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Resumo
Meu desejo neste artigo é pensar Ensino de Ciências que opere pela paixão e não pelo
enfraquecimento. Para isso penso em um currículo atravessado por linhas moleculares,
vívidas, que façam trincar as linhas molares do currículo. Neste texto converso com filósofos
como Nietzsche, Foucault, Deleuze, entre outros. Parecem muitos, mas esta é uma tarefa que
requer muitos intercessores, pois outras formas de pensar o ensino não partem de um lugar
qualquer. É preciso abalar, neste caso, as coerências sob qual o pensamento da representação
foi construído e sedimentado. Faço uma homenagem à vida pensando uma formação através
do movimento literário dialogando com os intercessores elencados. Pensar, finalmente, com
as palavras mesmas da biologia/ciências outros modos de pensar os conceitos, outros modos
de vida... Experiências... Nesta vida...
INTRODUÇÃO
[N]ossos mestres são aqueles que nos tocam com
uma novidade radical, aqueles que sabem inventar
uma técnica artística ou literária e encontrar as
maneiras de pensar que correspondem à nossa
modernidade, quer dizer, tanto às nossas
dificuldades, quanto a nossos entusiasmos difusos
[...](DELEUZE, 2006, p. 107).
Por muito tempo isso foi um consolo para mim. Meus solos firmes da dita consciência
me fizeram adquirir um compêndio de biologia geral para ministrar aulas de biologia na
Educação Básica. É o livro que abro atrás de alguma “premissa verdadeira” sempre que
alguma dúvida paira sobre o ciclo de Krebs e fotofosforilação cíclica, acíclica e por aí vai.
Não posso evitar consultá-lo. Não posso evitar tê-lo... Afinal os assuntos mencionados acima
compõem um currículo sedimentado, arborescente, que separa inteligentes (memorizadores)
de “você-sabe-quem”. O conceito é muito caro ao currículo de biologia, pois ele remonta todo
tipo de partição estrutural no estudo desde a célula aos órgãos; ou desde a raíz até o cume da
árvore (fragmentação cartesiana).
O conceito não só diz o que a coisa é, ele determina o modo pelo qual o currículo deve
ser organizado e aprendido. Lugar de racionalidade e seriedade. Pensamentos com imagens
bem definidas e demarcadas. Descartes (1973) ao “mecanizar” a existência deu o pontapé
inicial para que tudo e cada coisa tivesse um “significado” enquanto parte. Nada de
deformidades. Herança do “claro e distinto” cartesianismo. Estamos cheios de conceitos.
Quem dera fossemos vazios, que o nada nos preenchesse. Um nada em caberiam
nossos sonhos infinitos. Quem dera pudéssemos desinventar a universalidade, a objetividade e
a verdade dos conceitos biológicos. Mas a paralisia toma conta e suspeitar não é o forte de
quem tem na certeza sua segurança. A biologia não é o lugar da dúvida. Como discutir sexo,
sexualidade, gênero dentro de conceitos tão amarrados dentro da biologia?
Anormalidade/defeito/erro...Como pensar a biologia fora das “caixinhas” do deletério?
O que você espera dessa disciplina?1
- Espero aprender mais um pouco!
- Espero aprender como dar uma aula melhor!
- Espero aprender coisas novas!
Um ensino se faz de muitas formas, muito embora o “aprender” seja supostamente o
alvo de toda metodologia, afinal ninguém quer sair da sala de aula mais vazio do que entrou.
Mas, alguém arriscaria desaprender? Alguém arriscaria ensinar o que não se sabe como o
mestre ignorante de Ranciere (2002)? É possível aspirar um ensino de ciências que supere os
preceitos já sacramentados pela representação que reduzem o raio de ação da própria vida?
São muitas perguntas para as quais não tenho uma resposta definida, mas penso nelas como
quem pensa a criação como possibilidade para a vida ao contrário de um viver baseado em
prescrições já dadas, que fazem declinar nossos desejos em prol de uma captura autorizada
por nós. Por sorte, depois de muitas idas e vindas com a ajuda de Corazza (2012, p. 3) posso
pensar que,
não há currículo que produza só invariantes. Não há um, que se repita, sem o
fazer diferentemente. Não há currículo que, nas bordas das individuações,
não se dedique aos anômalos nem deixe de se opor às normalidades. Não há
um, que não fissure os padrões, reconhecimentos, recognições. Não há
currículo que imagine e acate só identidades majoritárias.
1
Sobre a disciplina metodologia do ensino de ciências e biologia ministrada para turmas de Ciências Biológicas
na UFPA.
Por sorte (ou azar) da norma, o currículo também é molecular, opera fora da moral
reprodutiva e se exercita livremente. É nômade. Passeia por entre identidades fixas,
desterritorializando-as (DELEUZE; PARNET, 1998). Cria fissuras/fendas nos currículos
utilitários, cuja produção canônica, tatuada pelas diretrizes, tem no molar a instância maior no
qual as relações se atualizam e se integram, tornando o currículo útil e reprodutivo o lugar a
que a vida deve ser atrelada, ao mesmo tempo em que reinam as prescrições para a vida.
Minha pretensão então neste artigo é pensar um Ensino de Ciências, que opere pela
paixão e não pelo enfraquecimento. Neste texto converso com filósofos da chamada filosofia
da diferença como Nietzsche, Foucault, Deleuze, entre outros. Esta é uma tarefa que requer
muitos intercessores, pois outras formas de pensar o ensino não partem de um lugar qualquer.
É preciso abalar, neste caso, as coerências sob qual o pensamento da representação foi
construído e a “diferença faz implodir o mundo da representação que permanece sempre, no
fundo, a dualidade de um sujeito vendo e de uma coisa vista, de uma consciência e de um
objeto” (LINS, 2013, p.139)
A representação é muito cara às ciências, pois o objeto estudado seria sempre o
espelhamento de uma suposta realidade. Significante – significado. Sujeito –objeto. “A
representação é antes, careta, gramatical demais, tantas vezes refém do pensamento
autorizado, do pensamento que não machuca ninguém” (LINS, 2013, p. 24).
Aliás, pensar aqui já seria muita coisa, pois como afirma Deleuze (2018) o ato de
pensar precisar ser gerado, provocado no pensamento quando ele é violentado. Só assim ele
pode devir-criação, porque pensar do ponto de vista da potência é criar e isto nunca se dá de
forma espontânea senão pelas forças que nos atravessam. Mas o que é criar? Para Nietzsche
(2008, p.521) é “vontade de vir-a-ser, crescer, dar forma, isto é, criar e, no criar, está incluído
o destruir”. E destruir não quer dizer eliminar, mas desmontar nossas certezas para logo em
seguida criar, pois “não há vida sem criação” (DIAS, 2011, p.66). Assim “contemos [...] com
a contingência de um encontro com aquilo que força a pensar” para que enfim possamos
desfamiliarizar daquilo que foi pensado como efetivamente certo e definitivo para o currículo
de ciências.
Nosso pensamento capturado se tornou preguiçoso ao ponto de que a ciência falar por
nós já é um alívio. É um alívio poder dizer: “eu aprendi assim” ou “se é científico está
provado”. Pensar, questionar não é nosso forte, daí nossa preferência pelas estatísticas, pelo já
dito e “provado”. Entramos na sala de aula com um repertório pronto, decorado, sem sombra
de dúvida. Entre a nossa insistência num “como deveria ser” e o que temos, será que
conseguimos apreender esse meio onde a coisa se passa, enquanto ela se passa?
A ideia é ensaiar outras maneiras de olhar o currículo. Assim aponto para a
necessidade de problematizar o currículo centrado na representação do já dado
desacostumando o olhar já naturalizado, procurando ver outras paisagens com os conceitos
que biologia apresenta, modificando o plano de existência.
2
Provérbio latino que significa “rindo castiga os costumes” Disponível em:
https://dicionario.priberam.org/ridendo%20castigat%20mores.
CORPO: Devia se chamar coto. Sempre recortado. Nunca se é um corpo.
ESFREGAÇO: Coisa que não se deve fazer em público segundo os moralistas.
ESPERMATOZÓIDE: Nem todos serão gente. Evita-se a todo custo sua entrada.
FLOR: Só se for bonita. Em mulheres não se deve bater nem com a pétala de uma flor.
FOLHA: No outono pertencem ao chão.
FOTOFOSFORILAÇÃO: Da nobreza. Buscar conquistá-la, mas afirmar sempre que não se
pediu.
GÊNERO: Tem o literário, o cinematográfico, o psicológico, o antológico, etc.
INQUILINISMO: Arte de ser inquilino. Cuidado! Nem sempre se paga o aluguel em dia.
INTESTINO: Sempre problemático. Deve –se evitar misturar vários tipos de comida fora de
casa.
LABORATÓRIO: Lugar de invencionices.
MEIO AMBIENTE: Lugar de apreciar miudezas.
MICROSCÓPIO: Serve para descrever o modo como nos enxergamos. (Ver telescópio)
ÓVULO: Tipo de ovo não comestível.
PELE: É bom ter. Em casos de lugares frios ter um pouco mais ajuda.
RAÇA: Todo homem é uma raça, já dizia Mia couto.
SEXUALIDADE: Incomodo da sociedade.
TELESCÓPIO: Serve para descrever o modo como enxergamos os outros. (Ver microscópio)
VÁRZEA: Recomendo usar botas no período alagado. Muito cuidado com os espinhos de
algumas palmeiras.
VIDA: Sempre adiada. Na biologia está quase sempre ausente, mas “isso não impede que eu
repita: é bonita, é bonita e é bonita...” (GONZAGUINHA, 1982).
REFERÊNCIAS
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