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Um Contra Cinco

O
homem entrou no bar e anunciou:

─ Isto é um assalto.
Numa das poucas mesas ocupadas, um outro sujeito, acompanhado de
mais dois, ergueu-se e disse:
─ Não faria isso se fosse você, meu rapaz. Acho que gostaria de ver o
sol nascer amanhã.
─ É você quem vai impedir? ─ disse o assaltante, apontando a arma na
direção do outro.
─ Nós vamos impedi-lo. Antes que dê o segundo tiro será um homem
morto. Quer experimentar?
─ É melhor nem tentar, moço ─ disse, por trás do balcão, o dono do bar.
─ O homem é o diabo com uma arma. Pode mandá-lo para o inferno em
menos de um segundo.
─ Não pedi a sua opinião ─ disse o assaltante. Mas parece que mudara
de idéia quanto ao assalto, embora crescesse em ódio contra o agressor.
─ Ou você é cego ou é algum idiota que não te amor à vida. Ok; vou ser
claro. Isto que vê em minha mão é uma pistola. Que, por sinal, está
carregada. E, para sua informação, está engatilhada e prestes a cuspir fogo.
E você será o primeiro a aprender que um homem armado e em vantagem
deve ser respeitado.
─ Então fique sabendo, seu patife, que está no meio de uma roleta russa.
Atire em Steve Grant e terá ganhado a batalha. Mas acerte outro que não
seja ele e pode dar adeus à vida. O que escolhe? Todavia, há uma chance de
sair ileso. Largue a arma e se entregue. O máximo que poderá acontecer é
pegar cadeia por assalto a mão armada.
─ Não pense que sou imbecil! ─ disse o assaltante. É claro que já sei
qual de vocês é Steve Grant.
─ Então por que não nos mata e cai fora com a grana; não é isso o que
quer?
─ Exatamente; mas a forma como isso vai ser feito sou eu quem decide.
Passe a grana, baixinho. E não tente nenhum truque ─ disse, estendendo a
mão em direção ao homem atrás do balcão, mas sem tirar os olhos dos
outros três em volta da mesa. O que estava de pé permanecia na mesma
posição.
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─ Sente-se! ─ disse o assaltante. O homem obedeceu. O baixinho então,
abrindo a caixa registradora, tirou um bolo de notas.
─ Não tente bancar o espertinho, Eu sei que tem mais, eu quero tudo
que tem aí. ─ O homem pegou mais um bolo de notas e passou ao bandido.
─ Tudo! Eu disse ─ vociferou estrondosamente. Outro punhado foi-lhe
passado.
─ Agora sim. Admiro pessoas inteligentes ─ disse, enfiando o último
bolo de notas pelo pescoço para dentro da jaqueta.
─ É muito corajoso, tenho que admitir ─ disse um dos homens da mesa.
Aparentava idade um tanto avançada. Tinha barba e cabelos brancos e
permanecia o tempo inteiro na mesma posição: de pernas cruzadas e
agarrado a uma caneca de cerveja.
─ Penetrar num recinto como este a esta hora da noite ─ continuou o
barbudo ─, é realmente um ato de grande bravura e atrevimento. Contudo,
não garanto que saia vivo desta. Nossa cidade não tolera os malfeitores. Já
está em má situação pelo crime de assalto. O xerife Thompson vai metê-lo
na cadeia por isso. Atreva-se a matar um de nós e vai acabar pendurado em
uma corda em praça pública.
─ Cale essa boca, velhote! Ou lhe meto uma bala goela abaixo para
nunca mais ser tão falador. Se pensam que entrei aqui, arriscando a pele,
por causa de alguns centavos de dólares, estão enganados. Acho que não
preciso ir mais longe. Já sabem a que eu me refiro.
Os quatro homens entreolharam-se nervosamente. Um deles, magro e de
bigode, encarou o velhote de uma forma um tanto estranha, o que causou
suspeita ao assaltante, que ordenou.
─ Você, magrelo. Levante daí com as mãos na cabeça. E sem nenhum
truque engraçadinho. ─ O homem exibiu uma arma na cintura ao ficar de
pé. O assaltante então deu outra ordem, desta vez ao dono do bar.
─ Saia daí de trás e vá até o magricela. ─ Ele obedeceu e, seguindo
orientações e sob mira, tirou, com a mão esquerda, a arma do outro e
lançou-a próximo aos pés do assaltante. Este se abaixou para pegá-la.
Agora, empunhando dois revólveres, disse:
─ Reviste-o, deve ter no bolso um molho de chaves.
─ Não é preciso. Poupe o seu trabalho ─ disse o magricela, tirando do
bolso as chaves e entregando-as ao baixinho.

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─ Ok, jogue-as. Estas caíram, também, a seus pés. Abaixou-se com
muito cuidado, sem tirar deles os olhos, e meteu as chaves no bolso.
Continuou ordenando.
─ Agora desarme também os outros. Com muita cautela e sem truques.
Não vou hesitar em atirar se preciso for. ─ mais três revólveres foram
recolhidos.
─ Traga-os para cá. Muito bem. Coloque-os em cima do balcão.
─ O que pretende fazer agora? ─ disse o homem que primeiramente
havia se levantado.
─ Não é da sua conta. Ou melhor, acho que sim, Steve Grant. Ou
prefere que lhe chame “O Caça ouro”?
─ Então me conhece, seu bandido! Saiba que se meteu numa grande
encrenca. Eu trataria de cair fora se fosse você. Ainda está em tempo de
salvar sua pele.
─ Não pedi sua opinião; se quer saber, estou bem a par da sua última
missão. Por mais que tentasse manter sigilo, não conseguiu, não para mim;
não para Rod Benson. Sei tudo a seu respeito. Que foi sua melhor
conquista. Quinze quilos de ouro! Bem guardados no cofre da delegacia, de
onde seguem esta madrugada para o Banco Central. Quer que dê mais
detalhes?
─ Não, é o suficiente. Já deu para ver o louco que é se está pensando em
apoderar-se deste outro. E, sozinho, do jeito que estou vendo.
─ Aí é que se engana, meu caro. Tenho alguém para fazer isso para
mim.
─ Por que está me olhando? ─ perguntou o dono do bar, ao lado de Rod,
encostado ao balcão.
─ Acho que gostaria de ver sua féria de volta ─ disse o assaltante. ─
Tem um bocado de dinheiro aqui, meu caro. Este é o seu melhor dia da
semana, não é mesmo?
─ Não dê ouvidos a ele, Larry.
─ Cale a boca! ─ berrou Rod ao magricela que dissera esta frase. Saiba
que vai participar também, pois é o único que conhece a combinação do
cofre. ─ O magricela ficou pálido. Também Steve mostrou-se nervoso e
preocupado, pois certificou-se de que Rod realmente planejara com
detalhes todo o plano.
─ Pode ficar com o dinheiro ─ disse Larry. Não vou ser conivente com
um bandido. Além do mais, não quero problemas com a polícia.

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─ Então, você escolhe, idiota ─ disse Rod, encostando uma das armas
em sua cabeça ─, ou colabora ou vai para o inferno agora mesmo. ─ E
prosseguiu, ante a cara espantada do outro.
─ Onde tem uma corda?
─ Deve ter uma atrás do balcão, numa das prateleiras.
─ Muito bem. Pegue-a e amarre Steve Grant com o velhote costa com
costa. Terminado o serviço, elogiou:
─ Bom trabalho, estou satisfeito.
─ Ainda hei de passar sobre o seu cadáver, seu desgraçado! ─ disse,
cheio de ódio, o velhote, contorcendo-se inutilmente para se desvencilhar
dos nós.
─ Não adianta, imbecil. Quanto mais se mexer, mais preso irá ficar.
─ Acalme-se, Kurt. Este patife não vai muito longe. Ninguém sai ileso
após mexer com Steve Grant.
─ Sirva-me um trago ─ disse Rod. Larry rodeou o balcão para o lado de
dentro, pegou da prateleira uma garrafa de uísque, encheu um copo e
despejou uma dose. O assaltante virou-a de uma só vez na garganta e olhou
para o relógio no alto da parede. Do lado de fora a escuridão acentuada
denunciava o avançado da hora. O relógio marcava dez e meia.
─ Mais 30 minutos e teremos a visita rotineira do querido xerife desta
cidade.
─ Nem sempre vem à mesma hora. Às vezes fica até mais tarde na
delegacia. Costuma trabalhar à máquina de escrever.
─ Só em caso de ocorrências ─ falou o magricela, de uma cadeira
próxima aos amarrados.
─ E como foi o dia de hoje? ─ quis saber Rod. O outro nada respondeu.
─ Acho que entendeu muito bem minha pergunta, se não está surdo.
─ Normal como nos outros dias ─ respondeu, finalmente.
─ Isso significa que não houve ocorrência. É uma cidade mesmo pacata
─ concluiu Rod.
Aos poucos ia o silêncio tomando conta do ambiente. As batidas do
grande relógio tornando-se mais dominantes e perceptíveis. Rod tomou
outras doses do uísque a sua frente. Os dois amarrados tinham suas cabeças
pendidas sobre o peito. Vencidos que estavam pelo cansaço e o tédio da
posição. Larry procurou uma cadeira e acomodou-se, também. Uma
quietude lúgubre e monótona pervagou no ambiente.

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─ Já deve estar chegando. Passe para aquele canto ─ ordenou Rod ao
magricela. ─ E você, para trás do balcão ─ dirigindo-se a Larry. Foi até a
janela e confirmou a aproximação do xerife. Colocou-se atrás da porta.
Antes que esboçasse qualquer reação ao ver a cena, sentiu, o xerife, na
nunca, o cano de uma arma.
─ Muito bem. Erga as mãos e não tente ser esperto.
─ Quem é você e o que quer?
─ Isso não interessa agora. Quanto à segunda pergunta, já tem a resposta
bem aqui na minha mão ─ disse, exibindo um molho de chaves que acabara
de tirar do bolso de sua vítima.
─ Vai pagar caro por isso, pilantra!
─ Parece que já ouvi isto hoje, mas não tem problema. Sente-se! ─ E
ordenou ao magro de bigode que juntasse e amarrasse em duas cadeiras,
costa com costa, Larry e o xerife. Feito isso, apagou as luzes e saiu com o
outro, sempre sob a mira do seu revólver, pelo canto mais escuro da rua em
direção à delegacia.
─ Abra! ─ disse, ao chegarem, entregando o molho de chaves.
─ Não acenda a luz ─ disse, já do lado de dentro e tirando do bolso uma
lanterna. Subiram uma escada em caracol e deram numa saleta minúscula
com um sofá, uma mesa redonda com duas cadeiras e, em um dos cantos,
ao lado de uma janela, um cofre grande sobre um tapete avermelhado.
─ Abra esta coisa! ─ ordenou Rod
─ E se não o fizer? ─ disse corajosamente o homem magro.
─ Pode considerar-se um homem morto.
─ E você pode considerar-se um ladrão fracassado, visto que vai morrer
comigo o segredo.
─ Devo admitir que tem razão. Aonde quer chegar?
─ Muito simples. Eu dou a combinação e dividimos a grana.
─ Ok. Faz sentido; então abra.
─ Como vou saber que não irá me matar em seguida?
─ É um risco que terá que correr, amigo. Vamos! Já estou ficando
impaciente.
O homem magro girou a combinação e expôs aos olhos apatetados do
outro, três sacos contendo ouro.
─ Aí tem o que queria. Agora, o combinado.

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─ Combinamos alguma coisa? Eu não me lembro. E desferiu violenta
coronhada no magricela que tombou sobre a mesa e depois no chão,
desacordado.
Pegou os três sacos e enfiou em um maior que tirou do bolso do
sobretudo. Desceu as escadas, abriu a porta e ganhou a rua, desaparecendo
no breu da noite silenciosa.

No Caminho das Caravanas

– Então, como se sente hoje o nosso herói?


A jovem enfermeira cumprimentou-me desta forma ao entrar sorridente
no quarto. Há pouco, quatro badaladas fizeram-se soar no relógio da parede
bem em frente ao leito que por oito dias me abriga. Meu nome é Josh Burn.
Não fosse a paisagem tranquila, que através da janela me é dado
contemplar, não sei se suportaria a lentidão e o tédio destes enormes
ponteiros. A lembrança do que passei, somada àqueles dias intermináveis,
me deprime profundamente. Atravessar quilômetros de um terreno árido e
assassino, enfrentar a fome e a sede e um incomparável medo da morte.
Passei por tudo isso na mais difícil batalha da minha vida. Se fosse um
pouco mais ousado. Se tivesse utilizado a coragem no lugar da covardia ou
a atitude firme no lugar da indecisão, talvez não me encontrasse agora
sobre este leito solitário a maldizer minha sorte.
Era, porém, a manhã de um dia especial por ser dedicado às visitas. Qual
não foi minha surpresa quando, finda a frase da enfermeira, surge na porta
Roger, meu melhor amigo. Viera de Nova York a Boston especialmente
para esta visita. Sei do sacrifício que devia estar fazendo ao largar seus
incontáveis afazeres de um grande empresário que é. Era esta uma a mais
entre as inúmeras provas de amizade que Roger me fornecera durante a
vida. Não contive as lágrimas ao abraçá-lo. Sentado no leito, olhava em
seus olhos que demonstravam ternura, mas também um pouco de piedade.
As enormes sobrancelhas de Roger eram o seu traço principal quando ele

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sorria, como fazia agora. Elas se expandiam, tomando grande parte da testa.
Roger era só simpatia.
– Ora! Mas este não é o melhor jeito de receber o amigo que há tanto
tempo não o vê – disse num tom carinhoso, apertando-me o ombro e dando
uma sacudidela como para transmitir-me ânimo. A um pedido seu e vendo
quão bem eu me movimentava, permitiu-nos a enfermeira uma saída do
quarto. Levantei-me com cuidado, pois tinha engessados uma perna e um
braço, e sentei-me em uma cadeira de rodas. Meu amigo agradeceu e,
dispensando a moça, conduziu-me para fora. Tomamos um longo corredor
e fomos para um jardim na parte de trás do prédio. Havia ali outros
pacientes junto as suas visitas. O gramado era amplo, com algumas
cadeiras que iam e vinham conduzidas entre as árvores espaçadas. O clima
de fim de tarde era ameno e o sol incidia suave sobre o verde das plantas e
a água dos chafarizes. Roger encostou a cadeira a um dos bancos e sentou-
se. Assim, de frente um para o outro, podíamos conversar tranquilamente.
– Temos mais de meia hora – disse, olhando em um pequeno relógio
que tirou do bolso da calça. – Porque saiu de Boston e veio arranjar esta
aventura neste fim de mundo? – Estávamos em Kansas City.
– Você sabe que eu não tinha mais alternativas após o incêndio em
minha fazenda; estive à beira da falência. Você conheceu o delegado de
Blue Springs? Sempre foi de minha inteira confiança e o que me propôs era
irrecusável na situação em que me encontrava.
– Concordo com o que diz. Porem, não desconhecia o perigo
representado pelo trabalho das caravanas. Reconheço que o transporte de
ouro entre aquelas cidades é o que há de mais lucrativo atualmente e por
levar em conta o grande risco.
– Nosso erro maior foi não ouvir o Frank e concordar com Tracy no
meio do caminho quando sugeriu que pegássemos aquele atalho. E o pior é
que sabiam dos ataques que já ali haviam ocorrido. E, para nossa desgraça,
fomos enguiçar logo naquele trecho.
– Sei que é duro para você, mas quer contar como tudo aconteceu?
– Conduzíamos ouro em boa quantidade. A provisão era mais do que
suficiente para os dois dias até alcançarmos Riverside. Enquanto
concertavam a roda, afastei-me do grupo, levado pela beleza esfuziante do
lugarejo. Havia um lago bem a nossa frente e que não era pequeno. Levava
comigo algumas garrafas vazias; lembro que me sentei à beira deste lago.
Foi quando, ao lançar o olhar para trás, alertado pelo galope louco de um

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bando de índios, joguei-me atrás de uma moita e passei a mero espectador
da terrível cena que não sai da minha cabeça. Eles eram dezenas a brandir
suas lanças e, em fúria e algazarra, atacaram e trucidaram um a um meus
companheiros. Cinco vidas, cinco esperanças disseminadas em um piscar
de olhos. E o mais triste é que ocorreu diante da minha visão alarmada e
impotente. Eu estava entre o lago atrás de mim e alguns pinheiros que me
davam certa proteção. Precisei continuar escondido a temer por minha sorte
pois, finda a carnificina, ainda dois sujeitos permaneciam ali, após a
debandada dos outros. Eles eram de alguma tribo desconhecida para mim.
Os enormes penachos esverdeados sobre as cabeças raspadas na nuca e
ambos os braços carregados de braceletes coloridos indicavam um grupo de
temíveis guerreiros. Além disso, ostentavam, em várias partes do corpo,
especialmente no peito e nas costas, pinturas no tom avermelhado e preto.
Suas lanças eram de um dourado peculiar, porém, mais curtas do que o
normal. De repente, um deles virou-se e começou a caminhar na direção
em que eu me encontrava. Por sorte, os pinheiros eram abundantes e
ficavam em nível superior ao do lago. Eu estava abaixado à margem da
água quando o selvagem se aproximou. Não tinha como me esconder.
Estávamos menos do que dez metros um do outro. A única arma que eu
carregava era uma faca presa à cintura. Ele brandiu a lança. Foi então que
mergulhei no lago, certo de que encontraria a morte espetado pelas costas,
mas tal não ocorreu. Segui nadando desesperado e, sem olhar para trás,
alcancei a outra margem. O cansaço era tal que nada mais queria além de
permanecer sentado e reaver meu fôlego.
O que me deixou surpreso, mas não menos amedrontado, foi perceber
que não havia mais perseguição. A visão tornara-se difícil agora devido à
distância, mas podia ver que nem mesmo a carruagem se encontrava por lá.
Por certo, pensei, foram-se, levando o ouro. Tomado de ódio, massacrado
pela fome e pelo cansaço, levantei-me. O sol forte faria secar com rapidez
minhas roupas. Despi-me e estendi à beira do lago, sobre uns arbustos
secos e desfolhados, a calça jeans azul-marinho e uma camisa branca de
malha, as únicas peças que me restaram. Desfiz-me também da cueca preta,
torci-a o mais que pude e voltei a vesti-la. O tênis ficara para trás, mas
faltou-me, àquela hora, coragem para recuperá-lo.
Voltei a sentar na relva. Enquanto esperava, dominado ainda pelo medo
e pela insegurança, revia na mente a terrível cena que me levara os amigos
de que tanto gostava. Oprimido que estava, não foi difícil às lagrimas

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banharem-me o rosto triste e abatido. Não sei por quanto tempo fiquei neste
estado, nu, abandonado e exposto às lanças daqueles temíveis guerreiros.
Precisava fazer alguma coisa, mas faltavam-me forças e os meios. Olhei o
lago. Suas águas eram, agora, com a aproximação do crepúsculo, serenas e
contagiantes. Esta contemplação fez efeito em meu estado e eu me levantei.
Não poderia ficar sem meus sapatos e minha faca. Sendo assim, livrei-me
da cueca e, como vim ao mundo, mergulhei.
Ao alcançar a outra margem vi, junto a sua lança e caído de bruços, o
temível selvagem. Uma das mãos e parte da cabeça estavam submersos.
Algumas penas do seu cocache bailavam na água calmante do lago. Saí da
água e aproximei-me para olhar o corpo. Dois ferimentos à bala
perfuraram-lhe o pulmão e o coração.
– Josh! Josh! Pelo amor de Deus, me ajude.
Reconheci a voz de Victor, fraca e abafada. Como uma flecha, ergui-me e
fui até onde ele estava. Examinei seu ferimento. Tinha uma perfuração de
lança no lado direito do tórax, felizmente, não muito profunda, mas havia
sangrado muito e urgia cuidados imediatos.
– Lutamos e ele me acertou. Precisamos sair daqui imediatamente, Josh.
Se não puder comigo, fuja, companheiro!
– Onde está ele? – perguntei, nervosamente.
– Caiu fora na carruagem, mas não deve ter ido muito longe, meti-lhe
duas balas no couro.
– Tudo bem. Agora, fique quieto, já volto.
Consegui fazer parar o sangramento de Victor. Tirei com cuidado sua
camisa encharcada de vermelho e fiz com ela tiras, improvisando ataduras.
Saquei, de seu próprio bolso, um vidro de uísque, pois sei que não vivia
sem ele, e dei-lhe alguns goles. Arrastei-o para debaixo de umas árvores e
ele descansou, após comer algumas frutas que consegui nas proximidades.
Logo adormeceu.
Não era comum às caravanas escolherem como suas rotas aquele pedaço
de estrada. Embora fosse um atalho cuja escolha trazia enormes benefícios
aos transportadores de ouro e outros valores, somente os mais temerários
ou os mais incautos incluíam-na em suas rotas. Eu precisava pensar num
meio rápido e seguro de sair dali com Victor. Por isso, considerei a
possibilidade de reavermos a nossa carruagem. Poderia estar, a esta hora,
em poder daquela tribo ou, se tivéssemos sorte, virada ou espatifada contra
alguma árvore do caminho. Completamente nu, embora fosse isto o que

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menos importava em meio àquela situação, não me sentia à vontade, muito
menos pronto para empreender qualquer espécie de busca. Tinha que pegar
minhas roupas, mas como retornar dentro delas? Calculando o perímetro do
lago, vi que teria enorme percurso a caminhar se quisesse retornar por terra
firme. Porem, maior era a preocupação em ter que deixar Victor entregue à
própria sorte durante minha ausência. Ainda sem a solução em mente, dei
alguns passos até o lago e mergulhei.
Braçadas tensas e apressadas fizeram-me alcançar a outra margem. Em
lá chegando, descansei alguns minutos e, satisfeito, vesti minhas roupas.
Não havia outra coisa a fazer senão dar a volta e foi o que fiz sem muito
pensar, pois já se insurgia a noite. Como estava descalço, cuidei ao ver
onde pisava. Já que o caminho entre as árvores se apresentava coberto de
folhas em muitos trechos e, portanto, inóspito e perigoso. Cheguei sem
problemas e encontrei Victor ainda na mesma posição; dormia
profundamente. Como havia sido penoso e dolorido aquele dia! Ainda
agora me pergunto como consegui, após tudo que havia visto e passado,
encontrar forças para manter-me de pé. Vencido pelo cansaço extremo,
deitei-me ao lado de Victor e logo adormeci. O calor era insuportável e os
mosquitos zuniam em volta das nossas cabeças. Isto me fez despertar várias
vezes. Para piorar a situação, Victor teve febre, tão alta que o fazia delirar.
Passei parte da noite em vigília, zelando por sua saúde, usando compressas
frias sobre sua testa, o que fez minorar um pouco o seu sofrimento.
Consegui, então, dormir mais sossegado, já em meio à madrugada.
Todavia, não foi muito longe a minha paz.
Senti algo furando minha barriga e meu peito; acordei sobressaltado.
Qual não foi o meu susto, ao ver, em torno de mim e do meu amigo,
brancas e pontiagudas lanças. Do alto, iluminados pelo raio do sol, que
atravessava as copas das árvores, temíveis rostos selvagens. Suas feições
eram medonhas. Tinham a boca escancarada, pondo à mostra enormes
dentes. As orelhas eram pequenas, assim como suas cabeças. Não usavam
ornatos, mas traziam os cabelos assustadoramente arrepiados. Estavam
descalços e, como trajes, não mais do que uma tanga marrom e plissada. O
chefe deles usava uma tiara vermelha, enfeitada com penas de pavão azuis
e amarelas e um enorme colar carregado de dentes de algum animal
selvagem. Sua fisionomia, entretanto, parecia-me menos ameaçadora. Qual
não foi o meu espanto ao ouvi-lo falar a minha língua.

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– Levante-se – disse, num tom calmo, mas autoritário. Sem outra
alternativa, pus-me de pé, enquanto todos recolhiam as armas. Eram em
número de sete e havia entre eles um, muito jovem, que não devia passar
dos 15 anos. Ficou evidente, para mim, que estavam atrás da carruagem,
pois, certamente, não teriam outro motivo para nos manter vivos, embora
não fossem tão perigosos quanto à outra tribo. – Leve-nos até seu chefe –
falou, tendo agora uma mão na cintura e a outra segurando a lança que
cravara na terra.
– Não temos chefe, estão todos mortos – respondi, sinalizando na
direção em que podia ver os cadáveres dos meus companheiros. Bastante
incrédulo, pelo riso que esboçou, ele caminhou até à beira da estrada e
voltou, desta vez com a fisionomia mais séria.
– Muito bem, onde está a carruagem?
– Se soubéssemos, não estaríamos aqui, certamente.
Ele olhou-me, contrariado. Era muito forte. O corpo totalmente
bronzeado e um jeito altivo, um verdadeiro guerreiro.
A impressão que me causou é que poderia, de alguma forma, confiar
nele e no seu grupo; pareciam amigáveis. E minhas suposições não
tardaram a se confirmar. Minutos mais tarde, encontrávamo-nos em roda, a
trocar informações que pudessem nos conduzir ao encontro do nosso ouro.
Com a assistência e o conhecimento daquele grupo, Victor poderia
considerar-se fora de perigo. Demonstrava animação e grande apetite,
agora. Só então fiquei sabendo como conseguiu se livrar da morte. Como
eu, havia se afastado minutos antes do terrível ataque. Graças à vontade
abençoada de esvaziar a bexiga.
– Enquanto urinava – dizia –, ouvi gritos de guerra e calculei o que
estaria prestes a acontecer. Corri, já de arma em punho e atirando. O
primeiro que acertei foi o selvagem à beira do lago. Ao ver um outro
golpeando Tracy, que morreu terrivelmente, atirei, mas não havia mais
munição. Então, como louco, lancei-me sobre ele que girou rapidamente,
ferindo-me com a lança. Ainda assim, consegui desarmá-lo. Como um raio,
ele correu, sentou-se à carruagem e deu partida. Saquei da cintura de Tracy,
que agonizava, uma outra arma e descarreguei sobre o desgraçado. É certo
que consegui alvejá-lo, pois que, por duas vezes, senti que se contorcera ao
choque das minhas balas. Juro-te, amigo, que rezei a todos os santos para
que me tirassem daquela, enquanto botava sangue, sem forças e já sem

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esperanças. Jamais poderei agradecê-lo por me ter salvo a vida, Josh, muito
obrigado –completou, emocionado.
– Chame Ventania – disse o chefe deles, dirigindo-se ao índio menino.
Este fez com a cabeça uma espécie de reverência e levantou-se. Com dois
dedos entre os lábios emitiu um assobio tão alto e agudo que me fez
estremecer os ouvidos. Ouvi então um galope e, ao me virar, vi um belo
animal, todo branco, com elegante crina acastanhada. Ele chegou
relinchando, jogando para o alto a cauda e coiceando o solo como a
cumprimentar o grupo.
– Leve homem ferido à cabana para descansar e volte com Rocha
Marrom e Lua Pintada, comida e muita munição. – O pequeno lançou-se ao
lombo do cavalo com incrível agilidade e ficou a espera de Victor que me
olhava entre surpreso e assustado. O chefe, percebendo a hesitação do meu
companheiro, levantou-se e disse, estendendo-lhe a mão:
– Vamos, não há o que temer. Além do mais, não há outra escolha se
querem recuperar o ouro perdido. – Victor continuava a me olhar fixamente
e só deu a mão ao índio ao ver-me balançar a cabeça num sim meigo e
encorajador.
Meia hora depois já estávamos, ambos, em nossas montarias a cavalgar
em direção a oeste. Não fomos muito longe como calculara meu amigo. Há
uns trezentos metros de distância avistamos a carruagem. Estava ao lado de
uma rocha. Havia saído da estrada de terra e enveredara por uma trilha de
areia e muitas pedras. Vimos, ao nos aproximar, que uma roda se partira e
ela se inclinara para frente ao bater de lado na rocha. Como previsto, o
selvagem não resistira aos ferimentos e morrera enquanto a conduzia. Seu
corpo ficara horrivelmente posicionado, oferecendo um espetáculo grotesco
e sinistro. Estava pendurado, caído para fora, com as pernas presas ao
estribo da carroça e os braços pendidos, quase tocando o solo. Certamente,
o impacto o projetara dessa forma. Os olhos estavam arregalados e da boca
escorria um líquido branco e nauseabundo. Os abutres voavam já bem
próximos, preparando-se para o lauto banquete. Inspecionamos o interior
do veiculo e, para nossa surpresa, nem sinal do ouro.
– Veja! Estas pegadas são recentes – disse eu, sinalizando para o índio
as marcas de ferradura na areia a nossa frente.
– Vejamos até onde vão – disse ele, já açoitando o cavalo. Fiz o mesmo
e, logo à frente, alcancei as marcas. Eram muitas e misturadas, só deixando
a certeza de que dois cavalos, no mínimo, por ali haviam percorrido.

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Passadas pouco mais de duas milhas, tornou-se impossível acompanhar
qualquer coisa, pois estávamos agora sobre mata rasteira novamente.
Chegamos a um rio, largo, mas com pouca água, facilmente transponível à
cavalo. Olhei para o chefe índio e vi um sorriso de vitória em sua
fisionomia.
– Espere aqui, não me demoro. – Dizendo isso, atravessou a fraca
torrente entre as pedras e desapareceu no declive que se formava do outro
lado entre os pinheirais. Olhei em minha volta. À minha esquerda, uma
trilha escurecida, porém ampla, quase uma estradinha e, à direita, a floresta.
De repente, um grito medonho e abafado. A mim, pareceu vir da trilha. Ao
virar naquela direção senti, no alto da árvore sobre minha cabeça, um
movimento. Era um homem, pronto a lançar-se sobre mim. Eu tinha na
cintura uma faca. Ele era velho e sem muita agilidade; teria, portanto,
tempo de sacar minha arma e liquidá-lo. Preferi, no entanto, fugir a tentar
algo.
Mas, acho que me enganei sobre sua agilidade pois, antes que
manobrasse minha montaria, quase à beira do rio, senti nas costas um
doloroso baque. Caí de mal jeito na água e bati de cheio em uma pedra. O
braço estava torto e a perna esquerda doía, também, terrivelmente. Senti
que era o fim da minha vida quando o sujeito arrancou-me da cintura a
arma e gritou, enfurecido, tendo minha cabeça sob sua mira.
– O ouro! Onde está o ouro? Diga-me, se gosta dos seus miolos.
Não tinha o que responder e nem conseguiria, tamanha era minha dor.
– Ah! Então, se prefere assim – destravou a arma para atirar. Fechei os
olhos. Voltei a abri-los com o gemido abafado que saiu do velhote. Seus
olhos esbugalharam-se; ele ficou lívido. Soltou a arma e caiu por cima de
mim. Novamente gritei de dor e, com o outro braço, o esquerdo, empurrei-
o para a água. Só então vi, em suas costas, profundamente cravada, a lança
do chefe índio.
Olhei para a outra margem e o avistei sobre o cavalo, já vindo em minha
direção. Desmontou e passou a examinar-me. – Vamos para casa; está tudo
terminado – falou, erguendo-me.
– Mas, e os outros, e o ouro?
– Vamos! – repetiu. Não há mais com que se preocupar. Há um preso
em nossa armadilha. Aconselho a não ir vê-lo. Não seria bom para o seu
estômago.
– Ouvi um grito horrível.

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– Sim, fiz para abreviar seu sofrimento e, também, a fome dos urubus.
– Onde estamos?
– Está bem próximo de um descanso e de rever seu amigo e algo mais.
Minha tribo está no fim daquela trilha, a menos de dez minutos de
cavalgada.
Deu um assobio e apareceu o índio menino, na outra margem, sobre o
mesmo cavalo branco. Quando se aproximou, fui colocado em sua garupa e
seguimos, lentamente, pela trilha. Ao fim desta, abriu-se uma clareira e eu
pude avistar a aldeia. Dezenas de choupanas ocupavam enorme área. Eram
brancas, muito novas e muito bem cuidadas. Ao lado de algumas, havia
jardins e, em volta destes, objetos comuns à nossa civilização como baldes,
regadores e enxadas, o que achei muito estranho. Também, alguns índios,
principalmente mulheres, ostentavam roupas e adornos iguais aos nossos.
Fui conduzido a uma enorme cabana com três compartimentos. Victor
estava sentado em numa poltrona. Tomava chá em uma caneca e sentia-se
bem disposto. Deitaram-me sobre um sofá ao lado da entrada.
– Prepare-se para a surpresa – disse meu amigo. O chefe havia sumido
por trás de uma cortina vermelha que separava a sala de outro
compartimento. Quando o menino índio dirigiu-se até a cortina e a
escancarou de ponta a ponta, quase não acreditei no que meus olhos viram.
Dois homens, um branco, barbudo e outro magro e mal encarado estavam
algemados nas costas um do outro e sentados sobre o piso frio da cerâmica.
Ao lado deles, encostadas à parede, as oito sacolas de ouro, intactas, do
jeito que as carregamos para a viatura. Um homem, corpulento e
sexagenário, metido em elegante terno cinza e aparentando bastante
simpatia, foi-me apresentado pelo chefe indígena.
– Este é o Sr. Brad, que há dois meses supervisiona as negociações com
a Gold Union, que é o destino de todo esse ouro.
– Muito prazer, Sr. Burn. Vejo que passaram por maus momentos, mas
agradeçam a Pavão Dourado, grande chefe índio, a sorte de vocês. Ele e
sua tribo é o responsável pelas caravanas que cruzam esta região a caminho
da Gold Union. Lamentamos a morte dos seus amigos, mas não foi por
falta de aviso que pegaram a estrada proibida. Resgatamos o ouro graças à
habilidade deste menino – apontou para o indiozinho – que, ao deixar aqui
o seu amigo, dirigiu-se ao rio e preparou a armadilha. Um dos bandidos
passou a pé e escondeu-se por trás das árvores ao ver o índio e sua
lançáveis em seguida um outro, montado e com as sacolas de ouro e, desta

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vez, foi o pequeno índio quem se escondeu. Foi fácil, após recuperarmos o
ouro, prender estes dois aqui que, certamente, roubados, chegariam àqueles
que os haviam traído.
E assim, amigo Roger, tem você toda a história. Pretendo retornar a
minha doce terra logo que deixe este hospital. Sua visita trouxe-me novo
ânimo e vontade de viver. Não quero mais saber de fazendas ou nada que
se refira à cavalos. Teria eu, por acaso, uma chance em uma de suas
empresas?
– Certamente que sim, amigo. Aliás, quero lhe contar o outro motivo da
minha visita...

A Vingança dos Canibais

Trouxeram o prisioneiro destinado a se transformar em churrasco


pela tribo dos canibais. Juarez fora pego a exatas setenta e duas horas,
ocasião em que o sol a pino facilitara a sua descoberta acampado entre os
rochedos. Chegara com mais quatro aventureiros em busca do metal
precioso. Deixaram para trás a clareira formada pelas constantes explosões
de dinamite. Como consolo para a empreitada conseguiram algumas pedras
raras e valiosas que os não deixariam milionários, mas que renderiam a eles
e as suas famílias o suficiente para alguns anos de fartura e comodidade.
Quando penetraram mata adentro, a ânsia de alcançarem o ponto que
lhes indicava o mapa impedira-os de se precaverem contra prováveis
perigos. Caminhavam feito feras em busca da sua presa. A mata fechada
dificultava a marcha e a cada passo do caminho deparavam com um
obstáculo. Gonzalez era, de todos, o mais experiente e precavido.
– Precisamos abandonar esta trilha. Gorilas traiçoeiros andam por este
lado – disse, fazendo interromper a caminhada os que vinham atrás dele.
Era o que mais desejavam após hora e meia de marcha ininterrupta.
Sentaram-se todos. Gonzalez sacou do bolso trazeiro de sua bermuda uma
folha de papel dobrada em quatro e abriu-a entre as pernas sobre a terra um

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tanto úmida. Tateou o bolso procurando uma caneta. Não encontrando,
pegou do chão um pequeno graveto e começou a falar, sinalizando o mapa.
– Temos um bom trecho de mata pela frente até alcançarmos o primeiro
descampado. Vai ser preciso atravessá-lo sem perda de tempo e em
segurança; poucas horas nos restam antes do anoitecer.
Caminharam mais uma hora e não puderam, então, continuar. A noite
caíra sobre eles. Viera com rapidez, muito mais do que haviam
programado. Impossibilitados de seguir viagem, decidiram pernoitar ali
mesmo. Infelizmente, para o grupo, dois tombaram atravessados pelas
lanças certeiras dos nativos no exato momento em que se preparavam para
dormir. Conseguiram, todavia, espantá-los com armas de fogo, deixando
três mortos e ferindo um quarto, de quem fizeram prisioneiro.
Gonzalez, além de Carlos e Juarez, precisavam agora redobrar em
atenção e cuidados. Qualquer movimento da mata, qualquer barulho a mais,
interrompia-lhes a ronda e o sossego. Antes do romper da aurora,
entretanto, Juarez foi até o selvagem que, sentado, com as pernas esticadas,
mantinha pendente a cabeça e o corpo imóvel. As mãos, para trás, estavam
firmemente amarradas a um tronco. Juarez, com golpes de faca, decepou
em pedaços a corda e libertou o sujeito. Este, arregalando os olhos, encarou
o metal que brilhava na mão de Juarez. Ato contínuo, ergueu-se e começou
a correr. Vinte metros à frente, porém, caiu sem vida. Tinha nas costas,
precisa e profundamente cravada, a arma que o derrubara.
– Considerem-se vingados, amigos – sussurrou Juarez estas palavras,
carregadas de ódio, enquanto limpava em uma moita, o sangue de sua faca.
– Hora de seguir em frente – disse, sacudindo com o pé os
companheiros que dormiam. Carlos virou-se no saco de dormir e continuou
ressonando. Gonzalez, porém, ao abrir os olhos e perceber a ausência do
prisioneiro, ergueu-se de um salto, vociferando.
– O que fez, idiota? – Percebendo o cadáver à distância, não conteve a
ira. – Porque só comete asneiras? Acaba de jogar fora o trunfo para
chegarmos com segurança onde queremos. Ele iria nos ensinar o caminho
em troca da sua liberdade. Agora teremos que arcar com as consequências
da sua precipitação.
Durante horas caminharam, o fantasma da morte acompanhando-os a
cada passo que empreendiam. Deixaram a mata fechada e penetraram em
campo aberto predominado por arbustos e moitas que cresciam entre as
rochas. O ar mais ameno e menos úmido emprestara-lhes novo ânimo. A

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transformação repentina do ambiente colocou na fisionomia de Gonzalez
sinais visíveis de animação. Ele tirou novamente do bolso traseiro o mapa e
examinou-o, comentando com os outros: – Se estiver certa a minha
intuição, pouco mais de duas horas nos separam do local que desejamos. –
A media que avançavam, sentiam com mais vigor a brisa que vinha ao
encontro deles. E, como para corroborar esta relação, numa das curvas do
terreno, surge-lhes, manso e caudaloso, um rio.
Só não foram maiores o regozijo que sentiram e a festa que fizeram por
virem empanados pela tristeza que foi a morte recente dos companheiros de
aventura. Contudo, aproveitaram o que puderam da aparição enormemente
bem vinda. Banharam-se e saciaram a sede, provendo-se à vontade.
Seguindo agora o curso d’água, alcançaram enorme planície e ali se
instalaram.
– Segundo meus cálculos, estão a menos de duas horas daqui – disse
Gonzalez, soltando no chão sua mochila. – Não via a hora de desfazer-me
desta carga – completou.
– É este o lugar exato do encontro? – Foi a pergunta de Juarez,
sentando-se ao lado do companheiro.
– Estou certo que sim. Se cumpriram o combinado, em uma hora e
quarenta, para ser exato, aparecerão ali – apontou para uma curva, surgida
por trás de um penhasco, numa distância considerável, onde a visão do rio
desaparecia, substituída por duas montanhas rochosas e escarpadas.
– Espero que estejam devidamente equipados conforme o combinado.
Quanto ao Juan, conheço sua competência. Sempre fui simpático as suas
estratégias. Mas, quem é o outro?
– Fernandez. Não há melhor dinamiteiro em toda Colômbia. Pertenceu à
quadrilha de Pablo Escobar. Esteve enjaulado desde a morte do traficante.
Conseguiu, há um ano, uma condicional. Melhor que converse sobre
qualquer assunto com ele, menos esta parte negra do seu passado. È um
conselho de amigo, pois anda um tanto neurótico ultimamente.
– Já sei de quem se trata. Li sobre ele nos jornais. E tem homicídios nas
costas. Não é perigoso? Há quanto tempo o conhece?
– Somos velhos amigos. Uma coisa eu reconheço nele: o homem sabe
valorizar uma amizade. Não deverá ser difícil para você se dar bem com
ele. Contudo, previno-o: não toque em suas feridas.
– Vou me lembrar disto.

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– Hei! Não durma agora, temos trabalho pela frente – disse Gonzáles,
sacudindo o corpo de Carlos, totalmente esgotado, esparramado sobre a
grama.
Armaram a barraca e cearam. Tinham ali as condições ideais para
desenvolverem o trabalho de extração da mina. À frente estava a montanha,
abandonada, após dados por encerrados os trabalhos da companhia que ali
estivera. Com a chegada de Fernandez e Juan o grupo estaria, embora
incompleto, preparado para dar início aos trabalhos. Depois de finda a
refeição, já mais descansados, porém, não menos ansiosos, entregaram-se
os três a um carteado, envoltos pela fumaça dos cigarros e pela brisa
refrescante do rio.
Chegaram, finalmente, os que faltavam. Juan foi o primeiro a descer da
canoa, antes mesmo que esta parasse completamente. Enfiou os pés dentro
d’água, não se importando em molhar as botas e as calças. Caminhou em
direção à margem, tirando a camiseta e ajeitando a loira cabeleira. Eram
nítidas, na pele muito branca, as marcas deixadas pela longa exposição ao
sol. Fernandez, mais cauteloso, desceu em terra firme. Era, de todos, o mais
velho, sem demonstrar, porém, sinais evidentes de um quase sexagenário.
A postura era firme, os gestos hábeis e muito poucos os cabelos grisalhos.
Depôs ao chão uma pesada bolsa de couro e apertou as mãos dos
companheiros.
– Folgo em vê-los, rapazes. Estou mais do que preparado para colocar
abaixo estes morros. Não vejo os meninos, onde andam?
– Foram-se para nunca mais voltar, amigo. – Gonzalez relatou com
detalhes o ocorrido, carregando as cores da tragédia com sentimentos de
ódio e inconformismo.
– Aqueles selvagens desgraçados! Pegaram-nos de surpresa, mas não
perdem por esperar. Vou acabar com todos nem que tenha que desperdiçar
a última das minhas balas. – Cuspiu para o lado como a querer expelir o fel
de um grande mal estar.
– Trataria de esquecer isto se fosse você, amigo – disse Fernandez.
Estamos lidando com seres piores do que animais; são traiçoeiros e
oportunistas. Não pensarão duas vezes se tiverem que nos cortar em
pedacinhos e nos comer assados.
– Então, são canibais?
– Pelo que me contou e pela descrição que me fez, não tenho dúvidas,
por isso precisamos nos acautelar. Tenho uma preocupação. Não posso

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prever os efeitos das explosões que causaremos. Olhe aquelas montanhas –
apontou para além da curva do rio. Por trás delas existe a floresta. Quando
me falou do ataque, calculei a distância entre as duas matas e o rio que
passa entre elas. Não me arriscaria por nada a passar daquela curva para o
outro lado através do rio.
– Então, existem afluentes?
– Um, pelo menos. Não sei o que seria se não tivesse estudado com
cautela o mapa antes de partir. Talvez não chegasse até aqui.
– E quanto às explosões, acha que pode atraí-los o barulho?
– Ou, quem sabe, o contrário. Precisamos estar preparados em ambos os
casos. Não sabemos o número deles. Pode ser insignificante, mas pode
também chegar a centenas, não posso estimar. Nada garante que não
busquem reforços em outras tribos ao verem ameaçado o seu território.
– Você acompanhou a investigação que culminou com o abandono da
mina e a fuga dos trabalhadores. O que aconteceu?
– Foi uma verdadeira guerra entre índios e brancos. Eram em muito
maior número os selvagens. Uma cavalaria militar chegou a tempo de
evitar um massacre. Havia, neste dia, oitenta e cinco operários no local. As
escavações estavam em ritmo acelerado. Houve oito mortes e não menos
do que vinte saíram feridos, uma tragédia.
– E o que faz achar que teremos sucesso nessa louca aventura? –
perguntou Gonzalez, um tanto inseguro.
– A cavalaria retornou outras vezes ao local com o único objetivo de
dizimar os selvagens assassinos. Com efeito, muitos foram mortos e muito
ficou sendo conhecido a respeito dos hábitos da tribo, ou das tribos, melhor
dizendo. Há canibais entre eles, segundo relatos comprovadamente
verídicos. A perseguição fez com que migrassem mata adentro, tornando
quase impossível o contato.
– Mas não foi isso o que comprovamos na noite passada.
– Por isso mesmo digo que precisamos estar previdentes; agora mais do
que nunca.
Fernandez sabia o que estava dizendo. Seu passado de aventuras era a
sua maior convicção, tanto andara pelo mundo e tantas aventuras
vivenciara. Para ele o perigo representava uma rotina.
A primeira noite transcorreu sem anormalidade, mas longe de ser
confortável para Fernandez. O vento frio da primavera agitava as águas do
rio e zunia na vegetação que ornava as margens e se estendia rasteira de

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encontro aos rochedos. Parece que a ansiedade pelo dia seguinte, que não
chegava, dispersou o sono de Fernandez que, agitado, levantou-se para
fumar. Ele deixou o interior da barraca e pôs-se a caminhar ao longo do rio.
A escuridão era total e a brasa do cigarro que trazia entre os dedos era o
único e solitário sinal de sua presença ali.
Devia ser pelas duas ou três da madrugada quando, um som, nítido, mas
distante, chamou-lhe a atenção e o fez parar. O som era de voz humana a
ecoar nas faldas dos montes; mais precisamente um grito, abafado, mas
repleto de desespero. Fernandez apurou os ouvidos, ávido pela repetição, o
que não aconteceu. Aquilo o assustou sobremaneira e o fez vacilar,
duvidando da própria coragem, tão comum nos tempos idos de máfia e de
mutretagem, pois, em vez de dar vazão a esta sua qualidade e ir aonde fosse
preciso para averiguar o que poderia lhe tirar de vez o sono, não o fez. Ao
entrar para a barraca viu que Gonzalez perdera, também, o sono;
encontrou-o sentado no colchonete, pensativo.
– Vi e ouvi o que aconteceu lá fora. Seria bom se não nos arriscássemos
a atravessar o rio. Não por enquanto, pelo menos.
– Está pensando o mesmo que eu?
– Certamente que sim. Deus tenha piedade da alma do coitado.
O dia amanheceu, iluminado por um sol fraco e vacilante. Todos se
puseram de pé antes das oito horas e, perto das nove, já estavam preparados
para dar inicio ao plano. Fernandez checou o material. Abriu as duas caixas
que trouxera, contou as dinamites, verificou as cordas, os pinos e as
ferramentas; tudo em ordem. Passou para uma bolsa de couro menor o
detonador.
– Faremos uma inspeção minuciosa, começando pelo lado norte antes de
iniciarmos o trabalho de colocação das dinamites. Preciso encontrar a
entrada exata para a mina; não pretendo desperdiçar meu explosivo. O
terreno está envolto pelo mato e o acesso não vai ser fácil.
– Vejo que passaremos a manhã inteira a capinar e remover entulhos –
disse Gonzalez.
– De fato, precisaremos nos revezar. Três de nós começam o trabalho de
limpeza, enquanto dois ficam para vigiar a barraca. À tarde, faremos a troca
– orientou Fernandez.
– Combinado, fico por aqui com Carlos – falou Juarez
Os três guarneceram de armas suas cinturas e seguiram caminhando pela
margem. Deveriam alcançar, a menos de uma milha, uma curva do rio

24
onde, segundo o mapa, encontrariam uma ponte de madeira. Ao atravessá-
la, teriam diante de si a colina, em torno da qual havia a mina abandonada.
O faro de Fernandez conduziu-os sem dificuldades ao ponto certo. Quase
tudo ali indicava sinal de interferência humana. A altura do matagal era
menor. Desbastando um pouco a vegetação havia vestígios de lixo humano,
muito deteriorados, mas possíveis de serem reconhecidos.

– Acho que é aqui – disse Fernandez, examinando um estranho objeto


semelhante a um abridor de latas.
O sol já ia alto e os seus raios incidiam com rigor e intensidade. Os três
homens estavam suados, menos pela caminhada à beira do rio do que pelo
tempo ali parados e meio que indecisos.
– Só pode ser aqui. É onde se encontram os sinais mais evidentes – disse
Fernandez, passando uma das mãos sobre a testa molhada.
– Não quer investigar com mais cautela? Quem sabe, não há outro local
mais evidente? Se é que pretende economizar sua carga... – aconselhou
Gonzales que, por ser bem mais jovem, sentia-se mais disposto.
– Não acredito. Minha intuição não costuma falhar. Sei que posso
parecer um velho teimoso ou um idiota arriscando minha munição sem ir
mais longe. Mas não tenho mais a sua idade para sair por aí circundando
uma colina do porte desta aqui, moço. E, não me amole! O material é meu
e vou usá-lo do meu jeito. Desculpe se estragar a sua festa, mas foi o que
combinamos. Gonzalez não encontrou tréplica a altura. Apenas sorriu
meio sem jeito. Por conhecer o outro, aceitou, não contrafeito, a
admoestação.
– Vamos, então, pegar a canoa com o material e as ferramentas, não
vejo a hora de fazer este achado.
Voltaram. E qual não foi a surpresa, ao fazerem a curva do rio.
– O que houve? Não vejo nossa barraca – assustou-se Juan, que
caminhava um pouco mais à frente e foi o primeiro a perceber.
– Não vejo também a canoa – alertou Fernandez.
Apressaram um pouco mais o passo e foi novamente Juan, tomado por
um novo susto, quem disse:
– Há um corpo na água, mas não consigo identificar devido à distância.
Imediatamente, tirou Gonzales de sua algibeira um par de binóculos e
conseguiu reconhecer Carlos, cujo corpo, sem vida, boiava de bruços a

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balouçar no vaivém lento e horripilante do rio. Sem nada dizer, com uma
expressão pesarosa, passou a Fernandez o binóculo.
– Maldito selvagem – resmungou.
Ao chegarem, ofegantes, constataram a morte terrível do companheiro.
Tinha várias perfurações pelo corpo, feitas por faca. Fora ferido por golpes
sucessivos, porém, marcas nos braços e no rosto, davam sinas de que
enfrentara o inimigo antes de ser executado. Concluíram, por todas as
evidências, que não foram os selvagens que o assassinaram. O sumiço da
barraca e do barco, além do material, deixou claro que Juarez fizera aquilo.
E de forma premeditada. Por certo sabia de algo. Que todos desconheciam.
Arrasados pela perda inesperada, cavaram, a metros dali, da maneira que
puderam, a última morada do amigo traído. A terra fofa e aderente
facilitou-lhes o trabalho. Que foi realizado com o auxílio de paus e o uso
das próprias mãos. Improvisaram uma cruz e ali deixaram o amigo morto
com sua última homenagem.
Afastaram-se tristes e cabisbaixos.
– O que vamos fazer? – perguntou Gonzales.
– Quisera eu ter a resposta, companheiro. Mas, uma coisa eu posso te
responder com convicção. Este canalha, trapaceiro e assassino vai ter o que
merece – disse Fernandez.
– Isto, se conseguirmos encontrá-lo. Olha a nossa situação. E contra
alguém que tem um barco em seu poder.
Começaram a caminhar, quando surgiu na mente de Fernandez uma
idéia.
– Vamos retornar à montanha onde está a mina. Algo me diz que o
miserável sabe melhor do que nós o local exato.
Deram meia volta a fim de retomarem o percurso que já haviam feito.
Todavia, estavam esgotados e famintos. Ficaram por ali, sentados sob uma
árvore do caminho, descansando, enquanto discutiam entre si meios de
capturar Juarez. Não esperavam encontrar dificuldades, uma vez que eram
três e estavam armados. Saciaram a fome com algumas fatias de presunto
defumado que, por precaução, Fernandez costumava trazer sempre consigo.
A grande realidade é que Juarez caíra nas mãos dos terríveis canibais.
Quanto ao assassinato de Carlos, o roubo do barco e dos apetrechos,
acertaram os rapazes. Juarez estudara o mapa e conseguira captar detalhes
que ninguém havia percebido. Guardou, no entanto, apenas para si o
segredo. Um deles, o mais importante, sugeria o ponto mais exato da

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montanha onde se escondia a mina. Seus grandes conhecimentos de
cartografia foram decisivos. Esperou o momento oportuno para agir.
Carlos, o último obstáculo, tombou após defender-se de alguns golpes, pois
estava em desvantagem. O morto foi arrastado para a água e a barraca
desmontada e colocada no barco junto com a dinamite e as ferramentas. O
restante, como sacos de roupa e outros utensílios, que não lhe pertenciam,
ele os empurrou para dentro da pequena floresta atrás do rio. Tudo isto
minutos após a saída dos três.
Então, disparou em alta velocidade, ansioso para confirmar as suas
deduções. Sem demora achou o local, mas foi surpreendido pelos selvagens
quando retornou ao barco para apanhar o material. Saíram detrás de umas
árvores e, em fração de segundos, cercaram Juarez, apontando-lhe as
lanças. Eram em dezenas, faziam um tremendo alvoroço de vozes e
estranhos gestos. Cinco deles, de físico avantajado, avançaram para o
prisioneiro. Ao sinal do que parecia ser o chefe, o mais forte, com o cabo
da lança, golpeou a cabeça de Juarez que, ao perder os sentidos, foi seguro
pelos outros e carregado no alto para o interior da floresta. Seguiu-se uma
algazarra que ecoou pelos ares e desapareceu com a entrada do grupo que
ficara para trás.
Voltando aos três companheiros traídos por Juarez, acharam por bem se
separarem para melhor agirem. Juan ficaria por ali para providenciar
comida e Gonzales seguiria em direção oposta a de Fernandez. Juan acabou
por encontrar os objetos deixados por Juarez. Havia ainda alguma comida
que poderia ser aproveitada. Horas mais tarde voltaram a se reunir a fim de
traçarem novos planos.
– Vamos pernoitar neste local que já conhecemos – disse Gonzalez,
demonstrando cautela. – Amanhã, em melhores condições físicas, faremos
uma busca mais proveitosa. – De fato, na manhã seguinte, ajudados por
uma temperatura bem mais amena, descobriram o barco que estava à deriva
numa das partes baixas do rio. Desceram por uma escarpa pouco
acidentada.
– Fiquem aqui enquanto vou buscar o queridinho – disse Gonzalez,
livrando-se da camisa e passando aos companheiros o seu revólver.
Mergulhou de cabeça e sumiu debaixo d’água. Quando voltou a emergir,
segundos depois, já tinha o barco quase ao alcance das mãos. Entrou e fez
uma rápida inspeção. As caixas pareciam intactas. Realmente, tudo estava
do jeito que havia sido arrumado. Tendo verificado o motor, gritou para os

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rapazes, pondo as duas mãos em forma de concha na frente da boca. – Está
sem gasolina. Terão que nadar também, amigos!
– Levante o alçapão e vai ver uma corda! – gritou de lá Fernandez. –
Amarre-a ao leme e tente laçar a árvore mais próxima na outra margem. –
Gonzalez obedeceu, mas sua falta de habilidade o fez desistir após várias
tentativas frustradas. Sendo assim, optou pelo mais prático. Para si, pelo
menos. Mergulhou, desta vez com a corda presa entre os dentes e só assim
teve sucesso a empreitada. Sem outra opção, a não ser também se
molharem, Fernandez e Juan atravessaram e uniram-se ao outro. Juntos,
puxaram o barco, trazendo-o para a margem. O local parecia perfeito para
um acampamento.
– Algo me diz que Juarez está morto – afirmou Juan enquanto
desdobrava a lona. – Haja vista o estado improvável de tudo que
encontramos – acrescentou. Fernandez inspecionava o motor da
embarcação. Ouvindo estas palavras, retrucou:
– Torço para que seja verdade o que acaba de dizer. De qualquer jeito,
posso lhe assegurar de que seus dias estão contados. – O ódio que nutria
era, de fato, incontrolável. Jamais descansaria enquanto não vingasse a
morte traiçoeira de Carlos. Para Fernandez, Juarez não merecia mais viver
após o fato que cometera.
A situação de Juarez era realmente patética. Não estava morto como
desejava Fernandez, mas tudo levava a crer que seu destino seria mesmo
este. Rodeado pelos selvagens, jazia totalmente nu sobre o chão de terra
batida da enorme clareira. Ali viviam os canibais. O terreno era baixo,
formando uma espécie de lago seco. Ao longe, formações rochosas que
entremeavam árvores esparsas de pequeno porte, adoentadas, algumas
quase desnudas e já sem vida. Para chegarem até ali e prepararem o almoço
garantido para aquele dia, os selvagens empreenderam não menos do que
duas horas de uma longa caminhada, mas que para eles nada demais
representava, mormente pelo sucesso da nova caça. Juarez não era gordo,
senão robusto e de boa estatura e isto queria dizer carne farta e viçosa, pois
também era jovem. A dança era frenética e, como sempre, acompanhada de
gritos e gestos espalhafatosos das mãos segurando as compridas lanças que
espetavam o ar e dos pés que sulcavam o solo; todos, homens e mulheres
volteando sua presa. Deviam estar famintos, os rostos esbraseados, o olhar
inquieto, não menos as voltas aceleradas denunciavam a ansiedade de
devorar Juarez

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Surge o chefe, altivo e elegante. Prostrou-se fora da tenda de onde saíra.
Sua superioridade era representada por faixas que lhe atravessavam o peito
e as costas, pintados em preto e amarelo, respectivamente. A um sinal de
sua lança, erguida para cima e abaixada com a ponta fincando a terra,
estava a perdição de Juarez. Todos cairiam sobre ele e teria inicio o
banquete, indo pernas para um lado e braços para o outro até que nada mais
restasse do infeliz. A disputa se faria então, cabendo aos mais habilidosos
as partes melhores e os pedaços mais suculentos. Mas ele não deu o sinal.
Apenas vislumbrou a cena, deu meia volta e entrou de volta para a tenda.
O que não podia acontecer em hipótese alguma era um banquete
proporcionado por um ser somente. A consequência seria desastrosa. Todos
brigariam entre si e muitos seriam massacrados. Imagina dezenas de
canibais insatisfeitos e invejosos por perderem a prova de uma presa rara e
apetitosa, visto que rejeitam a própria carne cujo aspecto e textura se lhes
mostram repugnantes. Sendo assim, dispersaram-se em grupos de dez a
quinze e trataram de achar comida. Fresca e vistosa. Carne de homem
branco. A floresta, o rio e toda circunvizinhança eram agora cenário
medonho num palco de mistério e terror.
A mina foi realmente encontrada. Haviam deixado o barco e caminhado
até encosta mais próxima. Ali, um fio d´água, descendo por uma rocha,
trouxe à lembrança de Gonzalez um detalhe do mapa que até então não
percebera. Tirou-o do bolso e mostrou-o a Fernandez.
– É isto, amigo. A linha que você julgava uma rasura é exatamente este
fio d´água. Terminaram as buscas, vou preparar o material.
Seguiram-se a explosão, os gritos de alegria e a esperada colheita. Rubis
e esmeraldas eram as pedras mais valiosas. Vieram juntas com outras de
menor valor. Encheram os vasilhames que traziam e deixaram o local
visivelmente contentes e satisfeitos. Entraram pela tarde a separar
cuidadosamente o material a ver o quanto de preciosidade haviam
conseguido. Não trouxeram muito na primeira leva, mas foi o suficiente
para animá-los a retornar no dia seguinte. Chegariam bem cedo a fim de
aproveitarem melhor o dia e, quem sabe, extraírem monumental quantidade
do que realmente valesse o esforço e o risco.
Amanheceu. Sacolas vazias, mas cheias de expectativas quanto ao
futuro radiante que os esperava, dirigiram-se novamente ao local
abençoado. Entraram. E o que encontraram lá dentro acabou por mudar
todo o fim da história. Deitado sobre uma pedra, envolto por uma corda que

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várias voltas davam em seu corpo, que à própria pedra era amarrado,
depararam com Juarez. Vivo ainda, porém, depauperado pela fome e o
terrível efeito de várias horas em que esteve exposto ao sol desde que o
capturaram os canibais. Estáticos, os três rapazes assim permaneceram até
que o efeito do choque se dissipasse e o raciocínio lógico voltasse as suas
mentes. Isto durou vários segundos, findos os quais, Fernandez foi o
primeiro a abrir a boca.
– Algo me diz que estamos em apuros. Acabo de perceber um
movimento de sombra do lado de fora.
Eram os canibais. O instinto de caçadores que lhes é inerente levou-os a
deixar ali o infeliz Juarez, atraídos, quem poderia duvidar, por pegadas,
somente a eles perceptíveis ou, não menos provável, pelo cheiro de carne
de homem branco. Fernandez, ao pressentir a aproximação deles, correu até
um canto da caverna e ali se escondeu. Protegeu-o uma bifurcação
alongada e completamente escurecida pelo montante de rochas resultantes
de erosões passadas. A desvantagem era que, se o descobrissem, estaria
perdido, posto que totalmente encurralado acabaria ficando. E o faro de
Fernandez não deu em outra. Mal desapareceu da vista dos amigos, o
recinto foi invadido. De uma só vez, dez homens, aos gritos e enfurecidos,
avançaram contra os dois, mas a metade ficou pelo caminho graças à
pontaria de Fernandez que, mesmo de considerável distância, fez cuspir,
das duas armas que empunhava, balas certeiras que encontraram seus alvos,
diminuindo o perigo. Os que restaram, interromperam a ação e recuaram,
mas, não demorou muito, nova invasão ocorreu, desta vez, mais ousada e
aterradora, pois mais uma dezena se juntou àqueles cinco e nova descarga
de balas derrubou vários deles. Segundos se passaram e uma quantidade
medonha de homens selvagens tomou toda a entrada da caverna e mesmo a
reação de Juan e Gonzalez que, detrás da pedra, também atiravam, não foi
suficiente para impedi-los de se aproximar. Fernandez viu toda a cena
passar-se diante dos olhos do local que o protegia. Mesmo que quisesse, e
ele o queria muito, fazer alguma coisa a fim de salvar os companheiros, não
teria a mínima chance.
Então optou por assistir ao que se passaria em seguida, mas já com um
plano em mente. A visão dos três amigos desapareceu completamente,
dado a aglomeração que se fez em torno deles. Do jeito que entraram,
saíram, feito um bando de formigas que assalta um torrão de açúcar e
desaparece com ele em segundos. Um silêncio sepulcral pairou então no

30
ambiente. Com cautela, deixou o esconderijo, foi até a saída, mas não viu
viva alma nos arredores.
Vamos encontrar os três numa situação desesperadora, prontos a
virarem churrasco e serem devorados por uma turba incontida, indomável.
Quando Fernandez, após ter seguido de longe o grupo, aproximou-se
corajosamente da enorme clareira, tendo como proteção uma das grandes
rochas que a circulavam, sabia que estava colocando em risco a própria
pele, pois já se encontrava no reduto dos terríveis canibais. Ali, o seu plano
para salvar os amigos, não poderia falhar. A técnica que dominava com
habilidade impar e o sangue frio que conseguia manter em situações de
extremo risco, como a que estava prestes a enfrentar, sempre foram suas
marcas. Ciente estava de que um passo em falso representaria a morte, por
isso, não podia falhar. Esperou a noite que não tardaria. Andou agachado
pelo entorno, tendo cuidado ao pisar para não causar um barulho fatal.
Visto que a lua nova em seu último dia era a superstição dos canibais,
tranquilizou-se Fernandez. Um banho de sangue estava então descartado
até o cantar da cotovia, trazendo uma nova aurora.
Todos dormiam, com exceção de alguns selvagens que guardavam os
três prisioneiros. Amarrados em estacas, sofriam terrivelmente. Gonzalez,
num levantar de cabeça, vislumbrou ao longe um vulto e reconheceu
Fernandez que, ás costas dos inimigos, no breu da noite, se encolhia entre
as rochas. Atrás de si, solitário, o rastro mortal do explosivo. Era este o
plano: acabar com tudo, mandar para o inferno os animais selvagens. Mas,
e os companheiros, como fazer para salvá-los? Contou cinco elementos à
volta dos prisioneiros. Não se arriscaria a eliminá-los, cumprindo assim a
primeira etapa do plano. Uma ação em falso e o fim seria certo. Sendo
assim, descansou, à espera do sol de mais um dia.
Amanheceu finalmente. Fernandez estava satisfeito; ficou como queria.
A cabana principal, onde vivia o chefe, dependia, para ir para os ares, de
um gesto de Fernandez. A explosão foi certeira, a primeira de uma série
contínua e decisiva. Homens correndo para todos os lados. Corpos se
chocando e sendo arremessados a cada novo pipocar da pólvora. Parece ter
valido a pena o sacrifício de empregar até o fim a rica dinamite. Em dado
momento, afastou-se do detonador e, de armas em punho, abriu caminho à
fogo até chegar aos que, semi conscientes, ansiavam por sua salvação.
Acertou ainda alguns que contra ele investiram. Não sabia quantos ainda
poderiam ter sobrevivido. Então, foi rápido ao desatar Gonzalez e Juan.

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Quanto a Juarez, sequer averiguou seu estado; desejava que morto já
estivesse. Mais tarde, no barco, ao responder a uma indagação de Gonzalez,
disse, enquanto examinava uma das pedras que haviam conseguido.
– Como é certo que alguns deles conseguiram sobreviver, por que iria
eu cometer a maldade de deixar os coitados morrerem de fome?

WEST STORY

As histórias em quadrinhos cheias de heróis, vilões, mocinhas


desprotegidas e imagens fantásticas povoaram a infância e adolescência de
enorme parte do leitorado mundial. Não se pode afirmar convictamente que
nos dias de hoje, à entrada de novo milênio, tal febre continue em alta.
Longe de ser a mudança um sinal negativo da evolução natural da cultura
humana. Outrossim, devemos ao avanço tecnológico, fruto do esforço
científico e da modernização cibernética, o conforto dos nossos dias. Muito
mais fácil para o jovem grávido de opções e de ofertas, sentar-se à frente de
um multimídia ou refestelar-se ante a tela gigante de um televisor e
embarcar no mundo fácil do prazer lúdico de pressionar teclas e acionar
controles.
A mente humana, para tornar-se eficaz e criativa, precisa, como o
corpo, exercitar-se e nada mais saudável do que o estímulo da concentração
e a magia da imagem. Quando falamos de heróis do velho oeste americano
e seus desbravadores, por exemplo, vêm-nos à lembrança os valentes
forasteiros envoltos em largos cinturões orlados de balas, armados até os
dentes. O bom, o mau e o covarde unidos em torno da mesa de um bar
estereotipado e matando o ócio com rodadas de pôquer marcadas por blefes
e sagacidade. Em dado momento, um queixoso, não admitindo a derrota,
muito menos o despeito de ver as fichas vitoriosas dos companheiros, saca
do coldre a arma e está formada a confusão. A dança no salão é
interrompida, o vaivém sobre o balcão deslizadeiro da cerveja saltitante e
espumosa em chamejantes canecos é interrompido. Socos, pontapés, as

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mesas em pedaços e alguns sacos de pancadas atirados à rua através do
vidro, gemem a dor do abandono e da derrota.
A ação situada no contexto acima fornece algo de que carece um
mero espectador que muito pouco participa do esforço de um ator de palco
ou de uma tele transmissão, embora o deleite não seja menor. Vivemos
mergulhados num mundo de imagens que nos são impostas a cada instante
e a cada ação que empreendemos; impossível fugir a essa chusma
avassaladora e muitas vezes inoportuna. São tantas as sugestões para
divertimento e lazer que ficamos atônitos. Cabe a cada um selecionar e
escolher aqueles que mais lhe proporcionam satisfação, sempre a depender
do estado de espírito do momento, procurando, se possível, estimular a
criatividade nos momentos de ócio, onde a mente relaxada e receptiva se
exercita fácil e avultosamente.
Mas voltemos às aventuras do famigerado bangue-bangue, onde
impera a lei do mais forte. A pacata cidade de Pinkville, esquecida no
tempo após o último massacre indígena, aos poucos volta à cena e desta
vez para crescer e se tornar famosa. Os cadafalsos expositores da vergonha
da condenação sem lei e sem juiz desapareceram por completo e a justiça
tomou posse; a cidade dormia tranquila. A ruazinha de terra voltou a ser
uma rota, antes era apenas uma ruazinha de terra, saudosa das rodas das
diligências e do tropel dos cavalos ameaçados pelos chicotes dos seus
condutores.
Smith O’Brien, o homem responsável pela ordem em Pinkville
ouviu, de dentro da delegacia, onde, ao lado da cela vazia, escrevia em sua
máquina, a chegada de uma carruagem. Olhou as horas em seu
penduricalho prateado e levantou-se. Ao abrir a porta e ganhar a calçada,
viu que era exatamente o que ele estava esperando. Precisava receber os
visitantes. Desde que assumira o cargo, as ameaças não paravam de chegar
até ele, mas não se intimidava. Aos quarenta e quatro anos conhecera por
diversas vezes a morte bem de perto. Carregava como lembrança uma
cicatriz no pescoço abaixo da nuca, o que procurava disfarçar com um
debrum habilmente cosido à aba do chapéu. Tinha um rosto liso e sem
rugas. Era louro e os olhos azuis impunham um respeito, mas que não lhe
tirava a simpatia. Musculoso, praticou lutas marciais enquanto serviu ao
regime militar de cavalaria pesada atuando em operações de choque.
Assim, não somente a estrela que trazia no peito era a sua marca de
autoridade, mas e principalmente, um passado vitorioso e sem máculas.

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Ele estendeu a mão para cumprimentar Virgínia Watson, a rica
empresária aguardada com ansiedade para a inauguração da primeira casa
noturna de Pinkville; tudo pronto à espera da sua ordem. Virgínia,
segurando a ponta do vestido anormalmente abaulado, impedia-o de tocar o
chão de terra. – Bom dia, xerife. Esperava encontrar uma recepção mais
calorosa. Onde está todo mundo?
– Espere só até ouvir o sinal da fábrica daqui quarenta minutos. Não
contávamos com sua chegada antes das seis.
– Tem toda razão – disse ao subir para a calçada e soltar o vestido. –
Não tive paciência para esperar a comitiva. Minha delegação não passa de
cinco competentes cavalheiros. – Smith olhou para a rua, os homens
desembarcavam neste momento. Três, vestidos em smoking e os outros
dois, mais jovens, em calças de tergal e camisas de seda. Ele cumprimentou
os senhores que, em seguida, entraram na delegacia com suas pastas de
couro dobradiças enfiadas por baixo dos braços. Pela semelhança dos
rapazes, concluiu tratarem-se de irmãos. – Meus filhos queridos – Virgínia
apertou-lhes os queixos ao mesmo tempo com ambas as mãos ao apresentá-
los com orgulho.
Entraram todos. Smith conduziu-os a um cômodo nos fundos da
delegacia. Uma mesa redonda, recentemente envernizada, com dez cadeiras
altas de estofado macio ocupando toda a sua orla, já os aguardava.
Encimava-a um lustre potente e todo iluminado. O colorido branco
esmaltado combinava com as tonalidades do teto e das paredes. Sentaram-
se todos. Smith escancarou a janela que não deixava à vista muita coisa a
não ser um paredão lúgubre e incolor, mas, a frescura da brisa que por ali
penetrava amenizava o mormaço do fim de tarde. Ele cochilou alguma
coisa ao ouvido da sua sentinela, um sujeito magro e de bigode, que os
deixou.
– Tudo pronto para a inauguração? – quis saber Virgínia, pousando
sobre a mesa o bonito chapéu confeccionado em estofo de lã e ornado em
galões de penas douradas.
– Como a senhora exigiu. Só falta a comitiva. O salão está enfeitado,
a orquestra ensaiada e afinada e a cerveja já está no gelo; só restam as
dançarinas, o mágico, os cantores, enfim, o seu pessoal.
– Não se preocupe, calculo que em menos de duas horas estarão por
aqui. Contratei os melhores artistas de Nashville, saíram-me uma fortuna,
mas não me queixo. É a minha primeira casa fora de Nova York e quero

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que funcione à altura. Mas vamos aos últimos acertos e recomendações. –
Os homens de smoking abriram as suas pastas, Smith, sua agenda e deram
início à reunião. Meia hora depois, Spencer, a sentinela, entra
acompanhado de um garoto de calções até os joelhos, presos por
suspensórios e camisa branca de manga curta; cada um trazia uma bandeja
redonda. O bigodudo pôs ao centro da mesa a sua, fazendo o mesmo com a
outra que tomou das mãos do menino. Em seguida retiraram-se deixando
que todos se servissem dos sanduíches, do café e dos refrigerantes que ali
estavam.
Longe dali, em disparada sobre a estreita nesga de terra que cruza o
enorme descampado de verdes e incultas gramíneas, quatro diligências
correm contra o tempo a fim de alcançarem, dentro do horário pré-
estabelecido, o ainda distante povoado de Pinkville. Os cocheiros
experientes não poupam de açoites os animais, como se fosse possível
imprimir-lhes velocidade ainda maior do que aquela que já era exagerada.
No interior dos carros, lindas mulheres bem vestidas e maquiadas e homens
em trajes singulares eram esperados com ansiedade para a grande noite.
De repente, um tiro de origem desconhecida faz cair para o lado o
condutor da carruagem que ia à frente. Ela prosseguiu, agora desembestada
e sem rumo. Emparelhado aos animais em fuga e assustados, um cavaleiro
em alongado galope agarrou-se de um salto aos arreios de um dos cavalos e
assim ficou por alguns instantes, tendo ainda, e em alta velocidade, as
pernas apoiadas e entrelaçando seu próprio cavalo, o que o conduzira até
ali. Em dado momento e de um impulso certeiro e vigoroso ele lançou-se
sobre um dos animais, e agarrando-se firmemente a sua coleira, conseguiu
apoiar-se. Agachado e conduzindo-se pelo bridão, chegou ao assento e
tomou as rédeas. Tendo freado a carruagem, empurrou fora para o chão de
terra, o corpo ainda com vida e agonizante do cocheiro, utilizando uma das
pernas. Percebeu ao olhar por pequena abertura na cortina que, de dentro
do carro, um braço masculino segurava em posição de disparo, uma pistola
dourada a espera do alvo no momento oportuno.
Este momento nunca chegou, pois o fora-da-lei, muito esperto e
veloz, saltou para dentro do carro ao mesmo tempo em que fez voar com
um chute a arma do destemido. Violenta coronhada completou a investida e
o homem caiu desacordado. Três jovens e belas mulheres que, com ele,
vinham no veículo, desataram a gritar desesperadas. – Calem-se! – ordenou
o malfeitor enquanto, já com a arma no coldre, catava dos bolsos de sua

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vítima tudo o que era de valor. Uma das mulheres, dentro de um vestido
preto com alças, fez menção de sair do carro, mas foi impedida por ele. –
Aonde pensa que vai? – disse, travando-lhe a passagem.
– Vou socorrer o pobre homem lá embaixo, não vê que está
sofrendo? – O bandido sacou novamente e fez dois disparos, ambos
acertando em cheio o velho, apressando-lhe impiedosamente a morte. De
maneira fria e estampando na fisionomia um sorriso diabólico, ele soprou o
cano fumegante da arma e voltou a guardá-la.
– Pronto, não vai sofrer mais; agora sente-se aí e fique quietinha –
completou, embolsando os valores que recolhera.
– Seu miserável! Covarde! – Outra jovem, bonita, de grandes olhos
verdes, disse estas palavras enquanto avançava sobre ele. Estava metida
numa grossa calça esporte, segura por um cinto largo de couro cru com
enorme fivela dourada de metal. A blusa branca, ensacada por dentro da
calça expunha dizeres exóticos e indecifráveis. Mechas do seu cabelo loiro
caíam-lhe sobre a testa com frequência e ela afastava-as para falar. Sem
pensar duas vezes, o bandoleiro desferiu-lhe uma bofetada e a moça foi cair
sentada num dos bancos. – Covarde! – repetiu, massageando a face. –
Espere até cruzar com Tommy Brown, será um homem morto – concluiu.
– Não tenho medo de Tommy Brown e nem de nenhum dos seus
capangas, minha cara. Sou muito mais Juan Carrilo. Quando conhecê-lo
saberá do seu poder. Agora vamos! Vamos! Passem as joias e o dinheiro, e
sem truques, não tenho tempo a perder. – Dizendo isso e com o revólver
mais uma vez apontado, passou a depenar as mulheres amedrontadas e
indefesas; ficaram sem os relógios, anéis e cordões e ainda sem o dinheiro
e outros pertences de valor. A terceira jovem, encolhida em um dos cantos,
tinha sobre suas coxas seminuas uma linda bolsa oval de friso prateado
feita de couro de antílope formando quadrados pretos e vermelhos. O
vagabundo, de um só golpe, puxou a bolsa e arregalou os olhos ante a visão
rápida e abusiva da peça íntima da moça. Ela precisou cobrir o espetáculo
com uma das mãos enquanto ajeitava com a outra a saia justa e provocante.
Ele esvaziou o conteúdo da bolsa, esparramando-o sobre o banco.
Pegou o que lhe interessava e terminou de enchê-la com todo o produto do
roubo. – Mui bueno! Que lindo regalo para minha Mariazita – disse,
pulando da diligência. – Hasta luego, chicas! – Puentes era um dos
bandidos mais temíveis daquelas redondezas. Fazia parte do bando
numeroso de Juan Carrilo. Ao deixar para trás o estrago, tendo caminhado

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uns dez metros, sibilou, posicionando dois dedos entre os lábios. O som
forte e estridente trouxe até ele o seu cavalo; montou e seguiu para onde
estavam os companheiros. Com um chapéu de mexicano preso por uma fita
grosseira e empoeirada enlaçada sob o queixo e oculta no meio de sua
espessa barba, ia ele satisfeito e orgulhoso do último ganho.
A trezentos metros dali desenrolavam-se as cenas do assalto
propriamente dito. Nada menos do que doze homens comandados por
Carrilo limpavam todos os passageiros. Sob a mira dos revólveres e das
espingardas de cinco deles que permaneciam montados e dando cobertura,
homens e mulheres desfaziam-se de tudo que possuíam e fosse de interesse
para os meliantes. Para trás, mortos por suas balas, jaziam dois ocupantes
que reagiram à investida. De chapéu preto de abas largas e um manto
vermelho rendado, Carrilo observava com atenção cada movimento das
vítimas, rindo silenciosamente de cima do seu cavalo branco e saudável.
Por baixo do braço comprido e cabeludo, uma espingarda reluzia aos
últimos raios do sol ainda quente. A uma ordem sua, todos se reuniram. Ele
olhou as sacolas que cada um lhe apresentou e deu-se por satisfeito. Os
homens montaram e o bando partiu em alta velocidade dando tiros para o
alto. As reações dentro dos carros foram das mais diversas, entre
comoventes e hilariantes. Muitos ficaram em trajes sumários, cobrindo-se
com as mãos, trapos e usando de outros recursos para esconderem a
vergonha.
Um dos orgulhos de Pinkville era a fábrica de tecidos, grande
geradora de empregos e de receitas. Instalada à entrada da cidade, era um
marco conhecido e respeitado. Seus quatro pavimentos viviam atulhados de
trabalhadores. Duzentas e cinquenta pessoas operavam ali, sendo a maioria
mulheres. Longos corredores abrigavam enormes máquinas teares que, com
os seus giros e roncos ininterruptos, enchiam de atividade o ambiente. As
mãos hábeis das funcionárias imprimiam-lhes qualidade e competência. No
alto da tecelagem desenhada à parede lateral, a mensagem “BENVIDOS A
PINKVILLE” saudava os visitantes. À frente de sua enorme entrada,
atravessando-se a rua, um amplo espaço livre e arredondado enchia-se de
cavalos, charretes e algumas carruagens particulares. Era na verdade um
estacionamento com chão de grama onde currais, bebedouros e uma
pequena ferraria uniam-se na assistência aos abandonados. Por trás, uma
montanha pedregosa não muito alta e achatada. Nela, tortuosas ruas foram
construídas entre as rochas e a partir do trecho em que começa a declivar.

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Às seis horas em ponto, quando os últimos rebates da luz solar
castigavam as pedras distantes da montanha, anunciando o término de mais
um dia útil de trabalho, as sirenas da fábrica, orgulho de Pinkville,
começariam a se fazer ouvir por toda a cidade. A mesma cena se repete.
Muitos homens e muitíssimas mulheres invadem o grande terreno em busca
de suas montarias e dos seus veículos. À saída da fábrica, congestionada,
vendedores ambulantes fazem suas ofertas e disputam os interessados.
Trazem de tudo os quinquilheiros: Bengalas, chapéus, charutos, luvas,
bijuterias, brinquedos, doces, calçados, baralhos, livros, canetas, isqueiros,
peças íntimas, enfim, toda uma gama imaginável de utilidades e
fugacidade. Ao mesmo tempo, ao longo da rua principal, enquanto alguns
comércios fecham as portas, encerrando suas atividades, outros, como
bares e restaurantes, preparam-se com avidez para receberem uma casta
especial: a dos jogadores e bebedores. Ferreiros, cowboys, comerciantes e
outros, digladiam-se pela melhor jogada, pelo melhor blefe e, não raro, pela
melhor dama da noite.
Perto dali, à porta de sua delegacia, Smith O'Brien dá passagem à
elegante Virgínia Watson; após a saída do último componente da delegação
ele fechou a porta. – Você tem toda razão, isto aqui fica bem mais cheio de
vida após às dezoito horas – disse a mulher ao pisar na calçada e apreciar o
movimento da rua. O xerife atravessou a rua com eles e penetraram em
uma estalagem cujo salão amplo e atapetado denotava o bom gosto dos
proprietários.
– Aqui terão conforto e um tratamento recomendado. – Levou-os até
à recepção; ali os apresentou ao gerente que confirmou as reservas. Por trás
de um balcão de madeira laqueada dois grandes vasos de cerâmica
ornamentavam os cantos da recepção. Deles pendiam mudas de acácia de
folhagem rendilhada em perfeita simetria. Um senhor meio gordo e
simpático, com uma gravata borboleta esverdeada, espetada sobre um
paletó marrom de cetim, bateu com o indicador num sininho sobre o balcão
e o mesmo garoto de calção até os joelhos e suspensórios apareceu
descendo de uma escada em caracol. O gerente, um cavalheiro de terno
cinza sem colete e óculos pequenos com uma armação preta e lentes
pequenas e redondas pegou das mãos do recepcionista as chaves do
apartamento.
– Queiram acompanhar-me – disse, começando a subir as escadas;
Virgínia Watson o fez por último após despedir-se de Smith. Este, saindo à

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rua, ia voltar à delegacia quando se surpreendeu ao olhar na direção do bar
William a cinquenta metros na mesma calçada do hotel. Um cavaleiro, com
chapéu de mexicano e um manto vermelho rendado, acabava de amarrar o
cavalo branco a um tronco. O mesmo fizeram quatro capangas que o
acompanhavam. O xerife então mudou de idéia, decidiu tomar uma bebida
e olhar o movimento. Caminhou e entrou no recinto.
Quando empurrou as duas portas de vaivém, Juan Carrilo, já
encostado ao balcão, tendo a sua frente uma caneca de vidro com cerveja,
olhou-o com desprezo. Atrás dele, algumas mesas eram ocupadas por
grupos de três ou quatro pessoas que bebiam e conversavam
animadamente. Mas, ao verem o temível fora-da-lei e seus homens, o
silêncio foi geral. Dois Colts de coronhas prateadas guarneciam a cintura
de Carrilo e impunham medo e respeito. Smith aproximou-se do balcão. –
Boa tarde, William, um conhaque duplo com gelo, por favor.
– É pra já, xerife. – As mãos albinas de William pousaram sobre o
balcão um copo comprido e ao lado deste um cinzeiro oval e bastante
pesado para o pequeno tamanho.
– Tudo em ordem, xerife? – perguntou o pistoleiro.
– Por enquanto, sem problemas.
– Por que por enquanto?
– Tudo pode acontecer numa cidade como Pinkville, parece que os
bandoleiros andam a solta – respondeu Smith com ironia.
– Se está se referindo a mim, estou em dia com a lei, xerife –
replicou Carrilo, ainda mais irônico. – Só queremos nos divertir um pouco,
eu e meus companheiros. – Apontou por cima do ombro, seus capangas
juntavam-se a outros em duas mesas, participando de uma partida de
pôquer.
Súbito, entra pelo ambiente um sujeito todo apavorado e esbaforido.
As botas estavam enlameadas e o chapéu torto na cabeça. A camisa branca
estava fora das calças, apresentando também marcas de sujeira e desleixo.
Dois botões estavam abertos e o crucifixo, pendente de um cordão
prateado, havia pulado para fora do peito. Na entrada do bar, encostados à
parede, dois barris, um por cima do outro, chegaram a balançar com o
impacto das portas que ele empurrara com violência. – Xerife O'Brien!
Xerife O'Brien! – clamou o homem agora ali, bem ao lado de Smith, com o
chapéu nas mãos; a pequenez de sua estatura sobressaía-se, atraindo
facilmente a atenção.

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– Fala, homem! Aconteceu alguma coisa grave? – indagou o xerife. –
A visão do mexicano causou uma espécie de comoção no baixote, por
pouco não o fazendo perder a voz. Juan Carrilo seguia bebericando sua
cerveja sem dar muita importância a ele. Lacaio em uma das diligências,
atendeu de pronto a ordem de um cocheiro e pôs-se a galope em busca de
comunicar o mais rápido possível o fato à lei. Enquanto desembuchava,
olhava de vez em quando para o outro que passou a dar ouvidos à conversa.
Os olhos do amedrontado vacilavam entre a contemplação da fisionomia
austera de Carrilo e suas armas impiedosas. A uma pergunta de Smith, ele
estremeceu.
– E qual foi o bando responsável por tudo isso? – O mexicano virou
as costas. É claro que o lacaio não seria imbecil a ponto de entregar o
homem; seria o mesmo que assinar a própria sentença de morte.
– Na verdade não conheço o bando – respondeu com cuidado. –
Devem ser experientes salteadores das estradas, pois agiram muito rápido e
quase não deram chances a que olhássemos suas fisionomias, mas, agiram
com rapidez e muita astúcia.
– Venha comigo. Preciso registrar a ocorrência e saber de detalhes. –
Dizendo estas palavras, Smith depositou sobre o balcão o dinheiro da
bebida. Em seguida, e de um só gole, virou na garganta o restante do
conhaque e saiu acompanhado do lacaio. Carrilo, de caneco na mão e
procurando agir naturalmente, andou até a mesa onde, entretidos no jogo,
seus capangas não atinaram com a conversa ao pé do balcão. Apenas
Puentes, sapeando de fora, percebera o conteúdo do que falavam. O
movimento era intenso àquela hora, com várias pessoas entrando e saindo
constantemente, sem falar na altura de suas vozes. Carrilo chegou até ele e
cochichou qualquer coisa em seu ouvido; Puentes piscou para um dos
companheiros que jogavam.
Passados não mais do que cinco minutos, Carrilo e seus homens
preparavam-se para montar e cair fora dos domínios de Pinkville pois,
certamente, a coisa ficaria preta para eles se continuassem por ali. Porém,
antes que o primeiro deles desatasse o seu animal, uma voz se fez ouvir.
– Juan Carrilo, está preso em nome da lei, melhor que se entregue,
você e seus homens.
– Quem vai nos prender, xerife, o senhor? – perguntou o mexicano,
expondo um sorriso cínico e zombeteiro, com a rédea na mão e já ao lado
do seu cavalo. Os outros cinco, mais ou menos na mesma posição, tinham

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cada um uma das mãos bem próxima ao coldre, prontos para sacarem na
hora certa. O mexicano repetiu a pergunta. – É o senhor quem vai nos
prender, xerife?
– Não, nós vamos prendê-los. – A um sinal de cabeça de Smith, a
surpresa aconteceu. Pelo menos uma dúzia de atiradores, armados de
revólveres e rifles, surgiu de todos os lados, prontos para combaterem uma
possível reação. Havia homens em cima dos telhados, dentro do bar, na rua,
escondidos atrás de pilastras e no segundo pavimento de um prédio em que
funcionavam um banco, uma casa de apostas e alguns escritórios
comerciais. Smith O'Brien estava com dois ajudantes quando proferiu a voz
de prisão atrás dele à entrada do bar. Do outro lado da calçada, a uns oito
metros, Carrilo e seus capangas. Estes já conheciam muito bem o chefe que
nunca se entregava de mão beijada e não seria agora que o faria.
Sendo assim, começou a implacável fuzilaria. O primeiro a cair foi
um dos homens do xerife; um magrinho barbudo que correu para trás de
uma carroça parada na frente do banco. O outro ajudante socorreu o
companheiro puxando-o para dentro do bar. Junto ao homem da lei, agora,
mais dois auxiliares que chegaram com a carroça e pularam rapidamente
para escaparem das balas criminosas. Uma delas acertou outro defensor da
justiça quando corria pelo telhado. Antes que chegasse a uma caixa d’água
para se proteger, foi atingido no peito. A arma, deixou-a cair para levar a
mão ao ferimento e em seguida tombar sobre as telhas, de onde rolou e
despencou até em baixo. Outro justiceiro foi atingido, o último a pular da
carroça. Resguardado por uma das rodas, quis levantar-se para impedir a
fuga de um dos bandidos. Porém Puentes, bem escondido dentro de uma
pequena barbearia, pressentiu a reação e cumpriu bem o papel de cobrir a
saída do comparsa. Dois dos muitos tiros que disparou pegaram de cheio e
mais um foi derrubado. Com a perícia e agilidade que faltaram ao
companheiro morto ao seu lado, Smith, que havia terminado de recarregar
o rifle, derrubou-o do cavalo, com dois tiros nas costas.
O fogo cruzado não parava. Quatro homens da lei já tinham sido
atingidos enquanto apenas um bandoleiro de Carrilo fora morto. Enquanto
isso, dentro da barbearia, uma cena se desenrolava. Puentes protegia os
companheiros e mantinha atrás de si o velho barbeiro, magro e de cabelos
encanecidos, amarrado a sua cadeira de trabalho. A primeira coisa que
fizera ao iniciar-se o tiroteio fora entrar ali e expulsar o único freguês da
casa. Este saiu com a cara ainda cheia de barba e fugiu como pode para

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dentro do bar. A atenção de Puentes era toda voltada para o lado de fora e
ele sequer procurou verificar a existência de uma entrada pelos fundos. Por
isso sentiu, em dado momento, a pressão leve e fria de dois canos em suas
costas. Sem alternativa, soltou a arma e virou-se lentamente. Dois ajudantes
de Smith, um louro e outro moreno claro, conseguiram, sem serem vistos,
dar a volta pela outra rua e penetrar pelos fundos da barbearia. Sob a mira e
a revista da eficiente dupla, gritava para Carrilo e os demais ao lado de
fora. – Tenham cuidado, eles conseguiram me pegar; fujam enquanto é
tempo.
Nesse momento, a uma ordem do chefe mexicano, o grupo, agora
cinco com ele, dispersou-se rapidamente. Dando tiros para todos os lados,
todos correram aos seus cavalos, saindo de trás de seus escudos protetores.
A carroça, atrás da qual escondiam-se o xerife e mais um homem, era um
dos alvos mais visados por encontrar-se mais próximo do que os outros. E
também pelo fato de ser Smith um perito atirador. E foi ele novamente
quem conseguiu derrubar outro pistoleiro; os demais escaparam ilesos.
Conduziram Puentes para a delegacia. Smith O'Brien e mais dois
assistentes submeteram-no a um açulado interrogatório. O mexicano,
sentado em uma das cadeiras, na mesma sala onde havia se reunido com o
xerife, o grupo de Virgínia Watson respondia com frieza e ironia as
perguntas que lhe eram dirigidas. Tinha as mãos algemadas sobre a mesa e
o chapéu caído nas costas.
– Onde estão os valores que roubou dos passageiros de uma das
diligências? – perguntou um dos assistentes, um homem magro e de
bigode; sentava-se cara a cara com Puentes. Tinha os dentes muito brancos
e estava trajando um casaco de couro marrom. O bandido teve que levantar
as duas mãos manietadas para coçar o nariz; fungou antes de responder.
– Terão que perguntar ao meu chefe, mas não deixem de estar bem
protegidos.
Smith estava de pé na porta dos fundos. Numa das mãos tinha um
charuto. Enquanto acompanhava o interrogatório, dava umas baforadas
jogando a fumaça para o lado de fora do recinto. Estava encostado, como a
descansar sobre a ombreira o peso do corpo. Os pés estavam cruzados e o
outro braço apoiava-se no outro portal como a impedir que desabasse.
– Você matou um homem a sangue frio, Puentes. Saiba que já possui
crimes mais do que suficiente para ser julgado e condenado à forca – disse
o xerife; Puentes torceu o pescoço para olhar para ele.

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– Não tenho medo de suas ameaças, xerife.
– Não são ameaças. Você está preso, vai a julgamento e será
enforcado em praça pública. – O mexicano cuspiu para o lado num gesto de
escárnio e desprezo às palavras de Smith. Depois falou:
– Pois não dou vinte e quatro horas até que Juan Carrilo e seus
homens estejam aqui para libertar-me.
– Pois desta vez eu pago para ver, amigo, não será tão fácil assim.
Que venha Carrilo, ele não sabe o que lhe espera. – Dizendo isso, saiu
deixando ordens para que trancafiassem muito bem o bandoleiro.
Conduziram-no à jaula e o atiraram lá dentro enquanto Smith contornava a
repartição pelo lado de fora e ganhava a rua.
Ia atravessar para o outro lado quando foi surpreendido por repentino
tropel. Teve que ser ágil ao pular de volta para a calçada, livrando-se de
uma carruagem que surgira de uma curva, parando bem a sua frente. Logo
em seguida, outras três fizeram o mesmo e estacionaram em fileira. O ar
ficou meio nublado pela poeira levantada e assim permaneceria por longos
e poluídos minutos. Em poucos instantes o interior da delegacia estava
completamente tomado. Smith e seus assistentes tiveram muito trabalho
para conter alguns mais exaltados que, ao reconhecerem Puentes, quiseram
fazer justiça com as próprias mãos.
Passados uns quarenta minutos de tensão e nervosismo conseguiu um
acordo com os artistas que participariam da inauguração marcada para as
dez horas. Já eram oito e meia da noite e o ambiente geral não era nada
propício a um evento deste porte. Então, chegaram a um entendimento. Às
nove, na presença de Virgínia Watson e sua delegação, decidiu-se por um
consenso geral e amistoso, adiar para o dia seguinte a grande festa. Dentre
os mortos estavam o mágico e um famoso cantor; precisavam portanto
procurar substitutos à altura. Teriam pouco mais de vinte e quatro horas
para isso.
Smith conseguiria, finalmente, descansar um pouco após um dia
agitado e repleto de situações inesperadas. Desde que viera para Pinkville
assumir a ordem e a lei, ainda não encontrara um local definitivo para fixar
moradia. Até que o fizesse, a família, composta da mulher e um casal de
filhos, ficaria em St. Louis, onde morava. Por enquanto, dormia ele em um
hotel, o mesmo que hospedara a comitiva.
– O Sr. tem visita, xerife – disse o recepcionista gordo, de gravata
borboleta, ao entregar-lhe a chave do quarto. Smith olhou na direção de

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uma saleta anexa à recepção, ligando-se a esta por um vão abaulado e
espaçoso. Tinha uma iluminação escassa, o que era proposital para dar ao
ambiente um tom de calma e sossego. O colorido do papel que enfeitava as
paredes refletia-se nas poltronas dispostas em círculo. No centro, uma
mesinha expunha um pequeno vaso de planta artificial no meio de alguns
exemplares de jornais e revistas. Um velho, recostado sobre a poltrona
menor, folheava um periódico. Perto dele, numa das extremidades de um
sofá de couro marrom, um jovem casal trocava beijos e palavras amorosas.
Na outra ponta do sofá, Tommy Brown fez um pequeno aceno para
cumprimentar Smith. Ele fechou a revista que tinha nas mãos e a recolocou
sobre a mesa.
– Obrigado por atender ao meu chamado – agradeceu o xerife, já a
sua frente e de mão estendida. Tommy apertou-lhe a mão.
– Vim, logo assim que soube tratar-se de Carrilo. Não vejo a hora de
confrontar-me com ele. Temos um velho impasse que precisa ser
solucionado. – Dizendo isso, voltou a sentar-se, oferecendo a Smith um
lugar a seu lado no sofá. Tommy Brown cruzou as pernas, deixando visível
a roseta dourada de sua bonita e reluzente espora. As botas pretas eram
novíssimas e a calça de brim azul escuro era encimada por belo cinturão
preto; apenso a este, do lado direito, um coldre com arma e cartucheira.
Usava um casaco azul de veludo. Tommy Brown tinha a pele clara, mas,
não era tão branco como a maioria dos seus compatriotas. Era de
descendência indígena, cabelos e olhos pretos e um sotaque sulista. Por
causa da sua simpatia e seu jeito atraente, dava muita sorte com as
mulheres. Nunca precisou fazer muito esforço para conquistá-las. Em Little
Rock, no Arkansas, onde se criara, conquistou, ao lado do pai fazendeiro, a
glória e a fortuna. Mas, ao saber que a missão de Pinkville tinha a ver com
Juan Carrilo, largou tudo e veio imediatamente.
Conversaram um pouco, colocando em dia os assuntos antes de
falarem sobre os reais motivos do encontro. Mas, o dia fora tenso demais
para Smith e ele deixaria para o dia seguinte o principal. Passados vinte
minutos ou pouco mais, subia o xerife para o quarto, a fim de recuperar as
energias esgotadas no decorrer de um dia tenso, véspera de outro, sem
dúvida, cheio de aventura, mas, totalmente imprevisível, onde tudo poderia
acontecer. Quando se despiu para o banho, teve o cuidado de soltar da
camisa suja e suada, a sua estrela, símbolo do seu poder. Enquanto
depositava, num cesto, as peças de roupas que usara, ia o distintivo sendo

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colocado com cuidado e carinho em cima da mesa do aposento. Ao lado,
um porta retratos exibia o sorriso feliz e descontraído dos três maiores
amores de sua vida.
Não muito distante dali, reunida numa velha casa transformada em
ponto de encontro, uma súcia maldosa e provida de grande astúcia, traçava
planos estratégicos às próximas investidas. Com certeza, a libertação de
Puentes era a prioridade do grupo chefiado por Carrilo. Isto porque um
assalto ao banco de Quennland, a vinte e cinco milhas de Pinkville, seria o
próximo alvo da quadrilha e, para isso, Puentes era insubstituível por ser o
maior estrategista neste tipo de crime.
Sendo assim, ao romper do sol da manhã seguinte, parte da
quadrilha, doze homens a cavalo e sem poupar estardalhaço, invadiram a
cidade que ainda dormia e tomaram, à força, as dependências da delegacia.
Desnecessário dizer que foi debalde qualquer tentativa de reação por parte
dos dois únicos carcereiros que faziam plantão. Após entregarem Puentes
de mão beijada, foram amordaçados e amarrados em duas cadeiras, costa
com costa, permanecendo nesta posição incômoda até que, por volta das
sete, o xerife os libertou.
– Quantos eram? – perguntou Smith à sentinela, magra e de bigode,
depois de desfazer o nó do lenço que lhe pendia à boca.
O homem massageou os pulsos doloridos pela forte apertura das
cordas antes de responder.
– Eram no mínimo dez, chefe.
– Carrilo estava com ele?
– Eu acho que não; pelo menos não esteve aqui dentro. – Quem
respondeu foi o outro ajudante. Este era mais velho do que Spencer, mas,
tinha três vezes mais corpo e resistência. Era muito branco e possuía os
cabelos ruivos e olhos verdes. Deu muito trabalho aos homens que o
imobilizaram; estava sangrando em um dos cantos da boca devido a um
soco que levou de um dos bandidos.
No restaurante do hotel à uma e meia da tarde daquele mesmo dia,
reunidos num almoço pré-combinado, estavam os cérebros capazes de um
arranjo eficaz que pudesse levar ao enfrentamento vitorioso do grupo de
Juan Carrilo. Virgínia Watson fazia-se acompanhar de um de seus
assessores e os dois filhos. Em frente a eles, na mesa comprida e ornada
com três castiçais prateados sobre uma toalha muito branca, estavam

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Tommy Brown e George Lane, o mais influente empresário. Nas
extremidades, Smith e Richard Kent, o prefeito de Pinkville.
– Quinze anos de lutas e sacrifícios foram dedicados ao crescimento
desta cidade – disse George Lane do alto de sua sabedoria e experiência
evidenciadas pelas cãs e confiança no tom de voz. – Não estou propenso a
permitir que um bando de mexicanos fora-da-lei venha ameaçar a nossa paz
e destruir a nossa felicidade. Conte com a minha colaboração; diga-me de
quantos homens vai precisar e eu os fornecerei.
– Preciso pensar em qualidade antes de tudo. Quero homens
destemidos e muito eficientes no manejo de armas. Não quero pensar em
perdas – foram as palavras de Smith. Virgínia fez a sua proposta:
– Meus meninos são peritos com suas pistolas e podem contar com a
ajuda deles, também. Certo, queridos? – Os dois rapazes apenas sorriram,
dando a entender que estavam de acordo.
– E quanto à quantidade, Tommy, quantos acha que são? – quis saber
o xerife.
– Não tenho muita certeza atualmente. Temos que estar preparados
para qualquer surpresa. Em todo caso, creio que nunca age com menos de
quinze homens, mormente se continua sendo o covarde que sempre foi. Se
conseguirmos reunir um terço a mais de elementos, estaremos bem.
O prefeito usou da palavra para advertir do perigo que corria a sua
cidade ao por realmente em prática o plano que ali acabara de ser traçado e
que objetivava, de uma vez por todas, dar um basta à carreira hedionda e
criminosa de Juan Carrilo e todo o seu bando. Reforçou, entretanto, a sua
confiança em Tommy Brown e no xerife O'Brien para um resultado
positivo. Às quatro horas e quinze minutos, deu por encerrada a reunião,
desejando a todos boa sorte e um final feliz à empreitada.
O grande problema agora era atrair Carrilo para a cidade. Certamente
que esta era uma tarefa para Tommy Brown. Após a saída do restaurante de
todos os que participaram daquele importante encontro, Tommy
permanecia em seu lugar à mesa. Acabara de acender um dos seus charutos
prediletos e bebericava o café de uma xícara. Para perto de si viera Smith
O'Brien. – E então, como vamos fazer? – indagou o xerife. O outro deu
uma tragada forte em seu charuto, jogou para o lado a fumaça e respondeu:
– Reúna todos os homens, partiremos daqui a uma hora direto ao
esconderijo deles. Faremos um ataque surpresa. Por certo já estão

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preparados para algum tipo de reação de nossa parte, mas, terão muito mais
do que esperam.
– E assim, às quatro e meia, em frente à repartição policial e
tomando grande parte da rua, um poderoso grupo estava formado. Sob o
comando de Smith, auxiliado por Tommy Brown, não menos do que vinte
e dois cavaleiros aguardavam em suas montarias a ordem para
abalarem-se até o local onde um confronto, por certo, seria a sua recepção.
Mas, para isso estavam preparados. Deviam ser superiores, não só em
número como também em experiência.
A casa ficava em uma planície onde muito poucas residências se lhe
avizinhavam. Após trinta minutos de ligeira cavalgada por uma trilha
íngreme de pedra e savana, o terreno principiava a alterar-se para um
extenso bosque de espécies variadas, mas, que eram pobres em quantidade
e em tamanho. Cortando o arvoredo, diversas trilhas ofereciam opções e
podia-se ver o destino de algumas delas. Eram casas simples, em madeira e
poucos cômodos. As que possuíam curral tinham também celeiro, poços
artesianos, área para pasto e outras comodidades, mas, não passavam de
uma meia dúzia. Porem era numa dessas que se reunia o bando de Carrilo.
O grupo foi dividido em dois. Tommy Brown e xerife O'Brien
assumiram de cada um o comando. Chegaria um por trás da residência e o
outro, o de Smith, permaneceria de longe, escondido e dando cobertura. Só
que, no interior da casa não havia mais do que seis pistoleiros, distraídos
em jogar e beber; falavam alto e alguns davam risadas descontraídas. A
uma ordem de Tommy Brown houve a invasão e todos foram presos. Na
verdade, havia um outro meliante que não fora visto por nenhum dos
homens que compunha o grupo que vinha com Tommy Brown. Quando
este irrompeu casa adentro, o bandido encontrava-se no banheiro, cuidando
de suas necessidades fisiológicas. Ele se assustou com o repentino estrépito
de animais e o alvoroço de vozes. Mas, teve sangue frio o bastante para
esperar no que ia dar a investida dos justiceiros.
Com calma e cautela compôs a vestimenta e em seguida colou o
ouvido à porta a fim de tentar reconhecer alguém pela voz. Como não
conseguiu, arriscou sair de onde estava. O banheiro ficava nos fundos de
um corredor, à esquerda de onde houvera a invasão. O homem, moreno, de
bigode e usando calça escura, botas marrons e um blusão surrado de
poliéster, deixou, bem de fininho, o recinto. Caminhou lentamente pelo
corredor e, sem que ninguém percebesse, penetrou num dos quartos. Dali,

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apurando os ouvidos, identificou a voz de Tommy Brown. Sem muito
pensar, andou até uma janela que estava entreaberta. Olhou para fora e não
viu ninguém. Subiu no parapeito e, de um salto, ganhou o chão de grama.
Agachado, do jeito que caíra, saiu apressado e desapareceu por entre as
árvores do bosque. O grupo de Smith encontrava-se frontal à casa, mas,
dificultado pela distância, que não era pequena, embora fosse estratégica,
não teve como perceber a fuga do fora-da-lei. Ele saiu pela lateral e, muito
habilmente, alcançou a mata; parecia um coiote no rastro de uma presa.
Não é preciso muita imaginação para supor-se que este pistoleiro, ao
sair dali, iria direto ao encontro do seu chefe a fim de notificá-lo da
emboscada e, meia hora depois, quando chegou Carrilo e o resto do bando,
já nada encontraram. O que havia era não mais que as consequências de um
ato de justiça. Sobre as mesas, marcadas pelas cinzas dos cigarros dos
charutos fedorentos que ainda ofendiam o ambiente com o fantasma da sua
poluição, viam-se cartas. Baralhos desfeitos e esquecidos. No meio delas,
em uma das mesas, um bilhete. Tommy Brown deixara uma mensagem
para o seu inimigo nº 1. “Já sabe onde estou. Venha se for homem. Minha
vingança o aguarda”.
Carrilo largou com fúria o papel que rasou da borda mesa a sua
frente e foi se perder atrás de uns sacos embaixo da janela. Antes de sentar-
se, chutou um tição de lenha negro e ainda quente para um canto da sala ao
lado da lareira. Ajeitou o manto e comentou com o outro, mas, como se
falasse consigo mesmo: – Não sabe o que lhe espera, este infeliz; vou dar-
lhe uma lição e acabar com isto de uma vez por todas.
O sol ainda brilhava no horizonte sobre os picos distantes de
Pinkville quando Carrilo penetrou na cidade, acompanhado de não mais do
que três elementos, entre eles Puentes. Uma a uma, as portas dos
estabelecimentos comerciais que ainda davam ao local aparência de um
centro urbano, foram, aos poucos e timidamente, sendo abaixadas por seus
proprietários temerosos e precavidos. Sabiam, por conhecerem-no [e as
consequências de sua chegada a qualquer lugar, que era o melhor que
tinham a fazer em detrimento do lucro certo: salvar a própria pele da
violência e da malvadeza de Juan Carrilo.
Porém, dentro do bar, já esperavam por ele. Ou melhor, as pessoas
que, naquela hora bebiam e jogavam, envoltas em suas conversas e trapaças
rotineiras, não eram as mesmas que compactuavam com a desavença
prestes a desenrolar-se na cidade. O cheiro do conflito, a antecipação do

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mal, pervagou no ar, misturando medo e ansiedade. Então, as mesas, antes
em festa, ficaram solitárias e esquecidas; o balcão esvaziou-se e ainda se
via alguns bancos recém desocupados apagarem-se de vez na inércia após o
último giro de seu assento, causado por quem se levantou dali abrupta e
apressadamente. Apenas a notícia de que ele havia chegado foi suficiente
para causar todo este rebuliço. Um velho, em roupa de ferreiro, espécie de
macacão de gabardina, todo sujo e empoeirado, que costumava entrar ali
todo final de tarde para tomar o seu sagrado gole e conversar com os
companheiros, foi quem alertou para a chegada dos meliantes. Ao olhar da
calçada em frente ao bar para os cavaleiros que chegaram em alvoroço e
ver quem eram, meteu a mão na porta com vigor e empurrou-a para dentro.
Segurou-a antes que ela voltasse contra si e gritou a plenos pulmões: – Juan
Carrilo e seu bando acabam de entrar na cidade; estão vindo para cá! – O
velho, então, esqueceu a bebida e tratou de salvar a própria pele. Sem
querer olhar para trás, para não conhecer a distância que o separava do
grupo, esgueirou-se pelo canto da calçada que margeava o bar e, vinte
metros à frente, desapareceu numa esquina.
Sem se importarem com a azáfama de pessoas que deixavam a casa a
se dispersarem na rua para todos os lados, os bandidos se aproximaram,
apearam de seus cavalos e, dentro em pouco, passaram a ser os únicos ali
dentro. Carrilo andou entre as mesas vazias, a contemplar a ironia de
canecos ainda cheios com a cerveja; muitos ainda espumejavam a espera de
serem devoradas. Ele agarrou um deles, levando-o à boca. Tornou a pousá-
lo ruidosamente enquanto educava de satisfação e superioridade. Em
seguida, olhou em derredor, sentiu o melancólico abandono do ambiente e
disse com sarcasmo:
– Acho que nos enganamos de cidade, rapazes. Esperava encontrar
por aqui uma verdadeira preparação para o evento do ano, como me
disseram que seria. Já que não estão aqui, vamos até à nova casa, deve estar
lá aquele covarde. – Dizendo isto, dirigiu-se à saída, mas, o que viu, fê-lo
estancar o passo. Já do lado de dentro do recinto, de braços cruzados, a
exibir um ar de seriedade e confiança, Tommy Brown o observava.
– Não precisa mais ir a lugar nenhum, Juan Carrilo, já encontrou
quem procurava. – Ao ver que, por trás de Tommy, a figura do xerife
O'Brien surgia empurrando a porta e penetrando também no ambiente,
Puentes levou a mão à cintura na intenção de sacar o seu revolver, no que
foi impedido pelo comparsa.

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– Deixa estar, companheiro – falou, sinalizando com uma das mãos
para Puentes que se encontrava a uns três metros de distância, no meio do
salão. Ninguém vai levá-lo de volta para a prisão enquanto eu estiver por
aqui. Sei que o xerife não suporta quando alguém escapa de sua cadeia,
especialmente quando solto por mim. Mas, antes de proferir nova voz de
prisão, ele terá que presenciar um acerto de contas; vai ver-me acabar com
um metido a valente e bonitão. – olhou zombeteiramente para Tommy
Brown. Os outros dois fora-da-lei, um pouco atrás de Puentes, no fundo do
bar, trataram de esvaziar cada um a sua caneca de cerveja. Estavam
encostados ao balcão e acompanhavam o desenrolar da cena. Tommy
Brown, na sua calma característica, deu dois passos para frente. Agora foi
Carrilo quem levou a mão ao coldre.
– Não se preocupe, moço – disse Tommy, parando junto a uma mesa.
– O valente e bonitão nada tem de covarde e muito menos de traiçoeiro.
Pelo menos neste aspecto não me igualo a sua laia.
– Seu moleque atrevido, vai ter o que merece. Ninguém ofende desta
maneira a Juan Carrilo. – Dizendo estas palavras, sacou furiosamente a sua
arma para alvejar o outro. Porém, um estampido, repentino e certeiro, fez
voar para longe o Colt do mexicano, acertando-lhe, de raspão, a mão. Ele
ficou espantado com a ação rápida e eficiente de Smith O'Brien. Mesmo
assim, porém, demonstrando frieza impressionante, sacou do bolso da calça
um lenço escarlate e limpou com ele um filete de sangue que lhe escorria
do dorso da mão, resultado do leve ferimento. – Não devia ter feito isto,
xerife – ameaçou, guardando o lenço. – Poderá se arrepender
tremendamente.
– Não tenho medo de suas ameaças, homem – disse Smith, enquanto
guardava o revolver. Carrilo, porém, lançou para Puentes aquele tipo de
olhar que, tanto este quanto os outros capangas, já sabiam o que
significava. E a ação veio como resposta imediata. Puentes foi o primeiro a
disparar a fim de dar proteção ao chefe quando o mesmo procurava, entre
saraivadas de balas, um local dentro do salão onde pudesse aguardar em
segurança o desenrolar do tiroteio. Um dos bandidos logo tombou morto,
atravessado por duas balas da arma de Tommy Brown. Caiu no fundo do
salão, derrubando cadeiras antes de estatelar-se no chão frio da casa. O
outro, já amedrontado com a pontaria e destreza dos justiceiros, tentava
escapar, atirando, enquanto subia de costas os degraus da escada interna
que conduzia ao segundo andar. Mas não foi muito longe. Atingido pelo

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xerife que, mesmo de onde estava, próximo à porta de saída, conseguiu
acertá-lo no coração, rolou escada abaixo e seu corpo sem vida veio juntar-
se ao do outro.
Agora restavam Puentes e o próprio Carrilo. O primeiro, ao ver que
estava em desvantagem e, não querendo ter o mesmo fim dos seus
comparsas, imediatamente desfez-se de sua pistola; lançou-a com certa
força por cima da própria cabeça. E ela foi cair atrás do balcão. Causando
um colossal alvoroço de vidros. Que se espatifavam antes de se desfazerem
em cacos por todos os lados. A arma fora de encontro à porta de vidro de
um armário. Que guarnecia garrafas de vinho e whisky; o estrago foi total.
– OK, cavaleiros. – O mexicano, com as mãos para o alto, exibiu um
sorriso misto de tensão e malícia. – Poupem sua munição. Puentes sabe
quando é chegada a hora de se entregar. – Smith então se aproximou, de
arma em punho, tendo na outra mão um par de algemas que tirara do bolso
da calça enquanto caminhava.
– Pode abaixar as mãos e bem devagar. Não tente nenhum truque.
Não terá nenhuma chance desta vez.
Puentes, no entanto, permanecia na mesma posição, enquanto seus
olhos erravam no vazio, denotando um certo disfarce. – O que está
esperando? – perguntou o xerife e, logo percebeu um movimento. Com
espantoso reflexo, virou-se e desferiu violento soco no rosto de Juan
Carrilo que, segurando pelo gargalo uma garrafa, acabara de erguê-la no ar
para descer sobre a cabeça do homem da lei. Tampouco Tommy Brown
percebera a aproximação dele. Carrilo saíra de dentro de um banheiro, ao
lado do balcão, cuja porta aberta para o lado de fora não permitia que fosse
visto.
Mas Tommy Brown valeu-se do seu talento para salvar a vida do
amigo e defensor de Pinkville. Quando o covarde Puentes sacou de uma
faca, presa estrategicamente à parte de trás da aba de seu sombreiro, para
cravá-la nas costas de Smith O'Brien, foi alvejado pela incrível pontaria de
Tommy. A não menos que seis metros da cena, ele atirou e a bala, como
que guiada por um controle remoto, acertou o bandido na testa, saindo pelo
outro lado. Por momentos, a faca, espelhando o brilho da luz tremeluzente
do recinto, pairou em sua mão, enquanto os olhos, mais uma vez e,
derradeiramente, encararam o vazio. Daí, soltou o metal e caiu para trás.
Morreu de forma horrível, olhos arregalados, contemplando as trevas do
outro mundo. Na verdade, não iria fazer a mínima falta por aqui.

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Carrilo, caído entre duas mesas, recobrava os sentidos. Porém, ao
pôr-se de pé, percebeu a situação de desvantagem e por instantes viu,
estampado nas cenas diante de si, o fim inapelável da sua carreira de
criminoso e fora-da-lei. Levou a mão à cintura, mas, só encontrou o coldre
vazio e impotente. Olhou os companheiros aniquilados e não pode esconder
a frustração e o ódio de ver-se dominado.
– Só resta entregar-se, Juan Carrilo; acho que não vai querer ter o
mesmo fim dos seus amigos – disse Smith, com o par de algemas em uma
das mãos e a pistola na outra.
– Vejo que não tenho outra saída, mas, ainda assim, proponho um
acordo – falou, olhando com firmeza para Tommy Brown que permanecia
no mesmo lugar de onde alvejara Puentes: próximo à porta de entrada. –
Deixe-me eliminar, em duelo, aquele patife, em troca da minha liberdade e
para nunca mais por os pés nesta cidade.
– E se perder – interveio Tommy Brown – poupará nossa cadeia de
ter que abrigar e alimentar um verme como você. Pode deixar, xerife, há
muito que espero por esse momento.
– Tem certeza do que está querendo, Tommy?
– Nunca estive tão convicto, dê-lhe a arma.
Smith examinou a arma que portava na cintura do lado esquerdo.
Abriu e fechou o tambor verificando as balas. Entregou-a a Carrilo. Este,
com um sorriso sardônico, não escondia a satisfação de ter uma chance de
ganhar a liberdade. Meteu no coldre a pistola e sugeriu: – Comece a rezar,
moço! Vamos ver se é mesmo tão bom como dizem.
– Vamos para fora – ordenou o xerife, passando a acompanhar cada
movimento do mexicano.
Os últimos raios de sol refletiam debilmente por trás das colinas de
Pinkville. Ao movimento rotineiro das turbas trabalhadoras, acrescia-se
inúmeros curiosos quanto ao desenlace dos acontecimentos. A cidade havia
parado. Os prédios fizeram-se pequenos demais e suas portas e janelas
estreitas para abrigarem os que não queriam perder o espetáculo.
Os dois já estavam frente à frente. O manto avermelhado de Carrilo
subia e descia com a força do vento que assobiava; ele arrancou-o com
fúria, atirando-o para longe. A uns dez metros dali, já preparado, Tommy
Brown o observava impassível. Seus cabelos compridos esvoaçavam ao
sabor da refrega. Ele pensava: “saque, seu patife, que vou mandá-lo para o
inferno”.

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Parece que Carrilo leu a mente do outro pois, cuspindo para o lado
para disfarçar, sacou, com incrível agilidade e disparou. Tommy Brown
levou a mão esquerda ao ombro e caiu. Na verdade, jogou-se ao chão.
Enquanto caía, já com o revolver na mão direita e engatilhado, fez dois
disparos. Juan Carrilo foi ao solo soltando um grito de dor e de derrota.
Duas balas, obedientes e fatais, cravaram-se-lhe no peito, pondo fim a mais
uma carreira inútil.
Tommy Brown levantou-se, olhou ao redor e checou o ombro ferido.
Acercaram-se dele o xerife e um ajudante. Na delegacia cuidaram do
ferimento e o trataram como herói. Entre os que o parabenizaram, alguém
que não via a hora de tudo aquilo ter um final feliz e, quase todos que ali
estavam iriam entrar noite adentro felicitando Virgínia Watson. Tudo
pronto para o grande espetáculo.

O Mistério de Springfield

Um arrepio de medo precedeu o grito de desespero que Jane deixou


escapar ao retornar para a sala. O prato, ainda quente, que devia conter algo

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recém preparado, foi pelos ares e o seu conteúdo esparramou-se contra a
parede branca e escorreu até o chão vitrificado. O efeito fumegante, livre,
volatilizou-se, saindo pela janela. A vítima aparente, cuja visão horripilante
entorpeceu os gestos de Jane, estava muda e estática. Parada entre um
quarto e a sala, a pele negra tornou-se pálida e esverdeada. Os cabelos
encaracolados desfizeram-se em fios curtos e eriçados pelo pavor. A
televisão permanecia ligada, mas o som e as imagens desfilavam solitários,
sem o espectador que, há minutos, ali estava. A cadeira que ocupava, agora
vazia e caída para trás, tinha ao seu redor as peças misturadas aos talheres,
aos cacos e outros restos que vieram de cima da mesa, arrastados com a
toalha azul e branca.
A falta que repentinamente sentiu do marido tirou Jane da inação que
a dominava e levou-a a atravessar o cômodo e a agarrar a jovem pelos
braços e sacudi-la, num frêmito de desespero.
– O que houve aqui? Onde está Henri? Onde está Henri? – Mas ela
nada respondeu. Limitou-se a encarar a patroa, cravando-lhe um olhar
pavoroso cujas pupilas, calcinadas, dardejavam o inenarrável. Um calor
excessivo e anormal dominou o ambiente. Os braços negros começaram de
tal forma a esquentar que queimaram as mãos de Jane. Súbito e
sobressaltada ela soltou-a e correu a casa. – Henri! Henri! Onde está você?
Vasculhou todos os aposentos e subiu ao segundo piso, entrou no
quarto e olhou ao redor. Nenhum indício de que ele tivesse ali retornado.
Sobre a cama do casal, a mesma colcha amarela de algodão permanecia
intacta, com os travesseiros na mesma posição de costume. O roupão azul
marinho nas costas da cadeira ao lado da janela e, por baixo, o par de
chinelos, eram sinais habituais de sua rotina após o banho. Ela correu ao
banheiro; tudo normal e nenhum sinal de Henri. Retornou ao quarto e olhou
pela janela.
A fazenda era de grandes proporções. O quarto do casal, no andar de
cima, dava para a parte de trás. Foi o próprio Henri quem preferiu que
assim fosse. Teriam, desse modo, um panorama completo, pois a visão
frontal que tinham de sua bela propriedade, através da frente ampla e
envidraçada da parte térrea, seria completada pelo panorama bucólico e
gracioso das planícies e dos vales de Springfield. Vista ao anoitecer ou nas
primeiras horas do crepúsculo da sacada do quarto, a paisagem do
horizonte, quando limpo e estrelado, era sempre reconfortante e uma fonte
natural de energia e inspiração.

54
Jane buscou com os olhos, sobre o verde da mata rasteira e uniforme,
algum sinal da passagem recente de alguém a pé ou a cavalo, mas não
conseguiu ver nada. Mais ao longe, onde passava uma estrada de terra
abandonada, a vegetação ao longo do caminho apresentou-se-lhe rasteira e
abaixo do crescimento normal. Estranhou a princípio e, olhando melhor,
percebeu que não era só isso. Em muitos trechos, não havia praticamente
vegetação alguma. Em outros, era como se todo o verde tivesse sido
completamente arrancado. E, paralelamente àquela estrada, era como se
outra houvesse sido recentemente construída. Poucos passavam por ali. Há
anos esquecida, a via só era utilizada nos casos de algum viajante
desembocar daquele lado, após cruzar a ponte do rio. Quando percebiam, já
estavam nela e sem outra opção a não ser retornar pelo mesmo caminho da
ponte. Não foram poucas às vezes em que empregados da fazenda, ou
mesmo seus patrões, precisaram orientar forasteiros de outras plagas, que
não tinham por objetivo aquela propriedade, a retornarem dali mesmo,
poupando tempo e energia.
Incontida sensação de medo e insegurança voltou a apossar-se do
espírito de Jane. Tornou a descer correndo as escadas. Enquanto o fazia,
pensou em dirigir-se ao campo de soja, mas, olhando o relógio, percebeu
que de nada adiantaria. Os empregados nunca chegavam antes das oito e
ainda faltavam vinte minutos. Indo agora só encontraria o silêncio de
instrumentos imóveis e em seus lugares de sempre; pás, baldes e enxadas a
espera de mais um dia. Mudas, sementeiras, folhas verdes, raízes e plantas
que, se veem, não testemunham. Porém, ao chegar à sala da horrível cena,
Pat não mais ali se encontrava.

II

O panorama de Springfield, esse pequeno povoado de Missouri,


bem no centro dos Estados Unidos, nada deixa a desejar quanto ao belo que
nos encanta. Pequenos cursos d’água cruzam as fazendas de soja, milho e
algodão. Afastando-se à cavalo das margens de um desses riachos, em
direção às grandes planícies que correspondem à bacia do Mississippi-

55
Missouri, têm-se, descortinadas, vastas terras, de tonalidade verde a
predominar, pontilhadas por ricas paisagens agrícolas. As residências,
algumas tão distantes entre si que não se consegue ver, foram arquitetadas e
construídas com o rigor do estilo próprio; de tão distintas umas das outras,
denotando arranjo pré-combinado, a não quebrar pela monotonia o
interesse do visitante. Aqui e acolá uma árvore cresce e, sob uma luz de
crepúsculo, a planura se faz luxuosa como um parque civilizado pela
vegetação pequena.
Patrick fazia este percurso pela primeira vez em sua vida. Procedía
de Jefferson City. Viajara à noite e estava, por isso, cansado e de mau
humor. Seu cavalo marrom já começava a mostrar os conhecidos sinais de
esgotamento. Ele alisava o animal no pescoço encardido de lama e mal
cheiroso, prometendo-lhe para muito breve uma parada; desta vez com
muita água, boa comida e, o que ele mais parecia querer, um verdadeiro
descanso. Enquanto distraía-se no reconhecimento e apreciação do lugar,
deixando ao seu condutor o mínimo dos sacrifícios e embalado em sua
marcha obediente, Patrick entregava-se a um sério questionamento.
Perguntava-se o porquê de ter sido ele o encarregado de desvendar o
mistério de Springfield. No fundo, sabia que vinte e cinco anos de
investigação policial e uma merecida saleta em sua delegacia, repleta de
medalhas e condecorações, eram mais do que um motivo justo para
encontrar-se agora diante de tal missão.
O pensamento na salinha particular fez com que, num repente,
levasse a mão ao bolso da calça na ânsia de certificar-se de que ali estava,
bem segura, a chave do seu cadeado. A rapidez do gesto fez o animal piscar
repetidamente, assustado. Sacudiu a cabeça e novamente endireitou-a,
cheio de insatisfação com o desgaste inútil de sua reserva de energia.
Patrick, meio que abobalhado, admirava, balançando firme em fino cordão
prateado, o símbolo de sua glória, o mapa do seu tesouro particular. O
cavalo, sabedor agora do desfecho daquela atitude, assossegou-se, mas não
sem antes ver a mesma mão de volta ao bolso, guardando a chave.
Haviam ultrapassado vasto trecho agrícola, já afastado do vale
habitável. Seguindo em linha reta, chegaram à beira de um rio; barulhento
naquela altura devido à força das águas. Recentemente houve chuva e o
solo estava úmido e lamacento. Os detritos nas águas chocavam-se uns
contra os outros. O vento frio da manhã doía na pele. Uma árvore tombada,
obrigando o animal a um salto quase mortal, era a principal indicação da

56
recente tempestade. A refrega deixou galhos secos e folhas mortas entre
outras vítimas da natureza, naturalmente transformada. A visão à direita de
Patrick era tomada pela alta plantação. Quinhentos metros à frente, ele
entrou por este lado, na pequena e estreita rua, a primeira que surgiu ao fim
da área cultivada. Novo sinal de vida começou a surgir aos poucos.
Primeiro, um cão todo preto, a perseguir as patas do seu cavalo, logo
desistia do intento ao ser gritado pela provável dona, uma mulher meio
gorda que apareceu no portão de madeira de exuberante mansão colonial
com fachada de alpendre. Denunciou, pela melhor residência dentre as
poucas daquela rua e pelas roupas sujas de terra e um pequeno refugo de
mato sobre os cabelos caídos, numa expressão de realização, ser a
proprietária do invejável campo de milho e soja que ficara para trás.
Ao fim da via, uma estrada. Mas Patrick não tinha que seguir por ela.
Percebeu com alívio que, de onde se encontrava, já podia avistar, com
clareza, o que seria o fim da viagem tão cansativa. Sua visão estendeu-se
sobre a ampla área verde à sua frente. Ficava no alto, a uns cinquenta
metros além da estrada, totalmente flanqueada por cerca de arame em toras
de eucalipto. Patrick sacou do bolso de sua camisa uma fotografia e
confirmou a cena. Embora um pouco amarelecida pelo tempo, a imagem
mantinha os principais detalhes de quando fora criada, exceto, é evidente, a
mudança natural inevitável quando se trata de tomadas da natureza. Com
um sorriso de satisfação e alívio, voltou a guardar a fotografia e um leve
toque de sua perna na barriga do animal o fez andar novamente. Atravessou
a estrada de terra e parou mais uma vez. À esquerda, o cercado era
contínuo e quase não havia acostamento. O sol já alto incidia ali com vigor
e não era possível saber, tampouco, onde terminava a proteção do terreno.
Ele optou então pela sua direita, onde árvores sombreavam o caminho.
Contornou a ilharga do monte e pegou o trecho entre este e as árvores.

III

Logo à frente, deparou com o mesmo rio cujas águas, naquele ponto,
pareciam mais calmas e menos carregadas. Notou que passava por dentro
da propriedade. Obteve dali a visão quase que total da moradia. Dava de
frente para o rio, distante deste não mais do que quarenta ou cinquenta

57
metros. Era toda branca, de frente ampla e pórtico inclinado. A visão lateral
de Patrick permitia-lhe, inclusive, contar o número de janelas da parte
superior da casa que tinha dois andares: seis na parte da frente e três em um
dos lados, aquele que lhe era visível. Com a mão sobre os olhos, para
facilitar a visão dificultada pelos raios solares, olhou um pouco mais para o
alto e viu a sacada a qual se apoiava nos segmentos das pilastras do
segundo piso e, por último, a cobertura de um sótão atravessado. Daquela
mesma posição via, a uns vinte metros, outra grande obra e soube
imediatamente o que era. Tratava-se de uma estufa e, pelos seus
conhecimentos de agricultor que fora até os vinte e oito anos às margens do
curso superior do Hudson, nos montes Andirondacks, concluiu sua suspeita
ao sentir, mesmo de longe, o arrojo da edificação, das mais dispendiosas,
onde se investe fundo na horticultura a fim de ofertar os produtos fora da
estação normal de abastecimento. Recorre-se à estruturas metálicas, com
teto e paredes de vidro, em caixilhos modulares e dotadas de fornalha
interna destinada a aquecer a água que circula em tubulações metálicas;
com certeza eram ricos os que ali mandavam.
Ele cruzou uma ponte sustentada por cordas e potentes toras que
eliminavam o balanço. Acabava de alcançar a outra margem, leu em tinta
azul, os dizeres de uma placa: “FAZENDA DOS WALTERS”.
Aproximou-se. Sem desmontar, levantou a corda que prendia o imenso
portão e entrou, largando-o aberto. Estava agora há poucos metros de obter
as primeiras informações sobre o estranho desaparecimento de Henri
Walters. Na pacata Springfield havia, como em toda parte, crimes e mortes.
Porém, no caso de Mr. Walters, a lei local intrigou-se e dava o fato como
insolúvel. Buscaram-se todas as probabilidades. Interrogados e
investigados foram todos os prováveis envolvidos e não chegaram a um
mínimo parecer que levasse a um indício de suspeição para uma busca mais
apurada. A quatro dias do ocorrido, passaram às mãos de Patrick Brown
essa difícil tarefa. Ia ele pelo caminho, imbuído do primeiro passo em sua
missão: interrogar Jane Walters, a esposa. Olhou melhor e mais de perto a
gigantesca estufa enquanto passava agora bem rente a ela. Longa fila de
sementeiras de diferentes mudas despertou-lhe lembranças que já se
perdiam no tempo. Veio-lhe, como que para afastar a saudade indesejada,
uma sensação de realização ao se sentir vitorioso na carreira que escolheu.
Desvendar casos complicados para outras delegacias era o seu motivo de
maior orgulho. Olhava para as espécies que cresciam ali, naqueles

58
pequenos caixotes e balançava a cabeça como a cumprimentar velhos
conhecidos. O local carecia de arrumação. As paredes de vidro estavam
embaçadas, mas lá dentro o ambiente parecia outro. Ou o mesmo. As
galerias, repletas de plantas, expunham bela variedade e tratamento
primoroso. O cavalo quase passa por cima de uma grossa mangueira
d’água, enrolada até ao meio, com uma das extremidades caída sobre
pequeno canteiro arredondado coberto com flores da estação. Mais quatro
iguais àquele, com diferente floração, formavam grande círculo. Eram
rosas, orquídeas, duas espécies que ele não soube identificar e, no centro,
um pinheiro. Patrick apreciou o bom gosto, apertando os lábios, numa
expressão de elogio. Na outra extremidade, outro conjunto semelhante ao
primeiro e ainda mais exuberante. A comprida varanda surgiu, imponente,
muito bem ornamentada entre aquelas obras. Mrs. Walters, que já o
esperava, cumprimentou-o.
– Bom dia, Mr. Brown! Espero que tenha feito uma boa viagem –
disse, enquanto fechava a porta pela qual acabara de sair. Patrick, ao
responder ao cumprimento, fitou-a nos olhos verdes; não mostrava sinais
de que haviam chorado nas últimas horas. Era uma mulher bonita, embora
não muito jovem. Calculou que devia passar dos quarenta.
– Correu tudo bem – respondeu agradecendo. Desmontou.
– Haverá problemas se soltá-lo um pouco? – perguntou, alisando o
animal, enquanto era autorizado por um sorriso e um sinal negativo de Mrs.
Walters. Fez-lhe uma carícia no pelo, verificou os cascos e desatou as
correias que prendiam a sela, puxando-a para si. Deu, então, firme palmada
no lombo do bicho e este correu em direção ao rio.
– Não sei se posso retribuir o bom dia; como tem passado? – falou,
largando os arreios sobre o parapeito da varanda.
– Nada bem, não durmo há dias. Ele é tudo para nós. Não
compreendo como pode alguém, simplesmente, desaparecer em Springfield
sem deixar uma pista. O que fazem os policiais dessa cidade?
– Temos que conversar, senhora Walters. Para começar, preciso
fazer algumas perguntas, se não se importa. – Ele permaneceu na mesma
posição, a cofiar o bigode, aguardando o convite para entrar na casa.
– É claro – respondeu. – Entre, por favor.
Virou-se, abrindo a porta. Patrick penetrou na varanda. Seus olhos
demoraram-se agora um pouco mais sobre a mulher. Os cabelos loiros e
escorridos pendiam-lhe nos ombros torneados. Na antessala, uma pintura

59
tomava meia parede ao lado da porta principal. O quadro era antigo, mas
chamava a atenção pela predominância das cores quentes; exibia velha
cena peculiar no remoto oeste americano, com a cavalaria rústica cruzando
a galope o grande lago, tendo, ao fundo, as montanhas rochosas. Ali
mesmo sentaram-se. Patrick deixou cair todo o seu peso sobre uma
poltrona tão macia que afundou. A mulher sentou-se no canto oposto em
uma cadeira de palha.
– O que quer tomar? – perguntou com decisão como se adivinhasse
que ele queria tomar alguma coisa.
– Aceito um café forte, por gentileza. Preciso estar bem desperto;
acho que terei que pensar um bocado.
– Só um minuto. – Ela saiu e, em trinta segundos, já estava de volta.
Sentou-se novamente. – O que deseja saber? – indagou, ajeitando a alça do
vestido vermelho que lhe cobria até os tornozelos.
– Para começar, conte-me o que puder a respeito das amizades do Sr.
Walters e de sua rotina também.
As primeiras palavras de Jane fluíram-lhe sem dificuldades. Dava a
impressão que se cansara de repetir a mesma coisa a todos que lhe
interrogavam sem sucesso. Porém, surpreendeu-se quando Patrick,
interrompendo lhe a salmodia, perguntou: – Senhora Walters, acaso o seu
marido vinha, ultimamente, recebendo alguma visita inusitada? – ela corou
a esta pergunta.
– O que o Senhor está querendo dizer com isto? – perguntou,
repondo sobre o ombro direito a alça do vestido que, teimosamente, caíra-
lhe outra vez, desnudando a pele queimada. Ele repensou o que havia dito,
mas sem nenhum arrependimento. A reação era mais do que previsível e a
tréplica já estava pronta.
– Vou explicar melhor, não se preocupe – disse. Nesse momento,
uma jovem negra surgiu trazendo uma bandeja branca de porcelana, ornada
de motivos florais alaranjados que contrastavam com o esmalte terra de
suas unhas pontiagudas. Ele teve que esticar a mão para retirar a xícara
com o café. – A propósito, meu cavalo necessita comer um pouco de ração
para enfrentar a longa jornada de volta; vi que possui algum gado e um
curral…
– Já está sendo providenciado – disse, mostrando certa impaciência.
– Obrigado. Pois bem, – cruzou as pernas, pondo um dos cotovelos
sobre os braços da poltrona – a casa de vocês é a mais afastada de todas.

60
Cavalguei durante horas até chegar aqui. Já dentro dos limites de
Springfield, esgotados, eu e meu cavalo, fizemos o último trecho na mais
completa morosidade; pude assim observar tudo ao redor. A mais de uma
milha ficou a última residência. De lá para cá a paisagem é ampla, quase
sem obstáculos, salvo a sua própria casa que está numa pequena elevação.
O rio por aqui não é navegável, o que dificulta a aproximação por ele que
por sua vez obriga o visitante que vem do sul a contornar imenso milharal
para alcançar a ponte de corda ao lado da sua chácara. Pelo relatório que
me foi entregue, seu esposo era… é um homem bastante conhecido, mas
sem inimigos. Vocês vivem uma união estável e aparentemente feliz há
quinze anos. Ele nunca apresentou problemas sérios de saúde em seus
quarenta e quatro anos de idade, tampouco indícios de falta de satisfação
com o casamento que justificassem um rompimento inesperado. Perda de
memória ou perturbação por motivos financeiros também foram
descartados. – Tomou um gole do café e continuou: – Tudo isso, a
princípio, elimina as possibilidades de um afastamento voluntário de Mr.
Walters da convivência dos seus. Quanto a um provável sequestro, as
chances são mínimas. Como já disse, não há rotas de fuga e todo e qualquer
visitante seria visto, entrando ou saindo. Os seis empregados da fazenda
são tão antigos quanto o próprio negócio e não têm mais que responder ao
inquérito. Quando perguntei sobre visita inusitada, estava querendo me
referir aos clientes que possuem na propriedade. Pode falar a respeito?
– São visitas de praxe; muito poucas e raras. Em noventa e cinco por
cento dos casos, somos nós quem vamos até eles.
– Amigos e parentes?
– Só temos um filho; está casado e vive em Cincinnati. Quanto aos
amigos, nos visitam com certa regularidade, mas, como o senhor já deve
ser sabedor, todos já foram investigados.
– Sim, eu sei disso. E é aí que fico preocupado.
– Não compreendo.
Patrick ajeitou-se na cadeira. Descruzou as pernas, tomando o último
gole de café e depositou, sobre uma mesinha de vidro, à sua frente, a
xícara, completamente vazia. Com a ponta dos dedos, puxou dois
minúsculos carrapichos que estiveram grudados na perna direita da calça
azul de brim. Com leve piparote, lançou, pela janela aberta atrás de si, os
espinhos, que foram cair sobre a grama meio úmida. – Acontece que lido
com o crime há mais de vinte anos. Não me limito a procurar bandidos e

61
metê-los na cadeia; vou muito mais longe, como a senhora pode ver –
brincou um pouco para relaxar o ambiente. Ela condescendeu com leve
sorriso forçado que, mesmo assim, realçou-lhe a beleza do rosto, ora
abatido. – Quando as buscas concretas me faltam, recorro ao sobrenatural –
acrescentou.
– Como assim?
– Sobrenatural. Não tem “como assim”. Tudo o que estiver
dissociado do puramente racional passa a ter sentido para as minhas
investigações. Talvez, por isso, pensam em mim para solucionar casos
incomuns que já ocorreram fora da esfera material.
– Já ocorreram!?
– Sem dúvida, senhora Walters, mas não vem ao caso agora. Por isso
quero concentrar-me de certa forma não convencional para os padrões
tradicionais da criminologia. – Jane olhou para ele de um jeito também
incomum. Achou que podia estar diante de um daqueles detetives
neuróticos com mania de Sherlock Holmes. Porém, as informações que
conseguiu sobre ele davam conta de alguém cuja reputação era das mais
confiáveis.
Patrick tirou do bolso a mesma fotografia, levantou-se e deu três
passos até onde a mulher estava. – Vê isso? – disse, estendendo a mão.
– É este lugar. Reconheço pela paisagem. Deve ser muito antiga;
como conseguiu?
– Não me pergunte. Foi-me entregue pelo Centro de Pesquisas
Arqueológicas de Nashville. De acordo com as descrições divulgadas pela
imprensa, fomos informados da existência, aqui, – apontou para o local da
foto onde hoje está a casa – de um inexplicável campo energético.
– O que é isso? – ela perguntou ao virar-lhe o retrato, mostrando o
canto esquerdo deste com o dedo da outra mão.
– Deve ser deste lado – disse Patrick, esticando o braço para o leste,
– a um quarto de milha de onde estamos. Há pouco mais de um século,
funcionou ali importante mina subterrânea de carvão mineral que ajudou a
sustentar por décadas a economia local. Mas, um acidente inexplicável
acabou com tudo. Havia uma lei protetora que não permitia escavações
além de determinada profundidade. Todavia, um arrojo de coragem e
desobediência causou a descoberta de incontáveis jazidas de diamante a
muitos metros abaixo do permitido. Foi o suficiente para desestruturar as
camadas de sustentação das galerias nos níveis superiores. Dezenas de

62
mortes ocasionaram o fechamento e o encerramento das atividades. Foi
uma tragédia. Muitos corpos ainda se encontram lá embaixo. Anos mais
tarde, muitos foram os aventureiros que, apesar de tudo, influenciados por
histórias fantásticas e improváveis de outros que haviam conseguido chegar
até as jazidas e retornar salvos e abarrotados, decidiram tentar o feito, mas
não tiveram a mesma sorte. Aí começaram os desaparecimentos. Tudo
ficou, entretanto, sepultado no tempo e na história. Na dúvida, persistiu o
medo. Costuma ir àqueles lados? – perguntou, recolhendo a foto e voltando
a afundar na poltrona.
– Às vezes passeio por ali à cavalo. Há uma encosta coberta pelo
matagal, sobre um platô, ao longo da estrada. Deve ter sido a tal mina.
Lembro-me do comentário de um antigo morador de Springfield, já
falecido, a respeito desta catástrofe. O senhor tem razão, já faz muito
tempo.
– O último registro de desaparecimento no arquivo geral do
Missouri foi feito há quarenta e sete anos. Porém, há um detalhe que me
chamou a atenção. – Jane endireitou mais uma vez a alça do vestido,
agora, a do ombro esquerdo.
– Qual? – perguntou com interesse.
– As circunstâncias que envolveram os dois últimos casos
assemelham-se ao de Mr. Walters, ou seja, o fato se deu de forma
inexplicável e as testemunhas mais próximas asseguram que a vítima estava
em casa e em sua presença minutos antes. Não digo, até por falta de sentido
lógico, que exista relação com a mina subterrânea, mas, como já sabe, estou
propenso a dirigir minhas investigações ao terreno do ilógico ou mesmo do
inconcebível, se preciso for.

IV

Embora o concreto e o prático tenham sido obliterados durante


aquela primeira visita de Patrick, ele deixou satisfeito a moradia dos
Walters. Jane sentira que uma linha de conduta, ao menos diferente,
poderia trazer algum resultado prático e mais animador. Afinal, ninguém
chegara tão próximo quanto ele, em análises e comparações. A confiança
que conquistara o deixou seguro, a ponto de estabelecer uma segunda

63
visita. Propôs a ela que o acompanhasse até o local da entrada da mina,
afim de que um estudo, in loco, fosse realizado. Precisava de sua presença
para ajudá-lo com alguns instrumentos, assim como lhe mostrar detalhes do
caminho. Não foi fácil convencê-la. Contudo, as razões que ele lhe deu
foram justas, e a esperança de encontrar o marido falaram mais alto,
também. Voltaria em dois dias.
As sombras predominantes na relva, refrescando a tarde de
Springfield, animaram Patrick a enfrentar o longo caminho de volta.
Chegaria exausto e já ali imaginava a sua cama preparada e a mulher a
esperá-lo na varanda, tendo a lua cheia a contemplar o deserto das ruas do
bairro, onde morava, depois das onze da noite. Com efeito, aquela noite foi
uma das mais bem dormidas que tivera ultimamente. Olhou o relógio
arredondado no alto da parede em frente à cama; passava das dez. Não
acreditou que tivesse dormido tanto. Espreguiçou-se despreocupado, mas a
lembrança da obrigação o fez levantar-se incontinenti. Calçou os chinelos,
afastou a cortina de renda da parede do quarto que escondia a porta, cruzou
um pequeno corredor e foi para o banho. Na cozinha, o som de copos e
utensílios sendo transportados e postos sobre a mesa, e um aroma de café
fresco, misturado ao cheiro da gordura do bacon, preparado ao seu estilo
favorito, chegaram até ele, acelerando-lhe o banho e a fome.
À mesa, vasculhou o jornal à procura de notícias sobre o caso de
Springfield. Encontrou, junto a uma fotografia, as seguintes linhas:
“Espera-se para muito breve novos pormenores que possam trazer
alguma luz a este intrincado acontecimento. Como já foi noticiado, Henri
Walters desapareceu misteriosamente dentro de sua própria casa, quase
embaixo dos olhos de sua esposa Jane. Segundo relato da própria Mrs.
Walters, ela deu pôr sua falta ao retornar da cozinha para a sala, de onde
tinha saído para pegar no forno umas panquecas que acabara de assar.
Na sala, só ficara ele e mais ninguém. Como sempre fazia, tomava o
breakfast, assistindo na TV à retrospectiva do baseball do dia anterior, seu
esporte favorito. Pat, a empregada, encontrava-se, segundo ela própria,
em seu quarto. Não havia dormido muito bem e sentia-se indisposta.
Pedira à patroa que a deixasse ali, descansando até mais tarde, no que foi
atendida; disse que tinha muita dor de cabeça. Isto, foi por volta das sete
horas da manhã. Às sete e trinta, ocorreu o incidente, em meio a dois
minutos de afastamento de Jane Walters. Os exames clínicos posteriores
acusaram em Jane os efeitos de uma crise nervosa, provocada pelo choque

64
da perda. Aproveitou-se a ocasião para submeter também a empregada a
uma avaliação do seu estado. Seus sintomas eram puramente físicos.
Apresentava os olhos inchados sem uma causa aparente e queixava-se de
cansaço e mal estar. Há dias do ocorrido, as autoridades policiais de
Springfield, desesperançadas, aceitaram a nossa participação nas buscas
e investigações. Jefferson City enviou Patrick Brown, inspetor chefe
daquela jurisdição. Seus métodos peculiares e um currículo vitorioso
prometem novas esperanças.”
Ao lado do texto estava a foto da vítima e, em letras menores, os
dizeres: “Henri Walters é agricultor de sucesso e sua fazenda está entre as
mais modernas e bem aparelhadas do estado”. Patrick fechou o jornal e
olhou as horas em seu relógio de pulso. Espetou no garfo a última fatia do
bacon e levou-a à boca. Com a mão mesmo, pegou outra, que ele não vira e
que quase caía do prato, engolindo-a com mais um trago do café. Beijou a
mulher e saiu, tendo o jornal cheio de dobras metido no bolso traseiro das
calças. Montou e seguiu para a Inspetoria de Polícia. No caminho, pelas
ruas arborizadas que tão bem conhecia, parecia não dar muita atenção a
nada, exceto à própria introspecção. As belas residências ajardinadas
passavam por ele em ritmo de fúria e desprezo. O galope contínuo e um
tanto acelerado o mantinha absorto. Ao entrar na inspetoria, cumprimentou
um funcionário que batia alguma coisa numa grande e antiga Remington e
seguiu para a sua sala, sentando-se à mesa de trabalho.
Uma idéia pairava em sua mente. Precisava fazer certas comparações
a fim de desvendar suspeitas que, se justificadas, abririam ante si um novo
leque de possibilidades, mas, para isso, precisava ir até Nashville e
recolher, no Centro de Pesquisas Arqueológicas, o material necessário. Na
impossibilidade de ir ele próprio, teve que enviar pessoa experiente e de
confiança. Pegou no telefone preto a sua frente e um contato de oito
minutos deixou acertada a visita. Queria ver fotos, mapas e relatórios. Só aí
poderia lançar fundamentos às próprias conjecturas.
No dia seguinte pela manhã, tinha Patrick em seu poder não somente
o que ele havia pedido, mas algo mais. Três exemplares de diferentes
periódicos traziam informações que precisavam ser analisadas. Um deles
chamou-lhe a atenção por uma manchete de segunda página que expunha,
em negrito, estes dizeres: “HENRI WALTERS POSSUI CONTAS
BANCÁRIAS NO EXTERIOR”.
Ele abriu o jornal na página indicada e leu a notícia:

65
“Recentes investigações dão conta de que o empresário agrícola
Henri Walters, desaparecido misteriosamente no último dia 15, quando em
sua residência, pode ter sido vítima de um sequestro. Embora as provas e
os testemunhos não apontem para uma dedução totalmente conclusiva, não
há, até o momento, pela apreciação do laudo, melhor hipótese do que esta.
Henri é um dos homens mais ricos de Springfield e do Missouri. Avalia-se
sua fortuna pessoal em vinte milhões de dólares. Em declaração recente,
feita à imprensa, confirmou que mantém contas em diferentes bancos
privados da Europa e também do Japão. Perguntado sobre o porquê desta
escolha, disse ser uma opção pessoal, já que não existe impedimento legal.
Quanto a isso, afirmou que utiliza diversos equipamentos importados e
segue os conselhos de investidores estrangeiros. Segundo ele, isso facilita
bastante as suas transações.
“A fazenda dos Walters foi, no ano passado, tema de notícia nos
principais jornais do país. Èmile Rosieux, rico empresário francês há vinte
e cinco anos naturalizado americano e bastante influente por seus famosos
investimentos imobiliários, pleiteou, em juízo, a compra daquela
propriedade. Alegou a urgente demanda da população de Springfield por
novas áreas urbanas que trariam mais conforto e desenvolvimento àquela
região. Um plebiscito popular, porém, deu ganho de causa aos Walters o
que, supõe-se, irritou Rosieux que não se deu por vencido. Relato da
senhora Jane e de alguns empregados confirmam algumas idas do
empresário francês à fazenda nas últimas semanas. A imprensa o tem
procurado, mas, segundo sua assessoria, ele encontra-se em viagem pela
Europa.
“Novas buscas e investigações foram realizadas durante o dia de
ontem à procura de outras pistas. Seguindo deduções do Inspetor Chefe da
delegacia principal de Jefferson City, Patrick Brown, tiradas de seu
relatório, policiais de Springfield vasculharam mais uma vez todos os
arredores da propriedade. Nada de anormal foi encontrado a não serem
vestígios de mata destruída ao longo de uma estrada desativada há muitas
décadas. Algumas pegadas foram fotografadas e aguarda-se o resultado
dos exames que estão sendo realizados. Porém, existe quase a certeza de
que se trata de algum animal, possivelmente um bípede, que tenha
escapulido do dono e andado por ali. São confusas as pegadas, que
desaparecem depois de certo trecho sem deixar vestígios. Um menino de
onze anos, que passava pelo local no momento dos trabalhos, foi

66
interrogado. Disse nada saber e, perguntado sobre o que fazia em local
tão ermo, ele nada respondeu, mas notaram que em sua mão havia uma
pedra. Os homens a tomaram e constataram ser um diamante bruto,
porém, de incomum aparência. Pediram-na ao menino para estudos ao que
ele não se importou. O mineral encontra-se em Nashville para ser
analisado.”
Patrick fechou o jornal e ficou em silêncio, pensativo. Passou a
examinar o material que tinha sobre a mesa; pegou um álbum de
fotografias. Numa delas, apareciam homens escavando enorme área. A
época parecia ser a de inícios do século dezenove. De um lado, algumas
amostras de ossadas de diferentes tamanhos. Ele virou a foto e leu, escrito
em letras de máquina: “PESQUISA EM CAMADAS FOSSILIZADAS
NOS TERRENOS DO CARBONÍFERO PARA A DESCOBERTA DE
CARVÕES MINERAIS”. Comparou com outras. Havia uma, cujo local
parecia-lhe ser o mesmo onde está agora a casa dos Walters; mostrava o
início da construção de uma mina e, atrás, a frase: “PROJETO
ABANDONADO. DESCOBERTA DE CAMPO ENERGÉTICO
DESCONHECIDO”. Outra foto exibia a parte externa da mina verdadeira
em pleno desenvolvimento. Via-se enorme pilha de material estéril num
dos cantos, os trabalhadores em atividade no pátio e a torre de extração,
denotando pleno funcionamento.
Manuseando as páginas, Patrick seguia olhando agora os retratos das
vítimas fatais e dos desaparecidos nos acidentes que ali ocorreram. Na
última foto, quando já ia fechar o álbum, parou de repente, ao ver o retrato
de uma mulher. Achou isso estranho; uma mulher numa mina de carvão?
Seria um fato deveras improvável, a julgar pela época: há mais de um
século. Largou o álbum e passou a estudar um enorme livro antigo que
tinha diante de si sobre a mesa. Eram folhas castigadas pela ação do tempo,
mas ainda em muito bom estado de conservação que ele havia requisitado
ao arquivo geral da cidade. Todos os documentos referentes aos trabalhos
da mina de Springfield, assim como todas as ocorrências possíveis e
passíveis de terem sido registradas, encontravam-se ali, em suas mãos.
Abriu a capa dura e esverdeada e passou a examiná-lo.
Deixou para trás, todavia, as páginas dos longos relatórios que não
lhe interessavam naquele momento e foi direto ao que procurava.
Encontrou, na segunda metade do volume, recortes de jornais da época, os
quais estavam anexados à página em branco. Havia várias reportagens com

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fotos. Em uma delas, reconheceu a mulher que acabara de ver no álbum.
Lendo o texto, soube tratar-se de uma, entre as várias pessoas que se
aventuraram, muitos anos depois do desastre da mina, a explorar o seu
interior em busca de pedras preciosas. Mais à frente, noutro recorte, já
muito mais atual que os outros, analisou uma nota sobre desaparecidos em
Springfield. Quase não havia menção da antiga mina por terem-se passado
muitas décadas. Lia-se, ao contrário, uma frase do jornalista, que destacava
a possibilidade dos desaparecimentos terem a ver com aquele local de
trabalho. Acrescentava, como razão para a sua inferência, o fator tempo,
que fez esconder todas as entradas da encosta e torná-las inacessíveis pela
ação natural das erosões. Contudo, uma observação, no espaço em branco
da página, explicava o motivo de expor no livro aquele comunicado; dizia
que os desaparecimentos sempre foram muito raros em Springfield antes da
existência da mina e mesmo depois dela, portanto, uma factível correlação
poderia existir.
Em seguida, Patrick comparou, nos registros policiais, os três últimos
casos de desaparecimento com os três últimos mencionados no livro. Eram
os mesmos: dois homens e uma mulher. Todos jovens, com menos de
quarenta anos. Possuíam olhos verdes, tinham aparência forte e saudável.
De acordo com o texto, haviam desaparecido quase debaixo dos olhos das
pessoas que estavam por perto, porém, sem que ninguém percebesse o
ocorrido ou ouvisse qualquer som estranho. Pegou outras fotos das mesmas
vítimas. Em duas delas, descobriu detalhes que o deixaram atônito. Eram
tomadas feitas minutos após a ocorrência, cujo ambiente apresentava ainda
sinais, alguns não muito perceptíveis, das consequências do acontecimento.
Olhando bem para um canto da fotografia, Patrick deixou escapar uma
interjeição de admiração e espanto. Ficou de tal modo estupefato que não
ouviu o toque do telefone, senão quando da terceira vez que soou. Do outro
lado uma voz que ele não custou a reconhecer; era Jane Walters.

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Ele ia explicar o porquê de não ter ido aquele dia, por estar reunindo
algumas informações valiosas sobre o caso. Mal teve tempo de abrir a
boca; a mulher, com a voz totalmente embargada, como que pelo choque
de um susto recente, interrompeu-o. – Aconteceu algo horrível! Venha para
cá imediatamente.
– O que houve?
– É Pat. Ela está muito mal. Pelos sintomas acredito que tenha
relação com o que aconteceu com Henri.
– Chame-a. Deixe-me falar com ela.
– Impossível. Está desacordada e com uma febre estranha e tão alta
que a faz delirar.
– O que diz?
– Não compreendo, está confuso. Venha, por favor!
– Tudo bem, acalme-se. Chame apenas um médico e ninguém mais.
Estou indo agora mesmo. – desligou. Reuniu o material, guardou uma
parte e, a outra, colocou numa maleta preta de couro e saiu com ela, não
sem antes telefonar para casa, comunicando o imprevisto.

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Era começo de uma tarde muito ensolarada quando Patrick encostou
com seu cavalo junto à varanda da residência de Jane Walters. A porta da
frente encontrava-se entreaberta. Ele entrou, atravessou a antessala e
penetrou em um quarto com uma decoração simples, mas muito bem
arrumado. Ao lado da cama havia uma poltrona e na outra extremidade,
encostada à janela, uma penteadeira recheada de perfumes. Sobre a
mesinha de cabeceira havia um copo com água pela metade, ao lado de
uma caixa de comprimidos. Pat dormia. Sentada à beira da cama, Jane
sentia-lhe o pulso, quando Patrick aproximou-se. O aspecto da jovem era
assustador. Possuía algo de hermético e incompreensível aos padrões
comuns de análise que costumam apresentar os doentes. A expressão era
insólita e chocava à primeira vista. Os olhos, profundamente cravados nas
órbitas e ao mesmo tempo inchados, estavam sombreados de um círculo
verde e era, de fato, um verde-montanha com tons levemente azulados. A
boca ligeiramente aberta, parecia esforçar-se para dizer qualquer coisa, mas
o torpor, talvez causado pela medicação, a impedia. Porém, o que mais
impressionou Patrick, e o fez sentir-se seguro quanto ao caminho de suas
investigações, foram duas manifestações advindas do corpo de Pat, as quais
lhe foram percebidas assim que ele penetrou no aposento. Uma era a
altíssima temperatura que ali fazia sem nenhum sistema de aquecimento
ativo dentro da casa e em total contraste com a situação exterior. Ele
confirmou sua dedução ao por o dorso da mão sobre a testa da enferma e
constatar-lhe o altíssimo grau de calor, segundo Jane, insuportável a
qualquer mortal momentos antes daquela horrível prostração em que caíra.
O outro efeito, também já agora em menor grau, fazia aparecer e sumir
muito rapidamente do corpo inteiro de Pat um brilho, um clarão pálido e
repentino, agora de um verde muito escuro, que é a combinação deste com
o preto, e que lhe fulgia assustadoramente a aparência. Durava décimos de
segundo e desaparecia. Surgia-lhe parcialmente, primeiro na cabeça e, em
intervalos variáveis, cintilava sobre as outras partes do corpo.

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Apesar do seu estado grave e preocupante, ela começou a reagir
lentamente e, no decorrer daquela tarde, os sintomas foram, um a um,
desaparecendo para, no início da noite, abandoná-la de vez. Um sono longo
e profundo fê-la recuperar quase que totalmente o bem estar. Patrick partira
por volta das seis, prometendo retornar no dia seguinte pela manhã.
Conversou longamente com Jane, expondo-lhe as evidências que davam
suporte às suas suspeitas. Mostrou-lhe fotografias e documentos. Fez
comentários sobre as notícias que saíram nos jornais e deu sua opinião
sobre elas. As pessoas de cor negra que apareciam nas fotos, os clarões
esverdeados, eram fatores que quase o convenciam da existência de algum
efeito sobre humano naquelas ocorrências. As escavações arqueológicas no
terreno, abaixo de onde hoje está a mansão dos Walters, que resultaram no
projeto de construção ali de uma mina que chegou a ser iniciada e logo
depois abandonada, era o ponto que o vinha intrigando.
No dia seguinte, no horário que haviam combinado, ele chegou.
Tinha como tarefa primeira e essencial uma conversa com a jovem Pat. Já
mais animada, mas ainda repousando em seu quarto, procurava atender, na
medida do que permitia o seu estado, os anseios dele e também de Jane.
– Eu não me lembro de nada – dizia –, apenas um súbito mal estar, e
tudo se apagou.
– Você já ouviu falar em hipnose? – perguntou-lhe Patrick.
– Eu acho que sim. Mas não deve funcionar comigo não, senhor. Sou
muito medrosa; sim, tenho muito medo. – Com um pouco de insistência,
mas muita sutileza, conseguiu convencê-la a se deixar hipnotizar.
Acomodou-a na poltrona e, fazendo-a descansar, com a cabeça para trás,
sobre duas almofadas redondas e avermelhadas, fez com que entrasse em
total estado de relaxamento induzido por ele, que começou em seguida. Os
poucos conhecimentos que possuía desta técnica misteriosa, adquiridos em
pesquisas que fizera durante seus estudos universitários em Kansas City,
foram de grande valia, mas somente até certo ponto. Dali em diante, as
reações da jovem em transe passaram a ser preocupantes. Agia como se
estivesse vendo à sua frente alguém ou alguma coisa que a fazia gritar e
contrair-se de modo assustador. Os olhos negros começaram a esverdear-
se, emitindo um brilho inexplicável e pavoroso. Temendo alguma
consequência trágica, Jane pediu-lhe que interrompesse imediatamente a
sessão. Patrick, no entanto, falou concentrada e decididamente.

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– Espere um pouco. Olhe, parece que está querendo nos mostrar
alguma coisa. – Seu olhar incerto, que antes vagueava pelo ambiente do
quarto sem se fixar em parte alguma, de repente, ao transformar-se, caiu
sobre um único ponto e ali ficou, magnetizado. Parecia que alguma atração
dominava-a por completo, imobilizando-a; algo que transcendia mesmo a
compreensão de Patrick, que julgava tê-la sob seu poder. Numa tentativa
persistente e frenética ele conseguiu trazê-la de volta, mas o esforço fê-la
completamente exausta e, quando mal voltou a si, deixou-se descansar
sobre a poltrona, ali ficando até sentir-se recuperada. – Ajude-me a levantar
esta cama – disse ele para Jane. – vejamos o que há ali embaixo.
A cama em que Pat dormia era toda em estrutura de ferro e, portanto,
bastante pesada. Muito alta, deixava um vão considerável entre ela e o
chão. Este não era de piso vitrificado como o da maioria dos cômodos da
casa, mas de madeira cortada e trabalhada em formatos retangulares
diretamente sobre o solo. Uma colcha de casal de linho cobria-a totalmente,
e os folhos roçagavam, com suas belas estampas de pássaros, o assoalho
liso e esbranquiçado. Quando Patrick e Jane conseguiram, finalmente,
erguê-la e arrastá-la, não puderam dominar o espanto e o gesto de
estupefação. Havia, na direção da cabeceira, onde termina a parede e inicia-
se o solo, um enorme buraco; na verdade, um túnel gigantesco. As
proporções beiravam em torno de dois metros de diâmetro. Um arrepio
gelado e pavoroso passou pela espinha de Jane Walters ao ver aquilo.
Patrick abaixou-se para olhar a profundidade e ficou alarmado ao sentir a
imprecisão de qualquer cálculo. Porém, percebeu que, muito longe, até
onde conseguia visualizar com a ajuda de uma lanterna e onde o túnel fazia
uma curva, um brilho, o tal brilho esverdeado, cintilava de forma tímida,
mas ininterrupta. Todavia, ao desligar o flash, o clarão voltava a crescer
com todo o vigor.
– Meu Deus! O que é isso? – exclamou Jane, abaixando-se ao
lado dele e olhando na direção do foco luminoso. Patrick desligou a luz da
lanterna e levantou-se rapidamente e decidido.
– Onde fica o telefone?
– O que vai fazer?
– Temos trabalho pela frente. Consiga dois ou três homens entre os
seus funcionários; precisamos fechar imediatamente esta passagem e, se
minhas suspeitas estiverem certas, este caminho leva até a mina de carvão e
é para lá que eu, você e Pat iremos.

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– O doutor deve estar é brincando! Querer que eu entre neste buraco
que tá me assustando só de eu olhar pra ele. Não faço isso nem morta!
Também, não durmo nunca mais nessa cama – era a voz da empregada
atrás deles na poltrona.
– Não se preocupe, Pat. Ninguém vai passar por aí – disse Patrick,
meio que sorridente, tranquilizando-a. Jane sinalizou da porta com um
telefone; tinha acabado de chamar dois empregados que não deveriam
tardar em aparecer. Patrick foi até o aparelho e ficou nele um bom tempo.
Ela acompanhou-lhe em toda a conversa com o delegado distrital de
Springfield, em que pedia o reforço de um ajudante de polícia, uma
charrete e dois carregadores, entre outras coisas.

VI

Decorridas duas horas, um magnífico trabalho de concretagem e


tamponamento havia sido executado por dois hábeis empregados de Jane.
Isolava totalmente aquela passagem misteriosa. Em seguida, chegava a
ajuda que havia sido requisitada: uma charrete azul clara puxada por dois
cavalos, brancos e saudáveis, conduzida por um senhor de certa idade em
trajes simples de camponês, exibindo uma barba grande e grisalha.
Protegia-se do sol, que era forte, com mero chapéu de palha. Havia no
banco atrás de si uma espécie de arca pequena com cadeado. Devia ter
meio metro de comprimento por quarenta centímetros de altura. Aos pés
desta, uma caixa menor, preta, com alça de couro. Por último, montados em
cavalos, vinham o ajudante policial e dois homens fortes, um branco e um
moreno, que eram os carregadores. Partiram imediatamente.
Contornaram a fazenda em sentido contrário ao do rio e pegaram a
estrada abandonada. A certa altura do caminho, Jane, que ia ao lado de Pat
(que só a muito custo aceitou acompanhá-los) no carro, agora atrás dos
outros, atendeu à solicitação de Patrick que precisava falar-lhe. Ela trocou
de condução com o ajudante de polícia que foi sentar-se ao lado da jovem
na charrete. A marcha era a mais lenta possível a fim de que pudessem
observar melhor cada trecho do caminho. Neste momento, passavam pelo
local das estranhas pegadas.
– Aqui estão outras pistas que corroboram a minha tese.

73
– Que tese? – perguntou Jane, muito curiosa.
– Os exames não conseguiram identificar a origem destas pegadas,
mas eu descobri o que são. Vem de um ser desconhecido por nossa
civilização.
– Você quer dizer um monstro?
– Ainda não tenho certeza, mas é muito grande. Você conhece
canguru?
– Canguru?! É claro que conheço, mas não há deles por aqui –
admirou-se Jane.
– Eu sei que não há. Apenas quis dar um exemplo. Refiro-me aos
marsupiais. Houve uma era geológica denominada mesozoica,
caracterizada pela predominância e variedade dos répteis e algumas
espécies de mamíferos. Nela, a vida foi marcada pelo desenvolvimento de
certas espécies que, em seguida, desapareceram abruptamente. Começou há
225 milhões de anos e terminou há 65 milhões de anos. O último período
desta era, também chamada secundária, denominou-se cretáceo; durou de
70 a 80 milhões de anos e compreende os terrenos formados nesse período.
Acontece que, dentre os mamíferos daquele tempo, apenas os marsupiais e
os insetívoros persistem até hoje, enquanto outras ordens extinguiram-se.
– Está querendo me dizer que meu marido pode ter sido levado por
um marsupial, um canguru?
– Você disse-o bem, pode ter sido. Contudo, não quero me precipitar.
Mas não falo de um animal comum, refiro-me a um tipo gigantesco e pré-
histórico – disse Patrick, olhando-a muito sério dentro dos olhos. –
Esqueceu-se do túnel? – prosseguiu. – Saiba que estamos passando por
cima dele neste momento. – Ela olhou instintivamente para o chão,
assustada, e fez menção de desviar seu cavalo para o lado. – Não se
preocupe, não sei exatamente onde está, mas não há problema. Se eu
estiver certo, o animal, se é que podemos chamá-lo assim, não suporta luz
por muito tempo; por isso utiliza o diamante.
– Diamante!?
– Sem dúvida. Entre as variedades alotrópicas do carbono, as
cristalizadas são as mais bem definidas, como o diamante, pôr exemplo. E
quando isso ocorre, sempre há desprendimento ou absorção do calor.
– Então o corpo quente de Pat… e... o brilho verde.
– Muito simples: fotossíntese.

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Jane olhou para o mato e outras plantas destruídas ao longo do
percurso. Ficou boquiaberta. Estava aterrada. Patrick, como que lhe
adivinhando os pensamentos, prosseguiu.
– Sabemos que esse fenômeno, caracterizado pela absorção do
carbono e liberação do oxigênio, efetua-se ao nível dos órgãos verdes das
plantas, principalmente nas folhas. A clorofila transforma diretamente a
energia luminosa em energia química. Acredito que deva existir outro
mecanismo de fotossíntese que permite às plantas assimilar completamente
o CO² da atmosfera interna do vegetal, como estas gramíneas que vemos
aqui, por exemplo. Alimentando-se destas plantas, a criatura consegue, por
algum processo alotrópico existente em seu organismo, cristalizar carvões
minerais que são, na verdade, o alimento principal e, o mais
impressionante, expeli-los em forma de diamantes. Isto lhe dá condições de
suportar, por algum tempo, a luz do dia.
– Só não compreendo como pode essa coisa existir nos dias de hoje.
– Não existe. Ou melhor, deixe-me explicar. O fim do cretáceo ficou
marcado com a extinção de diversos grupos que haviam se desenvolvido
até quase o fim do período; os dinossauros, por exemplo. Só que, por um
processo qualquer de química orgânica inconcebível, este fóssil conseguiu
combinar o carbono com algum elemento presente na constituição de
outros organismos animais. Não sei ao certo, qualquer espécie de
carbonatação, pôr exemplo. – Patrick calou-se por alguns momentos
enquanto percebia em Jane um ar absorto. – Sei o que deve estar pensando
– arriscou –, que Henri esteja morto.
– Seria possível a esta altura conceber o contrário?
– Tenho minhas dúvidas, mas quero acreditar que sim. Que este
animal não seja carnívoro já quase posso garantir. Por outro lado, porém, a
fera é gigantesca; calculo não menos do que cinco metros de comprimento.
Quando digo comprimento, refiro-me a sua passagem pelo túnel, por
exemplo, a qual faz de forma agachada. Quanto aos outros movimentos,
compara-se a qualquer marsupial. Lembra-se das semelhanças que
constatei entre as vítimas? A juventude saudável e os olhos verdes são dois
fatores de grande influência. A cor dos olhos dessas pessoas dão à criatura
uma espécie de…como vou dizer… “segurança” para a sua ação. Do
mineral carbonizado mantém conservada a sua existência fóssil e, através
da luz verde, sente-se, digamos…protegido. Todavia, por não ser
carnívoro, não destrói suas vítimas, pelo contrário, precisa delas.

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– Deve estar brincando! – surpreendeu-se Jane.
– Gostaria que estivesse; porém nunca falei tão sério. Sabemos que
os carboidratos são um fator energético de primeira importância para o
organismo e um dos componentes da matéria viva, tendo o carbono como
um de seus elementos. Esse ser, na verdade – não saberia em que reino
situá-lo: no animal, no mineral ou na mistura desses dois, o que seria o
mais provável – para conseguir parte de sua energia, utiliza, de suas
vítimas, os carboidratos. Não me pergunte como o faz. Só sei, e espero que
esteja certo em minhas deduções, que não as mata. Outros fatores, como o
calor ou a falta de oxigênio, poderiam levá-las à morte, mas não a falta de
alimentos. Isto porque, por um processo osmótico que não saberia definir,
substâncias vitais são repassadas de um organismo ao outro.
– Como faz isso? – perguntou Jane assustada.
– Isto é o que vamos tentar descobrir.

Tendo já percorrido um longo trecho do caminho, encontravam-se


agora a menos de meia milha de uma encosta que era o ponto limite de um
platô que se via a esquerda. Patrick fez com que todos parassem. Queria
analisar melhor onde estavam. O chão, dali em diante, era quase todo em
rocha calcária, a se perder na continuidade da estrada que ia em direção ao
centro da planície. Retomaram a caminhada, porém, desviando o rumo e
seguindo no sentido da encosta. Não haviam andado cinquenta metros
quando uma transformação e um susto paralisou-os sem que tivessem
tempo sequer para sacar as armas e reagir. Os olhos de Pat tomaram aquele
terrível aspecto já conhecido ao se hipnotizarem diante do enorme buraco a
uns oito metros do veículo. A criatura, ali surgida de medonha profundeza,
e aureolada da mais indescritível luminosidade, emitia uma ordem. Em
uma ação tão rápida quanto impensável, Pat agarrou com ambas as mãos o
carregador a seu lado, cujo verdor dos olhos era não mais que medo e
horror. Com a facilidade de quem se desfaz de simples casca de banana
indesejável, lançando-a em uma lata de lixo, ela atirou o coitado, que foi
cair e desaparecer no marsúpio da fera, cuja bolsa fechou-se
imediatamente. Em passos para trás, sumiu dentro do enorme túnel,
deixando no ar os ecos dos tiros disparados por Patrick e seu ajudante.

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Jane, chorando desesperada, tentou descer do cavalo. Uma das
sandálias brancas que calçava desprendeu-se-lhe do pé ao ter a fivela
arrebentada no choque com as pedras. Patrick apeou-se a fim de ajudá-la,
mas ela correu para a charrete. Ao tentar subir, viu que um dos pés, o
direito, sangrava e percebeu a dor. Ele auxiliou-a ao mesmo tempo em que
esticava a outra mão para segurar a sandália que o policial lhe atirava. Pat
passava pela fase do choque que a deixaria prostrada por algum tempo.
Tentaram dar-lhe um pouco de água de um cantil, mas sem sucesso.
Acomodaram-na então no veículo. Tinha o corpo e os membros
entorpecidos.
– Leve-a para casa, deixe que cuidemos do resto. – Patrick não
conseguiu convencer Jane que, por sua vez, não aceitou os seus conselhos.
Ela ordenou ao homem de barba e chapéu de palha que seguisse em frente,
com todo o cuidado.
Patrick, já em seu cavalo, ia à frente de todos, a mais ou menos vinte
metros de distância. Alcançaram o platô e chegaram à encosta. Num estudo
que fez das rochas, intuiu o local onde poderia ter sido uma das entradas da
mina. Descobriu em seguida mais dois possíveis acessos. Sinalizou para os
homens, que foram até o veículo e desembarcaram as caixas. Após um
exaustivo trabalho de três horas de escavação, tendo deixado de lado as
outras possibilidades, expuseram o que, na verdade, era a entrada principal.
Porém, teriam mais pela frente; aí as forças físicas, vencidas, deram vez à
engenhosidade humana. Mais uma hora de preparo e colocação das
dinamites. Voltaram até a sombra onde estavam os outros e cearam. Após a
inspeção e ordem de Patrick, ouviu-se a detonação. O estrondo, seguido de
rochas e estilhaços cuspidos para todos os lados, descortinou o caminho
escuro, misterioso e sinistro que teriam pela frente. Quem possuísse
coragem que os acompanhasse, e Jane teve essa coragem; e o faria
destemidamente.
Desceram por uma rampa e penetraram nas frentes de lavra,
chegando à galeria do topo. Lentamente, iluminando com suas lanternas
restos de travessas, escoramentos e pedaços de correias transportadoras e
outros objetos que sobreviveram à ação dos anos, alcançaram uma galeria
de base. Desceram mais uma rampa; chegaram ao que denotava ter sido um
complexo nível de preparação, desmonte e manuseio de recursos da mina.
O calor ali reinante estava insuportável; todos suavam em profusão. Patrick
percebeu o pilar de sustentação do poço ainda totalmente intacto, mas cheio

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de rachaduras, e só seguro graças ao capitel que o encimava. Os skips
transportadores mostravam-se partidos e completamente inutilizados pelas
rochas que vieram iluminando os painéis das vias secundárias. Ele e todos
que acompanhavam o foco de sua luz detiveram-se apalermados; filões de
diamantes, em sua forma bruta, desfilaram ante os olhares estarrecidos. Em
alguns pontos, o minério coriscava incessantemente. Para um dos lados em
que pendiam as jazidas surgiu enorme abertura. Parecia uma passagem em
forma de arco, cujo perigo Patrick pressentiu de imediato e o fez desligar a
lanterna; sinalizou para que os outros fizessem o mesmo. Devia ter de cinco
a seis metros de diâmetro. Era em forma de abóbada e assemelhava-se à
parte superior da entrada de uma caverna.
Ao aproximarem-se, em sepulcral silêncio, sentiram-se enregelar ao
notarem a mesma presença verde, porém, distante. Patrick adiantou-se e
chegou à entrada. Viu um inexplicavelmente amplo recinto. Acostumando
a visão percebeu, de um lado, um fenômeno inédito de concreção calcária,
no qual as estalactites do teto, ao unirem-se às estalagmites do solo,
formavam imensas pilastras, cujo gigantismo e forma excediam a qualquer
comparação que ele pudesse fazer e, o mais excepcional, na outra metade
daquele salão tenebroso, estas formações estavam totalmente
interrompidas, como se algo muito forte as tivesse destruído. A
luminosidade esverdeada despertou nesse momento toda sua atenção e
quando também os outros, que agora olhavam com ele, viram-lhe a origem,
não conseguiram conter o espanto. A criatura, a monstruosa criatura,
recostada à imensa parede rochosa exibia-lhes o todo do seu pavoroso
aspecto. Os olhos dardejavam este verdor quando ela os abria e mirava ao
redor; como uma luz horripilante tudo iluminava. A cabeça era pequena e
desproporcional em relação ao tamanho do corpo que se aproximava dos
cinco metros prefigurados por Patrick, se não mais. Quanto ao resto, tudo
se assemelhava aos conhecidos marsupiais. A respiração amedrontava pelo
ritmo e pelo barulho ensurdecedor. Nas extremidades das patas posteriores,
a mesma luz cintilava. Ao lado, a pouca distância, a abertura de um túnel.
– Temos que encontrar Henri, você o vê? – disse Jane logo atrás; na
voz, medo e aflição.
– Só há um meio. Atrair aquela coisa de alguma forma. Vamos jogar
com as suas armas que é a luz.
– Olhe! Está se mexendo! – exclamou o outro policial. O bicho
levantou-se e deu algumas passadas em direção ao lado oposto ao do túnel;

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aí se agachou novamente. Jane soltou um grito de terror, logo sufocado
pelas mãos de Patrick. Na frente do monstro e estendido no chão,
aparentemente sem sentidos, estava o carregador. A criatura, com as patas,
fazia gestos lentos e ritmados sobre o homem como se transmitisse ou
recebesse, ou ambas as coisas, algum fluido que lhe era vital. Porém
quando, erguendo um pouco mais os membros, ela deixou à vista outro
corpo, o de Henri, o terror de Jane não pôde, desta vez, ser sufocado.
Parecia vivo, a julgar pela coloração das faces, mas qualquer avaliação do
seu estado era imprecisa e não havia tempo para isso. O grito da mulher
alertara o animal que se virou e passou a vir na direção deles.
Seria tudo ou nada para os conhecimentos de Patrick. O segundo
carregador, que acabara, naquele instante, de colocar todos os cartuchos de
dinamite nos locais que lhe havia sido indicado, tirava agora, de uma das
caixas, enorme refletor portátil ligado a uma bateria. Ao aproximar-se a
criatura, suas pisadelas estrepitosas faziam estremecer tudo ao redor. A um
sinal do inspetor, um clarão foi projetado sobre seus olhos que,
imediatamente, paralisaram-se e perderam o brilho e a ação; como uma
estátua, o bicho ficou imóvel e inofensivo. Estava a menos de três metros
da imensa passagem. O ajudante de polícia, e logo em seguida Jane,
passaram correndo diante do monstro imobilizado e foram parar próximo
do túnel. O estado de Henri chocou a mulher e tinha tudo para tal. Estava
vivo, mas quase sete dias ali prostrado deixaram-no irreconhecível.
Emagrecera bastante, tinha a respiração fraca e estava todo sujo de terra e
detritos de carvão pendiam de sua barba inédita. O estado de inconsciência
era preocupante e denotava um coma intermediário entre o leve e o
profundo. Estaria salvo, contanto que fosse levado dali para fora o quanto
antes.
Do lado de cá, Patrick notou que seu ajudante, ao correr com Jane,
esquecera de levar consigo o detonador; ele mesmo teria que fazê-lo e com
todo o cuidado. Pegou o artefato com a outra mão, agarrou a fiação
condutora e colocou-a num dos ombros. Precisava ser rápido e preciso.
Correu e, no meio do caminho, passou-o para o policial que veio ao seu
encontro. O carregador, por sua vez, tudo o que tinha a fazer era continuar
focalizando firmemente a luz artificial nos olhos da criatura até que Patrick
retornasse para auxiliá-lo a atrair o monstro para a armadilha. Mas não foi
isso o que fez. Sua ganância falou muito mais alto do que o instinto de
salvar a própria pele. Desceu a pesada fonte de luz, mantendo sempre o

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mesmo foco e ajeitou-a sobre o seu pedestal. Pegou atrás de si uma das
caixas vazias e correu, porém, em outra direção. Foi até a parede rochosa,
que ficara logo atrás, e começou a arrancar, dos filões que cintilavam a sua
frente, todas as pedras de que era capaz, até encher totalmente o conteúdo
da caixa.
Só que não previra a fatalidade que o aguardava. Ao puxar o fio do
detonador para chegar até próximo ao túnel do outro lado, o ajudante de
Patrick arrastou também, por uns dois metros, o cavalete, em cujos pés se
enroscara o fio. A lâmpada não se apagou mas o foco desviou-se totalmente
do seu objetivo, o que fez despertar a fera. Para sorte de todos ou quase
isso, ela não se voltou, mas seguiu em frente e entrou pela grande abertura,
exatamente na hora em que o carregador retornava, aturdido pelo barulho.
Patrick ainda tentou fazer alguma coisa para salvar o infeliz mas já era
tarde demais. Parou bem antes da entrada ao ver que a luz se apagara
totalmente. Um grito pavoroso fê-lo estremecer e correr para juntar-se aos
outros ao sentir novamente a predominância daquele verde assustador.
A saída agora era o túnel. Patrick posicionou o detonador. O
primeiro dos carregadores, antes sem sentido, via-se agora bem e
reanimado; quanto a Henri, teriam que carregá-lo. Ergueram-no com
cuidado e enfiaram pela passagem. Quando já estavam bem adiantados,
Jane, auxiliando os outros dois na condução do esposo, voltou o olhar e lá
vinha Patrick a correr. Atrás de si um estrondo e, lá fora, a céu aberto, Pat e
o homem de barba e chapéu de palha, perplexos e aterrados com tamanha
explosão. Mas quando voltaram para trás suas cabeças e viram, ao longe, os
seus heróis, o sentimento passou a ser bem outro. A alegria da solução de
um mistério. Poderiam considerar solucionado o dilema que já não mais
existiria. Deviam o agradecimento à coragem e decisão daquele herói de
Jefferson City que colocou não uma, mas várias pedras sobre tudo aquilo.

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O Tesouro de Rod Brent

Sam parou com seu cavalo no ponto elevado do deserto, donde poderia
avistar até o horizonte. Nada viu daquele lado, mas não perdeu a esperança.
A tarde chegava ao fim; o vento zunia agora com um pouco mais de rigor e
ele teve medo de que o frio aumentasse muito; não seria fácil dormir aquela
noite, os pelos de Ventania davam indicação da mudança que estava prestes
a ocorrer; a crina levantada fazia o cavalo relinchar com o incômodo. Sam
sentou-se na areia a fim de colocar a cabeça no lugar e decidir o que faria a
seguir. Perder-se do grupo foi a pior coisa que poderia ter acontecido.
Pouca água, não mais do que um resto de fumo e alguns biscoitos. Talvez,
se andasse um pouco mais rápido poderia encontrar um oásis ou algo
parecido onde pudesse passar a noite. Foi o que fez. Abriu a garrafa de
água, jogou um pouco na garganta e molhou a cara; ergueu a cabeça de
Ventania, escancarou os beiços do cavalo e espirrou por ali, entre os dentes,
alguns jatos da bebida preciosa. Montou e seguiu jornada.
Duas horas mais tarde avistou de longe aquilo que procurava: um oásis.
Seria uma miragem? Tinha certeza que não. Ainda estava forte e bem
alimentado e sem sede; miragens não acontecem nesta situação. Uma
sensação de alegria lhe dominou o espírito. Sempre foi um homem de sorte
e essa, mais uma vez o ajudou. O lugar era realmente aprazível. Havia
alguns coqueiros, um pequeno riacho e uma plantação rasteira e contínua
por toda a extensão da área, não mais do que isto. Era tudo de que
precisava. Desceu, amarrou ventania em uma das árvores e foi até a água.
Deliciou-se com aquele frescor; chegou a abrir um sorriso largo, coisa que

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há muito não fazia. Fartou-se do líquido. Ao começar, porém, a retirar as
botas para se refrescar melhor, ouviu tiros, vários, um atrás do outro. Por
serem as árvores muito próximas umas das outras, formando uma fileira e
um semicírculo, não conseguiu ver de onde vinham os tiros, mas também
não esperou para saber. De onde estava, saiu agachado em direção ao outro
lado do coqueiral a fim de conseguir alguma proteção. Mal alcançou a
árvore que desejava, ouviu um baque seguido de um grito lancinante; um
homem caíra na outra extremidade. Os tiros, porém, não cessaram e isto fez
com que o sangue lhe gelasse nas veias. Afastou para o lado um pouco da
ramagem e olhou ao longe. Um grupo de pistoleiros empenhava-se em
acirrada perseguição. Acompanhou-os com olhar curioso e espantado até
que sumiram por detrás de uma elevação de dunas.
“É certo que voltarão”, este pensamento atravessou a mente irrequieta de
Peter, mas ele logo o abandonou. Contudo, não iria ficar ali para averiguar.
Foi interrompido em sua divagação pelos gemidos do homem caído do
outro lado. Não poderia furtar-se a ajudar um homem ferido, mesmo
sabendo que isto seria arriscado; cada minuto era precioso demais,
considerando-se as circunstâncias. Levantou-se e foi até o ferido.
̶ Água... Por favor, água...
Este era o pedido de um agonizante. Tirou da cintura a garrafa e fez com
que o outro bebesse.
̶ Devagar! Disse Sam e passou a averiguar o ferimento. O homem tinha
dois tiros alojados na altura do peito; era grave o seu estado.
̶ Siga aqueles homens; precisa alcançá-los.
̶ O que está dizendo, porque fizeram isto com você?
̶ Eles querem o ouro, o ouro ̶ a voz tornava-se cada vez mais fraca.
̶ Vá até o forte Danfree. É lá que vai encontrar todo o dinheiro e todo o
ouro. Não quero que fique para Terry, ele vai matar minha mulher para
ficar com a carga; precisa impedi-lo de matar minha mulher.
̶ Vou colocá-lo no cavá-lo e levá-lo daqui; está muito mal.
̶ Não se preocupe comigo, escute. Fale com Mia; ela vai orientar você.
Ela sabe onde está todo o ouro, mas precisa de proteção. Danfree é o lugar.
Apenas Mia conhece o paradeiro. Por favor, vá. Vá e salve minha mulher.
Dizendo isto, expirou. Sam ainda tentou reanimá-lo, mas sem sucesso.
Ficou na mesma posição, olhando para a fisionomia do morto, como que
paralisado, totalmente estático.

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̶ Muito bem, espertinho! O que ele disse? ̶ o cano frio de um revólver
encostado ao pescoço de Sam fê-lo sentir o calafrio próprio de um
momento como esse. Não teve reação. Ficou a esperar quais seriam as
próximas palavras do embusteiro. O homem chegara por trás,
sorrateiramente e conseguiu pegar as últimas palavras do infeliz. Como
muitos que não perdem a chance de se aproveitarem de um oásis em pleno
deserto, ele viu de longe o cavalo de Sam e se aproximou com cuidado. Ao
vê-lo de costas e agachado não perdeu a chance de se aproximar e rendê-lo.
Na lei do deserto vence o mais astuto e preparado. Nada mal se conseguisse
algumas moedas e alimento de sua vítima. Mas ao ouvir a palavra “ouro”
sua ambição tomou frente e a abordagem foi outra.
̶ Não sei do que está falando ̶ respondeu Sam, ainda na mesma posição,
sem ver quem era o seu assaltante.
̶ Não banque o espertinho. Ouvi suas últimas palavras e ele falava de ouro.
Levante-se com as mãos para o alto. Pode virar-se agora.
Só então Sam viu o bandido. Magro e muito barbudo, trajando um paletó
marrom, já bastante gasto pelo uso contínuo. O chapéu estava caído nas
costas, pendurado ao pescoço. Com um sorriso de vitória, mostrava os
dentes amarelados e não tirava o outro da pontaria.
̶ O que prefere: contar-me o que disse o sujeito ou ir para o inferno agora
mesmo? A escolha é sua.
̶ Como pode ter certeza de que ele falava sobre ouro?
̶ Quanto a isto não resta dúvida. Já disse que ouvi muito bem. Minha
pergunta é: onde está o ouro?
̶ O que vai fazer se eu não contar a você?
̶ Então, é certo que existe ouro. Sabia que não me enganara. Quanto a sua
pergunta, adivinha o que quer dizer este gesto? ̶ Dizendo isto, destravou a
arma e mirou para a cabeça de Sam.
̶ Está esquecendo de um detalhe ̶ disse Sam, sem perder a tranquilidade.
E, sem esperar resposta, emendou ̶ se me matar, aí mesmo é que não vai
saber o paradeiro do ouro.
O bandido torceu o nariz, gesto que denunciava sua confusão mental. ̶
Suba no cavalo ̶ disse, após um breve raciocínio, como se alguma ideia lhe
tivesse aflorado à mente. Sam não tinha alternativa a não ser obedecer.
Encaminhou-se até o animal, sempre sob a mira do outro. Montou e o
homem fez o mesmo.

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̶ Não tente ser engraçadinho. Vai seguir a minha frente com muito
cuidado, na direção que eu ordenar, pois é onde se encontra a cidade mais
próxima. E seguiram em marcha lenta deserto afora. Para não tornar tão
monótona a viagem, vez ou outra o homem se aproximava de Sam e
puxava conversa. Os cavalos emparelhados e a arma apontada ao lado da
cintura em direção à vítima. A conversa tinha por objetivo arrancar de Sam,
de forma mais suave e às vezes cordial, informações preciosas a respeito do
ouro, mas ele não conseguiu muita coisa. Sam ficou sabendo que aquele
forasteiro era do grupo que atirara e matara o que ficara para trás. Ele se
separara sem que fosse percebido com a intenção de encontrar o homem
ainda vivo e conseguir informações sobre a valiosa carga.
Em dado momento, Sam, bem próximo do outro, consegue aplicar-lhe um
golpe na mão e a arma cai. Para impedir que ele salte do cavalo a fim de
resgatar o revólver, Sam pula para cima dele e começa uma acirrada briga.
Os dois caem no chão ao mesmo tempo, engalfinhados. Entre socos e
pontapés parece que Sam consegue se dar melhor, levando quase a nocaute
o outro. Mas ele é forte e resiste aos golpes com incrível valentia. Agora a
briga se reverte e Sam leva vários socos, um atrás do outro. Em dado
momento o forasteiro corre para pegar a arma caída perto dali, mas Sam,
mesmo em meio a muita dor, consegue rapidamente aplicar-lhe uma
rasteira e ela cai. A briga então recomeça. Desta vez Sam realmente leva a
melhor. Vários golpes seguidos no queixo amolecem a resistência do
forasteiro e ele cai sem sentidos. Sam pega a arma e coloca-a em sua
cintura.
Os dois cavalos encontram-se na mesma posição em que seus donos caíram
como se, obedientemente os esperassem. Foi até o animal e verificou a
algibeira. Revistou todo o seu interior. Encontrou água, mais uma arma, um
pouco de fumo e uns papeis velhos e amassados. Verificou rapidamente o
seu conteúdo; nada importante. Precisava sair dali imediatamente antes que
o outro voltasse a si. Pegou os dois revólveres e colocou-os na cintura. Em
seguida montou e tratou de cair fora o quanto antes. Não mexeu na água e
nem no resto de um queijo que havia no alforje do estranho. Isto porque,
embora não lhe tivesse agradado o encontro daquele homem, devia
agradecer sua aparição porque foi graças a ela que pode se encontrar. O
homem o levou ao caminho certo. Como dissera, sabia onde ficava a cidade
e, de bem longe, Sam já conseguia avistá-la. A noite já estava prestes a
chegar e ele precisava acelerar ainda mais o galope; foi o que fez e, em

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pouco mais de vinte minutos atravessava as cansativas areias do deserto
para um chão de terra coberto, aqui e ali, por uma vegetação esparsa e
pequenos arbustos. Sam seguiu por aquele trecho agora um pouco mais
confiante, porém ainda preocupado, pois não tinha uma moeda no bolso,
precisava comer e nem ideia tinha de onde passaria a noite. Na cavalgada,
agora lenta e despreocupada, não percebera que atrás de si vinha outro
cavaleiro. Este se aproximou e colou o cavalo ao de Sam. O susto foi
inevitável, mas logo dissipado por um sorriso de alegria.
̶ Jody! O que faz aqui? ̶ perguntou em alto e claro som.
̶ Eu é quem pergunto, homem. Esquece que me mudei não faz muito
tempo?
Era um belo e formoso rapaz nos seus vinte e um anos cheios de vida. Jody
era de família abastada, mas fora obrigado a deixar seu território em virtude
da tremenda confusão que arrumou ao se meter com o principal gangster da
região. Acabou por matar um de seus homens e fugiu antes de ser julgado.
Apaixonado pela filha do xerife local e já prestes a se casar teve que fugir
para não ser assassinado. Rupert, o gangster, desconfiou da proteção a
ficou furioso, prometendo de morte o jovem. Jody era um loiro, de ótima
estatura e porte físico e amigo de Sam já há alguns anos.
̶ Não sabe como prezo em encontrá-lo. Acabo de passar um mau pedaço ̶
foram as palavras de Sam.
̶ Não duvido! Exclamou Jody entre sarcástico e contundente. Está sujo e
mal cheiroso; precisa de um bom banho. Quer me acompanhar?
̶ Não desejaria outra coisa no momento. Não sabia que morava por essas
bandas. Em que cidade nós estamos?
̶ Não reconhece? É porque ainda estamos em sua periferia. Vai se lembrar
quando chegarmos ao centro comercial. Estivemos aqui há alguns anos
para a compra de algumas armas.
̶ É claro que me lembro. Este lugar me traz grandes e agradáveis
lembranças. Mas porque saiu de e veio pra tão longe?
̶ É uma longa história. Mas, vamos ter tempo de sobra para conversarmos.
Também intenciono saber o que houve com você. Vamos; Lauren vai nos
preparar uma bela sopa.
Este nome não era estranho para Sam. Enquanto cavalgavam ele ia ouvindo
as explicações do rapaz sobre o que o levara a escolher aquela cidade. Jody
começou a conversa, falando do bando de Ben Rupert. Do quanto temia
aqueles homens. Mas, mesmo assim, ao ver que um deles se engraçara com

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sua amada Suzy, não titubeou, assassinou-o pelas costas. Reconhecera que
fora um ato extremado. Mas já havia ameaçado àquele bandido de morte
caso ele continuasse com gracinhas para cima de sua namorada. Prevenira
o xerife que o aconselhou a ser cauteloso e que tomasse cuidado, pois podia
ser morto a qualquer momento. “Aqueles homens são extremamente
perigosos” advertiu o xerife Bert. Mas ao ver o homem em cima de sua
amada no celeiro do próprio rancho onde morava, não suportou e o matou
com dois tiros a queima roupa. A reação de Sam ao ouvir aquilo foi de
muita solidariedade com o grande amigo, prometendo-o ajudá-lo no que
fosse necessário.
Durante este longo trajeto até o centro comercial de Sam aproveitou para
também contar o que lhe acontecera e porque fora parar ali. Jody ouvia-o
com atenção quando algo lhe chamou a atenção ao olhar para trás. A não
mais de trezentos metros, vinham em sua direção, em marcha lenta,
certamente a fim de surpreendê-los, três homens montados em seus
cavalos.
̶ Sabe quem são aqueles homens? ̶ perguntou Jody ao ver que Sam
também agora os pressentira.
̶ Não exatamente, mas algo me diz que estão vindo do deserto.
̶ Tudo indica que sim ̶ afirmou o rapaz. ̶ E algo me diz que nos
perseguem.
Sam então tirou do alforje um pequeno binóculo. Reconheceu entre os
homens o forasteiro. Ele vinha no meio de outros dois e já tinham em suas
mãos armas apontando para eles.
̶ Agora não me resta dúvida; reconheci um deles, foi o tal que me atacou.
Não acha que devemos acelerar e fugir deles?
̶ Não há dúvida, mas tenho um plano melhor. Como está sua pontaria?
̶ Não das melhores, mas não está tão má. Além disso, tenho comigo duas
armas completamente carregadas.
̶ Isto é ótimo. Ouça. Saque disfarçadamente a arma e tente acertar um deles
quando estiverem mais próximos. Enquanto estiverem nesse tipo de marcha
está muito bom. Vamos diminuir a nossa para que se aproximem e vamos
fingir que não os notamos. ̶ Jody sacou do bolso um espelho médio e
entregou a Sam.
̶ Ajamos normalmente enquanto você os visualiza por trás. Quando achar
que consegue, vire-se imediatamente e dê o tiro.

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Foi questão de minutos até que Sam, percebendo agora a facilidade do
alvo, não perdeu tempo. Virou rapidamente e atirou duas vezes. O
cavaleiro da direita caiu alvejado. Imediatamente os outros dois se
separaram e começaram a atirar, vindos em direção a eles.
̶ Fujamos a toda velocidade. ̶ Enquanto corriam emparelhados, Sam
ouvia as orientações do jovem:
̶ Ouça! A duas léguas há uma estrebaria abandonada na primeira rua que
virarmos à esquerda. Entremos nela. Com certeza irão passar direto e
perderão nosso encalço.
Os tiros não cessavam. Para sorte dos dois a noite já havia caído, o que
dificultava a perseguição e iria facilitar que se escondessem. Vez ou outra
se viravam e revidavam os disparos, mas sua preocupação principal era
fugir e se esconder. Entraram na rua mencionada e, ao avistarem a tal
estrebaria, se meteram ali. Era uma rua curta, não muito larga e o local que
queriam ficava bem no começo. Sendo assim, os que vinham atrás
realmente passaram direto sem darem conta de que tinham sido enganados.
̶ Pode ser que retornem ao darem por nossa falta ̶ disse Sam.
̶ Neste caso acabamos com eles ̶ respondeu O jovem.
̶ E porque não fizemos isto antes?
̶ Em campo aberto não é difícil tomar um tiro. E minha tentativa de acertar
um deles era com a esperança de que desistissem e fugissem.
̶ Você não faz ideia do que sejam esses bandoleiros. Quando se trata de
ouro não ligam sequer para a própria pele. Gostei de ver que minha
pontaria funcionou a contento, mas estou arrependido de ter deixado água e
cavalo para aquele desgraçado no deserto. Sei que não vai sossegar
enquanto não me achar na cidade. Por que não o acertei em vez do outro?
̶ Pouca diferença isto faz. Todos já sabem agora que você tem um segredo
e não vão sossegar enquanto não o pegarem. Foi mesmo sorte sua ter me
encontrado; pode contar comigo para essa briga.
As palavras de Jody trouxeram grande alívio para Sam e só fizeram
fortalecer aqueles laços de amizade entre os dois. Precisaram permanecer
ali um largo tempo até que tivessem a certeza do não retorno dos outros. A
preocupação de Sam com o risco que o rapaz assumira para protegê-lo dos
meliantes não foi menor que a gratidão em saber que podia contar com sua
ajuda. Jody quis deixar claro que não era mais do que sua obrigação ajudar
um amigo que tanto o auxiliou no passado. A mesma confiança era
demonstrada também por Jody quando disse de sua certeza em contar com

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o amigo para o grande problema que vinha enfrentando no caso Bem
Rupert. Firmaram ali um pacto de amizade para o que der e vier; se fosse
preciso dariam a própria vida um pelo outro, mas, é claro, esperavam nunca
terem que chegar a esse extremo.
Aliás, naquela parte do velho oeste não havia cidade em que a ganância
pelo ouro falasse mais alto do que outra coisa. A grande corrida às minas
ocasionou a destruição de muitos lares onde chefes de família perderam
suas vidas arriscando-se num tipo de empreitada incerta e perigosa. As
cidades cresciam aceleradamente e todas as negociações eram feitas tendo
por base o precioso minério. Matar ou morrer havia virado lema de muitos.
Sequestros, prostituição, destruição familiar, brigas e assassinatos passaram
a ser tão comuns quanto o avanço das cidades que antes viviam na
dependência de riquezas que o avanço da população e o próprio
crescimento iam tornando cada vez mais escassas. A família de Jody era
uma das que prosperaram com a extração do ouro. Seu pai enriqueceu em
poucos anos de dedicação exclusiva a esse tipo de atividade; sua estrela
brilhou como brilhou a estrela de outros tão raros a se contar nos dedos de
uma das mãos.
̶ Acha que podemos ir agora? ̶ perguntou Sam.
̶ Acho que sim, sigamos com cautela ̶ respondeu Jody, vendo no amigo
sinais evidentes de cansaço e certamente de fome, também. ̶ Não é raro
acontecerem emboscadas, principalmente à noite. Mas depois de todo esse
tempo que passamos lá dentro, não creio que ainda estejam por aqui. Em
todo caso, não custa se prevenir.
̶ Acha que devemos nos separar? ̶ Quis saber Sam, mas, ao mesmo
tempo, receoso de uma resposta afirmativa.
̶ É claro que não! Nem pensar! Não creio que queira ser abordado por dois
estranhos sedentos de ouro a esta hora da noite; e esgotado do jeito que
está.
̶ Teria que me virar ̶ respondeu satisfeito. Mas sei que poderia contar
com você nessa cidade quase estranha para mim. Considere-se meu guia
daqui para frente ̶ completou num sorriso.
Saíram cautelosamente, seguindo pelo canto da rua. Não iam
emparelhados, mas Jody ia à frente, seguido bem de perto pelo amigo.
Passavam por casas tomadas pela escuridão e algumas lojas já fechadas.
Ampliaram a visão ao alcançarem o fim da rua. Sentindo-se seguros,

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seguiram adiante. Pegaram novamente o trecho principal que os levaria a
centro.

Um sorriso terno, provindo de um rosto feminino encantador foi a recepção


de Lauren aos dois rapazes. A filha de Lee Thompson era realmente
bonita. Sam a vira quando menina. Provavelmente não se lembrava mais
dele e foi o que ficou provado na apresentação de Jody. Lauren acabara de
completar dezoito anos e a paixão por Jody era antiga. Desde os treze o
cortejava e aos quatorze conquistara o seu coração; e parece que para valer,
a julgar pelo noivado que já durava mais de um ano e a promessa de
casamento para muito breve. Entraram e, após algum tempo de conversa
animada à mesa e o degustar da sopa quente e apetitosa prometida por Jody
ao amigo, Sam foi conduzido aos seus aposentos no segundo andar da casa.
E, vinte minutos depois, já estava entregue a um sono calmo e profundo.
O bar de Larry era o mais frequentado e animado de . Havia de tudo.
Excluindo-se a prostituição, o que não era permitido pela casa, mesas
repletas de jogadores, mulheres bonitas e canecas de chope gelado eram
lugares comuns por aqui. Ao fundo, no primeiro piso, dois homens
conversavam e suas vozes não eram ouvidas por mais ninguém a não ser
por eles mesmos. Eram os dois sujeitos da perseguição aos rapazes.
Sentados à frente de sua enorme caneca de cerveja, Kurt desabafava:
̶ Fui tolo e idiota ao me aproximar muito do seu cavalo. Jamais pensei
que tivesse aquele tipo de reação; ele é realmente muito ágil e esperto e me
atacou como um raio, sem que eu percebesse. Você pode achar que estou
exagerando; além disso, conhece minhas qualidades de um bom lutador.
Pois ele me venceu; por isso não vejo a hora a hora de pôr as mãos em cima
daquele desgraçado novamente.
̶ Não duvido do que está falando ̶ respondeu o outro. Vi com meus
próprios olhos a forma rápida e certeira como derrubou Brad do seu cavalo;
o tiro foi no peito e ele morreu instantaneamente.
̶ O que acha que devemos fazer? ̶ Perguntou Kurt, virando a garganta um
grande gole de sua bebida.
̶ Pressinto que está com medo daquele cara depois do que ele fez contigo
lá no deserto.
̶ Vou mostrar a você se estou com medo.
̶ Vamos ter primeiro que encontrá-lo. Aí você me mostra do que é capaz.

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Mal acabara de falar essas palavras, entra no bar Sam, acompanhado de seu
companheiro Jody.
̶ Larry! Duas cervejas, por favor ̶ falou Jody logo que se aproximaram
do balcão. Sam já havia percebido o homem assim que surgira com Jody na
porta do bar e só agora comenta com o amigo.
̶ Ele está aqui.
̶ Quem está aqui; do que está falando? ̶ O rapaz perguntou ao mesmo
tempo em que se virava, pois estava de costas, encostado ao balcão. Kurt,
ao reconhecer o outro, levantou-se enquanto tocava o comparsa no braço.
Adiantou-se até onde os dois amigos se encontravam.
̶ Então nos encontramos! Não há melhor ponto de encontro em do
este bar do nosso amigo; não é mesmo Larry?
̶ O que quer? Afinal não roubei nada seu. Apenas me defendi; foi você
quem me abordou primeiro e me apontou uma arma; já se esqueceu?
̶ Não. É claro que não me esqueci. Como também não me esqueci dos
golpes que levei e você vai ter a desforra deles agora; tome!
Dizendo isto, aplicou, de jeito, um direto no queixo de Sam. Ele não
esperava essa e levou a mão no queixo dolorido. Jody, bem ali ao lado
esboçou sacar a arma, levando a mão até a cintura.
̶ Se fizer isto vai se arrepender, mocinho. Era o companheiro de Kurt,
encostando o revólver nas costas de Jody e fazendo essa ameaça. A briga
continuava, com Sam levando a melhor até que, revertendo a situação, o
outro consegue aplicar dois golpes seguidos e lançar Sam sobre algumas
mesas atrás de si. Com a confusão formada o bar esvaziou-se
completamente. Os poucos fregueses que ali estavam àquela hora não
queriam se arriscar a tomarem uma bala perdida e caíram fora. Uns saíram
mesmo sem pagar o que deviam. Sam conseguiu recuperar-se rapidamente
e, limpando um pouco de sangue que saia pelo canto da boca, partiu com
fúria para cima de Kurt. Após errar alguns golpes, muito bem evitados com
uma ginga perfeita, Sam conseguiu acertar vários socos em seguida que
amoleceram a resistência de Kurt. Ele ainda tentou reagir, mas, com mais
um forte golpe no estômago e outro no queixo, acabou caindo sem
sentidos.
̶ Ele teve o que merece. Sempre foi metido a valentão ̶ disse o comparsa
de Kurt, colocando de volta na cintura o seu colt. ̶ Jody achou muito
estranha aquela afirmação do homem, mas mesmo assim perguntou:
̶ Quem são vocês e o que estão querendo em Ranch Hill?

90
̶ Pergunte ao seu amiguinho; ele tem a resposta. ̶ Sam se recompunha,
enquanto ouvia em silêncio o que os dois diziam.
̶ Devia entregá-los ao xerife. O que vocês merecem é a cadeia, depois de
terem assassinado um homem ̶ disse Sam com ar de revolta.
̶ Preste bem atenção no que está dizendo, moço. Não tem nenhuma prova
para fazer essa afirmação. ̶ Dizendo isto, voltou para o seu lugar e sentou-
se.
Os dois amigos também não demoraram muito com suas bebidas e
deixaram o recinto. Já de volta à casa de Jody, sentados na varanda,
entregaram-se a uma agradável conversa, relembrando fatos alegres do
passado. Em dado momento Jody advertiu o amigo.
̶ Acho melhor retornar para Blue River, Sam. Você corre sério risco
ficando por aqui. Eles sabem que você tem um segredo e não vão sossegar
enquanto não armarem uma emboscada.
̶ Não vou ficar me escondendo, em hipótese alguma. Tenho uma missão a
cumprir; prometi ao homem morto no deserto que protegeria sua mulher de
Terry.
̶ E quem é Terry ̶ quis saber o curioso rapaz.
̶ Só pode ser o chefe do bando que assassinou o infeliz. E é certo que irão
atrás dela para pegarem o ouro, já que não conseguiram arrancar do marido
a verdade sobre o local onde ele se encontra.
̶ E eles sabem onde ela vive?
̶ Essa é que é a minha dúvida. A preocupação do homem era que Terry
matasse sua mulher para ficar com o ouro.
̶ Não acha que deve haver alguma história por trás disso?
̶ Creio que sim. O nome da mulher é Mia e o local é um tal Port Dan Free,
você conhece?
̶ O nome não me é estranho. Com certeza é algum lugarejozinho à beira
mar. Vá até a prefeitura que obterá a localização exata. Mas se fosse você
me protegeria de todas as formas; precisa tomar muito cuidado. Não quer
que vá com você?
̶ Não, não será preciso. Fique com sua mulher. Se precisar de algo eu
aviso. ̶ Dizendo isto, levantou-se e pegou o chapéu de sobre a mesinha.
̶ Pelo menos até à prefeitura posso ir com você. A isto sei que não vai se
negar.
̶ É claro que não, será um prazer.
̶ Então vamos, não fica longe daqui.

91
Atravessaram praticamente toda a pequena cidade de Ranch e, já quase na
fronteira de , conseguiram, após uma tarde inteira, descobrir onde ficava
Port Danfree. Despediram-se ali mesmo e Jody, mais uma vez, desejou ao
amigo muito boa sorte.

A noite há muito já havia caído quando Sam encostou com seu cavalo à
porta de uma hospedaria. Amarrou muito bem o animal e entrou.
̶ Boa noite! Gostaria de um quarto para passar uma noite. ̶ O dono, um
senhor meio gordo com um bigode avantajado, já um tanto grisalho, assim
como o cabelo, pegou atrás de si, de dentro de uma pequena caixinha
pendurada à parede, um molho de chaves.
̶ Acompanhe-me, por favor. ̶ Subiram uma escada em curva e, no
segundo piso, ao final de um corredor, entraram por uma porta que já
estava aberta. Sam olhou ao redor do que seria seu aposento. Não
desgostou; era limpo e asseado, com um armário grande e uma cama que
parecia ser bastante confortável. Enquanto pousava a pequena mala,
perguntou ao homem, ao mesmo tempo em que lhe passava o valor
correspondente a uma diária.
̶ O senhor conhece Mia Ferguson? ̶ perguntou sem acrescentar mais
detalhes. ̶ O homem olhou para Sam com jeito meio espantado, o que
deixou o rapaz embaraçado.
̶ Está tudo bem? Por sua reação acho que sabe de quem se trata.
̶ Sim, Mia Ferguson é minha filha. Muito prazer! James Ferguson ̶
concluiu estendendo a mão que o rapaz apertou. ̶ Se não se importa,
gostaria de saber o que há com Mia.
̶ Senhor Ferguson, estou vindo de Ranch . Estive lá por uma noite
após ter passado pelo deserto e... ̶ o velho não deixou que ele terminasse a
frase e disse ao interrompê-lo:
̶ Já sei o que vai dizer, não precisa concluir. Rod foi assassinado pelo
bando de Terry Moore.
̶ Sim, é isso mesmo, sinto muito pelo seu genro. Mas como ficou sabendo?
̶ perguntou Sam, curioso e surpreso.
̶ Um homem acaba de ser preso em Danfree, sr. Sam. E ele pertence ao
bando de Terry Moore. Este homem invadiu ontem à noite a casa de minha
filha com mais dois comparsas. Um foi morto pelos homens do xerife
Grant e um conseguiu escapar. Desde que se espalhou essa história de que
há ouro enterrado em nosso território não temos tido sossego. Minha filha

92
casou-se com um homem sedento por ouro e por dinheiro vivo. Era
ambicioso demais e acabou pagando com a própria vida.
̶ Quem enfrentou os bandidos? Já que sua filha, sendo mulher ...
̶ Colocamos capatazes para a proteção de Mia as vinte e quatro horas do
dia. Não fossem eles não sei o que já teria acontecido com minha filha. Rod
realmente enriqueceu com o negócio do ouro. Em uma de suas últimas
investidas à mina de trouxe de lá valiosas pepitas. Nunca confiou em
bancos e, achando que ficando ele próprio a cargo da guarda de seu
dinheiro se sentiria mais seguro. Então se espalhou a história de que as
últimas pepitas que conseguira na mina, junto à grande quantia de dinheiro
haviam sido enterradas no rancho.
̶ Entendo. E o senhor, o que acha dessa história toda? ̶ A essa pergunta o
velho James lançou um olhar de desconfiança para Sam, mas, mesmo assim
respondeu a sua pergunta.
̶ Se está querendo saber se sei também onde se encontra o tal tesouro, não
tenho como responder ao senhor. Havia, sim, uma boa quantia em dinheiro
guardada com minha filha, mas assim que ficou confirmada a morte de Rod
fiz com que ela, imediatamente, depositasse tudo no banco. Não creio Mia
esconderia algo desse teor do seu próprio pai.
̶ Não digo ela, mas o senhor não acha que o próprio Rod possa ter
escondido até por uma questão de proteção de sua esposa e alguém, quem
sabe do bando de Terry, possa ter descoberto? ̶ James lançou sobre o
rapaz um olhar demonstrativo de reconhecimento por sua perspicácia, mas,
por não conhecê-lo, conteve essa demonstração.
̶ Se o senhor está desconfiando da minha pessoa pode ficar tranquilo.
Asseguro que estou aqui para ajudá-lo e ajudar sua filha no que for preciso.
Posso dar referências da minha procedência. Faça um contato com o xerife
Thompson, de . Trabalhei durante anos para ele e, tenho certeza, fui-lhe
de grande auxílio no combate à criminalidade daquele território.
̶ Muito bem. Acho que já tenho idade suficiente para distinguir um
bandido de uma pessoa comum. Mas o cheiro do ouro pode atrair e
perverter até o mais honrado dos homens. Em todo caso, vou fazer o que
me propõe. Mandarei uma mensagem a Thompson; conheço-o de longa
data e, se for mesmo verdade o que me diz, pode contar com minha
amizade. Agora me deixe descer que larguei sozinha a recepção. Mandarei
trazer em seguida sua refeição e uma toalha. Tenha uma boa noite.

93
James fez mesmo o que afirmara na noite anterior. Bem cedo no dia
seguinte, enviou, por telex, uma mensagem para o xerife Thompson, de e
obteve como resposta uma longa e entusiasmada descrição da
personalidade de Sam Smith. Isto agradou sobremaneira ao velho que, no
dia seguinte, tinha uma apresentação especial para fazer ao rapaz.
Já de banho tomado e sentindo-se muito bem disposto, Sam desceu à
recepção e encontrou, sentada a uma pequena poltrona a um dos cantos,
uma bela jovem. James, ao vê-lo, saiu da recepção onde estava e foi direto
ao seu encontro.
̶ Muito bom dia, senhor Smith! Como passou a noite. ̶ Sam estranhou, mas
gostou da esfuziante simpatia do velho e correspondeu à altura.
̶ Muito bem, sr. Ferguson, agradeço a sua hospitalidade.
̶ Não é nada, não faço mais do minha obrigação. ̶ Sam falara aquelas
palavras olhando rapidamente para James, pois logo voltara a sua atenção
para a bela figura da jovem. Ficara encantado com sua beleza. Ela lia o
jornal do dia no qual Sam percebera, mesmo de onde se encontrava, no pé
da escada, uma nota referente ao assassinato de Rod, o marido de Mia
Ferguson. É certo que não passava por sua cabeça que aquela bela e jovem
mulher pudesse ser a própria viúva e foi enorme a sua surpresa ao ser
apresentado a ela pelo velho pai. Sam se aproximou e Mia ergueu-se para
cumprimentá-lo, estendendo-lhe a mão.
Mia Ferguson era mesmo muito bonita. Foi difícil convencer ao pai que o
que sentia por Rod era amor verdadeiro muito além do que interesse pela
fortuna que ele já havia acumulado em suas intermináveis andanças pelas
minas da Califórnia. Era uma morena alta e esguia; a pele era supremacia e
os olhos tinham uma expressão de ternura e encantamento. Os cabelos
pretos e muito lisos iam até bem abaixo do ombro. Usava um vestido
comprido, discreto, de um tom lutuoso, mas nada exagerado. Sorriu, meiga
e discretamente ao cumprimento do rapaz, o que não empanou em nada sua
beleza.
Alguns dias se passaram, dias que obrigaram Sam a continuar na cidade
dada a uma contingência não esperada, muito menos planejada por ele, que
foi a demonstração de amizade vinda de James Ferguson e, porque não
dizer, da atração que Mia, agora uma jovem viúva, despertara em seu
coração. Deslumbrou-se com o tamanho e a suntuosidade do rancho
habitado pelo casal. Não admira que fosse Rod um homem invejado e essa

94
história de que escondia ouro em seu próprio rancho deve ter contribuído
para sua morte.

No esconderijo de Terry, o plano seguinte seria a invasão da pousada de


James Ferguson a fim de sequestrarem Mia, pois sabiam que estava ali,
protegida do pai e uns poucos guarda costas. O casarão onde se reunia
Terry com seus capangas ficava ao fim de uma estrada esburacada, uma das
últimas de Ranch antes da solidão do deserto. Terry tinha a sua disposição
treze homens bem treinados e dispostos a cumprir suas ordens. Quando
souberam que estavam em jogo algumas centenas de milhares de dólares
em ouro e dinheiro vivo redobraram em entusiasmo e chegaram a apostar
quem primeiro colocaria as mãos em toda aquela grana. Terry era
grandalhão, barbudo e tinha a pele tisnada pelas constantes exposições ao
sol do deserto, pois muito ali atuava em assaltos a caravanas. E ali ficava
seu esconderijo principal, seu reduto, segundo ele e seus homens, secreto e
inviolável. Há muito vinha sendo procurado pelas delegacias de várias
cidades e já tinha recompensa avaliada em milhares de dólares, tal era o
interesse da lei em que fosse logo capturado. Pouco saia de sua jurisdição e,
quando o fazia, era forte o esquema de segurança.
̶ Chefe! Tenho uma ideia ̶ disse um de seus homens durante a reunião
para estudar a estratégia de assalto à pousada de James Ferguson. ̶ sou
mais de atacarmos primeiro o rancho mais uma vez. Com a saída da mulher
de lá não deve haver muita gente tomando conta. Se levarmos meia dúzia
de homens poderemos facilmente dar conta dos homens que estão por lá.
Daí, é só procurarmos o tesouro, que sabemos estar naquelas terras.
̶ E como faremos isto? ̶ interveio outro capanga. Não sabemos onde está
enterrado o ouro.
̶ Depois é só irmos até onde estão os Ferguson. Com sua propriedade em
mãos, ameaçamos tomar posse dela caso não façam um acordo.
̶ Não, isto não dará certo. Teríamos problemas com a lei e aí seria muito
maior a dor de cabeça. É melhor que façamos a coisa certa. Sequestraremos
a moça e obrigaremos a nos dizer onde está o tesouro. Tendo a filha
ameaçada de morte, ele não terá outra escolha.
Enquanto se passava lá dentro essa conversa, alguém, agachado do lado de
fora, com muita cautela e silêncio, ouvia tudo o que era dito. Ficou sabedor
dos planos de Terry Moore para sequestrar Mia Ferguson. Logo após
deixar o amigo Sam, Jody voltou para casa, mas preocupado com a

95
segurança do companheiro em Blue River. Sabia que ele enfrentaria
grandes problemas ao se dispor a enfrentar o bando de Terry. Assim que
retornou para casa, antes de entrar, dirigiu-se ao bar de Larry e teve a
seguinte conversa.
̶ Larry, vou precisar de sua ajuda ̶ disse o jovem assim que entrou.
Encostara-se ao balcão, começando a encher o copo com a cerveja que o
outro acabara de pegar logo que o viu chegar.
̶ Do que se trata, rapaz? Pela sua cara vejo que está em apuros, certo?
̶ Sim, Larry. Mas não exatamente eu, mas meu amigo Sam.
̶ Já sei, o de ontem. Ele é mesmo bom de briga; levou aquele homem a
nocaute com uns golpes muito bem aplicados.
̶ Sim, mas ele está numa complicação muito pior agora do que uma
simples briga de bar. Você conhece o bando de Terry. Sam está prestes a
enfrentá-lo a qualquer momento e, o que é pior, está sozinho. Pretendo ir
hoje mesmo para ajudá-lo, mas... bem, você já sabe do que estou falando.
̶ É claro que Já entendi, quer alguns homens de Lee Thompson, certo?
̶ É isso mesmo. Acha que pode consegui-los para mim? ̶ Jody tinha ciência
da ótima amizade entre Larry e o xerife Thompson da mesma forma que
tinha consciência da revolta do xerife para com ele próprio. Por causa de
sua união indesejada com a filha os três não se falavam já há algum tempo.
E não foi mesmo difícil para Larry convencer o xerife a liberar os homens
para o auxílio de Sam em virtude da grande consideração que sempre tivera
para com o rapaz e por saber também do perigo de enfrentar Terry Moore.
No dia seguinte pela manhã Jody já se encontrava a caminho e em alto
galope com seu cavalo a fim de alcançar os companheiros. Conseguiu
alcançá-los. Eram três, dois dos quais já eram seu antigos conhecidos.
Chegando à cidade, deixou os companheiros em um bar local e foi
diretamente à prisão de Blue River. Soubera , assim que chegara à cidade,
da prisão de um marginal que fazia parte do grupo que assaltou o rancho de
Mia Ferguson. Muitos dos meliantes caídos na vida do crime o fazem por
força de enormes dificuldades que encontram na vida. Embora não seja isto
motivo para alguém tornar-se criminoso. Em sua vida pregressa, o próprio
Jody por pouco não descambara também para a criminalidade. Chegou a
conviver com muitos que o incentivavam a isso. Não fossem seus fortes
laços familiares e sua vontade de vencer por meios honestos teria seguido a
vida que muitos de seus ex companheiros estavam seguindo. Os chefes de
grande bandos aproveitam a situação adversa de muitos jovens e pintam

96
para eles grandes futuros com a conquista de dinheiro fácil e em altas
quantias.
E não deu outra. Ao conversar com Robert Burton, o xerife de Blue River,
sobre o motivo de sua vinda, obteve permissão de ver o preso que na
véspera atacara Mia Ferguson em seu rancho. E ele reconheceu Richard
Bart, grande companheiro de juventude que Jody abandonou pelas razões já
citadas. Trouxeram-no até a sala do xerife para que Jody o interrogasse. Ao
ver o rapaz, Richard não demonstrou grande surpresa, como se o passado
que viveram já estivesse, há muito, morto e enterrado. Jody apiedou-se de
Richard Bart por saber que tão distinto e belo rapaz insistia em permanecer
neste tipo perigoso de vida. Estaria ali uma tentativa de ajuda a Sam e ao
próprio Richard.
̶ Não esperava jamais encontrá-lo em tal situação, Richard. Estou
decepcionado.
̶ Porque fala assim? Sabe que não tive a mesma sorte que você de nascer
em uma família distinta e abastada.
̶ Saiba que não é o dinheiro que faz o homem, mas a sua dignidade.
Vivemos como companheiros no passado e , você sabe, tive as mesmas
propostas que você para entrar no crime e nossas situações não eram tão
diferentes. Pois bem, tem agora uma chance de se recuperar se quiser
realmente. Estou propenso a ajuda-lo. Mas precisa colaborar comigo.
̶ Não sei do que está falando. Peço que me esqueça e me deixe apodrecer
na cadeia que é o meu lugar; não é isso que merecem as pessoas que não
possuem dignidade?
̶ Não fale assim; está sendo idiota. Não é apenas uma cadeia que vai
pegar. Vão levantar sua ficha e, é certo que, encontrando crimes de morte, é
uma forca o que o espera. É este o fim que pretende ter?
̶ Como pode provar que tenho crimes de morte nas costas?
̶ Isto é tão certo quanto o sol que vai nascer amanhã. Você pertence ao
bando de Terry. Não é preciso dizer mais nada. Não há um dia em que não
se metam em assaltadas. E os crimes de assaltos com morte têm aumentado
a cada dia.
̶ Afinal, o que quer de mim?
̶ Bem, se quer mesmo mudar o seu futuro está com essa chance agora.
Tudo o que tem a fazer é passar para o nosso lado e nos ajudar a
desmascarar a quadrilha de Terry. Quanto aos detalhes, vou passá-los assim
que conversar com o xerife Burt. Tem duas horas para decidir se prefere

97
uma forca ou a liberdade. ̶ Até aquele momento o xerife Burt apenas
participava em silêncio sem emitir opinião. Mas depois dessas últimas
palavras de Jody, interrompeu-o.
̶ Você sabe o que está falando, meu rapaz. Esse homem é do bando de
Terry Moore, portanto um fora da lei e altamente perigoso. Um dos
capatazes de Rod foi morto ontem no assalto ao rancho. Se for comprovado
que ele é o assassino terá tirado detrás das grades um condenado à forca e
isso pode complicar sua vida. ̶ Findas estas palavras o xerife fez um sinal
para que levassem de volta à cela o prisioneiro. Ao fechar-se a porta pela
qual saíram Richard e o guarda que o acompanhava, virou-se o xerife para
Jody:
̶ Você tem ideia do que está pretendendo fazer?
̶ Perfeitamente, xerife. Richard vai nos levar até o bando de Terry e assim
evitaremos que prejudiquem a senhora Ferguson e seu pai. Vou dizer qual é
o meu plano.
E assim foi feito. Toda a conversa que teve Terry com seus homens foi
captada por Richard. Este concordara, em troca da liberdade e da anistia de
todos os seus crimes, colaborar com a lei e com a justiça entregando todos
os planos do bando. Quando, dois dias depois daquela conversa na
delegacia e faltando duas horas para o ataque que, segundo Terry e o grupo,
seria um ataque surpresa, o xerife Robert Burt e mais vinte e dois homens,
entre eles, Jody, com os companheiros de Ranch e o amigo Sam,
encontravam-se preparados e a postos em diversos pontos estratégicos da
fazenda a fim de conter o ataque. Dois dos homens do xerife fingiam-se de
porteiros quando da chegada dos primeiros homens. Deixaram-se amarrar
depois de abrirem os portões principais. Não vieram mais do que sete
homens e Terry não estava presente. Ao chegarem à frente do casarão
principal foram surpreendidos.
̶ Vocês estão cercados, rendam-se! ̶ esta voz chegou de cima de uma
sacada, onde um homem armado dava voz de prisão ao grupo. Evidente
que não iam se deixar dominar por um cerco que não viam e, sendo assim,
abriram fogo. A estratégia já estava armada e, antes mesmo do primeiro
tiro, o homem da sacada, que tinha uma porta entreaberta atrás de si, jogou-
se para trás e desapareceu. O grupo, não vendo mais ninguém por ali,
continuou avançando.
̶ Vamos nos separar e dar a volta na casa ̶ dizendo isto o chefe deles foi o
primeiro a virar par a direita o cavalo e partir em direção ao outro lado da

98
casa, mas foi surpreendido por dois dos homes de Robert que vinham em
sentido contrário. Hábil com o revólver, ele atirou, conseguindo derrubar
um do seu cavalo. O segundo parecia mais esperto; continuou atirando e
avançando, mas teve que dar meia volta, pois, atrás de chefe, vinham mais
dois cavaleiros e também atirando sem parar. Na perseguição os dois que
vinham atrás foram surpreendidos por um grupo de três que
inesperadamente saíram de uma porta lateral da casa. Não tiveram tempo
de reagir, pois foram alvejados de morte. O chefe viu-se agora sozinho na
perseguição do outro. Este o trazia para uma armadilha. Ao passar na frente
do celeiro da casa, desceu do animal e penetrou ali. O chefe fez o mesmo.
Surpreendeu-se, entretanto, com a escuridão e o pior, com um cano frio de
revólver no seu pescoço. Estava totalmente rendido.
Dos quatro bandidos restantes, dois foram mortos ainda na frente da casa
logo que se iniciou o tiroteio. Um terceiro correu para trás de uma das
árvores do pomar ao pressentir a coisa feia para o lado dele. De lá seguiu
atirando e se defendendo da chuva de balas. Um conseguiu penetrar dentro
da casa. Na enorme sala, de arma em punho, só tinha o silêncio e uma
escassa iluminação. Como não via ninguém, iniciou uma lenta subida pela
escada de mármore que o levaria ao segundo andar. Ao alcançar, porém o
quarto degrau da escada, foi violentamente arremessado para trás por uma
mão que o agarrara pelo colarinho e levado ao cão. Era Jody que, saído de
outro cômodo inferior, surpreendeu o sujeito. Ao cair, ele soltara a arma
que havia corrido para próximo da mesinha de centro da sala. Ainda tentou,
rastejando-se rapidamente, alcançar o revólver para atingir Jody, mas não
teve tempo para isso. Um violento chute no queixo arremessara-o
novamente para trás. Sangrando e cheio de dor, ouviu do rapaz essas
palavras:
̶ Lute, seu covarde! Acaso não sabe se defender se não for com uma arma.
Não vê que também estou desarmado? ̶ Vendo que Jody não tinha mesmo
uma arma, refez-se rapidamente e partiu para cima dele. Mas foi golpeado
dessa vez com um violento soco no estômago. Soltou um gemido e, mais
uma vez recuperado, investiu novamente. Ele tinha um corpo resistente e
um braço musculoso e isto tornava a luta quase desigual para Jody, mas sua
confiança por estar em local que sabia protegido e em vantagem
aumentava-lhe a coragem e a vontade de levar a nocaute o meliante. Jody
recebeu alguns golpes no rosto e no estômago que quase o fizeram
desfalecer. Tentou agora um revide, mas levou outra pancada que o fez

99
cambalear para trás. O outro aproveitou o momento em vantagem e correu
em direção a arma a fim de liquidar logo o combate. Pegou-a no chão e
destravou-a, mirando na direção do rapaz; apenas um tiro liquidaria a
questão. Porém não foi o que ocorreu. Com um balaço certeiro no meio da
testa, caiu fulminado e definitivamente morto. Jody, ainda com a visão
embaçada, olhou para o alto da escada e lá estava o amigo repondo na
cintura a arma que lhe havia salvado a vida. Teve tempo de agradecer antes
de perder os sentidos e desmaiar. Sam chamou dois homens dos que
estavam por perto e ordenaram que recolhessem Jody e o levassem para a
cama. Depois desceu e foi verificar o que restara do confronto.
Já a disposição do xerife Robert, e sob interrogatório, havia dois únicos
vivos dos sete criminosos. Quatro morreram e um conseguira escapar. Este
certamente iria colocar Terry ciente de tudo que ocorrera. Três dos homens
ao lado da lei haviam perdido a vida; um deles, um dos companheiros que
vieram de Ranch com Jody, o que ele certamente iria muito lamentar. O
chefe do grupo era um sujeito cinquentão, com uma cabeleireira amarrada
em rabo de cavalo e um chapéu enorme de caubói. Possuía uma cicatriz na
face direita resultado, por certo, de algum confronto corpo a corpo. Como
já era esperado não entregaram o responsável pelo ataque. Mas agora não
seria mais preciso, pois tudo já era conhecido. Os dois foram encaminhados
à prisão. Cuidaram para que não ficassem junto a Richard que, cumprindo
exemplarmente a missão que lhe fora atribuída, conseguira alojamento em
prisão especial, mas ainda sob vigilância e proteção, pois sua vida correria
perigo dali para frente.
Dois dias depois a situação parecia mais calma. Mas ninguém sabia agora
quais seriam as intenções de Terry. É certo que havia muita revolta em todo
o bando devido às baixas ocorridas. O chefe grandalhão mascava com ódio
o seu fumo enquanto ouvia em silêncio os detalhes do frustrado plano.
̶ Isto não era para ter acontecido. Algo saiu errado e vou descobrir o que
foi.
̶ Não precisa pensar muito, chefe ̶ Disse Roy, seu homem de confiança.
Já sei o que aconteceu.
̶ Então diga logo, o que está esperando?
̶ Não está lembrado do moleque que nos abandonou já faz mais de uma
semana? Nenhum homem pode ficar ausente do grupo por tanto tempo. Isto
cheira a traição. Eu o alertei de que aquele canalha iria acabar complicando

100
a gente; se tivesse me autorizado a acabar com ele quando dei a sugestão
nada disso teria acontecido.
̶ Então é isso! Mas não adianta lamentar agora; já aconteceu. Ordeno
agora que exterminem aquele condenado; encontre-o, nem que seja no
inferno.

Sam passara os dois últimos dias cuidando do estado de saúde do amigo


Jody que, sentindo-se bem melhor, retornou para Ranch levando porém a
promessa do outro de que o avisaria sem falta caso necessitasse de ajuda.
Conseguiu autorização do Sr. Ferguson para ficar alguns dias no rancho a
até que fosse definido o que fazer quanto à prevenção de novos ataques de
Terry. O xerife Robert deixou, para a proteção do rapaz, três homens dia e
noite ao redor da casa. No terceiro dia, bem cedo pela manhã, Sam recebeu
a visita da Sra. Ferguson. Já um pouco mais conformada com a perda do
marido, porém ainda um pouco abatida ela pretendia aproveitar aquela bela
manhã de sol para se banhar na piscina e passear um pouco de cavalo pela
fazenda.
̶ É imensa a satisfação em recebê-la, Sra. Ferguson.
̶ Parece mesmo estranho ser recebida em minha própria casa ̶ disse Mia
expondo seu belo sorriso. Estava muito diferente da primeira e última vez
que fora vista por Sam ao ser apresentada pelo pai. A sensualidade estava
agora totalmente à vista, isto por causa dos trajes de verão que usava e que
indicavam a preparação para um bom banho de piscina. Mia usava uma
saia curta, bem acima dos joelhos e uma blusa vermelha que escassamente
cobria a parte superior do corpo. Deixava as costas totalmente à mostra e
exibia as alças do seu biquíni.
̶ Aceita compartilhar comigo do café da manhã?
̶ Já tomei meu café antes de sair da casa. Mas será um prazer fazer
companhia, por que não? ̶ aquelas palavras deixaram bastante animado o
jovem Sam. Elas indicavam que sua simpatia por Mia estava sendo muito
bem correspondida.
A conversa sobre o café da manhã girou em torno do ataque ocorrido três
dias antes, mas que, felizmente, já esperado, resultou em fracasso. Tocaram
em diversos assuntos de interesse comum e Sam fez todo o esforço para
evitar tocar no assunto ouro. Mas a certa altura isso se tornou inevitável.
Pois foi a própria Mia quem primeiro falou a respeito:

101
̶ Não sei porque todo esse alvoroço. É certo que temos uma vida abastada
financeiramente, mas não somos os únicos ricos em Blue River.
̶ Mas você sabe que não é só este fato que os estão trazendo até vocês.
Eles querem o ouro e enquanto não descobrirem onde está não vou desistir.
̶ Mia disfarçou por uns instantes, fingindo que não ouvira a insinuação e
depois tentou desconversar até que não pode deixar de responder a uma
pergunta direta de Sam:
̶ Existe ou não existe o tal ouro? Ouça, em primeiro lugar, minha
reputação já está mais do que conhecida e comprovada pelo seu pai. Só
quero ajudar e se você continuar escondendo de nós sobre a existência e
sobre o paradeiro deste ouro vai ficar muito difícil fazermos nossa parte
que é a parte da justiça; você compreende?
Mia colocava, em uma bela xícara de porcelana, um pouco do café, ainda
fumegante, que saia do bule branco e ornado de flores. Parece que,
enquanto dedicava-se a este gesto, pensava no tipo de resposta que ria dar a
Sam. É certo que, desde que o vira pela primeira vez, sentira algo estranho
que ainda não conseguira distinguir se era paixão ou uma forte simpatia.
Sam Smith era um belo rapaz. Tinha uma cor morena acentuada e cabelos
muito lisos que lhe caiam com frequência sobre a testa e seu jeito de
balançar a cabeça para afastá-los toda as vez que isto acontecia tornava-se
um gesto muito apreciado pelo bom gosto da moça em relação aos rapazes.
Rod Brent também era um belo homem e a paixão da mulher, não menos o
respeito por ele, durou enquanto aquele fim trágico não pôs fim ao
casamento. Na verdade, a vinda dela ao rancho naquela manhã tinha tudo a
ver com a presença ali de Sam e o banho de piscina e o passeio de cavalo
não passavam de uma desculpa para ver o rapaz. Ela bebericou um gole do
café com muito cuidado para não queimar a língua, mas surpreendeu-se por
descobrir que não estava tão quente. Sendo assim, ingeriu mais dois ou três
goles, deixando leve marca preta em torno dos lábios que precisou eliminar
com um guardanapo azulado. Então respondeu, finalmente.
̶ Ouça, você promete que vai ficar entre nós o que vou dizer?
̶ Nem seria preciso me fazer esta pergunta ̶ respondeu Sam num sorriso
de satisfação, pois viu que arrancaria dela o que estava precisando saber.
̶ Há sim uma grande quantia em ouro, prata e dinheiro.
̶ Eu sabia disso desde o início ̶ disse Sam em tom muito baixo, quase
inaudível, mas que ela entendeu perfeitamente.

102
̶ Por que está dizendo isto? ̶ perguntou Mia enquanto tomava mais um
gole do seu café.
̶ Pelo jeito com que seu marido... desculpe-me, seu ex marido me passou
essa informação. Caso não fosse verdade não teria se esforçado tanto para
falar. Sua preocupação maior era com sua segurança, pois não teve
alternativa a não ser confiar em mim. Imagina, num deserto, prestes a
morrer, encontrar alguém que quer te auxiliar não deixa de ser uma benção.
Penso que até por gratidão a minha solicitude, quis deixar comigo talvez o
maior segredo de sua vida. ̶ Sam percebeu que suas palavras
transformavam a expressão de Mia de uma alegria contagiante, no
momento em que chegara à chácara, para profunda tristeza. Então, para
trazer de novo aquele sentimento ele procurou mudar de assunto, ao menos
temporariamente.
̶ Mas não falemos de coisas tristes; o dia está tão lindo. Acredita que
nesses quase três dias que estou por aqui e neste calorão, ainda não caí
nessa piscina? Você deve estar morrendo de vontade para mergulhar nela,
não? ̶ Ele mencionou estas palavras envoltas num alegre sorriso. Mia logo
compreendeu sua estratégia de alegrá-la.
̶ Não se preocupe comigo, estou bem. Não vai adiantar mesmo encafuar-
me em tristezas. Não fiz outra coisa que chorar nos últimos dias; embora
compreenda que isto não vá trazer o Rod de volta, tem sido difícil evitar.
Mas estou bem, podemos continuar o assunto.
̶ Pode pensar que estou interessado nisto exclusivamente, mas asseguro a
você que não é assim. Sabe qual foi a razão primeira de pedir a seu pai que
ficasse aqui por alguns dias?
Ela não respondeu. Apenas meneou levemente a cabeça, demonstrando
curiosidade. Nesse momento, Sam, que se sentava de frente para ela na
mesa, num gesto carinhoso, colocou a mão sobre a de Mia e passou a
acarinhá-la. Esse gesto do rapaz veio junto com uma ponta de receio de que
estava sento ousado e atrevido com uma mulher recentemente enviuvada.
Mas, para alegria dele, ela não moveu sua mão. Ao contrário, deixou-se
acariciar e, mais, depois de algum tempo, levada pela maciez da carícia,
virou para cima a palma de sua mão e passou a corresponder, massageando
também as mãos de Sam. Esta cena de ternura prolongou-se, contemplada e
testemunhada por ninguém mais e nada mais além da própria natureza bela
e esfuziante do lugar onde se encontravam. Ao longe se via a piscina cujo
verdor, naquele momento, incidido pela luz forte do sol que fazia, era ainda

103
mais intenso que nos dias normais. Embora a alvorada do dia já se fizesse
longínqua ainda havia canto de pássaros e muitos deles cruzavam o céu da
fazenda, passando de uma para outra árvore.
Este cenário era visto um pouco mais ao longe, além da piscina. Os últimos
dias levaram Mia com frequência àquele lado da propriedade. Queria
esquecer a trágica perda do homem que amou durante muitos anos. Sabia
que buscava, neste forçoso, porém necessário espraiamento algo
praticamente impossível. Contudo, insistia e isto fazia bem ao seu espírito.
Agora, vislumbrando aquela distância, deixou, enquanto acariciada pela
mão de Sam, levar-se por aqueles pensamentos de dias atrás. Soltando
gentilmente a mão, disse:
̶ Vou dar uma volta pela propriedade. Também pretendo aproveitar essas
primeiras horas da manhã para não ter que encarar um sol muito forte. Com
licença. ̶ Dizendo isto, levantou-se. Sam seguiu-a com um olhar enquanto
ela desaparecia pela lateral do casarão.
Duas horas já haviam transcorrido desde a conversa e aquele princípio de
intimidade entre os dois. Mia agora se deitava ao sol da piscina. A cada dez
ou quinze minutos Sam aparecia na porta e a comtemplava. Vez por outra
ela se levantava, dava um mergulho e retornava para sua cadeira. Bem
como ele queria para a surpresa que havia lhe preparado. Mia saiu de sua
sonolência e entrega, meio que assustada por um beijo roubado na face
dado por Sam quando este se aproximou sem que fosse percebido.
̶ Preparei um drink. Não sei se gosta como eu, suave ̶ disse estendendo-
lhe o copo, satisfeito por ver que ela esboçara leve sorriso ao gesto do
beijo.
̶ Sim, está bom para mim. Muito obrigado.
̶ Sei que dispensou os empregados, já que está com seu pai
temporariamente. Mas, como sou humano, sinto fome de vez em quando.
Então pensei: por que não preparar meu próprio almoço. Aceita o convite
de alguém metido a cozinheiro?
̶ Vou pensar a respeito.
Mia apreciou sobremaneira a culinária de Sam. A conversa transcorreu
descontraída e a intimidade entre os dois aumentou à medida que passaram
os minutos daquele dia e os dias daquela semana em que diariamente Mia
vinha para a chácara para ficar na companhia do rapaz. Até que, do quarto
dia em diante, não mais retornou, pois dormia com Sam. Aceitou-o como
companheiro; precisava mesmo de um braço forte que a protegesse e sentia

104
que era recíproco o sentimento que nutria por ele. Ficou evidenciado para o
velho Ferguson um princípio de relacionamento entre os dois. Por respeito
e consideração Sam relatou suas reais intenções para com Mia no sentido
de constituir com ela um sincero relacionamento. E por simpatia e
admiração ao rapaz James Ferguson deu total aprovação. Afinal era o
coração da filha que fizera essa escolha e, se era para a felicidade dela, que
assim fosse.
Após dias de planejamento, resolveu o casal investigar de uma vez o
paradeiro da carga em ouro guardada por Rod no Forte Danfree. Na
extremidade oeste do deserto de ..., há uma fortificação que pertenceu no
passado àquela tribo indígena. Estava nas mãos de Mia o mapa com o local
exato de onde fora enterrado o baú contendo as pepitas de ouro, além de
inúmeras pedras preciosas de inestimável valor, segundo relatado por Rod.
Em suas últimas investidas à mina, a quantidade em ouro bruto
conseguidas por Rod superou suas expectativas. Seu rápido crescimento
econômico passou a chamar a atenção. O forte Danfree é fora da trilha que
leva às minas e lá Rod possuía algumas amizades. De todas, a mais fiel era
a do tenente Conrad que abandonou o local definitivamente, indo para o sul
do país. Isto por causa das ameaças de Terry que prometeu assassiná-lo.
Conrad sabia onde Rod havia enterrado o baú contendo o ouro e ficara com
o mapa desenhado por ele. Ao saber do assassinato de Rod, Conrad fugiu
imediatamente, mas não sem antes passar pelo rancho e entregar a Mia o
mapa, dando uma explicação a respeito de como encontrar o baú.
O casal passou os últimos dias tentando desvendar o mapa. Não era difícil.
Segundo o desenho de Rod há sempre um horário do dia em que a luz do
sol, no lado leste do forte, incide sobre algumas estátuas de pedra da região.
A mais alta de todas forma um ângulo de quarenta e cinco graus com a
sombra de uma muralha de pedra exatamente às duas e quinze da tarde. Na
verdade o mapa é bem simples de decifrar. Não há ideogramas
complicados nem cálculos matemáticos difíceis de serem solucionados. Por
ter o tenente Conrad muito mais estudo do que Rod, e pela grande amizade
de anos entre os dois, auxiliou-o a elaborar o mapa depois de tê-lo
auxiliado a enterrá-lo. Um dos subordinados ouviu por trás da porta do
gabinete de Conrad parte se sua conversa com Rod e levou isto ao
conhecimento de Kurt, do bando de Terry. Num assalto ao forte a procura
de Conrad este não fora encontrado. Capturado o soldado delator e levado
até o esconderijo do bandido, foi torturado até que entregasse o paradeiro

105
do tesouro ou do mapa. Morreu por não saber ou por não dizer o que sabia,
o que vem a dar no mesmo. Rod foi o próximo capturado e acabou também
perdendo a vida por não querer colaborar com os bandidos. Restava agora
Mia e sua salvação estava a cargo de Sam.

Jody recuperara-se totalmente de seus ferimentos no confronto com um dos


bandidos durante o ataque ao rancho de Mia Ferguson. Precisava se distrair
e aceitou o convite de alguns amigos para um encontro dominical de
vaqueiros onde potros e outras reses seriam leiloados. O encontro teria
outras atrações como rodeio e cantoria. A surpresa de Jody foi encontrar ali
Richard, trabalhando como capataz naquela fazenda. Parece que o outro
resolvera mesmo se regenerar. Tamanha foi a alegria dos dois ao se
reencontrarem.
̶ Não sabia que já tinha sido libertado; foi rápido, não? ̶ perguntou Rod,
ainda com ar de surpresa.
̶ Sim, mais do que eu mesmo esperava. Mas o xerife Robert reconheceu
verdadeiramente minha contribuição e levou o caso aos seus superiores.
Não foi constatado em meus registros nenhum crime de morte. Ao
contrário do que você supunha, está lembrado?
̶ Sim, e como. Mas não afirmei que tinha crimes de morte nas costas,
apenas coloquei essa possibilidade dadas às razões que você mesmo
conhece.
̶ É claro; não tiro suas razões. Mas, o que tinha que acontecer já
aconteceu. Agora quero aproveitar o tempo que perdi pensando que estava
vivendo.
̶ Eu também penso dessa forma, e desejo boa sorte.
Richard acompanhou o casal nesta noite após a festa e, como ainda era
cedo e com a permissão de Lauren que detestava bebida alcoólica e estava
muito cansada, forma para o bar do Larry beber um pouco e conversar. Não
ficaram ali mais do que quarenta minutos. Na saída foram surpreendidos
por quatro homens de Terry que, montados à cavalo, no escuro da esquina
ao lado do bar, deixou que eles passassem para, em seguida abordá-los.
Mas não foi tão fácil como eles pretendiam que fosse. Foram pressentidos
por Jody que fez meia volta com o seu cavalo sugerindo a Richard que
fizesse o mesmo. Ao virarem, porém, viram mais um cavaleiro na outra
esquina por onde queriam passar a fim de saírem do encalço dos outros
quatro.

106
̶ Acelere! Disse Jody para o companheiro.
Passaram então por este em disparada. Mas ele, já de arma em punho,
começou a disparar. Usando de sua destreza, Jody foi mais rápido do que
ele e derrubou-o de sua montaria com um tiro certeiro no peito. Os outros
quatro então iniciaram a perseguição. Os dois rapazes pegaram a principal
e lançaram-se a correr em frenética velocidade. Ziguezagueavam em seus
animais a fim de não serem alvejados pelos tiros que não paravam de vir na
direção deles. A disputa era desigual: quatro contra dois e muitos tiros para
frente sobre quem não possuía alvo. Sendo assim Jody sugeriu que
acelerassem ainda mais e alcançaram um matagal. Desceram e começaram
a correr e os outros se aproximando. A intensão de Jody era alcançar uma
enorme pedra e dali, protegidos, os dois pudessem defender-se dos tiros e
revidarem ao mesmo tempo. Os quatro, agora sem proteção, não poderiam
chegar sobre os cavalos, pois certamente estariam em desvantagem. Então
recuaram, não sem antes um dele ser mortalmente atingido pela ótima
pontaria de Jody. Dois desceram e, atrás de árvores continuaram os tiros
enquanto o outro deu a volta a fim de surpreender, por trás, os rapazes. E
foi o que aconteceu. Não tiveram tempo para reação. Richard, ao pressenti-
lo antes, virou-se, mas foi atingido. Felizmente na perna. Vendo a cena e,
não querendo perder a vida, Jody lançou para o lado a arma e se entregou.
̶ Muito bem! Então temos o delator. Está agora provado que ninguém passa
para trás Terry Moore. ̶ Já eram prisioneiros, no esconderijo de Terry. ̶
Pode começar a rezar antes de ir para o inferno.
̶ Richard esvaia-se em sangue e, para amenizar seu sofrimento, Terry
ordenou a um dos homens que o liquidassem de uma vez. O homem
destravou a arma e a apontou para a cabeça de Richard.
̶ Espere! ̶ disse Jody, interrompendo a ação do outro.
̶ O que quer? ̶ disse Terry ̶ acaso quer ir no lugar dele?
̶ Se eu revelar um segredo, você poupa a vida do meu amigo?
̶ Depende de que segredo está falando ̶ respondeu Terry sem, no entanto,
dar muita atenção.
̶ Forte Dan Free diz alguma coisa? ̶ A fisionomia do bandido
transformou-se rapidamente. Uma sombra de esperança cobriu-lhe o rosto.
Os gemidos de dor de Richard eram agudos e lancinantes. Sua pele estava
pálida e ele, já quase a ponto de perder os sentidos.
̶ Direi tudo o que quiser saber a respeito do tesouro.
̶ Então pode começar a falar, desembuche.

107
̶ Não acha que iria deixar meu amigo sofrendo desse jeito. Cuide dele
primeiro que começo a revelar o que quer saber.
̶ Leve-o para a enfermaria e chame Paul ̶ ordenou. Dois homens
pegaram Richard e o transportaram dali.
̶ Saiba que se estiver armando alguma cilada vai se arrepender para
sempre.
̶ Está vendo que não estou mentindo. Já disse que o tesouro se encontra
no forte Dan Free.
̶ Que está ali eu sei, seu idiota! Sabe quantos metros quadrados tem o
forte Dan Free? O que estou querendo é o mapa. Tem o mapa?
̶ Não o tenho comigo, mas posso consegui-lo sem problema. ̶ Terry não
conhecia Jody e como não participara da invasão ao rancho não soube que
ele estava entre os homens que auxiliaram Sam e o xerife. Dos que o viram
dentro da casa, um morrera e o outro estava atrás das grades.
̶ Saiba que temos que entrar na fazenda dos Ferguson para consegui-lo ̶
disse o bandido ̶ ; encontramos uma resistência inesperada por causa
daquele desgraçado a quem você está pedindo que salve a vida. Se
estiverem tramando algo os dois pagarão por isso; não terei piedade. Agora
me diz: o que faremos para conseguirmos o mapa sem mais perda de meus
homens? Conhece os Ferguson?
̶ Sim, perfeitamente. É por isso que estou fazendo essa proposta.
̶ Vamos lá, então qual é o plano?
̶ Vamos entrar na casa. Pensando bem, não é preciso que entremos todos
na casa, é só sequestrarmos Mia Ferguson.
̶ Isto já tentamos fazer, mas havia um batalhão lá dentro.
̶ É preciso um ataque surpresa. Não se esqueça de que eles já esperavam o
ataque em que vocês se deram mal. Agora vai ser diferente.
̶ Muito bem; vamos então. Mas, se pensa que vou tirar os olhos de você
está bem enganado. É meu prisioneiro; estará sendo vigiado o tempo
inteiro.
Seguiram até o rancho de Mia Ferguson, Terry e mais seis homens, tendo
Jody os acompanhado sob os olhares atentos de todos. Até ali nada
contrariava o que Jody havia dito. Não havia ninguém na portaria como da
primeira vez. Mas teriam que penetrar no interior e uma invasão cautelosa
seria a solução.

108
̶ Vamos dar a volta até encontrarmos uma passagem acessível através da
carca. Curtis, me espere aqui e vigie o nosso amigo; os outros venham
comigo.
É evidente que Terry não deixaria Jody participar da invasão, pois não
sabia o que ele poderia estar tramando. Só queria a garantia de que não
encontraria a resistência que foi encontrada da outra vez em que tentaram
fazer o mesmo. Sabia que o outro não mentiria; a não ser que quisesse
morrer e isto era muito pouco provável.
Os homens seguiram, em marcha muito lenta e silenciosa, ao longo de todo
o terreno da propriedade, procurando encontrar um local por onde
pudessem entrar sem serem notados. Encontraram, ao longo da alta cerca,
uma falha. A cerca viva era mais baixa e com trepadeiras mais resistentes,
o que facilitava a subida e a penetração. Um dos homens escalou e, em
poucos segundos, já estava do outro lado. Passados alguns minutos de total
silêncio e apreensão, aconteceu o assobio que era o sinal entre eles de que
tudo estava em ordem e que eles já poderiam caminhar para o portão e
aguardar que fosse aberto. Terry retornou com seus homens para onde
haviam deixado Jody, guardado e vigiado por Curtis. Mas, qual não foi a
sua surpresa quando, ao chegarem, o que viram foi Curtis desacordado e
com a cara completamente ensanguentada.
Aproveitando um instante de distração do bandido, Jody conseguira, em
um golpe certeiro, desarmá-lo, chutando para longe a sua arma. Na
tentativa de voar para o chão e recuperá-la encontrara, o outro, novamente
o chute de Jody, desta vez, arrebentando-lhe a boca com a ponta de sua
bota. Fio isto, Jody apressara-se em pegar a arma e sair dali para avisar Mia
ou quem estivesse na casa do que estava prestes a ocorrer. Teria quer ser
rápido antes que os outros voltassem ou que penetrassem na propriedade
antes dele. Correu com o cavalo para o lado oposto ao que fora o grupo e,
de pé no animal, começou a escalar, mas já não podia fazer mais nada para
evitar a invasão. Viu, do alto do muro aonde chegara, Terry e todos os
homens, com exceção do que estava ferido, já dentro das dependências da
chácara. Não poderia enfrentar aqueles homens sozinho. O que fazer para
avisar Sam da invasão iminente? Teve uma ideia. Aprumou-se melhor
sobre a cerca viva e deixou-se avistar. Dois dos homens de Terry, a uma
ordem sua, correram para ele, atirando, mas Jody, dali mesmo, lançou-se
sobre o cavalo e tratou de fugir em disparada.

109
Avançando a todo galope por uma estradinha de terra naquele momento
castigada pela chuva que caíra durante toda a manhã, Jody era tensão e
apreensão sobre seu animal. Corria para a delegacia de Blue a fim de
comunicar o xerife do que estava ocorrendo. Precisariam de homens, em
maior número que os de Terry, que Jody constatou serem seis, ou pelo
menos, superiores em capacidade de combate e valentia. Enquanto isto, no
rancho de Mia, os homens de Terry e ele próprio avançavam lentamente e
com cuidado a fim de evitarem surpresas. Até estranhavam a quietude do
lugar. Dois dos capangas que ali se encontravam estiveram no ataque
anterior e eram eles os mais surpresos por não encontrarem, até ali, nenhum
tipo de resistência. Terry mantinha-se até confiante, mas não deixava de
demonstrar certa apreensão com a fuga de Jody. Sabia que fora buscar
recursos e não tardaria, embora ficasse a delegacia a não menos de uma
hora de acelerado galope.
̶ O que estamos esperando, chefe? Entremos na casa ̶ disse um dos
capangas, o que ia na frente.
̶ Calma, não seja tão idiota. Podem estar nos armando uma emboscada ̶
respondeu Terry atrás dele.
̶ Isso mesmo ̶ disse um outro ̶ , encontramos resistência logo na entrada
quando invadimos da outra vez, mas nunca se sabe.
̶ Vamos nos dividir em três duplas ̶ ordenou Terry.
Assim fizeram. Ainda estavam longe da casa. Logo após terem deixado a
ruazinha de pedra que separa o portão da residência, caminhavam
sorrateiramente sobre o gramado. Não viam totalmente a frente da casa
porque esta ficava de lado para a entrada principal. Para a esquerda do
portão ficavam o pomar e a piscina e para o lado direito, ao longe um
grande celeiro e alguns currais. Terry enviou dois para aquele lado;
mandou que outros dois dessem a volta pela frente da casa e ele e mais um
ficaram por ali inspecionando o movimento. Ao caminharem na direção
dos currais, constatou, a dupla que ali já havia chegado, além de três
cavalos que estavam presos, mais dois do lado de fora. E estavam selados.
Bebiam água de uma tina quadrada de madeira. Isto evidenciava a presença
de pessoas na casa. De repente um tiro faz com que um dos animais empine
furiosamente, ao mesmo tempo em que emite um relincho estridente e
assustador. Um dos bandidos, mais do que rapidamente, corre para detrás
da tina e ali se esconde, revidando as balas que iam em sua direção. O outro

110
não tem a mesma sorte. Mais longe de qualquer proteção, cai fulminado
por uma das balas.

Sam e Mia decidiram, naquele mesmo dia, pela manhã, visitar o forte
Danfree, levando o mapa a fim de fazerem constatações e certificarem-se
do local exato onde estava enterrado o baú que pertencera a Rod.
Mantiveram, para a segurança da casa, os mesmos capatazes de costume;
acrescentaram apenas um que, na verdade, era o substituto do que havia
morrido no último combate com o bando de Terry. Um deles estivera,
durante todo o tempo que durara a aproximação do bando, guardando o
portão principal. Em função da desigualdade numérica, achou por bem não
enfrentá-los sozinho e partiu correndo para dentro da casa onde se
encontravam os outros dois, sentados a uma mesa e jogando cartas.
̶ Os homens! Terry e seus homens se aproximam; certamente vieram para
uma invasão.
̶ Quantos são? ̶ Perguntou um dos capatazes, depondo as cartas, dando
por encerrada a partida.
̶ Seis; sete com o próprio Terry ̶ respondeu o outro.
̶ Estamos em desvantagem. Mas temos que enfrenta-lo, é para isto que
estamos aqui.
Assim, se prepararam da forma que podiam a fim de esperar a invasão.
Dois se colocaram em uma das sacadas laterais, de frente para a entrada
principal e um dirigiu-se aos fundos da casa; era o que eliminara, da
varanda de frente para os currais, o bandido desguarnecido. Logo em
seguida ao tiro que matara o primeiro deles, outro disparo aconteceu, este
na direção de Terry e seu companheiro. Como estavam atenciosos,
procuravam, mesmo ao caminhar, fazê-lo próximos das árvores que
costeavam um dos lados da cerca. Era um alvo bom para os dois homens de
Sam e de Mia que, de uma das sacadas, iniciaram a fuzilaria. A troca de
tiros era implacável e, em certo momento, a certeira pontaria de Terry
derrubou um dos homens lá de cima. Tombou sobre o gradeado da varanda
e despencou no gramado. Restando agora apenas dois e ocupados com a
disputa de tiros, não foi difícil para a terceira dupla entrar na residência e
render o que ficara só e atirando. Sentindo nas costas os canos de dois
revólveres, não teve outra saída a não ser largar no chão sua arma e se
entregar. Quanto ao terceiro, fora ferido pelo homem que revidava por trás
da tina e se encontrava agora caído com um tiro non estômago.

111
O silêncio voltou a reinar; os tiros haviam cessado, o que indicava, à
princípio, não haver mais ninguém além dos que já estavam dominados.
Terry certificou-se disto ao penetrar na casa na companhia do outro e não
ser impedido. Não encontrando quem queria e o que queria, Terry
desabafou sua raiva e frustração num interrogatório frio e violento com
tapas e coronhadas. Mas, por fim, sabendo que nada de relevante poderia
tirar de suas vítimas, acabou desistindo. Vasculharam cada cômodo da
residência, mais para extravasaram seu tempo perdido do que propriamente
na esperança de encontrar o que procuravam: o mapa. Deixando um sob
vigia e outro agonizando na varanda dos fundos, trataram de revirar tudo,
pegado um ou outro objeto de valor para contrabalançar o tempo perdido.
Deixaram uma desordem sem conta. Não demoraram, todavia, porque
Terry não tencionava enfrentar os homens do xerife que deveriam estar a
caminho. Saciaram a fome com as iguarias que encontraram, meteram
outras em suas algibeiras e saíram, tomando o caminho contrário ao que os
trouxeram até ali a fim de evitarem encontros indesejados. De fato,
chegaram os homens da lei logo em seguida, acompanhados de Jody, mas
não a tempo de fazerem alguma coisa. Tudo o que fizeram foi interrogar as
vítimas, registrar o caso e socorrer o ferido.

A léguas dali e horas de cavalgada, estavam Sam e Mia procurando


desvendar o mapa a fim de chegarem à exata localização do tesouro de
Rod. Chegaram com a noite à pequena cidade de e se hospedaram. Dali,
seguiram, na manhã seguinte para o forte acompanhados de um guia. Na
região havia turismo, pois o local era aconchegante, repleto de belezas
naturais e monumentos históricos. Deixaram os cavalos no enorme pátio da
hospedaria e ingressaram em uma carruagem. Queriam fazer da aventura
também um motivo para descanso e não havia passeio melhor para eles;
consideraram uma espécie de lua de mel pela recente união e, ao mesmo
tempo, um bálsamo para as últimas semanas da vida de Mia, sem dúvida
bastante agitadas. Danfree fora uma antiga reserva indígena encravada no
meio de altas rochas ao fim de uma zona de mata habitada por outas tribos.
Hoje o forte está totalmente privatizado, tendo sido transformado em
parque nacional para deleite dos que quiserem desfrutar de descanso e
recreação. A área principal abriga um balneário e afluência de turistas
cresce a cada ano. Mas na época de Sam pouca coisa havia além do rio que
o atravessa, muita área verde e restos de pedreiras desbastadas pela erosão,

112
com destaque para os monumentos indígenas que constituem até hoje
motivo para constante visitação.
A carruagem deixou o casal a cem metros do forte e seguiu para seu
destino principal, a cidade de . O casal caminhou abraçado, bafejado
pela brisa que fazia àquela hora em que a manhã já ia quase finda. Ao fim
da trilha puderam avistar o pequeno prédio da divisão militar que
administrava a região. Coronel Caldwell era agora o responsável e estava
ali desde o afastamento do tenente Conrad. Recebeu muito bem Sam e Mia
que reconheceu ser a viúva da Rod.
̶ Conrad se meteu em muitas complicações por causa desse tal baú. Não
temos a mínima ideia onde ele se encontra, mas sabemos que está por aqui
em algum lugar. ̶ Foram as primeiras palavras do coronel Caldwell após
cumprimentar o casal. Mia mostrou-lhe o mapa e garantiu que a segurança
do coronel não iria ser ameaçada como foi a do tenente Conrad. Caldwell
sabia que o local, por ser púbico, poderia ser visitado a qualquer momento,
mas quanto a desenterrar de suas terras um baú contendo ouro já seria outra
situação que demandava autorização especial. Já era sabido e comprovado
que pertencia a Rod Brent e agora, por direito, a sua viúva e a punição a
Conrad por permitir escondê-lo ali já havia sido devidamente aplicada.
Fora expulso da cidade e exonerado de sua corporação. E o coronel
Caldwell não desejava ter a mesma sorte que o colega.
̶ Podem ficar tranquilos. Já existe a autorização para que desenterrem o
baú. ̶ E, tirando do armário atrás de si uma pasta, abriu-a e exibiu o
documento. ̶ Está tudo legalizado ̶ afirmou. ̶ Rod registrou tudo em
cartório e pagou os devidos impostos. Ninguém é obrigado a guardar
dinheiro em bancos. Vivemos numa democracia e, se ele achou melhor
proceder assim, não podemos condená-lo por isto; o único problema foi ter
recebido a ajuda de um militar. De qualquer forma vou ter que comunicar a
minha corporação que vocês pretendem resgatar e levar a preciosa carga.
̶ Sim, mas precisamos antes encontrá-la e desenterrá-la.
̶ Pois, muito bem. Façam isto; mas não me peçam ajuda. Não quero ser
conivente com nada que se refira a esse ouro.
̶ Quanto a isto não precisa se preocupar ̶ interveio Mia. O principal já
conseguimos, ou seja, saber que o ouro pertence legalmente ao meu
falecido marido e agora a mim por direito. Se nos permite vamos até o
local e verificar sua exata posição.

113
O casal saiu se despedindo e agradecendo. A caminhada seria grande. Do
outro lado do forte ficavam os monumentos. Em lá chegando, sentaram-se
em uma pedra para recuperarem-se do exercício. Sam tirou do bolso o
mapa e passou a estudá-lo detalhadamente.
̶ Está vendo aquele muro de pedra ̶ perguntou enquanto apontava a sua
esquerda. ̶ É lá que vai incidir a sombra quando a luz do sol banhar esse
monumento ̶ apontou em seguida para uma estátua a uns quinze metros à
frente.
̶ Sim, mas ainda falta mais de uma hora, segundo o horário previsto para
isto acontecer. Sugiro então que arrumemos o nosso almoço; a fome já está
me apertando. ̶ encaminharam-se para uma área de grama próxima aos
monumentos e estenderam a toalha depositando as iguarias que haviam
trazido para aquele momento. Distraído no preparo de um sanduiche, Sam
não percebera quando um cavaleiro se aproximou, senão quando tocado no
braço por Mia, alertando-o do fato. O homem desceu do cavalo e em passos
apressados chegou até onde estavam. Era um jovem fardado,
provavelmente sob o comando do coronel Caldwell.
̶ Acho que vamos ter problemas ̶ disse Mia apreensiva e olhando
fixamente em direção ao jovem que se aproximara.
̶ Vamos ver o que tem a dizer ̶ disse Sam demonstrando serenidade.
̶ Senhor ̶ disse o jovem ̶ há uma mensagem na sala do coronel
endereçada a vocês. Poderiam me acompanhar, por favor?
A única pessoa sabedora do paradeiro do casal era o pai de Mia, o Sr.
Ferguson. Depois de retornar com os homens do xerife Robert e ver
frustrada a ação de capturarem Terry e o seu bando, Jody dirigiu-se à
pousada de James Ferguson e lhe comunicou o fato, dando a ele ciência do
estado em que ficara a casa e da derrota dos capatazes. Dali, partiram para
a delegacia a fim de transmitirem ao comendo do forte a mensagem para o
casal. Cientes da mensagem Sam e Mia retornaram imediatamente. Diante
do estado da casa e do que ocorrera com os homens foi enorme a fúria de
Sam e maior ainda quando constatou ao chegarem à pousada Ferguson que
este havia sido levado por alguns homens do bando de Terry que lá o
aguardava com o mapa do ouro, isso se quisessem ter o velho de volta com
vida. Para conter o choro e o desespero de Mia ao verem o bilhete, Sam
precisou acalmá-la.

114
̶ Este já é um caso para a justiça, independente de haver ou não ouro; isto
foi um sequestro e se houver morte todos estarão condenados a morrer na
forca.
̶ Não quero perder papai; não quero que ele morra. Só tenho ele na vida
além de você agora. O que será de mim, o que será de nós? Mia chorava de
maneira incontida e era enorme o seu desespero.
̶ Acalme-se! Nada de mal sucederá a seu pai. Vamos resgatá-lo a
qualquer custo nem que para isto tenhamos que lhes entregar todo o ouro,
se isso o que querem. Você não se importa com isto, não é mesmo? ̶
perguntou, olhando-lhe firme nos olhos.
̶ É claro que não; nem um pouco. A vida do meu pai está acima de
qualquer coisa.
̶ Vamos comunicar o fato ao xerife.
Na delegacia Sam ficou sabendo da presença de Jody na cidade e o que ele
já havia feito para ajudá-lo e que mais uma vez o faria, pois era o único
agora, com a captura de Richard, que conhecia o esconderijo da quadrilha
de Terry.
̶ Precisamos armar-lhe uma emboscada; não sabemos a quantidade de
seus homens ̶ disse Sam ao xerife Robert dentro da delegacia.
̶ Vou mandar o máximo de homens que puder a fim garantirmos um
combate eficaz. Acha que pode haver uma negociação? ̶ completou o
xerife.
̶ Por certo a negociação é o ouro. Levarei o mapa e darei como garantia
de liberdade do meu sogro. Em seguida podemos armar uma emboscada
para prender a quadrilha no momento em que estiverem resgatando o baú, o
que acha?
̶ Não acho que Terry seja tão tolo a ponto de aceitar esse acordo. Além do
mais teremos problemas com a guarnição do forte. Certamente ficarei em
apuros com o regimento militar de . Segundo me informou eles não
pretendem se envolver nessa questão particular de sua esposa. É melhor
pensarmos em outra estratégia.
̶ Xerife, ouça! ̶ disse Sam enfaticamente. Não há melhor estratégia do
que essa. Terry possui uma quantidade de crimes nas costas e seu bando é
um dos mais perigosos para a nossa cidade. Não acha que o levando até o
forte, impulsionado pela ganância do ouro, o teremos em nossas mãos? É
só uma questão de estarmos bem preparados.

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̶ Sim, concordo com você nesse ponto. Porém essa preparação deveria
envolver outras forças além das nossas e o forte Danfree está dentro de
outra jurisdição. Não estou certo de que conseguiremos apoio deles para
essa questão extraoficial.
̶ Não há questão extraoficial quando se trata da segurança da população.
Se conseguirmos provar que não temos força suficiente para combatermos
um bando tão perigoso quanto o de Terry e que esta condição exige uma
intervenção militar eles não poderão se negar a nos ajudar.
̶ Tem sentido tudo que fala. Enviarei uma mensagem ao coronel
comunicando-lhe do sequestro e vamos aguardar a resposta.
Logo ao saber do ocorrido Jody se dirigiu à delegacia e lá, ao reencontrar
o amigo, mostrou grande satisfação, só não maior devido à tristeza pelo
ocorrido com o pai de Mia Ferguson. Ali mesmo bolaram uma investida ao
esconderijo de Terry, mas só encontraram um casarão abandonado e o
corpo de Richard, assassinado friamente pelo terrível bandido. Em meio à
desordem deixada pela retirada rápida para destino ignorado, cadeiras
reviradas, pratos sujos de comida, pontas de cigarros, papeis e outros
objetos esparramados, estava o corpo do jovem. No peito, cravada
profundamente, uma faca e, preso a esta, um bilhete. Ainda não seria um
ataque, mas um estudo do local onde pudesse ser avaliada uma investida de
fato. Portanto, só vinham o xerife, acompanhado de dois de seus homens,
mais Sam e, logicamente, Jody. Suspeitaram de longe o abandono da casa,
mas, mesmo assim, se aproximaram com cautela. Sam foi o primeiro a
perceber, por uma janela o corpo de um homem caído. A um sinal os outros
se aproximaram e Jody, reconhecendo o ex companheiro, desceu
apressadamente de seu cavalo. Aproximou-se consternado, constatou a
morte e retirou o bilhete. Levando-o até o xerife, este leu em voz alta a
mensagem de Terry:
“Isto é para que saibam que Terry não hesita a matar quando é
preciso, ainda mais se tratando de traição. Quanto ao resgate do velho, já
sabe porque fizemos e o que estamos querendo. Venham a este local com o
mapa. É bom saber que não queremos a presença dos homens da lei, apenas
o casalzinho; isto se não quiserem encontrar outro cadáver igual a este.”
Embaixo, ao lado da assinatura de Terry, o local onde estavam com o
sequestrado. A primeira resposta que veio da base militar de Danfree
quanto à possibilidade de intervenção neste intrincado caso havia sido
negativa. Porém com o comunicado do que havia ocorrido com Richard,

116
cujo auxílio tinha sido precioso para o sucesso da lei em revidar a primeira
invasão à chácara dos Ferguson e, havendo a negociação envolvendo o
ouro a segurança do forte estaria ameaçada, não houve chance de uma
recusa em auxiliar no que fosse preciso. Sendo assim novas reuniões foram
feitas a fim de se estudar a melhor forma de resgate com um mínimo
possível de incidentes. De acordo com a descrição do local onde estaria a
quadrilha junto com o prisioneiro, este ficava nos limites da cidade de
Ranch a poucos quilômetros da entrada do deserto.
Sobreviver no deserto é tarefa árdua e ousadia que muitas vezes pode levar
à morte. Esta parte da face da terra parece não ter sido feita para o homem
comum. Embora haja civilizações no deserto, são seres que, desde os
primórdios de sua existência, adaptaram-se a isso e hoje conhecem tudo
sobre essa façanha. Terry possui um esconderijo no meio do deserto. Para
lá havia levado Rod após o seu sequestro em Blue River. Saindo de Ranch
, cruzando as escaldantes areias por sete horas a fio chega-se ao local onde,
reunido a quase cinquenta homens, Terry viva grande parte de seu tempo.
Construíra, com os milhares de dólares que conseguira em ousadas
investidas, o seu palacete. A poucos quilômetros estava o oásis onde caíra
para a morte Rod. Ali marcara com Sam e Mia Ferguson para a entrega de
seu pai e o recebimento do ouro. Já conhecedor do lugar, não foi difícil
para Sam localizá-lo. Mia também já o conhecia, pois logo após a notícia
da morte de Rod e que ali se encontrava o corpo providenciou-se o seu
resgate para o devido sepultamento. Ficou estabelecido que mandariam à
frente Sam e Mia seguidos de perto pela tropa de regimento a comando do
coronel . A topografia do terreno onde ficava o oásis ajudaria sobremaneira
o ataque dada a inclinação da areia além duma formação de dunas. Sessenta
e cinco homens, entre soldados e oficiais foram destacados para essa
missão; não restou a menor dúvida para o alto comando militar em executar
o quanto antes o plano de dar fim ao bando de Terry Moore depois
associaram as inúmeras mortes ocorridas no deserto durante aos assaltos a
caravanas com o desaparecimento de Rod e agora o sequestro de James
Ferguson.
A fortaleza de Terry era algo de fazer inveja a muitos milionários das
grandes cidades americanas. A seu serviço tinha, além das dezenas de
homens que participavam dos crimes, inúmeros outros que executavam
serviços internos como os de limpeza, construção, culinária e outros. Terry
possuía varias mulheres a lhe servir, tanto pelo sexo quanto por tarefas que

117
demandavam o toque feminino. Ninguém mais, além daqueles que ali
conviviam tinham ciência da existência daquele complexo no meio do
deserto. Os que ali viviam eram seus adoradores e loucos como eles.
Adoravam o dinheiro acima de tudo e tudo faziam para agradar a seu chefe.
Eram de inteira confiança de Terry e o segredo do local que ele possuía no
deserto jamais fora descoberto. Por pouco, Richard, o ex amigo de Jody,
não ficara sabendo de sua existência . Aliás, ficou sabendo, mas nunca o
conheceu. O luxo que ali ostentava o chefe criminoso advinha de
sequestros a caravanas, invasões a residências luxuosas nas cidades
circunvizinhas e outros assaltos. Há muito já era conhecida a existência de
um esconderijo de Terry no meio do deserto, mas ninguém jamais
imaginaria a complexidade do que havia; essa hipótese era totalmente
descartada.

Partiu de o grupo militar. Viajaram a noite e pernoitaram. Bem cedo


pela manhã atravessaram o deserto sempre guiados por Sam e sua
companheira. Pararam a dois quilômetros das dunas. Sam adiantou-se em
seu cavalo a fim de verificar se já haviam chegado Terry e com sua vítima,
e o Sr. Ferguson. Posicionou-se de longe e usou o par de binóculos. As
baixas palmeiras eram obstáculo, mas ele viu alguns cavalos e certificou-se
da presença de Terry no local. A um sinal, pediu que Mia se aproximasse a
fim de que sua visão fosse notada por Terry e os seus. Ela atravessou as
dunas e juntou-se a Sam.
̶ Fique aqui e não se mova sem um sinal meu.
Desceu e foi ao encontro dos criminosos. Antes que se aproximasse muito,
viu Terry sobre o cavalo vindo ao seu encontro. Sam então se adiantou
ainda mais para junto de Terry antes que ele muito se aproximasse a ponto
de poder enxergar o outro lado da elevação de dunas.
̶ Muito bem, onde está o mapa? ̶ perguntou assim que se aproximou.
̶ Antes quero ver o Sr Ferguson ̶ disse Sam demonstrando firmeza em
sua afirmação.
̶ É claro, tem todo o direito. Mas deixe-me ver o mapa. ̶ Sam então sacou
de seu alforge um documento e mostrou-o ao bandido. Terry estendeu uma
das mãos para pegá-lo, mas Sam retrocedeu e desenrolou o papel,
posicionando-o à frente de seus olhos para que ele pudesse ler sem tocá-lo.
Terry se deu por satisfeito.

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̶ Muito bem. Siga-me. ̶ desceram juntos. Mia, de seu cavalo, acenou para
o coronel com um sinal que indicava que, até ali, as coisas corriam dentro
do planejado. Ao ver o velho, Sam deu-se por satisfeito com o seu estado.
Não tinha sinais de mau trato, com exceção da barba um pouco mais
comprida e uma ligeira magreza. Estava sobre um cavalo amarrado a uma
das árvores e tinha as mãos para trás também amarradas. Ao ver o rapaz a
fisionomia tensa serenou e renasceram-lhe as esperanças. Havia não mais
do que cinco homens com Terry, além do Sr. Ferguson.
̶ Muito bem ̶ disse o criminoso ̶ aí tem o homem são e salvo como pode
ver; agora passe-me o mapa.
̶ Sam estendeu-lhe o papel e ouviu de Terry as seguintes palavras:
̶ Como quer agora que, com isto apenas, eu consiga aquele baú com o
ouro. Acha que eu não sei onde se encontra?
̶ Então, tudo o que te a fazer é ir e resgatar o tesouro, já tem em mãos o
mapa.
̶ Acha que sou algum idiota? O fato de pedir o mapa foi para que tivesse
em minha presença você e sua querida esposa. Ou acha que iria arriscar-me
sozinho em local cercado de militares?
̶ Pois não; se é assim que prefere. ̶ Enquanto falava com Terry Sam se
posicionou em local estratégico de onde poderia sinalizar para Mia do jeito
que haviam combinado. Ela então desapareceu atrás da duna de areia. Terry
ordenou a um dos homens que a não deixassem escapar; exatamente como
havia planejado o casal, pois seria o sinal para que a tropa iniciasse o
ataque. Ao alcançar o alto da duna e ver o grupo de militares pronto para a
ação, o capanga de Terry ergueu para o alto a arma e sinalizou através de
um tiro a iminência do ataque. Terry e seus homens, já montados em seus
cavalos debandaram imediatamente, deixando ali Sam e o sequestrado.
Passou por eles a patrulha em furiosa perseguição erguendo nuvens
imensas de areia que deixaram nublada a atmosfera do deserto naquele
local. Eles já iam longe, pois a distância mantida fora bem grande, mas
mesmo assim eram perseguidos entusiasticamente pela patrulha. Os tiros
não os alcançariam e eles, em vez de revidarem os tiros preferiam
concentrar-se e correr cada vez mais. Por ordem de Terry, por achar
inviável um combate de grandes proporções naquele momento, Tomaram
rumo diverso de sua fortaleza.
̶ Papai! o senhor está bem? ̶ disse Mia em prantos, abraçando e beijando
o velho, após esse ter sido desamarrado e descido do cavalo por Sam.

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̶ Sim, meu amor. O pior já passou. Vocês não imaginam a fortaleza desse
marginal.
̶ O que está dizendo, Sr. Ferguson? Desbaratamos o seu esconderijo; não
há mais nada lá, apenas uma enorme casa abandonada ̶ disse Sam em tom
de surpresa.
̶ Não, não; estou falando do seu esconderijo aqui no meio do deserto. É
praticamente um castelo cheio de luxo, totalmente desconhecido.
̶ São muitos o homens? ̶ perguntou Sam.
̶ Não consegui fazer uma ideia exata, mas posso garantir que são dezenas
deles. Vi que trouxeram militares.
̶ Sim; conseguimos que nos ajudassem a muito custo; estão perseguindo o
bando nesse momento.
̶ Se os estiverem atraindo para a fortaleza é certo que vai haver uma
guerra. Mas não creio que Terry queira fazer isto. Pelo menos não agora.
Acho que ele não estava preparado para este tipo de combate.
Fica então notório que, sendo o Sr. Ferguson a primeira pessoa a saber o
local do esconderijo de Terry e seu bando, uma chegada até lá seria mais do
que certo acontecer. Então foi inevitável a pergunta de Sam:
̶ Saberia nos conduzir até lá?
̶ Creio que não teria problema; é naquela direção ̶ disse, apontando para
o oeste. Mas não creio que seria doido o suficiente de chegar lá sem uma
total segurança ̶ conclui o sr. Ferguson.
̶ É claro que não, mas o farei.
̶ Gostaria de saber como.
̶ Não sei se isto responde a sua pergunta ̶ disse Sam, apontando para a
patrulha do coronel que retornava da perseguição sem sucesso ̶ disse o
coronel ao desmontar se aproximando.
̶ Agora sim tem uma chance; já podem surpreendê-los ̶ disse James
Ferguson.
̶ O que ele está dizendo ̶ perguntou curioso o coronel?
̶ Falo do esconderijo de Terry e de todo o seu bando aqui bem no meio do
deserto. E se quiserem desmascará-lo esse é bem o momento.
̶ Por que diz isto? ̶ quis saber o coronel.
̶ Porque certamente não irão encontrá-lo se forem agora. A direção que
tomaram ao fugir de vocês é oposta à que leva ao seu esconderijo. É certo
que já tenham atravessado as salinas e estejam seguindo as areias da praia

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neste momento. Sabem que ali jamais os alcançariam dada a velocidade
que podem atingir à cavalo.
̶ Isto mesmo. Avistamos de longe as salinas; por isso desistimos da fuga.
Terry e seus homens, após empreenderem toda velocidade possível a fim
de escaparem do numeroso contingente que os perseguia, não tiveram
alternativa a não ser ganharem as salinas e, dali, as areias da praia. Vendo
que não mais estavam em perigo, diminuíram sensivelmente a marcha. A
decisão repentina de não levá-los ao esconderijo veio junto com o desejo de
desvendarem o quanto antes o enigma do mapa. Seguindo a praia dariam na
parte costeira de Ranch e, dali, mais algumas horas de galope os levariam
ao forte Danfree. Encontrariam no caminho uma pousada e tentariam,
aquela noite, estudar detalhadamente o mapa.
Foi fácil, com a ajuda do Sr.Ferguson localizar o esconderijo. A investida
aconteceu ao cair da noite, o que traria maior sucesso ao ataque surpresa.
Quase não houve resistência e a que houve foi facilmente debelada. Mesmo
assim caíram três homens de Terry, mais ousados e que resistiram à voz de
prisão. Foram invadidas todas as dependências e revistado cada canto a
procura de esconderijos. A tropa montou guarda durante a noite até que um
enviado ao quartel de , trouxesse de lá outro contingente e, na manhã
seguinte, formado o comboio, todos puderam ser transportados
devidamente presos e escoltados.
Terry conseguira, sem grande dificuldade, mas com a ajuda de um ancião,
na pousada onde ficara, entender as instruções do mapa que levaria ao
tesouro enterrado de Rod Brent. Pela manhã bem cedo já se encontravam,
ele e os homens, em número de seis, nas cercanias do forte Danfree.
Deixaram os cavalos em uma estrebaria e alugaram ali uma carruagem.
Mudaram o tipo de vestimenta que usavam, tornando-se mais parecidos
com alguns turistas que visitavam o forte. Portaram-se com a máxima
naturalidade de que eram capazes, armando inclusive uma toalha sobre a
grama e fazendo piquenique como os visitantes usuais do parque.
̶ Que horas são agora? ̶ perguntou Terry ao mesmo tempo em que
mastigava um pedaço de maça.
̶ Estamos a exatamente trinta minutos para que o sol nos mostre o local
exato próximo ao muro onde deveremos cavar.
̶ Que raio de tempo que não passa! ̶ disse impaciente.

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Aproximou-se deles um jovem fardado, o mesmo que comunicara a Sam e
Mia, quando ali estiveram, sobre o telegrama que os aguardava na entrada
do forte.
̶ Cavaleiros ̶ disse o jovem sem descer do cavalo ̶ advertimos que não
é permitido fazer piquenique nesta área do forte, próxima aos monumentos.
̶ Ora! Vá para o inferno! ̶ disse Terry, fazendo crescer sua fúria. O
jovem nada disse, porém. Afastou-se com seu cavalo até que desapareceu
de vista de todos.
̶ Podemos ter problemas ̶ disse um dos homens de Terry. Não sabemos
quantos militares estão presentes lá na entrada do forte.
̶ Então o que estamos esperando? Comecemos logo a escavação ̶ disse
Terry. ̶ Vá buscar as ferramentas ̶ ordenou a outro dos homens.
Faltavam pouco mais de dez minutos para o horário indicado no mapa e já
viam a sombra por cima do muro de pedra arrastando-se aos poucos em
direção ao solo. Impacientes e ansiosos esperaram a chegada das pás. Ao
verem de longe se aproximando o que fora buscá-las, correram em sua
direção e tomaram de suas mãos duas das três pás que trazia e, no momento
exato em que o relógio de Terry marcava quatorze horas e quinze minutos,
iniciaram o trabalho de escavação. Não se via, talvez pelo tempo
transcorrido, qualquer sinal de que ali haviam removido a terra para se
enterrar alguma coisa. Já haviam cavado meio metro de buraco e nenhum
sinal surgira até aquele momento. Algo então apareceu; primeiro uma
argola, seguida de algo que, pela cor escura e consistência, mostrou ser
mesmo algum objeto enterrado pelo homem. Finalmente, aos poucos, com
a remoção, agora cuidadosa da terra que o envolvia, surgiu diante dos
olhares apatetados daqueles homens um baú com uma possante argola de
ferro na parte de cima e duas semelhantes nas laterais. Mais do que
apressadamente, de maneira sôfrega e desordenada, desceram sobre ele
quatro mãos ávidas e curiosas pelo que encontrariam em seu interior.
Subiram-no par a superfície. O olhar de Terry era indescritível tamanha a
sua satisfação; o sorriso de vitória abriu-se entre as duas orelhas e ele
exclamou, passando pela testa encharcada de suor as costas de uma das
mãos:
̶ Então aí está você benzinho! Venha para o papai!
̶ Impossível abrir essa fechadura, está emperrada ̶ disse um dos homens
ao forçar para tentar abrir.

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̶ Isto não é problema; afaste-se ̶ ordenou Terry e, com sua arma, desferiu
um tiro certeiro, o que fez abrir o baú jogando para trás a tampa com a
violência do choque.
Ali estava, à frente dos quatro homens, o que faz girar o mundo,
despertando a cobiça de uns e a avareza de outros. Ouro, muito ouro, em
barras maciças, muito bem arrumadas em diversas fileiras que tomavam
quase uma metade do recipiente. A outra metade continha notas de dólar
novas e em perfeito estado de conservação, envolvidas em plástico
transparente. Impossível avaliar apenas com os olhos o valor de tudo
aquilo, como difícil, muito difícil, seria estimar o que teria feito Rod
conseguir toda aquela riqueza. Poderia ser produto de um roubo ainda não
solucionado. O certo é que barras de ouro não vêm do fundo da terra e,
mesmo que ela tenha conseguido aquele montante com as extrações, onde
conseguiria trocar pelas barras as pepitas encontradas? Tudo permanecia
até ali em profundo mistério.
Tão extasiados estavam todos que não perceberam que, atrás deles, havia
alguém que lhes deu voz de prisão.
̶ Auto lá! Estão todos presos em nome do exército americano. ̶ Montado
à cavalo e apontando para o grupo um fuzil militar, estava o soldado que
saíra dali ofendido por Terry minutos atrás. Seu corajoso ato não resultou
em sucesso, porém. Terry, que tinha ainda em mãos a arma com a qual fez
abrir-se o baú, não pensou duas vezes ao olhar e ver que apenas um soldado
o ameaçava. Com a velocidade de um raio, apontou sua arma e acertou a
mão do jovem que segurava o fuzil, lançando-o a metros de distância. O
jovem, apavorado e estático não soube o que fazer depois daquela reação
que, por certo, não esperava.
̶ Agora vou mandá-lo para o inferno, seu imbecil ̶ e apontou mais uma
vez, desta feita para eliminar o oportuno.
̶ Não faria isso se fosse você, Terry.
Quem disse essas palavras não foi outro senão Sam, saindo de trás do
muro na outra extremidade. Depois de deixar em casa o Sr. Ferguson e a
filha e se certificar de que ficariam bem e seguros ele fez o mesmo que
fizera Terry e sua quadrilha: partiu à noite, dormindo em uma pousada,
para seguir na manhã seguinte em Direção ao Forte Danfree. Calculou
acertadamente que, tendo em mãos agora o mapa, Terry e seu bando não
tardariam a se dirigir para lá e Sam fez de tudo para adiantar-se e chegar
antes deles, mas não teve sucesso. O que facilitou a Terry chegar na frente

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foi a fuga dos militares que o deixou quase a meio caminho do Forte se
comparado com Sam que saíra de Blue River. Mas acabou chegando a
tempo de tentar impedir que eles levassem o ouro.
A esta chegada repentina de Sam, apontando também sua arma, os homens
de Terry levaram suas mãos à cintura a fim de reagir com fogo à ameaça.
Mas Sam, já de arma em punho e com excelente pontaria, mesmo da
distância onde se encontrava, conseguiu levar ao chão dois deles
imediatamente. O terceiro correu para um lado e Terry para o outro. O
soldado, no meio da fuzilaria que se iniciou, procurou rapidamente se
proteger. Só que, na vez de correr dali para local mais seguro, já que estava
à cavalo, preferiu descer do animal a fim de recuperar sua arma caída, na
intenção, talvez, de participar do confronto. Mas foi infeliz; ao correr para a
arma e, antes mesmo de chegar até ela, foi alvejado pelo comparsa de Terry
que revidava por detrás de uma árvore e caiu ali mesmo. Sam, levando
vantagem por estar montado, mesmo assim não quis se aproximar por ser
apenas um contra dois. Sendo assim, deu marcha ré e desapareceu atrás do
muro.
̶ Acho que foi embora ̶ gritou Terry de trás de uma pedra, onde se
protegia, a metros do outro ̶ vá lá e pegue o baú; eu fico na cobertura.
O bandido correu até a arca e começou a arrastá-la. Fazendo isto os dois
expunham-se novamente ao perigo de serem alvejados quando Sam
surgisse novamente. E ele logo o fez. Na verdade, sua estratégia era mesmo
essa. Pegou os dois em campo aberto como um alvo bem mais fácil a sua
pontaria.
̶ Não vão conseguir levar isto para lugar nenhum. Estão sob a minha mira.
̶ Então venha nos impedir ̶ disse o outro bandido atirando na direção de
Sam. Na verdade Sam não podia se aproximar para não ser atingido;
protegia-se deitando-se sobre o lombo do animal cada vez que um ou outro
atirava. Até que, numa mira acurada, Sam acerta em cheio o comparsa de
Terry tirando-o de combate. Terry ao ver que poderia ficar em
desvantagem, corre para um dos lados atirando sem muita pontaria. Sam
aproveita para avançar e, numa mira ainda mais certeira, consegue acertar o
bandido. Porém, em uma das pernas. Ele cai, soltando um grito e se
esvaindo em sangue, mas não solta a arma. Atira agora desesperadamente
até ficar sem munição. Sam então se aproxima e desce do seu cavalo.
Sempre com a arma em punho, rende o bandido, tomando-lhe o revólver
descarregado.

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̶ Considere findo o reinado de Terry Moore. Uma cadeia e um julgamento
é o que o esperam a partir de agora.
̶ Não esqueça que ainda tenho meus homens de confiança; e são muitos ̶
disse tentando sufocar a enorme dor que sentia.
̶ Aí é que você se engana! Seu esconderijo no deserto já foi totalmente
desbaratado. Não há mais ninguém do seu lado, apenas a lei contra você.
Irá pagar por cada um dos crimes que cometeu.
̶ Também não terá direito a ouro algum, se é isso o que deseja. Isto
pertence ao governo americano, olhe. Desde o começo eu soube que era
produto de roubo.
Sam vira-se para examinar o conteúdo do baú. Coloca a arma em sua
cintura pensando que já tem sob total domínio o criminoso. E isto foi seu
grande erro, quase fazendo-o pagar com a vida. Terry aproveita esse breve
descuido para sacar do bolso uma corda e, de um salto, envolver o pescoço
de Sam. Este se debate, sentindo-se, aos poucos, sufocar a quase perder os
sentidos. Num esforço frenético consegue, com uma das mãos, socá-lo no
rosto, o que o faz soltar a corda. Ao cair para trás, porém e vendo Sam
tentando recuperar-se de seu mal-estar, arrasta-se até o fuzil, mas morre
fuzilado por duas balas da arma do rapaz antes que consiga o seu intento.
Exterminou-se assim a temida e grandiosa quadrilha de Terry Moore. Com
toda a carga de ouro roubada devidamente entregue aos cofres americanos
a paz voltou a reinar para Sam e Mia Ferguson, agora sua adorada esposa.

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