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Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

COLEMAN, Robin R. Means. Horror Noire, A representação negra no cinema de terror. Rio de
Janeiro: DarkSide, 2019
Ueslei Pereira de Jesus (Mestrando do PPGES, UFSB).

Horror Noir chegou a sua edição brasileira lançado pela editora Dark Side e tem
tradução de Jim Anotsu (sua edição original em inglês é de 2013). A editora, especializada
em horror lança a obra direcionada a um público aficionado no cinema de horror em
material muito chamativo e bonito, mas esta não é uma obra para simples aficionados,
cinéfilos especializados no gênero, e sim, é uma interessante análise sobre os modos de
representação da negritude no cinema e, principalmente mostra com bastante cuidado
seus modos de visibilidade e também invisibilidade. É uma obra que trata do que é o
modo como o olhar branco estadunidense produzia imagens estereotipadas e
profundamente racistas sobre o povo negro e sua cultura, mas também é uma obra que
trata das resistências, das dobras, dos desvios, por fim do romper de limites. Aqui o negro
racializado não é passivo, mas sua produção e representação de si não é hegemônica, ela
resiste, ela se faz, se mistura aos diversos contextos.
Sobre a autora, trata-se de Dra. Robin R. Means Coleman, professora adjunta no
Departamento de Estudos da Comunicação e no Centro de Estudos Afro-Americanos e
Africanos da Universidade de Michigan, e ela possui trabalhos anteriores como African
Americans and the Black Situation Comedy: Situating Racial Humor, Fight The Power! The
Spike Lee Reader, Say It Loud! African Americans, Media and Identity, obras ainda sem
edição brasileira.

O trabalho, que se divide em capítulos definidos por décadas, é de certa forma


enciclopédico, tenta dar conta de um século de horror negro, mas não o é no sentido de
abranger a totalidade das produções, e sim por conseguir contextualizar produções e suas
mudanças tendenciais através dos diversos contextos, assim como não perde as
dissonâncias principalmente de resistências.
A versão brasileira começa então com uma introdução de Ashlee Bkackwell,
responsável por um documentário de mesmo nome do livro pesquisadora do cinema de
gênero, esse comentário parece começar de onde o livro parou, demonstrando a força
cultural do horror negro com um filme que causou uma forte impressão, Corra! de Jordan
Peele. Segue ainda um prólogo do professor e cineasta Steven Torriano Berry, que define
o livro como “[... [uma análise completa e profunda das imagens, influencias e impactos
sociais dos negros nos filmes de terror desde 1890 até o presente” (2010, p.28).
Segundo a autora, o terror enquanto gênero fílmico, tem muito a dizer sobre
diversos aspectos sociais, ele é em seus modos de viabilidade atravessado pela sociedade
que o possibilita, aqui, se o horror transgrede normas com suas perspectivas horríficas e
monstruosas ele limita o lugar da norma e do anormal, diz monstro social, o revela como
lugar impossível.
No seu texto, a autora tenta a princípio definir seu campo de estudos, este campo
inclui definir ainda que escorregadiamente ou em rasura o que define um filme de horror
(aqui há um problema de tradução entre horror e terror que precisaria de notas de rodapé,
conceitos que se confundem e se associam muitas vezes). Assim ela considera alguns
pontos sobre o horror: “(1) o horror perturba o mundo corriqueiro; (2) infringe e viola
limites; (3) incomoda a validez da racionalidade; (4) resiste aos fechamentos narrativos;
e (5) trabalha para evocar o medo” (2019, p.51).
Outro ponto interessante é a divisão em que ela situa dois tipos de filmes de terror
em relação aos negros, os filmes de terror “com negros” e os “filmes negros de terror”,
os filmes de terror com negros apresentam imagens muito importantes para entender o
modo como os negros eram representados principalmente por brancos, enquanto os
“filmes negros de terror” parecem representar uma forma contra-hegemônica do horror.
Os filmes foram escolhidos em torno de suas saliências representacionais de quadros
gerais em certos contextos.
A autora situa ainda sua análise no quadro de relações com as obras de Patricia
Hill Collins e Bell Hooks, que segundo ela “exigem que entremos em sintonia com as
intersecções e interconexões entre discursos dominantes sobre raça, classe, gênero e
sexualidade” (2019, p.58), em seguida situa sua obra num viés negro-feminista, onde os
negros são pensados como sujeitos e não simples objetos. Se ela coloca o terror como
lugar dos ismos, na obra ela também o inscreve como lugar de reescrita da negritude,
assim, há dois entendimentos sobre a participação negra nos filmes de terror, aquela em
que são colocados de formas negativas, e outra em que revela o potencial desmistificador
dos filmes.
Sobre os capítulos, a primeira década é a do cinema das blackfaces (brancos com
rostos pintados de preto fazendo papéis de negros caricaturais, extremamente racistas),
aqui a figura da monstruosidade invade o cinema e ela é confundida com a própria
negritude e sua cultura, são famosos os efeitos nefastos da obra O nascimento de uma
nação de D.W. Griffith são famosos. Monstros com características físicas negras,
imagens caricatas de negros como medrosos, malandros ou bufões, exotização da sua
religiosidade. Associação com macacos na década de 30, primitivos, bestializados,
promíscuos perseguidores de mulheres brancas (aqui o King Kong é um negro que deseja
uma branca), a exotização da religiosidade negra, vodu, marca na década de 30 o primeiro
filme de Zumbis, O zumbi branco. Na década de 40 ela atenta à qualidade dos “filmes
negros de terror”, principalmente na figura de Spencer Williams. Mas com o pós-guerra
e suas questões em torno da ciência e experiências radioativas o negros seriam
invisibilizados, Hollywood representava um mundo tecnológico em que não imaginavam
o negro participando (época de negros esquecidos ou coadjuvantes).
Sobre a década de 60 há um importante capítulo que trata de A noite dos mortos-
vivos, de Romero, que se inseria nos discursos sobre os direitos civis nos Estados Unidos
da época. A autora aborda também os filmes da chamada Blaxpoitation, demonstrando
os pontos importantes e também importantes problemas que surgiam no interior dos
filmes feitos por negros, para um mercado negro, principalmente o problema do
tratamento em relações a representação da mulher negra. A década de 80 diferentemente,
leva os negros para os guetos e o horror acontece em terrenos brancos nas periferias
totalmente gentrificadas, ou em outros casos, negros se sacrificam por brancos como em
O iluminado. Os anos 90 então retomam com a negritude sendo representada novamente
como um todo complexo e a obra se completa nos anos 2000 em que são cada vez mais
fortes as relações entre hip hop e filmes de horror, e um encerramento em continuum, ela
se fecha num “onde estamos indo?”.
É importante notar que não era uma única imagem e não é uma única imagem que
forma o cinema de horror em torno do negro, mas a visibilidade dessas representações
recai em interesses de mercado e audiência, aspectos culturais, suporte técnico, etc.

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