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Margareth Rago

Mauricio Pelegrini
ORGANIZADO RES

, Neol ibera lism o


.i
1

11 Femi nism os e ·
Cont raco ndut as
Persp ectiva s
Fouca ultian as

1 nter rn e iL)s
1

i 1
- 1

Sumário

APRESENTAÇÃO 9

PARTE 1- A RAc10NALIDADE NEOLIBERAL E A PRODUÇÃO DE


SUBJETIVIDADES

1. Ü FRANKENSTEIN DO NEOLIBERALISMO: LIBERDADE AUTORITÁRIA


NAS "DEMOCRACIAS" DO SÉCULO XXI 17
WENDYBROWN
2. DESAPROPRIAR-SE Do Eu 51
ALDO AMBRÓZIO
3. INDIVÍDUO: COMEÇO, MEIO E FIM DO NEOLIBERALISMO 65
PEDRO IVAN Mo REIRA DE SAMPAIO
4. SoBRE M1cHEL FoucAULT E HARVEY M1LK: os EMBATES
ENTRE O DIREITO, A UTILIDADE GERAL E AS LIBERDADES 91
PRISCILA PIAZENTINI VIEIRA

PARTE 2- Os FEMINISMOS E A CRÍTICA Ao NEOLIBERALISMO

5. Ü SUJEITO NEOLIBERAL DO FEMINISMO 115


]OHANNA ÜKSALA
6. A CRÍTICA À GOVERNAMENTALIDADE NEOLIBERAL NA ARTE
FEMINISTA CONTEMPORÂNEA 139
LUANA SATURNINO TvARDOVSKAS
7. NEOLIBERALISMO, VIRADA CONSERVADORA E A GUERRA
CONTRA AS MULHERES 161
FHOUTINE MARIE E DANIEL PEREIRA ANDRADE
- 7

8. FoucA ULT EM DEFES A DE EvA


175
MARG ARET H R.A.Go
9. MICH EL FoucA ULT E A CRÍTI CA FEMIN ISTA AO NEOL IBERA
LISMO 191
MAUR ICIO PELEG RINI
10. Ü MAL QUE VEM DELA S: POR UMA REINT ERPR ETAÇ ÃO DE
GÊNE RO DO RELA TO DE GÉNE SIS 3
21 3
THIAG O CALÇ ADO

PART E 3- CoNT RACO NDUT AS

11. RACIO NALID ADE NEOL IBERA L E SEGUR ANÇA : EMBA TES ENTR
E
DEMO CRACI A SECURITÁRIA E ANAR QUIA
225
AcÁc 10 AUGU STO e HELE NA W1LK E
12. MULH ERES COMP OSITO RAS NO BRAS IL DOS SÉCUL OS XIX E XX 247
Ana Carol ina Arrud a de Toledo Murg el
13. DEVIR QUILOMBA: ANTIR RACIS MOS E FEMIN ISMO COMU NITÁR
IO NAS
PRÁTI CAS DE MULH ERES QUILO MBOL AS
267
MARI LÉA DE ALME IDA
14. FUGA DA PESTE , DO SUJEI TO E DO DESER TO
291
ToNY HARA

SoBR E os/ AS AuTO REs/ AS


319

1
1

1. O Frankenste in do neoliberalismo:
liberdade autoritária nas "democracias"
do século XXI 1

WENDYBROWN

Qyero dar à França sua liberdade de volta. Eu quero tirá-la


da cadeia.
Marine Le Pen, abril de 2017.

Ingressei na UKIP2 porque acredito ser o único partido que


valoriza realmente a liberdade e a aspiração. A UKIP significa
mais do que independência da União Europeia. Trata-se da
independência de um Estado orweliano, intervencionista
e controlador; trata-se da independência para o indivíduo.
É o único partido que acredita na responsabilidade pessoal
e na igualdade de oportunidades, e não de resultados. É o
único partido que coloca sua confiança nas pessoas, não nos
políticos e na classe burocrática.
Alexandra Swann (2012), 1he Guardian.

Apresentei minha filha de vinte e três anos, uma estudante de


direito, aos vídeos de Milo [Yiannoppoulos] e ela me diz se
sentir aliviada. É natural. E para mim ele é como uma camisa
florida e folgada num ambiente em que só se vê xadrez.
Nome reservado, correspondência pessoal
com a autora.

1. Traduzido de: Neoliberalism's Frankenstein: authoritarian freedom in Twenty-First Cenhtry


"Democracies". Critica! Times, v. 1, n. 1, 2018. p. 60-79. Disponível em: <https://ctjournal.org/
index.php/criticaltimes/article/view/12>. Acesso em 3 mar. 2019. [N.T.]
2. Dnited Kingdom Independence Party, ou Partido da Independência do Reino Unido [N.T.].
18 NEOLIBERALISMO, FEMINISMOS E CONTRACONDUTAS

Uma população predominantemente branca, sem escolaridade e


evangélica, movida pelo descontentamento, pela raiva ou pela mágoa,
ou por todas as três coisas, conduziu Donald Trump ao poder. 3 Sim, ele
obteve também o apoio de alguns brancos escolarizados, de minorias
raciais dos ultrarricos dos ultrassionistas e da extrema-direita. Mas sua
'
base eleitoral '
foi e continua sendo os eleitores americanos brancos sem
diploma universitário, muitos dos quais admitiram francamente que
faltavam a ele as qualificações para ser presidente. 4 Ele mobilizou não
simplesmente o ressentimento de classe, mas também o rancor branco, em
especial o rancor branco masculino, contra a perda do orgulho de posição
(social, econômica, cultural e política), no contexto de quatro décadas de
neoliberalismo e globalização.
De fato, o neoliberalismo e, antes dele, o pós-fordismo, foram muito
mais devastadores para a classe dos trabalhadores negros americanos.
Em 1970, mais de dois terços dos trabalhadores negros urbanos tinham
empregos de operários; em 1987, esse número havia caído para vinte e oito
por cento (Shatz, 2017). Além do desemprego e subemprego crescentes,
os bairros da classe trabalhadora negra .e pobre foram duramente atingidos
pela perda dos fundos das escolas públicas, dos serviços, dos benefícios
da previdência social e por mandatos draconianos de sentenças para
crimes não violentos. Essas coisas, em seu conjunto, tiveram como
resultado uma explosão da economia de drogas e das gangues, uma taxa
catastrófica de encarceramento dos negros e uma disparidade crescente
entre as possibilidades de uma pequena classe média negra e o abandono
político, social e econômico do resto da América negra (G illigan, 2017).
Mas essa devastação é feita de promessas não cumpridas, não de um
rancor retrospecti~o sobre supremacia perdida ou empoderamento, não do
esmagamento de 1magos sociais e políticos do ego, da raça e da nação.
Está claro que a reação branca contra a perda de poder socioeconômico
pela política econômica neoliberal ' e que foi chamada de "g1Obal' ~
e 1zaçao

3. 88% d~s eleitores de Trump eram bra ncos, em um país onde os brancos constituem 62%
da pop~l açao. Ele recebeu o_apoio de m ais qu e a metade das eleitoras brancas; 2/3 dos eleitores
brancos, e quase 2? dos elett~rcs brancos acima de 50 anos (Tyson; :M aniam, 2016).
1 01ir~p conquistou o apow de _213 dos eleitores brancos sem diploma universitário (Silver,
dº • go ent:"e 1/5 e_1/4 dos eleitores de Trump entrevistad os em p esquisas de boca de urna
. tss_eram _que nao considera~am _T rump como qualificado para a pres idência, sugerindo ue a
t
JU S ificaçao de suas fru st raçoes, 1ra, preconceito e ódio hierárquico fora m decisivos (Ro~erts
2016). '
MARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 19

selvagem" até mesmo por Marine Le Pen, está desenfreada por todo o
Euro-Atlântico, onde os habitantes brancos das classes trabalhadoras e
médias enfrentam um acesso decrescente a rendas decentes, habitação,
escolas, aposentadorias e futuros, e levantaram-se numa rebelião política
contra usurpadores sombrios imaginários e também contra os cosmopolitas
e as elites que consideram responsáveis por terem escancarado as portas
de suas nações e se livrado deles. Isso nós sabemos. Mas qual é a forma
política dessa ira e sua mobilização? Os velhos termos usados para
descrever isso - populismo, autoritarismo, fascismo - apreendem de forma
inadequada essa mistura estranha de belicosidade, desinibição e uma
combinação antidemocrática de licença e apoio ao estadismo nas atuais
formações sociais e políticas. Eles também não identificam os elementos
específicos da razão neoliberal - um alcance radicalmente extenso do
privado, uma desconfiança da política e um repúdio do social, os quais
juntos normalizam a desigualdade e destroem a democracia - que moldam
e dão legitimidade a essas paixões da política da direita branca e raivosa. E
eles não apreendem o niilismo profundo que está transformando os valores
em brinquedos, tornando a verdade inconsequente e o futuro uma coisa
indiferente ou pior, um objeto de destruição inconsciente.
No que se segue, explorarei essa conjuntura a partir de um único
angulo: o que gera as dimensões antipolíticas e, no entanto libertárias
e autoritárias da reação popular de direita nos dias de hoje? 01ie novas
iterações e expressões de liberdade foram forjadas a partir da conjuntura da
razão neoliberal, do poder branco masculino injuriado, do nacionalismo,
de um niilismo não reconhecido? De que forma a liberdade se tornou o
cartão de visitas e a energia de uma formação tão manifestamente não
emancipatória, na verdade caracterizada rotineiramente como anunciadora
de uma "democracia não liberal" em seus ataques à igualdade de direitos,
ao constitucionalismo, às normas básicas de tolerância e inclusão e sua
afirmação do nacionalismo branco, de um estadismo forte e de líderes
autoritários? Como e por qual motivo a _liberdade e o iliberalismo, a
~ __o__ a_utori.taris_m9,__âJiherdade e _a _ex~lusão social legi_
t imi.~~~a
~ v-i.olêI-1-G-i-a-soei-al-s-ê -OOG@.n.tram combinag_os ~ nossos diª-5.? De que
maneira essa fusão desenvolveu uma atração e umam odes ta legitimidade
em nações antes democráticas e liberais? Esse ensaio não fornece a
genealogia que responderia de forma abrangente a essas questões, mas
oferece uma primeira incursão. Ele segue vários tributários históricos
9
20 NE OL IBE RA LIS MO , FE
MI NIS MO S E CO NT RA
CO ND UT AS

e constrói sobre as bases do


tri o improvável qu e são Fr ie
.N iet zs ch e e M ar cu se ; Ha ye k dr ic h Ha ye k,
pa ra da r um relato da ra cio na
de nossa época, Ni etz sc he e lid ad e política
M ar cu se pa ra relatos da agre
desinibida e antissocial que ex ssão rancorosa,
plode em seu interior.

A s LÓ GI CA S E EF EI TO S DA RA ZÃ
O NE OL IB ER AL

O neoliberalismo é co m um en
te co m pr ee nd id o co m o um co
políticas econômicas que prom nj un to de
ove ações sem restrição, fluxos
de capital po r meio de tar e ac um ul aç õ: s
ifas baixas e im po sto s, de sre
das indústrias, privatização gu lam en taç ao
de bens e serviços pr ev ia m
desmonte do Estado de be m en te públicos,
-e sta r social e a de str ui çã o
organizado. Foucault e outro do tra ba lh ism o
s nos ensinaram ta m bé m a
neoliberalismo como um a rac co m pr ee nd er o
ionalidade go ve rn am en tal qu
distintos de sujeitos, de formas e ge ra tipos
de co nd ut a e de or de ns de se
social. 5 Di fe re nt em en te da ide nt id o e valor
ologia - um a distorção ou m
realidade - a racionalidade ne iti fic aç ão da
oliberal é produt iy_a, f~_!ll~~<?~
ela coloca sob um viés econ do:
ômico cada esfera e_ e_{!!peE
s ubstitui um modelo de socie 1io hu m an ~ e
dade basead a nu m co nt ra to
de ju sti a or um a sociedade so ei ~ -- ro du to r
concebida e organiza a co m o
stados orientados pelas necessi m er ca do s, co m
dades do mercado. a m e i
racionãITaade neolioe ral se tra a em qu e a
ns fo rm a em nosso senso co m
seus princípios não governam um ge ne ra liz ad o,
so m en te po r meio do Es ta do
os locais de trabalho, as escolas , m as pe rm ei am
, os hospitais, as academias, as
o policiamento e to da forma viagens aéreas,
do desejo e decisões hu m an
superior, po r exemplo, não so as . A educação
m en te é reconfigurada pe la
neoliberal como um investime racionalidade
nto do capital hu m an o na m
próprio valor futuro; essa trans el ho ria de seu
formação to rn a lit er al m en te
ideia e a prática da educação co ininteligível a
mo um be m público de m oc rá
universidades é afetado po r iss tic o. Tu do nas
o: níveis de en sin o e pr io rid ad
cl~r~,. mas tam bé m os currícu es de or ça m en to ,
los, o ensino e as práticas de
cn ten os de admissão e de cont pesquisa, os
ratos, as questões e co nd ut a ad
As coordenadas de nações os m in ist ra tivas.
tensivamente de m oc rá tic as
forma reformatadas. U m exem são da m es m a
plo: pouco depois de sua eleiçã
o em 20 17 , o
5 • Baseada nas con ferências
racional" d d de F
1 l a e em
U d . ou cau 1t em 71.vas
n om g the D emos (B row n, i20
1 •
cim ento da biopolít ica , oferec
15) . i um res um o dessa
p

MARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 21

primeiro-ministro francês, Emmanuel Macron, declarou sua determinação


de fazer da França uma nação que "pensa e se move como uma companhia
recém-formada" (Charlton, 2017). Jared Kushner, chefe do White House
Ojftce of American Innovation (escritório da Casa Branca para Inovação
Americana), encarregado de "consertar o governo com ideias de negócios",
proclamou: "o governo deve ser conduzido como uma grande companhia 1

americana. A nossa esperança é que possamos conseguir sucessos e eficiência 1


para nossos clientes, que são os cidadãos" (Parker; Rucker, 2017).
Qyal é a formulação específica de liberdade implícita na razão \
neoliberal? Isso apresenta alguma variação em diferentes pensadores e
em exemplos tangíveis do neoliberalismo, mas é possível fazer algumas
generalizações. A mais óbvia é a de que na medida em que a liberdade é
submetida a significados do mercado, ela é despida dos interesses políticos
que a ligam à soberania popular e, em consequência, à democracia . Ao
contrário,- a liberda4e é completam ente identificada com a busca d>
q_bje_~ J tdos, é apropriada mente não regulament 3da e é exerchad~
~m__grande parte para melhorar o valor, o posicionam ento competit~ o
O.!!___parcelã do mercado a e uma pessoa ou firma. Seu único significado
político_é -iiegativo - florescer onde a política e, em especial, o governo
estão ausentes. Na medida em que a razão neoliberal reconfigura dessa
forma o sentido, os sujeitos e objetos da liberdade, ela macula a esquerda
como uma oposição tout court à liberdade, não apenas na economia. Um
breve olhar aos neoliberais fundadores nos permitirá entender de maneira
mais precisa esse movimento .
O pensament o neoliberal nasceu à sombra do fascismo europeu
e do totalitarism o soviético. Qyaisquer que sejam suas significativas
diferenças ontológica s e epistemológicas, os pensadores ordoliberai s, os de
Freiburg e os da Escola de Chicago, ao fundar a Sociedade Mont Pelerin,
compartilhavam a convicção de que essas formações sombrias estavam
num continuum com o planejame nto social difundido e com as economias
políticas de sua época, geridas pelo Estado. Os Estados de bem-estar social
keynesianos, a democraci a social, a propriedad e pública, tudo isso aparecia
no "caminho da servidão". Representa vam os perigos relacionado s de
elevar a noção do social e de conceber as nações em termos de sociedade
ao invés de indivíduos , por um lado, e de interferir na ordem espontânea de
interdepen dência e necessitar da provisão gerada por dar a maior distân cia
possível à liberdade individual, pelo outro.
NE OL IBE RA LIS MO , FE MI
22 NI SM OS E CO NT RA CO ND
UT As

. do ataque à sociedade e ao
Q y al o motiv o social? Pa ra os neoliberais
t
como f:amosamen e disse M ar ga re t Th atc he r, a socie . ,
dade não existe. A
. d Thatcher Fr ied ric h Ha
estre1a-guia e ' ye k, la m en to u "o socia . ,,
l como
um termo sim · lta ne am en te mítico, in co .
u er en te e perigoso, falsamente
antropomo'rf icO e, ale'm disso, fazendo uso ta m be, m " . . ,,
do an im ism o (Hayek
1988, p. 108 e p. 112-113; Ha ,
ye k, 19 82 , p. 75 -7 6) . O ~ue
no reino do social algo tão fa z da crença
abominável pa ra Ha ye k e qu
inevitavelmente a localizar ne e ele conduz
le a ju sti ça e a or de m planeja
sua vez, implica solapar a or de da. Isso, por
m di nâ m ica fo rn ec id a pe la co
mercados e moral, ne nh um dos mbinação de
quais em an a da ra zã o ou da in
evoluem espontaneamente (H ten çã o, ambos
ayek, 19 88 , p. 67 e p. 11 6- 11 7;
p. 66-68). Além do m ais ,já qu Ha ye k, 1982,
e a ju sti ça di z re sp eit o à co nd
com regras universais, é um ter ut a compatível
m o errôneo qu an do aplicado
ou estado de um povo, como à condição
no ter m o "justiça social". A
então mal orientada, ataca a lib ju sti ça social é
erdade em es pí rit o e de fato
inevitavelmente substituí-la pe , já que tenta
la ideia do Be m de um gr up o.
Fora seu papel na execução de
políticas sociais m al orientad
que os neoliberais são tam bé m as, por
co nt ra o político? Pa ra M ilt on
a dupla ameaça da política à lib Friedman,
erdade te m sua base na su a co
de poder inerente, que é dispe ncentração
rsa pelos mercados e seu in
coerção fundamental, seja po r str um en to de
governo ou po r injunção, ao
mercados permitem escolhas passo que os
(Friedman, 2002). Em bo ra
que alguma medida de ordem ele reconheça
política é indispensável pa ra
estáveis e seguras, e até mesm sociedades
o pa ra a existência e saúde
(propri~dade e leis de contrato do s mercados
s, política m on et ár ia e assim
para Fn ed m an todo ato polít po r diante),
ico, regra ou m an da to é um
liberdade individual. At é m es a subtração da
m o a democracia, sempre qu
alcanç~r ~ unanimidade, co mp e deixa de
ro me te a lib er da de ,já que im
da ma. iona sobre a minori·a Em põ e a vontade
• co n t raposiç · ~ •
permitem que as preb ao a isso, os m er ca d os sempre
ere ncA

ias
• d' 'd .
in ivi uais prevaleçam, o eq

sempre se obter aquilo 1 uivalente a


. . F. pe O qu al . ,
ma1onas. ne dm an (1970) esc se vo ta, ao inves de ter de se su bm ete r a
reve:
O princípio político sub'
E
m um mercado livreJac .
ente ao me ca nis mo do me rca
do é a un an im ida de .
ind' 'd 1 ea 1,
d .
iv1 uo po ap oia do na pr op rie da de pri
as pa t d de coagir qu a1qu va da , ne nh um
r es e tal cooper - er ou tro , tod a co op era çã o é vo lun
tár ia, todas
açao se ben efi cia m ou nã o
pre cis am participar. Nã o
MARG ARET H RAGO • MAU RICIO PELE GRIN I
(ORG S.)
23

existem valores, nenh uma respo nsab ilida de "social" em qual


quer senti do que
não seja o dos valores e respo nsab ilida des com parti lhad os
dos indiv íduo s.
A sociedade é um agru pam ento de indiv íduo s e dos vário
s grup os por eles
formados volu ntari amen te. O princ ipio polít ico subja cente
ao meca nism o
político é a conf ormi dade . O indiv iduo deve servir a um inter
esse social mais
geral - seja esse dete rmin ado por uma igreja, um ditad or ou
uma maio ria. O
indivíduo pode ter um voto e uma voz naqu ilo que deve ser
feito, mas caso
seja venc ido deve se conf orma r.

Tam bém Frie dric h Hay ek achava que a vida polí tica com
prom etia
a liberdade indi vidu al e a orde m e prog ress o espo ntân eos
que ela gera
quando disc iplin ada (e, port anto , resp onsa biliz ada) pela com
peti ção. Isso
é mais do que uma sínte se para um gove rno limi tado .
Ant es, para Hay ek,
a política enqu anto tal e a dem ocra cia, em especial, limi tam
a libe rdad e
na med ida em que conc entr am o pode r, cons tran gem a ação
indi vidu al,
desorganizam a orde m espo ntân ea e disto rcem os ince ntiv
os natu rais,
as distribuições e, port anto , a saúd e dos merc ados . Em Lei,
legislação e
liberdade, Hay ek com eça com uma epig ram a de Wal ter Lipp
man n: "Em
uma sociedade livre, o Esta do não adm inist ra os negó cios
hum anos . Ele
administra a justi ça entr e hom ens que cond uzem seus próp
rios negó cios "
(Lip pma nn apu dHa yek, 1982 , p. v).
Entr etan to, mes mo essa man eira de colocar a ques tão, na
med ida
em que ela se conc entr a no Esta do e na econ omi a, dá pouc
a ênfa se à
textura e ao loca l em que ocorre a liber dade neol iber al, na
qual tant o a
~esre gula men taçã o quan to a priv atização se torn am prin cípio
s mor ais e
filosóficos amp los, este nden do-s e bem além da econ omi a.
Qy.a ndo esses
princípios se afirm am, restrições à liber dade em nom e da
civilidade, da
igualdade, inclu são ou bem público, e, acim a de tudo , em nom
e daqu ilo que
Hayek cham a "a peri gosa superstição" da justi ça social estã o num
continuu m
com o fascismo e o tota litar ismo (Hay ek, 1982 , p. 66). Para
com pree nder
isso, é preciso que cons ider emo s mais de pert o a com pree nsão
f: 2 / que Hayek
--ª- da liberdade. ,---- t;, ~ - .
Para Hay__ek, a liberd ad e prev alece ande não exist e coer ção hum ana
intencional; ela é restr ingida som ente por regras obri gató
rias, inju nções
?u ameaças. Inde pend ênci a ou liber dade , utili zadas por
ele de form a
intercambiável, nada mais e' do que "'10d epen d"enc· iaa d vonta de arb'ttra, n~·
de outre m''·
----- =--= . ) ela se refere som ente à relação dos hom ens com outr os hom ens
.r
N E O L IB E R A F E M IN IS M O s E co N T R A C O N D U T
24 L IS M O , AS

, . . fração d
e a unic am ela é a coerça-o 1 h o m e n s (H a y e k 1960, p. 5 9 -
pe os
60) Hayek reje
ita explicitamen a1 uer outro sentido d' e h.b e r da de e
, . .a te qu q
e espec1 lmente hostil a significados qu aproximam d a
c ap a c 1
.d d
a e ou
do oder de ag e se a li z a
ir - "liberdade d " u m a li b e rd a d e com
a s~berania po e - o 6q1u-6e8e).qu
pular (Hayek, E s te s ele cons1•d -
meramente erra 1 960, P· dida era nao
dos mas perigo e m que c o n d u
- so s, n a m zem a uma
sensaçao a mp li a da de direito, p e m c o n trole d o E s ta d
forma de distrib ortanto, a u . o sob a
uição de rec~rs laneJamen to social. A li b e rd a d e
concebida como os eu~oberania
agência, capacid p ro d u z in te rv e _
tanto limitam a ade o t n ç o e s. .que
verdadeira lib~rd d e s tr o e m a o rd e m e s p o n
que ela gera. D ~~e qu;~bºerdad ta n e a
ito de forma in e buscada o u
parte de seu sen lisi~~ a1 (isso pratica_da à
tido no merc~ incluiria to d o s
. -o da esque o : os projetos
de emancip aça rda) inevitaevre 1m te sofre u m a inversã
oposto da liberd en o p a ra o
ade.
Por que moti·vo de acordo co H k a o rd e m
, m aye , e s p o n tâ n e a d
interdepen d"~nci. e desenvolvimento da . ·u - m e r
e
ausência de inte a - lí f ~ " u civi zaçao e e a p enas na
g
com peritos, plarvençao po ica. ~ a l é a razão dessa h o s ti li d a d
nejadores e mesm e p a ra
, te o p a ra c o m o rd e n s legais . A
esta na oria de Hayek da ignorância ? . r:s~os~a
de que não há e n so cial in e re n te , e m
em pode haver u s u a 1ns1stenc1a
seja da parte d m conhecimen •
os indivíduos o to s u p e ri o r d a s o c · d d
individual tem u dos grupos: "~ ie a e,
seu principal ap d e fe s a d a . li b e
inevitável de tod oio no re c o n h r~ a ~ e
os nós a respeit e c im e n to d a 1
quais dependem o de u m grand gnoranc1a
a realização dos e n ú m e ro d o s
homens oniscien nossos fins e b e fa to re s d o s
tes .. . haveria po m -e s ta r.. . se e x is
p. 80-81). Segu uca defesa d a li ti s s e m
ndo Hayek, o berdade" (H a y
embasamento e k , 1960,
0 qual as civiliz d o c o n h e c im e n to s
ações foram co o b re
demasiado amp nstruídas está
la e sedimentad d is s e m in a d o d
possa se: reunid o p o r demais e fo rm a
o e processado p ro fu n d a m e n te
algum. E assim p o r qualquer p p a ra q u e
que u m Estado e ss o a o u g ru p o , e m
planejamento so que se p e rm it a lu g a r
cial cometerá fazer u m a p o lí
inovação e a o erros, limitará ti c a o u
rdem gerada p a li b e rd a d e , s
portanto, a resp elos mercados u fo c a rá a
onsabilidade. O e re d u z ir á a d
planejamento is c ip li n a e,
assim inerentem o u o c o n tr o le e
ente opressivo, s ta ta l é
1960, p. 75-90). cheio de erros
E m contraste c e desvitalizado
de perspectiva in om isso, a libe (H a y e k ,
teligente secula rdade g e ra u m
que responsabil r, quando é disc a e s p é c ie
iza o uso da lib ip li n ada p e la c o m p
erdade. e ti ç ã o
MARGARETH RAGO • MAUR1c10 PELEGRINI (oRGs.) ✓~/2~ ·25
~~ Õ7~

, /f~'Q'r"
E possível que o princípio original nos seja familiar desde Adam
Smith, mas ele foi modificado de forma significativa por H_aJre-k, que
expandiu seu campo de ação. ComQ___f9ucault nota, a modificação substitui
a- t~OC8: __ pel~ _~.9!!1.2~_!]ção
-----.como o motor
------ · da -o~dem
--------- ------ e desenvolvimento
- -- -=----=-----=--...:..______
espontâneo e necessita, assim, que a competição seja instalada em todos
os domínios e implantada em todos os sujeitos (Foucault, 2008, p. 118). A
gpansão postula a liberdade de mercado como um princípio ontológiÇQ
e normativo abrangente: toda a sociedade é como um mercado e melhor
organizada como um mercado, e toda liberdade (pessoal, política, sociaf,
cívica) tem uma forma de mercado. Essa expansão é o que transforma uma
teoria econômica em uma teoria cosmológica: o mesmo tipo de liberdade
deve prevalecer em toda parte e é capaz de produzir efeitos positivos por
toda parte. A liberdade gera disciplina, e a disciplina gera inovações sociais,
eficiências e ordem.
A dimensão normativa da teoria de Hayek anima o projeto construtivista
neoliberal para transformar seus princípios em princípios ubíquos de
governo. 6 Mas de que maneira esse projeto normativo se estabelece? Isto
é, como é que a liberdade se expande para todos os domínios da existência
e, de modo inverso, como são confinados e reduzidos o alcance e poder
da política? A resposta familiar é que isso se dá pela privatização dos
bens públicos e a responsabilização dos sujeitos - a missão explícita do
thatcherismo e reaganismo nas décadas de 1980 e 1990, e de todos os governos
neoliberais desde então. 7 No entanto, importante como é, a privatização-
econômica trabalha apenas uma das pontas do problema que os neoliberais
tencionam resolver, já que elimina as restrições à liberdade eliminando as
proi ~fedades do governo e responsabilizando sujeito_s _e famíl_ias através
~o _desmantelamento das provisões pública& Mais crucial para nossos
propósitos é o interesse de Hayek em expandir o alcance e o_direito do que

6. É construtiv_is.ta.no..s.en.tido..em..qu.e .QS..!iberailiQ...m p_~~a economizaçâo e r"!_a_ r:_~etização


.Q__~ nqv---ªs~craB. não como ocorrendo_dtlQffiliLn.a!.urnl, mas como um projeto envolvendQ__alci,
i~ entivos e novas formas de g~ no.
7. Um exemplo excelente é o "Personal Responsibility and Work Opportunity Reconciliation
Act" (PRWORA) de 1996, do Presidente Bill Clinton, que tinha como objetivo "substituir a
responsabilidade pública pelo bem-estar das mulheres pobres por um sistema de responsabilidade
familiar privado executado pelo estado". Para uma excelente discussão, ver Cooper (2016, p. 63).
Ela nos lembra que essa lei tornou a paternidade biológica responsabilid~de financeira do "pai"
por toda a vida, não importando quão distante qualquer parentesco social ou legal real com a
mãe ou a criança, de maneira a desobrigar o Estado dessa responsabilidade.
NEOLIBERALISMO,
26 FE M IN IS M OS E CO
NTRACO N
no•rA.s

ele chamª-d_e "ª'~ sr.eeg_Fnessoal protegida" pa ra li m


-- d- -m·o-ntar as reivindica -- ' . it ar o alcance da poli't•
e es ções do social (H ay ek , 19 60 ica
;-cuidado de si do indivi • , p. 207). Promover
duo não é aqui_ o ob'~etiv · · A ·
esse projeto de liberdade o mot_riz . o invés dis so,
envolve considerar co m
crescente de atividades o privadas um número
, po rt an to ap ro pr ia da
e apropriadamente m en te desregulamentada
protegidas das norn:ia s
de Hayek, "o reconhec s de:,n~~~átic~s. ~ as palav
imento da pr op ri ed ad ras
delimitação da esfera pr e e o pn m ei ro passo na
ivada que nos pr ot eg e
preciso que não pensem co nt ra a coerção", mas "é
os nessa esfera co m o co
ou mesmo principalmen ns is tin do exclusivamente
te, de coisas materiais ,
Antes, essa esfera nos " (Hayek, 1960, p. 207).
dá "uma proteção co nt
nossas ações"; ela exclui ra a interferência com
a coerção, especialmente as
de coerção, o Estado, m aq uela do po de r principal
as ta m bé m a coerção
amplamente difusas, ta po r no rm as democrátic
is como a igualdade, as
mesmo a civilidade. Isso a in cl usão, o acesso e até
é mais que um projeto
públicas; ta nt o a zona qu de privatização de coisa
anto os objetos do priv s
contestar o domínio e o ad o sã o expandidos para
poder dos inimigos da lib
e a crença no social. erdade: o po de r político
Nos Estados Unidos, na
medida em que a raci
ampliou e aprofundou onalidade neoliberal
seu controle, esse princí
liberdade pessoal contra pio abstrato de proteger
a suposta coerção da vi a
Estado, mas não limita da política (incluindo o
da a ele) desenvolveu-se
na legislação quanto no de forma concreta tanto
discurso popular. É la rg
direito de contestar norm am en te mobilizado pelo
as de igualdade, tolerânc
da liberdade e da escolh ia e inclusão em nome
a. Ele te m sido coloca
da Suprema C or te para do em ação pela maior
realçar o poder das corp ia
e manipular segmento or aç õe s de monopolizar
s cada vez maiores da
permite a eles desfruta vida política, enquanto
r de um a proteção cres
política e de mandatos, cente da regulamentaçã
convertendo assim a pl o
uma forma nova e de ut on om ia 8 neoliberal em
spolitizada de plutocra
jurisprudência ameri~an ci a. E la tomou form a na
a como direitos civis in
direito de expressão sem dividuais (por exemplo, 0
restrições ou direito de
foram expandidos para consciência religiosa) qu
corporações, e como ju e
de substituição de proc st iç a pr iv atizada na form a
edimentos públicos de
tribunais, com recursos
,

8. Em inglês,p luton omy [N


Jvo~ fY \J ._ () Jib~
.T.].
/ ÍY \Q _ ~ ,l
> 1
:I <P /
1',1ARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (üRGS.)
/ / ~ / : · 27
0 a<~J
por arbitragem confidencial, manipuladas fraudulentamente para os
poderosos. 9
Ess~ fo~rr_ia específica de privatização faz mais, no entanto, do que
contestar pnncipios e práticas de igualdade e antidiscriminação por meio
da expansão dos direitos individuais das pessoas e ampliando-os para as
corporações. Expandir a "esfera pessoal,protegida:~é. .também..llffia maneira
de faze~ entrar os valores familiares , seus regul amentos e reivindicações
pa_r~ ~~ro dos espa~s públicos até então or1;anizados pelas leis -e
normas democráticas.rDessa forma, o social e o público não são somente
economizados, mas familiarizados pelo neoliberalismo: em conjunto estes
contestam os princípios de igualdade, do secularismo, pluralismo e inclusão
no cerne da moderna sociedade democrática, permitindo que sejam
substituídos por aquilo que Hayek chamou de "valores tradicionais morais"
da "esfera pessoal, protegidaj' .10 A esse respeito, considere a campanha, agora

9. O projeto de fortalecimento do privado contra a democracia, por meio do discurso da


liberdade, está claramente evidente na jurisprudência da Primeira Emenda nos Estados
Unidos. Em 2015, John C. Coates, professor de direito comercial em Harvard, publicou um
estudo demonstrando empiricamente aquilo que estava óbvio para qualquer cidadão que lesse
os jornais: "as corporações têm cada vez mais (e a uma velocidade crescente) deslocado os
indivíduos como beneficiários diretos dos direitos da Primeira Emenda" (Coates, 2015, p. 223).
Outros acadêmicos têm oferecido relatos convergentes com uma diferente acentuação política.
Em um artigo recente em 1he New Republic, Tim Wu escreve: "quem já foi o santo patrono
dos que protestam e dos privados de direitos, [a primeira emenda] se tornou a queridinha dos
libertários econômicos e dos advogados de corporações que reconheceram o seu poder de tornar
imune o empreendimento privado às restrições legais" (Wu, 2013). Burt Neuborne argumenta
que essa tendência emergiu nas décadas de 1970 e 1980, porque "uma proteção robusta da
liberdade de expressão servia bem à abordagem cética e antirregulamentos da direita ao governo
em geral, e ... encorajava uma transmissão vigorosa por oradores poderosos da coleção de ideias
com nova energia da direita" (Neuborne, 2015). Além de fortalecer a corporação a dominar o
processo eleitoral como fez a infame decisão Citizens United, a extensão dos direitos de livre
'
expressão às corporações tem sido de utilidade especial para os setores mais desacreditados dos
grandes negócios: as indústrias farmacêuticas, do tabaco, do carvão, da carne industrializada e
das linhas aéreas fizeram todas amplo uso de desafios da liberdade de expressão aos limites de
propaganda. Ela também concedeu liberdade religiosa para negócios de grande e de pequeno
porte que desejam rejeitar O casamento gay e negar c~bertura de segur~s pa~a -ºs empregados
para métodos de controle da natalidade por eles considerados como nao cnstaos. O governo
Trump também se moveu com rapidez para expandir o direito de negócios de se evadirem dos
direitos de antidiscriminação e de proteção igual em ~orne da l~berdade de expre~são religiosa,
e ampliar os direitos de instituições religiosas (IgreJas) de agir de forma política, enquanto
mantêm seu status religioso não lucrativo. A rubrica é a _liberdade, o artifício é ~s ~o~porações
colocadas como pessoas, e O projeto é um recuo de todo tipo de mandados e_restn~oe~. ,
10. "A J·usf • l" mo escreve Hayek, gera "a destruição do ambiente rnd1spensavel
iça socia , co . d d al"
no qual somente podem florescer os valores morais tradicionais, a saber, a 116er a e pesso
NE OL IBE RA LIS MO , FE
28 MI NIS MO S E CONTRA
COND
U1'As

já com três décadas, para subs


t~tui~ ~s ~n do s públi~os pa
por sistemas de vouchers (vales ra a educação
) 1nd1vidua1s, que perm1t~m
escolham escolas para seus fil que as família s
hos que se co nfº:m em rigor
seus valores morais e escapem osamente com
de escolas qu e na o o façam. 1

decisões judiciais que pe rm ite O u pense nas


m que os negócios evitem os
igualdade com base em "cren mandados de
ça" religiosa, qu an do eles re
do seguro de saúde de empreg têm a cobertura
ados pa ra formas de contro
f'\ consideradas abortivas ou re le de natalidade
cusam co m o clientes pesso
querem se casar. O u reflita as LG BT que
sobre a crescente identifica
] ocidentais com o cristianism ção das nações
o no discurso político cent
E no conservador e no compro rista, be m como
misso de um a esfera pública
d identificação implica. Em re
sumo , expand_i~ :e sf e~ es
secular que essa
1 e restringir o alcance da de
mocracia em no m e da liber
so al , protegida''
~ ~ vo ethos da nação, um ethos dade desenvolve
que su bs tit ui um im aginário
c!,__emocrático secular po r um nacional
ethos privado , ho m ogêneo e
~ primeiro apresenta um comp famili ~ .11 O
romisso co m um a m od es ta ab
"O de direito e um pluralismo rel ertura, o Estado
igioso e cultural. O segundo,
em sua forma tradicional, op especialmente
era pela exclusão, po r muros
· unificado e hierárquico . Po de , e é homogêneo,
~
m es m o ser au to rit ár io .
A privatização econômica
lo democracia. El a gera desig
neoliberal subverte profun
ualdade, exclusão, a pr op rie
damente a
da de privada dos
bens comuns, a plutocracia,
e um im ag in ár io de m oc rá tic
~ obscurecido. 12 A segu nd a or
de m de privatização qu e tem
o profundamente
\. entretanto, subverte a democ os con~ rado,
racia po r m eio de valores an
ou "familiares", em lugar do tid emocráticos
s valores do ca pi tal an tid em
3016)3 Promove um a gu er ra fa ocrátiC o( Coop er,
miliai, e nã o um a gu er ra de
princípios e instituições de mercad os, aos
mocráticas. Co lo ca em posiç
patriarcalismo, a tradição, o ão a exclusão , 0
ne po tis m o e o cr ist ian ism o
legítimas à inclusão, à au to como contestações
fl_' no m ia à ig ua ld ad e de dire
co~ itos de 1·_nteresse, ao secu ' itos limitações ª
larismo e ao pr óp rio princíp '
Alem do mais, en qu an to am io de igualdade. 13
bos os tip os de privatização
são an im ados por
(Hayek, 1982, p. 67).
11. . Exi~te nisso alguma iro
neoliberais. nia, com o um a seq uê ncia
ao "E stado bab á" det est ado
12 · É esse pelos
o ass unt
13 A1
o
°d
me u 1·1vro vnd
7 . . ~m as vezes, claro, ess
1r
oing the Demos (Brown, 2015).
acima , e um exemplo. es est ão com bin ado s: o PR OW RA , de 199 ta
6, me ncionado na no '
p

'AS MARG ARETH RAGO • MAUR ICIO PELEG RINI (ORGS


.) 29

io uma preocupação com a liberdade, o segundo é especialmente


i~p~ ~tan te
as para a geração de uma formaçã~' política de uma liber d~de,, ~uto
m ntan a em _
nossos ffu s Na medi da em que a esfera pessoal, prote gida e
emp oder ada
3.S ~ontra o social e se expande para envolver a ró ria nação,
a defesa e
le proteção desta requerem um estadismo crescentemente robu sto
na orma
~a de leis, policiame nto e defes a.
le - Devemos evitar que sejamos obnubilados pela lingu agem dos
direi tos.
te Os direitos ligados aos indivíduos são a formação em cunh a
com a qual
~s os compromissos democráticos com a igualdade, civilidade
e inclu são
o - "justiça social" - são desafiados pela razão neoliberal nos
exem plos
a tangíveis como a juris prud ência e políticas públicas, ou mane
jadas pelos
i " ativistas da extrema-direita, sob os estandartes da "libe rdad e de
expressão".
e As forças por detrás deles, entre tanto , que orga nizam incur sões
nos espa ços
J. públicos e exercem uma pressão contr a o político e o demo
cráti co, são
) os valores e reivindicações do mercado, por um lado, e do
fami lialis mo
) heteropatriarcal cristão por outro . Em cada um desses casos
, os direi tos
são estrategic amen te colocados em campo, difer entem ente de
sua ligaç ão
,, original com os indivíduos, ara algum outro uso - ara
cor ora ões,
para a propriedade, para o capital, para famí ias, para igrej
as , para os
i brancos. A rivatiza ão econ ômic a e familial do públ ico,
com bina da
com a denig ração neoliberal do social, cons titue m junta s o
ataqu e a ala
direita à "justiça social" como send o tirân ica ou fascista. A
repa ração de
injustiças sociais, até mesm o de direitos civis básic os para mino
rias racia is
e sexuais, mulh eres e outro s grup os subo rdina dos, são expr
imid os pelo
neoliberalismo como ditad os artificiais e ilegí timo s que
faze m uso da
"miragem do social" e cons titue m tanto ataqu es à liber dade
pess oal com o
uma interferência na orde m espo ntân ea dos merc ados e da
mora l (Hay ek,
1982, p. 67). A acusação não é simp lesm ente a de que estes proje
tos serv em
fins igualitários, ao invés de fins liber tário s, um peca do capit
al em qual quer
roteiro neoliberal. E não é simp lesm ente que eles impõ
em uma visão
política da "boa socie dade " - enge nhar ia social ou plan ejam
ento socia l,
ª um lugar onde deveria have r apen as liber dade , com petiç ão e o priva do.
Não é simp lesm ente que sejam inter venç ões polít icas - regu
latór ias ou
redistributivas - onde a reali zaçã o e reco mpe nsa deve riam
ser orga niza das
pel~s merc ados . Não é que simp lesm ente eles repr imam as ener
gias criat ivas
de indivíduos livres e a orde m espo ntân ea dada por essas
ener gias. Não é
que eles simp lesm ente trans grida m a mora lidad e tradi cion
al e limi tem 0
30 NEOL IBER ALIS MO, FEMI NISM OS E CONT RACO
Nnu-
fAs

dire ito das famílias e igrejas de influ enci ar, qua ndo
não controlar, a vida
cívica e O discurso das com unid ades , cida des e naçõ es.
Em vez, esses erros
são em seu conj unto escu lpid os num a figu ra de um anti
cris to político no
inte rior de uma form ulaç ão haye kian a de libe rdad e que
valo riza e expande
0 priv ado para recu ar o alcance do polí tico e colo car em ques tão a próp
ria
existência do social. 14 Amp lific ar a com petê ncia do
priv ado e amplificar
a força desi nteg rado ra da desr egul ame ntaç ão de tudo
em toda s as partes
capa cita a prát ica nova da libe rdad e a mat eria liza r de form
a bast ante literal
a afirmação de que "não existe essa coisa, a soci edad
e", já que ataca os
valores e as prát icas que sust enta m os laços sociais, a
coop eraç ão social, a
provisão social e, claro, a igua ldad e social.
É fácil de ver, nesse pon to, com o falas e com port ame ntos
algumas
vezes viol enta men te sexistas, tran sfób icos , xenó
fobo s e racistas
irro mpe ram com o expressões de libe rdad e, cont radi zend
o os ditames da
correção política. Qya ndo a esfe ra prot egid a, pessoal,
é amp liad a, quando
a oposição à restr ição e ao regu lam ento se torn a um
prin cipi o universal
e fund ame ntal , quan do o social é avil tado e o polí
tico dem oniz ado, a
anim osid ade indi vidu al e os pod eres hist óric os do dom
ínio dos homens
brancos são tant o legi timi zado s qua nto desa trela dos.
Nin gué m deve nada
a ning uém ou poss ui o dire ito de rest ring ir algo a
qual quer pessoa; a
igualdade, com o Hay ek decl arou com fran quez a, não
é outr a coisa que a
ling uage m da inve ja (Ha yek, 196 0, p. 155 -156 ). Enq uan
to isso, a oposição
da esqu erda ao sent ime nto supr ema cista é desc rita
com o policiamento
tirân ico, que tem suas raíz es no mito tota litár io do
social e faz uso dos
pod eres coer citiv os do polí tico . Isso tem com o efei
to uma reformulação
prof und a e não simp lesm ente um nov o acen der das
guer ras culturais, que
se cheg ou a ima gina r que tive ssem culm inad o no fina
l do século X:X. 15
O!ie ro ser bem clar a ness e pon to. Não esto u
afirm ando que
Hay ek ou outr os neol iber ais ima gina ram ou defe
nder am os ataques
surp reen den tem ente esca ncar ados aos imig rant es,
aos muç ulm anos , aos
negr os, aos jude us, aos gays e às mul here s que part em
hoje em dia de uma
14 . H aye k consi"derava a Justiç
· · a socia · 1 " uma f"rau d e sema• ntica
· " , uma "st1perstiç~' o perigo . "
" sa '
aquele incubus que faz dos belos senti ment os os instru
ment os para a d estn 11·Çao
- de todos os
. _ d
· ·1· - 1·
va1ores d e uma civi izaça o ivre", e, d a mane ira
· mais · reve1a d ora, com o gerando" a destnuçao 0
. • . . b r
am b iente mdis pensa,vel em que some nte pode m florescer os va1 · • tradicionais, a sa e '
ores morais '
a liberd ade pessoal". Ver Haye k, 1982, p. 67-7 0.
15 . A esque rda não está imun e a esse deslo came f1 ações
• nto do pu, bl'ico com os valor
' es. e preoc
d u ·
texto.
pnva das, mani festo nas preoc upaçõ es com espaços segur d • · ao leitor e um
os e a verte ncias '
MA RG ARE TH RAGO • MA
URI CIO PEL EG RIN I (OR GS.
)
31

direita radical crescente e cada vez


mais ousada. An tes , o que quero
é que esses de sdo bra me nto s são mo str ar
, em parte, efeitos da razão neoli
de sua expansão de do mí nio e rei beral -
vindicações do privado igu alm en
pessoas e corporações, e sua rejeiç te pa ra
ão da justiça política e social (tal
oposta ao mercado). Se, co mo arg co mo
um en ta An dre w Lister, "a crítica
à justiça dis tri bu tiv a e social de Ha ye k
tem um alvo mu ito lim ita do [in
econômicas po r pa rte do Es tad o ter ve nç õe s
em resultados do mercado]", seu
se ampliou, na me did a em que se escopo
tor no u pa rte da racionalidade po
nossa época. Al ém do mais, o deslo líti ca de
camento do social e o ata qu e ao po
jun tam en te co m o am plo descréd lítico,
ito às no rm as democráticas, ali me
legitimou essas energias que em nto u e
an av am de um co nju nto co mp let
diferente de efeitos concretos ne am en te
oliberais - a saber, a decrescente
e segurança dos ho me ns , dos bra so be ran ia \
ncos, do cristianismo e dos Es tad
Essas energias do po de r injuriad os -na çã o. \
o são expressas de formas va ria
raiva rancorosa, mas tam bé m no da s (em
vo to qu iet o em can did ato s da ex 1
direita) e tem co mo alvo um a sér tre ma -
ie de objetos (políticos, as elites
os emigrantes, os mu çu lm an os, liberais,
os gays e os negros). M as nã o ter
forma política leg ítim a em um a iam um a
ord em liberal ou social de mo cra
porque pe rm an ec era m nas ma rge ta, mo tiv o
ns da política até rec en tem en te.
neoliberal ao igualitarismo, à pro O ata qu e
visão social, à jus tiç a social, à po
democracia, jun tam en te co m um líti ca e à
a extensão à "esfera pessoal, pro
deu a eles aq ue la for ma leg ítim a. teg idà '
É assim que est am os lid an do co m aq
que Stu art Ha ll ch am ari a de um uil o
a co nju ntu ra e Fo uc au lt da ria o
formação ge ne aló gic a co nti ng en no me de
te.
Em breve ex am ina rem os co
m cu ida do essas novas en
En tre tan to, em pri me iro lugar, erg ias .
est am os ag ora na po siç ão de co
uma das de sco nc ert an tes car mp ree nd er
acterísticas da atu al pa isa ge m,
como po de a dir eit a ser o pa rti a saber,
do tan to da lib erd ad e e do na cio
da lib erd ad e e do pro tec ion ism na lis mo ,
o, da lib erd ad e pessoal ma xim
valores sociais tra dic ion ais . Qy an iza da e do s
do a du pla dim en são da pri va tiz
temos co ns ide rad o ca ptu ra dis açã o qu e
cu rsi va me nte a pró pri a na ção ,
ser im ag ina da pri ma ria me nte co ela cessa de
mo um a de mo cra cia , ma s é im ag
invés co mo um ne gó cio co mp eti ina da ao
tiv o qu e pre cis a fazer bo ns ne gó
investidores, po r um lad o, e pe cio s e atr air
lo ou tro , co mo um lar ina de qu
seguro, cer cad o po r est ran ho s de ad am en te
má vo nta de , ou qu e a ele nã o pe
O na cio na lis mo de dir eit a co nte mp rte nc em .
orâ ne a oscila en tre os dois. Pe ns
relinchas co ntí nu os de Tr um p e no s
a res pe ito da his tór ia rec en te do
s Es tad os

e
32 NEO LIBE RAL ISM O, FEM INIS MO S
E CON TRA .coN n
l
U1'A. s

Un ido s de faz er ma us neg óci os inte rna cio


nai s em t~d os os assuntos, do
, . , OT AN
com erc io a , a aco rdo s clim átic os, ma s tam bem sua descrição dos
E st a d os Un ido s com o bru talm ent e ata cad os por sua s fro nte iras inseguras
e sua pro me ssa de cam pan ha de con stru ir . . "
um mu ro que ten a um a grande,
e bel a por ta" pel a qua l os ent ran tes leg ais
do sul poderia~m vir visitar ou
jun tar- se à "nossa família" (Jo hns on, 201 5).
Ou pen se ent ao na cam pan ha
de Ma rin e Le Pen ''A Fra nça par a os fran
ces es" , que com bin a linguagens
familiares e eco nôm ica s par a des cre ver a naç
ão: "N ós som os os pro prie tári os
da nos sa nação", ela dec laro u em um com
ício no les te da Fra nça e "é
preciso que ten ham os as chaves par a abr ir
a cas a da Fra nça , ent rea bri- la,
[ou] fec har a porta". ''A casa é nossa", can tav
a de vol ta a mu ltid ão (Collins,
201 7, p. 26) . Ou com o explicou um de seu
s apo i~d ore s, "ela não é con tra os
em igra nte s, que r som ent e ass egu rar a jus tiça
... E par eci do com o, qua ndo a
gel ade ira está che ia, nós dam os par a os nos
sos viz inh os, ma s, qua ndo está
vazia, nós dam os par a nossos filhos. A gel
ade ira da Fra nça est á vaz ia." 16 A
jus tiça é refo rma tad a com o a hos pita lida de
qui mic am ent e dos ada de um a
casa particular.
Qy and o a pró pria naç ão é col oca da em term
os eco nôm ico s e familiares
dessa form a, os prin cíp ios dem ocr átic os
da uni ver sali dad e, igu ald ade e
abe rtur a são des car tad os e a naç ão se tor na
leg itim am ent e não libe ral para
com aqueles des ign ado s com o insiders rep
ulsi vos e outsiders inv aso res. O
esta tism o, o pol icia me nto e o pod er aut orit ário
tam bém se ram ific am ,já que
mu rar, pol icia r e tod o tipo de seg ura nça são
aut ori zad os pel a nec ess ida de
de pro teg er essa vasta ext ens ão de libe rda
de pes soa l sem reg ula me nto s.
Nã o é a seg ura nça o que gar ant e ou lim
ita a libe rda de· ao inv és são os
mu ros , por tõe s, sist em as de seg ura nça e pla ' '
cas de "pr oib ida a ent rad a" que
se tor nam os significadores da libe rda de qua
ndo eles dem arc am O priv ado
do público, aqu ilo que é pro teg ido daq uilo
que é abe rto, 0 fam ilia r do
estr anh ~, .ª proprieda_d~ daq uilo que é um
bem com um . O pro ced ime nto
democr,a:ico e a leg itim ida de são igu alm
ent e des loc ado s pel os valores
da familia ~ do ~er cad o: não é a neg oci açã
o, a del ibe raç ão ou me sm o a
regra da lei que sao as bases da aut orid ade
da casa, ma s sim o dik tat é a
bas_e. da aut orid ade dom ésti ca, e a força é
leg itim am ent e dos int a ma nei ra com o ela se def end e
· ,,--,
rusos invasores. .tor nar seg ura a vas ta ext
ens ão do
16. U m prefeito de l
ena ci·d a d e, auto den omi nado "mo dera do"
,
Perg unto u a respeito . ima pequ
"dos · apoi ador de Le Pen,
faze ndo che.,., ,n •>" (C . Jº ven s. emig •
rant
"-' OI. O 11 111 S, 2 0 1 7 , p. 24).
es bem vest idos " em sua cida de, "o que eles estão
32 NEO LIBE RAL ISM O, FEM INIS MO S
E CON TRA .coN n
l
U1'A. s

Un ido s de faz er ma us neg óci os inte rna cio


nai s em t~d os os assuntos, do
, . , OT AN
com erc io a , a aco rdo s clim átic os, ma s tam bem sua descrição dos
E st a d os Un ido s com o bru talm ent e ata cad os por sua s fro nte iras inseguras
e sua pro me ssa de cam pan ha de con stru ir . . "
um mu ro que ten a um a grande,
e bel a por ta" pel a qua l os ent ran tes leg ais
do sul poderia~m vir visitar ou
jun tar- se à "nossa família" (Jo hns on, 201 5).
Ou pen se ent ao na cam pan ha
de Ma rin e Le Pen ''A Fra nça par a os fran
ces es" , que com bin a linguagens
familiares e eco nôm ica s par a des cre ver a naç
ão: "N ós som os os pro prie tári os
da nos sa nação", ela dec laro u em um com
ício no les te da Fra nça e "é
preciso que ten ham os as chaves par a abr ir
a cas a da Fra nça , ent rea bri- la,
[ou] fec har a porta". ''A casa é nossa", can tav
a de vol ta a mu ltid ão (Collins,
201 7, p. 26) . Ou com o explicou um de seu
s apo i~d ore s, "ela não é con tra os
em igra nte s, que r som ent e ass egu rar a jus tiça
... E par eci do com o, qua ndo a
gel ade ira está che ia, nós dam os par a os nos
sos viz inh os, ma s, qua ndo está
vazia, nós dam os par a nossos filhos. A gel
ade ira da Fra nça est á vaz ia." 16 A
jus tiça é refo rma tad a com o a hos pita lida de
qui mic am ent e dos ada de um a
casa particular.
Qy and o a pró pria naç ão é col oca da em term
os eco nôm ico s e familiares
dessa form a, os prin cíp ios dem ocr átic os
da uni ver sali dad e, igu ald ade e
abe rtur a são des car tad os e a naç ão se tor na
leg itim am ent e não libe ral para
com aqueles des ign ado s com o insiders rep
ulsi vos e outsiders inv aso res. O
esta tism o, o pol icia me nto e o pod er aut orit ário
tam bém se ram ific am ,já que
mu rar, pol icia r e tod o tipo de seg ura nça são
aut ori zad os pel a nec ess ida de
de pro teg er essa vasta ext ens ão de libe rda
de pes soa l sem reg ula me nto s.
Nã o é a seg ura nça o que gar ant e ou lim
ita a libe rda de· ao inv és são os
mu ros , por tõe s, sist em as de seg ura nça e pla ' '
cas de "pr oib ida a ent rad a" que
se tor nam os significadores da libe rda de qua
ndo eles dem arc am O priv ado
do público, aqu ilo que é pro teg ido daq uilo
que é abe rto, 0 fam ilia r do
estr anh ~, .ª proprieda_d~ daq uilo que é um
bem com um . O pro ced ime nto
democr,a:ico e a leg itim ida de são igu alm
ent e des loc ado s pel os valores
da familia ~ do ~er cad o: não é a neg oci açã
o, a del ibe raç ão ou me sm o a
regra da lei que sao as bases da aut orid ade
da casa, ma s sim o dik tat é a
bas_e. da aut orid ade dom ésti ca, e a força é
leg itim am ent e dos int a ma nei ra com o ela se def end e
· ,,--,
rusos invasores. .tor nar seg ura a vas ta ext
ens ão do
16. U m prefeito de l
ena ci·d a d e, auto den omi nado "mo dera do"
,
Perg unto u a respeito . ima pequ
"dos · apoi ador de Le Pen,
faze ndo che.,., ,n •>" (C . Jº ven s. emig •
rant
"-' OI. O 11 111 S, 2 0 1 7 , p. 24).
es bem vest idos " em sua cida de, "o que eles estão
>
s MARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 33

privado e da liberdade sem regulamentos inaugura dessa forma novos


espaços e a valorização do policiamento, da autoridade e da securitização,
cuja necessidade foi tornada mais intensa pelas energias sociais em inibição
das quais logo trataremos. 17 Et voilà - o autoritarismo do século XXI em
nome da liberdade!

As ENERGIAS DA LIBERDADE DE DIREITA E O NACIONALISMO

Estivemos até aqui considerando a lógica da razão governamental,


mas não as energias de afetos que dão forma e conteúdo às formações
e expressões políticas da direita contemporânea. A razão neoliberal por
si mesma, inclusive sua apresentação como um novo produto na lei e na
política, e sua interpelação de sujeitos, não gera movimentos nacionalistas
firmemente decididos a embranquecer nações, em separar por muralhas
os emigrantes e refugiados, ou vilipendiar feministas, queers, liberais,
esquerdistas, intelectuais e mesmo jornalistas representantes da maioria.
Tampouco ela incita uma raiva rancorosa e outras paixões antissociais
ou tira a tampa daquilo que existe de pior na "natureza humana",
masculinidade ou nos brancos. 18 O que é importante aqui não são os
deslocamentos amplos ocasionados pela razão neoliberal esboçados acima,
mas os efeitos da política econômica neoliberal em contextos históricos
e sociais específicos, especialmente aqueles que são um impedimento à
existência da classe média e operária nas regiões rurais e suburbanas das
nações euro-atlânticas. Vamos repetir brevemente o que já se sabe:
As energias políticas tanto da esquerda como da direita hoje em dia
são em parte reações ao desmantelamento neoliber~ das rendas com que
se possa viver, da segurança no trabalho, provisões para a aposentadoria e
educação, serviços e outros bens sociais com fundos públicos. Tais efeitos
são agravados pelo comércio neoliberal, as políticas de impostos e tarifas
que tanto solapam a soberania do Estado-nação quanto produzem uma
corrida mundial em direção ao fundo nos salários e rendas públicas. Muitos
brancos das classes operárias e médias da Europa e da América do Norte,

!7• Repito, esse evento coloca a liberdade bem além do escopo e jogo imaginados pdos
intelectuais neoliberais.
18 - Até mesmo a extraordinariamente cautelosa e sutil Jacqueline
Rose (2016) parece tkrtar
co~ a noção de que aqueles impulsos repulsivos estejam simplesmente lá, nas profundezas d :1
psique, aguardando serem ativados ou liberados.
NEOLIBERALISMO, FEM INIS MOS E CONTRA.e
--,
34 ONnlrr
J\ ~

.
que haV1am perd'd i O
seus emp rego s perc ebe ram de form a rudimentar
. ,., ' , • b urna
hgaçao entre o decl ínio do Esta do-n ação , seu pro pno em- esta r econôm·
. . ico
, .
em dec1mio e o declínio da sup rem acia .bran ca mas . .culi na, até que
plataformas políticas dos part idos naci ona lista s Ade as
_direita a ~~licitassern.
E eles estão certos: arru inad os pela tran sferenc1a
e terce1nzação dos
empregos operários sindicalizados para o exte rior
, pelo desaparecimento
da moradia acessível e pelos mov ime ntos glob ais de
trab alho e capital sem
precedentes, a era do prov edo r bran co segu ro _e ~a
s~b eran ia do Estado-
nação no nort e global cheg ou ao fim. Ess a cond1çao
nao pod e ser revertida,
mas pode ser inst rum enta liza da poli tica men te. Aqu
i a figura hiperbólica
do imigrante é especialmente pote nte, na qua l o terr
oris ta se funde com o
ladrão de empregos, com o crim inos o e com o vizi
nho que evita trabalhar
e onde, inversamente, falsas promessas de potê ncia
eco nôm ica restaurada
se mis tura m com falsas promessas de uma sup rem
acia racial e de gênero.
Limites porosos de vizi nha nça e da nação, status soci
oeco nôm ico solapado
e novas formas de insegurança são tran çad os junt
os num a lógica causal
racializada e num a reparação em term os eco nôm icos
. Com o no slogan do
Brexit, "nós vamos controlar noss o país nov ame
nte. " Ou novamente os
fjranceses, "a casa e,
nossa" .
E é, no enta nto, um erro enx erga r os hom ens brancos
da classe operária
e média como prejudicados de form a espe cial pela
polí tica neoliberal e
negligenciados de form a especial pelo s polí tico s neo
libe rais . Essa censura
comum à cam pan ha de Hill ary Clin ton por part
e dos críticos liberais
mais conhecidos - a de que ela se con cen trav a em
excesso nas políticas
de iden tida de e dava pou co espa ço ao trab alha dor
bran co - erra o alvo
qua nto à extensão em que o desl oca men to sofr ido
pelo s bran cos, e pelos
ho~ e~s bran~os em especial, não é uma exp eriê
ncia prin cipa lme nte de
dechnio e_conomico, mas sim da perd a de dire itos
polí tico s, sociais, de uma
supr e~~ cia eco nom icam ente repr odu zida e, port anto
, o mot ivo pelo qual
os pohticos de direita e da plut ocra cia se pod em
perm itir não fazer nada
por seus eleitorados, enq uan to aliviam seus feri men
tos com uma retórica
anti-imigrantes t' • 1 .
, an inegros e ant1g oba liza ção e enq uan to eles re a1· h na
forma e a voz da 10 ai
. naça- o com a 1orm
e '
a e a voz do nativisn10. Repetimos, 5ei·t
·
J'
ao alveJ~r os multiculturalistas, as elites polí tica s,
os refugiados os acadêmicos liberais,
e · • . .
d d' .
s Matter,. .~1 ra jva
' as iem mis tas ou os ativistas do Black Live . .
ª1 irde1ta con tra o "po litic ame nte corr eto" e a "justiça
pe O estrona 1n social" é alimentada
d b
ento os rancos, dos hom ens bran cos especi·· al men de
te,

1
MARGARETH RAGO • MAURIC IO PELEGR INI (ORGs.)
35

todas as classes. 19 Em si mesmas, nem as expansões neoliberais do privado,


nem as devastações neoliberais da segurança política e econômica geram
as ferozes energias do racismo nacionalista e do grito de liberdade através
do qual ele nasce: esse terceiro ingrediente é necessário. Os rompantes de
misoginia, racismo, islamofobia e de justiceiros anti-imigrantes da direita
de nossa época não simplesmente estavam "lá" o tempo todo, esse avesso
desagradável da civilização subitamente solto na libidosfera sociopolítica,
licenciada e mobilizada por políticos oportunistas e a quem as mídias
sociais deram uma plataforma fácil. Antes, esses rompantes portam os
ressentimentos específicos e a raiva de um poder injuriado.
O filósofo mestre do poder injuriado, é claro, é Nietzsche. Há, para
começar, seu relato de como o sofrimento, especialmente o sofrimento
da humilhação, quando embasado no ressentimento, transforma-se na
condenação moralizante do objeto que considera responsável. Em sua
formulação daquilo que ele chamou de moralidade escrava, Nietzs che se
concentrou principalmente na pia autovalorização dos dóceis e dos fracos
e na sua denúncia dos fortes e poderosos. Ele, entretanto, reconheceu que
a moralidade escrava era também praticada por aqueles que estão cheios
de ódio, antissemitas e racistas, diagnosticando a bazófia e os ataques de
tais tipos como parte da ordem de "sentimentos reativos ... ressentimentos
e rancor" (Nietzsche, 1989, p. 75). 20 Manifestações selvagens das massas,
bullying, belicosidade - Nietzsche castigou essas energias ressentidas e
penosas como opostas àquelas que se superam, às energias orgulhosas dos
poderosos e criativos que ele afirmava.
É certo que o ressentimento é uma energia vital do populismo de direita:
o rancor, o ressentimento, uma vitimização mal disfarçada e outros afetos
de reação são a pulsação afetiva do troll da internet, dos tweets, dos discursos

19. O mantra é novame nte a liberdade - a liberdade de se fazer e dizer aquilo que se deseja, de
pegar o que se pode, guardar o que se ganha, liberdade da exigência percebida de reconhe
cer o
próprio privilégio e compart ilhar a riqueza socioeconômica. Esse direito de posse foi e
é, claro,
personificado pelo de Donald Trump - não somente suas banheiras douradas e fanfarro
nice a
respeito de pegar nas xoxotas, sua fuga "esperta" dos imposto s, mas também em sua indignaç
ão,
?epois de assumir O cargo, de que lhe era impossível govc1:nar por ~e~reto, d~spedir a impr_ens
1mpor sua proibição aos muçulm a,
anos, ou, de º\ttr~s formas, v1ci.u o sistema de freios e
contrapesos que são os remanes centes da democracia liberal.
~O . . "A luta contra os judeus tem sido sempre u~. sintoma dos piores car~cteres, ,~quel~s _mais
1nveJosos e mais covardes.
Aquele que agora part1c1pa dela tem que ter mmto da d1spos1çao da
turba" (Nietzsche apud Santaniello, 1997 ).
-i c.-o--n.~G . o.e d· re :;.
e ü.tn~ ~ ~ ' ( ·e ... t<i.~i ca
,

pr T" C' t ..iv e\ do co


60 pn ~ Iramp.a p . ) ~:.: m portamento
. . , ~•·ó H an , ~lu~a. en
- .u ~ tr et an to . a contribuição
d.e ~ et z~ ·-e ~~4 ~
é 4:etl '"7"~~.z.."Tie:-·') ·r ,. . ~, '--~"' da co n ju
<l nt ur a atual
~ e ~ ~ h e e ; n: 0t 1 cn
.r ~ -c r 7A co m-o~~ ~ ., .. · ~, --, -;,,"J':" t e e erradamente
~e. iit l~ Jo (o m ~ na
dCK v2lo res e eh \ ~e: nrre-z..1 cnntingente
i..<l ~ "\ ,c r,.:.~.he e m
com o um f. í6:~o io ();, "": .u , :d t' \1 ,1.itLtmcntc apreciado
'Ã \Ío ;-. 1· it "mo :1
Oí h .ca, lo ~ 1.p-6 <- ;; tT1.tl d e , .1~i.1. cs t.u ~e '"k~
c.1 ~"1 , u e J r.J 7j () tc ~nroLlnd o
i md'.l ·n c- ,. i. de
rc n" dc 1" n1 b. h.1 u Deu~ e .1bahdo os
~(1 ~J ; a rr. ot
Ji e d J ..-~rd .,1de erica
p u a ~ lC17/•.c1' c a c.n . C on-,o no~ lc m bn Slu
do n :.h ~m p, n ~o ~ l~ fl ()'b •<1\ ,
,ni:n um ,n,.ind o no <; th ( .1 .l di n1 in~u;a o do~ valo res,
· J ~ ., fl"" m ~, :. ;i,Í "° ' \-:
cm '-luc '-C 1 C\t ni rr• de d ')f c..-: ,e de :•W"'..1.l o ri1 .un'' na
·-·.-,r{ri du-io~ d, ~ c-u,; tund rncdid.l
cn i.t ~ C'" i d o ()c ,d cn 1c, 1r nc nt n~ ( )~ \....tlo rc s ju
·me· 1-do;.. ~G\1idc '1 "' d.tico-
pe rd em ~\ )~ rr{'lh,n<'1 ~1 r· 1.nccn-\ ,1. dc m o~ l\ Ki~t
1d :i,l-: c u: ia d p, ca lc in liber~Ü,
N ,~ t r,>d: c. 1'% f . :p O ~l';n s ti m d. ir nc nt o~ (S lup;a,2 0\
. oi (q u, -.~cm 7~
s-c tc•-rJ1J m su h~t 'l~U cn tc , cl ts nã o dc~.tp~,r eccm, mas
!1\ a ~ ir :r . •"'~•ç · • t·n cn tc
in s; tf\ un c-:rn1'3~i-, :i'<lOb., corru.:n,; ta<los ~L1.Jn
a.tm .•dm 1 1cntados,
p an 1 111t E "~e-.; cfct to:
n u h o v:J~ca de. >:- 1-. .i!
. -,:
. o . :tp:o :un<l-:inclo in
-; dcg r~~cbm ainda
( 'l .J In.U..3 :,. t" d tv ü ..w cl rn cc uc o niilism
e :?-c"\ h Sts _I e n o~ o das
l l oje em d!:. h .. tw io
cn n~ h Jc., ~c tc oõ m
,o üd i:1no ru itH H '\H'l\ en o por to da pa rt e.
c n c tlt L.1~ :nJ J u, Ele é
etlOlc rc ül - ge:;t flo d va lo re s pa ra o ga nh o político e
e H\ .if L .h - e nct fal
in ,m in 1c nc1liz~ç:ío. l:, ta geral d e ofe nsa di an
tu c~ u 1n:-1n1.fe~t o em te dessa
C on e qu~ finge un , um a m aioria da Su prem a
-o rigin:th~rno n en qu
forçada a Con~riruiç~t an to inte rp reta de man
o p;1r.1 pen ni ri r rudo, eira
de pesso~\ pa ra co rpor desde a to rt ur a at é a cond
aç õe~. -~ E st J claro, em ição
an1eri c1 nos, realizado um le va nt am en to do s
em ou tu br o de 20 11 eleitor~s
t:u de : en1 20 11 , du ra e re pe ti do ci nc o anos m
nt e a presid ên ci a de O ais
ba m a,
do s pr ot es ta nt es br an
co s ev an gé licos ac re
ap en as tr in ta por
di ta vam que um func
cen:º
pú bl ic o el ei to qu e co m ionário
et e um at o im or al em
co m po rt ar de fo rm a su a vida pessoal po de
ét ica em su a vt da pú bl aiD<la se
ic a ou pr of is si on al; esse
número
21 . H an s Sl ug a ch
am ou m in ha at en çã T ,, urn estudo
ap re se nt ad o no sim pó o pa ra isso em se u
sio de Te or ia Cr ítica "D on al d r~ ~p 'a
em U C Be rkeley, a re sp eit rirnavera
de 2017 . Esse es tu do o da eleiçabo, n .Plisrno.
faz pa rte de um a ob ra
ais am pl a dele em an d
22 . Vcr Jackson (2008
), An ti·- Consttt • a!mtsm
.•ucwn • , d. - arq uiv
nt o
am e ' so D re n11
art arn en to
de Ciência Po lí6 ca da um a 1ssertaçao _ ad a no ep . d
U C Berkeley, em de ze . . d se
t çao reVIsa a rá publica ª
cm 20 19 co rn o L aw m br o de 2012. A diss
wi th ou t fu tu re . er ª
p

MARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 37

havia subido para setenta e dois por cento em outubro de 2016, quando
Trump era candidato. De forma semelhante, em 2011, sessenta e quatro
por cento dos evangélicos brancos consideravam ser muito importante
para um candidato presidencial possuir uma crença religiosa forte, número
que caiu para quarenta e nove por cento durante a campanha de Trump
(Blow, 2017, p. A21). Tais mudanças foram certamente efeito menos de
uma profunda reflexão ética e mais de uma mudança nas marés da política.
Assim funciona o niilismo - não a morte de valores, mas eles se tornando
multiformes, juntamente com sua disponibilidade para projetos de gestão
de marcas e para acobertamento de propósitos que manifestamente não
são compatíveis com eles.
Além dos valores, tanto a verdade quanto a razão perdem suas amarras
em uma era niilista (Nietzsche, 1968, p. 10). A verdade, ainda suspensa,
cessa de precisar de provas, ou até mesmo de um raciocínio; as acusações
constantes de ''fake news" são eficazes e populações altamente setorizadas
recebem relatos de eventos dirigidos às suas convicções estabelecidas.
Contudo, as próprias convicções estão cada vez mais desligadas da fé e
imunes a argumentação; elas disfarçam mal sua emanação do ressentimento,
do impulso ou ultraje. Exemplificado pelos tabloides ingleses agitando seu
apoio ao Brexit, a mais notória expressão de niilismo a esse respeito é a clara
indiferença de Trump para com a verdade, a consistência, ou convicções
políticas e morais afirmativas (diferentemente de convicções baseadas no
ressentimento). Qye os apoiadores de Trump e a maior parte da mídia de
direita compartilhem em grande parte essa indiferença enfatiza o caráter
niilista da época.
Para Sluga (2017, p. 16), o trum pismo personifica outra característica do
niilismo, tal como descrito por Nietzsche, uma característica crucial para as
qualidades antissociais da liberdade em nossos dias. Essa é a dessublimação
da vontade de potência. Tanto Freud quanto Nietzsche entendem os
valores e o mundo compatível com eles como sublimações daquilo que
Freud chamou de instintos ou pulsões, e que Nietzsche chamou de vontade
de potência. Ambos entenderam o animal humano indomado como sendo
mais livre e de algumas formas mais feliz na ausência de tal sublimação, mas
também como correndo o risco de autodestruição e destruição por outros.
Acima de tudo, ambos entenderam a própria civilização como sendo um
produto da sublimação. Com a desvalorização dos valores do niilismo,
existe, como argumenta Sluga (2017, p. 17), "um recuo e um colapso da
-
38 NEO LIB ERA LISM O, FEM INIS MO
S E CON TRA CON D .
u fi\s

von tad e de pot ênc ia na sua pró pri a for


ma ele me nta r... [A] té mesmo a
religião e O apelo aos valores religiosos
se tor nar am os instrumentos
cínicos par a o uso sem restrições do pod er"
. Há ma is em jog o nesse colapso
do que o exercício do pod er sem o frei
o da étic a ou da humildade. Ao
invés disso, escreve Slu ga (20 17, p. 17)
, "o que cai à bei ra do caminho
nessa von tad e de pot ênc ia sem restrições
é qua lqu er preocupação com os
out ros ... em especial o pac to ent re as ger
açõ es no qua l nossa ordem social
tem se apo iad o até agora". Slu ga nos aju
da a com pre end er um aspecto da
libe rda de de dir eita desvinculada da con
sci ênc ia, não ape nas porque em
seus con tor nos se enc ont ram o ego ísm o
neo libe ral e as críticas do social,
mas por causa da pró pri a depressão rad
ica l da con sci ênc ia do niilismo. 23
Co mb ina da com o me nos pre zo e a des con
sid era ção do social, a liberdade
se tran sfo rma em se fazer ou diz er o que
se que r sem a consideração de
seus efeitos, libe rda de de gen uin am ent e
não se imp ort ar com os apuros,
as vul ner abi lida des ou des tino s dos out
ros hum ano s, out ras espécies, ou
o pla net a. É a liberdade, com o coloca
Nie tzs che , de "de stru ir a vontade
de alguém" pelo me ro pra zer de fazê-lo
. E qua ndo essa von tad e é ferida
e ran cor osa pela castração social ou hum
ilha ção , ela é, na formulação de
Eli zab eth An ker ([s.d.]), um a "lib erd ade
repulsiva". Ao me sm o tempo,
ent reta nto , Nie tzs che nos lem bra ria da
"qu alid ade festiva" dessa liberdade
- del icia ndo -se nos prazeres da provoc
ação e do apedrejamento, de
hum ilh ar os out ros ou de fazê-los sof
rer ("como se sofreu"), de dançar
jun to às fogueiras do que se est á que ima
ndo (Ni etz sch e, 198 9, p. 6 7). Essa
alegria estava ma nif est a em alguns par
tidá rio s do Brexit, está em toda
par te nos blogs de dir eita e no trolling, e
pod e ser dis cer nid a no deleite em
fazer os liberais sofrerem qua ndo são der
rot ado s por decisões e políticas
que libe ram o pod er bru tal do capital, de
com bus tíve is fósseis, o direito de
por tar arm as e mais.
Co ntu do, os festivais de libe rda de no inc ênd
io da civilização ou o futu.ro
do pla net a não são a pior parte. An tes , nes
sa crise ple na de consequên~i.as,
a libe rda de aba ndo na tod a a afin ida de
com a aut ode term ina ção polittca
enc ont rad a em Rousseau,Tocqueville ou Ma
rx; ela se distancia do imperativo

23 · Ar gum ente i. em
.
mo expr es s,t o 1111·· 11·~m
outr o luga r que o próp rio neol iber nlis . o e1n seu
ah an dono exp l' · d · • cia
· e dd1•bera çao r·i
icito a cons cien - hum anas com
·m d'ivi·d 1 o <) me1·0 ei e. or <lena r a· 1,:on. du .,·
ua e a vida cole tiva e com o a base
de valo res e valor. Ver B row n, 201 5' ç1[11 tLdo '·
Acresce11ta, ria
· que o neo t·\ • ,.;t·tg
, H>
·
i }era1·ism o nao
- po dena· se esrn. b·t·
1 1 zar at é• qttt cos.,
e ' "C ·•l···1n 1 ·m lO unt ~- • ·
avançado do nu"t•ismo ,.. --· ,.
, mas que tam bcm ' ·mot· a o nu"l'ismo
em sua l:•ap'1t··tl·,,, 1 ·ão do
' ,.,.t
, y• va lüc.
1

MARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 39

categórico de Kant; ela solta as amarras do cultivo da individualidade e


avanço da civilização de Mill; deixa para trás até mesmo a conexão da
liberdade com o cálculo de maximização da utilidade de Bentham. Em
vez disso, a desintegração niilista dos valores éticos, combinada com o
ataque do neoliberalismo ao social e a liberação da direita e do poder do
pessoal gera uma liberdade que é furiosa, apaixonada e destrutiva - sendo
o sintoma de uma destituição ética mesmo se algumas vezes porte os trajes
da retidão conservadora. Essa liberdade é expressa de forma paradoxal
como niilismo e contra o niilismo, atacando e destruindo enquanto culpa
os seus objetos de ridículo pela ruína dos valores e da ordem tradicional. É
a liberdade desenfreada e sem cultivo, a liberdade de enfiar uma vareta no
olho das normas aceitas, liberdade de não se importar com o futuro, alegre
em suas provocações e animada por reações vingativas e aflitas contra os
que consideram responsáveis por seu sofrimento ou deslocamen to. É a
liberdade de "eu quero porque eu posso, e eu posso porque não sou nada,
não acredito em nada, e o mundo se tornou nada". 24 Essa é a liberdade
que resta do niilismo, obra de séculos e personificada na própria razão
neoliberal, que não postula valor algum à parte daquele gerado pelo preço
e pelos mercados especulativos.

DESSUBLI MAÇÃO REPRESSI VA E A DEPRESSÃ O DA CONSCIÊN CIA

Menos de um século depois de Nietzsche, Herbert Marcuse considerou


a dessublimação de outro ângulo, para teorizar a liberação não liberatória
de energias pulsionais no capitalismo do pós-guerra . Aquilo que Marcuse
famosamente denominou "dessublimação repressiva" ocorre dentro de uma
ordem ·de dominação capitalista, de exploração e "falsas necessidades'', na
medida em que a tecnologia reduz as demandas da necessidade e o desejo
é em toda parte incorporad o a uma cultura de mercadoria s desfrutada s por
uma classe média crescente. 25 Essa ordem apresenta uma abundânci a de

24. Existem inúmeras variações do relato dessa eleitora de Trump sobre seu apoio a ele: "Não
parece que faz qualquer diferença qual partido entra. Seja o que for que digam que vão fazer
quando chegarem lá, eles não podem fazer realmente ... Eu só quero que ele perturbe ao máximo
todo mundo, e ele fez isso" (Rosenfeld, 2017).
25. E, precisamos acrescentar, quando a proletarização se desloca para o Sul Global,
beneficiando as populações do Norte com mercadorias baratas e abundantes, indo de comida e
vestuário até carros e produtos eletrônicos.
N E O L IB E R A F E M IN IS M O
40 L IS M O , S E co N T R A
CON D U T As

zeres incluindo . ..-v'lente re d u


Pra , aqueles obti. do pela d rasticau.L z id a restrição à
. da de (t rabalho menos , duo necessi s ·t a ..- v
sexuali 'lenos sublimaç
emancipação. A a r ,. , 1. u ão), mas não
. d .
a s energias as P u ls o e s ao inve , s d e s e re m dºiretamente
opostas pelos m
andados da so.ciedade e 'da eco n o m ia n e c e s s it a n d o
forma de u m a dessa
repressa,. ,o e subhmaço,. ,es pesa da s são a p ro '
p ri a d a s p e la e
a produção e o ' pa
·
marketing cap it a li sta o n n c ip io o P r a z e r e o P . , ra
P . , . d .
da Realidade e ' nncipio
scapam d f go antagoniS. 1..-v'lo (M a rc u s e , 1
O prazer, ao in . , d e seuu an i fi .u 964, P· 7 6).
ves e ser m desa o revo oso ao tr a b a lh o e n lt
fa d o
e à exploração
do trab alh0 , s e to rn a u m a ie .e m e n ta d o c a p . a1 n h o
submissão.26 L rr a it e gera
onge de ser p e • oso ou oposic . . •ista n ã o
na estética ou n ng ion , m a is segregad
• t , ic
a fantasia u 0 P a O prazer se to r n a p a r te d o m a . o
Tudo isso e, f T ' , . q u in á ri o .
a m i iar. A p ro x im a d d e
desenvolvimen mu ança M a r c u s e no
to das implica . ã o re ressiva co
orta uma rela ,. , ções da dessu n
p d
ç •
ao mais ire dº t
a o m o n o s s
b
o
h m a ç b l map D e a :o r d tudo,
Marcuse a ess blº -o n, C p ro e · o com
, term~ de Heu imaça ..,ao liberatória facilita a " c o n • A
-
.e r "
O gel para resolve s c ie n c ia ie

iz 'q u e
e . • r o conflito e n tr
sociais po r me·io do alinhamento e o desejo e as
n e c e s s i· d~ des
Marcuse faz uso da n o s s a c o n s
de Freud e de c iê n c ia c o m
Hegel: nas cu M a r x p a ra radic o regime.
lturas comuns alizar a f o r m 1 - d
"consciência infe d e do1::in~ção, a u açao e
liz" é o efeito d rg u m e n t~ Ma
dos anseios "m a consciencia - rcuse,_ a
aus", tanto no a condenaçao
76). É assim qu eu quanto n a-s superego1ca
e a consciência ociedade (M a
do superego pa é s im u lt a n e a m rc u s e , 1964, P
ra o controle in e n te u m e le m e n ·
a respeito da so terno e u m a fo to n o arsenal
ciedade. N a m n te d o ju lg a m
oferece uma su edida e m que e n to moral
spensão dessa a d e s s u b li m a ç
feliz" (um eu m censura rí g id a ã o repressiva
enos dividido e d á ocasião à "c
reprimido), a c se to rn a u m e onsciência
onsciência é a u menos cons
primeira v ít im c ie n c io s a m e n
a consciência se a . D e te
descontrai não m a n e ir a im p o
sujeito, mas ta apenas e m rela rt a n te ,
mbém em rela ção à p r ó p r ia
mais notados co ção aos erros c o n d u ta do
mo tais. E m ou e males socia
tras palavras, m is .. . que não
conduz a u m s e n o s repressão são
uperego menos n e s s e c o n te x to
que em uma so exigente, signif
ciedade não em icando m e n o s
preocupação é ancipada, indiv consciência, o
tica e política idualista, q u e r
perda de consc para todos. N d iz e r m e n o s
iência devido a a s palavras d
liberdades sati e M a rc u s e , "a
sfatórias c o n c
e d id a s p o r u m
26 · "Pn· d a
va O das re1v
· ·m d'icaç -
prazer, ajustado oes que sa- o ·ir
assim, gera sub reconciliáveis
missão" (Marcu co m a so ci ed
se, 1964, p. 7 6 ad e es ta b el ec
). id a .. . o
1
l\1ARGARETH RAGO • MAURICIO PELEGRINI (ORGS.) 41

sociedade não livre produz uma consciência feliz que facilita a aceitação das
más ações dessa sociedade. [Essa perda de consciência] é o símbolo de uma
autonomia e compreensão erri declínio" (Marcuse, 1964, p. 76).
Qye tal dessublimação diminui a força da consciência faz sentido
intuitivamente, mas por que Marcuse associa isso à autonomia e compreensão
intelectual em declínio do sujeito? Aqui sua ·questão complexa difere
do argumento de Freud em Psicologia das massas e análise do eu, de que a
cons~iência é reduzida quando o sujeito efetivamente a transfere para um líder
idealizado ou uma autoridade. Para Marcuse, a autonomia declina quando
declina a compreensão (isto é o seu lado cognitivista, senão o racionalista)
e a compreensão declina quando não mais é necessária para a sobrevivência
e quando o sujeito não emancipado é embebido de prazeres e estímulos
dos bens de consumo capitalistas. Colocado de forma inversa, a repressão
das pulsões exige trabalho, incluindo o trabalho do intelecto. 27 Portanto, na
medida em que a dessublimação do capitalismo tardio relaxa suas exigências
contra as pulsões, mas não liberta o sujeito para se autodirigir, as exigências de
intelecção são relaxadas de forma substancial. 28 Livre, estúpido, manipulável,
absorvido, mas não viciado por estímulos e gratificações triviais, o sujeito
da dessublimação repressiva na sociedade capitalista avançada não somente
é livre em termos da libido, liberado para desfrutar de mais prazer, mas
liberado de expectativas mais gerais da consciência social e da compreensão
social. Tal liberação é amplificada pelo ataque neoliberal ao social e pela
depressão da consciência promovida pelo niilismo.
Marcuse argumenta que a dessublimação repressiva constitui "parte
integrante da sociedade na qual ocorre, porém de forma alguma sua
negação" (Marcuse, 1964, p. 77). Possui a aparência de liberdade, enquanto
suporta o status quo e se submete a ele. Suas expressões, diz Marcuse,
podem ser suficientemente audazes ou vulgares para ter até mesmo a
aparência de dissidência ou de rebeldia - pode ser "desenfreada e obscena,
viril e de bom gosto, e bem imoral" (Marcuse, 1964, p.77). Contudo, esse
atrevimento e desinibição (repetindo, manifestos nos tweets, blogs, no

27 • Mesmo dizer um forte "não" a eles ou sublima·r suas energias em formas socialmente
aceitas é apoiado e organizado pela moralidade e teologia sociais dominantes, e ocorre a níveis,
em grande medida, inconscientes.
28 - Marcuse descreve uma "atrofia dos órgãos mentais para compreender contradições
e alternativas" e faz uma afirmação famosa: "O real é racional... e o sistema estabelecido
corresponde às expectativas" (Marcuse, 1964, p. 79).
7
42 NEOLIBERALISMO, FEMINISMOS E CONTRACONDUTAS

trolling e nas performances da extrema-direita) são sintomas ou iterações,


mais do que algo que contrarie a violência e os preconceitos, bem como
seus valores comuns (Marcuse, 1964, p. 79). Do ponto de vista de Marcuse,
a dessublimação repressiva coloca como gêmeos "a liberdade e a opressão",
a transgressão e a submissão, de uma forma evidente, tal como é aparente
nas expressões de patriotismo e nacionalismo desenfreadas, ferozes e
mesmo ilegais que irrompem com frequência da extrema-direita hoje em
dia (Marcuse, 1964, p. 78).
A dessublimação repressiva libera também novos níveis, e talvez
até novas farmas de violência, por meio da abertura da torneira daquele
outro poço das pulsões humanas, Thanatos. A dessublimação de Eros
é compatível, argumenta Marcuse, "com o crescimento de formas não
sublimadas, bem como das formas sublimadas, da agressividade" (Marcuse,
1964, p. 78). 29 Por quê? Por que a dessublimação repressiva não libera o
Eros para a liberdade tout court, mas envolve, ao invés, a compressão ou
concentração da energia erótica no local da sexualidade - isso é parte
do que a torna uma dessublimação "controlada" ou "repressivà'. O Eros
dessublimado pode, portanto colocar em movimento, misturar-se com a
agressão e mesmo intensificá-la. Dessa forma Marcuse explica a crescente
. _ e aquiescência
acomodação . .à , violência política e social - "um grau d e
norm al1zaçao onde ... os 1nd1v1duos estão se acostumando · d
, · dº 1 - . ao nsco e sua
propna isso uçao e desintegração" (Marcuse 1964 P 78) A .r: ... •
d , · M ' , · • re1erencia
o propno arcuse era ao aumento de estoques d 1
d G F· d . e armas nuc eares
a uerra na o meio do século XX , f: ·1
acomodação à mudança climática ue d mas e ac1 mente adaptável à
ameaças existenciais Mai • q po e acabar com o mundo e outras
. s importante para nossos , .
é sugestivo para compreender ºd d . propos1tos, seu insight
. d - a quant1 a e e tntensid d d
Jorra a direita, es1.2ecialmente d -. - . ---- U a agressão que
,. d . ... - a extrema-direita em . , fi
fi_renet1ca a liberdade individ~ -- , ª
_meto a suª rm~ r;j /'
. Finalmente, há o relat~ de
intensificação do n11··1·ismo teorizad.... ~-- -- N· 4
4 uv na - -- - ....

da revolução neoliberal M o por tetzsche. Escrevendo bem antes


, arcuse argu
tanto o Princípio da Re l' d d menta que o mercado se tornou
a 1 a e e a verdade moral:
29. M~rcuse aqui se separa de Freud .
a agressao como sendo enfi . 'que teria, ao menos e , .
Para Marcuse no ent raquec1da por uma abe t m seus ult1mos anos, compreendido
" , anto a de br ' r ura ma·
compressão" ou concentra~- d ssu lll~ação repressiva e 1 10r p_ara as energias da libido.
ao e energia erótica. nvo ve aquilo que ele chama de urna
l\,1ARGARETH RAGO • MAURICI O PELEGRI NI (ORGS.) 43

As pessoas são levadas a encontr ar no aparato produtiv o (o mercado ) o agen~e


eficaz do pensam ento e da ação ao qual seu pensam ento e ação pessoais
devem capitular. .. [N]essa transfer ência, o aparato assume também o papel
de agente moral. A consciên cia é absolvida pela reifi.cação, pela necessid ade
geral das coisas. Nessa necessidade geral, a culpa não tem lugar (Marcu se,
1964, p. 79).

Já esvaziada pela dessublimação que produz a consciência feliz, os fracos


restos da consciência são tomados pela razão do mercad o e as necessi dades
do mercado. O real é tanto o racional como o moral. Simult aneam ente
princípio da realidade, imperativo e ordem moral, o capital ismo se torna
necessidade, autoridade e verdade numa só coisa; permea ndo todas as
esferas e imune às críticas, a despeito de suas devastações, incoerê ncias e
instabilidades. Não há alternativa.

CONCL USÃO

Juntemos esses fios em uma compreensão prelim inar da liberdade


auJoritária antidemocrátic a e antissocial que está toman do forma em
nossa épo.Çp.. Começ amos com o ataque da razão neolibe ral ao social e ao
político. O neolibe ralismo ataca o social como uma ficção, através da qual
a igualdade é buscada à custa da ordem espont ânea gerada pelos mercad os
-f e pela moral. Ataca o político como uma pretens ão ao conhec imento
e como fazendo uso da coerção onde, de fato, prevalece a ignorâ ncia e
deveria reinar a liberdade. Um estado despol itizado e antirre gulatór io,
e que fornece também o apoio para uma esfera do pessoal aumen tada,
é apresentado como o antídot o a esses perigos. O efeito _~es~e antído to
é, todavia , desdem ocratiz ar a cultura política e desacre ditar as norma s
e práticas da inclusão, do pluralismo, da tolerân cia e da igualda de para
todo o grupo. A defesa dessas normas e prática s é pintad a pela razão
neoliberal como um esforço desatin ado que rejeita a liberda de, substit ui a
moral por manda dos políticos e recruta a engenh aria social que constró i o
totalitarismo. Daí o rótulo dos "guerreiros da justiça social" como "fascistas"
pela extrem a-direi ta.
Além do mais, como a expansão dos mercad os e da moral desloca
os discursos da sociedade e da democracia, a nação mesma vem a ser
representada como possuída, ao invés de constit uída pela cidada nia
NEOLIBERALISMO, FEMINISMOS E CONTRACONDUTAs
44

democrática. Essa posse apresenta uma dupla face - aquela de um negócio


com O único objetivo de fazer transações astutas e evitar traições, e a face
de um lar necessitando de proteção em um mundo perigoso. Juntas elas
legitimam O não liberalismo externo e interno, o nacionalismo nativista
e mesmo O autoritarismo. A liberdade se torna uma arma contra os
necessitados ou contra os excluídos historicamente e solicita, de maneira
paradoxal,o crescimento do poder do Estado na forma de um protecionismo
paternal, tanto econômico quanto securitário.
Muito disso é a cria não intencional, mais que intencional, dos
intelectuais neoliberais, que sonharam com nações consistindo de
indivíduos livres levemente limitados pelo Estado de direito, guiados
pela moral e pelas regras de conduta do mercado, e disciplinados pela
competição. Mas exatamente da mesma forma que o defeito fatal do
marxismo foi sua negligência das duradouras complexidades do poder
. político (descartado por Marx como derivativo ou superestrutura!) 0
sonh~ ?~oliber~ o inverteu em seu próprio pesadelo - a cultura polí;ica
autontana apoiada pelas massas raivosas e promotoras de mitos. Como
~conteceu com o marxismo, isto é em parte por que os neoliberais
ig~o~ar~m _os poderes e energias historicamente específicos no reino cuja
exis~encia e negada, o social. Isto se deve em parte às suas inade uadas
ieonas do poder político e especialmente do poder estatal que to~ariam
t~~~~:~:~:::~; ~:!:e:i1:t~::áticos de~mantelados n~ Est~do, e pela
devido, em parte ao fira d corp?raçoes e das finanças. E também
, casso os neohb ·
paixões políticas destrutivas .d , e:ais em compreender como as
. anti emocraticas e · • •
a1imentadas pelos própr· . , . antissociais puderam ser
. . ios pnncipios do l'b a1·
ser restringidas por um neo i er ismo, e não puderam
.. . a estrutura moral d .
nu1ismo. ca ª vez mais fragilizada pelo
?e Nietzsche nós tiramos .
da hberd d , uma apreciação de
ª e e modulada pela h 'lh ~ como essa nova iteração
complexos d ··1· umi açao pel
d . ~ nu ismo. Prejudicada ' o rancor e pelos efeitos
c:;eohberahsmo e da globalizaçã/elos_ deslocamentos socioeconômicos
sua vontade de " . 'a criatura reativa d ...
desimped' d d potencia dessubl' d e uma era nuhsta,
i as e pr ima a é · · d
energias ni"il' . eocupações com a . d' incita a para agressões
istas inten ·fi socie ade
feroz do neol'b 1· si cam o espírito d d . ou com o futuro. As
1 era ismo e esin tegr ~ •
permitem os sent· ao contrato so 'al açao social no ataque
imentos d . ci , enqu
' eseJos e pr . anto essas energias
econceitos
que emanam da perda de
1
MARGA RETH RAGO • MAURIC IO PELEGR INI (ORGS .) 45

raízes e do deslocamento dos direitos tradicionais de raça e gênero. "Faça


a América Grand e Novam ente" e "A França para os Franceses" mal se dão
ao trabalho de se codificarem como qualquer coisa mais do que os último s
suspiros da supremacia branca masculinista. Uma briga de valores em uma
era niilista, todavia, não segue valores filosóficos ou teológicos rigorosos.
O relato de Marcu se da l dessublimação repressivâJ no "capit alismo
avançado" acrescenta outro aspecto à formação. Difere nte do sujeito
conservador, orient ado pela autoridade, guiado pela consciência,
intima mente ligado à retidão da igreja e do Estado , o sujeito reacio nário
da dessublimação repressiva é em grande parte indife rente à ética ou à
justiça. Maleável e manipulável, esvaziado de autono mia, de autoli mitaçã o
moral e de compreensão social, o sujeito é alguém que lida com prazer es,
agressivo e afeiçoado de manei ra perversa à destru ição e domin ação de
seu ambiente. Radic almen te desinibido, mas sem intelecção ou uma
orien_tg_Ç_ã_o_m oral para si mesm a e para caro os outros , a experi ência que
tem do rompi mento de laços sociais e obrigações sentid os subjet ivame nte,
e rompi dos ou esvaziados, é afirmada pela própri a cultur a neolib eral. Sua
desinibição recebe dessa cultur a os contor nos de uma agressão, por seus
ferimentos e suas fontes imaginárias, e pela dessub limaçã o incita da ou
convidada pelo niilismo.
Conte mplem essa criatur a injuria da, reativa, molda da pela razão
neoliberal e por seus efeitos, que aceita a liberd ade sem o contra to social,
a autori dade sem a legitim idade democ rática e a vingan ça sem valore s
ou futuro. Distan te do ser calculista, empre ended or, moral e discip linado
imaginado por Hayek e seus parent es intelec tuais, esse é irado, amora l,
movido por uma humil hação não reconh ecida e pela sede de vingan ça.
A intens idade dessa energi a é treme nda por si só, e també m facilm ente
explorada pelos plutoc ratas, por polític os de direita e pelos barões dos
tabloides, excita ndo-a e a mante ndo idiota. Ela não tem necess idade de
que se dirijam a ela por uma polític a que produ za sua melho ria concre ta,
porque ela busca princi palme nte uma pomad a psíqui ca para seus
ferimentos. Por esse mesm o motiv o ela não pode ser facilm ente pacific ada
- ela é alimen tada princi palme nte pelo rancor e pelo desesp ero niilist a
não reconh ecido. Não é possível apelar a ela pela razão, pelos fatos ou
por um argum ento susten tado, porqu e ela não quer saber e não tem uma
motivação pela consis tência ou profun didad e de seus valores ou pela crença
na verdade. Sua consci ência é fraca, ao passo que seu própri o sentim ento

46 NEOLIBERALISMO, FEMINISMOS E CONT RACO
NDDl 'A.s

de vitimização e perseguição são altos. Ela não pod e ser


cortejada por urn
futuro alternativo viável, no qual ela não enxerga um luga
r para si mesma
e nenhuma perspectiva de restaurar sua supremacia perd
ida. A liberdade
que defende ganhou crédito quando as necessidades, imp
ulsos e valores
do privado se tornaram formas legítimas da vida púb lica
e da expressão
pública. Não tendo nada a perder, seu ~iilismo não simp
lesm ente nega,
mas é festivo e mesmo apocalíptico, disposto a levar a Ingl
ater ra por sobre
o penhasco, negar a mudança climática, apoiar potê ncia s
manifestamente
não democráticas, ou colocar um estúpido no cargo mais pod
eros o da Terra,
porque não tem mais nada. Ela provavelmente não pod e
ser alcançada ou
transformada e, entretanto, também não possui uma estr atég
ia para o final
do jogo. Mas o que fazer com ela? E será que não prec isar
íam os também
examinar os modos pelos quais essas lógicas e energias orga
niza m aspectos
das reações da esquerda às dificuldades contemporâneas?

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Tradução: Ricardo Lopes.


Revisão técnica: Margareth Rago e Aldo Ambrózio .

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