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Mudanças – Psicologia da Saúde, Copyright 2016 pelo Instituto Metodista de

24 (1), Jan.-Jun. 2016 Ensino Superior CGC 44.351.146/0001-57

Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos


sobre a terapia cognitivo-comportamental

Ana Carolina Rimoldi de Lima*


Angélica Borges Oliveira**

RESUMO
A obesidade é considerada uma doença crônica, de etiologia multifatorial e que causa prejuízos tanto físicos quanto
psicológicos. O presente trabalho investigou os fatores psicológicos que dificultam o emagrecimento em uma amostra
de participantes em tratamento para a obesidade. Foi realizada uma pesquisa de levantamento, cujos dados foram
coletados através de questionário estruturado, da aplicação dos Inventários de Beck para ansiedade e depressão e do
Inventário de sintomas de stress de Lipp. Identificou-se que os participantes apresentaram sintomas de ansiedade,
estresse e um perfil cognitivo disfuncional relacionado ao padrão alimentar e à autoestima, além de comportamentos
não saudáveis, ta is como alimentação compulsiva e baixa adesão a atividades físicas. Dessa forma, mostra-se relevante
propor a estes participantes uma abordagem de tratamento multidisciplinar para que tais aspectos psicológicos sejam
abordados. A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem útil neste tratamento, pois favorece a aquisição
de hábitos saudáveis, promove a regulação afetiva, a reestruturação cognitiva e a melhora do enfrentamento de es-
tressores psicossociais.
Palavras chave: Terapia cognitivo-comportamental; Obesidade e comorbidades; Fatores psicológicos da obesidade;
Fatores psicológicos do emagrecimento.

ABSTRACT
Obesity is a chronic disease of multifactorial origin that causes damage both in the physical and psychological health
of the individual. This study investigated the psychological factors that hinder weight loss in a sample of subjects in
treatment of obesity. A survey research was conducted, with data collected by mens of a structured questionnaire,
the application of Beck’s Depression and Anxiety Inventories and Lipp’s Stress Symptoms Inventory. It was identi-
fied that the sample studied showed symptoms of anxiety, stress and dysfunctional cognitive profile related to food
standard and self-esteem, and unhealthy behaviors, such as binge eating and poor adherence to physical activity. Thus
it seems to be relevant to these individuals the proposal of a multidisciplinary treatment approach for addressing
such psychological aspects. Cognitive behavioral therapy is a useful approach in this treatment for it favors acqui-
ring healthy habits, promotes emotional regulation, cognitive restructuration and the improvement of coping with
psychosocial stressors.
Keywords: Cognitive behavioral therapy for obesity; Obesity and comorbidities; Psychological factors of obesity;
Psychological factors of weight loss.

* Graduada em Psicologia e Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Federal de Uberlândia. Ênfase clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Experiência de atuação em saúde pública e Docência em Psicologia nas disciplinas nas áreas cognitiva, comportamental e da saúde.
** Psicóloga graduada pelo Instituto Luterano de Ensino Superior ILES-ULBRA de Itumbiara.
2 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

Introdução quanto em sua manutenção ocorre a interação de fatores


A predominância de sobrepeso e obesidade vêm au- genéticos predisponentes associados a um ambiente fa-
mentando aceleradamente no mundo, sendo considerados cilitador, o qual envolve, por exemplo, má alimentação
relevantes problemas de saúde pública tanto em países e inatividade física, podendo ainda incluir diversos tipos
desenvolvidos como em desenvolvimento. A obesidade de estressores psicossociais, para os quais a pessoa pode
é considerada uma doença crônica, caracterizada pelo buscar obter alívio através da alimentação (Deluchi, Sou-
excesso de gordura corporal, que envolve diversos fatores, za & Pergher, 2013). A Organização Mundial de Saúde
entre eles os sociais, culturais, ambientais, comportamen- (1995 apud Brasil, 2006) define a obesidade, de maneira
tais, psicológicos, genéticos e metabólicos (Brasil, 2004). resumida, como o grau de acúmulo de gordura no orga-
De acordo com dados do Ministério da Saúde, 51% nismo associado a diversos riscos para a saúde, em razão
da população brasileira está acima do peso. O índice de da relação com diversas complicações metabólicas.
obesidade que em 2006 era de 43%, subiu aos poucos, em O DSM-V inclui a obesidade no eixo de condições
2011 chegou a 48,5% e em 2012 houve a virada para 51% que podem ser foco da atenção clínica. Embora não seja
da população com algum grau de obesidade (Brasil, 2012). um transtorno mental, a obesidade envolve também per-
Considerando a extensa proporção da população turbações comportamentais e emocionais relacionadas à
brasileira com algum grau de obesidade e o fato de que alimentação e pode haver comorbidade com transtornos
esta é uma doença crônica, multifatorial e de difícil ma- psicológicos como depressão, ansiedade, transtornos ali-
nejo, este estudo partiu do questionamento a respeito de mentares, além de distorção da imagem corporal e baixa
quais são os fatores psicológicos que dificultam o ema- autoestima (Deluchi et al., 2013; APA, 2014). Já a CID-
grecimento. Sendo assim, considerou-se a hipótese de que 10 (OMS, 2008) classifica a obesidade dentre as doenças
fatores psicológicos, tais como cognições disfuncionais, endócrinas, nutricionais e metabólicas, com as seguintes
desregulação afetiva, padrões comportamentais desadap- especificações: obesidade devido a excesso de calorias;
tativos, como a função da alimentação para o alívio de obesidade induzida por drogas; obesidade extrema com
sentimentos desagradáveis, além de pressões culturais, hipoventilação alveolar; outra obesidade; obesidade não
influenciam significativamente na aquisição e manutenção especificada.
da obesidade, dificultando, por sua vez, o emagrecimento. O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma das ma-
Dessa forma, o objetivo geral do presente estu- neiras mais utilizadas atualmente para diagnosticar e clas-
do foi avaliar os fatores psicológicos que dificultam sificar a obesidade. Para medir o IMC utiliza-se a seguinte
o emagrecimento em uma amostra de indivíduos em fórmula: IMC= peso atual (kg) / altura2 (m2). O IMC é
tratamento para a obesidade. Os objetivos específicos recomendado para adultos e seu uso é simples e prático.
foram: identificar, segundo a abordagem da terapia O IMC não é utilizado em crianças e adolescentes pelo
cognitivo-comportamental, quais fatores psicológicos fato dos mesmos estarem passando por rápidas altera-
estão relacionados ao desenvolvimento e manutenção ções corporais resultantes do crescimento nessas faixas
da obesidade; descrever como ocorre o tratamento da etárias. Quanto mais alto o valor do IMC de um sujeito,
terapia cognitivo-comportamental para participantes com maior a probabilidade de ele morrer precocemente e de
dificuldade para emagrecer; verificar se os participantes desenvolver doenças como hipertensão arterial, diabete
com dificuldade para emagrecer apresentam sintomas de melito e doenças cardiovasculares. O ideal é conservar o
ansiedade, de depressão e/ou de estresse. peso entre as faixas de 20 a 25 kg/m2. Segundo o Minis-
Neste contexto, mostra-se relevante estudar os tério da Saúde, o IMC sozinho não indica a gravidade do
fatores psicológicos envolvidos na obesidade tanto para problema de peso em excesso, pois também é importante
ampliar o arcabouço teórico sobre o tema, quanto para o tipo de distribuição dessa gordura pelo organismo, e
contribuir com o desenvolvimento de estratégias de inter- quanto à distribuição de gordura existem diversos tipos
venção multidisciplinares e abrangentes para o tratamento de obesidade (Brasil, s/d). A tabela 1 mostra a classifi-
da obesidade. cação dos diferentes graus de obesidade em adultos de
acordo com o IMC.
Obesidade e compulsão alimentar Em relação às diferenças de gênero e idade, percebe-
A obesidade é uma síndrome multifatorial que envol- -se que a prevalência de obesidade é similar nos dois se-
ve fatores genéticos, ambientais, socioculturais, compor- xos até a faixa etária dos 40 anos de idade. A partir dessa
tamentais e emocionais. Tanto em seu desenvolvimento idade as mulheres apresentam prevalência duas vezes mais

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Tabela 1: Classificação dos diferentes graus de obesidade os principais responsáveis pelo crescimento acelerado
em adultos da obesidade em nosso país e no mundo, portanto, são
2 passíveis de intervenção, requerendo ações no contexto
CLASSFICAÇÃO IMC (kg/m )
Baixo Peso Menor que 18,5 coletivo e individual (Brasil, 2006).
Normal 18,5 – 24,9 A obesidade é um dos fatores de risco mais relevan-
Sobrepeso Maior que 25 te para outras doenças, em especial para as cardiovascula-
Pré Obeso 25 – 29,9 res e diabetes. Diversos estudos comprovam que pessoas
Obeso I 30 – 34,9 obesas morrem mais de doenças do sistema circulatório,
Obeso II 35 – 39,9 que pessoas com peso adequado (Federación Latinoameri-
Obeso III Maior que 40 cana de Sociedads Obesidad, 1998; Francischi, 2000 apud
Brasil, 2006). Além disso, outras patologias e condições
Fonte: Organização Mundial de Saúde, 2012.
clínicas que estão associadas à obesidade são: apneia
do sono; fertilidade reduzida em homens e mulheres;
alta que os homens. Em adultos, à medida que aumen- hipertensão arterial; doenças cardiovasculares; acidente
ta a idade, a prevalência de obesidade é maior (IBGE, vascular cerebral; doenças pulmonares; diabetes melito;
2004 apud Brasil, 2006). Já entre crianças e adolescentes gota; vários tipos de câncer como o de mama, próstata,
brasileiros, constata-se crescimento do excesso de peso útero e intestino; cálculo biliar (Brasil, s/d).
em ritmo acelerado: em 1974, a prevalência de excesso Todos esses dados comprovam a importância da
de peso era de 4,9% entre as crianças de 6 e 9 anos de obesidade como problema de saúde pública em nosso
idade e de 3,7% entre os adolescentes de 10 a 18 anos. país. É ainda relevante o fato de que a obesidade não é
Já em 1996-97, observou-se 14% de excesso de peso na só um fator de risco relevante para doenças orgânicas,
faixa etária de 6 e 18 anos em nosso país (Wang et al., mas também interfere na duração dessas e na qualida-
2002 apud Brasil, 2006). de de vida do indivíduo obeso, e ainda pode interferir
Dados do Ministério da Saúde (Brasil, s/d) apontam diretamente na aceitação social das pessoas obesas, que
que, já houve uma correlação positiva entre obesidade e não estão no padrão de beleza exigido pela sociedade
renda, sendo que quanto maior fosse a renda, maior seria contemporânea, prejudicando sua autoestima (Brasil, s/d).
a predominância da obesidade na população. Contudo, Relacionada à obesidade, mas não condição neces-
este quadro vem mudando e, atualmente, a obesidade sária desta, está a compulsão alimentar. Segundo o DSM-
vem se tornando cada vez mais alta em mulheres com -V (APA, 2014), o Transtorno de Compulsão Alimentar
baixa renda e tende a se estabilizar ou ainda diminuir nas Periódica (TCAP) se enquadra dentre os transtornos
classes com renda mais alta. Mudanças de ordem demo- alimentares e seus critérios diagnósticos são:
gráfica e social podem explicar estes dados, tais como a
consolidadação da inserção das mulheres no mercado de A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um
trabalho, o aumento da concentração da população no episódio de compulsão alimentar é caracterizado pelos
meio urbano, a redução do esforço físico na rotina diária seguintes aspectos:
e no trabalho, assim como a crescente industrialização dos 1. Ingestão, em um período determinado (p.ex., dentro
alimentos (Gigante, 2004 apud Brasil 2006). Além disso, de um período de duas horas), de uma quantidade de
a população menos favorecida tende a não ter orientação alimentos definitivamente maior do que a maioria das
alimentar adequada, atividade física diminuída e consumo pessoas consumiria no mesmo período sob circunstâncias
de alimentos bastante calóricos como cereais, açúcar e semelhantes.
óleo, pois estes alimentos têm menor valor aquisitivo 2. Sensação de falta de controle sobre a ingestão durante
e pertencem a hábitos alimentares tradicionalmente in- o episódio (p.ex., sentimento de não conseguir parar de
corporados. Por outro lado, o índice de obesidade vem comer ou controlar o que e o quanto está ingerindo).
se tornando menor entre a população de maior renda B. Os episódios de compulsão alimentar estão associados
pelo fato de terem maior acesso a informações sobre os a três (ou mais) dos seguintes aspectos:
danos à saúde que a doença acarreta, terem condições 1.Comer mais rapidamente do que o normal.
de ter hábitos alimentares saudáveis e praticar regular- 2.Comer até se sentir desconfortavelmente cheio.
mente atividades físicas (Brasil, s/d). Observa-se, assim, 3.Comer grandes quantidades de alimento na ausência da
que as mudanças de modo de vida e no ambiente são sensação física de fome.

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4.Comer sozinho por vergonha do quanto se está co- antecipado e maior gravidade da obesidade e também
mendo. maior tempo de dedicação para dietas. Isso demonstra
5.Sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito que a associação entre obesidade e TCAP é um quadro
culpado em seguida. clínico de grande importância e que deve receber a aten-
C. Sofrimento marcante em virtude da compulsão ali- ção necessária (Machado et al., 2008).
mentar.
D. Os episódios de compulsão alimentar ocorrem, em Fatores psicológicos da obesidade
média, ao menos uma vez por semana durante três meses Há um consenso entre os autores (Perez & Romano,
E. A compulsão alimentar não está associada ao uso re- 2004; Bernardi, Cichelero & Vitolo, 2005; Cataneo et al.,
corrente de comportamento compensatório inapropriado 2005; Claudino & Zanella, 2005; Cade et al., 2009) de que
como na bulimia nervosa e não ocorre exclusivamente há variáveis psicológicas envolvidas no desenvolvimento e
durante o curso da bulimia nervosa ou anorexia nervosa manutenção da obesidade, as quais dificultam o processo
(APA, 2014, p. 350). de emagrecimento e de aquisição de hábitos saudáveis.
Essas variáveis relacionam-se a algum tipo de sofrimento
Os episódios de compulsão alimentar são acompa- psíquico, como ansiedade, raiva, tristeza, culpa, preocu-
nhados por sentimentos de angústia subjetiva, envolvendo pação, vivência de estressores psicossociais, além de um
vergonha, nojo e/ou culpa. Alguns autores comprovam prejuízo da autoimagem e da autoestima.
que um comedor compulsivo envolve no mínimo dois Além da ansiedade e do estresse, a depressão tam-
elementos: o subjetivo, que é a sensação de perda de bém pode estar presente em indivíduos obesos e em
controle e o objetivo, que é a quantidade do consumo ali- sobrepeso, alterando o comportamento do indivíduo e
mentar ingerido pelo indivíduo. Um fator que pode levar colaborando para o aumento de peso, causando pro-
a aumentar o padrão alimentar é o estresse, pois o hor- blemas emocionais. Estas condições merecem atenção
mônio cortisol é liberado durante situações estressantes e no tratamento, o que destaca a etiologia multifatorial da
isso estimula a ingestão de alimentos, consequentemente obesidade (Vasques, Martins & Azevedo, 2004). Além
o aumento do peso (Azevedo, Santos & Fonseca, 2004). disso, Ribeiro (2008) acrescenta que o indivíduo que
A associação entre obesidade e compulsão alimentar está acima do peso ideal apresenta dificuldades de se
é demonstrada em diversos estudos, apresentando grande relacionar sexualmente com outra pessoa, pois o obeso
incidência em pessoas obesas que buscam a redução do se sente sexualmente indesejável e isso é natural quando
peso. O comportamento compulsivo é o agente de causa a autoestima está baixa, de modo que o indivíduo geral-
ou facilitador da obesidade, do mesmo modo, a gravidade mente evita contato com outras pessoas.
da compulsão alimentar parece ter relação com o grau da Ademais, a alteração da imagem corporal, que é
obesidade (Machado et al., 2008). resultado do aumento de peso, pode provocar uma de-
Estudos demonstram que aumentou significativa- preciação do autoconceito e da autoestima do indivíduo
mente, entre as pessoas que procuram o tratamento para obeso. Como consequência disso, podem surgir sintomas
controle de peso, a incidência de compulsão alimentar. A ansiosos e depressivos, o aumento da sensação de inade-
predominância da mesma varia de 15-20% a 50% entre as quação social e a diminuição da sensação de bem-estar e,
pessoas obesas que participam de programas de redução como consequência, a diminuição da relação interpessoal
de peso. Evidências epidemiológicas comprovam que o (Martins, 2012). Oliveira e Silva (2014) corroboram com
início de dietas geralmente ocorre após os ataques de essa ideia, argumentando que o excesso de peso pode tam-
comer compulsivo. Indivíduos obesos-compulsivos têm bém “matar” subjetivamente o sujeito obeso, pois reduz
uma frequência maior de recaídas após o tratamento para significativamente seu desejo de se relacionar com outros
perder peso, maior comorbidades como abuso de álcool e indivíduos, de sair, de dançar, de fazer sexo, de viver.
drogas, depressão, transtornos de personalidade, síndro- Oliveira e Fonseca (2006) explicam a função do
me do pânico, ansiedade e estão mais insatisfeitos com a comer em excesso para os obesos. Segundo os autores,
imagem corporal comparados com obesos-controle (Ber- esses indivíduos utilizam alimentos para preencher va-
nardi, Chichelero & Vitolo, 2005; Machado et al., 2008). zios emocionais causados por diversos fatores, como
Desta maneira, os indivíduos compulsivos podem problemas de trabalho e problemas emocionais. Silva
representar uma subcategoria da população de obesos, (2001) acrescenta que a comida é prazerosa e tem o po-
que apresentam grandes níveis de psicopatologia, início tencial de reduzir os níveis de ansiedade, fortalecendo

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esta relação: ansiedade-comida-redução da ansiedade. Moreira & Xavier, 2012). Essas crenças disfuncionais
Assim, o alimento atua como uma distorção temporária funcionam como “armadilhas” cognitivas presentes nos
para a sensação de ansiedade, exercendo a função de um processos de pensamento dos indivíduos obesos como,
reforçador negativo, criando um ciclo vicioso que deve por exemplo, “como porque estou ansiosa”; “estou gorda
ser quebrado. Comer proporciona um alivio imediato (o assim por causa da minha ansiedade”; “preciso aprender
que fortalece o seu poder), mas assim que o indivíduo a controlar a ansiedade para poder perder peso”, “sou
para de comer, o sentimento volta associado à sensação ridículo/fracassado por comer demais”, etc., as quais
de culpa por ter comido. favorecem ou justificam o engajamento em padrões dis-
De acordo com Bernardi, Cichelero e Vitolo (2005), funcionais de alimentação (Silva, 2001).
o comportamento alimentar é muito complexo pelos O aspecto social também é relevante no contexto da
aspectos psicológicos envolvidos, os quais podem se obesidade, pois atualmente a magreza é o padrão estético
expressar por meio de humor depressivo, ansiedade, sen- da sociedade em que convivemos. Assim, a pressão social
timento de culpa e, também por mecanismos fisiológicos, pela busca da magreza incentiva o indivíduo obeso a se
como resistir ao jejum no vigor do controle de dietas. Os esforçar para se submeter a um tratamento a qualquer
autores acrescentam, ainda, que a maioria dos indivíduos custo, de modo que este indivíduo trava uma guerra
obesos come para compensar ou resolver algum proble- entre o corpo e a mente. Contudo, essa mesma pressão
ma ou dificuldade que esteja passando, isto é, fazem a tem efeitos contrários. Vários estudos comprovam que
ingestão de maior quantidade de alimentos em situações rejeição, estresse, restrição e outros estados emocionais
de estresse. Pessoas obesas, principalmente mulheres, co- desagradáveis levam esses indivíduos a interromperem o
mem exageradamente como recurso compensatório para autocontrole, levando-os às escolhas alimentares inadequa-
suprir situações de tristeza, depressão, ansiedade e raiva. das, as quais, de certa forma, amenizam as tensões pre-
Deluchi et al. (2013) também explicam a relação sentes (Loli, 2000; Bernardi, Chichelero & Vitolo, 2005).
entre o comer compulsivo e gatilhos externos. Segundo Pessoas obesas algumas vezes mostram-se também
os autores, a alimentação adquire a função de “enfrenta- desanimadas, frustradas e inferiores por não conseguirem
mento” de conflitos interpessoais e situações de estresse. corresponder às expectativas que são impostas pela mídia
Dessa forma, a obesidade pode ser considerada um tipo quanto ao corpo perfeito; por não se controlarem frente
de comportamento aditivo, o qual inclui um padrão de ao alimento; por não conseguirem fazer os regimes que
crenças disfuncionais aditivas relacionadas à alimentação: se submeteram; por observarem seu corpo sofrer o efeito
crenças antecipatórias (expectativas relacionadas ao efeito sanfona, afetando sua autoimagem. Em consequência, o
da alimentação); crenças facilitadoras que autorizam o indivíduo obeso tende a ignorar o seu corpo, o qual se
comer (por exemplo, “vou comer porque mereço”); e torna extremamente aversivo frente à campanha do cor-
crenças de alívio resultantes do engajamento no padrão po perfeito. Com a autoestima e a autoimagem baixas,
alimentar. o indivíduo obeso não valoriza a qualidade de vida, não
Além disso, há vieses interpretativos disfuncionais cuida do seu corpo, não seleciona os alimentos que con-
que impedem o engajamento em padrões alimentares some, não faz exercícios e não investe na sua aparência
saudáveis ou manutenção do peso, por exemplo, pensa- (Silva, 2001).
mentos críticos recorrentes (“sou um fracasso por não Neste contexto, o indivíduo obeso se preocupa
conseguir emagrecer”), justificativa (“mereço comer por- opressivamente com a obesidade, devido à depreciação
que tive um dia muito difícil”), regras rígidas (“preciso da própria imagem física, se tornando inseguro por não
comer tudo o que está no prato”), etc. Assim, as condi- conseguir manter a perda de peso. A sensação de iso-
ções emocionais disfuncionais podem ser antecedentes e lamento, a falta de confiança e a humilhação resultante
consequentes do comportamento alimentar, gerando um do preconceito e discriminação aos quais os indivíduos
ciclo de retroalimentação (Deleuchi et al., 2013). obesos estão submetidos, os sujeita a enorme carga
Outro aspecto relevante é que os indivíduos obesos psicológica. Como compensação a esses estressores, os
ou com sobrepeso têm crenças disfuncionais a respeito indivíduos obesos se engajam em padrões alimentares
da alimentação e do peso. Isso pode gerar sentimentos de inadequados. Por se sentirem discriminados ou rejeita-
culpa, ansiedade, raiva, preocupação, tristeza, impotência dos, esses indivíduos podem manifestar dificuldades em
e estresse, tendo como consequência problemas de re- conseguir prazer na convivência social, o que os leva ao
lacionamento interpessoal, familiar e conjugal (Neufeld, isolamento. Esses sentimentos contribuem para que os

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indivíduos obesos vejam a comida como grande fonte de ção afetiva, melhora o funcionamento social e diminui a
prazer, o que, em consequência do preconceito, empobre- preocupação com o corpo e forma física.
ce e restringe ainda mais suas relações sociais e afetivas Um aspecto relevante a ser considerado no trata-
(Bernardi; Chichelero & Vitolo, 2005). mento é que a maioria dos indivíduos que emagrecem
Dessa for ma, a obesidade pode causar intenso em razão de dietas começa a readquirir os quilos perdidos
sofrimento subjetivo, depressão e comportamentos em mais ou menos um ano. Considerando este aspecto, o
de esquiva social, prejudicando a qualidade de vida tratamento da TCC para obesidade tem como prioridade,
do sujeito. Isso pode acontecer pelo fato de pessoas além do emagrecimento, a manutenção do peso em longo
obesas serem discriminadas, estigmatizadas, sofrerem prazo. Para manter o peso em longo prazo, o tratamento
preconceitos e terem dificuldades nos relacionamentos é direcionado aos fatores que influenciam ao abandono
em diversas áreas, como social, profissional e familiar das tentativas de controlar o peso. Assim, o objetivo
(Ades & Kerbauy, 2002). Assim, o sofrimento psicoló- terapêutico refere-se à aquisição e desenvolvimento de
gico do indivíduo obeso é decorrente tanto dos pro- habilidades comportamentais e respostas cognitivas, as
blemas relacionados à discriminação e ao preconceito quais, quando praticadas, ajudem o sujeito no controle do
social, como das características da sua maneira de se peso de maneira eficaz (Neufeld, Moreira & Xavier, 2012).
alimentar e de enfrentar estressores psicossociais de sua Para abarcar tais objetivos, o tratamento da TCC
vida. Conforme abordam Cataneo et al. (2005), dentre inicia-se com a psicoeducação sobre a obesidade e a com-
as transformações do nosso corpo, a obesidade é a mais pulsão alimentar, seus efeitos em curto e longo prazo e
complexa e de difícil de entendimento, necessitando de sua função na vida do indivíduo. No estágio de interven-
uma abordagem multidisciplinar para o problema. ções, enfoca-se no monitoramento dos comportamentos
alimentares, na prevenção de comportamentos compul-
Apontamentos sobre a terapia cognitivo- sivos e treinamento do autocontrole, na reestruturação
comportamental (tcc) no tratamento da cognitiva, no desenvolvimento de hábitos alimentares e
obesidade de enfrentamento saudáveis. Por fim, trabalha-se com a
Considerando-se a importância de um enfoque prevenção de recaídas, com vistas a manter os ganhos
multidisciplinar no tratamento da obesidade, a Terapia terapêuticos e prevenir o retorno ao padrão de obesidade
Cognitivo-Comportamental (TCC) neste contexto foca- ou de compulsão alimentar (Deleuchi et al., 2013).
liza os vários aspectos relacionados ao padrão alimentar Assim, a TCC direciona-se para trabalhar com o
disfuncional, como pensamentos disfuncionais, baixa comportamento alimentar inadequado das pessoas obesas,
autoestima, autoavaliação com foco no peso e forma do facilitando que estas alcancem autonomia no seu trata-
corpo, perfeccionismo, hábitos alimentares inadequados. mento e, em seguida, em sua vida. O indivíduo aprende
Embora o emagrecimento requeira mudanças de hábitos a identificar o que causa o desejo de comer em excesso
e comportamentos alimentares, mostra-se necessário, e um conjunto de técnicas para controlar este compor-
também, realizar reestruturação das cognições disfun- tamento (Fonsêca & Oliveira, 2006).
cionais que sustentam o mal hábito alimentar (Perez & Grande parte dos estudos demonstra que a terapia
Romano, 2004). combinada da obesidade – farmacológica e cognitivo-
A TCC tem sido indicada como eficaz no trata- -comportamental – aumenta relevantemente a perda de
mento da obesidade, pois auxilia no reconhecimento de peso corporal. A TCC torna-se especialmente útil aos casos
pensamentos sabotadores e ensina o cliente a responder de obesidade por ensinar o cliente a manejar eficazmente o
a eles de forma funcional, levando a pessoa a se sentir estresse, o qual pode ser um antecedente e mantenedor de
melhor e a agir de maneira mais adaptativa em seu am- seu padrão alimentar disfuncional. Além disso, esse modelo
biente. As intervenções da TCC visam transformar as terapêutico tem resposta rápida, utiliza um plano para a
crenças disfuncionais dos indivíduos relativas ao excesso prevenção de recaídas, têm efeitos em longo prazo, uma
de peso, alimentação e dietas por meio da reestruturação boa manutenção dos resultados mesmo com o passar do
cognitiva, substituindo-as por crenças funcionais (Beck, tempo, utiliza métodos diretivos que auxiliam na perda e
1997). Deluchi et al. (2013) argumentam ainda que a TCC manutenção de peso, resultando em melhoras significativas.
favorece a mudança de hábitos alimentares e a aquisição Assim, suas estratégias terapêuticas são de grande utilidade
de hábitos saudáveis, diminui a frequência de episódios para impedir o ciclo vicioso da obesidade, tornando-se uma
de compulsão alimentar (quando há), promove regula- aliada no tratamento (Brito et al., 2005).

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Metodologia de Stress de Lipp – ISSL. A entrevista estruturada e as


escalas utilizadas estão descritas abaixo.
Tipo de estudo Entrevista estruturada: A entrevista foi composta por
Este estudo foi caracterizado como uma pesquisa 29 questões, nas quais foram coletados dados sociode-
de levantamento de caráter quantitativo e qualitativo, mográficos, além de um questionário adaptado de Beck
que visou avaliar os fatores psicológicos que dificultam (2009) com questões relativas ao emagrecimento, satisfa-
o emagrecimento em uma amostra de indivíduos em ção com o peso atual, disposição para mudar de hábitos,
tratamento para a obesidade. Utiliza-se em uma pesqui- baixa autoestima, ansiedade, depressão, sentimentos de
sa de levantamento questionários e entrevistas para se culpa após o comer compulsivo, dentre outras.
obter as informações necessárias a respeito das pessoas Inventário de Depressão de Beck – BDI: Foi desenvol-
investigadas (Cozby, 2009). vido por Beck e colaboradores em 1961 para avaliar a
intensidade da depressão. É um instrumento estrutura-
Amostra e local do, composto por um questionário que consiste em 21
O objeto de estudo desse trabalho foram 10 pessoas, categorias de sintomas e atitudes, em que são descritas
de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que participam manifestações comportamentais, cognitivas, afetivas e
de um grupo aberto de acompanhamento para emagrecer somáticas da depressão. Cada categoria contém quatro
em uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), de uma ou cinco alternativas, numa escala que varia de zero a
cidade no interior de Goiás. A ESF em questão promove três pontos, em que zero caracteriza a ausência de sin-
acompanhamento mensal em grupo terapêutico para indi- tomas depressivos e três a presença dos sintomas mais
víduos com obesidade, sendo oferecido por uma equipe intensos. Cada participante marca a escala da afirmação
multidisciplinar que contém uma psicóloga e uma nutri- que melhor descreve a maneira que ele tem se sentido
cionista. Todos os indivíduos que participam regularmente na última semana, incluindo o dia de hoje (Maluf, 2002).
do grupo foram convidados a participar voluntariamente Inventário de Ansiedade de Beck – BAI: Foi desenvolvi-
da presente pesquisa, porém dois são menores de idade, do por Beck e colaboradores em 1988, adaptado e valida-
por isso não foram incluídos na amostra. do para o Brasil por Cunha em 2001 para avaliar o rigor
dos sintomas de ansiedade nos pacientes deprimidos.
Aspectos éticos Consiste em um questionário de 21 itens, descrevendo
Os procedimentos adotados nesta pesquisa obe- sintomas característicos de ansiedade. Esses 21 itens
deceram aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres refletem somaticamente, cognitivamente e afetivamente
Humanos conforme Resolução número 466, de 12 de esses sintomas. É perguntado ao participante o quanto
dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde. Fo- fora incomodado por cada sintoma durante a semana que
ram respeitados também todos os critérios da Resolução passou, incluindo o dia de hoje, dentro de uma escala
do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 016, de 20 de quatro pontos, variando de (0) “não a todas” a (3)
de dezembro de 2000. “severamente” (Maluf, 2002).
Os dados foram coletados em grupos, não identifi- Inventário de Sintomas de Stress de Lipp – ISSL: Valida-
cando os participantes e garantindo o sigilo. A pesquisa do por Lipp e Guevara em 1994 para pessoas a partir de
foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres 15 anos. O ISSL é constituído de uma lista de sintomas
Humanos competente, sendo aprovada pelo mesmo (pare- físicos (ex.: boca seca, formigamento das extremidades,
cer número: 764.563 de 05 de setembro de 2014) e todos tensão muscular) e psicológicos (ex.: perda do senso de
os participantes assinaram o Termo de Consentimento humor, dúvida quanto a si mesmo, aumento súbito de
Livre e Esclarecido. motivação) do estresse. O ISSL permite identificar se a
pessoa tem estresse, em que fase do processo se encontra
Instrumentos de coleta dados (alerta, resistência e exaustão) e se sua sintomatologia é
Os materiais utilizados foram uma entrevista estrutu- mais característica da área somática ou cognitiva (Calais,
rada adaptada do Livro de tarefas pense magro: programa Andrade & Lipp, 2003).
de seis semanas de dieta definitiva de Beck (Beck, 2009),
o Inventário de Depressão de Beck – BDI, o Inventário Procedimentos de coleta de dados
de Ansiedade de Beck – BAI, o Inventário de Sintomas Após estabelecimento de contato com a devida
instituição, os participantes foram convidados a partici-

Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016


8 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

par voluntariamente da pesquisa e receberam explicação se tornando cada vez mais alta na população de baixa
sobre ela. Os dados foram colhidos mediante assinatura renda devido ao fato de que esta população possui menos
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. orientação alimentar adequada, atividade física diminuída
Os instrumentos foram aplicados coletivamente aos e consumo de alimentos bastante calóricos (Brasil, s/d).
participantes nas dependências do ESF. A aplicação dos Além disso, observa-se a maior prevalência de mulheres
instrumentos se deu em três sessões: uma para a avaliação nesta amostra de obesos, o que, de acordo com a faixa
da entrevista estruturada, outra para avaliação do Inven- etaria da amostra está de acordo com as estatísticas do
tários BDI e BAI e a última para avaliação do ISSL, nos IBGE (IBGE, 2004 apud Brasil, 2006).
dias e horários em que acontecem as reuniões do grupo. Da amostra selecionada, 80% dos participantes
tentaram emagrecer mais de uma vez e desses, todos
Procedimento de análise dos dados recuperaram todo o peso perdido ou parte dele em
A entrevista estruturada foi analisada qualitativamen- menos de um ano. Quanto à satisfação em relação ao
te quanto ao conteúdo e sua pertinência ao referencial peso e forma física atuais, 60% dos participantes não
teórico, ou seja, buscou-se encontrar nas respostas indí- têm nenhum grau de satisfação e 40% têm um grau mo-
cios dos fatores cognitivos, afetivos e comportamentais derado de satisfação. Quanto à autoestima, ansiedade e
que dificultam o emagrecimento destes participantes episódios de alimentação compulsiva relatados, 70% dos
A análise quantitativa de dados se deu a partir da entrevistados relataram baixa autoestima, atribuindo como
correção e análise dos instrumentos conforme o manual causa desta o excesso de peso e o preconceito familiar;
dos mesmos e orientação dos autores. A partir da corre- 80% dos participantes se consideram ansiosos, quer seja
ção foram obtidos os escores médios de cada sujeito em por problemas pessoais ou por causa de problemas no
cada um dos instrumentos, os quais foram submetidos à trabalho; 50% dos participantes relataram que costumam
análise de porcentagem e média estatística. comer compulsivamente e destes, todos apresentam o
sentimento de culpa após este ato.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Estes dados confirmam o que é apresentado na lite-
A fim de responder aos objetivos deste estudo, foi ratura. Autores confirmam a correlação entre obesidade
feita uma avaliação com a amostra quanto aos seguintes e estressores psicossociais, baixa autoestima e ansiedade,
aspectos: dados sociodemográficos; entrevista sobre pa- assim como a ocorrência de insatisfação com a imagem
drões cognitivos, comportamentais e afetivos relacionados corporal em indivíduos obesos. A não aceitação social da
à alimentação; uma medida de ansiedade (BAI); uma obesidade, apontada pela amostra como uma das causas
medida de depressão (BDI); e uma medida de estresse de sua baixa autoestima, é um dos fatores que prejudica
(ISSL), conforme a descrição que se segue. a qualidade de vida e promove sofrimento nos indivíduos
A amostra foi composta por 10 (dez) participantes, obesos, assim, esses indivíduos vivenciam uma contradi-
sendo 08 (oito) do sexo feminino e 02 (dois) do sexo ção entre seus comportamentos atuais e um padrão social
masculino, todos brasileiros, idade entre 31 e 57 anos, 02 que almejam alcançar (Deluchi et al., 2013; Oliveira &
(dois) com nível superior completo, 01 (um) com pós-gra- Fonseca, 2006; Loli, 2000; Bernardi, Chichelero & Vitolo,
duação, 01 (um) cursando nível superior, 05 (cinco) com 2005; Brasil, s/d).
ensino fundamental incompleto e 01 (um) com ensino Evidencia-se também que a amostra estudada relatou
médio. Quanto ao estado civil, 07 (sete) são casados, 02 a ocorrência de episódios de compulsão alimentar, os
(dois) são solteiros e 01 (um) é divorciado. Em relação quais são seguidos por culpa, uma vez que evidenciam
à profissão dos participantes, 01 (uma) é professora, 01 tal contradição e a frustração de expectativas pessoais e
(uma) auxiliar de serviços bucais, 03 (três) cuidam do lar, sociais. Apesar de não ter sido feita uma avaliação especí-
01 (uma) é doméstica, 01 (uma) é agente comunitário fica deste quesito de acordo com os critérios do DSM-V,
de saúde, 01 (um) é lavrador, 01 (um) é coordenador de ainda assim este dado mostra-se relevante, uma vez que
equipe em uma usina e 01 (uma) é telefonista. obesos com TCAP apresentam mais sofrimento subje-
Desses participantes, 50% não concluíram o ensino tivo, maior incidência de recaídas, mais comorbidades
fundamental, não tem uma formação profissional, e como psiquiátricas e mais prejuízos funcionais. A proporção de
consequência possuem uma baixa renda familiar. Esses 50% dos participantes da amostra relatando episódios de
dados estão em conformidade com as estatísticas do compulsão alimentar também se enquadra nas estatísticas
Ministério da Saúde, segundo as quais a obesidade está apresentadas (APA, 2014).

Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016


Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental 9

Em relação à saúde dos participantes, 02 (dois) são que se sente desanimado quando está fazendo dieta (14);
portadores de triglicérides alto, 03 (três) de diabetes mellitus, a frequência com que se sente privado das coisas boas
01 (um) de colesterol alto, 05 (cinco) de hipertensão arterial e devido ao seu peso (15); a frequência com que pensa que
03 (três) de depressão previamente diagnosticada. Há partici- fazer dieta é muito difícil (16); e a frequência com que
pantes que possuem mais de uma dessas doenças e 30% deles pensa que a dieta não vale à pena (17).
não é portador de nenhuma dessas doenças ou transtorno. É possível perceber que a disposição que os
Esses dados se conformam às estatísticas apre- entrevistados têm para mudar seus hábitos alimentares
sentadas pelo Ministério da Saúde, segundo as quais a e praticar exercícios físicos (Questão 10) varia entre ne-
obesidade é um dos fatores de risco mais relevantes para nhuma e pouca. Apenas na Questão 11, que é a pergunta:
outras doenças não transmissíveis, em especial diabetes e “Qual é sua disposição para revelar às pessoas que são
a hipertensão arterial (Brasil, 2006). A literatura aponta, importantes para você que está mudando a maneira de se
ainda, que a obesidade pode causar tanto adoecimento alimentar? ”, que a alternativa “muita” apareceu de for-
físico quanto psíquico, interfere na qualidade e na duração ma significativa. No entanto, nas Questões 10 e 12, que
de vida do sujeito obeso, além de interferir na aceitação dizem respeito aos comportamentos de mudar a alimen-
social dos mesmos, causando um enorme sofrimento, sen- tação e incluir práticas de exercícios físicos diariamente,
do que a depressão pode ser uma comorbidade comum prevaleceu à alternativa “nenhuma” disposição.
à obesidade (Deluchi et al., 2013; APA, 2014). A questão 13 demonstrou que 30% dos participantes
As respostas às questões 10 a 17 da entrevista são apresentam um sentimento de injustiça devidos às restri-
representadas na Figura 1. As questões 10, 11 e 12 ava- ções que precisam impor em sua alimentação, enquanto
liam, respectivamente, a disposição do sujeito para mudar que as demais pessoas (não obesas) podem comer em
hábitos alimentares e de fazer exercícios físicos (10); maior quantidade e variedade. Esses participantes men-
revelar às pessoas que são importantes para ele que está cionaram ainda que se sentem muito ou moderadamente
mudando a maneira de se alimentar e priorizar exercícios desanimados enquanto estão fazendo dieta, na proporção
físicos (11); comprar alimentos que fazem parte da sua de 30% e 20%, respectivamente e, predominantemente,
dieta e preparar comidas saudáveis (12). As questões 13, os participantes mencionaram que se sentem privados
14, 15, 16 e 17 são, em sequência, sobre a frequência que de coisas boas devido ao seu peso, como comer doces,
o indivíduo se sente injustiçado por não poder comer o frituras e massas, as quais, segundo eles, são comidas
que e quanto os outros comem (13); a frequência com saborosas e prazerosas, mas que não fazem parte da sua

Figura 1: Número de respostas fornecidas às questões 10 a 17

Fonte: Autoria própria.

Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016


10 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

dieta. Além disso, as questões 16 e 17 evidenciam que, dades físicas e às campanhas voltadas para saúde física e
embora os participantes acreditem que fazer dieta valha ao corpo saudável. Em decorrência de sua autoimagem
a pena (Questão 17), eles julgam ser muito difícil fazê-la disfuncional e a sua autoestima baixa, as pessoas obesas
(Questão 16). tendem a não selecionar os alimentos que comem, o
Má alimentação e inatividade física são fatores co- que impossibilita que as mesmas façam uma alimentação
mumente apresentados em indivíduos obesos (Deluchi et baseada em alimentos saudáveis e ricos em nutrientes e
al., 2013; APA, 2014; Brasil, s/d). Dados do Ministério também que sejam adeptas de práticas que os ajudariam
da Saúde apontam o aumento gradativo do consumo de na qualidade de vida e na aparência, como os esportes. Os
alimentos de alta consistência energética e as mudanças nos indivíduos obesos tendem a não se cuidar, esquivando-
modos de vida e do trabalho como fatores ambientais que -se de tudo aquilo que poderia ser útil para sua saúde
favorecem o aumento da obesidade no país (Brasil, 2006). (Silva, 2001).
Bernardi, Chichelero e Vitolo (2005) mencionam As respostas às questões 18 a 26 da entrevista
que a maneira de se alimentar é um dos fatores de sofri- são representadas na Figura 2. A Questão 18 é sobre
mento do indivíduo obeso, uma vez que este indivíduo a frequência com que o sujeito pensa “Eu realmente
apresenta uma depreciação da própria imagem física, o preciso comer alguma coisa agora”; a Questão 19 aborda
que gera sentimentos de insegurança e insatisfação ao não a frequência que o sujeito fica em dúvida se realmente
conseguir se engajar em dietas ou manter a perda de peso. está com fome ou não; as Questões 20 a 26 avaliam,
Além disso, indivíduos obesos tendem a ter na comida respectivamente, se o sujeito come mais do que deve-
uma importante fonte de prazer. A amostra investigada ria quando está desanimado ou triste (20); se o sujeito
apresenta os aspectos discutidos por estes autores ao come mais do que deveria quando está sozinho ou se
relatar sentimento de injustiça por terem que se privar sentindo solitário (21); se o sujeito come mais do que
de comidas prazerosas e frustração pela dificuldade de se deveria quando está nervoso ou aborrecido (22); se o
engajar em dietas. A amostra ainda apresenta os aspectos sujeito come mais do que deveria quando está evitando
discutidos por Silva (2001), como desânimo e frustração ou adiando algo que sabe que deveria fazer (23); se o
por não se enquadrarem no padrão de corpo ideal e pela sujeito come mais do que deveria quando está cansado
falta de autocontrole diante de alimentos e dietas. (24); se o sujeito come mais do que deveria quando não
Os resultados obtidos na amostra confirmam o que está se sentindo bem fisicamente (25); e se o sujeito
foi dito na literatura utilizada, a qual demonstra que as come mais do que deveria quando está com muita fome
pessoas obesas se tornam aversivas às práticas de ativi- ou vontade de comer (26).

Figura 2: Número de respostas fornecidas às questões 18 a 26

Fonte: Autoria própria.

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Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental 11

As respostas a essas questões apontam que, no que emocionais negativos, diante dos quais, pela falta de ha-
concerne ao impulso por alimentar-se (Questão 18), hou- bilidades de enfrentamento eficaz e apoio psicossocial,
ve ampla variação individual nas respostas, porém, 30% o indivíduo rompe o autocontrole e se engaja em um
dos participantes mencionaram que frequentemente têm comportamento alimentar excessivo (Oliveira & Fonseca,
dúvidas sobre se realmente estão com fome (Questão 19). 2006; Loli, 2000; Bernardi, Chichelero & Vitolo, 2005).
Quanto à relação de alimentar-se em estados psicológicos No caso da amostra selecionada, esses dados se
ou físicos desagradáveis, 20% dos participantes menciona- confirmam parcialmente, pois a maioria dos participantes
ram que sempre comem mais quando estão desanimados relatou que não come mais em situações psicológicas ou
ou tristes (questão 20), sozinhos ou solitários (questão físicas adversas, o que pode indicar que esses indivíduos
21), nervosos ou aborrecidos (questão 22); 20% dos não têm compulsão alimentar, mas sim um padrão con-
participantes relataram que frequentemente comem mais tínuo de alimentação inadequada e excessiva. Contudo,
quando estão evitando ou adiando afazeres e 30% dos como se verá mais adiante, a maioria dos participantes
participantes afirmaram que sempre comem mais do que apresentou sintomas de ansiedade no BAI e estresse no
deveriam quando estão com muita fome ou vontade de ISSL. Dessa forma, a hipótese da relação entre dificulda-
comer. Os participantes negaram ingerir mais alimentos des psicológicas e o aumento da alimentação ainda pode
quando estão cansados ou não estão se sentindo bem ser considerada válida para esta amostra.
fisicamente (questões 24 e 25). Com respeito aos aspectos cognitivos disfuncionais
Pode-se observar pelos dados que de 20 a 30% dos da obesidade, a frequência com que os participantes
participantes fazem maior ingestão de alimentos em esta- têm pensamentos sabotadores da dieta é apresentada na
dos psicológicos ou físicos desagradáveis, predominando a Tabela 2. Esses pensamentos foram obtidos através das
falta de autocontrole na ingestão de alimentos nos estados respostas dos participantes ao seguinte questionamento:
psicológicos desagradáveis de tristeza, solidão, irritabili- “Quando você vê alimentos que não poderia comer, com que fre-
dade e no estado físico de sensação de fome ou apetite. quência você pensa: ‘Bem, não tem importância comer isto porque?
Diversos autores argumentam que a maioria dos ”, sendo oferecidas diversas opções de respostas a essa
indivíduos obesos come para compensar ou resolver questão, nas quais os participantes avaliaram a frequência
algum problema ou dificuldade que esteja passando, com que pensam dessa forma. Por exemplo, uma das op-
especialmente como recurso compensatório para suprir ções de resposta à questão seria o pensamento “não tem
situações de tristeza, depressão, ansiedade e raiva. Além importância comer isto porque não é um pedaço inteiro”.
disso, há concordância na literatura a respeito de que é Conforme se pode ver na Tabela 2, 3,8% dos parti-
comum que a alimentação em indivíduos obesos tenha cipantes têm alguns desses pensamentos sempre e 1,8%,
a função de preencher vazios emocionais resultantes têm alguns desses pensamentos frequentemente. Esses
de problemas interpessoais, de trabalho ou em estados pensamentos e crenças disfuncionais são fatores de vul-

Tabela 2: Respostas às questões 27 e 28, “Quando você vê alimentos que não poderia comer, com que frequência
você pensa: ‘Bem, não tem importância comer isto porque...’”.

Algumas
Questões Nunca Raramente Frequentemente Sempre
Vezes
Não é um pedaço inteiro 02 01 00 00 05
Não é tão calórico 02 01 02 02 03

Posso começar a dieta amanhã novamente 01 01 02 01 05

Só uma vez não faz mal 01 01 02 01 05


Seria um desperdício ninguém comer isso 03 00 01 02 04
Ninguém está vendo 05 04 00 00 01
Eu já paguei por esta comida 08 01 00 00 01

Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016


12 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

Tabela 2: Respostas às questões 27 e 28, “Quando você vê alimentos que não poderia comer, com
que frequência você pensa: ‘Bem, não tem importância comer isto porque...’”.
(continuação)
Algumas
Questões Nunca Raramente Frequentemente Sempre
Vezes
Eu não me importo 05 01 00 02 02
Eu realmente quero comer 04 01 01 03 01
Eu mereço uma recompensa 07 00 02 01 00
Estou comemorando 04 01 02 01 02
Não tenho força de vontade bastante para
04 01 03 01 01
não comer

Eu já “trapaceei”, ou seja, já quebrei a dieta


03 00 03 00 04
mesmo

As pessoas podem me achar esquisito (se


06 01 01 01 01
eu não comer como elas)

Se eu comer, posso desagradar alguém 07 01 00 02 00

Ninguém me falou para não comer 08 01 00 00 01

Todos estão comendo 06 00 01 01 02

Fonte: Autoria própria.

nerabilidade cognitiva que prejudicam o emagrecimento e Os sintomas de ansiedade, depressão e estresse


favorecem a manutenção da obesidade. Percebe-se, ainda foram investigados através dos inventários BAI, BDI
que parte significativa da amostra possui pensamentos e ISSL, respectivamente. Em relação aos resultados do
sabotadores em relação à reeducação alimentar. BAI, 60% dos participantes apresentam ansiedade em um
Esses pensamentos e crenças disfuncionais atrapa- nível grave, 20% em um nível moderado e 30% em um
lham tanto o engajamento quanto a continuidade de uma nível mínimo. Já em relação aos resultados do BDI, 20%
dieta, pois eles são semelhantes às armadilhas cognitivas, apresentaram depressão em um nível moderado, 30% em
apresentadas por Silva (2001). Por exemplo, acreditar que um nível mínimo e 50% em um nível leve.
é possível comer algo porque não é um pedaço inteiro, Quanto ao ISSL, os resultados demonstraram que
porque é possível sair um pouco da dieta e no outro dia 30% dos participantes não apresentam estresse; 60% se en-
continuá-la normalmente, pensar que por ter tido um contram na fase de resistência; 10% se encontram na fase
lapso a dieta já foi totalmente quebrada ou que seria um de quase exaustão. O fato de 60% dos participantes estar
desperdício não comer algo, são formas perigosas de na fase de resistência pode ser uma estatística preocupan-
pensamento, pois caracterizam-se como as crenças faci- te, já que podem estar evoluindo para a fase de exaustão.
litadoras que motivam e autorizam o comer, discutidas Os dados do ISSL demonstram que os participantes têm
por Deluchi et al. (2013). Esses pensamentos e crenças sintomas significativos de estresse, com uma sintomato-
atuam no sentido de, tanto facilitar o comportamento logia predominantemente psicológica, porém apresentam
alimentar disfuncional, quanto dificultar o engajamento também muitos sintomas físicos, indicando uma possível
em padrões alimentares e de vida saudáveis, isto é, atuam vulnerabilidade mista ao estresse. Como possuem muitos
na manutenção da obesidade.
Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016
Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental 13

sintomas característicos da fase de exaustão, pode-se con- gica. Indivíduos obesos criam uma imagem depreciativa
cluir que o estresse está em fase de evolução. de si mesmos e, pelo fato de não conseguirem manter a
Os resultados obtidos confirmam o que foi descrito perda de peso, eles podem se tornar inseguros, sem con-
pela literatura a respeito de que na maioria das vezes fiança nas suas ações, acabando por se isolar socialmente.
existe uma forte ligação entre a obesidade e ansiedade, O isolamento social é um problema que merece atenção,
estresse e depressão. Nesta amostra, especificamente, os pois a partir do momento que o indivíduo obeso se iso-
dados foram relevantes para os sintomas de ansiedade e la, evitando o convívio social, sua única fonte de prazer
estresse. Embora por relato pessoal no questionário so- será a comida. Como discutido por Bernardi, Chichelero
ciodemográfico 30% dos participantes tenha mencionado e Vitolo (2005), a comida seria uma saída prazerosa na
ter depressão previamente diagnosticada, na avaliação pelo tentativa de resolver os seus problemas e frustrações.
BDI apenas 20% dos participantes apresentou sintomas Dessa forma, a amostra demonstrou o que foi des-
moderados de depressão no momento presente. crito pela literatura baseada em vários estudos nacionais e
Conforme os autores discutidos na literatura, os sin- internacionais, segundo os quais as pessoas obesas geral-
tomas de ansiedade e estresse apresentados pela amostra mente possuem um alto nível de ansiedade, de estresse e
podem ser tanto antecedentes quanto consequentes do pensamentos disfuncionais relacionado à percepção de si
padrão alimentar inadequado, isto é, as pessoas obesas e ao seu padrão alimentar, além de comportamentos que
podem comer excessivamente como uma forma de obter reforçam a inadequação alimentar, como o sedentarismo e
alívio emocional, porém, ao experimentarem culpa pelo má alimentação. Assim, tanto a amostra como a literatura
seu padrão alimentar e sofrerem isolamento social por utilizada apontam para a importância dos aspectos psico-
não se enquadrarem no padrão de beleza da sociedade, lógicos no desenvolvimento e manutenção da obesidade
isso pode intensificar seu estresse e ansiedade, assim (Oliveira & Fonseca, 2006; Loli, 2000; Ades & Kerbauy,
como os sentimentos de tristeza e solidão apresentados 2002; Perez & Romano, 2004; Bernardi, Chichelero &
em menor proporção na escala BDI (Cade et al., 2009; Vitolo, 2005; Silva, 2001).
Cataneo et al., 2005; Perez & Romano, 2004; Vasques, Dessa forma, fica evidente que os aspectos psicoló-
Martins & Azevedo, 2004; Martins, 2012; Bernardi, Chi- gicos exercem um papel importante no desenvolvimento
chelero & Vitolo, 2005; Claudino & Zanella, 2005). e manutenção da obesidade, devendo, portanto, ser
A ansiedade é um fator que contribui bastante para levados em consideração no seu tratamento. Conforme
os comportamentos disfuncionais das pessoas obesas, Vasques, Martins e Azevedo (2004) e Cataneo et al. (2005)
pois os indivíduos que possuem um alto nível de ansie- argumentam, esses dados evidenciam a complexidade e
dade e estresse procuram formas de aliviá-la através da o aspecto multifatorial da obesidade, demandando inter-
alimentação pelo efeito do reforço negativo (Silva, 2001). venções multidisciplinares para lidar com esta condição.
Cataneo et al. (2005) concordam que a ansiedade e o Desse modo, não é possível propor intervenções eficazes
estresse são bastante comuns em indivíduos obesos. Para para tratar a obesidade sem dar a devida importância às
esses autores, a ansiedade e o estresse favorecem que os crenças, pensamentos e sentimentos que envolvem o in-
indivíduos criem hábitos de vida não saudáveis para si, divíduo obeso, pois, sem que o indivíduo modifique suas
prejudicando sua saúde como um todo. Contudo, o efeito crenças, sentimentos e autoimagem, ou seja, sem que ele
da alimentação na redução da ansiedade e do estresse é deixe de pensar e agir disfuncionalmente, a intervenção
momentâneo gerando um ciclo de retroalimentação. pode ser incompleta ou totalmente ineficaz, dado o alto
Cataneo et al. (2005) mostram que é possível índice de retorno aos padrões alimentares inadequados.
identificar razões emocionais e psicológicas importantes É nesse âmbito que a Terapia Cognitivo-
no surgimento e na evolução da obesidade, de modo Comportamental se mostra importante no tratamento de
que esses aspectos psicológicos criam uma grande carga indivíduos obesos. Como já dito, esse modelo terapêutico
emocional para a pessoa obesa. Nesse sentido, a amostra tem como objetivo extinguir os comportamentos que
estudada demonstra que 70% dos participantes se sentem são prejudiciais e indesejáveis ao sujeito, tendo como
com baixa autoestima e esse resultado confirma a carga principal foco as crenças e os pensamentos que sustentam
emocional que é comum fazer parte da vida das pessoas os comportamentos alimentares disfuncionais. Como
que sofrem com obesidade. a literatura demonstra, a TCC pode e vem dando
O fato das pessoas obesas sofrerem discriminação e contribuições significativas nos tratamentos que visam
preconceito social intensifica ainda mais a carga psicoló- ajudar pessoas que sofrem com obesidade. Há fortes

Mudanças – Psicologia da Saúde, 24 (1) 1-14, Jan.-Jun., 2016


14 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

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Fatores psicológicos da obesidade e alguns apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental 15

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16 Ana Carolina Rimoldi de Lima; Angélica Borges Oliveira

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