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HUMBERTO DE CAMPOS
VOLUME I
EDIÇÕES O CRUZEIRO
DIÁRIO
SECRETO
DE
HUMBERTO
DE CAMPOS
yoL. i
Capa de
BELMIRO PIRES
0 CR UZEIR O
_______
D ir e it o s a d q u ir id o s p e l a S e ç ã o d e L iv r o s d a
E m p r ê s a G r á f i c a O CRUZEIRO S . A ., q u e s e
r e s e r v a a p r o p r ie d a d e l it e r á r i a d e s ta e d iç ã o .
Estamos no mês de maio do ano de 1906. Tenho vinte anos
incompletos, e, se alimento sonhos de glória, são êstes tão obs
curos que desaparecem ante o espetáculo dos meus sonhos de
amor. É possível que o meu pensamento se ocupe com a pos
teridade, com uma brilhante situação nas letras da cidade ou
do país? acima de tildo, está, porém, o coração, ao qual tudo se
subordina. Aos vinte anos, em verdade, o coração toma conta do
corpo, dita as suas leis, c domina, e reina, e impera, com a vo
lúpia de um ditador.
A minha paixão por Jurlite Teles manifestou-se por ela uni
camente porque era ela quem se achava no meu caminho. A pri
meira caso que me abrissem, eu me apaixonaria pela mulher
que estivesse lá dentro. Apareceu Judite? eu tinha de ser
Holofernes.
Ainda não seria, no entanto, dessa vez, que eu mudaria de
tática, na minha vida afetiva. Convidado para festas íntimas na
casa da família Teles, comparecia ali, com o meu companheiro de
sofrimento silencioso. Nunca, no entanto, dei a compreender à
violinista o sentimento que me ia nalma, as minhas angústias por
sua causa, e o ciúme doido que me roía o coração. Fechado o
escritório em que eu trabalhava, íamos, eu e Álvaro Adolfo, ao
nosso “ passeio” de namorados. íamos “ver” o objeto, ou melhor,
os objetos do nosso amor. Tomávamos o bonde da Cidade Ve
lha, que, de regresso, passava na Rua Dr. Malcher, onde as
moças moravam.
A viagem de ida fazia-se sem novidade. Íamos conversando,
discutindo, trocando idéias sóbre literatura. Na volta, porém,
à medida que o bonde se aproximava do quarteirão venturosa-
mente fatídico, íamos nos recolhendo a um silêncio religioso, e
ficando de mãos frias. Quando o bonde, puxado a burro, passava
por diante da casa, era sempre em disparada. Mecânicamente*
cumprimentávamos as pessoas que se achavam nas janelas, abar
rotadas de gente. E tal era o nosso estado quando fazíamos isso,
que, quando o bonde dobrava na esquina, vinte metros amahte.
8 H um berto de C am pos
2 de janeiro:
sfc ❖ sii
* * *
3 de ja n e iro :
4 de janeiro:
.1 tlt' ja n e ir o :
* * *
3$?' Sft gt
# * *
1 dr janeiro:
Telefonei ao Nogueira da Siíva, secretário da “ Gazeta de
Notícias” , comunicando-lhe a minha resolução de ressuscitar li-
.tnuriamente. Êle mostrou uma viva alegria com isso, dizendo-
tm* que mandaria buscar versos para o seu jornal, no qual ia
untmciar o acontecimento. Eu lhe mandei quatro sonetos da série
<l(>a “ Descobridores” .
* * *
8 de janeiro:
Há dois dias está sendo a cidade abalada pelos ecos de uma
tragédia, em que foi protagonista principal uma notável figura
do clero brasileiro, o meu coestaduano Cônego Osório de Ataíde
Cruz. O Cônego Osório, que passou a mocidade a correr atrás
de saias, possuía, aqui no R3o, uma afilhada a quem protegia, e
que estava separada do marido, um foguista da Armada. Na tarde
de 5, entrandb em casa da mulher, Antônio Vicente, o foguista,
encontrou ali, na sala de visitas, o cônego rival, a quem golpeou
no pescoço, a navalha, matando-o. Antônio Vicente navalhou
ainda, profundamente, na mesma região, a sogra, que ficou em
estado grave, terminando por passar a navalha no próprio pes
coço, ferindo-se gravemente. A espôsa adúltera, Maria de Lour-
des, fugiu do local da luta à primeira vista do sangue alheio,
saindo ilesa. A sociedade católica, em cujo seio o Cônego era
grandemente considerado, pela sua cultura e pelo seu tratamento,
tem procurado salvar a sua memória, insinuando a inocência, isto
é, a pureza das suas relações com a sua afilhada. Êsse trabalho é
desfeito, porém, pelo “ camet” do morto, o qual é composto de no
16 H um berto de C am pos
♦ H* ♦
9 de janeiro:
* * *
10 de janeiro:
CLEÔPATRÂ
11 de janeiro:
M AR ÇO
Sexta-feira, 2 de março:
Sábado, 3 de março:
Domingo, 4 de março:
Segunda-feira, 5 de março:
Quinta-feira. 8 de março:
Sábado, 10 de março:
Domingo, 11 de março:
Segunda-feira, 12 de março:
Quarta-feira, 14 de março:
(J ninla-feira, 15 de março:
Sábado, 17 de março:
Domingo, 18 de março:
Quinta-feira, 22 de março:
Sexta-feira, 23 de março:
Sábado, 24 de março:
,
Terça-feira 27 de. março:
Quarta-feira, 28 de março:
Sexta-feira, 30 de março:
A B R IL
E desta:
Thça-jeira, 3 de abril:
Quarta-feira, 4 de abril:
Sábado, 7 de abril:
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Segunda-feira, 9 de abril:
Terça-feira, 10 de abril:
Quarta-feira, 11 de abril:
Quinta-feira, 12 de abril:
Sexta-feira, 13 de abril:
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* * *
Sábado, 14 de abril:
Domingo, 15 de abril:
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Segunda-feira, 16 de abril:
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Terça-feira, 17 de abril:
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Quinta-feira, 19 de abril:
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Sexta-feira, 20 de abril:
Sábado, 21 de abril:
Domingo, 22 de tíbrilt
Segunda-feira, 23 de abril:
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Quinta-feira, 25 de abril:
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Srxta-feira, 27 de abril:
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Sábado, 28 de abril:
% Domingo, 29 de abril:
Segunda-feira, 30 de abril:
H» H* H1
M A IO
feira, 1 ? de maio:
[Jnarta-jeira, 2 de maio:
ponte com o corpo dos seus próprios filhos, estes, ou não eram
na realidade seus filhos, ou não haviam nascido da mulher a
quem amava. Até há pouco, eu, como Mecenas a Horácio, dizia,
de mim para mim, que a vida era preferível a tudo. Que morres
sem todos: pais, mulher, parentes, amigos, e que eu ficasse por
último. A moléstia de minha filha obrigou-me, porém, a um novo
exame de consciência, e eu vi, então, como estou modificado:
que os homens todos pereçam, que eu próprio pereça, contanto
que se salvem meus filhos!
Quinta-feira, 3 de maio:
Sexta-feira, 4 de maio:
Sábado, 5 de maio:
Domingo, 6 de maio:
Segunda-feira, 7 de maio:
Terça-feira, 8 de maio:
Quarta-feira, 9 de maio:
Quinta-feira, 10 de maio:
* * *
Segunda-feira, 14 de maio:
Terça-feira, 15 de maio:
Quarta-feira, 16 de maio: *
Quintofeira, 17 de maio:
Sexta-feira, 18 de maio:
Sábado, 19 de maio:
Domingo, 20 de maio:
Quarta-feira, 23 de maio:
Quinta-feira, 24 de maio:
Sexta-feira, 25 de maio:
Sábado, 26 de maio: .
4f '■
Passo uma parte da tarde com Bilac, que encontro à Rua do
Ouvidor em companhia de Gregório da Fonseca. No “ Café São
Paulo” , na Avenida, para o qual nos encaminhamos, sentando-
nos a uma mesa dos fundos, o grande poeta conta-nos casos do
seu tempo de boêmia, achando que não teremos, nunca mais,
violências como as do Govêrno Floriano. E, a propósito, narra-
nos que, tendo José do Patrocínio, então foragido, deixado por
essa época a “ Cidade do Rio” sob a direção de Luís Murat, o
jornal começou a lutar com dificuldades terríveis, por haver mo
dificado fundamentalmente a linguagem forte que vinha usando.
Nessa emergência, Bilac tivera uma idéia: que se organizasse
um número violentíssimo, e que todos fugissem antes de a fôlha
entrar em circulação. Combinado isso, puseram-se êle, Murat e
Guimarães Passos a escrever coisas inacreditáveis contra Floria
no, acoimando-o de assassino, ladrão, covarde, e coisas equiva
lentes. Pôsto o jornal na máquina, os três trataram de ganhar
o mundo, indo Bilac para a Central, tomar um trem de Minas, e
os outros dois para bordo de navios estrangeiros que se achavam
no porto. Horas depois, com a circulação da “ Cidade do Rio” ,
era a redação cercada por fôrças do govêrno, e o gerente levado
para uma prisão, onde ficou detido oito meses.
Bilac conta-me, também, que Floriano inventou um princí
pio jurídico segundo o qual o leito das estradas de ferro federais
D iá r io S e c r e t o 61
Segunda-feira, 28 de maio:
Terça-feira, 29 de maio:
Quarta-feira, 30 de maio:
Quinta-feira, 31 de maio:
JUNHO
Sábado, 2 de junho:
Domingo, 3 de junho:
Segunda-feira, 4 de junho:
Terça-feira, 5 de junho:
Quarta-feira, 6 de junho:
Segunda-feira, 11 de junho:
Terça-feira, 12 de junho:
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Quinta-feira> 14 de junho:
\Aluído, 1 6 d e j u n h o :
Scijunda-feircij 18 de ju n h o:
7 crça-]eira} 19 de junho:
(Juarta-jeira 20 de junho:
Quinta-feira, 21 de junho:
S0xi(bfeirá, 22 de junho:
Sábado, 23 de junho:
Segunda-feira, 25 de junho:
Terça-feira, 26 de junho:
Quarta-feira^ 27 de junho:
Quinta-feira, 28 de junho:
Sexta-feira, 29 de junho:
Sábado, 30 de junho:
JULHO
Segunda-feira, 2 de julho:
Terça-feira, 3 de julho:
Quarta-feira, 4 de julho:
Sexta-feira, 6 de julho:
Sábado, 7 de julho:
Domingo, 8 de julho:
Segunda-feira, 9 de julho:
I a-feira, 10 de julho:
(Juarta-feira, 18 de julho:
“ .................. Fôra
Desta imensa mangueira ( * ) à sombra protetora
Que um dia repousara. . . ”
E embaixo esta nota, escrita com tinta azul e letra visivel
mente tremida: “ Mangifera Indica, Linn. É árvore asiática. A
invocação do índio é desarrazoada” .
Quinta-feira, 19 de julho:
Sexta-feira, 20 de julho:
Sábado, 21 de julho:
Domingo, 22 de julho:
Tirça-\feira, 24 de julho:
Quarta-feira, 25 de julho:
Quinta-feira, 26 de julho:
Sabado, 28 de julho:
JANEIRO
Domingo, 1 ? de janeiro:
Segunda-feira, 2 de janeiro:
ífc ífc
Terça-feira, 3 de janeiro:
Quarta-feira, 4 de janeiro:
, / íH B
Sc um tfíã, ao acordar, lhe dissessem que havià sido pro-
rlamndo Imperador, o seu único espanto seria na demora do Mi-
iii»tério cm ir cumprimentá-lo.
Kletivamente, na terra, nada me admira ou surpreende.'
() Destino nada me prometeu, e eu acho que já me tem dado
limi* tio que eu merecia. A outros de menor mérito não tem êle,
porem, dado mais do que me tem dado a mim?
No capítulo das tristezas, das contrariedades, dos desastres,
a minha serenidade tem sido a mesma. Jamais aspirei a mais do
que tenho, e, quando me falta alguma coisa que me fôra pro
metida, não me lamento nem me revolto. O que hoje perco, vai
por conta do que ontem recebi a mais. A vida tem sido para mim
uma espécie de “ montanha russa” ; e na “ montanha russa” os
vales são tão naturais como as iminências. . .
Essas alternativas do meu destino, recebidas dessa maneira,
não puderam, por isso, jamais modificar o meu regime de vida,
a minha furiosa paixão do trabalho. Trabalho com ardor como
outros bebem, dançam ou fumam: porque encontro nisso o maior
dos prazeres. Se tudo que se conquista com o trabalho me faltasse
ao fim da vida, eu me consideraria, ainda assim, conveniente
mente pago com a alegria silenciosa que o trabalho me deu.
A Presidência do meu Estado pode vir, pois, ou não vir.
Deus, o dono da vinha da Vida, não ma prometeu como salário ;
pode, portanto, dá-la a outro, mesmo que êsse outro, como na
parábola, tenha começado a sua faina depois de mim.
* * *
íK % sk
,\i'\la-feira, 6 de janeiro:
Terça-feira, 10 de janeiro:
Quinta-feira, 12 de janeiro:
Sexta-feira, 13 de janeiro:
%
Lembrei-me rioje de uma frase que ouvi de Olavo Bilac, e
ijtie me ia esquecendo de registrar. Era em 1917, um ano antes
<la sua morte. Olhávamos o movimento da Avenida, parados à
porta da casa Artur Napoleão, êle, Gregório da Fonseca, que
era um dos seus grandes amigos, e eu, quando, a convite seu,
atravessamos a rua para tomar café no “ São Paulo” . Sentamo-
nos, os três, em uma mesa ao centro, aos fundos, e conversáva
mos sôbre o seu celibato, quando Bilac observou, de repente:
— E. no entanto, eu tenho um filho. . .
— Você? — estranhei.
— Eu, sim, — disse-me, com gravidade, fitando-me.
Mexeu sua xícara, e acentuou:
— Só duas pessoas no mundo sabem disso: eu, que morre
rei sem desvendar êsse segrêdo a ninguém, e “ ela” , que, mais
do que eu, tem interêsse em cercar êsse caso de todo o mistério.
— Êsse filho vive ? — indaguei.
— Vive, — confessou Bilac.
E voltando-se para o Gregório da Fonseca, que confirmou:
— Eu já não te disse isso, Gregório?
Sábado, 14 de janeiro:
Segunda-feira, 16 de janeiro:
Quarta-feira, 18 de janeiro:
Sexta-feira, 20 de janeiro:
Sábado, 21 de janeiro:
$ $ $
ii .iiii
dominar o país, tornando-se senhores do govêrno. É es$t»
como m*«abc, a origem do Partido Colorado, ao qual se opôs o dojl
lllmicofl, formado pelos elementos naturais, de origem castelh^*
n u ., • Quanto ao Paraguai, eu nunca vi campanha de descrédito
mui» indigna do que se fêz contra Looez no Brasil.
IC com veemência:
— Ao Imperador cabe a responsabilidade de haver destruí-*
do, por ciúme, um dos povos mais prósperos e adiantados d l
continente. O nome de Lopez começava a ser citado na Franç^ 1
com risco de eclipsar o s e u ... Carlyle já havia incluído o Dr.
França entre os seus h eróis... O Paraguai começava a impor*
se, e, com mais um grande povo republicano à sua ilharga, a mo
narquia não poderia durar muito tempo. Essa é que é a verdade,;
Faz uma pausa, e continua:
— E, no entanto, se o Paraguai não é destruído, e se tem
unido ao Uruguai, talvez, hoje, os perigos fôssem menores. Se
ria, em tôda a extensão da fronteira, um Estado-tampão, entre
nós e a Argentina...
Domingo, 22 de janeiro:
Stgunda-feira, 23 de janeiro:
Th\a-feira, 24 de janeiro:
Quarta-feira, 25 de janeiro:
Quinta-feira, 26 de janeiro:
Sexta-feira, 27 de janeiro:
Sábado, 28 de janeiro:
Domingo, 29 de janeiro:
Segunda-feira, 30 de janeiro:
FEVE R EIR O J
Quarta-feira, IP de fevereiro:
Quinta-feira, 2 de fevereiro:
* * *
Sfxta-jcira, 3 de fevereiro:
Sábado, 4 de fevereiro:
IUnningo, 5 de fevereiro:
Segunda-feira, 6 de fevereiro:
Terça-feira, 7 de fevereiro:
Quarta-feira, 8 de fevereiro:
agraciar de perto. Com o fio das cartas, teceu o amor a sua tda.
Não há teia de aranha, porém, que não espere, ou nãrf vô*
nlm a sentir, o sôpro da tempestade. E a de Coelho Neto Alegou
um dia, com tôda a fúria das grandes tormentas.
Foi a espôsa do escritor, ela própria, quem me copiou, há
pouco mais de um mês, limpando as lágrimas que, duas a duas,
lhe rolavam pelo rosto magro, a história dêsse amor t o modo
por que o descobriu.
— Há muito tempo, — dizia-me — , eu vinha notando quo
Henrique estava diferente. Uma inquietação estranha se apos
sava dêle, tomando-o às vêzes alegre de mais, às vêzes de uma
irritação que ia até o desespêro. Descia cedo para o gabinete a
fim de esperar o Correio, espantando-se quando estava à mesa
e ouvia no portão a voz do carteiro. Certa vez, esperava êle uma
carta, registrada. Como não a recebesse, foi à agência do bairro,
foi até à Diretoria-Geral, e tanto fêz que demitiu ou removeu .o
pobre estafêta.
Um dia, depois de receber a correspondência, saiu do gabi
nete, radiante. Queria fazer grandes modificações na casa. Por
telefone mesmo chamou operários, e representantes de casas
comerciais, encomendando sanefas, tapêtes, peças de mobiliário;;
louça de jantar. Foi ao alfaiate, mandou fazer três ou quatro
temos, ternos claros, de rapaz. Meteu criados, cozinheira de.
luxo, ensinando a copeira a servir como se serve em casa de
gente de cerimônia. Parecia, mesmo, na sua alegria, um noivo
que espera a noiva.
Dias depois, C. L. chegou ao Rio. Foi hospedar-se no Fia-,
mengo, no Hotel Central. Cedo ainda, Henrique descia, tomava
o seu banho, perfumava-se, vestia um temo novo, retocava a
arrumação do gabinete, e sentava-se, à espera. E às oito horas
em ponto, batiam na janela. Éra ela. Trazia sempre uma braçada
de flôres, que dizia ser para o retrato de Mano, nosso filho morto.
E aí ficavam a conversar como Romeu e Julieta às avessas — êle
de dentro, ela de fora — , até que ela entrava para o gabinete,
onde ficavam a conversar até a hora do almôço, quando ela se
ia embora para o hotel. À tarde, voltava ainda, ficando às vêzes
para jantar.
Absorvida pela saudade de Mano, eu não tinha fôrças para
refletir sôbre aquela situação. Meses depois, tendo Henrique
saído depois do almôço, aconteceu que uma das minhas filhas
precisasse de um envelope ou de um sêlo, não me lembro bem.
Mandei que ela procurasse na gaveta do pai, e a menina, encon
trando a chave na fechadura, abriu a gaveta, e remexeu nos pa-
D iá r io S e c r e t o 121
Sexta-feira, 10 de fevereiro:
Sábado, 11 de fevereiro:
Domingo, 12 de fevereiro:
llr rs posa não é amor de mãe, que tudo justifica, releva e perdoa.
\i« <|ue se manifesta o dissídio, em que se colocam ao lado do
tiun ido estroina, e èontra a nora e cunhada, o seu pai, a sua mãe
r un suas irmãs. Sem pai, nem mãe, sem irmãos, a moça se vê, re-
prnlinamente, sòzinha.
I)e súbito, tôda a família L. A. se muda para a Europa.
A. vai, com a amante, e a família lhe leva a mulher. Até que, um
riIn, regressa ao Brasil com esta última, deixando a amante ins-
I.ilada em Paris.
No Rio, hospedado em uma pensão, o poeta parte para São
Paulo, em viagem rápida. De lá, porém, embarca para a Eu-
fopa, deixando aqui a espôsa legítima sem um real, sequer, para
nn suas despesas comuns.
Uma noite, logo que isso se deu, há três ou quatro meses,
v;ii a moça procurar Mário de Vasconcelos, diretor de “ O Im
parcial” , e conta o desespero da sua situação. Abandonada há
muito tempo pelo marido, sentia a miséria de perto. E conclui:
— A . é um infame, doutor Mário! A . sabia que eu fazia
ilrspesas, não me dava um níquel, que fôsse, para o bonde; e,
no entanto, nunca me perguntou onde eu o obtinha!.. . Agora,
frita a minha desgraça, só me resta seguir ò meu destino: vou
nct, por obra do meu marido, a mulher de todo mundo! . . .
E desatou a chorar, para apagar o fogo que lhe queima o
rosto.
— E você, que fêz? — indago de Mário de Vasconcelos,
<|tiando êle me contou essa história amarga.
— Eu? Fiz o que devia fazer.
E resumindo as suas medidas:
— Como ela se desse em minha casa, pedi-lhe que não fôsse
mais lá__ Quanto à outra, à amante, pela qual o A . abandonou a
mulher, era o que havia de ordinário. No Rio, enganava-o com
qualquer um. . .
Segunda-feira, 13 de fevereiro:
B . Quarta-jeird, 15 de fevereiro:
/
128 H um berto de C am pos
Quinta-feira, 16 de fevereiro:
Sexta-feira, 17 de fevereiro:
Sábado, 18 de fevereiro:
Ihuningo, 19 de fevereiro:
Segunda-feira, 20 de fevereiro:
Terça-feira, 21 de fevereiro:
— Foi o papai.
— Aqui no Rio?
— Sim, senhora. A senhora, com certeza, ouviu falar na
inorte dêle.. . Saiu em todos os jornais.. .
E ante o espanto da professora:
— A senhora não ouviu falar no Dr. Carlos de Laet?
E Félix conclui:
— Com oitenta anos, aquêle Catão tinha uma amante, uma
enorme mulata de Botafogo! . . .
Quarta-feira, 22 de fevereiro:
Quinta-feira, 23 de fevereiro:
Sexta-feira, 24 de fevereiro:
Sábado, 25 de fevereiro:
Domingo, 26 de fevereiro:
('Juinta-feira, 29 de fevereiro:
M AR ÇO
Quinta-feira, 1P de março:
* * *
fnlmlo naquilo; mas, como você sabe, êle dizia sempre as coisa#
«Ir t.il maneira que a gente nunca sabia se êle estava pilheriando
ou falftftdo verdade... Mesmo o caso da Amélia, a coisa mais
m t ia da vida dêle, êle nunca levou a sério.
—■A Amélia é a irma do Alberto. . .
É ; é a famosa paixão da sua mocidade. . . Desde o rom
pimento, êles nunca mais se falaram. Nos últimos anos da vida
do Bilac, a Amélia, de quem eu era e ainda sou íntimo, falou-me
várias vêzes para conseguir dêle uma aproximação. Não havia
nenhuma pretensão amorosa; estavam ambos maduros, e nada
mais natural que se vissem como simples amigos de mocidade,
que se encontravam de novo. Mas Bilac se opôs sempre. Não
queria de modo nenhum.
— “ Que diabo de graça tem agora, — dizia-me êle, — nós
nos encontrarmos? Que diabo vamos dizer um ao outro? Eu es
tou velho, neste estado; ela é hoje uma verdadeira matrona. Eu
morreria de ridículo” .
— Às vêzes, — continua Gregório, — nós estávamos juntos*
quando víamos a Amélia surgir longe, numa esquina ou numa
porta. Bilac dava-me um puxão no braço, para mudar de caminho:
— “ V am os.. . vam os.. . vamos dobrar aqu i.. . ”
E entre dentes:
— “ Lá vem a “ minha viúva. . . ”
* * ❖
Sexta-feira, 2 de março:
Sábado, 3 de março:
* * *
Domingo, 4 de março:
* * *
Segunda-feira, 5 de março:
Terça-feira, 6 de março:
Quarta-feira, 7 de março:
Quinta-feira, 8 de março:
Sexta-feira, 9 de março:
— Estranhaste o quê?
— Estranhei que o Geraldo Rocha tivesse candidato, tam
bém, a deputado estadual! . . .
Viriato riu, satisfeito. O coração, porém, como estaria?
A história do burro, a que me reporto acima, é pura inven
ção de um semanário humorístico, “ A Manha” , desta semana.
Refere essa fôlha que Viriato gosta muito de contar anedotas, e
que contou uma do burro sábio. Dias depois, encontramo-nos eu
e êle, e que eu lhe dissera:
— Não imagina como eu tenho rido sozinho daquela histó
ria do burto! É soberba!
— Gostaste assim?
— Enormemente.
E no meu tom habitual:
— Gostei tanto, que não posso ver um burro que não me
lembre de você! . . . *
Sábado, 10 de março:
Domingo, 11 de março:
Segunda-feira, 12 de março:
* * *
Têrça-feira, 13 de março:
* * *
Quarta-feira, 14 de março:
Quinta-feira, 15 de março:
Sexta-feira, 16 de março:
* * *
Sábado, 17 de março:
* Hi ❖
Domingo, 18 de março:
* * *
*
Instituindo o batismo nos umbrais da vida, isto é, impondo
ao homem o compromisso de adotar uma religião quando ainda
não compreende o que ela seja, o catolicismo utiliza um dos ex
pedientes mais lamentáveis da Natureza, a qual desperta no in
divíduo o amor, ou a sua contrafação, fazendo-o casar em idade
em que êle, deslumbrado de mocidade, ainda não sabe o que seja
o casamento.
Contra essas duas espertezas, o homem, na sua revolta, só
encontrou dois recursos: a apostasia e o adultério. O adultério é
a apostasia do casamento.
Segunda-feira, 19 de março:
Ttrfa-jrira, 20 de março:
Quarta-feira, 21 de março:
* * *
Quinta-feira> 22 de março:
* * *
Sexta-feira, 23 de março:
Sábado, 24 de março:
Domingo, 25 de março:
Segunda-feira9 26 de março:
Terça-feira, 27 de março:
Sexta-feira, 30 de março:
Sábado, 31 de março:
A B R IL
Segunda-feira, 2 de abril:
Terça-feira, 3 de abril:
Quarta-feira, 4 de abril:
Quinta-feira, 5 de abril:
Sexta-feira, 6 de abril:
Sábado, 7 de abril:
Domingo, 8 de abril:
Segunda-feira, 9 de abril:
Têrça-feira, 10 de abril:
Quinta-feira, 12 de abril:
Sexta-feira, 13 de abril:
Sábado, 14 de abril:
Domingo, 15 de abril:
Segunda-feira, 16 de abril:
Terça-feira, 17 de abril:
Quarta-feira, 18 de abril:
“ Chamaram-me de insensato
Porque me fiz candidato
À Academia. “ Voilá!”
Sou como a “ Fruta do Mato” ,
Só dou na Praça Mauá..
Sexta-feira, 20 de abril:
Sábado, 21 de abril:
Quando eu não era, ainda, deputado, organizava planos de
trabalho literário para quando o fôsse. Eleito, e aberta a Câmara,
as ocupações políticas tomaram-me todo o tempo, de modo a
prejudicar a minha atividade nas letras. Por essa ocasião, pro
meti a mim mesmo recuperar o tempo consumido fora do meu
gabinete por um trabalho mais intenso durante as férias. E estas
chegam ao seu têrmo sem que eu haja feito a décima parte do
que projetava.
E, no entanto, a vida poucas vêzes me tem corrido tão ativa
c nervosa. Tendo a meu cargo a defesa do govêmo na imprensa e
os seus interêsses políticos perante os Ministérios da Viação e
Fazenda, e perante o Catete, as incumbências são tantas que eu
não posso ficar em casa um dia, sequer, na semana. As horas
que as letras me tomavam, toma-as, hoje, o Estado, com a cir
cunstância de tratar-se, hoje, de uma atividade que não deixa
vestígio, e que o não deixará, mesmo, na gratidão dos indiví
duos a quem sirvo, arranjando-lhes nomeações e promoções no
Estado.
A Política é, na verdade, um monstro que anestesia as suas
vítimas, antes de devorá-las. Será possível que êste monstro me
devore ?
H um berto de C am pos
Dotningo, 22 dc abril:
Segunda-feira,, 23 de abril:
Terça-feira, 24 de abril:
Quarta-feira, 25 de abril:
Quinta-feira, 26 de abril:
Sexta-feira, 27 de abril:
Sábado, 28 de abril:
Domingo, 29 de abril:
Segunda-feira, 30 de abril:
M A IO
Terça-feira, 1 ? de maio:
Quarta-feira, 2 de maio:
Quinta-feira, 3 de maio:
Ata-feira, 4 de maio:
Sábado, 5 de maio:
Domingo, 6 de maio:
Segunda-feira, 7 de maio:
* * *
Têrça-feira, 8 de maio:
Quarta-feira, 9 de maio:
Quinta-feira, 10 de maio:
* ❖ *
Srxta-jcira, 11 de maio:
—
H um berto de C am pos
i
Foi isso há uns sete anos.. . Na Brahma.. . Eu lhe fu
apresentado pelo Heitor de Sousa...
Inteligente, perspicaz, o vice-presidente senta-se, e começa
mo» n conversar sôbre assuntos variados: agricultura, minera •
çto, instrução e um pouco de literatura. Diz-se contrário à ex
ploração do subsolo, confessando ter sido essa, iniqjalmentc, a
sua aspiração, da qual, no entanto, se desviou de tal modo que
interrompeu os seus estudos na Escola de Minas de Ouro Prêto
c acaba de impedir que o filho siga, como profissão, a engenharia.
“ Causeur” infatigável, deixo-o falar, para observá-lo me«
lhor. Estatura mediana, magro, rosto comprido e fino, com a
mesma dimensão nas têmporas e à altura do mento, é o tipo
clássico do mestiço nacional. Cabelo ondeado e prêto, testa re
gular, usa-o para trás, repuxado, à fôrça do pente. Lábios finos,
dentes miúdos e separados, plantados irregularmente, principal
mente os inferiores, que aparecem todos no correr da conversa
ção. Dois vincos em arco, partindo das asas do nariz para os
cantos da bôea, denunciam a falta dos maxilares. Bigode curto,
à Carlitos, cortado a navalha, como duas escovas de dentes. Côr
terrosa e queimada, de sangue mulato em segunda dinamização.
Examinando-o, tem-se a impressão de que ali está o ver
dadeiro tipo brasileiro, maneiroso, vivo, sentimental, conversa
dor infatigável, mas incapaz de aprofundar um assunto ou de
manter uma atitude inflexível, afrontando o ostracismo ou a
impopularidade.
Homem, em suma, para ir longe, no Brasil; homem que se
sente feliz com as rédeas de um govêrno e que o seria da mesma
forma se Deus lhe tivesse pôsto entre os dedos, apenas, as cordas
de um violão. . . ‘
Segunda-feira, 14 de maio:
Terça-feira, 15 de maio:
Quinta-feira, 17 de maio:
Sexta-feira, 18 de maio:
Sábado, 19 de maio:
Domingo, 20 de maio:
Segunda-feira, 21 de maio:
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Quarta-feira, 23 de maio:
Quinta-feira, 24 de maio:
Sexta-feira, 25 de maio:
Sábado, 26 de maio:
f Domingo, 27 de maio:
Segunda-feira, 28 de maio:
»l'írça-feira, 29 de maio: i
Quarta-feira, 30 de maio:
Quinta-feira, 31 de maio:
JUNHO
Sexta-feira, 1 ? de junho:
Sábado, 2 de junho:
Domingo, 3 de junho:
Segunda-feira, 4 de junho:
* * *
Ttrçarfeira, 5 de junho:
Quarta-feira> 6 de junho:
Quinta-feira, 7 de junho:
Sexta-feira, 8 de fynho:
Segunda-feira, 11 de junho:
Têrça-feira, 12 de junho:
Uma das formas do meu egoísmo é, talvez, essa, que se ca- '
racteriza pela minha prevenção com os livros que tôda a gente
leu ou, pelo menos, de que tôda a gente fala. Só por necessidade
de pesquisa, e não por prazer da inteligência, foi que me aventu
rei à leitura integral da “ Odisséia” , da “ Ilíada” , da “ Eneida” ,
dos grandes poemas antigos. É verdade que, virado o cálice, eu
D iá r io S e c r e t o 221
Quarta-feira, 13 de junho:
Sexta-feira, 15 de junho:
Sáímlo, 16 de junho:
Domingo, 17 de junho:
Segunda-feira, 18 de junho:
Terça-feira, 19 de junho: „
Convalescente ainda e, conseguintemente, sem cérebro para
as leituras suculentas, passo por uma livraria e adquiro a no
vidade do dia: “ Le Chemin de Buenos Aires” ( “ la traite des
Manches” ), de Albert Londres, jornalista francês que passou
pelo Rio há pouco menos de um ano, e que, nessa obra, já nos
dá conta da sua viagem.
Trabalho de reportagem e de ironia, é êsse, também, um tra
balho profundamente humano. Nêle, procura Albert Londres
mostrar ao público que as mulheres que se entregam à pros
tituição, na América como na Europa, são mais dignas de lás
tima do que de condenação. De cem criaturas que consomem a
sua mocidade alugando a própria carne, oitenta são desgraçadas,
vinte viciadas: “ quatre-vingts pour cent de malheureuses/vingt
pour cent de vicieuses: voilà mes chiffres” , conclui êle. E como
compensação, lembra que se devia levantar em Buenos Aires,
mesmo em frente ao pôrto, uma estátua à “ cocotte” francesa, a
qual deveria ter, no pedestal, a seguinte legenda: “ A la Fran-
chucha — le peuple argentin reconnaissant” .*-
A leitura dessa obra fêz-me lembrar a observação que me
fazia, há alguns anos, um rico celibatário e mundano carioca, o
Dr. Galeno Martins.
— Fulano, — dizia-me êle, — eu *acho que essas criaturas
que nos fornecem uma hora de amor sem saber, sequer, quem
somos nós merecem assistência e amparo do govêrno. Nós, ho
mens, se fôssemos menos hipócritas, devíamos manter uma
associação filantrópica, destinada a socorrer as mulheres públi
cas que se inutilizam na profissão, ou que chegam à velhice em
completa pobreza. Em parte, elas se sacrificam por nós.
E segurando-me pelo paletp:
— Porque a verdade, é que as mulheres que roubam o pão
aos lareS e arrastam tanta gente à miséria, não são as profissio
nais. as “ cocottes” de casa aberta : são as amantes de sociedade,
as mulheres casadas ou divorciadas, insaciáveis no seu luxo e
que o sustentam à custa de um só. A profissional concede-nos o
prazer que lhe pedimos, recebe a sua remuneração, e não pesa
mais na nossa vida; a amante de sociedade é, para nós, uma carga
permanente.
E despedindo-se:
— Esta, sim; esta é a inimiga, é a calamidadè. . .
228 H um berto de C am pos
Quarta-feira, 20 de junho:
Quinta-feira> 21 de junho:
Sexta-feira, 22 de junho:
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Quarta-feira, 27 de junho:
Quinta-feira, 28 de junho:
Sexta-feira, 29 de junho:
Sabado, 30 de junho:
JULHO
Domingo, IP de julho:
Segunda-feira, 2 de julho:
Terça-feira, 3 de julho:
Quarta-feira, 4 de julho:
Quinta-feira, 5 de julho:
Sexta-feira, 6 de julho:
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Domingo, 8 de julho:
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Quarta-feira, 11 de julho:
Quarta-feira, 18 de julho:
Quinta-feira, 19 de julho:
Sexta-feira, 20 de julho:
Sábado, 21 de julho:
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Terça-feira, 24 de julho:
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Quinta-feira, 26 de julho:
Sexta-feira, 27 de julho;
Sábado, 28 de julho:
Domingo, 29 de julho:
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Têrça-feira, 31 de julho:
A G Ô ST O
Quarta-feira, 1P de agôsto:
Quinta-feira, 2 de agôsto:
Sexta-feira, 3 de agôsto:
Domingo, 5 de agôsto:
Segunda-feira, 6 de agosto:
Terça-feira, 7 de agosto:
Quarta-feira, 8 de agôsto:
Quinta-feira, 9 de agôsto:
)m , ao vê-lo entrar, tão miúdo, tão tenro, tão frágil, tão con-
limite em mim. Faço as contas da minha idade, calculo os anos
tjuc ainda posso viver, e pergunto a mim mesmo: que idade terá
tucu filho, quando eu morrer? Terei eu a felicidade de vê-lo ho-
iikm11, e de orientá-lo na vida?
E Álvaro de Carvalho queda-se, esquecido de mim, o olhar
lirrdido no vácuo, o pensamento perdido no tempo, com a obses-
Mo dolorosa de não poder compensar, vivendo mais longamente
para o filho, a sua paternidade tardia...
Sexta-feira, 10 de agôsto:
Sábado, 11 de agôsto:
Domingo, 12 de agosto:
Segunda-feira, 13 de agosto:
Terça-feira, 14 de agosto:
Quinta-feira, 16 de agôsto:
Scxta-jcira, 17 de agôsto:
Sábado, 18 de agosto:
S e g u n d a - f e i r a ,, 2 0 d e a g ô s t o :
Terça-feira, 21 de agôsto:
Quarta-feira, 22 de agôsto:
Quinta-feira, 23 de agôsto:
Sc.xla-jcira, 24 de agosto:
Sábado, 25 de agôsto:
Domingo, 26 de agôsto:
Segunda-feira, 27 de agôsto:
Terça-feira, 28 de agôsto:
■Dioji com a senhora Albertina Berta, que ainda não havia dado
A cHlampa o seu primeiro romance, abordando o mesmo tema.
Vriissimo, que escrevia a crítica literária, se bem me lembro, no
r Jornal do Comércio” , atacou o romance de Goulart, conside-
fiuido-o amoral. O autor indignou-se, rompendo com Veríssimo.
Uma tarde, estávamos eu e Goulart de Andrade no “ O Im
parcial” , quando Veríssimo entrou. A o vê-lo entrar, o poeta re
ina se. Veríssimo aproxima-se.de mim, e queixa-se:
— Que tolice a dêsse m oço! Você já viu o livro dêle? Êle
li.mscreve, lá, como coisa genial, uma carta da amante, na qual
i »la diz que, em .certas ocasiões, ao estarem juntos, ela é “ como
um gôlfo estreito no qual entrasse, inteiro, o mar fremente” . Já
mt viu mau gôsto dessa ordem? — observa-me Veríssimo. —
Depois, é uma indecência. Uma mulher que se compara a um
#01fo !
E baixando a voz, escandalizado:
— Uma mulher que confessa que é . . . fro u x a !.. .
Quarta-feira, 29 de agosto:
Quinta-feira, 30 de agôsto:
Sexta-feira, 31 de agôsto: . ;í
SETEM BRO
Domingo, 2 de setembro:
Segunda-feira, 3 de setembro:
que nflo casa com a moça, filha da viúva? Casando com a viúv »,
você só fica com a metade do “ cobre” ; ao passo que, com a
moça, ficará com tudo, pois que tudo que a mãe tem, vai fiem
para a filha. Vou, portanto, fazer o pedido, mas é desta.
Foi, e voltou com o assentimento. E assim, a senhora qu#
A/.cvedo Marques desejava para sua espôsa, acabou sendo, ptu.i
e simplesmente, sua sogra .. .
Têrça-feira, 4 de setembro:
No prefácio às “ Poesias Póstumas” , de Gonçalves Dias,
conta Antônio Henriques Leal que o maior desejo do poeta,
quando ainda criança e simples caixeiro do pai, em Caxias, era
possuir um exemplar da “ História do Imperador Carlos Magno
e dos Dozes Pares de França” . A instâncias suas, o pai, o portu
guês João Manuel, levou-lhe da capital o livro pedido, ao qual
o futuro lírico se agarrou com o maior dos encantamentos. Tudo
aquilo lhe parecia verdade, e foi para êle um dia d e#tristeza
aquêle em que o pai lhe arrancou essa ilusão.
A “ História do Imperador Carlos Magno” exerceu também
sôbre a minha imaginação infantil a sua ingênua influência. Li-a
aos dez ou onze anos, em Parnaíba. Devorei-a em poucos dias,
com os olhos ávidos e coração ansioso. E ainda hoje tenho na
memória a luta cavalheiresca entre Oliveiras e Ferrabrás, a morte
de Roldão, e, mais vagamente, o episódio em que as cobras saem
da caveira de Cunegundes e o da tôrre, em que figura o Almi
rante Balão. Nenhum, porém, me comoveu tanto, e tanto me
abalou, como o do heroísmo inútil de Roldão em Roncesvales.
Eu o vi lutar, desbaratando, sozinho, as ondas de inimigos que
se lançavam contra o desfiladeiro. Ouvia-lhe o rasgado apêlo da
trompa, chamando os companheiros, que não vinham. Via se lhe
abrirem as bôeas das feridas, no esforço do sôpro, e o eco da trom
pa, reproduzindo-se aflitamente nos rochedos alcantilados. Até
que o vi morrer, coberto de golpes, tendo, antes, partido nas
pedras a sua espada, a sua Durindana, a sua companheira de
tôda a vida, espôsa única da sua mocidade heróica, para que outro
guerreiro jamais a possuísse.. .
No dia em que li êsse episódio, deitei-me, à noite, com o co
ração torturado. Seria possível que os homens levassem tão
longe a sua maldade? Alta noite, acordei, na minha rêde de va
randas estreitas. Ouvi o som da trombeta em Roncesvales.
Tremi, de pavor, e de pena.
Anos depois, aos trinta de idade, tentei ler, novamente, a
“ História do Imperador Carlos Magno” . E não cheguei à quinta
D iá r io S e c r e t o 275
Quarta-feira, 5 de setembro:
Quinta-feira, 6 de setembro:
Sexta-feira, 7 de setembro:
Os documentos autênticos que dizem respeito à proclama
çfio (la Independência, em 1822, contam que o príncipe D. Pedro,
em viagem de Santos para São Paulo, na histórica jornada do
Ipiranga, se distanciava de momento a momento da comitiv i,
apeando-se do cavalo e entrando para o mato, a fim de satis
fazer as exigências de um desarranjo intestinal. Os banquetes,
em Santos, tinham-lhe ocasionado uma disenteria.
A História do Brasil, para maior coerência, devia ser es
crita em papel sanitário.
Sábado, 8 de setembro:
Tenho lido e escrito muito. A s idéias multiplicam-se no
meu espírito, como as formigas à bôca de um formigueiro alvo
roçado. Tenho planos de romances, de contos, de ensaios literá
rios, de obras de pesquisa e comentário. Trabalho dez, doze horas
por dia, aos domingos e feriados, e, nos dias úteis, durante todo o
tempo que os deveres políticos me dispensam. Às vêzes, sinto-me
fatigado, sucumbido, com vertigens e atordoamento. Mas o cé
rebro continua a trabalhar, ágil, fértil, disposto, como se não es
tivesse em contato com o resto do corpo.
É que a máquina que dá o impulso não está de acôrdo com
o resto do aparelho, que obedece. O motor é forte mas o carro
já está ficando velh o.. .
Domingo, 9 de setembro:
Conta-se que o peru, se lhe traçam em torno um círculo a
carvão, fica-se a girar dentro dêle, piando, piando, piando, sem
poder sair.
Ataulfo de Paiva, quando começa a falar na Academia, é
um peru num círculo de carvão.
* * *
Recebo um telegrama de Coelho Neto, dizendo-se comovidís-
simo com o meu artigo, e “ beijando-me as mãos” .*
Eu não disse que êle era “ poeta” ?
Segunda-feira, 10 de setembro:
A o ler a biografia de alguns homens de letras nacionais e
estrangeiros, encontro-as sempre ilustradas de fotografias dêles,
D iá r io S e c r e t o 2 77
Terça-feira, 11 de setembro:
Quarta-feira, 12 de setembro:
Quinta-feira, 13 de setembro:
Sexta-feira, 14 de setembro:
Sábado, 15 de setembro:
Domingo, 16 de setembro:
Segunda-feira, 17 de setembro:
Terça-feira, 18 de setembro:
da obra, que vai dia a dia, por esforço dêles, se levantando pai*i
0 céu,
S io os operários, — os pedreiros, os carpinteiros, os ferrei
ro», a legião obscura das formigas humanas, construtoras in
ftili^&vcis das grandes cidades. São êles que, lá em cima, arron-
tom oa perigos, arriscam a vida, zombam dos castigos do céu, e
todo isso mediante o mais miserável dos salários. Concluída a
obra, levantado o edifício, retirados os andaimes, voltam as foi
níigas ao chão, e vão repousar por um instante num casebre
baixo, e humilde, em que mal podem erguer a cabeça.
Enquanto isso, os homens ricos, que não puseram em risco a
própria segurança, instalam-se no palácio construído, e gozam, sa
tisfeitos, os supremos prazeres da v id a ...
É a “ revanche” da cigarra. Quem sofre a miséria, hoje, é a
formiga, que ainda lhe faz a casa, e vai dormir, faminta, exposta
às intempéries. . .
Quarta-feira, 19 de setembro:
Quinta-feira, 20 de setembro:
Sexta-feira, 21 de setembro:
Quarta-feira, 26 de setembro:
Domingo, 30 de setembro:
O U TU B R O
Segunda-feira, 1P de outubro:
Quarta-feira, 17 de outubro:
Quinta-feira, 18 de outubro:
Sexta-feira, 19 de outubro:
Sábado, 20 de outubro:
Domingo, 21 de outubro:
I)(nninfj<f, M (h outubro:
Segunda-feira, 22 de outubro:
Quarta-feira,, 24 de outubro:
SR
D iá r io S e c r e t o 291
Quinta-feira, 25 de outubro:
Sexta-feira, 26 de outubro:
Sábado, 27 de outubro:
Domingo, 28 de outubro:
\
IIum berto de C am pos
Têrça-feira, 30 de outubro:
NOVEMBRO
Sexta-feira, 2 de novembro:
Sábado, 3 de novembro:
Domingo, 4 de novembro:
Segunda-feira, 5 de novembro:
* * *
Terça-feira, 6 de novembro:
* * *
Quinta-feira> 8 de novembro:
19 2 9
JANEIRO
Terça-feira, 1 ? de janeiro:
Quarta-feira, 2 de janeiro:
Sexta-feira, 4 de janeiro:
Terça-feira, 8 de janeiro:
Quinta-fiira, 10 de janeiro:
Sexta-feira, 11 de janeiro:
Segunda-feira, 14 de janeiro:
Sábado, 19 de janeiro:
Quarta-feira, 23 de janeiro:
Quinta-feira, 24 de janeiro:
Segunda-feira, 28 de janeiro:
Quinta-feira, 31 de janeiro:
F E VE R EIR O
Domingo, 3 de fevereiro:
Terça-feira, 5 de fevereiro:
Quinta-feira, 7 de fevereiro:
Terça-feira, 12 de fevereiro:
Quinta-feira, 14 de fevereiro:
Domingo, 17 de fevereiro:
Terça-feira, 19 de fevereiro:
Quinta-feira, 21 de fevereiro:
Sábado, 23 de fevereiro:
Segunda-feira, 25 de fevereiro:
Quarta-feira, 27 de fevereiro:
M AR ÇO
Terça-feira, 5 de março:
Quinta-feira, 7 de março:
Sábado, 9 de março:
Qutyta-feira, 14 de março:
Quarta-feira, 20 de março:
Leio uma “ plaquette” , em prosa, de Aloísio de Castro.
Períodos harmoniosos, frase limpa, vocabulário elegante. Em
H um berto de C am pos
A B R IL
Sábado, 6 de abril:
Sábado, 13 de abril:
Segunda-feira, 15 de abril:
Sexta-feira, 19 de abril:
Sábado, 20 de abril:
Segunda-feira, 22 de abril:
Têrça-feira, 23 de abril:
Quinta-feira, 25 de abril:
Sexta-feira, 26 de abril:
Sábado, 27 de abril:
•
Segunda-feira, 29 de abril:
M A IO
Sexta-feira, 3 de maio:
Segunda-feira, 6 de maio:
Quinta-feira, 9 de maio:
Sábado, 11 de maio:
Têrça-feira, 14 de maio:
Sábado, 18 de maio:
acalenta uma esperança cristã mas não sofrerá se ela não se rea
lizar, Eu ia por ali, em suma, como uma pluma que o vento
leva, e que se sente quase feliz por ser levada pelo vento. De re
pente, escuto uma voz, em cima, no passadiço:
— Olha! Ê ê le !...
» Volto-me para o alto, e vejo, na balaustrada, olhando-me,
com o contentamento de me verem, minha prima Iná, filha do
meu primo-irmão Joaquim Veras, e minha mulher.
— Vocês aqui?! — exclamo, feliz, com uma profunda ter
nura, compreendendo, enfim, o motivo de ter sido levado até
ali, por uma vontade misteriosa.
— Viemos ver-te, — diz-me, com suavidade, minha mulher.
E logo:
— Não sabes, então, que hoje é o dia dos M ortos?
Olhei para a balaustrada e vi, então, que lá em cima era um
cemitério, e que as sepulturas estavam cobertas de flôres.
— E tu, como estás? — pergunto, docemente, do meu lugar.
— Vou bem, — responde-me; — tenho apenas uma novi
dade para te contar.. .
— Tu te casaste? — pergunto, sem ciúme.
— C asei-m e... Tu não me pedias tanto, que me casasse?
— E tens sido feliz?
— Fui, fui muito feliz a princípio.
E com tristeza:
— Mas, hoje, estou arrependida. •«
— E os nossos filhos ?
— Vão bem .. . Todos se lembram muito de t i . . .
Uma onda de ternura me invadiu. Eu não sentia mágoa, nem
tristeza, nem ciúme. Nada do que era terreno me atingia. O que
eu sentia naquele momento, era apenas saudade, mas uma sau
dade que apenas me comovia, sem me d o e r.. .
Segunda-feira, 20 de maio:
Sexta-feira, 24 de maio:
Quando Goulart de Andrade me contou, há quatro dias, o
episódio da sua conversão religiosa* eu lhe confessei, com fran
queia, a impossibilidade, que via, de seguir-lhe o exemplo.
D iá r io S e c r e t o
Segunda-feira>27 de maio:
K 1>;uxancto a voz:
i. um Ataulfo de saia!
Um uno depois entrava D. Aquino para a Academia, na
vngu dr Lauro Müller. E quem lhe dava as boas-vindas em nome
do ccnáculo era, precisamente, Ataulfo de P a iv a ...
Quinta-feira, 30 de maio:
Sábado, 1P de junho:
Quinta-feira, 6 de junho:
Domingo, 9 de junho:
Terça-feira, 11 de junho:
Segunda-feira, 17 de junho:
K n propósito de edições:
Kií acho uma falta de pudor essas notícias de que o
Lohalo lira vá edições de vinte mil exemplares, e de que o Cos-
tullut vendeu sessenta mil de um romance da sua autoria. Os
<Io Ím eram donos de oficina, e podiam atribuir-se as edições que
bem entendiam. O que eu sei é que a obra de que tirei maior nú
mero de exemplares foi “ Poesias” , de Raimundo Correia, de que
saíram seis mil exemplares, deixando-me um lucro insignificante.
E conclui:
— Agora, um fato curioso. Sabe a obra que mais me deu
lucro até hoje? “ Poesias” , de Cruz e S ou sa !.. .
Quarta-feira, 19 de junho:
Sexta-feira, 21 de junho:
Têrça-feira, 25 de junho:
A
Quinta-feira, 27 de junho:
Sábado, 29 de junho:
JULHO
Quarta-feira, 3 de julho:
Quinta-feira, 11 de julho:
Sábado, 13 de julho:
Segunda-feira, 15 de julho:
A propósito da bibliografia bilaquiana, dizia-me, hoje,
Coelho N eto:
— Quem tiver de escrever um estudo sôbre a “ verve” de
Bilac, deve procurar as coleções dos jornais carnavalescos dos
Democráticos e Fenianos, em que nós escrevíamos na mocidade.
Sorriu, e acrescentou:
H um berto de C am pos
Quinta-feira, 18 de julho:
Academia. À minha chegada, avisa-me Fernando Magalhães:
— H oje virá aqui um visitante que quer ser apresentado a
você. Trouxe o seu nome de Portugal, entre os dos brasileiros
que deseja conhecer pessoalmente. É o Ricardo Jorge.
D iá r io S e c r e t o 353
Sábado, 20 de julho:
Quarta-feira, 24 de julho:
Domingo, 28 de julho:
Terça-feira, 30 de julho:
Quarta-feira, 31 de julho:
Menos por ambição do que, mesmo, por um impulso do tem
peramento que lhe caracteriza a família, o Presidente João Pes
soa, da Paraíba, aderiu à aliança Minas-Rio Grande, aceitando o
lugar de vice-presidente da chapa em que figura como candidato
à presidência o Sr. Getúlio Vargas. Mesmo assim, é evidente a
superioridade eleitoral do grupo de Estados que apóia a candida
tura Júlio Prestes. Isso não impede, todavia, a preocupação dos
homens de responsabilidade, ante a expectativa de um movimento
armado no Sul, e a conseqüente tentativa de separação do Rio
Grande.
Um telegrama reservado do Presidente Magalhães de A l
meida, em que apela para a minha amizade e para o meu patrio
tismo, constitui-me, e a Domingos Barbosa, líder da bancada,
seus representantes perante o Presidente Washington, para tra
tar do problema da sucessão presidencial.
H oje, fui conferenciar com o presidente, que encontro ani
mado, excelentemente disposto, perfeitamente preparado para
a luta.
— Ninguém pode negar ao Prestes a qualidade de grande
administrador. Depois, de uma correção inatacável. Não falou até
hoje na sua candidatura. Censuram-no por isso; mas, se êle ti
vesse falado, teria sido êsse o pretexto para se atirarem contra
ê le .. . A s imposições, como o senhor viu, partiram do Dr. Antô
nio Carlos, que se achòu com o direito de indicar o futuro pre
sidente. .. E os outros dezessete Estados, não lhes assistirá o
mesmo direito?
Dou-lhe algumas informações sôbre o nosso contingente elei
toral e êle acentua:
— É isso; nós precisamos é de votos. É essa a parte que
cabe aos nossos amigos. Incentivem o alistamento.
E sorridente, mas resoluto:
— Tragam votos; porque a ordem, essa, eu garanto!
D iá r io S e c r e t o 357
AG Ô ST O
Quinta-feira, l .° de agôsto:
Domingo, 4 de agosto:
Segunda-feira, 5 de agosto:
Quinta-feira, 8 de agôsto:
Segunda-feira, 12 de agosto:
Sousa Filho, deputado por Pernambuco, deve ter, atual
mente, quarenta e seis ou quarenta e sete anos. Estatura me
diana. tronco forte, moreno, cabelos negros e gordurosos repu-
xados para trás, é um tipo legítimo de caboclo temperado com
20% de sangue europeu. Cara raspada, mento de sapato de bico
largo, quase de galocha, tem lábios finos emoldurando a bôea em
linha reta, que encobre, ou descobre, dentes miúdos e separados.
O nariz, achatado na base e arrebitado na ponta, completa-lhe a
figura. Boêmio por educação e por índole, chega ao edifício da
Câmara, em geral, entre as duas e meia e as três horas, com a fi
sionomia fresca de quem, tendo-se deitado pela madrugada, acaba
de barbear-se e de sair do banho.
E êsse boêmio é, positivamente, o mais brilhante orador da
atual legislatura. O seu discurso de hoje, pelo menos, colocou-o
neste pôsto, que já disputava a João Mangabeira nos debates
de 1927.
V oz sem grande variedade de tons, Sousa Filho começa a
falar, pausado e mole. A falta de reação por parte daqueles a quem
ataca esmorece-lhe o ânimo. Basta, porém, que alguém lhe dê
um aparte, e que êle sinta que chegou o momento do perigo, para
que o orador se transfigure. A s palavras surgem, rápidas, pre
cisas, e felizes, armando a frase perfeita. Não há aparte vigo
roso que êle não responda com energia. Destemido, não receia os
mais insolentes nem deixa sem represália os mais atrevidos. Se
o adversário se inflama, êle o acompanha no mesmo diapasão,
tomando-se vermelho, quase roxo, os olhos faiscantes, ao mesmo
tempo que as palavras lhe saem em turbilhão, como de um saco
derramado. Vencido, assim, o contendor, passeia na tribuna, ca
lado, de um lado para outro. É, então, o leão na jaula, ou, então,
o galo que cantou por último e que espera, ainda, de esporão em
riste, que o adversário se levante do solo para humilhá-lo de novo.
Sousa Filho, que enfrentou hoje duas grandes bancadas — a
de Minas e a do Rio Grande, — fazendo calar aquela e repelindo
as bravatas desta, — é, em suma, o “ chantecler” do momento.
Êle é o galo vitorioso. E a Câmara é o seu terreiro.
H um berto de C am pos
SETEMBRO
Quinta-feira, 19 de setembro:
Quarta-feira, 25 de setembro: