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O OUTRO LADO DA
COMUNICAÇÃO DE MASSAS
(A Reconstrução Humana)
EDITORA CULTRIX
São Paulo
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"Comunicação implica termos de compreender as palavras ao ser transmitida alguma
coisa. Ambos - o receptor e o emissor - temos de ser intensos no mesmo plano e ao mesmo
tempo. Capazes de nos encontrar mutuamente, nem um momento antes nem um
momento após. Do contrário não será possível a Comunicação."
J. KRISHNAMURTI
"Os erros do passado, bem como as ilusões e pre-conceitos, têm de ser destruídos.
Assim, nossa razão será pura e livre como uma criança. O próximo passo será a escolha das
experiências e fatos através da observação. Somente podemos saber a respeito da essência
das coisas à medida que estivermos aptos a observar a Natureza. O material empírico
descoberto por este método é elaborado indutivamente pela nossa razão. A finalidade é
explicar a Natureza."
SIR FRANCIS BACON
"Não podemos compreender sem distinguir o Real do Vivido. Porém, nunca se alcança
a Verdade a não ser através de uma síntese, que nos reconcilia e permite sentir o que a
inteligência compreende."
LÉVI-STRAUSS
Índice
1 - O Que é Comunicação 04
2 - O Processo de Comunicação 11
3 - O Fluxo das Informações 17
4 - Quem Sou? 22
5 - As Portas da Percepção 27
6 - O Espaço Acústico 36
7 - O Mundo Verbal 43
8 - No Mundo do Olfato 55
9 - As Barreiras 62
10 - O Despertar do Sono 71
11 - O Desabrochar do Ser 84
12 - A Arte de Viver: Criatividade 92
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O que é a Comunicação
ANÁLISE DO ACONTECIEMENTO
A TRINDADE
Vivemos num mundo onde as coisas são, como já vimos, acontecimentos espaço-
temporais. O mundo externo é constituído de três níveis, três degraus sucessivos.
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No primeiro, este acontecimento que sou tem relação com todos os outros que me
rodeiam, através dos sentidos. Aquilo que vemos, luzes, cores, formas, superfícies enfim,
tudo o que nos chega através das portas da percepção não é a coisa em si. São
deformações. Ecos. Uma maçã, por exemplo, é muito mais do que aquilo que percebemos.
Da mesma forma, uma caixa de fósforos seria a soma de todas as percepções que podemos
ter a respeito dela.
Os "acontecimentos" que percebemos são o resultado da reflexão dos sentidos. Existo
porque atuo e sou atuado pelos outros e pelo meio que me cerca. Aparentemente as coisas
ocorrem uma de cada vez. Na realidade, elas ocorrem simultaneamente.
Quando eu aconteço, tu aconteces. Acontecemos simultaneamente no aqui e no
agora.
O segundo nível do mundo encontra-se além das superfícies, noutra camada de
acontecimentos que pode ser sentida através de Raios X, microscópios eletrônicos ou
ópticos, luz polarizada... Sob a ação amplificadora desses instrumentos o mundo aparece
como uma estrutura resultante de várias outras secundárias. São forças em equilíbrio
instável que procuram o equilíbrio perdido. O equilíbrio eterno é um mito, pois todas as
coisas fluem. O microscópio nos abre uma visão de um mundo de beleza fora do comum. A
arte moderna em seus mais diversos campos de manifestação é, em certos aspectos, uma
pré-ciência do invisível.
O terceiro nível refere-se a um mundo de interação de forças elétricas e magnéticas
em movimento constante: um mundo fervilhante. A matéria aparentemente estática é o
resultado de moléculas compostas de átomos. O átomo é a congregação de partículas de
energia, isto é, de prótons, elétrons, pósitrons. Um mundo puro, novo. Em constante
criação. Mundo que chega até nós em pequenos traços feitos pelas partículas em chapas
fotográficas ultra-sensíveis, ou em ruídos ampliados bilhões de vezes. Ecos distantes.
Sombras que se movem nas paredes de uma caverna.
Cabe aqui a indagação: além desses três níveis, o que existe?
Além fronteiras abre-se um território novo, inexplorado, onde os horizontes se
esfumam: é o inominado, que os chineses chamam de Tao dizendo que no seu seio imenso
todas as coisas acontecem.
Para a perfeita comunicação é indispensável a humildade.
Ser humilde é ser aberto, receptivo. Os tensos não podem se comunicar
convenientemente, pois estão fechados em seu mundo pela sua própria tensão. Uma corda
de piano, para que possa se comunicar com perfeição, tem de estar afinada, ou seja, nem
frouxa, nem tensa demais. Só então será possível transmitir algo que nasce de si mesmo.
Façamos uso da imaginação para tentar transmitir uma ideia que permita uma visão
limitada deste território novo, além-fronteiras, onde a comunicação acontece. Imaginemo-
nos centro-emissor de luz. Essa generalização é possível pois já analisamos os
"acontecimentos" e vimos que há um processo de criação contínua nas concentrações de
energia espaço-temporais. Há constantes trocas entre elas. Podemos imaginar que o
espaço desaparece e o território existente entre as coisas passa a ser inundado da luz por
elas emitidas. A separação, puramente ilusória, nascida da limitação dos sentidos, é
transfigurada. As trevas desaparecem e passamos a viver num universo de luz infinita,
tendo consciência dessa luz. E compreendemos que, as trevas, a separação, só são trevas e
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separação, em virtude da deformação produzida pelo reduzido campo dos sentidos. Em
certos aspectos a comunicação desaparece e passa a haver em seu lugar a participação. A
participação mística com todas as coisas tantas vezes expressas pelos verdadeiros poetas e
místicos nas mais diferentes línguas do universo.
O PROCESSO COMUNICATIVO
FIDELIDADE DA COMUNICAÇÃO
CAMPOS DA COMUNICAÇÃO
Estamos em comunicação com o meio. Ele se comunica conosco como as águas com
uma embarcação. Observem um navio: as águas chocam-se com o casco, pressionando-o.
De maneira semelhante, fendemos as "águas" do meio em que nos encontramos e
produzimos novas "ondas". Deixamos também uma esteira marcando nossa passagem. O
vento nos impele e, em certas horas, dificulta nossa marcha; tempestades põem em risco
nossa embarcação; as ondas ferem o casco, o vento quebra os mastros e rompe as velas; o
segredo está em não ir contra a corrente. Não expor desnecessariamente o navio e saber
tirar partido da situação.
Otto Lowenstein, no seu livro Os Sentidos, situa muito bem o problema da constante
troca de informações com o meio mostrando que ela se dá de formas diversas:
"Um cervo, farejando um intruso no seu território, é informado da sua aproximação
através do cheiro. Um cego, batendo com a bengala no chão, tenta - qualificando o eco
pelo ouvido - descobrir o número de portas pelas quais passa. O carrapato de carneiro
localiza um adequado anfitrião de sangue quente, avaliando sensivelmente o aumento da
temperatura do ar na sua vizinhança. Um navegador, na ponte do navio, varre o horizonte
para encontrar o pequeno ponto de luz que pisca de um farol marcando uma pedra
perigosa. Uma aranha fica alerta com a presença de uma presa que se debate nas malhas
de sua teia pela vibração mecânica de um fio de sinalização com o qual se mantém em
contato enquanto espera em sua toca. Mesmo uma planta envia o seu rebento para cima e
dirige sua raiz para dentro do solo, sentindo a força da gravidade de maneira ainda não
perfeitamente elucidada".
Vamos conscientizar essa dependência com o meio. Estou parado. Sinto o calor, o
ruído, o cheiro da sala. Emito calor, sons e peso no chão. Comunico-me através de vários
canais. Tudo se comunica. (Até os mortos ao se dissolverem na sepultura estão em
comunicação com o meio.) Silencioso. Fechado dentro de mim. Penso. O pensamento me
influencia. Pode influenciar os outros de uma maneira profunda. Sofro. Fico feliz. Inflamo-
me de patriotismo ao ouvir certas músicas. Chopin e suas Polonaises é um exemplo vivo do.
poder comunicativo da música. A música-terapia utilizada hoje com enorme frequência é
uma prova de sua validade como instrumento de cura. Este é, entretanto, um mundo
aberto. Ha toda uma psicologia profunda das comunicações a ser estudada. Um território
virgem à espera de descobridores.
Como posso me comunicar com os outros se não me comunico comigo mesmo? Este é
o paradoxo da vida moderna. De homens que, cada vez mais, têm nas mãos oportunidades
de se comunicarem com os outros e, paradoxalmente, cada vez menos se comunicam
consigo mesmos. A comunicação interna é fator básico de comunicação externa. A
angústia, tensão, nervosismo, são características da época atual. Acompanham,
significativamente, o índice de desenvolvimento tecnológico do mundo. Para combatê-las,
é necessário que o homem fique só. Ficar em solidão tendo a coragem de olhar para dentro
e enfrentar a escuridão. Mas, para isso, é necessário coragem. O pavor da solidão é tão
grande que o homem enche sua vida de ruídos e atividades "para matar o tempo". Cinema,
televisão, programas sociais, "bater-papo", bebidas alcoólicas, sexo além da medida,
entorpecentes são alguns dos recursos usados. Derivativos para fugir ao fato - para ele
terrível - de ficar só, em silêncio no meio dos ruídos. A arte das comunicações nos dá a
solução para esse reencontro do homem consigo mesmo; a capacidade de ficar só no meio
da multidão. A integração aí começa pois nessa solidão está a quietude. Uma paz que pode
ser cultivada por períodos de imobilidade corporal como uma ginástica das mais efetivas. O
homem que sabe parar, ficar imóvel, rende muito mais quando em atividade. Pois é do
silêncio que surge a paz. O silêncio é o caminho do encontro da tranquilidade, da paz e
serenidade perdidas. É a calma das águas profundas, do ar parado, da luz infinita, que une
todas as criaturas.
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O Processo de Comunicação
HABILIDADE COMUNICADORA
A habilidade comunicadora é a base de tudo, pois sem ela não haverá comunicação,
podendo ser desenvolvida por meio de treinamento. A didática estuda as normas para
permitir um maior rendimento na comunicação a fim de apressar o processo. Todos os
homens podem se comunicar. Uns têm maior facilidade que os outros. Examinemos, por
exemplo, o processo da escrita. Para escrever necessitamos: a) ter vocabulário; b) saber
como grafar; c) dispor as palavras de tal maneira a fim de que o pensamento fique claro.
Essa habilidade comunicadora vai sendo desenvolvida, de modo gradativo, desde que o
emissor seja normal física e psiquicamente. Podemos ampliar sua ação através da leitura,
consulta ao dicionário, meditação sobre o que lemos e a tentativa de expressar o lido em
outras palavras. Quando lidas em “profundidade”, as palavras passam então a brilhar com
outra significação, São como centelhas transformando em chamas nosso interior. Leiam
com atenção o Sermão a Montanha no "Evangelho de São Lucas".
"Bem-aventurados vós os pobres porque vosso é o reino de Deus., Bem-aventurados
os que agora tendes fome porque vos sereis fartos. Bem-aventurados os que agora chorais
porque vós rireis... "
Ou então:
"Vós que sois o sal da terra. E se o sal perder a sua força com que outra coisa se há de
salgar? Para nenhuma coisa mais fica servindo senão para se lançar fora e ser pisado pelos
homens..."
"Vós sois a luz do mundo. Não pode esconder-se uma cidade que está situada sobre
um monte. Assim luza a sua luz diante dos homens. Que eles vejam as suas obras e
glorifiquem o vosso pai que está nos céus..."
É um verdadeiro hino à comunicação. O Sal é o poder que a comunicação tem de
transmitir, de marcar aquele que a recebe. A Luz que deve luzir diante dos homens! Aquilo
que vai ser comunicado deve possuir o máximo de fidelidade. Então veremos brilhar o Pai
nos céus. Quando a criatividade existente no ser humano encontrar uma saída para se
manifestar "eles" (os outros) verão as suas Obras. A meditação permite abrir uma
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verdadeira galeria para mergulhar na significação das palavras, pois cada palavra é como
um iceberg. Possui somente acima da superfície um décimo da sua altura, os outros nove
décimos estão mergulhados e podem ser revelados quando conseguimos ler com os olhos
do espírito. Fernando Pessoa, o mais lúcido dos poetas da língua portuguesa, afirmava num
poema:
"O meu olhar é nítido como um girassol Tenho o costume de andar pelas estradas
olhando para a direita e para a esquerda, e de vez em quando olhando para trás... e o que
vejo a cada momento, é aquilo que nunca antes eu tinha visto..."
O poeta demonstra nesse trecho a visão do aqui e agora: da criação constante
presente em todas as coisas. Estão sempre diante de nós os degraus que nos levam a uma
maior autoexpressão. Podemos apresentar um assunto de maneira original provocando nos
outros a necessária compreensão e estímulo à criatividade.
A uns mais, a outros menos mas, a todos, é dado o dom da comunicação. É da própria
natureza humana, do pensador, esse dom de tornar comum as coisas. A raiz de todos os
conflitos, ansiedade e frustrações, encontra-se na falta de comunicação devido à deficiência
da habilidade comunicadora. A história da raça humana é um retrato fiel da deficiência de
comunicação. Quantos sofrimentos são causados porque não compreendemos o que
alguém expressa! Como resultado dessa deficiência surgem as mais diversas interpretações
que são verdadeiras deformações do espírito do comunicador. Nascidas da dificuldade de
sermos abertos, sem preconceitos, nem barreiras, às informações vindas de fora...
Abertos como o oceano, como os céus, sem fronteiras, nem limites: deixando passar o
que vem de fora e que me atinge no mais profundo do Ser e o faz vibrar em ressonância
com a Mensagem.
"Para isso é indispensável sairmos do nosso pequenino mundo de faz-de-conta,
autocriado. Esse estado de abertura de consciência à pureza dos fatos, essa lucidez no aqui
e agora, exige a superação total das barreiras e afrouxamento das cordas que nos.
escravizam. Dentre elas o medo, a falta de confiança, a timidez, são alguns dos aspectos
mais conhecidos dessa insegurança interna que nos impede de sentir o gosto das coisas.
Lembremo-nos das inúmeras ocasiões em que temos pronta uma serie de argumentos e
Imagens para transmitir mas, no momento em que essa oportunidade surge, a inibição a
destrói de imediato. É o que muitas vezes nos acontece no momento de uma prova, de um
discurso, de prestar um depoimento, perdidos num nevoeiro mental dos mais cerrados.
Conseguimos, quando muito, engolindo pela metade as palavras, expor o tema. O rio,
poderoso e cheio de ondas que sentíamos dentro de nós nada mais é agora, no que um
riacho anêmico de cidade, uma vala, onde o fio de água mal consegue romper os detritos
acumulados.
Outra causa da deficiência da comunicação, da perda de fidelidade, e quando
mergulhamos no barroco de frases retorcidas e de palavras torneadas e perdemos a linha
de menor resistência do raciocínio. O raciocínio é como um rio; flui seguindo sempre a linha
do menor esforço. A arte de comunicar está em saber o escoamento fácil da mensagem.
Berlo afirma:
"As palavras que dispomos, a maneira como as reunimos, afetam aquilo que
pensamos, como pensamos e se realmente estamos pensando".
A habilidade comunicativa permite tirar chispas de palavras opacas revelando assim
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novas significações. Salientamos que, quando falamos de habilidade comunicadora, está
subtendida a capacidade do homem poder se expressar através dos vários sentidos.
A música, por exemplo, é uma arte de comunicação de natureza não-verbal. Os sons
da música evocam toda uma série de pensamentos transmitindo o estado de espírito do
seu criador. A habilidade comunicadora do compositor está em permitir a transmissão de
um conteúdo psíquico. Gênio musical é aquele que consegue a ativação do que está em
nós, ainda inarticulado. O valor da obra musical é diretamente proporcional à capacidade
de produzir essa ressonância; de mostrar a identidade existente nos mundos
aparentemente estanques: o do artista - o criador - e o nosso - a criatura. A diferença entre
os dois está em que um vibra e o outro é vibrado.
Formas de Comunicação
A ATITUDE
A atitude negativa dos que não acreditam em si mesmos é uma enorme barreira à
comunicação. Dos que titubeiam e ficam tensos, nervosos, perdendo a oportunidade que é
sempre instantânea. Neste particular o perigo do pensar negativo é dos mais graves. O
pensamento infecciona penetrando o ser. Cria hábitos e reflexos condicionados que nos
levam a agir sempre da mesma maneira diante de certos estímulos. Já, ao contrário, a
atitude positiva de autoconfiança influencia o resultado. Se neste momento não tivesse
certeza de que tenho algo a comunicar, todo o fluir do processo seria prejudicado e este
livro nunca teria nascido.
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A Atitude para com o Assunto
Existe de fato uma ligação entre o emissor e o receptor. Aristóteles chamou essa
ligação, que pode ser sentida, de ETHOS. É um fio tênue que permite ao artista, ao
professor, saber quando seu desempenho é convincente. Esse verdadeiro abrir-se é
estimulado pelos receptores. O artista rende mais quando sente a ressonância do público.
No fundo é o público com sua sensibilidade que se expressa através do artista. Há uma
espécie de feeback, de realimentação acentuada pelo ambiente, pelas circunstâncias, pela
hora. O processo, portanto, é em circuito fechado. O emissor desperta a criatividade do
receptor que, por sua vez, intensifica o rendimento do emissor.
Na atitude com os receptores é muito importante o primeiro momento. No início do
processo de comunicação existe uma fase de tomada de posição do emissor e dos
receptores. De predisposição para a sintonia. Um gradual relaxamento da tensões e a
focalização da atenção no assunto tratado. Um fio de ligação entre emissor e receptor que
deve ser mantido para que o processo de comunicação não seja interrompido. Na
introdução dos Greats Books, editados pela Enciclopédia Britânica, há uma frase
extremamente significativa:
"Se existisse correspondência exata, ponto por ponto, entre símbolos físicos e
conceitos mentais, não existiriam falhas na comunicação humana. Os homens poder-se-iam
compreender uns aos outros como se lessem as respectivas mentes".
NÍVEL DE CONHECIMENTO
Aquele que comunica deve ter o que comunicar. Quanto maior nível de conhecimento
tiver, maior o interesse dos receptores, desde que a comunicação seja devidamente dosada
e valorizada. O segredo está em não ser prolixo mas dosar tudo de modo a deixar entrever
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o mundo até então desconhecido. O nível de conhecimento do emissor torna menos
doloroso o parto da transmissão da mensagem. E, assim, transmitirmos aos outros um
pouco da vivência que nos anima, torna-se prazer.
A comunicação pode ser enormemente facilitada, quando possuímos bom nível de
conhecimento sobre o assunto. Entretanto, é preciso ter muito cuidado com a
autossuficiência negativa dos que se acreditam donos dos assuntos. Ela está baseada em
dois falsos princípios:
1 - De que é possível saber-se tudo sobre qualquer coisa.
2 - O que eu sei inclui tudo quanto existe sobre o tema.
O Prof. Irving Lee, da Universidade de Colúmbia, geralmente começava seus cursos
com uma demonstração prática da ilusão do saber tudo. Convidava um aluno para falar
sobre uma coisa simples. Suponhamos um pedaço de giz. Depois provocava debates sobre
o que fora dito, para fazer os alunos apresentarem novos pontos de vista sobre o assunto.
As horas iam passando até que os alunos cansados pediam, por favor, para que não se
falasse mais naquele assunto...
SISTEMA SOCIOCULTURAL
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O Fluxo das Informações
IMAGEM
A revolução nascida dos símbolos gráficos surgiu há milênios nas proximidades do ano
4.000 a.C. Os hieróglifos egípcios representavam as coisas e, segundo os gregos, eram uma
escrita sagrada: hieros significando "sagrado" e Gluphein "esculpir". A representação das
coisas pode ser feita através de caracteres ideográficos, em que se procura transmitir a
mensagem pela forma simplificada, ou pelos chamados alfabetos fonéticos, nos quais as
palavras resultam da modulação de letras. A palavra escrita ganhou grande divulgação com
a introdução na Europa de técnicas que há muitos séculos eram de pleno conhecimento
dos povos orientais. Segundo A Arte da Escritura, publicação da UNESCO: "Poucas pessoas
sabem que as 130.000 páginas do Tripitaka, cânone budista, foram impressas na China
entre 971 e 983, e que os caracteres móveis de cerâmica foram ali inventados no século XI
e, também, que foi na gruta de Tuan Huang que Pelliot descobriu um conjunto de tipos em
uigui que datam aproximadamente do ano 1300. E, finalmente, que nos fins do século XIV
já se imprimiam livros na Coréia com tipos metálicos móveis".
A mensagem impressa mecanicamente permitiu o nascimento do livro, do jornal como
veículos de comunicação de massa e contribuiu, decididamente, para acelerar o processo
evolutivo da raça humana. A mensagem através da imagem pode assumir diversas formas:
De carta; Livro; Jornal; Revista; Fotografia.
Carta
Livro
Este é um dos mais efetivos veículos de cultura outrora reservado a meia dúzia de
privilegiados, e hoje difundido para milhões de pessoas. É bem verdade que do oceano de
verborragia editado diariamente pouco se salva. Eça de Queiroz em As Cidades e as Serras
descreve essa invasão de uma maneira deliciosa:
"Oh, a invasão dos livros no 202! Solitários, aos pares, em pacotes, dentro de caixas,
franzinos, gordos e repletos de autoridade, envoltos em plebeia capa amarela ou revestidos
de marroquim e couro, perpetuamente, torrencialmente, invadiam por todas as largas
portas a biblioteca, onde se estiravam sobre o tapete, se repimpavam nas cadeiras macias,
se entronizavam em cima das mesas robustas, e sobretudo trepavam contra as janelas, em
sôfregas pilhas, como se sufocados pela sua própria multidão, procurassem com ânsia
espaço e ar! Na erudita nave onde apenas alguns vidros mais altos restavam descobertos
sem o tapume dos livros, perenemente se adensava um pensativo crepúsculo de Outono
enquanto fora Julho refulgia! A biblioteca transbordava através de todo 202! Não se abria
um armário sem que de dentro despenhasse, desamparada, uma pilha de livros! Não se
franzia uma cortina sem que de trás surgisse, hirta, uma ruma de livros! E imensa foi a
minha indignação quando uma manha, correndo urgentemente, de mãos nas alças,
encontrei vedada por uma tremenda coleção de estudos sociais, a porta do water-close!"
A maioria dos livros é apenas um subproduto de uma Sociedade de Consumo, idêntica
à fumaça, esgoto, lixo, etc. O livro sendo um produto industrial, é lançado visando a
atender o gosto da média que os devora como o pão, feijão e outros alimentos. Obedece a
receitas para se tornar best-seller e, com raras exceções, geralmente reflete no número de
sua tiragem a mediocridade: o vazio triunfante.
Jornal
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Revista
Fotografia
SOM
Nunca tantos falaram tanto sem dizer coisa alguma como hoje. Este "coisa alguma"
tem produzido um oceano de sangue humano, responsável pela morte de mais de vinte
milhões de pessoas somente nas duas últimas Grandes Guerras e o gasto de 1,6 trilhões de
dólares no último grande conflito. O alcance da palavra, antes limitado ao vigor das cordas
vocais e dos pulmões, era uma grande arma principalmente na Grécia antiga. A oratória
lançou raízes profundas na cultura Ocidental. A palavra teve seu papel de destaque em
várias revoluções entre elas a francesa, na qual Robespierre, Danton, Marat e outros foram,
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acima de tudo, vozes incendiando consciências. A palavra, em grande parte, alimentou o
nazismo. Os urros e gritos das multidões fanatizadas pelo poder mágico dos sons
cuidadosamente ensaiados - saídos da garganta de Adolf Hitler - ainda ressoam nos nossos
ouvidos.
Rádio e Telefone
MISTOS
O Cinema
A Televisão
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Quem Sou?
Afinal quem sou? Esta tem sido a dúvida levantada pelos homens em todos os tempos
e em todos os idiomas. Do oráculo de Delphos ao sofá do psicanalista há uma constante: a
busca da compreensão do eu. A psicologia sendo uma ciência em formação, tenta estudar a
criatura humana em busca de soluções para o problema fundamental de cada um. O estudo
da personalidade tem sido exaustivamente feito através de vários conceitos. Duas
correntes tentam definir a personalidade. Uma, que a considera um atributo, outra, uma
relação. No primeiro caso a personalidade seria a resultante de uma soma de
predisposições naturais e inclinações hereditárias, influências psicossomáticas, ambiente,
educação. No segundo, o que realmente determina a formação e a acentuação do eu, que é
a personalidade, é a reação do indivíduo no papel que o grupo lhe impõe. Através da
análise da etimologia da palavra vamos encontrar a origem da palavra personalidade no
latim: per e sanare. Per significa através. Sanare, soar; logo, personalidade é alguma coisa
através da qual nos expressamos: soamos. Persona era o nome dado à máscara usada no
antigo teatro grego a fim de que o público localizado a grande distância do palco pudesse
identificar o ator: o personagem. Até hoje máscaras clássicas, com os lábios caídos
expressando a tragédia, ou simbolizando a Comédia, são encontradas nas bocas-de-cena
dos teatros. Consideramos a definição dada pelo psicólogo Gorndon Allport uma das mais
precisas:
"Personalidade é a organização dinâmica dentro do indivíduo dos sistemas psicofísicos
que determinam seu ajustamento ao meio".
Inúmeras são as tentativas para definir pessoas em função da sua própria
personalidade. No colégio, frequentemente nos referimos ao tipo atlético, ao estudioso ou
social, que se relaciona facilmente com os outros. Nas empresas temos executivos,
vendedores, homens de ação, projetistas e outros, cada qual com sua característica. Além
disso, nenhuma criatura (ou ninguém) se repete pois a vida é uma constante
transformação. Este que, neste instante, bate à máquina estas considerações que depois
surgirão impressas em livro é alguém verdadeiramente único na raça humana como
também você, leitor que me lê agora. Vemos, portanto, que comunicação é um processo
extraordinariamente dinâmico estabelecido entre seres que, como um caleidoscópio
infinito, se transformam a todo instante. Assim é o homem. O assunto é de tal
complexidade que Klagen analisando o dicionário de língua alemã encontrou 4.000 palavras
descrevendo conceitos ligados à personalidade. Desde a mais remota antiguidade vamos
encontrar tentativas de classificar o homem em vários padrões. Hipócrates nos fala de
quatro tipos fundamentais: o colérico, fleumático, sanguíneo e melancólico, nomes até hoje
usados na linguagem diária para classificar determinados indivíduos. Galena, no segundo
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século da era cristã, volta ao antigo tema ao enunciar sua teoria dos humores. Diversas
tentativas ao longo dos anos foram feitas para relacionar o comportamento humano com o
seu tipo físico. Lombroso e Gall deixaram descrições clássicas de determinados tipos físicos
ligados ao criminoso. A frenologia como também a fisionomia marcaram época até que
surgiu Nicolas Pende com a primeira tentativa de estabelecer uma ponte entre o físico e o
psíquico. Spranger destaca quatro tipos fundamentais: o econômico, para o qual o
sentimento de valor é uma constante. É típico do homem que se preocupa com o resultado
material de suas atividades para quem o mundo é apenas um "débito x crédito" constante,
cuja posição social alcançada deve-se ao saldo de uma conta-corrente. Pode ser encontrado
no comerciante e industrial que se preocupa somente com a produção e o crescimento da
empresa, ou na mãe de família que amealha as economias diárias para garantir uma
proteção na velhice, ou em tantas outras.
O segundo tipo é o religioso, para quem esta vida é apenas uma passagem para outra,
mais plena de significação e valor. Nas suas confissões o grande místico cristão Jacob
Boehme nos dá prova dessa sua profunda crença religiosa ao revelar: "Se os olhos dos
homens se abrissem ele veria Deus em todas as partes pois os céus existem no coração de
todas as coisas". Evidentemente a comunicação com o homem religioso requer outra
linguagem: a da valorização do oculto, da presença de algo acima da nossa percepção que
muitos chamam Deus.
O terceiro tipo de que nos fala Spranger é o artista - homem de extraordinária
personalidade - que segundo Jung, "é o homem num sentido mais elevado: é o homem
coletivo que carrega e exprime a alma inconsciente da humanidade. Às vezes ele é
dominado tão totalmente pelo seu ofício que é obrigado a sacrificar a felicidade humana e
tudo que torna a vida digna de ser vivida para o homem médio".
O quarto tipo é o social: o homem que foi condicionado e é feliz no meio da sociedade.
Que ri e se distrai nos cinemas e nos jogos, que vai a coquetéis e faz programas pela
madrugada em boates enfumaçadas. É o homem que além de pertencer à massa,
influenciado pela propaganda em todos os seus matizes, somente se sente seguro quando
está em contato com a trepidante metrópole. Um exemplo vivo é que mesmo quando vai
para o campo, em férias, ou para fins de semana, enche a casa de amigos ou de ruídos de
rádio e gravadores em todo volume. É o homem que tem pavor da solidão, para o qual a
morte pode ser afugentada com os ruídos da vida nas grandes cidades.
Outra tipologia clássica é a de Kretschmer em sua classificação de três tipos baseados
na aparência física. São eles: os picnicos (gordos), leptossomáticos (magros) e os atléticos
(médios). O gordo é um processo de expansão, em crescimento. Sua personalidade,
geralmente, é voltada para fora, para o mundo. O magro, pelo contrário, cresce para
dentro, para o mundo interior. Miguel Cervantes no D. Quixote nos dá, no personagem-
título, o cavaleiro da triste figura, pela sua magreza angulosa e, no seu pajem rotundo - o
fiel, mas prático, Sancho Pança - os dois tipos clássicos de Kretschemer. Já para Sharpin e
Uris as personalidades são: 1 - obstinado; 2 - vagaroso; 3 - sensível; 4 - tímido e 5 - ousado.
Para Gustav Jung a personalidade humana pode ser dividida em dois tipos clássicos: o
extrovertido e o introvertido. O grau de extroversão e introversão pode ser descrito por
uma curva de Gauss na qual a maioria das criaturas está no centro. Entre esses dois tipos
encontramos os estados psicóticos do paranóico (desconfiança) ou do esquizofrênico
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(recolhimento total). A personalidade humana é extraordinariamente complexa, resultante
de vários fatores. Os principais são: traços fisionômicos, saúde, inteligência, aparência,
atitude em relação aos outros, conhecimento, valores, controle emocional. Como podemos
imaginar, o resultado desses fatores é extraordinário, pois dá a cada homem um aspecto
particular que o torna diferente dos outros. As línguas orientais, produtos de culturas mais
voltadas para descrever o mundo interior, possuem toda uma terminologia para descrever
estados d'alma. Na Índia existe uma ciência das emoções, na qual as suas menores nuanças
já estão classificadas com palavras determinadas. O filósofo hindu Bhagavan Das, na sua
obra The Science of Emotions, declara: ... a pobreza de palavras nas linguagens resultam, na
maioria das raças, na falta de vocábulos para descrever as mais tolas expressões da
emoção".
Os dez traços mais significativos na composição da personalidade são:
1 - Franqueza. Este traço é característico das pessoas emocionalmente expressivas,
que não ocultam o que têm para dizer e, portanto, não se intoxicam com os resíduos
reprimidos.
2 - Inteligência. É uma habilidade complexa - na qual se somam a capacidade de
aprender, dar resposta, modificar as relações diante dos acontecimentos, encontrar
soluções, julgar - o que pode ser medido com testes apropriados. A esperteza é um dos
aspectos que mais revela a inteligência.
3 - Autoconfiança – É uma característica dos que acreditam em si mesmos, nas suas
ações, pensamentos, atitudes. Pode se transformar em agressividade e quando levada ao
extremo chega a ser intolerável.
4 - Perseverança – É um sentimento de total atenção à importância daquilo que está
sendo feito.
5 - Espírito de Aventura. É típico dos que sentem o prazer no risco. O jogador
profissional, que perde fortunas no jogo, e aquele que tira sua própria vida são levados a
esses extremos pela força dos riscos a que se submetem.
6 - Alegria. É um sentimento dos que têm a atenção despertada para o lado ridículo
dos acontecimentos. Dos que têm senso de humor para gozar as situações as mais dramá-
ticas. É também uma forma positiva de reagir aos acontecimentos.
7 - Imaturidade. É essa dependência e instabilidade revelada pelo sensitivo nas
reações inesperadas de certas criaturas.
8 - Introspectivo. É o indivíduo polido, equilibrado, que evita choques e contorna
situações para não ter de se abrir diante dos outros.
9 - Desligado - É o boêmio, excêntrico e temperamental. Sujeito a arroubos
inesperados.
10 - Sofisticado - É o sujeito frio, superior na sua mente lógica. Acostumado ao
raciocínio em bases concretas. Para ele a vida é uma simples operação matemática.
O perigo das particularizações na tentativa de descrever o homem com uma nitidez
exagerada em face dessa massa enorme de imprecisão, desse mistério está em tirarmos
uma conclusão apressada, radicalizada. Ao descrevermos uma coisa, ou um homem,
geralmente adotamos, por comodismo, uma perspectiva rígida nascida da observação
visual da realidade. Uma espécie de perspectiva psicológica, geométrica como no desenho.
Uma particularização surgida de um ponto de vista diferente dos outros. Assim como
24
podemos ver um objeto de uma infinidade de posições, um homem também se nos
apresenta sob diversas formas.
Jung na sua obra Gegenwart und Zukunjt (lançada em português sob o título de Eu, o
Desconhecido) chama a atenção:
”É tempo de nos perguntarmos a nós mesmos, exatamente, o que estamos
amontoando em organizações coletivas e que constitui a natureza do ser humano
individual, isto é, do homem real e não do homem estatístico".
A Sociedade, a Empresa, a Família procura esse homem real, livre, que pode se
comunicar. Vale-se para isso de várias aproximações sucessivas para descrever o
desconhecido mundo de cada um. É lógico que, se conseguirmos levantar um pouco do véu
que nos envolve como um espesso manto, mais fácil será o processo comunicativo. Os
testes de que a Psicologia lança mão, na sua maioria, são tentativas para descrever o
insondável. A sua validade é restrita, pois a interpretação deles depende muito de um
verdadeiro sexto sentido, que caracteriza o bom analista. Mas eles apenas permitem
informações sobre o paciente dando, portanto, um resultado tanto mais preciso quanto
maior for o número de angulações.
COMUNICAÇÕES NO GRUPO
A FAMÍLIA
"A fonte original da natureza é clara como o brilho da Lua. Entretanto, às vezes, os
fenômenos que dela derivam não se manifestam com clareza porque o nosso apego a
eles acarreta a ilusão".
SANDOKAI (699-789)
O HOMEM se comunica através dos sentidos, que constituem as portas do seu mundo.
Os hindus afirmavam, num velho texto, que o homem é uma cidade de cinco portas. Mas
serão somente cinco? A cada dia que passa os psicólogos se encarregam de ampliar o seu
campo de ação. A parapsicologia abre novas portas na muralha que nos circunda
aumentando as possibilidades de comunicação com o meio. O fato é que, pouco a pouco,
através dos sentidos vamos selecionando pequenas faixas da realidade que nos cerca.
Imaginemos um círculo traçado em nossa volta. Ele é o real onde estamos mergulhados, em
que "nos movemos e temos o ser", como dizia São Paulo. Do seu centro tracemos uma reta
até a periferia. O diâmetro formado pode simbolizar a faixinha que nos sensibiliza. Além
dela nada mais nos atinge produzindo sensação. Na verdade nossos sentidos, além de
limitados, não são devidamente explorados. Não aprendemos ainda a manejá-los em toda a
profundidade. Temos em relação a eles a mesma limitação que apresentamos em relação
ao corpo físico que também só é operado em 40% de sua capacidade. O que aconteceria
então se, por um instante, nos fosse dada a possibilidade de uma percepção total do
mundo?
O poeta William Blake afirma:
"se num instante as portas de percepção fossem alargadas o homem veria então o que
sempre foi: infinito".
Nossos olhos, por exemplo, podem ver a chama de um fósforo situado a oitenta
quilômetros distante de nós, bem como um fio de 1,5mm de espessura a quinhentos
metros. É claro que, em boas condições de iluminação. Nossa vida normal se passa somente
na superfície das coisas. Tateamos em cima delas sem nos apercebermos de sua grandeza.
Esta pequena partícula do real pode, entretanto, levar o homem até o infinito. Todo o
conhecimento está ali alicerçado graças aos estímulos provocados no organismo. Um
exemplo banal é o aparelho de rádio. Todas as estações estão presentes à espera que
liguemos o aparelho e o sintonizemos. As mais distantes podem ser captadas dependendo
apenas da sensibilidade do receptor e do tipo de sintonia. Os sentidos são a vida normal de
sintonia, de participação com o infinito manifestado em qualquer fragmento da realidade. É
o caminho direto com o real mas às vezes também pode nos impedir esse contato direto,
por causa do nosso condicionamento, nossa refração, que deformam por completo a visão
das coisas na sua natureza última. O pintor Paul Klee sentiu bem o que representa para o
artista essa limitação ao mencionar: "a arte não reproduz o visível e sim o que se faz
visível".
27
Somente é possível estudar a comunicação no seu sentido mais profundo, admitindo-
se o binômio: visível e invisível. O relativo é o visível, o filtrado, o maculado. B o que resta
depois de passar pela peneira dos sentidos. São as sombras - de que nos fala Platão -
movendo-se nas paredes da caverna. Os reflexos de uma realidade que chega até nós
através das aberturas dos sentidos.
Nossos sentidos, tão diferentes em sua estrutura, agem em cooperação recíproca
procurando obter uma visão total da coisa observada. Qualquer objeto que nos sensibilize é
uma resultante da combinação de vários sentidos. Uma maçã, para nós, é apenas uma
forma, peso, cor, cheiro, gosto, etc. Mas, na realidade, mais do que isso. Este "muito mais"
escapa à percepção. Chega até a consciência individual apenas como uma experiência que
se manifesta em prazer, repulsa ou neutralidade, resultante de várias percepções
combinadas.
A RESPOSTA SENSORIAL
1) Estímulo
Esse estímulo pode ser causa interna ou externa sendo o responsável pelo
desencadeamento de todo o processo. Convém lembrar que existe uma zona marcando o
início da percepção. É o chamado limiar, que expressa a quantidade de energia necessária
para despertar a sensibilidade do observador. Quando aumentamos gradualmente o
volume de um rádio, partindo do silêncio, chega um momento em que começamos a ouvir.
Quando o estímulo é fraco demais para atingir a consciência, pode agir subliminarmente e,
então, a comunicação passa a ser feita inconscientemente. A propaganda subliminar na
televisão adota essa técnica cujos perigos levaram à sua proibição no mundo.
2) Resposta
O estímulo sensibiliza certas células provocando respostas significativas, proporcionais
à intensidade da vibração. Usualmente, cada célula pertence a determinada vibração. O
olho para as ondas luminosas de determinado comprimento, os ouvidos para as ondas
sonoras, etc.
3) A Transmissão
Os impulsos produzidos pela resposta aos estímulos-celulares são transmitidos através
do sistema nervoso que age como o mecanismo conector. A maior ou menor capacidade de
transmitir os impulsos determina a qualidade da imagem recebida.
4) A Reação
Os impulsos de natureza eletromagnética que percorrem os nervos provocam diversas
reações: a ação muscular, as diversas sensações, o pensamento. Cada uma dessas quatro
etapas é indispensável para que haja comunicação entre o observador e a coisa observada.
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A VISÃO
Este é o mais importante dos sentidos humanos. Cabe aqui uma série de
considerações sobre o por que e o que vemos?, que são algumas das perguntas
fundamentais que têm levado o homem a mergulhar no mundo da ciência à procura da sua
resposta, que não substituem o simples ato de ver. O olho é o mais perfeito instrumento de
óptica da natureza com uma sensibilidade tal que pode discernir desde a chama de um
fósforo a oitenta quilômetros de distância até o sol a pino. Desta forma, o olho humano
responde a intensidades luminosas que vão de 100,000,000,000,000 para 1, ou seja, de cem
bilhões para um.
O estímulo da visão
Quando perguntamos a nós mesmos o que vemos, a resposta mais comum será: LUZ.
A luz é um aspecto particular, uma faixa de vibração eletromagnética que se move no
espaço a uma velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo. Em certos casos ela
nos aparece como corpúsculos, em outros, como vibrações, o que nos permite afirmar que,
no fundo, os cientistas ainda não sabem o que verdadeiramente ela é. Os comprimentos de
onda podem ser medidos. Podemos ver sete cores fundamentais além de suas
combinações, que se distribuem desde o violeta (400 milimícrons) até o vermelho (800
milimícrons) .
CORES
O mundo visual depende de forma, contraste e cor. A cor existe em todas as coisas. As
cores podem ser classificadas pelo: tom, saturação e brilho. São essas as três dimensões
que permitem inclusive construir o chamado sólido de Munsell, onde as cores e suas
combinações são representadas no espaço tridimencional. O tom é comumente
considerado como cor. De um mesmo vermelho, por exemplo, existe um grande número de
tons, que as mulheres tão bem classificam. Por meio da saturação pode-se medir a
quantidade usada de determinada cor, permitindo dizer se ela está mais ou menos
carregada. Já o brilho refere-se diretamente à qualidade do impulso.
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O homem vive num mundo de cores. É um mundo importantíssimo porque nos
influencia psiquicamente, de tal forma que Platão assegurava: "A música e a cor são para a
mente o que o ar e a luz são para o corpo".
A influência da cor
A cor acalma, exalta, deprime e cura. A sua influência no indivíduo é direta, total e
imediata. O azul acalma, o vermelho excita, o negro deprime, o amarelo estimula o
trabalho intelectual. As cores possuem calor, podendo alterar profundamente a existência
humana. O pintor Fernand Leger costumava dizer:
"Uma parede nua é uma superfície morta e anônima. Só passa a ter vida com o auxílio
de objetos e cores. Uma parede manchada converte-se num elemento vivo". Segundo o
mesmo pintor: "um piano preto diante de uma parede amarelo-vivo cria um choque
reduzindo o retângulo habitacional para a metade de suas dimensões". Vemos então o
enorme papel que a decoração pode prestar na recriação do ambiente. O ambiente pode
modificar o comportamento humano. Há o exemplo clássico de uma fábrica em Roterdã, na
Holanda, triste e sombria cheia de recantos escuros, onde as máquinas negras só recebiam
a luz crua de lâmpadas elétricas. As paredes, escurecidas pela fumaça e pelo tempo, eram
irregulares e cheias de prateleiras onde se acumulavam uma série de mercadorias e peças
cobertas de poeira. Os operários eram desleixados no serviço e suas roupas refletiam esse
desmazelo. Com a guerra, a velha fábrica foi atingida e a produção não dava para atender a
demanda do mercado. Foi construída, defronte a ela uma nova fábrica com paredes de
vidro, tornando o ambiente colorido e claro. Notou-se então a gradual mudança de atitude
dos operários da antiga fábrica, que passaram a usar roupas mais cuidadas e se tomaram
mais comunicativos e alegres. A simples modificação externa produziu uma transformação
interna. Este exemplo serve como alerta para muitos industriais que ainda não se
aperceberam da importância da comunicação nos quadros de sua empresa e da maneira
como ela pode influir, diretamente, na produção e no lucro através da modificação do
ambiente de trabalho. Nos escritórios europeus há muito que o valor do ambiente é
ressaltado. A presença de flores e plantas é uma constante, um toque de cor e calor da
primavera no ambiente interior, quando lá fora o céu é cinza e os campos estão cobertos
de neve.
A cor na pintura
O desenvolvimento da raça humana pode ser medido através da utilização da cor. No
mundo atual a moderna propaganda é um apelo constante ao uso da cor, que é uma arma
poderosa de venda pois estimula diretamente o homem. Na pintura, a intensificação da cor
surgiu com os impressionistas, no fim do século passado. Até então os artistas aplicavam a
cor de uma maneira mais uniforme. Observem um quadro de Rembrandt ou de qualquer
pintor de escola holandesa e verão que o marrom, o ocre, a tierra de siene predominam. O
claro-escuro, os grandes espaços envolvidos em sombras são uma constante. A sombra
mais do que a cor tem neles uma posição marcante. Com o aparecimento do método
científico que teve como consequência a revolução industrial do século XIX, a pintura
passou também por uma verdadeira transformação. Os românticos Corot, Rousseau,
Courbet, Delacroix e outros com suas paisagens bucólicas e plenas de mistério foram sendo
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substituídos por uma nova geração de pintores que buscavam a libertação da cor e da
forma do universo visível. Chevreul, com o seu livro sobre cores, causou verdadeira
revolução ao tentar enunciar as leis fundamentais das cores. Uma delas dizia: "quando dois
objetos de cores diferentes são colocados lado a lado nenhum deles mantém a sua cor mas
adquire uma nova". Esse livro despertou no jovem pintor Seurat a consciência de um novo
caminho. Para Senrat o trabalho do pintor não é apenas representar a luz, mas fazer do
próprio quadro uma fonte de luz. Ele tenta conseguir isso através de coloridos, combinados
harmonicamente a fim de produzir no observador a sensação de indefinidas nuanças de
cores. Para Seurat a Arte é harmonia. E harmonia implica numa analogia de contrários e
também de semelhanças em que tons, linhas e contrastes são dispostos de tal maneira em
relação a certos fatores sob a influência da luz, e em tais combinações que podem produzir
emoções alegres ou tristes.
Seurat abriu uma grande porta na comunicação através das cores, mas um outro
pintor iria ampliar ainda mais esse universo, dando ao mundo das artes a elasticidade que
atualmente dispõe. Van Gogh é o grande revolucionário da curo É curioso acompanhar sua
obra pelo desenvolvimento da cor. A primeira fase, na Holanda, é sombria. Os quadros de
Nuenen em 1885 refletem ambientes escuros onde predomina o marrom. Desta fase, Os
Comedores de Batatas é o seu trabalho mais representativo. Como diz o titulo, trata-se de
cinco pessoas à mesa comendo batatas. O interior da sala é iluminado apenas por um
lampião pendurado acima de uma tosca mesa. O ambiente é um misto de marrom, verde e
azul. A fome, a pobreza e a desesperança estão estampadas tanto na face dos personagens,
como no ambiente criado pelo quadro. O amor à terra e a seus humildes trabalhadores
têm, neste trabalho, sua mais apaixonada demonstração. Quando em 1886 Van Gogh se
muda para Paris sofre total influência do impressionismo. Entra em contato com o branco e
preto das pinturas japonesas de Hiroshige e Hokusai assimilando a leveza e o vazio de suas
composiçoes. A amizade com Pizarro, Degas, Gauguin e Seurat marca sua pintura. Tenta
usar em alguns quadros a técnica do pontilhismo de Seurat; o Restaurante, pintado em
Paris em 1887 é um deles. Mas Van Gogh sentia que essa não seria a solução: Numa carta
ao irmão Theo confessa: "O pontilhismo é uma maravilhosa descoberta. Mas prevejo que
nem esta técnica nem qualquer outra se tornará um dogma universalmente aceito". Deixa
então de lado a forma rígida de pintar por pontos, mas assimila seu espírito, e, com o
quadro O 14 de Julho em Paris, descobre uma forma efetiva de expressar emoções através
da cor. Este trabalho reflete, na sequencia de pinceladas coloridas, um mundo de emoções
desenfreadas, liberadas no dia da festa nacional. A cor transforma-se para Van Gogh num
escape ao seu atormentado ser. Em outra carta ao fiel irmão ele observa que certos azuis o
acalmam assim como o vermelho o exalta: "Com vermelho e verde tentei descrever essas
coisas terríveis: as paixões humanas". O verde, para ele, refletia angústia talvez pelo fato de
ser verde o absinto que bebia em grandes quantidades para matar a angústia que o
consumia. O amarelo era a pura luz e também o amor. O azul como se vê numa noite sem
nuvens e sem lua, era o infinito. Dizia que, se tivesse de pintar o retrato de alguém que
amasse, começaria a desenhar com ·0 máximo rigor a aparência transformando-se então,
à medida que o quadro progredisse, num colorista arbitrário. E acrescenta: "exagero a
textura do cabelo, uso tons amarelados e laranja. Em volta da cabeça em vez de pintar uma
parede banal pinto o infinito dos céus. Com isso a cabeça passa a ser como uma estrela
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recortada sobre um céu muito azul". Ao terminar o célebre quadro que representa o
interior de um café à noite, confessa: "tentei expressar as terríveis paixões da humanidade
pelo verde e vermelho. Tentei transmitir que um café é um lugar onde o homem pode ficar
louco, se arruinar, cometer um crime".
Van Gogh foi um verdadeiro apaixonado pela cor chegando ao ponto de pintar horas a
fio sob o sol sem qualquer proteção para melhor captar sua luz. Em diversos de seus
quadros a representação do sol em discos enormes, recortados no céu, dão a idéia perfeita
dessa verdadeira obsessão pela luz. Seu último trabalho, pintado em Anvers, em julho de
1890. é um exemplo vivo dos seus limites máximos no emprego da cor. E: um campo de
trigo sobre o qual esvoaçam corvos fazendo-nos sentir todo o drama interior que o levaria
ao suicídio. A tela é nítida, quase horizontal, dividida por três planos distintos: o primeiro,
um céu azul carregado, em certos pontos quase negro, onde se vêem duas pequenas
nuvens brancas. O segundo, representado por um campo de trigo amarelo, cortado por
quatro manchas de vegetação e três vermelhas de barro - é uma convulsão de traços que
refletem a extrema angústia do pintor. A linha do horizonte separa os dois mundos - o céu e
a terra. O terceiro plano são os corvos voando, invadindo o quadro com sua presença
negra. Era o fim que se aproximava.
Depois de Van Gogh outros o seguiram: Bonnard, Matisse, Braque, Duffy, Mondrian. A
partir de então a cor passou a ter posição reconhecida para expressar a emoção. Para os
artistas citados, mais do que a forma, o que lhes interessava eram as combinações das
cores.
A cor no mundo de hoje
A cor é hoje uma necessidade quase fisiológica em face da despersonalização da
moradia humana. Os enormes blocos de concreto e aço, onde os homens moram como
abelhas numa colmeia, podem ser valorizados, através do poder de comunicação do
homem com o meio, pela cor. A cidade de hoje é uma mancha na paisagem, que se espalha
destruindo o verde e cobrindo o solo. O equilíbrio da cidade com a natureza é rompido a tal
ponto que, quando sobrevoavam sobre a cidade de Houston, no Texas, os cosmonautas da
missão Apolo não conseguiram fotografar a não ser uma enorme mancha de fumaça escura
no lugar em que se encontrava a cidade. Mas a atração do homem pela cidade é um fato
indiscutível, calculando-se que mais trinta anos serão suficientes para a população mundial
ter duplicado, atingindo a marca dos seis bilhões. Segundo estudos de Harrison Brown,
dentro de cento e cinquenta anos seremos cinquenta bilhões de homens na face da terra. A
urbanização irá congregar nas cidades, em pouco tempo, 80% da raça humana, o que fará
mais gente morar em menor espaço, dando ao decorador um papel de grande importância
para o bem-estar da humanidade. A decoração, quando estudada em profundidade, com os
recursos da psicologia e da ciência moderna, se transforma num instrumento efetivo de
comunicação do homem com o meio. Cabe ao decorador, em face das condições físicas do
espaço a ser transformado, recriar um mundo, preparar um ambiente de acordo com a
personalidade e temperamento de quem vai habitá-lo, ambiente esse que dará a
privaticidade, o silêncio indispensável para que a criatura humana, que é algo diferente de
todas as outras apesar dos bilhões, viva a vida de uma maneira mais plena. A criação do
ambiente externo das cidades cabe aos engenheiros, arquitetos, urbanistas, paisagistas.
Através da cor e da forma, que são os elementos básicos para a visão, as metrópoles
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tornam-se mais humanas.
Se voltarmos um pouco atrás e examinarmos o período da Idade Média vamos
encontrar a sociedade dividida em três camadas: servos, nobres e sacerdotes. Os servos
viviam uma vida das mais primitivas, em casas de pedras, cobertas de palha ou pedra,
verdadeiros buracos onde se abrigavam ao redor do fogo. Os móveis eram reduzidos a um
mínimo: uma mesa rústica, bancos, panelas de barro ou pedra e a cama substituída por um
monte de capim. O chão das casas era de pedras irregulares ou de terra batida e as janelas
e portas, aberturas que mal davam para entrar o ar e a luz. Um mundo cinza, de sombras
marcadas, no qual a existência humana igualava-se à do nível dos animais. Já os nobres
viviam em castelos de pedra e ferro, com grandes portas de madeira sem acabamento e
tochas acesas sopradas pelo vento encanado dos longos e sombrios corredores, mas na
mesma inexistência da cor, sob as trevas dos cantos dos salões imensos, o limo da umidade
a marcar as pedras. Nesse período a cor refugiava-se praticamente nas igrejas. As grandes
catedrais góticas - sombrias, frias, verticais - eram uma verdadeira ante-sala do reino dos
céus à espera dos justos já que nesta terra era impossível a felicidade dos homens. O
contraste da cor estava na explosão luminosa dos vitrais, a porta daquele Além que os
crentes buscavam para fugir das misérias do mundo. A catedral gótica expressa, através da
comunicação do espaço, dos cânticos religiosos e mais tarde dos órgãos, dos perfumes do
incenso e mirra e da música colorida dos vitrais, aquela arte completa que o homem busca
através dos tempos.
Música colorida
Das sinfonias coloridas dos vitrais retornamos à época atual, na qual uma série de
experiências têm sido feitas visando buscar uma correlação entre som e cor. Dentre os
grandes pesquisadores de uma correspondência perdida vamos encontrar o músico russo
Scriabin. Nascido em 1871 foi um grande experimentador de sons e cores. Sua primeira
sinfonia prevê, além de um coro sem palavras, a participação de um órgão luminoso que vai
emitindo cores projetadas numa tela, de intensidade e tonalidade variáveis à medida que
acompanha a execução da orquestra. Ao morrer, Scriabin deixou inacabada a obra Mistério,
que seria a coroação de todos os seus esforços. Trata-se de uma peça para dois mil
executantes que requer música, poesia, dança, cor e perfume. O Mistério, mais do que uma
obra musical, é um ritual no qual o autor comunica a convicção na existência de uma
definida correlação entre diversas vibrações de energia.
Os anos passam e vamos encontrar, recentemente, a firma japonesa Hintachi
desenvolvendo uma série de experiências de uma nova forma de comunicação: a música
colorida. A tradução dos sons em formas coloridas é feita por um espectógrafo que mostra
na tela de um aparelho de televisão a cores um mundo de uma beleza fora do comum.
Surge diante dos olhos formas que se sucedem continuamente. Uma sinfonia de Beethoven
é aí transformada numa verdadeira catedral de sons e cores, algo parecido - em três
dimensões - com uma fonte luminosa cujos jatos d'água mudassem de cor e de forma
constantemente.
As cores no Oriente
Para entendermos mais facilmente a cromoterapia, ou seja, a cura de doenças através
da cor, devemos lembrar que na Índia, China, Japão, Tibete as cores estão identificadas com
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o sagrado. Segundo os hindus, as cores estão em estreita correlação com o som das letras e
essas são aspectos de divindades menores (devatas). No Budismo tibetano as principais
direções estão correlacionadas com cores. Assim:
Leste-branco, Sul-azul, Oeste-vermelho, Norte-verde.
Da mesma forma os cinco chamados Dhyani Budas que são manifestações do princípio
absoluto da sabedoria adquirem cores e pontos cardeais diferentes.
Cromoterapia
No fim do século XIX uma série de experiências foram feitas para comprovar o valor
terapêutico da cor. A luz vermelha foi experimentada no tratamento da varíola. O Dr.
Dodson Hessey testou no Hospital Guy essas técnicas em vários pacientes obtendo ótimos
resultados. Vejamos as principais indicações das diversas cores:
Negro - ausência de cor - é muito depressivo mas tem ação terapêutica em certas
personalidades extrovertidas.
Azul - é adstringente, produz o aumento de pressao sanguínea e acalma pessoas
excitadas. Pode também agir como depressivo nas pessoas acabrunhadas.
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Amarelo - elimina certas espécies de inflamações e estimula o sistema cérebro
espinhal. Ótimo para gabinetes de trabalho intelectual.
Verde - costuma baixar a pressão do sangue. Alivia a dor mas pode provocar em certos
pacientes nervosismo.
Rosa - cor expansiva e de suave estimulação.
Laranja-avermelhado - cor extremamente estimulante não sendo boa para pessoas
muito sensíveis.
Violeta - cor curiosa e de difícil aplicação. Em algumas pessoas produz um
desequilíbrio que muitas vezes é tomado por atividade vital crescente.
Todos sabem que, nos quartos de hospital, as cores mais usadas são o verde e o azul.
A falta de visão
Sendo a visão o sentido que nos permite participar mais diretamente com a realidade
que nos cerca, sua falta desenvolve através de um mecanismo compensatório, uma maior
atividade de outros sentidos. Apesar disso a visão é praticamente insubstituível. É difícil
descrever a realidade sem palavras como demonstra o teste que foi dado a três desenhistas
que nunca tinham visto um animal chamado opossum descrito na Enciclopédia Britânica da
seguinte forma: "o opossum é um animal pequeno com longo focinho, orelhas e cauda. As
patas possuem garras afiadas. As espécies mais conhecidas têm o tamanho de um gato
sendo o pelo lanoso de cor cinza". O resultado formam três desenhos do mesmo animal
completamente diferentes apesar de todos representarem, fielmente, as características
mencionadas. É por essa razão que se costuma dizer que um desenho bem feito mostra
mais do que um milhão de palavras.
Outra história, também clássica, da importância da visão é a dos seis cegos da Índia:
Viviam eles numa cidade na qual era famoso o elefante do rajá. Todos falavam do
animal aos pobres cegos até que, cansados dos falatórios, resolveram examiná-lo
diretamente. Quando certo dia ouviram seus ruídos de aproximação pela estrada, o
primeiro foi de encontro a ele e tateando encontrou sua barriga. Começou então a gritar:
"Por Allah o elefante é um muro!" Aconteceu que o segundo segurou numa das presas e ao
ouvir a exclamação do amigo começou a discutir pois para ele o animal era pontiagudo e
redondo como um lança. O terceiro tateando agarrou a tromba e sacudindo-a dizia que o
elefante era uma serpente enorme. Por fim o quarto, ansioso, agarrou a imensa perna do
animal e sentindo a rugosidade afirmou que ele era uma árvore copada. O quinto, mais
cético do que os outros, saltou o mais alto que pode e segurou-se numa das orelhas do
paquiderme e de lá gritava: "sois todos uns tolos, o elefante é o abano do rajá". Enquanto
isso o sexto, o mais velho e também considerado o mais sábio, devagarzinho segurara a
cauda e dizia compenetrado: "Calem-se todos porque quem vos fala é o mais sábio. O
elefante nada mais é do que uma corda resistente". Temos assim seis opiniões, seis pontos
de vista diferentes de uma mesma realidade. Se quiséssemos fazer o retrato falado do
elefante com os elementos fornecidos pelas observações parciais dos cegos o resultado
seria dos mais estapafúrdios.
O PONTO DE VISTA
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Uma das coisas que mais distorce a comunicação é o ponto de vista. A perspectiva,
nascida na Renascença, deu profundidade ao desenho condicionando o homem
psicologicamente à importância de um ponto de vista: o seu. É preciso ter consciência que
somos diferentes de todos os outros. Somos um turbilhão em constante renovação.
Possuímos dentro de nós vários "eus" que se nos apossam sem que os sintamos. Às vezes
somos santo, pecador, banal, poeta. Vamos às estrelas e mergulhamos na lama. Todos nós
queremos ser várias coisas nesta vida.
Segundo Don Fabun, nossos problemas em comunicação nascem porque esquecemos
de lembrar que as experiências individuais nunca são idênticas. Entretanto é indispensável -
para quem estuda comunicação com o objetivo de passar da teoria à prática - ter, bem
nítida, consciência do aspecto global de qualquer fato. A comunicação pode se ampliar ou
restringir à medida que o observador seja mais ou menos fechado ao aspecto global da
coisa observada.
A ARTE DE VER
Existe uma arte esquecida pela maioria e que consiste em ver a mensagem
incontaminada da coisa em si. Quando vemos um objeto geralmente estamos projetando
nele todos os conceitos, memórias e hábitos adquiridos. Os chamados testes projetivos são
um testemunho de como nos projetamos nas coisas observadas. O chamado teste de
Rorshach é baseado em manchas de tinta e a interpretação que a elas damos. Já no teste
temático, em vez de manchas de tinta, o observador analisa uma série de formas ambíguas
que permitem uma série de interpretações. O grande problema diante de nós, que dificulta
a comunicação do sujeito com o objeto, é que, para ver, temos de ser simples, abertos,
humildes de espírito. O filósofo hindu J. Krisnamurti conceitua, de maneira perfeita, o
processo contaminador que destrói a percepção do real:
"Será que entraste alguma vez em contato com uma árvore, com um ser humano ou
com uma flor? Quando olhas uma árvore no parque existe um observador e uma coisa
observada. Há um espaço entre tu e a árvore. Entrar em contato direto significa não existir
um espaço. Quando observamos sem o observador, isto é, sem um fundo de
condicionamento - memória - o espaço desaparece e surge o amor. Um amor diferente
daquilo que normalmente consideramos".
Neste momento em que o sujeito se funde com o objeto há comunicação, comunhão,
amor. Comunicação, comunhão e amor: três nomes para significar uma mesma realidade
nascida quando desaparece a ilusória separação do eu e tu. Esse estado supremo de
realização está aberto aos homens podendo ser atingido através das portas da visão
quando, graças à arte de ver, podemos captar pela primeira vez as coisas como elas são em
sua pureza última.
Fernando Pessoa, nos Poemas Inconiuntos, mostra sua enorme lucidez, quando o seu
heterônimo Alberto Caeiro afirma:
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O Espaço Acústico
ESPAÇO auditivo é um mundo de dimensões diferentes. E como se fosse uma esfera
sem limites. Na expressão de Mac Luhan: " É um espaço feito pela própria coisa. Não um
espaço pictórico, encaixado, estático, mas dinâmico, em fluxo constante, criando suas
próprias dimensões de momento a momento". Ouçam uma música e sentirão que ela só
vive no momento da criação. Ao contrário de um quadro no qual o tempo está petrificado,
uma sinfonia é a própria criação em processo. Nada melhor para sentir o espaço acústico
do que prestarmos atenção a ele. Uma atenção que normalmente não está focalizada, pois
a vida para a maioria de nós é quase um sonho onde a repetição mecânica de
pensamentos, palavras e ações é uma constante. Fechem os olhos e ouçam, o mundo
chegando através dos ouvidos. Chora uma criança neste momento que escrevo, um sino
bate ao longe, os pássaros piam misturados ao ruído de um avião. Toda uma série de
estímulos chegam até nós, simultaneamente. Nesse espaço as dimensões são diferentes. O
isolamento característico do mundo visual, separando os objetos em mundos estanques,
com sua forma, cor e contraste é substituído por um outro contínuo, com vida própria. As
fronteiras desse espaço dependem dos limites da sensibilidade de quem escuta. No caso
humano a audição permite que sejamos sensibilizados por vibrações de ar que vão desde
dezesseis ciclos por segundo até vinte mil ciclos. Caso essa sensibilidade fosse aumentada o
homem passaria a ouvir a circulação do sangue no corpo, o bater do coração, o choque
37
constante das moléculas de ar de encontro uma às outras, e teria dificuldade de ouvir os
acontecimentos externos.
Especialmente nos países industrializados, a época de hoje, mais do que qualquer
outra, é caracterizada pelo ruído, que se intensifica nas grandes metrópoles e pode ser
sentida à distância como o rugir surdo das ondas contra a costa. A comunicação utiliza, em
alta escala, toda uma série de sons que vão desde as palavras (ruídos com significados) até
os ruídos industriais que são uma espécie de subproduto da civilização atual. O homem é
condicionado pelo espaço acústico, pelos ruídos, sentindo dificuldade em ficar em silêncio.
Há um pavor generalizado da solidão, sobretudo nas longas tardes de domingo, quando
não sabemos o "que fazer para encher o tempo". Para o homem-massa a solidão
representa a morte, o silêncio traz a insegurança de não sentir os outros. Vamos encontrar,
perdida no passado, a busca de companhia para combater essa solidão. A música tribal, os
cânticos, as danças em grupo dão segurança. Uma análise dos cânticos tribais demonstra
que, na sua raiz, está a necessidade do homem pertencer a alguma coisa rompendo a
solidão. Nada melhor para compreender a psicologia do som do que ouvir música.
Ouçamos, por exemplo, Vivaldi. Além da melodia que penetra nos nossos ouvidos,
revivemos também o espírito do século XVII, reminiscências de outra época, restos de
mundos mergulhados nas águas do inconsciente coletivo que voltam à tona graças a magia
comunicativa dos sons. É intenso o poder evocativo da música, seu poder de mexer com
camadas profundas do ser humano. Gustav Jung relata no seu livro de memórias curiosa
experiência ligada ao espaço acústico. Como Jung era um homem de intensa atividade nos
hospitais de Zurich, procurava se retirar para onde ninguém pudesse perturbá-lo nos fins de
semana. Foi nas margens do lago de Zurich que encontrou seu abrigo ideal, e em 1922
comprou, junto ao lago, as ruínas de uma antiga e isolada casa de pedra de estrutura
circular onde o fogo era o centro de toda a atividade. Aos poucos, foi adicionando cômodos
para viver ali uma vida desligada do movimento e ruído da vida profissional. Lá encontrava
energias, inspiração para casos difíceis e escreveu grande parte da sua obra imensa contida
em dezoito volumes. A casa permanecia incompleta até 1931, quando, segundo ele:
"...construí uma torre. Queria um quarto separado onde só eu pudesse entrar. Recordava-
me de algumas casas na Índia onde sempre existe um canto, mesmo que seja um pedaço de
quarto, separado do resto por uma cortina, para o qual o dono da casa pode se retirar. Lá
eles meditam por um quarto de hora, fazem exercícios de Yoga". Foi em Bollingem - local
onde ficava situada sua modesta casa de campo - que ele encontrou o seu "cantinho", em
modesta harmonia com a natureza. O silêncio era quase audível tal a tranquilidade do local.
Não tendo eletricidade para aquecimento, acendia a lareira à noite e iluminava os quartos
com velhas lâmpadas. Tampouco havia água corrente, nem qualquer dos modernos
confortos que o homem de hoje anseia. Tinha de apanhar água no poço, rachar lenha para
a cozinha e executar uma série de trabalhos simples. E como é difícil ser simples num
mundo complicado pelo próprio homem... Foi nesse ambiente rústico, quase inóspito, que
grande parte do profundo trabalho de Jung foi feito. Ali suas experiências mais autênticas
surgiram, algumas delas só reveladas após sua morte pela própria vontade do autor que
sabia o elevado teor polêmico que continham. Numa delas Jung relata:
"Estava eu em Bollingem ao ser concluída a primeira torre. Era no inverno de 1923/24.
Quanto posso me recordar, não havia mais neve no chão. Talvez a primavera já estivesse se
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aproximando. Estivera só por uma semana, ou talvez mais. Uma indescritível tranquilidade
prevalecia. Certa noite, posso recordar-me nitidamente, estava sentado junto a lareira.
Uma enorme chaleira estava no fogo aquecendo água para lavar-me, e, quando a água
começou a ferver, a chaleira passou a cantar. Era como se, juntas, estivessem várias vozes
misturadas com instrumentos de uma orquestra. Era como se fosse uma música polifônica
que, verdade, me parecia particularmente interessante. Como se houvesse uma orquestra
no interior da torre, e outra do lado de fora. Em certos momentos uma dominava a outra.
Logo a seguir a orquestra externa respondia com intensidade. Sentado, permaneci
fascinado por mais de uma hora, ouvindo o concerto dessa melodia natural. Uma música
suave contendo em si todas as discordâncias. A música tinha as qualidades do vento e da
água".
Nesta experiência Jung nos relata o instante mágico em que o homem é despertado
para a música das coisas. Uma música suave e constante, que não conseguimos captar por
estarmos mergulhados num mundo de ruídos externos e internos. Por fim, quando
plenamente atentos, podemos furar essa barreira do ruído que nos cerca e captar a
harmonia da vida. Ainda em suas memórias, Jung nos relata uma outra experiência do
universo acústico extraordinariamente sugestiva. Esse estranho momento em que o
passado, furando a barreira de proteção gerada pelo condicionamento, consegue nos
sensibilizar. É o reencontro com as coisas mortas que subitamente readquirem a vida.
Conta-nos ele:
"Em outra noite tranquila estava eu sozinho em Bollingem. (Era no fim do inverno de
1924.) Despertei com o ruído de passos ao redor da torre. Música distante tornava-se cada
vez mais nítida à medida que se aproximava misturada com vozes e risos. Pensei: quem
poderá a esta hora andar aí por fora? O que significa isso? Havia somente um pequeno
caminho junto às margens do lago e ninguém costumava andar por ele. Resolvi então me
levantar. Fui à janela e abri as venezianas. Tudo estava calmo lá fora. Não se via ninguém,
nenhum ruído. Isto é realmente estranho - pensei eu. Tinha certeza de que os sons e risos
eram reais. Aparentemente tinha sonhado. Dormi novamente. Logo a seguir o sonho volta.
Ouço passos, risos, música. Vejo centenas de figuras vestidas de escuro, possivelmente
camponeses em roupas de domingo, vindos da montanha e que agora circulavam em redor
da torre, aos pares, rindo, cantando e tocando harmônicas. Irritado pensei: isto é o cúmulo,
acreditava ser um sonho e é uma realidade. Saltei da cama e abri as Janelas de par em par.
Lá fora tudo era tranquilidade. Uma serena noite de luar".
Este exemplo nos é dado por Gustav Jung, indiscutivelmente um dos maiores
psiquiatras do século XX. É um episódio no qual realidade e sonho se misturam com
acontecimentos perdidos nas camadas mais profundas do ser humano. O assunto
preocupou por longo tempo Jung até que certo dia, lhe cai às mãos uma crônica da cidade
de Lucerna escrita no século XVII por um certo Reward Cisat. Dizia ela que, naquele local
onde estava a casa de pedra, os camponeses da região que partiam em busca de empregos
na Itália costumavam se reunir, uma vez por ano. Alguns iam para as vindimas, outros iam,
servir de soldados mercenários nos exércitos dos condes da Itaha. A visão que tivera era
uma volta ao passado, às festas de despedida que se realizavam justamente no dia em que
ocorreu o fato. Segundo Jung, no inconsciente coletivo estão registradas para sempre todas
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as coisas. É um verdadeiro oceano primordial onde o ser humano se move e tem suas raízes
mergulhadas nas profundezas da água. É o inconsciente coletivo visto ser universal em vez
de individual.
Quando vibramos um objeto ele produz som, cria zonas de diferença de pressão no ar
que o rodeia. As áreas de pressão se movem enquanto as partículas de ar se mantêm
imóveis. As ondas de pressão se propagam ao nível do mar a 330 m/segundo. Uma onda
sonora possui três dimensões: frequência, intensidade e timbre. A frequência se caracteriza
pelo número de vibrações por segundo constituindo o chamado TOM. A intensidade é a
pressão das ondas nos objetos em que se chocam, podendo ser medida em termos de
volume. O timbre é a complexidade da vibração. Há uma correlação natural entre o Som e a
Cor.
Cor Som
Tom Tom
Saturação Volume
Brilho Timbre
O tom está em ligação direta com o número de vibrações por segundo. Aos nossos
ouvidos uma nota soa mais alto ou mais baixa. As notas musicais admitem diversos tons. A
altura é o chamado volume que nos permite distinguir, desde o mais tênue do sons
próximos ao limiar da audibilidade até o som mais intenso que podemos suportar, sem o
perigo da destruição do nosso aparelho auditivo. A unidade que mede a intensidade é o
decibel. O som mais alto que podemos suportar é o ruído de um avião a jato que atinge a
130 dbs. Um automóvel comum atinge 70, um trem registra 100 dbs, uma conversa ao
ouvido 20 dbs. Acima dos 130 dbs a vibração é tão intensa que causa dor no ouvido. O
timbre denota a qualidade do som. A maioria dos sons são complexos sendo que um é
fundamental e os outros são simples complementos do primeiro.
O OUVIDO HUMANO
O ouvido tem três partes distintas. O ouvido externo o médio e o interno. O ouvido
externo é constituído pela orelha, que serve para captar os sons conduzindo-os ao interior.
No ouvido interno existe uma membrana, o tímpano - localizado no final do ouvido médio e
na entrada do interno. As alterações dessa membrana que vibra em ressonância com ondas
sonoras são conduzidas por uma cadeia de ossículos até a zona conhecida por caracol ou
colcheia. O caracol possui três diferentes dutos ou canais separados uns dos outros por
membranas cheias de fluido. Os cílios que constituem a extremidade do nervo auditivo, se
movimentam no interior do líquido do caracol impulsionados pelas vibrações do ar de
encontro ao tímpano. As vibrações mecânicas são transformadas então em impulsos
elétricos que atingem o cérebro.
TERAPIA MUSICAL
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A antiguidade está cheia de exemplos da importância da música como terapia. No
Egito, há 4000 anos a.C., os sacerdotes adotavam a música como uma forma especial de
sugestão psíquica. Iam mais além quando admitiam a música como verdadeira medicina da
alma. Os sons dos instrumentos musicais eram considerados possuidores da força de um
encantamento. Os persas diziam que a música era um dos aspectos do princípio do bem:
Ahura Mazda. Várias doenças eram tratadas pelos sons da harpa. Os antigos hebreus
conheciam bem o valor terapêutico da música conforme a Bíblia revela na passagem onde o
Rei Saul era socorrido por David com sua harpa: "quando o espírito do mal estava sobre o
Rei Saul, David tomava sua harpa e tocava com suas mãos, de tal forma, que o Rei Saul era
aliviado e o espírito do maio abandonava".
Na antiga China a música era também considerada uma forma efetiva de comunicação
do homem consigo mesmo e com os outros. Confúcio era grande amante da música
chegando a considerá-la um fator positivo na maneira de viver em harmonia. Platão, em
sua obra A República, expressa a crença de que é possível se formar um povo através da
música. Pitágoras recomenda a música como tratamento das emoções. Posteriormente
Napoleão admitia que a derrota na Rússia fora causada pela "bárbara música dos cossacos".
Hitler utilizou a música vibrante das bandas marciais como fator poderoso de
condicionamento da massa. A música de Wagner teve uma aplicação intensa na
intensificação dos sentimentos de povo escolhido, raça suprema, que caracteriza o nazismo
delirante. Hoje estuda-se a influência da música no ser humano, e muitas clínicas adotam-
na como terapia adicional em doenças nervosas. Bach, Beethoven, Chopin são receitados
como os meprobamatos, Valeriam ou anfetamina.
ANÁLISE DA AUDIÇÃO
Ouvir é renunciar, ser humilde, aberto às informações que nos chegam do exterior.
Ouvir todos ouvem, salvo exceções patológicas, mas escutar poucos escutam. A distinção
entre ouvir e escutar, feita por Krisnamurti em vários trechos de sua enorme obra, é de
uma significação profunda em comunicação. Nos dicionários clássicos ouvir e escutar são
sinônimos de uma mesma atividade da realidade que nos cerca. Porém, ouvir é o progresso
em que recebemos a mensagem através do aparelho auditivo e a descodificamos em
função do nosso condicionamento. Portanto, quando ouvimos alguém ou alguma coisa,
estamos ouvindo o "ruído" dos nossos próprios pensamentos. São em grande número as
pessoas que só ouvem a si próprias tal o grau de condicionamento atingido. Existem muitas
pessoas que raramente ouvem as outras. São criaturas cheias de opiniões, crenças,
conceitos, e que têm sempre uma interpretação dos fatos baseados no "sicrano disse",
"beltrano afirmou". São seres cristalizados, opacos, que perderam a capacidade de escutar.
Escutar é ouvir de mente aberta, com humildade, sem espírito preconcebido. É ouvir o
ruído do vento, das ondas o canto dos pássaros sentindo sua mensagem no fundo do ser.
Escutar é compreender as coisas como elas são em sua natureza. É a primeira condição para
que o processo de comunicação se estabeleça. É uma arte que permite ao homem
compreender, pela primeira vez, os filhos, esposa, o mundo enfim. Para se conseguir
realmente escutar é indispensável uma "atenção total" dos fatos, atenção essa que não
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requer esforço, impedimentos, ou barreiras, da qual resultará a comunhão do observador
com a coisa observada. Comunhão é a comunicação total, na qual o emissor e o receptor
vibram em uníssono. Portanto, comunicação é ressonância. Quando não há ressonância a
comunicação processa-se apenas na superfície, no plano da forma, das palavras. Daí
concluir-se que o espaço acústico é uma enorme porta aberta diante de nós, que nos
permite encontrar a realidade.
É imensa a atividade do homem no campo dos sons. Pesquisas feitas demonstram que
durante a nossa vigília, 42 % do tempo estamos ouvindo, 25 % do tempo estamos falando,
18 % escrevendo e 15 % lendo. Nossa vida tem, portanto, uma grande dimensão auditiva.
Pelos ouvidos entram constantemente uma série de informações sobre o mundo. Com a
ampliação da nossa percepção sonora do mundo, podemos obter uma série de vantagens
em relação aos outros. O bom ouvinte é raro, pois em geral, não ouvimos a não ser os
nossos próprios pensamentos. O Evangelho de São João 1-19 dá um conselho dos mais
oportunos: "Seja rápido no ouvir, lento no falar". Ser rápido no ouvir é estar atento à
realidade, aos seus mínimos detalhes, ao que a maioria das pessoas não alcança. A Arte de
ouvir é importantíssima para o médico, psicólogo, sacerdote, para todos que têm de obter
dados sobre os outros. O bom ouvinte consegue ter melhor informação das coisas, ganha
tempo, tem certeza que sua mensagem é recebida e, além disso, estimula o interlocutor a
falar o que é imprescindível quando necessitamos colher informações de alguém. Por fim,
quem sabe ouvir evita mal-entendidos que decorrem de comunicações feitas pela metade.
Há uma série de fatores básicos ao mecanismo da audição. Ouvimos melhor quando
temos necessidade de compreender porque o assunto nos afeta pessoalmente. As coisas de
que gostamos são mais fáceis de ouvir. Observem como é dolorosa a advertência pública
das nossas faltas, pois elas ferem o amor próprio, a imagem supervalorizada de nós
mesmos que é uma verdadeira barreira à comunicação.
Os objetivos de quem ouve são de várias ordens. Uns ouvem para ter opinião sobre
um fato, outros para discutir, como no caso do advogado de defesa atento ao promotor em
sua argumentação. É sempre a atitude mental que dá maior ou menor eficiência ao que
ouvimos. Há fatores físicos e mentais que atuam no processo. Entre os físicos podemos
salientar: temperatura, ruído, iluminação, condições de saúde, deficiências auditivas e a
forma de apresentação. Entre os mentais: indiferença, impaciência, preconceito,
preocupação e oportunidade.
Além desses fatores mencionados, que dificultam ou impedem o estabelecimento do
processo comunicativo através da audição, existem inúmeros vícios que podem também
impedir a compreensão da mensagem. Um desses vícios é a falta de atenção, característica
de muitas pessoas que vivem borboleteando de assunto para assunto geralmente
autocentradas no seu pequeno mundo. Há, também, os que têm dificuldade em ouvir por
geralmente não olhar para seu interlocutor. A visão reforça grandemente a audição, pois os
sentidos são complementares em sua função de exploradores da realidade que nos cerca.
As pessoas que tomam nota em excesso - como muitos estudantes em suas aulas -
dificultam a compreensão. Recomendações básicas para ouvir melhor incluem a fuga das
distrações e uma constante atenção a quem fala. O interesse tem que ser estimulado
convencendo-nos que com o treinamento podemos melhorar sempre.
42
7
O Mundo Verbal
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D.E. são conceitos adicionais. Considerações acessórias para descrever a realidade A.
A ilusão nascida do condicionamento de tomarmos a palavra pela realidade que representa
tem causado todo um mundo de sofrimentos à humanidade. Um trágico cortejo de guerras
e choques estão presentes diante de todos para demonstrar até que ponto distorções
verbais produzindo distorções nas comunicações humanas têm sido a causa de inúmeros
dramas. A linguagem não é o espelho da realidade, e sim uma simples representação
simbólica dela. Há, portanto, um verdadeiro abismo entre a percepção e o fato real, entre o
fato e seu retrato. Observem um ventilador em movimento; quando a velocidade atinge um
determinado limite, as hélices, que são isoladas em sua natureza, parecem soldadas num
disco único, que, aparentemente sólido, não é real, mas apenas o resultado da integração
ocorrida no nosso sistema nervoso em virtude de sua incapacidade de discernir fenômenos
em velocidades elevadas. Daí surge uma série de determinações que se refletem na
linguagem. Uma das principais "doenças" da linguagem está contida na afirmação "é". Em
sentido absoluto nada "é". Quando vejo uma flor e afirmo: a flor é vermelha, estou errado,
incorrendo numa generalização infundada. Há sempre um abismo imenso entre o fato e o
objeto e outro entre o objeto e a palavra. Quando dizemos que uma coisa é, estamos
afirmando que existe uma relação, ponto por ponto, entre o fato e o objeto, o que é um
absurdo, pois existe um número infinito de ligações que não chegam à nossa sensibilidade.
Por isso, correto seria dizer: a flor me parece vermelha. A falsa identificação deve ser
rejeitada, pois ela é a causa de inúmeros mal-entendidos que deformam a comunicação. Há
uma tendência marcante do homem para se projetar nos objetos dando-lhes valores que
não possuem, tirando deles, num verdadeiro vampirismo verbal, significações que não
existem. Toda palavra é, portanto, uma significação individual, função de um
condicionamento anterior. Para muitos a sucessão de palavras são apenas ruídos. Sons sem
significação. Por exemplo:
Meigetsu ni
Kotsunen to shite
Ikku kana
Trata-se, entretanto, de um Haiku japonês, de profunda significação poética, cujo
autor é um certo Sekkei de quem nada sabemos, além de sua poesia, que tem valor eterno
pois existe dentro de todos nós além do espaço e do tempo. Esses sons sem ressonância
para quem não conheça a língua japonesa, mesmo traduzidos para o português, ainda
conservam o momento mágico da experiência criadora do poeta.
Como brilha a lua!
Súbito a poesia
Nasceu em mim.
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Há, sem dúvida, um abismo entre a experiência diretamente sentida por Sekkei num
instante mágico de sua existência e as palavras do pequeno poema e mais ainda entre elas
e a tradução para nossa língua. As palavras têm diferentes repercussões nos indivíduos em
função do seu condicionamento. A palavra Lua ou Luar está muito mais marcada nos que
têm ou tiveram a experiência direta do luar durante anos vividos no interior, distantes da
civilização, onde as luzes e ruídos são uma constante. Nas cidades a lua não consegue
mostrar todo o brilho, tal o ofuscamento artificial existente. Nem tampouco os homens que
a observam possuem a consciência da sua forma, absorvidos que estão por milhares de
estímulos, produtos da vida em comunidades desenvolvidas. Já no campo, onde nem
sempre há luz elétrica e os ruídos são os da natureza, o luar marca os homens
profundamente, como também os marcam os grilos, os sapos, os pássaros em seus cantos.
A palavra pássaro, para nós da cidade, não tem a expressividade que possui para os que a
conhecem em sua manifestação natural. É preciso compreender que, quando nos
comunicamos, estamos usando palavras que não produzem a mesma repercussão
psicológica na mente do receptor.
Poética
Este poema adquire toda uma vida quando lido com a devida entonação. A voz
humana é um instrumento maravilhoso de comunicação: é algo no qual a sensibilidade está
presente.
O segundo fator a considerar é a altura que damos às palavras. A sua intensidade pode
reforçar significativamente o texto. A variação de altura dá colorido àquilo que se fala. É um
recurso usado pelos oradores, professores, por todos os que falam em público. Podemos
despertar o interesse em certas Passagens com uma entonação especial de voz. Os
locutores de rádio e televisão adotam essa técnica para chamar a atenção ao texto. Como
exemplo de recursos que podem ser empregados na leitura de um texto, citamos esta
pequena obra-prima de Manuel Bandeira, que é "Poema tirado de uma notícia de jornal":
"João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no Morro da Babilônia num
barracão sem número.
Uma noite ele chegou ao bar Vinte de Novembro. Bebeu. Cantou. Dançou. Depois se
atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado".
As palavras podem, também, expressar ritmo. O ritmo é importantíssimo na linguagem
do poeta; produz uma cadência hipnótica, que predispõe, em quem lê ou ouve uma poesia,
uma sensação interior semelhante à do poeta. A ressonância entre o poeta e o receptor é
intensificada pelo ritmo. O homem vive rodeado de ritmos; ele mesmo é a expressão de um
ritmo de vida durante sua existência. A respiração, a pulsação, os dias e as noites, as
estações do ano, as fases da lua, as marés são alguns dos inúmeros tipos de ritmo da nossa
vida. É ele que produz centelhas nas palavras fazendo-as brilhar com luz própria. Ilumina o
texto, dá-lhe vida. Por isso, o poeta é um ser que expressa seu ritmo interior na poesia.
Assim se expressou e, vibrou Fernando Pessoa ao escrever a "Ode triunfal", uma pagina
que descreve - em versos - a vida moderna em toda sua trepidação, exemplo vivo da força
do ritmo nas palavras.
"Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar.
Eia. os aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos.
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos, brocas, máquinas
rotativas!
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Eia, Eia, Eia!
Eia a eletricidade, nervos doentes da matéria!
Eia a telegrafia sem fios, simpatia metálica do inconsciente!
Eia túneis, eia canal , Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós!
Eia! Eia! Eia! Eia!
Frutos de ferro e útil da árvore cosmopolita.
Eia! Eia! Eia! Eia! hô ô O!
Não sei que existo para dentro. Giro. Rodeio. Engenho-me.
Engatam-se em todos os comboios. Içam-me em todos os cais.
Giram dentro da hélice de todos os navios. Eia! eia hô eia!
Eia! Sou o calor mecânico e a eletricidade.
Eia os rails e as casas de máquinas e a Europa.
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!
Galgar com tudo por cima de tudo. Hup-Iá. Hup-lá, hup-lá, hup-lá, hup-Iá
Hé-lá, Hé-hô Ho-o-o-o-o
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
AH NÃO SER EU TODA A GENTE E TODA A PARTE!"
O sotaque é outro fator característico da palavra falada, que revela a procedência
sócio-cultural de quem fala, autenticando a mensagem. Guimarães Rosa, Jorge Amado, José
Lins do Rego e tantos outros têm na sua expressão verbal toda a marca de autenticidade
transmitida nos seus textos. Sente-se a Bahia, em Jorge Amado, assim como o sertão de
Minas em Guimarães Rosa ou a Paraíba em José Lins do Rego. Suas palavras trazem em
suas raízes a terra da região onde nasceram, o perfume dos campos, o cheiro de gente,
provocando em nós, graças à força imensa da evocação, uma verdadeira recriação.
Como última característica da palavra falada devemos considerar a qualidade que diz
respeito à forma, à aparência; algo parecido com o acabamento dado na confecção dos
objetos. Uma caixa de madeira pode ser feita com maior ou menor qualidade. Da mesma
forma as palavras podem ser ditas com maior ou menor precisão para expressar a realidade
que queremos transmitir. A palavra falada pode ainda assemelhar-se a uma fotografia, cujo
original foi obtido com uma câmara de grande qualidade mas ao ser reproduzida muitas
vezes perde a nitidez, como acontece, por exemplo, na impressão de um jornal cujos clichês
são reticulados. Na televisão ocorre o mesmo, pois, sendo feita através de pontos, ela
perde também sua qualidade. Foi essa a razão que levou Me Luhan a classificar os meios de
comunicação em frios ou quentes. Frios são os que possuem pouca nitidez de definição.
Quentes são os de grande qualidade de definição. Neste critério o cinema e o rádio são
classificados de quentes, a televisão e o jornal de frios.
Todas essas características analisadas podem ser reforçadas, dando à comunicação
verbal novas dimensões, se pudermos ver o emissor das palavras. Neste caso temos a
adicionar ao efeito da Comunicação uma série de fatores provenientes dos gestos, roupas,
face, estado social, ambiente, etc...
A palavra falada pode ser visualizada dinâmica ou estaticamente através dos
chamados fonogramas, que é a imagem gráfica da palavra. Por meio deles, pode-se
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constatar que a mesma palavra adquire, em função de quem a emite, uma forma
completamente diferente das outras. Portanto, o som está ligado diretamente à forma
dando à poesia concreta uma base real às suas tentativas em busca de uma expressão
sonora e gráfica. Na Índia o chamado mantra é a palavra-símbolo em sintonia com o lado
emotivo do ser humano. Essa vivência da correlação entre o som e a natureza, ou seja,
entre a palavra e a coisa escolhida, já era expressa nos Vedas, que podem ser considerados
os mais antigos textos escritos da humanidade. No Evangelho segundo São João está
expresso - "no início era o Som" - o Verbo do qual todas as coisas procedem. A mesma ideia
é encontrada, anteriormente, em diversos Upanishads nos quais a sílaba Aum-Om é o
símbolo da manifestação universal. Já no hinduísmo Brahman o absoluto manifesta-se sob
três aspectos: Brahma, Vishnu e Shiva. O Brahma é a letra A, Vishnu-U e Shiva-M. Perde-se
na antiguidade a ideia da correlação existente entre o macrocosmos e o microscosmos tão
bem revelados ao mundo na célebre tábua de esmeralda de Hermes Trimegisto no Egito em
seu aforismo: "o que está embaixo é igual ao que está em cima". Essa presciência é a base
dos rituais- védicos e de todos os rituais religiosos nos quais procura-se, através de palavras
e gestos bem medidos, estabelecer uma comunicação, uma ponte, com os planos sutis da
realidade. Vamos agora nos aprofundar, um pouco mais, em busca de pontes
esclarecedoras da correlação existente entre os objetos e as palavras que os identificam.
Segundo a Mantrayaha dos hindus, ou seja, da ciência dos sons, que é base da escola
tântrica, cada ser ou objeto, isto é, qualquer manifestação da realidade absoluta se
caracteriza por uma presença no espaço e no tempo. Segundo a Ciência atual essa presença
é formulada em termos de energia. Um homem, um objeto, enfim, tudo é uma
determinada concentração de energia com dimensões e duração. No mantrayana cada ser
emite um som que poderia ser ouvido por um ouvido cósmico. Uma flor, uma ave, um
homem, possui um som característico completamente diferente de todos os outros. Uma
espécie de marca que o identifica como uma ficha datiloscópica, cujo verdadeiro rótulo é o
fonograma. Todos os nomes que damos a um objeto seriam apenas aproximações desse
som fundamental que não conhecemos. Analisando este conceito sob a luz da Ciência,
vemos que existe aí uma intuição fundamental. Partindo do princípio de que toda a
manifestação é, em graus diferentes, uma concentração de energia, podemos admitir que
um objeto seja uma condensação dessa energia que é percebida pelo observador segundo
um sistema de referências compatível com seus sentidos. A energia é tensão, transforma-
ção, algo extraordinariamente dinâmico. É, em última análise, o som. Sendo cada objeto
um fenômeno, possui uma vibração sonora correspondente. Assim, a libertação suprema
do ser humano é obtida quando capta a vibração da vida cósmica no próprio Ser. Essa
realização, o encontro da raiz, é um caminho imenso. Segundo o venerável sábio da China,
Lao Tzu, "a jornada de dez mil quilômetros começa debaixo dos nossos pés". Para
seguirmos a senda que nos levará ao Tesouro, tudo depende apenas de uma pequena visão
interior.
A palavra escrita possui estranho fascínio, uma magia, que lhe assegura uma posição
fundamental na Comunicação. Não representa simples borrão de mancha no papel: tem
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vigor e elegância. Quando grafada a mão, a palavra escrita revela muito do nosso mundo
interior, do nosso temperamento, personalidade e estados emocionais. É algo como um
retrato ou impressão digital, único e inconfundível. Apesar de escrita, possui ela as mesmas
características da palavra falada. Sua entonação é dada pelo destaque no corpo e tipo de
letra. O negrito, por exemplo, chama a atenção de determinado trecho, destacando-o dos
demais. A altura é representada pelo tamanho das letras. A manchete de jornais é UM
GRITO GRÁFICO AOS OLHOS. Dependendo do seu tamanho maior será o grito! Mais intenso
o som gráfico.
O ritmo é dado pela composição. Pela arte de jogar com espaços, fotografias,
desenhos e textos. O moderno jornalismo é uma expressão viva da composição dinâmica de
diferentes mensagens. O jornal "fala", vibra diante de nossos olhos com as notícias de
destaque. A poesia concreta usa, inúmeras vezes, os chamados grafismos para realçar o
conteúdo, dando às palavras uma maior força em função da forma como são grafadas,
intensificando a reação de quem as lê. As palavras quando decompostas podem reforçar o
seu próprio sentido e o poeta através da hábil manipulação de palavras pode obter sons
com novas significações, como o músico que joga com as sete notas fundamentais. Um
exemplo é este pequeno poema de Foed Castro Chamma:
LUCILUZ
LUCIFEL
LUClMEL
LUZBELA
É tal a importância da força da palavra escrita que ela é considerada sagrada em
alguns países do Oriente. A palavra, é a própria coisa que representa. No Japão e na China,
onde a escrita é ideográfica, no símbolo gráfico está um pouco da estrutura íntima da
realidade descrita. Foram os trabalhos do poeta Ezra Pound e de Fenollosa que pela
primeira vez abriram ao mundo ocidental este fascinante mundo da palavra escrita. Pode-
se observar como certa palavras são geradas de outras. Observem o ideograma nº 1 que
quer dizer "homem" em japonês. Nota-se na simplificação da forma a representação da
estrutura humana no seu aspecto fundamental. No ideograma 2 foi superposto ao primeiro
um pequeno traço vertical nascendo então a palavra "grande". Um segundo traço acima do
primeiro dá ao ideograma uma significação de "imenso". Do primeiro desenho, composto
de dois traços simbolizando as pernas e a cabeça na vertical, nasce com um corte horizontal
na parte superior e com a força da horizontal a ideia de horizonte, de algo aberto, de
"grandeza". É grande o homem que tem essa consciência de algo maior do que ele próprio.
Já o terceiro ideograma recebe, no traço adicional em cima do primeiro, uma nova
dimensão. É outra grandeza maior que a primeira. Uma nova dimensão da consciência. É o
próprio infinito surgindo dentro do homem. É a "imensidade".
50
A arte de escrever requer, portanto, uma linguagem que vai mais além dos ouvidos em
busca de uma comunicação com a realidade suprema. Daí o fato de estar antigamente nas
mãos dos sacerdotes as suas chaves. No Egito eram os escribas que manipulavam a Arte
Suprema sob a orientação da Religião. Na Idade Média, conventos, os monges
perpetuavam a tradição antiga reproduzindo os livros manualmente. O livro era então
trabalhado a mão. As letras iniciais dos capítulos eram verdadeiras joias de expressão pois
estava nessa primeira letra trabalhada, em iluminuras de renda, o início do processo da
Comunicação, algo de extremo valor para o ser humano. A chegada da letra impressa foi
uma verdadeira mudança. A revolução de Gutemberg, como é conhecida, permitiu que
aquilo que somente pertencia a alguns, aos escolhidos, aos dignos de receberem a
mensagem, se tornasse propriedade de todos. A impressão mecânica tirou, entretanto, da
palavra muito da força transmitida pela mão. No Oriente, principalmente na China e no
Japão, ainda subsiste a importância do homem que grafa as letras. O calígrafo é um artista
plástico que possui tanto valor quanto o músico ou o pintor. São inúmeras as revistas
dedicadas à reprodução de caligramas, muitos dos quais são conservados nos museus com
a mesma proteção dada a um quadro. Eles transmitem, na força dos seus traços, o espírito
da criação que nem os séculos apagam. Há na arte do pincel uma sutileza claramente
sentida na transição do repouso para o movimento. Também na caligrafia há um momento
primordial em que essa comunicação se dá plenamente: é o que os japoneses chamam de
raku-hitsu. É o instante em que a pena ou pincel, cheio de tinta, toca pela primeira vez o
papel. Convém recordar que o papel oriental é extremamente absorvente, de modo que
um toque prolongado demais se transforma num borrão. Se o toque não for preciso, exato,
os caracteres tornam-se mortos, sem força. Não conseguem expressar o toque criador do
artista. Essa arte esquecida no Ocidente, mas de grande poder de comunicação, adota
vários métodos no seu aprendizado. A própria arte é um dos inúmeros caminhos pelo qual
o homem encontra a comunicação fundamental consigo mesmo. Inicialmente, ensina-se o
discípulo a segurar o pincel firmemente, com decisão. Firmeza e decisão indispensáveis na
vida de todos os dias, quando o homem tem que se comunicar com os outros. A firmeza do
toque só surge depois de um treinamento mais ou menos prolongado, e depende muito do
amadurecimento de cada um. Nesse treinamento enfatizar-se o controle interno, a paz,
como fator fundamental para a perfeita expressão gráfica. É por isso que, no Japão, a
caligrafia é um dos caminhos que levam o homem a realização espiritual. O caligrama
perfeito é uma obra de arte, pois vibra, para todo o sempre, com o toque do seu criador.
Transmite valor, significado, além de ser elemento transformador em sua força intrínseca.
51
A ARTE DAS PALAVRAS
8
No Mundo do Olfato
O DR. MAC KENSIE sugere que o mundo dos animais possui dimensões muito mais
amplas do que o humano, baseando-se no fato de o sentido olfativo ser
extraordinariamente mais desenvolvido do que o nosso. Para esses animais o odor lhes dá
provavelmente um sentido de espaço, da mesma maneira que a visão nos dá o sentido da
forma. Os cientistas ainda não chegaram a um acordo quanto à natureza dos odores. Serão
produto de reações químicas? Heyninx defende a teoria de que os vapores odoríferos são
vibrações semelhantes às luminosas. Para ele, há uma afinidade, embora não
completamente demonstrada, entre perfumes e notas musicais da escala. Peirce vai mais
além afirmando que cada perfume atua sobre os nervos olfativos de forma idêntica ao que
55
ocorre com a luz. Trata-se, então, de buscar a correlação perdida entre cor, música e
perfume.
Há uma escala de perfumes que pode ser identificada por um observador hábil. O
príncipe Matchabeli, famoso perfumista do fim do século passado, foi submetido a várias
experiências. Podia identificar de olhos fechados sem erro 700 essências diferentes.
Durante as provas designava o tipo e a região onde era produzida. Dizia que "algumas lhe
lembravam certas ruas de Paris ou os bazares do Cairo". É indiscutível que certas regiões
possuem cheiro diferente. O cheiro de Minas Gerais é típico.
Antes da Renascença, nos séculos XIV e XV, a Medicina estava ligada diretamente aos
astros. Por princípio, todas as raízes odoríferas eram colocadas sob a égide de Saturno, os
frutos cheirosos pertenciam a Júpiter, as madeiras odoríferas (cânfora e outras) a Marte, as
gomas rescendentes eram ligadas a Vênus, as folhas à Lua.
Um defumador atribuído a Hermes (dos sete aromas) era considerado como
possuindo grande poder na Idade Média. Encontramos inúmeras receitas de incensos que
nos vêm desde os egípcios. Os incensos possuem grande importância nas mais diferentes
religiões devido ao seu poder. Há os que dizem que os incensos são "coloridos" de acordo
com a composição.
Além desse poder de limpeza, os perfumes possuem, indiscutivelmente, alto poder
evocativo. Eles produzem a abertura de zonas no pré-consciente e no inconsciente, onde
estão registradas todas as experiências ocorridas no ser humano.
Segundo Rudyard Kliping: "Os cheiros são a mais segura forma que faz vibrar as cordas
do nosso coração". Para ele o olfato é mais efetivo do que a visão ou a audição. Oliver
56
Holmes nos diz: "Memória, imaginação, velhos sentimentos, são mais facilmente
recordados através do sentido do olfato do que por qualquer outro canal". Marcel Proust,
melhor do que ninguém, coloca o mundo olfativo na atmosfera intimista dos seus
romances.
No Japão existe o Kodô, que é um cerimonial da queima de incenso. Um grupo de
pessoas se reúne e tenta descobrir a ordem com que são queimadas cinco espécies de
incensos diferentes. Ainda a respeito do enorme poder evocativo, A. M. Hutchinson vai
mais além ao descrever a percepção súbita despertada pelo cheiro:
"Inúmeras ocorrências de irrupções de via subconsciente na nossa vida cotidiana são
causadas pelo nosso olfato e podem ocorrer através de qualquer dos sentidos. Assim, um
cheiro de mato durante um passeio poderá nos abrir na memória outras cenas". É uma
estranha qualidade que possui o perfume. É como se fosse uma chave abrindo mundos
esquecidos.
“Uma cômoda velha cheia de trastes, com penas amassadas e velhos retratos, cheia de
recordações de um passado já extinto. Perfumes de corpos já desfeitos, o cheiro de
infância, dos dias de festa e de lágrimas secas misturados com naftalina; as rendas
rasgadas, o leque quebrado cheirando a jasmim.
Cômoda velha, cheia de trastes, tão cheia de mim...
O mundo do perfume tem dimensões insondáveis. O chamado "cheiro da morte" é
muito conhecido dos médicos e das pessoas sensíveis. O perfume da santidade parece
recender das pessoas em transe místico. Um poeta já afirmou:
"Toda a matéria fala a língua divina,
por seu pensamento os pensamentos de Deus são contados.
Os reinos do espaço são oitavas
e as notas musicais o Sol e as estrelas".
Essa harmonia das esferas é o reconhecimento de que existe uma Comunicação Total
feita através do som, música e cores numa correspondência determinada, harmonia essa já
pressentida por Pitágoras, quando nos falava da "música das esferas".
No pequeno poema do Autor "O Fuzilamento" sente-se o poder transmutador do
olfato quando a ele se fica bem atento:
O FUZILAMENTO
57
NO MUNDO DO TATO
A PELE
O tato manifesta-se na vida fetal como o primeiro estímulo sensorial. O feto flutua no
liquido e recebe constantes pulsações do coração materno. O mamífero recém-nascido
necessita ser aconchegado, acariciado e lambido pela mãe. O bebê reage sob a ação de
carícias rítmicas.
A comunicação é feita com grande facilidade através dos gestos. Um dedo apontando
algo fala mais do que um discurso. Um piscar de olhos, tão conhecido dos namorados do
passado, era uma forma efetiva de comunicação, assim como um lenço caído, o leque junto
aos olhos, um suspiro, eram sinais de abordagem. Quando correspondidos, a comunicação
pessoal estava mais próxima. O sacudir dos ombros significa: pouco caso, tanto faz, pouco
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importa... Um sorriso, compreensão. Um sinal verde, pode prosseguir. A colocação do
emissor em posição aberta receptiva, um apelo à continuação. O franzir de boca mostra
claramente o desagrado, enquanto o franzir da testa mostra preocupação.
A face humana é, pois, veículo privilegiado de Comunicação. As máscaras de teatro
grego simbolizam a comédia e o drama com a mesma face. A única modificação está nos
lábios: no drama, eles estão caídos, voltados para baixo, ao passo que, na comédia, há uma
inversão, uma curvatura para cima. O gesto adquire nas culturas orientais uma posição fora
do comum. Há todo um alfabeto de gestos com significações as mais profundas. São os
chamados mudras. Com esses gestos pode-se transmitir uma mensagem sem palavras. Na
escultura ou na pintura, as divindades são representadas nas mais diversas posições onde
as mãos têm papel preponderante na interpretação da mensagem. Pelos gestos, há uma
comunicação silenciosa entre elas e quem as observa. É o caso, por exemplo, da
representação de Shiva Nataradja, um dos aspectos da trindade hindu composta de
Brahma, Visnu e Shiva. Brahma é a criação, Visnu a preservação, cabendo a Shiva o papel de
renovação. A estátua de Shiva representa um personagem com quatro braços,
Essa muitiplicidade de braços serve para simbolizar a onipotência a força. Shiva dança!
Um dos pés está no alto mostrando o caráter instantâneo da criação. A dança simbólica da
renovação. Numa das mãos está um pequeno tambor marcando o ritmo da renovação - os
ciclos naturais; na outra, uma chama define a destruição das formas antigas, para que
novas possam surgir; a terceira indica, na palma aberta para frente, o conhecido mudra do
"não temas"; finalmente, a quarta mão está apontada para baixo, o pé levantado no
instante mágico da renovação. Ao redor da imagem, um círculo de chamas. O fogo é o
instrumento de destruição por excelência, de renovação, que consome o passado para que
o novo possa surgir dos escombros. É o mais perfeito símbolo de renovação, de criação.
A valorização dos gestos nas culturas orientais manifesta-se em toda plenitude na
Dança. A Dança oriental, especialmente a hindu, vive mais pela postura, pelos gestos, do
que pelo movimento rápido. Através deles o bailarino se comunica com o público. As mãos
principalmente contam, através de sucessivas mudras, estórias de toda espécie. Provocam
emoções. Há posições "mudras" que transmitem calma e outras que demonstram os mais
diversos estados de consciência.
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Quando se fala em gestos não podemos deixar de lembrar o nome de Marcel
Marceau, o grande valorizador desse sistema de comunicação no mundo atual. A mímica é
a arte da comunicação em silêncio. Marcel Marceau consegue recriar, pela expressividade
de seus gestos, todo um mundo invisível cheio de significações. Charlie Chaplin, nos seus
filmes silenciosos, é outro exemplo dos recursos infinitos de que dispõe um artista para se
comunicar.
O silêncio caracteriza a manifestação não verbal em seu apogeu. É imensa a força de
sua ação na comunicação não verbal. Pode-se mesmo dizer que é muito mais efetivo em
certos casos do que a comunicação verbal. É expressiva a comunicação silenciosa entre
pais e filhos que se compreendem; a de mestre com seus discípulos; a de dois seres que se
amam intensamente. A Comunicação é como a sombra de árvore copada ou a "presença"
de uma mãe no lar. Mergulhados num mundo de ruídos, de palavras, poucos são os
homens que podem se comunicar em silêncio e nada apavora mais ao homem "civilizado"
de que o fato de um dia ter que ficar só. Então tenta fugir do inevitável enchendo o tempo
como quem enche um saco furado de coisas imprestáveis. Enche-se de conceitos, de
opiniões como se enche de farofa um peru de Natal.
Na-in era um mestre Zen japonês famoso pela sua tranquilidade. Certa vez, um
professor angustiado, sempre apressado, um desses homens que não sabem parar, ouve
falar da paz de Na-in e resolve ir à sua procura. Depois de muito andar chegou a uma
cabana, onde encontrou, sentado no meio da sala, um homem idoso. Aproximou-se,
cumprimentou e recebeu um gesto, quase imperceptível, para que se sentasse. Então o
tempo começou a correr, sem que nada acontecesse. O Professor, ansioso por fazer
perguntas, sentia-se angustiado com o silêncio forçado. Toda vez que ia começar a falar, o
velho sorria e fazia um gesto com a mão para que ficasse em silêncio. Depois de alguns
minutos deslizando como uma sombra, entra um servente com uma bandeja trazendo um
bule fumegante e duas xícaras. O Professor compreendeu que, segundo as regras da
etiqueta, o Mestre queria primeiro oferecer-lhe um chá. Começou a falar para agradecer e
novamente um gesto indicou que ficasse em silêncio. O tempo parecia ter parado, quando
o velho, segurando o bule, começou, com gestos lentos, a verter o líquido na xícara diante
do filósofo. Gota a gota o chá começou a encher a xícara. Atingiu a borda e começou a
derramar e a espalhar-se pelo chão, enquanto o velho, imerso nos seus pensamentos,
continuava imperturbável a operação. O Professor, não podendo mais, explodiu: "Senhor, o
chá está derramando. A xícara já está cheia há muito tempo"! O velho Na-in sorriu e pela
primeira vez falou: "Sim, a xícara já está cheia, assim como também estás cheio de ideias e
conceitos há muito tempo. Como poderei, então, transmitir alguma coisa?"
Na civilização atual, dinâmica por excelência, as coisas ocorrem cada vez mais rápidas,
pois o tempo é fator de relevância excepcional para muitos. De todos os veículos de
comunicação, na Televisão o tempo é de importância suprema. Ele representa, em última
análise, a receita da estação, é seu produto de consumo instantâneo. As imagens e sons
recebidos não permanecem senão na nossa memória. Só têm existência num ponto
luminoso, que se desloca com enorme velocidade no painel dos receptores, mas que,
devido à capacidade de retenção da retina, produz a imagem que vemos. As imagens e sons
transmitidos não podem ser retidos a não ser em vídeo tape. Normalmente, aquilo que se
propaga pelo éter não permanece na memória do telespectador, salvo de forma indireta.
Antes de prosseguir no assunto, convém definir duas espécies de tempo. Há um tempo
61
cronológico, medido pelos relógios, e que marca os momentos das nossas obrigações
cotidianas e outro, completamente diferente, o tempo psicológico. O tempo cronológico é
medido com unidades e instrumentos diferentes do psicológico: são os relógios,
cronômetros, ampulhetas, metrônomos, pace makers, vibradores, etc. O tempo
cronológico é cíclico. Repete-se. É medido em termos de satisfação. Ou fazemos as coisas
de modo espontâneo e alegre e não sentimos o tempo passar, ou as fazemos por
obrigação, por castigo, e então o tempo pesa-nos nas costas como uma carga sobre
humana.
Tempo para tudo. Para amar, para ver, para parar. Fantasma de pés de lã que entra
pelas frestas das portas nas noites de insônia e que corta, em rodelinhas, no tique-taque
dos relógios, o sempre existente. A eternidade feita em fatias, para todo o sempre. Tempo.
Tempo não existente. Gaiola de grades autocriadas. Tempo-conceito. Tempo-prisão. O
ontem e amanhã. Passado e futuro. Vir a ser. O vir a ser... O vir a ser... O vir a ser... O vir a
ser que nunca será quando, das ampulhetas quebradas, dos ponteiros enferrujados dos
relógios mergulhados nos mares dos navios afundados, há séculos, vier subindo para a
superfície, um grito, num ronco surdo, nascido das camadas profundas do ser humano - um
uivo, a consciência do "sendo". Daquilo que foi, é e será sempre para além do tempo.
9
As Barreiras
64
A IMPORTÂNCIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO
Num mundo que se massifica pela força do número a coletivização é uma fatalidade. O
indivíduo vai sendo aos poucos esmagado pela força dos outros e a engrenagem
dependendo cada vez mais de outras engrenagens. Uma simples observação estatística do
crescimento da raça humana explica as modificações sociais. As transformações foram
sempre movimentos de ocupação de espaços vazios físicos ou psíquicos. Uma verdadeira
horizontalização da humanidade em busca de novos equilíbrios instáveis. No ano 6.000 a.C.
a população estimada do mundo era de 5 milhões de habitantes, ou seja, o equivalente ao
da atual cidade do Rio de Janeiro. Em 1650 d.C. a humanidade contava 500 milhões de
seres e hoje está próxima da marca dos 4 bilhões. Paralelamente ao crescimento ocorre a
urbanização. No fim do século talvez 75 % da população estejam distribuídos nos limites
das cidades. Isso indica que a pressão da massa vai aumentando sobre o indivíduo e o
deformando. O condicionamento é no sentido da formação de um ser humano que se
65
adapte às condições de uma Sociedade de Consumo. Toda a pressão visa transformar o
homem num autômato bem adaptado à ordem estabelecida pelo Superestado soberano,
violentando sua natureza, que é livre, espontânea e criadora. Daí decorrem o choque e a
tensão inevitáveis, e consequentemente a angústia e o sofrimento que caracterizam a
Sociedade atual. Como resolver o dilema? O homem não pode deixar de morar em grandes
agrupamentos, por força da pressão do aumento de população e, por outro lado, não pode
deixar de lançar mão da tecnologia para resolver os problemas de quantidade. A estrutura
social crescentemente compartimentada amplia sua atuação na criatura. Diante do dilema -
indivíduo ou massa, sofrimento ou integração - surge a transcendência do Eu como um
estágio liberador. Nunca a transcendência do egoísmo foi tão necessária como agora. As
próprias circunstâncias forçam o desabrochar do processo libertador. Aqueles que se
opõem a esse processo evolutivo, consciente ou inconscientemente, serão postos à
margem como simples destroços das enchentes que destroem e renovam a paisagem
terrena. Mas podemos acelerar esse processo e pôr fim ao sofrimento, porque temos nas
mãos as chaves do destino. Somos os construtores do nosso próprio mundo.
Barreiras são muros que impedem a comunicação. Elas podem ser físicas e psíquicas.
Entre as físicas encontra-se o ruído, com sua nefasta influência no equilíbrio emocional. É
de grande importância numa civilização de choques violentos. Entre as psíquicas alinham-se
os padrões, as opiniões, o medo, o preconceito, as crenças, os hábitos da memória. Todas
produzem uma só coisa: o condicionamento.
A repetição deixa marcas. Registra. Observe-se o processo da gravação de um disco. É
uma sequência de transformações que nascem nas vibrações do ar causadas pelos sons em
variações elétricas no microfone e são amplificadas e aplicadas na cabeça eletromagnética
que, por sua vez, induz uma corrente na fita ou fio de aço produzindo uma magnetização
permanente. Quando novamente a fita é desenrolada dá-se o processo inverso, isto é, o
registro se transforma em sons. A fita é magnetizada proporcionalmente à intensidade do
som. Pode-se dizer, portanto, que as fitas gravadas possuem uma memória, um registro de
impressão recebida. A memória humana é o resultado de alguma coisa infinitamente mais
complexa e da qual resultam os chamados engramas cerebrais. O engrama é uma marca
sensibilizando a matéria cerebral. Quando a informação nos vem pela via visual, o olho é
sensibilizado pelas vibrações eletromagnéticas, produzindo transformações na estrutura
celular da retina e dando origem a uma série de impulsos nervosos que vão produzir os
engramas nos neurornos cerebrais. Todos o estímulos deixam um registro na nossa
memória.
O homem recebe continuamente do meio uma série de mensagens que são, no dizer
de MacLuhan, verdadeiras massagens. As crenças e atitudes são formadas pela pressão do
meio sobre o homem. O aprendizado é constante e se baseia na simples regra de que as
pessoas tendem a repetir e gravar o agradável e a repelir o desagradável. Durante a vida
desenvolvemos enorme número de atitudes em relação a pessoas, coisas e situações.
Quando são comuns a grande número de pessoas, essas atitudes passam a ser sociais. Um
exemplo são as atitudes em relação à religião, aos esportes, ao impostos, etc. É de grande
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importância a análise das atitudes da população sob vários ângulos. Nessa sondagem
procuramos obter um melhor rendimento de comunicação com o grupo. No setor de
vendas, na publicidade, na política, etc., não se pode deixar de sondar a opinião pública a
fim de obter melhor integração. Vox populi vox dei é um dito popular que mede bem a
importância da opinião pública. A importância dessa opinião não pode ser desprezada nem
levada ao sabor das conveniências pessoais. Não se deve esquecer que a opinião média é
sempre medíocre. Os grandes avanços da raça humana foram quase sempre trabalhos de
indivíduos solitários, inconformados com o quietismo e o servilismo dos eternos
bajuladores dos grandes senhores e dos aproveitadores das situações. Se a humanidade
seguisse sempre a média, todo o desenvolvimento estaria prejudicado. Os avanços, os
progressos materiais ou espirituais nasceram do inconformismo, do protesto, que não pode
ser sufocado eternamente. A subversão dos que não se submetem às receitas mágicas, dos
que têm a coragem de divergir é salvadora, porque é a própria essência da criação, da
renovação. A criação é caótica por excelência, fato que Nietszche sintetizou numa frase de
validade eterna: “É preciso ter um caos dentro de si para dar a luz a uma estrela".
O caos fundamental, condição básica da criação, está dentro de nós abafado por
camadas superpostas de condicionamentos. A busca do caminho para sua eclosão é a única
razão para o nascimento de homens despertos e não de bonecos teleguiados. Observem
como somos dependentes quando nascemos. A criança, se não for alimentada, protegida,
acariciada, acaba morrendo. O processo de maturação é lento. O ser humano vai sendo
modelado da mesma forma que as mãos do padeiro vão dando forma e consistência à
massa do pão. O meio exerce uma pressão violenta. Nossos pais, nos dizem o que fazer, o
que pensar, o que comer. Os veículos de Comunicação em massa vão nos mostrando o que
devemos amar e como devemos sofrer. A antropóloga Ruth Benedict afirma: "A história de
um indivíduo é antes de tudo uma acomodação aos modelos tradicionais de nossa
comunidade". Os costumes modelam nossa vida desde o momento que nascemos.
Embebem a vida psíquica assim como o ar a vida física. No momento em que o indivíduo
começa a falar já é um pequeno representante de sua cultura. O tempo passa e os hábitos e
as crenças da sociedade vão se transferindo para o indivíduo. Este vai perdendo
gradativamente a espontaneidade e se adaptando aos padrões aceitos. Chama-se a isto
educação. No início temos a infância, período dourado de liberdade em que as crianças são
como pássaros, gozando a liberdade que a Natureza lhes deu. Até que um dia (há sempre
um dia) surge a escola. Uma sala caiada de branco, com carteiras negras, funéreas, de
tampos rabiscados, manchas de tinta nas tábuas largas do chão varrido e cheirando a pó. O
cheiro de couro vindo das pastas novas, a merenda de pão com goiabada e queijo
derretendo junto ao livro de "Conhecimentos Gerais". Na pedra a professora vai
escrevendo, rangendo o giz, enquanto, pelas janelas abertas, nos galhos das árvores os
pássaros piam, parecendo rir dos homens entregues à liberdade da infância...
A essa tradicional educação-mutilação começa a se antepor uma educação que
permite ao ser em formação expressar a criatividade latente. Uma forma que sirva de canal
às energias potenciais existentes, tornando o homem mais feliz, mais livre, em vez de um
autômato seguidor de idéias-clichê.
A BARREIRA DO MEDO
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O medo mata, infecciona como um vírus. Ele é hoje uma tônica da época resultante da
falta de Comunicação do homem com o meio, com os outros homens e consigo mesmo.
Uma das características desse estado é a tensão que mina as resistências, absorvendo,
constantemente, energia acima da que seria necessário. Quem está tenso tem medo e na
tensão não consegue a comunicação, tal como a corda de um instrumento musical, tensa
ou frouxa demais, perde toda a afinação. O estímulo da tensão emocional age sobre os
músculos obrigando as glândulas supra-renais a produzirem adrenalina, substância que
mobiliza o açúcar do organismo e contrai as artérias elevando a pressão sanguínea.
Flanders Dunbar, na obra clássica Emotions and bodily changes, descreve inúmeros casos
de insuficiências cardíacas, arritmia, síndromas de angina taquicárdica, hipertensão e várias
doenças das coronárias, que são as primeiras que resultam do choque emocional. São
também doenças dessa área as que primeiro reagem ao tratamento da psicoterapia. E cita
Pascal: "Le coeur a sa raison que la raison ne connais pas". Diz ainda Flanders Dunbar: "O
que estamos tentando aprender é como compreender o coração, do qual a manutenção da
vida depende, e que é tão facilmente atingido por razões que só ele entende". O fato
indiscutível é que as doenças coronárias aumentam e chegam a atingir os jovens. O coração
mata homens de pouca idade que antes não eram atingidos pela sua disfunção. Uma
cuidadosa análise está sendo feita entre jovens políticos, pilotos, homens de ação em geral,
que estão sendo mais passíveis de ser atingidos por um súbito ataque cardíaco. A. C.
Grorud traçou correlações entre o perfil psicológico de jovens adultos com problemas
cardíacos e encontrou, em todos eles, a emoção e o estado habitual de tensão como uma
constante. Na vida movimentada de hoje, na qual o homem executa mecanicamente suas
tarefas, existe um aumento constante de tensão gerada entre o homem-mecânico, o
homem-boneco, que circula pela vida como um robô, e o homem real que não consegue se
expressar, pois está mergulhado nas trevas do inconsciente. Uma descrição detalhada a
respeito dos índices de mortalidade pode ser encontrada nos trabalhos de N. E.
Ischolondsky. Os números retirados do Censo de Saúde dos Estados Unidos mostram que
das quatro doenças responsáveis pela maioria das mortes, o câncer e as doenças cardíacas
foram as que mais cresceram. O câncer passou de 3,7% em 1900 para 13,6% em 1948. As
doenças cardíacas pularam de 8% em 1900 para 32,7% em 1948, com um aumento de
400%! Elas se transformaram no matador número um da raça humana, principalmente nos
países de elevado índice de consumo que já atingiram a chamada civilização pós-industrial.
Esses números são um grito de alarma aos surdos ouvidos do homem mostrando a
necessidade imperiosa de reformulação da vida de uma revolução que permita a
reconstrução humana. Uma reconstrução que nascerá das experiências trágicas do passado,
mas que há de servir para que a tragédia não se repita ou pelo menos não continue com a
mesma intensidade. Comunicação adquire, desta forma, uma importância sem par. Ela é o
veículo a mensagem viva para a salvação da raça humana. A grande batalha é contra o
medo, uma das mais formidáveis barreiras a ser vencida pelo Homem. O medo é a sombra
silenciosa que dá origem a preocupações, a angustias e a toda uma procissão de fantasmas.
Ele atua nas nossas glândulas provocando uma série de doenças. As pesquisas mostram que
uma das menores glândulas, a pituitária, e responsável pelo equilíbrio biológico. Ela é do
tamanho de uma ervilha alojada na base do cérebro secretora de um dos mais importantes
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hormônios defensivos - o STH -, que dá o brado de alerta contra as infecções. É um círculo
vicioso. As emoções sombrias e tristes estimulam a formação do STH, mas o excesso de STH
mantém o estado de doença. A pituitária fabrica o antídoto - o ACTH -, que age
indiretamente nas supra-renais produzindo a cortizona que por sua vez, se opõe à ação do
STH.
Como eliminar o medo? Como acabar com essa barreira que nos rodeia, nos infecta e
nos tira o ânimo de viver? Só ha um caminho para isso: ver as coisas como elas são. Viver o
nosso momento, a nossa realidade. É esse o momento em que a luz se faz sobre a tela onde
se projetava o filme de nossas angústias, de nosso medo, de nossa "fossa". Desaparece a
escuridão e tudo se aclara. Os fantasmas desaparecem e a comunicação volta a dar as
coisas a perspectiva exata a nitidez
CONDICIONAMENTOS
70
10
O Despertar do Sono
Mas esse burro só, o homem, pode varar a barreira da incomunicabilidade e encontrar
o centro do seu ser. A chave real para essa abertura, a única chave, é a Atenção. Mas a
atenção plena, total, muito diferente da atenção borboleteante com que vivemos e
passamos pela vida, deslizando ao sabor dos acontecimentos. Somos levados de um para
outro lado como um barco sem leme. Sofremos e nos angustiamos porque não estamos
atentos. Caro leitor: daqui para diante a leitura deve ser feita com extrema atenção! Se não
tens tempo agora, pare e volte depois! Se estás angustiado, cheio de tensões, suspenda a
leitura e fique imóvel, sem fazer nada, a não ser observando o teu estado! Se estás
desinteressado do texto, jogue o livro longe, pois estás dormindo e assim permanecerás
por muito tempo. Não percas tempo... A vida, para a grande maioria dos seres, é um fluxo,
é como se fosse um rio. Vivemos horizontalmente, em ziguezague, agarrados a um passado
que nos pesa nas costas como uma carga transportada por uma formiga. E vamos
cambaleando em busca de um hipotético futuro feito com nossas projeções psicológicas
resultantes de todo o complexo do condicionamento. Neste sono perdemos a consciência
do "aqui e agora", deste AGORA que é a única coisa que tem existência. Esquecemos que
podemos viver verticalmente, que o viver vertical é que dá sustento e segurança ao
homem. Para isso é indispensável manter plena atenção em todos os instantes. Do Japão
nos vem uma estória que registra a importância da atenção. Ikkyu era o nome de um sábio
que vivia indicando aos seus discípulos a necessidade da plena atenção. Certo dia foi
procurado por um homem, ansioso por encontrar a paz, que lhe pergunta se poderia
escrever um pensamento indicando o que seja a Sabedoria Suprema. Ikkyu pegou
imediatamente no pincel e escreveu o ideograma - ATENÇÃO! Decepcionado com a
brevidade da resposta, o homem pergunta: - mas é só isso que o senhor tem a dizer? Ikkyu,
sem se perturbar, molhou novamente o pincel de pelos de seda, e escreve vigorosamente -
ATENÇÃO! ATENÇÃO! Bem, disse o homem decepcionado, não vejo qualquer sabedoria
nesta simples palavra ATENÇÃO. Então Ikkyu escreve três palavras no papel: ATENÇÃO!
ATENÇÃO! ATENÇÃO! Perplexo, mal podendo conter a irritação, o pseudodiscípulo volta à
carga: - Pode dizer-me, já que tanto insiste, o que significa a palavra ATENÇÃO! Ikkyu,
imperturbável, quebra o silêncio pela primeira vez dizendo: ATENÇÃO significa ATENÇÃO!
Jung dá à ATENÇÃO a mesma importância que Ikkyu. Na obra O Problema Espiritual do
Homem Moderno (Collec Works voI. 10) ele define claramente a mesma tese:
"O homem moderno - digamos, novamente, o homem do presente - raramente é
encontrado..."
Raramente é encontrado porque a maioria dos homens de hoje vive imersa nos
problemas de ontem ou envolvida nas fantasias autocriadas. Continua Jung:
“...existem muito poucos que vivem de acordo com o nome, pois são raramente
encontrados porque têm que ser conscientes a um grau superlativo".
Esses poucos são como o sal que dá gosto aos alimentos, ou ao fermento que modifica
a massa. Mas o homem moderno, para fazer jus ao nome, terá que ser atento de uma
maneira plena. Voltemos à citação:
"Desde que ser total em relação ao presente significa ser plenamente consciente da
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sua própria existência como homem, isso requer a mais intensa e extensa consciência com
um mínimo de inconsciência. Deve ser claramente compreendido que o mero fato de viver
na atualidade não faz do homem um ser moderno, pois nesse caso tudo o que vive seria
moderno. Ele será um homem moderno somente quando estiver plenamente consciente do
presente".
Para o homem comum, mecanizado, o homem-engrenagem, O homem adormecido
que sonha estar acordado, tudo isso poderá parecer ridículo, sem sentido. Ele desconhece
que a nossa chamada ATENÇÃO é apenas 1 % da que poderá ser desenvolvida. A plena
atenção (Mindfullness) é como uma flor que gradativamente desabrocha. Para obter o seu
desenvolvimento total temos que praticar, da mesma maneira que para aprender natação
temos que cair n'água e movimentar os pés e os braços. Podemos ver filmes, ler livros,
ouvir a lição do mais experimentado dos treinadores, mas tudo será em vão, porque nada
substitui a experiência do contato com a água, a gradativa acomodação a posições que nos
facilitam deslocar no novo meio com o menor esforço.
A plena atenção permite a redescoberta do sabor da Vida. É a chave da Reconstrução
humana possível através da Comunicação. Ela conduz à integração humana, vencendo o
tédio gerado pelo hábito, pela repetição. Toda a nossa vida cotidiana está impregnada, em
maior ou menor dose, pelo aborrecimento nascido da perda de contato com a criatividade
surgida do aqui e agora. Cegos, não vemos mais esse fato evidente de que todas as coisas
são novas, são acontecimentos totalmente diferentes de tudo que já existiu ou venha a
existir. Tudo que nos cerca a partir de nós mesmos, é apenas concentração de energia que
se modifica, que se transforma a todos os instantes. Fiquemos plenamente atentos a um
fósforo que, aceso, transmite a chama ao pavio de uma vela. Que acontece? Quando
começamos a esfregar o fósforo na lixa da caixa dá-se o prenúncio da chama; depois,
quando o calor gerado pelo atrito atinge determinado nível, surge a chama. Se tomarmos
essa cena com uma câmera cinematográfica em grande velocidade e projetarmos em
velocidade normal, veremos que a combustão começou num pontinho. Depois, conforme a
velocidade do filme ela irá se propagando a toda a massa da cabeça do fósforo. Por fim
veremos a nossa mão se deslocar devagar quase imperceptivelmente até o pavio da vela,
tal como ocorre com o aparecimento da chama. É também um processo que pode ser
dividido em etapas de tempo variável. Tudo depende do tempo de filmagem, do número de
quadros captados por segundo. Inversamente, se apressarmos o tempo de exibição, a vela
aparece num relance, sendo acesa e consumida. Aquilo que nos parece eterno tem
somente um ritmo diferente em relação a nós. Assim, o ritmo das rochas, dos oceanos o
ritmo da Terra do Universo, tão bem captado pelos hindus na sua cronologia dos Puranas,
onde um dia de Brahma correspondente ao período da manifestação cósmica equivale a
4.320.000.000 de anos. Para eles a manifestação, o dia, é seguido de uma regressão, a
noite, e também equivale a 4.320.000.000 anos de duração, dando, portanto, a soma de
8.640.000.000 de anos! Segundo os citados Puranas os 360 dias e noites constituem um
ano de Brahma que, por sua vez, vive durante cem anos. Daí resulta o chamado Mahakalpa,
ou seja, a idade de Brahma, equivalente a 311.040.000.000.000 anos! Face a esses
números, que é a vida humana em termos de duração? O importante é a consciência de
que no absoluto todas as coisas são novas frescas inéditas pois a criação é constante. A
incomunicabilidade, que tanto se acentua no mundo condicionado de hoje, é um mito, uma
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simples rotina esculpida no pensamento de homens adormecidos. Ela desaparece como as
sombras ao sol, quando penetramos profundamente em nós mesmos. Aí nos encontramos
e encontramos a todos. É necessário somente um salto! Já!
O TERRITÓRIO COMUM
A incomunicabilidade é um mito que precisa ser destruído. Decorre dos que não
podem abrir os olhos. Nenhum homem pode ser isolado, um universo fechado. As trocas
são permanentes com o meio, com os outros e consigo mesmo. A vida é um processo
desequilibrado de interdependência baseado num território comum; é uma raiz que acolhe
a todos nós. O nome pouco importa: Deus, energia, Natureza, e outros rótulos humanos.
Preferimos chamar essa base de Aquilo. O Aquilo em inglês é o IT indeterminado. Os hindus
chamam-no de TAT. Em um dos Upanismaos, o Chandogya, há uma frase que pode ser
considerada como a equação fundamental de Comunicação: TAT TVAN ASI, que quer dizer:
tu és aquilo. Em todas as épocas existem seres despertos que sentem a ilusão do homem
fechado. No início da era Cristã o filósofo de Alexandria, Plotino, afirmava com uma clareza
meridiana:
"Veja todas as coisas não no processo do vir a ser, mas no ser, e veja a si mesmo nos
outros. Cada se; contém em si todo o mundo inteligível. Portanto, tudo esta em todas as
coisas. Cada um está no Todo, o todo em cada um. O homem de hoje cessou de ser o Todo.
Mas quando deixa de ser indivíduo ele penetra novamente em todo o Mundo".
Aldous Huxley faz inúmeras citações a esse respeito, na sua The perenia! philosophy,
mostrando a identidade irrefutável do Um com o Todo. Gustav Jung, em sua psicologia
profunda, vai mais além ao apresentar e formular a teoria do inconsciente coletivo que
mostra a inter-relação do homem com os outros.
Essa ideia da existência de um território comum, de um oceano, onde todos se
movem, é apresentada em várias épocas e com diversas roupagens. Na Índia o conceito de
Manas é o da Mente que embebe todas as coisas. O homem possui um UPADHI (veículo),
um corpo mortal, físico, etérico, emocional e outros. A mente é como o oceano, onde há
ondas (pensamento) em turbulência constante. Através da Ioga o homem consegue
tranquilizar as modificações da mente. É como diz o texto de Patanjali, Yoga-sutra:
Yogas citt-Vritti nirodhah, ou seja: "A ioga é a inibição das modificações da mente".
No Budismo esse repositório final de experiência da consciência é conhecido como o
ALAYAVIJNANA. Ela recebe todas as "marcas", todos os registros, conscientes ou
inconscientes, fazendo com isso obscurecer um alto princípio humano que existe em nós. A
ascese é o caminho através do qual o homem vai pondo de lado os obscurecimentos, as
manchas, e voltando ao ser real e profundo.
A mesma ideia de participação é encontrada no velhíssimo livro de TAO, uma escritura
presumivelmente do século V a.C. O TAO é Lei, Norma, Deus, Natureza, etc. Pouco importa
o conceito que lhe atribuamos, pois ele continua sendo o que é. No seu seio todas as coisas
existem e se complementam. No versículo 6 está dito:
"O espírito do vale nunca morre,
ele é chamado a esposa mística.
A porta da esposa mística
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é a raiz do Céu e da Terra.
Constante, continuamente
parece permanecer.
Age como ela, pois ela te servirá com docilidade".
O TAO é o pai-mãe de todas as coisas. Não pode, dentro de sua grandeza, ter nomes
ou predicados. Manifesta-se a si mesmo nas formas e logo desaparece no seio do informe.
Não fala, pois é abissal, inexaurível, fonte da vida, opera em ciclos pelo princípio da
reunião, produz o nivelamento dos opostos e a identidade da vida e morte, sucesso e
fracasso, etc., e todos os paradoxos de Lao-Tze.
Já afirmava um monge Zen Budista que a saída está onde não existe. Grande parte do
sofrimento humano decorre da impossibilidade de encontrar uma saída para as situações
conflitantes. O Zen sendo uma escola que estimula o não-mental, é admiravelmente
adaptada ao mundo de hoje. O racional, o lógico, o analítico, que impregnam a mente do
homem condicionado, têm que dar lugar ao intuitivo, ao alógico, ao sintético, que
impregnam todas as coisas. O Zen é uma doutrina que pode ser descrita em poucas
palavras:
"Uma transmissão especial fora das escrituras. Nenhuma relação com palavras ou
letras. Apontando diretamente à mente humana".
Existem inúmeras estórias cada qual dando ênfase a um certo paradoxo. Vejamos esta
parábola.
"Um homem estava cruzando um campo quando encontrou um tigre. Ele fugiu e o
tigre foi atrás dele. Chegou então a um precipício onde ficou pendurado numa raiz de vinha
silvestre balançando no espaço. O tigre farejava em cima. Tremendo, o homem olha para
baixo onde um outro tigre está à sua espera. Somente a frágil vinha o sustentava.
Repentinamente surgem dois ratinhos, um branco e outro preto, e começam a roer o ramo
em que se agarrava. O homem vê então um suculento morango silvestre junto dele.
Segurando a vinha com uma das mãos arranca o morango e o morde. Como era doce!"
Lao-tzé, citado anteriormente, é também cheio de paradoxos:
"Nada faças e tudo será feito".
Vejamos alguns exemplos de diversas origens:
Jesus: "Aquele que perder a vida a encontrará".
E Emerson:
"Não há limites fixos na natureza. Não há limites nos homens: Novos continentes são
formados sobre a ruína dos antigos. Novas raças, da decomposição das anteriores".
Huei Shim:
"Quando o sol está a pino sobre nós, ele se oculta em outro lugar".
Esse pensamento circular - a recorrência - nos dá a flexibilidade interna indispensável
para o estabelecimento da comunicação com camadas profundas do ser. É o início do
despertar, da iluminação, de uma revolução psicológica que nos modificará
completamente. No Zen Budismo afirma-se que o prenuncio e uma total modificação do
ambiente que nos cerca. As pessoas, as montanhas, o céu, parecem sair de suas posições.
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tudo fica fora de escala. Não há equilíbrio. É como se nossos intestinos fossem revolvidos
um milhão de vezes. Então, num instante - (JÁ) - as coisas voltam ao lugar. As montanhas
tornam a ser montanhas, o céu volta a ser novamente o céu, e os homens, homens, só que
agora iluminados por outra luz. Então veremos que essa coisa sem interesse para muitos,
essa coisa pesada que se chama vida, se transforma por completo. Essa abertura de
consciência é chamada em japonês Satori, e ocorre de maneira imprevisível, resultante de
um trabalho de maturação interna mais ou menos longo. É quando surge a iluminação -
que é a própria criação - vinda sem barreiras do interior do ser à medida que o inconsciente
se torna consciente. Para isso temos que saltar no desconhecido de corpo inteiro.
Mergulhar no insondável com todo o ser até obter a revelação da virgindade dos abismos.
Sentir a presença do além-mundo. Pois ser mundo é ser palavra ainda, sujeito a conceito, a
regras da mente. É ser escravo dos regulamentos temporais do pseudo-universo que
imaginamos viver. Uma prisão a que nos entregamos completamente sem a coragem de
nos desligar do velho, do comum, do banal, do dia-a-dia, e saltar, de cabeça, no que aqui
está! O salto nos leva a um caminho, a uma senda, que cada um terá de descobrir. É um
caminho antigo há muito tempo perdido no nevoeiro. Sem traços, nem marcas para o
revelar. Só sons distantes chegam do passado. Do presente só este cansaço... Um desânimo
envolvendo a tudo como um manto de chumbo e algodão hidrófilo apertando as chagas do
passado que já não sangram. Entretanto sei, tenho a certeza que ainda existe esse caminho
antigo uma vez trilhado. Uma velha senda cheia de limo, cheia de folhas, umedecida de
lágrimas e espinhos.
1 - A Compreensão Correta
2 - O Pensamento Correto
3 - A Palavra Correta
Como é fácil falar! O homem é o animal falante por excelência. As galinhas cacarejam,
os cães latem, os gatos miam, os burros zurrem, etc... O homem muitas vezes faz tudo isso
nas palavras que pronuncia, esquecendo-se que a palavra não é a coisa que define, assim
como o dedo não é a lua que ele aponta. Entretanto, a maioria dos choques, dos
sofrimentos, nasce de uma tempestade verbal que atordoa, que confunde. A palavra
correta é aquela que deriva do pensamento correto. Não há outra condição. Se não
sentirmos em nós essa compreensão, melhor será ficar calado, pois que a palavra errada
confunde, mata, atordoa. Analisemos o mal dos demagogos! O furor de um Hitler e de um
Goebels na sua propaganda, o contra-ataque de um Churchill e de tantos outros. São
verdadeiros furacões verbais tomando de assalto a criatura. São um amontoado de palavras
impressas em manchetes, escritas, faladas, ouvidas. Mas poucas são as palavras corretas,
são as palavras ditas no momento exato, aquelas que esclarecem, que pacificam, que
curam, que consolam. Não têm a música das palavras de Ulisses, que acalmam as feras.
4 - A Ação Correta
A ação correta nasce das causas anteriores. É como o raio que salta a terra buscando
um caminho de menor resistência, ou como a água que corre pela montanha em busca do
repouso no vale. A ação correta, representa o menor esforço. Não cansa, não desgasta. É o
trabalho com motivação. E o prazer de trabalhar, de fazer coisas que encherão o mundo de
benefícios. É a ação desinteressada de quem dá e nada espera receber em troca. É a voz do
pássaro que canta, e o amanhecer que dorme em tudo. É o nascer de uma rosa ou de uma
criança; de uma sinfonia que brota num turbilhão ou de um poema que surge ao correr da
pena. Sem esforço. Plenamente.
Existir todos existem, viver muitos poucos vivem. A diferença entre existir e viver está
na consciência da Vida, que poucos possuem. Muitos ganham a vida de todos os modos,
poucos a ganham corretamente. Ganham a vida não é só ganhar dinheiro, conquistar
posições, ser alguém na escala social. É muito mais do que isso. Viver é sentir o aqui e o
agora a todos os instantes, a beleza do novo, do desconhecido. É não estar preso, nem
tensionado. É estar aberto ao mundo. É ser mundo!
6 - O Esforço Correto
O esforço correto não cansa, não mortifica. Não há tédio. Podemos desempenhar
nossas atividades com o esforço correto e então as tarefas serão feitas com toda a
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facilidade. O rendimento aumenta, pois não pensamos em resultados. Os esportistas sabem
bem o que isso significa. Quando sabemos fazer bem uma coisa, essa coisa flui de nós sem
sofrimento. Flui como a água das fontes. Com o esforço correto, com a atitude física ou
psicológica bem orientada, partiremos para o grande encontro com a Vida.
7 - A tenção Correta
8 - A Integração
A integração é o último estágio. Aquele em que o homem está satisfeito com o meio,
com os outros e consigo mesmo. É o objetivo supremo de todos. Como ser feliz num mundo
de competição, de choque e no qual a lei é a da selva? Eis a questão, eis a pergunta que
muitos fizeram e continuam fazendo. A integração deve ocorrer nos três níveis, pois, do
contrário, não será completa. E pode ser mais ou menos efetiva em cada um desses níveis.
É fora de dúvida que a integração começa a surgir dentro do Ser e à medida que vai se
totalizando consigo mesmo com os outros e com o meio, ela se torna mais fácil.
A integração interior equivale ao processo da individualização de Jung. Segundo Jung, o
homem comum ainda não se individualiza. A neurose mede o afastamento dessa
individualização.
A Comunicação torna-se efetiva com a integração. É muito mais fácil "tornar comum"
alguma coisa quando a nossa estrutura interna estiver em paz, integrada. Vemos, então,
que existem no mundo em que vivemos homens nos mais diferentes estágios de
integração. Alguns - muito poucos - já conseguiram essa individualização, que é, em última
análise, a integração; outros estão ainda palmilhando os diferentes caminhos desse
processo. Só se da a Comunicação total quando o sujeito e o objeto (emissor e receptor) se
tornam seres integrados. Neste caso eles se encontram no mesmo nível, com a mesma
intensidade e no mesmo momento. A mensagem flui como um raio. Nos outros casos a
Comunicação é mais ou menos completa e em alguns outros fica-se como que falando para
as paredes.
Um místico japonês do século XVIII, Hakuin, expressa com acerto a dificuldade de
comunicação daqueles que não se integram em si mesmos:
"O letrado nos ensinamentos de Confúcio ou o instrutor budista são que nem
sementes. Se não soubermos qual é a semente exata, dela só nascerão galhos e folhas e
não flores e frutos, o que não surpreende, porque nossos olhos, ouvidos, narizes, e demais
sentidos nada mais são do que obstruções em nosso caminho. Um letrado em Confúcio faz
da literatura o trabalho de sua vida. Ele pega, aqui e ali, restos dos antigos. Pensa que
compor poemas é jogar a esmo florões de retórica nos seus escritos. Não tem, entretanto,
em qualquer momento, a noção de qual era a face do seu Mestre, nem suas intenções
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quando ele era um perfeito veículo da bondade dos Céus".
Segundo Hakuin, o Mestre quando se comunica através de palavras ou de escritos, ou
ainda com a sua presença, o faz como um veículo da bondade dos Céus. Essa receptividade -
a possibilidade de o homem se harmonizar, de entrar em ressonâncias com os Céus - é o
princípio básico da Comunicação do homem consigo mesmo. Quando isso se dá, a
criatividade é redescoberta. O filho pródigo volta ao lar que ele pensava ter abandonado.
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O Desabrochar do Ser
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A chamada Meditação é uma técnica de introspecção baseada, inicialmente, numa
postura correta. Podemos meditar em qualquer situação: andando, sentado, deitado ou de
pé. Mas, para começar, é mais fácil adotar a forma sentada. A meditação deve ser um
processo sem esforço, fazendo parte das nossas vidas como as atividades fisiológicas ou
higiênicas. Quem medita observa as coisas de um ponto de vista privilegiado. A observação
deve ser direta, imediata. Diante do observador há sempre um fato, numa situação muito
semelhante à do pesquisador que tivesse de examinar, ao microscópio, uma lâmina de
certa cultura. Para observar com nitidez o que se passa, é necessário levar em consideração
uma série de fatores. Basta descurar um pequeno detalhe para pôr a perder todo um
paciente trabalho de observação do que se passa na lâmina. Para todo ato de observação é
indispensável que haja o observador, a coisa observada e o instrumento de ampliação.
Além desses três fatores, são necessárias quatro condições adicionais: 1º) o microscópio
devidamente focalizado; 2º) o campo iluminado; 3º) que o observador seja perfeito física e
psiquicamente; 4º) que o observador conheça o assunto.
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A focalização e localização do microscópio é muito importante para a correta
observação dos fatos. Se o aparelho estiver alto ou baixo demais, o observador será
forçado a um esforço além do normal. A posição exata correspondente a postura física
perfeita; as posições erradas provocam as tensões que atormentam o homem. A posição
inicial para a meditação é a sentada. Nesta posição o peso do corpo e distribuído
Uniformemente ao longo da superfície de contato com o plano horizontal. A posição mais
racional é a de pernas cruzadas, a moda oriental, com a espinha rigorosamente ereta. Nesta
posição o homem pode ser inscrito num triângulo equilátero no qual o centro de gravidade
corresponde aproximadamente ao umbigo, justamente onde a resultante equivalente ao
peso do corpo está aplicada. Quando isto ocorre, a espinha fica sem tensão, na posição
vertical. A espinha é um canal composto de vértebras articuladas e por ele corre a medula
cerebral e passa uma serie de impulsos elétricos infinitesimais em busca do cérebro. Os
nervos ramificam-se a partir da espinha, atravessando-a nos seus nódulos em direção aos
órgãos e músculos. Qualquer tensão na espinha, por menor que seja, produz modificações
nos impulsos elétricos. A posição sentada, de pernas cruzadas - a clássica posição do lótus
(padma asana) - permite ainda que o diafragma desça ao ponto mais baixo do tórax,
ampliando desta forma e extraordinariamente, a capacidade respiratória dos pulmões. Com
isso, o homem, que respira uma média de doze a dezesseis vezes por minuto, passa a
respirar de seis a oito vezes. Várias experiências, feitas com o controle do
eletroencefalógrafo, acusam modificações de traçados em pessoas submetidas durante
algum tempo a técnicas de meditação. Várias instituições científicas estudam o assunto
com a profundidade que merece. As universidades da Califórnia e de Cincinati têm editado
trabalhos sobre Zen e sua técnica Zazen de meditação. O Dr. Clark, do Laboratório de
Psicologia infantil de Detroit, vem realizando aplicações do Zen no tratamento de doenças
nervosas. Está aberto, assim, um campo imenso, uma terapia para milhões, sem
consultórios nem hospitais. O Dr. Sakuma, ex-diretor da Universidade de Tóquio, iniciou
vários trabalhos, continuados pelo Dr. Kasamatsu, do Departamento de Psiquiatria da
Universidade de Tóquio, e outros. Em 1962 o Dr. Koji Sato e colaboradores constataram os
ruídos produzidos pelas ondas cerebrais dos pacientes. Notaram que esses sons ficavam
mais baixos quando os pacientes estavam mergulhados na meditação. Em linguagem
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técnica quer dizer que as ondas beta se transformam em alfa. As ondas alfa têm uma
vibração de 8 a 13 ciclos por segundo e aparecem nas pessoas que descansam de olhos
abertos. Já as ondas beta têm a freqüência de 14 a 25 ciclos por segundo. No estado de
sonolência as ondas alfa diminuem de ritmo e surgem as beta de freqüência de 4 a 7 ciclos
por segundo. Quando mergulhados em sono profundo e calmo, aparecem as chamadas
ondas delta na frequência de 0,5 a 3,5 ciclos por segundo. O Professor Kasamatsu
comprovou que a emissão de ondas está relacionada com o tempo que as pessoas praticam
a meditação. Em provas realizadas com monges mergulhados em profunda meditação
verificou-se que ruídos súbitos não produziam qualquer alteração significativa nos traçados
de ondas cerebrais. Verificou-se também que, apesar do ritmo respiratório ter diminuído
para metade do normal, o volume de ar inspirado aumentava extraordinariamente.
A meditação é a forma mais efetiva para o esperado encontro do homem consigo
mesmo, base de toda a comunicação e condição indispensável na reconstrução humana. As
instruções que se seguem são indispensáveis nos estágios iniciais.
Nyanaponilca Thera, no seu Heart of Buddhist Mcditatlon, afirma que o "caminho
antigo da Plena Atenção é tão válido hoje como há 2.500 anos atrás. É aplicado nas terras
do Leste e Oeste, no meio do torvelinho da Vida, bem como na paz da cela de um monge".
Esse caminho, que nos leva a desenvolver a Atenção de uma forma superlativa atingindo a
Plena-Atenção, é chamado SATlPATTHANA. Na Birmânia, onde vigora a escola do Sul do
Budismo primitivo, é chamada Vipassana.
Para o principiante que tem dificuldade em manter a sua atenção, aconselha-se, como
regra básica, procurar um lugar tranquilo e de preferência com pouca luz. Uma vez sentado,
de pernas cruzadas e de espinha ereta, colocar as mãos uma sobre a outra, no colo, e
fechar os olhos. Se tiver dificuldades, deve utilizar uma almofada alta, um banquinho, ou
mesmo uma cadeira comum, desde que não encoste as costas no espaldar. Evitar roupas
apertadas, joias e relógios fazendo pressão sobre o corpo. Evitar sempre que a planta dos
pés fique em contato com o solo. Ficamos, deste modo, aptos para iniciar, com o corpo na
devida posição (o microscópio localizado corretamente), a concentração da atenção (a
focalização do microscópio). Iniciamos, então, as quatro conscientizações: 1º) a consciência
do corpo; 2º) a consciência das sensações; 3º) a da mente; e 4º) a dos objetos da mente.
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A focalização da atenção é a conscientização, a todo momento, do que se passa no
nosso interior. Para isso adotamos a mesma técnica do pesquisador que analisa, ao
microscópio, uma cultura e vai anotando, num caderno, todas as alterações significativas. A
mesma coisa ocorre com quem medita ao registrar uma série de "notas mentais" à medida
que observa as transformações do seu mundo. As notas mentais são palavras resumidas e
firmemente rotuladas no fato observado. Vejamos alguns exemplos: nosso joelho começa a
doer depois de algum tempo de imobilidade, o que é perfeitamente natural no início da
prática. Então qualificamos a dor com a nota mental: "joelho direito doendo". Se
estivermos ouvindo um som, imediatamente qualificamos o som com a nota mental:
"ouvindo", E assim devemos proceder em relação às nossas sensações, aos nossos
pensamentos, aos objetos da mente. Segundo o famoso instrutor da Birmânia, Mahasi
Sayadaw, no seu livro Instruções Básicas para o Exercício da Meditação, edição da
Sociedade Budista do Brasil, o praticante, quando imaginar alguma coisa, deverá emitir a
nota "Imaginando". Se estiver pensando em alguma coisa, a nota mental "pensando"; se
estiver refletindo, "refletindo". Se por acaso sentir sua mente divagar, a nota será
"divagando". Quando tiver vontade de engolir a saliva que se forma na boca a nota será
"engolindo". E assim por diante. Em todos os momentos, a atenção deverá ser total no que
estiver ocorrendo, e com isso a consciência do "aqui e agora" se torna mais nítida,
transformando completamente o indivíduo que antes vivia mergulhado no mundo de
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sonhos e devaneios criados pelo condicionamento a que foi submetido.
A chamada Escola Zen, vigorante no Japão, adota, na sua linha Soto, a meditação
Zazen. A técnica em si da postura é semelhante à descrita, com pequenas variações quanto
a detalhes. Por exemplo, logo depois de sentado o praticante deve iniciar uma série de
oscilações com o corpo, como um "João Paulino" que busca, gradativamente, o equilíbrio.
Depois, inspirar e expirar fortemente, uma ou duas vezes e esquecer por completo a
respiração. Permanecer então de olhos ligeiramente abertos, imóvel, olhando para a frente
numa inclinação de 45 para baixo. A boca deve ficar fechada e os dentes cerrados, devendo
toda a respiração ser feita pelo nariz. Segundo Doguen Zenji, o introdutor do Zen no Japão
no século XIII, suas regras para a prática da Meditação-Fukanzanzengui, são:
"Para meditar deves ter um aposento tranquilo; deves comer e beber com moderação;
deves desprezar todas as relações e abster-se de tudo. Não penses no Bem e no Mal. Não
te preocupes com o certo e o errado. Detém as funções da mente, da vontade e da
consciência. Guarda-te de medir a memória, a percepção e o discernimento. Não te
esforces para te transformares num Buda. Não te apegues ao sentar ou deitar. No lugar
onde estiveres sentado coloque uma almofada quadrada e fina e sobre ela uma almofada
redonda e espessa. Uns meditam em "kekkafusa", outros em "hankafuza". Em "kekkafuza"
deves colocar o pé direito sobre a coxa direita e o esquerdo sobre a direita. Em "Hankafuza"
deves colocar o pé esquerdo sobre a coxa direita. Deves desapertar a roupa e o cinto,
depois colocar a mão esquerda sobre a palma da mão direita com ambos os polegares
tocando-se. Deves sentar ereto e não inclinar nem para a direita ou para a esquerda, nem
para frente ou para trás. Tuas orelhas e nariz devem estar na mesma linha do umbigo.
Mantém a língua encostada no céu da boca unindo os lábios e dentes com firmeza. Os
olhos devem estar sempre abertos. Inspire calmamente e coloque o corpo na posição
adequada, movendo-o para a direita e para a esquerda. Permaneça imóvel na postura de
meditação, pensando no impensável. Como pensar no impensável? Pensando além do
pensar e do não-pensar. Esta é a mais importante fase da meditação Zen, que deve ser
realizada passo a passo, pois é um ensinamento calmo e confortável. É o treinamento e a
iluminação da Sabedoria Perfeita".
A Meditação é, portanto, o caminho mais efetivo para a Comunicação com o Ser. É o
caminho da religação do homem com o seu ser mais profundo, depois de quebrar a
imagem criada pelo condicionamento. É o despertar da criatura humana para a realidade
que o cerca. Quanto a este aspecto, é a RELIGIÃO que permite a salvação do homem, que
obrigado a viver numa sociedade de consumo, em que a agitação é uma constante e,
apesar disso, alcança a lucidez fundamental. O homem desperto é como um furacão que se
movimenta, como um torvelinho, tendo um olho, um centro, onde a Paz está presente.
92
12
Criatividade
A Arte de Viver
93
está sendo ameaçado pela sua própria criação. A roda pode ser considerada como sendo a
extensão de seus pés, assim como os circuitos elétricos são os prolongamentos do seu
sistema nervoso, e o vestuário uma continuação de sua pele. A época de hoje - e amanhã
será bem mais - é baseada no conceito de Massa: habitações coletivas para moradia da
massa, hospitais, supermercados, transportes, esgotos, água, livros, jornais, etc. Há uma
verdadeira pressão convergente sobre o indivíduo privando-o da liberdade. A maioria, ao
ser submetida a essa pressão, se acomoda, perde a liberdade interior e se agrega,
docilmente, à massa, do mesmo modo por que a terra vai se transformando em lama sob a
ação da água. A pressão da Massa, do coletivo, gera uma tensão enorme no homem. O Ser
diferente, único, que efetivamente somos, é asfixiado pelo conformismo. A massa gera a
rotina, a coisificação do homem. Produz uma total alienação da criatividade, da
espontaneidade, a transformação da vida numa verdadeira Repartição Pública, que é antes
de mais nada um estado de espírito, uma doença d'alma.
REPARTIÇÃO PÚBLICA
INDIVÍDUO X COLETIVO
A ARTE DE VIVER
Há uma verdadeira arte de viver completamente esquecida pelo homem de hoje. Esta
arte é a redescoberta de criatividade. D. Suzuki, no prefácio do livro Taoism, conceitua:
"Não há dúvida de que a vida moderna faz face a um grande problema surgido da
mecanização e industrialização, que deforma os recursos individuais e a criatividade
artística à medida que o homem se torna dependente de novas técnicas e cada vez menos
utiliza suas mãos. Foram justamente as mãos os instrumentos que deixaram marcas
profundas na mente humana. Podemos mesmo afirmar que foi com as mãos que o homem
trilhou o caminho que o distinguiu dos outros animais. Nada mais criativo que as mãos. É
por essa razão que nos mosteiros Zen dá-se tanta ênfase aos trabalhos manuais".
O filósofo John Dewey vai mais longe, acreditando que nossa própria sobrevivência
depende da criatividade. Diz ele:
"Uma produção maquinal e distribuição em larga escala tende a urbanizar a população
antes espalhada em vilas rurais. A mecânica do ajuntamento e circulação gera uma dieta
mental comum. O nivelamento de classes resultou numa definida uniformidade de
atitudes. Esta semelhança é a contra parte externa e símbolo das forças que agem para
produzir a uniformidade mental e abafar qualquer independência de pensamento".
É o rolo da mediocridade em marcha, com seus mitos, seus monstros, seus pseudo-
eventos feitos para alimentar a multidão, o vazio da imbecilização coletiva no qual o
homem, como que dopado, hipnotizado, age como um autômato. Erich Fromm vê esta
conformidade de títere como um autêntico perigo para a Democracia mergulhada nas
técnicas de massificação. Aos poucos o indivíduo, então diferente dos demais - original,
espontâneo, livre -, começa a ser ajustado aos modelos da época.
A falta de estímulo à criatividade pode levar o indivíduo a se adaptar a novas
situações. Há, porém, uma cruzada pela frente para recuperar o gosto da vida, para
reaprender a viver harmoniosamente com a natureza. É enorme essa preocupação,
principalmente nos países mais submetidos à massificação, como os Estados Unidos, a
Europa e o Japão. Até na União Soviética, onde o artista está acorrentado à mensagem,
onde a arte está presa aos padrões clássicos e, por isso, ficou atrasada de 50 anos. Existe
grande interesse pela Heurística - a Ciência do pensamento criador. V. N. Puchkin, S. L.
Rubinstein, A. N. Lieontive, L. L. Gurov são alguns dos psicólogos russos que mais têm
estudado as técnicas para fazer surgir o pensamento criador do cérebro humano através da
ampliação dos mecanismos cerebrais. A falta de estímulo à criatividade pode impedir que o
homem se adapte a novas situações. O primeiro toque deve nascer na Escola. Diz-nos o
poeta Robert Nathan que "começamos a perder nossa liberdade no momento que os
homens começam a falar e a pisar como seus vizinhos". A professora tem a grande
responsabilidade de desenvolver o que está latente nas crianças. Na família pode-se
também iniciar o desencadeamento do processo de germinação da semente, desde que os
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pais tenham consciência da importância do viver criativo. Mary Lee Marksberry, no livro
Fondation of Creativity, examina diversos aspectos ligados à natureza do fenômeno
criativo: "Criatividade é dinâmica de toda a vida. Todos os organismos, inclusive os seres
humanos, tomam do seu meio tudo o que é necessário para formar e manter a vida. Para a
maior parte dos organismos este processo representa uma simples criatividade biológica,
mas para o homem existe também uma criatividade psicológica. É esta dimensão adicional
que o distingue dos animais".
O processo criativo admite vários estágios. O primeiro é o do aquecimento, da
preparação, quando vamos acumulando os elementos para a composição. Nesta fase o
homem criador torna-se extraordinariamente dispersivo aos olhos dos outros. É
brincalhão, desarrumado, amontoa livros ou formas a serem desenvolvidos aparentemente
a esmo. Fica horas sem fazer nada, dando a impressão de preguiça para os que estão
condicionados à ideia do "tempo é dinheiro". O homem criador sabe que existem duas
espécies de trabalho: uma que o obriga, muitas vezes, a ganhar a vida em longas horas de
repetição de tarefas na rotina dos escritórios; outra, que não é rotina, nem está sujeita a
livro de ponto. Quando este TRABALHO toma conta dele, não mais conhece descanso:
almoço, jantar, banho, funções fisiológicas, tudo vai ficando em segundo plano, pois só a
OBRA é importante.
O segundo estágio é o da incubação, quando os elementos começam a ser trabalhados
pelo inconsciente numa verdadeira calcinação alquímica. É quando se sente uma presença,
um peso de algo que não se pode exprimir. A consciência da existência de um filho
brotando nas nossas entranhas, que se movimenta e palpita mas cuja face não
conhecemos. Fernando Pessoa expressa magistralmente essa fase na ânsia pela expressão:
"Há mais de meia hora/ que estou sentado à secretária/ com um único intuito/ de
olhar para ela./ (Estes versos estão fora do meu ritmo).! Tinteiro grande à frente./ Canetas
com aparos novos à frente./ Mais para cá papel muito limpo./ Ao lado esquerdo um volume
da Enciclopédia Britânica./Ao lado direito/ Ah, ao lado direito!! A faca de papel com que
ontem/ não tive paciência para abrir completamente/ o livro que me interessava e não
lerei./ Quem pudesse sintonizar tudo isso!/"
O terceiro estágio é o da visão criadora, da iluminação, da inspiração, na qual a Obra
nasce espontaneamente. Muitas vezes, aos borbotões, o artista mal tem tempo de captá-la.
É instante de intensa alegria quando dele nasce algo que fala ao espírito da humanidade.
Maritain crê que o poeta cresce à medida que se aprofunda na intuição criadora. Rimbaud,
na sua famosa Carta do Vidente, dá uma magnífica visão do processo criador:
"O primeiro estudo de um homem que deseja ser Poeta é o de si mesmo. O
autoconhecimento deve ser total. Ele busca a sua alma, perfura, comprova, aprende. Logo
que a conhece, tem que cultivá-la. Isto parece simples, mas o que se requer é fazer a alma
monstruosa... Eu afirmo que temos de ser um Vidente através de um total deslocamento de
todos os sentidos... Ele se torna além de todos os outros, um grande inválido, um grande
Criminoso, um grande Amaldiçoado - o Supremo Conhecedor! Ele atinge o desconhecido.
Mesmo que enlouqueça, perde a compreensão de suas visões, mas pelo menos ele as viu!
Deixai que ele se mova entre coisas sem nome e nunca ouvidas. Depois virão outros
horríveis trabalhadores que começarão nos horizontes onde outros caíram".
Por fim vem o período de verificação, elaboração e avaliação, no qual o artista volta ao
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normal e passa a analisar sua obra. Conhece-a pela primeira vez. Então o criador testa,
critica, modifica ligeiramente. Dá acabamento ao produto elaborado.
A Criatividade é, portanto, o grande atributo da raça humana, o Direito supremo de
não ser carneiro. É a ânsia incontida de encontrar algo de novo. Nasceu no momento em
que o homem teve a curiosidade de querer saber como era o campo que devia existir além
da colina esfumada na linha do horizonte. O alpinista inglês George Mallory, famoso pelas
suas tentativas na conquista dos Himalaias, respondeu certa vez, quando lhe perguntaram a
razão por que tinha se arriscado tanto para vencer o Everest: "É porque estava lá". Esta
expressão singela bem demonstra até que ponto vai a indomável vontade humana. É ela
que também anima o espírito dos descobridores de terras do século XVI. Engastada no
nosso subconsciente, lá está sempre pronta para tomar nas mãos o nosso destino. O
desconhecido é o nosso grande desafio. O impossível contém em si o germe latente de
todas as possibilidades. Portanto, não se pode conceber um homem definitivamente
cristalizado e satisfeito. O homem é uma fluência como tudo o mais na Natureza. Um
regato correndo, enquanto a vida palpita nas veias. Nunca uma rocha dura, monolítica e
estéril. É por essa razão que os historiadores modernos, entre eles Toynbee, não acreditam
numa humanidade-rebanho pastando calmamente sob o olhar complacente de um único
pastor, dominada e satisfeita com o som mavioso de sua flauta. No dia em que isto
ocorresse, terminaria a liberdade de ser diferente no mundo e restaria apenas um imenso
pátio de colégio interno no qual, em filas, bilhões de alunos uniformizados cantariam hinos
ao grande Produtor Supremo, sem qualquer desafinação ou titubeio, sem cabelos
despenteados ou unhas sujas de terra escura. Um mundo feito a essa imagem como um Big
Brother. Olho que tudo vê, ouvido que tudo escuta, seria o retrato, de corpo inteiro, do
tédio total e absoluto. Tão vazio como uma cidadezinha inglesa aos domingos, com o
Exército da Salvação tocando na praça deserta e envolvida pela bruma da tarde. Um reino
cinza e branco leitoso, com gosto e cheiro de arenque defumado.
Criatividade não é conformismo. Não é abaixar a cabeça balindo. Não é a putrefação
do pântano nem a mecanização da vida. Não são crianças bem comportadas, de roupinhas
engomadas, e que não botam nunca o dedo na nariz ou rasgam as calças nas suas
travessuras. Não são homens que passam para lá e para cá batendo os calcanhares com
força nas calçadas, impelidos pelas horas. Não é viver preso às engrenagens dos relógios
nem aos dias das folhinhas, onde alguns são negros e outros vermelhos, mas, no fim, todos
tremendamente iguais. Não é ser carneiro de uma orgulhosa civilização, que afasta o
homem de suas raízes e cava novas sepulturas para os que fogem da vida antes do tempo,
rumo ao desconhecido. Ser Homem é ser Criador e encontrar a Paz na criação, que brota
como uma fonte em sua espontaneidade. É a renovação perpétua dos frutos, das estações,
das flores, as alternâncias de luz e sombras, de tempestades e arco-íris, dor e alívio. É
sangue correndo sobre a neve. É pensar por si mesmo, buscando trilhas novas, feliz como
uma ovelha preta transviada e sem tutela. É o sagrado direito de errar e de não ser
carneiro balindo humildemente, de cabeça baixa, atrás de um pastor solitário.
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