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Mobilidade Social no Brasil:

Evidências a partir da PNAD 2014

Resumo

Neste artigo o nosso propósito consiste em, seguindo a metodologia de Pastore (1979), avaliar
a mobilidade intergeneracional no Brasil com base nos microdados da PNAD 2014. Por meio
de matrizes de transição e utilizando a Índice de Yasuda, concluímos que a estrutura social
brasileira é permeável à mudança social, a qual pode ser caracterizada tipicamente como
ascendente e de curta distância.

Palavras-chave: mobilidade intergeracional, matrizes de transição.

Abstract
In this article, our purpose is to follow the methodology proposed by Pastore (1979) and
evaluate inter-generational mobility in Brazil based on the PNAD 2014 microdata. Using
transition matrices and the Yasuda Index, we conclude that the Brazilian social structure is
permeable to social change, which can typically be characterized as ascending and of short
distance.

Key-words: intergenerational mobility, transitional matrices.

I. Introdução.

As reflexões teóricas e os exercícios empíricos em torno à desigualdade podem merecer duas


perspectivas de análise: a igualdade/desigualdade de oportunidades e de resultados. A ênfase
em uma ou outra pode se alimentar de considerações filosóficas sobre o próprio conceito de
justiça. Na Teoria Contractualista de Buchanan, por exemplo, as desigualdades injustas seriam

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aquelas desigualdades oriundas do “berço” (KOLM (2000)). Não obstante a fundamentação
conceitual da desigualdade de oportunidades estar bem ancorada na literatura (ver, por exemplo,
ROEMER (1998, 2000), ROEMER AND TRANNOY (2013)), trabalhar empiricamente essa
perspectiva (desigualdades de oportunidades) não é trivial, ainda que nos últimos anos muitos
esforços têm se direcionado nesse sentido (BOURGUIGNON, FERREIRA AND MENENDEZ
(2007), FERREIRA AND PERAGINE (2019)). Contrariamente, a igualdade de resultados é
uma tarefa relativamente corriqueira uma vez que existem diferentes fontes de dados que
possibilitam sua mensuração (POF e PNAD são as mais utilizadas) e robustos indicadores (Gini,
Theil, etc.) são tradicionalmente aceitos como boas aproximações.

Uma das possibilidades de estimar empiricamente a desigualdade de oportunidades consiste em


tratar de aferir a mobilidade social. Pesquisar em que medida a posição social de um indivíduo
reproduz o status de seus antecessores familiares pode ser uma boa aproximação à igualdade de
oportunidades. A reprodução da hierarquia social se opera em diversas dimensões: acesso à
escola e ao sistema de saúde (em ambos os casos qualidade e quantidade), aspirações, valores,
relações sociais, etc.. A educação, em particular, é identificada como sendo um vector
importante na reprodução de uma dada estrutura social, tanto no Brasil (LUCAS (2001),
BARROS e LAM (1993) e BARROS ET AL (2001), FERREIRA E VELOSO (2003)) como
nos países desenvolvidos (BOWLES (1972, 1973), HOLMLUND, LINDALHL E PLUG
(2011)). No estabelecimento escolar são acumuladas habilidades sócio-emocionais e
conhecimentos e competências técnicas, mas também são transmitidos valores e são
estabelecidos nexos sociais. O perfil individual que foi talhado no sistema escolar e na família
posteriormente vai se concretizar em posicionamentos no mercado de trabalho que, em última
instância, irão definir o status social da pessoa e sua família. Assim, por diversos caminhos,
sendo talvez o mais estudado os anos de passados no sistema escolar, o ordenamento na
hierarquia social de um indivíduo vai, em alguma medida, condicionar o status social de seus
descendentes (Holmlund, Lindalhl e Plug (2011), Bjorklund, A. and Salvanes (2011)). Quanto
maior a mobilidade menores vão ser as restrições que as heranças imponham ou, em outros
termos, mais igualitárias serão as condições iniciais. No limite, quando a situação social de um
indivíduo independa completamente da posição na hierarquia social de seus antepassados, a
igualdade de oportunidades seria absoluta.

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Embora exista uma grande literatura sobre desigualdade de educação e renda no Brasil, a
mobilidade intergeracional tem despertado uma menor atenção, ainda que exista uma relativa
abundância de estudos sobre o tema (PASTORE (1979, 1986), PASTORE E ZYLBERSTAJN
(1996), SCALON (1999), PASTORE E SILVA (2000), RIBEIRO (2007, 2012)). Essa menor
atenção sobre mobilidade social vis-a-vis a desigualdade de renda (de resultados) talvez tenha
sua origem na menor disponibilidade de dados. Se existem séries anuais que possibilitam
monitorar a distribuição de renda, especificamente as PNAD’s, essa mesma base de dados tem
levantamentos (suplementos) sobre a mobilidade social mais esparsos (1973, 1976, 1982, 1988,
1996 e 2014). Outras fontes são ainda mais irregulares (por exemplo, PPV-Pesquisa sobre
Padrão de Vida (1996/97) ou a pesquisa PDSD-Pesquisa da Dimensão Social das Desigualdades
(2008). Em geral, os levantamentos induzem a concluir que, a despeito de existir um elevado
grau de mobilidade social no Brasil, o status social do pai é um determinante importante do
status social do filho. Inclusive, Barros e Lam (1993) e Barros et al (2001), também utilizando
dados da PNAD, mostraram que a educação dos pais é um importante determinante da educação
dos filhos. Em termos metodológicos, as categorias utilizadas para agrupar os indivíduos
podem ser as mais diversas. Pastore e Valle Silva (2000) utilizam uma categoria denominada
de status ou hierarquias sócio-economicas, uma perspectiva teórica que pode ser definida como
"estudos da mobilidade de status" ou de "hierarquias socioeconômicas”. Scalon (1999) tem
como referência “classes”.

O trabalho pioneiro de Pastore (1979) se sustentava em uma base empírica (a PNAD/1973))


que refletia um país em rápido crescimento (o milagre brasileiro), com migrações internas e
caracterizado pelas últimas etapas da transição entre uma sociedade agrícola para outra urbana-
industrial. Pastore e Silva (2000) ampliam o período e pesquisam os diferenciais entre a
situação de 1973 e 1996, intervalo de tempo no qual o modelo de substituição de importações
já se tinha esgotado, o país, não obstante ter sofrido uma década perdida em termos de
crescimento, já era uma sociedade urbano-industrial madura e o regime de elevada inflação
acabava de ser superado (o Plano Real, em 1994). A despeito de um contexto macroeconômico
pouco propício à mobilidade social (inflação+estagnação em boa parte dos anos 80 e começos
da década seguinte) as desigualdades de oportunidades não mudaram. Ou seja, no país existiria
uma convivência estrutural entre uma profunda desigualdade de resultados e uma mobilidade
bem menos rígida.

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Ao longo dos últimos 20 anos (ou seja, desde 1996, último ano da pesquisa de Pastore e Silva),
o Brasil passou pelas mais diversas alterações no ambiente econômico: superação definitiva do
quadro hiperinflacionário, significativo aumento do salário mínimo, longo de ciclo de
crescimento (2002-2014), aumento da escolaridade média, etc.. A pergunta pertinente é: quais
seriam os efeitos líquidos dessas mudanças sobre a transmissão de status econômico? A
mobilidade social permaneceu constante, se acentuou ou recuou? O ano de 2014 é singular uma
vez que marca o fim de um longo ciclo de crescimento. Esse período (2002-2014), além do
dinamismo em termos de PIB, emprego formal e salário mínimo, apresentou um indicador de
concentração de renda (medido mediante o Gini calculado a partir das PNAD’s) em queda
(SOARES (2006)). Essa queda na concentração dos rendimentos da PNAD, alterou o padrão
de mobilidade ?

Nosso objetivo no presente artigo consiste em atualizar o trabalho pioneiro de Pastore (1979) e
complementar os artigos que estão sendo produzidos tendo como referência o suplemento de
mobilidade social da PNAD/2014 (Freitas da Cruz (2019)). Conservar a metodologia utilizada
por Pastore nos permite realizar uma boa comparação entre dois períodos históricos
aparentemente bem contrapostos: em ambos o dinamismo em termos de crescimento é marcante
e os aspectos distributivos (distribuição de renda) os distancia.1 Estruturamos este artigo em
cinco Seções (além desta Introdução). Na próxima Seção vamos sintetizar os principais
referenciais teóricos sobre o tema e simultaneamente realizaremos um sintético survey sobre a
literatura. Na Seção III explicitaremos a metodologia que utilizaremos no tratamento dos dados
(PNAD/2014). Na Seção IV apresentaremos os resultados. Finalizamos o artigo na Seção V
com um balanço do tratado e sugestões de futuras pesquisas.

II. Referenciais Teóricas e Revisão da Literatura.

Convivem, na literatura, diferentes perspectivas teóricas na análise da estratificação social. A


dupla educação-renda é uma possibilidade de categorização que tem as mais diversas matrizes
teóricas e que está estreitamente vinculada ao status do indivíduo. A Teoria do Capital Humano

1 A programação, base de dados e outros critérios adotados na pesquisa podem ser acessados em:
<https://github.com/marianasgalvao/mobilidadesocial> .

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(TCH) é o arcabouço teórico comumente referenciado quando se especifica (ou prioriza) a
relação de causalidade da educação à renda (BECKER (1994)). Esse vínculo é mediado pela
produtividade, ou seja, o nível de escolaridade estaria umbilicalmente associado à
produtividade e esta, por sua vez, determinaria os salários. Ou seja, estaríamos dentro do
modelo teórico canônico, no qual a remuneração dos fatores é explicada pela sua produtividade
e sua disponibilidade (escassez). Obviamente, seria inexato sustentar que, para a TCH, a dupla
salários/produtividade vinculada aos anos passados no sistema escolar está circunscrita aos
conhecimentos e habilidades adquiridos nele. Outras variáveis (como saúde, experiência, etc.)
complementam as capacidades acumuladas no período passado nos estabelecimentos
educativos (escolas/colégios/universidades).

Contudo, dados os nossos objetivos neste artigo, mas relevante que elencar e analisar todas as
variáveis que a TCH contempla, vamos nos concentrar em algumas delas que dizem respeito à
reprodução da estrutura social. Seria um reducionismo impróprio limitar o tipo de inserção na
hierarquia social às habilidades e capacidades cognitivas e às destrezas técnicas proporcionadas
pelos estabelecimento escolares. A acumulação de Capital Humano de um indivíduo é a soma
do adquirido no sistema escolar e transmitido pelos educadores mais os valores, atitudes,
exemplos, etc. auferidos na família, no ambiente sócio-economico e mesmo transmitidos pelos
colegas nas salas de aula (peer-effects). Este conjunto de elementos afetam tanto o perfil do
indivíduo como suas conexões sociais. Assim, a futura inserção na hierarquia social vai estar
condicionada por uma série de variáveis todas caminhando no mesmo sentido: a reprodução da
estrutura social. Cada pessoa estará influenciada pelos valores e aspirações de seu entorno
familiar-social, que condicionará o estabelecimento escolar a ser frequentado e os nexos e
influências que neles se estabeleçam. Este tipo abordagem da reprodução da hierarquia social
tanto pode ser fundamentado por marcos teóricos inscritos no modelo canônico (BECKER
(1974), BECKER E TOMES (1994)) como por abordagens de cunho bem heterodoxo
(BOWLES (1972, 1973)). Assim, se a educação abre a possibilidade de neutralizar (ao menos
parcialmente) a herança social, o contexto familiar e social tende a manter o status-quo. Além
de aspectos habilidades técnicas ou capacidades cognitivas, valores, normas,
autorrepresentações, etc. podem se transmitir de geração em geração como legado, congelando
a pirâmide social (MARJORIBANKS (2005), JACKSON (2019)). No limite, quando o

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determinante é a posição social de seu entorno familiar, a situação pode ser representada pela
frase “it’s not what you know, it’s who you know”.

A literatura empírica sobre mobilidade social no Brasil, ainda que não seja extensa (podemos
mencionar as contribuições de VALLE SILVA (1974), PASTORE (1979) e SCALON (1999),
por exemplo) apresenta diferentes formas de categorizar socialmente os indivíduos. Antes de
resumir os resultados das pesquisas empíricas devemos lembrar a definição de dois conceitos:
mobilidade estrutural e mobilidade circular. A primeira seria caracterizada por um contexto de
grande disponibilidade de empregos, em que os atributos individuais são pouco relevantes para
a determinação do deslocamento na estrutura social. Neste caso, a qualificação é um atributo
posterior ao cargo, isto é, é adquirida conforme a necessidade de ajuste ao posto de trabalho.
Contrariamente, a mobilidade circular diz respeito à situação em que a mobilidade de um
indivíduo é condicionada à mudança de outro, na ocasião de sua aposentadoria, morte, etc..

Valle Silva (1974) propõe um ranqueamento multidimensional, em que o status ocupacional é


resultado da combinação entre o nível educacional e rendimento. A partir de uma amostra de
25% do censo de 1970, foi estimada a renda média para os 18 níveis educacionais regredindo a
renda sobre anos de estudo, considerando-se intervalos de idade de 5 anos. Em seguida, para
cada título ocupacional, repetiu-se o procedimento anterior. Por meio destes resultados,
calculou-se a média, obtendo, assim, o valor do status para cada ocupação. Por fim, os
resultados foram padronizados para o intervalo entre zero e cem, que foram ordenados segundo
seis faixas de estrato social, a saber: alto, médio superior, médio médio, médio inferior, baixo
superior e baixo inferior (PASTORE, 1979, p. 45). Os resultados estão sintetizados na tabela a
seguir:

TABELA 1- ESTRATOS SOCIAIS, VALORES MÉDIOS E OCUPAÇÕES


ILUSTRATIVAS (BRASIL, 1970)
Estrato Social Valor médio Ocupações ilustrativas
Alto 63,71 Industriais, grandes
fazendeiros, alta
administração bancária,

10
médicos, advogados,
engenheiros.
Médio superior 30,64 Administradores do serviço
público, agentes fiscais,
técnicos de administração,
proprietários de porte médio,
representantes comerciais.
Médio médio 17,01 Desenhistas, músicos,
locutores, compradores,
auxiliares de escritório,
pequenos proprietários,
mestre de obra.
Médio inferior 9,47 Eletricistas, pedreiros,
encanadores, carpinteiros,
tapeceiros, motoristas,
barbeiros.
Baixo superior 5,84 Trabalhadores braçais
urbanos, entregadores,
engraxates, faxineiros.
Baixo inferior 4,70 Trabalhadores braçais da
zona rural, pescadores,
seringueiros.
Fonte: PASTORE, 1979, p.46.

As distâncias entre os estratos são distintas, sendo maior para os níveis mais altos e menor para
os níveis mais baixos. Este resultado é intuitivamente consistente, já que podemos assumir que
quanto maior a posição relativa na hierarquia social, maior é a dificuldade marginal de ascender,
o que justifica o intervalo relativamente grande. Nos estratos inferiores, por outro lado, a
diferenciação entre as ocupações é pequena, visto que os trabalhos são predominantemente
manuais, o que facilita a mobilidade e sustenta a menor separação entre eles.

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Tendo como referência a escala Valle Silva (1974), Pastore (1979) avalia a mobilidade social
por meio dos dados da PNAD de 1973. Os resultados são consolidados sob a forma de matrizes
de transição e regressões para controlar os efeitos regionais ou persistência da condição de
origem.

As conclusões obtidas por Pastore (1973) indicam a predominância da mobilidade estrutural,


cuja origem seria o um ambiente de rápida expansão industrial do Brasil no período. Como
consequência, os padrões de mobilidade são de ascensão de curta distância, cujas raízes
estariam na significativa migração rural-urbana do período. Esta transferência de mão de obra
do campo à cidade (ou do setor arcaico ao segmento moderno, segundo a caracterização dada
pelo Modelo de Lewis) foi majoritariamente absorvida pelas ocupações do baixo terciário,
singularizado por trabalhos de baixas remuneração e qualificação. A despeito dessa dinâmica,
que induziria a pensar em uma hierarquia fossilizada, verificou-se que a estrutura social é
permeável, visto que a cada dez indivíduos que compõem a classe mais alta da amostra da
PNAD 1973, menos de dois vêm da classe alta. Em termos regionais, o maior volume de
mudança de status ocorreu no Sudeste e Centro-Oeste, produto dos espaços geográficos mais
dinâmicos na etapa da industrialização substitutiva e, no caso do Centro-Oeste, da construção
de Brasília. Por fim, constatou-se a maior mobilidade entre os homens, aspecto que o autor
atribui à feminização da mão de obra, devido a que as mulheres, ocupando funções de baixo
status, abriram espaço para a ascensão masculina. As tendências gerais de mobilidade estão
sintetizadas na Tabela 2.

TABELA 2- MUDANÇA NA ESTRUTURA SOCIAL BRASILEIRA (%) (BRASIL, 1973)


Classes Estratos sociais Situação dos pais Situação dos filhos
em 1973
Classe alta Estrato alto 2 3,5
Classe média Estrato médio- 3,1 6,3
superior
Estrato médio-médio 13,8 18,4
Estrato médio- 9,3 23,8
inferior

12
Classe baixa Estrato baixo- 6,9 16
superior
Estrato baixo- 64,9 32
inferior
Total 100 100
N = 44.307
Fonte: PASTORE, 1979, p. 108.

Scalon (1999) introduz uma análise baseada classes, estruturada em barreiras à imobilidade e
gênero. Para isso, utiliza a técnica de análise de conglomerado, fornecendo maior consistência
na determinação de categorias, as quais não são geradas arbitrariamente pelo pesquisador. As
suas análises são baseadas na PNAD de 1988 e a pesquisa pretende determinar em que medida
as mudanças estruturais provocadas pela industrialização do último século não foram
suficientes tornar a estrutura social mais fluida. Em outras palavras, se avalia em que medida a
estrutura resultante da substituição de importações não foi ou não capaz de atenuar as
desigualdades de oportunidades ou, pelo contrário, perpetuaram a transmissão de posições nas
classes mais altas.

Os resultados sugeriram que, para o período de avaliação, a mobilidade entre gerações é


predominantemente circular para os homens e estrutural para as mulheres. Além disso, é
observado o mesmo padrão de deslocamentos de curta distância já reportado por Pastore.
Verificou-se, também, que a barreira vinculada à transição dos setores manual e não-manual é
maior para as mulheres e há a persistência do autorrecrutamento no setor rural.

Em suma, para Scalon (1999, p. 192), a organização social brasileira pode ser caracterizada por
“classes marcadamente delimitadas, que possuem certo grau de fluidez dentro das fronteiras
que as dividem, mas inscrevem significante rigidez no movimento para além delas”. Por fim, a
estrutura de classes indicou ter efeito mais significativo que as diferenças de gênero, “podendo-
se argumentar a favor da existência de um único modelo de fluidez/rigidez social para o Brasil,
impermeável às desigualdades de gênero” (SCALON, 1999, p. 192).

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Existe um certo consenso sobre a presença de uma mobilidade ascendente (mesmo que seja de
curta distância) no Brasil (PASTORE E SILVA (2000)). Segundo Ribeiro (2007), por exemplo,
em meados dos anos 70, no auge do denominado “milagre brasileiro”: 64% dos brasileiros
gozavam de uma posição social diferente da observada pelos seus pais. Não obstante o
esgotamento desse milagre, dos choques externos adversos, da desaceleração nas taxas de
variação do PIB, etc., o percentual se elevou para pouco mais de 70% nos anos 80, conservando
esse patamar até meados da década posterior. Sempre segundo Riveiro (2007), desaceleração
do crescimento e crise das décadas posteriores se manifestaram em uma queda da mobilidade
ascendente, ganhando participação a mobilidade descendente. Contudo, não obstante essa
queda, a maior parte da mobilidade no Brasil continuou sendo ascendente (o percentual cai de
85% nos anos 70 para 80% na década posterior).

III. Aspectos Metodológicos.

Neste artigo pretendemos mensurar a mobilidade social em termos da mudança ocupacional,


acompanhando a metodologia proposta por Pastore (1979). Trata-se, pois, de um comparativo
entre as ocupações dos pais e dos filhos. Há razoável consenso na literatura sociológica quanto
à robustez deste tipo de aproximação para o status social. Em termos de longo prazo, vincular
uma categoria ocupacional a uma posição na estrutura social pode merecer os mais diversos
questionamentos. Alterações no padrão tecnológico, mutações nas valorações culturais, etc.
podem resultar em situações nas quais uma mesma categoria ocupacional possa ver alterada sua
posição na hierarquia social. Ocupar uma vaga como operário no setor da Indústria de
Transformação pode representar um dado status em uma sociedade que transita do mundo rural
ao urbano. A mesma categoria ocupacional pode simbolizar um outro status em uma sociedade
urbana já madura e que caminha para ser, preponderantemente, uma sociedade de serviços. Não
obstante essa limitação, só contornável com pesquisas muito específicas, a comparação
intertemporal pode ser aproximada mediante uma variável que conserve a estabilidade no
tempo, como é o caso das categorias ocupacionais. Percebamos que, no caso de ser utilizada
como variável categórica a renda, a sua instabilidade impede a operacionalidade. Nesse sentido,
nossa aproximação à mobilidade social será realizada mediante a utilização de matrizes de
transição e indicadores que especificaremos e definiremos nos próximos parágrafos.

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III.1 Matrizes e indicadores de mobilidade social

As matrizes de mobilidade são construções que relacionam os estratos dos filhos e dos pais. As
linhas representam o movimento origem-destino, isto é, dada a posição dos pais, expressa a
distribuição dos filhos pelas classes. Tomando como referência as colunas, é possível verificar
a situação familiar de procedência dos filhos que se encontram em um determinado estrato (ver
Tabela 3 como ilustração).

TABELA 3- MATRIZ DE TRANSIÇÃO DE STATUS SOCIAL

Status de destino
1 2 3 4 5 6 . . r Total
1 n11 n12 n13 . . . . . n1r n1.
2 n21 n22 n23 . . . . . n2r n2.
3 n31 n32 n33 . . . . . n3r n3 .
5 . . . . . . . . . .
Status
5 . . . . . . . . . .
de
6 . . . . . . . . . .
origem
. . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
r nr1 nr2 nr3 . . . . . . .
Total n.1 n.2 n.3 . . . . . n.r N
Fonte: PASTORE, 1979, p. 35.

A imobilidade, ou seja, os indivíduos que permanecem na mesma classe que os pais é indicada
pela diagonal principal. Já os movimentos ascendentes ou descendentes são expressos pela
matriz triangular superior ou inferior, respectivamente.

A apresentação dos dados na forma matricial, além de facilitar a interpretação de resultados,


permite a decomposição dos fluxos de mobilidade. Os principais indicadores derivados dizem
respeito à mobilidade total, estrutural, circular e ao índice de Yassuda.

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A mobilidade total é um indicador que leva em consideração aqueles indivíduos que tiveram
alguma mudança de posição social em relação aos seus pais, seja ascendente ou descendente.
Como já mencionamos, o componente estrutural é decorrente das transformações das
oportunidades ocupacionais que impulsionam a mobilidade entre as gerações. Já a mobilidade
circular diz respeito à competição por cargos, saída da força de trabalho ou troca de posições.
Sendo assim, tem efeitos menos significativos na caracterização da dinâmica da mobilidade.

No tocante ao índice de Yasuda, ele é uma medida do quão próximo a estrutura social encontra-
se da perfeita mobilidade. Resultados próximos de um indicam que a sociedade tende a plena
mobilidade, o inverso ocorre quando o valor aproxima-se de zero. Esse indicador é amplamente
utilizado na literatura sobre mobilidade social sendo também motivo de diversos debates sobre
sua robustez (Naoi and Slomczynski (1986))

Em termos da matriz de transição, esses indicadores podem ser calculados conforme expresso
a seguir:

Mobilidade total = N−∑n


ii

Mobilidade estrutural = N−∑n


ii
2

Mobilidade circular = mobilidade total – mobilidade estrutural = ∑nii−∑n


ii

Índice Yasuda = Y = ∑ n
ii−∑ n
ii

∑ ∑ nn
n− .i i.
ii
N

III.2. Construindo a Escala das ocupações e estratos sociais

Duas etapas precedem a construção das matrizes de mobilidade: o ranqueamento das ocupações
e a definição dos estratos sociais. Construímos ambas tendo como referência os microdados da
PNAD 2014 que contém, além das usuais informações sobre ocupação e conformação familiar
no que diz respeito aos chefes de família, um suplemento sobre mobilidade social. Nossa

2 É o mínimo dos valores marginais ni. e n.i .

16
pesquisa, dado que nosso objetivo é realizar uma comparação com os resultados de Pastore
(1979), limitar-se-á aos indivíduos do sexo masculino.

Sempre acompanhando os aspectos metodológicos adoptados por Pastore (1979), construímos


uma escala de prestígio social ordenando as ocupações segundo a relação entre salário e
escolaridade. Em outras palavras, fizemos regressões para cada uma das seis faixas de idade e,
a partir das estimações do retorno por ano de estudo, foi calculado o salário esperado para cada
observação da amostra. Após este procedimento, foi feita a média entre o rendimento esperado
e real. De posse destes valores, estimamos novamente a média para cada título ocupacional. Em
seguida, os resultados foram padronizados para oscilarem entre zero e cem.

Em um primeiro momento a nossa amostra esteve restrita aos homens, entre 19 e 64 anos, chefes
de família, ocupados e para os quais havia disponíveis informações sobre a ocupação do pai, a
fim de manter a comparabilidade com trabalhos anteriores. Além disso, as regressões obtiveram
melhor ajuste para especificação na forma logarítmica, o R² variou entre 0,021 e 0,34 e os
coeficientes foram individualmente significantes a 1%.

Os gráficos a seguir traçam um comparativo entre salário esperado e o valor real por anos de
estudo.

FIGURA 1- RENDIMENTO ESPERADO POR ANOS DE ESTUDO PARA COORTES


DE IDADE

17
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

FIGURA 2- RENDIMENTO POR ANOS DE ESTUDO OBSERVADO NA PNAD 2014


PARA A AMOSTRA

18
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

Valendo-se dos resultados da escala, as ocupações foram agrupadas em seis estratos: superior,
médio superior, médio médio, baixo superior e baixo inferior. Portanto, as ocupações listadas
com títulos ocupacionais idênticos àqueles ranqueados pelo trabalho de referência (Pastore
(1979)) foram classificadas na mesma categoria, enquanto as novas ocupações foram
distribuídas conforme a classe de escore mais próxima.3 A tabela a seguir sintetiza os resultados
por estratos.

TABELA 4 - ESTRATOS SOCIAIS

Classe Ocupações
Escore médio Desvio padrão
representativas

3 Valle Silva (2001) também adota este procedimento para que seja mantida a comparabilidade, dada a
sensibilidade da metodologia às definições. Como já assinalamos em parágrafos anteriores, é válido argumentar
que a composição das classes ao longo do tempo é variável e não necessariamente o prestígio é mantido.

19
Superior 32,92 18,2 Legisladores,
dirigentes gerais da
administração
pública, dirigentes de
empresas,
engenheiros,
arquitetos, militares
da aeronáutica,
militares do exército,
juízes e
desembargadores.
Médio superior 14,36 6,77 Enfermeiros de nível
superior e afins,
técnicos em geral,
inspetores de polícia
e detetives,
representantes
comerciais.
Médio médio 13,69 10,44 Professores da
educação básica,
atores e diretores de
espetáculos,
escriturários de
contabilidade e
finanças.
Médio inferior 7,14 4,71 Trabalhadores de
instalações elétricas,
vidraceiros, pintores
de obras e
revestidores de
interiores,
operadores de

20
máquinas,
ceramistas,
operadores da
tecelagem.
Baixo superior 7,03 3,91 Vigilantes e guardas
de segurança,
cozinheiros, guias de
turismo,
trabalhadores dos
serviços domésticos
em geral, vendedores
a domicílio.
Baixo inferior 3,91 2,37 Trabalhadores
agrícolas,
extrativistas
florestais, caçadores,
pescadores.
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

A proximidade dos escores médios e desvios padrões entre as classes evidenciam certa não
neutralidade do agrupamento. Nesse sentido, buscou-se preservar, além dos critérios métricos,
a dualidade entre ocupações manuais e não manuais, bem como atividades rurais e urbanas.
Ademais, a distância entre estratos varia significativamente entre a classe mais alta e a mais
baixa, evidência da desigualdade da estrutura social brasileira.

IV. RESULTADOS.

Os resultados a seguir referem-se à mobilidade intergeracional em 2014, para a amostra de


9.160 filhos homens, entre 19 e 64 anos, chefes de família e ocupados no momento da pesquisa.

21
TABELA 5 - MOBILIDADE TOTAL 2014

Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

A linha de total representa a distribuição dos filhos em relação à classe que ocupam, enquanto
a coluna de total agrupa-os segundo a origem. Por exemplo, cerca de 15% dos indivíduos estão
classificados no estrato baixo inferior, o que significa que mantiveram-se em situação idêntica
ou pior que a do pai. Desse total, mais de 13% ficaram imóveis, aspecto que ressalta o peso da
herança social, sobretudo para ocupações rurais.

A distribuição de pais e filhos por estrato pode ser avaliada de forma mais simplificada por
meio da tabela a seguir. É possível verificar um padrão de mobilidade ascendente, já que os
filhos ocupam estratos tipicamente mais altos que os pais

TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO DE PAIS E FILHOS POR ESTRATOS


Estrato Pai Filho
Superior 8,28% 13,65%
Médio superior 3,71% 8,61%
Médio médio 3,14% 6,18%
Médio inferior 31,79% 37,55%
Baixo superior 11,69% 18,70%
Baixo inferior 41,39% 15,32%
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

22
A leitura das tabelas anteriores nos permite concluir que existe uma estrutura social que é
permeável à mobilidade, sendo esta majoritariamente ascendente. Nesse sentido, os dados da
PNAD/2014 parecem confirmar o caráter estrutural da mobilidade ascendente no Brasil, que
perpassa períodos de rápido desenvolvimento mediante a substituição de importações, mantém-
se na crise, é conservada com posterioridade à estabilização e perdura no ciclo de crescimento
dos anos 2000. Com efeito, segundo do exercício realizado, a mobilidade total é de 63,66%,
sendo que 24,86% deste total é descendente e 75,14% ascendente. Os indivíduos imóveis, isto
é, que permanecem na mesma classe que os pais correspondem a 36,34%, representando o
“peso da herança social”. Pelos resultados, 84,17% dos brasileiros estão em posição melhor ou
igual a de seus pais.

A mobilidade circular sobrepõem-se à estrutural – 37,59% frente a 26,07%. É uma tendência


inversa àquela observada em 1973, em que a predominância da mobilidade estrutural era
impulsionada pela migração da zona rural para urbana além do dinamismo econômico do país
(lembremos que nesse ano a taxa de variação do PIB foi de 14%).

O índice de Yasuda corresponde a 0,725, pouco acima dos 0,636 verificados para 1973 por
Pastore (1979). Podemos afirmar, assim, que a estrutura social brasileira tornou-se mais
permeável nesses 41 anos.

Os resultados também podem merecer um outro olhar ao serem agrupados em matrizes que
expressam os movimentos origem-destino. A tabela 7 representa os fluxos de saída, isto é, dada
o estrato comum de origem, como a geração seguinte distribui-se.

TABELA 7 - FLUXOS DE SAÍDA DOS ESTRATOS NA MOBILIDADE TOTAL

Fonte: PNAD 2014, elaboração própria

23
A inércia parece relevante nos dois extremos. Mais de 45% das pessoas cujos pais estavam no
estrato superior continuam nele. No outro polo, 32% dos indivíduos cujos antepassados podem
ser identificados como integrantes do estrato inferior permanecem com o mesmo status. No
estrato médio inferior o imobilismo também parece ser preponderante. Ou seja, nos extremos a
herança social dos indivíduos parece relevante na explicação de seus destinos.

Em geral, as mobilidades são de curta distância, sendo exceções as de maior longitude. Por
exemplo, o caso do estrato médio médio, em que cerca de 35% dos indivíduos têm como destino
a classe superior.

O peso da herança também pode ser avaliado mediante os fluxos de entrada, ou seja, dado um
estrato de destino, qual é a origem social dos indivíduos (ver Tabela 8)

TABELA 8 - FLUXOS DE ENTRADA DOS ESTRATOS NA MOBILIDADE TOTAL

Fonte: PNAD 2014, elaboração própria

Outra vez encontramos a força gravitacional da ancestralidade no estrato baixo inferior: cerca
de 87% dos filhos que têm essa classe como destino, tiveram-na como origem. Valores,
conexões sociais (it’s who you know), aspirações e mandatos familiares, etc. podem alimentar
essa inércia.

A composição do estrato superior corrobora com os argumentos de Valle Silva (2001), que
observa a diversidade de origem dos integrantes desta classe. Os fluxos de entrada não estão
concentrados somente nas categorias mais altas. Pelo contrário, há uma relevante participação
dos estratos médio médio e baixo inferior – o que contrasta com o padrão típico de mobilidade

24
de curta distância. Apesar da autorreprodução, no estrato superior, não ser expressiva, ainda
assim é mais elevada que aquela reportada pelo autor, 27,32% frente a 18,4% em 1996.

Não há significativa distinção entre as classes com relação aos anos de estudo dos filhos quando
a referência são os estratos superior/médio/médio-médio (ver Tabela 9). Na verdade, o desvio
padrão entre as classes é pequena quando comparada com estudos anteriores, havendo
sobreposição da escolaridade média entre estratos, como ocorre entre o baixo superior e médio
inferior. Contudo, o hiato é significativo no caso do baixo-inferior.

TABELA 9 - ANOS MÉDIOS DE ESTUDO DOS FILHOS POR ESTRATO

Estrato Anos médios de estudo


Superior 12,58
Médio superior 11,84
Médio médio 11,67
Médio inferior 7,16
Baixo superior 7,99
Baixo inferior 4,39
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

Dado o caráter continental do Brasil e a heterogeneidade econômica e social de seu espaço, uma
perspectiva de avaliação interessante deveria assumir um corte geográfico. A média nacional
pode não ser representativa no caso da dinâmica nos diferentes espaços ser muito desigual. A
modo de ilustração para chamar a atenção e induzir futuras pesquisas nessa direção construímos
duas matrizes, uma que engloba as Regiões Nordeste e Norte (ver Tabela 10) e outra para a
somatória das regiões Sul-Sudeste-Centro-Oeste (Tabela 11). A razão para tais agrupamentos
foi o baixo número de observações por categoria em certas regiões, o que inviabilizaria
comparativos.

TABELA 10 - FLUXOS DE ENTRADA NA MOBILIDADE SOCIAL PARA AS


REGIÕES NORDESTE E NORTE

25
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

TABELA 11 - FLUXOS DE ENTRADA NA MOBILIDADE SOCIAL PARA AS


REGIÕES SUDESTE, SUL E CENTRO-OESTE

Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.

Nas Regiões de maior desenvolvimento relativo (Sul/Sudeste/Centro-Oeste) quase 29% filhos


que se encontram na classe superior foram recrutados na mesma. No caso do Norte/Nordeste
esse percentual é de somente 20%. Ou seja, pareceria que, no caso dos espaços com menor
desenvolvimento relativo o acesso às posições de elite é mais permeável a indivíduos fora de
categoria social. Contudo, essa leitura pode ser questionada quando dirigimos a nossa atenção
para o outro extremo: quase 92% dos indivíduos no estrato baixo-inferior apresentam
antepassados situados na mesma categoria. Esse percentual é elevado, ainda que bem menor,
nos espaços mais desenvolvidos 83%. O cálculo do Índice de Yasuda para esses cortes sintetiza
bem essa desigualdade na permeabilidade, uma vez que adquire o valor de 0,66 no caso do
Norte/Nordeste e 0,77 no agregado Sul/Sudeste/C-O.

26
V. Comentários Finais.

Não obstante as enormes mudanças econômicas, sociais e mesmo políticas entre 1973 e 2014
as tendências de mobilidade intergeracional mantiveram-se: a estrutura social permanece
permeável e predominam padrões de ascensão, sobretudo, de curta distância. Ainda que esses
aspectos gerais tenham sido preservados, não se pode dizer o mesmo sobre a dinâmica interna
deste processo. Se no auge do período de substituição de importações a plasticidade entre
estratos era impulsionada majoritariamente por fatores estruturais, notadamente o êxodo rural,
em 2014 a mobilidade circular foi predominante, o que sugere uma maior competição via
mercado de trabalho.

O peso da “herança social” permanece expressivo para as ocupações do estrato baixo inferior,
o que justifica o alto grau de imobilidade nesta classe e sugere, de certa forma, um processo de
armadilha da pobreza. Outra barreira à mobilidade verificada nos dados de 2014 ocorre no
estrato médio inferior, caracterizado por ocupações urbanas de baixa qualificação.

Regionalmente, os dados nos induzem a pensar que o Nordeste e Norte do país,


comparativamente, têm a classe superior mais heterogênea em termos de origem. Por outro
lado, possui uma maior grau de permanência no estrato mais baixo. No âmbito regional também
foi observado a imobilidade na classe média inferior. Em termos gerais, avaliando pelo Índice
de Yassuda, parece existir uma relação entre o grau de desenvolvimento e a plasticidade de sua
estrutura social. Esse dado é bem preliminar e futuras pesquisas devem confirmar ou não esse
diagnóstico. Em todo caso, a pesquisa da relação de causalidade parece pertinente: é o grau de
desenvolvimento a variável que propicia a maior mobilidade ou é a maior mobilidade um dos
aspectos que potencializam o desenvolvimento ?

Em resumo, duas forças antagônicas caracterizam a mobilidade social no Brasil para o período
avaliado. Enquanto parte expressiva dos brasileiros conseguiram melhorar sua posição social
em relação aos pais, ainda que a distância percorrida seja tipicamente pequena, uma parcela
igualmente não desprezível está sujeita aos efeitos desigualdades de oportunidades que
perpetuam-se ao longo das gerações e reproduzem um ciclo de desigualdade de resultados. Em

27
todo caso, essa mobilidade, que tanto nos detectamos neste artigo corroborando resultados
identificados em pesquisas anteriores, pareceria que vai de encontro com os indicadores de
concentração de renda, situados entre os mais elevados do mundo. Ou seja, o Brasil,
paradoxalmente e em termos de longos períodos históricos, conserva seu caráter profundamente
desigual em termos de resultados mas parece mais igualitário quando a perspectiva de avaliação
é a mobilidade. Fica em aberto a pergunta: a desigualdade de renda (de resultados) está
relacionada (negativamente) com a desigualdade de oportunidades ? As múltiplas pesquisas na
área não ancoram essa relação.

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