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Goiânia
2020
Universidade Federal de Goiás
Goiânia
2020
RESUMO
1 Optamos por utilizar a expressão adotada por Motta (2013) em Análise Crítica da Narrativa. Na obra ele
explica que a escolha pela utilização dos termos “história” e “estória” (como no inglês, history e story) para
definir as narrativas fáticas e fictícias consiste numa espécie de solução paliativa para distinguir suas
características fundamentais.
LISTA DE QUADROS
MEMORIAL.............................................................................................................................7
a) Das disciplinas cursadas................................................................................................7
c) Do estágio docência.....................................................................................................10
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1. JORNALISMO ECONÔMICO.........................................................................................15
1.1 História do jornalismo econômico no Brasil.............................................................15
3. NARRATIVAS.....................................................................................................................58
3.1 Características da narrativa e seus operadores...........................................................59
4. CIDADANIA.......................................................................................................................71
4.1 O conceito de cidadania, suas dimensões e o contexto brasileiro.............................72
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA.................................................................................79
5.1 Análise Crítica da Narrativa......................................................................................83
6. CRONOGRAMA..............................................................................................................100
7. REFERÊNCIAS................................................................................................................101
7
MEMORIAL
Durante o ano de 2019, foram cursadas um total de quatro disciplinas, duas em cada
semestre, com o objetivo de atender aos pré-requisitos estabelecidos para a qualificação. As
matérias selecionadas apresentaram contribuições básicas à construção do problema de
pesquisa e desenvolvimento do projeto. São elas:
Teorias da Comunicação, lecionada pela prof.ª Dr.ª Ana Carolina Rocha Pessôa Temer;
Seminário de Pesquisa, Mídia e Cidadania III: Comunicação, Discurso e Poder,
lecionada pela prof.ª Dr.ª Ângela Teixeira de Moraes;
Metodologia da Pesquisa em Comunicação, lecionada pela prof.ª Dr.ª Nélia Rodrigues
Del Bianco; e
Mídias, Big Data e Ciência de Dados, lecionada pelo prof. Dr. Douglas Cordeiro.
Entre eventos, artigos e trabalhos diversos, 2019 foi movimentado, tanto no primeiro
quanto no segundo semestre. Abaixo estão listadas algumas das principais atividades
realizadas no decorrer desse período:
c) Do estágio docência
INTRODUÇÃO
Desde que eclodiu, a Operação Lava Jato tem subidos seguidos degraus em termos de
relevância para a sociedade e consequente incorporação por parte do noticiário jornalístico.
Inicialmente alocada de maneira tímida nas páginas econômicas enquanto esquema de
lavagem de dinheiro, a Lava Jato foi alçada às editorias de política assim que os crimes
passaram a abranger doleiros, empresários e financiadores de uma parte importante da vida
política e eleitoral no Brasil. A gravidade das acusações fez as investigações respingarem em
diferentes personagens de todas as instâncias dos três poderes e também em muitos agentes já
há muito tempo fora de atividade, o que foi suficiente para transformar a operação em uma
das principais pautas em voga no país pelo menos desde 2015.
O fato de arrolar gigantes empreiteiras em processos de corrupção frente a Petrobras,
maior estatal do Brasil, colaborou para reforçar o clima de instabilidade da economia nacional
diante de um cenário já marcado por uma forte crise macroeconômica. Daí a Lava Jato passar
a ser também tema das editorias especializadas em economia e tornar-se alvo de periódicos
voltados ao jornalismo de negócios foi uma transição quase natural. O que não parece estar
claro, porém, é a forma com que a Operação Lava Jato foi apresentada dentro deste universo,
dadas as circunstâncias do jornalismo econômico. Em um trabalho anterior que avaliou o
caráter das narrativas econômicas durante os governos Dilma e Temer, por exemplo, já
tínhamos observado o relevante papel cumprido pela imprensa especializada na construção de
perspectivas e imaginários sobre a personalização de culpas, responsabilidades e esperanças
para a recuperação do cenário econômico, e isso durante um momento de turbulência política
para o qual muito influiu a Operação Lava Jato (CORREIA, 2017).
Desde aquela época, pareceu claro que estudar as narrativas econômicas sobre a
própria Lava Jato era algo que precisava ser empreendido. Por isso, essa pesquisa destina-se a
desvelar os sentidos configurados pela enunciação narrativa tecida no contexto da
cobertura sobre a Operação Lava Jato no caderno Mercado da Folha entre os anos de
2014 e 2018. Para efeitos de compreensão das escolhas que compõem a dúvida de pesquisa, a
Folha foi selecionada em decorrência de sua importância 2 e também por ter sido o veículo a
partir do qual o trabalho de pesquisa sobre as narrativas econômicas a respeito dos governos
2 Em 2019, a Folha liderou a média mensal em exemplares diários pagos, bem como a média digital de
circulação, à frente de outros grandes jornais brasileiros como O Globo e Estado, segundo informações do
Instituto Verificador de Comunicação (IVC): https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/folha-cresce-e-
lidera-circulacao-entre-jornais-do-pais-em-2019.shtml
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Dilma e Temer desenvolveu-se – o que permitirá, por consequência, comparar que padrões
permaneceram ou sofreram ajustes nessa cobertura em relação a anterior.
O período também é justificado. Embora seja razoável inferir que o início da análise
recai sobre 2014 por ser o ano em que a Operação Lava Jato teve sua primeira fase
deflagrada, também é notório que os trabalhos abrangidos em seu contexto continuam em
andamento e não foram concluídos. Em termos narrativos, porém, cada seleção ou filtro
importa para fins de apreensão dos sentidos configurados em dado trecho recortado. Por isso,
2018 foi escolhido como a linha de chegada para a pesquisa por ser o ano que marcou a
realização de eleições presidenciais – como 2014 – e por anteceder os fatos que envolveram o
vazamento de diálogos comprometedores entre procuradores e o então juiz da 13ª Vara de
Curitiba, atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, no escândalo que ficou conhecido como
“Vaza Jato”. A preocupação principal, portanto, é evitar obstáculos que motivem inflexões
deliberadas na cobertura de modo que a narrativa predominante e hegemônica durante todos
esses anos possa vir à tona.
Para isso, foi construído um alicerce teórico baseado nos principais conceitos, temas e
discussões inerentes à questão que motiva esse trabalho, resultando em uma organização que
pretende-se clara e objetiva. O primeiro capítulo, portanto, traz o jornalismo econômico em
voga, dado que esse é, sobretudo, um trabalho de comunicação voltado para a avaliação de
uma cobertura jornalística específica. Por isso, baseado nas ideias sobre jornalismo
econômico pela concepção de autores como Basile (2002), Caldas (2005), Kucinski (2000),
Resende (2003), Puliti (2009) e Quintão (1987), propomos um amplo debate em torno da
origem da especialização, desenvolvimento, conformações e características da prática no
Brasil. Por outro lado, não tratar de teorização econômica ou da constituição da matéria
enquanto ciência foi uma escolha que buscou preservar a essência dessa pesquisa de modo a
torná-la objetiva, assertiva e direta naquilo que propõe.
Como o jornalismo econômico não passa de uma expressão esvaziada sem o objeto de
sua cobertura, o segundo capítulo trata de sanar essa lacuna ao abordar a Operação Lava Jato
a partir de sua trajetória histórica e abordagem perante a imprensa, relacionando os eventos a
discussões presentes na literatura. Assim, recorremos a autores como Bucci (2019), Gomes
(2004), Maccalóz (2002) e Thompson (2004) para trazer à luz ideias sobre jornalismo-
espetáculo, política midiática, relação entre imprensa e Judiciário e diferentes modalidades de
escândalos. Cada um desses conceitos e discussões pinça da Operação Lava Jato dimensões
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que não restringem-se aos lugares comuns plantados pela dualidade entre justiça e corrupção
– alardeada por diversos agentes participantes e interessados em desfrutar de algum efeito
positivo do evento.
Entre a cobertura empreendida pelo jornalismo econômico e seu objeto aqui em voga
– a Operação Lava Jato – existe uma relação que estabelece-se para além de qualquer noção
sobre dependência. É mais como um exercício de convergência capaz de formar um produto
que não é um e nem outro, mas algo que emerge da composição articulada de ambos: a
história que é contada, a forma como ela é contada e os sentidos que implica em sugerir são as
nuances principais da atividade narrativa. O capítulo quatro, portanto, esmiúça as
características da narrativa através da apresentação e descrição de seus principais operadores,
como enredo, personagens, tempo, espaço, narrador e outros atributos sob a égide da literatura
encontrada em Franco Junior (2006) e Gancho (2001).
O último capítulo teórico trabalha com a cidadania enquanto perspectiva de ideal para
o jornalismo, especialmente o econômico. Dessa maneira, tratamos de apresentar a história do
conceito, os seus pilares e desenvolvimento no Brasil. Dispondo-se das reflexões de autores
como Marshall (1967), Carvalho (1967), Gadotti (1998) e Cortina (2005), buscamos ilustrar a
trajetória que separa a concessão de benesses a alguns privilegiados da cidadania plena que
deve abranger igualmente todas as pessoas e indivíduos, mesmo que precise coexistir junto a
outras desigualdades.
Alcançar o objetivo delineado será possível pela reconstrução narrativa da cobertura
em todos esses anos por via do aporte teórico-metodológico oferecido por Motta (2012). As
dimensões de conteúdo, linguagem e metanarrativa assentadas pelo autor receberão um
tratamento específico em torno de procedimentos práticos desenvolvidos originalmente para
fins deste trabalho. Assim, todos os conteúdos veiculados pela Folha em sua editoria Mercado
com a palavra-chave “lava jato” no título e publicados desde 17/03/2014, quando é deflagrada
a primeira fase da operação, até 15/08/2018, data em que encerra-se a proibição para o início
da campanha eleitoral naquele ano, serão convertidos em corpus deste trabalho. Os filtros
estabelecidos resultaram em cerca de 106 conteúdos, entre reportagens e notícias, para efeito
de análise.
Espera-se que esse trabalho possa contribuir para uma crítica construtiva a respeito do
encaminhamento direcionado à cobertura sobre a Lava Jato nas editorias de economia.
Também é um objetivo ajudar na formação abrangente de um conhecimento científico mais
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encorpado e atualizado sobre o jornalismo econômico, de modo que isso resulte em reflexões
para uma prática mais humanizada e cidadã.
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1. JORNALISMO ECONÔMICO
Saber que sentidos foram configurados pela enunciação narrativa tecida no âmbito da
cobertura econômica da Folha a respeito da Lava Jato é um desafio que motiva a realização
deste trabalho. A despeito de enlevar a especificidade das repercussões de um dos maiores
acontecimentos jurídico-policiais recentes envolvendo a economia e a sua abordagem em um
veículo de comunicação, a proposta inspira-se no impacto abrangente da Lava Jato. A forma
como a deflagração de mais uma dentre tantas operações contra a lavagem de dinheiro
transformou-se em um evento épico, de dimensões interdisciplinares, com desdobramentos na
vida social, cultural, política e econômica do país é alvo de grande curiosidade.
O que busca-se aqui é justamente o desvendamento da incorporação da pauta em um
vetor – a Folha – e o tratamento dispensado a uma de suas várias conformações – a
econômica – por via da cobertura especializada. O trabalho de apreensão das nuances
interseccionadas à narrativa econômica sobre a Lava a Jato exige um esforço em unir aspectos
presentes em campos cuja aproximação ontológica é pouco clara. Evidentemente, tópicos
como justiça, direito, jornalismo, economia, narrativa e linguagem, por exemplo, podem
encontrar-se em um mesmo arcabouço a depender do ponto de discussão, mas isso não
significa que o desenvolvimento dos vínculos seja simples. Apresentar uma resolução à
questão que abre esse capítulo exige a superação de todos esses desafios. Por isso mesmo é
que optamos por introduzir o próprio jornalismo econômico como ponto de partida, já que é
em seus modelos e representações que as demais variáveis se acomodarão.
Durante esse período, o aparato ideológico catapultado pelo governo para ser o motor
de crescimento do Brasil acabou resultando em bons índices econômicos, que levaram a um
certo otimismo da sociedade. Mesmo assim, o fenômeno foi incapaz de promover a
reestruturação da imprensa brasileira, segundo Quintão (1987), ainda que alguns jornais,
como o Diário Carioca e o Jornal do Brasil, acompanhassem as mudanças.
A retórica nacionalista e o discurso ufanista ganharam vez nos jornais pela discussão
sobre temas como a defesa ou não do capital estrangeiro, questões relativas à exploração de
petróleo, riquezas minerais e outros assuntos absorvidos por teses e programas de partidos
políticos. É justamente esse processo de “politização” das pautas que tornou-os passíveis de
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publicação pelos jornais. “O fato econômico só tem destaque na imprensa de cobertura geral
transformado em fato político” (QUINTÃO, 1987, p. 59).
Ainda sem o cuidado e o zelo editorial no tratamento diferenciado de questões
distintas, os jornais acabaram, por vezes, recorrendo a fontes políticas, incluindo partidos, o
que levou também a uma linguagem igualmente política, recheada de jargões, além da
reportagem de assuntos reinterpretados pela própria imprensa conforme os interesses dos
donos e proprietários de empreendimentos jornalísticos. A sociedade brasileira ainda
presenciou a substituição da postura modernizante de Kubitscheck pela política de austeridade
promovida por Jânio Quadros. Ao mesmo tempo, os jornais e a indústria editorial sofreram
para sobreviver com a queda de subsídios para o papel-jornal. Quintão (1987, p. 60) pontua
que “no início da década de 60, o país dispõe de uma imprensa envolvida na discussão
política, mas industrialmente antiquada e economicamente prestes a se tornar inviável”.
Segundo Quintão (1987), o momento de instabilidade e fragilidade econômica
permitiu a infiltração do capital estrangeiro em diversas áreas, incluindo a própria indústria
editorial. Após a renúncia de Jânio Quadros e a assunção de João Goulart, algumas medidas
foram tomadas para frear e controlar a entrada do capital estrangeiro, porém a conjuntura
desfavorecida pelo contexto de Guerra Fria e o medo do comunismo levou a uma espécie de
conluio entre setores conservadores e reacionários em defesa de valores como o
anticomunismo, a anticorrupção, a livre iniciativa, a propriedade privada e do respeito à
hierarquia militar (QUINTÃO, 1987).
Em 1964, então, um golpe depôs o presidente João Goulart e instaurou o regime civil-
militar a partir de um Estado de exceção. Nos anos seguintes, partidos políticos acabaram
extintos, e jornalistas, artistas e cidadãos foram perseguidos. Novas leis de segurança nacional
e de imprensa foram editadas para concentrar e aumentar cada vez mais o poder nas mãos dos
militares ao passo em que os jornais enfraqueceram-se com a instituição da censura.
Ironicamente, a repressão à imprensa acabou por movimentar e desenvolver o
jornalismo econômico no Brasil. Quintão (1987) e Basile (2002) concordam que a instauração
do regime civil-militar em 1964 representou um ponto de virada do jornalismo econômico,
que ascendeu ao protagonismo à medida que o jornalismo político foi sufocado pela censura e
perseguição aos opositores do governo. A própria Caldas (2005) assume que “[…] o
jornalismo econômico floresceu e só ocupou espaço próprio à época da ditadura militar de
1964” (p. 13).
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Embora existissem vestígios de jornalismo econômico antes dos anos 60, Quintão
(1987) afirma categoricamente que o colunismo e o caráter opinativo caracterizavam os
trabalhos, fugindo à lógica sistemática de cobertura noticiosa que teve início mais adiante, em
circunstância da industrialização do país. O que o autor parece dizer é que argumentar que o
jornalismo econômico sempre esteve presente nos jornais devido à reportagem de fatos
relacionados à economia é reduzir esse tipo de prática a uma mera singularidade temática,
sem levar em consideração todas as características e atributos que, se não são essenciais à sua
definição, tampouco deixam de importar para a complementaridade elementar do gênero.
Assim, o jornalismo econômico não deve ser alçado à mesma lógica instrumental da
inclusão da economia enquanto assunto de interesse nos jornais – embora ele a contemple. O
jornalismo econômico é regido por um conjunto de regras deontológicas que abarcam do
conteúdo à linguagem, justificando a existência de seções, editorias e cadernos próprios para
essa abordagem distinta dentro dos jornais.
Enquanto isso, a simples veiculação de notícias sobre economia não necessariamente
está comprometida com esses mesmos valores, sendo fragmentada porquanto faz-se presente
no noticiário por intermédio da conveniência em torno das pautas e de sua aderência diante da
audiência geral. Em resumo, a mera presença de assuntos econômicos em um jornal pode não
caracterizar cobertura sobre economia – o que prescinde serialização – ou jornalismo
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econômico, assim como divulgar um evento cultural não faz de um veículo reprodutor
sumário do chamado jornalismo cultural, ou trabalhar com informações não faz de um canal
um veículo jornalístico.
Quintão (1987) discorre que o jornalismo econômico é aquele que trata de reportar,
difundir e abordar fatos e situações relacionadas com a economia e as finanças por intermédio
dos veículos de comunicação. Embora seja aparentemente óbvia, essa descrição firma um
marco fundamental para entender as peculiaridades desse tipo de prática jornalística em
perspectiva ao jornalismo tido por genérico ou convencional.
A literatura sobre jornalismo oferece alguns autores que demonstram como as notícias
são ordenadas e selecionadas por meio de valores-notícia ou critérios de noticiabilidade.
Como afirma Lage (2001), a realidade é infinita em seus aspectos perceptíveis, portanto é
necessário estabelecer filtros que possam dar luz à justificação de importância ou interesse. O
próprio Lage (2001) designa itens bastante empregados no campo das avaliações empíricas.
São eles: a proximidade, a atualidade, a identificação, a intensidade, a oportunidade e, o que
mais interessa aqui, o ineditismo: “[…] a raridade de um acontecimento é fator essencial para
o interesse que desperta” (p. 64).
Dentre todos esses atributos, o ineditismo é pouco funcional para a dimensão da
economia, já que ela consiste em uma cadeia sistemática de processos pelos quais o presente
torna-se explicável por seu elo com o passado e em que as possibilidades de futuro
restringem-se aos caminhos apontados pelo presente. Em outras palavras, isso significa que
rupturas e descaminhos até podem existir nas relações econômicas, mas não são eles que
interessam ao campo. Portanto, consequentemente, não é neles que o jornalismo econômico
busca inspirar-se.
Quando parte-se da prerrogativa de que a dinâmica de racionalidade para a economia é
distinta daquela orientada ao jornalismo, é possível que surja uma pergunta: como o conflito
paradoxal envolvendo o interesse por eventos regulares na economia e a busca por eventos
irregulares no jornalismo é equilibrado na prática do jornalismo econômico? A resposta
encontra-se na própria maneira como a economia foi enquadrada pela imprensa: assumem-se
as continuidades, sucessões, processos e sistemas esperados no âmbito da economia, porém
eles são “[…] singularizados pela linguagem jornalística, que os noticia como se fossem
episódios” (KUCINSKI, 2000, p. 21).
Apesar disso, Basile (2002) afirma que uma legítima publicação econômica deve ser
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A partir da década de 1970, Quintão (1987) observa ao menos três fenômenos que
passam a acometer principalmente os profissionais envolvidos com a cobertura econômica
junto ao governo: a especialização, a tecnocratização e a cooptação, respectivamente. A
especialização é definida pela busca de conhecimento técnico e preciso sobre o assunto para,
primeiro, torná-lo mais palatável diante do público não tão afeito e familiarizado com
economia; e, depois, otimizar o trabalho com o objetivo de fazer os poucos profissionais
preparados serem capazes de atender às dezenas de órgãos governamentais e privados ligados
à economia com ritmo acelerado de produção de conteúdo de qualidade.
Quintão (1987) afirma que os repórteres de economia alcançaram, com isso, um
enorme grau de autonomia e liberdade individual, já que o domínio relativo ao tema era
restrito a eles. Logo, essas características foram percebidas pelos segmentos burocráticos e
tecnocráticos do Estado, que vislumbraram a possibilidade de instrumentalizar a
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termos qualitativos para o repórter, de prestígio para instituição que promove o evento, e
ideológico para o sistema” (Quintão, 1987, p. 111).
Outro fenômeno histórico sintomático da modernização do jornalismo econômico é o
processo de financeirização, identificado por Puliti (2009) em sua pesquisa de doutorado. A
autora percebe uma guinada no direcionamento dos conteúdos por meio de mudanças nas
rotinas produtivas e de pautas a partir da década de 1990. Puliti (2009) observa que a
hegemonia de uma ordem econômica no mundo passou a estabelecer diretrizes para outra
conformação de jornalismo econômico, pelo menos no Brasil. Trata-se de um modelo
orientado majoritariamente ao mercado financeiro e que aborda temas como bolsa de valores,
ações, investimentos, especulações e cotações, dentre outros assuntos. Além disso, nessa
época, banqueiros, corretores, economistas e operadores do mercado foram alçados à posição
prioritária de fontes na consulta por informações e obtenção de declarações.
O movimento de aproximação junto ao universo rentista e financista contrastou com o
padrão anterior, tanto em um aspecto como em outro: até aquele momento, o jornalismo
econômico, embora já elitizado, buscava cobrir temas bastante caros à população, como
crescimento econômico, inflação, preços de itens da cesta básica e mercado de trabalho,
enquanto as principais fontes contemplavam trabalhadores, líderes sindicais, professores e
acadêmicos de ciências econômicas. É preciso considerar que a financeirização, não só do
jornalismo econômico, mas de várias dimensões da sociedade, foi também um instrumento de
inculcação e naturalização do neoliberalismo, o que refletiu-se em gestos e acenos de agentes,
representantes e defensores, sendo traduzido em privatizações, regulamentações, reformas e
rigidez fiscal (PULITI, 2009).
Para efeito de compreensão do poderio detido pelo mercado, Puliti (2009) menciona
que a financeirização do jornalismo econômico foi um processo para o qual os governos do
início dos anos 90 muito contribuíram – não com ações formais ou incentivo explícito, mas de
forma discreta, ao adotar, por exemplo, a conhecida retórica do mercado e a importância de
investimentos estrangeiros para o interesse nacional. Assim, foi na aderência encontrada pelo
discurso do governo, com espaço reservado na imprensa, que o mercado ganhou espaço
inicialmente, passando a consolidar sua voz posteriormente com o protagonismo assumido
diante de eventos e fenômenos econômicos. Bom exemplo disso é a corrosão inflacionária
característica do período, que justificou a convocação de especialistas aos meios de
comunicação para que pudessem ensinar como o público poderia proteger o seu dinheiro.
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Quintão (1987) distingue pelo menos três escopos de divisão quanto ao modelo de
apresentação do jornalismo econômico. O primeiro é definido pelos jornais do comércio, da
indústria e pelas seções e colunas de economia. Observe-se que, para o autor, essa não é
apenas a forma mais primária como também a mais primitiva, pois integra a primeira geração
de periódicos especializados. O segundo encontra-se na forma do jornalismo de negócios, que
trata de operações financeiras, de mercado, e refletia-se, à época, em boletins econômicos e
revistas de economia. O terceiro, e último, que ele chama de “[…] jornalismo econômico
propriamente dito” (p. 26) mesclava as propriedades das duas anteriores acrescida do
tratamento predominante da macroeconomia que, de acordo com Quintão (1987), cumpria
uma função ideológica e de legitimação dos instrumentos de dominação do capitalismo.
A percepção de Quintão (1987) é conotada historicamente por sua capacidade de
observar o surgimento de veículos, rotinas produtivas e profissionais bastante peculiares em
cada momento, especialmente a partir da década de 1960. Apesar disso, ele chama de
“jornalismo econômico” o gênero configurado em um último ato como resultado de um
processo evolutivo que chega ao estágio final em termos de refino e apuro, ou seja, trata-se de
simultânea negação à apropriação do termo, em sua totalidade, para definir o trabalho feito
anteriormente àquele período. Revestido de uma visão distinta, marcada pela pulverização dos
temas abordados, Kucinski (2000) aponta para quatro segmentações bem situadas em suas
áreas, inexistindo uma ocorrência interseccional entre elas. Ele as define como “[…]
modalidades de informações no jornalismo econômico” (p. 23): a cobertura de negócios; de
políticas de governo; do mercado financeiro; e o jornalismo de serviços.
A definição para cobertura de negócios de Kucinski (2000) assemelha-se à definição
dos jornais do comércio e da indústria na visão de Quintão (1987), com a diferença que, para
essa caracterização, importa menos o caráter do periódico do que a profundidade de
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conhecimento sobre uma área e a sua consequente articulação ao conteúdo. É, portanto, uma
tipologia na qual faz-se indispensável o deslindamento dos mecanismos de setores dotados de
particularidades, como o automobilístico. Quase uma editoria micro, segundo Kucinski
(2000), a cobertura de negócios retrata a realidade de afunilamento do trabalho e concentração
de responsabilidades promovida pelo capital ao emular condições do próprio universo que
acompanha.
Já a cobertura de políticas de governo está diretamente ligada à noção de abordagem
dos problemas econômicos, das relações de causa e efeito em processos econômicos, bem
como a projeção bilateral desses aspectos com o mundo político e social (KUCINSKI, 2000).
É um formato que aproxima-se, de alguma maneira, da definição de jornalismo econômico
sugerida por Quintão (1987), mas que ignora tudo aquilo que está distante da questão mais
ampla e generalizada da economia, com repercussões que superam o individual e o privado
para dizer respeito ao coletivo e público.
O trabalho de abordagem do mercado financeiro, para Kucinski (2000), é o que
oferece maiores dificuldades, pois exige o domínio de operações matemáticas e um alto grau
de abstração no pensamento, o que é pouco comum para jornalistas. Dado que assuntos
relacionados à bolsa, ativos, mercado de capitais e especulação de cotações são subproduto de
um tipo bastante específico de economia, que é a liberal, de mercado, conclui-se que o
jornalismo financeiro acomodou-se enquanto espécie de subespecialização do jornalismo
econômico, segmento no qual nem todos os repórteres especializados em economia estão
preparados para adentrar.
Por fim, ainda que Kucinski (2000) não trate de delinear o jornalismo de serviços
como uma subespecialização aos moldes do jornalismo financeiro, sua tratativa conceitual
aponta para esse caminho. Para ele, essa modalidade de informação econômica “[…] combina
níveis elementares de informação, quando trata de mercadorias e serviços, e níveis
complexos, quando trata dos investimentos financeiros da classe média” (p. 24). O jornalismo
de serviços, como o próprio nome já diz, presta-se a cumprir uma função instrumental de
utilidade, geralmente associada ao padrão de defesa do consumidor: noticia e reporta questões
ligadas à normatização do ethos e de uma noção civilizada das relações que já existem entre
empresas no sentido de que seja estendida também à forma como empresas e consumidores
relacionam-se.
Outro autor a ingressar no debate e propor sistemas prontos que explicam o
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últimas novidades a respeito do departamento ou seção nas quais estão inseridas. E elas são
variadas: produção, vendas, marketing, finanças e administração são apenas alguns dos casos
mais proeminentes. Manter-se constantemente informado e atualizado é quase uma
obrigatoriedade no concorrido universo laboral, e é no vácuo deixado por essa necessidade
que ataca o jornalismo econômico segmentado por competências.
Apesar das classificações e categorizações, o jornalismo econômico desenvolveu uma
característica que parece ser relativamente comum a todas as suas formas, de modo que ela
varia bem pouco. Referimo-nos à linguagem pela qual a informação econômica, em vez de ser
traduzida, é codificada sob a forma de um idioma acessível a poucos públicos com o mínimo
domínio adequado ao seu entendimento. A linguagem do jornalismo econômico ainda parece
estabelecer um marco no que diz respeito às coberturas especializadas por editoria. Afinal,
embora o jornalismo político ou cultural, para ficar apenas em dois exemplos, detenham
maneirismos próprios e expressões típicas de seus universos, não chegam a estruturar uma
linguagem cuja compreensão revele-se dificultosa ao público de uma maneira geral. Com o
jornalismo econômico, a história é outra.
linguagem que as pessoas comuns não entendam, e sem violar os conceitos criados pela
linguagem dos jornalistas” (KUCINSKI, 2000, p. 168).
O caminho para chegar ao modelo mais aproximado de reprodução dos eventos
econômicos sob o prisma jornalístico verifica-se na busca de aprofundamento teórico sobre os
temas que deseja-se tratar. Dado que as narrativas econômicas apenas transpõem-se pela
clareza e lucidez a partir do instante em que os repórteres são capazes de discernir o que é e
não é passível de assimilação, os profissionais necessitam de recursos para tornar
compreensível aquilo que talvez seja muito complexo em sua forma primitiva (KUCINSKI,
2000). No esteio da popularização da imprensa econômica, por exemplo, quando a
especialização ainda não era uma realidade, Quintão (1987) descreve que os veículos
primavam por selecionar profissionais completamente alheios à economia para cobrir a área
porque julgavam que assim eles seriam forçados a identificar as melhores estratégias de
aprendizado e transmissão dos fundamentos cujo entendimento não era dado a leigos.
Tanto Kucinski (2000) quanto Quintão (1987) identificam, na linguagem do
jornalismo econômico, traços intencionais de camuflagem de conflitos e contradições da
retórica política por inserção de uma comunicação pouco direta. Segundo essa perspectiva dos
autores, portanto, a acomodação elitista do texto jornalístico não decorreria exatamente de
uma dificuldade natural da especialização, mas integraria um projeto de alienação ideológica
do conhecimento sobre economia a fim de alimentar a inércia do povo. Kucinski (2000)
lembra que a mente humana não é um mero receptáculo de informações que soam como
ideias primárias, sem pano de fundo, e que as inferências e interpretações são baseadas em
operações estruturadas que definem significados a partir da avaliação de comparações e
diferenciações de termos.
Quintão (1987), por sua vez, dá exemplos claros da instrumentalização da linguagem
do jornalismo econômico e sugere que a incorporação da tecnocracia nos textos é
acompanhada pela criação de novas categorias sociolinguísticas trazidas, pela primeira vez,
em textos oficiais e relatórios de organizações, entidades e instituições pertencentes à ordem
dominante do capitalismo mundial:
1960, havia grande preocupação dos governos em destacar o caráter nacionalista de empresas
estatais por via do sufixo “bras” – de Brasil, de brasileiro. Esse hábito não foi imediatamente
abandonado após 1964 porque alguns militares julgavam ser necessário reforçar o aspecto da
soberania nacional através da afirmação de empresas, órgãos e companhias associadas a
ramos de interesse estratégico para o desenvolvimento do país.
Contudo, esse costume foi esvaindo-se à medida que grupos estrangeiros passaram a
adotar o mesmo plano em decorrência da obrigatoriedade de nacionalização do capital. Assim,
nomes que antes eram inconfundivelmente vinculados às empresas nacionais começaram a
popularizar-se entre corporações oriundas de fora, o que começou a gerar mal entendidos e
confusão entre o público, acostumado a facilitadores para a identificação de certos conceitos.
Com o tempo, a insistência em ressaltar a necessidade de capital estrangeiro suplantou o viés
nacionalista de alguns setores do governo e, então, os nomes das instituições oficiais
acabaram sintetizados e enxugados em siglas que, frequentemente, definiam-se pelas iniciais.
Quintão (1987) também argumenta que é durante esse período que o jornalismo
econômico começa a valer-se de estratégias auxiliares para reforçar o grau de persuasão
contido na informação puramente textual. Dessa forma, números e estatísticas começaram a
ser empregados para interpretar ou descrever os acontecimentos da vida socioeconômica,
apoiando-se na credibilidade matemática dos cálculos econométricos. O acompanhamento
dessa modalidade de informação cumpria a prerrogativa de prova cabal diante da qual críticas
ou afrontas sumariamente esvaziavam-se de sentido.
Da mesma forma, os gráficos, quadros e tabelas passaram a ilustrar notícias e
reportagens com o aparente objetivo de apoiar o entendimento sobre o conteúdo,
especialmente quando tratava-se de objeto com natureza complexa. Porém, Quintão (1987)
lembra que, muitas vezes, em vez de colaborar, os recursos acessórios serviram para
comprometer a verdade, o que vai ao encontro do que descreve Kucinski (2002, p. 24): “[…]
no debate econômico, abusa-se das falácias, argumentos com premissas aparentemente
corretas, mas cujas conclusões são falsas. A mais frequente é a falácia estatística. Quase tudo
pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.
O jornalismo econômico em si mesmo encontra-se bastante isolado enquanto gênero
que trata de uma área com tamanha profusão quanto a própria economia. Apesar disso, é
possível encontrar paralelos e conjunções com outros campos, como será possível perceber no
capítulo a seguir, quando trataremos da Operação Lava Jato. Para fins de construção desse
35
trabalho, porém, a cobertura especializada pavimenta a base pela qual toda a pesquisa
percorrerá antes.
36
A Lava Jato teve início no dia 17 de março de 2014, com uma operação deflagrada
inicialmente em torno do combate a grupos suspeitos de lavagem de dinheiro por via de
práticas sofisticadas que envolviam postos de combustíveis e lavanderias (NETTO, 2016). A
mobilização de uma força-tarefa com cerca de 400 policiais federais em seis estados
brasileiros e no Distrito Federal foi necessária para cumprir 81 mandados de busca e
apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19
mandados de condução coercitiva. Embora os números já fossem expressivos naquele
momento, dada a movimentação supostamente ilegal de R$ 10 bilhões por parte dos
investigados, esse seria apenas o primeiro ato de uma cruzada jurídico-penal que marcou a
última década de vida política do país.
Da origem dos crimes financeiros e fiscais até a nomeação da operação, tudo teve
início no Posto da Torre, em Brasília, onde funcionavam legalmente uma lanchonete, uma
lavanderia e uma casa de câmbio. Ali desdobrou-se uma das buscas da PF, que descobriu no
lugar o centro estratégico por onde transações clandestinas eram viabilizadas. Foram também
as atividades comerciais do Posto da Torre que inspiraram a delegada Erika Mialik Marena a
nomear a então recente operação de “Lava Jato”:
Pensei em Lava Jato obviamente por causa do posto de combustível, que era
uma lavanderia, e porque tinha plena consciência de que não se tratava de
coisa pequena. Não estavam lavando coisa pequena, não estavam lavando
um carro. Se fosse comparar um carro e um jato, lavariam muito mais um
jato. Não ficou faltando um ‘a’ no lava a jato, foi uma brincadeira com a
palavra. (NETTO, 2016, p. 28).
A primeira fase da Operação Lava Jato recebeu abordagem em alguns dos principais
jornais do país como apenas mais uma ação enérgica da justiça contra crimes financeiros e
fiscais nos quais homens poderosos já conhecidos investiam seus esforços. Dentre eles,
estavam, como conta Netto (2016), o próprio dono do Posto da Torre, Carlos Habib Chater, e
o doleiro Alberto Youssef. No dia 20 de março, porém, três dias depois do início da Lava Jato,
a deflagração da segunda fase, denominada Bidone, traria o pedido de prisão temporária do
ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, enquanto evento de maior
repercussão e importância até então.
O envolvimento de um nome do alto escalão administrativo da maior estatal brasileira
representou a expansão do foco das investigações para uma série de questões que o próprio
Paulo Roberto Costa viria revelar mais tarde, implicando empresários, partidos e agentes
38
políticos naquele que viria ser alardeado como o maior esquema de corrupção e desvio de
recursos financeiros da história do país. Os depoimentos iniciais de Paulo Roberto Costa
deram conta de um esquema de corrupção organizado em torno de quatro núcleos: o
corporativo, das empreiteiras e construtoras; o administrativo, dos diretores e gerentes da
Petrobras; o financeiro, no qual atuavam doleiros e operadores; e o político, ditado por líderes
dos partidos responsáveis por comandar cada área da maior estatal brasileira. Juntas, essas
estruturas formaram uma engenhosa máquina de desvio de recursos financeiros que parecia
protegida de qualquer suspeita (NETTO, 2016).
Como as delações de diversos acusados corroborou depois, o esquema funcionava
baseado em uma estratégia de superfaturamento em que as empresas ofereciam orçamentos
com previsão de margem de lucro entre 10 e 20% acrescido de 1 a 3% no preço final, que era
repassado posteriormente ao grupo político responsável pela diretoria envolvida no processo
licitatório em questão. Dessa maneira, como um num círculo vicioso, determinados partidos
tinham o poder de indicar diretores e gerentes a uma área da Petrobras. Eles, por sua vez,
eram cooptados pelo esquema ao custo de terem suas carreiras prejudicadas caso se
recusassem a colaborar (NETTO, 2016).
Uma vez consolidados em sua posição, esses diretores e gerentes tornavam-se
responsáveis por fazer a manutenção da operação ao ditar regras de participação de empresas
que dispunham-se a superfaturar os contratos e a oferecer a propina solicitada. As
empreiteiras e construtoras, então, que eram submetidas aos ditames, recebiam a mais pelo
que objetivamente faziam e repassavam a propina aos doleiros e operadores financeiros, a
quem cabia gerir o dinheiro sem deixar rastros. A eles também era delegada a
responsabilidade de distribuir o dinheiro entre os funcionários de alto escalão da Petrobras
envolvidos e também para os líderes de partido responsáveis por assegurar a continuidade do
esquema através e seu capital político e influência junto à situação.
O dinheiro da propina era destinado a diferentes objetivos a depender de quem
beneficiava-se dele. Para os partidos, era bastante útil, por exemplo, no abastecimento de
campanhas eleitorais por financiamento de caixa dois e compra de apoio para a disputa de
poder sobre o controle e manutenção dos grupos hegemônicos dentro deles. No caso dos
gerentes e diretores da Petrobras, os valores serviam para alimentar mordomias, como viagens
caras, imóveis de alto padrão e veículos de luxo. Em muitas situações, os recursos foram
acobertados por meio de contas mantidas no exterior. Apesar da aparente conivência entre as
39
Entre os detidos estavam alguns dos homens mais ricos do país. O dia para
eles havia começado da pior maneira possível: com a polícia fazendo buscas
em suas casas e os levando para a cadeia. A Justiça ainda determinou um
bloqueio de até 20 milhões de reais nas contas de 16 investigados e de três
empresas. Vinte executivos de oito grandes empreiteiras do país,
responsáveis por centenas de milhares de empregos, foram presos. As
suspeitas: corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, cartel e
fraudes a licitações. (NETTO, 2016, p. 90).
A chamada “lista do Janot” foi o assunto da Lava Jato em 2015. A menção aos nomes
de diversos agentes políticos com foro privilegiado fez com que os processos tivessem de ser
assumidos parcialmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão com prerrogativa
e autonomia de investigação. Para isso, foi criado um grupo de trabalho da Lava Jato dentro
da PGR com alguns dos maiores procuradores de todo o Ministério Público Federal. A seção
era considerada irmã da força-tarefa do MPF do Paraná e funcionava nos mesmos moldes, sob
regime de cooperação.
Todos os acordos de delação premiadas, bem como as investigações do MPF,
acabaram por implicar dezenas de políticos, entre deputados, governadores e senadores. O
40
3 Os números, dados e cifras foram obtidos em sites como o Poder360 em compilação de informações até março
de 2019, quando a Operação Lava Jato completou cinco anos: https://www.poder360.com.br/lava-jato/5-anos-de-
lava-jato-285-condenacoes-600-reus-e-3-000-anos-de-penas/
Também foi consultado o site da Polícia Federal, no qual constam atualizações até agosto de 2017 e junho de
2018: http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato/numeros-da-operacao-lava-jato
41
A cobertura da Lava Jato na imprensa, de uma maneira geral, parece despontar por um
caminho bastante espalhafatoso ao erguer uma narrativa quase teatral sobre cada novidade
desvelada. O resultado da empreitada é o recrutamento da atenção privilegiada de um público
cada vez mais interessado em acompanhar os fatos que implicam em consequências
verdadeiras no âmbito da esfera política como se fossem capítulos de uma novela carregada
de elementos dramáticos. Ao comentar a relação do jornalismo com o universo político,
Gomes (2004) retorna aos primórdios da atividade e lembra que a busca por autolegitimação
para afirmar o elo com a esfera civil também desembocou, simultânea e paralelamente, na
sustentação de um discurso que lançava dúvidas sobre o campo político, sempre em nome do
interesse público e pela defesa de uma sociedade que sua independência permitia representar.
Se o jornalismo presta-se a um papel cívico de vigilância, é natural esperar que ele
dispense esforços em prol de revelações dos artífices e truques presentes no campo político
com o intuito de capitalizar esse valor de interesse e atrair o consumo das audiências de
comunicação em seu favor (GOMES, 2004). A Lava Jato é, portanto, objeto de grande
fetichização dos meios de comunicação especialmente porque eles próprios atribuíram-lhe
42
Ainda que a Operação Lava Jato não configure um escândalo em si mesma, parecem
existir poucas dúvidas de que o apanhado de acontecimentos circundantes ao núcleo principal
das investigações possa ser alçado sob essa classificação. É necessário lembrar, como sugere
Thompson (2004), que a definição de escândalo encontra ecos variados na atualidade a
depender da dimensão na qual ela é explorada – a exemplo da imprensa, da sociedade e do
mundo político –, fora o seu pano de fundo etimológico que possui traços históricos bastante
antigos.
46
Para todos os efeitos, porém, após um breve balanço, Thompson (2004) esboça que
uma definição prática para o escândalo nos dias de hoje encontra-se no cerne das discussões
modernas sobre visibilidade e publicidade. Assim, é possível caracterizar o escândalo como
uma ocorrência, evento ou acontecimento que implica graus de transgressão a uma rede de
códigos estabelecidos, importando, ainda, que torne-se conhecido por outros e que seja sério a
ponto de evocar uma resposta pública (THOMPSON, 2004).
Dessa forma, trata-se de uma combinação de fatores cujo resultado emerge na forma
daquilo que acostumou-se a chamar de escândalo, conceito para o qual Thompson (2004)
elabora pelo menos cinco características intrínsecas: 1) a consolidação por via da quebra de
alguma norma moral; 2) a presença de segredo ou ocultação refletida na desconfiança de não-
participantes; 3) a reprovação de não-participantes que julgam ofensivos os gestos acionados
pelo escândalo; 4) a expressão do desgosto de não-participantes por via da denúncia pública
dos acontecimentos; 5) o prejuízo à reputação dos responsáveis através da revelação e
condenação das ocorrências.
As relações escusas entre empreiteiras, operadores, servidores públicos e políticos
abarcadas no âmbito das investigações da Lava Jato inclinam-se a satisfazer as condições
declaradas anteriormente de forma sumária restando, por conseguinte, a sua tipificação. O
processo classificatório do padrão mais apropriado apresenta barreiras bastante originais no
caso da Lava Jato porquanto as circunstâncias ora sugerem a concepção daquilo que
Thompson (2004) chama de escândalo midiático, ora enveredam por uma posição que
assemelha-se à tipificação do autor para o escândalo político, podendo enquadrar-se ainda na
definição de escândalo financeiro.
No rol de possibilidades apresentadas por Thompson (2004), o escândalo midiático é
tratado como um fenômeno propiciado pelo advento dos meios de comunicação e o
surgimento de tecnologias várias. Diferentemente do escândalo localizado, por exemplo, que
costuma ser baseado nas relações face a face e que, por isso mesmo, têm caráter efêmero, o
escândalo midiático vale-se dos veículos de comunicação para catalisar a sua publicidade e os
transforma em agentes constitutivos do seu próprio processo, implicando em durabilidade de
repercussão proporcional à sua existência. Quer dizer, os meios de comunicação deixam de
ser o canal secundário para intermediar a comunicação dos eventos e passam a ser parte
importante do conflito, sendo relegados à escala primária de importância para o
desenvolvimento dele (THOMPSON, 2004).
47
consideradas, elas não explicam tudo. O autor afirma existirem funções e papéis alheios à
comunicação e à política cuja importância para os processos contemporâneos não deve ser
subdimensionada, e é por isso que eles devem circundar o núcleo fundamental. Não por
coincidência, os dois exemplos apresentados por Gomes (2004) para esse intruso de magna
relevância no casamento entre comunicação e política vinculam-se ligeiramente aos processos
imbricados na Operação Lava Jato.
O primeiro deles diz respeito ao Judiciário, lastreado por um conjunto de instituições
alegadamente representantes da esfera civil no interior do Estado, que possui relação estreita
com as ações desdobradas no âmbito da política midiática. Gomes (2004) diz que vários
exemplos apontam para a absorção do munda da justiça, do direito e dos organismos estatais
com poder de força e coação por parte do sistema combinado da comunicação e política.
Coincidentemente, ele menciona a Operação Mãos Limpas na Itália – sempre apontada como
inspiração para a Lava Jato – e o próprio Ministério Público Federal, especialmente do Brasil,
para corroborar com a ideia de que o universo bidimensional da comunicação e política abre-
se a um terceiro convidado, nesse caso pertencente a outro domínio, que Gomes (2004) chama
de “[…] a parte não-política do Estado, o poder Judiciário” (p. 132).
Como um poder do Estado dotado de ferramentas e instrumentos de extensão
abrangente, capaz de agir até mesmo sobre o universo político, apesar dos limites
regulamentares, é consequência óbvia que o Judiciário faça refletir toda a sua carga simbólica
em movimentos nessa esfera, e isso tem acontecido com cada vez mais frequência, segundo
Gomes (2004). Os principais impactos são notados nas áreas pelas quais a atividade política
vale-se das habilidades e competências necessárias para obter apoio e atenção da opinião
pública, sempre pela exploração potencial da comunicação de massa. Esse, porém, é apenas
um lado da situação. O outro denota, em contrapartida, que o próprio poder Judiciário
depende da visibilidade pública propiciada pelos meios de comunicação, pois é com ela que a
instituição viabiliza o ganho de legitimidade social e angaria autoridade moral para exercer
sua força coercitiva contra o aparelho político do Estado (GOMES, 2004).
A Operação Lava Jato, portanto, parece estabelecer uma situação nova sobre a
abordagem de temas relacionados ao poder Judiciário nos meios de comunicação de massa. A
distinção encontra-se no aparente fato de que o tratamento direcionado a temas derivados da
associação deturpada entre poder público e poder privado faz emergir com vigor o papel da
justiça como instrumento não só moderador da ética possível, mas também enquanto
51
Teixeira (2010) ressalta que a relação entre poder Judiciário e imprensa é mais estreita
do que parece, pois está pautada nas aproximações e distanciamentos que essas duas áreas,
embora bastante distintas, tecem por sua própria realização no seio da sociedade. O poder
Judiciário é intrinsecamente comprometido, por exemplo, com as garantias institucionais, a
defesa da liberdade de manifestação, a constituição do direito e a preservação da democracia e
de seus valores fundamentais. A imprensa, por sua vez, anota Teixeira (2010), tornou-se
indispensável para as atividades de convivência social. Os dois campos convergem para um
ponto comum quando se veem às voltas com a necessidade de comunicação com um perfil de
sociedade de massa, ao qual ambas precisam adaptar-se – a imprensa pelo caminho da
pluralidade enquanto o Judiciário a partir da arregimentação de novas soluções cabíveis
dentro do contexto liberal-individualista que, para o autor, já não são capazes de satisfazer os
anseios públicos.
52
Uma aproximação entre a imprensa e direito dá vazão ao debate que, segundo Bucci
(2016), parece ser tangenciado e ocultado em suas dimensões pelo pensamento jurídico. Nele,
a liberdade de imprensa é um direito que deve ser assegurado pelo Estado Democrático de
Direito, com base em certa concepção jurídica de liberdade em que o direito parte da fronteira
daquilo que, antes, é precedido pela lei. Assim, sem o marco da norma jurídica, a liberdade
não seria autorizada como um direito ou, ainda, seria mera ideia flutuando pela vaguidão. Do
ponto de vista da imprensa, porém, embora essa assunção não seja necessariamente errada, ela
tampouco parece corresponder à complexidade de formação das sociedades nas quais “[…] as
leis democráticas são uma conquista da liberdade – e não vice-versa” (BUCCI, 2016, p. 34).
Dessa maneira, o percurso histórico demonstra que o Estado Democrático de Direito
não precisa da liberdade enquanto elemento de subjugo ou mediação, mas como condição da
qual depende para não deixar de ser o que é, transformando-se em espaço de corrosão pelo
poder absoluto e corrupção desenfreada (BUCCI, 2016). Tal noção advoga, por conseguinte,
que cabe à liberdade de imprensa exercer papel vigilante sobre a atuação de autoridades,
limitada por certo regramento, e não o inverso – dado que o poder é entrincheirado nas
barreiras que delineiam a noção de justiça para a sociedade, e que é justamente a imprensa a
instituição que afere a conformidade dos movimentos nesse meio. “A liberdade de imprensa,
então, não estaria contida dentro dos marcos legais, mas são os marcos legais que deveriam
estar contidos dentro dos marcos da liberdade – e esta, em seu corpo integral, seria
inapreensível pelo direito” (BUCCI, 2016, p. 35).
Todo o arcabouço erguido para suportar as relações comunicacionais do poder
Judiciário brasileiro foram definidas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988
– muito embora já existisse uma torrente de mudanças encaminhadas antes mesmo deste
período. A CF foi responsável por delinear os perfis das instituições, tornando a publicidade
um princípio fundamental de acordo com o inciso IX do artigo 93. Também é precisamente
este o período que marca o início de uma relação mais estreita entre imprensa e Judiciário, já
que as pautas relacionadas à justiça tornaram-se mais frequentes nos meios de comunicação
devido às próprias condicionantes da Carta Magna brasileira.
Um ponto a ser destacado é que a avaliação sobre a cobertura geral realizada pela
imprensa no campo da justiça frequentemente busca retratar o Judiciário sob enquadramento
preconceituoso, atribuindo demasiada importância aos empecilhos responsáveis por prejudicar
o correto funcionamento do sistema judicial (LEMOS, 2005). Neste prisma, a lentidão e a
53
realidade das decisões tomadas pela esfera civil requer a apresentação de propostas, projetos e
soluções capazes de satisfazer às grandes necessidades da sociedade em termos de serviços
fornecidos pelo Estado, de modo que a confecção de impressões e a convergência otimista da
opinião pública permita a continuidade de todo o trabalho, tanto num sentido como no outro.
É uma difícil missão equilibrar os gestos, especialmente porque, com frequência, a
oposição de interesses leva a uma postura conflitiva incapaz de agradar a ambos os lados – e
dado que eles importam para a estabilidade do universo político, é preciso habilidade para
tergiversar em momentos de crise:
popular às histórias reais que compõem a biografia particular de um indivíduo. Nisso consiste
o objeto do próximo capítulo.
3. NARRATIVAS
58
seguintes questões: O que aconteceu? Quem viveu os fatos? Como? Onde? Por quê?”
(GANCHO, 2001, p. 3). Outro lugar-comum a esse respeito é que as narrativas costumam ser
divididas em três grandes blocos – que podem ser classificados como movimentos
pertencentes ao gênero – pelos quais a organização das histórias é assimilada em sua
completude, não necessariamente sob uma ordem lógica de começo, meio e fim. Esses blocos
são conhecidos como introdução, desenvolvimento e conclusão (FRANCO JUNIOR, 2006).
É preciso atentar-se para o fato de que introdução, desenvolvimento e conclusão até
podem sugerir uma pretensa sequência, mas a experiência com leituras narrativas demonstra
que há uma grande variabilidade em relação ao surgimento de tais ocorrências (FRANCO
JUNIOR, 2006). Certas narrativas, por exemplo, antecipam a conclusão para só depois
promover o desenvolvimento e a introdução. Outras, lançam primeiramente o
desenvolvimento e em seguida apresentam a introdução e a conclusão. É por isso que Franco
Junior (2006) prefere a definição de “movimentos” em oposição a qualquer outro que defina e
restrinja o momento de entrada e saída de cada ato, pois a liberdade criativa permite um vasto
número de combinações.
Apesar da colocação, não é ponto pacífico que introdução, desenvolvimento e gênero,
embora pareçam integrar a maior parte das narrativas, sejam suficientemente caracterizadoras
e definidoras do que conhece-se por narrativa (FRANCO JUNIOR, 2006), isso porque existe
um vácuo ou uma imprecisão sobre que materialidade é alvo objetivo dessa classificação: se a
história, a narrativa ou o texto. À parte dessa constatação, para Gancho (2001) toda narrativa
precisa apresentar ao menos cinco elementos condicionantes, estruturantes e viabilizadores:
enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. Já Franco Junior (2006) oferece outra resposta
e afirma que o tratamento do conflito dramático aproxima-se daquilo que poderia ser
enxergado como característica intrínseca – e não exclusiva – à narrativa:
esse conceito foi concebido para tratar do modo como a história é tecida por meio de palavras,
sob a forma de texto.
Dando sequência a apresentação de conceitos-chave para as narrativas, os personagens
surgem como um dos operadores mais destacados e de reconhecimento bastante comum em
decorrência da identificação com a noção de pessoa (FRANCO JUNIOR, 2006). Segundo
Gancho (2001), elas são as responsáveis pelo desempenho e pela ação, o que, para a autora,
indica que apenas são personagens aqueles que falam ou agem na história. Franco Junior
(2006) sugere definição semelhante quando afirma que as personagens são “[…]
representações dos seres que movimentam a narrativa por meio de suas ações e/ou estados”
(p. 38). Ao mencionar “estados” para além de “ações”, porém, essa última definição parece
incluir entre as personagens qualquer indivíduo que faça-se presente na história, mesmo que
sua participação resuma-se a uma breve menção.
As personagens também podem ser classificadas de duas maneiras, conforme a sua
relevância e priorização dentro da história ou a partir do seu grau de densidade psicológica,
segundo Franco Junior (2006). Quando o assunto é a importância para o conflito dramático, as
personagens são primárias ou secundárias. Caso suas ações pautem a construção da história de
modo que, sem elas, pouco sobra de interessante para a narrativa proposta, elas enquadram-se
sob a perspectiva de primárias. Gancho (2001) insere protagonistas – que assumem a posição
de herói ou anti-herói na realização de feitos destacados – e antagonistas – cuja função é
rivalizar com os protagonistas e atrapalhá-los em seus objetivos – sob essa classificação.
As personagens secundárias, por sua vez, são aquelas que não oferecem grandes
contribuições para o desenrolar da história, apesar de cumprirem funções específicas e
surgirem, em certas ocasiões, como resultado de conflitos dramáticos envolvendo
protagonistas, segundo Franco Junior (2006). Elas podem desempenhar papel de ajudantes de
protagonistas ou antagonistas, de confidentes e de figurantes, dentre outros (GANCHO,
2001).
Em tratando-se da caracterização das personagens, a classificação bifurca-se entre
planos e redondos – categorias que ainda guardam subclassificações. Segundo Franco Junior
(2006), as personagens planas são aquelas com baixa densidade psicológica e profundidade
dramática limitada, marcadas por atributos que as fazem bastante reconhecidas entre o
público. Elas ainda podem ser divididas entre tipo, associadas a alguma categoria social com
características padronizadas e invariáveis – a exemplo do jornalista, da enfermeira, do pirata e
63
outros – e estereótipo – ou caricatura para Gancho (2001) –, que são personagens sobre as
quais incidem signos em excesso, tornando a sua caracterização frequentemente ridícula e
proporcionando uma “[…] cristalização máxima dos lugares-comuns e dos valores
socialmente atribuídos às diversas categorias sociais” (FRANCO JUNIOR, 2006, p. 39).
Enquanto isso, as personagens redondas são conhecidas por sua alta densidade
psicológica, complexidade, alinearidade e contradições que são trazidas nos sentidos de suas
ações e comportamentos. Segundo Gancho (2001), elas ainda podem ser segmentadas de
acordo com o grupo de atributos que projetam-se mais destacadamente, sendo caracterizadas
como físicas, psicológicas, sociais, ideológicas e morais. Além da divisão tradicional entre
personagens planas e redondas, Franco Junior (2006) menciona uma terceira classificação,
mista, chamada de “[…] plana com tendência a redonda”. Essas seriam personagens com
densidade psicológica mediana, construídas sob um circunspecto de linearidade
predominante, sem, porém, apresentar uma configuração totalmente previsível. Assim,
personagens com essa qualificação podem surpreender por realizações avessas à sua
construção psicológica.
Outro operador narrativo de fundamental importância é o narrador, que, segundo
Franco Junior (2006) e Gancho (2001), não podem ser confundidos com o autor da narrativa.
O narrador é uma categoria específica de personagem, uma criação linguística do autor para
narrar os fatos dentro do contexto que pertence à própria narrativa. Segundo Franco Junior
(2006), é bastante comum classificar o narrador conforme a pessoa do discurso que emprega
no texto ou de acordo com sua participação e interação junto à história. Assim, o recurso à 1ª
pessoa (eu/nós) costuma ser associado ao chamado narrador participante, enquanto o uso da 3ª
pessoa (nós/eles) costuma ser vinculado ao narrador observador. Porém, essas dicas exigem
uma verificação mais aprofundada e rigorosa, visto que existem situações nas quais um
narrador participante empregaria o uso da 3ª pessoa e o narrador observador, da 1ª.
Gancho (2001) aponta que o narrador observador é caracterizado por sua onisciência e
onipresença, além de poder ser dividido entre intruso e parcial. Da mesma maneira, em
oposição ao narrador observador, a autora sugere que uma característica forte do narrador
participante é o campo de visão limitado, sendo também classificado em testemunha ou
protagonista. A perspectiva do narrador define o seu ponto de vista ou foco narrativo,
chamado ainda de focalização por Franco Junior (2006), o que caracteriza a abordagem para
fins de sensibilização intelectual e emocional do público com o propósito de provocar adesão
64
às ideias, valores e questões evocadas pela história. Para além dessas formas de tratar o
narrador, existem outros autores que sugerem classificações distintas, mais específicas, que,
por conveniência metodológica e escopo de nossa pesquisa, não serão apresentados aqui.
No rol de tópicos relevantes às narrativas, especialmente para a sua análise, é
interessante observar as noções de tema, motivos e motivação, segundo Franco Junior (2006).
O tema é o ponto crucial da narrativa em torno do qual ergue-se a história, o assunto central
responsável pelo desenvolvimento do núcleo dramático. Apesar disso, ele pode apresentar
relativa variabilidade que depende da posição do público quanto ao conflito dramático, quase
sempre proporcional ao grau de ambiguidade da narrativa – quanto mais aberta, maiores as
liberdades de escolha de um tema por parte de quem consome a narrativa.
Já os motivos, para Franco Junior (2006), desdobram-se a partir dos subtemas
apresentados durante a narrativa e exercem uma função específica ao desenvolvimento da
história e à construção do conflito dramático. Eles geralmente surgem por intermédio das
ações das personagens e podem ser fundamentais, acessórios, secundários ou não-essenciais à
consecução dos eventos na própria narrativa. Por fim, a motivação abarca o conjunto de
motivos que, em processo de relação com o tema, permite desvelar a forma e a maneira como
ele é trabalhado ao longo da narrativa – em arranjos, escolhas e decisões do autor. Para
Gancho (2001), essa cadeia é denominada de tema, assunto e mensagem, na qual tema e
assunto parecem corresponder às noções de tema e motivações de Franco Junior (2006),
enquanto a mensagem desvincula-se parcialmente de todos os conceitos anteriores para
definir a reflexão derivada da narrativa – a exemplo da moral da história em muitos casos,
mas nem sempre dotada de teor moralizante.
Sobre as etapas de desenvolvimento e construção da narrativa, os conflitos costumam
determinar marcos pelos quais a história é conduzida e articulada do início ao fim, embora
essa correspondência não signifique um começo e um término cronológico, mas apenas um
ponto de partida e um ponto de chegada. Dentre as ocorrências de conflito ou articuladas ao
conflito, estão o nó, o clímax e o desfecho (FRANCO JUNIOR, 2006). O nó significa o
embaraço de uma situação inicial ligeiramente estável e que exigirá ações e medidas com
vistas à sua resolução – não necessariamente o retorno ao momento anterior –, sendo o ponto
que firma a gênese do conflito dramático.
O clímax, sendo uma expressão bastante empregada na linguagem popular, caracteriza
o ápice do conflito dramático, o momento em que as tensões elevam-se de tal maneira que
65
Como parte dos esforços para fixar os pilares em que os estudos sobre as narrativas
podem encontrar segurança, Motta (2012) elenca duas razões fundamentais pelas quais,
segundo sua experiência e conhecimento, vale a pena investir em pesquisas nesse campo em
franco desenvolvimento. A primeira diz respeito a sobre como estudar as narrativas implica
em apreender quem somos, em adotar uma postura autocentrada com o objetivo de verificar o
que leva a essa construção pessoal e particular de si mesmo
Por isso, cabe retomar aqui o caráter quase inato do interesse essencial por histórias
capazes de emular a experiência lógica que a cognição humana aprende a valorizar e
reconhecer. A busca pela sobrevivência e a perseguição ao conforto e à dignidade parecem ser
os valores responsáveis por alimentar o interesse de uma parte da sociedade sobre as
representações feitas no lastro das relações econômicas, o que torna as narrativas jornalísticas
produzidas na esteira desse guarda-chuva suficientemente interessantes a ponto de serem
alçadas a tema de investigação científica.
Como descrito anteriormente, as narrativas oferecem relevante meio à obtenção de
identidades projetadas no intuito de colaborar para a autocompreensão. Todavia, essa
perspectiva carrega consigo outro gatilho de grande serventia ao conhecimento, lançando
sobre o espaço e o ambiente as mesmas preocupações geralmente atribuídas à construção de
narrativas pessoais. Saber como são criadas as representações e apresentações de mundo é a
segunda razão no rol de bons motivos para estudar narrativas (MOTTA, 2012).
Os relatos construídos a respeito das coisas que despertam interesse é a exata medida
da dialética lançada pelo olhar sobre tudo o que rodeia as pessoas, por isso é elementar que as
estruturas organizacionais de enquadramento do universo simbólico e imaginário criativo
sejam lançados à luz. O exercício é determinante para elucidar pragmaticamente o ideário de
valores e oferece novas possibilidades de redescoberta de si por intermédio da imersão sóbria
e lúcida feita no lugar de intimidade.
Com respeito ao jornalismo econômico, a elucidação dos modelos de reprodução do
mundo equivale a traduzir, em alguma medida, os princípios norteadores desse tipo de
69
noticiário na atualidade, o que fortalece o ensejo por este trabalho. Os dois motivos alegados
para demonstrar a importância de debruçar-se sobre as narrativas denota que estudá-las “[…]
é compreender o sentido da vida” (Motta, 2012, p. 23), objetivo que praticamente encerra a
carência por quaisquer outros argumentos. Não obstante, é razoável supor que o debate em
torno da absorção de narrativas enquanto parte fundamental da performatividade humana
envide dúvidas que já não mais estejam no âmbito da justificação, mas que avancem sobre os
aspectos mais importantes dessa ação reflexiva.
Dessa forma, Motta (2013) volta ao assunto para argumentar que, além das razões já
apresentadas, o estudo de narrativas referencia-se por outros interesses balizados na forma
como a constituição de histórias fundamenta o imaginário humano a respeito de praticamente
tudo, ditando a própria tônica de interação dos indivíduos com o mundo, seja ele real ou
fictício. Amparado nessa constatação, o autor diz que esclarecer as distinções e variações
entre as representações factuais e fictícias do mundo é outro ponto no qual esse tipo de
pesquisa assenta-se.
Diferentemente, porém, das aspirações pragmáticas e positivistas que tornariam o
gênero de cada narrativa foco prioritário das incursões investigativas, o objeto essencial para
trabalhos com esse viés é a performance discursiva dos interlocutores partícipes na
comunicação. Ou seja, busca-se decifrar tanto o arcabouço referencial cuja base acaba por
filtrar os discursos que podem ser enquadrados como reais e factuais ou irreais e fictícios,
como visa elucidar as estratégias linguísticas, intencionais ou não-intencionais, que tecem o
caráter da mensagem, conforme Motta (2013) preconiza.
Em tal configuração, é possível observar ainda uma pequena armadilha na qual apenas
a precipitação da situação conjuntural pode evitar. Trata-se de como as narrativas fáticas e
fictícias operam, por vezes, em fronteiras bastante nebulosas, gerando intersecções que levam
o real a penetrar no fictício, e o especulativo a invadir a vida cotidiana (MOTTA, 2013).
Como enfatiza o próprio autor, o advento dos meios de comunicação e a dramatização geral
da cultura parecem reforçar essa noção ao produzir movimentos de incorporação de um pelo
outro, ocultando frequentemente os institutos empregados com a justificativa de provocar
letargia ou catarse.
Não restringindo-se à perspectiva anterior, outro aspecto que também desperta
curiosidade sobre o valor das narrativas diz respeito a como sua lógica é tangenciada para
atribuir sentido às enunciações presentes na literatura ficcional e também aos relatos
70
4. CIDADANIA
Desde o início deste projeto, nossos esforços têm-se voltado para a tentativa de
construir caminhos que levem a entender que sentidos e significados foram precipitados pelas
narrativas econômicas reportadas nas páginas da seção Mercado da Folha a respeito da
Operação Lava Jato entre 2014 e 2018. A escolha por “sentidos” e “significados” no plural
ilustra a complexidade do desafio que não pretende arrogantemente sugerir uma única versão
predominante e absoluta da história, mas apenas uma de suas faces prospectadas pelas
tomadas de decisão cuja responsabilidade pertence apenas ao autor.
Como uma questão cujo desvendamento requer o cruzamento de algumas áreas de
conhecimento em que o estabelecimento de relações pode trazer algumas dificuldades à
primeira impressão, o capítulo inicial prestou-se a pavimentar a base na qual todas as demais
prerrogativas podiam ser sustentadas. Dessa maneira, o jornalismo econômico foi introduzido
sob diversas nuances na fundamentação teórica, das divergências que envolvem o momento
exato de seu surgimento até o desenvolvimento da especialização sob formas de fenômenos
que, como mostrou Quintão (1987), dependeram quase sempre da fase política pela qual o
Brasil ou o mundo estiveram submetidos.
Contudo, a apresentação do jornalismo econômico e o mérito dos debates em torno de
si cumprem apenas papel histórico se não relacionados a um objeto bem definido no qual o
jornalismo econômico é projetado. É por isso que, dada a centralidade do presente trabalho na
órbita da Operação Lava Jato, o capítulo dois debruçou-se a contextualizar esse que deixou de
ser apenas mais uma etapa do aparato procedimental inerente ao trabalho do Judiciário e da
polícia para tornar-se, potencialmente, o grande evento político midiático da última década.
Recuperar a origem, motivação, principais momentos e envolvidos na Lava Jato é um trabalho
que converge para o ponto em que nem tudo pode ser explicado à luz do conhecimento
primário, o que já justifica, de imediato, a importância da busca por perspectivas amparadas
sob outras preocupações, como a que inspira-se pelo discurso narrativo.
Assim, o terceiro capítulo traz mais um componente de fundamental importância ao
questionamento posto de maneira inicial: a história é retratada em um universo – o do
jornalismo econômico –, aborda um objeto – a Operação Lava Jato – e, embora, possua essas
especificidades, é permeada por características que não lhe são exclusivas. A partir dessa
arquitetura preexistente e comum a outros tantos enredos, torna-se possível desvelar aquilo
que só pertence à forma pela qual a história e o objeto, neste caso, foram tratados. Isso é,
72
identificar a trama e interpretar o jogo da tessitura em termos aprofundados para chegar aos
sentidos configurados a partir de todos esses aspectos articulados em conjunto, o que
permitirá entender também que tipo de jornalismo econômico é praticado hoje.
Ao pensar em quais serão os possíveis resultados apontados pela análise a ser
empreendida, é necessário estabelecer alguns parâmetros do que esperar de uma cobertura
especializada em reportar fatos que tratam de um tema tão sensível como a economia – que
preocupa-se com a satisfação de necessidades e a regulação da escassez de tudo o que é
indispensável à subsistência humana em termos físicos, sociais e culturais. Um jornalismo
econômico que aspire à qualidade precisa, portanto, pela própria essência daquilo que aborda,
orientar-se por princípios cidadãos – principalmente porque os estudos sobre economia
tiveram importante papel no desenvolvimento da cidadania, como será visto à frente. Nesse
sentido, o presente capítulo tentará demonstrar de que cidadania estamos falando ao
apresentar origem, trajetória histórica, derivações e implicações desse conceito para o
contexto aqui estendido.
Com todas essas prerrogativas em mente é que Marshall (1967) buscou investigar se
existiam limites além dos quais a tendência à igualdade social não poderia ultrapassar, com
base nos próprios princípios inspiradores dessa mudança, que ele identificava ser a fase mais
recente de uma evolução da cidadania que já vinha ocorrendo nos últimos 250 anos.
75
incorporação de direitos sociais. Carvalho (2002) destaca que a inversão dessa espécie de
pirâmide no caso do contexto brasileiro é indicador de que, enquanto fenômeno histórico, a
cidadania não deve ser abarcada sob a lógica evolutiva mesmo porque “[…] pode haver
também desvios e retrocessos, não previstos por Marshall” (p. 11).
No Brasil, mais notadamente a partir da década de 1930, quando teve início a Segunda
República, os direitos em todas as suas vertentes, e a cidadania, desenvolveram-se de forma
gradual – embora não seja de todo errado dizer que eles ecoaram antes disso como privilégios
para algumas classes. De acordo com Carvalho (2002), o trabalho do então novo governo foi
permeado por preocupações de ordem trabalhista e social durante esse período, cujo exemplo
mais latente e conhecido talvez seja a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Válido até hoje – ainda que com alterações, ajustes e reformas que o distanciaram
relativamente do texto original –, o instrumento legal criou mecanismos de regulação da
relação entre trabalhadores e empregadores. Porém, se os direitos sociais ganharam
protagonismo por um lado, por outro, os políticos e civis foram completamente
desprestigiados naquele momento.
A partir de 1945, contudo, com a queda de Vargas, eleições presidenciais e legislativas
foram convocadas, e uma nova constituição acabou sendo promulgada em 1946. Desse
instante em diante, o Brasil preservou a base de direitos sociais e ensaiou o avanço de direitos
políticos e civis ao vivenciar uma breve era em que houve liberdade de imprensa e de
organização política naquela que Carvalho (2002) chama de a primeira experiência
democrática da história do país. As circunstâncias não permitiram que a série de progressos
conquistados junto à cidadania seguisse e, em 1964, o golpe que derrubou o governo do
presidente João Goulart e o substituiu por um regime civil-militar abortou parcialmente o
processo, já que os direitos sociais e o desenvolvimento econômico continuaram integrando
essa fase, como numa repetição do Estado Novo.
Do início da ditadura, em 1964, até a redemocratização, em 1985, o Brasil ainda
presenciou momentos ambíguos com o endurecimento do regime em 1968, que cerceou ainda
mais as liberdades civis e políticas, sucedido depois pela abertura política escalada a partir de
1974. Nada disso, todavia, pode ser comparado ao que ocorreu desde 1985, uma espécie de
marco zero para a organização da vida política e social do Brasil, culminando na promulgação
da Constituição Federal de 1988 – que de tão liberal e democrática foi apelidada de
Constituição Cidadã (CARVALHO, 2002). Apesar da dificuldade em afirmar que existe
77
cidadania plena no Brasil, o final do século XX marcou o seu auge, refletido na expansão de
direitos sociais, solidificação dos direitos políticos e recuperação e ampliação dos direitos
civis, o que pavimentou a caminhada sugerida por Carvalho (2002).
Em sua obra dedicada a desentranhar a noção de cidadania, Cortina (2005) lembra
que, embora reconhecido, o trabalho de Marshall tornou-se igualmente alvo de críticas por
idealizar uma “cidadania social” passiva, que unicamente enxerga a questão sob a ótica do
“direito a ter direitos”. Para ela, dessa percepção distorcida adveio uma luta pela transição do
tempo em que não apenas os direitos, mas também os deveres importam. Com isso, as nações
avançaram sobre a transformação de uma cidadania acomodada, marcada pelo hábito de
exigir, para uma cidadania flexível, disposta a assumir responsabilidades e a existir sob novas
circunstâncias.
Uma cidadania ativa prescindiria de mudanças radicais no tecido social, o que não
parece estar em um vislumbre próximo. A incipiente participação política é entrincheirada por
um baixo nível de cidadania econômica, e isso leva à falta de pertencimento dos membros
perante a sociedade (CORTINA, 2005). Sem o poder sobre as decisões econômicas
importantes, pouco resta senão depender da institucionalidade política cada vez mais
descolada da realidade. A globalização dos problemas econômicos e a financeirização dos
mercados transnacionais funda uma complexidade gerencial que corresponde à exata medida
da supressão de interferências alheias à redoma burocrática.
Curiosamente, os habitantes do mundo econômico não são frequentemente
reconhecidos enquanto cidadãos econômicos, como aponta Cortina (2005). Talvez isso
aconteça em decorrência da posição quase mitológica alcançada pela economia. Não obstante,
o conceito de cidadania, originalmente forjado no campo da política, acabou sendo levado
para outros meios como forma de reafirmar que os indivíduos arrolados no escopo de seus
efeitos e consequências não são servos do sistema, e, sim, donos de seus próprios destinos, o
que “[…] implica propriamente que devem participar de forma significativa da tomada de
decisões que os afetam. Qual deva ser a maneira de participação é algo a determinar nos casos
concretos, mas, seja como for, ela deve ser significativa” (CORTINA, 2005, p. 79).
Como esse capítulo intentou-se a demonstrar de forma sintética, a cidadania não é
coisa dada, mas um fenômeno histórico em constante construção e desenvolvimento. Apesar
das definições teóricas trabalharem com a segmentação em três elementos – o civil, o político
e o social – nos quais desdobram-se outros elementos, foi possível perceber a importância
78
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
• Objetivo geral:
Desvelar os sentidos configurados pela enunciação narrativa tecida no contexto da
cobertura sobre a Operação Lava Jato no caderno Mercado da Folha entre os anos de
2014 e 2018.
• Objetivos específicos:
1. Compreender os sentidos gerados pela história e apresentar os elementos componentes
da narrativa em questão;
2. Reconstruir a tessitura sobre a economia brasileira nos últimos anos sob a ótica dos
desdobramentos da Operação Lava Jato;
3. Situar o lugar da cidadania no jornalismo econômico praticado pela Folha.
publicados apenas pelo jornal Folha. A escolha é justificada pela história e grandeza do
periódico, que atualmente lidera os números de circulação no Brasil.
O direcionamento deste trabalho antecipa indícios de métodos e procedimentos
operacionais com vistas à satisfação dos objetivos propostos. A necessidade de reconfiguração
de uma tessitura coesa pela colagem de fragmentos noticiosos diversos aponta para o recurso
à narratologia (ou à Análise Crítica da Narrativa), devido à adequação do conceito de
enunciação narrativa (MOTTA, 2013). A organização dos conteúdos e sua classificação
quantitativa sugerem o emprego da Análise de Conteúdo. A ideia é focar a cobertura da
editoria Mercado, a seção de economia da Folha, no período abarcado pela vigência da
Operação Lava Jato, da sua deflagração em 17 de março de 2014, quando foi publicada a
primeira notícia, até 15 de agosto de 2018, data em que teve fim a proibição para o início da
campanha eleitoral daquele ano, de modo a preservar o contexto preterido. Para isso, foi feita
uma busca com a palavra-chave “lava jato” através dos filtros disponibilizados pelo site da
Folha, o que resultou em 1647 conteúdos enquadrados a partir dos parâmetros definidos.
No intuito de reduzir o número de notícias, matérias e reportagens a serem analisados,
bem como definir um núcleo comum de vínculo entre todos os materiais, foi feito um novo
arranjo em que apenas os conteúdos com a palavra-chave “lava jato” presente desde o título
acabaram selecionados. A mudança foi capaz de preservar amostras de cada ano, entre 2014 e
2018, de forma que a temporalidade, tão cara à reconstrução da narrativa, não sofreu prejuízo.
Ao fim do processo, restaram 106 conteúdos para fins de escrutínio científico, os quais estão
listados na tabela abaixo por título, ano e quantidades:
Petrobras ainda avalia valor de baixas com Lava Jato e corte no invesmento
Crise pós-Lava Jato paralisa obras de R$ 5 bi e causa demissões de 7.000
Fundo do FGTS tem na Lava Jato mais de R$ 11 bilhões aplicados
Operação Lava Jato trava concessão de aeroportos brasileiros
Soldadora de empreiteira citada na Lava Jato vende salgados para viver
Novo PIB vai exacerbar crises de 2015 com Lava Jato e uso de termelétricas
Processo na Lava Jato é negavo para Odebrecht e Andrade Guerrez, diz Moody's
Lava Jato in<uenciou queda de vagas em fevereiro, diz ministro do Trabalho
Envolvida na Lava Jato, Galvão Engenharia pede recuperação judicial
Alvo da Lava Jato, empreiteira OAS pede recuperação judicial
Economia e Lava Jato encolherão mercado de aço, dizem siderúrgicas
Fitch avalia bancos como estáveis, mas destaca Lava Jato e prevê lucro menor
Erramos: Fitch avalia bancos como estáveis, mas destaca Lava Jato e prevê lucro
menor
Envolvida na Lava Jato, Schahin prepara pedido de recuperação judicial
Fitch mantém notas de construtoras envolvidas na Lava Jato em observação
Propina da Lava Jato é esmada em até R$ 6 bilhões pela Petrobras
Operação Lava Jato pode prejudicar a produção da Petrobras, diz ministro
Lava Jato não deixará vencedores no setor de construção, avalia Fitch
Alvo da Lava Jato, grupo Schahin pede recuperação judicial
Promovido por empreiteiras em crise, 'Feirão da Lava Jato' atrai compradores
2015 Após afetar balanço, Lava Jato traz incerteza para produção do pré-sal 51
Envolvida na Lava Jato, Engevix vende faa em aeroportos por R$ 400 mi
Empreiteiras da Lava Jato vão poder disputar concessões
Após Operação Lava Jato, Petrobras é suspensa de instuto de governança
Invesgadas na Lava Jato estudam parcipação em leilão de concessões
No vácuo da Lava Jato, empreiteiras médias querem disputar concessões
Envolvida na Lava Jato, Camargo Corrêa quer vender faa de cimenteira
Governo cria "taxa de risco Lava Jato" para Enanciar plano de concessões
Piora em indicadores econômicos e Lava Jato derrubam Bolsa; dólar sobe
Dados econômicos derrubam Bolsa; Braskem despenca 10,4% por Lava Jato
Lava Jato e crise da água afetaram invesmento externo no Brasil, diz BC
Empreiteiras da Lava Jato podem enfrentar restrições nos EUA, diz especialista
Lava Jato diEculta seguros para quem tem contrato com Petrobras
Com parceiros abados por Lava Jato, Petrobras busca substutos na China
Mercadante admite impacto negavo da Lava Jato na economia do Brasil
Envolvida na Lava Jato, Galvão está perto de acordo com credores
Governo prepara plano para obter R$ 15 bi de empresas da Lava Jato
Lava Jato pode parar usinas de Angra e afetar fornecimento de energia
Governo conErma plano para obter R$ 15 bi de empresas da Lava Jato
Novos leilões de aeroportos ocorrerão sob impacto de Lava Jato e recessão
Consórcio com invesgadas na Lava Jato suspende obra do Comperj
82
BC sugere à Lava Jato ação conjunta em acordos com bancos sob suspeita
Envolvida na Lava Jato, empreiteira UTC assina acordo para pagar R$ 574 milhões
Odebrecht muda nome de empresas do grupo para se desassociar da Lava Jato
Desmatamento merece ter sua própria Lava Jato, aErma ex-ministra
Empresas da Lava Jato voltam às licitações de Estados e municípios
Empreiteiras invesgadas pela Lava Jato retomam obras sem BNDES
Ministério da Transparência decide congelar invesgações da Lava Jato
Governo se queixa de papel da TCU em casos de leniência na Lava Jato
Estaleiro de Cingapura invesgado na Lava Jato paga R$ 692 mi em multas ao Brasil
Lava Jato mostra falhas da políca industrial, diz economista peruano
Para a comunicação narrativa jornalística [...] observar esse plano tem uma
importância fundamental na análise porque a retórica escrita, visual é
fartamente utilizada como recurso estratégico para imprimir tonalidades,
ênfases, destacar certos aspectos, imprimir efeitos dramáticos de sentido.
De forma que a Análise Crítica Narrativa deva ser precedida pela seleção da estória a
ser analisada, detectou-se a necessidade de aplicar também as ferramentas providas pelo
instrumento da AC com vistas à execução de um recorte mais adequado na coleta de
amostragem de pesquisa. A análise de conteúdo é, conforme explica Bardin (2004), uma
metodologia que, embora tenha sido estruturada de forma científica mais recentemente, vem
sendo aplicada com suas variantes há décadas. Trata-se de um eficaz recurso no auxílio ao
processamento de diversos conteúdos, mais notadamente àqueles de gênero textual. Além
disso, é também um dos poucos métodos capazes de flutuar entre o rigor da objetividade, das
quantificações e a flexibilidade subjetiva das avaliações qualitativas (BARDIN, 2004).
Sendo capaz de suprir carências localizadas nos âmbitos quantitativo e qualitativo das
ciências formais, a análise de conteúdo caracteriza-se por sua instância dedutiva. É da
necessidade de responder-se questões cuja quantificação e/ou reflexão inferencial são capazes
de satisfazer que emerge o seu utilitarismo para as modernas práticas empreendidas nas
ciências humanas e sociais. A este respeito, Bauer e Gaskell (2002, p.191) afirmam que:
Ela é uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu
contexto social de maneira objetivada. Este contexto pode ser
temporariamente, ou em princípio, inacessível ao pesquisador. A AC muitas
vezes implica em um tratamento estatístico das unidades de texto. Maneira
objetivada refere-se aos procedimentos sistemáticos, metodicamente
explícitos e replicáveis: não sugere uma leitura válida singular dos textos.
Pelo contrário, a codificação irreversível de um texto o transforma, a fim de
criar novas informações ao desse texto. Não é possível reconstruir o texto
original uma vez codificado; a irreversibilidade é o custo de uma nova
informação.
Para efeitos práticos da análise narrativa, esse estudo contempla as três instâncias de
interpretação crítica das histórias numa perspectiva qualitativa conjugada com uma visão
quantitativa. Dessa maneira, os procedimentos a serem seguidos no decorrer do processo
compreenderão as seguintes etapas:
1) Plano da Linguagem:
2) Plano do Conteúdo:
3) Plano da Metanarrativa:
Protagonistas, antagonistas e
coadjúvantes
Análise
Jargo" es do econome s
Adve rbios de tempo,
preposiço" es adverbiadas e
demais conectivos temporais
Plano da Metanarrativa
Estrútúra profúnda
decorrente do Plano do
Conteú do e da Lingúagem
Fonte: Elaboração do autor
90
5. 3 Pré-teste
A narrativa tecida sobre a Lava Jato na seção Mercado da Folha, em 2014, com base
nos critérios propostos, tem início cronológico na manhã do dia 19 de novembro (quarta-
feira), oito meses após a deflagração da 1ª fase da Operação Lava Jato – quando parece
mesmo começar a sequência causal. Com a reportagem “Para Gerdau, Operação Lava Jato
pode afetar investimentos no país”, a Folha dá destaque à declaração do empresário e então
presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, Jorge Gerdau,
92
a respeito de como os desdobramentos da Operação Lava Jato podiam trazer impacto negativo
aos investimentos no país e que essa ameaça precisava ser compensada com estratégias de
recuperação de credibilidade da estatal.
O contexto desse primeiro ato dá-se durante um evento que marcou o início das
atividades de um grupo de trabalho, no âmbito do governo, composto por membros de
ministérios e do setor privado, com o objetivo de apresentar propostas de incremento à
produtividade e a competitividade da indústria brasileira até o começo de dezembro. A notícia
recorda que Gerdau foi membro do Conselho de Administração da Petrobras por 13 anos,
período que abarcou a época dos desvios, numa tentativa de vincular o personagem às
ocorrências que agora ele próprio criticava.
Pela ausência de outras vozes ou de outros indivíduos, a primeira notícia desse arco
narrativo indica um interessante fenômeno em que Gerdau, pessoa, surge como o
protagonista, e a Operação Lava Jato, enquanto evento, personifica o antagonista –
responsável pelos problemas e danos ao tema sensível em discussão, que é a economia. Mais
do que isso, Gerdau parece refletir, por sua posição, uma aliança que converge interesses do
governo e das empresas do setor privado para minimizar os efeitos desastrosos levados a cabo
pela Operação Lava Jato, o que é aludido pela menção ao grupo de trabalho que visa auxiliar
a economia brasileira com ideias, projetos e propostas. Por outro lado, a Operação Lava Jato,
mesmo sem força de expressão por suas vozes inerentes, é mencionada como o principal vetor
de afundamento da credibilidade da Petrobras e de prejuízo aos investimentos no país.
O segundo capítulo do arco narrativo ganha fortes contornos políticos com a matéria
“Contra a crise da Lava Jato, Lula e Dilma elencam nomes para Fazenda”, que vai ao ar no
dia 20 de novembro de 2014, a respeito de encontro entre Lula, Dilma e outros membros do
PT para escolher o nome do novo Ministro da Fazenda, substituto de Guido Mantega.
Cronologicamente, esse evento antecede até mesmo o primeiro capítulo da narrativa por ter
sido desdobrado em 18 de novembro, mas reportado apenas dois dias depois. O centro das
preocupações, segundo o relato construído, é responder à crise gerada pela Lava Jato ao
decidir com rapidez quem será o chefe da equipe econômica para trazer calmaria ao cenário
político e econômico.
A matéria ainda menciona o objetivo de neutralizar as manchetes negativas e evitar
que a Lava Jato pudesse respingar no governo a ponto de deixá-lo sem potencial de ação. A
questão parecia tão crucial que apenas a equipe econômica e o núcleo palaciano seriam
escolhidos ainda em 2014, como noticiou a Folha. Os demais ministros seriam anunciados em
2015 após novas repercussões da Lava Jato e o fim da disputa pelo comando da Câmara
93
porque, dessa maneira, o governo conseguiria verificar a necessidade de atender às cotas dos
partidos da base aliada. A narrativa ainda destaca o fato de que as declarações de Aloizio
Mercadante causariam problemas ao sugerir que o chamado ajuste fiscal não era uma
prioridade para o governo.
Essa nova composição narrativa dá continuidade ao primeiro capítulo por estabelecer,
mais uma vez, a Operação Lava Jato como antagonista. Aqui, porém, os indivíduos que
personalizam o protagonismo da aliança mencionada antes é Dilma, a presidente da República
reeleita no pleito recém-realizado, e Lula, que surge como principal conselheiro, além de
membro mais importante do partido ao qual pertence a mandatária-chefe do Brasil. Juntos, ao
lado de outros correligionários, eles protagonizam uma espécie de complô para dar a volta por
cima dos problemas criados pela Operação Lava Jato à economia brasileira, o que faz até da
indicação do novo Ministro da Fazenda um símbolo absoluto de retomada do controle da
agenda política e um aceno ao mercado de que o ajuste fiscal seria feito.
Além da luta entre protagonistas e antagonista, coadjuvantes surgem para enriquecer a
narrativa. Neste caso, alguns membros do PT e nomes cogitados para a Fazenda. São eles:
Aloizio Mercadante, Rui Falcão, Guido Mantega, Luiz Carlos Trabuco, Joaquim Levy, Nelson
Barbosa, Alexandre Tombini e Henrique Meirelles. Todos cumprem papel secundário e quase
irrelevante – com exceção de Mercadante, que chega a ensaiar um breve destaque.
O terceiro e quarto capítulos da narrativa, ambos baseados em reportagens publicadas
no mesmo dia – 24 de novembro de 2014 – e tratando do mesmo assunto diferem dos dois
primeiros por seu teor econômico explícito e direto. Enquanto o primeiro capítulo tratou de
estabelecer uma disputa clara e o segundo adicionou o tempero da política dos bastidores, a
combinação do terceiro e quarto reforça as alegadas consequências da Operação Lava Jato
que não haviam sido detalhadas com maior precisão e rigor até então. As reportagens “Justiça
suspende demissões no RS de empreiteira investigada na Lava Jato” e “Justiça bloqueia bens
da Petrobras e de empreiteira envolvida na Lava Jato” tratam, em um primeiro momento, da
intervenção da Justiça do Trabalho a fim de evitar centenas de demissões de trabalhadores da
Iesa, uma empreiteira arrolada em uma das então fases mais recentes da Operação Lava Jato e
que, por essa razão, teria tido seu contrato – vigente desde 2012 – rompido com a Petrobras.
A decisão da empreiteira seria justificada, portanto, nessa prerrogativa, o que acabou
refletindo na demissão todos os funcionários de um complexo da indústria naval em
Charqueadas, no Rio Grande do Sul. A situação ocorreu na semana anterior à publicação das
reportagens, conforme relato da Folha, enquanto a suspensão das demissões pela Justiça foi
expedida durante o final de semana que antecedeu a publicação dos conteúdos. A juíza do
94
como perspectivas bastante baixas, próximas de zero, para o crescimento no ano seguinte,
2015. Os dados parecem cumprir o papel de elemento comprobatório do relato oferecido pelo
próprio presidente da CNI quando afirma que a Operação Lava Jato é complicador da
economia. Ainda que não haja uma ligação direta e óbvia entre as duas questões, a
interpretação é abstraída do encaminhamento oferecido pela narrativa. Outro ponto
fundamental aqui é a inserção da necessidade de ajuste fiscal para a melhoria dos resultados
econômicos em prospecções futuras, o que parece atribuir ao governo a responsabilidade por
estabilizar os danos gerados pela Operação Lava Jato.
A matéria construída pela Folha parece repetir a dinâmica do primeiro capítulo ao
fazer do líder de uma entidade a personificação de todo um setor ou mercado. Embora
advogue pela penalização dos envolvidos apontados pelas investigações, ao chamar a Lava
Jato de “complicador”, o presidente da CNI, Robson Andrade, alude ao que ele percebe como
ações indiscriminadas da Operação Lava Jato no momento em que expressa receio por algo
que suas palavras já indicam estar em curso: a culpabilização e responsabilização de múltiplos
agentes econômicos fundamentais que acabam sofrendo as consequências em função de erros
e crimes cometidos por um grupo concentrado e menor.
Novamente, a ausência de vozes divergentes atrela à Operação Lava Jato a pecha de
antagonista, uma marca do exercício de personagem que cumpre o papel de atrapalhar o
protagonista e que presta desserviço à realização dos objetivos almejados por quem se
encontro do lado oposto – e, sob tal ponto de vista, supostamente correto da narrativa. Sem
opiniões ou declarações que não sejam a do próprio presidente da CNI, a função de
coadjuvante é esvaziada de materialidade.
O sexto e penúltimo capítulo do arco narrativo aqui analisado encaminha-se à
conclusão pela reportagem “Poupadores podem perder com bloqueio da Lava Jato”, publicada
no dia 23 de dezembro de 2014, que trata, desta vez, de uma relação direta entre uma decisão
tomada no âmbito da Operação Lava Jato e uma consequência econômica, ainda que em
escala micro, a uma parcela bem específica de indivíduos. No relato trazido pela Folha, a
problemática envolve a decisão do juiz Sérgio Moro de retirar recursos de acusados da Lava
Jato, investidos em fundos com participação de outros cotistas – que nada têm a ver com as
investigações –, antes do vencimento para transferir a uma conta judicial, trazendo prejuízo
econômico às pessoas que ainda mantinham dinheiro aplicado nesses mesmos fundos.
A situação delineia divergências tão aparentes que os próprios bancos, obrigados a
cumprir a decisão judicial, chegaram a manifestar-se em favor dos clientes que seriam
prejudicados ao interpelar a decisão do juiz Sérgio Moro, sem obter, porém, nenhum sucesso.
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Paralelamente, também não quiseram – ou disseram não poder – dar declarações e responder
aos questionamentos da Folha sobre o que achavam oficialmente do caso. Nesse caso,
portanto, o protagonismo é dividido entre os poupadores prejudicados e os bancos (BNP e
Santander) que ensaiaram uma resistência conjunta à iniciativa, considerada precipitada e
injusta, em âmbito da Operação Lava Jato.
O antagonismo, portanto, recai novamente sobre a Operação Lava Jato, a qual é tida
por responsável direta pelos prejuízos de investidores que não apresentavam envolvimento
com as investigações em curso. A propósito, o fato de respingar em inocentes, com
desdobramentos que talvez pudessem ser evitados, parece ser uma constante de alguns
capítulos nas quais a Lava Jato é situada no espectro antagônico da narrativa. Outra diferença
do presente capítulo é a presença de coadjuvantes, ainda que eles permaneçam no ostracismo
da história. Eles são representados aqui pela Polícia Federal (PF), Gerson Almada, o
presidente da Engevix, Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, e o doleiro Alberto Youssef.
O sétimo e último capítulo da narrativa é projetado pela reportagem “Queda no valor
de mercado da Petrobras sofre ‘efeito Lava Jato’”, publicada em 27 de dezembro de 2014, que
aborda a forte queda no valor de mercado da Petrobras como resultado direto dos
desdobramentos da Operação Lava Jato. O relato da Folha demonstra, a partir da avaliação
em retrospectiva dos fatos e das respostas de analistas que, embora todas as petroleiras do
mundo tenham apresentado queda em seu valor de mercado, no caso da Petrobras essa
mudança foi bastante acentuada, principalmente quando é levado em conta o momento em
que a estatal resolveu adiar a divulgação de seu balanço financeiro para descontar o impacto
da corrupção.
A posição da então presidente da Petrobras, Graça Forster, é apresentada como
contraponto aos argumentos consensuais de que a queda era resultado direto da Operação
Lava Jato, enquanto para Forster a questão também tinha vínculo bastante estreito com a
redução do valor do barril de petróleo desde o início de 2014 até aquele momento. As
avaliações gerais, porém, apontaram que a influência desse aspecto era menor do que os
danos à credibilidade da Petrobras e à sua imagem pública no mundo. De uma forma curiosa,
contudo, nesse último capítulo, a Folha esforça-se em demonstrar que os prejuízos à
reputação da Petrobras responsáveis por seu prejuízo econômico é uma consequência direta
dos crimes contra a probidade administrativa – abandonando, pelo menos temporariamente, a
tese de que a Lava Jato em si é que teria desencadeado a avalanche de problemas para a
estatal e, por conseguinte, para a economia brasileira.
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Dessa maneira, o desfecho do arco narrativo parece buscar uma retificação tímida de
tudo aquilo que os capítulos anteriores trabalharam para construir constantemente ao longo da
história. Em todo caso, a Petrobras é percebida como protagonista nesse momento ao passo
em que é designada como vítima maior dos escândalos de corrupção e, de alguma maneira, da
repercussão espalhafatosa alcançada pela cobertura da Lava Jato. A Lava Jato, a propósito,
ganha aqui novamente a marca de antagonista, ainda que o texto da Folha pareça sugerir a
divisão desse papel com a própria corrupção investigada pela operação. À presidente da
Petrobras, Graça Forster, e aos analistas do mercado é relegada a função de coadjuvante nesse
ato definitivo do recorte narrativo selecionado.
Pela ótica da linguagem, o jornalismo econômico praticado pela Folha não apresenta
grandes distinções em relação a todas as características elencadas pelos autores que tratam do
tema “economês” na literatura. Com exceção de uma única reportagem, é perceptível o
recurso a algumas expressões que talvez não soem tão transparentes e claras ao leitor médio,
tradicional, pouco habituado aos códigos adotados pelas ciências econômicas. A questão é tão
curiosa que, para efeito de compreensão, o conteúdo mais tangenciado pela importância
política e governamental – a matéria que fala da reunião de Lula, Dilma e outros integrantes
do PT para a escolha do novo Ministro da Fazenda como forma de neutralizar os efeitos
negativos da Lava Jato, publicada em 19 de novembro de 2014 – é também aquele que
apresenta o número mais elevado de utilização de diferentes jargões econômicos.
Descontada a centralidade das responsabilidades abrangentes do chefe da equipe
econômica de um governo federal, o que justifica, em parte, a seara de assuntos diversificados
nas quais a reportagem adentra, a constatação sugere uma espécie de criptografação da
abordagem de temas atravessados, de forma igualmente importante, pela política e pela
economia. Qualquer explicação proposta para essa observação seria incapaz de chegar a uma
explanação mais próxima da realidade, mesmo porque o apontamento carece de um corpus
enriquecido e sólido – lacuna que será preenchida na dissertação em si mesma. Apesar disso,
com base na apreensão da literatura e de estudos empreendidos até aqui, o que parece
acontecer é que a editoria Mercado da Folha usa esse artífice para justificar a entrada do
conteúdo em seu caderno, como se buscasse o respaldo deontológico para a incorporação de
um texto que, sem esse reforço pautado pelas necessidades econômicas do mercado, talvez
não tivesse razões para estar ali.
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Do ponto de vista da metanarrativa, o véu moral que ergue-se pela história geral
estabelecida na sequência de cada um dos capítulos parece buscar aderência em uma certa
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noção que flutua entre o anti-heroísmo e a vilania pela qual a Lava Jato percorre enquanto
apresenta a economia brasileira, ilustrada pelas empreiteiras em crise e perda de reputação da
Petrobras, como a grande vítima. Assim, o Brasil presenciaria um processo que atropelou
praticamente todos à sua frente, sem preocupar-se com a salvaguarda de garantias que
permitiriam aos inocentes escapar do rolo compressor da visão justiceira promovida pela
Operação Lava Jato.
Tal percepção depreende-se da constatação que, embora os protagonistas possam
variar em termos de personificação ao longo da história, quase todos eles surgem no esteio da
defesa de interesses econômicos mais amplos do que aqueles escusos que a Lava Jato
supostamente buscaria atacar. Ao fim, cada um deles parece representar a então cambaleante
economia brasileira em si mesma, teoricamente abatida em decorrência da atuação
irresponsável e desenfreada dos próprios integrantes da operação que, no afã de extirpar a
corrupção e lançar luz sobre os processos envolvendo o setor privado e a administração
pública, teria trazido para o olho do furacão não só os envolvidos, mas aqueles que também
pertencem ao meio exposto.
O fato de a Lava Jato aparecer como antagonista ao longo de quase todo o decurso do
arco narrativo não a situa, automaticamente, no campo inimigo. Antes, porém, estabelece que,
na fronteira entre o que beneficia a economia e aquilo que a prejudica, a operação está mais
próximo da última opção. O fundo moral da história, ao fim, é como uma nova versão da
parábola bíblica sobre o joio e o trigo em que, em vez de distinguirem-se, ambos são
sacrificados juntos em nome da limpeza daquilo que é considerado ruim e obsceno. Joio e
trigo, nesse caso, seriam correspondentes, de forma respectiva, às empresas e agentes
envolvidos nos crimes apurados, bem como os que apenas integram o meio, embora não
tenham sido acusados formalmente.
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6. CRONOGRAMA
2020 2021
AÇÃO A M J J A S O N D J
Coleta de dados X
Análises X X X
Confecção de relatórios X X
Escrita da dissertação X X X
Defesa X
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7. REFERÊNCIAS
BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa, contexto, imagem e som.
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