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Entrevista Setembro - 2011 | N° 4

Setembro de 2011 - N° 4 - Publicação do Departamento de Arqueologia e Antropologia da FLCS - UEM

“Hilário Madiquida” - Docente no DAA/FLCS e Chefe da secção de Arqueologia

O arqueólogo
pode contribuir
em várias áreas
como cientista
social
Pág. 13 a 18

Género,
Sexualidade e Práticas Vaginais
Este foi o título escolhido para o livro da autoria de Brigitte Bagnol e Esmeralda
Mariano, resultado do estudo sobre “Género, Sexualidade e Práticas Vaginais”,
realizado em Moçambique sobre a coordenação do Programa DESAFIO na FLCS-
DAA
Pág. 4
1
Ficha Técnica Editorial
Esta é a 4ª edição da Gazeta do Departamento de Arqueo-
logia e Antropologia (DAA) da Faculdade de Letras e Ciências
Sociais (FLCS) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM)
no seu 3º ano de existência. Nela está patente a síntese das
principais actividades desenvolvidas pelos docentes, inves-
tigadores e estudantes do DAA durante os últimos 6 meses.
Um dos desafios para este ano foi a introdução do primeiro
curso de Licenciatura em Arqueologia, o primeiro no país, e os
primeiros 35 estudantes iniciaram as suas actividades lectivas
Gazeta em Fevereiro do presente ano. Com o curso de Arqueologia
Propriedade do Departamento de Arqueologia e preencheu-se uma lacuna há muito reclamada por pesqui-
Antropologia da Faculdade de Letras e Ciências sadores nacionais e estrangeiros ligados ao DAA. Dizer que
Sociais a pesquisa arqueológica não constitui novidade em Moçam-
bique e o DAA está na vanguarda deste processo tendo sido
desenvolvidas interessantes pesquisas arqueológicas desde
Gazeta n° 4 - Setembro de 2011
os primeiros anos da independência a esta parte.
Campus Universitário Principal
Av. Julius Nyerere, n° 3453 Na sequência do curso de Arqueologia, e no seguimento do
Caixa Postal 257 registo dos momentos mais marcantes dos investigadores
Tel. +258 21410138 do DAA, a presente edição está igualmente centrada na
entrevista com Hilário Madiquida, um dos mais destacados
Website: http://www.flcs.uem.mz
responsáveis pela introdução da Licenciatura em Arqueologia.
Madiquida apresenta-nos um percurso que inicia em 1987
Apoio quando por ordens do Estado é enviado para ex-URSS onde
Programa Desafio/VLIR-Grupo “Género frequentou um curso superior. Pela entrevista ficamos a saber
Saúde e Assuntos de Família-DAA/FLCS que a Arqueologia o escolheu, fruto, em parte, do acaso onde
destaca-se interesses político-ideológicos que uniam os dois
Directora países, Moçambique e ex-URSS, e as condições objectivas
Margarida Paulo encontradas na Universidade para onde foi “destacado”.
(margarida.paulo@uem.mz) Nesta entrevista encontramos a revelação dos desafios de
manter uma área científica que, tal como tantas outras, vive
Conselho de Redação da pesquisa num país onde não há fundos para este efeito.
Décio Muianga Será possível ver ainda nesta edição aspectos relevantes da
pesquisa arqueológica e antropológica em Moçambique
Elísio Jossias
feita por docentes e investigadores deste departamento e
Esmeralda Mariano
de outras partes do mundo. As sínteses dos livros, artigos e
José Pimentel Teixeira comunicações são disso o exemplo.

Colaboradores Os Seminários do DAA, depois de uma paragem de 1 ano,


Carlos Matusse derivada pela necessidade de reorganização e adequação
dos espaços para sua realização, este ano foi marcado por
Lizete Mangueleze
interessantes participações de investigadores do DAA, da
UEM e de fora da UEM, que vieram partilhar o estado das
Revisão suas pesquisas. Destaque das participações estrangeiras foi
Percida Langa e José Pimentel Teixeira a presença de Rui Feijó e Susana Matos Viegas, historiador
e antropóloga respectivamente, que inauguraram a edição
Composição 2011 dos seminários. Outras apresentações poderão ser vistas
Nelton Gemo nos resumos constantes desta edição.
Como forma de adequar à reforma curricular, os seminários
Impressão são de presença obrigatória para os estudantes de licenciatu-
Gráfica A1 ra em Antropologia e Arqueologia. Os seminários tornaram-se
hoje uma referência obrigatória na UEM e no debate académi-
Distribuição co nacional e estão no centro das atenções das actividades
DAA/FLCS desenvolvidas na FLCS. O facto de existirem desde o ano 2005
e continuarem a ser regulares até à data é disso um exemplo
N° de registo a ser encorajado.
DISP.REG/GABINFO-DEC/2009
Elísio Jossias
NOTÍCIAS E OUTROS EVENTOS Setembro - 2011 | N° 4

Abertura oficial do Ano Académico 2011


dos Cursos de Arqueologia e Antropologia
A Cerimónia de Abertura do Ano e importância crescente do curso de Para o Orador, a combinação de téc-
Académico de 2011, dos cursos de Ar- Antropologia, da Secção de Arqueolo- nicas e saberes entre as ciências ajuda
queologia, iniciado no presente ano, gia e agora, do tão almejado curso de a buscar e construir um conhecimento
e de Antropologia, decorreu no espa- Arqueologia. mais completo, mas não o último so-
ço da Faculdade de Letras e Ciências Referiu-se ainda a exemplos de sua bre uma ideia, um objecto de estudo.
Sociais, no pretérito dia 02 de Março. vivência, entanto que Ser Humano e Por isso, defende ele que é preciso que
Foi um acto bastante concorrido pelos Docente, que ajudam a reflectir sobre se leia mais, que se estude mais, que
estudantes, que ávidos de mais infor- a importância da interdisciplinarida- haja mais hábitos de leitura, que se
mação sobre estes cursos, expuseram de, não só entre a Arqueologia e An- elabore fichas de estudo e pesquisa,
suas expectativas e preocupações ao tropologia, mas também com outras pois há ainda muita coisa para se sa-
corpo docente e ao convidado, Dr. ciências. Para ele, esta comunhão de ber, para se conhecer, para se estudar.
Luís Filipe Pereira, docente do Curso saberes entre as ciências, é muitas Este conselho que o Orador deixou aos
de História nesta instituição. vezes relegada para segundo plano estudantes, seria, segundo ele, a recei-
As palavras de boas vindas, proferi- porque imbuídos pelo Senso Comum, ta para se combater o que chamou de
das pelo Chefe do Departamento, Dr. podemos questionar, a priori, a rela- analfabetismo funcional, que define
Alexandre Mate, antecederam as apre- ção entre a Arqueologia e a Biologia, como sendo a tendência de não se dar
sentações gerais sobres estes dois cur- entre a Antropologia e Geografia, por tempo para ler, tentação em que caem
sos, feitas por Décio Muianga e Elísio exemplo. A recente História de África muitos estudantes. É preciso digerir a
Jossias, respectivamente. publicada pela UNESCO e coorde- leitura. Aprender a fazer e a pensar.
nada por Ki-Zerbo mostra como foi
Intervindo na qualidade de Orador desaparecendo a separação artificial Em suma, a Oração de Sapiência do
Principal, Dr. Luís Filipe Pereira traçou entre as ciências da natureza e as ciên- Dr. Luís Filipe Pereira, assentou mais no
um quadro evolutivo sobre a criação cias sociais. Contudo como Braudel o que se espera dos estudantes entanto
do Departamento de Arqueologia e criador do conceito de longa duração que cientistas sociais e profissionais e
Antropologia e como a dinâmica so- demonstra na sua obra “História e Ci- no que pode ser seu contributo para
cial, temporal e académica, contribuiu ências Sociais” não é fácil fazer a inter- a história da pesquisa arqueológica e
para o surgimento, desenvolvimento disciplinaridade. ciências sociais que tanto precisa.

Nota informativa sobre o curso de Arqueologia


Iniciado no ano de 2011, o Curso formados nesta área, ao contrário de Ao estudante de Arqueologia ser-
de Arqueologia vem preencher uma outros países, inclusive da região. lhe-ão dadas ferramentas teóricas
grande lacuna no que concerne à for- e técnicas para que possa dominar
mação em Arqueologia. A crescente A formação em Arqueologia vai per- os conceitos-chave em Arqueologia,
importância que a Arqueologia vem mitir que se possa dar mais atenção a identificar, classificar, analisar e inter-
assumindo na reinterpretação da nos- estudos nesta área, vai fazer com que pretar o material e evidências arque-
sa História, dada a exiguidade de fon- tais pesquisas possam assumir um ca- ológicas que possam contribuir para
tes escritas, e a necessidade de preser- rácter mais diversificado em termos de a reconstituição da História remota e
vamos os testemunhos desta mesma local de estudo, de temas de interesse mais recente, de modo que se possa
História, através de acções de gestão perspectivar o futuro. O domínio das
e assim cobrir-se um maior número
do património cultural viradas para técnicas de prospecção e escavação
de pesquisas, de modo que a História
um desenvolvimento sustentável, im- arqueológica, a análise e tratamento
pulsionaram a criação de um curso de Moçambique e sobre Moçambi- adequado dos artefactos recolhidos
desta natureza em Moçambique. Este que possa assumir um carácter mais e a concepção de exposições temáti-
novo passo vem tirar o país do isola- abrangente, sobretudo em termos de cas sobre Arqueologia, são alguns dos
mento que vivia por não ter quadros cobertura territorial. principais aspectos que o estudante

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Setembro - 2011 | N° 4 pUBLICAÇÕES

de Arqueologia deve saber e domi-


nar ao culminar os seus estudos.
Género,
Em termos de saídas profissionais, Sexualidade e Práticas Vaginais
os estudantes de Arqueologia po-
dem ser integrados em várias áreas Autoras: Brigitte Bagnol e Esmeralda Mariano - DAA/FLCS/UEM
de saber, com destaque para as de
especialidade. O licenciado em Ar- O Estudo sobre “Género, Sexuali- A pesquisa etnográfica foi realizada
queologia estará em condições de dade e Práticas Vaginais” foi realizado em quatro locais da província de Tete:
trabalhar, por exemplo, em projec- no Sudeste Asiático (Tailândia e In- duas zonas rurais e duas zonas urba-
tos de pesquisa arqueológica para a donésia) e na África Austral (Moçam- nas na cidade de Tete e no distrito de
identificação de estações, na própria bique e África do Sul) sob a coordena- Changara. A recolha de dados foi feita
ção do Departamento de Pesquisa em com base em entrevistas semi-estru-
escavação e produção de material
Saúde Reprodutiva, Género e Direitos turadas, seguindo um roteiro com os
bibliográfico daí decorrente. Pode,
da OMS-Genebra. Em Moçambique, o principais tópicos adaptados a partir
igualmente, trabalhar em Projectos
de protecção e gestão do patrimó-
nio cultural. Portanto, existe uma
abertura para que este licenciado
possa ser enquadrado em institui-
ções de pesquisa diversa, nas áreas
de Ciências Sociais, Geologia, Recur-
sos Minerais, de impacto histórico,
arqueológico e cultural, em museus,
em instituições ligadas ao desenvol-
vimento turístico e à preservação do
património arqueológico, histórico
e cultural, em instituições de ensino
e até em obras de construção civil,
em jeito de salvaguarda de estações
e objectos arqueológicos.

Assim, e com base nos aspectos


acima arrolados, espera-se que o ar-
queólogo saído deste curso seja um
profissional que paute pela ética e
deontologia profissional, que possa estudo foi realizado em colaboração das informações contidas no proto-
fazer um uso científico, académico com o Ministério da Saúde (MISAU), colo da OMS. O estudo foi elaborado,
e honesto do conhecimento adqui- O Centro Regional para o Desenvol- principalmente, do ponto de vista
rido, de modo a contribuir para o vimento da Saúde (CRDS), a Direcção feminino. Um total de 103 pessoas
crescimento do interesse pela Ar- Provincial de Saúde de Tete, a OMS- participou no estudo, sendo 25 ho-
queologia e de tudo o que a ela diz Moçambique, o International Centre mens e 78 mulheres. O estudo permi-
respeito, não só no meio académico for Reproductive Health (ICRH) e a tiu constatar que as mulheres utilizam
mas também no público, em geral. Universidade de Ghent (Bélgica). O diferentes produtos naturais e sinté-
Almeja-se, assim, que este arqueó- estudo compreendeu duas fases. A ticos, tradicionais e modernos, por
logo e o fruto da sua pesquisa, se- primeira decorreu em 2005 e con- inserção na vagina ou por ingestão,
sistiu no trabalho etnográfico cujos para a sua higiene, para tratar doen-
jam factores de desenvolvimento
resultados são apresentados no livro. ças, para modificar a maneira de sentir
social, político, económico e cultu-
Com base nestes resultados, em 2007, o seu corpo e de se prepararem para o
ral, sobretudo para as comunidades
foi realizada a segunda fase (quanti- acto sexual. O estudo recomenda que
locais. tativa) com a aplicação de um ques- o assunto seja tomado em considera-
tionário a uma amostra de mulheres ção nas políticas de saúde pública e
representativas da província de Tete. estratégias de prevenção.

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PUBLICAçÕES Setembro - 2011 | N° 4

‘Xiculungo’ Revisitado: Avaliando


as implicações do PARPA II em Maputo 2007-2010
Autores: Margarida Paulo, Carmelisa Rosário e Inge Tvedten

Fonte: CMI CHR. MICHELSENS INSTITUTE REPORT R 2011:1

O estudo representa uma continu- bem-estar. Este estudo deve ser lido
ação dos esforços para a monitoria e em conjunto com o primeiro estudo
avaliação da Estratégia de Redução de Maputo denominado ‘Xiculungo’
da Pobreza, PARPA II 2005-2011 (GdM porque a informação contextual não
2005). O estudo iniciou em 2006 e será repetida neste estudo. Neste
baseou-se em três áreas geográfi- estudo o foco está nas mudanças ur-
cas diferentes no país: o Distrito de banas em Moçambique, governação
Murrupula na Provincia de Nampula, e pobreza desde 2007, nas mudanças
representando uma região rural; o em Maputo urbano e nas condições
Distrito de Búzi na província de So- sócio-económicas em quatro bairros:
fala, localizado num espaço rural- Mafalala, Laulane, Inhagóia e Khon-
urbano, e quatro bairros da cidade golote. O estudo pode ser consultado
de Maputo. Cada um destes estudos no endereço: http://www.cmi.no/
foi seguido após três anos de modo publications/file/4001-xiculungo-
a verificar mudanças nas relações so- revisitado-avaliando-as-implicaes-do.
ciais e nas percepções da pobreza e pdf

Transforming Youth Identities: Interactions


Across “Races/Colors/Ethnicities,” Gender, Class
and Sexualities in Johannesburg, South Africa
Autores: Brigitte Bagnol, Zethu Matebeni, Anne Simon,
Thomas Blaser, Sandra Manuel e Laura Moutinho

Fonte: Sexuality Research and Social Policy 7: 283-297

“raça”, incluindo a abolição do Acto de na “raça/cor/etnicidade” género, classe


Imoralidade de 1949 que proibia casa- e sexualidade, as dinâmicas e desafios
mentos mistos, os discursos de jovens enfrentados pelos jovens em relação
desafiam os limites pré-estabelecidos. a interações mistas no Johannesburg
Hoje, a contribuição sul africana dá pós-apartheid e como eles afectam a
direito às pessoas de proclamarem a vida dos jovens, particularmente as
Na África do Sul e, especialmente em sua orientação sexual e demarcarem suas percepções de risco, violência e
Johannesburg, os paradigmas raciais as suas próprias identidades. Através vulnerabilidade ao HIV/SIDA. O artigo
do apartheid estão se transforman- de observaçõo etnográficas feitas em pode ser consultado no endereço:
do. Quinze anos depois do fim do Johannesburg e entrevistas profundas www.springgerlink.com
aparheid e da eliminação de todas as com jovens, o artigo explora noções
formas de desigualdade baseada na transformadas de identidade baseada

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Setembro - 2011 | N° 4 PESQUISA E EXTENSÃO

A antiguidade do ferro em Moçambique:


subsídios para debate
Autora: Solange Macamo
A propósito de um estudo de im- estações arqueológicas referentes às vasto corredor que liga Moçambique a
pacto ambiental levado a cabo pelo primeiras comunidades de agricultores outras regiões como a África do sul, até
Departamento de Arqueologia e An- e Pastores, falantes de línguas Bantu. A mais a norte como o Quénia e a Tan-
tropologia da Universidade Eduardo sua periodização arqueológica corre- zânia (Cruz & Silva 1976, Morais 1988,
Mondlane de Moçambique, em 1997, sponde ao primeiro milénio AD, sendo Macamo 2006). Estas estações são en-
na cidade da Matola, província de Ma-
puto, perto do lugar onde se preten-
dia instalar uma fábrica de ferro, com
vista à identificação de possíveis esta-
ções arqueológicas que poderiam ser
afectadas por aquele empreendimen-
to, constatou-se que:
“Em Moçambique, já há cerca de dois
mil anos que as primeiras comunidades
de agricultores produziam ferro através
do processo de redução levado a cabo em
pequenas fornalhas, aproveitando as con-
creções ferruginosas provenientes das an-
tigas dunas marítimas oxidadas que con-
stituem um dos elementos da paisagem
geológica da região costeira” (Duarte et
al. 1977:1).
Em Moçambique existem muitos
desses lugares com evidências de min-
eração de ferro que ocorrem em solos
avermelhados frequentes em relevos
planos próximos da costa do Índico. Os o caso mais frequente Matola (Figura globadas numa tradição cerâmica con-
solos avermelhados são ricos em ferro, 1), na província de Maputo e outras hecida por Kwale-Matola, ou simples-
sendo propícios para a localização das estações relacionadas ao longo de um mente Matola, em Moçambique.

Chifumbazi: Uma gruta com duas culturas


Autor: Hilário Madiquida

O estudo da transição das últimas região da África Austral. a cronologia na região da África Aus-
comunidades da Idade da Pedra em tral e que foram agrupadas num único
A gruta de Chifumbazi, escavada em
Moçambique e a emergência das complexo conhecido por “Complexo de
1907 pelo arqueólogo alemão Carl Wi-
primeiras comunidades agrícolas ainda Chifumbazi” (Phillipson 1993).
não está bem definido, devido à fraca ese, apresenta duas culturas bem difer-
pesquisa na Idade de Pedra Superior. entes: 1) A Idade de Pedra Superior A gruta de Chifumbazi(e) localiza-
Contrariamente, a expansão dos povos com pinturas rupestres à cor vermelha, se no norte da província de Tete no
falantes das línguas bantu e a emergên- o que indica a ocupação Khoisan; 2) distrito de Chifunde (nova divisão
cia das primeiras comunidades agríco- As primeiras comunidades agrícolas, administrativa) e no distrito de
las, são hoje bem estudadas, não só em que a partir da referida escavação e da Chiuta (antiga divisão), no monte
Moçambique, mas também em toda a cerâmica recolhida permitiu estabilizar do mesmo nome a uma altitude de

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PESQUISA E EXTENSÃO Setembro - 2011 | N° 4

falo e outras figuras interessantíssimas


pintadas a vermelho. Alguns artefactos
microlíticos (lâminas, lascas, furadores)
podem ser localizados à superfície, o
que claramente, indica uma ocupação
das comunidades da Idade da Pedra
Superior (caçadores – recolectores) an-
tes da chegada dos bantu (Morais 1978,
1984, 1988; Adamowicz 1987).
A intenção de fazer mais uma
sanja para a recolha do material e a
prospecção em volta da montanha não
foi possível, devido à limitação do tem-
po. Apenas foi possível observar a parte
de baixo onde conseguimos dar voltas
nas encostas montanhosas, contudo
não foram encontradas evidências ar-
Imagens da Gruta de Chifumbazi queológicas.
As evidências de Chifumbazi ligadas
1000 m, a aproximadamente 842 da estação de Lumbi, actualizar as co- às comunidades caçadoras-recolector-
km da costa do Oceano Índico, com ordenadas geográficas e marcar as vias as, principalmente artefactos microlíti-
coordenadas geográficas 14o21’16.0”S; do seu alcance, porque não tínhamos cos, foram encontradas numa pequena
032o55’35.8”E. uma informação exacta sobre a sua lo- gruta localizada a aproximadamente
calização. 1km da estrada que liga Tete ao Posto
Esta gruta foi descoberta nos anos
Administrativo de Mualazi, numa zona
de 1900 quando os portugueses se in- Para além da cerâmica, que agora é
conhecida por Chinzenze com co-
stalaram nas encostas montanhosas de difícil de encontrar devido ao entulho
ordenadas geográficas 14o21’22.9”S;
Chifumabzi para explorar as minas de de pedras que estão caindo do quartz-
032o55’25.1”E. Apesar de ser pequena,
ouro que se localizam a poucos km da ito, a gruta de Chifumbazi possui belís-
a gruta apresenta vários artefactos mi-
zona. simas pinturas rupestres de zebras, bú-
A referida cerâmica é do ramo
Kwale, tradição Urewe e é de grande
distribuição espacial, desde a região
dos Grandes Lagos até a África Austral
apresentando a cerâmica com as mes-
mas características (Sinclair et al. 1993:
Phillipson 2005; Mitchell 2002; Chami
2003, 1995; Haaland 1995; Maggs 1995;
Pwiti 1995; Huffman 1982; 2007; Morais
1978, 1984, 1988; Adamowicz 1987),
apesar dos estudos recentes mostra-
rem que é necessário mudar esta con-
ceptualização porque aparecem novas
evidências das primeiras comunidades
agrícolas completamente diferentes
deste complexo (Katanekwa 1995, p.
209).
A nossa visita a Chifumbazi, tinha por
objectivo continuar com a pesquisa
na gruta e em volta dela, com a finali- Imagens da Gruta de Chifumbazi
dade de recolher dados comparativos

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Setembro - 2011 | N° 4 PESQUISA E EXTENSÃO

crolíticos (raspadores, lâminas,


pontas, furadores, etc.), produzi-
Abrigos rochosos
dos a partir de quartzo. É possível e instrumentos líticos:
que as comunidades caçadoras-
recolectoras que deixaram as pin- o caso da estação arqueológica de
turas rupestres em Chifumbazi
sejam as mesmas que habitaram Mouchiabaka
a referida gruta.
Autor: Omar Madime
Aqui também não foi feita nen-
“Arqueologia é uma forma de História Durante a IPS, as comunidades eram
huma escavação arqueológica,
e não uma simples disciplina auxiliar”, por excelência dependentes do meio
mas para além do material mi- ambiente, onde os abrigos rochosos
(Childe 1977:9), a sua relevância pecu-
crolítico foi achada uma mó com e/ou grutas, para além de fornecer-
liar reside no facto de permitir o acesso
o seu respectivo rebolo a pou- lhes abrigo, eram locais estratégicos
à informações sobre o passado históri-
cos centímetros da superfície, porque neles extraíam a matéria-prima
co longínquo (Pré-história) a partir do
como aquelas que Adamowicz para o fabrico de instrumentos de uso
estudo de elementos concretos, passa-
(1987) encontrou em Nampula, quotidiano, equiparando-se às oficinas
do este que muitas vezes é inacessível
o que indica, claramente, o uso actuais.
a outras ciências, à História, por exem-
de cereais pelas comunidades. O
plo, devido à escassez de fontes a seu
que nos parece, apesar de apre- O uso de missangas pelas comuni-
respeito (fontes escritas). O objectivo
sentar características muito anti- dades, constitui um aspecto de longa
deste trabalho é reconstruir a história.
gas, a referida mó não nos parece data. Estas serviam como objectos
cultural e o modo de vida das comuni- de adorno e de decoração, principal-
estar associada às comunidades
dades de caçadores e recolectores da mente para as mulheres (Mitchell 2002
caçadoras-recolectoras, o que
região de Manica durante a Idade da e Lewis-Williams 2004). O recurso à arte
coloca a hipótese de se associar o
Pedra Superior (IPS), a partir da aná- rupestre, empregando motivos deco-
referido artefacto a outras comu-
lise e interpretação dos instrumentos rativos diversos para expressar o quo-
nidades, talvez agrícolas.
líticos (cultura material ) da estação ar- tidiano dos seus autores, prova que
Contudo, é necessário que se queológica de Mouchiabaka. O estudo a arte/técnica, assim como a necessi-
façam mais estudos, principal- permitiu a compreensão do nosso pas- dade de deixar o legado sociocultural e
mente uma pequena escavação sado e do entendimento de certos as- económico para as gerações vindouras,
para ver se as camadas inferiores pectos culturais do presente. sempre existiram desde a aurora das
apresentam quaisquer evidên- comunidades. E mais, a arte rupestre
cias das primeiras ou últimas co- Da análise e interpretação da cultura
representa um conjunto de actividades
munidades agrícolas. Mesmo em material da estação arqueológica de
mágico-religiosas, (Lewis-Williams
termos de comunidades caçado- Mouchiabaka pode-se concluir que 2004), razão pela qual, hoje em dia, es-
ras-recolectoras, a zona possui esta estação constitui um exemplo paços contendo arte rupestre são ceri-
muitas evidências, mas são estu- típico de primeiros assentamentos de moniais e Mouchiabaka é um exemplo
das de forma doentia. O único comunidades de caçadores e recolec- típico.
trabalho mais recente e de maior tores, contudo, numa fase posterior
destaque para esta zona foi o de terá sido ocupada por comunidades de A intervenção humana em paralelo
Tore Saetersdal (2004), quando agricultores e pastores, provavelmente com factores naturais, concorre para
investigou a gruta de Chicolone não para assentamento como no perío- a degradação acelerada da estação
para estudar as pinturas rupes- do anterior. arqueológica de Mouchiabaka, com
tres nela existentes . maior destaque para as pinturas ru-
As formas de ocupação e exploração pestres. Se, por um período pouco
do meio natural foram-se alterando ao longo, não se tomar medidas para
longo do tempo, condicionadas, muitas inibir as acções humanas negativas
vezes, pelo desenvolvimento do com- à estação, corre-se o risco de se con-
portamento humano que, por sua vez, sumar uma perda irreparável ao nível
terá sido impulsionado pelo exercício do património cultural nacional. Logo,
de actividades indispensáveis à sobre- apela-se à população local para tomar
vivência, escassez e raridade de recur- acções concretas para conservar e
sos, e das condições naturais locais. preservar a estação.

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PESQUISA E EXTENSÃO Setembro - 2011 | N° 4

Ciclo de Seminários de Arqueologia e Antropologia


Após um período de silêncio no ciclo de seminários, no segundo semestre de 2010, estes foram retomados no primeiro
semestre de 2011 com um leque de participantes de universidades e instituições nacionais e estrangeiras. Os participan-
tes abordam temas actuais na área das Ciências Sociais e Humanas.

Calendário do Ciclo de Seminários Interdisciplinares em Ciências Sociais e Humanas - (1° Semestre 2011)

Data Orador Tema Instituição


Democracia & Lusotopia. Uma Visão Comparativa do Regime CEPESE (Porto) e CES
Rui Feijó
Semi-Presidencial em Portugal, Moçambique e Timor-Leste (Coimbra)
09/03 Susana Matos O falso problema dos territórios de cárcere entre reservas e
ICS (Lisboa)
Viegas terras indígenas no Brasil
Aaron Arte pública: fora dos quadros e outros experimentos em
Chicago (EUA)
Montoya Maputo
23/03
Danúbio A indizível cor da dor: morte e sofrimento nos acontecimentos
DAA/UEM
Lilhahe do paiol a 22 de Março de 2007 em Maputo
Cidade e Bairro: Classificação, Constituição e Vivência do Espaço Univ. de Cape Town /
Sandra Roque
Urbano em Luanda AustralCowi (Maputo)
06/04
Um monumento sul-africano da época de apartheid no Maputo
David Morton Minnesota (EUA)
da época da revolução
Arianna
Alimentação no Niassa: Perspectivas Antropológicas Boston (EUA)
Fogelman 
02/04 Gestão do Património Cultural na África Austral: uma reflexão
Albino Jopela sobre a custódia tradicional de sítios com pinturas rupestres em
Moçambique DAA/UEM
A operacionalização do conceito de cultura no seio das
04/05 Elísio Jossias DAA/UEM
instituições estatais de tutela
Alexandre
Fortalecendo sistemas comunitários de saúde no tratamento do
11/05 Mate e Ana
HIV. O caso do Distrito da Manhiça
Loforte DAA/UEM

Esmeralda Regulação corporal, controle e prevenção no Sul de


18/05
Mariano Moçambique DAA/UEM
Emídio Contextualizar a moralidade: Regulação sexual entre um grupo
DAA/UEM
de jovens na cidade de Maputo
Gune
01/06
Da lítica, percebendo o assentamento na Idade da Pedra Média
Mussa Raja DAA/UEM
no Rift do Niassa.

Contacto dos organizadores dos seminários:


• Dr. José P. Teixeira - jpimteix@gmail.com
• Dr. Emídio Gune - emidiogune@yahoo.com.br
• Dr. Elisío Jossias - elísio.jossias@uem.mz

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Setembro - 2011 | N° 4 PESQUISA E EXTENSÃO

Resumos das apresentações no ciclo de seminários, 1˚ Semestre 2011

Fortalecendo sistemas comunitários de saúde


no tratamento do HIV: O caso do distrito de Manhiça
Autores: Ana Loforte (Coord.), Alexandre Mate (Coord.), Emídio Gune e Adérito Machava (DAA/DH/FLCS/UEM)
O projecto Cobasys terá a duração responder à pandemia do HIV/SIDA. tocolo desenvolvido pelos parceiros
de três anos e tem como objectivos Outro objectivo é identificar as suas do Zimbabué (TARSC). A metodologia
i) potenciar as comunidades para o forças e fraquezas para desenvolver usada no projecto é essencialmente
combate do HIV, ii) criar mecanismos estratégias que reforcem os mecanis- qualitativa, encorajando-se uma con-
sólidos de apoio no tratamento do mos existentes para prevenção, trata- venção aberta num processo bastante
HIV aos grupos vulneráveis e iii) criar mento e cuidados de SIDA. Para a con- interactivo procurando desenvolver
uma rede na África Austral para ad- cretização deste forum considerou-se parcerias entre os pesquisadores e
vocacia e diálogo político nesta ma- fundamental a realização de uma pes- os informantes. o projecto está numa
téria. O projecto será realizado em quisa participativa com grupos focais fase preliminar, não tendo ainda resul-
conjunto com quatro países africanos de discussão, de acordo com um pro- tados definitivos.
nomeadamente: Tanzânia, Zimbabué,
Malawi e Moçambique e três países
europeus: Inglaterra, Finlândia e Itália. Cidade e Bairro: Classificação,
Moçambique, através da UEM/FLCS/
DAA deverá liderar o estabelecimento Constituição e Vivência
de stakeholders Forum. Neste Fórum
a ideia principal é mapear as institu- do Espaço Urbano em Luanda
ições, os recursos e os actores sociais,
seus mandatos nas comunidades, para Autora: Sandra Roque (antropóloga, Directora de
Consultoria na AustralCOWI)
Contextualizar a moralidade: As cidades angolanas são frequentemente descritas
Regulação sexual entre um em termos dualistas que se referem, por um lado, a um
“centro”, a uma “cidade urbanizada” e, por outro, a uma
grupo de jovens na cidade de “periferia”, a uma “cidade sub-urbanizada”. Esta visão
dualista dos espaços urbanos angolanos é, no caso de
Maputo Luanda, mais frequentemente descrita pelos termos
“baixa” e “musseque” e, no caso de Benguela, por “cidade”
Autor: Emídio Gune (DAA/FLCS/UEM)
e “bairro”. Embora a realidade das cidades angolanas não
Na literatura antropológica, a moral tem sido apresentada corresponda a esta concepção dualista do espaço, estes
como uma regulação de valor absoluto, distinta e acima termos são muito comuns e a sua utilização está muito
das outras formas de regulação social, e que distingue o profundamente enraizada na sociedade angolana. Tendo
bom e o mau e proíbe, explicitamente, aquilo que é consid- como exemplo a Cidade de Benguela e apoiando-se
erado como mau. Essa forma de pensar moral, que reflecte em Bourdieu (1979), este artigo defende que “cidade” e
um projecto de ordenamento social proposto pela tradição “bairro” funcionam como esquemas classificatórios que
judaico-cristã, tem dificultado a compreensão da regulação possuem forte poder simbólico e estruturante – “cidade”
social enquanto um constructo social. evoca o espaço urbanizado, ordem e o que de Certeau
(1990) denomina “espaço apropriado”; “bairro” está
Neste artigo irei propor dois pontos que podem contribuir
associado a noções de suburbano, desordem e caos. O
para suprir essa limitação analítica sendo o primeiro a ne-
artigo sugere que o poder simbólico de “cidade” provém
cessidade de tomarmos o contexto como unidade básica
de forte relações históricas, sociais, culturais e políticas
de análise e o segundo, de nos desprendermos do projecto
com a noção de “desenvolvimento”. A “cidade” parece
cristão como quadro moral padrão. A minha proposta será
ser o lugar onde o desenvolvimento acontece – onde é
suportada por material etnográfico recolhido entre um
possível não apenas viver uma “vida material apropriada”,
grupo de jovens na cidade de Maputo.
mas também tornar-se uma “pessoa apropriada”.

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PESQUISA E EXTENSÃO Setembro - 2011 | N° 4

Resumos das apresentações no ciclo de seminários, 1˚ Semestre 2011

Gestão do Património Cultural na África Austral: uma reflexão sobre


a custódia tradicional de sítios com pinturas rupestres em Moçambique
Autor: Albino Jopela (DAA/FLCS/UEM)
Em muitas partes da África Aus- não plenamente reconhecidos pelos com sítios de arte rupestre. Em Moçam-
tral os sistemas formais de gestão do organismos do Estado responsáveis bique, a paisagem cultural de Vumba,
património não têm conseguido, por pela gestão do património cultural. no Distrito de Manica, é usada como
si só, garantir a protecção de sítios de Esta comunicação basea-se num estudo de caso e o sistema de custódia
arte rupestre, bem como a salvaguar- estudo que procura perceber se um tradicional aqui existente é comparado
da dos valores patrimoniais (algumas conhecimento mais aprofundado dos aos sistemas dos Montes Matobo (Zim-
vezes sagrados) associados a tais sítios. sistemas de custódia tradicionais pode babwe) e Chongoni (Malawi).
As comunidades que vivem nas prox- fornecer orientação para a adopção de Numa tentativa de combinar os as-
imidades de sítios do património cul- métodos mais eficazes e sustentáveis pectos positivos dos sistemas tradicio-
tural têm, desde períodos históricos, para a gestão de sítios de arte rupestre, nais e formais de gestão do património,
desempenhado um grande papel na alguns dos quais imbuídos de valores Jopela recomenda a adopção de um
salvaguarda de locais com significado sagrados. O trabalho analisa alguns modelo de gestão do património ori-
cultural através dos seus sistemas de sistemas de custódia tradicional na entado pelo “pluralismo jurídico” na
custódia tradicional. Contudo, muitas sub-região Austral da África, mais espe- legislação cultural e enriquecido por
vezes esses sistemas são ignorados ou cificamente, a relação destes sistemas uma “filosofia de cosmopolitismo”.

Regulação corporal, controle e Da lítica, percebendo o


prevenção no Sul de Moçambique assentamento na Idade da
Pedra Média no Rift do Niassa
Autora: Esmeralda Mariano (DAA/FLCS/UEM)
Nesta comunicação exploram-se corpo para os processos sexuais e Autor: Mussa Raja (DAA/FLCS/UEM)
as noções do corpo e os proble- gerativos, assim como para as in- Esta comunicação apresenta os resultados
mas reprodutivos segundo o con- tervenções biomédicas. O corpo, de uma pesquisa arqueológica efectuada na
hecimento e a visão endógena na perspectiva da subjectividade província do Niassa nos terraços lacustres da
nas regiões de Maputo, Magude e ainda não mereceu a devida Margem Centro Oriental do Lago Niassa, na
Xai-Xai. São abordadas diferentes atenção, apesar da existência de Vila de Metangula, distrito de Lago no ano de
perspectivas que se interligam, vários estudos antropológicos 2005 no âmbito do projecto Património Ar-
contrastam e se complementam. que abordam as suas condições, queológico e Cultural (PAC) coordenado pelo
Por um lado, a visão biomédica potencialidades e incapacidades. Professor Júlio Mercader.
observa o corpo individual, em Estas emergem das exigências in- Dos materiais arqueológicos obtidos nesta
particular o da mulher, a sua fun- stitucionais feitas sobre o corpo, pesquisa, consta um conjunto de artefactos
cionalidade fisiológica, dando quer dos discursos e práticas dis- líticos achados em contexto arqueológico ao
primazia ao visível, ignorando a ciplinares, ou mesmo dos desejos longo da escavação feita na estação arque-
dimensão psicológica, espiritual, e necessidades individuais. Uma ológica de Mikuyu e posteriormente analisa-
dos desejos e das relações sociais. análise que inclua os contrastes dos em laboratório. Essa indústria lítica que
Por outro, a visão endógena, dos e as formas de subordinação às figura o objecto de análise no presente tra-
praticantes da medicina tradicio- normas estruturais é fundamen- balho, assinala os aspectos da evolução tec-
nal, concebe o corpo como social, tal. Com esta pesquisa, ainda nológica e cultural ocorrida ao longo do Pleis-
integrando o visível e o invisível. em curso, exploram-se as pos- toceno Médio e Superior. A sua localização,
Os médicos tradicionais desen- sibilidades de uma abordagem variabilidade e utilização contribuíram teori-
volvem técnicas conducentes à diferente que visa melhorar a camente na percepção que o Rift do Niassa
moldagem, regulação e equilíbrio compreensão do corpo integral e teria sido assentado pelas comunidades de
do corpo individual e social, me- da incapacidade reprodutiva, re- caçadores e recolectores, explorando, de
diante suas habilidades de pre- conhecendo outros saberes não um modo contínuo, o ecossistema durante a
pará-los, “abrindo” e “fechando” o hegemónicos. Idade da Pedra Média.

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Setembro - 2011 | N° 4 PESQUISA E EXTENSÃO

Resumos das apresentações no ciclo de seminários, 1˚ Semestre 2011

Um monumento sul-africano
da época de apartheid no Maputo da época da revolução
Autor: David Morton (Universidade de Minnesota, EUA)
Na sequência da sua independên- Tregardt foi aberto no local, pensado- moçambicana caía em ruína física, o
cia em 1975, Moçambique embarcou se ser o local dos restos de Tregardt e memorial voortrekker de Maputo foi
numa campanha completa para apa- sua esposa. Encontrar um monumen- mantido quase perfeitamente intacto.
gar símbolos do passado colonial. Em to da era do apartheid situado numa
Baseado em pesquisa no arquivo
Maputo, no entanto, dois monumen- ruazinha a apenas dois blocos da Câ-
da Louis Tregardt Society, situado em
tos significativos foram deixados soz- mara Municipal de Maputo pode vir
como uma surpresa, mas o verdadeiro Pretória (e só recentemente tornado
inhos. Um deles era um memorial a Ia
mistério não é por que o memorial foi público) e em entrevistas com mem-
Guerra Mundial. O outro, o tema deste
construído, mas sim como ele sobre- bros desta sociedade, o arquitecto do
trabalho, era um memorial para o
viveu. memorial, e ex-oficiais da Frelimo, este
grupo boer de “voortrekkers” liderado
trabalho utiliza a sobrevivência do
por Louis Tregardt. Em 1838, depois de Na década de 1980, a África do Sul memorial Tregardt a fim de contribuir
quase três anos de viagem, a banda assumiu o papel da ex-Rodésia como para a discussão da relação entre ci-
Tregardt saiu do mapa moderno da inimigo principal de Moçambique, dadãos de Maputo com os espaços
África do Sul e terminou a sua jorna- apoiando a Renamo e alimentando urbanos e também falar das relações
da no pé da fortaleza portuguesa de uma guerra catastrófica. No entanto, históricas entre as duas terras. Tem
Lourenço Marques. Dentro de um ano mesmo enquanto as forças armadas sido uma relação de dependência
a grande parte da banda sucumbiu à sul-africanas ameaçavam de invasão,
quase total em que, pelo menos entre
malária e, em 1968, no auge do nacio- enquanto os serviços de segurança
1975-1992, as condições de guerra ab-
nalismo política e cultural afrikander sul-africanos lançavam ataques em
erta e de paz declarada muitas vezes
(não percebo o que se pretende dizer Maputo e seus arredores, enquanto
existiam ao mesmo tempo.
aqui, será nacionalismo politico e cul- as forças de Renamo cercavam a ci-
tural?) um memorial para a Trek de dade, até mesmo enquanto a capital

Participação em Eventos:
Congressos, Seminários e Palestras

Esmeralda Mariano, doutoranda Organizado pelo Ministério do Plano Seminário sobre Redução da Po-
em Antropologia e docente no DAA/ e Desenvolvimento (MPD). Este semi- breza e Justiça de Género no Con-
FLCS/UEM apresentou uma comunica- nário contou com a participação de texto do Complexo Pluralismo
ção no European Doutoral Seminar Margarida Paulo, docente no DAA/ Legal-América Latina e dimensões
in Anthropology of Social Dinamics FLCS/UEM. africanas. Maputo, 17 de Fevereiro
and Development Leuven, Belgium II Encontro SBPRJ-CPLP: Psicaná- de 2011. Organizado pelo Departa-
entre 14-15 de Abril de 2011, com lise e Cultura, Sexualidade e Agres- mento de Antropologia e Arqueologia
o título: Regulação corporal, controle e sividade em Nossos Tempos e em da UEM, Universidade de Bergen e
prevenção no Sul de Moçambique. nossas Culturas, 20-23 de Abril de Chr. Michelsens Institute da Noruega.
Seminário sobre Desenvolvimen- 2011. Organizado por SBPRJ, MISAU, Margarida Paulo participou neste se-
to Agrícola: Fundamentos e Expe- UP, APM, ARES e UEM. Margarida minário com a apresentação de quatro
riências comparativas entre Mo- Paulo participou neste Encontro com resumos dos estudos desenvolvidos
çambique e Vietname, 3 de Maio de a apresentação de um powerpoint: em conjunto com o DAA, CM e Aus-
2011. [Poster apresentado: ‘Opitanha’ Percepções sobre a fertilidade entre os tralCowi sobre as Relações Sociais da
Revisitado: Relações Sociais da Pobre- residentes do Bairro da Mafalala. Pobreza Urbana e Rural em Moçambi-
za Rural no Norte de Moçambique]. que.

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Entrevista Setembro - 2011 | N° 4

Entrevista com “Hilário Madiquida” - Docente no DAA/FLCS & Chefe da secção de Arqueologia

O arqueólogo pode contribuir


em várias áreas como cientista social
Por: Décio Muianga & Lizete Mangueleze

De onde surgiu o seu interesse em pensei que fosse fácil mudar para o cur- a língua russa
estudar e ser arqueólogo? so de Antropologia, mas também não
Que factores e pessoas foram deter-
Posso dizer que não escolhi fazer Ar- fui aceite. Então, não tendo outra saída,
minantes para esta escolha, uma vez
queologia, nós quando terminamos o conformei-me e fiz o curso de História e
que nesta altura existiam poucos pro-
ensino médio, 11ª classe na escola Pré- especializei-me em Arqueologia.
fissionais da área no país?
Universitária 1º de Maio de Nampula E porque decidiu especializar-se em Em Moçambique, eu nasci e cresci nas
houve um plano, partindo do presiden- arqueologia? zonas libertadas, sou membro da Freli-
te Samora Machel e Graça Machel, então
Porque eles dão Arqueologia de forma mo e na altura que eu viajei à União So-
Ministra de Educação e Cultura, que mais
interessante, juntam várias ciências têm viética, ainda trabalhávamos para o bem
ou menos nos meados de 1990 mais de
Arquitectura antiga, Antropologia, Psi- da nação. Aquilo que o governo decidia
80% dos docentes do ensino superior
cologia, Grego antigo, Grego novo, La- tinha de ser cumprido sem reclamação,
deviam ser moçambicanos, então a ida
tim, Árabe... No meio do curso comecei mesmo que eu não quisesse fazer o cur-
à União Soviética foi resultado desse
a interessar-me pela Arqueologia com so, era da decisão do governo, então
plano imperioso do governo. Em 1987, o
o apoio das minhas professoras. Elas, tinha que fazer. O verdadeiro interesse
governo decidiu concretizar esse plano
como já sabiam que eu queria fazer An- começou quando chegamos à União So-
de formar quadros superiores nacional
tropologia começaram a incentivar-me viética pois explicaram-nos a importân-
para assumirem posteriormente o en-
para seguir Arqueologia porque tam- cia do curso para o país, mas a História
sino superior em Moçambique, o meu
bém estudava o homem, portanto, não estava muito influenciada pelas ideolo-
grupo foi o mais numeroso e mais diver-
estava muito longe da História e da An- gias Marxistas-Leninistas e a segunda
sificado, em termos das especialidades,
tropologia. guerra mundial. Nessa altura, o mundo
para diferentes países (União Soviética,
estava divido em 3 blocos, OTAN, Pac-
Alemanha Democrática, Hungria, Che- Como foi o processo de assimilação
to de Varsóvia e Países não-alinhados,
coslováquia, Polónia, Brasil e Zimba- da língua?
onde Moçambique se encontrava. A
bwe). Eles têm uma técnica muito diferente minha ida à União Soviética para estu-
Nós tínhamos quase todas as espe- e prática que nunca encontrei em ne- dar História tinha interesses políticos e
cialidades mas as especialidades eram nhuma parte. Fomos recebidos por rus- ideológicos para o país, preparar o ca-
distribuídas de forma aleatória. Nós par- sos que falavam Português, que tinham minho para o comunismo, leccionando
timos para a URSS de forma obrigatória, trabalhado muito tempo fora do país e o marxismo-leninismo nas Instituições
não escolhíamos. O governo decidia o falavam fluentemente a língua portu- do ensino superior. Nessa altura apenas
país e o curso a ser feito, normalmente guesa. Depois ficamos um ano a apren- havia a Universidade Eduardo Mondlane
não era permitido mudar de especiali- der a língua russa mas a aprendizagem e o Instituto Superior Pedagógica, para
dade. Por exemplo, nós fomos à União era direccionada, você era integrado dizer que não houve escolha, foi o dese-
Soviética e éramos muitos para diferen- numa turma em que tudo o que você jo do governo.
tes especialidades, Matemática, Psico- via estava relacionado com o seu curso
logia, Economia Política, Física e eu fui o que facilitava entender o que você lia Disse que as docentes acabaram por
integrado na área de História e, quando nos livros do seu curso mais do que se influenciar a sua escolha para espe-
chegamos a Moscovo, ficamos um mês fosse aprender a língua de forma geral. cializar-se em Arqueologia, lembra-se
no Hotel Universitário e depois fomos Em um ano todos já sabíamos falar rus- de alguns nomes?
distribuídos para várias Repúblicas da so. Além da turma, em toda a sua volta As minhas co-supervisoras as Profes-
União Soviética e eu fui para a Universi- falava-se russo, nas comunidades, nas soras Doutoras Gúlia Dresvianski e Lu-
dade Estatal de Tashkent, na República lojas, nas ruas, etc. Outra coisa que aju- dmila Smirnov. No Uzbequistão havia
Socialista Soviética de Uzbequistão. dou muito na aprendizagem da língua muitos russos porque durante a segunda
Quando cheguei lá, depois de um ano russa foi a separação, o colega do quarto Guerra Mundial foi onde se fabricavam
de aprendizagem da língua russa, tentei tinha que ser de outra língua e naciona- tanques e aviões de combate. Os nossos
mudar o curso para fazer Medicina mas lidade, então para se comunicar tinha-se professores todos eram russos, a Dra.
a Universidade, assim como a embaixa- que se recorrer ao russo. Mesmo antes Natália Vladmir era professora de Histó-
da Moçambicana em Moscovo, não acei- do fim do curso falávamos russo como ria do mundo, o Dr. Antoniev dava Histó-
taram alegando que era obrigatório fa- se fôssemos russos e como estudamos ria da União Soviética, Dra. Dresvianski
zer o curso indicado no país de origem, em turmas russas não falávamos a lín- dava técnicas de prospecção e escava-
no meu caso o curso de História. Como gua local de Uzbequistão. Como prova ção arqueológicas e a Dra. Smirnov dava
estava na Faculdade de Ciências Sociais, disso, eu tenho certificado para ensinar técnicas de processamentos e descrição

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Setembro - 2011 | N° 4 Entrevista

do material arqueológico. Outros que já para Arqueologia como ciência sem in- folhas de mandioca que pilávamos, fer-
não me recordo, pois só se tivesse a mi- fluência porque foi ensinada como tal, víamos e servíamos no almoço ou jantar.
nha tese (escrita em russo) para recordar obedecendo todos os princípios cien- Então, normalmente, o meu percurso
os nomes dos outros docentes. tíficos e metodologias de análises de académico foi assim. Desde a 1ª clas-
A sua tese está em russo, nunca pen- dados, escavações, descrições, análises se passei para o Internato de Hidovo
sou em traduzi-la para Português? estratigráficas, tudo isso foi feito obede- (Centro Internato de Hidovo 1975-1976)
cendo todas as exigências desta ciência depois da primeira e segunda classes,
Pensei várias vezes... É uma tese dife- sem seguir o marxismo-leninismo, en- mandaram-me para Lupudi (3a classe-
rente das outras porque foge um pouco tão posso dizer que, na Arqueologia não Centro Internato de Lupudi 1977), em
à regra comum, fala sobre a “utilização houve nenhuma alteração. Aliás, eu pró- 1978 mandaram me para o Centro Piloto
dos métodos das ciências naturais nas prio sou resultado dessa escola e não de Nangade onde fiz a 4ª, de lá devíamos
pesquisas Arqueológicas” descreve sobre me vão dizer que sou mau arqueólogo. ir estudar em Niassa porque o governo
a utilização dos sismógrafos para levan- Mas como se sabe, Karl Marx interveio decidiu que deveria haver intercâmbio
tamentos subaquáticos, questões de em todas as áreas científicas, incluindo entre estudantes de diferentes provín-
métodos, datações etc. É uma tese mais a Arqueologia. cias. Em 1979 fomos para Niassa, só que,
técnica ligada às questões e ciências chegado à Escola Secundária de Singe
Eu vivia numa zona com muitas esta-
técnicas usadas nas pesquisas arqueo- em Lichinga, não havia vagas para nós
ções arqueológicas, com cidades muito
lógicas. estudarmos, então tivemos que voltar
antigas, algumas delas datadas 2.000
Que métodos e perspectivas teó- anos, início do 1º milénio a.n.e., etc., para Cabo Delgado e quando chegamos
ricas as pesquisas arqueológicas se- como é o caso de Samarkand (700 a.n.e., também já estávamos muito atrasados
guiam nesta altura em que começou a Khiva séc. 6 n.e. Tashkent velha 2.000 porque passávamos muito tempo e só
envolver-se com Arqueologia? a.n.e), então havia muitos arqueólogos voltávamos em Agosto.
Era difícil mudar as teorias, a ideologia estrangeiros que aqui se deslocavam Naquela altura havia o Ministério de
prevalecente era a ideologia marxista- para pesquisas arqueológicas e nós ía- Educação e Cultura. Estava muito bem
leninista, apesar de termos tido contac- mos para essas cidades semestralmente, organizado. Ter um aluno sem estudar
to com outras teorias e ideias ocidentais também para escavações arqueológicas. era um problema para a Direcção Pro-
através de palestras de professores oci- Tivemos também professores convida- vincial, então quando começaram as au-
dentais convidados como americanos e dos de universidades de países ociden- las na Escola Secundária de Mueda nós
ingleses. Não se falava de História sem tais que vinham fazer pesquisas e davam fomos os primeiros alunos com vagas
mencionar a teoria marxista-leninista. algumas aulas, portanto, nós, apesar de reservadas e logo começamos a estudar,
Mas foi um período também interessan- seguirmos a escola marxista-leninista, isso em 1980. Fiz nessa escola, em 1980,
te, porque começava-se com as refor- também tivemos essa interacção de ide- a 5ª e 1981 a 6ª classe e depois fui para
mas, quer na economia quer na educa- ologias. a Escola Secundária de Pemba, onde
ção, com o Mikhail Gorbatchov no poder fiz a 7ª, 8ª e 9ª classes de 1982 a 1984.
Quando é que a Arqueologia vira
na União Soviética. Em 1985 fui enviado para a escola pré-
uma paixão?
universitária do 1o de Maio em Nampula.
1987 - 1993 – Mestrado em História Quando escolhi como área de espe- A ida para a Nampula não foi ao acaso.
na área de Arqueologia pela Universi- cialização, passei a ir nas escavações, a Nessa altura, começava a haver falta
dade Estatal de Tashkent-URSS (1987- visitar cidades antigas, a participar nos de vagas porque em toda a zona norte
1993) programas voluntários de restauração (Cabo Delgado, Nampula e Niassa) ape-
Terminámos o tronco comum e tive- das cidades de Khiva e Samarkand a nas havia uma escola pré-universitária
mos mais três anos para fazer o Mes- partir daí comecei a interessar-me mais, e, para premiar os estudantes com boas
trado, ligamos da Licenciatura para o fazendo mais leituras e pesquisas é por notas, no primeiro semestre de 1984, a
Mestrado e a tese foi a mesma, só que isso que a minha tese foi sobre metodo- Direcção Nacional de Educação e Cultu-
defendi no Mestrado. O que fizemos foi logias de investigação em Arqueologia. ra veio à nossa escola em Pemba e numa
uma ligação. Se tivéssemos seguido os Fale-nos do seu percurso de Cabo reunião com os estudantes da 9a disse
quatro anos de licenciatura, teríamos Delgado até chegar à extinta União que todos os estudantes que fossem a
concluído e voltado à Moçambique mui- Soviética para formação superior. dispensar, no final do ano tinham vagas
to antes. garantidas na escola Pré-Universitária 1º
Como já disse anteriormente, eu nas-
de Maio de Nampula. Eles perguntaram
Disse que as teorias vigentes na ci e cresci nas zonas libertadas. Depois
quem ia dispensar, eu levantei a mão e
altura eram as marxistas-leninistas, da independência, mais precisamente
um outro colega também, levaram os
umas teorias com influências da eco- em 1976, saí para o Centro Internato de
nossos nomes para Maputo.
nomia política. Qual foi o resultado Lupudi porque naquela altura não se ia
ou contribuição destas opções para a à escola e voltava-se para a casa. Logo Nessa altura eu era chefe dos alunos
Arqueologia? que fosse para a escola ia directamente em Pemba e tinha que fazer de tudo
para o Centro Internato. No centro pas- para conseguir cumprir a promessa de
Normalmente tinham um grupo de dispensar. No segundo semestre es-
docentes que apesar de estarem ligados sávamos várias dificuldades, podíamos
ficar uma semana sem comer, comíamos forcei-me para dispensar e, realmente,
à ideologia marxista-leninista olhavam

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Entrevista Setembro - 2011 | N° 4

terminei o curso com 18 valores e assim Arqueologia na Rússia e a Paula é da es- O Teixeira Duarte tinha vários con-
a vaga de Nampula foi minha. cola Soviética, o que tornou mais fácil a tactos e tinha feito várias pesquisas e a
Quando voltava de Mueda, férias de nossa conversa. minha integração nas pesquisas que ele
1985, depois de ter terminado a 10a em Quando voltei à Moçambique em 1993
Nampula, o nosso carro de estudantes o Ministério da Educação tinha enviado
entrou numa emboscada da RENAMO um carro para receber-me no aeroporto.
e foi atacado. O motorista e mais duas Como era o único com transporte, todos
pessoas morreram no local e eu fui fe- os colegas entraram no carro e levaram-
rido no braço direito. Tive que regressar nos para o lar do Instituto de Formação
para Mueda para receber tratamentos de professores Elisa Machava. Como já
e a minha recuperação só foi possível tinha terminado a afectação dos regres-
em Abril. Havia falta de transporte na sados, cada um tinha de procurar o seu
altura andava-se em colunas por cau- emprego, foi o que eu fiz. Meti requeri-
sa da guerra, mas tive sorte porque o mento em várias instituições (Ministério
General Chipande enviou um Antonov da Administração Estatal, na Universi-
que trazia mercadoria de Nacala, então dade Pedagógica, na Universidade Edu-
contei o sucedido ao piloto e ele aceitou ardo Modlane etc.), mas como já tinha
levar-me para Nacala, donde apanhei a mantido contacto com a UEM quando
coluna para Nampula. Em Nampula as vim de férias, a Paula Meneses disse-
aulas já haviam começado há 4 meses me que precisavam de um arqueólogo
mas, como a informação do meu feri- e que eu poderia ficar no DAA. Nessa Hilário Madiquida, Docente no DAA/FLCS &
mento havia chegado à escola, a Direc- altura o Dr. Alexandre Mate era o chefe Chefe da sessão de Arqueologia
ção Pedagógica da escola deu-me duas do departamento, fui recebido por ele
escolhas: anular a matrícula e voltar no e comecei a trabalhar, mas houve um
ano seguinte ou estudar sob risco de re- problema porque quando chegamos, os
nossos diplomas não foram reconheci- desenvolvia em Moçambique foi impor-
provação, optei por estudar porque se
dos como mestrados, não se sabe muito tante porque precisava de alguém que
reprovasse pelo menos seria mais fácil
bem porquê. tivesse feito trabalhos sobre Moçambi-
assimilar a matéria no ano seguinte. No
que, que me pudesse orientar por que
fim do primeiro semestre as minhas no- Porque os diplomas não foram reco- fiz Arqueologia mas era uma Arqueolo-
tas variavam entre 9 e 10 valores, o que nhecidos? gia asiática e da Europa Oriental. Para
não era mau e fui aprovado. No segundo Não entendi muito bem os motivos, além do Ricardo, fiz trabalho de campo
semestre comecei o semestre com os mas alegaram que os diplomas dos que com a Paula Meneses sobre a Idade da
colegas e fiz tudo para ter notas máxi- estudaram nos países da Europa do les- Pedra e também fiz a Idade do Ferro com
mas para equilibrar as notas do primei- te não deviam ser reconhecidos ou dar Paul Sinclar.
ro semestre e conseguir dispensar e foi equivalências de mestre pelo Ministério
exactamente isso o que aconteceu, no da Educação, portanto, todos deviam ser Em 1995, participei na campanha de
fim do ano fui dispensado e como havia considerados licenciados porque não ia pesquisas arqueológicas em Chibuene e
uma ordem do governo que todos os de acordo com aquilo que era a forma- Manyikeni com arqueólogos moçambi-
estudantes com boas notas deviam con- canos e nórdicos da Suécia e Dinamarca,
ção dos países ocidentais. Por isso, optei
tinuar o ensino superior, eu e outros co- o que foi muito bom porque foi a minha
por fazer outro Mestrado na Suécia e só
legas fomos enviados à União Soviética. integração. Tudo o que eu via na Rússia
10 anos mais tarde, quando se funda o
e não sabia como funcionava aqui vi,
O seu percurso académico tem certa Ministério de Ensino Superior, Ciência
de facto, e ganhei o background. Então
relação com o governo, foi à tropa? e Tecnologia é que os diplomas foram
foram pessoas muito importantes e de-
de novo requalificados e reconhecidos
Não, mas recenseei-me e nunca fui terminantes para o sucesso da minha
como mestrados. Assim, tive de fazer
chamado, se fosse, talvez hoje não seria carreira e da minha integração aqui na
dois mestrados para poder passar para
um académico, seria um militar. Tenho faculdade.
o doutoramento.
guardado o cartão de recenseamento
Entre 1996 e 2003 foi Chefe da Sec-
militar até hoje. Na Suécia teve problemas?
ção de Arqueologia, cargo que reto-
Fale-nos do seu percurso até chegar Não, eles reconheciam o meu diploma mou em 2007, fale-nos deste percur-
à Universidade Eduardo Mondlane, da União Soviética, o problema era aqui, so.
quando foi o regresso à Moçambique. internamente.
Quando comecei a trabalhar na UEM,
O meu percurso foi bom porque em A sua participação nas campanhas a Secção de Arqueologia já existia mas
1990 vim de férias e vim visitar o De- de Arqueologia com o Dr. Paul Sinclair como o Teixeira Duarte não estava mui-
partamento de Arqueologia e Antropo- e Dr. Ricardo Teixeira Duarte no seu to interessado em tomar qualquer tipo
logia, encontrei-me com a Dra. Maria regresso da URSS ao país, o que repre- de direcção e a Paula Meneses estava
Paula Meneses, Dr. Ricardo Teixeira Du- sentou este momento na sua carreira mais interessada em fazer pesquisa para
arte com quem falei um pouco sobre a de pesquisador? o Doutoramento, não queria assumir

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Setembro - 2011 | N° 4 Entrevista

qualquer responsabilidade, então pro- Arqueologia subaquática era o Teixeira um trabalho de consultoria que realiza-
puseram que eu dirigisse a Secção de Duarte e estava parado devido a pro- mos no Ministério da Agricultura, não
Arqueologia porque havia coisas que blemas que teve com os “Arqueonautas”. usamos o dinheiro de forma particular.
precisavam de alguém presente e à fren- Havia pesquisas da Idade da Pedra, rea- Canalizamos todo ele para a compra do
te disso para a sua direcção, e eu aceitei. lizadas pela Dra. Paula Meneses para o equipamento. Conseguimos fazer dois
Havia vários projectos que, de facto, era Doutoramento dela e a Idade do Ferro projectos que posteriormente foram
necessário que alguém orientasse. Havia que era mais abrangente porque havia aprovados pela SIDA/SAREC e tivemos o
dois projectos financiados pela Suécia, o três pessoas (Ricardo, eu e a Dra. Solan- apoio financeiro e continuamos com as
Urban Origins e o Projecto Bilateral. ge) que trabalhavam nisso para além pesquisas.
Nessa altura havia muitos problemas de Paul Sinclair e Anneli Ekblom que
Regressou da União Soviética com
na secção de Arqueologia que impediam vinham para realizar pesquisas. Foi um
influência do marxismo-leninismo.
a contratação de finalistas do curso de momento dinâmico com pesquisas em
Como foi o seu enquadramento num
História. Os docentes não se entendiam todo o país, a Dra. Solange fazia pes-
quadro teórico diferente?
na Secção de Arqueologia e também ha- quisas no Centro e Sul, eu e o Teixeira
fazíamos no Norte já o Paul fazia no sul, Foi fácil, éramos três (Solange, Paula e
via problemas entre as duas secções, eu
concretamente em Inhambane. eu) formados na União Soviética contra
tinha que servir de mediador, estando
apenas um, o Ricardo, porque o Paul Sin-
nos dois lados para poder ter harmonia Nesse período qual era a visão da clair já não estava aqui. Mas como disse
e fazermos as pesquisas em conjunto. UEM em relação a Arqueologia? no início, não houve nenhum problema
Os problemas internos que giravam à A arqueologia sempre foi vista como porque a formação em Arqueologia era
volta das contratações, impediram, du- sendo uma área de ensino porque as a mesma e as metodologias também
rante muito tempo, a abertura do curso actividades realizadas eram mais liga- eram idênticas. Encontrei os colegas a
de Arqueologia, porque sempre foi um das ao ensino de História, por um lado, trabalharem e quando quis integrar-me
sonho abrir o curso aqui na Faculdade porque não tínhamos o curso de Arque- no grupo em termos de participar nas
mas as pessoas que eram seleccionadas ologia então tudo ficava concentrado na escavações e análise de dados não hou-
para a contratação eram sempre refuta- História, embora houvesse aquelas acti- ve problema porque era igual ao que fa-
das. vidades associadas à investigação ligada zíamos nos trabalhos de campo em que
Porquê, falta de perfil? à formação. participei na União Soviética, que servia,
A nível central, a ideia de que existe e serve, até hoje para escavações e aná-
Não, não era isso, lembro-me até do
Arqueologia é idêntica à que existe, ac- lise de dados.
Mário Chitaúte que acabou passando
para o Departamento de História e mui- tualmente, porém, hoje tem mais consi- Na pré-história havia ideologias do
tos outros. deração pelo facto de já existir o curso marxismo-leninista. Quando cheguei
de Arqueologia aqui na universidade. A não tive aquele gozo de Assistente Esta-
Entre 2003/2005 foi simultanea- Arqueologia era considerada uma disci- giário que, normalmente, fica a aprender
mente Director-Adjunto da Faculdade plina que se leccionava no curso de His- com o regente mas sem dar aulas pois a
de Letras e Assistente Universitário tória. Logo que o estudante terminasse Paula e o Ricardo não estavam cá. Tive
da UEM. Nesse período, qual foi o seu o curso terminava ali a Arqueologia, mas que assumir a cadeira da Pré-História, na-
envolvimento com a pesquisa? o importante é que sempre houve inte- quela altura era difícil falar das Ciências
As pesquisas sempre continuaram e resse por parte dos arqueólogos em de- Sociais sem uma visão Marxista-Leninis-
em 2005 defendi o meu segundo mestra- senvolver pesquisas, as pesquisas nunca ta, algumas teorias ainda funcionam até
do na Suécia, que culminou com a publi- pararam em Moçambique. Estiveram hoje e outras já estão mortas. Costumo
cação do meu livro, como resultado das todo o tempo em activo. dizer que nem tudo o que Lenine, Engels
pesquisas em Cabo Delgado. Dentro do Vale ressaltar que o apoio externo e Marx escreveram está errado. Se fosse
departamento, as pesquisas eram feitas foi determinante para a realização das assim não teríamos universidades, por
a um bom ritmo, tínhamos fundos e era pesquisas, pois, sem esse apoio não exemplo, nos Estados Unidos que só es-
interessante porque fazíamos trabalhos teria sido possível. Eu participei, várias tudam marxismo-leninismo para saber a
em conjunto, arqueólogos e antropólo- vezes, em conferências internacionais essência dessas teorias. Era uma ideolo-
gos e tudo corria muito bem como um para solicitar fundos para a realização de gia vigente e ninguém tem o direito de
Departamento efectivamente sem sepa- pesquisas porque houve poucos apoios criticar a História e nem julgá-la.
ração. Pode reparar que o equipamento financeiros por parte da UEM, quer para Tem um Mestrado na União Soviéti-
que temos aqui no departamento foi a pesquisa ou para compra de equipa- ca e um segundo Mestrado e Douto-
comprado em conjunto com o fundo do mento. Lembro-me que, na altura, re- ramento com Paul Sinclair na Suécia.
Urban Origins e Fundos bilaterais. Usáva- cebíamos dinheiro para o uso interno, Considera-se seguidor da escola ar-
mos fundos desses projectos para com- como por exemplo a reabilitação do queológica Sueca?
prar equipamento e fazer pesquisa. edifício.
Paul Sinclair é um sueco-moçambica-
Faziam pesquisas de Arqueologia A título de exemplo, o primeiro com- no porque passou maior parte do seu
subaquática? putador e impressora deste departa- tempo em Moçambique e o que faz na
Nesse período quem fazia a mento foi adquirido com o dinheiro de Suécia é o que fazia aqui, então não está

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Entrevista Setembro - 2011 | N° 4

muito longe da realidade moçambicana para estabelecer o comércio à longa dis- trabalho não é prejudicar os estudantes
apesar de haver certas diferenças. Paul tância, já se faziam trocas comerciais en- é dar aulas para que os estudantes sai-
Sinclair, como supervisor, segue mais es- tre as comunidades locais, embora não bam o que nós sabemos também, então
colas africanas e não europeias porque fosse à longa distância. Portanto, penso comecei a modificar algumas coisas e a
é formado em Arqueologia africana e, que um dos árabes visitou aquela zona direcção teve conhecimento disso por-
como tal, as suas pesquisas são mais so- e viu que havia aqueles produtos e daí que o número de estudantes aprovados
bre África e não sobre Europa. Com ele teve interesse em exportar os produtos aumentou e houve um grande interesse
sinto-me bem e depois tenho um cen- da Costa Oriental Africana para a Ásia, pela área da Arqueologia.
tro intelectual mais vasto porque tenho por isso, sempre afirmo que o comércio Não sei exactamente o que aconteceu
África, Ásia e Europa e orgulho-me por entre comunidades locais sempre exis- mas o Professor Catedrático Armindo
ter muitas escolas na cabeça. tiu e os árabes apenas impulsionaram Ngunga, quando assumiu o cargo de Di-
o comércio internacional. As comuni- rector da Faculdade convidou-me para
Em relação ao trabalho para o Mes-
dades e as trocas comerciais sempre ocupar o cargo de Director Adjunto para
trado no litoral de Cabo Delgado,
existiram antes da chegada dos árabes Área da Docência. Ele disse que acompa-
como é que a sua pesquisa se asseme-
e europeus. nhava o meu trabalho no Departamento
lha e se diferencia da de Sinclair?
Eram sociedades arcaicas ou sofisti- e na cadeira que leccionei sem ter go-
O meu trabalho é sobre as Últimas Co-
cadas? zado da categoria de Assistente Estagi-
munidades Agrícolas da Idade do Ferro
ário, sendo assim, achava que poderia
Superior e comércio à longa distância e Não tinha uma grande estratificação
ajudar a faculdade e aceitei o convite.
o Paul Sinclair foi o primeiro a fazer pes- social como a do Grande Zimbabwe, mas
Ao assumir o cargo de Director Adjunto,
quisas em Nampula. Ele trabalhou na não podiam faltar pequenas diferenças
detectei que havia muitos problemas
Ilha do Ibo com escavações em Lumbo sociais, como a existência de um grupo
resultantes da fusão entre a Unidade de
e Sancul, bem ao lado, portanto, o que que tomava conta da comunidade. Es-
Formação e Investigação em Ciências
escrevi na minha tese de Mestrado não tratos sociais sempre existem, mesmo
Sociais (UFICS) e a Faculdade de Letras e
está muito longe das suas pesquisas em que sejam de menor relevância, mas
pretendia-se introduzir o ensino centra-
Cabo Delgado, sobretudo no que con- talvez não houvesse grandes diferenças
do no estudante, fui um impulsionador
cerne às tradições que fui descrevendo sociais embora pudessem possuir bens
desses processos. Um outro problema é
de Lumbo e Sancul, o que significa estar para se diferenciar dos outros porque,
que a Holanda queria ajudar a faculda-
dentro do que foram as primeiras pes- dos estudos que fiz, foi difícil encontrar
de a introduzir o sistema centrado no
quisas do Sinclair e se olharmos para amuralhados grandes de um império
estudante e a faculdade não estava em
o segundo trabalho que publicou em com construções sofisticadas. As evi-
condições, porque era um sistema novo
1986 vem tudo, daí que há uma grande dências que encontrei são muito bem
e desconhecido. Eu disse: “vamos criar
semelhança no que ele publicou e o que claras. As comunidades que lá viviam
condições formando os docentes para
publiquei. Há mais semelhanças que di- tinham tecnologias avançadas para o
ter especialistas na área” e eles propuse-
ferenças porque mesmo na estação de fabrico de olaria, instrumentos de ferro
ram que eu criasse uma equipa que fosse
Ibo, onde fez o trabalho, a minha pesqui- e encontrei missangas feitas de conchas
à Holanda para participar num workshop
sa foi centrada em Quissanga, que é um e ossos, o que indica uma especialização
avançado e, assim, criei uma equipa de
distrito muito próximo, por isso, não há das comunidades locais no fabrico de
3 docentes que viajou à Holanda para
uma grande diferença no que descrevi e objectos de adorno.
aprender tudo sobre PBL POL.
no que ele descreveu. Então, não só compravam as missan-
A questão da fusão foi muito proble-
Qual é a conclusão a que chega no gas mas também fabricaram interna-
mática porque perguntava-se como
The iron-using communities of the Cape mente o que queriam e necessitavam
seria pois a fusão dava em torno de 8
Delgado Coast from AD 1000, livro que para uso interno, isso para dizer que hou-
mil estudantes numa única Faculdade.
resulta da dissertação de Mestrado ve um avanço tecnológico, o que mostra
Na mesma altura, introduzimos o pla-
em Arqueologia do litoral de Cabo que as comunidades não só dependiam
no estratégico da Faculdade de Letras e
Delgado, apresentada em 2005? dos produtos asiáticos mas também ino-
pôs-se em funcionamento, embora até
vavam e copiavam esses produtos.
Era preciso demonstrar que Cabo Del- hoje haja muita coisa ainda por fazer.
gado foi, e continua sendo, uma provín- Fale-nos do seu percurso até chegar Mas isso se entende, porque depois da
cia cuja a habitação iniciou nos tempos a Director Adjunto da Faculdade de fusão foi necessário reorganizar todas
longínquos e demonstrar que o comér- Letras e Ciências Sociais. as infra-estruturas e recursos, incluindo
cio à longa distância não começou com Quando entrei havia muitos problemas humanos.
as comunidades da Idade do Ferro Su- vindos da arqueologia porque a cadeira Nessa altura qual foi o seu envolvi-
perior, o que significa que quando o co- que dávamos da Pré-História até o Perío- mento nas pesquisas arqueológicas?
mércio se desenvolveu naquela região do Neolítico era polémica, chegávamos
as comunidades já estavam lá. Comum- ao fim do ano com uma percentagem de Nessa altura quando passo para Di-
mente diz-se que os árabes é que desen- 80% ou 90% de estudantes reprovados rector Adjunto, em simultâneo, coorde-
volveram o comércio na Costa Oriental e os aprovados não ultrapassavam 12 nava um projecto de pesquisa e estava
Africana e eu digo que não é verdade valores de média. E ao assumir a cadeira em contacto com a Suécia para fazer o
porque quando os árabes chegaram percebi que havia algo injusto, o nosso Doutoramento. Houve várias coisas em

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Setembro - 2011 | N° 4 Entrevista

simultâneo, por isso nunca abandonei Primeiro temos que integrar a compo- No momento há pouca divulgação
o meu gabinete no DAA, tinha dois ga- nente comunitária dentro da pesquisa da Arqueologia como podemos me-
binetes: um no DAA e outro na faculda- porque se olharmos para os que vêm do lhorar a divulgação?
de. Para evitar problemas e misturas, os exterior para fazer pesquisa em Moçam- Não nos devemos limitar apenas à uni-
arquivos ligados ao departamento fica- bique têm fundos para bens comunitá- versidade, temos que encontrar alterna-
vam no DAA e na faculdade mantinha rios locais, por exemplo, a abertura de tivas ou ministérios que possam ajudar
somente os arquivos da faculdade. furos de água, melhoramento de uma na divulgação. Por exemplo, o Ministério
escola, pintura de escolas, etc. Segundo, de Educação, no ensino geral, lecciona
Um arqueólogo ligado à adminis-
podemos contribuir através do turismo matérias ligadas à evolução humana, en-
tração na FLCS: como enquadra esta
Cultural nas estações arqueológicas, as- tão significa que o que falta é divulgação
dupla função com os debates/críticas
sociar os projectos de desenvolvimento da Arqueologia. Hoje em dia há várias
em torno da pouca capacidade de
com as estações arqueológicas. Se olhar- instituições superiores de turismo mas
pesquisa e relação Estado e a defesa
mos para o Grande Zimbabwe vamos sem a cadeira do património cultural,
do património cultural material?
ver que ganham milhões de dólares, que gestor turístico poderá desenvolver
Os serviços administrativos não contri- anualmente, com a visita de milhares de o país sem conhecer o Património Cul-
buem para o abandono da pesquisa, de- turistas e as várias infra-estruturas cria- tural? Outro exemplo seria o Ministério
pende do indivíduo. Se estiver realmente das em volta do monumento empregam da Coordenação da Acção Ambiental,
interessado na pesquisa… Por exemplo, centenas de pessoas locais. Nós temos as instituições que lidam com calami-
a maior parte das minhas pesquisas fo- locais para isso, o que não existe são dades naturais, porque há zonas onde
ram feitas quando estava na direcção, programas que apoiem e considerem as comunidades são reassentadas mas
a estação arqueológica de Lumbi, que as estações arqueológicas como locais propensas às inundações. Outra coisa
estou a escrever para o Doutoramento, turísticos. importante, os trabalhos que são divul-
foi descoberta nessa altura.Recordo-me
Terceiro, o arqueólogo pode contribuir gados devem ter qualidade e despertar
que solicitava minha ausência à reitoria
em várias áreas como cientista social, interesse.
e não à faculdade, então foi uma altura
por exemplo, nos estudos de impacto
que não encontrei nenhuma dificulda- Está num país sem muitos recursos
ambiental assim como cultural. Porém,
de e tive todo o apoio do director da para a pesquisa, como podemos fazer
hoje esses estudos são feitos sem a par-
faculdade na altura, Professor Ngunga. pesquisas sem recursos?
ticipação dos arqueólogos enquanto
Mesmo o próprio Director da Faculda- Temos que recorrer primeiro aos re-
noutros países os arqueólogos partici-
de nunca abandonou as pesquisas e as cursos disponíveis mesmo que sejam
pam sempre para analisar quais eram
publicações. Basta haver fundos não há poucos, depois podemos recorrer à Ar-
as condições, quais foram as mudanças
problemas para fazer a pesquisa porque queologia de salvaguarda do patrimó-
que ocorreram e qual será o impacto
o trabalho administrativo não é ciência, nio cultural. Para isso, a Lei 10/88 e o de-
actual. Mas em Moçambique não é isso
não precisa ter conhecimento científico creto 20/94 devem desempenhar o seu
que acontece e não se sabe como é que
para exercer. papel de instrumentos normativos por-
os relatórios produzidos são aceites, isso
De que forma os arqueólogos são revela que nós não damos importância que muitas instituições não conhecem a
importantes para a solução dos pro- ao nosso património cultural e arqueo- sua existência.
blemas concretos da população? lógico.

COMENTÁRIOS À GAZETA N° 2 & 3

(…) Endereçamos os nossos parabéns ao DAA pela publicação desta revista que acreditamos irá ser de grande
importância para a comunidade universitária” (Prof. Doutor Orlando Quilambo, Ex-Vice Reitor Académico actualmente
Reitor da UEM).

Chegou-me há dias, via Carmeliza do Rosário, a cópia do n° 3 da vossa ‘Gazeta’, que li com muito interesse,
nomeadamente a entrevista do Rafael (a referência às raízes intelectuais do Rafael, que incluiu de passagem o meu
nome, proporcionou-me por momentos a antevisão de ‘antepassado’!). Um abraço a todos pelo excelente trabalho
desenvolvido (João M.F. de Morais, D.Phil (Oxon) Deputy Director, Social Sciences, IGBP, Suécia).

(...) Fantástico, por te ter agradado a revista. Eu acho o Departamento de Antropologia e Arqueologia da UEM um
dos melhores do mundo (em termos de ambiente intelectual). Tem um ambiente incrível. Não é a falta de condições
que impede que se façam reflexões fenomenais. E no contexto, intelectualmente, pobre em que estamos é realmente
um bafo de ar fresco (Carmeliza Rosário, Gestora da Linha de Serviços de Pesquisa Sócio-Económica da AustralCowi,
Moçambique).

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GALERIA Setembro - 2011 | N° 4

Ciclo de Seminários Interdisciplinares do DAA, 1˚ Semestre 2011

Lançamento do Livro “Género, Sexualidade e Práticas Vaginais”, 1˚ Semestre 2011

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Programa de Desenvolvimento em Saúde Reprodutiva,
HIV/SIDA e Assuntos de Família através da Investigação
Multidisciplinar Inter-universitária
• Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique
• Universidades Flamengas, Bélgica

Vlaamse
Interuniversitaire
Raad

UEM
UOS University
Development Cooperation

Tema Central: “Saúde Reprodutiva e HIV/SIDA”


Cinco Projectos com Temas Específicos

Com orientação à “Direitos” “Sócio-Cultural” “Medicina”


(Faculdade de Direito) (Faculdade de Letras e Ciências Socias) (Faculdade de Medicina)
1. Direitos Humanos e 3. Género, Saúde e
Saúde Reprodutiva 4. Saúde Reprodutiva
Assuntos de Família

2. Direito Social e 5. Prevenção e tratamento


Protecção Social de HIV/SIDA/DTS
Três Projectos Transversais de Capacitação Institucional

6. Capacitação 7. Bio- Estatística e 8. Assistência


Institucional Modelação Técnica
“Ciências Naturais”
(Faculdade de Ciências)
Direcção Direcção
Científica Pedagógica CIUEM Biblioteca

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