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Desafios para o patrimonio mundial de Neil Silberman

Book · December 2017

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5 authors, including:

Neil Silberman Aline Vieira de Carvalho


University of Massachusetts Amherst University of Campinas
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Pedro Paulo A. Funari Patrícia Mariuzzo


University of Campinas University of Campinas
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Neil A. Silberman
Aline Carvalho
Pedro Paulo Funari
Patrícia Mariuzzo
(Orgs.)
Conselho Editorial

Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes


Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Prof. Dr. Marco Morel
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira
Prof. Dr. Carlos Bauer Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Romualdo Dias
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus
Prof. Dr. Fábio Régio Bento Profa. Dra. Thelma Lessa
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2016 Neil A. Silberman; Aline Carvalho; Pedro Paulo Funari; Patricia


Mariuzzo (Orgs.)
Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra
pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar,
em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a
permissão da editora e/ou autor.

S5822 Silberman, Neil A; Carvalho, Aline; Funari, Pedro Paulo


Desafios para o Patrimônio Mundial: em busca de novas práticas/Neil A.
Silberman. Jundiaí, Paco Editorial: 2016.

104 p. Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-8148-995-7

1. Patrimônio Público 2. Patrimônio Cultural 3. Arqueologia 4. História. I.


Silberman, Neil A. II. Carvalho, Aline. III. Funari, Pedro Paulo.

CDD: 930.1
Índices para catálogo sistemático:
Arqueologia 930.1
Patrimônio Histórico 720

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658


Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21
Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100
11 4521-6315 | 2449-0740
contato@editorialpaco.com.br
SUMÁRIO

Apresentação 5

Neil Silberman e a arqueologia contemporânea 9

Capítulo 1
A interpretação do patrimônio como discurso
público: rumo a um novo paradigma 11

Capítulo 2
Interpretação do patrimônio e direitos humanos:
documentando a diversidade, expressando a identidade
ou estabelecendo princípios universais? 33

Capítulo 3
Patrimônio sustentável: interpretação da arqueologia
pública e comércio do passado 49

Capítulo 4
Processo, não produto: a Carta Ename do Icomos
(2008) e a gestão do patrimônio 75

Capítulo 5
Quem deve cuidar dos mortos? Equilibrando direitos
religiosos e responsabilidades cívicas 89
APRESENTAÇÃO

Pensar os patrimônios, em suas múltiplas categorias e signi-


ficações, é um grande desafio do tempo presente que ultrapassa
as barreiras disciplinares ou mesmo acadêmicas. Se, em séculos
passados, o patrimônio era percebido quase que exclusivamente
como materialidade que evocava o poder de um determinado
passado e de grupos sociais específicos, hoje, podemos encon-
trar discussões bastante ampliadas sobre as escolhas patrimo-
niais e suas pertinências para tempos e espaços singulares. Os
debates atuais acerca do patrimônio abrem-se em reflexões so-
bre suas construções (não apenas relativas às escolhas técnicas,
mas também acerca dos significados que lhes são agregados no
passado, presente e, possivelmente, no futuro), no tocante à sua
relevância para o desenvolvimento local sustentável, em relação
à sua vinculação aos Direitos Humanos, entre inúmeros outros
recortes. Podemos afirmar, portanto, que as questões patrimo-
niais não dizem mais respeito apenas aos acadêmicos e técnicos,
mas, que podem ser abertas às diferentes comunidades com inte-
resses bastante diversificados. Acreditamos que debater o patri-
mônio, neste contexto mais amplo, também é discutir como nós
gostaríamos de nos representar e o que esperamos com essas
representações. Trata-se, portanto, de uma construção fluida de
nossas memórias que entrelaçam tempos indissociáveis e nos in-
dicam pontos de reflexões acerca de nós mesmos e das relações
coletivas que construímos.
Defendendo a ampliação dos debates acerca do patrimônio,
apresentamos esta obra que reúne cinco textos do arqueólogo
e historiador norte-americano Neil Asher Silberman; intelectual
de expressiva relevância internacional e que tem se dedicado a
investigar a construção das políticas públicas patrimoniais, a in-
terpretação pública do patrimônio, e, claro, as relações entre a
Arqueologia, História e sociedade. Docente do Departamento de

5
Neil A. Silberman

Antropologia da Universidade de Massachusetts (Amherst), Silber-


man foi responsável pela organização do Center for Heritage and
Society; referência nos estudos de Arqueologia Pública, História
Pública, Patrimônio e Sociedade. Atualmente, é vinculado ao
Comitê Científico Internacional do ICOMOS: uma organiza-
ção civil, ligada à UNESCO, voltada ao aconselhamento sobre
os tombamentos de bens candidatos a receber o título de Pa-
trimônio Cultural da Humanidade. Com grande experiência na
criação de projetos e gestão do patrimônio internacional junto
às comunidades locais, Silbeman foi premiado com uma bolsa
Guggenheim (1991), é editor da revista Archaeology, e membro do
conselho editorial dos periódicos International Journal of Cultural
Property, Heritage Management, e Near Eastern Archaeology. Entre os
inúmeros livros, capítulos de livros e artigos publicados ou escri-
tos por Silberman, podemos citar: David and Solomon: In Search of
the Bible’s Sacred Kings and the Roots of the Western (escrito em coau-
toria com o professor Israel Finkelstein – publicado em 2006);
Invisible America: Uncovering Our Hidden Past (escrito em coautoria
com o professor Mark P. Leone – publicado em 1995) e “Post-
-Colonial, Neo-Imperial, or a Little Bit of Both?” – “Reflections
on Museums in Lebanon” (Near Eastern Archaeology, v. 73, n. 2-3,
198-201, 2010).
Os textos de Silberman que selecionamos para esta edição
foram publicados originalmente em inglês. A escolha e a tradu-
ção desses textos foram realizadas ao longo de 2012; ano em que
Silberman esteve na Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp), com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Es-
tado de São Paulo (Fapesp), do Fundo de Apoio ao Ensino, à
Pesquisa, à Extensão (FAEPEX – Unicamp), do Programa de
Pós-Graduação em História (IFCH/Unicamp) e do Laboratório
de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/Unicamp).
O período em que Silberman esteve na Unicamp foi marcado
por uma série de palestras, discussões de projetos e reuniões que
não apenas refletiram nas pesquisas que estavam sendo desen-

6
Desafios para o Patrimônio Mundial

volvidas ali, como também instauraram uma longa parceria entre


pesquisadores do LAP/Unicamp e o grupo de pesquisa de Silber-
man. Um dos resultados dessa parceria é a presente publicação.
Aqui o leitor poderá encontrar as reflexões produzidas por
Silberman acerca das conservadoras interpretações do patrimô-
nio (unidirecionais) e as relações destas com o turismo (capítulo
1), no tocante ao papel da interpretação pública do patrimônio
e as relações entre essas interpretações e a consolidação dos Di-
reitos Humanos (capítulo 2); sobre a proposta de construção de
um patrimônio sustentável e a necessidade de uma interpretação
e ação da arqueologia pública (em especial, no tocante ao comér-
cio do passado – capítulo 3); referente às questões específicas
da gestão do patrimônio e as propostas da Unesco (capítulo 4),
e, por fim, sobre disputas de memórias, patrimônios e conflitos
internacionais (capítulo 5).
Cada capítulo foi traduzido por um estudante de graduação
ou pós-graduação que esteve envolvido com a vinda de Silber-
man; sempre com a supervisão e com a revisão dos organiza-
dores da obra. Em cada capítulo está indicado o nome do tra-
dutor e o local da publicação original do texto. Aproveitamos
essa apresentação para agradecer aos estudantes que estiveram
bastante comprometidos com o trabalho de tradução e com as
discussões propostas por Silberman em sua estada no Brasil. Na
tradução dos capítulos, respeitamos a estrutura original dos tex-
tos, por isso alguns não são acompanhados de bibliografia.
Para concluir, indicamos que os leitores encontrarão nesta
obra textos provocativos e bastante reflexivos sobre as questões
patrimoniais no cenário internacional. Sem dúvida alguma, acre-
ditamos que essas narrativas podem formar outras bases para
pensarmos nosso contexto nacional e local e, deste modo, con-
tribuir para um ampliar dos debates acerca do patrimônio. Dese-
jamos a todos uma excelente leitura.
Aline Carvalho

7
NEIL SILBERMAN E A ARQUEOLOGIA
CONTEMPORÂNEA

A Arqueologia, como todas as ciências e mesmo atividades


humanas, depende também de indivíduos, não tanto, nem ape-
nas, por suas qualidades intelectuais, mas por seu caráter, por sua
capacidade de formação e inspiração e por sua transparência.
Neil Silberman pode ser considerado, sob esses e outros aspec-
tos, um caso notável. Comecemos por sua formação acadêmica.
Nascido em Boston em 1950, estudou em uma instituição meto-
dista única, a Wesleyan University, notabilizada pelas artes libe-
rais, com graduação em estudos religiosos, onde já pôde ter con-
tato não apenas com as tradições cristã e judaica, mas também
de outros horizontes, como o islamismo, assim como de outras
confissões não ocidentais ou monoteístas. Após sua graduação,
em 1974, seguiu os estudos na Universidade Hebraica de Jeru-
salém, Israel, no Instituto de Arqueologia, entre 1974 e 1976.
Silberman destacou-se, desde cedo, por sua erudição e abertura
de horizontes incomuns, tal como demonstrado pelo seu domí-
nio, em tudo excepcional, do hebraico e do árabe. Desde a tenra
juventude, não deixou de aceitar os desafios da diversidade cul-
tural, estudioso dos contatos interétnicos e culturais.
Essa abertura de horizontes levou-o, desde cedo e de ma-
neira reiterada, à experiência internacional e cosmopolita, com
atuação continuada em instituições em diversos países e conti-
nentes. Da mesma forma, suas atenções estiveram não apenas
na Arqueologia, mas em temas como a propriedade intelectual,
os museus e o patrimônio e os usos do passado. Diversos de
seus livros tornaram-se best-sellers acadêmicos em muitos idio-
mas, muitos deles escritos em parceria, outra característica desse
grande intelectual: sua abertura para a cooperação, alguns deles
traduzidos para o português, como A mensagem e o reino: como Jesus

9
Neil A. Silberman

e Paulo deram início a uma revolução e transformaram o mundo antigo e A


Bíblia não tinha razão, entre outros.
A parceria com a Unicamp vem de longa data, em particular
quando da reconstituição do International Journal of Cultural Pro-
perty, no início deste século, e está fundada no compartilhamento
de valores, perspectivas e abordagens. Para além da erudição, do
cosmopolitismo, da cooperação internacional, está a formação
de quadros qualificados, a adoção de uma perspectiva a um só
tempo crítica como fundamentada. A Arqueologia Pública, fun-
dada na interação com as pessoas, implica tanto interagir como
fazer com que o conhecimento possa servir não para reforçar
estereótipos e lugares comuns, mas para contribuir para a libe-
ração. Os usos do passado não são neutros e podem servir para
os fins mais opressores, se não houver espírito crítico e aberto à
experiência única do aprendizado. Neil Silberman, sempre abrin-
do portas, inspira gerações de estudiosos e este volume será um
brinde a todos os que dele souberem tirar proveito.

Pedro Paulo A. Funari

Referências
HORSLEY, Richard A; SILBERMAN, Neil Asher. A Mensagem e
o Reino: como Jesus e Paulo deram início a uma revolução e transformaram
o Mundo Antigo. São Paulo: Loyola, 2000. [The Message and the
Kingdom: Jesus, Paul, and the politics of earliest Christianity.
Putnam, 1997; paperback edition: Fortress Press, 2002.]
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia
não tinha razão. São Paulo: Girafa, 2003. [The Bible unearthed:
Archaeology’s new vision of Ancient Israel and the origins of
its sacred texts, with Professor Israel Finkelstein. The Free Press,
2001; paperback edition: Touchstone Books, 2002. Translations:
French, German, Dutch, Spanish, Portuguese, Italian, Czech,
Polish, Hungarian, Hebrew, Korean.]

10
CAPÍTULO 1

A INTERPRETAÇÃO DO PATRIMÔNIO
COMO DISCURSO PÚBLICO: RUMO A UM
NOVO PARADIGMA1

A interpretação do patrimônio – a constelação de técnicas


de comunicação que tentam transmitir o valor público, a impor-
tância e o significado de um patrimônio, objeto ou tradição – é
fundamental para compreender as características mais amplas do
próprio patrimônio. De fato, a prática de interpretação do patri-
mônio, em sua definição mais ampla2, data de pelo menos quatro
mil anos (Dewar, 2000). Desde o tempo do diário das viagens de
exílio do egípcio Sinuhe, no século XX a.C., pela Terra de Re-
tenu (Baines, 1982); passando pelo, por vezes duvidoso, século
V a.C. de Heródoto, que registra as maravilhas do Oriente Mé-
dio antigo (Thomas, 2002); ou pelo guia de viagem de Pausânias
sobre os santuários gregos do Século Segundo d.C. (Alcock e
Cherry, 2001); aos guias peregrinos da Idade Média (Moerman,
1997; Oster-rieth, 1989), até os roteiros e palestras dos tutores
do Grand Tour do Iluminismo (John, 1985), um conjunto mutan-
te de intérpretes e guias têm continuado a prática de explicar e
refletir a importância de monumentos históricos e paisagens ao

1. Traduzido por Rubia Gaissler, doutora em Ambiente e Sociedade pelo Nú-


cleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM), Universidade de Campinas
– Unicamp. Originalmente publicado em: Understanding Heritage. Ed. Albert, Marie-
-Theres / Bernecker, Roland / Rudolff, Britta. Berlin: DeGruyter, 2013, p. 21-33.
Disponível em: <http://works.bepress.com/neil_silberman/43>.
2. Como definido na Carta de Interpretação e Apresentação de Sítios Patrimoniais
Culturais (ICIP, 2008, p. 3): “toda a gama de atividades potenciais destinadas a au-
mentar a consciência pública e o entendimento do sítio patrimonial cultural. Estas
podem incluir publicações impressas e eletrônicas, palestras públicas, instalações
on-site e off-site diretamente relacionadas, programas educacionais, treinamento, e
avaliação do processo interpretativo em si”.

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Neil A. Silberman

redor do mundo. No século dezenove, com as primeiras ondas


de turismo de massa, o papel dos guias-intérpretes se tornou
mais especializado e profissional (Erik, 1985). Vinculados ou
não a um sítio específico (e eventualmente treinados e licencia-
dos por governos nacionais), servindo como acompanhantes e
intérpretes para um grupo ao longo de um itinerário completo
de atrações patrimoniais, estes profissionais foram reconhecidos
como fontes oficiais de informação, juntamente com outras mí-
dias oficiais, como mapas, placas direcionais, os Baedekers e Blue
Guides (Koshar, 1998). Entretanto, qualquer que tenha sido a
forma na qual a interpretação foi transmitida para o turista ou
público leitor – confiável, falsa ou enfadonha – era primariamen-
te uma forma de monólogo, que servia para levar informações
unidirecionalmente, do guia para a audiência.
O clássico trabalho moderno sobre as técnicas desta profis-
são, Interpreting Our Heritage, de Freeman Tilden, funcionário do
National Park Service3 tem sido, desde sua primeira publicação,
em 1957, a mais importante fonte da filosofia da interpretação
do patrimônio, tanto cultural quanto natural em conectá-lo ao
visitante4. Ter criatividade e talento, atiçar a imaginação e dire-
cionar a audiência eram pontos centrais. Mais tarde, seguidores
de Tilden expandiram o número de princípios (Beck e Cable,
1998), mas o objetivo do discurso instrumental emocional do

3. N.T.: Criada em 1916, o National Park Service é uma agência federal norte-
-americana responsável pela gestão de todos os parques, monumentos históricos e
áreas de conservação dos Estados Unidos.
4. Os princípios interpretativos de Tilden (1957) se resumem às seguintes propos-
tas. 1) Qualquer interpretação que não se relacione de alguma forma com o que está
sendo mostrado ou descrito com a personalidade ou experiência do visitante será
estéril; 2) Informação, como tal, não é interpretação; 3) Interpretação é a revelação
baseada na informação. Elas são coisas completamente distintas. 4) Contudo, toda
interpretação inclui informação. 5) A interpretação é uma arte, que combina muitas
artes, sejam os materiais apresentados científicos, históricos, ou arquitetônicos. 6)
Qualquer arte é ensinável em algum grau.

12
Desafios para o Patrimônio Mundial

intérprete para os ouvintes permaneceu o mesmo. Era a comu-


nicação não somente da informação, mas também de uma or-
dem ética na qual a conservação do patrimônio se tornava o fim
de uma corrente comportamental presumidamente inevitável
(Ham, 2007a). “Através da interpretação, entendimento; através
do entendimento, apreciação; através da apreciação, proteção”
era a frase mais citada de Tilden (1957, p. 38), que serviu como
um lema orientador da indústria interpretativa e da profissão que
se disseminou em todo o mundo. Na sua essência, este viés da
interpretação do patrimônio é mais metodológico do que teóri-
co; é um método de comunicação cara-a-cara no qual o conteú-
do da interpretação é menos importante que a habilidade com a
qual ela é transmitida. A facticidade é talvez seu único elemento
normativo; a apreciação do valor de um sítio, de sua autenticida-
de e importância eram os efeitos pretendidos.
No entanto, como notado por David Uzzell (1998), esta vi-
são tradicional da interpretação do patrimônio assume, inques-
tionavelmente, que a audiência esteja aberta a ser persuadida.
Entende-se, nesta visão, que, se feita com entusiasmo e simpli-
cidade, a interpretação terá alcançado seu objetivo. A audiência
é diferenciada somente no nível dos indivíduos, cuja “persona-
lidade e experiência” são os alvos do apelo relacional direto da
interpretação. O conteúdo epistêmico da interpretação – sua
visão da “verdade” histórica – é visto relativamente como au-
sente de problemas, derivado das perspectivas factuais de his-
toriadores, arquitetos e arqueólogos. No entanto, a técnica de
influenciar o público patrimonial para responder emotivamente
às informações de base científica bem como à ação, se assemelha
as técnicas de saúde pública, de campanhas ambientais e publi-
citárias (Ham e Weiler, 2003). A interpretação é vista como uma
ação projetada para promover a apreciação pública sobre a im-
portância do patrimônio, sua vulnerabilidade e a necessidade de
sua conservação, como realizada pelos representantes oficiais do
poder local ou do Estado. Mas, cada vez mais, o patrimônio não

13
Neil A. Silberman

é visto como uma fonte indiferenciada, tampouco seus represen-


tantes são encarados como guardiões imparciais desse patrimô-
nio compartilhado (Tunbridge e Ashworth, 1996).
Em casos de disputas patrimoniais em zonas de combate
étnico ou de rivalidade entre estados, uma concepção Tildeniana
do “patrimônio” como um bem puro, que pode ser interpretado
de modo não problemático para aumentar o apoio do público
para a conservação, vai de encontro a conflitos aparentemente
irreconciliáveis sobre qual patrimônio é importante ou significa-
tivo e como ele deveria ser interpretado. Os seis princípios inter-
pretativos de Tilden não conseguem resolver adequadamente o
desafio de interpretar perspectivas conflitantes. Entre os muitos
exemplos que poderiam ser citados estão a história contestada
de Jerusalém (Silberman, 2001), as controvérsias políticas sobre
as tumbas de Kasubi, em Uganda (Kigongo e Reid, 2007), a des-
truição dos Budas de Bamiyan (Colwell-Chanthaphonh, 2003),
as afinidades culturais e a importância territorial do templo de
Preah Vihear, na divisa entre Tailândia e Camboja (Meyer, 2009)
ou o conflito entre hindus e muçulmanos a respeito da primazia
religiosa em Ayodhya, na Índia (Bernbeck e Pollock, 1996).
Esses são apenas os exemplos mais famosos de conflito inter-
pretativo, pois em nossa era de place branding5, políticas de identida-
de, disputas territoriais e economias baseadas no turismo, o contro-
le de sítios e objetos patrimoniais se tornou um pomo da discórdia
entre regiões, localidades, comunidades diaspóricas e Estados-Na-
ção em todo o mundo. Questões de renovação urbana, gentrifica-
ção, desapropriação demográfica, reivindicações de soberania para
a repatriação de relíquias saqueadas – e de modo ainda mais delica-
do – o controle de restos humanos encontrados em sítios arqueo-
lógicos, todos apresentam desafios ainda mais complexos para as

5. N.T.: place branding é uma recente área do marketing cujo objetivo é a construção
e divulgação de localidades como marcas. Nesta visão: cidades, regiões ou países
são tratados como empresas, gerenciados para atrair investimentos, turistas, even-
tos, etc.

14
Desafios para o Patrimônio Mundial

ideias convencionais de conservação e para a possibilidade de um


método “universal” de interpretação que irá mobilizar o apoio ne-
cessário para que esta aconteça (Silberman e Ruggles, 2007). Como
este capítulo6 irá sugerir, a mudança de valor social, econômico e
simbólico do patrimônio exige um novo paradigma teórico para
substituir, ou talvez colocar em um novo contexto os conceitos
de Tilden há tempo acalentados. De fato, como sugere Uzzell, a
interpretação do patrimônio “está presa em um ciclo onde o como
se tornou mais importante que o porquê” (1998, p. 12).
A resposta para o “porquê”, acredito, se encontra na função
social mais ampla da interpretação do patrimônio – não meramen-
te como um meio eficaz de comunicação, mas como uma reflexão
mais profunda dos direitos e do papel apropriado do público leigo
na formação de uma visão, sempre em evolução, do passado.

1. Do monólogo à participação pública


Textos e roteiros cuidadosamente preparados são onipre-
sentes na interpretação do patrimônio – abarcando desde pai-
néis informativos muito simples, passando pela narração vívida
de histórias, interpretação de personagens, vídeos em centros de
visitantes, rotas interpretativas cuidadosamente planejadas, até
ambientes virtuais elaborados (e caros). Ainda que a mídia inter-
pretativa em uso em diversos sítios possa diferir dramaticamente
em complexidade e sofisticação, o processo que a maioria delas
incorpora é consistente com a abordagem tradicional, em forma-
to de monólogo: uma apresentação unidirecional de informações
cuidadosamente selecionadas e dispostas, a partir de uma fonte
profissional, feita para ser aceita pelo público como oficial. Um
interesse particular tem surgido para analisar o impacto cognitivo
de vários programas de interpretação (e.g. Ham, 2007b). Atra-
vés de questionários, entrevistas e testes concebidos para me-
6. Publicado originalmente em: Understanding Heritage – Perspectives in Heritage Studie.
Albert, Marie-Theres; Bernecker, Roland; Rudolff, Britta De Gruyter (eds.). 2013,
p. 21-34.

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