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ESQUERDA E DIREITA

RESENHA DE TEORIA POLÍTICA

"Por quê não vai para a cidade?

- O vento a levou.

- Como assim?

- Ela está arruinada.

- Por quê ela está arruinada?

- Porque tudo está em ruínas. Tudo está arruinado, mas posso dizer que foram eles que
arruinaram e degradaram tudo. Porque esse tipo de cataclisma não viria sem uma inocenta
ajuda humana. Pelo contrário... Estou falando da mente humana, da sua capacidade de julgar a
si mesma. E claro que Deus tem uma mão nisso, ou, ouso dizer: tem parte nisso. E, seja qual for
a sua parte, é a criação mais horrível que se pode imaginar. Porque você vê, o mundo foi
degradado. Então não importa o que eu digo, porque tudo foi degradado assim que foi
adquirido, e visto que eles adquiriram tudo de forma sorrateira, insidiosa, eles degradaram
tudo. Porque tudo que eles tocam, e eles tocam tudo, foi degradado. E assim será até o triunfo
final, até o triunfante final. Adquire, destrói. Destrói, adquire. Posso escolher outras palavras,
se você quiser: toca, destrói e com isso adquire, ou toca, adquire e então destrói. E tem sido
assim por séculos. Sempre, sempre e sempre. Às vezes dissimuladamente, às vezes
arrogantemente, às vezes, delicadamente, às vezes violentamente, mas sempre e sempre. Sempre
da mesma forma, como um ataque de ratos em uma emboscada. Porque, para sua vitória
perfeita foi importante a colaboração do outro lado. Ou seja, tudo que é excelente, grande de
certa maneira e nobre não deve participar de qualquer batalha. Não deve haver luta, o simples
desaparecimento repentino de um lado, significa o desaparecimento de tudo que é excelente,
grande e nobre. De modo que esses vencedores que atacam de emboscada, agora governam a
terra, e não haverá um único canto onde poderá se esconder deles, porque tudo em que eles
puderem por a mão é deles. Até as coisas que pensamos que não pensamos que não podem
alcançar, mas eles alcançam, também são deles. Porque o céu pertence a eles, e todos os nossos
sonhos. Deles é o momento, a natureza, o silêncio infinito. Até mesmo a imortalidade é deles.
Tudo, tudo está perdido para sempre! E essa multidão de nobres, grande e excelente, permanece
lá, se assim posso me expressar. Eles foram obrigados a entender, e tiveram que aceitar fatos
que obviamente não foram capazes de entender. Eles acreditaram e aceitaram, mas não
conseguiram entender. Até que alguma coisa, aquela centelha no cérebro, finalmente iluminou-
os. E de repente perceberam que não há Deus ou Deuses. De repente eles viram que não há bons
ou maus. Então eles viram e eles entenderam que se isso for verdade, então eles mesmos não são
nada. Um é sempre o perdedor, o outro é sempre o vencedor. Derrota, vitória, derrota, vitória, e
um dia, aqui na vizinhança, fui obrigado a perceber, e percebi, que estava enganado, estava
verdadeiramente enganado quando pensei que nunca houve e nem poderia haver nenhuma
mudança no futuro. Porque, acredite em mim, agora eu sei, que essas mudanças já ocorreram."

- O Cavalo de Turim, Béla Tarr

Desde Platão, a política se definiu como uma ação coletiva e pública, ritualizada como as
práticas diárias judaicas. Os atenienses, a custa dos escravos que mantinham, que não possuíam o
direito de cidadania, exerciam o trabalho da fala enquanto os escravos exerciam o trabalho da
mudez. As decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade
paulatinamente abrangeram toda a população pela afeição que os mestres dos escravos sentiram
pelos seus ao desenvolverem profundas e frutíferas conversações. Phaedo, Epíteto, Diógenes,
Sócrates eram escravos que adquiriram liberdade através da filosofia. Os estoicos e os atomistas
foram os primeiros a se declararem publicamente contra a escravidão e a favor da completa
liberdade de expressão.

Assim, com o tempo concepções unificadas de uma filosofia perene começaram a se divergir e a
defender seus ideais de acordo com, basicamente, o que é natural e o que não é natural ao Ser.

O maniqueísmo, doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal, segundo o qual o
universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus e o bem
absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo, não é a forma adequada de se encarar as distinções
políticas de esquerda e direita, isto é, pensar que quem não é de direita é de esquerda ou vice-
versa. A bem dizer, tomar como ponto de apoio arquimediano uma idealização política baseada
em Deuses ocidentais é uma simplificação e limitação esdrúxula, pois parte das graças da era
helenística era que a diversidade do seu panteão descrita em mitos de cosmogonia como Timaeu
e Metamorfoses, de respectivamente Platão e Ovídio, é que cada divindade, semi-Deus, alto
governante do Olimpo e Demiurgo refletia a diversidade dos arquétipos políticos e filosóficos.
Como o texto mostra "Entre a escuridão e a luz, existe a penumbra. Entre o preto e o branco,
não existe apenas o cinza, mas sim um arco-íris de colorações políticas..." [COSTA, Fernando
Nogueira de, Direita e Esquerda];

Gradativamente, o que antes era popular, avançado e democrático pode se tornar populista,
corporativista, retrógrado ou totalitário. A filósofa Hannah Arendt e o psicólogo Adolf
Guggenbühl-Craig, em respectivamente suas obras A Condição Humana e O Abuso de Poder na
Psicoterapia, ao olharem para o fenômeno da Revolução Francesa, constatam que os ideais da
defesa aos miseráveis, a igualdade de classes superara o próprio ideal de liberdade e fraternidade,
culminando na tirania napoleônica tão comentada em O 18º Brumário de Luis Bonaparte, de Karl
Marx. O culto ao ideal traz a desilusão ao mesmo.
A posição política, dentre os economistas, é usada majoritariamente por pura convenção no
mercado de trabalho. Eles não encontram um porquê descartar a distinção política entre direita e
esquerda. Uma moeda possui duas faces, embora "cara" e "coroa" se alternem - e que analogia
perfeita para quem lida com a bolsa de valores e possui uma visão extremamente materialista de
mundo. A adoção do posicionamento político esquerda e direita de forma interesseira pode ser
especulado seus motivos em termos de representação e dominância. Ser adaptativo ao ambiente
competitivo profissional, ser defensor da "liberdade das forças do mercado", da "mão invisível",
o conservadorismo como posição conquistada com a mobilidade social, um alpinismo social
dependente da ambição ou da crença que é superior aos outros, em sociedades de iguais. A
política, então usada como convenção - assim como tudo que é usado como convenção - assim
usada é desonesta.

O que define a posição de Direita é a idéia de que a vida em sociedade reproduz a vida natural,
com sua violência, hierarquia e eficiência. Se os homens são seres biológicos desiguais, devem
submeter-se à lei do darwinismo social, a sobrevivência do mais apto de Herbert Spencer, ao uso
e desuso das pessoas conforme elas são-lhe úteis ou inúteis do lamarckismo, em um positivismo
maligno (ou seria negativismo?) oposto ao de positivismo cósmico de Louis-Auguste Blanqui e
Friedrich Nietzsche. Nesta concepção dividem-se dois tipos de indivíduos: os que podem se
desenvolver, os "vencedores", e os que podem apenas sobreviver, os "perdedores".

A atitude de esquerda pressupõe que a condição humana é fundada pela negação da herança
natural. A sociedade se desenvolve, opondo-se às forças cegas da natureza. Nada mais parecido
com o livre-mercado do que a livre-natureza. Quem acredita na essência humana como
essencialmente egoísta e imutável é de direita, mesmo sem saber. Biologicamente e
naturalmente, há visões científicas que corroboram mais com a esquerda, como a da Terra ser
uma Gaia viva [LOVELOCK & MARGULLIS] e atitudes ecológicas revolucionárias como a de
Murray Bookchin, que remete um paganismo que o humano é imanente a terra.

O que dizer das oscilações dos partidos? Pêndulos que mesmo parados continuam marcando as
horas. Continuam a ser colocados como que em um arco, que vai da direita para a esquerda, ou
vice-versa, uns mais ao extremo dos lados, outros mais ao centro, e doravante. No introspectivo
interior de diversos partidos há correntes à direita e a esquerda na forma de determinados
membros, que trazem esse tempero agridoce à política.

Norberto Bobbio escreve "O que caracteriza as doutrinas e os movimentos que se chamam de
'esquerda', e como tais têm sido reconhecidos, é o igualitarismo, desde que entendido, repito,
não como a utopia de uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência, de
um lado, a exaltar mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais."

Faz, portanto, de uma característica unilateral e que não compreende todas suas sombras, suas
faces, um Todo a ser cultuado da humanidade. Essa tendência promove uma queda a um único
lado da psiquê humana, sem conseguir se levantar dela. E Bobbio acrescenta "A liberdade
privada dos ricos é muito mais ampla do que a liberdade privada dos pobres. A perda de
liberdade golpeia naturalmente mais o rico do que o pobre, para quem a escolha do meio de
transporte, o tipo de escola, o modo de se vestir, está habitualmente impedida, não por uma
imposição pública, mas pela situação econômica interna à esfera privada (...) o rico perde uma
liberdade usufruída efetivamente, o pobre perde uma liberdade em potencial. (...) A esquerda no
só não completou seu caminho como mal o começou."

Compreendemos, assim, que quem é de direita não necessariamente é contra a esquerda e vice-
versa, mas que por um princípio de polaridade bem conhecido da física, quem adota um
necessariamente perde o outro e cada vez mais compreende mal o significado do outro.

No pós-guerra temos novas políticas, novos conceitos, novas ideologias. Guerras híbridas e
guerras de desgaste em que conceitos como fidelidade e lealdade típicas da era medieval se
encontram ultrapassados. Sociedades secretas como a teosófica, a fabiana, clube de Bilderberg,
conselho de relações estrangeiras são esconderijos para personalidades públicas manifestarem
seus lados de perversão política eclética. Se o que qualifica os ideais de esquerda é o brocardo
latino sapere aude, ousar saber, a direita se qualifica com o princípio nolialtum sapere sed time,
não te envaideças de teus elevados saberes, mas teme-os. Se a esquerda prega o laicismo, ou seja,
a valorização de tudo o que é profano, com a coisa sagrada relegada ao foro íntimo ou
simplesmente eliminada, a direita prega que tudo o que é sagrado deve primar sobre o profano,
que a nobreza e o heroísmo sejam elogiados como uma forma de beleza transcendente como bem
ilustra Roger Scruton. Se a esquerda, com base na obra As Prisões de Kropotkin, argumenta que
os criminosos não cometem crimes, mas quando aos montes, apenas erros, e não merecem
punições e castigos severos, mas compreensão pois muitas vezes tais atos são em legítima defesa
de seus direitos, a direita dirá que eles sabem muito bem o que estavam fazendo e exigem penas
severas à lá o arquipélago de Gulag, os campos de concentração e as mais variadas torturas e
execuções. Quanto mais países, mais subconjuntos há destes maniqueísmos. Alguns
subprincípios são mais enfatizados nos países desenvolvidos do que outros que são mais
destacados nos países periféricos, onde as prioridades sociais diferem radicalmente.

Dos fatores e valores determinantes no posicionamento político em que há essa dicotomia de


esquerda e direita, podemos reunir, dentre outros:

* {Em temas econômicos}: Crescimento da economia, governo, empresas, leis trabalhistas,


programas, impostos.

*{No comportamento}: Religião, drogas, adolescentes, criminalidade, pena de morte, sindicatos,


pobreza, armas, migração, homossexualidade.

*{Perfil de cada tendência}: Sexo, idade, escolaridade, renda familiar mensal, região do país.

Assim fazemos um compilado praticamente taxonômico, taxonárquico do ser humano e sua


etologia no ambiente política, colocando-o em uma balança que ora pende para a esquerda, ora
para a direita, e tais oscilações estão intimamente ligadas com a gravidade de sua condição.

REFERÊNCIAS:

ARENDT, H. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposa. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2004.

CRAIG, A. Guggenbühl O Abuso de Poder Na Psicoterapia. Editora Paulus, 2004.

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