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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Informação e Comunicação

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

William de Araújo Correia

UMA HISTÓRIA DA LAVA JATO


A narrativa econômica da operação na cobertura especializada da Folha

Goiânia
2020
Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Informação e Comunicação

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

William de Araújo Correia

UMA HISTÓRIA DA LAVA JATO


A narrativa econômica da operação na cobertura especializada da Folha

Trabalho apresentado para a Defesa de


Qualificação ao Programa de Pós-Graduação
em Comunicação como requisito para Defesa
de Dissertação.

Área de Concentração: Comunicação, Cultura


e Cidadania.

Linha de Pesquisa: Mídia e Cidadania.

Orientador: Luiz Signates

Goiânia
2020
RESUMO

O presente trabalho propõe-se a investigar os sentidos configurados pelas narrativas


tecidas junto à cobertura econômica da Folha sobre a Operação Lava Jato entre 2014 e 2018.
A proposta inspira-se, inicialmente, pelo protagonismo do jornalismo econômico ao lado do
jornalismo político, conforme denota Basile (2002), sem deixar de lado as questões
apresentadas por demais autores quanto à inteligibilidade da cobertura especializada em
economia para a audiência, como as preocupações de Caldas (2005), Kucinski (2000) e
Quintão (1987) sugerem.
A Operação Lava Jato, portanto, surge como evento de referência cuja incorporação
pelas editorias de economia dos jornais demonstra que ele extrapolou a sua dinâmica atrelada,
a princípio, ao universo da justiça, da polícia e da política – fenômeno que ocorre no esteio da
espetacularização da Lava Jato diante da imprensa. Dessa maneira, recorremos a autores
como Gomes (2004) e Thompson (2004) para explicar possíveis justificativas dessa ampla
repercussão ao passo em que utilizamos o pensamento de Maccalóz (2002) no sentido de
contextualizar a relação entre imprensa e Judiciário.
Além dessas discussões, trazemos à tona a questão narrativa e as implicações da
cidadania de maneira a encorpar a fundamentação teórica responsável por preparar e sustentar
o aporte metodológico de Motta (2013), o qual será empregado para recompor a tessitura da
Operação Lava Jato no noticiário econômico da Folha. O trabalho de investigação
contemplará a Análise de Conteúdo de modo a classificar primariamente os conteúdos e
investirá na Análise Crítica da Narrativa a partir de três dimensões fundamentais: 1) o plano
da expressão (discurso ou linguagem); 2) o plano da estória1 (ou conteúdo); e 3) o plano da
metanarrativa (tema de fundo).
Ao fim, espera-se que o trabalho não só permita responder à questão central que
justifica o empreendimento deste trabalho, mas também colabore na reconstituição da
tessitura sobre a economia brasileira nos últimos anos sob a ótica dos desdobramentos da
Operação Lava Jato, além de situar o lugar da cidadania no jornalismo econômico praticado
pela Folha.
Palavras-chave: Jornalismo Econômico; Operação Lava Jato; Narrativa; Cidadania.

1 Optamos por utilizar a expressão adotada por Motta (2013) em Análise Crítica da Narrativa. Na obra ele
explica que a escolha pela utilização dos termos “história” e “estória” (como no inglês, history e story) para
definir as narrativas fáticas e fictícias consiste numa espécie de solução paliativa para distinguir suas
características fundamentais.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Conteúdos para análise por ano, título e quantidades……………..............................80


Quadro 2: Esquema visual da metodologia de Análise Crítica da Narrativa............................... 89
Quadro 3: Intenções de pesquisa.................................................................................................. 90
SUMÁRIO

MEMORIAL.............................................................................................................................7
a) Das disciplinas cursadas................................................................................................7

b) Das atividades realizadas..............................................................................................8

c) Do estágio docência.....................................................................................................10

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1. JORNALISMO ECONÔMICO.........................................................................................15
1.1 História do jornalismo econômico no Brasil.............................................................15

1.2 Abordagem de economia, jornalismo econômico e a definição do gênero...............20

1.3 Especialização, tecnocratização, cooptação e financeirização..................................22

1.4 Sistematização da cobertura econômica....................................................................26

1.5 Linguagem no jornalismo econômico ou “economês”..............................................30

2. OPERAÇÃO LAVA JATO.................................................................................................36


2.1 Operação Lava Jato: breve balanço...........................................................................36

2.2 Jornalismo-espetáculo e a cobertura de eventos midiáticos......................................41

2.3 Os escândalos midiáticos, políticos e financeiros.....................................................45

2.4 A relação entre política midiática, Judiciário e economia.........................................49

3. NARRATIVAS.....................................................................................................................58
3.1 Características da narrativa e seus operadores...........................................................59

3.2 A importância de estudar narrativas...........................................................................68

4. CIDADANIA.......................................................................................................................71
4.1 O conceito de cidadania, suas dimensões e o contexto brasileiro.............................72

5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA.................................................................................79
5.1 Análise Crítica da Narrativa......................................................................................83

5.2 Análise de Conteúdo..................................................................................................85

5.2.1 Procedimentos metodológicos.........................................................................86


5. 3 Pré-teste....................................................................................................................91

5.3.1 Instância do conteúdo......................................................................................91

5.3.2 Instância da linguagem....................................................................................97

5.3.3 Instância da metanarrativa...............................................................................98

6. CRONOGRAMA..............................................................................................................100
7. REFERÊNCIAS................................................................................................................101
7

MEMORIAL

a) Das disciplinas cursadas

Durante o ano de 2019, foram cursadas um total de quatro disciplinas, duas em cada
semestre, com o objetivo de atender aos pré-requisitos estabelecidos para a qualificação. As
matérias selecionadas apresentaram contribuições básicas à construção do problema de
pesquisa e desenvolvimento do projeto. São elas:

 Teorias da Comunicação, lecionada pela prof.ª Dr.ª Ana Carolina Rocha Pessôa Temer;
 Seminário de Pesquisa, Mídia e Cidadania III: Comunicação, Discurso e Poder,
lecionada pela prof.ª Dr.ª Ângela Teixeira de Moraes;
 Metodologia da Pesquisa em Comunicação, lecionada pela prof.ª Dr.ª Nélia Rodrigues
Del Bianco; e
 Mídias, Big Data e Ciência de Dados, lecionada pelo prof. Dr. Douglas Cordeiro.

A disciplina de Teorias da Comunicação representou o primeiro contato efetivo com o


universo da pós-graduação. A partir da dinâmica condicionada pelas aulas, foi possível
conhecer uma série de autores, conceitos e escolas de pensamento comunicacional, bem como
imergir a fundo em um paradigma de essência íntima à dúvida de pesquisa até então
considerada. A principal contribuição da matéria diz respeito ao resgate dos fundamentos-base
da teoria e epistemologia da comunicação de tal modo que a compreensão dos problemas
inerentes ao interesse de pesquisa ganhou solidez científica e disciplinar. Isso só tornou-se
viável porque os conflitos do trabalho investigativo avançaram no sentido comunicacional ao
desvencilhar-se um pouco mais daquilo que os tornava tão pertencentes a outros campos,
como os da economia e do direito.
Paralelamente ao encaminhamento da disciplina já mencionada, a matéria de
Seminário de Mídia e Cidadania III: Comunicação, Discurso e Poder trouxe novas
perspectivas e aportes para a ativação do pensamento comunicacional sobre uma base que
precisava necessariamente relacionar mídia e cidadania, como preconizado pelo programa da
linha de pesquisa. Sem jamais abandonar a abordagem da comunicação por via de
problematizações e debates pertinentes, as aulas proporcionaram a incursão pelo terreno da
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cidadania e permitiram aprender mais sobre democracia, constituição, direitos, sociedade e


informação. Seu mérito repousou na discussão do tema e não esconder as velhas máximas
sobre ele, geralmente presentes no imaginário popular sob a dualidade “direitos x deveres”,
mas com esclarecimento e a incorporação de problemas cotidianos e sociais para o estímulo
do olhar crítico.
Metodologia da Pesquisa em Comunicação representou a disrupção sobre a forma
como o pensamento científico incidia a respeito da dúvida de pesquisa e teve papel
fundamental na consolidação do projeto que realmente seria levado à banca de qualificação.
Para isso, ajudou a delinear melhor a ciência, seus procedimentos e parâmetros determinantes,
não sem antes demonstrar como o campo da comunicação apresenta epistemologia
atravessada por outros campos, embora possua características próprias que justifiquem a sua
existência à parte. Outra colaboração primorosa foi a inserção de metodologias possivelmente
úteis aos trabalhos em andamento. Elas receberam uma abordagem bastante detalhista e não
orientada aos temas, o que trouxe a responsabilidade por sua adequação aos próprios alunos.
A disciplina de Mídia e Big Data foi a maior surpresa em termos de disciplina
acadêmica por sua capacidade de mesclar conhecimentos técnicos de informática e
programação às noções de comunicação no mundo digital. Portanto, houve ganhos relevantes
em aprendizado de ferramentas para mineração, análise e visualização de dados nas redes,
além do avanço em raciocínio lógico pelo condicionamento ao pensamento matemático. Isso
auxiliou a estruturar, por exemplo, o projeto de qualificação enquanto material coeso. Na
prática, o encaminhamento da matéria trouxe o mergulho em um universo bastante novo e
deixou curiosidade por articular as inovações algorítmicas a trabalhos futuros, permitindo
agilizar pesquisas acadêmicas.

b) Das atividades realizadas

Entre eventos, artigos e trabalhos diversos, 2019 foi movimentado, tanto no primeiro
quanto no segundo semestre. Abaixo estão listadas algumas das principais atividades
realizadas no decorrer desse período:

• Comunicação + Saúde: Relações éticas e sistematização de boas práticas:


participação como ouvinte em evento realizado na PUC Goiás.
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• XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste


(Intercom Centro-Oeste 2019): participação em evento regional realizado na
UFG, em Goiânia (GO). Na ocasião: apresentei o artigo “A financeirização do
jornalismo econômico no século XXI: novas perspectivas face a modernidade
política e cultural” no DT08 (Estudos Interdisciplinares da Comunicação); e
coordenei, ao lado de colegas, o IJ01 (Jornalismo).
• Projeto Pipoca com Pequi: trabalho de revisão para os textos, críticas,
resenhas e artigos veiculados pelo projeto desenvolvido no Cria Lab –
Laboratório de Pesquisas Criativas e Inovação em Audiovisual da
Universidade Estadual de Goiás (UEG), vinculado ao Grupo de Pesquisa
Centro de Investigação e Realização Audiovisual.
• 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom Nacional
2019): participação em evento nacional realizado na UFPA, em Belém (PA).
Na ocasião: apresentei o artigo “Comunicabilidade, incomunicabilidade e o
debate inter-religioso no Movimento Hare Krishna: uma interpretação
possível” no GP Comunicação e Religião; e participei da oficina “Métodos
Comparativos em Comunicação”.
• XIII Seminário Nacional de Mídia e Cultura (Semic 2019): participação em
evento local realizado na UFG, em Goiânia (GO). Na ocasião: apresentei o
artigo “Bolsonaro e os militares: o vínculo pela ótica das charges na Folha”;
atuei como parecerista na XX Feira de Informação e Comunicação (FEICOM);
e realizei atividades de monitoria.
• 17º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor): evento
nacional realizado na UFG, em Goiânia (GO). Na ocasião: apresentei, ao lado
da mestranda Milena Marra, o artigo “O trabalho do jornalismo investigativo e
a influência das regionalidades: reflexões a partir das coberturas do O Globo e
O Popular no caso João de Deus”; e realizei atividades de monitoria no evento
principal e no evento integrado – 9º Encontro Nacional de Jovens
Pesquisadores em Jornalismo (JPJor).
• Publicação de artigo no 7º volume do livro Estudos Contemporâneos em
Jornalismo do curso de Jornalismo da UFG: contribuição com o capítulo
“Jornalismo, Ciência da Comunicação”, assinado pelo prof. Dr. Luiz Signates e
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por mim. Nele, discutimos diferentes prerrogativas na abordagem do


jornalismo, com ênfase na científica.

c) Do estágio docência

Durante o segundo semestre de 2019, realizei estágio docência na disciplina de


Iniciação Científica do curso de Jornalismo da UFG sob a supervisão do professor – e também
meu orientador – Dr. Luiz Signates. Na ocasião, fui designado para orientar dois grupos de
pesquisa, cada qual com seu próprio tema, metodologia e forma de trabalho. Um deles tratou
da relação entre jornalismo em quadrinhos e jornalismo literário enquanto o outro enveredou
pela investigação da cobertura econômica de O Popular sobre o agronegócio goiano.
Minhas responsabilidades incluíram a participação no planejamento de atividades,
recomendação de literatura, reuniões de orientação, acompanhamento das etapas e revisão de
textos, dentre outras tarefas. A experiência foi extremamente valiosa no sentido de
proporcionar a docência em todos os sentidos que ela abarca, do contato pedagógico evocado
na relação com os alunos à rotina dinâmica de estar em sala de aula imbuído da
responsabilidade de promover a educação e o ensino. Ao fim do estágio, ambos os grupos
apresentaram artigos científicos consistentes, que demonstraram grande proveito da matéria e
desenvolvimento da percepção científica, expressa na busca incansável por respostas, de cada
participante.
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INTRODUÇÃO

Desde que eclodiu, a Operação Lava Jato tem subidos seguidos degraus em termos de
relevância para a sociedade e consequente incorporação por parte do noticiário jornalístico.
Inicialmente alocada de maneira tímida nas páginas econômicas enquanto esquema de
lavagem de dinheiro, a Lava Jato foi alçada às editorias de política assim que os crimes
passaram a abranger doleiros, empresários e financiadores de uma parte importante da vida
política e eleitoral no Brasil. A gravidade das acusações fez as investigações respingarem em
diferentes personagens de todas as instâncias dos três poderes e também em muitos agentes já
há muito tempo fora de atividade, o que foi suficiente para transformar a operação em uma
das principais pautas em voga no país pelo menos desde 2015.
O fato de arrolar gigantes empreiteiras em processos de corrupção frente a Petrobras,
maior estatal do Brasil, colaborou para reforçar o clima de instabilidade da economia nacional
diante de um cenário já marcado por uma forte crise macroeconômica. Daí a Lava Jato passar
a ser também tema das editorias especializadas em economia e tornar-se alvo de periódicos
voltados ao jornalismo de negócios foi uma transição quase natural. O que não parece estar
claro, porém, é a forma com que a Operação Lava Jato foi apresentada dentro deste universo,
dadas as circunstâncias do jornalismo econômico. Em um trabalho anterior que avaliou o
caráter das narrativas econômicas durante os governos Dilma e Temer, por exemplo, já
tínhamos observado o relevante papel cumprido pela imprensa especializada na construção de
perspectivas e imaginários sobre a personalização de culpas, responsabilidades e esperanças
para a recuperação do cenário econômico, e isso durante um momento de turbulência política
para o qual muito influiu a Operação Lava Jato (CORREIA, 2017).
Desde aquela época, pareceu claro que estudar as narrativas econômicas sobre a
própria Lava Jato era algo que precisava ser empreendido. Por isso, essa pesquisa destina-se a
desvelar os sentidos configurados pela enunciação narrativa tecida no contexto da
cobertura sobre a Operação Lava Jato no caderno Mercado da Folha entre os anos de
2014 e 2018. Para efeitos de compreensão das escolhas que compõem a dúvida de pesquisa, a
Folha foi selecionada em decorrência de sua importância 2 e também por ter sido o veículo a
partir do qual o trabalho de pesquisa sobre as narrativas econômicas a respeito dos governos

2 Em 2019, a Folha liderou a média mensal em exemplares diários pagos, bem como a média digital de
circulação, à frente de outros grandes jornais brasileiros como O Globo e Estado, segundo informações do
Instituto Verificador de Comunicação (IVC): https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/folha-cresce-e-
lidera-circulacao-entre-jornais-do-pais-em-2019.shtml
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Dilma e Temer desenvolveu-se – o que permitirá, por consequência, comparar que padrões
permaneceram ou sofreram ajustes nessa cobertura em relação a anterior.
O período também é justificado. Embora seja razoável inferir que o início da análise
recai sobre 2014 por ser o ano em que a Operação Lava Jato teve sua primeira fase
deflagrada, também é notório que os trabalhos abrangidos em seu contexto continuam em
andamento e não foram concluídos. Em termos narrativos, porém, cada seleção ou filtro
importa para fins de apreensão dos sentidos configurados em dado trecho recortado. Por isso,
2018 foi escolhido como a linha de chegada para a pesquisa por ser o ano que marcou a
realização de eleições presidenciais – como 2014 – e por anteceder os fatos que envolveram o
vazamento de diálogos comprometedores entre procuradores e o então juiz da 13ª Vara de
Curitiba, atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, no escândalo que ficou conhecido como
“Vaza Jato”. A preocupação principal, portanto, é evitar obstáculos que motivem inflexões
deliberadas na cobertura de modo que a narrativa predominante e hegemônica durante todos
esses anos possa vir à tona.
Para isso, foi construído um alicerce teórico baseado nos principais conceitos, temas e
discussões inerentes à questão que motiva esse trabalho, resultando em uma organização que
pretende-se clara e objetiva. O primeiro capítulo, portanto, traz o jornalismo econômico em
voga, dado que esse é, sobretudo, um trabalho de comunicação voltado para a avaliação de
uma cobertura jornalística específica. Por isso, baseado nas ideias sobre jornalismo
econômico pela concepção de autores como Basile (2002), Caldas (2005), Kucinski (2000),
Resende (2003), Puliti (2009) e Quintão (1987), propomos um amplo debate em torno da
origem da especialização, desenvolvimento, conformações e características da prática no
Brasil. Por outro lado, não tratar de teorização econômica ou da constituição da matéria
enquanto ciência foi uma escolha que buscou preservar a essência dessa pesquisa de modo a
torná-la objetiva, assertiva e direta naquilo que propõe.
Como o jornalismo econômico não passa de uma expressão esvaziada sem o objeto de
sua cobertura, o segundo capítulo trata de sanar essa lacuna ao abordar a Operação Lava Jato
a partir de sua trajetória histórica e abordagem perante a imprensa, relacionando os eventos a
discussões presentes na literatura. Assim, recorremos a autores como Bucci (2019), Gomes
(2004), Maccalóz (2002) e Thompson (2004) para trazer à luz ideias sobre jornalismo-
espetáculo, política midiática, relação entre imprensa e Judiciário e diferentes modalidades de
escândalos. Cada um desses conceitos e discussões pinça da Operação Lava Jato dimensões
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que não restringem-se aos lugares comuns plantados pela dualidade entre justiça e corrupção
– alardeada por diversos agentes participantes e interessados em desfrutar de algum efeito
positivo do evento.
Entre a cobertura empreendida pelo jornalismo econômico e seu objeto aqui em voga
– a Operação Lava Jato – existe uma relação que estabelece-se para além de qualquer noção
sobre dependência. É mais como um exercício de convergência capaz de formar um produto
que não é um e nem outro, mas algo que emerge da composição articulada de ambos: a
história que é contada, a forma como ela é contada e os sentidos que implica em sugerir são as
nuances principais da atividade narrativa. O capítulo quatro, portanto, esmiúça as
características da narrativa através da apresentação e descrição de seus principais operadores,
como enredo, personagens, tempo, espaço, narrador e outros atributos sob a égide da literatura
encontrada em Franco Junior (2006) e Gancho (2001).
O último capítulo teórico trabalha com a cidadania enquanto perspectiva de ideal para
o jornalismo, especialmente o econômico. Dessa maneira, tratamos de apresentar a história do
conceito, os seus pilares e desenvolvimento no Brasil. Dispondo-se das reflexões de autores
como Marshall (1967), Carvalho (1967), Gadotti (1998) e Cortina (2005), buscamos ilustrar a
trajetória que separa a concessão de benesses a alguns privilegiados da cidadania plena que
deve abranger igualmente todas as pessoas e indivíduos, mesmo que precise coexistir junto a
outras desigualdades.
Alcançar o objetivo delineado será possível pela reconstrução narrativa da cobertura
em todos esses anos por via do aporte teórico-metodológico oferecido por Motta (2012). As
dimensões de conteúdo, linguagem e metanarrativa assentadas pelo autor receberão um
tratamento específico em torno de procedimentos práticos desenvolvidos originalmente para
fins deste trabalho. Assim, todos os conteúdos veiculados pela Folha em sua editoria Mercado
com a palavra-chave “lava jato” no título e publicados desde 17/03/2014, quando é deflagrada
a primeira fase da operação, até 15/08/2018, data em que encerra-se a proibição para o início
da campanha eleitoral naquele ano, serão convertidos em corpus deste trabalho. Os filtros
estabelecidos resultaram em cerca de 106 conteúdos, entre reportagens e notícias, para efeito
de análise.
Espera-se que esse trabalho possa contribuir para uma crítica construtiva a respeito do
encaminhamento direcionado à cobertura sobre a Lava Jato nas editorias de economia.
Também é um objetivo ajudar na formação abrangente de um conhecimento científico mais
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encorpado e atualizado sobre o jornalismo econômico, de modo que isso resulte em reflexões
para uma prática mais humanizada e cidadã.
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1. JORNALISMO ECONÔMICO

Saber que sentidos foram configurados pela enunciação narrativa tecida no âmbito da
cobertura econômica da Folha a respeito da Lava Jato é um desafio que motiva a realização
deste trabalho. A despeito de enlevar a especificidade das repercussões de um dos maiores
acontecimentos jurídico-policiais recentes envolvendo a economia e a sua abordagem em um
veículo de comunicação, a proposta inspira-se no impacto abrangente da Lava Jato. A forma
como a deflagração de mais uma dentre tantas operações contra a lavagem de dinheiro
transformou-se em um evento épico, de dimensões interdisciplinares, com desdobramentos na
vida social, cultural, política e econômica do país é alvo de grande curiosidade.
O que busca-se aqui é justamente o desvendamento da incorporação da pauta em um
vetor – a Folha – e o tratamento dispensado a uma de suas várias conformações – a
econômica – por via da cobertura especializada. O trabalho de apreensão das nuances
interseccionadas à narrativa econômica sobre a Lava a Jato exige um esforço em unir aspectos
presentes em campos cuja aproximação ontológica é pouco clara. Evidentemente, tópicos
como justiça, direito, jornalismo, economia, narrativa e linguagem, por exemplo, podem
encontrar-se em um mesmo arcabouço a depender do ponto de discussão, mas isso não
significa que o desenvolvimento dos vínculos seja simples. Apresentar uma resolução à
questão que abre esse capítulo exige a superação de todos esses desafios. Por isso mesmo é
que optamos por introduzir o próprio jornalismo econômico como ponto de partida, já que é
em seus modelos e representações que as demais variáveis se acomodarão.

1.1 História do jornalismo econômico no Brasil

Dentre as diversas editorias e especializações que compõem o modelo de jornalismo


amplamente consumido, antes consagrado nos impressos e hoje cada vez mais presente na
internet, o jornalismo econômico ocupa lugar de especial destaque ao lado da cobertura
política. A valorização foi um processo gradual que emergiu no âmago das transformações
históricas pelas quais a sociedade atravessou no decorrer do século XX e que têm encontrado
eco no caráter transnacional e globalizado dos processos políticos neste século. É o que
Hobsbawn (2007) conjectura ao mencionar que o século XX foi o mais extraordinário da
história da humanidade por combinar aspectos tão antagônicos quanto a ocorrência de “[…]
catástrofes humanas de dimensões inéditas, conquistas materiais substanciais e um aumento
16

sem precedentes da nossa capacidade de transformar e talvez destruir o planeta – e até de


penetrar no espaço exterior” (p. 9).
Historicamente, determinar o ponto de partida para o surgimento do jornalismo
econômico tem sido uma dificuldade dos teóricos porque a confluência entre assuntos
tipicamente abordados e a linguagem em torno de uma editoria bem delineada é
frequentemente confundida com a própria gênese dos princípios de noticiabilidade. É por isso
que Caldas (2005) afirma que o jornalismo econômico tem início com o jornalismo em si
mesmo, pois, segundo ela, inexiste registro de jornal, periódico ou publicação que não tenha
abordado a pauta econômica.
Tal posição parece reverberar a ideia de Habermas (2003) sobre o próprio
desenvolvimento do empreendimento jornalístico e a sua relação com a esfera pública sob
uma perspectiva inversa. Para o autor, o surgimento da imprensa está inserido dentro dos
limites tradicionais da primeira fase do capitalismo no qual os interesses comerciais e
econômicos dos editores eram hegemônicos a ponto de os jornais serem inicialmente
organizados em forma de pequenas empresas artesanais. A visão de Habermas (2003)
contrasta com o argumento de Caldas (2005) à medida que, para ele, o advento da economia
moderna recebeu aporte no rastro da popularização da imprensa, que a certa altura deixou-se
impregnar por forças comerciais externas e alheias ao interesse jornalístico.
A história do jornalismo econômico no Brasil também é alvo de discordâncias entre os
estudiosos, que divergem sobre uma espécie de marco histórico concernente à introdução e
consolidação dessa editoria no país. Para alguns deles, como Caldas (2005), desde o final do
século XIX e começo do século XX, os periódicos nacionais “[…] já traziam colunas fixas e
diárias com temas exclusivamente econômicos” (p. 11). Basile (2002), por outro lado,
vislumbra no fim do ciclo dos Diários Associados, com a morte de Chateaubriand na década
de 1960, o evento que separa uma fase diletante da imprensa brasileira do início de sua
modernização. Segundo ele, naquele momento, “[…] em seus incipientes grandes veículos do
futuro, começa a surgir um interesse maior em fechar o foco sobre a cobertura econômica” (p.
70).
Outro autor a entrar no mérito dessa questão é Quintão (1987), que julga a inserção do
jornalismo econômico no Brasil um processo tardio e vinculado a uma nova ordem de
estruturação do capitalismo no mundo, que influenciou os rumos econômicos no país,
declarando a década de 1950 como o momento crucial para esse processo. Para ele, os
17

chamados “jornais do comércio” representaram o primeiro grande esforço na constituição de


publicações totalmente direcionadas à abordagem de temas econômicos, muito embora eles
não tratassem propriamente de economia e também enveredassem pela cobertura tradicional
dos temas que outros jornais já noticiavam (QUINTÃO, 1987).
Surgidos nos anos 50, a eclosão dos jornais do comércio, porém, significou um novo
passo por incorrer na defesa de segmentos econômicos e permitir a familiarização do público
com um modelo de jornal distinto do conhecido. Naquela época, a única alternativa para a
obtenção de informação econômica era encontrada em algumas seções, colunas ou artigos
reservados nos impressos para tratar de questões específicas relacionadas à cafeicultura,
produção, exportação, movimento de portos ou taxas cambiais, como aponta Quintão (1987).
A trajetória do jornalismo econômico no Brasil demonstra que a relação entre
economia e política foi um importante catalisador na mudança de status da especialização.
Dessa forma, se é possível concordar que o início da cobertura sobre economia no Brasil
antecede a ditadura militar, é necessário inferir que ela possui duas fases: a primeira, marcada
pela presença rareada e pulverizada nos jornais, com apelo opinativo superior à forma
noticiosa até a primeira metade do século XX; e a segunda, a partir dali, com a difusão de
jornais especializados e predomínio da apuração e reportagem nos conteúdos:

Os primeiros sinais de Jornalismo Econômico nos moldes como hoje é


praticado no Brasil podem ser observados, portanto, no final da década de
50, quando o Governo Kubitschek se aproxima do capital estrangeiro na
expectativa de, através dele, conseguir modernizar o incipiente parque
industrial brasileiro, prometendo, ao mesmo tempo, dar um salto na história
do desenvolvimento do País e libertar o Brasil da mera condição de
exportador de produtos primários e importador de bens industrializados
(QUINTÃO, 1987, p. 58).

Durante esse período, o aparato ideológico catapultado pelo governo para ser o motor
de crescimento do Brasil acabou resultando em bons índices econômicos, que levaram a um
certo otimismo da sociedade. Mesmo assim, o fenômeno foi incapaz de promover a
reestruturação da imprensa brasileira, segundo Quintão (1987), ainda que alguns jornais,
como o Diário Carioca e o Jornal do Brasil, acompanhassem as mudanças.
A retórica nacionalista e o discurso ufanista ganharam vez nos jornais pela discussão
sobre temas como a defesa ou não do capital estrangeiro, questões relativas à exploração de
petróleo, riquezas minerais e outros assuntos absorvidos por teses e programas de partidos
políticos. É justamente esse processo de “politização” das pautas que tornou-os passíveis de
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publicação pelos jornais. “O fato econômico só tem destaque na imprensa de cobertura geral
transformado em fato político” (QUINTÃO, 1987, p. 59).
Ainda sem o cuidado e o zelo editorial no tratamento diferenciado de questões
distintas, os jornais acabaram, por vezes, recorrendo a fontes políticas, incluindo partidos, o
que levou também a uma linguagem igualmente política, recheada de jargões, além da
reportagem de assuntos reinterpretados pela própria imprensa conforme os interesses dos
donos e proprietários de empreendimentos jornalísticos. A sociedade brasileira ainda
presenciou a substituição da postura modernizante de Kubitscheck pela política de austeridade
promovida por Jânio Quadros. Ao mesmo tempo, os jornais e a indústria editorial sofreram
para sobreviver com a queda de subsídios para o papel-jornal. Quintão (1987, p. 60) pontua
que “no início da década de 60, o país dispõe de uma imprensa envolvida na discussão
política, mas industrialmente antiquada e economicamente prestes a se tornar inviável”.
Segundo Quintão (1987), o momento de instabilidade e fragilidade econômica
permitiu a infiltração do capital estrangeiro em diversas áreas, incluindo a própria indústria
editorial. Após a renúncia de Jânio Quadros e a assunção de João Goulart, algumas medidas
foram tomadas para frear e controlar a entrada do capital estrangeiro, porém a conjuntura
desfavorecida pelo contexto de Guerra Fria e o medo do comunismo levou a uma espécie de
conluio entre setores conservadores e reacionários em defesa de valores como o
anticomunismo, a anticorrupção, a livre iniciativa, a propriedade privada e do respeito à
hierarquia militar (QUINTÃO, 1987).
Em 1964, então, um golpe depôs o presidente João Goulart e instaurou o regime civil-
militar a partir de um Estado de exceção. Nos anos seguintes, partidos políticos acabaram
extintos, e jornalistas, artistas e cidadãos foram perseguidos. Novas leis de segurança nacional
e de imprensa foram editadas para concentrar e aumentar cada vez mais o poder nas mãos dos
militares ao passo em que os jornais enfraqueceram-se com a instituição da censura.
Ironicamente, a repressão à imprensa acabou por movimentar e desenvolver o
jornalismo econômico no Brasil. Quintão (1987) e Basile (2002) concordam que a instauração
do regime civil-militar em 1964 representou um ponto de virada do jornalismo econômico,
que ascendeu ao protagonismo à medida que o jornalismo político foi sufocado pela censura e
perseguição aos opositores do governo. A própria Caldas (2005) assume que “[…] o
jornalismo econômico floresceu e só ocupou espaço próprio à época da ditadura militar de
1964” (p. 13).
19

Retomando a discussão sobre o percurso histórico da cobertura sobre economia no


Brasil, Resende (2003) chega a dizer que a noção de que não existia jornalismo econômico
antes da modernização da economia brasileira, ainda na primeira fase do regime militar, é um
“mito”. Para ele, a trajetória demonstra que, até a década de 1960, a política era o assunto
preferencial, enquanto a economia ficou em segundo plano. A priorização de um sobre o outro
refletiu-se na forma como o jornalismo político ofuscou o jornalismo econômico,
consequentemente (REZENDE, 2003). Contudo, os papéis foram invertidos no auge da
ditadura em decorrência da repressão à política no encalço dos resultados alardeados por via
da reforma econômica – posição compartilhada de maneira mais consensual.
Ao fim da década de 1960 e início da década de 1970, Delfim Neto assumiu o
Ministério da Fazenda e colocou em andamento uma política econômica que valeu-se de
recursos originados pela recessão em períodos geridos por ministros que o antecederam, e
então disponíveis naquele momento. Basile (2002) lembra que esse período foi caracterizado
“[…] por baixa inflação, elevados níveis de crescimento econômico e pesado endividamento
do setor público” (p. 71), o que só seria revelado mais tarde. O PIB, que praticamente não
crescia, saltou para 12% e manteve-se elevado durante os quatro anos seguintes (QUINTÃO,
1987). Desse momento favorável, nasceu a expressão “milagre econômico”, usada, segundo
Quintão (1987, p. 74), “[…] pela primeira vez por um jornalista do The Economist, numa
reportagem em que compara as taxas de crescimento do Brasil, no período de 1970 a 1974,
com as da Alemanha Ocidental, do Japão e da Coreia”.
O chamado “milagre brasileiro” ou “milagre econômico” também foi responsável por
projetar a economia a uma escala de importância vital, elevando esse aspecto à condição de
recompensa pela troca de liberdade retirada do povo. Essa é, por fim, a válvula de escape
encontrada pela imprensa e por muitos profissionais, antes distribuídos em editorias e
cadernos que representavam ameaça ao projeto de manutenção do poder dos militares: a
migração para a editoria de economia e o enfoque em assuntos econômicos, o que foi
incentivado pelos próprios militares, segundo Caldas (2005).
Um desdobramento evidente da repressão à qualquer forma de oposição e da repressão
à imprensa foi o afunilamento do trabalho verdadeiramente jornalístico. Sem condições de
veicular críticas ou material capaz de afrontar os militares, os jornais transformaram-se em
reféns dos meios oficiais. Assim, só era divulgado o que o próprio governo tinha interesse em
divulgar ou tornar público, e, naquele momento, com o aprofundamento do projeto de
20

alienação do Estado pelos militares, a economia converteu-se em objeto declarado de


propaganda em decorrência dos números e índices polpudos. Com muitos dados, informações
e boa vontade do governo em propalar os méritos em trazer o crescimento, as seções, jornais e
veículos que tratavam de economia estavam sempre bem abastecidos de conteúdo.
O forjamento do jornalismo econômico no Brasil é uma questão indissociável do seu
desenvolvimento e leva a outro debate cuja validade evoca, novamente, as opiniões
divergentes entre os teóricos sobre o surgimento da cobertura especializada no Brasil: na
abordagem dos jornais, é preciso distinguir o tratamento que percebe a economia enquanto
objeto secundário – como a segurança pública, as ocorrências de cidades ou quaisquer outros
temas abordados diariamente por motivo de noticiabilidade recorrente – da conformação
estruturada de uma cobertura que organiza-se em torno da economia como ponto de partida, o
que é o jornalismo econômico propriamente dito.

1.2 Abordagem de economia, jornalismo econômico e a definição do gênero

Embora existissem vestígios de jornalismo econômico antes dos anos 60, Quintão
(1987) afirma categoricamente que o colunismo e o caráter opinativo caracterizavam os
trabalhos, fugindo à lógica sistemática de cobertura noticiosa que teve início mais adiante, em
circunstância da industrialização do país. O que o autor parece dizer é que argumentar que o
jornalismo econômico sempre esteve presente nos jornais devido à reportagem de fatos
relacionados à economia é reduzir esse tipo de prática a uma mera singularidade temática,
sem levar em consideração todas as características e atributos que, se não são essenciais à sua
definição, tampouco deixam de importar para a complementaridade elementar do gênero.
Assim, o jornalismo econômico não deve ser alçado à mesma lógica instrumental da
inclusão da economia enquanto assunto de interesse nos jornais – embora ele a contemple. O
jornalismo econômico é regido por um conjunto de regras deontológicas que abarcam do
conteúdo à linguagem, justificando a existência de seções, editorias e cadernos próprios para
essa abordagem distinta dentro dos jornais.
Enquanto isso, a simples veiculação de notícias sobre economia não necessariamente
está comprometida com esses mesmos valores, sendo fragmentada porquanto faz-se presente
no noticiário por intermédio da conveniência em torno das pautas e de sua aderência diante da
audiência geral. Em resumo, a mera presença de assuntos econômicos em um jornal pode não
caracterizar cobertura sobre economia – o que prescinde serialização – ou jornalismo
21

econômico, assim como divulgar um evento cultural não faz de um veículo reprodutor
sumário do chamado jornalismo cultural, ou trabalhar com informações não faz de um canal
um veículo jornalístico.
Quintão (1987) discorre que o jornalismo econômico é aquele que trata de reportar,
difundir e abordar fatos e situações relacionadas com a economia e as finanças por intermédio
dos veículos de comunicação. Embora seja aparentemente óbvia, essa descrição firma um
marco fundamental para entender as peculiaridades desse tipo de prática jornalística em
perspectiva ao jornalismo tido por genérico ou convencional.
A literatura sobre jornalismo oferece alguns autores que demonstram como as notícias
são ordenadas e selecionadas por meio de valores-notícia ou critérios de noticiabilidade.
Como afirma Lage (2001), a realidade é infinita em seus aspectos perceptíveis, portanto é
necessário estabelecer filtros que possam dar luz à justificação de importância ou interesse. O
próprio Lage (2001) designa itens bastante empregados no campo das avaliações empíricas.
São eles: a proximidade, a atualidade, a identificação, a intensidade, a oportunidade e, o que
mais interessa aqui, o ineditismo: “[…] a raridade de um acontecimento é fator essencial para
o interesse que desperta” (p. 64).
Dentre todos esses atributos, o ineditismo é pouco funcional para a dimensão da
economia, já que ela consiste em uma cadeia sistemática de processos pelos quais o presente
torna-se explicável por seu elo com o passado e em que as possibilidades de futuro
restringem-se aos caminhos apontados pelo presente. Em outras palavras, isso significa que
rupturas e descaminhos até podem existir nas relações econômicas, mas não são eles que
interessam ao campo. Portanto, consequentemente, não é neles que o jornalismo econômico
busca inspirar-se.
Quando parte-se da prerrogativa de que a dinâmica de racionalidade para a economia é
distinta daquela orientada ao jornalismo, é possível que surja uma pergunta: como o conflito
paradoxal envolvendo o interesse por eventos regulares na economia e a busca por eventos
irregulares no jornalismo é equilibrado na prática do jornalismo econômico? A resposta
encontra-se na própria maneira como a economia foi enquadrada pela imprensa: assumem-se
as continuidades, sucessões, processos e sistemas esperados no âmbito da economia, porém
eles são “[…] singularizados pela linguagem jornalística, que os noticia como se fossem
episódios” (KUCINSKI, 2000, p. 21).
Apesar disso, Basile (2002) afirma que uma legítima publicação econômica deve ser
22

tanto um diário de continuidades quanto de descontinuidades do processo econômico em


qualquer circunstância ou contexto em que possam aparecer. Para o jornalismo econômico,
fundamentalmente, as ligações importam ainda mais devido à enorme dificuldade que existe
em desvelar os elos existentes entre os diferentes movimentos constitutivos da economia.
Dessa maneira, a lógica inicial é evocada pelo primado das relações de causa e efeito e
sucessão de ocorrências aparentemente desvinculadas. Daí decorre também disputas
simbólicas pela construção de explicações mais plausíveis diante da realidade econômica
vigente, dado que um mesmo fenômeno pode receber variados entendimentos a depender do
tipo de interpretação atribuído a ele ou da ideologia fornecida pela influência de determinada
escola de pensamento econômico.
As condições políticas e circunstâncias temporais levaram o jornalismo econômico a
um processo de desenvolvimento em que ele, durante cada fase, emulou características bem
particulares, geralmente associadas às necessidades profissionais do momento, sem jamais
abandonar por completo as marcas deixadas pela transição imediatamente anterior. Assim,
durante décadas, o gênero que foi dominado por economistas incorporados às redações nos
primórdios vivenciou etapas de transição muito pertencentes à transformação do jornalismo
no Brasil.

1.3 Especialização, tecnocratização, cooptação e financeirização

A partir da década de 1970, Quintão (1987) observa ao menos três fenômenos que
passam a acometer principalmente os profissionais envolvidos com a cobertura econômica
junto ao governo: a especialização, a tecnocratização e a cooptação, respectivamente. A
especialização é definida pela busca de conhecimento técnico e preciso sobre o assunto para,
primeiro, torná-lo mais palatável diante do público não tão afeito e familiarizado com
economia; e, depois, otimizar o trabalho com o objetivo de fazer os poucos profissionais
preparados serem capazes de atender às dezenas de órgãos governamentais e privados ligados
à economia com ritmo acelerado de produção de conteúdo de qualidade.
Quintão (1987) afirma que os repórteres de economia alcançaram, com isso, um
enorme grau de autonomia e liberdade individual, já que o domínio relativo ao tema era
restrito a eles. Logo, essas características foram percebidas pelos segmentos burocráticos e
tecnocráticos do Estado, que vislumbraram a possibilidade de instrumentalizar a
23

especialização para tangenciar o direcionamento da racionalidade política do discurso oficial e


ideológico:

[…] na medida em que esse discurso transmite uma realidade construída no


seio do Estado e das classes dominantes, e reflete um grau de dependência
brasileira do capitalismo, na sua fase contemporânea, num país em
desenvolvimento, fenômeno que passa despercebido da grande imprensa por
um longo período (QUINTÃO, 1987, p. 98).

Ao mesmo tempo em que a independência e especialização dos jornalistas de


economia propiciou flancos para o sutil intervencionismo do governo, elas também travaram
um obstáculo para a adesão consciente aos militares ao passo em que profissionais adquiriam
grau de expertise suficiente para discernir o que era interesse público e o que era interesse
privado – dos militares. Segundo Quintão (1987), dessa maneira, houve a clara percepção de
que a forma assumida pelo conteúdo produzido por repórteres não atendia ao padrão
necessário de reprodução da informação econômica como era preconizado pela ditadura, o
que exigia um discurso de verniz ideológico no sentido de demonstrar a dependência e
associação ao capital estrangeiro sob uma linguagem nada acessível.
Desde 1962, o treinamento de jornalistas já era recomendado por um instituto de
pesquisa do governo no intuito de colaborar para instrução de noções básicas a respeito de
economia. Naqueles idos, porém, a recomendação ganhou contornos de obrigação profissional
sobre a realização de cursos e treinamentos ministrados por setores do governo e
representantes da iniciativa privada. A tecnocratização, portanto, deu-se com o financiamento
do Estado e o apoio programático e pedagógico de estatais, universidades e departamentos
econômicos (QUINTÃO, 1987).
Os cursos e treinamentos contaram com alguma aderência entre os jornalistas, que
enxergavam a atitude do governo como fundamental para qualificar o debate sobre economia
nos jornais. Muitos deles, contudo, notaram o claro posicionamento ideológico da iniciativa e
desconfiaram da boa vontade do governo para com a classe que já havia tido sua liberdade de
trabalho cerceada e comprometida pela atuação dos militares: a desconfiança era de que a
intenção seria “[…] legitimar o sistema econômico concentrador de rendas e alienante em
vigor” (QUINTÃO, 1987, p. 101).
Os indícios davam mostra de que as suspeitas tinham justificativas razoáveis. Como
parte de um programa proposto, elaborado e ministrado por entidades do governo,
predominavam temas específicos relacionados ao mercado de capitais, balanço de
24

pagamentos, orçamento monetário, comércio internacional e outros semelhantes.


Majoritariamente, os responsáveis por lecionar o roteiro disciplinar variavam entre técnicos,
com larga experiência e carreiras nas suas áreas de atuação, e professores brasileiros pós-
graduados em instituições estrangeiras, como argumenta Quintão (1987).
A arregimentação de profissionais para esses treinamentos inculcou em muitos deles a
mentalidade economicamente submissa, pois os modelos de racionalização dos processos
econômicos com os quais tiveram contato lançavam mão de uma perspectiva centrada nos
grandes polos do capitalismo mundial e pouco identificada com a realidade brasileira. A
apreensão de conceitos, palavras estrangeiras, neologismos, jargões, siglas e índices também
resultou dessa conjuntura. Consequentemente, a imprensa especializada em economia passou
a reproduzir em pouco tempo a visão validadora do ideário governista. Foi o prenúncio da
cooptação dos jornalistas. (QUINTÃO, 1987).
A divisão entre profissionais trouxe uma vantagem aos militares: saber quem eram os
repórteres mais suscetíveis a possíveis investidas de aproximação. A primeira estratégia
adotada foi a seletividade das fontes na escolha dos profissionais e veículos que seriam
privilegiados com informação ou declaração exclusiva (QUINTÃO, 1987). A postura era vista
como sinal de prestígio e encontrou reciprocidade entre os jornais e editores, que legitimaram
a discriminação entre seus pares.
Apesar disso, o mecanismo não era exatamente novo, pois havia ocorrido antes, já sob
o regime ditatorial. Causou mesmo estranhamento a receptividade e normalização de outra
ferramenta de cooptação por parte dos militares. De forma repentina, determinados repórteres
passaram a ser convidados para integrar comitivas de viagens ao exterior promovidas por
seções ligadas ao governo, a exemplo de bancos e estatais. Como as escolhas dos jornalistas
integrantes eram pontuais e muitos profissionais foram deixados de fora, restou claro de que
havia motivação escusa nas excursões. Quintão (1987) aponta que o instrumento mais efetivo
da campanha era a divulgação de reportagens jornalísticas feitas por profissionais que
presenciaram tudo in loco.
Além do bônus da viagem e da intimidade junto à cúpula de administradores,
burocratas e políticos, os convites eram bem recebidos porque os repórteres ganhavam
presentes, mimos e regalias, o que converteu-se em razão para que a seleção feita pelo
governo logo se transformasse em uma espécie de prêmio pelo qual os próprios jornalistas
concorriam e disputavam entre si. Em termos gerais, “[…] considera-se que há um ganho em
25

termos qualitativos para o repórter, de prestígio para instituição que promove o evento, e
ideológico para o sistema” (Quintão, 1987, p. 111).
Outro fenômeno histórico sintomático da modernização do jornalismo econômico é o
processo de financeirização, identificado por Puliti (2009) em sua pesquisa de doutorado. A
autora percebe uma guinada no direcionamento dos conteúdos por meio de mudanças nas
rotinas produtivas e de pautas a partir da década de 1990. Puliti (2009) observa que a
hegemonia de uma ordem econômica no mundo passou a estabelecer diretrizes para outra
conformação de jornalismo econômico, pelo menos no Brasil. Trata-se de um modelo
orientado majoritariamente ao mercado financeiro e que aborda temas como bolsa de valores,
ações, investimentos, especulações e cotações, dentre outros assuntos. Além disso, nessa
época, banqueiros, corretores, economistas e operadores do mercado foram alçados à posição
prioritária de fontes na consulta por informações e obtenção de declarações.
O movimento de aproximação junto ao universo rentista e financista contrastou com o
padrão anterior, tanto em um aspecto como em outro: até aquele momento, o jornalismo
econômico, embora já elitizado, buscava cobrir temas bastante caros à população, como
crescimento econômico, inflação, preços de itens da cesta básica e mercado de trabalho,
enquanto as principais fontes contemplavam trabalhadores, líderes sindicais, professores e
acadêmicos de ciências econômicas. É preciso considerar que a financeirização, não só do
jornalismo econômico, mas de várias dimensões da sociedade, foi também um instrumento de
inculcação e naturalização do neoliberalismo, o que refletiu-se em gestos e acenos de agentes,
representantes e defensores, sendo traduzido em privatizações, regulamentações, reformas e
rigidez fiscal (PULITI, 2009).
Para efeito de compreensão do poderio detido pelo mercado, Puliti (2009) menciona
que a financeirização do jornalismo econômico foi um processo para o qual os governos do
início dos anos 90 muito contribuíram – não com ações formais ou incentivo explícito, mas de
forma discreta, ao adotar, por exemplo, a conhecida retórica do mercado e a importância de
investimentos estrangeiros para o interesse nacional. Assim, foi na aderência encontrada pelo
discurso do governo, com espaço reservado na imprensa, que o mercado ganhou espaço
inicialmente, passando a consolidar sua voz posteriormente com o protagonismo assumido
diante de eventos e fenômenos econômicos. Bom exemplo disso é a corrosão inflacionária
característica do período, que justificou a convocação de especialistas aos meios de
comunicação para que pudessem ensinar como o público poderia proteger o seu dinheiro.
26

Paralelamente aos processos de mutação do jornalismo econômico no Brasil, a


profissionalização da cobertura especializada gerou modelos idealizados de organização da
informação conforme a conveniência e necessidade dos veículos. Dessa maneira, as seções
encontram formatos adequados às suas características editoriais, plataformas de reprodução –
jornais impressos, revistas especializadas, televisão, rádio e internet – e quadro de
profissionais designado à reportagem dos fatos ou emissão de opiniões qualificadas.

1.4 Sistematização da cobertura econômica

Quintão (1987) distingue pelo menos três escopos de divisão quanto ao modelo de
apresentação do jornalismo econômico. O primeiro é definido pelos jornais do comércio, da
indústria e pelas seções e colunas de economia. Observe-se que, para o autor, essa não é
apenas a forma mais primária como também a mais primitiva, pois integra a primeira geração
de periódicos especializados. O segundo encontra-se na forma do jornalismo de negócios, que
trata de operações financeiras, de mercado, e refletia-se, à época, em boletins econômicos e
revistas de economia. O terceiro, e último, que ele chama de “[…] jornalismo econômico
propriamente dito” (p. 26) mesclava as propriedades das duas anteriores acrescida do
tratamento predominante da macroeconomia que, de acordo com Quintão (1987), cumpria
uma função ideológica e de legitimação dos instrumentos de dominação do capitalismo.
A percepção de Quintão (1987) é conotada historicamente por sua capacidade de
observar o surgimento de veículos, rotinas produtivas e profissionais bastante peculiares em
cada momento, especialmente a partir da década de 1960. Apesar disso, ele chama de
“jornalismo econômico” o gênero configurado em um último ato como resultado de um
processo evolutivo que chega ao estágio final em termos de refino e apuro, ou seja, trata-se de
simultânea negação à apropriação do termo, em sua totalidade, para definir o trabalho feito
anteriormente àquele período. Revestido de uma visão distinta, marcada pela pulverização dos
temas abordados, Kucinski (2000) aponta para quatro segmentações bem situadas em suas
áreas, inexistindo uma ocorrência interseccional entre elas. Ele as define como “[…]
modalidades de informações no jornalismo econômico” (p. 23): a cobertura de negócios; de
políticas de governo; do mercado financeiro; e o jornalismo de serviços.
A definição para cobertura de negócios de Kucinski (2000) assemelha-se à definição
dos jornais do comércio e da indústria na visão de Quintão (1987), com a diferença que, para
essa caracterização, importa menos o caráter do periódico do que a profundidade de
27

conhecimento sobre uma área e a sua consequente articulação ao conteúdo. É, portanto, uma
tipologia na qual faz-se indispensável o deslindamento dos mecanismos de setores dotados de
particularidades, como o automobilístico. Quase uma editoria micro, segundo Kucinski
(2000), a cobertura de negócios retrata a realidade de afunilamento do trabalho e concentração
de responsabilidades promovida pelo capital ao emular condições do próprio universo que
acompanha.
Já a cobertura de políticas de governo está diretamente ligada à noção de abordagem
dos problemas econômicos, das relações de causa e efeito em processos econômicos, bem
como a projeção bilateral desses aspectos com o mundo político e social (KUCINSKI, 2000).
É um formato que aproxima-se, de alguma maneira, da definição de jornalismo econômico
sugerida por Quintão (1987), mas que ignora tudo aquilo que está distante da questão mais
ampla e generalizada da economia, com repercussões que superam o individual e o privado
para dizer respeito ao coletivo e público.
O trabalho de abordagem do mercado financeiro, para Kucinski (2000), é o que
oferece maiores dificuldades, pois exige o domínio de operações matemáticas e um alto grau
de abstração no pensamento, o que é pouco comum para jornalistas. Dado que assuntos
relacionados à bolsa, ativos, mercado de capitais e especulação de cotações são subproduto de
um tipo bastante específico de economia, que é a liberal, de mercado, conclui-se que o
jornalismo financeiro acomodou-se enquanto espécie de subespecialização do jornalismo
econômico, segmento no qual nem todos os repórteres especializados em economia estão
preparados para adentrar.
Por fim, ainda que Kucinski (2000) não trate de delinear o jornalismo de serviços
como uma subespecialização aos moldes do jornalismo financeiro, sua tratativa conceitual
aponta para esse caminho. Para ele, essa modalidade de informação econômica “[…] combina
níveis elementares de informação, quando trata de mercadorias e serviços, e níveis
complexos, quando trata dos investimentos financeiros da classe média” (p. 24). O jornalismo
de serviços, como o próprio nome já diz, presta-se a cumprir uma função instrumental de
utilidade, geralmente associada ao padrão de defesa do consumidor: noticia e reporta questões
ligadas à normatização do ethos e de uma noção civilizada das relações que já existem entre
empresas no sentido de que seja estendida também à forma como empresas e consumidores
relacionam-se.
Outro autor a ingressar no debate e propor sistemas prontos que explicam o
28

funcionamento da cobertura especializada em economia é Basile (2002), para quem o


jornalismo econômico pode ser dividido de três maneiras. A primeira dinâmica separa a
economia sob dois agrupamentos: o macro e o microeconômico. Ainda que a cobertura
macroeconômica tenha sido mencionada anteriormente por alguns autores, Basile a insere de
uma maneira única ao lançar mão da cientificidade. Ele argumenta que, neste caso, o interesse
é o tratamento dedutivo, do geral para o particular. Ou seja, a audiência é inteirada de
situações e circunstâncias sobre o exame das contas nacionais, inflação, juros e atividade
econômica, dentre outras questões, e a partir daí recebe conclusões e conjecturas inferidas
pelos jornalistas para tomar nota de tudo aquilo que afeta a sua própria vida cotidiana.
Inversamente, a cobertura microeconômica, segundo o autor, interessa-se pelos
agentes e unidades singulares que compõem a economia: corporações, empresas, sindicatos,
profissionais, executivos, trabalhadores, consumidores e outros a fim de promover uma
incursão indutiva, que transita do particular para o geral (BASILE, 2002). Assim, são
destrinchados os processos e atividades que marcam a busca pelo lucro e a corrida de
criatividade e originalidade com vistas à otimização dos fragmentos produtivos.
Nota-se, ainda, que nas últimas décadas, o apelo hegemônico dentro do jornalismo
econômico por via de sua profissionalização tem movido-se do macro para o
microeconômico. Basile (2002) credita essa mudança ao deslocamento de relevância dos
acontecimentos econômicos entre o início da ditadura e o período de redemocratização do
país. Para ele, os gestos de dificultação ao trabalho da imprensa por parte do governo permitiu
poucas lacunas de atuação aos veículos, dentre as quais a repercussão de transformações
econômicas anunciadas por fontes oficiais como a colheita das políticas implementadas. Isso,
porém, também foi determinante para que a especialização vetorizasse o fracasso econômico
dos militares anos depois. Em síntese, o jornalismo econômico colaborou para o fim do
regime civil-militar ao aprimorar a cobertura macroeconômica, intimamente conectada à
divulgação de cada passo do governo nessa seara.
Caldas (2005) rememora que o incentivo dos militares à cobertura econômica sabotou
a própria atuação do governo:

A especialização crescente teve o mérito de preparar e qualificar os


jornalistas, que passaram a conhecer e entender melhor os mecanismos
internos dos diversos setores econômicos. Os militares incentivavam. Mas o
feitiço acabou virando contra o feiticeiro. E a primeira reação consistente ao
regime partiu justamente do dócil jornalismo econômico, no qual a censura
só aparecia muito raramente. (p. 18).
29

Com a redemocratização, a imprensa econômica já ciente do trabalho pormenorizado


que lhe cabia quanto à cobertura de governos, voltou sua atenção para a especialização em
mercados, empresas e assuntos concentrados (BASILE, 2002). A longa e dura experiência
anterior consistiu em preparativo para os novos desafios que a reabertura política da sociedade
exigiria. Dessa maneira, “[...] a cobertura econômica surge como um esforço de especificação
dessa imprensa, um fator do crescimento dela e uma necessidade” (BASILE, 2002, p. 84).
Outra classificação introduzida por Basile (2002) aborda a divisão da cobertura por
meio da organização do acesso às informações. Nela, a cobertura vertical é aquela na qual os
profissionais e os veículos projetam a economia enquanto uma figura geométrica em que cada
setor encontra-se em um ponto específico, acima ou abaixo de outro. Trata-se de uma
estrutura de cobertura setorial, bastante prestigiada na imprensa, cujo critério maior é a
afinidade detida por áreas e setores semelhantes, além da conexão que possuem com todas as
demais. O modelo é interessante porque permite a flexibilidade de imersão profunda em um
campo bastante segmentado, o que confere qualidade, credibilidade e acesso à informação não
desvelada facilmente. Um bom exemplo do trabalho que assume essa natureza é a cobertura
que é feita do mercado financeiro (BASILE, 2002).
A cobertura horizontal, por sua vez, mais conhecida e praticada no Brasil, segundo
Basile (2002), é aquela sobre a qual os aspectos geográficos surgem antes como requisitos
para a orientação do trabalho jornalístico. Ela pode abranger um país, um estado, uma cidade
ou um bairro. Nos EUA, por exemplo, existem publicações dedicadas a cobrir um perímetro
urbano ou mesmo um estabelecimento comercial. Aí também reside o segredo para o sucesso
desse formato: a disciplina de campo no qual quanto mais localizada for a cobertura, maior
valor ela terá.
Basile (2002) encerra o tripé classificador do jornalismo econômico ao apresentar a
segmentação por notícias ou competências, a qual ele julga uma dimensão tão importante para
o gênero quanto a própria cobertura setorizada. Para ele, a busca por qualificação no mercado
de trabalho e o aprimoramento de habilidades únicas desenvolveram ambientes em que a
divisão de responsabilidades funciona como importante engrenagem para o sucesso das
empresas, já que permite a melhor coordenação, a verificação consistente de resultados e a
tomada rápida de atitudes.
Não é por outro motivo que cada vez mais pessoas interessam-se por saber sobre as
30

últimas novidades a respeito do departamento ou seção nas quais estão inseridas. E elas são
variadas: produção, vendas, marketing, finanças e administração são apenas alguns dos casos
mais proeminentes. Manter-se constantemente informado e atualizado é quase uma
obrigatoriedade no concorrido universo laboral, e é no vácuo deixado por essa necessidade
que ataca o jornalismo econômico segmentado por competências.
Apesar das classificações e categorizações, o jornalismo econômico desenvolveu uma
característica que parece ser relativamente comum a todas as suas formas, de modo que ela
varia bem pouco. Referimo-nos à linguagem pela qual a informação econômica, em vez de ser
traduzida, é codificada sob a forma de um idioma acessível a poucos públicos com o mínimo
domínio adequado ao seu entendimento. A linguagem do jornalismo econômico ainda parece
estabelecer um marco no que diz respeito às coberturas especializadas por editoria. Afinal,
embora o jornalismo político ou cultural, para ficar apenas em dois exemplos, detenham
maneirismos próprios e expressões típicas de seus universos, não chegam a estruturar uma
linguagem cuja compreensão revele-se dificultosa ao público de uma maneira geral. Com o
jornalismo econômico, a história é outra.

1.5 Linguagem no jornalismo econômico ou “economês”

A economia é conhecida por ser um dos campos mais complexos e multidisciplinares.


De ciência política à contabilidade, passando por sociologia, filosofia e estatística, os
fenômenos econômicos podem ser explicados a partir de diversos matizes, e envolvem cada
um deles em medidas distintas. Os grandes economistas são, sobretudo, pensadores e
humanistas com boa capacidade de transitar entre diferentes áreas do conhecimento.
Todas essas características fazem da economia um universo com uma linguagem
própria, praticamente única, e tal apreensão implica em desafios igualmente inéditos ao
jornalismo econômico. Afinal, como equilibrar a didática e clareza dos enunciados –
requisitos indispensáveis ao bom jornalismo – em conteúdos que exigem o domínio técnico e
preciso de conceitos bastante abstratos, pertencentes ao mundo da economia, e, portanto,
desconhecidos entre boa parte dos leitores?
São pelo menos dois os riscos: agredir a inteligibilidade da linguagem jornalística, o
que prejudica o público consumidor e menospreza a importância da questão, e suplantar a
fidelidade da lógica sobre os fatos econômicos, o que é desonesto e antiético, além de violar
os princípios elementares do jornalismo. A tentativa de contornar apenas um desses pontos
31

pode resolver parte do problema, mas não viabiliza a superação do outro.


Não obstante, Kucinski (2000) pinça que outro grande problema dos meandros
percorridos pela linguagem no jornalismo econômico encontra-se na diversidade do público-
alvo, geralmente dividido em dois grupos: o dos especialistas, grandes empresários e
profissionais do mercado, já afeitos e familiarizados a códigos de comunicação próprios,
quase tribais; e o do grande público e pequenos empresários, pouco acostumados a linguagem
técnica. De acordo com o autor, é justamente sobre o segundo grupo que concentram-se as
principais insatisfações e reclamações no que diz respeito à forma assumida pelo texto do
jornalismo econômico. Kucinski (2000) afirma que embora os mecanismos principais da
economia não sejam exatamente difíceis a uma primeira aproximação, evidentemente existem
tramas carentes de explicações longas ou aprofundadas.
Resulta desse processo esvaziado de estratégias para a tradução do idioma econômico
a incorporação de palavras, símbolos e conceitos que, segundo Quintão (1987), apenas fazem
sentido quando arranjados em contexto científico ou dentro da esquematização de práticas
dentro do mundo dos negócios. A transmigração indiscriminada desses códigos leva à
constituição de uma linguagem própria que poderia ser comparada a um socioleto
(QUINTÃO, 1987). É o que Basile (2002), Kucinski (2000) e Quintão (1987) chamam de
“economês”, uma prática que emula a linguagem jornalística, aproxima-se da língua
portuguesa, mas vale-se de termos herméticos.
Os atributos da boa linguagem jornalística são sintetizados por Kucinski (2000) no
rastro do qualificativo objetividade, que prescinde da honestidade intelectual e do zelo com a
verdade para fazer-se entendida. O autor destaca esse ponto por aludir à posição superior dos
fundamentos embasadores do jornalismo sobre a preservação extremada do originalismo que
acomete a economia em uma hierarquia de valores relevantes. Ele também rememora que o
discurso econômico presente no universo de agentes que estudam ou trabalham com o campo
é dotado de uma essência quase dupla porque, além da carga lógica presente nos conteúdos, as
relações, os fenômenos e as leis da economia comportam regimentos próprios de
funcionamento.
Trata-se de uma armadilha na qual os jornalistas não podem cair, pois a linguagem do
texto jornalístico não pode ser imbuída de ambiguidades, e também o arcabouço referencial
dos profissionais da imprensa não é o mesmo de economistas. Em suma, “[…] o desafio do
jornalista está em reportar e analisar, transmitir opiniões de economistas e governo, sem usar
32

linguagem que as pessoas comuns não entendam, e sem violar os conceitos criados pela
linguagem dos jornalistas” (KUCINSKI, 2000, p. 168).
O caminho para chegar ao modelo mais aproximado de reprodução dos eventos
econômicos sob o prisma jornalístico verifica-se na busca de aprofundamento teórico sobre os
temas que deseja-se tratar. Dado que as narrativas econômicas apenas transpõem-se pela
clareza e lucidez a partir do instante em que os repórteres são capazes de discernir o que é e
não é passível de assimilação, os profissionais necessitam de recursos para tornar
compreensível aquilo que talvez seja muito complexo em sua forma primitiva (KUCINSKI,
2000). No esteio da popularização da imprensa econômica, por exemplo, quando a
especialização ainda não era uma realidade, Quintão (1987) descreve que os veículos
primavam por selecionar profissionais completamente alheios à economia para cobrir a área
porque julgavam que assim eles seriam forçados a identificar as melhores estratégias de
aprendizado e transmissão dos fundamentos cujo entendimento não era dado a leigos.
Tanto Kucinski (2000) quanto Quintão (1987) identificam, na linguagem do
jornalismo econômico, traços intencionais de camuflagem de conflitos e contradições da
retórica política por inserção de uma comunicação pouco direta. Segundo essa perspectiva dos
autores, portanto, a acomodação elitista do texto jornalístico não decorreria exatamente de
uma dificuldade natural da especialização, mas integraria um projeto de alienação ideológica
do conhecimento sobre economia a fim de alimentar a inércia do povo. Kucinski (2000)
lembra que a mente humana não é um mero receptáculo de informações que soam como
ideias primárias, sem pano de fundo, e que as inferências e interpretações são baseadas em
operações estruturadas que definem significados a partir da avaliação de comparações e
diferenciações de termos.
Quintão (1987), por sua vez, dá exemplos claros da instrumentalização da linguagem
do jornalismo econômico e sugere que a incorporação da tecnocracia nos textos é
acompanhada pela criação de novas categorias sociolinguísticas trazidas, pela primeira vez,
em textos oficiais e relatórios de organizações, entidades e instituições pertencentes à ordem
dominante do capitalismo mundial:

O desemprego passa a ser tratado no discurso oficial como “emprego


informal”; “população de baixa renda” explica o problema daqueles que não
dispõem de salário algum ou recebem remunerações insuficientes ou
regulares; “bolsões de ressentimento” ou “pobreza absoluta” substitui uma
33

categoria surgida no mundo político-ideológico e que espelha uma realidade


brasileira reconhecida no período: “a miséria”. (p. 103)

Assim, a linguagem do jornalismo econômico também é permeada por eufemismos, o


que faz Kucinski (2000) comparar o artifício à “novilíngua” empregada por George Orwell na
obra 1984, cujo objetivo, em última instância, é tumultuar a compreensão sobre os conceitos.
O autor retoma a necessidade de retorno dos jornalistas aos primórdios quanto à obrigação de
penetração, decifração e elucidação dos sentidos envolvidos em tais pontos. Para ele, a
insistência na linguagem burocrática resume bem os defeitos e problemas da prática
jornalística à brasileira, não apenas no segmento econômico: “[…] o desprezo pelo leitor, o
descuido com a informação, a preguiça jornalística e a despolitização da informação”
(KUCINSKI, 2000, p. 170).
Quintão (1987) observa que outra característica do jornalismo econômico brasileiro,
surgida durante o período da ditadura, tornou-se marca registrada no padrão adotado por
veículos e profissionais. O recurso ao estrangeirismo seria uma tática introduzida no afã de
estreitar os laços do segmento econômico do Brasil àquele em voga nos grandes centros
capitalistas do mundo. Não é à toa que a prática emerge no rastro de importação do dicionário
de expressões forjadas longe da realidade brasileira e que, de repente, passaram a definir
eufemisticamente problemas tipicamente nacionais. A constatação vai de encontro ao que é
preconizado por Kucinski (2000), quando o autor enfatiza que palavras da língua inglesa não
devem ser empregadas em substituição de expressões correspondentes em português, a
exemplo de performance em vez de desempenho ou de “planta” (plant) no lugar de fábrica.
A ritualização da linguagem jornalística de economia ainda é afetada por outros
defeitos graves, quase sempre motivados pelo descuido dos profissionais e ausência de
reflexão crítica quanto aos modelos comunicativos adotados. Exemplo disso é a tendência à
criação de neologismos e termos estranhos, tantas vezes datados, que vão refletir o dinamismo
do universo político e econômico (QUINTÃO, 1987). Ao misturar pedantismo e
simplificação, surgem categorias linguísticas que são ainda menos compreendidas pelo grande
público – como se já não houvesse um extenso vocabulário suficientemente capaz de
distanciar o entendimento das pessoas sobre temas econômicos.
Outra questão que passou lastrear a linguagem do jornalismo econômico diante das
cartilhas de bom jornalismo é a utilização de siglas, incluídas aí aquelas representativas de
empresas e também as de índices econômicos. Quintão (1987) lembra que, antes dos anos
34

1960, havia grande preocupação dos governos em destacar o caráter nacionalista de empresas
estatais por via do sufixo “bras” – de Brasil, de brasileiro. Esse hábito não foi imediatamente
abandonado após 1964 porque alguns militares julgavam ser necessário reforçar o aspecto da
soberania nacional através da afirmação de empresas, órgãos e companhias associadas a
ramos de interesse estratégico para o desenvolvimento do país.
Contudo, esse costume foi esvaindo-se à medida que grupos estrangeiros passaram a
adotar o mesmo plano em decorrência da obrigatoriedade de nacionalização do capital. Assim,
nomes que antes eram inconfundivelmente vinculados às empresas nacionais começaram a
popularizar-se entre corporações oriundas de fora, o que começou a gerar mal entendidos e
confusão entre o público, acostumado a facilitadores para a identificação de certos conceitos.
Com o tempo, a insistência em ressaltar a necessidade de capital estrangeiro suplantou o viés
nacionalista de alguns setores do governo e, então, os nomes das instituições oficiais
acabaram sintetizados e enxugados em siglas que, frequentemente, definiam-se pelas iniciais.
Quintão (1987) também argumenta que é durante esse período que o jornalismo
econômico começa a valer-se de estratégias auxiliares para reforçar o grau de persuasão
contido na informação puramente textual. Dessa forma, números e estatísticas começaram a
ser empregados para interpretar ou descrever os acontecimentos da vida socioeconômica,
apoiando-se na credibilidade matemática dos cálculos econométricos. O acompanhamento
dessa modalidade de informação cumpria a prerrogativa de prova cabal diante da qual críticas
ou afrontas sumariamente esvaziavam-se de sentido.
Da mesma forma, os gráficos, quadros e tabelas passaram a ilustrar notícias e
reportagens com o aparente objetivo de apoiar o entendimento sobre o conteúdo,
especialmente quando tratava-se de objeto com natureza complexa. Porém, Quintão (1987)
lembra que, muitas vezes, em vez de colaborar, os recursos acessórios serviram para
comprometer a verdade, o que vai ao encontro do que descreve Kucinski (2002, p. 24): “[…]
no debate econômico, abusa-se das falácias, argumentos com premissas aparentemente
corretas, mas cujas conclusões são falsas. A mais frequente é a falácia estatística. Quase tudo
pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.
O jornalismo econômico em si mesmo encontra-se bastante isolado enquanto gênero
que trata de uma área com tamanha profusão quanto a própria economia. Apesar disso, é
possível encontrar paralelos e conjunções com outros campos, como será possível perceber no
capítulo a seguir, quando trataremos da Operação Lava Jato. Para fins de construção desse
35

trabalho, porém, a cobertura especializada pavimenta a base pela qual toda a pesquisa
percorrerá antes.
36

2. OPERAÇÃO LAVA JATO

Para saber de que maneira as narrativas propostas pelo jornalismo econômico da


Folha responderam à cobertura da Operação Lava Jato, o primeiro capítulo deste trabalho
debruçou-se sobre um dos principais focos: o próprio jornalismo especializado em cobrir
economia. Ao apresentar os contornos que caracterizam o gênero e traçar um histórico sobre
seu surgimento e desenvolvimento no Brasil, desvelamos conceitos e fenômenos –
sintetizados, fundamentalmente, em rotinas produtivas, tratamento da informação e aspectos
de linguagem – que ajudam a entender a conformação dessa editoria na atualidade, não
apenas na Folha, mas em uma gama de produtos presentes em plataformas distintas. Com o
embasamento teórico necessário para abordar um dos temas fundamentais à dúvida de
pesquisa, prosseguimos a esse capítulo
O jornalismo econômico é o pilar pelo qual será possível demonstrar os aspectos
típicos do gênero na sua relação com a Operação Lava Jato. Porém, ele não abrange as
singularidades intrínsecas à própria Lava Jato, que é o objeto principal de investigação sobre
que (ais) narrativa (s) a especialização projetou a seu respeito na Folha. Assim, entender os
meandros da operação e a forma como ela justapõe-se e articula-se a discussões pertencentes
a outras esferas das quais não necessariamente o jornalismo econômico participa é
indispensável.
O atual capítulo propõe-se a resolver essa lacuna ao introduzir uma apresentação
sintética e breve sobre o histórico da Operação Lava Jato, com destaque para o momento em
que foi deflagrada e para alguns de seus principais acontecimentos. Depois, adentra-se a seara
da teoria no intuito de enquadrar o evento sob a ótica dos diferentes conceitos de escândalo
propostos por Thompson (2004). Em um terceiro momento, conjectura-se teoricamente sobre
a amplitude midiática obtida pela Lava Jato valendo-se da noção de jornalismo-espetáculo
apresentada por Gomes (2004). Por último, voltamos a Gomes (2004) com o objetivo de
discutir as zonas de interface entre o campo político e comunicação de massa em que
participam, também, outras esferas, como as que dizem respeito ao Judiciário e à economia –
abordadas aqui em decorrência da óbvia colaboração que apresentam a esse trabalho.

2.1 Operação Lava Jato: breve balanço


37

A Lava Jato teve início no dia 17 de março de 2014, com uma operação deflagrada
inicialmente em torno do combate a grupos suspeitos de lavagem de dinheiro por via de
práticas sofisticadas que envolviam postos de combustíveis e lavanderias (NETTO, 2016). A
mobilização de uma força-tarefa com cerca de 400 policiais federais em seis estados
brasileiros e no Distrito Federal foi necessária para cumprir 81 mandados de busca e
apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19
mandados de condução coercitiva. Embora os números já fossem expressivos naquele
momento, dada a movimentação supostamente ilegal de R$ 10 bilhões por parte dos
investigados, esse seria apenas o primeiro ato de uma cruzada jurídico-penal que marcou a
última década de vida política do país.
Da origem dos crimes financeiros e fiscais até a nomeação da operação, tudo teve
início no Posto da Torre, em Brasília, onde funcionavam legalmente uma lanchonete, uma
lavanderia e uma casa de câmbio. Ali desdobrou-se uma das buscas da PF, que descobriu no
lugar o centro estratégico por onde transações clandestinas eram viabilizadas. Foram também
as atividades comerciais do Posto da Torre que inspiraram a delegada Erika Mialik Marena a
nomear a então recente operação de “Lava Jato”:

Pensei em Lava Jato obviamente por causa do posto de combustível, que era
uma lavanderia, e porque tinha plena consciência de que não se tratava de
coisa pequena. Não estavam lavando coisa pequena, não estavam lavando
um carro. Se fosse comparar um carro e um jato, lavariam muito mais um
jato. Não ficou faltando um ‘a’ no lava a jato, foi uma brincadeira com a
palavra. (NETTO, 2016, p. 28).

A primeira fase da Operação Lava Jato recebeu abordagem em alguns dos principais
jornais do país como apenas mais uma ação enérgica da justiça contra crimes financeiros e
fiscais nos quais homens poderosos já conhecidos investiam seus esforços. Dentre eles,
estavam, como conta Netto (2016), o próprio dono do Posto da Torre, Carlos Habib Chater, e
o doleiro Alberto Youssef. No dia 20 de março, porém, três dias depois do início da Lava Jato,
a deflagração da segunda fase, denominada Bidone, traria o pedido de prisão temporária do
ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, enquanto evento de maior
repercussão e importância até então.
O envolvimento de um nome do alto escalão administrativo da maior estatal brasileira
representou a expansão do foco das investigações para uma série de questões que o próprio
Paulo Roberto Costa viria revelar mais tarde, implicando empresários, partidos e agentes
38

políticos naquele que viria ser alardeado como o maior esquema de corrupção e desvio de
recursos financeiros da história do país. Os depoimentos iniciais de Paulo Roberto Costa
deram conta de um esquema de corrupção organizado em torno de quatro núcleos: o
corporativo, das empreiteiras e construtoras; o administrativo, dos diretores e gerentes da
Petrobras; o financeiro, no qual atuavam doleiros e operadores; e o político, ditado por líderes
dos partidos responsáveis por comandar cada área da maior estatal brasileira. Juntas, essas
estruturas formaram uma engenhosa máquina de desvio de recursos financeiros que parecia
protegida de qualquer suspeita (NETTO, 2016).
Como as delações de diversos acusados corroborou depois, o esquema funcionava
baseado em uma estratégia de superfaturamento em que as empresas ofereciam orçamentos
com previsão de margem de lucro entre 10 e 20% acrescido de 1 a 3% no preço final, que era
repassado posteriormente ao grupo político responsável pela diretoria envolvida no processo
licitatório em questão. Dessa maneira, como um num círculo vicioso, determinados partidos
tinham o poder de indicar diretores e gerentes a uma área da Petrobras. Eles, por sua vez,
eram cooptados pelo esquema ao custo de terem suas carreiras prejudicadas caso se
recusassem a colaborar (NETTO, 2016).
Uma vez consolidados em sua posição, esses diretores e gerentes tornavam-se
responsáveis por fazer a manutenção da operação ao ditar regras de participação de empresas
que dispunham-se a superfaturar os contratos e a oferecer a propina solicitada. As
empreiteiras e construtoras, então, que eram submetidas aos ditames, recebiam a mais pelo
que objetivamente faziam e repassavam a propina aos doleiros e operadores financeiros, a
quem cabia gerir o dinheiro sem deixar rastros. A eles também era delegada a
responsabilidade de distribuir o dinheiro entre os funcionários de alto escalão da Petrobras
envolvidos e também para os líderes de partido responsáveis por assegurar a continuidade do
esquema através e seu capital político e influência junto à situação.
O dinheiro da propina era destinado a diferentes objetivos a depender de quem
beneficiava-se dele. Para os partidos, era bastante útil, por exemplo, no abastecimento de
campanhas eleitorais por financiamento de caixa dois e compra de apoio para a disputa de
poder sobre o controle e manutenção dos grupos hegemônicos dentro deles. No caso dos
gerentes e diretores da Petrobras, os valores serviam para alimentar mordomias, como viagens
caras, imóveis de alto padrão e veículos de luxo. Em muitas situações, os recursos foram
acobertados por meio de contas mantidas no exterior. Apesar da aparente conivência entre as
39

partes envolvidas e dos benefícios mútuos, as empreiteiras e construtoras defenderam-se


posteriormente, como narra Netto (2016), afirmando que a não participação no esquema era
punida com represálias levadas a cabo pelos próprios gestores da Petrobras, que deixavam de
incluir as empresas nas licitações seguintes, criavam problemas nos contratos em andamento e
atrasavam pagamentos, dentre outras situações alegadas.
Em novembro de 2014, a 7ª fase da Operação Lava Jato, denominada de Juízo Final,
trouxe outro capítulo importante para as investigações. A prisão do ex-diretor de Serviços da
Petrobras, Renato Duque, que comandou a área entre 2003 e 2012 por indicação política de
José Dirceu na época em que era ministro da Casa Civil do presidente Lula, foi considerada
muito importante porque, segundo declarações obtidas em juízo, ele era o contato do então
tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Duque acabou sendo preso pela acusação de recebimento
de propina na Suíça por intermédio de uma empresa offshore chamada Drenos (NETTO,
2016).
No âmbito da 7ª fase da Lava Jato, a prisão de Renato Duque foi apenas um dos
eventos relevantes. Como conta Netto (2016), naquele período a PF saiu às ruas em, pelo
menos, cinco estados – São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco – para
cumprir 85 mandados judiciais entre buscas, apreensões e prisões temporárias e preventivas.

Entre os detidos estavam alguns dos homens mais ricos do país. O dia para
eles havia começado da pior maneira possível: com a polícia fazendo buscas
em suas casas e os levando para a cadeia. A Justiça ainda determinou um
bloqueio de até 20 milhões de reais nas contas de 16 investigados e de três
empresas. Vinte executivos de oito grandes empreiteiras do país,
responsáveis por centenas de milhares de empregos, foram presos. As
suspeitas: corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, cartel e
fraudes a licitações. (NETTO, 2016, p. 90).

A chamada “lista do Janot” foi o assunto da Lava Jato em 2015. A menção aos nomes
de diversos agentes políticos com foro privilegiado fez com que os processos tivessem de ser
assumidos parcialmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão com prerrogativa
e autonomia de investigação. Para isso, foi criado um grupo de trabalho da Lava Jato dentro
da PGR com alguns dos maiores procuradores de todo o Ministério Público Federal. A seção
era considerada irmã da força-tarefa do MPF do Paraná e funcionava nos mesmos moldes, sob
regime de cooperação.
Todos os acordos de delação premiadas, bem como as investigações do MPF,
acabaram por implicar dezenas de políticos, entre deputados, governadores e senadores. O
40

envolvimento de autoridades expandiu o espectro de ações para além da 1ª instância, e


requereu a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal
(STF). Graças a isso, a Operação Lava Jato acabou tornando-se extremamente regular no
noticiário político, dominando a editoria com cada revelação, novidade ou fase deflagrada.
Os trabalhos do grupo responsável pela Lava Jato na PGR resultaram no atendimento
de todos os pedidos do procurador-geral para abertura e prosseguimento das investigações,
bem como no arquivamento dos casos em que não foram encontrados indícios para instaurar
apuração. Dessa forma, naquele momento, 49 pessoas tornaram-se alvo de inquérito, dos
quais 47 políticos de uma só vez. O partido político mais comprometido foi o Partido
Progressista (PP) com 31 nomes sendo investigados àquela altura, boa parte da bancada
federal da sigla no Congresso.
Até o aniversário de cinco anos da Lava Jato, em março de 2019, os números 3
contabilizavam mais de 3 mil anos acumulados de prisão, aproximadamente 300 inquéritos
abertos no STF e cerca de 60 fases deflagradas. Mais de R$ 14 bi foram recuperados em
acordos de leniência e colaboração, Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e renúncias
voluntárias. Desse total, pelo menos R$ 4 bi já haviam sido devolvidos até o final de 2019. A
robustez dos números e a gravidade dos fatos apresentados são fortes indícios de justificativa
sobre o porquê a Operação Lava Jato praticamente tomou do caso Mensalão o posto de
assunto mais importante e durável da história política recente contada sob a ótica dos jornais.
As idas e vindas da Lava Jato, porém, guardam aspectos únicos sob os quais escondem-se os
motivos do sucesso para a sua constante repercussão midiática durante tantos anos.
Desde o início, a estratégia do MPF do Paraná foi transformar a assessoria de
comunicação e imprensa do órgão no principal vetor de provimento informacional aos jornais
e emissoras de televisão e rádio com o aparente intuito de obter exposição fundada no critério
elementar do interesse público. O alarmismo e espetacularização na deflagração de cada fase
também acabou por constituir um importante instrumento na conquista de espaço junto à
imprensa, àquela altura bastante interessada em prender a audiência a partir das narrativas de
ação construídas no âmbito do trabalho policial.
Não foram poucas as ocasiões em que, antes mesmo de a PF bater à porta dos

3 Os números, dados e cifras foram obtidos em sites como o Poder360 em compilação de informações até março
de 2019, quando a Operação Lava Jato completou cinco anos: https://www.poder360.com.br/lava-jato/5-anos-de-
lava-jato-285-condenacoes-600-reus-e-3-000-anos-de-penas/
Também foi consultado o site da Polícia Federal, no qual constam atualizações até agosto de 2017 e junho de
2018: http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato/numeros-da-operacao-lava-jato
41

endereços indicados, repórteres, cinegrafistas e até mesmo helicópteros encontravam-se no


aguardo da execução dos mandados em busca dos melhores registros, ângulos e histórias
(NETTO, 2016). As situações causavam estranhamento por denotar uma relação entre a
imprensa e a força-tarefa, de caráter duvidoso quanto à ética, já que a organização das
emissoras e jornais presumia comunicação antecipada de operações que deveriam ser sigilosas
em função do resguardo do cumprimento das decisões judiciais.
Um dos pontos mais polêmicos durante essa jornada até aqui diz respeito a como
procuradores, delegados e o próprio juiz da 13ª Vara de Curitiba, responsável pela Lava Jato
no Paraná, cresceram em popularidade e passaram a ser tratados como verdadeiros paladinos
da justiça na luta contra a corrupção. Parece claro que para essa questão contribuiu o palanque
disponibilizado pela imprensa ao exercício de protagonismo aos membros da força-tarefa. Às
entrevistas coletivas somaram-se inúmeros eventos em que apresentações de slides e discursos
fervorosos e contundentes receberam ampla cobertura dos maiores veículos de comunicação
do Brasil.

2.2 Jornalismo-espetáculo e a cobertura de eventos midiáticos

A cobertura da Lava Jato na imprensa, de uma maneira geral, parece despontar por um
caminho bastante espalhafatoso ao erguer uma narrativa quase teatral sobre cada novidade
desvelada. O resultado da empreitada é o recrutamento da atenção privilegiada de um público
cada vez mais interessado em acompanhar os fatos que implicam em consequências
verdadeiras no âmbito da esfera política como se fossem capítulos de uma novela carregada
de elementos dramáticos. Ao comentar a relação do jornalismo com o universo político,
Gomes (2004) retorna aos primórdios da atividade e lembra que a busca por autolegitimação
para afirmar o elo com a esfera civil também desembocou, simultânea e paralelamente, na
sustentação de um discurso que lançava dúvidas sobre o campo político, sempre em nome do
interesse público e pela defesa de uma sociedade que sua independência permitia representar.
Se o jornalismo presta-se a um papel cívico de vigilância, é natural esperar que ele
dispense esforços em prol de revelações dos artífices e truques presentes no campo político
com o intuito de capitalizar esse valor de interesse e atrair o consumo das audiências de
comunicação em seu favor (GOMES, 2004). A Lava Jato é, portanto, objeto de grande
fetichização dos meios de comunicação especialmente porque eles próprios atribuíram-lhe
42

destaque decorrente das questões sensíveis à população brasileira na atualidade, como


corrupção política, improbidade administrativa no serviço público e crise econômica. Assim, é
sabido de antemão que os eventos ligados à Lava Jato despertarão a curiosidade de ouvintes,
leitores e telespectadores cativos.
Apesar disso, há outra questão fundamental imbricada na discussão sobre o papel do
jornalismo, especialmente político, para a repercussão da Lava Jato. Gomes (2004) afirma que
apenas parte da posição da atividade no que diz respeito à hostilidade sobre o terreno da
política é verdadeira. Ele sugere que essa perspectiva é válida enquanto servir ao bloqueio de
adesão das massas sobre os espetáculos protagonizados pelo campo político, o que depreende
o direcionamento dos olhares e das atenções para as narrativas fabricadas pela própria
imprensa. A situação desloca, então, a repercussão sobre o fato político para a repercussão nos
e dos meios sobre o fato político em questão, numa jogada que muito interessa aos veículos de
comunicação.
Contudo, é necessário observar, como aponta Gomes (2004), para o fato de que há um
ponto de interrupção sobre a atitude do jornalismo quanto à encenação da política, e esse
ponto localiza-se justamente na desconfiança relacionada ao que os atores políticos pretendem
representar. Na cobertura da Lava Jato, porém, a partir do envolvimento massivo de agentes
políticos e congressistas com a revelação da chamada “lista de Janot”, tornou-se comum
assistir a manifestações de justificativas e denúncias inflamadas de perseguição, quase sempre
acompanhadas de uma abordagem contextualizadora do jornalismo, capaz de fazer as
alegações soarem como, no mínimo, aparentes contradições.
Bucci (2016) observa que, no Brasil, mais recentemente o discurso que procura atacar
e descredibilizar a imprensa ganhou corpo com a eclosão do Mensalão e, posteriormente, a
partir da própria Lava Jato. Sob essa perspectiva, meios de comunicação e jornalistas seriam,
então, os principais responsáveis pela crise generalizada e culpabilização de indivíduos
inocentes. O autor coloca, portanto, que os maiores beneficiados pela propagação de tal
corrente narrativa são os próprios réus, a quem o direito de defesa não pode ser negado
jamais, ainda que seja preciso perguntar quem defenderá a imprensa do achincalhe sofrido por
agentes de grande relevância no meio político e econômico.

Qualquer que seja a abordagem que façamos, preservar as garantias para


prática do jornalismo crítico é prioritário se desejamos uma sociedade em
que a prática da corrupção seja desencorajada. Enquanto a corrupção
depende do segredo e da opacidade para existir, a imprensa dá publicidade às
43

questões de interesse público, amplia os horizontes do direito à informação


e, por fim, da materialidade para a liberdade de expressão – que se completa
na liberdade de fiscalizar o poder. (BUCCI, 2016, p. 33).

Ao analisar brevemente matérias de capa de quatro grandes revistas semanais


brasileiras sobre a cobertura que faziam da Operação Lava Jato, Fontes, Ferracioli e Sampaio
(2016) chegaram a uma conclusão que representa de forma aproximada a visão de Gomes
(2004) sobre o tratamento dispensado aos políticos pela imprensa. Os autores observam que
mais do que manipulações ou distorções de fatos com o objetivo de prejudicar
deliberadamente os agentes políticos, a abordagem parece reforçar o antagonismo entre estes
e os agentes midiáticos. Resta claro que a postura denota o interesse dos periódicos em
delimitar uma clara linha de separação sobre a lisura de caráter de ambos, reforçando a
autopredestinação em servir como guarda da boa coisa pública ao passo em que isola,
simultaneamente, a classe política em um fosso comum de incompetência, degeneração ética
e desvario moral.
Ainda assim, ressalte-se que não existe nenhum problema posto pelo jornalismo sobre
essa propensão à espetacularização dos fatos produzidas pelos atores políticos, muito pelo
contrário: é crescente o interesse em tais momentos, especialmente após o surgimento e
popularização da televisão (GOMES, 2004). Substancialmente, se o jornalismo trabalha na
descredibilização das “[…] encenações protagonizadas pelos atores políticos é porque ele
mesmo quer controlar o espetáculo cotidiano da política” (GOMES, 2004, p. 343).
Assim, com uma narrativa que perpassa a ocorrência sob a ótica do jornalismo, e outra
que pertence ao campo político, projetada pelos agentes e atores políticos com desejo de
adquirir visibilidade, o espetáculo político dificilmente apresenta-se em versão única. Gomes
descreve (2004) que há dois espetáculos ou, pelo menos, a combinação de dois espetáculos de
natureza aproximada, mas com sistemas, personagens e objetivos um tanto quanto distintos.
Curiosamente, embora o autor não mencione, eles também parecem alimentar-se um
do outro de modo a expandir seus horizontes para além do espectro no qual cada um detém a
hegemonia de circulação: o campo político, na própria imprensa; e a imprensa que trata do
campo político, no debate público e em meio à sociedade. Por conseguinte, o campo político
começa a pautar as discussões da sociedade sobre os eventos perpetrados no palco da política,
enquanto o jornalismo adentra o circo da política para não só cobrir e reportar os fatos como
também para protagonizar atos decisivos.
A esse tipo de jornalismo capaz de operar em lógica que transcende aos princípios
44

originais de informar com rigor e objetividade, Gomes (2004) denomina jornalismo-


espetáculo. Trata-se de uma modalidade que, como já afirmou-se anteriormente, não contenta-
se em cobrir e reportar os eventos para atender aos preceitos designados originalmente ao
jornalismo, porém, busca oferecer a arena política recursos que possibilitem o enriquecimento
das narrativas e a profusão de conflitos com amplo potencial midiático.
Embora os motivos para ascensão dessa forma de jornalismo possam alocar-se em
diferentes pontos, Gomes (2004) toca um cerne sensível ao acusar que a principal razão é,
provavelmente, a mesma pela qual o universo político precisou, ao longo do tempo,
retrabalhar a percepção de suas mensagens em linguagem dramatizada, capaz de ultrapassar a
racionalidade e atingir as emoções. Essa razão sintetiza-se no desenvolvimento da indústria da
informação, que, de uns tempos para cá, a partir da mercantilização dos processos
comunicativos, passou a obedecer comandos de roteiro que atendem à gramática do
entretenimento, amparando-se sob sua lógica.
Segundo Gomes (2004), os fenômenos de transformação do jornalismo-espetáculo
fazem-se presentes nas mais variadas plataformas, embora seja a televisão o seu canal
predileto em circunstância da miscelânea de possibilidades sensoriais viabilizadas pela
imagem e pelo som. Na tela, os eventos, inclusive, podem ganhar tons e sobretons que levam
as reportagens e coberturas para perto das estruturas narrativas adotadas em novelas, séries e
filmes. Ao mundo da publicidade, essa configuração também é mais atrativa à medida que
permite inserções de anunciantes com a garantia de acompanhamento por uma audiência
bastante significativa, fator que também relega aos apresentadores e repórteres status de
celebridades. Ou seja, o empreendimento jornalístico vislumbra na televisão a sua zona de
conforto para a aspiração comercial e rendimento financeiro.
Por outro lado, os jornais impressos não ficaram para trás na missão de equiparar-se a
outras plataformas populares, embora jamais tenham conseguido. Para isso, valeram-se do
próprio exemplo da televisão, naquilo que foi possível, ao emular estratégias narrativas e
discursivas em sua apresentação de conteúdos. Gomes (2004) vislumbra que são dois os
motivos principais para isso: o primeiro é o próprio sucesso da TV na absorção e reinvenção
do jornalismo, e o segundo, a necessidade de sobrevivência e aprovação diante dos parceiros
comerciais.
A capacidade da televisão em rentabilizar o jornalismo e fabricar personalidades
profissionais famosas, com bons salários e grande reputação, resultou na apreensão de que o
45

modelo implementado poderia e deveria ser replicado de forma padronizada em quantos


meios fossem possíveis a fim de multiplicar os efeitos exitosos da experiência. Assim, a
transposição de recursos característicos da narrativa jornalista na TV para os jornais impressos
acabou por ser um movimento financiado pela própria crença dos profissionais no acerto da
medida e impulsionado pela necessidade de viabilizar economicamente os jornais impressos.
A disputa por anunciantes e a forte concorrência entre grandes empresas de
comunicação detentoras de jornais impressos credibilizou a guerra pela conquista de leitores e
assinantes (GOMES, 2004). Dessa forma, captar as nuances de consumo da informação
jornalística pelo emprego do tempo livre das pessoas foi um dos fatores que promoveram uma
verdadeira guinada na mentalidade de repórteres e editores quanto à abordagem da notícia.
Por isso, se antes o interesse público e a informação cara à sociedade dirigiam a maneira pela
qual os conteúdos eram encaminhados, logo essa dinâmica foi substituída, dando lugar a um
tratamento de conteúdo que priorizasse a ânsia pelo consumo distraído – rápido, simplificado
e acessível.
Não é por outro motivo, portanto, que os holofotes voltaram-se majoritariamente para
eventos, acontecimentos, fatos e situações capazes de despertar os sentimentos e emoções
mais intensos no público. Por isso, quanto maior o grau de problematização envolvido, tanto
mais possivelmente despertará a curiosidade das pessoas com potencial de impulsionar a
audiência. Nesse sentido, os escândalos, que traduzem a transgressão a códigos rígidos,
geralmente envolvendo pessoas públicas e de notória repercussão, apresentam-se como uma
das pautas preferidas pelos veículos de comunicação por serem de fácil assimilação e
exigirem narrativas de menor complexidade.

2.3 Os escândalos midiáticos, políticos e financeiros

Ainda que a Operação Lava Jato não configure um escândalo em si mesma, parecem
existir poucas dúvidas de que o apanhado de acontecimentos circundantes ao núcleo principal
das investigações possa ser alçado sob essa classificação. É necessário lembrar, como sugere
Thompson (2004), que a definição de escândalo encontra ecos variados na atualidade a
depender da dimensão na qual ela é explorada – a exemplo da imprensa, da sociedade e do
mundo político –, fora o seu pano de fundo etimológico que possui traços históricos bastante
antigos.
46

Para todos os efeitos, porém, após um breve balanço, Thompson (2004) esboça que
uma definição prática para o escândalo nos dias de hoje encontra-se no cerne das discussões
modernas sobre visibilidade e publicidade. Assim, é possível caracterizar o escândalo como
uma ocorrência, evento ou acontecimento que implica graus de transgressão a uma rede de
códigos estabelecidos, importando, ainda, que torne-se conhecido por outros e que seja sério a
ponto de evocar uma resposta pública (THOMPSON, 2004).
Dessa forma, trata-se de uma combinação de fatores cujo resultado emerge na forma
daquilo que acostumou-se a chamar de escândalo, conceito para o qual Thompson (2004)
elabora pelo menos cinco características intrínsecas: 1) a consolidação por via da quebra de
alguma norma moral; 2) a presença de segredo ou ocultação refletida na desconfiança de não-
participantes; 3) a reprovação de não-participantes que julgam ofensivos os gestos acionados
pelo escândalo; 4) a expressão do desgosto de não-participantes por via da denúncia pública
dos acontecimentos; 5) o prejuízo à reputação dos responsáveis através da revelação e
condenação das ocorrências.
As relações escusas entre empreiteiras, operadores, servidores públicos e políticos
abarcadas no âmbito das investigações da Lava Jato inclinam-se a satisfazer as condições
declaradas anteriormente de forma sumária restando, por conseguinte, a sua tipificação. O
processo classificatório do padrão mais apropriado apresenta barreiras bastante originais no
caso da Lava Jato porquanto as circunstâncias ora sugerem a concepção daquilo que
Thompson (2004) chama de escândalo midiático, ora enveredam por uma posição que
assemelha-se à tipificação do autor para o escândalo político, podendo enquadrar-se ainda na
definição de escândalo financeiro.
No rol de possibilidades apresentadas por Thompson (2004), o escândalo midiático é
tratado como um fenômeno propiciado pelo advento dos meios de comunicação e o
surgimento de tecnologias várias. Diferentemente do escândalo localizado, por exemplo, que
costuma ser baseado nas relações face a face e que, por isso mesmo, têm caráter efêmero, o
escândalo midiático vale-se dos veículos de comunicação para catalisar a sua publicidade e os
transforma em agentes constitutivos do seu próprio processo, implicando em durabilidade de
repercussão proporcional à sua existência. Quer dizer, os meios de comunicação deixam de
ser o canal secundário para intermediar a comunicação dos eventos e passam a ser parte
importante do conflito, sendo relegados à escala primária de importância para o
desenvolvimento dele (THOMPSON, 2004).
47

Enquanto isso, o escândalo político lastreia-se pela participação comprometedora de


algum agente político, seja ele um representante de partido que ocupa um cargo eletivo ou um
funcionário designado. Sobretudo, fora o elo de envolvimento, importa para o escândalo
político que a transgressão a algum código, mencionada por Thompson (2004), estenda-se a
um processo devido – ou a um regulamento de práticas e procedimentos obrigatórios que
regem a ordem do exercício de poder político. Mais especificamente, o conjunto de crimes
averiguados no âmbito da Operação Lava Jato acomoda-se bem em um segmento peculiar de
escândalo político, que é o escândalo polítifico-financeiro ou apenas escândalo financeiro na
esfera política.
O escândalo financeiro, segundo Thompson (2004), é aquele baseado em ligações até
então ocultas entre instâncias do poder e do dinheiro para a promoção de abuso econômico e
outras irregularidades financeiras. Essa modalidade de conflito implica na aproximação de
setores que, em teoria, possuem relação bastante conflituosa: o poder político e o poder
econômico são regidos por sistemas dotados de regras próprias. Ainda que seja necessário
admitir a influência recíproca de um sobre o outro em certo nível, essa constatação traz
consigo a importante percepção de que campos político e econômico precisam caminhar
separadamente, sem traçar laços de dependência capazes de caracterizar vínculos escusos.
A natureza fundamental desse escândalo é a publicização do que era secreto, mas
irregular, no entrecruzamento de interesses dos poderes político e econômico. Thompson
(2004) lista algumas formas pelas quais os escândalos político-financeiros apresentam-se na
sociedade, distinguindo-se, sobretudo, pelo caráter da infração envolvida. Assim, uma prática
comum que frequentemente aciona um escândalo desse gênero é o suborno, idealizado como
a troca irregular de recursos econômicos para tangenciar a tomada de decisões ou a
consolidação de resultados políticos. Outro modelo de embalagem para escândalos do tipo é
a apropriação irregular de fundos públicos e o abuso de informação econômica privilegiada
para fins de proveito pessoal ou privado.
Os exemplos de caracterização dos escândalos político-financeiros continuam com
uma terceira forma na qual são expostos interesses financeiros privados que geralmente
conflitam com o ideário de atitudes e posturas esperadas da figura de um agente político. Por
último, Thompson (2004) menciona um quarto tipo, muito frequente durante períodos
eleitorais, em que são abarcadas diversas formas de corrupção e malversações. Alguns
exemplos, nesse caso, são a compra de votos, a influência ilegal nas eleições e a apropriação
48

indevida de fundos de campanha.


Das quatro formas pelas quais o escândalo político-financeiro emerge, conforme
preconiza Thompson (2004), pelo menos três estão nitidamente presentes no escopo dos
crimes investigados pela Operação Lava Jato: suborno foi a forma pela qual os representantes
de alto escalão da Petrobras cederam às pressões para colaborar com o esquema; a
apropriação irregular de fundos públicos foi o que os políticos de alguns partidos beneficiados
pela influência nas diretorias cometeram ao receber valores oriundos de propinas que visavam
repassar parte do superfaturamento de contratos aos agentes facilitadores do processo. E os
interesses financeiros privados resumem basicamente a motivação de construtoras e
empreiteiras em participar desse jogo obscuro para obter vantagens, organizar a concorrência
e eliminar qualquer ameaça à previsibilidade das operações.
Com efeito, só não é possível afirmar categoricamente que todos os requisitos são
marcados porque, embora haja o envolvimento de partidos e agentes políticos eleitos, os
crimes não tergiversam diretamente sobre a corrupção ou influência no curso de eleições.
Apesar disso, é razoável imaginar que, indiretamente, parte das cifras arrecadadas com
propinas derivadas dos desvios foi utilizada para financiar campanhas de candidatos. Ao
pincelar o caso do PP, Netto (2016) descreve:

Tudo funcionava perfeitamente bem naquela época. Youssef contou que,


quando Janene controlava o fluxo de dinheiro vindo da Petrobras, atendia a
todos os pedidos dos deputados do partido, não faltava com os pagamentos.
Assim conquistava lealdades e concentrava mais poder dentro do PP. O
grupo que ele comandava era hegemônico no partido. Em 2010, ano de
campanha eleitoral, o esquema estava no auge. É espantoso, porque quatro
anos antes, em março de 2006, a Procuradoria-Geral da República havia
apresentado denúncia contra os investigados no mensalão. No fim de agosto
de 2007, o Supremo aceitara denúncia contra todos os acusados. Era de
esperar que isso inibissse crimes futuros. Mas não foi o que aconteceu.
Muito pelo contrário. (p. 152).

Como essa base de parâmetros legais dita a universalidade, transparência e clareza do


jogo político – ao menos em democracias liberais, onde nota-se uma frequência muito maior
de escândalos políticos em função do nível de liberdade adqurido –, qualquer rompimento
com a conjuntura vigente sugere a predominância de aspectos de poder, que são privados,
excludentes e pouco preocupados com o escrutínio público. Por isso, diz Thompson (2004),
“[…] o escândalo político surge no ponto onde a lógica do processo devido se sobrepõe com a
lógica do poder” (p. 124).
49

Sobre os interesses envolvidos na eclosão de escândalos e situações conflituosas de


grande repercussão, Thompson (2004) lembra que elas invariavelmente trazem benefícios –
para além dos problemas. Não se trata, porém, de qualquer desdobramento moral ou ético que
possa trazer lições à sociedade em longo prazo, mas, sim, do atendimento de expectativas
privadas, geralmente no campo econômico, que surgem de forma imediata. O autor destaca
que os organismos mais bonificados com a alimentação do escândalo em espaço público não
possuem razões válidas para absterem-se de lucrar com a oportunidade quando ela apresenta-
se.
O enquadramento da Lava Jato sob modalidades diferentes de escândalos denota,
ainda, o seu potencial de interesse para os jornais: a transformação complexa dos crimes de
caráter financeiro, que buscam reinventar-se para driblar os dispositivos de investigação e
políciais do Estado, o aumento de complexidade nas relações interpessoais entre diversos
agentes envolvidos e os desdobramentos diretos das revelações sobre o campo político,
exigindo de seus atores a capacidade de moldar atitudes e comportamentos para fins de
autodefesa em relação ao escrutínio público são apenas alguns dos elementos de impacto.
Toda essa nova composição desemboca, ainda, na discussão primordial a respeito das
mudanças que a política tradicional tem enfrentado a partir do desenvolvimento tecnológico e
expansão da ideia que existe sobre comunicação de massa.

2.4 A relação entre política midiática, Judiciário e economia

A transformação da política tradicional em política midiática envolve, para Gomes


(2004), duas esferas bem definidas de domínio. A saber, a da própria política e a da
comunicação de massa. Juntas, elas coexistem e retroalimentam-se a ponto de convergir
interesses e gerar fenômenos percebidos sob aspectos que variam da disputa de imagem para
um determinado fim à contratação de sondagens de opinião por governos e oposições, entre
diversos outros elementos característicos dessa zona de interface (GOMES, 2004). O
complexo construto que emerge desse cruzamento oferece o entendimento enganoso de que
comunicação e política são capazes de dar conta das minúcias que compõem a chamada
política midiática, o que não é bem verdade.
Gomes (2004) sugere que, apesar das esferas mencionadas anteriormente fundarem os
pilares de estruturação da política midiática, sendo também, portanto, mais enfatizadas e
50

consideradas, elas não explicam tudo. O autor afirma existirem funções e papéis alheios à
comunicação e à política cuja importância para os processos contemporâneos não deve ser
subdimensionada, e é por isso que eles devem circundar o núcleo fundamental. Não por
coincidência, os dois exemplos apresentados por Gomes (2004) para esse intruso de magna
relevância no casamento entre comunicação e política vinculam-se ligeiramente aos processos
imbricados na Operação Lava Jato.
O primeiro deles diz respeito ao Judiciário, lastreado por um conjunto de instituições
alegadamente representantes da esfera civil no interior do Estado, que possui relação estreita
com as ações desdobradas no âmbito da política midiática. Gomes (2004) diz que vários
exemplos apontam para a absorção do munda da justiça, do direito e dos organismos estatais
com poder de força e coação por parte do sistema combinado da comunicação e política.
Coincidentemente, ele menciona a Operação Mãos Limpas na Itália – sempre apontada como
inspiração para a Lava Jato – e o próprio Ministério Público Federal, especialmente do Brasil,
para corroborar com a ideia de que o universo bidimensional da comunicação e política abre-
se a um terceiro convidado, nesse caso pertencente a outro domínio, que Gomes (2004) chama
de “[…] a parte não-política do Estado, o poder Judiciário” (p. 132).
Como um poder do Estado dotado de ferramentas e instrumentos de extensão
abrangente, capaz de agir até mesmo sobre o universo político, apesar dos limites
regulamentares, é consequência óbvia que o Judiciário faça refletir toda a sua carga simbólica
em movimentos nessa esfera, e isso tem acontecido com cada vez mais frequência, segundo
Gomes (2004). Os principais impactos são notados nas áreas pelas quais a atividade política
vale-se das habilidades e competências necessárias para obter apoio e atenção da opinião
pública, sempre pela exploração potencial da comunicação de massa. Esse, porém, é apenas
um lado da situação. O outro denota, em contrapartida, que o próprio poder Judiciário
depende da visibilidade pública propiciada pelos meios de comunicação, pois é com ela que a
instituição viabiliza o ganho de legitimidade social e angaria autoridade moral para exercer
sua força coercitiva contra o aparelho político do Estado (GOMES, 2004).
A Operação Lava Jato, portanto, parece estabelecer uma situação nova sobre a
abordagem de temas relacionados ao poder Judiciário nos meios de comunicação de massa. A
distinção encontra-se no aparente fato de que o tratamento direcionado a temas derivados da
associação deturpada entre poder público e poder privado faz emergir com vigor o papel da
justiça como instrumento não só moderador da ética possível, mas também enquanto
51

ferramenta para exercício da vigilância social e cívica.


Embora o poder Judiciário seja detentor de instrumentos e ferramentas determinantes
para a articulação social, ele historicamente esteve à margem da visibilidade em processos
políticos, o que por um lado lhe tornou uma espécie de coadjuvante nas narrativas de impacto,
enquanto por outro não foi suficiente para lhe retirar o peso da inércia de sua existência ou de
sua atuação quase ativista em prol da manutenção do status quo (MACCALÓZ, 2002).
Exemplo disso no Brasil foi a transição autoritária e policialesca do regime
democrático em que o país vivia até 1964 para a adoção de uma ditadura civil-militar a partir
de então. Os operadores do Direito, engendrados dentro de uma cultura conservadora e
balizada pela influência hegemônica das elites industriais e mercantilistas, adotaram o
conformismo como opção para lidar com uma realidade em que as leis e as instituições foram
frustradas em seu desejo de legitimidade, substituído gradualmente por um desejo
corporativista de inimputabilidade.

Ninguém, no plano intelectual e em trabalhos científicos, denunciou a


participação ativa do Judiciário. Os cientistas ignoraram o papel do
Judiciário no período da ditadura ou não conseguiram superar as
dificuldades no acesso e manuseio dos processos. Os meios de comunicação
confundiram-no com o próprio governo, por isso não mereceria destaque
especial. Mas, no discurso oficial, a instituição é tão vetusta e determinada
quanto as Forças Armadas. E chamou-se a isso “temor reverencial”.
(MACCALÓZ, 2002, p. 15).

Teixeira (2010) ressalta que a relação entre poder Judiciário e imprensa é mais estreita
do que parece, pois está pautada nas aproximações e distanciamentos que essas duas áreas,
embora bastante distintas, tecem por sua própria realização no seio da sociedade. O poder
Judiciário é intrinsecamente comprometido, por exemplo, com as garantias institucionais, a
defesa da liberdade de manifestação, a constituição do direito e a preservação da democracia e
de seus valores fundamentais. A imprensa, por sua vez, anota Teixeira (2010), tornou-se
indispensável para as atividades de convivência social. Os dois campos convergem para um
ponto comum quando se veem às voltas com a necessidade de comunicação com um perfil de
sociedade de massa, ao qual ambas precisam adaptar-se – a imprensa pelo caminho da
pluralidade enquanto o Judiciário a partir da arregimentação de novas soluções cabíveis
dentro do contexto liberal-individualista que, para o autor, já não são capazes de satisfazer os
anseios públicos.
52

Uma aproximação entre a imprensa e direito dá vazão ao debate que, segundo Bucci
(2016), parece ser tangenciado e ocultado em suas dimensões pelo pensamento jurídico. Nele,
a liberdade de imprensa é um direito que deve ser assegurado pelo Estado Democrático de
Direito, com base em certa concepção jurídica de liberdade em que o direito parte da fronteira
daquilo que, antes, é precedido pela lei. Assim, sem o marco da norma jurídica, a liberdade
não seria autorizada como um direito ou, ainda, seria mera ideia flutuando pela vaguidão. Do
ponto de vista da imprensa, porém, embora essa assunção não seja necessariamente errada, ela
tampouco parece corresponder à complexidade de formação das sociedades nas quais “[…] as
leis democráticas são uma conquista da liberdade – e não vice-versa” (BUCCI, 2016, p. 34).
Dessa maneira, o percurso histórico demonstra que o Estado Democrático de Direito
não precisa da liberdade enquanto elemento de subjugo ou mediação, mas como condição da
qual depende para não deixar de ser o que é, transformando-se em espaço de corrosão pelo
poder absoluto e corrupção desenfreada (BUCCI, 2016). Tal noção advoga, por conseguinte,
que cabe à liberdade de imprensa exercer papel vigilante sobre a atuação de autoridades,
limitada por certo regramento, e não o inverso – dado que o poder é entrincheirado nas
barreiras que delineiam a noção de justiça para a sociedade, e que é justamente a imprensa a
instituição que afere a conformidade dos movimentos nesse meio. “A liberdade de imprensa,
então, não estaria contida dentro dos marcos legais, mas são os marcos legais que deveriam
estar contidos dentro dos marcos da liberdade – e esta, em seu corpo integral, seria
inapreensível pelo direito” (BUCCI, 2016, p. 35).
Todo o arcabouço erguido para suportar as relações comunicacionais do poder
Judiciário brasileiro foram definidas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988
– muito embora já existisse uma torrente de mudanças encaminhadas antes mesmo deste
período. A CF foi responsável por delinear os perfis das instituições, tornando a publicidade
um princípio fundamental de acordo com o inciso IX do artigo 93. Também é precisamente
este o período que marca o início de uma relação mais estreita entre imprensa e Judiciário, já
que as pautas relacionadas à justiça tornaram-se mais frequentes nos meios de comunicação
devido às próprias condicionantes da Carta Magna brasileira.
Um ponto a ser destacado é que a avaliação sobre a cobertura geral realizada pela
imprensa no campo da justiça frequentemente busca retratar o Judiciário sob enquadramento
preconceituoso, atribuindo demasiada importância aos empecilhos responsáveis por prejudicar
o correto funcionamento do sistema judicial (LEMOS, 2005). Neste prisma, a lentidão e a
53

impunidade tornam-se valores prontamente associáveis à esfera decisória que,


paradoxalmente, mais deveria ser dotada de legitimidade no que concerne às práticas e
contribuição para a formação de uma sociedade justa e democrática.
Outro ponto crítico de análise aborda o enviesamento da imprensa pela ocorrência do
delito em oposição à baixa visibilidade conferida às sentenças resultantes dos processos,
comportamento que pode ser considerado anômalo em decorrência da própria
responsabilidade social da imprensa. Para o bem ou para o mal, os juízos de valor formados
com base na reportagem insistente de denúncias e suspeitas podem tornar-se irreversivelmente
equivocados quando da finalização do julgamento durante as etapas finais do processo, que,
por sua vez, já não possuem o mesmo espaço e tampouco parecem atrair a atenção do público.
Dessa maneira, a primazia pelo sensacionalismo é assumida conscientemente, apesar
dos riscos sobre uma eventual condenação midiática que, além de ser antiética, incompatível
com os valores jornalísticos mais fundamentais e desonesta com os envolvidos, poderia
revelar-se uma grande injustiça em caso de absolvição. É também por esta apreciação
indesejada que os órgãos de justiça trabalham no sentido de promover melhor suas ações e
não depender totalmente da intermediação realizada pela imprensa.
Ao falar sobre a comunicação da justiça ou a comunicação do Judiciário no Brasil,
com base no exemplo do Supremo Tribunal Federal e da TV Justiça, Bucci (2019) afirma que
a lei materializa-se e expressa-se por palavras. Para o autor, essa característica de
circunscrição à normatividade suportada pelo texto torna o modus operandi do Judiciário
avesso, por natureza, ao espetáculo. Contudo, os movimentos recentes indicam a degradação
de tal premissa em prol da adoção de comportamentos que rendem-se à sedução da
visibilidade. Bucci (2019) ressalta que esse conflito no Judiciário situa-se a partir da inflexão
da postura que aspira à ordem do Imaginário quando depende da Ordem do Simbólico para
provar-se perante a sociedade enquanto poder autônomo e independente. Trata-se de uma
antinomia traduzida, respectivamente, pelos ditames da imagem e da palavra.
O Judiciário vive às voltas em crise essencial por estar no limiar de uma esfera de
poder responsável pela mediação de assuntos cívicos, de estreita intimidade com a cidadania
e, portanto, profundamente interessante a toda a população, ao passo em que aluga sua
estrutura ideológica fundamental a serviço de uma lógica pertencente àquilo que é fruto de
uma época pós-Consenso de Washington. Os indícios dão conta de que a partir da década de
1990, quando também fortalece-se financeirização do jornalismo econômico, é que
54

fundamentou-se amplamente, segundo Maccalóz (2002), a tendência já existente de maior


divulgação de ações envolvendo o Judiciário, especialmente nos casos ainda sem trânsito
julgado.
Precisar um momento em que essa aparente transição na forma de
autorreconhecimento do Judiciário brasileiro teve início é tarefa difícil, mas a elevação de
membros da Suprema Corte do país à repentina posição de figuras públicas – a partir do
lançamento da TV Justiça, em 2002 –, com espaço de destaque reservado para os seus
instantes de brilho e reverência em emissora de televisão, se não introduz marco histórico
nesse sentido, ao menos traz boas pistas. Diferentemente do que era esperado, a inauguração
de um canal midiático oficial do Judiciário, que deveria representar o auge da transparência
em termos objetivos, parece ter desviado de seu foco e dado início a um período em que a
visibilidade diante do povo a que serve converteu-se em sinônimo de oportunidade para a
criação de um novo modelo de celebridade, semelhante a jogadores de futebol, atrizes de
televisão e socialites (BUCCI, 2019).
Naturalmente, a tentação em transfigurar-se em uma esfera mais preocupada com a
própria imagem do que com a missão que é incumbida de cumprir resulta em graves
dissonâncias. Exemplo disso é que as aparências tomaram o destaque da própria justiça
empreendida pelo Judiciário, quando elas devem ser, na verdade, acessórias à realização da
justiça por meio de simbologia e liturgias (BUCCI, 2019). É possível dizer, portanto, que o
elemento que deveria assegurar a lisura de processos via referências lastreadas na letra da lei
transformou-se em um dos motivos pelos quais a justiça passou a descolar-se de sua essência.
É o que leva Bucci (2019) a questionar se é possível o Judiciário adotar a linguagem
espetacular sem desvencilhar-se de seus desígnios democráticos. Ele reflete, então:

Para complicar ainda mais o cenário, a acumulação de imagens (e de


espetáculos) não torna os governos e os poderes mais transparentes. O que se
dá é justamente o contrário. O excesso de imagens não ilumina, mas ofusca.
O excesso de luzes, traduzidas em holofotes que cegam, parece acender um
iluminismo paroxístico. As democracias adoeceriam não por escassez de luz,
mas por profusões estonteantes de performances ofuscantes. (BUCCI, 2019,
p. 53).

A abordagem da pauta vinculada ao Judiciário e a sua retratação nos meios de


comunicação a partir do fim do século XX e começo do século XXI introduziram a
numerologia. Pesquisas, estatísticas, gráficos e dados passaram a alienar das conclusões e
55

opiniões qualquer posição crítica, induzindo à objetividade jurídica. É também decorrente


dessa postura que o bom e exemplar trabalho feito pela justiça perde sua aderência na
imprensa, já que passa a ser considerada “boa” a atividade jurídica que acompanha as
jurisprudências dos tribunais e que aplica de forma bastante enrijecida – ou a partir da
expectativa elitista – a legislação vigente (MACCALÓZ, 2002).
A chamada justiça social empreendida por alguns juízes, segundo Maccalóz (2002),
acaba sendo inviabilizada e não ganha destaque midiático, o que abre caminhos para a
modificação de suas sentenças e o combate do seu trabalho. Mesmo quando o desempenho é
acima da média, a nível excepcional, parece existir um esforço deliberado para ocultá-lo da
sociedade a fim de que ela não conheça novos níveis de exigência e passe a cobrá-los do
Judiciário, muito embora a midiatização dos feitos positivos de seus agentes seja um dos
poucos fatores capaz de mudar a imagem dessa instância perante a população.
Outro bom exemplo de Gomes (2004) sobre um convidado que flexiona a relação
entre comunicação e política encontra-se no campo econômico – o que tem muito a ver com o
jornalismo econômico. Nos últimos anos, devido à globalização, diversos países que
tornaram-se demasiadamente dependentes da poupança externa têm enfrentado processos de
reconhecimento e condução da política pela influência das tendências econômicas. Mesmo os
países com grau de autonomia e Estado forte, conta Gomes (2004), por vezes acabam
envoltos em circunstâncias nas quais decisões eleitorais da esfera civil, com forte repercussão
na agenda política, são determinadas pelas preocupações econômicas.
O fato é que o momento do capitalismo atual arrasta consigo uma série de implicações
que não podem ser ignoradas de forma alguma por governos e estados, e é dessa perspectiva
que depreende-se a necessidade de programas e tomadas de decisão alinhadas às necessidades
de mercados e investidores estrangeiros (GOMES, 2004). A vulnerabilização de economias
mediante a carência de aportes financeiros advindos do exterior torna qualquer jogada política
refém dos interesses privados, numa espécie de assalto do Estado pelo sequestro das
esperanças e expectativas da sociedade em um futuro melhor conduzido pelo caminho da
política tradicional.
Com esse cenário, desenham-se dois quadros distintos, para Gomes (2004). Em um
deles, governos e agentes do Estado precisam acenar positivamente e corresponder às
expectativas do mercado financeiro internacional com o objetivo de angariar avaliações
favoráveis, revelando-se um destino sedutor e confiável para os investidores. No outro, a
56

realidade das decisões tomadas pela esfera civil requer a apresentação de propostas, projetos e
soluções capazes de satisfazer às grandes necessidades da sociedade em termos de serviços
fornecidos pelo Estado, de modo que a confecção de impressões e a convergência otimista da
opinião pública permita a continuidade de todo o trabalho, tanto num sentido como no outro.
É uma difícil missão equilibrar os gestos, especialmente porque, com frequência, a
oposição de interesses leva a uma postura conflitiva incapaz de agradar a ambos os lados – e
dado que eles importam para a estabilidade do universo político, é preciso habilidade para
tergiversar em momentos de crise:

Trata-se de um ambiente competitivo do começo ao fim, em que cada um


dos disputantes busca administrar as impressões dos outros e, ao que ele
explicitamente diz. Governo, oposição, agentes do mercado financeiros,
jornalismo econômico e público, que são os pólos envolvidos nesse caso,
todos em gerais desconfiadas de todos e com interesses contrapostos,
buscam descobrir o modo como as coisas realmente estão, procuram inventar
um jeito para que os seus interesses possam se satisfeitos, apesar dos outros,
tentam encontrar uma maneira de controlar o processo inteiro. À evidência
de uma judicialização da política midiática, acrescente-se, então, as
evidências de uma interface importante da política contemporânea
envolvendo, triangularmente, política, comunicação de massa e economia.
(GOMES, 2004, p. 134).

Naturalmente, o Judiciário e a economia são apenas dois dos melhores casos de


intrusão à interface construída pela esfera política e comunicação de massa oferecidos por
Gomes (2004) e que, coincidentemente, adequam-se muito bem à proposta deste trabalho por
designarem questões acessórias ao entendimento buscado a fim de satisfazer a dúvida de
pesquisa. Apesar disso, elas contribuem apenas ao nível da superfície porque aquilo que está
em jogo não necessariamente depende dos códigos e regulamentos impostos por esses
campos, e sim dos resultados proporcionados a partir da interação deles com o universo da
política midiática.
A abordagem do jornalismo econômico, as discussões sobre a Lava Jato e os
desdobramentos teóricos que dela derivam abrem caminhos para a fundamentação de outro
diálogo inadiável à composição deste trabalho: o papel das narrativas e tessituras na apreensão
de sentidos sobre o mundo na atualidade, com o devido destaque à colaboração ímpar
representada pelo advento de tecnologias e plataformas. Porém, o que realmente interessa
desse espectro é a atribuição de importância cada vez maior ao simbolismo e signos
rebocados pelas narrativas, que permeiam hoje todo tipo de produtos, do entretenimento
57

popular às histórias reais que compõem a biografia particular de um indivíduo. Nisso consiste
o objeto do próximo capítulo.

3. NARRATIVAS
58

Como um trabalho que dispõe-se a investigar os sentidos tecidos pelas narrativas


econômicas de um jornal a respeito da Operação Lava Jato, fez-se claro que abordar a questão
narrativa enquanto viés enquadrante seria de fundamental importância para chegarmos,
finalmente, ao arcabouço metodológico que permitirá desvelar as respostas para a dúvida de
pesquisa. Por isso, o caminho traçado até aqui, neste texto de qualificação, tenta estabelecer
linhas de raciocínio sequenciais com o objetivo de preparar o terreno em que as problemáticas
poderão ser acomodadas e sustentadas.
O primeiro capítulo tratou das questões inerentes ao jornalismo econômico e às
características da especialização no Brasil a fim de propor ampla base de entendimento dos
contornos que a cobertura voltada à economia adquiriu na atualidade, especialmente no país.
A importância da economia para a sociedade e, muito mais, a retratação que a sociedade
recebe sobre a economia por meio da imprensa e dos veículos midiáticos é o fio condutor que
lastreia os interesses deste trabalho. No fim, respondida a questão problema, as considerações
dispensarão maior atenção e cuidado ao diagnóstico das minúcias da cobertura especializada
em economia sobre a Lava Jato de modo a abstrair qual tem sido o papel do jornalismo
econômico para a sociedade e para a cidadania.
No segundo capítulo, enfocamos o objeto da cobertura abrangida pelo jornalismo
econômico selecionada aqui enquanto filtro temático e trama de fundo: a Operação Lava Jato.
A escolha não tem a ver com aleatoriedades ou eventos esporádicos, como é de imaginar-se.
Muito pelo contrário, ela ergue-se a partir da importância adquirida pela – ou atribuída à –
Operação Lava Jato em decorrência das variáveis que a compõem. Além do breve balanço
sobre o objeto em si, tentamos relacioná-lo a algumas discussões teóricas envolvendo as
zonas de interface entre política midiática, comunicação de massa e a participação de
terceiros, como o Judiciário e a própria economia.
O terceiro e penúltimo capítulo desse tripé teórico responsável por enlaçar a coerência
do projeto, dessa maneira, não poderia deixar de fazer uma incursão sobre a narratividade.
Afinal, se o jornalismo econômico é o grande tema dessa pesquisa, e a Operação Lava Jato, o
seu objeto e principal alvo de estudos, a narrativa é a forma assumida por esse objeto e,
portanto, define o conteúdo que será propriamente dissecado no afã de trazer à luz as
identidades que o caracterizam.
59

3.1 Características da narrativa e seus operadores

No emaranhado de sentidos que as notícias e reportagens pinçam a partir de um dado


arcabouço cintilante no imaginário sociocultural, está a narratividade. Isso é, a forma pela
qual as histórias são contadas e encaixadas sequencialmente em uma cadeia lógica composta
por elementos abstraídos do real ou do universo fictício. As implicações disto é que entender a
história e a geração de significados calcadas na abordagem da Lava Jato pela Folha importa
tanto quanto compreender os motivos que justificam a sua entrada, manutenção e
desenvolvimento no rol de assuntos com potencial de interesse à editoria de economia do
jornal.
A importância da narratividade está ligada diretamente ao interesse dos seres humanos
por conhecer e contar histórias. Motta (2012) argumenta que narrar é o jeito cânone
encontrado pelas pessoas para projetar-se perante o mundo e diante dos outros, o que é latente
desde os tempos pré-históricos, com as pinturas rupestres feitas em cavernas. Praticamente
toda a comunicação é permeada por narrativas. Elas são trabalhadas com base em escolhas,
intenções e omissões, delineando e delimitando os sentidos oferecidos. Segundo o autor, é
assim que são construídas as características de personalidade, os elementos de autoimagem e
também os relatos íntimos responsáveis por pautar as conexões interpessoais.
Gancho (2001) corrobora com essa perspectiva e aponta que narrar é uma
manifestação presente na existência humana desde a sua origem. Os mitos e a Bíblia são dois
dos exemplos ancestrais que a autora apresenta para demonstrar como a preocupação em
contar e registrar narrativas vem de longa data, quando as formas para isso ainda encontravam
grande grau de restrições. Modernamente, as possibilidades narrativas multiplicaram-se com o
advento de novas tecnologias e a popularização de determinadas modalidades através de
produtos, comerciais ou não, e representações artísticas, como telenovelas, filmes
cinematográficos, peças de teatro, histórias em quadrinhos, desenhos animados e, obviamente,
notícias e reportagens jornalísticas (GANCHO, 2001). Dessa forma, a dimensão primária da
narratividade na vida humana acabou sendo transposta, com o tempo, para o nível cultural a
partir de produtos amplamente reconhecidos na sociedade.
O reconhecimento das narrativas, segundo Gancho (2001), leva a maioria das pessoas
a compreender que existem eixos elementares que as constituem e sem os quais elas não
poderiam jamais existir. Portanto, “[…] tais elementos de certa forma responderiam às
60

seguintes questões: O que aconteceu? Quem viveu os fatos? Como? Onde? Por quê?”
(GANCHO, 2001, p. 3). Outro lugar-comum a esse respeito é que as narrativas costumam ser
divididas em três grandes blocos – que podem ser classificados como movimentos
pertencentes ao gênero – pelos quais a organização das histórias é assimilada em sua
completude, não necessariamente sob uma ordem lógica de começo, meio e fim. Esses blocos
são conhecidos como introdução, desenvolvimento e conclusão (FRANCO JUNIOR, 2006).
É preciso atentar-se para o fato de que introdução, desenvolvimento e conclusão até
podem sugerir uma pretensa sequência, mas a experiência com leituras narrativas demonstra
que há uma grande variabilidade em relação ao surgimento de tais ocorrências (FRANCO
JUNIOR, 2006). Certas narrativas, por exemplo, antecipam a conclusão para só depois
promover o desenvolvimento e a introdução. Outras, lançam primeiramente o
desenvolvimento e em seguida apresentam a introdução e a conclusão. É por isso que Franco
Junior (2006) prefere a definição de “movimentos” em oposição a qualquer outro que defina e
restrinja o momento de entrada e saída de cada ato, pois a liberdade criativa permite um vasto
número de combinações.
Apesar da colocação, não é ponto pacífico que introdução, desenvolvimento e gênero,
embora pareçam integrar a maior parte das narrativas, sejam suficientemente caracterizadoras
e definidoras do que conhece-se por narrativa (FRANCO JUNIOR, 2006), isso porque existe
um vácuo ou uma imprecisão sobre que materialidade é alvo objetivo dessa classificação: se a
história, a narrativa ou o texto. À parte dessa constatação, para Gancho (2001) toda narrativa
precisa apresentar ao menos cinco elementos condicionantes, estruturantes e viabilizadores:
enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. Já Franco Junior (2006) oferece outra resposta
e afirma que o tratamento do conflito dramático aproxima-se daquilo que poderia ser
enxergado como característica intrínseca – e não exclusiva – à narrativa:

A identificação do conflito dramático é, no entanto, fundamental para que se


possa estabelecer um estudo detalhado da narrativa na qual ele se manifesta
– o que já se apresenta como uma pista metodológica: identificá-lo, voltar a
ele quantas vezes for necessário para pensar a história narrada pelo texto que
se está analisando, notar que a partir e/ou em torno dele circula uma série de
elementos que são passíveis de decomposição pela análise descritiva e
passíveis de reunião – operada sempre com algum distanciamento crítico –
pela análise interpretativa. (FRANCO JUNIOR, 2006, p. 34).
61

A posição do autor não o impede de avançar teoricamente e discorrer a respeito de


alguns conceitos que, para ele, introduzem e descrevem analiticamente o que é a narrativa em
si. Assim, valendo-se do Formalismo Russo e do New Criticism, correntes pioneiras na
construção da teoria literária como disciplina organizada em torno de princípios de
cientificidade, Franco Junior (2006) apresenta noções que possuem paralelos com os
elementos identificadores dados anteriormente por Gancho (2001).
O primeiro deles diz respeito à fábula, que o autor descreve como o conjunto de fatos
narrados ou comunicados pela narrativa. Também chamada de enredo por Gancho (2001), a
fábula pressupõe a apresentação de eventos, por vezes em uma ordem lógica e cronológica
que pode ou não corresponder à ordem em que são inseridos no texto. Neste caso, o que está
em jogo é a capacidade da narrativa oferecer todos os detalhes necessários para que seus
destinatários consigam fazer as abstrações de causa e efeito, construindo uma síntese.
Outro conceito relevante ao entendimento de uma história, segundo Franco Junior
(2006), refere-se à trama – ou a arquitetura do texto narrado. A trama nada mais é do que o
modo em que os fatos são narrados sob a organização do texto, constituindo a própria
construção da história em si. Dessa maneira, é possível dizer que a fábula condensa o que
houve, enquanto a trama define a forma como leitor tomou conhecimento do que houve.
Ainda é necessário mencionar o conceito de intriga, que difere da trama e da fábula, apesar de
não desvencilhar-se completamente delas (FRANCO JUNIOR, 2006). A intriga trata do
conflito de interesses geralmente emergido pela luta entre personagens em uma narrativa, tal
qual o conflito dramático erigido pelo mesmo autor.
Franco Junior (2006) chama a atenção ao uso indiscriminado de conceitos para definir
pontos distintos em uma narrativa a considerar a história narrada e a história construída,
sintetizadas nas noções de fábula e trama. Conforme as definições de outros autores e do New
Criticism norte-americano, ele continua, é possível estabelecer aproximações entre fábula e
trama aos conceitos de estória (story) e enredo (plot), respectivamente. Contudo, é preciso
assinalar que essa comparação é imperfeita e pouco apropriada do ponto de vista
metodológico. O problema aqui, porém, está na maneira em que essa miscelânea de conceitos
acaba por trazer prejuízos à apreensão da construção como indispensável às narrativas. Franco
Junior (2006) exemplifica que, na literatura, por vezes enredo descreve a relação de eventos
narrados ou a síntese da narrativa, como a própria Gancho (2001) o faz, quando, na verdade,
62

esse conceito foi concebido para tratar do modo como a história é tecida por meio de palavras,
sob a forma de texto.
Dando sequência a apresentação de conceitos-chave para as narrativas, os personagens
surgem como um dos operadores mais destacados e de reconhecimento bastante comum em
decorrência da identificação com a noção de pessoa (FRANCO JUNIOR, 2006). Segundo
Gancho (2001), elas são as responsáveis pelo desempenho e pela ação, o que, para a autora,
indica que apenas são personagens aqueles que falam ou agem na história. Franco Junior
(2006) sugere definição semelhante quando afirma que as personagens são “[…]
representações dos seres que movimentam a narrativa por meio de suas ações e/ou estados”
(p. 38). Ao mencionar “estados” para além de “ações”, porém, essa última definição parece
incluir entre as personagens qualquer indivíduo que faça-se presente na história, mesmo que
sua participação resuma-se a uma breve menção.
As personagens também podem ser classificadas de duas maneiras, conforme a sua
relevância e priorização dentro da história ou a partir do seu grau de densidade psicológica,
segundo Franco Junior (2006). Quando o assunto é a importância para o conflito dramático, as
personagens são primárias ou secundárias. Caso suas ações pautem a construção da história de
modo que, sem elas, pouco sobra de interessante para a narrativa proposta, elas enquadram-se
sob a perspectiva de primárias. Gancho (2001) insere protagonistas – que assumem a posição
de herói ou anti-herói na realização de feitos destacados – e antagonistas – cuja função é
rivalizar com os protagonistas e atrapalhá-los em seus objetivos – sob essa classificação.
As personagens secundárias, por sua vez, são aquelas que não oferecem grandes
contribuições para o desenrolar da história, apesar de cumprirem funções específicas e
surgirem, em certas ocasiões, como resultado de conflitos dramáticos envolvendo
protagonistas, segundo Franco Junior (2006). Elas podem desempenhar papel de ajudantes de
protagonistas ou antagonistas, de confidentes e de figurantes, dentre outros (GANCHO,
2001).
Em tratando-se da caracterização das personagens, a classificação bifurca-se entre
planos e redondos – categorias que ainda guardam subclassificações. Segundo Franco Junior
(2006), as personagens planas são aquelas com baixa densidade psicológica e profundidade
dramática limitada, marcadas por atributos que as fazem bastante reconhecidas entre o
público. Elas ainda podem ser divididas entre tipo, associadas a alguma categoria social com
características padronizadas e invariáveis – a exemplo do jornalista, da enfermeira, do pirata e
63

outros – e estereótipo – ou caricatura para Gancho (2001) –, que são personagens sobre as
quais incidem signos em excesso, tornando a sua caracterização frequentemente ridícula e
proporcionando uma “[…] cristalização máxima dos lugares-comuns e dos valores
socialmente atribuídos às diversas categorias sociais” (FRANCO JUNIOR, 2006, p. 39).
Enquanto isso, as personagens redondas são conhecidas por sua alta densidade
psicológica, complexidade, alinearidade e contradições que são trazidas nos sentidos de suas
ações e comportamentos. Segundo Gancho (2001), elas ainda podem ser segmentadas de
acordo com o grupo de atributos que projetam-se mais destacadamente, sendo caracterizadas
como físicas, psicológicas, sociais, ideológicas e morais. Além da divisão tradicional entre
personagens planas e redondas, Franco Junior (2006) menciona uma terceira classificação,
mista, chamada de “[…] plana com tendência a redonda”. Essas seriam personagens com
densidade psicológica mediana, construídas sob um circunspecto de linearidade
predominante, sem, porém, apresentar uma configuração totalmente previsível. Assim,
personagens com essa qualificação podem surpreender por realizações avessas à sua
construção psicológica.
Outro operador narrativo de fundamental importância é o narrador, que, segundo
Franco Junior (2006) e Gancho (2001), não podem ser confundidos com o autor da narrativa.
O narrador é uma categoria específica de personagem, uma criação linguística do autor para
narrar os fatos dentro do contexto que pertence à própria narrativa. Segundo Franco Junior
(2006), é bastante comum classificar o narrador conforme a pessoa do discurso que emprega
no texto ou de acordo com sua participação e interação junto à história. Assim, o recurso à 1ª
pessoa (eu/nós) costuma ser associado ao chamado narrador participante, enquanto o uso da 3ª
pessoa (nós/eles) costuma ser vinculado ao narrador observador. Porém, essas dicas exigem
uma verificação mais aprofundada e rigorosa, visto que existem situações nas quais um
narrador participante empregaria o uso da 3ª pessoa e o narrador observador, da 1ª.
Gancho (2001) aponta que o narrador observador é caracterizado por sua onisciência e
onipresença, além de poder ser dividido entre intruso e parcial. Da mesma maneira, em
oposição ao narrador observador, a autora sugere que uma característica forte do narrador
participante é o campo de visão limitado, sendo também classificado em testemunha ou
protagonista. A perspectiva do narrador define o seu ponto de vista ou foco narrativo,
chamado ainda de focalização por Franco Junior (2006), o que caracteriza a abordagem para
fins de sensibilização intelectual e emocional do público com o propósito de provocar adesão
64

às ideias, valores e questões evocadas pela história. Para além dessas formas de tratar o
narrador, existem outros autores que sugerem classificações distintas, mais específicas, que,
por conveniência metodológica e escopo de nossa pesquisa, não serão apresentados aqui.
No rol de tópicos relevantes às narrativas, especialmente para a sua análise, é
interessante observar as noções de tema, motivos e motivação, segundo Franco Junior (2006).
O tema é o ponto crucial da narrativa em torno do qual ergue-se a história, o assunto central
responsável pelo desenvolvimento do núcleo dramático. Apesar disso, ele pode apresentar
relativa variabilidade que depende da posição do público quanto ao conflito dramático, quase
sempre proporcional ao grau de ambiguidade da narrativa – quanto mais aberta, maiores as
liberdades de escolha de um tema por parte de quem consome a narrativa.
Já os motivos, para Franco Junior (2006), desdobram-se a partir dos subtemas
apresentados durante a narrativa e exercem uma função específica ao desenvolvimento da
história e à construção do conflito dramático. Eles geralmente surgem por intermédio das
ações das personagens e podem ser fundamentais, acessórios, secundários ou não-essenciais à
consecução dos eventos na própria narrativa. Por fim, a motivação abarca o conjunto de
motivos que, em processo de relação com o tema, permite desvelar a forma e a maneira como
ele é trabalhado ao longo da narrativa – em arranjos, escolhas e decisões do autor. Para
Gancho (2001), essa cadeia é denominada de tema, assunto e mensagem, na qual tema e
assunto parecem corresponder às noções de tema e motivações de Franco Junior (2006),
enquanto a mensagem desvincula-se parcialmente de todos os conceitos anteriores para
definir a reflexão derivada da narrativa – a exemplo da moral da história em muitos casos,
mas nem sempre dotada de teor moralizante.
Sobre as etapas de desenvolvimento e construção da narrativa, os conflitos costumam
determinar marcos pelos quais a história é conduzida e articulada do início ao fim, embora
essa correspondência não signifique um começo e um término cronológico, mas apenas um
ponto de partida e um ponto de chegada. Dentre as ocorrências de conflito ou articuladas ao
conflito, estão o nó, o clímax e o desfecho (FRANCO JUNIOR, 2006). O nó significa o
embaraço de uma situação inicial ligeiramente estável e que exigirá ações e medidas com
vistas à sua resolução – não necessariamente o retorno ao momento anterior –, sendo o ponto
que firma a gênese do conflito dramático.
O clímax, sendo uma expressão bastante empregada na linguagem popular, caracteriza
o ápice do conflito dramático, o momento em que as tensões elevam-se de tal maneira que
65

geram múltiplas expectativas para o encaminhamento da narrativa ao passo em que


suspendem qualquer lógica sobre o que prevalecerá (FRANCO JUNIOR, 2006). O clímax,
para Gancho (2001), é o ponto de referência e o pilar de segurança em torno do qual todas as
demais partes apoiam-se. O desfecho, como o próprio nome sugere, marca o encerramento da
narrativa pela conclusão do conflito dramático e preenche todas as lacunas sem resposta até
então. Para além de nó – complicação para Gancho (2001) –, clímax e desfecho, a autora
observa a existência de outra etapa que antecede todas essas, chamada por ela de exposição, a
qual caberia introduzir fatos iniciais, personagens, tempo, espaço e demais variáveis capazes
de situar quem acompanhará a história.
Toda narrativa também possui um “lugar” em que desenvolve-se. A noção de
referência arquitetônica ou geográfica, marcada pela existência de um endereço físico e
material, onde situações são desdobradas e personagens realizam ações é chamada de espaço
(FRANCO JUNIOR, 2006). Como elemento que serve fundamentalmente para situar as
personagens, o espaço pode ser caracterizado e descrito de maneira mais detalhada por meio
de estratégias empregadas na própria narrativa, como afirma Gancho (2001).
A autora também reconhece uma categoria na qual a construção de atributos
socioeconômicos, morais e psicológicos, numa confluência entre espaço e tempo, ergue uma
aura sobre o lugar da narrativa. Esse clima – ou atmosfera – é chamado de ambiente. Franco
Junior (2006) acrescenta que o ambiente é resultado do quadro relacional entre as
personagens, determinado por um jogo de forças muitas vezes relevante para o
encaminhamento do conflito dramático. Como as variáveis são bastante flutuantes dentro do
contexto narrativo, “[…] um mesmo espaço pode, portanto, apresentar diversos ambientes”
(FRANCO JUNIOR, 2006, p. 46).
Além dos dois conceitos anteriores, Franco Junior (2006) identifica um terceiro, que
ele chama de ambientação. Sob essa perspectiva, o ambiente surge como uma noção
construída e que depende de uma série de escolhas, decisões e inflexões para realizar-se.
Assim, a ambientação consiste no conjunto de fatores que moldam o ambiente, o que permite
perceber também as marcas de escrita do autor. Segundos Lins (1976 apud FRANCO
JUNIOR, 2006), são pelo menos três os tipos de ambientação: a franca, a reflexa e a
dissimulada ou oblíqua.
A ambientação franca diz respeito à composição de um ambiente no qual o narrador
não participa dos eventos e, portanto, descreve livremente, como bem lhe aprouver, a
66

atmosfera da história. Em contrapartida, a ambientação reflexa dá-se por intermédio da


prospecção feita por personagem (ns) durante os momentos em que eles são focalizados e
alçados a uma posição de maior destaque. Por último, a ambientação dissimulada ou oblíqua é
aquela subjetivada e oferecida, de forma sugestiva, a partir das ações das personagens.
Um dos operadores narrativos mais suscetíveis à manipulação do autor para impressão
de efeitos sobre o público é o tempo. Para Ricoeur (1995), os arranjos de uma língua tentam
replicar a experiência viva a partir da modulação temporal das ações, mas eles nem são
determinantes e tampouco determinadores daquilo que entendemos ser o tempo – em seu
sentido mais elementar o qual estamos habituados. Mesmo assim, está posto que os recursos e
mecanismos pelos quais torna-se possível enquadrar passado, presente e futuro são
imprescindíveis à narratividade, conforme a posição do autor. Afinal, sem eles jamais seria
possível situar de forma referenciada os acontecimentos históricos.
O tempo, em termos narrativos, costuma ser dividido em duas categorias distintas,
conforme Franco Junior (2006) demonstra: o tempo objetivo ou cronológico, já mencionado
antes, e o tempo subjetivo ou psicológico. O tempo cronológico, em tese, é o mais óbvio por
valer-se de uma configuração presente no cotidiano das pessoas. É o transcurso natural dos
fatos, ligado a uma certa linearidade, e mensurado em horas, dias, meses anos ou séculos
(GANCHO, 2001). O tempo psicológico, por sua vez, é a manifestação de uma ordem que
pertence aos desejos e motivos do narrador ou dos personagens, pois altera, subverte ou
desorganiza a sequência original dos fatos através de critérios muito particulares.
Contudo, faz-se necessário ressaltar, porém, que a cronologia está incrustada no tempo
psicológico, embora ela não seja um definidor e aproxime-se mais de um referencial pelo qual
o grau criativo da subjetividade desvela-se. Não obstante, os tempos narrativos abrem
possibilidades para o exercício de liberdade sobre os tempos da narração – que diferenciam-se
dos primeiros por estabelecer nuances sobre as estratégias de positivação do tempo com o
objetivo de tecer sentidos bastante específicos. A ordem é um dos vetores para o manuseio
desse recurso, criando, por vezes, anacronias distintas derivadas da falta de alinhamento entre
a ordem dos acontecimentos na história e a ordem de apresentação deles na trama (FRANCO
JUNIOR, 2006).
Quando a trama introduz um evento do desenvolvimento da história logo no início, ele
é chamado de narrativa in media res. Mas se é o desfecho que abre a apresentação do discurso
narrativo, a anacronia é conhecida como narrativa in ultima res. Os desdobramentos da trama
67

permitem ainda a possibilidade de recuos temporais com vistas à recuperação de


determinados eventos e fatos anteriores ao momento então representado, o que é chamado de
analepse – correspondente aos flashbacks da linguagem cinematográfica. O inverso também
torna-se possível pela antecipação de ocorrências que, na história, pertencem a um instante
vindouro – chamados de flashfowards na linguagem cinematográfica. (FRANCO JUNIOR,
2006).
Desencontros entre a duração dos acontecimentos na história e o relato deles na trama
são outra forma de empregar o tempo da narração como método para criar movimentos. O
sumário narrativo é a falta de sincronia entre os eventos e o seu relato, que são resumidos ao
nível do discurso, embora alonguem-se na história. Inversamente, a extensão da
temporalidade por intermédio de descrições que proporcionam esse efeito são chamadas de
pausas descritivas ou anisocronias. Na elipse, o narrador elimina determinados
acontecimentos da história no plano do discurso narrativo. Já com a digressão, o narrador
realiza incrementos no discurso narrativo e o estende ao mesmo tempo em que estabiliza o
tempo do enredo. A coincidência entre acontecimentos do enredo e sua expressão narrativa é
chamada de cena. (FRANCO JUNIOR, 2006).
A variável frequência, segundo Franco Junior (2006), define a relação quantitativa
entre os acontecimentos da história e o número de vezes em que eles aparecem no discurso
narrativo. Assim, a narrativa é singulativa se houver equivalência entre a quantidade de
ocorrências e o número de vezes que elas são mencionadas na trama. Se a narrativa reiterar
um mesmo acontecimento da história por várias vezes ela é repetitiva. Contudo, se a narrativa
isolar e apresentar uma única vez um evento que repete-se ao longo da história, ela é chamada
de iterativa.
A demonstração de complexidade da estrutura narrativa pela descrição de seus
operadores e formas pelas quais eles podem comportar-se a fim de gerar possibilidades
praticamente ilimitadas diante das intenções do autor, corrobora que essa é uma área
extremamente profícua aos estudos. Talvez a ampla simplificação das narrativas seja um
demonstrativo de que elas permeiam tanto a vida humana e o cotidiano das pessoas que boa
parte delas acredita instintivamente compreender o fenômeno em toda a sua plenitude. A
experiência particular e a apreensão dos processos históricos importam, claro, à compreensão
da existência. Contudo, os estudos demonstram que o desenvolvimento das narrativas, bem
como a flexibilidade de produtos, conteúdos e materiais nas quais ela tem condições de
68

conformar-se mais que justificam o investimento em pesquisas que iluminem as alegorias


simbólicas e as mensagens tecidas.

3.2 A importância de estudar narrativas

Como parte dos esforços para fixar os pilares em que os estudos sobre as narrativas
podem encontrar segurança, Motta (2012) elenca duas razões fundamentais pelas quais,
segundo sua experiência e conhecimento, vale a pena investir em pesquisas nesse campo em
franco desenvolvimento. A primeira diz respeito a sobre como estudar as narrativas implica
em apreender quem somos, em adotar uma postura autocentrada com o objetivo de verificar o
que leva a essa construção pessoal e particular de si mesmo
Por isso, cabe retomar aqui o caráter quase inato do interesse essencial por histórias
capazes de emular a experiência lógica que a cognição humana aprende a valorizar e
reconhecer. A busca pela sobrevivência e a perseguição ao conforto e à dignidade parecem ser
os valores responsáveis por alimentar o interesse de uma parte da sociedade sobre as
representações feitas no lastro das relações econômicas, o que torna as narrativas jornalísticas
produzidas na esteira desse guarda-chuva suficientemente interessantes a ponto de serem
alçadas a tema de investigação científica.
Como descrito anteriormente, as narrativas oferecem relevante meio à obtenção de
identidades projetadas no intuito de colaborar para a autocompreensão. Todavia, essa
perspectiva carrega consigo outro gatilho de grande serventia ao conhecimento, lançando
sobre o espaço e o ambiente as mesmas preocupações geralmente atribuídas à construção de
narrativas pessoais. Saber como são criadas as representações e apresentações de mundo é a
segunda razão no rol de bons motivos para estudar narrativas (MOTTA, 2012).
Os relatos construídos a respeito das coisas que despertam interesse é a exata medida
da dialética lançada pelo olhar sobre tudo o que rodeia as pessoas, por isso é elementar que as
estruturas organizacionais de enquadramento do universo simbólico e imaginário criativo
sejam lançados à luz. O exercício é determinante para elucidar pragmaticamente o ideário de
valores e oferece novas possibilidades de redescoberta de si por intermédio da imersão sóbria
e lúcida feita no lugar de intimidade.
Com respeito ao jornalismo econômico, a elucidação dos modelos de reprodução do
mundo equivale a traduzir, em alguma medida, os princípios norteadores desse tipo de
69

noticiário na atualidade, o que fortalece o ensejo por este trabalho. Os dois motivos alegados
para demonstrar a importância de debruçar-se sobre as narrativas denota que estudá-las “[…]
é compreender o sentido da vida” (Motta, 2012, p. 23), objetivo que praticamente encerra a
carência por quaisquer outros argumentos. Não obstante, é razoável supor que o debate em
torno da absorção de narrativas enquanto parte fundamental da performatividade humana
envide dúvidas que já não mais estejam no âmbito da justificação, mas que avancem sobre os
aspectos mais importantes dessa ação reflexiva.
Dessa forma, Motta (2013) volta ao assunto para argumentar que, além das razões já
apresentadas, o estudo de narrativas referencia-se por outros interesses balizados na forma
como a constituição de histórias fundamenta o imaginário humano a respeito de praticamente
tudo, ditando a própria tônica de interação dos indivíduos com o mundo, seja ele real ou
fictício. Amparado nessa constatação, o autor diz que esclarecer as distinções e variações
entre as representações factuais e fictícias do mundo é outro ponto no qual esse tipo de
pesquisa assenta-se.
Diferentemente, porém, das aspirações pragmáticas e positivistas que tornariam o
gênero de cada narrativa foco prioritário das incursões investigativas, o objeto essencial para
trabalhos com esse viés é a performance discursiva dos interlocutores partícipes na
comunicação. Ou seja, busca-se decifrar tanto o arcabouço referencial cuja base acaba por
filtrar os discursos que podem ser enquadrados como reais e factuais ou irreais e fictícios,
como visa elucidar as estratégias linguísticas, intencionais ou não-intencionais, que tecem o
caráter da mensagem, conforme Motta (2013) preconiza.
Em tal configuração, é possível observar ainda uma pequena armadilha na qual apenas
a precipitação da situação conjuntural pode evitar. Trata-se de como as narrativas fáticas e
fictícias operam, por vezes, em fronteiras bastante nebulosas, gerando intersecções que levam
o real a penetrar no fictício, e o especulativo a invadir a vida cotidiana (MOTTA, 2013).
Como enfatiza o próprio autor, o advento dos meios de comunicação e a dramatização geral
da cultura parecem reforçar essa noção ao produzir movimentos de incorporação de um pelo
outro, ocultando frequentemente os institutos empregados com a justificativa de provocar
letargia ou catarse.
Não restringindo-se à perspectiva anterior, outro aspecto que também desperta
curiosidade sobre o valor das narrativas diz respeito a como sua lógica é tangenciada para
atribuir sentido às enunciações presentes na literatura ficcional e também aos relatos
70

historiográficos (MOTTA, 2013). Em ambos os casos os atributos narrativos são


transformados em elementos de reconhecimento da realidade pela qual é possível nomear e
enumerar as coisas e os acontecimentos, o que torna o ato de fala, em seu delineamento
estético e linguístico, um pilar fundamental para as obras de suscitação imaginativa, e o
tempo, especialmente o passado, na situação de momentos, transições e evoluções, o motor da
história.
Por último, Motta (2013) chama a atenção para como as narrativas servem ao
excepcional com a finalidade de fundar consensos a partir do que antes poderia ser tomado
por disruptivo. Nisso reside parte importante das conjunturas simbólicas capazes de moldar
valores e determinar a negociação de sentidos sobre os eventos. A disputa entre legitimidade
ou canonicidade frente àquilo que está posto enquanto consuetudinário reserva ao aparelho
narrativo grande poder. Afinal, é na capacidade de sedução da enunciação narrativa que
encontra-se o perfume do encantamento, que converte a chave da compreensão dos fatos sem
necessariamente promover a adulteração de sua essência.
A breve incursão feita aqui sobre a estrutura dos processos narrativos, suas
características, operadores e importância para a constituição da forma como o mundo social é
apreendido permite assimilar algo fundamental: tanto quanto a própria história que é contada,
a forma – refletida pelas escolhas subjetivas, arranjos estratégicos e decisões imanentes –
como ela é contada influi diretamente na configuração de sentidos a respeito de um tema,
assunto ou objeto. Dessa maneira, assim como é possível questionar quais sentidos sobre
justiça são ventilados por uma história em quadrinhos de super-heróis, também é viável
levantar a dúvida de quais sentidos são iluminados quanto à cidadania em uma narrativa
contínua de jornal. Antes disso, porém, faz-se necessário compreender o que estamos
definindo por cidadania neste trabalho.
71

4. CIDADANIA

Desde o início deste projeto, nossos esforços têm-se voltado para a tentativa de
construir caminhos que levem a entender que sentidos e significados foram precipitados pelas
narrativas econômicas reportadas nas páginas da seção Mercado da Folha a respeito da
Operação Lava Jato entre 2014 e 2018. A escolha por “sentidos” e “significados” no plural
ilustra a complexidade do desafio que não pretende arrogantemente sugerir uma única versão
predominante e absoluta da história, mas apenas uma de suas faces prospectadas pelas
tomadas de decisão cuja responsabilidade pertence apenas ao autor.
Como uma questão cujo desvendamento requer o cruzamento de algumas áreas de
conhecimento em que o estabelecimento de relações pode trazer algumas dificuldades à
primeira impressão, o capítulo inicial prestou-se a pavimentar a base na qual todas as demais
prerrogativas podiam ser sustentadas. Dessa maneira, o jornalismo econômico foi introduzido
sob diversas nuances na fundamentação teórica, das divergências que envolvem o momento
exato de seu surgimento até o desenvolvimento da especialização sob formas de fenômenos
que, como mostrou Quintão (1987), dependeram quase sempre da fase política pela qual o
Brasil ou o mundo estiveram submetidos.
Contudo, a apresentação do jornalismo econômico e o mérito dos debates em torno de
si cumprem apenas papel histórico se não relacionados a um objeto bem definido no qual o
jornalismo econômico é projetado. É por isso que, dada a centralidade do presente trabalho na
órbita da Operação Lava Jato, o capítulo dois debruçou-se a contextualizar esse que deixou de
ser apenas mais uma etapa do aparato procedimental inerente ao trabalho do Judiciário e da
polícia para tornar-se, potencialmente, o grande evento político midiático da última década.
Recuperar a origem, motivação, principais momentos e envolvidos na Lava Jato é um trabalho
que converge para o ponto em que nem tudo pode ser explicado à luz do conhecimento
primário, o que já justifica, de imediato, a importância da busca por perspectivas amparadas
sob outras preocupações, como a que inspira-se pelo discurso narrativo.
Assim, o terceiro capítulo traz mais um componente de fundamental importância ao
questionamento posto de maneira inicial: a história é retratada em um universo – o do
jornalismo econômico –, aborda um objeto – a Operação Lava Jato – e, embora, possua essas
especificidades, é permeada por características que não lhe são exclusivas. A partir dessa
arquitetura preexistente e comum a outros tantos enredos, torna-se possível desvelar aquilo
que só pertence à forma pela qual a história e o objeto, neste caso, foram tratados. Isso é,
72

identificar a trama e interpretar o jogo da tessitura em termos aprofundados para chegar aos
sentidos configurados a partir de todos esses aspectos articulados em conjunto, o que
permitirá entender também que tipo de jornalismo econômico é praticado hoje.
Ao pensar em quais serão os possíveis resultados apontados pela análise a ser
empreendida, é necessário estabelecer alguns parâmetros do que esperar de uma cobertura
especializada em reportar fatos que tratam de um tema tão sensível como a economia – que
preocupa-se com a satisfação de necessidades e a regulação da escassez de tudo o que é
indispensável à subsistência humana em termos físicos, sociais e culturais. Um jornalismo
econômico que aspire à qualidade precisa, portanto, pela própria essência daquilo que aborda,
orientar-se por princípios cidadãos – principalmente porque os estudos sobre economia
tiveram importante papel no desenvolvimento da cidadania, como será visto à frente. Nesse
sentido, o presente capítulo tentará demonstrar de que cidadania estamos falando ao
apresentar origem, trajetória histórica, derivações e implicações desse conceito para o
contexto aqui estendido.

4.1 O conceito de cidadania, suas dimensões e o contexto brasileiro

Ainda que encontre ecos na antiguidade e na modernidade, a noção de cidadania


pertence às sociedades ocidentais (MORAES & SIGNATES, 2016). Quando observa-se a
práxis greco-romana, por exemplo, ela parece consistir no conjunto de direitos privilegiados,
enquanto mais recentemente adquiriu contornos de uma igualdade formal entre os homens e
desenvolveu-se a ponto de abranger justiça social e política, como afirmam Moraes &
Signates (2016).
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, por exemplo, é um dos
primeiros documentos modernos a estabelecer um movimento de ensaio no desígnio de
proporcionar pilares para construção da cidadania. Nele, a liberdade individual e a
propriedade privada surgiram como elementos cuja seguridade deve ser garantida, o que
representa esforço importante, mas ainda bastante limitado e restrito sobre o que de fato é
cidadania (GADOTTI, 1998). A conjuntura temporal daquele momento conferiu barreiras
nítidas à expansão do entendimento de cidadania na reavaliação do assunto posteriormente,
assim como a economia, a sociedade e a cultura moldaram outras versões de cidadania: para
Gadotti (1998), a liberal, neoliberal e socialista democrática, por exemplo.
73

Gadotti (1998) afirma, de uma maneira objetiva, que a cidadania é “[…]


essencialmente a consciência de direitos e deveres” (p. 2). Nesta concepção, a cidadania é
definida menos pela prática das prerrogativas que fundamentam o conceito do que pela
percepção sobre a existência dessas mesmas prerrogativas. Essa, porém, pode ser uma forma
superficial de vislumbrar a questão. O autor argumenta que a ambiguidade reina nas
discussões envolvendo o conceito de cidadania, o que provavelmente ocorre porque ele é
apresentado sob diferentes delineamentos ao longo da história, ganhando, inclusive, releituras
por intermédio dos aportes teóricos que recebe.
Em seu clássico estudo Cidadania, classe social e status, Marshall (1967) introduziu a
abordagem que emprega ao explicar como o estudo precedente de um economista inspirou a
tentativa de responder às mesmas perguntas durante sua época. A pesquisa empreendida pelo
conhecido economista Alfred Marshall tentava formular cálculos econométricos capazes de
reforçar sua hipótese de que as diferenças econômicas refletidas no estabelecimento de classes
sociais distintas – para ele, algo aceitável – não podia corresponder a um modelo de
desigualdade humana básica na forma de participação integral na comunidade – o que
Marshall chamou de cidadania (1967): “[…] em outras palavras, a desigualdade do sistema de
classes sociais pode ser aceitável desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida” (p.
62).
A motivação principal da questão lançada era a própria situação da Inglaterra em
meados do fim do século XIX e início do século XX, pois havia a crença de que o progresso
das classes trabalhadoras tinha fronteiras que não poderiam ser alcançadas. Distante de
qualquer teoria socialista, Alfred Marshall acreditava, porém, em uma espécie de piso pelo
qual todos deveriam estar minimamente alinhados – não necessariamente, ressalte-se, em
nível econômico, mas provavelmente em dignidade humana – e que essa opinião corrente
sobre a limitação no avanço dos trabalhadores não possuía base válida, dado que a ocupação e
a labuta pesada talvez fossem o grande entrave que distanciasse a essência de umas pessoas
em relação as outras, bastando minimizar essas dificuldades para derrubar quaisquer barreiras
(MARSHALL, 1967).
A influência relativa ao aspecto econômico era evidente para Alfred Marshall, que
observou em artesãos cujo trabalho não era enfadonho a perspectiva de autorreconhecimento
como seres independentes para além da abstração perversa de não passarem de máquinas
produtoras. Dessa maneira, grupos de trabalhadores submetidos a condições menos
74

alienadoras de reflexão sobre o próprio estado tenderam a valorizar a educação em vez de


voltarem as preocupações para o aumento de salários e conforto material, o que tornou eles
mais cientes de seus deveres públicos e privados de um cidadão – ou “cavalheiros”. Para
Alfred, como conta Marshall (1967), esse era o estágio final do processo evolutivo e indicava
que, a partir do momento em que o avanço de técnicas permitisse a redução drástica no
trabalho, e as poucas atividades restantes fossem divididas em parcelas entre todos, as classes
trabalhadoras enquanto definição de homens com trabalho excessivo a fazer, seriam abolidas.
A despeito das acusações de identificação com o pensamento socialista, do qual era
bastante crítico, Alfred, segundo Marshall (1967), tratava de desmistificar a comparação ao
esclarecer que seu sistema preservava os elementos e características principais do livre
mercado. Porém, ele acreditava que esse estágio de liberdade deveria ser condicionado ao uso
de alguma força de coerção do Estado para obrigar as crianças a frequentarem as escolas
primeiro, por imaginar que apenas a instrução poderia, de fato, permitir tomadas de decisão
conscientes com base na distinção entre o modo de vida de cavalheiros – a quem Marshall
(1967) também chamou de civilizados – e operários. Ou seja, “[…] somente o primeiro passo
é obrigatório. A livre escolha preside os demais tão logo a capacidade de escolher seja criada”
(MARSHALL, 1967, p. 60).
Apesar de suas ideias, Alfred não associou a vida de um cavalheiro ao status de
cidadania em decorrência do temor de seu pensamento ser entendido como a expressão de um
ideal em termos de direitos legais aos quais todos deveriam ter acesso, transferindo a quase
total responsabilidade pela concessão desses direitos ao Estado, o que, para alguém que dizia
preservar o livre mercado, não soaria nada bem. Em lugar disso:

Quando ele mencionava cidadania como algo que artesãos qualificados


aprendem a apreciar no curso de sua transformação em cavalheiros, ele se
referia somente às obrigações e não aos direitos da cidadania. Ele a concebeu
como um modo de viver que brotasse de dentro de cada indivíduo e não
como algo imposto a ele de fora. (MARSHALL, 1967, p. 62).

Com todas essas prerrogativas em mente é que Marshall (1967) buscou investigar se
existiam limites além dos quais a tendência à igualdade social não poderia ultrapassar, com
base nos próprios princípios inspiradores dessa mudança, que ele identificava ser a fase mais
recente de uma evolução da cidadania que já vinha ocorrendo nos últimos 250 anos.
75

Dessa maneira, baseado na historicidade, o autor dividiu a trajetória da cidadania em


três partes ou elementos que ele denomina de civil, político e social em que: 1) a esfera civil
corresponde às liberdades básicas ligadas à autonomia individual e pessoal, como o direito de
ir e vir, à propriedade, à justiça, ao pensamento, à fé e outros; 2) o âmbito político diz respeito
à participação na própria vida política da sociedade, seja como membro ou enquanto eleitor
capaz de decidir quem serão os membros a compô-la; e 3) o elemento social vincula-se a uma
noção de bem-estar econômico, garantias de integração à herança social e direito a um padrão
mínimo e prevalecente de dignidade (MARSHALL, 1967).
A diferenciação dos direitos associados ao universo civil, político e social é também
um fenômeno contemporâneo dado que, nos velhos tempos, eles eram amalgamados em torno
das instituições que compunham o Estado. Para Marshall (1967), o desligamento das
instituições das quais dependiam os direitos permitiu que cada categoria deles pudesse
desenvolver-se separadamente na velocidade permitida por seu próprio contexto de tal
maneira que, a partir do momento em que houve tempo suficiente para distanciarem-se, os
elementos passaram a pertencer a áreas distintas e a soarem estranhos entre si: “O divórcio
entre eles era tão completo que é possível, sem distorcer os fatos históricos, atribuir o período
de formação da vida de cada um a um século diferente – os direitos civis ao século XVIII, os
políticos ao XIX e os sociais ao XX” (MARSHALL, 1967, p.66).
A caminhada preconizada por Marshall (1967), embora seja adotada como referência
para a apreensão do desenvolvimento de direitos e da própria cidadania, pauta-se
estreitamente pela história da Inglaterra entre a Idade Média, com o feudalismo, e o período
pós-Revolução Industrial. Assim, o estabelecimento das categorias pode até ser dotado de
paralelos comuns ao redor do mundo, mas a ordem em que eles deram-se talvez não coincida,
já que ela é influenciada por aspectos de emancipação e constituição das identidades
nacionais. É exatamente dessa premissa que parte Carvalho (2002) ao cravar que a dinâmica
evolutiva dos direitos de Marshall (1967) não aplica-se ao exemplo brasileiro.
Logo de início, a principal divergência entre Marshall (1967) e Carvalho (2002) talvez
consista justamente no cerne da ideia a respeito de que os direitos desenvolvem-se
sequencialmente a partir de uma lógica, como houve na Inglaterra, em que as liberdades
individuais dos direitos civis levaram à reivindicação pela necessidade de participar das
decisões em nível institucional com os direitos políticos que, por sua vez, permitiram levar as
discussões sobre bem-estar coletivo ao nível das organizações governamentais por via da
76

incorporação de direitos sociais. Carvalho (2002) destaca que a inversão dessa espécie de
pirâmide no caso do contexto brasileiro é indicador de que, enquanto fenômeno histórico, a
cidadania não deve ser abarcada sob a lógica evolutiva mesmo porque “[…] pode haver
também desvios e retrocessos, não previstos por Marshall” (p. 11).
No Brasil, mais notadamente a partir da década de 1930, quando teve início a Segunda
República, os direitos em todas as suas vertentes, e a cidadania, desenvolveram-se de forma
gradual – embora não seja de todo errado dizer que eles ecoaram antes disso como privilégios
para algumas classes. De acordo com Carvalho (2002), o trabalho do então novo governo foi
permeado por preocupações de ordem trabalhista e social durante esse período, cujo exemplo
mais latente e conhecido talvez seja a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Válido até hoje – ainda que com alterações, ajustes e reformas que o distanciaram
relativamente do texto original –, o instrumento legal criou mecanismos de regulação da
relação entre trabalhadores e empregadores. Porém, se os direitos sociais ganharam
protagonismo por um lado, por outro, os políticos e civis foram completamente
desprestigiados naquele momento.
A partir de 1945, contudo, com a queda de Vargas, eleições presidenciais e legislativas
foram convocadas, e uma nova constituição acabou sendo promulgada em 1946. Desse
instante em diante, o Brasil preservou a base de direitos sociais e ensaiou o avanço de direitos
políticos e civis ao vivenciar uma breve era em que houve liberdade de imprensa e de
organização política naquela que Carvalho (2002) chama de a primeira experiência
democrática da história do país. As circunstâncias não permitiram que a série de progressos
conquistados junto à cidadania seguisse e, em 1964, o golpe que derrubou o governo do
presidente João Goulart e o substituiu por um regime civil-militar abortou parcialmente o
processo, já que os direitos sociais e o desenvolvimento econômico continuaram integrando
essa fase, como numa repetição do Estado Novo.
Do início da ditadura, em 1964, até a redemocratização, em 1985, o Brasil ainda
presenciou momentos ambíguos com o endurecimento do regime em 1968, que cerceou ainda
mais as liberdades civis e políticas, sucedido depois pela abertura política escalada a partir de
1974. Nada disso, todavia, pode ser comparado ao que ocorreu desde 1985, uma espécie de
marco zero para a organização da vida política e social do Brasil, culminando na promulgação
da Constituição Federal de 1988 – que de tão liberal e democrática foi apelidada de
Constituição Cidadã (CARVALHO, 2002). Apesar da dificuldade em afirmar que existe
77

cidadania plena no Brasil, o final do século XX marcou o seu auge, refletido na expansão de
direitos sociais, solidificação dos direitos políticos e recuperação e ampliação dos direitos
civis, o que pavimentou a caminhada sugerida por Carvalho (2002).
Em sua obra dedicada a desentranhar a noção de cidadania, Cortina (2005) lembra
que, embora reconhecido, o trabalho de Marshall tornou-se igualmente alvo de críticas por
idealizar uma “cidadania social” passiva, que unicamente enxerga a questão sob a ótica do
“direito a ter direitos”. Para ela, dessa percepção distorcida adveio uma luta pela transição do
tempo em que não apenas os direitos, mas também os deveres importam. Com isso, as nações
avançaram sobre a transformação de uma cidadania acomodada, marcada pelo hábito de
exigir, para uma cidadania flexível, disposta a assumir responsabilidades e a existir sob novas
circunstâncias.
Uma cidadania ativa prescindiria de mudanças radicais no tecido social, o que não
parece estar em um vislumbre próximo. A incipiente participação política é entrincheirada por
um baixo nível de cidadania econômica, e isso leva à falta de pertencimento dos membros
perante a sociedade (CORTINA, 2005). Sem o poder sobre as decisões econômicas
importantes, pouco resta senão depender da institucionalidade política cada vez mais
descolada da realidade. A globalização dos problemas econômicos e a financeirização dos
mercados transnacionais funda uma complexidade gerencial que corresponde à exata medida
da supressão de interferências alheias à redoma burocrática.
Curiosamente, os habitantes do mundo econômico não são frequentemente
reconhecidos enquanto cidadãos econômicos, como aponta Cortina (2005). Talvez isso
aconteça em decorrência da posição quase mitológica alcançada pela economia. Não obstante,
o conceito de cidadania, originalmente forjado no campo da política, acabou sendo levado
para outros meios como forma de reafirmar que os indivíduos arrolados no escopo de seus
efeitos e consequências não são servos do sistema, e, sim, donos de seus próprios destinos, o
que “[…] implica propriamente que devem participar de forma significativa da tomada de
decisões que os afetam. Qual deva ser a maneira de participação é algo a determinar nos casos
concretos, mas, seja como for, ela deve ser significativa” (CORTINA, 2005, p. 79).
Como esse capítulo intentou-se a demonstrar de forma sintética, a cidadania não é
coisa dada, mas um fenômeno histórico em constante construção e desenvolvimento. Apesar
das definições teóricas trabalharem com a segmentação em três elementos – o civil, o político
e o social – nos quais desdobram-se outros elementos, foi possível perceber a importância
78

destacada do aspecto econômico na origem de interesse dos primeiros estudiosos que


buscaram debruçar-se sobre o assunto para fins de resolução de um problema que era também
econômico: a pesada carga laboral e a alienação ao direito de emancipação da classe
trabalhadora pela imposição de limites feita por classes mais privilegiadas.
Muitas décadas depois, o problema de exclusão dos indivíduos das decisões
econômicas e a desigualdade social ainda consistem em problemas sensíveis ao
reconhecimento de uma cidadania mais efetiva. Dessa maneira, restam poucas dúvidas sobre
como os princípios de cidadania interessam à cobertura que o jornalismo faz sobre economia,
e, muito mais, que narrativa ergue-se a partir de um evento que também repercutiu fortemente
na economia. Por fim, encerrada a apresentação dos conceitos e fundamentos que lastreiam
esse trabalho, é chegado o momento de demonstrar os caminhos pelos quais os objetivos serão
satisfeitos.
79

5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

O alto grau de midiatização, a abrangente esfera de influência e o grande volume de


informações geradas pela Operação Lava Jato despertam diversos interesses de pesquisa. Uma
dessas oportunidades está colocada entre a possibilidade de reconstrução narrativa da
Operação Lava Jato desde o seu início, a partir da cobertura econômica, e a construção de
sentidos viabilizada por essa mesma tessitura. O movimento tangencia a adoção de um objeto
claro: a narrativa sobre Operação Lava Jato. Porém, sob um ângulo muito particular que lhe
confere distinção: o seu enquadramento nas seções de economia dos jornais.
O amadurecimento das reflexões sobre o assunto, porém, foi suficiente para despertar
um novo insight. Além do núcleo narrativo da Operação Lava Jato, soou interessante
reconfigurar a tessitura a respeito da economia brasileira nos últimos anos, utilizando a
própria Lava Jato enquanto filtro fundamental pelo qual seria possível empregar lentes
bastante específicas para fazer emergir uma narrativa. Abaixo estão listados o objetivo geral e
os objetivos específicos:

• Objetivo geral:
Desvelar os sentidos configurados pela enunciação narrativa tecida no contexto da
cobertura sobre a Operação Lava Jato no caderno Mercado da Folha entre os anos de
2014 e 2018.

• Objetivos específicos:
1. Compreender os sentidos gerados pela história e apresentar os elementos componentes
da narrativa em questão;
2. Reconstruir a tessitura sobre a economia brasileira nos últimos anos sob a ótica dos
desdobramentos da Operação Lava Jato;
3. Situar o lugar da cidadania no jornalismo econômico praticado pela Folha.

A escolha do jornal ou periódico para a extração dos conteúdos a serem analisados


representou alguma dificuldade no decurso da trajetória de delineação desta proposta de
pesquisa. A possibilidade de empreender uma análise comparativa entre a cobertura de dois
grandes jornais era um caminho, mas sua aplicabilidade ruiu diante da extensão do objeto e do
limite de tempo deste trabalho. Portanto, neste caso, optou-se por analisar os conteúdos
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publicados apenas pelo jornal Folha. A escolha é justificada pela história e grandeza do
periódico, que atualmente lidera os números de circulação no Brasil.
O direcionamento deste trabalho antecipa indícios de métodos e procedimentos
operacionais com vistas à satisfação dos objetivos propostos. A necessidade de reconfiguração
de uma tessitura coesa pela colagem de fragmentos noticiosos diversos aponta para o recurso
à narratologia (ou à Análise Crítica da Narrativa), devido à adequação do conceito de
enunciação narrativa (MOTTA, 2013). A organização dos conteúdos e sua classificação
quantitativa sugerem o emprego da Análise de Conteúdo. A ideia é focar a cobertura da
editoria Mercado, a seção de economia da Folha, no período abarcado pela vigência da
Operação Lava Jato, da sua deflagração em 17 de março de 2014, quando foi publicada a
primeira notícia, até 15 de agosto de 2018, data em que teve fim a proibição para o início da
campanha eleitoral daquele ano, de modo a preservar o contexto preterido. Para isso, foi feita
uma busca com a palavra-chave “lava jato” através dos filtros disponibilizados pelo site da
Folha, o que resultou em 1647 conteúdos enquadrados a partir dos parâmetros definidos.
No intuito de reduzir o número de notícias, matérias e reportagens a serem analisados,
bem como definir um núcleo comum de vínculo entre todos os materiais, foi feito um novo
arranjo em que apenas os conteúdos com a palavra-chave “lava jato” presente desde o título
acabaram selecionados. A mudança foi capaz de preservar amostras de cada ano, entre 2014 e
2018, de forma que a temporalidade, tão cara à reconstrução da narrativa, não sofreu prejuízo.
Ao fim do processo, restaram 106 conteúdos para fins de escrutínio científico, os quais estão
listados na tabela abaixo por título, ano e quantidades:

Quadro 1: Conteúdos para análise por ano, título e quantidades


ANO TÍTULO QTD
Para Gerdau, Operação Lava Jato pode afetar invesmentos no país
Contra a crise da Lava Jato, Lula e Dilma elencam nomes para Fazenda
Jusça suspende demissões no RS de empreiteira invesgada na Lava Jato
2014 Jusça bloqueia bens da Petrobras e de empreiteira envolvida na Lava Jato 7
Operação Lava Jato é 'complicador' para a economia, diz presidente da CNI
Poupadores podem perder com bloqueio da Lava Jato
Queda no valor de mercado da Petrobras sofre 'efeito Lava Jato'

ANO TÍTULO QTD


Itaú pode elevar provisões para emprésmos por Lava Jato, diz diretor
Fitch corta notas de empreiteiras por preocupações com Lava Jato
81

Petrobras ainda avalia valor de baixas com Lava Jato e corte no invesmento
Crise pós-Lava Jato paralisa obras de R$ 5 bi e causa demissões de 7.000
Fundo do FGTS tem na Lava Jato mais de R$ 11 bilhões aplicados
Operação Lava Jato trava concessão de aeroportos brasileiros
Soldadora de empreiteira citada na Lava Jato vende salgados para viver
Novo PIB vai exacerbar crises de 2015 com Lava Jato e uso de termelétricas
Processo na Lava Jato é negavo para Odebrecht e Andrade Guerrez, diz Moody's
Lava Jato in<uenciou queda de vagas em fevereiro, diz ministro do Trabalho
Envolvida na Lava Jato, Galvão Engenharia pede recuperação judicial
Alvo da Lava Jato, empreiteira OAS pede recuperação judicial
Economia e Lava Jato encolherão mercado de aço, dizem siderúrgicas
Fitch avalia bancos como estáveis, mas destaca Lava Jato e prevê lucro menor
Erramos: Fitch avalia bancos como estáveis, mas destaca Lava Jato e prevê lucro
menor
Envolvida na Lava Jato, Schahin prepara pedido de recuperação judicial
Fitch mantém notas de construtoras envolvidas na Lava Jato em observação
Propina da Lava Jato é esmada em até R$ 6 bilhões pela Petrobras
Operação Lava Jato pode prejudicar a produção da Petrobras, diz ministro
Lava Jato não deixará vencedores no setor de construção, avalia Fitch
Alvo da Lava Jato, grupo Schahin pede recuperação judicial
Promovido por empreiteiras em crise, 'Feirão da Lava Jato' atrai compradores
2015 Após afetar balanço, Lava Jato traz incerteza para produção do pré-sal 51
Envolvida na Lava Jato, Engevix vende faa em aeroportos por R$ 400 mi
Empreiteiras da Lava Jato vão poder disputar concessões
Após Operação Lava Jato, Petrobras é suspensa de instuto de governança
Invesgadas na Lava Jato estudam parcipação em leilão de concessões
No vácuo da Lava Jato, empreiteiras médias querem disputar concessões
Envolvida na Lava Jato, Camargo Corrêa quer vender faa de cimenteira
Governo cria "taxa de risco Lava Jato" para Enanciar plano de concessões
Piora em indicadores econômicos e Lava Jato derrubam Bolsa; dólar sobe
Dados econômicos derrubam Bolsa; Braskem despenca 10,4% por Lava Jato
Lava Jato e crise da água afetaram invesmento externo no Brasil, diz BC
Empreiteiras da Lava Jato podem enfrentar restrições nos EUA, diz especialista
Lava Jato diEculta seguros para quem tem contrato com Petrobras
Com parceiros abados por Lava Jato, Petrobras busca substutos na China
Mercadante admite impacto negavo da Lava Jato na economia do Brasil
Envolvida na Lava Jato, Galvão está perto de acordo com credores
Governo prepara plano para obter R$ 15 bi de empresas da Lava Jato
Lava Jato pode parar usinas de Angra e afetar fornecimento de energia
Governo conErma plano para obter R$ 15 bi de empresas da Lava Jato
Novos leilões de aeroportos ocorrerão sob impacto de Lava Jato e recessão
Consórcio com invesgadas na Lava Jato suspende obra do Comperj
82

Bancos têm condições de suportar calote de empresas da Lava Jato, diz BC


Ipea culpa Lava Jato por origem da crise de emprego no Brasil
Petrobras vai pagar dívidas de empresa da Lava Jato
Analistas quesonam in<uência da Lava Jato na alta do desemprego
Centrais propõem acordo para destravar setores alvo da Lava Jato
Se nada mudar, sairemos do mercado, diz execuvo de empresa da Lava Jato
Dólar sobe para R$ 3,75 e Bolsa tomba quase 3% com prisões da Lava Jato
Mercado tenta viabilizar obras apesar de recessão e operação Lava Jato

ANO TÍTULO QTD


Jusça americana pede autorização para ouvir delatores da Lava Jato
Petrobras já demiu 170 mil funcionários desde início da Lava Jato
Lava Jato aquece setor especializado no combate a fraudes em empresas
TCU começa processo para tornar inidôneas empreiteiras da Lava Jato
André Esteves volta a trabalhar no BTG Pactual após prisão na Lava Jato
Com Lava Jato, empresa paga mais caro para fazer seguro de execuvo
Diálogo de Jucá sobre Lava Jato causa apreensão; Bolsa cai e dólar sobe
Moreira Franco diz que concessões não estão paradas só devido à Lava Jato
Operação Lava Jato dá espaço para empreiteira menor em obras federais
2016 18
Repasses para empreiteiras na Lava Jato despencam até 99%
Crise e Operação Lava Jato devem gerar oportunidades de negócio
Crise com Lava Jato corrói patrimônio dos donos do grupo Odebrecht
Lava Jato é um risco conhecido e mensurado para bancos, diz BC
Lava Jato detona disputa societária no Rio
BNDES suspende desembolsos para 25 projetos de empresas da Lava Jato
Petrobras quer voltar a contratar empresas da Lava Jato, diz diretor
Odebrecht prevê anos de ajuste até grupo superar perda com Lava Jato
Crédito do BNDES a construtoras da Lava Jato terá crivo do Itamaraty

ANO TÍTULO QTD


BNDES reabre crédito no exterior para empreiteiras envolvidas na Lava Jato
2017 Braço de construção da Odebrecht encolhe pela metade com Lava Jato 23
ANÁLISE: Temer turbina agenda econômica para rivalizar com Lava Jato
BNDES retoma dois contratos de exportação com empresas da Lava Jato
Com crise e Lava Jato, Petrobras corta 20% do pessoal em três anos
Abada pela Lava Jato, Andrade agora mira setor privado e exterior
TCU quer receber mais R$ 16 bi de empreiteiras por obras da Lava Jato
Empresas envolvidas na Lava Jato podem ter diEculdade em renovar concessão
Com re<exo da Lava Jato, receita da Odebrecht cai para nível de 2013
Lava Jato faz disparar procura por seguros para patrimônio de execuvos
Procurador da Lava Jato crica acordo de leniência entre BC e bancos
Força Tarefa da Lava Jato e BC acertam mudança em MP sobre leniência
ANÁLISE: Invesr se tornou negócio mais arriscado após Lava Jato
83

BC sugere à Lava Jato ação conjunta em acordos com bancos sob suspeita
Envolvida na Lava Jato, empreiteira UTC assina acordo para pagar R$ 574 milhões
Odebrecht muda nome de empresas do grupo para se desassociar da Lava Jato
Desmatamento merece ter sua própria Lava Jato, aErma ex-ministra
Empresas da Lava Jato voltam às licitações de Estados e municípios
Empreiteiras invesgadas pela Lava Jato retomam obras sem BNDES
Ministério da Transparência decide congelar invesgações da Lava Jato
Governo se queixa de papel da TCU em casos de leniência na Lava Jato
Estaleiro de Cingapura invesgado na Lava Jato paga R$ 692 mi em multas ao Brasil
Lava Jato mostra falhas da políca industrial, diz economista peruano

ANO TÍTULO QTD


Macri elogia reformas e pede connuidade da Lava Jato
Empreiteiras podem pagar mais por desvios em obras da Lava Jato
Lava Jato é pequena quando comparada à corrupção dos municípios, diz ministro da
Jusça
2018 7
Lava Jato Erma 1º acordo de leniência 'completo', com AGU, CGU e Procuradoria
Gradual replicou esquema de fraudes da Lava Jato, aErma relatório da PF
Petrobras hoje é muito diferente do que era antes da Lava Jato, diz Parente
Envolvida na Lava Jato, Eletrobras é nota 10 em governança, diz governo
Fonte: Elaboração do autor

5.1 Análise Crítica da Narrativa

A narratologia é um campo ainda em desenvolvimento e, por isso, Motta (2013)


sugere que os próprios operadores da análise narrativa desenvolvam técnicas e soluções
metodológicas que melhor atendam às suas demandas. Para orientação dos pesquisadores, no
entanto, ele estabelece algumas nuances indispensáveis para o estudo das narrativas. Segundo
o autor, a narrativa pode ser, para fins metodológicos, dividida em três planos: 1) o plano da
expressão (discurso ou linguagem); 2) o plano da estória (ou conteúdo); e 3) o plano da
metanarrativa (tema de fundo). Motta (2013) descreve tais esferas da narrativa enquanto
instâncias de análise, lembrando que essas camadas não podem ser discriminadas na
comunicação prática e real por estarem sobrepostas.
De acordo com a conceituação construída pelo autor, o plano da expressão
materializa-se a partir dos recursos linguísticos e retóricos que são utilizados para construir a
narrativa. Interessa, para essa parte da análise, o âmbito da linguagem e das suas
84

conformações na projeção da mensagem e do conteúdo a ser transmitido. Afirma Motta (2013,


p. 136):

Para a comunicação narrativa jornalística [...] observar esse plano tem uma
importância fundamental na análise porque a retórica escrita, visual é
fartamente utilizada como recurso estratégico para imprimir tonalidades,
ênfases, destacar certos aspectos, imprimir efeitos dramáticos de sentido.

Como o enunciado narrativo é formado inicialmente no plano da expressão, é nesta


instância que torna-se possível, segundo Motta (2013), abstrair o uso dos elementos da
linguagem para imbuir, no destinatário, efeitos de sentido como riso, alegria, surpresa,
espanto e medo, dentre outros.
De acordo com Motta (2013), o plano da estória ou do conteúdo abarca a projeção
decorrente da expressão do discurso, do uso de artifícios linguísticos, encadeamentos e da
formação de intrigas, por exemplo. Por ser a instância que acomoda boa parte dos sentidos
velados e desvelados do conteúdo, o autor argumenta que à sua esfera pode ser atribuída
autonomia relativa sobre o plano da expressão. Não obstante, a articulação do plano da
expressão com o plano da estória é indispensável, pois é por meio do último que o primeiro
possibilita-se revelar (MOTTA, 2013).
A terceira e última esfera de análise é denominada de plano da metanarrativa ou tema
de fundo. Motta (2013) sustenta que sua definição justifica-se a partir dos imaginários
culturais que podem ser evocados de forma abstrata pela narrativa. O plano da metanarrativa
também é conhecido como estrutura profunda por geralmente tornar-se nítida gradualmente
ao passo em que a dissecação do plano da expressão e da estória desenvolve-se (MOTTA,
2013). É no plano da matanarrativa, afirma Motta (2013), que surge a possiblidade de trazer à
luz questões e tópicos que permeiam a narrativa sem vincular-se de forma direta a ela, a
exemplo dos núcleos subjetivos de ordem ética e moral (felicidade, revolução, conspiração,
corrupção, e etc).
Segundo o arranjo metodológico do autor, a concepção da narrativa prevê a
desconstrução de um enunciado narrativo a partir de critérios de fragmentação – como os
planos de análise apresentados – para sua posterior reconstrução em sínteses que elucidem as
incógnitas narrativas que vislumbraram-se inicialmente. Este trabalho requer apurada
capacidade de dedução intuitiva, unitária e pressuposta (MOTTA, 2013).
85

5.2 Análise de Conteúdo

De forma que a Análise Crítica Narrativa deva ser precedida pela seleção da estória a
ser analisada, detectou-se a necessidade de aplicar também as ferramentas providas pelo
instrumento da AC com vistas à execução de um recorte mais adequado na coleta de
amostragem de pesquisa. A análise de conteúdo é, conforme explica Bardin (2004), uma
metodologia que, embora tenha sido estruturada de forma científica mais recentemente, vem
sendo aplicada com suas variantes há décadas. Trata-se de um eficaz recurso no auxílio ao
processamento de diversos conteúdos, mais notadamente àqueles de gênero textual. Além
disso, é também um dos poucos métodos capazes de flutuar entre o rigor da objetividade, das
quantificações e a flexibilidade subjetiva das avaliações qualitativas (BARDIN, 2004).
Sendo capaz de suprir carências localizadas nos âmbitos quantitativo e qualitativo das
ciências formais, a análise de conteúdo caracteriza-se por sua instância dedutiva. É da
necessidade de responder-se questões cuja quantificação e/ou reflexão inferencial são capazes
de satisfazer que emerge o seu utilitarismo para as modernas práticas empreendidas nas
ciências humanas e sociais. A este respeito, Bauer e Gaskell (2002, p.191) afirmam que:

Ela é uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu
contexto social de maneira objetivada. Este contexto pode ser
temporariamente, ou em princípio, inacessível ao pesquisador. A AC muitas
vezes implica em um tratamento estatístico das unidades de texto. Maneira
objetivada refere-se aos procedimentos sistemáticos, metodicamente
explícitos e replicáveis: não sugere uma leitura válida singular dos textos.
Pelo contrário, a codificação irreversível de um texto o transforma, a fim de
criar novas informações ao desse texto. Não é possível reconstruir o texto
original uma vez codificado; a irreversibilidade é o custo de uma nova
informação.

Bardin (2004) prescreve um receituário constituído de etapas e processos que devem


ser atendidos para que a análise de conteúdo possa desenvolver-se. O primeiro passo
recomendado é denominado de pré-análise, na qual o pesquisador locomove-se em torno de
intuições iniciais para modelar um esquema de estudos que possa dar partida à análise
propriamente dita. Esse período é chamado de fase de organização (BARDIN, 2004) e deve
ser orientado pelo contato do estudioso com os documentos com os quais pretende trabalhar,
seguido da seleção do material e do recorte do corpus de acordo com regras justificativas.
Ainda na etapa de pré-análise, definem-se hipóteses, objetivos e/ou a elaboram-se índices e
seus indicadores a fim de preparar o material para a fase seguinte, de exploração do conteúdo.
86

5.2.1 Procedimentos metodológicos

Para efeitos práticos da análise narrativa, esse estudo contempla as três instâncias de
interpretação crítica das histórias numa perspectiva qualitativa conjugada com uma visão
quantitativa. Dessa maneira, os procedimentos a serem seguidos no decorrer do processo
compreenderão as seguintes etapas:

1) Plano da Linguagem:

 Figuras de linguagem: Embora recursos linguísticos como figuras de


linguagem façam-se mais presentes em narrativas ficcionais, é possível
encontrar sua aplicação em narrativas fáticas, especialmente em títulos.
Por isso, serão observados e catalogados itens como metáfora,
comparação, antítese, hipérbole e ironia.
 Jargões do economês: Essa categoria de análise entra também como
ajustamento teórico em função da especialização jornalística que é foco
da análise: o jornalismo econômico. Será utilizado um dicionário de
economia para avaliar a incidência dos jargões, as diferentes
conformações que eles adquirem e de que maneira essas conformações
modificam a apreensão de sentidos sobre as narrativas.

 Advérbios de tempo, preposições adverbiadas, expressões


adverbiais e demais conectivos temporais: Em sua experiência de
análises narrativas, Motta (2013) relata a recorrência de advérbios de
tempo e preposições adverbiadas como elementos de construção da
sintaxe. Por isso, ele recomenda a verificação da frequência do uso de
advérbios como antes, ontem, hoje, amanhã, durante, agora, até, desde
já, ainda, então, logo, só, depois, imediatamente, rapidamente,
anteriormente, posteriormente e outros que referenciam-se como
conectivos temporais. O uso de expressões adverbiais temporais como
até agora, de repente, em seguida, só então, de novo, outra vez, até
que, e de substantivos adverbiados e de adjetivos temporais do tipo nas
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próximas horas, no domingo, semana passada, próxima semana, mês


passado e próximo mês também serão observados.

2) Plano do Conteúdo:

 Sequência cronológica/causal: Motta (2013) observa que as narrativas


jornalísticas frequentemente comportam distintos nexos causais e
cronológicos em suas estórias. Isso deve-se ao fato de que o texto
jornalístico segue, geralmente, o padrão do lide, determinante para que
as informações mais importantes apareçam em destaque logo no início
do texto. Tal questão é responsável por quebrar ou inverter a ordem
cronológica da narrativa, o que exige do analista uma postura de
realocação dos elementos para uma melhor apreensão dos seus
sentidos. Como o todo pesquisado será tratado enquanto uma unidade
narrativa, o trabalho de remontagem exigirá a elaboração de uma
planilha na qual serão separadas, em diferentes colunas, as sequências
cronológica e causal de cada uma das peças narrativas. Essa atividade
demonstrará, inicialmente, a organização estrutural da notícia
pretendida pela Folha, o que pode ou não desvelar algum sentido
implícito.
 Identificação de protagonistas, antagonistas e adjuvantes: para a
recomposição da diegese, será necessário ainda identificar os papéis
atribuídos às personagens das narrativas. Para efeito prático e objetivo,
a divisão será feita com base numa classificação primária da
narratologia. Assim sendo, temos a divisão dos personagens em: 1)
Protagonistas: personagens considerados principais para a formulação
da tessitura. A eles são atribuídos destaque sobre o acontecimento-
intriga; 2) Antagonistas: personagens que, no enquadramento
dramático, são apresentados como rivais, inimigos ou opositores em
relação aos protagonistas. Também recebem destaque na construção da
trama, mas quase sempre ficam alocados num segundo plano de
relevância; e 3) Coadjuvantes: personagens que compõem a trama sem
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cumprir um papel de destaque, geralmente relegados a um terceiro grau


de relevância.
 Acontecimento-intriga: o acontecimento-intriga – ou conflito
dramático – constitui-se como a essência do enquadramento dramático.
É o fio condutor da narrativa e que pode ser desvelado após o
tratamento e a conjugação dos tópicos anteriores. Junto do
acontecimento-intriga, será possível analisar os desenlaces, inflexões e
demais recursos narrativos que permitirão uma melhor apreensão dos
sentidos construídos de acordo com a modelagem da estória.

3) Plano da Metanarrativa:

 Geralmente revela-se, segundo Motta (2013), com o avanço das etapas


anteriores. É a reconstrução da tessitura e a atribuição de sentidos à
narrativa que permitirão emergir o pano de fundo e o manto de valores.

Abaixo, no Quadro 2, é possível vislumbrar cada um dos procedimentos representados num


esquema gráfico:
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Quadro 2: Esquema visual da metodologia de Análise Crítica da Narrativa
Plano do Conteú do
Seqúe ncia
cronolo gica/caúsal da esto ria
Narrava
da Narrava

Súbtema/tema tica ao qúal a Identificaça" o de


Tí túlo, súbtí túlo e texto narrativa faz refere ncia acontecimentos-intriga,
desenlaces, inflexo" es, e etc.
Críca da

Plano da Lingúagem Figúras de lingúagem


Análise Críca

Protagonistas, antagonistas e
coadjúvantes
Análise

Jargo" es do econome s
Adve rbios de tempo,
preposiço" es adverbiadas e
demais conectivos temporais
Plano da Metanarrativa
Estrútúra profúnda
decorrente do Plano do
Conteú do e da Lingúagem
Fonte: Elaboração do autor
90

Quadro 3: Intenções de pesquisa

A minha pesquisa se propõe a… Desvelar os sentidos configurados pela


enunciação narrativa tecida no contexto da
cobertura sobre a Operação Lava Jato no
caderno Mercado da Folha entre os anos de
2014 e 2018.

Para Compreender os sentidos gerados pela


história e apresentar os elementos
componentes da narrativa em questão;
reconstruir a tessitura sobre a economia
brasileira nos últimos anos sob a ótica dos
desdobramentos da Operação Lava Jato;
situar o lugar da cidadania no jornalismo
econômico praticado pela Folha.

Com a finalidade de… Apreender a versão da Folha para a


narrativa econômica sobre a Operação
Lava Jato; contribuir para novas
perspectivas de estudos sobre o jornalismo
econômico; verificar a atualidade da
literatura sobre jornalismo econômico
frente a atual realidade editorial da Folha;
colaborar com o aprimoramento das
pesquisas envolvendo narrativas
jornalísticas.

O que me permitirá…. Inferir como a Folha tratou editorialmente


a Operação Lava Jato na seção Mercado,
especializada em economia, permitindo
avaliar as características do jornalismo
econômico praticado atualmente pelo
periódico diante da noção de
financeirização; prover novos elementos
91

para o aprofundamento de revisão da


literatura sobre o jornalismo econômico
brasileiro; apresentar arranjos
metodológicos assertivos para o estudo de
narrativas jornalísticas em conteúdos sobre
economia.

Fonte: Elaboração do autor

5. 3 Pré-teste

Para efeitos de exemplificação da aplicabilidade do método de Análise Crítica da


Narrativa ao contexto sugerido, o pré-teste enveredou pela avaliação dos sete primeiros
conteúdos que atendiam aos pré-requisitos estabelecidos – todos pertencentes ao ano de 2014
– para facilitar a apreensão clara de uma narrativa. Como o pré-teste visa uma espécie de
ilustração da capacidade crítico-analítica baseada nos instrumentos metodológicos criados
especificamente para esse trabalho, e ciente de que cada instância (linguagem, conteúdo e
metanarrativa) de análise denota mais de um procedimento minucioso, o relatório não
contempla todos eles em sua plenitude.
Assim, em relação à instância da linguagem, a opção foi pela investigação do uso de
jargões do economês – a linguagem econômica incorporada pelo jornalismo especializado. No
âmbito do conteúdo, a escolha foi pela avaliação da sequência cronológica e causal e
classificação de personagens. E a metanarrativa, que depreende-se das duas primeiras
instâncias articuladas, é trazida à tona, por fim, com suas limitações e deficiências derivadas
das escolhas feitas para fins do pré-teste.

5.3.1 Instância do conteúdo

A narrativa tecida sobre a Lava Jato na seção Mercado da Folha, em 2014, com base
nos critérios propostos, tem início cronológico na manhã do dia 19 de novembro (quarta-
feira), oito meses após a deflagração da 1ª fase da Operação Lava Jato – quando parece
mesmo começar a sequência causal. Com a reportagem “Para Gerdau, Operação Lava Jato
pode afetar investimentos no país”, a Folha dá destaque à declaração do empresário e então
presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, Jorge Gerdau,
92

a respeito de como os desdobramentos da Operação Lava Jato podiam trazer impacto negativo
aos investimentos no país e que essa ameaça precisava ser compensada com estratégias de
recuperação de credibilidade da estatal.
O contexto desse primeiro ato dá-se durante um evento que marcou o início das
atividades de um grupo de trabalho, no âmbito do governo, composto por membros de
ministérios e do setor privado, com o objetivo de apresentar propostas de incremento à
produtividade e a competitividade da indústria brasileira até o começo de dezembro. A notícia
recorda que Gerdau foi membro do Conselho de Administração da Petrobras por 13 anos,
período que abarcou a época dos desvios, numa tentativa de vincular o personagem às
ocorrências que agora ele próprio criticava.
Pela ausência de outras vozes ou de outros indivíduos, a primeira notícia desse arco
narrativo indica um interessante fenômeno em que Gerdau, pessoa, surge como o
protagonista, e a Operação Lava Jato, enquanto evento, personifica o antagonista –
responsável pelos problemas e danos ao tema sensível em discussão, que é a economia. Mais
do que isso, Gerdau parece refletir, por sua posição, uma aliança que converge interesses do
governo e das empresas do setor privado para minimizar os efeitos desastrosos levados a cabo
pela Operação Lava Jato, o que é aludido pela menção ao grupo de trabalho que visa auxiliar
a economia brasileira com ideias, projetos e propostas. Por outro lado, a Operação Lava Jato,
mesmo sem força de expressão por suas vozes inerentes, é mencionada como o principal vetor
de afundamento da credibilidade da Petrobras e de prejuízo aos investimentos no país.
O segundo capítulo do arco narrativo ganha fortes contornos políticos com a matéria
“Contra a crise da Lava Jato, Lula e Dilma elencam nomes para Fazenda”, que vai ao ar no
dia 20 de novembro de 2014, a respeito de encontro entre Lula, Dilma e outros membros do
PT para escolher o nome do novo Ministro da Fazenda, substituto de Guido Mantega.
Cronologicamente, esse evento antecede até mesmo o primeiro capítulo da narrativa por ter
sido desdobrado em 18 de novembro, mas reportado apenas dois dias depois. O centro das
preocupações, segundo o relato construído, é responder à crise gerada pela Lava Jato ao
decidir com rapidez quem será o chefe da equipe econômica para trazer calmaria ao cenário
político e econômico.
A matéria ainda menciona o objetivo de neutralizar as manchetes negativas e evitar
que a Lava Jato pudesse respingar no governo a ponto de deixá-lo sem potencial de ação. A
questão parecia tão crucial que apenas a equipe econômica e o núcleo palaciano seriam
escolhidos ainda em 2014, como noticiou a Folha. Os demais ministros seriam anunciados em
2015 após novas repercussões da Lava Jato e o fim da disputa pelo comando da Câmara
93

porque, dessa maneira, o governo conseguiria verificar a necessidade de atender às cotas dos
partidos da base aliada. A narrativa ainda destaca o fato de que as declarações de Aloizio
Mercadante causariam problemas ao sugerir que o chamado ajuste fiscal não era uma
prioridade para o governo.
Essa nova composição narrativa dá continuidade ao primeiro capítulo por estabelecer,
mais uma vez, a Operação Lava Jato como antagonista. Aqui, porém, os indivíduos que
personalizam o protagonismo da aliança mencionada antes é Dilma, a presidente da República
reeleita no pleito recém-realizado, e Lula, que surge como principal conselheiro, além de
membro mais importante do partido ao qual pertence a mandatária-chefe do Brasil. Juntos, ao
lado de outros correligionários, eles protagonizam uma espécie de complô para dar a volta por
cima dos problemas criados pela Operação Lava Jato à economia brasileira, o que faz até da
indicação do novo Ministro da Fazenda um símbolo absoluto de retomada do controle da
agenda política e um aceno ao mercado de que o ajuste fiscal seria feito.
Além da luta entre protagonistas e antagonista, coadjuvantes surgem para enriquecer a
narrativa. Neste caso, alguns membros do PT e nomes cogitados para a Fazenda. São eles:
Aloizio Mercadante, Rui Falcão, Guido Mantega, Luiz Carlos Trabuco, Joaquim Levy, Nelson
Barbosa, Alexandre Tombini e Henrique Meirelles. Todos cumprem papel secundário e quase
irrelevante – com exceção de Mercadante, que chega a ensaiar um breve destaque.
O terceiro e quarto capítulos da narrativa, ambos baseados em reportagens publicadas
no mesmo dia – 24 de novembro de 2014 – e tratando do mesmo assunto diferem dos dois
primeiros por seu teor econômico explícito e direto. Enquanto o primeiro capítulo tratou de
estabelecer uma disputa clara e o segundo adicionou o tempero da política dos bastidores, a
combinação do terceiro e quarto reforça as alegadas consequências da Operação Lava Jato
que não haviam sido detalhadas com maior precisão e rigor até então. As reportagens “Justiça
suspende demissões no RS de empreiteira investigada na Lava Jato” e “Justiça bloqueia bens
da Petrobras e de empreiteira envolvida na Lava Jato” tratam, em um primeiro momento, da
intervenção da Justiça do Trabalho a fim de evitar centenas de demissões de trabalhadores da
Iesa, uma empreiteira arrolada em uma das então fases mais recentes da Operação Lava Jato e
que, por essa razão, teria tido seu contrato – vigente desde 2012 – rompido com a Petrobras.
A decisão da empreiteira seria justificada, portanto, nessa prerrogativa, o que acabou
refletindo na demissão todos os funcionários de um complexo da indústria naval em
Charqueadas, no Rio Grande do Sul. A situação ocorreu na semana anterior à publicação das
reportagens, conforme relato da Folha, enquanto a suspensão das demissões pela Justiça foi
expedida durante o final de semana que antecedeu a publicação dos conteúdos. A juíza do
94

caso alegou a segurança financeira e estabilidade dos trabalhadores da empreiteira. Nisso,


portanto, desdobra-se um segundo momento desse capítulo conjunto, a partir da nova decisão
da Justiça em sequestrar bens e bloquear valores da Iesa e da Petrobras para garantir o
pagamento dos direitos e remunerações devidos a todos funcionários despedidos. A Petrobras
foi considerada uma parte integrante do processo em decorrência de já ter sido envolvida
anteriormente em situações de auxílio e subsídio salarial aos trabalhadores da Iesa.
O momento de dificuldade é reforçado pela divulgação de que o prefeito da cidade de
Charqueadas (RS) chegou a decretar calamidade pública por causa das demissões. Ao fim, os
próprios trabalhadores resolveram protestar em frente a empreiteira. A situação relatada
demonstra como o curso das investigações e a deflagração de uma fase da Operação Lava Jato
influiu diretamente no encerramento de contrato da Petrobras com a Iesa por ambas estarem
suportadas em um acordo não idôneo. Apesar disso, a Lava Jato não surge como personagem
nesse contexto, apenas como elemento que desencadeou o estopim responsável pela crise
envolvendo todas as partes.
A análise, nesse caso, denota a entrada de um novo agente responsável por assumir
certo destaque na narrativa econômica. Se trata da própria justiça que, entra nesse trecho, para
assumir o protagonismo na conciliação de um conflito derivado de outra ação judicial, que é a
própria Operação Lava Jato. A justiça é representada aqui, especificamente, pela Justiça do
Trabalho e pela juíza Lila Flores França, que personaliza a importância da mediação na
resolução de problemas que não deixam de ser econômicos. Enquanto isso, Iesa e Petrobras
antagonizam à justiça por serem as partes que justamente motivaram a intervenção da própria
em defesa dos trabalhadores que foram vitimados, primeiro, pelos reflexos da Operação Lava
Jato e, depois, por decisões acordadas em esferas nas quais eles pouco ou nada poderiam
influenciar. A prefeitura de Charqueadas (RS), personalizada da figura do prefeito Davi
Gilmar Souza, aparece como coadjuvante, embora também assuma certo destaque arrastado
no esteio do decreto local de calamidade pública.
O quinto capítulo do arco narrativo salta para o mês de dezembro, mais
especificamente o dia 16, com a reportagem “Operação Lava Jato é ‘complicador’ para a
economia, diz presidente da CNI”, que dá destaque a uma fala do presidente da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI), Robson Andrade, em que ele manifesta seu receio de que a
Operação Lava Jato não fosse capaz de distinguir o que era passível de punição – a corrupção,
malfeitos e malfeitores – e aquilo que precisava ser preservado, em sua opinião – a saber, as
empresas, os investimentos e os trabalhadores.
Ao fim do relato, índices de retração no setor da indústria são mencionados, assim
95

como perspectivas bastante baixas, próximas de zero, para o crescimento no ano seguinte,
2015. Os dados parecem cumprir o papel de elemento comprobatório do relato oferecido pelo
próprio presidente da CNI quando afirma que a Operação Lava Jato é complicador da
economia. Ainda que não haja uma ligação direta e óbvia entre as duas questões, a
interpretação é abstraída do encaminhamento oferecido pela narrativa. Outro ponto
fundamental aqui é a inserção da necessidade de ajuste fiscal para a melhoria dos resultados
econômicos em prospecções futuras, o que parece atribuir ao governo a responsabilidade por
estabilizar os danos gerados pela Operação Lava Jato.
A matéria construída pela Folha parece repetir a dinâmica do primeiro capítulo ao
fazer do líder de uma entidade a personificação de todo um setor ou mercado. Embora
advogue pela penalização dos envolvidos apontados pelas investigações, ao chamar a Lava
Jato de “complicador”, o presidente da CNI, Robson Andrade, alude ao que ele percebe como
ações indiscriminadas da Operação Lava Jato no momento em que expressa receio por algo
que suas palavras já indicam estar em curso: a culpabilização e responsabilização de múltiplos
agentes econômicos fundamentais que acabam sofrendo as consequências em função de erros
e crimes cometidos por um grupo concentrado e menor.
Novamente, a ausência de vozes divergentes atrela à Operação Lava Jato a pecha de
antagonista, uma marca do exercício de personagem que cumpre o papel de atrapalhar o
protagonista e que presta desserviço à realização dos objetivos almejados por quem se
encontro do lado oposto – e, sob tal ponto de vista, supostamente correto da narrativa. Sem
opiniões ou declarações que não sejam a do próprio presidente da CNI, a função de
coadjuvante é esvaziada de materialidade.
O sexto e penúltimo capítulo do arco narrativo aqui analisado encaminha-se à
conclusão pela reportagem “Poupadores podem perder com bloqueio da Lava Jato”, publicada
no dia 23 de dezembro de 2014, que trata, desta vez, de uma relação direta entre uma decisão
tomada no âmbito da Operação Lava Jato e uma consequência econômica, ainda que em
escala micro, a uma parcela bem específica de indivíduos. No relato trazido pela Folha, a
problemática envolve a decisão do juiz Sérgio Moro de retirar recursos de acusados da Lava
Jato, investidos em fundos com participação de outros cotistas – que nada têm a ver com as
investigações –, antes do vencimento para transferir a uma conta judicial, trazendo prejuízo
econômico às pessoas que ainda mantinham dinheiro aplicado nesses mesmos fundos.
A situação delineia divergências tão aparentes que os próprios bancos, obrigados a
cumprir a decisão judicial, chegaram a manifestar-se em favor dos clientes que seriam
prejudicados ao interpelar a decisão do juiz Sérgio Moro, sem obter, porém, nenhum sucesso.
96

Paralelamente, também não quiseram – ou disseram não poder – dar declarações e responder
aos questionamentos da Folha sobre o que achavam oficialmente do caso. Nesse caso,
portanto, o protagonismo é dividido entre os poupadores prejudicados e os bancos (BNP e
Santander) que ensaiaram uma resistência conjunta à iniciativa, considerada precipitada e
injusta, em âmbito da Operação Lava Jato.
O antagonismo, portanto, recai novamente sobre a Operação Lava Jato, a qual é tida
por responsável direta pelos prejuízos de investidores que não apresentavam envolvimento
com as investigações em curso. A propósito, o fato de respingar em inocentes, com
desdobramentos que talvez pudessem ser evitados, parece ser uma constante de alguns
capítulos nas quais a Lava Jato é situada no espectro antagônico da narrativa. Outra diferença
do presente capítulo é a presença de coadjuvantes, ainda que eles permaneçam no ostracismo
da história. Eles são representados aqui pela Polícia Federal (PF), Gerson Almada, o
presidente da Engevix, Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, e o doleiro Alberto Youssef.
O sétimo e último capítulo da narrativa é projetado pela reportagem “Queda no valor
de mercado da Petrobras sofre ‘efeito Lava Jato’”, publicada em 27 de dezembro de 2014, que
aborda a forte queda no valor de mercado da Petrobras como resultado direto dos
desdobramentos da Operação Lava Jato. O relato da Folha demonstra, a partir da avaliação
em retrospectiva dos fatos e das respostas de analistas que, embora todas as petroleiras do
mundo tenham apresentado queda em seu valor de mercado, no caso da Petrobras essa
mudança foi bastante acentuada, principalmente quando é levado em conta o momento em
que a estatal resolveu adiar a divulgação de seu balanço financeiro para descontar o impacto
da corrupção.
A posição da então presidente da Petrobras, Graça Forster, é apresentada como
contraponto aos argumentos consensuais de que a queda era resultado direto da Operação
Lava Jato, enquanto para Forster a questão também tinha vínculo bastante estreito com a
redução do valor do barril de petróleo desde o início de 2014 até aquele momento. As
avaliações gerais, porém, apontaram que a influência desse aspecto era menor do que os
danos à credibilidade da Petrobras e à sua imagem pública no mundo. De uma forma curiosa,
contudo, nesse último capítulo, a Folha esforça-se em demonstrar que os prejuízos à
reputação da Petrobras responsáveis por seu prejuízo econômico é uma consequência direta
dos crimes contra a probidade administrativa – abandonando, pelo menos temporariamente, a
tese de que a Lava Jato em si é que teria desencadeado a avalanche de problemas para a
estatal e, por conseguinte, para a economia brasileira.
97

Dessa maneira, o desfecho do arco narrativo parece buscar uma retificação tímida de
tudo aquilo que os capítulos anteriores trabalharam para construir constantemente ao longo da
história. Em todo caso, a Petrobras é percebida como protagonista nesse momento ao passo
em que é designada como vítima maior dos escândalos de corrupção e, de alguma maneira, da
repercussão espalhafatosa alcançada pela cobertura da Lava Jato. A Lava Jato, a propósito,
ganha aqui novamente a marca de antagonista, ainda que o texto da Folha pareça sugerir a
divisão desse papel com a própria corrupção investigada pela operação. À presidente da
Petrobras, Graça Forster, e aos analistas do mercado é relegada a função de coadjuvante nesse
ato definitivo do recorte narrativo selecionado.

5.3.2 Instância da linguagem

Pela ótica da linguagem, o jornalismo econômico praticado pela Folha não apresenta
grandes distinções em relação a todas as características elencadas pelos autores que tratam do
tema “economês” na literatura. Com exceção de uma única reportagem, é perceptível o
recurso a algumas expressões que talvez não soem tão transparentes e claras ao leitor médio,
tradicional, pouco habituado aos códigos adotados pelas ciências econômicas. A questão é tão
curiosa que, para efeito de compreensão, o conteúdo mais tangenciado pela importância
política e governamental – a matéria que fala da reunião de Lula, Dilma e outros integrantes
do PT para a escolha do novo Ministro da Fazenda como forma de neutralizar os efeitos
negativos da Lava Jato, publicada em 19 de novembro de 2014 – é também aquele que
apresenta o número mais elevado de utilização de diferentes jargões econômicos.
Descontada a centralidade das responsabilidades abrangentes do chefe da equipe
econômica de um governo federal, o que justifica, em parte, a seara de assuntos diversificados
nas quais a reportagem adentra, a constatação sugere uma espécie de criptografação da
abordagem de temas atravessados, de forma igualmente importante, pela política e pela
economia. Qualquer explicação proposta para essa observação seria incapaz de chegar a uma
explanação mais próxima da realidade, mesmo porque o apontamento carece de um corpus
enriquecido e sólido – lacuna que será preenchida na dissertação em si mesma. Apesar disso,
com base na apreensão da literatura e de estudos empreendidos até aqui, o que parece
acontecer é que a editoria Mercado da Folha usa esse artífice para justificar a entrada do
conteúdo em seu caderno, como se buscasse o respaldo deontológico para a incorporação de
um texto que, sem esse reforço pautado pelas necessidades econômicas do mercado, talvez
não tivesse razões para estar ali.
98

Em contrapartida, a exceção do arco narrativo mencionada anteriormente também


flerta ser reveladora de algo. O trecho é refletido pela combinação de duas reportagens que,
juntas, praticamente formam um único capítulo da história. Publicados em 24 de novembro,
ambos os textos, que tratam da intervenção do poder Judiciário em um conflito gerado pela
decisão da empreiteira Iesa em demitir todos os funcionários de um complexo naval em
Charqueadas (RS), não recorrem, em nenhum momento, a qualquer jargão econômico.
Portanto, a incorporação do tema pela editoria é confiada ao interesse econômico aludido pelo
motivo das demissões – o encerramento unilateral de um contrato da Iesa com a Petrobras em
decorrência do envolvimento da empreiteira em uma das fases recentes da Lava Jato –, bem
como pelas consequências para a cidade de Charqueadas (RS), que teve a situação de
calamidade pública decretada pelo seu prefeito.
Os extremos do que a influência da linguagem representa para a construção narrativa
no caso da Operação Lava Jato, pelo menos no arco aqui selecionado, sinalizam dois
apontamentos distintos do economês na editoria Mercado da Folha: 1) que as estruturas
linguageiras empregadas para a construção da história dependem, em um primeiro momento,
da importância dos assuntos para os próprios agentes arrolados, direta ou indiretamente, pelo
tema. É isso que faria, por exemplo, um conteúdo como o da reportagem que trata da decisão
sobre a escolha do novo Ministro da Fazenda permeado por expressões do economês e de
jargões econômicos, que são melhor compreendidos pelas entidades, instituições e
personagens interessados na questão – setor privado e membros da base do governo – que por
pessoas comuns, leitores esporádicos ou assinantes do jornal; e 2) que a inutilização de
expressões econômicas também pode ser uma estratégia que serve ao propósito de atrair uma
audiência mais abrangente quando o tema do conteúdo permite o esvaziamento do economês
em prol de interesses econômicos tidos por mais vinculados ao público de uma maneira geral.
Em todo caso, o grande arcabouço que continua a vigorar é o mesmo que Puliti (2009)
identifica como sendo hegemônico no Brasil a partir da década de 1990: aquele baseado na
financeirização que acomete o jornalismo econômico em diversos aspectos, inclusive pela
própria acomodação de expressões e jargões técnicos por uma linguagem já famosa por ser
hermética e pouco acessível.

5.3.3 Instância da metanarrativa

Do ponto de vista da metanarrativa, o véu moral que ergue-se pela história geral
estabelecida na sequência de cada um dos capítulos parece buscar aderência em uma certa
99

noção que flutua entre o anti-heroísmo e a vilania pela qual a Lava Jato percorre enquanto
apresenta a economia brasileira, ilustrada pelas empreiteiras em crise e perda de reputação da
Petrobras, como a grande vítima. Assim, o Brasil presenciaria um processo que atropelou
praticamente todos à sua frente, sem preocupar-se com a salvaguarda de garantias que
permitiriam aos inocentes escapar do rolo compressor da visão justiceira promovida pela
Operação Lava Jato.
Tal percepção depreende-se da constatação que, embora os protagonistas possam
variar em termos de personificação ao longo da história, quase todos eles surgem no esteio da
defesa de interesses econômicos mais amplos do que aqueles escusos que a Lava Jato
supostamente buscaria atacar. Ao fim, cada um deles parece representar a então cambaleante
economia brasileira em si mesma, teoricamente abatida em decorrência da atuação
irresponsável e desenfreada dos próprios integrantes da operação que, no afã de extirpar a
corrupção e lançar luz sobre os processos envolvendo o setor privado e a administração
pública, teria trazido para o olho do furacão não só os envolvidos, mas aqueles que também
pertencem ao meio exposto.

O fato de a Lava Jato aparecer como antagonista ao longo de quase todo o decurso do
arco narrativo não a situa, automaticamente, no campo inimigo. Antes, porém, estabelece que,
na fronteira entre o que beneficia a economia e aquilo que a prejudica, a operação está mais
próximo da última opção. O fundo moral da história, ao fim, é como uma nova versão da
parábola bíblica sobre o joio e o trigo em que, em vez de distinguirem-se, ambos são
sacrificados juntos em nome da limpeza daquilo que é considerado ruim e obsceno. Joio e
trigo, nesse caso, seriam correspondentes, de forma respectiva, às empresas e agentes
envolvidos nos crimes apurados, bem como os que apenas integram o meio, embora não
tenham sido acusados formalmente.
100

6. CRONOGRAMA

CRONOGRAMA P/ DISSERTAÇÃO (PPGCOM)

2020 2021
AÇÃO A M J J A S O N D J
Coleta de dados X
Análises X X X
Confecção de relatórios X X
Escrita da dissertação X X X
Defesa X
101

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