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MURILLO NUNES DE AZEVEDO

O OUTRO LADO DA
COMUNICAÇÃO DE MASSAS
(A Reconstrução Humana)

EDITORA CULTRIX
São Paulo
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"Comunicação implica termos de compreender as palavras ao ser transmitida alguma
coisa. Ambos - o receptor e o emissor - temos de ser intensos no mesmo plano e ao mesmo
tempo. Capazes de nos encontrar mutuamente, nem um momento antes nem um
momento após. Do contrário não será possível a Comunicação."
J. KRISHNAMURTI

"Os erros do passado, bem como as ilusões e pre-conceitos, têm de ser destruídos.
Assim, nossa razão será pura e livre como uma criança. O próximo passo será a escolha das
experiências e fatos através da observação. Somente podemos saber a respeito da essência
das coisas à medida que estivermos aptos a observar a Natureza. O material empírico
descoberto por este método é elaborado indutivamente pela nossa razão. A finalidade é
explicar a Natureza."
SIR FRANCIS BACON

"Não podemos compreender sem distinguir o Real do Vivido. Porém, nunca se alcança
a Verdade a não ser através de uma síntese, que nos reconcilia e permite sentir o que a
inteligência compreende."
LÉVI-STRAUSS

Índice

1 - O Que é Comunicação 04
2 - O Processo de Comunicação 11
3 - O Fluxo das Informações 17
4 - Quem Sou? 22
5 - As Portas da Percepção 27
6 - O Espaço Acústico 36
7 - O Mundo Verbal 43
8 - No Mundo do Olfato 55
9 - As Barreiras 62
10 - O Despertar do Sono 71
11 - O Desabrochar do Ser 84
12 - A Arte de Viver: Criatividade 92

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O que é a Comunicação

COMUNICAÇÃO, como a própria palavra revela em sua constituição interna, é


tornar algo comum. Para isso é indispensável que não existam barreiras, nem tensões
prejudicando o contato. Temos de ser abertos, amplos, prontos para receber. Distendidos!
Imaginemos um cair de tarde no campo. Hora em que as coisas começam a se recolher
em si mesmas, como os pássaros aos ninhos. O silêncio é feito sobre o ruído das coisas
naturais. Do cantar dos grilos. Do piar dos pássaros apressados. Do vento que sopra. Da
chuva que, de repente, começa a cair no lago.
Gota... gota a gota... Nas águas, círculos concêntricos se formam. Propagações.
Choques. Entrelaçamentos. Novas figuras surgindo. Eterno vir a ser. Vai-vem contínuo de
ondas que se abraçam. Retorno. Uma gota sou Eu! Outra gota és Tu! Eu e Tu separados.
Vibrando... Eu e Tu unidos. Nós! Em mim estas. Em mim todas as coisas. A base comum.
Única! O solo áspero... A rocha viva. A raiz mãe de todas as raízes. Gota... Gota a gota...
Esta é a constituição de todas as coisas que "acontecem" no mundo. As coisas são
"acontecimentos". A criação é contínua. É como um rio onde todas as coisas estão
mergulhadas e se transformam. Essa visão criadora é aquela que os cientistas revelaram
concretizando o que filósofos e místicos prenunciavam. As coisas são concentrações de
energia no espaço e no tempo. Tem uma duração, uma "vida", que é função da sua própria
estrutura. A vida de uma estrela é uma eternidade medida em termos de uma vida
humana. O fato é que só existe a criação.
A criação é um vulcão onde todas as formas se dissolvem. Fogo líquido que a tudo
consome, tritura e devora. Boca e intestino cósmicos onde só o novo existe.
Nietzsche, no seu desequilíbrio de gênio, chegou à seguinte conclusão:
"É preciso ter um caos dentro de si para poder dar a luz a uma estrela".
Em comunicação é preciso se ter consciência desse turbilhão. Comunicação é,
portanto, uma perturbação nascida do turbilhão que sou, dirigida ao turbilhão que és. Ela é
sempre dinâmica, viva. Se não for contaminadora não é comunicação. É, quando muito, um
monólogo sem plateia. Ou um diálogo de surdos como a maioria das comunicações
humanas.

ANÁLISE DO ACONTECIEMENTO

O homem é um acontecimento como todas as outras coisas. A única característica que


o distingue é a autoconsciência que pensa ter... O que o destaca dos outros seres é a
capacidade de se comunicar. Ou seja, de transmitir estados psíquicos através de símbolos.
Isto, entretanto, não deve ser afirmado de maneira absoluta porque o estudo da psicologia
dos animais e suas formas de comunicação estão revelando, e ainda irão revelar, muitas
surpresas. Ser humilde é uma necessidade, pois nos leva a reconhecer a relativa e pouca
importância do fenômeno humano... Fato indiscutível é de que eu sou um acontecimento!
Um turbilhão. Renovo-me constantemente como a natureza da qual sou uma manifestação.
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Sou cíclico como o oceano. Essa renovação é constante. Sem cansaço, por ser natural. Em
mim existe um mar imenso como em todas as coisas. Ignoto. Abismo humano de
profundidade insondável onde vivem estranhas criaturas. Multiformes. Cintilantes seres das
profundezas com guelras arfantes. Inconscientes. Cegos à luz da superfície das coisas...
A primeira pergunta a propor aos que acreditam que o homem é incomunicável, aos
profetas dos mundos estanques, dos muros, das fossas sem ar, será: O homem é isolado? O
poeta John Donne já afirmava: - "Nenhum homem é uma ilha". Existe sempre, assim como
numa ilha, um território comum mais profundo abaixo do nível das águas. Um ponto de
encontro. Ninguém vive isolado. Simeão, o estilita, o homem que buscou o topo de uma
coluna para viver no meio do deserto, para fugir dos homens, ainda assim, não estava só. O
mundo chegava a ele graças a coluna que o sustentava, ao sol e ao ar que o envolviam.
Graças aos seus pensamentos, aos parcos alimentos com que mantinha a vida. Carregava
dentro de si o seu próprio mundo de busca, de anseio de superação e fusão com o Ser
Supremo. No fundo, o que fazia era fugir da realidade. Como a maioria de nós, projetada
em conceitos que nos leva a um mundo do "faz-de-conta". E é neste mundo irreal que
quase todas as comunicações têm lugar. Isso não significa que elas sejam irreais mas que,
quase sempre, não expressam a realidade das coisas.

A TRINDADE

Na análise do processo das comunicações, da verdadeira constelação de causas e


efeitos, que permite tornar comum alguma coisa, vemos três aspectos de uma mesma
realidade: EU-TU-LIGAÇÃO.
O EU é um acontecimento espaço-temporal. POSSUI uma forma, tem um nome e uma
história. É algo completamente distinto de tudo o que existe. Não há dois Eus iguais. Eu sou
único no mundo, da mesma forma que nunca existirão duas impressões digitais idênticas.
O TU é também o acontecimento espaço-temporal semelhante, mas nunca idêntico.
Outra forma, outro nome, outra história.
A LIGAÇÃO - entre eu e tu - é também um acontecimento espaço-temporal. Uma
perturbação que se propaga, que deixa um pouco da sua natureza transitória na natureza
dos outros, modificando um pouco a natureza do receptor. A ligação é, ao mesmo tempo,
uma atração ou repulsão. Quando é efetiva produz a ressonância do outro. Ou seja: produz
no outro um estado vibratório semelhante ao do emissor. Essa comunicação só é efetiva
quando a ressonância se dá ao mesmo tempo, com a mesma intensidade, no mesmo nível.
Após essas considerações, estamos preparados para iniciar uma marcha, uma nova
peregrinação pelos caminhos das comunicações. No portal, uma placa gravada com uma
frase de outro poeta visionário, William Blake: "Se por um momento se alargassem as
portas da percepção o homem se tornaria aquilo que sempre foi: infinito".

OS NÍVEIS DOS ACONTECIMENTOS

Vivemos num mundo onde as coisas são, como já vimos, acontecimentos espaço-
temporais. O mundo externo é constituído de três níveis, três degraus sucessivos.
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No primeiro, este acontecimento que sou tem relação com todos os outros que me
rodeiam, através dos sentidos. Aquilo que vemos, luzes, cores, formas, superfícies enfim,
tudo o que nos chega através das portas da percepção não é a coisa em si. São
deformações. Ecos. Uma maçã, por exemplo, é muito mais do que aquilo que percebemos.
Da mesma forma, uma caixa de fósforos seria a soma de todas as percepções que podemos
ter a respeito dela.
Os "acontecimentos" que percebemos são o resultado da reflexão dos sentidos. Existo
porque atuo e sou atuado pelos outros e pelo meio que me cerca. Aparentemente as coisas
ocorrem uma de cada vez. Na realidade, elas ocorrem simultaneamente.
Quando eu aconteço, tu aconteces. Acontecemos simultaneamente no aqui e no
agora.
O segundo nível do mundo encontra-se além das superfícies, noutra camada de
acontecimentos que pode ser sentida através de Raios X, microscópios eletrônicos ou
ópticos, luz polarizada... Sob a ação amplificadora desses instrumentos o mundo aparece
como uma estrutura resultante de várias outras secundárias. São forças em equilíbrio
instável que procuram o equilíbrio perdido. O equilíbrio eterno é um mito, pois todas as
coisas fluem. O microscópio nos abre uma visão de um mundo de beleza fora do comum. A
arte moderna em seus mais diversos campos de manifestação é, em certos aspectos, uma
pré-ciência do invisível.
O terceiro nível refere-se a um mundo de interação de forças elétricas e magnéticas
em movimento constante: um mundo fervilhante. A matéria aparentemente estática é o
resultado de moléculas compostas de átomos. O átomo é a congregação de partículas de
energia, isto é, de prótons, elétrons, pósitrons. Um mundo puro, novo. Em constante
criação. Mundo que chega até nós em pequenos traços feitos pelas partículas em chapas
fotográficas ultra-sensíveis, ou em ruídos ampliados bilhões de vezes. Ecos distantes.
Sombras que se movem nas paredes de uma caverna.
Cabe aqui a indagação: além desses três níveis, o que existe?
Além fronteiras abre-se um território novo, inexplorado, onde os horizontes se
esfumam: é o inominado, que os chineses chamam de Tao dizendo que no seu seio imenso
todas as coisas acontecem.
Para a perfeita comunicação é indispensável a humildade.
Ser humilde é ser aberto, receptivo. Os tensos não podem se comunicar
convenientemente, pois estão fechados em seu mundo pela sua própria tensão. Uma corda
de piano, para que possa se comunicar com perfeição, tem de estar afinada, ou seja, nem
frouxa, nem tensa demais. Só então será possível transmitir algo que nasce de si mesmo.
Façamos uso da imaginação para tentar transmitir uma ideia que permita uma visão
limitada deste território novo, além-fronteiras, onde a comunicação acontece. Imaginemo-
nos centro-emissor de luz. Essa generalização é possível pois já analisamos os
"acontecimentos" e vimos que há um processo de criação contínua nas concentrações de
energia espaço-temporais. Há constantes trocas entre elas. Podemos imaginar que o
espaço desaparece e o território existente entre as coisas passa a ser inundado da luz por
elas emitidas. A separação, puramente ilusória, nascida da limitação dos sentidos, é
transfigurada. As trevas desaparecem e passamos a viver num universo de luz infinita,
tendo consciência dessa luz. E compreendemos que, as trevas, a separação, só são trevas e
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separação, em virtude da deformação produzida pelo reduzido campo dos sentidos. Em
certos aspectos a comunicação desaparece e passa a haver em seu lugar a participação. A
participação mística com todas as coisas tantas vezes expressas pelos verdadeiros poetas e
místicos nas mais diferentes línguas do universo.

O PROCESSO COMUNICATIVO

Há uma tríade indispensável para que a comunicação se estabeleça: Emissor (fonte),


Receptor e o Meio;
O processo não é nem pode ser rígido. A comunicação se estabelece sempre entre
"acontecimentos" instáveis por sua própria natureza. Essa instabilidade, este fluir a que
todas as coisas estão sujeitas, foi apresentada há 2500 anos pelo Budismo e praticamente
na mesma época enunciada por Heráclito, na Grécia, ao afirmar que um homem não pode
entrar duas vezes no mesmo rio, pois, tanto ele como o rio estarão diferentes. Por isso o
processo da comunicação não pode ser rígido. Seus componentes agem uns sobre os
outros. David Berlo no livro O Processo de Comunicação afirma:
"Quando procuramos falar sobre um processo como a comunicação, por exemplo,
enfrentamos, pelo menos, dois problemas. Primeiro, temos de parar a dinâmica do
processo, tal como paramos o movimento, quando tiramos uma fotografia. Examinem uma
foto e vejam como essa paralisação no aqui e no agora é uma realidade. Vejam os detalhes
da vida estacionada. O Instante petrificado para todo o sempre".
Berlo continua dizendo:
"Podemos fazer observações úteis por meio da fotografia mas erraremos se
esquecermos que a câmara não e a reprodução completa dos objetos fotográficos. As inter-
relações entre os objetos são obliteradas. A fluidez a dinâmica, paralisada.
"O retrato é a reprodução do 'acontecimento'. nunca o 'acontecimento'''.
Hayakava diz num de seus livros:
"A palavra não é coisa. É um mapa que podemos usar para a exploração do mundo".
Em comunicação é indispensável essa dissociação. Ampliando, um pouco mais, a
análise, veremos então que a trilogia Emissor-Receptor-Meio se desdobra da seguinte
forma:
Emissor = Fonte de Comunicação e Codificador
Meio = Mensagem e Canal
Receptor = Descodificador
Suponhamos, por exemplo, que encontro alguém. Pergunto-lhe se deseja sair comigo
no dia seguinte. Neste ato de perguntar sou a fonte da comunicação. Entretanto, antes de
me comunicar, preciso criar uma mensagem que transmita um significado. Aí então, todo
um processo interno tem lugar. O sistema nervoso ordena o mecanismo vocal predispondo-
o a emitir a mensagem. O mecanismo vocal é o codificador. Os sons que de emite, quando
devidamente ordenado de acordo com as regras da língua em que me expresso, constituem
a mensagem. Essa mensagem é transmitida, no caso da voz, através de ondas sonoras, que
passa a ser o canal escolhido. A mensagem e o canal constituem o meio. O receptor é
composto de um descodificador. A mensagem quando recebida pelo descodificador sofre
um processo inverso ao que ocorre quando recebida pelo emissor. Ao ouvirmos, os sons
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são transformados em impulsos elétricos no sistema nervoso central do receptor, que,
então, responde à mensagem.

FIDELIDADE DA COMUNICAÇÃO

A fidelidade de uma comunicação é medida pela compreensão da mensagem. Uma


mensagem é tanto mais fiel quanto produza em nós uma ressonância idêntica ao emissor.
O artista de teatro, por exemplo, ao desempenhar um papel, recria em si mesmo as
situações psicológicas do autor. É um veículo em que o próprio autor se projeta nos
espectadores. A comunicação é tanto mais fiel à medida que o ator consegue a participação
do auditório no texto da mensagem. Perturbando a fidelidade da comunicação, a sua
nitidez, surge o ruído. O ruído pode ser de origem interna ou externa, resultante de causas
culturais, físicas ou linguísticas. Shannon diz que os ruídos são os fatores que destroem a
qualidade da mensagem.
O ruído interno pode ser, muitas vezes, de origem física. Incluem-se aqui todas as
limitações provocadas por deficiências do emissor. Um aparelho fonativo defeituoso pode
prejudicar toda uma emissão. Temos o exemplo clássico dos antigos artistas de cinema
mudo que não puderam se firmar no cinema falado em virtude de problemas vocais. Os
defeitos físicos ou psíquicos, tanto do emissor como do receptor, podem dificultar ou
mesmo impedir a comunicação.
As causas culturais produzem ruídos intensos. Se analisarmos a história da raça
humana veremos que o processo de guerras, choques, disputas nos mais diversos graus, é,
em grande parte, produzido por causas culturais. As perseguições religiosas que marcaram
certa época da história, as lutas motivadas por segregação racial, todo um mundo de tabus
e costumes levam os homens à disputa.
Causas linguísticas podem dificultar, ou impedir, a comunicação. O mito da torre de
Babel e, hoje, a confusão criada nas comunicações são um perfeito símbolo das dificuldades
originadas pelas diferenças linguísticas. O esperanto de Zamenhof é uma tentativa para
eliminar essa terrível barreira entre os homens, que estará resolvida quando for
encontrado o território comum para a compreensão.
As causas externas produtoras de ruído são muito conhecidas por todos que vivem nas
cidades. São a fonte indiscutível de neuroses e diminuição da capacidade auditiva. A
eliminação dessas causas através de projeto adequado dos ambientes de vida ou trabalho,
deveria ser uma preocupação constante. A sonorização desses ambientes é uma
necessidade, principalmente nos teatros e auditórios onde a mensagem é
predominantemente acústica. O ruído externo pode, assim, destruir completamente as
comunicações. Esse ruído pode ser casual, como é o caso comum do burburinho das
cidades, ou intencional, como no caso das interferências em comunicações de rádio, que
impedem a nítida recepção.

CAMPOS DA COMUNICAÇÃO

Existem três campos de comunicação passíveis de serem estabelecidos pelo homem:


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1) O Homem com o meio
2) O Homem com o Homem
3) O Homem consigo mesmo

Comunicação com o Meio

Estamos em comunicação com o meio. Ele se comunica conosco como as águas com
uma embarcação. Observem um navio: as águas chocam-se com o casco, pressionando-o.
De maneira semelhante, fendemos as "águas" do meio em que nos encontramos e
produzimos novas "ondas". Deixamos também uma esteira marcando nossa passagem. O
vento nos impele e, em certas horas, dificulta nossa marcha; tempestades põem em risco
nossa embarcação; as ondas ferem o casco, o vento quebra os mastros e rompe as velas; o
segredo está em não ir contra a corrente. Não expor desnecessariamente o navio e saber
tirar partido da situação.
Otto Lowenstein, no seu livro Os Sentidos, situa muito bem o problema da constante
troca de informações com o meio mostrando que ela se dá de formas diversas:
"Um cervo, farejando um intruso no seu território, é informado da sua aproximação
através do cheiro. Um cego, batendo com a bengala no chão, tenta - qualificando o eco
pelo ouvido - descobrir o número de portas pelas quais passa. O carrapato de carneiro
localiza um adequado anfitrião de sangue quente, avaliando sensivelmente o aumento da
temperatura do ar na sua vizinhança. Um navegador, na ponte do navio, varre o horizonte
para encontrar o pequeno ponto de luz que pisca de um farol marcando uma pedra
perigosa. Uma aranha fica alerta com a presença de uma presa que se debate nas malhas
de sua teia pela vibração mecânica de um fio de sinalização com o qual se mantém em
contato enquanto espera em sua toca. Mesmo uma planta envia o seu rebento para cima e
dirige sua raiz para dentro do solo, sentindo a força da gravidade de maneira ainda não
perfeitamente elucidada".
Vamos conscientizar essa dependência com o meio. Estou parado. Sinto o calor, o
ruído, o cheiro da sala. Emito calor, sons e peso no chão. Comunico-me através de vários
canais. Tudo se comunica. (Até os mortos ao se dissolverem na sepultura estão em
comunicação com o meio.) Silencioso. Fechado dentro de mim. Penso. O pensamento me
influencia. Pode influenciar os outros de uma maneira profunda. Sofro. Fico feliz. Inflamo-
me de patriotismo ao ouvir certas músicas. Chopin e suas Polonaises é um exemplo vivo do.
poder comunicativo da música. A música-terapia utilizada hoje com enorme frequência é
uma prova de sua validade como instrumento de cura. Este é, entretanto, um mundo
aberto. Ha toda uma psicologia profunda das comunicações a ser estudada. Um território
virgem à espera de descobridores.

O Homem com o Homem

A interação é constante entre os seres humanos. Vivemos em relação. Em relação na


família, na empresa, na rua, de todos os lados somos atingidos por ela. É como se
existíssemos dentro de círculos. O primeiro é a família onde nascemos. Tem ela
indiscutivelmente um papel fundamental na formação do ser humano. As relações entre os
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seus componentes marcam de maneira profunda nosso comportamento. Além do nosso
pequeno círculo existe outro maior onde encontramos outras pessoas: é o círculo social.
Dentro deles atuamos e somos atuados em círculos que momentaneamente ocupamos. O
círculo da empresa, da universidade, do clube, do exército, da igreja, etc. Em cada um deles
temos uma posição, uma hierarquia, normas a obedecer, que foram ditadas pela própria
sociedade em sua autodefesa. As comunicações são cruzadas, constantes. Ocorrem
simultaneamente.
A comunicação com os outros expressa uma série de forças sociais atuando
constantemente em nós. Como já vimos, ao analisar o "acontecimento", o indivíduo é
dinâmico. Tem uma tendência a atuar em muitas direções. Os "outros", que são o meio
social, agem com sanções negativas ou positivas. Entre as negativas temos a considerar:
sátira, censura, ridículo, ameaças, comandos. As positivas incluem: persuasão, elogio,
recompensa, doutrinação. Os grupos diferem na forma pela qual procuram adaptar o
indivíduo ao comportamento global. Existe, pois, um comportamento real e outro ideal. Na
sociedade americana temos como exemplo do ideal, Washington, Lincoln, FIorence
Nightingale. No Brasil, Oswaldo Cruz, Tiradentes, Caxias e outros. O comportamento ideal
força, através das comunicações, as modificações do comportamento real a fim de que o
homem se aproxime gradualmente dele.

O Homem Consigo Mesmo

Como posso me comunicar com os outros se não me comunico comigo mesmo? Este é
o paradoxo da vida moderna. De homens que, cada vez mais, têm nas mãos oportunidades
de se comunicarem com os outros e, paradoxalmente, cada vez menos se comunicam
consigo mesmos. A comunicação interna é fator básico de comunicação externa. A
angústia, tensão, nervosismo, são características da época atual. Acompanham,
significativamente, o índice de desenvolvimento tecnológico do mundo. Para combatê-las,
é necessário que o homem fique só. Ficar em solidão tendo a coragem de olhar para dentro
e enfrentar a escuridão. Mas, para isso, é necessário coragem. O pavor da solidão é tão
grande que o homem enche sua vida de ruídos e atividades "para matar o tempo". Cinema,
televisão, programas sociais, "bater-papo", bebidas alcoólicas, sexo além da medida,
entorpecentes são alguns dos recursos usados. Derivativos para fugir ao fato - para ele
terrível - de ficar só, em silêncio no meio dos ruídos. A arte das comunicações nos dá a
solução para esse reencontro do homem consigo mesmo; a capacidade de ficar só no meio
da multidão. A integração aí começa pois nessa solidão está a quietude. Uma paz que pode
ser cultivada por períodos de imobilidade corporal como uma ginástica das mais efetivas. O
homem que sabe parar, ficar imóvel, rende muito mais quando em atividade. Pois é do
silêncio que surge a paz. O silêncio é o caminho do encontro da tranquilidade, da paz e
serenidade perdidas. É a calma das águas profundas, do ar parado, da luz infinita, que une
todas as criaturas.

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O Processo de Comunicação

No processo de comunicação existe, sempre, o Eu e o Outro O emissor e receptor. A


mensagem que, sai de nós leva um pouco do nosso ser, da mesma forma que a água
adquire um pouco do gosto da moringa que a contem. O emissor pode colorir a mensagem
de várias maneiras dando o seu toque pessoal; a sua visão do fato. A fidelidade da
reprodução depende de quatro fatores:
a)Habilidade Comunicadora
b)Atitude
c)Nível do Conhecimento
d)Sistema Sociocultural

HABILIDADE COMUNICADORA

A habilidade comunicadora é a base de tudo, pois sem ela não haverá comunicação,
podendo ser desenvolvida por meio de treinamento. A didática estuda as normas para
permitir um maior rendimento na comunicação a fim de apressar o processo. Todos os
homens podem se comunicar. Uns têm maior facilidade que os outros. Examinemos, por
exemplo, o processo da escrita. Para escrever necessitamos: a) ter vocabulário; b) saber
como grafar; c) dispor as palavras de tal maneira a fim de que o pensamento fique claro.
Essa habilidade comunicadora vai sendo desenvolvida, de modo gradativo, desde que o
emissor seja normal física e psiquicamente. Podemos ampliar sua ação através da leitura,
consulta ao dicionário, meditação sobre o que lemos e a tentativa de expressar o lido em
outras palavras. Quando lidas em “profundidade”, as palavras passam então a brilhar com
outra significação, São como centelhas transformando em chamas nosso interior. Leiam
com atenção o Sermão a Montanha no "Evangelho de São Lucas".
"Bem-aventurados vós os pobres porque vosso é o reino de Deus., Bem-aventurados
os que agora tendes fome porque vos sereis fartos. Bem-aventurados os que agora chorais
porque vós rireis... "
Ou então:
"Vós que sois o sal da terra. E se o sal perder a sua força com que outra coisa se há de
salgar? Para nenhuma coisa mais fica servindo senão para se lançar fora e ser pisado pelos
homens..."
"Vós sois a luz do mundo. Não pode esconder-se uma cidade que está situada sobre
um monte. Assim luza a sua luz diante dos homens. Que eles vejam as suas obras e
glorifiquem o vosso pai que está nos céus..."
É um verdadeiro hino à comunicação. O Sal é o poder que a comunicação tem de
transmitir, de marcar aquele que a recebe. A Luz que deve luzir diante dos homens! Aquilo
que vai ser comunicado deve possuir o máximo de fidelidade. Então veremos brilhar o Pai
nos céus. Quando a criatividade existente no ser humano encontrar uma saída para se
manifestar "eles" (os outros) verão as suas Obras. A meditação permite abrir uma
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verdadeira galeria para mergulhar na significação das palavras, pois cada palavra é como
um iceberg. Possui somente acima da superfície um décimo da sua altura, os outros nove
décimos estão mergulhados e podem ser revelados quando conseguimos ler com os olhos
do espírito. Fernando Pessoa, o mais lúcido dos poetas da língua portuguesa, afirmava num
poema:
"O meu olhar é nítido como um girassol Tenho o costume de andar pelas estradas
olhando para a direita e para a esquerda, e de vez em quando olhando para trás... e o que
vejo a cada momento, é aquilo que nunca antes eu tinha visto..."
O poeta demonstra nesse trecho a visão do aqui e agora: da criação constante
presente em todas as coisas. Estão sempre diante de nós os degraus que nos levam a uma
maior autoexpressão. Podemos apresentar um assunto de maneira original provocando nos
outros a necessária compreensão e estímulo à criatividade.
A uns mais, a outros menos mas, a todos, é dado o dom da comunicação. É da própria
natureza humana, do pensador, esse dom de tornar comum as coisas. A raiz de todos os
conflitos, ansiedade e frustrações, encontra-se na falta de comunicação devido à deficiência
da habilidade comunicadora. A história da raça humana é um retrato fiel da deficiência de
comunicação. Quantos sofrimentos são causados porque não compreendemos o que
alguém expressa! Como resultado dessa deficiência surgem as mais diversas interpretações
que são verdadeiras deformações do espírito do comunicador. Nascidas da dificuldade de
sermos abertos, sem preconceitos, nem barreiras, às informações vindas de fora...
Abertos como o oceano, como os céus, sem fronteiras, nem limites: deixando passar o
que vem de fora e que me atinge no mais profundo do Ser e o faz vibrar em ressonância
com a Mensagem.
"Para isso é indispensável sairmos do nosso pequenino mundo de faz-de-conta,
autocriado. Esse estado de abertura de consciência à pureza dos fatos, essa lucidez no aqui
e agora, exige a superação total das barreiras e afrouxamento das cordas que nos.
escravizam. Dentre elas o medo, a falta de confiança, a timidez, são alguns dos aspectos
mais conhecidos dessa insegurança interna que nos impede de sentir o gosto das coisas.
Lembremo-nos das inúmeras ocasiões em que temos pronta uma serie de argumentos e
Imagens para transmitir mas, no momento em que essa oportunidade surge, a inibição a
destrói de imediato. É o que muitas vezes nos acontece no momento de uma prova, de um
discurso, de prestar um depoimento, perdidos num nevoeiro mental dos mais cerrados.
Conseguimos, quando muito, engolindo pela metade as palavras, expor o tema. O rio,
poderoso e cheio de ondas que sentíamos dentro de nós nada mais é agora, no que um
riacho anêmico de cidade, uma vala, onde o fio de água mal consegue romper os detritos
acumulados.
Outra causa da deficiência da comunicação, da perda de fidelidade, e quando
mergulhamos no barroco de frases retorcidas e de palavras torneadas e perdemos a linha
de menor resistência do raciocínio. O raciocínio é como um rio; flui seguindo sempre a linha
do menor esforço. A arte de comunicar está em saber o escoamento fácil da mensagem.
Berlo afirma:
"As palavras que dispomos, a maneira como as reunimos, afetam aquilo que
pensamos, como pensamos e se realmente estamos pensando".
A habilidade comunicativa permite tirar chispas de palavras opacas revelando assim
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novas significações. Salientamos que, quando falamos de habilidade comunicadora, está
subtendida a capacidade do homem poder se expressar através dos vários sentidos.
A música, por exemplo, é uma arte de comunicação de natureza não-verbal. Os sons
da música evocam toda uma série de pensamentos transmitindo o estado de espírito do
seu criador. A habilidade comunicadora do compositor está em permitir a transmissão de
um conteúdo psíquico. Gênio musical é aquele que consegue a ativação do que está em
nós, ainda inarticulado. O valor da obra musical é diretamente proporcional à capacidade
de produzir essa ressonância; de mostrar a identidade existente nos mundos
aparentemente estanques: o do artista - o criador - e o nosso - a criatura. A diferença entre
os dois está em que um vibra e o outro é vibrado.

Formas de Comunicação

São diversas as formas pelas quais é possível a comunicação: 1) - A Palavra; 2) - A


Escrita; 3) - A Leitura; 4) A Audição; 5) - Gesto; 6) - Atitude; 7) - Silêncio; - Cheiro; 9) - Gosto;
10) - Tato; 11) - Pensamento; - Espaço; 13) - Tempo.
A Palavra é o início do processo de desenvolvimento humano. Verdadeiro marco na
ascendência do homem sobre os outros animais. Experiências feitas com seres afastados do
convívio humano mostram que o homem privado desse calor permanece como uma criança
de três anos. Antes da descoberta da escrita a cultura era transmitida pela palavra. A
capacidade de memorização dos homens era então estimulada. Neste processo os
sacerdotes das antigas religiões do Egito e Grécia eram os detentores supremos do
conhecimento. A educação era obtida nos templos. Estava cercada de uma série de
requisitos na qual o discípulo era posto à prova. Verificava-se a sua capacidade para
receber e reter a mensagem transmitida de boca ao ouvido. Os mistérios da antiguidade, as
iniciações, as provas a que eram submetidos os candidatos, conforme relata Apuléio na sua
obra O Asno de Ouro, eram meios preliminares para tal comunicação. O homem antes de
receber tinha de mostrar capacidade. Muitos eram chamados, poucos escolhidos. Surgiu a
escrita e com ela toda uma enorme zona de ampliação de consciência. Ela evoluiu desde os
primeiros traços na rocha, onde se procurava transmitir a mensagem com uma
representação sintética da coisa vista, até os hieróglifos nos quais a busca dos traços-
síntese das formas ainda mais se caracterizou. A linguagem ideográfica, até hoje em uso no
Japão e na China, é um exemplo dessa sintetização, das coisas, vista através dos traços
essenciais. Foi a introdução dos papiros no Egito que permitiu a perpetuação do
conhecimento fora da memória, iniciando-se então, a verdadeira revolução da raça
humana. Os romanos quando conquistaram o Egito se apossaram da matéria-prima (o
papiro) onde as leis, as suas ordens, eram registradas indelevelmente. A perda do Egito
marca, de forma significativa, o início da decadência do Império Romano. A palavra escrita
passou então ao domínio novamente da religião. Na Idade Média, preparavam-se os
pergaminhos nos mosteiros. Os incunábulos eram feitos a mão. Os copistas com suas
iluminuras eram os artífices do conhecimento até que chegou Gutemberg e com ele se
acabou o monopólio do Saber. A "galáxia" de Gutemberg invade o mundo e permite colocar
esse conhecimento, antes propriedade de poucos que o preservavam, ao alcance de todos.
Era o começo da comunicação em massa, característica da época atual.
13
A escrita e a palavra são eminentemente codificadoras exigindo alguém que possua a
chave. A descodificação dá-se através da leitura e da audição. A audição é um sentido
natural sensibilizado pelo processo da leitura. Entretanto, a leitura exige treinamento, um
condicionamento ao código. O fato mais importante é que são essas formas que permitem
ao homem expressar o seu SER. Isto só é possível usando códigos e canais competentes,
avenidas abertas para chegar ao coração dos outros.
As outras formas de comunicação acima relacionadas serão mais adiante analisadas.

A ATITUDE

A atitude afeta a comunicação. É a deformação produzida pelo meio interno no


conteúdo da mensagem, e agindo como verdadeira refração psicológica, devido à falta de
clareza e à perturbações paralelas. O mesmo ocorre quando ao mergulharmos uma varinha
n'água ela nos parece partida, ou quando sob a ação da água colorida a vara adquire a cor
do corante. As cores, neste caso, são os preconceitos, as tradições, os hábitos, a rotina,
perturbando a sua visão do real. Também os homens podem ser, conforme o momento e
circunstância, marrons, azuis, espessos... É muito raro encontrarmos homens translúcidos,
isto é, abertos à realidade.
A atitude pode ser de origem física ou psíquica sendo físico e psíquico os fatores
complementares que influenciam uns aos outros.
A atitude pode ser a postura, a posição das mãos, o equilíbrio do corpo, a respiração.
Esta última tem um papel fundamental no controle das emoções, que tantas vezes
perturbam a nitidez da mensagem tirando-lhe o brilho.
A atitude psíquica pode acabar inutilizando completamente a mensagem. É o caso
típico de pessoas que não sabem falar em público e que ficam paralisadas à simples ideia de
um exame.
A atitude pode ser classificada em:
Atitude para consigo mesmo;
Atitude para com o assunto e
Atitude com o receptor.

A Atitude para consigo mesmo

A atitude negativa dos que não acreditam em si mesmos é uma enorme barreira à
comunicação. Dos que titubeiam e ficam tensos, nervosos, perdendo a oportunidade que é
sempre instantânea. Neste particular o perigo do pensar negativo é dos mais graves. O
pensamento infecciona penetrando o ser. Cria hábitos e reflexos condicionados que nos
levam a agir sempre da mesma maneira diante de certos estímulos. Já, ao contrário, a
atitude positiva de autoconfiança influencia o resultado. Se neste momento não tivesse
certeza de que tenho algo a comunicar, todo o fluir do processo seria prejudicado e este
livro nunca teria nascido.

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A Atitude para com o Assunto

O segredo do êxito do vendedor, do escritor, professor, do jornalista, de todos aqueles


que fazem da comunicação o seu ganha-pão, é ter uma atitude positiva em relação a sua
atividade. Se não gostamos daquilo que somos obrigados a fazer não conseguimos tirar
todo o rendimento. Comunicação é a porta do interesse no assunto. Este pode ser bem ou
mal executado, gerando tédio e confusão nos que estudam. O pavor que a matemática
desperta em muitos jovens é um exemplo típico da falta de atitude em relação à matéria.
Há sempre uma maneira de despertar o interesse, essa vontade de saber mais. Uma, é
revelar um pouco da profundidade do tema, estimulando a curiosidade no que virá. Outra,
é a arte do suspense muito usada no cinema e no strip-tease porque valoriza o assunto,
despojando gradualmente o mistério e revelando novos mistérios. Devemos partir da
premissa de que todas as coisas estão abertas diante de nós. As significações ocultas são
uma falha do nosso condicionamento. Podemos afirmar que o sol brilha. É um fato. A não-
visão do sol decorre de deficiência na visão. Da sua atitude em relação ao fato observado.
Todos os assuntos são como sóis, podendo o homem, através da arte de comunicar,
permitir que a luz seja sentida com maior ou menor nitidez.

A Atitude com o Receptor

Existe de fato uma ligação entre o emissor e o receptor. Aristóteles chamou essa
ligação, que pode ser sentida, de ETHOS. É um fio tênue que permite ao artista, ao
professor, saber quando seu desempenho é convincente. Esse verdadeiro abrir-se é
estimulado pelos receptores. O artista rende mais quando sente a ressonância do público.
No fundo é o público com sua sensibilidade que se expressa através do artista. Há uma
espécie de feeback, de realimentação acentuada pelo ambiente, pelas circunstâncias, pela
hora. O processo, portanto, é em circuito fechado. O emissor desperta a criatividade do
receptor que, por sua vez, intensifica o rendimento do emissor.
Na atitude com os receptores é muito importante o primeiro momento. No início do
processo de comunicação existe uma fase de tomada de posição do emissor e dos
receptores. De predisposição para a sintonia. Um gradual relaxamento da tensões e a
focalização da atenção no assunto tratado. Um fio de ligação entre emissor e receptor que
deve ser mantido para que o processo de comunicação não seja interrompido. Na
introdução dos Greats Books, editados pela Enciclopédia Britânica, há uma frase
extremamente significativa:
"Se existisse correspondência exata, ponto por ponto, entre símbolos físicos e
conceitos mentais, não existiriam falhas na comunicação humana. Os homens poder-se-iam
compreender uns aos outros como se lessem as respectivas mentes".

NÍVEL DE CONHECIMENTO

Aquele que comunica deve ter o que comunicar. Quanto maior nível de conhecimento
tiver, maior o interesse dos receptores, desde que a comunicação seja devidamente dosada
e valorizada. O segredo está em não ser prolixo mas dosar tudo de modo a deixar entrever
15
o mundo até então desconhecido. O nível de conhecimento do emissor torna menos
doloroso o parto da transmissão da mensagem. E, assim, transmitirmos aos outros um
pouco da vivência que nos anima, torna-se prazer.
A comunicação pode ser enormemente facilitada, quando possuímos bom nível de
conhecimento sobre o assunto. Entretanto, é preciso ter muito cuidado com a
autossuficiência negativa dos que se acreditam donos dos assuntos. Ela está baseada em
dois falsos princípios:
1 - De que é possível saber-se tudo sobre qualquer coisa.
2 - O que eu sei inclui tudo quanto existe sobre o tema.
O Prof. Irving Lee, da Universidade de Colúmbia, geralmente começava seus cursos
com uma demonstração prática da ilusão do saber tudo. Convidava um aluno para falar
sobre uma coisa simples. Suponhamos um pedaço de giz. Depois provocava debates sobre
o que fora dito, para fazer os alunos apresentarem novos pontos de vista sobre o assunto.
As horas iam passando até que os alunos cansados pediam, por favor, para que não se
falasse mais naquele assunto...

SISTEMA SOCIOCULTURAL

Um brasileiro se comunica diferentemente de um japonês ou alemão, por ser produto


de um meio, de uma época, de uma camada social. É condicionado de maneira diferente
resultando daí uma diferente comunicação. Dentro de um país existem diferentes classes
sociais, cada qual podendo ser atingida de forma diferente pela mesma mensagem. Dentro
de cada classe o homem tem uma posição que lhe confere determinada importância no
processo de comunicação. Um professor só adquire essa posição e atinge o estado que lhe
permite "falar de cadeira", depois de anos de aprendizado e muito estudo. O militar, após
seus cursos. O profissional, depois de manipular com perfeição as ferramentas do ofício. O
aprendizado, sujeito a provas públicas, confere um direito, uma autoridade a quem antes
não os possuía.
O sistema sociocultural dá à mensagem características próprias do meio. Vejamos o
caso da Arte Oriental e Ocidental. Seja clássica ou moderna a Ocidental vive principalmente
através da cor e da forma, figurativa ou não. A Oriental tem outra concepção. Nos seus
quadros, geralmente de uma só cor, o vazio tem uma posição marcante. Observem uma
pintura chinesa ou japonesa a começar pelo meio em que se pinta. A seda e o papel de
arroz, extremamente absorventes à tinta, exigem do pintor um toque rápido e firme a fim
de que o traço não seja borrado pela exagerada absorção de tinta. O mesmo acontece com
a vida, o que se faz não pode ser retocado.

16
3
O Fluxo das Informações

COMUNICAÇÃO significa, no seu sentido mais amplo, transferência de experiências. A


minha experiência, surgida neste instante, pode tornar-se experiência de outro quando
devidamente transmitida através do canal adequado. A experiência é, portanto,
informação: uma interferência deste acontecimento que eu sou em outro acontecimento.
Estamos sendo constantemente bombardeados por milhões de informações que nos
provocam as mais diversas ações e reações. A transferência dessa informação subentende
uma "modulação". Sempre que B for atingido por uma informação partida de A dizemos
que está sendo modulado por A.
No verdadeiro oceano de informações que nadamos, diversos são os veículos
utilizados. Podem ser classificados em três grandes categorias: Imagem, som e mistos.

IMAGEM

A revolução nascida dos símbolos gráficos surgiu há milênios nas proximidades do ano
4.000 a.C. Os hieróglifos egípcios representavam as coisas e, segundo os gregos, eram uma
escrita sagrada: hieros significando "sagrado" e Gluphein "esculpir". A representação das
coisas pode ser feita através de caracteres ideográficos, em que se procura transmitir a
mensagem pela forma simplificada, ou pelos chamados alfabetos fonéticos, nos quais as
palavras resultam da modulação de letras. A palavra escrita ganhou grande divulgação com
a introdução na Europa de técnicas que há muitos séculos eram de pleno conhecimento
dos povos orientais. Segundo A Arte da Escritura, publicação da UNESCO: "Poucas pessoas
sabem que as 130.000 páginas do Tripitaka, cânone budista, foram impressas na China
entre 971 e 983, e que os caracteres móveis de cerâmica foram ali inventados no século XI
e, também, que foi na gruta de Tuan Huang que Pelliot descobriu um conjunto de tipos em
uigui que datam aproximadamente do ano 1300. E, finalmente, que nos fins do século XIV
já se imprimiam livros na Coréia com tipos metálicos móveis".
A mensagem impressa mecanicamente permitiu o nascimento do livro, do jornal como
veículos de comunicação de massa e contribuiu, decididamente, para acelerar o processo
evolutivo da raça humana. A mensagem através da imagem pode assumir diversas formas:
De carta; Livro; Jornal; Revista; Fotografia.

Carta

Gênero que se presta, extraordinariamente, para o contato direto e franco com o


receptor. Deve ser clara na sua construção gramatical e escrita com letras legíveis, de porte
médio, em papel de boa qualidade. Revela, sobretudo na sua estética, quem a escreveu. As
fórmulas tradicionais encontradas em A Arte do Correspondente ou das Mil Maneiras de
Escrever Cartas nas Mais Diversas Situações, devem ser postas de lado como símbolos de
uma época em que o formalismo era boa norma. A carta deve revelar como a fisionomia a
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voz ou o aperto de mão, características pessoais.

Livro

Este é um dos mais efetivos veículos de cultura outrora reservado a meia dúzia de
privilegiados, e hoje difundido para milhões de pessoas. É bem verdade que do oceano de
verborragia editado diariamente pouco se salva. Eça de Queiroz em As Cidades e as Serras
descreve essa invasão de uma maneira deliciosa:
"Oh, a invasão dos livros no 202! Solitários, aos pares, em pacotes, dentro de caixas,
franzinos, gordos e repletos de autoridade, envoltos em plebeia capa amarela ou revestidos
de marroquim e couro, perpetuamente, torrencialmente, invadiam por todas as largas
portas a biblioteca, onde se estiravam sobre o tapete, se repimpavam nas cadeiras macias,
se entronizavam em cima das mesas robustas, e sobretudo trepavam contra as janelas, em
sôfregas pilhas, como se sufocados pela sua própria multidão, procurassem com ânsia
espaço e ar! Na erudita nave onde apenas alguns vidros mais altos restavam descobertos
sem o tapume dos livros, perenemente se adensava um pensativo crepúsculo de Outono
enquanto fora Julho refulgia! A biblioteca transbordava através de todo 202! Não se abria
um armário sem que de dentro despenhasse, desamparada, uma pilha de livros! Não se
franzia uma cortina sem que de trás surgisse, hirta, uma ruma de livros! E imensa foi a
minha indignação quando uma manha, correndo urgentemente, de mãos nas alças,
encontrei vedada por uma tremenda coleção de estudos sociais, a porta do water-close!"
A maioria dos livros é apenas um subproduto de uma Sociedade de Consumo, idêntica
à fumaça, esgoto, lixo, etc. O livro sendo um produto industrial, é lançado visando a
atender o gosto da média que os devora como o pão, feijão e outros alimentos. Obedece a
receitas para se tornar best-seller e, com raras exceções, geralmente reflete no número de
sua tiragem a mediocridade: o vazio triunfante.

Jornal

O fenômeno do aparecimento dos jornais de grande circulação acentuou-se no fim do


século XIX e com ele o aceleramento das transformações político-sociais em vastas áreas do
mundo. Sendo um veículo diário, reflete o instante que aparece. A duração da mensagem é
fugaz, razão pela qual um jornal de ontem é tão sem graça como o pão dormido. O jornal
tem de ser vivo, palpitante, obrigando o jornalista a preparar os chamados pseudo-eventos
pratos especiais para o apetite dos leitores. O supérfluo é valorizado ao máximo através de
inteligente tratamento. Através do uso de símbolos gráficos, de espaços, manchetes,
acontecimentos sem qualquer expressão em si como é o caso dos concursos de beleza
internacionais (existem centenas todos os anos), jogos de futebol que se transformam em
casos internacionais, festivais de canção, etc., adquirem a dimensão dos grandes momentos
da história. A pré-fabricação dos eventos é o segredo do moderno jornalismo, arma
principal para o faturamento que assegura o dia a dia de muitos. Segundo a UNESCO,
existiam no mundo, em 1961, 7.581 jornais com uma circulação total de cem milhões de
exemplares diários.

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Revista

Aqui a receita é outra. Na revista os assuntos recebem um tratamento diferente, são


postos por assim dizer, em conserva.
É um veículo com formato, tipo de papel, apresentação gráfica com características
próprias. Os temas tratados são feitos geralmente para durarem uma semana ou um mês,
atendendo diversas faixas da preferência popular. As chamadas revistas de combate, de
primeira linha, com tiragem de milhões de exemplares, como é o caso do Life, Time, Paris
Match, Manchete, O Cruzeiro, e tantas outras, baseiam sua tiragem na pesquisa da opinião
pública. Dão aos leitores o alimento preparado para o seu gosto. Sexo, violência,
escândalos, intrigas, luxo, aberrações, são alguns dos condimentos mais usados para
satisfazer o embotado paladar do chamado "grande público". São revistas mais para serem
vistas do que lidas exigindo um mínimo de trabalho intelectual. As próprias crônicas trazem
o sabor da impermanência de um sorvete de coco, que se dissolve na boca, refresca, e se
esquece... A utilização das cores, a nitidez das grandes fotografias e reproduções dão a
imagem sem palavras mais de 50% do espaço, enquanto 30 a 40% ficam por conta da
publicidade, restando para as letras pouco mais de 10%.

Fotografia

A fotografia é a imagem estática, para sempre congelada. É o aqui e agora fixado na


expressividade de um instantâneo. A fotografia nasceu no século XIX tendo, desde o início,
um lugar assegurado na comunicação. É indiscutível o papel de uma boa foto para ilustrar
um acontecimento, pois diz mais do que um milhão de palavras. Estabelece uma ponte com
o observador que vê surgir diante de si o fato ilustrado, que lhe prova uma serie de
evocações de uma forma mais efetiva do que através do processo verbal. Uma boa foto
pode ser o centro de atração de uma página impressa, recheada de letras miúdas. Os
jornais estão inundados de fotos, a publicidade a utiliza em grande escala. Na introdução de
The Picture History of the Photography, Peter Pollack dIZ com precisão:
"Os homens com as câmaras, imaginação, e visão sensitiva, mostram-nos a beleza
atual e potencial da nossa época. Desse modo podemos nos lembrar dela, gozá-la, corrigi-la
e aprender a seu respeito. Na linha de frente dos trabalhadores, criados de hoje no campo
e no estúdio a serviço da indústria, publicidade, editores, governo, humanidade, e servindo
as nossas necessidades criativas - estão os fotógrafos de hoje".

SOM

Nunca tantos falaram tanto sem dizer coisa alguma como hoje. Este "coisa alguma"
tem produzido um oceano de sangue humano, responsável pela morte de mais de vinte
milhões de pessoas somente nas duas últimas Grandes Guerras e o gasto de 1,6 trilhões de
dólares no último grande conflito. O alcance da palavra, antes limitado ao vigor das cordas
vocais e dos pulmões, era uma grande arma principalmente na Grécia antiga. A oratória
lançou raízes profundas na cultura Ocidental. A palavra teve seu papel de destaque em
várias revoluções entre elas a francesa, na qual Robespierre, Danton, Marat e outros foram,
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acima de tudo, vozes incendiando consciências. A palavra, em grande parte, alimentou o
nazismo. Os urros e gritos das multidões fanatizadas pelo poder mágico dos sons
cuidadosamente ensaiados - saídos da garganta de Adolf Hitler - ainda ressoam nos nossos
ouvidos.

Rádio e Telefone

Com o aparecimento do rádio as comunicações faladas passaram a ter um alcance e


penetração muito maiores. Hoje, nos dedos, a humanidade controla meio bilhão de rádio-
receptores que sintonizam quinze mil estações emissoras. A verdade é transformada pela
conveniência política dos interessados adquirindo matizes curiosíssimos. A linguagem de
Moscou é diferente da de Washington, Pequim e Havana. As palavras Paz e Democracia
ganham diferentes nuanças conforme a região que as anuncia.
O telefone é um dos mais eficazes veículos de comunicação de massa na sua função de
ligar ponto a ponto. É o mensageiro dos bons e maus momentos, prenúncio da informação
que marcará a nossa vida. Cerca de duzentos milhões de telefones estão instalados na
terra. Podemos medir o grau de desenvolvimento de um país pelo número de telefones
instalados. Num mundo que cresce em população e produção, em termos vertiginosos, o
telefone, com seus bilhões de quilômetros de linhas físicas e circuitos de microondas, é um
fator decisivo de progresso. Hoje, o próprio destino da raça humana está preso numa linha
telefônica direta e a dois telefones vermelhos instalados em Washington e Moscou.

MISTOS

Chamamos misto ao cinema e a televisão por serem veículos de comunicação de


massa baseados na utilização simultânea do som e imagem ganhando com isso um maior
alcance na mensagem.

O Cinema

A imagem dinâmica, possível através do cinema, permite a recriação da vida. Os


acontecimentos do passado passam a reviver em duas dimensões dando ao cinema um
enorme poder de armazenagem e transmissão de uma grande quantidade de informações.
Essa capacidade de recriação tem contribuído para mudanças radicais na nossa estrutura
sociocultural. Segundo o antigo Presidente Sulcamo, da Indonésia, o cinema foi o causador
de várias revoluções na Ásia. O oriental via nas imagens vindas de Hollywood um mundo
privilegiado onde as pessoas comuns possuíam carros, refrigeradores e aquecedores e
começavam a ter consciência que eram seres a quem se negava os direitos ao alcance do
homem comum.

A Televisão

Apesar de todo o desenvolvimento técnico já alcançado, a Televisão ainda engatinha à


procura de uma forma de expressão própria. É um misto de cinema, rádio, teatro e jornal.
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Aos poucos vai invadindo o mundo com a força de sua mensagem e o aspecto exótico de
suas antenas equilibradas nos tetos dos arranha-céus ou no zinco dos barracos. Há cerca de
duzentos milhões de aparelhos no mundo em sintonia com quatro mil e quinhentas
estações contribuindo de forma decisiva para a interfusão de culturas. Com o programa de
desenvolvimento de satélites qualquer ponto do globo está sob o alcance das câmaras. O
lançamento do Early Bird, em 1965, permitiu captar os programas ao vivo do outro lado do
Atlântico Norte, a qualquer hora do dia. Entretanto, ela é apontada como a responsável
pela brutalização crescente do mundo, tal a força do impacto de sua mensagem. O Governo
dos Estados Unidos, preocupado com a onda nunca vista de violência e com os sinais
evidentes de desagregação social, realiza estudos sobre o grave problema do
desmoronamento social da maior nação do mundo. A Comissão Nacional sobre as Causas e
Prevenção da Violência denunciou a Televisão como a maior responsável pela atual
violência. A Comissão formada de treze membros e chefiada pelo Dr. Milton Eisenhower,
conclui pela culpa dizendo: "a Televisão retrata um mundo no qual bandidos e mocinhos
usam igualmente a violência para resolver problemas e alcançar seus fins..." É indiscutível
que a ela cabe grande parcela na formação da criança inculcando valores e padrões sociais
na qual o soco e o tiro são a norma.
A onda de mediocridade e violência, temperada com um emocionalismo barato, que é
derramada diariamente pelo vídeo fatalmente só poderá produzir o efeito nefasto que
sentimos na carne. Ao pensar que só nos Estados Unidos 95% dos lares possuem aparelhos
de TV e que, em média, cada um fica ligado quarenta horas por semana, é que se pode
avaliar a força da violência e mediocridade impingida num povo.
A esse lado negativo da televisão temos de acrescentar o enorme potencial positivo
que apresenta no campo da educação para milhões, principalmente numa época em que a
exigência de mais salas de aula e professores aumenta cada dia mais. A Televisão irá
assumir, dentro em pouco, o papel do maior veículo de educação de massa levando,
através da imagem e som, aos pontos mais remotos, a mensagem da cultura e do
humanismo. Os países em vias de desenvolvimento terão nela, talvez o maior aliado para
vencer os desníveis culturais existentes, dando às novas gerações uma educação uniforme.
Tal milagre só será possível quando ela não visar apenas lucros imediatos, que constitui seu
objetivo.
No dia em que a qualidade dos programas não for avaliada pelo seu índice de
audiência, então, a televisão poderá ser utilizada para o bem da humanidade.

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4
Quem Sou?

Eu, Eu mesmo... Eu, cheio de todos os cansaços


Quantos o mundo pode dar. Afinal tudo, porque tudo é eu...”
FERNANDO PESSOA, Ficções do Interlúdio

Afinal quem sou? Esta tem sido a dúvida levantada pelos homens em todos os tempos
e em todos os idiomas. Do oráculo de Delphos ao sofá do psicanalista há uma constante: a
busca da compreensão do eu. A psicologia sendo uma ciência em formação, tenta estudar a
criatura humana em busca de soluções para o problema fundamental de cada um. O estudo
da personalidade tem sido exaustivamente feito através de vários conceitos. Duas
correntes tentam definir a personalidade. Uma, que a considera um atributo, outra, uma
relação. No primeiro caso a personalidade seria a resultante de uma soma de
predisposições naturais e inclinações hereditárias, influências psicossomáticas, ambiente,
educação. No segundo, o que realmente determina a formação e a acentuação do eu, que é
a personalidade, é a reação do indivíduo no papel que o grupo lhe impõe. Através da
análise da etimologia da palavra vamos encontrar a origem da palavra personalidade no
latim: per e sanare. Per significa através. Sanare, soar; logo, personalidade é alguma coisa
através da qual nos expressamos: soamos. Persona era o nome dado à máscara usada no
antigo teatro grego a fim de que o público localizado a grande distância do palco pudesse
identificar o ator: o personagem. Até hoje máscaras clássicas, com os lábios caídos
expressando a tragédia, ou simbolizando a Comédia, são encontradas nas bocas-de-cena
dos teatros. Consideramos a definição dada pelo psicólogo Gorndon Allport uma das mais
precisas:
"Personalidade é a organização dinâmica dentro do indivíduo dos sistemas psicofísicos
que determinam seu ajustamento ao meio".
Inúmeras são as tentativas para definir pessoas em função da sua própria
personalidade. No colégio, frequentemente nos referimos ao tipo atlético, ao estudioso ou
social, que se relaciona facilmente com os outros. Nas empresas temos executivos,
vendedores, homens de ação, projetistas e outros, cada qual com sua característica. Além
disso, nenhuma criatura (ou ninguém) se repete pois a vida é uma constante
transformação. Este que, neste instante, bate à máquina estas considerações que depois
surgirão impressas em livro é alguém verdadeiramente único na raça humana como
também você, leitor que me lê agora. Vemos, portanto, que comunicação é um processo
extraordinariamente dinâmico estabelecido entre seres que, como um caleidoscópio
infinito, se transformam a todo instante. Assim é o homem. O assunto é de tal
complexidade que Klagen analisando o dicionário de língua alemã encontrou 4.000 palavras
descrevendo conceitos ligados à personalidade. Desde a mais remota antiguidade vamos
encontrar tentativas de classificar o homem em vários padrões. Hipócrates nos fala de
quatro tipos fundamentais: o colérico, fleumático, sanguíneo e melancólico, nomes até hoje
usados na linguagem diária para classificar determinados indivíduos. Galena, no segundo

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século da era cristã, volta ao antigo tema ao enunciar sua teoria dos humores. Diversas
tentativas ao longo dos anos foram feitas para relacionar o comportamento humano com o
seu tipo físico. Lombroso e Gall deixaram descrições clássicas de determinados tipos físicos
ligados ao criminoso. A frenologia como também a fisionomia marcaram época até que
surgiu Nicolas Pende com a primeira tentativa de estabelecer uma ponte entre o físico e o
psíquico. Spranger destaca quatro tipos fundamentais: o econômico, para o qual o
sentimento de valor é uma constante. É típico do homem que se preocupa com o resultado
material de suas atividades para quem o mundo é apenas um "débito x crédito" constante,
cuja posição social alcançada deve-se ao saldo de uma conta-corrente. Pode ser encontrado
no comerciante e industrial que se preocupa somente com a produção e o crescimento da
empresa, ou na mãe de família que amealha as economias diárias para garantir uma
proteção na velhice, ou em tantas outras.
O segundo tipo é o religioso, para quem esta vida é apenas uma passagem para outra,
mais plena de significação e valor. Nas suas confissões o grande místico cristão Jacob
Boehme nos dá prova dessa sua profunda crença religiosa ao revelar: "Se os olhos dos
homens se abrissem ele veria Deus em todas as partes pois os céus existem no coração de
todas as coisas". Evidentemente a comunicação com o homem religioso requer outra
linguagem: a da valorização do oculto, da presença de algo acima da nossa percepção que
muitos chamam Deus.
O terceiro tipo de que nos fala Spranger é o artista - homem de extraordinária
personalidade - que segundo Jung, "é o homem num sentido mais elevado: é o homem
coletivo que carrega e exprime a alma inconsciente da humanidade. Às vezes ele é
dominado tão totalmente pelo seu ofício que é obrigado a sacrificar a felicidade humana e
tudo que torna a vida digna de ser vivida para o homem médio".
O quarto tipo é o social: o homem que foi condicionado e é feliz no meio da sociedade.
Que ri e se distrai nos cinemas e nos jogos, que vai a coquetéis e faz programas pela
madrugada em boates enfumaçadas. É o homem que além de pertencer à massa,
influenciado pela propaganda em todos os seus matizes, somente se sente seguro quando
está em contato com a trepidante metrópole. Um exemplo vivo é que mesmo quando vai
para o campo, em férias, ou para fins de semana, enche a casa de amigos ou de ruídos de
rádio e gravadores em todo volume. É o homem que tem pavor da solidão, para o qual a
morte pode ser afugentada com os ruídos da vida nas grandes cidades.
Outra tipologia clássica é a de Kretschmer em sua classificação de três tipos baseados
na aparência física. São eles: os picnicos (gordos), leptossomáticos (magros) e os atléticos
(médios). O gordo é um processo de expansão, em crescimento. Sua personalidade,
geralmente, é voltada para fora, para o mundo. O magro, pelo contrário, cresce para
dentro, para o mundo interior. Miguel Cervantes no D. Quixote nos dá, no personagem-
título, o cavaleiro da triste figura, pela sua magreza angulosa e, no seu pajem rotundo - o
fiel, mas prático, Sancho Pança - os dois tipos clássicos de Kretschemer. Já para Sharpin e
Uris as personalidades são: 1 - obstinado; 2 - vagaroso; 3 - sensível; 4 - tímido e 5 - ousado.
Para Gustav Jung a personalidade humana pode ser dividida em dois tipos clássicos: o
extrovertido e o introvertido. O grau de extroversão e introversão pode ser descrito por
uma curva de Gauss na qual a maioria das criaturas está no centro. Entre esses dois tipos
encontramos os estados psicóticos do paranóico (desconfiança) ou do esquizofrênico
23
(recolhimento total). A personalidade humana é extraordinariamente complexa, resultante
de vários fatores. Os principais são: traços fisionômicos, saúde, inteligência, aparência,
atitude em relação aos outros, conhecimento, valores, controle emocional. Como podemos
imaginar, o resultado desses fatores é extraordinário, pois dá a cada homem um aspecto
particular que o torna diferente dos outros. As línguas orientais, produtos de culturas mais
voltadas para descrever o mundo interior, possuem toda uma terminologia para descrever
estados d'alma. Na Índia existe uma ciência das emoções, na qual as suas menores nuanças
já estão classificadas com palavras determinadas. O filósofo hindu Bhagavan Das, na sua
obra The Science of Emotions, declara: ... a pobreza de palavras nas linguagens resultam, na
maioria das raças, na falta de vocábulos para descrever as mais tolas expressões da
emoção".
Os dez traços mais significativos na composição da personalidade são:
1 - Franqueza. Este traço é característico das pessoas emocionalmente expressivas,
que não ocultam o que têm para dizer e, portanto, não se intoxicam com os resíduos
reprimidos.
2 - Inteligência. É uma habilidade complexa - na qual se somam a capacidade de
aprender, dar resposta, modificar as relações diante dos acontecimentos, encontrar
soluções, julgar - o que pode ser medido com testes apropriados. A esperteza é um dos
aspectos que mais revela a inteligência.
3 - Autoconfiança – É uma característica dos que acreditam em si mesmos, nas suas
ações, pensamentos, atitudes. Pode se transformar em agressividade e quando levada ao
extremo chega a ser intolerável.
4 - Perseverança – É um sentimento de total atenção à importância daquilo que está
sendo feito.
5 - Espírito de Aventura. É típico dos que sentem o prazer no risco. O jogador
profissional, que perde fortunas no jogo, e aquele que tira sua própria vida são levados a
esses extremos pela força dos riscos a que se submetem.
6 - Alegria. É um sentimento dos que têm a atenção despertada para o lado ridículo
dos acontecimentos. Dos que têm senso de humor para gozar as situações as mais dramá-
ticas. É também uma forma positiva de reagir aos acontecimentos.
7 - Imaturidade. É essa dependência e instabilidade revelada pelo sensitivo nas
reações inesperadas de certas criaturas.
8 - Introspectivo. É o indivíduo polido, equilibrado, que evita choques e contorna
situações para não ter de se abrir diante dos outros.
9 - Desligado - É o boêmio, excêntrico e temperamental. Sujeito a arroubos
inesperados.
10 - Sofisticado - É o sujeito frio, superior na sua mente lógica. Acostumado ao
raciocínio em bases concretas. Para ele a vida é uma simples operação matemática.
O perigo das particularizações na tentativa de descrever o homem com uma nitidez
exagerada em face dessa massa enorme de imprecisão, desse mistério está em tirarmos
uma conclusão apressada, radicalizada. Ao descrevermos uma coisa, ou um homem,
geralmente adotamos, por comodismo, uma perspectiva rígida nascida da observação
visual da realidade. Uma espécie de perspectiva psicológica, geométrica como no desenho.
Uma particularização surgida de um ponto de vista diferente dos outros. Assim como
24
podemos ver um objeto de uma infinidade de posições, um homem também se nos
apresenta sob diversas formas.
Jung na sua obra Gegenwart und Zukunjt (lançada em português sob o título de Eu, o
Desconhecido) chama a atenção:
”É tempo de nos perguntarmos a nós mesmos, exatamente, o que estamos
amontoando em organizações coletivas e que constitui a natureza do ser humano
individual, isto é, do homem real e não do homem estatístico".
A Sociedade, a Empresa, a Família procura esse homem real, livre, que pode se
comunicar. Vale-se para isso de várias aproximações sucessivas para descrever o
desconhecido mundo de cada um. É lógico que, se conseguirmos levantar um pouco do véu
que nos envolve como um espesso manto, mais fácil será o processo comunicativo. Os
testes de que a Psicologia lança mão, na sua maioria, são tentativas para descrever o
insondável. A sua validade é restrita, pois a interpretação deles depende muito de um
verdadeiro sexto sentido, que caracteriza o bom analista. Mas eles apenas permitem
informações sobre o paciente dando, portanto, um resultado tanto mais preciso quanto
maior for o número de angulações.

COMUNICAÇÕES NO GRUPO

O homem é por excelência um animal social; sozinho, jamais sobreviveria. O seu


rebanho é a raça humana. O seu comportamento modifica-se extraordinariamente quando
passa a atuar em multidão. Da massa surgem os grupos e, neles, uma série de interesses e
atividades comuns. Tanto na família, como no clube, na empresa, na igreja, no exército, etc.
Um grupo pode ter pequena ou grande influência dependendo mais da qualidade do que
do número dos componentes. Além disso, não é necessário que os membros estejam
próximos uns dos outros para manter viva essa influência, mantida através de diversos
meios de comunicação. Mas, o importante é a consciência do "pertencer", do ter sido
recebido pela comunidade e ser reconhecido pelos outros como tal. Arnold Green na sua
Sociology acha que: "o apego ao grupo transcende a mera consciência de ser membro. O
indivíduo se identifica de tal modo com o grupo que não tem vontade de distinguir entre o
seu ser e o Grupo". Por isso, quando um dos membros se destaca, os outros vibram. Mas,
se fracassa, toda a coletividade sente. Há uma espécie de sutil sistema nervoso, unindo
todos em torno do mesmo objetivo. Um exemplo vivo da força do grupo encontra-se numa
partida de futebol, onde gente morre, briga, salta, porque uma bola - simples pedaço de
couro de boi inflado de ar - vazou a área do adversário; é a honra nacional defendida por
mera competição desportiva sob verdadeira batalha de hinos, bandeiras, juramentos,
orações, "despachos" e histeria coletiva. Essa euforia nascida da exaltação mística faz
muitas pessoas acharem que o céu de seu país é mais azul do que o dos outros, as frutas
mais gostosas, etc. É a mesma sensação que nos leva a pensar que o eixo do mundo passa
exatamente sobre nossa cabeça, do qual resultou o sistema de Ptolomeu na Astronomia e
que continua mais vivo do que nunca em termos de psicologia de homem comum. O
estágio do grupo é entretanto uma abertura, uma comunicação, uma aproximação para um
grupo maior no qual "os outros" estariam incluídos. Só quando o mundo é a nossa família -
os outros, nossos irmãos no sentido mais profundo - é que a comunicação se amplia
25
consideravelmente. Com a abertura da consciência coletiva nasce o verdadeiro amor
universal que até então era mera figura de retórica. O "outro" - o que está além do muro de
nossa casa - deixa de ser o desconhecido, a ameaça à integridade é posta de lado, de
quarentena, e as pontes levadiças são arriadas. Quando se dá o momento mágico, com
humildade, o Eu se encontra com o Tu. É o momento da comunhão, do amor, no qual o
sujeito funde-se com o objeto numa única vivência do aqui-agora.

A FAMÍLIA

A família é a pedra de fundação; a célula; a base. É sem dúvida, a microempresa onde


várias atividades são executadas para o bem comum. É um grupo de características próprias
com fortíssimas torças de aglutinação que a mantém unida. A sua constituição é celular:
pai, mãe e filho. Cada família tem uma constituição própria, diferente, no espaço e no
tempo, dependendo da função das pressões socioculturais do meio. Há, por exemplo, as
injunções da poligamia, monogamia, patriarcado ou matriarcado. Qualquer que seja a
constituição celular interna é uma das mais poderosas forças sociais em ação. Temos como
exemplo típico dessa aglutinação, clãs da Escócia onde centenas de descendentes rendem
tributo como a um rei: ao chefe do clã. Sendo um organismo vivo, ela é mantida graças às
trocas feitas em três níveis: com o meio, com outras famílias e dentro de si mesma. O ritmo
de desenvolvimento do mundo atinge também a célula social produzindo modificações
profundas na estrutura familiar clássica. A explosão da natalidade, a atração das cidades em
busca de maiores oportunidades são elementos importantes na tensão existente entre as
gerações, na total falta de comunicação e no desaparecimento da figura do pater familia.
Essa tensão altera a estrutura familiar, obrigando a família a se adaptar às novas condições
de moradia e relacionamento. A clássica distribuição, de fundo monárquico, na qual a força
vinha de cima - pai e mãe - tendo sob suas ordens os filhos, transformou-se num triângulo
invertido, no qual pai e mãe são os vértices formando o ângulo superior, oposto à base, que
é o filho. A dinâmica de grupo passa a obedecer a relações bidirecionais em vez das
unidirecionais de antigamente. A ascensão da mulher no fim do século XIX competindo com
o homem de igual para igual provocou substanciais alterações no campo social. Da família
triangular nasce a família circular onde pai, mãe e filhos estão em base de igualdade
discutindo problemas comuns em busca de uma solução que atenda ao interesse de todos.
Onde a mera obediência cega foi substituída pela consciência de fazer parte do mesmo
grupo, e como tal, ter os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades. Teilhard de
Chardin nos dá uma visão maravilhosa de uma época na qual a consciência da raça humana
será suprema, e a família será a humanidade. O universo abrigando harmoniosamente em
seu seio os diferentes grupos. Essa união só será possível com o amor. Não o amor que
conhecemos, mas algo completamente diferente, ainda não conhecido pela maioria de nós.
É muito fácil amar uma mulher de belo físico, a criança saudável, um pôr de sol, um
Deus todo-poderoso, que nos protege e alivia. Mas será isso Amor? Amor é tudo. Amar as
cinzas, o papel sujo picado... Aquilo que todos botam a mão no nariz e olham para o lado...
O mendigo dormindo na sarjeta com a perna em chagas, o cão leproso... Cascas de laranja
apodrecendo ao sol. Tudo que é desprezado, posto de lado, que cheira mal. Amar é Isso, é
muito mais ainda.
26
5
As Portas da Percepção

"A fonte original da natureza é clara como o brilho da Lua. Entretanto, às vezes, os
fenômenos que dela derivam não se manifestam com clareza porque o nosso apego a
eles acarreta a ilusão".
SANDOKAI (699-789)

O HOMEM se comunica através dos sentidos, que constituem as portas do seu mundo.
Os hindus afirmavam, num velho texto, que o homem é uma cidade de cinco portas. Mas
serão somente cinco? A cada dia que passa os psicólogos se encarregam de ampliar o seu
campo de ação. A parapsicologia abre novas portas na muralha que nos circunda
aumentando as possibilidades de comunicação com o meio. O fato é que, pouco a pouco,
através dos sentidos vamos selecionando pequenas faixas da realidade que nos cerca.
Imaginemos um círculo traçado em nossa volta. Ele é o real onde estamos mergulhados, em
que "nos movemos e temos o ser", como dizia São Paulo. Do seu centro tracemos uma reta
até a periferia. O diâmetro formado pode simbolizar a faixinha que nos sensibiliza. Além
dela nada mais nos atinge produzindo sensação. Na verdade nossos sentidos, além de
limitados, não são devidamente explorados. Não aprendemos ainda a manejá-los em toda a
profundidade. Temos em relação a eles a mesma limitação que apresentamos em relação
ao corpo físico que também só é operado em 40% de sua capacidade. O que aconteceria
então se, por um instante, nos fosse dada a possibilidade de uma percepção total do
mundo?
O poeta William Blake afirma:
"se num instante as portas de percepção fossem alargadas o homem veria então o que
sempre foi: infinito".
Nossos olhos, por exemplo, podem ver a chama de um fósforo situado a oitenta
quilômetros distante de nós, bem como um fio de 1,5mm de espessura a quinhentos
metros. É claro que, em boas condições de iluminação. Nossa vida normal se passa somente
na superfície das coisas. Tateamos em cima delas sem nos apercebermos de sua grandeza.
Esta pequena partícula do real pode, entretanto, levar o homem até o infinito. Todo o
conhecimento está ali alicerçado graças aos estímulos provocados no organismo. Um
exemplo banal é o aparelho de rádio. Todas as estações estão presentes à espera que
liguemos o aparelho e o sintonizemos. As mais distantes podem ser captadas dependendo
apenas da sensibilidade do receptor e do tipo de sintonia. Os sentidos são a vida normal de
sintonia, de participação com o infinito manifestado em qualquer fragmento da realidade. É
o caminho direto com o real mas às vezes também pode nos impedir esse contato direto,
por causa do nosso condicionamento, nossa refração, que deformam por completo a visão
das coisas na sua natureza última. O pintor Paul Klee sentiu bem o que representa para o
artista essa limitação ao mencionar: "a arte não reproduz o visível e sim o que se faz
visível".
27
Somente é possível estudar a comunicação no seu sentido mais profundo, admitindo-
se o binômio: visível e invisível. O relativo é o visível, o filtrado, o maculado. B o que resta
depois de passar pela peneira dos sentidos. São as sombras - de que nos fala Platão -
movendo-se nas paredes da caverna. Os reflexos de uma realidade que chega até nós
através das aberturas dos sentidos.
Nossos sentidos, tão diferentes em sua estrutura, agem em cooperação recíproca
procurando obter uma visão total da coisa observada. Qualquer objeto que nos sensibilize é
uma resultante da combinação de vários sentidos. Uma maçã, para nós, é apenas uma
forma, peso, cor, cheiro, gosto, etc. Mas, na realidade, mais do que isso. Este "muito mais"
escapa à percepção. Chega até a consciência individual apenas como uma experiência que
se manifesta em prazer, repulsa ou neutralidade, resultante de várias percepções
combinadas.

A RESPOSTA SENSORIAL

Existem quatro condições implícitas numa resposta sensorial.

1) Estímulo
Esse estímulo pode ser causa interna ou externa sendo o responsável pelo
desencadeamento de todo o processo. Convém lembrar que existe uma zona marcando o
início da percepção. É o chamado limiar, que expressa a quantidade de energia necessária
para despertar a sensibilidade do observador. Quando aumentamos gradualmente o
volume de um rádio, partindo do silêncio, chega um momento em que começamos a ouvir.
Quando o estímulo é fraco demais para atingir a consciência, pode agir subliminarmente e,
então, a comunicação passa a ser feita inconscientemente. A propaganda subliminar na
televisão adota essa técnica cujos perigos levaram à sua proibição no mundo.

2) Resposta
O estímulo sensibiliza certas células provocando respostas significativas, proporcionais
à intensidade da vibração. Usualmente, cada célula pertence a determinada vibração. O
olho para as ondas luminosas de determinado comprimento, os ouvidos para as ondas
sonoras, etc.

3) A Transmissão
Os impulsos produzidos pela resposta aos estímulos-celulares são transmitidos através
do sistema nervoso que age como o mecanismo conector. A maior ou menor capacidade de
transmitir os impulsos determina a qualidade da imagem recebida.

4) A Reação
Os impulsos de natureza eletromagnética que percorrem os nervos provocam diversas
reações: a ação muscular, as diversas sensações, o pensamento. Cada uma dessas quatro
etapas é indispensável para que haja comunicação entre o observador e a coisa observada.

28
A VISÃO

Este é o mais importante dos sentidos humanos. Cabe aqui uma série de
considerações sobre o por que e o que vemos?, que são algumas das perguntas
fundamentais que têm levado o homem a mergulhar no mundo da ciência à procura da sua
resposta, que não substituem o simples ato de ver. O olho é o mais perfeito instrumento de
óptica da natureza com uma sensibilidade tal que pode discernir desde a chama de um
fósforo a oitenta quilômetros de distância até o sol a pino. Desta forma, o olho humano
responde a intensidades luminosas que vão de 100,000,000,000,000 para 1, ou seja, de cem
bilhões para um.

O estímulo da visão
Quando perguntamos a nós mesmos o que vemos, a resposta mais comum será: LUZ.
A luz é um aspecto particular, uma faixa de vibração eletromagnética que se move no
espaço a uma velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo. Em certos casos ela
nos aparece como corpúsculos, em outros, como vibrações, o que nos permite afirmar que,
no fundo, os cientistas ainda não sabem o que verdadeiramente ela é. Os comprimentos de
onda podem ser medidos. Podemos ver sete cores fundamentais além de suas
combinações, que se distribuem desde o violeta (400 milimícrons) até o vermelho (800
milimícrons) .

Como funciona a visão


O olho é, dentro de certos limites, comparável a uma câmara fotográfica. Ambos são
uma câmara escura apresentando uma abertura (diafragma) e uma superfície sensível
(retina). Ambos possuem um controle automático do diafragma permitindo assim um
ajustamento na quantidade de luz que entra no seu interior; no caso do olho, esse papel é
desempenhado pela íris que controla a pupila.
A retina é o órgão sensível da visão. A chamada chapa fotográfica. Examinada ao
microscópio vemos que seu tecido é formado de bastões e cones: aproximadamente 110-
125 milhões de bastões e 6,3-6,8 milhões de cones. A complexidade das ligações entre eles
é enorme atingindo na fóvea o máximo de complexidade. O ponto de maior sensibilidade
da retina é conhecido como a fóvea onde a maioria das imagens é capturada, e de onde
parte o nervo óptico, condutor dos impulsos ao cérebro, que inicia a descodificação da
mensagem.

CORES

O mundo visual depende de forma, contraste e cor. A cor existe em todas as coisas. As
cores podem ser classificadas pelo: tom, saturação e brilho. São essas as três dimensões
que permitem inclusive construir o chamado sólido de Munsell, onde as cores e suas
combinações são representadas no espaço tridimencional. O tom é comumente
considerado como cor. De um mesmo vermelho, por exemplo, existe um grande número de
tons, que as mulheres tão bem classificam. Por meio da saturação pode-se medir a
quantidade usada de determinada cor, permitindo dizer se ela está mais ou menos
carregada. Já o brilho refere-se diretamente à qualidade do impulso.
29
O homem vive num mundo de cores. É um mundo importantíssimo porque nos
influencia psiquicamente, de tal forma que Platão assegurava: "A música e a cor são para a
mente o que o ar e a luz são para o corpo".

A influência da cor
A cor acalma, exalta, deprime e cura. A sua influência no indivíduo é direta, total e
imediata. O azul acalma, o vermelho excita, o negro deprime, o amarelo estimula o
trabalho intelectual. As cores possuem calor, podendo alterar profundamente a existência
humana. O pintor Fernand Leger costumava dizer:
"Uma parede nua é uma superfície morta e anônima. Só passa a ter vida com o auxílio
de objetos e cores. Uma parede manchada converte-se num elemento vivo". Segundo o
mesmo pintor: "um piano preto diante de uma parede amarelo-vivo cria um choque
reduzindo o retângulo habitacional para a metade de suas dimensões". Vemos então o
enorme papel que a decoração pode prestar na recriação do ambiente. O ambiente pode
modificar o comportamento humano. Há o exemplo clássico de uma fábrica em Roterdã, na
Holanda, triste e sombria cheia de recantos escuros, onde as máquinas negras só recebiam
a luz crua de lâmpadas elétricas. As paredes, escurecidas pela fumaça e pelo tempo, eram
irregulares e cheias de prateleiras onde se acumulavam uma série de mercadorias e peças
cobertas de poeira. Os operários eram desleixados no serviço e suas roupas refletiam esse
desmazelo. Com a guerra, a velha fábrica foi atingida e a produção não dava para atender a
demanda do mercado. Foi construída, defronte a ela uma nova fábrica com paredes de
vidro, tornando o ambiente colorido e claro. Notou-se então a gradual mudança de atitude
dos operários da antiga fábrica, que passaram a usar roupas mais cuidadas e se tomaram
mais comunicativos e alegres. A simples modificação externa produziu uma transformação
interna. Este exemplo serve como alerta para muitos industriais que ainda não se
aperceberam da importância da comunicação nos quadros de sua empresa e da maneira
como ela pode influir, diretamente, na produção e no lucro através da modificação do
ambiente de trabalho. Nos escritórios europeus há muito que o valor do ambiente é
ressaltado. A presença de flores e plantas é uma constante, um toque de cor e calor da
primavera no ambiente interior, quando lá fora o céu é cinza e os campos estão cobertos
de neve.

A cor na pintura
O desenvolvimento da raça humana pode ser medido através da utilização da cor. No
mundo atual a moderna propaganda é um apelo constante ao uso da cor, que é uma arma
poderosa de venda pois estimula diretamente o homem. Na pintura, a intensificação da cor
surgiu com os impressionistas, no fim do século passado. Até então os artistas aplicavam a
cor de uma maneira mais uniforme. Observem um quadro de Rembrandt ou de qualquer
pintor de escola holandesa e verão que o marrom, o ocre, a tierra de siene predominam. O
claro-escuro, os grandes espaços envolvidos em sombras são uma constante. A sombra
mais do que a cor tem neles uma posição marcante. Com o aparecimento do método
científico que teve como consequência a revolução industrial do século XIX, a pintura
passou também por uma verdadeira transformação. Os românticos Corot, Rousseau,
Courbet, Delacroix e outros com suas paisagens bucólicas e plenas de mistério foram sendo
30
substituídos por uma nova geração de pintores que buscavam a libertação da cor e da
forma do universo visível. Chevreul, com o seu livro sobre cores, causou verdadeira
revolução ao tentar enunciar as leis fundamentais das cores. Uma delas dizia: "quando dois
objetos de cores diferentes são colocados lado a lado nenhum deles mantém a sua cor mas
adquire uma nova". Esse livro despertou no jovem pintor Seurat a consciência de um novo
caminho. Para Senrat o trabalho do pintor não é apenas representar a luz, mas fazer do
próprio quadro uma fonte de luz. Ele tenta conseguir isso através de coloridos, combinados
harmonicamente a fim de produzir no observador a sensação de indefinidas nuanças de
cores. Para Seurat a Arte é harmonia. E harmonia implica numa analogia de contrários e
também de semelhanças em que tons, linhas e contrastes são dispostos de tal maneira em
relação a certos fatores sob a influência da luz, e em tais combinações que podem produzir
emoções alegres ou tristes.
Seurat abriu uma grande porta na comunicação através das cores, mas um outro
pintor iria ampliar ainda mais esse universo, dando ao mundo das artes a elasticidade que
atualmente dispõe. Van Gogh é o grande revolucionário da curo É curioso acompanhar sua
obra pelo desenvolvimento da cor. A primeira fase, na Holanda, é sombria. Os quadros de
Nuenen em 1885 refletem ambientes escuros onde predomina o marrom. Desta fase, Os
Comedores de Batatas é o seu trabalho mais representativo. Como diz o titulo, trata-se de
cinco pessoas à mesa comendo batatas. O interior da sala é iluminado apenas por um
lampião pendurado acima de uma tosca mesa. O ambiente é um misto de marrom, verde e
azul. A fome, a pobreza e a desesperança estão estampadas tanto na face dos personagens,
como no ambiente criado pelo quadro. O amor à terra e a seus humildes trabalhadores
têm, neste trabalho, sua mais apaixonada demonstração. Quando em 1886 Van Gogh se
muda para Paris sofre total influência do impressionismo. Entra em contato com o branco e
preto das pinturas japonesas de Hiroshige e Hokusai assimilando a leveza e o vazio de suas
composiçoes. A amizade com Pizarro, Degas, Gauguin e Seurat marca sua pintura. Tenta
usar em alguns quadros a técnica do pontilhismo de Seurat; o Restaurante, pintado em
Paris em 1887 é um deles. Mas Van Gogh sentia que essa não seria a solução: Numa carta
ao irmão Theo confessa: "O pontilhismo é uma maravilhosa descoberta. Mas prevejo que
nem esta técnica nem qualquer outra se tornará um dogma universalmente aceito". Deixa
então de lado a forma rígida de pintar por pontos, mas assimila seu espírito, e, com o
quadro O 14 de Julho em Paris, descobre uma forma efetiva de expressar emoções através
da cor. Este trabalho reflete, na sequencia de pinceladas coloridas, um mundo de emoções
desenfreadas, liberadas no dia da festa nacional. A cor transforma-se para Van Gogh num
escape ao seu atormentado ser. Em outra carta ao fiel irmão ele observa que certos azuis o
acalmam assim como o vermelho o exalta: "Com vermelho e verde tentei descrever essas
coisas terríveis: as paixões humanas". O verde, para ele, refletia angústia talvez pelo fato de
ser verde o absinto que bebia em grandes quantidades para matar a angústia que o
consumia. O amarelo era a pura luz e também o amor. O azul como se vê numa noite sem
nuvens e sem lua, era o infinito. Dizia que, se tivesse de pintar o retrato de alguém que
amasse, começaria a desenhar com ·0 máximo rigor a aparência transformando-se então,
à medida que o quadro progredisse, num colorista arbitrário. E acrescenta: "exagero a
textura do cabelo, uso tons amarelados e laranja. Em volta da cabeça em vez de pintar uma
parede banal pinto o infinito dos céus. Com isso a cabeça passa a ser como uma estrela
31
recortada sobre um céu muito azul". Ao terminar o célebre quadro que representa o
interior de um café à noite, confessa: "tentei expressar as terríveis paixões da humanidade
pelo verde e vermelho. Tentei transmitir que um café é um lugar onde o homem pode ficar
louco, se arruinar, cometer um crime".
Van Gogh foi um verdadeiro apaixonado pela cor chegando ao ponto de pintar horas a
fio sob o sol sem qualquer proteção para melhor captar sua luz. Em diversos de seus
quadros a representação do sol em discos enormes, recortados no céu, dão a idéia perfeita
dessa verdadeira obsessão pela luz. Seu último trabalho, pintado em Anvers, em julho de
1890. é um exemplo vivo dos seus limites máximos no emprego da cor. E: um campo de
trigo sobre o qual esvoaçam corvos fazendo-nos sentir todo o drama interior que o levaria
ao suicídio. A tela é nítida, quase horizontal, dividida por três planos distintos: o primeiro,
um céu azul carregado, em certos pontos quase negro, onde se vêem duas pequenas
nuvens brancas. O segundo, representado por um campo de trigo amarelo, cortado por
quatro manchas de vegetação e três vermelhas de barro - é uma convulsão de traços que
refletem a extrema angústia do pintor. A linha do horizonte separa os dois mundos - o céu e
a terra. O terceiro plano são os corvos voando, invadindo o quadro com sua presença
negra. Era o fim que se aproximava.
Depois de Van Gogh outros o seguiram: Bonnard, Matisse, Braque, Duffy, Mondrian. A
partir de então a cor passou a ter posição reconhecida para expressar a emoção. Para os
artistas citados, mais do que a forma, o que lhes interessava eram as combinações das
cores.
A cor no mundo de hoje
A cor é hoje uma necessidade quase fisiológica em face da despersonalização da
moradia humana. Os enormes blocos de concreto e aço, onde os homens moram como
abelhas numa colmeia, podem ser valorizados, através do poder de comunicação do
homem com o meio, pela cor. A cidade de hoje é uma mancha na paisagem, que se espalha
destruindo o verde e cobrindo o solo. O equilíbrio da cidade com a natureza é rompido a tal
ponto que, quando sobrevoavam sobre a cidade de Houston, no Texas, os cosmonautas da
missão Apolo não conseguiram fotografar a não ser uma enorme mancha de fumaça escura
no lugar em que se encontrava a cidade. Mas a atração do homem pela cidade é um fato
indiscutível, calculando-se que mais trinta anos serão suficientes para a população mundial
ter duplicado, atingindo a marca dos seis bilhões. Segundo estudos de Harrison Brown,
dentro de cento e cinquenta anos seremos cinquenta bilhões de homens na face da terra. A
urbanização irá congregar nas cidades, em pouco tempo, 80% da raça humana, o que fará
mais gente morar em menor espaço, dando ao decorador um papel de grande importância
para o bem-estar da humanidade. A decoração, quando estudada em profundidade, com os
recursos da psicologia e da ciência moderna, se transforma num instrumento efetivo de
comunicação do homem com o meio. Cabe ao decorador, em face das condições físicas do
espaço a ser transformado, recriar um mundo, preparar um ambiente de acordo com a
personalidade e temperamento de quem vai habitá-lo, ambiente esse que dará a
privaticidade, o silêncio indispensável para que a criatura humana, que é algo diferente de
todas as outras apesar dos bilhões, viva a vida de uma maneira mais plena. A criação do
ambiente externo das cidades cabe aos engenheiros, arquitetos, urbanistas, paisagistas.
Através da cor e da forma, que são os elementos básicos para a visão, as metrópoles
32
tornam-se mais humanas.
Se voltarmos um pouco atrás e examinarmos o período da Idade Média vamos
encontrar a sociedade dividida em três camadas: servos, nobres e sacerdotes. Os servos
viviam uma vida das mais primitivas, em casas de pedras, cobertas de palha ou pedra,
verdadeiros buracos onde se abrigavam ao redor do fogo. Os móveis eram reduzidos a um
mínimo: uma mesa rústica, bancos, panelas de barro ou pedra e a cama substituída por um
monte de capim. O chão das casas era de pedras irregulares ou de terra batida e as janelas
e portas, aberturas que mal davam para entrar o ar e a luz. Um mundo cinza, de sombras
marcadas, no qual a existência humana igualava-se à do nível dos animais. Já os nobres
viviam em castelos de pedra e ferro, com grandes portas de madeira sem acabamento e
tochas acesas sopradas pelo vento encanado dos longos e sombrios corredores, mas na
mesma inexistência da cor, sob as trevas dos cantos dos salões imensos, o limo da umidade
a marcar as pedras. Nesse período a cor refugiava-se praticamente nas igrejas. As grandes
catedrais góticas - sombrias, frias, verticais - eram uma verdadeira ante-sala do reino dos
céus à espera dos justos já que nesta terra era impossível a felicidade dos homens. O
contraste da cor estava na explosão luminosa dos vitrais, a porta daquele Além que os
crentes buscavam para fugir das misérias do mundo. A catedral gótica expressa, através da
comunicação do espaço, dos cânticos religiosos e mais tarde dos órgãos, dos perfumes do
incenso e mirra e da música colorida dos vitrais, aquela arte completa que o homem busca
através dos tempos.
Música colorida
Das sinfonias coloridas dos vitrais retornamos à época atual, na qual uma série de
experiências têm sido feitas visando buscar uma correlação entre som e cor. Dentre os
grandes pesquisadores de uma correspondência perdida vamos encontrar o músico russo
Scriabin. Nascido em 1871 foi um grande experimentador de sons e cores. Sua primeira
sinfonia prevê, além de um coro sem palavras, a participação de um órgão luminoso que vai
emitindo cores projetadas numa tela, de intensidade e tonalidade variáveis à medida que
acompanha a execução da orquestra. Ao morrer, Scriabin deixou inacabada a obra Mistério,
que seria a coroação de todos os seus esforços. Trata-se de uma peça para dois mil
executantes que requer música, poesia, dança, cor e perfume. O Mistério, mais do que uma
obra musical, é um ritual no qual o autor comunica a convicção na existência de uma
definida correlação entre diversas vibrações de energia.
Os anos passam e vamos encontrar, recentemente, a firma japonesa Hintachi
desenvolvendo uma série de experiências de uma nova forma de comunicação: a música
colorida. A tradução dos sons em formas coloridas é feita por um espectógrafo que mostra
na tela de um aparelho de televisão a cores um mundo de uma beleza fora do comum.
Surge diante dos olhos formas que se sucedem continuamente. Uma sinfonia de Beethoven
é aí transformada numa verdadeira catedral de sons e cores, algo parecido - em três
dimensões - com uma fonte luminosa cujos jatos d'água mudassem de cor e de forma
constantemente.

As cores no Oriente
Para entendermos mais facilmente a cromoterapia, ou seja, a cura de doenças através
da cor, devemos lembrar que na Índia, China, Japão, Tibete as cores estão identificadas com
33
o sagrado. Segundo os hindus, as cores estão em estreita correlação com o som das letras e
essas são aspectos de divindades menores (devatas). No Budismo tibetano as principais
direções estão correlacionadas com cores. Assim:
Leste-branco, Sul-azul, Oeste-vermelho, Norte-verde.
Da mesma forma os cinco chamados Dhyani Budas que são manifestações do princípio
absoluto da sabedoria adquirem cores e pontos cardeais diferentes.

Direção Nome Cor Elemento


Central Vairocana Branco Espaço
Leste Akshobhya Azul Ar
Sul Ratnasambhava Amarelo Terra
Oeste Amithaba Vermelho Luz
Norte Amogha Sidhi Verde Água

Essa tradição primitiva da correlação da cor com o sacro é encontrada em todas as


religiões do mundo. Segundo Mircea Eliade na obra Shamanism, o mito do arco-íris, como
sendo uma estrada dos deuses situada entre o céu e a terra, pode ser encontrada na
tradição japonesa bem como nas concepções religiosas da Mesopotâmia. As sete cores
foram assimiladas aos sete céus cujo simbolismo está presente não só na Índia como na
Babilônia e também no Judaísmo. Em muitas das reproduções dos afrescos de Bamyan o
Buda é representado sentado num arco-íris de sete cores. Na arte cristã o Ser supremo está
envolvido também por um arco-íris. Da mesma forma os tambores usados nos rituais de
magia dos shamans da Ásia Central são decorados com fitas de sete cores.
Na religião jaina da índia, cujo objetivo é a libertação do homem através de uma vida
de pureza e ascese, a mônada que constitui o núcleo do ser é presa na existência pela
matéria cármica que flui através dos órgãos dos sentidos. Segundo sua tradição o negro é
característico da crueldade, das pessoas brutas que fazem mal e torturam os semelhantes.
O azul-escuro caracteriza os venais, ambiciosos, sensuais e instáveis. O cinza é típico dos
irrequietos, descontrolados e irascíveis. Os prudentes, honestos, magnânimos e devotos
são de natureza vermelha. O amarelo denota a compaixão, consideração, altruísmo, não-
violência e autocontrole, enquanto as almas brancas são aquelas para as quais o
desapaixonamento, a imparcialidade e o desapego são características marcantes.

Cromoterapia
No fim do século XIX uma série de experiências foram feitas para comprovar o valor
terapêutico da cor. A luz vermelha foi experimentada no tratamento da varíola. O Dr.
Dodson Hessey testou no Hospital Guy essas técnicas em vários pacientes obtendo ótimos
resultados. Vejamos as principais indicações das diversas cores:
Negro - ausência de cor - é muito depressivo mas tem ação terapêutica em certas
personalidades extrovertidas.
Azul - é adstringente, produz o aumento de pressao sanguínea e acalma pessoas
excitadas. Pode também agir como depressivo nas pessoas acabrunhadas.
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Amarelo - elimina certas espécies de inflamações e estimula o sistema cérebro
espinhal. Ótimo para gabinetes de trabalho intelectual.
Verde - costuma baixar a pressão do sangue. Alivia a dor mas pode provocar em certos
pacientes nervosismo.
Rosa - cor expansiva e de suave estimulação.
Laranja-avermelhado - cor extremamente estimulante não sendo boa para pessoas
muito sensíveis.
Violeta - cor curiosa e de difícil aplicação. Em algumas pessoas produz um
desequilíbrio que muitas vezes é tomado por atividade vital crescente.
Todos sabem que, nos quartos de hospital, as cores mais usadas são o verde e o azul.

A falta de visão
Sendo a visão o sentido que nos permite participar mais diretamente com a realidade
que nos cerca, sua falta desenvolve através de um mecanismo compensatório, uma maior
atividade de outros sentidos. Apesar disso a visão é praticamente insubstituível. É difícil
descrever a realidade sem palavras como demonstra o teste que foi dado a três desenhistas
que nunca tinham visto um animal chamado opossum descrito na Enciclopédia Britânica da
seguinte forma: "o opossum é um animal pequeno com longo focinho, orelhas e cauda. As
patas possuem garras afiadas. As espécies mais conhecidas têm o tamanho de um gato
sendo o pelo lanoso de cor cinza". O resultado formam três desenhos do mesmo animal
completamente diferentes apesar de todos representarem, fielmente, as características
mencionadas. É por essa razão que se costuma dizer que um desenho bem feito mostra
mais do que um milhão de palavras.
Outra história, também clássica, da importância da visão é a dos seis cegos da Índia:
Viviam eles numa cidade na qual era famoso o elefante do rajá. Todos falavam do
animal aos pobres cegos até que, cansados dos falatórios, resolveram examiná-lo
diretamente. Quando certo dia ouviram seus ruídos de aproximação pela estrada, o
primeiro foi de encontro a ele e tateando encontrou sua barriga. Começou então a gritar:
"Por Allah o elefante é um muro!" Aconteceu que o segundo segurou numa das presas e ao
ouvir a exclamação do amigo começou a discutir pois para ele o animal era pontiagudo e
redondo como um lança. O terceiro tateando agarrou a tromba e sacudindo-a dizia que o
elefante era uma serpente enorme. Por fim o quarto, ansioso, agarrou a imensa perna do
animal e sentindo a rugosidade afirmou que ele era uma árvore copada. O quinto, mais
cético do que os outros, saltou o mais alto que pode e segurou-se numa das orelhas do
paquiderme e de lá gritava: "sois todos uns tolos, o elefante é o abano do rajá". Enquanto
isso o sexto, o mais velho e também considerado o mais sábio, devagarzinho segurara a
cauda e dizia compenetrado: "Calem-se todos porque quem vos fala é o mais sábio. O
elefante nada mais é do que uma corda resistente". Temos assim seis opiniões, seis pontos
de vista diferentes de uma mesma realidade. Se quiséssemos fazer o retrato falado do
elefante com os elementos fornecidos pelas observações parciais dos cegos o resultado
seria dos mais estapafúrdios.

O PONTO DE VISTA

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Uma das coisas que mais distorce a comunicação é o ponto de vista. A perspectiva,
nascida na Renascença, deu profundidade ao desenho condicionando o homem
psicologicamente à importância de um ponto de vista: o seu. É preciso ter consciência que
somos diferentes de todos os outros. Somos um turbilhão em constante renovação.
Possuímos dentro de nós vários "eus" que se nos apossam sem que os sintamos. Às vezes
somos santo, pecador, banal, poeta. Vamos às estrelas e mergulhamos na lama. Todos nós
queremos ser várias coisas nesta vida.
Segundo Don Fabun, nossos problemas em comunicação nascem porque esquecemos
de lembrar que as experiências individuais nunca são idênticas. Entretanto é indispensável -
para quem estuda comunicação com o objetivo de passar da teoria à prática - ter, bem
nítida, consciência do aspecto global de qualquer fato. A comunicação pode se ampliar ou
restringir à medida que o observador seja mais ou menos fechado ao aspecto global da
coisa observada.

A ARTE DE VER

Existe uma arte esquecida pela maioria e que consiste em ver a mensagem
incontaminada da coisa em si. Quando vemos um objeto geralmente estamos projetando
nele todos os conceitos, memórias e hábitos adquiridos. Os chamados testes projetivos são
um testemunho de como nos projetamos nas coisas observadas. O chamado teste de
Rorshach é baseado em manchas de tinta e a interpretação que a elas damos. Já no teste
temático, em vez de manchas de tinta, o observador analisa uma série de formas ambíguas
que permitem uma série de interpretações. O grande problema diante de nós, que dificulta
a comunicação do sujeito com o objeto, é que, para ver, temos de ser simples, abertos,
humildes de espírito. O filósofo hindu J. Krisnamurti conceitua, de maneira perfeita, o
processo contaminador que destrói a percepção do real:
"Será que entraste alguma vez em contato com uma árvore, com um ser humano ou
com uma flor? Quando olhas uma árvore no parque existe um observador e uma coisa
observada. Há um espaço entre tu e a árvore. Entrar em contato direto significa não existir
um espaço. Quando observamos sem o observador, isto é, sem um fundo de
condicionamento - memória - o espaço desaparece e surge o amor. Um amor diferente
daquilo que normalmente consideramos".
Neste momento em que o sujeito se funde com o objeto há comunicação, comunhão,
amor. Comunicação, comunhão e amor: três nomes para significar uma mesma realidade
nascida quando desaparece a ilusória separação do eu e tu. Esse estado supremo de
realização está aberto aos homens podendo ser atingido através das portas da visão
quando, graças à arte de ver, podemos captar pela primeira vez as coisas como elas são em
sua pureza última.
Fernando Pessoa, nos Poemas Inconiuntos, mostra sua enorme lucidez, quando o seu
heterônimo Alberto Caeiro afirma:

"Não basta abrir a janela


Para ver os campos e os rios.
Não é bastante não ser cego
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Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora:
E um sonho do que poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela".

6
O Espaço Acústico
ESPAÇO auditivo é um mundo de dimensões diferentes. E como se fosse uma esfera
sem limites. Na expressão de Mac Luhan: " É um espaço feito pela própria coisa. Não um
espaço pictórico, encaixado, estático, mas dinâmico, em fluxo constante, criando suas
próprias dimensões de momento a momento". Ouçam uma música e sentirão que ela só
vive no momento da criação. Ao contrário de um quadro no qual o tempo está petrificado,
uma sinfonia é a própria criação em processo. Nada melhor para sentir o espaço acústico
do que prestarmos atenção a ele. Uma atenção que normalmente não está focalizada, pois
a vida para a maioria de nós é quase um sonho onde a repetição mecânica de
pensamentos, palavras e ações é uma constante. Fechem os olhos e ouçam, o mundo
chegando através dos ouvidos. Chora uma criança neste momento que escrevo, um sino
bate ao longe, os pássaros piam misturados ao ruído de um avião. Toda uma série de
estímulos chegam até nós, simultaneamente. Nesse espaço as dimensões são diferentes. O
isolamento característico do mundo visual, separando os objetos em mundos estanques,
com sua forma, cor e contraste é substituído por um outro contínuo, com vida própria. As
fronteiras desse espaço dependem dos limites da sensibilidade de quem escuta. No caso
humano a audição permite que sejamos sensibilizados por vibrações de ar que vão desde
dezesseis ciclos por segundo até vinte mil ciclos. Caso essa sensibilidade fosse aumentada o
homem passaria a ouvir a circulação do sangue no corpo, o bater do coração, o choque

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constante das moléculas de ar de encontro uma às outras, e teria dificuldade de ouvir os
acontecimentos externos.
Especialmente nos países industrializados, a época de hoje, mais do que qualquer
outra, é caracterizada pelo ruído, que se intensifica nas grandes metrópoles e pode ser
sentida à distância como o rugir surdo das ondas contra a costa. A comunicação utiliza, em
alta escala, toda uma série de sons que vão desde as palavras (ruídos com significados) até
os ruídos industriais que são uma espécie de subproduto da civilização atual. O homem é
condicionado pelo espaço acústico, pelos ruídos, sentindo dificuldade em ficar em silêncio.
Há um pavor generalizado da solidão, sobretudo nas longas tardes de domingo, quando
não sabemos o "que fazer para encher o tempo". Para o homem-massa a solidão
representa a morte, o silêncio traz a insegurança de não sentir os outros. Vamos encontrar,
perdida no passado, a busca de companhia para combater essa solidão. A música tribal, os
cânticos, as danças em grupo dão segurança. Uma análise dos cânticos tribais demonstra
que, na sua raiz, está a necessidade do homem pertencer a alguma coisa rompendo a
solidão. Nada melhor para compreender a psicologia do som do que ouvir música.
Ouçamos, por exemplo, Vivaldi. Além da melodia que penetra nos nossos ouvidos,
revivemos também o espírito do século XVII, reminiscências de outra época, restos de
mundos mergulhados nas águas do inconsciente coletivo que voltam à tona graças a magia
comunicativa dos sons. É intenso o poder evocativo da música, seu poder de mexer com
camadas profundas do ser humano. Gustav Jung relata no seu livro de memórias curiosa
experiência ligada ao espaço acústico. Como Jung era um homem de intensa atividade nos
hospitais de Zurich, procurava se retirar para onde ninguém pudesse perturbá-lo nos fins de
semana. Foi nas margens do lago de Zurich que encontrou seu abrigo ideal, e em 1922
comprou, junto ao lago, as ruínas de uma antiga e isolada casa de pedra de estrutura
circular onde o fogo era o centro de toda a atividade. Aos poucos, foi adicionando cômodos
para viver ali uma vida desligada do movimento e ruído da vida profissional. Lá encontrava
energias, inspiração para casos difíceis e escreveu grande parte da sua obra imensa contida
em dezoito volumes. A casa permanecia incompleta até 1931, quando, segundo ele:
"...construí uma torre. Queria um quarto separado onde só eu pudesse entrar. Recordava-
me de algumas casas na Índia onde sempre existe um canto, mesmo que seja um pedaço de
quarto, separado do resto por uma cortina, para o qual o dono da casa pode se retirar. Lá
eles meditam por um quarto de hora, fazem exercícios de Yoga". Foi em Bollingem - local
onde ficava situada sua modesta casa de campo - que ele encontrou o seu "cantinho", em
modesta harmonia com a natureza. O silêncio era quase audível tal a tranquilidade do local.
Não tendo eletricidade para aquecimento, acendia a lareira à noite e iluminava os quartos
com velhas lâmpadas. Tampouco havia água corrente, nem qualquer dos modernos
confortos que o homem de hoje anseia. Tinha de apanhar água no poço, rachar lenha para
a cozinha e executar uma série de trabalhos simples. E como é difícil ser simples num
mundo complicado pelo próprio homem... Foi nesse ambiente rústico, quase inóspito, que
grande parte do profundo trabalho de Jung foi feito. Ali suas experiências mais autênticas
surgiram, algumas delas só reveladas após sua morte pela própria vontade do autor que
sabia o elevado teor polêmico que continham. Numa delas Jung relata:
"Estava eu em Bollingem ao ser concluída a primeira torre. Era no inverno de 1923/24.
Quanto posso me recordar, não havia mais neve no chão. Talvez a primavera já estivesse se
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aproximando. Estivera só por uma semana, ou talvez mais. Uma indescritível tranquilidade
prevalecia. Certa noite, posso recordar-me nitidamente, estava sentado junto a lareira.
Uma enorme chaleira estava no fogo aquecendo água para lavar-me, e, quando a água
começou a ferver, a chaleira passou a cantar. Era como se, juntas, estivessem várias vozes
misturadas com instrumentos de uma orquestra. Era como se fosse uma música polifônica
que, verdade, me parecia particularmente interessante. Como se houvesse uma orquestra
no interior da torre, e outra do lado de fora. Em certos momentos uma dominava a outra.
Logo a seguir a orquestra externa respondia com intensidade. Sentado, permaneci
fascinado por mais de uma hora, ouvindo o concerto dessa melodia natural. Uma música
suave contendo em si todas as discordâncias. A música tinha as qualidades do vento e da
água".
Nesta experiência Jung nos relata o instante mágico em que o homem é despertado
para a música das coisas. Uma música suave e constante, que não conseguimos captar por
estarmos mergulhados num mundo de ruídos externos e internos. Por fim, quando
plenamente atentos, podemos furar essa barreira do ruído que nos cerca e captar a
harmonia da vida. Ainda em suas memórias, Jung nos relata uma outra experiência do
universo acústico extraordinariamente sugestiva. Esse estranho momento em que o
passado, furando a barreira de proteção gerada pelo condicionamento, consegue nos
sensibilizar. É o reencontro com as coisas mortas que subitamente readquirem a vida.
Conta-nos ele:
"Em outra noite tranquila estava eu sozinho em Bollingem. (Era no fim do inverno de
1924.) Despertei com o ruído de passos ao redor da torre. Música distante tornava-se cada
vez mais nítida à medida que se aproximava misturada com vozes e risos. Pensei: quem
poderá a esta hora andar aí por fora? O que significa isso? Havia somente um pequeno
caminho junto às margens do lago e ninguém costumava andar por ele. Resolvi então me
levantar. Fui à janela e abri as venezianas. Tudo estava calmo lá fora. Não se via ninguém,
nenhum ruído. Isto é realmente estranho - pensei eu. Tinha certeza de que os sons e risos
eram reais. Aparentemente tinha sonhado. Dormi novamente. Logo a seguir o sonho volta.
Ouço passos, risos, música. Vejo centenas de figuras vestidas de escuro, possivelmente
camponeses em roupas de domingo, vindos da montanha e que agora circulavam em redor
da torre, aos pares, rindo, cantando e tocando harmônicas. Irritado pensei: isto é o cúmulo,
acreditava ser um sonho e é uma realidade. Saltei da cama e abri as Janelas de par em par.
Lá fora tudo era tranquilidade. Uma serena noite de luar".
Este exemplo nos é dado por Gustav Jung, indiscutivelmente um dos maiores
psiquiatras do século XX. É um episódio no qual realidade e sonho se misturam com
acontecimentos perdidos nas camadas mais profundas do ser humano. O assunto
preocupou por longo tempo Jung até que certo dia, lhe cai às mãos uma crônica da cidade
de Lucerna escrita no século XVII por um certo Reward Cisat. Dizia ela que, naquele local
onde estava a casa de pedra, os camponeses da região que partiam em busca de empregos
na Itália costumavam se reunir, uma vez por ano. Alguns iam para as vindimas, outros iam,
servir de soldados mercenários nos exércitos dos condes da Itaha. A visão que tivera era
uma volta ao passado, às festas de despedida que se realizavam justamente no dia em que
ocorreu o fato. Segundo Jung, no inconsciente coletivo estão registradas para sempre todas
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as coisas. É um verdadeiro oceano primordial onde o ser humano se move e tem suas raízes
mergulhadas nas profundezas da água. É o inconsciente coletivo visto ser universal em vez
de individual.

BASE FÍSICA E PSICOLÓGICA DO SOM

Quando vibramos um objeto ele produz som, cria zonas de diferença de pressão no ar
que o rodeia. As áreas de pressão se movem enquanto as partículas de ar se mantêm
imóveis. As ondas de pressão se propagam ao nível do mar a 330 m/segundo. Uma onda
sonora possui três dimensões: frequência, intensidade e timbre. A frequência se caracteriza
pelo número de vibrações por segundo constituindo o chamado TOM. A intensidade é a
pressão das ondas nos objetos em que se chocam, podendo ser medida em termos de
volume. O timbre é a complexidade da vibração. Há uma correlação natural entre o Som e a
Cor.
Cor Som
Tom Tom
Saturação Volume
Brilho Timbre

O tom está em ligação direta com o número de vibrações por segundo. Aos nossos
ouvidos uma nota soa mais alto ou mais baixa. As notas musicais admitem diversos tons. A
altura é o chamado volume que nos permite distinguir, desde o mais tênue do sons
próximos ao limiar da audibilidade até o som mais intenso que podemos suportar, sem o
perigo da destruição do nosso aparelho auditivo. A unidade que mede a intensidade é o
decibel. O som mais alto que podemos suportar é o ruído de um avião a jato que atinge a
130 dbs. Um automóvel comum atinge 70, um trem registra 100 dbs, uma conversa ao
ouvido 20 dbs. Acima dos 130 dbs a vibração é tão intensa que causa dor no ouvido. O
timbre denota a qualidade do som. A maioria dos sons são complexos sendo que um é
fundamental e os outros são simples complementos do primeiro.

O OUVIDO HUMANO

O ouvido tem três partes distintas. O ouvido externo o médio e o interno. O ouvido
externo é constituído pela orelha, que serve para captar os sons conduzindo-os ao interior.
No ouvido interno existe uma membrana, o tímpano - localizado no final do ouvido médio e
na entrada do interno. As alterações dessa membrana que vibra em ressonância com ondas
sonoras são conduzidas por uma cadeia de ossículos até a zona conhecida por caracol ou
colcheia. O caracol possui três diferentes dutos ou canais separados uns dos outros por
membranas cheias de fluido. Os cílios que constituem a extremidade do nervo auditivo, se
movimentam no interior do líquido do caracol impulsionados pelas vibrações do ar de
encontro ao tímpano. As vibrações mecânicas são transformadas então em impulsos
elétricos que atingem o cérebro.

TERAPIA MUSICAL
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A antiguidade está cheia de exemplos da importância da música como terapia. No
Egito, há 4000 anos a.C., os sacerdotes adotavam a música como uma forma especial de
sugestão psíquica. Iam mais além quando admitiam a música como verdadeira medicina da
alma. Os sons dos instrumentos musicais eram considerados possuidores da força de um
encantamento. Os persas diziam que a música era um dos aspectos do princípio do bem:
Ahura Mazda. Várias doenças eram tratadas pelos sons da harpa. Os antigos hebreus
conheciam bem o valor terapêutico da música conforme a Bíblia revela na passagem onde o
Rei Saul era socorrido por David com sua harpa: "quando o espírito do mal estava sobre o
Rei Saul, David tomava sua harpa e tocava com suas mãos, de tal forma, que o Rei Saul era
aliviado e o espírito do maio abandonava".
Na antiga China a música era também considerada uma forma efetiva de comunicação
do homem consigo mesmo e com os outros. Confúcio era grande amante da música
chegando a considerá-la um fator positivo na maneira de viver em harmonia. Platão, em
sua obra A República, expressa a crença de que é possível se formar um povo através da
música. Pitágoras recomenda a música como tratamento das emoções. Posteriormente
Napoleão admitia que a derrota na Rússia fora causada pela "bárbara música dos cossacos".
Hitler utilizou a música vibrante das bandas marciais como fator poderoso de
condicionamento da massa. A música de Wagner teve uma aplicação intensa na
intensificação dos sentimentos de povo escolhido, raça suprema, que caracteriza o nazismo
delirante. Hoje estuda-se a influência da música no ser humano, e muitas clínicas adotam-
na como terapia adicional em doenças nervosas. Bach, Beethoven, Chopin são receitados
como os meprobamatos, Valeriam ou anfetamina.

ANÁLISE DA AUDIÇÃO

Ouvir é renunciar, ser humilde, aberto às informações que nos chegam do exterior.
Ouvir todos ouvem, salvo exceções patológicas, mas escutar poucos escutam. A distinção
entre ouvir e escutar, feita por Krisnamurti em vários trechos de sua enorme obra, é de
uma significação profunda em comunicação. Nos dicionários clássicos ouvir e escutar são
sinônimos de uma mesma atividade da realidade que nos cerca. Porém, ouvir é o progresso
em que recebemos a mensagem através do aparelho auditivo e a descodificamos em
função do nosso condicionamento. Portanto, quando ouvimos alguém ou alguma coisa,
estamos ouvindo o "ruído" dos nossos próprios pensamentos. São em grande número as
pessoas que só ouvem a si próprias tal o grau de condicionamento atingido. Existem muitas
pessoas que raramente ouvem as outras. São criaturas cheias de opiniões, crenças,
conceitos, e que têm sempre uma interpretação dos fatos baseados no "sicrano disse",
"beltrano afirmou". São seres cristalizados, opacos, que perderam a capacidade de escutar.
Escutar é ouvir de mente aberta, com humildade, sem espírito preconcebido. É ouvir o
ruído do vento, das ondas o canto dos pássaros sentindo sua mensagem no fundo do ser.
Escutar é compreender as coisas como elas são em sua natureza. É a primeira condição para
que o processo de comunicação se estabeleça. É uma arte que permite ao homem
compreender, pela primeira vez, os filhos, esposa, o mundo enfim. Para se conseguir
realmente escutar é indispensável uma "atenção total" dos fatos, atenção essa que não
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requer esforço, impedimentos, ou barreiras, da qual resultará a comunhão do observador
com a coisa observada. Comunhão é a comunicação total, na qual o emissor e o receptor
vibram em uníssono. Portanto, comunicação é ressonância. Quando não há ressonância a
comunicação processa-se apenas na superfície, no plano da forma, das palavras. Daí
concluir-se que o espaço acústico é uma enorme porta aberta diante de nós, que nos
permite encontrar a realidade.
É imensa a atividade do homem no campo dos sons. Pesquisas feitas demonstram que
durante a nossa vigília, 42 % do tempo estamos ouvindo, 25 % do tempo estamos falando,
18 % escrevendo e 15 % lendo. Nossa vida tem, portanto, uma grande dimensão auditiva.
Pelos ouvidos entram constantemente uma série de informações sobre o mundo. Com a
ampliação da nossa percepção sonora do mundo, podemos obter uma série de vantagens
em relação aos outros. O bom ouvinte é raro, pois em geral, não ouvimos a não ser os
nossos próprios pensamentos. O Evangelho de São João 1-19 dá um conselho dos mais
oportunos: "Seja rápido no ouvir, lento no falar". Ser rápido no ouvir é estar atento à
realidade, aos seus mínimos detalhes, ao que a maioria das pessoas não alcança. A Arte de
ouvir é importantíssima para o médico, psicólogo, sacerdote, para todos que têm de obter
dados sobre os outros. O bom ouvinte consegue ter melhor informação das coisas, ganha
tempo, tem certeza que sua mensagem é recebida e, além disso, estimula o interlocutor a
falar o que é imprescindível quando necessitamos colher informações de alguém. Por fim,
quem sabe ouvir evita mal-entendidos que decorrem de comunicações feitas pela metade.
Há uma série de fatores básicos ao mecanismo da audição. Ouvimos melhor quando
temos necessidade de compreender porque o assunto nos afeta pessoalmente. As coisas de
que gostamos são mais fáceis de ouvir. Observem como é dolorosa a advertência pública
das nossas faltas, pois elas ferem o amor próprio, a imagem supervalorizada de nós
mesmos que é uma verdadeira barreira à comunicação.
Os objetivos de quem ouve são de várias ordens. Uns ouvem para ter opinião sobre
um fato, outros para discutir, como no caso do advogado de defesa atento ao promotor em
sua argumentação. É sempre a atitude mental que dá maior ou menor eficiência ao que
ouvimos. Há fatores físicos e mentais que atuam no processo. Entre os físicos podemos
salientar: temperatura, ruído, iluminação, condições de saúde, deficiências auditivas e a
forma de apresentação. Entre os mentais: indiferença, impaciência, preconceito,
preocupação e oportunidade.
Além desses fatores mencionados, que dificultam ou impedem o estabelecimento do
processo comunicativo através da audição, existem inúmeros vícios que podem também
impedir a compreensão da mensagem. Um desses vícios é a falta de atenção, característica
de muitas pessoas que vivem borboleteando de assunto para assunto geralmente
autocentradas no seu pequeno mundo. Há, também, os que têm dificuldade em ouvir por
geralmente não olhar para seu interlocutor. A visão reforça grandemente a audição, pois os
sentidos são complementares em sua função de exploradores da realidade que nos cerca.
As pessoas que tomam nota em excesso - como muitos estudantes em suas aulas -
dificultam a compreensão. Recomendações básicas para ouvir melhor incluem a fuga das
distrações e uma constante atenção a quem fala. O interesse tem que ser estimulado
convencendo-nos que com o treinamento podemos melhorar sempre.

42
7
O Mundo Verbal

LÁ-BLÁ-BLÁ... Os homens falam em milhares de línguas e dialetos. Verdadeiras


tempestades de sons invadem constantemente nossos ouvidos. Linguagens que são para
nós tão fechadas como universos-ilhas. Podemos afirmar:
No início era o verbo, o verbo que se fez luz. Cada palavra um Universo com alma
própria, vivência. Palavras soltas são constelações, estrelas agindo juntas, vivendo
isoladamente. Juntas, isoladamente.
Cada palavra tem, portanto, vida própria como um ser diferente dos outros. Possui
cor, peso, dimensões. Pode brilhar como uma estrela ou ser opaca como uma pedra. O
primeiro princípio a fixar é que cada palavra é apenas um sinal de alguma coisa. Os sinais
são arbitrários e consistem em verdadeiros rótulos que nos levam a conteúdos conhecidos.
Existe um verdadeiro abismo entre a palavra e a coisa que ela representa. Os homens
perdem a consciência dessa realidade em virtude do enorme condicionamento sofrido
pelas palavras. Alfred Korzybski, nascido em Varsóvia em 1879, é um verdadeiro
revolucionário do pensamento humano com suas teorias sobre a natureza da linguagem.
Formado em Engenharia, estabeleceu-se nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra
Mundial tendo ali formulado sua Semântica Geral e fundado o Instituto Não-Aristotélico.
Sua obra Science and Sanity é um marco na história do pensamento humano, tão
importante quanto os trabalhos de Einstein na Física. É um homem que teve a coragem de
43
ir contra o estabelecido, há milênios, no nosso sistema nervoso ao mostrar o aspecto
relativo da lógica aristotélica que impregna a Cultura Ocidental, responsável pelo mundo
que aí está. Na obra citada afirma corajosamente: "Há um poderoso e bem organizado
sistema escudado por enorme riqueza, baseado em moldes pré-aristotélicos e aristotélicos
de avaliação, mantendo a humanidade presa a ilusórios estados semânticos. Os membros
dessa organização fazem o melhor que conhecem para manter escravizada a insana
humanidade distante da realidade, em vez de auxiliarem na revisão de modelos
aristotélicos de avaliação, reorganizando as horríveis realidades de nossa própria criação
em realidades menos dolorosas". Charles Peirce reconhece, desoladamente, num desabafo
que é mais um lamento: "se o mais alto impulso da humanidade é o que a transforma em
escrava, então, infelizmente, escravos devemos permanecer".
As teorias de Korzybski revelam a ação destruidora das palavras na psique humana e
foram comprovadas pelo Dr. Douglas Kelley, Chefe da Patologia Clínica no teatro de
operações europeu, ao declarar:
"A Semântica Geral, como moderno método científico, oferece técnicas que são de
extremo valor na prevenção e cura de estados patológicos. Na minha experiência com sete
mil casos no teatro europeu de operações, comprovei sua eficácia".
É um sistema que visa uma reconstrução de condicionamentos. Uma reformulação do
sistema nervoso dando novas condições para que a comunicação se estabeleça sem
conflitos, sem ruído. Um velho provérbio polonês afirma: "Deus pode perdoar teus
pecados. O teu sistema nervoso, não". A Semântica Geral é uma disciplina que busca treinar
o sistema nervoso permitindo que funcione com maior eficiência. A experiência comprova
que pacientes submetidos a esse tratamento são beneficiados em 90% dos casos. O fato é
que os mecanismos nervosos funcionam automaticamente para o bem ou para o mal. As
neuroses são bloqueios existentes no funcionamento do sistema nervoso que podem ser
removidos com o necessário treinamento, com a reeducação do condicionamento
adquirido. Uma enorme série de males aflige os homens deste fim de século. Uma espécie
de sombria procissão de fantasmas que encurta a Vida dos que são submetidos ao ritmo
agitado de hoje: dor de cabeça, desordens cardíacas, respiratórias, úlceras, alergias, etc.
Males que têm como raiz diversas causas semânticas. Isto é, palavras provocando reações
semânticas que deixam marcas permanentes no sistema nervoso. Korzybsky criou um
modelo visual, o modelo estrutural diferencial, para clarear seus conceitos. É o chamado
Antropômetro, um diagrama feito de formas unidas entre si por arames. A é uma parábola
representando o "evento", a coisa em si, ou seja, a realidade incontaminada. Note-se que
ela é seccionada, o que indica a sua extensão infinita. B. é o objeto que vemos. B uma
projeção produzida no nosso sistema nervoso e modificada pelos nossos condicionamentos
a respeito da "coisa em si". Note-se ainda que o evento está ligado ao objeto por uma série
de linhas, sendo muitas delas interrompidas. São apelos que não chegam até nós devido a
insensibilidade de nossos sentidos. C é o rótulo, a palavra com que identificamos o objeto.
Ela é relativa ao idioma de que faz parte.

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D.E. são conceitos adicionais. Considerações acessórias para descrever a realidade A.
A ilusão nascida do condicionamento de tomarmos a palavra pela realidade que representa
tem causado todo um mundo de sofrimentos à humanidade. Um trágico cortejo de guerras
e choques estão presentes diante de todos para demonstrar até que ponto distorções
verbais produzindo distorções nas comunicações humanas têm sido a causa de inúmeros
dramas. A linguagem não é o espelho da realidade, e sim uma simples representação
simbólica dela. Há, portanto, um verdadeiro abismo entre a percepção e o fato real, entre o
fato e seu retrato. Observem um ventilador em movimento; quando a velocidade atinge um
determinado limite, as hélices, que são isoladas em sua natureza, parecem soldadas num
disco único, que, aparentemente sólido, não é real, mas apenas o resultado da integração
ocorrida no nosso sistema nervoso em virtude de sua incapacidade de discernir fenômenos
em velocidades elevadas. Daí surge uma série de determinações que se refletem na
linguagem. Uma das principais "doenças" da linguagem está contida na afirmação "é". Em
sentido absoluto nada "é". Quando vejo uma flor e afirmo: a flor é vermelha, estou errado,
incorrendo numa generalização infundada. Há sempre um abismo imenso entre o fato e o
objeto e outro entre o objeto e a palavra. Quando dizemos que uma coisa é, estamos
afirmando que existe uma relação, ponto por ponto, entre o fato e o objeto, o que é um
absurdo, pois existe um número infinito de ligações que não chegam à nossa sensibilidade.
Por isso, correto seria dizer: a flor me parece vermelha. A falsa identificação deve ser
rejeitada, pois ela é a causa de inúmeros mal-entendidos que deformam a comunicação. Há
uma tendência marcante do homem para se projetar nos objetos dando-lhes valores que
não possuem, tirando deles, num verdadeiro vampirismo verbal, significações que não
existem. Toda palavra é, portanto, uma significação individual, função de um
condicionamento anterior. Para muitos a sucessão de palavras são apenas ruídos. Sons sem
significação. Por exemplo:
Meigetsu ni
Kotsunen to shite
Ikku kana
Trata-se, entretanto, de um Haiku japonês, de profunda significação poética, cujo
autor é um certo Sekkei de quem nada sabemos, além de sua poesia, que tem valor eterno
pois existe dentro de todos nós além do espaço e do tempo. Esses sons sem ressonância
para quem não conheça a língua japonesa, mesmo traduzidos para o português, ainda
conservam o momento mágico da experiência criadora do poeta.
Como brilha a lua!
Súbito a poesia
Nasceu em mim.
45
Há, sem dúvida, um abismo entre a experiência diretamente sentida por Sekkei num
instante mágico de sua existência e as palavras do pequeno poema e mais ainda entre elas
e a tradução para nossa língua. As palavras têm diferentes repercussões nos indivíduos em
função do seu condicionamento. A palavra Lua ou Luar está muito mais marcada nos que
têm ou tiveram a experiência direta do luar durante anos vividos no interior, distantes da
civilização, onde as luzes e ruídos são uma constante. Nas cidades a lua não consegue
mostrar todo o brilho, tal o ofuscamento artificial existente. Nem tampouco os homens que
a observam possuem a consciência da sua forma, absorvidos que estão por milhares de
estímulos, produtos da vida em comunidades desenvolvidas. Já no campo, onde nem
sempre há luz elétrica e os ruídos são os da natureza, o luar marca os homens
profundamente, como também os marcam os grilos, os sapos, os pássaros em seus cantos.
A palavra pássaro, para nós da cidade, não tem a expressividade que possui para os que a
conhecem em sua manifestação natural. É preciso compreender que, quando nos
comunicamos, estamos usando palavras que não produzem a mesma repercussão
psicológica na mente do receptor.

CARACTERÍSTICAS DA PALAVRA FALADA

Apesar de todas as limitações, a palavra é o grande veículo de comunicação entre os


homens. A ideia da torre de Babel, onde os idiomas surgiram da linguagem única causando
a confusão na mente humana, é de extrema significação. A experiência da palavra falada
não nos traz somente a consciência de sons entrecortados. Há uma série de importantes
fatores em jogo. Quando ouvimos estamos sentindo: entonação, altura, ritmo, sotaque,
qualidade. Estes são os cinco fatores principais, característicos da palavra falada.
A entonação é a vida das palavras. É a ênfase que damos ao pronunciá-las. E a força
impressa por quem fala, o impulso dado às pedras, que podem ir mais longe, atingindo o
objetivo de quem as arremessa. Uma frase pode ser descolorida como a impressa num
jornal de má qualidade gráfica, ou reluzente como um anúncio luminoso. Podemos citar,
como exemplo, um poema de Manuel Bandeira intitulado "Poética", verdadeira explosão
verbal, uma revolta contra os convencionalismos de todas as espécies. Experimentem lê-lo
primeiramente sem articular, silenciosamente, depois em voz alta, procurando dar ênfase
às palavras, interpretando sua significação com a devida entonação, dando pausas, reforços
verbais, graves e baixos.

Poética

"Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto, expediente, protocolo.e
manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um
vocábulo.
Abaixo os Puristas!
Todas as palavras, sobretudo os barbarismos universais, Todas as construções,
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sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis.
Estou farto do lirismo namorador.
Político
Raquítico
Sifilítico,
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo,
Será contabilidade, tabela de co-senos, secretário do amante exemplar com modelos
de cartas e diferentes maneiras de agradar as mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
Não quero mais saber de lirismo que não é libertação".

Este poema adquire toda uma vida quando lido com a devida entonação. A voz
humana é um instrumento maravilhoso de comunicação: é algo no qual a sensibilidade está
presente.
O segundo fator a considerar é a altura que damos às palavras. A sua intensidade pode
reforçar significativamente o texto. A variação de altura dá colorido àquilo que se fala. É um
recurso usado pelos oradores, professores, por todos os que falam em público. Podemos
despertar o interesse em certas Passagens com uma entonação especial de voz. Os
locutores de rádio e televisão adotam essa técnica para chamar a atenção ao texto. Como
exemplo de recursos que podem ser empregados na leitura de um texto, citamos esta
pequena obra-prima de Manuel Bandeira, que é "Poema tirado de uma notícia de jornal":
"João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no Morro da Babilônia num
barracão sem número.
Uma noite ele chegou ao bar Vinte de Novembro. Bebeu. Cantou. Dançou. Depois se
atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado".
As palavras podem, também, expressar ritmo. O ritmo é importantíssimo na linguagem
do poeta; produz uma cadência hipnótica, que predispõe, em quem lê ou ouve uma poesia,
uma sensação interior semelhante à do poeta. A ressonância entre o poeta e o receptor é
intensificada pelo ritmo. O homem vive rodeado de ritmos; ele mesmo é a expressão de um
ritmo de vida durante sua existência. A respiração, a pulsação, os dias e as noites, as
estações do ano, as fases da lua, as marés são alguns dos inúmeros tipos de ritmo da nossa
vida. É ele que produz centelhas nas palavras fazendo-as brilhar com luz própria. Ilumina o
texto, dá-lhe vida. Por isso, o poeta é um ser que expressa seu ritmo interior na poesia.
Assim se expressou e, vibrou Fernando Pessoa ao escrever a "Ode triunfal", uma pagina
que descreve - em versos - a vida moderna em toda sua trepidação, exemplo vivo da força
do ritmo nas palavras.
"Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar.
Eia. os aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos.
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos, brocas, máquinas
rotativas!
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Eia, Eia, Eia!
Eia a eletricidade, nervos doentes da matéria!
Eia a telegrafia sem fios, simpatia metálica do inconsciente!
Eia túneis, eia canal , Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós!
Eia! Eia! Eia! Eia!
Frutos de ferro e útil da árvore cosmopolita.
Eia! Eia! Eia! Eia! hô ô O!
Não sei que existo para dentro. Giro. Rodeio. Engenho-me.
Engatam-se em todos os comboios. Içam-me em todos os cais.
Giram dentro da hélice de todos os navios. Eia! eia hô eia!
Eia! Sou o calor mecânico e a eletricidade.
Eia os rails e as casas de máquinas e a Europa.
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo. Hup-Iá. Hup-lá, hup-lá, hup-lá, hup-Iá
Hé-lá, Hé-hô Ho-o-o-o-o
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
AH NÃO SER EU TODA A GENTE E TODA A PARTE!"
O sotaque é outro fator característico da palavra falada, que revela a procedência
sócio-cultural de quem fala, autenticando a mensagem. Guimarães Rosa, Jorge Amado, José
Lins do Rego e tantos outros têm na sua expressão verbal toda a marca de autenticidade
transmitida nos seus textos. Sente-se a Bahia, em Jorge Amado, assim como o sertão de
Minas em Guimarães Rosa ou a Paraíba em José Lins do Rego. Suas palavras trazem em
suas raízes a terra da região onde nasceram, o perfume dos campos, o cheiro de gente,
provocando em nós, graças à força imensa da evocação, uma verdadeira recriação.
Como última característica da palavra falada devemos considerar a qualidade que diz
respeito à forma, à aparência; algo parecido com o acabamento dado na confecção dos
objetos. Uma caixa de madeira pode ser feita com maior ou menor qualidade. Da mesma
forma as palavras podem ser ditas com maior ou menor precisão para expressar a realidade
que queremos transmitir. A palavra falada pode ainda assemelhar-se a uma fotografia, cujo
original foi obtido com uma câmara de grande qualidade mas ao ser reproduzida muitas
vezes perde a nitidez, como acontece, por exemplo, na impressão de um jornal cujos clichês
são reticulados. Na televisão ocorre o mesmo, pois, sendo feita através de pontos, ela
perde também sua qualidade. Foi essa a razão que levou Me Luhan a classificar os meios de
comunicação em frios ou quentes. Frios são os que possuem pouca nitidez de definição.
Quentes são os de grande qualidade de definição. Neste critério o cinema e o rádio são
classificados de quentes, a televisão e o jornal de frios.
Todas essas características analisadas podem ser reforçadas, dando à comunicação
verbal novas dimensões, se pudermos ver o emissor das palavras. Neste caso temos a
adicionar ao efeito da Comunicação uma série de fatores provenientes dos gestos, roupas,
face, estado social, ambiente, etc...
A palavra falada pode ser visualizada dinâmica ou estaticamente através dos
chamados fonogramas, que é a imagem gráfica da palavra. Por meio deles, pode-se
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constatar que a mesma palavra adquire, em função de quem a emite, uma forma
completamente diferente das outras. Portanto, o som está ligado diretamente à forma
dando à poesia concreta uma base real às suas tentativas em busca de uma expressão
sonora e gráfica. Na Índia o chamado mantra é a palavra-símbolo em sintonia com o lado
emotivo do ser humano. Essa vivência da correlação entre o som e a natureza, ou seja,
entre a palavra e a coisa escolhida, já era expressa nos Vedas, que podem ser considerados
os mais antigos textos escritos da humanidade. No Evangelho segundo São João está
expresso - "no início era o Som" - o Verbo do qual todas as coisas procedem. A mesma ideia
é encontrada, anteriormente, em diversos Upanishads nos quais a sílaba Aum-Om é o
símbolo da manifestação universal. Já no hinduísmo Brahman o absoluto manifesta-se sob
três aspectos: Brahma, Vishnu e Shiva. O Brahma é a letra A, Vishnu-U e Shiva-M. Perde-se
na antiguidade a ideia da correlação existente entre o macrocosmos e o microscosmos tão
bem revelados ao mundo na célebre tábua de esmeralda de Hermes Trimegisto no Egito em
seu aforismo: "o que está embaixo é igual ao que está em cima". Essa presciência é a base
dos rituais- védicos e de todos os rituais religiosos nos quais procura-se, através de palavras
e gestos bem medidos, estabelecer uma comunicação, uma ponte, com os planos sutis da
realidade. Vamos agora nos aprofundar, um pouco mais, em busca de pontes
esclarecedoras da correlação existente entre os objetos e as palavras que os identificam.
Segundo a Mantrayaha dos hindus, ou seja, da ciência dos sons, que é base da escola
tântrica, cada ser ou objeto, isto é, qualquer manifestação da realidade absoluta se
caracteriza por uma presença no espaço e no tempo. Segundo a Ciência atual essa presença
é formulada em termos de energia. Um homem, um objeto, enfim, tudo é uma
determinada concentração de energia com dimensões e duração. No mantrayana cada ser
emite um som que poderia ser ouvido por um ouvido cósmico. Uma flor, uma ave, um
homem, possui um som característico completamente diferente de todos os outros. Uma
espécie de marca que o identifica como uma ficha datiloscópica, cujo verdadeiro rótulo é o
fonograma. Todos os nomes que damos a um objeto seriam apenas aproximações desse
som fundamental que não conhecemos. Analisando este conceito sob a luz da Ciência,
vemos que existe aí uma intuição fundamental. Partindo do princípio de que toda a
manifestação é, em graus diferentes, uma concentração de energia, podemos admitir que
um objeto seja uma condensação dessa energia que é percebida pelo observador segundo
um sistema de referências compatível com seus sentidos. A energia é tensão, transforma-
ção, algo extraordinariamente dinâmico. É, em última análise, o som. Sendo cada objeto
um fenômeno, possui uma vibração sonora correspondente. Assim, a libertação suprema
do ser humano é obtida quando capta a vibração da vida cósmica no próprio Ser. Essa
realização, o encontro da raiz, é um caminho imenso. Segundo o venerável sábio da China,
Lao Tzu, "a jornada de dez mil quilômetros começa debaixo dos nossos pés". Para
seguirmos a senda que nos levará ao Tesouro, tudo depende apenas de uma pequena visão
interior.

CARACTERÍSTICAS DA PALAVRA ESCRITA

A palavra escrita possui estranho fascínio, uma magia, que lhe assegura uma posição
fundamental na Comunicação. Não representa simples borrão de mancha no papel: tem
49
vigor e elegância. Quando grafada a mão, a palavra escrita revela muito do nosso mundo
interior, do nosso temperamento, personalidade e estados emocionais. É algo como um
retrato ou impressão digital, único e inconfundível. Apesar de escrita, possui ela as mesmas
características da palavra falada. Sua entonação é dada pelo destaque no corpo e tipo de
letra. O negrito, por exemplo, chama a atenção de determinado trecho, destacando-o dos
demais. A altura é representada pelo tamanho das letras. A manchete de jornais é UM
GRITO GRÁFICO AOS OLHOS. Dependendo do seu tamanho maior será o grito! Mais intenso
o som gráfico.
O ritmo é dado pela composição. Pela arte de jogar com espaços, fotografias,
desenhos e textos. O moderno jornalismo é uma expressão viva da composição dinâmica de
diferentes mensagens. O jornal "fala", vibra diante de nossos olhos com as notícias de
destaque. A poesia concreta usa, inúmeras vezes, os chamados grafismos para realçar o
conteúdo, dando às palavras uma maior força em função da forma como são grafadas,
intensificando a reação de quem as lê. As palavras quando decompostas podem reforçar o
seu próprio sentido e o poeta através da hábil manipulação de palavras pode obter sons
com novas significações, como o músico que joga com as sete notas fundamentais. Um
exemplo é este pequeno poema de Foed Castro Chamma:
LUCILUZ
LUCIFEL
LUClMEL
LUZBELA
É tal a importância da força da palavra escrita que ela é considerada sagrada em
alguns países do Oriente. A palavra, é a própria coisa que representa. No Japão e na China,
onde a escrita é ideográfica, no símbolo gráfico está um pouco da estrutura íntima da
realidade descrita. Foram os trabalhos do poeta Ezra Pound e de Fenollosa que pela
primeira vez abriram ao mundo ocidental este fascinante mundo da palavra escrita. Pode-
se observar como certa palavras são geradas de outras. Observem o ideograma nº 1 que
quer dizer "homem" em japonês. Nota-se na simplificação da forma a representação da
estrutura humana no seu aspecto fundamental. No ideograma 2 foi superposto ao primeiro
um pequeno traço vertical nascendo então a palavra "grande". Um segundo traço acima do
primeiro dá ao ideograma uma significação de "imenso". Do primeiro desenho, composto
de dois traços simbolizando as pernas e a cabeça na vertical, nasce com um corte horizontal
na parte superior e com a força da horizontal a ideia de horizonte, de algo aberto, de
"grandeza". É grande o homem que tem essa consciência de algo maior do que ele próprio.
Já o terceiro ideograma recebe, no traço adicional em cima do primeiro, uma nova
dimensão. É outra grandeza maior que a primeira. Uma nova dimensão da consciência. É o
próprio infinito surgindo dentro do homem. É a "imensidade".

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A arte de escrever requer, portanto, uma linguagem que vai mais além dos ouvidos em
busca de uma comunicação com a realidade suprema. Daí o fato de estar antigamente nas
mãos dos sacerdotes as suas chaves. No Egito eram os escribas que manipulavam a Arte
Suprema sob a orientação da Religião. Na Idade Média, conventos, os monges
perpetuavam a tradição antiga reproduzindo os livros manualmente. O livro era então
trabalhado a mão. As letras iniciais dos capítulos eram verdadeiras joias de expressão pois
estava nessa primeira letra trabalhada, em iluminuras de renda, o início do processo da
Comunicação, algo de extremo valor para o ser humano. A chegada da letra impressa foi
uma verdadeira mudança. A revolução de Gutemberg, como é conhecida, permitiu que
aquilo que somente pertencia a alguns, aos escolhidos, aos dignos de receberem a
mensagem, se tornasse propriedade de todos. A impressão mecânica tirou, entretanto, da
palavra muito da força transmitida pela mão. No Oriente, principalmente na China e no
Japão, ainda subsiste a importância do homem que grafa as letras. O calígrafo é um artista
plástico que possui tanto valor quanto o músico ou o pintor. São inúmeras as revistas
dedicadas à reprodução de caligramas, muitos dos quais são conservados nos museus com
a mesma proteção dada a um quadro. Eles transmitem, na força dos seus traços, o espírito
da criação que nem os séculos apagam. Há na arte do pincel uma sutileza claramente
sentida na transição do repouso para o movimento. Também na caligrafia há um momento
primordial em que essa comunicação se dá plenamente: é o que os japoneses chamam de
raku-hitsu. É o instante em que a pena ou pincel, cheio de tinta, toca pela primeira vez o
papel. Convém recordar que o papel oriental é extremamente absorvente, de modo que
um toque prolongado demais se transforma num borrão. Se o toque não for preciso, exato,
os caracteres tornam-se mortos, sem força. Não conseguem expressar o toque criador do
artista. Essa arte esquecida no Ocidente, mas de grande poder de comunicação, adota
vários métodos no seu aprendizado. A própria arte é um dos inúmeros caminhos pelo qual
o homem encontra a comunicação fundamental consigo mesmo. Inicialmente, ensina-se o
discípulo a segurar o pincel firmemente, com decisão. Firmeza e decisão indispensáveis na
vida de todos os dias, quando o homem tem que se comunicar com os outros. A firmeza do
toque só surge depois de um treinamento mais ou menos prolongado, e depende muito do
amadurecimento de cada um. Nesse treinamento enfatizar-se o controle interno, a paz,
como fator fundamental para a perfeita expressão gráfica. É por isso que, no Japão, a
caligrafia é um dos caminhos que levam o homem a realização espiritual. O caligrama
perfeito é uma obra de arte, pois vibra, para todo o sempre, com o toque do seu criador.
Transmite valor, significado, além de ser elemento transformador em sua força intrínseca.

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A ARTE DAS PALAVRAS

Aqui temos que distinguir duas formas de comunicação completamente diferentes: a


arte de falar e a de escrever.
A arte de falar é um meio de autoexpressão, de conscientização de estados mentais
preexistentes que lhes dá forma e significação. Fala melhor aquele que consegue transmitir
o mundo interior de maneira mais direta, perfeita, sem ruídos. Aquele que consegue
produzir nos outros uma ressonância, uma recriação do que sente. Para isso é necessário
dominar completamente a arte de falar, tal como o músico domina o seu instrumento, dele
tirando uma série de sons. Falar todos falam, desde que não exista problema patológico,
mas poucos conseguem falar algo que expresse validade e pureza. A maioria dos seres não
fala, mas articulam simples miados ou sons repetidos. Não conseguem transmitir algo que
lhes nasça espontaneamente. São apenas ruminantes do que já foi dito, cacarejando o
condicionamento que lhes deixou marcas na memória. A arte de falar é, portanto, uma
busca de autenticidade, de algo novo que sempre existe nas coisas que procuramos
expressar. O falar pode constituir-se numa experiência profundamente reveladora de
capacidades latentes. A força da palavra autêntica é uma marca dos homens de gênio, que
conseguem, mesmo usando palavras já muito repetidas, novos efeitos em quem as ouve.
Há uma série de regras básicas para se conseguir esse efeito, a maioria delas pertencentes
à categoria do óbvio esquecido, da simplicidade perdida.
A primeira condição para quem fala é Pensar. A palavra exata é uma decorrência do
pensamento correto, assim como a sombra de seu objeto. E muito difícil falar sem ter antes
a consciência nítida do que vai ser dito, do que se pretende dizer, do objetivo em vista. Há
um falar mecânico, automático, no qual as palavras surgem como de um disco. Os contatos
entre pessoas têm a marca dessa mecanicidade. Então o falar torna-se um engrolar de
frases feitas, banais, assim: Como Vai? Vou bem, obrigado, graças a Deus! Muito prazer em
conhecê-lo. Espero encontrá-lo novamente ... Minha casa está às ordens... Tchau... Bye...
Até logo... e muitas frases como essas, que enchem as nossas vidas como moscas sobre
uma carcaça apodrecendo.
A confiança é indispensável na comunicação. O orador pode influenciar com suas
palavras a sensibilidade de grande número de pessoas.
A oportunidade é a plena convicção de cada momento; é uma porta aberta com
feições próprias. Deve-se aproveitar o aqui e agora escancarado diante de si e o tempo
desaparecerá. A maioria das pessoas vive lamentando a falta de tempo porque não sabem
utilizar a brecha mágica da oportunidade.
Nada é mais chocante do que artificialidade. A naturalidade é a vida que o orador
infunde nas suas palavras, dando-lhes uma flexibilidade para se adaptarem às mais diversas
situações, tal como os ramos de uma árvore balançando ao vento. Em alguns casos pode-se
lançar mão do artificialismo na linguagem com êxito. É uma espécie de condimento que, se
for usado em excesso, tira o gosto dos alimentos.
A clareza é um sentido difícil de obter, pois depende do mundo interior de cada um.
Há estilos de oratória como os há de arquitetura. Os góticos são os que adotam frases
longas na descrição. Adoram os pináculos das torres apontadas para o céu e procuram, nos
desenhos das rosáceas dos vitraux, imagens complicadas para transmitir sua emoção. Há os
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barrocos, os rococós, retorcidos e cheios de imagens superpostas e de anjos barrigudinhos
de olhos esbugalhados, no meio de tanto ouro. Os barrocos são aqueles que falam usando
frases longas, retorcidas, compostas de palavras inusitadas e que não conseguem transmitir
as ideias cujas formas exuberantes tanto as sacrificam. Por fim os claros, os funcionais, os
que usam vidro, vigas e colunas e que conseguem, na leveza da frase e na simplicidade do
estilo, acomodar os pensamentos e - o que é mais fundamental - transmitir sua experiência
aos que ouvem.
O entusiasmo é o calor que contamina a palavra e pode ser propagado aos que vibram,
mas, por outro lado, oferece o perigo de se tornar ridículo se não for usado com o equilíbrio
necessário.
É muito importante a maneira como são pronunciadas as palavras. A dicção correta
dá-lhes nitidez e contorno. Para isso, todas as sílabas devem ser pronunciadas com clareza
e pausadamente, dando-se ênfase à acentuação tônica, justamente porque esta é que dá a
significação correta de cada palavra.
O sentido de tempo é básico, ao bom orador que sabe medir o assunto, expondo-o,
dentro dos seus limites, sem omissões nem repetições desnecessárias. Uma das portas que
se fecham à comunicação é quando o orador não tem sentido de tempo e passa a divagar,
como um navio sem leme em alto mar. E os ouvintes são obrigados a suportar o balanço
enjoativo.
A ordenação é um processo lógico de colocar as coisas no lugar exato para uma
melhor compreensão. Um discurso, uma aula, uma simples conversa, uma entrevista, tudo
tem princípio, meio e fim. É como se fosse uma sinfonia ou uma ópera, com uma abertura,
um meio transmissor da mensagem e um fim, um arremate. Todas essas fases têm
importância capital no processo comunicativo verbal. No início, o orador estabelece as
bases de comunicação com o público: são as primeiras cenas de um filme ou a primeira fala
de uma peça teatral que preparam o ambiente. Nessa fase, se o interesse decair é difícil ao
orador retomar o controle da situação, pois as fundações iniciais foram destruídas ou
abaladas, pondo em risco a estrutura da obra. E muito útil adotar-se um pequeno resumo
dos pontos principais a serem desenvolvidos, a fim de que o indivíduo não se perca na selva
dos argumentos. Depois, na fase seguinte, cabe explorar o sentido do tempo e a
importância da composição, dando realce aos principais temas nela abordados. O final de
uma aula, de uma conversa, de um discurso ou de um livro é de grande valor, pois a última
impressão é a que fica, dando oportunidade a novos encontros. Nada é pior do que a
exclamação "noutra não me pegam", tão comum quando a comunicação não foi
estabelecida e somente tédio e sono resultaram do encontro.
Tão importante quanto o ato do falar são os momentos que prenunciam a
comunicação verbal. A condição básica para nem falar é a respiração. Falar é utilizar com
propriedade a respiração, pois os sons são emitidos quando se expira o ar. Pode-se falar no
ato da inspiração, mas é extremamente difícil. A respiração pode ser utilizada de duas
formas na arte de falar. Primeiro como técnica de tranquilização para vencer o natural
nervosismo quando se enfrenta o público. Neste caso, algumas respirações, profundas e
ritmadas, agem no sistema nervoso permitindo o restabelecimento da tranquilidade
indispensável à comunicação. Durante a oração a respiração deve ser medida pela frase.
Cada orador possui a chave da sua expressão sem cansaço, devendo procurar o seu ritmo
53
respiratório exato, para que as palavras não se choquem com a respiração.
O relaxamento muscular é tão importante quanto o psíquico, especialmente o dos
músculos da face, que deverão estar plenamente descontraídos no momento em que a
palavra é emitida, para que a dicção seja perfeita. Para isso um exercício simples consiste
em abrir lentamente a boca corno se fosse pronunciar um A. Permite um maior
relaxamento muscular e predispõe os pulmões a receberem maior quantidade de oxigênio.
A postura deve ser cuidada, principalmente a da espinha, que, deve permanecer ereta,
para que o diafragma fique na sua posição mais baixa e dê maior capacidade de respiração
aos pulmões, possibilitando uma palavra mais solta.
Antes de iniciar-se uma comunicação com o público deve-se olhar bem no fundo o
auditório ou o receptor, para se obter a calma, o domínio da situação, o preparo psicológico
da assistência. Um dos grandes defeitos do orador é o ar impessoal, desinteressado, o
modo de falar olhando para cima e para os lados, numa demonstração de falta de confiança
no que diz.
É preciso vencer o acanhamento que todo ser humano sente ao ter de falar diante de
outras pessoas. Falar é despir coisas superimpostas, pois quem fala faz uma espécie de
strip-tease diante do auditório, ao qual vai revelando, gradualmente e com arte, o assunto
que expõe.
O prof. Uirpy Benício apresenta 21 pontos básicos da arte de falar:
1. A maneira de falar é a expressão de algo Íntimo. E uma verdadeira mímica
interior.
2. Quem fala tem alguma coisa a dizer, e deve ser dito da maneira mais perfeita.
3. Ter sempre o cuidado de abrir bem a boca ao falar. Nada mais errado do que
falar com a boca fechada.
4. Ao começar, tenha ar nos pulmões, sem o que não será possível manter o sopro.
Falar é como tocar flauta: só o ar faz vibrar o instrumento.
5. Se estiver cansado, evite falar. Respire fundo até normalizar a situação.
6. Nunca force a voz quando estiver rouco ou resfriado. É melhor falar baixo e
articulado, do que gritar e não ser compreendido.
7. Se ouvir muito barulho, não fale. Deixe que o barulho cesse.
8. Quando falar procure ser, o mais possível, você mesmo.
9. Verborragia e autenticidade são coisas completamente diferentes.
10.Não esquecer que o que deve ser dito, deve obedecer a uma ordenação. Como?
Quando? De que maneira? Para quê? Por quê?
11.Quando falar em público, deve ser visto, ouvido e compreendido.
12.Não seja afetado. Procure elegância sem afetação. Naturalidade sem pieguice.
13.Os exercícios respiratórios são indispensáveis para que o orador ou o professor
possa atuar com menos esforço possível. Poupe-se para render mais.
14.A respiração deve ser pelo nariz. Pronuncie sempre as palavras no momento da
expiração.
15.Controle o processo respiratório regulando inspiração e expiração. O ritmo deve
ser o mais natural possível.
16.Cuidado com os períodos longos no qual o fôlego muitas vezes pode faltar.
17.Jamais comece falando num tom alto demais. Poupe forças para o andamento
54
da exposição.
18.Treine em voz alta procurando valorizar o texto pela entonação, altura, ritmo e
qualidade adequados.
19.Exercite a voz em todos os níveis, desde o balbuciar das palavras até os gritos. É
essa a palheta de que dispõe o orador. O seu mundo.
20.Procure pronunciar as palavras nas mais variadas entonações, de modo a tirar
significações diversas da mesma frase.
21.Aprenda a graduar a voz. Comece num tom baixo e vá elevando a voz até o
ponto máximo.
A voz humana é um instrumento maravilhoso de expresão. Emoções, sentimentos,
paz, dor, ódio, amor e toda uma gama imensa de conteúdo humano podem ser expressos
pela voz. Verdadeiras sinfonias de palavras podem nascer da boca humana.
A palavra que consola, que cura, redime, como também as palavras soltas, vãs como
folhas secas ao vento. No meio dos rodamoinhos onde se misturam. Nuvens, cinzas, restos
de jornais. Os livros são bocas abertas. Mandíbulas entreabertas, cheias de terra. Soltas,
mandíbulas são fragmentos de sons. Aprendam a ouvir o silêncio prenhe de significações de
palavras não ditas e dos espaços vazios. Das palavras soltas, revoltas, livres e eternas. Pois o
que tinha de ser dito já foi dito, para toda eternidade...

8
No Mundo do Olfato

O DR. MAC KENSIE sugere que o mundo dos animais possui dimensões muito mais
amplas do que o humano, baseando-se no fato de o sentido olfativo ser
extraordinariamente mais desenvolvido do que o nosso. Para esses animais o odor lhes dá
provavelmente um sentido de espaço, da mesma maneira que a visão nos dá o sentido da
forma. Os cientistas ainda não chegaram a um acordo quanto à natureza dos odores. Serão
produto de reações químicas? Heyninx defende a teoria de que os vapores odoríferos são
vibrações semelhantes às luminosas. Para ele, há uma afinidade, embora não
completamente demonstrada, entre perfumes e notas musicais da escala. Peirce vai mais
além afirmando que cada perfume atua sobre os nervos olfativos de forma idêntica ao que
55
ocorre com a luz. Trata-se, então, de buscar a correlação perdida entre cor, música e
perfume.
Há uma escala de perfumes que pode ser identificada por um observador hábil. O
príncipe Matchabeli, famoso perfumista do fim do século passado, foi submetido a várias
experiências. Podia identificar de olhos fechados sem erro 700 essências diferentes.
Durante as provas designava o tipo e a região onde era produzida. Dizia que "algumas lhe
lembravam certas ruas de Paris ou os bazares do Cairo". É indiscutível que certas regiões
possuem cheiro diferente. O cheiro de Minas Gerais é típico.

A MÚSICA COLORIDA DOS PERFUMES

Os perfumes possuem, indiscutivelmente, um grande poder de comunicação. Várias


provas foram feitas por Maurer com pacientes hipnotizados. O perfume de gerânio, por
exemplo, produziu sensações de nuvens carmezins. A acácia despertava sensações de cor
amarela carregada. O fenômeno da correlação cor-som permanecia alguns minutos depois
da remoção do perfume.
S. Piesse no livro A arte da perfumaria defende a tese de que cada perfume produz
nos nervos olfativos o mesmo efeito que as notas musicais. Segundo ele, os odores pesados
são notas graves, ao passo que os pungentes são agudas. E chegou inclusive a preparar a
seguinte tabela de correlações:

Cor Som Perfume


Vermelho Dó Sândalo, patchtuli, gerânio.
Laranja Ré Bergamota, vanilha, heliotrópio.
Amarelo Mi Jasmim, íris, lírio oriental.
Verde Fá Flor de laranja, junquilho, narciso.
Azul Sol Rosa-chá, magnólia, lírio do vale.
Roxo Lá Lavanda, Sorax.
Violeta Si Cravo, violeta, hortelã.

Antes da Renascença, nos séculos XIV e XV, a Medicina estava ligada diretamente aos
astros. Por princípio, todas as raízes odoríferas eram colocadas sob a égide de Saturno, os
frutos cheirosos pertenciam a Júpiter, as madeiras odoríferas (cânfora e outras) a Marte, as
gomas rescendentes eram ligadas a Vênus, as folhas à Lua.
Um defumador atribuído a Hermes (dos sete aromas) era considerado como
possuindo grande poder na Idade Média. Encontramos inúmeras receitas de incensos que
nos vêm desde os egípcios. Os incensos possuem grande importância nas mais diferentes
religiões devido ao seu poder. Há os que dizem que os incensos são "coloridos" de acordo
com a composição.
Além desse poder de limpeza, os perfumes possuem, indiscutivelmente, alto poder
evocativo. Eles produzem a abertura de zonas no pré-consciente e no inconsciente, onde
estão registradas todas as experiências ocorridas no ser humano.
Segundo Rudyard Kliping: "Os cheiros são a mais segura forma que faz vibrar as cordas
do nosso coração". Para ele o olfato é mais efetivo do que a visão ou a audição. Oliver
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Holmes nos diz: "Memória, imaginação, velhos sentimentos, são mais facilmente
recordados através do sentido do olfato do que por qualquer outro canal". Marcel Proust,
melhor do que ninguém, coloca o mundo olfativo na atmosfera intimista dos seus
romances.
No Japão existe o Kodô, que é um cerimonial da queima de incenso. Um grupo de
pessoas se reúne e tenta descobrir a ordem com que são queimadas cinco espécies de
incensos diferentes. Ainda a respeito do enorme poder evocativo, A. M. Hutchinson vai
mais além ao descrever a percepção súbita despertada pelo cheiro:
"Inúmeras ocorrências de irrupções de via subconsciente na nossa vida cotidiana são
causadas pelo nosso olfato e podem ocorrer através de qualquer dos sentidos. Assim, um
cheiro de mato durante um passeio poderá nos abrir na memória outras cenas". É uma
estranha qualidade que possui o perfume. É como se fosse uma chave abrindo mundos
esquecidos.
“Uma cômoda velha cheia de trastes, com penas amassadas e velhos retratos, cheia de
recordações de um passado já extinto. Perfumes de corpos já desfeitos, o cheiro de
infância, dos dias de festa e de lágrimas secas misturados com naftalina; as rendas
rasgadas, o leque quebrado cheirando a jasmim.
Cômoda velha, cheia de trastes, tão cheia de mim...
O mundo do perfume tem dimensões insondáveis. O chamado "cheiro da morte" é
muito conhecido dos médicos e das pessoas sensíveis. O perfume da santidade parece
recender das pessoas em transe místico. Um poeta já afirmou:
"Toda a matéria fala a língua divina,
por seu pensamento os pensamentos de Deus são contados.
Os reinos do espaço são oitavas
e as notas musicais o Sol e as estrelas".
Essa harmonia das esferas é o reconhecimento de que existe uma Comunicação Total
feita através do som, música e cores numa correspondência determinada, harmonia essa já
pressentida por Pitágoras, quando nos falava da "música das esferas".
No pequeno poema do Autor "O Fuzilamento" sente-se o poder transmutador do
olfato quando a ele se fica bem atento:
O FUZILAMENTO

Diante de mim bocas escuras dos fuzis.


Sombras
Luzes elétricas cruas
O pátio lageado
Capim molhado
O som de um carro ao longe
Ultimas esperanças
Lenço branco diante dos olhos.
O instante de um clique dos ferrolhos
A eternidade de um pulmão que se enche pela última vez.
Ah! O cheiro de estrume!

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NO MUNDO DO TATO

Lawrence K. Frank, num ensaio chamado "Comunicação Total", publicado no livro


Revolução na Comunicação, afirma:
"A pele serve de receptor e transmissor de mensagens, algumas das quais estão
culturalmente definidas. A sua extrema sensibilidade permite o desenvolvimento de um
sistema tão bem elaborado quanto o Braile, mas o tatilismo é uma forma de comunicação
fundamental".
A criança nasce com um repertório de sinais biológicos, aos quais responde por meio
de reflexos, tais como tossir, bocejar, espirrar e engolir. Mais tarde, essa primitiva forma de
Comunicação é aumentada pela fala. A mãe consola o bebê com palmadinhas, carícias,
beijos, etc. A comunicação tátil nunca é inteiramente superada, mas simplesmente
elaborada pelo processo simbólico. Cassirer observa:
"A linguagem vocal tem uma grande desvantagem técnica sobre a linguagem total,
mas os defeitos técnicos da última não destroem o seu uso essencial".
Em alguns casos o gesto e o toque dizem mais do que a palavra. Para consolar uma
pessoa imersa na dor, um aperto de mão diz aquilo que a palavra não consegue transmitir.

A PELE

As sensações táteis são recebidas através da pele do corpo.


A pele humana é uma estrutura resistente dotada de pelugem residual e
provavelmente com mais sensibilidade que a de outros mamíferos. O tato começa a
aparecer nas células, nos microorganismos, que sentem desta forma o meio em que vivem.
A penugem estimula reações cutâneas. Passar a mão contra o pelo provoca arrepios; a
favor, é suavizante. A mãe, que acaricia o bebê ritmadamente, não só o acalma, como
provoca o aumento na eficiência metabólica. As carícias rítmicas têm imenso significado na
vida. Experiências de laboratório demonstram o valor imenso do carinho, tanto assim que
ratos tratados com delicadeza mostram-se mais aptos a metabolizar o alimento. A pele é,
pois, uma estrutura complexa e versátil dotada de reações claramente definidas.
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

O tato manifesta-se na vida fetal como o primeiro estímulo sensorial. O feto flutua no
liquido e recebe constantes pulsações do coração materno. O mamífero recém-nascido
necessita ser aconchegado, acariciado e lambido pela mãe. O bebê reage sob a ação de
carícias rítmicas.

NO MUNDO DOS GESTOS

A comunicação é feita com grande facilidade através dos gestos. Um dedo apontando
algo fala mais do que um discurso. Um piscar de olhos, tão conhecido dos namorados do
passado, era uma forma efetiva de comunicação, assim como um lenço caído, o leque junto
aos olhos, um suspiro, eram sinais de abordagem. Quando correspondidos, a comunicação
pessoal estava mais próxima. O sacudir dos ombros significa: pouco caso, tanto faz, pouco
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importa... Um sorriso, compreensão. Um sinal verde, pode prosseguir. A colocação do
emissor em posição aberta receptiva, um apelo à continuação. O franzir de boca mostra
claramente o desagrado, enquanto o franzir da testa mostra preocupação.
A face humana é, pois, veículo privilegiado de Comunicação. As máscaras de teatro
grego simbolizam a comédia e o drama com a mesma face. A única modificação está nos
lábios: no drama, eles estão caídos, voltados para baixo, ao passo que, na comédia, há uma
inversão, uma curvatura para cima. O gesto adquire nas culturas orientais uma posição fora
do comum. Há todo um alfabeto de gestos com significações as mais profundas. São os
chamados mudras. Com esses gestos pode-se transmitir uma mensagem sem palavras. Na
escultura ou na pintura, as divindades são representadas nas mais diversas posições onde
as mãos têm papel preponderante na interpretação da mensagem. Pelos gestos, há uma
comunicação silenciosa entre elas e quem as observa. É o caso, por exemplo, da
representação de Shiva Nataradja, um dos aspectos da trindade hindu composta de
Brahma, Visnu e Shiva. Brahma é a criação, Visnu a preservação, cabendo a Shiva o papel de
renovação. A estátua de Shiva representa um personagem com quatro braços,
Essa muitiplicidade de braços serve para simbolizar a onipotência a força. Shiva dança!
Um dos pés está no alto mostrando o caráter instantâneo da criação. A dança simbólica da
renovação. Numa das mãos está um pequeno tambor marcando o ritmo da renovação - os
ciclos naturais; na outra, uma chama define a destruição das formas antigas, para que
novas possam surgir; a terceira indica, na palma aberta para frente, o conhecido mudra do
"não temas"; finalmente, a quarta mão está apontada para baixo, o pé levantado no
instante mágico da renovação. Ao redor da imagem, um círculo de chamas. O fogo é o
instrumento de destruição por excelência, de renovação, que consome o passado para que
o novo possa surgir dos escombros. É o mais perfeito símbolo de renovação, de criação.
A valorização dos gestos nas culturas orientais manifesta-se em toda plenitude na
Dança. A Dança oriental, especialmente a hindu, vive mais pela postura, pelos gestos, do
que pelo movimento rápido. Através deles o bailarino se comunica com o público. As mãos
principalmente contam, através de sucessivas mudras, estórias de toda espécie. Provocam
emoções. Há posições "mudras" que transmitem calma e outras que demonstram os mais
diversos estados de consciência.

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Quando se fala em gestos não podemos deixar de lembrar o nome de Marcel
Marceau, o grande valorizador desse sistema de comunicação no mundo atual. A mímica é
a arte da comunicação em silêncio. Marcel Marceau consegue recriar, pela expressividade
de seus gestos, todo um mundo invisível cheio de significações. Charlie Chaplin, nos seus
filmes silenciosos, é outro exemplo dos recursos infinitos de que dispõe um artista para se
comunicar.
O silêncio caracteriza a manifestação não verbal em seu apogeu. É imensa a força de
sua ação na comunicação não verbal. Pode-se mesmo dizer que é muito mais efetivo em
certos casos do que a comunicação verbal. É expressiva a comunicação silenciosa entre
pais e filhos que se compreendem; a de mestre com seus discípulos; a de dois seres que se
amam intensamente. A Comunicação é como a sombra de árvore copada ou a "presença"
de uma mãe no lar. Mergulhados num mundo de ruídos, de palavras, poucos são os
homens que podem se comunicar em silêncio e nada apavora mais ao homem "civilizado"
de que o fato de um dia ter que ficar só. Então tenta fugir do inevitável enchendo o tempo
como quem enche um saco furado de coisas imprestáveis. Enche-se de conceitos, de
opiniões como se enche de farofa um peru de Natal.
Na-in era um mestre Zen japonês famoso pela sua tranquilidade. Certa vez, um
professor angustiado, sempre apressado, um desses homens que não sabem parar, ouve
falar da paz de Na-in e resolve ir à sua procura. Depois de muito andar chegou a uma
cabana, onde encontrou, sentado no meio da sala, um homem idoso. Aproximou-se,
cumprimentou e recebeu um gesto, quase imperceptível, para que se sentasse. Então o
tempo começou a correr, sem que nada acontecesse. O Professor, ansioso por fazer
perguntas, sentia-se angustiado com o silêncio forçado. Toda vez que ia começar a falar, o
velho sorria e fazia um gesto com a mão para que ficasse em silêncio. Depois de alguns
minutos deslizando como uma sombra, entra um servente com uma bandeja trazendo um
bule fumegante e duas xícaras. O Professor compreendeu que, segundo as regras da
etiqueta, o Mestre queria primeiro oferecer-lhe um chá. Começou a falar para agradecer e
novamente um gesto indicou que ficasse em silêncio. O tempo parecia ter parado, quando
o velho, segurando o bule, começou, com gestos lentos, a verter o líquido na xícara diante
do filósofo. Gota a gota o chá começou a encher a xícara. Atingiu a borda e começou a
derramar e a espalhar-se pelo chão, enquanto o velho, imerso nos seus pensamentos,
continuava imperturbável a operação. O Professor, não podendo mais, explodiu: "Senhor, o
chá está derramando. A xícara já está cheia há muito tempo"! O velho Na-in sorriu e pela
primeira vez falou: "Sim, a xícara já está cheia, assim como também estás cheio de ideias e
conceitos há muito tempo. Como poderei, então, transmitir alguma coisa?"

A COMUNICAÇÃO PELO ESPAÇO

O espaço é fator importante de Comunicação. A amplidão das grandes catedrais


góticas nos esmaga. Os grandes salões vazios fazem com que, automaticamente, falemos
baixo. Em Versailles, no salão dos espelhos, pode ser sentida a sensação de esmagamento
em face da multiplicação do espaço pelos espelhos. Nos palácios a sala do trono é
geralmente enorme e comprida. O trono fica no alto, como o cume de uma montanha, para
simbolizar o poder de que está investido quem nele se senta. Dá, ao mesmo tempo, a
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noção de distância entre os vassalos e o soberano. Nos monumentos sacros do Egito o
mesmo papel é desempenhado pelo espaço. Nos horizontes infinitos do deserto, as
pirâmides e os templos são explosões verticais. O faraó comunicava sua grandeza através
da enorme massa arquitetônica.
Hoje experimentamos a mesma atitude em relação ao espaço. A diferença dos
apartamentos de alto luxo e os de quarto e sala conjugados é medida em termos de
espaço, de área construída e de local no interior da cidade. Um apartamento de 500 metros
quadrados na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, tem mais valor do que um idêntico em
outra zona da cidade. O "status" social, portanto, se comunica pelo espaço. É o caso, por
exemplo, do comprimento dos carros, isto é, da diferença entre um homem que possui um
Cadillac ou Rolls Royce, último tipo, e o dono de um Volkswagen. O espaço também está
presente na escolha de pontos altos para a localização de mansões e palácios, dando aos
seus moradores a sensação do isolamento, da segurança e da amplidão da paisagem.
A Comunicação pelo espaço funciona também nas grandes empresas, principalmente
as norte-americanas, onde o local de trabalho é muito expressivo. À medida que sobe na
hierarquia, o funcionário vai ampliando o tamanho da sala e da sua mesa de trabalho. E vai
também subindo de andar, passa a ter um banheiro ou um elevador privativo para melhor
se movimentar. De uma simples mesa perdida entre outras na sobreloja passa a ter uma
sala isolada, com secretária e telefone exclusivo.
Essa distinção se observa em todos os campos da atividade humana, onde o espaço
está presente como uma linguagem. É um fator decisivo de Comunicação que funciona até
no cemitério, onde o ser humano é sepultado em cova rasa anônima, em ossário, de
mistura com ossos de milhares de criaturas, ou em capela privativa, com grado, portão,
jardim em volta e até grande estátua em cima. O espaço valoriza os monumentos, é fator
decisivo nos hospitais com suas enfermarias e apartamentos de luxo. É interessante como
os povos dão ao espaço importância diferente. Os nórdicos e os norte-americanos sabem,
por educação, colocar-se, em regra geral, no seu devido lugar. Nada é tão chocante, em
certos países, como o abraço apertado, o "abração" rompe-costelas dos latinos, os tapinhas
nas costas, o beijo na face dos franceses, a exuberância corporal dos italianos, e a clássica
sem-cerimônia dos brasileiros. Os norte-americanos não se adaptam a esses costumes.
Como são rígidos e formais num cordão carnavalesco no Baile do Copacabana!

A COMUNICAÇÃO PELO TEMPO

Na civilização atual, dinâmica por excelência, as coisas ocorrem cada vez mais rápidas,
pois o tempo é fator de relevância excepcional para muitos. De todos os veículos de
comunicação, na Televisão o tempo é de importância suprema. Ele representa, em última
análise, a receita da estação, é seu produto de consumo instantâneo. As imagens e sons
recebidos não permanecem senão na nossa memória. Só têm existência num ponto
luminoso, que se desloca com enorme velocidade no painel dos receptores, mas que,
devido à capacidade de retenção da retina, produz a imagem que vemos. As imagens e sons
transmitidos não podem ser retidos a não ser em vídeo tape. Normalmente, aquilo que se
propaga pelo éter não permanece na memória do telespectador, salvo de forma indireta.
Antes de prosseguir no assunto, convém definir duas espécies de tempo. Há um tempo
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cronológico, medido pelos relógios, e que marca os momentos das nossas obrigações
cotidianas e outro, completamente diferente, o tempo psicológico. O tempo cronológico é
medido com unidades e instrumentos diferentes do psicológico: são os relógios,
cronômetros, ampulhetas, metrônomos, pace makers, vibradores, etc. O tempo
cronológico é cíclico. Repete-se. É medido em termos de satisfação. Ou fazemos as coisas
de modo espontâneo e alegre e não sentimos o tempo passar, ou as fazemos por
obrigação, por castigo, e então o tempo pesa-nos nas costas como uma carga sobre
humana.
Tempo para tudo. Para amar, para ver, para parar. Fantasma de pés de lã que entra
pelas frestas das portas nas noites de insônia e que corta, em rodelinhas, no tique-taque
dos relógios, o sempre existente. A eternidade feita em fatias, para todo o sempre. Tempo.
Tempo não existente. Gaiola de grades autocriadas. Tempo-conceito. Tempo-prisão. O
ontem e amanhã. Passado e futuro. Vir a ser. O vir a ser... O vir a ser... O vir a ser... O vir a
ser que nunca será quando, das ampulhetas quebradas, dos ponteiros enferrujados dos
relógios mergulhados nos mares dos navios afundados, há séculos, vier subindo para a
superfície, um grito, num ronco surdo, nascido das camadas profundas do ser humano - um
uivo, a consciência do "sendo". Daquilo que foi, é e será sempre para além do tempo.

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As Barreiras

O HOMEM vive cercado de barreiras impedindo a Comunicação e deformando o


conteúdo da mensagem. O hábito é a maior delas. Em última análise, todas as outras são
variações desse mesmo tema. O hábito é o grande obstáculo à integração humana, pois
deforma a percepção do mundo tal como ele é. Nossa imaginação é alimentada por uma
energia procedente do hábito daí nascendo uma miragem que transforma o mundo em que
vivemos em algo parecido com uma miragem no deserto. O homem comum, o homem-
massa é, portanto, um homem adormecido, ressonando no meio de sonhos gerados pelos
seus hábitos. Em certos aspectos é um verdadeiro autômato sacudido pelos
acontecimentos e pseudo-eventos por ele mesmo criados. A. maioria não pensa, ou
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melhor, os outros pensam por ela. Rumina tranquilamente o subproduto da mente coletiva.
Não come, serve-se apenas da comida, pois perdeu a qualidade fundamental de comer
saboreando a alimentação. Isto é impossível na época dos drug-stores e das kitchenettes.
Enquanto devoramos um sanduíche com um refresco artificial de fruta, vamos lendo um
jornal completamente absortos no mundo dos nossos afazeres. O homem-massa, se acende
um cigarro, o cigarro o fuma... O caminho da Comunicação total é uma abertura, um
mergulho, numa consciência além da rotina. A força do hábito vai desaparecendo quando,
com determinação, vamos mergulhando nas coisas que nos cercam. Cada objeto, cada ser é
um abismo incontaminado à nossa espera. Um castelo com muralhas erguidas de encontro
ao céu, aguardando que alguém encoste uma escada e tenha coragem de pular para seu
interior. É este o mistério das coisas pressentido pelos poetas e místicos, por todos que
têm a sensibilidade desperta para a novidade das coisas. O homem submetido a um
condicionamento de várias ordens fica, entretanto, submetido ao domínio de leis
deterministas de causa e efeito criadas pela sua observação simplista da realidade. A
medida que mergulhamos na estrutura molecular e atômica os "ritmos de hábito" vão
amortecendo e o contorno das coisas vai se esfumando. Sob esse ponto de vista podemos
definir a chamada matéria (energia ocupando espaço e tempo) como sendo uma
constelação de hábitos mortos. Quanto mais estável a matéria chamada inerte, maior a
impregnação pelo hábito, maior a tendência para permanecer unida. Já a matéria viva,
orgânica, é um estado que se caracteriza pela instabilidade e pela criação constante. A lei
básica da existência é o eterno renovar, a criatividade, a mudança, e nada é mais oposto à
vida do que a rotina e a repetição. Segundo Robert Linssen, a história do Universo é um
perpétuo desenvolvimento em direção a uma maior liberdade e mobilidade.
Há, portanto, à medida que se evolui, uma tendência para a conquista de uma maior
liberdade dos hábitos. O processo de desenvolvimento é, em consequência, uma eclosão de
capacidades latentes no sentido da obtenção de um novo estágio com maior grau de
liberdade. No homem, podemos observar três fases distintas do processo de
desenvolvimento do Eu.
A primeira fase é a do nascimento do Eu. O homem é como um carneiro num rebanho.
Imita, copia, segue. É o homem-gado típico dos estados totalitários, quando a comunicação
se faz somente do Estado todo-poderoso, Senhor do destino de todos, em direção às
unidades que o compõe. A regra do pensamento é: Crê ou morre. Aceita sem discutir.
Obedece! Bate os calcanhares! O bem-estar de todos está acima da felicidade do indivíduo!
A massa é que importa; o homem é apenas um doente. O artista é obrigado a fazer da sua
arte uma doutrinação das delícias do Superestado. No campo social, os países que estão na
fase do nascimento do Eu manipulam a bel-prazer os veículos de catequese em massa. É a
fase que biologicamente vai do nascimento até aos quatorze anos, mas que muitos não
conseguem alcançar.
A segunda fase é a da maturação do processo do Eu. Nela o servilismo, a atitude
automática, a imitação puramente mecânica, vai desaparecendo. Todo um mundo de frases
feitas, de chavões, do "faz isto ou aquilo" vai sumindo à medida que o homem vai
despertando e sentindo as forças que o manipulam. O homem começa a se tornar criador,
readquirindo a espontaneidade perdida sob a capa do condicionamento. O indivíduo não
segue mais o rebanho. Começa a reclamar, a protestar, a se chocar de encontro aos
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mantenedores da ordem estabelecida nos vários campos. O protesto é o fermento que
dissolve a estrutura cristalizada de hábitos mortos e que muitos gostariam de ver mantidos
na sua sede de permanência. As revoluções que modificam o estabelecido nascem na
mente humana como um fermento que modifica a textura social. É a fase do protesto, da
rebeldia declarada aos padrões, tornando extraordinariamente instável o equilíbrio entre
os homens. A comunicação torna-se difícil em virtude do excesso de informação e à medida
que novos "idiomas" vão surgindo e separando as gerações e os países. Entretanto, aqui e
ali vão sendo notados sinais de forças de convergência unindo os homens em organizações,
mercados comuns, associações culturais de âmbito universal e movimentos diversos. A
própria explosão do número é uma força enorme que irá produzir essa Convergência
inevitável que possibilitará a construção de um mundo onde bilhões de seres possam viver
juntos. A segunda etapa, a da maturação, equivale ao que ocorre quando comprimimos um
gás num cilindro. À medida que o êmbolo vai sendo comprimido, a pressão cresce e a
temperatura sobe, e com ela o aumento de choques entre as moléculas do ar no interior do
recipiente. É muito difícil fixar, cronologicamente, na vida do homem quando essa
maturação ocorre, mas podemos situar esse período entre os quatorze e vinte e oito anos.
Muitos, entretanto, morrem na primeira fase, não alcançando o início desse
amadurecimento.
A terceira fase é a da transcendência do processo do EU, quando o Homem revela a
plenitude do Ser e, como uma flor, consegue desabrochar, completamente, as
potencialidades nele existentes. Segundo Gustav Jung, este estágio equivale ao processo da
individualização, quando o indivíduo encontrar seu verdadeiro "centro". Imagine-se uma
carroça que girasse com as rodas fora do centro. Evidentemente, quanto mais fora de
centro estiver a roda, maior número de choques terá que suportar ao rodar sobre a
estrada. Com isso a carroça (o corpo humano) sofre, em pouco tempo, desgaste e começa a
protestar através da doença. A estrada pode ser boa mas os solavancos continuam, pois
decorrem do próprio veículo. O antigo poeta e pintor japonês Kakuan expressou, no século
XVI, através de dez quadros intitulados a conquista do touro selvagem, todo o processo que
estamos descrevendo. No primeiro quadro vemos um pastor procurando segurar um touro
negro, lutando contra ele. Tudo em vão, pois o animal selvagem foge.
O pastor procura, em vão, encontrar as suas marcas e vai se afastando, cada vez mais,
de casa. O seu coração está em chamas, o seu pensamento é um turbilhão. No segundo
quadro começa a ver traços, vestígios do touro perdido. Por fim, consegue encontrar o
animal e inicia uma terrível batalha para conquistá-lo. À medida que o touro vai sendo
domado, a cor do animal, nas gravuras, também vai mudando do negro para branco, até
ficar completamente branco. Já então o animal está inteiramente pacificado e o domador o
leva de volta para casa, onde é esquecido e o homem passa a contemplar as coisas com
serenidade: as águas azuis, as montanhas verdes, enfim, a maravilhosa mutação universal.
A última gravura descreve o pastor entrando na cidade, feliz e tranquilo, e se pondo em
contato com os homens. É o homem-perfeito. Conseguiu a integração consigo mesmo, com
os outros homens e com a natureza. O Eu fechado e egoísta acabou vencido. As altas
muralhas da cidade foram transpostas. O homem atingiu sua individualização. Tornou-se
homem finalmente.

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A IMPORTÂNCIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO

Num mundo que se massifica pela força do número a coletivização é uma fatalidade. O
indivíduo vai sendo aos poucos esmagado pela força dos outros e a engrenagem
dependendo cada vez mais de outras engrenagens. Uma simples observação estatística do
crescimento da raça humana explica as modificações sociais. As transformações foram
sempre movimentos de ocupação de espaços vazios físicos ou psíquicos. Uma verdadeira
horizontalização da humanidade em busca de novos equilíbrios instáveis. No ano 6.000 a.C.
a população estimada do mundo era de 5 milhões de habitantes, ou seja, o equivalente ao
da atual cidade do Rio de Janeiro. Em 1650 d.C. a humanidade contava 500 milhões de
seres e hoje está próxima da marca dos 4 bilhões. Paralelamente ao crescimento ocorre a
urbanização. No fim do século talvez 75 % da população estejam distribuídos nos limites
das cidades. Isso indica que a pressão da massa vai aumentando sobre o indivíduo e o
deformando. O condicionamento é no sentido da formação de um ser humano que se
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adapte às condições de uma Sociedade de Consumo. Toda a pressão visa transformar o
homem num autômato bem adaptado à ordem estabelecida pelo Superestado soberano,
violentando sua natureza, que é livre, espontânea e criadora. Daí decorrem o choque e a
tensão inevitáveis, e consequentemente a angústia e o sofrimento que caracterizam a
Sociedade atual. Como resolver o dilema? O homem não pode deixar de morar em grandes
agrupamentos, por força da pressão do aumento de população e, por outro lado, não pode
deixar de lançar mão da tecnologia para resolver os problemas de quantidade. A estrutura
social crescentemente compartimentada amplia sua atuação na criatura. Diante do dilema -
indivíduo ou massa, sofrimento ou integração - surge a transcendência do Eu como um
estágio liberador. Nunca a transcendência do egoísmo foi tão necessária como agora. As
próprias circunstâncias forçam o desabrochar do processo libertador. Aqueles que se
opõem a esse processo evolutivo, consciente ou inconscientemente, serão postos à
margem como simples destroços das enchentes que destroem e renovam a paisagem
terrena. Mas podemos acelerar esse processo e pôr fim ao sofrimento, porque temos nas
mãos as chaves do destino. Somos os construtores do nosso próprio mundo.

A NATUREZA DAS BARREIRAS

Barreiras são muros que impedem a comunicação. Elas podem ser físicas e psíquicas.
Entre as físicas encontra-se o ruído, com sua nefasta influência no equilíbrio emocional. É
de grande importância numa civilização de choques violentos. Entre as psíquicas alinham-se
os padrões, as opiniões, o medo, o preconceito, as crenças, os hábitos da memória. Todas
produzem uma só coisa: o condicionamento.
A repetição deixa marcas. Registra. Observe-se o processo da gravação de um disco. É
uma sequência de transformações que nascem nas vibrações do ar causadas pelos sons em
variações elétricas no microfone e são amplificadas e aplicadas na cabeça eletromagnética
que, por sua vez, induz uma corrente na fita ou fio de aço produzindo uma magnetização
permanente. Quando novamente a fita é desenrolada dá-se o processo inverso, isto é, o
registro se transforma em sons. A fita é magnetizada proporcionalmente à intensidade do
som. Pode-se dizer, portanto, que as fitas gravadas possuem uma memória, um registro de
impressão recebida. A memória humana é o resultado de alguma coisa infinitamente mais
complexa e da qual resultam os chamados engramas cerebrais. O engrama é uma marca
sensibilizando a matéria cerebral. Quando a informação nos vem pela via visual, o olho é
sensibilizado pelas vibrações eletromagnéticas, produzindo transformações na estrutura
celular da retina e dando origem a uma série de impulsos nervosos que vão produzir os
engramas nos neurornos cerebrais. Todos o estímulos deixam um registro na nossa
memória.
O homem recebe continuamente do meio uma série de mensagens que são, no dizer
de MacLuhan, verdadeiras massagens. As crenças e atitudes são formadas pela pressão do
meio sobre o homem. O aprendizado é constante e se baseia na simples regra de que as
pessoas tendem a repetir e gravar o agradável e a repelir o desagradável. Durante a vida
desenvolvemos enorme número de atitudes em relação a pessoas, coisas e situações.
Quando são comuns a grande número de pessoas, essas atitudes passam a ser sociais. Um
exemplo são as atitudes em relação à religião, aos esportes, ao impostos, etc. É de grande
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importância a análise das atitudes da população sob vários ângulos. Nessa sondagem
procuramos obter um melhor rendimento de comunicação com o grupo. No setor de
vendas, na publicidade, na política, etc., não se pode deixar de sondar a opinião pública a
fim de obter melhor integração. Vox populi vox dei é um dito popular que mede bem a
importância da opinião pública. A importância dessa opinião não pode ser desprezada nem
levada ao sabor das conveniências pessoais. Não se deve esquecer que a opinião média é
sempre medíocre. Os grandes avanços da raça humana foram quase sempre trabalhos de
indivíduos solitários, inconformados com o quietismo e o servilismo dos eternos
bajuladores dos grandes senhores e dos aproveitadores das situações. Se a humanidade
seguisse sempre a média, todo o desenvolvimento estaria prejudicado. Os avanços, os
progressos materiais ou espirituais nasceram do inconformismo, do protesto, que não pode
ser sufocado eternamente. A subversão dos que não se submetem às receitas mágicas, dos
que têm a coragem de divergir é salvadora, porque é a própria essência da criação, da
renovação. A criação é caótica por excelência, fato que Nietszche sintetizou numa frase de
validade eterna: “É preciso ter um caos dentro de si para dar a luz a uma estrela".
O caos fundamental, condição básica da criação, está dentro de nós abafado por
camadas superpostas de condicionamentos. A busca do caminho para sua eclosão é a única
razão para o nascimento de homens despertos e não de bonecos teleguiados. Observem
como somos dependentes quando nascemos. A criança, se não for alimentada, protegida,
acariciada, acaba morrendo. O processo de maturação é lento. O ser humano vai sendo
modelado da mesma forma que as mãos do padeiro vão dando forma e consistência à
massa do pão. O meio exerce uma pressão violenta. Nossos pais, nos dizem o que fazer, o
que pensar, o que comer. Os veículos de Comunicação em massa vão nos mostrando o que
devemos amar e como devemos sofrer. A antropóloga Ruth Benedict afirma: "A história de
um indivíduo é antes de tudo uma acomodação aos modelos tradicionais de nossa
comunidade". Os costumes modelam nossa vida desde o momento que nascemos.
Embebem a vida psíquica assim como o ar a vida física. No momento em que o indivíduo
começa a falar já é um pequeno representante de sua cultura. O tempo passa e os hábitos e
as crenças da sociedade vão se transferindo para o indivíduo. Este vai perdendo
gradativamente a espontaneidade e se adaptando aos padrões aceitos. Chama-se a isto
educação. No início temos a infância, período dourado de liberdade em que as crianças são
como pássaros, gozando a liberdade que a Natureza lhes deu. Até que um dia (há sempre
um dia) surge a escola. Uma sala caiada de branco, com carteiras negras, funéreas, de
tampos rabiscados, manchas de tinta nas tábuas largas do chão varrido e cheirando a pó. O
cheiro de couro vindo das pastas novas, a merenda de pão com goiabada e queijo
derretendo junto ao livro de "Conhecimentos Gerais". Na pedra a professora vai
escrevendo, rangendo o giz, enquanto, pelas janelas abertas, nos galhos das árvores os
pássaros piam, parecendo rir dos homens entregues à liberdade da infância...
A essa tradicional educação-mutilação começa a se antepor uma educação que
permite ao ser em formação expressar a criatividade latente. Uma forma que sirva de canal
às energias potenciais existentes, tornando o homem mais feliz, mais livre, em vez de um
autômato seguidor de idéias-clichê.

A BARREIRA DO MEDO
67
O medo mata, infecciona como um vírus. Ele é hoje uma tônica da época resultante da
falta de Comunicação do homem com o meio, com os outros homens e consigo mesmo.
Uma das características desse estado é a tensão que mina as resistências, absorvendo,
constantemente, energia acima da que seria necessário. Quem está tenso tem medo e na
tensão não consegue a comunicação, tal como a corda de um instrumento musical, tensa
ou frouxa demais, perde toda a afinação. O estímulo da tensão emocional age sobre os
músculos obrigando as glândulas supra-renais a produzirem adrenalina, substância que
mobiliza o açúcar do organismo e contrai as artérias elevando a pressão sanguínea.
Flanders Dunbar, na obra clássica Emotions and bodily changes, descreve inúmeros casos
de insuficiências cardíacas, arritmia, síndromas de angina taquicárdica, hipertensão e várias
doenças das coronárias, que são as primeiras que resultam do choque emocional. São
também doenças dessa área as que primeiro reagem ao tratamento da psicoterapia. E cita
Pascal: "Le coeur a sa raison que la raison ne connais pas". Diz ainda Flanders Dunbar: "O
que estamos tentando aprender é como compreender o coração, do qual a manutenção da
vida depende, e que é tão facilmente atingido por razões que só ele entende". O fato
indiscutível é que as doenças coronárias aumentam e chegam a atingir os jovens. O coração
mata homens de pouca idade que antes não eram atingidos pela sua disfunção. Uma
cuidadosa análise está sendo feita entre jovens políticos, pilotos, homens de ação em geral,
que estão sendo mais passíveis de ser atingidos por um súbito ataque cardíaco. A. C.
Grorud traçou correlações entre o perfil psicológico de jovens adultos com problemas
cardíacos e encontrou, em todos eles, a emoção e o estado habitual de tensão como uma
constante. Na vida movimentada de hoje, na qual o homem executa mecanicamente suas
tarefas, existe um aumento constante de tensão gerada entre o homem-mecânico, o
homem-boneco, que circula pela vida como um robô, e o homem real que não consegue se
expressar, pois está mergulhado nas trevas do inconsciente. Uma descrição detalhada a
respeito dos índices de mortalidade pode ser encontrada nos trabalhos de N. E.
Ischolondsky. Os números retirados do Censo de Saúde dos Estados Unidos mostram que
das quatro doenças responsáveis pela maioria das mortes, o câncer e as doenças cardíacas
foram as que mais cresceram. O câncer passou de 3,7% em 1900 para 13,6% em 1948. As
doenças cardíacas pularam de 8% em 1900 para 32,7% em 1948, com um aumento de
400%! Elas se transformaram no matador número um da raça humana, principalmente nos
países de elevado índice de consumo que já atingiram a chamada civilização pós-industrial.
Esses números são um grito de alarma aos surdos ouvidos do homem mostrando a
necessidade imperiosa de reformulação da vida de uma revolução que permita a
reconstrução humana. Uma reconstrução que nascerá das experiências trágicas do passado,
mas que há de servir para que a tragédia não se repita ou pelo menos não continue com a
mesma intensidade. Comunicação adquire, desta forma, uma importância sem par. Ela é o
veículo a mensagem viva para a salvação da raça humana. A grande batalha é contra o
medo, uma das mais formidáveis barreiras a ser vencida pelo Homem. O medo é a sombra
silenciosa que dá origem a preocupações, a angustias e a toda uma procissão de fantasmas.
Ele atua nas nossas glândulas provocando uma série de doenças. As pesquisas mostram que
uma das menores glândulas, a pituitária, e responsável pelo equilíbrio biológico. Ela é do
tamanho de uma ervilha alojada na base do cérebro secretora de um dos mais importantes
68
hormônios defensivos - o STH -, que dá o brado de alerta contra as infecções. É um círculo
vicioso. As emoções sombrias e tristes estimulam a formação do STH, mas o excesso de STH
mantém o estado de doença. A pituitária fabrica o antídoto - o ACTH -, que age
indiretamente nas supra-renais produzindo a cortizona que por sua vez, se opõe à ação do
STH.
Como eliminar o medo? Como acabar com essa barreira que nos rodeia, nos infecta e
nos tira o ânimo de viver? Só ha um caminho para isso: ver as coisas como elas são. Viver o
nosso momento, a nossa realidade. É esse o momento em que a luz se faz sobre a tela onde
se projetava o filme de nossas angústias, de nosso medo, de nossa "fossa". Desaparece a
escuridão e tudo se aclara. Os fantasmas desaparecem e a comunicação volta a dar as
coisas a perspectiva exata a nitidez

CRENÇAS, OPINIÕES, ETC., ETC.

Neste subtítulo está subentendida a enorme gama de pontos de vistas particulares; as


"gaiolinhas" criadas pelo homem e que o separam dos outros e de si mesmo. A crença é a
aceitação cega de uma proposição. A crença cega naquilo que alguém "me disse" é a pior
das doenças. Nada mais trágico de que um homem fechado dentro de suas ideias. Homens
que se julgam detentores da verdade e para os quais todos os outros estão errados. São
homens rígidos, homens-opinião, homens regulamento, homens enquadrados em
armaduras medievais. Homens de crenças mesquinhas. Todos são levados inevitavelmente
ao choque, à luta, às guerras. Ao choque com os outros que não pensam como ele: ao
choque com os outros que acreditam em outros deuses que não o dele. A esse respeito é
interessante a leitura das comunicações nascidas de áreas de crenças antagônicas, onde
argumentos e contra-argumentos se chocam como lanças e onde cada vez mais se torna
difícil um entendimento. Para os que acreditam na rigidez de pontos de vista e de crenças é
exemplo o príncipe Sidarta Gautama, o Buda, o iluminado ser que há 2.500 anos atrás
resolveu, com esforço próprio, o problema da existência humana. Ele não fazia qualquer
distinção de raça, casta e sexo quando comunicava a doutrina suprema. Sua única intenção
era de que os homens vissem, por si mesmos, sem qualquer autoridade externa, a verdade
das coisas. Dizia que ninguém devia segui-lo cegamente, pois só a experiência direta do
indivíduo e a compreensão têm validade. No Kalama Sutra ele afirmou a única norma
admissível ao homem de hoje: É o NÃO CREIO!
"Não creiais na fé das tradições, quaisquer que sejam seus méritos e honrarias, através
de muitas gerações e em muitos lugares. Não creiais numa coisa só porque creem nela. Não
creiais na fé dos sábios do passado. Não creiais no que imaginais pensando que um Deus
vos inspirou. Não creiais em nada baseado na autoridade de vossos mestres e sacerdotes.
Após exame, crede no que vós mesmos experimentardes e reconhecerdes razoável, no que
permitir o vosso bem e o bem alheio".
O não-creio é uma consciência clara de que o homem para Crer - com c maiúsculo -
terá que conhecer todas as crenças, e no momento em que essa consciência surge a
"crença" não tem mais lugar e será substituída pela certeza da experiência direta, quando
cessa o observador e a coisa observada, quando a trindade básica da comunicação - o "eu-
ligação-tu" desaparece e passa a vigorar uma fluência em que os três elementos estão
69
soldados numa unidade. A melhor posição em relação às crenças, opiniões, etc., é a
humildade de aceitá-las sabendo que todas são parciais, são produtos de pontos de vista,
de limitações da realidade, e, como tais, são verdades relativas, parciais, são mentiras...

CONDICIONAMENTOS

O condicionamento é a palavra que pode bem englobar todas as barreiras à


comunicação. Condicionamento é a casca resultante da acomodação do organismo às
pressões do meio. E a marca que fica na natureza humana e que permite a repetição das
experiências. É a memória, o passado marcando o futuro e fazendo com que percamos a
consciência do presente. O russo Pavlov, com suas experiências com animais, abriu um
campo novo à psicologia do comportamento humano. O cão submetido ao som de uma
campainha antes de receber alimento, começava a salivar. Depois de certo tempo, bastava
ouvir a campainha que a salivação logo se produzia, o que demonstra ter ficado
condicionado ao som por força de sua repetição. Todas as teorias de aprendizado decorrem
dessa possibilidade de fixação de reflexos. A vida organizada, que caracteriza o homem em
sociedade, não seria possível se não houvesse o registro de estímulos anteriores. Não seria
possível a escrita, a palavra, nem qualquer manifestação que marca a posição humana
entre os animais, se não houvesse condicionamento. Este é, portanto, um bem que permite
o desenvolvimento de poderes latentes, a eclosão de capacidades inconscientes, mas
também um mal quando o homem se cristaliza dentro dele e não tem a coragem para a
superação. A comunicação entre homens que formaram através do condicionamento
psicológico a ideia da incomunicabilidade, só é possível quando esse condicionamento é
substituído por outro. A substituição de um por outro não significa a substituição de uma
cela de prisão por outra, ainda que melhor aparelhada, com mais luz e ar. Pelo contrário.
Através do descondicionamento procura-se condicionar o homem a outras ideias
dominantes no contexto social. Procura-se passá-lo das palavras ao fato, do verbalismo
estéril e enervante ao condicionamento de que existe algo mais além da limitação de
nossos sentidos, de que existe um mundo da intuição sem fronteiras, sem racionalismos,
sem sim e não, sem positivo e negativo, na qual o ser se encontra efetivamente consigo
mesmo. É este o mundo que está diante de nós, entrando pelos nossos olhos, pelos nossos
ouvidos, mas que não sentimos por causa das velhas barreiras cheirando a urina, uísque,
cigarro, naftalina. Muros marcados pelo sangue humano, cheios de limo de lágrimas
choradas. Muros de lama cheios de marcas, de palavras, de deuses, de fórmulas mágicas.
Muros sem portas de cidades mortas, onde o vento não sopra nas ruas desertas, onde a luz
não entra nos quartos vazios. Muros de sonhos de homens dormindo, roncando, banhados
pela luz do sol...

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10
O Despertar do Sono

UMA análise profunda no mecanismo dos condicionamentos, nas memórias, hábitos,


tradições e preconceitos leva-nos à consciência de que o homem civilizado está
adormecido, ou melhor, movimenta-se na vida num grau mais ou menos profundo de
adormecimento. Alguns, apesar de toda a agitação e palavras vivem imersos no mais
profundo dos sonos; outros vivem sonhando, envolvidos pela imaginação e esperanças,
pois criaram a seu redor um "decor", um pano de fundo, um "faz-de-conta" muito parecido
com o cenário de papelão dos teatros.
Como vimos no capítulo anterior, a Comunicação estuda as várias barreiras que se
antepõem ao processo comunicativo e analisa os vários recursos disponíveis para acelerar o
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despertar do indivíduo. Um velho texto japonês; do século XVIlI, escrito por um monge
chamado Hakuin, e intitulado, deliciosamente "A chaleira de chá trabalhada", descreve de
forma precisa o sono humano:
"Ninguém gosta das coisas comuns, ordinárias. É natural. Um bom remédio
geralmente é amargo, mas nos faz despertar. Faz com que abramos os olhos e o despertar
estraga nossos sonhos... Se abrires os olhos verás o que estás fazendo no palco da vida de
uma maneira nova, sob esta nova luz. Verás, de relance, os três mil mundos. Todas as coisas
sob os céus parecem estar numa tremenda confusão. Temos de tomar o passado e o futuro
nas mãos e olhar a Verdade. Temos de tentar ver, com nossos próprios olhos, o falso e o
correto, o bem e o mal. Os homens têm a tendência de confiar nos seus olhos, narizes,
ouvidos, línguas e corpos e por essa razão encontram dificuldades em controlar o coração.
Este é deixado nas trevas. Qual é a fonte original da alegria, do sofrimento, do prazer do
coração? O verdadeiro conhecimento antes de tudo. Temos de aprender a usar,
corretamente, os olhos, nariz, língua, corpo, mãos e pés. Quando fizermos isto, o coração
terá sido subjugado. Portanto, abramos os olhos! Não percamos o caminho entre os
objetos sensoriais deste mundo. Vamos polir o espelho de nosso coração..."
A Comunicação permite esse "polir do coração", na linguagem alegórica de Hakuin.
Comunicação é tornar comum, é participação e esta se torna cada vez mais efetiva à
medida que as barreiras forem sendo removidas, o gelo soltando as águas. Só as águas, em
seu estado normal, podem fluir, pois o fator essencial para a circulação é a fluidez.
Podemos simbolicamente comparar a Comunicação a portas que se abrem de par em par.
Para conseguir essa abertura podemos usar vários recursos entre os quais chaves falsas ou
verdadeiras e a violência do arrombamento. Mas é muito mais prático encontrar a chave
exata para a fechadura. Depois é só conduzi-la à fechadura e girá-la no seu interior. Muitas
vezes, apesar de aberta a fechadura, há dificuldade em abrir as portas, porque o tempo, a
poeira, a falta de óleo acabam emperrando-a. Neste caso, temos que usar a força para
conseguir a abertura.
As chaves das portas de Comunicação podem ser de vários tipos. Há chaves falsas,
artificiais e chaves certas, naturais. As chaves falsas são as soluções parciais, as
comunicações superficiais, que não levam à compreensão. Elas representam a violação de
princípios básicos do processo comunicativo. Na época de hoje a superficialidade, a
mediocridade é uma constante. Wiener situa bem a mediocridade no seu livro Cibernética e
Sociedade, quando em certo trecho enfatiza: "Mais e mais somos obrigados a aceitar um
produto padronizado, insignificante, tal como o pão branco das padarias, que é fabricado
mais por causa de suas propriedades de conservação e venda do que pelo seu valor
alimentício... Esta é fundamentalmente uma desvantagem externa de comunicação
moderna que encontra correspondência em outra, que a corrói por dentro e constitui o
câncer da estreiteza e debilidade criadoras".
Uma das marcas da civilização tecnológica atual é essa implosão de mediocridade.
Trata-se de uma explosão às avessas, que destrói e prostitui as raízes da criatividade. O
tempo extremamente apressado na troca de informações, o excesso de solicitação, a
enxurrada da Comunicação em massa, geram uma superficialidade de tratamento que
acaba deformando a realidade que tentamos escrever. A famosa incomunicabilidade tão
bem acentuada nos filmes de Bergman, Antonioni Pasolini e outros e um exemplo vivo do
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fracasso do homem em se comunicar com o meio, com os outros e consigo mesmo. Em face
das circunstâncias, o homem, senhor e criador das máquinas, passa a agir e pensar como se
fosse uma delas. A tensão é inevitável entre um ser livre, criador e autêntico e outro
artificial e sofisticadamente mecanizado. Esta é a causa da angústia tão comum na época
em que vivemos. Sentindo-a o homem investe e tenta abrir a porta da Comunicação,
procurando aliviar a tensão que o arrebenta. E então lança mãos das chaves artificiais: o
álcool, os tóxicos, o sexo e a violência. Nunca se fez tanto uso delas como hoje em dia. O
álcool é consumido em doses maciças. É comum diretores e empregados de empresas
entregarem-se à embriaguez depois do expediente. O bar é uma parte da decoração. O
drinque e os coquetéis tilintantes de gelo são uma forma primária de Comunicação, das
mais comuns e incentivadas pela publicidade nociva e as motivações do cinema e TV. As
restantes chaves falsas de fuga, como os tóxicos, os psicotrópicos, o sexo e a violência são
recursos usados para alcançar a ilusória felicidade. Todos são parciais, embotadores da
inteligência e da sensibilidade, produzindo uma euforia de momento, um êxtase
relampejante nascido da intoxicação do sistema nervoso ou da conjugação carnal. Vem
depois a depressão ou o aborrecimento depois do coito: é o protesto da Natureza violada.
Certos tóxicos produzem fugazes aberturas de consciência, que quase sempre deixam
marcas definitivas no sistema nervoso. O mesmo ocorre com o sexo quando utilizado além
do normal. Toda a função natural tem seu regime, seu ciclo ótimo de funcionamento.
Qualquer violação do equilíbrio biológico irá produzir, em alguma parte, as consequências
inevitáveis. Os abismos de depravação sexual, o desregramento dos sentidos a que se
refere Baudelaire enchem os pavilhões das clínicas especializadas com tristes exemplos de
homens-falus ou homens-garrafa, que perderam por completo o sentido da Vida. Numa
época em que o crescimento da Sociedade é um fato, em que uma maior possibilidade de
trocas entre os homens é uma constante, em que a propaganda em massa incentiva o
erotismo e a brutalidade, e consequentemente uma volta às origens, a pureza criadora do
ser humano é uma necessidade! Uma verdadeira salvação! Nunca se apregoou tanto a
violência como agora. Nas páginas dos jornais, nas telas de TV e cinema, o soco e o tiro são
o alfabeto mais utilizado. Os produtores ultrapassam o Marquês de Sade no seu afã de
preparar uma "comida" violenta para consumo em massa. E, como acontece quando
passamos a utilizar alimentos apimentados, cada vez mais necessitamos de maiores
estímulos para produzir respostas. É o embrutecimento, a estupidez em marcha acelerada.
Do outro lado desse processo está o complexo industrial, que vive desse aceleramento.
Quanto ao sexo, é indiscutível que o macho e a fêmea são atraídos da mesma forma
que o positivo atrai o negativo. A natureza trabalha buscando a complementação, o
equilíbrio através da harmonia dos postos. Mas querer fazer desse processo natural o
centro das existências é infantilismo declarado. É uma prova de retardamento mental dos
que manipulam, em proveito próprio, a opinião pública. Urge esclarecer os que patrocinam
o sexo e a violência para atrair as massas. Korzybski denuncia a existência de um complô
interessado em manter a humanidade escrava desses ilusórios estados. Uma Sociedade de
Consumo, para sobreviver, tem que moldar cada homem como um consumidor, como um
homem-engrenagem que periodicamente renove suas utilidades para que o fluxo de
produção não seja interrompido. Essa Sociedade subordinada a hábitos criados pelo
condicionamento em massa é em termos gerais, um rebanho medíocre. Quanto maior a
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mediocridade e a renda per capita, maior o lucro dos impérios industriais. Para eles, quanto
maior for a anestesia, maior a possibilidade de rendimento. O pão e o circo dos romanos
são hoje mais válidos do que nunca. Encher o ventre, satisfazer o sexo dar vazão aos
instintos em nome da liberdade são alguns aspectos da atividade humana. É evidente que
aquele que tem a sua existência baseada nesses conceitos utilitários, que não se preocupa
com a vida íntima, que pouco se importa com os outros, não se interessará pela leitura
deste livro. Para ele a Comunicação é uma A forma de explorar os seus semelhantes em
proveito próprio. Violência e sexo são as suas válvulas de escape e para isso muito
contribuem os veículos de Comunicação em massa, especialmente a TV. A apresentação
repetida de motivos em que o sexo e a violência são explorados no máximo de capacidade,
ira produzir, necessariamente, alterações no comportamento do público assistente.
O sexo e o crime são cantados em som e glorificados em imagens de grande beleza
plástica. Revistas de grande circulação são exemplos vivos de apelo aos instintos sexuais.
Fotografias, texto, duplo sentido são recursos dos mais eficazes. A noção do pecado
torpemente associada ao sexo graças a anos de educação pseudo-religiosa, e o estimulo
inconsciente que explica o fenômeno. O chefe de família que assiste com os filhos às
peripecias de uma Brigite Bardot na libertação progressiva do corpo diante das telas, sente
renascer nele a visão do fruto proibido, as suas primeiras leituras pornográficas ou a
experiência longínqua de sua primeira conjunção carnal feita às escondidas. No fundo,
esconde-se o puritanismo manifesto dos que foram condicionados à ideia de que as regiões
abaixo da cintura estão ligadas ao demônio e ao pecado. A razão do sucesso do
despojamento de roupas tipo "Hair", "Calcutá" e outras, tem raízes nesse problema, assim
como a pornografia, tão comum nos espetáculos de hoje. As canções do tipo "Je t'aime",
que descrevem a cópula, o gozo e as aproximações sucessivas do clímax normal, são
sucesso em todo mundo.
A introdução do álcool na vida social é um exemplo marcante do poder da
Comunicação em massa, da força de catequese dos veículos. O coquetel é um verdadeiro
ritual da Sociedade moderna e o copo de bebida nas mãos é o símbolo, é o ponto de apoio
das criaturas numa mistura heterogênea. Beber é hoje considerado como fazendo parte da
educação. E até se usa a expressão "beber social" para definir essa obrigação. É um mito
alimentado pelos enormes interesses econômicos congregados em torno dos alambiques,
das destilarias e dos vinhedos. Ora, está biologicamente comprovado, de forma indiscutível,
que há total incompatibilidade entre o álcool e o organismo vivo. É irrefutável a correlação
do álcool com o embrutecimento psíquico, com a falta de lucidez nas criaturas humanas.
Álcool e alienação é um tema desenvolvido sob vários ângulos por diversos pesquisadores.
O álcool é, entretanto, um fator importante no estabelecimento de uma sociedade-clichê,
de frases feitas para consumo em massa, constituída de marionetes que dizem sim ou não
ao toque dos dedos dos que comandam os cordões. Marionetes que usam a gasolina A,
fumam o cigarro x, pensam com o filósofo Y, cantam e pulam ao ritmo das músicas de z. É
esta a triste história de como se preparam os mitos, se mantém e se destroem homens
numa Sociedade industrial alienada que perdeu a Comunicação consigo mesma.
Quanto maior a tensão existencial, a "fossa", maior é o apelo ao uso das chaves falsas,
ou seja, dos tóxicos, desde a clássica cocaína, ópio, hashist, até as modernas drogas tipo
LSD, mescalina e outros, para libertar o homem do sofrimento. Em consequência, maior
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será a deformação da realidade. As portas de Comunicação violadas conduzem a mundos
estranhos, sem lógica, totalmente diferentes da realidade que o homem construiu à sua
volta. Essa fuga da realidade trágica do cotidiano autocriado dá uma sensação temporária
de alívio. Depois, quando termina o efeito, vem o desespero, o desânimo e o vício para
novas fugas. A tragédia dos toxicômanos com seus métodos violentos de abertura das
comunicações, é uma página triste da história humana.
Também o suicídio é uma solução violenta para resolver o problema da falta de
Comunicação. Aquele que por suas próprias mãos tira a própria vida demonstra o total
fracasso da Comunicação do seu eu com o meio, com os outros indivíduos e, acima de tudo,
consigo mesmo. É curioso um confronto das correlações das diversas chaves falsas citadas -
violência álcool, sexo, tóxicos e suicídio - com as chamadas Sociedades desenvolvidas, que
muitos tão orgulhosamente defendem como uma espécie de paraíso à nossa espera. A
estatística demonstra que a incidência de suicídio aumenta à medida que crescem os
índices de desenvolvimento. As chaves falsas, que evidenciam a total incapacidade do
homem em se comunicar pelos meios naturais, são o índice certo da alienação do ser das
suas raízes profundas. Civilização não é desenvolvimento! Civilização só será
desenvolvimento quando juntamente com o desenvolvimento tecnológico, todos os
homens alcançarem a Integração. A busca da Integração deve ser o alvo de todos os que,
informados com o quadro atual de acontecimentos, deixem a passividade cômoda em que
estão adormecidos e passem a trabalhar na tarefa suprema da salvação. Não a salvação nos
termos tradicionais das religiões, cristalizados em céu, em nirvana, que pugnam pela
cessação da atividade, pela alienação, mas o despertar para a Vida, para o aqui e o agora,
para o que está diante de nós e não o vemos. A solução para o problema de integração tem
sido estudada, nas mais diferentes formas, por sociólogos, psicólogos, médicos,
engenheiros, etc., todos nela interessados, mas à sua moda. A maneira exata para alcançá-
la é, entretanto muito antiga. Muito aceitada é a opinião de Lévi-Strauss contida nos Tristes
Tropiques, págs. 372-373:
"Com efeito, além de retalhos de lições que, emendados, reconstituem a meditação
do sábio ao pé da árvore que mais aprendi com os mestres que escutei com os filósofos que
li, com as Sociedades que visitei e com a própria ciência de que se orgulha o Ocidente?
Todo o esforço para compreender destrói o objeto cuja natureza é outra; o objeto reclama
de nós um novo esforço que o elimina em benefício de um terceiro, e assim por diante, até
chegarmos à única presença durável, que é aquela em que desaparece a distinção entre o
sentido e a ausência de sentido: aquilo de onde partíramos. Há 2500 anos os homens
descobriram e formularam estas verdades. Desde então nada descobrimos, a não ser
tentando, sucessiva mente, todas as portas de saída, outras tantas demonstrações
suplementares da conclusão da qual gostaríamos de escapar"...
O sábio ao pé da árvore de que nos fala Lévi-Strauss é, evidentemente, o Buda. O
conjunto de conhecimentos conhecido como Budismo é extremamente atual em relação ao
problema das Comunicações. O "caminho óctuplo" é a única chave que poderá levar o
homem à integração, em vários níveis, com o meio, com os outros, acima de tudo, consigo
mesmo. A Integração é a Paz, a felicidade. O homem-comum, o homem-engrenagem, o
homem-adormecido, mergulhado em tensões e angústias, é como o burro de carga
solitário, trabalhando, sem cessar, na retirada d'água de um poço.
75
O VIVER O AQUI-AGORA

Mas esse burro só, o homem, pode varar a barreira da incomunicabilidade e encontrar
o centro do seu ser. A chave real para essa abertura, a única chave, é a Atenção. Mas a
atenção plena, total, muito diferente da atenção borboleteante com que vivemos e
passamos pela vida, deslizando ao sabor dos acontecimentos. Somos levados de um para
outro lado como um barco sem leme. Sofremos e nos angustiamos porque não estamos
atentos. Caro leitor: daqui para diante a leitura deve ser feita com extrema atenção! Se não
tens tempo agora, pare e volte depois! Se estás angustiado, cheio de tensões, suspenda a
leitura e fique imóvel, sem fazer nada, a não ser observando o teu estado! Se estás
desinteressado do texto, jogue o livro longe, pois estás dormindo e assim permanecerás
por muito tempo. Não percas tempo... A vida, para a grande maioria dos seres, é um fluxo,
é como se fosse um rio. Vivemos horizontalmente, em ziguezague, agarrados a um passado
que nos pesa nas costas como uma carga transportada por uma formiga. E vamos
cambaleando em busca de um hipotético futuro feito com nossas projeções psicológicas
resultantes de todo o complexo do condicionamento. Neste sono perdemos a consciência
do "aqui e agora", deste AGORA que é a única coisa que tem existência. Esquecemos que
podemos viver verticalmente, que o viver vertical é que dá sustento e segurança ao
homem. Para isso é indispensável manter plena atenção em todos os instantes. Do Japão
nos vem uma estória que registra a importância da atenção. Ikkyu era o nome de um sábio
que vivia indicando aos seus discípulos a necessidade da plena atenção. Certo dia foi
procurado por um homem, ansioso por encontrar a paz, que lhe pergunta se poderia
escrever um pensamento indicando o que seja a Sabedoria Suprema. Ikkyu pegou
imediatamente no pincel e escreveu o ideograma - ATENÇÃO! Decepcionado com a
brevidade da resposta, o homem pergunta: - mas é só isso que o senhor tem a dizer? Ikkyu,
sem se perturbar, molhou novamente o pincel de pelos de seda, e escreve vigorosamente -
ATENÇÃO! ATENÇÃO! Bem, disse o homem decepcionado, não vejo qualquer sabedoria
nesta simples palavra ATENÇÃO. Então Ikkyu escreve três palavras no papel: ATENÇÃO!
ATENÇÃO! ATENÇÃO! Perplexo, mal podendo conter a irritação, o pseudodiscípulo volta à
carga: - Pode dizer-me, já que tanto insiste, o que significa a palavra ATENÇÃO! Ikkyu,
imperturbável, quebra o silêncio pela primeira vez dizendo: ATENÇÃO significa ATENÇÃO!
Jung dá à ATENÇÃO a mesma importância que Ikkyu. Na obra O Problema Espiritual do
Homem Moderno (Collec Works voI. 10) ele define claramente a mesma tese:
"O homem moderno - digamos, novamente, o homem do presente - raramente é
encontrado..."
Raramente é encontrado porque a maioria dos homens de hoje vive imersa nos
problemas de ontem ou envolvida nas fantasias autocriadas. Continua Jung:
“...existem muito poucos que vivem de acordo com o nome, pois são raramente
encontrados porque têm que ser conscientes a um grau superlativo".
Esses poucos são como o sal que dá gosto aos alimentos, ou ao fermento que modifica
a massa. Mas o homem moderno, para fazer jus ao nome, terá que ser atento de uma
maneira plena. Voltemos à citação:
"Desde que ser total em relação ao presente significa ser plenamente consciente da
76
sua própria existência como homem, isso requer a mais intensa e extensa consciência com
um mínimo de inconsciência. Deve ser claramente compreendido que o mero fato de viver
na atualidade não faz do homem um ser moderno, pois nesse caso tudo o que vive seria
moderno. Ele será um homem moderno somente quando estiver plenamente consciente do
presente".
Para o homem comum, mecanizado, o homem-engrenagem, O homem adormecido
que sonha estar acordado, tudo isso poderá parecer ridículo, sem sentido. Ele desconhece
que a nossa chamada ATENÇÃO é apenas 1 % da que poderá ser desenvolvida. A plena
atenção (Mindfullness) é como uma flor que gradativamente desabrocha. Para obter o seu
desenvolvimento total temos que praticar, da mesma maneira que para aprender natação
temos que cair n'água e movimentar os pés e os braços. Podemos ver filmes, ler livros,
ouvir a lição do mais experimentado dos treinadores, mas tudo será em vão, porque nada
substitui a experiência do contato com a água, a gradativa acomodação a posições que nos
facilitam deslocar no novo meio com o menor esforço.
A plena atenção permite a redescoberta do sabor da Vida. É a chave da Reconstrução
humana possível através da Comunicação. Ela conduz à integração humana, vencendo o
tédio gerado pelo hábito, pela repetição. Toda a nossa vida cotidiana está impregnada, em
maior ou menor dose, pelo aborrecimento nascido da perda de contato com a criatividade
surgida do aqui e agora. Cegos, não vemos mais esse fato evidente de que todas as coisas
são novas, são acontecimentos totalmente diferentes de tudo que já existiu ou venha a
existir. Tudo que nos cerca a partir de nós mesmos, é apenas concentração de energia que
se modifica, que se transforma a todos os instantes. Fiquemos plenamente atentos a um
fósforo que, aceso, transmite a chama ao pavio de uma vela. Que acontece? Quando
começamos a esfregar o fósforo na lixa da caixa dá-se o prenúncio da chama; depois,
quando o calor gerado pelo atrito atinge determinado nível, surge a chama. Se tomarmos
essa cena com uma câmera cinematográfica em grande velocidade e projetarmos em
velocidade normal, veremos que a combustão começou num pontinho. Depois, conforme a
velocidade do filme ela irá se propagando a toda a massa da cabeça do fósforo. Por fim
veremos a nossa mão se deslocar devagar quase imperceptivelmente até o pavio da vela,
tal como ocorre com o aparecimento da chama. É também um processo que pode ser
dividido em etapas de tempo variável. Tudo depende do tempo de filmagem, do número de
quadros captados por segundo. Inversamente, se apressarmos o tempo de exibição, a vela
aparece num relance, sendo acesa e consumida. Aquilo que nos parece eterno tem
somente um ritmo diferente em relação a nós. Assim, o ritmo das rochas, dos oceanos o
ritmo da Terra do Universo, tão bem captado pelos hindus na sua cronologia dos Puranas,
onde um dia de Brahma correspondente ao período da manifestação cósmica equivale a
4.320.000.000 de anos. Para eles a manifestação, o dia, é seguido de uma regressão, a
noite, e também equivale a 4.320.000.000 anos de duração, dando, portanto, a soma de
8.640.000.000 de anos! Segundo os citados Puranas os 360 dias e noites constituem um
ano de Brahma que, por sua vez, vive durante cem anos. Daí resulta o chamado Mahakalpa,
ou seja, a idade de Brahma, equivalente a 311.040.000.000.000 anos! Face a esses
números, que é a vida humana em termos de duração? O importante é a consciência de
que no absoluto todas as coisas são novas frescas inéditas pois a criação é constante. A
incomunicabilidade, que tanto se acentua no mundo condicionado de hoje, é um mito, uma
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simples rotina esculpida no pensamento de homens adormecidos. Ela desaparece como as
sombras ao sol, quando penetramos profundamente em nós mesmos. Aí nos encontramos
e encontramos a todos. É necessário somente um salto! Já!

O TERRITÓRIO COMUM

A incomunicabilidade é um mito que precisa ser destruído. Decorre dos que não
podem abrir os olhos. Nenhum homem pode ser isolado, um universo fechado. As trocas
são permanentes com o meio, com os outros e consigo mesmo. A vida é um processo
desequilibrado de interdependência baseado num território comum; é uma raiz que acolhe
a todos nós. O nome pouco importa: Deus, energia, Natureza, e outros rótulos humanos.
Preferimos chamar essa base de Aquilo. O Aquilo em inglês é o IT indeterminado. Os hindus
chamam-no de TAT. Em um dos Upanismaos, o Chandogya, há uma frase que pode ser
considerada como a equação fundamental de Comunicação: TAT TVAN ASI, que quer dizer:
tu és aquilo. Em todas as épocas existem seres despertos que sentem a ilusão do homem
fechado. No início da era Cristã o filósofo de Alexandria, Plotino, afirmava com uma clareza
meridiana:
"Veja todas as coisas não no processo do vir a ser, mas no ser, e veja a si mesmo nos
outros. Cada se; contém em si todo o mundo inteligível. Portanto, tudo esta em todas as
coisas. Cada um está no Todo, o todo em cada um. O homem de hoje cessou de ser o Todo.
Mas quando deixa de ser indivíduo ele penetra novamente em todo o Mundo".
Aldous Huxley faz inúmeras citações a esse respeito, na sua The perenia! philosophy,
mostrando a identidade irrefutável do Um com o Todo. Gustav Jung, em sua psicologia
profunda, vai mais além ao apresentar e formular a teoria do inconsciente coletivo que
mostra a inter-relação do homem com os outros.
Essa ideia da existência de um território comum, de um oceano, onde todos se
movem, é apresentada em várias épocas e com diversas roupagens. Na Índia o conceito de
Manas é o da Mente que embebe todas as coisas. O homem possui um UPADHI (veículo),
um corpo mortal, físico, etérico, emocional e outros. A mente é como o oceano, onde há
ondas (pensamento) em turbulência constante. Através da Ioga o homem consegue
tranquilizar as modificações da mente. É como diz o texto de Patanjali, Yoga-sutra:
Yogas citt-Vritti nirodhah, ou seja: "A ioga é a inibição das modificações da mente".
No Budismo esse repositório final de experiência da consciência é conhecido como o
ALAYAVIJNANA. Ela recebe todas as "marcas", todos os registros, conscientes ou
inconscientes, fazendo com isso obscurecer um alto princípio humano que existe em nós. A
ascese é o caminho através do qual o homem vai pondo de lado os obscurecimentos, as
manchas, e voltando ao ser real e profundo.
A mesma ideia de participação é encontrada no velhíssimo livro de TAO, uma escritura
presumivelmente do século V a.C. O TAO é Lei, Norma, Deus, Natureza, etc. Pouco importa
o conceito que lhe atribuamos, pois ele continua sendo o que é. No seu seio todas as coisas
existem e se complementam. No versículo 6 está dito:
"O espírito do vale nunca morre,
ele é chamado a esposa mística.
A porta da esposa mística
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é a raiz do Céu e da Terra.
Constante, continuamente
parece permanecer.
Age como ela, pois ela te servirá com docilidade".
O TAO é o pai-mãe de todas as coisas. Não pode, dentro de sua grandeza, ter nomes
ou predicados. Manifesta-se a si mesmo nas formas e logo desaparece no seio do informe.
Não fala, pois é abissal, inexaurível, fonte da vida, opera em ciclos pelo princípio da
reunião, produz o nivelamento dos opostos e a identidade da vida e morte, sucesso e
fracasso, etc., e todos os paradoxos de Lao-Tze.

A SAÍDA DOS PARADOXOS

Já afirmava um monge Zen Budista que a saída está onde não existe. Grande parte do
sofrimento humano decorre da impossibilidade de encontrar uma saída para as situações
conflitantes. O Zen sendo uma escola que estimula o não-mental, é admiravelmente
adaptada ao mundo de hoje. O racional, o lógico, o analítico, que impregnam a mente do
homem condicionado, têm que dar lugar ao intuitivo, ao alógico, ao sintético, que
impregnam todas as coisas. O Zen é uma doutrina que pode ser descrita em poucas
palavras:
"Uma transmissão especial fora das escrituras. Nenhuma relação com palavras ou
letras. Apontando diretamente à mente humana".
Existem inúmeras estórias cada qual dando ênfase a um certo paradoxo. Vejamos esta
parábola.
"Um homem estava cruzando um campo quando encontrou um tigre. Ele fugiu e o
tigre foi atrás dele. Chegou então a um precipício onde ficou pendurado numa raiz de vinha
silvestre balançando no espaço. O tigre farejava em cima. Tremendo, o homem olha para
baixo onde um outro tigre está à sua espera. Somente a frágil vinha o sustentava.
Repentinamente surgem dois ratinhos, um branco e outro preto, e começam a roer o ramo
em que se agarrava. O homem vê então um suculento morango silvestre junto dele.
Segurando a vinha com uma das mãos arranca o morango e o morde. Como era doce!"
Lao-tzé, citado anteriormente, é também cheio de paradoxos:
"Nada faças e tudo será feito".
Vejamos alguns exemplos de diversas origens:
Jesus: "Aquele que perder a vida a encontrará".
E Emerson:
"Não há limites fixos na natureza. Não há limites nos homens: Novos continentes são
formados sobre a ruína dos antigos. Novas raças, da decomposição das anteriores".
Huei Shim:
"Quando o sol está a pino sobre nós, ele se oculta em outro lugar".
Esse pensamento circular - a recorrência - nos dá a flexibilidade interna indispensável
para o estabelecimento da comunicação com camadas profundas do ser. É o início do
despertar, da iluminação, de uma revolução psicológica que nos modificará
completamente. No Zen Budismo afirma-se que o prenuncio e uma total modificação do
ambiente que nos cerca. As pessoas, as montanhas, o céu, parecem sair de suas posições.
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tudo fica fora de escala. Não há equilíbrio. É como se nossos intestinos fossem revolvidos
um milhão de vezes. Então, num instante - (JÁ) - as coisas voltam ao lugar. As montanhas
tornam a ser montanhas, o céu volta a ser novamente o céu, e os homens, homens, só que
agora iluminados por outra luz. Então veremos que essa coisa sem interesse para muitos,
essa coisa pesada que se chama vida, se transforma por completo. Essa abertura de
consciência é chamada em japonês Satori, e ocorre de maneira imprevisível, resultante de
um trabalho de maturação interna mais ou menos longo. É quando surge a iluminação -
que é a própria criação - vinda sem barreiras do interior do ser à medida que o inconsciente
se torna consciente. Para isso temos que saltar no desconhecido de corpo inteiro.
Mergulhar no insondável com todo o ser até obter a revelação da virgindade dos abismos.
Sentir a presença do além-mundo. Pois ser mundo é ser palavra ainda, sujeito a conceito, a
regras da mente. É ser escravo dos regulamentos temporais do pseudo-universo que
imaginamos viver. Uma prisão a que nos entregamos completamente sem a coragem de
nos desligar do velho, do comum, do banal, do dia-a-dia, e saltar, de cabeça, no que aqui
está! O salto nos leva a um caminho, a uma senda, que cada um terá de descobrir. É um
caminho antigo há muito tempo perdido no nevoeiro. Sem traços, nem marcas para o
revelar. Só sons distantes chegam do passado. Do presente só este cansaço... Um desânimo
envolvendo a tudo como um manto de chumbo e algodão hidrófilo apertando as chagas do
passado que já não sangram. Entretanto sei, tenho a certeza que ainda existe esse caminho
antigo uma vez trilhado. Uma velha senda cheia de limo, cheia de folhas, umedecida de
lágrimas e espinhos.

OS OITO ESTÁGIOS NO CAMINHO

Segundo o Budismo, há um caminho de oito estágios que o homem terá que


atravessar para alcançar a Integração. Quando nos referimos a Budismo estamos fazendo
menção ao conjunto de ensinamentos codificados pelo Príncipe Sidarta Gautama logo após
ter atingido o estado de Iluminação Plena: Buda. O Budismo não é uma religião no sentido
estreito do termo e sim uma arte de Viver, que pode ser aplicada por cada um dentro da
sua religião particular. Cristãos, Muçulmanos, Ateus, poderão seguir a senda óctupla. Ela é
perfeitamente justificada em termos da moderna ciência. A Comunicação ganha uma
dimensão nova quando tratada sob essa antiga luz. Falta a Mac Luhan e outros
divulgadores do assunto a penetração psicológica para transformar as Comunicações, nos
seus vários campos, numa Ciência de Integração humana, na verdadeira Engenharia
Humana que permitirá essa coisa fundamental que e a reconstrução do ser. Dos seres
humanos reconstruídos nascerá uma nova humanidade, tão bem apresentada por Teilhard
de Chardin e outros pensadores. O primeiro estágio do caminho da Integração é:

1 - A Compreensão Correta

A compreensão só nasce quando conhecemos a natureza das coisas, quando


penetramos no mundo dos conceitos dos hábitos e das tradições, do que é falho, do que é
imposto, do que nos escraviza e nos transforma na coisa observada.
Houve um mestre de pintura japonesa, famoso pela vida dos seus quadros nos quais
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especialmente os seus bambus pareciam crepitar nas telas de seda, que, perguntado sobre
o segredo dessa espantosa vitalidade, confessou humildemente. "Quando pinto um bambu
eu me transformo nele". Não existe diferença entre o emissor e a coisa observada. Não
existe conflito entre ambas. A coisa observada sem a deformação do observador sofre total
transformação. Tudo ganha nitidez novamente, como a cor, o valor, e o impulso da fuga
presente em todas as manifestações humanas, desaparece. Muitos pensam em escapar da
existência que vivem. Pensam escapar dos apartamentos que dão fundos para o quintal,
das estreitas áreas de serviço onde não entra luz e cheiram a mofo e a frituras. Pensam
fugir dos trabalhos árduos e das canseiras da casa do eterno repetir de tarefas sem sentido.
Fugir das pequenas mazelas da família, dos vícios daqueles de quem gostamos, das tardes
compridas de domingo, das noites paradas diante de um aparelho de TV, ouvindo as
mesmas palavras já proferidas um milhão de vezes. Fugir da mediocridade do tédio da cinza
das cidades apinhadas de gente apressada, da fumaça dos ônibus que queima os olhos, dos
congestionamentos do sol causticante das carícias mil vezes repetidas, do sexo que não
contém mais variações. Fugir do fim irreversível que vemos surgir cada vez mais nítido.
A Compreensão nasce quando vemos que não há do que fugir, pois no aqui e agora
podemos encontrar o que sempre procuramos e está muito longe de onde estamos. Só os
que beberam água podem descrever o gosto dela. Da mesma forma, compreensão é uma
experiência em primeira mão. Ninguém pode sentir por nós. Fernando Pessoa, no poema
"O Guardador de Rebanhos", nos diz essa verdade irrefutável:
"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
e os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
e com as mãos e os pés,
com o nariz e a boca.
Pensar numa flor é vê-la, cheirá-la.
Comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
me sinto triste de gozá-lo tanto
e me deito ao comprido na erva
e fecho os olhos quentes,
sinto todo o meu corpo deitado na realidade.
SEI A VERDADE E SOU FELIZ!"
Saber a Verdade é ser feliz, é compreender!

2 - O Pensamento Correto

Da compreensão correta brota o pensamento correto. Mas o que é o pensamento


correto? O homem é um animal pensante por excelência. Todos pensamos. Observem o
processo, o círculo vicioso no qual um pensamento atrai a outro numa sucessão. Mas o
pensamento é o resultado do passado, do resto, do que foi codificado, da tradição e da
memória. Poucos são os homens que realmente pensam. A maioria é pensado. Rumina os
pensamentos dos outros, sendo conduzido por eles sem o sentir. A característica do
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pensamento correto, como dissemos, é que ele brota da compreensão, reflete essa
compreensão. Os outros equivalem a um cego conduzindo outros cegos.

3 - A Palavra Correta

Como é fácil falar! O homem é o animal falante por excelência. As galinhas cacarejam,
os cães latem, os gatos miam, os burros zurrem, etc... O homem muitas vezes faz tudo isso
nas palavras que pronuncia, esquecendo-se que a palavra não é a coisa que define, assim
como o dedo não é a lua que ele aponta. Entretanto, a maioria dos choques, dos
sofrimentos, nasce de uma tempestade verbal que atordoa, que confunde. A palavra
correta é aquela que deriva do pensamento correto. Não há outra condição. Se não
sentirmos em nós essa compreensão, melhor será ficar calado, pois que a palavra errada
confunde, mata, atordoa. Analisemos o mal dos demagogos! O furor de um Hitler e de um
Goebels na sua propaganda, o contra-ataque de um Churchill e de tantos outros. São
verdadeiros furacões verbais tomando de assalto a criatura. São um amontoado de palavras
impressas em manchetes, escritas, faladas, ouvidas. Mas poucas são as palavras corretas,
são as palavras ditas no momento exato, aquelas que esclarecem, que pacificam, que
curam, que consolam. Não têm a música das palavras de Ulisses, que acalmam as feras.

4 - A Ação Correta

A ação correta nasce das causas anteriores. É como o raio que salta a terra buscando
um caminho de menor resistência, ou como a água que corre pela montanha em busca do
repouso no vale. A ação correta, representa o menor esforço. Não cansa, não desgasta. É o
trabalho com motivação. E o prazer de trabalhar, de fazer coisas que encherão o mundo de
benefícios. É a ação desinteressada de quem dá e nada espera receber em troca. É a voz do
pássaro que canta, e o amanhecer que dorme em tudo. É o nascer de uma rosa ou de uma
criança; de uma sinfonia que brota num turbilhão ou de um poema que surge ao correr da
pena. Sem esforço. Plenamente.

5 - Modo de Vida Correto

Existir todos existem, viver muitos poucos vivem. A diferença entre existir e viver está
na consciência da Vida, que poucos possuem. Muitos ganham a vida de todos os modos,
poucos a ganham corretamente. Ganham a vida não é só ganhar dinheiro, conquistar
posições, ser alguém na escala social. É muito mais do que isso. Viver é sentir o aqui e o
agora a todos os instantes, a beleza do novo, do desconhecido. É não estar preso, nem
tensionado. É estar aberto ao mundo. É ser mundo!

6 - O Esforço Correto

O esforço correto não cansa, não mortifica. Não há tédio. Podemos desempenhar
nossas atividades com o esforço correto e então as tarefas serão feitas com toda a
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facilidade. O rendimento aumenta, pois não pensamos em resultados. Os esportistas sabem
bem o que isso significa. Quando sabemos fazer bem uma coisa, essa coisa flui de nós sem
sofrimento. Flui como a água das fontes. Com o esforço correto, com a atitude física ou
psicológica bem orientada, partiremos para o grande encontro com a Vida.

7 - A tenção Correta

A atenção correta é a base, o princípio e o fim de todos os estágios. É a pedra


fundamental, a pedra filosofal que transforma o chumbo em ouro. A fonte da eterna
juventude. A inspiração, a criatividade, o fogo interno aquecendo a vida fria de tantos
seres. É a redescoberta da vida. É a peça fundamental de todo esse caminho de
reconstrução.

8 - A Integração

A integração é o último estágio. Aquele em que o homem está satisfeito com o meio,
com os outros e consigo mesmo. É o objetivo supremo de todos. Como ser feliz num mundo
de competição, de choque e no qual a lei é a da selva? Eis a questão, eis a pergunta que
muitos fizeram e continuam fazendo. A integração deve ocorrer nos três níveis, pois, do
contrário, não será completa. E pode ser mais ou menos efetiva em cada um desses níveis.
É fora de dúvida que a integração começa a surgir dentro do Ser e à medida que vai se
totalizando consigo mesmo com os outros e com o meio, ela se torna mais fácil.
A integração interior equivale ao processo da individualização de Jung. Segundo Jung, o
homem comum ainda não se individualiza. A neurose mede o afastamento dessa
individualização.
A Comunicação torna-se efetiva com a integração. É muito mais fácil "tornar comum"
alguma coisa quando a nossa estrutura interna estiver em paz, integrada. Vemos, então,
que existem no mundo em que vivemos homens nos mais diferentes estágios de
integração. Alguns - muito poucos - já conseguiram essa individualização, que é, em última
análise, a integração; outros estão ainda palmilhando os diferentes caminhos desse
processo. Só se da a Comunicação total quando o sujeito e o objeto (emissor e receptor) se
tornam seres integrados. Neste caso eles se encontram no mesmo nível, com a mesma
intensidade e no mesmo momento. A mensagem flui como um raio. Nos outros casos a
Comunicação é mais ou menos completa e em alguns outros fica-se como que falando para
as paredes.
Um místico japonês do século XVIII, Hakuin, expressa com acerto a dificuldade de
comunicação daqueles que não se integram em si mesmos:
"O letrado nos ensinamentos de Confúcio ou o instrutor budista são que nem
sementes. Se não soubermos qual é a semente exata, dela só nascerão galhos e folhas e
não flores e frutos, o que não surpreende, porque nossos olhos, ouvidos, narizes, e demais
sentidos nada mais são do que obstruções em nosso caminho. Um letrado em Confúcio faz
da literatura o trabalho de sua vida. Ele pega, aqui e ali, restos dos antigos. Pensa que
compor poemas é jogar a esmo florões de retórica nos seus escritos. Não tem, entretanto,
em qualquer momento, a noção de qual era a face do seu Mestre, nem suas intenções
83
quando ele era um perfeito veículo da bondade dos Céus".
Segundo Hakuin, o Mestre quando se comunica através de palavras ou de escritos, ou
ainda com a sua presença, o faz como um veículo da bondade dos Céus. Essa receptividade -
a possibilidade de o homem se harmonizar, de entrar em ressonâncias com os Céus - é o
princípio básico da Comunicação do homem consigo mesmo. Quando isso se dá, a
criatividade é redescoberta. O filho pródigo volta ao lar que ele pensava ter abandonado.

11
O Desabrochar do Ser

A RECONSTRUÇÃO humana principia quando sob as ruínas do passado, sob as camadas


superpostas de escórias, começa a brotar a semente, rompendo todos os escombros
acumulados até alcançar a luz do Sol. O desabrochar do ser equivale à individualização de
Jung. E o momento em que o homem consegue a sonhada comunicação interna, somente
possível com a Integração. É uma experiência transfiguradora equivalente a uma
verdadeira revolução psicológica, na qual a pureza e a espontaneidade são reencontradas
sob toneladas de tradição e hábitos mortos. Este instante revelador do pleno desabrochar
do Ser é conhecido sob vários nomes: Samadhi, Nirvana, Satori, Êxtase.
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Quando o homem, como um relâmpago, fura todas as barreiras artificiais, o seu centro
é atingido, encontrando um plano de consciência tão válido quanto este em que estamos.
Nele obtém, finalmente, a resposta à pergunta - "quem sou eu?" Alcança a Paz e a
Beatitude na experiência do aqui e agora. Quando consegue furar o tempo depara-se com
uma realidade que muitos, à falta de palavras, chamam de Deus. Mestre Eckhart define
com precisão a limitação do tempo, dizendo:
"O tempo é o grande obstáculo que impede a luz de nos atingir. Não há maior
obstáculo para Deus do que o Tempo. Não-somente o Tempo, mas também as
temporalidades; não somente as coisas temporais, mas as afeições temporais; não somente
as afeições temporais, mas também a marca e o cheiro do tempo".
A partir do choque com a realidade tudo se transforma. As tarefas mais simples
ganham significação nova. A penetração do Real. O choque com a coisa incontaminada
brota instantaneamente após um período de Fecundação, de duração imprevisível. Nessa
germinação entram em jogo fatores os mais diversos, entre os quais as paixões e os vícios
servem como adubo para a semente. Da putrefação nasce uma flor. A experiência
reveladora de vários seres que conseguiram atingir a superação de si mesmos, depois de
uma fase de desregramento, é uma prova das condições inesperadas que preludiam o
momento revelador. A iluminação é sempre instantânea porque ela é a própria criação em
toda pureza. Segundo o Katha Upanishad, "O Ser não é realizável pelo estudo ou pela
inteligência e conhecimento acumulado. Aquele que não abandona os caminhos do vício,
que não pode controlar-se, não possui paz interna. Aquele cuja mente está distraída nunca
poderá realizar o Ser, embora cheio de todo o Conhecimento do mundo". Um místico
chinês, que alcançou essa Paz fundamental, deixou-nos num poema, em rápidos toques, os
ecos de sua revelação:
"Nem por palavras, nem pelos Sábios.
Nem pelas cores, nem sons, eu me iluminei.
A Aurora surgiu dentro de mim quando, subitamente,
no meio da noite soprei a vela apagando a chama".
O símbolo da aurora como o prenúncio de um novo dia é encontrado em vários locais.
Há um texto latino, cuja autoria é atribuída a Santo Tomás de Aquino, intitulado "Aurora
Consurgens", que é de alta significação para a compreensão desta fase fundamental na
comunicação, ou seja, o desabrochar do Ser. A Aurora ou Áurea hora é a hora dourada: a
madrugada, o amanhecer de algo grandioso e definitivo. O próprio livro explica:
"Este livro é batizado Aurora Consurgens por quatro razões. Primeira: a madrugada é a
hora dourada, pois esta Ciência possui uma hora com um resultado dourado para aqueles
·que executarem corretamente o trabalho".
Por aí se vê que o autor conhece um trabalho com letras maiúsculas, cuja execução
recompensa o seu autor com o OURO, isto é, com algo de extremo valor. Este Ouro
simbólico na alquimia nada tem a ver com o metal. É algo que nasce da transmutação da
matéria bruta: do chumbo brota o ouro. O surgir da consciência de um amanhecer
prenuncia o desabrochar do Ser, na comunicação total do homem consigo mesmo.
Continua o velho texto:
"Em segundo lugar, a madrugada está situada no meio, entre o dia e a noite, nela
brilhando duas cores principais: o vermelho e o amarelo, que estão entre o negro e o
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branco numa posição marcante".
Novamente o tema da madrugada volta repetido, quando as trevas da noite que
vivemos começam a ser rompidas pelos primeiros raios do Sol; quando o avermelhado e o
amarelo do nascente são identificações seguras de que a luz dentro em pouco explodirá
transmutando as coisas perdidas no seio da escuridão. O mesmo tema do prenúncio, do
limiar, é apresentado no poema clássico hindu "O Bhagavat Gita", no qual seu personagem
Arjuna declara no versículo 38 do Cap. 39:
"Assim como a chama é envolvida pela fumaça, o espelho pela poeira, o embrião pelas
membranas, da mesma forma ISTO é envolvido por AQUILO".
A Aurora Consurgens prossegue analisando:
"Em terceiro lugar, é na madrugada que aqueles que sofrem todas as enfermidades da
noite são aliviados e repousam por fim. Da mesma forma, ao amanhecer desta Ciência
todos os vapores e maus odores que infectam a mente do trabalhador enfraquecem ou
desaparecem.
Aqui está claramente estabelecida a existência de uma Ciência que faz desaparecer os
vapores que infectam a mente. Há um alvorecer interno, um desabrochar, que é o início da
revolução psicológica que levará o homem à Integração.
Por fim, o alfarrábio nos dá a quarta razão:
"A madrugada é chamada o fim da noite, o princípio do dia, ou a mãe do Sol. Desta
forma, quando o máximo de vermelhidão ocorre no amanhecer, dá-se o fim das trevas. O
término da longa noite de inverno que atravessávamos e na qual, se não tivéssemos
cuidado iríamos tropeçar".
Nota-se, mais uma vez, a clara intenção de identificar a vida cotidiana da maioria dos
seres como sendo a noite que percorríamos aos tropeções até que a LUZ viesse a nascer
plenamente. Segundo o Aurora Consurgens, o caminho para brilhar em nós essa LUZ, essa
Sabedoria, é trilhado através da meditação, conforme o texto especifica claramente no seu
primeiro capítulo:
"A meditação sobre a Sabedoria é a maneira mais natural e sutil que permite nascer a
compreensão da qual surge a Perfeição. Ela é clara para aqueles que possuem essa
compreensão e nunca perdera sua cor, nem fracassará. Ela parece fácil para aqueles que a
conhecem, pois busca, alegremente, mostrar-se a eles".
A Bíblia afirma a mesma coisa no livro da Sabedoria 6-13:
"Esclarecida é a sabedoria, e como tal nunca murcha, é facilmente vista por aqueles
que a amam e achada pelos que a buscam".
Essa Sabedoria é inata, não se ocultando a ninguém. Brilha diante dos olhos cegos dos
homens. É sempre gloriosa e refulgente. O encontro, ou melhor, o brotar da fonte interior,
ou a visão do que está diante de nós todo tempo, não depende de uma busca no sentido
normal que damos à palavra - a de uma atividade ligada ao esforço. A busca e o encontro
são um processo no qual a inação, que os chineses chamam de Wu-Wei, é a tônica
dominante. A esse respeito podemos afirmar que "quem procura não acha" é uma certeza
em termos de psicologia de profundidade. Na atitude dos que procuram, de punhos
cerrados e cheios de tensão para encontrar, está uma barreira formidável dificultando o
encontro do homem consigo mesmo, voltando a ligar-se com o que está desligado.
Na ioga tântrica da Índia o retomo é descrito pelo despertar de um Poder Supremo
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latente em nós - o Kundalini - o Fogo serpentino que existe adormecido na base da espinha.
Sua erupção faz-se seguindo um caminho constituído pela espinha e os diversos centros de
força existentes no corpo humano. A tradição é, entretanto, universal conforme se pode
comprovar em várias partes do mundo. Os muçulmanos da escola Sufi nos falam da "mãe
cérebro", o "coração esférico", o "coração de lírio" onde esta força se manifesta. Arthur
Avalon, na obra Serpent Power, menciona as correspondências percebidas entre as
tradições asiáticas a esse respeito e a escritura Mayas dos Zunis chamada Popul-Vuh. A
força Kundalini é descrita como um furacão que percorre, em certas ocasiões, o ser
humano. No Cristianismo essa força é o Espírito Santo, conforme Jacob Boehme a descreve
em suas Confissões:
"O Homem é feito de todos os poderes de Deus, da mesma forma que os anjos. Mas
ele se corrompe impedindo que o divino nele se mova e nele desabroche os seus poderes. E
embora brote e brilhe nele, é incompreensível à natureza corrompida. O Espírito Santo não
pode ser mantido na carne pecadora e eleva-se como um raio, ou como o fogo ao crepitar
ou como a pedra que cintila ao se chocar com outra. Mas quando a carne é capturada na
fonte do coração, o Espírito Santo se eleva nos sete espíritos-fonte até o cérebro, assim
como, no amanhecer, a vermelhidão da manhã".
A religião do homem consigo mesmo, que constitui a base da reconstrução, pode ser
ativada de várias maneiras. A Religião, no sentido profundo de união, é uma das fórmulas.
A Ioga, as várias escolas de meditação Budistas, Cristãs, Muçulmanas, Hindus, etc. são
caminhos que sempre existiram, trilhados por milhões de peregrinos do Absoluto. De todas
elas, as Escolas Zen e Vipassana são de grande efetividade para a obtenção de resultados
concretos. Todas elas, nos seus exercícios, empregam a imobilidade corporal como etapa
inicial dos trabalhos. Essa imobilidade repugna a muitos, que veem nelas, superficialmente,
um quietismo incompatível com a civilização vibrante de hoje. Há, entretanto, grande
número de homens de ciência que afirmam o elevado valor da meditação nas nossas vidas.
Alex Osbom, no Livro O poder criador da Mente, demonstra o imenso potencial decorrente
da Concentração completa (a Plena Atenção). Cita, inclusive, o caso de um conhecido
advogado seu amigo cuja esposa costumava sempre criticá-lo pelo costume de ficar
sentado, imóvel, todas as tardes, sem nada fazer. Depois de ter vencido uma importante
causa, ele fez à esposa a seguinte observação: "espero que compreendas agora que,
quando me sento de olhos abertos e pareço estar sonhando, realizo o trabalho mais pesado
e proveitoso".
O Juiz Félix Frank lamenta que os homens não se dediquem mais a fundo a essa
espécie de estudos. Arnold Bennet era outro que acreditava que podíamos dirigir nossa
mente e atingir resultados espantosos.
O Almirante Shatock, que se notabilizou na Segunda Guerra Mundial, dá o seu
testemunho no livro Experiments of Mindfullness, editado pela Rider, de Londres, e nele
conta suas experiências quando praticou meditação na Birmânia. Os interessados neste
assunto podem ler, entre outros, os livros Three Pillars of Zen, de P. Kapleau-Jonh
Weatherhill Inc., Tóquio e The heart of Buddhist Meditation, de Thera-Rider, Londres.

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A chamada Meditação é uma técnica de introspecção baseada, inicialmente, numa
postura correta. Podemos meditar em qualquer situação: andando, sentado, deitado ou de
pé. Mas, para começar, é mais fácil adotar a forma sentada. A meditação deve ser um
processo sem esforço, fazendo parte das nossas vidas como as atividades fisiológicas ou
higiênicas. Quem medita observa as coisas de um ponto de vista privilegiado. A observação
deve ser direta, imediata. Diante do observador há sempre um fato, numa situação muito
semelhante à do pesquisador que tivesse de examinar, ao microscópio, uma lâmina de
certa cultura. Para observar com nitidez o que se passa, é necessário levar em consideração
uma série de fatores. Basta descurar um pequeno detalhe para pôr a perder todo um
paciente trabalho de observação do que se passa na lâmina. Para todo ato de observação é
indispensável que haja o observador, a coisa observada e o instrumento de ampliação.
Além desses três fatores, são necessárias quatro condições adicionais: 1º) o microscópio
devidamente focalizado; 2º) o campo iluminado; 3º) que o observador seja perfeito física e
psiquicamente; 4º) que o observador conheça o assunto.

88
A focalização e localização do microscópio é muito importante para a correta
observação dos fatos. Se o aparelho estiver alto ou baixo demais, o observador será
forçado a um esforço além do normal. A posição exata correspondente a postura física
perfeita; as posições erradas provocam as tensões que atormentam o homem. A posição
inicial para a meditação é a sentada. Nesta posição o peso do corpo e distribuído
Uniformemente ao longo da superfície de contato com o plano horizontal. A posição mais
racional é a de pernas cruzadas, a moda oriental, com a espinha rigorosamente ereta. Nesta
posição o homem pode ser inscrito num triângulo equilátero no qual o centro de gravidade
corresponde aproximadamente ao umbigo, justamente onde a resultante equivalente ao
peso do corpo está aplicada. Quando isto ocorre, a espinha fica sem tensão, na posição
vertical. A espinha é um canal composto de vértebras articuladas e por ele corre a medula
cerebral e passa uma serie de impulsos elétricos infinitesimais em busca do cérebro. Os
nervos ramificam-se a partir da espinha, atravessando-a nos seus nódulos em direção aos
órgãos e músculos. Qualquer tensão na espinha, por menor que seja, produz modificações
nos impulsos elétricos. A posição sentada, de pernas cruzadas - a clássica posição do lótus
(padma asana) - permite ainda que o diafragma desça ao ponto mais baixo do tórax,
ampliando desta forma e extraordinariamente, a capacidade respiratória dos pulmões. Com
isso, o homem, que respira uma média de doze a dezesseis vezes por minuto, passa a
respirar de seis a oito vezes. Várias experiências, feitas com o controle do
eletroencefalógrafo, acusam modificações de traçados em pessoas submetidas durante
algum tempo a técnicas de meditação. Várias instituições científicas estudam o assunto
com a profundidade que merece. As universidades da Califórnia e de Cincinati têm editado
trabalhos sobre Zen e sua técnica Zazen de meditação. O Dr. Clark, do Laboratório de
Psicologia infantil de Detroit, vem realizando aplicações do Zen no tratamento de doenças
nervosas. Está aberto, assim, um campo imenso, uma terapia para milhões, sem
consultórios nem hospitais. O Dr. Sakuma, ex-diretor da Universidade de Tóquio, iniciou
vários trabalhos, continuados pelo Dr. Kasamatsu, do Departamento de Psiquiatria da
Universidade de Tóquio, e outros. Em 1962 o Dr. Koji Sato e colaboradores constataram os
ruídos produzidos pelas ondas cerebrais dos pacientes. Notaram que esses sons ficavam
mais baixos quando os pacientes estavam mergulhados na meditação. Em linguagem
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técnica quer dizer que as ondas beta se transformam em alfa. As ondas alfa têm uma
vibração de 8 a 13 ciclos por segundo e aparecem nas pessoas que descansam de olhos
abertos. Já as ondas beta têm a freqüência de 14 a 25 ciclos por segundo. No estado de
sonolência as ondas alfa diminuem de ritmo e surgem as beta de freqüência de 4 a 7 ciclos
por segundo. Quando mergulhados em sono profundo e calmo, aparecem as chamadas
ondas delta na frequência de 0,5 a 3,5 ciclos por segundo. O Professor Kasamatsu
comprovou que a emissão de ondas está relacionada com o tempo que as pessoas praticam
a meditação. Em provas realizadas com monges mergulhados em profunda meditação
verificou-se que ruídos súbitos não produziam qualquer alteração significativa nos traçados
de ondas cerebrais. Verificou-se também que, apesar do ritmo respiratório ter diminuído
para metade do normal, o volume de ar inspirado aumentava extraordinariamente.
A meditação é a forma mais efetiva para o esperado encontro do homem consigo
mesmo, base de toda a comunicação e condição indispensável na reconstrução humana. As
instruções que se seguem são indispensáveis nos estágios iniciais.
Nyanaponilca Thera, no seu Heart of Buddhist Mcditatlon, afirma que o "caminho
antigo da Plena Atenção é tão válido hoje como há 2.500 anos atrás. É aplicado nas terras
do Leste e Oeste, no meio do torvelinho da Vida, bem como na paz da cela de um monge".
Esse caminho, que nos leva a desenvolver a Atenção de uma forma superlativa atingindo a
Plena-Atenção, é chamado SATlPATTHANA. Na Birmânia, onde vigora a escola do Sul do
Budismo primitivo, é chamada Vipassana.
Para o principiante que tem dificuldade em manter a sua atenção, aconselha-se, como
regra básica, procurar um lugar tranquilo e de preferência com pouca luz. Uma vez sentado,
de pernas cruzadas e de espinha ereta, colocar as mãos uma sobre a outra, no colo, e
fechar os olhos. Se tiver dificuldades, deve utilizar uma almofada alta, um banquinho, ou
mesmo uma cadeira comum, desde que não encoste as costas no espaldar. Evitar roupas
apertadas, joias e relógios fazendo pressão sobre o corpo. Evitar sempre que a planta dos
pés fique em contato com o solo. Ficamos, deste modo, aptos para iniciar, com o corpo na
devida posição (o microscópio localizado corretamente), a concentração da atenção (a
focalização do microscópio). Iniciamos, então, as quatro conscientizações: 1º) a consciência
do corpo; 2º) a consciência das sensações; 3º) a da mente; e 4º) a dos objetos da mente.

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A focalização da atenção é a conscientização, a todo momento, do que se passa no
nosso interior. Para isso adotamos a mesma técnica do pesquisador que analisa, ao
microscópio, uma cultura e vai anotando, num caderno, todas as alterações significativas. A
mesma coisa ocorre com quem medita ao registrar uma série de "notas mentais" à medida
que observa as transformações do seu mundo. As notas mentais são palavras resumidas e
firmemente rotuladas no fato observado. Vejamos alguns exemplos: nosso joelho começa a
doer depois de algum tempo de imobilidade, o que é perfeitamente natural no início da
prática. Então qualificamos a dor com a nota mental: "joelho direito doendo". Se
estivermos ouvindo um som, imediatamente qualificamos o som com a nota mental:
"ouvindo", E assim devemos proceder em relação às nossas sensações, aos nossos
pensamentos, aos objetos da mente. Segundo o famoso instrutor da Birmânia, Mahasi
Sayadaw, no seu livro Instruções Básicas para o Exercício da Meditação, edição da
Sociedade Budista do Brasil, o praticante, quando imaginar alguma coisa, deverá emitir a
nota "Imaginando". Se estiver pensando em alguma coisa, a nota mental "pensando"; se
estiver refletindo, "refletindo". Se por acaso sentir sua mente divagar, a nota será
"divagando". Quando tiver vontade de engolir a saliva que se forma na boca a nota será
"engolindo". E assim por diante. Em todos os momentos, a atenção deverá ser total no que
estiver ocorrendo, e com isso a consciência do "aqui e agora" se torna mais nítida,
transformando completamente o indivíduo que antes vivia mergulhado no mundo de

91
sonhos e devaneios criados pelo condicionamento a que foi submetido.
A chamada Escola Zen, vigorante no Japão, adota, na sua linha Soto, a meditação
Zazen. A técnica em si da postura é semelhante à descrita, com pequenas variações quanto
a detalhes. Por exemplo, logo depois de sentado o praticante deve iniciar uma série de
oscilações com o corpo, como um "João Paulino" que busca, gradativamente, o equilíbrio.
Depois, inspirar e expirar fortemente, uma ou duas vezes e esquecer por completo a
respiração. Permanecer então de olhos ligeiramente abertos, imóvel, olhando para a frente
numa inclinação de 45 para baixo. A boca deve ficar fechada e os dentes cerrados, devendo
toda a respiração ser feita pelo nariz. Segundo Doguen Zenji, o introdutor do Zen no Japão
no século XIII, suas regras para a prática da Meditação-Fukanzanzengui, são:
"Para meditar deves ter um aposento tranquilo; deves comer e beber com moderação;
deves desprezar todas as relações e abster-se de tudo. Não penses no Bem e no Mal. Não
te preocupes com o certo e o errado. Detém as funções da mente, da vontade e da
consciência. Guarda-te de medir a memória, a percepção e o discernimento. Não te
esforces para te transformares num Buda. Não te apegues ao sentar ou deitar. No lugar
onde estiveres sentado coloque uma almofada quadrada e fina e sobre ela uma almofada
redonda e espessa. Uns meditam em "kekkafusa", outros em "hankafuza". Em "kekkafuza"
deves colocar o pé direito sobre a coxa direita e o esquerdo sobre a direita. Em "Hankafuza"
deves colocar o pé esquerdo sobre a coxa direita. Deves desapertar a roupa e o cinto,
depois colocar a mão esquerda sobre a palma da mão direita com ambos os polegares
tocando-se. Deves sentar ereto e não inclinar nem para a direita ou para a esquerda, nem
para frente ou para trás. Tuas orelhas e nariz devem estar na mesma linha do umbigo.
Mantém a língua encostada no céu da boca unindo os lábios e dentes com firmeza. Os
olhos devem estar sempre abertos. Inspire calmamente e coloque o corpo na posição
adequada, movendo-o para a direita e para a esquerda. Permaneça imóvel na postura de
meditação, pensando no impensável. Como pensar no impensável? Pensando além do
pensar e do não-pensar. Esta é a mais importante fase da meditação Zen, que deve ser
realizada passo a passo, pois é um ensinamento calmo e confortável. É o treinamento e a
iluminação da Sabedoria Perfeita".
A Meditação é, portanto, o caminho mais efetivo para a Comunicação com o Ser. É o
caminho da religação do homem com o seu ser mais profundo, depois de quebrar a
imagem criada pelo condicionamento. É o despertar da criatura humana para a realidade
que o cerca. Quanto a este aspecto, é a RELIGIÃO que permite a salvação do homem, que
obrigado a viver numa sociedade de consumo, em que a agitação é uma constante e,
apesar disso, alcança a lucidez fundamental. O homem desperto é como um furacão que se
movimenta, como um torvelinho, tendo um olho, um centro, onde a Paz está presente.

92
12
Criatividade
A Arte de Viver

"O segredo da criação e da eficácia artística consiste em mergulhar, de novo, no


estado original de participação mística."
GUSTAV JUNG

A CRIATIVIDADE é um estado preexistente no âmago da criatura humana. A plena-


atenção é a chave para que ela venha à tona transformando completamente nossas vidas.
Este viver criador é uma característica dos místicos e dos artistas, daqueles que conseguem
furar a barreira do condicionamento e mergulhar as mãos nas águas do inconsciente
coletivo. Segundo Paul Carus, "o que chamamos gênio se caracteriza pela sua maneira de
manifestar-se, pois o espírito superiormente dotado é conduzido, em tudo, pelo seu
inconsciente, esse Deus misterioso que o habita, e de tal maneira que as ideias jorram dele
sem que ele saiba de onde".
A obra de arte resultante será tanto mais autêntica quanto mais desperto for o mundo
interior do artista. A criatividade existe latente em qualquer um, dependendo apenas de ser
despertada através de cultivo prévio. Deve ser cuidada com carinho, tal como uma planta
tenra que tem que ser regada pelas experiências de cada um. A criatividade exige, no
entanto, continuidade. Não podemos ser criativos somente em certos momentos e,
noutros, ficarmos mergulhados na vida-cinza dos pequenos mundos autocriados. A plena-
atenção deve ser mantida em todos os instantes, porque é a chama que ilumina as trevas
que nos cercam. O poema hindu Bagavat-Gita afirma, em certo trecho: "O que é noite para
o homem comum é dia para o sábio". Quando conseguimos ver as coisas como elas são em
sua natureza, estamos diante de algo completamente novo, espontâneo. Convém lembrar
que todas as coisas nada mais são do que fases de um processo energético em pleno curso.
Homens, móveis, plantas, animais, são, em última análise, concentrações de energia no
espaço e no tempo em constante modificação. Observem uma vela e verão uma imagem do
que se passa em tudo o mais. Algumas coisas como as montanhas, as estrelas nos parecem
mais estáveis do que outras, precisamente porque o sistema de referência da nossa
percepção está aferido por padrões humanos. Essa transformação, verdadeira ebulição dá
às coisas uma criatividade natural que somente alguns podem ver e expressar. Há,
entretanto, uma esperança, qual a de achar o caminho que nos leva ao ressurgir da
criatividade em nossas vidas.
Num mundo que explode em número, que se compacta pela urbanização, onde as
metrópoles se transformam em megalópole e estas numa ecumenópolis, como diz
Doxiádis, há uma constante privação da liberdade humana. A tecnologia modifica os
padrões de vida e espreme o homem como se ele fosse uma engrenagem. Neste mundo
que se coletiviza é indispensável encontrar na criatividade a sobrevivência do homem. O
homem que não é, e jamais será, uma máquina, pois é o senhor de todas as máquinas e

93
está sendo ameaçado pela sua própria criação. A roda pode ser considerada como sendo a
extensão de seus pés, assim como os circuitos elétricos são os prolongamentos do seu
sistema nervoso, e o vestuário uma continuação de sua pele. A época de hoje - e amanhã
será bem mais - é baseada no conceito de Massa: habitações coletivas para moradia da
massa, hospitais, supermercados, transportes, esgotos, água, livros, jornais, etc. Há uma
verdadeira pressão convergente sobre o indivíduo privando-o da liberdade. A maioria, ao
ser submetida a essa pressão, se acomoda, perde a liberdade interior e se agrega,
docilmente, à massa, do mesmo modo por que a terra vai se transformando em lama sob a
ação da água. A pressão da Massa, do coletivo, gera uma tensão enorme no homem. O Ser
diferente, único, que efetivamente somos, é asfixiado pelo conformismo. A massa gera a
rotina, a coisificação do homem. Produz uma total alienação da criatividade, da
espontaneidade, a transformação da vida numa verdadeira Repartição Pública, que é antes
de mais nada um estado de espírito, uma doença d'alma.

REPARTIÇÃO PÚBLICA

Som de relógio cortando o tempo em fatias, martelando o silêncio na sala vazia.


Folhinha indicando Domingo. Ar parado. Cheiro de naftalina e mofo. Ranço. Na parede uma
placa esmaltada com um nome: Arquivo. Descanso. Claraboia suja no teto. Réstias de luz.
Poeira dançando. Chuva de prata e ouro. Vibrando. Prateleiras metálicas. Montões de
papéis empilhados. Arquivados. Montanhas. A tracinha emerge do poço escuro cavado
numa resma. Para um instante. Ajusta os olhinhos à claridade baça do ambiente. Respira e
mergulha, novamente, abrindo um caminho novo no seu escuro mundo. Desconhecido.
Processos dispersos: novos, velhos, arcaicos. Tinta desbotada, amarelecida pela água.
Páginas soltando pedaços de tanto manuseio. Remendos na capa com armas da república.
Brazil com z ainda. Manchas. Marcas de fundo de copo. Escritos a máquina, a mão.
Garranchos de letra que vão do mais puro analfabetismo até o doutorismo refinado dos
pareceres brilhantes. Saneadores, cintilantes, cheios de considerandos, data vênia, e
terminando com um salvo melhor juízo providencial. Final. Uma traça boêmia diverte-se
furando todos os o; outra prefere desenhar estranhas curvas. Bordados exóticos. Firulas.
Desenhos mouriscos filigramáticos, enigmáticos. Arte abstrata. Surrealista.
Um telefone tintila ao longe. Impessoal. Em vão... em vão... Ninguém atende.
Expediente encerrado desde Sexta-Feira. Semana Inglesa. Francesa. Semana brasileira.
Gênesis às avessas. Um dia de trabalho por semana, das 10 às 11, e seis dias para descanso.
Descanso do cansaço de levar água num cesto, de ir a lugar algum, de ficar remoendo
sempre a mesma coisa como um disco enguiçado. Cabelos brancos no espelho. Ah! o
tempo perdido...
Burocracia. Peço conhecer. Aqui por engano. Fineza resolver. Indeferido. Aguarde-se
oportunidade. Concedido. Requerimento. Carimbo. Retrato 3x4, sem retoque. Caução.
Memorando. Burocracia. Transferência de responsabilidade. Ninguém tem culpa de nada.
Despersonalização. Mecanização. Rotina contínua. Marasmo. Mar morto.
Repartição pública. Participação de coisa pública. Divisão da coisa pública. Abrigo.
Defesa. "Meu filho algum dia será funcionário". Aposentadoria. Salário. Licença-prêmio.
Salário-chuva. Abono. Abono provisório. Risco de vida. Insalubridade. Miséria. Adicional.
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Compadrismo. Serviço externo. Empreguismo. "Me arranja um bico por favor".
Despesas de representação. Gratificação. Comissão. Placa branca. Faixa: em serviço.
Placa amarela camuflada - "Deixa madame na cidade!" - "Qual delas doutor?"
Governo de costas largas. Culpado de tudo. Todos os demais inocentes. Anjos.
Demagogia. Ignorância. Má-fé. Falta de fé. Mentalidade de repartição pública. Mofada.
Cristalizada. Tudo nacional. Telefones. Luz. Petróleo. Leite. Água. Pão. Sabão... Tudo com
um Brás no fim ou um SA de faz de conta. Morte ao polvo estrangeiro. 100 milhões de
funcionários em fila assinando o ponto.
Macaco louco batendo, ao léu, teclas de máquinas. P, u, x, ae, iapc, sunab, rrfiiií,
xxspr... Depressa um Diretor Geral para a Comeplan que acabou de nascer!
Repartição. Picado. Repartido. Seccionado. Verbas. Comissões. Grupos de trabalho.
Repartição dos despojos. Uma faca na mão. Capitanias hereditárias. Fiscalização.
Moralização. Fiscalização à fiscalização. Controle do controle. Fiscal. Dá-se um jeitinho.
Quebragalho. Despachante. Propina. Cafezinho da esquina. Desentupimento do canal
competente. Hidráulica burocrática...
Pública repartição. Relógio de ponto. Cartão perfurado. Livro de ponto. Livro de
registro. Protocolo. Entrada. Saída. Lanche. Hora do pipi. Barnabé curvado, informando.
Costas doendo. Suor escorrendo. Vista falhando. Homem-engrenagem. Padrão. Carimbo.
Letra t do antigo Quadro II do MVOP. Extinto. Elogio na fé-de-ofício. Caneta de presente dos
colegas da repartição. Ventilador barulhento espantando moscas. Céu azul. Primavera.
Processo número 2349223/70. Rabisco. Protocolo. Cartão amassado em mãos suadas.
Andamento. Volte na próxima semana. Buscas. Flores nos campos. Barnabé trabalhando.
Sempre as mesmas frases no mesmo papel timbrado. Sai dia, entra dia. Dia a dia. Até às
cinco. Ônibus. Fila debaixo da chuva. Guarda-chuva pingando na calçada. Gosto amargo na
boca. Pés doendo. Embrulhos nos dedos. Jornal largando tinta nas mãos. Barulho de pneus.
Asfalto luzindo. Respingos. Cansaço. Papel boiando nas sarjetas. Folhas secas caindo,
caindo...
Noite. Na claraboia da sala deserta reflexos coloridos. Vermelho... Amarelo...
Vermelho... Amarelo... Anúncio luminoso piscando. Repetição. Repartição. Escravidão.
Placa iluminada repentinamente em vermelho. Em amarelo. ARQUIVO. ARQUIVO.
ARQUIVO. AR morto. MORTO. MORTO!!!!.

INDIVÍDUO X COLETIVO

O trágico quadro da compartimentação do homem, do seu trituramento nas garras do


Superestado Todo-Poderoso, Repartição Pública suprema dentro de uma civilização
industrial é o destino que espera os países que correm em busca dos ovos de ouro do
desenvolvimento. Como conciliar o indivíduo com o coletivo, com a massa que o espreme
cada vez mais? Como salvar o orgulhoso senhor dos animais da coisificação, do
marginalismo, do rebanho, da burrice em série que nos chega através dos órgãos de
Comunicação em Massa como uma enxurrada de esgoto?
A pressão é quase irresistível. A Educação vai formando os autômatos especializados,
cada vez mais, numa pequena fatia do conhecimento. O bitolamento, o fechamento de
horizontes gera uma das mais terríveis consequências: o tédio da especialização. Uma
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simples observação no processo industrial, baseado na linha de produção em série, mostra
que o homem está compartimentado dentro da empresa, do lar, da sociedade. Aos poucos
vai se tornando mero apertador de botões ou abridor de latas. Esta contingência de atuar
sempre no mesmo parafuso, ou colocar a mesma peça no lugar, gera um gradual
desligamento da tarefa que executa e vai transformando o homem num autômato. O
trabalho passa a ser executado da mesma forma como bate à máquina ou dirige
automóvel. Dessa automaticidade nasce a neurose a embriaguez e todas as chaves falsas já
abordadas anteriormente, e com as quais o homem procura vencer a angústia em que
mergulhou. Para nós a lei da tensão existencial pode ser formulada da seguinte forma: "A
angústia existencial é diretamente proporcional à distância entre o Ser Real do homem e
sua imagem criada pelo Condicionamento".
A Criatividade é a única dinamite capaz de romper a cristalização das camadas de
condicionamento e libertar o Ser Real. Quanto maior for a cristalização dessa massa de
conceitos, mais rígida será a imagem que temos de nós mesmos. E tanto maior será o
sofrimento para nos libertar dela. Em muitos seres que atingiram esse grau de cristalização
o sofrimento vai desaparecendo por causa da própria hipnose em que estão mergulhados.
Sem dúvida, são felizes à sua maneira. São como rochas humanas, impenetráveis e opacas.
Não obstante, a angústia logo começa a atuar, dando o primeiro sinal que nem tudo está
perdido, que uma esperança surge para levar o homem novamente à Criatividade. Os
hindus intitulam esse estágio de total angustia, em que tudo parece perdido, em que todos
os valores estão no chão e o homem se vê nu diante do absoluto, de Vairagia. Os místicos
cristãos chamam esse momento trágico de "noite negra da alma". É um estágio seguro da
aproximação da Aurora. Aqueles que conseguem aguentar a prova estarão salvos. O poeta
Fernando Pessoa viu-se envolvido, inúmeras vezes, por essa angústia sem fim. Numa carta
ao seu amigo Mário Sá Carneiro, que pouco depois não aguenta o isolamento e se suicida
em Paris, escreve:
"Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental, uma ânsia aflita de falar com
você. Como daqui se depreende eu nada tenho a dizer-lhe, só isto, que estou hoje no fundo
de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim. Estou num daqueles dias
em que nunca tive futuro. Há um presente imóvel como um muro de angústia em torno".
A angústia gera um dos mais difundidos mitos de hoje: o da incomunicabilidade, da
impossibilidade de os seres humanos encontrarem um ponto comum. É um dos mais
terríveis mitos, pois gera a sensação do isolamento, do muro em nossa volta. Nem o amor
pode vencer essa barreira para os que nela acreditam. Somos como objetos sólidos que
nunca conseguirão interpenetrar-se: cubos, esferas, cilindros vivendo num universo
geométrico onde não existe o calor humano. Um mundo lubrificado por petróleo,
iluminado por lâmpadas de mercúrio, reluzente de aço inoxidável e vidro azulado. É
indiscutível que o isolamento nasce da inconsciência do mundo mental que nos envolve,
muito parecida com a do peixe preso no seu aquário. A psicologia de Jung demonstra que o
inconsciente coletivo é comum a todos os seres. Inúmeros são os casos de neuroses
produzidas nas crianças pelos desajustes de pais que nunca souberam discutir seus
problemas com os filhos. Essas crianças foram contaminadas pelo ambiente em que vivem.
A certeza da existência de um oceano mental envolvente dá ao homem uma chave imensa
para poder aliviar os horizontes mentais do mundo. Cada um de nós é como um corante, ou
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fermento, que se propaga a toda massa, modificando a sua consistência. Basta o homem
encontrar o caminho da comunicação consigo mesmo para que todos sejam influenciados.
O caminho da libertação do sofrimento humano começa em nós mesmos. Em ninguém
mais.

A ARTE DE VIVER

Há uma verdadeira arte de viver completamente esquecida pelo homem de hoje. Esta
arte é a redescoberta de criatividade. D. Suzuki, no prefácio do livro Taoism, conceitua:
"Não há dúvida de que a vida moderna faz face a um grande problema surgido da
mecanização e industrialização, que deforma os recursos individuais e a criatividade
artística à medida que o homem se torna dependente de novas técnicas e cada vez menos
utiliza suas mãos. Foram justamente as mãos os instrumentos que deixaram marcas
profundas na mente humana. Podemos mesmo afirmar que foi com as mãos que o homem
trilhou o caminho que o distinguiu dos outros animais. Nada mais criativo que as mãos. É
por essa razão que nos mosteiros Zen dá-se tanta ênfase aos trabalhos manuais".
O filósofo John Dewey vai mais longe, acreditando que nossa própria sobrevivência
depende da criatividade. Diz ele:
"Uma produção maquinal e distribuição em larga escala tende a urbanizar a população
antes espalhada em vilas rurais. A mecânica do ajuntamento e circulação gera uma dieta
mental comum. O nivelamento de classes resultou numa definida uniformidade de
atitudes. Esta semelhança é a contra parte externa e símbolo das forças que agem para
produzir a uniformidade mental e abafar qualquer independência de pensamento".
É o rolo da mediocridade em marcha, com seus mitos, seus monstros, seus pseudo-
eventos feitos para alimentar a multidão, o vazio da imbecilização coletiva no qual o
homem, como que dopado, hipnotizado, age como um autômato. Erich Fromm vê esta
conformidade de títere como um autêntico perigo para a Democracia mergulhada nas
técnicas de massificação. Aos poucos o indivíduo, então diferente dos demais - original,
espontâneo, livre -, começa a ser ajustado aos modelos da época.
A falta de estímulo à criatividade pode levar o indivíduo a se adaptar a novas
situações. Há, porém, uma cruzada pela frente para recuperar o gosto da vida, para
reaprender a viver harmoniosamente com a natureza. É enorme essa preocupação,
principalmente nos países mais submetidos à massificação, como os Estados Unidos, a
Europa e o Japão. Até na União Soviética, onde o artista está acorrentado à mensagem,
onde a arte está presa aos padrões clássicos e, por isso, ficou atrasada de 50 anos. Existe
grande interesse pela Heurística - a Ciência do pensamento criador. V. N. Puchkin, S. L.
Rubinstein, A. N. Lieontive, L. L. Gurov são alguns dos psicólogos russos que mais têm
estudado as técnicas para fazer surgir o pensamento criador do cérebro humano através da
ampliação dos mecanismos cerebrais. A falta de estímulo à criatividade pode impedir que o
homem se adapte a novas situações. O primeiro toque deve nascer na Escola. Diz-nos o
poeta Robert Nathan que "começamos a perder nossa liberdade no momento que os
homens começam a falar e a pisar como seus vizinhos". A professora tem a grande
responsabilidade de desenvolver o que está latente nas crianças. Na família pode-se
também iniciar o desencadeamento do processo de germinação da semente, desde que os
97
pais tenham consciência da importância do viver criativo. Mary Lee Marksberry, no livro
Fondation of Creativity, examina diversos aspectos ligados à natureza do fenômeno
criativo: "Criatividade é dinâmica de toda a vida. Todos os organismos, inclusive os seres
humanos, tomam do seu meio tudo o que é necessário para formar e manter a vida. Para a
maior parte dos organismos este processo representa uma simples criatividade biológica,
mas para o homem existe também uma criatividade psicológica. É esta dimensão adicional
que o distingue dos animais".
O processo criativo admite vários estágios. O primeiro é o do aquecimento, da
preparação, quando vamos acumulando os elementos para a composição. Nesta fase o
homem criador torna-se extraordinariamente dispersivo aos olhos dos outros. É
brincalhão, desarrumado, amontoa livros ou formas a serem desenvolvidos aparentemente
a esmo. Fica horas sem fazer nada, dando a impressão de preguiça para os que estão
condicionados à ideia do "tempo é dinheiro". O homem criador sabe que existem duas
espécies de trabalho: uma que o obriga, muitas vezes, a ganhar a vida em longas horas de
repetição de tarefas na rotina dos escritórios; outra, que não é rotina, nem está sujeita a
livro de ponto. Quando este TRABALHO toma conta dele, não mais conhece descanso:
almoço, jantar, banho, funções fisiológicas, tudo vai ficando em segundo plano, pois só a
OBRA é importante.
O segundo estágio é o da incubação, quando os elementos começam a ser trabalhados
pelo inconsciente numa verdadeira calcinação alquímica. É quando se sente uma presença,
um peso de algo que não se pode exprimir. A consciência da existência de um filho
brotando nas nossas entranhas, que se movimenta e palpita mas cuja face não
conhecemos. Fernando Pessoa expressa magistralmente essa fase na ânsia pela expressão:
"Há mais de meia hora/ que estou sentado à secretária/ com um único intuito/ de
olhar para ela./ (Estes versos estão fora do meu ritmo).! Tinteiro grande à frente./ Canetas
com aparos novos à frente./ Mais para cá papel muito limpo./ Ao lado esquerdo um volume
da Enciclopédia Britânica./Ao lado direito/ Ah, ao lado direito!! A faca de papel com que
ontem/ não tive paciência para abrir completamente/ o livro que me interessava e não
lerei./ Quem pudesse sintonizar tudo isso!/"
O terceiro estágio é o da visão criadora, da iluminação, da inspiração, na qual a Obra
nasce espontaneamente. Muitas vezes, aos borbotões, o artista mal tem tempo de captá-la.
É instante de intensa alegria quando dele nasce algo que fala ao espírito da humanidade.
Maritain crê que o poeta cresce à medida que se aprofunda na intuição criadora. Rimbaud,
na sua famosa Carta do Vidente, dá uma magnífica visão do processo criador:
"O primeiro estudo de um homem que deseja ser Poeta é o de si mesmo. O
autoconhecimento deve ser total. Ele busca a sua alma, perfura, comprova, aprende. Logo
que a conhece, tem que cultivá-la. Isto parece simples, mas o que se requer é fazer a alma
monstruosa... Eu afirmo que temos de ser um Vidente através de um total deslocamento de
todos os sentidos... Ele se torna além de todos os outros, um grande inválido, um grande
Criminoso, um grande Amaldiçoado - o Supremo Conhecedor! Ele atinge o desconhecido.
Mesmo que enlouqueça, perde a compreensão de suas visões, mas pelo menos ele as viu!
Deixai que ele se mova entre coisas sem nome e nunca ouvidas. Depois virão outros
horríveis trabalhadores que começarão nos horizontes onde outros caíram".
Por fim vem o período de verificação, elaboração e avaliação, no qual o artista volta ao
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normal e passa a analisar sua obra. Conhece-a pela primeira vez. Então o criador testa,
critica, modifica ligeiramente. Dá acabamento ao produto elaborado.
A Criatividade é, portanto, o grande atributo da raça humana, o Direito supremo de
não ser carneiro. É a ânsia incontida de encontrar algo de novo. Nasceu no momento em
que o homem teve a curiosidade de querer saber como era o campo que devia existir além
da colina esfumada na linha do horizonte. O alpinista inglês George Mallory, famoso pelas
suas tentativas na conquista dos Himalaias, respondeu certa vez, quando lhe perguntaram a
razão por que tinha se arriscado tanto para vencer o Everest: "É porque estava lá". Esta
expressão singela bem demonstra até que ponto vai a indomável vontade humana. É ela
que também anima o espírito dos descobridores de terras do século XVI. Engastada no
nosso subconsciente, lá está sempre pronta para tomar nas mãos o nosso destino. O
desconhecido é o nosso grande desafio. O impossível contém em si o germe latente de
todas as possibilidades. Portanto, não se pode conceber um homem definitivamente
cristalizado e satisfeito. O homem é uma fluência como tudo o mais na Natureza. Um
regato correndo, enquanto a vida palpita nas veias. Nunca uma rocha dura, monolítica e
estéril. É por essa razão que os historiadores modernos, entre eles Toynbee, não acreditam
numa humanidade-rebanho pastando calmamente sob o olhar complacente de um único
pastor, dominada e satisfeita com o som mavioso de sua flauta. No dia em que isto
ocorresse, terminaria a liberdade de ser diferente no mundo e restaria apenas um imenso
pátio de colégio interno no qual, em filas, bilhões de alunos uniformizados cantariam hinos
ao grande Produtor Supremo, sem qualquer desafinação ou titubeio, sem cabelos
despenteados ou unhas sujas de terra escura. Um mundo feito a essa imagem como um Big
Brother. Olho que tudo vê, ouvido que tudo escuta, seria o retrato, de corpo inteiro, do
tédio total e absoluto. Tão vazio como uma cidadezinha inglesa aos domingos, com o
Exército da Salvação tocando na praça deserta e envolvida pela bruma da tarde. Um reino
cinza e branco leitoso, com gosto e cheiro de arenque defumado.
Criatividade não é conformismo. Não é abaixar a cabeça balindo. Não é a putrefação
do pântano nem a mecanização da vida. Não são crianças bem comportadas, de roupinhas
engomadas, e que não botam nunca o dedo na nariz ou rasgam as calças nas suas
travessuras. Não são homens que passam para lá e para cá batendo os calcanhares com
força nas calçadas, impelidos pelas horas. Não é viver preso às engrenagens dos relógios
nem aos dias das folhinhas, onde alguns são negros e outros vermelhos, mas, no fim, todos
tremendamente iguais. Não é ser carneiro de uma orgulhosa civilização, que afasta o
homem de suas raízes e cava novas sepulturas para os que fogem da vida antes do tempo,
rumo ao desconhecido. Ser Homem é ser Criador e encontrar a Paz na criação, que brota
como uma fonte em sua espontaneidade. É a renovação perpétua dos frutos, das estações,
das flores, as alternâncias de luz e sombras, de tempestades e arco-íris, dor e alívio. É
sangue correndo sobre a neve. É pensar por si mesmo, buscando trilhas novas, feliz como
uma ovelha preta transviada e sem tutela. É o sagrado direito de errar e de não ser
carneiro balindo humildemente, de cabeça baixa, atrás de um pastor solitário.

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