redentivo PROPOSTA DE UM TRAÇADO DA TRAJETÓRIA DO OLHAR DO PROFETA JOÃO NO CLÍMAX DA PROFECIA BÍBLICA (CRIAÇÃO, DECRIAÇÃO E RECRIAÇÃO) PROF. FABIANO FERREIRA Apocalipse – A estrutura do drama A proposta de ler o Apocalipse como um drama permite-nos uma análise da estrutura literária de Apocalipse em dois Atos e sete Cenas, de acordo com a proposta de Stephen Smalley. Uma visão panorâmica do livro como portador de uma unidade orgânica bem seqüenciada textualmente pode nos dar os elementos necessários para a construção do seu sentido através de uma leitura atenta. Apocalipse – A estrutura do drama Há muito que já se percebeu que a divisão dos livros da Bíblia em capítulos e versículos é útil, mas freqüentemente pode desviar o leitor da visão do todo. Precisamos identificar as unidades literárias através das marcas formais do próprio texto. A identificação das perícopes (parágrafos) é fundamental. Apocalipse, por exemplo, pode ser a pior vítima desta proposta de segmentação em capítulos e versículos, haja vista que esta proposta de divisão tradicional gera as freqüentes e desnecessárias dificuldades de interpretação da Revelação. Tornou-se um consenso que a compreensão da estrutura e do gênero literários de qualquer obra é fundamental para sua análise. Apocalipse – A estrutura do drama Uma análise clara das visões dadas a João pode surgir pelo simples fato de tentarmos nos colocar em seu lugar e ver através de seus olhos. Tentar ver o que ele viu, perceber claramente as demarcações das transições em suas visões e acompanhar atentamente o desenrolar do drama que esses dois Atos e essas sete Cenas pintam diante dos nossos olhos. Devemos percorrer este caminho sem jamais perder o senso de direção proposto pelo Artista que arquitetou a macroestrutura da Revelação. Isto constitui uma chave para entendermos o sentido do que ele viu e compreendermos a sua mensagem profética. Apocalipse – A estrutura do drama Uma das convicções que me motivaram a propor uma análise de Apocalipse é o fato de entender que esta palavra que atualmente translitera a palavra grega que inicia o livro é adequada para o que se propõe: Revelação. A palavra grega apokálipsis (VApoka,luyij) do verbo apokalipto (avpokalu,ptw) - significa descobrir, desvendar, tirar o véu para que seja visto com clareza o que está por baixo ou por detrás, revelar, e não ocultar, esconder ou obscurecer a verdade. O livro de Apocalipse (Revelação) é um livro de imagens, de figuras oriúndas de metáforas visuais bem elaboradas, mas não é um quebra-cabeça. As questões centrais para seu entendimento são: 1) perceber o fluxo cronológico da narrativa; 2) descobrir o transfundo de sua imagística no AT (principalmente) ou no NT e 3) seguir as visões na sua seqüenciação canônica (como dispostas na narrativa do enredo tal e qual se apresenta no livro). Apocalipse – A estrutura do drama Os tesouros da realidade descrita nesse drama cósmico emanam da percepção clara da sua estrutura literária, elaborada através da construção e concatenação bem arquitetada de suas metáforas visuais, desde que vistas pelo ângulo correto: os olhos do profeta e o diálogo com outros textos do AT e do NT. A intertextualidade, o diálogo interno dos textos dentro do próprio livro e com outros livros da Escritura, é, como dissemos, uma chave hermenêutica na construção do sentido das metáforas visuais de Revelação. Revelação privilegia a imaginação em detrimento da lógica e da precisão. A maneira como Deus escolheu dispor essa revelação, em hipótese alguma, subestima a comunicação verbal, ao contrário, a utiliza da forma mais sublime. O conotativo suplanta o denotativo e as imagens são as portadoras por excelência da mensagem teológica. Vez por outra essa narrativa cheia de dotes artísticos dá lugar ao eu poético, que canta, interpreta e sintetiza as ações de Deus no drama cósmico. Apocalipse – A estrutura do drama Em termos de análise semiótica, o modo de referenciação por excelência de Apocalipse é o da figurativização de entidades semio- simbólicas com valoração lúdica ou utópica. Há o predomínio da fantasia, da imaginação. Dizendo de outra forma, os objetos constituintes são, as mais das vezes, conotados dentro do discurso teológico. Esses objetos, portanto, são descritivos com estatutos narrativos pertencentes a um programa de base, em contraste com objetos modais em um programa de uso. A maneira de figurativização se realiza em conjunção com valores que determinam uma identidade e um modo de ser traduzidos pelos elementos combinados na construção das entidades semio-simbólicas visando a uma proposta bem definida de transmitir uma mensagem teológica num mundo desrealizado e recriado artisticamente. O clímax da profecia, como é chamado por Richard Bauckham, ou o ápice da revelação progressiva, vem ao profeta de Patmos em grande estilo, pois vemos aqui a Palavra de Deus encenada, dramatizada, pintada, musicada – “uma Palavra que os leitores podem ver, sentir e provar”, na linguagem de Jacques Ellul. Em síntese, a Palavra final é uma peça literária escrita com muito bom gosto pelo Artista dos artistas, o Escritor dos escritores. Apocalipse – A estrutura do drama A proposta do livro está em seu prólogo 1.1-2: “1 Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos o que em breve há de acontecer. Ele enviou o seu anjo para torná-la conhecida ao seu servo João, 2 que dá testemunho de tudo o que viu, isto é, a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo.” A revelação pertence a Jesus Cristo e foi-lhe dada para mostrar aos seus servos o que vai acontecer em breve. Pressupondo isto, a mensagem do livro é perfeitamente clara para qualquer servo de Deus que o ler. Não somente isto, mas o livro, singularmente diferente de qualquer outro livro da Escritura, encoraja a sua leitura prometendo uma bênção para aquele que ler e guardar sua mensagem, uma felicidade que exige uma resposta prática de cada leitor. Veja o que diz 1.3: “ 3 Feliz aquele que lê as palavras desta profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito, porque o tempo está próximo.” Apocalipse – A estrutura do drama Depois de meditar e estudar minuciosamente o Livro de Revelação, a impressão que ficou indelével em minha mente é que esse livro foi escrito para crianças. O doutor Vern Poythress, professor de NT do Westminster Theological Seminary aqui em Philadelphia, Ph.D. em Matemática por Harvard, EUA, e Th.D. pela Universidade de Stellenbosch na África do Sul, no seu livro The Returning King (O Rei que está voltando), conta-nos que ele foi ministrar um curso sobre Revelação em determinada congregação. Ele reparou que tinha muitas crianças presentes. Então ele se dirigiu às crianças para que elas também lessem o Livro de Revelação. E disse que, caso elas fossem pequenas demais para lerem por si próprias, os seus pais deveriam lê-lo para elas. Após dizer isto, ele fez uma afirmação estonteante: “Crianças, vocês também podem entender o Apocalipse. Na verdade, vocês podem entendê-lo melhor do que seus pais!” Apocalipse – A estrutura do drama Subitamente, um garoto de uns doze anos veio a ele depois da primeira palestra e disse: “Eu entendi precisamente o que você quis dizer. Há pouco tempo eu li Apocalipse e senti que o compreendi.” Poythress, replicou feliz: “Louvado seja o Senhor!” O garoto disse: “Eu o li como fantasia, só que eu sabia que era verdade!” E Poythress pensou consigo: “É exatamente isto!” O segredo é ler. Feliz o que lê. Ler o livro como se você fosse um de seus primeiros leitores. Lê-lo para a congregação, que vai ficar feliz ao ouvi-lo. De repente, numa versão mais moderna, como a Nova Versão Internacional (NVI), que dá um destaque para a diagramação proposta pelo texto original, segmentando-o em perícopes e atentando para as diversas formas e gêneros literários encontrados no livro, pode ser muito útil. A NVI, destaca prosa e poesia de modo brilhante! Apocalipse – A estrutura do drama Poythress contou que um grupo de seminaristas viu que o zelador do seminário estava lendo. Então perguntaram: “Que você está lendo?” “Apocalipse”, respondeu o zelador. Os seminaristas ficaram pensando em como poderiam ajudar aquela pobre alma! “Você está entendendo o que está lendo?” “Sim”, respondeu o zelador. Eles ficaram atônitos com esta resposta. “O que ele significa?” “Jesus irá vencer!”, respondeu convicto o zelador. Apocalipse – A estrutura do drama Poythress usou a história do garoto de doze anos no seminário, antes de começar um curso de Apocalipse. Um seminarista ficou surpreso e disse: “Eu sei exatamente o que você está dizendo. Eu me lembro de ter lido o Apocalipse quando eu tinha mais ou menos doze anos e tê- lo entendido. Mas de lá pra cá cada vez minha compreensão foi diminuindo.” Quando perdemos aquela capacidade de imaginar, de projetar na mente toda a imagística apresentada pelo autor sagrado, como se estivéssemos assistindo a um filme de ficção, onde geralmente a realidade é desrealizada e recriada artisticamente, então temos muita dificuldade de alcançar a proposta de leitura de Revelação. As crianças conseguem fazer a viagem proposta no livro com muito mais facilidade. Nós adultos temos mais dificuldade. Apocalipse – A estrutura do drama As mais das vezes, grande parte dos leitores de Revelação não consegue perceber a macroestrutura e a microestrutura do livro por desconhecer certos artifícios literários que são usados para sua tessitura. Um dos fatores que mais ocasiona equívocos na leitura e compreensão do livro é não perceber que o fluxo cronológico do livro não é linear, evento após evento, apesar de cada capítulo fazer a chamada para o seguinte. Portanto, é importante, antes de mais nada, ter uma visão clara do fluxo cronológico do livro. Antes de propor a estrutura literária, podemos propor uma proposta de identificação do elemento tempo do fluxo cronológico do livro. Apocalipse – A estrutura do drama O Tempo no Apocalipse É importante destacar que o vidente João, ao receber as visões do Apocalipse, penetrou na dimensão da eternidade, onde não existe específica e literalmente algo como o nosso tempo linear. Assim, por várias vezes nós sentimos que o vidente João registra os eventos sem a tentativa ou a preocupação de concatenar os fatos que presencia numa cronologia temporal linear, pois seu papel é apenas descritivo. Todo o registro do que ele vê e ouve é narrado de modo jornalístico, mas sem preocupação com uma seqüência temporal linear, haja vista que a própria estrutura literária do livro privilegia outro modo de desenvolvimento. Apocalipse – A estrutura do drama O Tempo no Apocalipse Na dimensão da eternidade em que ele está imerso, o conceito de presente, passado e futuro freqüentemente se mistura de modo quase indiscernível. Muitas das vezes é quase impossível descrever até mesmo certos detalhes das realidades celestiais que ele contempla, tão transcendentes que são elas, sendo muito mais difícil ainda identificarmos o seu tempo específico relativamente à cronologia da história temporal linear humana. A despeito de os elementos constituintes a imagística apocalíptica serem tomados dentre a esfera de experiência humana do vidente, a maneira como eles se combinam para expressar os fatos é inusitada e extremamente complexa. As entidades semióticas visuais têm por detrás de si todo um processo de significação capaz de gerá-las sem nenhum esforço para o vidente, uma vez que a arquitetura dinâmica de toda a rede de visões foi idealizada por uma mente brilhante, a saber, a mente de Deus. Apocalipse – A estrutura do drama O Tempo no Apocalipse No que tange ao aspecto temporal, portanto, podemos propor, com base na observação, que a linha do tempo de Apocalipse é bem definida e cuidadosamente equacionada, pois, às vezes, certos elementos apresentados un passant (de passagem) são recapitulados ou retomados e ampliados ou expandidos, com vistas a fornecer amplos detalhes não fornecidos em uma primeira apresentação. Um exemplo: A queda de Babilônia é anunciada em 14.8, outra menção é feita em 16.9, porém, uma expansão é feita com abundância de detalhes mesmo nos caps. 17 e 18. Percebesse então que o tempo não é linear, e há uma tensão em todo o livro entre o já e ainda não. A estrutura retórica apresentada mais adiante vai dar a compreensão dessa tensão e de como os eventos avançam na narrativa. Assim, a linha do tempo tende a ser mais espiralada ou semelhante a uma folióide, e em hipótese alguma uma linha reta. Numa descrição mais precisa do fluxo cronológico do Apocalipse, podemos dizer que o tempo avança e retorna a um ponto anterior como que seguindo a desenvoltura de uma folióide, sempre com vistas a fornecer a ampliação de algum elemento introduzido anteriormente, que merece tal ampliação dentro do contínuo da revelação, depois seguindo a partir do mesmo ponto em que “parou” e avançando nesse tipo de movimento não-linear até à consumação. Apocalipse – A estrutura do drama O Tempo no Apocalipse Como veremos, há elementos paralelos que progridem e são enriquecidos com novos detalhes à medida que a revelação avança. Esta observação nos ajuda a entender a estrutura literária do livro que, por sua vez, é a chave para a identificação do tema teológico. CHAVE HERMENÊUTICA DO FLUXO CRONOLÓGICO DE APOCALIPSE ORIUNDA DE GÊNESIS 1 E 2 À luz de Gênesis 1 e 2 podemos entender esse vai-e-vem e o conceito de retomada e ampliação. O 6º dia da criação, que narra a criação do homem à imagem de Deus, macho e fêmea, cap. 1, é retomado no cap. 2, que o ilumina e fornece detalhes que não aparecem no cap. 1.26, 27. Apesar de as perícopes estarem numa ordem de sucessão, essa ordem não reflete o fluxo temporal dos eventos narrados nelas. Apocalipse – A estrutura do drama O Tempo no Apocalipse Assim, é fundamental compreender esta estrutura literária dos cap. 1 e 2 de Gênesis que, por sua vez, pode lançar luz enormemente sobre o modo como caminha o fluxo temporal da narrativa das visões que compõem o Apocalipse. Só uma leitura atenta é que nos pode fornecer uma noção clara do modo de apresentação dos eventos em seus diversos desdobramentos semióticos, sua seqüência temporal ou fluxo cronológico, e a macroestrutura literária do livro. Podemos perceber que a macroestrutura literária será sempre a chave para a compreensão do desenvolvimento do drama apresentado no livro, bem como para a compreensão de sua mensagem. Apocalipse – A estrutura do drama A Estrutura Retórica de Apocalipse, por Poythress: Nesta altura, é bom percebermos que há eventos de extrema importância no livro, de uma perspectiva retórica, que observa atentamente o conteúdo acima de suas marcas formais. Isto convida uma análise temática. Precisamos perceber, por exemplo, que no drama cósmico elaborado no Apocalipse, o mais importante evento para onde a história caminha é a Segunda Vinda de Cristo. As visões que descrevem este evento acentuam importantes transições à medida que o drama se desdobra e avança. Sem ter isto em mente, o leitor fica totalmente perdido e começa e a leitura pode tornar-se improdutiva, pois é tomado por um forte sentimento de já não mais saber o que está acontecendo, como está acontecendo e para onde o livro caminha. Ele fica confuso pois o fim chega várias vezes, mas, no capítulo seguinte, ele percebe que o fim ainda não chegou e, de repente, chega de novo. Então, lendo a seqüência da narrativa, ele vê que o fim ainda não chegou de fato. Portanto, convém deixar claro que o Livro trabalha numa tensão entre o já e o ainda não, e isto até seu grand finale! Lembre-se disto sempre! Apocalipse – A estrutura do drama A Estrutura Retórica de Apocalipse, por Poythress: Quando fazemos uma leitura atenta em todo o percurso da Revelação, tendo em mente esta preocupação, encontramos descrições da Segunda Vinda não menos que sete vezes! Como veremos, o número 7 desempenha um papel fundamental no livro, tanto quanto ocupa no relato da própria Criação. Então, descobrimos que há no livro sete ciclos de julgamento, cada um dos quais levando à Segunda Vinda. Uma visão final, a oitava após os sete ciclos de julgamento, mostra a Nova Jerusalém, já no estado consumado do outro lado da Segunda Vinda. Podemos ver que muitos outros eixos temáticos podem servir à nossa abordagem guiada pela estrutura retórica do livro. Apocalipse – A estrutura do drama A Estrutura Retórica de Apocalipse, por Poythress: Segundo Poythress, uma estrutura retórica preliminar para Apocalipse seria: I – Prólogo: 1.1-3 II – Saudação: 1.4-5a. III – Corpo do Livro: Carta Circular Universal: 1.5b-22.20 Ação de Graças: 1.5b-8 Parte Principal: 1.9-22.5 O que tens visto: 1.9-20 O que é: 2.1-3.22 O que há de ser: 4.1-22.5 Ciclo de Julgamento 1: Sete selos 4.1-8.1 Ciclo de Julgamento 2: Sete trombetas 8.2-11.19 Ciclo de Julgamento 3: Figuras simbólicas e a colheita 12.1-14.20 Ciclo de Julgamento 4: Sete taças 15.1-16.21 Ciclo de Julgamento 5: Julgamento de Babilônia 17.1-19.10 Ciclo de Julgamento 6: Julgamento do cavalo branco: 19.11-21 Ciclo de Julgamento 7: Julgamento do trono branco 20.1-21.8 O oitavo e culminante ato: Nova Jerusalém 21.9-22.5 C. Instruções finais e exortações 22.6-20 IV. Saudação de fechamento 22.21