Você está na página 1de 4

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo

AUP0276: Planejamento Urbano - Introdução


Fichamento 1

_____________________________________________________________________

VILLAÇA, F. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estudos avançados,


São Paulo, v. 25, n. 71, p. 37-58, abr. 2011

Flávio Villaça (1929 - 2021) desde sua graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade de São Paulo, em meados da década de 1950, dedicou-se à prática
profissional, ao ensino e à pesquisa, conciliando com sua atuação como docente em
instituições públicas e privadas, além de ter sido um pesquisador incansável na área do
planejamento e da produção socioespacial urbana. Villaça fez mestrado em Georgia
Institute of Technology (1958), é doutor em Geografia pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1979).
Para além de sua trajetória acadêmica, Villaça publicou importantes obras as quais
contribuíram para a constituição do campo e da prática do planejamento urbano
brasileiro, tais como Espaço Intra-Urbano no Brasil (1998), O Uso do Solo Urbano
(1974), entre outros e, ainda, atuou como funcionário público em órgãos municipais,
estaduais e federais. Nesse sentido, suas reflexões críticas sobre a renda da terra, a
produção dos centros das metrópoles brasileiras e a estruturação socioespacial das
mesmas foram fundamentais para a formação do pensamento urbanístico no Brasil.
Ademais, Villaça entendia as investigações do espaço intraurbano como um campo
interdisciplinar da economia, sociologia, geografia e do urbanismo, inserindo em suas
pesquisas, obras e carreira acadêmica elementos analíticos da morfologia urbana,
resultado de estudos de caráter empírico.
Diante desse contexto, “São Paulo: segregação urbana e desigualdade” foi escrito por
Villaça, já em sua aposentadoria, e publicado, em abril de 2011, na revista “Estudos
Avançados”, abordando temas como a segregação e o espaço urbano, a desigualdade e
a dominação social nas metrópoles brasileiras. Ademais, cabe destacar a influência
marxista sobre as reflexões contidas neste texto, à medida que Villaça insere o estudo
do espaço urbano e social na lógica do materialismo histórico e do conflito de classes.

O texto inicia-se partindo da ideia de que o espaço urbano é um produto produzido


pela sociedade. Partindo desse pressuposto, Villaça faz uma análise crítica do espaço
urbano brasileiro, com enfoque na Região Metropolitana de São Paulo, articulando a
imensa desigualdade econômica e de poder político com as especificidades da
segregação socioeconômica e das dominações encontradas nas metrópoles, cidades
grandes e médias no Brasil. Além disso, essas reflexões fazem um diagnóstico por
região da cidade, e não apenas por bairros, ultrapassando a abordagem restrita à
segregação residencial, tocando em pontos relacionados a apartação dos empregos,
dos comércios e dos serviços. Por fim, o texto aborda a relação entre a produção social
da estrutura e do espaço urbano e o tempo de deslocamento da população na cidade,
sendo a segregação um mecanismo de controle temporal do percurso urbano.

O texto está estruturado em seis seções: Introdução; Os avanços; Abordagens recentes


da segregação; Descrever e explicar; A participação do espaço urbano na dominação
social; As estruturas urbanas e os deslocamentos espaciais; e Conclusão. Essas seções
se articulam de forma a analisar criticamente as diferentes abordagens acerca da
segregação socioespacial e de diagnosticar os impactos das desigualdades e da
dominação social sobre a distribuição de empregos, serviços e o tempo de
deslocamento nas cidades. Ademais, o texto conta com mapas da Região
Metropolitana de São Paulo, cada qual abordando um diferente tema, com objetivo de
elencar os diagnósticos obtidos por uma série de estudos realizados nessa região,
mostrando, por meio de dados concretos, a segregação das camadas mais ricas da
sociedade (e por oposição, a das camadas mais pobres).
_____________________________________________________________________

Villaça começa o texto salientando a ideia de que o espaço urbano é fruto do trabalho
humano, sendo socialmente produzido, e não um aspecto natural e inerente às
sociedades. Nesse sentido, as análises presentes nos textos partem da premissa de que
se deve considerar a gigantesca desigualdade econômica e política para compreender e
explicar qualquer aspecto da sociedade brasileira. Surge, então, a importância da
segregação nas análises do espaço urbano, uma vez que a mesma é, segundo Villaça
(2011, p. 37), “a mais importante manifestação social-urbana de desigualdade que
impera em nossa sociedade”. A segregação, por sua vez, só pode ser entendida se
articulada de forma explícita com a desigualdade e a dominação, por meio do
apuramento das especificidades dos laços do espaço urbano segregado com a
economia, política e ideologias.
Mais adiante, o autor salienta que as reflexões contidas no texto, que se relacionam
explicitamente com a desigualdade e com a dominação, avançam em relação ao
estudos tradicionais brasileiros em alguns aspectos, tais como a negação da forma
clássica de segregação em que os ricos estão localizados no centro e os pobres nas
periferias; a historicização da segregação; a análise da relação da segregação com a
totalidade das estruturas sócio-urbanas; a abordagem por região geral da cidade e a
explicação da segregação.
Posteriormente, Villaça enfatiza que os estudos mais recentes sobre segregação,
referentes a condomínios fechados, são limitados, uma vez que restringem a
explicação desse fenômeno a uma mera relação com a violência urbana e com o
interesse imobiliário, sem inseri-lo em um contexto histórico e tampouco articulam a
segregação com outros aspectos da sociedade. Nesse sentido, tais estudos urbanos
supracitados são baseados em um fundo moral, ético nunca explicitado e em uma
óptica de injustiça e, por isso, são moralmente condenáveis. Dessa forma, para um
entendimento mais profundo desse tipo de segregação moderna, faz-se necessário
ultrapassar uma explanação meramente baseada em razões subjetivas.
Ainda, o texto faz uma breve diferenciação entre explicar e descrever a segregação
no campo das ciências sociais. Nesse ínterim, o autor destaca que para melhor
compreensão de qualquer processo social deve-se relacioná-lo à sociedade como um
todo, abrangendo aspectos econômicos, políticos, ideológicos, manifestações sociais,
etc. Além do mais, Villaça salienta que essas análises devem abranger uma região da
cidade, e não apenas um bairro, uma vez que abordagem permite uma melhor
explicação das dinâmicas do espaço urbano. Dessa maneira, para Villaça, apenas
quantificar e denunciar a segregação não é suficiente, sendo necessário explicá-la para
que haja uma boa interpretação da mesma,
Diante desse panorama, o autor ressalta mais uma vez a fundamentalidade de
entender-se a segregação espacial urbana para o estudo do espaço urbano, uma vez
que esse fenômeno é “aquela forma de exclusão social e de dominação que tem uma
dimensão espacial.” (Villaça, 2011, p. 41). O texto prossegue com uma análise acerca
da segregação de comércios, serviços e emprego mediante a divisão da sociedade
metropolitana de São Paulo em apenas duas classes sociais: “os mais ricos” e os “de
mais baixa renda”. Partindo desse pressuposto, o texto apresenta diferentes mapas da
Região Metropolitana de São Paulo os quais demonstram, por meio da apresentação
de dados estatísticos de cunho social, político e econômico, a segregação dos ricos no
quadrante Sudoeste da região. Sendo assim, conclui-se que a produção de um espaço
urbano desigual ultrapassa a ideia de que a segregação se dá por uma dinâmica centro
X periferia.
Além do mais, o autor ressalta que o pensamento da maioria é dominado por uma
ideologia a qual é produzida por um grupo com uma determinada finalidade e tomada
como verdadeira pela sociedade. Nesse sentido, um exemplo interessante dado por
Villaça é o fato de que “a cidade”, em geral, faz referência à parte da cidade
controlada pelos interesses da classe dominante, ademais, atualmente ouve-se que o
algumas regiões da cidade está se deteriorando, entretanto, essa "decadência" é, na
verdade, resultado do abandono da elite a qual deixa de patrocinar a região. Sendo
assim, as camadas mais ricas da sociedade fabricam essa ideologia como forma de
reafirmar sua dominação.
Ademais, Villaça, mais uma vez, ressalta que a abordagem da segregação urbana por
região da cidade o que possibilita uma compreensão mais profunda da distribuição da
estrutura, aparatos urbanos e traz à tona problematizações acerca dos tipos de
segregação. Nessa perspectiva, o texto traz uma análise sobre a localização dos
empregos na cidade: primeiramente, cabe mencionar que o setor terciário concentra a
maioria dos trabalho dos mais ricos e, por isso, os empregos desse setor estão reunidos
na mesma área em que as camadas mais abastadas residem, como por exemplo, tem-se
a concentração de serviços, comércios e empregos no quadrante Sudoeste da Região
Metropolitana de São Paulo, apesar de existir estabelecimentos terciários espalhados
pela cidade. Já o setor secundário quase não conta com participação significativa dos
mais ricos, porém, um grande contingente das camadas mais pobres trabalham em
indústrias. Nesse contexto, os trabalhadores industriais acabam por disputar a região
próxima aos seus empregos, algo que não ocorre entre os mais abastados, uma vez que
não há um interesse por aquela região. Dessa maneira, as classes dominantes
comandam a produção do espaço urbano, uma vez que conseguem controlar a
distribuição do mercado de trabalho, a produção material e direta, seu custo e até
mesmo a ação do Estado.
Nesse ínterim, Villaça ressalta ainda o poder da camada dominante à medida que
manipula a produção do espaço urbano de forma a otimizar seus tempos de
deslocamento. Diante desse contexto, o planejamento e a estruturação do sistema
viário e de transporte, sobretudo na Região Metropolitana de São Paulo, são
desenvolvidos de forma a privilegiar os mais ricos, facilitando os seus deslocamentos
na cidade e dificultando a vida dos mais pobre, à medida que os governantes
brasileiros concentram seus esforços em obras destinadas ao transporte privado
individual, em detrimento ao público e coletivo.
Finalmente, Villaça conclui reforçando o poder do controle do tempo de
deslocamento sobre a produção do espaço urbano, visto que o mesmo influencia
significativamente a distribuição de empregos, moradias, serviços, etc pela cidade.
Além do mais, o autor reitera mais uma vez que a gigantesca desigualdade do país se
manifesta na imensa segregação socioespacial encontrada na sociedade brasileira, a
qual beneficia os mais abastados e onifica os mais pobres.

Você também pode gostar