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Vozes da Educação

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Volume VIII

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume VIII

Ivanio Dickmann
(organizador)

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Vozes da Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira - Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA

________________________________________________________

D553v Dickmann, Ivanio


v. 8 Vozes da educação, volume VIII / Ivanio Dickmann (org).
– São Paulo: Dialogar, 2018. (Coleção Vozes da Educação, 8)

8 volumes.

ISBN - 9788593711206

1. Educação. 2. Metodologias da educação. 3. Teorias da


educação. I. Título.

CDD 370.1
_____________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIALOGAR
dialogar.contato@gmail.com

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Volume VIII

Ivanio Dickmann
(organizador)

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume VIII

Dialogar
São Paulo – SP
2018

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Vozes da Educação

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 7

MEDIAÇÃO DA LEITURA: O ENLEITURAMENTO


Rosemary Lapa de Oliveira ............................................................................... 9

É POSSÍVEL ENGENHARIA EM EAD?


Rosimeire de Freitas Roveda ............................................................................ 28

CARACTERIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS NO


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DO SUJEITO
DESDE OS ANOS INICIAIS DE SUA FORMAÇÃO
Rosinei Ramos, Gláucio Camargos ................................................................... 37

EDUCAÇÃO DO CAMPO E ENSINO DE MATEMÁTICA: REFLEXÕES PARA


UM ENSINO COM SIGNIFICADO
Samya de Oliveira Lima, Marcus Bessa de Menezes ........................................... 51

“ESTE LUGAR NÃO É PARA MIM”: O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR


POR EGRESSOS DA EJA E OS DESAFIOS DA PERMANÊNCIA
Sandra Regina Gavasso Amarantes, Maria Lúcia Büher Machado ..................... 62

OS FATORES NEUROTRÓFICOS E A APRENDIZAGEM: COMO A


NEUROCIÊNCIA PODE FACILITAR O TRABALHO EM SALA DE AULA
Silvania Maria da Silva Gil ............................................................................. 80

VOZES SILENCIADAS: A QUESTÃO LGBTTQI, A TEORIA QUEER E A


DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Silvia Piedade de Moraes .................................................................................. 90

GESTÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONSTRUÇÃO


COLETIVA DO CURRÍCULO - TECENDO IDEIAS E PRÁTICAS
Silvia Teixeira Cardenuto ................................................................................ 112

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Volume VIII

TRABALHANDO A INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR


ATRAVÉS DE UMA FEIRA DE CIÊNCIAS: RELATOS E PERCEPÇÕES
DOCENTE
Simone Rosler, Dieison Prestes da Silveira ....................................................... 130

O PROCESSO DA APRENDIZAGEM COM ÊNFASE NA


NEUROAPRENDIZAGEM
Solange Ribeiro Dall Agnol ............................................................................ 137

PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO E A


REFORMA DO ENSINO MÉDIO: ENTRE O SONHO DE UMA EDUCAÇÃO
LIBERTADORA E O PESADELO DO CONSERVADORISMO
Susiéli Casonatto, Tanara Terezinha Fogaça Zatti ........................................... 165

A LINGUAGEM TEATRAL E O POTENCIAL DRAMATÚRGICO INFANTIL


Talita Pereira da Silva ................................................................................... 179

INFLUÊNCIA ANDRAGÓGICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


Tania Regina Rodrigues Oliveira, Fábio dos Santos .......................................... 191

MODELOS DE SAÚDE E POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA


SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE
Tavana Liege Nagel Lorenzon, Mônica Ludwig Weber, Carine Vendrusculo,
Lucimare Ferraz ........................................................................................... 208

AGROECOLOGIA, JUVENTUDE E PERMANÊNCIA NO CAMPO: UMA


RELAÇÃO POSSÍVEL?
Joseli Aparecida Nunes, Valdeir Alves de Souza ............................................. 225

FICHA DE COMUNICAÇÃO DE ALUNO INFREQUENTE – FICAI COMO


INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DE DIREITOS, ATRAVÉS DA
ARTICULAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMA DE GARANTIA
DE DIREITOS
Valeria da Silva Barbosa Gimenes .................................................................. 245

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Vozes da Educação

ENTRE A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E OS LIMITES DA SEXUALIDADE


INFANTIL NO COTIDIANO ESCOLAR
Vaneide Santana da Silva .............................................................................. 260

O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES DE UMA


PROFESSORA PESQUISADORA
Vanessa Galoni ............................................................................................ 276

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS ALUNOS SURDOS DE PORTO


SEGURO/BA
Vera Lúcia Martins Liu ............................................................................... 297

ABORDAGEM DO CONCEITO DE VELOCIDADE ESCALAR MÉDIA


OBSERVANDO A NATUREZA
Wanglêsio Silveira de Farias, George Frederick Tavares da Silva, João Cláudio Nunes
Carvalho ....................................................................................................... 318

INDISCIPLINA NO ENSINO MÉDIO NA PERSPECTIVA DOS


PROFESSORES: O QUE TEM SIDO FEITO PARA MINIMIZÁ-LA NO
PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM?
Zelia Maria Freitas dos Santos, Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida,
Rilva José Pereira Uchôa Cavalcanti ................................................................ 328

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Volume VIII

APRESENTAÇÃO

Dar voz a educadores e educadoras de todo o Brasil que se


dedicam a produzir reflexões sobre seus espaços pedagógicos, sejam eles
formais ou informais: este é o objetivo desta coleção de livros que acolhe
a escrita de homens e mulheres comprometidos e comprometidas com a
educação. Uma coletânea que abre espaço para quem escreve e não tinha
onde materializar seus textos, para quem gostaria de compartilhar seus
saberes e não tinha um canal para expressar suas ideias.
Nossa editora tem como missão criar um caminho para este
grupo de pesquisadores e estudantes que fazem o esforço de colocar em
palavras suas análises sobre os mais diversos campos da educação e
desejam dialogar com seus leitores e leitoras sobre suas palavras. Suas
palavras que estão abertas a crítica para avançar, que querem contribuir
para uma visão madura dos espaços educativos, dos métodos pedagógicos
e, assim, construir uma comunidade que debate dia a dia o fazer dos
educadores e educadoras.
Quando iniciamos a mobilização para esta coletânea
imaginávamos que iríamos receber alguns textos, e que, da união deles
faríamos um livro para compartilhar. Para nossa surpresa a adesão dos
interessados foi tanta que resultaram oito livros e isso demonstrou como
ainda faltam espaços acessíveis para a publicação da produção acadêmica
no nosso país. Esperamos que nossos livros sejam uma luz para mais
pessoas produzirem seus textos e imprimirem de forma coletiva suas
obras.
Recebemos textos de todas as regiões do Brasil. Então, o que
você tem nas mãos reflete também a diversidade cultural e regional do
nosso amado país e as lutas dos educadores e educadoras para transformar
e dinamizar os espaços pedagógicos de norte a sul, de leste a oeste. E isso
enriquece esta coletânea, pois, pluralizamos as visões da forma de educar
em diferentes culturas e em diferentes condições sócias e econômicas.

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Vozes da Educação

Temos textos sobre a educação indígena, educação em LIBRAS,


educação em sala de aula, fora da sala de aula, enfim, uma pluralidade que
pode ajudar a dar uma nova dinâmica no jeito de educar de cada um que
tiver contato com estes artigos que compõe estes livros. É importante
ressaltar que a educação tem esta multiplicidade de lugares, de jeitos e, de
certa forma, nossa coleção contempla este elemento. Oxalá possamos
exercitar os ensinamentos compartilhados e tornar mais dinâmicos nossos
espaços pedagógicos.
A distribuição gratuita dos e-books desta coletânea visa dar
visibilidade a cada autor e autora destes artigos e, também, disseminar o
conhecimento partilhado em cada obra. A autoridade de cada escritor e
escritora aumenta a cada publicação e, desta forma, nossa editora se sente
orgulhosa de contribuir com a melhoria contínua dos currículos de cada
uma e cada um dos participantes destes livros que preparamos com tanto
cuidado e carinho para que seja utilizado em seleções de Mestrado e
Doutorado, na participação em eventos ou, até mesmo, em seleções de
trabalho. Um livro faz a diferença!
A cópia impressa desta coletânea pode ser adquirida junto a
nossa editora e com os autores e autoras. Para mais informações sobre
como adquirir seu exemplar impresso de um dos livros ou de toda a
coleção basta entrar em contato conosco através dos telefones e e-mails
na orelha deste livro. Bem-vindos e bem-vindas a coletânea VOZES DA
EDUCAÇÃO! Desejamos a todos e todas bons estudos e boa leitura!

Com carinho.

Ivanio Dickmann

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Volume VIII

MEDIAÇÃO DA LEITURA: O ENLEITURAMENTO


Rosemary Lapa de Oliveira1

RESUMO
Este texto defende a ideia de que a mediação da leitura leva ao
enleituramento. Para isso, lança mão de pesquisa bibliográfica e reflexões
sobre a prática docente da autora, tomando como base autores como
Freire, Orlandi e Macedo. Concordando com Freire, o enleituramento
diferencia leitura superficial – decodificação do código linguístico – e a
produção de leitura – aquela que considera a relação dialógica entre as
condições de produção dos sujeitos da interação, quais sejam: sujeito
autor, sujeito leitor, sem hierarquias – e estabelece que seu foco seja o
encaminhamento que é dado a essa ação, particularmente feita pela (o)
docente, no sentido de mediar o processo de diálogo entre o sujeito leitor
e o sujeito autor.

Palavras-chave: leitura, mediação docente, enleituramento.

ABSTRACT
This text defends the idea that mediation of reading leads to underreading.
In order to do this, it uses bibliographical research and reflections on the
author's teaching practice, based on authors such as Freire, Orlandi and
Macedo. In agreement with Freire, the underreading differentiates
superficial reading - decoding of the linguistic code - and the production
of reading - the one that considers the dialogical relation between the
production conditions of the subjects of the interaction, which are: subject
author, subject reader, without hierarchies - and establishes that its focus
is the referral that is given to this action, particularly made by the teacher,
in order to mediate the process of dialogue between the reader and the
author.

Keywords: Reading, teather mediation, underreading.

1Doutora em educação, mestre em letras e linguística e graduada em Letras. Atualmente é


professora da graduação e da pós-graduação na Universidade do Estado da Bahia. Pesquisadora
de Leitura e Literatura.

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Vozes da Educação

Freire assevera que a leitura é processo que envolve a


“compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação
pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se
alonga na inteligência do mundo” (2009, p. 11). A essa leitura chamaremos
de enleituramento, considerando o que Freire assevera ao falar desse
assunto: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele” (2009, p. 11) e entendendo que a leitura não ocorre de forma
produtiva – abarcando diversas possibilidades de interpretação – se não se
atrela ao mundo – físico, psicológico, social, ecológico, pois somos seres
no mundo, como nos lembra a filosofia heideggeriana e, como nos diz
Orlandi (2003), a leitura é discurso e é produção desencadeada pelas
condições de produção dos sujeitos interlocutores da leitura.
A leitura é, então, o momento crítico da constituição do texto,
afirma essa autora, pois é quando o sujeito leitor se constitui enquanto
sujeito no diálogo com o sujeito autor. Por conta disso, é importante que
aqui se tenha claro que o enleituramento é ação de tornar o texto inteligível
em suas várias nuances: lexical, gramatical, de conhecimento de mundo,
indo além da leitura das palavras e coadunando com a ideia de que, “ao
professor cabe criar oportunidades que permitam o desenvolvimento do
processo cognitivo com o objetivo de formar o leitor crítico”
(KLEIMAN, 2004, p. 09), não só ao docente, mas, tomando-se a
perspectiva assumida nesse texto de que a escola deve dar conta da
constituição do sujeito leitor, enfatizamos esse aspecto, considerando-se
que o professor, a professora também se formam ao formar.
Concordando com Freire (2009) que a leitura é um processo que
não se restringe à decodificação linguística, concordando com Soares
(2010) que a leitura extrapola para o letramento, venho aqui defender que
a leitura vai além, interagindo com a ideia de enleituramento, termo
cunhado por mim, durante pesquisa de doutoramento2 para dar conta da
capacidade humana de tornar-se leitor de mundo, tendo na leitura uma
ação que é contínua e ampliada a cada contato com o contexto que nos
cerca enquanto fazemos uma leitura, imergindo no contexto dos

2Transformada em livro: OLIVEIRA, Rosemary Lapa. A Pedagogia da Rebeldia e o Enleituramento:


a constituição do sujeito leitor. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, 2015.

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Volume VIII

acontecimentos da trama, interagindo com as personagens de forma tão


intensa que percebemos nuances de personalidade e desejos não
formulados, subentendidos na teia textual. Usamos, para isso, o
conhecimento de mundo acumulado sobre as pessoas, sobre nós mesmos,
sobre as culturas que nos circundam, nossos próprios contatos com a
leitura e nosso conhecimento histórico da época em que os fatos se
desenrolam e do nosso próprio momento atual.
Nessa perspectiva, envolvido que está no lúdico, o texto provoca
sentidos não só endógenos, pois provoca um diálogo intenso entre o
sujeito leitor e o sujeito autor, modificando seus sentidos de si, através de
uma leitura de letramento e enleituramento, que torna o texto inteligível
em suas várias nuances: lexical, gramatical, de conhecimento de mundo,
de conhecimento de si, do outro, conhecimento ecológico, indo além da
leitura das palavras, do gênero, constituindo o sujeito em leitor e o leitor
em sujeito de sua leitura. Sendo assim, a leitura é o fundamento do ensino
e da aprendizagem através da interação, da mediação intencional para a
formação do leitor com autonomia para engajar-se ou não, para criticar e
se tornar leitor de mundo. Todos esses fatores importantíssimos para a
promoção do enleituramento, apontam para o fato de que todo texto é
transdisciplinar, uns mais, outros menos, sendo assim, precisa dialogar
com o mundo no qual circula para provocar sentidos nos sujeitos
envolvidos na leitura.
Sendo assim, o trabalho pedagógico com a leitura não pode se
restringir ao interesse em desenvolver o gosto pela leitura, o desejo de ler,
ou imputar à leitura a condição de prazer, por entender que o desejo, o
gosto e o prazer são essencialmente particulares ao indivíduo e o campo
de conhecimento que dá conta disso é a psicanálise. À psicanálise cabe
estudar e dar inteligibilidade a essas especificidades humanas, do campo
do inconsciente, em que o gosto, o desejo, o prazer circulam e dialogam
com as áreas do conhecimento de forma interativa. Ao trabalho docente,
cabe constituir leitores, cabe apresentar aos sujeitos de aprendizagens
possibilidades de ler o mundo, ampliar repertório argumentativo e
discursivo para ser cidadão no mundo e do mundo, sendo capaz de se
ajustar aos grupos sociais com os quais deseja interagir.

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Vozes da Educação

Essa noção ser no mundo, desenvolvida sistematicamente pelo


filósofo alemão Martin Heidegger no início do século XX3, põe em
questão o sentido do ser o qual, para o autor, foi esquecida pela metafísica
tradicional que, de certa forma, despreza o sujeito em detrimento do
objeto, não do ponto de vista existencial, mas contextual, daí a expressão
ser no mundo, situando o ser no contexto dos acontecimentos que ele
mesmo elabora, edificando a estrutura do mundo no sentido óbvio de que
não há estrutura sem sujeito. Esse autor defende que é preciso entender-
se ser no mundo como horizonte fundamental de onde pode ser abordada
a questão de ser em geral. Mas essa estrutura fica ainda mais clara quando
Macedo (2004, p. 46), sobre a ideia heideggeriana, diz: “Onde quer que o
Ser esteja presente, haverá realidade, mesmo a mais esquizofrênica, isto
porque a própria existência humana, seja ela qual for, é estar-no-mundo.”.
Eis aí o sentido que se toma para a ideia do enleituramento.
Considerando o que nos faz refletir Heidegger, Freire assevera
que a leitura é processo que envolve a “compreensão crítica do ato de ler,
que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem
escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo” (2009,
p. 11). Concordando com Freire, vamos aqui diferenciar leitura superficial
– decodificação do código linguístico – e a produção de leitura – aquela
que considera a relação dialógica entre as condições de produção dos
sujeitos da interação: sujeito autor, sujeito leitor, sem hierarquias – e
estabelecer que seu foco seja o encaminhamento que é dado a essa ação,
particularmente feita pela(o) docente através da leitura em ambientes
educativos, considerando o que Freire assevera logo de início ao falar de
leitura: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele” (2009, p. 11) e entendendo que a leitura não ocorre de forma
produtiva – abarcando diversas possibilidades de interpretação – se não se
atrela ao mundo – físico, psicológico, social, ecológico –, pois somos seres
no mundo, como nos lembra a filosofia heideggeriana.
Ainda que saibamos que há muitas questões que concorrem para
o processo de ensino e de aprendizado, é essa a leitura que precisa estar
na escola, ou seja, aquela em que o sujeito leitor demonstra fazer uma

Apud Macedo 2004.


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Volume VIII

produção de leitura que considera o texto em seu contexto, que percebe


subentendidos, implícitos, estrutura textual e dialoga com o texto: uma
leitura de interação, de compreensão do mundo e de si no mundo e de seu
papel nele. A leitura é, então, o momento crítico da constituição do texto,
como afirma Orlandi (2003), pois é quando o sujeito leitor se constitui
enquanto sujeito no diálogo com o sujeito autor.
Por conta disso, é importante que aqui se tenha claro que é o
enleituramento que torna o texto inteligível em suas várias nuances: lexical,
gramatical, de conhecimento de mundo, de conhecimento de si, do outro,
conhecimento ecológico, indo além da leitura das palavras, tomando-se a
perspectiva assumida nesse texto de que a escola deve dar conta da
constituição do sujeito leitor. É importante deixar bem clara essa
perspectiva, uma vez que se considere a leitura o fundamento do ensino-
aprendizagem através da interação, sendo que essa necessita de uma
mediação intencional para a formação do leitor, da leitora com autonomia
para engajar-se ou não, para criticar e se tornar leitora, leitor de mundo,
tal como nos ensina Freire em suas obras.
Para dar conta desse fator da leitura, é preciso a mediação – ou
mediações, seria mais adequado, posto que nenhuma pessoa dê conta da
aprendizagem sozinha, mesmo estando só – no sentido de dar voz a toda
a polifonia que envolve um texto e que provoca a leitura que nos constitui
enquanto leitores, pois cada leitura acaba nos transformando de várias
maneiras, provocando o enleituramento, o qual dá conta do texto em seu
contexto de acontecimento. Um mediador da leitura que considera esse
modo de ler, entra profundo no texto ao lado dos sujeitos da leitura –
sujeito leitor, sujeito autor – sem impor interpretações, mediando esses
sujeitos no sentido de dialogarem da forma mais ampla possível,
considerando quantos referentes sejam necessários, inclusive aqueles a que
não havia se dado conta e que são apontados no percurso. Assim, os
sentidos das leituras são ampliados pelas vivências culturais, pessoais,
sociais, profissionais que leitores e leitoras trazem consigo ao ler o texto.
Na sala de aula, pensar o enleituramento é pensar que o texto não é
constituído em partes, ele é um todo de sentidos e é como um todo, um
corpo inserido num contexto de acontecimento que precisa ser
considerado. O diferencial da escola é exatamente as mediações que lá
ocorrem, trazendo a ampliação do conhecimento de mundo e do

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Vozes da Educação

funcionamento da língua, promovendo a produção de leitura que culmina


primordialmente nesse contexto em inferências e interferências. A leitura
que nos constitui enquanto leitores, pois cada leitura acaba nos
transformando de várias maneiras, provocando mais enleituramentos.
Mas, para que o tipo de leitura aqui proposta ocorra é preciso a
assunção de um posicionamento político diante da educação, de sujeito de
seu fazer pedagógico e produtor de conhecimento, abandonando a
“prolaterização do ensino” como denuncia Giroux (1987, p. 10),
incentivando uma prática docente que vise à autonomia. Sendo assim,
esses profissionais precisam fugir aos silenciamentos a que são expostos
durante seu fazer pedagógico, através de livros didáticos com respostas
prontas e únicas, com projetos elaborados por outrem que nem sequer
conhecem os/as estudantes que os colocarão em prática. Nesse ponto,
faz-se necessário esclarecer sobre a ideia de silenciamento aqui posta.
O termo silenciamento é derivado da política de silêncio, descrita
por Orlandi (2007), a qual foi desmembrada em: silêncio constitutivo –
para dizer é preciso não-dizer ou uma palavra apaga necessariamente as
“outras” palavras; e o silêncio local, referente à censura propriamente dita
– aquilo que é proibido dizer em certa conjuntura. O silenciamento é, pois,
uma categoria linguística que pode ser considerada tanto como retórica da
dominação (a da opressão – no sentido de calar, evitando o que não se
quer discutir, questionar), quanto à retórica do oprimido (a da resistência
– no sentido de calar quando o outro quer ouvir, ou, até mesmo, trazer
outras falas indesejadas).
Nesse sentido, o que precisa haver para o fomento do
enleituramento é o não silenciamento na mediação, isto é, uma ruptura do
discurso pedagógico autoritário, no qual, segundo nos ensina Orlandi
(2003, p. 15-16) não existem interlocutores, mas um agente exclusivo do
dizer, o que resulta na polissemia contida, gerando o comando,
consequentemente uma obrigação de obediência. Nesse tipo de discurso,
muito comum na escola, segundo essa autora e segundo as experiências
nos mostram, a interação fica prejudicada, pois a polissemia é contida,
provocando mais inculcação que aprendizado. Esse tipo de discurso acaba
por provocar sempre resistência, por desconsiderar o outro na interação.
O que acontece é que essa resistência, na sala de aula, prejudica a

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Volume VIII

importante mediação que deve ser feita pelo (a) docente na interação
sujeito leitor e sujeito autor, para que haja enleituramento.
Para que haja o não silenciamento, uma vez rompida a
circularidade do discurso pedagógico, como assevera Orlandi (2003), é
preciso que o discurso autoritário seja substituído pelo discurso polêmico,
no qual os interlocutores assumem seus papéis sem a hierarquia do
comando, sem um agente exclusivo do dizer, quando interlocutores
sentem-se à vontade para apresentar suas interpretações, conforme suas
vivências, suas histórias acumuladas, ou seja, o não-silenciamento ocorre
quando as opressões e resistências se anulam e quando o sujeito da
linguagem toma a palavra e produz um texto próprio, autônomo e crítico.
Mesmo considerando que todo texto é o resultado de outros tantos textos,
o sujeito não-silenciado faz a escolha consciente e crítica do texto ao qual
vai engajar-se.
Para que esse tipo de mediação ocorra, é preciso exercer a escuta
sensível, dar voz aos sujeitos de interação e perceber em seus
etnométodos4 os modos como resolvem as situações que se colocam para
entendimento, no caso em estudo, a produção de leitura de um texto em
sua materialidade, com suas nuances, sem precisar que a leitura seja ampla
e completa, dado a impossibilidade, por conta da característica de
incompletude da linguagem e da situação mesmo de sala de aula a que o
sujeito leitor está exposto.
O não silenciamento não é situação somente de falar, de interagir
verbalmente. Ele pode, também, se apresentar como o silêncio da
racionalização, do diálogo interno que provoca uma aprendizagem que
gera conhecimento que se transforma em ação, quando preciso. Freire
explicitava, sempre, que a educação não ocorre no abstrato, de forma
independente dos modos objetivos e concretos de vida social e coletiva, o
não silenciamento retrata bem essa fala de Freire (1967, p. 51-52), que
defende que quem se faz crítico, renuncia tanto ao otimismo ingênuo e
aos idealismos utópicos, quanto ao pessimismo e à desesperança e se torna
criticamente otimista. Isso acontece quando o sujeito torna-se capaz de
projetar-se e integra-se com seu tempo e seu espaço local e global,

Esse conceito pode ser melhor entendido em Macedo, 2004.


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15
Vozes da Educação

descobrindo-se inacabado, quando se sabe assujeitado e é capaz de


reassujeitar-se, pois produz o seu próprio processo de enleituramento.
O termo reassujeitamento, conforme especificado
anteriormente, está aqui sendo usado em confronto com o termo
assujeitamento, ou seja, ao fato de que o sujeito está sujeito à (língua) para
ser sujeito da (língua) – considerando a preposição, um indicativo de
pertencimento. Apesar de sermos sujeitos que pertencem a uma dada – ou
a mais de uma – língua, nós é quem a fazemos, nós nos engajamos a ela,
mas não pacificamente. Podemos e nos rebelamos constantemente contra
os assujeitamentos que nos são impostos diariamente e inexoravelmente
através da língua.
Reassujeitar-se é rebelar-se quanto aos assujeitamentos a que
somos impostos, mas não o movimento de rebeldia pura e simples, pois
esse é da ordem do humano. Sendo, ao mesmo tempo ideia e ação, o
reassujeitamento depende, ele também, da racionalização, transformando-
se em rebeldia pensada, analisada, debatida e escolhida. Estamos sempre
assujeitados, pois assujeitamento é condição de ser humano, de viver em
grupo, seres sociais que somos. Mas podemos fazer escolhas conscientes
– e também inconscientes – de novos engajamentos conforme as situações
se nos apresentam. Mas a escolha consciente aqui descrita não se alinha ao
que em psicanálise trata, mas de uma situação que não se aparta muito
dessa ciência que é a racionalização, o pensar-se ser que é e está no mundo
ao modo heideggeriano de pensar o humano.
Reassujeitar-se é fazer outras escolhas, além daquelas que já nos
foi imposta e mesmo no lugar destas. Como ocorre? Primordialmente
através do diálogo. Quando dialogamos com pessoas, obras literárias,
fílmicas, artísticas de modo geral, jornalísticas e que mais circule
socialmente, entramos no embate de que fala Bakhtin (1997, p. 71) e
tentamos convencer e ao mesmo tempo não se deixar ser convencido pela
ideia exposta por nosso interlocutor. Esse embate pode ou não – mas
geralmente sim – provocar em nós outras estratégias que não havíamos
pensado ainda, uma vez que cada diálogo é um novo exercício de
reelaboração de si.
Na sala de aula, para provocar reassujeitamentos o/a docente
deve ter consciência de seus próprios assujeitamentos, saber que de alguns
não se pode – e não se quer – livrar, respeitar essa característica nos seus

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Volume VIII

interlocutores/interlocutoras, mas apresentar sempre possibilidades para


que isso ocorra e a produção de leitura, com enleituramento, é ferramenta
muito adequada para esse exercício. Ao dialogar com sujeitos autores, o
sujeito leitor pode trazer seus argumentos e, através da mediação docente,
exercitar o seu pensamento divergente, tornando-se cidadão autônomo
crítico, capaz de estabelecer laços sociais que torne o convívio humano
mais pacífico.
Considerando a grande importância do trabalho pedagógico –
mas não só da escola – de dar subsídios ao leitor para que interaja com as
situações de leitura de modo intercrítico, ou seja, considerar as
possibilidades, não anulando o outro e continuar sendo você, como nos
ensina Macedo (2010), autônomo, o qual, em Freire (2011), é processo de
elaboração/criação constante de suas vidas, de suas práticas; vendo e
revendo, fazendo e refazendo princípios educativos voltados a um
atendimento não paternalista, mas, sobretudo, libertador e situacionado,
no sentido atribuído a essa palavra a Análise de Discurso, entendendo que
o contexto interfere na compreensão do sujeito, mas não é determinante,
no sentido do determinismo ideológico do início do século XX. Enfim,
torne o sujeito leitor autônomo, intercrítico e situacionado, adjetivos
inerentes à ideia de sujeito leitor aqui desenhada.
No entanto, não se pode pensar que há aqui uma tentativa de
apresentação uma receita de ação mágica que faça acontecer a produção
de leitura em situação viável de acontecimento para mediador e sujeitos da
leitura e nem que essa seja a única possibilidade de constituição do sujeito
leitor. São apenas reflexões baseadas em leituras dos autores ora trazidos
para o debate e em experiências de práxis que geraram possibilidades
factíveis em amplo aspecto: seja no campo epistemológico, seja no campo
empírico. É preciso compreender a composição do texto pedagógico,
como acontecimento guiado pela ideia de que somos sujeitos de nosso
tempo, mas acreditando nas possibilidades de constituição do sujeito leitor
intercrítico, autônomo, situacionado.
Sendo a linguagem constituinte do ser humano de tal modo que
podemos dizer que nada há fora dela e que a linguagem impregna a
totalidade da vida humana, buscamos entender tudo o que há a nossa volta
e sempre com ela, por ela, através dela. É certo, também, como nos ensina
Bakhtin (2009), que a língua é arena de lutas, uma vez que estamos sempre

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Vozes da Educação

procurando convencer o nosso interlocutor a engajar-se em nossas ideias,


usando, para isso, das armas que temos. Esse jogo de interação, nos diz
Macedo (2004, p. 129), funciona com regras incessantemente
interpretadas e reinterpretadas e conclui que o que tomamos como
conhecimento do mundo está radicalmente indexalizado à história, à
cultura e ao contexto (MACEDO, 2004, p. 130).
Por considerar que as relações interpessoais na sala de aula da
educação básica notadamente, vistas aqui de forma ampla, considerando
as relações de poder sempre fluidas entre opressão e resistência, são
relevantes para a aprendizagem e que para provocar autonomia leitora o/a
docente precisa ter autonomia, pois, como assevera Freire, “ninguém é
sujeito da autonomia de ninguém” (FREIRE, 1996, capa), as categorias
intercrítico, autônomo, situacionado são insurgentes para a constituição
do sujeito leitor, considerando que a leitura é o caminho privilegiado da
formação cidadã.
Para isso, torna-se necessária uma reavaliação do discurso
pedagógico autoritário, no qual, segundo nos ensina Orlandi (2003, p. 15-
16), não existem interlocutores, mas um agente exclusivo do dizer, o que
resulta na polissemia contida, gerando o comando, consequentemente
uma obrigação de obediência, nesse caso, docente sobre discente, a qual,
modo geral, provoca anulação de saberes trazidos por estudantes à sala de
aula, provocando resistências que anulam a constituição do sujeito da
linguagem.

A leitura e o sujeito leitor


A julgar pelos resultados obtidos nas avaliações externas 5
amplamente divulgados em mídia variada, podemos inferir que uma
grande parcela de estudantes brasileiros apresenta uma leitura bastante
elementar, no nível da decifração. Essas informações, aliadas a
experiências de pesquisa e ensino no ambiente escolar me levam a
perceber que esses estudantes não vêm tendo acesso à cultura global, ou
seja, falta-lhes referentes com que discutam o texto. Faltam subsídios para
que atribuam ao texto sentidos mais amplos, percebendo os implícitos, a
ironia, entre outros detalhes que urdem a trama textual. O processo de

Tais como Prova Brasil, Pisa, Enem, Enade, etc


5

18
Volume VIII

autonomia prevê a saída de si, do local, buscando um conhecimento amplo


de mundo, sem desprezar o conhecimento local, sem valorizá-lo para mais
ou para menos importante. Todo conhecimento é válido na mesma
medida, a sua maior importância se dá na medida da necessidade que surge
em pô-lo em prática ou externá-lo.
Orlandi (2003, p. 193) defende que os fatores que constituem as
condições de produção é que configuram o processo de leitura, sem
esquecer que o traço essencial do funcionamento da produção de leitura é
a relação do texto com os outros textos, com a situação, com os
interlocutores, diz a autora. Sendo assim, para entender a ironia subjacente
ao texto, para fazer intertextualidades só possíveis através de
conhecimentos prévios e conhecimento de mundo, é importantíssimo
ampliar conhecimento de mundo de estudantes na escola, lugar
privilegiado dessa ação de mediação que concorre para inserir socialmente
o estudante na sua comunidade, como sujeito ativo e crítico, tal qual
preconiza Freire em seus textos. E isso só é possível se esses sujeitos forem
tirados da prisão do conhecimento apenas local, olhando a leitura pelos
olhos do enleituramento, trabalho que a escola pode e deve fazer de forma
mais produtiva e rápida do que se o indivíduo quiser fazê-lo sozinho.
Numa mediação de ampliação de conhecimento de mundo, de
si, do ecológico e do outro, a leitura é produzida com tranquilidade e sem
precisar grandes mediações. A escola, enquanto instituição social, quando
assume essa metodologia desde a mais tenra idade, desde os primeiros
processos de escolarização, promove o aflorar da autonomia de seus/ suas
estudantes que, então, não precisaram esforçar-se para ativar
conhecimentos prévios e, com isso, a leitura transcorre no tempo de seu
contexto de produção. A importância do investimento numa metodologia
de ensino que considere o desenvolvimento da autonomia do sujeito leitor
é justamente propiciar ao estudante que ele dê conta da produção de leitura
de textos que circulam socialmente, considerando o contexto de produção,
considerando-se, inclusive o seu tempo e modo de exposição.
No entanto, modo geral, é possível perceber que a formação
discursiva em que se insere a ideia de aula de leitura não ocupa um lugar
de experiência das mais agradáveis no vocabulário de estudantes da
educação básica. Tudo fica muito ao cargo do subjetivismo docente,
distante de uma ação pedagógica estudada e dialogada com os pares. Mas

19
Vozes da Educação

não se pode tirar conclusões precipitadas a esse respeito, muitos são


muitos os depoimentos de como as aulas de leitura na escola concorreram
para a formação pessoal, pois a leitura na escola ajuda na interpretação das
leituras que fazemos no diálogo do dia a dia. Assim, o incentivo à leitura
se torna importante e a escola, família, mídia e todos os setores da
sociedade devem estar empenhados nessa campanha. O que é de
responsabilidade precípua da escola é o trabalho de produção de leitura,
ampliada para o enleituramento, fato que ainda não é amplamente
desenvolvido e as avaliações externas apontam para esse fato.
Os docentes parecem estar muito mais preocupados e
empenhados em, de certa forma, alfabetizar seus estudantes, mesmo que
esses já estejam numa etapa bem diferente daquela referente à
alfabetização e, ainda mais preocupante, ainda circula com intensidade a
visão dicotomizada entre produção de leitura e trabalho com gramática,
como se ambos não girassem em torno do mesmo processo. Os
conhecimentos concernentes à gramática normativa, tanto quanto outros
conhecimentos referentes à língua são de igual importância para uma
produção de leitura que considere o enleituramento como ação própria da
leitura.
Enfim, para que uma metodologia de fomento à autonomia que
gere o enleituramento aconteça na escola será preciso uma pedagogia da
mediação para uma produção de leitura intencional, planejada, estudada e,
acima de tudo, dialogada, através da relação de incompletude do texto,
ressaltada pelos pressupostos e subentendidos, mediada intencionalmente,
ou não, por docentes, que fomente a ideia de que o processo que é regido
pela/ pelo docente não é atividade solitária, mas dialógica, perceptível
através do subsídio de reformulação do texto falado, notadamente a
correção – a qual, segundo Fávero (2003, p. 62-63), “corresponde à
produção de um enunciado linguístico que reformula um anterior,
considerado errado” – em que a preposição se altera, inserindo outros no
fazer. Segundo Orlandi (2001, p 125), “o dito + [mais] o não dito = [é
igual] ao dizer completo”.
Orlandi (2007, p. 11), ao escrever sobre o silêncio, diz que “há
um modo de estar em silêncio que corresponde a um modo de estar no
sentido e, de certa maneira, as próprias palavras transpiram silêncio”.
Identificando esse silêncio com o calar físico que propicia o diálogo

20
Volume VIII

interno, tão importante para elaboração e reelaboração da constituição de


si, encontramos uma das formas do não-silenciamento. O não-
silenciamento é produção, é rebeldia, é dialógico. Por outro lado, o
silenciamento limita “o sujeito no percurso de sentidos” (2007, p. 13), mas
ele não para o sentido, “ele muda o caminho” (ORLANDI, 2007, p. 11).
Nessa perspectiva, notamos silenciamentos e não-silenciamentos
presentes nas interações que se estabelecem na sala de aula. Estar atentos,
mesmo que calados, ouvindo e dialogando internamente com as
informações produzidas na mediação docente é um momento de não-
silenciamento, pois, atentos, esses sujeitos podem rebelar-se contra o que
está sendo dialogado, trazendo outros argumentos que precisam ser
escutados de forma atenta e respeitosa, mesmo que não sejam acolhidos,
mesmo que sejam refutáveis. Assim, não há silenciamento com relação aos
argumentos postos no texto, mas exercício de diálogo, de discussão e de
enleituramentos. Nesse processo, muitas vezes será preciso produzir
barulho (detabe, diálogo), buscando atribuir sentidos ao texto, através dos
referentes que dominam, que conhecem.
Por outro lado, quando é o livro didático, por exemplo, ou
quaisquer outros documentos didáticos que regem o fazer pedagógico
docente, há uma forte tendência de ocorrência de silenciamentos de
professores, os quais, então, tornam-se proletários da educação
(GIROUX, 1987) uma vez que serão meros reprodutores do
conhecimento, reféns das propostas ali impostas. Quando apenas o livro
didático direciona os fazeres pedagógicos na sala de aula, há um
apagamento de todo um contexto de acontecimentos que circundam o dia
a dia e que não têm como estar no livro didático e o silenciamento desses
acontecimentos dá à sala de aula uma áurea de contos de fada, de
higienização, como se naquele recinto a vida não entrasse a não ser filtrada
pelas editoras.
Esse comportamento bastante comum nas salas de aula da
educação básica, revelam o silenciamento de docentes diante de sua práxis,
o que redunda em estudantes que demonstram desprezo pela
aprendizagem escolar, levada para uma situação de desimportância muito
comum na filosofia taylorista-fordista de valorização da produção física,
do trabalho para o consumo e desprezo de conhecimentos acadêmicos

21
Vozes da Educação

enquanto produção humana de igual importância a qualquer outra


produção humana.
Estudantes mostram o seu não-silenciamento reclamando das
aulas a que são submetidos. No entanto, esse não-silenciamento se
configura num efetivo silenciamento, uma vez que ao professor, à
professora nada é dito, calam-se diante da autoridade de quem pode lhes
dar uma sanção. Seus silenciamentos nas aulas, diante dos seus docentes,
revelam-se através de barulhos alheios à aula, de atividades sem serem
realizadas, em ausências e evasões6.
Sendo assim, muito mais o silenciamento que o não-
silenciamento se faz presente de forma contundente nas relações que
envolvem a sala de aula, numa relação de apatia dos sujeitos de interação
na sala de aula diante de suas relações interpessoais: docentes, discentes,
livro didático, famílias dos estudantes, textos governamentais mantêm
entre si um diálogo tenso, marcado pelo medo que provoca censura.
Com relação à leitura e o reassujeitamento, para que isto ocorra,
é necessário que haja um forte sentimento de pertença, pois o sentimento
de pertença ao grupo cria uma identidade comum, bem como novas
possibilidades de aprendizagens coletivas. Quando os sujeitos da educação
não se sentem parte integrante do ambiente de aprendizagem, como
ocorre muito regularmente em nossas escolas, em que estudantes não são
ouvidos, quando os espaços da escola lhe são negados, esses sujeitos de
aprendizagem que se sentem apartados da comunidade, resistem a ela e a
ela se rebelam, silenciando aprendizagens, pois negam a instituição a que
pertencem.
Nesse panorama, os sujeitos da aprendizagem: sujeito docente,
sujeito discente são interpelados em objetos de ensino-aprendizagem
muito distante de seus desejos, anseios, necessidades, como se nada mais
fossem que bancos em que se depositassem a um lado o conhecimento e
a outro o modus operandi da práxis pedagógica. A noção de sujeito
interpelado pela ideologia subjacente às forças que atuam socialmente
pelo, com, para e através do indivíduo não são sequer consideradas em
sala de aula, nem nas salas de aula da educação básica e nem nas salas de

6Trato de forma mais a miúde desse assunto no livro: OLIVEIRA, Rosemary Lapa. (in)disciplina:
um modo de ser e estar na escola. Curitiba: CRV, 2017.

22
Volume VIII

aula das universidades que formam docentes para atuarem na educação


básica. Sendo assim, temos um problema que é cíclico – professores com
formação defasada formam estudantes de forma defasada que formarão
outros estudantes dentro dessa mesma lógica – e que, para ser contornado
serão precisas várias estratégias e um longo caminho de ruptura de
silenciamentos e assujeitamentos.
Todo texto, por ser linguagem, incita à interação e essa, por sua
vez, leva ao diálogo interno que gera, ou não, reassujeitamentos. Para que
a leitura impacte, para que ela gere reassujeitamentos, precisa ser mediada
de alguma forma. Não há reassujeitamento se o diálogo não acontece,
gerando juízo de valor que não impacta em constituição de sujeito leitor,
porque não fomenta o diálogo com o texto, promovendo, assim, um
diálogo interno que leva ao reassujeitamento. A leitura, grosso modo, tem
servido na escola para cumprir rituais: para fazer a prova. A leitura é
superficial, pois a discussão sobre a materialidade do texto não se mostra,
portanto podemos entender que o reassujeitamento não ocorre, daí que a
leitura não se dá.
Sendo assim, embora as discussões sobre o desejo sejam sempre
bastante fecundas, constituir leitores precisa centra-se em apresentar
possibilidades e entender que o desejo de aprender, de se integrar, de
interagir, são fontes de desejo para o enleituramento. Então, ao se
constituir em sujeitos leitores e sujeitos de leitura, vendo na leitura fonte
de aprendizagem, de integração e interação, o desejo de ler, o gosto em
ler, o prazer em ler, afloram.

Algumas ideias a título de conclusão


Sendo a linguagem constituinte do ser humano de tal modo que
podemos dizer que nada há fora dela e que a linguagem impregna a
totalidade da vida humana, buscamos entender tudo o que há a nossa volta
e sempre com ela, por ela, através dela. É certo, também, como nos ensina
Bakhtin (1997), que a língua é arena de lutas, uma vez que estamos sempre
procurando convencer o nosso interlocutor a engajar-se em nossas ideias,
usando, para isso, das armas que temos no jogo constante em que
tomamos ora o papel de opressores, ora o de oprimidos. Esse jogo de
interação, nos diz Macedo (2004, p. 129), funciona com regras
incessantemente interpretadas e reinterpretadas. E conclui que o que

23
Vozes da Educação

tomamos como conhecimento do mundo está radicalmente indexalizado


à história, à cultura e ao contexto (MACEDO, 2004, p. 130).
Concordando com esse autor que a linguagem e discurso são os
ingredientes fundamentais para a compreensão da realidade, sua dialética
e história, busquei aliar os etnométodos dos sujeitos da interação na sala
de aula, incluindo minhas próprias experiências, aos aparatos de análise da
Análise de Discurso para dar conta do objeto a que me proponho
descrever e analisar: a mediação da leitura e o enleituramento, buscando
em autores de base o diálogo argumentativo para defender a ideia de que
a mediação, notadamente a mediação docente em ambiente escolar,
concorre para o processo de enleituramento do sujeito leitor.
Diante dos argumentos aqui trazidos, é possível perceber que a
leitura que é feita na escola não leva de forma intencional ao
reassujeitamento, nem ao não silenciamento. Com isso se perde a ideia da
leitura enquanto discurso, enquanto espaço de diálogo para a constituição
de uma identidade que precisa ser crítica e consciente para ter autonomia.
E esse objetivo se torna ainda mais distante quando docentes não se
colocam enquanto sujeitos na, pela, com, através da leitura e assim não
fomentam essa ação com seus estudantes. A leitura passa ao largo se ela
não provoca reassujeitamentos, se ela não lança mão de uma metodologia
da mediação do diálogo entre sujeito leitor e sujeito autor e da política do
não-silenciamento para oferecer oportunidades ao indivíduo de ser
muitos, assim como o é a sua própria linguagem, oportunidade de
enleiturar-se.
Considerando que a leitura é uma ação-reação, através das
reações dos sujeitos de leitura que estão na situação de estudante, o sujeito
leitor docente pode acionar seu acervo de possibilidades de constituição
da leitura, ao mesmo tempo em que busca em seu acervo de conhecimento
de mundo os dados que ampliam as possibilidades de leitura de discentes.
E, é nesse momento de não-silenciamento que se institui ou se constrói
uma pedagogia diferente da que vem sendo aplicada, modo geral, na
escola: a pedagogia do discurso autoritário, a pedagogia do currículo do
“conhecimento eleito como educativo” (MACEDO, 2011, P. 25), da
formação com lacunas expressivas e mediada por aprendizagens
socialmente legitimadas, mas não indexadas como nos ensina Macedo
(2010, p. 29).

24
Volume VIII

A mediação da leitura aqui proposta, na forma do


enleituramento, é uma metodologia de ensino e de aprendizagem que
rejeita qualquer forma de silenciamento, em que a constituição de si passa
pela ação-reflexão da filosofia de ser no mundo, na qual o poder da palavra
se distribuí de forma equânime entre os sujeitos sociais que exercessem o
seu poder político de cidadão de forma ativa. Uma pedagogia a serviço da
sociedade de modo geral e não centrada no mercado, considerando o
sujeito enquanto partícipe ativo de um mundo em constantes mudanças e
redefinições.
Uma formação cidadã que use como meio o enleituramento,
fomentando o não-silenciamento e provocando reassujeitamentos
reforçaria e problematizaria a ideia de Freire (2009, p. 24) quando diz que
“A educação reproduz a ideologia dominante, é certo, mas não faz apenas
isso”. Não precisa fazer apenas isso. É possível ir além. Este texto
preocupou-se em aponta caminhos para ir além, caminhos que já foram
traçados, caminhos que são construídos em algumas escolas de que temos
notícia ao redor do mundo. Não uma escola de sonho, mas uma da
realidade, factível, alcançável através de esforços mais da ordem do
intelecto do que do físico, mas sempre socialmente construídos.
Encontramos, nas escolas, estudantes que se calam diante do
discurso autoritário do professor, no entanto, seu silêncio se transforma
em resistência a todo o conhecimento ali construído, por motivos vários,
mas, principalmente, porque eles não se reconhecem naquele universo de
conhecimentos que são apresentados como legítimos e adotados como
modelo, seus saberes são apagados e sua inteligibilidade do mundo
idiotizada. E aí, nesse campo, nessa configuração pedagógica, a mediação
da leitura que leva ao enleituramento se inviabiliza, pois, mesmo a sua
contestação se apresenta desarticulada, reflexo de um silenciamento,
diante do qual a ação política inerente à ação pedagógica se neutraliza.
Por seu turno, docentes, em vários momentos, por vários
motivos, calam-se ou são impelidos a calar-se e repetir os discursos de
outrem, tornando-se, desse modo, incapazes de se constituírem sujeitos
de seu próprio fazer pedagógico. Em não sendo sujeitos, não podem/não
conseguem promover o exercício de reassujeitamento e de não
silenciamento inerentes à constituição de ser sujeito leitor.

25
Vozes da Educação

Estudantes de escolas públicas, notadamente eles, sofrem um


processo de alienação provocado por um currículo desumanizado,
tecnocrata, de uniformidade, de unidade (FORMOSINHO, 1991, p. 1.
Apud MACEDO, 2011, P. 18), assumindo uma posição de autodesvalia,
de inferioridade que amortece o ânimo criador e distancia-os do
enleituramento. Julgando que é possível a tomada de posicionamento
criticamente otimista, defendo que as bases teórico-práticas da
constituição do sujeito leitor é pensar-se como quem se sabe assujeitado e
é capaz de reassujeitar-se, pois adere ao não-silenciamento, produzindo o
seu processo de enleituramento.
Então: apesar de tudo: escola caótica, falta de logística, falta de
apoio familiar, apesar de professores com formações diversas e adversas,
com atualizações diferentes do esperado nas pesquisas mais atualizadas no
campo da leitura e tantas outras variáveis que interferem na aprendizagem
provocando assujeitamentos, do fato de que nem todos aprendem tudo e
nem todos aprendem de tudo, tudo, apesar de currículos desempodeirados
e considerando o exposto acima, acredito nas possibilidades de
constituição do sujeito leitor intercrítico, autônomo, situacionado,
admitindo que a aula de leitura esteja em todas os momentos da
aprendizagem, a qual seria perfeita em seu estado multi e transdisciplinar,
mas que ocorre, também, na disciplinaridade.
Enfim, conforme já defendido, partindo da compreensão de que
o que se apresenta nas reflexões sobre a leitura aqui expostas são
possibilidades, uma vez que factíveis em amplo aspecto: seja no campo
epistemológico, seja no campo empírico, não se pode pensar que há uma
tentativa de apresentação de verdade irrefutável, nem uma receita de ação
mágica que faça acontecer a produção de leitura mediada para o
enleituramento e nem que essa seja a única possibilidade de constituição
do sujeito leitor. É preciso compreender esse texto em seus espaços
intervalares da composição do texto pedagógico, compreendendo-o como
acontecimento guiado pelo reassujeitamento e pelo não-silenciamento.
Nesses espaços intervalares é que é possível uma colaboração,
notadamente no ambiente escolar provocada pelo professor, pela
professora para que se precipitem as aprendizagens.

26
Volume VIII

Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. Maria Ermantina
Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. 15. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.
FÁVERO, Leonor Lopes. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino
de língua materna. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática
docente. São Paulo : Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. 50 ed. São Paulo: Cortez, 2009
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011
GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. Trad. Dagmar M. L.
Zibas. São Paulo: Cortez, 1987.
KLEIMAN. Angela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura.
Campinas, SP: Pontes, 2004.
MACEDO, Roberto Sidnei. A etnopesquisa Crítica e Multirreferencial nas
ciências humanas e na educação. 2. ed. Salvador: EDUFBA, 2004.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. 4. ed.
Petrópolis- RJ: Vozes, 2010.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa.4. ed.
Petrópolis- RJ: Vozes, 2011
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e Texto: Formulação e Circulação
dos Sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2001.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e seu Funcionamento: As
Formas do Discurso. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 2003.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no novimento dos
sentidos. 6ª. Campinas : UNICAMP, 2007.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

27
Vozes da Educação

É POSSÍVEL ENGENHARIA EM EAD?

Rosimeire de Freitas Roveda7

RESUMO
Os cursos de Engenharia no Brasil nas suas diversas modalidades sempre
foram e são necessários para formação de mão de obra qualificada de nível
superior e para o desenvolvimento sustentável do País. Estes cursos assim
como os demais da área tecnológica precisam ser bem estruturados
pedagogicamente com atualização constante de currículo, bons
investimentos em laboratórios específicos e/ou simuladores. O leitor
encontrará aqui diversas leituras realizadas facilitando o entendimento do
tema proposto. Este artigo delimita o tema trabalhado, apresenta o
objetivo geral: Mostrar que é possível Engenharia a distância e tem como
objetivo específico: Pesquisar cursos que já existem efetivamente na região
Norte do Brasil, afirmando a possibilidade de cursos de engenharia nas
demais regiões, respeitando o meio ambiente em que será inserido.
Mostrar a necessidade deste curso no Brasil e a importância de
investimento em laboratórios adequados e/ou simuladores para que
existam cursos com qualidade. O estudo foi realizado mediante consultas
bibliográficas e internet para apoio teórico. Nas considerações finais,
encontrará conclusão realizada depois de um diálogo com coordenador
em curso iniciado a distância no ano de 2015, no Brasil, na região norte,
com alguns resultados, mostrando que é possível Engenharia em EAD.

Palavras-chave: Educação à distância, engenharia, aprendizagem,


qualidade.

7Tecnólogo de Sistemas Elétricos - Distribuição de Energia. Fundação Educacional de Bauru.


Bauru/SP, 1978. Pedagoga. Universidade do Sagrado Coração. Bauru/SP, 2009. Instrutora no
SENAI Bauru. 2000 – 2005. Professora CPS Bauru – classe descentralizada de Agudos – ETEC
Rodrigues de Abreu, curso de Eletrotécnica. Bauru/SP, 2018.

28
Volume VIII

ABSTRACT
The Engineering courses in Brazil in its various modalities have always
been and are necessary for the formation of a qualified upper level
workforce and for the sustainable development of the Country. These
courses as well as the others in the technological area need to be well
structured pedagogically with constant updating good investments in
specific laboratories and / or simulators. The reader will find here several
readings made facilitating the understanding of the proposed theme. This
article delimits the theme worked, presents the general objective: To show
that it is possible to do Distance Engineering and has as specific objective:
To search for courses that already exist effectively in the Northern region
of Brazil, affirming the possibility of engineering courses in other regions,
respecting the environment in which it will be inserted. Show the need for
this course in Brazil and the importance of investing in suitable
laboratories and / or simulators so that there are quality courses. The
study was carried out through bibliographical consultations and internet
for theoretical support. In the final considerations, you will find a
conclusion made after a dialogue with ongoing coordinator initiated in the
year 2015 in Brazil, in the northern region, with some results, showing that
Engineering in Distance Learning is possible.

Keywords: Distance education, engineering, learning, quality.

Introdução
No Brasil, segundo Borba (2007), a EAD pode ser visualizada
em três gerações. A primeira delas surgiu em 1904, com o ensino por
correspondência, com ênfase na educação profissional em áreas técnicas,
como formação em marcenaria, cursos comerciais radiofônicos, entre
outros. A segunda geração da EAD foi demarcada pelo surgimento dos
cursos supletivos, nas décadas de 70 e 80, em que as aulas aconteciam
usualmente por satélite, e os alunos recebiam material impresso para o
estudo. Entre os recursos usados para a comunicação, encontravam-se o
rádio, a televisão e fitas de áudio e vídeo. A terceira geração, em 1996, após
a expansão da internet no âmbito universitário impulsionou a primeira
legislação específica para o ensino a distância em nível superior.

29
Vozes da Educação

Ressaltamos que o presente estudo trata do ensino a distância via internet.


Surge, então, uma nova definição para Educação a Distância, em 2005,
com o Decreto 5.622, que, em seu artigo primeiro, estabelece:
Caracteriza-se a educação à distância como modalidade educacional
na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e
aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de
informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.
Nesse sentido, o material didático apresenta-se como uma das
tecnologias principais para a realização do ensino-aprendizagem, tendo em
vista ser muitas vezes a única fonte de informação do aluno. (Borba, 2007).
Com o crescente desenvolvimento do Brasil e a preocupação
constante com Meio Ambiente faz-se necessário um desenvolvimento de
estudo detalhado sobre a possibilidade da Engenharia a distância, com
qualidade de ensino aprendizagem que permitirá a formação de
Engenheiros para suprir um constante mercado e organizar as ações nesta
área auxiliando a formação presencial já existente. Formar curso a
distância com qualidade de currículo, laboratório e/ou simuladores
adequados aprimoram a instituição que vier a implantá-los. Investimento
em Tutoria e constante aprimoramento é a base para um sucesso e
comprometimento nesta formação profissional. (Roveda, Rosimeire de
Freitas, 2018).

Materiais didáticos para educação a distância: Algumas considerações


Os materiais didáticos utilizados na Educação a Distância (EAD)
desempenham um papel fundamental na interação com os alunos, bem
como no processo de aprendizagem do mesmo. O material didático
precisa ser elaborado em conformidade com as características dos espaços
de comunicação em que serão publicados.
É imprescindível diversificar o material didático disponibilizado
nos cursos à distância, objetivando ampliar a comunicação com o aluno,
mediando a interação do educando com os sistemas de ensino-
aprendizagem. Segundo Pretti (2005), para ser considerado um texto,
qualquer manifestação de linguagem verbal ou não verbal deve apresentar
as seguintes características: ser uma unidade de sentido, apresentar marcas
de interação entre autor/leitor e apresentar marcas do contexto de
situação onde se inserem os sujeitos da interação. O autor afirma, ainda,

30
Volume VIII

que para tornar o seu texto significativo, o professor-autor deve ter em


mente que a possibilidade do significado não está somente nele, enquanto
autor, nem tampouco apenas em seu texto. E que é fundamental no ato
de produzir texto e de produzir leitura envolver sempre autor, leitor e
texto.
Nessa perspectiva, a Educação à Distância pode possibilitar, também
a partir do texto, uma educação para as mídias, cujos objetivos dizem
respeito à formação do usuário ativo, crítico e criativo de todas as
tecnologias de informação e comunicação”. “Educar para
comunicação é orientar para realizar análises mais coerentes,
complexas e, ao mesmo tempo, ajudar a expressar relações mais ricas
de sentido entre as pessoas”. “É uma educação que gera novas
relações simbólicas e novas expressões do ser social (PRETTI, 2005,
pág.185).
A comunicação constitui-se como um dos elementos centrais na
EAD, especialmente, porque a relação professor- aluno não se estabelece
unicamente face a face, mas sim pela mediação de textos veiculados pelas
TICs. É através do material do didático disponibilizado em textos,
organizados e veiculados que é possível fazer os recortes das áreas de
conhecimento trabalhadas ao longo do curso, além do direcionamento
metodológico pretendido.
Assim, é fundamental que a produção, seleção e organização de
textos para a EAD estejam intimamente ligadas ao projeto político
pedagógico dos cursos que se quer desenvolver. Além disso, ao escolher
um determinado tipo de texto, inevitavelmente estamos definindo os
meios de veiculação desses textos, o que implica, por parte do professor
autor, um mínimo de conhecimento sobre essas ferramentas.
Para Pretti (2005), nos processos de interlocução à distância, os
textos(verbais ou não verbais) devem ser preocupação fundamental, pois
é o leitor-aluno que, com seu acúmulo de experiências e conhecimento
pré-adquirido, sua história de vida e suas leituras, atribuirá sentido aos
textos selecionados e/ou produzidos pelo professor.

A qualidade da formação na EAD


Mercado (2007) comenta que o êxito na EAD depende de
programas bem definidos, material didático adequado, professores
capacitados e comprometidos, e mais os meios apropriados para facilitar

31
Vozes da Educação

a interatividade, respeitando a realidade dos alunos a serem atendidos. Os


aspectos que contribuem para o sucesso de um curso de EAD online são:
a) Desenho e conteúdo do curso – forma de apresentação
pertinente para a educação online: módulos semanais, os quais se
dividem em capítulos coerentes, textos pequenos mas que incentivem
a reflexão, parágrafos curtos, letra clara, fundos de página simples,
ícones significativos, navegação simples e fácil, ambiente amigável.
Conteúdos básicos se ampliam com glossários, leituras
complementares, bibliografia interessante e atualizada e conexões de
interesse para aqueles que têm interesse em aprofundar o curso.
b) Capacitação dos tutores em conteúdos do curso, no
manejo das ferramentas e da metodologia didática para cursos
virtuais. O tutor vivencia a experiência que viverá com seus alunos,
na qual compreenderá melhor as dificuldades que surgem do curso,
além de assegurar o domínio de seus conteúdos. Um tutor que não
tenha clareza do conteúdo, não poderá ter êxito no seu trabalho. A
função da tutoria é um dos principais fatores que determinam a
qualidade da formação num ambiente virtual de aprendizagem. O
papel de orientador e guia por parte do tutor assume um maior
protagonismo na educação online e se faz necessário uma formação
especifica neste campo. Para isso, o tutor precisa assegurar a
participação dos cursistas e criar, cuidar e prover a existência de
comunidades virtuais de aprendizagem que podem se constituir em
um lócus de diferentes aprendizagens, respeitando os diversos
modelos de aprendizagem dos aprendentes.
c) Planejamento apropriado da interatividade e do
trabalho colaborativo por parte do tutor - é um dos aspectos mais
importantes para conseguir uma aprendizagem nas aulas online.
Envolve o aluno com as atividades propostas, que esteja sempre
motivando e acompanhado, que sinta sempre novas expectativas, que
não chegue a cansar-se e tenha clareza dos objetivos que serão
atingidos, assim como as atividades propostas. A interatividade
envolve as possibilidades de trocas com outros companheiros, com
os formadores assim como os conteúdos e atividades do curso.
Promoção da comunicação síncrona e assíncrona, entre os alunos,
formadores, tutores de maneira rápida e eficaz para dar resposta aos
problemas de ensino e aprendizagem. A colaboração facilita a
atividade de tarefas grupais graças ao uso de diferentes ferramentas
de comunicação síncronas e assíncronas, com independência dos
espaços, do tempo, de recursos tecnológicos. As funções da tutoria
vão deste a orientação geral ao apoio diante das situações que vão
surgindo e facilitam o acompanhamento do curso, adaptando e
flexibilizando os prazos, as atividades, os materiais de estudo.

32
Volume VIII

d) Incorporação de aprendizagem significativa, mapas


conceituais e estudo de caso - promoção da aprendizagem ativa
mediante tarefas e práticas individuais e grupais motivadoras.
Aprendizagem por exploração a partir das atividades, exercícios e
simulações. Aprendizagem lúdica para motivar o aluno a partir da
potencialidade dos suportes e ferramentas multimeios.
e) Uso da avaliação formativa e contínua dos alunos
através de diferentes meios - a avaliação contínua permite guiar e
orientar os alunos assim como realizar o acompanhamento do
progresso dos mesmos graças ao aproveitamento de mecanismos,
ferramentas, da plataforma virtual e estratégias organizativas que
facilitam. Com isso, pode-se conhecer o tempo de dedicação, as
diferentes tarefas (participação em fóruns, mensagens enviados), a
apresentação de trabalho. (Mercado, 2007).
É importante o envolvimento do aluno no ambiente virtual por
parte do tutor que deve estar bem capacitado a ensinar o aluno,
planejando, desenhando, envolvendo-o na disciplina em questão e no
curso preparando-o para o trabalho teórico e prático na Engenharia,
levando em consideração a sua atuação futura na sociedade, o meio
ambiente e o bem estar dos indivíduos que serão envolvidos, respeitando
sua etnia, raça, credo, etc, integrando-o e reintegrando no ambiente virtual;
engendrando. (Roveda, Rosimeire de Freitas, 2018).

Da discussão sobre a educação em engenharia para a sociedade atual


No contexto atual do mundo do trabalho em que ocorrem
sucessivas alterações com agressiva intervenção no ambiente e em que
bens intangíveis, como o capital humano adquirem relevância ímpar, a
atenção demandada pela internacionalização de atividades de pesquisa,
que acarretam aceleradas transformações tecnológicas, exigem o
postulado de mudanças significativas no perfil dos profissionais. Em se
tratando dos engenheiros, essa exigência é cada vez mais perceptível e
necessária, na mesma proporção em que se reconhece a necessidade de
ampliação do número desses profissionais para a perspectiva que se
desenha para o país.

33
Vozes da Educação

Educação, trabalho e desenvolvimento sustentável: cultura, ciência,


tecnologia, saúde, meio ambiente
Da CONFERÊNCIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO
(CONAE) 2014, temos:
(Alguns itens a considerar quando se fala de Educação Profissional)
187. A mudança social e o desenvolvimento sustentável implicam,
ainda, políticas públicas capazes de:
188. a) avançar na articulação das políticas setoriais e intersetoriais
no âmbito da educação, cultura, desporto, ciência e tecnologia,
saúde e meio ambiente;
189. b) compreender trabalho, educação, diversidade cultural, ética
e meio ambiente como eixos estruturantes do desenvolvimento
sustentável;
190. c) ampliar o debate e as ações para a ampliação da saúde de
estudantes e profissionais da educação e melhoria das condições
de trabalho e desenvolvimento profissional;
191. d) respeitar a diversidade cultural e a biodiversidade nas
políticas públicas de educação, saúde, cultura e trabalho. Promover
o acesso e o uso qualificado das tecnologias da informação e
comunicação (TIC) no âmbito da educação em todos os níveis,
etapas e modalidades. (CONAE, 2014).
A escolha dos itens da CONAE 2014 a considerar é do autor deste artigo.

Considerações finais
Os diferentes sujeitos do processo de ensino aprendizagem
devem apropriar-se dos materiais produzidos ao longo do curso de EAD,
não apenas como fonte de informação, mas também como mediações
construídas escolhidas e negociadas ao longo do processo, de acordo com
Corrêa (2007, p. 18), encurtando distanciamentos e dificuldades. Ainda de
acordo com Corrêa (2007, p. 102), a tutoria precisa reafirmar
procedimentos bem sucedidos e reformular aqueles que necessitam de
adaptações, implementando políticas de enfrentamento para os conflitos.
A idéia de co-realização em uma atividade de acordo com
Vygotsky, 1984 in (Valente, et al, 2007, p. 31), engloba ação e reflexão
entre pessoas ou de uma pessoa com as idéias de outrem, uma vez que o
pensamento humano se encontra imbricado com o ambiente social e

34
Volume VIII

ocorre na zona proximal de desenvolvimento, constituída no contexto da


atividade. A individualidade da pessoa e seus artefatos culturais fazem
parte desse contexto. (Valente, et al, 2007, p.31).
As perspectivas e os desafios da EAD no Brasil como vêm sendo
indicado neste artigo e diversas leituras realizadas, são crescentes e
demonstra que a qualidade no ensino e aprendizagem deve ser fator
preponderante em qualquer curso desde os profissionalizantes, educação
superior, pós-graduação, mestrado, doutorado. A ABED vem
contribuindo muito com as pesquisas publicadas e de fácil acesso. Os
professores e tutores que dedicam horas nesta modalidade de ensino
necessitam sempre de aprimoramento tecnológico e é importante o
conhecimento com aluno reduzindo a distância, transformando a
Educação. Os cursos de Engenharia podem acontecer à distância. É
importante obedecer e sempre revisar a legislação em vigor. O
investimento em laboratórios para aulas presenciais que possam a vir
acontecer, ou aulas através de simuladores, a manutenção adequada nestes
laboratórios e nos ambientes virtuais utilizados, proporcionarão
facilidades aos alunos, interação adequada para o aprendizado e avanço
nas etapas com melhor qualificação para um mercado de trabalho
crescente e necessário para o desenvolvimento do País. (Roveda,
Rosimeire de Freitas, 2018).

“A educação, qualquer que seja ela, é sempre


uma teoria do conhecimento posta em prática.”
(PAULO FREIRE)

Referências bibliográficas
Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED. Disponível em:
site: www2.abed.org.br, e-mail: abed@abed.org. Acesso em: 08/11/2014,
16h05min.
BORBA, Marcelo de Carvalho, MALHEIROS, Ana Paula dos Santos &
ZULATTO, Rúbia Barcelos Amaral. Educação a distância on-line. Belo
Horizonte: Editora Autêntica, 2007. (In Silva e Jr.)

35
Vozes da Educação

CONAE 2014, eixo III Págs. 40-44. doc,referência, pdf. Acesso:


24/05/15, 19:50:10.
conae2014.mec.gov.br/images/pdf/doc_referencia_conae2014.pdf.
CORRÊA, Juliane(org.). Educação à distância: orientações metodológicas.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
GOMES, Cid. Ministro da Educação. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL,
Ministro promete empenhar esforços para expandir a rede. Rio de Janeiro,
30 de janeiro de
2015.Acesso:24/05/15,16:30:00.portal.mec.gov.br/index.php?option=co
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MERCADO, Luis Paulo Leopoldo. DIFICULDADES NA
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ONLINE. - Universidade Federal de
Alagoas - lpm@fapeal.com.br. Acesso:24/05/15,15:00:10.
www.abed.org.br/congresso2007/tc/55200761718PM.pdf.. Abril/maio
de 2007.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA. A Educação em Engenharias no
Brasil em breve retrospectiva. (Dados retirados de documento publicado,
da Inova engenharia: propostas para a modernização da educação em
engenharia no Brasil/IEL.NC, SENAI.DN. Brasília: IEL. NC,
SENAI.DN., 2006). Brasilia, abril de 2009. Acesso: 24/05/15,19:10:20.
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MOTA, Ronaldo. Secretário de educação superior. Plenária discute
formação de engenheiros.Brasília, 2007. Acesso: 24/05/15, 17:15:00.
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OLIVEIRA, Hélio Carlos Miranda. Perspectivas para a educação a
distância no Brasil: referenciais de qualidade, releituras e trajetórias.
Revista Eletrônica de Educação. 2010. Disponível em:
http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/viewFi¬le/80
/98. Acesso em: 01/11/2014, 17h54min.
SILVA, Luciene Santos Pereira da e JUNIOR, Francisco Madeiro
Bernardino, (UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO). A
PRODUÇÃO TEXTUAL NOS MATERIAIS DIDÁTICOS PARA
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www.unicap.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=542
VALENTE, José Armando; ALMEIDA, Maria Elizabeth
Bianconcini(org.); ALVES, Aglaé Cecilia Toledo Porto ;...et al. Formação
de Educadores a distância e integração de mídias. São Paulo: Avercamp,
2007.

36
Volume VIII

CARACTERIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS NO


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DO
SUJEITO DESDE OS ANOS INICIAIS DE SUA FORMAÇÃO
Rosinei Ramos8
Gláucio Camargos9

RESUMO
Esse artigo aborda as diferentes concepções de formação moral e social
do ser humano e sua articulação com o sistema educacional. Tenta
responder como a escola pode contribuir de forma positiva ou negativa
nesse processo. Assim, buscamos entender como o sujeito se desenvolve
e como a sociedade com seus costumes, crenças e valores influencia esse
desenvolvimento, muitas vezes impossibilitando o alcance de uma
autonomia desse indivíduo em relação aos seus próprios desejos.

Palavras-chave: Moral. Sociedade. Educação. Padronização

ABSTRACT
This article approaches the different conceptions of moral and social
formation of human beings and its articulation with the educational
system. It tries to answer how the school can contribute positively or
negatively in this process. Thus, we seek to understand how the human
beings develops and how the society with their customs, beliefs and values
influences development, often making it impossible to achieve autonomy
of this individual in relation to his own desires.

Keywords: Moral. Society. Education. Standardization.

8Formanda do curso de Pedagogia da União das Faculdades dos Grandes Lagos (UNILAGO);
rosiramos@outlook.com.br.
9Psicanalista, Mestrando em Psicologia e Saúde. Pedagogo, Especialista em Libras – Língua

Brasileira de Sinais. Docente dos cursos de Licenciatura da União das Faculdades dos Grandes
Lagos – (UNILAGO)glaucio.camargos@hotmail.com

37
Vozes da Educação

Introdução

O presente projeto representa um grande interesse de nossa parte


em compreender de que forma a criança percebe e absorve as instruções
recebidas pelo meio social em que está inserida e qual o impacto gerado
por elas no processo de descoberta e desenvolvimento dessa criança. Nos
interessamos muito em compreender como os conceitos de respeito,
empatia, dignidade e tantos outros essenciais à nossa existência são
repassados para o sujeito desde a infância. Acreditamos que compreender
como esse processo se organiza pode ser de grande valia para os inúmeros
desafios enfrentados pelos pedagogos e professores no ambiente escolar.
Na busca pela compreensão desses processos tentaremos
encontrar respostas para as seguintes questões: O pedagogo como agente
de formação não apenas acadêmica, mas também moral e social pode
contribuir para a formação de pessoas conscientes, empatas, solidárias e
mais justas? Como colaborar para que o aluno possa se desenvolver com
autonomia e possibilidades de ser quem realmente é, sem necessariamente
se encaixar em padrões estabelecidos pela sociedade?
Acreditamos que esse é o caminho para a formação de pessoas
mais justas, livres e verdadeiramente conscientes. Afinal o sujeito somente
é capaz de alcançar seu auto conhecimento quando tem a possibilidade de
ser e agir de acordo com sua essência e somente assim ele será capaz de
constituir uma sociedade evoluída e que caminhe em busca do
conhecimento.
Mas será que os moldes do sistema de ensino educacional nos
permite avançar nesse aspecto? Como podemos promover discussões e
reflexões em torno de temas relacionados à ética e moral quando temos
todo um conteúdo acadêmico a ser transmitido?

A moral enquanto objeto externo ao sujeito


Quando analisamos os moldes em que se encontra nosso sistema
educacional, percebemos como ele contribui para o aprisionamento e
massificação do aluno, como inibe a produção de toda a genialidade
humana e como isso impede a formação de uma sociedade
verdadeiramente crítica e consciente. É como se nunca pudéssemos
esperançar por dias melhores, afinal desde muito cedo somos introduzidos

38
Volume VIII

nesse meio que nos formata, nos programa a repetir sempre as mesmas
atitudes, a sonhar sempre os mesmos sonhos, somos realmente
padronizados.
Nesse momento vamos nos concentrar em discutir a
padronização moral à qual nos submetem e como ela serve a interesses e
motivações ocultas. O objetivo é buscar definições possíveis para a
padronização moral e analisar se essa está relacionada ao que se chama de
índole ou caráter de cada sujeito.
A maneira como a sociedade e o ambiente escolar trabalham a
formação moral e social do aluno nada mais é que uma contribuição para
a construção de uma sociedade da desconfiança, afinal todo o
comportamento dos alunos e das pessoas em geral é controlado por
recompensas, castigos, monitoramento por meio de câmeras e agentes
fiscalizadores. Traçando um paralelo entre o momento em que as crianças
de uma determinada escola participam de seu intervalo, de seu momento
de interação entre os colegas e o comparamos ao chamado banho de sol
de presidiários, notamos inúmeras semelhanças. Nos dois momentos as
pessoas são vigiadas por câmeras de segurança e profissionais orientados
à observar a interação entre elas e agir a qualquer momento caso se faça
necessário.
Talvez essa comparação seja muito radical, mas também deve
nos levar à reflexão de como agimos de forma idêntica diante de contextos
tão distintos como é o caso da escolarização e da ressocialização do sujeito,
afinal “devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas,
com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com
as prisões?” (FOUCAULT, 2003, p. 187)
Como educadores devemos colaborar para o desenvolvimento
de uma conscientização de nossos alunos em relação ao que realmente
seria uma boa convivência em sociedade, que ela seja pautada no respeito
aos seus semelhantes e a si próprio, caso contrário, estaríamos
contribuindo para a formação de uma sociedade de hipocrisia e
mediocridade, onde os bons gestos acontecem somente em situações e
ambientes em que o indivíduo esteja sendo observado, de modo que, caso
não exista essa fiscalização ele seja capaz de agir de forma totalmente
contrária ao que ele próprio diz.

39
Vozes da Educação

A construção da moral
Em seu livro O juízo moral na criança (1994), Piaget traz uma
afirmação muito importante no processo de aquisição da moral de um
indivíduo, “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por
essas regras”.
Para entender melhor esses processos vamos recorrer à teoria do
autor sobre os estados de desenvolvimento do sujeito e como a escola
pode contribuir de forma positiva com esse processo.
A criança nos seus primeiros anos de vida se encontra na fase da
anomia, onde ainda não é capaz de respeitar e compreender o sentido das
regras, age de acordo com suas vontades e necessidades e não se vê como
parte de uma sociedade, mas sim como o centro dela, é o que chamamos
de egocentrismo. À medida que essa criança vai se desenvolvendo e
convivendo em sociedade, vai percebendo que precisa respeitar algumas
normas e entendendo que a desobediência às mesmas pode trazer
consequências negativas e punições. Nesse momento a criança se encontra
na fase da heteronomia, em que o respeito às normas se dá somente pela
coação.
É nesse momento que se faz tão importante a mediação do
adulto para o sucesso na passagem dessa fase para a seguinte. No ambiente
familiar os responsáveis precisam se atentar às suas atitudes para que essa
criança em formação possa por meio de exemplos, compreender o
verdadeiro sentido das regras, caso contrário o que ocorrerá é a estagnação
nessa fase, onde o indivíduo não é capaz de respeitar os membros de sua
sociedade e age de acordo com sua conveniência e seus interesses.
Alguns exemplos muito comuns de contribuição para a
paralisação do indivíduo no estado da heteronomia se encontram no
ambiente familiar em situações que a criança apresenta um
comportamento inadequado e os responsáveis na intenção de modificar
essas atitudes, oferecem um estímulo positivo ou negativo que pode ser o
presente que a criança está aguardando ou mesmo a ameaça de um castigo.
Essas atitudes muitas vezes também estão presentes em sala de aula,
quando o professor argumenta que caso seus alunos não se comportem
bem ele irá aplicar uma avaliação difícil ou trazer mais exercícios. Além de
condicionar o aluno à ideia de que a avaliação é algo negativo, o professor

40
Volume VIII

e os responsáveis quando usam dessas estratégias para acalmar as crianças


contribuem de forma significativa para a formação de pessoas que ajam
conforme princípios e normas externas a elas e nunca de acordo com sua
conscientização própria sobre o que seriam boas atitudes.
Muitas vezes a escola é o único ambiente em que a criança tem a
oportunidade de interagir com outros membros da sua idade, e portanto
que se encontram no mesmo processo de desenvolvimento que o seu e
sendo assim, os professores precisam se atentar à práticas que promovam
o entendimento sobre a importância do bom convívio em sociedade e
como esse processo se apresenta. Mais que oferecer reforços positivos e
negativos, a melhor forma de promover a autonomia, última fase de
desenvolvimento moral de um sujeito depende de uma educação que o
conscientize sobre as causas e efeitos de suas atitudes. É o que Nietzsche
chama de educação para a realidade. “No caso do indivíduo, a tarefa da
educação é a seguinte: torná-lo tão firme e seguro que, como um todo, ele
já não possa ser desviado de sua rota”. (NIETZSCHE, 2017, p. 224)
Quando analisamos as pesquisas realizadas por Piaget sobre o
desenvolvimento moral da criança, fica evidente como o processo de
aquisição dessa moral é imposto a ela desde muito cedo com a justificativa
de que isso irá promover uma melhor convivência em sociedade. Mas e
quanto às suas próprias necessidades, vontades, desejos? Até que ponto é
correto e saudável que nos coloquemos em segundo plano para agirmos
de acordo com o que os outros esperam de nós?
É essa imposição de moral que de certa forma nos impede de ser
quem somos que Nietzsche criticou duramente durante sua vida. Ele
defendia o direito do ser humano de ser autêntico e de buscar a realização
de seus desejos mais genuínos, acreditava que a educação moral como se
apresentava e apresenta até os dias atuais, padroniza e domestica o sujeito
e não respeita sua individualidade e assim inibe sua vontade de potência.
Em todos os tempos quis-se "melhorar" os homens: este anseio antes
de tudo chamava-se moral. Mas sob a mesma palavra escondem-se
todas as tendências mais diversas. Tanto a domesticação da besta
humana quanto a criação de um determinado gênero de homem foi
chamada "melhoramento": somente estes termos zoológicos
expressam realidades. Realidades das quais com certeza o sacerdote,
o típico "melhorador", nada sabe - nada quer saber... Chamar a
domesticação de um animal seu "melhoramento" soa, para nós, quase
como uma piada. Quem sabe o que acontece nos adestramentos em

41
Vozes da Educação

geral duvida de que a besta seja aí mesmo "melhorada". Ela é


enfraquecida, tornam-na menos nociva, ela se transforma em uma
besta doentia através do afeto depressivo do medo, através do
sofrimento, através das chagas, através da fome. - Com os homens
domesticados que os sacerdotes "melhoram" não se passa nada de
diferente. (NIETZSCHE, 2017, p. 40)

A vontade de potência em Nietzsche está diretamente ligada à


capacidade do homem de se expandir, criar valores e sentidos próprios à
sua vida o que promoveria uma elevação cultural de toda uma sociedade e
para que isso seja possível se faz necessário reavaliar todo nosso conceito
do que vem a ser uma formação integral do ser humano.
Para compreender melhor os motivos das críticas de Nietzsche
em relação à educação de seu tempo precisamos voltar ao contexto
histórico em que a educação foi disseminada às classes menos favorecidas.
O intuito da democratização da educação era a formação de mão de obra
qualificada para o mercado de trabalho que vinha se expandindo devido à
Revolução Industrial do século XVIII. Portanto lutar contra essa
característica tecnicista e homogeneizadora da educação é lutar contra um
sistema antigo e poderoso e que vem se fortalecendo cada vez mais
conforme as necessidades e competitividade do mercado de trabalho. As
instituições de ensino, em especial as privadas se preocupam cada vez mais
em preparar seus alunos para obterem bons resultados nos vestibulares e
esse trabalho tem início desde a educação infantil. O foco então é cada vez
maior na formação de pessoas cada vez mais aptas a conviverem no
mercado de trabalho, a obterem cada vez mais lucro para o sistema
capitalista. Nietzsche já fazia críticas a esses objetivos da educação desde
sua época de professor.
As opiniões de Nietzsche sobre educação são tão
contemporâneas que (MARTON e DIAS, 2003, apud Neukamp, 2006
p.2). diz que “um leitor desatento poderia supor ter diante dos olhos um
livro que acaba de ser escrito. E o mesmo poderia pensar um leitor atento
– com mais razão até”
Mas por que abordamos essas questões econômicas quando
nosso objetivo é discutir sobre a formação moral da criança? O fato é que
seria ingenuidade de nossa parte desconsiderarmos a forte influência do
sistema econômico no estabelecimento das diretrizes de ensino de nosso
sistema educacional, e é esse sistema que nos impede enquanto

42
Volume VIII

professores de destinarmos um tempo maior para a formação pessoal de


nosso alunos.
Esse é um sistema tão resistente e poderoso que tem a mídia a
seu lado, ou melhor dizendo, está ao lado da mídia já que essa é a mais
poderosa ferramenta de controle de massa.
A escola como se configura, também pode ser considerada como
uma dessas ferramentas e vem cumprindo muito bem seu papel nesse
sentido. Não é preocupante pensar em como todos estamos
condicionados a esse padrão de normalização, dessa busca inconsciente
pelo modelo ideal de ser e estar?
Ínúmeras vezes usamos a palavra normal em nosso dia a dia e na
maioria das vezes inadequadamente, para nos referirmos à objetos,
sensações, pessoas e lugares, isso nada mais é que o reflexo de uma busca
inconsciente pela normalização.
Consideramos normal tudo aquilo que se aproxima do que temos
internalizado como familiar, ideal, adequado e isso é um problema porque
sempre que nos deparamos com uma situação ou mesmo uma pessoa que
não corresponda a essa nossa ideia de adequado, imediatamente a pré-
julgamos como errada, anormal e essas atitudes no ambiente escolar
provocam danos irreparáveis ao indivíduo.
A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida no
rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho
chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de
mentira aquilo que o ameaça ou exclui do rebanho. (...) Portanto, em
primeiro lugar, a verdade é a verdade do rebanho. (NIETZSCHE,
2016, p. 6)
O professor precisa estar livre de todos esses preceitos para que
assim possa contribuir para a formação pessoal e moral de seus alunos de
forma significativa, que seus ensinamentos não se limitem à lições de
moral, à uma conduta que não corresponda à sua fala. Sabemos que o
aluno aprende muito mais pelo exemplo do que pelas palavras. Na maioria
das vezes é aqui que se encontra o nó da educação moral, a criança com
sua percepção apuradíssima percebe claramente que um adulto diz com
veemência o que se deve fazer, como tratar as pessoas, como respeitá-las,
como respeitar normas e no entanto ele age de forma contrária a tudo o
que diz. Diante desses exemplos o natural é que essa criança reproduza as

43
Vozes da Educação

mesmas atitudes e aja da mesma forma que esse adulto, sem de fato
compreender o sentido e efeito de suas ações.
E para que esse ciclo de hipocrisia seja interrompido é preciso
conscientizar desde cedo esse sujeito para que seu comportamento não
dependa mais de atitudes e fatores externos a ele. É preciso torná-lo
senhor de si mesmo, para que dessa forma ele não seja mais um animal de
rebanho, conforme a expressão criada por Nietzsche.

A sociedade dos padrões


Em seu livro Admirável Mundo Novo de 1932, Aldous Huxley nos
apresenta a uma terrível sociedade em que a padronização de condutas se
faz absolutamente necessária para a manutenção da ordem. Nessa
sociedade as pessoas são criadas em laboratório e predestinadas a exercer
determinadas funções, a gostar de determinados hábitos e atitudes, sejam
relacionados à vida sexual, intelectual ou profissional, enfim, são
padronizadas conforme determinação de alguns poucos centros
administrativos responsáveis pelo controle dessa imensa fábrica de seres
humanos.
A leitura do livro nos leva à reflexão sobre a importância da
conscientização do sujeito a respeito de si mesmo, sobre seus desejos, seus
ideais, sobre o que é certo e o que é errado. Questionamentos esses, cada
vez mais distantes dos interesses das pessoas de forma geral, uma vez que
se encontram mais ocupadas em seguir modelos estipulados por fontes
externas a elas mesmas.
Estabelecendo uma relação entre o método descrito no livro de
Huxley sobre a utilização da hipnopédia, uma técnica de aprendizado
baseada na assimilação de conteúdo durante o sono (sabe-se hoje que esse
método não é eficaz) entre o hábito diário de assistir à TV, percebemos
que ela continua sendo utilizada ostensivamente em forma de
condicionamento em outras esferas como por exemplo: azul = menino e
rosa = menina e encontramos inúmeras semelhanças no objetivo de
formar conceitos e opiniões nos telespectadores, além de tantas outras
ferramentas tecnológicas como os tablets, smartphones e computadores
que quando utilizados de forma inconsciente contribuem efetivamente
para a alienação de seus usuários.

44
Volume VIII

Se traçarmos um paralelo com a realidade atual que nos cerca e


aquela apresentada por Huxley em seu livro, não é preocupante pensarmos
em como elas se assemelham? Afinal estamos cada vez mais próximos de
uma sociedade padronizada, profundamente influenciada por interesses
que sem percebermos não correspondem aos nossos.
Um estado totalitário realmente eficaz seria aquele em que o executivo
todo poderoso constituído de chefes políticos de um exército de
administradores, controlasse uma população de escravos que não
precisassem ser forçados, porque teriam amor à servidão. Fazê-los
amá-la é a tarefa atribuída, nos atuais estados totalitários, aos
ministérios de propaganda, diretores de jornais e professores.
(HUXLEY, 2014, p.14)
É nesse sentido que se faz tão necessário desenvolver trabalhos,
discussões e reflexões no ambiente escolar, de maneira que o aluno tenha
condições de desempenhar seu papel na sociedade de maneira
verdadeiramente crítica e reflexiva. Caso não caminhemos em busca
desses conhecimentos, não estaremos então sendo coniventes com o
sistema, que segundo Nietzsche enfraquece o homem a partir do
momento em que o condiciona e domestica?
Porém aplicar as ideias de Nietzsche no contexto escolar é um
enorme desafio, até porque compreendê-las é uma tarefa dura e árdua. Por
mais que suas opiniões façam sentido para muitos, a questão é que todos
fomos formados dentro do conceito de moral e bons costumes, tendo sido
estes previamente definidos em um determinado momento. Ainda que
esses costumes se modifiquem com o passar dos anos, somos sempre
guiados por eles, em qualquer época.
A moral pode ser entendida como: “ciência do bem e do mal, teoria
do comportamento humano enquanto regido por princípios éticos
(varia de cultura para cultura e se modifica com o tempo no âmbito
de uma mesma sociedade); corpo de preceitos e regras que visa dirigir
as ações do homem, segundo a justiça e a equidade natural;
disposições para agir bem, a respeito de si próprio e a respeito dos
outros, na comunidade humana”. (LAROUSSE).
Diante disso é possível compreender melhor o que Nietzsche
quer nos dizer com o termo criado por ele para designar o homem como
“animal de rebanho”. Afinal, hoje somos levados a classificar ideias e
atitudes como morais ou imorais e amanhã essas mesmas ideias e atitudes
podem ser classificadas de forma completamente diferente de hoje.

45
Vozes da Educação

E nossa própria conclusão a respeito delas? Em momento algum


temos condições de determinar por nós mesmos o que é bom ou ruim,
certo ou errado em relação aos nossos desejos, nossa forma de pensar?
No mundo atual a padronização imposta pelos meios de
comunicação e mídias sociais é tão forte que presenciamos
constantemente atos de violência tão graves que inúmeras vezes resultam
em verdadeiras tragédias. Quando uma ferramenta de controle de massa
tão poderosa como a mídia estipula um padrão de beleza, de felicidade, de
atitudes corretas, ser diferente pode ser muito perigoso, afinal tudo e todos
que não se enquadram nesses padrões estão de fora do grupo e isso
contribui de forma significativa com o aumento da intolerância entre as
pessoas. Como pensam saber o que é aceitável e o que é condenável se
sentem no direito de acuar e reprimir quem quer que aja de forma contrária
a esses conceitos, não se pode agir de acordo com seus próprios princípios,
mas sim seguir o modelo estipulado. E o assombroso é que ninguém se
pergunta, estipulado por quem? Por quê? Apenas obedecem.
Como podemos perceber, de forma geral o homem de hoje não
alcançou o conceito de autonomia definido por Piaget abaixo:
[...] quando ela descobre que a veracidade é necessária nas relações de
simpatia e respeito mútuos.
[...] há autonomia moral, quando a consciência considera como
necessário um ideal, independente de qualquer pressão exterior.
A autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito
mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente a
necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado”
(PIAGET, 1994, p.155)
Assim como também não está no caminho sugerido pela filosofia
de Nietzsche em que ele defende a vontade de potência como sendo um
objetivo a ser alcançado pelos homens.
Quando analisamos as pesquisas de Piaget para entendermos
como o indivíduo desenvolve todo o conceito de moral e tentamos
estabelecer um paralelo com a filosofia de Nietzsche sobre o que seria um
desenvolvimento positivo desse indivíduo, encontramos inúmeras
diferenças. Lembrando que Piaget nos apresenta dados coletados com
base em suas pesquisas, tendo sido essas realizadas com crianças que
receberam esses conceitos de outros adultos enquanto que Nietzsche se
posiciona fortemente como defensor de uma educação baseada na

46
Volume VIII

valorização do indivíduo e não simplesmente no cumprimento de valores


morais externos a eles.
O que pretendemos com essa comparação é promover uma
reflexão sobre como métodos de formação tão diferentes puderam
alcançar resultados tão parecidos. Enquanto o proposto por Nietzsche
não teve sequer a chance de buscar resultados positivos, uma vez que não
foi aplicado na prática, não pelo menos de forma sistematizada, os
métodos adotados pela tradicional educação moral também não obtiveram
êxito, uma vez que o objetivo de ambos seria promover a autonomia moral
no sujeito.
O que podemos constatar hoje é que a grande maioria das
pessoas se encontra estagnadas na fase da heteronomia, ou seja, todas as
suas atitudes, ou grande parte delas são guiadas por fatores externos a elas,
sendo que se os mesmos não existissem elas também não fariam uso deles
por não os enxergar como sendo próprios de si mesmas.
Então qual seria o caminho para uma educação libertadora, que
respeite e possibilite o desenvolvimento pleno do ser humano?
Para encontrar respostas a questões como essas é necessário
tomar conhecimento dos diferentes métodos, das diferentes posturas e
concepções apresentadas até o momento por diversos pensadores, para
que com base nesse conhecimento o professor não viva uma utopia, mas
sim caminhe em busca de um mundo melhor e possível de ser alcançado.
No entanto, para isso ele precisa estar comprometido com a missão de
educador, pesquisador, provocador e essas virtudes somente são
adquiridas por meio de muito esforço, talvez por isso poucos se dediquem
verdadeiramente a elas. Resumidamente, ele precisa adquirir
conhecimento sobre o mundo e sobre os reais objetivos da educação para
que desenvolva um trabalho consciente e não se perca na ingenuidade e
no desconhecimento.
Na contramão de toda essa contribuição positiva dos estudos da
filosofia, está o nosso triste cenário educacional atual, em que o poder
público pretende retirar da matriz obrigatória as disciplinas que
contribuem para o conhecimento do funcionamento dos sistemas de
poder. E ainda que isso nos traga a sensação de retrocesso em relação aos
avanços até então alcançados na área das ciências humanas,
principalmente sobre o aumento do interesse pela Filosofia que nos

47
Vozes da Educação

possibilita levantar questionamentos e inquietações em relação a nós


mesmos e o mundo em que vivemos e da Sociologia que nos ajuda a
compreender os contextos sociais em que estamos inseridos, como
educadores não devemos desistir de promover a capacidade de pensar e
agir de nossos alunos, pois se realmente o estudo dessas ciências se tornar
opcional muitos deles não optarão por eles, até porque sequer saberão o
que realmente eles são. E por fim em um mundo onde as pessoas sejam
incapazes de pensar, refletir e questionar, será cada vez mais fácil
determinar a elas o que é tido como bom ou ruim, moral ou imoral sem
que seja necessário chegar aos extremos da criação de seres humanos em
laboratórios conforme citamos anteriormente, mas sim que os próprios
indivíduos se auto controlem aperfeiçoando cada vez mais o panóptico
em que vivemos.

Considerações finais
Aqui não tivemos a intenção de determinar o que é melhor ou
pior dentro do contexto escolar, antes, buscamos promover uma reflexão
em relação à importância do ato de educar e do papel do professor na
sociedade, nesse e em outros tempos. O objetivo é refletir sobre as
dificuldades encontradas em sala de aula no que diz respeito ao
comportamento apresentado pelos alunos desde os anos iniciais e como
muitas vezes essa dificuldade se estende à vida adulta.
Compreender os estágios de desenvolvimento moral da criança
descritos por Piaget com base em suas pesquisas contribui de forma muito
efetiva na compreensão desses processos.
Porém quando trazemos à tona as reflexões do filósofo
Nietzsche em torno dessa moral, levantamos questionamentos pertinentes
a essa prática de estipular desde muito cedo ao indivíduo o conceito de
certo e errado sobre tudo o que o cerca, afinal, de uma forma ou de outra
é isso que os valores morais nos impõem e consequentemente padronizam
um comportamento em busca de um bom convívio em sociedade.
De forma alguma buscamos desqualificar os conceitos de moral
enquanto orientadores de um bom convívio em sociedade. Sabemos o
quanto eles são importantes e também o quanto as pessoas tem dificuldade
em compreendê-los, respeitá-los e acima de tudo colocá-los em prática e
é essa dificuldade que nos fez buscar novos olhares em torno desses

48
Volume VIII

conceitos. Acreditamos que precisamos entender melhor a natureza do ser


humano, suas vontades e necessidades verdadeiras. Para isso recorremos
ao filósofo Nietzsche que dedicou-se a compreender essas necessidades,
opondo-se à sociedade por suas ideias tão divergentes dos padrões de sua
época, para nos ajudar a entender porque mesmo sendo apresentado ao
sujeito desde muito cedo, esses valores não são verdadeiramente
praticados por ele. Nietzsche nos mostra que tudo que é externo ao
indivíduo, tem grandes chances de não fazer sentido a ele, e como muitas
vezes é algo imposto, não é capaz de promover um senso crítico e a
capacidade de fazer escolhas de acordo com seus verdadeiros desejos.
Quando dizemos que as pessoas devem ser capazes de fazer escolhas de
acordo com suas verdadeiras vontades, não significa que elas poderão agir
da maneira como bem entendem sem se preocupar com as necessidades e
vontades do outro. A ideia de um bom convívio entre as pessoas segundo
Nietzsche, passa pelo respeito delas em relação a si mesmas e a busca pelo
seu autoconhecimento. Somente respeitando a si mesmo é que podemos
respeitar o próximo.
O que buscamos com essas reflexões é apresentar pontos de vista
diferentes dos que conhecemos em relação ao conceito de moral,
pensarmos em como muitas vezes ele promove uma normalização nas
pessoas, anulando sua individualidade.
Segundo Nietzsche o autoconhecimento seria capaz de
promover a elevação cultural da sociedade, as pessoas seriam mais
verdadeiras umas com as outras e o mais importante, consigo mesmas.
Afinal as ideias manifestadas por ele nos possibilitam ver o homem, a
ciência, a religião e tantos outros aspectos de nossa vida de maneira
diferente do que até então nos foi imposto, ele nos apresenta a novas
possibilidades e nos ensina a compreender o diferente, o “anormal” de
maneira que saibamos nos respeitar independentemente da forma como
pensamos ou agimos.

49
Vozes da Educação

Referências bibliográfica
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Enciclopédia:
GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. São Paulo, ed.
Nova Cultural. 1998

50
Volume VIII

EDUCAÇÃO DO CAMPO E ENSINO DE MATEMÁTICA:


REFLEXÕES PARA UM ENSINO COM SIGNIFICADO

Samya de Oliveira Lima10


Marcus Bessa de Menezes11

A Matemática precisa estar ao alcance de todos e a


democratização do seu ensino deve ser meta prioritária
do trabalho docente. (PCNs, 1997, p. 19).

RESUMO
Este artigo é resultado de um trabalho desenvolvido durante o Mestrado, para
composição do trabalho final, dissertação. O trabalho tem como meta explanar
teoricamente discussões recentes na área da Educação do Campo. Pesquisas
apontam a importância de fomentar nos processos de ensino e aprendizagem
o protagonismo dos educandos por meio de situações didáticas. Quando os
sujeitos vivenciam uma aprendizagem com significados social e culturalmente
contextualizados da Matemática amplia-se uma reflexão crítica, de modo a
favorecer o entendimento de conteúdos e de sua aplicabilidade na vida
cotidiana.

Palavras-chave: Educação do Campo; Ensino e Aprendizagem; Matemática.

ABSTRACT
This chapter is the result of a work developed during the Masters, for composition
of the final work, dissertation. The work aims to explain theoretically recent
discussions in the area of Field Education. Researches point out the importance
of promoting in the teaching and learning processes the protagonism of learners
through didactic situations. When the subjects experience a learning with socially
and culturally contextualized meanings of Mathematics a critical reflection is
extended, in order to favor the understanding of contents and their applicability in
daily life.

Keywords: Field Education; Teaching and Learning; Mathematics.

Mestre em Educação Matemática pela UEPB. Atualmente é professora da URCA.


10

Pós-Doutor em Educação Matemática pela UFPE e Universidad Complutense de Madrid.


11

Professor Adjunto IV da UFCG.

51
Vozes da Educação

Introdução
A Educação do Campo é um processo histórico, fruto de lutas e
mobilizações dos movimentos sociais do campo por condições concretas
de subsistência no seu próprio espaço. Acrescentamos que a Educação do
Campo, como prática dos movimentos sociais camponeses, segundo o
dicionário da Educação do Campo (CALDART et al., 2012), busca
conjugar a luta pelo acesso à educação pública contra a tutela política e
pedagógica do Estado.
A Constituição de 1998 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
n. 9.394/96 muito contribuíram para novas perspectivas ao processo de
construção de políticas públicas de educação direcionadas para essa
modalidade. Com efeito, essas leis abriram procedentes legais, jurídicos e
políticos que viabilizam uma educação que respeita a identidade do sujeito
do campo.
O movimento da Educação do Campo é propiciado pela
Pedagogia da Alternância, em que a aprendizagem dos educandos é
mediada por momentos de estudos ao longo do Tempo Escola e Tempo
Comunidade. Essa metodologia teve iniciativa por camponeses da França
em 1935. Já no Brasil, a iniciativa chegou com os jesuítas.
Assim, a alternância tem como objetivo garantir uma atuação
pedagógica mediada pela teoria e prática, de forma a relacionar os
processos de aprendizagem tanto para a aquisição de conhecimentos
necessários à vida cotidiana quanto para a qualificação profissional. Trata-
se de uma práxis educativa.
Podemos afirmar que esse movimento nasce tomando posição
em relação à valorização do saber popular produzido no campo. Nesse
contexto, a educação assume um papel relevante. Como nos diz Freire
(2015), o povo se educa no enfretamento das condições de opressão.
Viver, perceber e enfrentar a situação em que vive, e não aceitar
silenciosamente a dominação social.
Olhar para a história, para o significado político e pedagógico dos
movimentos, põe em ação a luta pela transformação da sociedade e dos
sujeitos nela inseridos, e nos leva ao encontro da Pedagogia do Oprimido,
que destaca coragem e luta dos que acreditam na força da luta organizada
e na capacidade do oprimido de tomar a história em suas mãos e recriá-la.

52
Volume VIII

Contudo, essa capacidade precisa ser aprendida no processo das


contradições sociais, na leitura crítica da sociedade e na ação política para,
a partir disso, transformá-la.
Arroyo (2011, p. 23) afirma:
Um primeiro desafio que temos é perceber qual educação está sendo
oferecida ao meio rural e que concepção de educação está presente
nesta oferta. Ter isto claro ajuda na forma de expressão e
implementação da nossa proposta. A educação do campo precisa ser
uma educação específica e diferenciada, isto é, alternativa. Mas,
sobretudo deve ser educação, no sentido amplo de processo de
formação humana, que constrói referências culturais e políticas para
a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade, visando
a uma humanidade mais plena e feliz.
Diante do exposto, podemos dizer que a Educação do Campo
como prática social vem se consolidando a partir das lutas pela
transformação da realidade, protagonizada pelo MST. Esses movimentos
têm mostrado para a história que os sujeitos do campo têm direito de
serem tratados como humanos e de se educarem como humanos.
Sendo assim, coloca-se a importância da tríade: campo-política
pública-educação. Em suma, as reflexões desenvolvidas nos levam a
algumas considerações a partir do contexto histórico da Educação do
Campo, assumida nas lutas dos movimentos sociais para combater o
processo de exclusão educacional, que toda a história contribuiu para a
negação dos direitos dos povos do campo.
Outro aspecto importante nesse contexto é a articulação que a
Educação do Campo faz com uma vertente da Educação Matemática
denominada Etnomatemática. Essa tendência, vinculada aos trabalhos
precursores do professor D’Ambrosio, pontua a importância de
incorporar a cultura dos sujeitos, suas vivências e seus saberes populares
nas práticas pedagógicas dos docentes.
Segundo D’ Ambrosio (2008), a Etnomatemática propõe uma
pedagogia viva, dinâmica, de fazer o novo em resposta às necessidades
ambientais, sociais, culturais, dando espaço para a imaginação e para a
criatividade. A Etnomatemática está alicerçada em práticas pedagógicas
que promovam a inserção social.
Em suma, as matemáticas geradas em contextos específicos
podem ser entendidas como conjuntos de jogos de linguagem

53
Vozes da Educação

engendrados em diferentes formas de vida, agregando critérios de


racionalidade específicos (KNIJNIK et al, 2012, p. 31).
Miranda e Schwendler (2010) afirmam que a Educação do
Campo vem sendo construída na luta, nas conquistas e sonhos que se
colocam em ação para transformar a realidade do campo e da sociedade.
A Educação do Campo é oriunda dos movimentos sociais que
trouxeram para o contexto da política educacional discussões acerca de
uma educação que, de fato, reforça o papel ativo dos sujeitos do campo,
sendo estes também geradores de conhecimentos.
O Ensino de Matemática tem passado ao longo dos anos por
sucessivas mudanças. Assim, é notório que a Matemática pode ser vista
tanto como ciência formal e rigorosa, como também um conjunto de
habilidades práticas necessárias à sobrevivência.
Destacamos, conforme D’Ambrosio (2011), duas formas de
conhecimento matemático: Matemática formal ou acadêmica, ensinada e
aprendida nas escolas, e a Matemática informal, aprendida fora do
ambiente escolar. A apropriação do conhecimento matemático que era
caracterizado por aulas expositivas, oralidade, escrita, giz, além do livro
didático como único recurso, passou a apresentar-se no final do século
XX com novas abordagens e novos recursos metodológicos.
Parafraseando Tardif (2014, p. 240), é estranho que os
professores tenham a missão de formar pessoas e que se reconheça que
possuem competências para tal, mas que, ao mesmo tempo, não se
reconheça que possuem a competência para atuar em sua própria
formação.
Nesse sentido, pode-se dizer que os professores são eficazmente
sujeitos do conhecimento. No entanto, cursar as disciplinas da graduação
tanto das áreas de conhecimento específico, quanto das pedagógicas,
despertou o meu interesse em seguir e me aprofundar especificamente
naquelas relacionadas à área de Educação Matemática - campo do
conhecimento que se dedica a estudar questões direcionadas ao ensino e à
aprendizagem de matemática.
Dessa forma, esses novos recursos precisam ser estudados,
planejados e analisados para servirem de constructos a novas maneiras e
possibilidades de constituição do saber matemático.

54
Volume VIII

O Ensino de Matemática deve descentralizar o caráter de um


ensino memorístico, no qual se enfatizam fazer continhas, resolver
equações e listas de exercícios de cálculos, pois essas atividades não
atendem às reais necessidades sociais.
É importante pensar em práticas que estejam vinculadas ao
contexto do aluno. Assim, na realidade da Educação do Campo, o Ensino
de Matemática deve manter relações frequentes com o seu contexto.
Entendemos que a Educação do Campo luta por uma educação voltada à
realidade do campo, com metodologia, conteúdo e recursos articulados
com essa necessidade.
Isso significa dizer que devemos trabalhar a Matemática escolar
numa escola do campo reconhecendo e respeitando as raízes dos sujeitos.
Isso não significa ignorar e rejeitar as raízes do outro, mas, num processo
de síntese, reforçar suas próprias raízes.
A Matemática deve ser entendida nas suas várias dimensões:
conceitual, histórica, cognitiva, epistemológica, política, cotidiana, social e
educacional. E deve ser trabalhada respeitando as especificidades da
Educação do Campo e suas implicações didático-pedagógicas.
Nesse contexto, o Ensino de Matemática apresenta-se com um
grande desafio que é buscar meios de fazer uso do conhecimento étnico
na sala de aula, a fim de produzir uma educação com significado para os
educandos e fazer com que percebam a relação destes saberes com aquele
dito institucional.
Quando o professor se propõe a dar significado aos conceitos
matemáticos, o ato de aprendê-los acaba sendo mais relevante para o
aluno, que faz uso deles incorporando-os na sua realidade diária. A partir
dessa posição, D’ Ambrosio sinaliza que é possível inferir a Matemática
produzida por diferentes contextos sociais numa abordagem
Etnomatemática.
Compreendemos que a Etnomatemática vem desempenhando
um papel fundamental nas discussões que problematizam a universalidade
do conhecimento matemático ao apontar para a existência de diversas
formas de matematizar o mundo. Toda essa discussão sobre a
Etnomatemática se apresentará na próxima secção.

55
Vozes da Educação

Etnomatemática
Nesta secção, são apresentadas reflexões sobre o processo de
ensino e aprendizagem numa perspectiva Etnomatemática. É importante
ressaltar que cada sujeito é portador de um conhecimento prévio que está
ligado às suas raízes culturais. Porém, se sabe que na maioria das vezes os
saberes desses sujeitos não costumam ser considerados ou incorporados
ao Ensino de Matemática. A proposta da Etnomatemática é interligar a
disciplina com situações reais.
Para D’Ambrosio (2011, p. 76), contextualizar a Matemática é
essencial para todos. Freire (2015, p. 116), na obra Pedagogia do
Oprimido, enfatiza que “uma educação autêntica, não se faz de A para B
ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo”. O que
implica pontuar que o educador em essência é um intelectual orgânico que
atua na transformação social dos oprimidos.
A Etnomatemática é uma das tendências que busca a instalação
de um processo de valorização dos saberes matemáticos nos diferentes
contextos socioculturais. Para D’Ambrosio (2008), a Etnomatemática
tende a considerar o fazer de grupo cultural através de sua própria
vivência.
Discutindo e analisando atentamente como vem se apresentando
o processo de Ensino de Matemática nos contextos da Educação do
Campo, percebemos uma articulação com a vertente denominada
Etnomatemática.
A Etnomatemática passou a fazer parte de discussões de
pensadores e estudiosos na década de 1970. O termo foi constituído pelo
professor Ubiratan D’ Ambrosio. Conforme esse autor, a referida
expressão significa que há várias maneiras, técnicas, habilidades de
explicar, de entender, de lidar e de conviver com distintos contextos
naturais e socioeconômicos da realidade.
A Educação do Campo é uma perspectiva de formação que leva
em conta essa vivência da realidade sociocultural do aluno, entre os quais:
o ambiente em que ele vive e o conhecimento que ele traz de casa. Vem
ganhando forma, consistência e plenária ao ser amplificadamente ecoada
como uma alternativa de educação escolar pública para os espaços não
urbanos.

56
Volume VIII

Tais condições se vislumbram pelos pressupostos teóricos que


propõem um modelo de educação trazendo para o embate acadêmico e
escolar/cotidiano perspectivas de acesso humanizadas como um direito
social; onde a prática da alternância entre atividade do campo e atividade
escolar, colocados como princípios fundamentais na realização pedagógica
desse processo.
Assim, compreendemos que a Educação do Campo apresenta-se
tanto em espaços escolares quanto fora deles. Envolve saberes, métodos,
tempos e espaços físicos diferenciados. Realiza-se na organização das
comunidades e dos seus territórios.
Aliás, não são apenas saberes construídos na sala de aula, mas
também aqueles construídos na produção, na família, na comunidade, na
cultura e nas atividades sociais.
A sala de aula como um espaço de comunicação, de
sistematização, análise e de síntese das aprendizagens se constitui como
um local de encontro das diferenças, onde se produzem novas formas de
ver, estar e se relacionar com o mundo.
Entendemos que a inserção da Etnomatemática no contexto
escolar representa possibilidades de nos distanciar dos ideários
dominantes que se aliam aos sistemas de poder instituído que têm por fim
controlar a sociedade. Por fim, o programa Etnomatemática valoriza o
contexto e a diversidade cultural dos indivíduos na produção e difusão de
conhecimento.
A dimensão educativa da Etnomatemática é uma concepção que
situa as práticas educativas com o desenvolvimento da formação docente
e discente em qualquer espaço sociocultural, para além da prática escolar.
A docência na Educação do Campo requer o uso de
competências formativas nas dimensões políticas e pedagógicas na
preparação e no desenvolvimento das aulas. Essa demanda segue na linha
da implementação de organizações de atividades didático-pedagógicas em
relações com a realidade e as experiências das comunidades do campo na
contextualização de organização do trabalho pedagógico.
Dessa forma, a Etnomatemática sinaliza a importância de inserir
no processo de Ensino e Aprendizagem Matemática a cultura dos
educandos/as, e suas vivências, apontando para um currículo que inclua
os saberes não hegemônicos. Isso significa dizer que trabalhar com o

57
Vozes da Educação

contexto de nossos alunos não significa criarmos “probleminhas”


inadequados, mas problemas que abordem valores que estejam ligados aos
grupos culturalmente identificados.
No entanto, é importante destacar que a Etnomatemática pontua
a necessidade de trabalharmos com a Matemática acadêmica no contexto
escolar. Frente às abordagens acima mencionadas, Knijnik (2012, p. 31)
esclarece:
A Matemática Acadêmica, a Matemática Escolar, as matemáticas
Camponesas, as Matemáticas Indígenas, em suma, as Matemáticas
geradas por grupos culturais específicos podem se entendidas como
conjuntos de jogos de linguagem engendrados em diferentes formas
de vida, agregando critérios de racionalidades específicos.
Em outra obra, a autora afirma:
A Etnomatemática, ao colocar o conhecimento matemático
acadêmico como uma das formas possíveis de saber, põe em questão
a “universalidade” da Matemática produzida pela academia. Salienta
que esta não é universal, na medida em que não é independente da
cultura. Em um certo sentido, poderia ser considerada como
“internacional”, pois é utilizada em muitas partes do mundo.
(KNIJNIK, 2006, p. 130).
Assim, as teorizações propostas por Knijnik e por autores como
D’Ambrosio buscam sinalizar que a Etnomatemática propõe uma não
neutralidade para as dimensões que, na maioria das vezes, ficam às
margens de nossas práticas pedagógicas.
Assim, trazemos um resumo de uma experiência realizada pela
professora Knijnik intitulado “A Matemática da cubação da terra”, que
referenciou práticas de cubagem da terra, referindo-se ao cálculo da área
de uma superfície da terra, efetivando um conhecimento popular da
medição da terra associada às práticas sociais do meio rural.
A partir do exemplo apresentado conclui-se que em uma
atividade pedagógica os saberes populares precisam ser conhecidos no
propósito de ensinar a Matemática Acadêmica, tendo em vista uma
abordagem Etnomatemática. Conceber um ensino sob a perspectiva
Etnomatemática é um modo de conceber (re)formas no processo de
ensino e aprendizagem.
Logo, é importante pensar em um ensino de matemática
específico para a Educação do Campo, que seja planejado e desenvolvido
para o contexto do campo, valorizando o saber informal. Nessa

58
Volume VIII

perspectiva, a escola é convidada a trabalhar de forma contextualizada,


focalizando uma práxis e não uma tarefa burocrático-bancária12.

Uma análise de publicações e pesquisas sobre ensino de matemática na


perspectiva da educação do campo
Os estudos realizados com base em trabalhos publicados de
pesquisadores e professores envolvidos com a área da Educação
Matemática e Educação do Campo nos levaram a ampliar as nossas
compreensões que o Ensino de Matemática na perspectiva da Educação
do Campo deve contemplar os diferentes saberes populares e científicos,
tendo como ponto de partida a realidade dos educandos. Essa temática foi
objeto de estudo de algumas produções que são apresentadas nesta secção.
Lima e Lima (2013), em seu artigo “Educação Matemática e
Educação do Campo: desafios e possibilidades de uma articulação”,
abordam a necessidade de um trabalho pedagógico no ensino de
Matemática na Educação do Campo, estabelecendo a relação entre os
diferentes saberes do aluno e professor de forma a realizar um trabalho
diferenciado que tome como ponto de partida o conhecimento do aluno
e permita sua ampliação de tal forma que os conhecimentos matemáticos
adquiridos sejam realmente úteis em sua vivência de cidadão.
Nesse contexto, as autoras defendem que “o ensino deve
priorizar o diálogo dos saberes escolares com a cultura no intuito de
propiciar a construção de conceitos matemáticos com autonomia” (LIMA
e LIMA, 2013, p. 5).
O artigo “O que professores de escolas rurais dizem sobre o
Ensino de Matemática: Um estudo no Nordeste do Brasil”, dos autores
Monteiro, Carvalho e François, relata a educação escolar das pessoas que
vivem em áreas rurais.
Desta forma, na escrita, esses autores defendem também que “a
organização da escolaridade para a população rural no Brasil não
considerou as particularidades desses contextos. As políticas educacionais

Ghiradelli (2012, p. 23) em sua obra “As lições de Paulo Freire: filosofia, educação e política”
12

enfatiza que a expressão bancária adotada por Freire, significa basicamente, implica um professor
que deposita informações para os estudantes, os quais por sua vez guardam-nas “no cofre” da
memória.

59
Vozes da Educação

não estavam preocupadas com a escolaridade que considerou a realidade


rural” (MONTEIRO; CARVALHO e FRANÇOIS, 2014, p. 5).
Ainda pontuam que as propostas pedagógicas planejadas para a
escola urbana são tomadas como modelos para as rurais, ignorando cada
vez mais os contextos desses sujeitos.
Este artigo traz uma discussão acerca do ensino de Matemática
em escolas rurais localizadas em Pernambuco, abordando também a falta
de recursos e a formação de professores que atuam em escolas rurais.
Por sua vez, o artigo de Mendes (2010), “O estudo da realidade
como eixo da formação matemática dos professores de comunidades
rurais” traz a ideia de possibilitar ao estudante do campo o entendimento
do seu sistema matemático local para posteriormente relacioná-lo com o
global.
Referências importantes são feitas aos trabalhos de Paulo Freire,
de D’Ambrosio e de Knijnik, assim como ao estudo da realidade, “um
princípio metodológico baseado na investigação da realidade local”
(MENDES, 2010, p. 1).
A dissertação de Campos (2011), intitulada “A matemática do
meio rural numa abordagem etnomatemática: uma experiência
educacional dos núcleos - escolas da comunidade camponesa do
Movimento Sem Terra do município de Serra Talhada”, teve como
objetivo principal investigar, nas aulas de matemática de duas escolas,
localizadas em assentamentos rurais, ligados ao MST, “que conhecimentos
construídos no âmbito da matemática escolar estão associados aos
conhecimentos matemáticos praticados pelos produtores rurais”
(CAMPOS, 2011, p. 14).
O estudo realizado de alguns trabalhos apresentou uma amostra
da produção científica sobre ensino de Matemática e Educação do Campo
na perspectiva de pesquisadores que refletiram sobre esse tema e
publicaram trabalhos que nortearam esse texto.
A análise dos trabalhos selecionados contribuiu para ampliar as
discussões no que pontua a história das lutas dos movimentos sociais por
uma educação que atenda às demandas e necessidades específicas dos
sujeitos do campo, bem como as políticas públicas e a formação de
educadores do campo. Assim foi possível verificar que o tema em questão
merece maiores investimentos na agenda de pesquisas acadêmicas.

60
Volume VIII

Referências bibliográficas
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61
Vozes da Educação

“ESTE LUGAR NÃO É PARA MIM”:


O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR POR EGRESSOS DA EJA
E OS DESAFIOS DA PERMANÊNCIA

Sandra Regina Gavasso Amarantes13


Maria Lúcia Büher Machado14
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
realizada no litoral do Paraná que investigou os desafios do público egresso da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no processo de transição para o ensino
superior público. Com base na aplicação de questionários e entrevistas, analisamos
a trajetória de vida do grupo, os processos de abandono e retomada da vida escolar,
e, em especial o ingresso no ensino superior e as dificuldades de permanência
desses/as estudantes. A análise parte da problematização sobre a ampliação do
acesso a esse nível de Ensino no Brasil ao longo das últimas décadas e, em paralelo
os limites para garantir que as/os ingressantes concluam seus estudos.

Palavras-chave: EJA, ensino superior, acesso, permanência.

ABSTRACT
This article has the objective to present the results from a research realized in the
coast from Paraná, this research investigate the challenges from the public
currently enrolled in Educação de Jovens e Adultos (EJA) in the transition process
to the public higher education. Based on the aplication of questionnaires and
interviews, we examined this group path of life, the abandonment cases, the return
to the school life and in particular the admission in higher education and those
students difficulties to stay studying.The analysis starts with the problematising
about the last decade acess expansion to higher education in Brazil and in parallel
the limits to assure that the entering students finish their studies.

Keywords: EJA, higher education, admission, stay.

13Professora na rede Estadual de educação do Paraná (SEED PR) Graduada em Ciências Sociais, pelo
Instituto Federal do Paraná. Especialização em Metodologia do ensino de Filosofia e Sociologia pela
Faculdade de educação São Luís e Psicopedagogia Institucional pelo Instituto superior do litoral. O artigo
apresentado é resultado da pesquisa desenvolvida no Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação
em Ciências Sociais.
14Docente do Instituto Federal do Paraná - Campus Paranaguá. Doutora em Educação (UNICAMP).

62
Volume VIII

Introdução

Este artigo discute o processo de transição e permanência de


alunos egressos da modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) para
se inserir em cursos de nível superior. A pesquisa foi desenvolvida em uma
instituição de nível superior no litoral do Paraná, com alunos de quatro
cursos superiores. O interesse pelo tema em questão surgiu a partir da
própria realidade, como uma egressa da Educação de Jovens e Adultos,
que migrou para o ensino superior, e vivenciou as dificuldades, o que fez
com que surgisse o interesse pela pesquisa aqui apresentada.
No desenvolvimento da pesquisa utilizamos métodos
quantitativos e qualitativos, respaldada em Haguette (2010). Foram
utilizados inicialmente, como forma de coleta de dados questionários
semiestruturado, aplicado para quatro cursos superiores da instituição. A
opção por aplicar os questionários para todos/as os/as estudantes foi de
traçar um panorama geral dos/as acadêmicos/as, como também uma
forma de localizar os egressos da EJA. Após a análise dos questionários,
foi elaborado um roteiro aberto de entrevistas, que foram realizadas
especificamente com o público foco da pesquisa.

Uma breve abordagem sobre as políticas educacionais da EJA


A educação de jovens e adultos (EJA), segundo a Lei de
Diretrizes e bases da educação (LDB) e destinado aqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na
idade própria. Como disposto na LDB.
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino
assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam
efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus
interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
(LDB, SEÇÃO V, ARTIGO 37)
Ao discutir o processo de formação do público da EJA, Haddad
e Di Pierro (2000) enfatizam que a ampliação da oferta de vagas para
escolarização nas últimas décadas não foi acompanhada de uma melhoria
das condições do ensino, sendo que, hoje, temos mais escolas, porém com
baixa qualidade. Os problemas estruturais do ensino aliando se à situação

63
Vozes da Educação

da baixa renda em que se encontra uma parcela significativa da população,


produz um contingente numeroso de crianças e adolescentes que passam
pela escola sem aprofundar se de um aprendizado significativo, por conta
disso são submetidas a experiências dolorosas de fracassos e repetência
escolar, como consequência acabam por abandonar os estudos.
Surge então um novo tipo de exclusão educacional: se em outros
tempos as crianças não tinham como frequentar a escola por ausência de
vagas, hoje ingressam na escola, mas não aprendem e dela são excluídas
antes de concluir os estudos com êxito. Essa nova forma de exclusão
educacional que vem acompanhando a ampliação do ensino público acaba
produzindo um elevado número de jovens e adultos que, por mais que
tenham passado por uma escolarização no período que se diz próprio, nele
realizaram aprendizagens insuficientes para utilizar com autonomia os
conhecimentos adquiridos em sociedade.
Em uma análise que contemple a educação voltada para o adulto,
a percepção a que se tem, é de que há uma ineficácia do Estado para suprir
e para garantir, por meio de políticas públicas um suporte adequado, e uma
oferta de permanência do jovem e do adulto na escola. Conforme
discutido por Haddad e Di Pierro (2000, p. 126):
[...]. Este tem sido o caminho da educação de jovens e adultos, que ao
sair da preocupação central do Ministério da Educação como
educação fundamental pensada para todos, passou para os espaços
das políticas compensatórias da filantropia e do mercado. Não que
tais programas não tenham espaço por suas características de
inovação e atendimento, no entanto, não podem ser consideradas
substitutas da ação do Estado, mas sim complementares.
As reflexões sobre o percurso das políticas educacionais voltadas
para a EJA ao longo do século XX, as concepções sobre acesso à
escolarização, e as ideias sobre democratização do ensino, conduzem as
reflexões sobre as mesmas questões, porém, em outra etapa de ensino – o
Superior. Ao considerar que é um desafio para o público da EJA concluir
a Educação Básica, como tais desafios se apresentam aos que conseguem
ter acesso ao Ensino Superior?

O Público da EJA e o acesso ao ensino superior: Indo além do prescrito?


Para Bissanella (2014) esta modalidade, em muitos casos,
apresenta um elevado índice de evasão, por diversos fatores, entre os
quais: repetências em série, interrupções por motivos pessoais, falta de

64
Volume VIII

motivação, questões econômicas e muitas outras. São comuns relatos de


que a EJA possui realidades diferentes, algumas com boas condições de
trabalho, outras com estruturas precária, e com falta de profissionais
preparados para trabalhar com o público especifico da EJA.
O autor Miguel Arroyo destaca em seu argumento o direito a
educação desse grupo, perspectiva que em nossa análise não deve se
resumir à Educação Básica:
Um novo olhar deverá ser construído, que os reconheça como jovens
e adultos em tempos e percursos de jovens e adultos. Percursos
sociais onde se revelam os limites de ser reconhecidos como sujeitos
dos direitos humanos. Vistos nessa pluralidade de direitos, se
destacam ainda mais as possibilidades e limites da garantia de seu
direito a educação (ARROYO, 2005, p. 23).
Nesse contexto, ir além significa sonhar com o acesso ao ensino
superior. Apesar de toda problemática a EJA vem tentando cumprir um
papel importante na inclusão escolar do público adulto, porém, segundo
Bernardim (2013) a desigualdade no acesso educacional produz uma
vulnerabilidade e fortalece um contínuo processo de exploração social. Só
o prosseguimento nos estudos, em nível superior, parece alimentar as
necessidades mais amplas do indivíduo no século XXI, pelo menos para
uma boa parte de alunos que ao retomar seus estudos, o fazem visando
dar segmento a ele, muitos se perdem no caminho, como mencionado
anteriormente, mas para os que seguem em frente, alimentam o sonho de
conquistar, uma vaga em um curso superior.
Esta crescente procura por ensino superior tem se intensificado
em instituições públicas de ensino segundo CNE (2012). O notável
crescimento em busca do ensino superior não significa uma permanência
ou até mesmo uma conclusão do curso, fator que não é restrito aos
egressos da EJA, mas que possivelmente tem especificidades nesse
processo:
Nos últimos vinte anos, o Brasil assistiu a um notável processo de
crescimento de seu ensino superior. No começo dos anos noventa,
somavam-se 1.540.080 estudantes matriculados no ensino superior
no Brasil. Esse número saltou para 2.694.245 de estudantes em 2000
e para 6.379.299 em 2011.CNE (2012).
Embora o aumento do número de vagas no Ensino Superior
brasileiro seja constatado, tal fato não traduz necessariamente a redução
das desigualdades nas esferas educacionais. Há que se problematizar

65
Vozes da Educação

questões sobre o acesso ao ensino público ou privado, modalidade


presencial ou EAD, cursos em que há ampliação de vagas, além do desafio
da permanência desses grupos que chegam com um perfil que rompe com
o cenário elitista historicamente presente nas Universidades:
[...] o Brasil tem uma necessidade premente de ampliar o acesso à
educação superior e de democratizar o perfil dos seus alunos, em
especial nos cursos mais concorridos. Constata-se também que a saída
deve dar-se pela expansão do setor público, uma vez que o grau de
privatização apresentado por esse nível de ensino já é um dos maiores
do mundo. (PINTO, 2004, p. 752).
Para Oliveira (2008) ainda não foi feita uma ruptura com o
padrão de seleção para o ensino superior, pois segundo ele ainda há
privilégios com os candidatos que tem um certo capital econômico e
cultural. Como consequência, persiste uma seleção baseada em “aptidões
e capacidades naturais”, sendo assim, consequentemente, asseguram que
os cursos de maior prestígio social estejam destinados a uma elite.
A situação se agrava e ganha uma certa complexibilidade, quando
os estudantes matriculados e inseridos na universidade são trabalhadores
e egressos de uma das modalidades da Educação Básica, a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) e quando estão matriculados nos cursos superiores
noturnos, suas oportunidades de viverem a universidade e toda o universo
de situações que envolve esse período da vida acadêmica, pode ser um
momento de difícil adaptação, com chance se tornar para muitos, período
de restrição, em consequência do trabalho e também da falta de tempo,
ou até mesmo da falta de recursos financeiros, consequentemente, um fase
da vida, uma variável, difícil de ser organizada, quando o assunto é a vida
universitária:
É necessário dinheiro para comprar livros, almoçar, lanchar, pagar o
transporte, etc., mas é necessário também o apoio pedagógico, a
valorização da autoestima, os referenciais docentes, etc. sendo assim,
entendemos que permanência na universidade é de dois tipos. Uma
permanência associada as condições materiais de existência na
universidade, denominada por nós de permanência material e outra
ligada as condições simbólicas de existência na universidade, a
permanência simbólica. Antes vale dizer que entendemos por
condições simbólicas a possibilidade que os indivíduos têm de
identificar-se com o grupo, ser reconhecido e de permanecer a ele.
(Santos, 2009, p. 70).

66
Volume VIII

Segundo Durham (2010) o principal obstáculo é externo ao


sistema de ensino superior, e diz respeito à enorme desigualdade
socioeconômica que caracteriza a sociedade brasileira. No mundo todo, o
desempenho dentro da universidade está associado ao nível de renda.
Populações com um certo nível de pobreza, dificilmente completam a
escolarização, e dificilmente teriam acesso à universidade, pois não
possuem nem o estimulo familiar, e muito menos uma tradição de
letramento vindo de suas gerações passadas.
Estudantes que não tem uma tradição familiar vinculada a um
capital cultural, certamente estaria reproduzindo uma baixa autoestima,
que dificultaria a sua adaptação no ensino superior. Visto que a escola não
conseguiu até hoje criar e desenvolver métodos e técnicas de ensino que
permitissem as crianças oriundas das classes desfavorecidas superar as
deficiências que vem das gerações familiares, pois já trazem consigo um
vício de baixo desempenho escolar, que dificilmente será sanado no ensino
superior. Durham (2010).
A questão levantada por Durham (2010) é legitimada por
Bourdieu (1992), quando o autor enfatiza que os jovens das camadas
medias e populares diante das falsas promessas do sistema de ensino, um
ensino que foi atribuído como sendo o de uma educação transformadora
e democrática, passou a ser mais um sistema de ensino que reproduz e
legitima a desigualdade social.
Para Bourdieu (1992) esse capital cultural abre portas e auxilia
na permanência do estudante de ensino superior, esse grupo é
predestinado a permanecer na universidade, enquanto o aluno que não
tem as mesmas condições, nem o capital cultural e tão poucas as condições
financeiras para permanecer na universidade, esse possivelmente não terá
como concluir o curso, alimentando a estatística de evasão nas
universidades. Segundo Bourdieu (1992) a legitimação das desigualdades
sociais ocorreria, por sua vez, indiretamente, pela negação do privilegio
cultural dissimuladamente oferecido aos filhos das classes dominantes.
Assim afirma Bourdieu:
Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e
desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que
a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite
dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação das
desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais.

67
Vozes da Educação

Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais


que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema
escolar é levado a dar sua sanção as desigualdades iniciais diante da
cultura. Bourdieu (2007 pg 53)
O processo de conquista dos estudantes universitários, oriundos
da Educação de Jovens e Adultos, para o acesso na universidade e também
para se manter nela, traz uma reflexão sobre o ensino superior no Brasil,
tendo em vista o acesso de estudantes com perfil diferente do habitual na
universidade, alunos que surgem das camadas sociais e culturais menos
favorecidas, onde muitas vezes tem que ser levado em conta que para
muitos a tradição familiar de formação acadêmica superior pode ser um
sonho pouco alcançado.(Almeida et al, 2012, p. 899).
As questões apresentadas pelos/as autores/as foram base para a
análise que desenvolvemos junto a uma Instituição do Ensino Superior
localizada no litoral paranaense, onde buscamos investigar o percurso e a
experiência vivenciado por essas mulheres e homens desde a retomada da
vida escolar, passando pelo acesso ao Ensino Superior e enfrentando os
desafios da permanência e conclusão da graduação.
No desenvolvimento dessa pesquisa foram utilizados métodos
quantitativos e qualitativos. Inicialmente foram aplicados questionários
predominantemente com questões fechadas. A utilização desse
instrumento de pesquisa tinha como objetivo uma análise que envolvesse
os discentes da instituição pesquisada, para em um segundo momento
conhecer o público alvo de nossa pesquisa.
Dessa forma inicialmente aplicamos o instrumento de pesquisa
para todos os estudantes dos cursos superiores, independentemente de
serem ou não egressos da EJA. Embora não tenha sido nosso objetivo
a análise individualizada dos cursos, indiretamente os dados levantados
auxiliaram nas reflexões construídas ao longo da pesquisa.
Entre os quatros cursos selecionados, somou se um total de
cento e cinquenta e três questionários aplicados e respondidos. E assim,
buscamos com essa pesquisa conhecer o público que frequenta os cursos
de nível superior ofertados na instituição pesquisada, para então seguir
com a análise pretendida nesse trabalho, ou seja, especificamente o grupo
egresso da EJA.

68
Volume VIII

Quadro 1. Alunos que responderam ao questionário e o curso que frequentam:


CIÊNCIAS FÍSICA TECNOLOGIA EM ANÁLISE DE TECNOLOGIA EM
SOCIAIS DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS MANUTENÇÃO INDUSTRIAL
58 35 34 26

NÚMERO DE ESTUDANTES EGRESSOS DO EJA POR CURSO

CIÊNCIAS FÍSICA TECNOLOGIA EM ANALISE DE TECNOLOGIA EM


SOCIAIS DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS MANUTENÇÃO INDUSTRIAL
06 02 02 0
Fonte: Elaboração da autora

No decorrer da pesquisa com a análise dos questionários


podemos evidenciar que em um total de pesquisas feitas com 158 alunos
o público de egressos da EJA nos cursos superiores, refere se a um público
numericamente reduzido, como identifica-se no Gráfico 1.

Gráfico 1: Em algum momento da sua trajetória escolas você frequentou a educação de jovens e
adultos?

FREQUENTOU O EJA

6%

94%

Sim Não

Fonte: Questionários aplicados na pesquisa

Em nossa pesquisa buscamos conhecer o público que está


inserido nos cursos de nível superior, com o objetivo de encontrar entre
os estudantes matriculados, os que em sua trajetória escolar tenham
frequentado a EJA. Se verificarmos o número de acadêmicos que
migraram da EJA para a instituição pesquisada, percebemos com a figura
acima, que na instituição em questão, há uma parcela bem baixa de
egressos, o que pode revelar como o acesso ao ensino superior ainda é um
objetivo distante para esse universo.
Diversos são os fatores que impossibilitam o jovem e o adulto
de ingressarem em um curso superior. Para Bordieu (1998) parte dessa
evasão está ligada a falta de um capital cultural, segundo o autor o capital

69
Vozes da Educação

cultural constitui elemento da bagagem familiar que teria o maior impacto


na definição do destino escolar; famílias desprovidas de um capital
cultural, e com um nível sócio econômica baixo, certamente não tem
bagagem cultural e nem econômica para contribuir no período escolar de
seus filhos, são nessas fases da escolarização que a criança começa a se
deparar com os primeiros casos de desigualdade, segundo o autor, o
auxílio dos pais soma-se ao capital cultural adquirido no meio em que vive.
Nesse sentido Bourdieu argumenta que:
As crianças oriundas dos meios mais favorecidos não devem ao seu
meio somente os hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas
tarefas escolares, e a vantagem mais importante não é aquela que
retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam dar. Elas herdam
também saberes (e um savoir-faire), gostos e um bom gosto, cuja
rentabilidade escolar é tanto maior quanto mais frequentemente esses
imponderáveis da atitude são atribuídos ao dom. (Bourdieu 1998 pg
45)
A questão nos remete a relação entre escolaridade e trajetória
familiar, aspecto contemplado no questionário. Os dados revelaram que
em relação ao público geral matriculado nos cursos superiores, 49% dos
estudantes são os primeiros da família a ter acesso ao ensino; quando se
trata dos egressos da EJA em relação a mesma questão o percentual é de
43%. Esses dados ratificam os argumentos de autores como Durham
(2010) que apontamos anteriormente, acerca do desafios que esse público
oriundo das camadas populares enfrentarão no rito acadêmico.
Em relação a representação que os próprios estudantes tem
sobre egressos da EJA, 71 % afirmam que estes terão mais dificuldade no
ensino superior, sendo que 53% destacam a necessidade de uma atenção
especial por parte dos docentes. A questão é que muitas vezes docentes
do ensino superior sequer tem conhecimento sobre o histórico geral de
discentes, e menos ainda de suas especificidades.

70
Volume VIII

Gráfico 2: Os egressos da EJA na perspectiva de estudantes

Fonte: Questionários aplicados pela autora

Além dos desafios de uma trajetória escolar conflituosa, que


reflete na vivência no mundo acadêmico, há ainda o tempo de afastamento
dos estudos. Perguntamos: Há quanto tempo você não estudava antes de entrar
nesse curso?

Gráfico 3 e 4 – Intervalo de tempo entre médio e acesso ao Ensino Superior

Fonte: Questionários aplicados pela autora

As dificuldades encontradas pelos jovens e adultos muitas vezes


é relacionada ao tempo que fica afastado da escola, na universidade essa
dificuldade fica mais visível. No gráfico acima, que representa todos os
alunos dos cursos de nível superior pesquisados que participaram da
pesquisa, percebemos que muitos alunos não migraram diretamente do
ensino médio para a universidade; para os alunos egressos da EJA o maior

71
Vozes da Educação

período afastado da escola antes de entrar no ensino superior é de 45%


dos alunos que dizem ter ficado longe da escola por mais de dez anos.
É um equívoco pensar que somente alunos oriundos da educação
de jovens e adultos deixam de estudar, podemos verificar que mesmo os
alunos que concluíram as fases escolares no período considerado regular,
também deixaram de estudar por um certo tempo antes de entrar na
faculdade. Não há como ignorar o reflexo que as experiências escolares
anteriores marcadas por dificuldades e interrupções tem sobre a vivência
no curso superior
Em relação à análise da categoria de gênero, constata-se que, há
uma aproximação entre o número de homens e mulheres no público em
geral dos cursos superiores no local pesquisado, nos gráficos a seguir pode
se observar a comparação feita entre os alunos engessados no EJA e os
alunos da mostra a figura acima, embora o número dos estudantes supere
o número das estudantes.

Gráfico 5 e 6: Gênero de estudantes:


Público total

1%
Feminino
44% Masculino
55%
Outros

Egressos da EJA

0% Feminino
40% Masculino
60%
Outros

Fonte: Questionários aplicados na pesquisa.

Esse quadro se inverte ao verificarmos o público oriundo da


educação de jovens e adultos, onde a porcentagem de mulheres
matriculadas é de 60% enquanto 40 % dos matriculados são homens. A

72
Volume VIII

evidência de que há um número maior de egressas da EJA, coloca algumas


questões sobre os dados e as relações sociais de gênero - esse número é
maior ao olharmos especialmente para a EJA devido ao histórico dessas
mulheres, onde atribuições construídas culturalmente como
responsabilidade da mulher protelaram a escolarização e, em especial, a
possibilidade do acesso ao ensino superior para o grupo? Como pistas para
essa questão apontamos o dado de que 38 % das entrevistadas desistiram
de estudar ao longo de sua trajetória escolar devido a proibição do esposo
ou companheiro.

O cotidiano acadêmico
A chegada à universidade é a descoberta de um mundo, no qual,
antes de qualquer coisa, é preciso se situar, Coulon (2008) argumenta que
o público adulto quando migra para a universidade descobre uma realidade
de um mundo no qual ele não imaginava, o currículo acadêmico, as
cobranças, os novos companheiros de turma, além de outros problemas
enfrentado por esses alunos na universidade. Sendo assim:
Segundo os estudantes este mundo se manifesta de várias maneiras(...)
para se tornarem estudantes competentes, os estudantes devem
realizar certo número de novas aprendizagens: algumas dependem da
afiliação institucional, outras, de caráter cognitivo, podem ser
agrupadas sob a expressão de afiliação intelectual. (Coulon 2008
p.144)
O autor reforça que para o público adulto a entrada na
universidade marca uma ruptura com o domínio de seus hábitos, é a
descoberta de outro mundo, e para muitos esses momentos parecem ser
desestabilizador. Tal instabilidade, no caso de nossa pesquisa, se manifesta
ao longo do curso nos momentos em que os estudantes pensam em
desistir, conforme relataram 67 % dos entrevistados.
A questão da desistência nos remete ao questionamento sobre
situações que, na perspectiva de estudantes, dificultam a permanência no
curso, um dos aspectos centrais para a nossa pesquisa. Apresentamos no
questionário duas questões que se complementavam- a 1ª sobre as
dificuldades que a respondente enfrentava ao longo do curso - os itens
destacados foram de aprendizagem e de relacionamento com docentes,
ambos em um índice de 20%. A 2ª questão era sobre a opinião das mesmas
sobre o que dificultava a permanência de estudantes de um modo geral:

73
Vozes da Educação

Gráfico 7: Causa da dificuldade de permanência – EJA

Fonte: Questionários aplicados na pesquisa.

Podemos observar que nesse aspecto, houve uma centralidade na


questão docente, seja esta- na perspectiva das estudantes- pelo “alto nível
de exigência”, ou pelo desconhecimento docente da realidade discente.
Tais concepções reafirmam alguns apontamentos sobre o novo público
que chega até o ensino superior, e o descompasso em relação a alguns
procedimentos que parecem consolidados no espaço acadêmico.
O terceiro aspecto destacado é a dificuldade de locomoção, de
mobilidade para chegar até a Instituição, aspecto relevante ao
considerarmos as péssimas condições de transporte urbano ao qual o
litoral paranaense é submetido, desde preços abusivos de passagens, até
itinerários e horários do transporte público. 15
As dificuldades apresentadas não se restringem as egressas da
EJA, porém, argumentamos que aqui se apresenta uma sobreposição de
desafios, ao consideramos a trajetória escolar e de vida do público alvo da
pesquisa, aspectos que tratamos a partir da realização de entrevistas, e
apresentaremos no próximo item.

Para exemplificarmos o custo da passagem de um único trecho no transporte público entre o


15

Município de Pontal do Paraná e Paranaguá, em um percurso médio de uma hora custa R$ 5,20,
ou seja, a estudante deverá dispor de no mínimo R$ 10,40 diários para chegar até a Instituição.

74
Volume VIII

As narrativas de estudantes egressos da EJA


Após a análise dos questionários, foi elaborado um roteiro aberto de
entrevistas, realizadas com três acadêmicas e dois acadêmicos egressos da
EJA. As entrevistas foram gravadas e transcritas, realizadas em local e data
determinada pelas participantes. Centralizaremos neste texto as questões
de trajetória, permanência e desistência do curso.
Embora consideremos que os desafios estão presentes na
trajetória de todos/as os/as estudantes de cursos superiores,
argumentamos que para o/a estudante oriundo da EJA, que já vem com
um histórico de evasão em sua trajetória escolar, há uma sobrecarga desses
desafios, mesmo que simbolicamente, e que em alguns casos, se concretiza
de forma objetiva.
Ao tratar do ambiente escolar, Bourdieu e Passeron (2009)
argumentam que o ambiente escolar é um meio onde se verifica
nitidamente a presença da Violência Simbólica, pois, trata-se de um dos
campos mais eficazes para legitimar as reproduções das estruturas sociais:
Violência suave que ocorre onde se apresentam encobertas as relações
de poder que regem os agentes e a ordem da sociedade global. Nesse
sentido, o reconhecimento da legitimidade dos valores produzidos e
administrados pela classe dominante implica o ‘desconhecimento’
social do espaço, onde se trava, simbolicamente, a luta de classes.
(BOURDIEU 1989. p. 15)
A estudante “A”, mulher negra, relata em sua entrevista momento
de sua trajetória escolar, que viveu casos de violência simbólica, expressa
em posturas racistas, como podemos verificar no relata abaixo:
Então foi difícil, sempre fui mal na escola porque eu não tinha
incentivo, eu tinha muita dificuldade na escola, naquela época tinha
muito bullying, até hoje eu não consigo soltar meu cabelo entendeu,
eu tenho…como que eu posso fala, eu era sempre a única negra da
sala, eu ficava sempre na última carteira da sala, a professora nunca
chegava perto de mim, entendeu, eu era aquela criança que ia suja pra
escola, não tinha material, entendeu, eu sempre tive vergonha, eu
sempre fui aquela criança reprimida na sala de aula entendeu, e que as
vezes eu..... Eu adorava ir para a escola, mas chegava lá eu me isolava,
ééé, eu sinto esse meu comportamento que eu trouxe até hoje isso me
faz mal, eu tento quebra isso de dentro de mim que foi situações da
infância que acaba refletindo(..) (1ª entrevista, aluna “A” 39 anos)

75
Vozes da Educação

A trajetória familiar, as questões de classe social acompanham a


História desses estudantes que decidiram desafiar o que estava
supostamente determinado para o seu caminho:
(...) os estudos foram muito difíceis, quem conseguiu estudar mesmo
foi meus últimos irmãos, os três últimos, mais tarde eles concluíram
os estudos e fizeram uma faculdade a distância, mas foi por eles
mesmos, porque correram atrás, e não por ajuda dos meus pais, eu
comecei a trabalhar com sete anos de idade, pra mim foi muito difícil,
eu não tinha apoio dos meus pais na escola, também porque naquela
época não tinha necessidade de estudo, quem tinha estudo era filho
de rico né, nos da classe pobre não tinha estudo, nos trabalhava de
vender picolé, de carroceiro, mecânica de automóvel, então quer
dizer, desde pequeno trabalhando sem condições de estudar, não por
falta de vontade, eu queria muito estudar.” (4ª entrevistado, Pedro
Paulo 50 anos. )
Conforme apontamos a partir do levantamento de dados
quantitativos, um dos desafios para as mulheres é frequentar a Escola
diante das responsabilidades do trabalho doméstico, e, em especial da
criação de filhos/as;
(…) eu tinha que voltar a estudar, mas eu não podia mais abandonar
meu filho, e eu não tinha com quem deixar (…) eu sempre tive essa
vontade de estudar só não tinha quem me ajudasse com meu filho,
esperei meu filho completar 10 anos, quando meu filho completou 10
anos eu voltei a estudar no CEBEJA (…) então eu fazia assim, eu
chegava do trabalho, deixava meu filho quietinho e dizia, a mãe vai ali
e já volta, ia na escola, e ficava na escola uma hora mais ou menos, e
corria para casa ver o meu filho, e assim eu fui estudando.
(1ªentrevista, Aluna “A” 39 anos.)
Os desafios em relação a responsabilidade pelos filhos quando
elas chegam ao ensino superior não diminuí. Segundo Dias Junior e
Verona (2016 pág. 112), mesmo com os avanços sociais, econômicos,
políticos e culturais observados nas últimas décadas, as mulheres
continuam em desvantagem em relação aos homens.
Assim, conforme aponta Hirata (2003 pag.15) a relação entre
trabalho doméstico e afetividade parece estar na origem dessa
permanência. Na realidade, as alterações na divisão do trabalho doméstico
são muito superficiais, mesmo com o desenvolvimento das tecnologias
para uso doméstico, a divisão sexual desse tipo de trabalho e a atribuição
do mesmo às mulheres continuaram visíveis. Hirata (2003, p. 22).

76
Volume VIII

Não obstante a trajetória dessas mulheres e homens seja marcada


pela superação, o cotidiano acadêmico é um novo exercício de superação.
Ao conversarmos sobre a permanência no curso, a estudante B menciona:

É muito difícil, no começo eu me perguntava, o que é que eu estou


fazendo aqui? O que é esse curso? Eu vou enlouquecer(...) muitos,
mais muitos momentos, eu saia daqui dizendo, eu não volto mais, não
é fácil, não tem condições, não dá... (2ª entrevista, aluna “B” 50 anos.)
Os métodos e práticas docentes também desvelam os embates a
serem enfrentados no cotidiano acadêmico:
Você não tem ajuda nenhuma de professor, eles passam a matéria e
dizem assim, isso aí você já tinha que ter aprendido, eles sabem que a
gente tem uma necessidade de aprendizado, que a gente não aprendeu
lá trás, e que necessita deles, e não tem ajuda. No primeiro e no
segundo ano da minha faculdade foi horrível, pois a gente trabalha o
dia inteiro, e tinha que estuda de noite, eu estudava até a meia noite,
até uma, duas horas da madrugada, eu ficava estudando. (4ª entrevista,
aluno “D” 50 anos.)
Certamente responsabilizar unicamente o/a docente pelas
dificuldades enfrentadas por estudantes egressos da EJA na conclusão
do curso superior seria uma abordagem culpabilizante e unilateral; porém,
não se pode ignorar as configurações que envolvem Instituição e
sociedade nesse processo que revela a necessidade urgente da superação
do discurso de democratização de Ensino, para sua real efetivação.

Considerações finais
Com esse trabalho buscamos identificar, analisar e discutir sobre
as dificuldades encontradas no ensino superior pelo público da EJA.
Tanto nas entrevistas quanto na aplicação de questionários encontramos
diversas situações no que se refere as dificuldades vivenciadas pelo aluno
oriundo da EJA no ensino superior, não apenas de ingresso nessa
modalidade de ensino, mas também para se manter.
No âmbito externo, questões como mobilidade, atribuições de
gênero, questões de classe social, ou até mesmo desinteresse pela área do
curso interferem na permanência dos estudantes no curso. A situação
econômica, condição social, a ausência de um capital cultural, o
preconceito racial, bullying, entre outras dificuldades vivenciadas na fase
de escolarização, refletem no ensino superior.

77
Vozes da Educação

No âmbito interno institucional , a ação do docente no cotidiano


acadêmico, em alguns casos, se apresenta de uma forma arbitrária para
com os acadêmicos, mesmo para os que ingressam na universidade logo
depois de concluir o ensino médio sem interrupção de estudos, as
dificuldades são diversas, pois o ensino superior traz uma nova realidade,
essas dificuldades ganham uma proporção bem mais elevada quando
falamos de alunos que estão um certo tempo sem estudar, como por
exemplo alunos egressos da EJA. Esses alunos têm acesso a instituições
de ensino superior, podem utilizar de cotas públicas, e ingressar na
universidade, mas muitos acabam evadindo se da academia, não
conseguem suportar a carga de conteúdo, resultado de uma pedagogia
arbitraria. (Bourdieu e Passeron 2009).
Ao concluirmos esta pesquisa, as entrevistas apontaram que
apesar de todas as dificuldades que o público da EJA encontrou no ensino
superior, uma boa parte dos entrevistados pretende concluir o curso em
andamento, buscando superar as possíveis dificuldades presentes no
decorrer do curso. Muitos têm a pretensão de buscar ao termino do curso
se inserir em um mestrado e talvez em um doutorado. Para esses
estudantes, vindo de um passado de muitas privações, a entrada na
universidade tem um significado muito importante, o desejo de
permanência e de conclusão pode ser de transformação pessoal para esses
sujeitos, pode representar para muitas a conquista de uma dignidade
humana.

78
Volume VIII

Referências bibliográficas
ARROYO, M.G. Operários e Educadores se identificam: que rumos
tomará a educação brasileira? Educação e sociedade. São Paulo. 1980
BRASIL. Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases
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ensino médio e estudantes universitários. São Paulo. 2013
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2007.
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<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=do
wnload&alias=14811-rceb001-13-pdf&category_slug=dezembro-2013-
pdf&Itemid=30192 >
DI PIERRO, Maria Clara. Notas sobre a redefinição da identidade e das
políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Educação e
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MEC/Inep. _______. (2011), Censo da educação superior: resumo
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HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia - 12.
ed. - Petrópolis, RJ, Vozes, 2010.
BISSANELLA, P.B.G. EJA e ensino superior: um estudo sobre trajetórias
de egressos e a transição para o ensino superior no município de Caxias
do sul. X AMPED, Florianópolis, 2014.
MOUTINHO, Simone Maria Bandeira. Um pouco da história. Disponível
em: <http://paulofreirefae.blogspot.com.br/p/eja-no-brasil.html. >
Acesso em 02/05/16.

79
Vozes da Educação

OS FATORES NEUROTRÓFICOS E A APRENDIZAGEM:


COMO A NEUROCIÊNCIA PODE FACILITAR O TRABALHO EM
SALA DE AULA

Silvania Maria da Silva Gil 16

RESUMO
Fatores Neurotróficos Derivados da Glia (GNDF) e Fatores
Neurotróficos Derivados do Cérebro (GNDF) são proteínas secretadas
pelas células gliais que “amolecem” células ou organismos mortos. Sua
remoção é feita pelas Micróglias, células da glia responsáveis pela limpeza
dessa matéria inerte, abrindo espaço para a neurogênese e a renovação
natural das células da glia. A ética não permite a manipulação dos Fatores
qualitativamente deficientes, mas um ambiente agradável e desestressante,
aliado à apresentação de figuras, aumenta sua produção, compensando a
baixa qualidade com a alta quantidade. O aumento da produção melhora
o aprendizado.
Palavras-chave: apoptose, fatores neurotróficos, aprendizado.

ABSTRACT
Glia Derived Neurotrophic Factors (GNDF) and Brain Derived
Neurotrophic Factors (BDNF) are proteins secreted by glial cells that
"soften" dead cells or organisms. Its removal is done by microglia, glial
cells responsible for cleaning this inert matter, making room for
neurogenesis and natural renewal of glial cells. Ethics does not allow the
manipulation of qualitatively deficient Factors, but a pleasant and stressful
environment, combined with the presentation of figures, increases its
production, compensating the low quality with the high quantity.
Increased production improves learning.
Keywords: apoptosis, neurotrophic factors, learning.

Mineira de Belo Horizonte. Mestranda em Educação na Universidade Católica de Santos.


16

Professora, Especialista em Neurociências e Educação, Educação Especial e Inclusiva,


Psicopedagoga, Psicanalista.

80
Volume VIII

Introdução

A neurociência atua como contribuição para a educação no


sentido de reunir conteúdos que são úteis para a estimulação do cérebro.
Ou seja, permite que o professor melhore seu desempenho em sala de aula
com informações que lhe vão facilitar, de forma simples, organizar sua
maneira de ensinar.
A neurociência é uma ciência nova que estuda o sistema nervoso
central e sua complexidade. Contribui com a pedagogia quando nos
permite entender o funcionamento cerebral e explicita que cada sujeito é
um sujeito único. Ela traz para a educação a contribuição do
conhecimento da memória, do esquecimento, do movimento, dos
sentidos e da linguagem, contribuindo para a ação pedagógica.
Trazendo o aluno como sujeito cerebral com sua singularidade
dentro de uma pluralidade que é a sala de aula, desperta no professor a
importância do diálogo no processo de ensino-aprendizagem.
Os nossos cérebros são únicos e sofrem alterações na medida em
que aprendemos. Quando nós, professores, entendemos as dimensões do
sujeito e das suas necessidades, capacidades e limitações, percebemos
como é complexo o processo de aprender.
A relação entre o desenvolvimento humano e a aprendizagem é
inegável, e determinam-se mutuamente.
De acordo com Tavares & Alarcão (2005) “o desenvolvimento
humano é um aperfeiçoamento progressivo da estrutura do sujeito, sendo
a aprendizagem um processo de construção interna que gradualmente leva
o sujeito a adquirir aptidões e competências”. Dessa forma o
desenvolvimento humano potencializa a aprendizagem.
Nosso cérebro é uma máquina poderosa que realiza várias
funções. Desde o controle da temperatura corporal, pressão arterial,
frequência cardíaca, respiração, processa milhares de informações vindas
da audição, da visão, do olfato e ainda controla todos os nossos
movimentos, nos faz sonhar, pensar e sentir emoções.
O cérebro das crianças é uma máquina formidável de aprender.
Cada dia que vão para a escola ocorre uma quantidade infinita de sinapses.
Suas preferências mudam, novas estratégias aparecem, redes novas se
formam.

81
Vozes da Educação

O cérebro
O cérebro realiza várias funções. Vamos falar um pouco das
estruturas do Sistema Nervoso Central e o que cada uma delas faz.
A - Os neurônios
As células nervosas que compõem o nosso cérebro são chamadas
neurônios e são mais ou menos em torno de 100 bilhões. Elas transmitem
sinais eletroquímicos como se fossem entradas e saídas de uma grande
rede de computadores. Esse aspecto eletroquímico faz com que os
neurônios transmitam sinais e mensagens a longa distância, de um para
outro.
Possuem três partes básicas: corpo celular, axônio e dentritos.

Disponível em: https://www.todamateria.com.br/neuronios/

 Corpo Celular: parte principal, contém todos os componentes


necessários da célula, como o núcleo (que contém o DNA),
retículo endoplasmático e ribossomos (para construir proteínas)
e mitocôndrias (para produzir energia). Se o corpo celular
morrer, o neurônio morre.
 Axônio: transporta a mensagem eletroquímica (impulso nervoso)
pela extensão da célula. Dependendo do tipo de neurônio, alguns
axônios são recobertos por uma fina camada de mielina,
funcionando como isolamento. A mielina é feita de gordura e
deixa pequenos espaços, chamados nódulos de Ranvier, que

82
Volume VIII

ajudam a acelerar a transmissão de um impulso nervoso através


de um axônio longo, num processo chamado de saltatório (o
estímulo salta de nódulo em nódulo). O conhecimento básico
do funcionamento dos neurônios é importante porque é através
deles que aprendemos e armazenamos essa aprendizagem. Eles
têm a função de captar os estímulos recebidos pelas sensações e
de transformá-los em informação para aprender.
 Dentritos: são prolongamentos finos e geralmente ramificados
que conduzem os estímulos captados do ambiente e de outras
células em direção ao corpo celular.
 B - Células da Glia
Além de muitos neurônios, o sistema nervoso apresenta-se
constituído pelas células da glia. A função dessas células é dar sustentação
aos neurônios e auxiliar seu funcionamento.
Tipos de células gliais:
 Os astrócitos dispõem-se ao longo dos capilares sanguíneos do
encéfalo controlando a passagens de substâncias no sangue para
as células do sistema nervoso, fazem a defesa dos sistema e
distribuem o sangue para todo o cérebro.
 -Os oligodendrócitos constroem a bainha de mielina em volta
dos axônios com dois objetivos: proteger o axônio de acidentes
e deixar partes sem proteção, chamados nódulos de Ranvier, para
obrigar o estimulo a saltar e aumentar a velocidade do sistema.
 -As microglias são células macrófagas, que fazem a limpeza do
sistema removendo células mortas.
Assim quando os neurônios fazem as sinapses, formando uma
extensa rede e em consequência aumentando o tamanho da massa cerebral
estão fazendo ligações usando as células gliais.

83
Vozes da Educação

Disponível: http://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/nervoso2.php

Assim, o cérebro recebe um estímulo (uma palavra, um som, uma


luz, dor, febre, qualquer acontecimento externo ou interno que
desequilibra o indivíduo), ele constrói sinapses neuronais dentro da área
responsável por processar o estimulo e aumenta o conhecimento.

Os fatores neurotróficos e a aprendizagem


Os Fatores Neurotróficos Derivados da Glia (GNDF) e Fatores
Neurotróficos Derivados do Cérebro (BNDF) são proteínas produzidas
pelas células da glia e pelo cérebro , cuja função é “amolecer” organismos
ou células mortas para possibilitar sua fagocitação. São acionadas todas as
vezes que as células macrófagas precisam fazer a limpeza do local, para
possibilitar o “nascimento” de novas células naquele local.
Os fatores neurotróficos manipulados intencionalmente
provocam reações confortáveis ou desconfortáveis em cobaias, sugerindo
que o mesmo poderia ocorrer com seres humanos. Através da construção
de ambiente propício, favorável aos sentidos, é possível aumentar a
produção de Fatores Neurotróficos, em consequência incrementando a
fagocitação e o aprendizado. Podemos chamar esse processo de Dieta
Sensorial: um ambiente onde o sujeito tenha sensação de harmonia nos
cinco sentidos.
Em resumo: um ambiente calmo, sem ruídos estressantes,
alimentação adequada, odores e cores agradáveis, adicionado à

84
Volume VIII

apresentação de figuras, aumenta a produção de Fatores Neurotróficos e


a fagocitação de células mortas, aumentando a neurogênese, as sinapses e
o aprendizado.
Dessa forma pesquisas científicas usando cobaias demonstraram
que a apresentação de figuras aumenta em oito vezes a produção de fatores
neurotróficos. Pesquisas também demonstraram que ruídos acima de 8,0
Hertz fazem cessar a fagocitação. Desse modo, o método de apresentação
de figuras e fonemas, num ambiente de baixo ruído é o ideal para a
alfabetização.

Todos Aprendem, 2016

Uma das mais importantes descobertas que a neurociência


demonstrou recentemente fez cair por terra à convicção de que nascemos
com um determinado número de células nervosas – os neurônios – e que
nenhum será acrescentado por toda a vida. Ao contrário, já se sabe que
“nascem” novos neurônios o tempo todo, em duas áreas cerebrais: a que
corresponde ao olfato e no Hipocampo, esta última à área responsável
pela assimilação de novos conhecimentos.
Em linguagem comum e acessível, um estímulo chega ao cérebro
através do Hipocampo, que “acorda” um grupo de neurônios para que
processem a nova informação. Assimilada, essa nova rede neuronal é
enviada ao Córtex Cerebral, espécie de biblioteca, onde ficará armazenada.
Usando termos piagetianos, poderíamos afirmar que é no
Hipocampo que se dá a assimilação, e é no Córtex que ocorre a
acomodação. O resultado desse processo configura a adaptação, uma nova
configuração cerebral, com novos conhecimentos armazenados na grande
biblioteca cerebral.
Voltemos ao Hipocampo: um estímulo invade a área, e neurônios
novinhos em folha surgem para assimilá-lo; células gliais também dizem

85
Vozes da Educação

presente para auxiliar nas sinapses e na formação da rede neuronal;


estabelecida a nova rede, o conhecimento segue para o Córtex. O tempo
total do processo de assimilação do novo conhecimento é compatível com
o tempo da divisão mitótica de uma célula, aproximadamente 40 minutos.
Isso posto, podemos inferir que, em sala de aula, um assunto
deve ser abordado durante esse tempo aproximado, para que todos os
estudantes da sala possam assimilar o novo conhecimento. Significa dizer
que o ideal é começar um assunto novo após esse tempo, e que a atual
divisão do tempo das aulas é boa e é recomendada.
Neurônios frutos da neurogênese, no Hipocampo, ficam
disponíveis por aproximadamente duas semanas, ao fim das quais, se não
forem utilizados, fazem apoptose. Para maximizar o aprendizado, o
professor deve introduzir um assunto novo a cada 14 dias. A razão desse
tempo tem relação também com o Córtex Cerebral: ocorre que apenas
aprendizados inéditos são aceitos para inclusão na grande biblioteca,
sendo os assuntos já acomodados descartados de imediato.
Assim, se o professor não introduzir conteúdo inédito a cada
duas semanas, a rede neuronal que se constituiu para assimilar, será
rejeitada pelo Córtex, provocando uma perda sensível de neurônios e
células gliais.
Há que ficar atento ao processo de assimilação-acomodação. Em
tese, a menos que haja uma disfunção fisiológica, todas as pessoas são
capazes de assimilar conteúdos e acomodá-los no Córtex cerebral.
Nenhuma deficiência impede esse processo. As dificuldades residem em
como cada pessoa é capaz de verbalizar o que foi assimilado: cada um de
nós possui mecanismo próprio de demonstrar o aprendizado.
Ou seja: o processo de assimilação e acomodação, que é de fora
para dentro, acontece sempre; o processo de demonstração do que foi
assimilado, que é de dentro para fora, é diferente em cada pessoa. No
entanto, não ser capaz de verbalizar ou demonstrar o aprendizado não
significa que ele não aconteceu.
O professor deve se esforçar em compreender qual é a forma
mais confortável que cada estudante encontra para demonstrar o
conhecimento assimilado, adequando as avaliações para cada um.
Embora, à primeira vista, possa parecer uma tarefa estafante, é preciso
verificar que a maioria dos alunos de uma sala de aula consegue dar conta

86
Volume VIII

de avaliações tradicionais, e as adequações são necessárias para apenas uma


pequena parcela da classe.
Algumas pessoas também possuem método próprio de
assimilação, diferente da conhecida alfabetização, que parte do princípio
de que crianças precisam antes reconhecer letras para depois construir
palavras. São pessoas de pensamento linear e concreto. Para essas há um
método, descrito no estudo de caso a seguir.

Relato de experiência: O Sociograma de figuras


Este instrumento é de propriedade da DMA Psicopedagogia,
descrito no livro “O Dom do Autismo”, usado pela equipe em
alfabetização de crianças com dificuldades de comunicação, com e sem
deficiência. E será descrito aqui como no original.
O instrumento:
O sociograma é feito em cartolina com dois retângulos
concêntricos. No interno colocamos a figura que desejamos e no externo
as opções que a criança tem para juntar a figura com a representação
gráfica (a figura da bola é intima à representação gráfica “bola”, portanto
ambos têm que ficar no quadrado interno). O processo segue o conceito
contrário à alfabetização: ensinamos palavras completas, prontas, para
depois de assimiladas passarmos às sílabas e, após, às letras que a
compõem. O roteiro é:
1. Escolhemos 3 figuras conhecidas da criança e que
tenham semelhanças ortográficas (BOLA- BALA-BOCA). Colocamos a
figura de uma delas dentro do quadrado menor e as três palavras no
quadrado maior. A tarefa da criança é reconhecer a palavra
correspondente e colocá-la no quadrado interno. Quando a criança acerta
a tarefa, felicitamos, agradecemos e passamos à segunda figura, depois à
terceira.
2. Tendo certeza de que a criança já discrimina entre essas
três, escolhemos um novo trio de figuras, e repetimos a sequência.
3. Passamos ao terceiro e último conjunto de três figuras.
4. Nesta etapa, escolhemos uma figura de cada conjunto e
repetimos a sequência; depois, outras figuras de cada conjunto e
finalmente o último conjunto com uma figura de cada grupo.
5. Tendo certeza de que a criança discriminou em todas as

87
Vozes da Educação

etapas, lançamos o último desafio: as nove palavras vão ser fixadas no


quadrado externo e passamos as figuras correspondentes, uma a uma, no
quadrado interno. A sequência está completa quando a discriminação
chegar a um acerto de mais de 70% (6 figuras em 9).
Obs: toda sequência deve usar o conceito das habilidades e não
das dificuldades. Isto é, erros devem ser observados e anotados, mas não
corrigidos imediatamente. Se por exemplo, a criança colocar a palavra
BOCA na figura da BALA, retira-se a figura da BOCA e coloca-se a figura
da BALA, para que a criança observe a correspondência. Depois retira-se
a palavra BALA, deixa-se a figura da BOCA, muda-se o lugar onde estava
a palavra BALA, e recomeça-se por aí.
Quando a criança consegue discriminar todas as 9 figuras,
consideramos que numa etapa futura já poderemos trabalhar com sílabas
no quadrado externo, em lugar de palavras prontas, seguindo a mesma
estratégia anterior.
Quando a criança consegue completar a sequência usando sílabas, já
podemos começar a usar letras, seguindo a mesma sequência e estratégia.
Obs: em casos específicos, se a criança acertar 6 ou mais, já é
possível passar à fase das sílabas, mas apenas com as palavras que ela já
assimilou.
Modelo do Sociograma:

88
Volume VIII

Conclusão
É de suma importância o conhecimento das descobertas das
neurociências por nós, educadores. Esse conhecimento facilita o nosso
trabalho na sala de aula, reconhecendo nos nossos estudantes sujeitos
cerebrais, cada um com suas especificidades e modelos de aprendizagem.
Através deste conhecimento é que foi possível chegar aos
estudos avançados das Neurociências e descobrir como os fatores
neurotróficos ajudam na aprendizagem. Com esse novo conhecimento
melhoramos nossa didática e damos oportunidades a todos os estudantes
de aprenderem.

Referências bibliográficas
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nossa capacidade de ler. Tradução: Leonor Scliar-Cabral.-Porto
Alegre:Penso, 2012.
GIL, Manuel Vázquez. O dom do autismo. Contagem, Quicelê, 2015
MAIA, Heber org. Neurociências e desenvolvimento cognitivo. Rio de
Janeiro,Wak editora, 2011.
PEREIRA, Rafael Silva. Programa de neurociências.Portugal, Psicosoma,
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TAVARES, José. ALARCÃO, Isabel.Psicologia do Desenvolvimento e de
Aprendizagem. São Paulo:Ed:Almedina Brasil, 2005.
https://www.todamateria.com.br/neuronios/
http://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/nervoso2.p
hp

89
Vozes da Educação

VOZES SILENCIADAS: A QUESTÃO LGBTTQI, A TEORIA QUEER


E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Silvia Piedade de Moraes 17

RESUMO
O artigo retrata como o Brasil reproduz inúmeras intolerâncias e violências contra
a população LGBTTQI no campo da educação. Por meio da Teoria Queer,
propõe-se uma reflexão sobre os pilares da democratização da educação, da
invisibilidade da questão nos currículos, da ocupação do espaço escolar, da
diminuição progressiva de acesso aos níveis mais elevados de ensino, bem como,
a subnotificação dos números sobre acesso e evasão e da violência no interior das
escolas. Esses aspectos tornam o segmento invisível diante das lentes das
pesquisas censitárias e da proteção do Estado. O artigo aponta uma perspectiva
crítica de análise diante da organização escolar e do cotidiano das práticas
educativas.

Palavras-chave: LGBTTQI; Teoria Queer; Democratização da educação;


Currículo.

ABSTRACT
The article shows how Brazil reproduces various intolerances and violence against
the LGBTTQI population in the field of education. Through the Queer Theory, a
reflection was proposed on the pillars of the democratization of education, the
invisibility of the issue in the curricula, the occupation of the school space, the
progressive reduction of access to higher levels of education, as well as
underreporting of numbers on avoidance and violence in schools. These aspects
make the segment invisible to statistical research and state protection. The article
points out a critical perspective of analysis before the school organization and the
day to day of educational practices.

Keywords: LGBTTQI; Queer Theory; Democratization of education;


Curriculum.

17Profa Doutora pelo Programa de Educação e Saúde pela UNIFESP. Pedagoga; Especialista em
Educação Sexual, Direito Educacional e Gestão de Ensino. Docente no curso de Pedagogia e
Formação de Professores em EaD.

90
Volume VIII

Introdução

Quando alguém é afetado em seus Direitos Humanos todos os


humanos são afetados em seus direitos.
Essa frase pretende mostrar que a concepção de educação como
direito humano, e no Brasil, também como direito fundamental, não pode
ser lida sem uma visão crítica e ampla de que ninguém pode ser privado
do acesso ao conhecimento.
No entanto, o que a priori pode parecer uma verdade
inquestionável, esconde mecanismos sutis de exclusão e cerceamento de
direitos. Uma análise superficial pode contribuir para a invisibilidade de
populações cujas identidades são usadas como pontos de vulnerabilidade.
Nesse sentido, seguiremos o caminho de desconstruir um
campo da educação que parece estar solidificado em uma inércia política
– a democratização da educação.
Para iniciar, democratização para quem?

Democratização da educação
A democratização da educação compreende três aspectos
fundamentais nos quais a escola foi fundamentalmente afetada. Os
Pioneiros da Educação Nova elencaram em meados de 1932 uma grande
campanha pela democratização da educação. Definiram como ponto
crucial uma política de Estado que garantisse – obrigatoriedade, gratuidade
e laicidade na educação.
Nesse processo, a democratização se constituiu primeiro como
garantia no direito ao acesso – escola para todos com obrigatoriedade de
matrícula pelas famílias e oferta pelo Estado. Nesse momento crianças e
jovens de todas as classes, configurações familiares, idade, raça/etnia e
classe social tiveram o direito de matrícula assegurado. Com tantas
diferenças na escola, escassa formação de professores e concepções de
educação ainda excludentes, o acesso (escola para todos) passa a não ser
sinônimo de aprendizagem. Os níveis de repetência e evasão crescem e se
mostram por meio de uma dura realidade de exclusão das classes menos
favorecidas.
Novas políticas são pensadas e para concretizar a
democratização da educação foi necessário propor formas de

91
Vozes da Educação

permanência dos educandos na escola. Políticas de assistência aos alunos


(alimentação, transporte, controle da frequência, obrigatoriedade da
permanência e eliminação da repetência para corrigir as distorções
idade/série) fizeram parte desse contexto. No entanto, a permanência
garantiu boas conquistas, mas não demonstrou eficiência na qualidade de
ensino, já a escolarização18 não representou efetiva aprendizagem dos
conhecimentos básicos.
O desafio proposto para uma democratização completa está em
garantir a qualidade de ensino, ou seja, que todos possam ter acesso,
permanecer e aprender.
A última pesquisa IBGE/PNAD (Pesquisa Nacional e Amostra
por Domicílio/2015) indicou que o Brasil está muito próximo da
universalização do ensino obrigatório. Entretanto, a EJA (Educação de
Jovens e Adultos) modalidade do Ensino Fundamental e Médio, tem
crescido muito entre jovens a partir de 15 anos. A EJA é uma política de
educação repadora, cujo vigor deve ocorrer em decréscimo e não no
aumento de sua oferta. Outro fator preocupante é que o Brasil não tem
apresentado bons índices de aprendizagem, sobretudo em Língua
Portuguesa, Matemática e Ciências, conforme o último resultado do PISA
(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) apontado pelo
INEP/MEC de 2015.
Há ainda questões importantes sobre a democratização da
educação – acesso, permanência e qualidade de ensino em relação a
determinados grupos. O Brasil avançou em legislações que ainda não
foram incorporadas à cultura, por isso, não se concretizaram de fato.
Segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação
para Todos da Unesco milhões de crianças têm barreiras para cumprir e
desenvolver seu potencial acadêmico. Para os estudantes em situação de
vulnerabilidade, a escola se torna um ambiente hostil, excludente e até
violento.
A vulnerabilidade de determinados segmentos na garantia da
educação como direito subjetivo e inalienável tem relação com uma concepção

Apesar de menos usual, o termo escolarização diz respeito ao tempo que o sujeito passa na
18

escola, ou seja, o termo se refere mais à relação entre sujeito/tempo de vida/instituição escolar
que ao processo de ensino-aprendizagem e formação (escolaridade).

92
Volume VIII

histórica de educação como privilégio. Conhecidos também como minorias


sociais (PATTO, 1990), a educação como privilégio criou ao mesmo tempo
para esses grupos a produção do fracasso escolar e a meritocracia –
ambas resultado de uma visão excludente.
Entre os grupos vulneráveis destaca-se o segmento LGBTTQI
(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer e intersexuais), cujas
identidades de gênero, expressões e orientações sexuais são afetadas
diretamente em seus direitos humanos. Mesmo que a Constituição
Federal de 1988 esteja delineada sobre três princípios fundamentais –
direito à vida, à dignidade humana e à liberdade – essa tríade mostra-se
frágil diante dos preconceitos vividos pelo segmento.
No que tange ao campo do ensino, é preciso estabelecer políticas
educacionais que visem à democratização da educação - acesso,
permanência e qualidade de ensino que contemple uma formação humana
integral e de fato para todos. Para isso, é preciso problematizar o fracasso
escolar.

A quem pertence o fracasso escolar?


O fracasso escolar é um problema de ordem social complexo e
não pode ser reduzido a uma análise superficial. De acordo com Patto
(1990) pensar criticamente sobre o fracasso escolar é refletir sobre toda
a engrenagem da política educacional marcada pela verticalidade do
autoritarismo, das relações entre dominantes e dominados (FREIRE,
1974; PATTO, 1990) e a produção social das diferenças (SILVA, 2014).
A visão sobre o problema do fracasso escolar e, por
conseguinte, de alguma falha no processo de democratização, nos dá pistas
se concebemos a educação como direito ou a educação como privilégio.
Patto (1990), ao estudar os mitos sobre o fracasso escolar
pontua como ao longo do tempo essas ideias se arraigaram no
pensamento educacional brasileiro, gerando uma repetição de explicações
superficiais e simplistas pautadas no fracasso do indivíduo. Nesse sentido,
a resposta à questão inicial dessa reflexão seria que o indivíduo, por sua
falha, é responsável pelo seu insucesso escolar.
É claro que, a ciência em sua não neutralidade, produz
explicações acerca de problemas sociais a partir das ideias de um contexto.
Dessa forma, é preciso admitir que o senso comum é antes uma ideia

93
Vozes da Educação

científica outrora validada (MOSCOVICI, 2003). Assim, as inúmeras


teorias sobre o fracasso escolar criaram mitos capazes de ‘explicar’ e
acalmar uma inquietação social. Patto (1990), destaca cinco mitos pelas
quais o problema do fracasso escolar foi divulgado: 1. O mito da
deficiência de linguagem - as crianças e jovens das classes populares
chamadas de “carentes” são reportadas ao fracasso, já que sua classe social
não possui uma linguagem enriquecedora; 2. O mito da desnutrição como
causa – pela deficiência protéica em crianças nos anos iniciais da vida
estariam fadadas à incapacidade plena de aprender; 3. O mito da carência
afetiva - as famílias de classes populares (leia-se ‘mães’) dedicam pouco
tempo aos seus filhos devido às jornadas de trabalho, o que acarreta
problemas de aprendizagem; 4. O mito da evasão escolar – destaca-se a
necessidade de abandonar a escola cedo para ajudar no sustento da família
o que se mostrou como inverdade, já que outros mecanismos sutis (de
expulsão) tinham maior peso no abandono escolar; 5. O mito da
gratuidade do ensino público – em períodos anteriores, a pouca assistência
em programas vinculados à educação e uma legislação frágil para essa
garantia, acarretavam um estigma quanto às diversas contribuições
(financeiras, uniformes, materiais escolares e até merenda escolar) o que
afetava diretamente à uma segmentação de classe social e status
verticalizados na esfera da educação pública.
A explicação de problemas sociais complexos como esse
transferem para os sujeitos a responsabilização individual (sujeito –
família) em detrimento de análise crítica das falhas das políticas públicas.
Ao acreditar que esses mitos são reais reforça-se uma concepção de
educação como privilégio, portanto, meritocrática, que coloca em xeque o
investimento (financeiro, social, científico e cultural) na democratização
da educação. Se, por outro lado, realiza-se uma análise profunda sobre em
que parte do processo de democratização não atinge a ‘todos’, a visão que
se estabelece é da educação como direito.
Assim, uma análise crítica sobre a democratização da educação
para a população LGBTTQI visa uma reflexão sobre a educação como direito,
cuja relação entre acesso, permanência e qualidade de ensino vai aos
poucos sendo desvelada.

94
Volume VIII

Teoria Queer
O que é uma teoria? Para Minayo (1994, p. 18) as teorias são
articulações entre ver e saber. “A teoria é construída para explicar ou
compreender um fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos
e processos”. No entanto, a autora destaca que são explicações parciais, já
que nenhuma teoria é capaz de explicar todos os fenômenos e seus
processos. “Chamamos teoria a um conjunto intrer-relacionado de
princípios de definições que servem para dar organização lógica a aspectos
selecionados de uma realidade empírica” (MINAYO, 2002, p. 91). Exige-
se, portanto, da figura do investigador uma busca cada vez mais profunda
de significados e interconexões entre ideias, sobretudo, quando o objeto
estudado ainda é não familiar.
Assim, a busca pela compreensão é um aspecto fundamental da
existência humana, pois o encontro com o não-familiar sempre exige
a tentativa de fazer sentido, compreender. Todavia, o mesmo ocorre
com o familiar. Na verdade, como o estudo de textos geralmente
conhecidos, acabamos descobrindo que às vezes o familiar pode ser
visto como o mais estranho. Logo, não é de se surpreender que até
mesmo os chamados textos objetivos das pesquisas qualitativas são
interpretações, e não descrições livres de valores (KINCHELOE e
MCLAREN, 2007, p. 28).
Minayo (1994, p. 19) afirma que “[...] a teoria é um conhecimento
de que nos servimos no processo de investigação como um sistema
organizado de proposições, que orientam a obtenção de dados e a análise
dos mesmos, e de conceitos, que se veiculam seu sentido”.
O que é Queer? O Queer como afirma Miskolci (2015) tanto em
termos político como teórico surgiu das inúmeras críticas à ordem sexual
dos movimentos sociais emergentes na década de 1960, como dos
movimentos pelos direitos civis de negros do Sul dos EUA, do ideário
produzido pela segunda onda do movimento feminista e o movimento
homossexual. Na tradução para a língua portuguesa significa ‘estranho’.
A definição de um estatuto teórico se deu a partir de elementos dispersos
advindos dos movimentos sociais organizados, dos primeiros estudos
sobre os guetos/territórios e a partir de obras literárias e científicas na
França, Estados Unidos e Brasil. Sua cristalização política e teórica ocorre
em meados de 1980, tendo como conjuntura as especulações sobre a
AIDS e os denominados “grupos de risco”.

95
Vozes da Educação

Na década de 1980, a Teoria Queer se cristaliza dando maior


visibilidade aos grupos socialmente marginalizados, aos movimentos de
contracultura, ao multiculturalismo e todas as suas dissidências, com
destaque para o estudo sobre as identidades e suas interseccionalidades 19.
De acordo com Pereira (2012, p.372), foi “Tereza de Lauretis a
primeira teórica a utilizar o termo queer”, mesmo assim não deixou de tecer
críticas à teoria.
A Teoria Queer nos ajuda perceber as instabilidades das
identidades sempre presentes, mas ainda invisíveis. Na dificuldade de um
aparato discursivo para o enquadramento das identidades desconcertantes,
a terminologia Queer, como aponta Pereira (2012) de autodesignação pode
tanto nomear corpos, como um modo de ver a não “organização” das
identidades e das sexualidades no mundo. O termo Queer é a própria
mudança de injúria por orgulho, de deslocamento das normas para
possibilidades, de enquadramento para fronteiras.
A apreensão da unicidade e das experiências comuns nos sujeitos
deve estar aberta nos usos da Teoria Queer. Caso contrário, ela perde seu
efeito de observação e localização dos sujeitos deixando de lado aspectos
importantes como diferenças entre corpos, formas de agência, mediadores
e processos de subjetivação (PEREIRA, 2012).
Os representantes da Teoria Queer vêm demarcar a ideia da
desnaturalização do masculino e feminino, do binarismo homem/mulher,
heterossexual/homossexual. Ampliou o conceito de gênero apresentado
por Scott (1995) nos anos de 1980. Questionou a medicalização da
sexualidade e a patologização das orientações não heterossexuais e
problematizou uma falsa coerência entre sexo-gênero-desejo-práticas
sexuais (BALIEIRO, 2011), assim como a própria universalização de um
movimento feminista, mesmo que tanto o gênero quanto o queer tenha se
fortalecido a partir dele.

Interseccionalidade – designa a interdependência das relações de poder de raça, classe e sexo


19

e foi criado e usado pela primeira vez pela jurista afro-americana Kimberlé W. Crenshaw em 1989
no texto “Dermaginalizing the interseccion ofrace and sex: a black feminist critique of discrimation
doctrine, feminist theory anti racist politics” (HIRATA, 2014). Atualmente houve uma nítida
ampliação analítica do termo sendo cada vez mais utilizado, sobretudo, em estudos sobre
categorias identitárias que não podem ser analisadas de forma independente ou essencializadas.

96
Volume VIII

[...] Queer marca uma identidade que, definida como tal por um desvio
das normas relativas ao sexo e ao gênero pelo eu interior ou por
comportamentos específicos, está sempre mudando; a teoria queer e
os estudos queer propõe um enfoque não tanto sobre populações
específicas, mas sobre processos de categorização sexual e sua
desconstrução. Ou seja, cada termo acompanha seu próprio conjunto
de políticas (GAMSON, 2007, p. 347).
Para a Teoria Queer, o gênero só é “uma realidade literária”
(GAMSON, 2007, p. 354) e sendo a realidade mutável e transitória, o
gênero também o é. Dentro da Teoria Queer, é imprescindível perceber
como os discursos e experiências pessoais e de instituições transitam e se
fundem.
A Teoria Queer é um referencial que nos auxilia a compreender a
alocação dos diferentes desejos e práticas sexuais em contextos macro
(como a sociedade) e micro (como a escola).
Para Woordward (2014, p. 9) “a identidade é, assim, marcada pela
diferença”, contudo essa relação não é tão linear ou tranquila quanto
parece, caso contrário, estaríamos de volta a uma perspectiva binária do é
ou não é. Os binarismos nos impedem de ver a construção daquilo que é
na diferença do outro, negando certas aproximações e até mesmo
similaridades daquele que foi considerado diferente. Daí a complexidade
criada ao tratar das identidades.
Portanto, não há nenhuma essência, nada universalizante e
homogêneo na produção das identidades e das diferenças. Aliás,
profundamente, as identidades mais estão do que são.
Outra questão que se destaca na construção das identidades é o
seu aspecto de autorreferência. Nas políticas de cotas, identidade de
gênero e orientação sexual, por exemplo, esta questão é fundamental. Ser
negro, ser homem trans, mulher, queer, etc. é uma apropriação do próprio
sujeito (autodesignação) e não pode ser imposta como um carimbo sobre
os indivíduos.
O reconhecimento das identidades é um mecanismo de
empoderamento. A Teoria Queer e os movimentos pelos direitos sexuais
colocaram “o estranho” na ordem do dia, dando-lhe nome e visibilidade.
A própria sigla do movimento que até os anos de 1980 abarcava o GLS
(gays, lésbicas e simpatizantes) foi sendo estendida, incorporada em

97
Vozes da Educação

variadas identidades LGBTTTQI20 (lésbicas, gays, bissexuais, travestis,


transexuais, queer e intersexuais). Reconhecer cada uma delas em um
sistema de identidades cada vez mais complexo e múltiplo, é considerar
que cada identidade nomeada promoverá espaço para uma nova gama
requerendo seu espaço no discurso e no campo das políticas públicas.
Outras identidades como assexuais e pansexuais 21, por exemplo, não estão
contemplados coma sigla, mas já se constituem de grupos e almejam tal
visibilidade.
Gamson (2007) afirma que com a Teoria Queer, a ideia de sujeito
passa a ser cada vez mais complexa e, por conseguinte, desestabiliza
também as noções de identidade, orientação sexual e do sistema sexo-
gênero, que até então, eram considerados estáveis e fixos, agora abalam
inteiramente os estudos sobre sexualidade.
[...] os estudos queer são basicamente uma iniciativa desconstrutiva,
que demonstra a noção de um eu definido por algo que se encontra
em sua essência, seja este o desejo sexual, a raça, o gênero, a nação ou
a classe[...] (GAMSON, 2007, p. 346).
O discurso é um aparato de poder que envolve os conhecimentos
científicos e sua disseminação no tecido social entrelaçados às experiências
individuais, sentidas e aprendidas, as apreensões estão sobre o corpus
discursivo. Toda construção discursiva se faz a partir da presença do
Outro, suas diferenças e identidades. Assim, discurso, linguagem e
conhecimento são expressões criativas enunciadas na alteridade. É na
alteridade que se constrói a linguagem e na linguagem que se constrói o
sujeito e suas ideias.
Na Teoria Queer há uma posição marcada pelas movimentações
histórico-culturais e contextuais. Suas teias de formação valorizam a
complexidade entre os conhecimentos socialmente acumulados e os
saberes individuais. Destaca-se o caráter político do conhecimento e da
elaboração deste conhecimento nos diferentes grupos sociais.

20Optamos por utilizar as siglas que mais pudessem representar segmentos identitários de forma
que o mal estar causado sobre o “sinta reconhecido nesse termo” fosse o menor possível.
Transgênero também pode dizer respeito a alguns aspectos da expressão andrógina que nada se
relaciona com identidade de gênero ou orientação sexual.
21Pansexualidade é a atração afetiva e ou sexual pela pessoa independente de sua identidade de

gênero ou orientação sexual.https://oglobo.globo.com/sociedade/sexo/mitos-sobre-


pansexualidade-17381300

98
Volume VIII

Silêncio e invisibilidade: o segmento LGBTTQI no campo da educação


De acordo com a ONU (2003) o bullying homofóbico22 é um
problema global que viola direitos de alunos ao acesso, permanência e
aprendizagem escolar. O bullying afeta diretamente a dignidade humana e
as consequências para a saúde física e psíquica podem ser fatais.
Enfrentar o bullying homofóbico no interior das escolas exige
primeiramente uma abordagem que reconheça as diferenças e os conflitos
como próprios da interação humana, porém que possa negar todas as
formas de violência. Paulo Freire (1996) na obra Pedagogia: diálogo e conflito
esclarece que todas as discussões e problematizações são parte da escola,
pois representam a realidade de educandos e educadores. Não é a
ausência do conflito o caminho para a paz, mas como o diálogo sobre o
conflito faz com que os sujeitos interajam pela paz por meio de uma
abordagem crítico-conscientizadora (FREIRE, 2006).
A educação escolar é capaz de ajudar crianças, jovens e adultos
a desenvolverem habilidades e conhecimentos fundamentais ao
desenvolvimento social, intelectual, psicológico e afetivo. Oferecer um
ambiente seguro aos estudantes é fundamental para a garantia da
democratização e da educação como direito.
O direito à educação foi reconhecido pela primeira vez na
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e posteriormente
foi consagrado no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, na Convenção das Nações Unidas os Direitos da Criança e na
Convenção da UNESCO sobre a Discriminação na Educação.
A homofobia, em todas as suas facetas, é uma forma de
discriminação e violência sexista cujo alvo afeta aquelas pessoas que não
correspondem ao padrão heteronormativo da sociedade. Esse tipo de
violência tem crescido assustadoramente no ambiente escolar do mundo
todo. De acordo com o Relatório de Monitoramento Global de Educação para
Todos (UNESCO, 2014) milhões de crianças e jovens, por conta de sexo,
gênero, identidade, expressão ou orientação afetivo-sexual, têm barreiras
para cumprir e desenvolver seu potencial acadêmico.

22Usaremos conforme a ONU o termo homofóbico de forma generalizada para transfobia, bifobia,
lesbofobia e outras formas de violência que atinge as inúmeras identidades, expressões e
orientações sexuais.

99
Vozes da Educação

Para entender como estes conflitos ocorrem na escola é preciso


compreender a escola como um lugar de diversidade, de interiorização de
conflitos políticos, sociais e econômicos, pedagógicos, religiosos, etc. É
importante salientar que embora não exista espaço sem conflito e que
alguns conflitos podem ter de fato boas conotações, pois impulsionam a
revisão de regras, condutas e mudanças organizacionais, trataremos aqui
de conflitos que cada vez mais têm se tornado violências baseadas nas
questões de gênero e sexualidade.
As principais correntes sobre mediações de conflitos e direitos
humanos entendem que eles se dividem em conflitos mediáveis e conflitos
não-mediáveis (aqueles que atentem à dignidade humana ou à legitimação
de uma violência). De forma geral, a mediação de conflitos é uma forma
de resolução de problemas entre as pessoas de maneira não violenta. Os
benefícios da mediação podem evitar desagregações futuras e impacta de
forma propositiva na criação de um clima de cooperação. Além disso, tem
um caráter educativo já que inclui a prevenção de violências, a inclusão
social e o desenvolvimento de uma cultura de paz (BRASIL, 2010).
A mediação de conflitos aos poucos tem sido estudada e inserida
no cotidiano escolar por meio de formações sobre Educação em Direitos
Humanos e da Cultura de Paz na Escola (BRASIL, 2012).
A violência de gênero e homofóbica é um tipo de violência
normalmente silenciosa porque se constitui, na maior parte das vezes, nos
currículos ocultos (PERRENOUD, s.d; SILVA, 2003). No ambiente
escolar, se configura como assédio verbal ou sexual, abuso sexual, punição
física, violência psicológica, exclusão, bullying e ciberbullying. Os resultados
de práticas como estas têm sido a infrequência na escola, o aumento da
evasão escolar e do baixo desempenho da aprendizagem. Dessa forma,
afeta diretamente o processo de democratização da educação, pois os
sujeitos tendem a interromper os estudos ou apresentar dificuldades de
aprendizagem o que os leva ao estigma negativo, e, posteriormente ao
abandono escolar. Geralmente a vítima passa a ter sintomas psicológicos,
físicos e sociais como depressão, baixa autoestima, dores físicas,
isolamento, ideias suicidas, tendência a se pôr em situações de risco, etc.
De acordo com o Relatório de Monitoramento EPT (UNESCO, 2014) o
real impacto destas violências permanecem encobertos pela falta de

100
Volume VIII

evidências, notificações, políticas que incentivem as denúncias, meios de


punição e acolhimento das vítimas.
Esse tipo de violência afeta diretamente o segmento LGBTTQI
cuja realidade na violação de direitos, inclusive da educação, é muito mais
expressivo. No caso da homofobia ou transfobia, a família e a escola se
traduzem muitas vezes em ambientes inseguros. Práticas como estas são
legitimadas pela omissão ou descaso e se constituem como homofobia
institucionalizada (HI) que fortalece cada vez mais a ideia de uma instituição
excludente e omissa.
De acordo com a pesquisa realizada pela Associação Brasileira
de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT, 2016)
com mais de mil estudantes entre 13 e 21 anos mostrou que o ambiente
escolar é um dos espaços sociais mais hostis e violentos com o segmento
e um dos mais omissos quanto à violação do direito à dignidade, liberdade
e educação (sic!).
Mais do que isso, é alarmante o fato de que o bullying
homofóbico é a forma de violência escolar mais amplamente
documentada, no entanto, são esses conflitos e violências que recebem
menor atenção ou são simplesmente ignorados. Infelizmente, é preciso
reconhecer que parte da ausência de intervenção deve-se também ao fato
de que esse tipo de violência também é perpetrada por professores e
gestores.
Abaixo, o quadro reproduzido destaca os principais resultados
da pesquisa (ABGLT, 2016, p. 19) reafirmando a violação de direitos
dentro das instituições escolares:

In(segurança):
• 60% se sentiam inseguros/as na escola no último ano por causa de sua
orientação sexual.
• 43% se sentiam inseguros/as por causa de sua identidade/expressão de
gênero.
Comentários Pejorativos: Muito/as estudantes ouviram
comentários pejorativos sobre pessoas LGBT
48% ouviram com frequência comentários LGBTfóbicos feitos por seus
pares.

101
Vozes da Educação

55% afirmaram ter ouvido comentários negativos especificamente a


respeito de pessoas trans.
Agressão / violência:
• 73% foram agredidos/as verbalmente por causa de sua orientação sexual.
• 68% foram agredidos/as verbalmente na escola por causa de sua
identidade/expressão de gênero.
• 27% dos/das estudantes LGBT foram agredidos/as fisicamente por
causa de sua orientação sexual.
• 25% foram agredidos/as fisicamente na escola por causa de sua
identidade/expressão de gênero.
• 56% dos/das estudantes LGBT foram assediados/as sexualmente na
escola.
Resposta da escola / da família:
• 36% dos/das respondentes acreditaram que foi “ineficaz” a resposta
dos/das profissionais para impedir as agressões.
• 39% afirmaram que nenhum membro da família falou com alguém da
equipe de profissionais da escola quando o/a estudante sofreu agressão
ou violência.
Faltas:
Os/as estudantes tinham duas vezes mais probabilidade de ter faltado à
escola no ultimo mês se sofreram níveis mais elevados de agressão
relacionada à sua orientação sexual (58,9% comparados com 23,7% entre
os/as que sofreram menos agressão) ou expressão de gênero (51,9%
comparados com 25,5%).

Bem-estar:
Os/as estudantes LGBT que vivenciaram níveis mais elevados de agressão
verbal por causa da orientação sexual ou expressão de gênero
(frequentemente ou quase sempre) tinham 1,5 vezes mais probabilidade
de relatar níveis mais elevados de depressão (73,7% comparados com
43,6% [que sofreram menos agressão] no caso da orientação sexual; 67,0%
comparados com 45,3% no caso da identidade/expressão de gênero),
Acolhimento de estudantes LGBT:

102
Volume VIII

• Para 64% dos/das estudantes não existia nenhuma disposição no


regulamento da escola (ou desconheciam a existência) a este respeito

• Apenas 8,3 dos/das estudantes afirmaram que o regulamento da escola


tinha alguma disposição sobre orientação sexual, identidade/expressão de
gênero, ou ambas.

A Teoria Queer desvelando falhas na democratização da educação:


A invisibilidade – onde estão o “todos”?
Como dito anteriormente, a ideia de uma educação como direito,
pressupõe entre outras questões, uma análise crítica da realidade que não
culpabiliza o sujeito, mas desvela os motivos pelas quais um tipo de
sujeito é alçado para fora do processo de democratização da educação, seja
no acesso, na permanência ou na qualidade de ensino (qualidade na
aprendizagem).
Um olhar queer sobre a trajetória escolar da população
LGBTTQI evidencia que existe uma invisibilidade nos dados censitários
sobre acesso e permanência, cuja percepção do estranhamento se dá pelo
cruzamento de outras vias: 1. Os dados governamentais mostram os
números da evasão sobre acesso e permanência (repetência e evasão) por
sexo, o que é insuficiente para uma análise voltada à população
LGBTTQI; 2. Os dados governamentais mostram que na
adolescência/juventude há considerável abandono escolar. Esses dados
podem ser organizados por sexo, faixa etária e região, no entanto, não são
capazes de explicitar outras interseccionalidades que oferecessem pistas
para uma análise voltada ao segmento LGBTTQI; 3. Os dados mostram
que na juventude e idade adulta parte desse público evadido procura a
Educação de Jovens e Adultos, porém não dão nenhum tipo de
visibilidade para além de sexo, idade e região.
Leituras superficiais contribuem para a manutenção de mitos
sobre o fracasso escolar e da eficácia de políticas educacionais. Pode-se
concluir, por exemplo, que a evasão esteja ainda atrelada à busca por
trabalho e realizar uma análise de classe, mas invisibilizar problemas como
a violência e o estigma sobre determinada população aos níveis mais
elevados de ensino.

103
Vozes da Educação

A Teoria Queer é fundamental para a compreensão de que entre


os termos ‘homens e mulheres’ existe muito mais complexidades que
nossa vã filosofia é capaz de abarcar. O estranhamento que a Teoria Queer
produz sobre a vida escolar é não achar natural que na fase da
adolescência (Ensino Fundamental e Ensino Médio) encontramos tão
poucos alunos do segmento LGBTTQI. Maior estranheza se tem no
Ensino Superior, não somente pela invisibilidade, mas pelo silêncio que
produzem as políticas públicas sobre o acesso dessa população.
Assim, por um lado temos uma análise de dados
governamentais, de outro a observação da realidade, e na relação entre
eles – contradição, silêncio e invisibilidade para um segmento. A pesquisa
da ABGLT (2016) mostrou que as aspirações educacionais de estudantes
LGBTTQI e seus planos para o futuro apostam em uma escolaridade de
nível superior e em qualificações altas para o trabalho, o que infelizmente
não se revela na trajetória da maioria deles.
Reconhece-se que tímidos avanços tem se alcançado por meio
de garantia do nome social como respeito à identidade de gênero
autorreferida pelo sujeito e pela inclusão de temas nas provas de seleção
e avaliação de cursos de graduação.
Portanto, uma visão crítica e dialética dos problemas
educacionais é aquela que desnaturaliza todas as formas de violação de
direitos, e, em contrapartida, propõe questionar a realidade que os cerca.
Uma falha no processo de democratização se desdobra como
uma avalanche sobre a vida desses sujeitos. Com a permanência
interrompida ou com escassa aprendizagem, o mundo do trabalho
(também segregador) torna-se de difícil acesso. Dessa forma,
reproduzem-se os nichos profissionais e o ‘empurramento’ para a exclusão
social.
Quando falha a democratização, falha-se em cadeia nas políticas
públicas.

O silêncio – onde está a voz de ‘todos’?


Para que as violências envolvendo as questões LGBTTQI
possam ser sanadas no ambiente escolar é preciso investir na formação
inicial e continuada dos profissionais da educação. Além disso,
desenvolver projetos nas escolas, discutir in loco com a participação de toda

104
Volume VIII

a comunidade escolar, propor estratégias de empoderamento dos alunos e


alunas afetados, punir os agressores e educar para uma cultura de paz são
ações conjuntas importantes.
Infelizmente, o Brasil tem caminhado por trilhas
conservadoras, que recentemente levaram à retirada de termos como
gênero, diversidade e educação em direitos humanos dos planos estaduais
e municipais de educação (INSTITUTO UNIBANCO, 2016). O Plano
Nacional de Educação (2014-2024) foi alvo de retrocesso nesse campo.
Projetos como o Brasil Sem Homofobia (2006) sofreram ataques tanto
quanto o kit de combate à homofobia nas escolas. Nenhum setor tem sido
tão afetado em sua visão de inclusão no sentido amplo, quanto a educação
(ZANATTA et a. 2015). Calar-se diante desses retrocessos é, conforme
Paulo Freire enunciou, dar voz ao opressor.
Paulo Freire (1996) em Pedagogia da autonomia reafirmou que é
preciso querer bem aos educandos, dar voz e ouví-los, reconhecer a
interação e dialogicidade na tarefa educativa, valorizar seus saberes e
realidade. É nesse sentido que, um currículo inclusivo ou na perspectiva
pós-crítica como aponta Silva (2002), é capaz de dar voz a todos os
educandos em suas identidades e diferenças.
[...] Um currículo inspirado na teoria queer é um currículo que força
os limites das epistemes dominantes, um currículo que não se limita
a questionar o conhecimento como socialmente construído, mas que
se aventura a explorar aquilo que ainda não foi construído. A teoria
queer – essa coisa “estranha” – é a diferença que pode fazer a diferença
no currículo (SILVA, 2003, p. 109).
Mais do que apenas intervir em conflitos e violências, contribui
para a permanência e qualidade de ensino um currículo que esteja
vinculado às questões sociais e contextuais e que valorize a realidade dos
estudantes. Dessa forma, a elaboração dos currículos, bem como sua
materialização na sala de aula deve contemplar a diversidade como tema
em toda sua amplitude, promover o compartilhamento de experiências,
valorizar todas as identidades e zelar pela aprendizagem. Como não há
currículo neutro, que as aprendizagens visem à construção coletiva da paz
conquistada em meio às diferenças.
No que tange ao impacto da tarefa educativa nesta questão, a
gestão escolar e o corpo docente precisam ter mais que um olhar técnico-
pedagógico sobre os desdobramentos das aprendizagens e das relações

105
Vozes da Educação

humanas na escola. É necessário compreender os currículos como espaços


de disputa ideológica e de poder (SILVA, 2002). Desvelar como os
conflitos e violências em função do gênero e da sexualidade se consolidam
na escola é fundamental e fortalece a função e responsabilidade da
educação escolar na construção da paz, da cidadania e de uma sociedade
mais justa e igualitária.
A maior parte dos conflitos e das violências em função do
gênero e sexualidade acontecem no currículo oculto, mascaradas de
“brincadeiras” ou consideradas como atos “ingênuos” e “não
intencionais”. É importante aprender a localizar os conteúdos subjetivos
da violência ou do conflito, compreender porque eles se constituem como
práticas preconceituosas ou discriminatórias, sugerir formas de
intervenção imediata, práticas educativas preventivas e de reflexão.
Muitas vezes, na mediação de algum conflito é necessário que
alguém faça os envolvidos compreenderem seus próprios sentimentos.
Para isto, a abordagem precisa ser dialógica e horizontal, ou seja, de forma
que cada envolvido possa falar sobre como se sente em determinada
situação e como afeta o outro com sua conduta. Essa postura é
fundamental para o desenvolvimento da alteridade, da empatia e para a
tomada de consciência de seus atos.
O processo de internalização e vivência de valores em torno dos
direitos humanos e da diversidade é lento porque a sociedade está repleta
de representações preconceituosas e discursos de ódio muito fortes
passados e reforçados de geração em geração. Contudo, é preciso romper
com esta cadeia de transmissão, visto que uma cultura de paz passa
obrigatoriamente por uma construção interna de paz (FREIRE, 2006).
Uma das importantes ações que a escola pode praticar é a
intervenção imediata e positiva diante das mínimas situações conflitivas.
A omissão e o descaso legitimam a violência, fortalecem como verdadeiros
os argumentos do agressor, fragilizam a cultura da denúncia, segmentam
o grupo em fracos/fortes e oprimidos/opressores, geram estigmas
negativos e enfraquecem a noção de justiça.
A falsa ideia de neutralidade na prática educativa faz com que ,
muitas vezes, os profissionais da educação deixem de lado a reflexão sobre
o que, como e porquê agem de determinadas formas. Como “indivíduos,
os professores compartilham os mesmos valores e crenças que a sociedade

106
Volume VIII

mais ampla, podendo, consciente ou inconscientemente, transmitir


mensagens negativas sobre alunos não conformes às normas de gênero
que legitimam o bullying homofóbico (ONU, 2003, p. 37)”. Por isso, a
formação inicial e continuada de professores é fundamental para dar voz
ao segmento LGBTTQI na escola.
Se ao contrário, esses temas são negados reforça-se o silêncio
diante das opressões e vulnerabilidades diante do direito à educação.
Como afirma-se no relatório da ONU (2003, p. 42) “[...] currículos que
não promovem a inclusão contribuem para a invisibilidade e exclusão”.
A Teoria Queer pode se traduzir em uma proposta para pensar
os currículos. Determinar o que aprender, como e quando é uma das
tarefas mais importantes da educação escolar, já que nela se configuram os
ideiais de sujeito e sociedade que se almeja formar. Não é possível pensar
em uma sociedade justa e igualitária com a expropriação de segmentos que
sejam privados de sua dignidade e da educação como direito. Por isso, ao
trazer o tema das diversidades para a sala de aula rompemos com o
silêncio ecoado na esfera escolar, empoderamos os sujeitos para fazer valer
seus direitos, damos visibilidade às múltiplas diferenças e, portanto,
validamos a concepção ampla de democratização da educação.
É por meio da definição dos currículos que produz-se
conhecimento, recursos, materiais pedagógicos e didáticos capazes de
visibilizar grupos e suas demandas de maneira positiva. O
reconhecimento do sujeito no processo educativo é fundamental para a
ideia de pertencimento e vínculo social. São essas relações preventivas e
positivas capazes de fortalecer a relação entre sujeitos–direito-escola.
Afinal, se falta um, ainda não são todos!

Considerações finais
Ao longo do texto os principais conceitos de democratização da
educação, da educação como direito ou privilégio foram apresentados para
dar suporte a ideia de que é preciso desnaturalizar a leitura sobre dados
censitários e da disseminação de respostas superficiais à demandas
complexas da sociedade.
Se a democratização da educação – acesso, permanência e
qualidade de ensino - falha em alguns desses elementos há direitos sendo

107
Vozes da Educação

afetados. Uma visão meritocrática, simplista e ingênua pode transferir essa


realidade aos próprios sujeitos violados.
A Teoria Queer e sua capacidade de produção subversiva em
desconstruir ‘verdades’ sobre corpos e identidades, mostra que é preciso
apontar o invisível para ver que a população LGBTTTQI é altamente
prejudicada em sua trajetória acadêmica.
Da mesma forma, uma visão crítica e pós-critica de currículo
desvela que o silêncio sobre temas cujo impacto afetam o segmento
LGBTTQI não são negados por acaso. Não há neutralidade quando não
se traduz em sala de aula a realidade e os conflitos da vida cotidiana de
professores e alunos, afinal, educar para a liberdade deve estar
intimamente ligado à educar como fenômeno da vida coletiva.
Subverter a ordem com que vemos, explicamos e discursamos
sobre as políticas educacionais pode ser uma saída inclusiva para dar voz
e vez a quem pertence ao todo do tecido social. Parece-me que as primeiras
reflexões que devemos fazer estão ligadas a dois conceitos fundamentais
nas quais uma Cultura de Paz e uma concepção ampla de afetividade (o
que me afeta, a emoção [orgânica] que produz em mim) pode ser pensada:
1. alteridade – quem é o outro que me afeta, que me constrói e me
identifica?; 2. empatia – o quanto sou capaz de produzir afeto e me
identificar na e com a vida do outro?
Dessa forma, pretendo concluir com a frase que iniciei:
Quando alguém é afetado em seus Direitos Humanos todos os
humanos são afetados em seus direitos.

108
Volume VIII

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111
Vozes da Educação

GESTÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CURRÍCULO – TECENDO IDEIAS E
PRÁTICAS

Silvia Teixeira Cardenuto23

RESUMO
Concepção de currículo construído coletivamente na formação dos
professores e relato de experiência na gestão curricular de uma escola
pública de educação infantil, princípios e metodologia utilizados na
construção coletiva do currículo. Trago três exemplos de práticas do
cotidiano da escola que priorizam um currículo construído
democraticamente: um trabalho com literatura infantil, uma contação de
história simultânea com todas as turmas da escola, onde a criança escolhe a
história que quer ouvir; atividades matemáticas de jogos desafiadores e o self-
service na hora das refeições. Os desafios e tentativas na formação de
educadores para alcançar um currículo mais reflexivo.

Palavras-chave: currículo, tempos, espaços, formação.

ABSTRACT
Concepcion de currículo built collectively in the formation and report of
experience in the curricular management of public school of child education.
I bring three examples of evereday practices that priorize a democratically
constructed curriculum: a work with children’s literature, ludic mathematical
activities and the self-service at mealtime. Challenges and attempts to train
educators to achieve a more thoughtful curriculum.

Keywords: curriculum, times, spaces, training.

Mestre em Educação, Diretora de Escola da Emei Marina Nogueira-PMSP.


23

e-mail: scardenuto@uol.com.br

112
Volume VIII

Antes de relatar um pouco do meu trabalho na gestão do currículo,


preciso esclarecer o que entendo por currículo, pois é um conceito muito
amplo e complexo. A concepção de currículo que trago aqui é a concepção
trabalhada na formação continuada em serviço dos educadores da escola.
Quando começamos a discutir currículo, uma intensa pesquisa
precisa ser realizada, porém a equipe buscou a etimologia da palavra para
dar início aos estudos. Ao recorrer ao dicionário Aurélio, é encontrado, por
exemplo, o seguinte significado para currículo: ato de correr, curso, parte de
um curso literário ou atalho. Atalho chama muito a atenção; pois quando se
pega um atalho precisa-se ter em mente algumas coisas como por exemplo:
Onde se quer ir? Quem quer ir? Por que se quer ir? Com quem se quer ir?
Como ir? ...
Transferindo estes questionamentos para a organização escolar, é
possível encontrar respostas mais pertinentes para o trabalho. O educador
precisa problematizar mais seu dia-a-dia na escola. Pois quando se fala em
currículo, na maioria das escolas, esse parece ser um assunto distante ou algo
muito discutido, e sendo assim, já se tornou cansativo discuti-lo, mas na
verdade o assunto currículo ainda não foi esgotado, o tema necessita de
grande debate.
Gimeno Sacristán faz a seguinte colocação:
A prática a que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade prévia
muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos,
administrativos, econômicos, etc, atrás dos quais se encobrem muitos
pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade, crenças,
valores, etc, que condicionam a teorização sobre o currículo. (2000,
p.13)
Para Sacristán, currículo não é um conceito, mas uma construção
social. Currículo é uma prática complexa, portanto, qualquer definição é
apenas uma aproximação.
Não se deve esquecer que todo currículo pressupõe fins sociais e
culturais, portanto não é neutro. Na educação formal, segundo Sacristán,
definir o currículo é descrever as funções da própria escola, em um
determinado contexto histórico e social; o currículo é uma práxis e não um
objeto estático.
Não é possível definir o currículo separadamente do contexto em
que o mesmo está inserido, deve ser percebido como algo em permanente
processo, não é um produto pronto e acabado, mas sim algo inacabado e

113
Vozes da Educação

em constante transformação. O conflito faz parte nesse processo, uma vez


que o currículo reflete os interesses de uma sociedade, seus valores, suas
crenças, que acabam por determinar a prática pedagógica.
A escola adota uma postura seletiva frente ao leque cultural que se
apresenta na sociedade, isso é concretizado através do currículo. Porém, ele
não se esgota na seleção cultural, vai muito mais além, implica ainda nas
finalidades estabelecidas, nas atividades desenvolvidas, nas diretrizes, a
estrutura que organiza a prática, entre outros aspectos.
Retomar e ressaltar a relevância do currículo nos estudos
pedagógicos, na discussão sobre a educação e no debate sobre a qualidade
do ensino é, pois recuperar a consciência do valor cultural da escola como
instituição facilitadora de cultura, que reclama inexoravelmente o descobrir
os mecanismos através dos quais cumpre tal função e analisar o conteúdo e
sentido da mesma. O conteúdo é condição lógica do ensino, e o currículo é,
antes de mais nada, a seleção cultural estruturada sob chaves
psicopedagógicas dessa cultura que se oferece como projeto para a
instituição escolar. (Sacristán, 2000, p. 19)
Na sociedade atual, o conhecimento tem papel relevante, todo
sujeito tem direito a construir progressivamente seu conhecimento; o
currículo vem para subsidiar o desenvolvimento cultural do sujeito,
portanto, não existe escola sem conteúdos, essa escola seria irreal.
Sacristán(2000, pg.19) cita Young, que nos diz que “o currículo - é o
mecanismo através do qual o conhecimento é distribuído socialmente”.
Sendo assim, qualquer escola que priorize a democratização de uma
educação verdadeira deve se preocupar com o seu currículo, a fim de
possibilitar a participação dos indivíduos e a inclusão de todos na sociedade.
A organização curricular das diferentes instituições escolares pode
facilitar ou não a distribuição da cultura. A falta de conteúdos valiosos e
significantes, tal como a presença de outros insignificantes.
Tentamos nos aproximar de uma definição do que é currículo, mas
é apenas uma tentativa. Por se tratar de um tema muito complexo, com
várias dimensões e diferentes perspectivas no âmbito escolar, o exercício
sempre fica na esfera da tentativa e do provisório.
Por que discutir currículo na educação infantil? A educação infantil
na escola onde trabalhei é tão escolarizada como uma escola de ensino
fundamental. Os educadores trabalham, com algumas diferenças dos

114
Volume VIII

educadores do ensino fundamental, mas, na maioria das vezes são os


mesmos educadores, uma vez que, os professores com pedagogia da cidade
de São Paulo, podem trabalhar tanto na educação infantil como no ensino
fundamental. A carreira prevê essa flexibilidade para os professores, então
temos muito professores com dois cargos, um no ensino fundamental e
outro na educação infantil, romper com a escolarização na educação infantil
é uma meta a ser alcançada, mas que na minha opinião está ainda distante.
Posso dizer que até chegar na direção escolar, minha maior
experiência era com ensino fundamental, apesar de ter passado por todas as
modalidades regulares de ensino, Educação Infantil, Ensino Médio, Ensino
Superior e também Educação de Jovens e Adultos. Porém, fui por 17 anos
professora de História no município de São Paulo. O que me marcou demais
e também me inquietou, pois não me adapto ao ensino por disciplinas
isoladas e desvinculas umas das outras. Acredito num conhecimento que
por si só tem várias vertentes e uma disciplina nunca esclarece um assunto,
um tema ou um projeto. Sempre busquei um currículo integrado e penso
que a educação infantil está um pouco mais próxima desse currículo. Um
tema, um projeto, uma pesquisa é como um tecido que se faz na teia dos
fios, ou seja, o conhecimento se faz com o cruzamento dos diferentes
saberes e linguagens.
Um grande desafio para a escola, na minha opinião, é integrar os
conteúdos e conhecimentos das diferentes disciplinas, cruzar saberes,
alcançando assim a interdisciplinariedade, ou a transdisciplinariedade,
ultrapassando um ensino por “gavetas”, através de projetos, ou pesquisa por
temas, ou buscando temas geradores, enfim, esse assunto foi o foco da
minha dissertação de mestrado e me inquieta a muito tempo. É o que eu
considero a Transgressão Curricular.
Faço uma crítica ao ensino por disciplinas. E ao chegar na gestão,
precisamente na Educação Infantil, pude vivenciar esse cruzamento de
saberes de forma natural. Fui diretora de escola por onze anos e o relato que
trago aqui é a respeito de um trabalho que desenvolvi nos últimos nove anos
de direção, de como era projetada a organização curricular. Período esse que
fiquei numa escola municipal de educação infantil da cidade de São Paulo.
Esse trabalho que vou relatar foi realizado em equipe, portanto vou usar o
plural, algumas vezes, para descrevê-lo.

115
Vozes da Educação

Para organizar o currículo dessa escola a equipe gestora partia de


uma reflexão sobre a prática, do diálogo, de leituras e estudos, e dos registros
diversos.
Quando me deparei com a organização curricular do ensino
infantil fui me encantando. O grande foco para nossa equipe gestora era
oferecer um leque de linguagens para a criança através de experimentações
do dia a dia. Sempre permeada pelas brincadeiras e pelo lúdico....
O que eu vinha procurando encontrei na educação infantil, a
verdadeira integração dos conhecimentos. O cerne da construção do
conhecimento não é a disciplina e sim as diferentes linguagens organizadas
através de experimentações.
Texto da professora Elvira de Souza Lima sobre linguagem que
norteou nosso trabalho:
As linguagens da criança são dirigidas a si mesma, às outras crianças, aos
brinquedos, a seus companheiros ‘imaginários’, aos adultos, aos seres da
natureza, às personagens dos contos, lendas e histórias da tradição oral
e da literatura, às entidades e figuras do folclore e da cultura. As
linguagens da criança são exercícios do processo de desenvolvimento
humano. Cada uma das linguagens cumpre objetivos distintos e é
elaborada, também de acordo com o interlocutor.
Partindo das colocações da professora Elvira percebemos que o
importante era oferecer no currículo um leque com diferentes linguagens
para as crianças, além de partir das linguagens que a criança traz também; já
que as mesmas são infinitas.
Na sociedade atual, a escola não pode ficar alheia à interação com
diferentes linguagens e códigos. Os diferentes sujeitos dentro da escola
precisam estar conectados com o contexto social e o currículo é o
mediador dessa conexão. É preciso estabelecer pontos de contato entre o
currículo de Educação Infantil e a possibilidade de construir símbolos que
diversifiquem a comunicação, esses sempre influenciados pela cultura.
Além disso a construção do espaço é eminentemente social e entrelaça-se
com a organização do tempo, o que são influenciados pela cultura e pelo
meio em que estão inseridos os seus autores. Priorizando sempre que os
sujeitos desse processo sejam autores desse currículo em permanente
construção. Seguindo esse princípio o currículo não está dado e pré-
estabelecido, mas é tecido no dia a dia com todos.

116
Volume VIII

Sempre tive esse foco curricular, mas na educação infantil foi


possível vivenciá-lo mesmo com todas as dificuldades e limitações de uma
escola pública. A criança é sempre vista de forma integral, onde o corpo
não está separado da mente e os saberes não estão fragmentados em
disciplinas estanques que não dialogam com suas vidas. Essa criança
também, deve ser a criança real e concreta, nesse currículo vivo não
podemos trabalhar com a criança idealizada nos nossos sonhos, mas sim
com o real, e com as famílias reais também.
Sendo assim o currículo é um caminho que se faz ao caminhar,
porém são muitas as suas vertentes. A tessitura do mesmo é complexa e
está em permanente expansão.
Todo ano na época do planejamento começávamos com
questionamentos, na verdade nunca era um começo, mas sim um
recomeço, pois cada sujeito ali trazia sua história e seu percurso na
educação o que só se somava ao coletivo. Esse trabalho de escuta dos
educadores fortalece o grupo e o trabalho, pois ali nasce uma organização
que tem significado para todos. As questões que organizavam os trabalhos
do ano eram, geralmente, essas:
 Como intensificar a prática das múltiplas linguagens diariamente?
 Quais seriam as linguagens elencadas?
 Como a criança se torna a protagonista do processo educativo?
 Quais as melhores experiências que as crianças devem vivenciar?
 Como redimensionar espaços e tempos favorecendo o uso das
múltiplas linguagens?
 Como organizar os materiais? Quais materiais devem ser
priorizados em detrimento de outros (pensando sempre em
experimentações desafiadoras e lúdicas e também na
sustentabilidade do planeta)?
 Tendo como ponto de partida a ética e a humanização das relações,
como fortalecer as interações solidárias na comunidade escolar?
 Como organizar um currículo onde as linguagens têm equidade?
 Sabendo da pluralidade da nossa sociedade, como organizar um
currículo que contemple a diversidade étnica?

117
Vozes da Educação

Os trabalhos sempre começavam com questionamentos, cuja as


respostas norteavam o planejamento anual. Questões sempre difíceis de
responder, principalmente, porque temos que considerar o conflito
permanente que existe na instituição escola.
Desde 2008, ano em que comecei a trabalhar na escola de educação
infantil que ficaria até 2016, ano em que me aposentei, o trabalho passou a
ser organizado por projetos. Anteriormente já trabalhavam projetos, porém
quis sistematizar um pouco mais. Começamos com uma característica
própria, uma vez que alguns professores ainda não se sentiam seguros para
trabalhar através de projetos. O tema do projeto anual era definido pelo
grupo e toda a escola percorria o mesmo. A definição do tema sempre era
discutida no grupo, geralmente, surgia a partir de algum evento do ano, ou
algum fato marcante para o grupo. Lógico que a equipe gestora, que era
formada por mim a diretora, a assistente de direção e a coordenadora
pedagógica, já tínhamos discutido bastante o assunto e sempre trazíamos
uma sugestão para o grupo, às vezes era aceita, às vezes não. O tema na
verdade era apenas um pretexto para organizar as linguagens que seriam
oferecidas através das experimentações com as crianças.
Após a fase de organização do ano, geralmente essa organização
começava em janeiro e percorria até o mês de março. Porém no mês de
fevereiro quando as crianças chegavam na escola começava-se um trabalho
de conhecimento da turma pela professora. O que isso significa? A
professora começava a conhecer o novo grupo que ela recebia, fazia a escuta
dessas crianças e também observava a configuração desse grupo que estava
se formando, a partir daí o mesmo fazia os registros da turma. Sempre
recolhendo informações para subsidiar o planejamento do projeto e também
de alguma forma dava pistas para a formação de professores que acontecia
na escola. O que a professora observava, era com relação as famílias e a
participação das crianças: como era a interação do grupo, se eram
independentes ou não, quais brincadeiras que mais gostavam, como se
relacionavam com os colegas, quais os interesses do grupo, quais habilidades
desenvolvidas, com frequência as crianças que vinham de outras escolas
pouco estranhavam o início do ano e praticamente chegavam bem adaptadas
a rotina, já as crianças que nunca tinham ido a escola estravam um pouco a
rotina, os horários, os tempos e espaços escolares. A escola de educação
infantil, no meu entendimento é bastante rígida e tem uma cultura bem

118
Volume VIII

cristalizada, qualquer mudança sofre bastante resistência. Sendo assim a


criança quando chega sem nunca ter ido a uma escola estranha.
Passada essa fase do primeiro contato entre as crianças e a
professora, lá pelo mês de março o planejamento anual é realizado através
dos registros numa reunião coletiva onde os educadores da escola
participam.
No ano de 2008, por exemplo, o tema que organizou o
planejamento foi África, apesar de muito amplo, dava um norte para as
pesquisas. As escolas de educação infantil, de uma maneira geral, têm um
percurso realizado com o trabalho através de grandes temas. Não é
nenhuma novidade, pode-se dizer, porém que o objetivo era a ampliação do
trabalho, para que fosse cada vez mais integrado e a sistematização dos
registros realizada, procurando sempre uma aprendizagem mais significativa
para as crianças e também para os educadores que podem trabalhar com
intensa pesquisa sobre o tema, não existe limite quando se trabalha com a
pesquisa de um tema. Sendo assim, os professores se agrupavam por
afinidade de trabalho, melhor dizendo, por uma facilidade em trabalhar com
o outro, já que as relações iriam facilitar ou não as atividades.
Particularmente sempre acreditei nas boas parcerias, que podem ser feitas a
partir das afinidades, acho que quando as pessoas se afinam os trabalhos
podem ser positivos. E isso também era da cultura da escola, então alguns
professores se uniam e trabalhavam juntos no projeto daquele ano.
Uma vez decidido sobre o tema anual, os trabalhos de
planejamento começavam. O foco sempre as diferentes linguagens e o
protagonismo infantil. E as linguagens também eram elencadas, partindo-se
do pressuposto que toda experiência deveria ser vivenciada através do
lúdico, do brincar, uma vez que essa é a linguagem que caracteriza a infância
e porque não dizer o ser humano. Linguagens que eram elencadas e
priorizavam as experiências das crianças:
Linguagem corporal – engloba a organização dos jogos e
brincadeiras, campo dirigido, movimentos, danças, jogos simbólicos e
teatrais, conhecimento do próprio corpo e como cuidar do mesmo;
Linguagem verbal – engloba as formas de comunicação através
da palavra oral e escrita, patrimônio cultural da literatura infantil através dos
diferentes gêneros e textos formais e informais; partindo do princípio que

119
Vozes da Educação

todo texto é só um pretexto para entender o contexto social, ou seja,


percorrer também um letramento de mundo;
Linguagem midiática – inserir a criança na era digital e
informatizada, através dos seus códigos próprios; através do uso de
computadores, máquinas fotográficas, filmadoras, celulares...
Linguagem da natureza, sociedade e ética – engloba conceitos
da natureza, sociedade e relações humanas orientadas pela ética;
Linguagem matemática – engloba as experiências com os
números, espaços, formas e medidas;
Linguagem artística – inserir a criança no mundo das artes; artes
plásticas, música e teatrais.
Após elencadas as linguagens, começamos a relacionar as
experimentações e os conteúdos de cada uma. Sempre com o foco no tema
escolhido. No ano de 2008, por exemplo, foi África sendo assim, esse tema
norteou todas as escolhas. Na seleção de literatura infantil, foram escolhidos
livros que se referiam ao tema. As brincadeiras escolhidas se relacionavam
com as brincadeiras das crianças africanas, sempre fazendo uma relação com
as nossas brincadeiras. Enfim todas as pesquisas se relacionavam de alguma
forma com a cultura africana, jogos matemáticos africanos, artistas, natureza
e sociedade dos países africanos, a relação da história da África com o
Brasil....além de orientar também as saídas culturais, nesse ano por exemplo
fomos até o Museu Afro... por ser amplo o tema ele percorre o ano inteiro.
Esse trabalho não é considerado inovador na educação infantil, porém com
ele conseguimos respeitar o momento de cada educador e proporcionar o
crescimento de todos, devido a metodologia de pesquisa do tema.
O tema de alguma forma serve também para planejar as compras
do ano. Uma vez que o planejamento dos gastos das verbas é um
planejamento anual. Orienta por exemplo a compra de jogos e brinquedos,
a compra de livros, de materiais necessários para a confecção dos trabalhos
de artes, de materiais para o campo dirigido...a seleção das saídas
pedagógicas e os gastos com as mesmas, como ônibus, lanche ou qualquer
outro material nas saídas.
Todo esse planejamento macro vai sendo detalhado no
planejamento semanal, onde se divide o tempo diário para cada linguagem e
por assim dizer o tempo para cada atividade.

120
Volume VIII

O dia a dia é organizado com a elaboração de uma rotina para se


ter as linguagens planejadas nos diferentes espaços da escola.
Proporcionando assim uma riqueza para as crianças. Oferecendo diferentes
oportunidades de espaços, materiais, linguagens e tempos.
Os diferentes espaços sempre representam de alguma forma um
aspecto importante no currículo da escola. Nessa escola do relato, a Emei
Marina, existe um espaço privilegiado para as crianças devido a sua
amplitude e o forte contato com a natureza. Eu sempre fiz questão de
manter esse espaço com a maior qualidade. Qualidade essa sempre a
possível, já que a verba era limitada, sendo assim, logicamente que sempre
poderia ser um espaço melhor. Primeiramente, o espaço sempre deve ser
seguro e adequado para quem vai fazer uso do mesmo. Se tratando de um
espaço que será frequentado por crianças, precisa ser um espaço lúdico.
Logo que cheguei nessa escola fiz questão de cobrir a quadra para
que a mesma pudesse ser usada em dias de chuva e também de sol intenso,
com a cobertura ela passou a ser muito mais utilizada. A quadra nessa escola
dificilmente estava vazia, sempre alguma turma estava utilizando a mesma,
exatamente por isso existe a necessidade da organização dos tempos. A
quadra é utilizada sempre que tem alguma apresentação cultural na escola,
como teatros, apresentação de bandas, mágicos, circos, contação de histórias
e também diariamente como espaço lúdico, principalmente, para o que
chamamos na educação infantil de campo dirigido, ou seja, brincadeiras com
regras e materiais próprios, são atividades planejadas de acordo com o
projeto daquele ano. Os materiais usados são bolas, cones, cordas....
Valorização de brincadeiras tradicionais também como amarelinha, corre-
cotia, queimada, percurso, pé-de-lata, lenço-atrás, dono-da-rua...e por aí
vai...brincar, mas com intencionalidade.
Outro espaço muito importante na escola é o parque livre com
tanque de areia. Nesse parque as crianças brincam livremente e as
brincadeiras são espontâneas. No tanque de areia sempre priorizei o uso de
sucatas, como potes reutilizáveis, esse espaço é sempre muito procurado,
também nunca fica vazio.
Além desses dois espaços, a quadra e o parque com tanque de areia,
priorizei também uma casinha de boneca, onde aconteciam as brincadeiras
simbólicas, com fantasias e utensílios de casa, além de bonecas e diversos

121
Vozes da Educação

brinquedos. A equipe sempre orientou a utilização de brinquedos não


estruturados, porém nem sempre foi ouvida.
Um quarto espaço lúdico e também muito importante, é o parque
das árvores, pelo fato de ter muitas árvores recebeu esse nome, é um lugar
com brinquedos de tronco de madeira, o que combina bem com as árvores;
esse parque sempre necessita de brincadeiras dirigidas, pois é bem
acidentado por conta das raízes e troncos de árvores, sempre dispensa mais
atenção dos professores para evitar acidentes com as crianças.
Nesses diferentes espaços lúdicos, planejados para oferecer às
crianças diferentes desafios e também diversão, sempre permanecia apenas
uma turma da escola, já que cada turma tem trinta e cinco crianças e mais
do que esse número sempre representava um perigo. No caso dessa escola
de educação infantil que tem até hoje 2018, seis turmas, pode-se organizar a
rotina de forma que sempre é possível ter quatro turmas em parques. Por
que essa preocupação? Como as crianças atendidas são de quatro a seis anos
elas precisam explorar muito o corpo e as brincadeiras, sendo assim, a rotina
delas priorizava as atividades externas do prédio, fora da sala de aula.
Atividades próximas da natureza e atividades em áreas abertas, onde essas
crianças pudessem correr, pular, conviver com árvores, folhas, pedras, areia
e terra, explorando sempre esses recursos. Quando cheguei na escola sofri
uma resistência de alguns profissionais e também até de alguns pais. Alguns
professores tinham mais segurança com o trabalho em sala de aula, uma vez
que, em sala as crianças estão num espaço limitado e restrito, onde as
atividades são realizadas na maioria das vezes em mesas e as crianças ficam
grande parte do tempo sentadas; já nos parques as crianças ficam livres e o
espaço é bem maior. Alguns funcionários da escola, uma minoria,
reclamavam um pouco da sujeira devido ao grande movimento das crianças
de um parque para o outro, sendo que um parque tem areia, o outro tem
terra, o outro tem muitos brinquedos, enfim sempre causava uma
movimentação maior e também mais sujeira. E alguns pais reclamavam da
roupa suja da criança quando ia para casa. Com o tempo essa resistência foi
diminuindo e as atividades externas foram aumentando gradativamente,
todos começaram a valorizar as atividades realizadas fora da sala de aula.
Inclusive, a formação dos educadores ocorria algumas vezes nas áreas
externas da escola.

122
Volume VIII

Fora as salas de aula, a escola tem também uma sala de informática,


para que as crianças no mínimo uma vez por semana tenham contato com
a linguagem midiática, usando a internet e os diferentes recurso
tecnológicos. Recursos esses que considero precários na escola de educação
infantil, porém necessários. Na escola pública aprendi que temos que usar o
que está disponível, não ficar paralisada na reclamação. A sala de informática
é precária, porém é o que temos, sendo assim temos que otimizar os recursos
da melhor forma, e isso é com tudo.
Escrevi um pouco sobre alguns espaços possíveis na escola,
espaços esses que sempre devem favorecer uma maior qualidade de
aprendizagem, mas nem só os espaços têm relevância no currículo.
Para que o currículo ocorra de forma planejada e significativa é necessário
organizar também os tempos de trabalho. Essa organização se dá através de
uma rotina elaborada de forma planejada por todos da escola. O importante
nessa organização é que o currículo seja vivo, e atenda as crianças que estão
na escola, a criança real e não uma criança idealizada.
Sendo assim a rotina de um dia comum na escola se dividia em:
 Recepção dos alunos na quadra de forma coletiva; com um projeto
de acolhimento das crianças; de preferência já com uma atividade
musical, lúdica ou literária;
 Entrada para a sala e hora da conversa para organização do dia
com as crianças; geralmente com uma roda de conversa;
 Contação de história;
 Jogos matemáticos;
 Campo dirigido;
 Parque livre;
 Linguagem artística ou midiática;
 Higiene; o cuidar e o educar na educação infantil;
 Alimentação, desenvolvendo o self-service, incentivo a autonomia e
a alimentação saudável;
 Hora da saída, com uma atividade lúdica ou artística para evitar
período de espera para a criança.
Essa rotina como foi citada, é um exemplo de um dia comum para
a criança. A criança na escola fica seis horas, por isso a necessidade de olhar
para esse período de forma que dê um equilíbrio nas atividades.

123
Vozes da Educação

Até aqui contei um pouco sobre a organização dos espaços,


tempos e recursos materiais. De alguma forma esses itens citados nos falam
muito sobre o currículo da escola. E também sobre a concepção e princípios
que norteiam os trabalhos escolares.
Vou contar sobre três atividades permanentes da escola que
considero transgressora de uma educação tradicional e conservadora e que
também possibilita diferentes ações na perspectiva de uma pedagogia com a
participação de todos. As atividades são: Projeto Entorno de contação de
histórias simultâneas, Jogos Matemáticos que promovem o desafio, o lúdico
e o trabalho com materiais de sucatas e ainda o Projeto de Alimentação
Saudável através do self-service com as crianças.
Sobre o Projeto Entorno, trabalho curricular muito interessante
que desenvolvia na escola, atividade essa que sempre incentivei para que ela
se tornasse uma atividade permanente e semanal, mas sai sem conseguir essa
façanha, pois ela ocorria, mas não de maneira natural e incorporada pelo
grupo. Fato esse que avalio como normal, já que a atividade é realmente
transgressora em vários aspectos da educação tradicional, bancária e
conservadora, que acredita que todos devem fazer a mesma coisa no mesmo
tempo...em salas de aula organizadas com carteiras enfileiradas e o professor
na frente expondo algo que ele domina de forma exemplar e, assim sendo,
vai conseguir colocar dentro das cabeças dos alunos, tudo aquilo que ele
sabe e esse aluno, por sua vez, recebe tudo por não saber nada, ou saber
muito pouco. Mas sabemos hoje que isso não ocorre assim de forma
simplificada, e que o aprendizado é bem mais complexo. Exatamente por
essa mentalidade tão incorporada por todos que qualquer projeto que mexa
com essa idéia causa estranhamento e medo do diferente.
O Entorno é uma atividade que considero excelente para
modificar as estruturas da escola tradicional. É projeto que se trata de
contação de histórias infantis, mas são contações que ocorrem de forma
simultânea. O grupo de professores de maneira coletiva num dia de
formação escolhe um livro de literatura infantil para contar aos alunos. Cada
professor escolhe um livro, a escolha do livro já deve ser bem analisada, pois
deve estar relacionada ao projeto da escola, ou a algum fato que tenha
relevância naquele momento, após escolher um livro o professor vai fazer
uma resenha sobre o mesmo, terá que escrever um resumo que seja bem
atrativo, pois com esse resumo que apresentará as crianças, é que as mesmas

124
Volume VIII

escolherão a história que querem ouvir. Sendo assim num dia o professor
leva as suas crianças que vão ouvir sobre as diferentes resenhas e a partir
dessa escuta escolher a história que quer ouvir. Ou seja, a criança vai
escolher a história que quer ouvir sem saber qual professor vai conta lá. A
contação deve ser marcada, pois nesse momento as crianças ouvirão a
história que escolheram e essa história não será contada necessariamente
pela sua professora. Pois ao ler as resenhas a professora da sala não diz qual
professor que contará a história. A criança escolhe de maneira espontânea a
partir do seu gosto. Na hora da contação simultânea o grupo classe será
misturado e cada criança vai com a professora que está com a história que
ela escolheu. Os grupos se misturam, a criança não fica com sua professora
necessariamente, pode até ficar, mas não é regra. A contação sempre deve
ocorrer num espaço fora da sala de aula, o professor deve escolher um
espaço externo para dar mais possibilidades a atividade e também para
incentivar o lúdico e o prazer em ouvir histórias. Enfim quantos aspectos da
educação tradicional são rompidos: o espaço sala de aula, o grupo classe, a
criança tem a autonomia de escolher a história que quer ouvir, os professores
trocam de crianças, naquele momento todas as crianças são de todos, o
professor precisa escrever a resenhar após a escolha do livro, então existe
um trabalho reflexivo sobre o livro infantil. Trabalho esse sobre o autor, a
história, as gravuras, a editora, o material do livro, a apresentação de forma
geral, o tamanho da história e sobre o tema do livro, será que desperta
interesse? É uma questão que os professores devem se fazer. O professor
na hora de escrever a resenha também exerce um hábito difícil para todos,
a ação de escrever de forma sistemática.
Esse trabalho acontecia de forma mensal, ou seja, era escolhido
um livro por mês por cada professor, porque cada história era contada três
vezes, então a criança ouvia três histórias com três professores diferentes.
Mas para ser sincera, os professores tinham uma certa resistência com esse
trabalho, aos poucos foi se tornando mais prazeroso por todos. Todos
começaram a perceber a importância da literatura infantil e as suas diferentes
formas para a sua utilização. Sempre fazendo uma relação muito próxima
entre o saber e o sabor.
Algumas vezes fazíamos algumas modificações no formato. Por
exemplo, fizemos com os pais esse trabalho e foi muito bom, eles gostaram
bastante. Fizemos também em vez de contação de história, as crianças

125
Vozes da Educação

escolhiam oficinas de brincadeiras que as professoras organizavam, essas


aconteciam mais no mês da criança em outubro, para caracterizar os
trabalhos da semana da criança. Esse trabalho, O Entorno, trouxe muitas
mudanças para a escola e serviu para diferentes reflexões durante o processo
de formação dos educadores.
Outra atividade que considero muito positiva para todos é o
trabalho com os jogos matemáticos. Quando cheguei na educação infantil
presenciava muita atividade onde a criança apenas copiava os números,
ficava copiando números ou então ligando objetos as diferentes
quantidades, por exemplo, ligar o número um na figura de um coelhinho e
assim por diante. Isso sempre me incomodou muito. A equipe gestora
buscou formação na secretaria de educação de São Paulo e encontramos
alguns caminhos para enriquecer o trabalho matemático, principalmente,
com o objetivo de oferecer desafios para as crianças de forma lúdica. Nessa
escola que fiquei nove anos, tive o privilégio de conhecer ótimos professores
que já tinham práticas avançadas, então o que fizemos, aproveitamos a
formação e somamos com o grupo o trabalho de alguns professores com
jogos desafiadores. Essa experiência, para muitos não traz nada de novo,
porém considero inovador o que vou citar: primeiro sair de atividades que
aconteciam só no papel (como as que eu já citei), segundo proporcionar para
a criança desafios no raciocínio, terceiro trabalhar sempre com o lúdico e o
prazer de jogar. Vou dar um exemplo de jogo desafiador: o jogo dos
pratinhos, que pode ser com diferentes comandos, os comandos podem ser
através de dados, esses dados podem ser de quantidades, cores, formas,
animais , frutas...para crianças bem pequenas pode ser com cores, ou formas
, com as crianças maiores pode ser com os numerais; entrega se várias
tampinhas coloridas e um pratinho de papelão para cada criança, ou forma-
se grupos de crianças, como o professor se sentir melhor; e partir daí vai
dando as comandas que podem ser: recolher um número tal de tampinhas
5,6 ou qualquer outro que as crianças estejam habituadas ou não; recolher
tampinhas azuis, verdes ou de qualquer outra cor; pode se pedir as diferentes
formas também, enfim é um jogo com possibilidades inesgotáveis. Com
dois pratinhos existe a possibilidade de se trabalhar adição e subtração.
Levando se em conta a importância dos registros pelas próprias crianças,
dentro das suas possibilidades. O mais importante é a mudança de
paradigma das atividades de matemática, sair da cópia e repetição e partir

126
Volume VIII

para o significativo e desafiador das atividades. Fazendo com que essas


crianças relacionem as quantidades com os numerais de forma natural e
também consigam efetuar às operações de maneira prazerosa e lúdica.
Quando essas atividades se tornam costumeiras e permanentes na escola as
crianças conseguem até fazer as contas no papel, montando assim as
famosas operações que tanto assustam as crianças. São muitas as
possibilidades de jogos desafiadores, com baralho, jogo de percurso,
dominó, memória. Na escola o trabalho foi crescendo a tal ponto que o
grupo elaborou uma coletânea de jogos, um jogo puxa o outro e um material
novo traz sempre outra regra e outro desafio. Esses jogos com tampinhas,
pratinhos de papelão ou de isopor, palitos, pregadores, potinhos plásticos,
enfim, diferentes materiais podem ser usados, e incentivam a reutilização de
materiais que iriam para o lixo, sendo assim, o tema sustentabilidade se torna
um hábito para a criança e também para os adultos, parte-se da idéia que
não existe lixo, tudo pode ser utilizado novamente. O consumismo é
deixado de lado e a economia acontece naturalmente. Fizemos também
essas oficinas de jogos matemáticos com os pais, foi um sucesso, pois os
pais construíram os jogos e também jogaram com seus filhos, jogos esses
que foram para casa e sendo assim continuaram a ser explorados com as
famílias. Os pais adoram realizar atividades com seus filhos, são momentos
únicos para eles e ainda quando essas atividades se estendem para casa
melhor ainda.
Outra atividade que dava muito certo, sempre como já citei,
trazendo conflitos também, era a alimentação das crianças através do self-
service. As crianças através dessa prática se serviam durante as refeições, e o
fato delas praticarem isso trazia um leque de conhecimentos e curiosidades
por parte delas. Despertar a curiosidade do que temos hoje para comer,
como é essa comida, quais os benefícios, qual é a origem desse alimento,
podemos cultivar aqui esse alimento, eram alguns dos questionamentos que
o grupo procurava resposta com os educadores. O importante com a prática
do self-service com as crianças era sempre a discussão que provocava e a
pesquisa desencadeada a partir das discussões. Conhecer mais sobre os
alimentos é um conteúdo muito rico nessa faixa etária da infância, para que
as mesmas criem hábitos saudáveis fugindo dos fast foods tão incentivados
pela atual sociedade. Na educação infantil o cuidar e o educar caminham
juntos e é na organização curricular que vivenciamos isso ou não.

127
Vozes da Educação

Elenquei essas três práticas para serem relatadas por considera-las


exemplos vivos da concepção de currículo que foi trazido no início desse
texto.
Quero deixar bem evidente aqui nesse relato de experiência que
nenhuma prática que busque uma concepção democrática ou de um
trabalho coletivo se dá de forma tranquila na escola. Só através de uma
formação permanente em serviço, refletindo sobre as diferentes práticas e
também sobre qual concepção embasa essas práticas é que conseguimos dar
alguns passos. Trabalho com muita disciplina e rigorosidade de estudos e
registros. As vezes nos perdemos no caminho e o próprio grupo precisa
voltar dos atalhos para o caminho principal.
Hoje já não acredito numa mudança radical numa instituição
escolar sem um trabalho coletivo, uma vez que, as pessoas que ali estão são
as que fazem o trabalho acontecer e numa escola pública você tem sempre
um grupo muito diversificado e plural. Acreditando que numa gestão
democrática de escola não é possível chegar com um projeto e implementar
de cima para baixo, só com um trabalho de discussão coletiva é que se
constrói um projeto verdadeiro de escola. Porém esse trabalho é um
processo reflexivo diário, e se dá com um projeto de formação continuada,
formação essa que subsidia a construção de um currículo vivo e significativo
para todos.

128
Volume VIII

Referências Bibliográficas
Alves, Nilda. O espaço escolar e suas marcas. O espaço como dimensão
material do currículo. Rio de Janeiro: DP & A, 1998.
Cardenuto, Silvia Teixeira. Transgressão Curricular: Um estudo a partir da
atual transição paradigmática no contexto escolar/ Silvia Teixeira
Cardenuto; orientação de Elydio dos Santos Neto. São Bernardo do Campo:
UMESP. 2002.
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa/ Paulo Freire- São Paulo: Paz e Terra. 1996.
Paro, Vitor Henrique. Gestão Democrática da educação pública. São Paulo:
Cortez, 2016.
Sacristán, Gimeno. Currículo- Uma reflexão crítica sobre a prática. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação
Técnica. Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e
orientações didáticas para Educação Infantil/ Secretaria Municipal de
Educação- São Paulo: SME/DOT.2007
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação Diretoria de Orientação
Técnica. Currículo integrador da infância paulistana. São Paulo:
SME/DOT.2015

129
Vozes da Educação

TRABALHANDO A INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO


SUPERIOR ATRAVÉS DE UMA FEIRA DE CIÊNCIAS:
RELATOS E PERCEPÇÕES DOCENTE

Simone Rosler24
Dieison Prestes da Silveira25

RESUMO
A Feira de Ciências aconteceu no Instituto Federal Farroupilha– Campus
Júlio de Castilhos, no segundo semestre do ano de 2017, a qual contou
com a participação de licenciandos em Ciências Biológicas. A professora
da disciplina de PeCC VI (Prática enquanto Componente Curricular) que
tem como tema a elaboração de uma Feira de Ciências, auxiliou os
acadêmicos na construção de saberes através de artigos científicos,
imagens e diálogos. Em seguida os mesmos foram designados a orientar
os alunos. Participaram do evento as turmas dos Cursos Técnicos
Integrados.
Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Componente curricular.
Interdisciplinar.

ABSTRACT
The Science Fair was held at the Farroupilha Federal Institute - Júlio de
Castilhos Campus, in the second half of 2017, which included the
participation of graduates in Biological Sciences. The teacher of the
discipline of PeCC VI (Practice as a Curricular Component), whose theme
is the elaboration of a Science Fair, assisted academics in the construction
of knowledge through scientific articles, images and dialogues. Then they
were assigned to guide the students. The classes of the Integrated
Technical Courses took part of the event.
Keyword: Teaching-learning. Curricular component. Interdisciplinary

24Acadêmica do quinto semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto


Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos, e-mail:
simonerosler@yahoo.com.br
25Mestrando em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social – UNICRUZ. Graduado em

Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia,


Farroupilha - Campus Júlio de Castilhos, e-mail: dieisonpretes@gmail.com

130
Volume VIII

Introdução

O ensino superior, oriundo de instituições formadoras de


profissões demonstra-se um ambiente conteudista, auxiliando os
acadêmicos na busca de conhecimentos. Tendo em vista isso,
componentes curriculares com caráter diferenciado do método tradicional
de ensino, presente nas instituições, tem demonstrado interesse pelos
acadêmicos, no que tange o processo de ensino-aprendizagem.
A utilização de maquetes, jogos lúdicos, cartazes, atividades
práticas são umas das possibilidades de metodologias que galgam tanto o
ensino quanto a aprendizagem dos alunos e dos professores nos diferentes
níveis de ensino: inicial, fundamental, médio e superior.
Piaget (1976) relata que a atividade lúdica é o berço obrigatório
das atividades intelectuais da criança. Estas não são apenas uma forma de
desafogo ou entreterimento para gastar energia das crianças, mas meios
que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Ele afirma:
O jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício
sensório motor e de simbolismo, uma assimilação do real à realidade
própria, fornecendo a este seu alimento necessário e transformando
o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os
métodos ativos da educação das crianças exigem todos que se forneça
às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas
cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso,
permanecem exteriores à inteligência infantil. (PIAGET, 1976, p.
160).
Em sala de aula, a didática diferenciada abordada pelo docente,
visa provocar o pensar crítico dos alunos, perfazendo a identidade
docente. Cada professor apresenta sua identidade, oriunda dos cursos de
formação inicial e continuada, portanto, o processo de formação de um
professor contribui com suas metodologias em sala de aula e sua didática.
Visando superar as dificuldades deixadas pelo ensino tradicional,
os estudiosos em ensino, de um modo geral, vêm cada vez mais
explorando novas metodologias para facilitar e auxiliar o professor no
processo de ensino-aprendizagem dos alunos, valorizando a utilização de
diversos recursos didáticos. Assim,
... com a utilização de recursos didático-pedagógicos pensa-se em
preencher as lacunas que o ensino tradicional geralmente deixa, e com
isso, além de expor o conteúdo de uma forma diferenciada, faz os

131
Vozes da Educação

alunos participantes do processo de aprendizagem. (CASTOLDI


2006, p. 985).
Nos cursos de Licenciaturas vê-se imprescindível o uso de
metodologias de ensino diferenciadas do método tradicional, pois estão
(trans) formando e ressignificando os saberes dos acadêmicos
contribuindo para lecionarem com ética, atitude e profissionalismo nas
diferentes instituições de ensino.
Disciplinas como as PeCC’s (Práticas enquanto Componentes
Curriculares) apresentam objetivos que culminam no ensino
interdisciplinar, no qual as disciplinas se interligam e perfazem uma
conexão concretizando o processo de ensino-aprendizagem. Sobre a
interdisciplinaridade Japiassu (1976, p.74) expõe que: “A
interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os
especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um
mesmo projeto de pesquisa”
O curso de Licenciatura em Ciências Biológicas presente no
Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos apresenta o
Componente Curricular denominado PeCC IV (Prática enquanto
Componente Curricular) que tem como tema Feira de Ciências e visa o
planejamento e organização de uma Feira em uma instituição de ensino.
De acordo com Pereira (2000, p. 38) “as Feiras de Ciências são capazes de
fazer com que o aluno, por meio de trabalhos próprios, envolva-se em
uma investigação científica, propiciando um conjunto de experiências
interdisciplinares, complementando o ensino-formal”. Moura (1995)
afirma que:
É nas feiras de ciências que os alunos têm a oportunidade de
desenvolver habilidades importantes decorrentes da conjunção entre
duas dimensões básicas do conhecimento: a teoria e a experimentação
junto ao fenômeno real da natureza.
Na disciplina de PeCC IV, os acadêmicos matriculados devem
elaborar uma Feira de Ciências promovendo a divulgação científica e
corroborando a troca de saberes e vivências entre todos os presentes. A
PeCC VI consiste em uma prática de ensino interdisciplinar, na qual
inserem-se outros Componentes Curriculares, como por exemplo:
Didática, Metodologia do Ensino de Ciências, Ficologia e Micologia,
Zoologia II, Botânica I, Anatomia e Fisiologia Humana I. Perfazendo as

132
Volume VIII

práxis na educação, estas deve-se interligar e culminar numa ação de


ensino. Segundo Paula, acredita-se que a Universidade:
[...] deve ser pensada não como um espaço onde indivíduos se
iniciam em certos conhecimentos constituídos ou preestabelecidos,
mas onde são possibilitadas condições para que esses indivíduos
consigam uma formação concernente aos seus interesses e à imagem
que eles têm de seus papéis na sociedade. (PAULA, 2005, p.75).
Tendo em vista a importância das PeCC’s no ensino superior,
tendo caráter interdisciplinar no processo de ensino-aprendizagem,
objetiva-se neste trabalho expor o êxito da Feira de Ciências elaborada
pelos acadêmicos do quarto semestre do Curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas no Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de
Castilhos, no ano de 2017.

Metodologia
A PeCC IV (Prática enquanto Componente Curricular) – Feira
de Ciências, aconteceu no Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de
Castilhos, no segundo semestre do ano de 2017. Haja vista que a Feira de
Ciências está intrínseca ao componente curricular do curso, ela contou
com a participação dos licenciandos do quarto semestre do Curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas e as turmas dos cursos integrados ao
ensino médio da presente instituição mencionada, Curso: Técnico em
Informática e Técnico em Agropecuária.
Semanalmente, no horário da disciplina de PeCC VI, a
professora regente da turma explanava assunto relativos a construção de
Feira de Ciências através de artigos científicos, imagens e diálogos. Com
isso os acadêmicos garantiam um embasamento teórico preparatório para
a organização da Feira, bem como a explanação das turmas participantes
do evento.
Do ponto de vista metodológico, as feiras de ciências podem ser
utilizadas para repetição de experiências realizadas em sala de aula;
montagem de exposições com fins demonstrativos; como estímulo
para aprofundar estudos e busca de novos conhecimentos;
oportunidade de proximidade com a comunidade científica; espaço
para iniciação científica; desenvolvimento do espírito criativo;
discussão de problemas sociais e integração escola-sociedade.
(PAVÃO, 2016).
Desde o início da mesma, foram realizadas provocações visando
o pensar nas turmas, sendo registrados fatos e acontecimentos do evento

133
Vozes da Educação

na forma de relatório este foi a forma de avaliação dos acadêmicos na


presente disciplina. A atividade de planejamento, organização e construção
da atividade com os alunos perdurou aproximadamente três meses.

Resultados e discussão
A Feira de Ciências proporcionou aos alunos a oportunidade de
divulgarem os trabalhos elaborados no decorrer do ano e/ou semestre
letivo, ainda a elaboração de inovações tecnológicas pelos participantes.
Os grupos de alunos foram orientados pelos acadêmicos do quarto
semestre. Foi disponibilizado aos alunos salas de informática com
computadores que os auxiliavam em pesquisas para a construção dos
experimentos. Definindo o conceito de Feira de Ciências, tem-se a
seguinte definição:
A Feira de Ciências é um empreendimento técnico-científico-cultural
que se destina a estabelecer o inter-relacionamento entre a escola e a
comunidade. Oportuniza aos alunos demonstrarem, por meio de
projetos planejados e executados por eles, a sua criatividade, o seu
raciocínio lógico, a sua capacidade de pesquisa e seus conhecimentos
científicos. (MORAES, 1986, p. 20).
As análises das pesquisas eram realizadas pelos professores e
orientadores, cujos eram acadêmicos do Curso de Ciência Biológicas,
intentando não ocorrer repetições de experimentos. No decorrer das
orientações em sala de aula, foi criado um grupo numa rede social visando
a troca de saberes entre os participantes.
A Feira de Ciências aconteceu durante a tarde e os avaliadores
foram os servidores do Instituto Federal Farroupilha. Estavam presentes
os alunos das Ciências Biológicas e de outras escolas dos municípios de
Júlio de Castilhos e Tupanciretã que foram convidados a prestigiarem o
evento, promovendo a divulgação científica e tecnológica entre a
comunidade.
No momento das exposições dos trabalhos, os alunos
demonstraram apresentar domínio dos conteúdos pesquisados, ainda
obtiveram segurança e o público presente demonstrou satisfação pelo
evento.
É plausível relatar que para a realização da Feira de Ciências
ocorreram dificuldades, como por exemplo, pouca liberação dos alunos

134
Volume VIII

pelos docentes, pois os encontros com os acadêmicos-orientadores


ocorreram em dias próximos as provas semestrais.

Conclusões
Atividade como essa é fundamental para o processo de ensino-
aprendizagem dos alunos, pois propicia a busca pelo aprendizado gerando
novos saberes, novas perspectivas e auxilia na interação aluno-professor e
aluno-aluno.
Para as instituições de nível Superior (IES) é importante o
desenvolvimento de projetos e eventos que interelacionem com o público
que as frequentam.
Conforme relato de alguns alunos, a Feira de Ciências foi
satisfatória, pois estava presente um público relevante para prestigiarem o
evento. Foi notável o empenho dos trabalhos dos alunos sendo que
haviam trabalhos inéditos o que garantiu sustentação científica e inovação
tecnológica.
Quando o professor tem uma visão holística frente aos alunos
pode-se contornar situações desafiadoras e promover o êxito final das
atividades E deste modo, o professor cria ideias para trabalhar com
conteúdo diferenciado, tendo em vista o aprendizado e a criatividade do
aluno.
Quando é instigado e incentivado o discente a pensar, a descobrir
suas habilidades, seus potenciais constroem-se o ambiente de aprendizado.
E através deste agregado, o desenvolvimento de novos conhecimentos
desenvolvendo novas práticas e conceitos pelo aluno.
As feiras de ciências, portanto, são um desafio acerca do papel
do professor orientar e acompanhar o aluno. Há um estímulo de
transformar a teoria em prática perfazendo as práxis. Nesta Feira de
ciências, os alunos sentiram-se satisfeitos em elaborarem trabalhos para
apresentar a comunidade.
Para o Curso de Licenciatura em Ciência Biológicas atividades
como estas estimulam os acadêmicos a desenvolverem o senso crítico,
ainda exercitar a profissão docente na elaboração de projetos que
direcionam a profissão didático-pedagógica. Sendo assim discorro a
necessidade de atividades como estas nos Cursos de Licenciaturas para
corroborar com a interdisciplinaridade no ensino e na aprendizagem.

135
Vozes da Educação

Referências bibliográfica
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Disponível em: < http://educador.brasilescola.com/orientacao-
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JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do saber. Rio de
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MORAES, Roque. Debatendo o ensino de Ciências e as Feiras de
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18-20.
MOREIRA, M.A. Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999
MOURA, D. G. "Feiras de Ciências: Necessidade de novas diretrizes."
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PAULA, M.M.C.M. Há necessidade de reflexão na formação do
professor? Revista Eletrônica Guavira on-line. 2: 73-85, 2005. Disponível
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PAVÃO A.C. Feiras de Ciências: revolução pedagógica. Recife: Espaço
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PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Trad. Por Dirceu Accioly Lindoso
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PEREIRA, A. B.; OAIGEN, E.R.; HENNIG.G. Feiras de Ciências.
Canoas: Ulbra, 2000.

136
Volume VIII

O PROCESSO DA APRENDIZAGEM COM ÊNFASE NA


NEUROAPRENDIZAGEM

Solange Ribeiro Dall Agnol26

RESUMO
O presente trabalho pretende apresentar uma ampla discussão e
verificação de teorias já apresentadas e aceitas pela Pedagogia e Psicologia,
porém vinculá-las a Neuroaprendizagem e suas contribuições para o
entendimento do processo de ensino aprendizagem. Para isso,
pesquisaram-se trabalhos anteriores sobre o tema com enfoque em
renomados pensadores da Educação, Vygotisky, Piaget, Wallon, e
Montessori, vinculando-os as pesquisas de autores que dissertam sobre a
neurociência. Nesta mesma proposta pretende-se apresentar uma linha de
pensamento claro e objetivo, inspirando a quem o lê, o pensar e o repensar
das práticas pedagógicas na visão da Neuroaprendizagem. Com exemplos
de metodologias já conhecidas, mas com o enfoque da
Neuroaprendizagem, inclusive, especificando as fases do desenvolvimento
humano, pesquisou-se como o cérebro responde aos estímulos por meio
das atividades propostas. Não é de agora as preocupações dos envolvidos
na Educação quanto ao desenvolvimento do ser humano na sociedade.
Diversos trabalhos vêm discutindo a temática de como o ser humano
aprende e como o cérebro está envolvido neste processo. A Neurociência
entra neste cenário como auxiliadoras nesta vinculação de aprendizagem e
na busca por uma educação de qualidade e de integração real do indivíduo
na sociedade, hoje, globalizada.

Palavras-chave: Neuroaprendizagem. Cérebro. Aprender.

Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci UNIASSELVI -IndaiaL -


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SC Especialista em Neuroapendizagem pela Unyleya Faculdade Integrada - Rio de Janeiro - RJ -


Email: sollprin@hotmail.com

137
Vozes da Educação

ABSTRACT
The present work intends to present a broad discussion and verification
of theories already presented and accepted by Pedagogy and Psychology,
but to link them to Neurolearning and its contributions to the
understanding of the teaching-learning process. For this, previous work
on the theme was focused on renowned thinkers of Education, Vygotisky,
Piaget, Wallon, and Montessori, linking the researches of authors who talk
about neuroscience. In this same proposal we intend to present a clear and
objective line of thought, inspiring those who read, think and rethink
pedagogical practices in the vision of neurolearning. With examples of
methodologies already known, but with the focus of neurolearning,
including specifying the stages of human development, we investigated
how the brain responds to the stimuli through the proposed activities. It
is no longer the concerns of those involved in education regarding the
development of the human being in society. Several papers have been
discussing the theme of how the human being learns and how the brain is
involved in this process. Neuroscience enters this scenario as a helper in
this linkage of learning and in the quest for quality education and real
integration of the individual in today's globalized society.

Keywords: Neurolearnig. Brain. Educaction.

Introdução
Esta pesquisa tem como objetos de estudos questionamentos
pertinentes ao aprender e como se explica a aprendizagem vinculada a
Neuroaprendizagem. È de suma importância que os profissionais da
educação entendam como a neurociência está implícita no que se refere
ao conhecimento, como se aprende, como se desenvolvem as habilidades
motoras, cognitivas e sociais. Neste sentido é necessário conhecer a
criança e mediá-la para que haja a aprendizagem, é preciso mostrar o
mundo, dar oportunidade para que ela explore, trabalhar em grupo com
foco no individual, percebendo a aprendizagem, e as interfaces dela.

138
Volume VIII

Nesta mediação, em outro momento temos as Metodologias de


Ensino envolvidas no processo da aprendizagem, o que deve ser
minuciosamente definida incorporando-a a Neuroaprendizagem. Para isso
o entendimento de como funciona o cérebro no aprender é significativo
neste processo, pois as atividades quando planejadas de forma a apresentar
os conteúdos garantem o aprendizado e o desenvolvimento contínuo.
Assim, uma parte deste estudo focou em rever em discutir sobre tais
enfoques e exemplificar atividades que possam auxiliar no entendimento
desta vinculação- cérebro e metodologia.
No mesmo contexto, é essencial conhecer as fases do
desenvolvimento do ser humano, para isso, propõe-se a verificação dos
estágios desse desenvolvimento conforme alguns pensadores da
Educação. Novamente na perspectiva do estudo é vincular tais fases ao
cérebro e perceber como este se inclui no processo de ensino
aprendizagem, verificando e entendendo como se dá uma continuidade do
aprendizado. Piaget e Vygostsky têm em suas teorias a verificação desta
continuidade, com os Estágios de Desenvolvimento e a Zona de
Desenvolvimento Proximal, respectivamente. Neste sentido a
neurociência torna-se um pilar complexo, mas não pensando os termos
científicos, o que se destaca nesta expectativa são as organizações e
funcionamentos desta vinculação dos estágios de desenvolvimento versus
comportamento cerebral.
A princípio abre-se a discussão desta pesquisa com Os Aspectos
Gerais da Aprendizagem todos Vinculados a Neuroaprendizagem. Em
seguida uma recapitulação das teorias dos pensadores da Educação
também com a vinculação da Neuroaprendizagem. Partindo para a
explanação das fases do desenvolvimento humano vinculados a
Neuroaprendizagem. Finalizando com os enfoques metodológicos
baseados na Neuroaprendizagem.

Aspectos gerais da aprendizagem vinculados a neuroaprendizagem


Não há como dissertar sobre a aprendizagem sem iniciar com a
História e relembrar que o homem evoluiu seu cérebro primeiramente
com tentativas de acertos e erros. Neste sentido, fica uma grande incógnita
de como funcionava o cérebro humano. Seu desenvolvimento se deu
pelas barreiras impostas pela natureza. Imaginemos um humano, no

139
Vozes da Educação

período da pré- história, em uma floresta, com diversos perigos, sentindo,


frio, sede, calor, precisando de abrigo. Como nas atividades de hoje, ele
testa cada objeto e situação ao seu redor, o que acerta, fica na sua rotina,
o que lhe faz mal ou não, supre suas expectativas e necessidade descarta.
Encontra outros humanos e percebe que viver em grupo torna-se mais
seguro para sobrevivência da espécie.Aos poucos se organizam ,
construindo a raça humana pensante. Os menores imitam os maiores, as
tarefas são divididas. A comunicação vai se instalando com gestos e
sons até o aparecimento da escrita. Tal percepção de viver em grupo os
torna seres pensantes e podemos afirmar que sua sobrevivência dependia
de seus cérebros enquanto que os outros animais era a lei do mais forte
e da cadeia alimentar. (Oliveira, 2011, p. 32-34) reforça esta afirmativa
quando diz que:
Durante este processo evolutivo os hominídeos tornaram-se mais
hábeis e capazes de se adaptar a ambientes e de migrar. [...]. O
surgimento do sistema nervoso primitivo representou um salto
gigantesco no processo evolutivo ao separar o reino vegetal do reino
animal. O sistema nervoso surge no reino animal como um sistema
apto a reagir ao meio ambiente e elaborara respostas. Nos primeiros
e mais primitivos seres vivos, a resposta elaborada é simples como se
retrair. No outro lado da ponta da evolução está o complexo cérebro
humano com respostas altamente elaboradas. [...] O aprendizado é
um eficiente instrumento de sobrevivência, capaz de moldar a
casualidade da evolução, ao selecionar respostas adaptativas eficientes
e transferir o conhecimento a outros indivíduos para garantir a
sobrevivência da espécie.
Tal visualização de como o ser humano se adaptou ao mundo é
importante para iniciar a discussão sobre o Processo do Aprender com
ênfase na Neuroaprendizagem, pois ó cérebro torna-se assim o órgão
principal para aprender. Mas o que é aprender? Ou melhor, como se
aprende? Conforme Chiaratti ( 2013, p. 5):
Aprender é bem mais que absorver uma informação[...]. A
Aprendizagem é considerada um processo contínuo, no qual o ser
humano desde a vida interina começa a aprender e permanece durante
toda a vida, pois o caminho para atingir o crescimento, a maturidade
e o desenvolvimento como pessoas, num mundo organizado, cujas
interações com o meio nos permitem a organização do
conhecimento, á a aprendizagem.
Os profissionais da área da educação buscam formas e métodos
de ensinar, no entanto, suas tentativas de acertos muitas vezes ficam a

140
Volume VIII

mercê de uma da casualidade, na expectativa de do aprendizado. Tal


problemática pode fica pautada de como explicar a aprendizagem
baseando-a na Neuroaprendizagem com enfoque nas fases que a criança
tramita para que adquira o conhecimento
Métodos e estratégias ficam vinculados a modismos de época,
ou de conversas em corredores do que deu certo ou não com uma suposta
efetivação de aprendizagem sem o real conhecimento de como ela se
concretizou. Enquanto que é de suma importância vincular a prática
pedagógica à concretização de pesquisas e experiências explicativas para
melhores resultados.
Oliveira ( 2011, p. 17-18):
O cérebro é moldável pelos estímulos advindos do próprio
organismo, da programação genética e do ambiente externo. Torna-
se necessário, na formação do professor, a aquisição de
conhecimentos que o habilitem a ensinar, motivar e avaliar o aluno
num formato mais eficiente para o seu cérebro.
Nas Universidades apresentam-se os pensadores, suas idéias,
além das metodologias e estratégias, mas raramente as pesquisas ficam
fundamentadas em vincular o cérebro com a aprendizagem. O professor
precisa ser pesquisador, cientista em sala de aula. A observação da criança
individual e em grupo, com enfoque nas melhores estratégias e
metodologias de ensino trazem respostas a suas dúvidas quanto ao seu
próprio trabalho pedagógico. Não esquecendo que seu objeto de estudo
não é descartável, assim, o cuidado com o modo de operar pode fazer a
diferença na vida da criança. Muito se escuta de adultos criticarem ou
elogiarem professores de suas vidas e alguns comentam inclusive de
traumas com certas disciplinas por conseqüência de atitudes marcantes de
seus educadores. Nesta perspectiva temos Sigmund Freud (1969, p. 286)
apud Prestes e Moro ( 2010, p. 172):
[...], num discurso proferido no ano de 1914, em comemoração ao 50º
aniversário de fundação do colégio em que estudou dos 9 aos 17 anos,
em Viena diz: Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola
adverte- me de que, antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil
dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância
maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas,
ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que
esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante
em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam
apenas através de nossos professores. Alguns detiveram-se a meio

141
Vozes da Educação

caminho dessa estrada e para uns poucos- por que não admitir outros
tantos?- ela foi por causa disso bloqueada.
Destarte, compreendemos que isso se configura, no mundo atual,
num grande desafio à educação e ao educador. Desse modo refere-
se à formação profissional do professor, a qual deve estar atualizada
à luz das novas concepções, decorrentes do desenvolvimento do
campo da Ciência e da filosofia, ocorrido no século XX.
Cabe ressaltar que desde muito tempo o homem se questiona
sobre a convivência do aprendiz com seu tutor, sua vinculação afetiva faz
a diferença na aprendizagem e no resultado do sujeito.
A questão é: quais as metodologias e estratégias que podem ser
utilizadas para um aprendizado efetivo de cada fase, que fortaleça o
próximo aprendizado na próxima fase e a verificação desta efetivação ,
com possibilidade de perceber as dificuldades e distúrbios das deficiências
de aprendizagem e se necessário, retornar ou retificar em tempo hábil o
aprendizado? Oliveira ( 2011, p. 8 ) diz que a educação ganha quando é
comprovado que as estratégias pedagógicas são eficientes no processo de
ensino aprendizagem e reorganizam o sistema nervoso em
desenvolvimento produzindo novos comportamentos.
No entanto, dentro desta perspectiva, uma questão importante a
verificar é sobre o que é necessário para o educador saber em relação ao
cérebro e suas fases de desenvolvimento na criança? Assim também
Oliveira ( 2011, p. 39) disserta que dentre os profissionais envolvidos e
interessados na neurociências o educador tem percebido a necessidade de
compreender tais eventos biológicos que se relacionam com o
desenvolvimento e a aprendizagem. Portanto, é muito importante que tais
conhecimentos sejam apontados nas pesquisas sobre o tema para que
dêem um norte ao educador.
Mas que bom seria para os educadores se os cérebros infantis
fossem iguais? Conhecer cada fase do desenvolvimento da criança para
ensinar facilitaria o trabalho do educador e principalmente como o cérebro
se desenvolve neste processo de aprendizagem. Relvas (2012) em
entrevista fala deste importante órgão que permeia a vida humana na
aprendizagem:
A forma de aprender está relacionada ao recebimento de estímulos
que são captados pelos sentidos, considerados fiéis escudeiros e
selecionadores, chamados canais sensoriais. Esses estímulos
conhecidos como informações (som, visão, tato, gustação, olfação)

142
Volume VIII

chegam ao tálamo que é uma estrutura no cérebro que tem a função


de receber esses estímulos e reenviá-los para áreas específicas que são
responsáveis na elaboração, decodificação e associação dessas
informações. O tálamo funciona como um "aeroporto" e junto com
o hipotálamo, as amígdalas cerebrais (responsável pela emoção), e o
hipocampo (responsável pela memória de longo prazo), promovem
as lembranças e a aprendizagem significativa.
O desenvolvimento e aprendizagem infantil possuem uma
característica imprescindível a ser considerada: a situação sócio-histórica
de cada criança. Sua história de vida, o ambiente onde ela vive o mundo
que a cerca fazem toda a diferença em seu aprendizado. Prestes e Moro
(2010, p. 231) dizem que: “O desenvolvimento do ser humano não é algo
previsível, universal, linear ou gradual. Está intimamente relacionado ao
contexto histórico-cultural em que a pessoa se insere e se processa de
forma dinâmica.”
Assim também reforça Alvarez apud Oliveira (2011, p. 87) sobre
a importância do meio ambiente na aprendizagem:
[...] devem-se considerar os processos cognitivos internos, isto é,
como o indivíduo elabora os estímulos recebidos, sua capacidade de
integrar informações e processá-las, formando uma complexa rede de
representações mentais, que possibilite a ele resolver situações
problemas, adquirir conceitos novos e interpretar símbolos diversos.
(Grifo meu).
Os processos cognitivos neste caso são exatamente o que a
criança já conhece, já viveu,tendo como referência de símbolos já
adquiridos utilizando-se como base sólida para um novo aprendizado.
Vygostsky apud Prestes e Moro (2010, p. 231):
[...], a estrutura orgânica e fisiológica ( inata) não é suficiente para
produzir o indivíduo. As características individuais dependem da
interação do ser humano com o meio físico e social. Para esse autor,
existe uma ação recíproca entre organismo e meio.
Vinculando todo esse contexto de interação ao mundo e
conhecimentos prévios com neurociência, o cérebro precisa ser
estimulado. Se deduz então, que tais estímulos necessitam serem
saudáveis e motivadores as novas aprendizagens, pois conforme Friedrch
e Preiss ( 2009) a maior quantidade de dados vinculados ao contexto que
se está exposto, ou seja, semelhantes preexistentes maior é afixação do
novo. Nesta mesma linha explicativa Friedrch e Preiss ( 2009):
Na apreensão dos estímulos exteriores, é especialmente de si mesmo
que o córtex cerebral se ocupa. A maior parte dos seus neurônios

143
Vozes da Educação

recebe sinais de outros neurônios corticais e os retransmite apenas a


células dessa mesma região. A razão para tanto é que essas células
nervosas comparam a informação sensorial recebida com conteúdos
já existentes da memória.
A criança tem uma nova informação adicionada ao que já
aprendeu, tira suas conclusões e seu aprendizado passa a ser único e
pessoal e assim por diante neste processo de internalização esta se
constitui como sujeito do meio. Se pode incluir aqui a ZPD ( Zona de
Desenvolvimento Proximal) de Vygotsky apud Chiaratti ( 2013, p. 133) ,
para explicar como se dá um novo aprendizado dentro da perspectiva
sociointeracionista:
O nível de desenvolvimento real é determinado por naquilo que a
criança é capaz de fazer sozinha, pois já sabe como se faz, ou seja, já
aprendeu. O nível de desenvolvimento potencial é aquilo que a
criança ainda não domina, mas que pode chegar a fazer com a ajuda
de outra pessoa mais experiente. É neste contexto e, portanto entre
os dois níveis (real e potencial) que se encontra a zona de
desenvolvimento proximal- que é a distancia que o aluno já domina e
aquilo que ele não domina ainda.

Pensadores da educação: Vygostsky, Piaget e Montessori : parceria


com a neuroaprendizagem

Leni Semenovich Vygotsky


Considerado por muitos como um revolucionário da educação
para sua época, Leni Semenovich Vygotisky nasceu em 1896 e morreu
com seus 38 anos em 1934, vitima de tuberculose. Foi um grande
pesquisador da aprendizagem e uma de suas principais colaborações deu-
se no seu método de tratar a educação como sócio histórico cultural, ou
sociointeracionismo, onde afirmava que as crianças aprendem por
intermédio de outros e do meio que se esta inserida.
Chiaratti ( 2013, p. 137) referindo-se a conceituação de Vygotsky
em relação a aprendizagem diz que fica bastante fácil evidenciar as
relações entre os sujeitos , os processos e os elementos de mediação, sendo
a aprendizagem e o aprendizado o processo pelo qual o indivíduo adquire
informações, habilidades, atitudes, valores etc., a partir do contato com a
realidade, com o meio ambiente e com os outros.

144
Volume VIII

Há muitas análises e escritas sobre Vygostsky, no entanto, o


quadro da perspectiva elaborado Shaffer (2005) apud Chiaratti ( 2013, p.
138), resume a perspectiva teórica deste pensador com simplicidade e
entendimento: a perspectiva Teórica de Lev Vygostsky enfatiza os
aspectos;do desenvolvimento cognitivo com o complexo social, cultural e
histórico ( crenças, valores, tradições, habilidades de um grupo) é
transmitido à criança. Já os pressupostos ficam voltados ao
desenvolvimento intelectual das crianças pelo meio sociocultural que está
inserida; suas formas de solucionar problemas, crenças e valores culturais
são de forma intuitiva, acolhido pela criança no processo de interação com
membros da sociedade que tem mais conhecimento; e o papel importante
da linguagem para ser internalizado pelas crianças; Zona do
desenvolvimento proximal. Então, suas contribuições para educação
ficam resumidas na valorização de um mediador que possa orientar a
aprendizagem e o desenvolvimento da criança revelando que diferentes
culturas têm diferentes formas de transmiti-las, ou seja, uma variação na
absorção dos conteúdos.
A partir dos pressupostos acima descritos de Shaffer ( 2005) apud
Chiaratti (2013, p.138) que menciona o socioculturalismo, as crenças
e valores, e também as formas intuitivas das crianças, vincula-se a
teoria de Oliveira ( 2011, p. 100 ) que analisa Vygotsky ( 2007)
referenciando o desenvolvimento segundo planos genéticos:
Entende-se que o conhecimento depende de uma matriz genética e
do meio sociocultural. Seriam quatro entradas para o
desenvolvimento psíquico: a filogênese, a ontogênese, a sociogênese
e a microgênese. A filogênese tem os aspectos inerentes à espécie, que
limitam e também lhe dão possibilidades específicas para o seu
desenvolvimento. Existem características da espécie humana que lhe
garantem o funcionamento psíquico. Dentre estas está a
plasticidade do seu cérebro. A ontogênese se relaciona ao
desenvolvimento do ser desde sua origem que se mantém para cada
espécie. O ser humano tem uma sequência de desenvolvimento que
se repete para todos. A sociogênese dizendo respeito a cultura como
fator de ampliação das capacidades humanas. A microgênese revela
aspectos de cada fenômeno psicológico tem sua história de como se
desenvolve cada função mental. Na microgênese se constrói a
singularidade de cada ser a partir da historia pessoal. A filogênese, a
ontogênese e a sociogênese trazem consigo uma quantidade de
determinismo biológico e cultural. ( grifo meu).

145
Vozes da Educação

Outro pressuposto acima mencionado sobre Vygostsky, a ser


analisado é sobre o papel da linguagem para ser internalizado pelas
crianças, onde esta (linguagem) é considerada elemento importante para
a aprendizagem. Oliveira (2011, p. 142) diz que: “ O processo de aquisição
da linguagem, representa o reconhecimento do bebê e sua integração no
mundo dos homens. Há uma integração dos signos sociais as funções
nervosas da criança.” Vinculando a linguagem à Neuroaprendizagem
temos a área de Wernicke e a área de Broca conforme explica Friedrch e
Preiss ( 2009):
Ao ouvir, o cérebro infantil está sempre a procura de padrões
acústicos que chamem sua atenção. Quando os encontra ele armazena
na área de Wernicke. Pouco a pouco, tem origem uma memória para
os sons das palavras do ambiente lingüísticos em questão. [...].
No tocante a fala, a região cerebral responsável por ela é
principalmente a área de broca, onde se desenvolve a memória para a
pronúncia. Pela imitação dos sons ouvidos, a criança aprende a ajustar
suas próprias manifestações sonoras, a diferenciá-las e a classificá-las
como componentes da língua.
A criança então à medida que convive com os sons vai
acumulando na memória e a medida que se familiariza com eles utiliza-os.
Por isso a importância das atividades de linguagem oral, música,
instrumentos etc.
Explicando isso neurologicamente temos Pozo ( 2002) apud
Oliveira ( 2011, p. 145 ):
[...] o estudo da memória, atualmente, possui duas fontes. A primeira
é o estudo biológico de como as células nervosas sinalizam umas as
outras., revelando que essa sinalização não é fixa; assim ela pode ser
modulada pelo sujeito e pelas experiências que vivencia. E a segunda
fonte revelando que a memória não é unitária, mas apresenta-se de
variadas formas, utilizando lógicas e circuitos diferentes do encéfalo.

Jean Piaget
Psicólogo e filósofo suíço Jean Piaget nasceu na Suíça em 1896 e
morreu em 1980. Suas idéias auxiliam os profissionais da educação
principalmente da educação infantil. Um apaixonado pelas questões do
cognitivo e da inteligência. Teve suas maiores investigações voltadas aos
estágios de desenvolvimento da criança e ao Construtivismo, explicando
que o conhecimento se constrói da interação entre o indivíduo e a
realidade que está inserido. Preste e Moro (2010, p. 248) dissertam que

146
Volume VIII

Piaget considerava a inteligência como uma condição de vida e que todo


organismo vivo era para ele um organismo inteligente e para manter-se
vivo precisa adaptar-se ao seu meio, autorregulando-se, reconstruindo-se
internamente e realizando as trocas que lhes são vitais.
Oliveira (2011, p. 90) explica o Construtivismo de Piaget
dizendo que o conhecimento são construídos pela interação dos homens,
e que estes herdam uma forma de funcionamento que compartilha com
outros organismos vivos adaptando-se ao meio organizando condutas e a
realidade exterior.
Na mesma linha de resumo das teorias de Piaget temos ainda
conforme Shaffer ( 2005) apud Chiaratti ( 2013) a perspectiva de Jean
Piaget enfatizando os aspectos da Teoria Construtivista e Cognitiva onde
o desenvolvimento cognitivo é um processo de sucessivas mudanças, em
que o indivíduo constrói e reconstrói as estruturas que os torna cada vez
mais apto ao equilíbrio. Dentro disto seus pressupostos estão pautados
nos Estágios de desenvolvimentos: Estágio sensório motor (o-2 anos),
Pré-operatório (2-7 anos), operatório concreto (7 a 11 anos) e operatório
formal (12 anos em diante). Shaffer (2005) apud Chiaratti (2013, p. 131)
cita ainda que o processo de desenvolvimento é influenciado por fatores
de maturação ( crescimento biológico dos órgãos) exercitação (
funcionamento dos esquemas e órgãos que implica a formação de
hábitos), aprendizagem social ( valores, costumes, linguagem, padrões
culturais e sociais) e equilibração ( autorregulação interna do
organismo/busca sucessiva de reequilíbrio após cada desequilíbrio
sofrido), e, os processos cognitivos permitem à criança conhecer o mundo
e interagir com ele, bem como atuar sobre ele. Continuando com os
pressupostos, Shaffer (2005) apud Chiaratti (2013) Piaget as crianças
“constroem” seus conhecimentos por isso são seres vivos. Pensam e agem
diferente de adultos por isso não podem ser consideradas e tratadas como
adulto; suas características de desenvolvimento são universais.
Shaffer (2005) apud Chiaratti (2013) também definem algumas
contribuições da teoria de Piaget:
 Desenvolveu campos de estudos: a psicologia do
desenvolvimento, a teoria cognitiva e a epistemologia genética.

147
Vozes da Educação

 Visão interacionista (o conhecimento é produzido pela interação


entre o sujeito e o meio ambiente, construindo em etapas desenvolvendo
a cognição e promovendo o conhecimento específico);
 O julgamento moral (mentira, fraude, injustiça) caminha com o
desenvolvimento intelectual.
 Piaget não criou um método de ensino, mas elaborou uma teoria
do conhecimento e desenvolveu muitas investigações e os resultados são
utilizados pelos psicólogos e pedagogos;
 Compreender como as crianças pensam facilita os pais e
professores para ensiná-las;
 Perceber que a criança é um ser diferente dos adultos.
Por outro lado Shaffer ( 2005) apud Chiaratti ( 2013) descrevem algumas
limitações da Teoria Construtivista/cognitiva:
 Piaget não tinha em seu meio cientifico uma psicologia adequada,
precisou inventá-la, usando de ousadia.
 Subestimou a capacidade das crianças.
 Subestimou o impacto da CULTURA.
 Não apontava respostas sobre o que ensinar e sim permite
compreender como a criança e os adolescentes aprendem.
 O método clínico pode permitir que o investigador manipule
sujeitos, dados respostas para encontrar aspectos que considera relevante;
 Não atende ao desenvolvimento cognitivo em adultos, porque
não explica as capacidades maduras, a resolução de problemas, o manejo
de situações ambíguas e verdades concorrentes.
Analisando a teoria de Piaget pode-se vinculá-la a
neuroplasticidade cerebral, pois dentro de seus conceitos temos a
maturação, a exercitação, a aprendizagem social, ou seja, aquela que se
“extrai” da sua cultura social, do meio onde o indivíduo esta inserido, além
da ênfase na construção e reconstrução dos conhecimentos na busca da
equilibração e autorregulação. Consegue-se verificar tal situação
nitidamente na explicação de Sales (2013):
A neuroplasticidade ou plasticidade neural é definida como a
capacidade do sistema nervoso modificar sua estrutura e função em
decorrência dos padrões de experiência, e a mesma, podem ser
concebida e avaliada a partir de uma perspectiva estrutural

148
Volume VIII

(configuração sináptica) ou funcional (modificação do


comportamento).
[...]
A unidade funcional do sistema nervoso não é mais centrada no
neurônio, mas concebida como uma imensa rede de conexões
sinápticas entre unidades neuronais, além de células gliais, as quais são
modificáveis em função da experiência individual, ou seja, do nível de
atividade e do tipo de estimulação recebida.
Sales ( 2013) ainda reforça que a neuroplasticidade pode
acontecer em três situações ( estágios) na vida de um individuo, a
aprendizagem é uma delas:
Este processo pode ocorrer a qualquer momento da vida de um
indivíduo, propiciando o aprendizado de algo novo e modificando o
comportamento de acordo com o que foi aprendido. A aprendizagem
requer a aquisição de conhecimentos, a capacidade de guardar e
integrar esta aquisição, para posteriormente ser recrutada quando
necessário. Durante esse processo, ocorrem modificações nas
estruturas e no funcionamento das células neurais e de suas conexões,
bem como o crescimento de novas terminações sinápticas, aumento
das áreas sinápticas funcionais e incremento de neurotransmissores.
Mas neste caso quando Sales (2013) explica “as modificações nas
estruturas e no funcionamento das células neurais, suas conexões, o
crescimento de novas terminações sinápticas, o aumento das áreas
sinápticas funcionais e incrementos de novos neurotransmissores” não se
refere especificamente no indivíduo na fase infantil ou adulta” mas “a
qualquer momento da vida de um indivíduo” , confirmando a
“limitação” de Piaget em sua teoria - conforme Shaffer( 2005) apud
Chiarratti ( 2013) acima descrito. Cabe lembrar que Sales ( 2013) teve seu
estudo voltado a neuroplasticidade na Reabilitação, no entanto suas
pesquisas se encaixam na teoria da Neuroaprendizagem.
Chiaratti (2013, p.128-130) disserta que Piaget tem sua teoria de
adaptação vinculada na assimilação e acomodação e ela ocorre através
destas fases. O professor entra então como o desequilibrador deste
esquema onde o indivíduo recebe novas informações e desafios sendo
necessário readaptar-se no mesmo esquema, e assim sucessivamente.
Nesta afirmação pode-se citar um exemplo na Psicomotricidade com
Patel et. al ( 2012, p. 32) fala que a primeira reação da criança ao ser
apresentada ao espelho é de surpresa quando vê sua imagem refletida,
umas choram, outras riem, outras tentam pegar seu reflexo e nem

149
Vozes da Educação

imaginam que é sua própria imagem, mas que aos poucos passa a brincar,
dar beijos, fazer caretas e percebe que seu corpo sente o mesmo que ela
observa no espelho.
O adulto interferiu no estado de equilíbrio e o esquema de
assimilação, acomodação e o reequilíbrio se renova, pronto um novo
conhecimento esta inserido no processo de ensino. Novamente pode-se
visualizar a neuroplasticidade cerebral agindo na aprendizagem. Reafirma
Oliveira (2011, p.43): “Esta permanente plasticidade do cérebro sugere
que ele foi concebido para a aprendizagem e adaptações, que podem
provocar modificações em sua estrutura diante de novos desafios.”

Maria Montessori
Maria Montessori nasceu em 1870 na cidade Chiaravalle, na
Itália. Formou-se médica e pedagoga e faleceu em 1952, nos Países Baixos.
Ficou conhecida pela sua teoria de que a aprendizagem é algo que
podemos adquirir sozinhos, bastando ter os incentivos e condições
corretas. Têm seu marco na História da Educação quando se interessou
por crianças com problemas mentais, percebendo que estas com estímulos
podiam ser ensinadas.
Ferrari (2011):
Ela percebeu que aqueles meninos e meninas proscritos da sociedade
por serem considerados ineducáveis respondiam com rapidez e
entusiasmo aos estímulos para realizar trabalhos domésticos,
exercitando as habilidades motoras e experimentando autonomia. Em
pouco tempo, a atividade combinada de observação prática e pesquisa
acadêmica levou a médica a experiências com as crianças ditas
normais.
Steuck e Pianezzer (2013, p.23) dissertam que Montessori no ano
de 1898, em um congresso de Turim defendeu que os “deficientes e
anormais” precisavam de escolas e não de ser internadas, e com
observações e os método de Sèguin² se fossem aperfeiçoados
possibilitando até a formação de novos professores na área. 27
Montessori (1965, p. 33) apud Steuck e Pianezzer ( 2013, p. 24)
fala de suas conclusões quanto ao que se refere a resultados das suas
pesquisas:

27Pesquisador da época que estudou durante trinta anos pessoas com necessidades especiais-
termo da época: “deficientes e anormais”.

150
Volume VIII

Tais foram minhas conclusões. O importante não é observar, mas “


transformar”. A observação fundara uma nova ciência psicológica;
não “transformara”, porém nem alunos nem escolas. Acrescentará
alguma coisa às escolas comuns, deixando-as, no entanto, bem como
os seus métodos de instrução e educação estacionadas em seu estado
primitivo.
Para Steuck e Pianezzer (2013, p. 37) a metodologia de
Montessori ficava baseada na independência da criança e para demonstrar
isso criou materiais que reforçavam a concentração, a paciência, a exatidão
e a repetição com um programa da vida diária que vivenciasse a vida real
com atividades cotidianas. Acompanhando este raciocínio temos Oliveira
( 2011, p. 14):
A aprendizagem é entendida como processo de mudança de
comportamento decorrentes da experiência obtida pela
intervenção de fatores neurológicos, relacionais e ambientais. O
aprender se definiria como resultado da interação das estruturas
mentais e o meio ambiente. (grifo meu)

Contribuições de Maria Montessori na educação vinculada a


neuroaprendizagem
 Foi uma das primeiras estudiosas da educação em se preocupar
com as crianças com necessidades especiais;
 Baseava sua metodologia na independência da criança, deixando
acertar sozinha; assim Friedrich e Preiss (2009) confirmam tal contribuição
quando dizem que “aprender fazendo” é o princípio que rege inclusive os
primeiros anos de vida. Dissertam também que os “pequenos cientistas
mirins” efetuam uma série de tentativas extraindo teorias que são revistas
mediante novas tentativas.
 Teorizava que a motivação da criança para aprender voltava-se
as emoções do acerto solo, e principalmente ao ambiente afetivo e
organizado. Conforme Oliveira (2011, p. 91): Na sala de aula podemos
identificar que o conhecimento afetivo requer ações cognitivas, e ao
contrário, também ações cognitivas exigem os aspectos afetivos.
 O professor tornava-se expectador do processo e suas
intervenções estariam voltadas a apenas um componente do processo de
aprendizagem, ou seja, sutilmente. Nesta perspectiva Oliveira (2011, p.92)
“Modelo organizador do pensamento é um conceito que procura abrir
possibilidades de se discutir a educação que não reduza, nem fragmente

151
Vozes da Educação

o sujeito.” Ou seja, com a independência da criança, tais possibilidades


podem ser efetivadas.

Henri Wallon
Henri Wallon tem seus estudos voltados a psicogenética no
campo do desenvolvimento humano vinculado ao desenvolvimento
cognitivo, emocional e social. Nascido em 1879 em Paris na França e
falecido em 1962 também e Paris. Considerava o ser humano como um
ser total, ou seja, não fragmentado, por isso seus estudos se baseavam na
contextualização das crianças.
Moro e Prestes ( 2010, p. 208) dissertam sobre Wallon:
Para Wallon as abordagens psicológicas que existiam na época
(aproximadamente 1920) eram insuficientes ara explicar a natureza
humana.: a psicologia introspectiva, idealista, considerava o sujeito à
parte do mundo material e objetivo; a psicologia de base biológica,
organicista, na qual o sujeito é visto exclusivamente como produto do
cérebro e, ainda a psicologia positivista, em que o sujeito é
considerado somente nas suas reações ao meio. Com isso ele buscou
o materialismo dialético tanto o fundamento epistemológico, como o
método de análise da sua teoria.
Refletindo temos o ser humano completo: cérebro, afeto,
movimento inteligência, personalidade. A teoria Walloniana tem seus
princípios atualizados em Relvas (2012) :
Em minha opinião, após muitas leituras e anos de vivência docente
nos diferentes ensinos ( fundamental, medi, superior, e pós), hoje não
é possível separar os estudos do corpo, mente, razão, emoção,
aprendizagem, sala de aula, da prática de ensino, da didática, da
Educação. O sujeito que aprende é o único em sua totalidade e isto
quer dizer o seguinte, ele é único em suas maneiras de assimilar
informações e transformá-la em conhecimento. E dentro deste
diálogo, de todos os tipos estão envolvidas, a saber: emoções trazidas
de casa, emoções dos meios de comunicação, emoções das relações
pessoais e interpessoais de ambos os atores educacionais.
No entanto, é preciso na aprendizagem observar como esse
conjunto se integra à medida que a criança se desenvolve. Nesse olhar de
desenvolvimento novamente entra a frase: Que bom seria se o
desenvolvimento psicossocial fosse igual para todos?E que fácil seria para
aprender? Wallon nos seus estudos também defendia a não
uniformidade da aprendizagem, pois para ele a interação social era

152
Volume VIII

parâmetro para o conjunto funcional do aprender, conforme explica Moro


e Prestes (2010, p. 209) Wallon enfatizava o desenvolvimento humano em
duas dimensões: a intrapessoal, em relação a ele mesmo, quando este se
estrutura internamente, e a pessoal, nas interações contraditórias e
interações condizentes com o outro.
Ou seja, é necessário que a criança entenda o que esta se
passando no processo da aprendizagem, seja internamente, seja no
ambiente social com o outro e suas relações precisam estar em harmonia
com a situação exposta. Oliveira ( 2011, p. 29) descreve:
A ciência da aprendizagem dá ênfase na aprendizagem com
entendimento. O ser humano é visto com agente que se guia por
objetivos, sendo ativo na busca de informações. Mesmo recém-
nascidos são aprendizes ativos e seu cérebro tem organização
suficiente para priorizar estímulos e respostas. A importância é dada
a que a pessoa assuma o controle de sua aprendizagem. Isso acontece
quando ela aprende a identificar quando entende e quando necessita
de mais informações para entender.
Em relação a Neuroaprendizagem vinculando a teoria
Walloniana de que o ser humano é um ser geneticamente social Rose (
2006, p. 47) apud Oliveira ( 2011, p. 37) fundamenta que:
[...] nosso cérebro demonstra ao mesmo tempo a unidade essencial
dos seres humanos e a individualidade essencial de cada um. A fonte,
tanto das semelhanças como das diferenças, está nos processos de
desenvolvimento, desde a concepção até o nascimento, que pegam a
matéria bruta dos genes e do ambiente e os empregam em um
desenrolar contínuo, aparentemente sem marcas.
E Oliveira (2011, p. 37) ainda completa sobre influências
culturais e ambientais na genética da criança:
O programa genético define o caminho a ser percorrido pelo
desenvolvimento. Outros trajetos serão traçados mais tarde pelo
ambiente, pela socialização e pela cultura. A cronologia destas
variáveis já foi interpretada como uma seqüência relativamente fixa,
mas o que se pode deduzir é que o ambiente pode influenciar no
material genético, assim como aspectos genéticos podem influenciar
na cultura.
Falar de Henri Wallon em uma perspectiva da
Neuroaprendizagem é de suma importância mencionar os quatro eixos
fundamentais que se entrelaçam neste processo. Moro e Prestes ( 2010,
p. 210-212) definem tais fundamentos:

153
Vozes da Educação

 Afetividade: A afetividade compreende as emoções e os


sentimentos, as primeiras têm um caráter mais corporal e pontual, com
mudanças fisiológicas ( rubor da face) e tônicas ( musculatura tensa). Já os
sentimentos são menos corporais e duradouros. Para Wallon a afetividade
é preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que
exteriorizamos desejos e vontades. Para ele a emoção ocupa lugar
importante, em um primeiro momento o ser humano possui um
comportamento totalmente emocional que se transforma ao longo da
infância, até atingir um estado categorial, racional. A razão nasce da
emoção, vem depois dela e ela se opõe, como se houvesse uma disputa
entre o domínio de uma ou outra. De certa forma Wallon está defendendo
que o humano só existe em meio a outros humanos.
 Movimento: Os músculos são responsáveis pelo movimento
(função cinética) e por terem sua própria tensão ou relaxamento ( função
tônica). Para ele a imitação é uma ação motora, física, manifestadas pelo
ato mental. Aos poucos a atividade cognitiva integra os movimentos,
tornando o ato motor interno, diminuindo o ato motor externo.
 Inteligência: Wallon em seus estudos (com crianças de seis a
nove anos) observou que o desenvolvimento (da inteligência depende
como cada um faz as diferenciações com a realidade exterior. No conflito
da imaginação e da realidade com os símbolos códigos e valores sociais a
criança sempre ganha. E completa que o sincronismo ( mistura de ideias
num mesmo plano) comum em crianças menores de seis anos é fator
determinante para o desenvolvimento do intelecto.
 A formação do eu como pessoa: Wallon utiliza os termos
diferenciação e individuação para o desenvolvimento do eu: “tornar-se
pessoa.” Principalmente quando a criança começa a viver a chamada crise
de oposição, quando a negação do outro funciona como uma espécie de
instrumento de descoberta de si própria, hora de saber quem é, quem
“eu” sou. Imitar o outro, seduzir, chantagear, fazer birra são
comportamentos comuns nesta fase.
Pode-se vincular as palavras de Relvas (2012) à teoria Walloniana
quando esta fala sobre as emoções dizendo que:
É preciso reconhecer que a EMOÇÃO é a centelha da vida, ou
melhor, é o estímulo desencadeador e fixador da informação na
memória. Em outras palavras: é através da emoção que o cérebro

154
Volume VIII

seleciona o que é importante ou na, transformando em uma


aprendizagem significativa o tempo todo. Um professor
“emocionado” demanda do aluno novas emoções e isso gera dúvidas,
experimentação e aprendizagens. È o cérebro em plasticidade para
aprender, criar competências.
Quanto ao Movimento, Chiaratti ( 2013, p. 105) afirma que
emocionar-se também dá ao indivíduo formas psicomotoras de relacionar-
se com o mundo.
Portanto, o corpo, a emoção, o mundo e a mente estão
relacionados e para isso o cérebro esta dentro desta combinação como
órgão organizador, e caso algum destes campos esteja desconecta pode
gerar dificuldade de desenvolvimento.

Fases do desenvolvimento humano e a neuroaprenziagem


Entender o processo de aprendizagem, é muito importante para
que também se entenda como a neurociência esta implícita nesta questão.
Portanto, conhecer como funciona o processo cognitivo do aluno e suas
fases de desenvolvimento na aprendizagem irá fazer toda a diferença para
a práxis pedagógica em sala de aula.
As discussões e pesquisas são diversas quando se fala de fases
do desenvolvimento do indivíduo. Dando continuidade á pesquisa
enfatizou-se as fases do desenvolvimento de dois estudiosos da Educação
com entrelaços na Neuroaprendizagem: Jean Piaget e Henri Wallon.

Estágios de desenvolvimento de Jean Piaget


Os estágios de desenvolvimento deste estudioso têm uma
explicação de como o indivíduo se encontra e com o meio se adapta
entendendo e se apropriando do mundo exterior, gerando a
aprendizagem.
Segundo Oliveira ( 2013, p. 125-127) todos os indivíduos passam
pelos quatro estágios de Piaget na mesma sequência , no entanto, há de se
considerar que cada um tem suas características individuais e de fatores
educacionais e sociais.
Os estágios de Piaget são: Estágio sensório-motor (0-2 anos): nesta
fase a sensação e a motricidade são os componentes e não há abstração
somente o agir da criança sobre o ambiente, ou seja, ela o percebe e o
abstrai.

155
Vozes da Educação

Muitas pessoas entendem essa faixa etária a necessidade de muitos


estímulos, sim, existe essa necessidade, no entanto, é essencial que esses
estímulos sejam aptos ao estagio sensório motor. Neurologicamente
temos Oliveira ( 2011, p. 36) :
O cérebro humano nasce imaturo e grande parte do seu
desenvolvimento ocorre em contato com o meio ambiente e outros
indivíduos. O cérebro imaturo no nascimento tem maior plasticidade,
o que significa maior capacidade adaptativa ao meio ambiente. A
demora no processo de amadurecimento leva a uma dependência
maior em relação aos pais em relação a qualquer outra espécie.
Nesta mesma linha de pensamento Oliveira (2011, p. 40) ainda
disserta que a repetição dos estímulos resulta na aprendizagem: “ A
aquisição de competências resulta de treino e reforço das conexões
neuronais corretas e em outras situações decorre da poda neuronal.” E
reforça-se tal afirmativa quando Relvas ( 2012) diz que:
Nascemos em média com 88 bilhões de neurônios e cada neurônio
tem uma capacidade de produzir milhões de novas conexões, quando
estimulados desenvolvem uma capacidade denomina-se plasticidade
neural/ cerebral, ou seja, quando o funcionamento do sistema motor
e perceptivo sofrem estímulos baseados em mudanças no ambiente,
através da conexão e (re) conexão das sinapses nervosas.
Na psicomotricidade vinculado ao estágio sensório motor de
Piaget Patel et al. (2012, p.28) enfatiza que o corpo é a maneira de ser, e
que através dele que se estabelece contato com o mundo, que se engaja no
mundo e que compreende os outros.
Estágio pré-operatório (2 a 7 anos)- Chega-se ao simbolismo que
inicia geralmente após os dois anos de idade, agora com operações
concretas a partir do que já sentiu e se apropriou. O indivíduo (a criança)
já consegue definir, imagens, palavras ou símbolo. No entanto, a criança
se percebe como centro do ambiente sem capacidade de perceber outras
dimensões ambientais. Conforme Chiaratti (2013, p. 126): “Piaget notou
várias características do pensamento infantil nesta fase, por exemplo, o
egocentrismo, centralização”. Oliveira (2011, p. 91) lembra também que
neste estágio há o aparecimento da linguagem oral.
Quanto ao corpo, Patel et al. ( 2012) diz que este neste período
de aprendizagens e integração no mundo social a psicomotricidade deve
estar aliada no sentido de auxiliar a criança nos processos afetivos e
emocionais, no equilíbrio motor e na maturidade.

156
Volume VIII

Na questão neurológica vinculada ao estágio pré-operatório de


Piaget há muitas explicações, pois quando se fala de linguagem, símbolo e
como o cérebro esta vinculado neste contexto, a complexidade é grande.
Assim, procurou-se nesta pesquisa observar os principais contextos e
informações das áreas do cérebro para um entendimento da linguagem
versos a Neuroaprendizagem. Conforme Menegotto ( 2014):
 Área associativa pré-frontal. Funciona com uma estreita
associação com o córtex motor planejando os movimentos e
nela encontra-se a área de Broca uma das áreas responsáveis
pela linguagem. A área de Broca contém um circuito necessário
para formar palavras.
 Área associativa parieto-occipitotemporal. Com quatro regiões
esta área possui duas regiões essenciais para a atividade
lingüística: a área para a compreensão da linguagem e a área
para nomeação de objetos.
 Área de Werneck. Já citada neste estudo fica localizada no lobo
temporal com a função de reconhecer os sons para que sejam
interpretados como palavras e sejam utilizados para evocar
conceitos, posteriormente.
 Área para a nomeação de objetos. Localizado na região anterior
do lobo occipital e da região posterior do lobo temporal é a
área responsável pela nomeação dos objetos.
Estágio operatório concreto (6 á 11 anos): Este estágio têm como
característica a organização do pensamento assimilativo, rico e integrado,
funcionando o equilíbrio com mecanismo de acomodação. Seu sistema
cognitivo começa a organizar e manipular o mundo, principalmente com
os objetos concretos.
Cavicchia ( p. 12) reforça esse conceito dizendo que:
O domínio da reversibilidade no plano da representação — a
capacidade de se representar uma ação e a ação inversa ou recíproca
que a anula — ajuda na construção de novos invariantes cognitivos,
desta vez de natureza representativa: conservação de comprimento,
de distâncias, de quantidades discretas e contínuas, de quantidades
físicas (peso, substância, volume etc). O equilíbrio das trocas
cognitivas entre a criança e a realidade, característico das estruturas
operatórias, é muito mais rico e variado, mais estável, mais sólido e

157
Vozes da Educação

mais aberto quanto ao seu alcance do que o equilíbrio próprio às


estruturas da inteligência sensório-motora.
As palavras de Cavicchia (2010) referindo-se ao domínio da
reversibilidade no plano da representação ajudando na construção de
novos invariantes cognitivos e o equilíbrio das trocas da criança com a
realidade pode-se confirmar com o dizer de Oliveira ( 2011, p. 61):
O que se percebe é que o cérebro inicia seu desenvolvimento com
habilidades gerais de processamento de informações, torna-se capaz
de extrair significados das informações, passa à elaboração de
representações internas e mentais para desenvolver representações
simbólicas.
Estágio de operações formais (12 anos em diante) – Neste estágio
ainda conforme Chiaratti (2013 , p. 127 ) a criança já e capaz de pensar em
termos de responsabilidades. Já conseguem ter suas idéias, expressá-las em
palavras ou símbolo com pensamento formal hipotético-dedutivo sendo
capaz de tirar conclusões das hipóteses e não somente através da
observação real. Conforme Oliveira (2011, p. 89): “Aprender com as
experiências é uma característica adquirida no processo evolucionário da
espécie humana.”
Neste sentido pode-se afirmar que o cérebro do indivíduo não
esta desenvolvido e a aprendizagem não finalizou. Isso se afirma, porque
o ser humano passa toda sua vida mudando de opinião e transformando-
se na busca de sua própria sobrevivência social.

Estágios de desenvolvimento de Henri Wallon


Nas leituras e pesquisas foram encontrados autores que propõem
mais ou menos etapas dos estágios de desenvolvimento de Wallon, entre
cinco e seis estágios, na maioria dos autores a adolescência entra como o
último estágio. Optou-se por analisar tais estágios conforme Oliveira (
2011, p.120-123):
Estágio Impulsivo emocional (1 ano)- a criança não possui habilidade motora,
dependendo de cuidados maternos, não percebe diferenciação entre seu
corpo e os objetos do mundo externo, comunica-se por meio de suas
emoções, (principalmente o choro). Essas manifestações emocionais
chamam a atenção do adulto já se tornando características sociais.
Estágio Sensório motor e Projetivo (1 á 3 anos) – Neste período a criança volta-
se ao mundo exterior, com manipulação de objetos ( com características

158
Volume VIII

cognitivas em seu domínio funcional) , locomovendo-se e percebendo


tudo que vê a sua volta e ao seu alcance. È o estágio de início da linguagem
com as funções simbólicas ( curiosidade e brincadeira de faz de conta).
Estágio do personalismo (3 á 6 anos)- predomina-se neste estágio a afetividade
e suas relações que decorrem das interações sociais. Wallon destaca neste
estágio o comportamento opositivo nas suas relações sociais.
Estágio categorial (6 á 11 anos)- A consolidação das funções simbólicas
prevalecem os processos cognitivos. A criança organiza seus
conhecimentos de mundo interessando-se pelas coisas e pelo
conhecimento.
Estágio da Adolescência (11 anos em diante)- Este estágio para Wallon ( 1995)
apud Oliveira (2011, p. 121) é construtivo, pois: “A dúvida perante si
mesmo no mundo é uma boa base para o espírito de construção, da
invenção e descoberta, da aventura e da criação.”
Destaca-se ainda nos estudos de Oliveira (2011, p. 120) o Estágio
Intrauterino “no qual prevalecem comportamento e reflexos motores,
organicamente estabelecidos, que são observáveis ao nascimento e
permite adaptação do recém nascido ao mundo extraútero.”

Enfoques metodológicos baseados na neuroaprendizagem


A palavra método quer dizer “caminho a seguir”, portanto, é
preciso viabilizar caminhos que levem a aprendizagem, no entanto, separar
tais métodos que se encaixem com a aprendizagem efetiva é tarefa difícil,
mas essencial ao ensino. Oliveira ( 2011, p. 85) afirma que:
Construir uma conexão entre as áreas de saber envolvidas na
educação passa pela superação de barreiras e pelo desenvolvimento
de metodologias que estabeleçam uma linguagem compatível entre a
investigação neurocientífica, a pesquisa e a prática educacional, assim
como a formação do educador para habilitá-lo a servir-se do
pensamento neurocientifico.
Objetivando organizar algumas metodologias vinculadas as fases
e estágios das crianças percebendo o desenvolvimento do cérebro
separou-se algumas atividades exemplos para clarear tal discussão,
principalmente no que se refere aos estágios de Piaget e Wallon:

159
Vozes da Educação

Brincadeiras
Nesta metodologia do brincar podem-se citar diversas atividades:
na psicomotricidade (brincadeiras e correr ,salta, pular, parar, lateralidade,
entre outras). Patel et.al ( 2012 p. 56- 57) diz que:
O educador tem que estar preparado para receber a criança, escutá-la
saber considerar suas vivências, ações e comportamentos, assim
como acolher suas produções, acompanhando a partir delas seu
processo de maturação.
[...]
Toda prática psicomotora tem que estar ligada a uma concepção
lúdica, em que a criança possa interagir praticando brincadeiras,
expressões corporais, através do movimento de forma muito
prazerosa.
Continuando nesta mesma linha das brincadeiras, referindo-se a
faixa etária das crianças, pode afirmar que todos os estágios que a criança
passa pode ser inserida a metodologia do brincar para o processo de
ensino aprendizagem. Melo (2011, p. 17) diz que além da diversão as
brincadeiras proporcionam o desenvolvimento da criança, construindo o
simbólico, auxiliando na estrutura do pensamento, estimulando a
linguagem, a coordenação motora ,interagindo com seus medos e
angustias, compreendendo a realidade vivenciada, reconstruindo
significados etc. Neurologicamente temos Bianchi (2015):
Então, estamos diante do simbolismo e imaginação da criança, que
nas etapas de maturação cerebral, terão seu significado e significante,
transformando signos, e estes se relacionando com aprendizado pelas
brincadeiras, jogos, brinquedos e relação do outro (adulto ou criança),
e vivenciaremos o aprendizado simbólico adaptado às múltiplas
habilidades funcionais do córtex cerebral.

Jogos

Para Melo (2011, p. 25-33) Piaget já mencionava os jogos sensório-


motores nos primeiros meses de vida das crianças, que consistia no
surgimento do reflexo através da repetição com gestos e movimentos
simples. Continuando Melo (2011) destaca ainda os jogos simbólicos, dentro
do estágio pré-operatório, com o mundo do faz de conta, onde é
interessante observar as crianças, com os objetos estas reproduzem seu dia
a dia e demonstram através das brincadeiras como elas vivem. Wallon
entra nesta perspectiva com a afetividade nas interações sociais, onde é

160
Volume VIII

comum ver a crianças reproduzindo nos jogos e brincadeiras os reflexos


de suas relações. Jogos de regras (dos 7 aos 12 anos de idade) conforme Piaget
1973 apud Melo (2011) caracterizando-se pelo próprio nome, regras do
ganhar e do perder. Por isso é necessário despertar na criança a preparação
para a competição sadia, e para o espírito de cooperação e respeito mutuo
ao outro deixando de lado o egocentrismo, afinal a criança já possui
conforme Piaget a criança já consegue se organizar inclusive no
pensamento formal hipotético-dedutivo.

Histórias, peças teatrais


Esta atividade metodológica pode trazer resultados muito
positivos na aprendizagem da criança em quaisquer estágios que estes se
encontrem, pois a imaginação é utilizada e a fantasia se encontra com a
realidade. As histórias e peças teatrais trabalham diretamente com a
linguagem e conforme (Abdalla, 2012, p.1) apud Patel et al ( 2012, p.
104): “A linguagem possibilita questões de educação ( prática social) em
que professores e alunos refletem a cultura e contextos sociais e se
consistem em sujeitos e constroem sua própria cultura”. Vinculando
Wallon a estas atividades metodológicas temos a explicação de Patel et al
( 2012, p. 105): De maneira geral, a linguagem pode ser considerada um
código para a expressão dos pensamentos e sentimentos.
Neurologicamente, Menegotto (2014) define a linguagem dizendo que esta
não pode ser atribuída a uma estrutura inata, nem à aprendizagem. Tal
mecanismo inato envolve as bases biológicas da linguagem e refere-se ao
processo complexo mantido por uma rede de neurônios distribuída entre
diferentes regiões cerebrais.
Poder-se-iam colocar diversas atividades metodológicas neste
contexto, mas o que realmente importa é a preocupação do profissional
da educação estar atualizado de como essa dinâmica de aprendizagem
vincula-se às neurociências e se completam. Para isso, a experimentação
séria é um meio de administrar tais dúvidas e conseguir resultados
positivos.

Considerações finais
Aprender então está diretamente ligado ao cérebro, desde a
fecundação este órgão do ser humano se desenvolve preparando-se para

161
Vozes da Educação

adaptar-se ao mundo externo. Aprender é a adaptação ao meio que se está


inserido à medida que o indivíduo se desenvolve, é a mudança de
comportamento.
Conhecer como se dá o aprender é fundamental para os
profissionais da Educação. E a busca do entendimento da
Neuroaprendizagem pode ser uma ferramenta eficaz para o trabalho
pedagógico. É a fixação de informações que poderão auxiliá-lo nas
resoluções de problemas dentro da sua práxis pedagógica, é interar-se
com o outro nas relações sociais, é a busca da sobrevivência por isso é um
processo contínuo.
O ser humano então é um ser que se constitui a partir da
aprendizagem e absorção de conhecimentos, vinculados a diversos fatores
genéticos, ambientais, culturais, e sociais que se entrelaçam para o
aprender.
O cérebro entra neste contexto como um órgão organizador e
vital que interfere diretamente nas aprendizagens. No entanto, se a
aprendizagem pode constituir o ser humano e os diversos fatores estão
dentro deste processo, estímulos, motivação, afetividade são primordiais
para o desenvolvimento saudável do indivíduo. O vínculo correto entre o
cérebro e o aprender traz para a Educação uma linha de trabalho coerente,
prática e efetiva.
Verificou-se as teorias de renomados pensadores do séc.XX
percussores do desenvolvimento humano que até os dias atuais se
identificam com os educadores e pesquisadores da educação. Neste estudo
observou-se que todos os citados defendem a teoria de que o meio que o
individuo está inserido tem influência considerável na aprendizagem e
atinge diretamente as funções cerebrais. Cada um deles com seus
conceitos, mas outro ponto que concordam é que de uma maneira ou
outra o indivíduo precisa de um “mediador” no processo da
aprendizagem. Com isso, a figura do professor/ educador ainda torna-se
essencial à Educação.
Quanto aos Estágios de desenvolvimento do ser humano
referenciando-se ao aprender de Wallon e Piaget, se deve ter bem claro e
específico que tais estudos ficam voltados em um parâmetro dedutivo,
pois, cada indivíduo por conta de diversos fatores genéticos, histórico-
sociais, e ambientais têm seu tempo e percepção quanto ao aprender e

162
Volume VIII

apreender, incluído nesta afirmativa a observação das dificuldades de


aprendizagens por motivos emocionais e sociais, não mencionadas nesta
pesquisa, mas de importante reflexão também. Neste aspecto o
professor/educador precisa considerar tal situação.
Para a escolha de Metodologias é importante que o
professor/educador conheça o desenvolvimento humano: como o
cérebro absorve as informações e as reproduz em um processo contínuo
de aprendizagem. As metodologias aqui destacadas foram escolhidas por
serem na maioria das vezes, muito utilizadas nos espaços escolares e
mostrou como é possível escolher as atividades e vinculá-las a
Neuroaprendizagem e ao processo de desenvolvimento. Novamente
reforça-se a necessidade de um trabalho sério e experimentador com
objetivos focados no que se quer ensinar entrelaçados com a
Neuroaprendizagem.
Não há como deixar de mencionar a necessidade de maior
interesse nos cursos de superiores de Formação Inicial e Continuada dos
Profissionais da Educação e a necessidade urgente do apoio dos
governantes para o entendimento desta temática dando um ápice ao
desenvolvimento educacional do país.
Professores/ educadores preparados e conhecedores de como
se dá o processo de ensino aprendizagem vinculado a Neurociência
podem auxiliar em muitos aspectos sociais para o crescimento de crianças
e adolescentes preparados à cidadania.

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164
Volume VIII

PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO


E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: ENTRE O SONHO DE UMA
EDUCAÇÃO LIBERTADORA E O PESADELO DO
CONSERVADORISMO

Susiéli Casonatto28
Tanara Terezinha Fogaça Zatti29

RESUMO

Este artigo parte das discussões propostas pelos componentes curriculares


do Mestrado Profissional em Educação e objetiva refletir dialogicamente
a formação continuada proposta pelo Pacto Nacional pelo Fortalecimento
do Ensino Médio enquanto reflexão da práxis, fortalecimento do coletivo,
autoria docente, o olhar para os sujeitos do Ensino Médio e o retrocesso
com a Reforma do Ensino Médio. Logo, contextualizamos esse espaço de
formação de professores como forma de resistência a esse
conservadorismo que vem se instalando na sociedade, assim como a
necessidade da retomada dos pressupostos da Educação Libertadora.

Palavras-chave: Ensino Médio, Pacto, Reforma, Educação Libertadora.

28Licenciada e Bacharel em Ciências Biológicas (Unochapecó), Especialização em Educação


Ambiental (Facvest-Lages), mestra em Educação (UFFS- Campus Erechim); Assistente Técnica
Pedagógica da EEB.Profª Lourdes A. S. Lago. E-mail: susielicasonatto@gmail.com
29Licenciada em Pedagogia Habilitação em Séries Iniciais do Ensino Fundamental (UDESC),

mestra em Educação (UFFS – Campus Erechim); Professora da FCCE. E-mail:


tanarazatti@gmail.com

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Vozes da Educação

Introdução
O Ensino Médio, nos últimos anos tem ocupado lugar de
destaque nas discussões da educação, tanto nos debates educacionais
quanto nas pesquisas acadêmicas, evidenciando que a forma que está
organizado não atende mais as demandas desses novos sujeitos. Sujeitos
esses, oriundos do mais diversos contextos sociais, filhos de trabalhadores
e na maioria das vezes o jovem é o próprio trabalhador.
Este texto parte das reflexões iniciadas no curso de Mestrado
Profissional em Educação, da Universidade Federal da Fronteira Sul –
Campus Erechim, onde refletimos a respeito das temáticas de pesquisas e
discutimos a possibilidade de pensar o Ensino Médio e a formação de
professores, no contexto articulado pelo Pacto de fortalecimento do
Ensino Médio. Assim retomamos essas considerações frente ao novo
cenário instaurado de forma adversa pela Lei 13. 415 de fevereiro de 2017
que altera a Lei de Diretrizes e Bases, ressaltando a necessidade de revisitar
Paulo Freire, nesse momento de renascimento de ideias e posturas
conservadoras e neoliberais.

Metodologia
O ingresso no curso de Mestrado Profissional em Educação da
UFFS-Campus Erechim, nos aproxima de profissionais apaixonados pela
perspectiva freiriana, nos incentivam a buscar aprofundamento em sua
obra para dialogarmos diferentes aspectos de nossa realidade, entre elas, a
nossa própria formação e a de nossos pares. Nessa perspectiva, este
trabalho refere-se a um estudo bibliográfico e participação da formação
continuada proporcionada pelo Pacto, onde a partir de nossas discussões
e indagações, buscamos em Freire o aporte teórico para refletirmos o fazer
pedagógico frente a um cenário tão adverso que se instaura no país em
relação ao Ensino Médio.
Relacionamos assim, aspectos como formação docente,
alienação e atuação libertadora, norteadas pelas obras de Paulo Freire, dos
documentos legais (norteadores do Pacto e a Lei 13. 415/2017) e de
autores que dialogam sobre as problemáticas relacionadas Ciavatta (2012),
Freitas (2016), Carrano (2017).

166
Volume VIII

Formação continuada e pacto nacional pelo fortalecimento do ensino


médio contextualizações necessárias
Ao problematizarmos a relação do Ensino Médio é importante
caracterizarmos que apesar da obrigatoriedade, conquistada no ano de
2009, o contexto atual é bastante preocupante quando se objetiva a
universalização do acesso e da permanência. Moraes et al (2013), alerta que
nas escolas públicas estaduais o aumento do número de matrículas
corresponde ao aumento das taxas de reprovação. A cada quatro alunos
um não tem sucesso em ser aprovado para a série seguinte.
Neste cenário neoliberal, Fernandes Neto (2009, p.20), destaca
“que o sistema educacional brasileiro não tem conseguido ensinar de
maneira sólida e com competência os alunos que por ela passam”.
Segundo o autor, a educação brasileira tem contribuído para a reprodução
da sociedade em classes com desigualdades sociais enormes, que exclui
dos bancos escolares a classe trabalhadora e os pobres.
Neste sentido, Fiori no prefácio à Pedagogia do Oprimido,
descreve:
Os métodos de opressão não podem contraditoriamente, servir à
libertação do oprimido. Nessas sociedades, governadas pelos
interesses de grupos, classes e nações dominantes, a “educação como
prática da liberdade” postulada, necessariamente, uma “pedagogia do
oprimido”. Não pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da
libertação são os do oprimido que se libera: ele não é coisa que se
resgata, é sujeito que se deve autoconfigurar responsavelmente a
educação liberadora é incompatível com a pedagogia que, de maneira
consciente ou mistificada, tem sido prática de dominação. A prática
da liberdade só encontrará adequada expressão numa pedagogia em
que o oprimido tenha condições de reflexivamente, descobrir-se e
conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica.
(FIORI, 2015, p.11).
A perspectiva que vislumbramos para transformação da
realidade, para a reflexão das ações, por meio de formações continuadas,
para o fortalecimento do grupo docente, atuando na desalienação é o
reconhecimento da educação libertadora. Freire (2011, p. 67) nos alertava
que a tarefa de denunciar a ideologia dominante e sua reprodução, cabe ao
professor cujo sonho político é a libertação.
Diante do exposto, nos últimos anos foram criadas diversas
políticas a fim de melhorar os índices educacionais do Ensino Médio,

167
Vozes da Educação

dentre elas, ressalta-se o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino


Médio.
A Formação Continuada de professores foi uma das grandes
ações propostas pelo Pacto objetivando a reflexão da práxis pedagógica,
através do conhecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino
Médio, provendo a formação integral dos educandos (LIMA, et at., 2014).
Freire (2014, p.43), sinaliza que “na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a
prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima prática.” Compreende-se que o trabalho de
formação docente deve encaminhar o professor para curiosidade
epistemológica, para um fazer que tenha o conhecimento como forma de
superação da ingenuidade, alicerçando-se numa perspectiva crítica.
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, foi
instituído pela Portaria Ministerial nº 1.140, de 22 de novembro de 2013,
tendo como objetivo principal a Formação Continuada de Professores do
Ensino Médio público, nas áreas rurais e urbanas, em consonância com a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Diretrizes Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (DCNEM).
De acordo com os documentos norteadores do Pacto (2013), os
principais desafios do Ensino Médio são:
a)universalização do atendimento dos 15 aos 17 anos; b) garantia de
acesso há uma educação de qualidade com efetiva aprendizagem; c)
garantia da formação inicial e continuada dos profissionais da
educação condizente com a realidade da educação básica; d)
ampliação do acesso ao Ensino Médio diurno; e) efetiva melhoria da
oferta do Ensino Médio noturno para os estudantes trabalhadores
que dele precisam; f) ampliação da jornada escolar na perspectiva da
educação em tempo integral; g) construção dos direitos à
aprendizagem e ao desenvolvimento e a Base Nacional do Currículo
como formação indispensável do cidadão; h) redesenho curricular do
Ensino Médio; i) constituição de condições efetivas para que os
jovens de 15 a 17 anos retidos no Ensino Fundamental cheguem ao
Ensino Médio; j) ampliação do Ensino Médio Integrado a Educação
Profissional. (DOCUMENTOS NORTEADORES, 2014, p.19)
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio foi uma
ação indutora da Formação Continuada de professores no âmbito escolar
tendo como referência o que está disposto nas DCNEM.

168
Volume VIII

Em geral as políticas públicas chegam as escolas de forma


verticalizada, os sujeitos que precisam desenvolver as atividades propostas
são os últimos a serem comunicados não possuindo clareza do como e do
porquê. Logo, a política do Pacto não foi diferente, entretanto após a
adesão o grupo de professores possuiu autonomia para dialogar a partir
do seu contexto.
Os cadernos da primeira etapa trouxeram para a discussão a
Formação Humana Integral dos sujeitos do Ensino Médio, assim a
necessidade por esta formação é justificada,
A formação humana integral deve garantir ao adolescente, ao jovem
e ao adulto o direito as condições necessárias para a leitura do mundo
e para a atuação como cidadão pertencente a um país e integrando
dignamente à sociedade. Formação que, neste sentido, supõe a
compreensão das relações subjacentes a todos os fenômenos,
também a diversidade dos sujeitos que frequenta ou tem direito de
acessar o Ensino Médio brasileiro. (CIAVATTA, 2012, p. 85).
O modelo de escola atual, prioriza mais a adaptação do que a
própria emancipação, a qual trabalha numa perspectiva da semelhança,
buscando padronizar as diferenças. Assim, para começar a pensar numa
perspectiva de Formação Humana Integral, se faz necessária a ruptura, a
desconstrução desse modelo de escola. Isso é um processo necessário,
pois muitas vezes nos falta clareza e conhecimento de como fazer, no
entanto se não nos formarmos juntamente com nossos pares, a escola
continuará reproduzindo esse modelo que não atende as expectativas dos
jovens do Ensino Médio, nem as nossas enquanto educadores.
Em relação a necessidade de superação do modelo tradicional,
descontextualizado, bancário, Freire (1987, p.68), lembra-nos que a
educação libertadora, problematizadora, é um ato cognoscente e não a
transmissão ou depósito de conhecimentos, que exige a superação da
contradição educador-educando, entendendo-a como um processo onde
ambos são sujeitos do processo.
Diante disso, durante a formação do Pacto, houve um certo
desconforto, uma desacomodação, características importantes para gerar
transformações. Muitas foram as indagações: “Como devemos trabalhar
com esse novo sujeito? Parece que tudo que estamos fazendo está
errado!”. Questionamentos também são importantes, é a reflexão da ação
e essa reflexão pode nos orientar para uma nova direção.

169
Vozes da Educação

Neste sentido, é que Freire (1987, p. 121) destacou a importância


da práxis (reflexão-ação), onde o quefazer articule teoria e prática, nem
verbalismo, nem ativismo, mas esforço revolucionário mediado
compromisso com a transformação. Um discurso que ainda é vigente,
nesse cenário, onde o conservadorismo e as perspectivas neoliberais
ressurgem com tanta força nos pensamentos educacionais.
Reforçando inclusive o alerta que Freire nos fazia do processo de
alienação, hoje vivenciado por nossos colegas educadores que
posicionam-se abertamente em favor do opressor, num processo de
desconhecimento, de postura anti-dialógica, de manutenção e conservação
da opressão de forma escancarada.
Esse desconforto também originou outro sentimento, a utopia.
Talvez naquele momento, da formação não sabíamos o quanto a utopia é
importante. Gadotti (2013), destaca alguns princípios freirianos, dos quais
ressaltamos: “a utopia como verdadeiro realismo do educador, opondo-se
ao fatalismo neoliberal que nega o sonho de um outro mundo possível.
Para ser realista, o educador precisa ser utópico”.
No período de formação a escola estava viva, os alunos em
movimento (aulas acontecendo pelo pátio da escola, que inclusive é um
cenário riquíssimo para ser explorado pelas mais diversas disciplinas),
desenvolvimento de seminários, a troca e o diálogo entre os professores.
Compreendemos que escola é vida, é movimento, barulho,
desacomodação e utopia. Ainda segundo Gadotti, “para dar certo nossa
educação precisa de professores e alunos mais felizes na escola.

O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e a reforma do


ensino médio: A contradição e o retrocesso
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio
objetivou a formação continuada de professores do Ensino Médio no
chão de cada escola, promovendo discussões sobre o currículo, práticas
pedagógicas com foco principal na formação integral dos sujeitos do
Ensino Médio.
Dessa forma, os onze cadernos trabalhados durante as
formações de alguma forma dialogavam com possibilidades de garantir a
formação integral dos sujeitos do Ensino Médio. Logo, a formação
humana integral visa garantir aos jovens e adolescentes dessa etapa da

170
Volume VIII

educação básica, condições necessárias para a leitura de mundo e em


consequência a atuação como cidadão pertencente a um país e integrado
dignamente à sociedade (Documentos norteadores do Pacto, 2014).
As formações continuadas promoveram discussões a fim de
repensar o Ensino Médio, terminando com dualismo que permeia a
educação, uma escola voltada para a elite com foco principal em garantir
o acesso ao ensino superior, e uma escola destinada aos filhos dos
trabalhadores, preparando para o mercado de trabalho, assim como
reduzir os índices de reprovação e evasão.
Freire (2011) relaciona que: “Seria ingênuo demais pedir a classe
dirigente no poder que pusesse em prática um tipo de educação que pode
atuar contra ela.” (FREIRE, 2011, p. 66). Essa postura evidencia-se
quando após dez meses de diálogos, do repensar a práxis pedagógica as
direções apontadas pelo Pacto são redirecionadas mediante o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Após o impeachment, uma
das pautas do novo governo foi o Ensino Médio a partir das notas do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que foram
divulgadas nas mais diversas mídias como sendo o fracasso, a tragédia do
Ensino Médio.
Sendo o Ensino Médio uma etapa da educação básica com
rendimentos tão baixos, o governo que assumiu, tratou de propor uma
solução imediata como forma de resolver tais dificuldades. A solução
apareceu através de uma Medida Provisória, a MP 746/2016, a chamada
MP do atraso, uma política verticalizada, autoritária que impossibilitou o
diálogo para a elaboração. Logo, a MP que acabou, ou nos paralisou diante
do sonho de uma formação humana e integral, de uma formação de
qualidade para o filho do trabalhador voltando, o Ensino Médio, a se
caracterizar pelo dualismo, do qual avançamos muito timidamente desde
a LDB 9394/96.
A reforma do Ensino Médio, substitui a formação integral por
formação em tempo integral, como se a ampliação da jornada fosse
sinônimo de formação integral e, destaca que essa ampliação da jornada
acontecerá em algumas escolas.
A jornada em tempo integral exclui uma parcela dos jovens,
aqueles jovens trabalhadores que frequentam o Ensino Médio noturno, os
quais totalizam 30% dos jovens do Ensino Médio.

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Vozes da Educação

A oferta do Ensino Médio, fragmenta a oferta de oportunidades


iguais para todos os jovens, visto que aquele jovem que “optar” pela
formação técnica e profissional será privado de conteúdos fundamentais
para sua formação enquanto cidadão e para o acesso ao ensino superior,
visto que, as seleções para ingresso às universidades cobraram conteúdos
independentes do percurso formativo realizado pelo educando
(CARRANO, 2017).
De acordo com Freitas (2016), esse modelo de Ensino Médio
não atende nem mesmo os interesses do grande capital e, contribui para a
segregação escolar, permitindo apenas aos jovens com maior poder
aquisitivo de optar pela terminalidade que dá acesso ao ensino superior,
incentivando o jovem de baixa renda procurar aquela que permita o acesso
ao mercado de trabalho.
Os estudantes precisam de educação crítica, qualificação, diplomas e
orientação dos adultos, mas não se beneficiam de um quadro
alarmante da sociedade, onde a profissionalização e o retorno-ao-
básico são falsamente apresentados como a chave de um reino
extraordinário. O medo da sobrevivência só fortalece o
conservadorismo, ao estimular estudantes e professores a pensar
programas profissionalizantes como solução, ao mesmo tempo que o
pensamento crítico e a política são considerados simples distrações.
A formação para o trabalho tem sido sempre a opção curricular das
forças empresariais para a grande massa de estudantes. Além disso, os
cursos com vistas para o trabalho têm mostrado débil desempenho
quanto à vinculação entre formação escolar e emprego futuro.
(FREIRE, SHOR, 2011, p.128).
Diante desse cenário, o ensino superior volta a ser privilégios de
alguns e, cria-se a falsa esperança que o jovem poderá escolher o que quer
estudar, de acordo com as afinidades. Entretanto, a opção também será
para alguns, já que em cada unidade escolar será ofertado uma das áreas,
logo, aquele que possui condições financeiras para deslocar-se à outra
instituição escolar, distante de sua residência poderá escolher que área irá
cursar. Para aqueles que não possuem essa possibilidade cursará aquela
área do conhecimento que está sendo ofertado na escola próxima de sua
residência, podendo ser a única opção o Ensino Médio profissional, uma
falsa ilusão também, visto que, estará preparando para o mercado, para a
mão de obra.

172
Volume VIII

O artigo 36 da LDB 9394/96, alterado pela Lei 13415/17, deixa


claro que os itinerários formativos serão organizados conforme a
relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino,
logo em regiões onde encontram-se os filhos dos trabalhadores,
provavelmente o Ensino Médio ofertado será aquele que prepara para o
mercado de trabalho, essa será a opção do jovem.
Art.36 – O currículo de ensino médio será composto pela Base
Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão
ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares,
conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos
sistemas de ensino, a saber:
I – linguagens e suas tecnologias;
II – matemática e suas tecnologias;
III – ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – ciências humanas e sociais aplicadas;
V – formação técnica e profissional.
Freitas (2016), chama atenção que o modelo atual de educação
estaria ruim sendo justificado pela obrigação de todos aprenderem coisas
das quais não possuem afinidades, entretanto ele enfatiza que esse é o
objetivo da educação básica e por isso se chama básica. A escola tem o
dever de ensinar, não apenas aquilo que o aluno gosta, mas deve ensinar a
partir de um entendimento da sociedade do que seja uma educação de
qualidade.
É preciso relembrar em Freire (1987, p. 157): “neste sentido, a
formação técnico-cientifica não é antagônica, a formação humanista dos
homens, desde que a ciência e tecnologia na sociedade revolucionária,
devem estar a serviço de sua libertação permanente, de sua humanização.”
Outro aspecto que merece atenção é a hierarquização de algumas
disciplinas, sendo essa uma característica tanto dialogada pelo Pacto.
Entretanto, de acordo com a LDB 9394/96, artigo 35 §3º “o ensino de
língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino
médio. A impressão é que garantindo boas notas nessas disciplinas a
qualidade da educação estará garantida. Do mesmo modo, as disciplinas
de sociologia e filosofia são vistas como doutrinadoras, e assim surge
também o projeto da escola sem partido, tornando o professor um mero
reprodutor, passando de mediador do conhecimento para executor da
visão elitista de educação, contribuindo para a manutenção dessa
sociedade que está imposta.

173
Vozes da Educação

Corrobora dessa ideia, Carrano (2016), que destaca a


reestruturação do Ensino Médio a partir de disciplinas rainhas, o
português e a matemática, tornando as demais disciplinas servas destas
grandes disciplinas que direcionam o processo educativo. Segundo o
autor, escola é lugar de conhecimento, de pensamento, deve contribuir
para que o jovem pense sobre si, sobre seu corpo, sua consciência, relação
com o outro e, para tanto não basta apenas o português e a matemática.
Essa prerrogativa gera o que Freire (2011), traz como alerta:
“quando separamos o produzir conhecimento do conhecer o
conhecimento existente, as escolas se transformam facilmente em espaços
de venda de conhecimento, o que corresponde a ideologia capitalista”
(FREIRE, 2011, p.24).
A formação dos professores é outro ponto que devemos discutir.
Sabemos que para uma qualidade educacional precisamos de docentes
com formação inicial na área de atuação. A desvalorização da profissão
tem acarretado consequências à profissão, dentre elas, os jovens não
procuram cursos de licenciatura. Dessa forma, normalmente o professor
que trabalha com determinada disciplina não possui habilitação nesta área,
outras vezes está frequentando cursos distantes da área da educação,
entretanto, utilizam a educação como forma de garantir um recurso
financeiro para finalizar a graduação.
Freire (2011) afirma que:
Os professores, cujo sonho é a transformação da sociedade, tem que
ter nas mãos um processo permanente de formação, e não esperar do
establishment a formação profissional. Quanto mais um educador tem
consciência dessas coisas, mais aprende da prática, e então descobre
que é possível trazer para dentro da sala de aula, dentro do contexto
do seminário, momentos de prática social. (FREIRE, 2011, p.85)
Diante do exposto, a reforma do Ensino Médio,
desvaloriza ainda mais a profissão docente, desqualifica a formação e
regulamenta o “notório saber”.
Art. 61. IV – profissionais com notório saber reconhecido pelos
respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas
afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por
titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da
rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham
atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36.

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Volume VIII

Diante de tantos retrocessos, do retorno ao século passado, de


uma forma tão autoritária, já que, as consultas populares e as vozes dos
jovens do movimento das ocupações (mais de mil escolas), não
sensibilizou o governo federal, inclusive o protagonismo estudantil foi
ignorado, a MP 746 foi aprovada e tornou-se a Lei nº 13.415/17 que
alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 8394/96).
Segundo Freire (2011, p. 94): “pôr em prática um tipo de
educação que provoca criticamente a consciência do estudante
necessariamente trabalha contra alguns mitos, que nos deformam. Esses
mitos vêm da ideologia dominante na sociedade”. Nesse sentido, o autor
relaciona o medo nos leva a obscuridade, que para ser superada exige
novas clarificações, novos sonhos políticos capazes de estabelecer limites
para nosso medo, de forma que ele não nos imobilize.
Carrano (2017), enfatiza que nos movimentos de ocupação das
escolas, os jovens em momento algum pediram retirada de disciplinas,
muito pelo contrário solicitaram mais aulas de filosofia e sociologia, assim
como um maior aproveitamento da estrutura da escola, com uso de
laboratórios, bibliotecas entre outros e deixaram claro que, “nós não
somos páginas em branco, nós somos sujeitos de experiências, de valor e
de saberes, queremos poder colocar isso no jogo da aprendizagem”,
entretanto, esse movimento foi negligenciado e as ocupações foram
reprimidas.
Diante do que foi exposto, mais uma vez o filho do trabalhador
sofrerá os maiores impactos desses retrocessos do Ensino Médio, já que
não serão todos que seguirão uma formação medíocre.
A obrigatoriedade, o direito ao acesso e permanência a todos os
jovens a essa etapa da educação básica é tão recente, já que aconteceu
somente em 2009 e já está correndo riscos de não ser de qualidade para
todos. Entretanto, precisamos ter esperança, do verbo esperançar de
Paulo Freire e ir à luta. Carrano (2017), ressalta, “é preciso lutar para que
o Art. 206 da Constituição Brasileira de 1988, em especial o seu inciso I,
se realize. Ou seja, que o ensino seja ministrado com base no princípio da
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

175
Vozes da Educação

Considerações
O Pacto apesar de seus aspectos contraditórios foi uma formação
importante para os professores do Ensino Médio. Muitos professores a
partir dessa formação despertaram para outras leituras, para o repensar das
práticas pedagógicas, para o planejamento numa perspectiva coletiva.
Em Medo e Ousadia, Freire faz uma contextualização de como
o golpe de 1964, o tornou consciente dos limites da educação na
transformação política da sociedade (FREIRE e SHOR, 2011, p. 59).
Concordamos que embora os golpes não sejam benéficos, nesse
momento, demonstram a necessidade de contextualizar a política
econômica que regulamenta as demais concepções, e embasadas nessa
consciência buscarmos dialogar as possibilidades de articulação de uma
nova perspectiva educacional.
Na educação, parece que estamos sempre recomeçando; as
formações precisam ser contínuas, acontecer de forma que o professor
queira estar nesse espaço e principalmente sentir-se parte da luta por uma
educação para todos de qualidade e que supere os padrões de uma escola
elitista.
Freire (2014), faz um alerta para os discursos ideológicos que nos
anestesiam, confundem a curiosidade e distorcem a percepção dos fatos e
acontecimentos, ao mesmo tempo em que nos instiga a assumir o
posicionamento que a educação é ideológica. Diante das reflexões, a
impressão que temos é que seguimos alienados da nossa própria práxis
pedagógica, não nos reconhecemos como sujeitos da transformação e, não
conseguimos constituir espaços de formações continuadas, que visem a
identificação teórica, que fundamenta nossa prática.
Acreditamos que a formação crítica, a retomada das discussões
dialógicas e da educação libertadora são aspectos fundamentais nesse
processo de desmantelamento vivenciado pós Medida Provisória 746/16.
Uma educação libertadora só pode ser efetivada na medida em que revele
um comprometimento com o todo, com a superação do processo de
alienação que nos “coisifica” e, favoreça um processo de empoderamento
que nos permita compreender as ferramentas necessárias a consolidação
de uma intervenção no mundo, na nossa própria formação e na nossa
realidade.

176
Volume VIII

Acreditamos que o Pacto tencionou um novo momento nos


espaços escolares, entre eles destacamos a relação dialógica, o
fortalecimento do coletivo, a troca, o olhar aos sujeitos do Ensino Médio.
Em contrapartida, a Reforma do Ensino Médio, contradizendo as
concepções do Pacto e representam um enorme retrocesso, entretanto a
formação deixou sementes e, essas devem germinar, para que possamos
construir espaços de resistência e luta a esse conservadorismo imposto em
nossa sociedade.

Referências Bibliográficas
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177
Vozes da Educação

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FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: O cotidiano do professor.
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178
Volume VIII

A LINGUAGEM TEATRAL E O POTENCIAL


DRAMATÚRGICO INFANTIL

Talita Pereira da Silva30

RESUMO
Este artigo apresenta parte de um estudo sobre a linguagem teatral na
educação infantil. Ao longo da pesquisa, buscou-se refletir sobre a
linguagem teatral nessa etapa da educação. O artigo traz a pioneira dos
jogos teatrais, Viola Spolin, cujo princípio é o de que todos são capazes de
atuar. Apesar de apresentar esta técnica de improvisação, o presente
estudo não se detém exclusivamente nela, utilizando também a concepção
dos jogos dramáticos infantis explorados a partir de desafios de
dramatização às crianças, mas sem a preocupação com o acabamento e
com o produto final.

Palavras-chave: Linguagem teatral. Educação Infantil.

ABSTRACT
This article presents a study about the theatrical language in early
childhood education. Throughout the survey, the aim was to ponder on
the theatrical language at this stage of basic education. The article brings
the pioneer of theater games, Viola Spolin, whose principle is that
everyone is able to act. Despite presenting this improvisation technique,
the present study does not dwell exclusively on it, but uses the conception
of children's theater games exploited from dramatization challenges to
children, without worrying about its finishing and the final product.

Keywords: Theatrical Language. Childhood education.

Mestra em Educação pela Universidade Nove de Julho (2016). Atualmente é coordenadora


30

pedagógica da Prefeitura Municipal de São Paulo em uma escola de educação infantil e tutora em
EAD no Centro Universitário São Camilo. talita.mestradoeducacao@gmail.com

179
Vozes da Educação

Ao longo da história, o teatro foi um importante instrumento


formador. Desde a Antiguidade Clássica podemos encontrar escritos de
filósofos gregos e romanos nos quais foram produzidas considerações
sobre o teatro e a educação. No entanto, somente a partir da segunda
metade do século XIX o teatro começou a ter participação importante na
educação 70 escolar (COURTNEY, 2003), passando a ter mais destaque
a partir da difusão de ideias inspiradas em Jean-Jacques Rousseau, que
coloca a criança como centro nos processos educativos.
No Brasil, a partir do século XX, com o movimento da Escola
Nova, inspirado nas ideias de John Dewey, o teatro encontrou terreno
fértil, junto com a reflexão do papel do jogo e da atividade da criança
(JAPIASSU, 2009).
[...] A incorporação do modelo da Escola Nova trouxe para o
primeiro plano a expressividade da criança e levou a uma
compreensão e a um respeito pelo seu processo de desenvolvimento.
Mas ao mesmo tempo em que ela abriu a possibilidade para a inclusão
das áreas artísticas no currículo escolar, verificamos que objetivos
educacionais amplos se transformam em justificativa para o ensino do
teatro. (KOUDELA, 2013, p. 19)
Atualmente, as escolas em geral são uma importante mediação
entre a criança pequena e o teatro (embora não a única) e, como uma das
referências, deve refletir sobre tempo, espaços e organização dedicados a
esta mediação. Percebemos também que o teatro na escola aparece como
forma de alcançar objetivos atitudinais muito amplos e não há um
detalhamento específico do que se quer alcançar ao promover tais
experiências.
Entretanto, estudos acadêmicos ao longo do tempo têm-se
diversificado em abordagens que podem transitar como meios para atingir
objetivos escolares muito específicos ou como meio de desenvolver a
“criatividade”, como um objetivo muito mais amplo.
A introdução do teatro e das outras formas de expressão artística na
educação escolar contemporânea ocidental trouxe consigo a
discussão do sentido das artes para a formação das novas gerações. O
debate, longe de se exaurir, permanece aberto, alimentado por
diferentes argumentos, que buscam justificar seu valor educativo e sua
inclusão no ensino formal. (JAPIASSU, 2009, p. 29)
Uns dos documentos que subsidia a ação do professor de
educação infantil no município de São Paulo são as Orientações

180
Volume VIII

curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para


educação infantil (2007). Este documento apresenta expectativas quanto
ao trabalho com o teatro como uma linguagem integrada a outras
experiências da criança, como a leitura de histórias. Além disso, relaciona
diretamente a dramatização com o brincar infantil. O brincar é uma das
atividades que constituem a infância e esta ação assume centralidade na
conduta infantil. Então, se essa relação entre o brincar e a linguagem
teatral, partiremos disto para levantar possibilidades de intervenção do
professor de educação infantil quanto a essa linguagem específica.
A dramatização está ligada ao jogo, onde reside a raiz de toda criação
infantil. Muito cedo, as crianças começam a brincar de serem coisas
diferentes, destacando ou modificando sua própria aparência. A
experiência de interagir com diferentes parceiros as levam a imitar
significativamente seus gestos, movimentos e expressões. (SÃO
PAULO, 2007, p. 125)
É necessário diferenciar a dramatização espontânea da criança,
que chamamos de faz de conta, e a representação teatral. Na brincadeira
de faz de conta, a criança imita ações exteriores espontaneamente e a partir
de seus interesses. Embora o faça com uma verdade invejada por muitos
atores, estes, por sua vez, compreendem os limites entre a vida e o
personagem: “[...] o ator quer metamorfosear-se, transformar seu corpo e
emprestar suas emoções ao personagem para poder tornar verdadeira sua
representação, tentando afetar o espectador pela ilusão criada no palco”
(SOUZA, 2012, p. 163). A criança pequena não se interessa por afetar
outras pessoas a sua volta com sua brincadeira: brinca de ser outro pelo
prazer envolvido nesta ação.
Quando brinca de faz de conta, a criança assume diferentes
papéis e ações que representam diversos ambientes, e os qualificam. Esta
imitação introduz a criança em uma herança cultural e é possível pensá-la
como uma atividade sócio-historicamente construída, em que a criança
descentra-se da realidade concreta para uma realidade imaginária.
Podemos considerá-la como uma “atividade cultural portadora de
significações sociais, contribuindo para a inserção da criança no
compartilhar dos signos e possibilidades sociais” (ALVES; DIAS;
SOBRAL, 2007, p. 328).
Com uma intervenção planejada por parte do professor, para que
a representação teatral possa ocorrer, as crianças deverão perceber que não

181
Vozes da Educação

estão isoladas no mundo e que uns afetam aos outros, tanto de maneira
positiva quanto negativa. Por isso, apresentamos os jogos dramáticos e
teatrais como uma maneira de se colocar no lugar do outro por intermédio
da brincadeira. Além de possibilitar o vislumbre dos outros ao seu redor,
permite a comunicação de ideias a partir do gesto empregado, mas de
forma compartilhada, na qual todos podem ser plateia e atores. Crianças e
adultos dialogam e constroem significados a partir da dramatização.
Porém, temos de tomar cuidado para que o teatro em seu aspecto
formal não apareça simplesmente por acidente. Apesar de possuir um
valor no repertório cultural das crianças, brincar dramaticamente não é um
treinamento para o palco e não pode tornar-se um objetivo genérico.
Pouco a pouco, a criança poderá ser levada a compreender alguns
elementos que fazem parte de um espetáculo, sem que isto se apresente
como uma dicotomia à sua manifestação espontânea, ou seja, não
devemos apresentar uma proposta sem clareza e é preciso entender que
improvisação não é sinônimo de deixar livre, sem intenção.
A ideia principal é avançar desta brincadeira da criança para uma
situação organizada na qual a representação teatral possa acontecer,
considerando a aptidão natural das crianças e sem perder de vista que esse
espontaneísmo é necessário e pode ser qualificado e lapidado para uma
atuação mais intencional por parte da criança.
Na Educação Infantil, podemos aproveitar essa aptidão da criança
pela dramatização espontânea para provocar seu interesse pelo jogo
dramático que, acreditamos, pode ajudá-la a construir sua linguagem,
pela exposição a diversas narrativas fantasiosas que podem ser
dramatizadas. (SOUZA, 2012, p. 165)
As experiências propostas diferenciam-se do faz de conta infantil
devido à existência de regras organizacionais pré-estabelecidas negociadas
com as crianças, da delimitação de espaço e de uma preparação antecipada.
Apesar de haver a improvisação por parte do grupo que encena, as regras
e combinados são anteriores à ação. Destacamos a participação do adulto
como parceiro/organizador deste jogo, mas toda a organização pode ser
realizada em conjunto, com o grupo de crianças.
Essa “educação dramática” (COURTNEY, 2003) não é um
treinamento para o palco, como já falamos anteriormente, mas sim a
criança jogando e brincando. Ser outro faz parte do processo de viver: “A
imagem mais comum para esse processo é a ‘máscara e a face’: nosso

182
Volume VIII

verdadeiro ‘eu’ está escondido por muitas ‘máscaras’ que assumimos


durante o decorrer de cada dia” (COURTNEY, 2003, p. 3).

Paralelos entre o jogo dramático e os jogos teatrais

Mais do que espectadores, os jogos de expressão


dramática, talvez, formem apaixonados por teatro.
(DESGRANGES, 2003, p. 75)

Apesar de no item anterior já termos apresentado um pouco a


respeito do jogo dramático e do jogo teatral, torna-se necessário traçar
alguns paralelos entre essas duas concepções, que são distintas, mas
podem nos auxiliar no tratamento a ser dado aos momentos de
representação teatral na educação infantil.
[...] Evidentemente a passagem do jogo dramático para o jogo teatral
é uma transição muito gradativa, que envolve o problema de tornar
manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à decodificação
do seu significado, até que ela o utilize conscientemente, para
estabelecer o processo de comunicação com a plateia. (KOUDELA,
2013, p. 45)
O trabalho com jogos permite uma sequência gradual de
experiências que proporcionam avanços do gesto espontâneo presente na
improvisação, para a decodificação deste gesto como uma estrutura de
linguagem. Tudo isto com uma intencionalidade cada vez maior.
Devemos entender que no jogo dramático, nos desafios que são
propostos, não há distinção entre atores e plateia. Todos que participam
são atores e ao mesmo tempo público. Todos observam e são observados.
Todos no grupo participante realizam as dramatizações e são inseridos na
cena em desenvolvimento.
Todos são fazedores, tanto ator como público, indo para onde
querem e encarando qualquer direção que lhe apraz durante o jogo.
A ação tem lugar por toda parte em volta de nós e não existe a questão
de “quem deve representar para quem e quem deve ficar sentado
vendo quem fazendo o quê”! (SLADE, 1978, p. 18)
Para Koudela (2013), jogo dramático seria o mesmo que faz de
conta; porém, a partir da pesquisa realizada, optamos por assumir que há
uma diferença, pois no jogo dramático há a representação improvisada,
mas controlada pelas regras propostas e pela organização do ambiente,
então há um planejamento por parte do adulto que orienta a ação. Desta

183
Vozes da Educação

forma, existe divergência entre a conceituação de jogo dramático por parte


da citada autora e da pesquisa realizada como um todo.
Apesar de as situações lúdicas do faz de conta também serem
situações em que a criança dramatiza, no jogo dramático o professor
buscará situações organizadas que promovam o desenvolvimento de
capacidades expressivas ou desafios para que as crianças solucionem
criativamente, por meio da dramatização. O faz de conta infantil não
possui organização prévia: a criança espontaneamente cria situações
imaginárias que podem ser incentivadas pelo professor, mas não dirigidas
por ele previamente.
Os desafios que os jogos propõem impulsionam o indivíduo a
construir soluções criativas e, para tanto, “precisamos experimentar o
novo, construir e desconstruir formas, ideias e sentimentos, reafirmando
a nossa identidade, a nossa cultura, ou melhor, a nossa força enquanto
seres humanos” (PEIXOTO; AZEVEDO, 2011, p. 80).
Uma ideia é utilizar os próprios jogos e brincadeiras já
conhecidos pelas crianças e reelaborá-los para que a representação teatral
aconteça. Em uma formação continuada de professores de educação
infantil oferecida pela SME-SP em 2011, foi apresentado um jogo
dramático que parte de uma brincadeira infantil chamada “estátua” e
caminha para a representação teatral. Consiste em arrumar um espaço
amplo para as crianças brincarem de estátua. Depois, utilizar uma música,
de preferência instrumental. Ao parar a música, o professor deve
mencionar em voz alta um personagem, propondo ao grupo que todos
parem como estátuas, mas com o corpo como se fosse aquele personagem.
Depois se aprofundam as propostas, atribuindo qualidades inusitadas a
estes personagens sugeridos, por exemplo, “tomate apaixonado” ou “sapo
triste”. Durante o jogo, as próprias crianças poderão sugerir novos
personagens (SÃO PAULO, 2011).
A atividade exposta acima aproxima-se do repertório de
brincadeiras já conhecidas pelos alunos, avançando para uma proposta que
desafie as crianças em sua expressividade e gestualidade corporal.
Podemos levantar junto à comunidade escolar um repertório de
brincadeiras passíveis de teatralização ou elaborar outros jogos dramáticos
a partir de histórias construídas coletivamente ou de músicas conhecidas.

184
Volume VIII

Outra proposta que vem ao encontro dos jogos dramáticos é a


dos jogos teatrais. Esta proposta, elaborada pioneiramente por Viola
Spolin, é frequentemente utilizada no contexto da educação e no
treinamento de atores. Seu princípio é o de que “todas as pessoas são
capazes de atuar no palco” (SPOLIN, 2005, p. 3). Estes jogos utilizam a
criatividade como habilidade para resolver os problemas propostos e a
experimentação, espontaneidade e liberdade aparecem para que se
alcancem os objetivos da maneira que os jogadores escolherem, desde que
obedeçam as regras do jogo (SPOLIN, 2005). Os jogadores revezam-se
entre atores e público que avalia o trabalho das cenas produzidas.
Nas oficinas de jogos teatrais, em primeiro lugar é necessário
formar um grupo; a técnica de “instrução”, empregada pelo diretor, é
desenvolvida com o propósito de que aconteça alguma coisa no palco. Ele
propõe situações ou problemas a serem resolvidos pela
encenação/improvisação. “Elas solucionam problemas de marcação,
personagem, emoção, tempo e as relações dos atores com a plateia.”
(SPOLIN, 2010, p. 25) Um exemplo seria o jogo teatral chamado “jogo
de bola”, descrito a seguir:
Objetivo: Focalizar a atenção dos jogadores no objeto no espaço.
Foco: Manter a bola no espaço e não na cabeça. Descrição: Divida o
grupo em dois grandes times. Um time é a plateia. Depois inverta as
posições. Se estiver trabalhando individualmente dentro de cada time,
cada jogador começa a jogar a bola contra uma parede. As bolas são
todas imaginárias, feitas de substância do espaço. Quando os
jogadores estiverem todos em movimento, o diretor deverá mudar a
velocidade com a qual as bolas são jogadas. (SPOLIN, 2010, p. 36-
37)
A característica principal dos jogos teatrais é a espontaneidade,
a qual produz um movimento que nos liberta de velhos quadros de
referência e nos provoca a agir com uma conformidade menor frente à
realidade proposta. “Através da espontaneidade somos reformados em
nós mesmos.” (SPOLIN, 2005, p. 4) De acordo com Koudela (2013, p.
51), a espontaneidade não é um deixar fazer livre, mas equivale “[…] à
liberdade de ação e estabelecimento de contato com o ambiente”. Ainda
segundo essa autora, o deixar fazer livre pouco pode ser associado a uma
ação espontânea, pois podemos perceber que logo se revelam quadros
estáticos ou estereotipados nos movimentos e na atuação das crianças
(KOUDELA, 2013), o que pode vir a ser prejudicial, devido à repetição e

185
Vozes da Educação

não variedade de gestos. Então, os desafios propostos servem como forma


de evidenciar o surgimento de gestos corporais mais complexos, em que
há interação entre o intelectual, o físico e o emocional, e mais diversos, no
intuito de resolver os problemas indicados.
Durante as reflexões sobre os jogos teatrais, pode-se perceber
que, para a criança pequena, os jogos dramáticos tendem inicialmente a
respeitar mais essa espontaneidade; se o interesse residir exclusivamente
na expressão e nos gestos da criança frente aos desafios propostos, então
não há a necessidade de uma plateia. “O jogo dramático infantil é uma
encenação da realidade da criança, mas não é teatro, pois não é feito para
ser levado a um público” (CAMAROTTI, 2005, p. 31). Nos jogos
dramáticos, “As experiências são emocionantes e pessoais e podem se
desenvolver em direção a experiências de grupo. Mas nem na experiência
pessoal e nem na experiência de grupo existe qualquer consideração de
teatro no sentido adulto [...]” (SLADE, 1978, p. 18).
Inicialmente, os jogos dramáticos têm caráter mais improvisacional e
não existe muito cuidado com o acabamento, pois o interesse reside
principalmente na relação entre os participantes e no prazer do jogo.
[...] Gradualmente, a criança passa a compreender a atividade teatral
como um todo, o seu papel de atuante e observa um maior domínio
sobre a linguagem e todos os elementos que a compõem. (BRASIL,
1997, p. 58)
O processo dos jogos teatrais tem em vista essa passagem gradual
do jogo dramático, que é mais subjetivo e sem preocupação com a
comunicação, para o emprego de gestos cada vez mais expressivos,
intencionais e elaborados, com o intuito de resolver os desafios indicados
pelo professor.
Apesar de possuírem concepções distintas, ambos caminham
para impulsionar o sujeito, em contextos formais e não formais de
educação, a entrar em contato com o uso interativo da linguagem teatral
numa perspectiva improvisacional e lúdica (JAPIASSU, 2009), mas
também avançando para a decodificação de estruturas da linguagem
teatral.
Estas metodologias com jogos descritas anteriormente
evidenciam um princípio de incerteza sobre as produções dos alunos. Não
sabemos antecipadamente o que eles irão propor. Eles entram em um jogo

186
Volume VIII

de interações entre si e o ambiente que pode desviar-se dos objetivos


iniciais do professor.
Por vezes, a ação humana foge de nossa vontade e
entendimento, adquirindo um sentido diferente do que se imaginava
inicialmente. Para compreender esse processo, em diversas obras Edgar
Morin descreve-nos a ecologia da ação, que tem como um dos princípios
a ação que é desencadeada pelo autor e que muitas vezes acarreta
retroações inesperadas. As ações, ao serem colocadas em prática, podem
adquirir um sentido diferente, até oposto daquele que tinham no início.
Toda iniciativa humana voluntária pode ser introduzida num jogo múltiplo
e aleatório, assim as intenções iniciais podem se dirigir para o imprevisível
(MORIN, 2011,p. 100-101).
Neste caso específico, ao relacionarmos com a proposta de jogos
dramáticos e teatrais, como a ação “planejada” pode ser ao mesmo tempo
“livre”? (SPOLIN, 2005). Pela expectativa de quem propõe e considera a
ecologia da ação, segundo a qual os produtos serão empurrados a direções
diferentes, tanto contrárias como próximas ao que o professor esperava.
Apesar de os jogos teatrais utilizarem a técnica de instrução para
que os alunos-atores mantenham o ponto de concentração sempre que
estiverem se desviando dos desafios lançados, mesmo assim não temos
como saber previamente qual caminho será tomado por eles durante a
improvisação.
Como pode o adulto saber onde termina o processo artístico? Ou
conhecer o caminho de antemão e ter a situação sob controle? Se não
entendermos que o processo artístico é aberto, então aquilo com o
qual estamos trabalhando não é arte! (HOLM, 2004, p. 88)
Estas propostas buscam a abertura do pensamento e o
compartilhamento de ideias a partir dos desafios que colocam alunos e
professores em movimento livre, mas consciente.
De acordo com Machado (2010, p. 21), “não haveria como
‘mediatizar’ as experiências vividas pelas crianças por meio do pensamento
formal ou pela linguagem adulta objetivista”. Mas, desde o início
percebemos uma relação entre o brincar e o fazer teatral adulto. Nesta
perspectiva, despimos o teatro de sua roupagem usual, ao mesmo tempo
em que o notamos fluir na gestualidade infantil. A partir disto, entende-se
que um trabalho baseado em atividades de expressão, como, por exemplo,
jogos dramáticos e jogos teatrais, poderá trazer mais a espontaneidade da

187
Vozes da Educação

criança e sua criação e menos o linearismo que os adultos procuram. Em


seu aspecto formal, o teatro não é algo ruim; pelo contrário, a criança deve
entrar em contato com as produções culturais da humanidade para ampliar
seus gestos e repertório, mas não há a impressão direta desses aspectos de
forma linear.
Esse é outro entendimento que se aproxima mais do brincar
infantil e abrange seu potencial dramatúrgico. Para isso, é necessário
revisitar o sentido de dramatizar, que apresentamos no início deste
capítulo, como uma qualidade própria do humano e sua relação com a
cultura, onde cotidianamente assume-se uma multiplicidade de papéis e
muitas vezes dentro de uma esfera que atravessa o real. Dramatizar é uma
atividade de comportamento coletiva e a criança experimenta esse jogo de
ser outro em suas brincadeiras.
As crianças possuem uma espontaneidade e especificidades que
as caracterizam como sujeitos que pensam e sentem de maneira singular.
Desta maneira, os jogos dramáticos/teatrais surgem como uma maneira
de romper com visões estereotipadas e vão contra os engessamentos
vivenciados por elas. Além disso, o professor, frente ao processo criativo
da criança, “poderá ampliar a cada dia seu entendimento sobre a Arte”
(PEIXOTO; AZEVEDO, 2011, p. 84). O professor também, nesta visão,
abandonará temas ou histórias prontas a serem encenadas/apresentadas.
Também não se faz necessário o uso de figurinos e não existe a
obrigatoriedade de gestos e falas: “ele pode criar, junto com as crianças,
um roteiro a partir daquilo que observa no cotidiano das brincadeiras,
jogos e conversas” (MACHADO, 2010, p. 101). Esta “desconstrução” de
um teatro onde são necessários palco, plateia, ensaio ou falas pré-
estabelecidas vai ao encontro da vida infantil. Ainda de acordo com
Machado (2010), “há grande potencial criador e dramatúrgico no brincar
de faz de conta”. O adulto, neste caso, ao liberar as crianças de certos
padrões pré-estabelecidos, poderá observar as culturas próprias da
infância.
A expressão verdadeira da gestualidade infantil irá ocorrer nestes
momentos, em que a sala de aula torna-se um espaço cênico e o processo
ganha nova significação em contraposição a um produto final. Este é o
primeiro passo para que a criança crie seus próprios sentidos sobre o

188
Volume VIII

teatro, que não será dirigido exclusivamente por um adulto, mas será
construído no âmbito relacional adulto-criança, de modo compartilhado.
Este tipo de intervenção não estabelece uma meta; não cabe a
nós fazermos juízo de valor sobre as criações infantis. O que este trabalho
permite às crianças são conquistas em sua compreensão sobre o fazer
teatral e que esta metodologia dê voz a elas e, a partir da observação e
escuta atenta, o professor possa interpretar seus avanços nesta construção.
Apesar de ser apresentada essa relação direta entre o faz de conta
infantil e a linguagem teatral, devemos ter cuidado para não entender estas
orientações apenas como um aperfeiçoamento do faz de conta da criança.
Se o professor compreende dessa maneira, não irá organizar
intencionalmente nem contextualizar as experiências sobre a arte teatral, e
quando organizar intencionalmente poderá restringir-se ao produto final
em detrimento dos processos que podem ser desenvolvidos com as
crianças.
A maioria das crianças tem seu primeiro e/ou único contato com
o teatro na escola ou por meio dela (FERREIRA, 2005). Sendo assim,
torna-se necessária a reflexão sobre a linguagem teatral, suas possibilidades
e intencionalidades no trabalho com crianças pequenas na escola. Estas
nuances do trabalho com jogos, dentro de suas distintas concepções,
referem-se ao potencial dramatúrgico infantil. Ao estarmos atentos aos
movimentos das crianças, tornamo-nos observadores de seus gestos, que
possuem “uma estética, uma energia que encenadores contemporâneos
pretendem” (MACHADO, 2010, p. 100).

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190
Volume VIII

INFLUÊNCIA ANDRAGÓGICA NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS31

Tania Regina Rodrigues Oliveira32

RESUMO
Esse texto revela a necessidade de novos olhares sobre a forma de ensinar
o adulto durante a alfabetização em salas de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) levantando questionamentos que provoquem os alunos a refletir
sobre o porquê de estarem aprendendo e de que forma esse aprendizado
poderá ser utilizado em benefício próprio. O objetivo desta pesquisa
consiste em mostrar o modelo andragógico apresentado por Malcolm
Knowles. Na investigação apresentamos também a necessária distinção
entre conceitos da Pedagogia e da Andragogia. A Concepção inovadora
de que nos referimos está intrinsecamente associada à ideia de mudanças
no processo de ensino-aprendizagem do cenário da EJA.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Andragogia.
Horizontalidade. Dialogicidade.

ABSTRACT
This text reveals the need for new perspectives on how to teach the adult
during literacy in Youth and Adult Education (EJA) rooms raising
questions that cause students to reflect on why they are learning and how
this can be used for their own benefit. The objective of this research is to
show the andragógico model presented by Malcolm Knowles. In the
investigation we also present the necessary distinction between concepts
of Pedagogy and Andragogy. The innovative conception of which we are
referring is intrinsically associated with the idea of changes in the teaching-
learning process of the EJA scenario.
Keywords: Youth and Adult Education. Andragogy. Horizontality.
Dialogicity.

31Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos pelo


convênio UCDB/Portal Educação. Campo Grande. 2016.
32Formada em Pedagogia pela Universidade Paulista – UNIP. E-mail: tania_nivas@hotmail.com

191
Vozes da Educação

Introdução

Este artigo pretende destacar a importância de um ensino


direcionado ao aluno adulto, não só pelo fato de adultos e crianças
aprenderem de formas diferentes, mas principalmente pelas mudanças
ocorridas nos últimos dois séculos e que revolucionaram a forma de o
indivíduo interagir com o entorno.
Tem como objetivo geral apresentar uma reflexão sobre a
andragogia, visando contribuir para o ensino de adultos, respeitando e
aproveitando os conhecimentos prévios adquiridos ao longo da vida do
sujeito, a fim de valorizar o aprendizado, transformando o aprendiz de
objeto a sujeito da educação, justificando-se pela necessidade de trazer à
tona, novas discussões sobre a educação, dentro dos princípios
andragógicos.
Faremos uma breve abordagem sobre a questão da educação de
adultos, da necessidade urgente de aprofundamento o conhecimento
relacionado a esta nova ciência “Andragogia”, baseada em alguns teóricos
e a necessidade em quebrar paradigmas existente e enraizado na educação,
com se todos, crianças e adultos aprendessem da mesma forma.
O professor deve aprender que os adultos preferem que lhes
ajude a compreender a importância prática do assunto a ser estudado,
preferem experimentar a sensação de que cada conhecimento fará
diferença em suas vidas.
Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados nesta
pesquisa foi inteiramente bibliográfico, pois a aplicabilidade da
Andragogia ainda é um espaço a ser ocupado. Onde é possível vislumbrar
a possibilidade de uma metodologia que ainda se encontra adormecida e
que pode e deve ser direcionada ao Jovem e Adulto.
A pesquisa de revisão bibliográfica caracteriza-se em estudar um
tema pouco explorado, embasado em conceitos descritivos nas
bibliografias existentes e tem como objetivo descrever de modo sistêmico
a necessidade de repensar a educação, não só através de conhecimentos
pedagógico pré-existentes, mas também apoiar e incentivar os
conhecimentos oferecidos através da Andragogia.
Os resultados alcançados nesta pesquisa mostram a Andragógica
como possibilidade de inovação para o Ensino de Jovens e Adultos, as

192
Volume VIII

contribuições oportunizadas pela abordagem Pedagógica e Andragógica,


sobretudo a necessidade e a importância de enfatizar o modelo
andragógico nas universidades e instituições de ensino e de conhecermos
o contínuo pedagógico – andragógico para maior eficiência educacional.

A importância da educação de jovens e adultos na sociedade atual


A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é muito importante para
a recuperação do indivíduo que por algum motivo não teve condições de
concluir seus estudos na idade correta e encontra nessa modalidade de
ensino, uma possibilidade de resgatar esse tempo perdido. O aluno da EJA
normalmente esta inserido no mercado de trabalho e sente de perto a
necessidade de buscar sua escolarização, visto que o mercado esta cada dia
mais exigente e buscando trabalhadores cada vez mais capacitados e
qualificados.
Existem diversos projetos que visam à continuidade da EJA,
porém, a ajuda necessária é pequena por parte dos governos, que não
oferecem formação específica para os professores que terão que lidar com
um aluno diferenciado, que muitas vezes está inseguro e com demandas
diferentes dos alunos do ensino regular. Esse aluno deve ser estimulado,
respeitando suas diferenças, seus medos e dúvidas. Também se deve levar
em consideração, o fato de esse aluno trabalhar o dia todo e depois encarar
uma noite de estudos, o professor deve procurar tornar a aula prazerosa,
que desafie, estimule na tentativa de evitar a evasão escolar que nessa
modalidade de ensino é muito alta. Com dedicação e um trabalho sério
todos os alunos seja qual for à fase da vida que se encontre, tem o direito
à oportunidade de ensino e isso deve ser garantido pelo poder público.

Formação do educando da EJA


A formação do educando da EJA passou por transformações
relevantes no processo de ensino e aprendizagem ao longo da sua história,
no passado quando o assunto era EJA, se pensava em primeiro lugar na
alfabetização, ou seja, o objetivo principal era a decodificação de palavras,
hoje a alfabetização é uma parte fundamental, mas não é a única, pois o
processo consiste três dimensões: a individual, a profissional e a social.
Considerando a pessoa como um ser incompleto, que tem a capacidade de
se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo, buscando

193
Vozes da Educação

também o preparo profissional, atualizando o educando de acordo com


suas necessidades no âmbito profissional sem esquecer-se de considerar
aspectos sociais (preparando-o para viver em grupo), um cidadão, para ser
ativo e participativo, necessita ter acesso ao conhecimento e informações,
deve ter um olhar crítico diante dos acontecimentos.
Então essa formação deve ser “conscientizadora”,
“problematizadora”, provocando questionamentos e reflexões do seu
cotidiano, dessa forma a aprendizagem tem significado para os educandos
relacionando teoria com a prática.
A inclusão só ocorrerá se houver a conscientização e valorização da
pessoa humana a partir da realidade na qual ela se insere. Diante dessa
percepção, o educador deve desenvolver sua prática pedagógica com
os educandos tendo em vista um novo conceito de Educação de
Jovens e de Adultos, situando-a no âmbito da Educação Popular, ou
seja, uma educação que parte da cotidianidade dos grupos nos quais
ocorre a prática educativa (FREIRE, 2001. p.17).
O processo de ensino e aprendizagem com jovens e adultos dessa
modalidade da Educação necessita de uma prática transformadora e com
significação, centrada na compreensão e no respeito à pessoa e aos saberes
existente e experiências já vivenciadas por eles. Temos que ressaltar o
papel determinante que os docentes da EJA têm nesse processo de
formação que devem valorizar a trajetória sócio-histórica e cultural de cada
educando – contribuir para o sucesso nessa trajetória de jovens e adultos,
para que não desanimem, por maiores que sejam os obstáculos
encontrados no retorno ao ambiente educativo.

Implicações para a educação de jovens e crianças


Não poderíamos finalizar esta análise sem explorar, ainda que de
forma breve, as implicações da perspectiva andragógica para a educação
de jovens e crianças.
As crianças começam, cada vez mais cedo, a conceber-se como
autodirigidas em algumas áreas da sua vida. As experiências que vão
acumulando ao longo dos anos (anteriormente as crianças permaneciam
em casa até terem atingido a idade necessária para ir para a escola; agora,
desde muito novas são colocadas no jardim infantil) permitem-lhes
experienciar a prontidão para algumas aprendizagens de forma semelhante
aos adultos. As crianças e jovens também possuem problemas e dúvidas

194
Volume VIII

existenciais que gostariam de ver resolvidos e, por isso, muitos dos


princípios da andragogia também lhes são aplicáveis.
Se a educação das crianças e jovens procura produzir adultos
capazes de aprender para toda a vida, é necessário modificar o sistema
educativo vigente num sentido mais condicente com a autoaprendizagem,
a auto-avaliação e a responsabilidade pelas decisões tomadas. Segundo
Knowles (1980) a andragogia constitui uma abordagem que situações que
engloba nos seus pressupostos estas modificações, pelo que se revela uma
perspectiva adequada como alternativa à perspectiva tradicional.

Raizes e a história da andragogia


A Educação de Adultos é uma prática tão antiga quanto à história
da raça humana, ainda que só recentemente ela tem sido objeto de
pesquisa científica. A nossa herança cristã, por exemplo, com cerca de dois
mil anos, apresenta no Livro Sagrado, fartos exemplos de relacionamento
educacional adulto através dos patriarcas, sacerdotes e o próprio Jesus
Cristo que foi, por excelência, o maior educador de adultos de todos os
tempos. Ele foi tão efetivo que, mesmo com uma clientela tão mista de
aprendizes - analfabetos e doutores, conseguir resultados que até hoje
continua transformando pessoas no mundo inteiro com a sua mensagem.
Cristo sempre usou parábolas para provocar a reflexão e ação nos seus
seguidores a respeito dos princípios dos seus ensinamentos. Seus
discípulos eram desafiados, constantemente, a formularem uma
estruturação mental própria para terem acesso ao significado das suas
mensagens. Outros na antiguidade, como Confúcio e Lao Tse na China;
Aristóteles, Sócrates e Platão na Grécia antiga; Cícero, Evelid e Quintillian
na antiga Roma, foram também exclusivos educadores de adultos. A
percepção desses grandes pensadores quanto à aprendizagem, era de que
ela é um processo de ativa indagação e não de passiva recepção de
conteúdos transmitidos. Por isso suas técnicas educacionais desafiava o
aprendiz para a indagação.
Os gregos, por sua vez, inventaram o que se chama de Diálogo
de Sócrates, no qual o líder, ou algum outro membro de grupo, apresenta
seu pensamento e experiência para, a partir daí, os liderados buscarem
solução para um determinado assunto. Os romanos, por outro lado, foram

195
Vozes da Educação

mais confrontadores. Eles usavam desafios para forçarem os membros de


um grupo a tomarem posição em defesa própria.
Apesar dos referenciais da antiguidade acima, a história explícita
da Andragogia tem suas raízes na pedagogia e por isso temos que resgatar
um pouco da sua memória evolutiva.
No começo do século VII, foi iniciada na Europa escolas para o
ensino de crianças, cujo objetivo era - preparar jovens rapazes para o
serviço religioso - eram as conhecidas Catedrais ou Escolas Monásticas.
Os professores dessas escolas tinham como missão a doutrinação dos
jovens na crença, fé e rituais da igreja. Eles ajuntaram uma série de
pressupostos sobre aprendizagem, ao que denominaram de "pedagogia"-
a palavra, literalmente, significa "a arte e ciência de ensinar crianças" (A
etimologia da palavra é grega: "paido", que significa criança, e "agogus"
que significa educar). Esse modelo de educação monástico foi mantido
através dos tempos até o século XX, por não haver estudos aprofundados
de sua inadequação para outras faixas etárias que não a infantil.
Infelizmente ele veio a ser á base organizacional de todo o nosso sistema
educacional, incluindo o empresarial.
Entretanto, logo após a Primeira Guerra Mundial, começou a
crescer nos Estados Unidos e na Europa um corpo de concepções
diferenciadas sobre as características do aprendiz adulto.
Mais do que uma novidade, a andragogia foi redescoberta. Seu
uso resgata uma forma de ensino que vem da Antiguidade. Os filósofos
gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, ensinavam a adolescentes e
adultos em grupos pequenos, com grande interação. Nesses encontros,
recorriam amplamente à discussão, à dialética, à dedução, à indução.
O vocábulo andragogia foi inicialmente utilizado por Alexander
Kapp, professor alemão, em 1833, para descrever elementos da Teoria de
Educação de Platão. O termo foi esquecido e voltou a ser utilizado em
1921, por Rosenstock, para significar o conjunto de filosofias, métodos e
professores especiais necessários à educação de adultos.
Na década de 1970, a andragogia foi retomada na Iugoslávia,
Holanda, França e Suíça, onde Pierre Furter, professor da Universidade
de Genebra, propôs a substituição drástica da Pedagogia por ela, já que o
ensino não mais se prendia apenas às crianças, mas também a adolescentes
e adultos. Isso acirrou os ânimos dos pedagogos e levantou uma muralha

196
Volume VIII

de resistência contra a "novidade". Enquanto isso, nos Estados Unidos,


Malcolm Knowles era o nome mais expressivo a divulgar a Andragogia.
Do ponto de vista profissional, o ensino andragógico existia já
nas oficinas dos artesãos, desde a idade média e início da revolução
industrial. Mestres admitiam aprendizes a quem ensinavam seus ofícios,
numa interação estreita, praticamente guiando as mãos dos auxiliares em
cada movimento. Isso era feito até que eles atingissem o nível de
habilidade necessário para trabalhar sozinhos.
Durante a Idade Média, a "Idade das Trevas", quando o
conhecimento clássico ficou sob o monopólio da Igreja, surgiram às
escolas monásticas. Elas foram criadas nos conventos beneditinos e
preparavam jovens para os serviços religiosos. Diferente da academia e do
liceu gregos, não admitiam liberdade, criatividade ou valores pessoais dos
alunos.
Uma Pedagogia para o aluno adulto, a Andragogia, foi proposta
por Malcolm Knowles na década de 1970. No dicionário Houaiss, o termo
pedagogia deriva do grego antigo paidós (criança) e agogé (condução). Ao
apresentar sua proposta do termo andragogia, do grego antigo andros
(adulto) e gogos (educar) como um caminho educacional para o adulto,
como arte de ensinar aos adultos, Malcolm Knowles contrapôs
pedagogia/andragogia (OLIVEIRA, 2009).
Pierre Furter (1974) definiu Andragogia como a filosofia, ciência
e a técnica da educação de adultos e Hamze (2008) define andragogia
como um caminho educacional que busca compreender o adulto,
podendo ser considerada uma teoria, mas também um método de ensino,
que se reflete em um somatório de trocas de conhecimentos entre o
facilitador do conhecimento e o estudante adulto e suas experiências de
vida.

Premissas do modelo andragógico


A andragogia não é considerada um modelo de ensino, mas um
conceito geral que fundamenta o ensino dos adultos. Partindo deste
pressuposto, neste modelo de ensino, considera-se de fundamental
importância a EXPERIÊNCIA e o CONHECIMENTO do professor,
como premissas deste modelo.

197
Vozes da Educação

Têm-se como foco principal do currículo, as necessidades do


adulto. Ou seja, o currículo é construído levando em consideração as
necessidades deste adulto. Considera-se como adulto, o indivíduo a partir
dos dezoito anos de idade; de acordo com a literatura, esta é uma pessoa
madura, que possui respeito e é capaz de produzir um diálogo.
O sujeito adulto, capaz de produzir diálogo, possui cinco
pressupostos, de acordo com o diálogo de Paulo Freire, quais sejam: 1.
Amor; 2. Humildade; 3. Fé nos homens; 4. Esperança; 5. Pensar crítico.
Esses são, pois os cinco pilares do diálogo freiriano aplicado,
também na educação de adultos.
1. O Amor se refere à capacidade do ser humano de amar os
homens, e ao mundo, valorizar os conhecimentos e as necessidades do ser
humano. Segundo o autor (FREIRE, 2006, p. 91), “Não há dialogo se não
há um profundo amor ao mundo e aos homens.”
É no amor, que encontramos o verdadeiro sentido de educar, de troca de
conhecimentos, de valor humano, e do diálogo.
Fala-se do amor ao próximo e do respeito aos seres humanos,
em valorizar suas potencialidades e respeitar as particularidades de cada
um.
2. A humildade representa a aceitação do outro (FREIRE, 2006);
a forma como o aluno e o professor devem ver e aceitar o outro, qual seja,
por meio da humildade, que também significa que ambos estão abertos a
aceitar as contribuições do outro, e compreenderem-se mutuamente.
Esse sentimento de humildade, quando visto no campo da
Educação de Adultos, tem a aprendizagem centrada no aluno, e o
professor não é o detentor de todo o conhecimento, mas o aluno possui
saberes próprio e único, os quais são frutos de sua construção histórica,
social e cultural; estes conhecimentos são valorizados pelo professor.
3. A fé nos homens: Para Freire (2006, p. 93) a fé nesse contexto se
refere a “fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e de recriar. Fé na
sua vocação de Ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito
dos homens”. Assim, o autor se refere à capacidade de professores e
alunos em sempre aprender mais, de estarem sempre aptos a aprender, a
reaprender, a criar e recriar. O professor interage com os alunos,
desconsiderando as inferioridades, em que todos são dotados da mesma

198
Volume VIII

capacidade de aprender e interagir, ambos participantes do processo de


ensino e aprendizagem.
4. A esperança: é o que move as pessoas e o mundo; Paulo Freire
era um homem esperançoso ao extremo, sempre acreditava que era
possível mudar o mundo por meio da educação; assim, a esperança se
encarrega de tirar o aluno da estagnação, do estado mórbido, e lhe dar
vida, criatividade e esperança; a esperança, pois move o mundo, as pessoas
e o processo de ensino e aprendizagem.
5. O pensar crítico é um requisito indispensável à educação
dialógica. Os indivíduos envolvidos no diálogo devem exercitar uma
reflexão sobre a realidade que os cerca em uma atitude de não
conformidade. De acordo com Freire (2006), essa postura crítica consiste
em uma atitude de perceber a realidade como processo dinâmico e não
como um produto, algo acabado.
Paulo Freire foi um defensor ávido do diálogo, da interação entre
as pessoas, da troca de experiências, do amor, humildade, da luta pela
conscientização dos homens como forma de libertação.

Modelo andragógico
O modelo pedagógico atribui ao professor total responsabilidade
por tomar todas as decisões sobre o que será aprendido, como isso será
aprendido, quando e se foi aprendido. Essa é a educação dirigida pelo
professor, que concede ao aluno apenas o papel submisso de seguir as
instruções definidas por ele.
No modelo andragógico, a aprendizagem é de responsabilidade
compartilhada entre professor e aluno. A andragogia fundamenta-se no
“aprender fazendo”.
O método andragógico é de fundamental importância no
processo de educação do adulto, por se tratar de pessoa já dotada de uma
consciência formada, com hábitos de vida e situações de trabalho que não
podem ser arbitrariamente modificados.
Segundo Aquino (2007), a andragogia, inicialmente definida
como a arte de ajudar os adultos a aprender, apresenta-se atualmente como
uma alternativa à pedagogia e refere-se à educação centrada no aprendiz
para pessoas de todas as idades.

199
Vozes da Educação

Ainda segundo Perissé (2008), os conceitos andragógicos devem


ser aplicados na formação do professor, uma vez que é adulto e necessita
ver e tratar seus alunos adultos como pessoas verdadeiramente livres e
responsáveis. Esta é a motivação das motivações -ser tratado como um ser
inteligente, capaz de acertar na vida. Muito além das notas, os alunos
maduros anseiam ver como a realidade acadêmica concorrerá de fato para
que sua realidade pessoal seja dinâmica, produtiva. Os professores de
alunos adultos, pressionados por problemas que a pedagogia só em parte
pode solucionar, precisam estudar Andragogia. O adulto aprendiz é quem
melhor ensinará como ensinar.
Sobre a discussão acerca da pedagogia e da andragogia na
educação de jovens e adultos, podemos considerar o que aponta
DeAquino (2007 p. 13) apud Carvalho et.al (2010, p.83) que:
A grande discussão hoje existente nos meios universitários e de
educação continuada é se a pedagogia é uma forma adequada para o
ensino e aprendizagem de adultos ou se a andragogia, uma abordagem
que considera a postura crítica e a necessidade da experimentação,
seria capaz de trazer resultados melhores para esse grupo particular d
aprendizes.Nosso entendimento é de que existe um contínuo, no qual
a pedagogia, também conhecida com aprendizagem direcionada,
posiciona-se em uma extremidade, enquanto a andragogia
(aprendizagem facilitada) encontra-se em outra. De modo a se ter
eficácia e eficiência no processo de aprendizagem, é necessário que
professores e organizações educacionais sejam capazes de se mover
ao longo desse intervalo e encontrar a combinação correta entre as
duas abordagens.
O modelo andragógico se baseia em várias suposições que
diferem das do modelo pedagógico:
Na pedagogia
1. A necessidade de saber. Os aprendizes precisam saber apenas
que devem aprender o que o professor ensina, caso desejem passar de ano;
eles não precisam saber como aquilo que aprendem se aplicará à sua vida.
Na andragogia
1.A necessidade de saber. Os adultos estão dispostos a iniciar um
processo de aprendizagem desde que compreendam a sua utilidade para
melhor afrontar problemas reais da sua vida pessoal e profissional.
Adultos são motivados a aprender à medida que experimentam
que suas necessidades e interesses serão satisfeitos. Por isto estes são os

200
Volume VIII

pontos mais apropriados para se iniciar a organização das atividades de


aprendizagem do adulto.
Na pedagogia:
2. O autoconceito do aprendiz. O conceito que o professor tem
sobre o aluno é o de uma personalidade dependente; portanto, o
autoconceito do aprendiz acaba sendo o de uma personalidade
dependente.
Na andragogia:
2. O autoconceito do aprendiz. A aprendizagem adquire uma
característica mais centrada no aluno, na independência e na autogestão da
aprendizagem. Os adultos possuem um autoconceito de ser responsáveis
pelas próprias decisões, pelas próprias vidas. Uma vez que eles tenham
chegado a esse autoconceito, desenvolvem uma profunda necessidade
psicológica de serem vistos e tratados pelos outros como capazes de se
autodirigir.
Na pedagogia:
3. O papel da experiência. A experiência do aprendiz vale muito
pouco como um recurso para a aprendizagem; a experiência de maior
valor é a do professor, do autor do livro didático e do fabricante dos
materiais audiovisuais. Portanto, as técnicas de transmissão (por exemplo,
palestras, leituras recomendadas etc.), são a espinha dorsal da metodologia
pedagógica.
Na andragogia:
3. O papel das experiências dos aprendizes. Os adultos são
portadores de uma experiência que os distingue das crianças e dos jovens.
Em numerosas situações de formação, são os próprios adultos com a sua
experiência que constituem o recurso mais rico para as suas próprias
aprendizagens.
A experiência é a mais rica fonte para o adulto aprender; por isto,
o centro da
metodologia da educação do adulto é a análise das experiências.
A implicação desse fato para a educação de adultos é que, em
qualquer situação na qual as experiências dos participantes são ignoradas
ou desvalorizadas, os adultos percebem isso como uma rejeição não
apenas de sua experiência, mas os rejeitando como pessoas.
Na pedagogia:

201
Vozes da Educação

4. Prontidão para aprender. Os aprendizes ficam prontos para


aprender o que o professor diz que eles devem aprender se desejam passar
de ano.
Na andragogia:
4. Prontidão para aprender. Os adultos ficam prontos para
aprender as coisas que têm de saber e para as quais precisam se tornar
capazes de realizar a fim de enfrentar as situações da vida real. Uma fonte
particularmente rica de "prontidão para aprender" são as tarefas de
desenvolvimento associadas à passagem de um estágio de
desenvolvimento para o próximo. A principal implicação dessa hipótese é
a importância de sincronizar as experiências de aprendizagem com essas
tarefas de desenvolvimento. Por exemplo, uma garota de 16 anos no
ensino médio não está pronta para aprender sobre nutrição infantil ou
relações matrimoniais, mas, se ela ficar noiva após a formatura, estará mais
do que pronta para isso.
Um assistente não está preparado para um treinamento para ser
supervisor sem antes dominar o trabalho que supervisionará e decidir que
está pronto para mais responsabilidade.
Todavia, não é necessário sentar-se passivamente e esperar que a
prontidão desenvolva se naturalmente. Há maneiras de induzir a prontidão
por meio de exposição a modelos de performance superior,
aconselhamento de carreira, exercícios de simulação e outras técnicas.
Na pedagogia:
5.Orientação para a aprendizagem. A aprendizagem é encarada
como um processo de conhecimento sobre um determinado tema. Isto
significa que é dominante a lógica centrada nos conteúdos, e não nos
problemas. Crianças ou adultos devem aprender o que a sociedade espera
que saibam seguindo um currículo padronizado.
Na andragogia:
5.Orientação para a aprendizagem. Em comparação com a
orientação para aprendizagem de crianças e jovens, centrada no tema (pelo
menos no ensino fundamental e médio), os adultos são centrados na vida
(ou centrados na tarefa ou no problema) quanto à sua orientação para
aprendizagem. Os adultos são motivados a aprender conforme percebem
que a aprendizagem os ajudará a executar tarefas ou lidar com problemas
que vivenciam em sua vida. Além disso, eles assimilam novos

202
Volume VIII

conhecimentos, percepções, habilidades, valores e atitudes de maneira


mais eficaz quando são apresentados a contextos de aplicação a situações
da vida real.
Esse ponto é tão importante que vale a pena ser repetido:
Por muitos anos, educadores procuraram reduzir os índices de
analfabetismo nos Estados Unidos através do ensino de leitura, escrita e
aritmética, e os resultados foram decepcionantes. A taxa de evasão era alta,
a motivação para estudar, baixa, e os resultados nos exames eram
medíocres. Quando os pesquisadores começaram a analisar as razões do
fracasso, constataram rapidamente que as palavras apresentadas nas listas-
padrão de vocabulário para os cursos de leitura e escrita não continham
palavras que esses alunos empregavam em situações do dia-a-dia, e que os
problemas matemáticos apresentados nos cursos de aritmética não eram
problemas que eles deveriam ser capazes de resolver quando fossem a uma
loja ou ao banco. Como resultado, foram elaborados novos currículos em
torno de situações da vida comum e da aquisição de estratégias de
enfrentamento (por exemplo, lidar com o mundo do trabalho, dos
serviços governamentais e comunitários locais, da saúde, da família, do
consumo). A maioria dos problemas encontrados nos cursos tradicionais
desapareceu, ou foi enormemente reduzida.
Na pedagogia:
6. Motivação. Os aprendizes são motivados por fatores externos
(por exemplo, notas, aprovação ou desaprovação do professor, pressões
dos pais).
Na andragogia:
6. Motivação. Os adultos respondem a fatores motivacionais
externos (melhores empregos, promoções, salários mais altos), porém os
fatores motivacionais mais poderosos são as pressões internas (o desejo
de ter maior satisfação no trabalho, autoestima, qualidade de vida). Tough
(1979) constatou em sua pesquisa que todos os adultos normais são
motivados a continuar a crescer e se desenvolver, mas essa motivação
geralmente é bloqueada por barreiras como um autoconceito negativo
como aluno, falta de acesso a oportunidades ou recursos, limitações de
tempo e programas que violam os princípios da aprendizagem de adultos.
É importante ressaltar que o número de suposições passou de
quatro para seis com o passar dos anos. Originalmente, a andragogia

203
Vozes da Educação

apresentou quatro hipóteses (mostradas aqui como números 2-5;


Knowles, 1975, 1978, 1980). A hipótese número 6, motivação para
aprender, foi acrescentada em 1984 (Knowles, 1984a), enquanto a
hipótese número 1, a necessidade de saber, mais recentemente (Knowles,
1989, 1990).

Papel do professor/facilitador e os participantes


A teoria e a praxis Andragógica promovem o desenvolvimento
de um ser humano capacitado e sensibilizado às mudanças que demanda
o mundo pós-moderno.
É por isso que a aprendizagem desde o ponto de vista
andragógico corresponde a um paradigma no qual o processo, se
transforma em uma interação de iguais onde o facilitador orienta ao que
aprende, e facilita a informação que o usuário terá que utilizar para
enriquecimento de suas experiências em uma atividade determinada.
Trata-se então, de um relacionamento de ORIENTAÇAO -
APRENDIZAGEM.
Deste relacionamento surgem dois papéis principais: o facilitador
e o participante.
Anunciaremos a seguir seus perfis, descritos no material
introdutório do seminário "Fundamentos de Andragogía" dado pela
UNESR.
O facilitador
 Sua função primordial é, orientar, ajudar e facilitar os processos
que têm local em quem realiza uma aprendizagem.
 Estimula o desenvolvimento, pro atividade, o sentido de
autogestão no participante, nos que diz respeito ao processo de
aprendizagem e crescimento pessoal.
 Seu desempenho profissional, estimula no participante, o espírito
analítico, critico e criativo, para a transformação e melhoramento de seu
meio.
 Estabelece um relacionamento horizontal com o participante,
isto é, estão no mesmo plano de interação.
O participant

204
Volume VIII

 Participa no processo de aprendizagem como um agente ativo no


qual se encontra envolvido.
 É um sujeito ativo na dinâmica escolar, no exercício de seus
deveres e desfrute de seus direitos e o respeito coletivo.
 Sua opinião é valida e respeitada em um contexto de discussão
da coletividade educacional..
 Para estabelecer um relacionamento de colaboratividade de
responsabilidade mútua, onde a cada um dos integrantes do processo de
aprendizagem assuma seu papel, é necessário à presença em dita
relacionamento dos seguintes fatores:
Fatores significado
Ser espontâneo, sincero, expressá-lo que se sente, não inibir a
conduta.
AUTENTICIDADE pensante e emotiva. Permite critica-a e
autocrítica construtiva. Fator essencial para a manutenção harmônica das
opiniões.
RESPEITO MÚTUO relacionamentos durante o
desenvolvimento das diferentes atividades de aprendizagem. É necessário
praticar a lealdade e companheirismo desinteressados,
COMPORTAMENTO reconhecer os méritos e valores de os demais. Ser
respeitoso das condutas de o outro, ser autênticos.
EMPATIA A empatia é possível sobre a base de um
conhecimento sincero da conduta própria e alheia.

Considerações finais
Ao iniciar esta pesquisa, sabia-se das dificuldades que seriam
enfrentadas, por tratar-se de um tema, um tanto quanto desconhecido no
meio da comunidade escolar, diante da necessidade em demonstrar a
importância da Andragogia e sua aplicabilidade na EJA, procurou-se
fundamentação na bibliografia existente, uma forma de comprovar que a
educação não é feita somente da Pedagogia, e que existe um enorme
espaço ainda a ser ocupado pela aplicação da Andragogia.
A andragogia, apesar de pouco conhecida, é uma ciência que vem
provocando discussões ao longo do tempo: Galileu Galilei (1564-1642) já
dizia. “não se pode ensinar coisa alguma a alguém, pode-se apenas auxiliá-

205
Vozes da Educação

lo a descobrir por si só”. Kaufmann (2000), afirma que a andragogia


oferece as diretrizes de aprendizagem para pessoas que tenham tendência
à autonomia e a autoinstrução.
O estudo aqui desenvolvido, permite verificar que o ensino
realizado sob o foco da andragogia será capaz de desenvolver nos adultos
toda sua capacidade, permitindo assim que suas habilidades sejam
devidamente afloradas, assim como a continuidade da utilização de
métodos que já haviam sido considerados eficientes pelo próprio sujeito.
Portanto, é preciso reconhecê-los como sujeito de direito e
realizar um levantamento das suas necessidades e expectativas, conhecer
suas histórias de vida, verificando os motivos que os levaram a retornar
ou iniciar seu processo de escolarização, os quais são fruto de tentativas
de sucesso ou fracasso escolar. A escola representa uma oportunidade de
inserção social e desenvolvimento pessoal e profissional. A valorização
dos saberes desses jovens e adultos implica em mecanismos que possam
combater a discriminação e a exclusão da sociedade. A qualificação implica
uma melhor expectativa de vida para todos.
O talento humano e suas capacidades passaram a ser vistos como
fatores essenciais para o desenvolvimento das instituições. Desta forma, é
necessário resgatar o papel do ser humano. O capital humano é hoje, o
grande diferencial.
O objetivo maior desse trabalho é deixar algo de bom nas
pessoas, tentar fazer com que compreendam a importância do trabalho
que desenvolvem, motivá-las, tirá-las da rotina do dia-a-dia, buscando
solenizar o simples para chegarmos JUNTOS ao extraordinário.

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207
Vozes da Educação

MODELOS DE SAÚDE E POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO


DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE

Tavana Liege Nagel Lorenzon33


Mônica Ludwig Weber34
Carine Vendrusculo 35
Lucimare Ferraz36

RESUMO
Descrever movimento de EPS sobre os Modelos de Saúde e sua
imbricação com a Política Nacional de Promoção da Saúde, com
profissionais da ESF de um município do Rio Grande do Sul. Relato de
experiência sobre prática de Educação Permanente no âmbito da APS.
Realizaram-se dois encontros, com duração de quatro horas cada, com 10
profissionais. A proposta trouxe grande entusiasmo aos profissionais,
visto que buscou-se problematizar a realidade da equipe relacionadas ao
processo saúde-doença. A experiência mostrou-se importante no
aprimoramento profissional, a qualificação técnica e o comprometimento
são essenciais para o trabalho na APS.
Palavras-chave: Promoção da saúde; Educação continuada; Atenção
primária à saúde.

ABSTRACT
To describe the movement of EPS on Health Models and its imbrication
with the National Health Promotion Policy, with professionals from the
ESF of a municipality of Rio Grande do Sul. Report of experience on the
practice of Permanent Education in the ambit of the PHC. Two meetings,

33Enfermeira da Estratégia de Saúde da Família, Mestranda do Curso de Mestrado Profissional em


Enfermagem na Atenção Primária à Saúde da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). Especialista em Gestão em Saúde Pública pela Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões (URI).
34Enfermeira, Mestranda do Curso de Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Primária à

Saúde da Universidade do estado de Santa Catarina (UDESC). Especialista em Saúde da Família pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Especialista em Urgências pela Universidade do
Contestado (UNC).
35Enfermeira. Doutora em Enfermagem, professora adjunta da graduação e Mestrado Profissional em

Enfermagem na Atenção Primária à Saúde da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),


Diretora de Pesquisa da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) - seção Santa Catarina. Vice líder
do Grupo de Estudos sobre Educação e Trabalho (GESTRA/UDESC).
36Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Professora adjunta do Mestrado Profissional em

Enfermagem na Atenção Primária à Saúde da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e do


programa de Pós-graduação da Unochapeco.

208
Volume VIII

lasting four hours each, were held with 10 professionals. The proposal
brought great enthusiasm to the professionals, since it was tried to
problematize the reality of the team related to the health-disease process.
Experience has proved to be important in professional improvement,
technical qualification and commitment are essential to work in PHC.

Introdução
Em 2004, o Ministério da Saúde (MS) instituiu a Política
Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), compreendida
como aprendizagem no trabalho, na qual o aprender e o ensinar são
incorporados ao cotidiano das organizações e do trabalho. A Política
também abarca, conceitualmente, o referencial construtivista que
compreende a educação como prática libertadora. Dessa forma, tem como
objetivo transformar as práticas nos serviços de saúde, por meio de um
processo de aprendizagem significativa, a partir da análise coletiva dos
processos de trabalho com a participação das equipes multidisciplinares.
A PNEPS foi alterada posteriormente, em 2007, pela Portaria
1.996/07, mantendo como objetivo principal a formação e
desenvolvimento dos trabalhadores para o setor da saúde, com constantes
processos educativos voltados à realidade de trabalho e ao contexto social
destes sujeitos. Em 2009, com o Decreto 7508/2011 são criadas
Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço (CIES), que
participam da formulação, execução, acompanhamento e avaliação de
ações da Educação Permanente em Saúde (EPS), em nível regional.
Nesse contexto da saúde e da EPS, tem-se a Estratégia Saúde da
Família (ESF), como proposta de reorientação da Atenção Primaria
à Saúde (APS), abrangendo outras políticas públicas, como a Política
Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que busca promover a saúde nas
comunidades ao garantir aos cidadãos os direitos de acesso equânime e
integral á esses serviços, de acordo com a Constituição Federal de 1988. A
ESF é uma estratégia do MS de intervenção em nível comunitário que se
caracteriza pela existência de uma equipe multiprofissional atuando em um
delimitado território, desenvolvendo ações de prevenção de agravos,
promoção da saúde e reabilitação, as quais incluem a educação dos
trabalhadores e da própria comunidade.

209
Vozes da Educação

No que diz respeito à Promoção da Saúde (PS), o movimento


que influencia seu conceito mais atual, teve início no Canadá, em 1974,
com a publicação do Informe Lalonde, primeiro documento de motivação
política a denominar a PS uma possibilidade para reduzir custos e conter
os agravos das doenças crônicos degenerativas. A Promoção da Saúde
passa a ser entendida como abordagem de condições de vida, cidadania,
moradia, dinâmica familiar, como um processo que capacita para
enfrentamentos, desenvolvimento do afeto, da discussão, do ouvir, do
aceitar, do opinar e do oferecer.
Em 1986 a Primeira Conferência Internacional de Promoção da
Saúde publica a Carta de Ottawa, marco de referência para a evolução da
PS cujo conteúdo enfatiza especialmente a dimensão social da saúde e
define cinco estratégias/campos de ação fundamentais para a PS: políticas
públicas saudáveis; ambientes favoráveis à saúde; reorientação dos
serviços de saúde; reforço da ação comunitária (empowerment) e
desenvolvimento de habilidades pessoais.
No âmbito nacional, a Promoção da Saúde foi enunciada na
Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de 1990, porém leva
tempo até ganhar institucionalidade no MS, apenas em 1998/1999 através
da Secretaria de Políticas de Saúde, é formalizada em cooperação com o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento o projeto
Promoção da Saúde, um novo modelo de atenção visando à elaboração da
Política Nacional de Promoção da Saúde.
Entre os anos de 2013 e 2014, a PNPS revisada converge para a
necessidade de articulação com outras políticas públicas para o seu
fortalecimento, com o imperativo da participação social e dos movimentos
populares, além da impossibilidade do setor sanitário responder sozinho
ao enfrentamento dos determinantes e condicionantes que influenciam a
saúde, necessitando estar articulada com as demais esferas de governo e
com a sociedade civil. Nesse período surge a necessidade de potencializar
a capacidade de disseminação dos elementos da PNPS junto aos atores do
SUS e a sociedade, ampliando os canais de diálogo. Assim sendo, a
Promoção da Saúde passa a ser considerada o grande marco da luta pela
universalização do SUS e pela implantação de políticas públicas em defesa
da vida, tornando a saúde um direito social irrevogável. A PNPS vem para
provocar mudanças nos modos de organizar, planejar, realizar, analisar e

210
Volume VIII

avaliar o trabalho em saúde e traz, em sua essência, a necessidade de


estabelecer relação com as demais políticas públicas conquistadas pela
população.
Faz-se necessário mencionar os modelos conceituais de saúde, os
quais propõem explicar o surgimento e a transmissão das doenças nas
populações humanas. O homem, no decorrer da história, tem procurado
conhecer os processos e fatores determinantes do adoecimento e morte,
na busca de retardá-los ou evitá-los pelo maior tempo possível10. Com a
evolução do conhecimento científico, foram sendo concebidos novos
modelos de explicação para o fenômeno da saúde-doença.
No cotidiano de trabalho da ESF, observa-se que membros da
equipe multiprofissional possuem entendimentos diferenciados sobre o
processo saúde-doença, visto que os profissionais são de diferentes áreas
de atuação e de níveis de formação distintos. Deste modo, surgiu a
necessidade de (re)conhecer como cada profissional compreende os
modelos de saúde-doença, para na sequência aprimorar as concepções
sobre a PS na Atenção Primária. Assim, o presente estudo tem como
objetivo relatar um movimento de Educação Permanente que abordou os
Modelos de Saúde e sua imbricação com as práticas previstas na Política
Nacional de Promoção da Saúde, junto aos profissionais da ESF de um
município da região noroeste do estado do Rio Grande Do Sul (RS).

Metodologia
Trata-se de um relato da experiência sobre uma prática de EPS
no âmbito da APS, especificamente na ESF. Para tanto, foram realizados
encontros no mês de outubro de 2017, com duração de aproximadamente
quatro horas cada um, com a equipe da ESF de um município da região
noroeste do estado do RS. Participaram os seguintes profissionais:
Médico, Dentista, Técnica de Enfermagem, Auxiliar de Saúde Bucal
(ASB), Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Enfermeira e
coordenadora da equipe.
No primeiro encontro também houve a presença da
Coordenadora Municipal das equipes de ESF, totalizando 10 participantes.
As atividades deram início com um resgate histórico dos modelos
conceituais de Saúde, enfatizando os quatro principais: Modelo Mágico

211
Vozes da Educação

Religioso, Modelo Biomédico, Modelo Processual e Modelo de


Determinação Social da Saúde e da Doença.
Nesse momento, a prática ocorreu por meio da proposta
metodológica da Roda de Conversa, com vistas ao incremento do diálogo
entre os profissionais da equipe, sendo permeada por momentos de
reflexão sobre como cada modelo interfere nas práticas diárias do
cotidiano de trabalho. A Roda de Conversa é um método de ressonância
coletiva pautado na criação de espaços de diálogo para que as pessoas se
expressem, escutem os outros e a si mesmas. Dessa forma, ela estimula a
construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, do
compartilhamento de informações e da reflexão para a ação.
A escolha dessa metodologia ocorreu principalmente por sua
característica de permitir que os participantes expressem suas impressões,
conceitos, opiniões e concepções sobre o tema proposto, assim como
também permite trabalhar reflexivamente e criticamente as manifestações
apresentadas pelo grupo. Por ser um método de ressonância coletiva, que
consiste em espaços de diálogos, favoreceu que os trabalhadores se
expressem e, sobretudo favorecendo a troca de saberes, atendendo aos
pressupostos da PNEPS.
No segundo encontro, iniciou-se com o vídeo “Sala de
convidados” produzido pela FIOCRUZ. O vídeo, com duração de 50
minutos, trata dos determinantes sociais da saúde. Na sequência
contextualizou a PNPS por meio de Multimídia, expondo os principais
elementos da política. Nesse momento, numa Roda de Conversa, os
profissionais debateram as conexões entre as diretrizes da PNPS e os
modelos de saúde.

Resultados - Girando a roda: (re)conhecendo os modelos conceituais de


saúde
O primeiro encontro foi oportuno para resgatar, embasar e
contextualizar os modelos conceituais de saúde. Para essa atividade elegeu-
se os cinco principais modelos, a saber: Mágico Religioso, Biomédico,
Processual, Sistêmico e Modelo de Determinação Social da Saúde e da
Doença.
Os modelos conceituais de saúde explicam o surgimento e a
transmissão das doenças nas populações humanas, já que com a evolução

212
Volume VIII

do conhecimento científico foram criadas novas formas de explicações


para esses fenômenos. Não existe limite cronológico preciso que
caracteriza o início de cada paradigma conceitual dos modelos de saúde,
além disso eles não se perderam no tempo, muito pelo contrário,
permanecem vigentes e transversais nas concepções em saúde. A
apresentação conceitual de cada Modelo foi realizada, junto ao grupo de
profissionais, com auxílio de slides projetados por multimídia. A seguir
apresentam-se os modelos trabalhos nas atividades de EPS.
O Modelo Mágico Religioso predominou na antiguidade, estava
inserido em um contexto religioso-mitológico no qual, para os antigos
hebreus, o adoecer era resultante de transgressões, de pecados humanos,
sendo requerido para reatar o enlace com as divindades, ou seja, a doença
era tida como uma espécie de punição. Era comum o exercício de rituais
que assumiam as mais diversas feições, conforme a cultura local, liderados
pelos feiticeiros, sacerdotes ou xamãs. Esse enfoque é ainda hoje aceito
por milhares de pessoas com a introdução gradual de elementos da
medicina ocidental.
Na sequência da apresentação desse contexto, foi incitada junto
ao grupo de profissionais uma reflexão sobre esse modelo, com as
seguintes perguntas desencadeadoras: As práticas religiosas dos seus
pacientes interferem na sua atuação profissional? Qual deve ser o limite
dessa interferência no plano terapêutico?
Os diálogos da equipe foram intensos em problematizarem o
quanto esse modelo permeia o dia a dia do trabalho em saúde. Segundo o
grupo, no território de abrangência da ESF há muitos religiosos,
benzedeiras e curandeiros, interferindo nas condutas terapêuticas, como o
uso correto de medicação, modificação do estilo de vida, realização de
vacinas e na busca precoce por diagnósticos ou rastreamentos. A equipe
relatou que muitas vezes se sente desconfortável em lidar com essas
situações, pois sua formação profissional é fortemente embasada na cura
por meio de medicamentos e tecnologias de saúde, ou seja, essencialmente
técnico-científica.
Apesar desse modelo não ter elementos científicos comprovados
para a cura de doença, de acordo com os participantes da Roda, tem entre
seus aspectos positivos, atender as necessidades de suporte psicológico e
de interação comunitária, com baixo custo financeiro. Igualmente,

213
Vozes da Educação

pesquisas científicas relacionam uma possibilidade de tratamento mais


promissor para as pessoas com fé; sendo a espiritualidade um aspecto
importante na motivação, no controle da ansiedade e no processo de cura
de algumas enfermidades.
Compreender a relação existente entre a espiritualidade e sua
influência no processo saúde-doença, na qualidade de vida e no bem-estar
do ser humano e de diferentes grupos sociais, vem se constituindo um
campo de investigação cada vez mais frequente na área da saúde. Há
evidências de que aspectos espirituais e religiosos dão significado às
perguntas existenciais relacionadas à enfermidade e à morte. Nesse
sentido, a espiritualidade pode ser definida como aquilo que traz
significado e propósito à vida das pessoas, sendo reconhecida como um
fator que contribui para a saúde e a qualidade de vida16.
Deste modo, considerar os aspectos espirituais é imperativo para
um cuidado holístico, exercido por diferentes profissionais. Oferecido a
partir dessa ótica, o cuidado deve ser capaz de integrar tanto as
experiências e saberes sobre a espiritualidade dos diversos profissionais de
saúde quanto de seus pacientes. Portanto, além dos aspectos éticos e
técnicos, o cuidado deve pautar-se no desenvolvimento e na compreensão
da totalidade do ser humano, considerando todas as dimensões que o
constituem, incluindo a espiritualidade e a religiosidade. Dessa maneira,
Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1998, propôs a inclusão da
dimensão espiritual e crenças pessoais no conceito multidisciplinar de
saúde, articulando-o aos aspectos físicos, psíquicos e sociais.
O Modelo Biomédico está baseado no saber clínico,
racionalizado, experimental, em que as explicações para os fenômenos se
dão pela divisão15. Descartes propôs que o corpo e a mente deveriam ser
estudados de forma separada, em que o corpo é analisado pela medicina e
a mente estudada pela religião e filosofia. Outros estudiosos da área
fortaleceram esse modelo separatista; como em Pasteur, que com a
descoberta dos micro-organismos (em 1860) instala a era bacteriológica,
trazendo a concepção de que as doenças são causadas unicamente por um
agente patogênico.
Esse modelo é conhecido por ser de caráter individual, centrado
na figura do médico e de especialistas. Tendo como base essencial a cura
na perspectiva medicamentosa. Nesse contexto, se percebe a excessiva

214
Volume VIII

medicalização da sociedade, com o consumo abusivo de tecnologias,


fazendo-se presente em todos os níveis de complexidade do sistema de
saúde.
Ao final da apresentação desse conceito, no primeiro instante, o
grupo de profissionais ficou em silêncio, aparentemente pensativos. Após
esse momento, de assimilação e acomodação do conceito do Modelo
Biomédico, os participantes colocaram na Roda suas concepções, e
destacaram que seus modos de fazer ou de pensar saúde estão
expressivamente sustentados por esse modelo. Debateram que a práxis na
APS ainda é muito centrada no Modelo Biomédico. De acordo com o
grupo, essa questão necessita ser revista; pois nesse modelo, os
profissionais detectaram a impossibilidade de oferecer resolutividade
satisfatória para muitos problemas na comunidade. Sobretudo, para os
componentes psicológicos/subjetivos e sociais que acompanham, em grau
maior ou menor, os indivíduos e famílias adscritas.
O Modelo Biomédico destaca-se como características a
fragmentação da doença e do corpo humano, a valorização da medicina,
dos medicamentos e das especialidades, a centralidade no ambiente
hospitalar e a assistência voltada para a doença em seus aspectos
biológicos, o uso intensivo das tecnologias, a rigidez de papeis dos
profissionais.
Posteriormente ao debate do Modelo Biomédico, lançou-se a
seguinte questão: as doenças acontecem repentinamente? Do dia para
noite? E a resposta dos participantes foi unânime, reconhecendo que não
acontecem! A partir desta constatação e momento, apresenta-se o Modelo
Processual de Saúde-Doença.
O Modelo Processual refere-se à história natural da doença; em
outras palavras, é o modo inerente de evoluir que tem toda enfermidade,
quando se deixa seguir seu próprio curso. O processo patológico se inicia
com a exposição de um hospedeiro suscetível a um agente causal e termina
com a recuperação da saúde, com a deficiência ou óbito.
Esse modelo se relaciona com os níveis de prevenção propostos
por Level e Clark, na década de 60. É formado pelo período pré-
patogênico, o primeiro antes da doença se instalar e representa o momento
da interação do agente, o ambiente e o hospedeiro. Pelo período
patogênico, ou seja, das mudanças que se apresentam no hospedeiro uma

215
Vozes da Educação

vez realizado um estímulo efetivo. Pelo horizonte clínico, que marca o


momento em que a doença se manifesta. Nesse modelo, é remarcada a
importância das diferentes medidas de prevenção que podem ser
realizadas dependendo do momento em que se encontre a doença e deste
modo as atividades de prevenção primárias são efetuadas no período pré-
patogênico e são encaminhadas para promover a saúde e a proteção
específica; já na prevenção secundária, as ações são o diagnóstico precoce,
o tratamento imediato e a limitação do dano; e na prevenção terciária
desenvolvem-se ações de reabilitação em saúde.
As reflexões do grupo acerca desse modelo foram em relação às
atividades de prevenção que são realizadas pela equipe, foi possível revê-
las e classificá-las segundo os seus níveis preventivos. Por meio das falas,
observa-se que o grupo compreendeu esse modelo, visto que
exemplificaram com ações desenvolvidas na APS, a saber: referiram que
na prevenção primária desenvolvem atividades como para evitar a
proliferação do mosquito da dengue na comunidade; na prevenção
secundária destacaram rastreamento do diagnóstico precoce, por meio da
busca ativa para a coleta do citopatólogico do câncer de colo uterino e os
testes rápidos para HIV/AIDS, Sífilis e Hepatites; na prevenção terciária,
os profissionais ressaltaram as ações de terapia cognitiva comportamental
no grupo de saúde mental, com um enfoque de reabilitação psicossocial
de seus participantes.
Observou-se que o grupo concebeu o Modelo Processual e suas
etapas, contudo se debateu o quão complexo é encontrar um equilíbrio
entre prevenção e tratamento no cotidiano de trabalho nos serviços de
APS. Para os profissionais, a comunidade ainda busca a ESF para
demandas terapêuticas de recuperação da saúde, tendo resistência ao
trabalho realizado pela equipe de prevenção e promoção à saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, priorizar a prevenção em
detrimento a atenção terapêutica -originada do sofrimento social,
emocional ou físico das pessoas- não é estratégia adequada para o
fortalecimento da APS. É importante equilibrar essas ações de acordo com
o perfil epidemiológico da população, e com a participação da própria
comunidade no planejamento, programação e avaliação das ações de saúde
das equipes de APS.

216
Volume VIII

Apesar das dificuldades, os profissionais mencionam que o


Modelo Processual representa um avanço em relação ao Modelo
Biomédico, na medida em que reconhece que a saúde e a doença implicam
em processos de múltiplas e complexas determinações.
Por fim, abordou-se o Modelo de Determinação Social da Saúde
e da Doença. Inicialmente contextualizou-se que a partir da década de
1970 surge a preocupação em compreender os fatores que determinam a
saúde ou a sua perda. Em razão disso, foi desenvolvido no Canadá, em
1976, esse Modelo. Explicitou-se que Laframbroise, o precursor, tinha um
ponto de vista holístico sobre a saúde, em que considerava o estilo de vida,
a biologia humana, o meio ambiente e a assistência sanitária como fatores
determinantes da saúde10. No final da década de 1990, Tarlov propôs um
modelo que contemplava cinco níveis de determinação social da doença,
indo do individual para o coletivo, considerando o biológico, o físico e o
psíquico; o estilo de vida; os determinantes ambientais e comunitários
(família, escola, emprego e outros); os determinantes ambientais físicos,
climáticos e de contaminação ambiental; a estrutura macrossocial, política
e percepção populacional. Para o autor, a assistência a saúde não deve ser
entendida como determinante da saúde, mas sim como estratégia
reparadora.
Apresentou-se para a equipe de saúde um Modelo de
determinantes de saúde de Dahlgren e Whitehead, bastante difundido no
Brasil. Esse Modelo estabelece níveis de determinantes que vão do
individual ao macrossocial, e estão dispostos em cinco camadas:
1) indivíduos estão na base do modelo, com suas características não
modificáveis, como sexo, idade e fatores genéticos; 2) comportamento e
estilo de vida individuais; 3) redes comunitárias de apoio; 4) condições de
vida e trabalho, disponibilidade de alimentos, acesso a serviços essenciais
(saúde e educação); 5) macrodeterminantes, como condições econômicas,
culturais e ambientais.
Para instigar o dialogo na Rode de Conversa sobre esse Modelo,
foi lançado as seguintes questões: na comunidade em que atuamos, quais
são os determinantes sociais de saúde predominantes? Na prática de
atenção à saúde, os consideramos? De que forma?
Os profissionais argumentaram que na maioria das vezes buscam
considerar o contexto no qual a população/paciente está inserida,

217
Vozes da Educação

principalmente as relacionadas aos hábitos de saúde, ao tipo e local de


trabalho, as carências nutricionais, as relações no contexto familiar e
cultural, bem como suas condições econômicas e o acesso aos diferentes
serviços de saúde.
Denota-se que os Determinantes Sociais da Saúde e da Doença
são considerados pelos membros da equipe, pois relataram casos
específicos do seu cotidiano de trabalho em que reconhecem os
determinantes sociais envolvidos no processo assistencial. Igualmente, os
profissionais de saúde exteriorizaram a impotência diante dessa
complexidade que é ter condições de saúde, uma vez que não têm todos
os recursos para intervir nos determinantes, reduzindo as iniquidades, a
exposição a fatores de risco e vulnerabilidade biológica e social da
população adscrita. Diante dessa situação, o grupo discutiu a necessidade
do trabalho em redes, interdisciplinar e intersetorial.
Nesta direção, tem-se o desafio pela busca por novas
possibilidades, que incluem o pensar e agir diante dos limites encontrados,
de estudar, intervir e aprender com a realidade em processo,
transformando conhecimento em ação, de não perder a capacidade de
encontrar caminhos e produção de vida diante de uma realidade que,
muitas vezes, é dura e complexa nos cenários da prática assistencial.

GIRANDO A RODA: conectando os modelos com a promoção da saúde


No segundo encontro, inicialmente houve um resgate dos
modelos conceituais da saúde, por meio da apresentação de uma figura
síntese (1). Na sequência, projetou-se um vídeo, com duração aproximada
de 50 minutos, sobre a Promoção da Saúde segundo a PNPS. Em seguida
o grupo passa a dialogar sobre as diretrizes e os temas prioritários da
PNPS.

218
Volume VIII

Figura 1: Síntese dos modelos conceituais de saúde-doença.

Imagens: fonte Google.

Pelos relatos do grupo, observou-se que os profissionais de saúde


da ESF percebem que as diretrizes da PNPS visam transpor/superar
supremacia do Modelo Biomédico. De acordo com o grupo, para atender
a PNPS é imperativo compreender o Modelo Processual da Saúde-
Doença, bem como (re) conhecer os determinantes sociais desse processo.
A figura 2 demonstra essa interpretação da equipe.

Figura 2- Modelo Processual da Saúde-Doença, segundo os profissionais de Saúde da ESF de


um município da região noroeste do estado do RS. 2017.

A reflexão quanto aos temas prioritários da PNPS, levou o grupo


a reconhecer necessidade de se empoderar a respeito de temas que
consideram emergentes para a PS no território em que atuam. Para tanto,
elegeram para serem trabalhados na EPS os seguintes temas:

219
Vozes da Educação

determinantes e agravos não transmissíveis, determinantes e


enfrentamento do uso abusivo de álcool e outras drogas, determinantes e
a promoção da cultura da paz e dos direitos humanos, determinantes e a
promoção da mobilidade segura, determinantes e a alimentação saudável,
determinantes de agravos em saúde bucal, determinantes e as práticas
corporais e atividades físicas, determinantes e o enfrentamento ao uso do
tabaco e seus derivados, determinantes e agravos em saúde mental,
determinantes e agravos na saúde da mulher, determinantes e agravos na
saúde do homem, determinantes e a promoção do desenvolvimento
sustentável.
Percebeu-se que proposta de implementação da EPS trouxe
grande entusiasmo para os profissionais, uma vez que se buscou
problematizar questões reais e do cotidiano da equipe de ESF, buscando
idéias coletivas de transformação das práticas e das realidades vivenciadas.
Além disso, reforçou-se que a qualificação técnica e o comprometimento
político, humanístico e social dos profissionais de saúde são elementos
essenciais para o bom desempenho da APS.
Ao considerar a PNPS, o grupo percebeu que esta aponta
desafios aos profissionais da saúde, pois enfatizava ações voltadas para
além dos aspectos biológicos do processo saúde-doença, exigindo a
interpretação das necessidades cotidianas de saúde da população numa
perspectiva coletiva, e de que bem a saúde é fruto da produção social,
destacando a importância dos determinantes socioeconômicos.
O gradiente social na saúde tem a clara implicação de que a ação
para melhorar a saúde e reduzir as desigualdades deve ocorrer em nível
social, e não apenas dependendo de mudanças individuais. Por isso os
profissionais de saúde, com ações de educação e mobilizações
interssetoriais, podem fazer uma grande diferença no avanço da equidade
em saúde24.
Por fim, o grupo considerou que há de se (re)pensar e colocar
em prática a Educação Permanente em Saúde na ESF, levando em
consideração seus pressupostos. Faz-se necessário entender que a
participação de todos os atores (profissionais e gestores) envolvidos nesse
processo é fundamental, uma vez que as necessidades de saúde e as
intervenções deverem ser identificadas e pautadas a partir das necessidades
da população.

220
Volume VIII

Considerações finais
Constata-se que a EPS possibilita o compartilhamento das
vivências entre os profissionais da ESF, uma vez que se utilizam desse
momento para expor os problemas e dificuldades que enfrentam no dia a
dia de trabalho na APS. Por outro lado, percebe-se o compartilhamento
de estratégias individuais que utilizam para resolver ou minimar as
situações desfavoráveis à saúde da comunidade, oportunizando a trocas
de saberes entre os profissionais da equipe. Essa prática, por si, já se
configura como um potencial movimento de EPS.
A prática possibilitou a reflexão sobre a importância da
Promoção da Saúde, na sua dimensão pedagógica e política, com vistas ao
fortalecimento da APS. Nesse sentido, a inter-relação entre propostas de
EPS e de PS com a ESF revelou-se como uma proposição bastante
profícua e que, em certa medida, vem acontecendo no cotidiano das
equipes.
Ao final dessa experiência de EPS, observa-se a importância de
promover momentos de aprendizado e aprimoramento profissional em
saúde às equipes de ESF, visto que os profissionais da APS necessitam de
atualização constante a respeito das Políticas Públicas, Resoluções,
Protocolos, bem como sobre novas evidencias em saúde, para qualificar
sua conduta ante às demandas de saúde da população que assistem.

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Vozes da Educação

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224
Volume VIII

AGROECOLOGIA, JUVENTUDE E PERMANÊNCIA NO CAMPO:


UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?
Joseli Aparecida Nunes37
Valdeir Alves de Souza38

RESUMO
A pesquisa analisa a participação da juventude rural no processo produtivo e
tomada de decisão familiar, em um grupo de famílias camponesas, localizada
no assentamento Padre Ezequiel em Mirante da Serra/RO. As famílias
analisadas são produtoras/es agroecológicos, assentados e vem
desenvolvendo uma agricultura para sustento familiar. O maior desafio para
permanência dos jovens no campo gira em torno da geração de renda. As
unidades produtivas são pequenas, reduzidas a produção de leite e alguns
grãos, com pouca renda financeira, não satisfazendo as demandas da
juventude, indo a mesma procurar remuneração na cidade.
Palavras-Chave: Juventude rural, Agroecologia, geração de renda.

ABSTRACT
The research analyzes the participation of rural youth in the productive
process and family decision making, in a group of peasant families, located in
the Padre Ezequiel settlement in Mirante da Serra / RO. The analyzed families
are agroecological producers, settlers and have been developing an agriculture
for family sustenance. The greatest challenge for young people to stay in the
field revolves around income generation. The productive units are small,
reduced to the production of milk and some grain, with little financial income,
not satisfying the demands of the youth, going to the same look for
remuneration in the city.
Keywords: Rural youth, Agroecology, income generation.

37Formada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia – Unir, Pós Graduada em


Gestão, Orientação e supervisão Escolar e Professora da Rede Estadual de Ensino do Estado de
Rondônia.
38Bacharelado em Agronomia pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, Pós-

graduado em Organização Sócio Econômica e Política de Desenvolvimento Territorial nos


assentamentos de Reforma Agrária pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e
Mestrado Profissional em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina –
UFSC.

225
Vozes da Educação

Introdução
A pesquisa aqui realizada tem como foco a vivência da juventude
do assentamento Padre Ezequiel, município de Mirante da Serra/RO,
cujas famílias, ao receber a terra, definiram trabalhar de forma responsável
com o solo. Essas famílias produzem alimentos para abastecer o mercado
local e buscam o sustento da casa. A proposta da pesquisa é conhecer as
relações que se estabelecem entre essas famílias com a juventude e saber
como isso impacta na decisão de sair ou permanecer no campo. Todo o
histórico organizativo das politicas públicas do Brasil nos leva a perceber
que a saída da juventude do campo é um resultado, e não um processo
desconectado do que acontece na sociedade.
O período compreendido como juventude, assim como os
demais períodos da vida possui muitas particularidades, é feito de desejos,
vontades e ações que são próprias desta fase. No Brasil, há poucas e frágeis
politicas públicas pensadas para melhorar a vidas dos jovens,
principalmente nas áreas rurais, faltam condições para geração de renda,
lazer, formação, enfim, condições para a juventude se estabelecer no
campo com qualidade.
O momento em que vivemos permite ao jovem estabelecer uma
conexão com o resto do mundo, as redes sociais ampliaram
sistematicamente o lugar. Pensar políticas públicas em pleno Século XXI,
para este segmento social, requer considerar esta realidade de ampliação
das interações e relações dos jovens com o entorno e em como articular
com a vida no campo.
O processo de ocupação das terras produtivas pelo agronegócio
no Brasil gera um deslocamento das famílias camponesas, que foram
obrigadas a deixar suas comunidades de origem, muitas foram para as
áreas urbanas virar força de trabalho barata, cumprindo o propósito das
politicas capitalistas, outras, atraídas pela propaganda do governo que,
querendo ocupar o território Amazônico, criou condições para que
famílias sem espaço nas regiões mais desenvolvidas aventurassem para o
território novo, enfrentando doenças e animais, e também conflitos com
indígenas, ribeirinhos e seringueiros que já ocupavam esse território.
Em Rondônia o processo migratório se intensifica a partir da
década de 1970, em que o Governo Militar disponibilizou terras, com a
coordenação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –

226
Volume VIII

INCRA para assentar famílias sem terras, principalmente das regiões Sul e
Sudeste do Brasil, os assentamentos disponibilizados pelo Governo
Militar não foram suficientes, porém atraídos pela propaganda, famílias
continuaram a chegar a Rondônia na expectativa de acessarem terra para
trabalhar. Com a negativa, muitas famílias se juntaram aos núcleos urbanos
que foram se formando, ou avançando sobre as terras indígenas.
A partir da década de 1990, o eixo da BR364, que liga
Cuiabá/MT a Porto Velho/RO, já desbravado pelas famílias camponesas,
começa a ser ocupado pelo agronegócio, iniciando pela região sul do
estado, implantando uma agricultura com alto uso de máquinas, adubos e
agrotóxicos, que expulsa as famílias do campo, polui as águas, solo e ar e
produz exclusivamente para atender as demandas para exportação. Para
Nóbrega (2013, p. 79) Além disso, através de incentivos fiscais, em pouco
tempo os latifúndios “improdutivos” de outrora, tornam-se espaços de
realização de monoculturas de soja, eucalipto e cana-de-açúcar. Isso tudo
acompanhado de recentes mudanças importantes no Código Florestal que
favoreceram alterações na própria concepção do que são “terras
produtivas e improdutivas”, além da anistia aos crimes ambientais
cometidos pelos fazendeiros até pouco tempo.
Junto com o agronegócio, começa a modernização das cidades,
tornando-as mais atrativas para receber as famílias de camponeses/as e
principalmente a juventude. Nesse mesmo período, começou a se
organizar no estado os Movimentos Sociais de ocupação de terras, dentre
eles o Movimento Sem Terra-MST. Já em 1988 o MST havia feito sua
primeira ocupação no Município de Espigão do Oeste (RO), conquistando
a terra para cerca de 300 famílias.
Os anos de 1990 a 2001 foram de muitas lutas e muitas
conquistas, para as famílias camponesas de Rondônia, formaram-se
acampamentos e tiveram várias conquistas, dentre elas o assentamento
Padre Ezequiel. O Assentamento Padre Ezequiel, fez seu processo de
organização e ocupação em 1996, no Município de Mirante da Serra, onde
as famílias foram assentadas em 2001, depois de quatro anos de muita luta
embaixo de lonas, como acampados em vários locais, até chegar a terra
tão desejada.
Assim, as duzentas (200) famílias assentadas se estabelecem em
suas áreas, como produtoras de alimento, abastecendo a população local

227
Vozes da Educação

de produtos básicos para alimentação, ajudando a impulsionar o mercado


de Mirante da Serra. A partir da concretização do assentamento, a
realidade das famílias mudou, já que agora estão sobre seu pedaço de terra,
algo nunca vivenciado por varias daquelas famílias, plantar e colher, criar
animais e não ter obrigatoriamente que dividir com ninguém, como na
época do trabalho de meeiro ou arrendatário, era de fato uma conquista, a
autonomia de ser agricultora/agricultor familiar camponês com posse da
terra.
O fluxo de produção do assentamento seguiu o que já acontece
no estado entre as famílias camponesas, produção de alimentos básicos
apenas para alimentação, como subsistência e produção de café, cacau e
bovinocultura de leite e corte para venda. Dentre as famílias, um grupo
pratica a agroecologia, baseado em princípios que ultrapassam os arranjos
produtivos técnicos, com autoajuda, bem viver na comunidade, se
preocupa com o bem estar dos animais, com a preservação dos recursos
naturais, em oferecer a população uma alimentação saldável, e fazem isso
através da feira de agroecologia e das vendas diretas ao consumidor, seja
oferecendo diretamente nas casas, nas ruas como ambulantes, recebendo
os consumidores em sua casa ou dos programas do Governo Federal de
compra direta.
Muitas são as problemáticas enfrentadas pelas famílias para
permanecer no campo, mas a realidade dos assentamentos em Rondônia,
aqui em destaque o Assentamento Padre Ezequiel, mostra que é possível
sobreviver bem no campo, produzindo alimentos limpos, mesmo nos
municípios pequenos, com comércio limitado. As famílias que decidiram
produzir alimentos com qualidade, fugindo dos produtos poluidores,
aceitaram o desafio de abrir um diálogo entre si e com as pessoas ao redor,
para buscar alternativas saudáveis de alimentação.
Este artigo está organizado a partir de seu objetivo geral: Fazer
um estudo acerca das possíveis contribuições da agroecologia para o
processo de resistência dos jovens no Assentamento Padre Ezequiel
Ramin em Mirante da Serra/RO, e também, de seus objetivos específicos:
I - Fazer o levantamento do histórico das famílias pesquisadas no
assentamento por meio de entrevistas com as lideranças e com as famílias
envolvidas, II - Identificar as famílias que produzem no sistema
agroecológico no Assentamento, III – Mapear seu processo de produção,

228
Volume VIII

IV - Investigar a inserção dos jovens nos processos produtivos


agroecológicos e V – Analisar a relação entre essa inserção dos jovens e a
permanência no campo.

Materiais método
Para a obtenção das informações, compreensão e reflexão do
tema em questão, a pesquisa se caracteriza pela abordagem qualitativa. Na
coleta das informações, prioriza-se a pesquisa de campo e entrevistas semi-
estruturadas, complementada com pesquisa bibliográfica e observações do
pesquisador.
A produção e execução da pesquisa se deram em todo primeiro
semestre do ano de 2017, foram realizadas entrevistas com oito famílias,
sendo quatro jovens, dois dirigentes e dois técnicos que realizaram
assistência técnica no assentamento em períodos recentes.
Utilizou se como critério para selecionar essas famílias o sistema
de produção praticado por elas, sua participação na feira de agroecologia
do município de Mirante da Serra, e o fato de estarem morando no
Assentamento e terem filhos presentes ou não na unidade produtiva.
Todas as famílias pesquisadas passaram pelo processo de acampamento e
de diversas atividades de formação política, além disso, são dirigentes em
suas igrejas, associações, cooperativas, times de futebol e da Feira de
Agroecologia do município. Os dirigentes foram escolhidos de acordo
com sua atuação no assentamento, desde o processo de acampamento até
os dias atuais e os técnicos de acordo com o trabalho que desenvolvem no
assentamento juntos as famílias.
A metodologia foi baseada em: Pesquisa bibliográfica, consulta nos
autores que tratam do tema relacionado à pesquisa, dialogou-se e debateu
com as principais obras com cuidado de interpretar bem o que os autores
querem passar para melhorar suas contribuições na dissertação; e Pesquisa
de Campo, com visitas de identificação das famílias e aplicação do
questionário, assim como conversas para levantamento de informações
preliminares, essa parte se constituiu de observação dos jovens, de
aspectos do dia a dia com a família, lazer, relação de trabalho, expressões,
entre outros fatores que surgiram.
Para levantamento das informações foram feitas entrevistas semi
estruturadas com as famílias que compõem o grupo de produtores/as

229
Vozes da Educação

agroecológicos de assentamento, com alguns dirigentes sendo construída


a contextualização do assentamento.
Para o Estatuto da Juventude, que dispõe sobre os direitos dos
jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o
Sistema Nacional de Juventude, segurado na Lei Nº 12.852 de 05 de
Agosto de 2013, Jovens, para efeito dessa lei, e aplicação de políticas
públicas, são pessoas com idade entre 15 a 29 anos. Para aplicação da
pesquisa no Assentamento Padre Ezequiel, foi considerado a mesma faixa
etária.

Aprofundamento teórico: O jovem e o rural


A proposta para o rural implantada hegemonicamente em
Rondônia não se diferencia substancialmente das demais regiões do Brasil.
Desde sua ocupação a construção do território rondoniense é de servidão
a um sistema explorador de matéria prima para exportação, de expulsão
das famílias camponesas do campo, com a desvalorização de suas
atividades e implantação de sistemas produtivos baseados no uso de
tecnologias inacessíveis aos camponeses, principalmente pequenos
proprietários.
O mercado internacional está cada vez mais buscando espaços
para atender suas demandas de commodities, porém o debate central não está
na produção de alimentos para consumo humano, e sim na busca de lucro
como um fim em si mesmo. Nesta lógica não se considera o que essas
ações têm deixado como saldo negativo para os territórios locais,
principalmente para as famílias camponesas, que perdem seu local de
trabalho e passam a ter como opções a zona urbana ou avançar para as
fronteiras agrícolas. No caso de Rondônia, viraram posseiros em reservas
da União e nas comunidades tradicionais e indígenas, na busca de manter
seus espaços, com muitas lutas fatais a muitos e muitas camponeses/as.
Segundo dados do Caderno de Conflitos 2017 da CPT, Rondônia
é um dos estados que mais morrem trabalhadores/as no campo por
assassinato no Brasil, além das agressões sofridas pelas comunidades
tradicionais e indígenas que são exprimidas em locais muito menores que
os habituais, já que, na maioria destas comunidades não tem registro
reconhecido das terras destinadas a esse público, ficando a mercê do
entendimento dos juízes das comarcas locais, muitas vezes com processos

230
Volume VIII

que se estendem por décadas. Essa pratica do grande capital, tem colocado
frente a frente, posseiros e indígenas na disputa direta por terras.
Entre as famílias camponesas, busca-se acompanhar as
demandas de mercados locais, até porque no estado não existe uma
política de preço mínimo que dá ao produtor/a uma garantia que seu
produto terá mercado. A demanda aberta no estado é a produção de leite
e carne bovina, o acesso a laticínios e frigoríficos é facilitado, inclusive pelo
escoamento da produção feito pelas empresas.
Para as famílias camponesas que possuem pequenas áreas de
terras, os chamados “chacareiros”, restam atender a demanda de alimentos
locais. Eles são feirantes, vendedores ambulantes ou atendem aos
pequenos comércios servindo produtos de base agrícola, esse formato de
mercado se faz muito importante para a região, já que atende a demanda
local de alimentos básicos das famílias, principalmente nas áreas urbanas.
O campesinato no estado acontece nesse formato de produção,
famílias que buscam oferecer uma alimentação de qualidade aos
consumidores, porém a construção do espaço rural rondoniense em sua
maioria se deu a partir da agricultura convencional, incentivado por um
modelo de produção consumidor de recursos naturais e sintéticos. Para
Ferreira (2016 p. 333)
O espaço do campesinato foi produzido no período de 1970 a 1995,
a partir da política de colonização agrícola. Contudo, com a
espacialização da soja e a expansão da pecuária de corte a coerência
regional se fragmenta em dois processos geográficos: I) a soja exclui
o campesinato de seu espaço local, subalternizando-os na economia
regional, onde o agronegócio dos grãos se territorializa; II) na
pecuária, a participação camponesa comparece na condição de
produtor de mercadoria com a criação de gado, ao passo que os
médios e grandes pecuaristas compram o rebanho bovino dos
camponeses, fazendo o processo de recria e engorda e, por fim,
comercializando-os com os grandes frigoríficos.
As famílias camponesas por não produzirem em quantidade
suficiente para buscar mercados maiores, se sujeitam aos atravessadores
para comercializar suas produções. E Mirante da Serra, um município
pequeno, distante geograficamente dos maiores centros urbanos os
chamados atravessadores, ficam como a única opção de comércio.

231
Vozes da Educação

A partir deste contexto rural desenhado em Rondônia, qual a


função da família camponesa na lógica rural e como a juventude pode ser
inserida e permanecer no campo? Ferreira (2016 p.335) enfatiza que
Há uma transição agrária e agrícola com fortes recuos dos
camponeses indicada na diminuição da população rural, na redução
da área média das propriedades familiares e consequente formação de
minifúndios, na especialização produtiva (ao se dedicarem a somente
um produto) e no processo migratório (para o campo e cidade),
transformando o espaço rural Rondoniense.
O avanço sobre a Amazônia dos grandes projetos agrícolas vem
a partir de uma demanda do agronegócio que, com espaços cada vez
menores nas regiões mais exploradas como sul e sudeste do Brasil,
encontra na Região Amazônica o que necessitam para sua expansão, terra
e capital, com forte apoio político e de setores midiáticos, com
propagandas positivas atreladas a presença de grandes empresas.
Não houve (ou pelo menos não foi encontrado) registro de
estudos feito para analisar a situação das comunidades que aqui se
encontravam quando os projetos de colonização foram propostos para
Rondônia, ha mais de 100 anos, ocasião em que camponeses nordestinos
chegaram para exploração da borracha na região norte do estado,
formando uma população ribeirinha bem característica, pois viviam da
extração do látex e da pesca artesanal. Comunidades indígenas viviam na
Amazônia a milhões de anos, com populações constituídas, eram milhares
e milhares, e por ultimo comunidades negras se formaram com negros e
negras que, fugindo da escravidão, chegaram a este território, construindo
comunidades e se estabelecendo as margens dos rios, sobrevivendo do
extrativismo natural.
Para os agentes do agronegócio, há a necessidade de trazer para
Rondônia o desenvolvimento, pautando as propostas politicas de alguns
candidatos principalmente senadores e governadores. A proposta de
desenvolvimento para a Amazônia, tendo como base o que foi implantado
no campo em todo o Brasil, se tornou um anti projeto ambiental ou uma
proposta de destruição das comunidades locais, com exploração massiva
dos bens naturais – madeiras, minérios – destruição das matas nativas,
implantação de culturas e criações exóticas – sojas transgênicas, milho

232
Volume VIII

híbrido, café clonal39, bovinos, peixes de cativeiros e destruição dos


saberes local.
O trabalho de convencimento é tão grande que não é difícil
encontrar discurso de camponeses/as desqualificando a atividade rural,
principalmente a produção de alimentos. Falas como “estude para arrumar
um bom emprego e ser alguém na vida”, colocada muitas vezes como desejo
futuro das famílias, “produzir grãos não vale a pena, melhor mesmo é criar boi, que
não dá trabalho e dá lucro”. Essa mentalidade é repassada pelas famílias aos
jovens, que, ao almejarem coisa melhor, pensam o espaço urbano, como
alternativa mais viável, principalmente para acessar emprego, graduação e
lazer.
Em muitos locais até o acesso ao nível médio é restrito pela
distância ou pelo fato de não haver aulas no período noturno. Segundo
relata Bof, Morais e Silva (2006, p.71),
As escolas do meio rural no Brasil atendem a, aproximadamente, 18%
da população em idade escolar para o ensino fundamental. De um
modo geral, constata-se que as condições educacionais das zonas
rurais são desvantajosas em relação às das zonas urbanas.
A baixa população na zona rural é usada como justificativa para
os administradores da educação no Brasil, como pretexto para uma
desativação em massa das escolas rurais. Em Rondônia o número de
escolas na zona rural é cada vez menor.
Uma política amplamente difundida nas últimas décadas para
“solucionar” os problemas vivenciados pelas escolas isoladas tem sido
a nucleação. Vários governantes optaram por eliminar as escolas
isoladas e construir escolas-núcleo ou escolas-pólo para atender as
crianças de uma determinada região. Esse processo vem sendo alvo
de inúmeras discussões. De um lado, há os que a defendem sob o
argumento da igualdade de condições de oferta; de outro, há os que a
condenam pelas condições inadequadas de transporte, longas horas
de traslado que a criança pode ser submetida, além da não-garantia de
qualidade de ensino e custos elevados (VASCONCELLOS, 1993
apud BOF, MORAIS e SILVA 2006, p.72).
Essa política educacional afasta as crianças e jovens de seu núcleo
de criação, fazendo com que se perca, dia após dia, suas referências
culturais do campo, por passar varias horas nos ônibus para chegar à

São variedades de cafés selecionados geneticamente em laboratório com a intensão de melhorar


39

a qualidade, quantidade e padronizar a produção.

233
Vozes da Educação

escola e posteriormente para voltar em casa, somando isso ao tempo em


que passa na escola, a maior parte de seu dia é longe de casa.
Toda infância, adolescência e inicio da juventude é assim, o
jovem passa parte do dia na cidade em busca de cumprir sua agenda de
estudos. O desafio de buscar a afirmação, incentivado pela realidade
urbana de ter sua própria renda, gera muitas vezes desgaste na família.
No campesinato, o grande administrador dos bens familiares é o
marido, ficando os demais componentes, submissos à sua vontade. Pelo
que se observa, esse é um dos maiores incentivos à transferência de jovens
para as áreas urbanas, a necessidade de ter sua própria renda e de provar
para a família que pode viver de seus esforços, com a ilusão de liberdade
propiciada pelo urbano “Entre os jovens agricultores familiares, a
autonomia material refere-se às condições que possibilitem aos jovens
construir um espaço próprio no processo de trabalho familiar agrícola e
obter uma renda própria” (WEISHEIMER, 2009, p.154).
O não conseguir realizar seus projetos agrícolas nas unidades
produtivas familiares para obtenção de renda leva os jovens a buscar renda
fora, “No caso das mulheres, ou mesmo dos jovens, trabalhar fora
representa a possibilidade de construção de um outro imaginário, mesmo
que não explicitado, sob a ótica da conquista” (Tedesco 1999;
Woortmann, 1984 aput STRAPASOLAS, 2006, p. 141). A conquista de
renda financeira é considerada uma conquista para a família, e se isso
acontecer sem mexer no espaço de trabalho familiar satisfaz ainda mais a
todos. É cultural que os pais queiram que o filho estude, segundo eles,
para ter uma vida melhor, ganhar bem, e não ter que enfrentar o sol quente
diariamente.
O ser jovem rural nos dias atuais vai para além da vontade de
permanecer no campo. O valor financeiro da terra para aquisição
praticamente inviabiliza o acesso por parte dos jovens de famílias de baixa
renda. A renda da terra não mudou muito nos últimos anos, os preços dos
produtos agrícolas, tem aumentos insignificantes, comprometendo o
ganho familiar. Precisa discutir com a juventude projetos de vida para o
campo, construir algo que seja viável, tanto financeiramente quanto
ambientalmente, só assim, aliando produção com preservação, conseguirá
dar continuidade aos trabalhos na unidade produtiva, e será possível
discutir sucessão rural.

234
Volume VIII

Agroecologia – Alternativa para reprodução camponesa


O campo rondoniense é expressão da capitalização da atividade
rural, as atividades baseadas na comercialização, a busca por maior
produtividade do solo com menor investimento de tempo e recursos
financeiros tem tomado conta das ações das famílias. Não há preocupação
com os bens naturais, os solos passam a ser um mero fixador das plantas
e não um ambiente de vida. Para Carneiro(2015), o atual modelo de
produção agrária hegemônico no Brasil, revela-se perverso na sua forma
de uso da natureza e da força de trabalho.
A prática agroecológica deve ser entendida como a produção, a
partir da observação da natureza, respeitando seus tempos e os saberes
locais.
A agroecologia reconhece, valoriza e estuda os chamados saberes
populares, tradicionais ou locais como fontes de grandes
contribuições a formulação de propostas, estratégias e programas que
tentam contribuir para sociedades mais sustentáveis (GOMES e
ASSIS, 2013, p. 20).
É necessário que as práticas agrícolas sejam aliadas a preservação
natural das diversidades de plantas e animais existentes nos
agroecossistemas. Para Altieri (2012, p. 105) “Os agroecossistemas são
comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e
químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustíveis
e outros produtos para consumo e utilização humana”. Pensando nisso,
estudar os agroecossistemas locais, conhecer seus potenciais e limites é
fundamental para o desenvolvimento de uma agricultura que seja
sustentável. Ainda para Altieri (2012, p. 105) “A agroecologia é o estudo
holístico dos agroecossistemas, abrangendo todos os elementos
ambientais e humanos”.
O respeito aos ciclos naturais é um fator a ser considerado nos
processos agroecológicos, bem como o respeito aos conhecimentos
empíricos. Iniciar o processo produtivo a partir das condições da família,
deve considerar a situação atual do solo, vegetação, práticas familiares,
condições financeiras para investimentos, quantidade de força de trabalho,
dentre outros, para assim, iniciar o planejamento das ações agrícolas. Uma
definição mais ampla e completa da agroecologia pode ser encontrada em
Sevilla Guzmán e González de Molina (1996) apud Caporal e Costabeber
(2000), que trazem um debate dizendo que, A Agroecologia corresponde

235
Vozes da Educação

a um campo de estudos que pretende o manejo ecológico dos recursos


naturais e uma ação social coletiva de caráter participativo.
A partir desses conceitos, afirmamos que a agroecologia, têm em
sua essência algumas dimensões que vão além de uma proposta produtiva,
traz consigo a afirmação do camponês no espaço rural, com respeito às
condições naturais posta no local e com respeito à cultura dos povos. Para
Schmitt (2013, p.191)
Em oposição a uma agricultura globalizada, sob o controle das
grandes corporações transnacionais, reforça-se o fortalecimento de
uma agricultura de base familiar, alicerçada no uso múltiplo dos
recursos naturais e no potencial endógeno das comunidades rurais.
Para Altieri (2012), o uso da cobertura do solo através da
manutenção e manejo da matéria orgânica e das plantas aumenta a
ciclagem de biomassa, otimizando a disponibilidade e o fluxo equilibrado
de nutrientes, assegurando ao solo condições favoráveis para o
crescimento das plantas.
A manutenção da cobertura vegetal, diminuem as perdas de água do
solo por irradiação solar, promove a diversificação e assim, as
interações biológicas e os sinergismos entre os componentes da
biodiversidade promovendo processos e serviços ecológicos. “Nesta
perspectiva, pode-se afirmar que a Agroecologia se constitui num
paradigma capaz de contribuir para o enfrentamento da crise
socioambiental da nossa época” (CAPORAL e AZEVEDO, 2011, p.
46).
É preciso ainda melhorar a diversidade produtiva, visto que a
quantidade de variedades de produtos que fazem parte do dia a dia das
famílias camponesas ainda é muito pequena. É preciso haver interação
entre os agroecossistemas que permita seu melhor desenvolvimento. Para
Martins (2017) os efeitos da organização e interação entre os
agroecossistemas, são identificados, na medida em que, ampliam as
condições de reprodução social da agricultura familiar com maior
qualidade de trabalho e de vida com o re/estabelecimento de espaços de
sociabilidade, participação social e relações de gênero mais justas gerando
trabalho e riqueza territorial, aumentando a segurança alimentar com a
manutenção da agrobiodiversidade e abastecimento de alimentos variados
e de qualidade.
A diversificação de atividades produtivas, automaticamente,
promove um envolvimento familiar nas ações, pois permite que sejam

236
Volume VIII

implantados vários projetos produtivos que podem ser


coordenados/executados pelas mulheres, jovens ou homens. Dessa forma
segundo Mattos, Souto et al (2017), aumenta a base de recursos,
oferecendo condições para que o agroecossistemas da agricultura familiar
expressem o potencial ecológico, econômico e social por meio da geração
de trabalho e renda para as famílias, contribuindo para o desenvolvimento
rural e para construção de sistemas agroalimentares mais saudáveis e
justos. Além da inserção familiar no trabalho, a diversificação das
atividades na unidade produtiva, pode significar mais renda financeira e
consequentemente maior renda familiar, no momento em que deixa de
gastar com determinado produto, seja para alimentação, ou mesmo na
economia com remédios, quando, ao se alimentar de uma variedade de
alimentos, a saúde tende a melhorar também, é automático. O não gastar
impacta diretamente na vida da família que, ao economizar em alguns
campos, pode suprir necessidades que venham aparecer.

Considerações finais
As conclusões tiradas a partir das reflexões acerca das temáticas
que sustentam a pesquisa aqui descrita aprofundaram um pouco mais a
realidade da agroecologia, da juventude e sua relação, trazendo para o
texto a realidade da juventude do Assentamento Padre Ezequiel em
Mirante da Serra. As considerações finais abordarão os principais pontos
da pesquisa, trazendo as evidências sobre a realidade em que se encontram
as famílias que definiram como política de vida a produção de alimentos
limpos e como essas famílias tem conseguido envolver os jovens nas
atividades rurais.
A ocupação do espaço compreendido do município de Mirante
da Serra se deu a partir de migrantes vindos das regiões Sul, Sudeste e
Centro Oeste. No período da grande ocupação do espaço Rondoniense,
décadas de 1970 e 1980, os municípios de Rondônia que não estavam às
margens de BR364 receberam muitas famílias camponesas que, chegando
a Rondônia, não tiveram acesso a terra através dos Projetos de Integrados

237
Vozes da Educação

de Colonização40, com isso, avançaram rumo às fronteiras agrícolas. Assim


surgiram vários municípios de Rondônia, entre eles, Mirante da Serra.
O município de Mirante da Serra é considerado em Rondônia
um município de porte pequeno, com uma população estimada em 11 mil
habitantes, dessa população, cerca de 43% reside na zona rural (CENSO
2010), e por isso possui atividade agrícola muito ativa, a agricultura,
principalmente na produção de grãos e leite bovino pelas famílias
camponesas é uma das bases de sustentação financeira do município. A
produção rural é baseada nas possibilidades de comércios, como em
Rondônia produz-se em grande escala para exportação, as famílias rurais
investem suas economias e forças em produtos fáceis de serem
comercializados.
No município de Mirante da Serra, assim como em todo país,
existe uma categoria de comerciantes que são os chamados atravessadores,
pessoas que se especializam em comprar os produtos das famílias rurais,
juntando uma quantidade possível de ser vendida fora do estado, pagam o
menor preço possível, para obter os maior renda. Como as famílias não
tem como vender para os comércios externos por não terem quantidade
suficiente e não conseguirem se organizar para venda conjunta, se sujeitam
aos comerciantes do município.
Os comércios urbanos, não absorvem muita força de trabalho, e
pela proximidade, parte das pessoas que possuem empregos na cidade,
continua morando na zona rural, essa é a realidade do assentamento Padre
Ezequiel. Os salários pagos são muito baixos, não valendo a pena ir morar
na cidade, tendo em vista o aumento das despesas. As maiores
possibilidades de empregos estão, nas redes de supermercados, lojas de
confecções, postos de gasolina, laticínio e os profissionais autônomos. No
Município de Mirante da Serra, um dos principais meios de transporte é a
motocicleta, veículo com pequena despesa de manutenção e muito usado

40No inicio dos anos 70, o INCRA deu início à implantação de Projetos Integrados de Colonização-
PIC, com investimentos de valores para a demarcação e distribuição de lotes de terras rurais,
abertura de estradas, construção de pontes, implantação de infra-estrutura básica e atendimento
aos colonos, com recursos do POLONOROESTE. “Os núcleos agrícolas foram organizados com
lotes de 25 hectares, sendo 500m de frente por 500m de extensão, constituindo minifúndios
voltados para culturas anuais: arroz, feijão, milho e mandioca. O objetivo declarado era o
enraizamento do colono (seringueiros, soldados e os índios “civilizados”) por meio da pequena
propriedade” (SOUZA, 2002, p.38).

238
Volume VIII

no transporte individual de pessoas, é muito fácil notar que ela está


presente na vida de quase todas as famílias do município, pelo fluxo desse
meio de transporte na cidade.
Por ser muito próximo da área urbana, cerca de cinco (05) km, o
Assentamento Padre Ezequiel possui uma estreita relação com a cidade.
Nas entrevistas, as famílias, principalmente os homens, relatam ir a cidade
cerca de quatro (04) vezes na semana, há casos de pessoas que vão todos
os dias, buscar ou levar algo, no caso da juventude, após encerrar o ensino
médio, que é todo na cidade, continuam a frequentar o espaço urbano,
haja vista, as relações construídas durante os anos em que estudaram nos
colégios urbanos. Além disso, as atividades noturnas de lazer acontecem
em sua maioria na cidade, o que atrai principalmente os meninos que
possuem maiores facilidades de deslocamento.
Nota-se que o assentamento Padre Ezequiel recebe muita
influencia externa, pela localização em que se encontra para a juventude,
isso ajuda no convencimento a deixar o assentamento, pois, o
envolvimento com os jovens da cidade de Mirante da Serra, o acesso às
festas e lazer na zona urbana é muito fácil.
As estradas do assentamento se encontram sempre trafegáveis, a
manutenção é feita através de parceria entre INCRA e Prefeitura
municipal, que precisa manter o tráfego dos ônibus para levar os alunos
até os colégios urbanos nos três turnos de aula. As escolas se tornaram
outro problematizador no que se refere à manutenção dos jovens no
assentamento, a interação das escolas com o assentamento não existe.
Segundo os pais, não há nenhum evento escolar no assentamento, as
reuniões tem uma participação pequena das famílias, aumentando sempre
mais as distancias entre as comunidades do assentamento e a escola.
Os movimentos sociais em que as famílias estão envolvidas criam
espaço para a juventude, incentivam a participação em suas atividades e
procuram envolver os jovens em suas instancias, acreditando na rebeldia
da juventude como motivador para lutar por direitos, porém essas ações
não tem dado conta de manter uma aproximação efetiva dos jovens que,
ao atingir maior idade afastam-se para cuidar de seus afazeres.
Os jovens do assentamento tem acesso a mídias sociais, a
proximidade da cidade, permite acesso à internet no celular em quase todo
o assentamento, facilitando o acesso, muitas famílias possui wifi em casa,

239
Vozes da Educação

o que coloca os jovens em contato permanente com jovens de fora do


assentamento, esse contato contribui com o distanciamento dos jovens
com a comunidade local, as redes sociais é o contato mais fácil que as
famílias possuem para falar com as pessoas distantes haja vista, a
dificuldade com a cobertura das operadoras de celular.
Por ser um município pequeno, a rádio local é uma ferramenta
muito forte de interação entre as famílias e o comercio, a participação das
pessoas tanto pedindo música, quando mandando recado na rádio é muito
grande. Observa-se que durante o dia, principalmente pela manhã, nas
casas visitadas, todas as famílias estão escutando o programa da rádio local.
Do ponto de vista da produção agrícola, as famílias que
produzem sem uso de produtos químicos, são conscientes dos benefícios
de uma alimentação saudável, e a prática de uma forma que venha
contribuir com a comunidade e o entorno. Praticam a produção de
alimentos básicos e sabem do compromisso de oferecer às demais famílias
do município produtos que venham a acrescentar na saúde. Organizada
pela igreja católica, muito atuante no estado, a pastoral da saúde, que
trabalha com homeopatia, faz um trabalho não só de cuidado, mas de
conscientização das famílias quanto ao uso de produtos químicos.
A igreja católica também, através de um Convênio de
Cooperação Europeia, desenvolveu até 2016 um projeto de apoio a grupos
de pequenos agricultores/as organizados em grupos para a produção
agrícola agroecológica e organização para comercialização através de feiras
livres e para programas do governo, além de venda direta a
consumidores/as. O grupo de Mirante da Serra se organizou em torno da
FEPAC, com a participação das famílias do assentamento e famílias das
comunidades tradicionais da zona rural do município.
Mesmo com todos esses incentivos, das organizações sociais nas
quais as famílias estão ligadas, o envolvimento da juventude nas ações
tanto na unidade produtiva, quantos nas ações de organização da
comunidade é muito pequena. Há uma participação inicial, principalmente
na adolescência e pós-adolescência.
Mas ao atingir a maioridade, os jovens decidem por sair do
assentamento para melhorar sua condição financeira. Observa-se, alguns
fatores que são determinantes,

240
Volume VIII

I - O tamanho da unidade produtiva no assentamento, limita a


implantação de projetos produtivos com maiores ganhos, até porque o
incentivo público é muito pequeno para agricultores/as com áreas
pequenas;
II – Há desvalorização do trabalho rural do ponto de vista
econômico e social, o sucesso para as famílias é o filho arrumar um bom
emprego, a possibilidade do jovem arrumar uma renda fora de casa em
alguns casos, é vista com muito bons olhos para a família que deixa de
gastar com esse jovem e ainda vê entrar uma renda a mais na casa, porém
a possibilidade de renda fora vem sempre acompanhado de mudança do
jovem para as áreas urbanas;
III – O patriarcalismo ainda reina entre as famílias, é sempre o
pai quem gerencia tudo, principalmente a renda, as demandas da juventude
são colocadas para os últimos lugares no orçamento familiar;
IV – A dificuldade de acesso a capacitações, principalmente
profissionais, como graduação e curso técnico, acaba levando os jovens a
escolher cidades maiores;
V – Os jovens que optaram por permanecer no campo tiveram
como saída ir atrás de mais terras em acampamentos do MST, já que nas
unidades produtivas do assentamento ficaram sem espaços de atuação; e,
VI – A redução na quantidade de atividades financeiras dispensa
o uso da força de trabalho dos jovens, e essa ociosidade gera uma falta de
perspectiva de futuro, fazendo os jovens ir buscar algo que os motivem.
Ao término da pesquisa, vê-se que existem ações que
independem da vontade e organização familiar para que os jovens possa
se estabelecer no campo. O desafio de gerar renda financeira para suprir
as demandas familiares de energia, internet, celular, compra de vestimentas
e supermercados que aumentam sempre mais a cada ano, coloca as
famílias como pagadoras de dívidas e com cada vez menos sobra
financeira.
E essa condição requer um replanejamento não só da produção,
mas também do estilo de vida, procurar, substituir os produtos
industrializados por produtos naturais produzidos nas próprias unidades
produtivas. A valorização daquilo que não é renda liquida, mas que ao
deixar de comprar se converte em economia para a família, como a
produção de alimentos, frutas e animais que a família consome em seu dia

241
Vozes da Educação

a dia, a criação de projetos produtivos que envolvam a família como um


todo, o diálogo no planejamento das ações, valorizando também a
participação dos jovens.
Produzir a vida no assentamento significa estar em luta permanente,
constante, antes, durante e após a ocupação da terra. Seguir lutando,
seja individualmente, para garantir minimamente a sobrevivência, ou
coletivamente, ampliando o espectro de enfrentamentos, é uma marca
da classe trabalhadora no mundo (JANATA, 2012, p.55).
O desafio das famílias em segurar os jovens no espaço rural,
mesmo com a implantação do modo de produção agroecológico ainda não
se concretizou, o envolver a juventude nos projetos familiares precisa de
ações mais efetivas, específicas, que façam não apenas melhorar a geração
de renda para os jovens, mas também, que ele/ela compreenda a
importância de estar no espaço rural, com sua família, contribuindo na
construção da organização política de sua comunidade.
O fato das famílias não conseguirem viabilizar a geração de renda
financeira que seja compatível com as demandas familiares, levam a muitas
dificuldades, principalmente com a juventude, a partir dos relatos,
percebe-se que ao se envolver muito com a juventude urbana, os jovens
criam demandas próprias, não suprida nem assimilada pela família, às
reações dos jovens são diferentes, porém, o que buscam é sempre
melhorar sua vida, há os que arrumam empregos, outros incentivados
pelos pais vão estudar e ainda outros vão atrás de seu pedaço de terra.
Bananeira, um assentado, relata que seu filho não quis estudar, por isso
quando ele resolveu ir para o acampamento ele apoiou, já que com a renda
do lote não conseguiria dar uma vida melhor para o filho.
O fato é que a agroecologia possui ferramentas que podem sim,
contribuir para o envolvimento dos jovens na rotina familiar no campo,
porém, por si só, não consegue criar as condições necessárias para que os
jovens possam ficar no campo. No caso do assentamento Padre Ezequiel,
a localização pode ser considerada fator positivo, já que a proximidade da
cidade ajuda nos estudos iniciais e na venda da produção, sem precisar
ficar muito tempo fora de casa, mas o tamanho das unidades produtivas
limita a implantação de projetos produtivos para os jovens.
A cultura de que precisa estudar para ter boa renda em empregos,
colocando a agricultura como atividade difícil, penosa que não gera renda
e nem dá futuro, ainda é muito presente entre as famílias, e essa

242
Volume VIII

desvalorização do trabalho no campo se traduz junto com a baixa renda


como os principais fatores que impedem a juventude do Assentamento
Padre Ezequiel de permanecer exercendo a atividade rural.
Além da mudança no sistema produtivo, tendo como perspectiva
melhor geração de renda e implantação de projetos produtivos próprios
da juventude, há estruturas que são externas a famílias, como possibilidade
de estudos e lazer que só podem ser alcançados com melhor aplicação de
políticas públicas pelos gestores locais, há todo um incentivo pelo
abandono do campo. Os enfrentamentos familiares são muitos, não basta
apenas ter vontade de ficar, precisa que seja viabilizado algumas coisas
para que isso aconteça, o desafio é pensar o campo do ponto de vista da
construção da vida da família como um todo.

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244
Volume VIII

FICHA DE COMUNICAÇÃO DE ALUNO INFREQUENTE – FICAI


COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DE DIREITOS,
ATRAVÉS DA ARTICULAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E
SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

Valeria da Silva Barbosa Gimenes 41

RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre a Ficha de Comunicação de Aluno
Infrequente – FICAI, instrumento criado com o objetivo de dar efetividade
ao artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e artigo 5º, §
1o da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Para que de fato a FICAI, seja
um instrumento eficaz e cumpra os objetivos propostos, o trabalho com a
rede de proteção torna-se necessário. Manter a criança e o adolescente na
escola é dever de todos e a sua permanência envolve muitos desafios e olhar
atento para as situações de violações dos direitos fundamentais que necessitam
de intervenções dos órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, bem como
das diversas políticas públicas.
Palavras-chave: Rede de proteção, políticas públicas, direitos fundamentais.

ABSTRACT
This article aims to discuss about the Ficha de Comunicação de Aluno
Infrequente - FICAI, an instrument created with the aim to make the article
56 from 'Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)' and the article artigo
5º, § 1o from 'Lei de Diretrizes e Bases da Educação' more effective. In order
for FICAI to be an effective tool and fulfill the proposed objectives, working
with the safety network becomes necessary. Keeping children and adolescents
at school is everyone's duty and their permanence there involves many
challenges and a careful look at situations of fundamental rights violations,
which require interventions by the organs of the Rights Guarantee System as
well as public policies.
Keywords: Safety network, public policies, fundamental rights.

41Assistente Social, atualmente diretora da Proteção Social Especial no município de Franca,


interior do Estado de São Paulo. Doutoranda da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho – UNESP/Franca.

245
Vozes da Educação

Uma ação conjunta global é necessária, um movimento, como


grande obra civilizatória de todos, é indispensável para realizarmos
essa outra globalização, essa planetarização, fundamentada em
outros princípios éticos que não os baseados na exploração
econômica, na dominação política e na exclusão social.
Milton Santos

Introdução
Segundo Rizzini, a primeira iniciativa de política pública voltada
para a infância no Brasil surge em 1901, através do Instituto de Proteção
e Assistência à Infância, replicado em diversos países. Em 1919, foi criado
o Departamento da Creança que previa o atendimento à família pobre,
ofertando cursos educativos voltados aos cuidados com as crianças,
realização de campanhas de vigilância sanitária nas escolas e organização
de congressos voltados à higiene infantil e puericultura42.
Ao final do século XIX, identificava-se a criança, filha da pobreza
– material e moralmente abandonada – como um problema social
gravíssimo, objeto de uma magna causa, a demandar urgente ação
(RIZZINI, 2011).
Infelizmente surge nesse período, o termo “menor” a toda
criança proveniente de família pobre, justificando a criação de um aparato
médico-jurídico-assistencial que tinha como objetivo a prevenção, a
educação, a recuperação e a repressão de crianças e adolescentes. O foco
era vigiar, moldar, reabilitar, através do trabalho e da “instrução” e caso
fosse necessário, a repressão ao menor delinqüente43, em nome da paz, da
ordem e do futuro da nação. Educar a criança era cuidar da nação;
moralizá-la, civilizá-la. Cuidar da criança e vigiar sua formação moral era
salvar a nação (RIZZINI, 2011, 27).
O discurso da elite letrada que dominava a arena política da época
estava centrado na proteção a infância, evitando assim danos à sociedade
no futuro. Tal argumento contribuiu para implementação de políticas
públicas que impunham a tutela aos filhos dos pobres pelo Estado,

42Conjunto de ensinamentos e práticas médico-sociais que se destinam a cuidar da criança desde


o período da gestação até a idade de 7 anos.
43Característica do que ou de quem infringe uma lei e/ou certas normas morais pré-estabelecidas.

246
Volume VIII

cerceando direitos e mantendo-os à margem da sociedade. Em situações


em que a família se mostrasse incapaz de educar e vigiar seus filhos tinha
o seu direito cassado.
Em 1926 foi aprovado no Brasil, o Decreto que instituía o
Código de Menores e em 1927, foram consolidadas as leis de assistência e
proteção aos menores, através do Decreto nº 17.973 – A, contendo 231
artigos que privilegiavam formas de contenção e repressão extrema da
população infanto-juvenil, proveniente de famílias pobres, em detrimento
de uma educação de qualidade, diferentemente dada às crianças e
adolescentes das classes ricas.
No livro, A escola e a República, a autora Marta Maria Chagas,
salienta que a educação nos primeiros anos do período republicano, era
vista como uma “arma perigosa” e a proposta educacional da época não
tinha a presença da União. Na época as escolas eram consideradas: (...)
casas sem luz, meninos sem livros, livros sem método, escolas sem disciplina, mestres
tratados como párias”44 (CARVALHO, 1989:24).
Desde o processo de colonização e especialmente, no contexto
da constituição histórica dos estados nacionais latino-americanos, os
sistemas educacionais foram se desenvolvendo em velocidades diferentes.
A proclamada unidade dos sistemas nacionais de educação sempre
foi, na América Latina, muito mais um anseio do que uma realidade.
Circuitos educacionais altamente segmentados e diferenciados (no
tipo de população que atendem, nas condições de infraestrutura e de
exercício da função docente, etc), foram definindo um conglomerado
educacional no qual a norma tem sido, quase sempre, a de oferecer
educação pobre aos pobres, permitindo apenas às elites a
possibilidade de acesso a uma educação de excelência. Circuitos
diferenciados nos quais o direito à educação de qualidade, longe de se
fundamentar em um princípio de igualdade, foi se constituindo em
um caro privilégio daqueles que têm condições de pagar por ele
(GENTILI e ALENCAR, 2003: 36).
No campo educacional é nítida a falta de investimento público,
bem como a redução dos recursos nas áreas sociais, ameaçando a
possibilidade de continuidade de serviços e elevação da qualidade dos
mesmos. O resultado da ausência de investimento, mais uma vez afeta de
forma perversa a camada empobrecida da população, que é desprovida de

Cesário Mota na inauguração do edifício da Escola Normal Caetano de campos em 1894,


44

segundo Marta Maria Chagas de Carvalho.

247
Vozes da Educação

condições de oferecer educação de qualidade para suas crianças e


adolescentes.
O século XX terminou com uma avalanche de reformas no campo
educacional latino-americano: mudaram as leis e normas que regulam
o funcionamento dos sistemas escolares, mudou a própria
organização da escola, os currículos, a formação docente, a avaliação.
Mas a realidade cotidiana das escolas parece a expressão grotesca e
cínica das promessas milagrosas enunciadas pelos exegetas da
modernização neoliberal (GENTILI, 2003:18).
Gentili e Alencar, 2003, no livro Educar na Esperança em
Tempos de Desencanto, ressaltam que não foram modificadas as
estruturas históricas de discriminação educacional e denominam: processo
de exclusão includente, a diferenciação institucional injusta e
antidemocrática existente entre escolas “pobres para os pobres” e escolas
“ricas para os ricos”. Segundo os autores o mecanismo histórico mais
eficaz de discriminação escolar é a negação do direito à educação aos
setores populares, impossibilitados de entrar e permanecer na escola.
Observa-se um grande aparato institucional de “proteção” à
criança, ao adolescente e suas famílias. Será que os atores estão
conseguindo garantir os direitos previstos na Constituição Federal, no
Estatuto da Criança e Adolescente e demais legislações? Será que o foco
está no papel do Estado em garantir políticas públicas de qualidade ou
ainda culpabiliza a família por não conseguir garantir a proteção necessária
aos seus filhos?
Torna-se necessário compreender o papel de cada um dos atores,
para que as ações, os fluxos e protocolos de atenção aos indivíduos, sejam
estabelecidos visando à efetivação dos seus direitos. A educação poderia
se uma alavanca para a mudança, porém no Brasil tem sido mecanismo de
perpetuação e reprodução do sistema capitalista.
Emir Sader, 2008, no prefácio do livro: A educação para além do
Capital salienta que “A natureza da Educação - como tantas outras coisas essenciais
nas sociedades contemporâneas – está vinculada ao destino do trabalho”.
De que forma contribuir para mudança de ideologia e cultura no
cotidiano profissional e mudar as relações desumanas existente na
sociedade em que vivemos?

248
Volume VIII

Ficha de identificação do aluno infrequente: instrumento de inclusão e


não “controle”
O Brasil em 2012 foi considerado o terceiro país com a maior
taxa de abandono escolar, 24,3%, ficando atrás somente da Bósnia e Ilhas
de São Cristovam e Névis, no Caribe. O relatório do Programa das Nações
Unidas também revelou que o Brasil tem a menor média em relação aos
anos de estudo, sendo 7,2 anos.
Em 2015, enquanto 94,3% das crianças de 5 a 6 anos estavam
frequentando a escola e 91% das crianças, de 11 a 13 anos, frequentavam
o 2º ciclo do ensino fundamental, apenas 66% dos adolescentes de 15 a
17 anos tinham concluído o fundamental e 52,5% dos jovens de 18 a 20
anos, tinham o ensino médio completo (RADAR IDHM, 2015, p.5).
Importante ressaltar que os índices de frequência escolar relativos aos
adolescentes e jovens, continuam presentes na realidade brasileira, apesar
das legislações existentes.
O artigo 12, inciso VIII, da Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9394,
dispõe que é dever das instituições de ensino: notificar ao Conselho Tutelar do
município, ao juiz competente da comarca e ao respectivo representante do Ministério
Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinqüenta
por cento do percentual permitido em lei, porém tal notificação só deve
encaminhada, quando forem esgotadas as intervenções da escola com a
família e a rede de proteção.
A Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente – FICAI, surgiu
como instrumento operacional de combate da infrequência e do abandono
escolar, no Rio Grande do Sul, mediante a celebração de Termo de
Compromisso de Ajustamento, em 1997 (revisada em 2011), entre a
Coordenadoria das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude,
Secretarias Estadual e Municipal de Educação e Conselhos Tutelares. O
procedimento da FICAI prevê uma repartição de atribuições entre a
escola, conselho tutelar e ministério público, intervindo de forma
sucessiva e articulado, combinando esforços com vistas a alcançar o
mesmo objetivo que é a permanência ou o retorno do aluno à escola
(Manual FICAI, 2006).
Porto Alegre foi a primeira cidade a implantar a FICAI, quando
o Ministério Público, especificamente, a Promotoria da Infância e da
Juventude, ao constatar a existência de muitos alunos infrequentes na

249
Vozes da Educação

cidade, procura a Secretarias de Educação do Estado do RS e do


Município de Porto Alegre, bem como os Conselhos Tutelares, para
discutir propostas de intervenção.
Segundo pesquisa realizada em 2015, no Estado do Rio Grande
do Sul, a FICAI, auxiliou na reversão de índices elevados de reprovação e
abandono escolar. Foram realizadas 27.096 novas FICAI’s e
encaminhadas 3.983 casos ao Ministério Público. Ao Conselho Tutelar,
21.092 casos. Desse total, 1.882 casos tiveram reversão por ação da Escola,
1.754 casos tiveram reversão por iniciativa e ação do Conselho Tutelar e
181 casos por ação do Ministério Público.
O artigo 12, item V da Lei de Diretrizes e Bases, traz como
obrigação dos estabelecimentos de ensino a promoção de meios
necessários para recuperação dos alunos de menor rendimento,
informando os pais ou responsáveis as diferentes propostas pedagógicas,
visando à superação das dificuldades enfrentadas pelo aluno.
O ano letivo exige setenta e cinco por cento de presença para
aprovação do aluno e bimestralmente a escola deve adotar medidas para
compensação das ausências que ultrapassem vinte por cento do total das
aulas dadas ao longo de cada mês letivo. Muitas vezes, quando a criança
ou adolescente deixa de frequentar as aulas, pode ser um sinal de que algo
mais grave pode estar acontecendo.
A notificação ao Conselho Tutelar deve ocorrer quando as
intervenções junto aos pais ou responsáveis, em conjunto com a rede de
proteção existentes no território, forem esgotadas.
Alguns artigos ressaltam que o principal agente do processo para
o combate à evasão é o professor, cabendo a ele informar a situação à
direção para que inicie o processo de comunicação entre direção e família;
conselho tutelar e demais políticas públicas, existentes no território. É fato
que, quanto mais tardia a comunicação, maior comprometimento e
prejuízos às crianças e adolescentes.
O professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do
aluno que é o sujeito da sua própria formação. Os educadores numa
visão emancipadora, não só transformam a informação em
conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas
(GADOTTI, 2011, p.26).
Além do professor, os demais profissionais que compõem a rede
de proteção, precisam ter consciência da importância da sua atuação

250
Volume VIII

contra a exclusão social e defesa dos direitos dos alunos que estão
infrequentes. Torna-se necessário uma nova cultura profissional, torna-se
imprescindível uma redefinição dos sistemas de ensino e das instituições
escolares.
Gadotti, ressalta que essa redefinição não virá de cima, do
próprio sistema, ele é por essência, conservador. A mudança do sistema
deve partir do professor e de uma nova concepção do seu papel.
Nesse sentido, no contexto atual, podemos identificar e confrontar
duas concepções opostas da profissão docente: a concepção
neoliberal e a concepção emancipadora. A primeira, amplamente
dominante, concebe o professor como um profissional lecionador,
avaliado individualmente e isolado na profissão (visão individualista);
a segunda considera o docente como um profissional do sentido, um
organizador da aprendizagem, uma liderança, um sujeito político
(visão social) (GADOTTI, 2011, p.37).
O promotor de justiça, em seu artigo “Evasão Escolar: não basta
comunicar e as mãos lavar” enfatiza que foi somente após a criação da Lei nº
10.287/2001, que as instituições de ensino passaram a encaminhar as listas
de alunos infrequentes. A lei altera os dispositivos contidos na Lei nº
9.394/96 em relação à notificação ao conselho tutelar referente à
freqüência escolar. Ressalta ainda que:
A evasão é um problema crônico em todo Brasil, sendo muitas vezes
passivamente assimilada e tolerada por escolas e sistemas de ensino,
que chegam ao cúmulo de admitirem a matrícula de um número mais
elevado de alunos por turma do que o adequado, já contando com
“desistência” de muitos ao longo do ano letivo (DIGIÁCOMO
http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-825.html, acesso em
22/03/2018).
A rede de proteção de Porto Alegre elaborou um documento que
estabelece fluxos e responsabilidades de todos os envolvidos, em relação
à FICAI. O objetivo dessa iniciativa é diminuir os elevados índices de
infrequência e evasão.
Torna-se de fundamental importância identificar as causas da
infrequência e evasão que podem ser em decorrência do trabalho infantil;
baixa qualidade do ensino que desestimula o aluno a frequentar;
dificuldades de relacionamento, tanto com alunos, como professores. É
preciso que essa identificação seja realizada antes que os alunos atinjam os
limites permitidos, para que seja realizado um trabalho efetivo e
preventivo, não comprometendo o ano letivo.

251
Vozes da Educação

Cabe ao poder público, ofertar atendimento de crianças,


adolescentes e suas famílias, através de serviços, programas e benefícios,
conforme dispõe a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA) e da Política Nacional de Assistência Social.
Não basta que os dirigentes de ensino comuniquem ao conselho
tutelar sem assumirem as obrigações instituídas em lei. O primeiro passo,
a ser dado, após a identificação do número excessivo de faltas do aluno é
procurar conhecer a realidade da família, para que possa compreender os
fatores que geraram a infrequência ou evasão escolar. Nos casos em que
se verificar a necessidade de articulação com outras políticas públicas
como Saúde e Assistência Social, deverá acionar os profissionais para que
insiram as famílias vulneráveis nos serviços, programas e benefícios
existentes no território.

Política de Educação, Assistência Social e Conselho Tutelar: articulação


necessária
O Estatuto da Criança e Adolescente na parte especial, capítulo
I, artigo 86, enfatiza que a política de atendimento aos direitos da criança
e adolescente se constituirá de um conjunto articulado de ações
governamentais e não governamentais, da União, do Distrito Federal e dos
municípios.
Essa política de atendimento envolve políticas sociais básicas,
operacionalizadas pelos mais diversos atores que devem articular-se entre
si, visando ofertar proteção à criança, ao adolescente e suas famílias, diante
das inúmeras vulnerabilidades sociais, decorrentes: da pobreza, do
desemprego e da violência que perpassam a sociedade na atualidade.
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente -
SGDCA é composto por diversos atores: poder público, organizações da
sociedade civil, conselhos de direitos, conselho tutelar, ministério público,
juizado da infância e juventude e defensoria pública que tem como
finalidade o atendimento dos eixos estruturantes que são:
 A promoção que se refere à formulação de políticas públicas;
 A defesa que se refere à responsabilização do Estado, da
sociedade civil e da família;

252
Volume VIII

 E o controle social que se caracteriza por espaços também da


sociedade civil e do poder público, que se organizam para
discussão, proposição e formulação de programas, projetos e
serviços que atendam às necessidades de crianças e adolescentes.
O capítulo II, artigo 6º da Constituição Federal, descreve como
direitos sociais fundamentais: a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
Embora o texto constitucional vislumbre uma sociedade justa e
igual para todos, sabemos que na prática, ainda permanece em nossa
sociedade, grandes distâncias entre as classes sociais, deixando à margem
a maioria das pessoas.
É fato que o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA (Lei nº
8.069/90) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394), propõem
mecanismos de proteção em relação aos direitos à educação. Porém
existem diversos fatores que contribuem para que esse direito seja violado.
Digiácomo ressalta que: “Não é necessário aguardar a aplicação de uma
medida por parte de uma das citadas autoridades para somente então agir no sentido
da proteção à criança e ao adolescente”
A intersetorialidade45, envolvendo atores governamentais e não
governamentais é um dos princípios da Política Nacional de Assistência
Social – PNAS, aprovada em 2004. Através dela foram organizados em
todo território nacional: serviços, programas, e benefícios que fazem parte
da rede de proteção social e que de forma conjunta com as diversas
políticas públicas e Sistema de Garantia de Direitos, podem contribuir
para o acesso aos direitos sociais das famílias em situação de
vulnerabilidade social.
A Política Nacional de Assistência Social organiza o atendimento
à população em duas proteções: Proteção Social Básica - PSB e Proteção
Social Especial – PSE.

Significa a realização de ações envolvendo setores ou instituições da administração pública, em


45

nível municipal, estadual ou federal, e/ou entidades da sociedade civil e organizações não
governamentais. Mais especificamente, significa articulação entre os órgãos do sistema de
garantia de direitos de crianças e adolescentes (Orientações Técnicas Gestão do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, 2010, pag.148).

253
Vozes da Educação

A proteção social na assistência social se materializa por meio da


garantia das seguintes seguranças às famílias: segurança de
sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida (provisão
de necessidades humanas, como os direitos à alimentação, ao
vestuário e ao abrigo) e de convívio ou vivência familiar (supõe a não
aceitação de situações de reclusão, de perda das relações)
(ORIENTAÇÕES TÉCNICAS: GESTÃO DO PROGRAMA DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL, 2010, p. 96).
Embora a prevenção permeie todo o Sistema Único de
Assistência Social, está fortemente presente na PSB e se constitui de ações
realizadas nos territórios, através dos Centros de Referência de Assistência
Social - CRAS.
A Proteção Social Básica - PSB tem por objetivos prevenir as
situações de risco no qual a população em situação de vulnerabilidade
social está inserida, desprovida de meios para superação dessa condição
em virtude da ausência de renda, acesso às políticas públicas e fragilização
de vínculos afetivos. O CRAS oferta o Serviço de Proteção e Atendimento
Integral a famílias – PAIF, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos – SCFV, para crianças, adolescentes, idosos e pessoas com
deficiência e o Serviço de Proteção Social básica no domicílio.
O Serviço de Proteção e Atendimento Integral às famílias – PAIF,
consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com
a finalidade de fortalecer a função protetiva da família, prevenir a
ruptura de seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos
e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o
desenvolvimento de potencialidades e aquisições das famílias e o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por meio de
ações de caráter preventivo, protetivo e proativo. (TIPIFICAÇÃO
NACIONAL DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS, 2009).
Em 2009, com a aprovação da Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistenciais, o Programa de Atenção Integral à Família passou a ser
denominado: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, mas
preservou a sigla PAIF. Esta mudança de nomenclatura enfatiza o
conceito de ação continuada, estabelecida em 2004.
O PAIF é um dos principais serviços que compõem a rede de
proteção social de assistência social, que vem se consolidando no país de
modo descentralizado e universalizado, buscando o enfrentamento da
pobreza, da fome e da desigualdade, assim como, a redução da incidência

254
Volume VIII

de riscos e vulnerabilidades sociais que afetam famílias e seus


membros. (Caderno de Orientações Técnicas do PAIF - vol. 1).
Os profissionais do CRAS devem viabilizar o acesso efetivo da
população aos serviços, benefícios e projetos de assistência social,
garantindo a inserção do público prioritário nos Serviços de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos. Segundo a Resolução CIT nº 01/2013 e a
Resolução CNAS nº 01/2013, considera-se público prioritário para o
atendimento no SCFV crianças e/ou adolescentes nas seguintes situações:
 Isolamento;
 Trabalho infantil;
 Vivência de violência e, ou negligência;
 Fora da escola ou com defasagem escolar superior a 2 (dois)
anos;
 De acolhimento institucional;
 De cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto;
 Egressos de medidas socioeducativas;
 Situação de abuso e/ou exploração sexual;
 Outras medidas de proteção descritas no ECA;
 Vivência de rua;
 Vulnerabilidade em decorrência da deficiência.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV
é ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias que é
realizado por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral às
Famílias (PAIF) e do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às
Famílias e Indivíduos (PAEFI).
O SCFV possui um caráter preventivo e proativo, pautado na
defesa e afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e
potencialidades dos usuários, com vistas ao alcance de alternativas
emancipatórias para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais. Deve
ser ofertado de modo a garantir as seguranças de acolhida e de convívio
familiar e comunitário, além de estimular o desenvolvimento da
autonomia dos usuários. O público – alvo deste serviço é dividido em
grupos a partir de faixas etárias, considerando as especificidades dos ciclos
de vida. O trabalho nos grupos é planejado de forma coletiva, contando

255
Vozes da Educação

com a participação ativa do técnico de referência, dos orientadores sociais


e dos usuários.
De acordo com o documento do Ministério de Desenvolvimento
Social, os objetivos do SCFV são: complementar o trabalho social com
família, prevenindo a ocorrência de situações de risco social e fortalecendo
a convivência familiar e comunitária; prevenir a institucionalização e a
segregação de crianças, adolescentes, jovens e idosos, em especial, das
pessoas com deficiência, assegurando o direito à convivência familiar e
comunitária; promover acesso aos benefícios e serviços
socioassistenciais46; promover o acesso aos serviços setoriais, em especial
das políticas de educação, saúde, cultura, esporte e lazer existentes no
território e oportunizar o acesso às informações sobre direitos,
participação cidadã e o desenvolvimento do protagonismo dos usuários.
Nos casos em que forem identificadas situações de risco pessoal
e social de crianças e adolescentes através da FICAI, os dirigentes de
ensino devem informar ao Conselho Tutelar, que requisitarão os serviços
da Proteção Social Especial – PSE que tem como responsabilidade, a
oferta serviços, programas e projetos de caráter especializado, destinado a
famílias e indivíduos com violação de seus direitos, através do Centro de
Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, que também
trabalhará com as famílias através do Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado às Famílias e Indivíduos (PAEFI).
O trabalho dos profissionais que atuam nos CREAS tem como
objetivo principal, contribuir para a prevenção dos agravamentos e
reparação de situações que envolvam risco pessoal e social, dentre elas: a
violência, a fragilização e o rompimento de vínculos familiares,
comunitários e/ou sociais.
Nos casos de evasão escolar, dependendo do caso, o Conselho
Tutelar fará o encaminhamento da família ao CRAS ou CREAS, para que
as mesmas sejam inseridas no PAIF ou PAEFI. Nas situações em que
forem identificadas situações de risco, os profissionais informarão a
Conselho Tutelar para representação do caso às autoridades competentes.

A Resolução 109 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) tipifica os Serviços


46

Socioassistenciais disponíveis no Brasil organizando-os por nível de complexidade do Sistema


Único de Assistência Social: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade.

256
Volume VIII

O discernimento do diretor é fundamental no momento da


notificação, pois existem situações que configuram infração penal por
parte dos responsáveis e devem ser comunicadas imediatamente ao
Conselho Tutelar, para que este órgão faça a intermediação com a
assistência social, a Justiça ou as delegacias especializadas, como nos casos
que envolvem abuso sexual.

Considerações finais
Mészaros, 2008, enfatiza que o papel da educação é soberano,
tanto para elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar
as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente
dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social
radicalmente diferente.
Constata-se, porém que este desafio não é tarefa de poucos, mas
de todos os atores que compõem a rede de proteção. Torna-se necessário
a construção de um projeto comum com uma visão crítica da realidade.
Façamos a data da virada, do redescobrimento necessário: No lugar
de macho, branco, dono de gado e gente, o sujeito coletivo-feminino-
masculino-plural que se reconhece na longa marcha, aos sons das
violas caipiras, dos atabaques vigorosos, das beberagens nativas que
curam, na defesa do direito à dignidade, caetaneando Maikovski
(1893-1930): gente é pra brilhar, não pra morrer de fome (GENTILI
e ALENCAR, 2003, p.59).
Segundo, Gadotti, a maioria das escolas continua preocupada em
ensinar e não param para pensar o que é ensinar, como se aprende, porque
se aprende. “Dar aulas” na maioria das vezes tem-se constituído na única
preocupação da escola.
Embora as condições não pareçam favoráveis, não há motivo
para protelar. A maioria da humanidade não possui os mínimos
necessários para uma vida digna: sem emprego ou subempregada, sem
alimentação, sem moradia e sem condições de frequentar a escola.
É necessário romper com o ciclo da pobreza, através de uma
intervenção efetiva no sistema político, econômico e nas políticas públicas,
com destaque para a política de educação, que sejam capazes de
estabelecer prioridades e definir as reais necessidades da população.
Quem não lê sabe menos e nossas elites querem é isso mesmo: no
máximo, aquele mínimo de adestramento técnico. Nada de desafios e

257
Vozes da Educação

questionamentos. Quem está desinformado é mais facilmente


explorado (GENTILLI e ALENCAR, 2003, p.61).
De que maneira a educação garante a cidadania e os direitos
sociais? Aquela que forma indivíduos conhecedores de seus direitos ou
aquela que fornece as condições necessárias para adaptação ao mundo
produtivo?
A cidadania é um processo construtivo e exige um desafio ético
e político. Deve ser pensada como um conjunto de valores e práticas, cujo
exercício não se fundamente somente no reconhecimento dos direitos e
deveres, mas também de torná-los realidade no cotidiano dos indivíduos.
Paulo Freire, ressalta que:
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer
cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar,
sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas,
sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista
sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face
do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem
politizar não é possível (FREIRE, 1996, p.58)
Diante da realidade atual, a FICAI até pode ser um instrumento
positivo na vida de uma criança, pois poderá trazer benefícios coletivos e
difusos para a população. Porém seu preenchimento deve vir imbuído de
uma intencionalidade para além da mera formalidade.
A vigilância social e sistematização dos dados levantados, em
relação à infrequência e evasão escolar produzirá dados e construirá
diagnósticos que permitirão o planejamento de políticas públicas, capazes
de modificar rumos e o futuro de muitas crianças e adolescentes.

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Social (CRAS). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome,
Brasília, 2009.

258
Volume VIII

______. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de


Assistência Social (CREAS). Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate á Fome, Brasília, 2011.
______. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Lei
nº 8.242, Brasília, 1991.
______. Resolução CIT nº 01, Reordenamento do Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos - SCFV, Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate á Fome, Brasília, 2013.
BRASIL. Resolução CNAS nº 01, Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate á Fome, Brasília, 2013.
______. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate á Fome, Brasília, 2009.
______. Orientações Técnicas Gestão do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á
Fome, Brasília, 2010.
______ Perguntas freqüentes: Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos (SCFV) Ministério do Desenvolvimento Social. Brasília, 2017.
Carvalho, Marta Maria Chagas de. A escola e a República que não foi, 3ºed.
São Paulo: Brasiliense, 1989.
DIGIÁCOMO, Murillo José. Evasão Escolar: não basta comunicar e as
mãos lavar. Disponível em http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-
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GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com
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GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico. Educar na Esperança em Tempos
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São Paulo, ATO (N) nº 168/98 - PGJ-CGMP 1998, São Paulo.
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MESZÁROS, István. A Educação para além do capital. 2ª Ed. São Paulo:
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RIZZINI, Irene, O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas
Públicas para Infância no Brasil, 3º ed, São Paulo, Cortez, 2011.

259
Vozes da Educação

ENTRE A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E OS LIMITES DA


SEXUALIDADE INFANTIL NO COTIDIANO ESCOLAR

Vaneide Santana da Silva 47

RESUMO
O presente estudo tem como objetivo principal analisar a concepção que
o educador apresenta sobre a temática da sexualidade infantil,
considerando as abordagens sociológicos acerca da criança, bem como a
contribuição desses conceitos para a compreensão da infância na
sociedade contemporânea. Por fim, os resultados apontaram que para
alguns profissionais da educação, a sexualidade infantil ainda soa como um
objeto desconhecido, e por isso se faz necessário ampliar a discussão em
torno do assunto, a fim de dar melhor condição para que a escola seja de
fato um lugar de desenvolvimento da criança em toda a sua plenitude.

Palavras-chave: Infância. Criança. Sexualidade. Escola.

ABSTRACT
The main objective of this study is to analyze the conception that the
educator presents on the theme of child sexuality, considering the
sociological approaches about the child, as well as the contribution of
these concepts to the understanding of childhood in contemporary
society. Finally, the results pointed out that for some education
professionals, child sexuality still sounds like an unknown object, and
therefore it is necessary to broaden the discussion around the subject, in
order to give a better condition for the school to be in fact a place of
development of the child in all its fullness.

Keywords: Childhood. Child. Sexuality. School.

Residente na cidade de Jeremoabo-BA. Formada em Licenciatura Plena em Pedagogia,


47

Especialista em Alfabetização e Letramento e em Ensino de Sociologia. Professora da rede


estadual de ensino. Graduada em Pedagogia - UNEBPós-graduada em Alfabetização e
Letramento–FAVENI, Pós-graduada em Ensino de Sociologia–FAVENI.vaneidercc@hotmail.com

260
Volume VIII

Introdução

Sendo a sexualidade parte integrante do indivíduo, vale ressaltar


a importância do tema se fazer presente no contexto escolar, a fim de que
os educadores possam ajudar a criança a entender melhor o seu corpo e
as mudanças que nele ocorrem. Logo, responder a possíveis
questionamentos sem levar as crianças a um amadurecimento precoce,
evitar constrangimentos e frustrações que poderão comprometer o
desenvolvimento das mesmas, considerar a curiosidade, para que elas não
se inclinem a buscar respostas para sanar a esta curiosidade através de
mídias sociais sem que antes tenham recebido as orientações necessárias.
A escola é, portanto, um espaço, cuja função é a formação do
indivíduo. Considerando que é este, o espaço onde a criança passa grande
parte do seu tempo, as instituições educacionais devem preparar os seus
profissionais a fim de ajudá-los a lidar e a intervirem de maneira positiva
nas diversas situações de comportamentos que a criança poderá apresentar
no que diz respeito à sexualidade.
De pronto, acontece muitas vezes, que a criança é vista pelo
grupo de pertencimento, como um ser assexual, inocente e incapaz de
compreender determinados assuntos, apesar de existir a erótica na criança
desde a sua infância, como afirma Freud (1905). Em decorrência disso, os
adultos se limitam a falar principalmente sobre questões referentes ao
corpo e à sexualidade, por associar a infância à inocência, à ingenuidade
[...] como destaca Bujes (2001).
Partindo desse princípio o presente trabalho, busca discorrer
sobre a sociologia da infância e os limites da sexualidade infantil no
cotidiano escolar. Justifica-se pela necessidade de compreender as
diferentes concepções em torno da criança e da infância considerando o
tempo/espaço em que ocorrem e a relação dos aspectos sociais e culturais
para o desenvolvimento sexual da criança. Por isso busca em seu objetivo
principal analisar a concepção que o educador apresenta sobre a temática
da sexualidade infantil.
O presente artigo é dividido da seguinte forma: A Metodologia
da Pesquisa que descreve a abordagem, o método, os instrumentos
utilizados para coleta de informações e os sujeitos da pesquisa. Ademais,
foi situada a escola, objeto deste estudo. Em seguida é apresentado um

261
Vozes da Educação

capítulo do artigo o qual faz menção à Construção Sociológica do


Sentimento de Infância. Sequencialmente, é feita uma abordagem sobre O
Desenvolvimento da Sexualidade Infantil: Breve Contextualização.
Quanto à fundamentação teórica os principais autores citados foram:
Ariès, Foucault, Freud e Le Breton. Por fim foi realizada a análise dos
dados levantados através dos questionários aplicados, acompanhada da
interpretação dos resultados.

Construção sociológica do sentimento de infância


Até o século XVIII, segundo Ariès, crianças e adultos tinham o
modo de comportar-se relativamente igual, não sendo demarcados de
forma clara os seus estágios de vida. Foi, portanto, a partir da Idade Média
que ganhou espaço a construção da infância moderna. Ao escrever sobre
a história social da infância e da família, o historiador francês Ariès, (1978),
afirmou que a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se
numa nova categoria social recentemente construída na história da
humanidade.
Para melhor compreensão, o mesmo autor fala do sentimento de
infância como uma particularidade da criança que essencialmente as
distingue dos adultos, mas que só passou a ser considerada a partir da
Idade Média, pois até então, não se fazia acepção de lugares a serem
frequentados e de atividades a serem realizadas por ela.
Igualmente afirma Levin (1997), ao dizer, que, passado o estrito
período de dependência física da mãe, estes indivíduos se incorporavam
plenamente no mundo dos adultos. Fortalecem-se nesse momento entre
crianças e adultos as relações de socialização, ambos participam das
mesmas práticas sem restrição de idade, tempo e lugar. Assim, os sujeitos
iam se constituindo a partir das práticas vivenciadas através dos seus
grupos de pertencimento.
Desse modo, fica compreendido que o ser humano se constitui
a partir das relações sociais que se dão através de valores e crenças comuns
a um determinado grupo. O mesmo acontece com o desenvolvimento da
sexualidade, estando intrinsecamente ligada à “socialização”, descrita por
Carvalho (2009) como sendo o processo de assimilação de características
e hábitos do grupo social em que vivemos. Foi por causa da inserção da

262
Volume VIII

criança na sociedade que Wallon (1975) a considera como um ser


“biologicamente social”.
A partir da nova concepção em relação ao sentimento de
infância, no século XIX, se inicia um novo tempo para a criança: ela agora
encontra nas leis, proteção para garantir a sua integridade, passa então a
ser vista “como um sujeito de direitos, merecedora de dignidade e respeito,
devendo ser preservada em sua integridade física e emocional” (FELIPE
& GUIZZO, 2003, p.123). O Estado se ocupou em controlar inclusive
questões voltadas para a sexualidade infanto-juvenil.
Desse modo, o sentimento de infância nasceu paralelo às
instituições de ensino. Para Zibermam (2003), a infância moderna ganha
uma nova dimensão na sua compreensão: ela surgiu a fim de provocar
relações de afeto entre a criança e a família. A partir de então a última
citada assumiria o papel de zelar pela integridade da criança, e de
oportunizar espaços de construção de saber, já que agora ela é vista como
alguém com potencialidades a serem exploradas e como ser
individualizado portador de necessidades particulares e diferenciadas dos
adultos.
Fazendo uma análise do processo de mudanças do conceito de
infância na atualidade, observe-se que esse reconhecimento é fruto de uma
nova ordem política econômica e social, a fim de “formar indivíduos
socialmente adaptados, aptos a exercer suas funções para o pleno
desenvolvimento da sociedade na qual estavam inseridos” (ARCE apud
MICARELLO, 2002, p.34). Logo, visa à oportunidade de preparar as
crianças para um futuro profissional fazendo-se necessária a inserção das
mesmas no contexto escolar.
Para os Referenciais Curriculares (1998), a concepção de criança
é uma noção construída baseada em processos históricos e
consequentemente vem mudando ao longo dos tempos, não se
apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma
mesma sociedade e época. Implica dizer que as crianças não devem ser
tratadas como seres iguais, mas considerar a particularidade de cada uma.
Logo fica atestado que, o termo infância, possui significado
abrangente relacionado às transformações sociais. Tomando como base
essa visão, não seria pertinente conceituar a criança contemporânea de
modo a atribuir-lhe a mesma significância que fora atribuída em outros

263
Vozes da Educação

momentos históricos. Sendo assim, considera-se que ao longo dos tempos


a infância foi sendo construída e reconstruída, ou seja, ela é fruto de um
processo histórico, social e cultural.

O desenvolvimento da sexualidade infantil: breve contextualização


Iniciando a abordagem sobre a formação da sexualidade da
criança, se faz pertinente apresentar o corpo, segundo uma visão
sociológica, ao dizer que este é o efeito de uma elaboração social e cultural,
incapaz de explicar-se a si mesmo. Le Breton (1957) em A sociologia do
corpo diz que este, é fruto de uma construção social seja nas suas ações
sobre a cena coletiva, nas teorias que explicam seu funcionamento, ou na
relação corpo-homem que o encarna. Não é uma simples atitude natural,
mas é continuidade conformado e transformado pela cultura, constituído
por uma diversidade de marcas desde a infância. Assim, deve ser entendido
“não como algo dado a priori, nem mesmo universal: o corpo é provisório,
mutável e mutante, suscetível a inúmeras intervenções” (GOELLNER,
2003, p. 28).
Sendo assim, pode-se dizer também nessa visão, que a
construção social em relação ao corpo reflete na sexualidade do indivíduo.
Para melhor compreensão acerca do tema abordado se faz necessário
distinguir os conceitos de sexo e sexualidade. “sexo é o conjunto de
características anatômicas e fisiológicas. Enquanto a sexualidade é a
própria vida, num processo que vai do nascer ao morrer, envolvendo, além
do nosso corpo, nossa história, nossos costumes, nossas relações afetivas,
nossa cultura”. (OLIVEIRA et al., 2008).
Rememorando a história da infância contada por Ariès, percebe-
se que até os séculos XVII não existia o conceito de sexualidade, e que
esta surgiu somente a partir do novo sentimento de infância datado nos
séculos XIX. Através de uma pesquisa iconográfica Ariès (1973), traçou
uma análise sobre a criança nos diferentes aspectos da vida. Dentre estes
aspectos se compreendia a descoberta e o sentimento da infância, a
sexualidade e o desenvolvimento infantil.
O estudo mostrou a liberdade que os adultos tinham de
comportar-se sexualmente diante das crianças, além de elas participarem
de festas, orgias, usarem linguagem sexualizada, e, como afirma o autor:
dentre outras situações era comum a “[...] indecência dos gestos” (ARIÈS,

264
Volume VIII

1973, p.123). Situações que posteriormente serão compreendidas como


inoportunas para o público infantil.
Sobre o surgimento do termo sexualidade, Foucoult (1997)
afirma que este surgiu no século XIX. Para além do remanejamento de
vocabulário, o uso desta palavra é estabelecido em relação a outros
fenômenos, como o desenvolvimento de campos de conhecimentos
diversos.
A sexualidade humana admite, portanto, mais do que dimensões
biológicas, ela comporta dimensões psicológicas e sociais. Por
conseguinte, é instaurado um conjunto de regras e de normas apoiadas em
instituições religiosas, judiciárias, pedagógicas e médicas. Assim, a
sexualidade passa a ser compreendida de modo que abranja todas as suas
dimensões, transcendendo a ideia de ser algo restringido à reprodução.
Essa mudança levou os indivíduos a dar sentido e valor a sua conduta,
desejos, prazeres, sentimentos, sensações e sonhos.
Percebe-se então que o desenvolvimento da sexualidade recebe
influências e marcas da história e da cultura que permeia a sociedade em
determinado tempo e lugar. As regras impostas por ela é que direciona o
comportamento do indivíduo e a vivência da sexualidade mediante os
valores e as normas sociais estabelecidas como, normais, certas ou erradas.
Outrossim, as normas e regras conforme, Louro (1999), são
realidades presentes também na escola. Para a autora, gestos, movimentos,
sentidos, são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e
meninas. Logo é percebida uma certa limitação quanto à liberdade da
criança. Estes sujeitos constituem suas identidades “escolarizadas” no
instante em que são envolvidos por dispositivos e práticas estabelecidas
como diretrizes de vida. Assim, “Ativamente eles se envolvem e são
envolvidos nessas aprendizagens — reagem, respondem, recusam ou as
assumem inteiramente” (LOURO, 1999, p.61).
Embora tendo sido negada por muito tempo, a sexualidade da
criança existe. Trazendo a visão psicológica, Freud (1905) na teoria
psicossexual do desenvolvimento, afirma a existência da erótica infantil,
onde as crianças desde muito cedo passam a sentir nos seus corpos
sensações de prazer provocadas através de estímulos. Os primeiros
impulsos sexuais vivenciados pelos bebês estão ligados às funções vitais, e
para o autor, toda pulsão é por excelência sexual, logo a criança dispõe da

265
Vozes da Educação

sexualidade originária, que ao passar por transformações resultará na


sexualidade adulta, ligada à genitália.
Segundo a psicanálise fundada por Freud, “as primeiras
experiências infantis são os principais fatores a determinar todo o
desenvolvimento posterior do indivíduo. Geralmente, as pessoas não têm
consciência, não sabem os motivos que as levam a agir de uma ou de outra
forma. A maior parte dos motivos seria inconsciente”. (FREUD apud
PILLETE, 1988, p.70).
Caridade acrescenta: “A sexualidade da criança, no seu contexto
infantil, revela-se na experiência de prazeres com registros profundos de
sensações que a memória do corpo não esquece”, (CARIDADE, 1997,
p.21). Partindo dessa afirmação, considera-se, pois, as funções realizadas
pelos sujeitos adultos como sendo consequência das suas primeiras
experiências sexuais.
A saber, a partir do século XIX a sociedade descobre através de
estudos realizados por Freud, que a sexualidade perpassa todas as fases do
desenvolvimento, inclusive a criança até então considerada como um ser
assexuado era capaz de desfrutar da sua sexualidade, assim como
desfrutava das necessidades vitais. Colin (1973), explica:
O sexo, mesmo na primeira fase da vida, embora em estado mais
latente, já existe na criança, tal como a necessidade de comer, de
urinar, de defecar, etc. ocorre, ainda, o fato de que a criança
demonstra curiosidade em relação ao próprio corpo e, sem dúvida,
em determinados momentos, essa curiosidade se localiza no sexo.
(1973, p.16).
Ainda assim, é comum perceber que em tempos atuais a erótica
infantil continua sendo negada ou mesmo coibida. É atribuído à criança o
sentimento de inocência e incapacidade de compreender assuntos
relacionados à sexualidade e ao sexo como parte integrante do corpo. “A
sexualidade se apresenta na vida das pessoas de maneira única. Associa-se
a ideias [ideias] e sensações de amor, prazer, afetividade, auto-estima,
[autoestima] porém é tratada como um assunto proibido e constrangedor,
desenvolvendo-se assim pouca afinidade com a sua própria sexualidade”
(MANGOLD et al., 2008, p.04).
As crianças são privadas de tocar e conhecer o próprio corpo e
de ter acesso às informações sobre o comportamento sexual. Predomina,
portanto, a educação que não orienta porque é proibido falar sobre o

266
Volume VIII

assunto, no entanto, não faz restrição quanto o acesso aos mais variados
meios de informações. Meios suscetíveis a apresentar informações
desregradas de maneira a trazer sérios riscos ao desenvolvimento da
sexualidade.
Em vista disso o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil – RCNEI orienta professoras e professores a
trabalharem com as crianças os seguintes aspectos: conhecer o próprio
corpo e diferenciarem-se do outro a fim de elaborar sadiamente a
autoidentidade; exprimir sua sexualidade a fim de construir uma boa
relação com o prazer, explorar o corpo criando consciência de suas
necessidades, habilidades, sensações, capacidades, possibilidades
expressivas, limites e da autoimagem corporal.
Faz- se relevante preparar a criança para que ela possa entender
as funcionalidades e as mudanças do corpo e assim enfrentá-las com mais
segurança e naturalidade quando chegar à fase da puberdade, pois é na
adolescência que se intensifica o desenvolvimento sexual quando os
adolescentes “se valem de suas próprias experiências corporais,
hormonais, psicológicas e da interação com o mundo exterior para
desenvolver sua sexualidade” (CANELA, 2009, p.82).
Desde a infância toques e atividades com o próprio corpo e os
corpos de outras pessoas proporcionam prazer e ganham uma
especificidade erótica crescente, até alcançarem o prazer genital, a partir
da adolescência. No entanto, sexualidade não é apenas sensação física; é,
sobretudo, o conjunto de significados atribuídos pelo indivíduo às
experiências corporais prazerosas (ANDRADE, 2005). Certamente
quando a sexualidade for compreendida considerando esse conjunto de
significados, facilitará o diálogo e a forma de ensinar e aprender a
sexualidade nos espaços escolares e familiares.
No diálogo entre a escola e as famílias, pretende-se que a sexualidade
deixa de ser tabu e, ao ser objeto de discussão na escola, possibilite a
troca de idéias [ideias] entre esta e as famílias. O apoio dos pais aos
trabalhos desenvolvidos com os alunos é um aliado importante para
o êxito da Orientação Sexual na escola (BRASIL, 1988, p.304).
A escola por sua vez, precisa estar preparada para dialogar com
os pais e/ou responsáveis pela formação das crianças, apresentando a elas
a necessidade da orientação sexual para o fazerem-se indivíduos
sexualmente saudáveis. A cumplicidade entre as duas instituições de

267
Vozes da Educação

ensino: família/escola é de indispensável importância para que haja


eficácia na proposta de formação do sujeito evitando uma maturação
precoce que consequentemente resultará na sua alteração emocional.

Metodologia da pesquisa
A pesquisa se caracteriza como uma forma de investigação que
se utiliza de observações e análises com o propósito de responder
perguntas e resolver problemas. Desse modo, contribui com possíveis
mudanças e melhorias da realidade estudada. “Na condição de princípio
científico, a pesquisa apresenta-se como a instrumentação teórico
metodológica para construir conhecimento” (DEMO, 2000, p.33). O
estudo realizado se apoia nos suportes paradigmáticos: descritivo e
exploratório, utilizados para entender a natureza das ciências sociais. A
natureza dessa pesquisa é, pois, qualitativa.
É apoiada no paradigma descritivo porque “tem como objetivo
primordial a descrição de características de determinada população ou
fenômeno ou estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 1999,
p.44). O método utilizado na pesquisa é o fenomenológico que tem como
fim a busca de significado da experiência. Poderá buscar uma
compreensão idealista a fim de alcançar a essência ou uma compreensão
mundana no mais alto grau de criticidade, sem a pretensão de encontrar
respostas definidas do fenômeno observado. É de caráter descritivo e visa
apresentar os fatos tal qual eles são apresentados.
A presente pesquisa foi desenvolvida na cidade de Jeremoabo no
estado da Bahia. O município está localizado na Zona fisiográfica do
Nordeste, totalmente incluído no “Polígono das Secas”. De Salvador,
capital do estado da Bahia, em direção à sede municipal medem-se 371 km
de distância.
Os sujeitos da pesquisa foram o diretor da Unidade Escolar e
sete professoras de séries iniciais do Ensino Fundamental, , os quais serão
citados através de codinomes. A pesquisa foi realizada na Escola
Municipal João Paulo II, situada no Bairro João Paulo II, na cidade de
Jeremoabo-Ba. Foi usado como instrumento para coleta de dados, o
questionário contendo perguntas fechadas que, para Richardson (1999), é
um instrumento utilizado para o pesquisador que deseja descrever as

268
Volume VIII

características e medir determinadas variáveis de um grupo social, com a


finalidade de cumprir alguns objetivos.

Análise dos resultados da pesquisa


O presente capítulo será destinado à análise e interpretação dos
resultados coletados através do questionário fechado, aplicado a sete
professoras e ao gestor da escola, já mencionada. A pesquisa é iniciada a
partir de um problema ou uma pergunta e termina com um produto que
dá origem a novas interrogações. No processo então denominado ciclo da
pesquisa, acontece a fase exploratória, o trabalho de campo e tratamento
do material.
Sendo assim, os resultados dessa pesquisa, buscou analisar a
concepção que o educador apresenta sobre a temática da sexualidade
infantil. Desse modo buscou-se obter respostas dos profissionais da
instituição a partir dos questionamentos dispostos a seguir.
No primeiro momento perguntou-se: Em qual fase da vida
humana você concorda que os estímulos sexuais e as sensações de prazer
se fazem presentes?

Gráfico 01: Os estímulos sexuais e as sensações de prazer na


vida humana
0% 12% Somente com a chegada da puberdade
Se apresenta na puberdade e cessa na
velhice
Se apresenta na infência e cessa na
25% velhice
Se apresenta do primeiro ao último dia de
63% vida

Fonte: Pesquisa realizada em dezembro de 2014.

Todos os sujeitos dispensaram a primeira alternativa, a qual


afirma que os estímulos sexuais e as sensações de prazer se apresentam
somente com a chegada da puberdade. A professora Nina revelou se
apresentar com a chegada da puberdade cessando na velhice. As
professoras Roberta e Sandra acreditam que esses estímulos se apresentam
na infância, mas cessa na velhice. Apesar das primeiras respostas serem

269
Vozes da Educação

contraditórias entre os participantes, 63% afirmaram que do primeiro ao


último dia de vida os estímulos sexuais, bem como as sensações de prazer
estão presentes na vida do ser humano, concordando assim, com a teoria
do desenvolvimento psicossexual Freudiana.
Para Freud (1940), a sexualidade nasce apoiando-se numa das
funções somáticas vitais, ou seja, os primeiros impulsos da sexualidade
aparecem ligados a funções vitais. Nessa perspectiva se faz coerente à
resposta de quem afirmou se fazer presente todos os dias da vida humana.
Já os entrevistados cuja colocação revela que os estímulos sexuais chegam
junto com a puberdade, nega a teoria apresentada por Freud e se faz
entender em sua opinião que só são considerados estímulos sexuais se
estiverem ligados à genitália. A perspectiva de resposta para a pergunta a
seguinte é voltada para as manifestações sexuais que os educadores
consideram precoces para a criança. Logo, perguntou-se: Quais das
manifestações sexuais apresentadas a seguir você considera precoce para
crianças?

Figura 02: Manifestações sexuais consideradas precoces para


criança
25% 25% São precoces, as manifestações de prazer causadas pelo toque
nos órgãos genitais

0% São precoces para crianças, todas as manifestações sexuais que


contemplam o mundo adulto, sejam elas de caráter sensual,
excitante ou erótico
Só são consideradas manifestações sexuais se estiverem
relacionadas à genitália
50%
Por ser um indivíduo inocente na sua totalidade, a criança não
apresenta manifestações sexuais

Fonte: Pesquisa realizada em dezembro de 2014.

As professoras: Nina e Roberta, afirmaram que o gesto de tocar


os órgãos genitais é considerado precoce para a criança. Diante dessa
colocação é interessante refletir sobre a seguinte ideia: “Se para a criança,
tanto a manifestação de sua sexualidade quanto sua curiosidade e fala são
naturais e espontâneas, a capacitação do adulto nessa área é claramente
necessária para que sua intervenção seja adequada” (CAMARGO e
RIBEIRO, 1999, p.58). Nesse caso, o gesto de tocar o corpo faz parte do
processo natural de desenvolvimento, onde a criança movida pela

270
Volume VIII

curiosidade interage com o corpo, a fim de encontrar respostas para as


transformações que ocorrem a partir da relação consigo mesma. Em vista
disso cabe aos educadores no contexto escolar, mas também no contexto
familiar, compreender essa necessidade pela qual a criança passa, e, intervir
de forma que ajude no processo de descoberta, sem usar de método
proibitivo e castrador.
Quatro dos oito sujeitos da pesquisa concordam que são
precoces todas as manifestações sexuais que contemplam o mundo adulto,
sendo elas de caráter sensual, excitante ou erótico. Todos os entrevistados
negaram que só são manifestações precoces se estiverem ligadas à
genitália. As professoras Cátia e Roberta ressalvam que por ser um
indivíduo inocente na sua totalidade, a criança não apresenta
manifestações sexuais. As últimas citadas, disseram na situação anterior
que logo no primeiro dia de vida, os estímulos sexuais e as sensações de
prazer se fazem presentes na vida humana, entretanto na questão atual elas
negam que as manifestações ocorram, pois, considera a criança um ser
puramente inocente.
Sequencialmente foi perguntado aos educadores: Quais
problemas podem ser desencadeados quando os impulsos sexuais da
criança são acionados de maneira inadequada?

Figura 03: Acionamento dos impulsos sexuais


9%
9% Distúrbios emocionais
36%
Baixo rendimento escolar

Perda do sono

Não ocasiona nenhum dos


46%
problemas citados

Fonte: Pesquisa realizada em dezembro de 2014.

As professoras Cleide, Roberta, Estela e Sandra, dentre todas as


alternativas afirmaram que tal acionamento pode levar a criança a ter
apenas distúrbios emocionais. Já o Diretor Pedro e as professoras Cátia,
Mariana, Roberta e Sandra disseram que de todas as opções apresentadas,

271
Vozes da Educação

pode levar a criança a ter baixo rendimento escolar. A professora Roberta,


acha que além de distúrbios emocionais e baixo rendimento escolar,
provoca ainda, perda do sono. Porém a professora Nina, acredita que não
ocasiona nenhum dos problemas sugeridos no questionário. Nota-se mais
uma vez que os professores se dividem em suas opiniões.
Conforme Santos (2009), pode provocar todas as situações
sugeridas, quais sejam: distúrbios emocionais, baixo rendimento escolar,
perda do sono e tantos outros problemas. Cezimbra (1999) explica ainda,
que o processo de estímulo sexual pode gerar um efeito oposto à chegada
da puberdade, pois na chamada fase de latência, dos 05 aos 12 anos, as
questões relativas à sexualidade ficam submersas, para que a criança possa
desenvolver os seus ideais estéticos, o raciocínio matemático e entre no
mundo das letras. O estímulo à sexualização nessa idade trará prejuízo
imediato ao aprendizado da criança, especialmente no processo de
alfabetização.
Ressalve-se ainda, que quando os impulsos sexuais são acionados
de maneira inadequada, poderá refletir em iniciação sexual cada vez mais
cedo levando à possível gravidez na adolescência, à disseminação de
doenças sexualmente transmissíveis, à banalização do sexo, à prostituição
infantil. Partindo dos resultados apresentados, os educadores que
responderam ao questionário concluíram que tal acionamento contribui
de forma direta ou indireta no desencadeamento de algum dos problemas
sugeridos. Entretanto, nenhum deles considerou que pode ocorrer todos
os problemas indicados: distúrbios emocionais, baixo rendimento escolar
e perda do sono.

Considerações finais
Conforme apontaram as discussões, a concepção que se tem da
infância hoje, é fruto de um processo histórico construído cultural e
socialmente. Em cada tempo era atribuído um sentimento. A princípio,
observe-se que a criança, no contexto pesquisado por Ariès, era vista como
um adulto em miniatura, participando de todas as atividades inclusive das
relacionadas à sexualidade e ao sexo.
Com o surgimento das instituições de ensino, a formação era
voltada para o preparo profissional pensando a criança como um sujeito
que viria a ser. A infância por sua vez, deixava de ser analisada como uma

272
Volume VIII

fase presente na vida da criança, na perspectiva de ser um momento


preparatório para a fase adulta. No contexto da contemporaneidade, a
infância ganha uma conotação diferente e a criança passa a ser então um
sujeito de direitos, tendo desse modo a sua integridade preservada.
Enquanto espaço social, a escola precisa estar preparada para a
formação do sujeito em todos os seus aspectos. Entretanto, o que se
percebe por meio deste estudo é que quando se trata do desenvolvimento
da sexualidade da criança ainda há um despreparo por meio dos
profissionais diretamente ligados à educação para lidar com questões afins.
Embora acreditando que a criança sente estímulos sexuais desde
o seu primeiro dia de vida, alguns profissionais acham precoce o toque na
genitália durante essa fase. Diante disso se pergunta: Qual seria a
intervenção desse profissional ao se deparar com uma situação parecida
no ambiente escolar? Existe ainda o profissional que associa a sexualidade
somente à genitália. Igualmente preocupante é pensar no profissional que
acredita que por ser a criança um ser inocente não sente nenhum estímulo
sexual.
Logo, o que deveria ser orientado pelas instituições de ensino
acaba sendo negligenciado, em detrimento de tabus que até hoje não se
romperam. O que se percebe muitas vezes é que a criança fica exposta a
situações e informações mal direcionadas levando na sua maioria a uma
maturidade precoce ou a conhecimentos vazios de significados ou
excessivamente à frente da linguagem apropriada para a fase da criança.

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275
Vozes da Educação

O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES DE UMA


PROFESSORA PESQUISADORA

Vanessa Galoni 48

RESUMO
Buscou-se neste estudo relatar e refletir sobre aspectos do
desenvolvimento infantil necessários à formação de professores da
Educação Infantil. As crianças que inspiraram este estudo e que estiveram
presentes durante a investigação tinham idade entre três e cinco anos.
Procurou-se compreender o valor da brincadeira na Educação Infantil em
seu papel mediador do conhecimento sobre si e sobre o mundo para as
crianças desse nível de ensino, além de refletir sobre a brincadeira e a
imaginação como funções constitutivas do psiquismo da criança.

Palavras-chave: Educação infantil. Desenvolvimento infantil. Formação


de professores. O brincar na educação infantil.

ABSTRACT
This research is about the aspects of child development which are
necessary for teacher training of early childhood education. Children aged
between 3 - 5 years have inspired this research and have participated in
the investigation. The research has provided the understanding about the
play’s importance and also the play’s role as a mediator of knowledge
about themselves and about the world for children who are in this
education level, and it was made reflections about play and imagination as
constitutive functions of the child psyche.

Keywords: Early childhood education; Development childhood; Teacher


training; Playing in childhood education.

Possui graduação em Pedagogia, especialização em Psicopedagogia e Arte, Educação e


48

Terapia, além de mestrado em Educação. Tem experiência na área da Educação como professora
de educação infantil e como coordenadora pedagógica de ensino fundamental I e II.

276
Volume VIII

Caminhos da pesquisa: relações entre a vida e o campo de investigação

Este artigo é um recorte da minha dissertação de mestrado, em


que busquei relatar e refletir sobre aspectos do desenvolvimento infantil
necessários à formação de professores da Educação Infantil. Como
professora de uma escola municipal de Educação Infantil, na cidade de
Piracicaba, São Paulo, interessei-me por compreender a importância da
imaginação e da brincadeira no desenvolvimento das crianças.
Como docente em uma escola localizada na periferia49 da cidade;
no início dos estudos, minha hipótese era a de que as crianças de três e
quatro anos, então meus alunos, elaborariam, por meio de narrativas e
brincadeiras, acontecimentos, sobretudo relacionados à violência que
compõe suas vidas nos espaços pelos quais circulam e nas relações sociais
de que participam.
Episódios vivenciados durante o meu primeiro ano de trabalho
como professora nessa escola contribuíram para motivar meus estudos e
meu desejo de pesquisar sobre as crianças que convivem com a violência
ir aumentando. A partir de relatos das crianças – durante brincadeiras,
rodas de conversa e em situações diversas – sobre as situações de violência
que vivenciavam ou observavam, parti de dois pressupostos para elaborar
o objetivo inicial da investigação.
O primeiro deles foi o de que a identidade e as relações
intrafamiliares dos moradores de territórios considerados violentos e
categorizados assim em um espaço e um tempo determinados são afetadas
e estigmatizadas, como ensinam Goffman (1988), Chauí (1999; 2007) e
outros autores que analisam o fenômeno da violência.
O segundo pressuposto foi elaborado a partir dos subsídios
teóricos em Vigotski (1993), Leontiev (1988) e seus seguidores, e o de que,
nas brincadeiras e nas narrações, podemos encontrar pistas reveladoras
das elaborações das crianças sobre seu cotidiano.

49Dos estudos de Milton Santos (2007) depreende-se que o conceito de periferia é relacional:
pressupõe a existência de um centro e concentra relações de poder e tensões, transformando-se
no tempo e no espaço. A partir dos anos 1960-1970, com a metropolização, a periferia passa a
ser um espaço de exclusão por excelência, de acesso precário aos direitos de pertencimento às
cidades.

277
Vozes da Educação

O professor, ao atentar para o que dizem as crianças e como se


manifestam no brincar, pode captar indícios dos modos como elas
significam as experiências de vida. Sendo assim, a professora pesquisadora
passa a analisar também a sua experiência e formação.
No decorrer dos estudos, das leituras, das observações mais
acuradas, fui me dando conta de que, sim, é verdade que o bairro se
constitui como violento; também é realidade que as crianças sentem medo
e narram sobre os acontecimentos de seu entorno, e dessas situações
tenho exemplos. Durante as rodas de conversa, comumente as crianças
relatavam sobre as invasões da polícia no bairro, incêndio de ônibus
circulares, visitas em penitenciárias, assassinatos, entre outros. Dessas
observações e a partir da minha compreensão do papel da escola, acredito
então que os profissionais da escola precisam atentar para a vida das
crianças, fundamentalmente para o desenvolvimento do psiquismo
humano e o papel da educação infantil.
Entendo que a brincadeira não é algo natural no
desenvolvimento da criança, mas, ao contrário, na perspectiva histórico-
cultural que assumo – brincar é atividade que promove desenvolvimento
e desempenha função primordial no modo como as crianças se relacionam
com a realidade.
A motivação mais imediata para este estudo é o envolvimento
com meus alunos e a compreensão da necessidade de conhecimento sobre
o desenvolvimento infantil. As crianças que inspiraram este estudo e que
estiveram presentes durante a investigação tinham idade entre três a cinco
anos, frequentavam a escola no período parcial e integral, configurando-
se como alunos das turmas de Maternal II e Jardim II no ano de 2012 a
2014. As crianças que frequentam o período parcial ficam na escola apenas
em um período do dia, ou só de manhã ou à tarde, já as crianças do período
integral ficam o dia todo na escola, das 07h00min às 17h30min.
Muitas foram as histórias relatadas pelas crianças, e eu estava
sempre atenta para os assuntos relacionados à violência que os cercavam.
Fiquei atenta às falas das crianças nas rodas de conversa e enquanto elas
brincavam entre si. Durante quase três anos do meu trabalho docente,
dediquei muito tempo de nossa convivência observando as crianças e
anotando o que diziam.

278
Volume VIII

Cruz (2011) reflete sobre a imaginação, a linguagem e a


elaboração do conhecimento, tocando bem de perto a percepção do que
poderia ter sido prioridade nesta pesquisa e que, agora, pode muito bem
ser importante para as futuras reflexões:
O significado é móvel, aberto, incompleto e sua significação se
constitui, se transforma e só pode ser explicada pela/na interlocução.
A questão da significação implica a atividade dos homens com e na
linguagem que, enquanto produto histórico e atividade humana, é
também produção e criação (p. 98).
Compreendi que, de fato, as crianças convivem diariamente com
a violência, seja ela em casa, na rua, ou na televisão, e isso aparecia em suas
falas e em brincadeiras; afinal, a criança reproduz nas brincadeiras o que
vivencia no seu cotidiano, reproduzem experiências reais e também
imaginam. Vigotski, na obra Imaginação e Criação na Infância (2009),
afirma que um tipo de atividade que se pode denominar de criadora – e a
imaginação aqui é elemento constitutivo – é a que reconstitui ou reproduz
o que vivencia e, portanto, está ligada à memória. É possível “reproduzir
marcas daquelas impressões que tive” (p.12).
A partir do momento que passei a interagir com as crianças e a
observá-las durante as brincadeiras, minha relação com elas se alterou
profundamente. Fui compreendendo e assumindo o desafio de ser
professora de Educação Infantil e de ser, também, responsável pelo
desenvolvimento das funções culturais dessas crianças. Para Leontiev
(1978, p. 271 – grifos do autor): “A criança não está de modo algum
sozinha em face do mundo que a rodeia. As suas relações com o mundo
têm sempre por intermediário a relação do homem aos outros seres
humanos. A sua atividade está sempre inserida na comunicação”.
O que foi, então, acontecendo no meu fazer-se professora? Parei
de escutar apenas as coisas ruins – os indícios de violência e de horror –
que as crianças me contavam; interagi, aproximei-me das crianças em
atitude de quem assume que, ao brincar, ao relacionar-se com os adultos
– e no meu caso, relacionar-se com a professora – a criança aprende a se
posicionar diante das coisas da vida e com as outras pessoas.
A partir das leituras realizadas para compor esse estudo, comecei
a aprender sobre a minha docência, sobre o meu papel como professora
mediadora, sobre a importância do brincar para o desenvolvimento
infantil, e principalmente sobre o papel do professor mediando novos

279
Vozes da Educação

conhecimentos, estruturando o mundo culturalmente construído através


das brincadeiras para as crianças.
Os textos de Smolka (2010) contribuiram para essa reflexão ao
explicar como é fundamental “pensar a dinâmica interconstitutiva das
dimensões individual, social, ideológica” (p. 125) porque é nessa dinâmica
que acontece a relação de ensino.

Brincadeira na educação infantil


Observando os vídeos gravados por mim com as crianças para a
realização desta pesquisa, percebo que eu estava preocupada em captar
falas sobre a violência que eles vivenciavam ou observavam, durante suas
brincadeiras. Meus ouvidos estavam treinados para ouvir apenas essas
histórias, precisava tirar o foco dos atos de violência.
Foi então que ao iniciar as transcrições das videogravações, pude
refletir sobre o meu papel como educadora. Eu ficava filmando de longe
ou anotando o que as crianças me contavam, não interagia com elas, pouco
conversava, as deixava “livres” ou melhor, quase abandonadas. Ainda não
havia compreendido que o papel do professor, como alguém mais
experiente, é fazer a mediação da criança com o mundo de forma
intencional, buscando o seu desenvolvimento pleno.
Quando finalmente interagi com as crianças durante uma
brincadeira em que estavam fazendo armas com peças de encaixe, Nayara
me pede para fazer uma arma pra ela, então, eu respondo com o meu pré-
conceito para a criança que não sabia fazer armas. Estudando Leontiev,
compreendi que não é por que a criança brinca com armas de peças de
encaixe que serão bandidos futuramente. Ela brinca para experimentar o
mundo. Leontiev explica que a brincadeira da criança não é instintiva, mas
precisamente humana, ela aprende com o outro a brincar; é através da
brincadeira que a criança constitui a base de sua percepção do mundo dos
objetos humanos.
Em outro episódio, as crianças se aproximam de mim e iniciam
uma brincadeira: “Tia, mão pra trás!” Nessa brincadeira, Nayara, Renata e
Paulo me “prendem”, falaram que iriam me matar (mas ressaltaram que
era de “mentirinha”, só na brincadeira). Então entro na brincadeira,
pergunto o porquê estavam me levando, e as crianças me responderam
apenas que eu estava presa. Enquanto me empurravam rindo para um

280
Volume VIII

canto da sala, outras crianças se desesperaram com a situação e queriam


me defender, mas logo compreenderam que era uma grande brincadeira.
Fui interrogada: “o que você tava fazendo lá?”, “você tá presa!”. Então me
“amarram”, não posso sair de lá, pergunto o que farão comigo, respondem
que não vão me soltar. Logo aparece um “super herói” para me ajudar,
então sugiro brincar de outra coisa e Renata, “líder da brincadeira” aceita
fácil e sugere brincarmos de pega-pega.
A partir desse dia, sempre pedia para as crianças me deixarem
participar das brincadeiras. Nas rodas de conversa as crianças se
recordavam dessa brincadeira e me perguntavam se poderíamos brincar,
de novo, da brincadeira em que eu era presa. Em outras brincadeiras fui
me envolvendo mais com as crianças. Criava situações conflituosas que
envolviam vários papéis sociais (mãe, professora, filha, pai, médico,
dentista, polícia, entre outros), para ver a reação das crianças. A fim de
ampliar a experiência da criança, parafraseando Vigotski (2009), quanto
maior a quantidade de elementos da realidade de que a criança dispõe em
sua experiência durante as brincadeiras, mais significativa e produtiva será
a sua imaginação.
Segundo Leontiev (1988), no início do período pré-escolar do
desenvolvimento de uma criança, tornam-se evidentes vários tipos de
discrepâncias entre sua atividade e o processo de satisfação de suas
necessidades vitais.
A satisfação de suas necessidades vitais é, na realidade, ainda
diferente dos resultados de sua atividade: a atividade de uma criança não
determina e, essencialmente, não pode determinar a satisfação de suas
necessidades de alimento, calor etc. Essa atividade é, portanto,
caracterizada por uma ampla gama de ações que satisfazem necessidades
que não se relacionam com seu resultado objetivo.
Em outras palavras, muitos tipos de atividades nesse período do
desenvolvimento possuem seus motivos (aquilo que estimula a
atividade) em si mesmos, por assim dizer. Quando, por exemplo, uma
criança bate com uma vara ou constrói com blocos, é claro que ela
não age assim porque essa atividade leva a um certo resultado que
satisfaz a alguma de suas necessidades; o que a motiva a agir nesse
caso aparentemente é o conteúdo do processo real da atividade dada.
(LEONTIEV, 1988, p. 119).

281
Vozes da Educação

Essa atividade a que Leontiev se refere, que é caracterizada pelo


processo e não pelo produto final, é a brincadeira.
Segundo o autor, a brincadeira da criança não é instintiva, mas
precisamente humana; é através da brincadeira que a criança constitui a
base de sua percepção do mundo dos objetos humanos. Durante o
desenvolvimento da consciência do mundo objetivo, uma criança tenta
integrar uma relação ativa com as coisas diretamente acessíveis a ela, mas
também com o mundo mais amplo, ou seja, ela se esforça para agir como
se fosse um adulto:
A criança quer, ela mesma, guiar o carro; ela quer remar o barco
sozinha, mas não pode agir assim, e não pode principalmente porque
ainda não dominou e não pode dominar as operações exigidas pelas
condições objetivas reais da ação dada. (LEONTIEV, 1988, p. 121).
Sendo assim, não é por que a criança brinca com armas de peças
de encaixe que serão bandidos futuramente, assim também quando a
criança brinca no faz de conta de motorista de ônibus, professor,
bombeiro, gari, etc., seguirá tais profissões. Ela brinca para experimentar
o mundo.
Leontiev (1988, p. 122) explica que o desenvolvimento mental de
uma criança é conscientemente regulado pelo controle de sua relação
precípua e dominante com a realidade pelo controle de sua atividade
principal, que é a brincadeira. O autor explica que é essencial saber como
controlar o brinquedo de uma criança; para fazer isso é necessário saber
como submetê-la às leis de desenvolvimento do próprio brinquedo, caso
contrário haverá uma paralisação do brinquedo/ brincadeira em vez do
seu controle.
Após as leituras realizadas sobre a brincadeira na educação
infantil, observando as crianças, parecia que elas não sabiam brincar;
pegavam vários objetos (potes, embalagens, panelas, bonecas, carrinhos,
etc.) apenas para não deixarem que seus amigos brincassem, pegavam
muitas coisas e me parecia que não brincavam. Foi então que compreendi
que precisava estar com as crianças e brincar com elas. Fiz uma roda com
as crianças, peguei as caixas de brinquedos, joguei no chão, comecei a
montar a minha “casinha”, cada coisa em seu lugar. Expliquei para as
crianças que antes de começar a nossa brincadeira precisamos organizá-la,
e eles entenderam. Aprenderam a brincar. Organizavam suas casas,
levavam seus filhos na creche, pegavam ônibus para ir trabalhar,

282
Volume VIII

passeavam, voltavam pra casa, faziam comidinhas, dormiam... Essa se


tornou a melhor hora dos nossos dias, “brincar lá fora” era o momento
mais aguardado do nosso dia.
Zilma de Oliveira (2011, p. 21) explica que para os pensadores
Vigotski e Wallon, assim como Leontiev, o desenvolvimento humano se
dá por meio das trocas recíprocas que se estabelecem durante toda a vida
entre fatores biológicos e sociais, e entre indivíduo e meio, cada aspecto
atuando sobre o outro. Sendo assim, as características do sujeito e o
conhecimento que ele tem do mundo são construídos especialmente nas
relações interpessoais em que ele se envolve e que o levam a atribuir
sentido às situações e a apropriar-se de formas de agir, sentir e pensar
vigentes na cultura. Nesse sentido, é na interação da criança em
determinado tempo e espaço com outros seres humanos, em práticas
sociais ocorrendo em contextos históricos concretos – e, por
consequência, simbólicos – com suas tecnologias, valores e seus modos de
pensar e expressar emoções que se dão a gênese do pensamento, a
construção do conhecimento e a constituição de si mesmo como sujeito,
pelo indivíduo.
Para Oliveira (2011, p. 25), se admitirmos o caráter básico da
díade adulto-criança no desenvolvimento infantil, teremos várias questões
a fazer sobre a creche como contexto de aprendizagem e desenvolvimento
de crianças pequenas, visto que ela constitui um ambiente onde poucos
adultos são responsáveis pelo cuidado e educação de um grande número
de crianças e onde outras crianças são os parceiros mais disponíveis para
a interação. Portanto, investigá-la constitui uma excelente situação para
testar o modelo dialógico de desenvolvimento aqui exposto, pois permite
Verificar como se dá a construção da criança pequena enquanto
sujeito, quando ela passa grande parte do tempo de vigília em um
ambiente onde a possibilidade de envolver-se em atividades com
parceiros mais experientes e que lhe garantam complementação de
papéis é menor e onde predominam oportunidades de interação de
coetâneos. (OLIVEIRA, 2011, p. 26).
Nesse mesmo texto, a autora argumenta que a perspectiva para a
compreensão do processo de desenvolvimento infantil aberta pelos
trabalhos de Vigotski e realizados a partir da influência da dialética
marxista apresenta alguns pontos novos em relação ao surgimento da
consciência do indivíduo. As obras de Vigotski trazem as marcas do

283
Vozes da Educação

período histórico em que ele viveu, o da implantação do regime comunista


na sociedade russa, e foram formuladas a partir de intensa atividade de
pesquisa e de discussão teórica objetivando definir novas bases para a
Psicologia, que lhe trouxessem um novo estatuto científico e relevância
para o encaminhamento de questões educacionais e de prática médica.
Segundo a autora, se para Vigotski (1935/1986), tal como Marx
e Engels expressam em A Ideologia Alemã (1996), somos as relações
sociais encarnadas em nós, as funções psicológicas superiores dos
humanos são mediadas por signos e originadas da internalização de
relações sociais envolvendo a criança e parceiros mais experientes de sua
cultura. Sendo assim, Vigotski nos convida a prestar atenção no trabalho
que é construído em tarefas partilhadas em que, em uma zona limite entre
suas ações e as de outrem, os indivíduos se apropriam do que inicialmente
lhes é exterior e usam-no para orientar e controlar suas próprias ações.
Para o autor, o dinamismo dessa interação faz com que o indivíduo gere
novos “instrumentos” de comportamento, a depender das condições de
produção existentes naquele tipo de sociedade, e internalize a própria
relação social e os mediadores simbólicos nela presentes.
Nessa concepção, afirma Oliveira, os adultos interagem com as
crianças tentando incorporá-las, desde o nascimento, na esfera simbólica
da cultura, em seus significados historicamente constituídos e seus modos
de comportamento e de operar com a informação. Essa interação é
realizada por meio de gestos indicativos e de questões estruturadoras em
tarefas conjuntas nas quais os modos adultos de lidar com o conhecimento
interagem com o raciocínio espontâneo da criança, promovendo assim o
seu desenvolvimento.
Conhecendo a brincadeira como um momento de interação e de
aprendizagem de conduta, realizei uma brincadeira com duas crianças que
tinham um comportamento muito agressivo com os colegas de sala. Certo
dia, Silvia se sentou na minha cadeira junto à minha mesa, a mesa do
professor, aproveitei o momento e disse: vamos brincar que você é a
professora e eu sou você? Silvia sorrindo concordou imediatamente. Foi
então que eu disse pra ela já que você é a professora eu vou ali bater no
Anderson, ele é muito chato. Peguei o Anderson e fiquei brigando com
ele na brincadeira, e a Silvia fazia o meu papel, ela dizia que eu não podia
bater nos meus amigos, e que eu iria ficar sem ir ao parque. Anderson que

284
Volume VIII

também é agressivo com os amigos gostou da brincadeira e também quis


ser o professor. Então toda vez que eles estavam agressivos eu pedia para
que eles brincassem de ser a professora, porque eu estava cansada. Essa
brincadeira ajudou muito, eles melhoraram consideravelmente seus
comportamentos.
Essa forma de conceber a atividade humana, explica a autora, não
dissocia o orgânico do social, destacando o valor da apropriação ativa que
a criança faz da cultura do seu grupo social.
A interação social propicia a internalizarão dos mediadores
simbólicos e da própria relação cultural. Então, a partir de estruturas
orgânicas elementares da criança, determinadas basicamente pela
maturação, formam-se novas e mais complexas funções mentais, a
depender da natureza e das experiências sociais a que ela esta exposta.
(VIGOTSKI, 1981, p.10).
Ainda de acordo com a teoria histórico-cultural, o ambiente
social em que a criança se insere constitui uma zona de desenvolvimento
onde membros mais experientes da cultura servem como forma indireta
de consciência para a criança. Oliveira (2011, p. 57-58) explica que é
através da fala realizada por outras pessoas, por exemplo, os familiares e
os professores, que a criança desenvolve uma capacidade para se
autorregular e constitui uma fala interna, instrumento de planejamento da
ação, realizando assim diálogos internos, impondo-se uma atitude social,
conforme internaliza formas culturais de comportamento, ou seja, papéis.
Sendo assim, retomamos o principal objetivo deste estudo, que é
a professora que relata e reflete a sua prática e formação como professora
de Educação Infantil e que passa a compreender o valor da brincadeira na
Educação Infantil em seu papel mediador do conhecimento sobre si e
sobre o mundo para as crianças desse nível de ensino inserindo-as e as
ajudando a constituir indiretamente sua consciência.
Oliveira (2011, p. 70) ensina que o estudo da construção cultural
do psiquismo tem enfrentado a questão de como representações coletivas
e modos de significar o mundo e a si mesmo são apropriados e
transformados pelas crianças por meio de diferentes práticas sociais. O
desafio das pesquisas sobre esse tema é o de trabalhar com uma visão de
crianças e de interação humana que considere a dramaticidade das
situações, espaço de confronto de motivos, afetos e perspectivas.

285
Vozes da Educação

De acordo com Oliveira (2011, p. 71), papéis são assumidos


pelos indivíduos conforme eles buscam nas situações concretas em que
estão inseridos um sentido de acordo com as interpretações que formulam
a todo momento em relação a elas. Por isso, para a autora, a realidade
psicológica de cada indivíduo é narrativa e dinâmica, essencialmente
embutida nos contextos histórico, político, cultural, social e interpessoal.
Pela abertura à experiência necessária ao desempenho do papel, explica
Oliveira (idem, p 71), pode-se dizer que em cada situação papéis são
desempenhados pelos indivíduos, ou seja, estes se aventuram,
experimentam de modo ativo diferentes possibilidades, testam meios de
alcançar um fim, o que não exclui um desempenho habilidoso. Sendo
assim, não perdemos de vista a concepção de ser humano como agente de
sua própria experiência e desenvolvimento.
Nas dinâmicas situações que são então criadas, Zilma Oliveira
(2011, p. 71) relata que as ações culturalmente recortadas constituem
papéis relacionados a contra papéis que podem ser assumidos pelos
participantes. Os papéis são, em sua maioria, reconhecíveis pelos
membros da cultura dos sujeitos, podendo ser previstos, adotados, sem
que com isso os indivíduos percam a possibilidade de atualizá-los,
enriquecendo seu próprio repertório. Desse panorama, podemos entender
o jogo de papéis como um processo dialógico presente nas interações
humanas em que, ao mesmo tempo em que os indivíduos recortam sua
ação com base em sentidos extraídos de matrizes históricas e culturais
específicas, eles se apresentam como agentes ativos constituindo-se como
sujeitos.
Luis gostava de brincar comigo de casinha, eu era a filha dele. Ele
saía para trabalhar e me deixava em casa cheia de recomendações,
principalmente a de que eu não poderia jogar videogame. Luis adora jogar
videogame, sempre que desobedece seus pais ele fica sem jogar.
É importante considerar que o conceito de papel proposto
abrange tanto os chamados papéis sociais (ser mãe, pai, professor,
bombeiro...), quanto os papéis que podem ser chamados de
“psicológicos”, por se referirem às formas de agir nas situações
envolvendo determinadas atitudes (autoritarismo, atuar como vítima do
outro etc.) ou ainda maneiras específicas e historicamente elaboradas de
funcionamento psicológico (a forma de ser narrador de uma história, de

286
Volume VIII

apresentar certa maneira de resolver problemas ou de reagir a uma situação


e outras).
No jogo de papéis, segundo a autora, os diversos elementos –
objetos, adereços, gestos, posturas, sons, palavras – constituem cenários e
personagens que mediam, com sua afetividade, memória e desejos, os
enredos construídos pelos indivíduos que lhes emprestam a si mesmos
sentidos pessoais continuamente atualizados.
Paula é uma criança líder na sala, é ela quem inventa as
brincadeiras, ela tem sempre o “papel principal” em tudo. Adora brincar
de “escolinha”. Certa vez ela estava brincando com os amigos e se
chamava “Tia Vanessa”. Comecei a observar seus gestos. A todo
momento pedia para as crianças fazerem roda, o que eu “tia Vanessa” de
verdade faço sempre, e perguntava brava para as crianças se elas tinham
trazido a educação para a escola, uma fala que também é minha.
O aprendizado de papéis envolve a apropriação de condutas
relacionadas e tornadas significativas em uma determinada situação. Ele se
dá desde o nascimento, conforme a criança é colocada em uma matriz
social geradora de significados que são atribuídos e assumidos, mas
também negados e recriados na própria interação, pelo confronto de
papéis presentes nos processos em que os participantes se envolvem
dando sentido a si mesmos, ao outro e à situação como um todo. Como
os papéis emergem em experiências interpessoais, seu aspecto distintivo é
uma bipolaridade intersubjetiva e, mesmo quando sozinho, a ação humana
pressupõe um parceiro real ou representado. (OLIVEIRA, 2011, p. 73).
Dessa forma, cada papel assumido pelos indivíduos só é
entendido na totalidade dinâmica de cada situação, no embate dos
processos vividos na interação de restringir e ampliar campos de
significação.
Refletindo sobre os dizeres de Vigotski (1978), Oliveira (2011, p.
76) explica que a criança muito pequena está limitada em suas ações pela
restrição situacional, visto que a percepção que ela tem de uma situação
não está separada de sua atividade motivacional e motora. Entretanto, na
brincadeira, os objetos perdem a sua força determinadora sobre o
comportamento da criança, que começa a poder agir independentemente
daquilo que ela percebe. Dessa forma, ao brincar, a criança envolve-se em
um mundo ilusório e imaginário em que os desejos não realizáveis podem

287
Vozes da Educação

ser realizados. É capaz de desenvolver formas de motivação propriamente


humanas através da criação de uma situação de faz-de-conta na qual ela
encena a realidade utilizando regras de comportamento socialmente
constituídas e transmitidas.
A brincadeira infantil, segundo Vigotski, constitui o recurso
privilegiado de desenvolvimento da criança, em especial no período pré-
escolar. Ela seria uma oportunidade para recriação da cultura em um
contexto interacional cheio de conflitos de posições diversas e de inerentes
negociações. Brincar possibilita à criança refletir sobre as regras sociais e
ficar consciente de seu papel ao par, a uma boneca etc. Com isso, a criança
ultrapassa seu comportamento diário, experimentando um dado modelo,
inicialmente diferente de si, mas que é parte de sua rede experiencial social,
e transformando-o em um mediador interno para novas ações. Vigotski
defende que brincar, mesmo que sozinho, constitui uma “zona de
desenvolvimento proximal” para a criança, um espaço de relações
interpessoais no qual um parceiro mais experiente, ou seja, aquele que tem
seu comportamento mais mediado pelo conjunto de signos presente em
uma cultura, não precisa estar concretamente presente, mas pode ser
trazido à situação pelas ações das crianças e, gradativamente, via memória
e as representações que elas começam a poder construir. (OLIVEIRA,
2011, p. 77).
Para finalizar, Vigotski (1986 apud OLIVEIRA, 2011) considera
que a brincadeira desenvolve na criança as motivações de segunda ordem
necessárias tanto para a escola quanto para o trabalho. Na idade escolar (a
partir dos seis anos), a brincadeira não desaparece, mas permeia a atitude
da criança em relação à realidade.
No Referencial, a brincadeira é descrita como uma linguagem
infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que é o “não
brincar”. Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação,
isso implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem
simbólica. Isso quer dizer que é preciso haver consciência da diferença
existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe ofereceu
conteúdo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-
se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos
significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da
articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira

288
Volume VIII

é uma imitação transformada, no plano das emoções e das ideias, de uma


realidade anteriormente vivenciada.
O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel
que assumem enquanto brincam. Ao adotar outros papéis na brincadeira,
as crianças agem frente à realidade de maneira não literal, transferindo e
substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel
assumido, utilizando-se de objetos substitutos.
Fontana e Cruz (1997, p. 121) explicam que Vigotski analisa a
emergência e o desenvolvimento da brincadeira nas relações sociais da
criança com o mundo adulto. Segundo o autor, o mundo objetivo que a
criança conhece está continuamente se expandindo e, na idade pré-escolar,
já não inclui apenas os objetos que constituem o ambiente que a envolve
(como seus brinquedos, sua cama ou seus utensílios e objetos com os quais
ela está sempre em contato e sobre os quais pode agir), mas também os
objetos com os quais os adultos operam e sobre os quais ela ainda não
pode agir.
A criança passa a se interessar por uma esfera mais ampla da
realidade e sente necessidade de agir sobre ela, explicam as autoras (1997,
p. 122). E agir sobre as coisas é a principal forma que a criança tem para
conhecê-las e compreendê-las.
Surge então, nessa fase, uma contradição entre a necessidade de
agir sobre um número cada vez maior de objetos e o desenvolvimento das
capacidades físicas. Ou seja, surgem na criança as necessidades não
realizáveis imediatamente, segundo Vigotski, e que se tornam motivo para
as brincadeiras. Isso não significa, porém, que as crianças compreendem
as motivações que as levam a brincar.
Fontana e Cruz (1997, p. 123) explicam, então, que a brincadeira
é a forma possível de satisfazer essas necessidades, já que possibilita à
criança agir como os adultos (dirigindo um carro, cuidando de um bebê,
fazendo “comidinhas”) em uma situação imaginária.
A situação imaginária da brincadeira decorre da ação da criança.
Ou seja, a tentativa da criança de reproduzir as ações dos adultos em
condições diferentes daquelas em que ocorrem na realidade é que dá
origem a uma situação imaginária. Isso significa que a criança não imagina
uma situação para depois agir, brincar. Ao contrário, para imaginar ela
precisa agir. (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 123).

289
Vozes da Educação

Notamos, então, que a situação imaginária, como explicam as


autoras, está longe de ser algo criado livremente pelas crianças, pois traz
as marcas da sua experiência social, de suas vivências e conhecimentos
sobre a realidade.
Fontana e Cruz (1997, p. 128) ressaltam que, para Vigotski, a
brincadeira tem um papel fundamental para o desenvolvimento do
pensamento da criança pois, ao substituir um objeto por outro, a criança
opera com o significado das coisas e dá um passo importante em direção
ao pensamento conceitual, que se baseia nos significados e não nos
objetos.
Segundo as autoras, quando a criança assume um papel na
brincadeira, ela opera com o significado de sua ação e submete seu
comportamento a determinadas regras, conduzindo assim ao
desenvolvimento da vontade, da capacidade de fazer escolhas conscientes,
que estão relacionadas à capacidade de atuar de acordo com o significado
de ações ou de situações e de controlar o próprio comportamento por
meio de regras.
Assim, a brincadeira é a atividade em conexão com a qual ocorrem as
mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança
e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o
caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível
de desenvolvimento. Logo, a atividade de brincar é essencial para o
desenvolvimento da criança em idade pré-escolar. (LEONTIEV,
1988, p. 122 apud FONTANA; CRUZ, 1997, p. 129).
De acordo com as autoras (1997, p. 134-135), Vigotski explica
que as primeiras brincadeiras surgem da necessidade de dominar o mundo
dos objetos humanos. É por isso que a brincadeira de crianças mais novas
caracteriza-se pela reprodução de ações humanas realizadas em torno de
objetos.
Durante o desenvolvimento dessas brincadeiras, as relações
humanas incluídas nessas ações começam a aparecer mais claramente. As
crianças passam a brincar não apenas de dirigir um ônibus, mas
reproduzem as relações humanas em que o motorista está envolvido. Já
não importa apenas a ação de conduzir o ônibus, mas também as relações
entre o motorista e os passageiros.
Nas brincadeiras de grupo, as relações sociais são reproduzidas
nas relações das crianças entre si, explicam as autoras (FONTANA;

290
Volume VIII

CRUZ, 1997, p. 135). Reguladas por regras implícitas de comportamento,


essas relações são uma pré-condição importante para que, aos poucos, as
crianças se conscientizem da existência de regras na brincadeira. É sobre
essa base que surgem os jogos com regras (como amarelinha, esportes,
cartas).
No contexto das práticas histórico-culturais, ressaltam Fontana e
Cruz, a brincadeira se desenvolve, passando de uma situação claramente
imaginária, com regras implícitas, para uma situação implicitamente
imaginária, com regras e objetivos claros.
Vigotski (2008, p. 107) explica que definir o brinquedo como
uma atividade que dá prazer à criança é incorreto, pois muitas atividades
dão à criança experiências de prazer muito mais intensas do que o
brinquedo, como, por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a criança não
se sacie. E, também, existem jogos nos quais a própria atividade não é
agradável, como, por exemplo, predominantemente no fim da idade pré-
escolar, jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado
interessante e favorável a si.
Referindo-se ao desenvolvimento da criança em termos mais
gerais, muitos teóricos ignoram, erroneamente, as necessidades das
crianças – entendidas em seu sentido mais amplo, que inclui tudo aquilo
que é motivo para a ação. Frequentemente descrevemos o
desenvolvimento da criança como o de suas funções intelectuais; toda
criança se apresenta para nós como um teórico, caracterizado pelo nível
de desenvolvimento intelectual superior ou inferior, que se desloca de um
estágio para o outro. Porém, se ignoramos as necessidades da criança e os
incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes
de entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro,
porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas
motivações, tendências e incentivos. (VIGOTSKI, 2008, p. 107-108).
Vigotski explica que a tendência de uma criança muito pequena
é satisfazer seus desejos imediatamente; normalmente, o intervalo entre
um desejo e sua satisfação é extremamente curto. É na idade pré-escolar
que surge uma grande quantidade de tendências e desejos não possíveis de
serem realizados de imediato. O autor acredita que, se as necessidades não
realizáveis imediatamente não se desenvolvessem durante os anos
escolares, não existiriam os brinquedos, pois eles parecem ser inventados

291
Vozes da Educação

justamente quando as crianças começam a experimentar tendências


irrealizáveis.
Quando surgem os desejos que não podem ser imediatamente
satisfeitos ou esquecidos, na idade pré-escolar, e permanece ainda a
característica do estágio precedente de uma tendência para a satisfação
imediata desses desejos, o comportamento da criança muda. Para resolver
essa tensão, Vigotski explica que a criança em idade pré-escolar envolve-
se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis
podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo.
A imaginação é um processo psicológico novo para a criança;
representa uma forma especificamente humana de atividade consciente,
não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está
totalmente ausente em animais. Podemos dizer que a imaginação, nos
adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo sem ação.
(VIGOTSKI, 2008, p. 109).
Ao estabelecer critérios para distinguir o brincar da criança de
outras formas de atividade, Vigotski salienta que, no brinquedo, a criança
cria uma situação imaginária. Essa situação imaginária, segundo o autor,
não era considerada como uma característica definidora do brinquedo em
geral, mas era tratada como um atributo de subcategorias específicas do
brinquedo.
Vigotski ressalta que a atividade criadora da imaginação depende
diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa,
afinal é com essa experiência que se constituirá o material com que se
criam as fantasias. Em outras palavras, quanto mais rica a experiência da
pessoa, mais rica deve ser também a sua imaginação. Portanto, quanto
mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; quanto
maior a quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua
experiência, mais significativa e produtiva será a sua imaginação.

Considerações finais
Que este estudo possa contribuir para a formação de professores
de Educação Infantil no que se refere ao desenvolvimento infantil e ao
brincar, visando a participação efetiva do professor, compreendendo seu
papel de mediador que significa e dá significado às manifestações de afeto,

292
Volume VIII

aos desenhos, aos gestos, às narrativas, ao riso, ao choro, ao medo, às


brincadeiras de faz de conta das crianças.
O que gostaria de enfatizar é que a teoria e a prática caminham
juntas sempre, o professor precisa estar sempre se atualizando e
estudando, o professor de Educação Infantil, principalmente, precisa
compreender o quanto ele é importante nos anos iniciais de vida das
crianças, para tanto, o professor necessita aprender mais sobre o
desenvolvimento infantil, e é esta uma das contribuições que gostaria de
oferecer a esses professores, que a fundamentação teórica desta
dissertação faça com que os professores analisem a sua prática,
compreendam o que é a infância, e principalmente, a importância da
brincadeira para o desenvolvimento infantil.
Retomo o objetivo deste estudo: relatar a experiência de uma
professora em um bairro estigmatizado como violento, com crianças que
estão se constituindo nesse ambiente, e refletir sobre essa realidade, mas
principalmente compreender o valor da brincadeira para o
desenvolvimento infantil sob a perspectiva histórico-cultural e perceber a
importância do seu papel mediador do conhecimento sobre si e sobre o
mundo para as crianças desse nível de ensino. De modo a contribuir no
processo de formação de professores da Educação Infantil, sobre a
importância do brincar na Educação Infantil e o papel do professor frente
às brincadeiras.
Encontrei um texto das autoras Altina Silva e Nazaré Cruz (2010)
sobre o que as crianças dizem sobre o brincar na escola. Segundo as
autoras, a criança atualmente começa a frequentar a escola cada vez mais
cedo e, ao entrar na escola, esta criança é iniciada no compasso do
aprender brincando, e esse brincar tem, muitas vezes, a função de
discipliná-la. Ou seja, a criança mal descobre que seu corpo pode correr,
andar, brincar, saltar, desfrutar de suas possibilidades e já é ensinada que
deve ficar sentada e quieta. Ainda não desenvolveu a sua linguagem e já
lhe é dito que precisa ficar em silêncio, observando e ouvindo o professor.
Sim, isso acontece desde a Educação Infantil. Deseja-se que essa criança
apenas ouça e obedeça, mas ao mesmo tempo, espera-se que ela
desenvolva autonomia. “A instituição escolar afirma que as crianças estão
sendo educadas para serem autônomas, enquanto as emudece”. (SILVA;
CRUZ, 2010, p. 69).

293
Vozes da Educação

É nesse sentido que as autoras Nazaré Cruz e Noelle Silva (2011)


afirmam que a forma com que a escola trata o brincar não auxilia a criança
na construção de uma visão mais crítica e autônoma, não se possibilitam
à criança viver experiências e desenvolver sua própria maneira de enxergar
a realidade, pois, segundo as autoras, geralmente ela é educada para viver
num mundo considerado pronto e acabado, como se lhe restasse apenas
aprender como melhor se adaptar e ser útil a ele.
Nas palavras das autoras:
É, portanto, na relação com o outro, que cuida e educa, que o bebê
vai sendo inserido no mundo da cultura, num processo de progressiva
humanização. O comportamento do bebê é interpretado pelo adulto,
que confere sentidos aos sons que ele emite e aos movimentos que
realiza, atribuindo posições e lugares para si e para o bebê na dinâmica
interativa. A linguagem é fundamental porque permeia essas relações
entre adulto e criança desde o nascimento. Antes de falar, a criança é
falada, nomeada e interpretada pelo outro e é na interação com o
outro que suas próprias palavras e seus gestos se constituem enquanto
tal (CRUZ; SILVA, 2011, p. 05)
Como já vimos, a brincadeira é a atividade principal da criança,
ela é o meio pelo qual se relaciona com a realidade, tendo em vista produzir
e reproduzir as condições necessárias à sua sobrevivência física e psíquica.
A atividade principal pode não ser aquela que ocupa a maior parte do
tempo da criança, mas é aquela que produz o seu desenvolvimento, como
ensina Leontiev (2006). O autor explica que, em suas brincadeiras, as
crianças assimilam a linguagem da comunicação e desenvolvem formas de
conduta, aprendem a levar em conta suas ações com as dos outros e se
ajudar mutuamente, generalizando essas ações para situações reais. O
autor ressalta a importância da participação do adulto nessas situações,
pois é a ele a quem compete, inclusive, a mediação da comunicação e ações
entre os envolvidos.
O que percebemos é que os professores de Educação Infantil, ao
deixarem de propiciar momentos de brincadeiras com qualidade para as
suas crianças, estão negando a construção de conhecimentos e de seu
desenvolvimento.
Identifico, hoje, que meus alunos carecem de professores que
brinquem junto com elas, que orientem as brincadeiras, conscientes de que
a mediação pedagógica acontece nesses momentos e que o
desenvolvimento das funções psíquicas culturais é papel da escola. Agora

294
Volume VIII

sento no chão com meus alunos, ajudo-as na organização de suas


brincadeiras, de seus jogos de faz-de-conta, de suas narrações e desenhos.
Sei que brincar é mediar e possibilitar o acesso ao conhecimento de
mundo, dos outros e de si.
Por isso, a pesquisa sobre essa atividade exerce um papel
fundamental para a compreensão do processo de constituição das
características singulares dos sujeitos em relação.

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cuidado em creche: implicações para o trabalho e a formação de
professores de educação infantil. In: XI Congresso Estadual Paulista sobre
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295
Vozes da Educação

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296
Volume VIII

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS ALUNOS SURDOS DE


PORTO SEGURO – BA

Vera Lúcia Martins Liu50

RESUMO
Esse trabalho tem como objetivo analisar a implantação da Educação de
Surdos e suas implicações pedagógicas na cidade de Porto Seguro BA. Para
tal, foi preciso identificar e estudar documentos escritos, fotográficos e
testemunhos; foi feito um levantamento dessa clientela caracterizando sua
real situação educacional quanto à escolaridade, evasão escolar, trabalho e
apropriação - tanto da Língua Brasileira de Sinais como da Língua
Portuguesa. Registra-se, nesse estudo, o preconceito que os mesmos têm
passado por falta da oralização e do Português escrito. Da parte da pessoa
surda sentem-se indecisos entre os dois mundos: da surdez e do ouvinte.

Palavras-chave: Surdez; Cultura Surda; LIBRAS; Bilinguismo.

ABSTRACT
This essay aims to annalyse the implantation of Deaf Students’ Education
and its pedagogical implications in the city of Porto Seguro BA. For that,
it was necessary to identify and study written documents, photos and
testimonials; it was made a survey of this group characterizing their real
educational situation regarding their scholarity, school dropout, work and
appropriation - of both Brazilian Sign Language and Portuguese. It
registers, in this study, the prejudice they have been through due to the
lack of oralization and the written Portuguese. From the part of the deaf
person they feel undecided between two worlds: of the deafness and the
hearing one.

Keywords: Deafness, Deaf Culture, LIBRAS, Bilingualism.

Pedagoga, pós-graduação na área: Educação Especial e Inclusão Escolar; Libras e Educação


50

de Surdos; Neuropsicologia Educacional. Coordenadora e fundadora do CEAME. Docente da


FNSL na área da Educação Especial. Mestranda em Ciência da Educação.

297
Vozes da Educação

Educação para pessoa com surdez


Para refletir sobre educação para as pessoas com surdez é
precisos nos reportar a legislação que impulsionou o movimento inclusivo,
a Constituição nos Direitos Humanos promulgados no ano de 1948 em
que seu Art.1 informa que todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Entretanto, a vida dessas pessoas foi marcada por
histórias de infanticídio, segregação e exclusão. Sua educação foi marcada
por três momentos importantes, chamado por Aranha (2005) de
Paradigmas da Institucionalização, do Serviço e do Suporte, sendo este no
contexto inclusivo.
Da mesma forma, o conceito de deficiência foi modificado ao
longo da história. O termo diz respeito à incapacidade da pessoa de
assegurar por si mesma uma vida individual ou social normal. Dessa
forma, pode-se refletir sobre a deficiência como forma de opressão e
exclusão de uma vida social. Segundo Diniz (2007, p.22 e 23), a deficiência
é aquilo que a política diz que seja. No modelo médico é atribuído à
deficiência a experiência de segregação, desemprego, baixa escolaridade e
tantas outras variações da opressão causada pela inabilidade do corpo
lesado para o trabalho produtivo. Nessa perspectiva social, a deficiência
deve também expressar o conceito da sociedade que não se modifica, não
muda de atitude, não se torna acessível para que a deficiência seja
minimizada. Da Declaração de Direitos Humanos, reforçada pela
Constituição Brasileira seguindo-se as leis educacionais percebe-se a
atenção dada para legitimar e legalizar a educação e inclusão social das
pessoas em situação de desigualdade social.
Em reação a inclusão da pessoa surda, especialistas e
movimentos de comunidade surda reúnem-se para que seja minimizado
todo preconceito sofrido. Estudos atuais principalmente por pessoas que
experimentam a condição de surdez lutam contra a interpretação da surdez
como deficiência e como pessoa sofredora.
Segundo SILVA et al (2011; p 1):
Grande parte das construções históricas sobre surdez acabou
desencadeando uma relação entre sociedade e surdez extremamente
prejudicial ao surdo, em que este é encarado como ser doente
incapacitado que precisa ser reabilitado auditivamente e oralmente
para sua inserção social e educacional. Neste campo, a educação
também tem contribuído com essa situação, uma vez que, durante

298
Volume VIII

séculos manteve os surdos subordinados aos ouvintes.(SILVA, 2011;


p.1)
A relação entre sociedade e surdez é realmente muito excludente.
A pessoa com surdez é vista como doente e incapaz de escolher escola e
trabalho. A subordinação do ouvinte mostra-se claro quando a presença
do intérprete é solicitada em bancos, médicos e outros espaços. No ano
de 2013, em Porto Seguro BA, foram coletados relatos de professores de
escolas regulares sobre a inclusão de alunos surdos. Foi unânime a opinião
de que é necessária a inclusão da pessoa com surdez na escola; entretanto
todos esperam que ele seja reabilitado de forma oral para que consiga
conviver com outras pessoas. Colocando nessa fala responsabilidade da
pessoa surda se for capaz de comunicação, desconsiderando que a escola
e as pessoas precisam modificar atitudes e os espaços modificados A
maioria dos professores não sabem ainda como fazer a inclusão do aluno
surdo deixando sobe a responsabilidade do intérprete percebe-se pouca
mobilização para aprender Libras e a educação do surdo e aguardam
apenas a mediação da língua através do intérprete. Nesse contexto o aluno
surdo não se sente incluído de fato e anseia por uma educação bilíngue
onde a língua prioritária seja libras. Apesar de parecer um retorno ao
modelo antigo onde a Educação de surdos ocorria em Escola Especial.
Esse foi o início da Educação de surdos no Brasil em 1855, com a vinda
do francês Hernest Huet, professor surdo e ex-diretor de instituição de
surdos na França. Sua vinda para o Brasil não estava associado à
valorização da pessoa surda brasileira e sim para atender ao próprio
império. Segundo Ramos (2000; p.6), o filho da princesa Isabel era surdo
e seu marido o Conde D’Eu era parcialmente surdo. Foi criado, então, o
Instituto Imperial de Surdos Mudos, para atender meninos surdos de
várias localidades. Com o tempo o Instituto sofreu uma evolução que
culminou com a reformulação com o nome de Instituto de Educação de
Surdos (INES) e funciona como escola de aplicação, formação, produção
de material e assistência ao surdo através de vários programas; inaugurada
em 26 de setembro, data em que é comemorada o Dia Nacional do Surdo.

Da escola especial às escolas inclusivas


O Movimento Inclusivo, desde a década de 90, modificou as
concepções existentes a cerca da Educação das pessoas com deficiência.

299
Vozes da Educação

Trouxe o pressuposto de que a Educação é para todos e, esta deverá


ocorrer preferencialmente no contexto inclusivo (Lei nº 9394/96). Na
realidade de Porto Seguro na Bahia, a primeira visibilidade da existência
da comunidade Surda ocorreu com a matrícula de crianças e adolescentes
surdos na APAE antes do ano 2000. Antes disso, escolas Estaduais com
apoio da Secretaria de Educação do Estado, implantaram uma Sala para
Atendimento Especializado ao Surdo que estava matriculado na escola e
aos poucos foi absorvendo outras pessoas surdas da comunidade para
aprender Libras e Português escrito. Nesse caminho entre a Escola
Especial até chegar às Escolas Inclusivas os alunos Surdos do Ensino
Fundamental passaram pelas salas especiais funcionando dentro de escolas
regulares, até os anos de 2004. Os surdos saíam de Escolas Especiais para
frequentarem as salas especiais. Eram salas com uma professora, várias
deficiências juntas como: Intelectuais, motoras e surdez. Nessa sala com a
maioria de alunos oriundos de Escola Especial, além da professora regente
era coordenada com o apoio de uma profissional da área da
fonoaudiologia contratada pela Secretaria de Educação. Em 2005, a
secretaria de Educação, respondendo às exigências de uma educação
inclusiva, criou um setor no seu organograma para coordenar e
implementar política pública nessa área. Em 2006, reorganizou-se esse
espaço ao criar uma sala para os alunos surdos na tentativa de uma
educação bilíngue. O objetivo era oportunizar a esses alunos o
aprendizado de Libras e nos anos seguintes a integração na classe regular
foi ocorrendo sempre considerando a inclusão na mesma sala para alunos
da mesma série. Essa foi orientação dada pela coordenação de salas de
apoio de surdez da Secretaria de Educação do Estado da Bahia que fazia
um trabalho itinerante no interior e muito contribuiu para o início da
educação desses alunos no município. A presença de intérprete se deu no
início de forma itinerante e aos poucos com presença diária desse
profissional junto ao aluno na classe regular. Entretanto, quando a
educação do surdo começou a ser formalizada, em classe regular
perceberam-se várias especificidades: a língua dominante na escola não é
a mesma que o aluno traz; uma vez que o aluno, filho de pais ouvintes,
não pratica a língua de sinais em família, ele não se apropria dela de forma
natural ainda que em contato com outros surdos e, por isso, precisa ser
ensinada a partir da escola e do atendimento especializado; a língua de

300
Volume VIII

sinais só é aceita na escola na forma visual, ou seja, a modalidade escrita


só pode ser o português para que a pessoa seja considerada alfabetizada.
Desse modo, o aluno surdo vai para a escola, não domina a sua língua
(LIBRAS) e tem que aprender outra simultaneamente: o Português escrito.
Outra questão relevante sobre a surdez são as barreiras. A barreira
arquitetônica não tem importância porque a pessoa surda não tem
problema de locomoção; a dificuldade são as barreiras atitudinais, o
desconhecimento sobre a surdez, a falta de compreensão da surdez como
cultura diferente e não deficiência. Para a maioria das pessoas é ainda
considera-os como alguém que deva ser ajudada por um mero ato de
filantropia, o que implica a família se acomodar no fato de este ser o
“coitadinho” que será ajudado pela sociedade. Os alunos surdos na
realidade de Porto Seguro na década de 2000 passaram pela experiência de
Escola Especial na APAE, vivenciaram Sala Especial dentro de escola
regular junto colegas com deficiências e passam a conviver em sala especial
só de surdos e quando foi avaliado pela escola que os mesmos haviam se
apropriado da sua língua, Libras e mesmo sem estarem ainda com
conhecimento do Português escrito foram incluídos nas classes regulares
na mesma escola. Nos anos seguintes pela vontade e comodidade dos pais
foram incluídos em escolas próximos das suas residências. No período da
sala especial foi avaliado pela professora regente o pouco conhecimento
de Libras e nenhum conhecimento do Português, passam a ter os
primeiros contatos com a Língua com uma professora que aprendia
também a Libras tendo como base um curso de formação continuada.
Buscou-se apoio com a professora da Escola Estadual, que era na época a
única pessoa com conhecimento de Libras. O contato com Libras na
escola não modificou a realidade no espaço familiar. Sem conhecimento
da língua de sinais e com a comunicação através de gestos os alunos
conviveram com esses dois mundos que os distanciavam da comunicação
com a família, na medida em que iam se apropriando da língua de sinais
Apesar dessa escola não ter um atendimento pedagógico diferenciado ao
surdo, esta foi a primeira experiência para a convivência com a
comunidade surda. A escola e a sociedade mesmo os alunos frequentando
as classes regulares numa proposta pedagógica inclusiva a concepção
vigente era de pessoas com deficiência usuários o Benefício de Prestação
Continuada BBC, considerada por muitas pessoas ainda como

301
Vozes da Educação

aposentadoria, que precisavam ser assistidas e amparadas por grupos de


voluntários que se mobilizaram para que eles recebessem atendimento
médico, assistência social, passe livre e outros tipos de benefícios.
A formação continuada nunca foi em número suficiente para a
totalidade dos professores. Através de parcerias com a secretaria de
Educação do Estado no Instituto Anísio Teixeira IAT, através da
Federação das APAES. Pela transferência de recursos do Fundo de
Desenvolvimento da Educação FNDE e pelo projeto do MEC através de
município polo;
O atendimento especializado ofertado aos alunos surdos ocorria
no contra turno escoar no aprendizado e Libras, Língua Portuguesa
escrita, de terapias como fonoaudiologias, fisioterapias, dependendo da
necessidade, com exceção do acompanhamento psicológico, realidade
registrada até os dias atuais, porque não há ainda psicólogos no município
com conhecimento da língua de sinais.
Registra-se através de anamnese com mães e relatórios de
professores que apesar dos alunos surdos estarem ineridos nas classes
regulares, a integração entre os outros colegas, era deficitária, uma vez que
em outros espaços a integração não ocorria, era restrita a escola.
O sistema de ensino estadual tem o primeiro registro de atenção
à pessoa com surdez em Porto Seguro. Era uma sala especial antes do
movimento inclusivo e depois uma sala de apoio de contra turno escolar.
Essa sala contava com supervisão da Diretoria de Ensino (Direc)
localizada na cidade vizinha, Eunápolis, e com assessoria da Secretaria de
Educação do Estado. Era uma sala especial multiseriada 51, com a
professora, recém-chegada de Salvador - única professora capacitada da
cidade.

A implantação da educação de surdos em Porto Seguro - Bahia


A Política de Educação de Surdos em Porto Seguro, desde o
início está orientada em documentos como a Declaração Salamanca, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB nº 9394/96, seguindo-
se de várias leis, decretos e resoluções para direcionar o sistema de ensino
na criação de escolas inclusivas. Os surdos não usavam a Libras ara se

Espaço de Ensino e Aprendizagem para alunos de diferentes séries numa mesma sala.
51

302
Volume VIII

comunicar. Junto à família desenvolveram um sistema próprio de gestos.


A sociedade da época sofria a influência de correntes pedagógicas de
imposição do oralismo que se preocupava com o ensino da língua oral
através de vários métodos. Nesse contexto, alguns tiveram suas mãos
amarradas para não utilizar os sinais, na crença de que isso atrapalharia a
aquisição da linguagem. Relato de pessoa surda adulta da cidade. Segundo
FELIPE, 2007: p130, muitos surdos foram excluídos somente porque não
falavam. O que mostra que para os ouvintes, o problema maior não era a
surdez, mas sim a falta da fala.
Na busca pela “normalidade”, os surdos que conseguiam falar
saiam da classificação de surdo para não surdo, mesmo que fosse com
ajuda de cirurgia ou aparelhos. Essa realidade foi mudando aos poucos
com a presença desses alunos no sistema formal de ensino, que em Porto
Seguro iniciou na década de 1990. Com o amparo legal, após a legislação
de libras, a Lei 10.436 de 24/04/2002 que, ao reconhecer a Língua
Brasileira de Sinais como meio oficial de comunicação e expressão das
pessoas surdas com sistema linguístico de natureza visual-motora e
estrutura gramatical própria, é que a aceitação da língua de sinais começou
a ser mais difundido. Em relação ao conceito de surdez, o decreto nº. 5626
de 22/12/2005 expõe que pessoa surda é aquela que, por ter perda
auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua
Brasileira de Sinais. Entende-se, desse modo, que a perda auditiva os faz
participantes de uma diferente cultura que os tornam uma minoria
linguística, mas não os descaracteriza da pessoa humana que somos todos.
Continuando a história da educação da pessoa surda no
município registra-se uma classe especial implantada em 1991 na Escola
Dr. Antonio Ricaldi. Essa classe logo se tornou multiseriada com 13
alunos de 1ª e 2ª séries entre 7 a 18 anos. Sem o conhecimento de Libras
os alunos estavam em processo de aprendizagem também do Português
escrito. Os professores da cidade desconheciam o processo de ensino e
aprendizagem da pessoa surda. Nessa escola funcionavam turmas até a 4ª
série. No ano seguinte, a turma foi dividida em duas
Pela manhã funcionavam as turmas de alfabetização e 1ª série e
à tarde 3ª e 4ª séries. Quando uma aluna passou para a 5ª série, hoje 6º ano,
foi preciso mudar para outra escola que oferecesse essa série. Pensando

303
Vozes da Educação

no atendimento à aluna, a professora foi “emprestada” para lecionar


Língua Portuguesa e Ciências, para prestar o atendimento a essa aluna e
orientar a escola quanto à sensibilização do professor para recebê-la e
orientá-los sobre as mudanças nas estratégias de ensino para favorecer a
aprendizagem do surdo e nas formas diferenciadas na avaliação. No ano
de 1995, foi implantado o Ensino Fundamental até a 8ª série e não houve
mais necessidade do surdo mudar de escola e então, a professora pôde
retornar. Nessa época, ainda havia a sala especial multiseriada, extinta
apenas em 2003 quando se iniciou o período de criação das salas de apoio
pedagógico, nas escolas do estado, que impulsionaram a inclusão dos
alunos surdos em classes regulares. Também nesse período, se
intensificaram as capacitações dos professores via DIREC,
encaminhando-os a Salvador para o Instituto Anísio Teixeira (IAT), além
da vinda de um professor surdo oralizado e especialista da Secretaria de
Educação do Estado para oficina na escola para todos os professores com
vagas para educadores do município. As formações em Salvador eram
poucas, com recursos da Secretaria de Educação do Estado e outras pelo
Ministério de Educação. A professora da sala especial multiseriada
utilizava como metodologia de trabalho a Comunicação Total. Esta era
ainda uma filosofia presente na época, que favorecia desenvolver no
surdo, várias habilidades para a comunicação, como a fala, a audição, os
sinais, a leitura, a escrita, utilizando recursos variados. Nessa época, a
Língua de Sinais ainda não estava oficializada, mas já estava sendo utilizada
pela professora que a aprendeu em Salvador. Ela não descartou a
oralização, mas já focalizava outras possibilidades de ensino-
aprendizagem, com jogos, recursos visuais, incluindo os sinais. Essa escola
estadual, conforme proposta governamental passa a atender os alunos do
Ensino Médio delegando às escolas do município a responsabilidade com
o Ensino Infantil e Fundamental. Não havia na época nenhum professor
capacitado na Língua de Sinais nem na Educação de Surdos nas escolas
municipais. Os alunos com menos comprometimento cognitivo foram
saindo da APAE para salas especiais que estavam começando a funcionar
dentro das escolas regulares. Todos os surdos saíram da APAE e foram
para a sala especial existentes em número de 12 no município. Os alunos
surdos frequentavam a sala junto com colegas com outras deficiências.

304
Volume VIII

Em 2004, criou-se um Setor de Inclusão Escolar na Secretaria


Municipal de Educação. O primeiro procedimento foi montar uma equipe
itinerante52 para atendimento nas escolas, criar uma logomarca para dar
identidade à causa da Educação Especial e viabilizar a formação da equipe
de trabalho, utilizando-se de slogan divulgado em camisetas como: “Ser
diferente é normal”. Frase copiada da mídia Os professores da sala especial
eram, em maioria, contratados. Não havia acessibilidade arquitetônica na
sede nem recursos didáticos. Utilizavam de criatividade para criar jogos
pedagógicos com sucatas. Aqueles que não eram criativos utilizavam as
aulas da forma tradicional, como faziam na classe comum. No início do
ano, os alunos ficavam sem professores aguardando professor contratado.
Alguns ficavam em casa, e os que iam ficavam com auxiliares. Os alunos
surdos na convivência com outros alunos especiais confundiam os
professores e as visitas que chegavam à sala. Quem não era surdo fazia
gestos fingindo ser, enquanto os surdos aprontavam, subiam pelas janelas,
como faziam alguns outros alunos. Como a sala ficava um período longo
sem professor, os alunos com deficiências comportavam-se
indevidamente, tornando-os indisciplinados. A opção no primeiro
momento da equipe de trabalho do Setor de Inclusão foi separar os alunos
surdos, criando-se duas salas. Em 2005, começou-se a procurar um
professor que quisesse o desafio de aprender Libras e ensinar o Português
escrito para os alunos surdo. Foi difícil, até que em 2006 uma professora
aceitou o desafio na sede ficando acertado que ficariam os surdos, por
alguns anos, nessa classe especial; e, no contra turno, na sala de apoio da
Escola Estadual Antonio Ricaldi, teriam atendimento educacional
especializado (ensino de Libras e a Língua Portuguesa como segunda
língua). A professora do município os acompanhava na sala de apoio para
também aprender a língua e o processo de ensino aprendizagem. Em uma
experiência no Arraial D’Ajuda, a professora se deparou com um aluno
surdo em sua classe regular e, sem ter conhecimento de libras, buscou
ajuda nessa sala de apoio da escola estadual. Na primeira oportunidade,
essas professoras foram à Salvador fazer curso através da Secretaria de
Educação do Estado- IAT. Nos anos seguintes, mesmo sem um processo
de capacitação de professores, a inclusão de alunos surdos foi ocorrendo

Atividade não fixa, mas rotativa, cada dia em uma escola diferente.
52

305
Vozes da Educação

aos poucos sempre em pequenos grupos para que eles se ajudassem. Só


com o registro no censo é que o MEC começou a disponibilizar material,
dicionário, CD e livros para os alunos surdos. O principal objetivo da sua
escolarização era o letramento em Português mediado por Libras que é a
sua primeira língua. A professora do Estado começou a fazer também um
trabalho itinerante nas escolas municipais onde haviam alunos surdos
incluídos. Houve um trabalho de parceria por alguns anos até ser extinta
a sala especial e feita a inclusão de todos os alunos em classe comum. As
professoras capacitadas em Libras que já somavam três ficaram com o
trabalho de atendimento educacional especializado e hoje são professoras
bilíngues que também buscaram com recursos próprios pós-graduação na
área.
Até 2015, esses alunos frequentavam o Ensino Fundamental e ao
concluírem o 9º ano foram para o Ensino Médio. Dessa época em diante,
a demanda de matrícula de pessoas surdas diminuíram nas classes de
Ensino Fundamental e EJA. Na ocasião, alguns jovens e adultos
retornaram às escolas na qual haviam desistido, por saberem que havia o
apoio de intérpretes. Outras famílias com filhos surdos vieram morar em
Porto Seguro, pelo mesmo motivo dos demais moradores oriundos da
zona cacaueira como Camacã, Arataca, Itapebi entre outras, pela falência
das fazendas de cacau e pelo fato de ser Porto Seguro uma cidade turística
com oportunidade de moradia em bairros recentemente criados pelas
ocupações das terras, bairros hoje chamado de Frei Calixto. Com isso,
precisou-se aumentar o número de pessoas fluentes em Libras. Em 2006,
ocorreu o início da contratação de pessoas da comunidade: moradores
recentes que faziam trabalho de evangelização com os surdos em suas
residências. Eles foram contratados inicialmente de forma itinerante.
Outros profissionais foram se capacitando na área e hoje, na realidade
municipal são contratados intérpretes em todas as escolas regulares onde
existem alunos surdos. No início os intérpretes por terem uma melhor
fluência na língua de sinais dividiam seu tempo em atender os alunos e os
professores em forma de oficinas. Eram apenas dois profissionais e não
se percebia a influência religiosa. Com o tempo, foi constatada uma
quantidade significativa de alunos surdos que passaram a frequentar a
mesma igreja dos intérpretes. Ainda assim, eles eram as únicas pessoas que
conseguiam se comunicar com os surdos, incentivar para que

306
Volume VIII

frequentassem a escola e o Atendimento Educacional Especializado


(AEE). Colaboram também com levantamento de dados sobre os surdos
moradores da cidade. A partir de 2012, através de Programas do governo
em parceria com as universidades públicas, algumas formações estão
ofertadas na modalidade à distância online. O CEAME também oferece
formação continuada em LIBRAS para professores, familiares dos surdos
e comunidade em geral e formação para intérpretes de libras. Em relação
aos funcionários responsáveis para processo escolar do surdo em 2013,
além de contar com os 03 professores bilíngues, existem uma instrutora
surda para aprendizagem de libras e 11 intérpretes de formação em Ensino
Médio; sendo 02 deles aprovados na prova do MEC em Proficiência em
Libras – Prolibras. Em 2017, o número de intérpretes foi reduzido para
quatro, tanto pela transferência dos alunos do Ensino Fundamental para
o Ensino Médio como pela política pública nacional com proposta de
implante coclear havendo dois casos de crianças que após o implante e
pelo desejo da família passaram o primeiro ciclo do Ensino Fundamental
sem intérprete e sem Libras. Com ajuda do professor do AEE, com
acompanhamento com fonoaudiólogo, inclusão na classe regular se
apropriou do Português falado e escrito. A família fez opção de seguir
recomendação médica nos primeiros anos e, após o Ensino Fundamental
I, aceitou o aprendizado de Libras oferecido pelo AEE.
Considerando a lei que dá o direito a família de escolha e de outra
lei que dá o direito ao acesso a uma língua de forma majoritária para a
pessoa quanto mais cedo possível e de outra lei onde explica que o
implante não tira a condição da surdez e de outra lei que não importa a
condição da surdez o que importa é ser participante de uma chamada
cultura surda. Esse trocadilho mostra várias situações que passa o
professor do AEE. Como resultado tem: alunos surdos se apropriando de
Libras e não do esperado pela família e sociedade, a Língua Portuguesa,
pode ser analisado através de várias situações como condições de trabalho
do professor sem recursos didáticos adequados, dificuldade na
metodologia e estratégia para o letramento do aluno, a falta de política
pública de formação continuada e isolamento do professor na escola
passando a ser o único a trabalhar da Educação de alunos surdos sem ter
com quem dialogar na escola. A falta de conhecimento do Português
escrito tem dificultado a inserção desses alunos para continuidade dos

307
Vozes da Educação

estudos em nível superior. A sociedade ainda não aceita a Libras, como


única língua de acesso ao currículo escolar e a dependência do Português
tem afastado a maioria dos alunos ao mercado de trabalho após o Ensino
Médio.
Parceria foi preciso ser articulada para o processo de inclusão da
pessoa surda em Porto Seguro. Contou-se com a orientação da Secretaria
de Educação do Estado através de um trabalho itinerante de Salvador por
uma profissional especialista na área que realizava visitas periódicas em
escolas da região onde havia alunos surdos incluídos e fazia o
acompanhamento das Salas de Apoio do Estado.
Para melhor situar a Educação das pessoas surdas nesse período
de início em Porto seguro o método para aprendizagem era a
Comunicação Total numa abordagem bimodal em que são usadas,
simultaneamente, as duas línguas – libras e Português – e hoje a filosofia
educacional que a pessoa surda deseja é o Bilinguismo, explicado por
Quadros (1997) em que a língua de instrução deve ser a sua língua natural:
libras. E essa filosofia aceita a utilização das duas línguas de forma
separada.
Na realidade atual do Sistema Municipal de Ensino, a formação
escolar da pessoa surda ocorre em classe regular com presença de um
intérprete, também em salas multifuncionais como direito a segunda
matrícula. Em 2009 o AEE ofertado na área central da cidade (CEAME),
no bairro mais populoso da cidade Frei Calixto e nos povoados de Vera
Cruz e em Arraial d’Ajuda. Em 2017 registra-se a segunda matrícula do
aluno no centro e em Arraial d’Ajuda. Nas escolas indígenas há registro de
dois alunos surdos em 2009. Com o aprendizado de Libras através de
voluntários e a disponibilidade de dicionário bilíngue pela Secretaria de
Educação.
O Centro de Educação Inclusiva e Atendimento Especializado,
CEAME foi criado em 17 de abril de 2009 em espaço alugado e equipe
multiprofissional da Secretaria de Educação. Nesse espaço, o aluno surdo
tem o aprendizado de Libras com uma instrutora surda e conta com uma
professora de português e um intérprete. Cada um tem uma função
específica e planejam juntos. Essa equipe é responsável pela formação
continuada em Libras para educadores e comunidade. A presença do
professor surdo é uma estratégia sugerida por Lacerda e Martins (2011:p.3)

308
Volume VIII

que incentiva a criar possibilidades, para que os alunos surdos aprendam


e aprofundem seus conhecimentos em língua de sinais, favorecendo sua
identificação cultural, desenvolvendo uma linguagem espontânea. Dessa
forma, o perfil do professor surdo exige que ele seja bilíngue para, a partir
da língua de sinais, ajudar o aprendizado do português em um cruzamento
de suas experiências linguísticas de primeira língua (L1)/Libras, com a
segunda língua (L2)/Português, com as quais convive durante seu
exercício profissional, que vai emergir uma identificação, na qual o
professor expõe sua cultura, sua língua de sinais e sua identidade onde ele
pode revelar ao aluno seu próprio processo formativo. O profissional deve
utilizar recursos variados com um aparato visual contextualizado e a
abertura de espaços para oportunizar diálogos em Libras.
Essa metodologia mostra um avanço na escolarização e no
Atendimento Educacional Especializado do surdo em relação às outras
cidades da Costa do Descobrimento53 e da Costa da Baleia54. Entretanto,
há entraves referentes ao processo de capacitação dos professores. A
princípio pensou-se em parceria com os coordenadores das escolas,
tornando-os multiplicadores das propostas. Fato dificultado pela
rotatividade dos coordenadores remanejados para setores da secretaria e
retorno para sala de aula ou desistência da função. O MEC só
disponibilizava capacitação para professores, via projeto para o FNDE.
No ano de 2006 foi aprovado um projeto para capacitar 100 professores
e foi disponibilizada uma carga horária maior para libras. Mesmo assim,
nem sempre o professor capacitado era o mesmo que estava com o aluno
no ano seguinte e a capacitação não era multiplicada na escola. De 2007
em diante, com a adesão ao Plano de Ações Articuladas do MEC (PAR),
começaram a receber maior auxílio através do Programa de Implantação
de Salas de Recursos Multifuncionais55. São 14 salas distribuídas entre
escolas da sede, do campo e indígena. O equipamento das salas chegou
por partes e após três anos de funcionamento, o mobiliário não chegou e

53Além de Porto Seguro, fazem parte da Costa do Descobrimento, os municípios de Belmonte e


Santa Cruz Cabrália.
54Municípios onde encontram o refúgio e berçário das baleias jubarte: Prado, Alcobaça, Caravelas,

Nova Viçosa e Mucuri.


55Salas com mobiliário, recursos didáticos, computadores, impressoras, scanner, para o AEE dos

alunos com deficiência, transtornos, síndromes e altas habilidades/superdotação.

309
Vozes da Educação

a impressora de escrita Braille não foi instalada. Segundo orientação da


Secretaria de Educação do Estado, é necessário aguardar visita do técnico
habilitado do MEC porque há um programa específico de instalação que
poderá danificar o equipamento caso não seja devidamente instalado por
um profissional.
No início, nem todos os diretores aceitaram executar o
funcionamento da Sala Multifuncional de forma adequada. Pensaram que
fosse uma extensão da Secretaria de Educação e esta deveria colocá-la para
funcionar. Com o tempo veio a compreensão de que era a escola que
estava ofertando o AEE, esta deveria compor o Projeto Político da Escola
sendo que a Secretaria de Educação tem sua parcela de responsabilidade
na manutenção das salas. Em 2017 após Plano Municipal que prevê a
implantação das salas e pela crescente demanda de alunos com deficiências
nas escolas são 22 escolas sendo 10 com recursos do PDE acessíveis e do
Programa Escola Acessível aliado a boa vontade dos gestores e da
comunidade escolar. O Programa Escola Acessível prevê transferência de
recursos para que a escola viabilize a acessibilidade física e arquitetônica,
com adaptação de banheiros, rampas, recursos didáticos e tecnologia
assistiva56, etc. Em 2013, através do PAR, foram solicitadas mais 10 Salas
Multifuncionais mais o município não foi mais contemplado. A
dificuldade registrada até 2013 em relação à comunicação dos surdos, diz
respeito à difusão de libras que ainda não ocorre.
Não há inclusão de libras no currículo da Educação Básica, a
família que antes se comunicava com os sinais caseiros, passa a não
entender o seu filho que se comunica com Libras e não se disponibilizaram
para aprender com os cursos oferecidos.
Os dados a seguir mostram o ano em que a presença da pessoa
surda na escola regular foi maior com registro de evasão já acentuado. Nos
anos seguintes o índice foi diminuindo.

56Recursos, metodologias e serviços para proporcionar à pessoa com deficiência e/ou mobilidade
reduzida, a participação nas atividades, visando sua autonomia, qualidade de vida e inclusão.
Portaria nº 142 de 16/11/2006.

310
Volume VIII

Segundo estudos realizados no mês de setembro de 2013,


verificou-se um número maior de mulheres do que de homens surdo,
residentes em Porto Seguro, sendo que 4% deles além da surdez têm
associado outras deficiências como a paralisia cerebral, autismo e
intelectual. Nessa pesquisa constatou-se um índice de evasão de 53%; a
maioria dos estudantes concentra-se no Ensino Fundamental (39%), no
Ensino Médio apenas 4% e na faculdade apenas 1%. Na Educação Infantil
frequentam apenas 3% dos surdos. Isso pode significar: maior cuidado no
pré-natal, menos tentativas de abortos, menos medicamentos sem
controle ou que a prioridade governamental para crianças que nascem
surdas é submeter-se ao implante coclear e, por ouvirem, não se tornam
usuários de Libras. Nessa opção, deixam de ser consideradas surdas e

311
Vozes da Educação

participam apenas do mundo dos ouvintes. Não foram contabilizadas as


pessoas que utilizam aparelhos auditivos participam do mundo do ouvinte,
principalmente adultos que não se caracterizam nem participam de uma
cultura surda. No município de Porto Seguro, a maior concentração de
surdos está na sede e menor número em escolas indígenas. O povoado
mais próximo da sede registra-se o maior número de em relação às demais.
Nos povoados registram-se o número maior de evasão desses alunos em
relação aos da sede. Para os professores eles desistem da escola por
qualquer coisa. Entretanto, verificou-se Atendimento Educacional
Especializado não atendia as suas necessidades, isolamento pelas moradias
isoladas do campo, não participante de uma cultura surda. Ou seja, eles
não convivem com outras pessoas nas mesmas condições de surdez.
Quanto mais distante essa pessoa mora, mais difícil a oferta de serviço
para que a Língua de Sinais passe a ser majoritária em sua vida. Aqueles
que não frequentam escola ou evadiu-se dela, senão houver na
comunidade, voluntários para que ensine Libras ele vai permanecer
comunicando-se com os sinais domésticos que aprendeu desde a infância.
Mesmo assim, em Arraial D’Ajuda e Vera Cruz possui professor
capacitado na Sala de Recurso Multifuncional e proporciona o AEE ao
surdo que também não estão matriculados na escola regular. Nas demais
localidades, além de não ter o professor capacitado na área de surdez, não
há intérpretes interessados em trabalhar distante da sede. Esse pode ser
um dado relevante para a evasão escolar nessas localidades como foi no
passado. Alguns surdos que retornaram nos anos atuais para a escola
relatam que desistiram porque não havia ajuda com a Língua de Sinais. Os
homens surdos, mesmo sem escolaridade, são independentes. Trabalham
e circulam nos transportes sem ajuda. Os estudantes vão para a escola e
atendimento de ônibus e só os menores são acompanhados por familiares.
Diferente das mulheres que, na maioria, não são alfabetizadas e nem têm
autonomia. Tanto as casadas como as solteiras trabalham como
domésticas em sua própria residência. Os estudantes, por ser minoria
linguística, não interagem com colegas de classe, nem são convidados para
casa de colegas ouvintes. Para o lazer vão em grupo de surdos. Quanto ao
transporte, alguns alunos conseguiram o passe livre para o coletivo e
outros encontram muita dificuldade nessa concessão. A maioria tem o
Benefício de Prestação Continuada de um salário-mínimo e outros

312
Volume VIII

perderam esse benefício principalmente por não estarem estudando.


Apenas um aluno se queixa que estava procurando trabalho e a família
conseguiu o benefício. Ele preferia trabalhar. A cidade não dispõe de
orientação profissional e as oportunidades de empregos são restritas.
Escolas com cursos que poderiam ajudar na inserção do trabalho
existentes na cidade recusam o aluno surdo alegando que não têm
intérprete de libras e os intérpretes existentes não são convidados para
esse trabalho. Ao surdo, e a maioria das pessoas com deficiência sem
profissão, resta o trabalho de embaladores em supermercados e outros.
Algumas empresas procuram as pessoas com deficiência avisando que não
podem ser surdos, nem cegos, que precisam de boa escolarização,
experiência e vários outros requisitos fora da realidade atual do surdo.
Nesse caso, não há avanço na compreensão de que o surdo não tem uma
deficiência e sim uma cultura diferente e que é a sociedade que precisa se
tornar bilíngue, ou seja, bicultural para se tornar inclusiva. Isso mostra que
a escolarização que se oferece ao surdo até os dias atuais não é de longe a
desejada e a necessária. Ele é uma minoria linguística e se perde entre o
que é ofertado e o que é desejado.

A educação que os surdos desejam, nem sempre é a que lhes é oferecida


Considerando a surdez em termo sócio cultural, ela requer uma
escola que vivencie duas culturas (bicultural), uma escolarização através da
abordagem bilíngue. Essa abordagem considera o surdo como uma pessoa
não deficiente, que tem uma língua e deverá aprendê-la de forma natural
com sua comunidade surda. Segundo Alvez et al. 2010: p.9, a proposta de
uma educação bilíngue para o surdo deve considerar que ele seja livre para
se expressar nas duas línguas, deve participar do ambiente escolar
exercitando sua capacidade cognitiva, habilidades para interagir no mundo
social que é de todos. Desse modo, a abordagem bilíngue favorece o
Letramento em Português escrito para alunos surdos, entretanto deve
saber em primeiro lugar a língua de sinais que é sua língua natural, para a
partir dela aprender a Língua Portuguesa escrita. Acreditava-se que só a
presença do intérprete seria suficiente para uma boa inclusão numa classe
regular, tornando-se necessário a frequência no AEE, no contra turno
escolar respeitando sua primeira língua (libras) com instrução dada de
preferência por professora surda.

313
Vozes da Educação

O trabalho do professor para alfabetização e letramento de qualquer aluno


pode ser utilizado também com o aluno surdo após algumas adaptações.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais a educação de pessoas com
surdez inclui: explorar recursos visuais; uso de Imagens com significado e
contextualizado; sondar se o assunto foi compreendido; proporcionar
sempre nova explicação com outra perspectiva; deixar que possa sentar-se
onde quiserem em prol da sua autonomia, negociando quando há presença
do intérprete para que fique bem posicionado para boa visualização; os
alunos implantados não devem sentar-se junto a portas e janelas, uma vez
que os barulhos externos interferem na compreensão da aula. Outra
sugestão é o currículo funcional construído a partir das possibilidades do
aluno, considerando o que ele vai precisar para a vida em sociedade e este
poderá ser desenvolvido na classe regular na Educação Infantil e Ensino
Fundamental e no AEE.
A realidade que existe no município com a diminuição do
número de alunos, haverá dificuldades na implantação de escolas ou
classes bilíngues. Deve-se considerar que é ainda uma proposta exposta
sem ainda as diretrizes para sua implementação. Segundo relato de alunos
surdos o desejo é ter uma sala ou está em qualquer ambiente da sociedade
em que todas as pessoas pudessem dialogar com eles. Uma sala com
ouvintes usuários de libras e Língua Portuguesa, onde todos se entendem
porque participam de uma mesma cultura, com professores também
bilíngues. O primeiro passo foi dado. Entretanto, o uso de libras na
Educação Básica, depende do Projeto Político Pedagógico da Unidade de
Ensino. A difusão dessa língua para não ficar restrita aos cursos de
Pedagogia e fonoaudiologia vai depender de Políticas Púbicas. Outra
questão bastante relevante é o acesso às tecnologias da informação. Além
dos preços exorbitantes, o aluno fica esperando que seja disponibilizada
pelo poder público via transferência de recursos e a vinda de
equipamentos pelo MEC. Esse processo é tão lento que, segundo
depoimento de direção de escolas, quando o equipamento chegou o aluno
já havia passado para outra série e outra escola. Portanto, os problemas
cognitivos e de comunicação apresentados pelo surdo não é só pela falta
da audição, mas pelo meio social que ainda não é acessível.
A experiência em coordenar o trabalho do professor bilingue no
centro multidisciplinar e em Salas de recursos multifuncionais leva a

314
Volume VIII

reflexão desse percurso. Onde estão os alunos surdos que por volta de
2009 foram retirados da APAE e da sala especial? Refletindo sobre a
criação da sala onde todos pudessem ser alfabetizados em Libras e em
Português escrito foi extinta por não atender as diretrizes da escola num
perspectiva inclusiva, se fosse nesse ano seria chamada de tentativa ousada
de uma classe bilíngue. Entretanto o objetivo era enquanto o professor se
capacitava os alunos também aprendiam sua língua para se tornar
majoritária em detrimento do Português. Professor e alunos estavam no
processo de aprendizado de Libras. O aluno aprendiam Libras
e Português ao mesmo tempo. Alguns anos depois foi feito a inserção nas
classes regulares em pequenos grupos que facilitou a convivência com os
demais adolescentes da comunidade. Hoje alguns estão no Ensino Médio,
outros terminaram a Educação Básica. Nenhum na faculdade. Percebe-se
que eles ficaram presos nos dois mundos. Da surdez e do ouvinte. O
déficit nas Políticas Públicas de letramento comprometeu o aprendizado,
bem como a falta de escola e estimulação na primeira infância, pais
ouvintes, falta de uma referência de língua. Ênfase foi dada para a Libras
L1 e na nossa realidade eles não se apropriaram devidamente do Português
escrito L2. A sociedade não os considera letrado sem o domínio do
Português. O acesso ao trabalho inclui supermercados no cargo de
embaladores, repositores e trabalhos domésticos.
A outra experiência mais recente faz parte do contexto atual de
dois alunos pequenos que ao ter acesso ao implante coclear os pais
optaram por Português falado e com ajuda de fonoaudióloga e do
professor bilingue do AEE em salas regulares conseguiram se apropriarem
do Português falado. Agora em 2017 no Ensino Fundamental II elas
iniciaram o aprendizado de Libras, com a aceitação dos pais.
Essas são realidades distintas questionáveis, mas atendendo a
oportunidade dos alunos, aos desejos dos pais que muitas vezes recebe
influências ainda oralistas. Os professores se identificaram com Libras se
tornam bilingues sem a formação específica para o letramento em
Português.

Considerações finais
O movimento inclusivo tem como diretriz principal a Educação
Para Todos. Com base nas pesquisas realizadas, percebe-se que essa não é

315
Vozes da Educação

a realidade para as pessoas com surdez. Em 2018 até o mês de março,


apenas 20 alunos estão inseridos na educação Básica em Porto Seguro.

As diferenças de gênero entre pessoas com surdez é bastante


marcante, pois à mulher surda na maioria dos casos tornam-se domésticas
através do casamento ou na própria família com a mesma realidade:
trabalhos domésticos sem remuneração. Os homens pela baixa ou
nenhuma escolaridade, executam trabalhos subalternos. Homens ou
mulheres sem muitas perspectivas de emprego esperam por
assistencialismo do BPC Benefício de Prestação Continuada.
A família dos alunos não demonstram perspectivas de
continuidade escolar apresenta como sonho apenas o aprendizado do
Português e a oralização. O implante coclear é a esperança da fala e,
consequentemente e não ser considerado surdo. Numa visão ainda clínico
terapêutica da surdez associada à deficiência. De qualquer forma, o surdo
é uma pessoa que assume sua identidade participando com outros surdos
de diferentes momentos, comunicando-se de forma visual e gestual. A
dificuldade para a pessoa surda é que a língua que ele precisa aprender não
é a mesma cultura dos pais, dos colegas da escola, dos professores. Faz
parte de uma minoria linguística e isso traz complicações no processo de
ensino aprendizagem e de inclusão social. Não devido à sua língua
minoritária, mas por causa de uma sociedade que não a considera e exclui.

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Volume VIII

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O professor surdo e sua prática pedagógica em sala de aula/ Sala de AEE:
O fazer pedagógico. Texto elaborado para o curso de Aperfeiçoamento
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que o sistema “permite” criar: Estudo de caso do Estado de Santa
Catarina. UFSC, GT: Educação Especial/ n.15. Agência Financiadora:
CAPES/ FUNCITEC,2006
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Arara Azul Ltda. Petrópolis RJ.
SILVA, Lázara Cristina. Concepções sobre a surdez. Lázara Cristina Silva,
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SKLIAR, Carlos, (org.), A surdez, um olhar sobre as diferenças. Porto
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Seminário Desafios para o Próximo Milênio. Rio de Janeiro: INES Divisão
Estudos e Pesquisas. P. 35-39.

317
Vozes da Educação

ABORDAGEM DO CONCEITO DE VELOCIDADE ESCALAR MÉDIA


OBSERVANDO A NATUREZA57

M.e. Wanglêsio Silveira de Farias58


Dr. George Frederick Tavares da Silva59
Dr. João Cláudio Nunes Carvalho60

RESUMO
O ensino de Física carece de metodologias que conduzam o educando a uma
aprendizagem significativa. Para amenizar esse problema é imprescindível que
novas formas de ensinar sejam postas em ação. Assim, o objetivo desse trabalho
foi de proporcionar aos educandos, do primeiro ano do ensino médio, uma
maneira diferente de aprender o conceito de velocidade escalar média pela
observação da natureza e associação ao seu cotidiano. Em face das atividades
desenvolvidas eles puderam notar o quão importante é o ato de medir e como eles
podem interferir no resultado. O desfecho evidencia a necessidade de que mais
ações como essas aconteçam.
Palavras-Chave: Ensino; Aprendizagem; Observação; Velocidade escalar média.

ABSTRACT
Physics teaching lacks methodologies that lead the learner to meaningful learning.
To mitigate this problem it is imperative that new ways of teaching are put into
action. Thus, the objective of this work was to provide the learners, from the first
year of high school, a different way of learning the concept of average scalar
velocity by observing nature and associating with their daily life. In the face of the
activities developed they could see how important the act of measuring and how
they can interfere in the result. The outcome evidences the need for more actions
like these to happen.
Keywords: Teaching; Learning; Note; Average scalar velocity.

57Este trabalho é parte de uma pesquisa desenvolvida durante o Mestrado Nacional Profissional
em Ensino de Física, entre os anos de 2016 e 2017, no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará, Campus Sobral, com dados apresentados na dissertação do próprio autor,
Farias (2018).
58Professor de Física no ensino médio do quadro efetivo da rede pública do Estado do Ceará;
59Docente/pesquisador do Departamento de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará – IFCE


60Docente/pesquisador do Departamento de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará – IFCE

318
Volume VIII

Introdução
O modelo clássico em que o professor ministra aulas, o aluno
transcreve e memoriza para aplicação em provas, ainda é bastante
praticado nas escolas, instigando uma aprendizagem mecânica
(MOREIRA, 2017). objetivo desse trabalho foi de proporcionar aos
educandos, do primeiro ano do ensino médio, uma maneira diferente de
aprender o conceito de velocidade escalar média pela observação da
natureza e associação ao seu cotidiano, aliado à aula teórica e resolução de
atividades.
Esse tema normalmente é trabalhado em duas aulas no currículo
do ensino médio, razão pela qual procurou-se manter esse tempo. Muitas
vezes o professor procura inovar sua prática, mas se perde no
gerenciamento das tarefas em meio a desenvoltura e limitações dos
estudantes. “É comum a preocupação do professor com a atividade a ser
realizada, contudo, nem sempre há a mesma inquietação com a maneira
como a interação com os alunos vai se estabelecer” (MONTEIRO et al,
2012, p. 1009). Diante do número de aula reduzido, que a disciplina de
Física ocupa nessa modalidade de ensino, é imprescindível que o professor
tenha esse cuidado sem deixar de lado a qualidade.
Trazer o cotidiano do estudante para o espaço onde a
aprendizagem se desenvolve, proporciona uma melhor aceitação a respeito
da matéria de ensino. A natureza sempre fascinou o homem desde a sua
existência, os primeiros cientistas “aplicaram a razão ao que viam em volta
deles e chegaram a teorias para explicar suas observações” (ROONEY,
2013, p. 17). Nessa mesma linha, propor observação na natureza é sem
dúvida uma ação instigadora, que desperta a curiosidade do indivíduo.
A teoria de aprendizagem em destaque foi a aprendizagem
significativa de David Ausubel, posto que o professor, ao iniciar esse
trabalho, deveria se deter a diagnosticar os conhecimentos prévios dos
estudantes, para então passar a direcionar suas explanações tendo como
base aquilo que o estudante já detém de informação. Ausubel chamou isso
de subsunçores e Moreira (2015) destacou que na falta desses a
aprendizagem mecânica passa a ser necessária. Ela atua até que algumas
partes do conhecimento existam na estrutura cognitiva de forma relevante
e associada as novas informações e, então, possam servir de subsunçores
que se tornarão cada vez mais elaborados à medida que a aprendizagem

319
Vozes da Educação

significativa se edifica (AUSUBEL et al, 1980). Por isso mesmo, não


deixou de acontecer aula de forma tradicional, mesmo que em um curto
período de tempo.
Outro ponto importante foi propor algo que fizesse o estudante
atribuir sentido aquilo que ele estar vivenciando enquanto conteúdo e que
as novas informações se ancorassem na estrutura cognitiva e pudessem
então servir como novos subsunçores, os quais passariam a ter condições
de ancorar outras informações na mesma área à medida que a
aprendizagem passasse a ser significativa (MOREIRA, 2015).
Duas são as condições para que ocorra a aprendizagem
significativa, a primeira é que o estudante se disponha a aprender e a
segunda é que o material de estudo seja significativo para ele (PELIZZARI
et al, 2002). Diversificar a metodologia empregada e trazer elementos do
cotidiano para a proposta de estudo são maneiras de favorecer essas
condições.

Material e métodos
Este trabalho foi desenvolvido em duas aulas de 50 minutos cada.
Nos primeiros 25 minutos da aula foi investigado por meio do diálogo
quais os conhecimentos prévios os estudantes apresentavam sobre o tema
velocidade média e concomitantemente foi apresentado aos mesmos o
conceito de velocidade escalar média com as resoluções de duas questões
relativas ao tema (Quadro 1). Em seguida, os estudantes, em grupos de
quatro, foram orientados a procurar nas proximidades da escola corpos
em movimento, para que eles pudessem estimar suas velocidades escalares
médias. Para tanto, foi feito uso dos seguintes materiais: cronômetros, fitas
métricas e blocos de anotações.

Quadro 1 – Questões trabalhadas em sala pelo professor.


1. Qual foi a velocidade escalar média de um coelho que percorreu 84 m em 12 s?
Nesse mesmo ritmo, ele faria 42 m em 6 s?

2. Um motorista recebe a incumbência de levar uma encomenda no prazo de 30


minutos, a uma distância de 45 km. Ele fez com segurança os primeiros 20 km em
10 minutos. Ele conseguirá entregar a encomenda dentro do prazo estipulado, sem
ultrapassar os limites de velocidade da rodovia que é 100 km/h?
Fonte: FARIAS (2018, p.57-58).

320
Volume VIII

Também foi proposto que os estudantes estimassem o tempo


necessário para uma caminhada partindo da Escola de Ensino Médio São
Francisco da Cruz até a Escola Estadual de Educação Profissional Marta
Maria Giffoni de Sousa, o que equivale a 9,9 km. Para essa atividade os
estudantes mediram a velocidade escalar média de um dos integrantes do
grupo a partir de uma caminhada de dez metros e então calcularam o
tempo necessário para o percurso proposto. O professor, fazendo uso do
Google Maps, além de escolher o ponto de partida e de chegada,
comparou os resultados dos estudantes com o indicado pelo aplicativo
(Figura 1).
Figura 1 - Percurso de 9,9km para estimativa do tempo.

Fonte: Dados do mapa ©2017 Google.

Na segunda aula, os grupos de estudantes apresentaram suas


considerações sobre as atividades e responderam a um questionário de três
questões sobre velocidade escalar média, uma extraída do ENEM 2012 e
as demais elaboradas pelos autores deste trabalho (Quadro 2).

Quadro 2 – Questionário sobre velocidade escalar média.


1. (ENEM 2012) Uma empresa de transportes precisa efetuar a entrega de uma
encomenda o mais breve possível. Para tanto, a equipe de logística analisa o trajeto
desde a empresa até o local da entrega. Ela verifica que o trajeto apresenta dois trechos
de distâncias diferentes e velocidades máximas permitidas diferentes. No primeiro trecho,
a velocidade máxima permitida é 80km/h e a distância a ser percorrida é 80km. No
segundo trecho, cujo comprimento vale 60km, a velocidade máxima permitida é 120km/h.
Supondo que as condições de trânsito sejam favoráveis para que o veículo da empresa
ande continuamente na velocidade máxima permitida, qual será o tempo necessário, em
horas, para a realização da entrega?
(A) 0,7.

321
Vozes da Educação

(B) 1,4.
(C) 1,5.
(D) 2,0.
(E) 3,0.

2. O professor de Física aplicou um projeto sobre velocidade escalar média aos seus
alunos. Um dos objetivos era encontrar, no entorno da escola, algo dotado de movimento
para que eles pudessem estimar a velocidade escalar média do que foi observado. Na
prática, uma equipe de estudantes notou que uma formiga percorreu 60,0 cm em 9,0 s.
Outra equipe verificou que uma lagarta percorreu 40,0 cm em 7,0 s. Do observado, a mais
rápida ao longo do trajeto foi:
(A) A lagarta, com velocidade escalar média de 6,7 cm/s.
(B) A lagarta, com velocidade escalar média de 5,7 cm/s.
(C) A formiga, com velocidade escalar média de 6,7 cm/s.
(D) A formiga, com velocidade escalar média de 5,7 cm/s.
(E) Ambos apresentam a mesma velocidade escalar média.

3. A viagem entre Cruz e Sobral, cidades do Ceará separadas por uma distância de 120,0
km por rodovias, normalmente é feita de carro no tempo de 1h e 40min. Entretanto, Hangel
adicionou a esse tempo 20,0min, devido a um incidente que o fez parar. Assim,
considerando esses tempos como os praticados por Hangel, qual foi a velocidade escalar
média empregada nesse trajeto? Expresse esse valor em m/s e em km/h.
Fonte: FARIAS (2018, p.60-62).

Para análise do trabalho realizado, o tema foi ministrado em 8


turmas de 1º anos, em uma escola pública do interior do Estado do Ceará,
com um total de 279 estudantes frequentes, das quais 4 turmas (142
estudantes) foi aplicada a proposta e outras 4 turmas (137 estudantes)
foram trabalhadas aulas tradicionais. As três questões foram aplicadas nas
8 turmas em dois momentos distintos, uma após a abordagem do tema e
outra após um mês. Para essas três últimas questões foi totalizado um valor
igual a 10, atribuindo-se 3 para cada uma das duas primeiras questões e 4
para a última questão, devido apresentar dois comandos.

Resultados e discussão
A abordagem sobre velocidade escalar média em sala pelo
professor proporcionou aos estudantes a sintonia entre a teoria e a prática
sugerida em seguida. A busca por objetos em movimento levou os
estudantes a indagações repletas de revelações típica da ciência, como a
constatação de que o ato de medir não é uma tarefa tão simples. Ao longo

322
Volume VIII

das duas aulas, os estudantes foram supervisionados pelo professor, figura


indispensável no processo de ensino e aprendizagem.
Alguns grupos revelaram dificuldades para efetuarem as
medições, devido a maioria dos objetos encontrados ter apresentado
movimentos com trajetórias não-lineares, o que levaram os estudantes a
tomarem decisões adequadas acerca do método utilizado, como o uso de
um barbante esticado para auxiliar na determinação do espaço percorrido
por uma formiga.
Ao estimar o tempo necessário para percorrer a distância entre a
Escola de Ensino Médio São Francisco da Cruz até a Escola Estadual de
Educação Profissional Marta Maria Giffoni de Sousa, alguns grupos
divergiram bastante em seus resultados para essa segunda atividade,
encontrando valor superior a 3 horas (quando o esperado era em torno de
2 horas), entretanto, a maioria dos grupos conseguiram apresentar valores
adequados. O fato de propor locais da região onde vivem os estudantes,
agrega sentido para a atividade.
Na segunda aula, os estudantes compartilharam suas experiências
e oportunizaram condições para que o professor, tido como facilitador,
pudesse verificar a satisfação da proposta de trabalho e seu alcance. O uso
da linguagem nesse processo facilita o dinamismo da aprendizagem. Os
discursos dão o suporte para que os estudantes se expressem e coloquem
suas limitações, necessidades e entendimentos, possibilitando que o
professor interaja positivamente como alguém com mais experiência
(MONTEIRO et al, 2012).
Foi notório que nas turmas em que o projeto foi aplicado houve
tanto um maior número de acertos, quanto um menor declínio em relação
a segunda aplicação do questionário composto por três questões (Gráfico
1). Nessa análise há fortes indícios de que aconteceu a aprendizagem
significativa, uma vez que os estudantes apresentaram melhores resultados
em comparação às turmas onde o projeto não foi aplicado, tanto na
primeira aplicação, quanto na segunda. Além do que eles conseguiram
manter informações com poucas perdas em um prazo razoável.

323
Vozes da Educação

Gráfico 1 – Resultado das duas aplicações das três questões sobre velocidade escalar média.

4,3
2ª aplicação 5,8
1ª aplicação 5,6
6,3
0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0

Turmas: projeto não aplicado Turmas: projeto aplicado

Fonte: Resultados da pesquisa (2016).

A reaplicação do questionário, após um mês, acrescido de duas


perguntas de cunho pessoal (dispostas nos Gráficos 2 e 3) teve a intenção
de verificar a aceitação da proposta e da permanência do conhecimento na
estrutura cognitiva do estudante. As questões foram elaboradas de maneira
a evitar a simulação da aprendizagem significativa, conforme alertou
Moreira (2015, p. 164-165), elas devem ser formuladas “de maneira nova
e não familiar, que requeira máxima transformação do conhecimento
adquirido”.
Sobre a motivação em realizar a proposta os estudantes que
participaram da execução do projeto demostraram uma boa aceitação
(Gráfico 2). Além da empolgação notada no decorrer das atividades. O
que remete à primeira condição para a existência de uma aprendizagem
significativa, ou seja, que o estudante demonstre interesse em aprender.

Gráfico 2 – Resultado da pergunta: Mediante a abordagem, que foi empregada no decorrer das aulas, sobre
velocidade média, a atividade proposta pelo professor, o deixou motivado a resolvê-la?

NÃO 54,0%
23,2%

PARCIALMENTE 25,5%
33,8%

SIM 20,4%
43,0%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0%

Turmas: projeto não aplicado Turmas: projeto aplicado

Fonte: Resultados da pesquisa (2016).

324
Volume VIII

Quando questionados sobre suas aprendizagens acerca do tema


trabalhado, os estudantes se mostraram confiantes (Gráfico 3). É provável
que a aceitação da proposta de trabalho tenha influenciado o resultado
dessa questão. Daí a importância da aplicação das três questões relativas
ao tema velocidade escalar média para confirmação desse resultado.

Gráfico 3 – Resultado da pergunta: Ao final da condução desse tema, você considera que
aprendeu o conceito de velocidade escalar média?

NÃO 45,2%
18,3%

PARCIALMENTE 23,4%
19,7%

SIM 31,4%
62,0%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0%

Turmas: projeto não aplicado Turmas: projeto aplicado

Fonte: Resultados da pesquisa (2016).

Considerações finais
Em face das observações os estudantes puderam notar o quão
importante é o ato de medir, como ele pode interferir no resultado obtido
e como a persistência em repetir um experimento deve fazer parte desse
processo. O estímulo em participar de uma aula em que eles possam
perceber como a experimentação acontece, proporcionou aos envolvidos
uma compreensão de como a observação é importante para a ciência.
Além disso, a quantidade de estudantes que passaram a interagir nessa
atividade, com perguntas e empenho na realização da tarefa, foi
notoriamente maior quando comparada a aulas tradicionais, em que o
estudante pouco interage demonstrando desinteresse nas atividades
sugeridas. Tal comparação foi feita a partir da análise das atividades
realizadas nas diferentes turmas, utilizando da metodologia tradicional e
da proposta neste trabalho.

325
Vozes da Educação

Para um trabalho promissor com destaque é necessário


planejamento que leve em consideração os conhecimentos prévios dos
estudantes, suas vivências e aptidões, ainda mais quando essa restruturação
se edifica na diversidade da metodologia empregada, onde, mesmo em
apenas duas aulas, foi possível fazer uso de diversas ferramentas para
proporcionar a aprendizagem a um maior número de estudantes, tendo
em vista que nem todos aprendem com a mesma forma e facilidade.
No alcance dos objetivos de uma proposta pedagógica é essencial
que o professor saiba desempenhar bem o seu papel, que ele tenha
conhecimento do que se ensina, daí a necessidade do professor está em
constante formação (CARVALHO; GIL-PEREZ, 2011). O resultado
revela a necessidade de que mais ações como essas aconteçam no ensino
para disseminar a aprendizagem significativa.

326
Volume VIII

Referências Bibliográficas

AUSUBEL, D.P.; NOVAK, J.D.; HANESIAN, H. Psicologia


educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.
CARVALHO, Anna Maria Pessoa de; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação
de professores de Ciências: tendências e inovações. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
FARIAS, Wanglêsio Silveira de. Projetos Educacionais no Ensino de Física
aliados à diversidade metodológica. 2018. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ensino de Física) – Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Ceará, Sobral, 2018.
MONTEIRO, Marco Aurélio Alvarenga; MONTEIRO, Isabel Cristina de
Castro; GASPAR, Alberto; VILLANI, Alberto. A influência do discurso
do professor na motivação e na interação social em sala de aula. Ciência &
Educação, v. 18, n. 4, p. 997-1010, 2012.
MOREIRA, Marco Antonio. Grandes desafios para o ensino da física na
educação contemporânea. Revista do Professor de Física, v. 1, n. 1, 2017.
______. Teorias de Aprendizagem. 2. ed. ampl. São Paulo: Editora
Pedagógica e Universitária (E.P.U.), 2015.
PELIZZARI, Adriana et al. Teoria da aprendizagem significativa segundo
Ausubel. Revista PEC, v. 2, n. 1, p. 37-42, 2002. Disponível em:
<http://files.gpecea-usp.webnode.com.br/200000393-
74efd75e9b/MEQII-
2013-%20TEXTOS%20COMPLEMENTARES-%20AULA%205.pdf>.
Acesso em: 10 fev. 2018.
ROONEY, Anne. A História da Física. São Paulo: M. Books do Brasil,
2013.

327
Vozes da Educação

INDISCIPLINA NO ENSINO MÉDIO NA PERSPECTIVA DOS


PROFESSORES: O QUE TEM SIDO FEITO PARA MINIMIZÁ-LA NO
PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM?

Zelia Maria Freitas dos Santos61


Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida62
Rilva José Pereira Uchôa Cavalcanti63

RESUMO
Este artigo é resultado da pesquisa de mestrado cujo objetivo foi analisar
as causas geradoras da indisciplina por estudantes do ensino médio, numa
escola estadual, na perspectiva dos professores e o que estes têm feito para
minimizá-las no processo de ensino-aprendizagem. Os dados coletados
indicaram que as causas geradoras de indisciplina por estudantes do ensino
médio, foram: desinteresse, uso de celular em momento de aula e
conversas paralelas. Quanto ao fazer dos professores para minimizar essas
causas geradoras de indisciplina no processo ensino-aprendizagem,
observou-se que os mesmos tem procedido de forma isolada, cada um
agindo a sua maneira em sala de aula.
Palavras chave: Aprendizagem. Ensino Médio. Indisciplina.

ABSTRACT
This article is the result of the master's research aimed to analyze the
generating causes of indiscipline by high school students in a public
school, from the perspective of teachers and what they have done to
minimize them in the teaching-learning process. The data collected
indicated that the generating causes of indiscipline by high school
students, were: lack of interest, cellphone use in class time, parallel
conversations. How to make teachers to minimize those causes create

61Mestre e Doutora em Ciências da Educação, Técnica pedagógica da Secretaria Estadual de


Educação de Pernambuco e Professora da Educação Básica da Prefeitura Municipal do Cabo de
Santo Agostinho.
62Mestre, Doutora e Pós-Doutora em Ciências da Educação, professora do Depto. De

Educação/POSMEX – UFRPE
63Doutora em Ciências da Educação, Professora da Educação Superior na Faculdade de Ciências

Humanas e Sociais de Igarassu –FACIG; técnica pedagógica da Secretaria de Educação do


estado de Pernambuco e Professora da Educação básica da Secretaria de Educação Municipal
de Recife-PE.

328
Volume VIII

indiscipline in the teaching-learning process, it was observed that the


samehas been in isolation, each acting on your way in the classroom.
Keywords: Learning, teaching high school, indiscipline.

Introdução
Este artigo é resultado da pesquisa realizada para a dissertação de
mestrado que aborda sobre as causas geradoras de indisciplina e o fazer
do professor para minimizá-la no processo ensino-aprendizagem.
A problemática da indisciplina em sala de aula é algo que vem
ocorrendo em níveis da educação básica como no superior. Essa
realidadee vem comprometendo as Redes de Ensino e incitando àqueles
que trabalham com educação à investigação a este respeito em busca de
respostas as atitudes descomedidas dos estudantes.
Então, com o intuito de atender ao objetivo proposto, analisar as
causas que geram a indisciplina dos estudantes do ensino médio numa
escola estadual do município do Cabo de Santo Agostinho na perspectiva
dos professores e o que estes têm feito para minimizá-las no processo de
ensino-aprendizagem, fez-se necessário desenvolver uma metodologia
com análise descritiva e de abordagem qualitativa, tendo como método o
estudo de caso e como referencial teórico analítico a Análise de Discurso
(AD). Como instrumento para a coleta de dados foi construído um roteiro
resultante da técnica de observação estruturada em duas turmas de 1º ano
do ensino médio e entrevistas semiestruturadas com professores das
referidas turmas.
Os motivos que integram e direcionam este estudo estão
relacionados ao período em que uma das pesquisadoras exercia a função
de Gerente de Ensino na Secretaria de Educação no município do Cabo
de Santo Agostinho/PE, Brasil. Na ocasião, houve a oportunidade de
receber vários professores e gestores apreensivos quanto à indisciplina em
sala de aula nas escolas em que exerciam suas funções educativas.
Colocavam-se como impotentes diante da realidade e se questionavam a
respeito do rendimento escolar daqueles estudantes.
Diante desta realidade em que se encontra a escola, foram
necessários novos estudos sobre as causas da indisciplina levando em

329
Vozes da Educação

consideração a perspectiva dos educadores e as possíveis interferências no


processo ensino-aprendizagem no ensino médio, e que estes estudos sejam
suportes na abertura de novos horizontes no trabalho dos educadores.

Ensino médio e a indisciplina


A problemática da indisciplina é algo que vem inquietando
professores, gestores e outros profissionais ligados à educação. Isso fez
com que pesquisadores tenham se voltado para investigar esta temática a
fim de perceberem as causas, as quais têm contribuído para propiciar o
aumento exacerbado de descumprimento de regras pré-estabelecidas nas
escolas, a ponto de educadores se sentirem inquietos e impotentes diante
desta realidade.
Este estudo a princípio, será discorrido sobre as políticas públicas
brasileiras no tocante ao ensino médio. Em prosseguimento, aborda-se o
conceito de indisciplina na visão de vários autores. Por fim, apresenta-se
o que discutem alguns autores sobre o processo ensino-aprendizagem no
que tange à interferência motivada pela indisciplina.

O ensino médio no contexto atual


Ao ser promulgada a Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional (LDBEN) nº 9.394/96, o desejo de todo brasileiro era que os
erros, outrora cometidos em leis anteriores referente à educação, não se
repetissem. Principalmente, a dualidade entre o ensino médio oferecido à
elite e o oferecido à classe trabalhadora. Como também, que fossem
desenvolvidas políticas públicas que favorecessem a oferta de vagas nas
escolas e permanência dos estudantes nas escolas até a conclusão do curso.
Segundo Padilha e Araújo (2011), embora a LDBEN nº
9.394/1996, em seu Artigo 35, afirma que esta etapa da educação básica:
Tem como finalidade a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental e a preparação
básica para o trabalho e a cidadania. [...] Além disso, oferece o
conhecimento básico para que o estudante possa ingressar no Ensino
Superior. (p. 474).
Entretanto, esta lei não consegue garantir um ensino de
qualidade, e ainda é perceptível, em escolas públicas, a superlotação das
salas e a falta de professores, muitas vezes, até profissionais indevidamente
habilitados para ministrar determinado componente curricular.

330
Volume VIII

Entretanto, para atender a necessidade da escola, assumem as aulas destes


componentes curriculares que não são de sua qualificação profissional.
Diante desta realidade em que se encontra a escola e a exigência
de um mundo globalizado, foram criados dois planos nacionais de
educação com duração de dez anos. O primeiro teve início em 2001 e
término em 2010. O segundo foi aprovado em junho de 2014.
Quais as metas para atender as necessidades urgentes da
educação? Nesta pesquisa, lança-se um olhar sobre a última etapa da
educação básica.
Entre os diversos objetivos e metas propostos no Plano Nacional
de Educação (PNE) destacam-se: elevação do nível de escolaridade da
população brasileira; melhoria da qualidade do ensino em todas as etapas
da educação básica e arrefecimento das desigualdades sociais entre as
regiões no que se refere ao acesso e a permanência na educação pública
com êxito.
Além disso, o plano visa, também, a universalização da qualidade
social por meio de ações que possibilitem a “inclusão de todos no processo
educativo, com garantia de acesso, permanência e conclusão de estudos
com bom desempenho.” (KUENZER, 2010, p.859).
Quanto ao que se refere à permanência dos estudantes em sala
de aula, pode-se afirmar que ainda não atende a classe trabalhadora, já que
o maior índice de evasão se dá no horário noturno, onde a classe
trabalhadora estuda.
Kuenzer (2010) afirma o seguinte:
[...] as dificuldades que têm pautado os processos de construção de
uma proposta de qualidade para o ensino médio integrado, na
perspectiva dos que vivem do trabalho, não podem ser resolvidas por
soluções pedagógicas, uma vez que a ruptura entre o geral e o
profissional, entre o trabalho intelectual e a atividade prática, está na
raiz da constituição do modo de produção capitalista. (p. 863).
Segundo Brandão (2011), o maior desafio para o governo, no
tocante ao ensino médio para o novo PNE, é desenvolver políticas
públicas que favoreçam a permanência dos jovens nesta etapa de ensino e
a concluam com sucesso.
Entretanto, novas mudanças têm ocorrido no ensino médio a
partir da Lei nº 13.415, de 2017 que modifica a LDB 9.394/96. Destacam-
se neste trabalho alguns pontos, tais como:

331
Vozes da Educação

No Art. 24 - § 1º - A carga horária mínima anual de que trata o inciso


I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino
médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino
oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas
anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017.
Como também, foi incluído o Parágrafo 10 ao Art. 26 que trata
da “inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na
Base Nacional Comum Curricular que dependerá de aprovação do
Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro de
Estado da Educação.” (Lei nº 13.415, de 2017).
Outras mudanças surgiram com relação a alguns componentes
curriculares, entretanto não é objeto de estudo desta pesquisa, mas, torna-
se pertinente destacar a forma como ficou organizada as áreas do
conhecimento: “I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas
tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências
humanas e sociais aplicadas.” (Lei nº13.415, de 2017, Art. 35-A).
Espera-se que as mudanças possam de fato contribuir para uma
educação de qualidade.

Conceito de indisciplina na escola


Ao discutir sobre indisciplina, proporciona primeiramente o que
afirma Garcia (2006), em seu artigo “Indisciplina, incivilidade e cidadania
na escola,” para o autor a indisciplina é apontada como um modo de
ruptura nas relações pedagógicas.
Para Bechara (2009), indisciplina é a “ação ou atitude contra a
disciplina exigida; desobediência.” De acordo com este conceito, longe
está da ideia de se atribuir indisciplina como o barulho que ocorre em sala
de aula no momento de discussão de um tema na qual a participação dos
alunos é significativa. Sendo assim, para que a aprendizagem seja eficaz, é
necessária a contribuição do estudante com questionamentos,
inquietações, interação entre os colegas sobre o tema proposto pelo
professor ou professora e este dinamismo, certamente, contribuirá para a
construção do conhecimento, mas a indisciplina referida pelos educadores
trata da falta de respeito para com os professores, gestores, funcionários
administrativos e com seus colegas.
Rego (1996), em seu texto “A indisciplina e o processo educativo:
uma análise na perspectiva vygostkiana,” faz a seguinte análise:

332
Volume VIII

Costuma-se compreender a indisciplina, manifesta por um indivíduo


ou um grupo, como um comportamento inadequado, um sinal de
rebeldia, intransigência, desacato, traduzido na ‘falta de educação ou
de respeito pelas autoridades’, na bagunça ou agitação motora. (p. 85).
Segundo esse conceito, indisciplina é o descumprimento de
regras sociais pré-estabelecidas, provocando a violência física e moral à
comunidade escolar. Vasconcelos (2009), antes de tratar da indisciplina em
si, fala da disciplina, afirmando que é autocontrole, é saber o momento
certo de se manifestar para não romper com acordos anteriormente
estabelecidos e, deste modo, não comprometer a liberdade de outros.
Pode-se afirmar que a indisciplina é a falta do não cumprimento
de regras pré-estabelecidas, sejam escritas ou não, contudo é acordado por
um grupo, ou simplesmente o costume de um povo. É uma atitude de
desrespeito para com o seu próximo.

A indisciplina na escola
O que a escola pode fazer para enfrentar a indisciplina diante da
realidade posta e, muitas vezes, os educadores se sentem impotentes para
solucioná-la? Aquino (2003), tratando da temática indisciplina, fazendo
um contraponto com escolas democráticas, coloca como alternativa, que
a saída para tais problemas deve estar nas estratégias que serão traçadas,
de forma democrática, para solucionar o problema em questão. A escola
precisa mudar sua postura de detentora do saber e poder, atribuindo ao
aluno esta responsabilidade de coparticipante, não só na construção do
conhecimento, mas da solução de problemas no interior da escola.
Segundo o mesmo autor, a indisciplina percebida, com muita
frequência, nas escolas, afetando consequentemente o processo ensino-
aprendizagem, deve-se à falta de normas que tenham sido construídas
pelas classes interessadas e que estas, ao serem estabelecidas, sejam
flexíveis, dependendo da necessidade do grupo envolvido. Aquino (2003)
acrescenta que a escola, desenvolvendo uma postura democrática, de
escuta ativa, facilitará a aproximação entre professor, estudante e a
comunidade do seu entorno.
A partir desta reflexão, outros questionamentos advêm sobre a
problemática da indisciplina: até que ponto a escola tem atendido aos
anseios dos estudantes? Esta instituição estaria possibilitando aos

333
Vozes da Educação

educandos uma escola que os qualificam? Que os atraem? Que lhes


oferece uma porta para ir ao encontro dos seus interesses profissionais?
Fonseca afirma que:
A sociedade do futuro, uma sociedade cada vez mais voltada para a
aprendizagem, para as tecnologias de informação e para a acelerada
divulgação de conhecimentos científicos, não pode limitar-se a uma
escola baseada na transmissão direta de conteúdos e de soluções
específicas, mas deverá orientar-se para o desenvolvimento do
indivíduo em todas as suas manifestações, para o acesso à cultura geral
e para o desenvolvimento das aptidões para o trabalho [na nossa
compreensão para uma atividade produtiva]. (FONSECA, 1998, p.
10).
A escola precisa compreender que a sociedade está à busca de
pessoas que sejam capazes de pensar e de criar. Não é concebível uma
escola pautada só na transmissão de saberes; o professor com uma visão
holística deve propiciar ao estudante situações que contribuam para o seu
desenvolvimento, e não limitá-lo a um conhecimento pré-estabelecido.
Pode-se afirmar que, em uma escola democrática, o “papel do
professor é o de comportar-se como um árbitro que aplica as normas com
a ajuda dos alunos e que, progressivamente, transfere sua autoridade ao
domínio do coletivo,” (PARRAT-DAYAN, 2009, p. 95), ou seja, em uma
escola democrática, um dos caminhos para dirimir a indisciplina, a
violência e o desrespeito às regras, seria a construção do contrato
pedagógico. Esse não sendo elaborado de forma unilateral, mas com a
participação de toda a comunidade escolar de forma ativa.
Aquino (2003) ressalta a importância das assembleias de classe.
Neste espaço participativo, a unidade de ensino, além de conseguir dos
alunos suas propostas, está propiciando a construção da democracia e a
educação em valores. “[...] cultivar uma ambiência civil capaz de
desencadear reflexão e a vivência sistemática de valores e atitudes caras ao
convívio democrático.” (AQUINO, 2003, p. 78).
Sabe-se, também, que mesmo tendo a participação dos
estudantes, os contratos pedagógicos são violados por alguns. Segundo
Aquino, (2000, p. 31) é conveniente sempre revê-los. E isto deve ocorrer
de acordo com as necessidades da escola.
Aquino (1996b) atribui, ainda, que o problema da indisciplina
decorre ao dinamismo como a aula é ministrada. O professor que se

334
Volume VIII

assume como mediador do conhecimento e não mero transmissor


propicia ao aluno a descoberta:
Crianças e jovens, [...] são absolutamente ávidos pelo saber, pelo
convite à descoberta, pela ultrapassagem do óbvio, desde que sejam
convocados e instigados para tanto. Tudo depende, pois, da proposta
por meio da qual o conhecimento é formulado e gerenciado nesse
microcosmo que é cada sala de aula. Entretanto, a tarefa é intrincada,
pois pressupõe sempre um recomeço, a cada aula, cada turma, cada
semestre. (AQUINO, 1996b, p. 52).
O autor se refere ao professor pesquisador, como aquele que,
junto com seus alunos, vai à busca de novos saberes, descortinando
horizontes, acompanhando-os passo a passo na procura do novo,
utilizando-se de metodologias que propiciem inovar o ensino-
aprendizagem, respeitando o tempo de aprendizagem de cada um.
Antunes (2002), ao tratar da questão da indisciplina em sala de
aula, faz referência à importância do saber sobre o que é indisciplina. Uma
simples conversa em sala de aula não se pode deduzir ou julgar a classe
indisciplinada. Na verdade, é impossível pessoas ficarem juntas por
cinquenta minutos, ou mais, sem conversarem, tampouco se pode apontar
como classe indisciplinada, entre outros conceitos, aquela sala que “não
permita aos professores oportunidades plenas para o desenvolvimento de
seu processo de ajuda na construção do conhecimento do aluno.”
(ANTUNES, 2002, p. 9).
Para o autor, esse problema de indisciplina em sala de aula pode
ser resolvido a partir da mudança de atitude do professor. Ele ainda afirma
que se as aulas forem dinâmicas, não tendo como única estratégia a
exposição oral desprovidas de interação, contudo utilizar-se de trabalhos
em grupos, jogos didáticos, como também, aproveitar os conhecimentos
prévios dos alunos na sala, e estas ações revolucionariam, valorizariam
mais os saberes dos estudantes, deixando-os interessados e contribuindo
para reduzir, consideravelmente, a indisciplina e o professor, por certo,
não se sentiria tão cansado e, ao mesmo tempo, acreditando que não
conseguiu alcançar seus objetivos.

A indisciplina e o processo ensino-aprendizagem


Como já foi trabalhado as concepções de indisciplina
anteriormente e até mesmo, em alguns momentos, foi mencionado

335
Vozes da Educação

ensino-aprendizagem, agora, será abordado o conceito de aprendizagem,


buscando entender as imbricações entre eles.
Segundo Michaelis (2002), dicionário da língua portuguesa,
aprendizagem é: “ação de aprender qualquer ofício, arte ou ciência.” (p.
60). Diante dessa afirmação, resta saber se a indisciplina, em sala de aula,
tão questionada pelos educadores, vem afetando o processo de ensino-
aprendizagem e se é um problema específico da rede pública.
Aquino (2003) aponta três causas que explicam a questão de
indisciplina do educando as quais são: psicologizantes, sociologizantes e
do campo pedagógico. A primeira está relacionada à questão psicológica
do aluno, sendo um problema que deve ser resolvido com ajuda de
especialista. A segunda é citada por muitos educadores como reflexo da
realidade social desfavorável em que o educando está inserido como
famílias desestruturadas propiciando a educação “sem limites” nas
crianças e jovens. A terceira, que se refere ao campo pedagógico, à causa
da indisciplina está vinculada ao papel da escola que não está atendendo
às exigências da clientela. E esta se mantém resistente às mudanças.
O referido autor enfatiza a importância da democratização da
escola, acreditando ser este um dos caminhos que contribuirá para dirimir
a indisciplina existente em sala de aula, sendo que a atitude do aluno é uma
forma de mostrar sua insatisfação ao que lhe é imposto.
No tocante à aprendizagem, Carmo (1994) expressa que esta
ocorre durante toda a existência de uma pessoa, e a escola não é o único
espaço de construção do saber, entretanto, é um local de aprendizagem.
Ele reforça a ideia que a forma como um indivíduo aprende é diferente do
outro, devendo ser levada em consideração a experiência individual de
cada sujeito. Dessa forma, o ser humano está sempre aprendendo,
contudo, o que difere a aprendizagem formal (promovida na escola) da
informal é que na primeira é necessário um planejamento prévio para que
ocorra o ensino e consequentemente o conhecimento.
Zanotto; Moraz; Gióia (2008), enfatizam a discussão sobre
aprendizagem, e relatam que ela ocorre ao longo da vida de um indivíduo
por meio das experiências por ele vivida. Entretanto, ressaltam que esta
forma de aprender pode ser dolorosa, se o ser não conseguir o êxito
esperado ou até mesmo não se der a construção do saber. Sobre isso elas
afirmam:

336
Volume VIII

O que estamos defendendo, aqui, é que no âmbito da


aprendizagem formal do processo que envolve a relação professor-aluno
na situação escolar, não podemos considerar o processo de aprendizagem
separado do processo de ensino. Entendemos que toda pessoa que propõe
a ensinar deve acreditar que é possível que o outro aprenda alguma coisa
de modo eficiente e que é preciso que o ensino ocorra para que a
aprendizagem ocorra. Por isso, somos contrários à ideia de que o processo
formal de ensino escolar deva se basear em uma concepção de
aprendizagem como processo natural e espontâneo. Na perspectiva que
adotamos o processo de ensino é indissociável do processo de
aprendizagem e, portanto, o planejamento é fundamental. (ZANOTTO;
MORAZ; GIÓIA, 2008, p. 8 e 9).
Através de seu conceito, as autoras deixam clara a importância
do ensino e da aprendizagem. Em suas concepções, uma está atrelada a
outra, não existe ensino se não houver aprendizagem e o êxito desta, deve-
se ao planejamento.
Bocchi (2007), também ressalta a importância do plano de aula,
alegando que o professor deve considerar os conhecimentos prévios dos
estudantes para ampliar os horizontes e os novos saberes que estão sendo
propostos. Ela é contundente ao afirmar que o êxito na aprendizagem
ocorrerá quando o docente conhecer e dominar bem o que vai ensinar, e
tenha ciência de métodos que possibilitem a eficácia no processo ensino-
aprendizagem.
Silveira (2007), também, dá ênfase ao preparo do professor como
sendo uma das causas determinantes da indisciplina. Segundo ele, muitos
professores não estão devidamente preparados, não têm domínio dos
conteúdos que são vivenciados. E, considerando que um dos papéis da
escola é desenvolver a capacidade crítica do educando, a instituição de
ensino precisa está preparada para perceber que, muitas vezes, as atitudes
de descumprir as regras por parte dos alunos, como já foram colocadas
anteriormente, é a forma que eles têm de demonstrar a insatisfação pela
maneira como estão sendo ministradas as aulas.
Aquino (1996a) levanta três pontos determinantes para evitar a
indisciplina em sala de aula: o professor precisa dominar o seu conteúdo;
o papel do educador, bem como do aluno necessitam estar bem definidos
e o docente deve saber administrar conflitos que, porventura, venham a

337
Vozes da Educação

ocorrer no espaço escolar. Acrescenta, ainda, que a escola é responsável


pelo processo ensino-aprendizagem do estudante.
Nessa mesma linha de pensamento, Freire (1996), afirma que
para o professor ter, de fato, autonomia em sua sala de aula é necessário
que ocorra uma sintonia entre ele e o estudante, entre docente e seus
colegas e as demais pessoas que compõem o corpo de funcionários da
escola e não podemos deixar de citar o seu entorno. Essa autonomia
precisa está pautada na responsabilidade e compromisso de todos os
envolvidos a fim de que, juntos, sejam construídos caminhos que possam
ser seguidos em prol do processo ensino-aprendizagem.
Resultados e Discussões
Nos discursos produzidos nas entrevistas realizadas com os
professores, foi possível delinear a partir das Formações Discursivas (FD),
quais as causas geradoras da indisciplina em sala de aula e o que eles têm
feito para minimizá-las no processo ensino-aprendizagem.
No momento em que se procedia as entrevistas e os
questionamentos sobre a explicitação dos tipos de indisciplina que é
percebida em sala de aula constatou-se que uma das principais queixas feita
pelos professores tratava-se do desinteresse por parte dos alunos nas
atividades propostas em sala de aula.
Vasconcelos (2009), ao abordar sobre a falta de interesse dos
estudantes, diz que, “um dos grandes papéis da escola, do professor, é
justamente suscitar no aluno outras necessidades, para além das
imediatas.” (p. 148). O educador é responsável pela sua sala de aula, pelos
estudantes naquele espaço pedagógico, então, se este aprendente não é
partícipe deste momento, cabe ao professor buscar novas formas de
ensinagem que contribuam para despertar o interesse sobre o conteúdo
que está sendo vivenciado.
Na turma de um dos professores, o interesse dos estudantes era
nulo. Praticamente 97% dos alunos apresentavam-se alheios ao exposto
por ele. Os estudantes levantavam e passeavam pela sala, outros entravam
e saiam enquanto o professor fazia a exposição do conteúdo. Entretanto,
o que chamou mais a atenção é que, diante da atitude dos alunos, o
professor agia como se todos estivessem atentos a sua aula.
Em nenhum momento observou-se que o mesmo tenha
conversado com os estudantes sobre a protuberância do conteúdo

338
Volume VIII

abordado. O que se entendeu é que, para o professor, o importante


mesmo era o que estava sendo transmitido, ou seja, o assunto. Quanto à
aprendizagem e a sua relevância na formação do estudante, estava claro
que não havia esta preocupação por parte do educador.
Em relação às atitudes de indiferença dos estudantes à aula que
estava sendo ministrada, era evidente que os alunos não estavam
suportando a forma como o conteúdo estava sendo vivenciado.
Aquino (2003, p. 50) ao analisar as ações indisciplinares dos
estudantes como sendo uma forma destes demonstrarem insatisfação, diz
que estas atitudes “seriam, então, o sintoma da incompatibilidade entre a
escola acalentada por seus agentes e aquela encarnada por seu alunado.”
Os alunos não agrediam o professor com palavras, mas demonstravam sua
intolerância à aula e ficavam alheios ao que estava sendo exposto.
Outra causa da indisciplina constatada foi à ausência do educador
na escola. Guimarães (in AGUINO, 1996b, p. 172) afirma: “é importante
argumentar que apesar dos mecanismos de reprodução social e cultural, as
escolas também produzem sua própria violência e sua própria
indisciplina”. O professor, ao faltar com suas obrigações de está presente
ao seu ambiente de trabalho, tem favorecido a indisciplina nas salas e nos
corredores das escolas.
Vasconcelos (2009) atribui esta atitude do professor como falta
de respeito para com o aluno e que, muitas vezes, nem tem a dignidade de
conversar com a turma dando uma justificativa pelo motivo de sua
ausência; este tipo de atitude proporciona, no educando, um sentimento
de descaso do professor para com ele. É como se os aprendentes não
tivessem nenhum valor para seu mestre.
Quanto ao que tem feito o professor sobre a interferência da
indisciplina no processo ensino-aprendizagem – foi observado, e
constatado nas entrevistas feitas aos educadores, que cada um resolve o
problema na sua sala. Em nenhum dos depoimentos é intuída uma ação
coletiva ou uma ação dos docentes voltada para o âmbito da escola, na
verdade ela aponta sempre para a particularidade na sua sala.
Vasconcelos (2009) faz o seguinte comentário:
Uma queixa corriqueira nas escolas com problemas graves de
disciplina é a falta de uma postura comum. Se cada professor precisa
ter uma postura bem definida, o mesmo se espera do coletivo dos
educadores. Muitas vezes um professor é bastante firme, estabelece

339
Vozes da Educação

com clareza os limites e cobra rigidamente. Outro, até por reação a


esse, é totalmente liberal, não cobra o que foi estabelecido, não exige.
Dessa forma, um acaba recriminando o outro e o ciclo de distorção
vai se realimentando. (VASCONCELOS, 2009,p. 179).
Segundo o autor é significante que os professores adotem o
mesmo padrão básico com relação à indisciplina dos estudantes, mesmo
porque, se cada um for fazendo o que acha pertinente, propiciará discórdia
entre o grupo.

Considerações finais
Diante dos resultados pode-se concluir que as causas geradoras
de indisciplina devem-se a metodologia adotada por alguns professores
para ministrarem suas aulas não atendendo aos interesses dos estudantes;
a ausência do professor no espaço da sala de aula contribui para essa
indisciplina, uma vez que, aquele professor que está na escola, busca
atender ao mesmo tempo duas turmas; a falta de regras disciplinares em
que na sua construção ocorra a participação do aluno e professor.
A respeito dos tipos de indisciplina dos estudantes foi desvelado
o seguinte comportamento: desinteresse, uso de celular, fone no ouvido
no momento em que o professor ministrava a aula, conversas paralelas,
gritos entre outros. E quanto ao que tem feito o professor para resolver a
indisciplina, foi comprovado que cada um trabalha de forma isolada para
resolver o problema da indisciplina. E por fim, ficou explícito que a
indisciplina em sala de aula contribui para o pouco aproveitamento no
processo ensino-aprendizagem dos estudantes do ensino médio.

340
Volume VIII

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