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Resumo
Neste artigo o nosso propósito consiste em, seguindo a metodologia de Pastore (1979), avaliar
a mobilidade intergeneracional no Brasil com base nos microdados da PNAD 2014. Por meio
de matrizes de transição e utilizando a Índice de Yasuda, concluímos que a estrutura social
brasileira é permeável à mudança social, a qual pode ser caracterizada tipicamente como
ascendente e de curta distância.
Abstract
In this article, our purpose is to follow the methodology proposed by Pastore (1979) and
evaluate inter-generational mobility in Brazil based on the PNAD 2014 microdata. Using
transition matrices and the Yasuda Index, we conclude that the Brazilian social structure is
permeable to social change, which can typically be characterized as ascending and of short
distance.
I. Introdução.
5
aquelas desigualdades oriundas do “berço” (KOLM (2000)). Não obstante a fundamentação
conceitual da desigualdade de oportunidades estar bem ancorada na literatura (ver, por exemplo,
ROEMER (1998, 2000), ROEMER AND TRANNOY (2013)), trabalhar empiricamente essa
perspectiva (desigualdades de oportunidades) não é trivial, ainda que nos últimos anos muitos
esforços têm se direcionado nesse sentido (BOURGUIGNON, FERREIRA AND MENENDEZ
(2007), FERREIRA AND PERAGINE (2019)). Contrariamente, a igualdade de resultados é
uma tarefa relativamente corriqueira uma vez que existem diferentes fontes de dados que
possibilitam sua mensuração (POF e PNAD são as mais utilizadas) e robustos indicadores (Gini,
Theil, etc.) são tradicionalmente aceitos como boas aproximações.
6
Embora exista uma grande literatura sobre desigualdade de educação e renda no Brasil, a
mobilidade intergeracional tem despertado uma menor atenção, ainda que exista uma relativa
abundância de estudos sobre o tema (PASTORE (1979, 1986), PASTORE E ZYLBERSTAJN
(1996), SCALON (1999), PASTORE E SILVA (2000), RIBEIRO (2007, 2012)). Essa menor
atenção sobre mobilidade social vis-a-vis a desigualdade de renda (de resultados) talvez tenha
sua origem na menor disponibilidade de dados. Se existem séries anuais que possibilitam
monitorar a distribuição de renda, especificamente as PNAD’s, essa mesma base de dados tem
levantamentos (suplementos) sobre a mobilidade social mais esparsos (1973, 1976, 1982, 1988,
1996 e 2014). Outras fontes são ainda mais irregulares (por exemplo, PPV-Pesquisa sobre
Padrão de Vida (1996/97) ou a pesquisa PDSD-Pesquisa da Dimensão Social das Desigualdades
(2008). Em geral, os levantamentos induzem a concluir que, a despeito de existir um elevado
grau de mobilidade social no Brasil, o status social do pai é um determinante importante do
status social do filho. Inclusive, Barros e Lam (1993) e Barros et al (2001), também utilizando
dados da PNAD, mostraram que a educação dos pais é um importante determinante da educação
dos filhos. Em termos metodológicos, as categorias utilizadas para agrupar os indivíduos
podem ser as mais diversas. Pastore e Valle Silva (2000) utilizam uma categoria denominada
de status ou hierarquias sócio-economicas, uma perspectiva teórica que pode ser definida como
"estudos da mobilidade de status" ou de "hierarquias socioeconômicas”. Scalon (1999) tem
como referência “classes”.
7
Ao longo dos últimos 20 anos (ou seja, desde 1996, último ano da pesquisa de Pastore e Silva),
o Brasil passou pelas mais diversas alterações no ambiente econômico: superação definitiva do
quadro hiperinflacionário, significativo aumento do salário mínimo, longo de ciclo de
crescimento (2002-2014), aumento da escolaridade média, etc.. A pergunta pertinente é: quais
seriam os efeitos líquidos dessas mudanças sobre a transmissão de status econômico? A
mobilidade social permaneceu constante, se acentuou ou recuou? O ano de 2014 é singular uma
vez que marca o fim de um longo ciclo de crescimento. Esse período (2002-2014), além do
dinamismo em termos de PIB, emprego formal e salário mínimo, apresentou um indicador de
concentração de renda (medido mediante o Gini calculado a partir das PNAD’s) em queda
(SOARES (2006)). Essa queda na concentração dos rendimentos da PNAD, alterou o padrão
de mobilidade ?
Nosso objetivo no presente artigo consiste em atualizar o trabalho pioneiro de Pastore (1979) e
complementar os artigos que estão sendo produzidos tendo como referência o suplemento de
mobilidade social da PNAD/2014 (Freitas da Cruz (2019)). Conservar a metodologia utilizada
por Pastore nos permite realizar uma boa comparação entre dois períodos históricos
aparentemente bem contrapostos: em ambos o dinamismo em termos de crescimento é marcante
e os aspectos distributivos (distribuição de renda) os distancia.1 Estruturamos este artigo em
cinco Seções (além desta Introdução). Na próxima Seção vamos sintetizar os principais
referenciais teóricos sobre o tema e simultaneamente realizaremos um sintético survey sobre a
literatura. Na Seção III explicitaremos a metodologia que utilizaremos no tratamento dos dados
(PNAD/2014). Na Seção IV apresentaremos os resultados. Finalizamos o artigo na Seção V
com um balanço do tratado e sugestões de futuras pesquisas.
1 A programação, base de dados e outros critérios adotados na pesquisa podem ser acessados em:
<https://github.com/marianasgalvao/mobilidadesocial> .
8
(TCH) é o arcabouço teórico comumente referenciado quando se especifica (ou prioriza) a
relação de causalidade da educação à renda (BECKER (1994)). Esse vínculo é mediado pela
produtividade, ou seja, o nível de escolaridade estaria umbilicalmente associado à
produtividade e esta, por sua vez, determinaria os salários. Ou seja, estaríamos dentro do
modelo teórico canônico, no qual a remuneração dos fatores é explicada pela sua produtividade
e sua disponibilidade (escassez). Obviamente, seria inexato sustentar que, para a TCH, a dupla
salários/produtividade vinculada aos anos passados no sistema escolar está circunscrita aos
conhecimentos e habilidades adquiridos nele. Outras variáveis (como saúde, experiência, etc.)
complementam as capacidades acumuladas no período passado nos estabelecimentos
educativos (escolas/colégios/universidades).
Contudo, dados os nossos objetivos neste artigo, mas relevante que elencar e analisar todas as
variáveis que a TCH contempla, vamos nos concentrar em algumas delas que dizem respeito à
reprodução da estrutura social. Seria um reducionismo impróprio limitar o tipo de inserção na
hierarquia social às habilidades e capacidades cognitivas e às destrezas técnicas proporcionadas
pelos estabelecimento escolares. A acumulação de Capital Humano de um indivíduo é a soma
do adquirido no sistema escolar e transmitido pelos educadores mais os valores, atitudes,
exemplos, etc. auferidos na família, no ambiente sócio-economico e mesmo transmitidos pelos
colegas nas salas de aula (peer-effects). Este conjunto de elementos afetam tanto o perfil do
indivíduo como suas conexões sociais. Assim, a futura inserção na hierarquia social vai estar
condicionada por uma série de variáveis todas caminhando no mesmo sentido: a reprodução da
estrutura social. Cada pessoa estará influenciada pelos valores e aspirações de seu entorno
familiar-social, que condicionará o estabelecimento escolar a ser frequentado e os nexos e
influências que neles se estabeleçam. Este tipo abordagem da reprodução da hierarquia social
tanto pode ser fundamentado por marcos teóricos inscritos no modelo canônico (BECKER
(1974), BECKER E TOMES (1994)) como por abordagens de cunho bem heterodoxo
(BOWLES (1972, 1973)). Assim, se a educação abre a possibilidade de neutralizar (ao menos
parcialmente) a herança social, o contexto familiar e social tende a manter o status-quo. Além
de aspectos habilidades técnicas ou capacidades cognitivas, valores, normas,
autorrepresentações, etc. podem se transmitir de geração em geração como legado, congelando
a pirâmide social (MARJORIBANKS (2005), JACKSON (2019)). No limite, quando o
9
determinante é a posição social de seu entorno familiar, a situação pode ser representada pela
frase “it’s not what you know, it’s who you know”.
A literatura empírica sobre mobilidade social no Brasil, ainda que não seja extensa (podemos
mencionar as contribuições de VALLE SILVA (1974), PASTORE (1979) e SCALON (1999),
por exemplo) apresenta diferentes formas de categorizar socialmente os indivíduos. Antes de
resumir os resultados das pesquisas empíricas devemos lembrar a definição de dois conceitos:
mobilidade estrutural e mobilidade circular. A primeira seria caracterizada por um contexto de
grande disponibilidade de empregos, em que os atributos individuais são pouco relevantes para
a determinação do deslocamento na estrutura social. Neste caso, a qualificação é um atributo
posterior ao cargo, isto é, é adquirida conforme a necessidade de ajuste ao posto de trabalho.
Contrariamente, a mobilidade circular diz respeito à situação em que a mobilidade de um
indivíduo é condicionada à mudança de outro, na ocasião de sua aposentadoria, morte, etc..
10
médicos, advogados,
engenheiros.
Médio superior 30,64 Administradores do serviço
público, agentes fiscais,
técnicos de administração,
proprietários de porte médio,
representantes comerciais.
Médio médio 17,01 Desenhistas, músicos,
locutores, compradores,
auxiliares de escritório,
pequenos proprietários,
mestre de obra.
Médio inferior 9,47 Eletricistas, pedreiros,
encanadores, carpinteiros,
tapeceiros, motoristas,
barbeiros.
Baixo superior 5,84 Trabalhadores braçais
urbanos, entregadores,
engraxates, faxineiros.
Baixo inferior 4,70 Trabalhadores braçais da
zona rural, pescadores,
seringueiros.
Fonte: PASTORE, 1979, p.46.
As distâncias entre os estratos são distintas, sendo maior para os níveis mais altos e menor para
os níveis mais baixos. Este resultado é intuitivamente consistente, já que podemos assumir que
quanto maior a posição relativa na hierarquia social, maior é a dificuldade marginal de ascender,
o que justifica o intervalo relativamente grande. Nos estratos inferiores, por outro lado, a
diferenciação entre as ocupações é pequena, visto que os trabalhos são predominantemente
manuais, o que facilita a mobilidade e sustenta a menor separação entre eles.
11
Tendo como referência a escala Valle Silva (1974), Pastore (1979) avalia a mobilidade social
por meio dos dados da PNAD de 1973. Os resultados são consolidados sob a forma de matrizes
de transição e regressões para controlar os efeitos regionais ou persistência da condição de
origem.
12
Classe baixa Estrato baixo- 6,9 16
superior
Estrato baixo- 64,9 32
inferior
Total 100 100
N = 44.307
Fonte: PASTORE, 1979, p. 108.
Scalon (1999) introduz uma análise baseada classes, estruturada em barreiras à imobilidade e
gênero. Para isso, utiliza a técnica de análise de conglomerado, fornecendo maior consistência
na determinação de categorias, as quais não são geradas arbitrariamente pelo pesquisador. As
suas análises são baseadas na PNAD de 1988 e a pesquisa pretende determinar em que medida
as mudanças estruturais provocadas pela industrialização do último século não foram
suficientes tornar a estrutura social mais fluida. Em outras palavras, se avalia em que medida a
estrutura resultante da substituição de importações não foi ou não capaz de atenuar as
desigualdades de oportunidades ou, pelo contrário, perpetuaram a transmissão de posições nas
classes mais altas.
Em suma, para Scalon (1999, p. 192), a organização social brasileira pode ser caracterizada por
“classes marcadamente delimitadas, que possuem certo grau de fluidez dentro das fronteiras
que as dividem, mas inscrevem significante rigidez no movimento para além delas”. Por fim, a
estrutura de classes indicou ter efeito mais significativo que as diferenças de gênero, “podendo-
se argumentar a favor da existência de um único modelo de fluidez/rigidez social para o Brasil,
impermeável às desigualdades de gênero” (SCALON, 1999, p. 192).
13
Existe um certo consenso sobre a presença de uma mobilidade ascendente (mesmo que seja de
curta distância) no Brasil (PASTORE E SILVA (2000)). Segundo Ribeiro (2007), por exemplo,
em meados dos anos 70, no auge do denominado “milagre brasileiro”: 64% dos brasileiros
gozavam de uma posição social diferente da observada pelos seus pais. Não obstante o
esgotamento desse milagre, dos choques externos adversos, da desaceleração nas taxas de
variação do PIB, etc., o percentual se elevou para pouco mais de 70% nos anos 80, conservando
esse patamar até meados da década posterior. Sempre segundo Riveiro (2007), desaceleração
do crescimento e crise das décadas posteriores se manifestaram em uma queda da mobilidade
ascendente, ganhando participação a mobilidade descendente. Contudo, não obstante essa
queda, a maior parte da mobilidade no Brasil continuou sendo ascendente (o percentual cai de
85% nos anos 70 para 80% na década posterior).
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III.1 Matrizes e indicadores de mobilidade social
As matrizes de mobilidade são construções que relacionam os estratos dos filhos e dos pais. As
linhas representam o movimento origem-destino, isto é, dada a posição dos pais, expressa a
distribuição dos filhos pelas classes. Tomando como referência as colunas, é possível verificar
a situação familiar de procedência dos filhos que se encontram em um determinado estrato (ver
Tabela 3 como ilustração).
Status de destino
1 2 3 4 5 6 . . r Total
1 n11 n12 n13 . . . . . n1r n1.
2 n21 n22 n23 . . . . . n2r n2.
3 n31 n32 n33 . . . . . n3r n3 .
5 . . . . . . . . . .
Status
5 . . . . . . . . . .
de
6 . . . . . . . . . .
origem
. . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
r nr1 nr2 nr3 . . . . . . .
Total n.1 n.2 n.3 . . . . . n.r N
Fonte: PASTORE, 1979, p. 35.
A imobilidade, ou seja, os indivíduos que permanecem na mesma classe que os pais é indicada
pela diagonal principal. Já os movimentos ascendentes ou descendentes são expressos pela
matriz triangular superior ou inferior, respectivamente.
15
A mobilidade total é um indicador que leva em consideração aqueles indivíduos que tiveram
alguma mudança de posição social em relação aos seus pais, seja ascendente ou descendente.
Como já mencionamos, o componente estrutural é decorrente das transformações das
oportunidades ocupacionais que impulsionam a mobilidade entre as gerações. Já a mobilidade
circular diz respeito à competição por cargos, saída da força de trabalho ou troca de posições.
Sendo assim, tem efeitos menos significativos na caracterização da dinâmica da mobilidade.
No tocante ao índice de Yasuda, ele é uma medida do quão próximo a estrutura social encontra-
se da perfeita mobilidade. Resultados próximos de um indicam que a sociedade tende a plena
mobilidade, o inverso ocorre quando o valor aproxima-se de zero. Esse indicador é amplamente
utilizado na literatura sobre mobilidade social sendo também motivo de diversos debates sobre
sua robustez (Naoi and Slomczynski (1986))
Em termos da matriz de transição, esses indicadores podem ser calculados conforme expresso
a seguir:
Índice Yasuda = Y = ∑ n
ii−∑ n
ii
∑ ∑ nn
n− .i i.
ii
N
Duas etapas precedem a construção das matrizes de mobilidade: o ranqueamento das ocupações
e a definição dos estratos sociais. Construímos ambas tendo como referência os microdados da
PNAD 2014 que contém, além das usuais informações sobre ocupação e conformação familiar
no que diz respeito aos chefes de família, um suplemento sobre mobilidade social. Nossa
16
pesquisa, dado que nosso objetivo é realizar uma comparação com os resultados de Pastore
(1979), limitar-se-á aos indivíduos do sexo masculino.
Em um primeiro momento a nossa amostra esteve restrita aos homens, entre 19 e 64 anos, chefes
de família, ocupados e para os quais havia disponíveis informações sobre a ocupação do pai, a
fim de manter a comparabilidade com trabalhos anteriores. Além disso, as regressões obtiveram
melhor ajuste para especificação na forma logarítmica, o R² variou entre 0,021 e 0,34 e os
coeficientes foram individualmente significantes a 1%.
Os gráficos a seguir traçam um comparativo entre salário esperado e o valor real por anos de
estudo.
17
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.
18
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.
Valendo-se dos resultados da escala, as ocupações foram agrupadas em seis estratos: superior,
médio superior, médio médio, baixo superior e baixo inferior. Portanto, as ocupações listadas
com títulos ocupacionais idênticos àqueles ranqueados pelo trabalho de referência (Pastore
(1979)) foram classificadas na mesma categoria, enquanto as novas ocupações foram
distribuídas conforme a classe de escore mais próxima.3 A tabela a seguir sintetiza os resultados
por estratos.
Classe Ocupações
Escore médio Desvio padrão
representativas
3 Valle Silva (2001) também adota este procedimento para que seja mantida a comparabilidade, dada a
sensibilidade da metodologia às definições. Como já assinalamos em parágrafos anteriores, é válido argumentar
que a composição das classes ao longo do tempo é variável e não necessariamente o prestígio é mantido.
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Superior 32,92 18,2 Legisladores,
dirigentes gerais da
administração
pública, dirigentes de
empresas,
engenheiros,
arquitetos, militares
da aeronáutica,
militares do exército,
juízes e
desembargadores.
Médio superior 14,36 6,77 Enfermeiros de nível
superior e afins,
técnicos em geral,
inspetores de polícia
e detetives,
representantes
comerciais.
Médio médio 13,69 10,44 Professores da
educação básica,
atores e diretores de
espetáculos,
escriturários de
contabilidade e
finanças.
Médio inferior 7,14 4,71 Trabalhadores de
instalações elétricas,
vidraceiros, pintores
de obras e
revestidores de
interiores,
operadores de
20
máquinas,
ceramistas,
operadores da
tecelagem.
Baixo superior 7,03 3,91 Vigilantes e guardas
de segurança,
cozinheiros, guias de
turismo,
trabalhadores dos
serviços domésticos
em geral, vendedores
a domicílio.
Baixo inferior 3,91 2,37 Trabalhadores
agrícolas,
extrativistas
florestais, caçadores,
pescadores.
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.
A proximidade dos escores médios e desvios padrões entre as classes evidenciam certa não
neutralidade do agrupamento. Nesse sentido, buscou-se preservar, além dos critérios métricos,
a dualidade entre ocupações manuais e não manuais, bem como atividades rurais e urbanas.
Ademais, a distância entre estratos varia significativamente entre a classe mais alta e a mais
baixa, evidência da desigualdade da estrutura social brasileira.
IV. RESULTADOS.
21
TABELA 5 - MOBILIDADE TOTAL 2014
A linha de total representa a distribuição dos filhos em relação à classe que ocupam, enquanto
a coluna de total agrupa-os segundo a origem. Por exemplo, cerca de 15% dos indivíduos estão
classificados no estrato baixo inferior, o que significa que mantiveram-se em situação idêntica
ou pior que a do pai. Desse total, mais de 13% ficaram imóveis, aspecto que ressalta o peso da
herança social, sobretudo para ocupações rurais.
A distribuição de pais e filhos por estrato pode ser avaliada de forma mais simplificada por
meio da tabela a seguir. É possível verificar um padrão de mobilidade ascendente, já que os
filhos ocupam estratos tipicamente mais altos que os pais
22
A leitura das tabelas anteriores nos permite concluir que existe uma estrutura social que é
permeável à mobilidade, sendo esta majoritariamente ascendente. Nesse sentido, os dados da
PNAD/2014 parecem confirmar o caráter estrutural da mobilidade ascendente no Brasil, que
perpassa períodos de rápido desenvolvimento mediante a substituição de importações, mantém-
se na crise, é conservada com posterioridade à estabilização e perdura no ciclo de crescimento
dos anos 2000. Com efeito, segundo do exercício realizado, a mobilidade total é de 63,66%,
sendo que 24,86% deste total é descendente e 75,14% ascendente. Os indivíduos imóveis, isto
é, que permanecem na mesma classe que os pais correspondem a 36,34%, representando o
“peso da herança social”. Pelos resultados, 84,17% dos brasileiros estão em posição melhor ou
igual a de seus pais.
O índice de Yasuda corresponde a 0,725, pouco acima dos 0,636 verificados para 1973 por
Pastore (1979). Podemos afirmar, assim, que a estrutura social brasileira tornou-se mais
permeável nesses 41 anos.
Os resultados também podem merecer um outro olhar ao serem agrupados em matrizes que
expressam os movimentos origem-destino. A tabela 7 representa os fluxos de saída, isto é, dada
o estrato comum de origem, como a geração seguinte distribui-se.
23
A inércia parece relevante nos dois extremos. Mais de 45% das pessoas cujos pais estavam no
estrato superior continuam nele. No outro polo, 32% dos indivíduos cujos antepassados podem
ser identificados como integrantes do estrato inferior permanecem com o mesmo status. No
estrato médio inferior o imobilismo também parece ser preponderante. Ou seja, nos extremos a
herança social dos indivíduos parece relevante na explicação de seus destinos.
Em geral, as mobilidades são de curta distância, sendo exceções as de maior longitude. Por
exemplo, o caso do estrato médio médio, em que cerca de 35% dos indivíduos têm como destino
a classe superior.
O peso da herança também pode ser avaliado mediante os fluxos de entrada, ou seja, dado um
estrato de destino, qual é a origem social dos indivíduos (ver Tabela 8)
Outra vez encontramos a força gravitacional da ancestralidade no estrato baixo inferior: cerca
de 87% dos filhos que têm essa classe como destino, tiveram-na como origem. Valores,
conexões sociais (it’s who you know), aspirações e mandatos familiares, etc. podem alimentar
essa inércia.
A composição do estrato superior corrobora com os argumentos de Valle Silva (2001), que
observa a diversidade de origem dos integrantes desta classe. Os fluxos de entrada não estão
concentrados somente nas categorias mais altas. Pelo contrário, há uma relevante participação
dos estratos médio médio e baixo inferior – o que contrasta com o padrão típico de mobilidade
24
de curta distância. Apesar da autorreprodução, no estrato superior, não ser expressiva, ainda
assim é mais elevada que aquela reportada pelo autor, 27,32% frente a 18,4% em 1996.
Não há significativa distinção entre as classes com relação aos anos de estudo dos filhos quando
a referência são os estratos superior/médio/médio-médio (ver Tabela 9). Na verdade, o desvio
padrão entre as classes é pequena quando comparada com estudos anteriores, havendo
sobreposição da escolaridade média entre estratos, como ocorre entre o baixo superior e médio
inferior. Contudo, o hiato é significativo no caso do baixo-inferior.
Dado o caráter continental do Brasil e a heterogeneidade econômica e social de seu espaço, uma
perspectiva de avaliação interessante deveria assumir um corte geográfico. A média nacional
pode não ser representativa no caso da dinâmica nos diferentes espaços ser muito desigual. A
modo de ilustração para chamar a atenção e induzir futuras pesquisas nessa direção construímos
duas matrizes, uma que engloba as Regiões Nordeste e Norte (ver Tabela 10) e outra para a
somatória das regiões Sul-Sudeste-Centro-Oeste (Tabela 11). A razão para tais agrupamentos
foi o baixo número de observações por categoria em certas regiões, o que inviabilizaria
comparativos.
25
Fonte: PNAD 2014, elaboração própria.
26
V. Comentários Finais.
Não obstante as enormes mudanças econômicas, sociais e mesmo políticas entre 1973 e 2014
as tendências de mobilidade intergeracional mantiveram-se: a estrutura social permanece
permeável e predominam padrões de ascensão, sobretudo, de curta distância. Ainda que esses
aspectos gerais tenham sido preservados, não se pode dizer o mesmo sobre a dinâmica interna
deste processo. Se no auge do período de substituição de importações a plasticidade entre
estratos era impulsionada majoritariamente por fatores estruturais, notadamente o êxodo rural,
em 2014 a mobilidade circular foi predominante, o que sugere uma maior competição via
mercado de trabalho.
O peso da “herança social” permanece expressivo para as ocupações do estrato baixo inferior,
o que justifica o alto grau de imobilidade nesta classe e sugere, de certa forma, um processo de
armadilha da pobreza. Outra barreira à mobilidade verificada nos dados de 2014 ocorre no
estrato médio inferior, caracterizado por ocupações urbanas de baixa qualificação.
Em resumo, duas forças antagônicas caracterizam a mobilidade social no Brasil para o período
avaliado. Enquanto parte expressiva dos brasileiros conseguiram melhorar sua posição social
em relação aos pais, ainda que a distância percorrida seja tipicamente pequena, uma parcela
igualmente não desprezível está sujeita aos efeitos desigualdades de oportunidades que
perpetuam-se ao longo das gerações e reproduzem um ciclo de desigualdade de resultados. Em
27
todo caso, essa mobilidade, que tanto nos detectamos neste artigo corroborando resultados
identificados em pesquisas anteriores, pareceria que vai de encontro com os indicadores de
concentração de renda, situados entre os mais elevados do mundo. Ou seja, o Brasil,
paradoxalmente e em termos de longos períodos históricos, conserva seu caráter profundamente
desigual em termos de resultados mas parece mais igualitário quando a perspectiva de avaliação
é a mobilidade. Fica em aberto a pergunta: a desigualdade de renda (de resultados) está
relacionada (negativamente) com a desigualdade de oportunidades ? As múltiplas pesquisas na
área não ancoram essa relação.
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