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Fábio Maolly Costa Machado – 180016199

Ensaio final – Mito e Filosofia

Professora: Hilan Nissior Bensusan

Entre interioridade e exterioridade: a diferença radical do sujeito segundo Emmanuel


Levinas e a diferença posicional do sujeito para Eduardo Viveiros de Castro.

Apresentação

No atual trabalho pretendo analisar as interações de uma interioridade e uma


exterioridade que se constituem a partir do posicionamento do sujeito, que ao se
encontrar ​em frente a ​algo, encontra na diferença, geográfica e metafísica, sua
relação com um ​Outro mundo​. Nos deparamos, nesse sentido, com essa diferença
inicial, e radical, do mundo e dos entes. Todas as dialogias, sejam elas intencionais
ou intuicional, exigem que o envolvimento dos pares ocorra a partir do princípio
inicial, originário, da diferença metafísica, onde todos os objetos e sujeitos estão
envolvidos. Não se trata, somente, de um roteiro que apresenta dois personagens
conceituais em planos de imanência distintos, mas que se comunicam por seu
abismo real, os seres são descontínuos na sua individualidade. Ademais, a
diferença está no infinito, que é o Outro, onde os encontros são marcados por uma
aparição do real, uma vez, que para Levinas, o indivíduo é constituído por suas
fruições de exterioridades alhures. Aqui aparece um problema do trabalho: Como
indivíduos descontínuos, que gozam por sua liberdade, podem gozar com Outro de
uma coletividade externa a nós?

Para isso, é interessante a partir da interação inicial que apresentei, pensar


em um elemento que possibilita a passagem de um valor externo para o interno e
vice e versa. Tal elemento se apresenta no imaginário de Davi Kopenawa e
Emmanuel Levinas como o lugar de Alteridade. O mundo exterior é recebido por
nós, assim como o rosto, pela necessidade e pela sua verdade, somos chocados,
mais uma vez, pela diferença que “traduz” para a realidade, os diversos de ​pontos
de vistas- ou de posição.
Assim, apresenta-se neste elemento a formulação de um ser ético: um ser
não é uma relação de identidade, unicamente, no sentido de uma interioridade, mas
sua permanência no todo. Somos o que fruimos e o posição que ocupamos,
assumimos uma postura diante das coisas que fruimos, que expressam o que nos
falta, o que não somos, o Outro, esse elemento também nos constitui. Somos
formadores e formulações de natureza. Assim nosso envolvimento com o mundo,
pode ser entendido por uma totalidade do ser por esse UNO-todo expresso por esse
conjunto de exterioridades. Esses elementares, como dito por Levinas, são o que
constitui nosso psiquismo, nosso Eu, mas não é por meio de uma transcendência do
sujeito que podemos ser construídos por esses elementares? Alteridade tamanha
que entrega os tijolos de nossa interioridade nas mãos daquilo que vem de fora.
Assim, uma interioridade em valsa com seus alhures.

Nesse momento, é necessário observar que existe uma dependência do


sujeito-interno com o mundo-exterior, o que coloca a descontinuidade do ser
perante mundo em completo envolvimento por uma continuidade inicial. Mas é essa
descontinuidade que perde lugar a constituição do ser, que apresenta uma vida
continua, mas com à presença escatologica de sua divisão, apresentada no
encontro. O indivíduo não é mais levantado, como sua morada, por aquilo que lhe é
imanente, mas com aquilo que lhe é estranho, no sentido, como dito antes, por um
Outro mundo. O que seria esse Outro mundo?

A composição de uma interioridade e uma exterioridade

Qual a diferença de composição entre interioridade e exterioridade? Acredito


que o problema seja posicional e geográfico, como a Geofilosofia de Gilles Deleuze
e Felix Guattari, onde pensar já incube o lugar de onde sai o pensamento. Assim, a
relação sujeito-objeto em um pensamento é indissociável, inicialmente, de sua
realização, além disso, sua explicitação da diferença se dá pelo seu local de origem,
ou melhor, seu plano de imanência. Explicitando, assim, a ideia de que o
pensamento enquanto interioridade exige a constituição de frente para o mundo, ou
em outras palavras, a constituição de um elemento interno é tida a partir de um
plano de imanência, constituídos por um personagem conceitual, no qual parte de
um posicionamento específico em relação à totalidade do mundo. Com isso, como
podemos entender a constituição de uma interioridade se a sua estrutura parte de
uma exterioridade- o absolutamente Outra- formadora de indivíduo?

Em seu livro, ​Extramundanidade e sobrenatureza,​ Marco Antonio Valentim


vai apresentar, em algum momento, a relação entre a filosofia de Martin Heidegger
e o pensamento de Davi Kopenawa para pensar a nossa posição no mundo e o
impacto de um conhecimento “antropocêntrico” sobre nós. É importante pontuar que
se trata de uma noção de dependência entre interioridade e exterioridade, tendo em
vista que um ser ocupa um ​ponto de vista a partir do entendimento do todo sobre si.
O ser é exterioridade​, já dizia Emmanuel Levinas, nas conclusões de Totalidade e
Infinito, para defender um conhecimento que partisse não da relação de
substantivação do mundo exterior, mas da exigência de uma habitação construída
por esses “elementais” – o pão que mata minha fome, o teto que me abriga. Nossa
interioridade, segundo Levinas, é constituída por aquilo que nos colocamos ​frente a
frente, c​ apazes de envolver no lapso de realidade toda sua verdade.

“​O frente a frente- relação última e irredutível que nenhum conceito


pode abranger sem que o pensador que pensa tal conceito se
encontre de imediato em face de um novo interlocutor- torna possível
o pluralismo da sociedade.” Levinas,1980, pg.271

Como dito anteriormente, somos constituído por nossa relação com Outrem,
que formulam nosso psiquismo, nossa interioridade. Nossas relações com esses
elementos são tidas pela nossa exterioridade, ou melhor, nossa alteridade, como
pontua Levinas.​1 É pela postura de se colocar ​frente a frente com o mundo exterior
que somos apresentados ao mundo real. A exterioridade de um Outrem, por sua
diferença, é que nos revela o mundo, isso ocorre, principalmente, a meu ver, pela
relação posicional dos entes, que obedecem a primeira lei da impenetrabilidade, por
exemplo, onde dois corpos não assumem “a mesma” posição no mundo. Desse
modo, já somos constituídos pelos elementais, somos postos de um ponto de vista
específico, chegam a nós pelo todo desses elementos que nos constituem; somos
eles para os Outros? Somos devorados pelo que vem de fora e vice e versa. Assim,
as perguntas, do que crescemos e o que vamos ser, dependia da resposta de um
externo para sua designação, apresentando assim, um mundo de uma economia
geral, como foi apresentado na Parte Maldita, por Georges Bataille. A constituição
de um ser obedece a regra de delimitações por posição, uma vez que para os dois
autores, o pluralismo de uma sociedade só se postula pela diferença dos
elementares. O que Didi-Huberman vem apontar, sobre a teoria das formas do
Bataille, como “a insubordinação dos fatos materiais”.

“​A verdade do ser não é a imagem do ser, a ideia de natureza, mas o


ser situado num campo subjetivo que ​deforma a visão, mas permite
precisamente assim à exterioridade exprimir-se, toda ela
mandamento e autoridade: toda ele superioridade. Esta inflexão do
espaço intersubjetivo converte a distância em elevação, não
desfigura o ser, mas apenas torna possível a sua verdade”. Levinas,
1980, pg.271

Apresentada as diferenciações do que constitui nossas “singularidades”, o


que tem um elemento forte, o mundo exterior, vale pensar como essa interioridade
se apresenta para uma coletividade, seja ela humana ou não-humana. Desse modo,
pensar o endereço de um sujeito, como dito por Levinas, é apresentar uma elevação
por um ponto de partida, expressar o ser se dá pela exterioridade que revela sua
verdade, sua posição. Assim, o pensamento ameríndio me surge com um novo
elemento para pensar a posição dos sujeitos e suas formas externas.

Para observar essa relação de um indexicalismo posicional usarei como base


a natureza relacional de um perspectivismo cosmológico proposto por Eduardo
Viveiros de Castro e Tânia Stolze Lima. No qual, resumidamente, consiste em que
as relações e a composição do mundo “​estabelecem que os seres providos de alma
reconhecem a si mesmos e àqueles a quem são aparentados como humanos, mas
são percebidos por outros seres na forma de animais, espíritos ou modalidades de
não humanos”​2​. Ao que se refere a exterioridade, podemos entender essa alteração
de sentido, mas não de contexto – apreendido por uma locação específica,
representado por um ​ponto de vista determinado. Essas variações de ponto de vista
formam um perspectivismo interespecífico, onde nossa interioridade é formulada
pelas relações com outros elementos, externos, que formulam nossa morada, ou
nossa constituição do Eu. Desse modo, se essa exterioridade apresenta sua
transitividade indexical, podemos compreender que as esferas de representação de
um Outro, que nos confronta. Assim, é apresentado uma questão: Essa
exterioridade metamórfica que constitui um Eu consolidado, mas, ao mesmo tempo,
disposto ao mundo do confronto do real, pois a substancialidade é dissolvida em
transcendência, contato com a ideia de Outro, temos o encontro com a verdade na
coexistência, entendida em uma relação de dois diferentes. Ainda, vale ressaltar
que a constituição de um Eu, conceitualmente e filosoficamente entendido por uma
resistência à heteronímia, altera-se, assim, nesse caso, sua instauração por meio da
ótica de Outrem, junto com o que for apresentado pelo outrem, mas em ambos os
casos, o fundamental é a diferença radical, a coexistência.

Por uma filosofia da coexistência

Por fim, traçado os dois pontos desse trabalho, exterioridade e interioridade,


me coloco no problema da coexistência. Podemos entender que a coexistência
apresenta seu duplo sentido de existência e de posição metafísica. A coexistência
implica uma pluralidade de seres que se apresentam para o instante, em relação ao
momento. Enquanto, combinado ao Todo, o Uno é confrontado por um
Outro-Uno-todo, ou melhor, um Mesmo, um mundo. O que me é atraente nesse
caso são as relações de independência dessas edificações. Tanto o mundo interno,
quanto o mundo externo são apresentados, inicialmente, pelo de diferença. Mas é a
diferença metafísica que faz do mundo externo soberano. Atentemos ao chamado
da confrontação, é a exterioridade prevalecendo e apresentando a verdade para um
Eu que arrasta a diferença (do Outro) para o Mesmo. Desse modo, a exterioridade é
a forma de verdade, tanto conceitual, quanto de valor analítico verdadeiro, no
momento que é revelada por uma exterioridade, na sua forma de ​ponto de vista​, a
verdade de um fenômeno.

Bibliografia:

BATAILLE, Georges. A parte maldita, precedida de “A noção de dispêndio”. Belo


Horizonte: Autêntica, 2013.

DELEUZE, GILLES. O que é filosofia. São Paulo: Editora 34, 1997

DIDI-HUBERMAN, G. A semelhança informe ou o gaio saber visual segundo


Georges Bataille. Rio de janeiro: Contraponto, 2015
KOPENAWA, D.; BRUCE, A. ​A queda do céu: palavras de um xamã yanomami​.
Trad. Beatriz Perrone-Moisés: São Paulo: Companhia das letras, 2015

​ otalidade e infinito,Lisboa: Edições 70, 1988.


Levinas, E. T

MACIEL, Lucas da Costa. 2019. "Perspectivismo Ameríndio". In: ​Enciclopédia de


Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de
Antropologia. Disponível em:
<​http://ea.fflch.usp.br/conceito/perspectivismo-amer%C3%ADndio​>

VALENTIM, Marco Antônio. 2017. Extramundanidade e sobrenatureza: Ensaios de


ontologia infundamental. Inédito.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo, M​etafísicas canibais: elementos para uma


antropologia pós-estrutural​, São Paulo, Cosac Naify, 2015

1 Ver Capítulo “ O ser é exterioridade” de Emmanuel Levinas em Totalidade e


infinito.

2 Maciel, 2019.

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