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DADOS DE ODINRIGHT

Sobre a obra:

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conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e
poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a
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Este livro é dedicado à minha amiga Thia Rose. Quando nós
tínhamos 12 anos,
juramos que seríamos melhores amigas para sempre...
 

...e, após muitos mais anos do que


gostaríamos de contar, ainda somos.
Sumário

Nota dos editores


Agradecimentos
Capítulo Um .Sorte de Mercador
Capítulo Dois. Sonhos ylesianos
Capítulo Três. Pouso de emergência
Capítulo Quatro. Muuurgh
Capítulo Cinco. Guerras de especiarias
Capítulo Seis. Alderaan e de volta outra vez
Capítulo Sete. Bria
Capítulo Oito. Revelações
Capítulo Nove. Achados e perdidos
Capítulo Dez. Adeus ao paraíso?
Capítulo Onze. Velocidade de escape
Capítulo Doze. Togoria
Capítulo Treze. Retorno a Corellia
Capítulo Catorze. Na pior em Coruscant
Capítulo Quinze. Saindo do fogo
Epílogo. Renascimento
NOTA DOS EDITORES

O universo de STAR WARS é infinitamente rico e criativo.


Desde 1977, inúmeros planetas, raças alienígenas e
personagens vêm despertando a imaginação de fãs do
mundo inteiro. A ideia de expandir um universo ficcional,
embora não seja nova, ganha novas proporções com STAR
WARS. O livro STAR WARS: from the adventures of Luke
Skywalker , novelização do Episódio IV da saga, foi lançado
em 1976, antes mesmo da estreia do filme no cinema. E,
antes do final da trilogia clássica, já existiam diversos
quadrinhos e romances, que muitas vezes davam sinais dos
caminhos a ser seguidos depois nas telas, ou mesmo, como
no caso do livro Splinter of the mind’s eye , de Alan Dean
Foster, diferiam completamente da trajetória seguida nas
continuações. Esse era apenas um prelúdio da força que o
Universo Expandido de STAR WARS acumularia nas décadas
seguintes.
Embora outras rarefeitas obras tenham sido lançadas no
início dos anos 1980, dois marcos importantes deram
impulso à saga, projetando-a ao atual ousado projeto
transmídia: em 1987, veio o lançamento do RPG STAR
WARS: The Roleplaying Game ; em 1991, a publicação de
STAR WARS: Herdeiro do Império , de Timothy Zahn.
Enquanto a importância do RPG foi estabelecer novos
cenários e trazer detalhes do universo de STAR WARS, o
livro de Zahn fez história ao ser o primeiro com autorização
oficial da Lucasfilm para abordar os acontecimentos
posteriores ao Episódio VI. Os personagens e as histórias do
livro foram aproveitados por toda uma nova geração de
autores, que escreveram centenas de obras a fim de
complementar cada vez mais esse universo e saciar a sede
dos fãs, especialmente durante o intervalo de quinze anos
entre os lançamentos das duas primeiras trilogias no
cinema – e também depois.
Em 2014, a Lucasfilm lançou o novo conceito de STAR
WARS, aplicável a filmes, HQs, livros, videogames e séries
televisivas relacionados à franquia, formando um só cânone.
Juntos, todos esses registros contam uma única história no
universo de STAR WARS, complementando e continuando os
filmes lançados no cinema entre 1977 e 2005, além de
servirem como preparação para os tão esperados novos
filmes, a começar com STAR WARS: O despertar da Força
em 2015. Todas as obras publicadas antes de 2014 passam
a ser classificadas como Legends : histórias que não
serviram como base para o cânone estabelecido pela
Lucasfilm para STAR WARS, mas cuja importância e cuja
qualidade continuam sendo apreciadas.
Participando dessa nova e empolgante fase de STAR
WARS, a Editora Aleph pretende lançar todos os romances
adultos do novo cânone, bem como uma seleção dos títulos
Legends mais relevantes. Convidamos os leitores a
embarcar conosco nessa jornada rumo a uma galáxia muito,
muito distante.
E trata-se de uma viagem que não tem ponto de partida
nem direção definidos. Não importa por qual obra você
decida começar, seja por uma das novas ou uma das
Legends . Temos a certeza de que viverá uma grande
aventura.
Que a Força esteja com você.

EDITORA ALEPH
Agradecimentos

Escrever para o universo STAR WARS é como se tornar


parte de uma comunidade – ou até mesmo de uma família.
Os autores são encorajados a ler os livros uns dos outros, e
há dúzias de livros de não ficção e técnicos dedicados aos
personagens, equipamentos, planetas e assim por diante.
Nós, autores, trocamos informações e dicas e nos ajudamos
mutuamente sempre que possível.
Assim sendo, muitas, muitas pessoas me ajudaram com
este livro. Com a advertência de que quaisquer erros que os
leitores possam encontrar são só meus, eu gostaria de
agradecer às seguintes pessoas:
Kevin Anderson, que me deu minha primeira chance de
escrever para o universo STAR WARS. Kevin e Rebecca
Moesta também me ajudaram com informações sobre o
histórico e os personagens de STAR WARS, além de me
darem apoio, incentivo e sábios conselhos.
Michael Capobianco, meu colega e marido, pelas sessões
de brainstorming, pela ajuda na pesquisa, pelos conselhos
inteligentes, e por me trazer o jantar quando eu estava
ocupada demais escrevendo para perceber que estava com
fome. Obrigada, querido.
Bill Smith e Peter Schewighofer da West End Games por
terem me ajudado a descobrir as respostas para perguntas
tão estranhas e exóticas como “que tipo de roupa de baixo
Han Solo prefere?”. Eles me “desempacaram” de tais
dilemas mais vezes do que posso contar.
Tom Dupree e Evelyn Cainto da Bantam Books pela
ajuda, conselhos e incentivo.
Sue Rostoni e Lucy Autrey Wilson da Lucasfilm pelos
“fatos reais”.
Michael A. Stackpole, pela ajuda em descobrir como
quebrar um raio trator, e outros conselhos relacionados a
naves e pilotagem.
Steve Osmanski, por ter lido o manuscrito e me oferecido
conselhos preciosos sobre coisas “techies”.
Como sempre, Kathy O’Malley, amiga e colega de escrita,
por segurar minha mão e me dar um ocasional e merecido
chute no traseiro.
E, é claro, George Lucas, que começou tudo isso. STAR
WARS me deixou louca na primeira vez que vi, e foi uma
honra dar minha pequena contribuição para a saga.
Obrigada de novo, e que a Força esteja com todos vocês.
O antiquíssimo transporte de tropas, uma relíquia das
Guerras Clônicas, pairava silencioso e aparentemente
abandonado em órbita sobre o planeta Corellia. As
aparências enganam, porém. A velha nave da classe
libertador, outrora batizada de Guardião da República ,
agora vivia uma nova existência como Sorte de Mercador .
O interior tinha sido inteiramente estripado e reformado
com um sortimento heterogêneo de alojamentos, e agora
continha quase uma centena de seres sencientes, muitos
deles humanoides. Naquele momento, porém, apenas
alguns deles estavam acordados, já que era o meio do ciclo
de repouso.
Havia um turno de serviço na ponte, é claro. A Sorte de
Mercador passava muito de seu tempo em órbita, mas
ainda era capaz de viajar pelo hiperespaço, mesmo que
fosse lenta para os padrões modernos. Garris Shrike, o líder
do “clã” frouxamente unido de mercadores que vivia na
Sorte , era um capataz rígido, que seguia protocolos navais
formais. Então sempre havia um turno de serviço na ponte.
As ordens de Shrike a bordo da Sorte eram sempre
cumpridas, pois ele não era um homem a ser confrontado
sem um bom motivo e uma pistola carregada. Governava o
clã de mercadores como um déspota não tão benevolente.
Um sujeito magro de altura mediana, Garris era bonito de
uma forma durona. As mechas de cabelo branco-prateado
acima das têmporas acentuavam os cabelos negros e os
olhos azul-gelo. Tinha lábios finos e raramente sorria; jamais
por bom humor. Garris Shrike era um exímio atirador e tinha
passado a juventude como caçador de recompensas. Havia
abandonado essa carreira, porém, devido ao “azar”; ou seja,
sua falta de paciência tinha lhe feito sacrificar as
recompensas mais polpudas, reservadas para entregas
vivas. Corpos mortos frequentemente valiam muito menos.
Entretanto, Shrike era dono de um senso de humor
doentio, especialmente no que dizia respeito ao sofrimento
alheio. Quando estava ganhando no jogo, era sujeito a
surtos de alegria maníaca, especialmente se também
estivesse bêbado.
Que era como ele estava naquele momento. Sentado à
mesa no antigo alojamento de oficiais alistados, Shrike
jogava sabacc e virava canecas da poderosa cerveja de
Alderaan, sua bebida favorita.
Shrike espiou suas cartas chipadas, calculando
mentalmente. Deveria ele manter aquela mão, na
esperança de completar um sabacc puro? A qualquer
momento, o crupiê poderia apertar um botão e os valores
de todas as cartas mudariam. Se isso acontecesse, ele
estaria perdido, a não ser que comprasse mais duas cartas
e jogasse a mão quase toda no campo de interferência no
centro da mesa.
Um dos outros jogadores, um imenso Elomin, virou a
cabeça com presas e deu uma olhada para trás
subitamente. Havia uma luz piscando num dos painéis
auxiliares de status. O enorme ser peludo grunhiu, depois
comentou em língua básica gutural:
– Tem alguma coisa estranha com o sensor da tranca do
arsenal, capitão.
Shrike insistia em manter protocolo e cadeia de comando
“apropriados”, especialmente no que se aplicasse a ele
mesmo. A não ser que estivesse metido em alguma
aventura em terra firme, sempre vestia uniforme militar
dentro da Sorte; um uniforme que ele mesmo tinha
desenhado, com base no traje de gala de um moff de alta
patente. Era cheio de “medalhas” e “condecorações” que
Shrike tinha colecionado em casas de penhores pela
galáxia.
Agora, ao ouvir o aviso do Elomin, ele ergueu os olhos
embaçados, esfregou-os, depois se endireitou e largou as
cartas chipadas na mesa.
– O que foi, Brafid?
O gigante franziu o focinho dentuço.
– Não sei direito, capitão. Agora está normal, mas alguma
coisa piscou, como se a tranca tivesse dado curto por um
segundo. Deve ter sido só uma flutuação de força
momentânea.
O capitão se levantou com graça e coordenação
incomuns, que não foram prejudicadas pelo “uniforme”
extravagante, e contornou a mesa para avaliar os
indicadores. Todos os sinais de embriaguez desapareceram.
– Não foi uma flutuação de força – decidiu depois de um
momento. – Foi outra coisa.
Em seguida, o capitão se dirigiu ao humano alto e
corpulento à sua esquerda.
– Larrad, dê uma olhada nisto. Alguém deu curto na
tranca e colocou uma simulação para nos fazer achar que
era só uma flutuação de força. Temos um ladrão a bordo.
Todo mundo armado?
Larrad, que calhava de ser o irmão de Garris, Larrad
Shrike, deu tapinhas no coldre na perna e assentiu com a
cabeça. Brafid, o Elomin, apontou o “formigador”, um
aguilhão elétrico que era sua arma preferida, embora o
alienígena peludo fosse grande o bastante para pegar a
maioria dos humanoides e parti-los ao meio em seu joelho.
A outra pessoa presente, uma Sullustana que trabalhava
como a navegadora da Sorte , levantou-se e mostrou a
arma de raios de tamanho reduzido que portava.
– Pronta para a ação, capitão! – guinchou ela. Apesar de
ser baixinha, com bochechas caídas e grandes olhos
brilhantes e belos, Nooni Dalvo parecia ser quase tão
perigosa quanto o imenso Elomin, que era seu melhor
amigo a bordo.
– Ótimo – resmungou Shrike. – Nooni, vá colocar um
guarda no arsenal, para o caso de o ladrão voltar. Larrad,
ative os biossensores, veja se você consegue identificar o
larápio e para onde ele vai.
O irmão de Shrike fez que sim com a cabeça e se curvou
sobre o painel de controle auxiliar.
– Humano corelliano – anunciou depois de um momento.
– Homem. Jovem. Altura: 1,8 metro. Cabelos e olhos
escuros. Físico esguio. O biossensor o reconhece. Ruma
para a popa, em direção à cozinha.
A expressão de Shrike se endureceu até que seus olhos
estavam tão frios e azuis quanto as geleiras de Hoth.
– O moleque Solo – disse ele. – É o único metido o
bastante para tentar uma coisa dessas. – O capitão
flexionou os dedos e depois os cerrou num punho. Seu anel,
feito de uma gema solitária de veneno-de-sangue
devaroniano, reluziu num prateado baço sob as luzes da
antepara. – Bem, peguei leve com ele até agora, porque ele
manda bem no swoop, e eu nunca perdi apostando nele,
mas agora chega. Esta noite vou ensinar esse garoto a
respeitar a autoridade, e ele vai se arrepender de ter
nascido.
Shrike exibiu os dentes, muito mais brilhantes que a
gema do anel.
– Vai se arrepender também do dia que eu o “encontrei”
dezessete anos atrás e trouxe seu traseiro de fedelho
chorão de fralda molhada para a Sorte. Sou um homem
paciente, tolerante... – Ele suspirou dramaticamente. – ...
como a galáxia bem sabe, mas até eu tenho meus limites.
Deu uma olhada no irmão, que parecia bem
constrangido. Garris se perguntou se Larrad estaria se
lembrando da última sessão de castigo do moleque Solo um
ano antes. O garoto tinha ficado dois dias sem poder andar.
Shrike cerrou os lábios. Ele não toleraria nenhum tipo de
brandura em seus subordinados.
– Certo, Larrad? – indagou ele, baixo demais.
– Certo, capitão!
Han Solo segurou a arma de raios roubada enquanto se
esgueirava pelo estreito corredor de metal. Quando plugou
o simulador e forçou a tranca do armário de arsenal, teve
apenas um momento para enfiar a mão e agarrar a primeira
arma que tocou. Não houve tempo para avaliar e escolher.
Nervoso, o rapaz afastou as mechas de cabelo castanho
úmidas que caíam sobre sua testa e percebeu que estava
suando. A arma parecia pesada e desajeitada em suas mãos
enquanto ele a examinava. Han raramente pegara numa
arma antes, e só sabia como conferir a carga porque tinha
lido sobre isso. Nunca tinha disparado um tiro. Garris Shrike
não permitia que ninguém além de seus oficiais andasse
armado. O jovem piloto de swoop estreitou os olhos na
penumbra, abriu um pequeno painel na parte mais grossa
do cano e espiou as leituras. Ótimo. Carga completa. Shrike
pode ser um valentão e um idiota, mas sabe como manter
uma nave organizada.
Solo não admitiria nem mesmo para si o quanto ele
realmente temia e odiava o capitão da Sorte de Mercador .
Tinha aprendido há muito tempo que demonstrar qualquer
tipo de medo era garantia de uma surra rápida, ou coisa
pior. A única coisa que os valentões e os idiotas respeitavam
era coragem; ou, pelo menos, bravatas. Então Han Solo
tinha aprendido a nunca deixar que o medo emergisse em
sua mente ou coração. Havia momentos em que ele ficava
vagamente ciente de que ele estava lá, bem no fundo,
enterrado sob camadas de dureza das ruas, porém, sempre
que reconhecia o sentimento pelo que realmente era, Han o
enterrava ainda mais fundo, com vontade.
Como teste, ele levou a arma de raios até a altura dos
olhos e desajeitadamente fechou um olho castanho,
enquanto espiava ao longo do cano. O bocal da arma
oscilou de leve, e Han praguejou baixinho ao perceber que a
mão estava tremendo. Qual é, disse a si mesmo, mostre
que tem uma espinha dorsal, Solo. Cair fora desta nave e
escapar de Shrike valem um pouco de risco.
Deu uma olhada para trás por reflexo, depois se virou
bem a tempo de se abaixar para passar sob um conduíte de
energia que pendia baixo. Tinha escolhido esta rota porque
ela evitava todos os alojamentos e áreas recreativas, mas
era tão estreita e baixa que Han começava a se sentir
claustrofóbico enquanto avançava pé ante pé, resistindo à
vontade de ficar olhando para trás.
Adiante, o túnel se alargava e Han percebeu que estava
quase em seu destino. Só mais alguns minutos , disse a si
mesmo. Ele se movia com uma graça furtiva que tornava
seu progresso tão silencioso quanto as almofadinhas
peludas nas patas de um wonat. Ele estava contornando os
módulos de hiperespaço naquele momento e depois
chegaria a um corredor transversal maior. Han virou à
direita, aliviado em poder andar ereto.
Esgueirou-se até a porta da cozinha principal e hesitou
do lado de fora, prestando atenção em cheiros e ruídos.
Ruídos... sim, apenas aquele que ele esperava escutar. A
algazarra das panelas, o spluuuush da massa sendo
esmurrada e, por fim, os suaves sons dela sendo sovada.
Dava para sentir o cheiro da massa. Pão wastril, o
favorito dele. Han espremeu os lábios. Com sorte, ele não
estaria aqui para comer nenhum pão dessa fornada em
particular.
Meteu a arma de raios no cinto, abriu a porta e entrou na
cozinha.
– Ei... Dewlanna... – chamou ele em voz baixa. – Sou eu.
Vim me despedir.
A criatura alta e peluda que estava sovando
vigorosamente a massa de wastril girou para o rapaz com
um grunhido suave e inquisitivo.
O nome completo de Dewlanna era Dewlannamapia, e
ela tinha sido a melhor amiga de Han desde que viera morar
a bordo da Sorte de Mercador há quase 10 anos, quando
Han tinha mais ou menos 9. (O jovem piloto de swoop
obviamente não fazia ideia de quando tinha nascido. Ou
quem foram seus pais. Se não fosse por Dewlanna, ele não
saberia nem que seu sobrenome era “Solo”.)
Han não conseguia falar wookiee; tentar reproduzir os
grunhidos, rosnados, latidos e rugidos deixava sua garganta
dolorida, e ele sabia que soava ridículo; mas entendia muito
bem. Por sua vez, Dewlanna não conseguia falar a língua
básica, mas a compreendia tão bem quanto a própria
língua. Assim sendo, a comunicação entre o jovem humano
e a idosa viúva Wookiee era fluente, mas... diferente.
Han tinha se acostumado à situação fazia anos e nem
pensava mais no assunto. Ele e Dewlanna simplesmente...
conversavam. Entendiam um ao outro perfeitamente. Agora
ele ergueu a pistola roubada, tomando o cuidado de não
apontá-la à amiga.
– Sim – respondeu ele à pergunta de Dewlanna. – É esta
noite. Vou embora da Sorte de Mercador e não volto nunca
mais.
Dewlanna ribombou de volta preocupada enquanto
voltava automaticamente a sovar a massa. Han balançou a
cabeça, lhe dando um sorriso torto.
– Você se preocupa demais, Dewlanna. Claro que eu
planejei tudo. Estou com um traje espacial escondido num
armário perto das docas de cargueiros-robô, e tem uma
nave atracada lá agora que vai partir assim que terminar de
descarregar e reabastecer. Um cargueiro-robô, que vai
rumar para onde eu quero ir.
Dewlanna socou a massa, depois grunhiu uma pergunta.
– Vou para Ylesia – contou Han. – Lembra que eu lhe
contei tudo sobre esse lugar? É uma colônia religiosa perto
do território Hutt, e eles oferecem aos peregrinos santuário
do universo exterior. Lá eu estarei a salvo de Shrike. E... –
Ele ergueu um pequeno holodisco para que a cozinheira
Wookiee pudesse ver. – Veja só isso! Eles puseram um
anúncio procurando um piloto! Já usei o resto dos créditos
da minha porção daquele último serviço que a gente fez
para mandar a mensagem, avisando que vou fazer uma
entrevista pelo emprego.
Dewlanna rugiu baixinho.
– Ei, não posso aceitar isso – protestou Han, assistindo
enquanto a cozinheira colocava os pães nas formas e então
na grade termal, para que assassem. – Vou ficar bem. É só
surripiar alguns créditos a caminho da nave-robô. Não
esquenta, Dewlanna.
A Wookiee o ignorou e atravessou rapidamente a
cozinha, um vulto peludo e um pouco curvado que se movia
com agilidade, apesar da idade avançada. Dewlanna tinha
quase 600 anos, pelo que Han sabia. Velha até para um
Wookiee.
Ela desapareceu pela porta do seu alojamento particular
e então, um momento depois, ressurgiu segurando uma
bolsa trançada de algum material sedoso que poderia até,
pela aparência, ser de pelo de Wookiee.
Dewlanna estendeu a bolsa para Han com um queixume
insistente.
Han balançou a cabeça de novo e colocou as mãos para
trás de forma infantil.
– Não – retrucou com firmeza. – Não vou levar suas
economias, Dewlanna. Você precisa desses créditos para
comprar uma passagem e me encontrar depois.
A Wookiee inclinou a cabeça para o lado e fez um ruído
curto e inquisitivo.
– É claro que você vai me encontrar! – insistiu Han. –
Você não acha que eu vou deixar você apodrecendo aqui
nessa lata velha, né? Shrike fica mais maluco a cada ano, e
ninguém está a salvo a bordo da Sorte . Depois que eu
chegar a Ylesia e me assentar, vou mandar buscar você.
Ylesia é um retiro religioso, e eles oferecem asilo aos
peregrinos. Shrike não poderá nos tocar por lá.
Dewlanna botou a mão dentro da bolsa, usando os dedos
surpreendentemente ágeis para selecionar as fichas de
créditos, e por fim entregou várias ao jovem amigo. Com um
suspiro, Han se rendeu e as aceitou.
– Certo... tudo bem. Mas isto é só um empréstimo,
combinado? Eu vou pagar você. Os sacerdotes Ylesianos
estão oferecendo um bom salário.
Ela concordou com um grunhido e em seguida, sem
aviso, usou a pata imensa para agitar os cabelos do rapaz,
deixando-os eriçados em completa bagunça.
– Ei! – exclamou Han. Cafunés de Wookiees não eram
moleza. – Eu acabei de pentear o cabelo!
Dewlanna grunhiu, divertida, e Han se endireitou
indignado.
– Eu não fico mais bonito relaxado. Já falei para você que
o termo “relaxado” não é um elogio para os humanos.
Han encarou a amiga, e sua indignação desapareceu
conforme ele percebeu que esta seria a última vez em um
longo tempo que veria aquele amado rosto peludo e os
gentis olhos azuis. Dewlanna tinha sido sua amiga mais
próxima – e frequentemente sua única amiga – por tanto
tempo. Deixá-la era difícil, muito difícil.
Num impulso, o jovem corelliano se jogou contra a
calorosa e sólida amiga, abraçando-a com força. Sua cabeça
batia no meio do peito dela. Han se lembrava de quando
mal alcançava a cintura.
– Vou sentir saudades suas – afirmou ele, o rosto abafado
contra o pelo e os olhos ardendo. – Você se cuide,
Dewlanna.
Ela rugiu baixinho, e os longos braços peludos o
envolveram quando ela devolveu o abraço.
– Ora, se esta não é uma cena tocante – comentou uma
voz fria e familiar demais.
Han e Dewlanna ficaram paralisados, e depois giraram
para encarar o homem que entrou pelo alojamento da
Wookiee. Garris Shrike estava encostado na porta, seus
belos traços formando um sorriso que fez o sangue de Han
gelar nas veias. Ao seu lado, ele sentiu Dewlanna
estremecer, de medo ou talvez de ódio.
Dois outros tripulantes, Larrad Shrike e Brafid, o Elomin,
estavam atrás de Shrike. Han cerrou o punho em frustração.
Se fosse apenas Shrike, ele teria podido tentar atacar o
capitão da Sorte . Com Dewlanna para ajudar, os dois talvez
conseguissem subjugar Garris, porém, com Larrad e o
Elomin presentes, não teriam chance.
Han estava muito ciente da pistola roubada enfiada no
cinto. Por um momento, considerou sacá-la, mas abandonou
a ideia. Shrike era conhecido por ser rápido no gatilho. Não
teria a menor chance de batê-lo, e poderia acabar
provocando as mortes dele e de Dewlanna. Shrike estava
claramente enfurecido.
Han lambeu os lábios secos.
– Escute, capitão – começou ele. – Eu posso explicar...
Shrike se endireitou e estreitou os olhos.
– Você pode explicar o quê , seu traidorzinho covarde? O
roubo à sua família? A traição àqueles que confiaram em
você? A facada que você deu nas costas do seu benfeitor,
seu ladrãozinho chorão?
– Mas...
– Estou cansado de você, Solo. Fui tolerante até hoje por
causa da sua habilidade incrível como piloto de swoop, e
todos aqueles créditos de premiação vieram a calhar, só
que a minha paciência se esgotou. – Shrike enrolou
cerimoniosamente as mangas do extravagante uniforme,
depois cerrou as mãos em punhos. A luz artificial da cozinha
fez o anel de gema de sangue brilhar num prateado baço. –
Vamos ver o que alguns dias enfrentando envenenamento
de sangue devaroniano farão com sua atitude; além de
alguns ossos quebrados, talvez. Estou fazendo isso pelo seu
próprio bem, moleque. Algum dia você vai me agradecer.
Han engoliu em seco de terror quando Shrike começou a
se aproximar. Tinha agredido o capitão mercador uma única
vez antes, há dois anos, quando se sentira arrogante depois
de vencer o vale-tudo de gladiadores em Jubilar; e se
arrependera imediatamente. A velocidade e força do golpe
de resposta de Garris tinham jogado sua cabeça para trás e
ferido seus lábios tão completamente que Dewlanna fora
forçada a alimentá-lo com mingau por uma semana até
sararem.
Com um rosnado, Dewlanna deu um passo à frente. A
mão de Shrike caiu na pistola.
– Você fique fora desta, Wookiee velha – retrucou ele com
tanta ferocidade quanto Dewlanna. – Sua comida não é tão
boa assim.
Han segurou o braço peludo da amiga e tentou detê-la.
– Dewlanna, não!
Ela se soltou do rapaz como se ele fosse um inseto
irritante e rugiu para Shrike. O capitão sacou a pistola de
raios, e o caos irrompeu.
– Nãããoo! – gritou Han. O rapaz saltou em seguida, com
o pé estendido para frente numa velha técnica de luta de
rua. O peito do pé acertou solidamente o esterno de Shrike.
O capitão perdeu o fôlego num grande houf! enquanto caía
para trás. Han rolou ao aterrissar. Um disparo de formigador
passou fervendo de raspão pela sua orelha.
– Larrad! – ofegou o capitão enquanto Dewlanna vinha
para cima dele.
O irmão de Shrike sacou a arma de raios e a apontou
contra a Wookiee.
– Pare, Dewlanna!
Suas palavras foram tão inúteis quanto as de Han. O
sangue de Dewlanna fervia; ela estava possuída pela fúria
guerreira wookiee. Com um rugido que ensurdeceu os
combatentes, ela agarrou o pulso de Larrad e deu um
puxão, girando-o e lhe dando um tranco numa paródia
terrível do gesto de chicotear. Han ouviu um crunch
misturado a vários pops enquanto tendões e ligamentos
cediam. Larrad Shrike berrou, um grito agudo e estridente
tão cheio de dor que o braço do jovem corelliano doeu em
solidariedade.
Han pegou a pistola no cinto e disparou um tiro brusco
contra o Elomin que saltava para frente, com o formigador
em riste e apontado para o abdome de Dewlanna. Brafid
uivou e soltou a arma. Han ficou espantado de ter
conseguido acertar, mas não teve muito tempo para se
maravilhar com sua mira precisa.
Shrike se levantava cambaleante com a pistola na mão,
mirando diretamente na cabeça de Han.
– Larrad? – gritou ele para o amontoado de agonia que
era seu irmão. Larrad não respondeu.
Shrike engatilhou a pistola e chegou mais perto de Han.
– Pare, Dewlanna! – rosnou o capitão para a Wookiee. –
Ou seu amiguinho Solo vai morrer!
Han largou a arma e ergueu as mãos num gesto de
rendição.
Dewlanna se deteve onde estava e grunhiu baixinho.
Shrike firmou a arma e o dedo tencionou o gatilho. Suas
feições estavam marcadas por um ódio puro e malévolo.
Então ele sorriu, seus pálidos olhos azuis cintilando com
alegria brutal.
– Pelos crimes de insubordinação e ataque ao seu capitão
– anunciou ele –, eu o sentencio à morte, Solo. Que você
apodreça em todos os infernos que já existiram.
Han ficou paralisado, esperando o raio que o fritaria a
qualquer momento, mas Dewlanna rugiu, empurrou Han
para o lado e saltou contra Shrike. O raio de energia da
pistola a acertou em cheio no peito, e a Wookiee desabou
num monte de pelo chamuscado e carne queimada.
– Dewlanna! – gritou Han em agonia. Com uma
velocidade que ele não sabia ter, o rapaz mergulhou sobre
Shrike e acertou com força os joelhos do capitão. Shrike foi
atirado para trás de novo, e desta vez sua cabeça bateu
com violência no convés. Ele desmaiou.
Han engatinhou até a amiga e a virou gentilmente,
vendo o grande buraco que o raio da pistola tinha aberto
em seu peito. Soube imediatamente que a ferida era mortal.
Nenhum droide médico já construído seria capaz de curar
aquilo. Dewlanna gemeu, arquejou e lutou com toda sua
força wookiee para respirar. Han passou os braços sob os
ombros dela e tentou facilitar sua luta. Os olhos azuis dela
se abriram e, depois de um momento, se fixaram nos dele.
A lucidez retornou, e Dewlanna reverberou baixinho.
– Não, não vou deixar você! – respondeu Han, agarrando-
a com mais força. As lágrimas borravam-lhe a visão, e ela
nadava abaixo do rapaz num mar de pelos castanhos. – Não
me importo mais em fugir! Ah, Dewlanna...
Com grande esforço, ela ergueu uma imensa pata-mão
peluda e segurou o braço do rapaz. Han fez um esforço para
traduzir o que ela dizia.
– Eu sei – soluçou Han, falando alto para que ela
soubesse que ele tinha entendido. – Sei que você me ama...
– Ela ribombou de novo. – ... tanto quanto ama seus próprios
filhos.
Han engoliu, a garganta apertada e dolorida.
– Eu também me sinto assim, Dewlanna. Você vai sempre
ser a mãe que eu não tive.
Um longo gemido de angústia a fez estremecer. Ela
ribombou mais uma vez.
– Não – insistiu Han. – Não vou deixar você. Vou ficar aqui
até... até... – Ele não conseguiu terminar a frase.
Dewlanna agarrou o braço dele com uma ressurgência de
sua velha força e rosnou para Han com urgência.
– Se eu... – Han estava com dificuldades para entender a
fala pastosa dela. – Se eu morrer... nada? Ah, você está
dizendo que, se eu não viver, você terá morrido por nada?
Ela concordou com a cabeça. Em meio ao ninho de pelos,
os olhos de Dewlanna sustentavam o olhar de Han com toda
a intensidade que ela conseguiu reunir. Han balançou a
cabeça com teimosia. Como ele poderia abandoná-la para
morrer sozinha?
Dewlanna roncou baixinho, de leve.
– Sim, eu sei que você ficará bem, reunida ao poder vital
– concordou Han, tentando soar sincero. Sabia que os
Wookiees acreditavam num poder que unia toda a
existência. Pessoalmente, ele achava que esse poder (ele
nunca tinha conseguido traduzir o termo precisamente; a
palavra wookiee poderia significar “potência” ou “força”)
em que Dewlanna acreditava com tanta firmeza não
passava de superstição.
Porém, se fosse um conforto para ela acreditar naquilo
em seus momentos finais, Han não discutiria. Lembrou-se
das palavras que ela tinha lhe dito tantas vezes.
– Dewlanna, que o poder vital esteja com você... – Por um
momento ele desejou que também pudesse acreditar...
Ela gemeu de dor. Han percebeu que ela se ia
rapidamente. Então Dewlanna ribombou fracamente, e mais
uma vez ele traduziu automaticamente.
– Seu último pedido... – Ele engasgou, mal capaz de
pronunciar as palavras. – Você quer que eu... me vá... para
viver. E para ser... feliz.
Han fez um esforço para não irromper em lágrimas.
– Tudo bem – concordou ele. – Eu vou. Ainda tenho tempo
para embarcar naquela nave-robô antes que ela decole.
Dewlanna ganiu fracamente.
– Eu prometo – concordou ele, com a voz falhando. – Vou
agora. E juro que sempre me lembrarei de você, Dewlanna.
Ela já não conseguia dizer mais nada, mas ele tinha
certeza de que a amiga o ouvira. Han a deitou gentilmente
no convés, depois se levantou e pegou a pistola. Então,
depois de lançar um último olhar a Dewlanna, Han Solo se
virou e saiu correndo pela porta.
Seus passos ecoavam enquanto ele corria pelos
corredores da Sorte de Mercador , pois aquele não era mais
o momento de ser furtivo. Ele tinha que alcançar o vão de
atracagem e aquele cargueiro-robô ylesiano! Han não fazia
ideia de quando a nave partiria da Sorte , mas o
cronograma de carga e descarga postado para os
estivadores espaciais tinha listado o cargueiro como
estando pronto para partir assim que os droides
terminassem de reabastecê-lo. E, quando Han surrupiara e
escondera o traje espacial, eles tinham acabado de iniciar o
processo.
A Sonho Ylesiano poderia partir a qualquer momento!
Ofegante, Han saiu correndo para a escotilha, os pés
batendo nos conveses que tinham sido seu playground
desde que ele se entendera por gente. Ao longe, o rapaz
ouviu vozes sonolentas, misturadas a gritos e ordens.
Não posso deixar que eles me peguem. Shrike vai me
matar. Essa certeza concedeu velocidade aos seus pés.
Han derrapou pela curva final e agarrou o traje espacial
que tinha ocultado atrás de alguns equipamentos de
reabastecimento. O capacete pendeu sobre o braço e bateu
na barriga dele enquanto o rapaz digitava apressadamente
o código roubado no teclado da porta da escotilha.
Segundos se passaram. Os sons de perseguição ficavam
mais altos. Porém, eles certamente pensariam que Han
tinha fugido para o convés das naves auxiliares ou mesmo
para as cápsulas de fuga. Ninguém adivinharia que ele seria
louco o bastante para tentar embarcar clandestinamente
num cargueiro-robô. Ou, pelo menos, era com isso que ele
contava...
A escotilha se abriu. Han pulou para dentro, fechou a
porta de pressão e começou a vestir o traje espacial.
Conferiu o suprimento de ar. Cheio. Ótimo. Originalmente,
tinha planejado trazer alguns tanques de ar adicionais, mas
não ousava correr o risco de sair. O tanque do traje duraria
dois dias. Deveria bastar, a não ser que a Sonho fosse um
cargueiro particularmente lento. Já que a nave era
automatizada, o rapaz não teria como descobrir qual rota
seguiria, ou qual velocidade fora programada.
Han fez uma careta. Só um homem desesperado usaria
esse método de fuga. E ele estava realmente desesperado.
Esperava apenas não chegar morto em Ylesia por ter ficado
sem ar.
Vamos ver... rações... confere. Tanque de água... cheio.
Ótimo. Mais um resultado da insistência do capitão Shrike
em manter todo o equipamento da nave em perfeita ordem.
Han arrastou o traje por sobre os braços do seu macacão
cinzento de tripulante e fechou o selo frontal. Pegou o
capacete, desajeitado por conta das luvas, e o colocou
sobre a cabeça. Era quase inteiramente de vidrine, e Han
conseguia ver em todas as direções, menos diretamente
atrás de si. Uma fileira de holoindicadores corria pela base
do capacete, informando os sinais vitais, a quantidade de ar
restante e todos os outros dados necessários para a
sobrevivência. Han poderia “falar” com o traje de forma
limitada ao apertar a alavanca de comunicação com o
queixo e dar instruções relacionadas à temperatura, mistura
de ar, e coisas do gênero.
Certo, é agora ou nunca , pensou o rapaz enquanto
seguia até a escotilha de conexão e digitava a sequência
final para equalizar a pressão entre a câmara estanque e a
Sonho Ylesiano. Ouviu o leve sibilo do ar sendo esvaziado
da câmara.
A Sonho , sendo automatizada, não precisava de ar para
operar. A nave conteria apenas vácuo.
Finalmente, a escotilha se abriu e Han entrou.
A nave estava lotada de equipamento e carga, e os
corredores eram bem estreitos. A Sonho não fora construída
para acomodar uma tripulação viva, apenas para
manutenção de rotina, e Han teve que se virar de lado para
se espremer. O jovem ficou grato por um instante que toda
a engenharia padrão fosse pensada para funcionar com
gravidade. De outra forma, ele poderia ter sido obrigado a
lidar com zero g, e isso teria sido um enorme
aborrecimento.
Han tinha saído da Sorte de Mercador em traje espacial
com as equipes de solda várias vezes desde que fora
considerado velho o bastante para serviços perigosos na
nave, flutuando no espaço, atado à nave só por um cordão
umbilical aparentemente frágil. Tinha sido meio empolgante
nas primeiras vezes, mas Han não era lá muito fã de ficar
sem peso, e logo tinha aprendido a nunca olhar para
“baixo”. Não ver nada além de espaço sob os pés por anos-
luz sem conta bastava para fazer sua cabeça girar.
Han partiu em direção à “ponte”, concluindo que seria
onde encontraria o maior espaço vazio. Chegou lá
rapidamente; a Sonho era uma nave pequena. Se a listagem
de carga estivesse correta, ela tinha trazido uma remessa
de especiaria brilhestim de primeira e partiria com um
estoque de componentes eletrônicos corellianos de alta
qualidade, que poderiam ser usados em manutenção
industrial.
Han se perguntou por um instante quem Garris Shrike
tinha subornado para poder receber um carregamento de
especiaria. A substância era controlada rigidamente pela
maioria dos governos planetários, e também pela comissão
de comércio imperial.
Virou-se de lado para entrar na ponte e ficou paralisado.
O que, em nome de todos os Filhos de Barab, um droide
astromec está fazendo na ponte? Todo mundo sabia que
droides não pilotavam naves sozinhos, então ele não
poderia ser o “capitão”. Han fez uma careta dentro do
capacete de vidrine. O droide deveria estar ali como algum
tipo de alarme antirroubo, um sofisticado dispositivo de
comunicação para ajudar a deter ladrões portuários ou
piratas espaciais. Han sabia que uma das razões pelas quais
os sacerdotes Ylesianos estavam ansiosos para contratar
um piloto – preferencialmente um corelliano, disse o
anúncio deles – era o fato de estarem perdendo naves-robô
para piratas.
Enquanto estava ali parado, torcendo para que o droide
não tivesse percebido sua presença, o rapaz sentiu a Sonho
estremecer. Estamos desatracando! Preciso me preparar
para o impulso de separação!
Com velocidade, Han se afastou da ponte e voltou ao
compartimento de carga. Finalmente encontrou o que
procurava, e bem a tempo. Um espaço pequeno onde
pudesse se sentar, do tamanho certo para que ele
encolhesse as pernas e as abraçasse.
A Sonho estremeceu de novo e de novo. Mentalmente,
Han visualizou as braçadeiras de atracação se soltando,
uma de cada vez. Falta só mais uma, e então...
A nave estremeceu uma última vez, depois deu um
solavanco violento. Como a Sonho não deveria ter
tripulantes, podia usar padrões de aceleração muito mais
brutos que aqueles empregados por uma nave com
ocupantes vivos.
Wham! O corpo de Han sofreu um tranco, então ele se
segurou contra o impacto da aceleração violenta. A Sonho
tinha desatracado e agora zarpava!
Han visualizou a nave se propelindo para longe da Sorte
de Mercador , fora do abraço do campo gravitacional de
Corellia. Fechou os olhos e imaginou seu mundo natal
girando preguiçosamente contra o pano de fundo das
estrelas. Corellia era um belo planeta, com estreitos mares
azuis, florestas marrons e verdes, desertos beges e grandes
cidades. O lado noturno cintilava como um drone de batalha
cravejado de luzes...
O impulso mais brutal de aceleração o atingiu então, e
Han ficou desconfortavelmente preso contra o contêiner de
carga. Fizemos o salto para a velocidade da luz , percebeu
ele.
Momentos depois, enquanto a velocidade da nave se
estabilizava, ele conseguiu se mover de novo. Flexionou os
braços e as pernas e fez uma careta ao sentir os
hematomas. São da luta na cozinha, entendeu. Com isso se
lembrou de Dewlanna com uma tristeza súbita e visceral. As
lágrimas arderam em seus olhos, e ele tentou contê-las com
ferocidade. Chorar num traje espacial era uma péssima
ideia, já que você não poderia enxugar o rosto.
Han fungou e piscou na tentativa de bloquear as
lágrimas. Dewlanna... pensou. Sua amiga tinha dado a vida
para que ele tivesse aquela chance.
Controle-se, Solo, ordenou a si mesmo com severidade. A
garganta doía, mas Han engoliu com força e mordeu o lábio
até a vontade de chorar se ir. Não conseguia lembrar a
última vez que tinha chorado, e qual seria a utilidade? Não
traria Dewlanna de volta...
Han sabia que Dewlanna acreditava numa pós-vida do
espírito. Se ela estivesse certa quanto a isso, então talvez
pudesse ouvi-lo agora.
– Ei, Dewlanna – sussurrou Han. – Eu consegui. Caí na
estrada. Estou indo para Ylesia e lá me tornarei o melhor
piloto do setor. Vou aprender o bastante e faturar o bastante
para me candidatar à Academia, do jeito que a gente
sempre sonhou. Estou livre, Dewlanna. – A voz dele falhou.
Estamos seguros, Dewlanna. Shrike não pode nos tocar
agora...
Encravado em sua pequena fresta, o jovem piloto sorriu
com determinação implacável. Estou livre e devo tudo a
você. Jamais me esquecerei, também. Se algum dia tiver
uma chance de pagar essa dívida ajudando alguém do seu
povo, juro por tudo que há lá fora – qualquer deus, poder-
vital ou força – que não vou hesitar.
Han Solo inspirou profundamente uma golfada de ar
enlatado de traje espacial.
– Obrigado, Dewlanna – sussurrou.
Onde quer que ela estivesse agora, Han esperava que
ela pudesse ouvi-lo.
Quando Han acordou do sono exausto, ficou
completamente desorientado a princípio. Onde estou? ,
perguntou-se grogue. A memória voltou de supetão em
imagens rápidas e violentas: a mão dele segurando uma
pistola de raios... o rosto de Shrike retorcido com ódio e
fúria... Dewlanna, ofegante, morrendo sozinha...
Engoliu em seco, com a garganta doendo. Dewlanna
havia sido parte de sua vida desde que ele era só um
garotinho de 8, talvez 9 anos. Han se lembrava do dia em
que a Wookiee tinha embarcado com seu companheiro,
Isshaddik. Ele havia sido expulso do planeta natal dos
Wookiees por algum crime que Dewlanna nunca tinha
revelado. Ela seguira o companheiro ao exílio, deixando
para trás tudo que já conhecera; seu lar e seus filhotes
crescidos.
Mais ou menos um ano depois, Isshaddik fora morto
durante uma missão de contrabando a Nar Hekka, um dos
mundos no setor Hutt. Shrike anunciou a Dewlanna que ela
poderia ficar a bordo da Sorte de Mercador como cozinheira,
já que o capitão tinha passado a gostar da comida que ela
preparava. Dewlanna poderia ter voltado a Kashyyyk; afinal,
ela não tinha cometido crime nenhum, mas decidiu ficar na
Sorte .
Por minha causa , pensou Han enquanto localizava o
canudo de acesso à água no capacete e dava um gole
cuidadoso. Depois pegou duas bolinhas de ração com a
língua e as engoliu com outro gole. Não era a mesma coisa
que comida de verdade, mas daria para o gasto pelo dia...
Ela ficou por minha causa. Queria me proteger de Shrike...
Han suspirou, sabendo que era verdade. Wookiees
estavam entre os companheiros mais leais e firmes da
galáxia, ou pelo menos assim ele tinha ouvido. Lealdade e
amizade wookiee não eram concedidas facilmente, porém,
uma vez dadas, jamais vacilavam.
O rapaz se reclinou na alcova e conferiu o tanque de ar.
Restavam três quartos. Han se perguntou quão longe a
Sonho teria viajado enquanto ele dormia. Em alguns
minutos, ele iria à sala de controle ver se era capaz de
decifrar os instrumentos do piloto automático.
A mente de Han vagueou de volta no tempo, recordando
Dewlanna com tristeza. Depois, conforme ele relaxava, sua
memória se perdeu em dias ainda mais distantes. Sua
primeira memória “real” – todo o resto se resumia a
fragmentos sem sentido, pedaços de imagens velhas e
distorcidas demais para significar alguma coisa – era do dia
que Garris Shrike o trouxera para “casa” na Sorte de
Mercador...
O menininho estava encolhido na boca de um beco
úmido e imundo, tentando não chorar. Ele já era muito
grande para chorar, não era? Mesmo que estivesse com frio,
com fome e sozinho. Por um momento, ele se perguntou por
que estava sozinho, mas foi como se uma imensa porta de
metal se fechasse sobre aquele pensamento, trancando
tudo detrás dela. Do outro lado da porta havia perigo, do
outro lado da porta havia... coisas ruins. Dor, e... e...
O menino sacudiu a cabeça e seus cabelos escorridos e
sujos caíram desordenados em seu rosto. Ele os afastou
com a mão que era tão encardida de sujeira que sua cor de
pele natural mal era visível. Vestia apenas calças
esfarrapadas e uma túnica sem mangas rasgada que era
pequena demais. Seus pés estavam descalços. Ele teve
sapatos algum dia?
Ele pensou que talvez se lembrasse de sapatos. Bons
sapatos, de qualidade, sapatos que alguém havia colocado
nos seus pés e o ajudado a amarrar. Alguém que era gentil,
que sorria em vez de fazer cara de raiva, alguém que era
limpo, cheirava bem, que vestia roupas bonitas...
SLAM!
A porta se fechou de novo, e o pequeno Han (ele sabia
que esse era seu nome, mas não conhecia nenhum outro
que o acompanhasse) estremeceu com a dor em sua mente.
Ele já sabia que não deveria deixar tais pensamentos
encherem sua cabeça. Pensamentos e memórias assim
eram maus, eles machucavam... melhor não pensá-los.
Ele fungou de novo e esfregou futilmente o nariz que
escorria. Percebeu que estava parado numa poça de
dejetos, e seus pés estavam tão frios que mal conseguia
senti-los. Era noite, e prometia fazer uma madrugada bem
fria.
A fome se retorceu no estômago de Han como uma coisa
viva, uma criatura que mordia dolorosamente. Ele não
conseguia se lembrar de quando tinha comido pela última
vez. Tinha sido naquele dia de manhã, quando ele
encontrara uma fruta de kasava no lixo, aquela fruta
madura e suculenta que tinha sido comida apenas pela
metade? Ou será que tinha sido na noite passada?
O garotinho decidiu que não poderia ficar ali parado.
Tinha que se mover. Han saiu do beco para a calçada. Sabia
como mendigar... quem é que lhe ensinara isso?
SLAM!
Não importava quem tinha ensinado, só que tinha
ensinado bem. Ajustando os traços para ficar o mais
patético possível, Han arrastou os pés até a transeunte mais
próxima.
– Por favor... moça... – choramingou ele. – Fome, tô com
tanta fome... – Ele estendeu a mão, palma para cima. A
mulher com quem ele falou reduziu minimamente a
velocidade, olhou de súbito para a palma imunda e recuou,
puxando a saia para que não encostasse nele.
– Moça... – sussurrou Han, virando-se para observá-la se
afastar com interesse mais que profissional. Ela trajava um
belo vestido, macio e brilhoso, tipo... reluzente... sob as
luzes ásperas das ruas daquela cidade portuária corelliana.
Ela o lembrava de alguém, uma mulher com grandes
olhos escuros, pele macia, cabelos...
SLAM!
Han começou a soluçar, desesperançoso, o corpinho
tremendo de frio, fome, tristeza e solidão.
– Ei, você! Han! – A voz forte, mas não hostil, rompeu sua
muralha de infelicidade. Choramingando e engolindo, Han
ergueu o olhar e viu um sujeito alto se curvando sobre ele.
Cabelos negros, pálidos olhos azuis. Fedia a cerveja
alderaaniana e a fumaça de uma dúzia de drogas ilegais,
mas se mantinha de pé sem cambalear, ao contrário de
vários outros pedestres.
Ao ver que Han o encarava, o homem se agachou sobre
os calcanhares, o que o deixou pouco acima do nível dos
olhos do menino.
– Você sabe que já é muito grande para chorar na rua,
não sabe?
Han fez que sim com a cabeça, ainda fungando, mas
tentando se controlar.
– Thim... sim. – Inicialmente ele ficou com a língua meio
presa, como tinha acontecido quando ele aprendera a falar.
Aquilo fora há muito, muito tempo, pensou Han. Já falava
desde a estação fria, e logo seria a estação fria de novo. Ele
estava falando desde...
SLAM!
A criança estremeceu de novo quando sua mente
bloqueou decisivamente todas as memórias daquele tempo
anterior. Outra coisa emergiu, algo que ele tinha ignorado a
princípio em sua infelicidade. Han arregalou os olhos.
Aquele homem o chamou pelo nome! Como ele sabe o meu
nome?
– Você... quem é você? – sussurrou Han. – Como que
você sabe o meu nome?
O homem sorriu, mostrando muitos dentes. Era para ser
uma expressão amistosa, mas havia alguma coisa nele que
incomodava o menino. Lembrava Han das alcateias de
canoides que caçavam nos becos.
– Eu sei de muitas coisas, garoto – respondeu o homem.
– Me chame de capitão Shrike. Você consegue dizer?
– S-sim. Cap-tão Shrike – repetiu Han, incerto. Ele soltou
um soluço enquanto seu choro morria. – Mas... mas como
você sabia meu nome? Por favor?
O homem estendeu a mão como se fosse bagunçar o
cabelo do menino, depois pareceu notar a sujeira e os
piolhos que habitavam aquela jovem cabeça e mudou de
ideia.
– Você ficaria surpreso, Han. Sei de quase tudo que
acontece aqui em Corellia. Sei quem está perdido e quem
foi encontrado, quem está à venda e quem foi vendido, e
onde todos os corpos estão enterrados. Na verdade, eu
estava de olho em você. Parece ser um rapaz esperto. Você
é esperto?
Han se endireitou e olhou o homem nos olhos.
– Sim, capitão – respondeu ele, forçando a voz a ficar
firme. – Eu sou esperto. – Ele sabia que era, também.
Qualquer um que não fosse não duraria meses nas ruas,
como ele tinha durado.
– Ótimo, grande garoto! Bem, preciso de um menino
esperto para trabalhar para mim. Por que você não vem
comigo? Eu lhe darei uma refeição decente e um lugar
quente para dormir. – Ele sorriu de novo. – E eu aposto que
você gostaria de ver minha nave. – Apontou para o céu que
escurecia.
Han fez que sim com a cabeça, empolgado. Comida?
Uma cama? E especialmente...
– Uma nave? Sim, capitão! Quero ser um piloto quando
crescer!
O homem riu e estendeu a mão.
– Bem, venha comigo, então!
Han deixou a mãozona segurar a dele, e então os dois
foram embora juntos, em direção ao espaçoporto...
Han se ajeitou e balançou a cabeça. Eu nunca deveria ter
ido com ele naquele dia, pensou. Se eu não tivesse ido com
ele, Dewlanna ainda estaria viva...
Porém, se ele não tivesse ido com Shrike, provavelmente
teria acordado alguma noite no beco e descoberto que
vrelts tinham comido suas orelhas e nariz, que nem tinha
acontecido com uma das outras “fedelhas de rua” que
Garris Shrike tinha “resgatado”.
Han sorriu, sombrio. O capitão Shrike não tinha um único
osso altruísta no corpo. Ele recolhia as crianças e as usava
para faturar créditos. Em quase todos os planetas que a
Sorte visitava, Shrike juntava um grupo de seus
“resgatados” e os levava às ruas numa nave auxiliar. Lá ele
os deixava sob a supervisão de um droide que ele mesmo
tinha programado, F8GN. 8GN os distribuía por “territórios”
e administrava os lucros enquanto as crianças espreitavam
as ruas, mendigando e batendo carteiras.
Usava os menorzinhos, os magrinhos, os deformados
para mendigar. A menina mastigada por vrelts, Danalis,
sempre faturou alto. Shrike a fez trabalhar duro por anos,
prometendo sempre que, depois que ela ganhasse créditos
suficientes para ele, o capitão a levaria para consertar seu
rosto, para que ela parecesse humana outra vez.
Só que ele nunca levou. Por volta dos 14 anos, Danalis
acabou percebendo que Shrike jamais cumpriria suas
promessas. Certa “noite”, ela entrou na escotilha estanque
da Sorte e a abriu para o vácuo... sem vestir um traje antes.
Han havia participado da equipe de limpeza. Estremeceu
com a memória.
Pobre Danalis. Han ainda conseguia vê-la em sua mente,
entregando os recibos de mendicância do dia a 8GN. O
droide era alto e estreito, feito de metal cor de cobre
avermelhado. Tinha sido consertado tantas vezes que havia
pedaços diferentes por toda parte, como se vestisse um
traje muito remendado. Remendos acobreados, remendos
dourados, remendos de aço... E um grande remendo
prateado no topo da cabeça.
Han ainda escutava a voz do droide em sua mente. 8GN
tinha algum problema nos alto-falantes, e sua “voz”
alternava entre o grave melífluo e mecânico guinchante.
Porém, independentemente de como ele soasse, todas as
crianças prestavam atenção ao que 8GN dizia...
– Agora, queridas criancinhas, vocês todos receberam
seus territórios? – O droide acobreado girou a cabeça
enferrujada sobre o pescoço de cano, contemplando as oito
crianças da Sorte de Mercador alinhadas diante de si.
Todas as crianças, incluindo Han, com seus 5 anos,
afirmaram que sim, elas de fato tinham recebido seus
territórios.
– Muito bem então, queridas criancinhas – continuou o
droide em seus tons graves, depois esganiçados. – Vou lhes
passar suas tarefas do dia. Padra – o droide olhou para um
garotinho só um ano mais velho que Han –, hoje vamos
oferecer a você sua primeira chance de nos mostrar como
você pode ser útil àqueles pobres cidadãos sobrecarregados
com cédulas de créditos, joias e caros comlinks.
Os olhos do droide cintilaram fantasmagoricamente. Eles
eram de cores diferentes; um deles tinha queimado há
muito tempo, e Shrike o substituíra com uma lente
recuperada de um droide descartado, deixando F8GN com
um “olho” vermelho e outro verde.
– Você está disposto a ajudar esses pobres cidadãos
desavisados, Padra? – indagou 8GN, inclinando a cabeça
metálica inquisitivamente para o lado, com a voz carregada
de camaradagem artificial.
– Com certeza! – exclamou o garotinho. Ele lançou um
olhar triunfante a Han e às outras crianças mais novas. –
Chega de pedir esmola que nem um bebê! – sussurrou ele
empolgado.
Han, que mal tinha começado a aprender as habilidades
necessárias para bater carteiras com rapidez e sem ser
detectado, sentiu uma pontada de inveja. Bater carteiras
era fácil, depois que você aprendia a fazer direito. Era muito
mais fácil cumprir a cota de 8GN para um dia de “trabalho”
batendo carteiras do que mendigando. Pedir esmolas exigia
que você abordasse pelo menos uns três alvos até receber
alguma coisa.
Mas bater carteiras... essa sim era a melhor maneira de
faturar alto! Se você escolhesse o alvo certo, poderia
ganhar o bastante numa mãozada para comparecer com
sua cota a 8GN antes do meio-dia, e então ficaria livre para
brincar. Han se perguntou se 8GN lhe daria algum tempo
para treinar se ele se apressasse e mendigasse sua cota do
dia antes que os outros terminassem.
Era divertido treinar com o droide magricelo
avermelhado porque 8GN ficava muito engraçado vestindo
roupas! O droide vestiria trajes de rua típicos do planeta
onde eles estivessem, e então ou ficaria parado, ou passaria
caminhando pelo estudante. Han tinha aprendido a aliviar o
droide do crono escondido, cédulas de créditos, e até alguns
tipos de joias sem que 8GN detectasse seus dedos no
processo.
Só que não conseguia fazê-lo 100% das vezes. Han
franziu o cenho um pouco enquanto se afastava. 8GN exigia
perfeição de sua pequena gangue, especialmente dos
punguistas. O droide não deixaria que ele começasse a
roubar até que tivesse certeza de que Han conseguiria fazê-
lo perfeitamente todas as vezes.
Distraído, ele pegou um punhado de terra e esfregou nas
mãos e depois no rosto, que já estava suado. Que planeta
era este, aliás? Não se lembrava de ter ouvido o nome. O
povo nativo tinha pele esverdeada, com pequenas orelhas
giratórias e enormes olhos roxo-escuro. Tinham ensinado a
Han apenas algumas palavras da língua local, mas ele
aprendia rápido e sabia que, quando chegasse a hora de a
Sorte de Mercador seguir adiante, seria capaz de entendê-la
bem e falaria (pelo menos o jargão das ruas)
passavelmente.
Onde quer que fosse, era quente. Quente e úmido. Han
ergueu o olhar para o céu azul esverdeado, onde um sol
laranja pálido fulgurava. A perspectiva de passar várias
horas na sua rua designada choramingando, esmolando e
bajulando transeuntes não era muito atraente. Eu odeio
mendigar, pensou Han azedamente. Quando eu ficar um
pouco mais velho, vou fazer eles me deixarem roubar em
vez de mendigar. Eu sei que serei um bom ladrão, e não sou
lá um grande mendigo.
Ele sabia que sua aparência estava correta; tinha ficado
mais alto nos últimos dois anos, mas ainda estava magro o
suficiente para ser chamado de subnutrido. E sabia como
deixar a voz servil, os modos encolhidos e acovardados,
como se apenas o desespero o fizesse pedir esmolas.
Talvez fossem os olhos dele, pensou Han. Talvez o
ressentimento e a vergonha secretos em ser obrigado a
mendigar aparecessem neles, e os alvos potenciais
notassem isso. Ninguém respeitava um mendigo, e Han,
acima de tudo, nutria um desejo não declarado de ser
respeitado.
Não só respeitado, ele queria ser respeitável. Não se
lembrava muito da vida antes de Garris Shrike o ter
encontrado nas ruas de Corellia, mas Han de alguma forma
sabia que, no passado, as coisas tinham sido diferentes.
Muito tempo atrás, tinham lhe ensinado que mendigar
era motivo de vergonha. E que roubar... roubar era pior. Han
mordeu o lábio com raiva. Sabia que alguém, talvez os pais
de que não se lembrava mais, tinha lhe ensinado essas
coisas. Um dia, há muito tempo, tinham lhe ensinado
caminhos diferentes... valores diferentes.
Só que agora, o que ele poderia fazer? A bordo da Sorte
de Mercador, havia uma regra cardeal. Se você não
trabalhasse, deveria mendigar ou roubar. Han não tinha
outras habilidades para oferecer. Era pequeno demais para
ser piloto, fraco demais para ser estivador de contrabando.
Mas isso não vai durar para sempre!, lembrou a si
mesmo. Cresço mais a cada dia que passa! Logo serei
grande, em só mais 5 anos eu terei 10, e então, talvez, eu
seja grande o bastante para ser piloto!
Han tinha descoberto que, quando decidia realizar
alguma coisa, ele conseguia. Tinha certeza de que virar
piloto não seria exceção.
E quando eu souber pilotar, esse vai ser meu caminho
para sair da Sorte de Mercador, pensou ele, com a mente
mergulhando automaticamente num velho sonho que ele
nunca tinha contado para ninguém. Uma vez ele tinha
confidenciado a história para uma das outras crianças, e
aquele vrelt maldito espalhara para todo mundo. Shrike e os
outros passaram semanas rindo de Han, chamando-o de
“capitão Han da Marinha Imperial”, até Han ficar com
vontade de se esconder num canto com as mãos sobre as
orelhas. Ele precisou de todo o autocontrole para conseguir
apenas dar de ombros e fingir que não ligava...
É, e quando eu for o melhor piloto de todos e tiver um
montão de créditos, vou me candidatar à Academia
Imperial. Vou virar um oficial da Marinha. Aí vou voltar e
pegar Shrike, prender ele, e ele será mandado para as
minas de especiaria de Kessel. E vai morrer lá... Esse
pensamento fez Han abrir um sorriso predatório.
No extremo final de sua fantasia, Han se imaginava bem-
sucedido, respeitado, o melhor piloto da galáxia, com uma
nave própria, um monte de amigos leais e créditos de
sobra. E... uma família. É, uma família para chamar de sua.
Uma bela esposa que o adoraria, que participaria de
aventuras com ele, e talvez filhos. Ele seria um ótimo pai.
Não abandonaria seus filhos, como ele mesmo tinha sido
abandonado.
Pelo menos, Han achava que tinha sido abandonado,
porém não conseguia se lembrar de nada daquilo. Não sabia
nem seu sobrenome, então não tinha como rastrear a
família. Ou talvez... talvez os pais dele não o tivessem
abandonado...
Talvez eles tivessem sido assassinados, ou ele mesmo
fora sequestrado e separado deles. Han decidiu que gostava
mais desse cenário. Se achasse que seus pais estavam
mortos, não ficaria tão bravo com eles, pois as pessoas não
tinham culpa de morrer, né?
Han decidiu que, daquele momento em diante, pensaria
na mãe e no pai como estando mortos. Era mais fácil
assim...
Sabia que provavelmente nunca iria descobrir a verdade.
A única pessoa que conhecia alguma coisa sobre o passado
de Han era Garris Shrike. O capitão vivia dizendo a Han que,
se ele fosse bom, se trabalhasse e mendigasse muito, se
ganhasse créditos suficientes, algum dia Shrike lhe contaria
os segredos que explicavam porque o menino tinha ido
parar nas ruas de Corellia.
Han estreitou os lábios. Claro, capitão, pensou ele . Que
nem você ia consertar a cara de Danalis...
O menino espiou as placas de sinalização. Ele não
conseguia ler aquelas na língua nativa do planeta, mas
havia uma tradução em língua básica na parte de baixo. É,
aquele era o seu território, mesmo.
Han respirou fundo e se preparou. Uma mulher de pele
verde vestindo um robe curto vinha na direção dele.
– Moça... – choramingou ele, avançando todo encolhido
até ela, com a mãozinha estendida num apelo. – Por favor,
moça bonita elegante, eu imploro... uma ajudinha, só um
creditozinho, tô com tanta foooomeeee...
As orelhinhas giraram na direção dele, então ela afastou
o olhar e passou direto.
Num sussurro, Han murmurou um termo nada elogioso
em jargão de contrabandista, e então se virou para esperar
o próximo alvo...
Han balançou a cabeça e se forçou a sair de seu
devaneio. Hora de ir verificar o progresso da Sonho
Ylesiano.
O jovem piloto ergueu-se do seu cantinho e se espremeu
pelas passagens estreitas até alcançar a ponte. O droide
astromec ainda estava lá, com luzes piscando sem parar
conforme ele rememorava seus pensamentos. Era uma
unidade R2 relativamente nova, ainda reluzente em prata e
verde, com um domo transparente em cima da cabeça.
Dentro do domo, Han via luzes piscando com o trabalho do
droide, que estava conectado aos controles da nave-robô
por um cabo.
O droide R2 deveria estar equipado com um sensor de
movimento, porque girou a “cabeça” para Han quando o
rapaz entrou audaciosamente na ponte em seu traje
espacial.
As luzes piscaram freneticamente quando ele “falou”,
mas, obviamente, as ondas sonoras não viajavam no vácuo.
Han ligou a unidade de comunicação do traje e, de súbito,
seu capacete ficou cheio com os bleeps, blurps e wheeps
angustiados.
– Whee... bleewheeeep... wheep-whirr-wheep ! –
anunciou o astromec R2, claramente surpreso. Han
suspirou. O comunicador do traje transmitiria tudo que ele
dissesse ao droide, mas como ele poderia realmente falar
com aquele raio de R2 sem um intérprete? Como quem quer
que tivesse programado o droide falava com ele?
Han ativou o comunicador do traje.
– Alô, você!
– Blurpp... wheeep, bleep-whirrr! – respondeu a unidade,
prestativa.
Han fez uma careta e xingou a unidade em rodiano,
jargão de mercadores e, finalmente, língua básica.
– O que eu vou fazer agora? – rosnou. – Se ao menos
você tivesse um módulo de fala básica.
– Mas eu tenho, senhor – anunciou o droide em tom
trivial. As palavras soaram mecânicas e sem entonação, só
que perfeitamente compreensíveis.
Han ficou boquiaberto diante da máquina por um
momento, depois sorriu.
– Ei! Isso eu nunca tinha visto! Como é que você pode
falar?
– Como não havia espaço a bordo desta nave para uma
unidade astromec junto de uma unidade contraparte, meus
mestres me programaram com um módulo de transmissão
de fala básica, para que eu pudesse me comunicar com
mais facilidade – explicou o droide.
– Legal! – exclamou Han, sentindo uma onda de alívio.
Ele não gostava muito de droides, mas pelo menos teria
alguém com quem falar, e talvez fosse necessário que os
dois se comunicassem. Viagens espaciais eram geralmente
rotineiras e seguras... mas havia exceções.
– Lamento informar, senhor – acrescentou a unidade R2
–, que o senhor é culpado de entrada não autorizada. Não
deveria estar aqui.
– Eu sei disso – respondeu Han. – Peguei uma carona
nesta nave.
– Com sua licença, esta unidade não compreende o
termo usado, senhor.
Han chamou a unidade R2 de um nome nada elogioso.
– Com sua licença, esta unidade não compreende...
– Cale a boca ! – berrou Han.
A unidade R2 ficou em silêncio.
Han respirou bem fundo.
– Tudo bem, R2 – disse ele. – Eu sou um clandestino. Essa
palavra consta dos seus bancos de memória?
– Consta sim, senhor.
– Ótimo. Eu embarquei clandestinamente nesta nave
porque precisava de uma carona até Ylesia. Vou ser
contratado como piloto pelos sacerdotes Ylesianos,
entendeu?
– Sim, senhor. Entretanto, sou obrigado a informar ao
senhor que, na minha posição de droide vigia designado a
garantir a segurança desta nave e de seu conteúdo, serei
forçado a selar todas as saídas quando alcançarmos Ylesia,
e em seguida informar aos meus mestres que o senhor está
a bordo, assim promovendo a sua captura pela equipe de
segurança.
– Escuta aqui, camarada – retrucou Han generosamente
–, quando chegarmos a Ylesia, você pode ir em frente e
fazer isso mesmo. Quando os sacerdotes perceberem que
eu me encaixo em todos os requisitos deles, não darão uma
bunda de vrelt para como eu cheguei lá.
– Com sua licença, esta unidade não...
– Cale a boca.
Han deu uma olhada no indicador do tanque de ar, então
falou:
– Muito bem, R2, gostaria de dar uma olhada no nosso
plano de voo, velocidade e tempo previsto de viagem até
Ylesia. Por favor, transmita esses dados.
– Lamento informar, senhor, que não estou autorizado a
fornecer essas informações.
O humor de Han estava entrando em ebulição; ele mal
conseguiu se controlar para não chutar o droide
recalcitrante com sua pesada botina espacial.
– Preciso verificar nosso plano de voo, velocidade e
tempo previsto de viagem porque tenho que computar
como está o meu ar, R2 – explicou ele com paciência
exagerada.
– Com sua licença, senhor, mas esta unidade...
– CALE A BOCA!
Han começava a suar agora, e a unidade de refrigeração
do traje começou a girar um pouco mais forte. Ele fez um
esforço para manter o tom de voz calmo.
– Escute com cuidado, R2 – começou ele. – Você não tem
algum tipo de programa no seu sistema operacional que o
faça preservar as vidas de seres inteligentes sempre que
possível?
– Sim, senhor, essa programação é incluída em todos os
droides astromecs. Para que um droide cause dano ou deixe
de evitar dano a um ser senciente, seu módulo de sistema
operacional tem que ser alterado.
– Ótimo – concluiu Han. Aquilo se encaixava com o que
ele sabia sobre programação astromec. – Escute, R2. Se
você não me mostrar nosso plano de voo, velocidade e
tempo previsto de viagem, você poderá ser responsável
pela minha morte por falta de ar. Você me entendeu agora?
– Por favor, elabore, senhor.
Han explicou sua situação com paciência exagerada.
Depois de terminar, o droide ficou calado por um momento,
evidentemente ponderando. Finalmente, ele zumbiu uma
vez e depois respondeu:
– Vou aquiescer à sua requisição, senhor, e vou exibir a
informação solicitada na tela de interface de diagnóstico.
Han soltou um longo suspiro de alívio. Já que a nave era
basicamente um imenso drone automatizado, não tinha
controles visíveis nos painéis, só luzes piscantes sortidas.
Porém, para que fosse possível realizar manutenção na
nave, havia uma tela disponível no painel de controle. Han
contornou cuidadosamente a unidade R2 e contemplou a
tela.
Os dados rolaram pela tela tão rapidamente que nenhum
humano poderia ter lido. Han se virou para a unidade R2.
– Mostre os dados de novo, e desta vez deixe-os lá até
que eu consiga ler! Entendeu?
– Sim, senhor. – A voz artificial do droide soava quase
humilde.
Han estudou os números e diagramas que surgiram na
tela por vários minutos, sentindo sua preocupação se tornar
medo real. Ele não tinha nada com que escrever e nenhuma
forma de acessar o navicomputador, mas tinha um mau
pressentimento sobre o que estava vendo. Mordeu o lábio e
se obrigou a se concentrar enquanto recalculava os valores
repetidamente.
O plano de voo da Sonho Ylesiano tinha sido traçado
numa rota tortuosa até o planeta, de modo a evitar as
piores áreas infestadas de piratas do território Hutt. E o
pequeno cargueiro estava configurado para voar bem mais
lentamente do que seria capaz, mais devagar até do que a
Sorte de Mercador normalmente viajava pelo hiperespaço.
Nada bom. Nada bom mesmo. Se a velocidade e o curso
deles não fossem alterados, Han percebeu, ele ficaria sem
ar cinco horas antes de a Sonho pousar em solo ylesiano. A
nave aterrissaria com um cadáver a bordo... o dele.
Han se virou de volta à unidade R2.
– Escuta, R2, você tem que me ajudar. Se eu não alterar
nosso curso e velocidade, não terei ar suficiente para
chegar no fim. Eu vou morrer, e vai ser culpa sua.
As luzes da unidade R2 piscaram enquanto a máquina
contemplava tal revelação.
– Só que eu não sabia que o senhor estava a bordo –
disse finalmente o droide. – Não posso ser responsabilizado
pela sua morte.
– Ah, não. – Han balançou a cabeça dentro do capacete. –
Não é assim que funciona, R2. Se você souber sobre a
situação e não fizer nada, então você estará causando a
morte de um ser senciente. É isso que você quer?
– Não – respondeu o droide. Até mesmo seus tons
artificiais soaram estressados, e suas luzes tremeluziram
rápida e aleatoriamente.
– Então é necessário – continuou Han, inexorável – que
você faça tudo que for possível para evitar minha morte.
Certo?
– Eu... eu... – O droide agora tremia, de tão agitado. –
Senhor, estou impossibilitado de ajudá-lo. Minha
programação está em conflito com meu hardware.
– O que você quer dizer? – Han estava preocupado agora.
Se o pequeno droide sofresse uma sobrecarga e travasse,
ele jamais seria capaz de acessar os controles manuais de
“diagnóstico” que Han sabia que tinham que estar em
algum lugar daqueles painéis. Seriam minúsculos, do tipo
que os técnicos usariam para testar o piloto automático do
drone.
– Minha programação está me impossibilitando de
informá-lo...
Han deu um longo passo até o pequeno droide e se
ajoelhou diante dele.
– Raios! – Ele bateu com o punho no domo transparente
do droide. – Eu vou morrer! Me conte!
O droide balançava agitado, e Han se perguntou se ele
se desfaria em pedaços com o estresse. Por fim, o droide
falou:
– Senhor, instalaram um parafuso de contenção em mim!
Ele me impede de atender ao seu pedido!
Um parafuso de contenção! Han se agarrou a esse
detalhe com diligência. Vamos ver, onde está ele?
Depois de um momento, Han o avistou, bem baixo na
carapaça metálica do droide. O rapaz se abaixou, segurou e
puxou.
Nada. O parafuso não se mexeu.
Han segurou mais forte, tentou torcer. Grunhiu com o
esforço, suando para valer agora, e imaginou que podia
sentir todas aquelas moléculas de oxigênio sendo
consumidas numa torrente constante. O rapaz ouvira falar
que hipóxia não era um jeito particularmente ruim de
morrer; comparado à descompressão explosiva ou levar um
tiro, por exemplo; só que ele não tinha nenhuma intenção
de descobrir pessoalmente.
O parafuso não se mexeu. Han fez ainda mais força,
dando puxões, praguejando em meia dúzia de línguas
alienígenas, mas a coisa teimosa não cedeu.
Tenho que achar alguma coisa que eu possa usar para
bater, pensou Han, olhando em volta desesperadamente
pela cabine de controle. Só que não havia nada, nem uma
hidrochave, um martelo, nada!
De repente, ele se lembrou da pistola. Tinha deixado no
chão, no seu cantinho.
– Espere aqui mesmo – instruiu Han à unidade R2 e
partiu em seguida, se espremendo pelos corredores
apertados.
Disparar uma arma de raios dentro de uma nave
espacial, mesmo que fosse uma nave despressurizada, não
era uma boa ideia, mas ele estava desesperado.
Han voltou com a arma e examinou as configurações.
Potência mínima, pensou ele. Feixe mais estreito. Com as
luvas desajeitadas, ele teve dificuldades em ajustar as
configurações de potência e largura de feixe.
As luzes da unidade R2 estavam piscando
freneticamente desde que ele voltara, e agora o droide
soltou um wheep lastimoso.
– Senhor? Senhor, poderia perguntar-lhe o que o senhor
está fazendo?
– Estou me livrando daquele parafuso de contenção –
retrucou Han severamente. Estreitou os olhos, mirou e
pressionou o gatilho com delicadeza.
Um clarão de energia irrompeu, e o pequeno droide
soltou um WHEEEEPPPP! tão estridente que soou como um
grito. O parafuso de contenção caiu no convés, deixando
para trás uma cicatriz negra de queimadura no metal
brilhante da unidade R2.
– Te peguei – comentou Han, satisfeito. – Agora, R2,
tenha a gentileza de me mostrar as interfaces e os controles
manuais da sua nave.
O droide, obediente, expôs uma “perna” de mobilidade
com uma roda e foi até os painéis de controle, com o cabo
de interface serpenteando em seu rastro. Han o seguiu e se
agachou diante do painel de instrumentos, desajeitado por
conta do traje. Seguindo as instruções do droide, arrancou o
tampo de um console em branco e estudou a seleção de
controles minúsculos. Amaldiçoando a dificuldade em
manipular os controles com luvas de traje espacial, Han
começou a usar o modo de interface manual para desativar
o hiperdrive. Só era possível alterar rota e velocidade no
espaço real.
Uma vez de volta ao espaço real, Han computou
meticulosamente uma nova rota, usando a unidade R2 para
executar os cálculos mais complexos para o salto que os
lançaria de volta ao hiperespaço.
O jovem corelliano levou algum tempo para inserir a
nova rota e velocidade, mas, finalmente, Han pressionou de
novo o botão ATIVAR HIPERDRIVE. Um segundo depois, ele
sentiu o tranco quando o drive disparou. Han se segurou
determinado ao painel de instrumentos enquanto a nave se
lançava ao hiperespaço em sua nova rota, numa velocidade
vastamente incrementada.
Quando a nave ao seu redor se estabilizou, Han inspirou
longa e profundamente e depois soltou o ar bem devagar.
Desabou no convés e ficou sentado ali, com as pernas
esticadas. Ufa!
– O senhor compreende – comentou a unidade R2 – que o
senhor agora terá que pousar esta nave manualmente.
Alterar nossa rota e velocidade invalidou os protocolos de
aterrissagem existentes programados na nave.
– É, eu sei – respondeu Han, se reclinando cansado no
console. Deu mais um gole de água e então comeu dois
tabletes. – Mas não tinha outro jeito. Eu só espero que
consiga operar os controles rápido o bastante para pousar. –
Ele olhou em volta pela sala de controle praticamente nua. –
Eu só queria que esta lata tivesse uma tela.
– Um piloto automático não pode ver, senhor, então
dados visuais são inúteis para ele – explicou a unidade R2,
prestativa.
– Não pode ser! – retrucou Han, com a voz carregada de
sarcasmo. – Achei que droides pudessem ver que nem a
gente!
– Não, senhor, não podemos – disse R2. – Reconhecemos
nossas cercanias por sensores visuais que traduzem para
nosso...
– Cale a boca – disse Han, cansado demais até para se
divertir atormentando o droide.
Ele se reclinou contra o console e fechou os olhos. Tinha
feito tudo o que podia para salvar sua vida, levando a nave
a Ylesia por uma rota muito mais direta a uma velocidade
mais alta.
Han adormeceu e sonhou com Dewlanna, como ela tinha
sido há muito tempo, na época em que eles se
conheceram...
Han já tinha passado metade do corpo pela janela
quando ouviu o grito atrás de si.
– Fomos roubados!
O menino agarrou seu pequeno saco de pilhagem e
tentou se espremer pela abertura estreita, chutando e se
remexendo. Na escuridão do lado de fora estava a
segurança.
Um grito feminino de consternação.
– Minhas joias!
Han grunhiu com o esforço, percebendo que estava
entalado. Sufocou o pânico. Tinha que escapar! Aquela era
uma casa rica e, quando eles chamassem as autoridades,
elas com certeza viriam de imediato.
Silenciosamente, ele amaldiçoou a nova moda da
arquitetura corelliana que tinha feito este lar luxuoso ser
construído com estreitas janelas do chão ao teto. Eram
anunciadas como sendo capazes de frustrar assaltantes.
Bem, pelo jeito isso era verdade, decidiu ele. Tinha se
esgueirado mais cedo por uma das portas dos jardins,
depois se escondera até achar que já era seguro supor que
todos os moradores estavam dormindo. Por fim, ele saíra do
esconderijo para escolher dentre os tesouros deles. Tinha
certeza de que conseguiria bambolear seu corpo magricelo
de menino de 9 anos por aquelas janelas e escapar ileso.
Han grunhiu com o esforço mais uma vez, chutando
freneticamente. Talvez ele estivesse errado quanto à parte
de fugir pelas janelas...
Uma voz atrás dele. A mulher.
– Lá está ele! Peguem-no!
Han virou mais um pouco de lado, remexeu-se
violentamente e de súbito estava do outro lado da janela,
caindo. Mas ele não soltou o saco enquanto se
esborrachava num canteiro de hera-dorva cuidadosamente
cultivado. O ar lhe escapou dos pulmões e por um momento
o menino ficou deitado ali, ofegando como um drel fora da
água. A perna doía, assim como a cabeça.
– Chamem a patrulha de segurança! – gritou uma voz
masculina de dentro da casa. Han sabia que tinha meros
segundos para lograr sua fuga. Forçou a perna a sustentar
seu peso, rolou o corpo e se levantou cambaleante.
Árvores adiante ao luar... árvores grandes. Ele poderia
sumir facilmente em meio a elas.
Han meio que mancou, meio que correu ao abrigo do
bosque. Resolveu não contar a 8GN o que tinha acontecido.
O droide poderia acusá-lo de estar ficando lerdo agora que
tinha quase 10 anos.
Han fez uma careta enquanto corria. Ele não estava
ficando lerdo, só não se sentia bem naquele dia. Estava com
uma dor de cabeça indistinta desde que acordara e se
sentira tentado a pedir um dia de folga por não estar
passando bem.
Já que Han quase nunca ficava doente, eles
provavelmente teriam acreditado nele, mas o garoto não
gostava de demonstrar fraqueza diante dos outros
habitantes da Sorte de Mercador, especialmente do capitão
Shrike. Aquele homem nunca perdia uma chance de
atormentá-lo.
Estava abrigado pelas árvores, agora. E o que fazer em
seguida? Ouvia o som de passos correndo, então não teria
muito tempo para decidir. Seus músculos escolheram por
ele. De súbito, o saco estava preso pelos dentes, havia
casca de árvore contra suas palmas, e as solas das botas
surradas pisavam em galhos. Han escalou, ouviu, depois
escalou de novo.
Foi só quando ele estava bem alto na árvore, acima do
alcance de uma olhada casual para o alto, que reduziu a
velocidade. Han se sentou num galho, com as costas no
tronco, ofegando, a cabeça um redemoinho. Sentia-se tonto,
enjoado e, por um momento, temeu vomitar e entregar sua
posição. Mas o garoto mordeu o lábio e se obrigou a ficar
imóvel. Depois de algum tempo, sentiu-se melhor.
A julgar pelos padrões de estrelas, faltava apenas
algumas horas até a alvorada. Han percebeu que seria difícil
chegar a tempo à nave auxiliar da Sorte. Será que Shrike
simplesmente o abandonaria, ou será que iria esperar?
Bem abaixo, as pessoas vasculhavam o bosque. Luzes
piscavam pela noite, e Han se encolheu junto ao tronco.
Com os olhos fechados, se agarrava desesperadamente à
árvore apesar da tontura. Se ao menos sua cabeça não
latejasse tanto...
Han se perguntou se eles trariam biossensores e tremeu.
A pele dele parecia quente e inchada, apesar de a noite
estar fresca e uma brisa soprar.
A escuridão cedeu à aurora. Han se perguntou o que
Dewlanna estaria fazendo, se ela sentiria saudades dele se
a Sorte deixasse órbita sem o menino.
Finalmente, as luzes se apagaram e os passos sumiram.
Han esperou mais vinte minutos para garantir que os
perseguidores tivessem mesmo ido embora, e depois, ainda
segurando o saco de pilhagem nos dentes, desceu com
cuidado, movendo-se com cautela exagerada devido à
intensa dor de cabeça. Cada tranco, até mesmo dos
próprios passos, fazia sua cabeça girar, e ele teve que
trincar os dentes para aguentar.
Han andou... e andou. Várias vezes percebeu que
estivera cochilando enquanto andava, e em uns dois
momentos ele caiu e se sentiu tentado a simplesmente ficar
onde estava. Só que alguma coisa o mantinha em
movimento, enquanto o alvorecer iluminava as ruas e casas
ao seu redor. Amanheceres corellianos eram belos, Han
notou atordoado. Nunca tinha percebido como eram bonitas
as cores no céu. Se ao menos a luz não machucasse tanto
seus olhos...
A alvorada virou dia. O frescor deu lugar à tepidez,
depois ao calor. O menino suava, e sua visão estava
borrada. Só que, enfim, lá estava. O espaçoporto. A essa
altura, Han se movia como um autômato, um pé na frente
do outro, desejando apenas poder deitar e dormir na rua.
Diante dele, agora... a nave auxiliar da Sorte! Com um
arfar que foi quase um soluço, o menino se obrigou a
avançar. Estava quase na rampa quando um vulto alto
emergiu. Shrike.
– Por onde raios você andou? – Não havia nada de
amistoso no apertão que o capitão lhe dava no braço. Han
estendeu o saco de pilhagem, e Shrike o agarrou. – Bem,
pelo menos não voltou de mãos abanando – resmungou o
capitão.
Shrike avaliou rapidamente o conteúdo da bolsa,
acenando sua satisfação com a cabeça. Só depois de
terminar ele notou que Han balançava de pé.
– Qual é o seu problema?
Han já não conseguia dizer nada coerente, então apenas
balançou a cabeça. Sua consciência ia e vinha como uma
transmissão embaralhada.
Shrike o chacoalhou um pouco, depois colocou a mão na
testa do menino. Ao sentir o calor, praguejou.
– Febre... Será que eu te deixo aqui? E se for contagioso?
– Franziu o cenho, claramente com dificuldade para decidir.
Por fim, sentiu de novo o peso da bolsa de pilhagem. – Acho
que você conquistou uma folga – murmurou. – Vamos.
Han tentou subir a rampa, mas tropeçou e tudo ficou
escuro.
O menino emergiu em consciência parcial muito tempo
depois, ao som de vozes discutindo, uma em língua
wookiee, outra em língua básica. Dewlanna e Shrike.
A Wookiee grunhia, insistente.
– Dá para notar que ele está bem doente – concordou
Shrike –, mas esses meus moleques não morrem nem com
um tiro de pistola na potência máxima. Ele vai ficar bem
com mais uns dois dias de descanso. Não precisa de um
droide médico, e eu não vou desembolsar o custo.
Dewlanna rugiu, e Han, traduzindo automaticamente,
ficou surpreso com a insistência da Wookiee. Sentiu uma
pata-mão peluda colocando alguma coisa fria na sua testa.
Era uma sensação maravilhosa em comparação ao calor.
– Eu já disse não, Dewlanna, e ponto-final! – retrucou
Shrike e, com isso, o capitão saiu batendo pé, xingando a
Wookiee em todas as línguas que conhecia.
Han abriu os olhos e viu Dewlanna curvada sobre ele. A
Wookiee rosnou gentilmente para o menino. Han fez força
para falar:
– Muito mal... – admitiu ele diante da pergunta. – Com
sede...
Dewlanna o ergueu e lhe deu água, golinho por golinho.
Ela contou que ele tinha uma febre alta, tão alta que ela
temia por sua vida.
Depois que Han terminou de beber, ela se abaixou e
pegou o menino nos braços.
– Aonde... aonde nós...
Ela mandou que ele se calasse, que ela o levaria para a
superfície, ao droide médico. A cabeça de Han girava, mas
ele fez um grande esforço.
– Não... capitão Shrike... muito bravo...
A resposta dela foi curta e grossa. Han nunca tinha
ouvido Dewlanna praguejar antes.
Ele ficou apagando e voltando enquanto a Wookiee o
carregava pelo corredor, e sua próxima memória definida foi
ser atado ao assento de uma nave auxiliar. Han não sabia
que Dewlanna era capaz de pilotar, mas ela manejou os
controles competentemente com suas enormes patas
peludas. A nave se soltou da atracação e acelerou em
direção a Corellia.
A febre deixou Han tonto, e ele ficou imaginando a voz
de Shrike praguejar. Tentou dizer alguma coisa sobre isso a
Dewlanna, mas descobriu que não tinha força para fazer as
palavras saírem...
Recuperou a consciência de novo na sala de espera do
droide médico. Dewlanna estava sentada, ainda apertando
o corpinho mirrado do menino em seus braços protetores.
Uma porta se abriu de repente, e o droide apareceu. Era
um modelo grande e alongado, equipado com unidades
antigrav de modo a flutuar ao redor do paciente enquanto
Dewlanna colocava Han na mesa de exame. Han sentiu uma
picada na pele quando o droide tirou uma amostra de
sangue.
– Entende língua básica, madame? – inquiriu o droide.
Por um momento, Han estava prestes a responder que
era óbvio que ele entendia língua básica, e quem era
madame? Só que então Dewlanna resmungou. Ah, é claro. A
unidade médica estava falando com ela.
– Este jovem paciente contraiu febre tanamen corelliana
– o droide informou a Dewlanna. – O caso dele é bem grave.
Felizmente você não demorou mais para trazê-lo. Precisarei
mantê-lo aqui em observação até amanhã. A senhora
deseja permanecer com ele?
Dewlanna grunhiu que sim.
– Muito bem, madame. Usarei terapia de imersão em
bacta para restaurar o equilíbrio metabólico. Isso também
baixará sua febre.
Han deu uma olhada no tanque de bacta que o
aguardava e tentou debilmente correr para a porta.
Dewlanna e a unidade médica não tiveram dificuldade em
contê-lo. O menino sentiu outra picada de agulha no braço,
e então o universo inteiro descambou para o lado e
mergulhou nas trevas...
Han abriu os olhos, percebendo que o devaneio tinha se
tornado sono, e depois, sonhos. Balançou a cabeça,
recordando como tinha ficado bambo quando Dewlanna e o
droide o ajudaram a sair do tanque de bacta. Em seguida,
ela pagara o droide com uma parte de suas pequenas
economias e o levara de volta à Sorte de Mercador .
O jovem piloto fez uma careta. E como Shrike tinha
ficado furioso! Han temeu que ele jogasse os dois para fora
da escotilha estanque. Só que Dewlanna não demonstrou
nem o menor sinal de medo quando se interpôs entre Han e
o capitão, insistindo que tinha feito a coisa certa e que, de
outra forma, o menino teria morrido.
No fim, Shrike cedeu porque uma das joias que Han tinha
roubado naquela noite estava cravejada com o que se
descobriu ser uma pérola de dragão krayt genuína. Quando
o capitão se informou do seu valor, foi apaziguado.
Mas ele não reembolsou Dewlanna pelas despesas
médicas de Han...
Han suspirou e fechou os olhos. A perda de Dewlanna era
como uma ferida de faca; não importava o quanto tentasse,
não conseguia se livrar da dor e das memórias. Baixaria a
guarda e subitamente se pegaria pensando nela como
estando ainda viva, visualizaria a si mesmo falando com ela,
contando a ela seus problemas com a unidade R2
recalcitrante; só para se deter em seguida com uma dor
quase tão calcinante e imediata quanto a que ele sentira no
dia anterior, ao segurar o corpo moribundo da Wookiee.
Han tomou mais um gole de água, tentando afrouxar o
aperto na garganta. Ele devia a Dewlanna... devia tanto a
ela. A vida – até mesmo a própria identidade, ele devia a
ela.
Han suspirou. Até completar 11 anos, seu único nome
fora “Han”. O garoto frequentemente se perguntava ou se
preocupava se teria um sobrenome. Certa vez, ele
mencionou a questão a Dewlanna, além de sua convicção
de que, se existisse alguém que sabia quem ele realmente
era, seria Shrike.
Logo depois disso, Dewlanna aprendeu a jogar sabacc...
Han ouviu o arranhar leve na porta de seu minúsculo
cubículo e acordou num instante. Prestando atenção, ele
ouviu o arranhar de novo, depois um ganir suave.
– Dewlanna? – sussurrou ele, enquanto saía da cama e
enfiava os pés descalços no macacão de tripulante. – É
você?
Ela grunhiu baixinho do outro lado da porta. Han puxou o
macacão, fechou-o e abriu a porta.
– Como assim, você tem novidades incríveis para mim?
Dewlanna entrou, o corpo enorme e felpudo quicando de
empolgação. Han acenou para que ela passasse por ele, e a
Wookiee se sentou no catre estreito. Como não havia outro
lugar para sentar, Han tomou o lugar ao lado dela.
Dewlanna o acautelou para que mantivesse a voz baixa. O
menino deu uma olhada no crono e viu que era o meio da
madrugada.
– O que você está fazendo acordada agora? – indagou
ele, confuso. – Não me diga que ficou jogando sabacc até
essa hora?
Ela assentiu com a cabeça, os olhos azuis faiscando de
empolgação em meio aos pelos castanhos-claros e escuros.
– Então qual é a novidade, Dewlanna, por que você
precisa falar comigo?
A Wookiee rumorejou com suavidade para ele. Han se
endireitou no catre, subitamente paralisado de espanto.
– Você descobriu meu sobrenome? Como?
A resposta dela foi uma só palavra.
– Shrike... – murmurou Han. – Bem, se alguém poderia
saber, seria ele. O quê... como foi que aconteceu? Qual é
meu sobrenome?
O nome dele, disse Dewlanna, era “Solo”. Shrike tinha
ficado muito, muito bêbado e começara a se gabar sobre o
valor da pérola de dragão krayt, que ótimo negócio ele tinha
feito ao vendê-la. Dewlanna indagou inocentemente se Han
tinha vindo de uma longa linhagem de ladrões bem-
sucedidos. Shrike, segundo o relato, explodiu numa
gargalhada diante dessa sugestão.
– Talvez algum outro ramo da família, mas este Solo? –
matraqueou ele, meio que rindo, e fez uma pausa para dar
mais um gole na cerveja alderaaniana. – Temo que não,
Dewlanna. Os pais desse moleque eram...
E, neste ponto o capitão de repente se deteve no meio
de uma palavra, cravando um olhar desconfiado na
Wookiee.
– E por que você se importa, aliás? – inquiriu ele, sem
sinal do seu bom humor momentâneo.
Dewlanna respondeu simplesmente cobrindo e
aumentando a aposta de Shrike.
– Solo – sussurrou Han, testando o novo nome. – Han
Solo. Meu nome completo é Han Solo.
Ele olhou para Dewlanna, e um grande sorriso se abriu
no seu rosto.
– Eu gostei! Ficou ótimo!
Dewlanna respondeu gentilmente e passou o longo braço
em volta do menino, dando-lhe um abraço...
Han sorriu com a recordação, mas era um sorriso triste.
Dewlanna tinha agido com boas intenções, mas a
descoberta dela de que o sobrenome do rapaz era “Solo”
tinha levado a um dos piores episódios de sua jovem vida.
Na vez seguinte em que a Sorte orbitou Corellia, o menino
extraviou furtivamente parte do tempo que seria dedicado
aos seus deveres de roubos e furtos para visitar um dos
arquivos públicos e pesquisar.
Shrike não gostava que nenhum dos seus “protegidos”
investissem um minuto sequer na melhoria da própria
educação. Cada criança a bordo da Sorte de Mercador
recebia educação de nível fundamental pelo computador da
nave, de modo que fosse capaz de ler e contar créditos.
Shrike desencorajava as crianças a buscarem qualquer
conhecimento além disso.
Em parte porque automaticamente queria desobedecer
Shrike, e em parte pelo encorajamento de Dewlanna, Han
manteve seus estudos em segredo. Ele tinha uma tendência
de ignorar as matérias das quais não gostasse, tais como
história, e de investir todo seu tempo em assuntos que o
entretinham, como ficção de aventuras e equações
matemáticas. Han sabia como a matemática era importante
para qualquer aspirante a piloto, então deu duro para
dominar o máximo que podia da disciplina.
Uma vez que Dewlanna descobriu o que ele estava
fazendo, passou a monitorar seu currículo, fazendo o
menino estudar matérias que ele teria pulado, o que
deixaria lacunas em seu conhecimento. Relutante, Han
abordou as ciências físicas e história.
O garoto ficou surpreso ao descobrir que algumas das
batalhas reais históricas eram tão emocionantes quanto
qualquer coisa que tivesse lido nas sagas de aventura.
Naquele dia, nos arquivos públicos de Corellia, Han
aplicou algumas de suas recém-adquiridas habilidades de
pesquisa para aprender a respeito do novo sobrenome. Os
resultados foram surpreendentes. Quando Han consultou o
sobrenome “Solo” nos registros históricos, ficou espantado
ao descobrir que o nome era muito conhecido em Corellia.
Um tal de “Berethron e Solo” tinha introduzido a democracia
ao planeta natal de Han trezentos anos atrás. Na verdade,
ele fora um governante, um rei!
Só que havia outro Solo, mais recente, que era
igualmente famoso; ou, mais precisamente, infame. Mais ou
menos cinquenta anos antes, um descendente de
Berethron, Korol Solo, teve um filho chamado Dalla Solo. O
rapaz assumiu o pseudônimo Dalla Suul, num esforço para
ocultar sua identidade, e ficou muito conhecido como
assassino, sequestrador e pirata. “Dalla das Trevas” se
tornara um personagem usado para fazer criancinhas
tremerem nas camas em colônias distantes ou em
transportes sem destino.
O menino Han se perguntou se teria parentesco com
esses homens. Será que sangue real corria em suas veias?
Ou seria o sangue de um pirata assassino? Ele
provavelmente jamais descobriria a não ser que, de alguma
forma, pudesse convencer Shrike a divulgar o que já sabia.
Leu sobre as aventuras de Dalla Suul como ladrão e sorriu
sombriamente, perguntando-se se estaria no fundo
seguindo algum tipo de tradição de família.
Em seguida ele começou a conferir os artigos e as
colunas sociais corellianos mais recentes no computador.
Uma busca pelo sobrenome “Solo” resultou num nome.
Tiion Sal-Solo. Era uma viúva rica, mas reclusa, que tinha
um filho. Thrackan Sal-Solo era 6 ou 7 anos mais velho que
Han, no fim da adolescência.
E seu eu fosse parente dessa Tiion Solo, ou ela
conhecesse meus pais?, perguntou-se Han. Essa poderia ser
a minha melhor chance de escapar, até agora.
Ao voltar à Sorte de Mercador, Han conversou com
Dewlanna sobre essa questão. A Wookiee concordou com
ele que, apesar do perigo, Han tinha que correr o risco de
entrar em contato com a família Solo.
– É claro que – comentou Han, apoiando o queixo no
punho e fitando a mesa desanimado –, depois que eu fizer
isso, não poderei mais ver você de novo, Dewlanna.
A Wookiee grunhiu baixinho, dizendo a Han que é claro
que ele a veria de novo. Só não seria a bordo da Sorte de
Mercador .
– Da última vez que eu fugi, Shrike me deu uma surra tão
forte que eu fiquei sem poder sentar por dias – lembrou
Han. – Se Larrad não tivesse lembrado ele que tinha outra
coisa para fazer, acho mesmo que ele teria me matado.
Dewlanna ribombou.
– Tem razão – concordou Han. – Se essa família Solo me
receber, eles serão ricos e poderosos o bastante para me
proteger de Shrike.
Han conhecia até algumas regras e costumes exigidos de
quem vivia na alta sociedade corelliana. De tantos em
tantos anos, Shrike executava um grande golpe contra os
ricos de Corellia. Han tinha participado como figurante em
várias dessas operações.
Shrike alugaria uma propriedade luxuosa em Corellia e
então armaria uma “unidade familiar” para servir de pano
de fundo respeitável ao golpe. Han e outras crianças
designadas como parte dessa “família” seriam mandados
para viver nessa mansão. Ele frequentaria uma escola de
crianças ricas, e uma das suas tarefas durante o golpe era
fazer amizade com os filhos dos endinheirados e trazê-los
para brincar em casa. Várias vezes, isso tinha resultado em
contatos valiosos cujos pais foram convencidos a “investir”
no esquema corrente de Garris Shrike.
Apenas algumas semanas antes, Han fora estudante
numa dessas escolas, uma tão conhecida que tinha
merecido a visita do famoso senador Garm Bel Iblis. Han
levantara a mão e fizera ao senador duas perguntas
inteligentes e perceptivas o bastante para que o visitante
realmente o notasse. Depois do fim da aula, Bel Iblis deteve
Han, apertou-lhe a mão e perguntou seu nome. Han deu
uma olhada rápida em volta, viu que não havia ninguém por
perto, e orgulhosamente disse ao senador seu verdadeiro
nome. Foi muito legal poder fazê-lo...
Shrike recrutava Han frequentemente para as operações
de estelionato, parcialmente por conta do charme e sorriso
vencedor do menino, e em parte porque seus estudos
clandestinos permitiam que Han se encaixasse no ano
correto melhor que a maioria das outras crianças. Han
também tinha conquistado uma reputação nascente de
piloto promissor de swoop e speeder, esportes de gente
rica. Conhecera vários garotos de famílias abastadas
participando de corridas de swoop, e várias vezes Shrike
tinha convencido os pais deles a participar de qualquer que
fosse o esquema que ele aplicava na época.
Em um ano, Han poderia se inscrever na divisão Júnior do
Campeonato Corelliano. Isso significaria um grande prêmio
em dinheiro... se ele vencesse.
Han gostava e desgostava dessas missões. Gostava
porque elas significavam que ele viveria no bem-bom por
semanas, às vezes meses. Corridas de swoop e speeder
eram um sopro de vida para o menino, e assim ele podia
treinar todos os dias.
Desgostava dessas operações golpistas porque sempre
acabava criando laços com alguns dos meninos com quem
era obrigado a fazer amizade, e o tempo todo sabia que
eles e suas famílias seriam irrevogavelmente prejudicados
pelo esquema de Shrike.
Geralmente, Han conseguia abafar qualquer sentimento
de culpa. Estava ficando muito bom em se colocar em
primeiro lugar. Outras pessoas, exceto por Dewlanna,
ficavam em segundo lugar ou em lugar nenhum. Era
autopreservação, e Han era muito, muito bom nisso.
Ainda sou, pensou Han enquanto se levantava do convés
da Sonho Ylesiano e ia verificar rota e velocidade. O jovem
corelliano sorriu e assentiu com a cabeça ao ler os
instrumentos. Bem na mosca, pensou. Vamos conseguir.
Conferiu o tanque de ar e viu que tinha passado da
metade.
Por um momento Han se sentiu tentado a explorar mais
da Sonho , mas resistiu ao impulso. Ficar perambulando
simplesmente gastaria o oxigênio mais rápido, e ele já
estava no limite da segurança.
Então se sentou novamente, e as memórias voltaram. Tia
Tiion. Pobre mulher. E o querido primo Thrackan. Conforme
se lembrava, Han repuxou os lábios para trás num esgar
feral que era mais parecido com o rosnado de um canoide...
Han pulou da alta muralha de pedra e aterrissou de leve
na ponta dos pés. Em meio às árvores, viu uma grande
estrutura construída na mesma rocha nativa que o muro,
então seguiu na direção dela, ficando à sombra das árvores
sempre que possível.
Quando alcançou a mansão, ele parou, contemplando-a
impressionado. Tinha visto muitas moradas abastadas, até
vivido em várias delas, mas nunca vira nada como o
palacete Sal-Solo.
Torreões decorados com hera, quatro deles, se erguiam
em cada quina da grande e quadrada construção de pedra.
Um antiquíssimo droide jardineiro se movia artriticamente,
podando os arbustos que cresciam à margem de um largo
fosso cheio de água. Han contornou até a lateral e
percebeu, para sua surpresa, que o fosso cercava
completamente a casa. Não havia como entrar no prédio,
exceto cruzando uma estreita ponte de madeira que
cruzava a água e levava à porta da frente.
Han tinha interesse em táticas militares desde que era
pequeno e tinha lido muito sobre o assunto. Estudou a
mansão Sal-Solo, percebendo que tinha sido construída sob
padrões quase militares de inexpugnabilidade. Bem, isso se
encaixava com as coisas que ele ouvira falar sobre a família
Solo. Eles não socializavam, não compareciam a eventos de
caridade nem iam a peças ou concertos.
Em todas as vezes que Han posara como menino rico,
nunca tinha ouvido ninguém mencionar a família Solo; e, do
jeito que aqueles ricaços viviam falando uns dos outros, ele
teria escutado alguma coisa se os Solo se misturassem aos
pares.
Han avançou cautelosamente em direção à casa. Trocara
o macacão cinzento de tripulante por uma calça preta e
uma túnica cinza-claro que tinha pegado “emprestadas”.
Não queria que ninguém descobrisse de onde ele viera.
Quando estava quase no começo da ponte, parou detrás
de um dos grandes arbustos ornamentais e espiou
ressabiado a casa, do outro lado da água. O que ele deveria
fazer agora? Simplesmente ir até a porta e tocar a
campainha? Mordeu o lábio, indeciso. E se eles chamassem
as autoridades, denunciando-o como um fugitivo? Shrike
poria as mãos nele tão rápido que...
– Te peguei!
Han deu um pulo quando a mão segurou seu braço,
puxando-o para trás.
O sujeito que o pegara era uma cabeça mais alto que
ele. Tinha cabelo mais escuro e era mais forte também. Só
que foi o rosto que fez Han o encarar em espanto mudo.
Han ficou boquiaberto e calado diante do menino mais
velho. Se em algum momento ele teve alguma dúvida da
sua conexão à família Solo, as dúvidas sofreram morte
súbita. O rosto do rapaz que segurava seu braço parecia
uma versão mais velha do rosto que Han via no espelho
todas as manhãs.
Não que eles fossem gêmeos ou coisa do tipo, mas havia
semelhança demais nos traços para ser coincidência. O
mesmo formato dos olhos castanhos, o mesmo tipo de
lábios, o mesmo jeito das sobrancelhas... o mesmo nariz e
queixo...
O outro garoto encarava Han de volta, obviamente tendo
notado a mesma coisa.
– Ei! – Ele chacoalhou o braço de Han com força. – Quem
é você?
– Meu nome é Han Solo – respondeu Han calmamente. –
Você deve ser Thrackan Sal-Solo.
– E se eu for? – retrucou o outro, taciturno. Han estava
começando a se sentir apreensivo com a forma como o
rapaz o espiava. Ele tinha visto vrelts com mais simpatia no
olhar. – Han Solo, é? Nunca ouvi falar de você. De onde você
veio? Quem são seus pais?
– Eu esperava que vocês pudessem me dizer isso –
explicou Han, com tranquilidade. – Eu fugi de onde estava
hospedado, porque queria encontrar minha família. Não sei
nada sobre mim mesmo exceto meu nome.
– Hum... – Thrackan ainda encarava. – Bem, acho que
você deve ser da família...
– Está na cara – concordou Han, só percebendo o
trocadilho depois de ter falado. Só que Thrackan não
pareceu notar. Ele estava hipnotizado por Han e, depois de
soltar o braço dele, contornou o invasor, estudando-o de
todos os ângulos.
– De onde você fugiu? – indagou Thrackan. – Tem alguém
procurando você?
– Não – assegurou Han secamente. Ele não confiaria a
Thrackan nenhuma informação que pudesse assombrá-lo
mais tarde. – Escuta, nós somos parecidos, então devemos
ser parentes, né? Será que nós somos... nós somos irmãos?
– Engraçado, mas, depois de tantos sonhos sobre encontrar
uma família que o resgataria da Sorte de Mercador, Han se
pegou desejando que não fosse o caso.
– Sem chance – retrucou Thrackan, torcendo o lábio. –
Meu pai morreu um ano depois de eu nascer, e minha mãe
se trancou aqui desde então. Ela é meio... eremita.
Isso se encaixava com o que Han tinha lido sobre a
família Sal-Solo. Tiion Solo se casara com um homem
chamado Randil Sal, uns vinte anos antes. Os registros
públicos continham seu obituário.
– Talvez ela saiba alguma coisa sobre mim – sugeriu Han.
– Eu posso falar com ela? – Ele respirou fundo. – Por favor?
Thrackan pareceu considerar.
– Tudo bem – decidiu ele finalmente. – Mas, se ela ficar...
chateada, você vai ter que ir embora, tudo bem? Minha mãe
não gosta de gente. Ela é que nem o avô dela, não aceita
serviçais humanos, só droides. Ela diz que os humanos
traem e matam uns aos outros, coisa que os droides nunca
fazem.
Han seguiu Thrackan mansão adentro, passando por
enormes salas cheias de mobília coberta e pinturas
protegidas contra a poeira. Thrackan explicou que a família
usava apenas alguns poucos aposentos, para economizar o
tempo e o esforço dos droides de limpeza.
Finalmente, chegaram à sala de estar da mãe de
Thrackan. Tiion Solo era uma mulher pálida, de cabelos
escuros, obesa e de aparência doentia. Não era nada
atraente. Porém, depois de contemplá-la, estudar seu rosto,
ver os ossos sob a flacidez inchada, Han concluiu que, um
dia, há muito tempo, ela poderia ter sido bonita. Ao ver seus
traços, uma lembrança se agitou dentro dele, bem de leve...
Um dia, ele tinha visto traços parecidos com os dela,
pensou Han. Havia muito tempo, longe dali. A “memória”,
se é que era uma memória, era tão fugaz e elusiva quanto
um penacho de fumaça.
– Mãe – disse Thrackan. – Este é Han Solo. Ele é nosso
parente, não é?
O olhar de Tiion Sal-Solo tocou o rosto de Han, e seus
olhos se arregalaram. Ela encarou o menino horrorizada.
Sua boca se mexeu, e um som agudo e estridente emergiu.
– Não... não! – gritou ela. Lágrimas se acumularam nos
olhos castanhos, escorreram pelas bochechas flácidas. –
Não, não é possível! Ele se foi! Os dois se foram!
A mulher enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar
histericamente.
Thrackan agarrou Han pelo braço e o arrastou para fora
da casa.
– Agora veja só o que você fez, seu idiotinha – exclamou
o rapaz, olhando preocupado para a janela da mãe. – Ela vai
ficar nesse estado por dias, é sempre assim quando ela se
aborrece.
Han deu de ombros.
– Eu não fiz nada. Ela só me olhou, foi tudo. Qual é o
problema dela?
Com um xingamento abafado, Thrackan acertou um tapa
com as costas da mão no rosto de Han tão forte que abriu o
lábio do menino.
– Cale a boca! – rosnou. – Você não tem o direito de falar
dela! Ela não tem nenhum problema, ouviu? Nenhum!
O golpe doeu, mas Han levava surras constantes
aplicadas por especialistas, e uma coisa que ele sabia era
como levar um soco e continuar de pé. Por um momento,
sentiu-se tentado a se atirar contra a garganta do menino
mais velho, mas se obrigou a relaxar. Havia dor genuína nos
olhos de Thrackan quando ele defendeu a mãe. Han
imaginou que teria feito a mesma coisa se um dia tivesse
tido uma mãe. Preciso ficar aqui, ele relembrou a si mesmo.
Qualquer coisa é melhor que Shrike...
– Desculpa – ele conseguiu dizer.
Thrackan pareceu um pouco envergonhado.
– É só você prestar atenção em como fala sobre minha
mãe, está bem?
As seis semanas seguintes foram algumas das mais
estranhas na vida de Han. Thrackan permitiu que Han
ficasse com ele nos seus aposentos (Tiion quase nunca ia à
parte de Thrackan da casa), e os dois passavam o tempo
conversando e se conhecendo.
Thrackan era um anfitrião exigente, Han logo descobriu.
Este tinha que concordar com ele incondicionalmente, e
correr para cumprir suas ordens, ou ele perdia as estribeiras
e batia no menino mais novo. Thrackan fez Han pilotar para
ele, transportando o rapaz pelo campo num landspeeder
antiquíssimo, e os dois chegaram até a partir em algumas
expedições a mansões que Thrackan sabia que estavam
vazias, cujos habitantes saíram de férias. Thrackan exigia
que Han arrombasse as fechaduras e desativasse os
sistemas de segurança, e então o rapaz roubava qualquer
coisa que lhe desse na telha.
Han começou a se perguntar se era grande vantagem ter
fugido da Sorte de Mercador. Duas coisas o mantinham na
mansão Solo: o medo de que, se desagradasse Thrackan, o
rapaz mais velho o denunciasse às autoridades, assim
permitindo que Shrike o encontrasse; e a esperança de que
Thrackan cedesse e contasse a Han tudo o que sabia sobre
sua identidade real. Ele ficava insinuando que sabia qual
era o verdadeiro grau de parentesco dos dois.
– Tudo a seu tempo – Thrackan dizia quando Han tentava
espremer informação dele. – Tudo a seu tempo, Han. Vamos
dar uma volta. Quero que você me ensine a pilotar o
speeder.
Han tentou, mas Thrackan não era muito bom naquilo. O
menino mais velho quase bateu o veículo várias vezes antes
de dominar os rudimentos mais básicos da pilotagem do
pequeno speeder.
Eu tenho que cair fora daqui, repetia Han para si mesmo.
Vou fugir para algum outro mundo, onde ninguém nunca vai
me encontrar. Talvez eu consiga ser adotado ou arranjar um
emprego ou coisa assim. Tem que haver algum jeito...
Só que ele não conseguia pensar em nenhum jeito de se
livrar de Thrackan. O rapaz era vingativo, sádico e
simplesmente malvado. Várias vezes, Han viu Thrackan
torturar insetos ou outros animais e, quando o rapaz
percebeu que seus atos o perturbavam, começou a fazê-lo
com frequência. Han nunca tivera um bicho de estimação,
mas tendia a gostar de criaturas peludas por causa de
Dewlanna.
Sentia saudades dela todos os dias.
A situação foi se tornando cada vez mais insustentável,
até que um dia Thrackan perdeu completamente a
paciência com Han. Agarrou-o pelos cabelos, arrastou-o até
a cozinha, pegou uma faca e a segurou diante de seus
olhos.
– Está vendo isto? – rosnou. – Se você não pedir
desculpas e não fizer exatamente o que eu mandar, vou
cortar suas orelhas fora. Agora peça desculpas! –
Chacoalhou Han com força. – E é melhor você ser
convincente!
Han encarou a lâmina brilhante da faca e lambeu os
lábios. Tentou forçar as palavras de um pedido de
desculpas, mas uma imensa erupção de raiva sanguinária
brotou dentro dele. Todos os insultos, tapas e socos e
surras, de Shrike e de Thrackan, pareceram transbordar.
Com um urro tão alto quanto o de um Wookiee, Han
virou uma fera. Deu um soco no braço de Thrackan, fazendo
a faca voar, e acertou o outro cotovelo no estômago do
rapaz. Este perdeu completamente o fôlego e, antes que
pudesse se recuperar, Han se atirou contra ele.
Chutes, mordidas, socos, dedo no olho; Han usou todos
os truques sujos que tinha aprendido nas ruas para surrar
Thrackan. Atordoado e chocado com a fúria de Han,
Thrackan não conseguiu se recuperar, até que a luta
terminou com Han sentado nele, segurando a faca em seu
pescoço.
– Ei... – Os olhos de Thrackan reluziam como os de um
vrelt encurralado. – Ei, Han, pare de brincadeiras. Isto não é
engraçado.
– Você cortar minhas orelhas também não é – retrucou
Han. – Escute aqui, estou farto. Você me conte o que você
sabe, e conte agora mesmo, ou eu juro que abro sua
garganta de orelha a orelha. E depois vou embora. Já me
cansei de você.
Os olhos escuros de Thrackan se arregalaram de medo.
Eles viram alguma coisa no rosto de Han que o convenceu
de que Han estava tão furioso que seria um erro provocá-lo.
– Está bem, está bem!
– Agora – mandou Han. – Fale.
Gaguejando de medo, Thrackan contou a história.
Anos atrás, o avô de Thrackan, Denn Solo, e a avó, Tira
Gama Solo, viviam no quinto planeta habitado do sistema
corelliano, uma colônia chamada Tralus. Eram tempos
perigosos, e bandos itinerantes de saqueadores e piratas
ameaçavam vários mundos periféricos. Os saqueadores
nunca chegaram a Corellia, mas chegaram a Tralus. Uma
frota deles pousou e devastou a colônia inteira.
– Avó Solo estava grávida – ofegou Thrackan, porque era
difícil respirar com Han sentado no seu peito. – E, na noite
que a cidade deles foi atacada, ela teve os bebês. Gêmeos.
Uma delas foi batizada mais tarde como Tiion. Vó Solo
pegou ela e fugiu dos saqueadores. Conseguiu se esconder
numa caverna nas colinas.
– Tiion – repetiu Han. – Sua mãe.
– Isso. O outro bebê era um menino, a vó Solo contou. O
marido dela levou ele. Não tiveram tempo nem para batizá-
lo. A vó disse que foi terrível. Incêndios por todos os lados,
gente correndo e gritando. Ela e vô Denn se separaram na
confusão da fuga.
– E? – Han flexionou a mão de leve, e a lâmina se
aproximou da garganta de Thrackan.
– Como eu disse, vó Solo e Tiion escaparam. Mas vô Solo
e o bebê menino desapareceram. Nunca mais se soube
deles.
– Então o que isso faz de mim? – indagou Han,
completamente confuso.
– Eu não sei – admitiu Thrackan. – Mas, se eu tivesse que
chutar, eu diria que você é meu primo. Que, de alguma
forma, o vô Solo e seu filho escaparam, e que você é o filho
desse filho.
– Será que ninguém sabe nada além disso? – exclamou
Han, sentindo-se desesperado. Aquele era um beco
totalmente sem saída; a decepção era esmagadora. –
Serviçais?
– O vô Solo não gostava de serviçais humanos. Sempre
teve droides. E, quando a vó Solo voltou à família dela aqui
em Corellia, o bisavô Gama apagou a memória de todos os
droides. Ele achou que seria mais fácil assim. Queria que ela
se casasse de novo, começasse uma nova vida. – Thrackan
lutou para respirar fundo. – Só que ela nunca fez nada disso.
– Então o que aconteceu com sua mãe?
– Não sei. Ela sempre teve medo de confiar nas pessoas
e odiava multidões. Depois que o meu pai morreu, ela
simplesmente quis se isolar do mundo. E foi o que ela fez.
Han baixou a mão da faca e balançou a cabeça.
– Certo – disse ele. – Eu vo...
Com um corcovear súbito, Thrackan lhe deu um tranco e,
antes que Han pudesse reagir ao golpe, as posições
estavam invertidas. Han encarou o primo, sabendo que teria
sorte em sair daquela com vida. Os olhos escuros de
Thrackan incandesciam com ódio, raiva e prazer sádico.
– Você vai ser arrepender muito, muito mesmo, Han –
afirmou o rapaz em voz baixa.
E Han de fato se arrependeu.
Thrackan o trancou numa sala vazia por três dias, lhe
dando apenas pão e água. Na tarde do terceiro dia, quando
Han estava sentado deprimido num canto, Thrackan
destrancou a porta.
– Temo que seja hora do adeus, priminho – anunciou ele,
animado. – Tem alguém aqui para levar você para casa.
Han olhou em volta desesperado enquanto Garris e
Larrad Shrike entravam atrás de Thrackan, porém, como ele
bem sabia, não havia para onde correr...
Han balançou a cabeça e se recusou a se permitir pensar
nos dias que seguiram. A única coisa que fez Shrike se
conter um pouco na hora de puni-lo foi o fato de não querer
“danificar” Han permanentemente devido à sua crescente
reputação de excelente piloto de swoops e speeders. Só que
havia muitas coisas que o capitão podia fazer que não
causavam dano permanente, e ele tinha feito quase todas
elas...
A única vez que Han levou uma surra pior foi depois do
fracasso em Jubilar, quando tinha 17 anos. Han já estava
machucado e dolorido do vale-tudo gladiatório em que fora
obrigado a lutar, depois de ser flagrado trapaceando no
baralho. Daquela vez, Shrike não tinha nem se dado ao
trabalho de pegar um cinto, tinha simplesmente usado os
punhos, massacrando o rosto e o corpo do menino até que
Larrad e vários outros o arrastaram para longe do garoto
desmaiado.
E agora ele matou Dewlanna, pensou Han amargamente.
Se existe alguém que precisa ser morto, é Garris Shrike.
Por um momento Han se perguntou por que nunca lhe
ocorrera matar Shrike quando ele ficou inconsciente durante
a fuga de Han para a Sonho Ylesiano . Teria sido um favor
aos habitantes da Sorte de Mercador. Por que ele não o
matara? Tivera uma pistola na mão...
Han balançou a cabeça. Ele nunca tinha atirado em
ninguém até a véspera, e matar um homem inconsciente
simplesmente não era seu estilo.
Só que Han sabia, sem que ninguém lhe dissesse, que,
se Garris Shrike algum dia o encontrasse no futuro, Han
seria um homem morto. O capitão nunca esquecia e nunca
perdoava. Ele se especializava em guardar rancores contra
qualquer um que lhe tivesse prejudicado.
Han se levantou de novo para conferir a rota e o tanque
de ar. Só restavam algumas horas de oxigênio. Fez alguns
cálculos mentais enquanto verificava a tela. Por pouco. Vai
ser por pouco. É melhor eu estar preparado para ejetar a
porta de carga deste caixote assim que pousarmos... Vai ser
por muito, muito pouco...
Mesmo tendo voado centenas de horas em swoops e
speeders, a experiência de Han em pilotar naves maiores se
limitava às vezes que Garris Shrike permitira que ele
comandasse a nave auxiliar da Sorte em trajetos fáceis. Ele
tinha decolado e pousado, mas nunca antes tentara
aterrissar nada tão grande quanto o cargueiro-robô. Han
esperava que fosse capaz de dar conta. Tinha confiança em
sua habilidade de piloto; afinal, não tinha sido o campeão
planetário júnior de speeder em Corellia por três anos
seguidos? E, ano passado, ele não tinha vencido o
campeonato de corrida de swoop do sistema corelliano
inteiro?
Ainda assim, comparado à nave auxiliar da Sorte , aquele
cargueiro era enorme ...
Han cochilou de novo e, depois que acordou, perambulou
inquieto pela cabine, sabendo que deveria conservar
energia e ar, mas sem conseguir se deter.
– Senhor? – A unidade R2 que tinha ficado tão quieta por
tantas horas voltou à vida de repente. – Preciso informá-lo
de que alcançamos a órbita de Ylesia. O senhor precisa se
preparar para executar a descida e o pouso.
– Obrigado por me avisar – respondeu Han. Foi até os
painéis de controle e verificou os instrumentos, calculando
mentalmente a taxa de descida. Não ia ser fácil. Ele não
tinha nenhuma forma de se comunicar com o
navicomputador, exceto pela unidade R2. Um piloto tinha
que tomar decisões em frações de segundo em
determinados momentos e, nesses casos, Han não poderia
esperar a unidade R2 responder.
A nave estremeceu de repente, depois oscilou de leve.
Eles estavam entrando na atmosfera, percebeu Han.
Respirou fundo e deu uma olhada no nível do tanque de
ar, percebendo que seria por pouco... por muito, muito
pouco.
Lá vamos nós , pensou ele, ativando o controle manual
da Sonho Ylesiano .
– Ei, R2 – chamou ele, ajustando o curso de leve.
– Sim, senhor?
– Me deseje sorte.
– Com sua licença, senhor, mas esta unidade não está...
Han praguejou, e a Sonho Ylesiano desceu em direção à
superfície de um planeta que ele não conseguia nem ver.
Ele conseguia ver as leituras dos sensores e escâneres
infravermelhos, porém, e percebeu que Ylesia era um
mundo de correntes de ar tempestuosas, até mesmo nas
camadas superiores da atmosfera. Sensores de
mapeamento criaram um retrato global do planeta: mares
rasos cravejados de ilhas, e três pequenos continentes. Um
desses ficava perto do polo norte, mas os outros dois, o
oriental e o ocidental, ficavam em latitudes mais baixas, em
zonas provavelmente mais temperadas.
– Ótimo – murmurou para si mesmo enquanto localizava
o sinalizador de aproximação final da nave. Ele poderia usá-
lo como um guia para planejar a aterrissagem. O campo de
pouso ficava no continente oriental. Deveria ser lá que
ficava a colônia ylesiana de sacerdotes e peregrinos
religiosos.
A Sonho tremeu violentamente, jogada pelas correntes
rodopiantes de ar como uma criança num balanço. As luvas
do traje de Han tocavam desajeitadamente os pequenos
botões do controle de diagnóstico enquanto ele usava os
estabilizadores para endireitar a descida. Ao tentar pegar o
jeito dos controles, Han guinou para bombordo e depois
exagerou na correção, fazendo a nave derrapar para
estibordo.
Na imagem infravermelha, uma enorme bolha vermelha
surgiu de repente. É uma tempestade imensa! , pensou
Han, usando os propulsores laterais para estabilizar a
descida. Permitiu que a Sonho desviasse alguns graus para
o norte, planejando assim se afastar da tempestade e
depois virar de volta para o sul, quando estivesse abaixo da
tormenta.
As partículas ionizadas no rastro de todos aqueles
relâmpagos confundiam completamente os instrumentos,
percebeu Han. Engoliu seco, sentiu o peito apertar e
conteve o pânico. Bons pilotos não podiam se dar ao luxo de
deixar as emoções atrapalharem, ou acabariam mortos, e
isso encerraria a viagem bem rápido, não é mesmo?
– R2 – disse Han, estressado. – Veja se você consegue
mapear essas áreas tempestuosas para que eu possa evitar
os rastros ionizados dos relâmpagos. Concentre-se na
trajetória entre nossa posição atual e o campo de pouso no
continente oriental.
– Sim, senhor – respondeu a unidade R2.
Momentos depois, os pontos de tempestades elétricas
apareceram diante dele.
– Coloque uma versão desse mapa em escala reduzida
no canto desta tela, R2 – ordenou Han. Geralmente, seria
trabalho do navicomputador consolidar a trajetória de voo
pretendida com dados geográficos e climáticos, e então
sugerir uma rota ideal, que o piloto poderia implementar e
modificar conforme necessário.
Han nunca tinha sentido tanta falta de ter um
navicomputador ao seu dispor quanto naquele momento.
Reduziu marginalmente o avanço precipitado da nave,
depois foi forçado a ativar os propulsores para tirá-los do
caminho de mais uma rajada de vento de uma das
tempestades.
O suor pingava no rosto do rapaz enquanto ele lutava
com os minúsculos controles, jogando a Sonho Ylesiano em
manobras que só se poderia esperar que fossem
executadas por um swoop ou caça militar. Han percebeu
que ainda estava ofegante e se perguntou por uma fração
de segundo se seria por causa do estresse e da adrenalina,
ou se o ar estaria acabando.
Não tinha como desperdiçar o segundo que seria
necessário para verificar o tanque de ar.
Eles estavam agora apenas um quilômetro acima da
superfície do planeta, descendo com rapidez. Rapidez
demais! Han reduziu a velocidade, abusando dos
retropropulsores. A aceleração gravitacional o atingiu, e o
rapaz sentiu como se alguma coisa apertasse seu peito num
imenso torno. Ofegava forte agora, e ousou olhar o tanque
de ar.
Vazio! O indicador de status estava completamente na
zona vermelha.
Aguenta firme, Han, aconselhou a si mesmo. É só
continuar respirando. Deve ter ar bastante no seu traje para
sustentá-lo por alguns minutos, pelo menos.
Balançou a cabeça, sentindo-se tonto. Seus pulmões
começaram a arder com a respiração.
Só que agora eles estavam quase lentos o bastante para
pousar. Freou de novo, de leve, e a nave deu um tranco
súbito. Perdi meu estabilizador dianteiro!
Han lutou para compensar. Ainda estavam rápido
demais, só que não havia mais nada que ele pudesse fazer
quanto a isso. Acionou os repulsores e começou a baixar a
nave, sentindo a vibração nos joelhos e nas pernas,
ajoelhado no convés.
Aguenta firme, sua linda! , ele pensou para a Sonho .
Aguenta firme...
Com um whooooommpppp! estrondoso, o repulsor
dianteiro de bombordo pifou. A Sonho deu uma forte
guinada para bombordo, bateu no chão, depois quicou. O
repulsor de estibordo estourou, e então o lado
correspondente inteiro se chocou contra o solo, quase
fazendo a nave capotar.
Wham! Com um crunch horroroso que Han sentiu no
corpo inteiro, a Sonho Ylesiano se esborrachou na superfície
do planeta, estremeceu uma vez e ficou imóvel.
Han foi atirado violentamente pela cabine. Seu capacete
bateu com força na antepara, e ele ficou deitado ali,
atordoado, com braços e pernas esparramados. Lutou para
continuar consciente. Se desmaiasse, nunca mais acordaria
de novo. Tentou se sentar e grunhiu com o esforço. Ondas
de escuridão o ameaçavam. Ele ativou o canal de
comunicação do traje.
– R2... R2... responda!
– Sim, senhor, estou aqui, senhor. – O tom mecânico do
droide soou um tanto estremecido. – Se o senhor me
perdoar a franqueza, senhor, esta pareceu ser uma
aterrissagem assaz heterodoxa. Estou preocupado com...
– Cale a BOCA e ABRA A ESCOTILHA DE CARGA! – sibilou
Han. Ele conseguiu ficar sentado, mas temia não ser capaz
de se levantar. Balançava como um bêbado na ventania.
– Mas, senhor, eu o avisei que, por questão de
segurança, todas as saídas ficariam seladas pendendo...
Han encontrou a pistola que tinha metido num bolso
externo do traje, sacou e apontou para R2.
– R2, OU VOCÊ ABRE AQUELA ESCOTILHA AGORA, OU EU
FAÇO SUA CARAPAÇA DE METAL EM PEDAÇOS!
As luzes do droide piscaram freneticamente. O dedo de
Han tocou o gatilho enquanto o rapaz se perguntava se
teria força suficiente para se arrastar até a escotilha. As
trevas rondavam os limites de sua visão.
– Sim, senhor – decidiu R2. – Farei conforme sua
requisição.
Momentos depois, Han sentiu o impacto quando o ar
irrompeu na Sonho com força quase explosiva. Ofegante,
ele contou até vinte e enfim, com seu último resquício de
força, arrancou o capacete. Em seguida, deixou-se cair de
volta ao convés.
Han arfou, percebeu que conseguia respirar e inspirou
profunda e repetidamente o ar fresco. Ar morno, ar úmido,
ar carregado com um cheiro que ele não conseguia
identificar. Mas era rico em oxigênio, eminentemente
respirável e isso era tudo que importava naquele momento.
O rapaz fechou os olhos e se concentrou apenas em
respirar, sentindo a exaustão dominá-lo. A cabeça latejava,
e ele precisava só de um momento para descansar. Só um
momento...

Quando Han emergiu de volta a um estado completo de


consciência e abriu os olhos, se deparou com um rosto saído
de pesadelos. Essa é a criatura mais feia que eu já vi! foi
seu primeiro pensamento. Só os anos de experiência
lidando com todo tipo de não humanos de todas as
variedades permitiram que ele controlasse a reação inicial.
O rosto era largo, com dois olhos protuberantes e
bulbosos, e era coberto de pele coriácea cinzenta-
bronzeada. Não tinha orelhas visíveis, e apenas fendas
servindo de narinas. Acima dessas fendas havia um grande
chifre rombudo quase tão longo quanto o antebraço de Han.
A boca era um risco largo e sem lábios na imensa cabeça.
Han balançou a própria cabeça dolorida e conseguiu se
sentar, percebendo pelo cenário que o cercava que parecia
estar em algum tipo de enfermaria. Um droide médico
pairava pela sala, com luzes piscando.
Seu anfitrião (se é que a criatura era isso) era grande,
Han notou. Muito maior até que um Wookiee. Lembrava um
pouco um Berrite, pois caminhava sobre quatro pernas
grossas como troncos de árvore, mas era muito maior. A
cabeça da criatura se conectava a um pescoço curto e
corcunda que levava a um corpo imenso. Han calculou que
o dorso do ser teria a altura dos ombros do rapaz de pé. A
pele como couro que recobria o corpo pendia em pregas,
rugas e dobras frouxas, especialmente no pequeno e quase
inexistente pescoço. Esse couro tinha um brilho oleoso.
As quatro pernas curtas terminavam em enormes patas
acolchoadas. Uma longa e fina cauda ficava enrolada sobre
o dorso. Por um momento, Han se perguntou se a criatura
teria membros manipuladores, mas logo notou dois
bracinhos que se dobravam junto ao peito, meio escondidos
pela papada de pele frouxa. As mãos da criatura eram
delicadas, quase femininas, com quatro longos dedos
flexíveis em cada.
O ser abriu a boca e falou em língua básica, com sotaque
compreensível.
– Saudações, sr. Draygo. Permita-me lhe dar as boas-
vindas a Ylesia. Você é um peregrino?
– Só que eu não me ch... – murmurou Han, com a cabeça
girando. Por um momento o nome não fez sentido, mas
então as coisas se encaixaram. É claro. Fechou a boca com
força, pensando que provavelmente tinha levado uma
pancada pior do que pensara. Vykk Draygo era o
pseudônimo cuja identificação ele portava naquele
momento.
Han tinha vários alter egos e a documentação apropriada
para sustentá-los. Ironicamente, ele não tinha nenhum tipo
de identidade ou documento sob seu nome verdadeiro.
– Me desculpe – murmurou ele, segurando a cabeça com
a mão, na esperança de que o deslize fosse descontado
como resultado do ferimento na cabeça. – Acho que ainda
estou meio abalado. Não, não sou um peregrino. Vim aqui
responder a um anúncio de emprego para que alguém, de
preferência um corelliano, viesse ser piloto.
– Entendo. Mas como o senhor calhou de estar a bordo
de nossa nave quando ela sofreu o acidente? – inquiriu a
criatura.
– Queria chegar a Ylesia o mais rápido possível, então
aproveitei a oportunidade para pegar uma carona na Sonho
Ylesiano – explicou Han. – Eu teria que esperar uma semana
por um voo comercial e o anúncio dizia que vocês
precisavam de um piloto com urgência. Vocês receberam
minha mensagem?
– Sim, recebemos – confirmou o ser. Han o observava
atentamente, lamentando não ser capaz de interpretar suas
expressões faciais. – Nós estávamos esperando você, mas
não na Sonho Ylesiano.
– Veja, trouxe o anúncio comigo. – Han estendeu a mão
para o macacão pendurado numa cadeira ao lado da cama
e pegou o holocubo que continha o anúncio ao qual ele
tinha respondido. – Diz que vocês precisam de alguém para
começar imediatamente.
Ele estendeu o cubo.
– Então... Vykk Draygo aqui, me apresentando para o
emprego. Sou corelliano e atendo a todos os seus requisitos.
Eu só... Bem, queria dizer que lamento ter batido a Sonho.
Sua nave é um modelo diferente daqueles que eu já pilotei,
mas umas duas horas num simulador vão resolver isso. E
temo que as suas correntes atmosféricas me pegaram de
surpresa.
O ser verificou o cubo, depois o pousou na mesa. Os
cantos da imensa boca sem lábios se inclinaram levemente
para cima.
– Entendo. Sr. Draygo, sou o mui exaltado sumo
sacerdote de Ylesia, Teroenza. Seja bem-vindo à nossa
colônia. Estou impressionado com a sua iniciativa, jovem
humano. Viajar a bordo de uma nave-robô para poder
responder ao nosso anúncio tão rapidamente é um sinal do
seu comprometimento.
Han franziu o cenho, desejando que sua cabeça não
doesse tanto.
– Bem... obrigado.
– Fiquei impressionado que você tenha conseguido
controlar e aterrissar uma nave-robô. Poucos pilotos
humanos teriam sido capazes de reagir com velocidade
suficiente para lidar com os padrões climáticos desafiadores
deste planeta. Os danos à nossa nave não foram sérios, e os
reparos já estão sendo efetuados. Você pousou em terreno
macio, felizmente.
– Isso quer dizer que o emprego é meu? – indagou Han,
ansioso. Ótimo! Eles não estão com raiva de mim!
– Você estaria disposto a assinar um contrato de um ano?
– perguntou Teroenza.
– Talvez – respondeu Han, se reclinando e relaxando, com
as mãos detrás da cabeça. – Pagando quanto?
O sumo sacerdote mencionou uma cifra que fez Han
sorrir por dentro. Mesmo que fosse mais do que ele
esperava, o rapaz era comerciante demais para não
negociar automaticamente.
– Bem, não sei... – disse ele, esfregando o queixo
pensativo. – Eu ganhava mais que isso no meu emprego
anterior...
Uma mentira, só que ninguém teria como verificar. Vykk
Draygo de fato ganhava mais que aquele valor; Han tinha
pago caro para garantir que o histórico de empregos de seu
alter ego demonstrasse que ele já tinha recebido altos
salários. Han tinha investido todas as suas economias, mais
os lucros de dois roubos perigosos sobre os quais Garris
Shrike jamais ficara sabendo, para financiar essas
alterações no histórico profissional do alter ego ; mas queria
que Vykk Draygo pudesse negociar altos salários.
Teroenza ponderou a informação e enfim respondeu:
– Muito bem, posso oferecer 30 mil pelo ano, com um
bônus de dez depois dos seis primeiros meses, no caso de
você executar todos os voos programados sem atrasos.
– Bônus de quinze – retrucou Han automaticamente. – E
vocês fornecem os simuladores de treinamento.
– Doze – barganhou Teroenza. – E você paga pelos
simuladores.
– Treze – disse Han. – Vocês dão os simuladores.
– Doze e meio e nós fornecemos os simuladores – decidiu
o sumo sacerdote. – Oferta final.
– Combinado – anunciou Han. – Vocês conseguiram seu
piloto.
– Excelente! – Teroenza chegou a rir, um som grave,
retumbante e estranhamente melodioso.
Num instante os contratos foram trazidos. Han os
assinou e então permitiu uma leitura de retina como prova
de sua identidade. Espero que eles sejam como todo
mundo, pensou ele, e façam só uma verificação geral
sistêmica dos meus padrões de retina. Se os sacerdotes
fizessem uma busca completa (e muito cara) em todos os
sistemas para determinar se a leitura de retina de Vykk
Draygo era única, eles acabariam descobrindo que não.
Vykk Draygo, Jenos Idarian, Tallus Bryne, Janil Andrus e Keil
d’Tana todos compartilhavam exatamente os mesmos
padrões de retina; o que não era de estranhar, pois todos
esses indivíduos eram, de fato, Han Solo.
Antes de deixar a Sorte de Mercador , Han tinha tomado
o cuidado de guardar uma pequena soma de créditos e
conjuntos completos de documentos em duas caixas-fortes
em Corellia, para o caso de algum dia precisar de uma troca
rápida de identidade. Garris Shrike tinha provido o rapaz
com conjuntos diferentes de documentos para cada golpe
em que Han participara, e ele tinha guardado cada conjunto
e os atualizado conforme necessário.
O corelliano sabia, porém, que nenhuma de suas
identidades forjadas resistiria aos scanners imperiais. Antes
que pudesse prestar os exames seletivos da Academia, Han
sabia muito bem que teria que gastar uma pequena fortuna
em subornos em Coruscant para obter documentos de
identidade tão genuínos que passariam por uma verificação
de segurança imperial.
Com todos os detalhes administrativos resolvidos,
Teroenza então chamou um sub-sacerdote, ou sacredot,
como eles eram chamados, e o instruiu a levar Han num
tour do complexo. Han foi deixado a sós para vestir o
macacão, depois de receber garantias de que lhe seriam
fornecidos trajes com o símbolo ylesiano: um enorme olho
aberto e uma boca.
Enquanto vestias as roupas e as botas, percebeu que
suava muito. Quente e úmido, pensou. Que clima
maravilhoso. Porém, pela grana que os sacerdotes estavam
pagando, o rapaz estava disposto a aturar um ano de
desconforto. Ao aceitar o emprego, ele acumularia muita
experiência prática pilotando naves grandes e teria acesso
a simuladores de treinamento. Isso deveria bastar para
garantir seu sucesso nas provas seletivas da Academia.
O dinheiro significava que ele poderia pagar as propinas
necessárias para que sua inscrição fosse processada
rapidamente e realmente chegasse aos oficiais de seleção.
Suas pesquisas revelaram que, sem suborno, era comum
que um candidato a cadete levasse um mês ou mais
fazendo a inscrição, passando por todas as provas
relevantes, sendo entrevistado até finalmente ser aceito na
Academia Imperial.
O sacredot chegou e se apresentou como Veratil. Han o
seguiu por um corredor, passando por um grande anfiteatro
e o que parecia ser uma área de registro.
– Nosso Centro de Hospitalidade – explicou o sacredot.
Veratil o levou para o lado de fora. Han saiu pela porta e,
antes que pudesse respirar fundo, estava imediatamente
coberto de suor. Calor fumegante e umidade lhe
estapeavam a cara, quase como golpes físicos. O ar estava
carregado de cheiros: perfume forte das flores, vegetação
podre e outro odor, um que já tinha sentido antes, mas não
conseguia identificar.
Han parou no alto da pequena rampa que descia do
prédio e contemplou o céu, notando que era de um azul-
acinzentado translúcido. O sol era vermelho-alaranjado e
parecia maior do que o rapaz estava acostumado. Esta
estrela provavelmente ficava mais próxima daquele planeta
que Corel de Corellia. Han espiou as sombras, percebeu que
já passava muito do meio-dia e depois deu uma olhada no
crono de pulso.
– Quanto tempo dura o dia aqui? – perguntou a Veratil.
– Dez horas-padrão, senhor – respondeu o sacredot.
Não é de se espantar que o clima aqui seja tão
tempestuoso, pensou Han. Temos um mundo quente e
úmido com uma rotação bem rápida.
Han olhou para além da área aberta. O permacreto
terminava abruptamente, dando lugar ao solo e à
vegetação naturais. Poças de água atestavam a recente
chuva torrencial. Lama avermelhada formava um forte
contraste à luxuriante flora verde-azulada. As flores que
pendiam de vinhas e árvores na selva circundante eram
enormes e multicoloridas; escarlates, roxas e amarelonas.
– Esta é Colônia Um – explicou Veratil. – Nós também
estabelecemos duas novas colônias para nossos peregrinos.
Dois anos atrás fundamos Colônia Dois, e no inverno
passado construímos Colônia Três, que ainda é bem
pequena. Colônia Dois fica a uns 150 quilômetros ao norte,
e Colônia Três, mais ou menos 70 quilômetros ao sul daqui.
– Há quanto tempo Colônia Um foi fundada? – perguntou
Han.
– Quase cinco anos-padrão.
Han deu uma boa olhada em Colônia Um. Diretamente
em frente ao Centro de Hospitalidade ficava a plataforma de
pouso. Um pequeno cargueiro aguardava lá, adernando
sobre seus repulsores. Aquela deve ser a Sonho, pensou
Han, percebendo que nunca tinha visto a nave do lado de
fora.
A Sonho Ylesiano era uma nave pequena, com forma de
uma lágrima gorda e um tanto irregular. No ventre havia a
saliência da cabine de tiro, provando que a nave não tinha
sido sempre um cargueiro-robô. Outra saliência maior
indicava o porão de carga principal. Era uma nave graciosa,
pequena o bastante para ser ágil. Quase com certeza
construída em Corellia.
Han viu os imensos droides portuários trabalhando na
Sonho , começando a consertar os repulsores. Nave, droides
e tudo mais em volta estavam sujos com a lama vermelha
da aterrissagem forçada.
A nordeste, mais altas até que as gigantescas árvores da
selva, Han vislumbrou uma cordilheira nevada. Apontou
para ela.
– Que montanhas são aquelas?
– As Montanhas dos Exaltados – disse Veratil. – O Altar
das Promessas fica no sopé delas, onde os fiéis se reúnem
todas as noites para serem Exultados. Você verá esta noite,
quando comparecer à devoção.
Ah, ótimo , pensou Han. Eu tenho que participar das
cerimônias, também? Então ele lembrou quanto os
Ylesianos estavam lhe pagando. Han assentiu com a
cabeça.
– Aposto que deve ser impressionante.
À esquerda do piloto, havia um vasto campo de lama
vermelha. Vários seres da raça de Teroenza e Veratil se
refestelavam em poços de lama, sendo paparicados por
droides e serviçais de espécies sortidas. Han reconheceu
um par de Rodianos, vários Gamorreanos e pelo menos um
humano.
– Esses são os alagadiços – contou Veratil, acenando para
os banhistas enlameados e seus criados com a mão
delicada. – Meu povo aprecia muito os banhos de lama.
– E qual é seu povo? – perguntou Han. – Vocês são
nativos de Ylesia?
– Não, na verdade somos nativos de Nal Hutta, ou pelo
menos tão nativos quanto nossos primos distantes, os Hutts
– explicou Veratil. – Somos os T’landa Til.
Han resolveu aprender a língua t’landa til o mais rápido
possível. Era quase sempre uma vantagem entender uma
língua que os outros não sabiam que você falava...
O sacredot e Han contornaram o Centro de Hospitalidade
até o outro lado. Os olhos do rapaz se arregalaram ao ver a
enorme área aberta adiante. Derrubar tanta selva assim
deve ter dado um trabalhão. A área desflorestada era mais
ou menos retangular, com pelo menos um quilômetro em
cada lado. As montanhas agora estavam atrás e à esquerda
e dava para ver, à extrema direita, o reluzir azul-cinza da
água.
– Lago? – perguntou.
– Não, aquele é Zoma Gawanga, o Oceano Ocidental –
informou-lhe Veratil.
Han contou os enormes prédios que se erguiam diante
dos alagadiços. Havia nove deles. Cinco tinham três
andares, os outros quatro eram térreos. Cada um tinha
facilmente o tamanho de um quarteirão em Corellia.
– Lares para os peregrinos? – perguntou Han, acenando
para os prédios.
– Não, o dormitório para nossos peregrinos fica para lá –
respondeu Veratil. O sacerdote apontou um imenso prédio
de dois andares no extremo esquerdo. – Os prédios de
vários andares são onde processamos ryll, andris e
carsunum. Os prédios de um andar que você vê se
estendem profundamente no subterrâneo, uma necessidade
para a fabricação de brilhestim, que precisa acontecer em
absoluta escuridão.
Andris, ryll, carsunum e brilhestim... As narinas de Han
se alargaram. É claro, isso explica o odor! São usinas de
processamento de especiarias! Ele lembrou que a Sonho
Ylesiano tinha levado uma carga de brilhestim de primeira
qualidade, o tipo mais caro e exótico de especiaria. Os
outros eram geralmente mais baratos, mas ainda assim
eram uma das cargas mais lucrativas que um
contrabandista poderia transportar.
– Recebemos carregamentos de matéria-prima de
mundos como Kessel, Ryloth e Nal Hutta várias vezes por
mês – continuou Veratil. – No começo, os cargueiros-robô
que nos supriam pousavam aqui em Colônia Um, mas essa
prática logo teve que ser descontinuada.
– Por quê? – indagou Han, perguntando-se se queria
mesmo saber.
– Duas naves, muito lamentavelmente, não conseguiram
lidar com nossa atmosfera complicada e se acidentaram.
Então construímos uma estação espacial e decidimos usar
pilotos vivos para trazer a matéria-prima de especiaria até
as fábricas. Tínhamos três pilotos, mas agora só resta um, e
o pobre Sullustano que está nos servindo de piloto anda...
adoentado. Por isso precisamos de você, piloto Draygo.
É tão bom ser necessário, pensou Han sarcasticamente.
– Hum... Veratil... o que aconteceu aos outros dois
sujeitos?
– Um sofreu um acidente de espaçonave, o outro
simplesmente... desapareceu. Também perdemos um
número determinado de naves-robô, o que prejudicou muito
gravemente nossa margem de lucro – contou Veratil,
entristecido. – Especiaria é um item de exportação muito
rentável, mas naves espaciais são muito caras.
– É mesmo – concordou Han azedamente. – Todos esses
acidentes devem atrapalhar os negócios. – Não é surpresa
que eles não tenham uma fila de pilotos querendo se
candidatar, pensou o rapaz. A maioria dos pilotos
experientes deve ter espalhado como este planeta é
perigoso...
Han sabia alguma coisa sobre os vários tipos de
especiaria, em grande parte por ter escutado Shrike e os
outros contrabandistas conversando sobre suas
propriedades.
Brilhestim, extraído em Kessel, era de longe a mais
valiosa. Quando exposta à luz, depois ingerida rapidamente,
dava ao usuário a habilidade telepática temporária de sentir
pensamentos e emoções superficiais. Espiões a usavam,
amantes a usavam, e o Império a usava para interrogar
prisioneiros. Na verdade, o Império reivindicava todo
brilhestim extraído em Kessel como sua legítima
propriedade, o que explicava por que era tão raro e
lucrativo de se contrabandear.
Ryll vinha do mundo Twi’lek, Ryloth, onde era
perfeitamente legal de se minerar e era empregado para
fins analgésicos. Mas também tinha usos ilegais e podia ser
usado para produzir vários intoxicantes e alucinógenos.
Carsunum era uma especiaria negra que vinha de
Sevarcos e era bem rara e muito valiosa. Usuários
experimentavam euforia e um aumento nas habilidades;
enquanto o efeito durasse, eles ficavam mais fortes, mais
rápidos e mais inteligentes. Havia um lado negativo, é claro.
Depois que o efeito passava, os usuários frequentemente se
tornavam apáticos, deprimidos e alguns até morriam
quando a substância era tóxica para seus metabolismos.
Sevarcos também supria a galáxia com andris, um pó
branco que era adicionado aos alimentos para melhorar o
sabor e conservá-los. Alguns usuários afirmavam que a
droga causava uma leve euforia e aumento de sensações.
Eles não extraem aqui, pensou Han. Essas fábricas
processam a matéria-prima e a transformam no produto
final.
– Fábricas? – ecoou Han. – Elas são enormes...
– Sim, e Ylesia conta com taxas de produção admiráveis,
permitindo que possamos competir favoravelmente com o
custo da especiaria despachada diretamente de Kessel,
Ryloth ou Sevarcos – explicou Veratil. – E nós somos a única
instalação capaz de oferecer tanta variedade de
especiarias. Compradores frequentemente querem adquirir
vários tipos diferentes de produto para seus consumidores,
coisa que nós suprimos.
Han viu vultos entrando e saindo das fábricas. Muitos
humanos, alguns não humanos. Reconheceu Twi’leks,
Rodianos, Gamorreanos, Devaronianos, Sullustanos... E
havia outros que ele não conhecia. Todos os humanos e
alienígenas bípedes vestiam robes beges que iam até
embaixo dos joelhos e toucas beges que cobriam os
cabelos.
Ele indicou as pessoas.
– Operários nas fábricas?
O sacredot hesitou, depois respondeu:
– São peregrinos que decidiram servir à Unidade, o Todo,
em nossas fábricas.
– Ah – murmurou Han. – Entendo.
Ele estava começando a entender as coisas agora, e a
cada momento as compreendia melhor. E tinha um mau
pressentimento sobre o que estava vendo. Aqueles
peregrinos vieram para cá em busca de santuário religioso e
acabam trabalhando em fábricas de especiaria. Sinto cheiro
de vrelt... vrelt morto.
O sol ylesiano já estava bem mais baixo no céu àquela
altura, quase no horizonte. Han percebeu que as multidões
de trabalhadores de bege seguiam para nordeste, em
direção às montanhas. Veratil chamou Han com a mãozinha.
– É hora de os abençoados peregrinos comparecerem às
devoções e serem Exultados no Um, rendendo suas preces
ao Todo. Vamos seguir a Trilha da Unidade e alcançar o Altar
das Promessas. Venha, piloto Draygo.
Han seguiu obediente o sacerdote por um caminho
pavimentado bem gasto. Apesar de estarem cercados por
peregrinos, Han percebeu que ninguém se aventurava a
chegar perto deles. Todos os peregrinos se curvavam
profundamente para Veratil, com mãos cruzadas sobre o
coração.
– Eles estão agradecendo pela Exultação que vão receber
– explicou Veratil a Han enquanto eles caminhavam.
Quando os dois se afastaram dos prédios, a selva em
volta se fechou até que o caminho ficou recoberto de galhos
gigantes. Han se sentia caminhando dentro de um túnel.
Eles passaram por uma grande área aberta que era com
certeza algum tipo de pântano, porque estava
completamente coberta por imensas flores belas e exóticas
que Han nunca vira antes.
– As Planícies Floridas – disse Veratil, ainda
desempenhando o papel de guia de turismo. – E esta é a
Floresta da Fé.
Han assentiu com a cabeça. Queria saber quanto mais
disso eu consigo aguentar, pensou. Tomara que não
esperem que eu seja convertido, porque pegaram o cara
errado.
Depois de vinte minutos de caminhada, o grupo alcançou
uma grande área pavimentada que tinha uma parte coberta
na frente, o telhado sustentado por três imensos pilares.
Han viu vários dos T’landa Til reunidos sob os pilares,
incluindo um que ele identificou, incerto, como sendo
Teroenza. Estavam distribuídos em volta de um altar baixo
entalhado em pedra branca translúcida que parecia brilhar
com uma luz interior.
As montanhas altas de picos nevados formavam um
pano de fundo impressionante para a cena, assombrando
sobre a selva. Han ergueu o olhar, e ergueu, e ergueu... o
topo dos picos mais altos estava escondido pelas nuvens,
manchadas de branco pelo pôr-do-sol. A neve no lado oeste
das encostas brilhava carmesim e rosada.
Impressionante, Han foi forçado a admitir. A simplicidade
do anfiteatro natural, com seu chão pavimentado e altar
com pilares, o fazia parecer uma imensa catedral natural.
Os fiéis se organizaram em fileiras e esperaram.
Han ficou no fundo, se remexendo impacientemente,
esperando que qualquer que fosse o serviço religioso
prestes a acontecer não demorasse muito. Estava com
fome, a cabeça latejava e o calor o deixara sonolento.
O sumo sacerdote ergueu os bracinhos e entoou uma
frase na sua língua nativa. Os sacredots, incluindo Veratil,
repetiram a fala. Então a multidão reunida (Han calculou
pelo menos 400 ou 500) ecoaram a frase do sumo
sacerdote. Han se inclinou para perto do peregrino mais
próximo, um Twi’lek.
– O que eles estão dizendo?
– Disseram “o Um é Todo” – traduziu o Twi’lek, que falava
muito bem a língua básica. – Você gostaria que eu lhe
servisse de intérprete durante a cerimônia?
Já que Han estava determinado a aprender a língua dos
T’landa Til, concordou com a cabeça.
– Se você não se importar.
O sumo sacerdote entoou de novo. Han prestou atenção
nas frases rituais repetidas pelos sacredots, depois
enunciadas em tom monótono pelos peregrinos fiéis.
– O Todo é Um.
– Nós somos Um. Pertencemos ao Todo.
– Em serviço ao Todo, cada Um é Exultado.
– Nós nos sacrificamos para alcançar o Todo. Servimos o
Um.
– Em trabalho e sacrifício somos Todos completados. Se
cada Um tiver trabalhado duro, somos Todos Exultados.
Han sufocou um bocejo. Aquilo era terrivelmente
repetitivo.
Finalmente, depois de quase quinze minutos de ladainha,
Teroenza e todos os sacerdotes se adiantaram.
– Vocês trabalharam bem – declarou o sumo sacerdote. –
Preparem-se para a bênção da Exultação!
A multidão emitiu um som de antecipação tão
ganancioso que Han ficou espantado. Movendo-se numa
grande onda, como se fossem realmente Um, se jogaram no
chão e ficaram lá deitados, com braços e pernas encolhidos
sob o corpo, numa atitude de esperança e desejo.
Todos os sacerdotes ergueram os braços. Han observou
enquanto a papada frouxa e enrugada que pendia da
garganta de cada um se encheu com ar e começou a pulsar.
Um zumbido grave e latejante (ou seria uma vibração?)
preencheu a atmosfera gradualmente.
Os olhos de Han se arregalaram quando ele sentiu
alguma coisa invadir seu corpo e mente. Parte vibração,
parte som? Ele não tinha certeza. Seria empatia, telepatia,
ou será que a vibração ativara alguma coisa em seu
cérebro? Han não poderia dizer. Sabia apenas que era forte
...
O efeito atropelou o rapaz numa imensa onda. Emoções
calorosas, prazer físico, era tudo isso e muito mais. Han
cambaleou para trás, para fora do permacreto, até ser
detido pelo tronco de uma das árvores gigantes da floresta.
Segurou-se no tronco, com a cabeça girando. Cravou as
unhas na casca, se agarrando à árvore. As mãos contra a
textura áspera pareciam ser a única coisa evitando que ele
fosse levado pela onda de emoções de proximidade e prazer
extático...
Han se agarrou à árvore fisicamente, e a si mesmo
mentalmente, rejeitando aquela maré que o sugava para as
profundezas. Não sabia direito onde encontrou força para
tanto, mas lutou o máximo que pôde. Por toda sua vida, Han
fora quem ele decidira ser, senhor do próprio corpo e
mente, e nada mudaria esse fato. Ele era Han Solo e não
precisava de alienígenas invadindo sua mente ou seu corpo
para fazê-lo sentir-se bem.
Não! , pensou ele. Sou um homem livre, não um
peregrino qualquer, não a sua marionete! Livre, ouviu?
Cerrando os dentes, Han enfrentou a invasão como teria
lutado contra um oponente físico, e então, tão de repente
quanto tinha começado, a sensação sumiu; ele estava livre.
Só que era claro que os peregrinos não estavam. Seus
corpos se contorciam na rocha, e gemidos abafados de
felicidade e prazer se somavam numa arrebentação suave.
Enojado, Han olhou os sacerdotes. Eles obviamente não
eram afetados como os peregrinos. Então é por isso que
esses pobres otários ficam, depois que descobrem que
terão que trabalhar nas fábricas de especiarias, pensou
Han, sentindo uma onda de ressentimento amargo em
nome dos peregrinos. Eles ralam o dia inteiro, depois andam
até aqui e recebem uma dose de vibrações prazerosas que
fazem até a melhor especiaria parecer fraca em
comparação.
Han se perguntou se eles esperavam que ele
frequentasse esses “cerimoniais vespertinos” todas as
noites e torceu para que não fosse o caso. Já tinha sido
muito difícil rechaçar aquela inundação de emoções e
prazer daquela vez. Ele temia que, se fosse exposto a ela
diariamente, não teria a força, a determinação, para rejeitar
a “pílula de felicidade” dos sacerdotes Ylesianos.
Àquela altura, os peregrinos começavam a se levantar,
alguns oscilando sem firmeza. Todos tinham olhos vidrados,
e muitos se pareciam com os viciados que Han vira em
antros de especiarias e oobalah em Corellia e outros
mundos.
– Eles fazem isso todas as noites? – perguntou ele ao
Twi’lek num sussurro.
Os olhos avermelhados do alienígena brilhavam de
alegria.
– Ah, sim. Não foi maravilhoso?
– Fantástico – retrucou Han, mas o Twi’lek estava tão
enlevado que não percebeu o sarcasmo.
– E tem alguma vez que eles não realizam essas
cerimônias? – indagou Han, curioso.
– Só são canceladas se houver algum problema nas
fábricas. Uma vez um dos trabalhadores enlouqueceu e
pegou um capataz de refém, depois exigiu passagem para
fora do planeta. A cerimônia do fim do dia e a Exultação
foram canceladas; foi horrível.
– E o que aconteceu ao trabalhador louco? – inquiriu Han,
refletindo que o “insano” parecia perfeitamente são para
ele.
– Antes do amanhecer, nós conseguimos dominá-lo
fisicamente e o entregamos aos guardas – contou o Twi’lek.
É, aposto que sim, pensou Han. Eles não aguentariam
ficar sem a dosezinha da noite.
A cerimônia estava claramente encerrada.
Veratil se juntou a Han pela caminhada de volta ao
complexo central. Han estava sem ânimo para conversar e
alegou o cansaço que realmente sentia. O sacredot
respondeu que entendia perfeitamente e levou o piloto
corelliano de volta à enfermaria.
– Você pode jantar e dormir aqui esta noite – disse o
T’landa Til. – Amanhã vamos levá-lo aos seus alojamentos
permanentes no prédio da administração.
– Onde fica isso? – perguntou Han, fazendo uma pausa
enquanto mastigava um guisado reedox que estava um
tanto insosso, mas enchia a barriga.
O sacredot apontou o bracinho mais ou menos para
nordeste.
– Não dá para ver daqui, mas há uma trilha pelas
árvores. Nós nos encontramos lá em, digamos, seis horas-
padrão? Isso lhe oferecerá sono suficiente?
Han fez que sim com a cabeça. Sempre dava para tirar
uma soneca mais tarde.
– Tudo bem.
Depois que o sacerdote saiu, Han tirou suas roupas e
botas e percebeu que precisaria de alguma coisa limpa para
vestir no dia seguinte, ou não estaria digno de convívio
social de alto nível. Considerou tomar um banho antes de
dormir, mas estava simplesmente cansado demais.
Han sempre fora capaz de se programar mentalmente
para acordar na hora que quisesse, então ele se ajustou
mentalmente para se levantar dali cinco horas e meia. Por
fim, com a mente rodopiando com imagens e impressões,
deitou-se na estreita cama de enfermaria e adormeceu
instantaneamente.

Levou alguns minutos na manhã seguinte até que Han se


lembrasse exatamente de quem era (Vykk Draygo, e não se
esqueça disso! ) e o que estava fazendo naquele lugar tão
quente e grudento. Ele se aventurou no chuveiro e ficou
feliz em ver que a unidade de limpeza continha tudo o que
era necessário para um ser humano.
Cantarolou distraído enquanto se ensaboava, porém,
quando levantou um pé para lavá-lo, ficou paralisado de
surpresa e desgosto. Um troço felpudo, musguento e verde-
azulado crescia entre seus dedos!
Alarmado, Han verificou o resto do corpo e encontrou
tufos da coisa brotando nos sovacos, na nuca e outros
lugares ainda mais pessoais.
Praguejando, o rapaz esfregou forte para se livrar do
fungo nojento, deixando pele esfolada no lugar, e foi aí que
notou que estava atrasado e saiu correndo do chuveiro. Que
tipo de lugar é este, afinal?
Ao voltar ao dormitório, encontrou o droide médico
esperando por ele, com um novo uniforme de piloto
pendurado no braço. Segurava um pote de gosma cinzenta
na outra mão.
– Com licença, senhor – disse o droide. – Poderia lhe
perguntar se o senhor está sofrendo alguma... erupção de
fungos na pele?
– Estou – rosnou Han. – O clima neste lugar é infernal.
Ninguém merece viver neste lamaçal.
– Entendo muito bem, senhor – respondeu o droide,
soando genuinamente solidário. – Poderia lhe oferecer o
conteúdo deste pote? Vai prevenir infecções fúngicas com
aplicação regular.
– Obrigado – respondeu Han, e se retirou para tratar as
áreas afetadas. O troço fedia muito, mas aliviou a irritação.
Por fim, vestiu o traje, admirando-se em seu primeiro
uniforme de piloto de verdade. Os distintivos coloridos eram
muito bacanas.
Han se recusou a se preocupar com os peregrinos que
tinha visto na véspera. Ninguém tinha obrigado os idiotas
de mente fraca a vir ali, então ele não perderia mais tempo
imaginando o destino deles. Ia tomar conta de Han Solo, ou,
mais precisamente, de Vykk Draygo .
Além disso , disse Han a si mesmo, eu vou pilotar para
esses Ylesianos. Terei acesso a uma nave. Se eu decidir que
não gosto mais daqui, posso simplesmente pegar meus
créditos e... sumir. O que eles podem fazer para me deter,
afinal?
Sentindo-se por cima, Han sorriu para o reflexo no
espelho e bateu uma continência elegante para si mesmo.
– Cadete Han Solo se apresentando para o serviço,
senhor! – sussurrou, experimentando a frase. Seu sonho da
Academia nunca parecera tão próximo, tão atingível.
Quando Han saiu da enfermaria, a primeira pessoa que
viu foi Teroenza. Deu um aceno de cabeça agradável ao
patrão.
– Bom dia, senhor!
O sumo sacerdote inclinou a imensa cabeça.
– E para você também, piloto Draygo. Permita-me
apresentar-lhe alguém com quem você passará muito
tempo enquanto estiver trabalhando conosco. – O sumo
sacerdote chamou com um aceno, e Han ouviu uma pessoa
atrás de si. Girou e não conseguiu evitar dar um rápido
passo para trás.
A primeira impressão foi de altura, a segunda foi de
dentes afiados e garras como facas. Este ser tinha quase 3
metros, mais alto até que um Wookiee. A criatura tinha a
boca cheia de presas como agulhas e garras que pareciam
ser capazes de rasgar hiperaço. Era peludo, mas vestia um
par de calças curtas. Tinha uma faca curva presa no cinto e
uma pistola de raios num coldre atado à perna. Músculos
ágeis eram visíveis por toda parte.
O recém-chegado sorriu, mostrando ainda mais aqueles
dentões.
– Ssaudaçõess... – disse ele, falando língua básica com
um forte cecear.
– Este é Muuurgh – apresentou-o Teroenza. – Ele é um
Togoriano, uma das espécies sencientes mais honradas
nesta galáxia. A reputação togoriana de honestidade e
lealdade não tem paralelo, você sabia?
Han contemplou o imenso ser e engoliu seco.
– Hum, não... – conseguiu dizer.
– Nós designamos Muuurgh como o seu... guarda-costas,
piloto Draygo. Neste planeta ou fora, Muuurgh o
acompanhará por todos os lados... não é mesmo, Muuurgh?
– Muuurgh deu palavra de honra – afirmou o Togoriano.
O sumo sacerdote cruzou os bracinhos diminutos diante
do imenso corpo, e sua boca se curvou naquele que parecia
ser um sorriso zombeteiro.
– Muuurgh vai garantir com muita certeza, piloto Draygo,
não importando onde você estiver, ou o que faça... que você
estará... seguro.
Han encarou a enorme criatura de pelagem negra,
percebendo que seus planos tinham sido definitivamente
frustrados. O recado de Teroenza era inconfundível: saia da
linha, e Muuurgh vai rasgar você em dois. Han espiou o
Togoriano.
– Prazer em conhecê-lo, Muuurgh – disse ele. – Vai ser
bom ter companhia de verdade durante os longos voos.
– Ssim... – concordou o guarda-costas, se aproximando.
Han percebeu consternado que o topo de sua cabeça mal
alcançava o peito do Togoriano. O alienígena parecia tão
felino que Han ficou surpreso que não tivesse uma cauda. –
Muuurgh gosta de viagem espacial... – afirmou o guarda-
costas em língua básica com forte sotaque e ceceio. O pelo
do rosto era negro, mas as suíças e pelagem do peito eram
brancos. Os olhos eram de um azul-claro espantoso, com
pupilas verticais num verde brilhante. – Muuurgh vai
muitoss espaçoportos, quanto maiss, melhor.
Han tinha um pouco de dificuldade para entender a
língua básica do Togoriano, mas dava para se virar. O rapaz
corelliano se perguntou quão inteligente aquele ser era.
Tenho que conhecê-lo bem , decidiu Han. Só porque ele não
fala língua básica muito bem, não quer dizer que ele seja
burro. Só que, se ele for...
Han sorriu.
– Decidimos lhe dar um dia para se acomodar, piloto
Draygo – disse Teroenza. – Mude-se para o alojamento que
lhe foi designado, no prédio da administração. Muuurgh vai
lhe mostrar onde é. Então, amanhã, você começa a
transportar carga e passageiros entre as colônias. Quando o
próximo carregamento de especiaria for entregue à nossa
estação espacial, você estará pronto para buscá-lo. Depois
de hoje, vou dar uma folga ao nosso outro piloto, Jalus Nebl.
Ele anda trabalhando demais.
Han concordou com um aceno de cabeça. Tenho que
falar com esse Sullustano e comparar impressões.
– Por mim, tudo bem. Será que eu poderia... dar uma
olhada por aí? Gostaria de conferir a disposição do terreno.
Teroenza inclinou a imensa cabeça.
– Certamente, desde que Muuurgh o acompanhe, e você
siga todos os regulamentos de segurança ao visitar as
fábricas.
– Com certeza – concordou Han.
Teroenza se curvou de leve.
– Se você me dá licença, estamos esperando a chegada
de uma remessa de peregrinos vindos da nossa estação
orbital agora de manhã. Tenho muito o que fazer enquanto
me preparo para recebê-los.
Han fez que sim com a cabeça, pensando em tudo que
aguardava esses peregrinos. Ele sabia que extrair especiaria
era considerado perigoso e um trabalho extremamente
desagradável – de fato, ser mandado às minas de
especiarias de Kessel era uma punição comum para
criminosos –, só que ele não sabia quase nada sobre o que
acontecia à especiaria depois que era minerada.
Bem, ele pretendia descobrir. Talvez houvesse algum
jeito de tornar aquela situação ainda mais vantajosa para
ele. Não dava para saber o que iria encontrar... e nunca era
bom deixar perguntas sem respostas. Na experiência de
Han Solo, o conhecimento geralmente levava ao poder; ou,
pelo menos, a uma fuga mais rápida...
Muuurgh levou Han por uma trilha pavimentada pela
selva, até que alcançaram um grande prédio muito
moderno.
– Centro administrativo – disse o Togoriano, apontando o
prédio.
O “guarda-costas” então guiou Han a uma entrada
lateral, depois por um corredor até que alcançaram uma
porta.
– Você, Muuurgh, dormem aqui – anunciou ele, abrindo a
porta.
Dentro havia uma pequena suíte composta de quarto,
unidade de limpeza e uma saleta de estar. Han ficou feliz ao
notar que Teroenza tinha prestado atenção aos termos do
contrato. Num dos cantos do quarto havia uma unidade de
simulação completamente equipada. Muuurgh foi até a
porta do quarto e acenou com a mão cheia de garras.
– Seu. Piloto dorme aqui.
– Mas e você, onde vai dormir? – indagou Han.
Como esperado, Muuurgh indicou a saleta de estar.
– Muuurgh aqui.
Ótimo, pensou Han. Esses sacerdotes não confiam em
mim do mesmo jeito que eu não confio neles. Com Muuurgh
dormindo entre eu e a porta para o resto do mundo, seria
um risco muito grande tentar me esgueirar à noite.
Maravilhoso.
– Isso não me parece muito confortável – comentou Han,
fazendo sua melhor imitação de doce inocência. Por dentro,
estava se perguntando se Muuurgh teria sono pesado. –
Talvez você devesse ter um quarto próprio, para que possa
dormir confortavelmente.
– Muuurgh mais confortável quando está mantendo
palavra de honra – retrucou o Togoriano. Han encarou o ser
felino. Será que tinha visto um clarão de humor naqueles
olhos verdes-azuis com suas pupilas verticais? – Muuurgh
deu palavra de honra de vigiar Piloto sempre, então
Muuurgh mais confortável aqui .
Han concordou com um aceno de cabeça.
– Certo.
Espiou por um momento a pistola de raios no coldre do
Togoriano.
– Eu tinha uma pistola quando cheguei aqui, mas não sei
onde ela foi parar – comentou. – Acho que preciso perguntar
a alguém como recuperar minha arma.
– Piloto não precisa pistola. – Muuurgh flexionou os dedos
e as garras retráteis apareceram. – Sumo sacerdote diz
Piloto não precisa pistola.
– Mas e se eu for atacado por algum tipo de... predador?
– Han acenou para a selva onipresente em volta do prédio.
Provavelmente havia dúzias de predadores que curtiriam
caçar um forasteiro, por comida ou diversão.
O alienígena gigante balançou a cabeça peluda.
– Nunca vai acontecer. Piloto tem Muuurgh, que tem
pistola.
– Hã... é verdade – admitiu Han. Mentalmente, fez uma
anotação de pedir algum tipo de arma a Teroenza. Sentia-se
nu sem uma pistola, mesmo que só tivesse andado com
uma por dois dias.
– Então, Muuurgh, vamos explorar? – perguntou Han. –
Não tenho nenhuma bagagem para guardar, como você
mesmo pode ver.
– Explorar onde? – indagou o Togoriano.
– Eu gostaria de um tour das fábricas – disse Han. – E
deste centro administrativo.
– Tudo bem – respondeu o Togoriano. – Vem, Piloto.
– Logo atrás de você – disse Han, adequando as ações às
palavras.
Eles caminharam pelos corredores do centro
administrativo, deram uma olhada no refeitório, passearam
pela ala dos guardas e espiaram os alojamentos dos
sacerdotes. Quando Han notou a existência de um arsenal,
percebeu que os sacerdotes Ylesianos provavelmente
temiam uma revolta de peregrinos, pois a relação de
guardas por peregrinos era bem alta. O arsenal contava
com um monte de armamento pesado antitumulto – piques
de força e gás atordoante. Os guardas por quem eles
passaram vinham de muitos mundos diferentes. Além de
humanos, Han viu Rodianos, Sullustanos, Twi’leks e os
Gamorreanos porcinos.
– Então deixa eu ver se eu entendi bem – comentou ele
com Muuurgh enquanto eles contornavam uma área do
centro administrativo identificada por placas em várias
línguas como sendo de ACESSO RESTRITO. – Os guardas todos
quase sempre dormem aqui? Mas por que eles não dormem
perto dos alojamentos de peregrinos se os sacerdotes estão
tão preocupados em manter os trabalhadores sob controle?
– Hora de dormir não é problema – explicou o Togoriano
em sua língua básica precária. – Depois que peregrinos
Exultados, mal conseguem voltar andando, vão dormir
direto. Única hora que peregrinos bravos, bravos com
chefes, é antes Exultação.
Faz sentido, pensou Han sombriamente. Sacie a fissura
dos viciados, e então eles simplesmente vão dormir até o
dia seguinte.
– Então as patrulhas de guar...
O piloto se interrompeu no meio da palavra ao ver de
relance alguma coisa grande e cinzenta deslizando bem
longe no corredor da área restrita. Han estreitou os olhos na
penumbra.
– Ei... o que foi aquilo? – murmurou ele. – Parecia um... –
Han parou de falar quando a coisa virou uma esquina. Saiu
atrás dela num passo apressado.
Muuurgh fez uma tentativa fútil de segurar o “protegido”,
mas Han foi mais rápido que o grandalhão e se esquivou.
Correu pelo corredor “proibido”, prestando muita atenção
em possíveis sons de passos, mas não ouviu nada.
Quando alcançou a intercessão entre os corredores, Han
se virou para olhar aquele onde tinha vislumbrado
movimento. Arregalou os olhos.
Ei, é um Hutt! O que um Hutt está fazendo aqui? Não
havia como confundir a identidade daquele vulto enorme de
lesma que se reclinava no trenó repulsor.
No que ele hesitou, Muuurgh pulou em cima de Han,
como se este fosse um vrelt, e pegou o corelliano. Han
sufocou um ganido de consternação quando o Togoriano o
meteu debaixo de um dos braços musculosos e correu de
volta pelo corredor, até que estavam de volta à seção de
ACESSO IRRESTRITO do prédio.
Muuurgh colocou Han de volta no chão e flexionou uma
das mãos debaixo do nariz do corelliano.
– Meu povo ensina, todo mundo tem direito a um erro –
disse o guarda-costas. – Piloto acabou de ter o seu. Agora os
erros acabaram, ou Muuurgh terá que ensinar Piloto como
filhotinho. Muuurgh deu palavra de honra, lembra.
Entendido?
Han espiou as garras que reluziam debaixo do seu nariz,
afiadas e brilhantes como navalhas.
– Hum... sim – ele conseguiu dizer. – Entendo, Muuurgh. É
só que nós humanos ficamos... curiosos, sabe?
– Curiosidade fatal às vezes – rosnou Muuurgh.
– Eu entendo seu ponto... de vista – Han disse
secamente. – Ou melhor, suas pontas .
Muuurgh contemplou as pontas aguçadas e brilhantes
das garras, depois retraiu o focinho, arreganhando as
presas, e por fim soltou um miado baixo. Por um momento,
Han ficou paralisado, depois olhou para o Togoriano e
percebeu que aquela era a risada do alienígena.
Evidentemente, Muuurgh havia pescado a piada.
Han conseguiu dar uma risadinha fraca.
– Então, que tal a gente descolar um rango, depois dar
uma olhada naquelas fábricas, hein, meu chapa? – indagou
ele.
– Muuurgh sempre com fome – concordou o Togoriano,
saindo em direção ao refeitório. – Que quer dizer essa
palavra “chapa”?
– Ah, um chapa é um amigo, um camarada, sabe.
Alguém com quem você gosta de passar o tempo – explicou
Han.
– Sssim... – disse o Togoriano, concordando com a
cabeça. – Piloto quer dizer “membro da alcateia”.
– Certo.
– Ótimo – concluiu o guarda-costas. – Muuurgh sente
saudades dos membros da alcateia dele.

Han lembrou que Teroenza tinha dito que seu povo vinha
de Nal Hutta, o planeta natal dos Hutts, mas não tinha
percebido naquele momento que isso significava que havia
Hutts vivendo em Ylesia. Quando questionado, Muuurgh
confirmou que tinha visto vários dos “mestres-lesmas que
se movem no ar”, como ele os chamava.
Existe apenas um motivo para que os Hutts estejam
aqui, pensou Han. Eles são os verdadeiros mestres de
Ylesia. Afinal, eles dominam o negócio de contrabando de
especiarias...
O almoço estava bom, mesmo que nada imaginativo e
(para o gosto de Han) um tanto insosso. Ainda assim, o ser
responsável pela cozinha não era nenhum amador. O pão
ázimo era muito bom, pensou Han enquanto mastigava um
pedaço de pão alderaaniano. Percebeu de súbito, com uma
pontada de dor, que já fazia quase um dia que não pensava
em Dewlanna. Isso o fez se sentir vagamente desleal, mas
então ele recuperou o autocontrole. Dewlanna não ia querer
que Han ficasse todo choroso e deprimido por causa dela.
Sempre tinha curtido a vida e não esperaria que Han agisse
de forma diferente só porque ela se fora...
Han voltou de seu devaneio e se deparou com Muuurgh o
observando com curiosidade.
– Piloto está pensando em alguém distante – comentou o
Togoriano, acenando com o osso que tinha acabado de roer.
Ainda havia alguns pequenos fragmentos de carne, mas
Muuurgh tinha feito um trabalho impressionante, pensou
Han. Tinha que aproveitar cada pedacinho, pois era
necessária muita carne crua para sustentar aquele corpo
imenso.
– É verdade – concordou Han com um suspiro. – Alguém
tão distante quanto se poderia estar.
– Piloto tem namoradinha?
Han balançou a cabeça.
– Bem, houve algumas garotas aqui e ali – admitiu –, mas
ninguém especial. Não, estava pensando na pessoa que
mais ou menos me criou.
Muuurgh tomou um longo gole de alguma bebida
espumante numa caneca.
– Humanos criam filhotes muito diferente do jeito do meu
povo – afirmou.
– É mesmo? Me conte sobre seu mundo.
Muuurgh, obediente, se lançou numa descrição de
Togoria, um mundo onde machos e fêmeas eram iguais em
direitos, mas não misturavam suas sociedades. Machos
viviam uma existência de caçadores nômades, sobrevoando
as planícies em seus enormes répteis alados de estimação,
chamados mosgoths. Caçavam em alcateias.
As fêmeas, por outro lado, tinham domesticado criaturas
que abatiam pela carne, então não precisavam caçar.
Viviam em cidades e vilas, e foram as fêmeas Togorianas
que desenvolveram toda a tecnologia do planeta.
– Bem, se o seu povo não vive junto, como vocês... – Han
buscou um termo educado – hum, se reúnem, você sabe,
para... hum... se reproduzir?
– Viajamos para cidade para ficar com parceira uma vez
por ano – disse Muuurgh. – Entretempos, pensamos muito
um no outro. Togorianos povo muito emocional, capaz de
grande amor – acrescentou com sinceridade. –
Especialmente machos. Grande amor é motivo de Muuurgh
estar aqui. Macho da minha espécie raramente sai de nosso
mundo, Piloto sabe disso?
– Agora sei – disse Han. – Então... Muuurgh... quando
você diz que grande amor fez você vir a Ylesia, o que quis
dizer com isso? Você tem uma parceira?
O Togoriano fez que sim com a cabeça.
– Parceira prometida. Algum dia parceiros por vida toda,
se Muuurgh conseguir encontrar ela. – O imenso alienígena
suspirou, parecendo tão infeliz que Han sentiu pena dele.
– Qual é o nome dela?
– Mrrov. Bela, bela Mrrov. Como normal para fêmeas
Togorianas, ela decidiu ver grande galáxia. Muuurgh
implorou para ela não ir, mas fêmeas muito teimosas.
O alienígena olhou para Han, que concordou com um
aceno de cabeça.
– É, eu também já passei por isso.
– Mrrov longe muito tempo, anos. Quando ela não voltou
para casa para união, Muuurgh tão triste que não pôde ficar
em Togoria. Precisa descobrir o que aconteceu com ela.
– Então... você descobriu? – Han tomou um gole da
cerveja polaniana.
– Muuurgh rastreia ela. Alguém em Ord Matell diz que viu
ela embarcar nave em espaçoporto. Muuurgh confere
horários, descobre que nave tem muitos peregrinos. Vários
portos de parada para nave. Muuurgh arrisca chance, vem
para cá porque tantos peregrinos vêm para cá. – O grande
felinoide suspirou forte e mordiscou um osso cheio de carne.
– Chance não boa. Muuurgh pergunta, sacerdotes diz
nenhum Togoriano aqui. Muuurgh não sabe mais onde ir.
Muuurgh precisa créditos para continuar procurando... – O
alienígena engoliu uma última mordida, e seus bigodes se
inclinaram para baixo.
– E aí você decidiu aceitar um emprego como guarda
aqui, enquanto junta dinheiro suficiente para seguir com
sua busca – disse Han, deduzindo a conclusão lógica da
história.
– Sssim...
Han balançou a cabeça.
– Isso é muito triste, meu chapa. Espero que você
encontre ela, de verdade. É difícil perder alguém que você
ama.
O guarda-costas concordou com a cabeça.
Depois do almoço, os dois desceram até as fábricas e
passearam em volta dos grandes prédios. Han farejou o ar,
sentindo o cheiro misturado das diferentes especiarias. O
nariz dele formigou um pouco, e ele se perguntou se
bastaria sentir o odor da especiaria para ficar intoxicado.
Acenou para o prédio de brilhestim.
– Vamos entrar. Ouvi falar sobre como eles processam
esta especiaria e queria ver em pessoa.
Quando eles entraram no prédio cavernoso, um guarda
os deteve e falou com Muuurgh, que explicou quem era
Han. O Rodiano de guarda lhes entregou crachás e óculos
infravermelhos, depois acenou para que entrassem.
– Óculos? – indagou Han em rodiano. Entendia a
linguagem perfeitamente, mas sua pronúncia era um pouco
penosa. – Nós temos que usá-los?
Os olhos roxos do guarda faiscaram ao ouvir um humano
falando sua língua.
– Sim, piloto Draygo – respondeu. – Abaixo do térreo não
há nenhuma luz visível. Você desce no turboelevador. Cada
andar para baixo representa uma melhoria de um grau na
qualidade da especiaria. As fibras melhores e mais longas
são processadas bem no subterrâneo, para eliminar
qualquer possibilidade de serem estragadas pela luz.
– Certo – disse Han, chamando Muuurgh. Os dois
andaram entre prateleiras de suprimentos até alcançar a
plataforma do turboelevador no centro da instalação. –
Vamos até o nível mais fundo e ver o bagulho realmente
bom – sugeriu ao Togoriano. Para si mesmo, Han se
perguntava se conseguiria surrupiar alguns daqueles
frasquinhos negros. Vender um pouco de brilhestim
paralelamente numa cidade portuária engordaria
rapidamente sua reserva de créditos...
Han apertou o botão do andar mais baixo, e a
plataforma, balançando um pouco, começou a descer.
Ar fresco subia das profundezas enquanto o
turboelevador se deslocava nas trevas absolutas. A corrente
de ar era deliciosa depois do calor úmido da selva ylesiana.
Depois de um andar, toda luz se foi. Han remexeu nos
óculos e os colocou sobre os olhos. Imediatamente voltou a
ver, apesar de tudo estar em tons de preto e branco. A
iluminação vinha de pontos embutidos nas paredes. O
turboelevador continuou descendo, e Han viu os
trabalhadores curvados sobre suas estações de trabalho.
Havia pilhas de filamentos crus cravejados de minúsculos
cristais diante de cada um deles.
Finalmente, depois de seis andares, o turboelevador
parou. Han e Muuurgh saltaram.
– Você já esteve aqui antes? – perguntou ao guarda-
costas em voz baixa. O pelo do cangote de Muuurgh estava
arrepiado, e os bigodes brancos se eriçavam abaixo dos
óculos.
– Não... – sussurrou de volta o Togoriano. – Meu povo vive
em planícies. Não gosta cavernas. Não gosta escuro.
Muuurgh vai ficar feliz quando Piloto quer sair deste lugar.
Só palavra de honra de Muuurgh segura ele aqui no escuro
maldito.
– Calma – respondeu Han. – Não vamos ficar aqui tanto
tempo. Só quero dar uma olhada.
Ele saiu na frente fábrica adentro. A área cavernosa
estava cheia de um farfalhar suave, mas não havia nenhum
outro ruído. Longas mesas estavam encostadas ao longo
das paredes e distribuídas em colunas nos corredores. Cada
mesa era uma estação de trabalho, e um trabalhador ficava
sentado ou acocorado diante dela, de acordo com sua
anatomia individual. Havia muitos humanos, Han percebeu,
sentados em altos bancos e encurvados sobre o trabalho.
Poucos ergueram o olhar quando Han e Muuurgh foram
até a supervisora do andar, uma peluda Devaroniana, e se
identificaram. A supervisora indicou o andar com um gesto
da mão vermelha com unhas afiadas.
– Meus trabalhadores são os mais habilidosos – declarou
ela, orgulhosa. – É preciso muita perícia para medir e cortar
o número certo de filamentos fibrosos para que cada dose
contenha a quantidade certa de especiaria. É essencial, e
muito difícil, alinhar as fibras tão precisamente de forma
que sejam ativadas ao mesmo tempo quando expostas à luz
visível.
– Essa substância é um mineral? – perguntou Han. – Sei
que é minerada.
– Ocorre naturalmente, mas não sabemos como é
formada, Piloto. Acreditamos que tenha uma origem
biológica, mas não temos certeza. É encontrada bem nas
profundezas dos túneis em Kessel e precisa ser extraída em
escuridão absoluta, tal qual você vê aqui.
– E os filamentos precisam ser colocados nesses
recipientes do jeito certo.
– Isso mesmo. O alinhamento incorreto pode fazer os
pequenos cristais se fraturarem uns contra os outros. Se
isso acontecer, eles moem uns aos outros num pó muito
menos potente e valioso. Um trabalhador habilidoso leva
uma hora para alinhar adequadamente só um ou dois
cilindros de brilhestim.
– Faz sentido – disse Han, fascinado. – Você se importaria
se eu desse uma olhada por aí? Prometo que não vou mexer
em nada.
– Pode dar uma volta, sim. Porém, por favor, evite distrair
os trabalhadores enquanto eles estiverem alinhando a
especiaria. Um giro acidental, como eu disse, poderia
arruinar um filamento inteiro.
– Entendi – disse Han.
Os filamentos de brilhestim cru eram todos negros, mas
Han tinha ouvido falar que brilhariam azuis quando ativados
com luz visível. Han parou atrás de um dos trabalhadores
humanos e assistiu com fascinação enquanto ele separava
os filamentos de especiaria cor de ébano, alinhando-os com
cuidado absoluto. Os filamentos se enrolavam nos dedos do
trabalhador, alguns deles tão delicados quanto seda, mas os
pequenos cristais os deixavam muito afiados.
O trabalhador posicionou um grupo de filamentos
incrivelmente emaranhados nas mandíbulas de um pequeno
torno, depois passou a separá-los meticulosamente, até que
as estruturas cristalinas ficaram alinhadas. Os dedos do
trabalhador se moviam quase rápido demais para se ver, e
Han percebeu que estava assistindo a um artesão... não,
artesã , incrivelmente habilidosa. Ele ficou espantado que
os peregrinos conseguissem realizar alguma coisa que
exigisse tanta destreza assim. Depois de vê-los na noite
passada, depois da “Exultação”, tinha mais ou menos
presumido que se tratava de cretinos mentalmente
limitados. Certamente pareciam sê-lo...
A operária de brilhestim pegou um minúsculo alicate
para desembaraçar um emaranhado particularmente ruim.
Ela enfiou as pontas finas da ferramenta no meio da
maçaroca, espiando intensamente para localizar o ponto em
que os pequenos cristais se prenderam uns nos outros. O
brilhestim fibroso se enrolava nas mãos dela como
pequenos tentáculos vivos, com cristais cintilantes. A artesã
de repente trouxe a mão para trás, puxando, e num instante
o emaranhado se endireitou até que todas as fibras se
alinharam perfeitamente.
Exceto uma.
Han observou angustiado quando um filamento
cravejado de cristais afiados cortou a carne entre o
indicador e o polegar da mulher. Uma linha fina de sangue
emergiu do corte profundo. Han prendeu a respiração. Mais
alguns milímetros de profundidade, e o tendão do polegar
teria sido rompido. Ela sibilou de dor, murmurou alguma
coisa em língua básica e, soltando a mão, ergueu-a para
parar o sangramento. Han ficou paralisado ao ouvir o
sotaque. Essa peregrina era corelliana!
Ele nem tinha olhado para ela antes, escondida como
estava pelo manto bege sem forma, com o chapéu bem
puxado sobre a cabeça e os óculos. Só que agora o rapaz
notou que ela era jovem, não velha. A mulher fez uma
careta de leve ao examinar o corte. Virou a mão, girou no
banco e apoiou a mão sobre o piso, para que o sangue não
pingasse na mesa de trabalho.
Han sabia que não deveria falar com a peregrina, mas
ela não estava trabalhando no momento, e ele estava
preocupado. Ela sangrava profusamente.
– Você está ferida – afirmou ele. – Deixe-me chamar a
supervisora para que ela possa ajudar você.
A garota (que tinha a idade dele, talvez menos) levou um
leve susto, depois o encarou. Seu rosto era um borrão
branco esverdeado sob os óculos e o chapéu, e parecia
mortalmente pálida sob a luz infravermelha. Não é de se
estranhar, pensou Han, trancafiada aqui embaixo o dia
inteiro, sem exposição à luz do sol.
– Não, por favor, não – respondeu ela, falando língua
básica com um sotaque suave que a marcava como sendo
do continente meridional de Corellia. – Se ela me mandar
para a enfermaria, eu vou perder a Exultação. – A moça
estremeceu com o pensamento, ou talvez de frio. O próprio
Han tinha começado a se sentir meio friorento, e não estava
lá embaixo há horas. Como aqueles peregrinos aguentavam
trabalhar ali embaixo na escuridão gélida o dia todo?
– Mas esse corte está com uma cara horrível – protestou
Han.
A peregrina deu de ombros.
– Já está parando de sangrar.
Han percebeu que era verdade.
– Mas e quanto a...
Ela balançou a cabeça, interrompendo o rapaz no meio
da frase.
– Agradeço sua preocupação, mas não foi nada. Acontece
toda hora. – Com um sorriso irônico, ela estendeu as mãos.
Os dedos, pulsos e antebraços estavam completamente
riscados com pequenos cortes. Alguns eram antigos,
brancos e já tinham sarado, mas muitos estavam roxos,
ainda recentes e dolorosos.
Han viu pequenos pontos fosforescentes entre os dedos
dela e percebeu que deveriam ser o fungo que ele tinha
descoberto em si mesmo aquela manhã. Enquanto ele
observava, um filete luminescente se estendeu de repente,
crescendo na direção do corte entre os dedos. Ela exclamou
baixinho e arrancou a coisa.
– O fungo adora sangue fresco – comentou ela,
evidentemente notando o nojo dele. – Pode infeccionar um
corte e deixar você doente muito fácil.
– Coisa asquerosa – disse ele. – Tem certeza que não
precisa cuidar disso?
Ela balançou a cabeça.
– Como você pode ver, acontece o tempo todo. Com
licença, mas... você é corelliano, não é?
– Que nem você – respondeu Han. – Eu sou Vykk Draygo,
o novo piloto. E você é?
A moça apertou os lábios.
– Eu... não deveria estar conversando. Melhor voltar ao
trabalho.
Muuurgh, que tinha ficado observando em silêncio, falou
de repente:
– Trabalhadora certa. Piloto tem que deixar trabalhadora
voltar a trabalho agora.
– Certo, meu chapa, entendi – respondeu Han ao
Togoriano, mas depois acrescentou para a corelliana: –
Talvez a gente possa conversar outra hora. No jantar, talvez.
Ela balançou a cabeça silenciosamente e voltou ao
trabalho.
Muuurgh sinalizou para que Han seguisse adiante.
O rapaz deu um passo, mas continuou falando.
– Certo, mas... nunca se sabe. A gente com certeza vai
se esbarrar de novo, este lugar não é tão grande assim.
Então... qual é o seu nome?
Ela balançou a cabeça de novo, sem falar. Muuurgh
soltou um rosnado gutural bem grave, mas Han continuou
ali, teimoso.
A mulher parecia perturbada pela ameaça implícita de
Muuurgh. Enquanto amarrava uma bandagem no corte,
respondeu:
– Abandonamos nossos nomes quando desistimos de
todas as coisas mundanas pelo santuário de Ylesia.
Han se sentia cada vez mais frustrado. Ali estava alguém
que conhecia este lugar intimamente, e ela era a primeira
pessoa do seu mundo natal que ele descobria neste
planeta.
– Por favor – insistiu ele enquanto Muuurgh o empurrava
de leve. – Deve ter algum jeito que eles usam para se referir
a você. – Han abriu seu sorriso mais charmoso. Muuurgh
rosnou de novo, mais alto, e mostrou as presas.
Os olhos da mulher se arregalaram com a exibição de
dentes.
– Sou Peregrina 921 – respondeu ela apressadamente.
Han ficou com a impressão de que ela falou para salvá-lo da
ira de Muuurgh.
Muuurgh agarrou o braço de Han e começou a se afastar,
arrastando o corelliano sem esforço.
– Obrigado, Peregrina 921 – exclamou Han para ela,
acenando animadamente, como se ser arrastado pelo
Togoriano fosse uma ocorrência corriqueira. – Boa sorte com
essas fibras. A gente se vê.
Ela não respondeu. Quando Muuurgh enfim o soltou, no
fim do corredor, Han seguiu o guarda-costas
obedientemente, meio que esperando uma bronca do ser
gigante. Mas Muuurgh parecia satisfeito que Han o estivesse
obedecendo e retornou ao silêncio atento.
Han olhou de volta e percebeu que a corelliana estava
mais uma vez concentrada no trabalho, como se já o tivesse
esquecido.
Peregrina 921 , pensou ele. Eu me pergunto se seria
mesmo capaz de reconhecê-la... Considerando os óculos, o
chapéu e a visão prejudicada dele, Han não fazia ideia de
qual seria a aparência da mulher; sabia apenas que era
jovem.
Han perambulou por toda a instalação, observando
vários outros trabalhadores que alinhavam filamentos e
cristais para que ficassem perfeitamente simétricos. Não
tentou falar com nenhum deles. Finalmente, voltou à
supervisora Devaroniana.
– Então, quando eles terminam o trabalho aqui, quem é
que coloca os filamentos e cristais nos frascos? – indagou.
– Isso é feito no quinto andar – explicou a supervisora.
– Acho que vou dar um pulo lá – comentou Han. – Isto é
muito fascinante, sabia?
– Certamente.
Certo, então eles terminam o processamento do bagulho
realmente bom aqui em cima , pensou Han enquanto ele e
Muuurgh subiam pelas trevas. O Togoriano soltou um
uivinho de protesto quando Han levou o elevador só um
andar acima.
– Fica frio, Muuurgh – disse ele. – Só quero dar uma
olhadinha rápida por aqui.
O rapaz vagueou pelos corredores, tentando descobrir
discretamente o lugar onde o brilhestim de alta qualidade
era embalado nos pequenos frascos negros que qualquer
usuário da substância reconheceria. Quando chegou lá,
porém, seu estômago gelou. Quatro guardas armados
estavam ao lado da esteira transportadora, vigiando os
pequenos frascos enquanto os trabalhadores traziam cestas
cheias e as despejavam. Han sentiu uma corrente de ar,
percebendo que havia uma pequena unidade aquecedora
ali, afastando a friagem, evidentemente para o conforto dos
guardas.
Quatro guardas? Han espiou mais atentamente a
penumbra. Não, espera um segundo . Viu um borrão de
movimento, mas não conseguiu discernir nada por um longo
instante. Depois, no que focalizou os olhos, distinguiu
lentamente um negrume oleoso e granulado, mal visível no
meio de tanta treva. Só que havia olhos no meio da
escuridão, olhinhos vermelho-alaranjados. Quatro deles.
Han estreitou os dele, ficou imóvel, forçando a visão. Então
notou duas pistolas, cada uma atada a uma perna negra
verruguenta.
Aar’aa! Percebeu. Camaleões!
Os Aar’aa eram uma espécie do outro lado da galáxia.
Habitantes de Aar eram capazes de mudar de cor
gradualmente para igualar-se à cor do que houvesse atrás
deles. Essa habilidade os deixava muito difíceis de ver,
especialmente nas trevas.
Han tinha ouvido falar nos Aar’aa antes, mas nunca
esbarrara num deles até agora. Eram criaturas reptilianas, o
que explicava por que aquela seção da fábrica subterrânea
era aquecida. Muitos répteis ficavam lentos e abobados no
frio.
Han espiou a penumbra e lenta e gradualmente
percebeu os contornos dos dois guardas Aar’aa. Tinham
uma pele de textura pedregosa, mãos e pés com garras e
uma pequena crista de pele correndo pelas costas. As
cabeças eram grandes, com arcadas supraorbitárias
salientes, sob as quais os olhos pareciam duplamente
pequenos. As caras tinham focinhos curtos e, quando uma
das criaturas abriu a boca, Han vislumbrou uma língua
vermelha grudenta e dentes brancos afiados. Uma crista
ereta de pele começava entre os olhos, subia pelo alto da
cabeça até descer para a nuca e se conectava com a crista
das costas.
Apesar da aparência desajeitada, pareciam ser bem
ágeis. Han decidiu que não queria se meter com eles.
Apesar de serem mais baixos que o rapaz, tinham ombros
largos e certamente eram mais pesados que ele por uma
vasta margem.
Han suspirou. Esqueça o Plano A.
Além dos Aar’aa, os outros guardas -– dois Rodianos, um
Devaroniano e um Twi’lek – pareciam durões e obviamente
levavam o serviço a sério. Não eram Gamorreanos, então
não havia muita chance de desnorteá-los, confundi-los,
distraí-los ou, de alguma forma, enrolar algum deles para
lhe entregar uma fortuna em especiaria. Han fez uma careta
e partiu com Muuurgh de volta ao turboelevador. E não há
Plano B, pensou ele soturno. Acho que terei que faturar
meus créditos do jeito honesto.
Nem ocorreu ao rapaz que transportar especiaria pela
galáxia já seria, em si, altamente ilegal.

A Peregrina 921 mordiscou um bolo de grãos


amanhecido e tentou esquecer o jovem corelliano que tinha
visto mais cedo. Ela era uma peregrina, afinal, parte do
Todo, uma com o Um, e preocupações mundanas como
rapazes bonitões tinham ficado definitivamente para trás.
Ela estava ali para trabalhar, de modo a ser Exultada e
oferecer suas preces pela bênção do Um como parte do
Todo; e conversas com rapazes chamados Vykk não faziam
parte disso.
Ainda assim, ela se perguntava como ele seria debaixo
daqueles óculos. Qual era a cor dos cabelos? Dos olhos?
Aquele sorriso tinha feito um calor brotar dentro dela,
apesar do frio...
Balançando a cabeça, a Peregrina 921 (Que saudade do
meu nome! ) tentou exorcizar a memória do sorriso torto, de
parar o coração, de Vykk Draygo. Ela precisava rezar,
oferecer a devoção apropriada. Tinha que se redimir por ter
se separado do Um, para não ser expulsa do Todo.
Ainda assim, aqueles pensamentos sacrílegos
continuavam se intrometendo. Pensamentos... memórias,
também. Ele era corelliano... assim como ela.
A Peregrina 921 pensou no seu planeta natal e, por um
mero instante, se permitiu lembrar-se dele, lembrar-se da
família. Os pais dela ainda estariam vivos? O irmão?
Há quanto tempo ela já estava ali? 921 tentou recordar,
mas os dias ali eram todos iguais... trabalho, alguns
bocados de comida insossa, Exultação e preces, depois sono
exausto. Um dia fluía no outro, e Ylesia quase não tinha
estações...
Por um momento, ela se perguntou há quanto tempo
estava lá. Meses? Anos? Quantos anos ela tinha? Será que
teria rugas? Cabelos grisalhos?
As mãos cheias de cicatrizes de 921 voaram até a testa,
as faces. Ossos sob carne, ossos proeminentes. Muito mais
do que jamais foram antes.
Mas nada de rugas. Ela não era velha. Poderia estar lá há
meses, mas não anos.
Que idade ela tinha quando ouviu falar em Ylesia e
vendeu todas as joias para comprar passagem numa nave
de peregrinos? Dezessete... ela tinha encerrado seus
estudos pré-universitários e estivera ansiosa para deixar
seu mundo e frequentar a universidade em Coruscant. Ela ia
estudar... arqueologia. Com ênfase em arte antiga. Sim, era
isso. Ela ia até passar uns dois verões trabalhando numa
escavação, aprendendo a preservar tesouros ancestrais.
Ela queria se tornar curadora de museu.
Desde criança, história sempre fora sua matéria favorita.
Ela adorava aprender sobre os cavaleiros Jedi e ficava
fascinada com suas aventuras. Tinha crescido no período
pós-Guerras Clônicas, e o conflito a interessava também. E
o nascimento da República, há tantos e tantos anos...
921 suspirou enquanto engolia mais uma mordida do
bolo farelento. Às vezes ela se incomodava que suas
memórias estivessem se esvaindo, que sua inteligência
parecesse estar se esvaindo, junto com sua habilidade de
perceber o mundo exterior. Ela sabia que, como peregrina,
era seu dever expulsar de sua mente e corpo a apreciação
dos prazeres carnais.
Nos velhos tempos, prazer e diversão tinham sido o foco
de sua vida. Naqueles dias, sua vida tivera pouco propósito,
comparado com agora. Nos velhos tempos, ela vagueava de
lugar em lugar, assunto em assunto, festa em festa...
E tudo fora tão sem sentido .
A vida agora tinha sentido . Agora ela era Exultada.
Todas as noites, o Um conferia sua bênção sobre ela, por
meio dos sacerdotes. Exultação era a forma como o Todo se
comunicava com os peregrinos. Era uma experiência
profundamente espiritual – e era tão gostosa ...
921 pensou que tinha conseguido com sucesso apagar
da mente toda lembrança de Vykk Draygo e de seu sorriso,
então voltou a trabalhar na pilha de brilhestim – só para
perceber, minutos mais tarde, que estava se perguntando
se o rapaz realmente procuraria por ela, tentaria falar com
ela de novo...
921 sentiu um calafrio naquela eterna friagem úmida e
fez um grande esforço para esquecer Vykk Draygo e tudo o
que ele representava...

Naquela noite, Han faltou à cerimônia para poder passar


tempo com vários dos simuladores. Era sua primeira
oportunidade de ganhar a vida “honestamente” e não
queria estragar tudo. Han sabia que os cidadãos
reclamavam sobre como trabalhavam duro e concluiu que
isso seria essencial para o sucesso. Era verdade que
mendigar, bater carteiras, roubar casas e aplicar golpes em
cidadãos muitas vezes exigia muito tempo e esforço, mas
Han sabia, de alguma forma, que simplesmente não era
comparável.
Ele foi até o console de simulação no quarto e verificou o
conteúdo do sistema, os programas que estavam
disponíveis para ele. Teroenza tinha cumprido a promessa, e
os simuladores estavam lá. Han viu quais eram as opções,
escolheu os simuladores que queria praticar e ordenou ao
sistema que preparasse várias sequências. Tomou o cuidado
de especificar que “turbulência atmosférica” fosse incluída
em cada exercício de treinamento.
Olhou para Muuurgh, que estava ali parado, observando.
– Vou ficar trabalhando um tempo – anunciou. – Por que
você não tira um tempo para descansar?
Muuurgh balançou a cabeça devagar.
– Muuurgh não deixa piloto sozinho. Contra ordens.
– Tudo bem. – Han deu de ombros. – Você que sabe.
Muuurgh observou nervoso enquanto Han vestiu o
visicapuz, cortando qualquer contato com o mundo real ao
seu redor e mergulhando num voo de treino que parecia
exatamente a coisa real. Tecnologia deixava o Togoriano
desconfortável.
Han se deixou afundar no simulador e, em questão de
minutos, o programa tinha alcançado um de seus objetivos
primários – ele tinha esquecido completamente que estava
num simulador. Estava convencido de que realmente
pilotava – que realmente traçava uma rota em meio a
campos de asteroides em alta velocidade, que realmente
navegava na atmosfera ylesiana, que realmente aterrissava
a nave sob toda sorte de condições adversas.
O corelliano emergiu do simulador duas horas depois,
tendo obtido sucesso em pousos, voos, decolagens e
executado todas as variações de manobras possíveis para a
nave auxiliar que pilotaria até Colônia Dois e Colônia Três no
dia seguinte. Tinha também revisto os controles das naves
de transporte que comandaria – a Sonho Ylesiano estava
sendo convertida para pilotagem manual – além dos
controles do iate particular de Teroenza.
Àquela altura, o curto dia ylesiano já tinha se esvaído há
muito. Muuurgh estava cochilando na cadeira, mas acordou
instantaneamente assim que Han se espreguiçou. Han
espiou o Togoriano, lamentando o fato de o alienígena ser
tão alerta. Seria muito difícil partir nas expedições furtivas
noturnas que ele tinha em mente...

Muuurgh caminhava atrás do piloto, feliz que seu fardo


tivesse sugerido uma visita ao refeitório para uma ceia
tardia. O Togoriano estava sempre faminto. Seu povo estava
acostumado a caçar e matar, depois compartilhar da presa,
então carne fresca era uma parte constante da dieta deles.
Aqui, ele tinha que se virar com carne cura descongelada.
Antes de o Piloto aparecer na sua vida, ele tinha a
liberdade ocasional de entrar na selva e caçar, para manter
as garras – e as habilidades – afiadas.
Sentia falta da sua mosgoth, de voar pelo ar montado
nela, de sentir os poderosos músculos das asas propelindo-o
pelos céus de Togoria.
Muuurgh suspirou. Os céus de Togoria eram de um azul-
esverdeado vívido, muito diferente deste azul-acinzentado
desbotado do céu em Ylesia. Sentia falta disso. Será que um
dia os veria de novo, algum dia voaria em sua mosgoth
rumo a um ocaso carmesim naqueles céus tão vívidos?
Os sacerdotes tinham feito o Togoriano assinar um
contrato de seis meses pelos seus serviços de guarda. Ele
tinha dado a palavra de honra de que cumpriria o contrato.
Se passariam muitas dezenas de dias antes que pudesse
voltar à sua busca por Mrrov.
Muuurgh a visualizou em sua mente, o pelo cor de
creme, as listras alaranjadas, os olhos amarelos
inteligentes. Linda Mrrov. Ela tinha sido parte da vida dele
por tanto tempo que não saber seu paradeiro era como uma
ferida aberta no coração. Será que ela teria voltado a
Togoria? Estaria ela de volta ao mundo dos dois, esperando
por Muuurgh?
Muuurgh desejou poder mandar uma mensagem ao seu
mundo natal, perguntar se Mrrov tinha voltado, mas
mensagens enviadas por distâncias interestelares eram
muito caras, e uma delas acrescentaria quase dois meses
ao seu tempo aqui em Ylesia.
Ainda assim... Muuurgh considerou, depois pensou que
talvez numa das entregas de especiarias a Nal Hutta, Piloto
não se incomodaria se Muuurgh mandasse uma mensagem.
O Togoriano não tinha confiança suficiente nos sacerdotes
Ylesianos para mandar uma mensagem deste mundo.
Piloto parecia ser um camarada decente, para um
humano, ruminou Muuurgh. Ardiloso, rápido, sempre
procurando por um jeito de contornar as coisas, mas
humanos eram frequentemente assim. Pelo menos Piloto
tinha aceitado a dominância de Muuurgh como líder de
alcateia. Foi esperto da parte dele. Viveria muito mais
tempo assim...
Muuurgh realmente torcia para que Piloto continuasse
sendo esperto. Ele gostava do humano e não queria ser
obrigado a machucá-lo.
Só que, se Piloto tentasse quebrar as regras, Muuurgh
não hesitaria em machucar – ou mesmo matar – o
corelliano. Teroenza tinha dado a Muuurgh ordens
específicas, e o Togoriano as cumpriria da melhor maneira
possível. Tinha dado a palavra de honra, e isso era a coisa
mais importante do mundo para seu povo.
O Togoriano distraidamente penteou os bigodes e o pelo
do rosto, refletindo que, desde que Piloto não saísse da
linha, tudo ia ficar bem...
No dia seguinte Han levou a nave auxiliar ylesiana a
Colônia Dois e Colônia Três. Descobriu que gostava muito de
comandar naves maiores, e sua pilotagem era perfeita.
Conseguiu descolar alguns minutos extras no trajeto de
volta a Colônia Um para praticar voo em baixa altitude,
dando um rasante tão baixo com o transporte que a barriga
quase raspou nas copas das árvores da selva. Ao lado dele,
Muuurgh alternava entre a euforia e o terror enquanto
vivenciava rasantes, tonneaus e até voar de cabeça para
baixo em alta velocidade. Han estava em seu elemento,
executando manobras com a nave auxiliar que só tinha feito
antes em simulador. O corelliano percebeu que gritava
alegre e empolgado com a pura emoção daquilo tudo.
Como seu último e melhor feito de voo de precisão, Han
mergulhou com a nave a toda velocidade e correu por um
cânion escavado por um rio, zunindo entre as paredes
rochosas com tão pouco espaço de sobra que Muuurgh
uivou, fechou os olhos e se recusou a abri-los. Uma vez que
eles estavam de volta a céu aberto, Han teve que
chacoalhar o braço do Togoriano e assegurar repetidamente
ao grande alienígena que ele tinha terminado a prática
daquele dia.
– Muuurgh certo de que Piloto é louco – afirmou o
Togoriano, abrindo cuidadosamente os olhos e se
endireitando no assento. – Muuurgh voa na sua mosgoth em
casa, mas não desse jeito . Mosgoths sensatos demais para
voar assim . Muuurgh sensato também. Piloto – o Togoriano
lançou um olhar queixoso –, prometa a Muuurgh que não vai
mais voar maluco.
– Mas, Muuurgh – retrucou Han, pousando
cuidadosamente no campo de aterrissagem em Colônia Um
–, eu tenho que treinar sempre que tiver uma chance! Veja
bem... – Ele hesitou, depois decidiu confiar parte da verdade
a Muuurgh. – Eu meio que exagerei um pouquinho os fatos
quando contei da minha experiência de voo a Teroenza.
Realmente sou um piloto campeão, isso é verdade, mas...
eu preciso praticar com esta nave auxiliar. E com as naves
maiores. Simuladores são legais, mas não se comparam à
experiência real.
Muuurgh encarou Han longa e diretamente, depois
concordou com um aceno de cabeça.
– Muuurgh compreende. Piloto confia em Muuurgh para
não dizer isso a Teroenza?
– É, alguma coisa do tipo – admitiu Han. – Então, eu
posso? Quero dizer, confiar em você?
O Togoriano tratou pensativo dos bigodes brancos.
– Enquanto Piloto não bater com nave, Muuurgh não fala
nada.
– Muito justo, meu chapa – respondeu Han com um
sorriso.
Quando ele e Muuurgh desceram pela rampa da nave,
Veratil os aguardava na chuva torrencial. Àquela altura, Han
já estava acostumado com os temporais diários, apesar de o
calor úmido ainda o deixar exausto.
– O sumo sacerdote deseja vê-lo imediatamente, piloto
Draygo – informou-o Veratil.
O sacredot levou Han e seu guarda-costas aos aposentos
pessoais do sumo sacerdote, que ocupavam uma grande
porção do nível subterrâneo do centro administrativo.
Depois que Veratil digitou o código de autorização de
segurança e eles entraram pelas imensas portas duplas no
santuário pessoal do sumo sacerdote, Han não conseguiu
conter um assovio de espanto.
– Lugarzinho bacana!
– Esta é a sala de exposição do sumo sacerdote –
anunciou Veratil. – Ele é um colecionador ávido e muito
orgulhoso de sua coleção de raridades.
– Merecidamente – afirmou Han, com sinceridade.
O aposento era pelo menos dez vezes maior que o
pequeno apartamento de Han no primeiro andar. Mesas,
prateleiras e estantes de exposição continham tesouros e
antiguidades de toda a galáxia. Esculturas de uma dúzia de
mundos, pinturas e outros objetos de arte estavam
espalhados em meio a ornadas armas antigas. Tapeçarias
decoravam as paredes. Tapetes de beleza extraordinária
estavam cobertos por campos de força protetores que
tinham uma textura gelatinosa quando Han caminhou sobre
eles.
Gemas semipreciosas adornavam a coleção de flautas e
outros instrumentos musicais. Garrafas das bebidas
alcoólicas mais raras da galáxia estavam suspensas numa
estante com altos-relevos dourados.
Os dedos de Han literalmente coçaram durante todo o
tempo que ele levou para atravessar a sala de exposição.
Se eu pudesse ter cinco minutos a sós aqui dentro, estaria
feito pelo resto da vida! , pensou, desejoso, enquanto
reduzia o passo para observar um drreelb escavado em gelo
vivo. A pequena estatueta estava coberta com uma camada
de poeira, que foi perturbada pela respiração de Han. O pó
se espalhou no ar, e o piloto deu um espirro retumbante.
Poeirento ou não, este lugar vale várias fortunas. Se ao
menos...
Severo, Han lembrou a si mesmo que tinha virado a
página e era um cidadão honesto e trabalhador naqueles
tempos.
Veratil levou os dois por mais outra porta de segurança
até o alojamento pessoal do sumo sacerdote. Os visitantes
foram recebidos por um antiquíssimo mordomo Zisiano, que
Teroenza chamou de Ganar Tos. O Zisiano era humanoide,
mas tinha uma pele verde enrugada que pendia em
papadas flácidas do queixo quase inexistente. Os olhos
alaranjados eram ranhentos, e ele fungava constantemente,
como se tivesse sinusite. Provavelmente alérgico a toda
aquela poeira, pensou Han.
O sumo sacerdote acenou para que Han e Muuurgh se
sentassem e se dirigiu aos dois.
– Tão bom você ter vindo, piloto Draygo. Ouvi boas coisas
sobre sua pilotagem de Colônia Dois e Três. Hoje nosso
droide médico colocou o outro piloto, Jalus Nebl, em licença
por duração indeterminada, então você assumirá o lugar
dele em voos interestelares de agora em diante.
Han assentiu com a cabeça, tentando esconder o
entusiasmo.
– Ótimo, senhor. Vou cumprir os prazos. Quando eu
parto?
– Depois de amanhã – contou Teroenza. – Muuurgh vai
acompanhá-lo, é claro.
– Quais são a carga e destino, senhor? – indagou Han.
– Você vai se encontrar com uma nave de Nal Hutta nas
coordenadas que vamos lhe passar no último minuto. A
segurança é vital, como você pode muito bem entender.
Sabe que tivemos problemas com piratas no passado. –
Teroenza aceitou uma pequena criatura debilitada que o
mordomo lhe estendeu e fez uma pausa para engoli-la. –
Você treinou Muuurgh como artilheiro, piloto?
– Hum, não, ainda não, senhor.
– Cuide disso. Um bom piloto está preparado para todas
as eventualidades, correto?
– Sim, senhor – concordou Han. – Vou cuidar disso. Hum,
senhor? Qual é a carga?
– Você levará uma remessa de carsunum processado e
receberá um carregamento de ryll virgem trasladado de
Ryloth.
– Mas a nave com a qual vou me encontrar é de Nal
Hutta?
– Sim. – Teroenza não se estendeu na explicação, então
Han abandonou o assunto, decidido a ficar de orelhas em
pé. Percebeu que havia mais que o sumo sacerdote não lhe
contava, mas não estava exatamente em posição de exigir
todos os detalhes sujos.
Teroenza se sentou sobre os imensos quartos traseiros,
acenando com os bracinhos para o portal pelo qual Muuurgh
e Han entraram.
– Soube que você gostou da minha sala de exposição?
– Se eu gostei? – Han pôde responder com total
honestidade. – É incrível , senhor. Nunca vi tantos tesouros
reunidos fora de um museu!
– Minha espécie tem uma longa vida, assim como nossos
primos, os Hutts – contou Teroenza. – Já venho colecionando
há centenas de anos-padrão, mais tempo que você, em sua
juventude, poderia imaginar, piloto.
– Eu realmente queria fazer um tour um dia – comentou
Han.
– Eu gostaria que minha coleção estivesse em condições
de ser vista – lamentou Teroenza. – Ganar Tos, mesmo sendo
um excelente cozinheiro e um camareiro eficaz, não
recebeu o treinamento necessário para fazer a manutenção
das minhas peças, muito menos catalogá-las e arrumá-las
adequadamente. E eu sou muito ocupado para dedicar meu
tempo a essa atividade. – O ser gigante os dispensou com
um aceno da mãozinha. – Por hora é tudo. Nos vemos
quando você voltar, piloto.
– Sim, senhor. – Han se levantou e chamou Muuurgh. Os
dois partiram, escoltados por Veratil.
Uma vez do lado de fora, o sacredot saiu para cuidar de
alguma tarefa, deixando os dois sozinhos. Han deu uma
olhada no crono e então para o sol ocidental.
– Esta noite vou começar a treinar você na função de
artilheiro – disse ele ao Togoriano –, mas, por enquanto,
acho que a gente merece uma folga. Na verdade, está bem
na hora de visitarmos o refeitório onde os peregrinos
comem. Vamos lá.
– Por quê? – indagou Muuurgh. – Piloto não quer comida
de peregrino. Piloto e Muuurgh comem no refeitório do
centro administrativo... comida decente, não lixo.
Han balançou a cabeça e seguiu pela trilha que cortava a
selva até a área dos peregrinos.
– Eu não quero comer com os peregrinos, meu chapa –
explicou ele. – Só quero conversar com alguns deles.
Calculei que, na hora do jantar, eles estarão todos juntos, e
eu poderei encontrar... eles... mais fácil.
– Eles? Quantos são “eles”?
– Hum... bem, olha só... – começou Han, depois parou,
fazendo uma careta. – Só uma – admitiu. – Peregrina 921,
aquela que eu vi no outro dia. Eu gostaria de ver como ela
realmente é.
Muuurgh assentiu com a cabeça.
– Ah, sssim... Muuurgh entende muito bem o que Piloto
quer.
Han sentiu a cara ficar quente e ficou feliz que o
Togoriano não pudesse reconhecer aquele sinal denunciador
de vergonha.
– Você sabe, Muuurgh, meu velho chapa – começou ele,
deliberadamente mudando de assunto –, você fala língua
básica muito bem para quem só aprendeu há menos de um
ano. Só que tem uma parte do idioma que você ainda não
dominou, que são os pronomes. Nunca achei que ia dar uma
de professor, mas, vamos lá...
Os dois caminharam juntos pelo caminho, enquanto Han
explicava as regras gramaticais que governam o uso dos
pronomes...

Uma vez no refeitório dos peregrinos, Han e Muuurgh


perambularam pela enorme área onde os peregrinos
jantavam. Han espiava cada rosto, imaginando se
conseguiria reconhecê-la sem os óculos, sob iluminação
normal. O cabelo dela estivera coberto pelo chapéu, então o
rapaz não sabia nem se era claro ou escuro.
Han acelerou o passo ao perceber que a refeição estava
quase encerrada e ele ainda não tinha localizado 921.
Talvez ela não estivesse ali. Talvez tivesse jantado num
outro turno, como ele tinha ouvido que alguns peregrinos
faziam. Só que ele tinha achado que quase todos os
humanoides comiam durante este turno...
Lá está ela! É ela mesma! Han não tinha muita certeza
de como sabia... mas sentia-se seguro como se ela tivesse
uma placa pendurada no pescoço dizendo PEREGRINA 921.
Numa iluminação normal, o rapaz notou que ela era alta
e esguia – esguia demais, na verdade. As maçãs do rosto se
destacavam proeminentes, e os olhos pareciam ainda
maiores do que realmente eram naquele rosto magro e
excessivamente pálido.
Porém, magra demais ou não, ela era, mesmo de modo
simples, linda. Não classicamente bela. A mandíbula era um
pouco larga demais e meio quadrada, o nariz meio longo
para a beleza clássica. Mas linda... ah, sim...
921 tinha grandes olhos azuis-esverdeados, cílios
escuros e pele branca e lisa. Várias madeixas de cabelos
curtos e cacheados tinham escapado de baixo do chapéu de
peregrina, e Han viu que eram vermelho-dourados – a cor
de um pôr-do-sol corelliano num dia limpo.
O salão geralmente era bem silencioso. Os peregrinos
não conversavam muito, cansados como estavam de um
longo dia de trabalho nas fábricas, e a Exultação que se
aproximava. Mas eles geralmente comiam em grupos.
921 estava completamente só.
Han viu que ela cutucava o jantar, e depois de uma
olhada na massa nada apetitosa de mingau grudento,
verduras murchas e pão ázimo no prato dela, ele não a
culpou. A comida cheirava mal – quase estragada. Han
franziu o nariz enquanto puxava a cadeira diante dela e se
sentava. Estava vagamente ciente da presença de Muuurgh,
encostado na parede, observando.
921 – eu tenho que convencê-la a me contar seu nome
verdadeiro! – ergueu os olhos cor de turquesa, que se
arregalaram ao reconhecê-lo. Han ficou imensamente feliz
com isso e sorriu para ela.
– Olá. Encontrei você de novo, viu?
A moça o encarou, olhos ainda arregalados, depois
baixou o olhar para o prato. Han se inclinou na direção dela.
– Então, qual é o rango? Não parece grande coisa, tenho
que admitir. Mas você não pode só ficar empurrando pelo
prato, sabe.
Ela balançou a cabeça.
– Por favor... vá embora. – Sua voz era pouco mais que
um sussurro. – Não deveria estar falando com você. Você
não é do Um.
– Claro que sou – retrucou Han. – Só que eu sou um tipo
um pouco mais individual de Um, pode-se dizer.
A boca de 921 estremeceu, muito de leve. Han percebeu
que desejava ser capaz de fazê-la sorrir de verdade.
– Você não sabe do que está falando, piloto Draygo –
respondeu ela em voz baixa. – Temo que isso seja óbvio.
– Bem, pregue para mim, então – argumentou Han. –
Tenho a mente aberta, talvez você consiga me converter. –
Ele sorriu, feliz em tê-la encontrado, e que ela estivesse,
pelo menos, falando com ele.
921 balançou a cabeça.
– Temo que você seja infiel em demasia, piloto –
comentou ela.
Han estendeu a mão e pegou na dela, aquela que tinha
se machucado.
– É Vykk – disse ele, sufocando um impulso louco de
contar seu nome verdadeiro . Conseguiu resistir. – Então,
como vai sua mão? Alguma sequela daquele machucado no
outro dia?
Quando Han tocou a peregrina, ela se enrijeceu, como se
fosse puxar a mão. Depois, quando ele perguntou do corte,
ela relaxou.
– Está sarando – contou ela, confirmado o que Han tinha
visto. – Só vai levar um tempinho.
– É um serviço duro, ficar ralando lá embaixo no escuro e
no frio o dia todo – apontou Han. – Você não preferiria fazer
alguma coisa mais... fácil?
– Tipo o quê? – perguntou ela.
– Não sei. No que você é boa? O que você estudou?
– Bem... um dia eu quis ser curadora de museu – revelou
921, soando um tanto nostálgica. – Eu ia estudar
arqueologia. Sei muita coisa sobre isso.
– Só que você veio para cá em vez de seguir com os
estudos – deduziu Han.
– Sim – confirmou 921. – Esta vida é espiritualmente
recompensadora. Minha antiga vida era vazia e sem
sentido.
Han hesitou.
– Como você sabe que a doutrina que eles ensinam aqui
é a certa? Tem um monte de religiões na galáxia.
Ela considerou a pergunta cuidadosamente, então,
finalmente, respondeu.
– Porque, quando nós somos Exultados, eu me sinto
muito próxima do Um. É um momento místico. Eu me sinto
Uma com o Todo. Tenho certeza que os sacerdotes devem
ser Divinamente Dotados para poderem oferecer aos
peregrinos a chance de serem Exultados.
– Humm – comentou Han. – Parece que eu deveria
experimentar. – Por cima do meu cadáver, pensou ele, mas
tomou cuidado para esconder os verdadeiros sentimentos.
– Talvez você devesse – concordou ela. – Está na hora de
seguir para o Altar das Promessas. Talvez você seja
abençoado e receba a Exultação, também.
– Nunca se sabe – disse Han. – Posso acompanhar você
até lá?
Ela deu um sorriso discreto, olhando para o chão.
– Tudo bem.
Os dois caminharam juntos pela trilha na selva, lado a
lado em meio aos peregrinos, com Muuurgh no rastro. Han
tentou puxar conversa, mas 921 estava quieta e sem
reação. Quando alcançaram o altar, Han não se retirou para
o fundo, mas ficou ao lado de 921 no meio do grupo de fiéis.
– Você não deveria estar aqui – sussurrou ela. – É óbvio
que você não é um peregrino.
– Se alguém reclamar, é só dizer que eu sou um
candidato a peregrino – disse Han, tentando provocá-la de
leve, mas 921 não caiu. Fez uma cara feia e lhe deu as
costas, concentrando-se na cerimônia.
Teroenza e os outros sacerdotes recompensaram a
multidão de fiéis com uma devoção idêntica àquela que Han
tinha visto antes. Desta vez, Han teve pouca dificuldade em
resistir aos efeitos da Exultação – permaneceu lúcido do
começo ao fim. Em vez disso, observou 921, viu sua
expressão arrebatada e balançou a cabeça por dentro.
Como ela pode ser iludida por esse embuste? , perguntou-se
ele. Ela é claramente inteligente. Por que não percebe que
seja lá o que for que esses sacerdotes fazem, é algum
truque, e não um Dom Divino?
Han assistiu angustiado enquanto 921 se prostrava para
receber a Exultação, depois se acocorou ao lado dela
enquanto ela se contorcia no chão. É um milagre que os
corações deles não parem de funcionar de repente, pensou.
Mais tarde, depois que o momento de Exultação terminou e
os sacerdotes se foram, ele a ajudou a se sentar. A
peregrina sorria, ainda que muito fraca.
– Tudo bem? – indagou Han, preocupado. A Exultação,
além de qualquer que fossem seus efeitos emocionais e
físicos, parecia deixar os peregrinos exaustos. – Você parece
meio mal.
– Estou bem – disse ela, ainda tremendo, e tentou se
levantar. Han rapidamente a segurou e ofereceu a mão.
– Obrigada – sussurrou 921, com a respiração ainda
ofegante. – Vou ficar bem, agora.
– Vou acompanhar você de volta ao dormitório – decidiu
Han. – Por via das dúvidas. Você parece meio fraca.
Ela não discutiu quando Han pegou seu braço e os dois
seguiram o caminho de volta. Estava ficando bem escuro, e
Ylesia não tinha lua. Han mal podia distinguir a trilha
adiante, mas 921 pegou seus óculos no bolso do robe e os
colocou. Ela guiava, mas Han continuou segurando seu
braço e servindo de apoio para a peregrina.
– Então, você tem saudades de Corellia de vez em
quando? – perguntou o piloto.
– Não – respondeu ela, mas Han percebeu que era
mentira. – E você?
– Não sinto falta das pessoas, mas tenho saudades do
planeta – contou Han com sinceridade. – Corellia é um belo
lugar. Sempre quis visitar o oceano, mas nunca tive uma
chance. Você já foi ao oceano?
– Sim... – disse ela lentamente, como se a pergunta
trouxesse de volta memórias que ela preferia não recordar.
– Você tem família por lá?
– Tenho... – 921 hesitou, depois acrescentou: – Pelo
menos acho que sim. Não falo com eles há quase um ano.
– Desde que chegou aqui? – perguntou Han.
– Isso.
Eles seguiram em silêncio pela escuridão quente e
úmida. Han estava muito consciente de que segurava o
braço dela sob a larga manga do robe. Os ossos da
peregrina ficavam muito próximos da pele, mas a carne em
si era quente, macia e muito feminina.
– Então, você tá planejando ficar aqui de vez? – inquiriu
Han enquanto um pequeno grupo de peregrinos
cambaleantes passava por eles nas trevas. – Ou isso aqui é
tipo temporário?
– Temporário? – O piloto mal podia ver o borrão indistinto
do rosto dela, que a linha escura dos óculos dividia ao meio,
quando ela se virou para ele. – Como poderia ser
temporário? Eu quero servir ao Um, ser parte do Todo, para
sempre.
– Ah. Bem, hum... e quanto às coisas tipo... se apaixonar,
viajar, talvez se estabelecer em algum lugar e ter filhos?
– Desistimos de todas essas coisas quando nos tornamos
parte do Todo – explicou ela, mas havia um tom de
arrependimento em sua voz.
– Que pena.
Sem aviso, começou uma chuva constante. Han sentiu
921 tremer um pouco, apesar do calor. O piloto puxou um
poncho de chuva do bolso e abriu sobre a cabeça de ambos.
Os dois continuaram andando, encolhidos debaixo da
cobertura, os corpos em contato. Han estava ciente de que
Muuurgh os seguia a uma distância discreta. Pobre
camarada. Ele odeia se molhar.
Han começou a falar mais alto para que fosse escutado
apesar do barulho da chuva.
– Sabe, eu não posso ficar chamando você de 921. Se a
gente vai ser amigo, você tem que me dizer seu nome.
– E quem disse que a gente vai ser amigo? – indagou ela.
– Eu simplesmente sei que vamos – insistiu Han. Ele
sorriu, sabendo que ela conseguia vê-lo no escuro. – Eu sou
irresistível quando quero.
– Você é um metido, isso sim – retrucou ela, soando meio
irritada, meio divertida. – Metido, presunçoso, arrogante...
insuportável... – A peregrina parou de falar para rir. Han
percebeu que era a primeira vez que ouvia a risada dela.
– Ah, por favor, continue! – protestou de brincadeira o
piloto, rindo também. – Eu adoro quando as mulheres me
elogiam, é música para meus ouvidos. – Han ficou deleitado
de ouvir 921 soando tão viva .
– Estou cansada – declarou ela, o bom humor
momentâneo sumindo como a névoa da manhã. – E aqui
estamos nós diante do alojamento. Obrigada por me
acompanhar de volta... piloto Draygo.
Havia um fraco círculo de luz emanando das janelas do
dormitório, e Han parou bem na beira, de modo que
conseguia ver 921, mas que eles não estivessem sob o foco
da luz e não pudessem ser vistos por alguém.
– Nada de “piloto” – lembrou ele. – É Vykk.
A peregrina tentou dar um passo para trás e se afastar
dele, mas Han segurou-lhe o braço com mais força,
tomando cuidado de não machucá-la, mas não deixando
que ela se desvencilhasse.
– Vykk, está bem?
– Vykk... certo – repetiu ela. – Agora, por favor... me deixe
ir. E... não volte. Por favor.
– Por que não? – Han estava magoado.
– Porque... você não é bom para mim. Para a minha
essência espiritual.
Ele sorriu nas trevas calorosas.
– Admita, você gosta de mim.
– Não gosto, não.
– Gosta, sim. Admita. – Ele deu um passo adiante,
olhando para baixo, para o rosto dela. 921 era alta, só meia
cabeça mais baixa que ele. Gentilmente, Han ergueu as
mãos para levantar os óculos que escondiam os olhos dela.
Os dedos se demoraram no rosto da mulher durante o
gesto. – Pronto – disse ele baixinho. – Assim fica melhor. É
errado... totalmente errado... cobrir esse rosto, esses
olhos...
– Você está... está blasfemando – acusou ela, sem fôlego,
mas não se afastou.
– Não, não estou. Me diz o seu nome.
921 balançou a cabeça miseravelmente, com olhos
assombrados.
– Vykk... eu não posso...
– Tudo bem. – Eu posso esperar, pensou Han. – Mas a
gente vai se ver de novo, né?
A peregrina hesitou por tanto tempo que Han notou que
ele mesmo prendia a respiração. Então ela abaixou a
cabeça, murmurou “sim” e se afastou. Desta vez, Han a
deixou ir.
921 saiu correndo, dormitório adentro, sem olhar para
trás.
Han se inclinou para frente no assento do piloto,
espiando os números que corriam pela tela do
navicomputador.
– Prontos para voltar ao espaço real, nas coordenadas de
encontro – anunciou em voz alta. – Três... dois... um...
Puxou a alavanca, e as estrelas ao redor da Sonho
Ylesiano subitamente se alongaram em finos rastros de luz,
todos se estendendo a um ponto central – um ponto para
onde a nave se lançava. Os motores rugiram, depois
reduziram a marcha, e enfim – de uma forma abrupta que
levava algum tempo para se acostumar – eles estavam de
volta ao espaço real.
– Bem na rota, Muuurgh – exclamou Han, triunfante. – Tô
ficando bom demais nesse negócio de voos interestelares,
não tô?
– “Estou” – corrigiu o Togoriano. – Eu estive lendo livro
que Piloto deu para Muur... – ele se deteve. – Hum, mim , e
“tô” não é forma correta de falar língua básica.
– Me lembre de ensinar você a usar artigos, algum dia –
murmurou Han. – Eu não mereço nem parabéns por ter nos
trazido ao ponto de encontro bem na mosca?
– Bem melhor que primeira vez – comentou Muuurgh,
referindo-se à primeira jornada interestelar deles, três
semanas atrás. Han tinha cometido um pequeno erro ao
programar no navicomputador exatamente onde eles
sairiam do hiperespaço, e a Sonho tinha acabado a três
parsecs de distância do lugar em que deveriam ter
emergido.
Han tivera que fazer um salto hiperespacial extra para
alcançar a posição correta.
– Ei – protestou Han –, aquela foi a minha primeira vez! E
não é culpa minha que essa tela seja tão velha que o oito
parecia um seis.
– Piloto tem ido melhor desde então – reconheceu
Muuurgh. – Segunda e terceira viagens foram bem.
– Pode apostar que foram – murmurou Han. – Eu sou bom
, Muuurgh... bom mesmo. Aposto que agora consigo passar
nas provas de admissão da Academia Imperial. Mais alguns
meses de prática, e eu estarei pronto.
– Muuurgh vai sentir... – O Togoriano fez uma pausa. –
Correção. Eu vou sentir falta de Piloto quando ele se for.
– Vou sentir saudades suas também, chapa – respondeu
Han, com sinceridade. – Mas não se preocupe, a gente
pode...
A Sonho Ylesiano estremeceu violentamente quando um
alto whang! reverberou pelo casco.
– Mas que... – Han apertou alguns botões, ativando a tela
traseira. – Muuurgh, alguma coisa atingiu a gente!
– Asteroide? – sugeriu o Togoriano.
Whanggggg!
– Não! – gritou Han, encarando incrédulo a tela. – Duas
naves! Só podem ser piratas! Vá para a cabine de tiro!
Enquanto Han encarava a tela, a nave à direita disparou
outro tiro.
– Se segura!
Muuurgh, que tinha acabado de se desatar de seu
assento e estava se levantado para ir à cabine de tiro,
gritou quando mais um tiro retiniu contra o casco, jogando-o
de volta à cadeira com força o bastante para deixar
hematomas.
Praguejando, Han guinou a Sonho forte para bombordo.
Quem eram aqueles caras? Piratas geralmente davam tiros
de advertência e exigiam que a nave atacada se rendesse.
O objetivo era roubar a carga, sequestrar a nave e manter a
tripulação viva para que pudesse ser vendida como
escravos. Destruir ou incapacitar a nave e matar os
ocupantes não era economicamente vantajoso.
– Muuurgh! Vá lá para baixo! Eles vão nos fazer em
pedaços! Perdemos um escudo!
Enquanto o Togoriano se propelia da cadeira do copiloto
e saía cambaleante da sala de comando, mais dois disparos
pegaram a Sonho Ylesiano de raspão. Eles estão mirando
nos motores de hiperespaço! Querem nos imobilizar!
Han lançou a nave numa manobra desesperada, virando-
a de lado, bem a tempo de escapar de outra rajada que
quase acertou o ventre da nave e teria explodido o núcleo
energético Quadex dela.
O piloto acelerou, tentando se afastar o bastante dos
piratas para poder dar meia-volta e atirar neles. Tinha
pouca confiança na habilidade de Muuurgh de conseguir de
fato atingir alguma coisa ao manobrar a cabine de tiro. O
Togoriano era rápido e capaz, mas nunca tinha realmente
atirado contra um alvo vivo – muito menos em movimento.
Enquanto lançava a nave adiante, forçando a velocidade
ao máximo, Han abriu o canal de comunicações. Tinha que
avisar alguém sobre o que estava acontecendo, para o caso
da Sonho ser inutilizada e eles terem que escapar numa
cápsula salva-vidas.
– Colônia Um Ylesia, aqui é a Sonho Ylesiano . Colônia
Um, é a Sonho . Estamos sendo atacados, repito, sendo
atacados. Duas naves nos emboscaram assim que
emergimos do hiperespaço! – A voz do rapaz rachou com o
esforço. – Honestamente, não foi minha culpa! Eles estão
perseguindo a gente, e eu estou fazendo manobras
evasivas. Piloto Draygo câmbio e desligo!
Han deu uma olhada na tela com as leituras dos sensores
abaixo, viu que tinham se afastado dos perseguidores –
ainda não tinha dado uma boa olhada nas naves piratas – e
então jogou a Sonho num parafuso para baixo, sob as naves
que se aproximavam. Quando elas passaram a toda acima
dele, Han virou a Sonho numa curva fechada.
– Muuurgh! Agora! – gritou no intercom.
Um rugido togoriano e uma erupção de lasers
recompensaram o comando – só que Muuurgh errou
completamente o alvo. Um dos piratas deu a volta e
começou a atirar de novo...
Bam!
A Sonho Ylesiano tremeu violentamente ao receber um
sério impacto. O estômago de Han deu um nó quando o
piloto ouviu um uivo de pura agonia subir da cabine de tiro.
– Muuurgh? Muuurgh? Você foi atingido? – gritou ele, mas
não houve resposta.
Uma rápida verificação de status revelou que eles tinham
sofrido uma minúscula queda de pressão, mas que o
vazamento tinha sido automaticamente selado pelos
sistemas da nave.
– Tudo bem, seus palhaços... – murmurou Han, fazendo
pontaria com seus mísseis de concussão, centralizando o
pirata da direita na mira – ... tomem isto!
A Sonho deu um tranco violento quando o míssil voou.
Han fez uma careta quando o pirata conseguiu se esquivar
no último segundo. Ele tentou de novo... se pelo menos
pudesse fazê-lo se mover um pouco mais para bombordo...
– Isso! – murmurou Han selvagemente ao lançar outro
míssil bem no caminho do pirata, antecipando a manobra
evasiva dele. – Te peguei!
Um segundo depois, uma luz amarela e branca se
espalhou em todas as direções, expandindo numa bola de
fogo de beleza incandescente. Han teve que desviar o olhar
e, quando encarou a tela novamente, o outro pirata estava
em fuga na direção oposta com aceleração máxima.
– Ah, não, sem chance – grunhiu Han. – Vou te pegar
também... – Com um apertão feroz do dedo, ele rastreou o
alvo e disparou de novo.
O míssil de concussão seguiu o alvo, mas então a nave
pirata desapareceu num estouro de luz estriada. Eles
tinham escapado para o hiperespaço em segurança. Han
praguejou enquanto botava a Sonho em piloto automático e
corria para a cabine de tiro. Será que Muuurgh estava bem?
Segundos depois, Han se encontrava nas ruínas do
suporte do canhão, examinando o selante de pressão que os
sistemas da Sonho tinham espirrado automaticamente para
fechar o vazamento de ar. Havia um forte cheiro de ozônio e
marcas de chamuscado onde os raios tinham atingido.
Muuurgh ainda estava atado ao assento móvel, mas o
Togoriano estava desmoronado, inconsciente, e nem se
mexeu quando Han soltou o cinto e conseguiu meio que
arrastá-lo, meio que carregá-lo pela escadinha até a sala de
controle.
Muuurgh ainda respirava, mas tinha uma marca de
queimadura num lado da cabeça, logo abaixo da orelha
direita. Han examinou mais atentamente, passando os
dedos pelo pelame negro, e descobriu um galo cada vez
mais inchado logo atrás da orelha. O Togoriano obviamente
tinha levado uma pancada feia na cabeça. Han não sabia o
que fazer – conhecia primeiros socorros para humanos, e
algumas espécies de alienígenas, mas o povo de Muuurgh
era raro na galáxia.
Preciso levá-lo a uma instalação médica, pensou ele,
cobrindo o alienígena inconsciente com um cobertor. Em
seguida, conferiu o navicomputador. Onde fica o sistema
mais próximo?
Han esquadrinhou as cartas estelares, cravando o dedo
num ponto específico.
– Certo – sussurrou. – Lá vamos nós. – Deu uma olhada
no Togoriano. – Aguenta firme, Muuurgh!
Han programou o curto salto pelo hiperespaço e, antes
de dar o comando, foi verificar os motores. O cheiro
desagradável de conectores queimados lhe provocou uma
careta. Será que eu deveria usar a unidade de hiperdrive de
reserva?
Só que a reserva era muito mais lenta, e ele não tinha
como avaliar a seriedade da condição de Muuurgh. Han
decidiu correr o risco de usar o motor hiperdrive principal.
Prendeu a respiração ao iniciar o salto para o hiperespaço.
Han começou a suar com a forma como a nave hesitou e
com o barulho de esforço que o motor fez.
A Sonho estremeceu, gemeu, mas as estrelas
subitamente correram contra ela em listras, e eles saltaram.
Han saiu do hiperespaço um curto período depois,
agradecendo às suas estrelas da sorte que a Sonho Ylesiano
tivesse aguentado o pulo. Os motores de velocidade da luz
da nave certamente precisavam de reparos...
O corelliano seguiu para o sistema estelar que tinha
escolhido, na direção do único mundo habitado. Enquanto
ainda estavam bem distantes, colocou a Sonho em piloto
automático e foi no compartimento de carga verificar a
caixa de brilhestim. O mundo que ele tinha escolhido era
conhecido por ter inspeções de alfândega e especiarias,
então o rapaz abriu o compartimento secreto que os
sacerdotes tinham incluído no convés de carga e tirou as
caixas de perfume âmbar gris doreeniano que transportava
como carga de “cobertura”. Grunhindo com esforço, Han
carregou os pesados caixotes de perfume até o porão.
Depois levou a caixa muito menor de frascos de brilhestim
ao compartimento oculto, assegurando-se de que o tinha
fechado bem. A não ser que alguém soubesse que aquilo
estava ali, jamais encontraria, e o espaço tinha sido criado
para ser à prova de varreduras.
Quando Han chegou de volta ao assento de piloto, o
mundo escolhido já crescia nas telas. Com a aproximação,
viu que era um lindo planeta, azul, branco e bege contra a
treva noturna do espaço.
O piloto lembrou de repente que tinha desligado o
sistema de comunicações depois de mandar a mensagem a
Ylesia. Melhor ligar de novo, pensou, entrar em contato com
o controle do espaçoporto e receber autorização para
pousar. Olhou de volta para Muuurgh, que não tinha se
mexido ou feito um ruído. E solicitar transporte ao hospital
mais próximo...
Assim que seus dedos clicaram na unidade de
comunicação, a tela de vídeo foi preenchida com a imagem
de um homem de aparência gentil, com uma garotinha de
cabelos negros sentada no seu colo. Han levou um susto,
depois percebeu que a mensagem era pré-gravada e
transmitida a todas as naves num vetor de aproximação.
Uma narração identificou o homem:
– Sua majestade, Bail Prestor Organa, vice-rei e primeiro-
secretário.
O homem sorriu para a tela.
– Saudações. Em meu nome e do meu povo, lhe dou as
boas-vindas a Alderaan.
Han ouviu sem prestar muita atenção enquanto o
homem – rei Fulano de Tal, ele disse? – continuou com a
vídeo-mensagem.
– Como muitos de nossos visitantes já sabem, Alderaan é
um mundo pacífico, onde nos abstemos das armas e de seu
uso. Enquanto você for nosso hóspede, pedimos que
respeite nossas tradições e leis e deixe suas armas com a
Capitania dos Portos durante sua estadia. Você perceberá
que Alderaan tem muito a oferecer aos visitantes. Não
temos praticamente nenhum crime...
Certo, pensou Han. Aposto que...
– ... e nenhuma poluição. Nossos lagos são límpidos,
nosso ar é puro e nosso povo é feliz. Temos museus
maravilhosos, e o convidamos a visitá-los. Não perca nossas
gravuras de grama quando as sobrevoar na sua
aproximação de pouso. Nossos pintores de relva estão entre
os maiores artistas da galáxia. Damos as boas-vindas a
todos os visitantes de nosso bel mundo e pedimos apenas
que venham em paz e que obedeçam nossos...
Han murmurou uma ofensa, inclinou-se para a frente e
desativou o som da transmissão. Fez um gesto rude para a
tela. Um planeta inteiro de cidadãos honestos? Só vou
acreditar quando vir...
Minutos depois, a mensagem enlatada de Bail Organa foi
substituída por um controlador de tráfego da Capitania dos
Portos. Han reativou o áudio.
– Capitão Draygo, pilotando a Sonho Ylesiano – anunciou,
eficiente. – Peço permissão para pousar. Fui atacado por
piratas, minha nave está danificada, e eu estou com um
artilheiro ferido. Vocês poderiam providenciar um veículo de
remoção médica para se encontrar com minha nave assim
que eu pousar?
– Certamente, capitão Draygo. Designei a você um vetor
de aproximação prioritário. Vamos encaixá-lo na Baia de
Atracação 422. É só seguir o sinalizador de aterrissagem até
seu ponto. Teremos um transporte e um droide médico no
aguardo.
– Obrigado.
O vetor de aproximação de Han realmente o levou por
sobre as pinturas de grama e, mesmo ocupado como ele
estava, não conseguiu deixar de se impressionar. A imensa
planície de relva ondulante, soprada pelo vento, exibia um
design abstrato de quilômetros de extensão, composto com
flores silvestres multicoloridas. Truque bacana, pensou.
Como será que eles fazem? E por que se dão ao trabalho?
Não é como se você pudesse vender arte desse tipo e
ganhar dinheiro com isso...
A capital de Alderaan, Aldera, ficava numa ilha no meio
de um lago. O local do lago na verdade era uma cratera de
meteoro que tinha se enchido com a água dos lençóis
freáticos. Os restos da cratera imensa e relativamente
“recente” (em termos geológicos, pelo menos) cercavam o
lago numa série de contrafortes baixos e pontiagudos cujas
encostas estavam salpicadas com prados verdes e florestas.
A água azul-gelo que preenchia a cratera milenar faiscava
sob os raios do sol matinal.
O espaçoporto ficava do lado oposto da ilha, e Han
mergulhou sobre a cidade no seu vetor de aproximação
designado. Em poucos minutos, ele baixou a Sonho Ylesiano
num pouso perfeito. Agora tinha tanta experiência
aterrissando apesar das imensas tempestades e correntes
de ar maldosas que pousar uma nave num planeta normal
parecia brincadeira de criança.
A unidade médica estava esperando, conforme
prometido. Han rapidamente pegou a pistola de Muuurgh e
a guardou, depois trouxe a bordo o droide médico com a
maca antigrav e ajudou a colocar Muuurgh nela.
– Você acha que ele vai ficar bem? – perguntou ao droide
atendente.
– Minha varredura preliminar indica que não há trauma
com risco de vida como resultado do ferimento craniano –
respondeu o droide. – Entretanto, teremos que executar
testes adicionais. Eu anteciparia que seu tripulante vai
precisar passar a noite em nossa instalação.
– Certo – disse Han. Tenho que dar algum jeito para
pagar pelo tratamento de Muuurgh , pensou ele enquanto
observava a maca que levava o Togoriano desaparecer
dentro do transporte, que imediatamente decolou e seguiu
para o sul.
Han viu uma técnica passando e a chamou com um
aceno.
– Escuta, eu sofri alguns danos – contou ele. – Tem como
uma equipe de reparos aparecer aqui imediatamente?
– Deixe-me ver o tamanho do estrago – respondeu ela.
Han a guiou até o suporte do canhão, depois até a sala de
máquinas para conferir o hiperdrive. – Os dois serviços vão
levar pelo menos seis horas para ficarem prontos – informou
ela. – Mas já podemos começar a trabalhar hoje mesmo.
– Ótimo – disse Han. Ele fizera pequenos reparos em
swoops e speeders quando era piloto de corrida, mas nunca
tinha lidado com algo tão grande assim e queria se
assegurar de que o serviço ficaria perfeito.
Quando a equipe de reparo embarcou na Sonho , Han se
perguntou o que deveria fazer em seguida. Ligar para
Ylesia, decidiu. Os sacerdotes teriam que providenciar o
pagamento dos reparos e do tratamento de Muuurgh.
Han seguiu para a cabine de comando, querendo fazer a
chamada imediatamente. A mão estava no botão quando o
rapaz subitamente ficou paralisado.
Espeeeeeera um minuto... pensou ele. O que eu estou
fazendo? Estou sentado aqui com uma remessa de
brilhestim, a especiaria mais valiosa de todas, e vou
simplesmente levá-la de volta a Ylesia para que eles
possam vendê-la de novo?
Han conferiu a gravação automática dos registros,
prestando atenção no que tinha dito durante a transmissão.
Sorriu para si mesmo. Isso é moleza. Só tenho que dizer aos
sacerdotes que fui abordado e os piratas levaram o
brilhestim. Muuurgh estava apagado, e não sabe o que
aconteceu. Posso vender essa especiaria aqui em Alderaan,
esconder o dinheiro numa conta local, depois transferir mais
tarde. Eles nunca vão saber...
Porém, se ele quisesse manter o emprego de piloto para
os sacerdotes Ylesianos, teria que fazer negócio rápido .
Tinha informado que estava nas coordenadas de encontro
na mensagem, e os sacerdotes não eram burros. Poderiam
conferir quanto tempo levava para uma nave ir de onde ele
tinha sido atacado até Alderaan. Han poderia explicar
algumas horas adicionais apontando o dano que a Sonho
tinha sofrido e alegando a lerdeza da viagem, a necessidade
de pegar leve com a nave...
Certo, pensou Han. Posso enrolar mais ou menos cinco
horas por aqui... não mais. A essa altura, eu terei que ligar e
contar para eles que estou vivo, que a nave está danificada,
e que eles terão que providenciar pagamento. Mais tempo
que isso, e eles vão ficar desconfiados...
Han tirou a surrada jaqueta marrom de couro de lagarto
do armário e endireitou o velho macacão de piloto do
melhor jeito que pode. Depois penteou o cabelo. Não quero
parecer relaxado, pensou ele ironicamente, recordando
Dewlanna e como a Wookiee sempre insistira que ele ficava
bonito com o cabelo espetado para cima, como o povo dela
fazia.
Vestiu a jaqueta sobre o uniforme cinzento e contemplou
com tristeza a pistola de raios de Muuurgh, desejando poder
levá-la. Planeta idiota. Quem já ouviu falar num mundo
onde armas não são permitidas? Suspirou, balançou a
cabeça e deixou a Sonho Ylesiano para as equipes de
reparo.
Caminhou rapidamente até a entrada do espaçoporto,
depois tomou um dos transportes gratuitos que levavam à
capital de Aldera. A metrópole reluzia branca sob a luz do
sol, tão limpa e luxuriante quanto uma cidade de sonho.
Han encarava tudo pela janela do transporte, prestando
atenção nas torres, domos e prédios em camadas, todos
ultramodernos, formas brancas entremeadas com terraços
verdes. A ilha era montanhosa, e os arquitetos da cidade
tinham seguido as linhas naturais do terreno em vez de
terraplenar tudo. O resultado era agradável e variável aos
olhos... belo e moderno, sem parecer agressivo ou artificial.
O programa enlatado do transporte automatizado
indicava pontos de interesse conforme passavam por eles.
Han viu museus, galerias fechadas gigantescas, edifícios de
escritórios e governamentais e, finalmente, ao se aproximar
do coração da cidade, viu os altos pináculos e domos rasos
do palácio real cintilando brancos e dourados ao sol. Han
sorriu ironicamente, imaginando se aquela princesinha que
tinha visto na mensagem estaria em algum lugar por ali,
vivendo sua vidinha rica e perfeita. Com alguma sorte, eu
logo serei rico também...
Han ficou no transporte enquanto ele deslizava pela rota
e continuou avaliando a cidade. Tinham saído da área de
grandes prédios e agora seguiam em meio aos subúrbios
residenciais.
O piloto admitiu que parecia um bom lugar para se viver,
enquanto contemplava as muitas praças com chafarizes e
pátios, as casas opulentas, ruas limpas, e as pessoas bem
vestidas por quem eles passavam. Só que esta não é a área
que eu quero... Melhor eu sair explorando sozinho. Eles não
querem que os turistas vejam os lugares que eu preciso
visitar...
Depois de saltar do transporte, Han perambulou pela
parte central da cidade, conferindo a disposição do terreno.
Por instinto, seguiu para uma região em que as casas eram
menores e não tão bem mantidas. Por fim, numa vizinhança
que era definitivamente de baixa renda e contava com mais
de uma taverna e loja de penhores, o rapaz percebeu que
tinha chegado ao lugar certo.
Han esquadrinhou as ruas conforme andava, procurando
um tipo particular de indivíduo. Finalmente, encontrou o que
queria. Um garoto vestindo roupas quase pequenas demais,
esfarrapadas, e não muito limpas passeava pela rua,
espiando ah-tão-casualmente cada transeunte. Han
reconheceu o menino, mesmo que nunca o tivesse visto
antes.
Um batedor de carteiras. Dez anos antes, ele tinha sido
esse menino.
Han esticou o passo até alcançar o menino. Como
esperado, o garoto deslocou o peso e alterou a passada
para esbarrar em Han quando o corelliano passou por ele. E,
também como esperado, os dedos rápidos como
relâmpagos mergulharam fundo no bolso da jaqueta do
piloto. Mas emergiram vazios; a identidade e poucos
créditos que Han carregava estavam selados dentro do
bolso interno do macacão.
Han andou mais rápido até estar à frente do menino,
então, sem aviso, deu meia-volta e confrontou a criança.
– E aí? – disse ele, sorrindo agradavelmente e
estendendo o identidisco e o dinheiro do menino. – Perdeu
alguma coisa?
O garoto ficou boquiaberto de espanto, depois se
recuperou e fez cara feia para Han, com olhos negros
incandescentes.
Han se encostou casualmente numa vitrine de loja.
– Você é descuidado de perder essas coisas...
O menino inchou como um lagarto mrelfa envenenado,
depois se lançou numa descrição furiosa e detalhada dos
ancestrais, hábitos pessoais e provável destino de Han. O
piloto escutou pacientemente até que o pivete começou a
gaguejar e se repetir, aí ele acenou, pedindo silêncio.
– Eu vou te devolver – afirmou, alegremente –, em troca
de algumas informações.
O garoto o encarou zangado, tirando os cabelos longos
demais dos olhos.
– Que tipo de informações, seu filho de um tarado
pestilento?
Han jogou uma das moedas no ar e a pegou de novo com
facilidade, sem olhar.
– Meça suas palavras, moleque. Só quero saber aonde as
pessoas vão nesta cidade para fazer negócios.
– Que tipo de negócios?
– Você sabe que tipo de negócios. Negócios que elas não
querem que a lei fique sabendo. Negócios que envolvem
substâncias que você não pode comprar legalmente.
– Especiaria? – O menino franziu o cenho. – Qual tipo?
– Brilhestim.
O cenho do menino se franziu ainda mais.
– Que que é isso?
Bem a minha sorte, pensou Han. Eu encontrei o único
pivete burro de Aldera. Maravilha.
– Brilhestim – repetiu Han. – É tipo... bem, é valioso pra
caramba. Mais até que carsunum ou andris.
O menino balançou a cabeça de novo.
– Nunca ouvi falar neles também.
Não acredito nisso!
– E quanto a andris? Vocês têm andris aqui? Usam para
temperar a comida, preservar?
O menino fez que sim com a cabeça.
– É, andris. Temos isso sim. Troço caro.
– Certo, quando vocês compram andris, com quem vocês
compram?
– Eu não compro andris, seu nojento – retrucou o menino.
– Agora me devolve meu dinheiro e documento.
– Só um segundo, tenha paciência – insistiu Han,
levantando os itens para fora do alcance do menino. – Tá,
tudo bem, você não compra andris você mesmo. Mas e se
os seus amigos quiserem um pouco, onde eles
conseguiriam? Numa loja? Numa agência do governo?
A expressão do menino foi eloquente enquanto ele
balançava a cabeça.
– Não, cara. A gente compra do Darak Lyll.
Finalmente! Um nome!
– Era isso que eu queria. Darak Lyll. Como é que ele é?
– Mais alto que você. Cabelo comprido, barbudo.
Barrigudo.
– Velho ou jovem?
– Velho. Cabelo grisalho.
– E por onde ele circula?
– Eu lá tenho cara de mãe dele? – zombou o pivete.
Han respirou fundo.
– É só você me dizer os nomes de quaisquer lugares que
ele frequente num dia normal. Não minta, ou eu juro que
vou gritar que você tentou me roubar.
O garoto indicou seis tavernas, explicando que todas
ficavam a 5 minutos dali. Han se endireitou e devolveu as
posses do menino.
– Da próxima vez, guarde suas coisas dentro das suas
roupas, moleque – aconselhou. – Junto ao seu corpo. – Han
deu tapinhas no próprio dinheiro e abriu um sorriso
arrogante.
O garoto vociferou para Han e se afastou xingando.
Tavernas alderaanianas eram limpas e bem iluminadas
demais, Han concluiu uma hora mais tarde. Já tinha visitado
três das seis até aquele momento, e nenhuma delas tinha
parecido suficientemente mal frequentada para seus
propósitos. Nenhum sinal de Darak Lyll também.
Num dos lugares ele viu de relance um sujeito, no fundo,
deslizar alguma coisa para outro homem, escondida debaixo
do braço, e em seguida um disco de créditos foi passado de
volta para ele de uma forma igualmente clandestina. Han
esperou até que o primeiro homem se levantasse para usar
a unidade de limpeza, depois foi atrás dele. Quando o
sujeito saiu, Han esperava por ele no corredor escuro.
– Queria bater um papo contigo, meu chapa.
O “comerciante”, um cara pequeno e de rosto fino que
lembrava Han de um ranat, espiou desconfiado o corelliano,
depois claramente concluiu que Han não representava risco.
– É mesmo? Sobre o quê?
– Você trabalha com especiarias?
O homem hesitou por um longo momento.
– Quanto você quer?
– Não, chapa, eu tô vendendo, não comprando.
Interessado?
– Que que você tem?
– Brilhestim. Cem frascos.
– Brilhestim! – A voz do homem se elevou, mas ele a
baixou apressadamente e chegou mais perto. – Onde que
você arranjou isso , filho?
– Não sou seu filho, e não é problema seu onde eu
arranjei. Tá interessado?
– Em qualquer outro mundo que não este, pode crer que
eu estaria interessado, mas... – O sujeito balançou a cabeça.
– Não. Nenhum canal para desovar o material. Teria que
contrabandear para fora do planeta, e isso é arriscado
demais. Eles me mandariam para as minas de Kessel para
escavar essa coisa infernal. Brilhestim pode ser perigoso,
sabe. Te deixa cego se você tomar demais. Deixa os Biths
loucos, sabe.
– Sei disso tudo – retrucou Han, impaciente. – Obrigado
por nada, chapa.
Fazendo cara feia, Han saiu da taverna.
Finalmente esbarrou com Darak Lyll na quinta taverna
que visitou. Reconheceu o traficante pela descrição do
pivete. Lyll jogava sabacc e, quando viu Han parado ali,
observando o jogo, cordialmente chamou o jovem corelliano
com um aceno.
– Topa jogar uma mão?
Han já tinha jogado sabacc antes, mas não era esse o
motivo da sua vinda. Encarou Darak Lyll diretamente e
ergueu as sobrancelhas.
– Tudo depende do que você aceitar como aposta, Lyll.
A expressão do homem não mudou em nada enquanto
ele deu uma olhada casual para Han.
– Tem alguma coisa boa, piloto?
– Talvez.
– Bem, a aposta inicial é de vinte créditos.
Han balançou a cabeça.
– Mudei de ideia. Vou lá fora pegar um ar fresco.
O rapaz esperou do lado de fora, encostado na parede do
beco, por uns 5 minutos. Quando ouviu alguém se
aproximando, Han falou sem olhar:
– Demorou bastante. Estava ganhando?
– Mão do idiota – explicou Lyll, usando o jargão de
jogador de sabacc para uma poderosa sequência
vencedora. – Então, o que você tem?
Han se virou para o homem.
– Brilhestim. Cem frascos.
– Uau! – Darak Lyll assoviou, impressionado. – Onde você
arranjou isso ?
– Não é assunto seu – retrucou Han. – Vai querer? Faço
um bom preço...
– Bem que eu queria, meu jovem amigo, bem que eu
queria – respondeu Lyll, soando pesaroso. – Mas eu seria um
idiota de aceitar. Não tem mercado nenhum aqui em
Alderaan.
Han praguejou em voz baixa e lhe deu as costas. O que
eu vou fazer? , perguntou-se. O tempo dele estava
definitivamente acabando. Talvez ele devesse embarcar
num transporte intercontinental e tentar outra cidade.
Talvez só Aldera fosse assim tão absolutamente limpa neste
mundo.
Han suspirou. Não tenho tempo. Ou vendo o bagulho em
uma hora, ou eu ...
Alguém pôs a mão em seu ombro. Han precisou de cada
gota de autocontrole que tinha para não gritar e sair
correndo, de tão tenso que estava. Em vez disso, apenas se
virou e olhou feio para o homem de meia-idade e pele
escura que caminhava ao seu lado.
– Acho que você me confundiu com outra pessoa –
afirmou o rapaz com voz calma.
– Acho que não, Vykk – respondeu o homem. – Piloto
Vykk Draygo, vindo de Ylesia, não é?
– E se eu for? – retrucou Han. – Eu não te conheço.
– Marsden Latham – apresentou-se o sujeito, sacando um
distintivo de holoidentidade debaixo do nariz de Han. –
Força de segurança interna alderaaniana.
Ah, não...
– Estamos de olho em você, piloto Draygo, desde que
você chegou todo estragado esta manhã. Ficamos felizes
em poder ajudar com os reparos e com o tratamento do seu
colega. Você viu aquela mensagem quando entrou no
alcance da frequência de Alderaan?
– Vi.
– Bem, é para ser levada a sério. Não gostamos de
encrencas aqui. – O homem sorriu de repente, mostrando
dentes muito brancos e retos. – Você não gostaria de
provocar encrencas, gostaria, piloto?
Han fez um esforço para manter o rosto impassível. Eles
sabem que eu andei tentando vender o bagulho ... devem
estar me vigiando a manhã inteira ... Silenciosamente,
amaldiçoou o policial. Em voz alta, respondeu:
– Claro que não, senhor. Sou um cara do tipo paz e amor.
– Disse isso ao meu chefe e fico feliz que a minha
impressão tenha se confirmado. Bom falar com você, piloto
Draygo. Tenha uma boa estadia em Alderaan.
Os passos do homem se alongaram e aceleraram, então,
e ele se afastou de Han, rua acima.
O corelliano se forçou a continuar andando devagar, a
não olhar para trás. Sem dúvida alguma eles estariam lá,
seguindo-o. A brincadeira acabara, e Han tinha perdido. Fez
uma cara feia e balançou a cabeça, meio aborrecido, meio
impressionado. Aqueles agentes de segurança eram muito
bons. Han não fizera ideia de que estava sendo vigiado.
Era óbvio que a “conversa” do homem tinha sido uma
advertência não tão velada para que ele parasse de tentar
vender a carga. Teria que levá-la de volta a Ylesia. Não
havia nenhum outro planeta próximo que ele pudesse
alcançar para fazer negócio.
Conferiu a hora e percebeu que teria tempo apenas para
visitar Muuurgh antes de ligar para Ylesia. Han apertou o
passo e seguiu para a estação de transporte público mais
próxima.
O hospital universitário aonde o Togoriano tinha sido
levado ficava no campus da Universidade de Alderaan. Han
saltou do transporte e deu uma olhada em volta por um
momento. Bacana... pensou ele, bacana mesmo... Por um
momento, perguntou-se se a Academia seria parecida com
aquilo. Provavelmente não , concluiu. É uma instalação
militar. Vai ser mais parecida com uma base, aposto ... mas
isto aqui ... é classudo de verdade ...
Gramados verdes e azuis se estendiam pelo quadrângulo
central. Canteiros de flores criavam manchas brilhantes de
cor e cercavam o imenso chafariz central. No meio do
chafariz havia uma enorme escultura em gelo vivo de um
jovem casal alderaaniano de mãos dadas e estendidas aos
céus. Ei, isso deve valer um barril de créditos , pensou Han,
espiando a escultura e concluindo que deveria ser uma obra
de arte sem preço.
Definitivamente um casebre de classe , decidiu Han
enquanto passava ao lado da escultura e seguia em direção
à impressionante escadaria de pedra branca que levava ao
hospital.
O infodroide na recepção forneceu o número do quarto
do Togoriano. Han se apressou pelos corredores e, diante do
quarto, parou para falar com o droide médico.
– Seu amigo sofreu um impacto severo no crânio –
explicou o droide. – Provavelmente teria matado um
humanoide. Felizmente, Togorianos têm tecidos ósseos
muito densos, portanto ele está relativamente ileso. Está
recebendo tratamento de cura rápida desde que chegou
aqui e deve estar pronto para partir amanhã de manhã.
– Obrigado – disse Han, abrindo a porta e entrando.
Muuurgh estava enrodilhado num grande catre redondo.
Estava coberto por pequenos sensores que monitoravam
sua condição. Quando Han entrou, o Togoriano abriu os
olhos azuis. Muuurgh se ergueu parcialmente.
– Piloto!
– Ei, como vai você, meu chapa? – Han ficou surpreso ao
sentir uma imensa onda de alívio ao ver o Togoriano
consciente e lúcido outra vez. Não tinha percebido que
passara a gostar tanto do grande felinoide. – Tão te tratando
direito?
– Piloto... – Muuurgh dava impressão de estar
completamente espantado de encontrar Han ali.
– Você parece surpreso em me ver – comentou Han. Era
um tremendo eufemismo. Muuurgh não parecia surpreso,
ele estava totalmente pasmo.
– Muuurgh está... – O grande alienígena balançou a
cabeça peluda, meio tonto. – Quer dizer, eu estou sim. Não
pensei que veria você de novo nunca mais.
Han se endireitou.
– Por que não? Você achou que eu ia simplesmente largar
você aqui e sumir com a carga?
– Isso – confirmou Muuurgh com simplicidade.
– Bem, eu tô aqui, não tô? Se eu não tivesse arrastado
nós dois até o espaço de Alderaan por um triz, você estaria
morto agora. Sugiro que você se lembre disso, chapa. Você
me deve uma.
Muuurgh concordou com a cabeça, tonto.
– Sim, Piloto... Eu lhe devo uma.
Han fez uma careta e se sentou na beira do catre.
– E chega dessa formalidade de “piloto”. Sou Vykk de
agora em diante, está bem?
Muuurgh estendeu a pata e a pousou com gentileza no
braço de Han. Os enormes dedos com as garras agora
retraídas faziam o membro humano parecer minúsculo.
– Certo, Vykk...

Depois que Han deixou Muuurgh aos cuidados atenciosos


dos droides médicos, voltou à Sonho e ligou para Ylesia.
Teroenza não estava disponível, então ele pediu para falar
com Veratil. Quando o semblante chifrudo e inchado do
Ylesiano apareceu na tela, Han lhe deu um relato resumido
das aventuras recentes, prometendo partir de volta para
Ylesia no dia seguinte. Veratil, por sua vez, se comprometeu
a providenciar o pagamento pelos reparos da nave e o
tratamento de Muuurgh.
Depois de encerrar a chamada, Han percebeu que estava
com fome. Então, depois de conferir sua pequena reserva
de créditos, seguiu para uma combinação de taverna e
lanchonete no campus da Universidade de Alderaan. Ficava
num pátio reservado, e um chafariz das cores do arco-íris
lançava cascatas de gotas cristalinas no ar diante da
entrada.
Han abriu a porta e entrou.
A taverna estava cheia de jovens vestidos com roupas da
moda... conversando, rindo, bebendo e comendo. Han
hesitou, sentindo-se subitamente inibido, mas sua ousadia
natural veio ao resgate. Sou tão bom quanto qualquer um
deles, pensou ele, desafiador, seguindo o droide garçom até
uma mesinha. Apesar da fachada de coragem, o jovem
corelliano estava embaraçosamente ciente da forma como
seu macacão manchado de suor e jaqueta surrada
contrastavam com os trajes elegantes e contemporâneos
dos estudantes que papeavam e riam nas mesas.
Uma vez sentado, Han pediu uma cerveja alderaaniana.
Estudou o menu e notou que o lugar oferecia, como prato
do dia, “cubos de nerf e tubérculos em molho de vinho”. Era
meio caro, mas ele pediu mesmo assim, sabendo que nerf
era conhecido como uma iguaria. O ensopado veio com um
prato de pão ázimo, o que o fez pensar na Peregrina 921.
Queria que ela estivesse aqui, pensou ele. Seria legal ter
alguém com quem conversar... Mergulhou um pedaço de
pão no caldo, provou, mastigou e sorriu. Isto é bom demais!
Fazia muito, muito tempo que ele não comia algo bom de
verdade... os habitantes da Sorte de Mercador
frequentemente sobreviviam à base de rações espaciais
durante as viagens. As únicas vezes que Han comera bem
tinha sido quando desempenhava um papel num dos golpes
de Garris Shrike. Lembrava de um churrasco a que tinha ido
em Corellia. Costelas de traladon com molho especial...
Só que mesmo costelas de traladon grelhadas não se
igualavam a nerf, concluiu ele. Esfomeado, Han caiu
matando no prato. Quando estava na metade, uma menina
bonita com longos e cacheados cabelos castanhos e olhos
azuis brilhantes subiu no pequeno palco, carregando uma
bandoviola. Sentou-se num banco e começou a dedilhar.
Então, um momento mais tarde, sua voz soou, clara e
cristalina, no que era evidentemente uma balada tradicional
alderaaniana.
Era aquela história de sempre, sobre uma garota que
perdeu o namorado para o encanto das trilhas espaciais, e
como ela o esperava, mas ele nunca voltava para casa – só
que a voz da cantora era tão pura, tão sem afetações, que
ela conferia emoção verdadeira e dignidade à letra cheia de
clichês.
Depois que ela terminou, Han, acompanhado dos outros
presentes, bateu palmas com entusiasmo. A jovem cantou
outra canção, depois desceu do palco e veio direto na
direção de Han. Por um momento, ele achou – torceu! – que
ela estivesse vindo se sentar com ele, mas não teve essa
sorte. Ela se acomodou num assento na mesa ao lado.
Como a taverna era evidentemente um ponto de
encontro popular, as mesas ficavam todas bem próximas; a
moça estava a um braço de distância de Han. A outra
pessoa na mesa era um jovem de rosto redondo, um ano ou
dois mais velho que o piloto. Provavelmente o namorado
dela, pensou Han, espiando o rapaz disfarçadamente. Tinha
cabelos castanho-claros e olhos verde-castanho-claros
pálidos. Ao contrário da garota, que vestia um vestido
simples, que descia até os tornozelos, e sandálias, o
acompanhante era um tributo à moda moderna.
Sua túnica roxa era atada com um largo cinturão laranja
que contrastava com as botas vermelhas até os joelhos. As
calças amarelas aderiam às pernas como uma segunda
pele. Han, em seu velho macacão cinzento, parecia um
pardal perto de uma ave do paraíso.
Quando a cantora jogou o cabelo para trás e sorriu
triunfante, Han conseguiu chamar sua atenção. Fez um
gesto de bater palmas em silêncio, e ela sorriu e se curvou
em agradecimento.
– Você foi ótima! – disse ele.
– Obrigada! – respondeu ela. – Foi a primeira vez que eu
tive coragem de cantar diante de uma plateia! – A garota
estava corada, sem fôlego e era muito charmosa. Han sorriu
de volta para ela. Não me incomodaria em passar algumas
horas (e o resto da noite) com ela...
Em voz alta, ele disse:
– Somos uma plateia muito sortuda, então.
Testemunhamos o nascimento de uma grande carreira.
– Obrigada! – Ela estendeu a mão. – Sou Aryn Dro, e este
é Bornan Thul.
Han tomou a mão dela e, em vez de apertar, curvou-se
sobre ela, como se Aryn fosse da nobreza corelliana. Seus
lábios não chegaram a tocar as costas da mão da cantora,
mas chegaram perto o bastante para que ela sentisse o
calor do hálito dele na pele.
– Estou honrado, Aryn – disse ele. – Vykk Draygo.
Depois que soltou a mão de Aryn e se virou para
cumprimentar o rapaz, Han percebeu que este estava
irritado e não fazia o menor esforço para esconder.
– Saudações... – disse Han, já que não sabia qual
honorífico seria apropriado em Alderaan, isso se eles
usassem algum.
– Saudações – respondeu Thul. – Aryn, você esteve
magnífica. Gostaria de ir a algum outro lugar para celebrar
seu triunfo?
Não aguenta a competição ... pensou Han, sufocando um
sorriso maroto. Ele também tinha visto os olhos azuis de
Aryn se iluminando quando Han se apresentou.
– Olha, não quero atrapalhar – afirmou Han, abrindo seu
sorriso mais charmoso para a cantora. – Só queria lhe dizer
o quanto eu gostei de te ver cantar. Não vou mais tomar seu
tempo.
Thul o encarou como se quisesse dizer “ótimo!” mas não
tivesse coragem.
Aryn balançou a cabeça e pousou a mão de forma
reconfortante no braço de Han.
– Ah, não! Claro que você não está atrapalhando... Vykk.
– Ela espiou o macacão. – Eu ia perguntar se você era aluno
aqui, mas você não é, é?
Han fez que não com a cabeça.
– Não, eu só estou por aqui esta noite. Cheguei esta
manhã para fazer reparos. Me meti numa luta com alguns
piratas e minha nave sofreu alguns danos.
Os grandes olhos azuis se arregalaram ainda mais.
– Nave? Piratas? Você é piloto estelar?
Han deu de ombros modestamente.
– Sou.
Bornan Thul estava ficando irritado, o corelliano notou.
Não gosta da ideia da sua garota conversando com um cara
trabalhador que nem eu, esse palhaço metido a besta...
bem, azar o seu, irmão Bornan...
– Minha nossa... – suspirou Aryn. – Isso é tão...
empolgante. Piratas de verdade? O que aconteceu?
Han deu de ombros outra vez.
– Saí do hiperespaço, e eles colaram em mim mais rápido
que fedor num skeeg. Dois deles. Detonei um, mas os dois
juntos conseguiram estragar meu hiperdrive. Então eu vim
para Alderaan consertar a nave.
– Você detonou um? – inquiriu Bornan agressivamente,
erguendo uma sobrancelha cética. – Com o quê?
– Com um míssil Arakyd, meu chapa – respondeu Han
calmamente. – Explodi o traseiro dele em mil pedacinhos.
Aryn teve um calafrio, em parte de excitação, em parte
de aflição.
– Isso parece... realmente assustador.
Han deu um gole na cerveja.
– Um mero dia de trabalho – comentou, deliberadamente
lacônico.
A essa altura, Bornan já tinha aturado demais. Com o
rosto vermelho, ele segurou o braço de Aryn.
– Querida, vamos indo? Vou levar você ao melhor
restaurante da cidade. Se você nos dá licença... Piloto
Draygo.
Aryn hesitou por um longo momento. Eu poderia
conquistá-la, pensou Han. Sei que poderia. E isso ia deixar
esse babaca de alta classe realmente fulo da vida, ver sua
garota sair daqui comigo...
Por um momento, Han se sentiu tentado, depois decidiu
relaxar e abrir mão da conquista. Sentia que Aryn era uma
garota muito legal , alguém que não merecia ser tratada
como uma peça de jogo para que ele pudesse ganhar
pontos em cima do namorado arrogante dela. Uma das
razões que ele a achava tão atraente, Han percebeu, era
que Aryn o lembrava um pouco de 921, com seus grandes
olhos azuis e sorriso doce.
Além disso, pensou ele, aqueles sujeitos de segurança
provavelmente ainda estão me seguindo. O velho Bornan
aqui poderia ser homem o bastante para comprar uma
briga, e se eles ainda estiverem por aí, a coisa pode ficar
feia...
Então Han se levantou de forma respeitosa e se curvou
formalmente para Aryn.
– Foi um grande prazer – disse. – Divirta-se na sua
celebração.
– Obrigada... – respondeu ela, abrindo um último e rápido
sorriso para o piloto antes de deixar que Bornan a
conduzisse para fora.
Han se sentou de volta com o jantar que esfriava,
refletindo que o incidente reforçava o quanto ele detestava
gente rica e metida. Tinha encontrado muitos deles em
Corellia, quando trabalhava nos golpes de Shrike, e o fato
de que a maioria deles não valia o custo de um tiro de arma
de raios para desfazê-los em átomos era a única coisa que
possibilitara sua participação nos golpes.
Quando Han chegou à Sonho Ylesiano e à minúscula
cama de campanha que tinha sido instalada na área de
carga para ele, já estava meio afetado pela cerveja
alderaaniana. Pensamentos sobre 921 continuavam
voltando à sua cabeça, e ele praguejou em voz alta na nave
silenciosa, desejando ser capaz de parar de pensar nela.
Han nunca tinha encontrado uma mulher em quem
pensasse tanto quando não estava com ela...
Saber que 921 tinha se aninhado tão profundamente na
sua mente deixava Han perturbado e incomodado. Ela é só
uma garota, Solo. Você nem sabe o maldito nome dela. Pare
de sonhar acordado assim. Tá ficando abestalhado?
Han se jogou na cama e grunhiu em voz alta,
relembrando os eventos do dia. Que planeta, pensou ele,
sonolento. Tão certinho que um cara não consegue nem
vender uma carga perfeitamente boa de especiaria...
A viagem de volta a Ylesia foi tranquila. Han pilotou a
Sonho através das nuvens na reentrada sem problema
nenhum, e praticamente não houve turbulência. Nem
mesmo Muuurgh, que ainda sofria de dor de cabeça, pôde
reclamar. Para Han, o processo de ver, analisar e evitar os
imensos sistemas de tempestades do planeta estava se
tornando algo instintivo.
Assim que a nave se assentou na plataforma de pouso, o
comunicador de Han ganhou vida, convocando-o para se
encontrar com Teroenza imediatamente. Han já esperava
por isso. Mandou Muuurgh para a enfermaria para que
cuidassem da sua dor de cabeça e caminhou sozinho até o
centro administrativo.
Desta vez, foi recebido por Ganar Tos e escoltado ao
santuário interior do sumo sacerdote, que já tinha visitado
antes. Teroenza descansava numa peça de mobília muito
exótica – um tipo de rede que permitia que o sumo
sacerdote se reclinasse para trás sobre os imensos quartos
traseiros, tirando o peso das patas posteriores. As grossas
pernas dianteiras ficavam apoiadas num descanso
acolchoado que girava para dentro e para fora, permitindo
que ele entrasse e saísse da engenhoca.
Assim que o sumo sacerdote viu Han, sua expressão (que
o rapaz estava começando a conseguir interpretar) se
tornou positivamente benevolente.
– Piloto Draygo! – ribombou. – Fiquei sabendo que você é
um herói! Sua bravura e coragem não têm preço, mas
ordenei que um bônus fosse depositado na sua conta.
Han piscou, depois sorriu.
– Obrigado, senhor.
– No último ano e meio, perdemos duas naves que
deixaram de voltar dos pontos de encontro – continuou
Teroenza. – Você é o primeiro piloto a dar uma olhada nos
atacantes e voltar para nos contar quem eram. O que você
viu?
Han deu de ombros.
– Bem, tudo aconteceu muito rápido, e eu estava meio
que ocupado, senhor. Mas eu tenho bastante certeza de que
a nave que eu destruí era de construção drelliana. Parecia
muito. Aquela proa afilada e popa atarracada são bem
distintas.
– Eles se comunicaram com você? Deram alguma chance
de se render antes de atacar?
– Não, eles chegaram atacando e atiraram sem parar.
Não estavam tentando destruir a Sonho , porque, se eles
quisessem isso, teriam conseguido. Só que eles não tinham
interesse pela nave, o que é estranho. A maioria dos piratas
tentaria enfraquecer a nave o suficiente para tomá-la, mas
sem causar estragos que não fossem fáceis de consertar,
para poderem usá-la ou vendê-la depois. Esses caras
queriam avariar a Sonho e matar Muuurgh e eu.
– Como eles atacaram?
– Por trás. Poderiam ter detonado a gente antes mesmo
que soubéssemos que eles estavam lá. Tiveram pelo menos
dois tiros livres, e os escudos da Sonho não são tão bons
assim. – Ao se lembrar da batalha, Han respirou fundo. –
Acho que temos que reforçar os escudos, senhor.
– Vou mandar que isso seja feito, piloto – concordou
Teroenza. O enorme T’landa Til cruzou os bracinhos e
franziu a testa imensa enquanto considerava o relatório de
Han. – Interessante que eles tenham atacado primeiro, sem
usar um raio trator para tentar provocar sua rendição.
– É... foi isso que eu pensei.
Han havia conhecido vários mercadores na Sorte que
tinham passado algum tempo em tripulações de piratas e
tinha ouvido esses sujeitos se gabando sobre suas
aventuras. Um ataque direto não fazia o estilo piratesco;
teria sido mais típico que um pirata interestelar disparasse
um tiro de advertência, e então, depois que o piloto tivesse
se rendido, abordasse a nave.
– Estranho, é como se eles tivessem planejado aleijar a
Sonho , provavelmente matando Muuurgh e eu no processo,
e então abordar, enquanto ela estivesse à deriva no espaço.
– Absolutamente nenhuma comunicação ou exigência de
rendição.
– Não – confirmou Han.
Teroenza alisou as dobras de pele frouxa da papada
pensativamente.
– Quase como se eles estivessem dispostos a correr o
risco de destruir a Sonho e sua carga em vez de se
comunicar com você...
– É, eu diria que sim.
– Quão perto você estava do ponto de encontro quando
foi atacado?
– A gente tinha saído do hiperespaço há menos de cinco
minutos. Sem dúvida, senhor, eles estavam esperando.
Sabiam que a gente estava chegando.
– Você fez alguma transmissão fazendo referência à sua
rota ou coordenadas, piloto Draygo?
– Não, senhor. Conforme instruído, mantive silêncio
estrito em todas as frequências.
Teroenza retumbou nas profundezas do peito, enquanto
pensava, e por fim assentiu com a enorme cabeça chifruda.
– Mais uma vez, parabéns pela sua bravura. Como vai
Muuurgh?
– Ele vai ficar bem. Mas levou uma bela pancada na
cabeça.
– Quero falar com ele quando estiver melhor. Muito bem,
piloto, dispensado.
Han não se moveu.
– Senhor... gostaria de pedir um favor.
– Sim?
– Minha pistola de raios foi confiscada quando eu cheguei
em Ylesia. Queria ela de volta. Se há chance de eu ser
abordado por piratas em algum momento do futuro, quero
poder atirar de volta.
Teroenza considerou por um momento, depois fez que
sim com a cabeça.
– Vou mandar que lhe devolvam sua arma, piloto. Você
certamente demonstrou sua lealdade e conquistou nossa
confiança com suas ações nestes últimos dias. – O enorme
ser acenou com a mãozinha. – Diga-me, piloto Draygo,
nunca lhe ocorreu tentar vender a carga e nos dizer que ela
foi roubada por piratas?
Han balançou a cabeça.
– Não, senhor, de forma alguma – respondeu ele, soando
sincero.
– Muito bem. Eu estou... impressionado. – A boca larga e
sem lábios de Teroenza se curvou para cima naquilo que
obviamente era para ser um sorriso de aprovação. – Muito
impressionado...
Han saiu do centro administrativo, grato por ser capaz de
mentir de forma convincente desde os 7 anos de idade.
Estava especialmente orgulhoso da habilidade de inventar
histórias no calor do momento.
Seus passos o levaram pela trilha da enfermaria. Hora de
conferir Muuurgh, ver como o Togoriano estava. Além
disso... era hora de conhecer Jalus Nebl, o piloto Sullustano
que tinha sido colocado em licença médica.
Han tinha algumas perguntas para o Sullustano...
Muuurgh estava deitado, enrodilhado num dos grandes
catres que a espécie dele usava como cama. Han foi até o
Togoriano e se sentou ao lado dele.
– Como vai a cabeça?
– Minha cabeça ainda dói – respondeu Muuurgh. – O
droide médico disse que eu tenho que ficar aqui esta noite.
Mas eu lhe disse que não, eu não poderia fazer isso, porque
Vykk poderia precisar de mim.
– Não, eu estou bem – garantiu Han ao grande felinoide.
– Vou visitar o Sullustano, jantar, treinar no simulador e
praticar um pouco de tiro ao alvo. Depois eu vou me deitar
cedo. Foi um longo dia.
– Vykk falou com Teroenza sobre os piratas?
– É, falei sim. Ele vai querer conversar com você quando
você conseguir. E... boas notícias. Teroenza me deu minha
pistola de volta.
– Ótimo – afirmou Muuurgh. – Vykk precisa se proteger de
piratas.
– Foi isso que eu comentei, meu chapa. – Han se
levantou. – Escuta, eu vou no quarto ao lado, bater um papo
com o outro piloto. Volto aqui para te ver de novo amanhã
de manhã, está bem?
Muuurgh se espreguiçou luxuriantemente, depois se
enrodilhou no catre, parecendo quase um enorme círculo
negro e peludo.
– Tudo bem, Vykk.
Han seguiu pelo corredor até encontrar o droide médico,
depois pediu para ser levado ao quarto do piloto Sullustano.
Uma vez lá, tocou a campainha e, um momento depois,
ouviu uma voz em sullustano dizer:
– Entre.
Han abriu a porta e se deparou com uma parede de
vento que cobria a entrada como uma cortina. O rapaz
passou do calor a uma atmosfera fria e refrescante. A porta
se fechou atrás dele com um sibilo. Ar enlatado, percebeu
Han. Eles colocaram o Sullustano num sistema de ar
recirculante, para que ele não respire ar ylesiano. Por que
será?
Jalus Nebl estava sentado diante de uma vid-unidade de
entretenimento, assistindo a um documentário de notícias
galácticas. Han foi até lá e ofereceu a mão ao ser olhudo
com bochechas caídas.
– Oi, sou Vykk Draygo, o novo piloto. Prazer em conhecê-
lo.
Falou em básico, torcendo para o alienígena entender. O
ser bochechudo assentiu para Han e respondeu na própria
linguagem, rápida e aguda.
– Você entende a língua do meu povo, ou vamos precisar
de um tradutor para conversar?
– Eu entender – respondeu Han em sullustano
extremamente precário –, mas fala só mau. Entender básica
você bom?
– Sim – confirmou o Sullustano. – Eu entendo língua
básica muito bem.
– Ótimo – concluiu Han, voltando ao próprio idioma. –
Você se importa se eu me sentar?
– Por favor, fique à vontade – respondeu o outro piloto. –
Eu já queria falar com você há algum tempo, mas estive
muito doente e, como você pode ver, confinado a estes
poucos aposentos onde o ar é filtrado especialmente para
mim.
Han se sentou num banco baixo e deu uma boa conferida
no alienígena. Não conseguiu ver nenhum ferimento ou
dano externo.
– Que chato, meu chapa. O que foi que aconteceu?
Trabalho demais?
A boca pequena e molhada do Sullustano se franziu,
infeliz.
– Missões demais, é. Tempestades demais, eu tive que
enfrentar. Quase-colisões demais, meu amigo. Um dia eu
acordei, e minhas mãos... – O Sullustano ergueu as
pequenas mãos delicadas com suas estreitas unhas-garras
ovais. – ... minhas mãos não paravam de tremer. Eu não
conseguia mais lidar com os controles da minha nave. – A
expressão já pesarosa do alienígena ficou ainda mais triste.
Han quase esperou ver lágrimas enchendo aqueles grandes
olhos já tão úmidos.
Han espiou as mãos do outro piloto e viu que, de fato,
tremiam descontroladamente. Sentiu uma mistura de
consternação e pena. Pobre sujeito! Isso deve ser horrível!
– Mas que azar, meu chapa – comentou o rapaz. – Foi só,
cê sabe, os seus nervos indo pro espaço, ou o quê?
– Muita pressão, sim – concordou o Sullustano. – Missões
demais, descanso de menos, repetidamente. Tempestades
demais. Só que também... muito transporte de brilhestim.
Droide médico diz que eu tenho reação ruim a isso. Deixa
Jalus Nebl muito doente mesmo.
Han se ajeitou desconfortável no banco.
– Você quer dizer que é alérgico a brilhestim?
– Isso. Descobri assim que comecei a transportar e tentei
ficar longe da substância, mas está no próprio ar deste
mundo. Mesmo trancado naqueles frascos, mínimos
resíduos escapam no ar. Quando Jalus Nebl respira isso
tudo, ao longo de dias, semanas, mais de um ano
planetário... causa maus efeitos. Tremores nos músculos.
Reflexos reduzidos. Estômago revirado, respiração difícil...
– Então é por isso que você está confinado à enfermaria,
com esses filtros de ar – percebeu Han. – Tentando tirar isso
aí do seu sistema.
– Correto. Eu quero voar de novo, amigo e colega piloto
Draygo. Você é um dos poucos que conseguem entender,
correto?
Han pensou em como se sentiria se não pudesse mais
voar – se ficasse tão sobrecarregado de trabalho e
envenenado por exposição a especiaria que suas mãos
tremessem o tempo todo – e assentiu com a cabeça.
– Ei, chapa – comentou ele com sinceridade. – Lamento
muito mesmo. Espero que você melhore logo. – Baixou a voz
e passou a falar em jargão de mercador. – Entende tu fala-
de-mercador, amigo?
O Sullustano fez que sim com a cabeça.
– Não falo – respondeu, em voz igualmente baixa. – Mas
entendo bem.
Han deu uma olhada para o teto. Estariam os Ylesianos
ou seus seguranças monitorando o quarto? Não havia como
ter certeza. Mas Han não conhecia muitos droides capazes
de traduzir jargão de mercador, porque se tratava de uma
mistura bastarda de uma dúzia ou mais línguas e vários
dialetos, sem uma sintaxe fixa. Han aumentou o volume do
documentário mais... e mais, depois disse, mal emitindo
som:
– Amigo-piloto, quando mãos ficar firme, então se eu
você, não dizer adeus, só voar para longe mau mundo de
especiaria, rápido rápido, entende?
O Sullustano fez que sim com a cabeça.
Han baixou um pouco o volume do programa, depois
continuou conversando, como se nada tivesse acontecido.
– Fui atacado por piratas outro dia.
O Sullustano se inclinou para a frente.
– O que aconteceu?
– Eles atiraram na minha nave, estragaram os motores
hiperdrive, mas eu consegui pegar um deles com um míssil
– contou Han, fazendo um gesto de “buum” com as mãos. –
Tive que fazer uma parada em Alderaan para o conserto. Já
passou por lá?
– Mundo legal – comentou o Sullustano secamente. –
Legal até demais, em alguns aspectos.
– Nem me fale – concordou Han de coração. – Enfim,
quando cheguei aqui de volta, Teroenza me fez um milhão
de perguntas sobre que tipos de nave os piratas usaram,
por que eles não dispararam tiros de advertência ou
tentaram sequestrar a Sonho , coisas assim. Eu fiquei com a
impressão clara de que esse ataque era algo mais que uma
mera ação de pirataria. Para começar, eles estavam me
esperando no ponto de encontro. Como poderiam ter
descoberto as coordenadas?
– Ah – disse Jalus Nebl. – Pode mesmo haver muita coisa
por trás desse ataque, piloto.
– Por favor... me chame de Vykk. Nós, pilotos, temos que
ficar unidos.
– Você me chame de Nebl, então. Meu nome de ninho.
– Obrigado. Então, o que você acha que está
acontecendo?
– Acredito que os T’landa Til estejam preocupados que
essas naves “piratas” possam ser na verdade de Nal Hutta.
Despachadas por Hutts, se passando por piratas comuns.
Han assoviou baixinho.
– Por todos os Lacaios de Xendor... essa foi demais. Os
Hutts estão lutando uns contra os outros?
– Não é difícil de acreditar se você já tiver passado um
tempo entre eles – comentou Nebl secamente. – As alianças
dos Hutts são criadas e rompidas no girar de uma moeda. A
lealdade hutt derrete diante da perda de lucro ou poder,
sabe?
– Estou começando a perceber um padrão, aqui – afirmou
Han, se ajeitando desconfortável no banco duro, pensando
em como chegou perto de virar poeira cósmica. – Tem
facções hutts em Nal Hutta?
– Ah, sim. Uma família ou clã acumula poder e riqueza só
para cair quando outra família planeja sua derrota. Não é de
se espantar que os Hutts sejam os mais desconfiados dos
sencientes. Ser um provador de comida para um Hutt é
provavelmente uma carreira muito curta, Vykk. É bem difícil
envenenar um Hutt, mas isso não impede os assassinos de
tentar e, de vez em quando, de conseguir. Os clãs também
não deixam de usar mísseis, assassinos ou tropas de
infantaria para atingir seus objetivos.
– Só que são os Hutts que realmente mandam aqui –
argumentou Han.
– Ah! Você viu Zavval, então?
– Se esse for o filho da mãe inchado que anda por aí num
trenó repulsor, pode apostar que eu vi. Ainda não tive a
honra de me encontrar com ele cara a cara.
– Reze para isso nunca acontecer, Vykk. Zavval, como a
maioria dos Hutts, não é fácil de agradar. Os sacerdotes
podem até ser mestres difíceis de satisfazer, mas não são
nada comparados aos Hutts, os mestres deles .
– Então, o que está rolando neste mundo? Temos Hutts
que mandam aqui e que estão brigando com outros clãs de
Hutts em Nal Hutta. Por quê? – Han pensou por um
momento, depois respondeu à própria pergunta. – Ah. É
claro. Pela especiaria.
– Naturalmente. Os Hutts e os T’landa Til, seus
representantes, lucram com Ylesia de duas formas. Primeiro,
tem a especiaria processada. Só que os Hutts Ylesianos
precisam comprar a especiaria-base de outras famílias Hutts
que fornecem a matéria-prima. Você já ouviu falar em Jiliac
ou Jabba?
– Jabba? – Han franziu o cenho. – Jabba, o Hutt? Acho que
ouvi falar nele sim. Não é o tal do cara que praticamente
controla toda Nar Shaadaa, a lua de contrabandistas em
órbita de Nal Hutta?
– Ele mesmo. Jabba divide o tempo entre seu lar em Nal
Hutta e uma operação de translado de especiarias que ele
faz passar por um planeta no meio do nada, chamado
Tatooine.
– Tatooine? Nunca ouvi falar.
Nebl estremeceu.
– Acredite em mim, você não ia querer ir lá. É uma
espelunca.
– Vou me lembrar disso. Então os tais Jabba e Jiliac
pegam a especiaria crua e mandam para cá para ser
processada, certo?
– Isso. Só que eu acho que, ultimamente, eles podem
estar tentando engordar os lucros, mandando naves se
passando por piratas para roubar os transportes de
especiarias ylesianos. Assim, Jabba e Jiliac ficam com a
especiaria processada de graça, algo que os agradaria
imensamente.
Han franziu os lábios num assovio silencioso.
– Isso é que é morder a mão que o alimenta...
– De fato. Porém, não tenho dificuldade alguma em crer
que eles são capazes de tal ato.
Han passou a mão no cabelo e suspirou. Tinha sido um
dia muito longo.
– É, pelo que eu ouvi, um Hutt venderia a própria avó por
um crédito de lucro; isso se eles tiverem avós.
– Portanto você precisa ser muito, muito cauteloso,
jovem Vykk. Diga a Teroenza que você precisa de escudos
reforçados.
– Já disse.
– Ótimo. Mais poder de fogo também não seria ruim.
– É, tem razão. – Han encarou fixamente o Sullustano. –
Nebl, já que a gente tá conversando francamente aqui, me
diz uma coisa. Essa religião que os sacerdotes empurram
pros peregrinos não vale nada, né?
– Acredito que não, Vykk. Porém, eu não entendo
exatamente no que consiste a Exultação. Não sou um fiel,
então nunca a senti. Entretanto, a julgar pela forma como os
peregrinos reagem, tem um efeito mais intoxicante que
qualquer dose de especiaria.
– É, tem um coice brabo mesmo – concordou Han. – O
que eu estou percebendo é que essa coisa toda aqui em
Ylesia é um imenso golpe para poder processar especiaria
baratinho.
– Não é o único motivo, Vykk. Você lembra que eu afirmei
que havia duas formas pelas quais os sacerdotes e Hutts
lucravam com estas colônias?
– Lembro – disse Han. – Então me conta, qual é a
segunda forma?
– Escravos – revelou Nebl sem rodeios. – Escravos
treinados e dóceis. Os Ylesianos exportam os peregrinos das
fábricas de especiarias quando consideram ter terminado
seu treinamento e removido toda vontade de resistir. São
levados a outros mundos para serem vendidos. Seus lugares
nas fábricas são ocupados por novas levas de peregrinos.
– E os escravos estão submissos e condicionados demais
para reclamar ou contar a verdade sobre Ylesia e sobre o
que aguarda os peregrinos por aqui? – complementou Han.
– Certamente. E mesmo se eles falassem, quem é que
escuta um escravo? E se o escravo ficar barulhento
demais... – Nebl fez um gesto súbito e inconfundível com a
mão, como se cortasse a garganta. – Silenciar um escravo é
fácil.
Han estava pensando em 921. Ela contou que já estava
em Ylesia havia quase um ano...
– Quanto tempo os escravos ficam aqui antes de serem
despachados? E para onde são mandados?
– O padrão é um ano. Eles mandam muitos dos mais
fortes para Kessel, para trabalhar nas minas de especiaria.
Ninguém nunca sai vivo de Kessel, você sabe. E os
bonitinhos... São os poucos sortudos. Viram dançarinos ou
dançarinas, ou acabam nas casas de prazer de quartel. Uma
vida sem dignidade, talvez, mas muito mais fácil que
escravidão e morte nas minas.
Nebl observava Han atentamente com seus olhos úmidos
e luminosos.
– Por que você pergunta? Tem alguma escrava em
particular que lhe é importante?
– Bem... mais ou menos – admitiu Han. – Ela trabalha na
fábrica de brilhestim, lá no nível mais fundo. Já está aqui há
quase um ano.
– Se você se importa com ela, deveria tirá-la daqui, Vykk
– aconselhou o Sullustano. – As taxas de mortalidade dos
operários de brilhestim são muito altas. A especiaria os
corta, depois o fungo entra na corrente sanguínea deles, e...
– Nebl fez um gesto de jogar fora. – Tire-a daqui. Ser
despachada para fora deste mundo como escrava é sua
última esperança.
– Fora deste mundo? – Han sufocou uma pontada de
medo ao pensar que poderia não ver a Peregrina 921 nunca
mais. – O quê, eu tenho que torcer para que ela seja
mandada para uma casa de prazer de quartel, para ser um
brinquedo para soldados imperiais entediados?
– Melhor que uma morte lenta e dolorosa por
envenenamento sanguíneo.
Han estava pensando rápido e não gostava de seus
pensamentos.
– Escuta, Nebl, foi bom a gente ter conversado. Vou
voltar para te visitar de novo outro dia. Por enquanto... tem
uma coisa que eu preciso fazer.
O alienígena acenou com a cabeça, compreensivo.
– Eu entendo bem, Vykk.

Uma vez do lado de fora, Han percebeu que o curto dia


ylesiano estava definitivamente terminando. Os peregrinos
estariam nas devoções vespertinas. Se ele corresse, talvez
pudesse alcançar 921 e falar com ela. Tinha que inventar
algum jeito de tirá-la daquela fábrica e mesmo assim
mantê-la em Ylesia.
Apesar do calor úmido e da garoa fina que caía, Han
começou a correr pela selva, até a trilha familiar. Seu peito
ardia a cada respiração, depois dos primeiros cinco minutos,
mas ele se recusou a reduzir o passo. Tinha que ver o rosto
de 921 de qualquer jeito, se assegurar de que ela ainda
estava lá, em Ylesia.
E se ela tivesse sido despachada? Ele nunca a
encontraria... nunca! Han sentiu o pânico roer os limites da
sua mente e se xingou em todas as línguas que conhecia. O
que foi que deu em você, Solo? Você tem que se controlar!
As coisas vão bem para você aqui em Ylesia. No fim do ano,
você terá uma pilha de créditos lhe esperando numa conta
em Coruscant. Agora não é hora de perder a cabeça por
causa de uma fanática religiosa qualquer. Supere isso!
Só que seu corpo e seu coração não estavam escutando
aos apelos de sua mente. Os passos de Han ficaram mais
longos e rápidos até que ele começou a correr a toda
velocidade. Virou uma curva perto das Planícies Floridas e
quase se chocou contra os primeiros peregrinos que
voltavam da cerimônia de fim de tarde. Eles cambaleavam
ou bamboleavam adiante, com aquela expressão drogada e
extasiada nos olhos vidrados.
Han começou a se acotovelar pela massa, sentindo-se
como um peixe nadando rio acima. Espiava os rostos na
penumbra crescente, sob os chapéus, procurando,
procurando...
Cadê ela?
Cada vez mais preocupado, Han começou a segurar os
peregrinos pelo braço e inquirir se algum deles tinha visto a
Peregrina 921. A maioria o ignorou ou só olhou
estupidamente, de queixo caído, mas finalmente uma velha
mulher corelliana apontou para trás com o dedão. Han se
virou e descobriu 921 a alguma distância atrás dos outros.
O alívio lhe inundou o corpo. Se apressou ao seu lado, ainda
ofegante, suado e desarrumado por conta da corrida.
– Oi – ofegou ele, torcendo para que a saudação não
tivesse soado tão ridícula para ela quanto soara para ele.
Ela ergueu o olhar para o rapaz no crepúsculo.
– Oi – respondeu, incerta. – Você sumiu por um tempo.
– No espaço – explicou Han. Tomou o braço dela e passou
a caminhar ao seu lado. – Tinha carga para levar.
– Ah.
– Então, como vão as coisas? – indagou ele.
– Bem. A Exultação foi maravilhosa esta noite.
– É – concordou Han, aborrecido. – Tenho certeza de que
foi.
– Como foi sua viagem, Vykk? – perguntou ela depois de
um minuto de silêncio. Han ficou feliz com a pergunta; era a
primeira vez que 921 demonstrara qualquer curiosidade
sobre ele e sua vida.
– Acabou tudo bem – contou o rapaz, escolhendo um
caminho pela trilha enlameada, tentando não deixar as
botas ainda mais sujas do que já estavam. Por causa da
corrida, sua perna estava emporcalhada até a altura dos
joelhos. – Mas uns piratas atiraram em mim.
– Ah, não! – Ela parecia angustiada. – Piratas! Você
poderia ter se machucado!
Han sorriu e mudou o braço de lugar para que eles
caminhassem de mãos dadas.
– Que bom saber que você se importa – comentou ele
com um traço da sua velha arrogância. Por um momento,
Han achou que 921 poderia se afastar, mas deixou que ele
continuasse segurando sua mão.
Quando eles chegaram ao dormitório, já estava escuro.
Han a levou até o mesmo lugar, a meio do caminho entre a
luz e as trevas. Então tirou os óculos infravermelhos dela.
– O que você está fazendo? – indagou ela, nervosa.
– Eu quero te ver – explicou Han. – Você sabe que estes
óculos escondem seus olhos. – Han levou aos lábios e beijou
a mão de 921. – Senti sua falta enquanto estava fora –
murmurou.
– Sentiu?
Han não conseguia definir se a ideia a agradava ou
angustiava. Talvez ambos.
– É, eu pensei em você – continuou ele baixinho. O rapaz
percebeu que nunca tinha sido tão honesto sobre seus
sentimentos com uma garota. Pela primeira vez na vida,
não estava fingindo. – Eu não queria – acrescentou, com
sinceridade –, mas pensei. Você também sente alguma
coisa, né? Um pouquinho?
– Eu... eu... – gaguejou ela. – Eu não sei... – 921 tentou
puxar a mão, mas Han não deixou. Ele começou a beijar os
dedos, os dedos cheios de cicatrizes e cortes. O toque da
pele da menina contra seus lábios o intoxicou tanto quanto
a cerveja alderaaniana. Ele despejou beijinhos delicados nos
nós e pontas dos dedos.
– Pare com isso... – sussurrou ela. – Por favor...
– Por quê? – indagou ele, virando a mão dela para beijar
o pulso. Han se sentiu extasiado com o saltar da pulsação
dela contra os lábios. Pressionou a boca contra a palma,
sentindo o relevo das velhas e novas cicatrizes. – Você não
gosta?
– Sim... não... eu não sei! – explodiu 921, soando à beira
das lágrimas. Puxou a mão de volta e, desta vez, Han
deixou, mas deu um passo à frente para pegar sua manga.
– Por favor... – pediu o piloto, segurando-a com os olhos
tanto quanto com as mãos. – Por favor... não vá. Você não
percebe que eu gosto de você? Eu me preocupo com você,
eu penso em você... Eu gosto de você. – Han engoliu, e isso
doeu. – Muito.
Ela ofegou e soou como um soluço de choro.
– Eu não quero que você goste – retrucou ela com a voz
emocionada. – Porque eu não posso gostar...
– Você não me disse nem o seu nome – acusou Han, sem
conseguir esconder o amargor na voz.
921 estava pronta para fugir, como um pássaro, com
olhos arregalados e atormentados.
– Eu gosto de você também – ela sussurrou, finalmente.
A voz tremia. – Mas eu não deveria. Só devo me importar
com o Um e com o Todo! Você quer que eu quebre meus
votos, Vykk! Como eu poderia desistir de tudo em que
acredito?
Ouvir a admissão de que ela tinha sentimentos por ele
fez o coração de Han dar um salto.
– Me diga seu nome – implorou ele. – Por favor...
921 o encarou, olhos brilhantes com lágrimas, depois
sussurrou:
– É Bria. Bria Tharen.
Então, sem outra palavra, ela ergueu a barra do robe e
saiu correndo pela porta dormitório adentro.
Han ficou na escuridão e sentiu um lento e largo sorriso
se abrindo no rosto. Todo o cansaço sumiu, e o piloto se
sentiu como se vestisse botas repulsoras. Afastou-se do
alojamento, ainda sorrindo, e mal notou quando os céus se
derramaram num temporal.
Ela gosta de mim... pensou ele, caminhando pela lama
onipresente. Bria... que bonito. Parece música ou coisa
assim. Bria...

No dia seguinte, depois de longas horas pensando e


planejando durante uma noite praticamente sem dormir,
Han foi atrás de Teroenza. Encontrou o sumo sacerdote e
Veratil relaxando nos alagadiços que ficavam a mais ou
menos um quilômetro do raso oceano ylesiano. Os dois
sacerdotes se espojavam à vontade, imersos em lama
morna vermelha até os imensos flancos. De vez em quando,
um deles ficava de patas para cima e chafurdava um pouco
para cobrir uma área que tivesse secado.
Os dois Gamorreanos de guarda pareciam sentir uma
profunda inveja dos mestres. Han, por outro lado, chegou
perto o bastante do lamaçal para sentir o perfume e fez
uma careta. Ugh! Fede como se alguma coisa tivesse
morrido semana passada!
O corelliano se equilibrou precariamente na margem e
acenou para chamar a atenção de Teroenza.
– Hã, senhor? Gostaria de falar com o senhor, se
possível.
O sumo sacerdote estava de ótimo humor, relaxado com
a lama. Acenou com o bracinho.
– Nosso heroico piloto! Por favor, se junte a nós!
Entrar nesse lodo? De propósito? pensou Han, reprimindo
uma careta. Só que ele sabia que o T’landa Til lhe oferecia
uma grande honra. Então suspirou.
Quando Teroenza lhe chamou de novo com um gesto,
Han sorriu e acenou de volta, animado. Desatou o cinto do
coldre e pousou sua recém-recuperada pistola no chão.
Depois de tirar as botas, abriu o macacão de piloto e o tirou,
ficando apenas de shorts. Com cuidado, colocou a
cartucheira do cinto em cima da pilha, com o lado aberto
virado para o lodaçal.
Então, com uma careta que tentou transformar em
sorriso, o corelliano desceu da margem. Lama vermelha
subiu pelas pernas e, por um segundo, Han quase entrou
em pânico, imaginando que afundaria por completo até
sumir de vista. Só que havia chão sólido sob a lama.
Acenando e sorrindo para os dois T’landa Til, Han vadeou
até a lama ficar na altura das coxas.
– Não é maravilhoso? – indagou Veratil, generosamente
pegando uma mãozada de lama e esfregando nas costas de
Han. – Nada nesta galáxia se compara a um bom banho de
lama!
Han assentiu vigorosamente com a cabeça.
– É! Legal!
– Sugiro que você role um pouco – ribombou Teroenza. –
Isso sempre me recupera depois dos estresses da vida
cotidiana. Experimente!
– Claro! – concordou Han, sorrindo entre dentes
trincados. – Um bom chapinhar nessa lama toda parece um
sonho! – Cuidadosamente, ele se baixou na lama e, com um
grande slosh e um splat! , rolou completamente na coisa
gosmenta e viscosa. Não ajudou perceber que havia longas
minhocas brancas vivendo na substância. Han presumiu que
não seriam carnívoras, ou os sacerdotes não estariam se
divertindo tão maravilhosamente.
Bria, meu bem, espero que você fique agradecida...
pensou Han enquanto completava seu giro e se sentava,
recoberto do pescoço para baixo.
– Que maravilha! – exclamou. – Tão... melequento!
– Então, piloto Draygo... o que você queria falar comigo?
– indagou Teroenza enquanto se afundava languidamente
ainda mais no lodaçal.
– Bem, acho que posso ter resolvido seu problema,
senhor. Aquele de como cuidar da sua coleção, quer dizer.
Teroenza girou a imensa cabeça sobre o pescoço quase
inexistente.
– É mesmo? Como?
– Fiz amizade com uma das peregrinas, uma jovem do
meu planeta natal. Antes de ela ter vindo para cá, estava
estudando para ser curadora de museu, e sabe muita coisa
sobre como cuidar de objetos raros. Antiguidades,
colecionáveis, essas coisas. Aposto que ela poderia
catalogar e manter as coisas na sua coleção.
Teroenza ouviu muito atento, depois o sumo sacerdote se
sentou sobre os quartos traseiros, esguichando lama ao seu
redor.
– Não fazia ideia que uma de nossas peregrinas tinha
recebido tal treinamento. Talvez eu entreviste essa moça.
Qual é a designação dela?
– É a Peregrina 921, senhor.
– E onde ela trabalha?
– Na fábrica de brilhestim, senhor.
– Há quanto tempo ela já está aqui em Ylesia?
– Quase um ano, senhor.
Teroenza se virou para Veratil, e os dois começaram a
conversar na própria língua.
Eu tenho que aprender a entender essa linguagem deles,
pensou Han. Tinha encontrado um programa que ensinava
huttês básico e passara o mês estudando. Só que não
conseguira localizar nenhum guia ou programa de tradução
para o idioma t’landa til. Han prestou muita atenção, na
esperança de decifrar o que os sacerdotes diziam, mas
t’landa til parecia ser diferente de huttês o suficiente para
que Han não entendesse nada.
Voltando-se para Han, Veratil perguntou:
– Essa Peregrina 921... você diria que ela é atraente, de
acordo com os padrões de avaliação de atratividade da sua
espécie? Por exemplo, você a considera interessante como
uma parceira sexual em potencial?
Dentro da lama, Han cruzou os dedos.
– 921? Ah, não senhor, ela é... bem, para ser franco,
senhor, é tão feia que, se eu tivesse um bicho de estimação
com aquela cara, faria ele andar de costas.
Ao escutar as palavras de Han, os dois santos seres
caíram na gargalhada, dando tapas com as mãozinhas no
peito, o que, aparentemente, era a forma daquela espécie
de prestar tributo a uma frase espirituosa.
– Muito bem, piloto Draygo – ribombou Teroenza. – Você é
realmente um camarada esperto, e eu vou investigar essa
jovem. – Ele chafurdou mais um pouco, deixando a lama se
acumular e escorrer pelos grandes flancos. – Ahhhhhh... –
suspirou com prazer.
– Então, Veratil. – Han se remexeu na lama até ficar de
frente para o sacredot. – Eu estou curioso com uma coisa. O
senhor se importaria se eu fizesse uma pergunta?
– De forma alguma – respondeu o sacerdote mais jovem.
– Como que vocês fazem aquele lance com os peregrinos
todas as noites na cerimônia? Aquilo que eles chamam de
Exultação? Tem um coice brabo, o que quer que seja.
– A Exultação? – Veratil deu uma risadinha, um som
grave e ribombante. – Aquele momento de êxtase que os
peregrinos consideram uma dádiva divina?
– Isso mesmo – concordou Han. – Nunca consegui sentir –
admitiu. Porque eu lutei contra ele com toda a minha força,
acrescentou silenciosamente. Porque a última coisa que eu
quero é uma criatura feia que nem você dando choques nos
meus neurônios de prazer...
– Isso porque você é um indivíduo com muita força de
vontade, piloto Draygo – explicou Veratil. – Nossos
peregrinos vêm até nós porque não têm muita força de
vontade, são fracos e buscam orientação. E suas dietas
foram criadas para deixá-los ainda mais... maleáveis.
– A Exultação é o refinamento de uma habilidade que
nós, machos da espécie T’landa Til, usamos para atrair as
fêmeas durante a temporada de acasalamento – explicou
Teroenza. – Estimulamos os centros de prazer criando uma
ressonância de frequência dentro do cérebro do receptor.
Esse zumbido é gerado pelo ar fluindo sobre os cílios no
interior das nossas papadas, quando nós as inflamos.
Nossas fêmeas acham irresistível.
– Nós machos também temos uma habilidade de
projeção empática em baixo nível – continuou Veratil. – Se
nos concentrarmos em nos sentir bem, podemos projetar
essas sensações sobre a multidão de peregrinos. Ambos
efeitos, combinados, produzem a Exultação.
– Que truque bacana! – exclamou Han, admirado. – É
difícil de fazer?
– De forma alguma – respondeu Teroenza. – O mais difícil
é ter que celebrar aquelas cerimônias e preces
intermináveis para os peregrinos. Às vezes, eu fico tão
entediado que quase caio no sono, enquanto espero pela
minha vez de falar durante a devoção.
– Ano passado, um dos sacredots chegou a cair no sono
de verdade – contou Veratil, ribombando com a versão da
espécie dele para uma risada. – Palazidar desabou ali
mesmo. Os peregrinos ficaram muito chateados.
Os dois sacerdotes curtiram a memória. Han riu também,
mas por dentro fervia de raiva, pensando nos peregrinos
que cambaleavam pela trilha, com olhos brilhantes de
devoção e fé religiosa. Este lugar faz qualquer um dos
golpes de Garris Shrike parecer brincadeira, pensou ele
enojado. Alguém deveria encerrar o negócio desses vermes
gananciosos...
Por um momento, Han desejou que pudesse ser o cara
que iria acabar com aquilo. Depois, se lembrou que se
arriscar pelos outros era um ótimo jeito de ter a cabeça
permanentemente separada do pescoço. Então por que
você está fazendo tudo isto por Bria? , indagou com
sarcasmo sua mente traiçoeira.
Porque , respondeu o coração, o bem-estar de Bria se
tornou tão importante para mim quanto o meu próprio. Eu
não tenho como evitar, as coisas simplesmente são assim...
Agora que tinha alcançado a meta que o trouxera até ali,
Han começou a pensar em como se remover graciosamente
(em termos metafóricos) da lama e da companhia dos
sacerdotes.
Foi resgatado pela chegada de um Hutt, que veio
pairando sobre o lamaçal no seu trenó repulsor. Um
pequeno esquadrão de guardas trotava com vigor ao lado,
ofegando no calor úmido enquanto se esforçavam para
acompanhar.
– Zavval! – Teroenza saudou seu mestre Hutt e se
levantou respeitosamente. Sentindo-se ridículo, Han fez o
mesmo.
Aquele era o primeiro encontro ao vivo e de perto do
corelliano com um Hutt, e ele tentou não encarar o vulto
imenso e reclinado da criatura, os enormes olhos
empapuçados em meio à pele castanha coriácea, e a gosma
verde que escorria dos cantos da boca. Ugh... eles são ainda
mais feios que Teroenza e a turma dele, pensou Han. O
rapaz lembrou a si mesmo que os Hutts já eram civilizados
provavelmente desde muito antes que os seres humanos –
mas ainda assim não conseguiu eliminar a repulsa que a
aparência deles causava.
Ou talvez sua repugnância viesse da simples consciência
de que tinham sido os Hutts que desenvolveram aquele
plano de tocar uma religião em Ylesia como forma barata de
escravizar sencientes inocentes.
O Hutt se inclinou para Teroenza e disse em huttês:
– Recebi uma mensagem de casa. Jabba e Jiliac negam
tudo, e nós não temos provas. O conselho dos clãs se
recusou a... – Han não conseguiu entender a palavra –,
então não temos outro jeito de... – e terminou com uma
frase que Han não sabia traduzir.
– Lamentável – respondeu Teroenza na mesma língua. – E
quanto ao meu pedido de mais soldados, armamentos e
escudos para nossas naves, vossa excelência?
– Aprovado – confirmou Zavval. – Devem chegar a
qualquer momento.
– Ótimo.
Teroenza então continuou em língua básica:
– Zavval, gostaria de lhe apresentar nosso corajoso
piloto, Vykk Draygo, que salvou nosso carregamento de
brilhestim.
O enorme Hutt deu uma risada, um som de “heh, heh,
heh” que era tão grave e ressonante que Han se sentiu
tonto quando ouviu.
– Saudações, piloto Draygo. Você tem nossa gratidão.
– Obrigado, senhor...
Teroenza acenou com o bracinho.
– A forma correta de tratamento é “vossa excelência”,
piloto Draygo.
– Certo, então. Obrigado, vossa excelência. Fico honrado
em poder servi-lo.
O Hutt riu de novo e falou com Teroenza em huttês:
– Um rapaz muito educado e perceptivo, para um
humano. Você providenciou um bônus? Queremos mantê-lo
feliz.
– Sim, providenciei, vossa excelência – respondeu
Teroenza.
Han, é claro, não deixou transparecer que entendia as
conversas em huttês.
– Ótimo, ótimo – concluiu Zavval.
Han observou enquanto o alienígena girou seu trenó
repulsor e se afastou. Teroenza e Veratil começaram a
vadear para sair do alagadiço, grunhindo com o esforço. O
sumo sacerdote falou com Han em língua básica:
– Sua Excelência está satisfeito com o seu desempenho,
piloto. O capataz da fábrica já lhe informou quando o
próximo carregamento estará pronto para transporte?
Han também voltava à margem.
– Ele disse que deve ser no fim da semana, senhor.
Enquanto isso, tem dois carregamentos de peregrinos
chegando na estação espacial; um amanhã, o outro no dia
seguinte.
– Ótimo. Não queremos ficar sem mão de obra nas
fábricas.
Uma vez de volta à terra seca, Han catou as roupas,
depois se virou para leste e fez um gesto na direção do
oceano, a um quilômetro dali.
– Acho que vou fazer uma caminhada e me enxaguar –
comentou – antes de me vestir.
– Ah, sim – concordou Veratil. – Nós usamos a lama como
um agente de limpeza, mas ela não gruda na nossa pele da
forma que parece grudar na sua. Uma vez secos, nós só
precisamos chacoalhar. – Ele deu uma estremecida forte, e
a poeira se ergueu em nuvens. – E a coisa toda descasca,
como você pode ver.
– É, tô vendo – concordou Han. – Mas eu vou precisar de
água para enxaguar.
– Tome cuidado de não entrar demais no oceano, piloto
Draygo – acautelou Teroenza. – Alguns dos habitantes dos
oceanos ylesianos são bem grandes, e muito famintos.
– Sim, senhor – respondeu Han.
Han ergueu as roupas e botas, mantendo-as longe do
corpo coberto de lama vermelha, e partiu descalço em
direção ao oceano, escolhendo onde pisava.
Quando lá chegou, pouco tempo depois, aventurou-se
com cuidado, ficando com água até os joelhos, e se
agachou para deixar a arrebentação lavá-lo. As ondas o
recobriram repetidamente, enxaguando cada traço do lodo
vermelho.
Han voltou à praia arenosa, encontrou um pedaço liso e
se esticou para secar. Sentiu o turvo sol ylesiano
castigando-o, secando-o, deixando seu cabelo endurecido e
bagunçado. Só que qualquer coisa é melhor que lama,
concluiu ele, sonolento.
Han estava quase adormecido quando acordou num
susto, lembrando algo que tinha esquecido. Levantou-se, foi
até as roupas e remexeu na cartucheira do cinto. Olhou em
volta muito atentamente, e depois puxou o minúsculo
dispositivo de gravação de áudio que ele tinha pegado
“emprestado” da Sonho Ylesiano e, ao ver que ainda estava
gravando, o desligou com um estalo decisivo.
Depois de confirmar que tinha gravado a conversa inteira
com os sacerdotes Ylesianos, Han voltou ao seu lugar,
deitou na areia morna e tirou uma bem merecida soneca.
Han voou em muitas missões para os Ylesianos nos três
meses seguintes. Várias vezes, com a cumplicidade de
Muuurgh, ele fez pequenos “voos secundários” para treinar
suas habilidades de pilotagem e permitir que Muuurgh
praticasse com os canhões. Han conseguiu pousar naves
em luas sem atmosfera, luas gélidas, até mesmo num
pequeno asteroide apenas um pouco maior que a nave.
Aprendeu a atracar com estações espaciais, acoplando
escotilhas perfeitamente na primeira tentativa.
Como resultado do encontro de Han com os “piratas”, os
Hutts Ylesianos aumentaram o armamento e equiparam as
naves com escudos melhores. Também incrementaram a
segurança ao redor das datas e dos locais dos
carregamentos e passaram a recusar pontos de encontro no
espaço. Em vez disso, Han recebia ordens de levar a carga a
algum planeta e trocar a especiaria processada pela
matéria-prima em solo. Em regiões habitadas, havia menos
chance de uma traição que poderia levar a uma emboscada.
Teroenza deixou claro para Muuurgh que Vykk Draygo
tinha provado seu valor como empregado de confiança,
então Muuurgh não se sentia mais obrigado a passar cada
segundo com o corelliano. Porém, o Togoriano grandalhão
ainda estava preso à sua promessa de guardar o piloto e
nunca se esquecia disso.
Teroenza cumpriu sua promessa, entrevistou Bria e deu a
ela o serviço de manter e catalogar sua coleção. Uma vez
que começou a comer melhor no refeitório da administração
e receber uma exposição saudável ao ar fresco e à luz do
sol, aquela aparência pálida, doentia e magra demais
desapareceu. Os olhos verdes ficaram mais brilhantes, os
passos mais leves, e o sorriso, mais fácil.
Ela gostava do novo serviço, tanto porque curtia cuidar
das antiguidades como por considerar uma honra sagrada
servir o sumo sacerdote. Bria continuava participando das
preces toda manhã e da cerimônia toda noite. Quando Han
estava em Ylesia, ele geralmente a acompanhava na ida e
na volta da Exultação.
Haviam oferecido a Bria um quarto no centro
administrativo, mas ela disse a Teroenza que preferia ficar
no dormitório dos peregrinos. Não só ela gostava da
companhia dos colegas peregrinos na hora das preces, mas
também se sentia constrangida com a ideia de ocupar um
apartamento no mesmo prédio que Vykk Draygo. Bria
Tharen ainda preferia evitar o corelliano; ainda estava
indisposta a reconhecer os sentimentos que haviam
acordado dentro de si. Ela era uma peregrina, lembrava a si
mesma constantemente. Sua lealdade, dever e seu eu
espiritual estavam reservados para o Um e o Todo.
Ainda assim, não havia dúvidas de que Bria gostava da
companhia de Vykk. Ele era tão vivo, tão cheio de energia,
tão charmoso e atraente... ela nunca encontrara ninguém
assim.
Durante a hora anterior às devoções vespertinas, quando
seu trabalho com a coleção do sumo sacerdote já estava
encerrado, Bria desenvolveu o hábito de procurar Vykk e
Muuurgh (os dois estavam sempre juntos), e os três iam
para o refeitório administrativo para tomar uma xícara de
estim-chá juntos...

Bria caminhou pela selva, curtindo o pequeno alívio do


calor proporcionado pelo sol poente. Uma brisa soprava
vinda do mar, que era aonde a peregrina rumava. Andava
com rapidez, sentindo as barras do robe bege de fiel roçar
as plantas que cresciam às margens da trilha. Flores
brilhantes pendiam de cipós... escarlates, roxas e verde-
amareladas. O perfume cortante e um pouco adstringente
fazia Bria abrir as narinas ao passar pelas plantas.
O Exaltado, Teroenza, tinha dito a Bria que ela poderia
vestir roupas normais, em vez dos volumosos trajes de
peregrino, argumentando que assim seria mais fácil cuidar
da coleção dele... Porém, a garota ainda insistia nos robes,
assim como insistia nos votos.
A jovem corelliana alcançou o alagadiço e parou para
prestar uma reverência diante do lamaçal onde os dois
sacerdotes se espojavam. Ambos a ignoraram, mas Bria
estava acostumada com isso. Sacerdotes não prestavam
muita atenção aos peregrinos, a não ser que precisassem
orientar o trabalho deles. Era natural... suas mentes se
atinham a coisas mais elevadas, alçando-se a planos
espirituais que humanoides como Bria não tinham
esperança de alcançar.
Na primeira vez que Bria viu os santos seres chafurdando
na fétida lama vermelha, ficou chocada. Era perturbador vê-
los se entregar a uma atividade tão... secular. Porém, ao
longo dos últimos três meses, desde que começara a
trabalhar para Sua Exaltidade, Teroenza, Bria se acostumara
a vê-los assim.
Estava feliz em não ter que trabalhar mais nas trevas da
fábrica de brilhestim. O serviço no centro administrativo era
tão melhor. Climatizado, com boa iluminação e a comida... a
comida era muito mais saborosa. Bria levara quase um mês
inteiro para conseguir comer uma refeição normal.
Inicialmente, ela estivera tão apática, tão drenada de
energia, que só cutucava a comida, como já fazia há meses.
O droide médico teve que tratar sua malnutrição, além de
traços de doença de sangue induzida pelos fungos.
Mas agora ela estava bem.
As coisas tinham melhorado muito para ela, Bria tinha
que admitir, desde que Vykk entrara na sua vida. Se ao
menos...
Bria franziu o cenho e suspirou. Se ao menos Vykk fosse
um peregrino também. Então eles poderiam adorar juntos,
participar das preces juntos e receber o sacramento da
Exultação juntos. Só que Vykk... ela não podia ignorar o fato
de que ele era um infiel, mesmo que o rapaz nunca
admitisse. Vykk não acreditava em nada além de si mesmo.
Quando eles frequentavam a cerimônia juntos, ele
segurava a mão ou o braço dela para apoiá-la no caminho
de volta ao dormitório. O toque da mão dele fazia Bria
questionar a própria devoção ao Um, ao Todo, e ela não
gostava disso. Não queria que nada abalasse sua fé ou
enfraquecesse seus votos.
Bria chegou às dunas. Como tinha meio que esperado,
ouviu o som de um tiro de pistola gemer e chiar.
– Vykk! – chamou, não querendo pegar de surpresa um
homem que praticava tiro ao alvo. – Vykk, sou eu!
Quando alcançou o topo da duna, o vento soprou-lhe os
robes e os agitou em volta das pernas. Bria teve que
segurar o chapéu, para que não fosse levado pelo vento do
oceano.
Na praia abaixo ela viu Vykk, pernas afastadas numa
postura de pistoleiro, a arma de raios no coldre que usava
bem baixo, no meio da coxa. Muuurgh estava a alguma
distância do corelliano, segurando vários alvos de cerâmica
negra. Sem aviso, o Togoriano grandalhão jogou dois dos
alvos no ar, um bem alto e à esquerda, o outro baixo e à
direita.
A mão de Vykk se moveu num borrão tão rápido que os
olhos de Bria mal conseguiram acompanhar. Raios de
pistola destruíram primeiro o alvo da direita, depois o da
esquerda. Pequenos destroços de cerâmica derretida
choveram na incansável arrebentação ylesiana.
Muuurgh uivou sua aprovação. Vykk se virou, pronto para
treinar tiro à distância com o alvo estacionário que tinham
montado, mas então viu Bria. Com um aceno e um sorriso,
colocou a arma de raios de volta no coldre e correu até ela.
Bria ficou estarrecida, como sempre acontecia, com
como o rapaz era bonito, com suas feições regulares,
cabelos e olhos castanhos e físico esguio. Tudo somado, ele
não era exatamente um homem classicamente belo – mas
nenhuma mulher que fosse o alvo daquele sorriso
perceberia isso.
– Oi! – gritou ele, correndo duna acima.
Antes que Bria pudesse escapar, ele plantou um beijo na
testa dela. Sem fôlego, ela o empurrou para trás.
– Não, Vykk. Isso vai contra meus votos.
– Eu sei – admitiu ele, sem vergonha. – Só que, algum
dia, meu bem, você vai me beijar de volta.
– Eu queria saber se você gostaria de tomar um estim-
chá antes da cerimônia – disse ela.
– Hoje não – respondeu ele, subitamente sério,
contemplando o rosto dela. – Precisamos conversar sobre
uma coisa, Bria. Esperei até que você estivesse... melhor,
porque eu temo que será um grande choque. Só que você
vai ter que descobrir um dia.
Bria olhou para ele, tentando entender o que estava
acontecendo.
– Do que você está falando, Vykk?
– Vamos nos sentar um pouco. Ali, na praia, tudo bem?
Ele a levou até uma área de areia lisa e, quando Muuurgh
veio ver se eles iam voltar, Vykk balançou a cabeça.
– A gente vai precisar de um pouco de privacidade, tudo
bem, meu chapa?
O Togoriano se afastou, duna acima. Bria observou o
vulto sombrio desaparecer atrás do monte de areia.
O coração dela se acelerou quando Vykk tirou um
pequeno dispositivo do bolso.
– Este é o gravador de registros de áudio que eu tirei do
painel de controle da Sonho – explicou o piloto. – Vou tocar
uma gravação que eu fiz há uns dois meses, antes que
Teroenza lhe pedisse para tomar conta da coleção dele. Seja
paciente e escute, tudo bem?
– Eu não sei... Já vi que não vou gostar disso – murmurou
ela. – Estou com um mau pressentimento sobre essa
gravação.
– Por favor – pediu ele. – Por mim. É só escutar.
Bria concordou com um aceno de cabeça, torcendo as
mãos no colo. De repente, a brisa oceânica, em vez de
parecer agradável, fez a peregrina tremer apesar do sol que
mergulhava a oeste.
Vykk ligou o gravador. Bria escutou a conferência que se
seguiu... Ouviu Vykk saudar os sacerdotes e ouviu quando
eles o convidaram para um banho de lama. Bria reconheceu
as vozes do Exaltado Teroenza e do sacredot Veratil falando
com o piloto. Banhos de lama. Eles discorriam sobre como
os banhos de lama eram relaxantes. Bria se mexeu, agitada,
e Vykk ergueu o dedo em aviso e moveu os lábios, dizendo
“espere”.
Ela se obrigou a continuar quieta, ainda que ficasse cada
vez mais constrangida. Certamente os sacerdotes não
sabiam que Vykk estava gravando a conversa – as ações
dele eram piores que bisbilhotice, eram espionagem
descarada!
Então Bria prendeu o fôlego, chocada. Ela podia ouvir
Veratil e Teroenza rindo e comentando sobre a Exultação –
estavam dizendo que não era uma dádiva divina, que não
tinha absolutamente nada a ver com o Um e o Todo!
Bria arregalou os olhos, depois os estreitou furiosa, e se
levantou num salto. O vento levou seu chapéu de peregrina,
permitindo que cachos ruivo-dourados se libertassem, mas
ela não prestou atenção. Tremia de raiva enquanto encarava
Vykk. Ao perceber a reação dela, o piloto desligou o
gravador e se levantou para encará-la.
– Como você pôde ? – exigiu Bria, com voz grave e
trêmula. – Eu achei que você era meu amigo.
Ele deu um passo adiante, as mãos erguidas em atitude
apaziguadora.
– Bria, meu bem, eu sou seu amigo. Fiz isso por você...
Você tem que saber a verdade. Lamento que...
O braço e a mão de Bria pareceram se mover por conta
própria, acertando um slap! sólido na bochecha do piloto.
Vykk cambaleou para trás, segurando o rosto.
– Você está mentindo! – gritou ela. – Mentindo! Você
falsificou isso para me fazer quebrar meus votos! Admita!
Vykk baixou a mão e ficou parado, olhando fixamente
para ela, com olhos cheios de tristeza e pena. Devagar, ele
balançou a cabeça.
– Eu lamento muito, querida – respondeu ele. – Lamento
mais do que eu poderia expressar. Mas eu não falsifiquei
nada. Isso que você ouviu é a verdade, e ficar com raiva de
mim não vai mudar nada. Teroenza e a turma dele não têm
nenhuma dádiva divina. Inventaram essa vigarice toda só
para conseguir operários para as fábricas e escravos para
vender.
A marca da mão de Bria escurecia no rosto de Vykk, um
vermelho baço onde ela tinha acertado. Bria viu as marcas
dos próprios dedos e controlou o impulso de se jogar nele e
se desmanchar em pedidos de desculpas. Como ela pôde
machucá-lo assim?
Ao mesmo tempo, porém, ela estava absolutamente
brava e sentia o rosto se mexendo. O queixo tremia
enquanto ela tentava se controlar.
– Não! – Ela cerrou os punhos. – Não! Não é verdade!
Você falsificou. O que você é... telepático? Como é que você
sabe do sacredot Palazidar? Você nem estava aqui naquele
dia!
Vykk balançou a cabeça.
– Eu não sabia, Bria. Eu não sabia, nem falsifiquei essa
gravação. Vou provar a você. – Remexeu no bolso e tirou um
pequeno vidro negro.
Bria conhecia o objeto bem até demais.
– Brilhestim? Onde você conseguiu?
– Surrupiei durante uma entrega – respondeu Vykk. –
Você sabe o que ele pode fazer, né?
Bria assentiu lentamente com a cabeça.
– Esse é meu único jeito de provar que não estou
mentindo. Se você abrir, expor à luz e então engolir, vai
ficar com habilidades telepáticas temporárias. Vai poder ler
minha mente e saber que eu não estou mentindo sobre a
Exultação; e que eu não falsifiquei a gravação. Aqui – ele
estendeu o frasco e soltou na mão dela –, pegue.
Bria contemplou o tubo.
– Eu... eu preciso pensar nisso, Vykk. Preciso decidir o
que fazer.
– Não estou mentindo, meu bem, eu juro. – O piloto se
aproximou da peregrina e estendeu as mãos para pegar as
dela. – Confie em mim.
Bria se afastou de Vykk.
– Olha... me deixa em paz por enquanto, Vykk. Eu... falo
com você mais tarde. Depois da cerimônia. Agora, eu tenho
que ir.
Ele olhou para ela.
– Você poderia faltar, só hoje. Não é como se eles
fizessem chamada.
Faltar à Exultação? Bria se sentiu nauseada só de pensar
nisso, e a reação a aterrorizou. E se Vykk estivesse certo? E
se a Exultação não passasse de uma combinação de
vibrações físicas e mentais de uma espécie alienígena? Se
não havia nenhuma dádiva divina presente, então os
peregrinos não eram nada além de viciados atrás de uma
dose.
Bria fitou os olhos de Vykk e teve a sensação vertiginosa
de que ele estava dizendo a verdade. Os dedos dela se
apertaram em volta do pequeno cilindro negro de
brilhestim. Ali estava a resposta dela. Com aquilo, ela
poderia descobrir a verdade...
Virou-se e saiu andando, deixando Vykk na praia. Bria
ouviu o piloto chamar, mas o dispensou com um aceno e
seguiu em frente. Não tinha tempo a perder se quisesse
participar da cerimônia.
Meia hora depois, ela estava em meio às hordas de
peregrinos, vendo o sol se pôr em esplendor sangrento
atrás do Altar de Promessas. Era quase hora da Exultação.
Deu uma olhada em volta, pensando que, se ela ia fazer
aquilo, tinha que ser logo. Furtivamente, seus dedos
puxaram o cilindro negro do bolso no robe. Luz... ela
precisaria de luz para ativar o brilhestim. Porém... não
poderia fazê-lo enquanto alguém mais pudesse ver.
Por fim, chegou o momento que Bria esperava – o sinal
para os fiéis de que a Exultação estava prestes a começar.
Bria se posicionou na multidão para que tivesse visão
livre do sumo sacerdote e dos sacredots enquanto eles
liderassem os peregrinos na cerimônia. Porém, ela estava
bem no fundo da massa, longe o bastante para que pudesse
ocultar o brilhestim na larga manga, de modo que a
ativação não seria notada pelos T’landa Til. E os outros
peregrinos estariam tão ocupados com a Exultação que
provavelmente nem notariam um tiro de pistola.
A toda sua volta, os peregrinos caíam de joelhos. Bria se
deixou segui-los, e, ao se abaixar, abriu a tampa do frasco
de brilhestim. Sob a proteção do próprio corpo, dobrado
para a frente, puxou a dose fibrosa da droga – e se
perguntou, por um segundo insano, se ela mesma teria
preparado aquela dose.
Quando os peregrinos se prostraram, as papadas dos
sacerdotes começaram a distender. Enquanto o princípio da
vibração reverberava no ar, Bria ergueu o brilhestim,
expondo-o por completo aos últimos raios do sol poente.
Depois de alguns segundos ele se ativou, faiscando azul,
mas nenhum dos peregrinos percebeu, e o efeito ficou
escondido do sumo sacerdote. Mesmo que nunca tivesse
tomado brilhestim antes, Bria sabia exatamente quantos
segundos esperar. Um momento depois, ela enfiou a fibra
na boca e permitiu que a saliva apagasse a substância
faiscante.
Assim que ela levou a droga à boca e depois engoliu, a
Exultação começou.
Bria estremeceu como se tivesse sido atingida por um
raio de pistola. Os efeitos do brilhestim foram imediatos. O
sangue corria pelo corpo como uma nave entrando no
hiperespaço. O coração disparou.
Só que os efeitos físicos não eram nada comparados aos
mentais. A mente da peregrina se abriu de uma forma que
ela jamais conseguiria explicar depois. Quando as ondas de
Exultação a alcançaram, ela experimentou o prazer de
todos os outros peregrinos na multidão.
A sensação era tão poderosa que Bria quase desmaiou.
Só a raiva que fervia dentro de si desde que Vykk lhe tocara
aquela gravação a manteve sã e concentrada.
Tenho que... abrir... meus olhos... pensou ela. Foco...
Engasgada e ofegante, Bria abriu os olhos, estremecendo
com as ondas de prazer que a devastavam com tamanha
intensidade que estavam quase virando dor. Encarou
Teroenza, forçando a si mesma a não afastar o olhar, a
estreitar a própria mente para abarcar apenas a dele.
Imagens de natureza alienígena inundaram a mente de
Bria, entalhando-se de forma indelével em sua consciência.
Não importava o quanto ela queria esquecer, sabia que
nunca, jamais conseguiria. A mente de Teroenza, assim
como a de qualquer senciente, estava cheia de trivialidades
superficiais – perguntava-se o que comeria no jantar, estava
entediado com a cerimônia, pensava sobre as novas
medidas de segurança que os Hutts tinham lhe mandado
implementar, sentia uma pequena agitação
gastrointestinal...
Não havia o menor traço de divindade na mente do sumo
sacerdote. Ele não acreditava no Um ou no Todo. Na
verdade, Teroenza tinha orgulho de si mesmo por ter
inventado o Um e o Todo, para que aqueles peregrinos
crédulos pudessem ter algo em que acreditar.
Bria teve ânsia de vômito; sentia a boca cheia do gosto
amargo do brilhestim. Era difícil pensar com a Exultação em
curso, mas ela se obrigou a continuar sintonizada à mente
do sumo sacerdote... peneirando, assegurando-se com
certeza absoluta de que o que ele fazia era um truque
puramente físico e mental – algo que todos os machos de
sua espécie poderiam fazer quando quisessem.
De repente, Teroenza se sacudiu, olhando em volta com
ansiedade. Sua mente se encheu de desconfiança, depois
certeza – ele sabia que estava sendo sondado
telepaticamente!
A Exultação vacilou, depois enfraqueceu abruptamente
quando o sumo sacerdote parou de participar. Os sacredots
continuaram num coro esfarrapado mas, sem o líder, a
Exultação se deteve. Peregrinos gritaram, em choque, e
alguns até desmaiaram.
Bria desconectou sua mente de Teroenza e se juntou aos
peregrinos que gemiam em angústia, choravam e
cambaleavam, desorientados. Alguns se levantaram
tremendo e choramingando enquanto contemplavam
suplicantes os sacerdotes.
Teroenza desceu da plataforma junto ao Altar e se enfiou
na multidão. O T’landa Til espiava os rostos, murmurando
bênçãos distraído, enquanto tentava encobrir o fato de que
buscava em desespero o peregrino que tinha acabado de
esquadrinhar sua mente.
Felizmente, Bria estava bem no fundo do grupo, próxima
do fim do anfiteatro. Ela se deixou ser empurrada para trás,
para fora do permacreto, até que seus pés encontraram o
barro viscoso da selva. Com um único movimento rápido e
decisivo, Bria cravou o dedão do pé num monte de lama e
folhas pisoteadas e o ergueu. Soltou o cilindro de brilhestim,
que caiu no centro do buraco recém-aberto.
Bria se virou e, ao fazê-lo, o pé pisou a bola de lama de
volta no solo da floresta. A sequência de eventos toda levou
apenas um segundo.
Ela começou a se deslocar ao longo do fundo da
multidão, em direção à trilha, permitindo-se ser levada pela
maré de peregrinos incoerentes, resmungões, confusos e
insatisfeitos.
Uma cautelosa olhadela para trás assegurou que
Teroenza tinha abandonado a busca, aparentemente por ter
percebido como seria infrutífera, e o quanto seu
comportamento atípico estava aborrecendo os peregrinos.
Bria torcia para que ele descontasse a experiência toda
como sendo fruto da curiosidade de algum recém-chegado
quanto ao brilhestim.
Caminhou apática pela trilha, com passos lentos e
inseguros. Os efeitos do brilhestim tinham se esvaído tanto
que ela mal estava ciente dos pensamentos e emoções
daqueles ao seu redor.
Não ficou surpresa quando Vykk surgiu caminhando ao
seu lado. Como de costume, tomou-lhe o braço para
sustentá-la. Bria se encostou nele, agradecida pelo apoio, e
sentiu o braço do rapaz passando por sua cintura, até que
ele estava praticamente segurando-a.
As velozes trevas equatoriais agora os envolviam. Bria
mal via Vykk. Ele a guiou pela trilha, evitando as piores
poças de lama. Então, quando chegaram ao dormitório, ela
parou.
– Eu... não vou entrar agora – murmurou. – Eu preciso...
preciso falar com você, Vykk.
Ele assentiu. Seus traços mal eram visíveis sob a luz
lançada pelas portas abertas.
– Certo. Acho que ninguém se importaria se a gente
fosse para o refeitório administrativo para uma xícara de
estim-chá. Você parece estar precisando.
Juntos deram meia-volta, escuridão adentro. Bria se
encostou em Vykk enquanto eles subiam o caminho. Nunca
tinha se sentido tão cansada. Um droide teria se movido
com mais animação.
Quando chegaram ao refeitório, Vykk a sentou e foi
buscar xícaras de estim-chá, além de um doce confeitado,
que ele empurrou para Bria.
– Aqui, coma isso. Você parece estar precisando.
Obediente, ela bebericou o chá e mordiscou o doce. Não
jantara, e a comida parecia acalmá-la, trazendo o mundo de
volta a foco.
Inclinou-se na direção de Vykk, pronta para falar, mas
bem quando a peregrina abriu a boca, Vykk balançou a
cabeça em advertência.
– Acho melhor você voltar ao seu dormitório – comentou
ele bem alto. – Isso vai ensinar você a não pular refeições,
921. Achei que você fosse desmaiar lá atrás.
Recado recebido, Bria se levantou em silêncio e o seguiu
para fora.
Quando chegaram ao lado de fora, Vykk pegou e colocou
um par de óculos infravermelhos.
– Você trouxe os seus?
Bria fez que sim com a cabeça, localizou-os e os colocou.
A noite subitamente se definiu em imagens fantasmagóricas
verdes e negras. Ela via o rosto de Vykk agora, semioculto
pelos óculos.
Ele passou o braço por ela de novo quando os dois
partiram juntos pela trilha na selva.
– Você tomou o brilhestim – disse ele em voz baixa.
– Sim – confirmou ela, sentindo-se tão dormente quanto
se tivesse sido espancada até desmaiar. – Você tinha razão.
Me perdoe por ter duvidado...
– Ei – disse ele, tentando soar animado, mas fracassando
completamente. – Eu também ia querer confirmar minha
história, no seu lugar. Foi... foi difícil?
Bria assentiu com a cabeça, e de repente o sentimento
voltou, numa maré negra, deixando-a trêmula e sem fôlego.
– Ah, Vykk! – balbuciou. – Eu entrei na mente dele, na
mente de Teroenza, e foi terrível! Nada de dádiva divina, só
um senciente entediado e egoísta que quer ficar rico para
poder aumentar sua coleção!
– Calma lá – disse Vykk, segurando os ombros de Bria
para acalmá-la. – Você recebeu um choque horrível.
– Eu me sinto... me sinto... tão... traída – desabafou Bria,
entre dentes que batiam. – Foi... terrível...
– Ei, calma, querida... – Vykk a abraçou, e sua expressão
de solidariedade foi a gota d’água. Bria começou a chorar,
soluçando tão forte e devastadoramente que chegava a
doer. Vykk a ajudou a tirar os óculos, depois ficou apenas
abraçado a ela, acariciando os cabelos e murmurando
palavras carinhosas e tranquilizantes.
Bria agarrou a frente do macacão dele com as duas
mãos, torcendo e amassando o tecido, e chorando tão forte
que assustou a si mesma. Ela jamais chorara assim antes. A
sensação de desolação era terrível.
– Não... não... me resta mais nada – afirmou ela entre
espasmos de choro. – Nada... nada...
– É claro que resta – murmurou Vykk, beijando a
bochecha dela carinhosamente. – Você ainda tem nós dois,
né?
– Hã... nós dois? – sussurrou ela.
– Claro. Vamos ficar juntos, meu bem. A gente vai cair
fora deste planeta infernal e vai ser feliz.
Bria levantou a cabeça, encarando cegamente a
escuridão; mal conseguia distinguir o borrão mais claro do
rosto dele.
– Só que eles nunca deixam os peregrinos irem embora –
resmungou Bria. – Eu li isso na mente de Teroenza.
– Nós não vamos pedir para ir embora, querida. A gente
simplesmente vai.
– Fugir?
– Isso mesmo. Assim que eu conseguir bolar um jeito, a
gente vai dar o fora daqui. Já comecei a tramar. – Ele deu
um beijo rápido na bochecha dela. – Confie em mim. Tenho
experiência com esse tipo de coisa. Vou dar um jeito.
– Mas... e o seu dinheiro? – inquiriu ela. – Você está sob
contrato, e não pode romper. Se fugir, vai perder o dinheiro.
Você me contou que precisa dos créditos do seu salário para
tentar entrar na Academia. Como pode desistir disso?
Vykk encolheu os ombros.
– Um crédito é tão bom quanto qualquer outro. Eu só
tenho que tirá-lo de Teroenza de outro jeito.
A mente de Bria estava nublada com exaustão e a dor da
traição. Ela levou um minuto inteiro para perceber o que
Vykk queria dizer.
– A coleção... – sussurrou. – Você está planejando roubar
a coleção de Teroenza e fugir.
– Muito bem – respondeu ele com aprovação. – Você tem
certeza de que não está mais recebendo as transmissões de
pensamento do brilhestim?
– Acho que não estou, não – respondeu Bria, cansada. –
Só sei que você me perguntou sobre a coleção um monte de
vezes, perguntou quais itens são mais valiosos. Você
realmente acha que consegue romper as travas de
segurança e roubar a coleção?
– Não a coisa toda. Eu precisaria de um cargueiro maior
do que qualquer um em Ylesia para levar tudo embora. Vou
carregar só as coisas pequenas e realmente valiosas. – Vykk
fitou Bria intensamente. – Você vai me ajudar, né?
Bria hesitou. Roubar antiguidades ia contra tudo que ela
já acreditara. Só que as antiguidades de Teroenza não
estavam num museu, onde o público poderia vê-las. Eram
acumuladas por um colecionador particular ganancioso. Se
Vykk as roubasse, elas seriam postas de volta em
circulação, e havia uma boa chance de que pelo menos
algumas delas acabariam em exposição pública em lojas ou
galerias.
– Tudo bem – concordou Bria. Inspirou profunda e
tremulamente. – Vou te ajudar, Vykk.
– Ótimo. Eu e você, a gente vai puxar uma nave e vai
cair fora deste planeta. Tô de saco cheio do calor, da
umidade, e de saco muito cheio desses sacerdotes e da
religião fajuta deles.
Bria respirou fundo. Ir embora daqui? Nunca mais
participar da cerimônia e receber a Exultação? Como posso
viver sem ela?
Decidida, afastou a pergunta da mente. Ia conseguir, de
algum jeito. Talvez pudesse ir se libertando gradualmente
ao longo da semana seguinte, até que eles partissem.
– Tem só mais uma coisa, Vykk – comentou ela, incerta.
– O quê, meu bem?
– Muuurgh. E quanto a Muuurgh? Você me disse que ele
deu a palavra que seria tanto seu guardião como seu
protetor. O que você fará quanto a ele?
Vykk respirou fundo, e Bria viu o borrão do rosto dele se
mover quando ele balançou a cabeça.
– Esse é o vrelt na cozinha – respondeu, usando uma
velha frase corelliana para “azar” ou “desastre”. – Eu não
sei o que fazer com ele. Gosto muito do grandalhão, mas
ele me contou sobre o código de honra do povo dele. Temo
que Muuurgh será leal a Teroenza custe o que custar.
– Você quer dizer que, se descobrir o que nós estamos
planejando, ele vai nos entregar?
– Grandes chances.
– Ah, Vykk... – A voz dela estava embargada. – O que nós
vamos fazer? E se não conseguirmos escapar?
– Não se preocupe com isso, querida, deixa comigo. –
Vykk suspirou. – Se for o caso, eu cuido de Muuurgh. Eu
atiro muito melhor que ele e sou muito mais rápido no
gatilho.
– Você atiraria nele?
– Se for uma escolha entre nós dois ou Muuurgh, é, eu
vou atirar sim. Eu só queria que tivesse como convencê-lo a
vir com a gente. Se ele viesse, eu o levaria aonde ele
quisesse. E lhe daria créditos suficientes para que
continuasse sua busca.
– Busca?
– É, ele está procurando pela parceira, e veio para cá
achando que ela estaria em Ylesia; só que eu acho que ele
deduziu errado. Togorianos são raros, tão raros que eu nem
tinha ouvido falar neles até chegar aqui. Se tivesse uma
Togoriana neste planeta, seria muito fácil de encontrar.
Bria arfou, espantada.
– Mas... Vykk! Havia outro Togoriano aqui! Eu me lembro
de ter visto um deles; hum, há seis ou oito meses. Só um
vislumbre, mas tenho certeza da espécie.
– É mesmo? Era macho ou fêmea? Como se parecia?
– Não faço ideia do sexo. Acho que esse Togoriano não
era tão grande quanto Muuurgh. Era branco, com listras
laranjas... Acho. Vi uma noite, logo após a cerimônia, e
estava escurecendo.
– Tenho que contar ao Muuurgh – decidiu Vykk. – Esses
sacerdotes mentem para viver. É muito capaz que Mrrov,
acho que esse é o nome dela, esteja aqui em Ylesia esse
tempo todo. Talvez em Colônia Dois ou Três.
O rapaz se calou. Bria ficou ali parada, ruminando o que
ele tinha acabado de dizer e, finalmente, não aguentou
mais.
– Por favor, Vykk – implorou. – Diga que você não falou
sério quanto a atirar em Muuurgh se ele tentar nos impedir
de roubar a coleção de Teroenza! Tem que haver um jeito de
evitar! – Bria gostava de Muuurgh. Ao longo dos últimos
meses, os dois haviam se conhecido melhor, e a peregrina
admirava o grande felinoide.
– Vou cuidar dele, custe o que custar. Se eu for obrigado,
atiro nele. – Vykk falava com determinação. – Mas, talvez,
eu possa só... atordoar ele, ou então dar uma pancada
naquela cabeça dura, e deixar ele amarrado, para que os
sacerdotes não o culpem quando nós fugirmos.
– Ah, Vykk... – Os olhos de Bria se encheram de lágrimas
de novo. – Por favor, tente pensar em alguma coisa para
que Muuurgh não se machuque. Você é bom nisso.
– Vou pensar, querida, vou pensar...
O piloto se inclinou para frente, para pregar um beijinho
na testa da corelliana, e desta vez ela não o lembrou de
seus votos. Eu não tenho mais votos , pensou Bria
atordoada enquanto os dois voltavam ao dormitório. Nada
de votos, nada de religião... nada de nada...
Deu uma olhada de lado nas trevas.
Nada além de Vykk...

Muuurgh saiu silenciosamente da selva e seguiu a trilha.


A visão noturna do Togoriano era muito melhor que a dos
humanos; conseguia facilmente distinguir o casal distante
andando pelo caminho. Estavam quase no dormitório.
O felinoide tinha se esgueirado pela mata com cuidado
exagerado pelos últimos minutos, determinado a chegar
perto o bastante para escutar o fim da conversa – mas tinha
ouvido o suficiente.
Piloto e Bria planejavam escapar. Planejavam roubar dos
mestres dele. Piloto planejava “cuidar” de Muuurgh.
O Togoriano balançou a imensa cabeça, infeliz. Muuurgh
tinha dado sua palavra de honra aos mestres – seu curso
deveria estar claro. Mas não estava.
Ele sabia muito bem o que deveria fazer. Deveria ir falar
com Teroenza e lhe contar o que tinha escutado. Ou, talvez,
ele mesmo, Muuurgh, deveria matar Piloto e contar ao
sacerdote o motivo depois que estivesse feito.
Só que ele ficou parado ali, hesitando. Era óbvio que
Piloto estava desesperado o bastante para atirar nele para
fugir. Muuurgh tinha dado sua palavra de honra de guardar
Piloto.
Só que Piloto também era Vykk... e Muuurgh tinha
passado a pensar em Vykk como amigo. Vykk estava
determinado a defender sua mulher. Muuurgh entendia isso.
Ele faria quase qualquer coisa para defender Mrrov... se ao
menos conseguisse encontrá-la...
Muuurgh rosnou no fundo da garganta. Talvez ele
devesse se passar por amistoso, para que Piloto lhe
deixasse chegar suficientemente perto para usar os dentes
e as garras. Muuurgh era um excelente caçador. Depois que
ele pegava a presa, não havia mais escapatória.
Ele conseguiria matar Vykk para manter sua palavra de
honra?
Muuurgh rosnou de novo e voltou à selva. Naquela noite
ele ia caçar, e ia matar. Ia eviscerar e consumir a presa
fresca. Talvez isso desanuviasse sua mente, e ele então
conseguiria decidir o que fazer.
Muuurgh deslizou sob as árvores gigantes, tão silencioso
e invisível quanto um espectro.
Na manhã seguinte, Han assoviou animado enquanto
tomava banho, e nem mesmo aquela fétida e nojenta
gosma antifúngica que ele tinha que esfregar no corpo o
deprimiu. Ele e Bria iam sair daquele mundo, e ele teria
créditos de sobra depois que vendesse os itens roubados da
coleção de Teroenza. Han poderia pagar pela nova
identidade, comida e hospedagem enquanto participasse do
processo seletivo da Academia.
E, quando saísse, seria um oficial, um homem respeitado,
e Bria estaria esperando por ele...
Enxugou os cabelos molhados com uma toalha e foi até
as roupas, que estavam arrumadas no pé da cama.
Ele não teve aviso, nada mesmo. Num momento estava
andando, no outro alguma coisa o tinha agarrado e
arremessado no chão com tanta força que ele ficou sem
fôlego. Ofegou como um baleiodonte encalhado e pontos
negros voaram diante dos seus olhos.
Havia mais alguma coisa ali, também... prendendo-o no
chão, alguma coisa que tinha uma imensa pata que
segurava seu peito. Por instinto, Han ficou parado, ofegando
e tentando respirar, percebendo que a mão poderia
esmagá-lo como uma noz-dilga.
As trevas se mexiam diante dos olhos dele – não, a
escuridão era real. Real e peluda, com um ponto branco no
meio do peito e bigodes brancos eriçados. Han conseguiu
focalizar os olhos.
– Muuurgh...? – ofegou fracamente. – Que
tá’contecendo...?
Muuurgh rosnou na cara de Han, as presas enormes tão
próximas que Han as viu reluzir com saliva.
– Piloto planeja escapar, levar Bria – grunhiu. – Vykk
planeja roubar de mestres Ylesianos. Vykk planeja cuidar de
Muuurgh...
– Mas...– A mão pressionou para baixo, um pouco, e Han
desistiu, com olhos arregalados.
Muuurgh ergueu uma imensa mão-pata e a flexionou de
leve. Garras como cimitarras surgiram.
– Agora Piloto traiçoeiro vai morrer – rosnou o Togoriano.
– Não! – Han ergueu as mãos num gesto de apelo. – Por
favor! Me escuta!
– Muuurgh escutou noite passada. Muuurgh escutou
muito – retrucou o Togoriano com severidade.
– Ei, meu chapa – balbuciou Han, imaginando o que
aquelas garras fariam com sua garganta exposta. – Achei
que a gente fosse amigo!
– Muuurgh gostava Piloto. Muuurgh triste ter que matar
Piloto. Mas palavra de honra foi dada. Sem opção para
Muuurgh.
A mão começou a descer. Han apertou os olhos e
esperou o fim.
Sentiu a brisa do golpe do Togoriano passar de raspão
pela bochecha, pela garganta, mas nada o tocou. Depois de
várias eternidades, Han abriu os olhos de novo. Muuurgh o
encarava, claramente dividido.
Por fim, ele segurou Han pelo ombro e o cabelo, puxou-o
até ficar de pé, e depois o empurrou até as roupas.
– Vista-se! Muuurgh não quer sangue de piloto em suas
garras. Vamos contar a Teroenza o que Piloto e garota
planejam. Sacerdote vai mandar guardas matar traidores.
Han se apressou até a cama e começou a se vestir. Pelo
menos, ele não ia morrer pelado e molhado.
– Escuta, Muuurgh, você tem que me escutar. Por favor!
Que mal pode fazer?
– Piloto mente. Muuurgh sabe que mente. Eu não vou
escutar.
É um bom sinal de que ele está recuperando a calma,
pensou Han. A gramática que eu lhe ensinei está voltando.
Han selou a frente do macacão e se sentou na beira da
cama para calçar as botas.
– Seu povo tem um código de honra, não tem? – indagou
o rapaz, pensando mais rápido do que nunca.
– Temos.
– Se você der sua palavra de honra para alguém que te
emprega, você tem que manter, né?
– Tenho. Piloto pode se mexer mais rápido que isso. Calce
logo essas botas.
Han lentamente colocou o pé direito, com os dedos
esticados, e começou a puxar a bota.
– Bem, meu chapa, suponha que você deu sua palavra
de honra para alguém e descobriu que tudo que ele lhe
contou era uma mentira na parte dele do contrato. O que
isso faz com seu acordo? Você tem que manter sua palavra
para alguém que mentiu para você e fez você de idiota?
Muuurgh espiou Han desconfiado, mas não disse nada.
– Vamos lá, chapa, o que seu código de honra diz quanto
a fazer acordos com mentirosos, hein?
Muuurgh balançou a cabeçorra, depois suas orelhas se
achataram de raiva.
– Se um Togoriano der palavra de honra a um mentiroso,
contrato é inválido. Não há honra alguma em se lidar com
um mentiroso.
– Tudo bem – disse Han com uma onda de satisfação. Ele
pegou a bota esquerda. – Me escute bem, chapa. Acho que
Mrrov está aqui em Ylesia. Acho que Teroenza mentiu para
você.
Muuurgh encarou Han, depois estreitou os olhos azuis.
– Você mentiria para continuar vivo, Vykk.
– É, eu mentiria, chapa – admitiu Han com honestidade. –
Mas eu vou jurar pra você que não estou mentindo quanto a
isso.
– Jurar? O que é isso de “jurar”?
– É como... como uma palavra de honra, mais ou menos.
Meu povo jura pelas coisas mais importantes no universo
para eles. É como se fosse... sagrado, acho que você diria.
– Então pelo que Vykk jura?
Han pensou por um momento.
– Eu juro – começou ele, lenta e claramente – pela vida
de Bria. Você sabe como ela é... muito importante para
mim, não sabe?
Muuurgh considerou por um momento, depois assentiu.
– Tudo bem, então, eu juro para você, pela vida de Bria,
que noite passada ela me contou que viu um Togoriano
aqui, há uns seis meses ou mais. Isso se encaixaria com a
época em que você estava procurando Mrrov, não é?
Silenciosamente, o Togoriano assentiu de novo.
– Ela viu um Togoriano, Muuurgh. Pense bem. Teroenza e
seus capangas mentiram para você quando disseram que
ela nunca veio aqui. Provavelmente ainda está aqui, em
Ylesia. Provavelmente não em Colônia Um, porque seria
arriscado demais. Mas há uma boa chance de ela estar em
Colônia Dois... ou mesmo Três. Mas Colônia Dois já está lá
há mais tempo, eles têm muito mais peregrinos lá do que
em Colônia Três. Então eu aposto que ela tá em Dois. Vale a
pena conferir, né?
– E como era esse Togoriano? – indagou Muuurgh
lentamente.
Por um momento, Han se sentiu tentado a mentir, dizer
que não sabia... porque, e se ele estivesse errado quanto a
esse Togoriano ser Mrrov, e Muuurgh ficasse furioso e o
matasse ali mesmo, naquele instante? Respirou fundo.
– Bria disse que ela era branca e alguma outra cor.
Listrada. Disse que poderiam ser listras laranjas, mas que
estava quase de noite, então não tinha certeza.
Eu realmente espero que Mrrov não seja de cor sólida ou
malhada!
Muuurgh achatou as orelhas e sibilou como uma válvula
furada, dentes expostos com ferocidade. Han olhou em
volta em desespero, em busca de algo para bater na cabeça
do Togoriano, mas não havia nada ao alcance. Em silêncio,
se resignou a ser rasgado em dois.
Então o sibilo furioso de Muuurgh se transformou num
uivo doloroso de angústia. O grande alienígena caiu no
chão, segurando a cabeça e uivando um lamento ululante.
– Você descreveu ela! – grunhiu, finalmente. – Por todos
os deuses dos meus pais, será que ela estava aqui todos
esses dias enquanto eu acreditava nesses mentirosos? Eu
vou lá agora arrancar suas gargantas e comer seus
corações!
– Ufa – murmurou Han bem baixo. Que bom que deu
certo!
Muuurgh se levantou num salto, obviamente pronto para
cumprir a ameaça.
– Espere! – Han pulou e segurou um bração, pendurado
nele enquanto era arrastado pelo quarto, pela sala de estar,
quase pela porta. Cravou os calcanhares no chão e se
recusou a soltar. – Muuurgh, se você quiser ela de volta,
pare!
Muuurgh reduziu o passo, depois parou.
– Ótimo – disse Han, ofegante. – Agora vamos conversar
sobre isso como sencientes racionais, está bem? Sente-se.
Muuurgh desabou no seu catre. Han ligou a música,
depois puxou a cadeira surrada para tão perto do Togoriano
que os dois ficaram quase encostados.
– Fale baixo – sussurrou ele, e Muuurgh fez que sim com
a cabeça.
– Eu tenho um plano, acho que sei como buscar Mrrov, se
ela ainda estiver aqui em Ylesia. – Eu só espero que ela não
tenha sido despachada para as minas de especiarias,
pensou, mas não disse em voz alta. Muuurgh já sabia o que
acontecia aos escravos tão bem quanto ele.
– Certo, Vykk – respondeu Muuurgh, em voz igualmente
baixa –, me conte o plano.
Han pensou por um momento.
– Vou precisar da sua ajuda para algumas partes. Tenho
que fazer alguns preparativos e vou tentar deixar tudo que
eu puder armado antes que eu parta.
– Partir? Vykk vai partir?
– Vou, mas não estou falando da nossa fuga final. Daqui
uns dois dias eu tenho que entregar uma mensagem e um
presente de Zavval a um Hutt chamado Jiliac em Nal Hutta.
Vou ter que ficar lá e esperar por uma resposta. Nunca
estive em Nal Hutta e não conheço as manhas por lá, mas
Jalus Nebl conhece.
Muuurgh fez que sim com a cabeça para mostrar que
estava prestando atenção e começou a limpar os bigodes
brancos, nervoso.
– Então, tudo bem. A Sonho é pequena demais para três.
Vou comentar isso com Teroenza e dizer a ele que Nebl quer
voltar a voar como meu copiloto. Tenho certeza de que ele
vai concordar em deixar eu e Nebl irmos nessa missão
juntos. Vou sugerir que você fique aqui, porque não vai ter
lugar pra você.
Han se levantou e começou a andar de um lado ao outro.
– Os sacerdotes sabem que você gosta de caçar, né?
Então, quando eu receber permissão para levar Nebl
comigo, você deve pedir para passar uns dois dias caçando.
Você consegue correr bem rápido em terreno irregular, né?
– Muito rápido – concordou o Togoriano. – Rápido o
bastante para rastrear e matar presas.
– Você acha que consegue chegar a pé em Colônia Dois?
– Sim. – Muuurgh parecia ter certeza.
– Bem, é a nossa melhor chance. Se Mrrov ainda estiver
aqui em Ylesia, há mais de 50% de chance de que esteja em
Colônia Dois. Você deveria ir lá e dar uma olhada, descobrir
se ela está lá mesmo.
– E resgatar ela! – Muuurgh se levantou num salto.
– Não! – retrucou Han. – Fique sentado . Essa seria a pior
coisa que você poderia fazer. Eles iniciariam uma busca
planetária por vocês dois. Usariam sensores sintonizados
em sinais togorianos para encontrar vocês. Então vocês
seriam capturados e provavelmente mortos. Ou mandados
para as minas de Kessel, o que dá no mesmo.
– Você quer que Muuurgh veja Mrrov e não deixe que ela
veja ele?
– Exatamente. É só você encontrar ela, descobrir onde
ela dorme, come, essas coisas. Então, quando chegar a hora
da nossa fuga, eu e você damos um pulo em Colônia Dois e
tiramos ela de lá. Eu andei fazendo reconhecimento noturno
por estas bandas, no caso de você não ter notado.
– Muuurgh notou – respondeu o Togoriano secamente. –
Todo lugar que Vykk ia, Muuurgh estava atrás dele,
vigiando. Como você acha que eu sabia que tinha que ouvir
quando você levou Bria de volta para dormitório?
– Bem, de qualquer maneira, eu descobri como criar uma
distração que vai manter os guardas ocupados enquanto a
gente pega as melhores coisas da coleção. E eu sei onde o
centro de comunicações fica. Eu vou me assegurar de que a
conexão entre as colônias esteja rompida na hora da gente
cair fora. Então a gente dá um pulo em Colônia Dois e,
antes que eles saibam o que está acontecendo, a gente
agarra Mrrov e dá no pé deste planeta. Aí eu levo vocês dois
de volta a Togoria, tudo bem?
Muuurgh olhou para Han, estreitando os olhos azuis
enquanto os bigodes estremeciam de emoção.
– Você faria isso por Muuurgh e Mrrov?
– Sim. Eu juro. Se você ajudar Bria e eu a invadir e roubar
as coisas de Teroenza, eu juro para você que não vamos sair
daqui sem Mrrov.
O Togoriano grandalhão pensou nisso por um longo
tempo, depois olhou nos olhos de Han.
– Eu vou ajudar. Palavra de honra.
Han assentiu com a cabeça.
– Negócio fechado, meu chapa.

Naquela mesma noite, Han foi até a sala de tesouro de


Teroenza se encontrar com Bria. Estava se perguntando se
ela iria à cerimônia agora que sabia que era falsa. Parado do
lado de fora, Han bateu na pesada porta revestida de metal.
– Sou eu – disse ele em resposta à voz dela do lado de
dentro.
A porta se abriu, e Bria saiu. Han arregalou os olhos.
– Ei! Você está linda !
Pela primeira vez desde que Han a conhecera, Bria
dispensou os robes beges e o chapéu. Em vez deles, ela
vestia uma túnica azul-clara simples e calças. Mesmo não
sendo reveladoras, as roupas evidenciavam uma silhueta
esguia, mas definitivamente feminina.
– O Exaltado Teroenza me disse que eu poderia dispensar
meus robes de peregrina quando estivesse trabalhando com
a coleção – explicou ela. Quando notou a ternura nos olhos
do piloto, Bria corou um pouco, mas sorriu. – Ele temia que
eu esbarrasse com o robe em algum artefato precioso e o
derrubasse da estante.
– Bem, eu aprovo – comentou Han. – Topa tomar uma
xícara de chá?
– Claro.
Quando os dois estavam sentados no refeitório
administrativo, com xícaras de estim-chá diante de si, Bria
sorriu timidamente para Han.
– Então... você realmente gosta da minha aparência?
– Pode crer. Você é a garota mais bonita deste planeta,
sem brincadeira.
Bria sorriu, só que o sorriso se desfez e ela pareceu
preocupada.
– Parece que você não é o único a pensar assim, Vykk...
– Como assim?
– Tive a experiência mais estranha com Ganar Tos, o
mordomo de Teroenza, hoje de manhã. Ele aparentemente
nunca tinha visto além dos robes de peregrina, só que,
quando eu vesti estas roupas, ele me notou pra valer. Ficou
me seguindo por uma hora enquanto eu tentava reorganizar
algumas peças, puxando conversa, ou pelo menos tentando.
Aqueles olhos vermelhos-alaranjados dele me dão arrepios.
Ele é velho, mas é óbvio que ainda tem... hum... vida de
sobra dentro de si, se você me entende. Vida masculina.
Han se recostou.
– Você quer dizer que o velho safado estava dando em
cima de você?
Bria teve um calafrio.
– Temo que sim. Ele queria saber qual era a minha idade,
se eu já fui casada, se já tive filhos. Perguntou por que
acabei vindo parar em Ylesia para ser peregrina. Perguntas
muito pessoais! Ele foi muito intrometido.
Han se inclinou para a frente.
– Então, por que você veio para cá, afinal? Ou você acha
que isso é pessoal demais para me contar, também?
Ela sorriu languidamente.
– Claro que não, Vykk. Por que eu vim parar aqui? Parece
que foi há tanto tempo que é difícil de lembrar. Eu estava
passando por um momento ruim. Tinha acabado o ensino
médio e tinha um pouco de medo de ir para a universidade.
Nunca ficara sozinha antes. Mamãe sempre me manteve em
rédea curta e me deixava com a impressão de que eu não
era capaz de fazer nada direito. Que eu fosse muito
estudiosa e muito comportada não era suficiente para ela. –
Bria sorriu um sorriso nada simpático. – Papai me encorajou
a seguir uma carreira, mas mamãe só conseguia pensar em
me arranjar “um marido fantástico”. Achou que seus sonhos
se realizaram quando comecei a namorar Dael.
Han sentiu uma pontada de ciúmes, mas lembrou a si
mesmo que houve algumas garotas no seu passado. Mais
do que algumas, na verdade...
– Estávamos prestes a noivar quando eu o peguei no
flagra com outra garota. Então terminei tudo. Mamãe ficou
furiosa comigo por acabar com Dael. Ele era de uma das
famílias mais ricas de Corellia, e ela já tinha começado a
planejar o casamento. – Bria suspirou. – Ela me mandou
procurar Dael e pedir desculpas, fazer ele me aceitar de
volta. Pela primeira vez na minha vida, eu lhe disse “não”.
– Sua mãe parece uma mulher muito... determinada –
comentou Han cautelosamente.
– Determinada não é palavra. Mamãe tinha me
empurrado para cima de Dael desde que éramos colegas de
escola, e eu nunca tive coragem de dizer a ela que eu nem
gostava muito dele. É engraçado – seus olhos azuis
esverdeados ficaram úmidos –, eu não queria muito Dael,
mas quando eu soube que ele andava ficando com outra
mulher pelas minhas costas, me senti traída e com o
coração partido. As pessoas são estranhas, não são?
Han concordou com a cabeça.
– Continue – encorajou.
– Bem, foi por volta dessa época que eu ouvi que um
missionário Ylesiano estava promovendo reuniões. Eu
estava me sentindo muito mal comigo mesma, porque sabia
que simplesmente não conseguia fazer nada direito. Isolada,
sabe? Separada de todo mundo. Então eu fui à reunião. O
sacerdote Ylesiano encerrou o serviço com alguns poucos
segundos de Exultação... e aquilo me fez me sentir tão bem
. Como se o meu lugar fosse com aquelas pessoas. Então eu
vendi minhas joias, fugi de casa e peguei a próxima nave
para Ylesia.
Ela sorriu melancólica.
– Então essa é minha história. Voltando ao assunto em
questão, o que você acha que eu deveria fazer para manter
o pobre e velho Ganar Tos à distância?
– Bem, se ele te incomodar muito, fale com Teroenza.
Tenho certeza que ele não quer que nada interfira com o
seu trabalho e, se Ganar Tos estiver atrapalhando, então ele
vai acabar com isso.
– Certo – concordou Bria, se animando. – É uma boa
ideia.
– Você vai à cerimônia? – perguntou Han, olhando Bria
com seriedade.
Ela balançou a cabeça.
– Não. Não quero ir.
– Eles não vão notar que você não foi?
– Eu sempre posso dizer que fiquei com dor de cabeça ou
que fiquei trabalhando até tarde. A maioria dos peregrinos
mal pode esperar para ir, então eles não controlam quem
vai.
– Verdade. Que tal uma caminhada, então?
– Vamos.
Uma vez do lado de fora, Han esperou até chegar às
Planícies Floridas para tocar no assunto que tinha em
mente. Resumiu rapidamente a interação daquela manhã
com Muuurgh. Bria ficou alarmada ao descobrir que o
Togoriano tinha escutado a conversa da noite anterior e
comentou isso com Han.
– É, eu também fiquei preocupado – respondeu Han. – O
grandalhão sabe ser silencioso de verdade quando quer.
Não é de se espantar que ele diga que é o melhor caçador
do planeta. Aparentemente, me seguiu todas as vezes que
eu saí para fazer reconhecimento do terreno e descobrir a
melhor maneira de escapar daqui.
– É melhor nós tomarmos cuidado com a nossa
localização quando discutirmos os planos de fuga –
comentou ela, olhando em volta nervosamente.
– Por que você acha que eu trouxe a gente até aqui antes
mesmo de tocar no assunto? As árvores aqui têm ouvidos. A
gente tem que ser muito cuidadoso. Noite passada foi só
Muuurgh, então está tudo bem, mas podia ter sido qualquer
um dos camaleões que eles usam de guarda lá na fábrica de
brilhestim.
Bria estremeceu com a ideia.
– Então, o que você tinha para me contar?
– Muuurgh vai pedir para sair numa viagem de caça
enquanto Jalus Nebl e eu vamos na missão para Nal Hutta.
Estamos com tudo armado. Teroenza aprovou meu pedido
para levar Nebl comigo hoje. Nal Hutta fica a dois sistemas
de distância, e vamos levar quatro, talvez cinco dias.
Prometi a Muuurgh que ele teria esse tempo para descobrir
se Mrrov ainda está aqui e que, se ela estiver, a gente vai
levar ela junto.
– Isso seria bom – concordou Bria. – Odiei a ideia de
deixar Muuurgh para trás. Se Teroenza ficar furioso o
bastante, ele provavelmente o mataria por nos deixar
escapar, quer fosse culpa dele ou não.
– Verdade. – Han suspirou. – Eu só queria descobrir um
jeito de invadir os aposentos de Teroenza e vasculhar o
lugar até achar onde ele guarda os códigos de acesso das
naves e os códigos de segurança da coleção. Até agora,
estou empacado. Sei como manter os guardas ocupados, só
que, se eu não conseguir os códigos, talvez tenha que
mudar os planos. Quem sabe tacar fogo no Centro de
Hospitalidade ou coisa assim.
– Códigos de segurança? – Bria franziu o cenho e fechou
os olhos. – Códigos de segurança... – Ela respirou fundo e
começou a recitar uma sequência de números, símbolos e
letras.
– Parece que é isso mesmo! – Han segurou o braço de
Bria, empolgado. – E como você descobriu?
Bria abriu um sorriso trêmulo.
– Estavam na mente de Teroenza. Temo que estejam
gravados na minha, junto com tudo mais. Eu queria poder
esquecer os códigos e todas as outras coisas, só que não
consigo.
Han segurou os ombros dela e lhe deu uma chacoalhada
animada.
– Bem, não deseje isso até que a gente esteja fora deste
buraco imundo. Bria, querida, isto é ótimo! Você me poupou
um trabalhão.
Ela deu outro sorriso incerto.
– Paguei um preço horrível por isso mas, se nos ajudar...
acho que valeu a pena.
– Vai valer – prometeu Han. – Confie em mim. Eu juro que
vai valer.
Ela assentiu com a cabeça.
– Então a gente só precisa evitar criar suspeitas até que
estejamos prontos para dar no pé. Vai ser fácil para mim;
Nebl e eu estaremos em Nal Hutta. Você acha que consegue
manter tudo na normalidade por aqui até eu voltar?
– Acho que sim. Mas... não demore!
– Não vou demorar, querida.
Bria lhe lançou um olhar suplicante.
– Depois que nós estivermos livres, poderíamos ir a
Corellia, Vykk? Quero ver minha família de novo. Quero que
eles saibam que eu estou bem.
Han lhe deu um sorriso tranquilizador.
– Claro, meu bem. Eu tenho alguns assuntos a resolver
em Corellia, então essa vai ser uma das nossas primeiras
paradas, tudo bem?
Bria abriu um sorriso radiante em resposta.
– Tudo bem.

Quando Vykk a deixou à entrada do dormitório, Bria disse


a si mesma que só ia dar um pulo no andar de cima e tirar
um cochilo até que fosse hora do jantar. Se alguém
perguntasse, ela alegaria uma dor de cabeça como
desculpa para perder a cerimônia.
Porém, quando chegou ao quarto, Bria pegou o robe e o
chapéu e ficou parada, segurando-os. Amanhã, pensou ela.
Vou começar amanhã. Afinal, tive dois dias difíceis.
Ninguém poderia esperar que eu perdesse a Exultação
assim. Vou precisar de um dia para me preparar...
E, antes que soubesse o que estava fazendo, Bria se
pegou de volta nos trajes de peregrina, avançando
apressada pela Trilha da Imortalidade, em direção ao Altar
das Promessas...
Dois dias depois, um Han nervoso e um Jalus Nebl
plácido esperavam do lado de fora do salão de audiências
de Jiliac, o Hutt, no seu Palácio de Inverno. Um pequeno
dispositivo de hologravação jazia aos pés de Han; tinha sido
criado para projetar um simulacro audiovisual do remetente.
Nebl endireitava uma grande e elaborada caixa sobre um
suporte antigrav. A caixa continha o presente que Zavval, o
Hutt, tinha mandado para seu parceiro de negócios, e
ocasionalmente rival, Jiliac.
– Quanto tempo será que a gente vai ter que esperar? –
resmungou Han, nervoso, dando alguns passos. – Já faz
quase uma hora.
– Para uma audiência com um líder de clã, isso não é
nada – respondeu Jalus Nebl. – Uma vez eu esperei dois dias
só para alcançar a antecâmara. E, não se esqueça, nós
temos que aguardar uma resposta. Uma vez eu esperei uma
semana.
– Não me fala uma coisa dessas – reclamou Han. – Não
quero escutar sobre tudo o que pode dar errado. Ainda acho
difícil de acreditar que a gente vai sair vivo deste lugar.
Hutts são famosos pelo mau humor, sabe.
– Eu já disse, estamos perfeitamente seguros – insistiu o
Sullustano.
– Perdoe-me pela minha burrice, mas como você pode ter
tanta certeza disso? – retrucou Han.
– Há muito tempo, nos primeiros dias após a chegada
deles a Nal Hutta, os Hutts perderam tantos mensageiros
que a comunicação entre os clãs foi completamente
rompida, e todo mundo perdeu lucros com isso – explicou
Nebl. – Então todos os clãs fizeram um pacto: um
mensageiro de um Hutt a outro é sacrossanto. Enquanto
estivermos entregando a mensagem de Zavval e levando
sua resposta, não podem nos tocar ou atrapalhar de forma
alguma.
– É, espero que você esteja certo – resmungou Han. Deu
uma olhada na grande caixa. – Então por que ele está
mandando um presente?
Nebl balançou a cabeça.
– Presentes são tradicionais. Para ganhar a atenção de
um Hutt, você precisa apresentar-lhe um presente ou uma
ameaça. Às vezes, os Hutts fazem as duas coisas ao mesmo
tempo.
Han fez uma careta.
– Esquisito. Você não faz ideia mesmo do que tem aí
dentro? Essa caixa é grande o bastante para conter
praticamente qualquer coisa. Até um cadáver, se você
dobrasse todo. Eu me sentiria melhor se eu soubesse.
– A caixa está selada – observou Nebl. – Se nós a
abríssemos, sua excelência Jiliac saberia. Não queremos
criar problemas.
– É... eu sei. – Han fez outra careta e, para se distrair das
preocupações, deu uma olhada em volta.
A antecâmara tinha teto alto, com claraboias. Era
construída com pedra de cor clara, e as paredes pálidas
estavam revestidas com tapeçarias que tinham sido tecidas
(pelo que se dizia) pelos inimigos de Jiliac enquanto eles
definhavam na masmorra dele, esperando pela misericórdia
da execução. Uma delas ilustrava o planeta natal original
dos Hutts, o desolado e infértil mundo de Varl. Outra
mostrava o grande cataclismo que o destruíra há muito,
muito tempo. Ainda outra tapeçaria exibia a grande
diáspora dos Hutts para Nal Hutta, no sistema Y’Toub. Han
sabia que Nal Hutta significava “joia gloriosa” em huttês.
A última tapeçaria era um retrato em tamanho real do
próprio Jiliac, reclinando-se em seu pódio extravagante, mas
de bom gosto.
Han não tinha visto muita coisa de Nal Hutta, já que ele e
Nebl tinham sido enfiados num landspeeder com droide
chofer e levados para o sul, para o remoto Palácio de
Inverno de Jiliac. O retiro do poderoso Hutt ficava numa
pequena ilha próxima ao equador. Jalus Nebl informou Han
que ele era sortudo – que essa ilha era, em comparação ao
resto de Nal Hutta, um verdadeiro “jardim” naquele mundo
úmido e nauseante.
A ilha o lembrava de Ylesia – quente, úmida e cheia de
árvores gigantes coalhadas de cipós imensos.
A atenção de Han se voltou ao aqui e agora quando
percebeu que Dorzo, o mordomo Rodiano de Jiliac, os estava
chamando.
– Sua suprema excelência Jiliac, líder de clã e protetor
dos justos, os verá agora.
Han catou o gravador apressadamente, e em seguida ele
e Nebl entraram na câmara de audiências.
Era imensa. Han caminhou pela nave central em direção
ao pódio, sentindo a textura luxuriante de um carpete
caríssimo sob suas botas. A câmara estava lotada de puxa-
sacos obsequiosos de todas as espécies, dançarinas e
dançarinos trajados com muito bom gosto e uma orquestra
num canto. Uma enorme mesa de bufê coberta com a
comida de uma dúzia de mundos fez as narinas de Han se
agitarem quando ele se lembrou subitamente de que não
tinha almoçado.
Jiliac se reclinava num pódio de audiências, fumando
alguma coisa que Han não conseguia identificar e que
jamais gostaria de provar. Até mesmo o leve sopro de
fumaça que ele recebeu fez sua cabeça girar.
Jalus Nebl deu uma cutucada em Han, que deu um passo
à frente, nervoso.
– Todo poderoso Jiliac – disse ele em huttês, relembrando
o discurso que Zavval tinha ensaiado com ele. – Viemos em
nome de nosso mestre Ylesiano, Zavval, o Hutt, para lhe
trazer uma mensagem e um presente. Primeiro, o
presente... – Fez um gesto para Nebl, e o Sullustano se
adiantou, conforme combinado.
Jiliac contemplou os dois, depois ordenou, em huttês:
– Abra. Quero ver o que Zavval considera digno de mim.
– Sim, Vossa Excelência – guinchou o Sullustano, que
tratou de cortar todos os selos e desfazer todas as travas.
Han observou fascinado enquanto o Sullustano erguia a
tampa e puxava dois globos cristalinos com suportes de
bronze, que ele equilibrou um sobre o outro, e depois
colocou a geringonça toda sobre uma sólida base curva de
bronze.
Todo o metal era entalhado com desenhos em ouro e
prata. Havia um pequeno compartimento na parte inferior
do globo traseiro que continha algum tipo de bateria,
pensou Han. O corelliano fitou a coisa, perplexo. Não fazia
ideia do que era.
Jiliac, por outro lado, fazia.
– Um combo de narguilé com lancheiraquário! –
ribombou, falando, obviamente, em huttês, que, àquela
altura, Han entendia muito bem. – E quase à altura da nossa
grandeza! Era bem o que eu queria! Como é que ele soube?
– Voltou sua atenção aos mensageiros de novo e continuou,
mais formalmente. – Mensageiros, o presente de Zavval me
agrada. Vamos torcer para que a mensagem também o
faça. Ative-a, humano.
Han se curvou profundamente, pôs o gravador numa
mesa baixa e o ligou. No instante seguinte, um
holossimulacro de Zavval surgiu, ocupando o espaço diante
da plataforma de Jiliac.
– Meu caro Jiliac – dizia Zavval, estendendo uma das
mãos para Jiliac, como se ele realmente pudesse ver o outro
e estivesse presente de verdade. – Ao longo do último ano,
algumas ocorrências infelizes assolaram nossas operações
de transporte de cargas ylesianas. Naves desapareceram, e
uma delas foi atacada. Como um dos líderes do nosso
Kajidier, era meu dever investigar essas incursões tão
desprezíveis.
A expressão de satisfação de Jiliac tinha desaparecido.
Han lançou um olhar nervoso ao Sullustano. Eu realmente
espero que ele tenha razão quanto à nossa segurança!
– Nós rastreamos esses supostos “piratas” a Nar
Shaddaa, e recentemente os meus agentes capturaram e
interrogaram um dos capitães dessas naves. O infeliz
indivíduo revelou, antes de sucumbir a um coração fraco,
que foi recrutado e enviado nessas missões ignóbeis por
você e seu sobrinho-neto, Jabba. Sua inimizade nos magoa
profundamente e, acima de tudo, reduz nossa margem de
lucro. Esteja advertido, Jiliac. Deixe nossas remessas em
paz. Quaisquer outros ataques produzirão represálias
velozes contra você e seu clã. Reunimos uma grande frota,
que certamente aniquilará suas míseras forças.
Reunimos? pensou Han angustiado. Somos só eu e Nebl!
Zavval está blefando. Ou será que ele contratou mais
pilotos recentemente?
A mensagem de Zavval continuou, inexorável.
– Aceite nosso presente como uma oferenda de paz ou
aguarde as consequências severas, dentre as quais sua
morte será uma das mais leves. Jiliac, apelo a você, em
nome da irmandade Hutt, que pare de sequestrar e
aterrorizar nossas naves. Podemos lucrar muito mais se
trabalharmos juntos em vez de enfrentarmos uns aos
outros.
A essa altura, Han e o Sullustano recuavam
aterrorizados, pois Jiliac inchava como uma ferida
envenenada.
– Atenda à minha advertência, Jiliac. Cesse seus...

AiiiiiieeeeeeaaaaaaarrrrrrrRRGGGGGGGGGGHHHHHHHHHH
HHH!!!
O grito de fúria de Jiliac fez Han e Nebl saltarem para trás
da mesa de bufê. A cauda do lorde Hutt chicoteou num
largo arco para atingir o dispositivo de gravação, que foi
atirado longe. A imagem de Zavval desapareceu.
Jiliac deslizou adiante. Han assistiu em fascinação
horrorizada. Era a primeira vez que via um lorde Hutt se
mover por conta própria.
– Mensageiros! – gritou Jiliac. – Adiantem-se!
Devagar e com relutância, Han e Nebl contornaram a
mesa engatinhando e se levantaram tremulamente.
– Pois não, todo-poderoso Jiliac? – indagou Nebl. Han não
conseguia falar.
– Mando vocês de volta àquela infestação parasítica de
vermes que se chama de Zavval – bradou Jiliac, com a
cauda chicoteando enquanto ele andava de um lado ao
outro. – Digam-lhe que caluniou a mim e meu sobrinho,
Jabba. Digam-lhe que sua tentativa apalermada de me
provocar a um ataque precipitado fracassou
completamente. Eu vou aguardar o momento propício. Ele é
um Hutt morto, mas, por enquanto, concederei a graça de
permitir que finja estar dentre os vivos. Somente eu
decidirei quando ele morrerá, e será de acordo com a minha
conveniência. Vocês entendem, mensageiros?
– Entendemos, ó todo-poderoso! – declarou Han, depois
de recuperar a voz. Era óbvio que Jiliac os estava
dispensando, e Han não queria nada mais que sair daquele
planeta. Curvou-se, e curvou-se de novo. – Eu direi a ele
exatamente o que o senhor disse!
– Ótimo! Vocês podem ir. Levem minha mensagem a
Zavval, imediatamente!
Curvando-se, Han e Nebl saíram do salão de audiências
de costas. Uma vez do lado de fora, saltaram
apressadamente no transporte e mandaram o droide-
motorista voltar ao espaçoporto o mais rápido possível.
Han nunca ficara tão feliz em ver a Sonho Ylesiano
esperando por ele. O corelliano e Jalus Nebl correram pelo
campo de pouso, subiram pela rampa e se jogaram na
cabine de controle.
Foi só quando eles estavam no espaço e Han puxou a
alavanca que os lançou ao hiperespaço que conseguiu
recuperar o senso de humor em quantidade suficiente para
abrir um sorriso para o Sullustano.
– Bem, Nebl, não podia ter ido melhor, hein?
O Sullustano revirou os imensos olhos úmidos.
– Você ainda não entendeu, Vykk. Quando se está
lidando com Hutts, há engrenagens dentro de engrenagens
dentro de engrenagens. É completamente possível que
Zavval tenha mandado a mensagem porque nós estamos
vulneráveis, para evitar que Jiliac ataque mais abertamente.
Nós somos meros lacaios. Vemos só uma parte do quadro
geral. Podemos apenas rezar para nossos deuses para
jamais enfurecer um Hutt. Seria melhor estar morto, e isso
não é um eufemismo.
Han concordou com a cabeça.
– Eu acredito. Ainda assim, se eu fosse Zavval, não
dormiria muito bem à noite. Ele pode não ter muito tempo
de vida.

Muuurgh deslizou pela selva na penumbra do curto


crepúsculo ylesiano. Tinha levado um dia e meio para
percorrer os 147 quilômetros até Colônia Dois. Parte da
lentidão tinha sido causada pela perigosa travessia do rio
Gachoogai. Ficou tão cansado depois de lutar contra a
poderosa correnteza que teve que tirar duas horas da
jornada para caçar, e mais uma para dormir. Ainda estava
exausto com a provação, mas finalmente tinha chegado.
Prestou atenção nos sons de cânticos enquanto
contornava o perímetro do complexo. Até onde ele sabia,
Colônia Dois seguia a mesma programação que Colônia Um,
então os peregrinos deveriam estar na cerimônia
vespertina.
Suas narinas se abriram no que ele testava o vento,
farejando constantemente em busca de rastros togorianos.
Várias vezes, Muuurgh ficou de quatro e avançou, farejando,
aspirando os odores deixados pelos peregrinos que tinham
passado por ali recentemente.
Cinco minutos depois, levou um baque como se tivesse
sido atingido com um aguilhão atordoante. Mrrov! Mrrov
passou por aqui, não mais que um dia atrás! Movendo-se
cautelosamente ao redor dos prédios, ele primeiro localizou
o dormitório onde ela dormia, depois a fábrica onde ela
trabalhava.
Por fim, seguiu a trilha de cheiro mais recente por um
caminho que certamente levaria ao Altar das Promessas.
Pelo jeito, Colônia Dois era organizada com uma planta
idêntica a Colônia Um.
Sem verificar mais adiante, o Togoriano desapareceu de
volta na selva e foi o mais rápido possível até o local de
cerimônias. Por um momento, perguntou-se se Mrrov
farejaria o rastro dele , mas era pouco provável. Ele tinha se
encharcado por completo naquele rio e tinha evitado
instintivamente esbarrar em qualquer coisa e deixar marcas
de cheiro. Não queria que Mrrov tentasse segui-lo de volta a
Colônia Um e se perdesse na mata quando a trilha fosse
interrompida pelo rio.
O Togoriano chegou bem a tempo de resistir às ondas
mentais e físicas da Exultação. Muuurgh estreitou os olhos e
esquadrinhou os vultos que se retorciam à sua frente...
...e encontrou Mrrov. Ela se contraía, mas não chegava a
se retorcer... e havia algo de falso na forma como ela se
movia que permitia que ele a localizasse facilmente.
Ela está fingindo, pensou Muuurgh. Eu sabia que Mrrov
era forte demais para ser enganada por esses mentirosos
por muito tempo!
O Togoriano forçou os olhos para divisar cada linha dela
sob o robe de peregrina. Porém, ele só conseguia ver
claramente a cabeça, listras alaranjadas contrastando
vividamente com o branco. Ele desejava ver os lindos olhos
amarelos, mas estava atrás dela, para a direita. Mrrov não
conseguiria vê-lo.
Por um segundo, Muuurgh quase jogou a cautela e seu
juramento a Vykk para o alto – teve que fazer um enorme
esforço para não sair correndo pela massa de peregrinos,
agarrar sua prometida e carregá-la para a selva.
Só que Muuurgh tinha dado sua palavra de honra a Vykk.
Mrrov não poderia saber que ele estava ali.
Quando os peregrinos se levantaram cambaleantes, com
o fim da Exultação, os olhos de Muuurgh se arregalaram ao
ver que Mrrov vestia uma faixa azul – assim como mais uns
cinquenta dos cem peregrinos na cerimônia.
Aquela faixa! Aquela é a faixa dos Escolhidos! Ah, não!
Muuurgh quase sibilou bem alto sua frustração e medo. Já
estava em Ylesia há muitos meses. Já vira aquelas faixas
antes.
De fato, conforme os peregrinos começaram a se
dispersar na noite, o sumo sacerdote se adiantou para
chamá-los com sua voz ribombante.
– Todos os peregrinos que receberam faixas azuis hoje,
por favor fiquem para trás! Seu sumo sacerdote tem um
anúncio a fazer.
Obedientes, os peregrinos com faixas azuis
interromperam a caminhada em direção à trilha e seguiram
ao altar. Mrrov aparentava estar pensando em arrancar a
faixa e correr dali, mas não fez nada. Muuurgh uivou por
dentro. Será que ela sabe o que as faixas significam?
– Aqueles de vocês que receberam as faixas azuis estão
sendo honrados como Escolhidos. Sua fé e devoção ao Um e
ao Todo nos fizeram selecioná-los para esta honra singular.
Amanhã à noite vocês receberão sua última Exultação aqui
neste Altar. Ao amanhecer da manhã seguinte, vocês serão
levados numa espaçonave para se encontrar com nossos
missionários, e cada um será selecionado por um deles para
acompanhá-lo e espalhar a palavra do Um e do Todo.
Muuurgh ouviu os murmúrios excitados e gananciosos da
multidão e sabia que os verdadeiros peregrinos estavam
extasiados com a implicação de que poderiam receber
Exultações sem compartilhá-las com centenas de outros
peregrinos.
Idiotas... foi o primeiro pensamento do Togoriano. Eles
não passam de meros bists ou etelos, dignos apenas de
serem caçados e devorados. Essas espaçonaves vão levá-
los apenas às minas de Kessel ou às casas de prazer dos
soldados imperiais. Nunca mais receberão nenhuma
Exultação, viverão a degradação e a miséria, e a maioria
morrerá dentro de um ano...
O segundo pensamento eriçou o pelo de sua nuca e
espinha. Só um dia e meio até que ela seja despachada
daqui! E, como os soldados imperiais só querem
humanoides nas casas de prazer deles, isso quer dizer que
Mrrov está destinada às minas de Kessel. Eles devem
pensar que, como ela é Togoriana e forte, vai durar um
tempão nas minas...
Muuurgh socou o tronco de uma árvore. Malditos sejam,
o tempo é muito curto! Os senhores Ylesianos certamente
vão chamar Vykk ou o Sullustano para transladar esses
peregrinos à estação espacial para aguardar o cargueiro
que virá de Kessel. Tenho que voltar a Colônia Um para
ajudar Vykk, de modo que todos possamos escapar juntos!
Muuurgh se levantou num salto e cavalgou pela selva,
sentindo o medo afastar o cansaço de seu corpo. Virou-se
para sudeste, rumo a Colônia Um. Não havia tempo a
perder... A vida de Mrrov estava em risco.
O Togoriano correu, saltando troncos e córregos,
abaixando-se sob arbustos. O fôlego veio com facilidade,
mas Muuurgh sabia que não ia durar muito. Ele já estava
fatigado – mas não ia permitir que isso atrapalhasse.
Como uma sombra negra numa noite ainda mais escura,
o Togoriano correu...

A cerimônia tinha acabado, e Bria seguia para a trilha de


volta ao dormitório quando Ganar Tos surgiu caminhando ao
seu lado. Ela se enrijeceu, manteve a cabeça baixa e se
recusou a erguer o olhar. Eu queria que Vykk já tivesse
voltado! Já faz três dias que ele partiu... Ganar Tos não
estaria me seguindo assim se Vykk estivesse aqui...
O idoso Zisiano tentou segurar o braço dela, mas Bria o
puxou. O mordomo sorriu e se posicionou à frente da
peregrina, barrando seu caminho.
– O Exaltado Teroenza deseja falar com você, Peregrina
921 – disse ele.
Ah, não! pensou Bria, sentindo como se seu coração
tivesse parado e depois recomeçado a bater contra o seu
peito tão forte que ela temeu que Ganar Tos pudesse ouvir.
Teroenza descobriu que fui eu quem sondou a mente dele
telepaticamente!
– O qu-que ele quer? – Ela conseguiu perguntar com
lábios rígidos, considerando se deveria simplesmente sair
correndo. Talvez conseguisse se esconder na selva por um
dia ou dois até que Vykk voltasse...
– Ele tem algo a conversar com você – respondeu Tos,
sorrindo para ela. Bria estremeceu com aquele sorriso, mas
decidiu que correr não adiantaria de nada. Os guardas
simplesmente a rastreariam e a matariam...
Então ela deu meia-volta e seguiu para o Altar das
Promessas.
Quando alcançou Teroenza, o sumo sacerdote a espiou
do alto enquanto ela prestava os respeitos. O coração de
Bria batia muito forte, e ela estava tão assustada que se
sentia tonta.
– Peregrina 921 – começou Teroenza em sua voz
retumbante. – Você nos serviu fielmente, e eu estou
satisfeito com você. Também estou satisfeito com meu fiel
servo, Ganar Tos. Quero recompensar vocês dois.
Bria deu uma olhada de lado no Zisiano, cujos olhos
alaranjados praticamente brilhavam de felicidade. Ah, não.
Estou com um mau pressentimento quanto a isto...
Teroenza apontou o mordomo.
– Ganar Tos me pediu sua mão em casamento e fico feliz
em anunciar que eu concedi o pedido. Venha aqui na minha
frente, e eu pronunciarei as palavras para torná-la a esposa
dele.
Bria arfou e tentou decidir se deveria se deixar desmaiar.
Tinha a sensação de que conseguiria – pontos pretos
flutuavam diante dos seus olhos, e tinha um zumbido nos
ouvidos. Então Bria sentiu uma onda de prazer engolfá-la,
um prazer tão delicioso que ela quase desmaiou daquilo. A
sensação era tão intensa, calorosa, amorosa, que ela quase
teria concordado com qualquer coisa, só para que não
acabasse.
Porém, bem quando ela estava pronta para assentir
como um zumbi obediente, o rosto de Vykk surgiu diante
dos olhos dela. Bria endireitou as costas e ergueu o queixo.
Não ousou desmaiar – se o fizesse, provavelmente acordaria
casada com Ganar Tos, sendo carregada para o leito
nupcial. O pensamento lhe deu ânsia de vômito, e as
vibrações de prazer do sacerdote perderam seu poder sobre
ela. Bria experimentou uma imagem súbita e vívida dela
mesma compartilhando uma cama com Ganar Tos e, por um
segundo horrível, ela teve medo de vomitar.
Controle-se! comandou ela. Pense!
– Mas, Exaltado – ela murmurou com timidez, forçando-se
a manter os olhos modestamente baixos. – Eu fiz votos de
castidade. Não posso me casar com ninguém.
– Sua devoção é inspiradora, peregrina – ribombou
Teroenza. – Mesmo assim, o Um e Todo abençoa uniões
frutíferas, tanto quanto abençoa o estado celibatário. Estou
lhe concedendo uma dispensa especial para que possa se
casar com Ganar Tos e criar seus filhos para serem fiéis ao
Um e ao Todo.
Monstro espertalhão, pensou Bria, odiando Teroenza
como nunca tinha odiado ninguém em sua vida. Não tem
como eu contornar esse argumento sem cometer blasfêmia.
Bria respirou longa e profundamente para ganhar tempo
para pensar.
– Muito bem, ó Exaltado – respondeu ela com humildade.
– Se você diz que esta é a vontade do Um e do Todo, então
eu me submeterei. Serei uma boa esposa para Ganar Tos. –
Trincando os dentes por dentro, ela se obrigou a pousar a
mão no braço verde verruguento do mordomo.
– Ótimo, Peregrina – declarou Teroenza, erguendo os
braços para iniciar a cerimônia.
– Só que, Exaltado – Bria ergueu um pouco a voz –, eu
preciso seguir os costumes do meu povo antes que possa
me considerar legalmente casada. – Antes que o sacerdote
pudesse recusar, ela se apressou em continuar. – São
simples e facilmente cumpridos, Exaltado. Peço apenas um
dia para me purificar e meditar sobre o sagrado estado de
casamento. Além disso, em Corellia, é tradicional que a
mulher traje um vestido verde no casamento. Posso pedir
com facilidade ao droide-alfaiate que prepare um para mim
até amanhã à noite.
Bria segurou a respiração enquanto Teroenza hesitava.
Por fim, o sumo sacerdote deve ter decidido que ela não
estava pedindo demais.
– Muito bem, Peregrina 921 – retumbou ele. O rosto de
Ganar Tos ilustrou seu desapontamento. – Amanhã à noite,
diante de todos os fiéis, você e Ganar Tos serão unidos. Que
a bênção do Um e do Todo esteja com você.
Teroenza fez um sinal rápido no ar, deu meia-volta e se
afastou.
Ganar Tos rumou decidido para Bria.
– Eu a levarei de volta ao seu dormitório – anunciou.
– Muito bem – concordou ela, mas se afastou quando ele
tentou passar o braço ao seu redor. – O noivo não pode
tocar a noiva no último dia antes da cerimônia – arrulhou
ela, mentindo descaradamente. – Mais uma tradição
corelliana. Certamente você pode esperar um diazinho, meu
futuro marido?
Ele assentiu.
– Muito bem, minha futura esposa. Juro para você, serei
um bom marido. É meu desejo profundo que sejamos
abençoados com muitos filhos.
– É igualmente o meu – concordou Bria docemente.
Dentro das mangas volumosas dos robes, ela cruzou todos
os dedos das duas mãos.
Por favor, Vykk ¸ ela pensou desesperadamente, volte
logo! Por favor!
A viagem de volta de Han e Nebl correu muito bem, e
Han guiou a Sonho Ylesiano na descida em meio às nuvens
do lado noturno. Viram várias células de tempestade
espetaculares iluminadas por relâmpagos, porém, quando
pousaram em Colônia Um mais ou menos uma hora depois
da meia-noite, milagrosamente não estava chovendo.
– Bela aterrissagem. Não posso dizer que já fiz melhor –
comentou Jalus Nebl.
Han sorriu com o elogio e ainda trazia a expressão feliz
quando os dois desceram pela rampa até o campo de
pouso. Tanto ele como o Sullustano tiveram que colocar os
óculos infravermelhos apressadamente; a noite estava
negra como piche, e não havia uma única estrela visível.
– Bem, vou tirar algumas horas de sono, meu rapaz –
anunciou o Sullustano enquanto seguia pelo caminho da
enfermaria, onde ele ainda estava sendo tratado, mesmo
que não precisasse mais respirar ar filtrado. – Boa noite.
– Boa noite, Nebl – respondeu Han, tomando a trilha para
o centro administrativo. Minha cama vai estar deliciosa, ele
pensou. Acho que vou dormir até mais tarde e...
Sem aviso, alguma coisa grande o agarrou por trás, e
uma mão-pata peluda cobriu sua boca para sufocar o grito
de surpresa. Han arfou ao ser erguido da trilha e carregado
alguns passos selva adentro. Por fim, uma voz familiar
sussurrou no ouvido dele.
– Muuurgh lamenta ter feito isso, mas Vykk ia gritar.
Temos que ser silenciosos.
O Togoriano colocou o corelliano no chão de novo, e Han
respirou fundo, preparando-se para dar uma bela bronca no
alienígena quanto a assustar pessoas em noites escuras.
Muuurgh balançou a cabeça peluda, e alguma coisa na
expressão dele, vista pelos óculos infravermelhos, fez Han
desistir. Em vez disso, ele indagou:
– O que foi?
– Encontrei Mrrov – explicou Muuurgh. – Piloto será
acordado ao alvorecer para voar até Colônia Dois e levar
Mrrov mais uma carga de peregrinos para estação espacial.
Lá vão esperar outra nave, vem de Kessel, só pode ser.
Então não tem tempo a perder. Tem que escapar. Agora . Ou
Mrrov será perdida.
Han balançou a cabeça. Ele estava cansado. Tinha
dormido em turnos curtos pelas últimas cinco noites, e o
sacrifício estava cobrando o preço.
– Escapar? Esta noite?
– Ssssim! – A ansiedade de Muuurgh era contagiante.
Han sentia a adrenalina começando a correr pelo corpo. –
Tem que escapar! Diz a Muuurgh o que fazer! Quase duas
horas até o sol nascer. Aí Mrrov estará esperando com
outros no Altar, e Vykk e Muuurgh precisam estar prontos
com nave!
– Tudo bem, tudo bem, chapa. Calma aí. – Han tentou
pensar no que precisava ser feito primeiro. – Você me pegou
de surpresa aqui, eu preciso de um segundo para
desembaralhar meu cérebro. Uma coisa de cada vez.
Precisamos de algumas armas de raios. Cinco ou seis delas.
Você vivia no alojamento dos guardas. Acha que consegue
entrar lá discretamente e pegar?
Muuurgh assentiu com a cabeça.
– Ssssim... Vou pegar cinco ou seis armas.
– Se eu fosse você, eu surrupiava dos Gamorreanos. Eles
são burros como um saco de pedras e dormem como portas.
Os bigodes de Muuurgh se agitaram no que ele achou
graça.
– Ssssim...
– Tudo bem, então. Me encontre em frente ao centro
administrativo em meia hora.
Com um último aceno de cabeça, Muuurgh desapareceu
na mata.
Han seguiu para o centro administrativo. O primeiro item
na lista era desativar o sistema de comunicações da
Colônia. Ele não queria que ninguém chamasse reforços das
outras colônias ou as avisasse que havia problemas.
Quando o corelliano alcançou o centro de comunicações,
enfiou a mão no bolso para encontrar o pedacinho de papel
que Bria lhe dera com todos os códigos de segurança que
tinha obtido em sua visita à mente de Teroenza. Isso incluía
o código do iate pessoal do sumo sacerdote, Talismã , que
era a nave que Han pretendia usar na fuga. Também trazia
o código da sala de coleção e do centro de operações onde
ficavam os geradores da Colônia, as telas de segurança da
base, a oficina de droides, o arsenal e a unidade de
comunicações.
Han se esgueirou pelos corredores silenciosos,
perguntando-se se veria Muuurgh de relance na tarefa dele,
mas não teve nem vislumbre de movimento. Àquela altura
ele já conhecia o bastante sobre o layout de segurança de
Colônia Um para evitar automaticamente os entediados
guardas noturnos, que muito provavelmente estavam
dormindo em seus postos, pelo que ele tinha visto em suas
explorações anteriores.
Pareceu levar uma eternidade até chegar ao centro de
operações, mas ele finalmente estava lá, digitando o código
de Bria. Com um leve zumbido eletrônico, a porta se abriu.
– Essa é a minha menina – murmurou Han enquanto
entrava.
Havia um guarda postado ali, como Han sabia. Um
Twi’lek, adormecido na cadeira, pés apoiados no console de
comunicações, os lekkus pendurados atrás dele como duas
cordas de carne pálida. Roncos ressoantes vibravam no ar
parado.
Han sacou a pistola de raios, configurou para ATORDOAR e
puxou o gatilho. Emitiu um raio azul circular, que envolveu o
guarda. O Twi’lek deu um tranco, depois desabou molenga
na cadeira, exatamente como estivera, exceto pelos roncos,
que pararam.
– Isso foi um belo bônus – murmurou Han, guardando a
arma no coldre.
Foi até o console de comunicação, puxou a pequena
multiferramenta que a maioria dos pilotos sempre trazia nos
bolsos e começou a abrir a tampa do aparelho. O plano era
desativar a unidade de comunicação e depois colocar a
tampa de volta, de modo que qualquer pessoa que tentasse
usá-la levaria algum tempo para perceber que tinha sido
sabotado.
Um momento depois, tirou a tampa e a colocou no chão.
Arregalou os olhos diante da miríade de fios, circuitos,
transceptores, cabos e fileiras e mais fileiras de
compartimentos idênticos e não marcados. Han grunhiu em
voz alta.
– Como é que eu vou saber qual desses se conecta aos
geradores de força?
Escolheu um fio aleatoriamente e o cortou com o
pequeno maçarico laser da multiferramenta. O indicador de
força continuou marcando LIGADO . Han cortou outro fio. E
mais outro. Com frustração crescente, segurou um punhado
dos circuitos e os arrancou.
Nada de resultado visível.
Praguejando em voz baixa, rasgou e arrancou e cortou
implacavelmente, até que ofegava com o esforço – e o
aparelho ainda estava ligado!
Mais de cinco minutos tinham se passado.
– Painel idiota... – rosnou Han, que em seguida sacou a
arma de raios, colocou-a em intensidade máxima e atirou
bem no meio das entranhas do console teimoso. Chamas
irromperam, o cheiro de isolamento atingiu suas narinas,
fagulhas voaram...
...e o indicador de força se apagou.
– Aí sim – murmurou Han irritado. Por via das dúvidas,
atordoou o Twi’lek de novo, deu meia-volta e saiu.
Uma vez do lado de fora do centro administrativo, Han
botou os óculos e seguiu pela trilha da selva num trote.
Seus passos foram ficando cada vez mais rápidos, até que
começou a correr quase em velocidade máxima, e só uma
queda de cara numa poça de lama o deteve. Pingando e
praguejando, se levantou de novo e saiu correndo outra vez.
Os outros prédios estavam à sua frente agora, incluindo
o dormitório de Bria. Han tinha determinado que, ao
contrário do centro administrativo e das fábricas de
especiarias, os dormitórios não eram guardados à noite.
Afinal de contas, os T’landa Til não davam a mínima se
alguém machucasse seus escravos; eles eram facilmente
substituíveis.
A pequena cama de Bria ficava no segundo andar. Uma
fraca luz noturna brilhava na escadaria. Han subiu pé ante
pé, com a arma de raios em ATORDOAR na mão, mas não
encontrou ninguém. Os peregrinos ficavam tão eufóricos
depois da Exultação toda noite que dormiam como mortos.
Han não sabia direito qual cama Bria ocupava. Espiou
pelos óculos e avançou rapidamente até centro, olhando os
rostos adormecidos nos vários tipos de sofás, catres e
camas que cada espécie preferia.
Uma tábua rangeu sob o pé dele, e Han parou,
segurando a respiração. Um vulto se sentou numa cama
estilo humano, vestindo uma camisola branca sem mangas.
– Vykk? – sussurrou ela.
Han assentiu com a cabeça e acenou com urgência.
– Rápido! – sibilou ele.
Para sua surpresa, ela já estava vestindo calças. Pegou a
túnica e as sandálias e veio até Han na ponta dos pés,
evitando a tábua que rangia.
Juntos, em silêncio, eles desceram cuidadosamente a
escadaria, passaram pelo átrio e saíram para a escuridão da
noite. Bria pôs os óculos.
– Vamos lá – disse Han segurando a mão de Bria antes
que ela tivesse tempo de responder. – Temos que correr!
Ele saiu correndo, e Bria o acompanhou. Logo, porém, os
passos da peregrina se encurtaram, e Han percebeu que ela
estava ficando sem fôlego. Reduziu o passo para uma
caminhada rápida e a rebocou pela trilha da floresta. Bria
ofegava demais para falar, mas Han, que estava em melhor
forma, recuperou o fôlego em instantes.
– É hoje à noite – informou ele. – Preciso que você e
Muuurgh comecem a recolher a coleção de Teroenza
enquanto eu tiro os guardas da nossa cola. Você acha que
consegue?
Bria assentiu sem conseguir falar.
– Ganar Tos... – tentou dizer.
– Esquece ele – retrucou ríspido. – Você nunca mais vai
ver o cara, com alguma sorte.
– Mas ele... e Teroenza... – Ela cedeu ao puxão urgente e
começou a correr de novo. – Vão me fazer... casar... com
ele...
Han arregalou os olhos.
– Ganar Tos queria casar com você? Pelos Lacaios de
Xendor! Ainda bem que a gente tá dando o fora daqui!
Incapaz de falar, Bria apenas concordou com a cabeça.
Quando eles alcançaram o centro administrativo, Bria já
tinha recuperado o fôlego. Seguiu Han conforme ele
caminhava pelos corredores escuros até a porta da sala de
coleção de Teroenza. Muuurgh esperava os dois. Aos seus
pés havia uma pilha de armas de raios. Bria arregalou os
olhos.
– Para que isso tudo?
– Distração – respondeu Han. – Certo, agora... aqui está o
código de entrada... – Digitou o código rapidamente e, como
antes, a porta se abriu. Os três entraram furtivamente no
imenso salão mal iluminado. Han pegou uma poderosa
eletrotocha na escrivaninha de Bria e iluminou o aposento
com o feixe forte. – Acha que a gente pode correr o risco de
acender as luzes?
Bria fez que sim com a cabeça.
– A sala é bem isolada. Conferi semana passada. Não
tem como se ver do apartamento de Teroenza.
Han ligou as luzes do teto, e o salão subitamente se
iluminou completamente.
Desde que Bria assumira a manutenção da coleção, tinha
arrumado o salão inteiro. Os expositores de itens reluziam,
as estantes estavam bem menos entulhadas, e as cores das
tapeçarias eram vívidas, livres da camada de poeira. Os três
pilares centrais de sustentação tinham uma camada fresca
de tinta.
– Certo – sussurrou Han. – Você e Muuurgh comecem a
recolher os itens que você escolheu. Eu volto em uns quinze
minutos, tudo bem?
Bria concordou com um aceno de cabeça.
– Mas onde eu vou carregar isso tudo?
– Semana passada eu escondi uma mochila na parte de
trás das duas fadas naquela fonte de jade branco – disse
Han, apontando o imenso objeto. – Vai dar para começar.
Vou tentar trazer algo comigo se encontrar qualquer coisa
que sirva.
– Tudo bem – sussurrou ela.
Muuurgh já estava mais adiante, examinando uma
coleção de adagas cravejadas. Bria hesitou, com expressão
angustiada. Han pôs as mãos nos ombros dela.
– O que foi, querida?
– Vykk... eu nunca fiz nada assim antes! – Ela mordeu o
lábio e apontou as armas que Muuurgh tinha trazido. –
Armas e roubos! Alguém pode se machucar , e até morrer !
Você pode ser morto, ou eu! – Ela tremia de cima a baixo.
Han a abraçou e a puxou para perto.
– Bria, nós temos que ir esta noite – afirmou, ainda que
fosse um esforço manter a voz gentil e esconder a
impaciência. – Amanhã eles vão despachar Mrrov para as
minas de Kessel. A nave provavelmente vai chegar em
órbita a qualquer momento agora para levá-la. É agora ou
nunca, meu bem.
– E... e... – Bria agarrava a frente do macacão de Han
com as duas mãos. – Eu tenho medo do que vai acontecer
comigo quando eu sair daqui. Sem a Exultação... Como eu
vou viver assim?
– Você vai ter a mim – relembrou ele. – Vamos ficar
juntos. Eu estarei com você... cada minuto. Você vai ficar
bem...
Bria engoliu seco e fez que sim com a cabeça, mas duas
lágrimas lhe corriam pelo rosto. Han lançou um sorriso
encorajador.
– Ei... Eu sou melhor que Ganar Tos, né?
Bria conseguiu soltar uma risada engasgada, depois
abriu um sorriso aguado.
Han pegou as armas e saiu pela porta, tomando o
cuidado de verificar que estava fechada depois de passar.
Descobriu que carregar seis armas sozinho não era fácil.
Por fim, acabou metendo-as na frente do macacão e no
cinto. Isso atrapalhava um pouco os movimentos, mas era
melhor que fazer malabarismo com as armas e ficar com
medo que uma ou mais caíssem com um estardalhaço.
A noite estava escura como sempre, mas Han sabia que
não devia faltar mais de uma hora para a alvorada.
Conseguiu engrenar uma corridinha desengonçada pela
trilha enlameada, com as armas batendo nas pernas e no
peito.
Levou quase sete minutos para chegar à primeira fábrica
de brilhestim, e mais dois para se esgueirar até perto o
bastante do guarda, um enorme Gamorreano, para então
poder atordoá-lo à queima-roupa. Ao ver o vulto gigante e
porcino da criatura, Han lhe deu um tiro adicional para
garantir que ficaria quieto pelo tempo que fosse necessário.
O rapaz então se virou e entrou na fábrica, indo direto
até o turboelevador, quase levando um tombo por causa
das armas quando se espremeu pela grade da porta.
Despachou o turboelevador para o andar mais baixo e
aguentou a jornada de descida para as trevas gélidas e mais
escuras que a escuridão.
Quando Han alcançou o fundo, o nível onde Bria
costumava trabalhar, partiu direto para onde tinha espiado
os recipientes de brilhestim bruto que esperavam para ser
distribuídos pelos trabalhadores.
Han puxou cinco armas de raios do cinto (ficou com a
sexta de reserva, já que não tivera como saber que deveria
ter mantido a própria totalmente carregada para a fuga) e
as arrumou em cima do brilhestim num belo desenho de
“sol raiado”. Depois abriu cada uma das poderosas armas e,
usando os óculos para ver, configurou-as para SOBRECARGA .
Um apito agudo soou, ficando mais alto, ecoando no espaço
cavernoso conforme mais apitos se juntaram ao primeiro
nas profundezas úmidas da fábrica.
– Isso deve resolver – sussurrou Han para si mesmo.
Sabendo que só tinha minutos para escapar dali antes que o
lugar inteiro explodisse, saiu correndo para o turboelevador.
Foi gostoso sentir o sopro do vento batendo contra seu
rosto suado. Han saltou para fora, correu pelo andar térreo
da fábrica, saltou sobre o Gamorreano derrubado – que
começava a fungar e se mexer – e saiu correndo noite
adentro.
Han estava a meio caminho do centro administrativo
quando sentiu o chão tremer e virou-se para ver uma
labareda de chamas amarelas subindo ao céu. Momentos
depois, as faíscas azuis de brilhestim voaram como fogos de
artifício, lançando fitas reluzentes bem alto.
Han mal conseguia estimar quantos créditos ele via virar
fumaça. Era de fazer pensar.
Adiante, ouviu uma comoção vinda do centro
administrativo e, momentos depois, teve que saltar da trilha
e continuar correndo pela selva quando uma turba de
guardas que gritavam quase o atropelou.
Derrapando no lodo do piso florestal, Han conseguiu
manter um bom ritmo ao correr pelo resto do caminho. As
botas deixaram pegadas enlameadas nos degraus do centro
administrativo quando Han os subiu velozmente e depois
seguiu pelos corredores até a sala de tesouros de Teroenza.
Havia guardas por todos os lados agora, gritando e
berrando perguntas, mas nenhum deles deteve ou
interrogou Han. O piloto chegou à porta do salão de
exposição, olhou para os dois lados e por fim entrou
furtivamente.
Bria e Muuurgh ergueram o olhar, viram que era Han e
então relaxaram perceptivelmente.
– Como vocês estão indo? – sussurrou Han.
– Tudo bem – respondeu Bria em voz baixa. – Quase
terminamos a lista A.
– Ótimo.
– O que foi que Vykk fez? – indagou Muuurgh.
– Vykk explodiu a fábrica de brilhestim – respondeu Han,
satisfeito. – Um monte de peregrinos ficou desempregado.
– Ah, Vykk! Se nós formos pegos... – O rosto de Bria ficou
branco como giz.
– Não seremos – retrucou Han. – Estou com tudo sob
controle.
Estendeu a mão para puxar uma pequena escultura de
um torsk de Alzoc III, entalhada em lápis-lazúli, que
demonstrou ser mais pesada do que ele esperava, e deu um
puxão forte.
A escultura se inclinou para cima e revelou um
emaranhado de fios e transponderes. Em algum lugar ali
perto, nos aposentos pessoais de Teroenza, um alarme
começou a trinar estridente.
Han olhou a escultura, depois os colegas ladrões.
– Oh-oh...
Bria encarou Han, aterrorizada e furiosa.
– Ah, ótimo! Agora o que nós vamos fazer?
Han pensou rápido.
– Vamos dar o fora daqui. A lista A já é boa o bastante.
Bria, você leva a mochila, está bem? E aqui, pegue isto. –
Tirou a arma de raios extra do cinto e entregou a Bria.
Mostrou como mirar e onde ficava o gatilho. – Talvez a gente
tenha que lutar para sair daqui.
– Maravilhoso – retrucou ela amargamente. – Tudo sob
controle, não é, Vykk? Nada com que se preocupar!
Han só podia dar de ombros. Desta vez, era
definitivamente culpa dele .
– Para que lado? – indagou Muuurgh, o mais prático do
grupo. – Por porta de sacerdote ou porta principal?
Han considerou por um segundo, mas foi salvo de ter
que tomar uma decisão – as duas portas foram abertas ao
mesmo tempo.
Teroenza surgiu emoldurado pela porta de seus
aposentos, fungando de raiva. Zavval e um esquadrão de
guardas preenchiam as grandes portas duplas.
Han agarrou Bria e mergulhou detrás da imensa fonte de
jade branco, enquanto Muuurgh se protegia atrás do pilar
central de suporte do aposento.
– Peguem eles! – vociferou Zavval, avançando no trenó
repulsor. Teroenza investiu como uma fera enlouquecida, a
cabeça baixa e o chifre em riste.
Han deu um tiro, viu o raio azul de atordoamento e
praguejou enquanto ajustava a intensidade da arma para
TOTAL . O raio atordoante nem desacelerou Teroenza.
Muuurgh mirou, disparou e derrubou um guarda Sullustano.
Han puxou o gatilho de novo, mas o raio da arma
ricocheteou no trenó de Zavval e atingiu o pilar de
sustentação mais próximo da porta, queimando-o pela
metade. O pilar cedeu, mas não desabou.
Teroenza investiu contra Muuurgh, e o grande Togoriano
saltou e agarrou o sumo sacerdote, segurando-o pelo
pescoço e o chifre. Muuurgh cravou os pés no carpete e
tentou conter o ex-chefe. O impulso do T’landa Til, detido
pela força do Togoriano, fez com que seus quartos traseiros
se dobrassem para cima, atingindo o pilar central com um
baque.
O chão tremeu e poeira choveu do teto. Os pés
posteriores de Teroenza derraparam, e o sumo sacerdote
desabou. O chão tremeu de novo.
Han mirou e atirou, e um Gamorreano caiu de volta no
corredor, com um grito. Bria contornou o chafariz com a
pistola em riste, mas, antes que pudesse atirar, um dos
guardas disparou. Ela gritou e se abaixou no que um raio
estourou um pedaço do chafariz, lançando fragmentos de
jade no ar. Teroenza, que tentava se levantar, soltou um
uivo angustiado de protesto.
Outro raio zuniu perto de Han, tão perto que o corelliano
sentiu o cabelo sendo queimado. Jogou-se no chão, rolou e
deu mais dois tiros no ventre do trenó de Zavval. Como ele
tinha planejado, os raios atingiram a unidade de repulsão.
Porém, em vez de afundar para o chão, o trenó sofreu danos
nos controles de velocidade e direção.
Zavval tentou em vão controlá-lo, mas o trenó disparou à
frente em velocidade máxima. Segundos depois,
ricocheteou na parede oposta. Atropelando tudo em seu
caminho, o trenó quicou pelo salão de exposição, levando
Zavval como um passageiro indefeso.
Um guarda Rodiano, concentrado em tentar acertar Han,
não viu o veículo desgovernado e foi esmagado numa chuva
de sangue. O trenó destroçou uma mesa expositora, e
Teroenza gritou ao ver sua preciosa coleção de vasos
antigos virar poeira.
O Hutt bateu na parede oposta, e o salão inteiro tremeu.
Poeira e destroços caíram do teto. Han e Bria se deitaram
no chão quando o trenó desgovernado bateu numa das
ninfas de jade e a destroçou.
Zavval gritava, e a maioria dos guardas tinha sabiamente
fugido.
Então o trenó, com o imenso peso de Zavval em cima, se
esborrachou direto na coluna central do aposento. O
suporte cedeu e gemeu, depois se dobrou em dois e se
partiu – seguido por aquele que Han tinha parcialmente
vaporizado.
Com um último suspiro agonizante, o trenó repulsor se
assentou no chão e morreu.
Han contemplou em horror paralisado quando,
aparentemente em câmera lenta, metade do teto
estrondou, cedeu, rachou e por fim desabou em imensos
pedaços. O piloto se recuperou bem a tempo de agarrar Bria
e arrancá-la do caminho de um enorme pedaço do piso de
pedra do andar de cima que caiu na direção deles. Jogou-a
no chão, debaixo da bacia do chafariz, e caiu em cima da
peregrina, protegendo-a.
Zavval gritou esganiçado enquanto enormes escombros
caíam nele, soterrando-o sobre os restos destruídos do
trenó. A poeira subiu numa nuvem sufocante. Tossindo e
engasgando, Han rastejou de cima de Bria assim que
percebeu que o teto tinha acabado de desabar. Olhou para
o lugar onde Zavval tinha ficado, mas daquele senhor do
crime Hutt ele só viu a cauda que se contorcia em
espasmos.
Teroenza tinha se enfiado sob a proteção de uma imensa
mesa antiga e acabara relativamente ileso. Quando os
escombros terminaram de cair, ele saiu engatinhando de
sob a poeira e os destroços da mesa agora rachada. O
T’landa Til cambaleou em direção a Han, Bria e Muuurgh – o
Togoriano tinha se abrigado sob o batente da porta do
apartamento do sacerdote – e uivou, espumando de raiva.
Obviamente ainda determinado a se vingar, Teroenza baixou
a cabeça, de chifre em riste, e investiu.
Han mirou e disparou um tiro no flanco direito,
derrubando-o no chão com um grito. Um cheiro nauseante
de carne queimada inundou o ar. Um tiro de um dos guardas
acertou o chafariz de novo, e pequenos estilhaços de pedra
incandescente passaram bem diante do rosto de Han. Um
deles se cravou no seu pescoço, e os dedos do piloto
ficaram sujos de sangue ao arrancá-lo.
Han fez pontaria ao longo do cano da pistola, disparou, e
o último guarda caiu, fora de combate.
– Vamos! – gritou Han, agarrando Bria e a mochila,
enquanto fazia um gesto para Muuurgh. – Vamos cair fora
daqui!
Escorregando em escombros e tropeçando em corpos, os
três ladrões seguiram para as portas duplas. Quando
chegaram lá, Han fez um gesto para que os colegas
esperassem enquanto ele metia a cabeça cuidadosamente
para fora, só para ser recompensado por um tiro que quase
lhe arrancou a orelha.
– Muuurgh, leve Bria pelo outro lado! – ordenou. – Vá pela
porta de Teroenza, e a gente pega eles no fogo cruzado. Na
contagem de cinquenta!
O Togoriano assentiu com a cabeça e saiu com Bria,
deslizando e escorregando de volta pelas ruínas da sala de
tesouro; passou por Teroenza, que gemia, e atravessou a
porta que levava ao apartamento do sacerdote.
Han contou em silêncio. No quinze, enfiou a mão pelo
batente da porta e metralhou quatro tiros rápidos, sendo
recompensado com um grito de agonia.
Menos um guarda...
O piloto esperou, ofegando, tentando não tossir com a
poeira que ainda enchia o ar.
Quarenta e cinco, quarenta e seis, quarenta e sete,
quarenta e oito, quarenta e nove... cinquenta!
Han mergulhou porta afora, fez um rolamento no
corredor e atirou. Raios vermelhos quase lhe acertaram as
pernas e a cabeça, mas ele derrubou outro guarda, um
Whiphid. Conforme planejado, Muuurgh e Bria disparavam
de trás dos guardas, e mais dois caíram.
Os dois últimos guardas, um Devaroniano e um
Gamorreano, deram no pé e saíram correndo para longe da
corelliana e do Togoriano, pulando por sobre Han, que ainda
estava caído no chão.
O piloto se levantou cambaleante, bem a tempo de ouvir
Muuurgh soltar um poderoso urro de batalha e começar a
lutar com... quem? Han não conseguia ver ninguém!
Será que ele ficou maluco? perguntou-se Han, mas então
teve um vislumbre de um olho vermelho-alaranjado, uma
boca cheia de dentes, e ouviu um sibilo alto. Viu uma arma
de raios sendo chacoalhada, aparentemente no ar, e por fim
distinguiu o ser pálido, verruguento e escamoso. Um
camaleão!
Muuurgh grunhiu e rosnou enquanto atacava o Aar’aa. O
Togoriano era tão mais alto que o oponente que quase se
dobrava ao meio. Han estremeceu quando Muuurgh caiu de
joelhos, agarrando o adversário. A criatura reptiliana era da
cor exata das paredes e do piso neutros no corredor mal
iluminado. Com um movimento como o bote de uma víbora-
graal, o Togoriano cravou as presas na garganta do ser e
arrancou. Sangue vermelho alaranjado espirrou no ar.
Muuurgh saltou para trás, e Han assistiu, fascinado,
enquanto o Aar’aa vacilou, depois caiu, com lentidão
pesada, para o chão. Ali esparramado no chão, a criatura
reverteu à sua pálida cor natural, um bege acinzentado. Han
não precisou olhar duas vezes para saber que estava morta.
Bria encarava horrorizada o ponto onde o Aar’aa morto
jazia.
– Ele quase me pegou – sussurrou ela. – Se não fosse por
Muuurgh...
– Como foi que você viu ele, chapa? – indagou Han,
guardando a pistola no coldre. – Eu não consegui ver nada!
– Eu não o vi , eu o farejei – declarou Muuurgh,
categórico. – Togorianos caçam com a visão e o faro.
Muuurgh é um caçador , lembra?
– Obrigado, chapa – disse Han e passou o braço pelos
ombros de Bria. – Eu te devo uma. Agora é melhor a gente...
– Cuidado! – gritou Bria, e Han se abaixou por instinto.
Bria disparou a arma em modo atordoante logo acima da
cabeça dele, fazendo seus ouvidos zumbir. Endireitou-se a
tempo de ver Ganar Tos desabando lentamente para o chão
enquanto uma pistola escorregava de seus dedos verdes.
Han foi até o velho mordomo, pegou a pistola e a meteu
no cinto. Bria parou ao seu lado.
– Eu só consigo pensar que, se você não tivesse voltado
hoje, esta noite eu me tornaria a mulher dele – murmurou
Bria, estremecendo tão forte que Han lhe deu um abraço
tranquilizante.
– Ainda bem que você só atordoou ele – comentou Han. –
Ele pode até ser um velho tarado nojento, mas como eu
poderia culpar ele por ter se sentido atraído por você? – Han
sorriu para Bria, com um olhar intenso.
Bria olhou para baixo e ficou corada.
– Eu não queria me casar com ele, mas fico feliz que não
esteja morto.
– Bem, eu te devo uma, meu bem.
– Não, não deve. Estamos quites. Se não fosse você, eu
estaria soterrada por aquele teto lá atrás, que nem o Hutt.
– É, temo que o velho Zavval não esteja mais conosco –
afirmou Han. – E eu acho que os Hutts vão me culpar por
isso.
Por um momento, Han se lembrou de Teroenza, que
ainda estava vivo, só ferido. Será que ele deveria voltar
para acabar com o T’landa Til? A ideia de andar até um
senciente indefeso e atirar na criatura a sangue-frio não o
agradava.
– Vamos dar o fora daqui – decidiu, chamando Muuurgh,
que limpava com lambidas o sangue Aar’aa das patas com
nojo fastidioso.
– Anda logo, Muuurgh, você pode cuidar dos bigodes
mais tarde. Não se esqueça que Mrrov está esperando.
Os três saíram correndo do centro administrativo e viram
que a fábrica de brilhestim ainda lançava faíscas azuis no ar
– mas o céu não estava mais negro, e sim mais claro, quase
azul.
– A aurora não está longe! – exclamou Han. – Vamos lá!
O trio disparou a correr pela trilha da selva. Quando
chegaram perto do fim, Han acenou para que esperassem
enquanto ele esquadrinhava o campo de pouso com
cuidado. Não viu nenhum guarda... aparentemente todos
eles ainda enfrentavam o incêndio ou estavam no centro
administrativo.
Mesmo assim, eles avançaram cuidadosamente, com
armas de raios em riste, todos os sentidos atentos a
movimentos ou sons.
Quando Han alcançou a Talismã , digitou com rapidez na
tranca o código de acesso que Bria lhe dera, e os três
subiram a rampa.
A Talismã era um pouco maior que a Sonho Ylesiano , em
forma de lágrima, com uma quilha protuberante. Porém, em
vez de um porão de carga, a maior parte do interior era
dedicada a luxuosos aposentos de passageiros e
amenidades. Era dividida e desenhada para os T’landa Til,
então apenas a cabine de pilotagem tinha assentos no estilo
humanoide. Havia uma pequena cama de tamanho humano
numa cabine de guarda, mas o resto das cabines de
passageiros estava equipado com as “redes” de dormir que
os T’landa Til preferiam.
Uma vez lá dentro, Han indicou com gestos que Bria
deveria assumir o assento do copiloto e instruiu Muuurgh a
se afivelar num dos leitos de passageiros.
Nunca tinha voado aquela nave em particular durante
sua estadia em Ylesia – Teroenza estava preocupado demais
com os ataques piratas para arriscar viajar antes que as
armas e melhorias de escudos estivessem equipados.
Han se familiarizou com os controles rapidamente. A
Talismã não tinha tantas armas ou escudos quanto a Sonho
mas, para um iate particular, estava agora pesadamente
armada e bem protegida.
– Checagens pré-voo completas, estamos prontos para
zarpar. Apertem os cintos, amigos... Vamos dar o fora daqui!
– gritou Han e tirou a nave do solo. A Talismã reagiu bem ao
toque dele e parecia ser uma nave boa, porém bem lenta.
– Agora é a vez de Mrrov – exclamou Muuurgh,
empolgado. – Certo, Vykk?
– Certo, meu chapa – respondeu Han. – Vamos chegar lá
bem a tempo da alvorada. Onde eles estão reunindo os
peregrinos destinados à nave de Kessel?
– No Altar das Promessas – disse Muuurgh.
– No Altar das Promessas Quebradas – corrigiu-o Bria,
com amargura. – Será que Teroenza vai sobreviver?
– Eu não machuquei ele tanto assim – disse Han. –
Aposto que agora mesmo ele deve estar a caminho da
enfermaria e do droide médico.
Han pilotava de olho no mapa.
– Ah, aliás, tem uma coisa importante que eu tenho que
contar para vocês dois.
– O quê? – indagaram Bria e Muuurgh ao mesmo tempo.
– Meu nome não é Vykk Draygo. Meu verdadeiro nome é
Han Solo. Seria bom se vocês começassem a me chamar
assim.
– Han? – repetiu Bria. – Por que você não me contou
antes?
– Eu tinha medo que, se eu contasse, você poderia
escorregar e me entregar para Teroenza ou um dos
capangas dele – explicou Han. – Mas eu queria que você
soubesse, então contei assim que possível.
– Vykk era um pseudônimo?
– Era. Um de vários, inclusive.
– Muuurgh vai ter que se acostumar com isso – comentou
o Togoriano. – Quão perto estamos agora... Han?
– Vamos chegar em menos de cinco minutos.
– E como nós vamos buscar Mrrov? – perguntou Bria. –
Quer dizer, deve ter guardas lá também.
– Eu não sei – respondeu Han. – Mas vou pensar em
alguma coisa.
Han se concentrou em pilotar e então, quando chegaram
a Colônia Dois, sobrevoou o campo com a Talismã do sul ao
norte, dando um rasante sobre as copas das árvores.
– Você disse que os peregrinos deveriam se reunir no
Altar, né? – perguntou Han a Muuurgh.
– Ssssim.
– Tudo bem, então. Será que vamos ter espaço suficiente
para fazer o que eu estou pensando... – murmurou,
espiando a tela que mostrava a área real e também a planta
que exibia as características topográficas e os prédios do
campo. Colônia Dois ficava do outro lado das Montanhas da
Fé, em relação a Colônia Um, na margem nordeste de Zoma
Gawanga, o oceano raso que rodeava o continente oriental
inteiro.
– Acho que dá – murmurou Han. – Espero que os
repulsores desta belezinha estejam em perfeitas condições
de funcionamento. Vamos ter que pairar e baixar um cabo.
Não acho que terei espaço para pousar de verdade.
Muuurgh, vá à escotilha central e veja se tem algum cabo
que a gente possa baixar. Acho que a maioria destas naves
tem equipamentos de emergência, e um cabo com guincho
devem estar incluídos.
Muuurgh desapareceu, e Han se concentrou em voar
num circuito lento sobre a Colônia. Bria espiava a tela.
– Estou vendo eles! – exclamou, empolgada. – Tem uma
multidão reunida no Altar!
– Ótimo – respondeu Han, distraído.
Muuurgh reapareceu.
– Sim, temos cabo. Tem um arnês que pode ser atado
nele.
– Certo, meu chapa, eis aqui o que a gente vai fazer. Vou
baixar esta lata sobre o anfiteatro, bem devagar. Então vou
colocar ela para pairar sobre os repulsores. Mrrov não tem
motivo para saber quem é a gente, então ela vai ter que te
ver para correr até a nave, né?
– Ssssim.
– Você vai ter que descer no arreio e deixar Mrrov te ver.
Bria, você controla o cabo, está bem?
– Tudo bem... Han.
– Vocês dois fiquem espertos. Eles podem atirar. Os
escudos da nave vão nos proteger contra armas de mão,
mas, uma vez que você sair, isso não vai te ajudar,
Muuurgh.
– Entendi.
– Se os guardas ficarem muito agressivos, eu posso
lançar uma rajada dos canhões laser leves da nave –
continuou Han. – Vou mirar acima da cabeça deles, para não
atingir os peregrinos, mas isso deve deixar o recado bem
claro.
– Muuurgh está pronto, Han.
– Certo. Lá vamos nós.
Com cuidado, Han levou a Talismã até acima do
anfiteatro, lamentando não ter mais tempo para pegar o
“jeito” daqueles controles. Circundou o anfiteatro, com as
holocâmeras ventrais ligadas, para que pudesse dar uma
boa olhada no layout. Han estava consciente de todos os
peregrinos que olhavam para cima e apontavam, conforme
ele baixava cada vez mais com cada circuito. Por fim, estava
perto o bastante para ativar os repulsores e pairar, mais ou
menos doze ou treze metros acima do permacreto.
Han viu vários sacerdotes e um grupo de guardas atrás
do grupo ansioso de peregrinos. Sabia que os sacredots
provavelmente estavam se perguntando por que o iate
pessoal do sumo sacerdote estava sendo usado para
transportar peregrinos para a nave de escravos para Kessel.
– Isso é o mais baixo que eu posso descer e pairar com
segurança! – gritou Han. – Baixe Muuurgh!
O piloto ficou com o dedo sobre os controles que
baixariam o canhão laser leve, mas ele não queria fazer o
primeiro movimento agressivo. Ouviu Bria conversando com
Muuurgh, as vozes abafadas pela distância. Deu uma olhada
na holocâmera ventral bem a tempo de ver Muuurgh
descendo com a pistola ainda no coldre.
A câmera não contava com áudio, mas Han percebeu
que Muuurgh abria a boca e sabia que ele só poderia estar
chamando Mrrov.
Os guardas perambulavam, ainda sem saber o que
estava acontecendo, mas claramente inquietos. Tudo que
acontecia era muito irregular, e eles estavam ficando
desconfiados. Um dos guardas abriu caminho dentre a
multidão de peregrinos aos empurrões. Quando o humano
chegou à frente, estava com a arma de raios em riste e
parecia gritar para Muuurgh que se identificasse e dissesse
o que estava fazendo.
– Bria! – gritou Han, virando a cabeça com cuidado para
não mexer nos controles da nave que pairava. – Fique
esperta! Parece que eles vão...
Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo: um vulto
alto vestindo robes de peregrino começou a correr de
repente na direção de Muuurgh, e o guarda mirou a arma de
raios.
Han conseguiu apenas vislumbrar as listras laranjas e o
pelo branco e entendeu que só poderia ser Mrrov. Viu a
pistola do guarda ser disparada e ser correspondida
rapidamente por Bria e Muuurgh.
Mais dois guardas sacaram e atiraram. A multidão de
peregrinos entrou em pânico e se espalhou, pisoteando uns
aos outros e os guardas.
Han baixou o canhão laser leve, grato pelos ataques
piratas que fizeram Teroenza reforçar o armamento e as
defesas da nave. Disparou uma rajada, tomando o cuidado
de mirar sobre as cabeças da multidão que corria e gritava.
Mais ataques dos guardas e então Han ouviu um leve
uivo de dor. Conferiu na tela e viu Muuurgh pendendo no
arreio, segurando o flanco, apesar de não ter soltado a
arma. Mrrov o alcançou um segundo depois e saltou para se
agarrar ao companheiro, se prendendo a ele com os braços
e as pernas.
Bria atirava constantemente agora, e Han viu um
Gamorreano tombar. O cabo estava sendo içado agora,
girando lentamente com sua carga desequilibrada. Mrrov
tirou a pistola de Muuurgh da mão frouxa dele e disparou
por sob o ombro do companheiro. Han não tinha como ver
se ela atingiu o alvo.
O piloto percebeu que a maioria dos peregrinos tinha se
espalhado e apenas os guardas e sacerdotes permaneciam
perto do Altar. Muitos dos guardas tinham se misturado à
multidão, mas alguns ainda estavam lá, ainda atirando. Han
mirou no Altar das Promessas, assegurou-se de que sua
pontaria tinha precisão absoluta, e disparou o canhão de
novo.
O Altar irrompeu com um buum que Han ouviu de dentro
da Talismã. Poeira subiu enquanto pedaços de pedra
choviam. Os sacerdotes se espalharam, fugindo a galope.
Han ficou surpreso com a velocidade e agilidade daqueles
enormes corpos quadrúpedes. Os guardas tinham
desaparecido.
O silêncio reinou subitamente. Os segundos se passaram,
mas nada se mexia do lado de fora. Alguns corpos, tanto
guardas como peregrinos, jaziam imóveis onde tinham sido
pisoteados no pânico.
Das profundezas da nave, ele ouviu a voz de Bria.
– Eles estão comigo! Vamos lá!
Han conferiu se as portas ventrais estavam corretamente
fechadas, depois decolou com a Talismã . As holocâmeras
mostravam uma vista estonteante do anfiteatro sumindo ao
longe. Han desligou as câmeras enquanto dava a volta e
verificava o clima em seu vetor de escape mais próximo.
Ironicamente, ele teria que voltar na direção de Colônia
Um para alcançar a melhor “janela” de saída de Ylesia. Han
acelerou a Talismã e a levou para o sul e para cima... para
cima...
Estamos quase lá, pensou Han com uma onda de
empolgação. Quase livres...

Muuurgh sufocou um gemido quando seu ombro bateu


no casco da Talismã . Sentiu as mãos de Bria em si, depois
ouviu a voz de Mrrov em língua básica:
– Me ajude a subir. Eu consigo levantá-lo.
Segurou-se ao arnês com a mão boa e sentiu o corpo de
Mrrov esbarrar no dele enquanto era puxada à Talismã que
pairava. O ferimento em seu flanco era a estocada de fogo
das garras de um demônio da noite. O Togoriano conseguia
apenas respirar e se manter quieto. Era um caçador, e
caçadores sabiam ficar em silêncio.
Os tiros de arma de raios tinham parado. Muuurgh abriu
os olhos enquanto o arnês girava lentamente e viu que o
Altar das Promessas tinha sido destruído. Talvez aquela
tivesse sido a explosão que ele ouvira. Tinha pensado que
fora dentro da cabeça dele.
O ferimento de raio latejava agora, em ondas. Muuurgh
se esforçou em continuar consciente enquanto Bria e Mrrov
seguravam seus braços e o puxavam, ainda no arnês, para
dentro da Talismã. Percebeu vagamente a escotilha de
carga sendo fechada atrás de si.
Então ouviu a voz de Bria gritar:
– Eles estão comigo! Vamos lá!
Muuurgh ficou deitado no convés, respirando
superficialmente, mas um pouco da sua força voltou. Ouviu
Mrrov falando com Bria.
– Tem algum kit médico a bordo?
– Vou procurar! – Com um farfalhar a humana se foi,
deixando-o a sós com Mrrov. Muuurgh fez um esforço e
abriu os olhos.
Ao ver que ele a olhava, Mrrov se inclinou e esfregou a
bochecha na dele com carinho, trocando cheiros.
– Meu caçador – murmurou ela na língua natal deles,
lambendo-lhe o rosto com carinho. – Você me rastreou. Você
é o maior caçador que nosso povo já viu!
– Mrrov... – murmurou Muuurgh.
– Calado. Não tente falar. Seu ferimento é grave, porém
acredito que vá sarar com o tempo. Ah, Muuurgh! Quando
eu o vi descendo da barriga desta nave, não pude acreditar
que era você! Por todos esses dias e semanas, eu me
perguntava se você conseguiria me encontrar, e você
conseguiu!
– Você sabia que eu estava aqui? – Muuurgh estava
confuso. – Se você sabia, então por quê...
As lindas feições rajadas em cor laranja estavam
perturbadas quando ela se esfregou de novo no rosto dele.
Os bigodes se emaranharam nos dele, e Muuurgh suspirou
de prazer, apesar da dor.
– Eu estava aqui há pouco tempo quando percebi que o
lugar inteiro era uma vigarice. Eu buscava verdades, mas só
havia mentiras aqui. Então disse aos sacerdotes que queria
partir. Eles me mostraram sua imagem, Muuurgh! Disseram
que, se eu tentasse ir embora, eles matariam você!
– Então você ficou? Deveria ter arrancado as gargantas
deles! – protestou Muuurgh.
– E sacrificar sua vida? – Ela balançou a cabeça, com
olhos grandes e vividamente dourados. – Não, meu futuro-
companheiro, não ousei correr o risco. Eu apenas tinha
esperanças de que você algum dia me encontraria e que
você teria uma nave. E... esse dia finalmente chegou.
Muuurgh concordou fracamente com a cabeça.
– Graças a... Vykk... Han...
Bria chegou correndo ao compartimento de carga.
– Encontrei!
Momentos depois, a dor de Muuurgh se reduzia, e Mrrov
e Bria enfaixavam o ferimento em seu flanco.
– Você vai ficar com uma cicatriz horrível, Muuurgh –
comentou Bria, consternada.
– Caçadores exibem suas cicatrizes orgulhosamente em
Togoria – afirmou Mrrov. – Muuurgh vai se curar e terá uma
cicatriz digna da inveja de todos.
A nave estremeceu de repente. Bria gritou:
– Han, o que foi isso?
– Tem alguém atirando na gente! – gritou ele da ponte. –
Alguém tem que subir aqui e guarnecer a estação de
artilharia! Preciso de Muuurgh!
O Togoriano fez um esforço para se levantar.
– Não – disse Mrrov. – Deixe comigo. Dentre meu povo, as
fêmeas têm a habilidade técnica. Eu sou engenheira. Eu
cuido disso.
Muuurgh abriu os olhos, viu a expressão de dúvida de
Bria, e comentou:
– Acredite nela. Muuurgh não é muito bom de mira, de
qualquer maneira. Pergunte a Piloto...
Fechou os olhos, sentindo que as trevas aguardavam
detrás das pálpebras. Não podia mais resistir... então, com
um suspiro, Muuurgh se deixou apagar...

Han deu uma olhada no alto vulto Togoriano que ocupou


o assento de piloto ao lado dele e exclamou, surpreso:
– Você não é Muuurgh!
– Sou Mrrov – apresentou-se a fêmea Togoriana. Ela tinha
se livrado do robe de peregrina, e a gloriosa pelagem
branca com listras alaranjadas reluzia como fogo. – Vou
cuidar das armas para você; apresente-me o que nós temos,
por favor. Você verá que sou uma oficial artilheira muito
melhor que Muuurgh. Na nossa espécie, as fêmeas são as
técnicas e as especialistas em instrumentos. – Ela deu uma
olhada para Han, que viu que os olhos de pupilas fendidas
dela eram amarelos. – Além disso, Muuurgh foi ferido, e não
está em condições de lutar.
– Ele vai ficar bem? – Han sentiu uma pontada de
preocupação.
– Acho que sim. Meu povo é muito forte e resistente.
Bria; esse é o nome dela? – Han assentiu com a cabeça. –
Sua Bria está com ele. Muuurgh está descansando.
– Certo – disse Han. – Esta belezoca não tem muito
armamento, mas conta com alguns mísseis de concussão e
um canhão laser leve. Bem ali. Canhões laser à sua direita,
lança-mísseis à esquerda. Computador de tiro bem à frente.
– Muito bem. – Depois de alguns momentos conferindo o
painel diante dela, Mrrov assentiu com a cabeça. – Tudo
bem, eu dou conta. Quem atirou em nós?
– É isso que eu estou tentando descobrir – respondeu
Han, estudando as leituras de sensores. – Não acho que os
sacerdotes tenham armas superfície-ar, mas não consigo...
Han se interrompeu com uma gargalhada, bem quando a
Talismã estremeceu de novo. Mrrov olhou para o piloto, que
ainda ria, como se ele fosse louco.
– Está tudo bem – afirmou ele.
Ela apontou a leitura técnica do espaço ao redor deles.
Havia várias células de tempestade, a uma distância segura
do vetor de escape deles, mas havia também uma pequena
nave em forma de lágrima que se aproximava rapidamente
da Talismã.
– Como assim, “tudo bem”? Tem alguém nos perseguindo
e atirando, e está chegando perto!
– Ahhhh... é só o velho Jalus Nebl na Sonho Ylesiano –
respondeu Han, acenando de forma desdenhosa. – Os
sacerdotes devem ter mandado ele subir aqui e derrubar a
gente. – Ele riu de novo.
A Talismã deu um tranco leve. Han riu mais uma vez.
Mrrov o encarava, obviamente se perguntado se o piloto
tinha enlouquecido com a pressão. Han sorriu alegremente
para ela.
– Você não entendeu.
– Não – concordou Mrrov. – Você se importaria em
explicar?
– Sem problema. Jalus Nebl é meu amigo. Ele não me
derrubaria, assim como eu não derrubaria ele. Então está
atirando com o canhão laser, errando a gente por pouco
todas as vezes, fazendo parecer de verdade. Estamos
ganhando velocidade a cada momento, logo vamos sair da
atmosfera e, cinco minutos depois disso , teremos escapado
do campo gravitacional do planeta. Está tudo bem, Mrrov.
Confie em mim.
Os bigodes de Mrrov tremeram.
– Acredito que esteja começando a entender. Seu amigo
Jalus Nebl está fingindo tentar nos derrubar? Portanto não
temos nada com que nos preocupar?
– Isso – confirmou Han, animado. – Estamos quase livres
da atmosfera e, se Nebl tiver um grão de bom senso, vai
pegar a Sonho Ylesiano e carregar aquela carcaça
bochechuda para longe de Ylesia, também. Ou talvez ele
tenha decidido ficar com os sacerdotes e pedir um aumento.
Eles vão ficar desesperados, com só um piloto.
Outro tiro de raspão fez a Talismã tremer.
– Esse passou perto – murmurou Han, verificando o casco
da nave e os sistemas. – Aquele desgraçado está se
exibindo.
Han continuou rastreando a Sonho Ylesiano enquanto ela
os seguia pelo final da estratosfera até a fina camada da
ionosfera. Adiante aguardava a mais tênue camada da
atmosfera superior – a exosfera.
Enquanto disparavam para cima, Han voltou sua atenção
ao navicomputador, conferindo a programação do salto ao
hiperespaço. Eles ainda levariam vários minutos para se
libertar do campo gravitacional de Ylesia, mas ele queria
estar pronto.
– Vejo um veículo em nossos sensores – anunciou Mrrov.
– Acima e no nosso caminho.
– É só a estação espacial. Ela se mantém numa órbita
geossíncrona sobre Colônia Um – respondeu Han sem
erguer o olhar. – É onde eles descarregam os peregrinos
quando as naves os trazem. Você deve ter passado por lá.
– Não, Han. – Mrrov soava subitamente alarmada. – Eu
me lembro dela muito bem, mas não é isso. Aquilo não é
uma estação espacial, é uma espaçonave! E das grandes!
Finalmente preocupado, Han ergueu o olhar e começou a
praguejar em seis línguas.
– É uma corveta corelliana! O que está fazendo aqui?
As mãos do piloto voaram sobre os controles quando ele
iniciou manobras evasivas, acelerando e alterando o curso
para longe da enorme nave. Com uma parte da mente, Han
notou que o blip da Sonho se desviou na direção oposta.
De repente, a Talismã deu um tranco forte e corcoveou.
O motor começou a se esforçar.
– Qual é o problema? – inquiriu Mrrov bem quando Bria
irrompeu na cabine.
– Han... o que aconteceu? – perguntou ela.
Han ativou a força auxiliar, sentiu o iate ylesiano fazendo
esforço, mas... não... ia... ser... suficiente...
– Não! – gritou ele, frustrado, à beira do pânico. – Não, a
gente não pode voltar!
As passageiras o encararam, os olhos arregalados de
medo, quando Han começou a desativar os motores para
que não se queimassem.
Foi então que uma voz surgiu na unidade de
comunicação.
– Atenção, Talismã . Aqui fala o capitão Ngyn Reeos, no
comando da corveta corelliana Grilhão do Servo, vinda de
Kessel. Aconselhamos que vocês desliguem seus motores.
Estão presos em nosso raio trator.
– Eu sei! – gritou Han, sem se dar ao trabalho de ativar a
unidade de comunicação. – Obrigado por me contar!
Capitão Reeos continuou falando, inexorável.
– Nós os detivemos porque fui informado pelas
autoridades planetárias que vocês levaram a Talismã sem
autorização. Essas mesmas autoridades planetárias nos
pediram para entregá-los de volta a Ylesia para responder
às acusações. Preparem-se para serem abordados. Qualquer
tentativa de resistência será respondida com força sumária.
Han fitou a nave acinturada com seus onze enormes
tubos de reatores. A corveta era facilmente vinte vezes
maior que a nave deles. Han percebeu que ela tinha sido
modificada com um vão de atracagem.
– É uma nave imensa – sussurrou Bria. – Estão nos
puxando, Han.
– Não tem nada que eu possa fazer, meu bem – retrucou
Han. – Eles prenderam a gente, não tem como a gente
escapar.
– Quantos tripulantes a bordo daquela nave? – indagou
Mrrov, fitando a nave de escravos como se estivesse
hipnotizada, a nave que viera levá-la e os outros peregrinos
a um destino amargo nas minas.
– Com uma tripulação da Marinha, são 165. Mas esta é
uma corveta modificada . Foi alterada para atracar no
espaço, provavelmente para facilitar o carregamentos ou
embarque de escravos. Provavelmente são quarenta ou
cinquenta tripulantes.
– Gente demais para enfrentar – concluiu Bria
asperamente.
– Eles não vão me levar sem luta – declarou Han. Sacou a
arma de raios e olhou para elas. – Quem está comigo?
Bria balançou a cabeça.
– Só nós três? Contra quarenta? Han, você tem mais
coragem que bom senso!
Han balançou a cabeça e, com um gesto súbito e
violento, guardou a pistola de volta no coldre.
– Tem razão. Mas eu não tenho que gostar disso.
Sem aviso, um crepitar súbito numa frequência diferente
ecoou na cabine de controle.
– Aceleração máxima. Guinada para bombordo. Sete
segundos. Contando! – disparou uma voz em Sullustano.
– Mas quê... – Os dedos de Han se moveram
automaticamente e aceleraram de novo, usando toda a
potência que ele conseguiu espremer dos motores
principais e auxiliares. O som do esforço das máquinas era
doloroso de ouvir enquanto elas giravam, enfrentando
inutilmente o raio trator inexorável.
Àquela altura, a Talismã já tinha sido quase engolida pela
bocarra da baia de atracagem da nave maior. Algumas
poucas centenas de metros separavam as duas naves.
Han programou os controles para uma guinada a
bombordo e manteve a mão erguida, pronto para
implementar o comando. Os motores gemiam e forçavam.
Seriam destruídos em instantes.
– O que aquele maluco...
Han se calou espantado quando a Sonho Ylesiano veio na
direção deles, movendo-se numa velocidade terrível.
Todos na cabine de comando da Talismã se abaixaram
quando o pequeno cargueiro zuniu acima, depois guinou
forte para estibordo. Jalus Nebl levou a Sonho Ylesiano entre
a Talismã e a Grilhão do Servo com aceleração máxima.
Esse espaço era tão apertado que o pequeno Sullustano
teve que virar a Sonho de lado para que pudesse passar
entre as duas naves que se aproximavam.
– Vai! – gritou Han. – Vai, Nebl! – Ele ativou os controles,
virando a Talismã para bombordo o máximo possível.
Quando a Sonho passou entre as duas naves, rompeu o
raio trator por poucos e preciosos segundos. A nave
subitamente libertada de Han ricocheteou para longe da
corveta corelliana como um raio de pistola, disparando para
a esquerda enquanto Jalus Nebl se afastava para a direita.
– Yeeeeehah! – gritou Han em puro júbilo quando sentiu
que a nave se afastava da Grilhão do Servo . Enquanto dava
um rasante sobre a imensa nave, só por via das dúvidas,
Han disparou dois mísseis de concussão contra o principal
painel solar da Grilhão e a aleta estabilizadora, que ficavam
no dorso à meia nave.
Assistiu, boquiaberto, quando o primeiro míssil eliminou
o escudo mínimo que fora a única proteção da aleta,
permitindo que o segundo míssil explodisse com força letal
e a destruísse quase por inteiro.
– Eles estavam com os escudos pesados baixados, os
idiotas ! – comemorou. – Pensaram que a gente estava no
papo, então deixaram aquela aleta quase desprotegida!
Ele sabia que a corveta ainda representava uma ameaça,
então não reduziu a velocidade. Jalus Nebl também não. O
pequeno Sullustano ainda ganhava velocidade quando o
sensor de Han relatou, vários minutos mais tarde, que ele
tinha completado o salto para o hiperespaço com sucesso.
– E nós somos os próximos – anunciou Han, sorrindo para
Bria. – Diga adeus ao paraíso, meu bem...
Com um floreio, ele cravou o dedo no controle que os
levaria ao hiperespaço e exultou com a onda súbita de
poder que os arrancou do espaço real e os lançou no túnel
riscado de estrelas.
– Sãos e salvos – sussurrou Han, desabando na cadeira,
percebendo só então como estava profundamente cansado.
Bria sorriu e apertou-lhe a mão. Mrrov esfregou o rosto
em sua bochecha.
– Obrigada – sussurraram as duas.
Han nunca se sentira tão bem...
Han acordou com o som de um soluçar leve e abafado.
Estava dormindo no chão dos aposentos de Teroenza, numa
pilha de tapetes caros que tinha arrastado até ali. Insistira
que Bria ficasse com a única cama estilo humano. Já que
Mrrov era a única que descansara na noite anterior, se
oferecera para cochilar no assento do piloto e ficar de olho
nos alarmes – mesmo que, agora que eles tinham alcançado
o hiperespaço, não houvesse muito que pudesse dar errado.
Han se sentou com um grunhido, sentindo-se todo duro.
O dia anterior tinha sido muito difícil e agora ele lembrava,
tardiamente, que não tinha comido nada. A sede estava
ainda pior que a fome. Levantou-se, cambaleou até o
bebedouro do quarto e tomou vários copos.
Enquanto bebia, a mão esbarrou no rosto, e Han franziu
o cenho ao tocar o queixo e sentir a barba que crescia
grossa. Tinha se esquecido de fazer a barba desde que
pousaram em Nal Hutta.
Os sons de soluçar humano cessaram. Han pegou as
roupas e entrou na luxuosa unidade de higiene, feliz porque
ela continha itens para quase todos os tipos de espécies.
Achou até mesmo um aparelho de barbear.
Minutos depois, vestido e se sentindo consideravelmente
melhor, foi procurar Bria.
Encontrou-a na pequena saleta de guarda, sentada no
leito, com os braços segurando os joelhos e com o rosto
encostado nestes.
– Ei – sussurrou Han. – O que foi? O que está
acontecendo?
Bria não ergueu o rosto, só o dispensou com um aceno.
– Não, por favor... me deixa... em paz. Eu vou... ficar
bem. Não quero que você... me veja assim. – Ela fungou. –
Eu estou... horrível.
Han se sentou ao lado dela, mas não a tocou.
– Eu estou horrível, também – disse ele. – Uma troca de
roupas cairia bem para todos nós. Ei... – brincou ele,
tentando fazer que Bria olhasse para ele –, pelo menos eu
me livrei da barba. Melhorei muito.
Bria levantou a cabeça e lhe lançou um sorriso aguado. O
nariz e os olhos estavam vermelhos, mas ela ainda parecia
linda para Han.
– Você realmente estava meio... relaxado... ontem à
noite.
Han se endireitou, fingindo estar ofendido.
– Relaxado? Eu? Nunca! – passou um braço com
delicadeza em volta dela. – Bria, querida... qual é o
problema? Me conta.
Ela começou a estremecer.
– É a Exultação, Han. Eu acordei e percebi que os
peregrinos estão se reunindo para a cerimônia agora
mesmo. E percebi que nunca mais a receberei; nunca mais
vou me sentir tão bem!
Han não sabia o que dizer. Ele percebeu que sentia falta
das sensações físicas e emocionais que acompanhavam a
Exultação tal e qual um viciado sentiria falta de uma dose
da sua droga preferida. A percepção o assustou. Será que
Bria poderia enfrentar a dependência e vencer? Ou será que
ela passaria o resto da vida lamentando o que tinha
perdido?
– Acho que isso é natural – comentou ele com cuidado,
sem querer assustá-la dando voz aos pensamentos reais. –
Claro que você vai sentir falta por um dia ou dois, talvez
uma semana. Mas nós todos vamos te ajudar a superar,
meu bem. Você é uma pessoa forte. Vai conseguir. E então...
– Han fez um gesto amplo com a mão. – É uma galáxia
grande, gata. E agora ela é toda nossa. Vamos vender as
coisas de Teroenza, vender a Talismã ...
– Vender a Talismã ? – indagou ela.
– É, infelizmente ela é muito reconhecível. Vou deixar
Muuurgh e Mrrov em casa, depois a gente procura um lugar
para vender esta nave. Acho que sei onde. Um vendedor de
naves usadas em Tralus, no sistema corelliano. E a gente
pode comprar uma passagem de lá para Corellia fácil, fácil.
Han deu uma apertadinha nos ombros de Bria.
– E tem uma enorme vantagem em irmos como
passageiros... Eu não vou ficar ocupado pilotando. Você terá
a minha – Han deu um beijo no rosto dela – atenção
completa.
Bria engoliu em seco e pareceu acanhada. Han começou
a se inclinar na direção dela de novo, mas Bria recuou um
pouco, e Han entendeu a dica.
Ela mordeu o lábio, com olhos assombrados.
– Ah, Han... e seu eu não conseguir superar essa... essa...
ânsia? Han – Bria torceu as mãos num gesto convulsivo –, é
pior que uma ânsia! É como um... um desejo ! Todo meu
corpo e alma gritam pela Exultação! Eu me sinto como se
alguém tivesse aberto um buraco enorme em mim e levado
parte de mim embora!
Bria começou a tremer violentamente. Han a puxou para
perto de si, abraçou-a com força e acariciou-lhe os cabelos,
murmurando palavras de conforto. Por dentro, porém, a
mente dele estava agitada, e o rapaz percebeu que ele
também estava com medo. Com medo do quanto ele sentia
por aquela mulher. Han fizera alguns planos bem definidos
em relação a Bria que envolviam passar muito, muito tempo
a sós, nos braços um do outro.
Só que ela não está pronta para isso, percebeu ele com
ansiedade crescente. Ela precisa de um amigo, não de um
amante.
Quanto tempo Bria levaria para recuperar o próprio eu?
Só o tempo diria.

– Estamos chegando a Togoria – anunciou Han. – Onde é


que eu pouso?
– Nossa maior cidade é Caross – explicou Mrrov,
apontando uma área no mapa. – De Caross podemos
mandar um mensageiro ao marquês de Togoria, o
governante de todos os caçadores. Há um campo de pouso
bem nos arredores de Caross. Ainda não temos naves
próprias no planeta, mas comerciantes e naves de
passageiros nos visitam.
– Certo, então vamos para Caross – decidiu Han. Com
grande cuidado, ele pilotou a Talismã até uma aterrissagem
perfeita no centro do campo. Naquele momento, não havia
mais nenhuma nave.
– Muuurgh, vocês não se preocupam com represálias dos
T’landa Til ou dos Hutts? – perguntou Han enquanto
atualizava o diário de bordo.
– Não muito – respondeu Muuurgh, flexionando as garras
de forma ostentosa. – Quando Mrrov e eu tivermos reunido
nossas tribos, nós nos casaremos. É tradição do nosso povo
que, em seguida, o casal recém-casado passe uma longa...
como é que vocês chamam? – Ele disse uma palavra em
togoriano a Mrrov, cujo domínio da língua básica era muito
melhor que o dele.
– Lua de mel – respondeu ela.
– Isso, uma longa lua de mel juntos. Lembre-se que, em
nosso mundo, machos e fêmeas vivem separados boa parte
do ano. Depois que acabar nossa lua de mel, Mrrov e eu nos
veremos só uma vez por ano, durante mais ou menos um
mês. Mas, antes – o gigante Togoriano esfregou o rosto no
rosto da noiva –, vamos passar um longo tempo juntos, só
nós dois, nas montanhas. Os Hutts e Ylesianos não nos
encontrarão, e o nosso povo não vai tolerar que eles
procurem. Qualquer piloto que pousar em Togoria e fizer
perguntas sobre Mrrov e Muuurgh será... despachado.
Mrrov abriu um sorriso feral que exibiu muitos dentes
afiadíssimos.
– Não há muitas espécies com a coragem de enfurecer
intencionalmente os Togorianos. Acredito que a maioria dos
caçadores de recompensa preferiria caçar presas mais...
fáceis.
– E eu acredito – concordou Han com sinceridade. – Tudo
bem, então. Estamos aqui. E agora? Vocês dois
simplesmente vão embora, de garras dadas? – Ele sorriu
para Bria, que lhe devolveu um sorriso pálido. Alimentação
e descanso tinham recuperado um pouco a corelliana, mas
o piloto sabia que ela ainda enfrentava seus demônios e
desejos interiores.
– Se Han precisa ir embora, Muuurgh e Mrrov vão
entender – afirmou o gigante. – Mas se Han e Bria puderem
ficar por um ou dois dias, eles poderiam ficar conosco na
cerimônia que nos unirá para sempre. Você poderia chamar
de “casamento”.
Han se virou para Bria.
– Então... acabamos de ser convidados para um
casamento, querida. Quer ficar por uns dois dias? Acho que
a gente bem que precisava descansar.
– Claro – respondeu ela e sorriu para os dois Togorianos. –
Nada me deixaria mais feliz.
Um contingente de fêmeas Togorianas, com um punhado
de machos visitantes, se aproximava da nave. Han e seu
grupo desceram pela rampa. Mrrov e Muuurgh foram
imediatamente envolvidos pelos conterrâneos, em meio a
rugidos, uivos e ronronares de alegria.
Ainda parados ao pé da rampa, Han segurou a mão de
Bria e olhou em volta, contemplando Togoria.
– Belo planeta – comentou. – Depois de Ylesia, isto sim
parece um paraíso de verdade .
– É bonito mesmo – concordou ela. – Perfeito.
Era, de fato, um belo mundo. Acima erguia-se um céu
azul profundo, com algumas nuvens brancas e fofinhas. O
céu tinha um leve tom de verde, de modo que ficava quase
índigo junto ao horizonte. Florestas escuras formavam o
pano de fundo para um lago azul cercado de pradarias.
Exóticas flores brancas com bordas verdes e folhas
escarlates balançavam com a brisa suave.
No alto, Han notou uma grande criatura voadora e
concluiu que deveria ser um dos mosgoths que Muuurgh
tinha descrito como o principal meio de transporte em
Togoria. Mosgoths eram enormes lagartos voadores, muito
inteligentes. Os Togorianos os haviam domesticado há muito
tempo. As duas espécies trabalhavam juntas para se
proteger mutuamente contra répteis alados ainda maiores,
os letais liphons que roubavam tanto filhotes Togorianos
como ovos de mosgoth.
Enquanto Han observava, o mosgoth circulou sobre o
campo de pouso e começou a descer. Han viu um macho
Togoriano montado no dorso, guiando a criatura com um
cabresto. Ficou impressionado com a harmonia que parecia
existir entre montaria e cavaleiro.
O ar togoriano era um dos mais limpos e refrescantes
que Han jamais respirara. Mrrov lhe explicara mais cedo que
toda tecnologia togoriana era baseada em energia solar,
exatamente por esse motivo. Togorianos reverenciavam seu
mundo e não tinham a menor vontade de espoliá-lo ou
poluí-lo em nome do progresso, como tantas espécies da
galáxia tinham feito.
Han deu um ou dois passos experimentais, e então
quicou sobre os calcanhares. Sentiu-se leve... quase
flutuante. Fazia sentido, pois a gravidade em Togoria era um
pouco mais fraca que em Corellia ou Ylesia.
De repente, a multidão se abriu e Muuurgh, ainda
enfaixado mas já caminhando com seu gingado confiante,
emergiu acompanhado de Mrrov.
– Nossos clãs estão sendo convocados para a cerimônia
de união, e o banquete que se seguirá – anunciou. – Vocês
são nossos convidados de honra. Por favor... sigam-nos.
Han e Bria seguiram.
Caross era uma linda cidade – pedra branca nativa era
usada para construir casas geminadas nas encostas. Por
toda parte havia jardins e parques onde passear. Fêmeas
Togorianas se ocupavam com projetos ou cuidavam de
filhotes agitados. Muuurgh explicou que os filhotes dos dois
sexos continuavam com as mães até que se aproximassem
da idade adulta, quando os machos voltavam ao clã com os
pais para aprender os costumes da vida de caçador.
Nos dois dias seguintes, Han e Bria descansaram,
fizeram refeições deliciosas (mesmo que insistissem que a
carne fosse cozida) e deram longos passeios juntos pelos
parques e jardins. Han também recebeu lições de voo de
um jovem macho, Rrowv – lições de como cavalgar e
controlar um mosgoth. Com seus reflexos ágeis e ousadia,
Han logo estava planando montado num dos lagartos bem
alto acima das árvores, curtindo a sensação das poderosas
asas batendo atrás de si enquanto ele se sentava na
pequena sela nos ombros do mosgoth.
Os lagartos eram criaturas afetuosas que gostavam de
coçadinhas nas pequenas orelhas e carinhos no peito.
Ao longo de todo o dia seguinte à chegada, mosgoths
trazendo montadores chegaram de todas as partes de
Togoria. A notícia da chegada de Muuurgh, o caçador, tinha
se espalhado, e todos os seus parentes de clã se reuniam
para recebê-lo e comparecer ao casamento dele com Mrrov.
Muuurgh e Mrrov ficaram ocupados contando suas
aventuras estelares ao público de seu povo. Mrrov nunca se
cansava de repetir a narrativa do que tinha acontecido com
ela, para evitar que alguma fêmea Togoriana inocente
caísse na conversa das promessas de um “paraíso”
ylesiano.
A “cerimônia” de casamento aconteceu ao pôr do sol do
terceiro dia em Togoria. Han e Bria ficaram ao lado de
Muuurgh e Mrrov enquanto eles encaravam solenemente os
clãs reunidos. A pelagem deles reluzia depois de horas de
cuidados atentos. Só a pequena bandagem branca no flanco
de Muuurgh maculava o pelame brilhoso. No mundo nativo
deles, os Togorianos raramente vestiam roupas – o clima era
tão clemente que raramente era necessário.
Primeiro o casal prometido encarava os clãs, virando-se
lentamente para que todos pudessem ver seus rostos. A um
sinal de Muuurgh, Han e Bria então se afastaram para se
juntar ao resto dos presentes.
Mrrov e Muuurgh se viraram um para o outro. Han
piscou, surpreso, quando um uivo grave e rosnante
começou a emanar das gargantas deles. Ambos exibiram as
presas e sibilaram. As garras surgiram.
Então, com tanta rapidez que o olho mal poderia seguir,
eles saltaram um contra o outro e caíram no chão, com
dentes cravados nas gargantas mutuamente. Grunhindo,
rosnando e uivando, rolaram repetidamente, golpeando-se
com as patas-mãos. As patas traseiras também estavam
ocupadas, atacando furiosamente as barrigas peludas.
Han olhou para Bria, que parecia um tanto alarmada. Só
que ninguém na plateia parecia ver nada de estranho no
que estava acontecendo. Uma galáxia é feita de todos os
povos... pensou Han.
Finalmente, ofegando e grunhindo, os dois combatentes
se separaram. Apesar da ferocidade aparente, não havia
sangue visível nos pelames. Os dois circundaram um ao
outro, e os uivos gradualmente morreram e se tornaram
ruídos suaves e gentis. Ficaram bem próximos, esfregando
os rostos mutuamente por um longo tempo. Han escutava o
ronronar rouco de onde estava.
Então, de repente, Mrrov sibilou, cuspiu e atacou
Muuurgh novamente. Ele saltou contra ela, e os dois
estavam no chão outra vez, rolando, arranhando e
mordendo.
Han apertou a mão de Bria.
– Romântico, né? – sussurrou ele, sorrindo.
– Shhhh! – respondeu ela.
Momentos depois, o par nupcial estava ronronando e se
esfregando de novo, os olhos semicerrados de prazer.
A multidão estava ficando mais excitada. Han ouvia um
ronronar vibrante se erguendo de todos os lados. De novo,
Muuurgh e Mrrov passaram pela “luta”.
Porém, dessa vez, quando eles alcançaram o estágio de
esfregar os rostos, Muuurgh agarrou Mrrov pelas dobras de
pele na nuca. Prendendo-a com os dentes e poderosos
braços, ergueu a companheira, menor que ele, e a carregou
através do círculo. A multidão se abriu diante deles como
uma porta.
Muuurgh desapareceu na escuridão, ainda carregando a
companheira. Momentos depois, dois altos uivos triunfantes
de êxtase romperam a quietude, e por fim o silêncio reinou.
A multidão murmurou sua aprovação da conclusão do
ritual. Han foi quase derrubado pelos parentes Togorianos
de Muuurgh que lhe davam tapas no ombro, garantindo que
aquele tinha sido um dos melhores casamentos que eles já
tiveram o privilégio de testemunhar.
O banquete se estendeu noite adentro. Han e Bria se
esgueiraram para dar uma volta no parque, sob as duas
pequenas luas de Togoria. As estrelas fulguravam acima.
– Então – perguntou Han. – Como é que foi o dia hoje?
Está ficando mais fácil?
Ela deu um pequeno aceno de cabeça.
– Um pouco. Às vezes eu consigo passar uma hora inteira
sem sentir falta, Han. Outras vezes, porém, sinto como se
os minutos se arrastassem e eu estivesse me agarrando à
minha sanidade pelas unhas.
– Bem, pra amanhã eu tenho planos especiais – afirmou
Han, sorridente. – Prepare-se para se divertir. Estou com
tudo organizado.
– Como assim? – indagou Bria. – O que nós vamos fazer?
– Não vou estragar a surpresa – provocou ele. – Só se
prepare para levantar com os passarinhos, está bem?
– Não tem passarinhos em Togoria – ela relembrou. – Só
pequenos lagartinhos voadores.
– Verdade – admitiu Han. – Mas não deixe de acordar
cedo, tudo bem?
– Tudo bem.

Quando Bria se levantou na manhã seguinte, não


conseguiu achar Han em parte alguma da suíte onde eles
estavam hospedados. O que ela encontrou foi uma cesta de
frutas, uma jarra de suco, algumas tiras de carne defumada
e um pão numa bandeja. Também achou uma tira de papel
com as seguintes palavras: “Vista-se, coma e venha para
fora. Estarei esperando – H.”.
Bria leu o bilhete, ergueu as sobrancelhas e partiu para
seguir as instruções. A curiosidade era tão grande que até
abafou um pouco da ânsia constante pela Exultação. Às
vezes os desejos vinham em ondas tão intensas que ela se
sentia prestes a enlouquecer. Porém, com o passar dos dias,
as ocorrências iam ficando mais raras.
Bria rezou a todos os deuses verdadeiros do universo que
algum dia elas cessassem completamente.
Quando chegou ao pátio ao lado do prédio onde estavam
hospedados, Bria deparou com Han esperando por ela.
Estavam montado num mosgoth, com uma mochila e uma
toalha de mesa amarrados atrás da sela. Enquanto ela
ficava ali parada, incerta, ele se abaixou e estendeu a mão.
– Venha! Suba aqui!
O olhar de Bria foi de Han ao mosgoth, depois à vastidão
do céu togoriano.
– Você quer que eu voe com você nessa... criatura? –
indagou ela. Voar numa espaçonave, ou num landskimmer,
era uma coisa. Embarcar num réptil gigante e alçar voo céu
acima era outra completamente diferente.
– Claro! – Han se inclinou para dar tapinhas no pescoço
da montaria. – Esta é Kaydiss, e ela é um docinho, não é,
garota?
A mosgoth arqueou o pescoço esguio e estendeu a longa
língua bífida, claramente curtindo o carinho.
Bria respirou fundo.
– Tudo bem – decidiu. Afinal de contas , pensou ela, o
pior que pode acontecer é nós cairmos do céu e morrermos.
Então eu não teria mais que me preocupar com a Exultação,
não é?
Bria aceitou a mão estendida e pôs o pé na perna da
criatura, que tinha gentilmente curvado o membro para
ajudá-la a montar. Com um puxão e uma subida, Bria estava
montada, sentada à frente de Han. Ele passou os braços em
volta da corelliana, que ficou presa como se vestisse um
arnês de segurança. Bria arfou e fechou os olhos quando
Han estalou a língua para Kaydiss e agitou as rédeas.
Com dois enormes passos e um impulso das poderosas
asas da mosgoth, Han e Bria decolaram e subiram cada vez
mais. Bria abriu os olhos e descobriu que estava bem acima
dos prédios. O vento soprava em seu rosto, nos cabelos, e
trazia lágrimas aos seus olhos.
– Ah! – exclamou ela. – Han, isto é maravilhoso!
– Se é – respondeu ele, com uma nota perdoável de
convencimento na voz. – E espera só para ver aonde eu
estou te levando.
Bria segurava a frente da sela (com os dois espremidos
juntos, ela não estava muito preocupada em cair) e exultou-
se na sensação de voar de verdade.
Florestas e rios fluíam abaixo deles. Bria contemplou os
campos, as vilas e os lagos, sorrindo em êxtase. Não tinha
se sentido tão bem desde... bem, desde a última Exultação.
Porém, mesmo a Exultação parecia ter perdido seu poder
sobre ela, momentaneamente. Bria inclinou-se para frente e
abriu a boca, sorvendo o vento de sua passagem. Ela queria
bater os braços e gritar bem alto, mas resistiu ao impulso,
sem querer correr o risco de desequilibrar a mosgoth.
– Ela não vai se cansar, carregando dois? – gritou Bria
para Han.
A voz dele veio quase em seu ouvido. Ela sentiu o calor
do hálito de Han.
– Ela está acostumada a carregar machos Togorianos.
Você e eu juntos não pesamos tanto quanto Muuurgh, ou
mesmo que alguns dos machos menores. Kaydiss está bem.
Meia hora mais tarde, o largo rio que eles seguiam se
alargou, até que se dividiu num vasto delta. Han virou a
mosgoth para norte, e, depois de mais alguns minutos, Bria
viu ondas brancas arrebentando sobre areia dourada. Virou-
se para Han com um sorriso empolgado.
– A praia!
– Eu prometi a mim mesmo que um dia a gente iria a
uma praia de verdade – respondeu o rapaz. – Onde a gente
pudesse nadar, sem se preocupar em ser devorado.
Ele guiava a mosgoth cada vez mais baixo e, finalmente,
ela pousou na areia. Han colocou a amarração de asa nela e
a deixou para procurar comida sozinha no mangue próximo.
Voltou até Bria, trazendo a toalha e a comida.
– Nadar primeiro – indagou ele –, ou comer primeiro?
Bria olhou as ondas brancas e sentiu o chamado do mar.
A família dela tinha uma casa de praia em Corellia, e ela
amara nadar desde criança.
– Nadar – decidiu ela.
Feliz por estar vestindo um collant debaixo da camisa e
das calças, Bria tirou as roupas e correu para a água. Han,
que já tinha se despido até ficar de shorts, a seguiu.
Bria logo descobriu, para sua surpresa, que ele não sabia
nadar.
– Nunca tive chance de aprender – admitiu o rapaz, um
pouco envergonhado. – Eu estava sempre trabalhando e,
quando não estava trabalhando, estava pilotando swoops
nas corridas e coisas assim. Eu já te disse, a praia em Ylesia
foi a primeira vez que eu vi tanta água assim junta.
– Bem – decidiu Bria, com firmeza. – Hoje você vai
aprender. É jovem, forte e tem bom equilíbrio e reflexos. Vai
aprender fácil.
Han se provou um pupilo capaz. Bria ficou impressionada
com a forma como ele se concentrou, quão precisamente
seguia as instruções dela sobre o modo de mexer os braços,
as pernas, quando respirar etc. Ela comentou isso com ele
num dado momento. Han sorriu sardonicamente.
– Pilotos aprendem a seguir instruções – afirmou ele. –
Ou acabam virando pilotos mortos .
Antes que eles saíssem da água para comer, ele já
estava dando algumas braçadas sem medo na arrebentação
e tinha começado a conseguir coordenar a respiração com
as braçadas e pernadas.
– Você é um ótimo aluno – elogiou-o Bria enquanto eles
se sentavam na toalha, contemplando o mar.
– Obrigado, você é uma boa professora.
Eles compartilharam a comida das provisões que Han
trouxera, e então fizeram um passeio de mãos dadas pela
praia. Num dado momento, um minúsculo lagarto passou
voando, cintilando em tons de verde e ouro. Bria estendeu a
mão e ficou muito, muito imóvel, e o pequeno bichinho
pousou em seu dedo e ficou ali, agarrado, com as asas
sendo agitadas gentilmente à brisa. Han sorriu para ela.
– Você está... linda...
– Eu me sinto como se fosse dona do mundo – respondeu
Bria, meio que brincando. – Este dia... eu me lembrarei dele
para sempre, Han.
– Você é dona desta praia – afirmou Han, ainda sorrindo.
– Eu dou ela para você. É sua, por hoje.
O lagartinho bateu asas e voou, ainda bem destemido.
Enquanto os dois caminhavam pela arrebentação, Han
lhe contou mais sobre sua determinação de entrar para a
Academia Imperial.
– Os oficiais do Império inspiram respeito das pessoas –
explicou. – Nunca inspirei respeito em ninguém antes, mas,
se eu conseguir entrar, isso tudo vai mudar. Vou poder dar a
volta por cima, Bria. Nunca mais vou ter que roubar,
contrabandear ou trapacear de novo.
Os olhos de Bria se encheram de lágrimas com a
sinceridade na voz do rapaz. Estendeu a mão e acariciou o
rosto dele gentilmente.
– Meu coração se parte por você, às vezes – sussurrou
ela. – Você já conheceu tanta traição, tanta crueldade...
Han por sua vez tocou o rosto dela, com uma expressão
atenta nos olhos castanhos.
– Mas eu também tive uma pessoa que me amou –
afirmou ele. – Me deixa contar sobre Dewlanna...
Seguiram caminhando lentamente, de mãos dadas, e
Bria ouvia enquanto Han lhe contava sobre sua melhor
amiga durante a infância. Quando alcançaram a toalha de
novo, andavam em silêncio.
– Garris Shrike parece alguém que se encaixaria bem em
Ylesia – comentou Bria, por fim.
– Ele provavelmente acabaria governando o lugar –
concordou Han com amargura. Sentou-se na toalha, os
braços apoiados em cima dos joelhos, contemplando o mar,
com uma expressão preocupada. – Eu deveria ter matado
ele quando tive a chance, Bria. Mas... eu não matei.
Ela se sentou ao lado dele.
– É porque você é uma pessoa decente, Han – afirmou
ela ferozmente. – Você acha que é durão, e é; mas também
é decente . Não é um assassino a sangue-frio como Shrike.
Se você tivesse atirado nele, não seria melhor que ele.
Han se virou pra Bria, com uma expressão muito atenta,
muito séria.
– Você tem razão – respondeu ele em voz baixa. – Às
vezes, quando as coisas parecem tão confusas, você faz
tudo ficar claro... com apenas algumas palavras. Você é
uma mulher... muito... sábia.
Bria ficou absolutamente imóvel quando Han se inclinou
para frente e a beijou, com delicadeza, no rosto. Seus lábios
eram quentes. Quando ele começou a se afastar, ela pôs a
mão em sua face.
– Não pare.
Han virou a cabeça, e os lábios dos dois se encontraram.
Ela sentiu gosto de água do mar. Fechou os olhos, e o tempo
pareceu parar.
Depois de vários longos instantes, Han se afastou. Bria
abriu os olhos e viu que ele avaliava sua expressão.
– O que você achou? – perguntou ele com suavidade,
soando um pouco sem fôlego. – Foi bom?
Bria estava mais do que um pouco sem fôlego.
– Melhor que bom – sussurrou ela de volta, passando os
braços pelo pescoço dele, sentindo a pele quente de sol dos
ombros nus. Han a abraçou com força. – Muito, muito
melhor.
No dia seguinte, Mrrov e Muuurgh se prepararam para
partir na lua de mel deles, e Bria e Han se prepararam para
zarpar para o sistema corelliano.
Na despedida final, Muuurgh segurou Han pelos ombros
e o chacoalhou de leve.
– Vou sentir saudade sua – afirmou em sua língua básica
hesitante, mas muito melhorada. – Você precisa ir? Você
gosta de Togoria, já me disse isso. Sem você, eu nunca
encontraria Mrrov. O marquês de toda Togoria me pedir para
lhe dizer que você e Bria são bem-vindos para ficar para
sempre. Você pode caçar conosco, Han. Voar em mosgoths.
Nós seríamos felizes.
Han sorriu para o alienígena grandalhão.
– E ver Bria só uma vez por ano? Infelizmente não é
assim que os humanos fazem as coisas, meu chapa. Mas
obrigado pelo convite, Muuurgh. Quem sabe eu volto um dia
para ver como você e Mrrov estão.
– Han faz isso, e logo – respondeu Muuurgh, com seu
domínio da língua básica se desintegrando diante da forte
emoção. Ele agarrou o corelliano num abraço, levantando-o
completamente do chão. Han retribuiu o abraço.
Bria e Mrrov também trocaram despedidas calorosas.
– Você vai superar sua necessidade de Exultação –
afirmou Mrrov a Bria, com sinceridade. – Eu superei. Por um
longo tempo, depois que eu me obriguei a resistir, eu sofri
com sua falta. Porém, depois de muitos dias, o desejo
enfraqueceu, e agora eu não sinto mais nada. Deixei que
minha raiva contra aqueles escravizadores me ajudasse a
apagar a ânsia do meu espírito.
– Espero que eu consiga ser tão forte quando você, Mrrov
– disse Bria.
– Você já é – garantiu-lhe a fêmea Togoriana. – Você só
não percebeu ainda.
Uma vez a bordo da Talismã , Han alçou o iate ylesiano
aos límpidos céus de Togoria com uma sensação genuína de
arrependimento.
– Este é um bom mundo – disse ele a Bria, que estava
sentada ao lado dele no assento do copiloto. – Boa gente,
também.
– É verdade – concordou ela. – Certamente foram bons
conosco . Eu nunca me esquecerei do dia de ontem, mesmo
que eu viva até os 100 anos.
Han sorriu para ela.
– Nem eu, meu bem. Minha vida inteira eu quis ir à praia
e simplesmente poder agir como um cidadão comum: nada
de golpes, nenhuma força de segurança com que se
preocupar, nenhum contrabando estressante no meu bolso.
Graças a você, agora eu sei como é essa sensação.
A corelliana abriu um sorriso tão carinhoso que Han se
inclinou e a beijou.
– Bria... eu... – Han hesitou, respirou fundo e balançou a
cabeça.
Han endireitou os ombros, virou-se de volta para os
controles e ficou muito ocupado com a pilotagem. Bria ficou
ali sentada, observando, sem jamais tirar os olhos do rapaz
enquanto ele calculava o salto para o hiperespaço e
alimentava as coordenadas escolhidas no navicomputador.
Quando as estrelas riscavam o espaço ao redor da nave,
e eles tinham feito o salto com sucesso, ela girou o assento
para ele e pôs a mão em seu braço.
– Pois não? Pode falar. O que você ia dizendo?
Han tentou parecer inocente, mas fracassou.
– Hein? Como assim?
– Você estava prestes a me dizer alguma coisa e ficou
ocupado pilotando. Bem, agora estamos em segurança no
hiperespaço, então você não tem motivo para não falar. –
Ela sorriu de leve. – Estou esperando.
– Bem, eu estava só pensando... que estou com fome –
completou Han apressado. – Com muita fome. Vamos
almoçar.
– Comemos antes de partir, mal faz uma hora – ela
relembrou a ele. Com expressão gentil, pegou uma das
mãos dele e segurou com as duas dela. – Diga-me.
– Bem... – Ele deu de ombros. – Estou dizendo que estou
com fome de novo.
– Está mesmo? – perguntou Bria em voz baixa.
– Eu... – Han balançou a cabeça, obviamente
constrangido. – Hum, não. Ei... Bria, meu bem... eu não sou
bom nisso.
– Você é bom em algumas coisas – retrucou ela, sorrindo
marota.
– Tipo o quê? – inquiriu ele, sorrindo de volta.
– Tipo... pilotar. E lutar. E resgatar pessoas.
– É, acho que sou mesmo. – Han fitou Bria outra vez e
toda a bravura súbita desapareceu. – Bria... o que eu estava
tentando dizer era que eu... – Ele pigarreou. – Isto não é
fácil.
– Eu sei. Eu sei.
Bria levou a mão dele aos lábios, beijou e então disse:
– Han... eu também te amo.
O rapaz parecia tão feliz quanto surpreso.
– É verdade?
– É. Já faz muito tempo. Acho que me apaixonei por você
naquele dia no refeitório dos peregrinos, quando você não ia
embora, não importando o quanto eu mandasse.
– É mesmo? Eu não percebi até... não sei quando percebi.
Mas, quando entendi o que era... fiquei assustado, Bria.
Nunca tinha acontecido comigo antes.
– Amar alguém? Ou ser amado?
– Nenhum dos dois. Exceto por Dewlanna. Ela me amava,
eu acho. Mas era diferente.
– Sim. – Os olhos dela brilhavam. – Isto é diferente. Eu só
espero que a gente possa ficar juntos, Han.
Agora foi a vez dele de pegar a mão dela.
– É claro que a gente vai ficar juntos. Não vou deixar que
nada atrapalhe nosso amor. Pode contar com isso, querida.

Han traçou uma rota para a Talismã que os levava para


bem longe do espaço Hutt e os trouxe numa jornada
descansada de três dias até o sistema corelliano. Ele
prolongava deliberadamente o tempo que passaria sozinho
com Bria. Por dentro, ficava muito apreensivo de ter que
voltar a Corellia e conhecer a família dela. Não sabia quase
nada sobre como os “cidadãos” viviam e tinha certeza de
que teria dificuldades em se adaptar.
Também sabia que, uma vez que chegassem a Tralus, ele
teria que botar mãos à obra. Han estava preparado para
mudar de identidade assim que pousasse em Corellia. Mas
Bria era procurada pelos T’landa Til e os Hutts também, e
eles sabiam o nome verdadeiro dela. A primeira coisa que
Han planejava fazer, assim que tivesse créditos para tanto,
era fornecer uma identidade falsa a Bria.
Além disso, Han tentava dar a ela o máximo de tempo
possível para sarar. Ele sabia que ela ainda ansiava pela
Exultação, mesmo que não tivesse mais ataques de pânico
ou crises de choro. Porém, várias vezes ele acordara no
meio da noite e dera pela falta dela.
Ao procurar por Bria, geralmente a encontrava na cabine
de controle, sentada no assento do copiloto, contemplando
as estrelas com um desejo tão intenso nos olhos que Han
sentia uma pontada de ciúmes.
Por que eu não posso ser suficiente para ela? Por que
nosso amor não basta? perguntou-se ele. Han queria ser
suficiente para Bria, queria que ela fosse feliz e contente,
mas percebia claramente que esse não era o caso. Isso o
entristecia e o deixava irritado também.
Certa vez, tentou falar sobre a questão com ela.
– Já faz quase dez dias! Por que você sente tanta falta,
ainda? – inquiriu ele, notando o tom de raiva na voz, mas
incapaz de contê-lo. – Me conta, Bria, me explica!
Bria o fitou com olhos verde-azulados muito tristes,
quase assombrados.
– Eu não posso explicar, Han. É como se eles tivessem
tirado um pedaço de mim... um pedaço do meu espírito.
Não é só questão de eu sentir falta da própria Exultação, do
prazer, do calor. Estou superando isso. É...
Han estava sentado ao lado dela no lugar do piloto e
pegou as mãos dela, que estavam frias, e as aqueceu
gentilmente.
– Continue... – disse ele em voz baixa. – Estou aqui. Estou
ouvindo.
– Tanto Mrrov quanto Teroenza estavam enganados
quando disseram que só pessoas de mente fraca caem na
armadilha da religião ylesiana – afirmou Bria lentamente,
escolhendo as palavras com cuidado. – Ah, alguns dos
peregrinos podem ser gente descontente que nunca teve
sucesso na vida e que procuram um jeito de fugir das
responsabilidades. Mas não é o caso da maioria. Conheci
muitos deles, Han.
– É verdade – encorajou ele.
– A maioria dos peregrinos Ylesianos era de... idealistas,
acho que se poderia dizer. Gente que acreditava que havia
alguma coisa melhor , algum sentido para a vida. Saíram
procurando nos lugares errados e foram iludidos pela
baboseira dos sacerdotes sobre o Um e o Todo... mas isso
não faz que a meta deles, a aspiração deles de acreditar
num poder superior, seja idiota.
Han concordou com um aceno da cabeça e viu as
lágrimas se acumulando, depois se derramando dos belos
olhos. Preocupado, começou a falar:
– Bria... meu bem. Não se torture assim! Só porque esta
religião acabou sendo uma farsa e uma vigarice, não quer
dizer que a vida não valha a pena. Nós temos um ao outro.
Nós vamos ter dinheiro. Vamos ficar bem.
– Han... – Bria tocou a bochecha dele, acariciou seu rosto
e lhe abriu um sorriso carinhoso. – Você é um pragmático
absoluto, não é? Se não tiver ninguém atirando em você, ou
nenhum raio trator, a vida está ótima, não é?
Han balançou a cabeça, um pouco magoado.
– Eu sou um cara simples, verdade, mas isso não
significa que eu seja incapaz de entender do que você está
falando, Bria. Seria bom se houvesse algum poder superior,
talvez. Eu só não calho de acreditar que isso exista. E me
magoa ver você tão magoada.
– Han... você não percebe que a única pessoa de quem
você pode realmente cuidar e proteger é você mesmo...
– E você , Bria – interrompeu-a ele. – Não se esqueça
disso nem por um segundo. Nós somos uma equipe,
querida.
– É, nós somos uma equipe. Mas é difícil para mim ficar
satisfeita em não levar tiros ou ter algum dinheiro. Eu quero
mais.
– Você quer alguma razão que explique tudo que
acontece. Você quer trabalhar para transformar seus ideais
em realidade – afirmou Han.
– Isso – concordou ela. – Mas eu entendo que você não
permite que questões como o sentido da vida o
atormentem. Você provavelmente é o mais inteligente aqui,
Han.
– Inteligente? – Han franziu o cenho. – Eu não sou burro,
sei disso, mas nunca fingi que era um filósofo ou coisa
assim.
– Certo. Você não se rasga todo por causa da injustiça, da
corrupção e dos malfeitos. Você aceita as coisas como elas
são e descobre um jeito de contorná-las. Não é?
Han pensou nisso e finalmente concordou com a cabeça.
– É mesmo, acho que sim. Talvez, há muito tempo, eu
tivesse algumas ideias sobre como eu poderia me tornar
alguém que faria o bem e enfrentaria os vilões, mas... – Ele
suspirou e abriu um sorriso irônico. – Acho que essas noções
foram expelidas de mim na base da porrada quando eu
ainda era bem novinho. Quando você vive sob o jugo de
Garris Shrike, aprende rapidinho que ninguém vai cuidar de
você exceto você mesmo, e que correr qualquer risco por
qualquer outra pessoa é um bom jeito de acabar morto.
– E quanto a Dewlanna? – indagou Bria.
– É, eu sabia que você ia falar nela. – Han passou a mão
pelo cabelo e sorriu. – Dewlanna era diferente. Nós
cuidávamos um do outro, sim. Mas ela era a única, Bria. A
única pessoa que dava a mínima para se eu viveria ou
morreria. Saber disso me transformou num... pragmático, eu
acho.
– É claro que transformou. É perfeitamente natural.
– Mas continue – urgiu Han. – Você estava me contando
sobre como os peregrinos eram... idealistas. Você também
é?
Bria fez que sim com a cabeça.
– Acho que sim, Han. A minha vida inteira eu sempre quis
ser mais , ser melhor, tornar o universo um lugar melhor por
causa da minha presença. Quando eu descobri a religião
ylesiana, realmente, verdadeiramente pensei que tinha
encontrado. Que eu, de alguma forma, poderia mudar o
universo com a minha crença e a minha fé. – Ela sorriu
ironicamente e deu de ombros. – Obviamente, escolhi a fé
errada em que acreditar.
– É – concordou ele, revirando na cabeça tudo que ela
tinha dito. – Só que existem outras coisas em que acreditar,
Bria. Talvez algumas delas sejam reais. Talvez você só tenha
que descobrir quais são essas coisas.
Bria se levantou e veio até ele, depois se curvou e beijou
o topo da cabeça dele. O piloto se levantou e a abraçou com
força.
– Eu sei de uma coisa real – afirmou ela. – Você é real .
Você é a pessoa mais real que eu já conheci. A mais viva.
Han beijou o rosto de Bria, que apoiou a cabeça no
ombro dele. Ficaram assim por um minuto, sem falar.
– Dewlanna me contou sobre algo em que ela acreditava
– disse ele, finalmente. – Alguma forma de energia vital
compartilhada por todas as criaturas, todas as coisas. Ela
acreditava nisso. Jurou para mim que era real.
– Talvez eu devesse ir a Kashyyyk – comentou ela. –
Numa peregrinação.
– Claro – concordou Han. – Um dia a gente vai lá. Eu
gostaria de conhecer. Dewlanna me contou que é um belo
mundo. Eles vivem no alto das árvores.
– Seria muito bom – disse Bria, sonhadora. – Só eu e você
em cima de uma árvore. O que a gente ia fazer o dia todo?
– Eu sei de uma coisa – retrucou Han e se curvou para
beijá-la com tanta paixão que até mesmo as estrelas
pareceram girar ao redor dela com longos rastros, e seus
ouvidos começaram a apitar...
Não, ela percebeu, um momento depois, aquelas não
eram reações ao beijo de Han – era o alarme avisando que
eles tinham saído do hiperespaço. Han fez uma careta.
– Por falar em timing ruim, doçura. Bom, mais tarde, está
bem?
Ela sorriu.
– Mais tarde... eu vou te lembrar disso.
Ele já tinha voltado ao assento de piloto e conferia as
coordenadas, mas separou um momento para lançar um
sorriso que fez o coração de Bria dar uma cambalhota.
– Eu mal posso esperar.

Han aterrissou a Talismã num campo de pouso particular


em Tralus.
– Que lugar é este? – indagou Bria, enquanto seguia o
rapaz rampa abaixo e olhando em volta espantada. Havia
naves de todos os tamanhos e tipos agrupadas ali. Algumas
eram pouco mais que carcaças enferrujadas... outras
pareciam quase novas em folha. Nenhuma delas tinha
quaisquer códigos de identificação ou nomes, entretanto.
Essas marcas tinham sido apagadas com maçaricos laser. –
Parece... um cemitério de naves, ou coisa do tipo.
– Pois é. Velhas espaçonaves nunca morrem... Elas
simplesmente acabam no Pátio de Naves Usadas de Veryl
Verídico – explicou Han. – Quando você precisa de uma
nave, ou precisa se livrar de uma nave, e não quer deixar...
rastros... você vem aqui.
Bria arregalou os olhos.
– Essas naves são todas... roubadas?
– A maioria – respondeu Han. – A nossa também é...
lembra?
Bria fez uma careta.
– Estou tentando esquecer.
Han deu uma olhada para o escritório que ficava no meio
do imenso campo de pouso.
– E lá vem o Veryl Verídico em pessoa.
Veryl Verídico era um Duros, um humanoide alto e magro
de pele azul. Completamente careca, seu rosto era bem
humano exceto pela ausência de um nariz – o que lhe dava
uma aparência pesarosa. Han deu um passo à frente, com a
mão estendida.
– Bom dia para você, viajante Veryl – disse o rapaz. Os
Duros gostavam tanto de viajar que a palavra “viajante” era
seu honorífico preferido. – Sou Keil d’Tana, e esta é minha
sócia, Kyloria m’Bal. Muito prazer em conhecê-lo.
– Igualmente – respondeu Veryl. – Saudações aos dois
viajantes. Vocês teriam tempo para um lanche e uma troca
de histórias?
Os Duros eram conhecidos como excelentes contadores
de histórias por toda a galáxia. Um Duros tinha memória
quase fotográfica para qualquer história que escutasse. A
maioria dos Duros “colecionava” histórias e,
aparentemente, Veryl não era exceção.
– Lamento – disse Han. – Estamos com um pouco de
pressa. Temos uma nave de passageiros para pegar.
– Entendo perfeitamente – disse o Duros. – Já que vocês
se utilizarão de transporte público, deduzo que estejam aqui
para vender uma nave, não para comprar.
– Isso mesmo, viajante – confirmou Han. – Está em
excelentes condições, inclusive. Um lindo iatezinho de laser.
Só precisa de pequenas reformas para se tornar perfeito
para alguma família corelliana que queira levar as crianças
em férias ideais.
– Iate? – Bria achou que a voz de Veryl tinha se alterado
com a palavra, mas não tinha certeza. – Vou dar uma olhada
e farei uma oferta, viajante d’Tana.
Han foi na frente, até onde a Talismã aguardava. Os
traços já normalmente pesarosos do Duros ficaram ainda
mais tristonhos quando ele viu a nave ylesiana.
– Deixe-me mostrar o interior – convidou Han, apontando
a rampa.
O Duros balançou a cabeça azul careca.
– Não é necessário. Posso lhe oferecer 5 mil. Final.
Han ficou de boca aberta olhando o alienígena, seu
comportamento confiante de costume completamente
abalado.
– Hein? – indagou ele, espantado. – O quê? Isso é
loucura! Cinco mil por uma nave como esta? Isso é preço de
sucata!
O Duros se curvou de leve na direção de Han.
– De fato o é, viajante Draygo. – Curvou-se na direção de
Bria. – E viajante Tharen. – Acenou para a Talismã e
continuou, entristecido. – Concordo que é uma vergonha
reduzir uma nave tão bela a sucata. Mas é tudo que eu
posso fazer com ela. Os Hutts estão procurando por esta
nave... intensamente. Assim como procuram pelo astucioso
piloto Vykk Draygo, que a roubou.
Han lhe deu as costas, e Bria viu seus lábios se movendo
num xingamento brutal, mas, quando se virou de volta para
Veryl Verídico, tinha se recomposto.
– Entendo. Cinco mil... final.
– Isso. Eu poderia ser persuadido a aumentar o preço um
pouco se você e sua companheira me contassem suas
histórias... – acrescentou Veryl, esperançoso.
– Foi mal, meu chapa, sem chance – respondeu Han,
dando de ombros. – Certo, fechamos por 5 mil. Em dinheiro
vivo.
– Dinheiro vivo – confirmou Veryl Verídico.

Mais tarde, naquele mesmo dia, “Janil Andrus” e sua


esposa, “Drea Andrus”, embarcaram num transporte de
passageiros intersistêmico com destino a Corellia. Bria ficou
preocupada em posar como marido e mulher, mas Han
tinha lhe garantido que os boletins de ALERTA DE SEGURANÇA dos
Hutts os listavam como sendo solteiros. Privativamente, ele
se preocupava com a possibilidade de os Hutts tentarem
rastreá-los, já que sabiam o sobrenome de Bria, mas
também sabia que os Hutts não queriam criar uma cena ou
revelar o golpe de Ylesia ao público. Ele torcia para que isso
fosse o suficiente para que eles evitassem tentar prendê-los
abertamente. Han não planejava ficar em Corellia por muito
tempo...
O par chegou ao mundo natal no começo da noite e
pegou um transporte transcontinental para o continente sul,
onde o lar dos Tharen ficava. Quando chegaram à estação,
de onde, segundo Bria, dava para ir a pé até a casa dela, os
dois estavam cansados e suados, sem ter como trocar de
roupa. A única bagagem era a mochila que continha os
tesouros de Teroenza.
– Então... – começou Han, passando o peso do corpo de
um pé ao outro, olhando pela janela da estação para a
neblina e a garoa leve que caía. – E agora? Procuramos um
lugar para nos entocarmos até de manhã? Ou seria melhor
ligar para sua família e avisá-los?
– Acho melhor ligar – respondeu Bria, soando tão em
dúvida quanto Han. – Espere aqui. – Ela foi pedir
emprestado o comlink do administrador da estação e voltou
alguns minutos depois.
Han percebeu quão cansada Bria parecia e passou o
braço pelos seus ombros.
– Então... como foi?
Ela sorriu palidamente.
– Mamãe quase desmaiou, depois começou a gritar
comigo. – Ela suspirou. – Eu sei que ela me ama, mas a
forma como demonstra faz que eu fique com vontade de
gritar, às vezes. Quer o melhor para mim, desde que seja de
acordo com o que ela considera melhor!
Han concordou com um aceno de cabeça, pensando pela
primeira vez na vida que talvez tivesse tido sorte, de certa
forma, de nunca ter precisado lidar com pais.
– Então, vamos andando?
Bria balançou a cabeça.
– Não vai ser necessário, papai vem nos buscar no
speeder. Deve chegar a qualquer momento.
Enquanto ela ainda falava, um speeder luxuoso parou
diante da estação. Era pilotado por um homem bonito e
distinto, com cabelos grisalhos e porte corpulento.
Quando Han e Bria se aproximaram do veículo, o homem
saltou do speeder e, rindo e chorando ao mesmo tempo,
abraçou a filha. Longos momentos depois, virou-se para
apertar a mão de Han.
– É um prazer conhecê-lo – disse o homem. – Pelo que
entendi, você salvou Bria de... bem, de coisas terríveis. Só
posso lhe dizer... obrigado. Obrigado, er...
– Solo, senhor – respondeu Han. – Pode me chamar de
Han.
O aperto de Tharen era firme.
– Por favor, me chame de Renn, Han.
– Sim, senhor.
A volta para a casa de Bria foi rápida. Passaram por um
conjunto reforçado de portões de segurança, depois
seguiram por uma estrada que parecia não ter nenhuma
casa. Han deu uma olhada para os dois lados e viu grades
altas, do tipo que ele costumava zombar nos seus tempos
de ladrão.
– Não tem muita gente morando aqui – comentou.
– Ah, esta terra é nossa – respondeu Renn Tharen
distraidamente. – Comprei há alguns anos para nos separar
dos nossos vizinhos. Sou um homem que valoriza a
privacidade.
Entrou com o veículo numa estrada secundária que era
fechada com outro portão igualmente reforçado, porém
mais ornamentado. Além dele, Han viu a casa e murmurou
um xingamento virulento em huttês. Bria, meu bem...
pensou Han severamente, por que você não me contou que
sua família era rica o bastante para comprar e vender
metade de Corellia?
A casa era imensa... alas e torres modificadas, e
paisagismo à altura. A mansão Tharen fazia a moradia do
primo Thrackan parecer um casebre. Bria se virou para Han
e abriu um sorriso trêmulo.
– Bem, chegamos.
– É – respondeu Han, fazendo um esforço deliberado para
manter a voz neutra. Tinha notado que Bria estava quase
nauseada de ansiedade e não queria deixá-la ainda mais
preocupada. Havia pelo menos uma vantagem no fato de os
pais de Bria serem ricos – os Hutts nunca ousariam tentar
agarrá-la enquanto estivesse em casa. Isso certamente
causaria um grave incidente interestelar, e os Hutts
preferiam trabalhar clandestinamente.
Antes que o grupo pudesse alcançar a porta da frente, a
mãe de Bria saiu correndo, usando um vestido que Han só
podia descrever como “rico”.
– Querida! – exclamou, abraçando a filha. Han ficou um
pouco afastado, feliz em ficar fora do caminho até que os
pais de Bria terminassem de lhe dar as boas-vindas.
No meio de todo o tumulto de saudações, recriminações,
lágrimas, abraços e perguntas e respostas animadas, o
irmão de Bria chegou em casa. Han lembrava que Bria tinha
dito que o nome do irmão era Pavik. Ao contrário da irmã,
Pavik Tharen tinha puxado a mãe; era baixo, magro, com
cabelos escuros e olhos verdes. Era um rapaz bonito e
parecia gostar de verdade da irmã.
Demorou um bom tempo até Bria conseguir se
desembaraçar da família para apresentar Han. Com olhos
brilhantes, tomou a mão dele e o levou para conhecer a
mãe, Sera Tharen, e o irmão.
– Prazer conhecê-la, lady Tharen – disse Han, apertando
mãos e exibindo suas melhores maneiras. – Você também,
Pavik.
O aperto de mão de Sera era frouxo e sem entusiasmo.
Estudou Han, que logo percebeu que ela não tinha gostado
muito do que via. Han suspirou por dentro. Tenho um mau
pressentimento quanto a isso...
– Bem, por favor, entre – disse Sera Tharen. – Vamos
todos nos sentar. Tenho que dizer, isto foi um choque.
Pensei que jamais veria minha filhinha de novo, nunca mais
mesmo. Bria, querida, como você pôde fazer isso conosco?
Ainda murmurando recriminações, Sera Tharen os levou
para dentro.
Quando Han chegou à sala de estar e todos se sentaram,
ele teve que reprimir o impulso de se levantar num salto e
sair apressado. Aqui não é o meu lugar, pensou. Eu sei
disso, e eles sabem também.
O pensamento o deixou com raiva. Han se recusou a
permitir que o constrangimento transparecesse, e assim se
sentou e se reclinou nas almofadas opulentas, com um ar
deliberado de relaxamento. Deu uma olhada em volta, seu
senso profissional avaliando automaticamente o valor em
créditos que bugigangas e objetos decorativos teriam para
um receptador.
– Casa bacana – comentou ele, casualmente.
– Bem, er... – começou Sera.
– Han. Pode me chamar de Han, lady Tharen.
– Muito bem, Han – continuou a mãe de Bria, muito séria.
– Entendo que foi graças a você que Bria voltou. – Os olhos
dela estavam fixados na arma de raios de Han, que
percebeu que, como a maioria dos cidadãos, ninguém na
família de Bria andava armado. Só lamento, madame ,
pensou Han. Não tiro minha pistola para você nem para
ninguém. Vai ter que me aturar.
– Bem, eu tentei ajudar, lady Tharen – respondeu Han. –
Mas eu não teria conseguido sem Bria. Ela é bem durona
quando quer. Boa de briga.
Lady Tharen se enrijeceu, e Han percebeu que a mulher
não consideraria as palavras dele como elogios.
– Ah, céus... – murmurou ela. – Bria, querida, antes de se
sentar, por que você não vai se trocar? Ora, minha filha,
onde você arranjou essas roupas horríveis ?
– Com o droide alfaiate na colônia ylesiana – respondeu
Bria rapidamente, e lançou um olhar a Han, como se para
perguntar se ele ficaria bem.
Han acenou para tranquilizá-la.
– Pode ir, meu bem.
Lady Tharen se enrijeceu de novo perante o tratamento
íntimo e casual. Bria sorriu para Han, lançou um olhar
duvidoso à mãe e ao irmão, e saiu rapidamente da sala.
– Então, Han – disse Pavik Tharen. – O que você faz? – O
rapaz fitava Han atentamente, contemplando-o de um jeito
que deixou o piloto desconfortável.
– Ah, o que for necessário para me virar – respondeu
Han, despreocupado. – Mas o que eu mais faço é pilotar.
– Na Marinha? – indagou lady Tharen, animando-se um
pouco. – Você é um oficial?
– Que nada. Cargueiros, senhora. Consigo pilotar
qualquer coisa em qualquer lugar. Por isso que eu estava
em Ylesia, trafi...– Han se deteve, lembrando pela primeira
vez em muito tempo que o negócio de contrabando de
especiarias era altamente ilegal. – Quer dizer, transportando
carga.
– Ah – murmurou lady Tharen, obviamente não
entendendo, mas desconfortável com a resposta de Han. –
Que interessante.
– É, tem lá seus momentos.
– Eu comecei como piloto, há muitos anos – afirmou Renn
Tharen, com um tom de aprovação na voz. – Quando eu
tinha mais ou menos a sua idade, Han. Dei duro até virar
dono da empresa de transportes. Foi assim que eu fiz o meu
primeiro milhão.
Han pensou em contar a Renn Tharen que pretendia
entrar para a Academia Imperial, mas o hábito dele de
nunca revelar nenhuma informação pessoal estava
arraigado demais. Apenas sorriu e assentiu para o pai de
Bria.
– Aqueles eram os dias emocionantes, senhor – Han
comentou. – Muitos piratas naqueles tempos, não é?
Renn Tharen sorriu.
– Eu me meti em algumas escaramuças. Imagino que
você tenha, também.
Han sorriu de volta.
– Algumas.
Sera Tharen olhou de um para o outro, vagamente
perturbada.
– Ah, céus. Isso soa... perigoso.
– Faz parte do trabalho, lady Tharen – disse Han.
– Mas eu estou esquecendo meus bons modos! –
exclamou ela. – Capitão Solo, posso lhe oferecer algo para
comer ou beber?
– Eu gostaria de uma cerveja alderaaniana – pediu Han. –
E um pouco de pão ázimo com carne e queijo. Passamos o
dia viajando.
– Vou pedir à cozinheira – disse lady Tharen. Han ficou
espantado ao perceber que a “cozinheira” era um ser vivo,
uma Seloniana, em vez de um droide. Esta evidência
adicional de riqueza impressionou Han além de tudo mais
que ele tinha visto até então.
Quando Bria finalmente voltou, Han estava sentado na
sala de jantar, comendo. Ao vê-la chegar, o piloto parou no
meio da mordida.
Ela usava um vestido verde-azulado simples que
combinava com seus olhos. O tecido macio brilhava
levemente e colava no corpo em todos os lugares certos. E,
pela primeira vez desde que Han a conhecera, Bria tinha os
cabelos arrumados de forma atraente, escovados num halo
de cachos ruivo-dourados macios. Ela parecia tão diferente
da ladra armada de alguns dias antes que parecia ter saído
de outro universo.
Ainda bem que Ganar Tos não pode vê-la agora , pensou
Han com ironia.
– Você está linda, meu bem – comentou ele. – É um belo
vestido.
Han era sofisticado o bastante para concluir que o
vestido provavelmente custava mais créditos do que um
piloto espacial médio ganharia em uma semana. Ela foi
criada para ter tanto , pensou Han, preocupado. Como vai
reagir à vida sustentada pelo salário de um cadete imperial,
no começo, e depois de um oficial do Império?
Bria sorriu e sentou-se ao lado dele.
– Mãe, eu poderia ter alguma coisa para comer,
também? Estou morrendo de fome!
Enquanto Han e Bria devoravam seu lanche de fim de
noite, a família Tharen se reunia ao redor da mesa e
bebericava caro-cofeína em frágeis xicrinhas de porcelana
de Levier, enquanto o mordomo, outro Seloniano, os servia.
– Então, capitão Solo... você é corelliano? – indagou lady
Tharen, erguendo uma delicada sobrancelha para indicar
que tinha bastante certeza que sim. Han, que ainda
mastigava, assentiu com a cabeça, depois engoliu.
– Sim, senhora.
– E a sua família? – continuou ela. – Você é um dos Sal-
Solos? – Havia um toque de esperança na voz dela. – Eles
têm uma linda mansão ancestral, pelo que eu soube.
Encontrei o filho algumas vezes, mas lady Sal-Solo é muito
reclusa. Entendo que a saúde dela é frágil.
– Não, lady Tharen – respondeu Han. – Não temos
parentesco.
– Ah, disse ela, visivelmente decepcionada. – De qual
ramo da família você vem, então?
Bria parecia muito constrangida, Han notou, mas não
conseguiu concluir se era por ele, ou por causa dele.
– Não sei dizer, lady Tharen – respondeu o piloto, com
honestidade. – Sou muito provavelmente um órfão.
Mercadores me encontraram vagueando num beco das
docas perto do Espaçoporto Capital, quando eu era um
menininho. Fui criado por eles. Passei quase minha vida
toda no espaço. – Parte dele teve um prazer perverso em
ver a reação da dama àquela informação.
– Que estranho – comentou Pavik Tharen. – Você me
pareceu tão familiar. Sei que já o vi antes. Em algum lugar...
num churrasco, penso eu. Tenho uma imagem mental de vê-
lo num churrasco que se seguiu à uma corrida de swoop.
Han se enrijeceu por dentro. Agora que Pavik
mencionara, Han se lembrou dele também. O irmão de Bria
era talvez 2 ou 3 anos mais velho que Han e tinha sido um
competidor frequente em algumas das corridas de swoop.
Devido à diferença de idade, eles nunca tinham corrido um
contra o outro, mas Han se lembrava de tê-lo visto.
E, é claro, toda vez que Han participara de algum circuito
de corrida de swoop, ele tinha sido membro de alguma
“unidade familiar” criada por Garris Shrike para extorquir
dinheiro de corellianos ricos.
– Desculpa, mas não me lembro de você – afirmou Han,
casual. – Passei os últimos anos todos longe de Corellia.
Acho que não como um churrasco corelliano desde que era
criança.
– Só que eu me lembro com tanta clareza... – insistiu
Pavik, estreitando os olhos, desconfiado. – Você estava
encostado num swoop, comendo um prato de costelas de
traladon. A imagem na minha mente é muito distinta.
– Isso é um troço engraçado que acontece comigo –
comentou Han, se reclinando com um sorriso. – As pessoas
estão sempre me dizendo coisas assim. Eu devo ter uma
daquelas caras tão comuns que muita gente me confunde
com outros sujeitos.
– Não acho que você tenha aparência comum, Han –
disse Bria, sem entender o que estava acontecendo, mas
tentando ser leal. – Não penso que ninguém que o
conhecesse poderia esquecê-lo. Você é... único. – Bria
sorriu. – Bonito, também.
Han respirou fundo e conseguiu sorrir fracamente para os
Tharen reunidos.
– Obrigado, querida. Mas eu sou só um cara bem comum,
mesmo.
Bria por fim captou a mensagem sutil e ficou quieta.
Pavik Tharen continuou a estudar Han, desconfiado.
– Bem – exclamou Sera Tharen, animada demais. –
Imagino que vocês dois estejam cansados. Capitão Solo,
vou mandar Maronea preparar um dos quartos de hóspedes
para você. Bria, você obviamente vai querer seu quarto de
volta e, querida, não mudei nada nele. Eu simplesmente
sabia que algum dia você recuperaria a cabeça e voltaria
para nós!
– Eu não tinha como decidir voltar, mamãe – respondeu
Bria em voz baixa. – Uma vez que você vai a Ylesia, eles não
deixam você sair. Não há naves, mas tem guardas armados
de sobra. Se não fosse por Han... eu jamais teria conseguido
escapar.
– Ah, céus... – disse lady Tharen, aflita e parecendo
incapaz de decidir no que acreditar. Han teve a impressão
de que ela só tivera contato com o lado mais amargo da
vida por meio das séries de aventuras em holo.
– Eu entendo isso, Bria – afirmou Renn Tharen,
sustentando o olhar de Han. – E jamais me esquecerei. Han
é um herói, Sera, e nós lhe devemos mais do que um dia
poderíamos pagar. Se não tivesse sido por ele, nunca mais
teríamos visto Bria outra vez. Ele provavelmente salvou a
vida dela.
– Ah... ah, céus... – lady Tharen estava cada vez mais
aflita com essas alusões ao perigo que a filha tinha corrido.
O ceticismo de Pavik Tharen parecia crescer.
Han seguiu a empregada Seloniana, Maronea, até o
quarto no lado oposto da casa. Achou engraçado quando
percebeu que seu quarto ficava o mais longe possível do de
Bria e que a suíte master ocupada pelos pais dela ficava
entre os dois. A mãe de Bria pelo jeito tinha decidido cortar
pela raiz qualquer possibilidade de encontros amorosos na
calada da noite entre o hóspede e a filha.
Mal posso esperar até a gente vender as tralhas de
Teroenza e cair fora daqui, pensou Han enquanto se despia
e se deitava. O pai de Bria é gente boa, parece ter sido um
sujeito comum, mas a mãe e o irmão...
Han suspirou e fechou os olhos. Naquela noite, pelo
menos, lady Tharen não precisava ter medo. Ele estava tão
cansado que só pensava em dormir. Engraçado isso, aliás...
de certa forma, passar duas horas na companhia da família
de Bria o tinha exaurido mais que aquela fuga inteira de
Ylesia...

A mãe de Bria veio ao quarto dela para dizer boa noite e


lhe dar um último abraço antes de adormecer. Foi um
momento de lágrimas tanto para a mãe como para a filha.
Abraçaram-se e choraram um pouco, depois se abraçaram
de novo.
– Estou tão feliz em ter minha garotinha de volta –
sussurrou lady Tharen.
– É bom estar de volta, mamãe – concordou Bria, e
naquele momento estava sendo sincera. Aquela noite tinha
sido uma provação, sem dúvida. Só que as coisas vão
melhorar, com certeza, pensou ela, tentando se confortar.
Han é tão adorável. Ela certamente vai ceder ao charme
dele e verá como ele é maravilhoso.
– Esse jovem que você trouxe para casa... – começou a
mãe, quase como se tivesse lido o pensamento da filha. – É
bem óbvio que vocês não são apenas... amigos, querida.
Exatamente quão... envolvidos... vocês estão?
Bria contemplou a mãe sem vacilar.
– Eu amo Han, mamãe, e ele me ama. Ele quer que eu
fique com ele. Ninguém falou em casamento, ainda, mas eu
não ficaria surpresa se o assunto fosse mencionado.
A mãe inspirou nitidamente, como se seus piores
temores tivessem se confirmado. Mas alguma coisa na
escolha de palavras de Bria a tinha alertado e, como um
vrelt faminto, deu o bote.
– Entendo. Bem, ele parece ser um bom rapaz, mesmo
que um tanto... rústico, minha querida. Porém, você diz que
ele quer que você fique com ele. É isso que você quer?
Bria assentiu com a cabeça, depois a balançou, depois
teve que enfrentar as lágrimas. Deu de ombros
miseravelmente.
– Mamãe, eu não sei com certeza. Eu sei que o amo, de
verdade, mas... tem sido difícil para mim. Deixar Ylesia,
descobrir que a religião na qual eu acreditava e à qual
devotava minha vida inteira não passava de uma mentira.
Isso me feriu... muito. Parece que uma parte de mim está
faltando, mamãe. E eu também sinto que não posso
prometer ficar com Han quando não estou... inteira.
– Ele sabe que você tem essas dúvidas? – indagou a
mãe, acariciando delicadamente os cabelos de Bria. A
jovem mulher não deixou de perceber a fagulha de alegria
que se acendeu nos olhos da mãe quando ela falou de sua
incerteza quanto a ficar com Han.
Ela não quer que eu fique com ele , percebeu Bria com a
dor embotada de uma expectativa cumprida. Eu sabia que
ela seria assim. É tão injusto! Eu só não sei se quero ficar
com Han por minha causa, não por causa dele! Só que a
minha mãe não entende; ela é incapaz de entender.
– Nós conversamos – respondeu Bria, não querendo fazer
confidências à mãe mais do que já tinha feito. – E eu não
consigo imaginar a vida sem Han, então vou fazer tudo que
puder para ficar com ele e lhe ser útil.
A mãe parecia perturbada, mas não disse mais nada.
Bria se deitou e tentou dormir. Deitar-se na sua velha cama
era um luxo depois de ter dormido nos duros catres
ylesianos, e na nave. Sentia falta do calor de Han, porém. A
cama parecia fria. Bria se remexeu e revirou, pensando em
Han, perguntando-se o que deveria fazer.
Ele merece alguém melhor, pensou ela, entristecida.
Alguém que possa estar presente ao lado dele cem por
cento...
Bria socou o travesseiro, frustrada, e sentiu as lágrimas
se acumulando outra vez. Por que nada nunca pode ser
fácil? Encontrei um homem que posso amar, que me ama –
por que isso não pode ser suficiente?
Mas não era. Sozinha na escuridão do quarto de infância,
ela chorou até adormecer...

No dia seguinte, Han deixou a casa dos Tharen logo


depois do café da manhã e foi pegar um transporte para a
cidade grande mais próxima. Levava consigo a mochila com
os itens que ele e Bria tinham roubado de Teroenza. Depois
da renda decepcionante recebida pela venda da Talismã ,
Han sabia que precisava obter o preço máximo pelo seu
pequeno tesouro.
Desembarcou do transporte na cidade portuária de
Tyrena e buscou um escritório de caixas-fortes, onde sacou
algumas centenas de créditos e um conjunto de
documentos “limpos” de um tal de “Jenos Idanian”. Em
seguida visitou uma agência do Banco Imperial e abriu uma
conta usando os créditos e documentos de identidade.
Quando a tarefa foi cumprida, Han saiu em busca de uma
loja de arte e antiguidades que lembrava de ter visto numa
de suas escapadas do passado. Fazia muitos anos desde
que ele a visitara e, até onde ele sabia, a lojinha poderia ter
fechado.
Mas não, o lugar ainda estava lá. O letreiro acima da
porta era destacado com luzes holográficas discretas,
opalescentes, contra a pedra cinzenta da fachada. Han
entrou com a mochila. Ao abrir a porta, ouviu uma
campainha suave em algum lugar da loja.
O piloto viu a atendente atrás do balcão, mas ignorou a
Seloniana. Em vez disso, avançou tão diretamente quanto
possível pelo caminho labiríntico entre as estantes de
mercadorias, até alcançar uma porta discreta nos fundos.
Estava coberta por uma tapeçaria antiga que ilustrava a
fundação da República, e apenas certos “clientes”
descobriam que a porta estava ali.
Uma vez lá, Han olhou em volta para garantir que estava
sozinho e ninguém o observava, e em seguida bateu forte,
num padrão específico. Esperou e, depois de mais um
minuto, o som de uma tranca eletrônica se abrindo soou do
outro lado da porta. Han ergueu a tapeçaria, passou por
baixo e atravessou a porta, chegando à sala dos fundos.
O proprietário era um homem muito velho, ainda vivaz
apesar do corpo curvado, rosto enrugado e raros cabelos
branco-amarelados. Galidon Okanor tinha exatamente a
mesma aparência cinco anos atrás, quando Han o
conhecera. Agora, ergueu o rosto e sorriu para Han.
– Bem, é... hum... quem é hoje, filho?
Han sorriu.
– Jenos Idanian, senhor. Como vai? – Ele gostava
genuinamente do homenzinho, que era, ao mesmo tempo,
um assessor e avaliador de arte genuinamente respeitável,
e um receptador muito competente e confiável.
– Ah, não posso reclamar, não posso reclamar –
respondeu o homenzinho. – Porque, se eu o fizesse, que
bem isso me faria? – acrescentou, soltando uma risadinha
chiada.
– Tem razão.
Okanor sentava-se num banco alto diante de uma
bancada iluminada com uma luz de joalheiro, especialmente
posicionada e equipada para exibir imperfeições em gemas
ou rachaduras e falhas em antiguidades.
– Sente-se, sente-se, Jenos Idanian. O que você me
trouxe hoje?
– Muitas coisas – respondeu Han. – Eu gostaria de um
preço pelo lote e gostaria que os créditos fossem
depositados imediatamente no Banco Imperial de
Coruscant.
– Muito bem, muito bem – respondeu Okanor. Ele
esfregou as mãos idosas e cheias de veias. – Você
geralmente tem bom gosto, Jenos. Agora vejamos o que
você trouxe para mim.
– Certo – disse Han, e começou a descarregar a mochila,
colocando cada item na mesa sob a luz. Guardou para si seu
tesouro favorito, uma pequena estatueta de um paledor
corelliano há muito extinto. Era bela, e seus olhos eram
gemas de fogo de Keral perfeitas.
Okanor observou com avidez, murmurando de vez em
quando um “oh!” ou “ahhh”, mas se manteve calado até
que Han terminou. Então pegou cada peça com cuidado,
estudou-a com muita atenção, às vezes com uma lupa de
joalheiro, e depois a colocou de volta na mesa e pegou a
seguinte.
– Incrível, muito incrível – declarou, por fim. – Vou
quebrar uma das minhas regras e lhe perguntar onde, em
nome da galáxia, você encontrou tudo isso? Num museu?
Eu não aprovo roubo a museus, sabia?
Han balançou a cabeça.
– Não foi de um museu.
– Uma coleção particular, então? – Okanor franziu os
lábios. – Estou muito impressionado, meu rapaz. O
colecionador em questão é um senciente de bom gosto e
juízo. Também lhe direi, jovem, que ele é bem ousado com
suas fontes de aquisições. Reconheço, pela descrição, que
pelo menos metade destes itens já tinha sido registrada
como roubada. Algumas peças já estão nas listas de PROCURA-
SE há anos.
– Isso não me surpreende – disse Han. – E o senhor, o
senhor vai vender as peças a museus, não vai?
– A maioria delas, a maioria delas – concordou Okanor.
– Certo, então, isso é bom – comentou Han, pensando
que a informação agradaria Bria. – É lá que elas deveriam
estar. Então... quanto?
Okanor ofereceu um número.
Han lançou ao velho um olhar de desprezo calcinante e
pegou a mochila.
– Tem um cara em Kolene que ficará empolgado em dar
uma olhada nestas coisas. Percebo que deveria ter visitado
ele primeiro – disse, estendendo a mão para uma presa
entalhada de bantha de Tatooine.
Okanor disse outro número, mais alto. Han começou a
guardar os itens em silêncio.
Okanor suspirou como se fosse seu último sopro de ar e
ofereceu outro número, consideravelmente mais elevado
que o anterior.
– E esse é final – acrescentou.
Han balançou a cabeça.
– É melhor que não seja, Okanor. Preciso de pelo menos 5
mil a mais que isso.
Okanor agarrou o peito e observou com olhos
angustiados enquanto Han continuava guardando itens na
mochila. Por fim, quando Han estendeu a mão da última
peça, uma pequena escultura em gelo vivo, ele guinchou:
– Não! Espere! Você está me matando! Empobrecendo!
Vou ter que viver pelado nas ruas, Jenos, meu jovem! Você
faria isso com um homem idoso?
Han abriu um sorriso feral.
– Sem pensar duas vezes, Okanor. Eu sei o quanto
preciso ganhar nesta negociação, tenho uma boa ideia do
quanto vale, e não vou aceitar menos. – Fitou o idoso com
intensidade. – Sério, Okanor, não posso aceitar o prejuízo de
receber menos. Tenho algo muito importante no que gastar
esses créditos. Se os meus planos derem certo, você nunca
mais vai me ver. Vou pular fora dessa vida de vez.
Okanor assentiu com a cabeça.
– Tudo bem. Você venceu, Idanian. Vou aceitar seu preço.
– Ótimo – respondeu Han, e começou a tirar os tesouros
da mochila outra vez.
Saiu da loja com um sorriso satisfeito, e guardou
cuidadosamente as identidades e os dados bancários de
“Jenos Idanian” na bolsa de crédito. Viajaria usando
documentos diferentes, e guardaria “Jenos Idanian” “limpo”,
usando-o apenas na retirada bancária. Planejava guardar o
paledor dourado num lugar seguro que conhecia. Nunca
fazia mal ter uma coisinha escondida para as emergências.
Sabendo que os créditos de Okanor o aguardariam no
mundo-capital do Império, Han seguiu pela rua até a
estação de transportes, assoviando.

Quando Han atravessou os portões da mansão Tharen,


percebeu um pequeno landspeeder muito esportivo
pairando no pátio pavimentado. Aproximou-se da porta e
viu um rapaz lá dentro, na sala de estar. Pavik Tharen e sua
mãe estavam com ele, conversando. Quando Sera Tharen
viu Han, fez cara azeda. Ela esperava que eu tivesse dado
no pé, pensou Han, azedo.
– Oi, lady Tharen – disse Han. – Bria está por aí?
O jovem se virou para olhar Han. Era um camarada
bonito, talvez 1 ou 2 anos mais velho que Han, e estava
vestido de forma elegante e na última moda para uma
partida vespertina de netbol.
– Olá – disse o rapaz de forma agradável, estendendo a
mão. – Sou Dael Levare, e você é... – Ele estreitou os olhos
e, antes que Han pudesse falar, Dael exclamou: – Espere um
minuto! Eu achei que você parecia familiar! Tallus Bryne,
não é?
Han não conseguiu pensar num xingamento ruim o
bastante. Sorriu fracamente e apertou a mão.
– Oi, prazer conhecê-lo.
– Tallus Bryne? – exclamou Pavik Tharen.
– Mas ele é... – Sera Tharen parou brutalmente quando o
filho lhe deu um cutucão, sem nenhuma gentileza.
Dael Levare não percebia nada do que acontecia ao seu
redor enquanto apertava a mão de Han.
– Mas que honra! Ainda me lembro do dia que você bateu
aquele recorde, e você o fez voando pelo túnel do Planalto
de Mesa, em vez de passar por cima ! Todo mundo achou
que você já era, mas você conseguiu! – Ele se virou para
Pavik. – Você quer dizer que não o reconheceu? Este é o
novo pretendente de Bria? O campeão de swoop de toda
Corellia! Seu recorde ainda não foi batido, Bryne. Ou eu
poderia lhe chamar de Tallus?
– Tallus está bem – respondeu Han, dando de ombros
mentalmente. O vrelt está na cozinha com certeza, desta
vez.
A entrada de Bria foi uma interrupção bem-vinda. Han
tentou capturar seu olhar e lançar um sinal de “fique
esperta”, mas toda a atenção dela estava voltada ao recém-
chegado.
– Dael! O que você está fazendo aqui?
– Sua mãe me convidou. Você está linda, Bria. Estou tão
feliz em ver você aqui de volta, sã e salva, e com um
acompanhante tão distinto! Eu quero apertar a mão desse
homem desde que ele ganhou o campeonato de swoop, ano
passado!
Bria se virou para a mãe.
– Você o convidou , mamãe? Que simpático... – Han não
deixou de perceber a irritação na voz dela, e o clarão de
culpa nos olhos de Sera Tharen. Entendi, pensou Han,
furioso. A mamãezinha aqui queria que Bria me visse ao
lado do ex-noivo ricaço, para que assim eu parecesse um
canalha pobretão.
– Bem, sim, minha querida... Sabia que Dael poderia lhe
atualizar sobre todas as novidades dessa turma jovem
daqui... muito melhor que eu... – trinou Sera Tharen,
nervosa. Bria fez uma careta e deu as costas à mãe para
sorrir para Dael.
– Bem, Dael, foi muito gentil da sua parte aparecer.
Quem sabe nós não vamos todos almoçar um dia? Quem
você está namorando hoje em dia? – Enquanto falava, Bria
ia até Dael e, num único movimento preciso, tomou-lhe o
braço e começou a levá-lo à porta. Han sorriu por dentro.
Suave, Bria, querida... muito bem.
– Sulen Belos – respondeu Dael. – Ela adoraria conhecer
Tallus também. É uma grande fã de corridas de swoop.
– Tal... – Bria se deteve imediatamente e riu. – Bem, ela
sempre foi! – Lançou um olhar de flerte para Han. – Vou ter
que ficar de olho em você, não vou, Tallus ? Sulen Belos é
linda e nunca conseguiu resistir a um piloto de swoop.
Han sorriu para ela com simpatia. Ótimo. Maravilhoso. De
mal a pior.
– Você tem que ficar de olho em nós, pilotos de swoop,
também. Nós amamos o perigo.
Já quase porta afora, Dael Levare riu, como se Han
tivesse dito alguma coisa espirituosa.
– Bem, eu te ligo. Prazer em conhecê-lo, Tallus!
– Prazer em conhecê-lo também – respondeu Han.
– Não se esqueça de ligar! – urgiu Bria, e então fechou a
porta atrás de Levare e se encostou nela.
O silêncio se estabeleceu.
Han nunca tinha ouvido um silêncio tão absoluto, nem
num traje espacial no vácuo. Olhou com rapidez de Bria
para Pavik e Sera. Todos os três o encaravam com
expressões severas. Han pigarreou.
– Acho que vou dar uma volta – anunciou ele. – Pegar um
ar fresco.
Sem encarar o olhar de ninguém, ele saiu.

Bria teve vontade de gritar, depois de chorar, mas fez


um esforço para manter o controle. A situação já estava
suficientemente ruim sem que ela se dissolvesse num
ataque histérico. Andava de um lado para o outro no quarto
de vestir da mãe. Pavik sentava-se no sofá, agitando os
braços, com a voz alterada, e a mãe estava numa poltrona
de brocado rosa, alternando exclamações de “Ah, céus” e
“Bria, seu irmão tem razão, precisamos fazer alguma
coisa!”.
– Você o ouviu ontem à noite! – gritou Pavik. – Ele negou
ser piloto de swoop e nos deu um nome falso! Han Solo, até
parece! Quem sabe qual é o verdadeiro nome dele?
– Pare com isso! – exclamou Bria. – Han Solo é o nome
real dele!
– Então por que esse “Tallus Bryne” se tornou campeão
de corrida de swoop em Corellia ano passado? – inquiriu
Pavik. – Ele não pode ser ambos, Bria. Admita, Bria, o cara
está usando um pseudônimo, e o único motivo para fazê-lo
é ter alguma coisa a esconder! E este é o sujeito que você
quer que nós aceitemos de braços abertos, só porque você
decidiu?
– Ah, céus! – Sera torceu as mãos.
Bria mordeu os lábios para não gritar.
– E mais uma coisa – continuou Pavik. – Minha memória
está começando a voltar, e Tallus Bryne não é o único
pseudônimo de Solo. A vez que eu lembrei foi três anos
antes. Era só um menino, comendo churrasco depois de
uma corrida de swoop. Daquela vez, Solo era Keil Garris, o
filho de Venadar Garris. Lembra dele? O cara que saiu por aí
um verão vendendo cotas daquele asteroide de duraliga, e
a coisa toda acabou que era mentira? Um golpe?
Bria realmente lembrava.
– Porém, mesmo que esse tal de Garris fosse um
vigarista, isso não quer dizer que Han...
Pavik ergueu os braços, exasperado.
– Mana, você não lembra como os pais de alguns dos
nossos amigos ficaram praticamente falidos depois de ter
comprado cotas sem valor do asteroide inexistente? – Ele
fungou. – A família Garris inteira não passava de um bando
de vigaristas, e isso inclui seu novo namorado, Bria!
– Isso é terrível! – comentou Sera Tharen. – Talvez nós
devêssemos fazer alguma coisa.
Tanto Bria quanto Pavik ignoraram a mãe.
– Só que Han era só um menino na época – argumentou
Bria, lutando para não ceder às lágrimas. – Você mesmo
admitiu isso. Ele não pode ser responsabilizado pelo que
você disse que os pais dele fizeram.
– Mas ele não tem pais. Ou pelo menos foi isso que ele
contou!
Bria olhou com raiva para o irmão.
– Bem, então talvez eles fossem os pais dele, e Han os
desertou porque eram sem caráter – retrucou Bria. – Pavik,
Han é uma boa pessoa! Ele teve uma vida difícil e acabou
tendo que fazer coisas de que não gostava para sobreviver,
isso eu já sabia. Mas ele deu a volta por cima! Está lutando
para ser respeitável, e você não vai lhe dar essa chance!
Pavik fungou com desprezo.
– Isso se eles eram mesmo os pais dele. Mana... não se
iluda com a boa aparência e com o fato de ele ter resgatado
você! Admita, esse cara provavelmente só cortejou você
porque conferiu nossa família e descobriu que papai tem
dinheiro!
– Ah, céus – exclamou Sera. – Você está dizendo que o
rapaz é um ladrão?
– É exatamente o que eu estou dizendo, mamãe.
– Eu deveria conferir se tem alguma coisa faltando –
arfou Sera Tharen. – Ah, céus, ah, céus, onde vou colocá-lo
para dormir esta noite?
– Mamãe, ele não vai ficar aqui esta noite – afirmou
Pavik. – Vou chamar a segurança. Tenho certeza de que esse
cara é procurado por todo tipo de coisa.
– Você não ouse! – gritou Bria. – Se você chamar a
segurança, eu nunca mais falo com nenhum de vocês!
Vocês estão errados quanto a Han! Ele não tinha
absolutamente nenhuma ideia de que minha família era rica
quando nos conhecemos. Eu não lhe contei até chegarmos
aqui!
– Um cara como esse tem contatos para verificar –
apontou Pavik. – Ele provavelmente conferiu você dias
depois de conhecê-la e descobriu tudo que precisava saber.
– Não conferiu não!
– Bria... eu não sou o monstro aqui! – disse Pavik. – Só
estou tentando fazer que você seja racional. Não quero que
você se magoe e não quero que você se envolva com
alguém do lado errado da lei!
– Han não é assim! – insistiu Bria. Respirou fundo, e
acrescentou: – Tudo bem, eu admito que no passado ele
provavelmente foi. Mas Han está diferente, agora. Vai entrar
para a Academia Imperial e virar um oficial. Você não pode
lhe dar uma chance? Ele está tentando mudar sua vida.
– Isso é o que ele disse, Bria, mas caras assim mentem
para viver – concluiu Pavik. – Vou chamar a segurança.
– Ah, céus!
– Não! – Bria encarou o irmão furiosa, por um momento
desejando ter uma pistola. Não poderia permitir que ele
fizesse aquilo!
A mão de Pavik estava no botão CONECTAR do comlink
quando uma voz vinda da porta o deteve.
– Não, Pavik. Eu o proíbo.
Todos se viraram para ver Renn Tharen parado ali.
– Mas, papai, você não sabe... – começou Pavik.
– Sei, sim – retrucou Renn. – Estava no meu escritório,
com a porta aberta. Ouvi toda esta cena vergonhosa e estou
lhe dizendo, Pavik, que você não vai chamar a segurança.
– Mas, Renn... – começou Sera Tharen. O marido se virou
para ela, com um olhar furioso.
– Sera, estou farto das suas tentativas de usar nossa filha
como moeda de troca para promover suas ambições sociais.
Você é o principal motivo da fuga dela ano passado. Então
pare com isso . Você me entendeu?
– Renn! – exclamou Sera Tharen. – Como você ousa falar
assim comigo?
– Falo assim porque estou furioso, Sera, completamente
furioso – vociferou o pai de Bria. – Como você pode ser tão
cega? Você não entende o perigo que nossa filha passou em
Ylesia! Veja!
Pegou a mão de Bria e a levou até diante da mãe. Ergueu
os braços da filha e os colocou bem diante dos olhos da
esposa.
– Olhe, Sera! Está vendo as mãos dela? Estas cicatrizes?
Aquelas pessoas maltrataram Bria, fizeram dela uma
escrava . Ela podia ter morrido, Sera, se não fosse por Han.
Sou grato a ele, mesmo que você não tenha a decência
básica de perceber isso! Ele é um bom rapaz, e eu digo que
Bria poderia ter arranjado um namorado muito pior.
– Mas... – sussurrou Sera, torcendo as mãos e começando
a chorar. – Ah, Bria, suas pobres mãos, querida...
– Nem mais uma palavra, Sera. Eu proíbo.
Sera Tharen afundou na poltrona, chorando baixinho.
Renn Tharen girou para confrontar o filho.
– Pavik, você se tornou tão preconceituoso e classista
quanto sua mãe. Estou farto de você, também. – Renn olhou
para o filho com muita raiva. – Você está falando sobre um
homem que arriscou a vida para salvar Bria da escravidão.
Bria está certa quanto a Han se inscrever na Academia
Imperial. Han Solo é um cara decente. Ele me lembra de
mim mesmo quando tinha a idade dele. Há alguns
incidentes no meu passado dos quais eu não me orgulho,
também. Ele merece uma chance, não a cadeia. Ele merece
nossa gratidão, não um chamado à SegCor.
Quando Renn Tharen parou de falar, o silêncio reinou.
Então, com um profundo soluço de choro, Bria correu para o
pai e se jogou nos seus braços.
– Obrigada, papai!

Han tinha caminhado por toda extensão da propriedade


dos Tharen e estava no caminho de volta quando viu
alguém vindo pela trilha, na direção dele. Era Bria,
carregando uma bolsa de bom tamanho pendurada no
ombro.
Han viu a cara dela e parou.
– O que houve?
– Vamos embora – disse Bria. – Antes que sintam a nossa
falta. Vamos cair fora daqui. Não confio que Pavik não vá
ligar para a segurança pelas costas de papai.
Han se virou de volta para a estação de transporte.
– Você saiu escondida?
– Deixei um bilhete – respondeu Bria na defensiva. – Você
transferiu o dinheiro para Coruscant?
– Sim, está tudo bem.
Os dois andaram em silêncio por alguns minutos, depois
Bria comentou:
– Algum dia eu gostaria de saber toda a verdade. Eu
odeio surpresas deste tipo, Han.
O rapaz suspirou.
– Eu deveria ter contado. Eu vou contar. Tudo. Prometo. É
que não estou habituado a confiar em ninguém.
– Percebi – retrucou Bria, severa.
– Legal do seu pai me defender.
– Papai me disse que você o lembra dele mesmo, quando
era um jovem piloto. – Bria abriu um sorriso leve. – Pelo que
sei, ele levou uma existência bem duvidosa por alguns anos,
lá na Orla.
Han assentiu com a cabeça e, com cuidado, estendeu a
mão para a bolsa.
– Eu realmente lamento por isto tudo. Posso carregar?
Bria suspirou e entregou a bolsa.
– Tudo bem. Acho que foi uma má ideia vir para cá, de
qualquer maneira. – Depois de um momento, pegou a mão
dele. – Agora somos só nós dois outra vez.
Han concordou com a cabeça.
– É assim que eu gosto, querida.
Não aconteceu nada de mais durante a viagem até
Coruscant. Han cumpriu sua promessa e contou sua história
a Bria, sem embelezar ou omitir nada. Ficou incomodado em
ter que admitir muitas das coisas que fizera no passado,
mas levou a sério sua promessa e foi tão honesto quanto
possível.
No começo, Han ficou preocupado com a possibilidade de
Bria ser repelida por todas as coisas que ele tinha feito em
seu passado renegado, mas ela tranquilizou o rapaz,
dizendo que o amava ainda mais, agora que sabia a
verdade.
A jornada de cinco dias até Coruscant foi longa. Han
começava a sofrer de tédio quando o transporte de
passageiros atracou numa das imensas estações espaciais
que serviam à grande cidade-mundo imperial.
Os passageiros foram informados que seriam levados da
estação espacial ao espaçoporto em naves menores. Han
ficou surpreso ao descobrir que não havia praticamente
nenhum lugar no imenso mundo onde o chão natural
pudesse ser visto ou tocado.
– Só na Praça Monumental – contou o comissário de
bordo aos passageiros reunidos que tinham viajado na
Radiante. – Lá os cidadãos podem tocar o topo da última
montanha restante no planeta. Mais ou menos vinte metros
do pico se erguem ao ar. O resto está escondido sob os
prédios.
Coruscant, aparentemente, era um aglomerado de
prédios, arranha-céus, torres, telhados, e mais prédios,
todos construídos uns sobre os outros num imenso
emaranhado labiríntico. Han ergueu a mão quando o
comissário quis saber se havia alguma pergunta.
– Você disse que os telhados mais altos ficam mais de
um quilômetro acima das ruas mais baixas? O que que tem
lá embaixo?
O comissário balançou a cabeça, numa advertência.
– Senhor, acredite em mim. Você não quer saber. Os
níveis inferiores nunca veem o sol. Ficam tão longe do ar
limpo que são fétidos, úmidos e têm seus próprios sistemas
climáticos. Chuva imunda escorre pelas laterais dos prédios.
Os becos são infestados com lesmas graníticas, vermes
permacréticos, cracas das sombras... e, pior de tudo, com
os resquícios degenerados daqueles que um dia foram seres
humanos. Esses trogloditas são pálidos devoradores de
carniça e lixo, repugnantes de todas as formas.
– Hum – sussurrou Han a Bria. – Parece meu tipo de lugar.
– Para com isso! – sibilou ela, sufocando um sorriso. –
Você é tão engraçadinho...
– Eu sou mesmo. – Han se reclinou no assento, rindo. –
Sou impossível, não sei como você me aguenta.
– Nem eu – concordou Bria, sorrindo com ironia.
O casal foi até uma das vigias da estação enquanto
esperavam pela nave auxiliar “da superfície”.
– Parece uma linda gema dourada – sussurrou Bria. –
Todos aqueles prédios iluminados...
– Parece uma joia que corusca – concordou Han,
espiando o planeta, pensativo. – Deve ser daí que o mundo
tirou o nome.
Eles estavam numa fila, esperando para entrar na nave,
quando um oficial se adiantou e apontou a pistola de Han.
– Lamento, senhor, mas será necessário depositar sua
pistola. Armas não são permitidas em Coruscant.
Han ficou ali parado por um longo momento; então, deu
de ombros e desafivelou a tira da perna, depois soltou a
grande fivela do cinturão. Embrulhou o coldre e a arma com
o cinto e os entregou ao oficial, recebendo uma ficha
numerada em troca.
– Basta entregar isto ao oficial antes de embarcar no
transporte de volta, e você receberá a arma de volta –
explicou o homem.
Han e Bria voltaram à fila. Han fez uma careta ao sentir
como a perna direita tinha ficado leve sem o peso de
sempre na coxa.
– Eu me sinto nu – murmurou ele para Bria. – Como se eu
estivesse num daqueles sonhos em que você aparece em
algum evento importante e percebe de repente que
esqueceu das calças.
Bria começou a rir da ideia.
– Não sabia que os homens também tinham esses
sonhos.
– Não tenho com muita frequência – respondeu Han,
sério.
– Bem, se não tem ninguém armado, então fica justo –
argumentou ela, racional.
Han deu uma olhada para ela enquanto eles
caminhavam pelo corredor da nave auxiliar.
– Querida, não seja ingênua. Tem um submundo
criminoso neste planeta, e você pode apostar seus lindos
olhos que eles andam armados.
Bria encarou o namorado enquanto eles atavam os cintos
de segurança.
– Como é que você sabe?
– Dei uma olhada nos guardas imperiais. Eles estão
armados. Vi os guardas de segurança em Alderaan, e
nenhum dos que eu enxerguei estava armado. Então eu
aposto que os adversários deles também não estariam. Só
que estes imperiais estão armados e vestindo armadura
também. Deve ter um bom motivo para isso.
Bria deu de ombros.
– Tenho que admitir, sua lógica faz sentido.
– Vou me sentir estranho quando entrar naquele banco
amanhã sem uma pistola do meu lado – afirmou Han,
olhando entristecido para a perna.
– Fala sério , Han – sussurrou Bria. – De todos os lugares
do mundo, o último em que você poderia entrar armado
seria o banco !
– Por que não? – indagou Han. – Não é como se desse
para levar os créditos. Eles não mantêm quase nenhum
disco de crédito por lá, ou moedas. É tudo dados eletrônicos
registrados em identidades pessoais. É um bom sistema –
acrescentou, pensativo. – Economiza nos guardas.
– Bem, tanto faz, já que você já teve que deixar a pistola
– respondeu Bria, observando pela vigia a cidade-mundo
crescer. Logo eles entrariam na atmosfera.
– É. Escuta, Bria, acho que agora é uma boa hora para
discutirmos planos de contingência.
– Para o quê? – inquiriu ela, alarmada. – Está esperando
problemas?
– Fale baixo – alertou. – Não, não estou esperando
problemas. Deve ser uma operação simples, sopa no mel.
“Jenos Idanian” está limpo, porque eu só o usei para abrir a
conta e depositar o dinheiro. Ele deve estar à prova de laser.
Mas, meu bem... eu aprendi há muito tempo que sempre
preciso de um plano para as encrencas.
– Tudo bem – concordou ela. – Que plano você quer
fazer?
– É uma cidade grande, e um planeta grande – apontou
Han, bem quando a nave começou a tocar os limites
superiores da atmosfera. – Se alguma coisa acontecer e nós
nos separarmos, quero marcar um ponto de encontro.
– Certo, isso faz sentido. Onde?
– O único endereço que eu conheço, porque memorizei o
lugar há muito tempo, é um bar chamado “A Aranha
Radiante”. É lá que eu vou entrar em contato com Nici, o
Especialista – explicou Han, mantendo a voz baixa, mas não
chegando a sussurrar. Sussurros atraíam atenção, Han tinha
aprendido há muito tempo, porém, as conversas em voz
baixa não tinham esse efeito.
– É o cara que arranja identidades tão perfeitas para as
pessoas que nem mesmo os imperiais podem detectar?
– Ele mesmo. Tem contatos com gente nos escritórios
imperiais que faz as identidades. São perfeitas, acredite em
mim. Então, é Nici, o Especialista. Ele fica na Aranha
Radiante. Entendeu?
– Nici, o Especialista. Aranha Radiante – repetiu ela. –
Onde fica?
– Nível 132, megabloco 17, bloco 5, sub-bloco 12 –
recitou Han. – Memorize isso perfeitamente. Este mundo é
um labirinto, Bria.
Em silêncio, Bria repetiu o endereço para si mesma, até
que conseguiu dizer, confiante:
– Certo, decorei.
– Ótimo.
Quando eles chegaram à “superfície” – o campo de
pouso num telhado, onde a nave pousou –, Han deixou Bria
com a parca bagagem deles, enquanto ia até um centro
turístico automatizado para pedir informações e indicações
de caminhos. Ele e Bria precisavam de um lugar econômico
para ficar enquanto o piloto estudava para os exames de
admissão à Academia. Han planejava alugar um quarto
barato durante o processo.
Quando voltou para Bria, ela percebeu que ele tinha um
computador localizador portátil.
– E quanto isso aí custou? – perguntou ela, espiando
preocupada o dispositivo. Os fundos da venda do iate
ylesiano estavam acabando.
– Só vinte. Eu pensei que é muito fácil se perder neste
mundo. Só preciso colocar nosso destino, assim... – Estreitou
os olhos, concentrado, e inseriu: – Nível 86, megabloco 4,
bloco 2, sub-bloco 13...
– Que lugar é esse?
– O hotel onde a gente vai ficar esta noite – respondeu
Han, sem erguer o olhar. – E... ali!
As indicações da localização atual deles surgiram na tela.
– Primeiro, pegamos o turboelevador até o nível 16... –
murmurou Han, olhando em volta. – Ali!
Eles seguiram até o sinal de TURBOELEVADOR .
Uma vez lá dentro, Bria se espantou com a queda súbita.
Eles caíram... e caíram...
– É como estar no espaço – comentou Han,
desconfortável. – Quase queda livre...
– Meu estômago não gosta disso. – Bria engoliu em seco.
Felizmente, o turboelevador reduziu a velocidade ao
chegar ao destino. Bria saiu cambaleante, meio esverdeada.
– Agora é encontrar o megabloco 4... – resmungou Han,
ainda concentrado no aparelhinho. – Aí a gente desce de
novo...
Uma vez fora do turboelevador, Bria olhou em volta,
impressionada e cada vez mais claustrofóbica. Por toda
parte os prédios se erguiam sobre ela, tão altos que a
mulher tinha que dobrar o pescoço para trás para ver os
topos. O ápice de vários deles suportava outro telhado,
provavelmente como aquele onde ela estava.
Na plataforma de pouso, o dia estivera luminoso, mas
friozinho, mas ali embaixo estava escuro e quente. Nenhum
ar parecia se mover nos cânions de permacreto e
transparaço entre os prédios. Bria ouviu um rumor distante
de trovão, mas nenhuma chuva a alcançou, e ela não tinha
como determinar se a tempestade estava acima ou abaixo
dela.
Ocasionais poços de circulação de ar desguarnecidos
rompiam o permacreto do telhado e, a uns cem metros, Bria
viu a linha de demarcação súbita no fim do terraço.
Evidentemente, um logradouro corria nos níveis mais
profundos.
Ela foi até um dos poços olhar para baixo e, depois de
uma espiada rápida, cambaleou para trás, tonta e com as
palmas suando de vertigem. Deu uma olhada em volta, não
viu ninguém perto de si, ficou de quatro e engatinhou até a
beira de novo para espiar outra vez. Achava que, desde que
não estivesse de pé, a tontura não seria tão ruim.
Ao se aproximar bem da beirada, segurou com as duas
mãos e espiou poço abaixo.
O poço descia... e descia... e descia. Era incrível,
assustador, imaginar o próprio corpo caindo naquele abismo
aparentemente sem fundo, virando e girando no ar.
Bria encarou as profundezas, tremendo. Se ela se
inclinasse um pouco mais, só mais um pouquinho, cairia
poço abaixo. Não haveria esforço. Não teria que pular, não.
Só... inclinar-se... e, se ela o fizesse, jamais sentiria a falta
agonizante da Exultação outra vez. Estaria livre da dor, do
desejo. Estaria livre...
Tanto atraída como repelida, Bria oscilou, se inclinando
mais e mais em direção à beira...
– O que você está fazendo ?
Alguém lhe agarrou o ombro e puxou-a de volta, para
longe daquela bocarra aberta para o nada. Bria olhou para
cima estonteada, e viu Han a encarando de volta, com o
rosto contorcido de preocupação.
– Bria, meu bem, o que você estava fazendo ?
Ela ergueu a mão à cabeça, que então balançou, tonta.
– Eu... eu não sei, Han. Me senti... tão estranha. – Engoliu
seco, com pontos pretos dançando diante dos olhos, e fez
um esforço para não desmaiar ou vomitar.
Han baixou a cabeça da namorada entre os joelhos dela,
depois se ajoelhou ao lado dela enquanto ela tremia.
Acariciou-lhe o cabelo, abraçou-a com força conforme os
tremores pioraram. Bria chacoalhava inteira.
– Calma... calma... é só relaxar.
Finalmente, Bria ergueu o olhar, sentindo os calafrios se
reduzirem um pouco.
– Han, eu não sei o que aconteceu. Me senti tão estanha
por um momento. Acho que quase caí...
– Quase caiu mesmo – respondeu ele. – Chama-se
vertigem, meu bem. Já vi gente com isso antes, no espaço,
quando olham para “baixo” e se desorientam. Vamos lá. Eu
sei para onde ir agora. Vamos pegar um tubo horizontal por
um tempo.
No tubo, Bria se encostou em Han, e ele a abraçou com
carinho. A tremedeira foi passando.
– Você não fica incomodado também? – indagou ela. –
Com este mundo? Eu me sinto oprimida. Fascinada, mas
oprimida também.
– Não se esqueça de que eu cresci no espaço – lembrou
Han. – Não podemos nos dar ao luxo de ter vertigem ou
claustrofobia por lá. Eu devo ter me ajustado há muito
tempo, porque este lugar não me incomoda. Só que você...
você cresceu em Corellia, com um céu acima o tempo todo.
Não é de se espantar que esteja odiando isso aqui.
– Não vou tentar olhar para baixo outra vez – comentou
Bria.
– Ótima ideia.
Depois de mais várias descidas em turboelevadores, eles
alcançaram a pequena pousada onde Han tinha reservado
um quarto e pagaram com dinheiro vivo de suas reservas
cada vez menores.
– Quando é que você vai buscar o dinheiro no Banco
Imperial? – perguntou Bria, se jogando na cama e se
esticando com um suspiro cansado.
– Vou amanhã de manhã cedinho. Escuta, querida, você
parece exausta. Vou buscar comida e trazer aqui de volta. A
gente se deita cedo.
– Mas você não quer ver os pontos turísticos? – indagou
ela, pensando consigo mesma que o plano dele parecia a
melhor coisa que ela ouvira o dia todo.
– Terei tempo de sobra para isso. Só quero comer e
dormir. Talvez assistir um pouco de videotela, ver que tipo
de propaganda política a Cidade Imperial anda passando
hoje em dia.
– Tudo bem – concordou Bria, sufocando um bocejo
exausto. – Gostei do seu plano.
Na manhã seguinte, Han deixou Bria mastigando um
salgado no quarto e bebericando estim-chá.
– Estarei de volta em mais ou menos uma hora – afirmou
Han. – Depois que eu pegar o dinheiro, a gente vai procurar
aquele bar que eu falei. Qual era o nome?
– A Aranha Radiante – repetiu ela, obediente.
– E onde fica?
Bria recitou o endereço.
– Muito bem – disse Han, com aprovação. – Se eu me
perder, você me guia até lá.
Bria riu.
– Este planeta é mais difícil de navegar que o espaço?
– De algumas formas – respondeu Han. Deu um beijo na
testa de Bria. – Volto logo.
– Tudo bem, até mais.
Com um aceno animado, ele se foi. Bria se deitou na
cama com um suspiro. Acho que vou dormir até mais tarde,
pensou, e se esticou luxuriosamente.

O Banco Imperial de Coruscant ocupava três andares de


um monstruoso arranha-céu do nível mais alto. Han foi até a
porta e olhou lá dentro. O lobby era enorme, todo em
vidrine esfumaçado, permacreto e mármore negros, e
transparaço reluzente.
Respirou fundo e, ainda sentindo falta do peso da pistola,
entrou e foi até o balcão reluzente. O lobby estava lotado de
homens de negócio e cidadãos, e Han parecia e se sentia
deslocado vestindo seu velho macacão de piloto, agora
desprovido de todas as insígnias, e a jaqueta e botas
surradas.
Quanto mais constrangido ficava, mais arrogantemente
se comportava.
Teve que esperar na fila por vários minutos, mas logo se
viu diante de uma caixa. Era jovem e bonita, mas seu olhar
era impessoal – até que Han lhe lançou seu melhor sorriso
torto. Quase contra a vontade, ela sorriu de volta.
– Bom dia – disse Han. – Abri uma conta há um tempinho,
em Corellia, sabendo que viria para cá. Queria sacar os
fundos agora.
– O senhor deseja fechar sua conta.
– Isso.
– Muito bem, senhor, poderia ver seu cartão de
identidade? Vamos transferir os fundos para ele, e então
eles estarão disponíveis em qualquer estação de crédito em
Coruscant ou qualquer um dos sistemas interiores. Isso
seria satisfatório, senhor... – Han passou o cartão para ela
sob a barreira de vidrine. – Idanian?
– Tudo bem, por mim – respondeu Han, sufocando a ânsia
de pedir tudo em certidões de crédito e moedas. Se ele
fizesse algo tão incomum, certamente pareceria suspeito.
A caixa escaneou o cartão e ergueu as sobrancelhas de
leve ao perceber o valor na conta. Nunca esperou que um
cara como eu tivesse essa grana toda, concluiu Han com
um sorriso divertido.
– Senhor, esta soma excede o valor que eu estou
autorizada a desembolsar sem autorização do meu
supervisor. Se o senhor esperar só um momento, eu vou
providenciar a autorização, e então farei a transferência
para o seu cartão.
Não havia muito que Han pudesse dizer além de:
– Tudo bem.
Parado diante do balcão, Han suprimiu a vontade de ficar
se remexendo e teve que se controlar para não ficar
esquadrinhando muito descaradamente o imenso lobby em
busca de guardas ou segurança.
Fica frio, ordenou a si mesmo. Você sabe que, com um
saque deste tamanho, eles precisam de aprovação. Pelo
menos agora eu sei com certeza que Okanor transferiu os
fundos do jeito que eu mandei...
Han viu a caixa falando rapidamente com um sujeito
grande e corpulento vestindo um terno caro. O homem
assentiu com a cabeça, pegou o cartão de Han e se
aproximou do rapaz pelo lado de fora.
– Jenos Idanian? – indagou cortesmente. Tinha um rosto
gorducho e rosado, pálidos olhos azuis e uma calvície
avançada com esparsos cabelos brancos.
– Isso.
– Sou Parq Yewgeen Plancke, gerente desta agência.
Autorizei sua retirada, senhor, mas antes que eu possa
devolver seu cartão, preciso ver mais um item de
identidade, puramente por uma formalidade. – O homem
sorriu com polidez. – Instituições financeiras estão sujeitas a
estas regras, infelizmente. O senhor viria ao meu escritório?
Indicou um cubículo com paredes de vidrine. Han ficou
desconfiado, mas conseguia ver o escritório inteiro, e não
havia mais ninguém ali, nem guardas visíveis em nenhum
lugar.
– Tudo bem, mas eu estou meio com pressa, então não
posso me demorar muito.
– Só vai levar um minutinho – assegurou Plancke,
acenando para que Han seguisse em frente.
O corelliano entrou no escritório confiante, mas todos os
seus sentidos estavam alertas, todos os músculos
preparados para agir. O escritório de Plancke era insosso e
tranquilizante – uma cara escrivaninha com tampo de
mármore negro, com uma caneta e tablet. Um arranjo floral
ultramoderno de lorcádias negras embelezava um canto da
mesa. Havia duas cadeiras para os visitantes, e a
extravagante poltrona de couro negro clonado de Plancke.
– Sente-se, sr. Idanian – disse Plancke, indicando uma das
cadeiras. Han se sentou. – Agora, se o senhor puder me
oferecer outro documento de identidade, eu poderei
escaneá-lo, e o senhor estará livre para partir.
Han pegou a identidade sem fazer cena, mas não tirou o
olho de nenhum movimento de Plancke. Por dois créditos eu
dava no pé daqui, pensou. Estou com um mau
pressentimento...
Plancke pegou a identidade, escaneou-a.
– Ah, céus – disse ele, não soando nada surpreso ou
pesaroso. – Temo que haja um problema, senhor. Recebi
ordens de congelar sua conta. Não posso liberar nem uma
fração do seu dinheiro.
Han estava de pé.
– O quê? Mas eu... o que em nome da galáxia está
acontecendo aqui?
Plancke balançou a cabeça.
– Só sei que o banco foi contatado pelo inspetor Hal Horn
da SegCor. Seus fundos estão sob suspeita de terem sido
obtidos ilegalmente e estão congelados, pendendo uma
investigação por parte dos departamentos de Segurança
Imperial e Corelliana.
Han não perdeu tempo discutindo, simplesmente partiu
rumo à porta. Seu peito parecia estar preso nas garras de
um torno-gê. Não... não pode acabar assim...
Estava a um metro da grossa porta de vidrine
esfumaçado, quando ouviu um clique eletrônico.
– Lamento, senhor. Temo ter sido instruído a contê-lo
aqui para as forças de segurança imperiais – afirmou
Plancke, parecendo curtir sua chance de ser um herói. –
Sente-se.
Han se virou para encarar o gordo. Ele sorria
agradavelmente, as bochechinhas gorduchas e rosadas o
fazendo parecer um gnomo feliz de uma história de criança.
– Também já chamei nosso guarda. Ele chegará a
qualquer momento. Por favor... sente-se enquanto aguarda
para ser preso.
A raiva encheu Han com uma força que ele não sabia ter.
– Só se for por cima do meu cadáver ! – vociferou,
saltando para a frente. Jogou-se por cima da escrivaninha,
agarrando a caneta digital do gerente bancário. Chocou-se
contra o espantado Plancke e o empurrou para trás de sua
cara cadeira. Num segundo, posicionou a ponta afiada da
caneta logo atrás do lóbulo rosado e gorducho da orelha
dela.
– Uma estocada – disse entre dentes –, e isto se cravará
entre sua mandíbula e crânio, direto no seu cérebro,
Plancke. Se você tiver um. Você tem um cérebro, Plancke?
– Sim...
– Ótimo, então use ele. Eu já estou furioso... então não
me provoque mais, entendeu?
Han sentiu todos os músculos da garganta de Plancke se
contraindo enquanto ele engolia. A voz soava rouca e
esganiçada.
– Sim...
– Ótimo. Agora vou sair de cima de você, e você vai se
levantar e se sentar na sua cadeira. Você vai deixar o
guarda entrar, quando ele chegar, como se tudo estivesse
bem, entendeu?
– Sim...
Movendo-se com precisão, Plancke fez exatamente o que
Han tinha mandado. Han se agachou atrás da cadeira de
Plancke, e agora a mão que segurava a caneta cutucou o
instrumento afiado nas costas do sujeito.
– Acredite em mim, Plancke, uma boa cutucada no seu
rim vai lhe causar mais dor do que você jamais quis
conhecer. Pode até matar. Quer correr o risco?
– Não...
– Ótimo. Lá vem o guarda. Deixa ele entrar.
– Sim...
A tranca da porta estalou e o guarda entrou. Num
segundo, Han estava de pé, com a ponta a caneta digital
pressionando a garganta de Plancke de novo.
– Fala para ele!
– Não se mexa – exclamou Plancke, desesperado. – Ele
vai me matar!
– Vou mesmo – afirmou Han, com sorriso feroz. – E vou
gostar de matar, também. Agora você, faça exatamente o
que eu mandar, se quiser receber seu próximo salário.
Coloque a pistola aqui na mesa de Plancke. Mexa-se bem
devagar, entendeu?
– Sinsenhor ! – respondeu o guarda. Era um humano
idoso e parecia aterrorizado em ter que fazer qualquer coisa
além de ficar parado com a pistola no coldre.
Lenta e cuidadosamente, o guarda puxou a pistola do
coldre e a colocou sobre o mármore negro. Han a pegou
com a mão esquerda.
– Agora... vá para debaixo da escrivaninha. Não saia até
eu mandar.
– Sinsenhor .
Han colocou o cano da pistola na têmpora de Plancke,
ainda segurando o homem obeso bem de perto.
– Agora nós vamos sair do banco – explicou Han. – Vamos
sair andando, devagar e calmos. Vamos para o
turboelevador. Quando eu chegar lá, se você tiver sido um
gerentezinho bem-comportado, eu vou te soltar. Entendeu?
– Sim...
– Ótimo.
Eles já estavam a meio caminho pelo lobby quando
alguém percebeu que havia alguma coisa errada. Um
homem gritou, outro cacarejou de medo, e uma mulher
soltou um berro.
Han apontou a pistola de raios ao teto e puxou o gatilho.
Destroços flamejantes caíram.
– Todo mundo no chão! – gritou Han.
O comando foi desnecessário. Todos os cidadãos já
estavam estendidos no caro carpete.
– Certo, Plancke... devagar e sempre, agora.
Juntos avançaram em direção às portas, depois através
delas. Han relaxou um pouco a força que fazia para segurar
Plancke, pronto para empurrar o gorducho e depois saltar
para o turboelevador. Recusou-se a pensar no que faria
depois! Uma coisa de cada vez, acautelou a si mesmo. Uma
coisa de cada vez...
Estava prestando muita atenção enquanto ele e Plancke
avançavam até o turboelevador e, portanto, avistou o
esquadrão de stormtroopers imperiais antes que eles os
vissem. Han puxou Plancke para bem perto de si e colocou a
arma contra a cabeça dele.
– Não atirem! – balbuciou Plancke enquanto os soldados
erguiam as armas. – Fui eu que chamei vocês! Sou o
gerente do banco!
Han recuou para o turboelevador, arrastando o homem
obeso consigo. Uma olhada para o painel confirmou que o
elevador estava a caminho daquele nível.
– Ele está escapando! – gritou um dos stormtroopers.
Han parou diante da porta, tenso, suando, pronto para
saltar. Mas não deixou nada disso transparecer, apenas
esperou, com o corpo protegido pela forma corpulenta e
trêmula do gerente de banco.
Han ouviu as portas do turboelevador se abrindo atrás de
si.
– Não deixem que ele escape! Abram fogo! – gritou o
oficial.
– Nããããooo! – gritou Plancke enquanto o crepitar dos
raios das armas preencheu o ar.
Han saltou para trás, sentindo o cheiro de carne
queimada, arrastando o corpo em queda de Plancke consigo
para dentro. Conseguiu dar um tiro, bem quando as portas
do elevador se fecharam, e socou o botão mais baixo da
listagem de andares.
O turboelevador de alta velocidade caiu como uma
pedra.
Ofegando, Han conseguiu se levantar, cambaleante. Uma
olhada bastou para ver que Plancke estava morto. Pena. Ele
teria soltado o sujeito, se aqueles soldados não tivessem
começado a confusão...
Os ouvidos de Han estalaram rapidamente no que o
turboelevador mergulhava. Puxou o mapa digital e verificou
sua posição. Se o aparelho estivesse correto, o elevador o
levaria mais ou menos 150 andares para baixo, depois ele
teria que pegar outro.
No momento que as portas se abriram, Han pulou para
fora. O corelliano tinha arrastado o corpo de Plancke para o
canto mais escuro do elevador, para que não desse para vê-
lo de fora. Também tinha guardado a pistola na jaqueta de
couro, mas manteve a mão apoiada de leve no cabo, pronto
para sacar.
A cena com que deparou era inteiramente pacífica.
Cidadãos passeando por uma passarela entre prédios e, de
algum lugar não muito distante, vinha uma melodia.
Han continuou verificando o mapa digital enquanto
andava. Virar à direita aqui...
E lá estava o próximo turboelevador. Han passou por ele,
pois era óbvio demais, e seguiu por um tubo horizontal até
o megabloco seguinte. Então outro elevador para baixo.
Duzentos andares, desta vez.
As ruas eram mais sujas agora, enquanto o rapaz
procurava o elevador seguinte, tomando o cuidado de fazer
uma rota aleatória. Desceu de novo. Estava uns quinhentos
andares abaixo, agora. As ruas ficavam cada vez mais
sórdidas.
Uma gangue de pivetes se aproximou dele. Han balançou
a cabeça como advertência.
– Nem tentem – avisou.
– “Nem tentem”? – zombou o líder, um enorme menino
de pele escura com uma longa cabeleira sebosa. – Ooooooh,
o homem grande tá com medo? Homem grande vai ficar
com muito medo quando a gente acabar com ele...
Seis vibrolâminas reluziram na imundice do beco em que
a rua tinha se tornado. Han suspirou, revirou os olhos e
sacou a pistola.
A gangue evaporou tão rápido que era como se tivessem
sido levados por morcegos-falcões. Han ficou ali, parado, de
arma na mão, até ter certeza de que os moleques tinham
sumido.
Alguns transeuntes espantados olharam de relance,
depois se apressaram adiante, com uma cara de “quem,
eu? Não vi nada !”.
Han meteu a pistola de volta na jaqueta e deu uma
corridinha pela rua sombria até o próximo elevador.
Mais cem andares, depois outra centena. Estava agora
setecentos andares abaixo. O mapa digital tinha se tornado
inútil. Quão profundo é este lugar? , ele se perguntou,
embarcando em outro elevador horizontal. O turboelevador
fedia a dejetos humanos e alienígenas.
Oitocentos... oitocentos e cinquenta.
Àquela altura, Han se movia por ruas iluminadas apenas
por brilhos aleatórios dos poços de ventilação, ou por fracas
lâmpadas nas laterais de prédios miseráveis. O permacreto
sob suas botas estava geralmente imerso num líquido fétido
e viscoso. Chuva venenosa espirrava em volta, e os fungos
cresciam por toda parte nas pedras.
Não havia mais cidadãos à vista – apenas vultos que
dardejavam furtiva e rapidamente demais para serem
identificados. Han pensou que alguns deles poderiam ser
alienígenas e, conhecendo a repulsa e desconfiança que o
imperador Palpatine sentia por não humanos, e não fazia a
menor questão de esconder, Han não estava surpreso em
encontrá-los ali, nas profundezas.
Mil andares. Mil e cem.
Han saiu em busca de outro elevador, mas não
conseguiu encontrar. Em vez disso, deparou com uma série
de escadarias que o levaram para baixo, cada vez mais...
O corelliano estava agora a quase 1 200 andares de
profundidade. Aproximadamente 3 600 metros abaixo de
onde tinha começado no nível superior do Banco Imperial.
Han ofegava, mesmo que estivesse descendo. O ar ali
embaixo era espesso e úmido e fedia horrivelmente, como
se ele estivesse no fundo de um túnel.
Nenhum sinal de perseguição. Eu os despistei , pensou
Han, perambulando sem destino. Captou um vislumbre de
alguma coisa rastejando pela lateral de um dos prédios
afundados, algo que se movia abaixado, como um animal,
mas andava sobre as pernas traseiras. Retalhos
esfarrapados de pano mal escondiam a pele pálida,
manchada com lesões e feridas abertas. A criatura rosnou
para Han detrás de um emaranhado de cabelos imundos,
revelando uma boca cheia de tocos apodrecidos de dentes.
Han não conseguiu concluir realmente se aquilo seria –
ou fora um dia – humano.
A criatura fugiu, sibilando como um vrelt, meio de pé,
meio de quatro.
Abalado, Han tirou a pistola da jaqueta e a meteu no
cinto, deixando-a bem visível na esperança de que a
presença da arma fosse espantar outras criaturas como
aquela.
Passou pela boca de outro beco e, ali, na gosma, havia
vários dos trogloditas agachados, rasgando e arrancando
pedaços de alguma coisa, enfiando-os na boca manchada
de vermelho. Revoltado, Han sacou a arma de raios, deu um
tiro sobre as cabeças deles e olhou enquanto se
espalhavam.
Não queria chegar perto da presa deles, mas engoliu em
seco quando viu as costelas aparentemente humanas que
saíam do torso mutilado. Pelos Lacaios de Xendor, que raio
de lugar é este?
Suas pernas estavam ficando muito cansadas. Não tinha
um crono, mas, quando passou debaixo de um poço de
ventilação, esticou o pescoço para olhar bem para o topo
estonteante. Um indistinto quadrado de luz pálida era
visível bem no alto. A luz está acabando. Pela hora que eu
conseguir alcançar o ponto de encontro, já estará escuro...
Pela primeira vez em horas, Han pensou em Bria, e ficou
muito feliz em não a ter levado consigo ao banco naquela
manhã.
Ela estaria preocupada, ele sabia disso. Com um suspiro,
Han encontrou outra escadaria e começou a longa, longa
subida.
Quando finalmente alcançou um andar onde havia
amenidades tais quais parques e bancos onde se sentar, as
pernas de Han doíam com cãibras, e ele tremia de exaustão.
Desabou no banco, perguntando-se, pela primeira vez, o
que faria em seguida.
Estava tão cansado e desanimado que sua mente girava
como um animal dentro de um barril que rolava morro
abaixo. Preciso pensar, disse a si mesmo. Não posso voltar
para Bria assim...
Porém, apesar dos seus melhores esforços, nenhuma
solução para o dilema se apresentou. Han se levantou e
cambaleou para o turboelevador mais próximo, sentindo-se
como um dos trogloditas que vira – apenas marginalmente
humano.
Ao conferir o localizador, descobriu que estava
funcionando de novo, e começou a segui-lo em direção às
coordenadas que tinha dado a Bria.
Nível 132, megabloco 17, bloco 5, sub-bloco 12... ficou
repetindo para si mesmo. Enquanto galgava até níveis que
eram, a seu ver, habitáveis, o estômago começou a roncar
quando ele captou resquícios do cheiro de cafés e
restaurantes pelos quais passava.
Por fim, viu um letreiro que iluminava a noite na seção
sórdida que margeava o enclave alienígena. Uma imensa e
peluda aranha devaroniana, gotejando veneno, destacada
em luzes verdes extravagantes, estava pendurada numa
teia escarlate de fazer os olhos arderem. A Aranha
Radiante, finalmente...
Barulho e confusão preenchiam as ruas, e muitos dos
pedestres estavam em mau estado por causa de bebida ou
drogas. Han passou pela entrada de um beco e viu alguém
ativar uma luz, depois o clarão azul e as fagulhas de uma
dose de brilhestim sendo acendida.
Han pausou numa alcova em frente à cantina,
perguntando-se se Bria estaria esperando do lado de dentro
ou de fora. Esperava que ela não tivesse entrado sozinha...
ou será que tentara fazer contato com Nici, o Especialista?
Han suspirou, enxugou o suor do rosto com a mão, e sentiu
a cabeça girar de exaustão, sede e fome.
Enquanto hesitava, sentiu alguém segurar seu braço.
Deu meia-volta, levando a mão à jaqueta, onde a pistola
estava escondida, e parou quando viu Bria.
– Querida! – exclamou, segurando-a e abraçando-a com
tanta força que a mulher começou a se debater depois de
um momento. Ela tinha um toque e um perfume tão bons !
– Han! – ofegou ela. – Não consigo respirar!
Ele relaxou um pouco o aperto e ficou cambaleando. Bria
afastou os cabelos do rosto dele, encarando ansiosa os
olhos do namorado.
– Ah, Han! O que aconteceu?
Han sentiu a garganta se fechar e, por um momento,
teve medo de se desgraçar e cair em prantos. Porém,
respirou fundo, balançou a cabeça e falou:
– Aqui não. Vamos encontrar um lugar para ficar e comer.
Estou acabado.
Meia hora depois, os dois estavam trancados no quarto
que tinham alugado numa pensão barata. Han já se
hospedara em coisa pior, mas ficou magoado ao ver a
corajosa tentativa de Bria de fingir que não estava chocada
pela sujeira, o fedor e os insetos. Porém, o lugar era barato
e parecia seguro.
A primeira coisa que Han fez foi se lavar e beber vários
copos de água. Ainda se sentia meio tonto, mas o cheiro da
comida que trouxeram consigo o reanimou um pouco.
Sentou-se à beira da cama instável e ele e Bria se
revezaram comendo do recipiente.
A comida recarregou as baterias do corpo exausto de
Han. Engoliu a última garfada e se reclinou, fitando Bria
com olhos vazios, tentando decidir por onde começar.
– Han, você precisa me contar. Sei, pela sua expressão,
que é ruim. Você não conseguiu o dinheiro, né?
Han balançou a cabeça e por fim, devagar e hesitante,
contou a ela o que acontecera. Lágrimas encheram os olhos
de Bria enquanto ela escutava. Finalmente, Han parou... ou
se esgotou.
– E então eu cheguei aqui de novo – concluiu ele. – O
resto... o resto você sabe. Querida – ele olhou para ela,
sentindo a garganta se fechar –, este é o fim. Não tenho
para onde ir. Não consigo pensar em nada o que fazer além
de usar nossos últimos créditos para tentar sair deste
mundo. Então... poderemos trabalhar. Eu consigo um
emprego de piloto, sei que consigo. – Suspirou e enterrou a
cabeça nas mãos. – Meu bem... é culpa minha. Eu deveria
ter previsto que os Hutts fariam uma varredura sistêmica
geral com meus padrões de retina, e que isso revelaria
todos os meus pseudônimos. Eu achei que tinha sido
esperto, mas fui burro como uma porta. Ah, Bria... – grunhiu
ele, e se virou para a namorada, abraçando-a e apoiando a
cabeça no ombro dela. – Você me perdoa?
Bria lhe beijou a testa e disse baixinho:
– Não há nada para perdoar. Não foi culpa sua. Se você
não tivesse feito o que fez, eu estaria numa casa de prazer
sendo passada de um stormtrooper ao outro. Nunca se
esqueça disso, Han. Você é um herói. Me salvou, e eu te
amo.
– Eu também te amo – respondeu ele, fitando seus olhos.
– Não consegui dizer antes... mas... queria que você
soubesse. Eu te amo, Bria.
Ela assentiu com a cabeça, e uma lágrima se soltou e
desceu pela sua bochecha. Han a enxugou-a com a ponta
do dedo.
– Não chore. Eu admito que quase chorei mais cedo, mas
andei pensando. Se a gente conseguir escapar deste mundo
maldito, eu sei que a gente consegue dar um jeito. Podemos
trabalhar. Podemos ganhar a vida... sei que sim. – Ele
hesitou, depois falou de uma vez: – Podemos até nos casar,
meu bem. Se você quiser.
Han viu que ela estava profundamente comovida pelo
pedido desajeitado, mas balançou a cabeça.
– Seus sonhos, Han. Você não pode desistir deles.
Chegamos tão perto. Temos que pensar em alguma coisa.
Você vai ser um oficial da Marinha Imperial, lembra?
Foi a vez dele de balançar a cabeça.
– Não vou mais, Bria. Isso acabou, agora. Tenho que
pensar o que mais vou fazer com a minha vida.
– Ah, Han! – Bria começou a chorar para valer. – Não
aguento ver você tão magoado!
– Estou bem – insistiu Han, apesar de ser mentira.
Bria apoiou a cabeça no peito dele, depois o abraçou
com força.
– Vamos ficar bem por hoje – continuou Han. – Amanhã
teremos que planejar seriamente nosso curso de ação.
Bria o beijava agora, a bochecha, o queixo, a
mandíbula... pequenos beijos desesperados, de raspão. Han
a abraçou com força e capturou sua boca, beijando-a,
tocando seu rosto, passando a mão pelos cabelos,
desesperado para tocá-la, ser curado por seu toque.
O quartinho pobre desapareceu, e Han só conseguia
pensar em como ficava feliz em estar com ela...

Nas horas que antecediam a aurora, neste mundo onde


noite e dia significavam muito pouco para qualquer um que
não vivesse uma existência privilegiada do “alto nível”, Bria
Tharen estava sentada encolhida na grudenta e apertada
unidade de higiene. Tinha nas mãos uma caneta digital, e
diante dela, uma folha de flimsi e uma grande pilha de
créditos.
Ouvia de leve, vindos do quarto, os roncos de Han. O
piloto estava tão exausto que nem ouviu quando ela se
levantou e saiu, nem acordou quando ela voltou, horas mais
tarde.
Agora Bria lutava com o flimsi e a caneta, parando toda
hora para enxugar as lágrimas que borravam seus olhos,
dificultando imensamente o ato de escrever. Seis ou sete
vezes ela apagou o flimsi e recomeçou, mas o tempo
passava, e ela não poderia estar ali quando Han acordasse.
Se isso acontecesse, Bria sabia que nunca, jamais
conseguiria partir.
Ela estava sendo covarde, mais uma vez. Seus soluços
entalaram na garganta, e Bria levou as duas mãos ao peito.
Por um momento, se perguntou se o coração pararia com a
dor que sentia, então balançou a cabeça e disse a si mesma
para deixar de enrolar. Eu sinto muito , ela se fez escrever.
Por favor me perdoe por fazer isto...
Aquela noite, pela primeira vez, Bria percebeu que Han
poderia nunca alcançar seu sonho se ela ficasse com ele.
Bria o atrasara, como uma âncora, por semanas, mas não
quis admitir. Porém, aquela noite... ela tinha visto a angústia
nos olhos dele, ouvido a tristeza em sua voz – tinha sido
terrível demais para aguentar.
Então ela saiu escondida, encontrou um bar em que o
proprietário permitiu que ela pagasse para pegar o comlink
emprestado e ligou para o pai. Bria pediu ajuda, tanto para
si como para Han. A pilha de certidões de crédito no chão
era o resultado. Renn Tharen era um homem que sabia
como resolver as questões e não perdia tempo. O dinheiro
tinha sido entregue a Bria por um dos parceiros de negócios
do pai em Coruscant, que lhe entregou os créditos, recusou
o agradecimento e depois saiu de volta para a noite,
claramente feliz em se livrar da taverna sórdida.
Durante a curta conversa, o pai de Bria lhe avisara que
não deveria voltar para casa. Renn Tharen contou que
inspetores de SegCor tinham aparecido na mansão logo
após a fuga de Bria e Han, indagando pelo paradeiro dela.
– Eu não lhes disse nada. Seu irmão e sua mãe não falam
mais comigo, porque eu cortei a mesada deles por um mês,
mesmo que tenham jurado que não chamaram a SegCor.
Tome cuidado, querida...
– Vou tomar, papai – prometeu Bria. – Eu te amo, papai.
Obrigada...
Eu o magoei também , pensou Bria. Por que eu sempre
magoo as pessoas que mais amo?
O desespero a tomou, mas Bria se recusou a ceder. O
melhor que ela poderia fazer por Han, se ela o amava, era
deixá-lo. Seja forte, Bria, comandou a si mesma.
Segurando a caneta com força, Bria enxugou as
lágrimas, depois se obrigou a terminar a carta mais difícil
que ela escreveria na vida...

Han sabia que tinha alguma coisa errada antes mesmo


de abrir os olhos. Não havia som nenhum.
– Bria? – chamou ele. Cadê ela? Saiu da cama e se vestiu.
– Bria, querida?
Sem resposta.
Han respirou fundo e mandou o coração violentamente
disparado se acalmar. Ela provavelmente saiu para comprar
estim-chá e pães para o café-da-manhã , disse a si mesmo.
Era uma dedução razoável, dadas as circunstâncias – mas
alguma coisa lhe disse que estava enganado.
Selou a frente do macacão e pegou a jaqueta. Só então
percebeu que a bolsa de Bria tinha sumido.
Com um gemido baixo de angústia, viu algo branco
saindo do bolso da jaqueta. Han puxou o objeto – e deparou
com uma bolsa contendo certidões de crédito de valor
elevado. E havia algo mais, também...
Um bilhete. Escrito em flimsi vincado e dobrado. Han
fechou os olhos, agarrando o bilhete. Levou um minuto
inteiro para se obrigar a abrir os olhos, se obrigar a ler:

Meu querido Han,


Você não merece que isto aconteça, e tudo que eu posso
dizer é que sinto muito. Eu te amo, mas não posso ficar...
Ela vai voltar , foi a primeira coisa que Han pensou, e eu
a perdi para sempre... foi a segunda. Olhou em volta
descontroladamente, sentindo-se como se fosse explodir se
não fizesse alguma coisa. Praguejou em voz alta e jogou a
jaqueta na parede, depois pegou os travesseiros na cama e
fez a mesma coisa. Não foi suficiente – Han se perguntou,
frenético, se estava enlouquecendo. A cabeça parecia
pequena demais para conter sua mente, e o rapaz sentia
uma necessidade incontrolável de uivar sua dor e agonia
bem alto, como um Wookiee.
– AAAAHHHHHHHHH! – gritou, pegou a velha cadeira que
servia como uma das três peças de mobília do quarto,
golpeou com ela por sobre a cabeça e a atirou com toda
força contra a porta. O vizinho de quarto ao lado gritou um
impropério. A cadeira ficou caída no revestimento gasto do
chão, inteira. A porta também estava intacta.
Han desabou na cama e ficou ali deitado por vários
minutos, a cabeça enterrada nos braços. A dor vinha e ia
em ondas. O peito doía, e a mera respiração ardia . O único
alívio foi quando se sentiu o corpo inteiro dormente.
De alguma forma, a dormência era o pior de tudo.
Depois de um longo tempo, Han percebeu que não tinha
terminado de ler a carta de Bria. Exceto pela pilha de
créditos, era tudo que lhe restava dela, então ele se sentou
e estreitou os olhos na luz fraca para ler as palavras
trêmulas no flimsi.

Meu querido Han,


Você não merece que isto aconteça, e tudo que eu posso
dizer é que sinto muito. Eu te amo, mas não posso ficar...
Todos os dias eu me pergunto se vou fraquejar e pegar o
próximo transporte de volta a Ylesia. Temo que não seja
forte o bastante para resistir... mas eu tenho que resistir.
Tenho que encarar o fato de que sou viciada na Exultação
e que preciso enfrentar o vício. Precisarei de toda minha
energia para fazer isso e vencer, infelizmente. Eu me
apoiei em você para ter essa energia, mas isso não é
bom para nenhum de nós dois. Você precisa de toda sua
força e determinação para passar naquelas provas e
entrar na Academia.
Por favor, não abandone seu sonho de se tornar um
oficial, Han. Não tenha medo de usar o dinheiro que eu
deixei. Meu pai nos deu os créditos sem amarras, porque
ele gosta de você e lhe é grato. Como eu, reconhece que
você salvou minha vida. Aceite o presente dele, por
favor. Nós dois queremos que você seja bem-sucedido.
Aprendi tanto com você. Como amar, como ser leal e
corajosa. Também aprendi como encontrar pessoas que
me ajudarão a mudar minha identidade, então nem tente
me procurar. Eu vou embora e vou vencer esse vício. Vou
conseguir nem que precise da minha última medida de
força e coragem.
Você foi livre sua vida inteira, Han. E forte. Eu o invejo
por isso. Serei livre um dia, também. E forte.
Talvez então a gente possa se encontrar de novo.
Tente não me odiar muito pelo que estou fazendo. Eu não
o culparei se você o fizer, porém. Por favor, saiba que,
agora e sempre, eu te amo...
Com carinho,
Bria.

Han se obrigou a ler a carta até o fim. Cada palavra se


calcinou na mente dele como um maçarico laser. Quando
terminou, decidiu relê-la, para assim adiar o momento em
que teria que voltar a pensar e sentir de novo. Enquanto lia
o flimsi de Bria, era como se ela ainda estivesse ali. Quase
dava para ouvir a voz dela. Han sabia que, assim que ele
parasse de ler, ela sumiria de novo.
Só que, desta vez, apesar de estar espremendo muito os
olhos, ele não conseguiu mais ler as palavras. Estavam
borradas demais.
– Querida – sussurrou para a carta, com a garganta tão
áspera que mal conseguiu forçar as palavras. – Você não
deveria ter feito isso. Nós éramos um time , lembra?
Ao se ouvir usar o pretérito, Han estremeceu, como um
homem nas garras da febre. Levantou-se e começou a
andar de um lado ao outro, de um lado ao outro. Mover-se
parecia ser a única coisa que ajudava a aguentar. Ondas de
raiva e frustração se alternaram com momentos de mágoa
tão profunda que ele achou que seria mais fácil
enlouquecer.
Ela mentiu. Nunca me amou. Garotinha rica, metida, só
queria um lance fugaz... ela me usou para fugir, me usou
até ficar entediada. Eu odeio ela...
Han grunhiu em voz alta, balançou a cabeça. Não odeio,
não. Eu amo ela. Como ela pôde fazer isso comigo? Ela
disse que me amava. Mentirosa! Mentirosa? Não... era
verdade. Admita, Han, ela estava sofrendo, você sabe disso.
Bria estava perturbada, em agonia...
É, ela estava em agonia. Han se lembrava de todas
aquelas noites em que a encontrou chorando e a abraçou,
tentando reconfortá-la. Meu bem... por quê? Eu me esforcei
tanto para te ajudar. Você não deveria ficar sozinha. Você
devia ter ficado. A gente teria resolvido...
Han ficou aterrorizado com a ideia de que o vício de Bria
pudesse mandá-la de volta a Ylesia. Ele não tinha ilusões
quanto à reação de Teroenza caso ela aparecesse lá. Os
T’landa Til não tinham capacidade de sentir pena ou ser
misericordiosos. O sumo sacerdote mandaria que Bria fosse
executada se algum dia pusesse os olhos nela outra vez.
Han olhou em volta atordoado para o quartinho
esquálido. Tinha sido apenas noite passada que eles
estiveram ali, nos braços um do outro? Bria o abraçara tão
forte, tão ferozmente. Agora Han entendia o motivo de
tanta paixão. Ela soubera que o abraçava pela última vez...
Ele balançou a cabeça. Como as coisas poderiam mudar
tão irrevogavelmente em apenas poucas horas?
Faça o tempo voltar , disse alguma parte infantil da
mente dele. Faça ser então, não agora. Não gosto do agora.
Quero que seja então...
Só que, é claro, aquilo era idiota. Han prendeu a
respiração, e o som foi frágil, cheio de dor. Quase um
soluço.
De repente, não aguentava mais estar ali, vendo aquele
quartinho horrível. Meteu as poucas posses na pequena
bolsa e distribuiu punhados de certidões de créditos nos
bolsos internos, junto à pele. Por fim, vestiu a velhíssima
jaqueta e meteu a arma nela.
Saiu andando, pelo corredor, além da mulher estranha na
recepção.
E continuou andando...
O dia inteiro ele andou, movendo-se como um droide em
meio ao povo suspeito daquela área, que era um dos
distritos de luz vermelha “fronteiriços”, que se misturavam
a um dos enclaves de não humanos. Ele não comeu, não
suportava a ideia de comida.
Estava sempre consciente da pistola roubada na frente
da jaqueta. Parte de sua mente torcia que alguém tentasse
roubá-lo. Isso lhe daria uma desculpa para explodir, ferir ou
matar – queria destruir alguma coisa. Ou alguém.
Só que ninguém o incomodou. Talvez Han projetasse
alguma aura, alguma linguagem corporal que avisava aos
outros que ficassem longe.
A mente brincava de cabo de guerra com o coração.
Repassava repetidamente tudo que os dois tinham feito e
dito. Será que ele fizera algo errado? Será que Bria era uma
garota doce, problemática, mas decente que enfrentava um
vício mortal? Ou seria uma menininha rica mimada que
jogara um jogo cruel? Será que ela algum dia o amara de
verdade?
Num dado momento, Han se encontrava numa esquina
entre duas imensas pilhas de escombros. Nas mãos tinha o
flimsi de Bria e tentava lê-lo à luz tremeluzente de um
bordel. Han piscou. Deve estar chovendo ... O rosto dele
estava úmido.
Olhou para cima, para o céu, mas, obviamente, não
havia céu, só um telhado, bem alto. Estendeu a mão, com a
palma para cima. Nada de chuva.
Han dobrou a carta e a guardou cuidadosamente.
Resistiu ao impulso momentâneo de rasgá-la, de
transformá-la em cinzas. Alguma coisa lhe disse que se
arrependeria se o fizesse.
O que quer que ela fosse, ela se foi, decidiu Han,
endireitando os ombros. Ela não volta mais, e eu preciso
recuperar meu controle. Amanhã de manhã cedinho, vou
procurar Nici, o Especialista, na Aranha Radiante...
Han percebeu que era tarde da noite. Ficara vagando
pelas ruas por doze ou quinze horas. Felizmente, naquele
distrito, alguns lugares nunca dormiam. O corelliano
percebeu que precisava de comida e sono – estava tão
faminto e exausto que a cabeça girava.
Começou a voltar lentamente de onde tinha vindo e
percebeu que cada passo era como pisar em areia
incandescente. As solas dos pés estavam esfoladas e cheias
de bolhas, e ele mancava.
A dor nos pés era uma distração bem-vinda.
De agora em diante, sou só eu, Han Solo , pensou ele, e
parou para espiar o céu noturno, mal visível no topo de um
poço de ventilação. Uma estrela – ou seria uma estação
espacial? – piscava contra as trevas. A declaração mental de
Han tinha a convicção de um juramento. Ninguém mais. Não
dou a mínima para mais ninguém. Ninguém vai se tornar
próximo, de agora em diante. Não me interessa se ela for
bonita, inteligente ou doce. Nem amigos, nem amantes...
ninguém vale esse tipo de dor. De agora em diante, sou só
eu... Solo. Com uma parte da mente, percebeu a triste ironia
do trocadilho acidental, e riu secamente. De agora em
diante, o nome era ele. Seu nome tinha passado a
representar o que ele era, o que havia dentro dele.
Solo. De agora em diante. Só eu. A galáxia e todo mundo
mais nela pode se explodir. Sou Solo, agora e sempre.
O último resquício de brandura da juventude
desapareceu dos traços de Han, e agora havia uma nova
frieza, uma nova dureza nos seus olhos. Ele caminhou noite
adentro, e os saltos das botas soavam duros contra o
permacreto – tão duros e implacáveis quanto a casca que
agora protegia seu coração.

Uma semana mais tarde, Han Solo se dirigiu ao Salão de


Admissões da Academia Espacial Imperial. O prédio era uma
enorme estrutura no nível mais elevado, imensa, discreta e
com um design solidamente digno.
A luz do pequeno sol branco de Coruscant fez o rapaz
piscar. Havia um longo tempo que ele não via luz solar, e
seus olhos ainda estavam sensíveis, facilmente irritáveis.
Alterar os padrões de retina de um indivíduo era possível,
como Han tinha acabado de provar, mas não fora uma
experiência agradável. Fez a cirurgia laser e o rearranjo
celular, depois passou um dia num tanque de bacta,
sarando. Então teve que usar um visor de bacta por mais
três dias, deitado num quartinho dos fundos na “clínica” de
Nici.
Aproveitou bem a inatividade forçada, entretanto, e
escutou horas de gravações sobre História e Literatura,
preparando-se para as provas que esperava iniciar. Han não
tinha ilusão de que os exames seriam fáceis para ele. Sua
educação fora inconsistente, na melhor das hipóteses.
Nici, o Especialista, tinha valido cada crédito de sua tarifa
exorbitante. “Han Solo” agora existia nos bancos de dados
imperiais, além de seus padrões de retina, e outras marcas
de identificação. (A maioria dessas cicatrizes era nova em
folha, cuidadosamente colocadas em seu corpo pelos
droides médicos de Nici. Quase todas as velhas cicatrizes
foram apagadas.)
“Han Solo” agora tinha identidades indistinguíveis
daquelas de posse de todos os cidadãos leais do Império.
Pela primeira vez em mais de uma década, ele estava
“limpo” – Han Solo não era mais procurado por ninguém por
coisa nenhuma. Não tinha mais que olhar para trás cheio de
culpa, ou tentar criar olhos na nuca. Não precisava mais
ficar alerta para o clarão de luz revelador de um cano de
pistola recém-exposto. Ainda ficava tenso com barulhos
altos, mas era apenas reflexo.
Han Solo era um cidadão comum, não um fugitivo
caçado.
Ainda tinha as identidades de Vykk Draygo e Jenos
Idanian, socadas no fundo de uma caixa de créditos, mas
aguardava uma boa chance de se livrar delas. O rosto de
Han nunca tinha aparecido num pôster de PROCURADO ou num
banco de dados, apenas seus padrões de retina originais. E
estes tinham sumido, sido apagados.
Ao galgar os degraus de pedra do Salão de Admissões,
os passos de Han eram seguros e confiantes. Foi até o
oficial de recrutamento humano sentado detrás de uma
escrivaninha e sorriu educadamente.
– Olá. Meu nome é Han Solo, e eu gostaria de me
inscrever na seleção da Academia Imperial. Sempre quis ser
um oficial da Marinha.
O atendente não sorriu de volta, mas foi educado.
– Posso ver sua identidade, sr. Solo?
– Certamente – respondeu Han, e a colocou na mesa.
– Vai levar um momento. Sente-se, por favor.
Han se sentou, sentindo-se tenso por dentro, mas
dizendo a si mesmo que não tinha nada a temer. Os créditos
de Renn Tharen tinham cuidado disso...
Minutos depois, o atendente devolveu a identidade a Han
e ofereceu um sorriso remoto.
– Está tudo certo, Solo. Você pode iniciar o processo de
inscrição e testes hoje mesmo. Você está ciente de que
mais de cinquenta por cento dos candidatos não são
aceitos? E que cinquenta por cento dos aceitos não
completa o curso na Academia?
– Sei sim, senhor. Mas estou determinado a tentar. Sou
um bom piloto.
– O imperador precisa de bons pilotos – concordou o
homem, com um sorriso genuíno por um momento. – Muito
bem, vamos começar...

A semana seguinte foi um pesadelo calculado. O primeiro


passo foi um exame físico meticuloso, mais detalhado que
qualquer outro que Han tivesse experimentado antes. Os
droides médicos cutucaram e sondaram lugares que fizeram
Han querer lhes dar um chute rápido nos circuitos, mas ele
aguentou tudo estoicamente.
Ficou tenso durante o exame oftalmológico, mas o droide
de Nici era um especialista. O droide médico imperial não
encontrou nada de errado.
Han teve um desempenho excelente no exame físico.
Seu tempo de reação e reflexos eram excepcionais.
Aí veio a parte difícil...
Dia após dia, um grupo cada vez menor de candidatos a
cadetes era levado às salas de avaliação individual. Cada
sala continha um droide de avaliação, que fazia perguntas
aos candidatos, registrava suas notas e mantinha uma
tabulação do seu status.
Toda noite Han voltava ao minúsculo cubículo em mais
uma pensão barata e adormecia, exausto, só para sonhar a
noite inteira com as provas:
– Candidato a cadete Solo, vou lhe mostrar quatro tipos
de armadura corporal. Qual delas foi usada pelas forças
mandalorianas durante o último século?
– Candidato a cadete Solo, em que ano o nosso glorioso
imperador se tornou chanceler do Senado da República?
Que evento histórico precedeu sua eleição?
– Candidato a cadete Solo, se um destroier estelar da
classe vitória deixa o Centro Imperial no momento abaixo
exibido e transporta a massa e peso de armamento, carga e
tropas, conforme exibido na tela, qual rota e vetor de
aproximação ao sistema Dedalon oferecerá a maior
eficiência em consumo de combustível? Qual rota e vetor de
aproximação oferecerá a melhor velocidade? Esteja
preparado para demonstrar os valores da sua resposta.
– Candidato a cadete Solo, qual batalha da Crise
Nooliana resultou na libertação do setor Bothano? Em que
data ocorreu?
O pior de tudo, do ponto de vista de Han, eram as
perguntas culturais. Era esperado que cada cadete fosse um
oficial e um cavalheiro (ou dama), e uma certa quantidade
de discernimento cultural era necessária. Han suou muito
para lidar com perguntas como: “Candidato a cadete Solo,
vou tocar música de três mundos diferentes. Por favor,
identifique o mundo de origem de cada canção”.
Ironicamente, Han foi muito melhor nas questões sobre
artes plásticas do que sobre música. Seu histórico de ladrão
e assaltante lhe proporcionou pelo menos familiaridade com
história da arte e arte galáctica moderna.
Quando, depois de três dias de testes implacáveis, Han
se encontrou ainda listado dentre os CANDIDATOS A CADETE no
vid-painel do imenso Salão de Admissões, ele ficou tanto
surpreso como feliz.
Os testes de pilotagem ocuparam os dois últimos dias do
período de testes de uma semana. Durante esta parte, a
experiência de Han fez com que ele se destacasse. Os
candidatos eram levados para o espaço em grandes
transportes e despachados para bases imperiais próximas.
Apenas uma seção dos testes de colocação avançada era
conduzida em Coruscant.
Todos os dias, os candidatos praticavam pilotagem numa
variedade de situações diferentes. Han foi bem e sabia que
tinha passado em cada teste. Ocorreu apenas um incidente
– um dos oficiais avaliadores de Han (instrutores humanos
eram usados nesta parte) comentou azedo com os outros
instrutores que, na opinião dele, a pontuação de Han para
“tempo mais rápido para rota designada” deveria ser
desconsiderada porque era muito irregular que um
candidato a cadete voasse com a nave auxiliar por dentro
do Arco do Triunfo do imperador Palpatine, no Centro
Imperial, em vez de por cima.
– Ele assustou vários milhares de cidadãos imperiais!
Recebemos centenas de reclamações! – reclamou o oficial.
O oficial-chefe de avaliação deu de ombros.
– Ninguém se machucou, não foi?
– Correto, senhor.
– Então a pontuação do candidato a cadete Solo
permanece. Aqueles cidadãos bem que precisam de um
pouco de emoção de vez em quando. Faz bem à circulação –
decidiu o oficial-chefe de avaliação.
Han tomou cuidado de não deixar transparecer que ele
tinha escutado a conversa.
O corelliano sabia que, apesar de ter ido muito bem nas
avaliações de pilotagem, tinha passado em várias das
outras disciplinas por uma questão de milésimos.
Várias vezes, um sinal de “menos” aparecia ao lado do
nome dele, indicando que ele teria que participar de aulas
de recuperação naquela área, caso passasse e fosse aceito
na Academia.
Não surpreendia que essas disciplinas incluíssem música,
assim como história antiga pré-republicana, física quântica
interespacial e geometria não linear hiperespacial.
Han estudava todas as noites e caía no sono ao som de
gravações de cursos que tagarelavam resmas de
informação enquanto ele dormia. Na verdade, Han não se
incomodava em sonhar sem parar sobre as provas todas as
noites.
Era melhor que sonhar com Bria.
Finalmente, chegou o dia em que ele parou diante do vid-
painel e procurou pelo próprio nome na lista de CADETES
DESCLASSIFICADOS – e não conseguiu encontrar.
Com o coração acelerado, mal ousando sonhar, foi olhar
na outra lista, do outro lado do Salão, aquela rotulada
CADETES APROVADOS .
Han Solo.
Lá estava, em letras brilhantes. Han fitou o nome,
incapaz de pensar, mal ousando acreditar.
Só que lá estava. Han ficou perambulando pelo Salão por
uma hora, e voltou ao painel três vezes, e lá estava, todas
as vezes. Enfim, depois da terceira vez, Han se permitiu
sussurrar “Isso aí! ” e socou o ar em triunfo.
Desceu os degraus até a enorme praça de nível elevado,
sentindo o ar frio da noite de Coruscant, como um toque de
água refrescante.
Isso pede uma comemoração, pensou, exultante.
Han se presenteou um jantar num dos restaurantes
chiques dos níveis elevados, não muito longe do Salão de
Admissões. Pediu medalhões de nerf em molho redor
penetrante, com uma guarnição de tubérculos fritos e uma
salada de verduras. Também pediu cerveja alderaaniana,
que sorveu lentamente, saboreando.
Uma vez, durante o jantar, olhou em volta para a bela
decoração, notando a elegante escultura de metal e gelo
vivo, o discreto trio de jizz, e os garçons humanos . Vários
oficiais imperiais de alta patente estavam lá, acompanhados
de belas mulheres em lindos vestidos de noite. Han ergueu
o copo reservadamente no ar e sussurrou:
– Bria, eu consegui. Queria muito que você estivesse aqui
para compartilhar deste momento comigo, querida...
Depois de pagar o preço exorbitante da refeição sem o
menor arrependimento, Han saiu do restaurante e passeou
pela larga e elegante praça. Os defletores climáticos
montados no alto, acima da praça, mantinham a maior
parte do vento fora, então ele estava quase aquecido o
bastante enquanto andava. Selou a velha jaqueta contra o
frio.
Por toda volta ao seu redor e acima, Han viu os pináculos
e telhados dos prédios mais altos. Aquela praça ficava logo
abaixo do nível mais alto daquela parte de Coruscant.
Longas rampas espirais levavam ao nível superior, além dos
sempre presentes turboelevadores.
Uma vez fora do brilho exagerado das luzes, Han se
encostou contra um parapeito e tentou ver as estrelas.
Encontrou uma ou duas das mais brilhantes, mas o
horizonte ofuscava completamente o céu. Auroras
vermelhas e verdes tremeluziam e piscavam, parecendo
pintadas contra as trevas por algum artista louco e
gigantesco. Era uma vista de tirar o fôlego.
Eu consegui!
Han sorriu...
E então ficou paralisado, quando um objeto pequeno,
duro e redondo foi empurrado contra as costas dele. O bocal
de uma pistola de raios. Uma voz que Han reconheceu,
mesmo que já fizesse quase cinco meses que ele não a
ouvisse, comentou jovialmente:
– Ei, Han. Bom te ver de novo, garoto. Tenho que admitir,
não foi fácil te achar.
Isto não pode estar acontecendo, pensou Han. Não
agora! Não é justo!
Os tons simpáticos agora continham uma risada.
– Han, por que você não dá meia-volta bem devagar, e a
gente conversa cara a cara?
Han se virou, muito lentamente e, como já sabia, deu de
cara com Garris Shrike. O capitão da Sorte do Mercador
tinha trocado o uniforme cafona pelo velho traje de caçador
de recompensas – colete de couro marcado, calças e uma
túnica justa de lã de nerf alderaaniana – porém, de resto,
ele parecia igual àquela noite em que Han o deixara
esparramado e inconsciente no convés.
Não... pensou Han. Tem alguma coisa diferente...
Depois de um momento, percebeu que ele olhava Shrike
um pouco de cima . Eu é que estou diferente. Cresci um
pouco. Estou mais alto...
Shrike o contemplou.
– Ora, se você não é um moleque bonitão. Pena que não
pode voltar comigo à Sorte para que algumas das mulheres
passem o olho em você. Ia fazer muito sucesso, te garanto.
Han finalmente conseguiu falar.
– O que você quer, Garris? – inquiriu friamente.
– Ah, então é “Garris” agora, é? Tá achando que é meu
igual, é? – O sujeito acertou o rosto de Han com um tapa
violento com as costas da mão. Quando Han começou a
reagir, a pistola foi cravada ameaçadoramente em seu
abdômen. Em silêncio, o rapaz limpou o sangue do lábio
inferior ferido. – Bem, você não é meu igual, e não se
esqueça disso. Pra mim você não passa de uma pilha de
créditos dos Hutts por ter trazido “Vykk Draygo” de volta
para eles vivo.
– Os Hutts estão me procurando? – indagou Han,
enrolando para ganhar tempo.
– Estão procurando por Vykk Draygo, e Jenos Idanian, e
todos os seus outros pseudônimos, moleque. Só que você é
“Han Solo”, agora, né? E eu sou praticamente o único na
galáxia inteira que sabe que Han Solo também era Vykk
Draygo e todos aqueles outros. Então, quando eu vi o
anúncio dos Hutts, decidi sair da aposentadoria só pra você.
Créditos demais para ignorar.
– Entendi.
Shrike o fez virar a cabeça com outro forte tapa.
– Não, você não entendeu, Han. Você não entendeu que
as coisas não andam muito boas para a Sorte ,
ultimamente. Você não entendeu que Larrad nunca mais foi
o mesmo, depois que a sua bruxa Wookiee deslocou o braço
dele. Esses créditos dos Hutts vão virar a mesa pra todos
nós.
– É mesmo? – perguntou Han. – Não vejo como só me
capturar vai mudar sua sorte. Seria melhor armar algum
tipo de golpe em Gamorr. E eu temo... Garris... que eu não
possa participar desse seu esqueminha... – Enquanto falava,
Han começou a baixar a voz, gradualmente, falando cada
vez mais sussurrado. Sem perceber, Shrike se inclinou para
frente para ouvir...
...e foi aí que Han, com um grito selvagem, saltou direto
contra ele. Um braço subiu num bloqueio, afastando o braço
de Shrike, e quase ao mesmo tempo Han acertou uma
joelhada na virilha do sujeito. Enquanto Shrike se dobrava
ao meio com um grunhido, Han o socou no queixo, bem
forte. O capitão desabou.
A pistola caiu da mão de Shrike, que tentou agarrá-la.
Han a chutou para longe, e a arma saiu girando para as
sombras profundas. Então o piloto saltou sobre a forma
agachada de Garris e saiu correndo para a rampa que
levava ao terraço mais alto. De lá, poderia se esconder e
pegar um tubo horizontal ou um turboelevador.
Han não podia acreditar que tinha realmente conseguido
derrubar Shrike numa luta. Durante todo seu tempo na
Sorte , sempre vivera aterrorizado pelo temperamento e
punho do capitão.
O piloto alcançou a rampa e subiu a espiral com a
aceleração de uma nave com propulsores à plena potência.
Alcançou o topo e hesitou, olhando em volta. O terraço
parecia fantasmagórico com as sombras duplas formadas
pela luz das duas pequenas luas de Coruscant, que
contornavam tudo em um branco dolorosamente brilhante e
projetavam faixas cinzentas que mergulhavam numa
escuridão impenetrável.
Enquanto Han seguia pelo terraço, ainda procurando um
turboelevador, um raio azul de pistola foi disparado das
trevas à direita. O tiro tinha vindo da porta de um
turboelevador. Arma de raios em atordoar! pensou Han,
correndo de novo num ziguezague frenético. Shrike? Como
ele chegou aqui tão rápido?
Outro raio atordoante.
Han disparou pelo terraço como um vrelt fugindo de um
raio de pistola, correndo como jamais correra na vida.
Passou por outra entrada de turboelevador, parou e foi até
ela. Ao alcançá-la, a porta se abriu e Shrike estava lá,
pistola em riste.
Han derrapou ao parar no permacreto gélido e inverteu a
direção. Shrike aqui? Quem foi que deu aqueles tiros,
então?
Mas ele estava ocupado demais correndo pelo terraço
para pensar muito nessa questão.
A arma de Shrike cuspiu fogo azul-esverdeado em meio
às sombras. O nível mais alto era reservado a casais de
namorados, e por isso não era bem iluminado. Apenas as
pequenas luas gêmeas de Coruscant brilhavam na área.
A respiração de Han era visível na escuridão enquanto
ele corria no permacreto, saltando meios-fios e conduítes
expostos. Os pináculos de vários prédios emergiam do
permacreto como grotescos pinheiros de pedra. Han saltou
um deles e derrapou no gelo ao aterrissar. Era frio ali em
cima, longe da proteção do defletor climático. A jaqueta de
couro ajudava muito pouco.
– Pare ou eu frito seus miolos! – berrou Shrike, e outro
raio atordoante rasgou a noite.
Han esticou o passo, fugindo como um animal caçado,
desesperado para escapar. Ousou olhar para trás e viu o
vulto escuro de Shrike se destacar de leve no brilho refletido
de outro raio atordoante.
Han se virou de volta para frente e correu mais rápido,
mais forte – só para ter que brecar de repente e quase cair
num abismo, onde a plataforma de permacreto terminava
sem aviso!
Girando os braços para se equilibrar, Han se jogou para
trás. Vislumbrou rapidamente uma praça lindamente
iluminada, mais de dez andares abaixo, onde ficava o
restaurante elegante em que tinha jantado. Através do
tremeluzir dos defletores climáticos, dava para ver as belas
estátuas, flores e plantas exóticas...
O jantar parecia ter sido uma vida atrás.
Han virou à direita, escorregando um pouco, e seguiu
para o outro lado. Outro raio atordoante passou perto. A
respiração queimava no peito enquanto ele ofegava no ar
gélido.
Saltou outro pináculo, sentiu a ponta raspar o lado de
dentro da perna da calça, mas conseguiu passar e
continuou correndo, dando uma guinada em direção a uma
área encoberta pelas sombras, para escapar de outro raio
atordoante.
A sombra subitamente se abriu para o vazio completo e
absoluto de um poço de ventilação que caía para o nada!
Han estava rápido demais para parar. Com um berro de
terror, saltou com toda sua força...
... e conseguiu transpor a bocarra escancarada.
Aterrissou pesadamente do outro lado, caiu e rolou,
ofegante, sem ar, tentando se levantar de novo. Deslizou
descontroladamente no permacreto gelado, bem quando
um raio atordoante espirrou bem ao seu lado.
A parte direita inteira do corpo de Han ficou dormente.
O corelliano desabou de volta ao permacreto com um
grunhido agonizante. Deixou-se cair, molengo, e esperou,
torcendo para recuperar o uso do lado direito do corpo a
tempo. Dependendo da intensidade que Shrike usava,
poderia levar dois minutos... ou dez.
Respirar era uma tortura, mas Han engoliu cada
inspiração, ignorando a dor. Precisava recuperar o fôlego,
para o caso de recuperar o controle do corpo.
Passos se aproximaram pela esquerda. Era Shrike,
contornando o poço de ventilação que Han tinha saltado.
Han ficou imóvel. Apenas a pluma branca de sua respiração
revelava que ainda estava vivo.
Os passos pararam ao seu lado. Han viu a forma de
Shrike vagamente, por entre os cílios. Então uma bota o
chutou violentamente na perna direita. Han arfou de dor.
– Seu marginalzinho safado – vociferou Shrike. – Por dois
créditos eu te jogaria nesse abismo, depois do que você fez.
Era bom o fato de Han ter sentido dor no lugar onde fora
atingido pela pesada bota de Shrike. A paralisia do raio
atordoante estava passando. Só que Han não se moveu;
ficou caído, mole, enquanto Garris o pegava pelo colarinho
da jaqueta e o arrastava pelo permacreto, batendo e
resvalando, em direção ao turboelevador mais próximo.
O capitão mercador praguejava sem parar e claramente
mancava, Han percebeu com uma pontada de satisfação. O
corelliano fez de si mesmo o peso mais morto que pôde
enquanto era arrastado pelo terraço, sentindo o atrito
gelado do permacreto. A mão direita formigava ao arranhar
no chão, o que era bom, também.
Quando Shrike alcançou o turboelevador, soltou o
colarinho de Han. Foi difícil se deixar cair, mas Han
conseguiu manter a ilusão de paralisia sem bater a cabeça
com força demais. O semblante de olhos brilhantes de
Shrike, com um hematoma no queixo, apareceu no campo
de visão do rapaz.
– Agora a gente vai descer este elevador, e você vai se
comportar, seu vreltzinho. Vamos ficar bem camaradas, eu
e você. Vou dizer que você é meu amigo, que bebeu
demais.
Han ouviu o turboelevador chegando. Flexionou os
músculos da perna e do braço direitos. Eles responderam,
um tanto lentos. Não restava muito tempo...
– Então me conta, Han, você conseguiu entrar na
Academia Imperial? – indagou Shrike, como se Han pudesse
responder. – Foi por isso que você se deu ao luxo de jantar
fora esta noite, é?
O capitão riu.
– Os imps devem estar passando sufoco para aceitar um
perdedor como você. – Garris cuspiu, e a saliva quente
atingiu o rosto de Han, logo acima do olho direito. Han se
esforçou para não reagir. O turboelevador estava bem
próximo. Quando as portas se abrissem, Shrike ficaria
distraído por alguns segundos preciosos... então seria hora
de agir.
De forma imperceptível, Han flexionou os dedos da mão
direta, e eles responderam ao comando do cérebro. Shrike
ainda tagarelava.
– Aqueles imperiais... não sabem atirar, não sabem
pilotar e não sabem brigar. Não sei como o velho Palpatine
consegue sair da cama de manhã. Todos um monte de
perdedores...
As portas do turboelevador se abriram. Shrike ergueu o
olhar, bem quando Han saltou do permacreto.
O elemento de surpresa lhe foi útil por um momento. Han
conseguiu derrubar a arma de raios da mão de Shrike, mas
logo Garris partiu para cima do rapaz. Mãos de ferro se
fecharam sobre a garganta do homem mais novo. Os olhos
de Han se esbugalharam, e ele passou a perna por trás da
perna de Shrike e o derrubou para trás. Shrike não soltou o
pescoço, então Han caiu junto, e os dois rolaram num
monte de socos e chutes.
Han meteu um punho no abdômen de Shrike e o ouviu
grunhir de dor. Os dedos ao redor da garganta se
afrouxaram por um segundo – então Garris o libertou e
tentou enfiar o dedão no olho de Han.
No olho direito . O violento polegar arrancador de olhos
derrapou no cuspe do próprio Shrike, e então Han virou a
cabeça e o mordeu como um animal. Seus dentes se
fecharam no dedão, morderam forte. Shrike gritou quando
Han lhe rasgou a carne. O corelliano sentiu gosto de
sangue.
Han se aproveitou da distração momentânea para
acertar uma joelhada na barriga do inimigo. O ar nos
pulmões de Garris foi soprado numa nuvem branca e fétida
para o ar da noite.
Han corcoveou para cima e tirou Shrike de cima de si. O
homem não conseguiu se segurar e se esparramou para
trás. Han acorreu para onde tinha ouvido a arma cair, e seus
dedos a encontraram.
Shrike já tinha se levantado e rumava determinado para
o rapaz, quando Han ficou de joelhos, apontando a pistola
direto para ele. O corelliano fez um gesto exagerado para
elevar a intensidade da arma ao nível máximo com o dedão.
– Sua vez de congelar, Shrike – disse ele. Falar provocou
um acesso de tosse e dor lancinante na garganta
maltratada de Han, mas ele conseguiu manter Shrike na
mira.
O capitão riu e diminuiu o passo, mas continuou
andando. Estava a uns seis metros.
– Ora, Han, meu filho – disse ele, em tom lisonjeiro. – O
velho capitão Shrike estava só brincando, só isso. Eu não ia
te entregar para aqueles Hutts, não ia mesmo. Você sabia
que matou um deles, moleque? Hutts não gostam disso, não
gostam não. Nunca vão parar de caçar o velho “Vykk
Draygo”, você sabia?
– Pode parar aí mesmo – retrucou Han, que ficou
aterrorizado ao notar o tremor na própria voz. Nunca tinha
atirado em ninguém a sangue-frio. Especialmente em
alguém que conhecesse. Será que ele conseguiria?
Shrike sorriu como se pudesse ler a mente de Han.
– Vamos lá, Han. Você sabe que não vai atirar em mim.
Não vai conseguir. Eu sou tipo o seu papai, quase.
Han balançou a cabeça e respondeu com uma
obscenidade tão virulenta que Shrike ergueu as
sobrancelhas.
– Caramba, você desenvolveu uma boca suja enquanto
estava fora, hein, moleque?
O capitão ainda avançava. Apenas quatro metros os
separavam agora. Han segurou a pistola com mais força,
mas ficou horrorizado ao ver que o cano vacilava.
– Vamos descer e conversar sobre isso tudo, Han –
sugeriu Shrike, com a voz baixa e calmante. – Não vou te
machucar, você tem minha palavra.
– Sua palavra? – Han riu, depois tossiu. – Mas que piada.
Sua palavra não vale um cuspe.
– Claro, minha palavra. Além disso... se você atirar em
mim, moleque, nunca vai saber a verdade sobre os seus
pais. Quem eles eram... por que você acabou largado
naqueles becos onde eu te achei.
Han encarou Shrike.
– Você sabe quem eles eram? Você sabe por que eu fui
abandonado? – Han engoliu, e a dor foi imensa. – Me conte
e talvez eu te deixe viver.
Shrike estava quase perto o bastante para agarrar a
pistola. Só faltava pouco mais de um metro. Han sabia que
deveria atirar nele, sabia que não podia confiar em Shrike –
mas ainda assim hesitou.
– Me conta, Shrike!
– Eu conto tudo se você me entregar a pistola –
respondeu Shrike. – Tudo. Você tem a minha palavra.
Atira nele! Agora! gritava a mente de Han.
Com um clarão de luz vermelha, um disparo de pistola
acertou Garris Shrike bem no peito. O capitão lançou as
mãos para o alto, com uma expressão de terror e dor
contorcendo seu rosto. Caiu para trás como uma pedra,
morto antes de atingir o permacreto.
Han fitou a mão, apavorado. O dedo estava no gatilho da
pistola, mas ele não o tinha mexido... tinha?
O tiro, percebeu o rapaz, um segundo depois, tinha vindo
de trás dele.
Han girou, ainda de joelhos, e deparou com outro
homem. Era humano, jovem, estatura média. Cabelos
escuros, iluminados pelo luar. Segurava uma pistola, e tudo
nele gritava “caçador de recompensas”.
– Tudo bem, moleque, acabou – disse o recém-chegado,
tirando um par de algemas do cinto. – Levante-se. Você vem
comigo.
Aqueles dois primeiros tiros! pensou Han. Devem ter sido
ele. Me seguiu até aqui em cima e esperou que Shrike me
capturasse, para depois aparecer e me levar.
Como se pudesse pressentir o que Han estava pensando,
o caçador de recompensas acrescentou:
– Eu sabia que o velho Shrike te encontraria. Os Hutts
não tinham uma imagem sua, então segui Shrike, porque
ele praticamente te criou, né, Vykk? Eu sabia que ele te
acharia pra mim.
Não! gritou a mente de Han. Agora não! De novo não!
Ainda estava enrijecido pela paralisia, exausto e ferido
pela luta com Shrike. Todos os seus músculos gritavam com
dor e cansaço.
O caçador de recompensas fez um gesto com a pistola.
– Largue a arma, moleque, ou eu atordoo sua cabeça e
misturo seus miolos para valer. Os Hutts querem você vivo ,
mas não disseram nada sobre seu estado mental. Largue.
Trêmulo, Han deixou a pistola cair de seus dedos. Com
um grunhido de esforço, tentou se levantar, mas a perna
direita cedeu debaixo dele.
– Minha perna... – murmurou. – Perna direita não vai
aguentar meu peso... Shrike me chutou.
– É, eu vi. Não foi muito profissional da parte dele, mas o
velho Shrike sempre foi cabeça quente – comentou o
caçador. Deu um passo à frente e acrescentou: – Agora eu
vou te dar uma mão. Não tente...
Com um uivo demente, Han se atirou de cabeça contra a
barriga do caçador de recompensas.
O homem era mais jovem que Shrike, mais forte e mais
rápido. Mas Han lutava como um louco, com a força nascida
do desespero completo. Não tinha nada a perder, e sabia
muito bem disso.
O caçador caiu para trás com um grito de surpresa. Han
se jogou atrás dele e o socou. O caçador se recuperou e
bateu com o cano da arma na têmpora do rapaz.
O sangue espirrou e escorreu até o olho esquerdo de
Han, que não se deixou esmorecer. Escalou o corpo do
adversário como se fosse um cipó e lhe acertou uma
cabeçada, testa contra nariz. Han ouviu e sentiu a
cartilagem se quebrar contra o osso do crânio. O grito
agudo do sujeito ecoou na noite.
O caçador de recompensas praguejou e se agarrou com
Han, golpeando-o nas costas e nos rins com a pistola. Han
pegou o braço dele e bateu a mão do sujeito no permacreto,
bam... BAM! A pistola caiu no chão. Han deu outra cabeçada
no rosto do caçador, sem se importar com o ferimento na
própria pele.
– Você não vai me levar! – gritou o corelliano, dando
cabeçadas repetidas na cara do homem. Com um grito de
terror, o caçador deu um tranco para cima com toda sua
força e jogou Han para longe.
O corelliano caiu, tentou rolar e se chocou contra a
estrutura que continha o turboelevador. O caçador, cujo
rosto tinha se tornado uma máscara sangrenta graças ao
nariz quebrado e os lábios cortados, partiu para cima de
Han, com ódio no olhar.
Han esperou até o último segundo possível e se
esquivou. No que o homem passou por ele, Han lhe acertou
um tranco com todo o seu peso contra o ombro dele.
A cabeça do caçador se chocou contra a estrutura de
pedra com um crack que pareceu ecoar pela noite gélida.
O homem sofreu um espasmo, amoleceu, depois deslizou
parede abaixo, para desabar imóvel no permacreto.
Trêmulo, mordendo o lábio e engolindo bile, Han se
levantou e foi cambaleante até o sujeito. Dois dedos contra
a garganta asseguraram ao corelliano que o caçador de
recompensas agora estava tão morto quanto Garris Shrike,
que jazia a alguns metros, fitando as luas gêmeas com
olhos vazios e sem vida.
Han escorregou pela parede, por sua vez, e
simplesmente ficou ali sentado, com a cabeça girando,
enjoado e exausto. Começou a tremer fortemente, e o
acesso durou quase um minuto.
Tenho que me controlar , pensou, vagarosamente. Tenho
que pensar. Pensar...
Han se levantou e tropegamente voltou até o caçador de
recompensa. Ficou ali fitando o corpo. O homem era mais ou
menos do mesmo tamanho que ele, e também tinha cabelos
castanhos. Mais escuros que os de Han, mas talvez ninguém
percebesse...
O hálito de Han soprava em brancas nuvens enquanto
ele puxava e tirava as botas do sujeito. Lenta e
metodicamente, despiu o caçador de recompensas.
Cinco minutos depois, lá estava Han, oscilando e se
vestindo com as roupas do caçador de recompensas.
Morbidamente, começou a vestir as próprias roupas no
cadáver... o macacão cinzento gasto, a surrada jaqueta de
couro de lagarto, as botas. Guardou a pistola do caçador de
recompensas no coldre. Por último, pegou um punhado de
créditos e todas as identidades falsas e as guardou no bolso
de dentro do sujeito, fechando-o em seguida. Por fim, selou
a jaqueta, também.
Cambaleando e mancando, Han foi procurar a pistola de
Shrike. Encontrou-a, finalmente, e voltou ao corpo.
Hesitante, colocou na potência máxima e, virando a cabeça
para o lado, disparou direto na cara do cadáver. Quando se
obrigou a olhar, o homem morto não tinha mais uma cara –
ou olhos.
Ou retinas.
Han se afastou um pouco e vomitou longa e
violentamente. A lembrança do quanto aquela refeição tinha
custado o deixou ainda mais enjoado...
Com um grunhido de esforço, segurou o cadáver por sob
os braços e arrastou o caçador de recompensas sobre o
permacreto gelado, tal qual Shrike tinha feito com ele.
Andou de costas devagar e com cuidado, até se encontrar
novamente ao lado daquele poço de ventilação tão
profundo que tinha saltado.
Han espiou poço abaixo, depois afastou o olhar,
enfrentando a tontura. O poço era muito, muito fundo.
Rolou o cadáver até a beira e então, com um forte
empurrão com as duas mãos, lançou o caçador de
recompensas no buraco, o corpo girando no vazio.
Han não ficou olhando o homem cair. Com passos
arrastados e mancos, voltou ao corpo de Shrike e colocou a
pistola do capitão na mão morta. Depois apertou o botão
para chamar o turboelevador.
Quando as portas se abriram, ele quase caiu no interior
iluminado.
O turboelevador começou a descer, e Han ficou ali, se
balançando e se abraçando com as duas mãos. Teve que se
esforçar para não desmaiar.
A noite tinha sido longa...
Han Solo estava sozinho em meio à massa fervilhante de
cadetes reunidos no campo de pouso num terraço em
Coruscant. O colarinho apertado do novo uniforme irritava-
lhe o pescoço, mas o rapaz resistiu ao impulso de dar um
puxão. Isso poderia amassá-lo, e Han queria estar em sua
melhor aparência.
À sua volta, cadetes eram abraçados e beijados ao se
despedirem das famílias. Só alguns poucos cadetes estavam
sozinhos, como ele. Han esquadrinhou a multidão e notou
um menino de pele negra a alguns metros, que não parecia
ter ninguém. E havia uma jovem mulher com cabelo curto
estilo militar, do outro lado do campo de pouso, que
também estava sozinha.
Porém, a maioria dos cadetes tinha pais, mães, irmãos e
irmãs e avós, tios e tias e primos, que tinham vindo se
despedir em seu momento de triunfo. Han era mais velho
que os outros cadetes e isso, também, o destacava.
Mas, ei... eu estou aqui. Eu consegui.
O transporte Imperator os aguardava no campo de
pouso. Logo, os cadetes embarcariam em sua jornada a
Carida, o mundo de treinamento militar imperial. Han sorriu
um pouco ao estudar as linhas da nave, sua barbatana
dorsal supercrescida. Uma corveta corelliana. Quão
adequado...
Contemplou a multidão outra vez, procurando, e
percebeu de repente que queria vislumbrar uma certa
cabeça ruiva dentre os visitantes. Burro, Solo. Muito burro.
Você não esperava mesmo que ela aparecesse, esperava?
Ela se foi há muito tempo!
Não, decidiu Han, ele não tinha realmente esperado que
Bria aparecesse. Mas, porém, bem no fundo, ele queria que
ela tivesse...
Han suspirou. Dewlanna sempre lhe recitava um velho
provérbio wookiee, que traduzido em língua básica dizia,
mais ou menos: “A alegria despida de tristeza é suspeita”.
Dewlanna.
Se ao menos ela pudesse vê-lo agora. Han imaginava sua
silhueta alta e peluda, o nariz preto curto, os olhinhos
reluzentes quase escondidos sob tufos de pelo wookiee
grisalho. Ela estaria muito orgulhosa naquele dia, Han tinha
certeza. Por um momento, a lembrança dela foi tão real que
ele quase a imaginou, quase ouviu seus grunhidos e
gemidos ao lhe dizer o quão orgulhosa ficara dele.
Bagunçaria os seus cabelos para que ficassem
atraentemente “relaxados”.
Han sorriu de leve com a cena. Eu consegui , Dewlanna ,
ele disse em silêncio à imagem em sua mente. Olhe para
mim. Você é minha família, minha única família, então é
justo que você esteja aqui, mesmo que só na minha
memória...
E Bria...
Admita, Solo, você ainda sente. Você ainda espera que
ela apareça e tenta ouvir o som de seus passos, sua voz.
Você precisa superar isso tudo, cara...
Han balançou a cabeça, como se pudesse se livrar da
imagem de Bria com a mesma facilidade que conjurara a de
Dewlanna. Só que ele levaria Bria consigo a bordo da
Imperator , com tanta certeza quanto se ela lá estivesse,
andando ao seu lado. Não importava o quanto tentasse, não
conseguia esquecê-la.
Outro dos velhos provérbios wookiees de Dewlanna
surgiu na mente do rapaz: “Ter uma boa memória é tanto
uma bênção como uma maldição”...
E quanta razão você tinha, Dewlanna , pensou Han.
Ele se ajeitou, e uma dor aguda na perna direita o
relembrou da briga de duas noites atrás. Han suspirou. Ele
está morto, Dewlanna , pensou. Seu assassino está morto.
Você pode descansar melhor, sabendo disso, eu aposto...
Um oficial imperial caminhava em meio à multidão
agora. Ao passar por Han, o tenente parou e o contemplou
com severidade.
– Seu nome, cadete?
Han ficou em posição de sentido.
– Cadete Han Solo, senhor!
– Esqueceu como prestar continência, cadete Solo?
– Não, senhor? – respondeu Han, oferecendo ao homem
sua melhor continência.
O oficial fitou o rosto de Han.
– Cadete Solo, o que aconteceu ao seu rosto?
Por um momento, Han se sentiu tentado a dizer que
tinha dado de cara numa porta, mas decidiu que a verdade
provavelmente seria a melhor resposta.
– Eu me meti numa briga, senhor.
– É mesmo? Eu jamais teria percebido – retrucou o
tenente, com sarcasmo na voz. – E qual foi o motivo da
briga, cadete Solo?
Han pensou rápido.
– Meu oponente insultou a Marinha Imperial, senhor.
Afinal de contas, era verdade.
O tenente ergueu uma sobrancelha.
– É mesmo, cadete? Isso foi muito... insensato da parte
dele. Você lhe aplicou uma bela surra por esse desrespeito,
cadete Solo?
Han se lembrou bem a tempo de que não deveria
assentir com a cabeça.
– Sim, senhor. Eu asseguro ao tenente que ele jamais
dirá nada de ruim sobre as forças imperiais de novo, senhor.
– Muito bem, cadete Solo. – O tenente sorriu de leve e
seguiu adiante, até a frente do grupo.
Han soltou um longo suspiro de alívio. Escapei bem
dessa!
Uma voz amplificada ecoou pela plataforma de pouso.
Um oficial subalterno estava ao lado do tenente, dando
ordens.
– Cadetes imperiais! Formar fileiras!
Houve uma confusão geral por um segundo, depois as
linhas de cadetes se formaram em fileiras.
– Vamos embarcar nas naves de transporte em filas.
Nada de conversas, e mexam-se rápido.
O silêncio reinou. Han estava na fileira quatro. Ficou tão
ereto quanto pôde, sem olhar nem à direita, nem à
esquerda, esperando pela ordem de avançar. De algum
lugar, o tema marcial da Marinha Imperial começou a tocar
no fundo.
– Fileira um! Marchar!
– Fileira dois! Marchar!
– Fileira três! Marchar!
Han sentiu a empolgação percorrer seu corpo, cantando
em seu sangue. É isso. O que eu esperei minha vida
inteira...
– Fileira quatro! Marchar! – berrou o subalterno.
Han deu meia-volta à direita com elegância e seguiu o
homem à frente em direção à Imperator. Enquanto
marchava, se permitiu um leve sorriso.
Hoje ela começa, pensou ele. Minha verdadeira vida
começa .
Imaginou os rostos de Dewlanna e Bria. Elas sorriam,
também.
Os pés alcançaram a rampa. Han respirou fundo, o
mesmo tipo de respiração de um recém-nascido ao abrir o
primeiro choro, o primeiro grito de estou aqui! Me escutem,
eu estou vivo!
Han Solo sentia-se novo, como se tivesse acabado de
nascer. O passado sombrio desabou de seus ombros, e
apenas o futuro brilhante se estendia adiante.
Marchou para ele com energia, e não olhou para trás.
STAR WARS / A ARMADILHA DO
PARAÍSO
TÍTULO ORIGINAL:

Star Wars / The paradise snare


COPIDESQUE:
Matheus Perez
REVISÃO:

Isadora Prospero
Giselle Moura
Balão Editorial
CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO:
Desenho Editorial
ILUSTRAÇÃO DE CAPA:

David Palumbo
DIREÇÃO EXECUTIVA:

Betty Fromer
DIREÇÃO EDITORIAL:
Adriano Fromer Piazzi
EDITORIAL:

Daniel Lameira
Katharina Cotrim
Mateus Duque Erthal
Bárbara Prince
Júlia Mendonça
Andréa Bergamaschi
COMUNICAÇÃO:
Luciana Fracchetta
Pedro Henrique Barradas
Renata Assis
Stephanie Antunes
Ester Vitkauskas
COMERCIAL:

Orlando Rafael Prado


Fernando Quinteiro
Lidiana Pessoa
Roberta Saraiva
Ligia Carla de Oliveira
Eduardo Cabelo
FINANCEIRO:

Rafael Martins
Roberta Martins
Rogério Zanqueta
Sandro Hannes
LOGÍSTICA:
Johnson Tazoe
Sergio Lima
William dos Santos
COPYRIGHT © & TM 1997 LUCASFILM LTD.
COPYRIGHT © EDITORA ALEPH, 2016
(EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA O BRASIL)

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.


PROIBIDA A REPRODUÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, ATRAVÉS DE QUAISQUER
MEIOS.
Í É Ã
A ARMADILHA DO PARAÍSO É UM LIVRO DE FICÇÃO. TODOS OS PERSONAGENS,
LUGARES E ACONTECIMENTOS SÃO FICCIONAIS.

EDITORA ALEPH
Rua Henrique Monteiro, 121
05423-020 – São Paulo – SP – Brasil
Tel.: [55 11] 3743-3202
www.editoraaleph.com.br
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Vagner Rodolfo CRB-8/9410

C932a
Crispin, A.C.
A armadilha do paraíso [recurso eletrônico] / A. C. Crispin ; traduzido
por Edmo Suassuna. - São Paulo : Aleph, 2017.
287 p. : 2,11 MB.

Tradução de: The Paradise Snare


ISBN: 978-85-7657-363-0 (Ebook)

1. Literatura norte-americana. 2. Ficção. I. Suassuna, Edmo. II. Título.


2017-287 CDD: 813.0876
CDU: 821.111(73)-3

Índice para catálogo sistemático:


1. Literatura : Ficção Norte-Americana 813.0876
2. Literatura norte-americana : Ficção 821.111(73)-3
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para empreender uma verdadeira maravilha arquitetônica:
a construção de um suntuoso palácio no topo de uma
montanha, que o alçaria aos céus e o igualaria aos deuses.
Duzentos anos depois, o ambicioso engenheiro Vannevar
Morgan, que já unira dois continentes com a Ponte
Gibraltar, se propõe a construir uma nova ponte, desta vez
ligando a Terra ao espaço sideral. O que ele não imagina,
porém, é que em seu caminho está um monastério budista,
localizado sobre a única montanha na qual seu projeto
poderia ser construído. Em paralelo, a humanidade detecta
um estranho sinal de rádio, de origem não humana. Pela
primeira vez na história, o planeta Terra é contatado por
uma raça alienígena que, ao que tudo indica, está cada vez
mais próxima.

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