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Flávio Villaça (1929 - 2021) desde sua graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade de São Paulo, em meados da década de 1950, dedicou-se à prática
profissional, ao ensino e à pesquisa, conciliando com sua atuação como docente em
instituições públicas e privadas, além de ter sido um pesquisador incansável na área do
planejamento e da produção socioespacial urbana. Villaça fez mestrado em Georgia
Institute of Technology (1958), é doutor em Geografia pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1979).
Para além de sua trajetória acadêmica, Villaça publicou importantes obras as quais
contribuíram para a constituição do campo e da prática do planejamento urbano
brasileiro, tais como Espaço Intra-Urbano no Brasil (1998), O Uso do Solo Urbano
(1974), entre outros e, ainda, atuou como funcionário público em órgãos municipais,
estaduais e federais. Nesse sentido, suas reflexões críticas sobre a renda da terra, a
produção dos centros das metrópoles brasileiras e a estruturação socioespacial das
mesmas foram fundamentais para a formação do pensamento urbanístico no Brasil.
Ademais, Villaça entendia as investigações do espaço intraurbano como um campo
interdisciplinar da economia, sociologia, geografia e do urbanismo, inserindo em suas
pesquisas, obras e carreira acadêmica elementos analíticos da morfologia urbana,
resultado de estudos de caráter empírico.
Diante desse contexto, “São Paulo: segregação urbana e desigualdade” foi escrito por
Villaça, já em sua aposentadoria, e publicado, em abril de 2011, na revista “Estudos
Avançados”, abordando temas como a segregação e o espaço urbano, a desigualdade e
a dominação social nas metrópoles brasileiras. Ademais, cabe destacar a influência
marxista sobre as reflexões contidas neste texto, à medida que Villaça insere o estudo
do espaço urbano e social na lógica do materialismo histórico e do conflito de classes.
Villaça começa o texto salientando a ideia de que o espaço urbano é fruto do trabalho
humano, sendo socialmente produzido, e não um aspecto natural e inerente às
sociedades. Nesse sentido, as análises presentes nos textos partem da premissa de que
se deve considerar a gigantesca desigualdade econômica e política para compreender e
explicar qualquer aspecto da sociedade brasileira. Surge, então, a importância da
segregação nas análises do espaço urbano, uma vez que a mesma é, segundo Villaça
(2011, p. 37), “a mais importante manifestação social-urbana de desigualdade que
impera em nossa sociedade”. A segregação, por sua vez, só pode ser entendida se
articulada de forma explícita com a desigualdade e a dominação, por meio do
apuramento das especificidades dos laços do espaço urbano segregado com a
economia, política e ideologias.
Mais adiante, o autor salienta que as reflexões contidas no texto, que se relacionam
explicitamente com a desigualdade e com a dominação, avançam em relação ao
estudos tradicionais brasileiros em alguns aspectos, tais como a negação da forma
clássica de segregação em que os ricos estão localizados no centro e os pobres nas
periferias; a historicização da segregação; a análise da relação da segregação com a
totalidade das estruturas sócio-urbanas; a abordagem por região geral da cidade e a
explicação da segregação.
Posteriormente, Villaça enfatiza que os estudos mais recentes sobre segregação,
referentes a condomínios fechados, são limitados, uma vez que restringem a
explicação desse fenômeno a uma mera relação com a violência urbana e com o
interesse imobiliário, sem inseri-lo em um contexto histórico e tampouco articulam a
segregação com outros aspectos da sociedade. Nesse sentido, tais estudos urbanos
supracitados são baseados em um fundo moral, ético nunca explicitado e em uma
óptica de injustiça e, por isso, são moralmente condenáveis. Dessa forma, para um
entendimento mais profundo desse tipo de segregação moderna, faz-se necessário
ultrapassar uma explanação meramente baseada em razões subjetivas.
Ainda, o texto faz uma breve diferenciação entre explicar e descrever a segregação
no campo das ciências sociais. Nesse ínterim, o autor destaca que para melhor
compreensão de qualquer processo social deve-se relacioná-lo à sociedade como um
todo, abrangendo aspectos econômicos, políticos, ideológicos, manifestações sociais,
etc. Além do mais, Villaça salienta que essas análises devem abranger uma região da
cidade, e não apenas um bairro, uma vez que abordagem permite uma melhor
explicação das dinâmicas do espaço urbano. Dessa maneira, para Villaça, apenas
quantificar e denunciar a segregação não é suficiente, sendo necessário explicá-la para
que haja uma boa interpretação da mesma,
Diante desse panorama, o autor ressalta mais uma vez a fundamentalidade de
entender-se a segregação espacial urbana para o estudo do espaço urbano, uma vez
que esse fenômeno é “aquela forma de exclusão social e de dominação que tem uma
dimensão espacial.” (Villaça, 2011, p. 41). O texto prossegue com uma análise acerca
da segregação de comércios, serviços e emprego mediante a divisão da sociedade
metropolitana de São Paulo em apenas duas classes sociais: “os mais ricos” e os “de
mais baixa renda”. Partindo desse pressuposto, o texto apresenta diferentes mapas da
Região Metropolitana de São Paulo os quais demonstram, por meio da apresentação
de dados estatísticos de cunho social, político e econômico, a segregação dos ricos no
quadrante Sudoeste da região. Sendo assim, conclui-se que a produção de um espaço
urbano desigual ultrapassa a ideia de que a segregação se dá por uma dinâmica centro
X periferia.
Além do mais, o autor ressalta que o pensamento da maioria é dominado por uma
ideologia a qual é produzida por um grupo com uma determinada finalidade e tomada
como verdadeira pela sociedade. Nesse sentido, um exemplo interessante dado por
Villaça é o fato de que “a cidade”, em geral, faz referência à parte da cidade
controlada pelos interesses da classe dominante, ademais, atualmente ouve-se que o
algumas regiões da cidade está se deteriorando, entretanto, essa "decadência" é, na
verdade, resultado do abandono da elite a qual deixa de patrocinar a região. Sendo
assim, as camadas mais ricas da sociedade fabricam essa ideologia como forma de
reafirmar sua dominação.
Ademais, Villaça, mais uma vez, ressalta que a abordagem da segregação urbana por
região da cidade o que possibilita uma compreensão mais profunda da distribuição da
estrutura, aparatos urbanos e traz à tona problematizações acerca dos tipos de
segregação. Nessa perspectiva, o texto traz uma análise sobre a localização dos
empregos na cidade: primeiramente, cabe mencionar que o setor terciário concentra a
maioria dos trabalho dos mais ricos e, por isso, os empregos desse setor estão reunidos
na mesma área em que as camadas mais abastadas residem, como por exemplo, tem-se
a concentração de serviços, comércios e empregos no quadrante Sudoeste da Região
Metropolitana de São Paulo, apesar de existir estabelecimentos terciários espalhados
pela cidade. Já o setor secundário quase não conta com participação significativa dos
mais ricos, porém, um grande contingente das camadas mais pobres trabalham em
indústrias. Nesse contexto, os trabalhadores industriais acabam por disputar a região
próxima aos seus empregos, algo que não ocorre entre os mais abastados, uma vez que
não há um interesse por aquela região. Dessa maneira, as classes dominantes
comandam a produção do espaço urbano, uma vez que conseguem controlar a
distribuição do mercado de trabalho, a produção material e direta, seu custo e até
mesmo a ação do Estado.
Nesse ínterim, Villaça ressalta ainda o poder da camada dominante à medida que
manipula a produção do espaço urbano de forma a otimizar seus tempos de
deslocamento. Diante desse contexto, o planejamento e a estruturação do sistema
viário e de transporte, sobretudo na Região Metropolitana de São Paulo, são
desenvolvidos de forma a privilegiar os mais ricos, facilitando os seus deslocamentos
na cidade e dificultando a vida dos mais pobre, à medida que os governantes
brasileiros concentram seus esforços em obras destinadas ao transporte privado
individual, em detrimento ao público e coletivo.
Finalmente, Villaça conclui reforçando o poder do controle do tempo de
deslocamento sobre a produção do espaço urbano, visto que o mesmo influencia
significativamente a distribuição de empregos, moradias, serviços, etc pela cidade.
Além do mais, o autor reitera mais uma vez que a gigantesca desigualdade do país se
manifesta na imensa segregação socioespacial encontrada na sociedade brasileira, a
qual beneficia os mais abastados e onifica os mais pobres.