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PRODUÇÃO

Desafios da Qualidade e Produtividade


à Engenharia de Produção do Brasil

Lin Chih Cheng


João Martins da Silva
Francisco de Paula A. Lima
Departamento de Engenharia de Produção
Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais
Rua Espírito Santo, 35 _7° andar - Centro
30160-030 - Belo Horizonte - MG

Palavras-chave: Avaliação, Desafios, Qualidade, Produtividade, Engenharia de


Produção.
Key-words: Evaluation, Quality, Productivity, Production Engineering, Prospects
Limitations.

RESUMO
Este trabalho faz uma avaliação histórica e do estágio atual do movimento qualidade e produtividade (Q&P) no Brasi~
através da evolução do conceito do controle da qualidade no interior do atual processo de reestruturação produtiva, e
delineia os desafios, limitações e potencialidades desse movimento à comunidade científica da Engenharia de Produção. O
escopo da análise está centrado, principalmente, na comparação entre a prática da Q&P do setor produtivo industrial
brasileiro com o corpo conceitual-teórico da Q&P conhecido pela comunidade. O argumento central do trabalho é "Q&P
(no seu sentido amplo, incluindo o trabalho) não pode ser visto como uma sub-área da Engenharia de Produção, mas sim a
própria razão de ser da Engenharia de Produção (no seu sentido igualmente amplo, incluindo o trabalho)". Duas idéias
decorrentes desse argumento principal são: 1- a demanda por Q&P abre espaço para a utilização do conhecimento
especializado da Engenharia de Produção; 2 - os pressupostos básicos de Q&P abrem horizonte para a formulação de uma
nova base teórica e prática da Engenharia de Produção. O trabalho conclui com a descrição de um conjunto de ações que
podem ser implementadas pelos pesquisadores, associações afins e órgãos de fomento para que esta área de conhecimento
possa ser mais amplamente aplicada em beneficio da sociedade brasileira.

ABSTRACT
This paper seL, out to provide a historical review and an evaluation of the current situation ofthe Quality and
Productivity (Q&P) eiforts in Brazil through the evolution of the coneept of quality control within the framework of the
current pracess ofchanges in the production system. This paper also outlines the challenges, foture prospects and
limitations that these eiforts ofJer to professionals ofProduelion Engineering. The scope ofthis ana/ysis is main/y based
on the eomparison between the practice ofQ&P within Brazilian industry and the theoretical coneept ofQ&P as
understood by those profe.lsionals. The main assumption in this paper is that "Q&P (in its wider meaning) should not be
viewed as part ofProduction Engineering, but it is the raison d'etre ofProduction Engineering (in an equal/y wider
meaning). Two main ideas stemfrom this assumption, which are: (1) lhe demandfor Q&P provides ample roomfor the
applieation ofthe specialized knowledge in Production Engineering and (2) thefundamental assumptions ofQ&P enable
the formulation ofa new theoretical and practical framework for Production Engineering. Finally, this paper describes a
set ofaetions which can be implemented by researchers, associations ofprofessionals andfoster-organizations so that this
field ofknowledge can be put in practice more widely for the benefit ofthe whole Brazilian society.

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dade de Engenharia de Produção com interes-
Introdução se nesse tema. A segunda conclusão é com
Este trabalho originou-se da solicitação da relação à divisão dos grupos temáticos. Perce-
Comissão Organizadora do XIV ENEGEP be-se que os organizadores dos ENEGEPs
para elaborar um material na área de Q&P que não possuem uniformidade de critério na for-
pudesse subsidiar os debates que se seguiram mação dos temas dos sub-grupos, particular-
ao encontro, e que, ao fmal, pudesse integrar mente com relação ao tema Q&P. Constata -se
o documento "Avaliação e Perspectivas" (Lus- que Q&P, ora não é contemplado, ora é visto
tosa & lida, 1989) nos moldes do Conselho como um grupo temático à parte, ora está
Nacional de Desenvolvimento Científico e junto com Engenharia do Produto e, final-
Tecnológico (CNPq), auxiliando a potenci- mente, até engloba o grupo temático mais
alizar e orientar os esforços da área junto à tradicional de Gerência da Produção. Pode-se
comunidade acadêmica, associações afms e dizer, portanto, que apesar da relevância e do
- instituições de fomento. crescente interesse por esse tema, não há uma
compreensão precisa do que é Q&P. Preten-
O grupo temático Q&P da Engenharia de de-se, através desse trabalho, prestar auxílio à
Produção aparece formalmente no IX ENE- compreensão do tema e avançar o argumento
GEP (em Porto Alegre - 1989) com o tema de que Q&P, no seu sentido mais amplo, não
Qualidade e Confiabilidade, com a apresenta- pode ser tratado como uma sub-área da Enge-
ção de 8 trabalhos (Anais do IX ENEGEP, nharia de Pr,odução (EP), mas sim como a
1989). Anteriormente, no Vm Encontro (em própria razão de ser da EP. Com efeito, Q&P,
São Carlos - 1988), apesar de ter tido 8 grupos na sua forma abrangente atual, por um lado
temáticos, Q&P ainda não aparecia como um enfatiza a presença e a participação dos traba-
tema que merecesse uma discussão à parte lhadores no processo produtivo e se preocupa
(Anais do VmENEGEP, 1988). No XENE- com a qualidade de vida no trabalho e por
GEP (em Belo Horizonte - 1990), Q&P apre- outro, se ocupa não apenas da clássica função
sentava-se amalgamado à Engenharia do Pro- de controle da qualidade, mas da globalidade
duto, sob o tema de "Engenharia de Produto & do processo de produção voltado para a qua-
Qualidade e Confiabilidade" (Anais do X lidade. Assim, não é de se estranhar que uma
ENEGEP, 1990). No último encontro - xm e outra acabem por se confundir, dada a abran-
ENEGEP (em Florianópolis -1993) o grupo gência que hoje assume Q&P.
temático "Gestão da Qualidade e Produtivi-
dade" figura entre os 8 grupos como o tema A estrutura do trabalho está dividida em
que apresentou mais trabalhos - 66 num total três partes. A primeira parte descreve o pro-
de 209 (Anais do xm ENEGEP, 1993). O cesso de evolução do tema Q&P. Na segunda
aspecto mais interessante foi a postura inédita parte uma análise é feita, destacando as limi-
da Cornissã,o Técnica do evento, que colocou tações e potencialidades. E, fmalmente, um
o tradicional tema de Gerência da Produção conjunto de ações é proposto para ser imple-
sob o tema Q&P. mentado.

A partir dessas constatações, duas conclu-


sões podem ser tiradas. A primeira é o número Evolução da Q & P
crescente de trabalhos, e como inferência
direta, maior número de pessoas da comuni- É possível identificar pelo menos dois com-

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plexos conjuntos de fenômenos que têm influ- a QT e como ela se constituiu no Brasil.
enciado a evolução do Q&P. O primeiro deles
diz respeito à competição das nações e blocos Dois aspectos a se destacar nesta definição
de nações que disputam as fatias de mercado preliminar: o seu caráter "multiforme" e o
a nível global, através de setores industriais papel central da categoria "qualidade". Am-
específicos (porter, 1989, 1993; Thurow, bos refletem o processo histórico geral de
1992). O que cada país tem procurado é a sua constituição da teoria (cuja cor característica
inserção no mundo dos países considerados provém do Japão), e tendem a se repetir em
desenvolvidos, procurando formas mais van- . sua introdução no Brasil.
tajosas de se situar na nova dinâmica econô-
mica global. Para que isso aconteça tem-se No Japão, após um rápido florescimento
exigido das nações o empenho e a implemen- da produção industrial no pós-guerra, sentiu-
tação de programas nacionais de Q&P (PBQP, se fortemente a .necessidade de melhorar a
1991). Apesar da extrema importância desses qualidade dos produtos para alcançar compe-
processos macroeconômicos em escala mun- titividade no mercado extemo, dominado por
dial, nos limitaremos aqui a mencioná-los o países e empresas com uma longa tradição.
suficiente para situar nosso problema. O se- Para resolver esse problema prático, todas as
gundo aspecto está relacionado com as mu- teorias técnicas eram bem-vindas, algumas
danças da própria concepção de Controle da das quais não encontravam aceitação no país
Qualidade (e os conceitos necessários para se de origem (o caso de Deming é exemplar). Por
reorganizar a produção, em consequência), outro lado, pressionado pelas condições inter-
que acompanham essas mudanças mais nas adversas (recursos geográficos, fmancei-
gerais. ros, materiais e equipamentos escassos), pro-
curaram desenvolver formas de organização
da produção mais apropriadas (notadamente a
Tendências Macroeconômicas troca rápida de ferramentas e <> JIT-KAN-
eQ&P BAN. Tudo isso se deu num contexto socio-
político, (tradição, sindicato por empresa, po-
Q&P se nos apresenta hoje como um con- sição da mulher na família, etc) que propiciou
junto multiforme de princípios, conceitos, a emergência de formas de organização do
técnicas e ferramentas organizacionais e ad- trabalho e de implicação dos trabalhadores
ministrativas (Qualidade Total, ISO 9000, japoneses nos valores e metas das empresas.
Reengenharia, etc.), alguns novos, outros her- Independentemente dos processos reais de
dados de teorias e práticas anteriores (taylo- aparecimento desses diferentes elementos e
rismo, Escola de Relações Humanas, instru- de seu peso efetivo na reorganização industri-
mentos da engenharia de produção, etc ...), aI do Japão, o fato é que eles caracterizam uma
que são arrolados de forma sistemática, cuja forma de produzir, cuja natureza ainda está
articulação se faz em tomo e graças à "quali- em debate (Coriat, 1991; Lima, 1993; Rirata,
dade". Sem nenhuma dúvida, a "Gerência da 1993), que contribuiu pará o surgimento do
Qualidade Total" (QT) é, no Brasil de hoje, a Japão como potência econômica. Daí o seu
teoria organizacional que detém a hegemonia forte poder de atração para países do "Tercei-
no plano das ideologias e práticas gerenciais. ro Mundo", como o Brasil, que se encontram
Antes de avaliarmos, em detalhe, sua situação diante da necessidade imperiosa de se integrar
atual e perspectivas, vejamos o que constitui à economia mundial e, sobretudo, fazê-lo em

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condições de guardar sua soberania interna, e Mudança das Concepções e dos


não apenas ser "fagocitado" pelo processo de Conceitos do Controle da Qualidade
globalização da economia.
Paralelamente a essas tranformações ma-
A penetração do ideário da QT no Brasil croeconômicas globais, cuja dinâmica e efei-
deu-se, então, diferentemente do Japão, num tos são ainda pouco conhecidos, aparecem
quadro econômico bem mais desfavorável no novas concepções de organização e gestão da
plano interno (recessão, base industrial e mer- produção. É nesse plano que a EP se vê
cado interno não plenamente desenvolvidos) confrontada a novos critérios e formas de
. e no externo (competição acirrada, mudança organização da produção, dentre as quais o
do patamar tecnológico). Retomaremos a esta que comumente se denomina de "controle da
situação na avaliação das perspectivas; por qualidade". A prática do controle da qualida-
enquanto, importa assinalar que a QT já con- de tem sido feita, históricamente, de três mo-
quistou a hegemonia dentre as ideologias ge- dos distintos: via inspeção, via controle de
renciais, e analisar como isso se deu. processo, desde o desenvolvimento do produ-
to. O primeiro modo é caracterizado pela
separação do defeituoso do perfeito, compa-
o pano de fundo, como vimos, é uma rando o produzido contra um padrão. O se-
situação de competitividade acirrada mundi-
gundo modo caracteriza-se pelo controle de
almente, potencializada pela relativa abertura
todos os processos envolvidos na formação
dos mercados internos, e pelo fim do prote-
do produto final, tanto no seu efeito como nas
cionismo exagerado do Estado, que havia suas causas. O controle é centrado no "como"
criado uma espécie de "capitalismo cartori- da formação do produto final, e não na detec-
aI". As empresas, nestas condições, devem
ção quando o produto já está formado. O
forçosamente adaptar-se, procurando novos
terceiro modo é a prática do controle da qua-
padrões de competitividade.
lidade desde o desenvolvimento do produto.
Se no primeiro modo visa-se detectar algo
A QT aparece, então, como a teoria organi- errado do produto final já pronto, e no segun-
zacional-administrativa que melhor atenderia do modo visa-se formar bem o que foi especi-
a essas necessidades. Traduzida em forma dc ficado, o terceiro modo vai além, e visa con-
princípios e técnicas gerenciais, a experiência cebel'bem o que se propõe a formar. Estes três
Japonesa foi importada no bojo do Programa modos podem ser vistos como uma evolução
Brasileiro de Qualidade e Produtividade do processo de controle da qualidade, e esta
(PBQP). Hoje, é possível assegurar que a QT evolução é a operacionalização do conceito
já foi incorporada ao cotidiano das empresas. de "controle à montante" no ciclo de vida do
Outros indícios, se necessário fosse, ainda produto dentro de uma empresa. É importan-
reforçam esta afirmação: alto interesse dos te, ainda, salientar que os modos de prática do
alunos de graduação de várias áreas em co- controle da qualidade não são mutuamente
nhecê-la e a divulgação de fascículos sobre o excludentes, mas sim, na realidade, elas mui-
assunto numjomal de grande circulação naci- tas vezes são praticadas de forma comple-
onal. Vejamos como essas tendências econô- mentar. Portanto, pode-se dizer que a distin-
micas se refletem na esfera da produção e nos ção está na ênfase e não na exclusão de uma
conceitos de controle de qualidade, isto é, nos forma em relação a outra, na prática do con-
objetos da EP propriamente dita. trole da qualidade.

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A idéia do controle da qualidade pelo con- segunda forma do controle da qualidade. Re-
trole do processo iniciou-se na década de forçando esta constatação, verifIca-se que na
1930 com Shewhart e Deming nos Estados indústria automobilística há também esta ên-
Unidos, e por volta de 1949 no Japão (lshika- fase, pois em recentes processos de auditoria
wa, 1984). Desde então, essa prática é usual das montadoras sobre as fornecedoras de au-
nas empresas japonesas. Quanto à idéia dá topeças, ainda está sendo exigido a confecção
garantia da qualidade pelo controle da quali- e o uso de planos de controle da qualidade dos
dade desde o desenvolvimento do produto, processos, como a prática do controle da
esta apareceu por volta de 1959, quando ainda qualidade (GM do Brasil, 1991). Quanto ao
se praticava garantia da qualidade via inspe- avanço para o terceiro modo de controle da
ção e controle do processo (Ishikawa, 1984). qualidade, existe, sim, uma incipiência, pois o
Sabia-se, desde então, que, para que as empre- uso do método QFD como um "orientador do
sas fossem verdadeiramente competitivas, não projeto e processo do produto", tem sido
bastava "fazer ou formar bem", mas precisa- recomendado, explicitamente, por apenas
va-se ir além dessa prática, i.e., precisava-se uma montadora aos seus fornecedores (GM
"conceber e projetar bem" os p'rodutos. Entre- do Brasil, 1991). Entretanto, sabe-se que as
tanto, a operacionalização da idéia ou a colo- empresas fornecedoras de autopeças não pos-
cacão em prática da idéia de controle da suem uma forte tradicão em projetar os produ-
qualidade desde o desenvolvimento do pro- tos que fabricam, pois até pouco tempo rece-
duto, através do método de Desdobramento biam as especifIcações e desenhos já prontos
da Função Qualidade (QFD) (Akao, 1972, das montadoras.
1990), parece ter tido um lapso de mais ou
menos uma década. Evidentemente trata-se, Nesta última concepção, controle da quali-
sobretudo, da sistematização e operacionali- dade visa assegurar ou garantir a qualidade do
zação de tendências já manifestas, tanto na produto e da empresa às pessoas de diversos
área de projeto do produto quanto na EP segmentos - funcionários, acionistas, clien-
propriamente dita. O que deve ser ressaltado tes, vizinhos e a sociedade como um todo. A
é que, no Japão, essas idéias, freqüentemente garantia da qualidade defInida como propósi-
restritas ao mundo acadêmico, foram ampla- to é algo, acima de tudo, dinâmico, em vez de
mente utilizadas, trazendo profundas conse- ser estático, e específIco, em vez de ser gene-
quências para a própria concepção de organi- ralizável. Isto signifIca, num primeiro mo-
zação da produção da empresa, e mesmo de mento, que por causa da dinâmica das neces-
setores industriais inteiros. sidades com o decorrer do tempo, há uma
constante mudança no que é satisfatório para
A prática do controle da qualidade em cada um dos segmentos. Num segundo mo-
empresas brasileiras, de uma maneira geral, mento, o que é satisfatório para um contexto
pode-se dizer que se concentra nos dois pri- específIco com componentes intrínsecos, ne-
meiros modos, com raras exceções já enfati- cessita de medidas autóctones, pois sem as
zando o terceiro modo (FCO, 1992, 1993). É devidas adaptações, o potencial das fIlosofIas
possível fazer esta afIrmação com certa preci- e métodos gerenciais fIca limitado, e o con-
são baseado, principalmente, no trabalho da texto onde é aplicado é violentado. Daí a
Fundação Christiano Ottoni, da Escola de necessidade imperiosa de descentralizar o
Engenharia da UFMG. O trabalho desta, em processo de concepção dos produtos, apos-
termos de ênfase e escopo, concentra-se na tando na autonomia dos fornecedores para

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suprir as necessidades de seus clientes. de todos os processos produtivos, desde o


planejamento de um produto até a assistência
técnica do produto vendido, feito por todos,
Mudanças Decorrentes da dentro de uma organização, direcionados para
Mudança do Conceito do Controle Q&P. Isso significa que os temas tradicionais
da Qualidade da Engenharia de Produção, como inovação
tecnológica, desenvolvimento do produto,
o que se pode concluir é que, com a evolu- localização industrial e dos lay-outs, estraté-
ção do conceito do controle da qualidade, é gias de produção, planejamento e controle da
possível identificar pelo menos duas mudan- produção, organização do trabalho e técnicas
ças importantes: visão do potencial do ho- de otimização, podem ser vistos, doravante,
mem e escopo do controle da qualidade. como áreas de estudo voltados para Q&P. E,
vice versa, a Q&P passa a depender da intera-
o pressuposto quanto ao potencial do ho- ção complexa de todas essas áreas comumen-
mem, com a evolução do conceito da qualida- te separadas na teoria e na prática produtivas.
de, passou a ser mais "voluntarista" - o ser
humano possui uma maior capacidade de ser Essas duas mudanças justificam o argu-
o agente transformador do ambiente que o mento central deste artigo - Q&P é a razão de
cerca no lugar de ser um mero influenciado ser da EP e não pode, portanto, ser visto como
pelo ambiente, um produto do àmbiente sem uma sub-área, ambas, evidentemente, enten-
capacidade de transformá-lo. (Burrel & Mor- didas no sentido amplo, como foi caracteriza-
gan, 1979) Por exemplo, para o grande con- do neste artigo. Isso posto, resta-nos pergun-
tingente de homens, anteriormente resllrito ao tar pelas tarefas atuais e perspectivas, o que
nível de execução, vê-se que eles são mais do exige uma análise mais crítica e não um sim-
que capazes de planejar, verificar o próprio ples relato descritivo, como feito até o mo-
trabalho, e efetuar ação corretiva. Eles são mento.
mais do que capazes de estabelecer as rela-
ções de causas-e-efeitos dos processos sob
seus cuidados, e em aperfeiçoar os modos de Análise: Potencialidades
execução das suas tarefas. Por outro lado,
aqueles que no passado eram meros capatazes e Limitações da Q & P
(inclusos os de formação nível superior), são
agora considerados como capazes de apro-
Potencialidades do Tema Q&P
fundar os seus conhecimentos, tanto no plano
de gestão, como no plano da tecnologia intrín- Para muitos, a simplicidade dos conceitos
seca aos processos. Mantem-se a divisão do e técnicas do tema Q&P, até agora conhecidos
trabalho, mas com atribuição de novas fun- e formalizados, representaria uma deficiência
ções aos escalões inferiores, dando-lhes uma diante da realidade complexa e contraditória
autonomia relativa. da produção. Entretanto, parece-nos que, de
certo modo, esta simplicidade se tomou uma
A segunda mudança conceme o objeto potencialidade, pois através dela o terna Q&P
visado pelo controle da qualidade, pois a aparece como essencial para muitos. Por
tarefa controle da qualidade anteriormente exemplo, os conceitos de "cliente"'· e de "for-
executada pelo inspetor passa a ser controle necedor" - processos, respectivamente,

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posterior e anterior - são extremamente im- bam, de forma ordenada, todas as funções da
portantes. O que se quer obter com esses empresa, para que um produto ou serviço
conceitos é a estruturação dos postos de traba- possa satisfazer aos clientes. A ordenação que
lho, setores de produção e empresas, através vai desde a pesquisa de mercado, passando
do espírito de cooperação entre os indivíduos, pelas funções de projeto conceitual, interme-
e parcerias entre empresas. O ciclo "PDCA" diário e detalhado, fabricação do protótipo,
(planejar, Executar, Verificar e Agir Correti- projeto do processo, produção do lote piloto,
v~mente) não é nada novo como método preparação para produção em série, supri-
gerencial. Entretanto, os instrumentos de ope- mento, sub-contratação, até vendas e assis-
racionalização por intermédio dos 5Ws e IH tência técnica, permite localizar, de forma
e o relatório de três gerações (passado, pre- clara, quais são os métodos e técnicas de
sente e futuro) fazem com que o ciclo seja otimização e estatísticas a serem utilizadas. A
imediatamente visível. Essa visibilidade ge- moldura estabelecida de fácil entendimento, e
rencial é o ceme do uso do método. Com a listagem dos respectivos métodos e técnicas
relação à ferramenta do diagrama de causa-e- de fácil visualização, permitem uma compre-
efeito, a finalidade do diagrama não é correla- ensão total, potencializando o tema Q&P (Dru-
cionar causas e efeitos de forma hierárquica. mond, 1994; JUSE, 1991).
Também aqui, o que se-quer é a visibilidade
A terceira potencialidade é a estratégia de
das relações entre as causas e os efeitos para
pesquisa recomendada para o tema Q&P.
que os que controlam os processos possam
Estratégia de pesquisa pode ser entendida
aprender um com o outro, e melhorar continu-
como o meio pelo qual uma metodologia é
amente.
operacionalizada. É um conjunto de regras,
conceitos e teorias que regem a interação
Pode-se verificar, então, que os conceitos, entre o pesquisador e o fenômeno a ser estu-
métodos e técnicas do Q&P, mais conhecidas, dado. A estratégia de pesquisa é a interrelação
são extremamente simples e de aplicação ge- entre pressupostos paradigmáticos e imagens
neralizada. Entretanto, para que o Q&P con- epistemológicas, e algumas dessas estratégias
tinue a desenvolver, é necessário métodos e entre outras são: quase-experimentação, pes-
técnicas mais apuradas da Engenharia de Pro- quisa ação, interacionismo simbólico, e mé-
dução que, no caso do Japão, já são ensinadas todo dialético para análise organizacional
e utilizadas, há muitos anos, pela Union of (Morgan, 1983). O pesquisador de Q&P, ao
Japanese Scientists and Engineers no interior interagir com o fenômeno, auxilia os mem-
do controle da qualidade (JUSE, 1991). Os bros do setor produtivo a resolverem os seus
métodos e técnicas de natureza mais simples problemas práticos e, ao mesmo tempo, de-
servem para efetuar a "sintonia" grossa, en- senvolve as habilidades de auto-desenvolvi-
quanto aqueles, de natureza mais apurada, mento dos atores sociais, dentre os quais ele
servem para efetuar a "sintonia" fina. próprio, como agente da elaboração teórica. A
acumulação de conhecimento da ciência
A segunda potencialidade do Q&P é a social é obtida através da estruturação da
estrutura ou o arcabouço conceitual já estabe- teoria substantiva que possa auxiliar na in-
lecidos. Tanto a estratégia da qualidade se- terpretação dos fenômenos singulares, e do
gundo a Norma Série ISO 9000, ou a estraté- refmamento metodológico em aplicações
gia Controle da Qualidade Total, estabelecem práticas, gerando aperfeiçoamentos metodo-
Sistemas de Garantia da Qualidade que englo- lógicos.

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As três potencialidades descritas acima da simplicidade das técnicas até então utiliza-
leva-nos a reafirmar duas importantes idéias: das. Para estes o Q&P é a moda que em breve
(1) a demanda por Q&P abre espaço para a passará, pois é praticado pelos menos infor-
utilização do conhecimento especializado da mados, sem profundidade acadêmica e ne-
engenharia de produção; e (2) os pressupos- nhum rigor científico. Outros, se apoiando
tos básicos de Q&P abrem horizonte para a numa errônea concepção de trabalho acadê-
formulação de uma nova base teórica e prática mico, se distanciam voluntariamente dos se-
da engenharia de produção, em interrelação tores produtivos, não sabendo ou não impor-
estreita com as necessidades do setor produti- tando com o significado de uma pesquisa
vo. Isso, no entanto, não pode se concretizar voltada para a realidade; permanecem no re-
sem que a Q&P se beneficie da experiência já finamento de técnicas e pesquisas de gabine-
acumulada na EP, de forma a superar suas te, presos à avaliação puramente quantitativa
limitações atuais. das publicações, imposta pelas universidades
e orgãos de fomento. Entretanto, parece-nos
que essa postura não favorece o desenvolvi-
Limitações da Q&P
mento do corpo-teórico e nem contribui para
a prática da Engenharia de Produção no Bra-
A primeira limitação do tema Q&P, opera-
sil. Esse distanciamento parece-nos não ser de
cionalizado a nível nacional pelo Programa
todo injustificado pois, como veremos a se-
Brasileiro de Qualidade e Produtividade,
guir, a QT tende a ser, tanto na prática como
(PBQP) e a nível organizacional pelos progra-
na teoria, reducionista, simplificando a com-
mas de Q&P, refere-se aos resultados obtidos.
plexidade da realidade contraditória da pro-
Sabe-se que a implementação dos programas
dução. Apoiando-se sobre uma noção pura-
resultou em significativos incrementos de
mente "técnica" da produção, reduzida às
qualidade e produtividade, e, consequente-
relações imediatas entre processos e pessoa-
mente, maior competitividade e maior possi-
as, a QT retém somente aquelas relações
bilidade de sobrevivência das organizações.
funcionais necessárias para se obter certos
Entretanto, conhece-se também, o lado nega-
resultados. Por isso, acomoda-se sem dificul-
tivo, a geração de excedentes de mão-de-
dades no interior da divisão social do traba-
obra, inclusive em função da diminuição dos
lho, preservando a hierarquia, ao mesmo tem-
níveis hierárquicos. Muitas organizações, em
po (el pour cause) que abre canais de expres-
vez de realocar o seu pessoal, têm dispensado
são direta para os trabalhadores. Todavia, isso
pessoas, e de forma crescente com a difusão
tudo não impede que problemas e necessida-
dos programas de Q&P.
. des reais tenham sido revelados, pelos quais a
A segunda limitação está ligada direta- EP, como um todo, deve também se inte-
mente à comunidade da Engenharia de Pro- ressar.
dução. Conforme já colocado anteriormente,
verificou-se que nos diversos ENEGEPs já A terceira limitação é a pouca possibilida-
realizados, os comitês técnicos divergiram no de de sustentação do, tema Q&P por um perí-
estabelecimento dos critérios quanto ao agru- odo longo, com seu atual corpo conceitual-
pamento dos trabalhos do sub-grupo Q&P. teórico. Reconhecidamente a Q&P, notada-
Acresce-se a isso que alguns pesquisadores mente a Gestão da Qualidade TotaJ, é o tema
têm se mantido longe do Q&P por causa do da "moda". Mas, em termos práticos, resume-
caráter demagógico do tema, como também se ela a mais um modismo (como a "Reenge-

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nharia") ou traz consigo conhecimentos práti- tar só com o atual corpo de conhecimento.
cos duradouros? Sua ampla aceitação reflete
um consenso profundo entre as diversas clas- A quarta limitação é a simplificação da
ses sociais ou, ao contrário, por que ela se realidade da produção. Sabidamente a QT
presta bem a determinados interesses das clas- centra sua ação na mudança cultural e na
ses hegemônicas? Não estamos diante de for- educação. Porém, esse é apenas um primeiro
mas mais refinadas de manipulação? Para passo de qualquer transformação efetiva da
responder a estas indagações, parece-nos ne- realidade. Se é verdade que os homens agem
cessário abordá-las por outros ângulos que guiados pela sua consciência, eles agem para
aquele que nos apresenta a própria QT, isto é, tomá-la realidade efetiva, transformando as
olhá-la de "fora", a partir da experiência de circunstâncias de sua vida. Por outro lado, são
outras disciplinas e da própria tradição da EP. as circunstâncias, como vimos, que geram,
Em primeiro lugar, a aparência de modismo, através de problemas colocados aos homens,
acentuada pela rapidez de sua penetração, não certas formas de consciência para enfrentá-
pode esconder alguns efeitos práticos visí- los. Cumprida a fase de sensibilização e de
veis. Em poucos anos conseguiu-se divulgar conscientização, trata-se agora de se colocar à
mais a EP do que em toda a sua existência no prova da realidade, isto é, de realizar o progra-
Brasil. Que isto se fàça através de princípios ma proposto. E aqui, nos parece, reside o
teóricos relativamente simples (e às vezes grande defeito da QT; para ser aceita de forma
simplistas) ou por práticas já bastante tradici- ampla, simplificou a realidade da produção,
onais. (como a racionalização taylorista e a eliminando, por exemplo, as contradições e
padronização) É, não apenas uma consequên- conflitos existentes, e a si mesma, enquanto
cia da falta de profundidade teórica da QT, teoria que pretende refletir como as coisas
mas indica sobretudo a pouca profundidade são, e não simplesmente como elas devem ser.
de penetração da EP na organização e gestão Não importando aqui as diferentes concep-
industrial. A limitada profundidade dos prin- ções sobre o que é a realidade da produção, o
cípios e técnicas da QT mais conhecidas, que fato é que chegou o momento da QT mostrar
tanto encantaram o mundo industrial, dos sua real eficácia e, para tanto, ela deve neces-
diretores aos operários, passando mesmo por sariamente se desenvolver e se emiquecer,
alguns sindicalistas, revela-nos quão pouco o aprendendo com a sua própria prática e com
ensino da EP conseguiu se traduzir em prática as críticas que lhe são feitas, caso ela pretenda
efetiva. Como todo movimento de massa, e ser algo mais que um mero modismo. Para
foi isso que se deu, não era evidentemente tanto, problemas teóricos e práticos deverão
possível trazer à baila o tema de Q&P e ser agora seriamente considerados. A fàlta de
conduzí-Io nos moldes da sofisticação da pes- meios teóricos e práticos realmente efetivos
quisa, do debate e mesmo do ensino acadêmi- diante das questões reais que transcendem a
co. Tratava-se, antes, de obter um efeito mo- conscientização obtida pela QT, aparece cla-
bilizador de todo um país, e, aparentemente, ramente quando confrontada com a "Reenge-
isto foi alcançado, ou está prestes a sê-lo. No nharia". Este modismo de caráter cínico é
entanto, o aspecto perverso é que este movi- irrealista, por exemplo, quando propõe mu-
mento, embora constituindo um efeito notá- danças "radicais", como se algo pudesse co-
vel em tão curto tempo, reconhecido e admi- meçar do zero; porém, ao assumir claramente
rado pelos próprios "mestres" japoneses, não seu descompromisso com questões sociais,
tem as forças necessárias para se auto-susten- como o desemprego, acaba oferecendo al-

135
PRODUÇÃO

guns instrumentos práticos efetivos, tais como apenas uma das causas que contribuíram para
o redesenho dos processos e o uso da informá- o sucesso econômico japonês, e sabemos que
tica. A boa consciência, mas ainda pouco as causas são múltiplas e se articulam de
efetiva, da QT, se contrapõe à total falta de forma extremamente complexa. No caso do
consciência social da Reengenharia. O que Japão, um grande número de fatores têm sido
então pode ser feito para que a Q&P e a EP apontados como causa do seu sucesso, dos
cumpram, não somente uma função técnica, valores religiosos e culturais à determinados
mas também um papel social? Antes de tudo, eventos históricos, passando pelas institui-
nos parece ser necessário que os divulga dores ções sociais, estrutura industrial, política esta-
e praticantes da QT começem a refletir sobre tal, organização do trabalho e da produção e,
os resultados ambíguos, ao invés de se limitar até mesmo, a psicologia individual. Todo esse
a justificá-los através de racionalizações pu- processo está ainda obscuro e deveria ser
ramente comportamentais, psicológicas, edu- melhor esclarecido por duas razões: (1) des-
cacionais ou éticas. Se é verdade que a QT cobrir o papel efetivo (e possível) da QT no
implica e requer a educação para elevar a interior do complexo de determinações que
qualidade e a produtividade, é igualmente ordenam a sociedade japonesa, e propiciaram
evidente que ela não pode se reduzir apenas a o seu sucesso econômico; (2) fazer com que
esse aspecto. este "sucesso econômico" se transforme em
"sucesso social".

Resolver as difíceis questões subjacentes


Ações Propostas ao processo de desenvolvimento econômico e
As ações propostas a seguir são derivadas social de um país como o Brasil, e sua relação
das limitações e potencialidades apontadas na com as formas de organizar a produção, em
seção anterior. Estas estão divididas em pro- suma, descobrir como o "micro" e o "macro"
postas de caráter teórico e prático para a se relacionam, requer a compreensão, de um
comunidade de pesquisadores da Engenharia lado, da natureza da sociedade japonesa e de
de Produção, associações afms e orgãos de sua evolução no interior do sistema capitalista
fomento. Comecemos pelas questões mais mundial e, por outro lado, da própria natureza
gerais. do capitalismo brasileiro.

No interior dessas questões gerais, que


Questões Teóricas Gerais aparent~mente nada interessam à EP, se colo-
cam problemas específicos, teóricos e práti-
Vimos que o efeito mobilizador da QT se cos, que a QT está convocada a responder. O
legitima, em grande parte, 'pelos pressupostos primeiro deles diz respeito à própria noção
de que: (1) o "sucesso" japonês pode se central de "qualidade". Aqui muitas questões
repetir no Brasil; (2) a QT é a chave que ainda estão abertas ou pouco exploradas. A
explica o sucesso japonês; (3) a QT pode qualidade de um produto ou serviço se con-
salvar o Brasil. Ora, o raciocínio é lógicamen- cretiza no seu valor de uso para o consumidor
te fundamentado, mas com pouca base real. que, todavia, está em contradição com valores
Sem querer negar o papel da dimensão da e interesses econômicos. Como então a QT
consciência e mesmo da gestão e organiza- pode conciliá-los? Esta não é uma questão
ção, é necessário reconhecer que temos aí meramente teórica, mas de profundas reper-

136
PRODUÇÃO

cussões práticas, micro e macroeconômicas. produto conjuga-se a necessidade de uma


Como o Brasil pode distribuir e atribuir dife- maior qualidade de vida no trabalho. Em que
rentes patamares de qualidade para atender, medida e como se obtem o envolvimento dos
tanto ao mercado externo, quanto às necessi- trabalhadores? Como mantê-lo quando se vê
dades de todos os brasileiros? No âmbito das que os programas de QT são sempre acompa-
técnicas e procedimentos da EP, como tradu- nhados de desemprego? Os conflitos de inte-
zir as reais necessidades, uma vez identifica- resses estão resolvidos ou apenas adormeci-
das, dos consumidores em requisitos de proje- dos? Como o envolvimento foi obtido no
to e parâmetros de produção? Dado o caráter Japão? Através de contrapartidas e vantagens
em parte inconsciente das necessidades, seja no emprego ou por razões culturais e psicoló-
pela manipulação dos desejos, seja sobre o gicas? Pela coerção, implícita ou explícita, ou
plano psicológico da prática cotidiana, como pelo convencimento? Finalmente, por que
explicitar e identificar as necessidades reais? uma produção, que se funde cada vez mais na
Aparecem aqui, em dois planos - o psicológi- ciência e na tecnologia, necessitaria da parti-
co e o social- lacunas que as técnicas de cipação dos produtores diretos, cada vez em
desenvolvimento de produtos da QT (QFD) menor número? Que vantagens, ideológicas
devem procurar resolver. ou materiais, esta implicação traz para a em-
presa? O que isto significa em termos de
Em segundo lugar, o conhecimento dos reorganização do trabalho e de qualificação
processos sociais ocorridos no Japão propici- efetiva dos trabalhadores?
ará condições para um melhor discernimento
sobre o que é meramente ideológico e o que é
praticamente eficaz em termos de reorganiza- Propostas Específicas
ção da produção. Também aqui o QFD está
implicado, pois não bastam bons princípios Um primeiro conjunto de ações concer-
de concepção de produtos, mas uma estrutura nem a comunidade da EP nas pessoas de seus
organizacional e produtiva que permita con- pesquisadores. É necessário tratar do tema
cretizá-los. Que formas organizacionais per- Q&P em relação com as suas pesquisas parti-
mitem efetivar os princípios de qualidade? culares. Alguns escritos mais recentes têm
Como conciliar e obter o acordo de diferentes abordado o desafio que o tema Q&P coloca ao
partes da empresa em tomo de um valor que, tradicional corpo conceitual-teórico de ges-
às vezes, está em contradição com outros tão (Grant, Shani & Krishnan, 1994). Empre-
valores e interesses? Que transformações or- sas como Motorola e Milliken têm aberto seus
ganizacionais e do ambiente são necessários? programas de treinamento. aos professores
Como elas obtêm tais efeitos, através da coer- universitários, para que estes complementem
ção ou do livre consentimento das partes? sua formação, pois parece que os profissio-
Que relações e conflitos se estabelecem com nais do setor produtivo possuem um conheci-
as novas formas de relacionamento com os mento mais aprofundado do tema Q&P do
fornecedores? que os que estão nas universidades (Grant,
Shani & Krishnan, 1994). Por outro lado, tem-
E aqui chegamos a um terceiro aspecto: a se verificado que grande parte das pesquisas
implicação dos trabalhadores na produção desenvolvidas têm tido pouco impacto sobre
voltada para a QT. Caracterizamos tanto Q&P setores produtivos, pois o mero refinamento
quanto a EP de forma ampla: à qualidade do de métodos e técnicas no ostracismo dos ga-

137
PRODUÇÃO

binetes, sem conhecer de forma mais aprofun- Assim, nos parece ser necessário acentuar a
dada a realidade pesquisada, levam a resulta- aprendizagem ativa, através da participação
dos quase sempre estéreis. dos alunos de graduação em pesquisas de
campo, (iniciação científica, por exemplo) e
A complexidade das questões relativas à de trabalhos aplicados (estágios e trabalhos de
Q&P, anteriormente mencionlldas, sugere que conclusão de curso) dentro das empresas.
s~iam desenvolvidas estratégias igualmente
abrangentes para se dar conta dos vários as- Quanto a nossos encontros, não há dúvida
pectos envolvidos nas tendências atuais do que os ENEGEPs, no decorrer dos anos, têm
mundo da produção. Pensamos que estudos tido um sucesso crescente, se constituindo no
comparativos entre diferentes realidades na- mais importante acontecimento anual da co-
cionais e setores da produção, poderiam ser munidade. Entretanto, face à dinamicidade
uma forma adequada para desvendar algumas dos acontecimentos, observa-se que há uma
questões ainda abertas, o que exigiria a cons- n~cessidade de travar discussões mais pro-
o tituição de equipes multidisciplinares e inte- fundas, em um forum mais apropriado, sobre
rinstitucionais. Quanto ao incentivo de pes- o perfil da Engeneharia de Produção do Bra-
quisas conjuntas, têm-se observado que os sil, e como esta área do conhecimento pode
trabalhos apresentados nos ENEGEPs possu- ser mais relevante à sociedade brasileira. Es-
em, ainda, um caráter eminentemente acadê- pera-se que este trabalho suscite ref1exões e
mico, mesmo quando contêm alguma carac- auxilie na confecção do documento "Avalia-
terística prática. Acreditamos que somente ção e Perspectivas da Engenharia de Produ-
uma maior ênfase nos estudos empíricos mais ção", e também subsidie a elaboração de um
exaustivos, (obviamente sem se restringir à plano de ações mais abrangente para direcio-
simples coleta de informações ou à mera nar os trabalhos dessa área.
casuística dos exemplos) seria capaz de dar
relevância aos trabalhos de pesquisa do ponto Duas propostas de ação aos orgãos de
de vista das necessidades da produção (no seu fomento, seriam incentivar fortemente a pes-
sentido amplo). quisa co~iunta entre o setor produtivo e uni-
versidades, e apoiar estágios de pesquisado-
Em termos de ensino de EP, a emergência res em setores produtivos. Nos últimos dez
da área de Q&P tem revelado a insuficiência anos tem-se visto um incentivo muito grande,
da fom1ação tecnicamente orientada, isto é, para que os professores da Engenharia de
que enfatiza a especialização em áreas restri- Produção espalhados por todo o país pudes-
tas em detrimento de uma concepção ampla e sem titular-se, nos níveis de mestrado e dou-
integrada dos processos produtivos, o que torado. Entrentanto, uma boa parte destes
nada mais é que o ref1exo das mudanças das seguiram a carreira acadêmica, a partir da
formas de organização da produção. Por outro graduação, sem ter tido a oportunidade de
lado, o caráter ainda relativamente indefini- conhecer de perto a dinâmica dos processos
do, mutável e complexo da reorganização em produtivos. Esta possível deficiência de for-
curso, colocam problemas novos que reque- mação somente pode ser superada com um
rem a capacidade inventiva dos profissionais retomo à pesquisa e ref1exão sobre a realidade
de engenharia, não tanto para aplicar técnicas da produção e, a partir desta mesma realidade,
que lhes foram ensinadas nas escolas, mas sobretudo num momento de transformações
para definir o escopo dos problemas reais. tão importantes, que não se deixam enquadrar

138
PRODUÇÃO

nos conceitos e princípios usuais. É preciso dade - do trabalho e dos valores de uso.
assinalar, no entanto, que as empresas nacio-
nais, por seu lado, ainda colocam restrições Este trabalho possui um tom voluntaria-
significativas a essa interação, somente abrin- mente polêmico para que possa suscitar um
do suas portas na medida de seus interesses processo de discussão sobre o tema Q&P e
imediatos. sobre a própria EP, ou melhor, sobre o que é
fazer EP no Brasil. Identifica-se várias defici-
ências do trabalho, tais como: análise limitada
à evolução do conceito do controle da quali-
Conclusões dade, e a limitação dos dados disponíveis.
É inquestionável, portanto, que a QT tenha Entretanto, esperamos que o seu conteúdo
aberto um importante espaço para a discussão seja relevante o suficiente para levantar um
sobre as novas formas de organização da processo de reflexão sobre o tema. Os autores
produção, de concepção de produtos e gestão se consideram gratificados, se esse objetivo
da força de trabalho, no qual a EP pode e deve for alcançado.
intervir, não porque ela precise aproveitar a
"onda", mas porque a QT precisa desenvolver
um conteúdo substancial, que seus princípios Referências
teóricos e o instrumental, ainda précario, não
são capazes de fornecer. Nesta interação, am- Bibliográficas
bas podem sair beneficiadas: a QT ganhando
em eficácia prática, e a EP ganhando o espaço
da produção. Anais do IX ENEGEP (1989) Encontro Naci-
onal de Engenharia de Produção. ABE-
A tarefa que se coloca diante de todos nós PRO. Porto Alegre.
requer, no entanto, que abandonemos a retó-
Anais do Vli ENEGEP (1988) Encontro
rica dos bons princípios e o apriorismo dos
Nacional de Engenharia de Produç'ão.
métodos, em benefício do conhecimento con-
ABEPRO. São Carlos.
creto da realidade da produção, e de suas
necessidades reais. O primeiro passo é não Anais do X ENEGEP (1990) Encontro Naci-
restringir somente as generalidades da QT
onal de Engenharia de Produção. ABE-
que se aplicam indistintamente na indústria,
PRO. Belo Horizonte.
na educação ou na saúde, mas aprofundar-se
nas especificidades. Quando retornarmos às Anais do Xli ENEGEP (1993) Encontro
coisas elas mesmas, veremos que estas reali- Nacional de Engenharia de Produção e
dades são de naturezas diversas, e a solução I Conresso Latino Americano de Enge-
de seus problemas requerem abordagens e nharia Industrial. ABEPRO. Florianó-
instrumentos específicos. No que diz respeito polis.
à produção material, os conhecimentos acu-
mulados pela EP e por outras disciplinas sobre AKAO, Y. (1972) New Product Develop-
suas lógicas contraditórias podem dar um ment and Ouality Assurance: System 01'
fundamento concreto para auxiliar, de forma OualityFunctionDeplovment.Standar-
crítica e cooperativa, a efetivação dos princí- dization, and Ouality Control. Vo125,
pios gerais da produção voltada para a quali- No. 4, 9-14, JSA.

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