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partimos do conceito de que todo indivíduo é potencialmente criativo; que a criatividade não se
aprende, e que ela só se desenvolve quando alimentada do necessário estímulo. Tomando como
campo de atuação a música, enfocamos sua prática como estimuladora da criatividade, dadas suas
hemisfério direito quanto ao esquerdo, a linguagem musical, em razão da função poética da qual é
constituída, deixa-se marcar por lacunas que são preenchidas pelo imaginário do compositor na
construção musical e pelo ouvinte na escuta. Dentro desse contexto desenvolvemos o Festival
Nacional Ritmo e Som da Unesp, levando música à comunidade externa, propiciando o prazer da
vivência estético-criativa.
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não é algo que se aprende, por outro lado ela só se desenvolve se alimentada de adequado
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Professora Titular. Universidade Estadual Paulista - UNESP
estímulo. Partindo então do pressuposto que, tanto quanto a ciência e a educação, a arte e a
discussão, um debate, que tem muito a ver com a reflexão que impulsionou a (a)parição
deste trabalho. É uma reflexão que sugere um processo aberto onde o tempo de concluir
mesma, e por esse motivo, com alto poder de indução. Talvez por isso Eça de Queiroz já
dizia que os hinos é que fazem as revoluções (in Ribas, 1957). E Platão, já no séc. 5, a.C.
pregava que se lhe fosse permitido escolher as canções e melodias de um povo ele não se
pura, e lembrar Platão e Eça de Queiroz, tem o objetivo de nos remeter às características
porque, como universo de qualidade que é, música é pura tautologia, garantindo expressão
motores (em razão do ritmo), afetivos (em razão da melodia, timbre, dinâmica, agógica) e
Como arte ela nos permite concretizar os sentimentos numa forma que a
consciência capta, dentro de uma maneira mais global e abrangente do que a linguagem
teorias.
Como arte ainda, esse universo de função poética, graças à sua multissignificação,
leva o receptor a criar, de novo e sempre, os plurais sentidos por ela expostos, tornando
presente o que existe em ausência na linguagem, como diria Jakobson (1969). E isso
emissor e do receptor, ambos construtores que são de signos. Além do que a música induz
terapêuticos de sua ação (Benenzon, 1971). Como ciência ainda, conjunto organizado de
fisiologia. Pela natureza do som ela se estende às ciências físicas e matemáticas; pelo
ritmo, à fisiologia; pelo seu objeto, à estética e filosofia; pela relação de seus elementos, à
psicologia.
se supôs durante tanto tempo. Privilegiada pela função poética da qual é constituída, como
toda mensagem de informação estética ela organiza seus signos de maneira a expor um
modo de construção, que é seu aspecto, sensível, material, significante. É a função poética
que garante à linguagem musical uma expressiva lacuna, preenchida pelo imaginário do
Freud, que toda música possui um umbigo que a liga ao desconhecido, ao ISSO (expresso
pensamento humanos. Mesmo porque a música é um jogo elaborado, caracterizado por uma
seriedade que preside sua criação/construção, exigindo trabalho, pois que “trata
(inconscientemente, claro), de apagar os traços do processo primário, afogando-o no meio
1983). A emoção que então se dá aí, advém das relações novas que o receptor capta na
escuta desse discurso, levando-o a se defrontar com o novo, com o original, com a surpresa
oferece nos caminhos e tropeços de sua leitura/ escuta. Porque é próprio da mensagem
poética organizar seus signos de maneira singular, quase única, provocando surpresa no
ouvinte, já que a ambigüidade de que se reveste o signo musical, provoca inúmeros modos
Mas poderíamos ainda acrescentar que música também é intuição (carregando nos
não-verbal. É assim que ela dribla o receptor na escuta, sugerindo-lhe que o que diz, é e não
é, uma vez que o seu dizer tira sua força do relativo, do ambígüo, do provisório. Desse
É assim que pela música como pelas artes em geral, tomamos consciência de nossa
humanidade que pensa, que fala. Pois a língua que se aprende nas relações cotidianas, com
pais, amigos, só serve para agir, perguntar, responder, viver, como lembra Jean Bellemin-
que a música sabe mais que o músico. Como a psicanálise ela lê o homem na sua vivência
Podemos acrescentar ainda que como matriz de conhecimento ela integra nossa
Poder físico, na medida em que altura, duração, intensidade, timbre, são partes
inerentes do som como substância acústica, e até mesmo os animais reagem a elas, no que
Sem que se esqueça que a música também diz respeito ao hemisfério esquerdo, na
momento a prática musical deixe de carregar nos seus flancos elementos que escapam do
É desse modo que a música dá o seu recado, como ciência, arte, razão, intuição,
do povo e da coletividade. Mesmo porque é nas artes que reside a esperança de um futuro
além das classes, e é nas artes que germinam articulações de uma prática libertadora.
Como aliás reza o Manifesto dos músicos comunistas portugueses já em seus dois
primeiros artigos:
a) enquanto arte a música não é mero divertimento. Ela atua sobre a inteligência e
coletiva;
b) não há como subestimar na música, nem sua capacidade expressiva, nem seu
Rousseau, foi levada avante, em grande parte, pelo impulso afetivo e motor da Marselhesa.
verdade, verdade de uma linguagem que, através de uma sintaxe de semântica própria, gera
repostas que vão além do emocional. E isso porque o acesso ao código elaborado da música
formal, transcende a pura experiência imediata, estrutura cognitivamente sua prática com
É desse modo que quem domina um código culto como o da música de concerto,
Por tudo isso, nunca devemos compactuar com o gosto comercial, ideologicamente
suspeito, nem devemos ceder àquela espécie de debilidade mental de que nos fala Adorno
Essa a verdade da música que, como arte, aproxima o homem de si mesmo, além de
lhe oferecer uma saída emocional mediante uma experiência que integra sua totalidade,
uma forma de se representar o mundo, de nos relacionarmos com o mundo, uma forma de
comportamento que nos empurra para longe da mesmice e que harmoniza e transforma
natureza e cultura.
Assim, se música não fomenta a produção de automóveis mais potentes e mais
velozes, leva à formação de indivíduos mais sensíveis à sua condição humana, estimulando-
os, a pensar de forma crítica o contexto que os circunda, com resultados para o
Harlow, Jean Piaget, Artur Hensen, Donald Norman, David Krech, sem esquecermos
Convém pontuar aqui o trabalho desenvolvido por David Krech e Harry Harlow.
comportamento. Harry Harlow por sua vez realizou pesquisa em torno dos efeitos da
adquiridos, o que nos remete aos recursos positivos da adequada prática musical.
Por tudo isso a música tem mesmo de ser solicitada a prestar contas do que ocorre à
nossa volta, na medida em que há sempre um jogo que se instaura diante de um texto
musical, o jogo do compositor e do ouvinte face ao objeto comum a ambos, o som. Som
que sustenta o sentido, sentido que engendra o discurso, discurso que leva à descoberta das
forma.
E finalmente, deixando bem longe a época do empirismo, época que atribuía
poderes mágicos à música, hoje, no campo das artes, falamos da prática musical em termos
que lhe cabe por direito, veiculando-se desse modo o complexo som/ ser humano no que ele
tem de científico, artístico, intuitivo, criativo. Tudo isso leva o indivíduo a tornar-se senhor
Fechamos nossa fala dizendo que a música, como ciência, razão, intuição,
cidadania, é necessária ao homem para que ele se torne capaz de conhecer, de se conhecer,
Projeto Festival Nacional Ritmo e Som da Unesp, uma viagem que vai dos ritmos
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ALVIN, J. (1969) “Work with na Autistic Child”. Londres: Jornal of Music Therapy, vol.I,
no.3.
POSTMAN, N. (2002). “O Mestre que quer virar a Escola pelo Avesso”. São Paulo: Jornal O
MDMagno (1982). A Música. Texto estabelecido por Potiguara Mendes da Silveira Jr.