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César alessandro sagrillo Figueiredo

OS COMUNISTAS BRASILEIROS E A
DITADURA MILITAR: POLÍTICA, MEMÓRIA
E TESTEMUNHO
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2018.
1° edição - 2018

Revisão, Normatização e Edição: Mauro Meirelles


Diagramação e Projeto Gráfico: CirKula
Revisão Ortográfica: Mauro Meirelles
Capa: Mauro Meirelles
Imagens da Capa: Freepik
Impressão: CirKula
Tiragem: 1000 exemplares.

Editora CirKula
Avenida Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1
Bonfim - Porto Alegre - RS
CEP: 90035-190
e-mail: editora@cirkula.com.br
Loja Virtual: www.cirkula.com.br
César alessandro sagrillo Figueiredo

OS COMUNISTAS BRASILEIROS E A
DITADURA MILITAR: POLÍTICA, MEMÓRIA
E TESTEMUNHO

2018
CONSELHO EDITORIAL

César Alessandro Sagrillo Figueiredo


José Rogério Lopes
Jussara Reis Prá
Luciana Hoppe
Mauro Meirelles

CONSELHO CIENTÍFICO

Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universi-


dade da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade
Católica Argentina.
André Corten (Canadá) - Doutor em Sciences Politiques et Sociales pela
Universidade de Louvain e Professor de Ciência Política da Universidade de
Quebec em Montreal (UQAM).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e professor do Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I - Pan-
théon-Sorbonne e Professor Titular de Sociologia da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro-
fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal.
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora no Departa-
mento de Estudos Especializados na Faculdade de Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Ad-
junto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na
Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Asso-
ciada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora da
Antonio Meneghetti Faculdade (AMF).
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular
da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).
José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e Professor Titular II do PPG em Ciên-
cias Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFLCH-
USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo Instituto de Pesquisa e Planejamen-
to Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/
UFRJ e professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Em-
presas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e Pro-
fessora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação, Pós-Doutora
pela UNED/Madrid e Professora Associada da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e Pesquisador liga-
do ao Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS).
Simone L. Sperhacke (Brasil) - Doutoranda em Design pela UFRGS. Mes-
tre em Design e Tecnologia e graduada em Desenho Industrial.
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e professor do
Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais em Mi-
neração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Universidade de
Paris X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação e Professor do
Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da UFFS.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela Uni-
versite de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) e em Science Sociale pela Univer-
sité Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e, também, Professora Titular da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul.
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Mestrado em Me-
mória Social e Bens Culturais do Unilasalle.
Sumário

9 Apresentação

Parte 1: Os Comunistas durante o Regime Militar e as suas formas


de atuação política

15 Capítulo 1
Os comunistas brasileiros na sua última
clandestinidade: 1964-1985

43 Capítulo 2
Os PC's e a questão democrática: discussões acerca da
democracia nos partidos comunistas no Brasil

67 Capítulo 3
Sindicatos e partidos políticos no Brasil
(Em Co-autoria com Mauro Meirelles)

87 Capítulo 4
A invenção da memória: a disputa pelo legado do comunismo
no Brasil entre o PCB e o PCdoB

Parte 2: A memória Comunista e o testemunho dos protagonistas


na luta contra a Ditadura Militar

109 Capítulo 5
A Ditadura Militar no Brasil e o teatro brasileiro:
memória e resistência da classe artística

135 Capítulo 6
As representações fílmicas de Vera Silvia Magalhães:
gênero, testemunho e resistência
159 Capítulo 7
Dirigentes políticas e guerrilheiras: o protagonismo
das mulheres na luta armada

185 Capítulo 8
A construção social das vítimas da Ditadura Militar
e a sua ressignificação política
(Em Co-autoria com Valéria Aydos)

215 Sobre o Autor


César Alessandro Sagrillo Figueiredo

APRESENTAÇÃO

Este livro reúne uma série de artigos já publicados em revistas


acadêmicas, com exceção de dois artigos inéditos. Em seu conjunto,
eles constituem um estudo sistemático dos partidos comunistas no
Brasil, neste caso o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), visando a sua dinâmica operacional du-
rante e após o advento da ditadura militar (1964-1985). Nesta obra
nos deteremos nesse embate, especificamente, como as organizações
comunistas conseguiram efetivar o seu trabalho político nas brechas
da ilegalidade constitucional, a fim de continuarem vivas e organiza-
das politicamente. A principal razão para reunirmos estes artigos aqui
nesse livro é para articularmos a continuidade do debate acerca das
organizações comunistas e a sua memória, também, em face do tempo
e da maturação dos estudos reunidos de caráter empírico e teórico,
podendo, assim, servir de subsídios para outras pesquisas na área. Para
efeito de compreensão do tempo estudado e a conexão do mesmo com
política recente, torna-se importante realçar a seguinte série temporal:
1) a ditadura militar teve seu início em 1964 e terminou oficiosamente
com a passagem da posse de um Presidente civil, eleito por vias indire-
tas, em 1985. 2) Porém, torna-se imperioso destacar que o processo de
transição para o regime democrático foi um evento extremamente len-
to, belicoso e com alto custo para as instituições políticas brasileiras,
talvez com sintomas inconclusos até os dias recentes. 3) Nesse sentido,
realçamos que a transição completa para a democracia embora legal-

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

mente tenha se dado em 1985, no entanto, a sociedade brasileira foi


mantida por um longo período, mesmo após 1985, ainda sob sanções,
coerções e sequelas do período militar.
Estes artigos aqui reunidos têm como objetivos discutir essa lon-
guíssima transição para a democracia no Brasil e as conexões com os
partidos mais acossados pela corporação militar, bem como os arbí-
trios sofridos pelo seu corpo militante. Assim, devemos enfatizar que
a ditadura militar e o seu longuíssimo processo de transição para a
democracia serviram de moldura histórica para a construir o tempo
político neste livro, período este em que os Partidos Comunistas (PC’s)
iriam aglutinar forças para fazer um trabalho político hercúleo a fim
de conter a sanha da corporação militar. Estes artigos dividir-se-ão
em duas partes: 1) primeiramente, o modo de operacionalização das
organizações comunistas, tanto no tocante ao seu modelo partidário
quanto as articulações no cenário nacional e internacional, bem como
a operacionalização e a divisão comunista entre duas organizações dis-
tintas (PCB e PCdoB). 2) num segundo momento, iremos trabalhar
com mais apuro acerca da memória do tempo passado em conjugação
com o tempo presente, melhor dito, a partir do olhar dos militantes no
presente, a fim de buscarmos interpretar o que ocorreu com eles no
passado enquanto militante comunista.
Os trabalhos aqui reunidos não pretendem dar respostas acabada
acerca da militância comunistas e tampouco dos caminhos dos PC’s a par-
tir da redemocratização, até porque esses caminhos ainda estão sendo es-
critos, assim como a própria democracia brasileira. Procuramos demons-
trar o percurso dessas organizações: 1) de partidos que queriam romper
com o status quo e que lutaram contra as amarras ditatoriais, 2) para par-
tidos que tiveram que fazer parte do grande establishment políticos do
Brasil a partir dos anos 80. Ou seja, de partido que buscaram os caminhos
para uma nova sociedade, conforme o projeto original dos partidos comu-
nistas, mas que tiveram que buscar novos projetos após a saída da ditadura
militar; e, principalmente, como estes se mantiveram operacionalizando
politicamente na complexa sociedade de classe brasileira.
Importante registrar nesse percurso histórico a figura do mili-
tante de esquerda comunista, como elemento importantíssimo nessa

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

trajetória política, uma vez que não se faz partido político sem o fo-
mento de homens e mulheres imbuídas desse ideal de transformação
acionados por esses partidos. Nesse sentido, torna-se de fundamental
importância a memória militante e, principalmente, o testemunho que
cada um imprimiu no seu percurso de luta, especialmente, o testemu-
nho e o retorno que os mesmos reverberam a partir do tempo presente,
acionando, assim uma memória de um tempo de luta. Esta ativação de
uma lembrança de luta rememora um ethos de um grupo que persiste
em manterem-se ativos até o presente, dentro desse espectro militante
em que os partidos de esquerda visam construir.
O primeiro capítulo, Os Comunistas Brasileiros na Sua Última
Clandestinidade: 1964-1985, foi publicado em 2014, na Revista Sul-A-
mericana de Ciência Política, v. 2, n. 2, possui como objetivo justamente
construir de maneira mais histórica a última clandestinidade do Par-
tido Comunista Brasileiro (PCB). Enfocando esse partido desde o seu
nascedouro até o final da ditadura militar, objetivando, especialmente,
demonstrar o severo ônus que um grande período de clandestinidade
causou para a organização comunistas. Buscando um diálogo com este
artigo, o segundo capítulo, Os PC´s e a questão democrática: discussões
acerca da democracia nos partidos comunistas no Brasil, foi lançado
em 2017, na Revista Debates v. 11, n.3 e possui como norte de estudo
um debate entre os dois partidos comunistas (PCB e PCdoB) acerca da
democracia como embasamento teórico e político e, principalmente, da
importância que este conceito adquiriu para a saída da ditadura militar
a partir do processo de redemocratização brasileira.
O capitulo 3, Sindicatos e partidos políticos no Brasil, foi publi-
cado em 2016, na Revista Paraná Eleitoral v.5 n.2 e tem como cerne o a
construção das Novas Centrais Sindicais a partir do processo de rede-
mocratização, principalmente, a partir da sua origem comum no núcleo
formativo do velho sindicato classista dos PC´s. Nesse estudo trabalha-
remos com as novas centrais sindicais desde a ditadura militar até mais
recentemente com a construção do Novíssimo Sindicalismo Brasileiro
a partir das centrais sindicais emergidas nos anos Lula (2003-2011).
O capitulo 4, A invenção da memória: a disputa pelo legado do
comunismo no Brasil entre o PCB e o PCdoB, não tinha sido publicado

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ainda e é um capitulo original, objetiva dialogar com os temas acima


trabalhado, pois visa focar o diálogo produzido pelo PCB e pelo PCdoB
desde a sua origem até o tempo presente pelo legado da sua historicida-
de. Ainda, esse capítulo possui como mérito além de fechar essa parte
do livro acerca do duelo entre os dois PC’s - duelo entre quem era o
verdadeiro partido comunista no Brasil -, também, começar a efetivar
um balanço das chaves da memória que acionam a história e as lem-
branças dessas organizações comunistas, dando, portanto, subsídios
para outras leituras organizadas nesse livro.
Visando dialogar com essas chaves da memória, com a passado
comunista, com a construção dos ethos militante e com as lembranças,
o capitulo 5, A ditadura militar no Brasil e o teatro: memória e resis-
tência da classe artística, foi publicado em 2015 na Revista Eletrônica
de Ciência Política v.6 n.2 e possui como recorte a maneira como o
teatro no Brasil se posicionou para fazer frente à ditadura militar. Se-
guindo essa mesma trilha da mídia artística, apresentamos o capitulo
6, As Representações Fílmicas de Vera Silvia Magalhães: Gênero, Tes-
temunho e Resistência, que foi publicado em 2017 na Revista Porto das
Letras Vol.03 Nº 2, que possui como objeto a análise fílmica da militan-
te comunista Vera Silvia Magalhães que fora retratada em dois filmes.
A partir da análise dos filmes este artigo dialoga com a literatura do
testemunho emergida pós regime ditatorial.
O capítulo 7, Dirigentes políticas e guerrilheiras: o protagonis-
mo das mulheres na luta armada, também é um artigo original, sendo
este fruto do estudo focando especialmente na literatura do testemu-
nho, memória de militância política e estudo de gênero. Esse artigo
possui como objetivo, sobremaneira, o estudo de perfil de dirigentes
comunistas guerrilheiras que tiveram papel de destaque preponde-
rante na luta armada.
Fechando essa análise através do foco de memória da ditadura
nos partidos comunistas e nas diversas secções advindas dos PC’s te-
mos o capitulo 8, A construção social das vítimas da ditadura militar e
a sua ressignificação política, que foi lançada em 2013 na Revista Ins-
terceções v. 15 n. 2, e tem como intuito um balanço dessa geração de
militantes comunistas e da esquerda que pegaram em armas contra o

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

regime militar, visamos neste estudo desde a construção embrionária


da figura de vítima da ditadura em face das torturas ocorridas até o
momento recente, quando ser oponente do regime militar e ex-preso
político transformou-se em trunfo político nas urnas acionando capital
de distinção política.
Este projeto é o balanço das análises de uma década de estudo
nesta linha de pesquisa acerca de ditadura militar, partidos políticos,
memória política e mais recentemente literatura política. Enfatizamos
que outros artigos nesta temática em diversas revistas nas áreas da
história, ciência política e literatura, igualmente, temos a certeza que
outros artigos virão nesta seara, uma vez que as sequelas da ditadu-
ra militar ainda se fazem presente nos dias de hoje, principalmente, a
partir do relatório da Comissão Nacional da Verdade. Portanto, esse
período político encontra-se ainda incluso e vivo no tempo presente,
podendo, portanto, serem acionado pelos leitores em diversas arenas
de estudo dentro e fora do mundo acadêmico.

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

OS COMUNISTAS BRASILEIROS NA SUA ÚLTIMA


CLANDESTINIDADE: 1964-1985

Introdução

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) é a organização partidária


mais antiga do Brasil, fundada em 1922, passou parte da sua existên-
cia na clandestinidade justamente pela caracterização política de ser
um partido antissistema (SARTORI, 1982), ou seja, que pregava uma
radical transformação da sociedade a partir da perspectiva marxista.
Assim, podemos considerar que desde o seu nascedouro teve que tri-
lhar os caminhos da ilegalidade para manter-se atuante no cenário po-
lítico nacional, com breves períodos de legalidade, como por exemplo,
entre 1945 – 1947, governo Dutra; e, entre 1958 até 1964 viveu uma
semilegalidade consentida, porém sem conseguir a legalização da sigla
partidária junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No entanto, a face mais dura da clandestinidade seria acionada
com o advento da ditadura militar, em 1964, evento este que além de
romper com a democracia vigente no Brasil, ainda elegia inimigos es-
tratégicos os quais deveriam ser combatidos. Em síntese, o PCB desde
o momento imediato ao Golpe Militar se viu alçado a um inimigo que
deveria ser eliminado, portanto, durante todo o período da ditadura
militar teve que agir na clandestinidade política, obtendo o seu regis-
tro partidário legal somente em 1985 – com a passagem do governo
militar para um civil.
Neste contexto, este artigo possui como objetivo principal exa-
minar a dinâmica partidária do PCB na sua última clandestinidade
(1964-1985), período em que fora duramente combatido; não obstante,

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

este partido mesmo com toda a perseguição imposta desempenhou um


importante papel na luta pela redemocratização no Brasil. Com o intui-
to de cumprir o objetivo proposto deste artigo analisaremos a sua po-
lítica partidária nas seguintes fases, a fim de uma melhor compreensão
de um período tão amplo e conturbado, quais sejam: 1) limiar do Golpe
Militar e adesão à política das Reformas de Bases de João Goulart; 2)
após Golpe Militar de 64 e as discussões no seio Comitê Central (CC)
acerca da perspectiva de luta armada; 3) o ajuste político da década de
70 e a contribuição ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB); e,
finalizando 4) as eleições de 1982, a última no qual o PCB iria ainda
encontrar-se clandestino atuando dentro do Partido Democrático Bra-
sileiro (PMDB), sucedâneo histórico do MDB.

O governo Jango: os antecedentes do golpe militar e o PCB

O período de início dos anos 60, mais precisamente, a gestão do


governo João Goulart, foi um momento de grandes turbulências no ce-
nário político nacional. Antes dele, após o Governo de Juscelino Kubits-
chek, quem assume o mandato de presidente do Brasil é Jânio Quadros,
eleito em 1961 pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL e que, mesmo
em um curto espaço de tempo, mostrou-se extremamente polêmico e
contraditório, culminando com sua renúncia do cargo em 1961. Neste
momento, o seu vice-presidente, João Goulart, que foi eleito por uma co-
ligação capitaneada pelo PTB, encontrava-se em missão diplomática na
China comunista. Torna-se pertinente enfatizar que Goulart fora minis-
tro do Trabalho no período Getúlio Vargas (década de 50) e, aproveitan-
do a oportunidade da renúncia do cargo, os militares tentam impugnar a
sua ascensão ao cargo presidencial, entre outras razões, justamente pelas
reservas e ligações deste com a plêiade do trabalhismo.
Mesmo sem sucesso a articulação golpista de 1961, impôs ao go-
verno de Goulart o modelo parlamentarista; sendo que é realizado um
plebiscito para definir a forma de governo do Brasil, em janeiro de
1963. O resultado dá ampla vitória para o presidencialismo, podendo
assim, Jango assumir plenamente como presidente do Brasil e, tocar as
tão “afamadas” Reformas de Base, as quais seriam:

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

As “reformas de base”, como ficaram conhecidas, abrangiam


algumas reformas bancárias, fiscal, urbana, agrária e univer-
sitária -, bem como, mudanças políticas e institucionais, par-
ticularmente a extensão do direito de voto aos analfabetos
e oficiais não graduados das Forças Armadas, assim como, a
legalização do Partido Comunista. Incluíam, também, políti-
cas nacionalistas que iam desde o controle sobre o capital es-
trangeiro até a nacionalização e o monopólio estatal de seto-
res específicos da economia. Embora concebidas como partes
de um programa global, a reforma agrária e as medidas diri-
gidas para aumentar o controle estatal sobre o investimento
estrangeiro tornaram-se objetos de iniciativas de políticas pú-
blicas e polarizaram a luta política. (FIGUEIREDO, 1993: 66)

Estas reformas tornar-se-iam o grande ponto de ruptura e insta-


bilidade do governo de Jango. Ainda, devemos realçar que tais deman-
das contemplavam os anseios do espectro nacionalista e da esquerda
moderada que apoiava Goulart, os quais citamos: o PTB, PCB, Ligas
Camponesas, entidades sindicais, UNE; ou seja, um grupo eclético,
mas sem, digamos, “densidade” política. Neste espectro se acentuava
um jogo de forças que tensionava o governo entre esquerda e direita;
assim como na própria estrutura política (executivo-legislativo) que
compunha o aparato institucional, dando, neste momento, uma nítida
moldura de um sistema político caracterizado como pluralismo polari-
zado (SARTORI, 1982): pois, tínhamos uma grande fragmentação no
sistema partidário, ativado por uma carga ideológica muito distante
entre eles, ocasionando assim, uma fragilidade e pouca coesão no cen-
tro político capitaneado pelo PTB.
Neste processo em curso, o delineamento das Reformas de Base
favorecia ao PCB, fazendo com que os comunistas endossassem ple-
namente o governo de Jango, buscando legitimá-lo com o intuito de
granjear futuramente a tão sonhada legalização partidária. Sendo as-
sim, Segatto aponta na sua obra, Reforma e Revolução: As vicissitudes
políticas do PCB – 1954-1964 (1995) que neste período os comunistas
do PCB aprofundaram a sua política de alianças com o PTB apoiando o
governo do presidente, assim como buscavam influenciar politicamen-

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

te. No entanto, segundo Segatto (1995), embora o PCB aderisse ao pro-


grama político de Goulart, internamente havia um tensionamento no
lócus partidário, oscilando entre a reforma e a revolução: 1) por um lado,
pleno apoio nas Reformas de Base; e, 2) por outro lado, buscavam impri-
mir, na medida do possível, um caráter mais aguerrido na sua política,
apoiando toda a sorte de manifestações, forçando, assim, uma radica-
lização que não era compatível dentro do limite da política de Jango.
Estas oscilações custariam caro, pois o governo de Goulart não tinha
a estrutura e amparo necessário para suportar tamanhas pressões e,
ao mesmo tempo, tanto a oposição quanto a esquerda não conseguiam
compreender os frágeis limites institucionais do presidente.
Ainda, é relevante enfatizar que um dos pontos nodais das Re-
formas de Base era a questão agrária. Este ponto tornava-se, no curso
da política do período, o grande Calcanhar de Aquiles, tensionando,
portanto, o governo Goulart em seu grau máximo: “Goulart argumen-
tou que a solução do problema agrário por meio do funcionamento de
mecanismos democráticos e legais estava sendo dificultado pela guerra
de retórica entre a esquerda e a direita” (FIGUEIREDO, 1993: 72).
Embora o PCB fosse o fiador das políticas de Goulart, internamente,
conforme já enfatizado, havia também uma disputa em sua seara políti-
ca, justamente por esse excessivo atrelamento da política pecebista ao
aparelho estatal do governo. Como reflexo desta adesão exacerbada,
Segatto (1995) aponta que neste momento, ocorria o apogeu da in-
serção do PCB na política nacional, mesmo semiclandestino, inclusive
participando das eleições, pois conseguia burlar a sua ilegalidade ele-
gendo candidatos dentro de outros partidos mais progressistas. Desta
feita, a política do período oscilava: 1) do ponto de vista das instituições
políticas, parafraseando Argelina Figueiredo (1993), entre democracia e
reforma; e, 2) do ponto de vista do PCB, referindo-se a Segatto (1995),
entre reforma e revolução.
Quanto ao plano nacional, não obstante as turbulências em cur-
so, Goulart insistia pelo aprofundamento das reformas. É catalizador
o emblemático comício de 13 de março de 1964, quando Goulart con-
clamava e “pedia urgência para a mudança da ‘arcaica’ Constituição,
insistindo que ela ‘não mais correspondia às aspirações do povo [...]

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

porque legalizava uma estrutura econômica obsoleta, injusta e desu-


mana” (FIGUEIREDO, 1993: 181). Ainda, ganhou contornos políticos
a famosa rebelião dos marinheiros, no qual Goulart endossou os revol-
tosos, causando transtornos à alta cúpula militar: “o tratamento que o
governo deu a esse acontecimento foi mais um estímulo à ação dos mi-
litares” (FIGUEIREDO, 1993: 184). Quanto ao PCB, em meio a toda
essa conjuntura e agitação na seara nacional, aproveitava, a seu modo,
para galvanizar apoio político para as suas hostes partidárias, assim
como relatar um clima de muita tranquilidade entre as forças militares,
nas palavras de seu dirigente máximo:

As forças armadas no Brasil têm características muito parti-


culares, muito diferentes de outros países da América Latina.
Uma das questões específicas da revolução brasileira é o caráter
democrático, a tradição das Forças Armadas, particularmente
do Exército. No exército brasileiro, esse democratismo vem de
longe. A oficialidade do Exército era recrutada, em geral, en-
tre a pequena burguesia mais pobre. Eu mesmo, que estou lhe
falando, só fui para a Escola Militar porque era o único lugar
onde poderia estudar engenharia [...]. O quer dizer, a pequena
burguesia mais pobre, justamente ia para a escola Militar, e isso
deu um caráter democrático, particularmente ao Exército brasi-
leiro, que participou e vem participando, em geral, de todas as
lutas do nosso povo [...] Temos em nossa direção numerosos
ex-policiais, o que causa surpresa com que eles compreendam
melhor esta especificidade no caráter das forças armadas brasi-
leiras, lhes pergunto: diga uma coisa, lá no país de vocês, seria
possível um antigo oficial do Exército acabar secretário-geral
do Partido Comunista? Eles consideram isto impossível, mas no
Brasil é possível, dado o caráter democrático das Forças Arma-
das (NOVOS RUMOS, 1964 apud GORENDER, 1987: 53).

Grande engano de Prestes, pois a oposição junto às forças arma-


das, já estava em franca campanha para abalar de vez o governo de João
Goulart. Para este aspecto é pertinente apontar o clássico estudo de
Dreifuss, 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe
(1981), no qual enfatiza como uma elite internacional associada à elite

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

nacional compôs um verdadeiro bloco hegemônico com o intuito de bus-


car atingir o poder. Neste sentido, destaca a criação do IPES-IBAD, cujo
objetivo era “agir contra o governo nacional-reformista de João Goulart
e contra o alinhamento de forças sociais que apoiavam a sua administra-
ção” (DREIFUSS, 1981: 161). Buscando atingir os seus objetivos, estes
órgãos citados procuravam ter relações com a Escola Superior de Guer-
ra (ESG). Desta forma, cristalizavam-se as forças de oposição contra o
governo Goulart: empresários, elite externa, forças armadas e coalizão
política oponente; para finalizar, bastava trazer o povo para junto da opo-
sição, evitando a repetição do malogrado golpe de 1961. Para tanto, nes-
te turbulento março de 1964, marcado pelo medo do perigo vermelho,
as forças opositoras organizaram junto com o alto clero, a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade, consolidando os condicionantes para
o golpe, junto com os seus principais atores; sendo que o povo, ou seja,
a classe média, agora, apoiava o golpe, - diferentemente da fracassada
estratégia golpista de 1961, abortada pela campanha da legalidade.
Em 31 de março de 1964 encerrou-se um ciclo no Brasil, instala-
va-se um Golpe Militar, representando a reação das forças conservado-
ras composta pelos setores do empresariado-nacional e internacional,
em conjunto com setores da classe média, sendo capitaneadas essas
forças pelos militares, com a finalidade de contraporem o caráter popu-
lista-reformista da coalizão que girava em torno do PTB de João Gou-
lart. De acordo com a aferição de Dreifuss (1981), o golpe não foi um
ato abrupto, mas sim um movimento gestado durante um longo tempo,
por este bloco, com a finalidade de tomada do Estado.

Por um período de quase dez anos, o bloco de poder emergente


visou a uma acomodação com o bloco de poder populista [...]
quando os interesses multinacionais e associados notaram a difi-
culdade crescente em se conseguir conter a massa popular den-
tro do sistema político populista, o bloco de poder emergente
teve de recorrer a outros meios (DREIFUSS, 1981: 106-107)

Quanto à apreciação por parte da esquerda efetivamente partici-


pante, temos a seguinte constatação de Jacob Gorender, personagem
de proa do Comitê Central do PCB no período:

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade


entre as várias correntes, a competição entre chefias personalistas,
as insuficiências organizativas, os erros desastrosos acumulados,
as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas – tudo isto em
conjunto explica o fracasso da esquerda. Houve a possiblidade de
vencer, mas foi perdida. [...] Mais grave é que foi perdida de manei-
ra desmoralizante. Com a definição incontestável no dia 1º de abril,
já no dia 3, a operação Brother Sam era desativada no Caribe, os
generais triunfantes proclamaram que o Ocidente ganhou no Brasil
formidável vitória a baixíssimo custo (GORENDER, 1987: 67).

Como podemos observar o golpe de 1964 encerra um ciclo extre-


mamente complexo da política nacional, tanto em face das disputas que
polarizavam o cenário institucional, quanto em face do acirramento das
disputas no seio da esquerda, principalmente PCB. Ainda, os eventos
de 1964 não desferiram “apenas” um golpe na democracia brasileira,
mas também soterrou o projeto político do PCB que endossava as Re-
formas de Base e todo o delineamento político a partir de uma revolução
pacífica, tão divulgada pelo PCUS; erodindo, assim, todo um trabalho
político e uma futura aludida legalização partidária.

PCB: Opção pela luta armada ou reforma - o exemplo cubano

Podemos dizer que o Golpe Militar de 1964 serviu como divisor


de águas para a esquerda brasileira. O PCB, neste momento, ainda o
maior partido de esquerda nacional, se viu atacado em toda a sua es-
trutura orgânica, assim como a sua linha política passaria a ser ques-
tionada no imediato ao golpe. No tocante ao questionamento da linha
política, devemos relembrar que no curso da luta no período Goulart,
este já era objeto de disputa interna, sendo acionada mais incisivamen-
te, portanto, com o advento do golpe militar. Ou seja, a unidade na ação
da linha política, delineada por uma comissão indicada pelo Comitê
Central e aclamada no V Congresso do partido, em 1960, se mostrava
mais explicitamente em suas contradições internas; no entanto, como
procede a todos os partidos marxista-leninistas, não podiam, ainda, os
opositores, contraporem veementemente o centralismo democrático.

21
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Neste período, a partir de 1964, o PCB iria, de fato, entrar na


dicotomia ente a reforma ou revolução, ou seja, se permaneceria com
a sua linha política tida como reformista (V Congresso) ou entraria
definitivamente na seara da revolução. Essa discussão estava no cerne
do alinhamento com a Internacional Comunista que definia a diretriz
política de Frente Única para os países latino-americanos e asiáticos,
caracterizando-os como países atrasados e ainda com resquícios feu-
dais, para tanto, justificava-se a necessidade desta revolução em duas
etapas. Assim sendo, uma via mais radical romperia com a dinâmica de-
finida pelos cânones do marxismo internacional, batendo de frente com
o PCUS. Era preciso, pois, abafar qualquer tentativa mais rebelde no
seio do PCB. Porém, os ventos cubanos começavam a soprar no Brasil,
a despeito da direção dos comunistas.
Obviamente, que o PCB, como caudatário da influência da URSS
e a sua propalada via pacífica, demonstrava uma falta de ênfase para
com a revolução cubana; dando mais destaque, justamente, aos aspec-
tos da luta anti-imperialismo e anti-latifúndio tocada pelos revolucio-
nários cubanos, buscando, assim, uma comparação “forçada” ao pro-
grama do V Congresso - porém, sempre ciosos, os comunistas do PCB
procuravam relativizar e diminuir o aspecto da insurreição e passagem
direta ao socialismo (SADER, 1991). Em síntese, mediante a conjuntu-
ra brasileira, a direção do PCB estava muito mais disposta a reerguer
o partido e a buscar culpados pelo fracasso, do que compreender o pro-
cesso cubano; ou seja, Cuba era uma influência geograficamente ainda
muito distante. Sendo assim, passado o primeiro susto, os comunistas
começam a lentamente a reconstruir o PCB com o intuito de reinseri-
-lo na seara da política nacional.
Quanto ao cenário político, devemos enfatizar que, embora os mi-
litares no Brasil tenham infringindo uma ditadura militar, mantiveram,
ainda que aparentemente, certa “normalidade” nas instituições demo-
crática, quais sejam: partidos políticos e eleições regulares, ainda que
rudimentares e com cassações. Tal fórmula orquestrada pelos militares
ficaria às claras com a institucionalização do AI-2, que extinguiu de
vez com os partidos políticos, criando apenas duas agremiações legais
dentro de um regime bipartidário controlado pela ditadura militar. Ha-

22
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

via, então: 1) por parte da oposição consentida, o MDB – Movimento


Democrático Brasileiro; e, 2) por parte da situação, a ARENA – Alian-
ça Renovadora Nacional. Porém, devemos enfatizar que ser oposição
durante a ditadura militar apresentava sérios riscos, pois grande parte
dos deputados do antigo PTB de Goulart foi cassada, não podendo,
assim, migrar para o MDB. (KINZO, 1988).
Este aspecto peculiar da ditadura militar brasileira se tornava
muito importante, pois seria neste cenário de oposição consentida que
o PCB tentou reorganizar o seu caminho. Conforme nos assegura Ma-
ria Dalva Kinzo na obra, Oposição e Autoritarismo: gênese e trajetória do
MDB (1988), o PCB será uma das primeiras organizações políticas que
apoiaram o MDB desde o seu nascedouro, em 1965, através da dupla
militância – a legal no MDB e a ilegal no PCB: sendo que, como era de
se esperar, tinham pouco poder de influência no início de sua trajetó-
ria. Embora com o seu limitado tônus dentro do MDB, os comunistas
começavam a gestar dentro desta agremiação política legal, a continui-
dade da tática de Frente Única, agora na esperança de se unirem aos
democratas mais avançados.
No entanto, a parcela mais exaltada e que já estavam desde mea-
dos do Governo Goulart buscando um caminho mais aguerrido e revo-
lucionário, começava a ser voz dissonante, agora nitidamente audível,
contrapondo-se às diretrizes políticas continuístas ao Congresso. En-
tre as primeiras vozes que despontava surge a figura de Carlos Mari-
ghella, personagem de importância do Comitê Central e ex-deputado
constituinte do partido em 1947; porém, ainda cioso e respeitoso das
diretrizes do Comité Central (CC) que ele compunha. Não obstante,
as fagulhas começavam a ser acesas, principalmente, com o advento da
eleição de 1966, a qual iria eleger os senadores, deputados federais e
deputados estaduais do período, - grande parte da militância comunis-
ta se rebela e não concorda entrar no “jogo da ditadura”, assim defini-
dos por eles: impasse complicado para o PCB. Torna-se pertinente en-
fatizar que conforme o PCB ia se enquadrando nos processos políticos
previamente conduzidos pela ditadura, mais uma parcela de militantes,
especialmente as novas adesões partidárias no pós 64, ia se distanciado
da linha tática de Frente Única do PCB; e, por outro lado, aumentava a

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

procura por novos exemplos de luta a fim de se romper com a diretriz


partidária vigente e trilhar outra via de luta contra a ditadura militar.
Um dos grandes faróis tornar-se-ia a revolução cubana.
Assim sendo, se antes Cuba, para os comunistas do PCB, parecia
ser um lugar tão distante e com características tão distintas da natu-
reza brasileira, agora, neste momento, parcela da esquerda brasileira
buscava semelhanças justamente com o intuito de endossar o exemplo
a ser seguido da revolução cubana. Nesse meio tempo, chegavam clan-
destinamente às obras de Che Guevara, A Guerra de Guerrilhas (1980),
e, principalmente, o livro de Regis Debray, Revolução na Revolução
(1967), exemplificando o modelo cubano, servindo como verdadeiros
manuais para a consecução da luta revolucionário. Portanto, nesse con-
texto, a situação brasileira servia de cenário. Estas publicações eram
apresentadas como receituário para romper com o imobilismo do PCB,
em outras palavras, se não houvesse as condições objetivas para a re-
volução, ela seria construída, mesmo acima do aparato do PCB e com o
risco de rompimento partidário. (SADER, 1991: 172). Podemos dizer
que esses livros fizeram a “cabeça” de uma nova geração que aderiu à
luta política no curso do pós-64. Ainda, torna-se importante registrar
que esses novos personagens, embora inseridos no PCB, não tinham
experiência de militância nas lutas pelas Reformas de Base, no período
do governo Goulart; fato este que os tornavam mais descompromissa-
dos com o modelo imprimido pelo CC (V Congresso). Contudo, preci-
samos ponderar tal afirmativa, pois embora fosse uma nova geração de
militantes que surgia na seara comunista, estes tornavam-se, também,
caudatários das discussões já candentes no seio do PCB, vide Mari-
ghella e outras figuras de destaque na hoste comunista.
Com a oposição ao Comitê Central assolando a seara do PCB,
os dirigentes buscavam ganhar tempo: tirar de circulação eminentes
militantes que pudessem por em risco a linha política do partido e,
no caso extremo, a sumária expulsão com todos os adjetivos contrar-
revolucionários atribuídos aos militantes discordantes, acusando-os
pela formação de grupelhos, frações e atuarem contra o real parti-
do representante da classe operária. Em tempo, demarcava-se um
processo de ruptura latente, em que muitas dissidências estaduais já

24
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

começavam a fazer recrutamento de militantes diretamente para as


mesmas e não mais para o PCB: era o início da diáspora e o nascimen-
to de uma nova esquerda no Brasil.
O VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro estava mar-
cado para 1964, com o intuito de buscar uma readequação da linha
tático-estratégica do PCB aos acontecimentos de 1963, ou seja, a gran-
de proximidade do PCB com as instâncias do governo Goulart e as
suas Reformas de Base. Obviamente, que os acontecimentos abortaram
este congresso, ocorrendo a sua realização somente no ano de 1967
em outra conjuntura, totalmente clandestina e com grandes adversida-
des, pois a polícia política estava no encalço dos militantes comunistas.
Além das adversidades ocasionadas pela clandestinidade, como referi-
do, havia fissuras, agora bem visíveis, que rachavam de cima a baixo o
PCB, ou seja, da base a direção partidária. Tais abalos faziam com que
o CC imputasse fortemente as regras de obediência ao centralismo de-
mocrático; no entanto, eram insuficientes para abrandar os ânimos dos
militantes mais exaltados.
Não obstante, o Comitê Central ia perdendo a sua unidade, aliás, a
unidade era, segundo os seus adversários, apenas aparente visando a le-
gitimação das teses no VI Congresso do partido. Além desses fatos, pesa-
va a grande derrota sofrida com o golpe de 1964, que encontrava-se ain-
da latente, além da necessidade de ter bodes expiatórios, os quais, agora
neste momento, seriam os que tivessem posição contrária a maioria do
CC. Mesmo com as manobras da direção, a oposição ia se estruturando
em todo os Brasil, surgindo a denominada Corrente Revolucionária: “De
início agrupou-se em torno de dirigentes tradicionais que, aliás, haviam
desempenhado papel chave na elaboração e defesa das formulações de
1958-1960: Mario Alves, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho, Jover
Telles, Carlos Marighella” (AARÃO REIS FILHO, 1990: 47).
No tocante às teses do VI Congresso, mesmo vivendo em uma
ditadura militar, a linha tático-estratégico do partido não foi modi-
ficada: revolução por etapas - nacional e democrático, com a tática
de Frente Única. Quanto à Frente Única, esta pretendia reunir uma
ampla coalizão de militantes e progressistas nacionais democráticos
dentro do MDB, com o intuito de promover uma ampla frente le-

25
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

gal para combater a ditadura. Nas palavras de Gorender (1987: 90):


“Como perspectiva de luta, propunham as Teses a derrota da ditadura
militar através das alianças com a oposição burguesa e dos arranjos de
cúpula. Reiterava a confiança na burguesia nacional e na possiblidade
do caminho pacífico da revolução”.
Tais diretrizes são radicalmente rechaçadas por grande parte
da militância. Os debates em torno da tese iam atestando a perda da
coesão interna do PCB, várias sessões estaduais aprovavam teses ra-
dicalmente contrárias. Assim o CC foi perdendo por maioria em diver-
sos Estados, entre os quais destacam-se: Rio Grande do Sul, que tinha
a presença de Jacob Gorender; e, São Paulo, dirigido por Marighella,
ainda soma-se as derrotas sofridas no Rio de Janeiro e Guanabara. Se-
gundo Gorender, “sob o controle de Prestes e Dias, a Comissão exe-
cutiva não se dispôs a aceitar as derrotas com espíritos democráticos.
A situação de clandestinidade facilitava o desrespeito às decisões das
assembleias e conferências” (GORENDER, 1987: 91). Como era de se
esperar a situação ficaria sombria para os descontentes, pois além do
encalce da repressão, ainda ousavam ir contra as diretrizes do CC.
Em face da exclusão dos oponentes da tese de 1967, os dissidentes
buscaram se articular visando uma unidade a fim de novamente – como
o PCdoB, em 1962 - reconstruir um partido realmente revolucionário.
Porém, as adversidades tornavam muito mais difíceis a unidade, pois a
repressão estava em seu encalce, ou seja, além das divergências teóricas
e programáticas a unidade era prejudicada pela repressão que começa-
va a atingir como mais eficiência os dirigentes comunistas. A unidade
não vicejou, fazendo com que a partir de cada dissidência regional sur-
gisse uma organização própria, segundo Aarão Reis Filho (1990: 49):
“As dissidências se pulverizavam. Com acordo demasiadamente gené-
ricos e dirigentes muitos jovens e inexperientes não formaram lastro
suficiente para estruturar uma organização partidária nacional”. Dos
frutos da Corrente Revolucionária surge o PCBR (Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário), acrescentando a letra R com o objetivo de
demostrar um continuísmo com o projeto abandonado pelo PCB: à re-
volução socialista. O PCBR teria destaque no conjunto das lutas no Rio
de Janeiro e no Nordeste (DELLA VECHIA, 2005).

26
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Quanto à secção do partido em São Paulo, esta era capitaneada pela


figura de Carlos Marighella que já se encontrava em total oposição ao CC,
desde a sua ida a Cuba. De imediato, passam a adotar o nome de Agru-
pamento Comunista de São Paulo, depois se chamando de ALN (Aliança
Libertadora Nacional). Em face da ida de Marighella a Cuba, a ALN não
segue a caracterização de partido, tal e qual o PCBR, pelo contrário, ad-
quire um caráter quase anarco-comunista baseando-se nas ações armadas
com o intuito de desenvolver a revolução, ou seja, não havia o centralismo
democrático, pois possuía vários comandos visando à luta armada real.
Também, mudou o enfoque do campo primordial da luta, deixando de se-
guir os cânones do castro-guevarismo com a guerrilha a partir do foco no
campo, o foquismo, mas sim, incorporando numa primeira etapa, a táti-
ca de guerrilha urbana, para depois enquadrar a passagem para o campo
como área estratégica através de uma coluna guerrilheira. Tal linha políti-
ca se cristalizará na elaboração por Marighella do Mini manual guerrilheiro
urbano (1969), traduzido para vários países. Torna-se importante registrar
que mesmo incorporando algumas mudanças da linha cubana, a ALN era
a organização oficial e legitimada pela alta hierarquia militar de Cuba, en-
viando, já no imediato ao VI Congresso do PCB, os primeiros militantes
dissidentes para treinarem guerrilha em Cuba (GORENDER, 1987).
Das outras dissidências que não fizeram parte da Corrente des-
taca-se, pelo vulto que tomou no momento da luta armada, a DI-GB
- Dissidência da Guanabara. Esta ganhou expressão com as lutas es-
tudantis do período, mas não logrou unificar as dissidências do PCB.
Esta organização rompe com o CC já em 1966, em face das eleições
deste ano e do apoio do PCB ao MDB. Ou seja, embora filha legítima
do velho partido comunista, não espera as resoluções da VI Congres-
so do PCB, em 1967, buscando imprimir uma caraterística própria no
curso da luta política. Segundo Aarão Reis Filho (1990: 50), a DI-GB
“tentou adquirir um perfil próprio, afirmar uma alternativa entre os
que preconizavam ações armadas imediatas (ALN) e os que defendiam
a construção prévia de um partido de novo tipo (PCBR)”. No entanto,
os caminhos levariam a DI-GB pelas mesmas trilhas da luta armada a
partir do AI-5, já que esta era visão do período, apostando no foquismo
cubano como tática de luta, a partir de 1969 atoda nome de MR-8

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Convém registrar que para a esquerda houve dois golpes: 1) o pri-


meiro, de 1964, que durou até 13 de dezembro de 1968 com a institu-
cionalização do AI-5; e, 2) depois o segundo golpe promovido pelo AI-5
pela Junta Militar, segundo as organizações de esquerda, sendo conheci-
do como o “golpe dentro do golpe”. Com o AI-5, acabavam as esperanças
de algumas parcelas da esquerda que ainda buscavam uma articulação
com as entidades legais ou semiclandestinas visando construir uma polí-
tica de massa, pois, com o AI-5, a ditadura apresentava toda a sua força,
através da estruturação do aparelho repressivo, portanto, dando pouco
espaço para as lutas nas instâncias legais. Ao mesmo tempo, parte da
esquerda possuía uma visão “ingênua”, achando que o AI-5 seria o es-
topim que ascenderia um barril de pólvora e que colocaria em cheque a
ditadura; pois, acreditavam que com o aprofundamento da luta armada,
as massas iriam se levantar e aderir à luta, - ledo e cruel engano, uma vez
que as organizações, longe de ganharem as massas, ficaram ainda mais
isoladas no seu cerco clandestino (AARÃO REIS FILHO, 1990: 69).
Não obstante ao processo da luta armada, o PCB tentava partici-
par do curso da luta legal através do MDB, reativando bases e buscan-
do se inserir nas eleições de 1970. Obviamente, que tal fato não passava
despercebido pelo crivo da repressão; no entanto, o alvo principal da
ditadura era abater as organizações armadas que se dedicavam a tenta-
tiva de organizar a guerrilha urbana. Assim sendo, aproveitando essa
brecha, a direção do PCB buscava reconstruir o partido mesmo sob a
mira de revólver da ditadura, visando, assim, construir novas alterna-
tivas de lutas. Tais tentativas de inserção legal faziam com que o PCB
perdesse mais ainda o seu atrativo para a juventude radicalizada, que
preferia o caminho da luta armada, que tinha objetivo de, justamente,
se distanciar do estigma que assolava o PCB: imobilista e reformista.
Quanto às tentativas da esquerda armada, em meados de 1970,
é organizada a Frente Revolucionária, que seria uma união informal
dos vários grupos armados visando trocas logísticas com o intuito de
efetivar operações armadas. Mas, seria uma nova derrota, conforme
Daniel Aarão Reis (1990: 73): “A derrota surpreenderia em 1964. Um
drama político. Depois de 1968, sem deixar de surpreender, a derrota
massacraria, em forma de tragédia, os comunistas brasileiros”. Assim,

28
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

os comunistas se deparavam em poucos anos com a sua segunda der-


rota, sobravam sonhos, mas faltavam condições objetivas e físicas para
operacionalizar uma virada política. Neste interim, de um lado 1) ficara
o PCB galvanizado pelo CC e endossando a política do VI Congresso e
com o apoio ao nascente MDB; e, de outro lado, 2) os dissidentes, que
optaram em condições totalmente adversas a uma luta armada extre-
mamente desigual, na qual foram aniquilados politica e fisicamente.

O ajuste da linha tático-estratégica do PCB


na virada dos anos 1970

Com o fim do ciclo de luta armada no Brasil, os militantes da es-


querda que não estavam presos, precisavam repensar as suas formas de
lutas, ou seja, a questão era como agir politicamente na reconstrução
das suas organizações. Importante frisar que, mesmo em meio a mor-
tes, exílios e prisões, o PCB continuava com a sua linha política inclusa
no MDB, tentando, mesmo que infimamente, constituir-se como uma
unidade de luta contra a ditadura. Quanto às outras parcelas da esquer-
da, sobrava pouca opção de luta e, tentavam a seu modo, reconstruir um
trabalho clandestino nas organizações de bases, buscando reativá-las,
ou, inclusive, com muito receio, seguir o exemplo do PCB ingressando
no MDB, - embora não confiassem na linha política da oposição legal.
Porém, devemos fazer algumas ressalvas, pois a partir de 1970
entrava no MDB uma nova parcela de deputados eleitos, mais aguer-
ridos, sendo encarados pela impressa como os “autênticos”, pelo tom
da luta, proporcionando, assim, um viés mais de partido de oposição
ao MDB. No entanto, devemos, obviamente, suavizar este tom, pois
ser oposição, mesmo legal no MDB, tinha um ônus: assinar ficha
em certas regiões do país em um partido de oposição implicava ne-
cessariamente ser perseguido, investigado pela polícia, preterido em
nomeação de concurso público, além de uma série de outras medidas
coercitivas que os arenistas buscassem lograr. Assim sendo, o campo
de oposição do MDB dava-se nos grandes centros urbanos, princi-
palmente, na região sul-sudeste, em que o grande embate procedia
nas eleições do período.

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Durante as eleições de 1966 e 1970, respectivamente, os pleitos


que visavam eleger deputados estaduais, deputados federais e sena-
dores, eram dominados pela ARENA, que venceu estas disputas, em
parte, pela ampla campanha da esquerda pelo voto nulo (MOREIRA
ALVES, 1984). Mas, nas eleições de 1974 a situação começaria a mu-
dar, pois a ditadura, acreditando que venceria mais uma vez as elei-
ções, decide abrir o debate para a campanha com o intuito de legiti-
mar-se perante a opinião pública; assim sendo, acontece à volta dos
primeiros debates pela televisão. No entanto, a oposição criava uma
campanha diferenciada, cuja propaganda pela televisão foi elaborada
pelo CEBRAP (Centro Brasileiro de Pesquisa), que contava com emi-
nentes pesquisadores, via de regra, professores sumariamente aposen-
tados das universidades pelo governo militar (KINZO, 1988). Nestas
campanhas, os temas procuravam relacionar a questão da ditadura ao
custo de vida, repressão, etc. A propaganda cai perfeitamente para o
MDB, proporcionando em algumas regiões, vitórias para esta agre-
miação. Em tempo, torna-se importante frisar que, como não tinha
eleições para governadores, a campanha para senador assumia o tônus
e a dramaticidade de uma campanha majoritária.
Com a aceitação por parte da ditadura da vitória parcial do MDB
em algumas regiões, em 1974, estas vitórias seriam, portanto, a senha
para a esquerda de que estava ocorrendo um iminente processo de libe-
ralização do regime, mesmo que muitíssimo bem controlado. Era o que
bastava para o PCB acreditar que a sua linha tática era a mais acertada,
considerando-se assim, o porta voz da vitória do MDB. Ainda, com a
avalanche de votos recebidos pelo MDB, a esquerda armada que se re-
compunha, saindo da prisão, realizava uma autocrítica da luta armada,
buscando, assim, se reconectar com a sociedade através da senda que
começava a galvanizar o apoio popular: os processos eleitorais. Talvez,
um dos fatos mais singulares da ditadura brasileira foi que, com o in-
tuito de manter certa naturalidade do processo político, mantiveram
eleições regulares, tal e qual o calendário no período multipartidário
anterior. Tal situação, além de causar uma distinção às demais dita-
duras do Cone Sul, dava, na medida do possível, um lastro legal para
a articulação subterrânea da esquerda inclusa dentro do MDB: Assim

30
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

sendo, neste período, teríamos declaradamente a dupla militância: a


legal - dentro do MDB e a ilegal – nas organizações de esquerda que
compunha a agremiação emedebista (FIGUEIREDO, 2009).
Relevante destacar que, em 1974, quem assumiu a presidência foi
o General Geisel, prometendo uma distensão lenta, segura e gradu-
al. Porém, para efetivar o processo de transição para a democracia no
Brasil, algumas cabeças precisavam ser cortadas: os comunistas. Pois,
a ditadura, a fim de tentar efetivar a transição, precisava buscar alguns
resguardos legais e, principalmente, ter sob controle os seus possíveis
e futuros oponentes. Assim sendo, era inadmissível aceitar que o par-
tido comunista estivesse incluso dentro do MDB e gozando de certa
autonomia para se organizar. Ainda, devemos registrar que a partir
de 1974 o MDB torna-se, de fato, um guarda-chuva político para as
organizações de esquerda do período que buscavam burlar a ditadura
e eleger representantes dentro do MDB: elegiam como se fosse “sim-
ples” candidatos do MDB, mas na verdade respondiam às diretrizes
das organizações de esquerda tornando, assim, o MDB um verdadeiro
biombo político. (KINZO, 1988; MOTTA, 2007).
Em síntese, a ditadura abria as portas, mas necessariamente a
direção dos PCB deveria ser cortada, pois o objetivo era deixar o par-
tido sem uma estrutura articulada, ou seja, sem direção organizativa
consolidada, de modo a deixá-los sem poder de ação, buscando, as-
sim, confundir o plano de ação dos militantes que estavam dispersos
pelo país. Sentença acertada, pois o PCB ficara sem direção efetiva
neste período – segunda metade da década de 70, em face da severa
repressão que se abateu assassinando parte do CC. Com a repressão
imposta, a outra parte da sua direção se espalhou pela Europa, Pres-
tes, que já tinha saído do Brasil em 1971, em virtude do acirramento
da ditadura no período Médici, encontrava-se na URSS desde então;
portanto, os soviéticos, neste momento, não serviam apenas como es-
teio teórico, mas também como exílio para os militantes comunistas
do PCB que lá encontravam-se exilados.
Ainda, precisamos realçar que algumas parcelas das corporações
militares tinham interesse de uma volta segura aos quartéis. Para tan-
to, buscavam promover uma distensão segura do aparelho coercitivo da

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ditadura militar – em tempo, a aniquilação dos oponentes era em cará-


ter seletivo, visando o CC do partido comunista. Porém, os dispositivos
militares falhavam, como exemplo paradigmático temos o assassinato
de Vladimir Herzog, que mantinha ligações com o PCB, em 1975; e,
posteriormente, em 1976, a morte do operário, Manoel Fiel Filho. Es-
ses assassinatos, mesmo vivendo sob o regime da ditadura, gerariam
uma série de manifestações. Como resposta, o presidente Geisel demite
o Comandante do II Exército, o General Ednardo D’Ávila Mello. Era
o sinal que os meios de comunicação, sociedade civil, MDB e organiza-
ções de esquerda precisavam para efetivar um processo de construção
de uma distensão, nas brechas do aparelho repressivo, visando, assim
uma possível futura volta à democracia no Brasil.
Embora com a repressão existente, conforme salientado, a so-
ciedade civil começara também, modestamente, a se reorganizar nas
sucessivas lutas – tímidas, ainda num primeiro momento – na segunda
metade dos anos 70. Sendo que, realçamos que o foco da disputa se
daria, realmente, nas eleições de 1978, a qual funcionava como se fos-
se uma verdadeira disputa plebiscitária: MDB versus ARENA. Ainda,
além de extinguir a direção do PCB, a ditadura ainda editava uma sé-
rie de medidas como o fito de buscar contornar a situação do caráter
plebiscitário que estava tornando forma nas eleições, principalmente,
no Sul-Sudeste. Tais atitudes, longe de proporcionar à ditadura uma
vitória nas urnas, pelo contrário, reforçava o caráter plebiscitário, pro-
porcionando, assim, algumas vitórias reais ao MDB. (LAMOUNIER,
1987; MENEGHELLO, 1989).

O partido comunista brasileiro dentro do MDB-PMDB:


a eleição de 1982 e a legalidade sonhada.

No final dos anos 70 e início dos anos 80 encontramos o PCB


um tanto quanto acéfalos e golpeados de um lado pela repressão im-
placável do regime militar e de outro lado espremidos por novos mo-
vimentos sociais emergentes. Segundo Pandolfi (1995), os comunistas
participaram do processo de luta e redemocratização do período, mas
tiveram seu protagonismo relativizado e suplantando por outros no-

32
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

vos atores que emergiram no processo de transição, dando ao PCB um


semblante de anacronismo político, como se fossem partidos do passa-
do. Além do mais, conforme já referido, o PCB em virtude da sua tática
mais moderada e em franca aliança com o MDB, acabava por gerar
uma menor clandestinidade, consequentemente, uma maior exposição
de seus militantes, ocasionando, muitas vezes, prisões generalizadas de
quadros da sua agremiação, principalmente a partir do ascenso da vira-
gem eleitoral de 1974. Conforme já enfatizado, o PCB justamente por
ter vários militantes eleitos, nos sucessivos pleitos – 1974, 1976, 1978,
tornara-se, também, o alvo dos militares neste fim de década.
Em meio a este cenário de lutas, o Brasil, no final dos anos 70,
viu-se diante dos novos movimentos sociais em curso, como as ondas de
greves que varreram o ABC paulista, assim como as campanhas contra
a carestia, a luta pela anistia, etc. O PCB, mesmo com candidatos elei-
tos nos pleitos, se via debilitados nestes anos finais da década de 70, às
vezes com as unidades regionais sem ligação com o Comitê Central, em
virtude da fragilidade partidária face a repressão, viu-se a reboque dos
novos atores. Podemos ver claramente tal debilidade nas lutas sindicais
do período, em que o PCB tinha menor poder no movimento sindical,
ficando longe de serem os protagonistas, assim como estiveram à dis-
tância de dirigir o processo e ter a hegemonia no campo das lutas, con-
quistando esta seara política o emergente Partido dos Trabalhadores
(SANTANA, 2001). Quanto ao PCB, conforme Menezes:

Durante os anos de 1978 e 1979 [...] na verdade, o que restava


do PCB era apenas uma unidade aparente. No Brasil, o Partido
encontrava-se disperso sob as asas dos vários MDB’s regionais,
muito mais ligados à frente oposicionista (MDB) em cada estado
do que ao Comitê Central. Este também encontrava-se dispersos,
com seus membros em vários países da Europa e na URSS, reunin-
do-se apenas ocasionalmente. Por sua vez, as bases pecebistas no
exterior também encontravam-se dispersas uma das outras e mais
ainda em relação ao Comitê Central (MENEZES, 2002: 348).

De qualquer modo, embora houvesse debilidade aparente, o PCB


estava ainda vivo, em núcleos regionais/estaduais no Brasil, com as

33
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

suas respectivas células levando a política partidária, construindo par-


tido e resistindo no processo de abertura política. Vemos que no curso
do final dos anos 70, há alguns pontos em destaques no que tange a
abertura política que são: o fim do AI-5 e a Anistia; estes dois adventos
são bem relevantes, pois trouxeram de volta os exilados e a liberdade
dos presos políticos, e, consequentemente, a oportunidade de uma re-
organização mais efetiva por parte dos comunistas. Neste percurso, en-
fatizamos que somente após a Anistia, em 1979, que puderam melhor
construir (ou reconstruir o partido), efetivar recrutamentos e divulgar
as ideias partidárias; agora numa situação de maior visibilidade, como
por exemplo a venda de jornais. Porém, ainda sempre com muito cui-
dado, uma vez que com a extinção do AI-5, em 1978, findavam-se algu-
mas regras de exceção, mas não findava totalmente as advertências da
militância no quesito segurança, pois embora se vivesse nos primeiros
atos do crepúsculo da ditadura, ainda a agremiações partidária se divi-
diam entre o legal (PMDB) e o ilegal (PCB)1.
Neste momento, entre a reorganização partidária de 1979 e a
eleição de 1982, vivia-se o período a denominada semi-clandestinida-
de, portanto, não mais a clandestinidade absoluta. Quanto à clandes-
tinidade, é relevante enfatizar que essa era uma situação extrema da
militância política, em que por uma questão de sobrevivência física e
em face da perseguição sofrida, muitos militantes comunistas precisa-
ram tornar-se clandestinos em seu próprio país. Entrar para a clan-
destinidade implicava a troca dos seus nomes verdadeiros por outra
identidade “fria” em seus documentos pessoais, também, era necessário
afastarem-se da família e de seu círculo de convivência, com o intuito
de preservar a si mesmo e os seus afins (ARANTES, 1999). Em síntese:
trabalhavam e viviam como se fossem outra pessoa. Obviamente, que
dentro da rede partidária ilegal (PCB), a sua verdadeira identidade de
1 Em 1979, o presidente militar eleito, João Figueiredo, extingue o bipartidarismo:
do seio do partido do governo ARENA emerge o Partido Democrático Social (PDS),
no tocante ao MDB, dá origem ao seu sucedâneo Partido do Movimento Democráti-
co Brasileiro (PMDB). Também, neste momento consegue o seu registro o Partido
Democrático Trabalhista (PDT), formado eminentemente com egressos do velho
trabalhismo; o Partido dos Trabalhadores (PT), que galvanizava os egressos das
lutas operárias do final dos anos 70; e, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sem
expressão. Convém registrar que, como era esperado o PCB não conseguiu a sua le-
galização partidária, tendo que continuar militando internamente dentro do PMDB.

34
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

militante comunista se mantinha, sendo que, mesmo assim, tinham que


usar codinomes e medidas extremas de seguranças, a fim de garantir
a sua sobrevivência e, consequentemente, da sua organização. No en-
tanto, neste novo momento que se abria (1979-82), tinha-se a chamada
semi-clandestinidade: trabalhavam, viviam, militavam com a verdadei-
ra identidade, porém sempre receosos, não abrindo as questões do par-
tido, não expondo totalmente o seu verdadeiro partido, enfatizava-se o
trabalho na dupla militância, tanto no PCB quanto dentro do PMDB.
Ou seja, o PMDB dava o suporte legal do lócus militante, mas ainda
ocultava-se o vínculo partidário, os recrutamentos partidários ainda
eram feitos com cuidado, efetivados com muito receio, a fim de não ex-
por a base partidária, sempre com medo de um possível retrocesso polí-
tico. Ao mesmo tempo em que essa dupla militância dava o suporte aos
comunistas; por outro lado, o fato de ainda estarem na clandestinidade
ainda ocasionava sérios dissabores, uma vez que não podiam construir
a sua política às claras, assim como as demais organizações partidárias
do período que tinham conseguido a sua legalização. Convém, rela-
çar, que em face das lutas do período e dos novos movimentos sociais,
principalmente o sindical, o Partido dos Trabalhadores (PT) acabava
galvanizando o grosso da militância de esquerda e, por conseguinte,
enfraquecendo ainda mais o combalido partido comunista.
Em relação à questão da dupla militância, este fenômeno pode-
rá ser percebido com muito mais clareza e visibilidade no pleito de
1982. No tocante a importância do pleito de 1982 para o processo
de redemocratização, este fundamentava-se pelas seguintes razões:
1) seria através dos eleitos no pleito de 1982 que iria ser escolhido
o novo presidente civil eleito por voto indireto, através do Colégio
Eleitoral, portanto, a eleição poderia por em cheque definitivamente
a ditadura, dependendo da correlação de forças que se processaria
neste cenário eleitoral; 2) pelo caráter de eleições gerais, para gover-
nadores, deputados federais, deputados estaduais, assim como para
prefeitos e vereadores em diversos municípios (somente em capitais
e nas chamadas áreas de segurança nacional não haveria eleição para
prefeito); e, 3) com a anistia e o fim do AI-5, consequentemente, há a
volta dos exilados e a liberdade dos presos políticos, ocasionando que

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

o PCB poderia se (re)organizar mais expressivamente, mesmo que


dentro das instâncias peemedebistas.
Quanto aos comunistas (PCB), eles aproveitavam justamente o
ascenso político do período (eleição de 1982), que era bastante propí-
cio, tanto para granjear espaço, quanto para ganhar novos militantes
e, consequentemente, consolidarem-se no cenário político. Para tanto,
contava a seu favor com uma bem consolidada estrutura institucional
do MDB-PMDB, uma vez que a relação infrapartidária dos comunistas
com este partido legal estava bem estabelecida em virtude dos longos
anos de convivência. Assim, o PMDB servia perfeitamente como su-
porte para a consecução tática dos comunistas, tornando a eleição de
1982 um grande cenário político, onde poderiam denunciar a ditadura
com mais veemência e com isto granjear mais apoio, aliados e militan-
tes na luta contra o regime militar que caminhava para o seu fim.
No entanto, tal proximidade afetará a estratégia do partido, pois
mesmo tendo ainda o socialismo como objetivo estratégico final sine
die (MENEZES, 2002) e o centralismo democrático como organização
partidária, sofrerá alguns reveses dessa política a curto prazo, como
por exemplo, no que tange a perda de militantes para as fileiras do
PMDB em virtude da dupla militância. Ou seja, esta bricolage partidá-
ria não trazia apenas prejuízo no que tange a perda da sua militância
para o PMDB, mas como aponta Pandolfi (1995) produziu também o
esvaziamento do caráter de identidade do próprio partido, que fazia
que o nome partidão fosse somente um jargão afetivo da esquerda, de
algo grandioso que já não mais existia. Não obstante aos reveses infli-
gidos pela ditadura militar, o PCB ainda perdia a sua maior referência
Luiz Carlos Prestes, em 1981, numa briga interna que produzia um
esvaziamento ainda maior das hostes partidária.
De qualquer modo, em 1982 tentarão fazer o seu VII Congresso
em São Paulo, porém abortado pela repressão em nome da Segurança
Nacional; sendo que, o congresso definitivo ocorrerá somente em 1984
e será veiculado com documento cujo título expressa bem os anseios da
linha política comunista, Uma alternativa para a crise brasileira: encontro
nacional pela legalidade do PCB (1984), no qual imprimia um caráter ex-
tremamente conciliador para a transição brasileira, dando o papel fiador

36
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

desse processo de transição ao PMDB. Em 1985, com a passagem do


General Figueiredo e a posse de José Sarney, finalmente desde a década
de 40, o PCB consegue novamente o seu registro junto ao TSE. No en-
tanto, a realidade mostrou-se aquém dos seus prognósticos, pois com o
advento da legalização partidária e a saída do PMDB, nem todos os mi-
litantes optaram em assumir a sua real agremiação partidária de origem,
preferindo permanecer no PMDB (MELHEN, 1998). Ainda, devemos
enfatizar que ficar neste partido não fora uma regra, mas de fato, repre-
sentou uma parcela muito grande da militância pecebista que preferiu,
digamos, a “comodidade” de manter-se na arena peemedebista.
Não obstante, por mais esperanças que os comunistas tinham
com a tentativa de novamente voltarem ser o Partidão, após a redemo-
cratização, tornavam-se definitivamente apenas um nome afetivo de um
passado que não existia mais. Embora com os sucessivos influxos (na-
cionais e internacionais), nos quais o PCB buscou equilibrar-se, o certo
é que os pecebistas apresentavam um severo atraso no curso das lutas
sociais no Brasil, ou seja, quem pretendia ser a cabeça dos movimento,
ficara sendo a cauda; buscando sempre dar respostas, mesmo quando
as bases já se encontravam bastante distanciadas, conforme pode ser
visto nas lutas do período, no qual o Partido dos Trabalhadores (PT)
conquistou expressivo reconhecimento nas lutas dos trabalhadores,
erodindo, por conseguinte, a base do PCB junto a classe operária que
um dia ele sonhara emancipar (SANTANA, 2001).

Considerações finais

Os comunistas brasileiros representados pelo PCB permanece-


ram a maior parte da sua vida legal na clandestinidade, desde o seu
nascedouro lutando contra o status quo e buscando construir uma al-
ternativa ao socialismo no Brasil. No entanto, gozou de poucos mo-
mentos de legalidade política, sendo o período mais severo a ditadura
militar de 1964 a 1985. Neste período este partido se viu caçado como
oponente do regime militar, fato este que fez aprofundar ainda mais
a sua clandestinidade política. Mesmo com severo cerceamento con-
seguiu imprimir uma aguerrida luta no combate a ditadura militar e

37
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

estabelecer-se como veículo tático na luta através do MDB, desde seu


nascedouro, dando suporte para as sucessivas eleições desde os anos 60
até o início dos anos 80.
Conforme verificado, o PCB serviu de fiador do MDB junto às
outras organizações do período, e, principalmente, trazendo os mais
radicalizados para dentro da política partidária emedebista. Tal con-
junto de atores conseguiram colocar em cheque o regime militar nas
sucessivas eleições ao longo da década de 70, dando um caráter plebis-
citário aos sucessivos pleitos. Não obstante, na luta surge novos atores
no final dos anos 70. Igualmente, neste período devemos realçar que os
comunistas não conseguiram a sua tão sonhada legalidade partidária
com a reforma partidária, desbotando ainda mais o velho partidário
no cenário político nacional. Ou seja, na medida em que emergia um
conjunto de novos atores e novos partidos políticos o PCB continuava
incluso dentro do PMDB, sem poder mostrar a sua real política, ser-
vindo de fiador para a consecução da Nova República que viria através
do protagonismo do PMDB.
Em síntese, tais fatos combinados - a clandestinidade longa e a
dupla militância - trouxeram um severo ônus a dinâmica partidária,
fazendo com que os seus militantes perdessem a identificação com a
organização comunista e alguns preferissem assumir o PMDB mes-
mo após a legalização partidária, em 1985. Finalizando, as esperan-
ças malogradas da Reforma de Base dos anos 1960, que entre outras
questões pontuais vislumbrava a legalização partidária do PCB fora
sepultada em face da cruel ditadura militar; sendo que, somente pu-
deram, realmente, efetivar o registro legal com a Nova República, em
1985, ou seja, somente 21 anos depois conseguiram sair da clandes-
tinidade. No entanto, o Brasil estava modificado e o cenário político
era outro, o PCB era um partido do “passado”, pois: 1) novos atores
e Partidos surgiam junto à classe trabalhadora; e, além disso, 2) uma
longuíssima clandestinidade imposta pela ditadura militar auxiliava
no anacronismo do PCB. Concluindo, na esperança de um renasci-
mento no novo período pós-1985, aportam na seara do PCB novos
programas e discursos advindos do Leste europeu como a Perestroika,
no final dos anos 80; no entanto, esse novo referencial seria definiti-

38
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

vamente sepultado com o fim da URSS, em 1991, mais uma tentativa


malograda. Tais conjuntos de fatos e eventos combinados ao longo
das décadas acabaram refletindo na extinção do PCB, no início de
1992, e com a fundação do PPS. Nesta perspectiva, realçamos que
uma clandestinidade muito longa, como fora imposta ao PCB pela di-
tadura militar brasileira, também, ceifa uma organização partidária,
pois fragmenta-a ao longo do tempo erodindo a sua militância e não
dando veículo para criar uma institucionalização partidária estável,
ou seja, a clandestinidade também mata.

39
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

OS PC'S E A QUESTÃO DEMOCRÁTICA:


DISCUSSÕES ACERCA DA DEMOCRACIA NOS
PARTIDOS COMUNISTAS NO BRASIL

Introdução

O PCdoB e O PCB são os partidos mais antigos do Brasil, ambos


disputando o legado histórico do velho partido comunista fundado em
1922. Tal secção na seara comunista foi fomentada por vários fatores
conjunturais no cenário político da década de 50, tanto no espectro
nacional quanto internacional, entre esses fatores destacamos a impor-
tância da questão democrática, servindo como argumento teórico para
as discussões candentes do período. No entanto, o caminho dos comu-
nistas foi extremamente tortuoso, cerceados por uma ditadura militar
que durou 21 anos e que liquidou muito dos seus quadros políticos,
fazendo com que os comunistas apreendessem a elaborar a sua política
nas brechas da legalidade consentida e com isto buscarem os melhores
caminhos para uma transição para a democracia no Brasil.
Partindo deste enfoque inicial, este artigo apresenta o seguinte
questionamento proposto: Qual a influência da questão democrática
nas diretrizes políticas dos Partidos Comunistas no Brasil? Tal ques-
tão pode ser vista desde a década de 50 e, especialmente, pela ênfase
destes partidos por uma transição pactuada e conservadora com o re-
gime militar (1964-1985), principalmente após anos 70, uma vez que
insistiriam nesta tática política para uma retomada da democracia no
Brasil. A partir destes questionamentos construímos como hipótese

43
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

que houve a substituição da luta estratégica pelo socialismo por uma


acomodação política partidária numa democracia liberal, e com isto
prevalecendo o reformismo nas hostes do comunismo brasileiro.
Com o intuito de responder a esta pergunta, cabe-nos investigá-
-la buscando os seguintes marcos temporais em que houve, de fato, uma
inflexão nas questões democráticas e que influenciaram a linha política
partidária: 1) a conjuntura política da década de 50, que serviu como
moldura para a construção da Declaração de Março, diretriz política que
se consagrou no V Congresso do Partido, em 1960, fomentando uma
primeira secção dos comunistas no Brasil; e 2) a conjuntura política da
ditadura militar que consolidou a tática democrática dos comunistas
do final dos anos 70 para 80, tal premissa tinha como objetivo buscar
uma saída consentida do regime militar.
Torna-se importante frisar que este artigo possui como objetivo
principal analisar as linhas tático-estratégicas dos comunistas, especial-
mente a partir dos anos 50 com ênfase na questão democrática das suas
diretrizes partidárias. Realçamos que não se trata de analisar o debate
da cultura democrática interna entre a elite dirigente e as suas bases,
mas sim objetivar acerca dos encaminhamentos políticos que os comu-
nistas procuraram dar a fim de responder as adversidades da conjuntu-
ra nacional dos anos 50 até anos 80. Ainda, consideramos que além das
influências da política nacional para a moldura da questão democrática
dentro dos Partidos Comunistas (PC’s), houve também os reflexos ex-
ternos que o comunismo internacional precisou enfrentar para as suas
crises, especialmente nos anos 50 e nos anos 80. Também, destacamos
as reformulações na própria matriz do pensamento comunista, tanto
acerca da sua elaboração do conceito teórico de democracia quanto dos
arranjos políticos que os partidos comunistas fizeram a partir dos anos
70 sob a influência do eurocomunismo (SARTORI, 1982).
Ainda, sobre os condicionantes destas influências, mais especi-
ficamente o nacional versus o internacional, salientamos à guisa de
introdução que grande parte dos autores oscilam ora por uma vertente
historiográfico-política dando peso sobremaneira para a questão in-
ternacional, ora para as questões nacionais, atrelando a esta última os
dilemas sobre reforma, ditaduras, luta pela liberdade e democracia. No

44
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

entanto, ponderamos a este respeito e seguimos algumas indicações


profícuas a respeito de buscar uma categoria mediana, ou seja, com-
preendendo a existência real deste caráter dual (embora, muitas vezes,
tenso) no seio do marxismo brasileiro. Dualidade que implica na tensão
constante entre revolução ou reforma, justamente como reflexo desse
filtro interpretativo entre a conjuntura nacional e a internacional.
Quanto aos procedimentos metodológicos, tratar-se-á de um tra-
balho qualitativo, pois visa à reconstituição histórica procurando exa-
minar comparativamente os PC’s, com maior ênfase, entre os anos 50
e 80 do século XX. Para a consecução deste artigo, trabalharemos com
as bibliografias referentes aos elementos mais significativos do con-
texto internacional e nacional que busquem aludir à questão proposta.

Conjuntura política da década de 50 e a Declaração de Março

No tocante ao surgimento do Partido Comunista em nosso país,


este surge como reflexo das lutas surgidas no Brasil no final do sécu-
lo XIX e início do século XX, principalmente entre grupos socialistas
dispersos e elementos do anarco-sindicalismo, muito fortes no período.
Também, é relevante destacar a força motriz e a influência impulsiona-
dora da Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, como exemplo para a
consecução de um partido com caráter comunista na cena política brasi-
leira, sendo este fundado em 1922. Quanto a esta bricolage entre referen-
ciais teóricos distintos e experiências militantes em frentes diferenciadas,
foi uma situação análoga a outros países do mundo, pois o bolchevismo
se mostrou mais apto a abrigar a ânsia militante do período, justamente
em face do sucesso da Revolução de Outubro. (AGOSTI, 1988: 72-73).
Quanto ao marco de formação do Partido Comunista no país,
primeiramente, torna-se relevante esclarecermos o seguinte: o partido
nasce com o nome oficial de Partido Comunista do Brasil e utiliza-se
institucionalmente ao longo do seu percurso, inclusive em eleições da
sigla PCB. Convém registrar que no imediato à fundação do PCB, fo-
ram enviados a Moscou emissários para solicitar inclusão partidária na
III Internacional Comunista - não obtendo o reconhecimento de pron-
to, justamente por esse caráter egresso do anarquismo, ainda, difuso.

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

No entanto, em 1924 o PCB conseguiu o seu ingresso no V Congresso


da Internacional Comunista.
Durante esse percurso inicial o PCB funcionou como uma sucur-
sal do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), caudatário em
sua política das diretrizes da III Internacional Comunistas. Salienta-
mos que os comunistas de toda a América Latina, somente em 1928,
com a VI Conferência da Internacional Comunista, teriam um plano
elaborado para as suas respectivas seções latino-americanas. Sendo
que, é importante frisar que nesta Conferência há a caracterização polí-
tica de todos os países da região como países coloniais, semi-dependen-
tes e semi-feudais ou feudais, fazendo com que tal programa implicasse
numa linha tático-estratégica de libertação nacional (ZAIDAN, 1991).
Neste ínterim, há o advento do ingresso de Prestes e seus tenen-
tes no PCB. Prestes se encontrava exilado na Bolívia, sendo que houve
a articulação com o PC argentino, a fim de cooptá-lo para as hostes
comunistas, bem como houve uma frutífera estadia na URSS que visou
prepará-lo e mediar a sua entrada no PCB. Tal ingresso, portanto, da-
ria uma coloração um tanto mais militarista no nascente partido, pois
segundo Leôncio Rodrigues no texto, O PCB: Os dirigentes e a organiza-
ção (1996: 371), o ingresso de Prestes produziu impacto profundo para
a agremiação comunista, uma vez que com ele “vieram os militares que
posteriormente assumiriam posições de comando no Partido, produ-
zindo essa mistura de stalinismo e tenentismo que caracterizou o PCB
nos anos subsequentes”. Nos anos 30, é criada a ANL (Aliança Nacio-
nal Libertadora), fazendo com que este conjunto de lutas políticas e
adesões, na década de 30, refletissem de forma consubstancial na am-
pliação da base partidária, assim como na sua rede de influência: “Com
Prestes e os militares, e a formação da Aliança Nacional Libertadora,
o PCB estendeu sua influência às camadas intermediárias da sociedade
brasileira” (RODRIGUES, 1996: 371).
Podemos enfatizar que este processo de incorporação dos militares
ao PCB trouxe uma caracterização sui generis à agremiação partidária,
uma vez que este partido deixava de ter uma forte expressão na classe
operária - como era o seu intuito, de acordo com o corolário do marxis-
mo-leninismo, tornando-se, por conseguinte, um partido com nítida ex-

46
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

pressão militarista nacionalista. Essa configuração carreava para dentro


do partido, obviamente, as discussões candentes dos militares tenentis-
tas e com isto, a sobrevalorização do caráter nacional incluso no discurso
do PCB: associando o nacional ao conceito de moderno e o progresso
necessário à sociedade brasileira (WERNECK VIANNA, 1988).
Quanto a ANL, esta fora criada como uma frente de esquerda
após a Constituição de 1934, que ainda permitia a organização parti-
dária, e seu objetivo foi de se organizar eleitoralmente fazendo oposi-
ção a Getúlio Vargas. Destaca-se a tentativa de insurreição que fora
denominada Intentona Comunista, promovido pela ANL e com apoio
do PCB. Porém fracassaram, fazendo com que os líderes da ANL e do
PCB começassem a ser perseguidos e presos e tendo que ficarem na
mais completa ilegalidade: o partido fora destroçado com a prisão dos
seus líderes, inclusive Prestes. Portanto, somente após o governo de
Vargas (1930-1945) é que finalmente o PCB conseguiria a sua legali-
dade, proporcionando aos mesmos uma grande ascensão partidária nas
primeiras eleições do período de redemocratização e tornando-se no
período um partido de massa1 (AARÃO REIS FILHO, 2002).
No entanto, a legalidade foi provisória, pois com os reflexos dos
primeiros anos da Guerra Fria o partido comunista foi posto nova-
mente na ilegalidade, fazendo com que os seus líderes parlamentares
perdessem os seus mandatos. Seus oponentes enfatizavam que o PCB
servia aos interesses da União Soviética com suas ideias comunistas,
também alegavam acerca da deficiência do patriotismo partidários e
que eram teleguiados por uma potência estrangeira (KONDER, 1980:
63). Tal debate e confronto versavam até mesmo no nome oficial do
partido, como se esse fosse uma sucursal do comunismo soviético, pois
argumentavam que Partido Comunista do Brasil dava a entender que
seria apenas a ramificação de um partido internacional, levando o Con-
gresso Nacional a criar uma lei que proibia partidos de origem estran-
1 Segundo Aarão Reis Filho (2002: 73): “Os resultados positivos vieram com as elei-
ções nacionais, em dezembro daquele ano: o candidato apoiado pelos comunistas, Yedo
Fiúza, praticamente desconhecido antes de ser lançado, apenas um mês antes das elei-
ções, foi sufragado com cerca de 10% dos votos válidos em escala nacional. A proporção
seria muito mais alta se se considerassem apenas os grandes centros urbanos, onde,
efetivamente, foi possível ao partido realizar campanha eleitoral. Além disso, os co-
munistas elegeram 14 deputados para a Assembleia Constituinte e consagraram Luiz
Carlos Prestes, eleito senador pelo Distrito Federal e deputado por mais três estados”.

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

geira. Não satisfeito em colocar os comunistas na ilegalidade, o próxi-


mo passo do governo Dutra (1946-51), que fora Ministro da Guerra
durante a II Guerra Mundial no período Vargas, foi justamente romper
relações com a URSS, aprofundando a ideologia da Guerra Fria2 e o
combate ao comunismo no Brasil.
Assim, no imediato à cassação do mandato do partido, este vol-
ta-se para uma via revolucionária mais esquerdizante, que ficou conhe-
cida através do Manifesto de Agosto, conduzido pela tática de Frente
Democrática de Libertação Nacional (FDLN). Este manifesto traria
subsídios às diretrizes políticas do IV Congresso do PCB, no qual
enfatizava que a independência nacional se daria com a derrubada do
governo feudal-burguês, através de uma estratégia insurrecional de li-
bertação, democrático e popular. De acordo com Rodrigues, (1996, p.
415-416): “A linha do Manifesto de Agosto foi em grande parte uma
consequência de transformações que ocorreram na política internacio-
nal, com o início da guerra fria”.
Porém, as turbulências no cenário político nacional seriam sen-
tidas na seara comunista, pois Getúlio Vargas assume novamente o
governo do Brasil em 1950, mas suicida-se em agosto de 1954, fazendo
com que a linha política do IV Congresso seja posta discretamente de
lado, sem maiores autocríticas. Começa neste período uma “redesco-
berta” da política nacional, sendo amainada a linha política esquerdista.
Pois, embora o Comitê Central primasse pela linha mais esquerdista
do IV Congresso; no entanto, na prática os comunistas através da sua
base sindical começariam a construir um trabalho mais sistemático em
comunhão orgânica com outras organizações políticas, principalmente,
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (SANTANA, 2001). Conforme
podemos atestar o PCB sofria a todo o momento os revezes na sua po-
lítica, tanto da conjuntura nacional quanto internacional. Acerca desse
dilema da adequação de conjuntura, bem como da opção entre refor-
mismo ou revolução, Leôncio Rodrigues (1996) enfatizava o seguinte:

2 Com a eclosão da Guerra Fria, em 1947, os governos latino-americanos ado-


taram políticas anticomunistas, frequentemente para ganharem o apoio dos Es-
tados Unidos; e consequentemente, todas as nações, exceto três (Argentina, Mé-
xico e Uruguai), que tinham reconhecidos a União Soviética, romperam relações
com ela” (CHILCOTE, 1982: 281)

48
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Este dilema “reforma ou revolução”, conjugado à contradição


“nacionalismo” vs. “internacionalismo proletário”, dificulta a ela-
boração de uma linha política mais adequada ao meio brasileiro.
Embora, paradoxalmente, esta mistura de nacionalismo e “interna-
cionalismo”, de reformismo e revolucionarismo, consiga atrair para
o PCB segmentos diferentes da população orientados por motiva-
ções variadas, ela mantém o Partido num estado de constante ten-
são interna e tem permanecido na raiz das sucessivas crises e cisões
que marcaram a vida do PC no Brasil (RODRIGUES, 1996: 443).

Ainda, podemos dizer que além desta questão nacional outro fato de
fundamental importância assume proporções gigantescas na seara comu-
nista com os reflexos do XX Congresso do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), de 1956. Neste Congresso vêm à tona os crimes atribuí-
dos a Stalin, outrora dirigente máximo da URSS. Neste período, com o fa-
lecimento de Stalin o seu sucessor Kruschev divulga o que ficou conhecido
como relatório “secreto”, que em linhas gerais visava um acerto de contas
com o passado e denunciava os crimes atribuídos a Stalin. Este relatório
seria o motivo da primeira fissura nos países comunistas, e como era de
esperar, um verdadeiro terremoto nos partidos comunistas ao redor do
mundo, uma vez Stalin era a grande figura do comunismo internacional.
Obviamente, o PCB como tributário do marxismo-leninismo não
sairia imune desses dilemas internos, sendo acionado mais intensamente
após as denúncias do XX Congresso, que chegaria como uma bomba na
imprensa comunista, dando fôlego para as futuras cisões. No tocante a
esta questão podemos dizer que um ajuste de contas atingiria o Comitê
Central (CC), pois a direção seria responsabilizada pelos desacertos que
ocorreu na política do partido, tanto pela política frentista conciliadora
pós-Vargas quanto pela política esquerdizante no período de Dutra, pois
ambas não vicejaram. Como era de se esperar o CC não sairia ileso so-
brando acusações até mesmo para Prestes (AARAO REIS FILHO, 2002).
Nesta conjuntura política transcorre o governo nacional desen-
volvimentista de Juscelino Kubitschek, iniciado em 1956, ocorrendo
um abrandamento da perseguição aos comunistas e trazendo uma falsa
“legalidade” aos seus personagens principais. Tal conjuntura nacional
realçaria a questão nacionalista, transformando a mesma numa ver-

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

dadeira a pedra de toque da política do período, fazendo com que os


comunistas absorvam-na em sua linha política partidária. Além da
questão nacional, começaria a somar e ganhar relevo outro conceito de
fundamental importância que seria as discussões a respeito da demo-
cracia, justamente como reflexo das diretrizes impulsionadas PCUS e,
principalmente, da conjuntura da política nacional.
O Comitê Central institui uma comissão secreta a fim de elaborar
uma nova linha política ao partido, surgindo deste trabalho a Declara-
ção de Março de 1958, sendo a mesma considerada um verdadeiro divi-
sor de águas na seara dos comunistas no Brasil. Grosso modo, perce-
bemos que a Declaração de Março fora caudatária da conjunção de todas
estas mudanças ocorridas nacionais e internacionais, provocadas pelos
ventos da desestalinização. Sendo que, da síntese dessas contradições,
reproduzir-se-ia uma nova composição do Comitê Central, pois a De-
claração de Março viria impregnada pelas novas diretrizes partidárias.
Devemos frisar neste aspecto que a linha política do PCUS pregava
a transição pacífica ao socialismo e, nesta perspectiva, o modelo político
do PCB estava sendo gestada pari passu entre a política nacionalista e as
influências externas da política do PCUS. Embora seja realçado na lite-
ratura esse caráter pacífico do PCB, como reflexo programático que seria
materializado no V Congresso, em 1960, devemos fazer algumas ponde-
rações, pois embora dita pacifista, a resolução política do V Congresso,
apontava, também, para uma possível eventualidade de luta armada:

Os inimigos internos e externos do povo brasileiro resistirão, por


todos os meios possíveis, à perda de suas posições. Em desespero
de causa, tais inimigos podem recorrer à violência para impedir
a ascensão das forças revolucionárias ao Poder, criando uma situ-
ação em que a revolução não teria outra possibilidade senão a de
uma solução pela luta armada (CARONE, 1982: 221-222).

Entretanto, é importante registrar que esta nova diretriz que se


cristalizaria no V Congresso do PCB manteria o viés etapista da política
do PCB, primeiramente nacional e democrática e depois socialista. To-
davia, mudava o seu enfoque de correlação de forças, pois associava-se
numa clara aliança com a burguesia nacional, atribuindo a este estrato

50
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

social um papel especial na luta política, pois consideravam-na com força


revolucionária, acreditando que ela tivesse este aporte principalmente na
luta contra o imperialismo e a favor do desenvolvimento econômico na-
cional. Tais premissas em sem conjunto modificavam o caráter estratégi-
co da revolução brasileira, que de acordo com as Declarações de Março: “A
revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas antiim-
perialista e antifeudal, nacional e democrática” (CARONE, 1982, p.184).
Este delineamento político seria a base para o V Congresso do
partido no qual adotaria ipsis litteris a diretriz da Declaração de Março
de 1958. Obviamente que a mudança radical da linha política, compa-
rando-a com a do IV Congresso, iria ativar novas secções e justificar as
rusgas internas que já existiam tanto no seio do CC quanto nas bases
partidárias do PCB. Devemos destacar que nesse processo havia confli-
to de grupos interno dentro da agremiação comunista, principalmente,
entre a outrora elite dirigente que se encontrava esvanecida pelas lutas
do Relatório de Kruschev e que tentava disputar espaço com uma nova
elite emergente que surgia e estava disposta a ir para o embate político.
Em síntese, buscavam não somente disputar espaço, mas marcar posi-
ção frente à linha política aprovada no V Congresso: transição pacífica,
protagonismo do proletariado em conjunto com a burguesia nacional e
tática de Frente Única. De acordo com a Declaração de Março:

A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas


anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática. A solução
completa dos problemas que ela apresenta deve levar à inteira li-
bertação econômica e política da dependência para com o impe-
rialismo norte-americano; à transformação radical da estrutura
agrária com a liquidação do monopólio da terra e das relações
pré-capitalistas de trabalho (...). Estas transformações removerão
as causas profundas do atraso de nosso povo e criarão, com um
poder das forças anti-imperialistas e antifeudais sob a direção do
proletariado, as condições para a transição ao socialismo, objetivo
não imediato, mas final, da classe operária (CARONE, 1982: 184).

Torna-se importante registrar que havia dois grupos na tribuna de


debates conflitando acerca das concepções política a serem aprovadas no

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

V Congresso, quais sejam: 1) os líderes mais esquerdistas e ainda atre-


lados à diretriz do IV Congresso e não afeitos a depuração stalinista do
seio do PCB, entre esse João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar
e Carlos Danieli. 2) Noutro espectro, encontrava-se a maioria encabeçada
por Jacob Gorender, Mario Alves e Carlos Marighella. Porém como a
cisão no CC era nítida, a maioria ratificou as diretrizes do V Congresso
sendo afiançada por Prestes. Para a minoria que insistia na linha políti-
ca tributária do IV Congresso de insurreição popular, sobrava, portanto,
apenas a secção partidária. Porém, os expulsos não aceitam tais decisões e
começariam a atacar o novo núcleo dirigente emergido do V Congresso.
Oficialmente, em fevereiro de 1962, numa Conferência Nacional
Extraordinária é (re)organizado o PCdoB. Temos assim, a partir deste
momento, no seio da esquerda brasileira dois partidos comunistas con-
solidados. Diferentemente do que é dito por grande parte da literatura
que atribui e qualifica o PCdoB como um “simples racha” sessentista do
PCB, no mesmo plano que as demais dissidências surgidas no período,
através da influência cubana, Percebemos, no entanto, que o PCdoB é
um elo, ou seja, um continuador do IV Congresso do PCB, uma vez que
mantém a mesma linha tático-estratégica deste congresso e o modelo
de revolução de libertação nacional no Brasil e pregando a luta por um
governo popular e revolucionário.
Desta forma, podemos verificar que a razão da secção dos comu-
nistas é tanto de fundo teórico no que concerne à linha tático-estraté-
gica ativada pela conjuntura nacional quanto derivada dos aconteci-
mentos do movimento comunista internacional, os quais galvanizaram
secções não somente no Brasil, como também fomentou dissidências
entre outros países comunistas da esfera de influência da União Sovié-
tica. Assim sendo, não é de estranharmos que o PCdoB, em suas rela-
ções externas, oportunamente, construísse a sua política internacional
com a China, uma vez que não obteve o respaldo e o reconhecimento
do PCUS, pois este optou pelo PCB3.
3 No tocante ao conflito Sino-Soviético, no qual o alinhamento do marxismo interna-
cional cindiu-se entre os dois países – União Soviética e China – em meados da década
de 60, podemos dizer, em linhas gerais, que ocorreram pelos seguintes motivos: 1) dis-
cussões acerca do caráter pacifista da União Soviética; 2) divergência sobre a questão
dos mísseis em Cuba; 3) Fim da ajuda econômica da URSS à China e 4) Críticas, por
parte da China, da exposição exagerada dos crimes de Stalin (CHILCOTE, 1982: 295).

52
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Embora ainda estando numa clandestinidade aparente, início dos


anos 60, esse momento seria o apogeu da inserção do PCB na política
nacional, pois mesmo não participasse do curso das eleições que se de-
senrolava, conseguia burlar a sua ilegalidade elegendo candidatos den-
tro de outros partidos, especialmente o PTB, e influenciavam no jogo
político durante o governo de João Goulart (1961-1964) (SEGATTO,
1995). O PCB tencionava politicamente em suas fileiras entre a re-
forma e a revolução: por um lado, buscava avançar nas Reformas de
Base que eram impulsionadas por Goulart; e, por outro lado, buscava
imprimir, na medida do possível, um caráter mais aguerrido na sua
política, apoiando toda a sorte de manifestações na esperança de forçar
uma radicalidade política que, de fato, não existia na política de João
Goulart. Esta oscilação seria cobrada com um preço muito caro, pois
o governo de Goulart não tinha a estrutura necessária para suportar
tamanhas pressões que, tanto por parte do bloco de oposição ao seu
governo quanto por parte da esquerda, não conseguiam compreender
os curtos limites institucionais do chefe do executivo: como resultado
de toda a tensão política ocorreria o Golpe Militar.
Com o Golpe Militar, em 1964, todo um trabalho profícuo que
estava sendo gestado por parte da esquerda foi sepultado, pois o lega-
do e o trabalho dos comunistas do PCB em diversas instâncias foram
seccionados ou totalmente extirpados. O PCB ficou, num primeiro mo-
mento, ainda bastante aparvalhado com o Golpe. Obviamente que uma
grande parcela de militantes não aceitou a derrota, acusando a direção
do PCB de não ter preparado o partido para um possível golpe, uma
vez que confiaram demais na questão nacional e democrática, assim
como nas alianças com a burguesia. Porém, por parte do diminuto PC-
doB que não confiava nos dispositivos legais do governo João Goulart,
assim como estava longe de crer na burguesia, ratificava de imediato a
sua posição de combatente de primeira hora da ditadura militar.
No tocante aos contornos políticos impulsionados pela corpora-
ção militar no pós 64, estes estabelecem uma série de medidas de exce-
ções, destacando o AI-2 que acabava com os partidos políticos tradicio-
nais, instituindo em 1966 apenas dois partidos: 1) a ARENA, Aliança
Renovadora Nacional, partido de apoio à corporação militar; e, 2) o

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

MDB, Movimento Democrático Nacional, partido de oposição consen-


tida pelos militares (KINZO, 1988). Portanto, as eleições vindouras, em
1966, vinham com as cartas marcadas, criando desta forma um grande
descontentamento dos eleitores. O PCB apoiaria o MDB desde o seu
nascedouro, vindo a formar as hostes partidárias desta agremiação des-
de o seu início com o intuito de tentar eleger parlamentares por dentro
desse partido, numa tentativa de distender o regime dentro das suas
próprias instâncias legais.
Devemos destacar que neste período as manifestações de massas
se avolumavam nas grandes cidades, assim como uma nova militância
emergia das manifestações nas ruas. O PCB mesmo com todas as ad-
versidades manteria a mesma linha tático-estratégica no seu VI Con-
gresso, realizado em 1967. Sendo que essa linha política com tática
de Frente Única não é aceita pela maioria da militância, vindo estes
a comporem as dissidências do PCB, que adotam, de acordo com as
características regionais, a opção pela luta armada. Dentre essas des-
tacamos: a Dissidência Comunista da Guanabara, que virou MR-8 e o
Agrupamento Comunista de São Paulo, que virou ALN, esta dirigida
por Carlos Marighela, veterano nas lutas comunistas.
No tocante ao PCdoB, este ciente dos limites de lutar pela via ins-
titucional dentro de uma ditadura militar, centrariam toda a sua força no
que se denominou de Guerrilha do Araguaia, no Norte de Goiás e Sul do
Pará, buscando encaminhar os seus primeiros militantes para a área a par-
tir de 1966. Neste ponto podemos ver claramente a bifurcação na seara dos
comunistas, pois embora um mesmo tronco, partiu-se em dois ramos bem
distintos. Ainda, o PCdoB se empenharia nesta luta a partir dos cânones
do maoísmo chinês: luta popular prolongado no campo, obviamente como
reflexo da cisão comunista e das denúncias dos crimes de Stalin.
O mergulho que a esquerda daria nesse período foi denominado
por Jacob Gorender de Combates nas Trevas (1987), pois o inimigo
(ditadura) tinha uma força imensamente superior ao contingente da
esquerda. A ditadura rapidamente soube se aparelhar através de meca-
nismo coercitivo, fato este que a guerrilha tomou conhecimento tardia-
mente. Quanto aos diversos grupos cindidos do PCB no final da década
de 60, estes foram sucessivamente abatidos já no início da década de

54
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

70; evaporando-se, portanto, a perspectiva de tomada de poder pelas


armas no que se convencionou chamar de guerrilha urbana. Quanto ao
PCdoB foram localizados em 1972, durando o seu enfretamento militar
até 1975, no que se convencionou chamar de Guerrilha do Araguaia,
sendo igualmente aniquilados.
Embora este mergulho nas trevas a direção do PCB da Guanaba-
ra lançaria um editorial a respeito da necessidade do aprofundamento
das questões democráticas, dando importância, neste momento, muito
mais à questão da retomada da democracia do que da questão nacional,
invertendo, pois a partir deste momento a linha tático-estratégica seria
democrática e nacional, posteriormente, socialista. Porém, mesmo não
optando pela luta armada e tentando insistir por uma via legal oculta
dentro das instâncias do MDB a sua direção é golpeada pela repressão
em meado dos anos 70, após o aniquilamento da guerrilha urbana e ru-
ral. Nesta conjuntura e a fim de preservar minimamente do extermínio
parte do Comitê Central do PCB começaria a ser encaminhados para o
exílio, entre esses Prestes e outros dirigentes, os que ficaram acabariam
figurando na lista de desaparecido políticos (FIGUEIREDO, 2013).

Conjuntura política no final dos anos 70 para 80

Em meio a derrotas, exílios, mortes e assassinatos a esquerda


brasileira começou a reorientar o seu foco em meados da década de 70.
Podemos considerar como ponto de ruptura a eleição de 1974 em que,
pela primeira vez, o MDB teve uma excelente votação, conseguindo
em algumas regiões do Brasil vencer a ARENA, principalmente, nos
grandes centros urbanos da região Sul-Sudeste. Seria a indicação que a
esquerda precisava para buscar uma nova linha política. Sendo que da
parte dos egressos da luta armada seria uma reorientação tática, entre
esses o PCdoB. Por parte do PCB, seria a consagração da sua linha
política do VI Congresso, no qual ratificava a linha política de Frente
Única de combate à ditadura militar (FIGUEIREDO, 2013).
Quanto aos egressos da esquerda armada, esses ainda eram bas-
tante ciosos quanto aos limites do MDB enquanto veículo de combate
à ditadura, no entanto, era a única alternativa legal que possuíam para

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

se articular politicamente. Quanto ao PCB se sentiam totalmente con-


fortáveis dentro da seara do MDB, pois operacionalizavam da melhor
maneira possível a sua tática pela via institucional, se autoqualificando
como os grandes responsáveis pelo sucesso da via eleitoral. Sendo que,
tamanha vaidade seria cobrada com igual intensidade pela da ditadura
militar que não o perdoou: novamente em 1975 e 1976 ocorre uma sé-
rie de prisões. Por parte do PCdoB, este ainda com sequelas das mortes
da Guerrilha do Araguaia foi novamente golpeado na chamada Chaci-
na da Lapa, sendo assassinados alguns membros do Comitê Central,
enquanto outros foram presos (GORENDER, 1987).
Os PC’s mesmo entre prisões conseguiriam eleger alguns deputa-
dos nas eleições de 1978. Assim, os caminhos para os PC’s ainda eram
amargos; no entanto, conseguiam na medida do possível fazer parte da
política institucional do período, elegendo deputados e vereadores. Po-
rém, devemos relativizar o poder de inserção destes deputados, assim
como a capacidade operacional na luta que tinham, pois viviam com ame-
aças de ser cassados, presos e torturados. No curso da luta do final dos
anos 70 o Brasil é surpreendido pela retomada da luta sindical no ABC
paulista, trazendo à tona uma nova geração de sindicalista que emergia
na luta como liderança, tornando as velhas lideranças sindicais comu-
nistas em personagens opacos, uma vez que muitas lideranças sindicais
estavam no exílio, ou mesmo presas (SADER, 1988).
Neste percurso a conjuntura mudava e o presidente ditador Gei-
sel prometia uma abertura democrática lenta, segura e gradual. Os co-
munistas, especialmente do PCB, crendo nesta transição conservadora
afiançada pela ditadura pactuam este processo, não forçando o percurso,
pois o intuito era que não houvesse um retrocesso na abertura democrá-
tica e mantinha a tática de Frente Única, inclusive neste momento o PC-
doB. Neste processo começavam a trilhar uma tática política baseada no
apoio irrestrito ao MDB, buscando eleger parlamentares pela legenda
de oposição oficial do governo e esperando distender o regime de forma
lenta, pois estavam sempre ciosos de um possível recuo político.
Quanto às novas lideranças que emergiram no final dos anos 70,
estas formariam o Partido dos trabalhadores (PT). Ainda ocorreria a
volta dos exilados políticos, em 1979, assim como a abertura das prisões

56
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

e a liberdade dos presos políticos. O cenário era bem diferente aos PC’s:
1) para o PCB, que foi hegemônico até o início dos anos 60, precisava
buscar recompor o curso da sua história e buscar reconstruir o seu par-
tido a partir da volta do Comitê Central do exílio e 2) quanto ao PCdoB,
implicava buscar imprimir o seu partido no curso das lutas do período,
a fim de disputar a seara da esquerda com as diversas agremiações nas-
centes que emergiam. Devemos salientar que em 1979 ocorreu a volta do
pluripartidarismo e o MDB se transformaria em Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Porém, sem conseguir a sua legalidade
os PC’s ficaram inclusos ainda dentro do PMDB (FIGUEIREDO, 2013).
Mesmo com a volta dos exilados e com a recomposição do Comi-
tê Central do PCB esse partido estava longe de possuir uma unidade,
a começar pelo CC que se encontrava cindido. Desta vez Prestes era
a voz dissonante, pois o outrora dirigente que sempre buscava cons-
truir a unidade do partido endossando um centro pragmático, neste
momento, dava voz contrária ao CC. O ponto de discórdia baseava-se
justamente no processo de transição para a democracia no Brasil, se
uma transição pactuada e conservadora ou se a perspectiva de frente
popular de esquerda. A discussão explode na grande imprensa e as
manchetes davam destaque das fissuras dentro do PCB.

Diferentemente da maioria do Comitê Central, o secretário ge-


ral não concordava com a proposta de uma transição negociada
para a saída do regime ditatorial. Também não concordava com
a importância atribuída à burguesia na revolução brasileira. Ao
invés de uma “frente democrática” para derrubar o regime, pro-
punha uma “frente de esquerda” (PANDOLFI, 1995: 219).

O rompimento de Preste não poderia passar incólume, pois gera-


ria uma séria fratura no PCB. Prestes saiu do PCB e levou consigo um
expressivo contingente de militantes; porém, não vindo a formalizar
nenhuma agremiação partidária. Quanto ao PCB, “indiferente” a saída
de Prestes endossava uma perspectiva teórica renovadora aprofundan-
do ainda mais a sua tática de Frente Única derivada ainda do VI Con-
gresso do Partido, endossando-as nas eleições vindouras no PMDB.
Sobre os renovadores cumpre explicitar que estes traziam para o PCB

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

muitas discussões prementes na seara política internacional, principal-


mente acerca da distinção da democracia burguesa e da democracia
socialista. Neste sentido, procuravam romper com alguns pressupostos
mais ortodoxos pecebistas, assim como a questão da revolução em duas
etapas, primeiramente democrática e nacional e posteriormente socia-
lista. Obviamente, que tais discussões estavam longe teoricamente do
CC e do grosso da militância, não que este partido não estivesse apto
para uma concepção política com um refinamento teórico mais apura-
do, mas outras questões irrompiam nas hostes comunistas, principal-
mente amainar a cisão de Prestes.
No tocante a questão teórica ganharia destaque o artigo de Car-
los Nelson Coutinho, A democracia como valor universal (1980). Ainda, a
respeito da disputa interna, segundo Coutinho, num primeiro momen-
to os comunistas com concepções teóricas gramscianas unem-se ao CC
para derrotar o ultradogmatismo de Prestes, sendo que, num segun-
do momento, “a direção não hesitou em transformar os ‘grasmcianos’
numa pretensa ‘direita’ que deveria ser derrotada depois que a ‘esquer-
da’ prestista já o tivesse sido” (COUTINHO, 1980: 162). Convém ex-
plicitar que embora alijando da sua agremiação esta ala renovadora, o
PCB logrou, oportunamente, aproveitar essas discussões teóricas nas
suas proposições políticas a partir do VII Congresso4. Sobre A demo-
cracia como valor universal, que vicejaria no partido ao longo da década
de 80, Coutinho (1980: 40-41) em seu texto explicita:

De modo esquemático, poderíamos dizer que as tarefas de renova-


ção democrática desdobram-se em dois planos principais. Em pri-
meiro lugar, trata-se de conquistar e depois consolidar um regime
de liberdades fundamentais, para o que se torna necessária uma
unidade com todas as forças interessadas nessa conquista e na
permanência das “regras do jogo” a serem implantadas por uma
Assembleia Constituinte dotada de legitimidade. E, em segundo,
trata-se de construir as alianças necessárias para aprofundar a
democracia no sentido de uma democracia organizada de massa,

4 A partir do VII Congresso, de certa forma, esta teoria democrática se encaixaria


na linha política do PCB. Nas palavras de Pandolfi (1995: 224): “no VII Congresso,
as teses democráticas foram incorporadas de forma ambígua, produzindo uma aco-
modação oportunista com as teses de inspiração opostas”.

58
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

com crescente participação popular; e, nesse nível, a busca da uni-


dade terá como meta a conquista do consenso necessário para em-
preender medidas de caráter antilatinfundario e antimonopolista
e, numa etapa posterior, para a construção em nosso País de uma
sociedade socialista fundada na democracia política.

No tocante ao PCdoB, endossa, assim como o seu coirmão comu-


nista, a ênfase na tática democrática pelo PMDB, mas sem abrir mão,
segundo eles, da estratégia final socialista, baseado ainda na VII Confe-
rência do PCdoB de 1979. No entanto, no mesmo documento apontava
para a amplitude das forças democráticas:

Unir as mais amplas forças políticas sociais em torno de bandeiras


democráticas e populares a fim de travar a luta contra o governo
e o regime que ele representa. Propugnar a organização de uma
ampla frente democrática em escala nacional que agrupe todas as
forças de oposição, e trabalhar pela sua concretização. Dentro dela
contribuir para articular e fortalecer a oposição popular como seu
núcleo mais ativo e combater todas as restrições ao crescimento
do movimento de massas ou as discriminações, tendo em vista
unir a classe operária e despertar para a luta as grandes massas
camponesas (PCdoB, Documentos históricos, 1979).

Ou seja, a linha política estava definida, pois ambos os partidos


insistiriam na tática da mais ampla frente política de combate à ditadu-
ra dentro do PMDB. Ainda, devemos destacar que em 1982 ocorreria
uma eleição decisiva, pois seria a eleição que escolheria o novo Presi-
dente civil do Brasil, através do Colégio Eleitoral a ser realizado em
1984. Em síntese, a ditadura poderia ser posta definitivamente em xe-
que nesta eleição, servindo, portanto, como uma antessala para a tran-
sição à democracia. Porém, os caminhos até a eleição seriam tortuosos,
pois a ditadura iria driblar o cenário político com uma séria de medidas
casuístas e oportunistas, que primavam por privilegiar a ditadura no
cenário eleitoral (MENEGHELLO, 1988).
Com este intuito foi elaborado o Pacote de Novembro, o qual pre-
via uma série de alterações legais que teriam peso no processo eleitoral
de 1982: 1) proibiam-se as alianças partidárias e 2) exigia-se que os

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

partidos lançassem candidatos a todos os cargos que se encontravam


em disputa, governador do estado, senador, deputados estaduais, vere-
adores e prefeito, sendo que tornava-se explícito a vinculação do voto
do plano local ao nacional, sob pena de anulação do voto. Neste pro-
cesso, as organizações comunistas vinculadas com o PMDB possuíam
a palavra de ordem do voto útil e democrático, a fim de buscar ganhar
as eleições do período, fazendo com que as teses do PMDB caiam per-
feitamente aos anseios do PCB, segundo Pandolfi:

De acordo com as teses defendidas nos anos 80, o único caminho


possível para atingir o socialismo no Brasil era através de uma
democracia de massas, organizada de baixo para cima, centrada
nas diversas formas de organização da população. Consolidar as
instituições da democracia política era uma tarefa prioritária. O
partido procurava se desvencilhar de um passado comprometi-
do com uma concepção “golpista”, “elitista” e “radical” sobre o
processo de transformação da sociedade brasileira. A ideia de
tomada brusca do poder, presente ao longo de várias décadas,
foi sendo gradativamente substituída pela proposta de revolução
processual (PANDOLFI, 1995: 121).

Assim, através desta tática de Frente Única, os PC’s acabariam


perdendo o seu espaço para os novos atores que surgiam na luta contra
a ditadura, principalmente o PT. Neste período era visível a ascensão
do PT, principalmente no meio sindical, ambiente que deveria ser a
seara principal dos comunistas, ou seja, no seio da classe operária. Se-
gundo Marco Aurélio Santana (2001), este espaço fora ocupado pelo
PT, justamente pela política de transição conservadora dos PC’s.

A luta contra o arrocho, pilar da política econômica da ditadura


militar, teria centralidade. O restante (“sem inserção na massa”)
viria com a luta e a consolidação da democratização. Aqui, fica
indicado um dos pontos que, em breve, distanciarão grandemen-
te os comunistas desses “novos atores”. Esse etapismo propug-
nado pelo PCB o empurrava contra certas demandas e propostas
em debate no movimento sindical (SANTANA, 2001: 192).

60
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Ainda, segundo Santana (2001), com a opção pela transição con-


servadora os PC’s perdiam influencia no meio sindical deixando espaço
para o PT se consolidar como o real partido de oposição da seara da
esquerda brasileira, vide as greves do período. Também, o autor enfatiza
que o motivo que acarretou este descenso dos PC’s foi o apoio destes aos
sindicatos tradicionais, tidos como pelegos e criando uma ruptura no
mundo sindical. Portanto, devemos enfatizar que esta ruptura era reflexo
da linha tático-estratégica dos PC’s, fato este que criaria mais atraso para
os comunistas em um dos principais focos de luta da década de 80.
Com o término da ditadura militar, em 1985, houve a passagem
ao governo civil de José Sarney e os PC’s conquistam a sua legali-
zação partidária. Porém, os comunistas ficaram muito aquém no seu
processo de consolidação partidária, justamente pelo atraso da lega-
lização do seu partido, além deste motivo tinham poucos parlamen-
tares comunistas eleitos, fato este que, de certa forma, dificultava a
sua consolidação e sua inserção na grande política partidária. Ainda,
com o advento da Nova República, os comunistas optaram pelo apoio
ao governo Sarney, a fim de garantir a efetiva transição democrática
e apoiando este governo nos planos econômicos (SANTANA, 2001).
Tais fatos fariam com que os comunistas perdessem a sua identidade
com a principal classe que eles gostariam de ser identificados: a classe
operária. Para o PCB, o fim era sintomático:

O PCB revivia com muita intensidade o dilema que atingia todos


os partidos que se pretendiam representantes da classe operária,
mas que estavam inseridos no jogo eleitoral. A escolha era entre
ser um partido homogêneo em termos do apelo à classe operária,
porém condenado a derrotas eleitorais, ou ser um partido que dilu-
ísse sua orientação em termos da classe operária, mas que, por isso
mesmo, conseguisse êxitos eleitorais. (PANDOLFI, 1995: 237)

Somado a esses fatos houve uma grande turbulência abalaria de-


finitivamente o PCB: a queda do muro de Berlim, em 1989, e o fim da
URSS, em 1991. O fim parecia próximo para o PCB. Nos dias 25 e 26
de janeiro de 1992 o PCB realizou o seu X Congresso, e ao final deste
congresso o PCB foi declarado extinto e criado em seu lugar o PPS

61
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

(Partido Popular Socialista) (PANDOLFI, 1995). Quanto ao PCdoB,


sempre crítico do PCUS e do atrelamento a URSS parecia a grande re-
vanche, no entanto conjuntura arrastava também o partido rival, pois o
fim da URSS quebrava o paradigma do socialismo. Era necessário mais
uma vez repensar a conjuntura, bem como a tática e a estratégia a fim
de ir ao encontro da realidade nacional e internacional, igualmente, era
necessário ter novos modelos e inserção na sociedade brasileira. Nesta
conjuntura o PCdoB chama para o seu VIII Congresso, reafirmando a
práxis marxista-leninista, mas visando a integração definitiva na gran-
de política brasileira. (PCdoB, Documentos Históricos, 2000).
Desta forma, estava posto a linha política dos herdeiros do velho
partido de 1922. Devemos sublinhar que uma parcela de militantes do
antigo PCB tentou retomar a antiga sigla em meados da década de 90,
sendo deste então um partido totalmente inexpressivo. No tocante ao
PCdoB, também se reivindicando como herdeiro legítimo do partido
fundado em 1922, ao longo da década de 90 vai trilhar um caminho de
tentativa de institucionalização partidária, mas neste processo a ques-
tão de revolução se diluirá em detrimento de um discurso focado cada
vez mais na ordem democrática e com o apoio tático à linha política
petista, visando às vitórias eleitorais de Lula e Dilma nos anos 2000 e
a sua acomodação reformista na ordem burguesa.

Considerações finais

Retomando as discussões propostas acerca da questão democrá-


tica e a sua implicância no esmorecimento de estratégia revolucionária,
percebemos que na esquerda brasileira a partir da Declaração de Março
de 1958, a questão democrática transformou-se em um ponto de ruptu-
ra das concepções política, fomentando a secção na seara dos comunis-
tas no Brasil. Quanto ao PCB este fora tributário dos ditames de uma
conjuntura internacional e nacional que propiciou a elaboração desta
linha tático-estratégica e que se manteve continuamente ao longo da
ditadura. Quanto ao PCdoB, embora rompendo com esta linha política,
em virtude do cerceamento da ditadura militar iria começar a compor
forças com o PCB dentro do MDB-PMDB a partir dos anos 70, elabo-

62
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

rando também uma tática democrática, mesmo que apontasse para uma
estratégia final de socialismo.
Especificamente quanto ao PCB, este entrará mais enfaticamen-
te na questão democrática, realçando a democracia como valor universal,
desfocando e colocando a questão do socialismo a um futuro sine die.
Pesando na sua trajetória final o atrelamento excessivo a Nova Repú-
blica de Sarney. No entanto, com o desmoronamento do Leste europeu,
sepultou definitivamente o ideário da III Internacional Comunista no
seio do PCB, tornando-se, portanto, um ponto final para a organização
comunista dentro do modelo do marxismo-leninismo. No tocante ao
PCdoB, tornar-se-ia, também um partido do establishment, como pode-
remos ver ao longo do governo Lula e Dilma (2003-2016).
Finalizando, vemos que o que aconteceu no Brasil com seus par-
tidos comunistas não foi tão diferente do que aconteceu com os parti-
dos comunistas nos países do capitalismo avançado. Segundo Sartori
(1982) partidos que deveriam ser antissistema passaram a compor co-
alizões de governo capitalista, tornando-se partidos reformistas. As-
sim, constatamos que ambos os partidos (em tempos diferentes) tri-
lharam o mesmo percurso: de uma concepção revolucionária uníssona
de tomada de poder para uma bifurcação reformista em dois diferentes
partidos (PCB e PCdoB). Diferenças a parte, o que fica explícito é que
a questão da democracia, reinterpretada como uma saída da ditadura
serviu como caldo político para a suavização da questão revolucioná-
rio e servindo, inclusive como influência para outras searas da esquer-
da na política brasileira.

63
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

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65
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

SINDICATOS E PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

(Em Co-autoria Com mauro mEirEllEs)

Introdução

No tocante aos partidos de esquerda no Brasil, enfatizamos que


o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Bra-
sil (PCdoB) são os partidos mais antigos; no entanto em virtude da
sua natureza política antissistema (SARTORI, 1982) passaram a maior
parte de suas vidas partidárias na clandestinidade e sofrendo perse-
guições, vide período Vargas e ditadura militar brasileira. Quanto aos
novos partidos de esquerda que surgiram, primeiramente após o fim de
bipartidarismo em 1979, surge o Partido dos Trabalhadores (PT); e,
após o período de redemocratização, destacamos neste estudo a emer-
gência do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), em
1993; e, a construção do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL), em
2004, ambos egressos do tronco petista.
Destes partidos o PT foi o único que conseguiu capitanear um
amplo arco de coalizão e ganhar as eleições para Presidente, em 2002.
Porém, após a vitória de Lula à presidência da república e o alinha-
mento do PT aos partidos de centro-esquerda que compuseram a co-
alizão partidária dominante, este governo configurou-se com carac-
terísticas socialdemocrata heterodoxas; modelo este que ocasionou,
por conseguinte, um afastamento de alguns partidos de esquerda da
seara do petismo; e, igualmente, a criação de novas centrais sindicais

67
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

com intuito de contrapor a hegemonia cutista capitaneada pelo PT.


A partir do exposto, este texto tem por objetivo principal o estudo
dessas novas centrais sindicais do campo de esquerda emergidas ao
longo do governo Lula; e, principalmente, a sua conexão partidária e
o reflexo no campo eleitoral.
Com o intuito de responder a este objetivo principal cabe-nos
investigá-los privilegiando a seguinte construção histórica sindical no
campo da esquerda, a fim de podermos compreender a cristalização
do cenário político-sindical da década de 2000: 1) conjuntura política
da década de 80 - os reflexos no novo sindicalismo e o afastamento
dos Partidos Comunistas (PC’s), 2) Conjuntura política da década de
90 - os reflexos no sindicalismo cutista e a aproximação dos PC’s; e, 3)
finalmente, a conjuntura política dos anos 2000 e a diáspora da Central
Única dos Trabalhadores (CUT) com a emergência das novas Centrais
Sindicais. Tais marcos temporais torna-se necessário a fim de dar os
apontamentos para a compreensão da evolução acerca da configuração
política das novas centrais sindicais brasileiras durante o período Lula.
Ainda, com o intuito de corroborar o objetivo propostos, tor-
na-se importante, primeiramente, construirmos uma brevíssima con-
textualização histórica sobre os partidos de esquerda no Brasil, espe-
cialmente, PCB, PCdoB, PSTU e PSOL, justamente, para podermos
entender os desdobramentos destes partidos no cenário político e,
principalmente, a sua dinâmica no seio da classe operária. Conforme
referido, este trabalho privilegiará o diálogo do sindicalismo com as
instâncias institucionais partidárias, durante as décadas de 80, 90 e,
sobremaneira, os anos 2000. Igualmente, realçará os desdobramentos
destas políticas para a tentativa de sucesso (ou fracasso) destes parti-
dos nas urnas e, principalmente, a ênfase destes partidos para o campo
sindical, a despeito das eleições. No tocante a conexão eleitoral, nos de-
teremos, especificamente, na eleição de 2006, pois foi a única eleição em
que houve a construção da Frente de esquerda: PSTU, PSOL e PCB,
no qual podemos ver mais detidamente a dinâmica partidária, eleitoral
e sindical destas três organizações procurando trabalhar em coalizão.

68
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Brevíssimo histórico: PCB, PCdoB, PSTU e PSOL

Embora sabe-se que as lutas operárias no Brasil deitam suas ori-


gens nos anarquistas no início do século XX, consideramos que o campo
da esquerda no meio sindical inicia-se com o surgimento do Partido Co-
munista do Brasil, sendo este fundado em 1922. Quanto ao marco de for-
mação do PC nacional, primeiramente, torna-se relevante esclarecermos
o seguinte: o partido nasce com o nome oficial de Partido Comunista do
Brasil e utiliza-se institucionalmente ao longo do seu percurso, inclusi-
ve em eleições da sigla PCB; outro elemento em destaque a respeito do
PCB, em seu nascedouro, era que este partido não possuía muito relevo
e amplitude com as massas, conforme eles pretendiam.
Este partido sofre desde a sua gênese constantes perseguições, tendo
pouquíssimo período de legalidade, vide período imediato ao Estado Novo,
em 1945, interregno que o PCB logrou fazer uma expressiva bancada de
comunistas eleitos (AARÃO REIS FILHO, 2002). Porém, a política de
legalidade do Partido Comunista do Brasil (PCB) não perdurou por muito
tempo, uma vez que logo voltaria a ser cassado, em 1947, ou seja, entraria
novamente na clandestinidade. Na década de 50, houve as discussões dos
crimes de Stalin, ativando as fraturas que já havia dentro do PCB. No V
Congresso do PCB, ainda clandestino, o partido decide mudar o seu nome
para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla PCB, com o fito de
tentar a sua legalização partidária, para tanto, também, modificam o seu
programa e estatuto. Obviamente, que tal decisão não passaria inerte no
corpo partidário, gerando uma cisão oponente e (re)criando o Partido Co-
munista do Brasil, agora com a sigla de PCdoB. Porém, tanto a tentativa
de (re)organização partidária, quanto à sedimentação do projeto do PCB
foram cerceados seriamente pelo golpe militar de 1964 no Brasil, que além
de manter estes dois partidos na mais absoluta clandestinidade os perse-
guiam com o intuito de aniquilá-lo (FIGUEIREDO, 2013).
Em meio a mortes, prisões e exílios no campo dos comunistas, o
Brasil no final dos anos 70 viu-se diante dos novos movimentos sociais
em curso, como as ondas de greves que varreram o ABC paulista e de-
ram combustível para as demais campanhas que tinham na luta contra
a ditadura a sua estratégia principal. Assim, os PC’s mesmo debilita-

69
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

dos nos finais da década 70, conseguiram sofregamente acompanhar


as movimentações do período; porém, em face da fragilidade partidária
como reflexo dos duros anos de repressão ficaram a reboque dos novos
atores que surgiam, deixando de ser a direção do movimento. Podemos
ver claramente tal debilidade nas lutas sindicais do período, em que
os PC’s tinham menor peso no movimento sindical, ficando longe de
serem os protagonistas, assim como estiveram à distância de dirigir o
processo e ter a hegemonia no campo das lutas. A nova força sindical
que surgia neste período era o PT, formado por um conjunto de novos
atores sociais que entravam em cena no cenário político, galvanizando
e desbotando o protagonismo dos PC’s (SANTANA, 2001).
O PT surge na década de 80 galvanizando o elenco de novos atores
que lutaram contra a ditadura militar e que possuía em sua base o novo
sindicalismo, lastros da igreja progressista, os novos movimentos sociais
e egressos das organizações armadas organizadas, agora, como tendên-
cia no PT (MENEGHELLO, 1989). Ou seja, nos anos 80, este parti-
do irá forjar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), como veremos
mais adiante; e, na sua sequência, na década de 90, marcaria presença no
cenário como um partido real e efetivo no campo de oposição no Brasil.
Porém, com o processo de institucionalização partidária a partir
dos anos 90, com o PT ganhando sucessivas eleições (GARCIA, 2008),
este partido começou a sofrer fissura em sua base, dando origem a no-
vas clivagens políticas, como foi caso do PSTU, em 1993; e, principal-
mente, a partir da vitória de Lula, o PSOL, em 2004. Portanto, tanto
o PSTU, quanto o PSOL nasceram do tronco petista, a partir das cli-
vagens internas de suas tendências. Ambas as organizações com perfis
trotskistas, principalmente o PSTU, que procurou ao longo da década
de 90 constituir-se como alternativa de esquerda frente a ascensão do
petismo nesta década. Ainda, quanto ao PSTU, convém realçar que a
sua tendência interna dentro do PT chamava-se Convergência Socia-
lista, organização esta muito forte desde os períodos de lutas iniciais do
Novo Sindicalismo do final da década de 70 e início dos anos 80.
No tocante ao PSOL, este partido surge a partir do início do
mandato de Lula, em 2002, em virtude do não alinhamento da sua base
com a política do governo do PT, mais perfiladas as políticas petistas

70
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

com a coalizão de centro-esquerda que compunham o governo Lula,


sendo caracterizado por esta clivagem política dissidente como sendo
um governo com contornos socialdemocrata. A partir das eleições sub-
sequentes, o PSOL tentaria formar um bloco de coalizão de esquerda
conjuntamente com o PSTU e PCB, no que foi denominado de Frente
de Esquerda, conforme pode ser verificado nas eleições de 2006.

Conjuntura política da década de 80: os reflexos no novo


sindicalismo e o afastamento dos PC’s.

Realçamos a importância desta década para a compreensão das


fraturas do sindicalismo brasileiro na década de 2000. Conforme enfa-
tizado, a despeito das tentativas dos PC’s tornarem-se o real partido da
classe operária e serem reconhecidos de fato como tal; tinham, porém,
que disputar o lócus político no início da década de 80 com as outras
frentes que surgiram: frutos de clivagens dos próprios PC’s e suas sec-
ções, bem como em virtude dos novos atores que emergiam tempera-
dos nas lutas do período. Entre estas organizações no meio sindical que
existia, além do PCB e do PCdoB, ainda tinha o Movimento Revolucio-
nário – 8 de Outubro (MR-8) e, obviamente, o PT como ator principal.
No tocante especificamente aos PC’s, devemos, no entanto, bus-
car uma explicação para entender o fato que fez com que essas or-
ganizações perdessem o passo com o diálogo da classe operária, ou
seja, perdesse a chance de ser o grande interlocutor do estrato mais
avançado do operariado na luta do período, sendo galvanizado pelo PT.
Os PC’s estavam fortemente empenhados na transição completa do re-
gime militar, inclusive militando dentro do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) e, posteriormente, no seu sucedâneo, o Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); este empenho represen-
tava não correr riscos de possíveis retrocessos, nem deixar margem
para qualquer tipo de fissura que pudesse os fazer perder o pouco que
já tinham conquistado, mesmo que isso colocasse em risco serem prete-
ridos no movimento sindical para uma força mais aguerrida e disposta
a palavras de ordem mais exaltadas. Ou seja, priorizavam a via institu-
cional acima de qualquer coisa, nas palavras de Marco Aurélio Santana:

71
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

A luta contra o arrocho, pilar da política econômica da ditadura


militar, teria centralidade. O restante (“sem inserção na massa”)
viria com a luta e a consolidação da democratização. Aqui, fica
indicado um dos pontos que, em breve, distanciarão grandemen-
te os comunistas desses “novos atores”. Esse etapismo propug-
nado pelo PCB o empurrava contra certas demandas e propostas
em debate no movimento sindical (SANTANA, 2001: 192).

Embora a citação de Santana seja para o PCB, podemos fazer a


mesma analogia para o PCdoB, que estava igualmente aos pecebistas
muito empenhado numa transição mais conservadora em aliança
com as instâncias do PMDB, julgando qualquer avanço mais abrupto
como um resvalo para o esquerdismo. Quanto ao PT, este conseguia
capturar para si a grande parte dos trabalhadores mais “radicalizados”
do período; assim sendo, diferentemente dos PC’s, o PT não buscava
correr atrás e dar a linha para o movimento, pelo contrário, nascia
como reflexo do próprio movimento. Ou seja, não priorizavam a via
institucional e sim fomentar a ruptura através do amálgama sui generis
que formara o PT: sindicato, Igreja e movimentos sociais, privilegiando
sobremaneira o seu estrato principal - campo sindical - na figura dos
seus líderes, entre esses Lula (MENEGUELLO, 1989).
Esse amálgama sui generis poderia ser visto, também, no
movimento sindical. Assim sendo, no desenrolar do processo de erosão
do aparato militar, o PT marcava posição radicalmente contrária a
qualquer conciliação de classe, rompendo com a unidade tão pretendida
dos PC’s no meio sindical, vindo a compor e construir a CUT, quanto
ao PC’s esses compuseram a Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
Da parte dos comunistas, estes não aceitavam a posição do PT, pois o
julgam-na com desvios esquerdizantes, uma vez que priorizavam uma
política conciliadora com as forças mais “atrasadas” na luta sindical,
inclusive com pelegos notórios, vindo a somar força na consolidação da

72
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

CGT (SANTANA, 2001). Esta ruptura destes três partidos, de um lado


o PT e de outro o PCB e PCdoB, definirão os rumos da política sindical
brasileira no transcurso do cenário político da década de 80, momento
este em que essas três forças de esquerda disputariam a hegemonia do
movimento.
Torna-se importante frisar que, em 1989, o PT lideraria a
emblemática eleição presidencial de 1989. O PCdoB compõe aliança
com o PT no que foi chamada Frente Brasil Popular. Quanto ao PCB,
este sairia em campanha sozinho, com o Roberto Freire candidato a
Presidente, com o uma pífia votação. Este percurso da década de 80 foi
o definidor do que viria a ocorrer no campo da esquerda na década de
90, já demonstrando, assim, um realinhamento do PCdoB com o PT.

Conjunturas política da década de 90: os reflexos no sindicalismo


cutista e a aproximação com os PC’s.

Como resultado das eleições de 1989 não foi o esperado pelo


campo da esquerda, a década de 90 começava com o sombrio gover-
no de Fernando Collor, bem como com a emergência e a tentativa de
implementação do neoliberalismo no Brasil. Soma-se a esses fatos a
crise do socialismo, em 1989, ano em que ocorrera à queda do muro de
Berlim e no imediato, na década 90, viveu-se o total colapso do aparato
do Leste europeu com o fim da URSS, afetando, principalmente, o PCB
com estes acontecimentos.
Ainda, o movimento sindical não ficará inerte face às rápidas e
abruptas mudanças da década de 80 para 90. O PCdoB rompe com o
apoio a CGT indo incorporar-se, como reflexo da sua política partidária,
na CUT: fruto de um processo lento na segunda metade da década de
80, até um final definitivo no início dos anos 90. No tocante ao PCB, este
permanece quase que inerte na CGT, pregando sempre uma ultrapassa-
da política de unidade sindical, muito mais no discurso do que na ação.

Se por fora da CGT o PCB vai ver seu poderio no movimento


sindical ser corroído pela CUT, no interior da intersindical o

73
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

partido verá seus problemas com os setores mais conservadores


da CGT se ampliarem, diminuindo seu espaço de movimentação
e transformação da CGT em uma intersindical de cunho me-
nos imobilista e cupulista. O partido perde terreno, rapidamente
para os setores identificados com o germe do que seria o chama-
do sindicalismo de resultado1 (SANTANA, 2001: 277).

Grosso modo, podemos dizer que o PCdoB soube acompanhar a


maré, redefinindo-se taticamente e vindo acompanhar o PT na CUT;
diferentemente do PCB, que continuou ainda nadando contra a maré
até morrer na praia. O preço pago pelo PCB foi um custo muito alto:
a sua inexpressiva inserção política no processo de redemocratização
brasileira. Para este partido que tinha como pretensão ser a vanguarda
da classe operária tornou-se nada mais do que sustentáculo de última
hora dos setores mais atrasados, refletindo isto, também, no campo sin-
dical com apoio nas figuras de Joaquinzão, Rogério Magri e Medeiros,
desembocando estes personagens na construção da Força Sindical com
o seu sindicalismo de resultado.
No entanto, com o intuito de salvar o partido de uma morte anun-
ciada, no início da década de 90 o PCB opta, com muita resistência em
suas bases, à adesão a CUT, sem conseguir conquistar, obviamente, a
hegemonia dentro do movimento sindical (SANTANA, 2001). Ainda,
quanto ao PCB, o pior ainda estava por vir, pois nos dias 25 e 26 de janei-
ro de 1992, o PCB realizou o seu X Congresso, ao final deste congresso
o PCB foi declarado extinto e criavam em seu lugar o PPS (PANDOLFI,
1995). Porém, em 1993, egressos do velho tronco pecebista tentam (re)
fundar o velho partido, porém sem o vigor da antiga agremiação.
Neste contexto, além do PT que hegemonizava dentro da CUT,
teríamos então a “comunhão orgânica” dentro desta central sindical com
o PCdoB, PCB e, inclusive, o PSTU. Realçamos este fato, pois mesmo esta
agremiação tendo rompido com o PT no plano institucional partidário,
no âmbito sindical continuavam mantendo um trabalho dentro da CUT,
mesmo que procurando sempre tensionar internamente junto ao PT.
No tocante a conjuntura, destacamos que mesmo as grandes ad-
versidades no plano internacional para esquerda; no Brasil, também,

1 Grifos do autor.

74
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

este período fora arrastado por sucessivas medidas neoliberais dos go-
vernos Collor, Itamar Franco e FHC, com políticas de enxugamento
da máquina estatal, pregando o chamado Estado Mínimo. Também,
o desemprego apresenta índices alarmantes. Embora vivêssemos no
período, a partir de Itamar Franco uma estabilidade da moeda com
a redução da inflação, a economia brasileira encontrava-se esgotada,
massas de trabalhadores eram postos na rua, relegados ao desemprego
em face da política neoliberal, sem contar, ainda, com a aludida reestru-
turação produtiva no mundo do trabalho que procurava impor um pa-
drão toyotista no chão de fábrica no Brasil. Ou seja, conjuntura nacio-
nal e internacional adversa, bem como um severo déficit para a classe
trabalhadora: tarefa difícil para a CUT e as organizações de esquerda,
o momento era reunir forças para as eleições vindouras.

A conjuntura política dos anos 2000 e a diáspora da CUT


com a emergência das novas centrais sindicais

Com o intuito de romper com o paradigma neoliberal da década de


90, as forças de centro-esquerda organizariam uma ampla coalizão com o
intuito de enfrentar a continuidade do Partido Social Democrático Brasi-
leiro (PSDB) na presidência da República. Nestas eleições de 2002, o PT
irá capitanear esta coalizão com o seu candidato Lula. Assim sendo, em
2002, finalmente, Lula consegue conquistar a tão sonhada presidência do
Brasil no segundo turno, na bipolarização PT versus PSDB, com 55,27%2.
No tocante ao plano tático, embora conquistando esta vitória em conjunto
com a Frente Popular, essa eleição de 2002 representou o último enlace
do PCB com o PT, bem como o último apoio crítico do PSTU no segundo
turno aos PT, pois no imediato começaram a apresentar críticas ao PT e
migrarem para o campo político oponente de oposição ao governo Lula.

A Esquerda Radical: as disputas sindicais e eleitorais

A partir das próximas eleições o PCB irá trilhar um caminho


junto com as outras organizações de esquerda, denominada de Esquer-
2 http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2002/resultado-da-
-eleicao-2002.

75
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

da Radical (MOURA, 2011; FIGUEIREDO, 2013) em conjunto com


o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e a partir
da criação do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Neste sentido,
cumpre destacar que estas agremiações partidárias vão para o polo
oposto do PT, uma vez que consideram este partido, a partir do gover-
no Lula, como uma organização socialdemocrata de centro-esquerda3;
em face da manutenção do establishment e do todo o corpo burocrático
do presidencialismo de coalizão existente no Brasil (ABRANCHES,
1988), arcabouço institucional este que a esquerda mais radicalizada
julgava que o PT iria se desvencilhar.
Ou seja, como o PT, neste momento, adota uma política mais prag-
mática e de centro-esquerda, por conseguinte, esta parcela da esquer-
da começa a se organizarem tanto no campo sindical, quanto no campo
eleitoral visando marcar posição no campo político, pois julgavam que o
PT abandonou as suas bandeiras tradicionais de luta (BOITO JR, 2007).
Sendo assim, este conjunto de forças denominado de Esquerda Radical,
adotam posições centrifugas da seara petista. Quanto ao plano sindical,
devemos destacar que além das contradições pouco ortodoxas para os
olhos da esquerda, no primeiro mandato de Lula o seu governo, ainda,
tenta emplacar uma reforma sindical e previdenciária, sendo que para
incentivar a negociação criaram o Fórum Nacional do Trabalho (FNT).
Obviamente, que este tema gerou novamente sérias polêmicas na base
governamental, irrompendo uma dissidência partidária que viera for-
mar o PSOL, com reflexo, inclusive, no seio sindical: [...] A reforma
da previdência teve repercussões também junto à CUT, ocasionando o
rompimento de uma parcela de sindicalista e a formação da Coordenação
Nacional de Lutas (CONLUTAS). (DAL MOLIN, 2013: 148).
Como reflexo destas disputas no âmbito da reforma sindical e
previdenciária houve a emergência de novas centrais sindicais, uma vez
que esta esquerda julgava que a CUT era o braço de sustentação sindi-
cal do PT e não iria dar subsídios para as lutas dos trabalhadores, bem
como afirmavam que as mudanças no âmbito sindical e previdenciário
3 Quanto ao espectro ideológico esquerda-direita, Yan Carreirão (2006: 143) ex-
plicita: “tomo como definição operacional inicial a seguinte classificação dos partidos
no Brasil, no eixo direita-esquerda: 1) Direita: PP (PPB; PPR; PDS); PFL; PRN;
PDC; PL; PTB; PSC; PSP; PRP;PSL; PSD e PRONA. 2) Centro: PMDB e PSDB. 3)
Esquerda: PT; PDT; PPS; PCdoB; PSB; PV; PSTU; PCO e PMN”.

76
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

eram patrocinadas pelo PT. Assim sendo, a conjuntura propiciou, por


conseguinte, o fomento da Intersindical, ligada ao PCB e ao PSOL e a
criação da CONLUTAS, ligada ao PSTU.
A partir desta nova configuração de forças na seara da esquerda,
bem como após a construção e fomento destas Novas Centrais Sindi-
cais, estes três partidos romperão definitivamente com a coalizão capi-
taneada pelo PT. Procurariam, por conseguinte, uma aliança tática para
a eleição de 2006, visando contraporem o PT neste pleito. Conforme
enfatizado, o PCB, PSTU e PSOL, compuseram a Frente de Esquerda.
Embora houvesse certa similaridade na origem do PSOL e PSTU, esta
aliança não logrou unidade, em face das divergências programáticas
dessas três agremiações e a tentativa de protagonismo do PSOL na
corrida presidencial definindo a candidata a presidente, Luiza Helena e
o seu vice, César Benjamim, o que de arrancada já demonstrou fissuras
nesta coligação partidária, uma vez que o PSTU tentou apresentar o
nome do seu presidente (José Maria) como vice da chapa.
Além destas questões, no plano tático, o PSOL visava neste pleito
um caráter eleitoral mais popular e democrático, divergindo do PSTU e
do PCB que buscavam uma propaganda classista, visando romper com
o status quo e não crendo na via democrática burguesa como expressão
da luta de classe (MOURA, 2011). Embora a candidata da Frente de
Esquerda tenha chegado em 3º lugar da disputa, ela conseguiu apenas
6.85% dos votos4, fato este que demonstrou a falta de inserção destes
partidos no campo de disputa eleitoral, não consolidando preferências
no mercado político. Ainda, quanto aos eleitos por estes partidos, o
PSOL logrou eleger 02 deputados estaduais e 03 deputados federais,
quanto ao PCB elegeu apenas 01 deputado estadual.
Portanto, destacamos que os campos de lutas desta Esquerda Ra-
dical não se dão eminentemente no campo eleitoral, mas sim em várias
arenas/ambientes de lutas5, onde suponhamos que no plano sindical estas

4 In.:http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2006/resulta-
do-da-eleicao-2006. Acessado em 10/01/2013.
5 Segundo Panebianco (2005: 23), “ambiente é uma metáfora para indicar uma plu-
ralidade de ambientes, de arenas na quais cada organização age quase sempre simul-
taneamente; arenas que geralmente são interdependentes e comunicantes entre si,
mas também distintas”.

77
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

organizações partidárias atingem um relevo mais destacado. Obviamente,


que também merece destaque os movimentos sociais diversos, entre esses
o movimento estudantil, os quais combinados servem de ponto de apoio e
propaganda para a construção partidária. Neste sentido, verificamos que
há uma multiposicionalidade militante nas várias arenas, seja sindical, elei-
toral, movimento sociais que se somam; sendo que, reiteramos que em
face dos sucessivos resultados eleitorais pífios, o campo eleitoral não seja
o ambiente por excelência destas agremiações partidárias, uma vez que
centram muito mais as suas forças na tentativa de consolidação no campo
sindical, destacando, assim, justamente o caráter classista destes partidos.
De acordo com Moura (2011) sustenta que esses partidos da Esquerda Ra-
dical funcionam dentro do conceito de “partidos de chantagem”, a partir da
teoria downsoniana, em que por meio de pressões no jogo político visam
influenciar o espectro ideológico da disputa, mesmo não logrando vitória.
Nas palavras do próprio Downs (1999: 148 ):

Ao analisar o nascimento de novos partidos, devemos distinguir


entre dois tipos de novos partidos. O primeiro é projetado para
ganhar eleições. Seus criadores sentem que ele pode se locali-
zar de modo a representar um grande número de eleitores cujos
pontos de vista não estão sendo expressos por qualquer partido
existente. O segundo tipo é projetado para influenciar partidos
já existentes a mudar suas políticas, ou a não mudá-las; não visa
primordialmente a ganhar eleições.

Em síntese, consideramos que arena de luta mais destacada no pe-


ríodo do governo Lula, para esta Esquerda Radical se dá no ambiente
sindical, uma vez que no plano eleitoral não conseguem resultados satis-
fatórios para disputar a hegemonia com a agremiação petista, bem como,
alijar do poder o centro e a direita. Da mesma forma, verificamos que a
seara eleitoral não seria o ambiente por excelência destes partidos, com
exceção do PSOL. Dialogando com Przeworski, em seu livro, Capitalis-
mo e Socialdemocracia (1989), acerca das escolhas dos partidos de orien-
tação marxista nas urnas, fato este que implicaria no seguinte dilema:

Os líderes de partidos baseados na classe operária devem esco-


lher entre ser um partido homogêneo em termos de apelo a uma

78
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

classe, porém condenado à eterna derrota eleitoral, ou um par-


tido (universalista, que irá abarcar todos os diversos aspectos
da sociedade) que luta pelo sucesso eleitoral às custas de uma
diluição de sua orientação de classes (Przeworski, 1989: 125).

Ou seja, estas organizações da Esquerda Radical não demons-


tram o interesse de amainarem o ímpeto revolucionário a fim de bus-
car e maximizar votos fora do seu eixo principal, a classe operária,
enfatizando, portanto, a ênfase no universo sindical, vide, especial-
mente a CONLUTAS.

PCdoB e a construção da CTB como alternativa


a hegemonia da CUT

Conforme já enfatizado, o PT não logrou unidade dentro da sua


própria seara, tendo defecções à esquerda nas suas hostes partidárias,
que vieram a formar o PSOL, em meados do seu primeiro mandato.
Diferentemente das outras organizações do campo da esquerda, o PC-
doB foi um incisivo apoiador do governo Lula. Assim sendo, o PCdoB
promovia uma política frentista junto ao governo Lula, que propugna-
va um modelo nacional, democrático e desenvolvimentista, comprome-
tendo-se, por conseguinte, muito com este governo no plano institucio-
nal, ou seja, entre as conexões do executivo-legislativo em consonância
direta com as políticas implementadas pelo governo petista: segundo o
PCdoB, não seria um apoio irrestrito, mas sim um apoio crítico com o
fito de demonstrarem ter um grau de independência.
Em 2005, nas vésperas das próximas eleições majoritárias o PC-
doB realiza o seu XI Congresso. Para o PCdoB, a vitória do governo
Lula equiparava-se como sendo um grande avanço na história do Bra-
sil, enfatizava comparando cronologicamente com as seguintes vira-
gens políticas no Brasil: 1º) Com a proclamação da república e abolição
da escravatura, no final do séc. XIX; 2) Com a revolução de 1930, que
modificou a estrutura da Velha República; e, naquele momento, 3) com
a vitória de Lula, contendo a onda neoliberal caudatária das décadas
passadas. Nesse XI Congresso do PCdoB (2005), avançavam na inter-
pretação acerca da importância da vitória de Lula, combinando a sua

79
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

tática com a estratégia no rumo do socialismo, que neste quadro atual,


segundo o PCdoB, “assume uma dimensão anticapitalista e anti-impe-
rialista de transição do capitalismo ao socialismo” (PCdoB, 2005: 99),
buscando construir o centro da sua tática na relação frentista do PC-
doB com o governo Lula.
Também, destacamos outro ponto que deveria ser realçado na
política do PCdoB, conforme explicitado desde o VIII Congresso (2005)
ao propor o Programa Socialista: o artífice desse projeto socialista se-
ria o proletariado. Neste sentido, mantém-se operando dentro da CUT,
com uma corrente organizada denomina CSC (Corrente Sindical Clas-
sista), com o intuito de galvanizar a classe operária para a suas hostes
partidárias em consonância com a sua política. Sendo que, convém re-
lembrar que no início da década de 80 os comunistas (PCB e PCdoB)
perderam o “trem da história” ao subestimar a vanguarda do ABC
paulista na construção da CUT, vindo a migrar para essa organização
apenas no fim dessa década, já sob a hegemonia do PT (SANTANA,
2001). Realçamos ainda que, conforme esperado, com a emergência
do governo Lula, as principais lideranças cutistas estavam operando
em comunhão orgânica com o governo petista no plano institucional,
amainando a luta dos trabalhadores.
Não obstante a tentativa de se sedimentarem através da CUT,
obviamente que os pecedobistas iriam enfrentar dificuldades para con-
quistar a hegemonia junto ao proletariado, uma vez que precisava dis-
putar espaço nesse meio tanto com a elite dirigente da CUT (organi-
zação longeva e bem consolidada pelo PT), quanto com as referidas
centrais da Esquerda Radical, Conlutas e Intersindical, - tarefa difícil
para o PCdoB, não esquecendo que neste espectro ainda havia a Força
Sindical (sindicalismo de resultados). Também, devemos enfatizar que
nesse espaço do movimento sindical e do mundo do trabalho as orga-
nizações da Esquerda Radical, conforme explicitado no subtítulo ante-
rior, conseguiriam lograr uma relativa amplitude, destacando-se como
oponente efetivo ao governo petista. Neste sentido, enfatizamos acerca
dos limites do PCdoB no mundo sindical, em virtude do seu denomi-
nado apoio crítico ao PT, fato este que tornava mais árduo o seu pro-
tagonismo nas lutas dos trabalhadores, uma vez que o PCdoB era um

80
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

frondoso braço de sustentação do governo petista; e, por conseguinte,


tal processo de busca pela hegemonia no mundo sindical barrava nos
limites partidários em face do apoio dos comunistas ao governo Lula.
Buscando romper com a hegemonia petista na CUT, o PCdoB, em
conjunto com outras forças de esquerda, constrói a CTB (Central dos
trabalhadores e trabalhadoras do Brasil), com o intuito de se deslocar
da CUT e visando construir o seu protagonismo junto ao proletariado,
conforme resoluções partidárias. Porém, a CTB não se apresenta ne-
cessariamente como uma ruptura com o governo Lula, mas sim como
uma expressão do acúmulo de forças dos comunistas dentro da CUT,
podendo neste momento marcar presença com a sua política própria.
Em tempo, os comunistas já se organizavam dentro da CUT enquanto
tendência através da CSC (Corrente Sindical Classista), ou seja, seria
segundo eles um processo de acúmulo e maturação política. Obviamen-
te, que sobraram críticas para a CUT, justamente com o intuito de jus-
tificar o nascimento de uma nova central sindical comunistas:

Sob a dominação do neoliberalismo, o Brasil mudou para pior,


levando-se em conta os interesses da classe trabalhadora e da
maioria da nação. A CUT também sofreu esse impacto. A cúpu-
la dessa central abandonou o discurso e a prática classista para
propor um “sindicalismo cidadão”, trocou a tática do confronto
pela conciliação, alimentou ilusões em relação à câmara setoriais,
vacilou diante da reforma previdenciária de FHC e aos poucos
foi consolidando uma concepção sindical de viés social democra-
ta, orientada para a colaboração de classes, o que teve sua cor-
respondência, no plano internacional, na filiação à Confederação
Internacional de Organização dos Sindicatos Livres (CIOLS).
(REVISTA PRINCÍPIOS, 2008, nro. 94: 37).

Também, devemos considerar que além destes motivos alegados


pela CTB de fundo, ainda, havia o fato do hegemonismo do PT na CUT,
motivo este que dava pouco poder de inserção real da política comunista
nesta central sindical. Sendo assim, o PCdoB aproveitava o seu acúmulo
do período de trabalho em conjunto com a CUT e buscava construir
a sua própria central sindical. Ainda, enfatizava o desapego do caráter

81
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

classista na CUT. Em síntese, neste momento para o PCdoB parece ha-


ver dois movimentos táticos: 1) Enquanto partido, apoiam o governo
Lula em sua política de Estado; e, 2) enquanto centrais sindicais procu-
ram marcar posição mais à esquerda da CUT e do PT, com o intuito de
granjear frutos e amplitude nos sindicatos. Talvez, em virtude dos erros
históricos do PCdoB, ora oscilando a esquerda e perdendo militantes ora
oscilando à direita e ficando a reboque do movimento, decida neste perí-
odo analisado optar por uma relação dúbia com o governo alegando um
“apoio crítico” e construindo a sua própria Central Sindical.

Considerações finais

Assim sendo, no tocante especificamente ao espectro sindical, se


no imediato da redemocratização tínhamos um campo mais coeso com os
partidos de esquerda disputando entre si a hegemonia; porém, nos anos
2000 houve uma pulverização de centrais sindicais. Observamos, que estas
centrais foram reflexos do quadro político brasileiro e da conjuntura nos
sucessivos períodos históricos, os quais dera origem ao seguinte quadro no
final do período LULA: CUT (Central Sindical dos Trabalhadores), ligada
ao PT - com 1.985 sindicatos filiados e 22 milhões de trabalhadores na
base; Força Sindical, ligado ao PDT/PPS – com 1.506 sindicatos filiados e
16 milhões de trabalhadores na base; UGT (União Geral dos trabalhado-
res), ligado ao PMDB – com 886 sindicatos filiados e 6 milhões de traba-
lhadores na base; NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores), ligada
ao PMDB/PTB – com 836 sindicatos filiados e 5 milhões de trabalhado-
res na base; CTB (Central dos Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil),
ligada ao PCdoB – com 486 sindicatos filiados e 6 milhões de trabalhado-
res na base; CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), ligada
ao PMDB – com 369 sindicatos filiados e 3 milhões de trabalhadores na
base; CSP-CONLUTAS, ligada ao PSTU – com 156 sindicatos filiados e 2
milhões de trabalhadores na base e INTERSINDICAL, ligada ao PSOL e
ao PCB - com 80 sindicatos filiados e 1 milhão de trabalhadores na base6.
Portanto, conforme podemos perceber as bandeiras da classe
operária, no campo de esquerda, outrora com bandeira única se frag-

6 Fonte: Revista ISTOÉ, Ed. 2180, 19 Ago, 2011

82
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

mentara em vários matizes, pois o campo de ação sindical se ampliou


enormemente em face das mudanças conjunturais na seara política e
partidária do Brasil, conforme referido ao longo do artigo nas décadas
de 80, 90 e, especialmente, nos anos 2000. Ou seja, as discussões de ca-
ráter classistas, socialistas e revolucionárias se decompuseram em di-
versas frentes sindicais, respondendo cada uma respectivamente a um
tipo de demanda política expressa por esses partidos que a compõem.
Ainda, percebemos que no tocante a conexão sindical e partidária, bem
como, no reflexo no âmbito eleitoral ela se fortaleceu bem mais na seara
do PCdoB (FIGUEIREDO, 2013) e, ainda, incipientemente no PSOL.
Neste sentido, consideramos que o PCB e o PSTU em virtude de im-
primir um caráter muito antissistema (SARTORI, 1982), não visando
abrandar o seu caráter classista, não priorizam as eleições, visando,
sim, uma abrangência muito mais incisiva no polo sindical consideran-
do, por natureza partidária, o seu ambiente mais propício de luta.
No tocante ao PCdoB, em face de uma leitura mais suavizada do
governo Lula, como uma tentativa mais enfática de institucionalização
partidária, prioriza bem mais a via eleitoral, ou seja, aposta nos suces-
sivos pleitos como seu universo político (FIGUEIREDO, 2013). Des-
se modo, compreendemos o campo sindical apenas como mais um dos
universos militantes da seara do PCdoB, assim como a eleitoral, movi-
mento sociais, estudantis, etc. Ainda, no tocante ao universo sindical,
embora apostando como uma alternativa a CUT a partir da construção
da CTB, enfrenta, por conseguinte, uma dificuldade de construir a he-
gemonia no movimento sindical da esquerda, justamente pelo excessi-
vo atrelamento ao governo Lula, não se dissociando, por conseguinte,
da sombra do cutismo.
Finalizando este texto, percebemos também que os atrasos dos
PC’s no campo partidário institucional (clandestinidade até meados da
década 80) foram cobrados com uma conta bem cara aos mesmos, pois
vira escorrer de suas mãos o protagonismo da classe operária para o
polo do petismo. Ao migrar na década de 90 para CUT, já foram sem
ser força hegemônica, ficando, portanto atrás do PT na condução da
classe trabalhadora. Fechando essa análise, com o nascimento de novos
partidos na década de 90 (PSTU) e na década de 2000 (PSOL), ve-

83
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

mos, portanto, a fragmentação da seara sindical a partir da nova con-


figuração do cenário partidário. Concluindo, embora as novas centrais
egressas da CUT não conseguiram, ainda, a tão sonhada hegemonia
da classe trabalhadora, alguns apontamentos ficam realçados nestas
questões que é justamente a falta de unidade da classe trabalhadora,
tão perseguida desde os tempos da redemocratização capitaneada por
Lula e o novo sindicalismo; e, continuando fragmentada mais ainda,
justamente, a partir do governo petista.

84
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

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86
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

A INVENÇÃO DA MEMÓRIA: A DISPUTA PELO


LEGADO DO COMUNISMO NO BRASIL
ENTRE O PCB E O PCdoB

Introdução

Ao discutirmos acerca do legado do comunismo no Brasil depa-


ramos com um dilema que provoca grandes paixões, dependendo do
lado de defesa que o analista se filiar: qual é o verdadeiro partido comu-
nista no Brasil? Tal pergunta se justifica, uma vez que existe dois par-
tidos que se definem como o verdadeiro e histórico partido comunista
fundado em 1922, quais sejam: Partido Comunista Brasileiro (PCB) e
Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Obviamente que para os mili-
tantes do PCB, eles vão afiançar que o seu é o verdadeiro partido de
Luiz Carlos Prestes; por outro lado, para os militantes do PCdoB, esta
organização vai reafirmar que não são um racha do antigo Partidão,
mas sim a sua reorganização e continuidade histórica legítima do velho
partido fundado em 1922, pois mantiveram o mesmo nome. A primeira
indagação leva a um segundo questionamento: Como equilibrar este
dilema que além de pretender carregar para si a herança do verdadeiro
partido comunista, também, torna os seus pretensos herdeiros porta-
dores de um legado histórico e capitalizando esse espólio como recurso
político nas sucessivas eleições?
A partir dos questionamentos que norteiam esse artigo refleti-
remos como a memória política se equilibra num fio tênue entre me-
mória coletiva e a memória histórica, sabendo de antemão que ambas

87
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

são trabalhadas, melhor dizendo, são manipuladas através dos lapsos e


dos esquecimentos (intencionais ou não), bem como a partir do aciona-
mento das lembranças das memórias de velhos militantes. Igualmente,
devemos enfatizar que a memória funciona como se fosse um processo
seletivo, sendo construída como um mosaico através de uma monta-
gem que irá refletir na memória oficial. Sendo que, para o escopo deste
texto realçamos que no caso de história partidária essa montagem é
composta pelos fatos que melhor ilustrem o que se convém recriar para
elaborar uma memória oficial de um partido.
Assim sendo, para efeito deste artigo trabalharemos as contra-
dições dessa ruptura nos seguintes momentos, uma vez que são vários
fatos políticos e históricos para a sua compreensão: 1) primeiro mo-
mento, construir um brevíssimo histórico político do comunismo no
Brasil, a fim de entender os motivos da secção dos comunistas no início
dos anos 60; buscando compreender não somente as motivações, mas
as condições nacionais e internacionais que motivaram tal ruptura ir-
reconciliável. Ainda, torna-se de fundamentação importância, também,
2) num segundo momento, discutir teoricamente acerca do enquadra-
mento da memória coletiva e da memória histórica, com o intuito de
dialogarmos com o objeto e fundamentarmos teoricamente as respos-
tas às questões propostas.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, tratar-se-á
de um trabalho qualitativo, pois visa à reconstituição histórica procu-
rando examinar comparativamente os PC’s. Para a consecução deste
artigo, trabalharemos com as bibliografias referentes aos elementos
mais significativos do contexto internacional e nacional que busquem
responder aos questionamentos propostos e que motivaram a secção
na seara da esquerda. Nesta perspectiva, para não ficarmos refém de
uma memória oficial unívoca dialogaremos com a memória bibliográ-
fica de ambos os partidos, buscando, assim, examinar artigos, docu-
mentos partidários e propagando política a fim de verificar como foi
trabalhada a memória desses dois partidos, num processo contínuo de
intitularem-se como o real partido de 1922.

88
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Breve histórico do comunismo no Brasil:


da gênese à grande secção.

O surgimento do Partido Comunista do Brasil ocorreu como re-


flexo das lutas surgidas no país no final do século XIX e início do sécu-
lo XX, principalmente entre grupos socialistas dispersos e elementos
do anarco-sindicalismo, muito fortes no período. Também, é relevante
destacar a força motriz e a influência impulsionadora da Revolução de
Outubro de 1917, na Rússia, como exemplo para a consecução de um
partido com caráter comunista na cena política brasileira, sendo este
fundado em 1922. Primeiramente, torna-se relevante esclarecermos o
seguinte: o partido nasce com o nome oficial de Partido Comunista do
Brasil e utiliza-se institucionalmente ao longo do seu percurso, inclusi-
ve em eleições da sigla PCB.
Desde o seu nascedouro o partido sofreu severas perseguições,
tendo no imediato ao fim do Estado Novo, em 1945, um breve perío-
do de legalização partidária, tomando impulso e constituindo uma ex-
pressiva bancada de comunistas eleitos (CARONE, 1982; CHILCOTE,
1982). Porém, a política de legalidade do Partido Comunista do Brasil
(PCB) não perdurou por muito tempo, uma vez que logo voltaria a ser
cassado, em 1947, ou seja, entraria novamente na clandestinidade.
Como reflexo deste conjunto de fatores e perseguições o PCB lan-
ça uma nova linha política consubstanciada no Manifesto de Agosto de
1950. Nesta linha política rompem totalmente com a política conciliató-
ria do período anterior, pós-ditadura Vargas; primando por uma diretriz
de assalto ao poder e empunhando a insígnia de libertação nacional atra-
vés tática de uma Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN).
Este manifesto traria subsídios às diretrizes políticas do IV Congresso
do PCB, no qual enfatizava que a independência nacional se daria com a
derrubada do governo feudal-burguês, através de uma estratégia insur-
recional de libertação, democrático e popular da Frente Democrática de
Libertação Nacional (FDLN). Esta política sectária, obviamente, seria
reflexo da exclusão do PCB da grande política institucional brasileira,
pois o deixava à margem, sendo ratificada esta política através do IV
Congresso do partido, em 1954 (FIGUEIREDO, 2013).

89
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Porém, as turbulências no cenário político nacional serão sen-


tidas na seara comunista, pois Getúlio Vargas assume novamente o
governo do Brasil em 1950, mas suicida-se em agosto de 1954; fazendo
com que a linha política do IV Congresso fosse posta discretamente
de lado, sem maiores autocríticas. Começava neste período, digamos
assim, uma “redescoberta” da política nacional, sendo, por conseguinte,
amainada a linha política esquerdista. Pois, embora o Comitê Central
primasse pela linha mais esquerdista do IV Congresso; no entanto, na
prática os comunistas através da sua base sindical começariam a cons-
truir, melhor dizendo, reconstruir um trabalho mais sistemático em
comunhão orgânica com outras organizações políticas, principalmente,
o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (SANTANA, 2001).
Ainda, podemos dizer que além desta questão nacional outro fa-
tor de fundamental importância assume proporções gigantescas na se-
ara comunista, principalmente, os reflexos do XX Congresso do PCUS,
em 1956. Neste Congresso vêm à tona os crimes atribuídos a Stalin,
outrora dirigente máximo da URSS. Neste período, com o falecimento
de Stalin o seu sucessor Kruschev divulga o que ficou conhecido como
relatório “secreto” aceca dos crimes de Stalin. Grosso modo, este rela-
tório seria o motivo da primeira fissura nos países comunistas e, como
era de se esperar, um verdadeiro divisor nos partidos comunistas ao
redor do mundo. Obviamente, como o PCB era tributário dos cânones
do marxismo-leninismo não sairia imune a esses dilemas internos, sen-
do acionado mais intensamente após as denúncias do XX Congresso,
que chegaria como uma bomba na imprensa comunista, dando fôlego
para rusgas de cima a baixo, dito de outra maneira, das suas unidades
de bases até o Comitê Central (CC).
Além dessa questão internacional, convém enfatizar que no âm-
bito político nacional transcorre o período do governo nacional desen-
volvimentista de Juscelino Kubitschek, iniciado em 1956; ocorrendo,
por conseguinte, um abrandamento da perseguição aos comunistas e
trazendo uma falsa “legalidade” aos seus personagens principais. Tal
conjuntura nacional realçaria a questão nacionalista, transformando a
mesma numa verdadeira pedra de toque da política do período, fazendo
com que os comunistas absorvessem em sua linha política partidária.

90
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Esta questão nacional convergiria e começaria a ganhar relevo outro


conceito de fundamental importância que seria as discussões a respeito
da democracia, justamente como reflexo das diretrizes impulsionadas
pelo PCUS, fomentando, assim os impulsos nacionais e internacionais
na seara comunista.
Devemos frisar neste aspecto que a linha política do PCUS pre-
gava a transição pacífica ao socialismo e, nesta perspectiva, o modelo
político do PCB estava sendo gestada pari passu entre a política nacio-
nal e as influências externas da política do PCUS. O Comitê Central
institui uma comissão secreta a fim de elaborar uma nova linha política
ao partido, surgindo deste trabalho a Declaração de Março de 1958,
sendo a mesma considerada uma verdadeira mudança teórica na seara
dos comunistas no Brasil. Em linhas gerais, podemos dizer que a De-
claração de Março fora caudatária da conjunção de todas estas mudan-
ças ocorridas, tanto em âmbito nacional quanto no plano internacional,
principalmente provocadas pelos ventos da desestalinização.
Nesta perspectiva, enfatizamos que da síntese dessas contradições,
reproduziu-se uma nova composição do Comitê Central; ou seja, a De-
claração de Março vinha impregnada e influenciavam as novas diretri-
zes partidárias. Entretanto, é importante registrar que esta nova diretriz
mantinha o viés etapista da política do PCB, todavia, mudava o seu enfo-
que de correlação de forças, pois associava-se numa clara aliança com a
burguesia nacional, atribuindo a este estrato social um papel preponde-
rante na luta política, uma vez que consideravam-na como força revolu-
cionária, acreditando que ela tivesse este aporte principalmente na luta
contra o imperialismo e a favor do desenvolvimento econômico nacional.
Tais premissas modificavam, portanto, o caráter estratégico da revolu-
ção brasileira, que de acordo com as Declarações de Março: “A revolução
no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas antiimperialista e
antifeudal, nacional e democrática ” (CARONE, 1982: 184).
Esta política seria a base para o V Congresso do partido, em
1960, no qual adotaria a diretriz da Declaração de Março de 1958.
Obviamente, que a mudança radical da linha política, comparando-a
com a do IV Congresso, iria ativar novas secções e justificar as rusgas
internas que já existiam tanto no seio do CC quanto nas bases parti-

91
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

dárias do PCB. Devemos destacar que nesse processo havia conflito


de grupos interno dentro da agremiação comunista, principalmente,
entre a outrora elite dirigente que se encontrava esvanecida pelas lutas
do Relatório de Kruschev e que iria disputar espaço com uma nova elite
emergente que surgia e estava disposta a ir para o embate político, a fim
de ganhar espaço. Em síntese, buscavam não somente disputar espaço,
mas marcar posição frente a linha política aprovada no V Congresso:
transição pacífica, protagonismo da burguesia e tática de Frente Única.
De acordo com a Declaração de Março:

A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas


anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática. A solução
completa dos problemas que ela apresenta deve levar à inteira li-
bertação econômica e política da dependência para com o impe-
rialismo norte-americano; à transformação radical da estrutura
agrária com a liquidação do monopólio da terra e das relações
pré-capitalistas de trabalho (...). Estas transformações removerão
as causas profundas do atraso de nosso povo e criarão, com um
poder das forças anti-imperialistas e antifeudais sob a direção do
proletariado, as condições para a transição ao socialismo, objetivo
não imediato, mas final, da classe operária (CARONE, 1982: 184)

Ainda, no tocante ao ambiente interno partidário, o V Congresso


sacralizaria, de fato, a derrota do antigo núcleo stalinista egressos do
IV Congresso, emergindo, este momento, uma nova elite dirigente no
seio do PCB, mantendo-se Prestes como o grande líder. Destacamos
que o PCB passa a se chamar, a partir do V Congresso, Partido Comu-
nista Brasileiro, com o intuito de pleitear a sua legalização eleitoral.
Já a cisão oponente mantém o nome original de Partido Comunista
do Brasil e passam a utilizar da sigla PCdoB, em 1962, com a mesma
linha politica do IV Congresso. Obviamente, que esta cisão oponente
acusaria a nova elite dirigente do PCB de revisionismo e de traição do
partido e do legado original do marxismo-leninismo, estabelecendo-se
uma luta entre as duas searas.
Embora em seu cerne ambos os PC’s não tivessem uma diferença
estratégica palpável, transição ao socialismo em duas etapas; porém, o

92
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

centro da discussão estava no agente revolucionário: 1) quanto ao PCB


seria a burguesia; e, 2) enquanto o PCdoB insistia na via insurrecional
através do proletário-camponês. Sendo que, mesmo ainda estando numa
clandestinidade aparente, início dos anos 60, este período seria o apogeu
da inserção do PCB na política nacional, pois embora não participasse do
curso das eleições que se desenrolava, conseguia burlar a sua ilegalidade
elegendo candidatos dentro de outros partidos, especialmente o PTB, e
influenciavam no curso dos acontecimentos do jogo político durante o
governo de João Goulart (1961-1964) (SEGATTO, 1995). Realçamos
para efeitos políticos e comparativos que esta política atrelada a grande
política nacional era totalmente rechaçado pelo (re)fundado PCdoB, pois
não acreditavam no caráter revolucionário de João Goulart.
Ainda, no tocante ao atrelamento e exemplo das lutas internacio-
nais, torna-se importante salientar que o PCdoB se alinhou a China co-
munistas, mas frisamos que seu alinhamento ao Partido Comunista da
China (PCCh) não se deu no imediato a sua (re)organização partidária,
pois no início da sua vida legal apoiava ainda a URSS em seu Manifesto
Programa: “a União Soviética marcha para o comunismo” (PCdoB, DO-
CUMENTOS HISTÓRICOS, 2000: 41). Neste sentido, reafirmamos
que, embora a fissura do bloco soviético na década de 50 produzisse
rachaduras visíveis no comunismo internacional, vide conflito sino-so-
viético, este não foi o motor único da fissura dos comunistas brasileiros.
A desincompatibilização com a URSS ocorrerá de fato, quando o PCUS
publicou no Pravda, em 14 de julho de 1963, uma carta-aberta acusando
o PC da China de fomentar a divisão dos comunistas no mundo, citando
o caso do Brasil como exemplo, mencionando explicitamente os nomes
de João Amazonas e Grabois (PCdoB, 2000), antigos dirigentes do PCB
que capitanearam a secção e fundaram o PCdoB.
Desta forma com diferentes delineamentos políticos e rusgas de
ambas as partes, a secção institucionalizavam-se, também, no plano in-
ternacional. Assim sendo, sobrava para o PCdoB o seu alinhamento de
forças com os comunistas do PCCh. Tal atrelamento avançará, princi-
palmente, quando o PCdoB fora considerado pelos chineses como “par-
tido irmão”, nomeando-o como o seu principal interlocutor no Brasil.
A partir de 1963, portanto, iniciou-se o envio de militantes do PCdoB

93
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

para visitas frequentes a China de Mao Tse Tung, para o desenvolvi-


mento de treinamento e trocas de experiências no plano militar. En-
tão, podemos enfatizar que a partir de 1963 é que os comunistas do
novo PCdoB iriam romper publicamente com os comunistas soviéticos
e afirmar o maoísmo, como alternativa política contra o chamado “re-
visionismo” soviético, associando-o a socialdemocracia e indicando a
necessidade de sua exclusão do movimento comunista internacional
(Aarão Reis Filho 1990; Aarão Reis Filho & Sá, 1985). Desta forma,
podemos verificar que a razão da secção dos comunistas é de fundo te-
órico no que concerne a linha tática-estratégica para as questões nacio-
nais, assim como derivada dos acontecimentos do movimento comunis-
ta internacional; os quais galvanizaram secções não somente no Brasil,
como também fomentou dissidências entre outros países comunistas
da esfera de influencia da União Soviética.

Discussões teóricas e empíricas acerca da memória comunista

Ao discutirmos sobre a memória do marxismo no Brasil realçamos


que estamos trilhando um caminho nos subterrâneos da política, uma vez
que as organizações comunistas no Brasil ficaram por um longo perío-
do na clandestinidade e sendo perseguidas. Não devemos esquecer que
a partir de 1964, como sabemos, vivemos numa ditadura militar que não
somente perseguiu as organizações de esquerda como as aniquilava fisi-
camente. Portanto, temos assim memórias de sobreviventes, recontadas e
recortadas pelas mãos de quem atravessou, muitas vezes, águas turbulen-
tas de uma ditadura feroz, uma vez que o processo de redemocratização
veio a ser efetivado com a passagem de um presidente ditador para um ci-
vil, em 1985, propiciando somente neste momento a legalização dos PC’s.
Ainda, devemos também diferenciar o grau de violência do Es-
tado contra as organizações comunistas: 1) quanto ao PCB em virtude
de ser uma organização que visava à transformação e o fim da ditadura
dentro dos marcos democrático e através de uma distensão fomentada
dentro do MDB/PMDB sofreu um aniquilamento mais seletivo; e, 2)
no tocante ao PCdoB em face da Guerrilha do Araguaia (1972-1975),
houve um processo de perseguição e assassinato dos seus militantes de

94
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

forma mais sistemática ao longo da ditadura militar. Tais diferencia-


ções de luta e resistência, obviamente geraram duas formas distintas
de enfoque do acionamento da memória por parte dessas organizações
políticas, quais sejam: por parte do PCB, as lembranças da luta pací-
fica e pela busca da redemocratização; e, por parte do PCdoB, a luta
de resistência e guerrilha armada no Norte do Brasil. Em síntese, es-
sas diferentes formas de lutas serão acionadas preponderantemente no
processo seguinte no curso de redemocratização partidária no Brasil e
atividades, inclusive em pleitos eleitorais como trunfos políticos.
Percebemos, portanto, que a cultura política dos partidos comunis-
tas no Brasil é acionada através de uma memória, principalmente, de so-
brevivência, em face da luta contra as diversas ditaduras e clandestinida-
des que foram vítimas: Primeiramente, a Ditadura de Vargas e o Estado
Novo; e, posteriormente, a ditadura militar e o fascismo de Estado. Ou
seja, são memória de sobrevivência e subalternidade na cultura política
brasileira, justamente em virtude da longa perseguição e clandestini-
dade. Não podemos esquecer, neste sentido, que durante muito tempo
ser comunista era sinônimo do perigo vermelho, dito de outro modo,
de algo extremamente pernicioso. Assim sendo, cumprindo o seu papel
dentro de um lócus subalterno da memória política no Brasil, muitas ve-
zes, os comunistas preferiram esquecer, melhor dizendo, recortar as suas
memórias e expondo apenas os fatos que melhor proporcionassem um
enquadramento para a construção de uma memória oficial.
Porém, devemos enfatizar que desde o fim da ditadura militar até
meados dos anos 90, os oponentes da ditadura militar eram, ainda, uma
classe subalterna em face que estavam se recuperando do trauma dita-
torial e se inseriam no quadro política nacional. No percurso político
que se seguiu, logo começaram a disputar espaço político em cargos le-
gislativos e executivos, podendo, por conseguinte, reescrever uma nova
história oficial. Destacamos que o fato de serem historicamente oponen-
tes do regime esse grupo possuía uma distinção particular e construía
trunfos político a partir das suas biografias singulares, que fez com que
nas sucessivas eleições ao longo dos anos 90 e 2000 fossem acionados a
sua memória proveitosamente nas urnas, dando respaldo para se elege-
rem como heróis nacionais que lutaram contra a ditadura militar (REIS,

95
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

2007; AYDOS & FIGUEIREDO, 2013). Desta forma, torna-se percep-


tível que a memória faz parte das referências de um grupo, e as suas
lembranças, por conseguinte, são fruto tanto de um processo seletivo
quanto coletivo que vai se maturando ao longo do tempo até o momento
oportuno. A partir desta perspectiva podemos dialogar com Ecléa Bosi
em seu livro, Memória e Sociedade: lembranças de Velhos:

É certo que existem várias conjunturas da história; a real


construção dos fatos e acontecimentos envolvidos são imutáveis,
contudo, a interpretação que envolve esses processos específicos
são naturalmente influenciadas pelo tempo no qual as testemu-
nhas e os sujeitos envolvidos estão inseridos. Não é uma questão
derelativizações, mas de compreensão das manifestações cogni-
tivas de cada ser envolvido que tem seu viver pontuado no tem-
po e no espaço (BOSI, 2007: 74)

Neste sentido podemos estender o debate e compreender como


são trabalhados os eventos que marcaram a memória de lutas dos par-
tidos comunistas, igualmente, como os seus dirigentes reconstruíram
a história dos diferentes partidos comunistas reafirmando-se como o
verdadeiro partido fundado em 1922. Conforme explicitado, a partir
de 1962 o partido comunista oficial no Brasil tornou-se o PCB, sen-
do endossado tanto pela matriz comunista na URSS quanto pelo seu
mais destacado e eminente dirigente: Luiz Carlos Prestes, o mitificado
Cavaleiro da Esperança. Portanto, a partir de tais pesos de anuência
ninguém poderia duvidar desse veredito, uma vez que esta organização
tinha purificado o marxismo brasileiro da chaga do estalinismo.
No tocante ao PCdoB, esta organização ficou atrelada como con-
tinuadora do mesmo programa do IV Congresso, de 1954, que prega-
va uma tomada de poder pelas armas e que no início dos anos 60 esse
modelo não fazia mais sentido dentro do escopo do marxismo interna-
cional. Também, o PCdoB não aceitou os novos ventos liberalizantes
provindos do leste europeu e não endossou a leitura democratizante
do comunismo à brasileira que apoiava Juscelino kubitschek, Jânio
Quadros e João Goulart. Ou seja, O PCdoB era o símbolo do passado,
uma vez que continuava se orientado segundo as diretrizes de Stalin e

96
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

não conseguia respirar os ventos liberalizantes a partir da direção de


Kruschev no PCUS.
Desta forma, o PCdoB se cristalizava na seara da esquerda bra-
sileira com uma moldura de racha político do PCB e de organização
com verniz petrificada estalinista. Além desta distinção, não podemos
esquecer que a melhor cepa da intelectualidade da década de 50 e 60
opta pelo PCB, ficando assim o PCdoB com um pequeno número de
militantes políticos e sem densidade para intervir politicamente. Por-
tanto, tal moldura política e um ínfimo número de quadro militante
tornavam esse partido com pouco poder de fogo para operacionalizar e
fazer frente ao PCB, que neste período já se autoproclamavam como o
“Partidão” (GORENDER, 1987). Nesse sentido, havia cristalizado dois
polos opostos e duas leituras da história a partir de uma compreensão
diferenciada, tanto do modelo de revolução para o Brasil quanto quem
era o verdadeiro partido político que representava a classe operária.
Em síntese, conforme já exposto, podemos enfatizar que a me-
mória coletiva é a memória de um grupo que possui um ethos de ex-
periência em comum, assim como vivência no mesmo lócus de atuação.
Portanto, quando se fala em memória partidária reporta-se ao grupo
de pessoas de uma mesma geração a fim de (re)contar a sua história e
com isto necessariamente contar a história oficial do partido, a partir
de elementos comuns buscando tecer uma memória una e coletiva. Não
obstante, podemos dizer que existe mais de uma memória coletiva, ob-
viamente, que dependendo do material partidário do grupo e do ma-
terial político analisado, por exemplo, a respeito do período dos anos
60: 1) quando trabalhamos com documentos do PCB veremos o olhar
deste como o único partido comunista no Brasil e, consequentemente,
como o porta-voz do socialismo soviético; e, 2) por outra análise, quan-
do trabalhamos com os documentos do PCdoB vemos ele constante-
mente no ataque ao PCB, procurando uma legitimação política como
o autêntico partido; acusando o seu coirmão de reformista e traidor.
Em síntese, no tocante ao diálogo entre as organizações pela disputa
do campo político como espaço de poder nos anos 60 vemos o PCB in-
tencionalmente ignorando o PCdoB em face do seu reduzido tamanho;
porém, por parte do PCdoB, conforme já realçado, havia uma disputa

97
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

feroz do PCdoB contra o PCB tentando abrir espaço: para os pecedo-


bistas a luta não era somente contra a ditadura, mas também contra o
reformismo e a legitimação do PCdoB como o verdadeiro partido e não
como um simples racha político.
Nesta disputa de campo político em meados dos anos 60 surge
também uma nova esquerda, como reflexo das secções do velho tronco
comunista; sendo estes grupos filhos legítimos do velho partido comu-
nista que ao longo da ditadura militar romperam com o velho Partidão
e formaram as denominadas dissidências que optaram pela luta arma-
da. Portanto, no Brasil passa a existir velhas e novas organizações de
orientação comunistas. Sendo que, convém realçar que essas organi-
zações foram rapidamente abatidas, vindo a se fragilizar no início dos
anos 70 e tendo que compor novos repertórios de lutas. Torna-se im-
portante frisar que no processo de redemocratização, em 1979, emerge
o Partido dos Trabalhadores (PT), reagrupando muitas destas organi-
zações rompidas do velho partidão a partir do fracasso da luta arma-
da. A partir dessa multiplicidade de organizações egressas do Partidão
percebemos a dificuldade de identificar a raiz da velha cepa comunis-
ta, melhor dizendo, analisar o verdadeiro partido comunista, uma vez
que existe uma miríade de novas organizações se reivindicando filhas
legítimas da velha organização fundada em 1922, ativando memórias
e lembranças. A partir destas indicações alguns conceitos de Maurice
Halbwachs são extremamente pertinentes:

A lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado


com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em época anteriores
e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada
(HALBWACHS, 1990: 71).

De acordo com Halbwachs há um diálogo entre 1) a memória in-


dividual, que são as memórias ativadas através das lembranças pessoais
e que seriam revividas quando suscitadas; e, 2) as memórias coletivas,
as quais seriam ativadas dependendo do grupo que estiverem inseridos.
Neste sentido, a partir deste constructo podemos inferir que a história

98
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

oficial é a sucessora desta memória coletiva, pois quando começarem a


haver os lapsos da memória coletiva, melhor dizendo, quando a exten-
são da memória coletiva começar a se esfumaçar ativar-se-á, portanto,
oportunamente a construção de uma história oficial. Nesta perspectiva,
a história oficial pode ser uma construção baseada num centro de tradi-
ção com o intuito de consolidar e alicerçar uma memória coletiva pre-
viamente selecionada, de acordo com o interesse dos agentes dispostos
a manutenção dessa história oficial.
Podemos perceber na tradição da história do PCB este formato
de tradição e seleção dos fatos a serem recontados e trabalhados como
se fosse uma memória oficial, pois temos as seguintes datas e tempos
cronológicos da sua análise histórica petrificada: 1) 1922, fundação ofi-
cial do PCB; 2) após o desbaratamento e prisão de grande número de
comunistas pela ditadura de Vargas, um novo Comitê Central emerge
em 1943. Este grupo que emerge em 1943, passa a ser autoproclamar o
continuador histórico do PCB, obviamente, que para atestar o endosso
Prestes é guindado a presidente do PCB, mesmo preso. 3) Porém, esse
mesmo grupo se fragiliza ao longo da década de 50, conforme já enfati-
zado, ficando Prestes com o centro pragmático que endossou o “novo”
Partido Comunista Brasileiro. 4) Posteriormente, na década de 80, com
a volta dos exilados ao Brasil, há uma nova secção do PCB, nesta Pres-
tes era a figura pária e à esquerda, desta vez o Cavaleiro da Esperança
fora expurgado. 5) No início da década 90, após a crise do leste europeu
e com a crise do socialismo o PCB se definha, emergindo um novo cen-
tro pragmático capitaneado por Roberto Freire, que tinha concorrido
a presidente do Brasil em 1989, ou seja, uma nova direção ascende,
só que desta vez extingue-se o nome do PCB e trocam para Partido
Popular Socialista (PPS): fim “oficial” do PCB (FIGUEIREDO, 2013).
No entanto, mesmo com o fim anunciado do PCB pelo PPS um
grupo minoritário não aceitou o novo nome e o programa político,
bem como o novo modelo de organização sem os vínculos com o mar-
xismo-leninismo propagado pelo PPS e (re)funda o PCB, em 1993, se
autoproclamando como o continuador do legado e do nome do velho
partido. Assim, temos a partir de 1993, três partidos que se dizem o
verdadeiro continuador histórico do partido comunista: PCB, PPS e

99
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

PCdoB. Realçamos que todas as três agremiações mantêm a tradição


de continuidade histórica nos congressos partidários, como se cada um
fosse o autêntico partido de 1922, sem interrupção ordenativa con-
gressual, ou seja, cada um conta o congresso vigente como o sucessor
do primeiro congresso fundacional de 1922, por exemplo: O PCB está
no XIV Congresso, que foi realizado em 2010; o PCdoB esta no seu XII
Congresso, que foi realizada em 2009; e o PPS está no seu XIV, realiza-
do em 2004. Com podemos ver, os três se reivindicam e assim assinam
nos seus respectivos congressos como os continuadores históricos do
velho partido (FIGUEIREDO, 2013).
De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
das três organizações, o PCdoB é dentre essas o partido que mais tem
conseguido um efetivo processo de sedimentação partidária, elegendo
inúmeros vereadores, deputados estaduais, deputados federais, sena-
dores, prefeitos de grandes cidades e, atualmente, o governo do estado
do Maranhão. Justamente com o intuito de incremento nas urnas e
maximização de votos, reivindica-se midiaticamente como o verdadeiro
partido comunista, ou seja, atualmente divulga que está completando
mais de 90 anos de história partidária. Em sua propaganda política, via
de regra, no aniversário de fundação do velho partido, em 25 de março,
o PCdoB traz a luz todos os grandes vultos comunistas da sua história,
entre esses, Luiz Carlos Prestes. Obviamente, que tal montagem da
história, sem notas explicativas rendeu discussões acaloradas entre a
família Prestes e o PCdoB.
Vemos assim os limites da memória coletiva e da memória histó-
rica, uma vez que no limite em que a memória coletiva se tornou flui-
da com o esfacelamento do PCB; ocorrendo que pelo lado do PCdoB,
houve a tentativa de aproveitarem e reconstruir uma nova história; no
entanto, não passando pelo crivo da família Prestes, especialmente de
Anita Prestes (2012), eminente historiadora comunista filha de Luiz
Carlos Prestes e Olga Benário. Não obstante, mesmo com toda a acu-
sação de falsificadores da história o PCdoB se intitula o verdadeiro
partido comunista no Brasil, pois mantiveram o nome, o programa e o
estatuto; inclusive quando do momento da legalização partidária, em
1985, lograram o registro como reorganização, conforme citação:

100
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

João Amazonas explicou que, na verdade, o requerido era a re-


organização do Partido, registrado com o número 1.280 no dia
31 de maio de 1922 no Cartório do 1 º Ofício do Rio de Janeiro.
“Não fizemos desmanche algum, para legalizar o Partido, en-
quanto existiu o regime militar”, disse. A emenda constitucio-
nal aprovada estabelecia o direito à fundação de partidos e o de
reorganização dos que tiveram o registro eleitoral cancelado.
Este detalhe permitiu aos dirigentes do PCdoB ingressar com
o Programa e os Estatutos como reorganizadores do Partido
(BERTOLINO, 2010: 213-214).

No entanto, com o intuito de dar um lustro ao PCdoB no início


do século XXI, oportunamente, esqueceram as brigas que tiveram no
passado com o Luiz Carlos Prestes e o colocaram junto ao PCdoB em
programa político como se ele sempre fora desse partido. Com certeza
tais ajustes forçados da história e personagens misturados com o intui-
to de um melhor endosso nas urnas e nas campanhas midiáticas fecun-
daram discussões além dos vínculos familiares, bem como diálogos no
campo político e historiográfico. Da parte do PCdoB, de acordo com a
sua necessidade em (re)contar a história e construir a sua versão oficial,
reiteram o seu posicionamento e justificando a continuidade histórica.
No tocante a esta discussão podemos fazer algumas considerações me-
diadas por Halbwachs:

Na realidade, aqueles que escrevem a história, e que registram


sobretudo as mudanças, as diferenças, entendem que, para pas-
sar de um para outro, é preciso que se desenvolva uma série de
transformações das quais a história não percebe senão a somató-
ria (no sentido do cálculo integral), ou o resultado final. Tal é o
ponto de vista da história, porque ela examina os grupos de fora,
e porque ela abrange uma duração bastante longa. A memória
coletiva, ao contrário, é o grupo visto de dentro, e durante um
período que não ultrapassa a duração média da vida humana,
que lhe é, frequentemente, bem inferior. Ela apresenta ao grupo
um quadro de si mesmo que, sem dúvida, se desenrola no tem-
po, já que se trata de seu passado, mas de tal maneira que ele se
reconhece sempre dentro dessas imagens sucessivas. A memória
coletiva é um quadro de analogias, e é natural que ela se conven-

101
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ça que o grupo permanece, e permaneceu o mesmo, porque ela


fixa sua atenção sobre o grupo, e que mudou, foram as relações
ou contatos do grupo com os outros (HALBWACHS, 1990: 88).

Em síntese, enquanto a família Prestes mantiver viva a memória


coletiva, assim como a tradição de reivindicarem a coerência histórica,
não aceitarão, por conseguinte, esse recorte selecionado do campo da
memória para provimento político partidário. Quanto ao PCdoB, ob-
servamos não somente uma tentativa de selecionar adequadamente a
história para além da memória coletiva familiar; como também reivin-
dicar o uso de figuras históricas como o velho Prestes para, mais uma
vez através do uso de sua imagem, atestar a legitimidade da velha raiz
partidária. Mesmo com toda a discussão suscitada, especialmente pela
eminente historiadora Anita Prestes, sempre ficará complicado para o
PCdoB reificar a memória, principalmente, quando uma figura míti-
ca extrapola os vínculos da memória coletiva familiar e se personifica
numa vultosa figura histórica nacional como Prestes.
Ainda, devemos realçar que esta reconstrução da memória do PC-
doB associado a figuras históricas de vulto nacional é recente, justamen-
te em face do sucesso partidário nas urnas, uma vez que anteriormente,
via de regra, a memória do PCdoB estava fortemente associada a Guer-
rilha do Araguaia (GASPARI, 2002). Durante décadas o PCdoB, tanto
em programas eleitorais quanto em seus livros, destacava grande espaço
para a Guerrilha do Araguaia, a sua grande epopeia de luta. Neste atual
momento da luta democrática, em que o PCdoB disputa prefeitura e go-
vernos de estado, portanto, a Guerrilha do Araguaia sai discretamente
de cena e sem críticas, pois atualmente visam uma memória e um discur-
so mais maximizador de votos; ou seja, há um processo seletivo de (re)
contar a história oficial do partido, pois novos e recentes personagens
midiáticos afluem para o PCdoB disputando eleições e apresentando o
PCdoB como o partido mais antigo do Brasil (FIGUEIREDO, 2013).
Quanto ao PPS, não obstante se declararem como continuador
do autêntico partido de 1922 em suas atas congressuais, não há des-
taque, tanto em seu site quanto em seus materiais partidários, acerca
do legado de luta e das suas eminentes personalidades comunistas. Di-
ferente, obviamente, ocorre com o PCB, pois constroem uma imagem

102
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

cristalizada pelo tempo, não somente como sendo o partido autêntico


de 1922, mas o partido verdadeiro que possuía um grande elenco de
figuras e de personalidades históricas que passaram pela legenda pe-
cebistas. Ainda, não podemos deixar de salientar que mantêm em seus
materiais impressos e virtuais todos os símbolos do velho partido, as-
sim como imagens e associações com as lutas operárias do século XX
no Brasil e no velho mundo, especialmente, a antiga URSS.
A partir das análises realizadas pela pesquisa, constatamos que te-
mos dois partidos que reivindicam fortemente a velha legenda: 1) o PC-
doB, que embora fora a organização que manteve o nome, o programa e
o estatuto do velho partido, não logrou a maioria na secção partidária,
ficando com a alcunha de racha estalinista; e, 2) o PCB, que procurou
construir um novo partido com o intuito de conseguir a sua legalização
partidária, em 1960, ficando com a maioria partidária e com o endosso
do Prestes. Embora haja conhecimento que existam divergências histo-
riográficas e, principalmente, ideológicas neste campo partidário pelo
fato de buscar identificar qual partido é o racha e qual é a raiz do au-
têntico partido de 1922, convém, no entanto, identificar que ambos são
frutos de uma mesma matriz. Partindo desta afirmação, sugerimos que
em virtude dos acontecimentos 1) nacionais, 2) internacionais e 3) das
contradições internas diluídas (ou ativadas) neste ambiente de disputa
foi proporcionado, portanto, a secção dos comunistas brasileiros.
Obviamente, que no transcurso da cisão, o grande peso da inte-
lectualidade fechou com o PCB, entre outras razões, também como uma
forma de se desvincular do “trauma” do período stalinista; tal vincula-
ção ao PCB desdobrará numa profusão de trabalhos na seara acadêmi-
ca qualificando, por conseguinte, o PCB como o real partido da classe
operária, fundado em 1922, e relegando ao PCdoB, a categoria de racha
do histórico partido. Ainda, buscando ampliar a discussão sugerimos
que ao invés de procurarmos decifrar tautologicamente qual é o real
partido de 1922, torna-se mais profícuo capturar como se processou o
clímax político, tanto nacional quanto internacional, que fez irromper
na seara comunista do Brasil a existência de dois PC’s, sendo ambos
reconhecidos no plano internacional e disputando “apaixonadamente”
o mesmo legado. Ademais, contribuindo para análise, convêm compre-

103
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ender, principalmente, esta ruptura a partir das contradições internas


do grupo dirigente e das concepções específicas de partido de natureza
marxista-leninista regido pelo centralismo democrático, no qual quem
vence a disputa é a maioria (capitaneada pelo CC), tendo que necessa-
riamente a minoria acatar, ou no caso de divergências explícitas, serem
resolvidas por sansões, expulsões e, finalmente, cisões e rachas.

Considerações finais

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer,


reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experi-
ências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim
é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e
que se daria o inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma
imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa dis-
posição, no conjunto de representações que representam nossa
consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de
um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos
na infância, por que nós não somos os mesmos de então e por
que nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos
juízos de realidade e de valores (...) (BOSI, 1994: 55)

Procuramos neste artigo discutir acerca do real partido comunis-


ta fundado no Brasil e quais são os seus verdadeiros herdeiros. Percebe-
mos ao longo do texto que há três partidos que reivindicam o legado do
velho partido, cada um modelando e recortando a história com a seleti-
vidade necessária para conquistar o endosso de herdeiro do velho parti-
do. Não obstante a luta pelo legado, vemos que a memória é ativada de
maneira diferenciada pelas agremiações, sendo o PPS o que menos ativa
e aciona o enquadramento da memória, sobrando, portanto, ao PCB e
ao PCdoB a disputa e a busca pelo legado histórico no campo político.
Esse processo de luta deita as suas raízes desde a década de
60, sendo ativadas fortemente de acordo com a necessidade política
e com acusações de ambas as partes de reformista e stalinista. A dis-
puta prossegue com força até o início dos anos 90, momento este que
ocorre o fim da URSS e, consequentemente, o anunciado fim do PCB

104
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

pelo seu sucedâneo PPS. Porém, houve uma tentativa de reconstrução


do PCB nos anos 90, mesmo sem sucesso; e, para se mantiver ativos,
operacionalizam uma política mais esquerdizante a partir dos anos
2000 nos seus programas políticos, ativando os símbolos e imagens
atrelados ao velho Partidão e a URSS.
Quanto ao PCdoB, esta agremiação teve que se construir a partir
do confronto político com o PCB e com a ditadura militar, tais dilemas
fizeram que a agremiação pecedobista vivessem constantemente ten-
do que se justificar como sendo o verdadeiro partido comunista e não
racha partidário do PCB. Além dessa questão de identidade política,
também, trouxe para junto de si a epopeia da Guerrilha do Araguaia,
sendo este evento acionado com grande propaganda política ao longo
dos anos 80 e 90, com o intuito de granjear apoio para o seu partido
como trunfo político, inclusive nas urnas. No entanto, no início dos
anos 2000 com a readequação tática do PCdoB nas urnas e o seu su-
cesso de sedimentação partidária elegendo prefeitos e governador de
estado, portanto, a Guerrilha do Araguaia sai de cena e sem crítica;
entretanto, neste momento, emerge a imagem de velhas figuras míticas
no seio de partido como Prestes, num ajuste forçado da história com
severas críticas pela família do velho Cavaleiro da Esperança.
No tocante ao burilamento da memória e ao seu enquadramento
no curso da luta política como instrumento de poder, podemos en-
fatizar que há tanto no ativamente seletivo da memória, quanto um
recorte minucioso da história, sendo que devemos entender esse pro-
cesso seletivo da memória dentro do quadro da política atual e como
um trunfo político. Realçamos que não podemos dizer que este ajuste
forçado da história seja instrumento de burilamento falseado, mas po-
demos afirmar que o processo para a construção de uma memória ofi-
cial ainda está em aberto com novos elementos para ser contados. Em
síntese, quando procuramos o real partido de 1922 e os seus herdeiros
vemos que o mesmo possui vários herdeiros, desde uma memória co-
letiva familiar até mesmo uma memória de grupo que se mantiveram
como herdeiros legítimos, mesmo que o “Partidão” seja, atualmente,
apenas uma alusão afetiva e subjetiva de um poder político que há
muito tempo se perdeu no tempo.

105
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

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107
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

A DITADURA MILITAR NO BRASIL E O TEATRO:


MEMÓRIA E RESISTÊNCIA DA
CLASSE ARTÍSTICA

Introdução

A ditadura militar no Brasil, sem dúvida, foi um dos fatos mais


marcantes na política brasileira, pois foi o evento que desmanchou o ce-
nário multipartidário anterior ao Golpe Militar, em 1964, assim como
moldou o cenário institucional do Brasil após a redemocratização, em
1985. Ou seja, foi um percurso de 21 anos de repressão e cerceamento
das liberdades políticas, período este que trouxe severos reflexos para a
qualidade da democracia no Brasil, em virtude do longuíssimo período
de ruptura da ordem institucional legal.
Além da ruptura da ordem legal, houve a falta dos direitos civis
e políticos para a população, uma vez que mesmo com eleições regu-
lares ocorreu extinção dos partidos anteriores ao Golpe. A partir de
1966, é editado o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que extinguia os parti-
dos políticos e findava com a dinâmica do multipartidarismo no Brasil.
Deste momento em diante, a nação brasileira contava com apenas dois
partidos: 1) Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de apoio
à ditadura; e, 2) Movimento Democrático Nacional (MDB), partido de
oposição consentida à ditadura militar. No entanto, devemos realçar
que embora mantendo eleições regulares, que tentavam demonstrar
certa “normalidade” política, havia uma ditadura militar que foi ao lon-
go do período (21 anos) se tornando cada vez mais opressora, princi-

109
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

palmente, a partir da implementação do Ato Institucional nº 5 (AI-5),


em 1968: o regime fechava totalmente e sobravam poucos lócus à cida-
dania, à política e, inclusive, à cultura.
No tocante a cultura essa foi um dos espaços de grande resis-
tência contra a ditadura militar, com a classe artística desempenhando
um papel protagonista durante todo o período ditatorial. Destacamos
neste embate, principalmente o teatro, uma vez que a televisão, nos
anos 60, ainda estava no seu nascedouro1. Portando, os palcos torna-
ram-se verdadeiras trincheiras de resistência e embate na luta contra o
regime de exceção. Diversas peças foram censuradas, assim como mui-
tos atores e diretores sofrerem os revezes da prisão e do arbítrio, em
virtude de serem protagonistas além dos palcos, da luta de fato contra
ditadura. O discurso da classe artística neste período em tela conjugava
além da representação de cena, também, a dor, a luta, o sofrimento e a
resistência contra o arbítrio militar.
Em face do exposto, esse artigo possui como objetivo principal
examinar a importância do teatro na resistência contra a ditadura mi-
litar, destacando as peças e grupos de teatros, bem como a participação
ativa da classe artística neste período tão conturbado da história do
Brasil como um dos personagens principais na luta conta a ditadura
militar. Com o intuito de trabalharmos com um período tão amplo e
conturbado, delimitaremos o este artigo nas seguintes fases: 1) o teatro
de resistência: limiar do golpe até a instituição do AI-5; 2) o teatro sob
coação: após o AI-5 até os primeiros ventos liberalizantes no final da
década de 70; e, 3) o teatro da denúncia: do final dos anos 70 e a redemo-
cratização do Brasil. Para tanto, procuraremos construir o diálogo das
artes no Brasil inserindo dentro da moldura política do período com o
intuito de contextualizá-lo historicamente, ou seja, colocando o teatro
e a classe artística face a face com o processo histórico de resistência
democrática a ser tratado em tela.

1 A primeira televisão do Brasil foi inaugurada em 1950, a TV Tupi. Portanto no


início dos anos 60 ainda havia poucos canais de televisão e não integrados em rede
nacionais. O rádio ainda era o principal veículo de comunicação mais institucionali-
zado e com isso mais censurado, quanto ao teatro por ter um caráter mais autoral
representava o ambiente natural para a contestação

110
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

O teatro da resistência: lutar e resistir - este é o lema.

O cenário político do início dos anos 60 era extremamente com-


plexo, com uma moldura política incerta, tanto no espectro nacional
quanto internacional. Lembramos que o mundo se dividia bipolarmente
entre a esquerda e a direita, mais precisamente entre o Leste europeu co-
munista e Ocidente capitalista. Da mesma forma, no Brasil tínhamos no
início dos anos 60 o governo de João Goulart, que era vice de Jânio Qua-
dros e assumiu o governo com a vacância do cargo de Presidente. Jango
assumiu com severas reservas da corporação militar, em face das suas
ligações com a plêiade do trabalhismo. Realçamos que desde o momento
da posse de Jango a corporação em conluio com a elite política e eclesial
oponente tentou derrubá-lo, em virtude que este presidente tentou colo-
car em xeque o status quo com a edição das suas Reformas de Bases.
Estas Reformas eram um conjunto de medidas que visavam
transformar o país, através de medidas progressistas dentro do marco
legal. Em síntese, era uma série de medida de caráter paliativo, que
transformava o sistema bancário, eleitoral e, principalmente, agrário
com a tentativa de uma reforma agrária. Mudanças demais no cenário
político e que incomodavam muito a corporação militar em face dos
desvios esquerdizantes de um presidente ligado ao trabalhismo com o
apoio dos comunistas e do baixo escalão da corporação militar: o cená-
rio político se fechava (FIGUEIREDO, 1993).
Neste ínterim a sociedade civil se dividia também, entre os que
apoiavam as Reformas de Base e os que eram radicalmente contrários.
No quadro dos que apoiavam havia um amplo leque de forças pro-
gressistas, mas sem uma densidade política que pudessem sustentar
a radicalidade das mudanças propostas por João Goulart, entre estes
destacamos, por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), os
trabalhistas ligados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), a União
Nacional dos Estudantes (UNE), ou seja, um leque amplo mais sem
densidade política. Dentro deste campo progressista encontrava-se,
também, a classe artística dando suporte a este elenco de Reforma de
Base proposto por Goulart, destacamos o caso exemplar do Centro
Popular de Cultura (CPC) criado em 1961, ligado a União Nacional

111
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

dos estudantes (UNE) e capitaneada pela eminente teatrólogo Odu-


valdo Viana Filho2.
Grosso modo, podemos dizer que havia um conjunto de forças
progressistas dispostas a construir um novo Brasil, em que a cultura
tinha uma centralidade. Em síntese, vislumbrava-se um novo Brasil,
tínhamos a Bossa Nova, o nascimento do Cinema Novo, assim como
um novo teatro popular com o intuito de passar uma nova mensagem
(RIDENTI, 2000). O CPC teve grande expressão no Rio de Janeiro,
em virtude da sede da UNE. Em São Paulo, um teatro similar exercia
grande atração pelo ineditismo das suas peças, era o Teatro de Arena
em São Paulo, com a emblemática peça de Gianfrancesco Guarnieri,
Eles Não Usam Black-Tie (1958), sendo interpretado no Rio de Janeiro
e São Paulo respectivamente pelo CPC e Arena.
Realçamos, neste contexto, o engajamento da classe artística,
bem como a adesão da mesma a partidos de esquerdas, destacamos o
caso do PCB, maior partido de esquerda do período3. Ou seja, era quase
condição sine qua non para estar integrado na classe artística, também,
ser simpatizante do PCB, a organização que galvanizava o grosso da
militância de esquerda do período. Conforme pode ser visto exemplar-
mente no argumento da peça Eles Não Usam Black-Tie, a qual retratava
um clímax de greve entre patrões e empregado, dito de outra maneira,
a luta de classes tão propalada pela esquerda. Ou seja, era uma peça
teatral de características bem marcantes do período bipolar (esquerda
e direita), sendo a classe trabalhadora a grande protagonista da luta.
No tocante a genealogia do Novo Teatro Brasileiro surgido nos
anos 50 tinha-se o Teatro Popular do Estudante (TPE), que funde-se
em 1956 ao Teatro de Arena que já existia desde 1956. Já no início dos
anos 60 o Arena vai cumprir uma temporada de sucesso no Rio de Ja-
neiro (ainda a capital cultural mais importante no Brasil). Nesse clímax
político e cultural uma parte do Arena resolve ficar no Rio para fundar
2 Oduvaldo Vianna Filho, também conhecido como Vianinha (São Paulo, 4 de julho
de 1936 — Rio de Janeiro, 16 de julho de 1974) foi um dramaturgo, ator e diretor
de teatro e televisão brasileiro. In.: PATRIOTA, R. Vianinha: um dramaturgo no
coração de seu tempo. São Paulo, Hucitec, 1999.
3 No início dos anos 60 novas organizações surgem não egressas do velho tronco
comunista, como a Política Operária (POLOP), fundada em 1961; e, a AP (Ação Po-
pular), fundada em 1962 (AARÃO REIS FILHO, 1990).

112
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

o CPC, segundo as diretrizes do birô político do PCB. Neste enfoque


visando juntar cultura e consciência popular no nascimento do novo
homem e no porvir de uma nova sociedade socialista, levavam o teatro
para as favelas e para as portas de fábricas para fomentar o nascimento
desse homem novo (RIDENTI, 2000).
Nesta conjuntura bipolar extremamente dialético, conforme en-
fatizado, o governo Goulart se viu acossado pela corporação militar
que logrou uma manobra política com o apoio do alto clero e da elite
brasileira. Assim sendo, em 31 de março encerra-se mais um ciclo de-
mocrático no Brasil e começa uma longa ditadura militar (DREIFUSS,
1981). No começo acreditava-se que a ditadura não iria durar tanto,
mas de acordo com o tempo transcorrido e com a edição dos Atos Ins-
titucionais, verificou-se que a ditadura veio realmente para ficar, pois
começou as medidas repressivas contra quem ousassem desafiar o re-
gime vigente. Obviamente, que os primeiros a sofrerem os arbítrios
foram a plêiade do trabalhismo, os comunistas, assim como a UNE e o
seu elenco de apoiadores como o CPC: a partir deste momento a classe
artística começou a ficar entrincheirada, a arte virou resistência políti-
ca – era preciso resistir e denunciar.
O cenário político pós-golpe trouxe inúmeros dissabores para
todo o elenco de atores que visavam construir um novo Brasil influen-
ciado pelas políticas implementadas nas Reformas de Base. O Brasil
que surgia era um país dirigido pela corporação militar que agia efe-
tivamente com o exercício de cercear e punir quem ousasse opor-se
ao regime vigente, podemos dizer que era uma briga extremamente
desigual, porém empunhada vigorosamente por um conjunto de atores
políticos extremamente ecléticos: militantes de esquerda, estudantes,
artistas e novos personagens que entravam em cena no pós-64. Desta-
camos que a classe artística desde o primeiro momento do Golpe mos-
trou um papel extremamente ativo na defesa das liberdades civis e nas
denúncias contra a ditadura: os palcos dos teatros tornaram-se cenário
para plenárias entre os ativistas no combate ao regime opressor, porém
era a briga do rochedo contra o mar.
Com o cerceamento da UNE e com o fim precoce do CPC, o
grosso dos ativistas da classe teatral que compunham o CPC migra-

113
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ram para o recém fundado grupo Opinião. Neste processo no pós-64


o show Opinião dirigido por Augusto Boal4, com a proposta de um
musical tendo à frente, numa primeira temporada a cantora Nara Leão,
secundada por Zé Kéti e João do Vale, representava respectivamente a
menina da Zona Sul carioca, o negro malandro do morro e o sujeito do
campo. A canção emblemática cantada por Nara Leão dizia nos versos:
Podem me prender, podem me bater / Podem até deixar-me sem comer / Que
eu não mudo de opinião. A continuidade de sucesso no show se dá com a
saída de Nara Leão sendo substituída de maneira bombástica pela pre-
sença da Maria Bethânia que estreava no Rio de Janeiro nesse musical
de estrondoso sucesso – a menina da zona sul é substituída pela menina
do Nordeste que cantava as mazelas do seu povo: a síntese do Brasil
denunciando a ditadura militar através de um musical, o público ia ao
delírio numa catarse coletiva (RIDENTI, 2000).
Não obstante todo o cerceamento um novo teatro renascia pós
1964, surgia um teatro extremamente combativo que ficava par a par
com a ordem vigente: era guerrilha teatral. Enfatizamos que com o
cerceamento das instituições democráticas pela corporação militar os
agentes políticos começaram a gestar novas estratégias para romper
a opressão, a luta armada e o exemplo da Revolução Cubana serviam
como inspiração que legitimava as organizações de esquerda; neste pe-
ríodo, também, o PCB começava a perder a hegemonia surgindo uma
Nova Esquerda egressa do velho tronco comunista, disposta a pegar
em armas e confrontando com o pacifismo do PCB. Assim, em meados
dos anos 60 começaram a surgir as primeiras ações armadas capita-
neadas por estas novas organizações (AARÃO REIS FILHO, 1990;
GORENDER, 1987). Quanto à influência da Revolução Cubana no
pensamento político Latino americano, Emir Sader (1991) explicita-os
nos seguintes tópicos:

1) Em primeiro lugar, ela representou a atualização da revolução


para esquerda brasileira, um fenômeno até então corporificado
pela revolução soviética, com todas as suas implicações;

4 Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro, 16 de março de 1931 — Rio de Janeiro, 2 de


maio de 2009) foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das gran-
des figuras do teatro contemporâneo internacional.

114
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

2) Outro elemento que passou a caracterizar a Revolução Cuba-


na foi a legitimação da heterodoxia política e ideológica;
3) O anti-imperialismo e o anticapitalismo se articulam na Revo-
lução Cubana na medida da integração estrutural da burguesia
cubana com os EUA e com o imediato reconhecimento desse país
como potência imperialista e capitalista;
4) A estratégia de poder que marcou a revolução Cubana foi a
guerra de guerrilha baseada no campo, a partir de onde foi se or-
ganizando um exército revolucionário que, posteriormente, foi
ocupando geograficamente o país em direção à capital;
5) Desde o seu início, a revolução Cubana incorporou a dimensão
da solidariedade internacional como um dos aspectos essenciais
e sua formação ideológica e ação política;
6) Outra face desse aspecto ideológico estava reservado para o
plano moral: a ética da dedicação revolucionária, o sacrifício da
própria vida, a militância revolucionária identificada com a sua
própria vida;
7) Outro aspecto dessa mesma característica marcante da re-
volução Cubana é a ênfase no papel da vanguarda e, em ge-
ral, nos chamados aspectos subjetivos dos processos históricos
(SADER, 1991: 167-171).

O teatro não ficara de fora de todo esse movimento e contextua-


lização política, conforme enfatizando, a luta armada saia das ruas e in-
vadia os palcos servindo de exemplo e propaganda de luta. Destaca-se
neste período o diretor José Celso Martinez Corrêa a frente do Teatro
Oficina com peças emblemáticas como O rei da Vela (1967), enfatizando
a dicotomia da luta de classe, caindo perfeitamente para a realidade de
luta. O Teatro de Arena continuava extremamente forte com a direção
de Augusto Boal, com os musicais como Arena Conta Zumbi (1965),
enfatizando justamente a derrota do Quilombo do Palmares numa cla-
ra alusão a derrota da esquerda em 1964. Posteriormente, encenam o
espetáculo Arena Conta Tirandentes, recriando através de figuras para-
digmáticas da história do Brasil o contexto política, buscando trazer a
mensagem da luta dialética contínua entre os opressores e oprimidos,

115
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

identificando-se com a proposta guerrilheira (RIDENTI, 2000: 157).


Ou seja, eram peças emblemáticas que mostravam toda a criatividade
de classe artística para romper com liames de uma ditadura que fus-
tigava e não dava sinais de abrandamento. No ano de 1968, Oduvaldo
Viana Filha constrói o argumento de uma peça síntese do período, bus-
cando dialogar com todos os atores, tendências, personagens e partidos
do cenário latino-americano através da peça Papa Highirte (1968):

[...] a construção da temática de Papa Highirte teve como pres-


suposto a necessidade de pensar a própria experiência latino-
-americana. Sob a égide da ordem e da modernização, a prática
de poder dos governos militares (ou governos sustentados por
eles) utilizou procedimentos autoritários. A peça revelou ainda
alguns caminhos percorridos por aqueles que atuavam no campo
da esquerda, sobretudo considerando que o advento da Revolu-
ção Cubana, a vinda de Ernesto “Che” Guevara para a Améri-
ca Latina e a teoria do “foquismo” de Régis Debray suscitaram
atuações que se tornaram uma constante. Ao lado destas expe-
riências e em oposição a elas, a interpretação dos Partidos Co-
munistas conclamava à resistência e à necessidade de consolidar
a acumulação de forças para a transformação democrática, que
deveria exorcizar os fantasmas da opressão: o populismo, os go-
vernos militares, o alto grau de exploração e pauperização das
sociedades sul-americanas (PATRIOTA, 1999: 128-9).

Dando continuidade as peças paradigmáticas do período no mí-


tico ano de 1968 é encenada Roda Viva (1968), de autoria de Chico Bu-
arque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa. O espetáculo conta a
história de um cantor que é tragado pela nascente industrial cultural
da época; no entanto, a forma agressiva de expor chocou o público com
severas reações da corporação militar. Em todas as apresentações o
elenco sofria ameaças de invasão por parte do Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), pois a julgavam extremamente ofensiva (VENTU-
RA, 1988). A peça extreia no Rio de Janeiro, no início do ano, e cumpre
uma agenda de sucesso até meados de Junho, quando o teatro é invadi-
do e os atores são espancados pelo CCC. Zuenir Ventura em seu livro,
1968: o ano que não terminou (1988), recriou o clímax da tensão que vivia

116
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

os atores na peça sofrendo ameaças de bombas e coações. Tensão em


grau máximo ocorre quando houve a temporada da peça em Porto Ale-
gre, no RS, em que os atores principais da peça foram sequestrados e
levados para um local ermo sob ameaça de morte, depois desse episódio
decidiram encerram a peça: o sinal defintivamente se fechara, pois os
palcos se tornaram objeto da policia política.
A classe artística atônica começaria a ensair novas formas de
resistência, inclusive, apoiando de fato as emergente ações armadas dos
grupos guerrilheiros inciadas em 1968, pois os palcos começaram a
ser seriamente cercerados por censura rígida de uma ditadura militar
implacável. A censura restringia e ameaçava o teatro, pois antes de
estrearem uma peça tinham que se apresentar ao censor, portanto, no
final do mítico ano de 68 começava a minguar os espaço de resistência
nos teatros. Soma-se ao quadro de opressão, em 13 de dezembro de
1968, era editado o Ato Insitucional nº-5, (AI-5) que entre outras me-
didas podia prender qualquer pessoa suspeita, ou seja, era a ditadura
às claras. Neste período se institucionalizava o sequestro, a prisão e a
tortura a todos os oponentes do regime militar: a noite escura se impôs
e as luzes da ribalta teimavam em permancer acesa, mesmo que a cus-
tas de mortes e prisões.

Teatro sob coação: dentro da noite escura


emerge o teatro nas sombras

A partir de 1968 surgem novas organizações políticas egressas


do tronco do velho PCB, com o intuito de romper com o imobilismo
pacifista pecebista. Destaco pelo relevo das ações que efetivaram na
luta armada, a Aliança Libertado Nacional (ALN), em São Paulo; e, no
Rio de Janeiro, o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-
8). Ainda, torna-se importante ressaltar que, além dessas organizações
egressas do PCB, surgiram diversas organizações armadas de cunho
militaristas como desdobramentos das fissuras no seio das outras orga-
nizações de esquerdas que surgiram no início dos anos 60. Destacamos
entre outras, a POLOP, que deu origem ao Comando de Libertação
Nacional (COLINA); e, a Vanguarda Armada Revolucionária (VPR), de

117
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

caráter bem mais militar, que posteriormente, em 1969, se unificaram


fundindo-se temporariamente como Vanguarda Amarada Revolucio-
nária-Palmares (VAR-Palmares).
Torna-se importante este registro dessas organizações pois muito
dos remanescentes da resistência da classe artística, conforme realçado,
passaram auxiliar logisticamente nas ações armadas, dando, por exem-
plo, dinheiro de bilheterias para apoio essas organizações e seus militan-
tes na clandestinidade (RIDENTI, 2000; SIRKIS, 1984). Além do apoio
logístico, muitos atores integraram esses grupos de resistência armada,
destacamos, por exemplo, a atriz Bete Mendes, que integrou a Vanguar-
da Armada Revolucionária - Palmares (VAR-Palmares), e que por suas
ações políticas foi presa e torturada no início dos anos 70, mesmo sendo
uma figura pública e estando no ar numa novela de enorme sucesso da
TV Record. Ou seja,a ditadura não poupava ninguém; mesmo starlets do
primeiro time da televisão brasileira no horário nobre (PATARRA, 1992)
Um dos casos paradigmáticos é a da diretora de teatro e profes-
sora universitária Heleny Telles Guariba, personagem de destaque nas
artes do final dos anos 60 e que trabalhava no teatro de Arena com Au-
gusto Boal. Heleny adere a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Identificada pelas forças da repressão no final de 69 é presa e torturada,
conseguiu sair da cadeia no início de 71 e retoma a militância sob as
hostes da VPR. Porém, novamente é localizada pelas forças repressivas
e torna-se um dos desaparecidos políticos no Brasil (PATARRA, 1992;
CARVALHO, 1998). Em síntese, sobrava pouco espaço para resistên-
cia; podia-se fazer muito pouco, sobrava a luta desigual de combate a
ditadura através da luta armada: a noite escura se impôs.
Destaco também o caso da consagrada atriz internacional Nor-
ma Benguell, que depois de tantas prisões e invasões do teatro durante
a apresentação de suas peças precisou se exilar após a sua companheira
e diretora da sua peça ser presa e torturada. Ou seja, era extremamen-
te complicado o confronto de ideias, ainda mais para Norma Benguel
aliada ativa das organizações de esquerda armada. Quanto a Augusto
Boal e José Celso Martinez Correa, estes também são encarcerados e
vão para a prisão: após a libertação são impelidos a ir para o exílio
para continuar vivos, pois a ditadura impossibilitou tanto o o exercício

118
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

de seus trabalhos, quanto a garantia deles manterem-se vivos.


Grosso modo, devemos enfatizar que a ditadura pretendia além
de destruir a vida das pessoas, também, destruir a carreira de muitos
atores, pois como continuar sendo ator em outros países e contornar
o idioma e o sotaque (com exceção de Norma Benguell que conseguiu
fazer carreira internacional). A carreira muitas vezez ficava em sus-
pensão, pois muitos não conseguiam dar continuidade as suas ativida-
des artística; se antes tínhamos o teatro na trincheira, neste momento o
teatro precisava escontrar caminhos para fugir da pesada mão ditadura
militar. O número de personagens da classe artítica que adere, de fato,
ou apoiam as ações dos grupos armados é muito grande, seja atores, di-
retores, cenográfos: a classe artística não se furtou do seu papel na luta
contra a ditadura militar. Segundo Marcelo Ridenti em seu livro, Em
busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da tv (2000),
enfatiza que no Tiradentes, principal presídio da ditadura, havia alas
de presos tanto das organizações armadas quanto da classe artística; e
que estes mesmo presos pemaneciam na militância e tentavam conti-
nuar minimamente o seu ofício de artes através dos trabalhos laborais
internos e oficinas dentro do presídio.
O período da luta armada no Brasil dura de 1968 até 1975, ou
seja, desde o seu início até o seu completo aniquilamento, seja por prisão
ou assassinato dos oponentes5. A classe artística precisava se refazer e
conjugar outros verbos era necessário um novo teatro, assim como uma
nova forma de resistência aos regime vigente. Nas brechas da repressão,
em face de tanta opressão, começou a surgir conjuntamente um con-
tracultura que visava romper com o status quo, surge um cenário mais
underground, misturando com elementos da cultura hippie emergente.
Neste percurso e com a necessidade sufocante de falarem e de passarem
mensagens “cifradas” de resistência surgem novos grupos alternativos
em conjunto com o universo hippie politizado.

5 Consideramos o período da luta armada iniciada no ano de 1968 com as pri-


meiras ações armadas de expropriações de bancos para arrecadar fundos para as
organizações guerrilheiras até o ano de 1975, após o fim da Guerrilha do Araguaia
no norte do Tocantins e sul do Pará promovido pelo PCdoB. Ver in.: FIGUEIRE-
DO, César Alessandro Sagrillo. O Impacto da crise do socialismo nos partidos
comunistas no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Políticas. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2013.

119
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Em 1970, o cenário das artes no Brasil é impactado com a peça


Hair, homônima do musical americano. A peça retrata o mundo hippie
que se descortina no final dos anos 60 e início dos anos 70, o grande
clímax da peça era o seus final com todo o elenco nu no palco: grande
impacto visual ao mesmo tempo que havia uma ditadura militar tão fe-
roz. Ou seja, ao mesmo tempo que a ditadura aniquilava; não obstante
em suas brechas a classe artística conseguia com muita luta passar pe-
ças de teatro que buscavam elementos dentro do burlesco e do deboche,
e assim conseguia burlar a ditadura vigente. Conforme realçado, pas-
savam por dentro das brechas da ditadura mensagem para denunciar a
realidade, em síntese, as mensagens eram cifradas para tentar camuflar
e tentar romper com a cruel censura e repressão, tanto no teatro quan-
to nas músicas (ARAÚJO, 2003).
No rol dos vários grupos que surgiram neste período, destaca-
mos a emergência de Asdrúbal Trouxe o Trambone, grupo carioca que
buscava trazer humor escrachado e inteligente, capitaneado pelos ato-
res Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães, fazendo escola no teatro
a partir dos anos 70. Destacavam-se por uma crítica de costumes, com
uma abordagem política leve e subliminar que burlava qualquer for-
ma de censura da ditadura militar. A sua arma política era um humor
debochado que provocava, mas não assustava, destacamos no elenco
de suas apresentação a famosa peça Trate-me Leão, criação coletiva do
grupo de 1977.
Ainda, destacamos entre os grupos teatrais da contracultura, no
mesmo porte, o Dzi Croquette, grupo teatral liderado pelo coreógra-
fo e diretor Lenie Dale, que a frente de um grupo de rapazes faziam
humor, dançavam e interpretavam, vestidos tanto de homens quanto
de mulheres, em plena ditadura: deboche puro e ousadia no grau má-
ximo. Obviamente, que para este segundo grupo a repressão se abateu
com força pela censura, pois era inadmíssivel um grupo de homens
romperem com o paradigma da masculinidade hegêmonica. A despeito
da repressão e mesmo com o cerceamento feroz da censura, o grupo
conseguia burlar inteligentemente os censores e fez história no eixo
Rio-São Paulo. Dando prosseguimento ao seu sucesso; deram as costas
para a ditadura e foram se apresentar na Europa, fazendo, realmente

120
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

grande sensação no Velho Mundo: era a vitória do talento do autêntico


teatro brasileiro contra a homofobia do regime militar6.
Porém, nem só escracho e contracultura vivia a cena da teatral,
pois os grupos de teatros se multiplicavam através de um teatro expe-
rimental, diversos grupos com nomes enfáticos, por exemplo: Reno-
vação, Revolução, Viração, em síntese, nomes que pudessem enfatizar
a continuidade de um teatro engajado e popular dos anos 60, ou seja,
herdeiros legítimos do “velho teatrão” do Arena, Opinião e Oficina.
Não raro esses grupos subiam aos morros e as favelas do Rio de Ja-
neiro, ou iam para a perifeira dos grandes centros urbanos propondo
um teatro engajado e de esclarecimento político da população carente.
Sendo que, como era de se esperar toda a ação tinha a sua reação, mui-
tas vezes todo o grupo era preso pela polícia política e, obviamente,
todos iam para a tortura, pois ousavam passar a consciência política
através da artes (RIDENTI, 2000).
Além dos grupos alternativo o “velho teatrão” resistia, assim como
a política brasileira, mesmo asfixiada tinha os seus rasgos de vitórias
parciais. Como marco temporal registramos que, em 1974, mantendo o
calendário regular eleitoral ocorre as eleições para deputados federais,
deputados estaduais e senadores, realçamos que não havia eleição para
governador e presidente, portanto, a eleições para senadores assumiam
o tônus de uma eleição majoritária (FIGUEIREDO, 2009; FIGUEIRE-
DO, 2013). Neste processo eleitoral a oposição (MDB) conseguiu con-
quistar importantes vitórias no Sul e Sudeste, fato este que faz mudar
consideravelmente o quadro político, sublinharmos que eram vitórias
parciais e regionais; sendo que, a ditadura militar aceitou parcalmente
essas derrotas. Não obstante, essas vitórias eram a senha que a socie-
dade civil e organizações de esquerda precisavam para crer numa pos-
sível liberalização do regime militar. Este é um fato muito importante,
pois para analisarmos os reflexos do difícil período político nas artes,
necessariamente precisamos estar cientes dos avanços e recuos, tanto
da ditadura militar quanto da sociedade civil organizada, neste sentido
enfatizamos que o estado da arte no Brasil sofria os reflexos de todo
6 Sobre o Dzi Croquete para maiores informações assistir ao premiado documen-
tário de Tatiana Issa (2009). In.: http://www.youtube.com/watch?v=rgy8fXEqw98.
Assistido em 04/07/2014.

121
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

esse conjunto extremamente dialético que vivia a sociedade brasileira


no tocante ao quadro político.
Neste percurso, conforme realçado, ao mesmo tempo que a cor-
poração liberalizava com o intuito de demonstrar que havia uma di-
tadura militar diferenciada das outras da Conesul, pois havia eleições
regulares; por outro lado, seletivamente o regime militar continuava
prendendo, torturando, assassinando e ocultando os corpos, ou seja,
uma ditadura tal e qual qualquer outra da América Latina. Torna-se
importante esse registro, o caráter seletivo da ditadura militar, pois
escolhia os seus oponentes que deveria sofrer os arbítrios da corpo-
ração militar (assassinados) (FIGUEIREDO, 2009; FIGUEIREDO,
2013). Obviamente, que a classe artística pela sua visibilidade tornava
extremamente visada, justamente pela capacidade de propoganda das
suas peças de teatro contra a ditadura militar. O crivo da censura era
extremalmente implacável, muitos atores e diretores continuavam ten-
do que se exilar, a ditadura dava brechas de liberdade mas continuava
fustigando os seus inimigos escolhidos.
Paulatinamente o teatro voltava a encenar peças de grande como-
ção com a realidade brasileira, não raro muitas encenações burlavam a
censura e em cena aberta – quando não havia polícial infiltrado e censores
- davam espaços para os espectadores se manifestarem brandando: onde
está o meu filho que se encontra desaparecido? O que aconteceu com o meu marido
que está há meses presos e eu ainda não consegui visitá-lo? Era o teatro como
porta voz da luta incassável pela redemocratização, tornando-se repre-
sentante e palanque natural da população que não tinha espaço para se
manifestar. No entanto, devemos registrar que eram brechas, ou seja, a
cultura da resistência subterrânea nas frestas do regime mas que serviam
como difusor do clamor coletivo dos pais e mães engajadas que sofriam
na busca de seus filhos desaparecidos, muitas vezes dando bilhetes para
artistas para divulgar nos meios de comunicação que os seus filhos se en-
contravam presos políticos (AUTRAN, s/d; CARVALHO, 1998).
No elenco das grandes damas do teatro que continuavam a sua luta,
enfatizamos Bibi Ferreira, com peças de destaques ao longo dos anos 70.
Como por exemplo, em 1977, A Gota D’água, mais um sucesso teatral mu-
sicado por Chico Buarque e ideia originalmente de Oduvaldo Viana Filho,

122
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

sendo dirigida pelo diretor italiano Gianni Ratto. A peça retratava a trági-
ca peça grega Médeia trasmutada para uma favela carioca, conjugando a
vida cotidiana e costumes com a genialidade de Chico Buarque e a direção
primorosa de Vianinha. Nesta encenação ao retratar o morro e o popular,
mostrava com toda a densidade a pobreza e o desemprego, contrastando
e colocando em xeque, portanto, o aludido Milagre Econômico Brasileiro
da década de 70 tão propalado pela ditadura militar7. Conforme já realça-
do, quanto a Oduvaldo Viana Filho, sua genialidade vinha desde o CPC
da UNE, sem abrir mão continava a imprimir um teatro extremamente
engajado ao longo dos anos 70 (PATRIOTA, 1999).
Em 1978, ainda sob a condução de Chico Buarque é encenado tam-
bém mais um musical, A Ópera do Malandro. A peça retrata a velha Lapa
dos anos 40, porém com todas as críticas de costumes facilmente legível
para o período em tela. Esta peça, assim como as outras do período, fora
extremamente censurada tendo vários cortes, ainda mais em virtude do
seu diretor, José Celso Martinez Corrêa, inimigo da ditadura e ex preso
político. Juntava-se, portanto, a genialidade do autor e compositor, com
a marca de contestação de Zé Celso. Grandes talentos que juntos se uni-
ram através de um recorte temporal a partir da Lapa do passado para
discutir a realidade presente daquele momento no Brasil.
Neste interim, a sociedade civil continuava a fustigar a ditadura,
em 1978 novamente era marcado uma eleição geral no Brasil, neste
momento as eleições atingiram um climax de um caráter plebiscitário:
pró e contra a ditadura. A ditadura com o intuito de “vencer” o pleito
editara diversas medidas de caráter casuísta, porém a sociedade ratifica
o MDB nos grande centros (Sul e Sudeste), colocando, portanto, em
xeque o regime. Vendo-se extremamente desgatado o general presi-
dente, Emílio Geisel, decide propor uma abertura lenta, segura e gradu-
al. Para tanto, extingue o AI-5, em 1978.
7 Milagre econômico brasileiro é a denominação dada à época de excepcional cres-
cimento econômico durante o Regime Militar no Brasil, entre 1968 e 1973, também
conhecido pelos oposicionistas como “anos de chumbo”. Nesse período do desenvol-
vimento brasileiro, a taxa de crescimento do PIB saltou de 9,8% a.a. em 1968 para
14% a.a em 1973, e a inovação passou de 19,46% em 1968, para 34,55% em 1974.
Paradoxalmente, houve aumento da concentração de renda e da pobreza. Maiores in-
formações ver in..: CORDEIRO, Janaina Martins. Anos de chumbo ou anos de ouro?
A memória social sobre o governo Médici. Estud. Históricos. vol.22 no.43 Rio de
Janeiro Jan./June 2009.

123
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

No ano seguinte, assume o General João Figueiredo, disposto


a dar continuidade a abertura política, porém sempre extremamente
cioso de uma volta segura aos quarteis e com medo de uma revanche
da esquerda, ou seja, abria o regime desde que não se julgassem os
crimes da ditadura (tortura, prisões indevidas, mortes e desaparecidos
políticos). Neste período é editado unilateralmente a Anistia, que pro-
piciou a volta dos exilados e a liberdade dos presos políticos; porém,
obviamente, sem julgamento dos torturadores (FIGUEIREDO, 2009
e FIGUEIREDO, 2013). Esses marcos temporais são deveras impor-
tantíssimo e mostra o grande empenho da sociedade civil na luta pela
Anistia e pela recuperação dos direitos civis e políticos, ainda destaca-
-se as grandes campanhas em favor da Anistia capitaneado pela classe
artística como figura de proa no processo, tanto arrecando dinheiro
para arrumar advogados para os presos políticos, quanto visitando-os
pessoalmente nos presídios.

Teatro da denúncia: da abertura e o acerto de contas possível

Neste climax de abertura precisamos colocar em tela que se vivia


a primeira fase da abertura política no Brasil. Em seu artigo acerca da
transição democrática brasileira Maria D`Alva Kinzo, A democratização
Brasileira: um balanço do processo político desde a transição (2001), sugere a
divisão: Primeira Fase (1974 a 1982), na qual temos como fato marcante,
já sublinhado neste artigo, o resultado da eleição de 1974, indo até a eleição
de 1982; Segunda Fase (1982 a 1985), na qual é importante destacarmos
a eleição de 1982 e a passagem do governo militar para um civil eleito pelo
Colégio Eleitoral; finalmente, uma Terceira Fase (1985 a 1990), a partir
do início do governo civil até a primeira eleição direta para presidente, que
tomou posse em 1990. Essas três fases delimitadas por Kinzo são de gran-
de valia para compreender o processo de transição; no tocante especifica-
mente para situarmos temporalmente, nos dedicaremos especificamente
na passagem da Primeira Fase para a Segunda Fase e os seus respectivos
desdobramentos na cena teatral brasileira e na classe artística.
Ainda, realçamos sempre a conjugação e o enlace da classe ar-
tística com a cena política nacional, dessa forma registramos o nasci-

124
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

mento dos primeiros partidos políticos pós- AI-5, bem como a volta
do multipartidarismo e a criação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Tais aspectos tornam-se importante uma vez que muitos personagens
da classe artística engajados nos anos 60 e 70 assinaram ficha de filia-
ção quando do lançamento do PT, como foi o caso da atriz e ex-presa
política Bete Mendes, assim como a consagrada atriz Lélia Abramo,
que participou da montagem de Eles não usam Black Tie, em 1958; e,
que assumiu a presidência do Sindicato dos Artistas e Técnicos em
Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo, a partir de 1978.
Ou seja, o PT galvanizou um conjunto de artistas, intelectuais, assim
como os sindicalistas do ABC na sua hoste com o intuito de construir
um partido da classe trabalhadora e romper com os liames da ditadura
militar (KECK, 1991; MENEGHELLO, 1989).
Torna-se importante enfatizar, conforme registrado por Kinzo,
que ainda estávamos na primeira fase da transição do regime militar,
que mesmo não tendo medidas tão restritivas e de arbítrios intenso; de
qualquer modo, ainda havia sérios dissabores pela população, como por
exemplo, o processo eleitoral de 1982 permeado por inúmeras medidas
casuístas com o intuito de premiar com a vitória no pleito a ditadura
militar (FERREIRA, 1991). Tal conjunto de ações fazia com que o
povo organizado fizesse protesto contra a ditadura militar e transfor-
massem as eleições em campanhas plebiscitárias para acabar de vez
com a ditadura. Ou seja, seria o período do crepúsculo a ditadura mili-
tar e a classe artística continuava empunhando a bandeira de denúncia
e de luta, era o momento agora de poder falar o que aconteceu, assim
como dos amigos e colegas de profissão que partiram para nunca mais
voltar, como por exemplo, a peça escrita e dirigida por Jô Soares e
encenada por Marcos Nanini, Brasil da Censura à Aberta (1980/1981),
que como o próprio nome diz, visava passar a limpo o período tratado.
Ainda, é relevante destacar que as produções de peças de cunho
denuncistas se multiplicavam pelo Brasil, pois esta era a tônica do perí-
odo. Destacamos um caso regional, no Rio Grande do Sul, o sucesso da
peça Bailei na Curva (1983), que tinha como argumento justamente o
percurso dos anos de chumbo até a transição democrática sobre o olhar
das crianças que cresceram ao longo da ditadura militar e que sofreram

125
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

o arbítrio. Tendo em seu conteúdo até mesmo denúncia de desapareci-


dos políticos – em síntese: A peça mostrava a trajetória de sete crian-
ças, vizinhas da mesma rua na cidade de Porto Alegre, durante três
décadas. Tem como pano de fundo os fatos políticos a partir do golpe
militar de abril de 1964 até o movimento das Diretas Já, em 1984.
Quanto ao tempo político é importante compreendermos que
nesta fase os novos personagens que emergiram neste cenário político
e cultural no final da década de 70 não foram personagens isolados,
mas sim parte integrante de um longo processo de luta no combate à
ditadura, assim como “resultante da ideologia política pós-68” (CAR-
DOSO, 1991, p.197). Ou seja, era o período do acerto de contas possí-
vel uma vez que a ditadura, mesmo cambaleando, ainda se mantinha e
tentava de todas as formas não perder as regras do jogo no modelo de
transição brasileira denominada de Transição pela Transação, (SHARE
& MAINWARING, 1986). Segundo esses autores, no caso de Transição
pela Transação devemos considerar o fato de que são as elites autoritá-
rias que “regulam o ritmo das reformas a serem implementadas, numa
tentativa de resguardar-se contra a perda de controle. Mesmo que
possam estar comprometidas com o restabelecimento da democracia,
elas acreditam que é necessário realizar reformas de maneira gradual”
(SHARE & MAINWARING, 1986: 209).
No tocante a classe artística o seu discurso conforme enfatizado
se multiplicava tanto na denúncia contra a ditadura do que ocorreu,
assim como, no engajamento em partidos políticos de esquerda emer-
gente (PT), por exemplo, a atriz Bete Mendes se elege deputada fede-
ral pelo PT nas eleições de 1982. Ainda, contrastamos que começava
a surgir fortemente a indústria cultural de massa no Brasil (ORTIZ,
1988), bem como a consolidação, de fato, da televisão no Brasil com
novelas que drenava muito dos atores de teatro para a seara televisiva
tirando-os da ribalta, inclusive muitos diretores do CPC e do Arena
estavam contratados da Rede Globo de Televisão, a maior empresa
de comunicação do período recente do Brasil (RIDENTI, 2000). Não
obstante, novos e velhos personagens (atores e diretores), se mistura-
vam tanto no antigo palco do teatro quanto nas novelas; sendo que,
embora se multiplicassem o lócus de trabalho e se efetivasse um espaço

126
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

glamurizado para o exercício da profissão, percebemos resíduos da ma-


nutenção do discurso de esquerda na classe artística ainda no início dos
anos 80 (RIDENTI, 2000).
Também, devemos destacar que esse momento foi o período,
conforme realçado, do ajuste de contas possível, assim como, o período
para curar o trauma do período ditatorial que se estava acabando. É
neste período que consideramos que começava a se esboçar mais expli-
citamente a noção de “vítima da ditadura” (AYDOS & FIGUEIREDO,
2013). Esta expressão constrói-se no período de redemocratização da
virada dos anos 70 e ao longo dos anos 80 (SARTI, 2011). Também,
destacamos que a noção de vítima se dá pela alteridade, pelo caráter
contrastivo entre os que entraram para a luta, perderam e sofreram e
os que ficaram na vida legalizada podendo tocar a sua vida e carreira8.
Ou seja, as artes capturam essa catarse coletiva de poder falar sobre o
que aconteceu e começou a haver peças que retratassem o período, bem
como, as dores e angústia dos anos de arbítrio. Tais encenações foram
reflexos da profusão da bibliografia de resistência, com o depoimento de
inúmeros ex-presos políticos que fizeram uso dos livros autobiográfi-
cos como forma de “elaboração”9 de tudo o que ocorreu (SILVA, 2008).
De certa forma, tínhamos nesse período o “velho” teatro com as
suas grandes damas, bem como o não tão novo teatro dos grupos cole-
tivos da contracultura dos anos 70; ao mesmo tempo, tínhamos a mas-
sificada indústria cultural da televisão drenando os melhores da classe
artística – mas um teatro de cunho social ainda se mantinha. Podemos
dizer que a década de oitenta foi o último elo de manutenção de laço de
coletividade que houve no teatro enfeixado pela “áurea” da esquerda,

8 Cynthia Sarti (2011: 54-55): “[...] a noção contemporânea de vítima adquire


um novo estatuto a partir da definição, pela Psiquiatria, da categoria diagnóstica do
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), com as formas terapêuticas que
dela derivam. Resultante da orientação geral do DSM-III (a terceira versão do Diag-
nostic and Statistical Manual of Mental Disorders), publicado pela American Psy-
chiatric Association em 1980, essa categoria diagnóstica constitui um dos suportes
do tratamento das vítimas de violência na área da saúde mental na atualidade, cons-
tituindo-se em um importante articulador ideológico da produção da noção de vítima
de violência no mundo contemporâneo”.
9 Utilizamos aqui o termo psicanalítico de “elaboração”, ou seja, a ideia de que ao
falar, escrever, narrar o evento traumático, os sujeitos atribuem significado a sua ex-
periência e conseguem se não curar, conseguir ve sentido em suas vidas.

127
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

enquanto ainda vivia-se o crepúsculo a ditadura militar. Também, real-


çamos que antes o palco do teatro era o interlocutor quase que natural
para se burlar a ditadura para dar voz para o povo falar, agora, existia
outros mecanismos de comunicações que se multiplicavam e o teatro
passava a ser um objeto distante demais da coletividade, pois era absor-
vido neste momento pela mídia televisiva.
Também, no mesmo período na década de 80 emergia um novo
teatro, o denominado teatro besteirol, que eu cerne era um movimento
teatral que nasceu em São Paulo, ganhando força no Rio de Janeiro
na década de 80. Desprovido de preconceitos, o Besteirol incorporou
diversas referências da cultura brasileira para montar uma caricatura
do comportamento cotidiano. O humor anárquico e o rompimento com
o engajamento e a cultura dita erudita forma os pilares do movimento.
Em média com duração de noventa minutos, segundo Cleise Mendes
(2009: 1) “a montagem reunia textos de Miguel Falabella (Avenida Pôr-
-do-Sol e A Sauna), Mauro Rasi (A Vedete Que Não Era Leviana e Uira-
puancy) e Vicente Pereira (Detetive Santos), três dos principais autores
que mantiveram o interesse do público por essa linha de teatro cômico”.
Neste conjunto que emergia podemos considerar que as proximidades
com a esquerda, partidos políticos começavam a ser rompidos através
de novos personagens, novos atores e novas formas de se expressar; e,
nesse sentido, ao mesmo tempo em que a ditadura perdia a sua força,
também, um discurso mais esquerdizante refluía pela emergência de
um novo paradigma de teatro que emergia (Besteirol).
Em 1984 houve o último grande ato contra a ditadura militar
através da campanha das Diretas Já: que fora uma série de manifesta-
ção de massa contra o regime militar clamando por eleição direta. Foi
um dos últimos apoios em massa da classe artística, pois esta se organi-
zou e novamente foi às ruas clamar junto ao povo em grandes manifes-
tações nas grandes cidades do país; porém novamente com insucesso.
Segundo Ridenti (2000: 351) “a campanha foi derrotada no Congresso
Nacional, que manteve as eleições indiretas. Esse resultado decepcio-
nou a maioria dos brasileiros, inclusive os artistas que se enfronharam
na campanha”; ou seja, foi o canto dos cisnes da classe artística no am-
biente político. Em 1985, houve a passagem da ditadura militar para

128
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

um governo civil, mas conforme Kinzo (2001) seria a terceira e última


fase do processo transição, a ditadura terminava com severas seque-
las para as instituições brasileiras tanto no tocante a política, quanto
para a educação e cultura10. Assim sendo, o Brasil ficou 21 anos sobre
o arbítrio militar em que houve severos casos de abusos contra dos
direitos humanos, neste cenário a cultura fora uma peça de resistência
importantíssimo sendo o teatro um dos expoentes desse processo, pois
o palco tornou-se um palanque político natural para denunciar os arbí-
trios da corporação militar.

Considerações finais

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer,


reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experi-
ências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim
é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e
que se daria o inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma
imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa dis-
posição, no conjunto de representações que representam nossa
consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de
um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos
na infância, por que nós não somos os mesmos de então e por
que nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideais, nossos
juízos de realidade e de valores (...) (BOSI, 1994: 55)

O Brasil no período de 21 anos foi confrontado pelo severo arbí-


trio da ditadura militar que promoveu um forte cerceamento institucio-

10 Segundo Marcelo Ridenti (2000: 351): “Já em 1989, os artistas participam ati-
vamente nas primeiras eleições diretas presidenciais. Eles estiveram nas campanhas
de todos os candidatos mais significativos, que evidentemente buscavam a transferên-
cia da popularidade dos artistas, esperando que ela se convertesse em votos. Os artis-
tas eram convocados também a fim de atrair público para comícios e para programas
eleitorais nos meios de comunicação. Isso vale para todos os candidatos, inclusive
os de direita, que em geral pagavam cachês elevados para contar com a presença de
artistas em suas aparições públicas. Mas o que interessa aqui é destacar a presença
voluntária e gratuita de artistas engajados nas campanhas, em geral apoiando can-
didaturas que genericamente podem ser consideradas de esquerda, já se tratava de
apoios individuais, e vários artistas, porém isolados, sem construir sequer um esboço
de projeto alternativo à indústria cultural, como chegou a ocorrer nos anos 60 e um
pouco ainda nos anos 70 e inícios dos 80”.

129
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

nal. Durante este período a sociedade se oganizou para o seu combate,


tanto no aspecto partidário e instiucional quanto no aspecto cultural e
artítisco. Em síntese, a classe artísitca e mais especificamente o grande
“teatrão” foram personagens de proa desse processo de tentativa de
rompimento do status quo ditatorial.
De acordo com o texto, realçamos que a classe artística através
do palco soube fazer uso político de seu espaço: 1) num primeiro mo-
mento, resistindo e se organizando; 2) num segundo momento, mesmo
sob coação partindo para o confronto armado; e, 3) numa terceira fase,
servindo como elemento de denuncia e memória para contar as mazelas
do que uma ditadura torcionária causou ao Brasil. Concluindo, vemos
que a participação política da classe artística refluiu ao mesmo tempo
que se consolidou a indústria cultural televisiva; e, igualmente, decaiu
o paradigma marxista na seara cultural ao longo da década de 80.
Não obstante, enquanto marco temporal fica registrada a impor-
tância as peças de teatros e suas grandes damas, bem como os grandes
diretores e atores que conseguiram capturar ao seu modo a realida-
de brasileira; o quais tentavam modificar a realidade vivida buscando
um projeto no campo do ideal, ou seja, um porvir futuro: democráti-
co e socialista. Finalizando, embora este projeto de homem novo não
tenha vicejado e se institucionalizasse, de fato, o que se consolidou foi
a marca da genialidade desses personagens e a memória de um passado
a ser relembrado: a memória do teatro contra a ditadura militar – feito
de resistências e sonhos.

130
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

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133
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

134
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

AS REPRESENTAÇÕES FÍLMICAS DE VERA SILVIA


MAGALHÃES: GÊNERO, TESTEMUNHO
E RESISTÊNCIA

Introdução

O Brasil viveu uma ditadura militar que durou de 1964 a 1985,


foram 21 anos em que houve um cerceamento total dos direitos políti-
cos e civis dos cidadãos. Neste período, qualquer forma de resistência
era passível de sofrer uma série de arbítrio por parte da corporação
militar que tomara o poder, podendo haver cassações de mandatos de
parlamentares, prisão, tortura, bem como assassinato e desaparecimen-
to dos oponentes políticos. Ou seja, era a opressão total do Estado a fim
de legitimar o aniquilamento dos oponentes e com isto, obviamente, se
perpetuarem no poder por tanto tempo.
Não obstante todos os arbítrios e cerceamento houve a anistia
política que retirou da cadeia os presos políticos, em 1979, e a transição
para a democracia, em 1985. Estes eventos políticos foram fruto de um
processo de luta contínua, tanto da sociedade civil quanto das orga-
nizações políticas, que de forma organizada conseguiram distender e
pressionar as amarras ditatoriais. Neste aspecto consideramos como
de fundamental importância o papel das denúncias na produção escrita
com sua literatura do testemunho, assim como a elaboração acadêmica
e fílmica, fazendo com que, cada um a seu modo, conseguisse dar voz
e representar os seus personagens a fim de construir um repertório
uníssono contra a ditadura.

135
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

No tocante a este tema acerca das vozes do testemunho, especial-


mente no cinema, constatamos que a produção fílmica representada do
período é extremamente vasta, destacam-se, principalmente, os seguin-
tes enfoques: 1) personagens paradigmáticos, tais como dirigentes guer-
rilheiros; 2) ações espetaculares de guerrilha ou conflitos armados; 3)
transposição de livros memorialísticos para as telas; e, 4) documentários.
Diferentemente, enfatizamos que há uma singela produção cinematográ-
fica que objetive um olhar a partir da perspectiva atual dos personagens
sobre o que eles viveram no passado, melhor dizendo, há pouca produção
sobre o próprio balanço político desses agentes que lutaram contra a
ditadura. Também, realçamos a falta de produção que enfoque uma con-
textualização histórica, buscando construir uma totalidade do período
e com isto um painel da história política brasileira. Finalizando, há uma
incipiente produção fílmica sobre o papel das mulheres na luta armada.
A partir deste enfoque este artigo possui como objetivo prin-
cipal justamente examinar a representação fílmica do papel das mu-
lheres na luta armada, especialmente, na figura paradigmática da
líder guerrilheira Vera Silvia de Araújo Magalhães. Esta dirigente
tornou-se anos 60 a musa da esquerda, sendo que além deste glamour
intelectual ainda conseguiu tornar-se comandante de organização
guerrilheira e ter o protagonismo de ser a única mulher a participar
do sequestro do embaixador americano, em 1969, que redundou na
libertação de 15 presos políticos. Foi presa e ficou paralítica em vir-
tude das torturas, tornando-se, por conseguinte, símbolo da anistia
internacional do ano de 1970, quando saiu do cárcere em virtude de
outro sequestro que visava troca de presos políticos.
Vera Silvia foi retratada em dois filmes, respectivamente, O que é
isso companheiro? (1997), de Bruno Barreto; e, a Memória que me contam
(2013), de Lucia Murat. Ambos os filmes buscaram uma representação
particular da mitificada guerrilheira, cristalizando a sua biografia no
imaginário fílmico a partir de uma leitura cinematográfica da história,
obviamente que de acordo com o filtro de cada cineasta. Nesta pers-
pectiva de diálogo entre a literatura, o cinema e a política procuramos
enquadrar esses filmes dentro do seu tempo histórico, melhor dizendo,
tanto com a intencionalidade objetiva que cada filme tinha de elaborar

136
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

do passado quanto com tentativa da busca desses filmes em um con-


fronto com o tempo presente.
Nesta perspectiva, a fim de examinar a produção fílmica a partir
do objetivo proposto, cumpre, portanto, delimitar este artigo nos se-
guintes tópicos com o intuito de refinar a análise: 1) examinar o diálo-
go entre memória, literatura do testemunho e cinema; e a partir dessa
compreensão torna-se de fundamental importância, também, 2) re-
construir o período histórico a fim de compreendermos as motivações
que levaram Vera Silvia a optar pela luta armada como instrumento
político de combate à ditadura militar a fim de inseri-la naquele tempo
histórico extremamente singular; e, finalmente, 3) analisar a biografia
de Vera Silvia Magalhães e o seu espelho refletido na literatura do tes-
temunho e na cultura fílmica a partir de múltiplos olhares.
Quanto aos procedimentos metodológicos, tratar-se-á de um tra-
balho qualitativo, pois visa à reconstituição histórica a partir da análise
biográfica e o seu enquadramento numa produção cinematográfica. Para
a consecução deste artigo, trabalharemos com as bibliografias referentes
aos elementos mais significativos a fim de aludir o objetivo proposto, es-
pecialmente, a literatura do testemunho, o gênero biográfico e a produção
fílmica. No tocante especialmente aos filmes faremos um acurado exame a
partir da técnica de análise de conteúdo das imagens e dos diálogos, a fim
de construir os nexos de crítica concernente ao objetivo proposto.

O enquadramento da memória: o cinema


e a literatura do testemunho

Para efeitos teóricos enfocamos o clássico livro de Maurice Hal-


bwachs, A Memória Coletiva, (2006), nesta obra o autor trabalha sobre o
enquadramento da memória em três perspectivas, quais seja: 1) memó-
ria individual; 2) memória coletiva; e, 3) memória histórica. Segundo o
autor, toda a memória, primeiramente, é individual, pois necessita das
chaves internas de cada indivíduo para ser ativada, ou seja, o indivíduo
busca a partir das suas próprias reminiscências ativarem as lembranças
que melhor acionam a sua memória a fim de compor a sua identidade.
Porém, Halbwachs enfatiza um elemento muito importante, qual seja:

137
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

que a memória individual só funciona, melhor dizendo, só existe quando


ela é acionada pela memória do outro, tanto a fim de confrontá-lo quanto
para endossar o que ele recordou, conforme expressamos abaixo:

Quando voltamos a encontrar um amigo de quem a vida nos


separou, inicialmente temos de fazer algum esforço para reto-
mar o contato com ele. Entretanto, assim que evocamos juntos
diversas circunstâncias de que cada um de nós lembramos (e que
não são as mesmas, embora relacionadas aos mesmos eventos),
conseguimos pensar, nos recordar em comum, os fatos passados
assumem importância maior e acreditamos revivê-los com maior
intensidade, porque não estamos mais sós ao representá-la para
nós. Não os vemos agora como os víamos outrora, quando ao
mesmo tempo olhávamos com os nossos olhos e com olhos de
um outro (HALBWACHS, 2006: 29-30).

Ou seja, as lembranças individuais são efetivadas em comum di-


álogo com as lembranças coletivas, desta forma somente conseguem
se configurar e se construir a denominada memória coletiva, quando
os diversos atores que viveram a mesma história, puderem compor o
mesmo roteiro linguístico e verbalizar a mesma lembrança. Assim sen-
do, um dos elementos que faz com que haja um grupo social, além das
características em comum que os tornam pares um do outro, são, tam-
bém, as lembranças compartilhadas e que fazem com que os mesmos
tenham um mesmo sentimento de pertencimento. Logo, a lembrança
acaba, por assim dizer, tornando-se um passaporte para que os mesmos
façam parte de um mesmo grupo seleto. Por exemplo, quando nos re-
portamos nesse artigo à geração de 68, falamos dos atores políticos que
pegaram em armas ou foram oponentes do regime militar que compu-
seram as lutas do mítico ano de 1968; não quer dizer que todos eles
possuíam a mesma idade - o que fica explícito no campo teórico é que
todos, de modo geral, compuseram a luta e eram pares um dos outros
no processo contra o regime militar, pois possuem lembranças recípro-
cas e se reconhecem como companheiros e oponentes do regime.
Devemos registrar, ainda, que essas memórias possuem uma base
histórica, melhor dizendo, lastro histórico ou fato histórico que fazem

138
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

com que se motive a lembrança de determinados fatos, a fim de não


tornar a memória sem sentido e sem enquadramento. No caso deste
artigo, a luta contra a ditadura serviu como plataforma a fim de man-
terem-se unidos num mesmo legado histórico e componente de uma
missão de ser pertencente a um grupo fechado. A partir dessa seleção
de grupo seleto quem dará o passaporte de entrada é a memória, pois é
através da memória individual, recontada e compartilhada com o outro
que será gestada a memória coletiva, sendo que esta ficará em comu-
nhão e em justaposição através de uma base comum que lhes dará res-
paldo, formando, portanto, e consagrando-se como memória coletiva:

[...] para que a nossa memória se aproveite da memória dos ou-


tros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: tam-
bém é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as me-
mórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e
outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser
constituída sobre uma base comum. (HALBWACHS, 2006: 39)

As lembranças precisam ser contadas individualmente, confron-


tadas coletivamente a fim de ter um reconhecimento social petrifican-
do-se, portanto como memória coletiva. Nessa perspectiva devemos
colocar em relevo a distinção entre memória coletiva e memória histó-
rica, pois muitas vezes uma memória coletiva não faz parte da memória
histórica de um determinado período. Ainda, devemos realçar que a
memória histórica é a memória oficial, podendo a memória coletiva ser
apenas as reminiscências dos subalternos da história que, na maioria
das vezes, se confrontam dialeticamente. Melhor explicando, durante
muito tempo no Brasil tivemos uma memória oficial construído sob
os auspícios da ditadura militar, que fez com que os oponentes do re-
gime militar ficassem na categoria de bandidos. Em contrapartida, os
torturadores ficavam na categoria de heróis nacionais, a despeito de
todas as denúncias das atrocidades da ditadura militar; sendo, porém,
confrontado pela história recente. Nesta perspectiva, devemos desta-
car que, segundo Halbwachs, que a memória histórica nos apresenta o
passado de forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de
nossa vida aparece em um contexto mais contínuo, melhor dizendo, a

139
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

memória coletiva é múltipla e a memória histórica é única, podendo ser


acionado, grosso modo, de acordo com a elite que está no poder.
A partir das teias da memória foi gestada a noção de testemunho,
elaborada a partir do campo literário europeu, principalmente, com o
boom dos relatos de testemunhos que foi desencadeado pelas “ondas de
memória”, muitas vezes deslanchadas por grandes processos contra
o nazismo, como o de Nueremberg e o de Eichmann em Jerusalém,
brilhantemente perfilado por Hannah Arendt (1999). Assim, encon-
tramos a acepção de literatura de testemunho em estudos dedicados
fortemente e baseado na Segunda Guerra Mundial. Já, nas últimas dé-
cadas o conceito de testemunho tornou-se uma peça central na teoria
literária devido à sua capacidade de responder às novas questões de se
pensar um espaço para a escuta (e leitura) da voz (e escritura) daqueles
que antes não tinham direito a ela (os oprimidos), principalmente nos
países de terceiro mundo, como, por exemplo, nas vítimas das ditadu-
ras militares da América Latina e a partir do seu processo de redemo-
cratizações (SELIGMAN, 2003).
O aporte teórico acerca do testemunho reproduz sobre esse es-
pectro numa série de questões que sempre polarizaram a reflexão sobre
a literatura: ou seja, ele põe em questão as fronteiras entre a literatura
e o histórico e dando, por conseguinte, colorações para outras searas
como a produção fílmica. Este campo, obviamente, deita suas raízes na
literatura do testemunho, bem como os seus ditos, suas falas, suas nar-
rativas e seus silêncios. Ampliando a análise teórica no campo das re-
miniscências, Pollak (1989: 6) enfatiza que “existem nas lembranças de
uns e de outras zonas de sombra, silêncios, “não-ditos”. As fronteiras
desses silêncios e “não-ditos” com o esquecimento definitivo e o repri-
mido inconsciente não são evidentemente estanques e estão em perpé-
tuo deslocamento”. Nesse sentido a literatura do testemunho transfor-
ma-se em porta-voz de alguns personagens que resolveram transpor
a barreira desses não ditos e silêncios e colocaram as suas dores para
um público numa espécie de psicanálise coletiva com leitores. Também,
a partir desses porta-vozes outros personagens que compuseram esse
quadro da memória e não tem interesse de ver suas próprias dores
sendo representados, se utilizam justamente desses porta-vozes para

140
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

se expor, dando, assim, o enquadramento de uma memória coletiva a


partir do endosso dessas histórias.
No caso do Brasil, a literatura do testemunho das vítimas da di-
tadura militar começou com alguns livros que desafiavam ainda o re-
gime vigente como, por exemplo, o livro Em Câmera Lenta, de Renato
Tapajós, lançado em 1977, falando sobre prisão, tortura e assassinatos
na guerrilha urbana, por parte da corporação militar. Posteriormente,
com a Anistia de 1979, retorna ao Brasil Fernando Gabeira, célebre
exilado político, que lança o best seller, O que é isso companheiro? (1980)
o gênero explode em vendagem e a ditadura, no seu crepúsculo, não
consegue conter a “curiosidade” dos leitores do que ocorreu no período
militar. A partir de Gabeira novos livros viraram campeões de vendas
nas livrarias, proporcionando um longo percurso que até hoje perdura.
A transposição desta literatura do testemunho e a sua aborda-
gem centrada no campo da memória para o cinema foi um caminho
natural e, obviamente, esta literatura se consolida nas telas de cinema
sendo reproduzida e reinterpretada; sendo que, realçamos que embora
havendo uma produção efetiva de filmes de resistência poucos trans-
puseram ipsis litteris o livro para as telas, uma vez que a maioria destas
produções procuraram tecer um olhar múltiplo do período a partir de
vários testemunhos, conforme já enfatizado, bem como respeitando os
limites temporais que os influenciaram, quais seja: 1) final dos anos 70
até o início dos anos 90, período em que ainda vigorava o cerceamento
da ditadura militar, bem como torna-se importante frisar que a produ-
ção audiovisual era produto da Embrafilme, sofrendo, por consequên-
cia, os fluxos e refluxos da máquina pública e da censura; 2) anos 90,
com a extinção da Embrafilme até a retomada da produção audiovisual
e o renascimento do gênero cinema de resistência; e, 3) anos 2000, mo-
mento em que houve uma diversificação de realizações audiovisuais, es-
pecialmente, documentários que trataram acerca do período ditatorial
a partir de projetos e leis de incentivos a imagem e a cultura.
Nesta perspectiva, salientamos que a produção fílmica buscou
servir como se fosse um ajuste de contas da história e, principalmente,
uma catarse de uma geração que precisou se expor a fim de buscar se
curar dos traumas do período. Portanto, enfatizamos que esses filmes

141
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

em comunhão com a memória tornam-se elemento de filtro e recorte


da própria história, uma vez que de acordo com o gênero, tanto fic-
cional quanto documentário, visa em seu objetivo principal passar o
registro da história a partir de uma elaboração cinematográfica. Neste
sentido, torna-se importante frisar, portanto, este diálogo profícuo en-
tre história, cinema, literatura do testemunho e o campo da memória,
como se fosse justamente um acerto de contas dessas searas, no caso do
Brasil com um passado ainda inconcluso.

A luta armada no Brasil: brevíssima reconstituição


histórica à guisa de contextualização

Para efeito deste texto torna-se importante definir o lócus tem-


poral em que os agentes da memória vão operacionalizar o seu múlti-
plo enquadramento, ou seja, como diria Halbwachs (2006), as chaves
da memória precisam de uma história e de um lastro para alavancar
lembranças. Nesta perspectiva e a partir da análise da biografia de uma
personagem paradigmática da esquerda precisamos inseri-la dentro
deste campo político e histórico na qual ela operacionalizou a sua luta,
pois foi através deste campo que ela tornou-se personagem mitificada
e foi representada na produção fílmica. Ainda, torna-se conveniente
salientar que a noção de esquerda possui um caráter amplo e plural,
principalmente pela noção política que se objetiva com este conceito;
sendo que, no período em tela ser de esquerda pressupunha ser aderen-
te ao repertório de luta dos anos 60, especialmente dentro do espectro
do marxismo-leninismo, e no caso do Brasil, ser oponente ao regime
militar que se apossou do governo a partir de 1964. Também, devemos
frisar que neste período havia uma miríade de organizações que bus-
cavam, cada uma a seu modo, marcar posição no combate à ditadura
militar e tentar romper com os liames ditatoriais visando a volta da
democracia, mesmo que fosse com o advento de um confronto armado.
A respeito de uma esquerda armada este pensamento só foi aven-
tado, de fato conforme realçado, com advento do Golpe Militar de 1964.
Posto que, com este golpe cercearam o Estado democrático de direito,
extinguiam os partidos políticos e, principalmente, começou a haver a

142
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

cassada dos oponentes do regime militar, e entre os que estavam marca-


dos como alvo principal era justamente os militantes das organizações
de esquerda. Convém destacar que para a esquerda houve dois golpes: 1)
o primeiro, de 1964, que durou até 13 de dezembro de 1968 com a ins-
titucionalização do Ato Institucional- nº5 (AI-5); e, 2) depois o segundo
golpe com a promoção do AI-5 pela Junta Militar, pois segundo as orga-
nizações de esquerda, este Ato ficara conhecido como o “golpe dentro do
golpe”, pois com o AI-5, acabavam as esperanças de algumas parcelas da
esquerda que ainda buscavam uma articulação com as entidades legais
ou semiclandestinas visando construir uma política de massa.
Com o AI-5 a ditadura apresentava toda a sua força com a estru-
turação do aparelho repressivo, portanto, dando pouco espaço para as
lutas nas instâncias legais: era a senha para a esquerda armada se ar-
ticular mais fortemente no empenho de uma insurreição na tomada do
poder. Como reflexo do AI-5, parte da esquerda possuía uma visão “in-
gênua”, achando que este Ato seria o estopim que ascenderia um barril
de pólvora e que colocaria em cheque a ditadura; pois, acreditavam que
com o aprofundamento da luta armada, as massas iriam se levantar e
aderir à luta, - ledo e cruel engano, uma vez que as organizações, longe
de ganharem as massas, ficaram ainda mais isoladas no seu cerco clan-
destino (AARÃO REIS FILHO, 1990: 69).
Ainda, torna-se importante ressaltar que muitas organizações sur-
giram egressas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), principal e mais
longeva organização de esquerda que pregava uma luta pacífica, visando
uma abordagem mais política e menos militarista de enfrentamento da
ditadura. Também, surgiram diversas organizações armadas de cunho
militar como desdobramentos das fissuras no seio das outras organiza-
ções de esquerdas que surgiram no início dos anos 60, destacando entre
outras, a Política Operária (POLOP), que deu origem a COLINA (Co-
mando de Libertação Nacional) e a VPR (Vanguarda Armada Revolu-
cionária), de caráter bem mais militar. Estas organizações em conjunto
com os egressos do PCB mergulharam, de fato, na luta armada. Entre os
grupos egressos do PCB, destacamos a Dissidência da Guanabara (DI-
-GB) que passou a partir de 1969 a adotar o nome de MR-8 (Movimento
Revolucionário 8 de Outubro), em homenagem ao dia do assassinato de

143
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Che Guevara. Em São Paulo a dissidência paulista formou a Aliança Li-


bertadora Nacional (ALN). Ambas, ALN e MR-8 realizaram, em 1969,
o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick visando a liber-
tação de 15 presos políticos: fustigavam com vara curta o imperialismo e
acabariam pagando um preço alto (FIGUEIREDO, 2013).
Quanto às tentativas da esquerda armada, em meados de 1970,
é organizada a Frente Revolucionária, que seria uma união informal
dos vários grupos armados visando trocas logísticas com o intuito de
efetivar operações armadas. Esta frente operacionalizou, também, o se-
questro do embaixador alemão Von Holleben, com o intuito de trocar
presos políticos, em junho de 1970, tal ação fora capitaneada pela VPR
e pela ALN. A VPR iria fazer mais um sequestro, no final de 1970, co-
ordenado pelo capitão Carlos Lamarca, esta ação foi o canto dos cisnes
das operações armadas, pois a partir desse momento, a repressão atua
com intensidade nas organizações que se dedicaram à luta armada, ou
seja, quem ousasse lutar contra a ditadura, poderia ser “condenado
à morte” e tornar-se desaparecido político. Seria uma nova derrota,
conforme Daniel Aarão Reis (1990: 73): “A derrota surpreenderia em
1964. Um drama político. Depois de 1968, sem deixar de surpreender,
a derrota massacraria, em forma de tragédia, os comunistas brasilei-
ros”. Assim, os comunistas se deparavam em poucos anos com a sua
segunda derrota, sobravam sonhos, mas faltavam condições objetivas
e físicas para operacionalizar uma virada política a guerrilha urbana
fora sumariamente aniquilada no início dos anos 70, mesmo com todo
o voluntarismo que houve de uma geração.

Vera Silvia de Araújo Magalhães: biografia de


uma dirigente guerrilheira

Neste quadro de luta política é que surge o nome de Vera Silvia


de Araújo Magalhães. A célebre e mitificada militante política Vera
Silvia nasceu em 1948 na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal
do Brasil. Filha de uma abastada família gaúcha que se mudou para o
Rio de Janeiro no final dos anos 40 em virtude das proximidades polí-
ticas de seus familiares com a política, possuía um tio que era Ministro

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

de Governo do Presidente Dutra. Ainda, torna-se importante frisar


que seus antepassados foram célebres políticos gaúchos e seu pai sem-
pre envergou cargos no alto escalão federal. Sua mãe, mesmo numa
sociedade socialmente mais tradicional como era o Rio Grande do Sul
foi liderança estudantil universitário, nos anos 40. Ou seja, segundo
a própria Vera Silvia, a sua casa era turbilhão de política desde a sua
tenra idade e ela nunca viveu outro ambiente que não fosse o político,
atestando, segundo ela, que não tinha como ser outra coisa a não ser
um ser político em face da família que possuía (CARVALHO, 1998).
Ainda, no final da sua infância ganhou de presente de um tio
comunista, ligado ao PCB o Manifesto do Partido Comunista de Karl
Marx e, segundo ela, se deslumbrou. No início da adolescência abraçou
de fato a causa política de esquerda, passando a militar no PCB. A par-
tir do momento do início da sua militância começou a compor a célula
da juventude do PCB ligada ao movimento estudantil secundarista e,
segunda Vera começou a ganhar gente para o partidão. O golpe de
1964 já pegara Vera Silvia militante de esquerda e organizada, tornan-
do-se já no imediato ao golpe uma árdua opositora do regime militar.
Em 1966, mesmo vivendo uma ditadura; no entanto, a corpora-
ção militar tentava insistir num clima de normalidade política como se
nada tivesse acontecendo de anormal no país e chamava eleição para
o ano de 1966, respectivamente para deputados estaduais, deputados
federais e senadores. Conforme enfatizado, o PCB ingressa no Movi-
mento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida
pela ditadura militar, com o intuito de fomentar uma dupla militância
dos seus militantes a fim de tentarem se eleger para agremiação eme-
debista. No entanto, a juventude comunista da Guanabara (atual Rio de
Janeiro) não aceita tais diretrizes e rompem politicamente, formando a
Dissidência Comunista da Guanabara (DI-Guanabara) no mesmo ano
de 1966 (FIGUEIREDO, 2009).
Rapidamente a DI- Guanabara passou a fazer parte do repertó-
rio de luta da esquerda, principalmente com grande ampliação no mo-
vimento estudantil secundarista e universitário. Vera Silvia, já figura
conhecida e de destaque do movimento estudantil ascende à direção da
organização surgida em 1966. Torna-se importante frisar outro ele-

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

mento importante da sua biografia, Vera Silvia passa no vestibular para


economia da atual UFRJ no ano de 1966, junto com seus companhei-
ros, assim sendo, passam a compor o setor mais pulsante de oposição
da ditadura: o coração do movimento estudantil no meio universitário.
Vera Silvia, neste momento, já vivia com liberdade a sua sexua-
lidade, empunhando as bandeiras de liberação sexual dos anos 60, pois
já possuía um companheiro, igualmente militante e universitário da
mesma universidade, José Roberto Spiegner. Rapidamente Vera Silvia
ascende a hierarquia da organização e era única mulher a fazer parte
do Comitê Central, segundo a própria enfatizava que fizera um baita
esforço para compor a direção, pois era a única mulher em meio a sete
homens (CARVALHO, 1998). Ainda, segundo as suas análises póstu-
mas, já na década de 90, era claro que pesava sobre Vera o machismo
do período, pois ela era sempre sancionada pelos demais membros da
direção por qualquer coisa que fosse do universo feminino, como por
exemplo, se emocionar quando um militante morria em ação; fato esse
que não era permitido, pois esperavam da mesma uma posição mais
durona e igual aos demais homens.
Obviamente, que Vera Silvia venceu na hierarquia da organização
pela sua capacidade intelectual impar e pelo seu carisma em cooptar e
aglutinar militante para a sua organização, tornando-se, no período a
musa da esquerda, não somente pela sua beleza que possuía, mas aci-
ma de tudo pelas capacidades intelectuais e carismáticas que galvaniza
admiradores pela sua astúcia política. No final do ano de 1968, depois
de todas as manifestações estudantis que quase paralisaram o Brasil, a
ditadura militar edita o Ato Institucional nro. 5, o AI-5, instrumento
coercitivo que primava por colocar, de fato, o Brasil num regime de ex-
ceção editando até mesmo a pena de morte como medida coercitiva aos
opositores do regime: a ditadura militar estava no seu grau máximo de
opressão (FIGUEIREDO, 2013).
Vera Silvia e seu grupo perceberam que não poderiam operar
politicamente num estado de semiclandestinidade dando ênfase ao mo-
vimento estudantil partem, de fato, para a luta armada como instru-
mento político de oposição ao regime militar. No início de 1969, numa
conferência extraordinária a DI-Guanabara (futuro MR-8), lança uma

146
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

linha da sua organização extremamente militarista em que elaboravam


diretrizes políticas de combate à ditadura militar através das armas. Na
elaboração das teses ficou a cargo a Vera Silvia de Araújo Magalhães
e Franklin Martins, que foi na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva o
Ministro da Comunicação (AARÃO REIS FILHO & SÁ, 1985).
O ano de 1969 foi o auge de Vera Silvia nas operações militares
da DI-Guanabara, foram expropriações bancárias para fazer fundo para
guerrilha, treinamento de tiro, roubo de carros para ações armadas, etc.
Vera realçava a partir da sua memória em entrevistas póstumas que não
possuía nenhuma queda para ações armadas, mas como era um quadro
político extremamente preparado e compunha a Direção da organização
foi alçada a célula mais perigosa e perseguida pela ditadura militar. Ou
seja, era um quadro político preparadíssimo no labor intelectual, uni-
versitária, fruto da classe média alta bem-posta, agora, a partir de 1969
começava a receber treinamento de tiro e fabricação de bombas para ação
armada de alto impacto contra a ditadura militar (CARVALHO, 1998).
Porém, tudo isso era pouco para Vera e seu grupo, pois em setem-
bro de 1969 ousaram sequestrar o embaixador americano para pedir
em troca de presos políticos, na primeira ação deste gênero da história.
A Vera Silvia coube o levantamento de toda a ação, como por exemplo:
1) horários de saída e entrada do embaixador da sua residência oficial;
2) percurso do carro, bem como outras atribuições desse gênero. Além
dessas questões ainda atuou diretamente na infraestrutura do apare-
lho/esconderijo em que ficou escondido o embaixador. A operação foi
um sucesso e libertou 15 presos políticos que partiram para o exílio no
México (GORENDER, 1987).
Embora o sucesso da ação o grupo foi rapidamente descoberto
pela polícia política, sendo caçados pela ditadura militar com ferocida-
de. Vera figurava diariamente nas páginas dos jornais, bem como em
cartazes de terroristas procurados. Continuou pouco tempo na clan-
destinidade, pois numa outra ação de propaganda armada na favela do
Jacarezinho/RJ foi presa com um tiro de raspão na cabeça numa troca
de tiro com a polícia. De acordo com Vera em entrevistas, enfatizava
que não se entregou e caiu levando e dando tiro com a polícia e somen-
te foi presa por causa de um tiro de raspão que entrou e saiu de cabeça.

147
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Após a prisão de Vera Silvia a sua sentença já estava decretada


pela ditadura militar, destruí-la e aniquilá-la física e psicologicamente.
Segundo Vera ela era odiadíssima pela repressão e eles queriam des-
troçá-la e quebrar ela psicologicamente na tortura e de maneira cruel,
principalmente pelos seguintes motivos: 1) era mulher ocupando um
espaço político, ou seja, um verdadeiro absurdo para a época; 2) era
oponente do regime militar; 3) figurava como direção de uma orga-
nização revolucionária; e, 4) foi uma das responsáveis principais pelo
sequestrou do embaixador americano que, segundo a junta militar, hu-
milhou o regime. Em síntese, preenchia todos os requisitos para ser
mais torturados que qualquer outro inimigo da repressão política.
Vera Sílvia, a princípio, não se quebrou na tortura e enfrentou os
torturadores num quase suicídio, pois ia ao embate com os torturado-
res durante a tortura, como, por exemplo, quando perguntaram a ela
qual a sua profissão e ela respondia que “minha profissão é ser guer-
rilheira” (CARVALHO, 1998). Fizeram todo o infortúnio de suplício a
Vera até deixá-la paralítica. Em junho de 1970, ocorreu o sequestro do
embaixador Alemão em troca de presos políticos e Vera sai da cadeia
com esse sequestro: Vera saiu depois de três meses como presa política
e com pouco mais de trinta quilos, paralítica numa cadeira de rodas em
virtude das torturas sofridas no pau-de-arara e dos choques elétricos.
Também, devemos realçar que seu companheiro José Roberto Spiegner
foi assassinado em operação armada. Vera, agora neste momento, além
de toda a tortura e o sofrimento de banimento se encontrava viúva. Em
face do todo o suplício infringido a Vera Silvia a Anistia internacional
do ano de 1970 a transformou em símbolo contra as ditaduras milita-
res em torno do mundo, em especial o Brasil.
No exílio Vera Silvia Magalhaes casa-se com Fernando Gabeira,
que foi várias vezes na política recente deputado federal. Ficou 9 anos
no exílio entre vários países, conseguiu fazer tratamento de saúde em
Cuba e voltou a andar, mas sofreu com problemas na coluna e outras
enfermidades a vida toda em função da tortura sofrida. Voltou ao Brasil
em 1979, após a edição da Anistia Política no mesmo ano. Porém, o pior
que aconteceu na volta da sua vida legal ao Brasil é o fato de ter ficado
com sérias sequelas psíquicas em face das torturas sofridas. Vera Silvia

148
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

nunca conseguiu se recuperar totalmente em virtude da gravidade das


atrocidades que fora cometida com ela e tinha surtos psíquicos como
se ainda continuasse sendo torturada, tendo que haver um acompanha-
mento médico de várias especialidades para manter-se, tanto no tocan-
te à saúde física quanto mental, para poder trabalhar e viver.
Em 2002, Vera Silvia foi a primeira brasileira que conseguiu en-
trar na justiça e processar a ditadura militar pelas atrocidades sofridas
e solicitar uma pensão que pudesse custear os vários tratamentos que
precisava continuar fazendo. Embora com saúde fragilizada, conseguiu
casar novamente, teve filho no exílio, foi uma profissional na área do pla-
nejamento urbano no governo do estado do Rio de Janeiro, mas nunca
mais conseguiu ter a mesma expressão política que tivera nos anos 60,
justamente em face da fragilidade da sua saúde (CARVALHO, 1998). No
entanto, mesmo com a fragilidade que possuía continuava a galvanizar
admiradores pelo seu carisma e personalidade, mantendo-se viva na me-
mória de uma geração como musa dos anos 60 e como figura que conse-
guia aglutinar em torno de si todos os personagens dos anos de chumbo,
pois segundo a visão do grupo de ex-combatentes Vera representava
toda a luta do período, ou seja, Vera representava a materialização da me-
mória coletiva de uma geração. Vera Silvia morreu em virtude do agra-
vamento das suas doenças adquiridas pela tortura em 2007, aos 59 anos.

A representação fílmica de um mito

Para atestar a capacidade de Vera enquanto figura mitificada da


esquerda no campo da memória houve dois filmes que a retrataram, o
primeiro, O que é isso Companheiro (1997), de Bruno Barreto; e o segun-
do, A memória que me contam (2013), de Lucia Murat. O primeiro filme
é a reprodução do livro de mesmo nome escrito pelo seu ex-marido
Fernando Gabeira (1980), que fora lançado e tornou-se rapidamente
campeão de venda. Posteriormente Gabeira continuou com a sua lite-
ratura do testemunho, buscando enfatizar o passado e luta conta a dita-
dura lançando, O crepúsculo do macho (1981). Devemos salientar que no
primeiro livro Vera Silvia não aparece tão explicita como personagem,
pois o livro centra-se muito mais na militância do próprio Gabeira e a

149
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

sua coadjuvante participação no sequestro do embaixador americano,


ou seja, no livro o escritor tivera pouco contato com Vera e a mesma
aparece muito tangenciada sem explorar o seu personagem. No entan-
to, no segundo livro mostra a ida ao exílio de Gabeira e Vera Silvia,
juntamente com outros 38 presos políticos trocados pelo embaixador
alemão em junho de 1970, sendo que partir deste exílio passaram a ser
um casal com todas as agruras do exílio.
Em síntese, neste livro Vera Silvia atinge um patamar de coadju-
vante do personagem principal na figura de esposa, mostrando, por con-
seguinte, o périplo que o casal fez na Europa e na América Latina, bem
como os limites e as dificuldades de serem apátridas e sem nacionalidade,
tendo que, obviamente, conviver em condições adversas de sobrevivên-
cia. Neste livro a figura de Vera Silvia se monstrava mais consolidada,
mostrando a luta com o tratamento de saúde para voltar a andar, bem
como o balanço político que a mesma começava a já elaborar no exílio
acerca do infortúnio da esquerda armada, e, igualmente, os reflexos da
tortura em sua mente que já a perseguiam. Vera se despede do livro de
Gabeira no momento em se separa dele e indo morar em Paris, a fim de
continuar o seu tratamento de saúde, sua vida e, especialmente, recobrar
uma saúde emocional num ambiente mais arejado e menos depressivo
do que a cidade de Estocolmo na Suécia, onde eles viviam enquanto ca-
sados. Vera ainda seria biografada em diversos artigos da mídia escrita
e produção acadêmica, em virtude justamente da vida ímpar que viveu
sendo personagem ativa da história (ROLLEMBERG, 1999). Registra-
mos, também, o livro de Luiz Maklouf Carvalho, Mulheres que foram à
luta armada (1998), sendo brilhantemente perfilada por esse autor pelas
ações espetaculares que realizou no período da luta armada.
Porém por mais adensamento biográfico que possuía midiatica-
mente a sua vida; no entanto, a sua imagem fora severamente maculada,
justamente, no filme de Bruno Barreto (1997), a partir da obra homô-
nima do seu ex-marido. Nesse filme há muitas falhas, segunda a crítica
especializada, bem como, segundo a vocalização da própria Vera Silvia
que denunciou as inverdades. Para termos uma ideia da grandiosidade
da figura de Vera, no filme a sua vida foi dividida em dois personagens
interpretados por duas atrizes; pois, caso ficasse numa única persona

150
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

(Vera Silvia) o seu personagem seria o principal do filme em virtude


das suas ações; justamente por isso o cineasta precisou dividi-la: 1) o
primeiro personagem fora retratada na figura da atriz Claudia Abreu,
personagem inverossímil em que ela é mostrada como insegura quanto
à opção política e frágil emocionalmente; e, 2) o segundo personagem
foi atribuída a Fernanda Torres, sendo que este personagem parece
que há mais similaridade com a própria Vera, pois representa uma di-
rigente guerrilheira forte e destemida; e que no final acaba junto com
Fernando Gabeira, interpretado pelo ator Pedro Cardoso.
Além desta divisão de um personagem histórico em duas inter-
pretações o filme, também, peca grandiosamente com a história e com
a biografia de Vera quando reproduz erroneamente como a persona-
gem fez o levantamento da ação armada que redundou no sequestro do
embaixador americano. Através de uma cena falaciosa no filme mostra
como se ela tivesse transado com o chefe da guarda, a fim de extrair
informações que pudesse ser vital para a consecução da ação, como por
exemplo: rotina da embaixada, horários de saída e entrada, equipe de
segurança, etc. Obviamente, que essas falhas graves do filme foram
rechaçadas pela esquerda e, principalmente, por Vera Silvia que se viu
retratada, mais uma vez, na categoria de “mulherzinha” que precisava
transar para fazer política, ou seja, o diretor detratou a personagem
e subestimou a sua capacidade política, bem como toda a memória do
grupo político que compunha os anos de chumbo. Pois, na visão do
grupo que mantinha uma memória coletiva coesa e unívoca fora um
atentado com a personagem da musa da esquerda. Também, devemos
destacar que a própria esquerda a partir do fim da ditadura militar
vinha construindo um exercício contínuo de (re)elaboração da sua pró-
pria história e consolidar as suas ações como história oficial, a despeito
de toda a memória oficial propagandeada por anos pela ditadura militar
que os relegara na categoria de bandidos perseguidos.
Ainda, este filme mesmo possuindo o mesmo nome da obra literá-
ria não funcionou como uma reprodução ipsis litteris do livro, pois muito
da centralidade do livro não ficara presente no filme. Explicitamos que
esta obra literária é caracterizada fortemente dentro do gênero litera-
tura do testemunho, a partir de um recorte memorialístico do autor, da

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

sua vida, do início da militância, do sequestro do embaixador americano


e da sua prisão, até eclodir no exílio. Ou seja, o centro do livro não é o
sequestro em si, diferente do filme em que o objeto torna-se, preponde-
rantemente, os reflexos do sequestro, do cativeiro do embaixador e do
perfil embaçado dos sequestradores, despolitizando totalmente a ação do
sequestro conforme era caracterizado pelo livro e pela esquerda.
Além destas falhas os torturadores ainda eram apresentados
com juízo de valores, como se eles tivessem ou sentissem culpa pelo
ato de torturar as pessoas, dito de outro modo, o filme era um acinte
para a própria esquerda, pois transformava torturadores em humanos
e guerrilheiros em bandidos – no caso das guerrilheiras em mulheres
volúveis sexualmente e inaptas para ações políticas. Obviamente, que a
crítica extrapolou os círculos políticos e cinéfilos, sendo objeto de dis-
cussão da mídia impressa. Nestas críticas enfatizavam muito mais que
o filme possui um caráter de obra para americano ver do que realmente
um recorte preciso da história brasileira, melhor explicando, o filme foi
uma coprodução cinematográfica internacional e pesadamente patro-
cinada, que, consequentemente, concorreu ao Oscar de melhor filme
estrangeiro, em 1997, não ganhando.
Diferentemente e com o intuito de homenagear Vera Silvia após
a sua morte, em 1997, foi feito um segundo filme, A memória que me
contam (2013). Este filme foi realizado por uma ex-companheira de ar-
mas de Vera e também ex-presa política, a cineasta Lúcia Murat. Re-
gistra-se que a carreira desta cineasta, distintivamente do outro pro-
dutor de cinema, possui um delineamento em que a política adquire
um papel central na sua linguagem, principalmente, a partir das suas
próprias experiências de militância, de prisão, da tortura sofrida e da
vida pós-encarceramento. Além deste recorte privilegiado de quem vi-
veu as agruras do período, também, Lucia Murat consegue capturar
a memória de uma geração através dos filmes, dialogando através das
suas memórias individuais em justaposição com a memória coletiva
(HALBWACHS, 2006). Grande amiga de Vera Silvia, a cineasta Lucia
Murat demonstrou nesse filme que além de contar a história da perso-
nagem mitificada pretendia, também, fazer o balanço político de uma
geração que pegou em armas.

152
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Com este filme objetivamente ela tentou entender o significado da


Vera para esquerda, bem como o seu endeusamento como mito e a sua
cristalização no enquadramento da memória política. Segundo a própria
cineasta foi endossado no filme que mito não se explica; assim sendo,
apenas buscou elementos para compreender de maneira plural e sob vá-
rios olhares tudo que Vera Silvia representou para a esquerda e para
a memória de uma geração que pegou em armas e, especialmente, que
mantinha a memória afetivamente ativa como grupo através da figura
de Vera Silvia por tudo o que ela representava para esta geração de 68.
A dirigente guerrilheira nunca aparece no tempo presente do filme, pois
está na sala de UTI se recuperando das sucessivas doenças advindas da
tortura e o grupo de amigos do período se reveza na sala de espera aca-
lentando a sua recuperação. O acionamento da memória se dá a partir
do delineamento das imagens de Vera rememoradas pelos seus pares no
momento da luta armada: Vera somente aparece jovem, viva e vibrante.
Ao mesmo tempo há um balanço no tempo presente para enten-
der porque Vera se fragilizou tanto e a resposta é óbvia – a cruel tortu-
ra infligida nos três meses que amargou como presa política. Segundo
a resposta de um dos personagens: Vera não só foi torturada como saiu
paralítica. Também, abordam a loucura e a fuga da realidade através
dos desencontros emocionais de saúde de Vera em virtude da tortura,
fatos estes que a condicionaram a passar o resto de sua vida com trata-
mentos psiquiátricos e sobrevivendo a si própria, em face de toda a des-
construção física e emocional que a ditadura militar tentou lhe infligir
nos porões do regime. Igualmente, mostra a rotina desses amigos que
se revezavam no tempo passado e no tempo presente buscando cuidar
de Vera nos seus momentos de fragilizados de saúde física e emocional.
Muito mais que solidariedade de um grupo coeso que se manteve
além do tempo, o filme mostra o processo de manutenção de um endeu-
samento coletivo por um personagem que se cristalizou com o tempo,
mesmo com todas as agruras de sua vida. Pois, conforme enfatizado no
filme, nos momentos de lucidez Vera continuava a galvanizar o grupo
a seu entorno, tornando-se referência para a unicidade e a sobrevida do
próprio grupo. O filme finaliza com a morte de Vera Silvia, sem nunca
aparecer ela no tempo presente e tampouco ela no hospital, a imagem

153
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

de Vera é mantida estritamente no passado, como se esse fosse viva e


atuante na memória de todos. Obviamente, que para a diretora e o seu
grupo de amigos o passado é um registro que se mantém presente até os
dias de hoje, principalmente quando ficam evidenciados nos momentos
de discussões políticas, relatos das prisões, bem como ajustes de contas
quando é confrontado os momentos da tortura. Fica patente no registro
fílmico a força do arbítrio do Estado no momento da prisão e da tortura,
mesmo sem aparecer as cenas de fato; mas é presente na medida em que
os personagens refletem e psicanalisam os seus reflexos na vida cotidia-
na dos personagens no momento presente, não como marcas visíveis,
mas sim como cicatrizes internalizadas e não cicatrizadas.
A memória que me contam (2013), muito mais que um filme sob
a figura de uma personagem é um filme de memória de uma geração
que pegou em armas e pagou um preço muito caro e que persistem em
cobrar essa conta. Vera Silvia representava esse elo entre o passado e o
presente, entre o vivido e sofrido, igualmente, era o mito que teimava
em viver e se reinventar a despeito de toda a sanha dos torturadores e
da ditadura militar, fazendo com que Vera, mesmo morta, se mantives-
se viva na consciência coletiva e na memória de uma geração, principal-
mente, com a materialidade fílmica da amiga Lucia Murat.

Considerações finais

Na medida em que procuramos refletir sobre a literatura do tes-


temunho e a memória num diálogo profícuo com o cinema, temos lócus
privilegiado de análise e interpretação. Principalmente, por elegermos
um objeto específico, neste caso o papel das mulheres na luta armada,
especialmente, a representação fílmica de Vera Silvia de Araújo Maga-
lhães, personagem paradigmático do período. A questão principal do
estudo a partir de uma biografia reside que a partir de um personagem
principal podemos encaixar, ou melhor, enfeixar e interpretar o tempo
histórico a partir da história de vida deste personagem. Além desta
possibilidade enfatizamos que à produção cinematográfica traz, tam-
bém, a avaliação da capacidade do diretor em olhar a história, fazendo
um recorte da mesma a partir da sua própria visão de mundo.

154
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Vera Silvia é representada em duas obras exemplarmente, con-


forme exposto, numa primeira sua imagem foi vilipendiada, assim como
a sua condição de mulher. Obviamente, que o instrumento do cineasta
não era fazer o retrato da mulher que se tornou mito para uma geração,
mas simplesmente fazer um produto fílmico visando o marketing, o
lucro e possíveis dividendos com a indústria americana, possivelmen-
te, também, um Oscar. Já o segundo filme traz o retrato apaixonado
de uma cineasta para uma amiga de uma vida toda, visando, também,
reproduzir os sentimentos coletivos de uma geração que pegou em ar-
mas, sofreu os golpes da repressão, refez sonhos; mas que continuaram
com os pesadelos de tudo o que viveram. Vera neste segundo filme é
encarada e cristalizada como um mito, sem buscar uma explicação para
o todo; porém, apenas buscando tessituras finas para descortina-la, mas
sem explica-la, uma vez que segundo a diretora mito não se explica.
Além das questões subjacentes de interpretação de uma época
num filme, há também o retrato de uma geração, uma vez que ambos
os filmes pretenderam fazer um recorte da memória, como se fosse
uma câmera sobre um passado a fim de capturar um registro. Nesta
perspectiva podemos ver fortemente este registro no filme O que é isso
companheiro?, em que o diretor fez o registro de uma época, seus costu-
mes, vestes, modos; sendo que, igualmente, trouxe para a tela os limites
de uma reprodução fílmica num momento histórica em que ainda não
havia um balanço pujante de acerto de contas de uma geração como seu
passado (anos 90).
Também, destacam-se ainda fortemente os reflexos de uma pro-
dução com características estritamente comercial advinda dos anos 90,
momento de retomada do cinema nacional. Tal representação contras-
ta fortemente com o filme de Lúcia Murat, pois a realizadora fez um
filme sem muitas pretensões comerciais e mercadológicas, marcado
fortemente pela linguagem e pelo conteúdo mais intelectualizado, tan-
to da personagem retratada quanto da própria cineasta. Ainda, este
filme fora feito em 2013, momento este que o Brasil tentava fazer um
acerto de contas com a sua própria história, principalmente, com a ins-
tauração da Comissão Nacional da Verdade, que fora implementada no
período Lula e Dilma para revelar os crimes da ditadura.

155
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Ou seja, ambos os filmes mostram através de um mesmo perso-


nagem tanto passado quanto o período recente do Brasil, desde o mo-
mento em que a figura de guerrilheiros ainda não estavam depurados
da sua carga de oponentes do status quo, na década de 90; e, mais re-
centemente nos anos 10 do século XXI, quando a sociedade já possuía
um acúmulo mais elaborado para tratar destes traumas coletivos da
sociedade brasileira, mesmo que frágeis, uma vez que os torturadores
não foram julgados e anistia não foi revista. Neste último momento da
nossa história o filme de Lúcia Murat é o que mais se aproxima, tanto
da figura de Vera Silvia quanto da própria história brasileira, disposta
a curar os seus traumas e cicatrizes internas, mas sem esquecer o seu
passado e as suas dores, buscando, assim, uma reconciliação da história
com a própria personagem.

156
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

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158
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

DIRIGENTES POLÍTICAS E GUERRILHEIRAS:


O PROTAGONISMO DAS MULHERES
NA LUTA ARMADA

Introdução

O espaço político sempre fora um lócus histórico privilegiado


masculino e as mulheres foram mantidas durante um longo período
aquém nesse espaço; porém, mais recentemente, podemos verificar
uma maior presença feminina na arena política, mesmo que saibamos
que esta presença é sub-representada quando comparada com aos ho-
mens. No período da luta armada no Brasil, que durou de 1968 a 1975
(GORENDER, 1987), obviamente, se reproduziu os mesmos parâme-
tros; embora havendo inúmeras mulheres que pegaram em armas o seu
número era inferiores aos homens. No entanto, a pouca expressão não
as colocou em posição subalterna nas ações de combate à ditadura mi-
litar (1964-1985); portanto, este artigo possui como objeto o estudo do
perfil de dirigentes femininas na luta armada buscando responder al-
gumas lacunas que ficaram candentes no tocante a esse tema, como por
exemplo: qual foi o protagonismo das mulheres durante a luta armada,
bem como houve mulheres que conseguiram romper com o sexismo e
atingiram cargos de comando em organização guerrilheira?
Tal pergunta se justifica pois constamos que algumas mulheres
ascenderam ao cargo máximo de comandantes política, melhor dizen-
do, delegando função de dirigente militar aos homens, o que pela situ-
ação da época em face do machismo e do sexismo se configuravam em

159
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

verdadeira “aberração política”, uma vez que ainda nos anos sessenta
a função primordial esperada das mulheres era o matrimônio e a ma-
ternidade. Assim sendo, esse questionamento se justifica em face que
poucas mulheres conseguiram romper com o sexismo da época em or-
ganizações extremamente militarista e machista; tornando-se, portan-
to, necessário compreender quem foram essas mulheres, assim como,
quais foram os trunfos políticos que as mesmas acionaram para ascen-
derem na hierarquia militar de uma organização guerrilheira, dito de
outra maneira: 1) capital intelectual e político, 2) ações armadas espe-
taculares ou 3) decisão de comando.
Os perfis analisados nesse artigo são da comandante Inês Etien-
ne Romeu, da Vanguarda Popular Revolucionário (VPR); e, de Vera
Silvia de Araújo Magalhães, dirigente e integrante do Comitê Central
(CC) do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), ambas res-
ponsáveis diretas por ações espetaculares e que colocaram em xeque a
ditadura militar.
Para efeitos de recorte histórico, vale destacar que o Brasil teve
o seu período ditatorial do ano de 1964 a 1985, ou seja, 21 anos sem o
exercício efetivo da democracia, tendo um governo ditatorial que im-
punha medidas de exceção contra a população coagindo a participação
política, exercício pleno do voto e outras formas de contestação. Por-
tanto, nesse período no Brasil não havia contestação e uma forma de
romper com as amarras ditatoriais eram as organizações guerrilheiras
que se dedicaram a ações contra o regime militar. Realçamos que no
período dos anos de chumbo houve o incremento forte de organizações
guerrilheiras que dedicaram-se de maneira ofensiva contra o regime
militar, entre essas destacamos, além o MR-8 e VPR, o Partido Co-
munista do Brasil (PCdoB), Aliança Libertadora Nacional (ALN), e a
Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares).
Com o intuito de responder ao questionamento proposto cabe
investigá-lo privilegiando os seguintes tópicos, a fim de podermos
identificar as motivações e ações empreendidas por essas dirigentes
guerrilheiras, assim como a manutenção das suas imagens como ícones
políticas de uma geração, para tanto é necessário: 1) Estudar teorica-
mente os mecanismos do enquadramento da memória, principalmente,

160
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

no campo político com o intuito de dar subsídios para inserir essas per-
sonagens dentro de um tempo histórico e, assim, compreender como
se mantiveram ativa na memória dos participantes da luta armada até
o tempo presente. 2) Posteriormente, a análise biográfica das dirigen-
tes políticas, em que serão abordados os perfis políticos de Vera Silvia
Magalhães e Inês Etienne Romeu, dando destaque sobremaneira ao
percurso político do Brasil em pari passu com a história de vida das
personagens, buscando, portanto, enfeixar a história do Brasil com a
biografia dessas dirigentes guerrilheiras.
Do ponto de vista metodológico, tratar-se-á de um trabalho qualita-
tivo que visa uma reconstituição histórica e que procura examinar através
do gênero biográfico personagens femininas paradigmáticas que exerce-
ram posição de destaque e de comando durante período autoritário. No
tocante ao método utilizaremos o estudo prosopográfico ou também de-
nominado de biografia coletiva, que possui como intuito o estudo longitu-
dinal de grupos sociais com características homogêneas; e, que através das
suas caraterísticas similares enquanto grupo homogêneo se consegue es-
tudar o período político. Acerca de estudo prosopográfico convém realçar
alguns apontamentos necessários uma vez que imbrica pontos conceituais
e teóricos próprios das ciências humanas, de acordo com Stone:

A prosopografia é a investigação das características comum do pas-


sado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo
de suas vidas. O método empregado é o de estabelecer o universo a
ser estudado e formular um conjunto uniforme de questões- sobre
nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posi-
ções econômicas herdadas, lugar de residência, educação, tamanho
e origem das fortunas pessoais, ocupação, religião, experiência pro-
fissional, etc. Os vários tipos de informação sobre indivíduos de um
dado universo são então justapostas e combinadas e, em seguida,
examinadas por uso de variáveis significativas. Estas são testadas
a partir de suas correlações internas e correlacionadas com outras
formas de comportamento e ação (STONE, 2011: 115).

Assim sendo, para a construção desse artigo o que importa reter


são as referências comuns que as guerrilheiras analisadas operaciona-

161
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

lizaram tanto para entrar na luta armada quanto para chegar ao topo
da hierarquia política nas suas organizações; também, após o período
da luta armada e redemocratização do Brasil, como estas dirigentes
continuaram operando politicamente. Dessa forma, tanto a metodolo-
gia qualitativa utilizada através do método de reconstituição histórica
quanto do estudo prosopográfico de biografias coletivas servirão para
desvendar e elucidar o questionamento proposto.

O enquadramento político da memória

A fim de trabalharmos acerca da memória política de um gru-


po social definido, no caso das guerrilheiras do Brasil, partimos do
pressuposto que elas participavam de um grupo geracional unívoco,
com caraterísticas similares históricas e investidas no quadro político
período militar. Todas partilharam da mesma luta e do mesmo corte
abrupto geracional, pois todas eram fruto da ruptura institucional do
golpe militar de 1964, que institucionalizou com mãos de ferro uma fe-
roz ditadura militar. Torna-se de suma importância compreendermos
o sentimento de pertencimento e de identidade, a partir de reflexão
elaboradas a posteriori, enquanto grupo social unívoco de ex-oponen-
tes do regime militar e que compartilhavam o mesmo repertório de
lutas contra a ditadura. Portanto as suas histórias de vida possuíam a
seguinte cronologia para efeitos biográficos, quais sejam: 1) inclusão
em grupo de oposição, 2) lideranças no movimento estudantil; 3) per-
seguição pela polícia política; 4) clandestinidade; 5) prisão; 6) tortura e
7) aniquilamento físico e psicológico de algumas oponentes.
Quanto às discussões teóricas que delineamos nesse artigo des-
tacamos o clássico livro de Maurice Halbwachs, A Memória Coletiva,
(2006), nesta obra o autor trabalha sobre o enquadramento da memó-
ria em três perspectivas, quais seja: 1) memória individual; 2) memória
coletiva; e, 3) memória histórica. Segundo o autor, toda a memória,
primeiramente, é individual, pois necessita das chaves internas de cada
indivíduo para ser ativada, ou seja, o indivíduo busca a partir das suas
próprias reminiscências ativar as lembranças que melhor acionam a
sua memória a fim de compor a sua identidade. Porém, Halbwachs en-

162
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

fatiza um elemento muito importante, qual seja: que a memória indivi-


dual só funciona, melhor dizendo, só existe quando ela é acionada pela
memória do outro, tanto a fim de confrontá-lo quanto para endossar o
que ele recordou, conforme expressamos abaixo:

Quando voltamos a encontrar um amigo de quem a vida nos


separou, inicialmente temos de fazer algum esforço para reto-
mar o contato com ele. Entretanto, assim que evocamos juntos
diversas circunstâncias de que cada um de nós lembramos (e que
não são as mesmas, embora relacionadas aos mesmos eventos) ,
conseguimos pensar, nos recordar em comum, os fatos passados
assumem importância maior e acreditamos revivê-los com maior
intensidade, porque não estamos mais sós ao representá-la para
nós. Não os vemos agora como os víamos outrora, quando ao
mesmo tempo olhávamos com os nossos olhos e com olhos de
um outro ( HALBWACHS, 2006: .29-30).

Ou seja, as lembranças individuais são efetivadas em comum di-


álogo com as lembranças coletivas, desta forma somente conseguem
se configurar e se construir a denominada memória coletiva, quando
os diversos atores que viveram a mesma história, puderem compor o
mesmo roteiro linguístico e verbalizar a mesma lembrança. Assim sen-
do, um dos elementos que faz com que haja um grupo social, além das
características em comum que os tornam pares um do outro, são, tam-
bém, as lembranças compartilhadas e que fazem com que os mesmos
tenham um mesmo sentimento de pertencimento.
Logo, a lembrança acaba, por assim dizer, tornando-se um pas-
saporte para que os mesmos façam parte de um mesmo grupo seleto.
Por exemplo, quando se reporta a geração 68 que compõem essas per-
sonagens, se fala de atores políticos que pegaram em armas ou foram
oponentes do regime militar e compuseram as lutas do mítico ano de
1968; não quer dizer que todos eles possuíam a mesma idade - o que
fica explícito no campo teórico é que todos, de modo geral, compuse-
ram a luta e eram pares um dos outros no processo contra o regime
militar, pois possuem lembranças recíprocas e se reconhecem como
companheiros e oponentes do regime.

163
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Devemos registrar, ainda, que essas memórias possuem uma base


histórica, melhor dizendo, lastro histórico ou fato histórico que fazem
com que se motive a lembrança de determinados fatos, a fim de não
tornar a memória sem sentido e sem enquadramento. No caso deste
artigo, a luta contra a ditadura serviu como plataforma a fim de man-
terem-se unidos num mesmo legado histórico e componente de uma
missão de ser pertencente a um grupo fechado. A partir dessa seleção
de grupo seleto quem dá o passaporte de entrada é a memória, pois é
através da memória individual, recontada e compartilhada com o outro
que será gestada a memória coletiva, sendo que esta ficará em comu-
nhão e em justaposição através de uma base comum que lhes dará res-
paldo, formando, portanto, e consagrando-se como memória coletiva:

[...] para que a nossa memória se aproveite da memória dos ou-


tros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: tam-
bém é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as me-
mórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e
outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser
constituída sobre uma base comum (HALBWACHS, 2006: 39).

As lembranças precisam ser contadas individualmente, confron-


tadas coletivamente a fim de ter um reconhecimento social cristali-
zando-se, portanto como memória coletiva. Nessa perspectiva deve-
mos colocar em relevo a distinção entre memória coletiva e memória
histórica, pois muitas vezes uma memória coletiva não faz parte da me-
mória histórica de um determinado período. Ainda, devemos realçar
que a memória histórica é a memória oficial, podendo a memória cole-
tiva ser apenas as reminiscências dos subalternos da história que, na
maioria das vezes, se confrontam dialeticamente. Melhor explicando,
durante muito tempo no Brasil tivemos uma memória oficial constru-
ído sob os auspícios da ditadura militar, que fez com que os oponentes
do regime militar ficassem na categoria de bandidos; em contrapartida,
os torturadores ficavam na categoria de heróis nacionais, a despeito de
todas as denúncias das atrocidades da ditadura militar.
Nesse período em tela, que vai desde a ditadura militar ao início
dos anos 90, os oponentes da ditadura militar eram, ainda, uma classe

164
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

subalterna em face que estavam se recuperando do trauma ditatorial e


se inseriam no quadro política nacional. No percurso político seguin-
te, logo começaram a disputar espaço político em cargos legislativos
e executivos, podendo, por conseguinte, reescrever a história oficial
(REIS, 2007; AYDOS & FIGUEIREDO, 2013). Logo, nessa perspec-
tiva enfatizamos que a memória oficial pode ser modificada e se rearti-
cular conforme posição que os agentes e atores ocupam, quando estes
deixam de ser subalternos e tornam-se elites dirigentes institucionais.
Desta forma, é perceptível que a memória é construída em grupo,
pois o grupo é a referência, e a lembrança, por conseguinte, é fruto des-
se processo coletivo. Ainda, devemos destacar que segundo Halbwa-
chs a memória histórica nos apresenta o passado de forma resumida
e esquemática, enquanto que a memória de nossa vida aparece em um
contexto mais contínuo. Ou seja, a memória coletiva pode ser múltipla
ao passo que a memória histórica é única, pois, muitas vezes, é acionado
de acordo com a elite que está no poder.

Mulheres em armas: perfil das dirigentes analisadas.

Neste subitem pretendemos analisar o perfil das dirigentes


guerrilheiras que pegaram em armas contra a ditadura militar no
Brasil, no período de 1968 a 1975; realçando, sobremaneira, os ele-
mentos tratados acerca da memória com o tempo presente e em con-
sonância com método prosopográfico. Assim, para efeitos deste es-
tudo biográfico é importante realçarmos a vida das dirigentes nos
seguintes recortes: 1) início da militância; 2) prisão e tortura; e, 3)
retorno a vida legal. Além dos recortes temporais das suas biogra-
fias, torna importantes, também, estabelecer as seguintes marcações
e violências às quais as personagens foram sancionadas em face do
arbítrio militar, como por exemplo: 1) reprimendas, 2) assédio mo-
ral, 3) assédio sexual, 4) tortura; 5) estupro; 6) encarceramento; 7)
assassinatos e 8) ocultação dos corpos. Como veremos, este percurso
torna-se, igualmente, um roteiro para todas as mulheres que ousaram
pegarem em armas e, principalmente, para as que ocupassem um car-
go mais destacado na hierarquia guerrilheira.

165
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Vera Silvia de Araújo Magalhães

A célebre e mitificada militante política Vera Silvia de Araújo Ma-


galhães nasceu em 1948 na cidade do Rio de Janeiro, então capital fede-
ral do Brasil. Vera Silvia era filha de uma abastada família gaúcha que
se mudou para o Rio de Janeiro no final dos anos 40 em virtude das
proximidades políticas de seus familiares com a política, possuía um tio
que era Ministro de Governo do Presidente Dutra. Ainda, torna-se im-
portante frisar que seus antepassados foram célebres políticos gaúcho e
seu pai sempre envergou cargos no alto escalão federal. Sua mãe, mesmo
numa sociedade socialmente mais tradicional como era o Rio Grande do
Sul foi liderança estudantil universitário, nos anos 40. Ou seja, segundo
a própria Vera Silvia, a sua casa era turbilhão de política desde a sua
tenra idade e ela nunca viveu outro ambiente que não fosse o político,
atestando, segundo ela, que não tinha como ser outra coisa a não ser um
ser político em face da família que possuía (CARVALHO, 1998).
Ainda, no final da sua infância ganhou de presente de um tio
comunista, ligado ao PCB o Manifesto do Partido Comunista de Karl
Marx e, segundo ela, se deslumbrou. No início da adolescência abra-
çou de fato a causa política de esquerda, passando a militar no Partido
Comunista Brasileira (PCB). A partir do momento do início da sua
militância começou a compor a célula da juventude do PCB ligada ao
movimento estudantil secundarista e, segunda Vera começou a ganhar
gente para o “Partidão”. O golpe de 1964 já pegara Vera Silvia militan-
te de esquerda e organizada, tornando-se já no imediato ao golpe uma
árdua opositora do regime militar.
Em 1966, mesmo vivendo uma ditadura; no entanto, a corporação
militar tentava insistir num clima de normalidade política como se nada
tivesse acontecendo de anormal no país e chamava eleição para o ano
de 1966, respectivamente para deputados estaduais, deputados federais
e senadores. O PCB ingressara no Movimento Democrático Brasilei-
ro (MDB), partido de oposição consentida pela ditadura militar, com o
intuito de fomentar uma dupla militância dos seus militantes a fim de
tentarem se eleger para agremiação emedebista. No entanto, a juventude
comunista da Guanabara (atual Rio de Janeiro) não aceita tais diretrizes

166
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

e rompem politicamente, formando a Dissidência Comunista da Guana-


bara (DI-Guanabara) no mesmo ano de 1966 (FIGUEIREDO, 2009).
Rapidamente a DI- Guanabara passou a fazer parte do repertó-
rio de luta da esquerda, principalmente com grande ampliação no mo-
vimento estudantil secundarista e universitário. Vera Silvia, já figura
conhecida e de destaque do movimento estudantil ascende a direção da
organização surgida em 1966. Torna-se importante frisar outro ele-
mento importante da sua biografia, Vera Silvia passa no vestibular para
economia da atual UFRJ no ano de 1966, junto com seus companhei-
ros, assim sendo, passam a compor o setor mais pulsante de oposição
da ditadura: o coração do movimento estudantil no meio universitário.
Vera Silvia, neste momento, já vivia com liberdade a sua sexuali-
dade, empunhando as bandeiras de liberdade sexual dos anos 60, pois
já possuía um companheiro, igualmente militante e universitário da
mesma universidade, José Roberto Spiegner. Rapidamente Vera Silvia
ascende à hierarquia da organização e era única mulher a fazer parte
do Comitê Central, segundo a própria: “eu fiz um baita esforço para
compor a direção, pois era a única mulher em meio a sete homens”
(CARVALHO, 1998). Ainda, segundo as suas análises póstumas, já na
década de 90, era claro que pesava sobre Vera o machismo do período,
pois ela era sempre sancionada pelos demais membros da direção por
qualquer coisa que fosse do universo feminino, como por exemplo, se
emocionar quando um militante morria em ação; fato esse que não era
permitido, pois esperavam da mesma uma posição mais durona e igual
aos demais homens.
Obviamente, que Vera Silvia venceu na hierarquia da organização
pela sua capacidade intelectual ímpar e pelo seu carisma em cooptar e
aglutinar militante para a sua organização, tornando-se, no período a
musa da esquerda, não somente pela sua beleza que possuía, mas aci-
ma de tudo pelas capacidades intelectuais e carismáticas que galvaniza
admiradores pela sua astúcia política. No final do ano de 1968, depois
de todas as manifestações estudantis que quase paralisaram o Brasil, a
ditadura militar edita o Ato Institucional nro. 5, o AI-5, instrumento
coercitivo que primava por colocar, de fato, o Brasil num regime de ex-
ceção editando até mesmo a pena de morte como medida coercitiva aos

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

opositores do regime: a ditadura militar estava no seu grau máximo de


opressão (FIGUEIREDO, 2013).
Vera Silvia e seu grupo perceberam que não poderiam operar
politicamente num estado de semiclandestinidade dando ênfase ao mo-
vimento estudantil partem, de fato, para a luta armada como instru-
mento político de oposição ao regime militar. No início de 1969, numa
conferência extraordinária a DI-Guanabara (futuro MR-8), lança uma
linha da sua organização extremamente militarista em que elaboravam
diretrizes políticas de combate à ditadura militar através das armas. Na
elaboração das teses ficou a cargo a Vera Silvia de Araújo Magalhães
e Franklin Martins, que foi na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva o
Ministro da Comunicação.
O ano de 1969 foi o auge de Vera Silvia nas operações milita-
res da DI-Guanabara, foram expropriações bancárias para fazer fundo
para guerrilha, treinamento de tiro, roubo de carros para ações arma-
das, etc. Vera realçava a partir da sua memória que não possui nenhuma
queda para ações armadas, mas como era um quadro político extre-
mamente preparado e compunha a Direção da organização foi alçada
a célula mais perigosa e perseguida pela ditadura militar. Ou seja, era
um quadro político preparadíssimo no labor intelectual, universitário
fruto da classe média alta bem-posta, agora, a partir de 1969 começava
a receber treinamento de tiro e fabricação de bombas para ação armada
de alto impacto contra a ditadura militar (CARVALHO, 1998).
Porém, tudo isso era pouco para Vera e seu grupo, pois em setembro
de 1969 ousaram sequestrar o embaixador americano para pedir em troca
de presos políticos, na primeira ação deste gênero da história. A Vera Silvia
coube o levantamento de toda a ação, como por exemplo: 1) horários de sa-
ída e entrada do embaixador da sua residência oficial; 2) percurso do carro,
bem como, outras atribuições desse gênero. Além dessas questões ainda
atuou diretamente na infraestrutura do aparelho/esconderijo em que ficou
escondido o embaixador. A operação foi um sucesso e libertou 15 presos
políticos que partiram para o exílio no México (GORENDER, 1987).
Embora o sucesso da ação o grupo foi rapidamente descoberto
pela polícia política, sendo caçados pela ditadura militar com ferocida-
de. Vera figurava diariamente nas páginas dos jornais, bem como em

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César Alessandro Sagrillo Figueiredo

cartazes de terroristas procurados. Continuou pouco tempo na clan-


destinidade, pois numa outra ação de propaganda armada na favela do
Jacarezinho/RJ foi presa com um tiro de raspão na cabeça numa troca
de tiro com a polícia. De acordo com Vera em entrevistas, enfatizava
que não se entregou e caiu levando e dando tiro com a polícia e somen-
te foi presa por causa de um tiro de raspão que entrou e saiu de cabeça.
Após a prisão de Vera Silvia a sua sentença já estava decretada
pela ditadura militar, destruí-la e aniquilá-la física e psicologicamente.
Segundo Vera ela era odiadíssima pela repressão e eles queriam des-
troçá-la e quebrar ela psicologicamente na tortura e de maneira cruel,
principalmente pelos seguintes motivos: 1) era mulher ocupando um
espaço político, ou seja, um verdadeiro absurdo para a época; 2) era
oponente do regime militar; 3) figurava como direção de uma orga-
nização revolucionária; e, 4) foi uma das responsáveis principais pelo
sequestrou do embaixador americano que, segundo a junta militar, hu-
milhou o regime. Em síntese, preenchia todos os requisitos para ser
mais torturados que qualquer outro inimigo da repressão política.
Vera Sílvia, a princípio, não se quebrou na tortura e enfrentou os
torturadores num quase suicídio, pois ia ao embate com os torturado-
res durante a tortura, como, por exemplo, quando perguntaram a ela
qual a sua profissão e ela respondeu que “minha profissão é ser guer-
rilheira” (CARVALHO, 1998). Fizeram todo o infortúnio de suplício a
Vera até deixá-la paralítica. Em junho de 1970, ocorre o sequestro do
embaixador Alemão em troca de presos políticos e Vera sai da cadeia
com esse sequestro: Vera saiu depois de três meses como presa política
e com pouco mais de trinta quilos, paralítica numa cadeira de rodas em
virtude das torturas sofridas no pau-de-arara e nos choques elétricos.
Também, devemos realçar que seu companheiro José Roberto Spiegner
foi assassinado em operação armada. Vera, agora neste momento, além
de toda a tortura e sofrimento de banimento se encontrava viúva. Em
face do todo o suplício infringido a Vera Silvia a Anistia internacional
do ano de 1970 a transformou em símbolo contra as ditaduras milita-
res em torno do mundo, em especial o Brasil.
No exílio Vera Silvia Magalhaes casa-se com Fernando Gabeira,
que foi várias vezes na política recente deputado federal. Ficou 9 anos

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

no exílio entre vários países, conseguiu fazer tratamento de saúde em


Cuba e voltou a andar, mas sofreu com problemas na coluna e outras
enfermidades a vida toda em função da tortura sofrida. Voltou ao Brasil
em 1979, após a edição da Anistia Política no mesmo ano. Porém, o pior
que aconteceu na volta da sua vida legal ao Brasil é o fato de ter ficado
com sérias sequelas psíquicas em face das torturas sofridas. Vera Silvia
nunca conseguiu se recuperar totalmente em virtude da gravidade das
atrocidades que fora cometida com ela e tinha surtos psíquicos como
se ainda continuasse sendo torturada, tendo que haver um acompanha-
mento médico de várias especialidades para manter-se, tanto no tocan-
te a saúde física quanto mental, para poder trabalhar e viver.
Em 2002, Vera Silvia foi a primeira brasileira que conseguiu en-
trar na justiça e processar a ditadura militar pelas atrocidades sofridas
e solicitar uma pensão que pudesse custear os vários tratamentos que
precisava continuar fazendo. Embora com saúde fragilizada, conseguiu
casar novamente, teve filho no exílio, foi uma profissional na área do
planejamento urbano no governo do estado do Rio de Janeiro, mas
nunca mais conseguiu ter a mesma expressão política que tivera nos
anos 60, justamente em face da fragilidade da sua saúde (CARVALHO,
1998). No entanto, mesmo com a fragilidade que possuía continuava a
galvanizar admiradores pelo seu carisma e personalidade, mantendo-
-se viva na memória de uma geração como musa dos anos 60 e como
figura que conseguia aglutinar em torno de si todos os personagens
dos anos de chumbo, pois segundo a visão do grupo de ex-combatentes
Vera representava toda a luta do período, ou seja, Vera representava a
materialização da memória coletiva de uma geração.
Para atestar a capacidade de Vera enquanto figura mitificada da
esquerda no campo da memória houve dois filmes que a retrataram,
o primeiro, O que é isso Companheiro (1997), de Bruno Barreto – essa
película é a reprodução fílmica do livro de mesmo nome do ex- marido
de Vera, Fernando Gabeira (2009). Porém nesse filme há muitas falhas,
segunda a crítica especializada, assim como segundo a própria perso-
nagem. Para termos uma ideia da grandiosidade da figura de Vera, no
filme a sua vida foi dividida em dois personagens interpretados pelas
atrizes Claudia Abreu e Fernanda Torres, obviamente, pela magnitude

170
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

das suas ações, pois caso ficasse numa única persona o seu personagem
seria o principal do filme, por isso o cineasta precisou dividi-la.
Também, nesse filme conforme retratada na figura da atriz Clau-
dia Abreu o seu personagem é mostrado como insegura quanto a opção
política e que fez o levantamento da ação armada, que redundou no
sequestro do embaixador americano, através de uma cena falaciosa no
filme como se tivesse tido relações sexuais com o chefe da guarda. Cla-
ro que essas falhas graves do filme foram rechaçadas pela esquerda e,
principalmente, por Vera Silvia que se viu retratada, mais uma vez, na
categoria de “mulherzinha” que precisava transar para fazer política,
ou seja, o diretor detratou a personagem e subestimou a sua capacidade
política e também toda memória no grupo político que compunha os
anos de chumbo.
Vera Silvia morreu em virtude do agravamento das suas doenças
adquiridas pela tortura em 2007, aos 59 anos. Com o intuito de home-
nageá-la é feito um segundo filme, A memória que me contam (2013), foi
filmado por uma ex-companheira de armas de Vera e também ex-presa
política, a cineasta Lúcia Murat. Nesse filme ela buscou entender o sig-
nificado de Vera para esquerda, bem como o seu endeusamento como
mito e cristalização no enquadramento da memória política. Segundo a
própria cineasta foi endossado no filme que mito não se explica; assim
sendo, apenas buscou elementos para compreender de maneira plural e
sob vários olhares tudo que Vera Silvia representou para a esquerda e
para a memória de uma geração que pegou em armas e que mantinha a
memória afetivamente ativa como grupo através da figura de Vera Silvia,
justamente, por tudo o que ela representava para esta geração de 68.

Inês Etienne Romeu

Inês Etienne Romeu nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, em


1942. Filha de uma tradicional família mineira do interior do estado,
mudou-se no início dos anos 60 com a família para a capital, Belo Ho-
rizonte, a fim de continuar os estudos. No ano de 1962 presta vesti-
bular e aprovada no curso de história da UFMG, palco de grandes
agitações políticas do período, rapidamente passa a integrar os setores

171
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

mais avançados da luta estudantil do período. Em face da sua militância


ingressa na organização revolucionaria Política Operária (POLOP), no
início dos anos 60. Também, no mesmo período, começa a exercer a
profissão de bancária passando, igualmente, a militar no sindicato da
categoria (FERREIRA, 1996; CHACELL, 2012).
Assim, no início dos anos 60 Inês Etienne possuía uma rica vida
política e culturalmente integrando-se na dinâmica de Belo Horizon-
te. Ocorre, conforme já exposto, que em abril de 1964 houve o golpe
militar ceifando a efervescências política da cidade. Inês juntamente
com o seu grupo político começam a radicalizar as suas posições, não
aceitando mais o posicionamento político da POLOP em conciliação
com a ditadura militar. No mesmo período chega ao Brasil a tradução
do livro de Regis Debray, Revolução na revolução (1967), no qual enfati-
zava os caminhos da revolução cubana, servindo como modelo para as
organizações guerrilheiras da América Latina fazer revolução através
de um processo de liberação nacional.
A organização de Inês, em Minas Gerais, endossa esse modelo
cubano e parte para a luta armada rompendo com a POLOP, seu grupo
de origem; e vindo a formar, em 1967, o Comando de Libertação Nacio-
nal (COLINA). No ano de 1968 o COLINA começa a fazer as primeiras
ações armadas de assaltos a bancos com o intuito de expropriação ban-
cária, a fim de ter fundos para comprarem armas e efetivar a luta armada
no Brasil. O objetivo principal era o combate à ditadura militar com o
intuito de libertar o Brasil do jugo militar e, posteriormente, construir
uma sociedade socialista. Porém, em menos de 1 ano a repressão se or-
ganiza em Minas Gerais e identifica as suas principais lideranças, muitos
são presos em Minas Gerais no início no final do ano de 1968 e início do
ano de 1969. Vale relembrar que em 13 de dezembro de 1968 fora edita-
do o AI-5 e repressão veio com força total (GORENDER, 1987).
Inês, juntamente com grande número de militante mineiros do
COLINA conseguem fugir de Minas Gerais, no início de 1969, e se
esconderam no Rio de Janeiro, numa ramificação da organização nessa
cidade. O ano de 1969 foi um momento de reestruturação do COLI-
NA no Rio de Janeiro, pois aglutinam-se com outras organizações do
período com o intuito e construir uma organização maior. O COLI-

172
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

NA funde-se com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de São


Paulo e monta a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-
-Palmares). Uma organização maior e ampliada que trazia para a sua
direção a figura do Capitão Lamarca, ex-capitão do exercício brasileiro
que abandonou as forças armadas para lutar contra a ditadura (IDEM).
No entanto, essa unidade durou pouco, pois por questões progra-
máticas a VAR rachou; de um lado ficou uma ala mais massista, que
queria fazer um trabalho mais de base e que continuou com o nome de
VAR-Palmares; e do outro lado, ficou a ala mais militarista que queria
tocar a luta armada de maneira mais imediatista, retomando a antiga
sigla de VPR, agora com militantes de todo o Brasil e liderados por
Carlos Lamarca. Inês Etienne, juntamente com outros companheiros
optam pelo caminho mais militar em pegar em armas e não arrefecer
a luta contra a ditadura militar, uma vez que a ditadura estava em seu
grau máximo enquanto estado de exceção (SYRKIS, 1980).
Num primeiro momento, Inês Etienne não assume função de dire-
ção, pois estas ficaram a cargo de Capitão Lamarca, Maria do Carmo Brito
e Ladislaw Dowbor. A organização nesse momento, após a sua reestrutu-
ração, no final de 1969, possuía um caráter extremamente militarista, com
vários ex-militares excluídos da força armada e que compunham a orga-
nização. Porém, no início de abril de 1970 ocorreu uma série de quedas na
organização, com muitos dos seus militantes sendo presos – foram presos
Maria do Carmo e Ladislaw Dowbor. A direção precisava se recompor e
é alçado ao posto máximo da organização um novo comando liderado por
Inês Etienne Romeu, Herbert Daniel e Lamarca (SYRKIS, 1980).
Uma das primeiras ações desse novo comando é a libertação dos
presos políticos que foram presos anteriormente. Para isso, em junho
de 1970 sequestram o embaixador Alemão com o intuito de libertação
de 40 presos políticos, entre esses Maria do Carmo e Ladislaw Dowbor.
Obviamente, que Inês Etienne participou do sequestro, pois compunha
o Comando diretivo que organizou a empreitada de libertação dos 40
presos políticos. Ainda, convém realçar que no final do ano de 1970 a
VPR sob o comando de Inês, Herbert Daniel e Carlos Lamarca, orga-
nizou o sequestro do embaixador suíço e conseguem a liberdade de 70
presos políticos libertados do cárcere e da tortura.

173
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Nesse momento, da luta armada, Inês Etienne era uma figura caça-
da pela repressão, pois representava o alto comando de uma organização
guerrilheira e tinha organizado intelectualmente e militarmente o se-
questro de dois embaixadores. Além desses elementos ainda contava uma
militância longa no campo da esquerda e uma proximidade muito grande
ao Capitão Lamarca, considerado o inimigo número 1 da ditadura, por-
tanto prender Inês era um verdadeiro troféu nas mãos da repressão.
Para infortúnio de Inês ela caiu presa em maio de 1971, em São
Paulo, nas mãos do delegado Fleury, este queria tirar informações de
Inês no pau-de-arara a base de choques elétricos: nada conseguiu. Pas-
sou uma noite sobre cruéis torturas e mentiu que tinha um ponto/
encontro no Rio de Janeiro. No ponto, Inês tenta pela primeira vez
o suicídio com o objetivo de não entregar nenhum companheiro, se
atirando na frente de um ônibus. Sobreviveu e fora transportada para
o Hospital Central do Exército (HCE) para os primeiros cuidados. No
HCE é sequestrada e conduzida pelas forças armadas para uma casa em
Petrópolis, onde ficou em prisão clandestina e cárcere privado durante
três meses, de maio a agosto de 1971, sendo cotidianamente torturada
com o intuito de abrir informações sobre a guerrilha. A casa ganhou o
nome de Casa da Morte, pois todos os militantes que passaram presos
lá foram assassinados, com exceção de Inês, pois foi a única sobreviven-
te que ficou viva desse inferno para contar para a história o que ocor-
rera e dar o paradeiro dos desparecidos políticos que por lá passaram.
Porém não foi tão simples ela conseguir sair viva, pois viveu um
calvário por mais de três meses, período em que tentou suicídio outras
vezes para escapar da tortura; mas, por mais tortura que infligiram a
Inês nada conseguiram arrancar que comprometesse os seus compa-
nheiros. Ainda por cima, Inês não somente não colaborou com a re-
pressão como fingiu ser cooptada pelas forças armadas para se manter
viva, sair do suplício e denunciar a ditadura. Os seus torturadores fize-
ram assinar uma série de documentos como que se ela tivesse passado
para o outro lado e que iria se infiltrar novamente na sua organização
como traidora. Mas, Inês enganou os torturadores, pois no primeiro
momento de contato com a sua família pode contar tudo o que tinha
acontecido com ela, quem foi assassinado e negociou com a sua família

174
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

através de advogados que pudessem oficializar a sua prisão para livrá-


-la das mãos dos torturadores (ROMEU, 1980).
Apenas no início de novembro de 1971 a ditadura reconheceu a
prisão de Inês Etienne Romeu e realizou o seu julgamento, em 1972,
como resultado de sua militância foi condenada à prisão perpétua. A
comandante guerrilheira foi colocada no presídio para cumprir a sua
pena, obviamente, com uma série de ameaças pela corporação militar
que chantageavam constantemente acabar com ela caso ela revelasse os
assassinatos na Casa da Morte. Em 1975, com o intuito de preservar a
sua vida e se mostrar viva para o mundo conseguiu casar na Junta Mi-
litar/RJ com outro preso político Jarbas Marques. Segundo o marido
de Inês o casamento foi um ato político, pois eles pouco se conheciam,
ou seja, ela iria se mostrar viva ao mundo e marcar posição contra a
ditadura militar. Convém realçar que o ano de 1975 foi eleito o ano
internacional da luta da mulher e Inês Etienne, naquele momento, era
a única mulher no mundo condenada à prisão perpétua tornando o seu
casamento um símbolo internacional.
A Anistia veio com muita luta pela pressão popular no ano de
1979 e Inês Etienne foi a última mulher presa política a sair da cadeia
no Brasil. Porém, o retorno de Inês não foi tão suave pois precisava ar-
rumar a sua vida e abrandar traumas e, principalmente, cobrar justiça
por tudo o que lhe fizeram e denunciar o desaparecimento de seus com-
panheiros. No imediato a sua liberdade Inês começou a se engajar nas
denúncias do que sofreu e um dos primeiros lugares que buscou justiça
foi na própria Casa da Morte, quando revelou para a opinião pública
o centro de tortura como sendo um local de extermínio e de suplícios,
tudo veiculado na grande mídia e no principal telejornal do Brasil na
principal emissora de televisão (ROMEU, 1980).
Depois do advento da denúncia da Casa da Morte ela foi atrás
dos torturadores reunindo provas e acusações; porém, o Brasil ainda
vivia sob uma ditadura militar, embora mais branda; porém, ainda era
os militares que mandavam, portanto, suas denúncias tinham pouca
ressonância do ponto de vista político, uma vez que com a Anistia os
torturadores não puderam ser condenados. No entanto, do ponto de
vista das famílias que perderam entes queridos, alguém revelar que

175
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

viram os seus familiares no cárcere e que eles, de fato, foram mortos e


em que condição foram assassinados era uma mistura de dor e alívio.
Ou seja, mesmo sendo a realidade muito dura para os entes familiares;
porém, isso representava um conforto emocional para as famílias, pois
estas estavam há quase uma década sem saber o que tinha ocorrido aos
seus filhos, aos seus maridos, aos seus irmãos.
O Brasil no final dos anos 70 e início dos anos 80 vivia um processo
muito grande de agitação social e política, pois estava se reorganizando
os partidos de esquerda e havia uma rearticulação desse campo político.
Por esse motivo, Inês julgou mais apropriada se afastar do eixo político
Rio-SP para poder retomar a sua vida e seus estudos. Uma das suas irmãs,
que vivia no Nordeste, a acolhe e ela consegue retomar os seus estudos e
se formar em história. Após sua formatura, em 1983, vai trabalhar em São
Paulo no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Na gestão da prefeita
Luiza Erundina, do PT, assume o cargo de direção do Arquivo, sendo o
seu único cargo público com contorno político (FERREIRA, 1996).
Torna-se importante realçar que Inês, depois que saiu a cadeia,
não voltou a ter o mesmo destaque político que teve durante o período
da luta armada, preferindo se afastar da sua posição de liderança políti-
ca partidária. Há uma explicação quase consensual: a tortura destruiu
Inês física e psicologicamente e, segundo muitas testemunhas, destruiu
a sua vida; pois, ela nunca mais conseguiu ser a mesma pessoa e pas-
sou quase o resto de sua vida sob tratamento psiquiátrico para poder
(sobre)viver. Inês, mesmo sendo um personagem ímpar da história do
Brasil pela posição que ocupou na luta armada e por ter sido a única
sobrevivente da Casa da Morte, revelando o desaparecimento de com-
panheiros, passou a enfrentar dificuldades psicológicas para enfrentar
o passado e dar entrevistas, pois rememorar era (re)viver tudo nova-
mente. Ela cumpriu um papel importante no processo de redemocrati-
zação no final dos anos 70 e início dos anos 80, porém passou um longo
período em meados da década 90 que não queria mais dar entrevis-
ta e continuava com tratamento contínuo para a sua saúde emocional
(FERREIRA, 1996). Convém realçar que, mesmo sobre tratamento de
saúde contínuo, Inês mantinha-se como uma pessoa ativa e trabalhan-
do no Arquivo Público do Estado de São Paulo.

176
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

No entanto, as condições do Brasil mudaram e em 2002 é eleito


Luiz Inácio Lula da Silva, outro ex-oponente do regime militar que
estava disposto a revirar essas páginas cruéis buscando a verdade. Lula
edita uma comissão para apurar os crimes da ditadura denominada Co-
missão Nacional da Verdade. Inês novamente iria cumprir um papel
importante nesta Comissão e iria denunciar oficialmente para o Estado
tudo o que ocorrera; porém sofreu um atentado em 2003, nunca escla-
recido: alguém entrou na sua casa e com pauladas no seu crânio tentou
assassiná-la – porém, mais uma vez não morreu.
Inês sobreviveu, mas ficou com sérias sequelas perdendo a me-
mória e a fala. Ficou longos anos com tratamento neurológico, fisiote-
rapêutico e fonoaudiológico para retomar a memória e a fala. Mas, mais
uma vez através dos cuidados da família e de uma rede de amigos que
queria o seu restabelecimento conseguiu retomar a memória e a fala
e, assim, voltar a ter parcialmente uma vida normal (OTÁVIO, 2013).
No ano de 2009, pelas mãos de Lula recebeu uma honraria de
Estado, o Prêmio Direitos Humanos na categoria «Direito à Memória
e à Verdade”, por todo o serviço que prestou ao Brasil no combate à
ditadura militar e, principalmente, por ter a coragem de enfrentar os
torturadores enganando-os e se mantendo viva para denunciar os hor-
rores da Casa da Morte em busca de verdade e justiça. Convém salien-
tar que a Ministra da Casa Civil, braço direito de Lula na ocasião era
a sua amiga e companheira de armas Dilma Rousseff. Numa cerimônia
emocionada, Lula deu o prêmio a Inês.
Nos anos seguintes, Inês conseguiu retomar a sua lucidez e a fala,
dando o depoimento à Comissão Nacional da Verdade, acusando formal-
mente o Estado e seus torturadores. Estes são chamados para a Comis-
são para prestar esclarecimento, porém ocorre que esta comissão apenas
possuía um caráter de esclarecimentos, mesmo que aponte formalmente
torturadores e assassinos, a lei da Anistia de 1979 cuidou para que os
mesmos ficassem inimputáveis. Ou seja, foi um ajuste de contas, para
todos que foram torturados, mas sem maiores efeitos penais, pois não re-
dundou, de fato, em prisão para nenhum torturador (QUEIROZ, 2014).
Inês morreu no ano de 2015 aos 73 anos depois de ter enfrentado
a morte várias vezes. A memória que ficou nos livros e na imprensa que

177
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

tratam o período foi de uma mulher militante extremamente forte e du-


rona, quase assexuada pela sua posição de Comando, mesmo tendo casa-
do em 1975 com Jarbas Marques; entretanto, segundo o próprio marido,
não puderam efetivar o casamento pelos traumas das torturas e pelas
lesões físicas que ambos tiveram não conseguindo viver efetivamente
como marido e mulher. Separam-se no início dos anos 80. Em síntese, foi
nos atributos do gênero feminino que lhe causaram seus maiores trau-
mas e, igualmente, esses traumas lhe impediram também o direito pleno
de continuar o seu exercício político (FERNANDES, 2016).

Considerações finais

De acordo com o questionamento que motivou o estudo gostarí-


amos de saber quais os condicionantes políticos que fizeram com que
esse pequeno grupo de mulheres conseguisse romper com o sexismo
do período e chegarem à direção de organizações guerrilheiras extre-
mamente militaristas. Realçamos ao longo do artigo o quanto as mu-
lheres são sub-representandas no plano político inclusive nos dias de
hoje, mais forte ainda era ao sexismo nos anos 60, período em que elas
entraram para a luta armada. Ou seja, segundo o modelo político do
período o lugar de mulher não era na política e as que ousassem rom-
per com esse padrão era considerada fora do universo esperado de uma
mulher, pois o lugar sagrado da mulher ainda era o lar e a maternidade.
Para estudar esse rompimento do padrão dessas duas mulheres
utilizamos da biografia individual de cada uma, a fim de constituir uma
biografia de um grupo coletivo que possuía um mesmo objetivo e si-
milaridade no curso das suas vidas nas seguintes marcações temporais,
como por exemplo: 1) todas entraram na universidade e nesse ambiente
intensificaram a sua militância; 2) o golpe de 1964 que conduziu o Brasil
para uma ditadura militar foi o fator desencadeador principal das suas
radicalizações políticas; e 3) somente entraram para a clandestinidade e
para a luta armada, de fato, após o AI-5, no final de 1968, pois começou
um feroz estado de exceção e caça aos oponentes do regime militar.
Também, a partir desse fato, começou a se cunhar a expressão
geração de 68, para todas as pessoas que participaram das lutas contra

178
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

a ditadura nas manifestações de massa desse ano. Ou seja, cria-se um


ethos de um grupo definido que se manteve através de uma memória co-
letiva de uma geração que lutou contra a ditadura militar. Assim sendo,
essas duas mulheres tiveram o mesmo roteiro de lutas contra a ditadu-
ra que foram se intensificando até chegar o ano clímax de 68; porém,
sendo esgotada as formas de lutas legais na universidade e tendo que
partirem para a clandestinidade a fim de não serem presas e executadas
pela polícia política.
Devemos realçar que além dos acontecimentos históricos singu-
lares que motivaram o esforço dessas mulheres para se tornarem di-
rigentes e ascender no quadro partidário; não obstante as suas lutas
políticas, as mesmas ainda tinham que passar pelo crivo avaliativo do
partido para afiançar essa ascensão hierárquica, pois era esperado pe-
las organizações as seguintes características de mulher num estado de
enfrentamento e guerra: ser figuras duronas, inflexível, destemida e in-
teligentes, ou seja, não estar associadas ao estereotipo frágil do gênero
feminino ainda vigente nos anos 60.
Vera Silvia Magalhães foi uma exceção, pois era criticada por
chorar quando um companheiro era assassinado. No entanto, Vera se
tornara musa do período, não somente pela beleza que possuía, mas
sim pela sua capacidade intelectual considerada genial e pelo poder ca-
rismático que galvaniza cooptando militantes para a sua organização.
Quanto a Inês Etiene reproduzia o perfil de mulher durona, sendo o
extremo de Inês ser retratada sem evidência dos seus atributos sexuais
em biografia sobre o período, apenas enquadrando-a como uma durona
chefe militar junto aos seus companheiros masculinos.
Ou seja, para ser comandante política de uma organização militar
além dos atributos exigidos como ser destemida e inteligente, ainda
sobrava para mulher o fato de terem que ser desapegada das caraterís-
ticas do sexo feminino como vaidade própria da mulher, elemento este
que era criticado. Em síntese, para ocupar o espaço destinado aos ho-
mens precisavam deixar de sua mulher, de acordo com o modelo cultu-
ralmente imposto do lar e da maternidade, e vigorar os atributos equi-
parados de um homem, principalmente ser durona. Ainda, outro corte
bem marcado nas suas biografias é o momento da prisão, período este

179
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

que foram barbaramente torturadas por, primeiramente, ser oponen-


te do regime militar e, principalmente, por ser mulher, pois ousaram
sair da sua posição esperada pela sociedade de ser mãe e esposa para
assumir compromisso políticos de homem. Todas foram barbaramente
torturadas e a tortura residia muito no sexo: estupros generalizados
para lembrar o lugar em que elas eram mulheres (FERREIRA, 1996).
Quanto a vida legal, pós Anistia, em 1979, conseguiram retomar
projetos: Inês Etiene e Vera Silvia conseguiram refazer a sua vida, mas
ficaram muito marcada pela tortura e tiveram que fazer tratamento
psiquiátrico a vida toda, prejudicando a suas vidas profissionais. Vera
casou e foi mãe. Inês casou quando presa como ato político, mas não
conseguiu efetivar o seu matrimônio em face das sequelas da tortura.
No tocante ao enquadramento da memória por mais sofrível que fosse
para ambas lutarem com os seus traumas da tortura nas particularida-
des da sua memória individual elas não eram esquecidas; uma vez que
a memória coletiva não deixava que as mesmas fossem esquecidas e que
elas mesmas esquecessem tudo o que viveram, embora se afastando
da vida política para tratamento de saúde nos anos 90. Era impossível
esquecê-las, pois ambas mantiveram-se vivas na memória coletiva da
geração de 68 sendo perfiladas em livros e filmes. Sendo que, além de
se manterem viva no imaginário, também, no início dos anos 2000 se
transformaram em memória oficial fazendo parte da história do Brasil,
principalmente, quando o Estado outorgou o título a Inês Etiene Ro-
meu em face de suas revelações acerca da Casa da Morte.

180
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

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183
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS VÍTIMAS


DA DITADURA MILITAR E A SUA
RESSIGNIFICAÇÃO POLÍTICA

(Em Co-autoria Com Valéria aydos)

Introdução

O campo de estudos dos Direitos Humanos nas Ciências Sociais


brasileiras tem como foco privilegiado de análise o processo de rede-
mocratização do país a partir dos reflexos sociais, políticos e culturais
dos arbítrios cometidos pelo Estado durante o período ditatorial. A re-
pressão e o cerceamento de vozes e subjetividades políticas a partir de
práticas de prisões, torturas e assassinatos foi um de seus efeitos, cujas
consequências são sentidas até hoje tanto pelos sujeitos envolvidos no
processo como pela sociedade em geral.
As primeiras discussões fundamentadas sobre a tortura baseiam-
-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948,
em cujo texto tornava-se vedada a prática de tortura em qualquer cir-
cunstância, inclusive em situação de guerra. Ou seja, a prática de tortu-
ra é considerada, desde então, um crime de lesa-humanidade.
Porém, como é de amplo conhecimento, ocorreram arbitrarie-
dades nas ditaduras militares na América Latina nas décadas de 1960
e 1970, momento em que os Direitos Humanos foram colocados em
xeque, ou, melhor dizendo, em suspensão em favor de uma Lei de Ex-
ceção, a qual punia com severos maus-tratos a quem ousasse enfrentar
o regime vigente.
As “vítimas da ditadura militar” são hoje reconhecidas como
aquelas pessoas que foram presas e torturadas durante o regime dita-

185
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

torial no Brasil1. Como define Sarti (2011:54), “a construção da pessoa


como vítima no mundo contemporâneo é pensada como uma forma
de conferir reconhecimento social ao sofrimento, circunscrevendo-o e
dando-lhe inteligibilidade”. Além disso, sendo a violência relacional e
contextual, a “análise da construção da vítima supõe necessariamente
o agressor e o contexto da violência” (SARTI, 2011:58). É essa delimi-
tação que permite entender a lógica a partir da qual ela se manifesta e
é qualificada como tal.
Tendo em vista a extensão que “a figura da ‘vítima’ adquire na
sociedade contemporânea como forma de legitimação moral de deman-
das sociais” (SARTI, 2011:51), este artigo propõe analisar a construção
social da categoria “vítimas da ditadura militar” a partir de um olhar
que dê conta do processo histórico e político de construção dessa ex-
pressão enquanto uma categoria discursiva de subjetivação e atuação
política que adquire diversos significados e sentidos no cenário nacio-
nal ao longo das últimas décadas (1960-2010).
As pesquisas empíricas2 que deram corpo às reflexões aqui apre-
sentadas foram realizadas em dois contextos históricos diferentes e,
também, a partir de perspectivas teóricas diversas. Durante os anos de
2000 e 2001, como parte do trabalho de campo da pesquisa de mestra-
do de Valéria Aydos, foram realizadas entrevistas com oito homens e
três mulheres, na época por volta de 50 e 60 anos, que haviam sido pre-
sas e torturadas durante a ditadura militar no Brasil e que haviam en-
trado com processos de indenização referentes à lei 11.042/973, no Rio
Grande do Sul. Essa rede de presos políticos, bastante heterogênea em
1 Em uma breve busca na internet através do marcador “vítimas da ditadura mili-
tar”, encontramos dezenas de notícias que assim nomeiam os ex-presos e torturados
políticos das décadas de 1960 e 1970 no Brasil.
2 Valéria Aydos (2002) teve como focos privilegiados de análise da construção social
do “sujeito torturado” a memória traumática das torturas durante o regime ditatorial no
Rio Grande do Sul e a atribuição de significados à lei estadual de indenização aos presos
e torturados políticos da ditadura militar nesse estado. César Figueiredo (2009, 2013a e
2013b) teve como objetivo discutir acerca da militância política e, mais recentemente, da
reparação às vítimas da ditadura militar e os reflexos na democracia atual no Brasil. Os
esforços de conjugar as perspectivas antropológica e política assim como o distanciamen-
to temporal das duas pesquisas informam as bases teóricas e empíricas deste texto.
3 A Lei 11.042/97 “reconhece a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul
por danos físicos e psicológicos causados a pessoas detidas por motivos políticos e
estabelece normas para que sejam indenizadas”.

186
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

termos sociológicos4, foi acessada através de indicações de um advoga-


do e acompanhada pela pesquisadora, desde 1999, em suas participa-
ções políticas em reuniões do MEPPP5 e em suas visitas aos advogados
que os auxiliavam na coleta de documentação para os processos. As en-
trevistas, autorizadas formalmente através de termos de consentimen-
to informado, foram realizadas nas residências das pessoas e duraram
em torno de duas horas. A pesquisadora, nesses momentos, situou-se
como ouvinte de narrativas de suas histórias de vida, as quais tiveram
como norte apenas a proposta inicial de que as pessoas contassem sua
trajetória política desde quando achassem importante até o momento.
Cabe comentar que as experiências de prisões e tortura foram narra-
das pela grande maioria dos entrevistados e, em muitos detalhes, pelas
mulheres; e todos os entrevistados foram consultados com relação ao
corte de trechos ou à não autorização de citações específicas.
Nos anos de 2009 e 2012, vários desses atores foram entrevistados
por César Figueiredo, durante os trabalhos de campo de sua dissertação
de mestrado e tese de doutorado em ciência política, quando elaborou uma
análise de conteúdo de 12 entrevistas com militantes e de documentos
diversos para suas pesquisas acerca da militância política e da Comissão
da Verdade (FIGUEIREDO, 2013b). Embora os enfoques das pesquisas
tivessem objetivos e metodologias diferentes, o fato de trabalharmos com o
mesmo grupo de militantes políticos fez com que nos aproximássemos de
discussões para o presente texto no que tange à elaboração dos conceitos
de vítima por esses militantes e possibilitando que os dados se comple-
mentassem temporalmente. Ainda seria importante realçar que, embora
os números de entrevistados sejam diferentes de uma pesquisa para a ou-
tra, havia um grupo coeso que se manteve atuante na questão da repara-
ção dos arbítrios da ditadura e ativos politicamente durante esta década.
Foram eles atores, filiados a partidos políticos de esquerda e ativos na mi-

4 Uma descrição detalhada das conexões dessa rede de pessoas, assim como de
suas profissões, classe social, trajetórias e afinidades políticas encontram-se na dis-
sertação de mestrado de Valéria Aydos (2002) e, na forma de um “perfil político”, na
tese de doutorado de César Figueiredo (2013a).
5 O MEPPP – Movimento de Ex-Presos e Perseguidos Políticos – foi organizado
no Rio Grande do Sul como uma rede de ex-militantes da época da ditadura militar,
com um fim imediato e específico de informar e auxiliar nos trâmites dos processos
de indenização, e manteve suas ações também depois desse evento.

187
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

litância política dos anos 1960 até os dias de hoje que recortamos como
agentes privilegiados na reflexão neste texto6. Neste sentido, é a partir de
uma análise comparativa desse corpus de pesquisa e de um diálogo entre a
ciência política e antropologia, que buscamos analisar a construção social
e os usos políticos da categoria “vítima da ditadura militar”.
Em um plano mais pragmático e particular, procuramos com-
preender os argumentos morais (FASSIN, 2010) através dos quais as
“vitimas da ditadura” apresentam suas reivindicações de existirem
socialmente e de serem sujeitos de direitos, assim como entender a
construção de subjetividades (ORTNER, 2007) presentes nos discur-
sos dessas pessoas. Seguindo a linha de pensamento de Sherry Ortner
(2007:379), atribuímos agência ao sujeito, vendo-o como “existencial-
mente complexo, um ser que sente, pensa e reflete, que faz e busca
significado”. Sendo assim, vemos a subjetividade como base da agency,
“uma parte necessária do entendimento de como as pessoas (tentam)
agir no mundo, mesmo se agem sobre elas”. (ORTNER, 2007:380)7.
Neste sentido, investigamos, a partir de relatos de prisões e tor-
turas dos sujeitos (BRASIL NUNCA MAIS, 1985; AYDOS, 2002),
como esses atores transformaram a dor e a experiência traumática,
assim como a “expropriação de suas biografias sociais”, em argumentos
políticos de vitimização no processo de reivindicações por esclareci-
mentos e reparação dos crimes cometidos pelo regime militar8.

6 Ressaltamos que temos consciência da diversidade interna desse grupo de pes-


soas que fazem parte dos ex-presos e perseguidos políticos da época da ditadura
militar no Rio Grande do Sul. Alguns militantes entrevistados por Aydos (2002), por
exemplo, não conseguiram retornar aos seus estudos ou retomar a carreira de tra-
balho que começavam na época. No entanto, o recorte empírico deste artigo, além de
depoimentos publicados em livros de relatos, é formado apenas por atores que ambos
os pesquisadores entrevistaram e que se mantiveram na militância política até os dias
de hoje. Neste sentido, falam de um lugar específico que poderíamos entender hoje
como situado no “campo da política partidária” do Rio Grande do Sul.
7 Sherry Ortner (2007) aborda a subjetividade tanto no sentido mais psicológi-
co (em relação aos sentimentos, desejos, ansiedades, intenções etc.), o qual tem sido
abordado em estudos que enfatizam questões de agency (e “resistência”), de dor ou
medo e os modos de superar esses estados subjetivos, quanto em um nível cultural (e
político) mais amplo, que diz respeito às maneiras pelas quais as formações culturais
particulares moldam e provocam subjetividades.
8 Entendemos esse processo de “construção social da pessoa como vítima” (SARTI,
2011) a partir de uma perspectiva que não entende os sujeitos como passivos, mas,
sim, atribuindo-lhes agência (ORTNER, 2007).

188
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Os diferentes sentidos e significados que a categoria “vítimas da di-


tadura militar” adquire ao longo desses anos estão intimamente relacio-
nados, ou melhor, estão circunscritos (SARTI, 2011) na história política
brasileira e fazem parte do recente processo de redemocratização dessa
sociedade e de “cidadanização” desses sujeitos. Como demonstra Figuei-
redo (2013b), as transformações do Estado ao longo do processo de rede-
mocratização foram extremamente negociadas entre as elites que o com-
põem, com severo ônus para a qualidade da democracia no Brasil, como,
por exemplo, no que tange à questão dos direitos humanos e, mais espe-
cificamente, no tocante à situação das reparações às vítimas da ditadura.
Sendo assim, a cidadania aqui é entendida tanto como um cons-
truto ético e político dentro dos marcos da democracia (DAHL, 2005),
que informa a busca por uma cidadania formal e substantiva (SANTOS
& NUNES, 2003), quanto “um processo sociocultural de subjetivação
a partir da produção mediada de valores” (ONG, 2003). Nesse sentido,
a imbricação das perspectivas que este trabalho apresenta contribui
tanto para a compreensão das especificidades políticas e subjetivas do
conjunto de atores que se entendem e são percebidos como “vítimas da
ditadura militar”9, quanto para a análise do caminho que o Brasil tem a
percorrer na construção de sua consolidação democrática.

Década de 1970: ambivalência do conceito de vítima

Em 1964, com o Golpe Militar, interrompe-se um ciclo de perío-


do democrático no Brasil. A partir deste momento, durante 21 anos o
Brasil viveu um período de Estado de Exceção em que foram suprimi-
das as garantias básicas de cidadania, entre essas sua maior expressão
democrática: a capacidade de contestação sem sofrer coerção (DAHL,
2005). Em 1968, quando é decretado o AI-5 (Ato Institucional nº5),
9 Entendemos que há um recorte geracional que aciona uma autoidentificação
desse grupo, não como pessoas que simplesmente nasceram em um mesmo período,
mas que fizeram parte de um mesmo universo político, delimitado por uma tomada
de posição (engajamento na luta contra a ditadura), o que pressupõe, de certa forma,
uma “entrada na política”. Essa experiência aciona e contribui para construção de
uma memória coletiva e de um reconhecimento mútuo pelo grupo que dela fez parte.
Ainda, embora esse universo político seja fluido e permeável, persistem identificações
e experiências que acionam formas particulares de perceber-se, ver e viver no mundo,
marcadas pelo que, na ciência política, entende-se por “militantismo” (GAXIE, 1977).

189
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

mergulha-se nos anos duros do regime militar. A partir desse momen-


to, qualquer oponente era um inimigo, podendo ser preso, torturado,
assassinado e ter o seu corpo desaparecido. Os grupos organizados, ar-
mados ou não, que tentariam um foco de resistência contra a ditadura
militar foram sumariamente e seletivamente aniquilados10.
A partir do ano de 1969, começaram a ser gestados os DOI-CODIs
(Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de
Defesa Interna), órgãos de inteligência destinados a produzirem infor-
mações logísticas e realizarem capturas e interrogatórios dos possíveis
opositores políticos (GASPARI, 2002). Nesse momento, qualquer pessoa
podia ser presa para averiguação ou para prestar esclarecimento, tanto
por participação em uma ação contra o governo quanto por meramente
conhecer algum oponente do regime; assim como qualquer um, culpado
ou não, poderia ser alvo de torturas para extrair confissões.
Para o treinamento de torturadores no Brasil foram chamados
especialistas estrangeiros com o know how necessário tanto na arte de
extrair confissão sobre suplício quanto na prática de fazer sofrer sem
matar (GORENDER, 1987). O percurso da tortura no Brasil foi pensa-
do a partir de uma concepção dualista de pessoa (ARNS, 1985), a qual,
em um primeiro momento, submetia o preso a toda a sorte de torturas
de modo a lhe extrair confissões imediatas, e, em seguida, começava-se
a intercalar torturas sistemáticas físicas e psicológicas de modo a de-
sestabilizar o preso político.
Quanto à questão psíquica devemos enfatizar que o domínio des-
sa técnica tornava-se um grande trunfo nas mãos dos militares/tortu-
radores, pois, se conseguissem desestabilizar psicologicamente o preso,
poderiam conseguir informações importantes ou um “aliado” que ou
“passava para o lado da ditadura”, vindo a trabalhar infiltrado, ou era
forçado a publicamente renegar a guerrilha e declarar-se “arrependido
político” (GASPAROTTO, 2008).
Durante esse primeiro momento do regime ditatorial, apesar de
a tortura em si ser vista como uma prática ilegítima pela sociedade em
geral, não se tinha ainda como falar em “vítimas” e “opressores”. A pró-
10 Devemos contextualizar tal argumentação, pois o poder de alcance e aniquila-
mento do inimigo interno no Brasil foi mais seletivo do que outros países do Cone
Sul, cujo terror foi generalizado por parte do Estado (PADRÓS, 2005)

190
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

pria veracidade do que acontecia com as pessoas que eram retidas pelo
Estado para averiguação era colocada em suspeita. Os papéis sociais
eram confusos e as racionalizações de quem eram ou até o que estava
acontecendo seguia um ritmo muito acelerado para que fosse possível
uma reflexão sobre si e sobre o “outro”. A percepção que temos a par-
tir das entrevistas que realizamos é a de que a maioria dessas pessoas
não tinha ferramentas para a construção social de seu espaço naquele
momento. Para os presos políticos, a tortura era um lugar de passa-
gem entre a militância ativa e o presídio (militância restrita). Ou seja,
seria um limbo, um período liminar (TURNER, 1974) no qual não se
sabia se iriam sair vivos ou mortos. “Nem sei o que aconteceu naqueles
primeiros meses todos” ou “Quando eu vi, eu tava na cadeia, sendo tor-
turada nem sei há quanto tempo” são algumas falas de ex-torturados
políticos que ilustram a apropriação subjetiva desse período de suspen-
são da realidade (AYDOS, 2002).
Acreditamos que a noção de “vítima da ditadura” durante esse pri-
meiro momento de ebulição dos acontecimentos não aparece como sig-
nificativa nem para os ex-presos e/ou torturados e nem para sociedade
envolvente. No entanto, nos relatos dos sujeitos percebe-se que a “sur-
presa” de ter sido preso ou a “confusão” sobre o que estava acontecendo
já são, de qualquer modo, argumentos morais de denúncia de uma “que-
bra” de uma estrutura social e de interrupção de uma trajetória de vida
que, longe de ser uma escolha pessoal, foi imposta pelo algoz.
Segundo Denise Rollemberg, em seu livro Exílio: Entre raízes e
radares (1999), somente a partir do exílio, na segunda metade da déca-
da de 1970, que começou a se esboçar a noção de vítima da ditadura e,
ainda assim, como instrumento político de modo a causar um enfrenta-
mento do regime em suas relações internacionais11.

11 A respeito de militância e exílio de acordo com Marques (2012) estes são pen-
sados em dois momentos: 1) Numa primeira fase, no Chile socialista de Salvador
Allende, em que a esquerda latino-americana encontrava-se “exilada”, mas ainda na
ativa; e, 2) posteriormente, com o golpe Militar Chileno, em 1973 em que tiveram que
realmente se exilar na Europa, ou seja, o exílio definitivo, no qual tiveram que rever
a luta e a denúncia das torturas que passaram a fazer parte como repertório de com-
bate à ditadura militar. Ver também, in: Brazil: a reporte in torture. Documentário com
entrevista dos militantes políticos libertados no Chile, em virtude do sequestro do
embaixador Suíço no Brasil, em dezembro de 1970, no qual em seus relatos acionam
o discurso de exílio momentâneo e continuidade da luta política no Brasil.

191
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Nesse contexto, mesmo durante esse primeiro momento, perce-


be-se que há uma diferenciação interna entre os presos políticos. Pode-
ríamos dizer que, entre os ativistas políticos, o fato de ser torturado era
visto como parte do itinerário do ethos militante. Também entre estes
não havia a elaboração de uma representação de si como “vítima do re-
gime militar”, por estarem comprometidos com uma causa que julgavam
ser a acertada contra um regime que rompeu com o Estado democrático
de direito. Igualmente, devemos considerar que o microcosmo político
fechado que viviam na clandestinidade não permitia que essas pessoas se
vissem como vítimas ou se achassem derrotadas pelas prisões e torturas.
Era necessário manter-se ativo na luta, mesmo com as condições adver-
sas no exílio, como ilustra a entrevista de Fernando Gabeira, após a sua
libertação em troca do embaixador Alemão, em maio de 1970:

Nossa linha de entrevista estava mais ou menos definida. Não des-


pertar nenhum tipo de compaixão a partir da tortura. Ninguém
era vítima inocente de nada. Havia uma guerra revolucionária em
curso e, dentro dela, o fundamental era expor seus objetivos socia-
listas. Nossa política era típica do período. Só alguns anos depois
descobrimos a denúncia sistemática da tortura e passamos a tran-
sar as forças democráticas europeias (GABEIRA, 1980:15).

Outro elemento importante a ser considerado com relação a quem


era ou não nominado “vítima” nesse contexto é o fato de em nossas en-
trevistas identificarmos um discurso sobre “vítimas do Estado” com re-
lação aos familiares dos presos políticos. Essa nomeação dava-se pelo fato
de que as famílias não haviam, na maioria das vezes, assumido o mesmo
compromisso militante, e igualmente pagavam o ônus da opressão com o
desaparecimento, prisões e torturas de seus entes queridos. Vários de nos-
sos entrevistados “vitimizam” suas famílias, ampliando essa categoria de
“Vítimas da Ditadura” para os familiares12 de presos e torturados políticos.

Eu tive seis meses incomunicável. Os primeiros três meses eu


não tinha acesso a pedaço de papel que fosse. A minha família

12 A literatura sobre os familiares de vítimas da ditadura é vasta, principalmente


na Argentina, mas também presente no Brasil. Ver, por exemplo, CATELLA (2001);
ALMEIDA TELES (2009).

192
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

ficou, portanto, seis meses sem saber absolutamente nada; a mi-


nha mãe não sabia o que que era feito do filho dela, se tava vivo,
tava morto (Antônio13apud AYDOS, 2002:48).

Segundo relatos, não foram poucas as famílias que sofreram priva-


ções ou mesmo torturas conjuntas com os filhos torturados, assim como
há relatos de tortura de filhos de presos políticos como forma de pressão
para que estes falassem o que seus pais pretendiam. No período retra-
tado, os familiares que sofreram arbítrio são, então, já encarados como
vítimas por uma situação que não escolheram, principalmente as mães
de presos políticos, chamadas na literatura sobre a época de “mães he-
roínas”, pois o seu papel é associado à defesa intransigente e à busca de
paradeiro dos filhos desaparecidos (PAIVA, 1996; AUTRAN, s/d).
Outro grupo à parte seriam aqueles que não conseguiram re-
sistir à tortura e “passaram para o lado do inimigo”. Mesmo que fos-
se para poder (sobre)viver, esses militantes sofreram dupla sanção: 1)
tornavam-se párias no meio da esquerda, figuras sem referencial neste
microcosmo, pois, aos olhos dos companheiros de militância que con-
seguiram resistir, eles “negaram a sua própria biografia” ao terem “co-
laborado com o inimigo”; e 2) foram também excluídos do meio social
mais abrangente, por estarem presos.
Nesse primeiro momento do período ditatorial, então, a percepção
desses grupos como “vítimas da ditadura militar” ainda não estava cons-
truída, ou por conta de uma “indefinição de si” ou por perceberem os arbí-
trios sofridos como uma “continuidade da militância”. Ser “vítima” aparece
latente nos relatos de memória como um elemento que foi constituído após
a passagem por prisões e torturas dos sujeitos. Além disso, como mencio-
namos, também a imprensa da época desconstrói nesse primeiro momento
uma representação dos presos políticos como “vítimas”, dando visibilidade
apenas aos casos daqueles que vinham a público dizer que se arrependiam
de ter sido cooptados pelos comunistas e que decidiram “passar para o lado
correto”, como demonstra a análise de Dockhorn, no trecho a seguir:

A utilização do recurso da retratação pública – tratados na im-


prensa pejorativamente como os ‘arrependidos’ – compôs mais um
13 Os nomes dos entrevistados são fictícios com o fim de preservação de suas iden-
tidades.

193
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

ato na disputa política. Antigos revolucionários passaram de con-


testadores a propagandistas do governo que pretendiam destruir
e do regime que almejavam derrubar (DOCKHORN, 2002:271).

Ou seja, a ditadura militar construía a dualidade através da im-


prensa e da mídia, acionando, assim, ferramentas poderosas na disputa
simbólica de nomeação de quem era contra ou a favor da construção
da nação brasileira, contribuindo, assim, também para que a noção de
“vítimas da ditadura” não se construísse no espaço público.

Anos 1980: a elaboração do conceito de vítima

Com o fim da luta armada e a tentativa de abertura democrática


impulsionada pelo regime militar, descortinava-se uma nova conjun-
tura política. A partir da luta da sociedade civil organizada no úni-
co partido de oposição ao regime (MDB – Movimento Democrático
Brasileiro), vemos a volta do movimento estudantil no final os anos
1970, assim como a emergência de um novo sindicalismo combatível
(CARDOSO, 1991). Novos personagens entravam em cena, o regime
militar descomprimia-se, ocorria a Anistia em 1979, os presos políti-
cos saíam da cadeia, e os exilados voltavam do exterior. Foi uma dé-
cada de resistência política e pessoal. No plano pessoal quem voltava
para a vida legal, além de se deparar com um Brasil quantitativamen-
te modificado, contava com um déficit nas suas vidas particulares,
pois precisaria retomar a sua carreira, os estudos etc. Também, mui-
tos voltavam do exílio com outro repertório de luta e outra trajetória.
Era difícil reconstruir a vida depois de todas as privações da clandes-
tinidade e as prisões.
É nesse período de redemocratização, da virada dos anos 1970
e ao longo dos anos 1980 que consideramos que começa a se esboçar
mais explicitamente a noção de “vítima da ditadura” (SARTI, 2011).
Esta se constrói na alteridade entre os que entraram para a luta, tive-
ram perdas e sofreram, e os que ficaram na vida legalizada podendo
seguir sua rotina de estudos e trabalho. É exatamente nesse momento
que, segundo Cynthia Sarti (2011:54-55), “[...] a noção contemporânea
de vítima adquire um novo estatuto, a partir da definição, pela Psiquia-

194
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

tria, da categoria diagnóstica do Transtorno de Estresse Pós-Traumá-


tico (TEPT), com as formas terapêuticas que dela derivam”.
O retorno de uma experiência de tortura, em uma sociedade psi-
cologizada em suas camadas médias como a nossa, conjuga elementos
específicos de construção de si, como o recorrer a saberes psi ou, pelo
menos, conjugar uma concepção psicologizada de sua experiência a ou-
tros contextos culturais. O manter-se vivo e saudável, no momento em
que o corpo já não era mais o alvo das torturas, torna-se central na vida
desses sujeitos. Com certeza a apropriação dos saberes psi assim como
a legitimação dos distúrbios psicológicos como doença diagnosticada
contribuíram para que uma primeira concepção desses sujeitos como
“vítimas da ditadura militar” surgisse nesse momento: uma categoria,
então, subjetiva e psicologizada, calcada em argumentos morais que
realçam uma imposição (pelos torturadores) de uma existência frag-
mentada, não saudável, enfim, “traumatizada”.
Além dessa construção psicológica, também consideramos que
o conceito de vítima se construiu com a emergência, nesse período de
fim do regime militar, da possibilidade de se falar sobre o que aconte-
ceu. Embora não se vivesse ainda um período de “acerto de contas”, de
fato, era um período de questionamento, no qual a esquerda pergunta-
va: Onde estavam os nossos mortos? Onde ocultaram os seus corpos?
Assim como, para quem sobreviveu, pairava uma pergunta: Por que eu
sobrevivi? O ter sobrevivido também gerava uma culpa, que se somava
ao sofrimento e às sequelas físicas e psíquicas do trauma da tortura. Há
inúmeros relatos de ex-militantes e presos políticos que, na volta do exí-
lio, não conseguiram superar a derrota e, ao voltarem para o Brasil, ou
saírem da cadeia, se suicidaram e/ou morreram de doenças herdadas da
tortura, como o alcoolismo (RAMMINGER, 2009; AYDOS, 2002).
Igualmente, devemos realçar que nesse período os ex-presos po-
líticos e familiares de mortos e desaparecidos começaram a se orga-
nizar com o intuito de reivindicar não ainda a reparação pelos danos
causados, mas pelo menos o direito de saber o que aconteceu com quem
desapareceu. Destacamos que é nesse período que ocorreu a criação do
grupo Tortura Nunca Mais, que nasceu em meados da década de 1980.
Uma das questões desse grupo, além da busca de respostas sobre o que

195
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

aconteceu aos seus familiares, também era posicionar-se contra os mi-


litares (torturadores) que estivessem ainda ocupando algum cargo na
máquina do Estado. Nesta época, houve inúmeros casos de denúncias
e revelações de nomes de ex-torturadores, com o auxílio dos meios de
comunicação simpatizantes aos opositores do regime, que apontavam
para um acerto de contas possível.
Por outro lado, nesse processo de poder falar, exprimir e publi-
cizar tudo o que passaram, vemos uma profusão da bibliografia de re-
sistência, com o depoimento de inúmeros ex-presos políticos que fize-
ram uso dos livros autobiográficos tanto como forma de “elaboração”14
do trauma como de denúncia pública da violência do Estado (SILVA,
2008). Podemos definir essa bibliografia como uma cultura bibliográfi-
ca de resistência, na qual as lembranças do período vinham à tona como
um período de lutas (década de 70), não de vitimização (década de 80).
Nesse sentido, também, começava a surgir uma cultura acadêmica so-
bre a época (teses e dissertações) e filmes que retratavam o contexto.
Entre os inúmeros relatos e testemunhos memorialistas do período,
temos o seminal livro Brasil Nunca Mais (1985), em que são elencadas
as torturas sofridas pelos presos políticos, bem como são nominados
torturadores, desaparecidos políticos e “vítimas da ditadura”. Ou seja,
nesse último livro citado, os personagens são retratados textualmente
como “vítimas da ditadura”, cristalizando essa expressão como uma
categoria política dos personagens que sofreram danos físicos, psicoló-
gicos e morais15 durante o regime militar.
No tocante aos testemunhos, observa-se uma diferença entre o tes-
temunho dos homens e o das mulheres. Os homens, via de regra, falavam
14 Utilizamos aqui o termo psicanalítico de “elaboração”, ou seja, a ideia de que,
ao falar, escrever, narrar o evento traumático, os sujeitos atribuem significado a sua
experiência e conseguem, se não curar, conseguir atribuir sentido a suas vidas.
15 Não é irrelevante mencionar que os militares e torturadores estão excluídos
dessa categoria de vítima, exatamente por a entendermos como contextualizada
social e politicamente. Como menciona Sarti (2011:55), “uma das repercussões do
Transtorno do Estresse Pós-Traumático, segundo Eliacheff & Larivière (2007),
é o esvaziamento do sentido histórico e contextual da figura da vítima, por uma
aplicação irrestrita a qualquer tipo de vítima de violência, direta ou indiretamente,
identificada pelos sintomas de “estresse”, independentemente do lugar ocupado pelo
sujeito no evento traumático”. Sendo a violência relacional, esta noção psicanalítica
poderia englobar os torturadores como “vítimas” da situação de tortura, já que esta
seria uma ‘experiência traumática’ para todos que dela participaram.

196
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

do seu percurso militante e de combatente à Ditadura, mas tangenciavam,


ou mesmo não falavam sobre as sevícias sofridas. Por outro lado, a grande
maioria das mulheres não se furtava dos detalhes e relatava os abusos
sofridos (AYDOS, 2002). Também conforme a bibliografia do período, o
testemunho e os relatos sobre as torturas são muito mais férteis mediante
a vocalização feminina do que a masculina, embora o número de homens
combatentes ter sido superior ao das mulheres (RIDENTI, 1993).
É bastante óbvia a ideia de que esse fato é decorrente das dife-
renças culturais de gênero na socialização de mulheres e homens; e
não é o nosso objetivo neste texto adentrar nessas especificidades. Mas
acreditamos ser importante lembrar a existência dessa diferenciação
para alertar para o fato de que as “vítimas da ditadura” não compõem
um grupo homogêneo, principalmente no que tange à construção mais
subjetiva da categoria. Para as mulheres que conseguiram manter a
fertilidade depois das torturas, por exemplo, o fato de serem capazes de
gerar uma vida significava que eles (os torturadores) não conseguiram
aniquilá-las fisicamente. Segundo as suas falas, esse fato importantís-
simo, além de diferenciá-las dos homens, as “salvava” e “aliviava” a ex-
tensão do trauma16.

Mas ao me questionar, ao buscar respostas lá no fundo, em mim


mesma, sobre como e por que consegui sobreviver emocionalmente
às ganas do torturador, percebo que, além de minhas convicções po-
lítica e ideológica, há uma particularidade matricial: nós mulheres
possuímos útero e o útero é vida e não morre. Gerar, parir, amamen-
tar e criar os meus filhos fez-me renascer. A maternidade (...); essa
foi minha fonte de energia para superar o que meus companheiros
de tortura não suportaram (RAMMINGER, 2009:146-147).

Além da distinção de gênero, nessa política do relato da cultura


literária memorialista, diferenciava-se a noção de vítima de acordo com
a organização militante de que os personagens eram egressos, ou manti-
nham-se ainda como participantes ativos na década de 1980. Os militantes
de partidos marxista-leninistas, que mantinham uma militância ativa nos
16 A literatura acerca das falas das mulheres na luta armada é fértil. Entre as
principais, citamos: COSTA (1980); FERREIRA (1996); COLLING (1997) e
CARVALHO (1998).

197
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

anos 1980, embora já se concebendo como vítimas, mantinham o discur-


so de “tarefa política”, pois o partido (ente principal de suas vidas) estava
acima de qualquer dor (FIGUEIREDO, 2009; 2013a). Diferentemente, os
jovens/militantes que se radicalizaram politicamente na década de 1970
e voltaram para uma vida legal na década de 1980 (mesmo que continu-
assem ou não militantes nesse período) assumiam nessa época o “discurso
de vítima”. Precisamos, neste contexto relativizar o ethos militante em que
os personagens estavam inseridos, pois, embora vivessem em um micro-
cosmo similar, ser militante organizado num partido comunista implica
fazer parte de um universo totalizante, no qual o partido era um ente
“máximo” e quase “divinizado”, ou seja, fora válido todo o sacrifício pas-
sado em nome do partido na luta pelo porvir de uma sociedade superior
(socialismo). Ainda, quanto aos militantes egressos de organizações au-
tônomas e radicalizadas, não dirigidas por um centralismo-democrático
rígido, podemos dizer que ficavam mais fluidos para poder falar do que
ocorreu, assim como do que sofreram (ARAÚJO, 2000).
Em síntese, mesmo com um reconhecimento social já aparente
sobre a vitimização dos ex-presos e torturados políticos na década de
1980, dentre os militantes políticos poderíamos diferenciar as vítimas
que subjetivaram de forma mais enfatizada a experiência traumática e
concebiam-se como “sujeitos torturados” (AYDOS, 2002), fragmenta-
dos tanto pessoal como politicamente pelos dados físicos, psíquicos e
morais sofridos, de forma muito mais verbalizada pelas mulheres; e as
‘vítimas’ que buscavam enfatizar que todo o risco e problemas por que
passaram foi em nome do Partido, da resistência e da redemocratiza-
ção. Dentre essas últimas “vítimas”, nesse momento transformadas em
heróis, estavam os camaradas que “tombaram lutando contra a ditadu-
ra militar”, ou seja, que foram assassinados ou se suicidaram.
Nesse sentido, parece que a adesão aos partidos mais coesos e rí-
gidos serviu como instrumento de “cura subjetiva” para esses militan-
tes, os quais não negavam os danos causados pelas prisões e torturas,
mas construíram diferentes narrativas heroicas que delinearam uma
significação não apenas psicológica, mas política de si.
Ainda, nesse período, embora vivendo o crepúsculo do regime
militar e a alvorada da Nova República, os militares ainda tinham mui-

198
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

to poder de veto. O Movimento de Ex-Presos e Perseguidos Políticos


(MEPPP) e de familiares de desaparecidos políticos, embora fizessem
barulho, não tinham muita ressonância política no espaço público. Era
o momento, ainda preliminar, de curar as feridas do período passado,
fazer um balanço de suas vidas e, quem sabe, construir um novo per-
curso político dentro dos marcos da nova democracia e da vida legal
que a sociedade e o Estado lhes ofereciam. Torna-se muito importante,
neste momento, como marco político, a redemocratização de 1985, com
a posse do primeiro presidente civil (eleito de forma indireta por um
colégio eleitoral) e, da mesma forma, dentro dos marcos da redemo-
cratização, a Constituinte de 1988. Destacamos esses dois elementos e,
principalmente, a Constituinte de 1988, pois, embora grupos organiza-
dos reivindicassem uma revisão da Anistia, a culpa do Estado e a pena-
lização aos torturadores, naquele momento nada haviam conseguido.
Cabe destacar a diferença da história do Brasil da de outros pa-
íses do Cone Sul que conseguiram uma revisão da pena e a prisão dos
torturadores. Retomando o que foi enfatizado no início do texto, a dita-
dura militar no Brasil tomou cuidado de construir um clima de terror
em nível seletivo. Diferentemente dos outros países, como a Argentina,
onde se viveu um clima de Terror de Estado com genocídios de 30.000
mortos políticos, no caso do Brasil, segundo o relatório elaborado pelo
país, o número é bem menor (ARGENTINA, 1998).
Assim sendo, embora houvesse a organização da sociedade civil
no intuito de buscar a responsabilidade aos mortos e desaparecidos,
pouca evolução houve do ponto de vista de buscar a responsabilidade
pelas torturas cometidas. O Brasil, a partir da Constituição, sacralizou
o paradoxo de ter torturados e torturadores em liberdade, por mais
grave que isso pudesse ser legalmente, ferindo, por conseguinte, as
convenções internacionais dos Direitos Humanos. Da mesma forma,
a luta era restrita, pois vinha dos anseios de um grupo reduzido, em
face da população geral no Brasil. Portanto, tal empenho se restringia
a um repertório de luta de um segmento específico da população que
vivenciou uma experiência num período histórico no Brasil.

199
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

Década 1990: a ressignificação do conceito de vítima

A partir da década de 1990, com a instauração da Nova República,


as pessoas que sofreram o arbítrio da ditadura passaram a ocupar espaços
políticos e a delimitar um novo campo político em disputas com o seg-
mento repressivo. A mobilidade política dos agentes a partir da década de
1990 assim como a continuidade da força e a organização sistemática das
entidades de vítimas da ditadura militar começaram a fazer ressonância,
e a postura do governo, que até então era de “esquecer para conciliar”, foi
posta em xeque. Foi também nesse contexto que a produção bibliográfi-
ca, acadêmica e fílmica sobre o exílio, já existente desde a década de 1980
na forma de uma “cultura subalterna”, começou a criar uma conjuntura
propícia para o debate político sobre o tema (SILVA, 2008).
Em 1994, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso para a
presidência do Brasil, começaram a ocorrer as primeiras medidas de
reparações, assim como a estabelecerem-se comissões especiais de mor-
tos e desaparecidos para julgar as causas das mortes e buscar repara-
ções às vítimas do regime militar (GALLO, 2012). Uma das primeiras
medidas do governo FHC nessa questão reside na lei 9.140, que versa
sobre o reconhecimento de morte presumível dos oponentes ao regime
militar que estivessem, ainda, como desaparecidos políticos. Medidas
urgentes de reparação moral que legitimavam uma situação em que
muitas famílias ainda buscavam os corpos dos seus filhos.
Nesse momento de virada política dos anos 1990, houve uma evolu-
ção do poder político das vítimas da ditadura militar com a ascensão nas
urnas de partidos de esquerda. A partir de então, começou a haver uma
crescente reelaboração política do ser “vítima da ditadura” no mercado
político das sucessivas eleições. Ou seja, o fato de ter sido preso político,
e, mais ainda, torturado, criava um capital social que situava o candidato
como pertencente a um determinado grupo social ideologicamente orien-
tado, com o qual os eleitores buscariam identificação ao votar.
Cabe salientar que não estamos entendendo aqui que esse empo-
deramento político que a categoria de vítima da ditadura sofre neste
momento se dá a partir de uma lógica racionalizada e interesseira por
parte dos ex-presos e torturados que agora compõem a cena políti-

200
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

co-eleitoral brasileira. É importante compreendermos que o contexto


de abertura e redemocratização assim como o tempo de 20 anos de
distanciamento das experiências de prisão e tortura possibilitam que
a própria condição de “torturado” seja publicizada e, também, que seja
positivada frente à sociedade em geral. No mercado político da década
de 1990, o fato de ter sido preso e lutado em nome da democracia criava
de certa forma um capital de distinção perante os outros candidatos em
um contexto de revalorização dos valores democráticos.
Nesse processo de empoderamento político dos ex-presos e per-
seguidos pelo regime ditatorial que agora faziam parte da cena política
brasileira, começa a ocorrer uma mudança não apenas no status desse
grupo, mas também na própria configuração da categoria de “vítimas da
ditadura”. Se antes (décadas de 1960/1970) não se consideravam ainda
como ‘vítimas’, pois a tortura era um rito de passagem no percurso mi-
litante; e se, posteriormente (1980), essa condição foi sendo subjetivada
a partir da apropriação de saberes psi; ao logo da década de 1990 a ca-
tegoria “vítimas da ditadura” foi sendo politizada como instrumento de
reconhecimento e reivindicação de direitos; e nos anos 2000 ganhou uma
adjetivação extra de “vítima-herói”, pois, conforme mencionamos, houve
tanto o empoderamento da trajetória pessoal quanto a ressignificação
política do conceito no contexto da redemocratização.
Em síntese, esses personagens conquistaram uma expressão social
e política a partir da década de 1990 que, conjuntamente com os seus
pares, ressignificaram a noção de vítima do regime militar. Devemos en-
fatizar que, concomitantemente, em outras searas para além do universo
político partidário, como no meio acadêmico, também houve ressignifica-
ções e a adjetivação do conceito de vítima da ditadura para vítima-herói.
No entanto, cabe notar que esse ethos de herói e glorificação dos
feitos no combate à ditadura entraria de certa forma “em choque” a
partir dos julgamentos dos casos das torturas e das violações dos di-
reitos humanos; e do momento quando o Estado foi responsabilizado
e obrigado a pagar indenizações por danos morais, físicos e psíquicos
causados por prisões e torturas por ele impingidas17.
17 Como já mencionado, a lei 11.042/97 “reconhece a responsabilidade do Estado
do Rio Grande do Sul por danos físicos e psicológicos causados a pessoas detidas por
motivos políticos e estabelece normas para que sejam indenizadas”.

201
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

A promulgação das leis 9.140/95 e 11.042/9718 foi um marco na


trajetória de reivindicações desses sujeitos e intensificou a reativação de
redes de atores sociais que, a partir de “políticas do relato19” (FASSIN,
2005) e em diálogo com a justiça, reconstruíram a memória coletiva
(HALBWACHS, 1990) de suas experiências individuais em manuscritos
anexos em seus processos de indenização e inúmeros eventos públicos de
narrativa oral de suas trajetórias20. No entanto, neste momento, a capita-
lização política e a construção heroica da categoria de vítima da ditadura
são colocadas em xeque frente ao fato de uma possível indenização fi-
nanceira. São muitos os relatos de ex-presos e perseguidos políticos que
enfatizam o conflito desses sujeitos frente à ambiguidade de ter na Lei o
“reconhecimento dos erros políticos do Estado”, o qual admitiria com a
sua promulgação que prendeu e torturou inocentes simplesmente por se
oporem ao regime militar; mas, ao mesmo tempo, o desconforto de rece-
ber dinheiro por conta de danos que não podem ser ressarcidos financei-
ramente. Um dos relatos significativos nesse sentido foi o de Francisco:

Eu, particularmente, estava com essa dúvida, porque pareceu


que era recompensa. E achar que indeniza também não é verda-
de. Porque não indeniza nada. Mas acho que o importante é que
mostra que a justiça tem que ser feita, cedo ou tarde. Isso não é
completamente justiça, mas é o resgate do direito e, aí, não tem
que vacilar. Esse pessoal que recebe indenização está dizendo o
quê? Que a luta foi justa (Francisco apud AYDOS, 2002:99).

A fala mais recorrente entre os ex-presos políticos é a que enfatiza


que a tortura não tem preço, ou seja, toda a dor e o sofrimento a que foram
submetidos não podem ser mensurados (AYDOS, 2002). Como quantificar

18 As leis estão descritas na bibliografia.


19 Segundo Fassin (2005:219) as ‘políticas do relato’ “são uma forma contem-
porânea de gestão de pessoas pelo discurso introspectivo que tem de si mesmas”.
A Lei 11.042/97 ilustra esta política como uma “forma contemporânea de governa-
mentalidade” ao ter como ‘instrumento de prova’, a obtenção de relatos escritos dos
torturados sobre suas sequelas a fim de obter o reconhecimento por ela atribuído.
20 A Lei 11.042/97 solicitava a descrição pormenorizada e categorizada (físicas,
psíquicas e morais) das sequelas sofridas pelos presos e torturados. Sobre esse docu-
mento e, também, sobre os eventos públicos, ver a atuação do MEPPP e do Memorial
do Rio Grande do Sul, em Aydos (2002).

202
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

tanto sofrimento, dores, perdas e mortes? Embora esta seja uma elabora-
ção difícil para quem foi vítima da ditadura militar, era, por conseguinte,
uma necessidade sine qua non a fim de processar o Estado brasileiro.

Nada que eu me arrependa, nada que não tivesse de ser feito e que
eu não continue fazendo! Em segundo lugar, porque esta indeni-
zação não paga nada! Nada do que nós sofremos, nada do que nós
passamos, nada do que o povo continua passando! Mas esse pro-
cesso serviu para o governo aceitar que os militares nesta ditadura
tinham implantado esse regime de exceção, que torturam e fizeram
todas aquelas barbaridades atrozes! (Joana apud AYDOS, 2002:99).

Como podemos perceber, a construção social da categoria “víti-


mas da ditadura militar” como uma ferramenta de reivindicações de
uma existência social positivada e politicamente capitalizada não se dá
livre de tensões e ambiguidades. Se, por um lado, essas pessoas sentem-
-se vitoriosas sobre um Estado arbitrário; por outro se sentem violadas
em alguns dos seus valores político-ideológicos mais caros, como, por
exemplo, o ser socialista/comunista e o ser humanista.
A dicotomia excludente entre “dinheiro” e “direitos humanos”,
tão evidente nas falas de alguns sujeitos que foram torturados na época
da ditadura militar no RS, e que se viam frente a uma possível inde-
nização do Estado pelos danos morais, físicos e psicológicos causados
pelo Estado, permeavam as concepções “modernas” de mundo dos mi-
litantes políticos de esquerda da época. Os sujeitos indenizados pela
Lei falavam muito do objetivo “reparador” da indenização (sua dimen-
são moral, qualitativa), mas negavam a importância do dinheiro (di-
mensão mercantil, quantitativa). Ou seja, a visão desses sujeitos estava
informada por uma interpretação de que aceitar a indenização, por um
lado, significaria sair vitorioso de uma batalha de 30 anos, mas, por ou-
tro, seria um render-se à “quantificação do mundo da vida” (SIMMEL,
1998), pois, em sua oposição política ao “Capital”, entendiam-se como
“forças antieconômicas” (Weber apud CHANIAL, 2009), como sujeitos
mais “nobres” ou mais “humanistas” do que os “capitalistas burgueses”.
Torna-se, então, relevante para a compreensão da complexidade
e da ambiguidade da categoria política de vítima a percepção de que há

203
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

“bens que não têm preço”, ou mais especificamente, aqui, da condição não
indenizável porque “sagrada” da tortura. Como lembra Chanial (2009), o
“homem total” é um homem complexo, irredutível tanto à figura simples
do Homo Economicus, como à figura única do Homo Moralis. É importante
perceber que o econômico estava sim presente nas relações dos mili-
tantes, mas esse dinheiro adquiria nesse contexto “outros significados”
(WILKIS, 2008). Cabe ainda lembrar que também houve casos de pesso-
as que negaram entrar com processos de indenização. Frases como “não
precisamos de caridade”, “não resisti por dinheiro” ou “esta indenização
não vai me calar!” e a ênfase no fato de que “éramos jovens e demos nossa
vida pela democracia” foram significativas nas nossas pesquisas.
Também em termos políticos, contraditoriamente, ao mesmo
tempo em que o Estado dava sinais de evolução democrática, por
outro lado, havia sinais estanques de bloqueios e vetos dos militares
que ainda estavam na ativa e apontando cerceamento para a evolução
das questões dos direitos humanos no Brasil (GONZALES, 2010;
GALLO, 2012). Em síntese, houve a responsabilização dos crimes
cometidos pela ditadura, assim como houve a indenização às famí-
lias dos desaparecidos políticos e a indenização monetária aos tor-
turados. Da mesma forma, houve o pedido de desculpa pelo Estado;
porém, continuou impune quem cometeu tais arbítrios. Tal ato de
impunidade desvenda uma ferida ainda não cicatrizada nas vítimas
da ditadura, fato este que tornava a adjetivação de heróis apenas
um valor simbólico, pois estes não lograram vencer totalmente as
sequelas do regime militar em face dessas feridas abertas (imputar
culpa, julgar e punir quem os cometeu)21.

21 Embora nenhum torturador tenha sido formalmente julgado e condenado, no bojo


político dessas leis encontra-se a LEI nº 10.875 de 2004, a qual reconhece como mortas
pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades
políticas. Fica criada, portanto, a Comissão Especial que, em face das circunstâncias des-
critas no art. 1º desta Lei, assim como diante da situação política nacional compreendi-
da no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, tem as seguintes atri-
buições: [...]b) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação,
em atividades políticas, tenham falecido por causas não naturais, em dependências po-
liciais ou assemelhadas; c) que tenham falecido em virtude de repressão policial sofrida
em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público; d)
que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas
ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados
por agentes do poder público (http://www.planalto.gov.br/, Acesso em: 11/08/2013).

204
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Podemos dizer que o fato de não penalizar quem os torturou


ainda permanece como um sofrimento moral para esses personagens.
Diferentemente de outras partes do mundo, conforme referido no
caso da Argentina, onde os torturadores foram presos; ou mesmo o
caso da África do Sul, onde os algozes não foram presos, mas foram
expostos e obrigados a pedir desculpas (SAUNDERS, 2008), no caso
do Brasil há um tabu ainda a ser rompido. Na visão dos que sofreram
e foram vítimas há ainda um caminho a percorrer para que seja posto
um fim a esse caso: punir os torturadores. Tal fato, na visão de muitas
vítimas da ditadura, não seria revanchismo, mas uma questão de jus-
tiça, ou seja, seria uma condição sine qua non num país regido por uma
democracia em vias de consolidação e signatário de leis internacio-
nais que condenam a tortura - discussão extremamente debatida nas
comissões de ex-presos políticos, assim como de familiares de mortos
e desparecidos (GALLO, 2012).
Além da questão de colocar em cheque quem os torturou, surge
a necessidade de abertura de vários arquivos da repressão, nos quais,
possivelmente, seriam encontrados registros de quem foi preso, quem
foi morto, quem torturou, quem matou, onde estão ocultos os corpos.
Ou seja, mesmo o Estado reconhecendo uma morte presumida, for-
necendo atestado de óbito, faltava, necessariamente, o esclarecimento
do local onde estão enterrados os mortos (GALLO, 2012). Devemos
enfatizar tal questão retomando a personagem da mãe vítima-heroína
da década de 1970, para compreender seu espaço nos dias de hoje, pois
estas não conseguiram sepultar os seus filhos.
Ainda nos anos 2000, assim como houve a adjetivação dos per-
sonagens “vítimas-heróis”, também ocorreu o que podemos entender
como uma reintegração dos “companheiros” que não conseguiram
suportar as violências sofridas naquele momento retornaram à cena
política também como “vítimas” (GASPAROTTO, 2008). Ou seja, os
personagens que teriam “aberto” informações mediante tortura ou que
foram na televisão se mostrar como arrependidos, nos anos 2000 fo-
ram reinseridos nos grupos políticos de esquerda. Não se trata de uma
reparação de mea culpa da esquerda com esses personagens, mas sim a
compreensão de que todo o processo que eles sofreram na tortura e as

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Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

sequelas por ela deixadas também são, com o aplainar do tempo e por
eles serem reconhecidos como pares políticos, compreendidas.

Considerações finais

Assim como toda e qualquer “nomeação” de fenômenos sociais,


grupos ou identidades, a categoria “vítimas de ditadura militar” é cons-
truída de forma relacional e em um contexto situado no tempo-espaço.
Neste artigo, procuramos perceber as transformações da construção
social e os usos políticos dessa categoria ao longo de um percurso espe-
cífico da história política brasileira que vai de 1960 até os dias de hoje.
Nosso esforço foi o de contribuir tanto para os estudos políticos so-
bre a redemocratização do país quanto para a compreensão da centralida-
de que a categoria de vítima tem adquirido na sociedade contemporânea
enquanto ferramenta política de negociação e legitimação moral de de-
mandas sociais (SARTI, 2011; JIMENO, 2010). O caráter ao mesmo tem-
po subjetivo, social e político da categoria “vítimas da ditadura militar” a
torna interessante de ser compreendida em um recorte longitudinal e que
dê conta de um diálogo da ciência política com os estudos antropológicos
sobre a construção social de subjetividades em situações de violência.
Em termos gerais, o que pudemos perceber foi que “vítimas da
ditadura militar” é uma categoria social que se faz latente durante o pe-
ríodo de prisões e torturas desses sujeitos e, ao longo do tempo, com o
distanciamento da experiência traumática, passa por uma significação
subjetiva informada pelos saberes psis, sendo, por fim, ressignificada e
apropriada como uma categoria de empoderamento político.
Em termos políticos, podemos dizer que houve, portanto, dois
movimentos: 1) um primeiro por parte do Estado, que procurou, pri-
meiramente, calar os seus oponentes e solenemente calar-se, para, de-
pois, começar a ensaiar de maneira fragmentada um processo de repa-
ração a essas vítimas; e 2) um segundo processo contínuo e crescente
da busca pela justiça e pela verdade, inicialmente dentro das limitações
e cerceamento de uma democracia frágil, para, em seguida, ter força
política buscando fazer-se ouvir e se fazer presente em projetos políti-
cos consistentes do Estado como a Comissão da Verdade.

206
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

Neste sentido, a reparação política para os ex-presos do regime


militar foi um processo de relativa e longa duração, cuja crescente ver-
balização da dor, da humilhação e do sofrimento foi paulatinamente
transformada e ressignificada na construção de subjetividades calcadas
na categoria de vítima como “biolegítima” (FASSIN, 2005), cujo status
permitiu reivindicações de reconhecimento e reparações pelo que so-
freram no período ditatorial.
Essa legitimação das “vítimas da ditadura” se dá na crescente
apropriação social e política da categoria ao longo do processo histó-
rico analisado, a qual permitiu uma reunião de uma dor subjetiva que
incidiu no sofrimento do corpo – como é uma experiência de tortura –
com a ação “política”, de exigência de reparações pelos danos causados
pelo Estado. É nessa relação, ora de oposição, ora de reciprocidade,
que se estabelece socialmente entre as “vítimas da ditadura militar” e
o Estado, em suas diversas facetas políticas ao longo da história, que
novas subjetividades (psi ou heroicas) reivindicam sua legitimidade e
existência social no cenário político brasileiro.

207
Os Comunistas Brasileiros e a Ditadura Militar: política, memória e testemunho

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SOBRE O AUTOR

César Alessandro Sagrillo Figueiredo possui doutorado em Ciência


Política na linha de pesquisa de Política Internacional pelo Programa
de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e Mestrado em Ciência Política pela mesma
Instituição e programa em 2009. Também, foi professor no curso O
ENSINO DA SOCIOLOGIA PARA PROFESSORES DO ENSINO
MÉDIO pela UFRGS. Foi bolsista de Pós-Doutorado da Universida-
de Federal de Pelotas (UFPEL) no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Política (PPGCPOL), fazendo parte da equipe do Projeto de
Investigação de Metodologia de Pesquisa em Ciência Política do Núcleo
de Políticas Públicas (NEPU) e como professor docente do PPGCPOL/
UFPel. Foi coordenador do curso de Licenciatura em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Tocantins, na gestão de abril de 2015 a
abril de 2017. Está vinculado como prof.º Adjunto I em Ciência Política
do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal
de Tocantins (UFT) e líder do Grupo de Pesquisa Violência e Estado.
Atualmente, faz parte do PPG Letras da UFT, desenvolvendo pesqui-
sa de pós-doutorado com o tema acerca da Literatura do Exílio.Tra-
balha com a linha de pesquisa em Memória Política, Ditadura Militar,
Partidos Políticos e Literatura Política desenvolvendo pesquisa sobre
a Guerrilha do Araguaia, Reparações do Estado e Memória do Exílio.

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