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Resenha do documentário “Tempo de resistência” + capítulo 1 do livro de José Paulo Netto

“Ditadura e serviço social”.

Como proposto, esta resenha tem por objetivo relacionar o capítulo 1 do livro
Ditadura e serviço social, de José Paulo Netto e o documentário visto em sala de aula
Tempo de resistência (2004). O tema em comum em ambas as obras são a ditadura
militar, coercitivamente implementada no Brasil entre 1964- 1985. Na obra de Netto os
três primeiros momentos (que ele denomina lustros) da ditadura militar ou os 15
primeiros anos foram de plena dominação da autocracia burguesa, entretanto ela não
pode reproduzir-se como tal, de forma reacionária, impositiva a todo o momento.
Sempre recorre ao apoio, negociações, consensos para neutralizar os focos de
resistência e conquistar legitimação na sociedade.

O documentário inicia-se com o discurso do presidente João Goulart no dia 13


de março do 1964; num momento onde se discutia e reivindicava por reformas de base
como nas áreas agrária, tributária, política, educação, transportes, dentre outros. Não se
imaginava que aconteceria no dia 1 de abril do mesmo ano o início de um ciclo de
violência e antidemocracia disfarçado em discursos de “pelo bem da nação”, de
desenvolvimento e de modernização do país.

Sem sucesso, Jango não conseguiu implementar as reformas e, pela falta de


governabilidade recorre aos movimentos sociais como sindicatos, movimentos
estudantis e outros considerados de esquerda ou populares afim de conquistar
apoiadores e assim pressionar o Congresso. Não havia interesse das camadas elitizadas
e do poder político e econômico que as reformas fossem institucionalizadas naquele
momento, a ameaça de ter que tornar mais distributiva estas questões e entregar ao povo
o pode de decisão na política. O golpe realizado de maneira rápida foi estratégia para
que a ameaça fosse neutralizada, assim como as possíveis transformações do Brasil em
comunista e/ou socialista. Como um dos colaboradores do documentário bem fala:
“ninguém imaginava que aconteceria o golpe”.

Essa “modernização” Netto mostra que é conservadora no sentido de que não


houve superação como, por exemplo, das relações de dependência- associado, de traços
imperialistas e de modo de desenvolver-se economicamente e política para algo além do
latifúndio. O que há é a renovação dessas características de forma apressada para
acompanhar as mudanças internacionais, da renovação “do velho” em um momento
novo na história. Mas a modernização conservadora não se resume apenas ao
econômico, mas afeta toda a esfera da vida das pessoas, inclusive a cultura e a
educação; pois tendo o controle destas se tem o da massa trabalhadora para se reafirmar
como classe dominante através destes meios. Por este motivo vemos neste período a
intenção de priorizar investimentos na educação assim como a manipulação em outros
setores.

Chama a atenção o efeito mobilizador que se generalizou por meio do


movimento estudantil, a exemplo a UNE no período ditatorial. Segundo Netto esse
efeito catalisador das escolas advém da política estrutural do sistema educacional feita
dos anos 50, onde o acesso ao ensino superior e nível básico foi socializado de certa
forma para a classe média, um período democrático onde se tinha idéia de educação
emancipadora e que com o regime esse grupo se apresenta com tendências que
contribuem para a oposição ao sistema e por este motivo foi alvo de confrontos e de
enquadramento do sistema educacional dentro do padrão autocrático burguês,
institucionalizado a fim de atender as demandas da industrialização pesada com a
difusão de um ensino tecnocrático, imediatista, burocratizado, favorável ao capital e ao
mercado de trabalho durante o regime ditatorial. A degradação do público e a abertura
da iniciativa privada como justificativa para o desenvolvimento atingiu todas as esferas
sociais. O ensino profissionalizante é um exemplo claro disto, de transformação de tudo
em mercadoria, inclusive o conhecimento.

Além do enquadramento da política educacional a cultura foi utilizada pelo


como instrumento de dominação e difusão da falsa idéia de nação em pleno
desenvolvimento. O documentário exemplifica muito bem com a Copa do mundo em
1970, a imagem do Brasil como o país do futebol, do samba foi construída durante esse
período o que Netto bem coloca no tópico 1.4; de que esse Estado interventor ditatorial
toma alguns elementos culturais como ideais, desconsidera a pluralidade da cultura
brasileira na tentativa de reproduzir-se socialmente. Com o certo controle sobre estas
duas políticas desvia o olhar da população de questões realmente pertinentes em
distrações promovidas com intuito para tal.

A produção cultural sofreu com a censura da liberdade de expressão,


principalmente no campo da literatura, na música, dramaturgia e muitos autores,
escritores, cantores que simpatizavam com as mobilizações da oposição a ditadura e que
expressavam a realidade encoberta por meio da cultura tiveram que fugir das
perseguições, se exilar em outros países e romper com suas raízes durante esse tempo
para não sofrer mais ainda com a repressão. A refuncionalização da política educacional
trouxe também a intimidação do corpo docente e discente nas universidades, escolas
que discutissem questões democratizantes, ou contrariasse o governo. O aparato militar
foi utilizado para conter as expressões revolucionárias, inclusive sendo treinados por
agentes da CIA infiltrados aqui, segundo as obras analisadas. Nos relatos vemos
claramente as truculências que as pessoas eram submetidas. Mortes de muitas pessoas,
invasões, desaparecimentos, expropriações torturas e tratamentos desumanos era a
forma de coibir e colher informações das organizações de esquerda e populares, até para
causar divisão dentro destas com o fim de quebrar a força destes movimentos.

Pode se concluir que a história se repete sob novas roupagens, e que a questão
social se aprofunda em meio a isso pelas vias tendenciosas de modernização
conservadora e revolução passiva que favorecem o acúmulo e concentração de capital
nas mãos de poucos ao mesmo tempo em que se generaliza em larga escala a pobreza
para a grande parcela da população brasileira; como uma alusão de democracia. A outra
face contraditória é a de que mesmo num momento de inflexão política acontecimentos
importantes para a profissão e para a classe trabalhadora foram acontecendo, a
renovação com intenções de ruptura do movimento contra-revolucionário. Compreender
os fenômenos recorrendo ao contexto histórico possibilita a analise crítica das
expressões da questão social, de desvendar e abrir “as cortinas” que encobrem as reais
faces do capitalismo, de movimento contraditório.

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