Você está na página 1de 23

A FELICIDADE

EM DUAS
VERSÕES
GREGAS
Julián Marías (1914-2005)
A PALAVRA E/OU TERMO
"...felicidade se nomeia em grego com duas
palavras - ou famílias de palavras -
inteiramente distintas, procedentes de duas
raízes independentes, que se movem em
contextos diferentes"

Sentido dominante (radical)


Correspondente à raiz da palavra

Uso linguístico (laxo, variável)


O mesmo autor, no mesmo texto, usa com
USOS E
certa promiscuicuidade as duas raízes de
palavras. PALAVRAS
"Por isso não se pode tomar ao pé da letra e de
modo absoluto a distinção entre Daímon e Mákar" Daímon; Mákar
Raízes distintas
"Essas duas raízes são daímon e mákar, das quais
derivam diversas palavras. São completamente
distintas, em direções significativas muito diversas,
mas convém ter presente que essas diferenças não se
pode levar a sério de um modo absoluto, por que no
uso real as significações muitas vezes se
entrecruzam"
PREFERÊNCIAS
A comparação do Lexicon Platonicon de
Friedrich Ast e o Index Aristotelicus de Hermann
Bonitz revela

PLATÃO
Makários (feliz), makaría ou makariótes
(felicidade)

ARISTÓTELES
Usa derivações de mákar, mas aparece com mais
frequência as derivações de daímon, como
eudaimon (feliz) e eudaimonia (felicidade)
Demônio ou Gênio
"Daímon quer dizer primariamente um deus, porém mais
que um deus singular, individual, que seria melhor (théos),
a deidade ou divino (também existe o adjetivo daimónios,
em forma neutra tò daimónion, o demoníaco), o que
chamaríamos um (gênio), e em ouro sentido demônio. "

PLATÃO
"...no Banquete, se pergunta se o amor ou (Éros) é um deus, e responde que não mas sim
daímon megas, um grande daímon, (Sócrates diz que tem um daímon, um gênio que o
aconselha a fazer ou a não fazer as coisas).

E Platão acrescenta que Éros é um intermediário (metaxy) entre o deus e o homem, em que
se assemelha ao filósofo, que é também um intermediário entre o sábio e o ignorante: o
sábio não busca o saber, porque o possui; o ignorante tampouco, porque não se dá conta
de que não sabe; o filósofo é o homem que busca o conhecimento porque sabe que lhe
falta o saber"
ARISTÓTELES (384-322 A.C)
Foi o filósofo grego que mais explorou diretamente a questão
da felicidade.

ÉTICA A NICÔMACO
LIVRO I - "A felicidade como o bem supremo que pode ser obtido através da
ação humana (1095a18). A felicidade é uma certa atividade da alma de acordo
com uma excelência completa (1102a5). Estudos das excelências (1102a6).
Formas de excelência: do caráter do homem (éticas); do pensamento teórico
(dianoéticas) (1103a5)." (CAIEIRO, 2009)

LIVRO X -análise do prazer (I-V; 1172a15) e análise da essência da felicidade


(VI-X; 1176a30).
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caieiro.
São Paulo: Atlas, 2009.
AGATHÓN (BEM)
"Aristóteles põe desde logo a felicidade em conexão com o bem, conceito que
tem uma enorme importância na Grécia, porque a noção de (agathón) está
estreitamente vinculada à realidade...Ser e ser bom estão em íntima conexão'

ÉTICA A NICÔMACO
"Toda arte e toda investigação, e do mesmo modo toda ação e escolha,
parecem tender a algum bem; por isso se disse com razão que o bem é aquilo
a que todas as coisas tendem"
PALAVRAS DECISIVAS
Arte (tékne)
Investigação (methódos)
Ação (práxis)
Escolha (proaíresis)

"Todas essas atividades humanas tendem a algum bem, ligado desde o


começo à felicidade. Essa conexão esmoreceu-se depois, mas em Aristóteles é
enérgica"

"POUCOS" E "MUITOS"
"O supremo dos bens é o que tanto a (multidão) como os (distintos), os
refinados, coicidem em chamar de eudaimonia, felicidade"
O QUE É A FELICIDADE?
"Quando se pergunta o que é a felicidade, já não há tanto acordo, começam as
vacilações divergências"

Viver bem (eû zen) "é o mesmo que ser feliz (eudaimonêin)"
Obrar bem (eû prattein)

"POUCOS" E "MUITOS"
"As divergências quanto ao conteúdo se dão, sobretudo, diz Aristóteles, entre
o vulgo e os sábios"
Raízes distintas
"Pois uns creem que é algumas das coisas visíveis e
manifestas, como o prazer, a riqueza ou as honrarias;
outros, outra coisa; amiúde, uma mesma pessoa opina
coisas distintas: se está doente, a saúde, se é pobre, a
riqueza; os que têm consciência de sua ignorância admiram
os que dizem algo grande e que está acima de seu alcance.

(Mas alguns crêem que, fora toda essa multidão de bens,


há algum outro que é bom por si mesmo e que é a causa de
que todos aqueles sejam bens)"
PRIVAÇÃO (STÉRESIS) VS CARÊNCIA
"A stéresis não é uma carência qualquer, mas a privação
daquilo que nos pertence ou que é necessário"

"O doente está privado da saúde; o verdadeiramente pobre,


dos bens necessários; o ignorante que se conhece como tal, do
saber que necessita para viver"

"Não é carência (mera ausência), que é simplesmente não ter


algo; privação é alguém não ter algo que lhe pertence ou
necessita"

"Nesse caso, a felicidade se identifica com aquilo de que se


está privado"
Exemplo
"...o que está na prisão se sente muito mal, se o põem
em liberdade enlouquece de alegria e se sente feliz;
porém, se somos livre e fazemos o que queremos e
vamos para onde se nos dê, nem por um momeno
isso nos parece felicidade "
O próprio viver - mas como viver?
"O que se busca por si mesmo e não por outra coisa...
Tal parece ser eminentemente a felicidade, pois a escolhemos sempre
por ela mesma e nunca por outra coisa, enquanto que as honrarias, o
prazer, o entendimento e toda virtude desejamos certamente por si
mesmos (pois embora nada resultasse delas, desejaríamos todas essas
coisas), mas também os desejamos em vista da felicidade, pois cremos
que seremos felizes por meio deles.
Contrariamente, ninguém busca a felicidade por estas coisas, nem em
geral por nenhuma outra"

A própria vida como ela acontece nos a moldamos...


Ver slide - palavras decisivas
DURAÇÃO OU PERMANÊNCIA
"...algo decisivo para os gregos. A perenidade das coisas é o
ideal helênico: as coisas passam, são e deixam de ser, são
geradas e perecem, o grego esforça-se por encontrar algo que
seja sempre...algo que não dure não se pode chamar
felicidade"

"felicidade requér uma vida perfeita e uma vida inteira, pois


acontecem muitas mudanças e acasos ao longo da vida, e é
possível que o mais próximo seja atingido na velhice por
grandes calamidades" EX: Príamo, Creso.

Eis a importância filosófica, moral e virtuosa de Sócrates, Jesus


Cristo e Boécio, homens que aceitam o infortúnio alinhados e
não desintegram, até no sofrimento, na morte e na perda
afirmam sua substância, não dependem dos acidentes.
E DEPOIS DE MORTO ?
"Aristóteles acha mesmo problemático que mesmo depois de
morto não seja afetado pelo que possa acontecer então a seus
filhos e descendentes, pois se é absurdo que seja mudado seu
estado de felicidade ou infelicidade, também o é que não lhe
importe o que suceda a seus amigos ou descendentes"

"Ao final da Ética a Nicômaco, nos caps 6-8 do livro X, faz


Aristóteles o balanço do difícil problema da felicidade.

Não é um hábito nem uma disposição e sim uma ATIVIDADE"


3 CONCEITOS
POÍESIS - produção, fabricação, atividade que termina em
obra ou produto (uma mesa, um sapato, um poema)
PRÂXIS - atividade cujo fim não é algo distinto dela mesma,
não é uma obra (érgon, coisa feita) e sim (enérgeia, força
aplicada, capacidade de realizar), tocar um instrumento,
governar
THEORÍA - sentido filosófico de contemplação, quando o
olhar, o ver ou observar mentalmente (MORA), o pensar do
pensar é a mais alta atividade, finalidade do homem
virtuoso.
Cuidado com a polêmica THEORÍA (ela própria uma
variação da PRÂXIS) Vs POÍESIS. Conhecimento
especulativos que visa o entendimento e o posicionamento
no mundo e mera erudição ou acumulo de saberes
consolidados. Em Aristóteles não se contrapõe.
a prâxis mais prática de todas é a
theoría (condição de suficiência)
"O governante necessita de uma cidade para governar, e se não dispõe
dela não pode exercer sua atividade; para tocar flauta é preciso uma
flauta"

" A THEORÍA, pelo contrário, se basta a si mesma; o homem cuja prâxis


é a theoría não necessita nada fora de si, é uma atividade (divina), é a
que têm os deuses - Deus é (noéseos neésis, pensamento do
pensamento) -, e no homem a que mais se parece com isso"
AUTÊNTICIDADE
"Escolher a vida de outro em vez da sua mesma é introduzir
uma falsidade que destrói o sentido próprio da felicidade"

zoé-necessidades gênero-espécie (animal vivente);


bíos-necessidades individuais, manifestação em
direção e proporções únicas; (vida de cada um,
biográfica)
MAKARIA
uso mais trivial (eudaimonia)
uso mais elevado (makaria :"venturoso")
"...a consciência de que a felicidade não depende só do
homem é mais viva em makaria que em eudaimonia"
"...os gregos falam de autarquia (suficiência), porém as
necessidades e suas posses fazem com que o homem não
seja suficiente mas...indigente"
ARETÊ

"...a felicidade não pode consistir senão na forma mais alta do


prazer, que é o da parte racional da alma. Esse prazer é
também o mais verdadeiro (aliás, o único verdadeiro), porque o
objeto que o causa é o objeto mais verdadeiro, é o ser e o
eterno contemplados pela alma"

"A vida filosófica no Estado ideal é a vitória do elemento divino


sobre o elemento animal que há no homem. é a construção do
homem divino"
ESTADO IDEAL
"O Estado idel e o homem régio ou aristocrata que lhe
corresponde são carcaterizados pelo domínio inconteste da
racionalidade, com a qual coincidem substancialmente a
virtude (a virtude é fundamentalmente, racionalidade) e
também a liberdade (a liberdade é liberdade da razão em face
dos instintos e dos impulsos alógicos, e se revela no domínio
que a razão exerce sobre eles):

...e não somente a razão domina nos chefes do Estado, mas


domina igualmente na classe dos guardiães-guerreiros, na
medida em que regula a alma irascível nela produzindo a
virtude da coragem, e na classe inferior na medida em que
regula a alma concupiscível nela produzindo temperança.
Esse é o Estado são e, como tal, feliz"
ESTADO-HOMEM IDEAL (MONARQUIA-
ARISTOCRACIA)
Timocrático (timé/honra, degeneração da aristocracia) -
Oligárquico - (governo de poucos, corrupção da timocracia)
Democrático - (demos/povo + kratos/domínio-poder,
degeneração da oligarquia)
Tirânico - (líder ilegítimo, corrupção da democracia)

"Com o regredir progressivo da racionalidade abrem caminho,


no Estado e na alma, a doença, a ruína espiritual e a infelicidade,
que alcançam o seu limite extremo no Estado e no homem
tirânico" (Reale)
VIDA FILOSÓFICA

"Com o regredir progressivo da racionalidade abrem caminho,


no Estado e na alma, a doença, a ruína espiritual e a infelicidade,
que alcançam o seu limite extremo no Estado e no homem
tirânico" (Reale)

Você também pode gostar