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COMPORTAMENTO E SOCIEDADE

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL


Aline Prado Atassio

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Olá!
Você está na unidade Construção da identidade social. Conheça aqui os comportamentos sociais dos

indivíduos e os condicionantes sociais das ações individuais, bem como as consequências possíveis do processo

de agir ou não agir. Conheça também o conceito de indivíduo, sociedade e cultura. Veja como esses conceitos são

trabalhados pelos diferentes autores das várias escolas sociológicas. Entenda a importância da sociedade para o

indivíduo e o papel desta na construção da identidade social de cada um de nós.

Os objetivos dessa unidade são elencar e discutir as vertentes de pensamento que auxiliarão na compreensão do

processo histórico de constituição do indivíduo, a interiorização das normas, regras, leis e suas implicações

sociais. Além disso, você irá compreender como os processos sociais relacionam-se com as esferas públicas e

suas implicações, as definições de status, como elas são adquiridas pelos indivíduos ou grupos sociais e o que são

papeis sociais.

Bons estudos!

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1 Noções Preliminares
A Sociologia e a Psicologia possuem um objeto comum de estudo: o comportamento humano. Não obstante,

cada disciplina focaliza um aspecto da relação entre as pessoas.

A Psicologia desenvolveu-se em diversos ramos, dentre eles temos a psicologia social, cujo interesse é a

compreensão dos mecanismos de influência do meio ambiente no ser humano, direta ou indiretamente

(ALLPORT, 1985). Por sua vez, a sociologia dedica-se ao estudo sistemático da sociedade, da ação do homem

neste ambiente e dos grupos sociais (FURTEY, 1953).

O objeto que trabalharemos aqui será, portanto, as perspectivas possíveis dentro das teorias sociológicas e

psicológicas que abordam as relações entre as pessoas e as estruturas sociais nas quais estão inseridas.

O que é indivíduo, você já parou para pensar? De acordo com o dicionário a palavra indivíduo é definida como:

“ser humano; pessoa considerada de modo isolado em sua comunidade, numa sociedade ou coletividade; o ser

que faz parte da espécie humana; o homem: os direitos dos indivíduos” (INDIVÍDUO, 2020). Indo além, para a

biologia o indivíduo é “ser único de uma espécie; ser que se distingue dos demais” (idem). Para a estatística ou

para a metafísica, a palavra indivíduo define algo que é singular, podendo ser um número e não necessariamente

um ser humano, uma vida, uma pessoa.

Figura 1 - A diversidade compõe a sociedade


Fonte: GoodStudio, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: Multidão diversa em cores e estilos. A diversidade é parte integrante da sociedade e deve ser

vivida e respeitada.

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Para nós, todo indivíduo é uma pessoa e, como tal, é um ser social. A partir do momento em que nascemos, já

iniciamos nossa história de interação com o grupo. Nosso primeiro contato social dá-se, em geral, no seio

familiar, que é onde adquirimos nossa primeira noção de coletividade, de normas e regras e também

estabelecemos nossos gostos, preferências e vamos sendo expostos ao mundo. A escola é parte intrínseca desse

processo, descortinando novas relações – muitas vezes conflitantes com as que travamos em casa.

É possível compreender qual a medida da influência social no comportamento individual? E o indivíduo, é

possível que este tenha alguma influência na coletividade? Como tais processos são realizados? Estas são

perguntas que irão nortear esse primeiro tópico de estudo.

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1.1 Indivíduo e sociedade

Sob perspectivas distintas, o processo de socialização é abordado por autores clássicos e contemporâneos, seja

na Psicologia, seja na Sociologia.

Trataremos aqui de autores fundamentais para compreendermos como nascem e se perpetuam as instituições

que compõem a estrutura social e como os indivíduos se relacionam nela e com ela, abordando especialmente a

lógica sociológica. Para isso, estudaremos a perspectiva de interação indivíduo-sociedade sob as lentes de

Durkheim, Marx e Weber.

Para Émile Durkheim (1858-1917), um dos autores clássicos da Sociologia, a sociedade prevalece sobre o

indivíduo. De acordo com o autor, a existência individual é algo bastante pequeno perante a imensidão das

instituições e suas normas sociais, que sobrevivem a passagem do indivíduo por séculos e séculos, tendo este

pouco ou nenhum poder de modificar as estruturas sociais.

De acordo com Durkheim (2010), a sociedade é formada por normas, leis e regras que pairam acima do

indivíduo, constituindo o que conhecemos como consciência coletiva. A consciência coletiva é responsável pela

integração entre os membros da sociedade e encontra-se materializada nas instituições sociais, que são a base da

sociedade. A escola possui um papel fundamental no processo de socialização. Para Durkheim (2003, p. 166):

O indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido, a

saber quais são suas origens e as condições de que depende. E não poderá sabê-la sem ir à escola,

começando por observar a matéria bruta que está lá representada.

Para Durkheim (2010), as sociedades só são viáveis pela existência das instituições. Assim, família, escola,

Estado, aparelho jurídico (normas e leis) são os sustentáculos sociais. Quando a sociedade se desestrutura, as

leis tornam-se inválidas ou insuficientes, entramos em um processo social descrito como anômico, em ocorre um

desequilíbrio social indesejado, causando conflitos.

Durkheim é o sociólogo da ordem, pois acredita que a ausência de instituições fortes leva ao conflito, que

desestabiliza as relações sociais e é, portanto, indesejado. Para este autor, a coesão social é fundamental para a

manutenção das estruturas sociais e seu rompimento através do processo de anomia não é desejado. Durkheim

(2003, p. 166) ressalta que

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A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma

série de normas e princípios — sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento — que balizam

a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto

dela.

Karl Marx (1818-1883), por outro lado, vê no conflito e na contradição os elementos fundamentais para a

existência social. Para ele, a autonomia individual é fundamental para a constituição da sociedade e, por isso, o

indivíduo deve ser analisado de acordo com o contexto histórico em que se insere. Segundo Marx (1859), “não é

a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrário, seu ser social que determina sua

consciência”.

Marx nos diz que a noção de indivíduo é algo novo, fruto da sociedade capitalista. De acordo com esse autor, o

indivíduo possui a capacidade de modificar a estrutura social, desde que ajam em grupo. Esses grupos já estão

dados pela sociedade capitalista, e são as classes sociais, mais especificamente a burguesia e o proletariado.

Essas duas classes estão em constante disputa, sendo a burguesia a detentora do capital econômico e o

proletariado todo aquele que vende sua força de trabalho. A burguesia, para sobreviver e continuar como classe

dominante, explora a mão-de-obra proletária. O Estado possui papel fundamental na reprodução dessa

dominação, uma vez que, ao invés de assumir o papel de mediador de conflitos, ele é um agente da burguesia,

pois foi por ela criado e replica as leis, normas e regras burguesas. De acordo com Marx (1859), “o Governo do

Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”.

Segundo Marx, a história da humanidade é a história das lutas entre as classes e o passado possui enorme

influência nas ações individuais e coletivas do presente. Para Marx (1859) “Os homens fazem a sua própria

história, mas não o fazem como querem, a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o

cérebro dos vivos”.

Ao contrário de Durkheim, que acredita na supremacia das instituições sobre o Homem, Marx entende que são

os Homens que constroem socialmente as instituições, tendo assim poder de modifica-las, desde que sejam

conscientes da sua condição no sistema de classe e que se unam em prol de um bem coletivo.

Max Weber (1864-1920), o sociólogo mais recente entre os clássicos, preocupa-se em entender as ações sociais

dos indivíduos. A razão em torno das ações de cada indivíduo é uma questão que atravessa a obra toda deste

autor.

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Weber (1982) entende que a sociedade é algo concreto, que não está acima dos indivíduos, mas sim fruto das

ações desses indivíduos coletivamente. Para ele, é possível compreender a sociedade partindo do indivíduo e de

suas ações. A ação social orientada é o principal tipo de ação que devemos observar para atender o objetivo

desse nosso estudo.

A ação social orientada é aquela que só existe quando há percepção do significado das ações dos outros

indivíduos, em resumo, é quando a ação individual leva em conta a existência e o comportamento de outros.

Essa ação deve ser dotada de símbolo, em geral a linguagem, pois o que a define é seu significado. Segundo

Gabriel Cohn (1992, p. 26-27)

A “ação social” mencionada nessa definição é uma modalidade específica de ação, ou seja, de conduta

à qual o próprio agente associa um sentido. É aquela ação orientada significativamente pelo agente

conforme a conduta de outros e que transcorre em consonância com isso.

De acordo com Weber (1982), a socialização torna-se um processo que exige a existência, a consciência e a

interpretação do outro. Muitos outros autores abordaram o mesmo tema, como Norberto Bobbio (1909-2004),

Pierre Bourdieu (1930-2002) e Michel Foucault (1926-1984). É importante ressaltar aqui que, em maior ou

menor grau, os sociólogos pouco creem no comportamento inato. Para a psicologia, todavia, a personalidade

humana é proveniente “de um processo de socialização, no qual intervêm fatores inatos e adquiridos” (SAVOIA.

1989, p. 54). Entender o conceito de socialização é, assim, primordial para a psicologia.

Fique de olho

Em 27 de agosto de 1962, o presidente João Goulart


sancionou a lei 4119, que regulamentou a profissão
do Psicólogo. O projeto de lei encontrou muita
resistência da área médica, que acreditava que a
Psicologia só poderia ser objeto de estudo, pesquisa
e aplicação sob supervisão médica. Antes do Brasil
apenas três países possuíam a profissão
regulamentada: EUA, Canadá e Egito.

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Em relação ao indivíduo, há a compleição física que o distingue, a psique, o temperamento e sentimentos. Porém,

há em contrapartida uma homogeneização, que implica na resposta desse indivíduo para diferentes aspectos da

vida. A organização do seu pensamento e comportamento é influenciada diretamente pelo aspecto cultural. Para

compreender com mais profundidade o indivíduo, é imprescindível conhecer a cultura na qual ele está inserido.

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2 Cultura e Comportamento: etnocentrismo e relativismo
cultural
O que dita o comportamento humano? Se somos frutos de relações sociais e influência institucional, qual é o

papel deste caldo fluído que permeia a sociedade e que chamamos de cultura, em nossa formação como

indivíduo?

Cultura é um dos termos mais “líquidos” e importantes nos estudos em Ciências Humanas. A etimologia da

palavra, do latim, culturaesignifica “ato de plantar e cultivar”. Com o passar do tempo, passou a designar os

hábitos de uma sociedade com relação aos diversos tipos de conhecimento. Na antropologia, uma das disciplinas-

irmãs da sociologia, dois autores são fundamentais para a compreensão e aplicação do termo, sendo eles Edward

Tylor (1839-1917) e Franz Boas (1858-1942). De acordo com Tylor (2006), fundador da antropologia britânica,

cultura é a dimensão coletiva da vida social do homem, adquirido de forma inconsciente e que não possui

componente genético. A cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a

lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade

” (TYLOR, 2006, apud LARAIA, 2006, p.25)

Apesar de contribuir sobremaneira na definição da palavra, Tylor não é um autor muito utilizado, pois

acreditava na evolução progressiva da cultura, sendo adepto da escola evolucionista. Esta escola acreditava que

as sociedades primitivas deveriam se desenvolver até chegarem às sociedades de cultura mais avançada.

Propunham, assim, que haveria uma hierarquia cultural, distinguindo culturas superiores e inferiores.

Este pensamento hierarquizante dará origem ao que conhecemos como etnocentrismo, que, para ROCHA

(1994, p. 7), pode ser definido como

Uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros

são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é

existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensar a diferença; no plano

afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc.

Compreendido como desejo de preservação da cultura do próprio grupo em detrimento das culturas alheias, o

etnocentrismo propõe a dominação de civilizações menos desenvolvidas por civilizações mais desenvolvidas.

Essa dominação acontece no âmbito cultural, que abarca todas as esferas da vida humana, como economia,

hábitos cotidianos, gostos, organizações institucionais e valores.

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A visão etnocêntrica julga. Isso significa que, para os que adotam tais posturas, existe o certo e o errado e estes

valores devem ser iguais para todos, em todas as sociedades. O diferente é visto como engraçado, ou pior,

absurdo, anormal, incompreensível.

A imposição de valores comuns à todas as sociedades e a crença na superioridade hierárquica de alguns grupos

sociais sobre outros possui consequências nefastas: intolerância, preconceitos, agressividade, hostilidades.

O etnocentrismo ainda não está totalmente sepultado no pensamento e nas práticas sociais e políticas, todavia

vem sendo paulatinamente substituído pela visão relativista.

Franz Boas, conhecido como pai da etnografia, o método de estudo mais utilizado pela antropologia, que inclui a

observação direta, deu um novo significado ao conceito de cultura. De acordo com Canedo (2009, p. 4)

Em seus estudos, Boas concluiu que a diferença fundamental entre os grupos humanos era de ordem

cultural e não racial ou determinada pelo ambiente físico. Sendo assim, defendia que, ao estudar os

costumes particulares de uma determinada comunidade, o pesquisador deveria buscar explicações

no contexto cultural e na reconstrução da origem e da história daquela comunidade. Decorre dessa

constatação o reconhecimento da existência de culturas, no plural, e não de uma cultura universal.

Com essa nova definição, outras possibilidades para enxergarmos o diferente foram surgindo. Compreendeu-se

que cada grupo social busca suas próprias formas de relacionar-se com a natureza e suprir suas necessidades

materiais e psicológicas, gerando culturas distintas.

A partir do relativismo cultural, o comportamento humano passou a ser entendido como naturalmente plural,

diverso, com características peculiares que diferem umas culturas das outras, sem jamais hierarquiza-las.

A partir da instituição do relativismo cultural, tornou-se possível estudar as diferentes culturas sem julgamentos,

não utilizando a sociedade ocidental como parâmetro.

Assim, para o relativismo cultural:

as sociedades são diversas, não superiores umas das outras;

não devemos julgar culturas diferentes tomando como “régua” a cultura na qual estamos inseridos;

a característica maior da humanidade é a sua capacidade de se organizar de formas distintas para satisfazer as

necessidades básicas.

A relativização cultural auxilia-nos na compreensão de culturas, sem o desejo de compará-las e jamais

objetivando a dominação. Para Rocha (1994, p. 20)

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Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de posição: estamos relativizando.

Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, mas no contexto em que

acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não

nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação

capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Ver as coisas do mundo

como a relação entre elas. Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar

é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores, ou em bem ou mal, mas vê-

la em sua dimensão de riqueza por ser diferença.

A cultura é entendida como um conjunto de características comportamentais adquiridas, que moldam o

comportamento do ser humano. Para (Strey, 2002, p. 58) “O homem é também um animal, mas um animal que

difere dos outros por ser cultural. Quando tem contato com símbolos como a linguagem, o indivíduo torna-se

ativo na produção e reprodução cultural.

Segundo Ramos (2003, p. 265), “as culturas penetram o indivíduo [...] da mesma forma que as instituições sociais

determinam estruturas psicológicas [...]. Desta forma, é imprescindível a compreensão da sociedade e do seu

produto cultural, na qual o indivíduo está inserido para melhor atuação do profissional da Psicologia.

Figura 2 - As especificidades de cada cultura


Fonte: Vinicius Tupinamba, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: A figura mostra o Partido De Yemanja, que marca a cultura Afro-Afro-Brasileira. Não é possível

classificar a cultura como mais ou menos evoluída. As culturas são distintas e devem ser respeitadas como tal.

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3 Socialização e Integração da Identidade Humana
O processo de socialização é continuo durante toda a nossa vida. A formação do indivíduo tem início no

nascimento, porém não tem fim na vida adulta. Nenhum de nós nasce conhecendo a cultura em que viverá, assim

todo o processo de como ser em sociedade é um aprendizado. Assim, chamamos de socialização o processo de

aprendizado pelo qual os indivíduos passam ao longo da vida para aprender a viver em sociedade.

No processo de socialização os indivíduos se moldam mutuamente. A coletividade é, assim, fundamental. Mas, se

somos formados pela sociedade, qual é a autonomia do indivíduo durante esse processo? Não há consenso sobre

o tema entre os sociólogos.

Fique de olho

Você sabia que o psicólogo pode ter um papel


importante dentro de uma instituição escolar? Além
de auxiliar os discentes a escolherem profissões,
lidarem com problemas pessoais e familiares, o
psicólogo pode ainda trabalhar como
psicopedagogo, contribuindo, a partir do seu
conhecimento sobre o processo de ensino-
aprendizagem para uma escola mais eficaz e
dinâmica.

Dentre os autores clássicos que trabalharam o tema, Durkheim destaca-se por acreditar na supremacia da

sociedade sob características individuais. Para este autor, a autonomia individual é paulatinamente substituída

pela cultura social. Assim, sentimentos instintivos deixam de ser naturalmente regulados e são domados pelas

regras sociais.

Segundo Durkheim (2010), o processo coercitivo de inculcação das regras sociais, que tem início nas famílias, é

refinado com a educação normativa e moralizadora da escola, que busca unir indivíduo e sociedade e exerceria

influência sobre a personalidade individual, especialmente.

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Por fim, é preciso entender que, para Durkhiem (2010), o bom processo de socialização, apesar de ser

coercitivo, não é sentido como tal. O indivíduo internaliza as normas e regras sociais de tal maneira que não

sente a pressão que essas exercem sobre suas atitudes sociais. Dessa forma, para o autor, o processo de

construção da identidade individual ou coletiva é subordinado à cultura preexistente, compreendida aqui como

um conjunto de normas e regras sociais que ditam o comportamento.

O impacto das mudanças que advém com a modernidade transforma a vida cotidiana, não apenas no mundo do

trabalho. A emergência de uma nova cultura implicou na maior circulação social e no contato constante de

indivíduos e grupos sociais com diversidades culturais.

A sociologia moderna, por sua vez, encontra-se dividida entre autores que acreditam na existência de uma

individualidade inata ao ser e os que atribuem todos os comportamentos humanos a condicionantes sociais. As

estruturas sociais, como estruturantes da sociedade e, portanto, das relações dela advindas, ganham destaque

nos estudos sobre a formação do caráter individual.

A sociologia de Pierre Bourdieu traz, desta forma, uma nova essência para o processo de socialização, ao cunhar

o conceito de habitus. Segundo Bourdieu (1980, p.88)

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem

habitus, sistemas de disposição duradouros e transponíveis, estruturas estruturadas dispostas a

funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de

práticas e representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a

visada consciente de fins e o controle expresso das operações necessárias para atingí-los,

objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’, sem ser em nada o produto da obediência a regras e sendo

tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro.

Assim, o habitus determina nossas ações individuais e coletivas, porém ele é anterior a nós mesmos, sendo

adquirido no convívio social através do processo de socialização. Isso significa que, para Bourdieu, o indivíduo

não possui autonomia perante os condicionantes sociais, tanto que a palavra indivíduo não é utilizada em sua

obra, sendo substituída por agente.

O conceito de indivíduo em psicologia pressupõe que haja liberdade individual e livre arbítrio, duas coisas

incabíveis na teoria de Bourdieu, uma vez que as pessoas são frutos de relações sociais e não são capazes de

realizarem escolhas fora do seu habitus, seja esse primário, secundário, terciário etc. Para o autor, estamos

presos às estruturas sociais que não nos permitem pensar muito além delas mesmas. É como se vivêssemos em

círculos, reproduzindo as formas de ver, ser, sentir, há avanços, mas eles são tão pequenos que dificilmente são

percebidos durante séculos. Essa é uma das maiores críticas ao Bourdieu, pois ele despreza o inconsciente

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individual, o ser psicológico. Para ele somos produtos sociais e até a nossa psique é dada devido ao contexto

vivido. Ele tira, portanto, do que chamamos de indivíduo, qualquer possibilidade de individualidade.

Por sua vez, Anthony Giddens flexibiliza a rigidez da teoria do Bourdieu e propõe que o indivíduo possui alguma

autonomia, porém sempre amparado pelas estruturas sociais. Sua teoria, conhecida como Teoria da

Estruturação, propõe que a estrutura social é forte e bastante inflexível, porém os agentes são dotados de

criatividade e ação consciente perante os processos sociais.

Durante o processo de socialização, o indivíduo irá ser exposto a diversos grupos sociais e isso garantirá o

conhecimento de distintas e significativas visões dos objetos e situações que nos deparamos no dia a dia,

garantindo uma nova explicação ao contexto social.

Giddens (1989) afirma que o processo de socialização se dá em duas etapas apenas:

• Socialização Primária

Ocorrida na infância e quando o indivíduo é exposto à cultura familiar e comum ao grupo em que vive. É
o período de maior aprendizado, pois há o descobrimento da linguagem e o comportamento começa a
ser moldado pelo convívio familiar.

• Socialização Secundária

O segundo período, ocorreria no início da vida adulta, quando outros grupos passam a exercer grande
influência sobre o sujeito. Escola, amigos, trabalho trazem novos valores, normas e crenças, que possuem
a capacidade de transformar alguns juízos do indivíduo.

Para os teóricos da psicologia, é preciso acrescentar ao processo de socialização uma terceira etapa, a velhice

(SAVOIA, 1989). Conhecida como socialização terciária, ocorre em uma fase da vida em que o indivíduo vê suas

atividades sociais reduzidas e seu círculo de convívio restritas, afinal deixa de pertencer a alguns grupos sociais,

como o do trabalho. Esse processo de afastamento social, denominado dessocialização, impele o indivíduo a

novos processos de aprendizagens sociais, com o objetivo de superar as barreiras da velhice. Há, então, uma

ressocialização. Isso pode ocorrer de diversas maneiras, como na participação de atividades comunitárias, a

formação de novos círculos sociais, a entrada do idoso em alguma instituição.

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Figura 3 - Idosos se exercitando
Fonte: belushi, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: Grupo de idosas felizes praticando juntas atividades físicas, demonstrando a socialização

terciária. Idosos necessitam passar por um terceiro processo de socialização, que pode incluir a participação em

grupos comunitários, clubes, academias, parques.

Savoia (1989) afirma ainda que é preciso considerar o papel da mídia como agente socializante. Assim, três

grupos são influentes no processo de socialização: família, escola e mídia. O papel da mídia é subestimado por

não haver contato direto e relação didático-pedagógica entre indivíduo e televisão ou computador. Todavia,

diante das inúmeras inovações na área da tecnologia, é inegável que esses meios contribuam de diferentes

formas no processo de socialização de cada um de nós, mesmo que a relação seja impessoal e indireta.

Você deve estar se perguntando: qual é, então, a influência social sob a formação individual? Sem dúvida, na

Sociologia, há o predomínio do social sobre o individual, que inclui qualquer característica inata ou genética.

Porém, na Psicologia Social a visão é distinta. Admite-se a influência do social, porém o caráter individual é

bastante considerado.

Sendo assim, o indivíduo é compreendido como fruto da sua realidade social, porém não estão condenados a

serem o que a realidade propôs. O processo de socialização existe e é realizado em coletividade, porém o

indivíduo como sujeito é ativo nesse processo, podendo ou não absorver normas, valores e qualquer influência

que lhe é passada.

Assim, considera-se que há uma enorme influência do mundo social na formação da nossa identidade, todavia há

a liberdade individual durante todo o processo. Essa individualidade é garantida pela identidade do sujeito,

que determina valores, orientação sexual, crenças, objetivos, sonhos, entre outras coisas.

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4 A Identidade do Sujeito
Se hoje você fosse indagado sobre a sua identidade, o que responderia? Provavelmente você se definiria pela

sua profissão, ocupação ou pelo local que você nasceu, pelo signo, pelas características físicas, até pelo

sobrenome. As definições que damos de nós mesmos são representações sociais, como nos vemos e pensamos

dentro do mundo em que vivemos. Isso significa que formamos uma imagem de nós mesmos. Você saberia dizer

como se dá esse processo de autoconhecimento?

O conceito de identidade individual é produto da modernidade. Não obstante a palavra indivíduo ter surgido

com Cícero (105-43 a.C.), e significar átomo em latim, as sociedades antigas pouco distinguiam o ser da sua

comunidade.

A partir da criação do indivíduo, o conceito de identidade ganha força e na psicologia ele torna-se fundamental

no desenvolvimentos das mais diversas correntes teóricas. Segundo Sawaia (2006, p. 121) a identidade tem

“valor fundamental da modernidade e é tema recorrente nas análises dos problemas sociais”.

“Nenhum homem é uma ilha isolada”, poetizou John Donne (Meditações VII). Isso significa que somos todos em

relação a outros. Nossa existência, a imagem que faço de mim e como me defino depende da interpelação que

traço com os outros. O reconhecimento do outro se dá, em geral, inicialmente com a mãe. A mãe é o primeiro

“outro” que tomamos conhecimento e a partir daí vamos formando nossa identidade, através de inúmeras

experiências sociais.

A identidade não é algo estático. Ela está em constante mutação e o processo de socialização é responsável por

esse desenvolvimento. De acordo com Lane (2006, p. 22) “apenas quando formos capazes de [...] encontrar

razões históricas da nossa sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como o

fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos”.

Desta forma, entendemos que na medida em que questionamos e analisamos nosso papel social, ganhamos

consciência de nós mesmos e podemos mudar a identidade. A socialização é, assim, alicerce para a construção da

nossa identidade e essa construção individual se dá concomitantemente a construção do nosso ser social.

Segundo Sawaia (2006), essas construções não ocorrem sem sofrimento e dor. A adolescência é um período

emblemático para exemplificar tais transformações, pois as mudanças ocorridas são físicas, psicológicas e

sociais. Na adolescência, ao mesmo tempo que o indivíduo luta para garantir seus papeis sociais fora da família,

para ser aceito e ativo em grupos sociais, ele está construindo sua identidade individual e precisa ser diferente. É

uma fase de conflitos entre a padronização e a individualização. A superação destes conflitos ocorre quando o

indivíduo toma consciência de si e das relações com os outros.

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Dois conceitos devem ser apreendidos para que haja significação do sujeito: objetividade e subjetividade. A

objetivação da experiência humana está na criação da singularidade, ou seja, nos hábitos e tradições. A

subjetivação é garantida pela socialização, através da introjeção das instituições.

Por fim, podemos afirmar que a construção do indivíduo é social e determinada pelo ambiente no qual se vive,

pelas amizades, pelo que o indivíduo lê, ouve, pelas viagens que faz, pelo mundo que descobre e absorve.

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5 Status e Papel Social: Processos Sociais e sua Relação
com a Esfera Psíquica
Palavra bastante usada no cotidiano, status pode ter mais de um significado para as ciências que estudam o

comportamento humano e social. Já o conceito de papel social surge para explicar o local que a pessoa ocupa

dentro do status que possui na sociedade. São conceitos interdependentes. De acordo com Ollivier (2009, p.42)

Status é um conceito com vários significados, e muitos destes envolvem uma combinação de dois

elementos bem diferentes. No primeiro, status se refere à estima ou desprezo, deferência ou

depreciação concedida a indivíduos ou grupos percebidos como superiores ou inferiores. Nesse

sentido, se refere às avaliações positivas e negativas feitas pelas pessoas sobre as outras e é

sinônimo de prestígio. Como esse primeiro sentido para status diz respeito a um sentimento na

mente das pessoas, remete a um aspecto especificamente simbólico da desigualdade. No segundo,

status pode se referir também a posições na estrutura social, de um modo completamente

independente de avaliações individuais de superioridade e inferioridade. Tal como nas escalas

“puras” de status socioeconômico, por exemplo, construídas combinando uma série de atributos das

ocupações.

Status é simbólico e pode existir nas mais diferentes formas de organização social. No sistema capitalista, o

status está muito ligado ao local ocupado na hierarquia social, determinado pelo capital financeiro em grande

parte, porém não apenas. Em sociologia, a definição de status ligada ao capital financeiro, que é quem garante o

que conhecemos como pirâmide social.

O status pode ser do tipo atribuído, ou seja, ele é dado independente da ação individual. Dá-se normalmente no

nascimento e acompanha o indivíduo por toda sua vida. Não depende de mérito próprio. Ser irmão mais velho ou

filho de fulano não é nada que exija esforço ou ação individual, é sim condicionante garantido pela estrutura

social.

Há também o status adquirido, que pode ser entendido como aquele em que o indivíduo conquistou por ação

individual, envolvendo assim o conceito de mérito. Ser especialista em algo, professor doutor, criminoso são

exemplos. Esse status é, desta forma, móvel. Pode ser adquirido, modificado.

Cada um desses status implica em assumir determinados papeis sociais. Os papéis sociais implicam em ações

que os indivíduos devem exercer na sociedade, pela pressão que esta mesma imprime ao indivíduo. Dependendo

do seu status social, algumas ações não são esperadas ou aceitas.

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É fácil perceber essa ação de pressão da sociedade sobre o indivíduo. Espera-se que uma mãe cuide do seu filho,

da sua alimentação, ofereça cuidados de higiene, educação e amor. A mãe que opta por doar seu filho ou que não

consegue exercer esse papel de acordo com as convenções sociais, acaba julgada e, muitas vezes, sofre sanções

sociais aplicadas pelo grupo (desprezo da família, da sociedade como um todo, xingamentos e afins) e também

pode sofrer sanções disciplinares punitivas do sistema de justiça (o abandono de menores é crime).

Outros exemplos são: do médico, espera-se que goste de cuidar de pessoas e salvar vidas, do veterinário, espera-

se que ame animais, do professor de ensino fundamental, espera-se que goste de crianças e seja paciente. Alguns

papeis tornam-se, inclusive, regras sociais escritas.

Desta forma, explica-nos Martins (2010, p.43)como os papéis sociais são definidos pelo processo de

socialização:

O papel social é um dos resultados do processo de socialização primário e secundário que merece

observação e análise como realidade determinante dos padrões da sociedade e dos indivíduos que

dela fazem parte. Constituem a identidade coletiva e a identidade individual do ser humano.

Na psicologia social o status é entendido como prestígio que um indivíduo desfruta dentro de determinado

grupo. Esse prestigio varia de acordo com o grupo estudado, podendo o indivíduo ser muito prestigiado em

determinado ciclo social e não possuir nenhum prestigio em outros.

Figura 4 - Representação das curtidas do facebook ou instagram


Fonte: Prostock-studio, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: A foto mostra o braço de um homem classificando com estrelas algum serviço consumido. As

curtidas do facebook ou instagram são atualmente maneiras de medir popularidade e prestigio em diversos

grupos sociais e podem ser convertidas em outros tipos de capital, como acordos financeiros, patrocínios etc.

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Para a psicologia social, a maneira como o indivíduo se percebe socialmente é denominada status subjetivo. Já a

maneira como o indivíduo é percebido consensualmente pelo grupo é chamado de status social.

A discrepância entre status subjetivo e objetivo pode gerar complicações especialmente para o indivíduo. As

curtidas que levamos ou damos nas fotos de internet, por exemplo, podem vir a ser motivos de disputas

simbólicas: quem possui mais curtidas, portanto, mais popularidade, é mais bem aceito pelo grupo.

Os indivíduos passam a buscar um padrão de aceitação, que interfere no comportamento social. Essa busca dá-

se, pois os indivíduos acreditam que é preciso projetar uma imagem de popularidade, de sucesso pessoal,

profissional e social, com perfis em redes sociais que, longe de espelharem a realidade, apenas projetam a vida

desejada por aqueles que postam as fotos.

As consequências dessa hiperexposição e da busca por status podem ser muitas: insegurança, dependência,

depressão, mudança de padrões alimentares, baixa-autoestima.

É desta forma que a cultura dominante na sociedade contemporânea mais tem contribuído para o processo de

socialização do indivíduo, na fase da adolescência.

é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conhecer as noções e conceitos dos principais expoentes da sociologia sobre o processo de socialização e
a formação do indivíduo;
• compreender o conceito de cultura, etnocentrismo e relativismo cultural;
• aprender sobre a importância da cultura no processo de socialização e na formação do indivíduo;
• conhecer os conceitos de status e papel social e sua aplicabilidade.

Referências
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