. Foi o
que demonstrou, por exemplo, o Deputado Egídio Ferreira Lima
(pMDB-PE) (apud Figueiredo, 1999, p. 130), relator da Comissão da
Organização de Poderes e Sistema de Governo:

Na feitura do anteprojeto do Legislativo, desde o laborioso


trabalho do relator, o constituinte José Jorge, com o fluxo
das sugestões dos integrantes da subcomissão, houve uma
atormentante e fértil preocupação de torná-lo célere e
eficiente, escoimando-o de suas históricas deficiências.
Tanto no relatório da Subcomissão do Poder Legislativo como
no Relatório da Comissão da Organização de Poderes e Sistema de

27
Governo foi abolido o decreto-lei e criado um instrumento inspirado
pela Carta italiana de 1948, que, além de democrático, pretendiam os
constituintes, fosse fator de modernização e rapidez na ação
administrativa nos casos de importância e urgência.
o aspecto democrático referia-se ao fato de que, com a medida
provisória, esperava-se não mais haver o freqüente abuso na utilização
de um instrumento excepcional, como ocorreu com o decreto-lei.
O que explica o abuso é o fato de que quanto maior o número
de edições de decretos-leis pelo Poder Executivo, menor seria a
chance de o Legislativo deliberar sobre eles no prazo de 60 dias, e,
conseqüentemente, maior a probabilidade de serem aprovados por
decurso de prazo (Figueiredo, op. cit.). Com a medida provisória,
ao contrário, o silêncio do Congresso durante o prazo de 30 dias
significaria a perda da eficácia ex tunc.
A medida provisória esteve presente em todos os relatórios
constituintes até ser apreciada no plenário. O sistema que então
constava no projeto constitucional era o parlamentarismo. O texto que
foi ao plenário para votação era o seguinte:
Art. 76. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República, por solicitação do primeiro-ministro, poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo
submetê-las de imediato, para conversão, ao Congresso
Nacional, que, estando em recesso, será convocado
extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso
Nacional disciplinar as relaçõesjuridicas delas decorrentes.
[grifo nosso]
No dia 19 de março de 1988, na votação em primeiro turno,
inscreveram-se para falar contra a proposta, os constituintes Adylson
Motta (PDS-RS) e Michel Temer (PMDB-SP); e a favor, os
constituintes Egídio Ferreira Lima (PMDB-PE) e Nelson Jobim
(pMDB-RS). Motta e Temer argumentaram que a medida provisória
28
reproduzia o decreto-lei e traria como conseqüências: a diminuição da
capacidade de legislar do Poder Legislativo e o ressurgimento de uma
medida de conteúdo extremamente autoritário, nascida nos regimes
fascistas (Covas, 1991).
O Deputado Egídio Ferreira Lima contra-argumentou:
(. ..) Isto não é um decreto-lei que imperou durante toda a
ditadura. Isto é um mecanismo indispensável ao funcionamento
de um regime democrático. (..) A medida provisória com
força de lei tem 30 dias para ser votada e, se não o for, estará
rejeitada. (Covas,op. cit.)
Em seguida, o Deputado Nelson Jobim assim se posicionou:

(..) Publicada a medida, em 30 dias esta Casa manifestar-se-á


ou não. Se se manifestar contrariamente, não se converterá
a medida provisória em lei. Se não se manifestar dentro de
30 dias, é absolutamente claro: As medidas provisórias
perderão sua eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de 30 dias. (. ..) E poderemos,
então, dentro de 30 dias, nesta Casa, conhecer e decidir sobre
a validade dessas medidas, que, se não forem convertidas em
lei, serão nulas, ineficazes todas as situações ocorridas
anteriormente. E o juízo político nos compete, e esta Casa
vigiará, de forma absoluta e com toda a sua força legislativa,
qualquer excesso que venha a ser praticado. A vigília desta
Casa será ou positiva para uma conversão, ou negativa pelo
silêncio em 30 dias. E a medida cairá desde a sua edição.
(Covas, idem)
O dispositivo foi aprovado em primeiro turno. Contudo,
posteriormente, ainda nesta etapa, não prosperou a idéia de se
implantar o parlamentarismo. Foi mantido o presidencialismo. Alguns
constituintes contrários à adoção da medida provisória diziam que
os poderes legislativos extraordinários do Executivo seriam mais
facilmente controlados no parlamentarismo, em que, caso uma medida
provisória fosse rejeitada pelo Parlamento, o gabinete seria derrubado
e novas eleições seriam convocadas. Argumentavam que haveria no
29
parlamentarismo uma co-responsabilidade entre o Executivo e o
Legislativo no processo de edição de medidas provisórias.

Após os dois turnos de votação, a redação final do artigo


referente à edição de medidas provisórias ficou assim:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da


República poderá adotar medidas provisórias, com força de
lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional,
que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente
para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia,


desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso
Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

o que se pode constatar dos debates ocorridos durante a


Constituinte é que o legislador pretendeu que o novo instrumento
criado fosse utilizado em casos excepcionais, sem que houvesse o
abuso verificado com o decreto-lei, freqüentemente aprovado por
decurso de prazo. Depreende-se também dos pronunciamentos a
impossibilidade de reedição das medidas provisórias, como bem frisou
o Senador Mário Covas (PSDB-SP), posteriormente, interpretando a
vontade dos constituintes:

(...) a única maneira de o dispositivo constitucional [parágrafo


único, do art. 62] ser atendido, ou seja, de o Congresso
regular as relações jurídicas de uma medida que perdeu a sua
eficácia desde a sua edição, é ela não poder ser reeditada, ou
contrariamente se criaria um moto contínuo pelo qual, a
despeito da perda da eficácia, em sucessivas reedições se
manteria intacto o fluxo. (Covas, ibidem)

b) As diferenças entre o decreto-lei e a medida provisória


Há diferenças significativas entre o decreto-lei e a medida
provisória, como ressalta Arruda Câmara (1991):

30
a) quanto aos pressupostos para a edição, a norma que regia o
decreto-lei utilizava-se da altemativa ou: urgência ou
interesse público; a medida provisória possui maior rigidez
normativa, pois somente pode ser editada em casos de
urgência e relevância (cumulativos);
b) quanto à matéria de que tratam, a norma do decreto-lei
restringia textualmente a sua edição aos seguintes assuntos:
segurança nacional; finanças públicas, inclusive normas
tributárias; criação de cargos públicos e fixação de
vencimentos; para as medidas provisórias, a norma não o
explicitava, estando as limitações dispersas por todo o texto
constitucional, que, segundo o autor, configuraria maior
rigidez para a sua edição;
c) os atos praticados na vigência de um decreto-lei rejeitado
pelo Parlamento são considerados válidos; já aqueles
praticados enquanto em vigor uma medida provisória
posteriormente rejeitada perdem a eficácia desde a edição;
d) o decreto-lei podia ser aprovado por decurso de prazo, se o
Congresso não o apreciasse em 60 dias; no caso das medidas
provisórias, o silêncio do Parlamento nos 30 dias de prazo
implicaria a perda da eficácia de suas normas ex tunc.
Em que pese a correta constatação de que as medidas
provisórias possuíam limitações dispersas por todo o texto
constitucional, não parece verossímil a opinião de Arruda Câmara de
que haveria maior rigidez para a edição de medidas provisórias, se
comparadas aos decretos-leis, visto que estes só poderiam tratar de
três matérias. Fosse aquela posição fato, o Congresso Nacional
não teria se ocupado de limitar materialmente a edição de medidas
provisórias com a Emenda Constitucional n° 32/2001. Na verdade, as
limitações materiais implícitas que vigoravam na Constituição foram
insuficientes para evitar o grande uso que o Poder Executivo fez das
MPs, como se irá demonstrar.

Pessanha (1995) acrescenta que os decretos-leis não podiam


ser emendados pelo Congresso, e que este apenas poderia aprová-los

31
ou rejeitá-los em bloco; já as medidas provisórias podem ser
emendadas.
Ferreira Filho (1992, p. 100-101) ressalta outras duas
diferenças: a) o decreto-lei não podia acarretar aumento de despesa;
a medida provisória pode; b) o decreto-lei resguarda melhor que a
medida provisória o valor, que é a segurança jurídica. O autor
explica que, embora as normas editadas pelo decreto-lei fossem
rejeitadas pelo Congresso, produziam efeitos válidos. A medida
provisória, caso rejeitada, tornaria sem efeito todos os atos praticados
em sua vigência. A dúvida sobre se as normas que uma MP impõe
serão convertidas em lei causa insegurança jurídica.
Podemos esquematizar essa comparação entre o decreto-lei e a
medida provisória, conforme o quadro que se segue.
Quadro 1
Diferenças entre decreto-lei e medida provisória
Critérios comparativos Decreto-lei Medida nrovisória*
Pressupostos Urgência ou interesse Urgência e relevância
público
Matéria Segurança nacional, Não há proibição
finanças públicas, criação expressa na
de cargos públicos e Constituição,
fíxacão de vencimentos mas implícita
Aumento de despesa Proibido Permitido
Emendamento Proibido Permitido
Prazo para o Congresso 60 dias 30 dias
votar
Decurso de prazo Aprova Causa a perda da
eficácia ex tune
Segurançajuridica Atos praticados são válidos Atos só são válidos se
a MP for convertida em
lei ou se o Congresso
convalidá-los
Renovação Permitida, inclusive se Permitida, se efetuada
rejeitado no prazo de 30 dias,
exceto se reieitada
Nota: *A comparação é feita com base na redação original do art. 62 da
Constituição, anterior à Emenda n° 32/2001.

32
2.2.2 A prática das medidas provisórias no Brasil
2.2.2.1 A regulamentação da tramitaSão das medidas provisórias

Promulgada a Constituição, logo em janeiro de 1989 os


congressistas perceberam a necessidade de uma norma que tratasse da
tramitação das medidas provisórias no Congresso Nacional. Isso
ocorreu por ocasião do Plano Verão, constante de nove MPs editadas
pelo governo José Sarney.

O Regimento Comum do Congresso, ainda desatualizado


perante a nova Carta, não permitia apresentação de emendas às
medidas provisórias, à semelhança do que ocorria com o decreto-lei.
O fato causou revolta em muitos parlamentares, que não admitiam
somente a possibilidade de aprovação ou rejeição das MPs.

O Deputado Gastone Righi, então Líder do PTB na Câmara


dos Deputados, assim avaliou essa situação:

A Constituinte, ao derrogar a existência do decreto-lei,


acabou por compreender, e o fez no entendimento das
lideranças, que alguma medida de urgência, sobre assuntos
realmente relevantes, permanentes, de necessidade absoluta,
teria de existir, até mesmo na hipótese do recesso do
Congresso. E foi então que, mesmo proclamando um
novo sistema político democrático, com o fortalecimento
do Legislativo, permitimos a introdução desse fenômeno
teratológico do direito que são as medidas provisórias. (...)
Contudo, assistimos aqui à falência desse próprio poder. É o
poder que se emascula, que se torna eunuco e, na verdade, se
aliena de um poder que lhe é implícito: o da participação e da
influência legislativa. Voltamos ao maniqueismo absoluto:
ou sim ou não, ou tudo ou nada, ou branco ou preto, ou
aprovamos as medidas ou as recusamos. (Righi apud
Figueiredo, 1999,p. 137-138)

Para contornar a impossibilidade de apresentação de emendas


às medidas provisórias, o PSDB, PFL, PMDB, PDS e PTB alteraram o

33
CÂMARA DOS DEPUTADOS· CEDI· BIBUOTECA
Regimento Comum, permitindo emendas supressivas. O problema foi
parcialmente resolvido.

Em 21 de fevereiro de 1989, no governo Sarney, o Congresso


Nacional foi surpreendido com a reedição da MP n" 29, passando a ser
a MP n° 39, que tratava da organização da Presidência da República e
dos Ministérios. O então Presidente do Congresso Nacional, Senador
Nelson Carneiro, nomeou uma comissão para elaborar parecer quanto
à constitucionalidade da reedição. O Parecer n" 1/89, da Comissão
Mista (DCN - 1° de março de 1989), cujo relator foi o Deputado
Nelson Jobim (pMDB-RS), permitiu a reedição de medida provisória
que tivesse perdido eficácia.

Na mesma data, o então Senador Fernando Henrique Cardoso


apresentou projeto de resolução para regulamentar a tramitação de
medidas provisórias. O relator Nelson Jobim ofereceu parecer
contrário ao dispositivo que proibia a reedição de medidas provisórias
que tivessem perdido eficácia. Seu argumento era de que caberia à lei
complementar regular essa matéria. Em seguida, o artigo foi rejeitado
pelo plenário, e a Resolução, que recebeu o n° 1, de 1989, aprovada. O
próprio Congresso Nacional foi o primeiro a possibilitar as constantes
reedições de MPs por parte dos Presidentes da República.

a) Natureza jurídica e processo legislativo

Temer (2000, p. 151) esclarece que a medida provisória não é


lei, é ato que tem força de lei, pois a MP não é fruto de representação
popular. Lei é ato nascido no Poder Legislativo. Embora tal
instrumento emane de uma só pessoa, o Presidente da República,
vigora no exato instante em que é editada e cria direitos e obrigações.
Para que uma MP seja editada, faz-se necessário que a matéria nela
tratada respeite os requisitos constitucionais de relevância e urgência.

De acordo com o texto constitucional anterior à EC 32/2001, a


tramitação de medida provisória era a seguinte: editada, a MP era
submetida de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em
recesso, deveria ser convocado para reunir-se extraordinariamente em
cinco dias. Caberia então ao Congresso apreciar se tinham sido

34
respeitados os pressupostos e, em seguida, aprovar ou rejeitar a MP
em 30 dias. Se não o fizesse, a MP perderia a eficácia ex tune e o
Congresso Nacional regularia as relações jurídicas referentes aos atos
praticados em sua vigência.

A aprovação de medida provisória sem alteração de texto a


converte em lei. Não há sanção, pois não há projeto. Contudo, se
houver alteração do texto, situação em que nasce o projeto de
conversão, então este irá à sanção presidencial, pois difere do texto
enviado pelo Chefe do Executivo.

A MP possui vigência temporária. Ao ser editada, suspende a


eficácia dos atos legislativos anteriores que conflitam com a MP
adotada (Ferreira, 1992, p. 290).

Por ser a medida provisória ato normativo com força de lei,


não é admissível seja retirada do Congresso Nacional a que foi
remetida para o efeito de ser ou não convertida em lei (STF, ADIMC
221,29/03/90).

As medidas provisórias podiam tratar de todas as matérias


reservadas à lei ordinária, com exceção das seguintes: a) aquelas
reservadas à lei complementar; b) as que não pudessem ser objeto de
delegação legislativa; c) a legislação em matéria penal; d) a legislação
em matéria tributária (Temer, 2000, p. 152).

No primeiro caso, não se poderia legislar por MP matéria


reservada por lei complementar, pois esta exige quorum de maioria
absoluta para sua aprovação, diferentemente da MP, aprovada por
maioria simples.

No segundo caso, o constituinte determinou que só por


delegação do Congresso Nacional o Presidente da República poderia
legislar sobre aqueles temas.

No terceiro caso, a proibição de edição de MP decorre da


impossibilidade de definição de crime ou aplicação de pena sem
prévia cominação legal (CF, art. 5°, XXXIX) e também da própria
transitoriedade característica da medida provisória.

35
No quarto caso, Temer (op. cit.) interpreta o texto constitucional
então em vigor, asseverando que a única possibilidade de sacar recursos
do patrimônio individual (propriedade) se daria por via de lei formal.'

Além desses casos citados por Temer, maior limitação para a


edição de medidas provisórias surgiu com as Emendas Constitucionais
n'" 6 e 7, de 1995, instituidoras do art. 246, que vedava a sua adoção
na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido
alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995.
Apesar dessas limitações, configurou-se no instituto da medida
provisória uma amplitude temática que motivou o seu grande emprego
por todos os governos.

A tramitação de MPs foi regulamentada pela Resolução n° 1,


de 1989, que assim determinava: no prazo de 48 horas da publicação
de medida provisória no Diário Oficial da União, a Presidência do
Congresso Nacional deve publicar e distribuir avulsos da MP adotada
pelo Presidente da República e designar comissão mista, formada
por sete senadores e sete deputados (redação dada pela Resolução
n° 2/89) e igual número de suplentes, para oferecer os pareceres de
admissibilidade e de mérito. Nas doze horas que se seguirem à
designação, a Comissão deve ser instalada, para a eleição do
presidente, vice-presidente e relator.

Nos cinco dias que se seguirem à publicação da MP, podem


ser apresentadas emendas, desde que não versem matéria estranha

3 O Supremo Tribunal Federal, em sede de liminar, admitiu a possibilidade de


instituição de tributos por medida provisória. Segundo o relator, Ministro Octávio
Gallotti, tendo força de lei, é meio hábil, a medida provisória, para instituir
tributos, e contribuições sociais, a exemplo do que já sucedia com os decretos-leis
do regime ultrapassado como sempre esta Corte entendeu. Ressalvou, contudo, a
necessidade de respeito ao princípio da anterioridade, consagrado no art. 150, Ill,
a, da Constituição (STF, ADIN 1.417-O/DF). Em decisão definitiva de mérito, o
STF novamente permitiu a instituição de tributos por medida provisória, mas
julgou parcialmente inconstitucional a MP n° 628, de 23/09/94, e suas sucessivas
reedições até a MP n° 1.482-34, de 14/03/97, que dispunham sobre as alíquotas de
contribuição para o plano de seguridade do servidor público civil, por não terem
respeitado o princípio da anterioridade (STF, ADIN 1.135-9/DF, 13/08/97).
36
àquela tratada na MP, sob pena de serem indeferidas liminarmente
pelo presidente da comissão. Desta decisão, cabe recurso, com o apoio
de três membros, ao plenário da comissão, que decidirá por maioria
simples.
A comissão tem o prazo de cinco dias, contados da publicação
da MP no Diário Oficial da União, para emitir parecer sobre a sua
admissibilidade total ou parcial, em cumprimento ao que dispõe o
art. 62 da Constituição a respeito dos pressupostos de urgência e
relevância. O parecer pode concluir pela admissibilidade ou não da
MP. No primeiro caso, caberá recurso ao plenário, com o apoio de um
décimo dos membros do Congresso Nacional, ou líderes que
representem este número. No segundo caso, será convocada uma
sessão conjunta, para que o plenário decida sobre a admissibilidade da
MP. A respeito desta sessão, assim dispõe o § 5° do art. 5° da
Resolução n" 1/89:

Se em duas sessões conjuntas, realizadas em até dois dias


imediatamente subseqüentes, o plenário não decidir sobre a
matéria, considerar-se-ão como atendidos pela Medida
Provisória os pressupostos de admissibilidade do art. 62 da
Constituição Federal.

Inadmitida a MP quanto aos pressupostos de urgencia e


relevância, será arquivada, cabendo à comissão mista a elaboração de
projeto de decreto legislativo, disciplinando as relações jurídicas
decorrentes da vigência da MP, com sua tramitação iniciada pela
Câmara dos Deputados.

Caso seja admitida, a comissão mista .deverá emitir parecer à


MP no prazo de 15 dias, contado de sua publicação no DOU, quanto
aos aspectos constitucional e de mérito. Em seu parecer, a comissão
pode emitir parecer pela aprovação total ou parcial, pela alteração da
MP ou pela rejeição; e, ainda, pela aprovação ou rejeição de emenda
apresentada ao seu texto. Se o parecer concluir pela alteração do
texto, a comissão deverá apresentar: a) projeto de lei de conversão;
b) projeto de decreto legislativo, disciplinando as relações jurídicas
decorrentes da vigência dos textos suprimidos ou alterados.

37
Se o parecer concluir pela inconstitucionalidade total ou
parcial da MP, o plenário decidirá a questão, em apreciação
preliminar.
Esgotado o prazo da comissão sem a apresentação de qualquer
dos pareceres (admissibilidade ou constitucionalidade emérito), o
Presidente do Congresso Nacional designará relator para oferecer
parecer em plenário, no prazo de 24 horas.
Aprovado o projeto de lei de conversão, seu texto será enviado
à sanção do Presidente da República. Sendo aprovada a MP sem
alteração, o seu texto será enviado em autógrafos ao Presidente da
República para publicação como lei.
Segundo o art. 17 da Resolução 1I89-CN, esgotado o prazo de
trinta dias, sem deliberação final do Congresso Nacional, a comissão
mista elaborará projeto de decreto legislativo, disciplinando as
relações jurídicas decorrentes, com sua tramitação iniciada na Câmara
dos Deputados.
Com essa regulamentação, o Congresso Nacional perdeu a
oportunidade de limitar a reedição de medidas provisórias e permitiu a
possibilidade de admissão de MP quanto aos pressupostos
constitucionais de relevância e urgência por decurso de prazo. Ambos
fatos contribuíram para o grande e questionável uso das medidas
provisórias, que daria ensejo mais tarde aos embates ocorridos entre
os três poderes.

b) A reedição
A questão da reedição de medidas provisonas ficou em
evidência, pela primeira vez, 'quando o Presidente Sarney, em
fevereiro de 1989, reeditou a MP n° 29, que tratava da organização da
Presidência da República. Como já exposto, o Congresso Nacional
analisou a possibilidade de reedição e o relator, Deputado Nelson
Jobim, no Parecer n° 1189, da Comissão Mista, em resposta a uma
consulta da Mesa do Congresso, opinou ser constitucional e jurídica a
reedição de MPs que tivessem perdido a eficácia. Posteriormente, o
próprio Congresso suprime, em votação, artigo do texto do projeto que

38
originou a Resolução n° 1/89, que proibia a reedição. Contudo, a
hipótese de reedição não estava ainda decidida. A dúvida era se a MP
rejeitada ou não apreciada pelo Congresso em trinta dias poderia ser
reeditada.
Em 22 de junho de 1989, o Presidente Sarney aprovou o
Parecer n° SR-92 (21/06/89), da lavra do então Consultor-Geral da
República, J. Saulo Ramos, para quem uma MP rejeitada ou não
apreciada pelo Congresso Nacional poderia ser reeditada. Tércio
Ferraz (1990, p. 94) criticou: A reedição de uma medida provisória
rejeitada faz tâbula rasa do princípio geral de que o Poder
Legislativo é exercido pelo Congresso, cuja decisão, neste ponto, tem
o caráter de última instância.
A questão da reedição de medida provisória já rejeitada foi
resolvida definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal, ao aprovar
o parecer do Ministro Celso de Mello no julgamento de liminar, na
ADIN 293-7/DF 4, ajuizada para impugnar dispositivos da MP n" 190,
de 31/05/90 (Collor), substancialmente idêntica à MP n° 185, de
04/05/90, que havia sido rejeitada pelo Congresso Nacional. Essa
decisão também se estende ao caso de reedição de MP convertida em

4 Conforme o inteiro teor da decisão do Supremo Tribunal Federal: Reedição de


medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional - As medidas provisórias
configuram, no Direito Constitucional Positivo brasileiro, uma categoria especial
de atos normativos primários emanados do Poder Executivo, que se revestem de
força, eficácia e valor de lei. Como a função legislativa ordinariamente pertence
ao Congresso Nacional, que a exerce por direito próprio, com observância da
estrita tipicidade constitucional que define a natureza das atividades estatais,
toma-se imperioso assinalar, e advertir, que a utilização da medida provisória,
por constituir exceção derrogatória do postulado da divisão funcional do poder,
subordina-se, em seu processo de conversão legislativa, à vontade soberana do
Congresso Nacional. A rejeição parlamentar de medida provisória, ou de projeto
de conversão, além de desconstituir-lhe ex tunc a eficácia jurídica, opera uma
outra relevante conseqüência de ordem político-institucional, que consiste na
impossibilidade de o Presidente da República renovar esse ato quase-legislativo,
de natureza cautelar. Modificações secundárias de texto, que em nada afetam os
aspectos essenciais e intrínsecos da medida provisória expressamente repudiada
pelo Congresso Nacional, constituem expedientes incapazes de descaracterizar a
identidade temática que existe entre o ato não convertido em lei e a nova medida
provisória editada. (STF, Acórdão, Dl 16/0411993.)
39
lei com sensíveis alterações em seu conteúdo, pois, por via oblíqua,
estar-se-ia indo de encontro à vontade soberana do legislador (Nobre
Júnior, 2000).
Quanto à caducidade da medida provisória não apreciada em
trinta dias, o STF decidiu, naquela oportunidade, que o fato não
configura modalidade de rejeição tácita, a impedir a sua renovação.
Estava aberto o caminho que possibilitou ao Poder Executivo
tomar perene a norma provisória, deixando o Legislativo em segundo
plano no processo de elaboração das leis. Isso acontecia porque, além
de reeditar MPs, em cada uma delas o Presidente convalidava os atos
praticados durante a vigência da MP anterior. Não interessava mais ao
Poder Executivo garantir quorum nas comissões mistas que
analisavam as medidas provisórias. Tomou-se, portanto, desnecessária
a participação do Poder Legislativo no processo de apreciação de
medidas provisórias.
Só em 1997 firmou-se jurisprudência de que a reedição
de uma medida provisória, na verdade, constitui uma nova medida,
pois a MP não convertida em lei perde a eficácia. (TRF/l a,
AMS-01.00.031847-4IMG,21/10/97.)

2.2.2.2 A medida provisória nos governos do Brasil: um balanço

Logo depois da promulgação da Constituição de 1988,


percebeu-se que as medidas provisórias careciam de uma
regulamentação que limitasse a sua edição. Essa visão originou-se da
constatação da grande freqüência com que esse poderoso instrumento
estava sendo utilizado, e não somente em casos excepcionais, como
pretendeu o constituinte.
A situação não se alterou nos governos que se sucederam. O
quadro seguinte mostra o número de medidas provisórias editadas
desde a sua criação pela Constituição promulgada em 5 de outubro
de 1998 até o dia 11 de setembro de 2001, data da promulgação da
EC n" 32:

40
Tabela n° 2
Medidas provisórias editadas pelos governos do Brasil- 1985-2001 *
Presidente MPs Média Média
N° de Meses Total
da Período originárias Mensal Reedições mensal
(A) (C)
Renública (B) (B/A) (CtA)
15/03/1985 a
José Sarney 17,3 125 7,22 22 147 8,49
14/03/1990**
Fernando Collor de 15/03/1990 a
30,5 89 2,92 70 159 5,21
Mello 01/10/1992
02/10/1992 a
Itamar Franco 27,0 142 5,26 363 505 18,7
31/12/1994
Fernando Henrique 01/01/1995 a
48,0 160 3,33 2.449 2.609 54,35
Cardoso (1° Gov.) 31/12/1998
Fernando Henrique 01/01/1999 a
33,3 103 3,09 2.586 2.689 80,75
Cardoso (20 Gov.) 11/09/2001***
TOTAL 156,1 619 3,96 5.490 6.109 39,13
Fome: www.planalto.gov.br
Notas: * Há pequenas diferenças entre a estatística de MPs que consta no si/e do Palácio do Planalto e a proveniente do
Levantamento de Medidas Provisórias (2000), editado pelo Senado Federal, contudo não são relevantes a ponto de
inverter a ordem dos governos na utilização de MPs, não comprometendo a análise feita.
** As medidas provisórias só foram editadas a partir de 05/10/1988.
*** A data não se refere ao término do mandato de Fernando Henrique, mas ao fim do período pesquisado.
Caso se leve em conta apenas o número de medidas
provisórias originárias editadas pelos Presidentes, excluídas as
reedições, constata-se que Sarney é o que possui a maior média
mensal (7,22), seguido por Itamar Franco (5,26), Fernando Henlique-
primeiro governo (3,33), Fernando Henrique -' segundo governo
(3,09) e Collor (2,92), totalizando 619 MPs. A explicação para a baixa
média de Collor é que, em 1990, o então Deputado Nelson Jobim
(pMDB-RS), com o apoio da OAB, apresentou um projeto de lei
complementar visando regular o uso das MPs. O projeto foi aprovado
na Câmara e, por falta de acordo, nunca foi votado no Senado. Porém,
apenas o debate em tomo do assunto foi suficiente para fazer com que
Collor não editasse um grande número de MPs.

As medidas provisórias eram, por vezes, reeditadas com


alteração de texto. Não raro, essa alteração consistia em uma nova
matéria incluída na reedição de uma medida provisória. Contudo, a
reedição em si de uma medida provisória com ou sem alteração de
texto é, de fato, uma nova MP, pois o texto da Constituição rezava
que, caso não fosse aprovada em 30 dias, perderia eficácia ex tune
(TRFll a, AMS-01.00.031847-4/MG, 21/10/97). Para Mariotti (1999)
não existe, a rigor, reedição de MP, mas edição de nova medida com o
mesmo conteúdo normativo.

Assim, considerando-se também as reedições, em números


absolutos, Fernando Henrique é o presidente que mais editou medidas
provisórias em seus dois governos (2.689 no segundo governo e 2.609
no primeiro), seguido por Itamar (505), Collor (159) e Sarney (147),
totalizando 6.109 MPs. Neste caso, a média mensal de MPs editadas
por governo passa a ser, em ordem decrescente: Fernando Henrique>-
segundo governo (80,75), Fernando Henrique - primeiro governo
(54,35), Itamar (18,7), Sarney (8,49) e Collor (5,21). Constata-se que,
no segundo governo de Fernando Henrique, ainda inacabado no
momento desta pesquisa, o número de reedições (2.586) já superava o
de todos os demais governos. Observa-se que, desde a promulgação da
Constituição de 1988, foram editadas 39,13 MPs por mês.

Ressalve-se o fato de que, em cada um dos seus mandatos,


Fernando Henrique é o presidente que governou mais tempo na

42
vigência da Constituição de 1988 (48 meses, no primeiro, e 33,3 no
segundo - correspondente ao período em análise), seguido por Collor
(30,5), Itamar (27) e Sarney (17,3). Isso explica o baixo número, na
média mensal, dos governos de Fernando Henrique, apesar do grande
uso que fez das medidas provisórias.
Se, por um lado, o Congresso Nacional foi crescentemente
deixando de votar as medidas provisórias a partir de 1993 (Figueiredo,
1999, p. 151), por outro lado, é forçoso reconhecer que a simples
reedição mantinha em vigor, indefinidamente, uma norma criada para
ter vigência por trinta dias, provocando insegurança jurídica e
constituindo fator de decréscimo da importância do Poder Legislativo
no processo da produção legal.
Outro aspecto a ser analisado são as áreas temáticas abrangida
pelas MPs editadas. Figueiredo (op. cit.) dividiu as medidas
provisórias editadas até 1995 em cinco áreas temáticas, como mostra a
tabela abaixo.
Tabela n° 3
Distribuição temática das
MPs por áreas e governos até 1995 - %
Presidente
da Econômica Admin. Social Política Homenagens Total
República
José
Sarney 52,0 30,4 16,0 0,8 0,8 100,0 (125)

Fernando
Collor 55,7 26,1 18,2 - - 100,0 (88)

Itamar
Franco 50,7 25,3 23,9 0,7 - 100,0 (142)

Fernando
Henrique 59,4 28,1 12,5 - - 100,0 (32)

TOTAL 52,9 27,1 19,1 0,5 0,2 100,0 (387)


Fonte: Figueiredo, idem, p. 146.

43
Como se pode verificar, a área econômica foi o maior alvo da
utilização de medidas provisórias. Devido às crises econômicas e à
inflação por que passou o país, essa preponderância é até justificáveL
Contudo, nas áreas administrativa e social, as MPs foram utilizadas de
forma bem mais ampla do que pretenderam os constituintes. Assim,
no plano administrativo, por exemplo, diversas iniciativas para
reestruturar o aparelho do Estado deixaram de ser formalizadas por lei
ordinária, como deveriam, pois regulavam matérias que não careciam
de urgência. O mesmo também aconteceu na área temática
Homenagens, que se refere somente à MP n° 105/89, editada por
Sarney, que inscreveu os nomes de Tiradentes e Deodoro da Fonseca
no Livro dos Heróis da Pátria.
Para Figueiredo (ibidem, p. 147), é incontestável que o
Poder Executivo exorbitou em suas atribuições legislativas
constitucionalmente definidas.

2.2.3 TIso, abuso e poderes da República: hipótese e metodologia

A teoria da separação dos poderes de Montesquieu visa limitar


o poder estatal e impedir que um poder se sobreponha a outro.
Contudo, atualmente, o seu significado não possui mais a visão
clássica organicista que só cuidava da igualdade. Hoje, além da
igualdade, existem os direitos sociais, cujo exercício pelos cidadãos
requer um Estado ágil. Assim, a teoria foi sendo modificada, e
incorpora também como objetivo a eficiência estatal (Nobre Júnior,
op. cit., p. 108).
A Constituição Federal de 1988 já adota o novo significado da
teoria da separação dos poderes e determina no art. 2°: São poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. Esse princípio é básico para o eficaz
atendimento do cidadão, pois, com independência, evitam-se
arbitrariedades, e com harmonia, há interação entre os poderes, de
forma a permitir que o governo funcione em sua plenitude.
Apesar de, na Constituinte de 1987, o sistema parlamentarista
constar dos primeiros textos, sendo posteriormente suprimido, a

44
medida provisona permaneceu como instrumento legislativo. O
constituinte pretendia com ela dar agilidade ao Poder Executivo em
situações especiais, em que a espera pela tramitação de um projeto de
lei resultaria em prejuízo para a sociedade.
Todavia, o que parece ter acontecido, na prática, é que o Poder
Executivo utilizou a medida provisória em larga escala, mesmo em
casos que não eram atendidos os requisitos de urgência e relevância,
previstos no art. 62 da Constituição FederaL E, por meio das MPs,
tratou dos mais diversos assuntos, sem atentar para a limitação
material que já existia, mesmo não sendo explícita no texto
constitucional que vigorou até a promulgação da Emenda
Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001.
Pretende-se demonstrar que a sistemática do processo de
edição de medidas provisórias vigente até a promulgação da EC n" 32
constituiu um abuso e um atentado à democracia.
Para atingir esse objetivo, foram realizados os seguintes
procedimentos:
1. Levantamento de informações quantitativas (edição,
reedição, conversão) e de conteúdo sobre as medidas
provisórias;
2. Identificação dos fatores que caracterizam o abuso na
edição de MPs e das causas circunstanciais;
3. Análise dos fatores que propiciam o abuso do poder e das
causas circunstanciais.
Como se estuda um caso específico e localizado no tempo,
toda a análise, inclusive da legislação, feita neste trabalho, quando não
expressamente dito o contrário, refere-se àquela em vigor até a
Emenda Constitucional n" 32, de 2001, que alterou dispositivos
constitucionais referentes às medidas provisórias.

45
3. USO E ABUSO

3.1 Conceituação de abuso


o dicionário Houaiss define abuso como ato ou efeito de
abusar; uso incorreto ou ilegítimo; abusão, excesso; uso excessivo
ou imoderado de poderes; falta de comedimento; exagero, excesso.
A palavra abuso deriva do latim abusus, que significa mau uso,
utilização de algo até o seu completo esgotamento.
Meirelles (1998, p. 96) afirma que abuso de poder ocorre
quando a autoridade, embora competente para praticar o ato,
ultrapassa os limites de suas atribuições (excesso de poder) ou se
desvia das finalidades administrativas. O uso normal do poder é
empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a
finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do
poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública. O uso do poder
é lícito; o abuso, sempre ilícito. Todo ato abusivo é nulo, por excesso
ou desvio de poder.
O autor ainda define: a) o excesso de poder ocorre quando a
autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do
permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas; b) o
desvio de fínalídade ou de poder verifica-se quando a autoridade,
embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por
motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo
interesse público.

Nunes (1999, p. 12) define abuso como excesso, mau uso do


poder, por parte de qualquer autoridade. Exorbitância de mandato ou
mandado; arbítrio exagerado. Violação ou omissão do dever
funcional. É a prática de ato que, embora sendo de autoridade
competente, ultrapassa os limites de suas atribuições, de maneiras as
mais diversas, ostensivas ou veladas. Caracteriza-se principalmente
pelo excesso de poder e pelo desvio de finalidade. Abuso de
autoridade.
Diniz (1998) define abuso como uso excessivo, impróprio
ou injusto de alguma coisa; excesso no exercício de uma função ou
47
exercício irregular de um direito; ato contrário à lei, à moral e
aos bons costumes; ato ilícito, imoral, anti-social; ardil para iludir a
boa-fé de outrem.

3.2 Uso abusivo das medidas provisórias

Para efeito metodológico, podem-se dividir os abusos


cometidos na edição de medidas provisórias em duas categorias:
procedimental e material. O abuso procedimental refere-se àquele
referente ao processo de edição e de tramitação da MP. O material, ao
conteúdo da medida provisória, ao assunto nela tratado.

No levantamento de informações para este trabalho, foi


encontrada grande quantidade de abusos cometidos pelos governos,
desde a Constituição de 1988. Como seria inviável relacionar todos
eles, foram escolhidos alguns. Contudo, na análise que se segue, os
exemplos são suficientes para caracterizar cada uma das categorias.

3.2.1 Abusos procedimentais

a) Na edição
A Constituição determina que, para a edição de medidas
provisórias, há de ser observado o cumprimento de dois pressupostos:
urgência e relevância. O cumprimento de apenas um deles resulta em
inconstitucionalidade. Além disso, e por serem as MPs uma exceção
ao procedimento normal de elaboração legislativa, faz-se necessário
que esses pressupostos sejam interpretados em seu sentido estrito,
caso contrário, há uma descaracterização do instituto e um risco
profundo de atentado à manutenção do Estado Democrático de
Direito (Dantas, 1997, p. 59).
Para Clêve (1999, p. 66), apesar de serem conceitos
indeterminados, a ação fundada neles não é assimilável à ação
discricionária, pois em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito, o
Judiciário pode ser provocado. O autor considera que a urgência
indica perigo de dano, probabilidade de manifestar-se evento danoso,
situação de periculosidade exigente de ordinanza extra ordinem.
48
Segundo Dantas (1997, p. 63), para ser urgente, a MP tem que
trazer em si a marca da pressa, da carência, do aperto ou da-pressão.
Para Ferreira (1992, p. 289), só atende ao pressuposto de urgência a
MP que não puder aguardar o prazo previsto para a tramitação de
projetos de lei com urgência constitucional - máximo de 45 dias,
sucessivamente, em cada Casa do Congresso Nacional (art. 64, § 2°).

O segundo pressuposto constitucional para a edição de MP é a


relevância. Ferreira (op. cit., p. 289) define interesse público
relevante como o império da necessidade de uma ordenação editada
para o bem público, cabendo o juízo à discricionariedade da ação do
Presidente. Semelhante é a opinião de Dantas (1997, p. 63), para quem
relevância é algo grande, notável, dotado de importância e saliência.

Nobre Júnior (2000, p. 126) observa na doutrina a tendência


por admitir a tese da necessidade relativa, vinculada à execução de
planos governamentais, reputados de elevada importância social pelo
titular do Poder Executivo.

Lacombe (1997, p. 117) adverte que, como a medida


provisória inverte a ordem de apreciação de matéria legislativa pelos
poderes políticos (Legislativo e Executivo), a relevância deve ser em
tudo e por tudo excepcional.
O Poder Legislativo tem a incumbência de julgar se os
pressupostos de urgência e relevância foram preenchidos pelo titular
do Executivo. Apesar desse controle, ocorreram inúmeras situações
em todos os governos pós-constituinte em que não se cumpriu o
disposto no art. 64 da Constituição. A MP n" 105/89 é um exemplo:
editada por Sarney, inscreveu os nomes de Tiradentes e Deodoro da
Fonseca no Livro dos Heróis da Pátria. Em outra ocasião, Collor
editou a MP n" 179, de 1990, para disponibilizar um automóvel para o
seu Vice-Presidente, Itamar Franco. Nesses dois casos não havia nem
urgência, nem relevância para permitir a edição de medida provisória.
Outro exemplo abusivo merece ser lembrado: Collor
conseguiu converter uma medida provisória em lei, alegando que era
urgente e relevante, e logo depois revogou-a integralmente. A
cronologia é a seguinte: em 16 de março de 1990, Collor edita a MP
49
n° 168, que cria o denominado Plano Brasil Novo. No dia seguinte,
edita a MP n° 172, que altera a MP n" 168, que vigorava apenas há 24
horas e já havia produzido efeitos. Em 12 de abril do mesmo ano, a
MP n" 168 foi aprovada, transformando-se na Lei 8.024/90. Em 4 de
maio de 1990, Collor edita a MP n" 184, que, dentre outras medidas,
revoga diversos dispositivos da Lei n" 8.024, cujo texto ele mesmo
havia proposto pela MP n° 168, como matéria relevante e urgente
(Dantas, 1997). Incompreensível a alegação de urgência e relevância
para uma MP que logo depois é revogada.

b) Na reedição
A possibilidade de reedição de medidas provisórias, já decidida
pelo STF, é o segundo tipo caracterizador do abuso procedimental. Foi
a reedição de MP que permitiu a grande utilização por parte do Poder
Executivo, como já demonstrado. Desde a promulgação da Constituição
até o dia 11 de setembro de 2001, foram editadas 6.109 medidas
provisórias, o que equivale a 39,13 MPs por mês.
A medida provisória foi o meio preferido pelo Poder
Executivo para sua iniciativa legal. Considerando que a MP é uma
exceção à normal tramitação de um projeto de lei no Congresso
Nacional, possuindo eficácia imediata, constata-se que esse número de
MPs editadas constitui-se um abuso, devido ao fato de o Presidente da
República utilizar-se de um instrumento extraordinário de forma
ordinária, desvirtuando o disposto na Constituição Federal. E de forma
inadequada, pois caso não se configure a situação necessária para a
edição de uma medida provisória, mas se a matéria a regular reclame
urgência, o Presidente tem a prerrogativa de enviar projeto de lei ao
Congresso Nacional com pedido de urgência, fazendo com que a sua
tramitação seja de, no máximo, 100 dias, conforme dispõe o art. 64,
§ 2° e § 3°, da Constituição.
Com a utilização da reedição, passou-se a legislar por MP.
Como exemplo do abuso, está a MP n" 1.110, de 31 de agosto de 1995
(Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados
de órgãos e entidades federais, e dá outras providências), que, ainda
tramitando em setembro de 2001, foi reeditada 79 vezes, tendo como
número final: MP nO 2.176-79, de 23 de agosto de 2001. Inúmeros
50
outros exemplos poderiam ser dados, mas é suficiente que seja
lembrado apenas mais um: a recordista MP n" 470, de 11 de
abril de 1994, que Dispõe sobre os títulos da dívida pública de
responsabilidade do Tesouro Nacional, consolidando a legislação em
vigor sobre a matéria, reeditada 89 vezes antes de transformar-se em
lei, tendo por número final: MP n" 2.096-89, de 25 de janeiro de 200l.
Este número de reedições cobre um período de sete anos e cinco meses.

Quando o Presidente passa a legislar indefinidamente por meio


de uma medida que deveria ser temporária, causa insegurança jurídica.
Isso se deve à incerteza sobre se os atos que estão sendo praticados
serão válidos, primeiramente porque, caso não aprovada em trinta
dias, a medida provisória perde a eficácia ex tunc e o Congresso
Nacional, hipoteticamente, pode não convalidá-los; depois, porque
muitas vezes uma MP é reeditada com alteração de texto, deixando os
cidadãos e os magistrados, a quem compete aplicar a lei, confusos.

o Ministro Marco Aurélio Mello denominou tendência


espúria a perpetuação de medidas provisórias, através do instituto da
reedição, sem que se conte com a manifestação dos representantes do
povo os deputados federais - e dos Estados - os senadores -, por
causarem o cerceamento do oficio judicante, proibindo-se certos atos
processuais sem razão plausível (Mello, 2000).

Apenas a possibilidade de reedição de medida provisória não


foi suficiente para o titular do Poder Executivo. Collor reeditou MP
rejeitada pelo Congresso, como já exposto. Esse abuso foi coibido
pelo Supremo Tribunal Federal. Sobre isso, Ferraz Júnior (1990,
p. 94) afirma:

Em tese, reeditando medidas provisórias, até mesmo quando


explicitamente rejeitadas, o Chefe de Estado se outorga o poder
discricionário de disciplinar não importa que matéria, fazendo
do Congresso um mero aprovador de sua vontade ou um poder
emasculado cuja competência a posteriori viraria mera fachada
por ocultar a possibilidade ilimitada de o Executivo impor,
intermitentemente, as suas decisões.

51
Portanto, a reedição de medidas provisórias permitiu ao
Poder Executivo investir-se, indevidamente, na função primeira
do Poder Legislativo, subvertendo o princípio da separação dos
poderes.
c) Na convalidação
O terceiro tipo de abuso procedimental é a convalidação. O
Poder Executivo, com a intenção de evitar a insegurança jurídica
proveniente das reedições de medidas provisórias, passou a cometer
outro abuso: convalidava os atos praticados na vigência da
MP anterior. Manoel Adam Lacayo Valente (apud Dantas, 1997,
p. 102-103) enfrenta diretamente esse artificio:
Assim, se há perda de eficácia ab initio das medidas
provisórias não convertidas em lei nos trintidios respectivos,
além da reaplicação da anterior legislação com elas
incompatível, bem como a observância indeclinável da
irretroatividade prejudicial aos direitos adquiridos e aos atos
iuridicos perfeitos, é de se indagar da constitucionalidade das
denominadas cláusulas de convalidação quefiguram, em regra,
nos textos das medidas provisórias reeditadas. Como
convalidar o inexistente, o nulo, o que deixou de existir no
mundo jurídico por expressa determinação constitucional? A
impropriedade absoluta da convalidação, nesses casos, resulta
da inexistência de seu objeto. Não há como convalidar o
inexistente. Na verdade, o legislador do provimento provisório,
com a cláusula de convalidação, pretende manter operantes os
efeitos, agora ineficazes, de anterior medida provisória, o que,
sem embargo, representa manifesta contrariedade ao texto
constitucional.
A Constituição Federal dispunha:
Art. 62 (. ..)
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo
de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o

52
Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas
decorrentes. [Grifo nosso]

Pela leitura desse dispositivo constitucional entende-se que só


ao Congresso Nacional cabia a convalidação de atos praticados na
vigência de MP que perdeu a eficácia.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de


medida cautelar requerida pelo PT, decidiu-se pela constitucionalidade
da cláusula convalidatória constante do art. 60 da MP na 1.523-1, de
1996, pelo fato de esta ter sido reeditada no período de validade da
MP anterior, não rejeitada pelo Congresso Nacional (STF, ADIMC
1.533/UF,09/12/96).

Em que pese esse entendimento, o Poder Executivo parece


novamente ter investido nas atribuições do Poder Legislativo, em
desacordo com o que dispõe o art. 68, § 10, da Constituição Federal,
que reza não ser objeto de delegação os atos de competência exclusiva
do Congresso Nacional. Assim sendo, não poderia a convalidação
dar-se por medida provisória, que possui força de lei, ainda que se
alegue que a palavra final ficará com o Congresso Nacional, pois, caso
contrário, também se poderia tratar, por meio de MP, de outros
assuntos indelegáveis, como, por exemplo, dos direitos individuais.

3.2.2 Abusos materiais


Mesmo antes de promulgada a Emenda Constitucional na 32,
de 2001, que limitou o campo de abrangência temática das medidas
provisórias, a Constituição Federal já impunha limitações, conforme
exposto. Contudo, esses limites nem sempre foram respeitados.

Bastos (1995, p. 433) lembra que, sob a égide da MP


na 449/94, editada pelo Presidente Itamar Franco, com o empenho do
então secretário da Receita Federal, foram decretadas algumas prisões
sem o devido processo legal, sem ampla defesa e sem trânsito em
julgado da decisão. A MP foi considerada inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal. Collor também tratou de matéria penal nas
MPs n'" 153/90 (define crimes de abuso do poder econômico) e

53
156/90 (define crimes contra a Fazenda Pública). Contudo, antevendo
que seriam consideradas inconstitucionais, preferiu revogá-las.
A medida provisória foi o veículo preferido pelos governantes
para a legislação sobre finanças. Assim, todos os planos econômicos,
desde a promulgação da Constituição de 1988, foram implantados
com a utilização de MPs. Foi o que aconteceu com os Planos Verão
(01/89), Collor (03/90), Collor II (02/91) e Real (06/94). Todos esses
planos foram questionados nos tribunais. Normalmente os impetrantes
das ações judiciais reclamavam de abusos, entre eles o desrespeito ao
direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.
O Ministro Marco Aurélio Mello, reconhecendo como nefasta
a edição de MPs sem se atentar para a organicidade do Direito, afirma
que ainda hoje, em que pese a passagem de anos sob a disciplina
do real, continuamos no rescaldo dos incêndios provocados pelos
diversos planos econômicos (Mello, 2000).
As derrotas sofridas na Justiça, em decorrência dos planos
econômicos, oneraram os governos posteriores àquele da implantação
do plano. No dia 30 de agosto de 2000, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu o direito adquirido dos trabalhadores à correção monetária
no saldo das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS) referente ao Plano Verão, de janeiro de 1989, e ao primeiro
mês do Plano Collor I, de abril de 1990. Esse abuso custará aos cofres
públicos, segundo previsão do próprio governo federal, cerca de R$ 40
bilhões de reais, necessários para pagar cerca de 60 milhões de
correntistas do FGTS. O Ministro Sepúlveda Pertence qualificou o
expurgo da inflação como apropriação indébita por parte do governo
do patrimônio dos trabalhadores (STF, 2000).
Frischeisen (2000) cita os assuntos já tratados ilegalmente por
meio de MPs: prazos para embargos da Fazenda Pública; liminares
proferidas por juízes de primeiro grau, com o objetivo de impedi-las;
sobrestamento da tramitação de ações coletivas; proibição do acesso à
Justiça de forma coletiva por associações, sindicatos e Ministério
Público, quando as ações tratarem de FGTS, contribuições
previdenciárias e outros tributos.

54
Entre as limitações materiais implícitas para a edição de MP
estava a proibição para tratar de direito processual. Nobre Júnior
(2000) explica que processo constitui um complexo de atos ordenados
para a obtenção de um :fim, calcado na composição da lide. Um dos
princípios que regem o processo é o da preclusão, a :fim de não
permitir que as faculdades processuais fiquem permanentemente
abertas às partes. Por isso, essa matéria não pode estar sujeita à edição
e reedição de MPs.
O Executivo desrespeitou essa limitação com a edição da MP
n" 1.153, de 11/10/96, renovada 13 vezes antes de ser transformada na
Lei n° 9.528, de 10/12/97, que ampliou, de 10 para 30 dias, o prazo do
Instituto Nacional do Seguro Social para embargar as execuções de
título judicial, requeridas por seus segurados, ocasionando sérios
inconvenientes na verificação da oportuna interposição de embargos
em milhares de demandas.
Em 1997, houve mais uma medida provisória tratando de
matéria processual. A MP n" 1.570, de 26/03, preceitua sobre
concessão de medida liminar, efeito de recurso voluntário ou
ex-officio, pagamento de vencimentos e vantagens determinado por
sentença e suspensão da execução de liminar nas ações movidas
contra o Poder Público. Marinho (1997, p. 21) considera que a MP
tem a característica de ato abusivo, afrontando a Constituição:

Agrava o quadro de ilegitimidade a circunstância de


estabelecer a medida provisória que "a sentença civil fará
coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator". Com essa exorbitância, comete
dois absurdos. Impede recurso, que a Constituição assegura
de um órgão inferior para outro superior. E conferindo a essa
sentença efeito erga omnes, ou seja, além do processo e
contra todos, dá-lhe, praticamente, efeito vinculante. Ainda
agora, porém, para instituir o efeito vinculante das decisões
judiciais, o Senado Federal examina emenda constitucional, e
não lei ordinária. É evidente o excesso da medida provisória,
que não se convalida por alterar lei, igualmente viciada, que
trata da matéria.

55
De outro lado, note-se que a medida provisória, por sua
extensão, inclusive por deferir força de coisa julgada erga
omnes a sentença civil, atinge a organização do Poder
Judiciário, subvertendo-lhe o sistema de competência. A
Constituição estabelece, contudo, no art. 68, que nem a lei
delegada pode dispor sobre a organização do Poder
Judiciário. Como poderá fazê-lo a medida provisória?

Finalmente, atente-se em que a medida questionada, impondo


a prestação de garantia real ou fidejussória, isto é, de
natureza pessoal, na concessão de medida liminar, para evitar
dano à pessoa jurídica de direito público, efetivamente proíbe
a segurança processual ao pobre e ao servidor público. A
Medida n" 1.570, em resumo, é um ato de descomedimento
legislativo.
Ao utilizar as medidas provisórias para legislar sobre matérias
proibidas pela Constituição Federal, o Poder Executivo exorbitou a
sua prerrogativa constitucional e interferiu no Poder Legislativo e no
Judiciário, desrespeitando o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 2° da Constituição Federal, e na cláusula pétrea que
proíbe emenda constitucional tendente a abolir a separação dos
poderes (art. 60 § 4°, IH). Também violou outra cláusula pétrea da
Constituição, quando em muitas MPs procurou suprimir direitos e
garantias individuais (art. 60, § 4°, IV), a exemplo das MPs que
tratavam de matéria penal (art. 5°, XXXIX, CF - não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal) e da MP
n° 1.570/97, que dificultava o acesso de pobres e servidores públicos à
Justiça (art. 5°, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito).

3.3 Causas circunstanciais do uso abusivo

Não se poderia falar em causas do uso abusivo, dado que a


existência dos fatores aqui analisados por si só não faz com que
ocorra o abuso. Preferiu-se, por isso, usar a expressão causas
circunstanciais, definida como aquelas que ensejaram o abuso, por
ser mais adequada ao caso em estudo.
56
As causas circunstanciais do uso abusivo de medidas
provisórias podem ser divididas em legislativas, jurídicas e políticas.
As legislativas referem-se à apresentação e à tramitação legislativa das
MPs. As jurídicas relacionam-se à lei, à doutrina e à jurisprudência
nacionais sobre as medidas provisórias. As políticas dizem respeito às
características do sistema presidencialista e à dinâmica da relação
entre o Poder Executivo e o Legislativo.

3.3.1 Causas legislativas

O Poder Legislativo teve a oportunidade de frear o abuso da


excessiva reedição de medidas provisórias cometido pelo Poder
Executivo, logo após a promulgação da Constituição, em duas
ocasiões. A primeira, em 1989, quando uma Comissão Mista, em
resposta a uma consulta do Presidente do Congresso Nacional,
ofereceu parecer favorável à reedição de MP; a segunda, na votação
do projeto que originou a Resolução n° 1189, quando foi suprimido o
dispositivo que proibia a reedição.
A Resolução promulgada dispunha que uma comissão mista de
deputados e senadores deveria emitir parecer sobre a admissibilidade
da medida provisória quanto aos pressupostos de urgência e relevância
em cinco dias, contados da publicação da MP. Caso o parecer fosse
contrário, deveriam ser convocadas até duas sessões conjuntas para
votar o parecer de admissibilidade da comissão. Se, nesse prazo, não
fosse votado o parecer, considerar-se-iam atendidos os pressupostos
de urgência e relevância (art. 5°, § 5°). Era o decurso de prazo em
vigor, agora sob a égide da Constituição de 1988, e feito pelos
próprios congressistas.
Outra circunstância favorável ao abuso foi a mudança de
comportamento dos parlamentares. Figueiredo (1999) constata que, da
promulgação da Constituição até 1993, deputados e senadores
esforçaram-se em votar as medidas provisórias apresentadas. Depois,
principalmente após o Plano Real, em 1994, a votação cai
consideravelmente, fazendo com que o Executivo encontre uma boa
justificativa para as freqüentes reedições.

57
3.3.2 Causas jurídicas

Até a promulgação da Emenda Constitucional n° 32, de 2001,


o Presidente da República teve muitas facilidades para legislar por
meio de medidas provisórias. A principal foi que a área temática
permitida de ser tratada por MP era ampla, apesar das limitações
materiais decorrentes da interpretação lógico-sistemática da
Constituição. Quando os parlamentares tentavam votar projeto que
inibisse a grande utilização de medidas provisórias, havia uma forte
pressão da base de apoio governista para que a iniciativa não fosse
adiante. A alegação era de que abalaria a govemabilidade. O
Presidente da República pôde, então, tratar dos mais variados assuntos
por meio de MP. Mesmo beneficiado por isso, ainda extrapolou os
limites legais, como demonstrado.

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição


Federal, poderia ter impedido, no início, a reedição de medidas
provisórias, dando uma interpretação restritiva ao disposto no art. 62
da Constituição. Contrariamente, permitiu a reedição, caso fosse feita
dentro dos trinta dias da sua edição. Isso foi suficiente para encorajar
o uso excessivo de MPs pelo Presidente da República.

Outro aspecto que favoreceu o abuso foi a decisão do STF de


que os requisitos de urgência e relevância são de caráter político,
porém sujeitos a apreciação do Judiciário. Em princípio, a sua
apreciação fica por conta do Chefe do Executivo e do Congresso
Nacional. Todavia, se uma ou outra, relevância ou urgência,
evidenciar-se improcedente, no controle judicial o Tribunal deverá
decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória
(STF: ADIN 162-DF, 1.397-DF, 1.516-RO, 1.61O-DF e 1.135-DF).

Mariotti (1999, p. 101) considera discutível o intocável


entendimento do STF de que os pressupostos seriam objeto de um
juízo de discricionariedade política. Caberia ao STF, segundo o autor,
aprofundar o controle de sua verificação, afastando o juízo dos
poderes políticos em todos os casos de certeza negativa.
Pontes de Miranda (apud Comparato, 2001) é incisivo:

58
Sempre que se discute se é constitucional, ou não, o ato do
Poder Executivo, ou do Poder Judiciário, ou do Poder
Legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento
político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão [urldica:

o que se tem observado é que o STP, em suas decisões,


além de analisar os aspectos jurídicos, parece também levar em
consideração, em algumas ocasiões, os aspectos políticos. Isso
pode ser verificado quando da implementação de planos econômicos
pelos governos. Em momentos de grandes crises, o STP, como
última instância, deve decidir sobre a continuação da execução das
MPs editadas, sabendo que da sua decisão pode resultar até mesmo o
caos econômico, visto que, por possuírem eficácia imediata, muitas
vezes criam situações irreversíveis. Envereda então pela questão
política.
Mariotti (1999, p. 104-105) explicita apropriadamente a
conduta do Poder Judiciário na questão das medidas provisórias:

Do órgão encarregado da guarda da Constituição, entretanto,


seria de se esperar que a legítima recusa das funções de foro de
disputa política que, sem dúvida, são da alçada do Congresso
Nacional viesse acompanhada de uma jurisprudência mais
comprometida com a redução das incertezas constitucionais
que envolvem as medidas provisórias. Pode-se afirmar,
parafraseando Hesse, que o Supremo Tribunal Federal
cumprirá seu mister de forma adequada não enquanto procurar
demonstrar que a utilização de medidas provisórias é uma
questão política, mas quando passar a tratá-la como a questão
constitucional que é.

3.3.3 Causas políticas


o sistema parlamentarista confere maior estabilidade na
condução do governo, pois este sempre pertence à maioria. O
parlamentarismo dificulta a edição abusiva de medidas provisórias.
Primeiro, porque a decisão sobre a conveniência da edição não é só do
primeiro-ministro, mas do gabinete de ministros. Segundo, porque os

59
ministros sabem que, se ocorrer a edição sem a necessária urgência ou
necessidade, pode haver quebra de confiança e a queda do gabinete. A
co-responsabilidade do gabinete parece ser compatível com o uso
mais criterioso das medidas provisórias.

Diferentemente, a nossa Constituição adotou o sistema


presidencialista, em que não há uma maioria definida. Esta deve ser
construída para que o Presidente consiga governar. Um dos mais
poderosos instrumentos à disposição do Poder Executivo para a
construção dessa maioria é a natureza autorizativa do Orçamento da
União. O Congresso Nacional tem a competência de votar o projeto
de lei orçamentária. Contudo, ao se transformar em lei, sua execução
fica sujeita à vontade do Poder Executivo, que contingencia
dotações, principalmente de investimentos, sob o argumento de não
comprometer o equilíbrio fiscal.

Há dificuldades para a construção dessa maioria, mas, ao ser


formada, toma-se a base de apoio que consegue aprovar quase tudo
o que o Executivo quer. Sobre a maioria, o constituinte Farabulini
Ir. (PTB-SP) (apud Figueiredo, 1999, p. 134-135), ao defender a
extirpação do art. 55 da Emenda Constitucional n° 1, de 1969,
afirmou:

Enquanto a figura do decreto-lei estiver inserida no texto,


dará margem a qualquer tipo de especulação, porque a norma
jurídica passa a ser substituída pelo comportamento político
do Congresso. E o comportamento político do Congresso é
o rolo compressor que havia no passado, isto em relação ao
antigo Partido Democrático Social, e hoje há em face do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro. A verdade é
que o rolo compressor estraçalha qualquer norma
constitucional, se contiver esse dispositivo.

Com o apoio da maioria, estável ou construída a cada votação,


e a possibilidade de reeditar medidas provisórias, convinha ao governo
não permitir que o quorum fosse alcançado para a deliberação de MPs,
sobretudo nas comissões mistas que analisavam a admissibilidade e o
mérito das medidas provisórias. Isso foi mais evidente no caso das

60
MPs polêmicas, como a que instituiu o Plano Real e a que anualmente
reajustava o salário mínimo. Com as reedições, o governo tornava
definitiva a norma provisória, dificultando ou mesmo impossibilitando
alterações na MP, no momento da votação, devido aos direitos e
obrigações já constituídos. Além disso, tinha mais tempo para
conseguir reverter possíveis defecções na base de apoio, atendendo as
reivindicações dos parlamentares.
Nas matérias em que os congressistas sentiam-se constrangidos
em votar, por estarem em um dilema (equilíbrio fiscal x interesse do
cidadão), a procrastinação também lhes convinha, fazendo com que o
governo editasse e reeditasse MPs. Foi o que ocorreu nos governos de
Fernando Henrique, quando dos reajustes do salário mínimo, em que
os parlamentares não queriam o desgaste, perante o cidadão, de votar
reajuste inferior à inflação do período.
Outro fator que favoreceu o abuso na edição de MPs foi
a estrutura organizacional do Poder Legislativo, que centraliza o
processo decisório no Colégio de Líderes e no Presidente da
República (Figueiredo, op. cit.). Na Câmara e no Senado, as grandes
decisões são tomadas em reuniões do Colégio de Líderes, em que
também tem assento o líder do governo. Os demais parlamentares
têm pouca influência nos destinos de votações importantes. Quando
o governo possui a maioria, as decisões do Colégio de Líderes
lhe são normalmente favoráveis. Dessa forma, o governo pauta e
viabiliza a aprovação das matérias de seu interesse, inclusive medidas
provisórias.
Ressalte-se que essa hipertrofia do Poder Executivo foi
tolerada pelo Congresso Nacional. No caso das medidas provisórias,
o Poder Legislativo reagiu, após 12 anos, com a promulgação da
EC n° 32/2001, para o que muito contribuiu o empenho de Aécio
Neves, Presidente da Câmara dos Deputados. Releve-se também a
concordância do Presidente Fernando Henrique, que ainda contava
com o apoio da maioria dos congressistas e, se quisesse, poderia
dificultar a votação da PECo Na questão do orçamento, contudo,
permanece a distorção.

61
As causas circunstanciais políticas permitem entender por que,
apesar de todos os abusos cometidos através de medidas provisórias
até o dia 11 de setembro de 2001, o Congresso Nacional só havia
rejeitado 22 MPs, sendo 11 delas apenas no governo Collor.

62
4. CONCLUSÕES

A doutrina da separação dos poderes, formulada por Locke e


Montesquieu, surgiu como forma de evitar que um deles concentrasse
todo o poder do Estado, com o objetivo de afastar o arbítrio. Ao Poder
Legislativo caberia precipuamente legislar; ao Poder Executivo,
administrar, e ao Poder Judiciário, julgar. Cada um, exercendo a sua
função, fiscalizaria os demais, limitando reciprocamente o poder. A
harmonia entre os poderes daria o equilíbrio necessário para que o
governo realizasse os interesses do povo.
Por assegurar a liberdade do cidadão, a doutrina da separação
dos poderes está ligada ao Estado Democrático de Direito, estando
presente no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, que trata do conceito ideal de uma Constituição:
Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não esteja
assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem
Constituição. Por isso, o constituinte de 1988 foi sábio ao fazer
constar esse princípio no art. 2° da Constituição Federal: São poderes
da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
o uso indiscriminado e abusivo das medidas provisórias, como
demonstrado neste trabalho, afronta o princípio da separação dos
poderes. Primeiramente, pelo fato de o Poder Executivo usurpar a
função própria do Legislativo; depois, porque interfere indevidamente
também no Judiciário, ao legislar por meio de MP sobre assuntos
processuais. Deixa, pois, o povo de ser soberano, já que os seus
representantes estão subjugados pelo Executivo.
Se, por um lado, é legítimo que o Poder Executivo disponha de
um instrumento legislativo ágil para ser empregado em situações de
relevância e urgência, por outro lado, há que se ter garantias de que
esse instrumento não seja utilizado abusivamente, fazendo com que o
país seja governado por quase-leis indefinidamente, causando
insegurança jurídica.
Pessanha (1995) considera que há democracia onde há controles
institucionais efetivos. Não é o que se constata. O Congresso Nacional,
63
a quem cabe julgar os pressupostos de urgência e relevância das MPs,
por inércia ou conveniência permitiu a tramitação das MPs abusivas.
Para isso, contou com a grande influência do Poder Executivo na
formulação da agenda do Congresso Nacional, utilizando-se da maioria
favorável às suas propostas, do atendimento de demandas parlamentares
e do poder de contingenciar o Orçamento da União.

O Poder Judiciário, como guardião da Constituição, poderia ter


dado uma interpretação mais restrita, no que diz respeito à medida.
provisória. A esta, como instrumento excepcional, não cabe uma
interpretação elástica ao que o constituinte quis restrito, como ocorreu,
por exemplo, quando o 'Supremo Tribunal Federal permitiu a reedição.
Da mesma forma posicionam-se inúmeros doutrinadores, como se
expôs neste trabalho. Se o Congresso Nacional, sofrendo grande
influência política do Executivo, não controla adequadamente a edição
de MPs, cabe ao Poder Judiciário, em última instância, fazer cumprir a
Constituição.
Portanto, a responsabilidade pelo uso indiscriminado e abusivo
das medidas provisórias, que deu ao Chefe do Poder Executivo poderes
quase absolutos, não é exclusiva do Presidente da República. Ele só o
fez porque contou com a tolerância dos Poderes Legislativo e Judiciário.

A doutrina da separação dos poderes privilegia o Poder


Legislativo, porque é aquele que representa o cidadão e elabora as
leis, frutos da vontade geral, a serem cumpridas por todos, inclusive
pelo Executivo e Judiciário. Daí a primazia da lei e, portanto, do
Poder Legislativo, depositário da soberania popular. No momento em
que o Poder Executivo interfere no Judiciário e usurpa as atribuições
do Legislativo, desrespeita a Constituição Federal, viola a soberania
do povo e os direitos fundamentais e atenta contra a democracia.

Montesquieu (apud Ferreira Filho, 2000, p. 79) assim avalia a


interferência do Poder Executivo no Legislativo:

É uma experiência eterna que todo homem que tem poder é


levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites.
( ..)

64
Quando na mesma pessoa (...) o Poder Legislativo está
reunido ao Poder Executivo, não há liberdade; porque se pode
temer que o mesmo monarca (...) faça leis tirânicas para
executá-las tiranicamente.

Fosse o Brasil regido pelo sistema parlamentarista, os atritos


entre os poderes seriam menos freqüentes. O próprio instituto da
medida provisória é mais adequado ao sistema parlamentarista, devido
ao fato de que o governo, pertencente à maioria parlamentar, é
formado por um conselho de ministros, indicado pelo Parlamento, que
decide juntamente com o primeiro-ministro sobre a conveniência e
necessidade da edição de uma medida provisória, tomando-se, dessa
forma, co-responsáveis. Caso a MP não seja aprovada pelo
Parlamento, o gabinete é deposto. Por outro lado, se o Congresso não
corresponder aos anseios da sociedade, pode ser dissolvido, sendo
convocadas novas eleições. No presidencialismo, diferentemente, a
edição de MP é decidida apenas pelo Presidente da República e o fato
de haver desrespeito aos pressupostos constitucionais não traz grandes
ônus para o Presidente da República. Portanto, a utilização do
instrumento parece ser mais racional no sistema parlamentarista.
Contudo, mantido o sistema presidencialista, há que se
remover as causas circunstanciais do abuso na edição de medidas
provisórias, caso contrário, mesmo a Emenda Constitucional n° 32
será infrutífera para conter o abuso, comprometida que permanecerá a
efetividade dos controles institucionais, indispensáveis ao Estado
Democrático de Direito.

65
5. POSFÁCIO

o trabalho já estava concluído quando, em março de 2002,


aconteceu o sobrestamento da pauta da Câmara dos Deputados por
diversas medidas provisórias, impedindo a votação da PEC n" 407, de
2001, que prorrogava a CPMF até 31 de dezembro de 2004.
Esse sobrestamento decorreu das mudanças advindas com a
promulgação da EC n° 32, de 2001. A Emenda limitou o campo
temático' das MPs e fez com que elas tramitassem separadamente, na
Câmara e no Senado. O prazo para a votação de MP pelas Casas do
Congresso Nacional passou a ser de sessenta dias, prorrogáveis
por mais sessenta, após os quais perde a eficácia. Se a MP não for
votada no prazo de quarenta e cinco dias, entra em regime de urgência
em cada Casa do Congresso Nacional e sobresta todas as demais
deliberações legislativas. A reedição de MP na mesma sessão
legislativa foi proibida, mas as relações jurídicas decorrentes
dos atos praticados na vigência da MP rejeitada, ou que tenha
perdido a eficácia, devem ser reguladas por decreto legislativo no
prazo de sessenta dias, caso contrário, conservar-se-ão regidas pela
mesma MP.
Dois fatores dificultaram, naquele momento, a deliberação
sobre as medidas provisórias: o rompimento do PFL com o governo,

5 O art. 62, § 10, da Constituição Federal dispõe:


É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito
eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e
suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3~'
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer
outro ativo financeiro; .
Ill - reservada a lei complementar;
IV -já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
67
anunciado em 7 de março, e a impossibilidade, segundo o novo texto
constitucional, de inversão da ordem de apreciação das MPs com
prazo constitucional vencido e editadas em diferentes datas. Este fator
impediu que os deputados se utilizassem de um expediente que
agilizava as votações: a deliberação, em primeiro lugar, das MPs
menos polêmicas, enquanto se negociavam as mais complexas.
Segundo informações do Ministério da Fazenda, cada semana
de atraso na votação da CPMF custava R$ 400 milhões de reais,
quantia que deixaria de ser arrecadada posteriormente, tendo em vista
que, após a promulgação da Emenda Constitucional, haveria a
necessidade de se aguardar a noventena, o decurso do prazo de
noventa dias para a sua cobrança, segundo o art. 195, § 6°, da
Constituição Federal. Com isso, entre o término de um período
de cobrança da CPMF (i 7 de junho) e o início de outro, determinado
pela nova emenda constitucional, ocorreria um intervalo de tempo sem
arrecadação da CPMF.
O Presidente da Câmara, Deputado Aécio Neves (pSDB-MG),
assim se manifestou sobre a quantidade de medidas provisórias
editadas, já na vigência da EC n° 32:

No momento em que o governo cobra a votação de projetos


e nos envia sucessivas medidas provisórias, ele está
agindo contra os seus próprios interesses. Eu conversei
com o Presidente e ele entendeu com clareza essa nova
realidade. (Aécio Neves)

No dia 26 de fevereiro de 2002, os Presidentes da Câmara


dos Deputados, Aécio Neves, e do Senado Federal, Ramez Tebet
(pMDB-MS), prevendo o sobrestamento da pauta pelas medidas
provisórias, reuniram-se com o Ministro-Chefe da Casa Civil, Pedro
Parente, para pedir ao governo maior cautela na edição de medidas
provisórias. O resultado foi um acordo tácito para que os líderes
partidários fossem ouvidos antes da edição de medida provisória.
Contudo, já era iminente o sobrestamento da pauta da Câmara, que
adiaria a votação da CPMF.

68
As MPs nOs 146 e 157 obstruíram a pauta da Câmara dos
Deputados nos dias 24 e 25 de março, respectivamente. E, devido ao
longo processo de negociação para a construção de um texto pelas
lideranças partidárias, a MP n" 14 só foi votada no dia 10 de abril,
quando outras 19 MPs também sobrestavam a pauta.
No início de abril, comentava-se a possibilidade de edição de
uma medida provisória revogatória de todas as outras em tramitação,
como solução para a desobstrução da pauta. A idéia não foi bem
recebida pelo Congresso Nacional, nem pelo Executivo.
Posteriormente, em um esforço concentrado realizado nos dias
16 e 17 de abril, a Câmara votou 21 MPs, liberando a pauta e
permitindo que a proposta da CPMF fosse votada, em segundo turno,
no dia 23 de abril. No Senado Federal, na votação da PEC, em junho,
foi excluída a exigência de noventena para que a CPMF continuasse a
ser cobrada, sem interrupção, a partir do dia 18, com a oposição
alegando haver nisso inconstitucionalidade.
Esse breve relato comprova que, embora a EC n° 32 tenha
trazido importantes mudanças com vistas à redução dos abusos
cometidos, não foi suficiente para deter, pelo menos em um primeiro
momento, o ímpeto legiferante do Poder Executivo, através do uso de
medidas provisórias.

6 Dispõe sobre a expansão da oferta de energia emergencial e dá outras


providências.
7 Fixa em 28 de fevereiro de 2002 o término do prazo para adesão à repactuação
das operações de crédito rural de que trata o art. 5~ §§ 5° e 6°_A, da Lei n° 9.138,
de 29 de novembro de 1995.
69
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74
SENADO FEDERAL
SECRETARIA ESPECIAL DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES
Praça dos Três Poderes s/nº - CEP 70165-900
Brasília - DF
"A primeira missão do Parlamento é
legislar. A Constituição de 1988 que
tinha um perfil parlamentarista criou o
instituto das medidas provisórias,
sucedâneo dos decretos-leis do período
autoritário. Em conseqüência, o Poder
Executivo vem-se valendo disso para
(não cabe aqui discutir intenções nem
resultados) retirar do Parlamento a sua
razão primeira de ser." (Aécio Neves,
2001)

"Quando vi deixarmos de votar nesta


Casa [Senado Federal] contra a
admissibilidade de uma medida pro-
visória que supostamente deveria tratar
de assunto urgente e relevante que
conferia a possibilidade de o Vice-
Presidente da República ter um
automóvel, passei a não acreditar nos
critérios de anterioridade, ou seja, na
obediência aos pressupostos que
definem a admissibilidade de uma
medida provisória." (Mário Covas,
1991)

"Esse instrumento [medida pro-


visória] hoje é utilizado de forma
autoritária e absolutista, transfor-
mando o Presidente da República em
imperador do País, com funções par-
lamentares. (•••) O Executivo nsa e abnsa
das medidas provisórias, o Legislativo
não reage e o Judiciário dá uma
interpretação elástica ao conceito de
urgência e relevância. " (Rubens
Approbato Machado, Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB, 2001)

"... é imperioso contê-Ias [MP] na


dimensão de poder limitado, próprio do
Estado de Direito". (josaphat Marinho,
ao defender uma proposta de emenda
constitucional que coibia os excessos
praticados, 1997)

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