Você está na página 1de 6

O Homem, a Angústia e sua Existência

Filósofa Rita Josélia da Capela Pinheiro

Para a abordagem do tema de angústia precisamos antes nos


localizarmos no contexto do Existencialismo.

O Existencialismo
A proposta é a de entender o Existencialismo como especulação
filosófica que visa a análise minuciosa da experiência humana em
todos os seus aspectos teóricos e práticos, individuais e sociais,
instintivos e intencionais, mas acima de tudo dos aspectos irracionais
da vida humana.
Encontramos as origens do Existencialismo em Sören Aabye
Kierkegaard (1813 -1855). Embora suas idéias filosóficas só tenham
sido reconhecidas após a tradução de suas obras nos anos de
1909/1922 por Christoph Schrempf, o sucesso de suas idéias após a
chamada "Renascença Kierkegaardiana" foi tanto que quase todos os
autores da época a ele fizeram referência.

Além da tradução, a situação histórica tornou-se uma aliada de


Kierkegaard. A primeira Guerra Mundial mostrou a vacuidade de todos
os sistemas filosóficos para dar conta de uma compreensão sobre a
complexidade da problemática humana.
Favorecem a sua difusão:
· O fracasso dos grandes ideais humanitários, calcados no progresso,
derrubando a previsão do positivismo;
· O ambiente de insegurança e pessimismo ideológico gerado pela
técnica e pela ciência, que dá origem a uma angústia vital.

Esta filosofia apresentou aos vivos e sobreviventes as interrogações


que lhes eram pertinentes e próprias: qual é o sentido da existência?
Da morte? Da dor? Da liberdade? Do desespero? Da angústia?
O Existencialismo é uma filosofia que considera a existência como
ponto de partida para a sua reflexão.
Mas, o que significa existir? O que significa exatamente a afirmação
"eu existo"? Será uma simples experiência de fato da minha
existência? Em que, então, o fato da minha existência difere do fato
da existência de outros seres animados ou inanimados? Será a
existência o fato primordial a partir do qual os outros fatos adquirem
sentido - o fato da existência dos outros, da existência do mundo, da
existência de Deus?
O fato da existência pode ser indubitável. Já o sentido e a
interpretação da existência não são únicos e indubitáveis, ao
contrário, são diversos e diferentes.

Emmanuel Mounier em seu livro "Introdução aos Existencialismos"


apresenta uma classificação dos filósofos existencialistas, recorrendo
à metáfora de uma árvore. Na raiz da árvore estão: Sócrates, filósofo
da Antiga Grécia fazendo apelo ao "conhece-te a ti mesmo"; os
estóicos gregos e romanos, enaltecendo o domínio humano de si
próprio, face às adversidades da vida e do destino; São Bernardo
propondo um cristianismo vivido e que leve o homem à sua conversão
religiosa, face às sistematizações teóricas da religião vigentes em sua
época.
No tronco da árvore estão os filósofos franceses: Pascal, relembrando
que o desenvolvimento dado às ciências naturais havia feito esquecer
o homem diante da vida e da morte; Maine de Biran, mostrando que á
preciso compreender o homem enquanto uma unidade corpo-alma,
refutando, assim, as filosofias dualistas ou monistas de tipo
sensualista. Está ainda o filósofo dinamarquês Kierkegaard,
considerado pelos historiadores como o pai da filosofia existencialista
moderna, mostrando como a razão é importante para, sozinha,
justificar o sentido da existência humana; ela necessita de Deus que
vem em auxílio do homem que se encontra no abandono injustificado.
Encontra-se ainda, neste tronco a fenomenologia que, desde o seu
fundador, o alemão Edmund Husserl, toma como objeto principal da
filosofia o projeto de constituição da ciência do vivido, Erlebniz. Esta
ciência difere das ciências positivas no estudo do homem, pois nestas
o homem é apenas considerado em seu aspecto factual e objetivo. A
ciência do vivido deve abordar o vivido nele mesmo, isto é, enquanto
consciência, subjetividade, corporeidade, historiedade e liberdade.
Do tronco da árvore separam-se dois galhos. Um que se desenvolve
com os autores de inspiração religiosa, influenciados direta ou
indiretamente pela fenomenologia existencial. Dentre esses autores
citamos: Max Scheller, Karl Jasper, Paul-Louis Landsberg, Nicolas
Berdiaeff, Gabriel Marcel e o próprio Emmanuel Mounier. O outro
galho que se desenvolve com os autores que se afastam
explicitamente das inspirações religiosas: Jean Paul Sartre, Martin
Heidegger, Maurice Merleau-Ponty, Jean Hippolyte, Simone de
Beauvoir, Albert Camus.

Existem alguns traços comuns em todos esses autores para que


possamos agrupá-los sob a denominação de existencialistas. Todos
concordam que a filosofia da existência seja a negação da filosofia
concebida como sistemas da existência no que esta possui de mais
fundamental e concreto, os momentos vividos.
Todos concordam, também, que a existência não pode ser conhecida
nela mesma como um dado objetivo da ciência: o caráter essencial da
existência é a subjetividade. Assim, não se pode definir ou conceituar
a subjetividade como faz a ciência natural. Só se pode descrevê-la,
apreendê-la e compreendê-la sob a forma de uma história pessoal,
dirá Kierkegaard, ou sob a forma da Temporalidade, dirá Heidegger.
Seguindo estas indicações podemos dizer que o existencialismo é um
humanismo.

Seguindo a indicação de N. Herpin pode-se dizer que o humanismo


existencial aparece em duas vertentes. A primeira que se caracteriza
pela "filosofia do absurdo" com os temas, dentre outros, da angústia e
da contingência. A segunda que se caracteriza pela "filosofia da
liberdade" com os temas do projeto humano e da vivência de valores,
dentre outros.
Vejamos o que significam estas duas vertentes:
1) A filosofia do absurdo - "se opõe às concepções clássicas que
justificavam a existência do mundo e do homem por uma razão
imanente ou por uma providência divina = noção de harmonia pré-
estabelecida na própria natureza = cosmos". Aqui citamos
Kierkegaard.
2) A filosofia da liberdade - põe em realce as noções do projeto
existencial e de vivência de valores. Aqui citamos Sartre, homem =
nada "a liberdade como condenação. Heidegger, Dasein "facticidade e
transcendência.

Kierkegaard
A verdadeira realidade é o existente, singular. E o singular que lhe
interessa é o singular homem, porque somente ele é verdadeiramente
singular. Somente o homem singular vale mais que a espécie, ao
contrário do que acontece entre os animais, onde o indivíduo vale
sempre menos que sua espécie (vive por instinto). Somente o
singular humano tem consciência de sua singularidade (pensar é
doloroso e é uma forma de provocar a angústia), como ser eu em
meio a todos? Chegou a desejar que por sobre a sua campa se
colocasse a inscrição: "aquele singular". Consequentemente a verdade
é subjetividade e bem longe de ser a "adequação da mente com a
coisa" é a adequação do objeto com minha subjetividade, com as
mais profundas exigências do indivíduo que eu sou e quero ser.
Quanto mais passional minha ligação com a coisa, tanto mais
verdadeira. E quanto menos ela é evidente à razão, tanto mais certa.
A realidade é irracional por ser singular.

É por isso que ele se opunha à mentalidade de seu tempo que via no
socialismo e no comunismo a panacéia dos males da sociedade. O
princípio associativo pode ter valor em relação aos interesses
materiais, mas é espiritualmente nocivo. Não pode haver igualdade
neste mundo como sonham os socialistas porque lhe é própria a
diferenciação.
E vocês sabem disso porque tentam unir homem e mundo enquanto
vivência pessoal, na tentativa de salvaguardar o indivíduo num mundo
em que a sociedade não passa de um conjunto de criaturas animais
que se parecem com o rebanho - À sociedade importa que cada um
de nós seja como os outros" a clonagem é um fato. É considerado
normal quem aceita e se adapta aos padrões e valores comumente
recebidos; um excêntrico e/ ou rebelde quem os recusa e combate.

Deste modo, o convite Kierkegaardiano é que sejamos verdadeiros


eus .
Para Kierkegaard o absurdo implica no distanciamento da
subjetividade das concepções que atribuem à razão o papel de
realizadora de um sistema racional do mundo. O indivíduo é uma
subjetividade que não pode encontrar o seu fundamento em nenhum
sistema racional. A ética religiosa, que repousa na fé em Deus é quem
pode explicar o fundamento da existência humana. O absurdo é o
"lugar do silêncio", ou seja, o lugar de Deus, bem como a distância
que há entre a subjetividade finita do homem e a pessoa infinita de
Deus.

No pensamento de Kierkegaard, Abraão é o exemplo vivo do herói


absurdo. Sem saber porque, Abraão oferece a Deus o sacrifício de seu
filho Isaac. Mas, este absurdo é revelador de Deus. Com efeito, no
momento exato em que se daria o sacrifício, um anjo aparece a Isaac
sustando a sua ação. Deus reconheceu a fidelidade e o amor de
Abraão para com Ele, pois, na sua prova, seria capaz de sacrificar o
seu filho bem amado Isaac.
É preciso lembrar, portanto, que a revelação de Deus não vem
tranqüilizar ou consolar o homem. Ela instaura o sentimento da
angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na
angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na
angústia, como no exemplo de Abraão. Por isto é que Kierkegaard
define esta angústia como "síncope da liberdade". Assim, liberdade e
angústia se unem na existência. O homem é livre, em sua vida, para
optar e escolher. No entanto, não há opção sem angústia. Ao escolher
deixo de lado outras coisas sem ter certeza de que a escolha foi a
melhor ou será bem sucedida. Quando escolho sou eu quem me
escolho, pois toda opção é feita em função de uma opção interior,
pela qual eu julgo que irei me realizar. No entanto, a escolha é um
"salto no escuro". Não posso ter certeza a priori de que a escolha é
boa, como já disse acima. Mas esta escolha não é feita
arbitrariamente. Ela deve ser motivada pela busca da verdade.

A busca da verdade é a questão filosófica essencial, pensa


Kierkegaard. Não se trata de uma verdade abstrata ou formal. É uma
verdade vital, verdade para mim, verdade pela qual eu quero viver e
morrer.
Neste sentido é que se diz que a verdade é vivida antes de ser objeto
do juízo lógico. Esta verdade é expressão do modo de existir autêntico
que só a vida cristã, diz Kierkegaard, é capaz de compreender, com
tudo o que ela implica de angústia e dilaceração.

O existir autêntico supõe compromisso e risco. Na minha vida


concreta eu busco uma verdade vivida, e esta vai expressar-se em
meu comportamento cotidiano. Por isto a verdade é fruto da ação e
não de um pensamento teórico, segundo Kierkegaard. A angústia
existencial não leva o homem à solidão, ao individualismo, à
incomunicabilidade ou à doutrina da salvação e da redenção.
Este existir autêntico me faz buscar o singular, mas não acontece sem
sofrimento. Ninguém é ele mesmo sem antes querer sê-lo em sua
liberdade. Daí a angústia porque ninguém pode fugir a este
sentimento que acompanha toda escolha.

A Condição Humana
A porta de acesso à condição humana é a experiência da angústia,
nisto concordam todos os existencialistas.
O que é? Sob o ponto de vista subjetivo, a angústia é uma
experiência extremamente intensa com uma nota emocional
absolutamente peculiar. Nela misturam-se admiração, espanto, terror,
exaltação, náusea e sublimidade. O caso de Abraão, por exemplo,
demonstra espanto e sublimidade.
O objetivo da experiência da angústia é que diverge.
a) realidade da existência = angústia de ser = angústia do nada
b) particularidade ou individualidade humana = angústia do aqui e
agora
c) liberdade humana = angústia da liberdade

Em síntese, angústia é desespero. E o homem só sai do desespero


quando orientando-se para si próprio, querendo ser ele próprio, o eu
mergulha, através de sua própria transparência, até o poder que o
criou", (Desespero Humano). Deus não pode estar numa realidade
transcendente, mas em mim. Somos mais íntimos de Deus do que de
nós mesmos.
Filósofa Rita Josélia da Capela Pinheiro
Doutora e Mestre em filosofia e Professora
da UERJ e da Universidade Gama Filho

Você também pode gostar