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Momentos de minha infância

Você sabe como os bebês entram na barriga das mães? Essa pergunta tá na minha cabeça
faz dias... Todo mundo diz que a gente vem das cegonhas, mas esses dias no supermercado
tinha uma mulher com a barriga inchada e uma senhora perguntou a ela quantos dias
faltava pra ganhar o nenem. Claro que a senhora tava falando do dia que a cegonha
entregaria a criança. Mas ela olhava pra barriga da mulher enquanto falava, o que me fez
pensar a coisa mais absurda do mundo: o nenem entrou na barriga da mulher. Fiquei
confuso com isso... Será que é possível?

Queria perguntar ao meu professor quando chegasse na escola, mas perguntar é coisa de
quem não sabe. E quem não sabe é burro. Falando nisso, você tinha que estar na minha
última aula.

O professor de matemática estava escrevendo no quadro, quando parou e disse:

- O quadrado da hipotenusa é igual a soma do quadrado dos catetos. Alguma dúvida?

Silêncio absoluto na sala. Olhei pro Rodrigo Barros como se perguntasse a ele se ele
conhecia essa mulher, a tal da hipotenusa. Ele levantou as sobrancelhas e balançou a cabeça
como se dissesse que não. Todo mundo se entreolhava num grande diálogo tentando
descobrir o que era aquilo que o mestre falou. Mas perguntar, jamais.

O professor voltou a escrever no quadro. Nesse momento, Rodolfo, o cara mais marrento
da escola, deu dedo pro professor e a sala inteira caiu na gargalhada, quando...

Triiiim. O sinal do recreio bateu e geral saiu correndo pro pátio.

Fiquei pra trás na corrida porque estava contando meu dinheiro do lanche. De repente
Rodolfo vem em minha direção com cara de bravo, como das vezes que ele briga com as
pessoas.

- Hoje vou te meter a porrada o filhinho da mamãe.

Gelei. Sem reação, olhei em seus olhos por alguns segundo sem saber o que fazer. Até que
falei.

- Sério que vai me bater? Então você prefere perder tempo comigo do que com a Giselle?
Porque fiquei sabendo que ela tá caidona por você e sou a pessoa certa pra te fazer ficar
com ela.

Ele deu um sorriso como se tivesse ganhado na loteira, afinal ele sabia que não era lá essas
coisas... Era baixinho, forte, cabeçudo. Sempre tinha catarro ressecado ao redor de seu nariz
e seu hálito era tão fedido que quando ela bocejava a professora, sem saber que era ele,
sempre nos dizia que não devíamos peidar na sala.

- Ela gosta de mim?

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- Sim, cara!

- Você poderia desenrolar ela pra mim?

- Claro! Amigo é pra essas coisas.

- Cara, eu nunca te falei mas te acho muito inteligente e você usa umas roupas legais. Às
vezes eu queria ser você.

- Brigado, irmão. Você também é estiloso.

A Giselle era a garota mais bonita da escola. Era a garota mais desejada por todos os
garotos. Realmente uma vez a vi olhando na direção do Rodolfo. Ria e cochicahava com sua
amiga. Até antes da conversa com Rodolfo tinha certeza que ela estava a fim dele. Mas,
depois do nosso papo, pensei na possibilidade dela estar rindo dele ao invés de rindo para
ele. Eita... Deixa pra lá. Já somos amigos.

Só tenho que tomar cuidado pra não ser beijado de novo pela minha mãe na porta da
escola. Sempre digo a ela pra não fazer isso, mas cebeça de mãe vem com defeito. Não é
possível. Isso é tudo que os valentões de plantão precisam pra zoar e bater numa pessoa. E
eu não quero apanhar.

Mas não posso ser duro demais com ela. Porque a ela devo os melhores momentos da
minha vida, como as raríssimas vezes que ela foi me buscar na creche depois do trabalho.
Quando avistava seu sorriso de longe vindo em minha direção, meu coração transbordava
em felicidade. Caminhávamos até a barraca de cocadas, perto do shopping da Gávea onde
eu sentia aquele cheiro doce no ar. Pedia cuzcuz branco com muito coco ralado e leite
condensado. Depois brincava na praça Santos Dumont, onde encontrava muitos colegas da
escola com seus pais. Escorrega, balanço, pique pega, correr, brincar. Foram momentos
felizes.

Autor: Thomaz José

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