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I. CIDADE CAPITAL
Um projeto moderno
A mudança de regime associada a uma intenção de um novo país impregnou o
imaginário da época, criando a necessidade de construir novos símbolos. Belo Horizonte
legitimaria o desejo e a expressão de um novo tempo, pautado pela ideologia positivista
republicana, concebida pela utopia de uma cidade ideal, saneada, ordenada e iluminada,
conforme analisou a historiadora Heliana Angotti Salgueiro 2. Assim, a nova capital do
Art. 2º - A sua área será dividida em seções, quarteirões e lotes, com praças,
avenidas e ruas necessárias para a rápida e fácil comunicação dos seus habitantes,
boa ventilação e higiene. (...)
Art. 3º - As praças e ruas receberão denominações que recordem as cidades, rios,
montanhas e datas históricas mais importantes, quer do próprio Estado de Minas
Gerais, quer da União, e bem assim, os cidadãos que, por serviços relevantes
houverem merecido da Pátria Brasileira.
Art.4º - Na mesma planta serão designados os lugares destinados para os edifícios
públicos, templos, hospitais, cemitérios, parques, jardins, matadouros, mercados,
etc.; quarteirões que convenha deixar reservados; e, bem assim os lotes destinados
a concessões aos funcionários públicos estaduais e aos proprietários de casas em
Ouro Preto (...)
Governo do Estado de Minas Gerais. Decreto n.º 803.
Ouro Preto, 11 de janeiro de 1895
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Termos apresentados pela Prof.a Alicia Duarte Penna em sua tese de mestrado pelo Instituto de Geo-
Ciêcias da UFMG, 1997, intitulada: O espaço infiel.
Ocupação Urbana 1900 fonte: P.B.H.
“[...] Como por milagre, no meio de um rude sertão, uma bela cidade moderna, com
avenidas imensas, com palácios formosos, com admiráveis parques! Pelas ruas
longas e arborizadas, rolam bondes elétricos, lâmpadas elétricas fulguram entre
prédios elegantes e higiênicos, motores elétricos põem em ação, nas fábricas, as
grandes máquinas cujos ronron contínuo entoa os hinos de trabalho e da paz. [...]”
4
CVRD, 1912. p.32.
A Comissão Construtora definiu o estilo eclético para os edifícios oficiais - as
Secretarias e o Palácio do Governo - implantados na Praça da Liberdade, cujo projeto
paisagístico também foi concebido ao gosto do ecletismo. A Praça, o Palácio e as
Secretarias formaram um imponente conjunto cívico, revelando uma arquitetura de
característica neoclássica afrancesada. As demais construções obedeceram também à
ordem eclética para as suas arquiteturas, como, por exemplo, o prédio dos Correios e
Telégrafos, o Arquivo Público, as residências e os templos religiosos. De acordo com a
professora Celina Borges Lemos:
“[..] o repertório da cultura eclética presente na arquitetura só veio reforçar o
traçado planejado. Os edifícios, como verdadeiros santuários, buscam beleza e
diversidade, onde valores, estabilidade, forma são assim apresentadas como
objetos irreais, mas transformados em matérias [...]” 5
5
LEMOS, 1998. p.90
6
PATETTA, Luciano. Considerações sobre o ecletismo na Europa. In: FABRIS, Annaterra. Ecletismo na
arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987. p.15.
todavia também às artes plásticas, não só no âmbito belo-horizontino, mas sobretudo no
ambiente brasileiro até o final dos anos 20.
Em Belo Horizonte, o estilo eclético atravessou as primeiras décadas do século 20 e
configurou-se como processo cultural de época, influenciando também todas
manifestações das artes e arquitetura. Na fase inicial da Cidade de Minas, os imigrantes
europeus foram os primeiros artistas construtores, pintores, escultores e fotógrafos,
provenientes da Itália, França, Alemanha e Áustria. Nomes como Émile Rouedé, Frederico
Steckel, João Amadeu Mucchiut, Francisco Soucasseaux, Igino Bonfioli, entre outros,
introduziram o paisagismo, o simbolismo e o realismo na arte da Nova Capital.
Destacaram-se os escultores marmoristas na arte tumular cuja maior representação e
acervo da época concentram-se no cemitério do Bonfim, onde evidenciou-se a obra de
Macchiut.
Nos primeiros anos da Nova Capital, as atividades culturais e de lazer eram
promovidas por parceria entre a iniciativa privada e o poder público, e tinham dupla tarefa:
a de educação do munícipe e a criação de eventos para atrair e fixar a população. Estas
atividades restringiam-se aos clubes sociais e tinham basicamente as finalidades literárias,
artísticas e recreativas. Com discreto destaque, o teatro constituiu importante atividade
cultural de Belo Horizonte, nos seus primeiros tempos, como relatou o jornal Estado de
Minas, em suplemento comemorativo dos cem anos de BH:
“Em 1900, o Teatro Socasseaux era programa imperdível, com coreto no pequeno
jardim, onde se apresentavam bandas, aos domingos e dias santos, e o botequim
no terraço, onde os homens bebiam, fumavam e trocavam idéias após os
espetáculos”.
7
LEMOS, 1998. p.88.
tornara insuficiente à demanda populacional de baixa renda. Crescia uma cidade oficial e
outra satélite, na contingência social.
Para Belo Horizonte, uma cidade em formação, o esporte foi um aspecto social
relevante, caracterizou o comportamento e o lazer dos anos 10. Nesta época, o futebol
trazido pelos ingleses no final do século 19, foi uma das atividades que mais ocupou a
cidade. A partir dos limiares dos anos 10, este esporte foi incrementado e consolidado
pelas inaugurações do Atlético Football Club em 1908, do América Football Club em 1912
e do Club de Sports Higiênicos em 1913. A despeito do domínio futebolístico, nas primeiras
décadas da Nova Capital, existiam outras alternativas esportivas que muito
movimentaram a cidade de Belo Horizonte, como os primeiros campeonatos de Ping-Pong
e Boxe, e o primeiro espetáculo de luta Greco-romana.
No início da década de 10, encontrou-se uma Belo Horizonte diferente, que
paulatinamente transformava-se de simples centro administrativo em centro
verdadeiramente econômico. Foi também, nessa década, que a cidade assistiu a seu
próprio crescimento absolutamente comprometido com o advento da I Guerra Mundial
(1914 -1918), pois a dificuldade circunstancial de importação de materiais de construção
deixou as obras públicas e da iniciativa privada praticamente paralisada. Nos Anos 10, a
cidade ainda não se apresentava como centro da economia mineira, pois o crescimento do
polo industrial era insuficiente - perdia para Juiz de Fora e Conselheiro Lafayete - mas já
revelava seu potencial. A Primeira Guerra restringiu os incentivos à indústria, todavia não
impedindo a firmação do setor. A maioria dos estabelecimentos industriais era de médio
investimento, sendo os de grande porte relacionados às atividades têxteis, de materiais
não metálicos e madeira.
III. ANOS 20
o Modernismo segmentado
Ocupação Urbana 1910 fonte : P.B.H.
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VIEIRA, Ivone Luzia. Emergência do modernismo. In: RIBEIRO, Marília Andrés e SILVA,
Fernando Pedro. Um século de história das artes plásticas em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
C/Arte, Fundação João Pinheiro, 1997. p.121.
No caso brasileiro, a tradição do modernismo na contínua crítica entre o antigo e o
novo desdobrou-se na discussão da confluência da arte barroca com o expressionismo.
Esta discussão constituiu um passo decisivo para a afirmação da cultura modernista
brasileira no século 20, pois a descontinuidade, como pauta constante da modernidade, se
deu pelo rompimento da ordem cronológica e da causalidade espacial.
Integrados ao pensamento revolucionário contemporâneo das vanguardas
históricas, os intelectuais - os modernistas de 22 incluindo aqueles que visitaram as
cidades históricas mineiras em 24 - estabeleceram e configuraram um projeto cultural
coletivo de afirmação nacional, o qual se pode denominar modernidades tardias no Brasil,
possibilitando, nesses termos, relacionar a literatura e demais manifestações artísticas
durante os anos 20 e 30. Belo Horizonte, em sua incipiente vida cultural, viu-se a partir de
1924, relacionada com os principais intelectuais modernistas brasileiros, reafirmando sua
condição e origem de cidade de proposição modernista. A partir dos meados dos anos 20,
observou-se que as ideias disseminadas pelos jovens modernistas em Belo Horizonte
acabaram por remeter às últimas manifestações ecléticas da arquitetura, representada
principalmente pela proposição estética neocolonial, que de certa maneira falseava
estilisticamente a discussão modernista sobre o nacionalismo e o barroco mineiro. Essas
manifestações ocorreram em plena República Velha na qual as elites regionais dominavam
e cada Estado mantinha seu próprio partido republicano. Configurava-se no ambiente
nacional a política do café com leite: Minas, o poder político, uniu-se a São Paulo, o poder
econômico, e os dois passaram a se revezar no governo.
Como marco da década de 20, a arquitetura do viaduto de Santa Tereza (1929)
chamou a atenção pelos belos arcos de 14 metros de altura e sua extensão de 400 metros,
maior vão de concreto armado da América Latina. No urbanismo, foi decisivo para a
retomada do crescimento da cidade, os investimentos públicos que inclusive realizaram
melhorias, recuperação e pavimentação de ruas e implantaram o sistema de numeração
das edificações.
Belo Horizonte viveu nos anos 20 uma intensa vida social e cultural, reflexo da
prosperidade vivenciada pela cidade, quando se destacaram:
- o Teatro Municipal, polo de cultura pela sua programação literária, musical,
teatral e exposições de artes plásticas, como a realizada por Genesco Murta
(1925);
- a movimentação patrocinada pelos filmes diversificados dos cinemas Odeon,
Pathé, Glória e Avenida;
- a agitação social nos Cafés Estrela e Trianon;
- e, com notoriedade, a produção literária em um dos seus melhores momentos: o
Bar do Ponto, ficou muito conhecido após 1924 pelas frequentes reuniões de um
grupo responsável pela inauguração do modernismo literário em Belo Horizonte -
Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura, entre outros.
Percebeu-se que a situação cultural em Belo Horizonte nos anos 20 enfrentou, de
certo modo, um paradoxo: enquanto a literatura renovava-se com o modernismo, as artes
plásticas e a arquitetura viram-se presas ainda aos cânones acadêmicos, com temáticas
conservadoras e esparsas experiências impressionista, art noveau ou art deco. Porém,
alguns episódios isolados já revelavam um ambiente propício ao modernismo, como a
exposição da pintora Zina Aita, em janeiro de 22, recebida por alguns com desconfiança
por apresentar uma expressão plástica pós-impressionista.
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