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O EMPREENDEDORISMO NAS SUAS DISTINTAS PERSPECTIVAS

ENTREPRENEURSHIP IN ITS DIFFERENT PERSPECTIVES

Luiz Guilherme de Lima e Souza1

RESUMO

O empreendedorismo não possui uma única acepção, apesar de sua origem e uso
latente no viés neoliberalista. Ainda, se faz importante analisar suas perspectivas,
desde a tentativa de mascarar a precariedade das condições de trabalho da mão de
obra até a de um genuíno propósito solidário e social, que necessita de criar
aderência no mercado. O termo “empreendedor” denomina aquele que assume
riscos e começa algo novo. Apesar de haver surgido vinculado à processos de
desenvolvimento e atividade econômica, sua noção transbordou a economia
tradicional sendo abordado também na economia informal e nas áreas social,
educacional e política.

Palavras-chave: Empreendedorismo. Neoliberalismo. Economia alternativa.


Pedagogia empreendedora.

ABSTRACT

Entrepreneurship does not have a single meaning, despite its origin and latent use
in the neoliberalist bias. Still, it is important to analyze its perspectives, from the
attempt to mask the precariousness of the work conditions of the labor force to an
genuine solidarity and social purpose, which needs to create market adherence.

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas. E-mail:


luizsouza92@gmail.com.

1
The term "entrepreneur" refers to someone who takes risks and starts something
new. Although it was linked to processes of development and economic activity, its
notion overflowed the traditional economy and was also addressed in the informal
economy and in the social, educational and political areas.

Key-words: Entrepreneurship. Neoliberalism. Alternative economy.


Entrepreneurial pedagogy.

INTRODUÇÃO

Os saberes humanos muitas vezes concluem que sua compreensão da realidade é


superior a realidade em sí. Ignoram ou distorcem os elementos divergentes desta
compreensão e perpetuam enviezadamente sua maneira de pensar. Verificamos
isso nas religiões, que determinam uma compreensão metafísica do mundo e
chegam a julgar e discriminar moralmente baseadas em suas compreensões. Nas
teorias psicológicas, identificam-se constructos abstratos sobre a psique humana e
adeptos mais dogmáticos das abordagens tentam enquadrar o ser humano nelas,
como se a teoria fosse a fundadora da realidade, e não o contrário. O discurso
capitalista, por sua vez, parece seguir um percurso semelhante, ao presumir que o
caminho “natural” e inevitável da sociedade é a acumulação de bens e propriedade
privada.

A partir dos anos 80, políticas de liberação econômica e menor participação do


Estado nas relações capital-trabalho, configurou-se o que se chama de período
neoliberalista (LIMA, 2010). O pensamento oriundo período se dissemina e se
concretiza gerando uma ideologia contraditória de liberdade individual, sustentada
em mecanismos de discriminação e desigualdade social silenciosamente implícitos.
Nesse contexto, é gerado o discurso do empreendedorismo que, por sua ideologia
epistemologicamente contraditória, estimula uma compreensão acrítica da
sociedade. Lima (2010) explica que isso ocorre pois a ação individual foi colocada

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pelo discurso neoliberal como a única possibilidade libertadora, criando um
distorcido contraste com a perspectiva coletiva, que passou a ser vista como
burocrática, autoritária e ultrapassada, influenciando, inclusive, a percepção do
trabalho:

Mais que uma mudança nas formas de organização de produção, temos


mudanças na percepção do trabalho, dos valores a ele vinculados, do seu
caráter coletivo e de suas possibilidades enquanto formadores e
identidades e projetos sociais. (LIMA, 2010, p. 159)

O conceito de empreendedorismo, assim, adquire um enviesamento neoliberal


característico da percepção de trabalho vigente na sociedade. No entanto, este
enviesamento não se assume e acaba gerando um arcabouço semiótico
contraditório, assim como os valores morais neoliberais. Apesar disso, o conceito
possui também leituras mais criticas, que exploram seus aspectos de forma mais
coerente. Quando o empreendedorismo se volta para a educação, no entanto, se
mostra fortemente imbuído dos valores neoliberais o que, em um ambiente de
formação humana, confere uma dimensão doutrinária a ideologia.

O presente artigo busca discutir acerca das distintas perspectivas em torno do


conceito de empreendorismo, analisando o contexto econômico que o cerca,
discorrendo sobre suas possibilidades e dando ênfase em especial para sua
interface com educação, em virtude da grande repercussão desta articulação no
momento atual.

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1 A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO TRADICIONAL DE
EMPREENDEDORISMO

Segundo Schumpeter (1997), o “empreendimento”, descrito como fenômeno da


modernidade, é fundamental para o desenvolvimento econômico e se constitui na
realização de combinações novas dos meios de produção por empresários. Quando
se refere aos empresários, os diferencia dos capitalistas, uma vez que o primeiro
assume riscos, enquanto o segundo somente acumula capital. Alinhado com essa
concepção de empresário, o termo “empreendedor” denomina aquele que assume
riscos e começa algo novo, sendo oriundo do idioma francês (BRITO; PEREIRA;
LINARD, 2013).

Lima (2010) afirma que o protestantismo haveria favorecido o surgimento de uma


nova ética ligando o “trabalho duro” a uma espécie de compromisso maior do
homem cuja gratificação seria dada através do acumulo de riquezas materiais ou
espirituais:

Essa ética teve, no calvinismo, um homem voltado ao trabalho racional,


regular, interpretado como obediência a um mandamento divino e o
surgimento de uma cultura na qual, subjetivamente, o trabalho foi
incorporado como valor e passou a orientar as condutas humanas. (LIMA,
2010, p. 165)

Segundo o autor, essa visão de homem ideal para o capitalismo evoluiu e se


modificou, passando a tanger mais características subjetivas e abstratas do que
racionais e objetivas. Segurança, estabilidade, racionalidade e solidez dão lugar a
ambição social, inovação e motivação.

Paralela a antiga visão do homem capitalista, Lima (2010) explica que houve uma
crise da sociedade salarial, definida pela incorporação de direitos sociais ao
contrato de trabalho formal, diante da incapacidade do mercado em coordenar a
sociedade de maneira organizada, por conta do seu comportamento imprevisível e
irracional. O autor relata que esse capitalismo regulado teve seu ápice no período
fordista e foi reestruturado nos anos 70, influenciado pelo fim dos regimes

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socialistas no leste europeu, que estigmatizou as ideologias coletivistas de mudança
social.

Em seguida ocorreu um “retorno neoliberal” propondo a desregulamentação dos


mercados de trabalho e visando a redução de custos com obrigações sociais
trabalhistas, flexibilizando o uso da força de trabalho de forma mais adequada às
necessidades de produção (LIMA, 2010). Nesse contexto, o trabalho autônomo
passa a ser ideal para o empresariado:

O trabalho autônomo é valorizado como ideal pelas empresas que passam


a dispor da força de trabalho, apenas quando necessitam. O trabalhador,
empresário e patrão de si mesmo, torna-se responsável por sua
reprodução social, pagando por sua conta, taxas e impostos para ter
acesso a serviços sociais, sejam estatais, sejam privados. Para sobreviver
no mercado, depende ainda da busca de formação e atualização contínua,
adaptabilidade às novas tecnologias, capacidade de inovar e se mostrar
atento às mudanças, enfim, tornar-se flexível, aberto aos novos desafios.
(LIMA, 2010, p. 171)

Alinhado ao trabalho autônomo, a informalidade também passa a ganhar cena no


novo mercado de trabalho. Entendida como “trabalho não regulamentado e
localizado de forma majoritária em setores de baixa produtividade e rentabilidade
como a pequena produção familiar, atividades comerciais ambulantes e outras
voltadas à subsistência” (LIMA, 2010, p. 172), a informalidade começa virar
sinônimo de flexibilidade e até mesmo empreendedorismo.

Seguindo essa mesma linha de flexibilização, Lima (2010, p. 177) relata que surgem
no mercado de trabalho novas institucionalizações:

Da pessoa jurídica, na qual o trabalhador individual é contratado como se


fosse uma empresa; do crescimento dos autônomos principalmente para
trabalhadores mais qualificados e profissionais que prestam serviços ou
trabalham como consultores onde antes integravam os quadros de
empresas como advogados, psicólogos, dentre outros; de estagiários; de
cooperativas formadas por trabalhadores para as redes de terceirização
que, muitas vezes, atuam na informalidade.

O autor (p. 179) conclui:

Há, então, diversos tipos de empreendedores: autônomos, com distintos


graus de formalidade, necessidade e precariedade. Desde o trabalhador
sem qualificação alguma que vive de expedientes ou vendendo
quinquilharias nas ruas, ao trabalhador vinculado às novas tecnologias
informacionais, trabalhando de forma desterritorializada, por projetos. De

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um extremo a outro, uma precariedade constituinte na ausência de
controles intensificação do trabalho e ao acesso a benefícios sociais.

O conceito de empreendorismo, apesar de ser muito ilustre em sua idealização


original, na maioria das vezes pode retratar uma realidade de precariedade na
prática. Não obstante, o termo passou a ser discutido de forma acrítica como um
mito da mão de obra ideal para o mercado, sem considerar as nuances e
complexidades socioeconômicas inerentes à temática.

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2 O EMPREENDEDORISMO SOCIAL

De acordo com Ferreira (2005), apesar do termo “empreendedorismo” haver


surgido vinculado à processos de desenvolvimento e atividade econômica, sua
noção transbordou a economia tradicional sendo abordado também na economia
informal e nas áreas social e política. Gaiger (2008) assinala que na academia
existe uma resistência ao uso da expressão, assim como de outros termos como
“empresa” e “eficiência”, uma vez que sua construção histórica e uso corriqueiro
reduziriam-os à economia capitalista e seus objetivos e lógica implícitos,
provocando uma espécie de contaminação ideológica. No entanto, o autor enfatiza
que é crucial compreender os aspectos essenciais do funcionamento de
organizações econômicas, sejam elas anticapitalistas ou não. Gaiger explica que
intentos alternativos, como os empreendimentos solidários, possuem uma lógica
interna de funcionamento diferenciada, que não necessariamente se corrompe pelo
capitalismo.

Lima (2010) ressalta o poder determinante que o mercado exerce sobre a


viabilidade dos empreendimentos alternativos, ainda que a essência anticapitalista
dessas organizações seja considerada. No contexto das cooperativas,
historicamente construídas como uma alternativa democrática e desalienadora ao
trabalho e aos meios de produção, o empreendedorismo também passa a ser um
fator de discussão para a sua viabilidade, assim como a gestão empresarial e, de
alguma forma, o lucro: “Em outros termos, o mercado aparece como a saída
possível, seja capitalista ou não” (LIMA, 2010, p. 192).

Gaiger (2008) afirma que ser empreendedor significa lidar com esse mercado,
conduzindo e administrando o empreendimento de uma organização econômica,
capacidade que não é inata e se adquire pela prática. Sobre a capacidade
empreendedora, comenta:

(...) cabe indagar em que consiste hoje e como se pode desenvolvê-la,


tendo em vista as condições gerais da economia atual, com suas exigências
cognitivas crescentes, e as condições particulares em que essa capacidade
deve ser exercida pelas organizações baseadas na livre associação de
trabalhadores. (p.61)

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O autor critica a concepção tradicional de empreendedorismo esclarecendo que ela
reveste-se de um caráter extraordinário onde o seu sucesso consequentemente dita
seu fim, minando rapidamente seu poder de impacto. No entanto, ressalta que é
possível uma acepção branda de empreendedorismo para estabelecer o necessário
diálogo da realidade do mundo econômico em geral, com a realidade particular dos
empreendimentos associativos, admitindo que a ação empreendedora é susceptível
a produção/disseminação de conhecimentos e compartilhamento de experiências e
experimentações, em regime de risco partilhado.

Nessa perspectiva, competências empreendedoras como inovação, criatividade,


liderança, gestão, eficiência e sustentabilidade ganham uma compreensão
diferenciada, voltada para a participação e cooperatividade de todos os envolvidos
no empreendimento, diferentemente do discurso superficial e vazio de quando os
mesmos atributos são explicados pelo viés neoliberal. Sobre inovação e
criatividade, o autor descreve:

Talvez a “arte do improviso” diante de desafios incessantes seja um dos


principais trunfos dos empreendedores da economia solidária. Não como
simples ação reativa, ditada pela força das circunstâncias, mas como
exercício de um saber tácito adquirido ao longo do tempo, cada vez que as
dificuldades superam os recursos ao alcance da mão e apelam ao
despojamento e à inventividade. (GAIGER, 2008, p. 70)

A liderança se faz na articulação de solidariedade, almejando e praticando o bem


comum; carisma, agregando e unindo as pessoas; democracia, respeitando os
pontos de vista individuais e estimulando a participação; assim como também na
compreensão e condução das questões econômicas em que estão imersos os
empreendimentos, quanto da economia que pretendem e podem praticar
(GAIGER, 2008). Sobre a gestão, Gaiger (p. 63) assinala que é necessário:

Abandonar um estilo de gestão baseado essencialmente na capacidade de


improvisação ou de adaptações sucessivas a circunstâncias que se
apresentam como fatos determinantes, sobre os quais não se possui
nenhum controle ou poder de reação, senão em termos defensivos
(Bourdieu, 1963; 1977). Portanto, adotar uma gestão pró-ativa.

Para o autor, a eficiência diz respeito a capacidade de uma organização promover,


em resultado do seu funcionamento, a autopreservação e consolidação do
empreendimento, no presente e no futuro:

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Não remunerar o trabalho de forma insuficiente e insatisfatória; não
contrair dívidas acima da capacidade de adimplência; não consumir os
ativos (capital de giro, por exemplo) e dilapidar o empreendimento; não
retrair as atividades econômicas irreversivelmente; não ampliar situações
de dependência financeira ou institucional. (GAIGER, 2008, p. 67)

A sustentabilidade é evidenciada pelo uso de tecnologias limpas e processos que


respeito o meio ambiente, realização de parcerias estratégicas, ampliação social da
causa, educação e desenvolvimento dos trabalhadores, autossuficiência financeira e
potencial de investimento (GAIGER, 2008).

É verificado que o conceito de empreendedorismo, associado a um genuíno


compromisso social e coletivo, encontra em sua significação, uma possibilidade real
diferenciada de contribuição na sociedade.

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3 O EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO

A ascensão do taylorismo, através do regime da Organização Científica do Trabalho


(OCT) no fim da década de 60, institui a primazia da quantificação, normatização,
decomposição, mecanização e mensuração da atividade de trabalho em detrimento
da sua compreensão holística (SCHWARTZ, 2011). Influenciada por esse cenário, a
educação no Brasil foi distorcida pelo reducionismo econômico a mero fator de
produção ou, em outras palavras, "capital humano" (FRIGOTTO, 2010). Enquanto
antes era vista como prática social definida pelo desenvolvimento de
conhecimentos, habilidades, atitudes, concepções e valores articulados às
necessidades e interesses das diferentes classes e grupos sociais, nas décadas de 60
e 70, passou a definir-se como uma técnica de preparar recursos humanos para o
processo de produção (FRIGOTTO, 2010). Harvey (1992) denuncia que a educação,
no contexto das grandes corporações e instituições poderosas das sociedades
capitalistas, desempenha um papel na formação de ideologias dominantes e na
disciplinarização da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital,
provocando uma “subordinação pacífica dos trabalhadores aos empresários”
(FERRETI; JUNIOR, 2002, p. 265).

Embebida dessa perspectiva neoliberalista, a abordagem da temática do


empreendedorismo na educação parece visar a doutrinação de mão de obra que
represente baixos custos às empresas:

O espaço escolar é disputado como lócus para formar um trabalhador de


novo tipo, convencido de estar apto à enfrentar os desafios do atual
mercado de trabalho vendendo sua força de trabalho, prestando serviços,
fazendo consultorias, trabalho terceirizado, trabalho temporário, a
domicílio, subcontratado, com bolsas de estudo, estágio ou arranjos
flexíveis e precários similares. (COAN, 2012, p. 2)

Segundo Coan (2012), a partir dos anos 90 o discurso da educação para o


empreendorismo ganhou evidência entre os jovens diante do cenário de
desemprego no Brasil:

O diploma não é mais garantia de colocação profissional; com ele se deve


haver também habilidades e competências empreendedoras. Os
concluintes do Ensino Médio regular, profissional ou universitário saem

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em busca do primeiro emprego, mas nessa empreitada percebem que
concorrem com um imenso contingente de desempregados, e quando
encontram uma oferta são frustrados pelo fato de não possuírem os
requisitos exigidos pelo posto de trabalho, principalmente o da
experiência profissional. (COAN, 2012, p. 2)

O sistema econômico gera o inconveniente do desemprego e, ao invés de se pensar


em estratégias para compreender e solucionar o problema, mesmo que
questionando total ou parcialmente o sistema econômico, produzem-se falácias que
distorcem os aspectos complexos da situação e conseguem adesão através de
proposições palatáveis, assim foi vendido o empreendorismo para a educação.

Tanto Coan (2012) como Cêa e Luz (2006) afirmam que, entre os diversos autores
que tratam da educação para o empreendedorismo, Fernando Dolabela se destaca
em seu intento de promover a “pedagogia empreendedora”, que busca educar as
crianças na educação básica dentro dessa premissa ideológica, sob a proposta de
estimular a inovação, autonomia, sustentabilidade e capacidade de gerar valores
para a comunidade (DOLABELA, 2003 apud COAN, 2012).

Cêa e Luz (2006) ressaltam que, na literatura educacional, essa proposta já é vista
com superioridade em relação a outras proposições pedagógicas:

Encantar, aliás, é a tônica da proposta da Pedagogia Empreendedora. A


partir da afirmação que qualquer ser humano pode ser um empreendedor,
o autor sustenta o pressuposto de que o sonho precede o real, o ideal
concretiza o material. Dessa forma, a proposição articula-se à visão
idealista de mundo ao reafirmar o pensamento de que basta ter um sonho
e disposição para realizá-lo que ele se tornará realidade. (CEA; LUZ,
2006, p. 84)

Entretanto, abordar o empreendedorismo de forma acrítica no campo educacional


pode ser perigoso:

A individualização das iniciativas que consiste em jogar para o indivíduo a


tarefa de sua autorrealização merece atenção, uma vez que se trata de uma
ideologia que serve para legitimar a ordem vigente, não tem poder
explicativo da realidade, porém, serve para acomodar as pessoas, além de
tratar a realidade de forma abstrata. (COAN, 2012, p. 9)

Cêa e Luz (2006) enfatizam que as relações capitalistas de produção não são
analisadas criticamente ao se propor a pedagogia empreendedora uma vez que a
premissa liberalista sustentada na proposta pondera que impulsos individualistas

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concorrem para o bem comum. Também alertam que o seu discurso sedutor e
otimista mascaram a realidade concreta de como o sonho empreendedor poderia
de fato acontecer, se configurando uma proposta meramente idealista.

Mesmo com toda essa fragilidade epistemológica, a pedagogia empreendedora já


está sendo colocada em prática em algumas instituições. A proposta tem presença
expressiva como disciplina e conhecimento extracurricular transdisciplinar no
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE),
Organizações Não Governamentais (ONGs) e nas entidades de Empresa Junior
dentro das escolas (COAN, 2012). Nas pós-graduações, é latente a ideia de que é
necessário educar trabalhadores para serem empreendedores:

Pereira (2001) apresenta procedimentos metodológicos para o


desenvolvimento e a atualização de habilidades do sujeito empreendedor,
notadamente do jovem universitário, que precisa ser formado com uma
nova mentalidade para atender e se adequar às mudanças do mundo
atual. Miranda (2002) elaborou uma metodologia para introdução do
ensino de empreendedorismo nos cursos técnicos de nível médio. Wolf
(2004) descreve acerca da aceitação do aprendizado do
empreendedorismo como facilitador do sucesso profissional de alunos do
ensino médio. Bastos et al (2006) entendem que o projeto do
empreendedorismo na escola básica como matéria extracurricular,
transdisciplinar, permite incorporar ao ensino curricular obrigatório
outros conhecimentos que provoquem nos jovens novos comportamentos
e novas posturas a partir do ideal empreendedor. Friedlaender (2004) e
Santos (2002) reforçam a necessidade de formar para o
empreendedorismo, pois o empreendedor sabe buscar as oportunidades,
tem iniciativa, é persistente e comprometido com seu projeto. (COAN,
2012, p. 7)

Coan (2012) verifica que iniciativas de se aplicar a pedagogia empreendedora


proposta por Fernando Dolabela, aconteceram na Escola Municipal Israel Pinheiro,
de Belo Horizonte/MG, por meio de uma experiência no ensino fundamental que
visou fazer com que a educação fortaleça o indivíduo para construir seu próprio
futuro; Na Prefeitura de Ponta Grossa, PR em conjunto com a Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), que desenvolveram uma capacitação para
professores; Na Secretaria Municipal de Educação de Brazópolis, MG, que realizou
seminários sobre a implantação da pedagogia empreendedora na rede municipal.

Cêa e Luz (2006, p. 84) também relatam outras iniciativas:

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Várias secretarias municipais de educação localizadas em diferentes
estados (Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo) serviram
de espaço para a experiência-piloto da proposta da Pedagogia
Empreendedora. No Paraná, o laboratório da Pedagogia Empreendedora
foi o município de Guarapuava, onde o ex-prefeito Vitor Hugo Burko
(PSDB) decidiu implantar o projeto que atendia a 18,5 mil alunos,
distribuídos em 661 turmas e atendidos por 1 mil professores. Com este
programa o então prefeito conquistou o prêmio Mário Covas, criado para
homenagear prefeitos empreendedores.

Ao contrário da perspectiva crítica de empreendedorismo proposta por Gaiger para


abordar o cooperativismo, assumindo e legitimando a dimensão econômica
vinculada ao conceito, a noção de empreendedorismo na educação parece ignorar o
contexto real ou presume que o capitalismo é a única realidade possível.

A proposta desenvolvida por Dolabela (2004) afirma que o empreendedorismo é


inerente a todas as atividades humanas, não apenas as econômicas. Em um
discurso fortemente motivacional, o autor explica um pouco da metodologia
utilizada:

A nossa metodologia leva à sala de aula duas perguntas. A primeira é:


Qual é o seu sonho? A segunda é: O que você vai fazer para transformar
seu sonho em realidade?” Bem, a primeira pergunta tem um caráter
mágico, assustadoramente mágico, porque, ao receber essa pergunta, o
aluno se sente protagonista da própria vida. Ele sente que o conteúdo
escolar que o conhecimento serve para que ele dê significado a sua vida,
ou seja, à vida em que o seu sonho é o eixo do processo educacional. Ele se
sente protagonista e integrante do processo educacional. Já a segunda
pergunta leva o aluno a criar caminhos, estratégias, e a escolher processos
para transformar seu sonho em realidade. Essa pergunta dispara um
processo de criação, de criatividade, pondo em uso todo o patrimônio
existencial do aluno, que é diverso, que é único. Assim, ele se sente capaz e
comprometido com a criação de seus próprios caminhos. Tudo isso é
notável durante o processo educacional. As crianças e os professores
mudam. (DOLABELA, 2004, p. 129)

O autor (2003 apud CEA; LUZ, 2006) fundamenta a sua proposição pedagógica
com a Teoria Empreendedora dos Sonhos, onde divide o sonho em duas partes: o
sonho estruturante, que conduz o indivíduo a auto-realização independente de sua
condição social; e o sonho periférico, que é aquele que, por ser fantasioso, não
permite o indivíduo de concretiza-lo. A partir desta teoria o autor afirma que a
ideia cria a realidade e o sonho deve ser o elemento organizador da vida material.

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Considerando a concepção teórica da pedagogia empreendedora, ela se mostra uma
iniciativa superficial e confusa para educar crianças e adolescentes. Na educação
básica é mister que as crianças aprendam a pensar e a interpretar o mundo.
Precisam compreender a sociedade e a existência humana em suas diversas
composições. O empreendedorismo pressupõe um modelo econômico de sociedade
que se entende como adequado e único possível. Ensiná-lo neste viés neoliberal,
antes mesmo dos alunos terem a oportunidade de compreender a sociedade e suas
nuances seria uma forma de doutrinação, pois estaria sendo introduzida uma
ideologia em indivíduos sem a condição de critica-la.

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CONCLUSÃO

O conceito de “empreendedorismo” não possui uma única significação ou viés


definitivo. No entanto, devido a sua porosidade, o termo se torna facilmente
suscetível ao uso de forma inocentemente acrítica ou até mesmo intencionalmente
manipulada, visando a venda de uma ideia de forma mais palatável.

Idealmente, o empreendedorismo denomina uma postura necessária e relevante


diante da realidade do mercado econômico em que vivemos. Porém, no uso do
conceito na prática, percebe-se que ele remete mais a um discurso artificial
motivacional, salvo algumas exceções como no caso do empreendedorismo social,
onde a literatura demonstra contemplar o conceito em sua real profundidade e
potencialidade.

Contudo, talvez seja estratégico usar uma outra expressão menos estigmatizada
para tratar o empreendedorismo quando está imbuído de uma perspectiva crítica e
genuíno propósito social. Isso talvez agregue e catalise as discussões relevantes
para uma transformação da sociedade de forma harmônica.

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REFERÊNCIAS

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