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Rotina de uma pessoa deficiente na

pandemia

Grupo: Clara Puppin, Letícia de Castro e Maria Carolina Schneider


Turma: 201
Professor: Leonardo Gomes
Introdução:
A vida de pessoas com deficiência possui inúmeras diferenças em relação ao
padrão de vida normal, porém a falta de interesse da sociedade dificulta a disseminação de
informações sobre suas necessidades e dificuldades do dia-a-dia, como a execução de
terapias e a inclusão em espaços sociais. Nesta pesquisa etnográfica, temos o objetivo de
esclarecer alguns aspectos da vida de deficientes e como eles foram afetados pela
pandemia, falando das principais diferenças e dificuldades que serão apresentadas em
forma de entrevistas.

Expectativas iniciais:
Não é possível saber a exata situação de pessoas deficientes, pré ou pós-pandemia.
Assim, o grupo possui diferentes expectativas sobre o trabalho. A partir disso, parte do
grupo não acredita que a situação dos deficientes seja tão diferente em comparação a sua
vida antes da pandemia, porém ainda assim devem existir dificuldades de adaptação, como
a utilização de equipamentos de proteção individual, como máscaras e “face shield”.
Também achamos que é preciso considerar que os deficientes adquiriram muitos novos
obstáculos, além da perda de terapias rotineiras fora de casa, também há a perda de
contato social, o que pode dificultar as relações do deficiente para o resto do mundo

Pesquisa e coleta de dados:


Através dos pais de uma integrante do grupo, procuramos 4 responsáveis de
pessoas com deficiências mentais dispostos a serem entrevistados, e responderam às
perguntas abaixo, que foram respondidas por mensagem no aplicativo Whatsapp.

Pessoas com deficiência:


● Letícia Bianchi Santos Teixeira, 15 anos - Trissomia do (Cromossomo) 21 ou T21 ou
síndrome de Down
● Henrique Pereira, 14 anos - TEA (Transtorno do Espectro Autista)
● Chenei Shu, 13 anos - TEA (Transtorno do Espectro Autista)
● Felipe Marques, 14 anos - TEA (Transtorno do Espectro Autista)

Responsáveis entrevistados:
● Cláudia de Noronha Santos, 49 anos, advogada - mãe de Letícia
● Alessandra e Fabio Pereira, 50 e 49 anos, médicos - mãe e pai de Henrique
● Erika Shu, 53 anos, guia de turismo - mãe de Chenei
● Eva Marques, 45 anos, funcionária pública - mãe de Felipe

1. Como era a sua rotina (dia a dia, fatos marcantes) pré-covid 19?

Cláudia: Cláudia trabalhava presencialmente em um escritório de advocacia, e o padrasto


de Letícia (Eduardo) trabalhava presencialmente no próprio escritório de contabilidade. As
diaristas, cada uma alternando o dia, e Eduardo ajudavam Letícia com pequenos cuidados
pessoais (ex: fazer rabo de cavalo). Letícia estudava pela manhã e tinha 3 aulas de natação
por semana, 2 aulas particulares semanais e uma sessão de fono.
Alessandra e Fábio: Os pais saíam diariamente para trabalhar, as irmãs para o colégio,
Henrique ficava com a cuidadora e frequentava escola e terapias.
Erika: Chenei ia todos os dias à escola municipal das oito horas da manhã ao meio-dia.
Eva: Trabalho presencial dos pais pela manhã, acompanhamento de Felipe nas terapias
diárias na parte da tarde, à noite deveres da escola, entre outros afazeres.

2. Relate a sua rotina no dia-a-dia durante a pandemia.


Cláudia: Nos primeiros quatro meses de pandemia Cláudia e Eduardo ficaram sem
qualquer ajuda doméstica, mas pagando às diaristas para permanecerem em casa. Todos
estudavam e trabalhavam remotamente, mas Cláudia teve que ajudar Letícia (e até hoje o
faz) nas aulas remotas escolares. Então a rotina de Cláudia pela manhã é praticamente
toda em função das aulas online de Letícia, que podem ser com a turma toda ou apenas
com a mediadora. Em meados de julho, porém, Eduardo teve uma grande crise na região
lombar da coluna, mal conseguia caminhar, de forma que precisamos pedir que as diaristas
voltassem a trabalhar em nossa casa.
Alessandra e Fábio: Os pais continuam saindo para trabalhar, são médicos. As irmãs
frequentam o ensino online quase todo tempo.
Erika: Chenei passeia de bicicleta ou vai à clínica de tratamento todos os dias das oito às
onze horas da manhã. De tarde ele faz natação e passeia a pé perto de casa à noite.
Eva: “Cuidar das aulas online, acompanhar os deveres da escola, acompanhar as terapias.
Ficamos muito presos em casa, saímos somente para o essencial. Aumentou o tempo no
uso de eletrônicos, alguns momentos foram estressantes e entediantes, mas estamos
caminhando.”

3. Como a pandemia afetou a sua rotina em casa? Quais são as maiores diferenças
notadas em relação à quarentena (o ato de ter que se evitar sair de casa)?
Cláudia: “Mudamos em quatro pontos fundamentais:
I) agora raramente saímos para fazer compras de mantimentos e comida,
II) paramos de passear com o Tank (cachorro) no início da pandemia (e, talvez não
coincidentemente, Tank faleceu em abril de 2020 após uma baixa de imunidade que
aparentemente fez emergir a famigerada Doença do Carrapato, que estava dormitando em
seu organismo);
III) começamos a lavar/higienizar todas as compras de supermercado e encomendas que
chegavam;
IV) desde agosto de 2020 voltamos a fazer exercícios físicos: Cláudia, Letícia e Eduardo
fazem aulas de ginástica no play do prédio com um personal trainer. Todos de máscara,
embora o play seja amplo e tenha bastante espaço aberto e todos também aproveitam esse
momento para tentar pegar sol.
A necessidade de ficar em casa SEMPRE QUE POSSÍVEL é algo que tem trazido certa
angústia. Outra tarefa - apenas cansativa - é a necessidade de lavar todos os itens de
compras/encomendas que entram na nossa casa (hoje sabemos que não é mais tão
preconizada, mas continuamos a fazê-la).”
Alessandra e Fabio: Henrique saiu do colégio e de todas as terapias por 1 ano e faz
atividades educacionais com a cuidadora. Os pais continuam saindo para trabalhar sempre
que solicitado.
(foto)
Erika: “Não vamos a nenhum lugar público (praia, parque, shopping, supermercado, etc) ou
fazemos qualquer tipo de aglomeração. Chenei sai apenas para praticar esportes.”
Eva: “Felipe teve mudanças de humor, impaciência, falta de percepção do que estava
acontecendo ao seu redor. A obrigatoriedade do uso de máscara e de não poder tocar no
outro afetaram alguns comportamentos por aqui. No início, foi mais complicado, mas
conforme o tempo foi passando, fomos nos readaptando à nova realidade e nos
reinventando.”

4. Seu trabalho é remoto? Você consegue conciliar seu trabalho diário (profissão ou
não) e dar a atenção requisitada ao deficiênte?
Cláudia: Sim, Cláudia e Eduardo têm trabalho remoto. Cláudia não conseguiu e pediu para
sair do escritório em que estava trabalhando, para poder se dedicar adequadamente às
aulas online e atividades escolares de Letícia. Eduardo é dono do próprio escritório, de
forma que tem maior flexibilidade para trabalhar e cuidar de Letícia.
Alessandra e Fabio: Alessandra consegue conciliar o trabalho e a atenção a Henrique no
geral, mas não todo o tempo que ele gostaria e precisa. Fábio não consegue. Ele nunca
conseguiu dar a atenção que gostaria, nunca foi suficiente.
Erika: “Sim, é remoto e consigo conciliar o trabalho e a atenção ao meu filho, mesmo que
haja diminuição na renda.”
Eva: Hoje, meu trabalho e do pai é remoto sim. Consigo conciliar pois reorganizei os
horários de trabalho, de escola/homeschooling e de terapias.

5. O quão difícil/diferente foi ajustar a rotina e impor as necessárias medidas de


proteção contra a COVID-19?
Cláudia: Letícia se adaptou facilmente às aulas remotas pois adora computador/eletrônicos
e ama ter sua mãe por perto, mas sente falta da natação, da escola, do contato com a fono
e com a professora particular. Quanto à máscara, Letícia facilmente se adaptou a tal
acessório médico, inclusive à N95 e a congêneres. “Porém, esfrega muito os olhos, embora
digamos várias vezes que ela não deve levar as mãos aos olhos, é instintivo.”
Alessandra e Fabio: Diferente sim, mas não difícil. Os pais já trabalham usando EPI
(equipamento de proteção individual), adaptando as filhas ao uso e também o Henrique.
Porém, Henrique desacostumou à rotina diária.
Erika: É preciso passar mais tempo cuidando de Chenei e menos tempo trabalhando,
consequentemente diminuindo a renda mensal.
Eva: Impor as medidas de proteção foi mais difícil com relação ao uso da máscara, pois
Felipe não consegue ficar por muitas horas com ela.

6. É necessário sair de casa para fazer algum tipo de terapia ou tratamento?


Cláudia: Não.
Alessandra e Fabio: Sim, mas a família optou por ficar sem terapias, portanto, foi tudo
perdido fora de casa. Henrique passou a ser treinado em casa, pela cuidadora.
Erika: Sim.
Eva: “Sim, atualmente, saímos somente para a fonoaudiologia. As demais terapias são
domiciliares.”
7. Algum de vocês foi contaminado? Se sim, como isso influenciou o ambiente dentro
de casa e a sua relação com o deficiênte?
Cláudia: “Nenhum de nós foi contaminado.”
Alessandra e Fabio: Fabio, Alessandra e Henrique foram contaminados. Afetou
diretamente a relação dos pais com Henrique. Os dois ficaram isolados em seu quarto.
Henrique ficou com saudade, foi procurá-los, ninguém conseguiu segurá-lo. Pulou na cama
entre eles e se contaminou.
Erika: “Não fomos contaminados.”
Eva: “Nenhum de nós foi contaminado, já fizemos exames duas vezes.”

8. A máscara e o “face shield” são um incômodo?


Cláudia: “Letícia facilmente se adaptou à máscara, inclusive à N95 e a congêneres. Nunca
usamos “face shield”. O pai da Letícia, com quem ela fica dois finais de semana por mês,
comprou 'goggles' transparentes para ela poder usar em seus passeios dominicais de
bicicleta com ele no Aterro do Flamengo, e não relatou qualquer dificuldade.”
Alessandra e Fábio: Não, a família inteira usa apenas máscaras, uma N95 por baixo e
uma descartável por cima que é trocada diariamente. Henrique apresentou dificuldades de
adaptação no início mas agora consegue usar as máscaras por longos períodos de tempo.
Erika: Chenei apresenta dificuldades em usar os equipamentos de proteção
Eva: “Felipe não consegue ficar com a máscara por muito tempo, e é um incômodo para
todos nós.”

9. Para as pessoas à sua volta, qual é a maior diferença no relacionamento com o


deficiente?
Cláudia: “Não consegui identificar qualquer diferença, pois estamos bastante isolados.”
Alessandra e Fabio: A tarefa de manter Henrique em casa é a maior dificuldade, pois ele
precisa estar feliz e envolvido em outras atividades. Caso contrário, poderia apresentar
regressão (piora no comportamento e perda de algumas habilidades).
Erika: “Nosso relacionamento não mudou, apenas passamos mais tempo juntos”
Eva: “A diferença foi a questão de não poder tocar ou abraçar. Felipe não entende que não
pode.”

10. Se ele possui algum tipo de assistência, como ocorrem?


Cláudia: Letícia tem bastante assistência no ramo acadêmico de sua mãe e assistências
pontuais em tarefas domésticas, pois está cada vez mais autônoma nessa área, mas ainda
precisa de ajuda para, por exemplo, fazer rabo de cavalo, amarrar cadarço e cortar
alimentos mais duros/descascar frutas, etc.
Alessandra e Fabio: Todas as terapias de Henrique são feitas em casa, pela cuidadora

Legenda: Henrique exercita a escrita de palavras


simples e de números com a cuidadora.
Erika: Chenei apenas vai à clínica de tratamento.
Eva: Felipe frequenta a fonoaudióloga e faz outras terapias em casa.

11. Algum benefício notado em relação a quarentena?


Cláudia: Letícia teve muitos progressos, acadêmicos e comunicacionais.
Alessandra e Fabio: Não houve muitos benefícios diretos, mas ele apresentou progresso
em várias áreas, o que foi uma surpresa. Ficou mais obediente e comportado. Pode ser por
causa do maior tempo com os pais e com a cuidadora, recebendo mais atenção.
Erika: Nenhum benefício foi observado.
Eva: Pelo contrário, na verdade. Tivemos alguns regressivos por conta da pandemia e da
brusca mudança na rotina.

12. Acredita que terá alguma dificuldade a ser enfrentada ao voltar a vida pré-covid?
Cláudia: Nenhuma dificuldade em relação à Letícia.
Alessandra e Fabio: “Henrique terá que se readaptar à escola, principalmente a ficar
quietinho sentado, dentro da sala de aula fazendo a tarefa. Talvez já não reconheça seus
colegas de classe.”
Erika: Não.
Eva: Se conseguirmos voltar à rotina anterior, Felipe precisaria se adaptar novamente até
que conseguisse internalizar a antiga rotina de novo.

13. Qual é a relação do deficiente com a vacina?


Cláudia: Letícia faz parte de uma parcela da população que tem exigido "a prioridade das
prioridades", pois as pessoas com T21 e outras com deficiência intelectual têm sido
extremamente afetadas pela pandemia, como estudos recentes demonstram. Ainda assim,
como Letícia tem apenas 15 anos, não poderá ser vacinada no futuro próximo.
Alessandra e Fabio: Henrique ainda não está no grupo da vacinação pois é menor de
idade.
Erika: Chenei não foi vacinado e ainda não há nenhuma previsão de vacinação em um
futuro próximo.
Eva: “Iremos aguardar a época e a orientação médica.”

14. Qual foi o aprendizado durante a pandemia e como ele irá influenciá-los em
relações futuras.
Cláudia: “O aprendizado maior é o de que devemos nos sentir felizes por aquilo que
temos.”
Alessandra e Fabio: “Foi necessário o treino principalmente da paciência, para manter
Henrique feliz, mesmo sem poder sair de casa.”
Erika: “É preciso fazer economias para passarmos por tempos difíceis com maior
segurança econômica.”
Eva: “O aprendizado foi de que podemos nos adaptar a tudo e sobreviver, basta ter espírito
forte. Aprendemos a ser mais solidários, mais atenciosos, mais cooperativos, a nos
reinventarmos diariamente. Houve muito crescimento por aqui em vários aspectos. Temos
sempre que valorizar o lado bom mesmo num momento ruim, tudo é uma lição!!”

Conclusão:
De acordo com as entrevistas pode ser concluído que apesar de algumas situações
se mantiverem, houve mudanças significativas. Com novas complicações, uma necessidade
repentina de mudança de hábitos levou a dificuldade de adaptação por parte da pessoa
com deficiência. Para os cuidadores e familiares a dificuldade de conciliar seu trabalho e
escola com a atenção requerida foi notada, podendo até chegar na renda familiar. Em
relação ao acompanhamento da deficiência houve alguns problemas no comportamento,
principalmente. Por necessitar de contato com um especialista, foi necessário a alteração
no modo que o encontro acontece, e em um dos casos houve a interrupção do tratamento.
Diferente do que inicialmente foi considerado, essas foram as dificuldades geradas pela
falta de contato social.
Ao sair de casa, alguns entrevistados relataram a dificuldade de manter o uso de
máscaras e “face shields”. Uma atenção maior precisa ser dada a esse grupo pelos meios
de saúde pública em relação à vacina, pois a dificuldade da rotina e do tratamento caso
contaminação são fatores importantes a serem considerados.
Porém, as respostas não são semelhantes. Houve tanto a melhoria e a regressão
durante o tempo quarentenado quanto a dificuldade a ser enfrentada no momento de volta à
rotina pré-covid. Pode-se concluir que as experiências passadas durante a pandemia são
individuais em diversos fatores. Tendo em consideração também que a pequena parcela
entrevistada não deve representar um todo, pois a situação de cada deficiente e suas
famílias são únicas em seus fatores e circunstâncias.
Pela conclusão por parte individual dos entrevistados, todos se mantiveram
positivos, de certa forma. Todos mostraram que obtiveram aprendizados que vão ser
levados para frente.

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