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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA


DISCIPLINA DE METODOLOGIA DA PESQUISA

A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA IDENTIDADE DE


GÊNERO EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Giuliano Souza Andreoli

Porto Alegre, 2003.


SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO
APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA......................................................................................................PÁG.
DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA..........................................................................................................PÁG. 3

REFERENCIAL TEÓRICO:

PARTE 1: A TEORIA DE MICHEL FOUCAULT


CAPÍTULO 1: A ANÁLISE DO DISCURSO......................................................................................PÁG.
CAPÍTULO 2: A GENEALOGIA E O PODER...................................................................................PÁG.
CAPÍTULO 3: O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE......................................................................PÁG.

PARTE 2: A PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS


CAPÍTULO 1: DEFININDO GÊNERO E SEXO..................................................................................PÁG.
CAPÍTULO 2: SEXO, GÊNERO E PODER..........................................................................................PÁG.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................................................PÁG.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................PÁG.
INTRODUÇÃO:

A APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA:

Neste trabalho, pretendo abordar um tema que julgo de grande importância dentro do
contexto da Educação Física Escolar. Trata-se da questão da construção da diferença entre
as identidades de meninos e meninas. Uma questão com a qual acredito, todo o professor
invariavelmente se depara, ao longo da sua prática pedagógica.
Quando eu ministrava aulas no meu estágio curricular obrigatório, na escola estadual
Paulo da Gama, em Porto Alegre, deparei-me com ela. Eu, certo dia, ensinava aos alunos
algumas posições de alongamento, quando um dos meninos negou-se a executar a
atividade. Ele alegou: “Isto parece dança!”... Com isto, creio, ele quis dizer que a posição
lembrava-lhe uma posição de dança, e dentro da sua concepção, aquilo não lhe era próprio,
pois dançar era uma atividade de natureza essencialmente feminina.
Esta situação não demonstrara em si nada de incomum, mas levou-me a reflexões bem
importantes. Aquele aluno estava reproduzindo um estereótipo cultural bem difundido, que
determina que as atividades de flexibilidade são próprias para a natureza das meninas
enquanto as de força o são para a estrutura biológica dos meninos. Isto exemplifica como as
questões referentes aos gêneros possuem alguma relevância no contexto pedagógico. Esta
relevância, no caso deste exemplo, pode ser vista no que diz respeito aos objetivos da aula e
à natureza dos conteúdos propostos. Se determinadas atividades físicas são consideradas
impróprias por um menino, isto representará para professores que planejem suas aulas
apenas visando o desenvolvimento de valências físicas – resistência, flexibilidade e força –
sem se preocupar com as questões de gênero, um grande problema.
Procurei com este exemplo, apenas introduzir a temática desta pesquisa.
Historicamente, sempre foram definidas dentro de cada sociedade determinadas formas
de agir, de ser, de se expressar, de andar, de sentar, de falar, de se comportar e de praticar
esportes consideradas particularmente mais ou menos adequadas aos homens e às mulheres.
Estes padrões de comportamento, representados pelos costumes e pela moral, demonstram
que é na cultura que encontramos um importante aspecto, senão o mais importante, para a
construção dos sujeitos definidos como sendo masculinos ou femininos.
O esporte, os jogos e as atividades físicas em geral são elementos muito importantes na
configuração primária da expressão das crianças. São portanto formas a partir das quais a
criança aprende, na interação com seus pares, quais comportamentos são culturalmente
considerados mais adequados a cada gênero. Logo, a Educação Física, enquanto disciplina
que trata destas práticas, possui um importante papel na construção destas identidades.
De fato, em uma aula de Educação Física, mais do que na maioria das outras disciplinas,
frequentemente nos deparamos com os estereótipos sociais sobre o que é considerado mais
corporalmente apropriado a meninos e meninas. Invariavelmente, ao praticarem atividades
físicas, as crianças estarão reproduzindo suas concepções e estereótipos de gênero, estarão
expressando significados sociais sobre o que é ser masculino e o que é ser feminino.
A influência destes estereótipos culturais será marcante para o grau de motivação que
estes alunos apresentarão para a execução de determinadas tarefas motoras. E será marcante
também para a criação de espaços de disputa entre meninos e meninas. Isto ocorre porque
as questões de gênero estão relacionadas aos processos de afirmação de identidades e de
valores, provenientes da cultura em que os alunos se encontram inseridos.
Com relação aos processo de disputa, é interessante falar sobre os freqüentes processos
de exclusão, sofridos em especial por parte das meninas, em aulas do tipo mistas. Em geral,
as meninas sentiam-se intimidadas a praticar jogos coletivos com os meninos, alegando que
eles eram “muito violentos” com elas. E ao mesmo tempo, os meninos tentavam o tempo
todo excluí-las de seus times, alegando que elas “não sabiam jogar”, e que os enfraqueciam.
Estas também não são situações nada incomuns, mas que não podem ser ignoradas.
Observei também a predominância do público feminino dentro do grupo de alunos que
se negavam a participar das aulas mistas. Estas alegavam, desde o primeiro dia de aula, que
“odiavam Educação Física”. Com isto referiam-se ao fato de que eram avessas a qualquer
tipo de atividade que implicasse em algum tipo de movimento corporal, ou que pelo menos
eram avessas às atividades físicas com as quais haviam tido experiência até então – dentro
do modelo de aulas mistas.
Diversos estudos voltados para a área Educação Física escolar atestam a predominância
do público masculino dentro deste universo. Em escolas norte-americanas, Thorne (1993)
constatou que os meninos ocupavam dez vezes mais espaço físico que as meninas durante
os recreios, e que estes espaços eram as quadras destinadas a esportes. Na Inglaterra,
Grugeon (1995) observou que o domínio masculino do espaço físico estava em relação
direta com a prática do futebol. E em Belo Horizonte, Altmann (1998) observou que os
meninos também ocupavam os espaços mais amplos, e que o esporte estava associado a um
estereótipo de virilidade, com imagens de uma masculinidade forte, violenta e vitoriosa.
Mas, como observa Altmann (1999, pág. 56),“as meninas não são as únicas excluídas, pois
os meninos mais novos e considerados mais fracos ou maus jogadores freqüentam bancos de
reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo
do que algumas meninas”. Existe, portanto, também um processo de exclusão para aqueles
meninos que não se enquadram dentro do estereótipo de “masculino” predominante.
A partir daí surge uma questão mais ampla, que é a do preconceito e da discriminação,
da impossibilidade de se aceitar o “diferente” dentro do grupo, aquele que foge à regra, que
não é “normal”. E desta forma, as atividades que deveriam proporcionar a socialização
entre os alunos, jamais concretizam o seu objetivo. E pelo contrário, na maioria dos casos o
efeito é o oposto do esperado: as aulas favorecem a anti-socialização.
Neste sentido, pesquisar sobre identidades de gênero dentro da aula de Educação Física
é um importante fator para repensar muitas práticas e também para estabelecer novos
objetivos e horizontes menos estreitos, se o objetivo for uma educação democrática, voltada
para a pluralidade e para a construção de processos de inclusão e socialização.
De uma maneira ou de outra, em uma aula de Educação Física, as questões referentes às
identidades de gênero sempre estarão presentes. São um componente intrínseco ao próprio
ato educativo, do qual nenhum professor pode julgar possuir distância ou neutralidade, e de
cujo jogo de significações ele não pode tentar escapar. Como educador, o professor de
Educação Física possui o dever e a obrigação de refletir sobre este aspecto importante da
sua própria aula, e não pode se isentar da devida problematização a que ele leva.
O professor também não pode ignorar o seu papel na reprodução ou na contestação de
certos estereótipos culturais dominantes. Estereótipos estes que devem ser vistos, enquanto
signos, símbolos, como significados imersos em uma rede de outros significados maiores,
que vão para muito além do ambiente da escola. E é inspirada neste tipo de questão, sobre
até onde vai a influência e o papel do professor, que eu construí a minha problemática.
Diversos estudos ( Romero, 1990; Abreu, 1995; Daolio, 1995; Altmann, 1998) mostram
como certas ações pedagógicas de professores de Educação Física podem ser permeadas de
relações hierárquicas de gênero, perpetuando assim os estereótipos culturais tradicionais de
dominação masculina. O currículo escolar também é importante. Segundo Souza (1994), a
ação de separar as turmas por sexo na Educação Física, ao invés de optar pelo trabalho com
turmas mistas, reproduz desigualdades de gênero, a partir do momento em que estabelece
conteúdos diferenciados para meninos e meninas.
A DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA:

Apesar de toda a relatividade e ambivalência dos significados do ato pedagógico, o ser


humano busca constantemente estratégias e táticas para fixar-lhe certos sentidos, através
das concepções que ele considera como verdade. A pesquisa educacional desenvolveu, nas
últimas décadas, um grande número de teorias em busca da verdade pedagógica. Por esta
busca ainda não haver terminado, quase se tornou um lugar-comum falar hoje em dia na
existência de uma “crise” educacional. E esta verdade, por sua vez, sempre esteve e estará
ligada a uma concepção de um sujeito pedagógico.
Por sujeito, se entende um determinado tipo de indivíduo com determinadas atitudes que
são consideradas mais desejáveis, ou que são consideradas “normais”, dentro do parâmetro
de “normalidade” que é definido a partir de um certo saber, de uma determinada concepção
de verdade. A Pedagogia, através da sua história, definiu e construiu uma diversidade de
sujeitos, de acordo com a diversidade de “verdades” que ela assumia, para cada ocasião.
Assim, tivemos, historicamente, o sujeito religioso, o sujeito liberal, o sujeito fascista, o
sujeito socialista, o sujeito nacionalista, o sujeito libertário, o sujeito comportamentalista, o
sujeito apriorista, o sujeito progressista, o sujeito crítico, o sujeito construtivista, e etc.
Para a perspectiva deste trabalho, o sujeito “não existe nunca fora do discurso pedagógico”
(Díaz, M. 1998). Partindo da teoria da constituição das subjetividades tal como foi pensada
pelo filósofo social francês Michel Foucault, o sujeito pedagógico é considerado aqui como
algo que é construído discursivamente, a partir do campo de saberes a partir do qual o ato
pedagógico é fundamentado.
Por discurso, geralmente se entendem as palavras, o discurso oral, que é “pregado” por
cada pessoa. Desta forma, no que poderíamos considerar um nível mais superficial de
análise, está a relação entre o discurso, isto é, aquilo que é falado, e aquilo que é executado
através dos recursos pedagógicos diversos envolvidos em cada situação. Neste âmbito da
análise do discurso, teríamos uma comparação entre teoria e prática, através da observação
da aplicação dos saberes que os professores proclamam em sua oralidade.
Mas em um nível um pouco mais profundo, aparece também a possibilidade de observar
as aulas através de uma análise de como os discursos e os campos discursivos - nos quais, a
partir dos quais e através dos quais as atuais práticas pedagógicas têm se manifestado - são
também práticas pedagógicas. Em outras palavras, como esses discursos, produzidos pelos
docentes, interferem na relação entre eles e os alunos, e como esses discursos constroem os
referenciais pedagógicos e o próprio sujeito pedagógico destes educadores.
Neste âmbito, teríamos uma análise que iria muito além de simplesmente se analisar de
forma separada a prática e o discurso, como se ambos fossem dois objetos distintos que por
acaso se influenciassem, e que conceberia o discurso como envolvendo-se em uma dupla
relação entre os dois lados que estão envolvidos em sua produção: os docentes e os alunos a
quem são endereçados. Este trabalho tem por objetivo, portanto, a observação e a análise
dos discursos dos professores de Educação Física, no que diz respeito à sua capacidade para
produzir subjetividades, dentro da questão das identidades de gênero na escola.
Em outras palavras, trata-se de analisar a própria ação pedagógica dos docentes, através
da busca pelos significados que em seus discursos estão ocultos, e que possam vir a causar
um efeito sobre a construção da identidade de gênero dos alunos. Neste sentido, a pesquisa
não visa compreender o universo dos saberes pedagógicos, ou como o sujeito pedagógico
será definido pelo campo teórico utilizado na aula observada. Esta não é uma pesquisa
sobre saberes docentes. Ela é uma pesquisa centrada na ação pedagógica do professor.
A idéia deste trabalho é compreender o gênero como um dos constituintes da identidade
do sujeito. Nesta perspectiva, a partir da análise deste constituinte específico, buscarei
compreender como este sujeito específico (o sujeito de gênero) é construído.
Compreendendo que o sujeito pedagógico possa ser “construído” pelo ser falante que
reproduz o discurso pedagógico, isto é, que a subjetividade humana pode ser “construída
discursivamente”, a pesquisa tem por objetivo a análise deste discurso.
Para isto, farei meu percurso pela teoria de Michel Foucault. Este autor analisa como os
discursos e o saber podem manifestar formas específicas do que ele chama “poder-saber”,
estabelecendo parâmetros e mecanismos discursivos para a ação de determinados interesses
políticos. Tal autor também apresenta uma noção de discurso vai além da mera oralidade,
adentrando os territórios do não-verbal e do corporal, o que parece interessante para todo o
terreno da Educação Física.
REFERENCIAL TEÓRICO:

PARTE 1:

Capítulo 1:

A teoria de Michel Foucault:

Segundo Eizirik (2002), a trajetória de Foucault costuma ser dividida em três períodos –
arqueológico, genealógico e ético – embora o próprio Foucault tenha afirmado, no final de
sua vida, que ele sempre procurou realizar uma trajetória genealógica, esta sim dividida em
três eixos. O primeiro deles seria o eixo da verdade, ou arqueológico, o segundo, o eixo do
poder, ou genealógico, e o terceiro seria a ontologia histórica da ética.
Em “As Palavras e as Coisas”(1966), o termo arqueologia aparece como um método que
se empenha em revelar como as diversas disciplinas e saberes científicos desenvolveram
suas normas de objetividade e de validade através dos tempos. Ele busca observar como se
distribuem e se regulam os enunciados de “verdade”, manifestados através dos discursos
científicos (saber dominante), analisando os sistemas de procedimentos que os produziram.
Em suma, a arqueologia busca investigar quais foram as condições que possibilitaram o
surgimento e as diversas transformações do saber moderno, que o organizaram, e que o
tornaram tal como ele é.
Para isto, ele afirma que a disposição geral que ordena os saberes em uma determinada
época, isto é, o conjunto de regras que governa a produção de cada forma histórica de
conhecimento, possui como manifestação mais perceptível um “regime de discurso”.
Foucault define o discurso como “uma verdade que permite sustentar sobre a natureza ou a
história do conhecimento uma linguagem que seja verdadeira” (Foucault, 1966, pág.336). Com
isto, ele refere-se a formas de pensamento específicas que se manifestam através das
palavras, fazendo com que as coisas sejam percebidas, descritas e enunciadas de uma
determinada forma.
O discurso é, assim, aquilo que determina os saberes dominantes em cada época. Serão
os regimes de discurso que determinarão que enunciados ou campos do saber serão
considerados verdadeiros ou falsos, e quais serão ou não permitidos. Serão os discursos, em
suma, que construirão a “verdade” sobre as coisas.
Investigar arqueologicamente um saber ou um discurso é, portanto, descrevê-los em suas
configurações próprias. Será questioná-los ao nível daquilo que os tornou possíveis.
Foucault faz surgir nesta fase um novo solo onde a história das ciências passa a figurar
apenas como um efeito de superfície. O que realmente importava para ele era o que estava
por baixo da superfície: o regime dos discursos. Por trás de cada palavra, sempre haveria
um discurso. Todo o saber era uma produção discursiva. Toda sua história exterior era a
manifestação deste regime de discursos, que atuavam por meio de mecanismos no interior
deste sistema. A suposta objetividade e a verdade científicas seriam meros locais de luta
entre sistemas competitivos de discurso.
Em “A Arqueologia do Saber” (1970), ele toma como tarefa a questão dos métodos, dos
limites e dos temas da análise arqueológica, e define os principais problemas teóricos deste
tipo de análise. Para tanto, ele trabalha uma série de noções. Ele avança, por exemplo, para
as condições técnicas e institucionais daquilo que chama de “discurso-prática”:
“Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se
apóiem na mesma formação discursiva... ele é constituído de um número limitado de
enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência.”
(Foucault,1970, pág.135)
O discurso é portanto definido como um saber histórico, como um fragmento da história,
ou como unidade e descontinuidade da própria história. O discurso não é um fenômeno
isolado, atemporal, desvinculado de outros fenômenos. Antes, ele provém de uma gama de
relações que existem dentro do mesmo meio que o produz.
Da mesma maneira, a “prática” discursiva é definida como
“...um conjunto de regras anônimas , sempre determinadas no tempo e no espaço, que
definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou linguìstica, as condições do exercício da função enunciativa.”
(Foucault,1970, pág.136).
Foucault se opõe à análise do discurso tradicional, onde se buscava na diversidade das
coisas ditas uma totalidade da qual cada elemento não passaria de uma expressão isolada.
Em outras palavras, se buscava nos diferentes textos como eles remetiam-se uns aos outros,
entravam em convergência com as instituições, as práticas, as técnicas e os objetos que ao
seu redor se organizavam. Buscava-se uma espécie de “sentido implícito”, comum a todos
os discursos. Em oposição a isto, Foucault propõe a análise dos enunciados e a análise das
formações discursivas, cuja direção é totalmente oposta.
Ela também leva em conta tudo aquilo que o discurso esconde por trás de si, por trás de
suas operações visíveis. Neste sentido, ambas as formas de análise se assemelham. Mas é
na concepção de enunciado e de discurso que elas se diferenciam. Pois Foucault parte de
um princípio que ele chama de lei de rarefação do discurso, onde diz que nem tudo é
revelado através dos discursos, das práticas, das instituições ou das técnicas, e que os
enunciados não possuem uma transparência infinita.
A análise dos enunciados de Foucault é diferente no sentido de não procurar pelo que os
homens “queriam dizer” e não disseram, mas sim pelas formas como eles se apropriaram
das coisas que disseram. Ela não tenta reencontrar o que, no discurso, havia sido reduzido
ao silêncio, ou os obstáculos que recalcaram determinada forma de enunciação, mas de
definir o sistema de “valor” dos enunciados. E este valor não é definido pela presença de
um texto oculto, de um conteúdo secreto, ou uma suposta verdade embaixo da superfície. O
valor do enunciado é buscado na sua capacidade de circulação e de troca, de sua capacidade
de transformação dentro da economia e da administração geral dos discursos.
Em outras palavras, Foucault se opõe a uma busca pela pluralidade dos sentidos de uma
época, e propõe uma busca pelos seus vazios, suas lacunas, ausências, limites e recortes. A
formação discursiva é encarada como um princípio de vacuidade na linguagem. Ela não é
atravessada pela unidade mas pela dispersão. Ela é formada por elementos que não estão
ligados por nenhum princípio de unidade. E sua análise deve descrever esta dispersão.
Outro diferença entre a análise enunciativa e a análise discursiva tradicional é que ela
substitui o tema do fundamento transcendental pela descrição das relações de exterioridade
dos enunciados. Este aspecto do método foucaultiano supõe que os enunciados não sejam
descritos como reflexos de fatos que ocorrem em algum outro lugar, como por exemplo no
pensamento, na consciência ou no inconsciente dos homens. Eles são vistos não mais como
resultado ou vestígio de uma subjetividade, mas como locais de acontecimentos autônomos,
cuja configuração é que define o lugar dos sujeitos falantes.
“Não importa ‘quem fala’, mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar. É
considerado, necessariamente, no jogo de uma exterioridade.”
(Foucault, 1970, pág.142).
Com isto, Foucault quer dizer que o sujeito não é a causa ou a origem de um enunciado,
nem a fonte ordenadora do que os enunciados pretendem manifestar no discurso. Em outras
palavras, o sujeito, para Foucault, não é nenhum falante autônomo. Ele está entrelaçado e é
atravessado por uma configuração de signos que vão além dele. A partir das condições que
tornaram possível tal configuração é que Foucault interroga, fundamentando seu método a
partir do campo onde “se manifestam, se cruza, se emaranham e especificam as questões do ser
humano, da consciência, da origem e do sujeito.” (Foucault, 1970, pág.19).
Em outras palavras, o sujeito falante não é livre. Pois para saber ele se ajusta ao exterior,
a uma verdade aprendida através da linguagem. E por linguagem, Foucault compreende um
conjunto de sistemas de significação, de ordens simbólicas, que podem se manifestar por
meio da oralidade, mas também de inúmeras outras maneiras, como a escrita ou os saberes
disciplinares, como um conjunto de leis ou como valores culturais.
A terceira característica da análise enunciativa é que ela se dirige a formas específicas de
acúmulo dos enunciados, deixando de buscar como na análise tradicional acontecimentos
anteriores à sua formulação. Considera-se que os enunciados, investidos das técnicas e das
práticas que os constituem, modificam as relações sociais ao seu redor.
“Isto quer dizer que as coisas não possuem mais o mesmo modo de
existência, o mesmo sistema de relações com o que as cerca, os mesmos
esquemas de uso, as mesmas possibilidades de transformação depois de terem
sido ditas.” (Foucault, A Arqueologia do Saber, pág.143).
Para se compreender realmente o domínio dos enunciados, não deve-se ver os discursos
como a tradução de pensamentos constituídos em algum outro lugar. As distintas formações
discursivas são, ao contrário, sistemas que instauram os enunciados como acontecimentos,
com suas próprias condições e seus próprios domínios de aparecimento. A estes sistemas
que regem o aparecimento dos enunciados Foucault dá o nome de “arquivo”. Para Foucault,
o “arquivo” é o que faz com que as coisas ditas apareçam na história graças a um jogo de
relações que caracterizam particularmente o nível discursivo.
Para Foucault, não é possível descrever o arquivo de nossa própria época em toda a sua
totalidade, já que é a partir de suas regras que construímos nossos discursos. Sua descrição
só se torna possível a partir de discursos que justamente já se distanciaram do nosso tempo.
Seu limiar é instaurado pela orla que nos separa daquilo que fica fora da nossa prática
discursiva, no exterior da nossa própria linguagem. Não por acaso o termo “arqueologia” é
utilizado como a descrição do discurso. Pois o arquivo de nossa época aparece apenas em
regiões, em níveis, fragmentado, confuso e nunca completo.
Foucault também parte do pressuposto que o discurso dos homens já se encontra, desde
o início, minado a partir do interior pelas contradições de seus próprios desejos. Ele não
busca, portanto, a regularidade que lhe dá coerência, mas sim o irregular, o contraditório.
“A contradição é a ilusão de uma unidade que se oculta ou que é ocultada: só tem
seu lugar na defasagem existente entre a consciência e o inconsciente, o pensamento e
o texto, a idealidade e o corpo contingente da expressão.” (Foucault,1970,pág. 173).
A contradição, portanto, não é uma aparência a ser transposta, nem aquilo de que é
preciso libertar o discurso, mas sim a própria lei que fundamenta a sua existência. Somente
por um desejo de ocultá-la é que se organizam os sistemas de enunciados e os arquivos. A
análise do discurso, para Foucault, deve sempre buscar suas contradições, com o intuito de
determinar-lhes a medida e a forma, ao invés de tentar buscar a sua “verdade”.
Em “A Ordem do Discurso”, Foucault cita como exemplo as regiões da política e da
sexualidade, esta última um local privilegiado, onde a regulação dos discursos revela uma
ligação destes com o desejo e com o poder, “visto que o discurso, como a psicanálise nos
mostrou, não é simplesmente aquilo que manifesta ou oculta o desejo, é também objeto do desejo. E
visto que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação,
mas aquilo por que, pelo que se luta.” (Foucault, 1971,. pág.10).
Outro exemplo de mecanismo de regulação é a noção de razão e loucura. Para Foucault,
o louco é aquele cujo discurso sempre foi separado e não-aceito. Na contemporaneidade
isto também ocorre, por meios bem mais institucionais do que no passado, e relacionados
aos aparatos do saber, mas igualmente censuradores. O silêncio da razão sobre o discurso
do louco é também uma forma de separá-lo, assim como no passado o era a tortura.
“O discurso verdadeiro, que a necessidade de sua forma liberta do desejo e libera do
poder, não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa; e a vontade de
verdade, essa que se impõe a nós a bastante tempo, é tal que a verdade que ela quer não
pode deixar de mascará-la.” (Foucault, 1971, pág.20).
A “vontade de verdade” apóia-se em um suporte e uma distribuição institucional, e tende
a exercer uma influência sobre os outros discursos. Ela é ao mesmo tempo reforçada e
reconduzida por um compacto conjunto de práticas, como por exemplo a Pedagogia.
Mas a “vontade de verdade” é também reconduzida para a sociedade pelo modo como é
valorizada, distribuída, repartida e atribuída. Torna-se por causa disto comum, por exemplo
em ciência, buscar o apoio no discurso reconhecido como verdadeiro: tentar fundamentar
uma teoria ou prática ou justificar-se a partir de teorias pré-existentes, preceitos morais, etc.
Existem também outros procedimentos de controle do discurso, com o da organização
das disciplinas, entendido como um conjunto de métodos, como um domínio de objetos,
como um corpo de proposições consideradas como verdadeiras. Para dizer algo que possa
ser considerado como verdadeiro é preciso obedecer às regras da “política” do discurso da
disciplina vigente. A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso.
Podemos encontrar exemplos destes mecanismos internos de controle operando sutil e
permanentemente nos discursos da nossa sociedade. Por exemplo, na Escola, as disciplinas
são determinações e delimitações dadas aos saberes que constroem critérios como os de
verdade/falsidade e normalidade/anormalidade, aos quais se submetem os enunciados. O
discurso científico é o que fixa as principais normas que ao mesmo tempo são apropriadas
pelo corpo social e dele se apropriam, apontando e separando aquilo que é verdadeiro do
que não é. O sistema educativo é, portanto, uma maneira política de manter ou modificar a
apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.
Diante desta problemática, ele sugere três tarefas. Primeiramente, deixar de reconhecer a
fonte dos discursos, o princípio de sua expansão e continuidade, nas figuras que a tradição
filosófica apresenta: o autor, a disciplina, a vontade de verdade. Deve-se reconhecê-los não
como instância criadora, mas como jogo negativo de rarefação do discurso. Em segundo,
vem a necessidade de tratar os discursos de forma descontínua. A terceira é reconhecer a
especificidade do discurso, não esperando que ele já se encontre inscrito no mundo. A
quarta tarefa é situar a sua exterioridade, evitando buscar uma significação escondida ou
um pensamento se manifestando nele a partir do seu interior.
Para Foucault, em última análise, o discurso é o espaço onde poder e saber se articulam.
Pois aquele que fala, sempre fala de algum lugar, a partir de um direito institucionalmente
reconhecido. Seu método busca determinar o princípio ou as regras do aparecimento dos
enunciados que compõem o discurso, procurando sempre pelos motivos por haver surgido
este enunciado no lugar daquele.
A disposição disciplinar, um dos mecanismos de delimitação interna do discurso, é o fio
condutor para se compreender como Foucault relaciona o saber e o poder. Para Foucault, o
saber, o discurso e o poder estão interligados. Compreender isto significa entrar no segundo
domínio da sua teoria, o domínio genealógico.
Capítulo 2:

A Genealogia e o Poder:

No sentido metodológico, a genealogia é a “análise histórica das condições políticas de


possibilidade dos discursos” (Machado, pág.188). Mas enquanto a arqueologia era uma
metodologia de análise da discursividade local, a genealogia é a tática que procura ativar os
saberes históricos libertos do discurso teórico, formal e coercitivo que os liga ao poder.
O termo “genealogia” aparece pela primeira vez em “Vigiar e Punir” (1979). Nesta obra,
Foucault formula uma tese sobre a “micropolítica do poder”, analisando a aplicação das
técnicas disciplinares em instituições penais, e estudando seus mecanismos punitivos.
Tomando a punição como uma função social complexa, com especificidade no campo geral
dos outros processos de poder, Foucault analisa a história do direito penal como uma
história em paralelo, e com a mesma matriz comum, que a das ciências sociais.
Foucault se recusa a explicar, por exemplo, o desaparecimento dos suplícios medievais
no séc. XVIII unicamente por questões jurídicas ou éticas. Para ele tal reforma não ocorreu
devido a uma nova sensibilidade, ou um respeito novo pelo corpo dos condenados, mas sim
pela constituição de uma nova economia, de uma nova tecnologia e de uma nova estratégia
para o exercício do poder. Significa uma outra política para a multiplicidade dos corpos que
compõem a população, uma tática nova para um alvo que a partir de então se torna mais
tênue e mais largamente difuso, em suma, um aperfeiçoamento do ato de punir.
O que Foucault observa que ocorre neste mesmo período é uma transformação no modo
como o corpo é investido nas relações de poder. A punição, a partir do século XVIII, não
utiliza mais o corpo como sujeito do sofrimento, mas como o objeto de uma representação.
E a arte de punir deve repousar, a partir de então, como uma tecnologia da representação: é
preciso diminuir o desejo pelo crime através do temor pela desvantagem das penas.
Para Foucault, o elemento onde o poder se articulava, o dispositivo sobre o qual atuava,
modificou-se na passagem do século XVII para o XVIII. Desde então, este elemento já
recebeu diversos nomes: psique, subjetividade, consciência, sujeito, etc. Sobre ele diversos
discursos foram sendo edificados. A este respeito, Foucault fala:
“A alma, ilusão dos teólogos, não foi substituída por um homem real... O homem
de que nos falam e que nos convidam a libertar já é em si mesmo o efeito de uma
sujeição bem mais profunda do que ele. Uma “alma” habita e o leva à existência, que é
ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder...” (Foucault,1979, pág. 31,32)
Para Foucault, a tecnologia da “alma” ainda hoje seria um dos principais instrumentos
da anatomia política do poder penal. Não mais definida pelos teólogos, hoje ela o seria por
educadores, psicólogos, psiquiatras e filósofos. Em suma, por todo um saber, por técnicas e
por discursos “científicos” que definiriam o sujeito moderno.
Esta relação entre o poder e o saber, cujo esboço já se fizera visível em “A Ordem do
Discurso”, é fundamental para a compreensão das mudanças que Foucault analisa no direito
penal, na passagem para a modernidade, quando outros tipos de avaliação se introduzem na
mecânica judicial, além da avaliação do próprio juiz, e este começa a julgar algo mais do
que apenas crimes. Para Foucault, embora o sistema punitivo moderno tenha deixado de ser
tão sangrento, como em outras épocas, sua violência, no entanto, persiste. O poder não atua
mais ao nível diretamente corporal, com o intuito de libertar a alma, mas atua ao nível da
representação, com o intuito de libertar a “individualidade”, o “sujeito humano”.
Embora tenha tomado como ponto de partida o ambiente da clínica e da prisão, a análise
do poder em “Vigiar e Punir” centra-se muito mais na experiência institucional do que nas
próprias instituições em si. Ao descrever seus dispositivos reguladores em um sentido
amplo, Foucault fornece elementos importantes para a análise do poder em muitos outros
ambientes. Em alguns momentos, ele próprio sugere esse tipo de relação:
“Devemos nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com
os quartéis, com os hospitais, e que todos esses se pareçam com as prisões?”
(Foucault, 1979, p.199).
Para Foucault, o poder e o saber são circulares: enquanto o saber é produto do poder, as
próprias relações de poder existem por sua vez por causa do saber. E isto acontece em toda
a estrutura da sociedade. A disposição disciplinar do saber, os regimes de discurso e os
mecanismos que produzem a “verdade” acerca da subjetividade, da “alma” do homem, não
estão vinculadas às questões do poder apenas nos ambientes de controle social.
A partir de “Vigiar e Punir”, torna-se possível portanto traçar a genealogia de todos estes
outros ambientes – as fábricas, as escolas, os quartéis – nos quais Foucault afirma que esta
relação entre poder e saber também existe, e buscar as suas semelhanças.
Estas semelhanças diriam respeito à forma como o poder é exercido a partir de certas
condições, como por exemplo, a forma como os indivíduos são distribuídos pelos espaços
físicos, a forma como o tempo é administrado, a forma como os sujeitos são hierarquizados
segundo suas capacidades particulares e a forma atividades são organizadas. Para Foucault,
tudo isso será determinado pelos discursos de “verdade” de cada lugar: serão consideradas
atividades mais ou menos apropriadas aquelas atividades que se adequarem aos processos
de conhecimento construídos a partir da relação de saber-poder local; serão considerados
indivíduos mais ou menos aptos os que se enquadrarem em um padrão ou estereótipo social
e assim por diante. Foucault chama isto de “processo normalizador”.
A análise do mecanismo de categorização das pessoas como normais e anormais é uma
constante no trabalho de Foucault, de onde ele ergue sempre bem alto a questão do “quem
fala?”, isto é, “quem determina o que é ou não é normal?” Para Foucault, a normalidade é
sempre produzida a partir daquilo que ele chama de tecnologias de dominação do “eu”. A
partir do momento que determinados indivíduos aceitam um padrão normalizador, à medida
que adotam seus conceitos e suas classificações, é que eles constroem as suas identidades.
E isto acontece, no processo social, quase o tempo todo.
A noção de identidade pessoal, o “eu” individual ou a “alma” de cada um, portanto, é
construída a partir das relações de “poder/saber” presentes no contexto social onde estes
indivíduos se encontram inseridos. Não existe um “eu” abstrato, universal ou incorpóreo,
anterior a estes processos. Os sujeitos são criados a partir dos aparatos sociais e articulados
neles. Em outras palavras, “o sujeito é o contexto no qual ele é produzido” (Doel, M.,2001)
Na visão mais tradicional, a história das ciências humanas é sempre vista como história
linear, contínua, em constante progresso, em direção a formas mais refinadas, específicas e
adequadas de concepções do homem. No caso do discurso pedagógico trata-se do sujeito
cognitivo. Assim, determinadas concepções de sujeito são apresentados como acréscimos
do contexto social ou da história contínua dos saberes, como o resultado de uma evolução
do conhecimento no sentido de este haver se apropriado melhor do seu objeto.
O que a perspectiva de Foucault tem a contribuir para a reflexão pedagógica é a noção
de que estas disciplinas que se apresentam enquanto conhecimentos do ser humano, estão
envolvidas na própria produção do ser que pretendem descrever ou conhecer. Sob a sua
perspectiva, as ciências humanas e os discursos pedagógicos não podem ser descritos como
uma linha de progressão contínua em direção a descrições cada vez mais precisas do seu
“objeto”. Na verdade, esse “objeto” é que é produzido por elas, construído por elas, em um
processo que está diretamente ligado às questões do poder.
Para Foucault, a verdade não existe nunca sem o poder, ou fora dos processos e das
relações de poder, se por “verdade” se entender um conjunto de procedimentos, regulados
para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. Neste
sentido, a “verdade” é apoiada e produzida por relações de poder, e está também ligada de
uma forma circular a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. Foucault chama tal
relação e efeito a circular de “regime de verdade”.
“Cada sociedade tem o seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto
é, os tipos de discursos que aceita e que faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e
falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado: as técnicas e os
procedimentos valorizados na aquisição da verdade; o status dos que estão
encarregados de dizer o que conta como verdadeiro”. (Foucault, 1985, pág.8)
Foucault fala de uma política ou “regime” da verdade, que cada sociedade possui para
regulamentar discursos tachados como falsos ou verdadeiros, sancionando assim alguns e
produzindo efeitos de poder relacionados ao discurso 'verdadeiro'. Esta política geral de
verdade é oriunda daquilo que Foucault chamara “vontade de verdade”, que em “A Ordem
do discurso” aparecia como um mecanismo de regulação dos discursos.
Para ele, esta “vontade de verdade” é uma característica da nossa civilização, que reforça
uma certa “vontade de poder” – denunciada por Nietzsche. Essa vontade de poder impele a
nossa civilização a negar tudo aquilo que lhe resiste, por exemplo, nas figuras do louco e do
associal, ao mesmo tempo em que não reconhece, e às vezes até ignora, esta negação.
Contrariando os processos deste princípio de exclusão, para denunciar a rejeição operada
incessantemente por esta vontade de verdade, máscara de uma vontade de poder, Foucault
pesquisou o funcionamento dos dispositivos de poder nos grandes modelos de exclusão: os
loucos, os prisioneiros, demonstrando, assim, como se deu a evolução das relações de poder
nestes meios, e como se deu a exclusão por meio da verdade, do saber e do discurso.
“A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e a apóiam,
e a efeitos de poder a ela induz e que a reproduzem.” (Foucault, 1985, pág.133).
Para Deleuze (1986), a passagem de Foucault do saber para o poder não significa apenas
uma mera mudança de tema, pois Foucault parte de uma concepção muito original do saber
para inventar uma concepção de poder que também é nova. Para ele, seu pensamento deve
ser encarado como uma sucessão de dimensões traçadas e exploradas sucessivamente, mas
o que é realmente importante ser compreendido é a passagem entre elas.
“O poder delineia uma segunda dimensão que é irredutível a do saber, embora
ambos constituam um misto e um concreto indivisível. Mas o saber é feito de formas
visíveis e enunciáveis, que Foucault chama arquivos, enquanto que o poder é feito de
relações de forças, para os quais utiliza o termo diagrama*1.” (Deleuze, 1986).
Outro aspecto importante da obra “Vigiar e Punir” é a noção de que o poder é exercido
sempre sobre corpos. Para Foucault, toda a forma de poder é em essência corporal. Mesmo
aquelas formas de poder psicológicas ou institucionais, que normalmente não incluem uma
repressão sobre o corpo, quando privadas dos seus mecanismos de autoridade e regulação,
resvalam em último caso para o nível de repressão corporal. Por isto ele fala de micropoder,
como um poder que age ao nível molecular.
Na concepção geral de “Vigiar e Punir”, Foucault nos diz que todo o corpo está dentro
de um campo político, onde as relações de poder têm alcance imediato sobre ele. São forças
que o investem, o marcam, o dirigem, o suplicam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a
cerimônias, exigem-lhe sinais. Tal investimento político do corpo está ligado, por sua vez, à
sua utilização econômica, por meio de relações complexas que controlam suas forças. É o
que Foucault chamará em obras posteriores de “tecnologia política do corpo”.
O que Foucault introduz, em “Vigiar e Punir”, é uma “história social do corpo”, como
ele mesmo define. Uma história de como os mecanismos de poder se exerceram em várias
épocas sobre os corpos. Somente em “História da Sexualidade”, ele olhará para a forma
como começamos a aplicar todos esses mecanismos em nós mesmos, saltando para fora dos
ambientes fechados dos hospitais e prisões, e analisando as relações entre o poder e o saber
em nossa sociedade chamada “normal”.

1
*Diagrama = O conceito de diagrama, que aparece em “Vigiar e Punir”, não é igual ao de
arquivo, de “A Arqueologia do Saber”. O diagrama é uma espécie de mapa que expõe as
relações de força que constituem o poder.
Capítulo 3:

O Dispositivo da Subjetividade:

Para a maioria dos filósofos de filiação clássica, o poder é geralmente visto como algo
necessário para dar sustentação à autoridade. A autoridade é uma ordem normativa que
baseia-se na sua própria aceitação para regular a sociedade. Esta aceitação deve ser por
parte daqueles que se submetem à sua ordem. Quando esta autoridade não é aceita, o poder
se torna necessário, por meio de coerção física ou psicológica. O poder é iminentemente
repressivo e contrário aos interesses daqueles que são sujeitados, portanto, negativo.
Essa definição convencional está presente em muitos discursos educacionais atuais, onde
através do processo de conscientização e de educação, os poderes dominantes procuram
ser desmascarados para revelar a “verdade” para os alunos, e assim aumentar o seu
potencial de “criticidade” e “autonomia”. O saber, nesta perspectiva, se encontra em uma
dimensão diametralmente oposta ao poder. Ele é visto como um incômodo, ou na melhor
das hipóteses, como um mal necessário. A este respeito, Marshall diz que:
“..neste paradigma é a autoridade racional exercida no interesse da criança que
carrega o peso conceitual, teórico e prático. É pelo exercício da autoridade, ela mesma
racionalmente legitimada como sendo educacionalmente apropriada (normalmente não
pelo poder), que o comportamento acadêmico e social das crianças é mudado. O poder,
coercitivo e opressivo, permanece de prontidão nos bastidores, em caso de qualquer
emergência.” (Marshall,1994).
Em suas primeiras obras, Foucault também tratava do poder como algo iminentemente
repressivo. Em “Vigiar e Punir” e outros escritos posteriores, no entanto, este conceito de
repressão é retirado, como ele próprio afirma, em “Microfísica do Poder”(1985):
“Quando escrevi a ‘História da Loucura’, usei pelo menos implicitamente esta noção
de repressão. Acredito que então supunha uma espécie de loucura viva, volúvel e ansiosa
que o poder tinha conseguido reprimir e reduzir ao silêncio. Ora, me parece que a noção
de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe de produtor no poder.
(...) Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não,
como ele seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é
simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso (...) ”
Esta noção de poder elide com os conceitos clássicos estabelecidos.
Para o paradigma de Foucault, o poder não é necessariamente repressivo. Ele designa
apenas as relações entre os sujeitos nas quais certas ações modificam as ações de outros. A
repressão só se manifesta como decorrente da diferença nas capacidades de um de interferir
nas ações alheias. O poder do Estado, por exemplo, é legitimado pelos saberes que foram
produzidos na base de relações de poder já existentes. E estas relações envolvem tanto os
saberes quanto os corpos e a estrutura econômica geral da sociedade. Existe, neste caso, um
predomínio do poder do Estado. O Estado exerce um poder que é hegemônico sobre os
outros. Mas isto não significa que ele deva ser fixado como a origem ou a matriz do poder.
Para Foucault, o poder deve ser visto como circular, dinâmico, não-fixo, não localizado,
como uma correlação de forças múltiplas, que se formam e que atuam nos aparelhos de
produção, nas famílias, nos grupos restritos, nas instituições, percorrendo todo o conjunto
do corpo social. Ela não tem uma matriz específica. Pode-se localizar somente os pontos ou
os locais de aplicação ou manifestação dos seus efeitos, mas nunca a sua origem.
Assim, as relações de poder não podem ser analisadas a partir de alguma posição que
possa ser ou não livre em relação ao sistema de poder, ou que possa ser situada em algum
lugar fora dele. Em outras palavras, não existe nada fora do poder. Tudo está dentro dele.
Para Foucault, o poder pode ser produtivo ou repressivo, mas ele não pode nunca ser
“apropriado”, como se tivesse a materialidade de um objeto. No caso do poder do Estado,
trata-se de um poder que é exercido, praticado, ao invés de ser possuído. Quando se diz que
este poder atua sobre corpos, trata-se de uma sujeição do corpo a um poder que não é uma
propriedade, mas sim uma estratégia, e cujos efeitos de dominação são decorrentes de um
certo número de disposições, técnicas e funcionamentos.
Não existe, desta forma, a tradicional oposição binária entre dominadores e dominados,
ou entre aqueles que detêm o poder e entre aqueles que sofrem seus efeitos, na concepção
de Foucault. Todos são invariavelmente por ele influenciados e também todos o produzem.
Não existem posições fora do poder, seja como sua fonte geradora, seja em oposição a ele.
A simples dualidade opressor/oprimido desaba, assim como a noção de que o poder que
domina e oprime vem do exterior, do Estado, etc. O poder existe e acontece nas relações
micro, no cotidiano, nas relações face a face e nas pequenas organizações e práticas.
Essas definições aparecem em “História da Sexualidade I”(1980):
“(...) não quero significar “O poder”, como conjunto de instituições e aparelhos
garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado determinado. Também não entendo
poder como modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma da regra.
Enfim, não o entendo como um sistema geral de dominação por um elemento ou grupo
sobre outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro.”
(Foucault, 1980, pág. 88)
Para Foucault, o poder não deve ser compreendido a partir da forma da lei ou do Estado.
Estas seriam apenas algumas das suas múltiplas formas de manifestação. Sua condição de
possibilidade não deve ser procurada a partir de um ponto central, de algum foco de onde
partiriam ramificações, mas sim no seu movimento contínuo, circular e constante .
“O poder não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma certa potência de que
alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa
sociedade determinada.” (Foucault, 1980, pág.89)
O poder é assim compreendido em um estado anterior à cristalização institucional, como
um conjunto de correlações de forças, não fixas e localizadas, mas circulares e variáveis. O
poder não paira acima da sociedade. Ao invés disto, ele é intrínseco à própria complexidade
cultural e social. Não existe um único poder, mas sim “estados de poder”. Múltiplos efeitos
ou situações criadas a partir das relações de desigualdade e de desequilíbrio na interação
das múltiplas correlações de forças, sempre localizadas e instáveis.
Para Foucault, “uma sociedade sem relações de poder é uma abstração.”(Vigiar e Punir,
pág.316). E por se manifestar em todas as relações, como um modo de “ações sobre ações”,
ele sempre se localiza lá onde as relações discursivas fundam alguma regulação específica.
Assim, toda relação discursiva é uma relação de poder. E é a partir da forma como atuam
estas correlações de força que deve ser fundamentada qualquer análise do poder.
Em “A História da Sexualidade I”(1980), Foucault analisa o que ele chama de “hipótese
repressiva”: a narrativa histórica segundo a qual a sexualidade em nossa sociedade teria
sido censurada e reprimida com o advento do capitalismo, depois de ter vivido em uma
suposta liberdade por muito tempo. Contra tal hipótese, ele argumenta que a sociedade
capitalista não teria obrigado a sexualidade a calar-se, e, ao contrário, o sexo teria sido, nos
últimos séculos, continuamente “colocado em discurso”.
Para Foucault, nos últimos três séculos da nossa civilização, teria havido em torno e a
propósito do sexo uma verdadeira “explosão discursiva”, uma necessidade de se regular o
sexo por meio de discursos – através de instituições como a Igreja, a Escola, a família, o
consultório médico e de saberes como a Demografia, a Biologia, a Medicina, a Psicologia,
a Psiquiatria, e até a Pedagogia. Para ele, esta “injução pluri-secular de falar-se em sexo”
não poderia na verdade tê-lo conduzido a uma repressão. Na verdade, te-se-ia constituído
progressivamente um grande arquivo*2 sobre o sexo: instaurando formas de classificação,
disseminando procedimentos de confissão, organizando dispositivos para se falar nele, etc.
2
* Arquivo = Ver capítulo 1
Esta negação da “hipótese repressiva” não busca afirmar que o que o capitalismo teria na
verdade inaugurado seria um período de liberdade sexual. Ela busca, na verdade, elidir com
a idéia de que o poder necessita sempre do mecanismo da repressão para atuar. O que ele
observa no caso do “dispositivo da sexualidade” é a atuação de um poder que não tem a
forma da lei nem da interdição, mas que é igualmente eficiente.
Os discursos destinados a “dizer a verdade sobre o sexo” ( a Psicologia, a Medicina, as
Ciências Humanas, etc.), ao lado do discurso da repressão, seriam, assim, peças essenciais
para um tipo de estratégia de controle sobre a população. E este poder seria eficiente porque
ele seria capaz de produzir desejo, de construir identidades, no momento em que afirma que
o sexo é reprimido, e o valoriza como um segredo a ser eternamente descoberto e libertado.
“Apenas ocultando uma parte de si mesmo é que o poder funciona (..) Seu sucesso está
na promoção daquilo que consegue ocultar dentre seus mecanismos.” (Foucault, 1980)
Há, neste caso, uma difusão do poder e do próprio objeto sobre o qual ele se exerce. Não
é pelo que se não se diz sobre o sexo, ou pelo que é proibido dizer, mas pelo que se fala que
não pode ser dito e que é proibido dizer, que a força do poder-saber deste discurso existe. O
que acontece é uma função tática do discurso: é preciso falar sobre a vontade de falar, para
que possa se atingir certos efeitos de uma vontade de saber.
O que Foucault faz nesta obra é introduzir um conceito que ele irá desenvolver em obras
posteriores, e que ele irá chamar de mecanismo da “subjetivação”: o processo pelo qual
determinados discursos e determinadas formas de saber podem atuar ao nível do desejo, de
maneira a constituir subjetividades. Assim, ele estabelece de forma clara como os processos
discursivos constituem as identidades dos indivíduos.
A partir desta noção, a de que o sujeito é um efeito, e não a causa, do discurso, muitos
pesquisadores têm efetuado suas análises sobre o campo pedagógico:
“A existência de um sujeito pedagógico não está ligada a vontades ou
individualidades autônomas e livremente fundadoras de suas práticas. O sujeito
pedagógico está constituído, é formado e regulado, no discurso pedagógico, pela ordem,
pelas posições e diferenças que esse discurso estabelece. O sujeito pedagógico é uma
função do discurso no interior da escola...” (Diaz, M.; In: Silva, T. 1998, pág.14)
Isto significa dizer que os pressupostos teóricos e conceituais da Pedagogia, no momento
em que determinam qual é a ação pedagógica que será empreendida sobre um determinado
tipo de sujeito, a fim de se alcançar um determinado fim, acabam por construir este próprio
sujeito. O discurso Pedagógico, ao tornar hegemônica determinada forma de organização
do processo educativo, acaba tornando hegemônica determinada forma de subjetividade.
PARTE 2:

Capítulo 1:

Definindo gênero e sexo:

O conceito de gênero, tal como é utilizado dentro a linha teórica deste trabalho, refere-se
às várias formas de viver a masculinidade e a feminilidade dos indivíduos. Neste sentido,
difere, portanto, do conceito de sexo, que é usado ora para designar as diferenças estruturais
e biológicas, ora para se referir à forma como os sujeitos vivem os seus desejos.
Quando por exemplo se fala em “diferenças sexuais” o termo “sexual” refere-se à
materialidade dos corpos, que são os aspectos anatômicos e fisiológicos que diferenciam o
homem da mulher. Mas quando se fala em uma “identidade sexual”, a apalavra está se
referindo às escolhas que cada um faz em relação aos parceiros com quem se relacionam.
Enquanto a palavra sexo possui esta conotação ambígua, que remete tanto a estrutura
biológica quanto à construção do desejo, a palavra gênero não. Tanto identidades quanto
diferenças de gênero dizem respeito aos papéis que o homem e a mulher assumem na
sociedade. Gênero é, portanto, uma construção histórica, produzida e reproduzida dentro da
e através da cultura. Também é importante ressaltar que gênero é uma construção política,
produzida em meio a classificações, ordenamentos, hierarquias e diferenciações.
Tona-se importante ressaltar, no entanto, que esta diferenciação entre gênero e sexo nem
sempre existiu. Na verdade, ela é bastante recente dentro do campo dos saberes acadêmicos
e ainda não acontece nas proposições fundamentadas pelo senso comum.
De fato, ainda na maioria das situações cotidianas, não é considerado o caráter político
da construção da identidade de gênero. Dentro do cotidiano escolar, por exemplo, as
identidades de gênero e identidades de sexo entrelaçam-se e articulam-se de tal forma,
como se fossem a mesma coisa. Até mesmo muitos educadores não levam em conta uma
diferenciação neste nível, e acabam reproduzindo o mesmo estereótipo que é reproduzido
dentro do discurso do senso comum. E com o mesmo efeito de verdade.
Isto está ligado, com toda a certeza, à persistência da ação política de um certo regime
de discursos que por muito tempo predominou no palco da nossa sociedade ocidental, e que
ainda persiste até hoje, por uma certa “força da tradição”: o discurso patriarcal.
Durante muito tempo, este discurso não diferenciou gênero de sexo. Em outras palavras,
ele utilizou o termo “sexo” para denotar tanto as questões estruturais e orgânicas que
diferenciam homens e mulheres quanto as questões relativas à formação de suas identidades
sociais. Assim, o que hoje chamamos diferenças de sexo eram apresentadas neste discurso
como se determinassem aquilo que chamamos hoje diferenças de gênero, em uma relação
linear de causa e efeito. Em outras palavras, as diferenças estruturais e existentes entre
homens e mulheres eram consideradas neste discurso como determinantes de certas
características comportamentais imutáveis. masculinidade e Feminilidade eram definidas
pela materialidade dos corpos, como se fossem fatos naturais biológicos, e não como
oriundos da interação socio-cultural.
Esta visão reducionista e calcada apenas no biológico não esteve de todo historicamente
desvinculada da segregação social e política a que as mulheres foram submetidas em nossa
cultura. Pelo contrário, foi sempre um dos seus enunciados discursivos mais eficientes. Pois
permitia fixar certas “características” femininas como marcadas pela fragilidade e pela
inferioridade, enquanto as características masculinas eram marcadas pela força e pela
superioridade. Operou-se assim uma “vontade de verdade” que por muito tempo produziu
uma invisibilidade da mulher como sujeito, e que teve seus efetivos efeitos de poder.
Mas uma grande diversidade de grupos situados à margem deste discurso ergueriam, em
certo momento da história, as suas vozes, a fim de questionar o centro. Vozes que até então
não eram ouvidas, e que viriam a colocar em cheque estes padrões culturais e discursivos.
Esta reviravolta conceitual ocorre a partir da emergência dos movimentos feministas.
Segundo Louro (1997), a emergência do feminismo deu-se dentro de dois momentos
históricos bem definidos. O primeiro deles, que a autora chama de primeira onda do
feminismo, se deu no século XIX, e foi marcado por interesses bastante particulares das
mulheres brancas de classe média, que assim que alcançaram os objetivos que almejavam –
como o sufrágio (direito de voto) universal, as melhores condições de trabalho, o acesso a
condições de estudo, etc. – rapidamente se desmobilizaram.
Foi somente a partir dos questionamentos feministas da segunda metade do século XX,
que Louro chama de “segunda onda do feminismo”, é que, pela primeira vez, aparecem
teóricos do feminismo, e as discussões feministas penetram a academia, com estudos que
analisam a segregação a que as mulheres foram historicamente submetidas.
Esta segunda onda só foi possível, é verdade, graças à primeira. Com a ocupação das
empresas, das fábricas, dos escritórios, das escolas, das lojas e dos hospitais pela mulher,
tornou-se possível ir mais a fundo e denunciar então a ausência das mulheres nas ciências e
demais campos do saber, e erguer questionamentos sobre certos conceitos acadêmicos até
então arraigados no âmbitos das ciências humanas e sociais.
Nesta época é que a palavra “gender” passa a ser utilizada pelas feministas anglo-saxãs,
pela primeira vez, como distinta da palavra “sex”. Segundo Scott (1986) esta nova palavra
“indicava uma rejeição do determinismo biológico implícito nos termos ‘sexo’ e ‘diferença
sexual’”(pág.72). Visava, assim, separar conceitualmente o aspecto biológico e natural do
aspecto social e cultural, da diferença entre homens e mulheres. Os termos “masculinidade”
e “feminilidade” passavam a apontar, a partir de então, além das diferenças sexuais, o modo
como os homens e as mulheres diferem entre si em questões de comportamento.
“...Seu uso (do termo gênero) rejeita explicitamente explicações biológicas,
como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas
de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para
dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disto,
gênero torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação
inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às
mulheres.” (Scott, 1986).
A famosa frase de Simone de Beauvoir (1973): “não se nasce mulher, chega-se a sê-lo”,
traduz muito bem a reinvindicação das feministas da época, a de que o gênero não era um
dado biológico e imutável, mas uma construção cultural. Se para Beauvoir, nós “chegamos
a ser” o nosso gênero, através de um processo de interpretação da nossa realidade cultural,
esta mesma realidade, por sua vez, durante muito tempo esteve impregnada de proibições
que privilegiavam o papel masculino.
Para ela, a sociedade patriarcal utilizou-se sempre de muitas estratégias, que incluíam a
repressão, a proibição, o silêncio imposto principalmente sobre a expressão sexual das
mulheres, e também noções sobre a suposta “natureza” feminina, em suas funções ligadas à
procriação, à reprodução, à necessidade de seduzir o macho da espécie e cuidar dos filhos.
Assim, através da manifestação de muitos gestos e condutas, e principalmente através da
assimilação de certos regimes discursivos que diziam a “verdade” sobre as mulheres, estes
teriam imprimido durante muito tempo em seu corpo os valores associados a esta idéia de
submissão, às exigências sociais que permitiam caracterizá-la como digna de manter o
equilíbrio e funcionamento de uma sociedade sujeita ao controle do patriarca. Desta forma,
o sistema se perpetuava, e com ele os princípios da moralidade sexual que permitiam uma
perfeita exploração da mulher.
Segundo Louro (1997), a caracterização política dos Estudos de gênero é seu elemento
mais importante. Esta autora vai afirmar que os estudos de gênero surgem nos anos 60 e 70
no contexto de uma luta feminista mais ampla, que não era nova, mas que em virtude de
todo o contexto político daquela época, encontrou então seu espaço para se manifestar.
Meyer (2003) ressalta também que o campo de saberes do feminismo jamais se apresentou
como uma ciência neutra, mas como uma teoria politicamente interessada em certos
objetivos, e consequentemente, como um campo plural e multifacetado.
Da mesma maneira, os estudos de gênero, como uma vertente dos estudos feministas, até
hoje não se apresenta como um campo de estudos totalmente homogêneo, mas composto
por diferentes teorias. Para os autores utilizados neste trabalho, a ressurgência da “segunda
onda” do feminismo é vinculada às concepções teóricas que se articulam em torno do pós-
estruturalismo, como se convencionou chamar um conjunto de teorias que passaram a
influenciar as ciências humanas a partir da década de 60.
Partindo todas da noção da centralidade da cultura na investigação das ações humanas,
os teóricos do pós-estruturalismo afirmam o caráter histórico, particular e localizado da
construção das subjetividades humanas negando qualquer noção de caráter essencialista,
univesal ou trans-histórica. Dentre as diferentes linhas que compõe tais estudos, inserem-se
tanto tradições de análise textual, de crítica literária, da história da arte, da história social
quanto da linguística e das teorias da linguagem. Nas ciências sociais, incluem-se as
tendências interacionistas e culturalistas, como a semiótica francesa, os estudos sobre o
cinema, a mídia e os estudos sobre cultura popular, e a teoria de Michel Foucault.
A teoria que esta vertente pós-estruturalista do feminismo vai utilizar então, para se opor
às noções de essência presente em muitas outras vertentes, será a do “construcionismo”
social, como se convencionou chamar a linha teórica dos diversos estudos que desde a
década de 60 passaram a investigar não só as mulheres, e a não tomar exclusivamente suas
condições de vida como objeto de análise. Ao invés disto, estes estudos irão considerar as
relações entre mulheres e homens a partir de uma abordagem mais ampla, considerando as
muitas formas sociais e culturais que os constituem como “sujeitos de gênero”.
Vendo o determinismo biológico como uma estratégia discursiva, que durante muito
tempo teria servido para investir o homem como caracterizado em termos de superioridade,
com o papel de assumir as características típicas do chefe, do líder, do detentor do poder, as
feministas ligadas aos autores do pós-estruturalismo passam a denunciar a ação do discurso
patriarcal dentro dos saberes disciplinares e acadêmicos. Passam a apontar para uma série
de discursos ritualizados e de idéias que vinham sendo aceitas acriticamente nos meios
científicos, e dessa maneira acabam por se converter em obstáculos que impedem avanços
no conhecimento de formas específicas de poder e dominação.
Nesse contexto a historiadora norte-americana Joan Scott desponta como pensadora de
peso. Scott tenta formular o gênero enquanto categoria analítica (1986), vendo como as
identidades são construídas historicamente através dos discursos e como diferentes sentidos
são atribuídos à diferença sexual. Scott pensa também como esses sentidos diferenciados
correspondem a práticas de poder históricas.
Scott observa por exemplo que os estudos até então propostos limitavam-se a analisar as
mulheres de forma separada dos homens, e critica esta posição. Para Joan Scott, “estudar as
mulheres de maneira isolada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tenha
muito pouco ou nada a ver com outro sexo.” (Scott, 1986). Assim, rejeitando a idéia de esferas
separadas, ela apresenta o termo Gênero como forma de introduzir um caráter relacional.
A partir do momento em que o conceito de gênero afirma o caráter fundamentalmente
social das diferenças baseadas em sexo, ele obriga aqueles que o empregam a estabelecer
uma relação entre os dois campos de estudo, o dos homens e o das mulheres. Segundo esta
visão, portanto, o estudo de um não pode ser feito de forma isolada do estudo do outro.
Masculinidade e feminilidade se definem reciprocamente. Trata-se, assim de afastar-se de
qualquer tipo de posição essencialista sobre os sujeitos de gênero, procurando enfocar a sua
construção como um processo, e não como algo que já existe ‘a priori’, e que estaria a
partir de determinado momento fixado, podendo por isto ser isolado.
Assim, para Scott, o termo “Gênero” surge como uma tentativa de modificar antigos
paradigmas disciplinares, denunciando a limitação das teorias que até então se propunham a
explicar as diferenças entre os homens e as mulheres, expondo a sua contradição.
Neste sentido ela denuncia a persistência, em certos discursos, de uma visão dicotômica
do masculino e do feminino. Esta visão partiria do pressuposto de que existe uma essência
natural, eterna e a-histórica na base diferença entre os homens e as mulheres, tal como ela
aparece em nossa sociedade. Esta visão determinista da polaridade sexual não levaria em
conta o caráter de construção cultural dos gêneros, mas sim um caráter permanente fixado
da condição humana. E esta tipo de posição, segundo Scott, apareceria dentro de muitas
teorias acadêmicas, e mesmo dentro de certas linhas do feminismo.
Esta dicotomia aparece, por exemplo, naquelas vertentes do feminismo que irão explicar
a fonte das relações desiguais entre os sexos a partir das diferenças físicas, na tentativa de
criticar o patriarcalismo. Aparece também no feminismo de enfoque marxista, que reduz a
questão da produção das diferenças de gênero a uma causalidade econômica. Há também a
dificuldade de superá-la nas teorias de enfoque psicanalítico, em suas diversas vertentes.
“Temos necessidade de uma rejeição do caráter fixo e permanente da oposição binária,
de uma historicização e de uma desconstrução genuínas nos termos da diferença sexual.
Devemos nos tornar mais auto-conscientes da distinção entre nosso vocabulário analítico e
o material que queremos analisar. Devemos encontrar formas (mesmo que imperfeitas) de
submeter sem cessar nossas categorias à crítica, nossas análises à auto-crítica. Se
utilizarmos a definição de desconstrução de Jacques Derrida, esta crítica significa analisar,
levando em conta o contexto, a forma pela qual opera qualquer oposição binária,
revertendo e deslocando sua construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como real ou
auto-evidente ou como fazendo parte da natureza das coisas.” (Scott, 1986, pág.84).
A idéia de desconstrução das dicotomias visa problematizar a constituição de cada um
dos pólos, demonstrando que eles na verdade não são unos, mas internamente fraturados e
divididos. A este respeito, Louro “a concepção fortemente polarizada dos gêneros esconde
a pluralidade existente em cada um dos pólos.” (1997, pág.48). A autora observa que os
sujeitos que constituem a dicotomia não são de fato apenas homens ou mulheres, mas
homens e mulheres de várias raças, classes, religiões, idades, etc. Não existiu sempre uma
única forma de ser homem ou mulher, através da história, mas várias diferentes mulheres,
e vários diferentes homens.
Para esta mesma autora, uma das consequências mais significativas de se desconstruir a
oposição binária é a possibilidade de vir a considerar aquelas formas de masculinidade e
de feminilidade que não se enquadram dentro dos estereótipos culturais dominantes, e de
não vê-las como “anormais”, a partir de um padrão dicotômico normalizador, que diz qual
é o “natural” para o homem ou para a mulher. E é exatamente neste ponto, na análise das
proposições de “verdade” acerca do ser masculino e ser feminino, e do questionamento de
seus efeitos de poder, que entra a teoria de Michel Foucault.
Desconstruir a polaridade dos gêneros implica em uma tarefa arqueológica, portanto, a
partir do momento em que se observa que a idéia de oposição é construída, que ela não é
uma coisa natural, fixa e imutável. E isto implica em questionar e analisar quais foram os
processos, os meios e as condições que permitiram que fosse construída discursivamente
esta polaridade. Em outras palavras, significa interrogar a narrativa convencional sobre
oposição entre masculinidade e feminilidade no nível daquilo que a tornou possível.
Também implica em uma tarefa genealógica, no momento em que questiona a partir de
que posições de poder, e para se obter quais efeitos de poder, esta narrativa foi construída.
Neste sentido, observa-se como diversas teorias foram construídas e ainda o são a fim de
“comprovar” esta distinção dicotômica entre homens e mulheres, definindo os sentimentos
e as condutas apropriados a cada um, e também a fim de justificar diferentes habilidades
sociais, talentos, aptidões, possibilidades e o próprio “destino” de cada gênero.
CAPÍTULO 2:

Gênero e Poder:

Gênero, enquanto categoria de análise, pode ser utilizado dentro do contexto de vários
paradigmas ou teorias, como foi explicado no capítulo anterior. O objetivo deste capítulo é
apresentar uma articulação específica entre a teoria pós-estruturalista de Michel Foucault e
o conceito de gênero, tal como ela é apresentada por muitos pesquisadores feministas. ]
Quando orientados para a questão da construção das identidades de gênero, os estudos
de enfoque foucaultiano em geral tem se esforçado para desconstruir também qualquer
noção de caráter essencialista na base da diferenciação entre homens e mulheres. Partem da
idéia de que não existe nenhuma base biológica que determine as diferenças de identidades
entre homens e mulheres. Nenhuma predisposição intrínseca, biológica ou psicológica.
Desta forma, o processo de construção das identidades de gênero é visto como determinado
pela ação dos discursos da cultura, como algo que nunca se encontra totalmente finalizado.
Estes estudos passam a investigar como as instituições, os símbolos, os conhecimentos,
as normas e as leis políticas da sociedade são constituídas e atravessadas por representações
e por pressupostos de feminino e de masculino, ao mesmo tempo que os expressam e
reproduzem. Em suma, procuram analisar os enunciados discursivos que constituem entre
nós as noções de gênero, descrevendo as suas configurações próprias, e questionando-os ao
nível daquilo que os torna possíveis.
Entretanto, “... visando ressaltar o caráter fundamentalmente social do gênero, não há, contudo,
uma pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados.” (Louro,1997).
Em outras palavras, estas teorias não negam a existência das diferenças sexuais, isto é,
de diferenças estruturais entre homens e mulheres. Ao invés disto, elas passam a enfatizar o
que estas diferenças significam, como são interpretadas culturalmente, e o que é construído
social e historicamente a partir da percepção delas. Elas procuram deslocar o foco de sua
análise do biológico e do estrutural para o cultural, ou das diferenças biológicas para as
diferenças culturais que são construídas com base nestas.
A partir daí, as questões mais importantes deixam de ser “qual é a diferença entre os
homens as e mulheres?” ou “porque ambos são diferentes?” para tornarem-se “como estas
diferenças são construídas dentro dos discursos culturais?”. Ou então: “como o biológico é
lido e significado pelo cultural?”
Louro (1997, pág. 23), ao afirmar que não devemos confundir a noção de construção de
identidades de gênero com a mera construção de “papéis” masculinos e femininos, nos
apresenta uma noção de identidade diretamente ligada à idéia foucaultiana de sujeito. O que
ela chama papéis são os “padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece para seus
membros e que definem seus comportamentos, roupas, seus modos de se relacionar ou de se
portar...” Mas a identidade seria algo que estaria atuando de modo muito mais profundo,
sobre a construção da sua própria subjetividade do indivíduo.
Esta subjetividade não é uma coisa essencial, nuclear, imutável, que pré-existe ao mundo
social ao seu redor. A teoria de Foucault caracteriza-se justamente por questionar a velha
concepção clássica do sujeito livre, autônomo, auto-centrado, fora do poder e anterior aos
processos do discurso. De acordo com esta perspectiva, a subjetividade humana é em si
própria uma construção discursiva da sociedade.
A este respeito, afirma Mário Diaz: “a centralidade do sujeito não permite compreender as
posições do sujeito no discurso através das diferentes práticas discursivas compreendidas como
práticas significantes” (Díaz; In: Silva, 1998). Assim, compreender o sujeito, a subjetividade
humana, como sendo aquilo que o discurso faz dele, na perspectiva de “descentramento” de
Foucault, é essencial para explicar como se dá a construção das identidades de gênero como
Louro pretende se referir na sua distinção da idéia de “papéis”.
Segundo Stuart Hall (1997), a identidade de um indivíduo, qualquer que seja, não passa
de uma sucessão de sedimentações das muitas identificações ou posições que ele adota e
procura “viver” ao longo de história de vida, como se viessem de algum lugar do interior
dele, mas que são na verdade produzidas por um conjunto particular de circunstâncias,
experiências e sentimentos. Ele diz que todas as identidades são resultado das convenções
sociais específicas em cada sociedade ou momento histórico.
“Devemos pensar nossas identidades sociais como construídas no interior da
representação, através da cultura, não fora delas. Elas são o resultado de um processo de
identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os
discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos. Nossas chamadas
subjetividades são, então, produzidas de modo discursivo e dialógico.” (Hall, 1997)
Em “História da Sexualidade I”, Foucault analisava como a concepção moderna de
sexualidade havia sido, ao longo dos últimos três séculos, não apenas regulada por um certo
discurso da repressão, mas também constituída por ele, como vimos no capítulo anterior. A
idéia de discursos produzindo subjetividades, e a de um sujeito sendo delimitado por meio
de mecanismos de poder que configuram a sua própria noção de “eu”, produzindo nele
vontades, prazeres e desejos, Hall vai tirar da teoria de Foucault, portanto.
Prosseguindo na tarefa de Foucault, Hall vai afirmar que a cultura atua de tal forma na
formação da identidade dos indivíduos, por meio da intensificação dos meios de regulação
e vigilância, que nele atua um autêntico “governo da cultura”. Esta expressão é um conceito
chave de sua teoria para entender a sua idéia de construção das identidades. Para Hall, a
linguagem é o repositório chave dos valores e códigos que dão sustentação aos diálogos,
permitindo a construção de entendimentos partilhados, que possibilitam aos sujeitos
interpretarem o mundo de maneira mais ou menos parecida, a produzirem significados
semelhantes, e a se tornarem assim membros de uma mesma cultura.
Assim, se compreende que os sujeitos possuem identidades múltiplas e plurais, que se
transformam e não são, portanto, em nenhum momento fixas e permanentes. O sentido de
pertencimento a uma determinada cultura, sub-cultura ou a um grupo, por exemplo – sejam
grupos sexuais, de gênero, de classe ou étnicos – leva o indivíduo a se perceber e a se
constituir como sujeito. Assim gênero, ao lado de nacionalidade, etnia ou classe social, se
constitui apenas como mais um ingrediente na constituição das identidades dos indivíduos.
Esta perspectiva teórica considera que as diferentes instituições e práticas sociais são
constituídas pelos gêneros e são, também, suas constituintes. Estas instituições e práticas
“fabricam” os sujeitos. Assim, a Igreja, a família, a Escola, o Estado, o mercado, a justiça,
as Disciplinas são instâncias, espaços ou campos de saber “generificados”, isto é, são todos
atravessados pela questão dos gêneros. Eles são produzidos através das relações de gênero,
mas também através de outras relações (de classe, de cor, de raça), e ao mesmo tempo as
produzem, num movimento que é cíclico.
Assim, por exemplo, quando escolhem a forma como irão exercer sua sexualidade, os
indivíduos constituem suas identidades sexuais, ao passo que quando se identificam social e
historicamente como masculinos e femininos, fabricam suas identidades de gênero. Mas as
duas estão tão profundamente inter-relacionadas, em nossa linguagem e em nossas práticas,
que muitas vezes quase não se torna possível diferenciá-las, apesar de no fundo não serem a
mesma coisa. Assim também outras formas de construção de identidades se relacionam e se
inter-relacionam com gênero. E nenhuma delas pode ser dada como terminada em qualquer
momento. As identidades, em seu jogo múltiplo, estão sempre se constituindo, sempre são
passíveis de serem modificadas.
Finalizando, poder-se-ia dizer que é em suas relações sociais, atravessadas por inúmeros
símbolos, discursos, representações e práticas, que os sujeitos vão sendo constituídos como
masculinos e femininos, arranjando e desarranjando suas formas de se situarem no mundo.
E estes arranjos são sempre construções transitórias, em permanente transformação, com a
articulação com outras identidades e outros processos.
Uma outra noção que Hall também vai tirar de Foucault, é a de que a identidade sempre
se constrói a partir do seu oposto, daquilo que ela nega, do que considera exterior a ela. Em
outras palavras, todas as identidades são construídas por meio de e através da diferença.
“...elas (as identidades) emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder, e
são, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma
unidade idêntica, naturalmente constituída, de uma “identidade” em seu significado tradicional –
isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação
interna.” (Hall, 1996).
Analisando a questão da construção discursiva das identidades sob a ótica da teoria de
Foucault, chega-se inevitavelmente na questão do poder. Se as identidades são construções
discursivas, então são todas constituídas e constituintes de redes de poder.
Os estudos feministas sempre estiveram interessados na questão do poder. Em um certo
tipo de poder específico, é verdade, que durante muito tempo submeteu, silenciou e oprimiu
as mulheres. Mas se para as feministas clássicas tratava-se de um poder localizado em um
determinado ponto, a partir do qual ele era exercido contra as mulheres, para a vertente que
utiliza a teoria de Foucault, esta oposição binária entre dominadores e dominados não pode
ser aceita como perspectiva analítica. Lembremos que, para Foucault, as relações de poder
dentro do tecido social se caracterizam por avanços, por recuos, revoltas, consentimentos,
alianças... em suma, pelo eterno movimento.
“Lá onde há poder, há resistência (...) e no entanto, esta nunca se encontra em posição de
exterioridade em relação ao poder.” (Foucault, 1980)
Mas se não existem identidades fora do poder, para a concepção de poder de Foucault,
então todas o exercem e ao mesmo tempo sofrem sua ação.
A este respeito, Altmann (1999) faz interessantes observações. Existe em nossa cultura,
segundo ela, toda uma concepção construída em torno do jeito de ser masculino e do jeito
de ser feminino, com atitudes socialmente entendidas como naturais de cada sexo. A este
respeito, também refere-se Louro:
“...todo o movimento corporal é distinto para os dois sexos. Caminhar balançando os quadris,
por exemplo, é considerado um jeito de andar feminino, enquanto o masculino deve ser mais firme,
seguro e resoluto.” (Louro, 1992)
O que se observa aqui é um regime discursivo atuando através destas concepções na
construção de um tipo de sujeito. Ao concebermos a mulher como mais sensível e emotiva,
nós criamos uma mulher mais sensível e mais emotiva. Quando falamos em um homem
mais agressivo e racional, estamos construindo discursivamente este homem.
Da mesma forma, ao falarem que uma menina “joga futebol tão bem quanto um menino”
ou que um menino “joga futebol tão mal quanto uma menina”, os alunos estarão criando as
configurações de práticas de gênero. Nesta situação, no entanto, surge imediatamente uma
articulação com a questão da discriminação. Estas proposições geralmente estão imbuídas
do espírito de desvalorização do potencial feminino nos jogos e esportes, e que a maioria
das vezes resulta em um ato de exclusão das meninas por parte da ação dos meninos: os
meninos não querem colocar meninas em seus times porque elas “não sabem jogar bem”.
Em uma sociedade como a nossa, cuja ordem social apresentou-se durante muito tempo
de forma patriarcal, os padrões culturais ainda revelam regras e valores sexistas. Neste
aspecto, torna-se importante a reflexão sobre o papel que a manifestação de determinados
gestos e de condutas comportamentais têm em imprimir nos corpos das mulheres valores
associados ao papel social da submissão. Torna-se imprescindível para o professor ou
educador observar a persistência de certos regimes de verdade ainda arraigados em nossa
cultura, de certos discursos que possuem efeitos de poder, e de como atua dentro deles uma
vontade ainda predominantemente masculina e orientada para a exclusão do feminino.
Obviamente, quando analisamos as questões neste âmbito mais amplo, estamos falando
de formas culturais arraigadas, de que o feminino é um ser “naturalmente” mais delicado e
mais sensível, e o masculino é mais ativo e enérgico. A construção deste discurso deve ser
repensada, questionando formulações de “verdades biológicas” sobre as diferenças entre o
homem e a mulher, e mesmo as “verdades psicológicas”, ou “sociológicas”.
A idéia de que a masculinidade implica em um corpo forte, e que a feminilidade implica
em um corpo mais fraco, é hoje e dia ainda muito forte. Tanto mais quando se analisa o que
se apresenta hoje como o ideal feminino de beleza. A mulher considerada esteticamente
bela é a do tipo muito magra. Ao se aproximarem deste ideal de beleza muito magro,
muitas vezes as meninas apelam a dietas e outros recursos. E mesmo quando procuram
atividades físicas, o fazem para emagrecer, e não por uma questão de saúde.
O que temos nestes casos é a ação de “discursos de poder”, no sentido foucaultiano, que
na prática se revelam para o professor como uma dificuldade em promover aqueles que
seriam os objetivos de sua disciplina: a saúde, a vivência corporal, o gosto pelos esportes, a
socialização, etc. Existe, no entanto, o aspecto da concepção dual de poder em Foucault.
De uma forma geral, Foucault sempre disse que as relações de poder discursivas podem
ser produzidas e reproduzidas como constituidoras das subjetividades, mas também podem
haver fontes extra-discursivas, alternativas, de resistência a estas estratégias de governo.
Em outras palavras, alguns indivíduos podem resistir à constituição da sua subjetividade,
desafiando convenções e normas, produzindo formas alternativas de subjetividade, usando
discursos alternativos. O poder pode se voltar, em suma, contra o próprio poder.
Esta noção, adquire singular importância não apenas para dizer que todo o discurso pode
ser combatido, e de que o professor pode efetuar uma ação de poder contra o poder, mas
também para uma outra questão de grande importância, quando analisamos situações de
submissão feminina. Trata-se da idéia de que as meninas também possam criar discursos
alternativos, e resistir ao poder.
Altamann (1998), a este respeito, lembra que não devemos criar apenas uma imagem das
meninas apenas como vítimas, pois isto significaria “aprisioná-las dentro do poder”,
desconsiderando suas possibilidades de resistência e também de exercício de dominação. E
esta é a questão que eu gostaria de aprofundar a partir deste momento.
Penso que o professor de educação física não deva ignorar este fato, de que identidades
femininas e masculinas disputem o tempo todo a hegemonia no espaço social, integrando
esquemas de poder. Tratam-se na verdade de diferentes subjetividades, empreendendo entre
si disputas para se firmarem enquanto subjetividades. Aquelas que são mais “verdadeiras”
que as outras são mais legítimas, possuindo desta forma um mecanismo de poder sobre as
outras, podendo classificar regimes de discursos que dão sentido à dominação de um sexo
sobre outro, ou de uma masculinidade sobre outras masculinidades e sobre feminilidades.
A hegemonia de algumas identidades sobre outras é exercida quotidianamente dentro
das práticas sociais, produzindo saberes sobre o homem que se reforçam e se constróem nas
relações formadas entre homens e entre homens e mulheres no seu quotidiano e através da
história. Esses saberes são produtores de efeitos de poder, reforçam e integram as práticas
de dominação e submissão, que por sua vez, no seu movimento também podem se alterar e
até se inverter.
Mas existe uma questão ainda mais sutil se analisarmos este tipo de situação a partir da
noção foucaultiana de poder. Esta diz respeito à idéia de que, se o poder é enfim circular, e
se todos os sujeitos estão submetidos a ele, deveríamos analisar somente a exclusão das
meninas em atividades de Educação Física? Não estariam também os meninos, enquanto
sujeitos que reproduzem o discurso do poder, também submetidos a seus efeitos?
Percebe-se, desta forma, que esta perspectiva evita cair em uma visão dualista que põe o
sujeito do poder em uma posição fixa. Não existem, na concepção foucaultiana de poder, os
pontos fixos. Toda a configuração de redes de poder é maleável, opera de forma circular e
pode por vezes gerar dobras. Isto significa dizer que ela não é inflexível e rígida. Todo o
sujeito empreende o tempo todo ações de poder a partir das condições de possibilidade
históricas, que por sua vez criam formas de cultura. Mas também todo o sujeito está de uma
certa forma submetido a possíveis efeitos negativos de poder.
A este respeito, Altmann (1999) também refere-se a algo que constitui um fenômeno
cultural bastante recente, relacionado com o envolvimento das mulheres com os esportes, o
que está atualmente longe de ser um fato desprezível.
Hoje em dia é muito mais fácil uma menina praticar certos esportes que tradicionalmente
sempre foram considerados “masculinos” do que um menino praticar aqueles que sempre
foram considerados “femininos”. Tem crescido a procura feminina pelas atividades de luta,
de força e muitas outras cujos atributos sempre foram considerados pelo discurso patriarcal
como “de natureza masculina”. No entanto, não parece existir um efeito proporcional em
paralelo, no que diz respeito à procura dos homens pelas atividades “femininas”, como a
dança, a ginástica artística, etc.
O que percebe-se então é que, nos últimos tempos, o “efeito de poder” deste discurso
patriarcal teria passado a constituir um limitador muito maior de certas ações individuais
masculinas, no sentido de configuração de identidade, do que para as ações femininas. Tal
limitação, na verdade, sempre existiu. Mas agora, com a reação das mulheres em sua busca
por fixar novos tipos de identidade, ele se torna mais visível.
Dentro desta perspectiva, o poder deve portanto ser visto como causador de efeitos tanto
naqueles que se propõem a “apropriar-se” dele quanto naqueles em quem a “apropriação”
deveria surtir efeitos os desejados. Um poder, enfim, circular. Um poder que aprisiona ao
mesmo tempo em que se supõe usá-lo para aprisionar.
As possibilidades de análise do discurso pedagógico a partir de Foucault são amplas. A
perspectiva arqueológica, por exemplo, permite centrar-se no problema da enunciação, no
problema de quem fala, ou seja, no professor, aquele a quem a instituição conferiu poder. O
enunciado é a regulação disciplinar instituída a partir de um certo sistema de regulação dos
discursos. Ele oculta, portanto, alguma coisa por trás da aparente intenção comunicativa.
“Nesse sentido, Foucault chama atenção para a necessidade de reconsiderar alguns de
nossos pressupostos sobre a escolarização e de olhar de forma renovada e mais atenta para
as “micropolíticas” do poder nas instituições educacionais.” (Gore, J.M., 1999.)
Para Foucault, seu método de analisar a historicidade dos discursos e seus efeitos de
poder parte do pressuposto de que interpretar não é uma atividade metafísica de descobrir
algo oculto na origem. Interpretação é, como ele descreve, apoderar-se de um sistema de
regras (ou uma tecnologia de produção de verdade, ou de um foco de saber/poder), que em
si não possuem significado essencial, e direcioná-lo, dobrá-lo em um novo sentido, impor
uma nova interpretação. Este processo descreve o movimento das lutas em torno da
produção da verdade e do poder, e a genealogia busca investigar mudanças que não se
restringem ao plano do sentido e da comunicação, mas integram sistemas e normas de
produção de saberes que validam, produzem e participam de esquemas de poder.
Minha pesquisa é neste sentido, quando busca mapear os movimentos de sentido que
ocorrem a respeito da construção das identidades de gênero, por meio dos discursos.
Para esta questão, importa fundamentalmente o “poder disciplinar” de Foucault, o qual
constitui, através de práticas cotidianas e de técnicas minuciosas, os sujeitos humanos. Seu
conceito de “biopoder”, isto é, poder de controlar a vida do “corpo espécie” parece também
ser útil para que se pense no conjunto de disposições e práticas educativas. Nos enunciados
discursivos dos professores é possível identificar estratégias e determinações que instituem
lugares socialmente diferentes para os gêneros, a normalização da conduta dos meninos e
das meninas, a produção dos saberes sobre a sexualidade e os corpos, as tecnologias e as
táticas que garantem o “governo” e o “auto-governo” dos sujeitos.
Se, a partir de Foucault, os corpos passam a ser vistos como submetidos a determinados
“regimes de verdade” normalizadores, e a construção das identidades de gênero passa a ser
analisada enquanto atos de poder, o que surge como questão de pesquisa então é a forma
como esta configuração de poder se manifesta. Onde e como se revelam os discursos que
constituem estas subjetividades? Quais são os seus enunciados?
Assim, esta pesquisa se propõe a observar como alguns discursos culturais atuam dentro
do discurso docente, compreendendo o professor como um ser através do qual possam vir a
falar inúmeras outras vozes. Ela se propõe como um instrumento para a reflexão no interior
do domínio da Educação, no que diz respeito a certas “verdades” sobre o que é “normal” ou
não, “natural” ou não para cada gênero.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

Problema da pesquisa:

Os objetivos do trabalho ficam definidos a partir da seguinte questão:


Como o discurso pedagógico docente constrói relações de gênero na escola?
Visando responder a este questionamento, de maneira a descrever como tem se dado a
produção de discursos pedagógicos dentro do contexto atual das aulas de Educação Física
escolar, pretendo demonstrar que concepções de Educação Física têm tido os professores
que atuam nesta área e como estas concepções se manifestam em seu discurso e em sua
prática. Pretendo destacar, seguindo a teoria de Michel Foucault, as contradições inerentes
aos discursos, identificando suas relações com o poder e a produção de subjetividades.

Questões de pesquisa:

Como as identidades de gênero são construídas, a partir da ação discursiva docente?


Quais são os principais enunciados presentes nestes discursos?
A partir de que ponto de vista se fala, e para obter quais efeitos?
Que formas de poder constituem estes enunciados?
Que efeitos de poder eles causam?
Como estão relacionados com outros enunciados (extra-discursivos)?
Que outros discursos o atravessam?
Que relações podem ser observadas com determinantes histórico-culturais e relações de
poder da nossa sociedade atual?

Sujeitos:

A população-alvo será composta por profissionais já formados em Educação Física que


estejam atuando como docentes em instituições escolares de Porto Alegre.

Instrumentos:

A pesquisa visa levantar dados e realizar uma análise sobre os discursos e as práticas
pedagógicas na Educação Física escolar, através de observação e de entrevistas. Ela se
apresenta como de cunho qualitativo, do tipo descritiva, na qual através de uma análise dos
valores e das ações observadas, buscarei interpretar o que será observado. A observação
fundamenta-se nos pressupostos foucaultianos e se impõe ao verificar a análise discursiva
das ações pedagógicas. O exame das contradições entre concepções e prática não pretende
se basear em concepções de oposições binárias e de dicotomia entre discurso e poder.
Pretende-se, através de reunião com os professores participantes, onde será apresentado
e discutido o questionamento sobre como cada um considera seus princípios pedagógicos e
sua forma de dar aula, se elaborar um cronograma de visitas para a observação das aulas.
Após a fase das observações deverá se passar para a fase das entrevistas, que deverão seguir
um programa de questões abertas relativas ao planejamento e desenvolvimento da prática
pedagógica dos professores, onde eles exporão suas concepções de verdade.
A análise destes dados deve identificar os pressupostos conceituais e os enunciados que
compõem os regimes de discursos predominantes em cada professor, e suas relações com a
prática pedagógica Esta análise será baseada nos aspectos arqueológicos e genealógicos
daquilo que for possível observar, visando identificar o princípios e regras do aparecimento
dos discursos, enquanto tecnologias da subjetividade e mecanismos de poder.
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