Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Distressed funds ou Hedge funds, são fundos de investimento voltados a ativos bastante
depreciados (distressed assets) por razões variadas. Dentro do contexto de empresas em
crise econômico-financeira, distressed assets consistem em títulos e créditos de emissão
destas empresas, cujo valor de mercado se encontra reduzido em relação ao valor
patrimonial, por conta do risco de liquidação.
Não podemos nos esquecer que a experiência negativa com o instituto da concordata
ainda não foi superada na memória dos investidores e fornecedores de crédito. Várias
pesquisas com credores, bancos e fornecedores de empresas em crise, chegam a
conclusão que metade dos antigos fornecedores não voltam a fornecer para os clientes
que entraram em recuperação judicial, sendo que a outra metade somente acaba
fornecendo mediante pagamento à vista ou sensível redução do prazo para pagamento,
ou por meio de carta de fiança, ou ainda, por meio de liquidação parcial da dívida antiga
num percentual previamente acordado a cada compra realizada, o que, concordemos ou
não, fere o princípio de liquidação equitativa entre as classes de credores, em detrimento
da proteção dos credores minoritários, gerando uma enorme insegurança jurídica no
ambiente brasileiro.
No que diz respeito aos bancos, as únicas exceções são empréstimos realizados através
de cessão de duplicatas ou autoliquidáveis (usualmente dados por bancos pequenos e
médios ou até mesmo factorings) que, não podemos considerar como sendo, operações
estruturadas de “DIP Financing”.
Nos EUA, por exemplo, as principais formas de intervenção destes fundos são (i)
através da concessão de empréstimos (e, a legislação americana possibilita ao Dip
Investor pleitear perante as cortes a chamada super-priority no recebimento do dinheiro
aportado na forma de empréstimos); (ii) através da aquisição de parcelas de dívida já
existente; e (iii) através da aquisição de participação societária.
O mencionado art. 67 e seu parágrafo nos apresentava dois estímulos a quem pretendia
fornecer crédito à empresa em recuperação: o recebimento dos valores fora do concurso
de credores (extraconcursalidade) e possibilidade de os créditos quirografários serem
reclassificados para créditos com privilégio geral, no limite do montante fornecido.
Mas qual seria o problema? Essa proteção era considerada excessivamente limitada,
pois dentre os créditos extraconcursais, aquele decorrente da concessão de
financiamento, era o último na ordem de recebimento prevista no art. 84, sendo ele
precedido por uma lista de outros créditos extraconcursais que poderiam atingir valores
vultuosos, tornando o seua efetivo recebimento, numa realidade incerta a esse
investidor, gerando mais insegurança e desestimulo a investidores estrangeiros.
Contudo, a reforma da lei, trazendo novos e importantes privilégios, alterou o art. 84,
para inserir os créditos oriundos de relações da Seção IV-A, na segunda posição da
preferência dos chamados créditos extraconcursais (inciso I-B), mantendo a preferência
em relação aos créditos classificados ordinariamente no art. 83. Anteriormente os
créditos do art. 67 figuravam no último inciso do art. 84 na ordem de preferência dos
extraconcursais.
Vis a vis, fazendo breve comparação com a legislação norte-americana (título 11,
capítulo 3, subcapítulo IV seção 364 do Chapter 11) tal dispositivo possibilita àquele
que pretenda conceder crédito à empresa em recuperação, o direito de requerer às cortes
o que se chama de “super-prioridade” (super-priority), no recebimento.
Isso significa que, nos termos da seção 364, item (c), caso o administrador da empresa
em recuperação não seja capaz de obter crédito sem oferecer garantias, ele pode pleitear
à corte competente permissão para conceder prioridade absoluta em relação a todos os
créditos (mesmo garantidos) originados de fatos anteriores à recuperação e ainda,
prioridade em relação a todos os créditos listados na sessão 503 (b) ou 507 (b), (os
créditos incorridos durante o processo de recuperação, inclusive trabalhistas,
fornecedores, tributários, administrativos, judiciais, dentre outros que sejam originados
no curso da recuperação) ou, alternativamente, autorização para garantir tal crédito com
ativos de propriedade da empresa, mesmo que tais ativos já tenham sido dados em
garantia de outros créditos (e nesse caso, o crédito garantido anteriormente será
preterido).
No entanto, para que isso seja possível, se faz necessária a criação de mecanismos de
incentivo legal capazes de oferecer a esses agentes privados maior segurança sobre os
riscos e as perspectivas de retorno de seu investimento.
O art. 69-A, por exemplo, autoriza que o devedor assine contratos de financiamento,
garantidos pela oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos, próprios ou de
terceiros, para financiar as atividades e despesas de reestruturação ou preservação de
ativos. O financiador, para isso, terá o direito de preferência em relação aos demais
credores no que se refere à garantia oferecida pela empresa recuperanda. O
financiamento, ainda, pode ser realizado pelos credores da empresa em recuperação,
sócio, familiares e integrantes do grupo devedor.
Importante notar que a legislação não era suficiente para estimular ou atrair com
robustez investimentos durante a recuperação judicial. Por essa razão, a Lei 14.112/20
introduziu a Seção IV-A, com o título “Do Financiamento do Devedor e do Grupo
Devedor durante a Recuperação Judicial”, com os artigos 69-A até 69-F, com a
intenção de melhorar seu regramento2.
Vale destacar ainda que no art. 69-B, o legislador traz a garantia ao financiador, desde
que de boa-fé, e que já tenha desembolsado recursos, o direito da manutenção de sua
extraconcursalidade dos créditos ainda que haja modificação por recurso da decisão
autorizativa da contratação.
O art. 69-C, por sua vez, autoriza a concessão de garantias subordinadas sobre ativos já
onerados por penhor e hipoteca - excepcionando a hipótese de alienação ou cessão
fiduciárias, mesmo que na ausência de anuência do credor original.
Também deve ser destacado o teor do art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja
convolada em falência antes da liberação integral dos valores de que tratam os artigos
da seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido.
Esta novidade, alvo de enormes críticas, deve ser vista sob a ótica da melhoria do
ambiente de negócios em face do estímulo a esta modalidade de financiamento, com o
2
Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o
Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração
ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para
financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos. Art. 69-B. A
modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua
natureza extraconcursal, nos termos do art. 84 desta Lei, nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor do
financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado. Art. 69-C. O juiz poderá autorizar a
constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em
recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original. § 1º A garantia subordinada, em
qualquer hipótese, ficará limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original. §
2º O disposto no caput deste artigo não se aplica a qualquer modalidade de alienação fiduciária ou de cessão
fiduciária. Art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja convolada em falência antes da liberação integral dos valores
de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido. Parágrafo único.
As garantias constituídas e as preferências serão conservadas até o limite dos valores efetivamente entregues ao
devedor antes da data da sentença que convolar a recuperação judicial em falência. Art. 69-E. O financiamento de
que trata esta Seção poderá ser realizado por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação
judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor. Art. 69-F. Qualquer pessoa ou entidade pode garantir o
financiamento de que trata esta Seção mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos, inclusive o
próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em recuperação judicial.
fim de assegurar a viabilidade da empresa, garantindo empregos, ainda que haja algum
risco aos antigos credores.
Ainda, os arts. 69-E e 69-F que autorizam o financiamento do devedor a ser realizado
por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial,
familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor.
E, nesse sentido, acaba permitindo que qualquer pessoa ou entidade pode vir a garantir o
financiamento mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos,
inclusive o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em
recuperação judicial.
Dessa forma, diante das questões levantadas, podemos criar expectativas positivas de
que a Lei 14.112/20 será um marco no financiamento das empresas em crise, e, em
particular, no setor de agronegócios, ao positivar o Dip Financing no Brasil3.
Por fim, além do potencial benéfico à empresa investida e demais envolvidos em um, ou
em outro caso específico, a atuação desses fundos de forma geral colabora na formação
de um segmento de mercado maduro e profissionalizado.
Fato é que a atuação de distressed funds está em consonância com o objetivo adotado
pela legislação falimentar brasileira de proteger a empresa sempre que esta se mostrar
viável e, portanto, deve sempre ser incentivada.
No entanto, para que isso seja possível, se faz necessária a criação de mecanismos de
incentivo legal capazes de oferecer a esses agentes privados maior segurança sobre os
riscos e as perspectivas de retorno de seu investimento.