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O diário do

Professor/Pesquisador:
algumas reflexões
Profa. Dra. Maria Irene P. O. Souza
Universidade Estadual de Londrina
2021
Quantas vezes você escreveu algum texto,
guardou e um dia quando foi organizar seus papéis
encontrou seu texto e se surpreendeu?
Muitas perguntas vêm à mente quando isso acontece:
• Nossa que texto bom, será que eu escrevi ou copiei de
algum autor?
• Nunca havia pensado nisto...
• Aí você lê novamente e se orgulha, mas ao mesmo tempo
pensa “por que não coloquei em prática essa ideia?”
O diário do Professor/Pesquisador: algumas reflexões

Por esse motivo o Professor Zabalza (2002)


nos alerta sobre a importância de termos um
diário, em especial nós professores, por
nossa vida corrida, às vezes muito atribulada,
o que, quase sempre, nos leva a esquecer as
coisas boas que fazemos em sala de aula.
O diário do Professor/Pesquisador: algumas reflexões

• Antigamente, o Professor tinha


a obrigação de apresentar seu
diário de aula todos os dias, e
lá deveriam estar apontadas
todas as propostas que ele iria
realizar.

• Entretanto, pensando nesse


diário do passado acredito que
ele era apenas um repositório.
As crianças sempre criam vínculos com seus professores e
claro, isso não é gratuito. E também, não se pode negar que
algumas crianças direcionam nosso olhar mais do que
outras.

Há crianças que visivelmente não mostram afinidades


conosco, mas como somos professores, estaremos sempre
disponíveis para todos.
• Não devemos nos preocupar demais com: o que
escrever no diário? Qualquer acontecimento já é
um motivo para anotarmos em nosso diário.

• “se você tem dificuldade em escrever, grave, pois assim


terá o registro de algo que pode vir a ser um potencial
para pensar a ação docente”. Não registrar as próprias
ações é sinônimo de perdas, pois um diário é um
caminho para experiências muito significativas.
Sempre que fazemos uma pesquisa temos um diário!
Exatamente porque ele é o registro das ações efetivadas.

O diário do Professor pode fortalecer suas ações,


principalmente se ele observar as respostas de seus alunos
às suas propostas e pensar os próximos passos a fim de ter
um trabalho bem sucedido, no sentido de alcançar os
objetivos propostos e verificar o desenvolvimento de seus
alunos, de fato.
Escrever seu próprio diário é a experiência de contar
e de contar-se a si mesmo, como duplo ator: o ator
que realiza as coisas contadas e o ator que as conta.
Experiência narrativa que posteriormente tornará
possível uma nova experiência, a de ler-se a si
mesmo com atitude benévola ou crítica, mas tendo a
oportunidade de reconstruir o que foi a atividade
desenvolvida e nossa forma pessoal de vivê-la.
(ZABALZA, 2002)
E os alunos difíceis?
Vamos abrir um parêntesis e falar um pouco do Portfólio
Construir um portifólio oferece a oportunidade para refletir
sobre o desenvolvimento e a compreensão da realidade da
sala de aula, permitindo ao professor adequar suas aulas
sempre e considerar os trabalhos de seus alunos de forma
relacional.
O portifólio para o aluno equivale ao diário do professor. Essas duas
modalidades: portifólio e diário são instrumentos que se completam.
Voltando à semelhança diário do professor e diário de pesquisa
vamos lembrar que: à medida em que aprimoro minhas ações como
professor, de certa forma estou aprimorando minha formação.

Tardif e Raymond (2000) ao falarem da formação do professor


afirmam que é a profissão na qual o profissional está em constante
formação, porque a medida em que seu trabalho se desenvolve, sua
formação se aprimora.
A formação do Professor se dá por escolarização relativamente longa,
com sólidos conhecimentos teóricos e técnicos, mas ela se efetiva com
a experiência da sala de aula

A formação do professor é, por vezes, excessivamente teórica, outras vezes


excessivamente metodológica, mas há um déficit de práticas, de refletir sobre
as práticas, de trabalhar sobre as práticas, de saber como fazer. É
desesperante ver certos professores que [...] têm o corpo e a cabeça cheios
de teoria, de livros, de teses, de autores, mas não sabem como aquilo tudo se
transforma em prática, como aquilo tudo se organiza numa prática coerente.
Por isso [...] a necessidade de uma formação centrada nas práticas e na
análise dessas práticas. (NÓVOA, 2007, p. 14)
Pensando em caminhos:
Selecionar o que é intrigante dos conteúdos e o que se pretende
trabalhar em sala de aula. É fundamental que o professor tenha
conhecimento sobre seus alunos e os conteúdos que pretende
trabalhar. Com isso será possível elaborar um percurso de trabalho
e aqui se iniciam os registros.

Não podemos esquecer o que os alunos já conquistaram e a relação


disso com o que se pretende trabalhar, bem como a metodologia que
será adotada. Assim surgirão as perguntas a serem respondidas com o
desenvolvimento da ação docente/pesquisa.
Nos registros, além de uma descrição crítica do professor, é
necessário também a produção dos alunos, pois são complementares
e levarão a adequações dos percursos estabelecidos pelo professor.

Esse diário que vai permitir a realização de uma pesquisa didática, ou


uma pesquisa ação, desde que não trabalhe com propostas prontas e
que considere as respostas de seus alunos sobre aquilo que propõe.

A análise dos dados ocorre de forma indutiva: as abstrações surgem


à medida que os dados coletados passam a ser agrupados
Com Kincheloe (1997) ouso afirmar que todos os professores
deveriam adotar esse método de trabalho e os projetos
pedagógicos deveriam ser construídos tendo a pesquisa
didática presente tanto nas disciplinas como nos projetos que
envolvem a escola. Com certeza mudaríamos a educação básica
e consequentemente as Universidades.

O Professor vive num constante mudar e ser mudado. E qual


melhor lugar para isso acontecer senão na escola?
Assim como a UECE, a UEL
também é Polo da Rede
Arte na Escola, cuja função
é a formação continuada de
professores de Arte, por
meio da produção de
materiais de apoio didático.
Em 2018 a Professora Juliana Barone Lazarini teve seu projeto selecionado
pelo IAE e eu tive o privilégio de orientá-la. Ela é professora do município de
Cambé e lá, os professores de arte tem como norma construir um diário
que contenha propostas, observações e reflexões acerca da ação docente.
Na proposta pedagógica está previsto que ao final do ano seja organizada
uma exposição com os trabalhos realizados pelos alunos e os diários (e às
vezes trabalhos) de seus professores.
[...] como professora, considero cada exercício de
preparação de aula como um ato de criação, o que
me possibilita refletir constante e continuamente
sobre os atos de mediar e produzir, e o “ser
professora” como uma função social da artista que
vai além da compreensão do universo infantil.
(BARONE, 2020, p.6)
A pesquisa foi realizada com 2 turmas do Infantil-4
A educação infantil é um
campo de muitas reflexões,
em especial, porque o que se Em geral, o trabalho é
mostra, em geral, é o privilégio voltado meramente a um
às brincadeiras e, em função fazer, ou seja, do nada a
disso, desenhos livres criança desenha e a
dissociados de reflexões e professora classifica o
questionamentos como se as produto realizado. (não estou
crianças não pudessem ter dizendo que isso aconteça
outra opinião senão o “é
com o pessoal de Sobral,
legal”, “eu gosto”, “eu não sei”
ou “eu não gosto”. mas há muitos lugares em
que esta é a tônica)
Já em 2010 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,
apontavam a criança como ser que observa, dialoga, questiona e isso obriga a
uma intencionalidade pedagógica, descartando definitivamente a ideia de
que é preciso deixar a criança se desenvolver espontaneamente.

Dos direitos à aprendizagem na BNCC(2018) há dois relacionados à Arte:


Explorar - movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras,
emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da
natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura [...].
Expressar - como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades,
emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões,
questionamentos, por meio de diferentes linguagens. (2018, p. 36)
Na pesquisa foram explorados esses dois pontos também.
Desenho e movimento na Educação Infantil

• A pesquisa nasceu da necessidade de se falar sobre o


desenho na Educação Infantil.
• As crianças dessa faixa etária encontram-se, em sua grande
maioria, na fase pré-esquemática em que há a estimulação
para que o aluno passe para o desenho figurativo.
• E, com isso, perde-se muito de sua espontaneidade e
conexão com os movimentos do corpo, que acabam sendo
vistos como meros “rabiscos”.
Segni Mossi=dança/desenho
Toni Orrico
Diário da Professora
Desenho e movimento na Educação Infantil
Desenho e
movimento na
Educação Infantil
• É possível tratar de conceitos,
apresentar artistas, fazer leitura de
imagens e ter a produção de trabalhos
artísticos na Educação Infantil,
• Desde que esse processo seja lúdico e
significativo, levando em consideração
a faixa etária e o nível de
desenvolvimento de cada aluno.
• Assim, nos momentos de interação e
brincadeiras o aprendizado torna-se
experiência, acontecendo de fato.
Nas propostas
contemporâneas,
somos convidados a
sentir, participar,
modificar, deixar-nos
envolver. E as crianças
agem naturalmente
dessa forma, são
sinestésicas a todo o
momento. Por isso as
possibilidades de
experimentação
tornam-se tão ricas,
sendo preciso
estimulá-las. É
necessário dar lugar à
imprevisibilidade, às
possibilidades de
diversas interpretações
e realizações.
Os movimentos
de acordo com o
ritmo das músicas
também levaram
as crianças a
refletir. Nesse
exercício, por
exemplo, eles
tiveram que se
concentrar nas
configurações das
sombras
projetadas
Desenho e movimento na Educação
Desenho como
rastros do corpo
Desenho e movimento na Educação Infantil
Ao dialogar com os
alunos eles perguntaram
para a professora:
Só uma linha é desenho?
Tem rabisco que é linha?
Quando a gente faz só
linha é rabisco?
Sobre as obras ao lado:
• Parece monstro;
• É música? É um piano?
• É cabelo? Está
surfando?
Após cada aula a
Professora registra os
Rastros da Experiência
Exposição
dez/2018
As crianças
compreenderam a
proposta de desenhar
no colega enquanto se
movimentavam, não
questionaram o fato
de não haver nada
figurativo e se
divertiram muito com
o fato de deixar riscos
nos colegas e receber
riscos dos colegas.
Apontaram também
que essa proposta não
dá pra fazer sozinho.
As perguntas da pesquisa foram
respondidas de modo objetivo,
pois perguntado às crianças se
rabisco era desenho elas foram
unânimes em dizer que sim. Se
era possível desenhar com o
corpo e a resposta foi afirmativa
como a anterior. Houve uma
criança que disse “pode
desenhar com tudo, caindo, com
a fita, grafite e até com
balangandã”.
Vamos fazer uma viagem?
O lugar é a Sala de Aula
• A mala dessa viagem é o caderno do professor, que deve ser construído
durante o processo da viagem, então...
• Esse caderno é como um diário de bordo, mas quando viajamos sempre temos
um roteiro...
• Invente um mapa, isto é, faça proposta de percurso da viagem;
• Crie um binóculo, ou seja, segundo qual abordagem você vai trabalhar;
• Perceba/Observe e registre por imagens, sons, vídeos, etc.;
• Construa uma carta, isto é, conte como está sendo sua viagem, no sentido de
voltar nesse relato quantas vezes for necessário, e não esqueça de registrar as
descobertas segundo seus anseios, os anseios dos seus alunos e crie uma
representação particular;
Vamos fazer uma viagem?
O lugar é a Sala de Aula
• Lembre-se, a sua mala, isto é, seu caderno deve ter o
formato mais adequado para você relatar e contar suas
caminhadas, descobertas e desejos;

• Construa um rizoma da sua viagem realizada. Mas o que é Interpretação

um RIZOMA??? Desenho leitura

• Rizoma é um modelo descritivo ou epistemológico da teoria


filosófica de Gilles Deleuze e Félix Guattari, e trazendo para
o processo de construção do conhecimento, dentro dessa
proposta tudo importa, não há hierarquia. O nosso
pensamento é rizomático porque vamos fazendo
associações, relações, analogias.
Obrigada!
marire@uel.br

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