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FÉ E MODERNIDADE
Arquitetura e Arte em Igreja Paulistana
Publicado em: AJZENBERG, Elza Maria (organizadora), América, Américas, Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte, MAC USP, São Paulo: 2015
Republicação bilíngüe em: 19 & 20, revista eletrônica, v. 3, nº 4
1
construir num bairro operário, uma igreja moderna, que representasse ao mesmo tempo, a memória
igreja partiu do Pd. Francesco Milini, superior provincial da Congregação Carlista, em 1937. 1 A obra
contou com o empenho dos expoentes da colônia italiana em São Paulo, para angariar os recursos
necessários.
O lugar escolhido foi o bairro do Glicério, na época um centro operário localizado entre
Cambuci, Mooca e Liberdade, cortado pela rua General Glicério. Pd. Milini, com o dinheiro
arrecadado, comprou um terreno de 10.000 m², que ocupava toda uma quadra, próxima a fábrica de
cigarros Sudan. O projeto não se restringia apenas à construção da igreja, e sim de um verdadeiro
os arquitetos eram instruídos de que a função básica da igreja era converter o visitante num devoto,
criando assim igrejas em que predominava uma atmosfera mística. A partir da conferencia realizada
em Malines, na Bélgica, em 1909, a finalidade primordial da construção de uma igreja passa a ser
1
GALLO, Revista O Mensageiro da Paz, 1950, nº 135
2
Idem
3
A IGREJA através dos tempos, Informativo A Relíquia, setembro de 2005, nº 91, p. 24
2
Segundo Carlos Oswald, em artigo na revista Fede e Arte, publicada pelo Vaticano em
1954, o gosto moderno não era compreendido nem apreciado pela maior parte dos fiéis, tão pouco
pelo Clero Católico. Por essa razão, são raras as igrejas de arquitetura ou decoração artística
modernas. Entretanto a arte moderna, em suas várias formas e tendências, não era hostilizada pela
incompreensíveis ao público.1
começaram a chegar aos milhares em São Paulo, a igreja se viu compelida a ampliar seu papel dando
a essa gente, além do conforto espiritual, o conforto físico. No complexo da igreja, foram então
projetados a casa paroquial, uma creche, e, na quadra vizinha da rua Almirante Muriti, um albergue.
Foram construídas também salas para cursos profissionalizantes e de catequese para os filhos de
imigrantes e operários que trabalhavam nas indústrias das redondezas. A Igreja Nossa Senhora da
Paz, representou dessa forma, “a súplica continua da alma religiosa do povo paulista pela paz
consistente com a tradição italiana e ao mesmo tempo, ser moderno por não imitá-la. Leonardo
Arroyo em seu livro “Igrejas de São Paulo”, publicado em 1954, afirmou que a Igreja N. Sra. da Paz
mesmo tempo, interpreta com uma linguagem formal moderna, diversos elementos históricos da
1
Fede e Arte – Rivista Internazionale di Arte Sacra, Vaticano nº 6, p.: 180
2
IGREJA Nossa Senhora da Paz – A sagração do Altar Mor e a inauguração da Capela Mor do novo templo
construído pelos padres da Pia Sociedade dos Missionários de S. Carlos, A Gazeta, S. Paulo, 27/03/1943
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Senhora da Paz, na época nenhum teórico da arquitetura manifestou por escrito suas impressões
sobre esse projeto e a razão disso é que a arquitetura modernista não aceitava concessões. Qualquer
referência ao passado poderia ser confundida como um retrocesso à arquitetura historicista, a qual
Por outro lado, a modernidade do projeto causou grande resistência tanto por parte dos
clérigos como por parte da sociedade. Quando a construção estava em seus alicerces, chegou a
notícia de uma denuncia às autoridades eclesiásticas segundo a qual o Pde. Mario Rimondi estava
entre a proporção e o estilo, a forma e a função. O espaço é agradável, acolhedor e continua atraindo
os fiéis. A idéia inicial de Fulvio Pennacchi foi acatada pelo arquiteto, sendo então, a arquitetura da
basílica paleocristã, do período Românico uma referência no projeto da Igreja Nossa Senhora da Paz.
Foi nesse período, iniciado em 313, quando o Imperador Constantino permitiu que o cristianismo
fosse livremente professado, que os cultos deixaram as catacumbas, ganhando luz no espaço das
primeiras basílicas. A intenção do projeto é promover o retorno aos valores originais da fé cristã,
São varias as semelhanças entre a igreja de Sto. Apolinário, erguida em Ravena durante
este período e a Igreja projetada por Pettini. As duas igrejas têm três naves, sendo a nave central mais
alta. A basílica esta apoiada sobre arcos, sem transepto.2 Em ambas igrejas, as janelas superiores,
localizadas na altura entre o telhado das naves laterais e o da nave central, formam, juntamente com
1
LINGUANOTTO, Daniel, Nossa Senhora da Paz: A mais „moderna‟ construção sacra do continente depois da
Igreja da Pampulha, Revista do Globo, 15 out.1949
1949, p: 27
2
Transepto – parte de um edifício de uma ou mais naves, que atravessa perpendicularmente o seu corpo principal.
4
até os dias de hoje, que funciona da seguinte maneira: o ar fresco que entra no interior da igreja pelas
janelas inferiores, ao se aquecer, torna-se mais leve que o ar frio, se eleva e sai pelas janelas
A Nossa Senhora da Paz, assim como os templos gregos, é construída sobre um patamar elevado
com vários degraus. A fachada simétrica de tijolos aparentes e totalmente despida de ornamentos;
possui cinco grandes arcos de volta inteira, que unem seis colunas, formando o pronaos,1 um espaço
área de 1.225 m², com capacidade para 368 pessoas sentadas e 200 em pé.2 O esguio e simples
A planta da Nossa Senhora da Paz é também muito semelhante a da Igreja Sto. Apolinário
in Classe. A planta é longitudinal, e simétrica, com o pastofório 4 formado no centro, pela abside 3
onde esta o altar, ladeado pela prótese e o diacônico 5. A planta busca atender ao programa do
O interior do templo, encimado por uma abóbada de berço, possui nas duas naves laterais,
oito capelas. A nave central é formada por um vasto espaço longetudinal na extremidade da qual
1
Pronaos: do grego pro, à frente, e naos templo.
Parte frontal de um templo da Antiguidade greco-romana.
2
Segundo o projeto arquitetônico e a planta atualizada fornecida pela paróquia.
3
Pastofório: a parte posterior de uma igreja paleo-cristã
4
Abside: Recinto abobadado com planta semi-circular, onde fica o altar-mor.
5
Prótese e o diacônico: locais reservados aos diáconos e aos paramentos
sacros.
5
está o altar-mor elevado, tendo por trás uma abside, que ladeado por dois púlpitos revestidos de
mármore, de formas aerodinâmicas, concebidos de acordo com as linhas puras e geométricas do Art-
Déco; e no alto, por dois coros elevados que se comunicam com a nave por estreitas janelas
arqueadas.
As capelas laterais são compostas cada uma, com altar dedicado a um santo para atender as
igreja com seus afrescos e esculturas, foi planejada juntamente com a arquitetura, como demonstram
os estudos para decoração assim como a maquete interna. Segundo Menotti del Picchia “não há
final. 2
1
Estão fazendo uma obra de Arte, in O Mensageiro da Paz, Orgão mensal da Pia Sociedade dos Missionários de S.
Carlos Borromeu, nº 135, dez. 1950
2
LINGUANOTTO, Daniel, Nossa Senhora da Paz: A mais „moderna‟ construção sacra do continente depois da
Igreja da Pampulha, Revista do Globo, 15 out.1949, p: 71
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estático ao centro, enquanto ao fundo, dois afrescos de Fulvio Pennacchi se movimentam para
narrar episódios de sua história. Os artistas nos chamam a testemunhar os eventos como se eles
estivessem sendo representados num palco. Nessas capelas as representações das figuras são em
escala natural, mas para obter um efeito de profundidade no conjunto as esculturas de santos
possuem altura um pouco maior que as figuras da pintura. O altar-mor apresenta uma escala maior:
A escultura de N. Sra. com o menino Jesus tem 3.5 metros de altura e as figuras dos afrescos, três
metros. Ao centro da abside, separando os dois afrescos, está a pintura monumental do Cristo
Fulvio Pennacchi e Galileo Emendabili apresentam nos afrescos e nas esculturas dessa
igreja uma unidade de linguagem estética. Como imigrantes italianos não abandonam nem renegam
idéias da arte brasileira. Nesse sentido trabalham a partir da absorção de duas tendências
“retorno à ordem” e uma revalorização dos ideais clássicos na arte; e movimentos que surgiram na
Europa entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, sobretudo a Escola de
Paris, que defendiam uma ruptura com os postulados tradicionais da arte defendidos pela
academia.1 Observa-se também nos afrescos, uma clara influência da pintura narrativa de Giotto,
pintor italiano, que no séc. XIV, cobriu as paredes de uma pequena igreja em Pádua (Itália
setentrional) com afrescos que narram histórias inspiradas na vida de Cristo e da Virgem Maria.
1
CHIARELLI, Tadeu, in catálogo da exposição de Galileu Emendabili no Conjunto Cultural da Caixa, São Paulo, 2005
7
Questionado sobre quais seriam suas referências na representação dos santos, Pennacchi
deu o seguinte depoimento à revista O Globo: “Sabe, para pintar afresco, a gente precisa ter
alguma coisa dentro da gente, não pode haver modelo. Eles estavam dentro da minha cabeça. Fui
passado e o futuro, o céu e a terra. Como é possível observar, Pettini, Pennacchi e Emendabili,
utilizam um vasto repertório do passado para conceber uma igreja nova e moderna.
A Igreja Nossa Senhora da Paz, cuja sagração ocorreu em 1954, foi a única de São Paulo
escolhida pela comissão nacional para participar da Exposição Internacional de Arte Sacra do Ano
Santo, realizada em 1950 em Roma.1 Quatro anos depois, o trabalho realizado por Pettini,
por Emendabili.
1
LINGUANOTTO, Daniel, Nossa Senhora da Paz: A mais „moderna‟ construção sacra do continente depois da
Igreja da Pampulha, Revista do Globo, 15 out.1949, p: 26
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PENNACCHI
Estudo para decoração da Igreja Regina Pacis, dec. de 30
grafite sobre papel
EMENDABILI
Cálice
Prata, dec. de 40
BIBLIOGRAFIA
Livros:
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Nacional, 1985
ARGAN, Giulio Carlo, Guia de História da Arte, Lisboa: Ed. Estampa, 1977
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Grei, Abrindo a Terra, Elevando-se ao Céu; Mensageiro de Nossa Senhora da Paz, Orgão mensal da
Pia Sociedade dos Missionários de S. Carlos Borromeu, nº 135, dez. 1950
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OSWALD, Carlos, Arte Sacra Contemporânea in Brasile, Fede e Arte / Rivista Internazionale
di Arte Sacra, Vaticano, junho de 1954.
Dissertações e teses:
RAMOS, Flávia Rudge, Pennacchi e seu Templo (dissertação de mestrado), São Paulo:
Programa Interunidades de Pós-Graduação em Estética e História da Arte, USP, 2007
CHIOVATTO, Milene, Desejos imigrados: análise de igrejas católicas na Mooca e Glicério como
objetos culturais e indentitários, São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, USP, 2000
REIS, Andréia Cristina Costa, Catalogação de painéis e murais da cidade de São Paulo – Espaços
públicos e semi-públicos (tese de doutorado) São Paulo: FAU USP, 1989