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com/2007/04/
Tiragem
A partir das 5 horas de hoje, segunda-feira, está proibido fumar em lugares
Janer Cristaldo escreve no públicos - bares, restaurantes e locais de trabalho - na Irlanda do Norte. Na
Jornaleco Escócia, o fumo foi proibido nestes locais em março do ano passado e, no País de
Brazzil
Baguete Gales, um mês depois. No próximo mês de julho, será a vez da Inglaterra proibir o
Crônicas Anteriores
cigarro. O governo britânico proibirá o fumo também em todas as embarcações que
Livros do Janer naveguem por águas territoriais do Reino Unido. A Irlanda - leio nos jornais - foi o
Ebooks Brasil
primeiro país a vetar totalmente o tabaco em locais públicos, em março de 2004. O
Arquivos exemplo foi seguido pela Noruega, Espanha, Itália, Malta, Suécia, Escócia, Gales,
Outubro 2003
Dezembro 2003 Letônia e Lituânia. Mês passado, os 16 Estados da Federação Alemã aprovaram a
Janeiro 2004
Fevereiro 2004 proibição do fumo em restaurantes, com algumas exceções.
Março 2004
Abril 2004
Maio 2004
Junho 2004
Os dias não são propícios para fumantes na Europa. Em fevereiro último, eu estava
Julho 2004 em Paris quando o fumo foi vetado em lugares públicos. Foi concedido um prazo
Agosto 2004
Setembro 2004 adicional de onze meses para cafés, restaurantes (em ambientes separados),
Outubro 2004
Novembro 2004 cassinos e discotecas. Dia 1º de janeiro do ano que vem, fim da tolerância. Nalgum
Dezembro 2004
Janeiro 2005 jornal francês, li algo sobre um certo “cabinet suédois” que certos cafés estariam
Fevereiro 2005
Março 2005 pensando em instalar. A reportagem não explicava em que consistia, mas pelo que
Abril 2005
Maio 2005
entendi seria uma espécie de banheiro concebido exclusivamente para fumar.
Junho 2005 Porque nos banheiros propriamente ditos também não se poderá fumar. Curioso
Julho 2005
Agosto 2005 imaginar os clientes indo de vez em quando ao "cabinet", para exonerar-se de suas
Setembro 2005
Outubro 2005 vis necessidades.
Novembro 2005
Dezembro 2005
Janeiro 2006
Fevereiro 2006 Os fumantes estão sendo tratados como leprosos na Europa atual. Em aviões, não
Março 2006
Abril 2006
se fuma mais. Em trens, se antes havia um vagão para fumantes, agora não há
Maio 2006 mais. Nas gares e aeroportos, também é proibido fumar. Alguns aeroportos
Junho 2006
Julho 2006 reservam um pequeno espaço para os leprosos, que ficam como que engaiolados
Agosto 2006
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Setembro 2006
Outubro 2006
para a contemplação piedosa dos demais usuários. Eu, que defendo o sagrado
Novembro 2006 direito de todo cidadão adulto chupar câncer, acho que a Europa exagera. Não vejo
Dezembro 2006
Janeiro 2007 maiores inconvenientes de fumar em grandes espaços como aeroportos e gares.
Fevereiro 2007
Março 2007 Mas os governos europeus deixam claro a seus súditos e demais visitantes que o
Abril 2007
Maio 2007 continente já não tolera o tabagismo. O fato é que estas determinações complicam
Junho 2007
Julho 2007 a vida até mesmo do não-fumante. Se você não fuma e seu companheiro ou
Agosto 2007
Setembro 2007
companheira de viagem é fumante compulsivo, prepare-se para não poucas
Outubro 2007 incomodações.
Novembro 2007
Dezembro 2007
Janeiro 2008
Fevereiro 2008 No fundo, têm razão. O cigarro está matando demais. Ainda em Paris, testemunhei
Março 2008
Abril 2008 um episódio que dá plenas razões aos adversários do fumo. Um senhor de uns 60
Maio 2008
Junho 2008 anos, que só conseguia respirar plugado a um tubo de oxigênio, carregado nesses
Julho 2008
Agosto 2008
porta-malas de rodinhas, entrou num tabac. São os quiosques onde se vende
Setembro 2008 cigarro na França. Sei lá porque razões, seu símbolo é um acrílico em forma de
Outubro 2008
Novembro 2008 carotte (cenoura). Se você quiser cigarro, busque a carotte nas ruas. Pois aquele
Dezembro 2008
Janeiro 2009 velhote trôpego, que só conseguia respirar com um tubo de oxigênio, entrou no
Fevereiro 2009
Março 2009 tabac e pediu dois Gauloises, o mata-ratos francês. Enfim, talvez tivesse também
Abril 2009
Maio 2009 sua razão. Se estava para morrer, por que privar-se de seus prazeres?
Junho 2009
Julho 2009
Agosto 2009 O tabagismo, para quem não sabe, é o principal legado dos indígenas da América
Setembro 2009
Outubro 2009 Latina ao mundo. Claro que nenhum rousseauniano defensor do bon sauvage gosta
Novembro 2009
Dezembro 2009 de ouvir isto. Jean Nicotin - daí nicotina - era embaixador francês em Portugal em
Janeiro 2010
Fevereiro 2010 meados do século XVI e levou uma folha da planta que receberia seu nome para a
Março 2010
Abril 2010 rainha Catarina de Médicis. O tabagismo, no fundo, é uma vingança póstuma do
Maio 2010
Junho 2010
índio colonizado. Ao mesmo tempo em que a Europa tenta exorcizá-lo, uma outra
Julho 2010 droga está perdendo seu poder no velho continente, o cristianismo.
Agosto 2010
Setembro 2010
Outubro 2010
Novembro 2010 Nestes mesmos dias, os jornais trazem também outra notícia alvissareira da
Dezembro 2010
Janeiro 2011 Europa. Em crise, as paróquias estão vendendo igrejas. A perda de clientela está
Fevereiro 2011
Março 2011 levando padres e pastores europeus a comercializar prédios para fins residenciais.
Abril 2011
Maio 2011
"Cada vez mais, o fenômeno da venda de igrejas vem ganhando força em vários
Junho 2011 países europeus diante da redução drástica de fiéis nos últimos dez anos nos
Julho 2011
Agosto 2011 templos". Se por um lado o maior número de vendas ocorre na Inglaterra, Escócia,
Setembro 2011
Outubro 2011 Suíça e países escandinavos - redutos fundamentalmente protestantes ou luteranos
Novembro 2011
Dezembro 2011 - o fenômeno também se manifesta nas católicas Itália e Espanha.
Janeiro 2012
Fevereiro 2012
Março 2012
Abril 2012
Segundo o jornal The Times, mais de mil igrejas poderiam fechar ou ser vendidas
Maio 2012 nos próximos dez anos na Inglaterra. Sir Roy Strong, líder religioso de destaque,
Junho 2012
Julho 2012 chegou a propor que pequenas igrejas dividam seus espaços com centros
Agosto 2012
Setembro 2012 comunitários e mercados para agricultores. Em Kent, uma das igrejas da região já
Outubro 2012
Novembro 2012 se transformou em um local de vendas de produtos naturais. Em Yorkshire Dale, a
Dezembro 2012
Janeiro 2013 transformação de uma igreja em templo muçulmano gerou protestos, mas acabou
Fevereiro 2013
Março 2013
sendo aprovada. Territórios sagrados estão passando a ser anunciados nos
Abril 2013
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Maio 2013
Junho 2013
classificados de imóveis. Por outro lado, candidato é o que não falta para
Julho 2013 transformar um antigo templo em sua moradia. Há quem ache agradável morar em
Agosto 2013
Setembro 2013 um local onde tantas pessoas viveram grandes momentos, como casamentos ou
Outubro 2013
Novembro 2013 batizados.
Dezembro 2013
Janeiro 2014
Fevereiro 2014
Março 2014 Os fatos confirmam uma minha antiga tese, a de que a Europa está se libertando
Abril 2014
Maio 2014
aos poucos de dois grandes males da humanidade, o cristianismo e o tabagismo. Ao
Junho 2014 que tudo indica, estas tendências estão contaminando o Brasil. Já não são poucas
Julho 2014
Agosto 2014 as restrições ao cigarro nas capitais do país. Quanto à religião, quem o afirma é
Setembro 2014
Novembro 2014 uma fonte insuspeita, Don Odilo Scherer, novo arcebispo metropolitano de São
Paulo. Nestes dias em que o maior traficante internacional de drogas está por
chegar com toda pompa a São Paulo, o príncipe da Igreja, preocupado com o que
chama de "fuga silenciosa de católicos", disse a respeito da atual migração
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religiosa: "É um fenômeno que atinge não somente a igreja católica. A migração
religiosa afeta a todos. Estamos nos debruçando sobre a compreensão desse
fenômeno, que nos incomoda". Continuou ainda o purpurado: "A oferta é muita.
Vivemos no Brasil o efeito da modernidade. As pessoas se assumem como
autônomas e livres do ponto de vista religioso".
HOY ES FIESTA!
Já que falei em Espanha... Quem me acompanha, sabe de minha paixão pelo país e
particularmente por Madri. Camilo José Cela dizia ser a Espanha o país mais lindo
do mundo. Assino embaixo e acrescento: e Madri é a cidade mais linda da Espanha.
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São os de Viena. Se você quiser fazer uma viagem de sonho, vá até lá e passe duas
ou três semanas apenas visitando os cafés. Vale a viagem.
Mas falava de Madri. Se você conhecê-la por fora, a cidade não impressiona muito.
Pelo menos para quem já conhece as demais capitais européias. É preciso conhecê-
la por dentro. Seu encanto reside nos madrilenhos e na vida callejera. Se você sair
para a rua às nove da noite, pode até pensar que a vida noturna já morreu. Nada
disso. É que eles ainda não saíram de casa. Nem pense em almoçar ao meio-dia, os
restaurantes estão desertos. Eles começam a pensar no assunto a las dos del medio
día. Neste intervalo, o comércio fecha as portas. Para abrir lá pelas quatro e meia
ou cinco, que ninguém é de ferro. Afinal, temos ainda a siesta, ritual único na
Europa, recuperação para enfrentar a noite. Há horas a Comunidade Européia tenta
regularizar o horário de comércio e bancos na Espanha e abolir a siesta. Mas Madri
resiste: No pasarán!
Elegância que não vamos encontrar em qualquer cidade do mundo. Quando se vive
algum tempo numa cidade, sempre fica um episódio que nos marca fundo. Minha
marca foi outra. Já vivia em Madri há uns bons seis meses, quando um amigo de
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Paris veio visitar-me. Pensei brindá-lo com algo típico. Em Maravillas, meu bairro,
havia um pequeno restaurante muito ligado às lides taurinas, que servia um
excelente rabo de toro. Lá por las nueve de la tarde, como dizem os madrilenhos,
rumamos à tasca. Mal entramos, um venenciador nos recebeu com dois finos em
punho.
O bar estava tomado por bailaoras y cantaores, que cantavam sevillanas. Fomos
recebidos por uma saraivada de palmas y taconeos. Mal nosso jerez evaporava, o
venenciador mergulhava o copinho no tonel e repunha a dose. Tudo isso, tendo
como pano de fundo o alarido infernal das sevillanas.
Mas meu propósito era comer. Chamei o garçom. Temos rabo de toro?
Muy bien. Vamos então continuar a fiesta. Entre um fino e outro, hipnotizados,
contemplávamos os meneios das bailaoras e os piropos dos cantaores. Acontecera
que um toureiro amigo da casa havia matado cinco ou seis touros naquela tarde. A
festa era em sua homenagem. Lá pela meia-noite, preocupado com o estômago,
pedi a conta.
Como não morrer de amores por uma cidade que acolhe o estrangeiro em suas
festas íntimas, o recebe com a finesse de um venenciador, oferece-lhe seus
melhores vinhos e suas mais lindas canções e mulheres, sem cobrar nada por isso?
Hoy es fiesta. Quando evoco Madri, esta é a primeira imagem que me vem à
mente. Em verdade, lá é festa todo dia.
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Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Nestes dias cheios de ameaça, em que o Islã ameaça a Europa, Bush ameaça
bombardear o Irã e Putin ameaça ressuscitar a Guerra Fria, um leitor me envia uma
notícia deveras preocupante. Parece que as caixas de vinho estão ameaçando a
Espanha. Escreve Rodrigo Jovani:
Acabei de ler o texto sobre vinho em tetrapak e devo dizer que concordo com tudo
o que foi exposto. O ritual é parte fundamental dos bons momentos da vida. Sem
ele, caímos na banalização do fast-food, da culinária de Shoping Center e seus
talheres de plástico. Entretanto, devo comentar que isso não é moda só aqui em
Pindorama. No tempo em que vivi em Madri (ah... que saudades), o tradicional
"vino de la casa", servido em taças nos restaurantes e bares, já era do tipo
encaixotado. Acredito que o mesmo ocorra na França. Tive um choque ao descobrir.
Senti que estava sendo enganado, mas é uma daquelas tendências aparentemente
inevitáveis da modernidade, assim como a tal rolha de plástico... A partir de então
passei a pedir sempre vinho em garrafa. É bem verdade que algumas vezes tenho
que beber uma garrafa inteira sozinho, mas é um sacrifício que estou disposto a
fazer pela causa!
6 of 46 09/12/2020 15:35
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Que fazer senão aceitar a simpática oferta do garçom? Suponho que em nenhum
outro país do mundo um restaurador oferecerá uma garrafa de vinho pelo preço de
meia. Desisti de reclamar. Em São Paulo, improvisei uma fórmula interessante.
Como sempre almoço fora, tomo meia garrafa e deixo metade para outro dia. Em
pelo menos três restaurantes, sempre tem alguma media botellita me esperando.
Sem falar que isso me dá a sensação de que o segundo almoço sai sempre mais
barato.
Triste receber tal notícia da Espanha. Grosserias destes dias de fastfood. A verdade
é que os otários são legião. Certa vez, uma colega de magistério ia para Madri.
Passei a ela uma lista dos melhores restaurantes da cidade. Na volta, cobrei: como
é que é? Gostou? Me respondeu que não fora a nenhum deles, só freqüentara
McDonalds.
Cortei relações com a moça. Por mais tolerante que seja, não posso admitir em
meu pequeno círculo uma pessoa que tem oportunidade de degustar a soberba
culinária espanhola e opta por sanduíches gordurosos. A tais inimigos da bona-xira
deveria ser proibido conceder passaporte.
7 of 46 09/12/2020 15:35
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Entre os povos orientais o cabelo é sacrificado em mechas aos rios sagrados, assim
como os primeiros cabelos dos recém-nascidos são ofertados aos deuses. É porque,
de certo, dos ônus corporais, dessa imensa carga de miséria que é o corpo
humano, o cabelo aparece quase como espírito, porque é multiforme como a chama
ao vento, como a água revolta das ondas, como o ar que se respira.
A polícia de costumes dos aiatolás, além de ser avessa às curvas, tampouco tem
apreço por esta chama quase espírito. Desde há muito defendo a tese de que o
mundo islâmico é profundamente homossexual. Nada contra o homossexualismo.
8 of 46 09/12/2020 15:35
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Mas este homossexualismo islâmico é doentio. É preciso ser muito doente para
proibir as mulheres de exibirem seus encantos aos demais homens e mulheres.
Segundo os jornais, mulheres estão sendo abordadas nas ruas pela polícia e, caso
não aceitem mudar seu modo de vestir, são levadas à delegacia, sendo liberadas
apenas após parentes ou amigos terem fornecido roupas consideradas
"respeitáveis" para vestirem.
Audace, messieurs les perses, toujours de l’audace. Que tal ir logo ao âmago da
questão e cortar os seios das iranianas? Assim, as roupas justas perderiam pelo
menos parte de seu caráter pecaminoso. A mulher sempre foi mesmo um ser
obsceno. Suas curvas atrapalham o bom funcionamento do Estado. Melhor falquejar
seus corpos, para que não perturbem a mente sadia dos bravos machos iranianos.
Você tem uma irrefreável vocação para a corrupção e roubo dos cofres públicos? Se
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não quiser ser punido, eleja-se imediatamente deputado. O generoso tribunal das
urnas o absolverá de qualquer crime.
Já no Gênesis, o vinho é pretexto para Ló, sobrinho de Abraão e único homem justo
de Sodoma, dormir com Moabe e Ben-Ami, de quem viriam os moabitas e os
amonitas. Como o bom Jeová nada objetou a este conúbio, podemos inferir que não
comete pecado todo pai que, embebido de vinho, leva suas filhas para a cama. Mas
é no Novo Testamento que o vinho se torna um elemento fundamental do
cristianismo, quando Cristo institui a Eucaristia. O vinho, uma vez consagrado pelo
sacerdote, torna-se literalmente seu sangue.
Não há cristianismo sem vinho. Já os brutos que cultuam o Corão o proíbem. Nada
de espantar. Os desertos árabes não são propícios a vinhedos e o vinho jamais
poderia ter um papel econômico nas regiões onde o islamismo nasceu. Se não dá
lucro, pode ser perfeitamente dispensado.
Cultor deste bom legado cristão, não consigo curtir o vinho sem um certo ritual.
Claro que o que mais importa é o sabor. Mas as virtudes organolépticas são apenas
seu pressuposto básico. Outros elementos hão de envolvê-lo, ou então beber vinho
não tem graça. Para começar, a cor. As garrafas devem mostrá-la e os copos, em
princípio, terão de ser claros e transparentes. Nos tempos bíblicos os vinhos eram
armazenados em odres. Jeroboão, o primeiro rei de Israel, afogou-se em um deles,
bebendo hidromel. Mas o mundo mudou de lá para cá e as garrafas não oferecem
tais riscos. Naqueles tempos - como costumam dizer os autores dos Evangelhos -
10 of 46 09/12/2020 15:35
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Vinho exige ritual, dizia. Você não vai tomar um bom vinho em um boteco de
mesas de plástico e televisão ao fundo. O bom vinho, diria, exige boa companhia,
talvez uma boa música ao fundo. De preferência, em surdina. Taças adequadas e
toalhas lindas. É pecado que clama aos céus beber vinho ouvindo futebol. Por favor,
mais respeito ao sangue de Cristo. É claro que um restaurante com um décor
solene e ambiente silencioso confere a qualquer vinho um alto valor agregado.
Não imagine o leitor que tenho dons de sommelier. Nada disso. Minha memória
olfativa e palatal é curta. Posso tomar hoje um excelente vinho, daqui a dois ou três
meses não saberia reconhecê-lo. Aliás, assim como não creio em Deus, tampouco
creio em sommeliers. Não há memória humana que guarde os milhares de
bouquets que eles pretendem guardar. Sommelier é um pouco como astrólogo, um
vigarista.
Não tenho maior apreço por vinhos brasileiros. Talvez um pouco em função desta
psicologia patrioteira de certos compatriotas, que acham que todo brasileiro deve
consumir produtos nacionais. Em verdade, nem tenho autoridade para falar dos
nacionais, pois há mais de trinta anos não os degusto. Não se mexe em time que
está ganhando. Aqui no continente, sou muito gratificado pelos vinhos da
Cordilheira, particularmente os Malbec e Carmenère, e não vejo porque fazer
aventuras.
Especialmente quando leio que as adegas brasileiras estão lançando vinhos de uvas
11 of 46 09/12/2020 15:35
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finas em bag-in-box. Que a meu ver devem ser as tetrapak suecas, um grande
achado quando se trata de leite ou sucos. Em suma, caixas de papelão. Pior ainda,
com torneirinhas. Pobres uvas finas. A gaúcha Valduga teria sido pioneira nesta
embalagem rastaqüera. Agora, a Miolo a acompanha nesta barbárie. Se desde que
me conheci por gente não vi motivos para tomar vinhos tupiniquins, agora mesmo
é que deles só quero distância.
Ora, os fatos são bem outros. Picasso havia pintado uma tela de oito metros de
largura por três e meio de altura, intitulada La Muerte del Torero Joselito, plena
de cores fúnebres, que iam do preto ao branco, em homenagem a um amigo seu, o
toureiro Joselito, morto em uma lídia. O quadro ficara esquecido em algum canto de
seu ateliê. Ao receber uma encomenda para o pavilhão republicano da Exposição
Universal de Paris de 1937, Picasso lembrou do quadro. Foi quando, para fortuna do
malaguenho, a cidade de Guernica foi bombardeada pela aviação alemã. Ali estava
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Uns retoques daqui e dali, e Picasso deu nova função ao quadro. No entanto, até
hoje multidões hipnotizadas pela propaganda vêem em uma cena de arena, com
cavalo, touro e picador, uma homenagem aos mortos de Guernica. Busque o quadro
na rede e examine-o. Você não vai encontrar um único elemento que lembre um
bombardeio.
Esta lenda até hoje é repetida, tanto por professores e jornalistas como por
escritores de renome. De um só golpe de pincel, o pintor malaguenho traiu a
memória do amigo e mentiu para a História.
CERTEZAS FANÁTICAS
Percebi uma tonalidade recorrente nos artigos do Sr. Janer Cristaldo que me faz
lembrar a de um velho aposentado que perdeu a virilidade e agora fica a atacar a
Igreja, os padres, os protestantes, o cacete a quatro, pois não consegue encontrar
mais consolo na sua subjetividade diminuída. Não falo da pessoa do eminente
articulista, mas daquilo que os seus escritos evocam – a título de "salvaguarda
moral do autor", que não merece ser ridicularizado e muito menos difamado.
Sem falar "da pessoa do eminente articulista"... mas falando, é claro. Meus artigos
lembram então um velho aposentado que perdeu a virilidade e por isso fala mal da
Igreja e dos padres. É isso? Um outro cronista, astrólogo e sedizente filósofo, me
chamou de farrapo humano "que se aproveitava de seu estado de viuvez" para falar
mal da Igreja. Para um, se falo mal da Igreja é porque sou viúvo. Para outro, é
porque sou velho e impotente. Ou seja, no fundo não se admite que um adulto,
gozando de juventude e em pleno domínio de suas faculdades mentais, possa
criticar a Santa Madre Igreja Católica.
Esta certeza fanática em nada difere daquela certeza dos velhos comunistas, que
olhavam com desdém e piedade para quem não partilhasse de suas crenças, como
se não ser comunista fosse um atestado de debilidade mental. Pois saibam estes
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senhores que minhas críticas à Igreja datam de quando sequer era núbil. Meu
primeiro artigo publicado, saiu no Ponche Verde, pequeno jornal de Dom Pedrito,
e intitulava-se "Esses padres..." Assim mesmo, com reticências. Pelo título já se
pode ver que não era nenhum louvor às virtudes da Santa Madre. Eu tinha então 14
ou 15 anos. Ou seja, mal pus um pé na imprensa, já malhava os católicos.
Publiquei mais de três mil artigos em jornais e revistas ao longo de minha vida e
certamente uma boa centena deles - senão mais - são de críticas ao catolicismo.
Escrevi outros tantos criticando os marxistas e petistas em geral. Considero o
catolicismo uma doutrina muito mais perversa que o marxismo. O marxismo mal
conseguiu emplacar sete décadas no poder. O catolicismo existe há dois milênios. O
marxismo não dispensa o aparato de Estado para oprimir os cidadãos. A Igreja
instala uma maquininha de tortura na consciência de cada crente, e a este delega o
poder de acioná-la. Ou seja, meu caro, não é a idade - e muito menos a viuvez -
que me impele a escrever o que penso dos católicos.
parece ser simplesmente uma coisa, um fato fisiológico cuja repressão é um tabu e
ponto final - salvo a sua intenção recorrendo às exceções: as perversidades
socialmente incorretas, como a pedofilia, a necrofilia, etc. Se para ele não há
critério racional para o agir sexual, restam apenas a fisiologia, na vida privada, e as
convenções que estiverem de pé na data em que o artigo for escrito.
Mas que sabe este senhor sobre minha visão de sexo? Baseado em quê insinua que
defendo a pedofilia e necrofilia? Jamais reduzi sexo à fisiologia. Aliás, considero que
sexo é, antes de tudo, mental. Tentei ser casto nos dias em que estava preso ao
leito de Procusto católico. Não deu. A carne falou mais alto. Por outro lado, porque
ser casto? Só porque Roma queria? Mas que tenho a ver com Roma? Tão logo me
libertei da ética vaticana - e isso aconteceu lá pelos 16 ou 17 anos - quis recuperar
o tempo perdido. Me entreguei com gosto e com gula aos ditos prazeres da carne.
Que, em verdade, são prazeres do espírito. Enchi meus dias de mulheres. Como o
Jeová do Gênesis, olhei para minha obra e vi que era boa. Se há algo que hoje
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embala meus dias, além das viagens que fiz e dos livros que li, são as amigas que
tive e que ainda tenho.
O que o típico velhão não consegue pegar no ar, possivelmente por falta de
formação e critério, é que os impulsos sexuais não são os únicos componentes da
sexualidade. Há o eros propriamente dito, e há o ágape, formas de sexualidade
superiores que as civilizações mais avançadas não só conheciam como encorajavam
vivamente: os gregos, os romanos, os hindus, as gentes da velha cristandade (veja
os vitrais, as ordens de cavalaria, o amor cortês, etc). É uma pena que a civilização
moderna tenha - após sucessivas baixas na guerra entre a cultura do homem
equilibrado e a do arrasta-pé ostrogodo - descartado primeiro o ágape, com o
romantismo, e depois o eros, com o ethos pós-moderno do "pansexualismo", uma
espécie de ditadura da physis que obnubila as sensibilidades.
O que Lemos não diz - talvez por pudor - é que os conceitos de eros e ágape são a
mais recente trouvaille de Ratzinger para justificar sua misoginia e a misoginia de
seus ministros. Estão em sua primeira encíclica, Deus é amor. Como se o Deus
genocida e cruel da Bíblia pudesse ser identificado com amor. Mas isto já é outro
assunto.
Católico não sendo, não tenho razão alguma para aceitar conceitos do magistério
da Igreja. É como se a encíclica de Ratzinger contivesse verdades universais, às
quais todos os homens devem submeter-se. Nisto reside o espírito totalitarista de
católicos e marxistas: "eu tenho a verdade e tu tens de aceitá-la". Em todo caso, se
por hipótese visse alguma pertinência nas bizantinas distinções de Ratzinger, eu
diria que vivi eros e ágape com plenitude. Y algunas cositas más.
"O que esses tipos não percebem - continua o cronista papista - é que há todo um
universo a ser explorado na cultura ocidental no campo da sexualidade; vias
perdidas e novas frentes".
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Não, não perdi nenhuma via nem nenhuma nova frente. Algo contra? Ou
pretenderá o articulista ditar meu comportamento na cama?
Leio nos jornais de hoje que o catedrático carreirista Roberto Mangabeira Unger
prepara um discurso de desculpas a Lula. Que será pronunciado na próxima quarta-
feira, dia de sua posse como ministro da Secretaria de Ações a Longo Prazo. Será
muito divertido. A Madalena de Harvard vai negar precisamente um de seus raros
momentos de lucidez. O poder assim exige.
HARVARD DESMORALIZADA
POR UM RELES VIRA-CASACA
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Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Marcelo Crivella (PRB-RJ), aquele santo pastor evangélico que, não contente de
extorquir os centavos de seus crentes, quer agora extorquir dinheiro de todos os
contribuintes, exigindo para seus templos os benefícios da famigerada lei Rouanet.
Mangabeira Unger está em boa companhia.
Isso é verdade. Albert Camus temia o homem incapaz de mudar de idéias. Ocorre
que mudar de idéia não significa simplesmente negar hoje o que se escreveu
ontem. Mudar de idéia exige uma reflexão sobre o que se pensava ontem e outra
sobre o que se pensa hoje. Não é coisa que dependa da oferta de uma prebenda.
Se Mangabeira ainda ontem considerava o governo Lula corrupto, supõe-se que
tenha feito profundas reflexões para chegar à conclusão de que não é. Pois a esta
conclusão deve ter chegado o professor, para aceitar participar de um governo que
antes considerava corrupto.
Tenho visto chusmas de comunistas que nem querem mais ouvir falar desta
palavrinha. Hoje são socialistas. Ou sociais-democratas. Ou democratas,
simplesmente. Em momento algum ouvi a confissão: "eu fui uma solene besta".
Mudam de idéia como quem muda de roupa, sem o compromisso de dar explicação
alguma. Mas idéias não são coisas que se troquem como se troca roupa. Que mais
não seja, o professor Mangabeira Unger deve no mínimo um pedido público de
desculpas ao presidente.
17 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Esse pedido não ouvimos. A confissão de que era uma solene besta - o que não era
o caso, mas se imporia em função de sua virada de casaca - muito menos. O ilustre
acadêmico agiu com a irresponsabilidade de um moleque que num dia insulta um
colega de classe e no dia seguinte está brincando com ele, como se nada houvesse
acontecido. Seu gesto compromete inclusive a prestigiosa Universidade Harvard,
que abriga em seus quadros acadêmicos flores que não são de cheirar-se. É indigno
de qualquer acadêmico que se preze renunciar às suas convicções em troca de um
aceno do poder. Nada contra a intelligentsia - ou melhor, burritzia - brasileira. Mas
foi preciso que um brasileiro chegasse a Harvard, para desmoralizar a instituição.
Comentando estas e outras com um amigo, ele me dizia que Lula conhece o
coração dos homens. De fato, conhece. O Supremo Apedeuta, que muda de idéia
conforme as conveniências, sabe muito bem quem são seus pares. Sabe também o
preço de cada um.
A respeito do artigo "Senhor Jesuis quer sua grana", recebi o seguinte mail,
assinado por um certo Afonso:
Janer,
18 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Cá estou novamente. Bem abrangente sua coluna. Nunca ninguém teve coragem de
abordar a IURD. Se me permite comentar, é o caso do mecânico do meu carro. Ele
tem sua oficina mecânica que o pai dele passou para ele, se casou, tiveram um
filho hoje com 22 anos e pasme. A esposa dele, gananciosa, começou a freqüentar
essa IURD e olha, acabou o casamento do mecânico. O filho trabalha para pagar o
tal de dízimo, toda noite dita mulher vai ao culto e leva o produto do trabalho da
oficina. Inclusive eu caí no conto. Não sabia que a mulher estava nessa e me lesou
em R$500,00 o consertinho do meu carro. Pasme (seta da direção). O mecânico,
com raiva de ter me lesado me pediu para somente procurar por ele. Pois eu não
iria pagar o tal de dízimo. O casal está separado. Acho muito triste isso. Essa IURD
faz lavagem cerebral na cabeça das pessoas, principalmente com as mulheres.
Ficam loucas. Só fala nessa igreja e nesse congresso. Estou quase trocando a
oficina. O casal esta brigando muito tudo por causa da dita IURD. Destrói tudo da
pessoa e não percebem.
Uma das coisas que choca neste meu país é a nonchalance com que se transgride a
lei. As drogas são proibidas? São distribuídas em qualquer esquina das grandes
cidades. Aqui em meu bairro, por muito tempo uma máfia nigeriana controlou o
mercado das drogas. Tinha sua sede em um restaurante chamado... Máfia
Nigeriana. A polícia precisou de uma década para descobrir o centro de distribuição
de drogas.
Isto ficou evidente com a operação Hurricane, da Polícia Federal, que revelou à
imprensa um próspero mercado de sentenças favoráveis à contravenção, vendidas
19 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
por valores que variavam entre 300 mil e um milhão de reais. Descobriu-se
inclusive, à semelhança do Legislativo, um mensalinho oferecido aos magistrados
da nação, algo entre 20 e 30 mil reais por mês. A PF não hesitou em mandar para o
cárcere ilustres togados, entre eles dois desembargadores do Tribunal Regional
Federal do Rio, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e um
procurador regional da República no Rio. Isso sem falar em dois delegados federais
e o advogado Virgílio de Oliveira Medina, irmão do ministro Paulo Medina, do
Superior Tribunal de Justiça e mais um punhado de bicheiros.
Nesta operação, foram presas 25 pessoas. Verdade que os togados já estão livres
como passarinhos. Mas terão de responder processo e a prisão, ainda que
provisória, já serviu para destruir suas carreiras. O desembargador federal José
Eduardo Carreira Alvim, por exemplo, é autor de vários tratados de Direito, de
citação obrigatória em cursos de Direito e na sustentação de defesas. Qual
advogado hoje, conseguiria citar, sem constranger-se, o ilustre mestre das letras
jurídicas?
Se há juízes do Supremo Tribunal de Justiça vendendo sentenças, que nos faz supor
que os juízes do Supremo Tribunal Federal também não participem deste lucrativo
mercado? Muito melhor vender sentenças para o governo do que para a
contravenção. O governo é sempre mais discreto em suas negociações.
Obviamente, paga melhor.
20 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
favor.
Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção
tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia
Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à
tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus
desmandos.
21 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Afirmo que as bases sociais do governo Lula são os rentistas, a quem se transferem
os recursos pilhados do trabalho e da produção, e os desesperados, de quem se
aproveitam, cruelmente, a subjugação econômica e a desinformação política. E que
seu inimigo principal são as classes médias, de cuja capacidade para esclarecer a
massa popular depende, mais do que nunca, o futuro da República.
Afirmo que a repetição perseverante dessas verdades em todo o país acabará por
acender, nos corações dos brasileiros, uma chama que reduzirá a cinzas um
sistema que hoje se julga intocável e perpétuo.
22 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Este artigo me parece constituir um belo epitáfio para o dia de seu passamento.
Estranha, a sedução do poder. Estranha e poderosa. Que faz com que um
catedrático, confortavelmente instalado na mais prestigiosa universidade
americana, venha correndo e abanando o rabo para colaborar com o governo que,
ontem ainda, considerava o mais corrupto da história nacional?
MEDICINA E CATOLICISMO
Não, não me refiro a estes católicos de fachada. Penso naquele que conhece
profundamente sua fé, que sabe o que é um dogma e que tem ciência de todos os
dogmas, que conhece o magistério da Igreja e a ele obedece. São raros, mas
existem. Este não pode ser jornalista. Católico sendo, ele terá de crer firmemente
nos dogmas da virgindade de Maria, da ascensão de Maria aos Céus, na divindade
do Cristo, na Santíssima Trindade, na transubstanciação da carne e outros menos
prestigiosos. Obviamente, não podemos conferir credibilidade alguma a quem
acredita em tais potocas.
23 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Palavra puxa palavra e alguém objetou que também devo ter restrições a médicos
ou engenheiros católicos. A objeção, aparentemente sem sentido, foi muito
oportuna. Não vejo muito o que objetar a engenheiros católicos. Que façam seus
cálculos corretamente, é o mínimo que exijo de um engenheiro. Pelo que me
consta, até agora ninguém criou uma matemática católica por oposição a eventuais
matemáticas atéias ou protestantes. Quanto a médicos católicos, tenho minhas
restrições, sim senhor.
Quando busco um médico, é claro que não me pergunto por sua fé. Em geral, vou
por recomendações. Se não as tenho, busco ao azar. Neste caso, meu primeiro
critério é que seu consultório fique perto de onde moro. No entanto, quando
observo que um viés católico interfere nas prescrições médicas, caio fora. Já
aconteceu. Nos estertores do século passado, passei dois anos sem beber uma gota
de álcool. Proibição de uma médica... católica. Tive de mudar até mesmo meus
hábitos diários, a geografia que percorria em meu bairro. Abandonei meus bares e
amigos, pois não suportava, estando sóbrio, participar de uma mesa em que todos
bebiam. Passei a freqüentar cafés de senhoras judias, tomar chás e comer
biscoitos, em suma, perdi boa parte do prazer de viver. Até o dia em que me
perguntei: será mesmo que não posso beber? Busquei outra médica. Ela, que não
professava religião alguma, me liberou para os antigos prazeres. E minha vida
voltou a ter sentido. O pior momento da médica católica era quando dela me
despedia. Me dizia: "vá com Deus". A impressão que me ficava é que a ciência nada
mais podia fazer por mim.
Quando vivia em Santa Catarina, tive outro conflito com um destes senhores. Ao
saber que eu ia para Paris, recomendou-me: nada de vinho, nada de foie gras,
nada de boudins, cuidado com os queijos. Coincidiu que eu viajava em dias de meu
aniversário e meus amigos em Paris me receberam com tudo: muito vinho, muito
foie gras, muito camembert. Eu, temeroso, apenas beliscava um pouquinho de cada
coisa. Me mantive sóbrio, comedido, o tempo todo. Ao voltar, compro um Nouvel
Obs como leitura de bordo. Reportagem de capa: "Le Paradoxe du Périgord".
É um paradoxo até hoje não explicado pela literatura médica. No Périgord, uma das
regiões da França onde mais se bebe vinho, onde mais se consome patês e queijos,
seus habitantes têm uma saúde cardiovascular invejável. Voltei a meu médico de
Nouvel Obs em punho. "Conhece o paradoxo do Périgord, Dr?" Não conhecia.
Alegou que não lia francês. "Tudo bem, eu traduzo". E fui traduzindo. Depoimentos
médicos asseguravam não haver nada demais em meia garrafa de vinho às
refeições. Ou em duas doses de uísque por dia. E recomendavam, inclusive,
misturar um pouco de boudin no leite das crianças.
Meu médico teve de render-se aos depoimentos de seus pares. De fato, me disse, o
24 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
álcool, em doses moderadas, é benéfico ao coração. "Mas não podemos dizer isso,
sob risco de induzir pacientes ao alcoolismo". Pode ser. O fato é que ele era
católico. E catolicismo significa renúncia ao que de bom a vida tem. Este tipo de
médico busca exercer poder sobre seu cliente. E se você é tímido e não negocia,
terá uma existência muito sem sabor pela frente.
Quando busco um médico, não é para ouvir preceitos éticos. Ética, eu tenho a
minha e convivo muito bem com ela. Em um médico, busco avaliações médicas.
Aos 60 anos, uma pessoa já tem uma boa experiência de médicos. Outra
constatação que fiz em minhas décadas de consultórios, é que há uma diferença
bastante significativa entre médicos formados nos Estados Unidos e médicos
formados na Europa. Dificilmente estes últimos farão restrições rigorosas ao vinho.
Eles se formaram em países em que o vinho faz parte da alimentação. Um operário
francês ou espanhol, ao almoçar, em geral terá em sua mesa um meio litro - ou
mesmo uma garrafa - de vinho. Faz parte da vida. Nem por isso estão caindo aos
magotes de cirrose ou delirium tremens.
Claro que se eu precisar de um cirurgião, não vou me perguntar por sua fé, mas
por sua competência. Mas em tratamentos continuados ou em casos extremos, o
catolicismo vai interferir. Se eu optar por eutanásia - seja para mim, seja por
vontade de pessoa próxima - ele, se for católico, por coerência terá de se recusar.
Já aconteceu em minha família e o resultado foi desastroso, uma pessoa vivendo
quatro anos como vegetal.
Se não tiver a suprema ventura de morrer em acidente rápido, confesso que não
quero esse tipo de médico perto de meu leito no hospital.
25 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Há mais de ano, neste blog, alertei meus leitores para uma notícia de vital
importância para o gênero humano. Em dezembro de 2005, os teólogos do Vaticano
se preparavam para recomendar ao papa Bento XVI o fim da idéia de limbo, o lugar
para o qual vão, segundo as crenças católicas, as almas das crianças que morreram
sem serem batizadas. Conforme a proposta, essas crianças iriam direto ao paraíso
graças à "infinita misericórdia de Deus".
Segundo a doutrina do pecado original - comentei então - todo ser humano nasce
com folha corrida. Sem batismo, nada de paraíso. Santo Agostinho considerava que
os bebês não batizados iam direto ao inferno, embora tenha ressalvado que seu
sofrimento seria de alguma forma mitigado. O Concílio de Cartago, do ano 418,
negou a estes bebês a felicidade eterna. A Comissão Teológica Internacional (CTI) -
colegiado composto de uma trintena de teólogos católicos - recomendava então
abolir a noção de limbo de todo o ensino do catecismo católico. Já em outubro de
2004, Sua Santidade o papa João Paulo II considerava o tema de máxima
importância e pedira à CTI que elaborasse "uma maneira mais coerente e ilustrada"
de descrever, dentro da ortodoxia católica, o destino dos bebês mortos em
inocência.
Mas o problema não é assim tão simples. Para os teólogos, existe um duplo limbo.
Primeiro, existe o limbus patrum, para onde vão os justos, como Abraão e Moisés,
que viveram antes do Cristo. Segundo, o limbus parvulorum ou limbus infantium,
onde ficam os bebês mortos sem batismo. Como carregam a culpa do pecado
original mas não cometeram pecados pessoais, não podem ser premiados com o
céu nem castigados com o inferno. Perguntei-me na ocasião que aconteceria se a
CTI liberasse o paraíso para os ocupantes do limbus parvulorum. Que seria feito do
destino dos milhões de almas do limbus patrum? Todos os justos que precederam
Cristo passariam a constituir um considerável contingente de sem-paraíso?
Sexta-feira passada, a CTI oficializou a nova doutrina. O limbo é mais uma dessas
firulas de teólogos, que não existe nos textos primevos do cristianismo. Você pode
revirar a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse e não vai encontrar uma só menção a
limbo. Este lugar hipotético surge a partir da instituição do batismo. Depois que o
João batizou o Cristo às margens do Jordão, este gesto se tornou sacramento
26 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
obrigatório para todo cristão. Sem batismo, não há salvação. É pelo batismo que o
ser humano é redimido do pecado original. E aqui já vai mais uma bíblica
contradição: se Cristo nasceu sem o pecado original, por que precisaria de batismo?
Se o batismo não é necessário para a salvação eterna, para que então batismo?
Por vezes, nas madrugadas, dedico alguns bons minutos aos programas dos
pastores evangélicos que inundam a televisão aberta. É prática que recomendo ao
leitor. Se as novelas consistem em ficções bobas para agrado de desmiolados, nos
programas religiosos não há ficção alguma. É a realidade nua e crua: hábeis
comunicadores extorquindo o último centavo de uma massa de crentes analfabetos
ou semi-alfabetizados. Há milagres a granel. Pelo simples fato de comparecer ao
27 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Confesso que até hoje não entendi esse “senhor Jesuis”. Talvez seja recurso
fonético dos pastores da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) para diferenciar-
se das vigarices milenares daqueles outros da ICAR (Igreja Católica Apostólica
Romana), que por sua também exploram o cadáver do Senhor Jesus. Sem o "i". O
programa que mais me fascina é aquele da IURD, o Congresso Empresarial dos 318
pastores. São 318 pastores que intercedem ante o Altíssimo pela sua fortuna e
prosperidade. E porque 318? Porque no Gênesis lemos:
"Ouvindo, pois, Abrão, que seu irmão estava preso, levou os seus homens
treinados, nascidos em sua casa, em número de trezentos e dezoito, e perseguiu os
reis até Dã. Dividiu-se contra eles de noite, ele e os seus servos, e os feriu,
perseguindo-os até Hobá, que fica à esquerda de Damasco. Assim tornou a trazer
todos os bens, e tornou a trazer também a Ló, seu irmão, e os bens dele, e
também as mulheres e o povo".
Por enquanto, ainda não ouvi: "Depois que encontrei o senhor Jesuis, fiz um
cruzeiro pelas ilhas gregas!" Como só vejo esporadicamente tais programas, não
duvido que tal depoimento já tenha ocorrido. Se não ocorreu, ocorrerá. O Senhor
Jesuis faz maravilhas.
Perplexo! É como fico. Não se vê um só assento vazio nos templos. Vazia deve ser a
vida daquelas quatro ou cinco mil pessoas que lotam cada galpão. Que perdem
noites de repouso ou lazer, convivência com a família, para ouvir o bíblico besteirol
de um vigarista bem falante. Não por acaso evangélicos e católicos estão agora
disputando acirradamente as mentes dos bugres no Brasil. Os criadores de religiões
desde há muito sabem que, nos dias atuais, só podem esperar colheita se
semearam entre os brutos. Nestes dias em que a Polícia Federal parece ter tomado
28 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Não bastasse esta exploração vil dos baixos instintos do povo, que constitue crime
óbvio contra a economia popular, um destes senhores, o senador Marcelo Crivella,
pastor da IURD, quer agora enfiar a mão no bolso inclusive dos não-crentes. Não
bastasse esta corrupção propiciada pela lei Rouanet, que permite o financiamento
do teatro, do cinema e agora da literatura pelo contribuinte, o pastor Crivella
considera que as religiões estão entre os elementos culturais de uma nação. E
apresentou projeto no sentido de que a lei Rouanet passe a despejar abundantes
benesses sobre os templos da IURD.
Como se algum animal organizasse máfias! É claro que o Supremo Apedeuta será
sensível a tal afago. O projeto do senador e pastor já foi aprovado pela Comissão
de Educação do Senado. A matéria vai a plenário e ainda precisa ser votada na
Câmara.
"Vocês tiveram bilhões de chances e formas de evitar hoje. Mas vocês me acuaram
e só me deram uma opção. Vocês decidiram derramar o meu sangue; vocês me
encurralaram e me deram só uma opção. A decisão foi sua; agora vocês têm nas
suas mãos sangue que nunca mais será lavado".
29 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
O obscuro e desengonçado coreano queria ser ouvido. Desde há muito, a mídia lhe
mostrava o caminho. Nada melhor que um bom massacre para sair do anonimato e
fazer a capa de todos os jornais do mundo. Duas ou três horas de intenso labor et
voilà: celebridade internacional. Teve uma bela performance. Num país em que este
tipo de assassinato é corriqueiro, conseguiu bater de longe o número de vítimas de
seus precursores. Como a competitividade é uma das regras do jogo social nos
Estados Unidos, mais dia menos dia um outro campeão tentará roubar-lhe o
recorde.
30 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Nem passa pela cabeça do ministro petista que tais ações ferem, antes de mais
nada, a lei.
NOVOS TEMPOS
"Já substituíram. Claro, os jornais em papel ainda têm leitores, mas se um jornal de
grande circulação no Brasil tira ou vende 400 mil exemplares, uma primeira página
do UOL é lida por cinco milhões de pessoas todos os dias. Então as pessoas estão
se informando por um portal na internet ou não estão? A geração dos meus filhos,
eu tenho um filho de 16 e uma filha de oito, começa a ter contato com o jornalismo
31 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
pela internet e não pelo papel. Eles lêem notícia muito mais pela internet do que
pelo papel. Isto não é o futuro, isto é o presente".
No que a mim diz respeito, devo confessar que só leio jornal-papel por vício
irremediável. Tenho todos os jornais do mundo em minha telinha. Mas não consigo
renunciar ao inefável prazer de sentar em um bar, com um ou dois jornais à mão e
um chope em punho. Pelo jeito, o futuro da imprensa em papel dependerá em boa
parte de viciados irrecuperáveis como este que vos escreve.
32 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Desde há muito tempo esse homem fazia esse papel, mas finalmente foi pago da
maneira mais ingrata, pois Maomé, ao escutar a voz que o proclamava um homem
divino, se dirigiu àquele povo enganado por seu falso mérito e ordenou, em nome
de Deus, que o reconhecia como seu profeta, que enchessem de pedras o poço do
qual havia saído em seu favor um testemunho tão autêntico, em memória da pedra
que certa vez erigiu Jacó em uma ocasião semelhante, como sinal de que Deus a
ele havia aparecido.
Tal foi o funesto fim deste miserável, que tanto havia contribuído à exaltação de
Maomé; foi sobre esse monte de pedras que o último dos mais célebres impostores
estabeleceu sua lei. Esse fundamento é tão sólido que depois de mais de mil anos
de império ainda não se vê que esteja por debilitar-se.
--------
(Do Tratado de los tres impostores - Moisés, Jesús Cristo, Mahoma, anônimo
clandestino do século XVIII)
Muito bem! Tente então cambiar reais, coroas - sejam checas ou eslovacas - zlotys
ou lei em alguma capital européia ou nos Estados Unidos. Não vai conseguir. Reais,
você talvez até consiga trocar em Espanha e Portugal, com deságio de uns 30%. E
aí se foi a moeda forte. Tente pagar a dívida externa desses países com essas
moedas. Também não vai conseguir. Você já ouviu falar de travellers-cheques em
reais? Duvido.
33 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Quando o real foi instituído e equivalia a um dólar (ou até menos), Delfim Netto
fulminou: "o real equivale ao dólar só aqui no Brasil". Que o real tenha se
valorizado, internamente, em relação ao dólar, não se discute. O que não se pode
afirmar é que seja moeda forte, muito menos a mais forte entre as fortes. Chamar
de fortes o real e as moedas do Leste europeu é uma licença poética só permissível
ao conde Afonso Celso, autor do clássico Porque me ufano de meu país.
O VISIONÁRIO DE TAUBATÉ
Estamos no ano 2.228. Nos Estados Unidos, a elite governante está alarmada: as
estatísticas apontam uma população de 108 milhões de negros para 206 milhões de
brancos. Como o coeficiente de natalidade negra continua subindo, o instinto de
preservação dos brancos se eriça em legítima defesa. Fala-se em uma "solução
branca" e uma "solução negra". A solução branca é, obviamente, expatriar os
negros. Quem propõe este panorama é Miss Jane, personagem de Lobato na ficção
citada.
34 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
Esta idéia de um fracionamento territorial do Brasil não é nova nos dias de Lobato.
Em Cartas Inéditas de Fradique Mendes, escritas nos estertores do século passado,
Eça de Queiroz já antecipava esta possibilidade, em texto intitulado A Revolução
no Brasil. Para o escritor português, com o Império acaba também o Brasil, que
ficaria fragmentado em Repúblicas independentes, em virtude da divisão histórica
das províncias, das rivalidades entre elas, da diversidade do clima, do carácter e
dos interesses e a força das ambições locais. Uma vez separados, os estados não
poderão manter paz entre si, em função das delimitações de fronteira, questões
hidrográficas e alfândegas. "Cada estado, abandonado a si, desenvolverá uma
história própria, sob uma bandeira própria, segundo o seu clima, a especialidade de
sua zona agrícola, os seus interesses, os seus homens, a sua educação e a sua
imigração. Uns prosperarão, outros deperecerão. Haverá talvez Chiles ricos e
haverá certamente Nicaráguas grotescos. A América do Sul ficará toda coberta com
os cacos dum grande Império!"
A inflação do pigmento - Para Miss Jane, a América seria a privilegiada zona que
havia atraído os elementos mais eugênicos das melhores raças européias. O
Mayflower trouxera homens de uma têmpera superior que não hesitaram um
segundo "entre abjurar das convicções e emigrar para o deserto". As leis de
imigração se tornam seletivas e as massas que procuravam a América, já em si
boas, são peneiradas. A Europa é drenada de seus melhores elementos e no novo
mundo resta a flor dos imigrantes. Ocorre então o que Miss Jane chama de "o erro
35 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
inicial": entra no país, à força, o negro arrancado da África. O Sr. Ayrton observa
que o mesmo erro foi cometido no Brasil, mas nossa solução foi admirável: em cem
ou duzentos anos teria desaparecido o nosso negro em virtude de cruzamentos
sucessivos com o branco.
Miss Jane não julga admirável tal solução, mas medíocre, pois estraga as duas
raças ao fundi-las. Prefere que ambas se desenvolvam paralelas dentro do mesmo
território, separadas por uma barreira de ódio, a mais profunda das profilaxias. Para
ela, o ódio impede a miscigenização e mantém as raças em estado de relativa
pureza.
- Não há mal nem bem no jogo das forças cósmicas. O ódio desabrocha tantas
maravilhas quanto o amor. O amor matou no Brasil a possibilidade de uma suprema
expressão biológica. O ódio criou na América a glória do eugenismo humano...
Os exemplares mais belos, fortes e inteligentes eram descobertos onde quer que se
encontrassem e atraídos para a Canaã americana. Estando o país bastante
povoado, fecha-se as portas ao fluxo europeu e a nação passa a crescer apenas
vegetativamente.
36 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
E por que não colonizar a região amazônica com brancos? Maury empunhava
argumentos de ordem geográfica, Se o europeu e o índio haviam lutado com suas
florestas por 300 anos sem imprimir-lhe a menor marca, sua vegetação só poderia
ser subjugada e aproveitada, seu solo só poderia ser retomado à floresta, aos
répteis e aos animais selvagens e submetido ao arado e à enxada, pela mão-de-
obra do africano. "É a terra dos papagaios e macacos e só o africano está à altura
da tarefa que o homem aí tem de realizar".
No fundo, à semelhança do que foi feito com o Texas, pretendia-se anexar a região
aos Estados Unidos. A estratégia era simples. Bastaria comprar alguns brasileiros
em Manaus, que passariam a ser "legítimos representantes de uma República da
Amazônia, que se declararia estado independente do Império do Brasil, inclusive
por discordar da forma como o país era governado, com sua monarquia".
Caso o governo brasileiro enviasse navios e tropas para restabelecer sua soberania,
os cidadãos do novo estado amazônico independente apelariam para a proteção
norte-americana. E uma força de proto-capacetes azuis se apresentaria na foz do
Amazonas para "proteger a vida e os bens ameaçados dos cidadãos americanos".
Para Maury, "Deus em Sua própria e sábia providência ditará o destino a ser
cumprido pelas raças preta e branca, seja ele qual for".
37 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
38 of 46 09/12/2020 15:35
Janer Cristaldo http://cristaldo.blogspot.com/2007/04/
A solução branca - Ainda não recuperados das emoções da vitória, cem milhões
de criaturas agradeciam aos céus a nova descoberta, que redundaria em um
aperfeiçoamento físico da raça. O pigmento fora destruído mas o esbranquiçamento
da pele não revelava cor agradável à vista. Com os raios Omega, tinham esperança
de obter com o tempo a perfeita equiparação cutânea.
Era dos mais simples o processo. Três aplicações apenas, de três minutos cada
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uma, ao custo de dez centavos por cabeça, faziam com que os negros acorressem
aos postos como cães famintos. Os brancos, inicialmente irritados com o que
chamavam de "a segunda camouflage do negro", acabaram se divertindo com o
espetáculo da súbita transformação capilar de cem milhões de criaturas.
Na véspera do dia da posse, Jim Roy, em sua residência particular, sonhava o maior
sonho já sonhado no continente, quando seu criado lhe anuncia a visita de "um
homem branco natural". Era o presidente Kerlog, o adversário derrotado. Que
anuncia ao líder negro não existir moral entre raças, como não há moral entre
povos. Há vitória ou derrota.
Os raios Omega de John Dudley tinham uma dupla virtude: ao mesmo tempo que
alisam os cabelos, esterilizavam o homem. No dia em que seria empossado o 88º
presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente negro da América, Jim Roy
aparece morto em seu gabinete de trabalho. Os negros pensaram imediatamente
em crime e chegou a haver um movimento de revolta. Mas o fatalismo ancestral
superou o ódio e o imenso corpo sem cabeça recuou instintivamente e repôs-se no
humilde lugar de onde a vitória de Roy o tirara. Procederam-se novas eleições e
Kerlog foi reeleito por 100 milhões de votos. A vida da América voltou à
normalidade.
Nestes dias de junho de 98, a imprensa internacional nos traz uma espantosa
confirmação da hipótese de Lobato. Dan Goosen, cientista responsável por um
laboratório secreto durante o apartheid na África do Sul, revela que o governo
daquele país tentou desenvolver uma bactéria que poderia ser mortal ou causar
infertilidade somente em pessoas com pigmentação de pele escura. Em declarações
à Comissão da Verdade e Reconciliação para a África do Sul (CVR), disse um outro
pesquisador, o dr. Daan Jordan: "Meu trabalho era desenvolver um produto que
reduzisse a taxa de natalidade da população negra". Este produto, que não chegou
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Há três quartos de século, antes mesmo de sua viagem aos Estados Unidos, Lobato
antevia o fim da maneira de fazer jornalismo da época e antecipava o que hoje é
rotina em qualquer redação deste final de milênio. Através de miss Jane, o escritor
de Taubaté começa a descrever a sociedade americana do futuro:
"Pelo sistema atual - Lobato refere-se a 1926, quando ainda escrevia no Estado de
São Paulo - o colaborador ou escreve em casa o seu tópico ou vai escrevê-lo na
redação; depois de escrito, passa-o ao compositor; este o compõe, passa-o ao
formista, este o enforma e passa-o ao tirador de provas; este tira as provas e
manda-o ao revisor; este o revê e envia-o ao corretor; este faz as emendas e... e a
coisa não acaba mais! É uma cadeia de incontáveis elos, isto dentro das oficinas,
pois que o jornal na rua dá início à nova cadeia que desfecha no leitor - correio,
agentes, entregadores, vendedores, o diabo".
Além da era da roda - "As ruas tornaram-se amáveis, limpas e muito mansas de
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tráfego" - continua Lobato -. "Por elas deslizavam ainda veículos, mas raros, como
outrora nas velhas cidades provincianas de pouca vida comercial. O homem tomou
gosto no andar a pé e perdeu os seus hábitos antigos de pressa. Verificou que a
pressa é índice apenas de uma organização defeituosa e anti-natural. A natureza
não criou a pressa. Tudo nela é sossegado".
Esta previsão, melhor creditá-la ao pendor utópico do escritor, que não chegou a
vislumbrar este lado provinciano do brasileiro, que se sente despido e humilhado se
não tiver uma carroça sobre quatro rodas. Enfim, para sonhar não se paga imposto.
Mas Lobato vai mais longe. Miss Jane considera superada a revolução da roda.
Segundo a moça, "o homem deu o primeiro grande passo em matéria de transporte
com a invenção da roda. Mas ficou nisso. Repare que a nossa civilização industrial
se cifra em desenvolver a roda e extrair dela todas as possibilidades. Daqui a
séculos, quando for possível ao homem uma ampla visão de seu panorama
histórico, todo este período que vem do albor da história e ainda vai prolongar-se
por muitas gerações receberá o nome de Era da Roda".
O rádio matará a roda, segundo Miss Jane. "A roda, que foi a maior invenção
mecânica do homem e hoje domina soberana, terá seu fim. Voltará o homem a
andar a pé. O que se dará é o seguinte: o rádio-transporte tornará inútil o corre-
corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar
pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu
serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á à distância".
Lobato fala em rádio, o must dos anos 20. Se não podia prever as nuvens de
terabytes diariamente transmitidas de um ponto a outro do planeta pela WEB,
intuiu muito bem suas conseqüências. O teletrabalho - trabalho "radiado" para o
escritório, como diria Lobato - já é um fenômeno em expansão. Hoje, qualquer
trabalhador intelectual, desde que tenha um telefone por perto, pode enviar sua
produção para qualquer canto do mundo, refugiado num chalé no Itatiaia ou em
busca de solidão e deserto em Tamanrasset. Jornais impressos a milhares de
quilômetros de suas redações há muito não constituem mais novidade.
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intuída por Lobato. Revolução das boas, sem sangue e sem volta. Sem sequer
imaginar a existência de computadores, o escritor paulista anuncia a Internet. Cabe
lembrar que, em 1996, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a instituir o
voto informatizado, instituição já em funcionamento nesta ficção escrita há sete
décadas.
Em 41, estávamos a meio século da Internet. Hoje, aos buscadores desta ficção de
Borges bastaria digitar um endereço eletrônico e teriam em segundos os livros
desejados, sem a necessidade de estrangular-se ou enlouquecer, pedalar ou
patinar, subir escadas ou cair em poços sem fundo. Hoje, um leitor de qualquer
parte do mundo, com uma placa modem em seu computador, pode acessar a
Congress Library em Washington, a Bibliothèque Nationale em Paris ou a Biblioteca
Nacional de Madri. Ou as bibliotecas da USP, Unesp e Unicamp em São Paulo. Por
enquanto, apenas bibliografia, é bom salientar. Mas a tendência é colocar o próprio
livro à disposição do usuário, o que está sendo feito pelo projeto Gutenberg e a
ABU , entre outros sites. Nestes últimos, estão a seu alcance, desde Plutarco e
Platão, até Descartes ou Marx, passando pela Bíblia, Voltaire ou Dostoievski. Por
enquanto em francês e inglês, mas já estão sendo digitalizados acervos em
português e espanhol.
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A pergunta "quantos livros tem sua biblioteca?" inclusive perdeu o sentido e não
mais permite uma resposta precisa. Vivemos uma época em que ninguém sabe de
quantos livros dispõe em seu gabinete de trabalho. Os livros ao alcance de sua mão
- ou de seu mouse - são tantos quanto os que estão digitalizados e disponíveis na
grande rede, esteja você morando em qualquer aldeia do fim do mundo. Desde, é
claro, que tenha uma linha telefônica por perto.
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uma corrente contínua, que é o presente. Tudo se acha impresso em tal corrente.
Os cardumes de peixe que neste momento agonizam no seio do oceano ao serem
apanhados pela água tépida do Golfo, o juiz bolchevista que neste momento assina
a condenação de um mujik relapso num tribunal de Arkangel; a palavra que, em
Zorn, neste momento, o kronprinz dirige ao ex-imperador da Alemanha, a flor do
pessego que no sopé do Fushiama recebe a visita de uma abelha; o leucócito a
envolver um micróbio malévolo que penetrou no sangue dum fakir da Índia; a gota
d?água que espirra do Niágara e cai num líquen de certa pedra marginal; a matriz
de linotipo que em certa tipografia de Calcutá acaba de cair no molde; a
formiguinha que no pampa argentino foi esmagada pelo casco do potro que passou
a galope; o beijo que num estudio de Los Angeles Gloria Swanson começa a
receber de Valentino...
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