Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/269810035
O Galego e a Lusofonia
CITATION READS
1 276
1 author:
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by Xavier Frias Conde on 21 December 2014.
Introdução
Qual a relação entre o galego e a Lusofonia? Desde há décadas, do lado
galego não há uma resposta única. Por um lado, desde o ponto de vista político,
o galego é uma língua diferente do português, com uma norma diferente (de
facto, uma fraca adaptação do sistema espanhol para o galego), oficializada em
1982 através das Normas ortográficas e morfolóxicas do idioma galego, elaboradas
pelo Instituto da Língua Galega (ILG) e aprovadas pela Real Academia Galega
(RAG). Por outro lado, existem grupos, provavelmente com uma presença cada
vez maior na sociedade galega, que defendem que a unidade linguística entre
galego e português não está quebrada. Porém, não se pode falar de dois blocos
enfrentados, mas de tendências misturadas, que passam por duas soluções
principais: uma é o uso de uma grafia de base espanhola para o galego, outra
é a adaptação da ortografia portuguesa para a escrita do galego. No primeiro
grupo há pessoas que defendem a total independência do idioma (oficialistas),
a pertença do galego à Lusofonia apesar da grafia (possibilistas), enquanto no
segundo bloco há pessoas que defendem a autonomia do galego frente ao
português (reintegracionistas), frente a outros que promulgam o uso do português
padrão europeu diretamente (lusistas).
E qual a visão que se tem desde Portugal do galego? Desde os tempos de Leite
de Vasconcelos, quando afirmava que o galego e o português são co-dialetos, qual
a situação atual? Todavia, a denominação de co-dialetos requer uma atualização;
essa é uma questão que abordaremos depois.
O que é o galego?
O galego é, segundo todos os manuais, a fala românica própria do noroeste
da Península Ibérica na Galiza e áreas vizinhas das províncias espanholas das
Astúrias, Leão e Samora. Oficialmente é uma língua independente com status
de co oficialidade na Galiza, algo que também é reconhecido pelo Estado
espanhol, o qual envolve que se trata de uma língua independente do português.
A realidade é que se trata de uma língua ameaçada, com evidente perigo de
extinção. O que a maioria das pessoas falam é um híbrido de espanhol e galego
conhecido como chapurreado. Além disso, a transmissão geracional do idioma
é muito baixa, apenas 10%. A maioria dos habitantes da Galiza falam espanhol
regional da Galiza. O governo galego eleito em 2009 não protege mais o galego,
o seu uso diminui ano após ano nos média, na administração e na escola.
Muitas pessoas não concordam com a visão isolacionista do galego, partem
de uma pergunta que a boa parte da povoação não interessa: que é o galego para
além da língua própria da Galiza? Há quem creia que a salvação do galego passa
por se reintegrar no português, na Lusofonia. Desta maneira a visão segundo
a qual a essência do galego tem duas respostas: uma é a oficial, já mencionada
anteriormente, e outra alternativa, que grosso modo é conhecida no seu conjunto
como reintegracionismo, pelo motivo que já foi mencionado: o galego deve
reintegrar se na Lusofonia.
A questão é capital porque existe uma ampla confusão terminológica sobre
o que é o galego. Embora seja plenamente aceite a ideia do galego português
como um diassistema, a sua natureza, pelo menos no concernente à Galiza, não
faz mais do que criar confusão.
348
P e l o s m a res d a l í n g u a p o rt u g u es a I
No entanto, não todas as pessoas que usam esta norma oficial concordam com
a visão isolacionista de o galego ser uma língua independente do português. Há
uma corrente que defende que o galego, embora utilize esta norma, é lusofonia.
Estão nessa primeira fase a que nos referíamos anteriormente de que não chegou
1 A origem deste grupo está na chamada norma de mínimos, surgida em 1980 da mão da Associação
Psicopedagõgica Galega. Tratava-se de uma norma de compromisso entre a norma oficial de 1982 e o
reintegracionismo. A Gramática Elemental del Idioma Gallego de Carvalho Calero (1966) já estava redigida
mais ou menos nesta norma, que utilizava elementos portugueses gráficos como <vr> em livro ou palavra e
seguia o português no uso de <v> frente ao espanhol: cavalo, falava (a norma oficial segue quasi literalmente
o espanhol, porém). Além disso, seguia as regras de acentuação do português, mas apenas com o acento
grave: insisténcia, carícia. Também separava o verbo do clítico com hífen: vian-se. Pelo resto, coincidia no
ortográfico com a norma oficial, embora houvesse outros pontos de coincidência com o português, como
os plurais do tipo túneis, tais, etc. Os oficialistas e os minimistas acabaram negociando a reforma da norma
e modificaram-na em 2003, incluindo algumas das suas demandas na norma oficial, mas foi uma questão
de imagem que, em teoria, achegava ligeiramente o padrão galego do português. Despois de 2003, nem
todos os defensores desta teoria abraçaram a norma oficial; alguns deles optaram pelo reitegracionismo.
2 Refere-se, por exemplo, aos casos em que há duas possibilidades. Quando a norma permita escolher entre
amable e amábel; ata ou até, escolhem sempre a segunda forma. Chegam mesmo a introduzir elementos de
que não fala a norma, como o uso do artigo determinado com os nomes próprios, ou bem desaconselha
certos elementos gramaticais ou léxicos normativos por os considerarem influência do espanhol.
3 Chega-se até o absurdo de preferir ordenador a computador; luns, martes, etc. a segunda, terça-feira, etc.; evitar
formas como predio, andar, calzas e muitas outras por evitar a coincidência com o português, embora tais
formas apareçam nos dicionários galegos. Esta escolha é conhecida como o galego amável, referido a que
um galego fortemente espanholizado é muito mais compreensível para os cidadãos galegos falantes de
espanhol. O critério nem só é aplicado pelo Governo autónomo, mas também por outras instituições e até
agências de tradução que pedem abertamente o afastamento do português, o qual parece uma manifestação
de lusofobia.
350
P e l o s m a res d a l í n g u a p o rt u g u es a I
também?”, em http://pivonauta.wordpress.com/2013/08/16/galego-na-galiza-e-portugues-tambem/
(consultado agosto, 2014)
352
P e l o s m a res d a l í n g u a p o rt u g u es a I
• falais, bebeis, partis por falam, bebem, partem (fenómeno comum com falares
portugueses transmontanos e beirãos)
• falei-che por falei-te
• falárom por falaram (porque falaram também se usa em galego, mas apenas
para o mais-que-perfeito)
• dixo, fizo/fezo, quijo/quiso por disse, fez, quis
• formas próprias galegas que podem ser também arcaísmos ou dialetalismos
portugueses, como ment(r)es por enquanto, aginha, e logo, etc.
Fiquemos, portanto, com que galego e português são codialetos, mas não o
mirandês, o rionorês e o guadramilês, que são falares asturo-leoneses. Porém, o
conceito de dialeto tem nos dias de hoje conotações muito negativas, portanto
também o de codialeto. Tentámos pôr em dia a terminologia, partindo do
conceito de diassistema que engloba o galego e o português para falar de
paraletos, um conceito diferente de geoleto, socioleto ou dialeto. O galego não
é mesmo um geoleto do português, como pode ser o minhoto, o trasmontano ou
algarvio, também não é um dialeto em qualquer uma das aceções que tem este
termo. Porém, se considerarmos que não é mesmo uma língua independente
do português, o conceito de paraleto vem refletir qual a relação entre galego e
português e que não tem equivalência na Europa, pois não é equivalente, por
exemplo, à relação que existe entre checo e eslovaco; se calhar, o caso mais
próximo seria o do catalão e o occitano, onde ambos falares podem ser paraletos.
Os paraletos mantêm uma unidade linguística, mas não usam necessaria‑
mente o mesmo padrão. Neste sentido falaríamos em parapadrão (Frias Conde,
2006, p. 54). Esta é uma diferença importante, porque o português tem um só
padrão, mas com duas normas principais: a europeia e a brasileira. Porém, tal
padrão sofre modificações importantes no caso galego, pelo qual preferimos
falar em parapadrão (e não subpadrão) permite que o galego mantenha, dentro
da lusofonia, uma autonomia de que carece qualquer variedade do português.
Portanto, dentro das hipóteses atuais de parapadrão galego reintegrado, a
denominação de português de Galiza, formulada ainda na segunda década do
século XXI, serve perfeitamente para situar o galego dentro da Lusofonia com
um parapadrão próprio. Convém insistir na importância do parapadrão, porque a
distância entre galego e português nem só no linguístico, mas também no social,
deve ser abordada desde o reconhecimento dessa distância, mas sem quebrar a
unidade linguística galego-portuguesa.
Tudo o anterior fica refletido no seguinte gráfico:
354
P e l o s m a res d a l í n g u a p o rt u g u es a I
Tudo o visto até agora sobre a evolução das normas do galego pode ser
resumido nos dois seguintes gráficos, que recolhem o período que se abre em
1975 e que chega até hoje. O primeiro descreve qual a evolução dos grupos
apresentados anteriormente.
Conclusões
Todas as normas presentes e passadas do galego olharam para o português,
já para se afastar dele ou bem pelo contrário. Porém, quando até os mais isola‑
cionistas reconhecem que o galego é uma língua útil para se comunicar com mais
de duzentos e cinquenta milhões de pessoas é evidente que não querem dizer que
o galego tenha tal número de falantes. Usam-se, aliás, circunlocuções como
que “saber galego é uma porta de entrada para fazer negócios no Brasil”. Esta
é a publicidade institucional, portanto, há um reconhecimento implícito da
continuidade do galego-português. Bem parece que a grande maioria das pessoas
que tem interesse na questão do galego reconhece que o galego tem que fazer
parte da Lusofonia, seja isto dito explicitamente ou simplesmente insinuado.
E à Lusofonia convém que o galego faça parte dela? A resposta tem que
vir da própria Lusofonia. Até agora há nomeadamente desconfiança, temor (a
uma eventual reação da Espanha se o galego fizesse parte de uma “instituição”
estrangeira) e desconhecimento. Porém, esperemos que as coisas mudem em breve.
A meu ver, há várias estratégias que se podem marcar para reforçar a ideia
de uma Lusofonia que inclua o galego. São estas:
Redefinir o conceito de “galego-português” em todos os âmbitos, nem só
académicos, mas também políticos, culturais e principalmente editoriais, atua‑
lizando a visão de uma língua do século XXI, não como algo medieval..
Valorizar a aceitação do galego como lusofonia com a ortografia oficial, algo
de que já temos falado, porque simplificaria muito as coisas.
356
P e l o s m a res d a l í n g u a p o rt u g u es a I
Referências bibliográficas
Associaçom Galega da Língua (1983): Estudo crítico das “Normas ortográficas e
morfolóxicas do idioma galego”. Santiago de Compostela : AGAL.
Carvalho Calero, R. (1966). Gramática elemental del gallego común. Galaxia:Vigo.
Frias Conde, X (2004). Su galitzianu, su catalanu e su sardu: comente arribare
a una standardizatzione. Modellos e tzircustàntzias. In Mensching G &
Grimaldi, L., Su sardu. Limba de Sardigna e limba de Europa. Cagliar:CUEC.
Frias Conde, X. (2006). A normalización lingüística na Romania. A normaliza‑
ción da lingua e normalización dos falantes (o caso dos neofalantes). Ianua, 6.
Disponível em http://ianua.romaniaminor.net/Ianua06/08.pdf (agosto 2014).
Frias Conde, X. (2012). Nos limites nordestinos do galego-português europeu:
o eonaviego. In Quem fala a minha língua, Santiago de Compostela:Através
Editora.
Instituto da Lingua Galega (1982): Normas ortográfias e morfolóxicas do idioma
galego. Santiago:Xunta de Galicia.
Vasconcelos, J. Leite de (1970). Esquisse d’une dialectologie portugaise. 2ª ed.
Lisboa: Centro de Estudos Filológicos.