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Sócrates afirmava que essa prática filosófica era mais “verdadeira” pois se
tratava do “verdadeiro sentido da filosofia” - ser uma espécie de “exercício de
morrer”, isto é, contemplar a existência e a morte com a consciência de que o
resultado final do processo de viver é morrer, e que a real concretização e
compreensão de nossas ideias se dá apenas “após o fim da vida”, ou apenas fora
deste “mundo material”. Assim como a maioria das pessoas desencarnadas
provavelmente se põem a buscar seus ancestrais e entes queridos no Hades, o
objetivo do amante da sabedoria deve ser buscar a verdade e conhecer as coisas
“por si mesmas”, tanto assim, no mundo inteligível dos mortos, quanto no mundo
dos pensamentos “purificados”, separados dos sentidos físicos.
Mas, ainda assim, segundo esta defesa, a filosofia deve priorizar as virtudes
que dizem respeito à alma, já que o conhecimento adquirido por meio dos sentidos
e da percepção é errôneo e impreciso, e somente o pensamento pode atingir
qualquer estado de apreensão e real percepção do mundo - e as condições para
que o pensamento seja um instrumento ideal para a sabedoria precisam, de certa
forma, que a alma “se isole da mediação dos sentidos” e das “perturbações”
decorrentes dos mesmos (nossas aflições, nossas paixões, nossos prazeres,
nossos desejos).
Dado que não possuímos este conhecimento absoluto - não por intermédio
das experiências físicas - o melhor caminho seria, então, partir daquilo que
podemos apreender e conhecer, ainda que somente aproximada e
incompletamente, e empenharmo-nos nas práticas que buscam a “verdade” pelo
pensamento sem os obstáculos e impedimentos dos sentidos, ou seja, desenvolver
na mente um processo de “purificação”, treinar um pensamento “absoluto”, em um
estado de meditar e contemplar as coisas que são “por si mesmas”, abstraindo a
mente e a alma, do mundo sensível. Em outras palavras, talvez “ser o melhor que
se pode ser” nesta vida, visando que nossa existência e nosso “vir-a-ser” tem como
resultado final uma “emancipação da alma das relações com o corpo”.
Sócrates define assim a morte, na Defesa da Filosofia, como uma “libertação
e separação da alma” - fazendo analogia aqui à ideias tradicionais órficas e
pitagóricas que diziam que o corpo aprisiona a alma e que precisamos nos purificar
para livrarmo-nos desta prisão. Esse “processo de libertação” e “purificação” da
alma seria a condição ideal para se ter acesso à “verdadeira sabedoria”.
O filósofo distingue esse “exercício de morte” do “morrer” e do “estar morto”
partindo da concepção de que “purificar” o pensamento, possuir autonomia em
relação aos prazeres e desejos e priorizar “os aspectos da alma” ou da nossa
“essência” é assemelhar-se a ela, tornando-nos mais próximos e mais aptos de
obter a “sabedoria” e compreender as ciências da alma. Ele aponta também que o
processo da morte não marca o “ponto final da vida”; o “estar morto” seria apenas o
resultado final do processo de “morrer continuamente”; seria este apenas o ponto
em que a alma se isola do corpo, e cada um passa a estar “em si por si mesmo”; e
este resultado seria concomitante aos valores e virtudes conduzidos e construídos
pelo ser em vida.